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Renato Marcelo Teixeira de Menezes
Big Brother Brasil: fabricação do cotidiano
Marília
2005
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Renato Marcelo Teixeira de Menezes
Big Brother Brasil: fabricação do cotidiano
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Comunicação, Educação e Turismo da Universidade de
Marília, para obtenção do Título de Mestre em
Comunicação, área de concentração “Mídia e Cultura”
Orientadora: Professora Doutora Maria Cecília Guirado
Marília
2005
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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE DO
ALUNO Renato Marcelo Teixeira de Menezes
BANCA EXANIMADORA
Professora Doutora Maria Cecília Guirado
Julgamento: ____________________ Assinatura ___________________
Professora Doutora Linda Bulik
Julgamento: ____________________ Assinatura ___________________
Professor Doutor César Augusto Carvalho
Julgamento: ____________________ Assinatura ___________________
Marília, _____ de __________________ de 2005
“Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta.
Finalmente lograra a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande
Irmão” (ORWELL, 2003: 277).
Àqueles que ainda desconhecem a
real importância do conhecimento.
Agradeço a minha orientadora, Professora
Doutora Maria Cecília Guirado, por tda
dedicação; aos meus pais, pelo apoio; a
Andresa Nogueira Amaral, pela
compreensão; e ao professor e amigo
Roberto Reis de Oliveira, por todo o
incentivo.
Sumário
Resumo...........................................................................................................................................01
Abstract...........................................................................................................................................02
Introdução.......................................................................................................................................05
1. Banalização e grotesco...............................................................................................................15
1.1. Surgimento do grotesco na mídia................................................................................15
1.2. A exploração da sexualidade.......................................................................................28
1.3. Apresentação do Big Brother Brasil............................................................................35
2. Processo de criação e edição......................................................................................................53
2.1. As “personagens”.........................................................................................................57
2.2. Aspectos da elaboração................................................................................................61
2.2.1. Edição............................................................................................................61
2.2.2. Confessionário..............................................................................................70
2.2.3. Jogos de tensão e relaxamento......................................................................75
2.2.4. Publicidade....................................................................................................81
2.3. Construção do BBB: recursos de montagem................................................................88
3. Entre o real e o imaginário.........................................................................................................93
3.1. O espaço simulado no BBB..........................................................................................93
3.2. Configuração do falso cotidiano..................................................................................99
3.3. O poder de fascinação................................................................................................108
Considerações finais....................................................................................................................118
Bibliografia...................................................................................................................................125
Resumo
O programa Big Brother Brasil é um produto midiático resultante da evolução dos reality
shows como investimento para ampliar os índices de audiência. Por meio da simulação do
cotidiano, constituindo uma representação com apelos para a estética do grotesco e para a
banalização da sexualidade, o BBB usa elementos reais dentro da ficção para exercer um
fascínio sobre o público
Foi, portanto, investindo na tentativa de criar um cotidiano que imitasse o real que o
programa conquistou sua audiência. Consagrou-se como sucesso absoluto na televisão
brasileira. Criou uma identificação com o público com a utilização do banal
Palavras-chaves: simulação, grotesco, banalização na mídia, reality show
Abstract
The program Big Brother Brazil is a media product resulting from the evolution of the
reality shows as investment to enlarge the audience indexes. Trough the simulation of the
daily, constituting a representation with appeals for the aesthetics of the grotesque and for
the vulgarization of the sexuality, BBB uses real elements inside of the fiction to exercise a
fascination on the public.
It was, therefore, investing in attempt to create a daily one that it imitated the real that the
program conquered its hearing. It was devoted as absolute success in the Brazilian
television. It created an identification with the public with the use of the banal one
Key-words: simulation, grotesque, vulgarization in the media, reality show.
Introdução
1. A evolução dos reality shows
Os reality shows surgem para inovar no campo da produção e da audiência. Embora
existentes em outros países, esse gênero tomou forma, recentemente, por meio de
produções de diferentes redes de televisão. Apesar disso, o surgimento desses programas
não ocorreu de maneira repentina e surpreendente, como poderiam defender as análises do
senso comum. Há uma evolução contínua e estudada para que se elaborassem determinados
produtos midiáticos que hoje adentram os lares.
No Brasil, o primeiro passo - no sentido de proporcionar uma interação entre
emissor e receptor, criando uma audiência ativa não apenas por meio da cumplicidade, mas
principalmente pela participação popular explícita - foi o Você Decide, que estreou na
Rede Globo de Televisão, em abril de 1992, e saiu do ar em agosto de 2000.
O telespectador tinha a oportunidade de “interferir” no final de uma pequena
história encenada por atores da emissora. Utilizando-se de polêmicas clássicas, o programa
exibia algumas situações cotidianas nas quais o telespectador “decidia” o final do programa
pela votação expressa por telefonemas gratuitos. Assim, tem-se em 1992 o princípio da
chamada interatividade. Mas, a que ponto o telespectador realmente mudava o rumo da
história?
Por ser necessário atrair a atenção popular, Você Decide era palco de um
aglomerado de clichês, estereótipos e preconceitos. Os episódios apresentavam histórias
montadas, na maioria das vezes, de modo que houvesse uma tendência óbvia para uma
determinada opção ou escolha com apelos morais. Havia posicionamentos que tendiam para
o óbvio e desprezavam o confronto de idéias ou de diferentes pontos de vistas.
A proposta de interação caía por terra em virtude da manipulação feita pela
produção, que em nenhum momento permitia interferência total do telespectador. Na
verdade, havia apenas a possibilidade de se escolher entre duas situações idealizadas e
determinadas pela produção. O telespectador não decidia, mas optava entre dois extremos
pré-estabelecidos: sim ou não. Dessa forma, não havia margem para um “talvez” nem ao
menos para modificar o rumo da história. Os possíveis finais já estavam decididos.
Tratava-se de uma falsa interatividade, isto é, uma manobra que reduzia a
interferência do telespectador. Este é, na verdade, o ponto comum entre os reality shows e o
programa Você Decide. Esta ponte é relevante porque foi a partir da produção de Você
Decide que a Rede Globo começou a investir nessa interatividade fragmentada e
tendenciosa.
Resultado: atores e repórteres eram encarregados de organizar a mobilização
popular que se reunia nas praças para o espetáculo e se empurrava diante das câmeras
tentando aparecer na TV. Não importava o roteiro, nem ao menos o final dele. Aliás, não
importava saber, sequer, do que trata o programa ou qual o seu objetivo, mas importava e
muito, aparecer na TV dando um depoimento, fosse ele qual fosse.
Após a exibição de 323 episódios Você Decide tornou-se ultrapassado, com
histórias apelativas, misticismo banal e crenças populares. Na seqüência desse gênero,
ainda no ano de 2000, surge o reality show No limite, que não ia além de uma adaptação de
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um programa americano. Com essa nova safra, a Rede Globo adquire direito de reformular
o programa, adptando No limite aos moldes do gosto popular para veiculação no Brasil.
A novidade era a participação de pessoas comuns e não de artistas. Um grupo de
pessoas com idade, raça, credo e sexo diferentes eram levados a um acampamento florestal
com pouquíssima infra-estrutura, com um único objetivo: sobreviver aos perigos,
limitações do local e conviver bem com os demais integrantes do grupo para que não fosse
eliminado da competição.
Mais uma vez, muda-se a estrutura de produção, mas o formato é o mesmo:
promover a mobilização da população, que participa indiretamente por meio de opiniões
colhidas pela emissora livremente nas ruas; da presença dos participantes eliminados pelo
grupo e de suas respectivas famílias. Entra em cena um outro fator importantíssimo: o
dinheiro. O prêmio oferecido pela emissora era de 500 mil reais para o vencedor.
O fato de No limite ser encenado por pessoas comuns traz mais uma característica:
transformar cidadãos em celebridades. Não se trata mais de simplesmente aparecer em uma
entrevista emitindo uma determinada opinião, mas de ser reconhecido publicamente, dar
autógrafos, receber convites de várias emissoras e revistas eróticas, ou seja, aparecer na
mídia.
Embora a participação efetiva seja muito mais limitada, as possibilidades de
emprego e dinheiro fácil são muito mais tentadoras. As pessoas tornam-se celebridades não
por possuírem algum talento artístico, mas apenas pelo destaque que recebem no programa
No limite. Não importa sequer o resultado da competição. Ganhando ou perdendo, o
prestígio aparece.
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A resposta do Sistema Brasileiro de Telecomunicações - SBT, emissora concorrente
da Rede Globo, foi a exibição de Casa dos Artistas, que entrou no ar em meados de 2001 e
teve quatro edições. Um grupo de artistas, a maioria deles em decadência, ou simplesmente
desconhecidos do grande público, era trancado dentro de uma casa com luxo e conforto,
onde tinham que aprender a conviver pacificamente. O programa foi ao ar depois que Sílvio
Santos tentou comprar os direitos do similar holandês Big Brother, que mais tarde seria
comprado pela Globo, mas desistiu, optando por formular o seu próprio reality show com
algumas diferenciações. Dentre elas, os participantes eram artistas.
Dois integrantes, sendo um escolhido pelo grupo e outro pelo público através do
telefone, eram novamente colocados em votação para eliminação. Dessa vez apenas os
telespectadores tinham o poder de participar, novamente por meio do telefone. Sílvio
Santos, dono do SBT, atendia aos telespectadores de todo o país.
Novamente, a participação popular transforma-se em espetáculo, por meio de
pequenos espaços na televisão para mandar recados e abraços para familiares, amigos e até
para Sílvio Santos, independentemente do voto. A interatividade avança?
Todos os telespectadores eram resumidos a apenas 20 telefonemas. É improvável
que 20 pessoas possam representar a opinião de milhares que tentaram, mas, por motivos
técnicos, não conseguiram participar ou ainda, daquelas que não se prestam a essa tarefa de
manifestar seu voto publicamente, mas que nem por isso deixam de ter opinião.
Embora as pessoas que participaram da Casa já fossem artistas, essa era a
oportunidade de ressurgir nadia para gravar um disco, fazer uma novela ou quem sabe,
receber convite para apresentar outros programas. De certa forma, o prêmio em dinheiro
8
pode se tornar insignificante se comparado ao prestígio e à fama que esses programas
podem oferecer. A ilusão dos 15 minutos, conforme diz o bordão atribuído a Andy Warhol
No decorrer das edições de Casa dos Artistas, novas mudanças em suas regras e
proposta de participação ocorreram. na última edição (4), os participantes eram jovens
que sonhavam em ser atrizes e atores, competiam entre si, além de participar de provas e
aulas de interpretação. Além disso, a participação popular passou a ser mais abrangente e
contava com votos por telefone, Internet e mensagens via celular. A interatividade ganhava
força, mesmo que continuasse falsa ou simulada.
Casa dos Artistas foi motivo de uma intensa briga judicial entre Globo e SBT. A
emissora de Sílvio Santos foi processada pela Globo sob acusação de plágio. Casa dos
Artistas seria, segundo a Globo, uma cópia do programa holandês Big Brother, do qual a
Globo possui os direitos. Apesar de chegar a sair do ar em alguns dias, a Casa retornou e
continuou sendo exibida.
Embora Casa dos Artistas não seja objeto desta pesquisa, assim como também não
são os demais programas citados, consideramos que estabelecer essa breve linha
evolutiva dos reality shows na programação brasileira, seja coerente para compreender
como o formato de Big Brother Brasil BBB – ganhou peso na mídia.
Foi exatamente em virtude dessa disputa acirrada pela audiência que a Rede Globo
produziu em 2002 o Big Brother Brasil. A onda de programas do gênero se espalhou,
criando outros descendentes nas duas emissoras, mas BBB l foi o principal produto
desenvolvido especialmente para derrubar a audiência de Casa dos Artistas.
2. Sobre o Big Brother Brasil
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O criador do programa Big Brother foi o holandês John de Mol. A sua produtora
Endemol vendeu os direitos do programa para a Rede Globo, essa, por sua vez, criou a
versão brasileira do reality show. Além do Brasil, Estados Unidos e países da Europa
também exibiram o programa em versões adaptadas às culturas locais.
Objeto de nossa pesquisa, o programa Big Brother Brasil, da TV aberta Rede
Globo, era exibido diariamente, por volta das 22 horas. A duração não era a mesma em
todos os episódios, pois dependia das atividades propostas aos participantes, pelos
organizadores, em cada dia da semana, o que fez com que determinados episódios fossem
mais extensos que outros.
Doze pessoas desconhecidas do público e entre si foram trancafiadas numa casa
luxuosa cercada de câmeras, 24 horas por dia, em todos os lugares, inclusive banheiros.
Uma vez dentro da casa, essas pessoas tinham que se conhecer e conviver com as
diferenças, além de repartir os afazeres domésticos, atividades propostas pelos produtores,
comida, cigarros e até bebidas alcoólicas.
A exemplo do que George Orwell propôs em 1984, os participantes eram vigiados o
tempo todo pelas câmeras, questionados sobre suas atitudes e comentários. O apresentador
Pedro Bial, jornalista e apresentador da emissora, fez o papel do “Grande Irmão”,
respeitado e admirado por todos os participantes. Alguns declaravam, em público, o desejo
de conhecê-lo pessoalmente ao serem eliminados do programa.
É interessante essa comparação pelo fato de ela ser aplicável durante toda a
realização do programa. As “teletelas” citadas na obra de Orwell estão presentes na forma
de câmeras e o “Grande Irmão”, representado por Bial, está a todo momento questionando
as atitudes e palavras dos participantes. Estes por sua vez, prestam esclarecimentos dos
fatos e diálogos ocorridos durante o dia.
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Qualquer palavra, mesmo quando sussurrada pode ser detectada e até mesmo
interpretada, no caso da utilização de gírias, apelidos, metáforas e até gestos. Não bastando
isso, a produção do programa monta uma legenda para melhor explicar a conversa dos
integrantes da casa, quando ela não está clara: táticas de codificação que elevam o interesse
da audiência.
Os participantes realizam provas em equipes para garantir comida e escolher
determinado líder. Este terá a “difícil missão” de indicar um dos 12 para ir ao “paredão”,
isto é, ser votado juntamente com outro integrante escolhido por voto pelo restante do
grupo, para sair ou permanecer no programa. Aquele que obtiver o maior número de votos,
são somados por telefonemas ou por votação via Internet, é eliminado do programa.
A escolha dos participantes que disputam para ficar no programa ganhou novas
regras com as últimas edições. Atualmente, além da prova do líder, também a prova do
“anjo”. Essa prova é disputada entre todos os participantes, por meio de alguma atividade a
ser determinada pela equipe de produção. Normalmente, são provas com exigências físicas
ou de raciocínio. Há também, algumas vezes, o critério da sorte, para definir o vencedor. O
vitorioso recebe o “colar da imunidade”. Tal colar deverá ser passado para outro
participante, com exceção do líder, de acordo com a escolha do ganhador da prova. Feito
isso, o restante do grupo escolherá a segunda pessoa para eliminar denominado de
“paredão” - e não poderá votar no líder nem naquele coroado com o privilégio da
imunidade.
Mais uma vez a participação popular restringi-se a duas situações imutáveis. Não
a possibilidade de, por exemplo, eliminar um terceiro participante que não foi votado pelo
líder ou pelos demais para ir ao “paredão” da semana. Mantém-se, assim, a estrutura falsa e
tendenciosa da participação popular no resultado do programa.
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O voto dos demais integrantes do grupo (exceto o do líder) para a escolha do
segundo nome a ser votado é secreto, ou melhor, secreto para os demais da casa, mas aberto
para milhões de telespectadores. Tal voto é emitido verbalmente acompanhado de uma
“breve justificativa” em um cômodo fechado e isolado acusticamente, chamado de
“confessionário”.
Toda semana são escolhidos um novo “líder” e um novo “anjo”, por meio de provas
elaboradas pela produção do programa, método que resulta na eliminação semanal de um
participante.
Além das cinco edições do Big Brother Brasil, existe a expectativa para a sexta,
que deverá entrar no ar em 2006, conforme anunciado pela emissora. A receita não deverá
ser muito diferente, pois o que se pretende é justamente destacar os conflitos entre os
participantes, provocar brigas e discussões referentes às provas e à convivência dentro da
casa e, principalmente, criar um cenário propício para o desenvolvimento de um ambiente
erotizado com corpos seminus e “namoros” debaixo do edredon que incluem até relações
sexuais como aconteceu no segundo BBB. Vale lembrar ainda que Pedro Bial, sempre que
possível, instiga aquilo que ele considera como “ a sensualidade na casa”.
A proposta do programa fica clara ao acessar a página do Big Brother Brasil na
Internet. questionário que deve ser respondido por quem deseja se inscrever. Perguntas
sobre o comportamento emocional, íntimo e até mesmo sobre o uso de drogas. também
perguntas sobre os melhores amigos e família da pessoa inscrita, o que demonstra toda a
preparação para o “espetáculo”. Amigos e parentes próximos dos possíveis eliminados
formam torcidas organizadas do lado de fora da casa, onde os participantes estão
enclausurados. Cria-se um clima de comoção, ao utilizar-se do sentimentalismo entre
participantes e seus mais íntimos entes queridos. Plim-plim! O ibope aumenta.
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3. Método de pesquisa
Dentro da trajetória traçada, pretendemos compreender a exploração do grotesco e a
banalização da sexualidade no produto midiático BBB , por meio da simulação de um
cotidiano montado na televisão com o intuito de fascinar o público que se deixa envolver
pelo fascínio entre a ficção e a realidade.
O acompanhamento do Big Brother Brasil foi realizado por meio de gravações do
programa, além de consultas a materiais documentais como publicações de revistas e
jornais e bibliográfica. A análise utiliza indícios de depoimentos daqueles que
participaram das cinco edições do programa, com o intuito de extrair dados sobre os
aspectos grotescos que adentram a simulação que caracteriza o BBB. Foram considerados,
entretanto, apenas a exibição nos horários regulares da TV aberta Rede Globo não
estendendo a pesquisa ao conteúdo da TV paga, no ar 24h.
Para o desenvolvimento deste trabalho, dividimos a pesquisa em três capítulos. No
primeiro, apresentamos considerações teóricas sobre o grotesco, seu surgimento como
categoria estética e a sua apropriação pelos produtos midiáticos, incluindo o reality show
Big Brother Brasil. Utilizamos os conceitos de Wilhelm Reich, que abordam a importância
da vida sexual para o indivíduo, com o intuito de levantar hipóteses e/ou evidenciar a
banalização da sexualidade na mídia, particularmente demonstrada pelas obscenidades
expostas no BBB. A própria descrição das “personagens” que participam dos “elencos”
esclarece, de certo modo, parte da estratégia para alcançar o grotesco e a banalização.
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O segundo capítulo trata da criação e edição do Big Brother Brasil, por meio de
recursos técnicos utilizados na elaboração do programa. Nessa etapa, procuramos
evidenciar as “representações”, feitas pelos participantes do programa, com o auxílio das
técnicas televisivas, na intenção de fixar determinados estereótipos. Utilizamos dados
coletados de uma entrevista, publicada pela revista Veja, com o criador do Big Brother
original o holandês John De Mol na qual ele explica o surgimento do programa e as
origens de suas idéias que resultaram na concepção do reality show mais popular do mundo
globalizado.
Finalmente, o terceiro capítulo traz as considerações sobre a utilização de elementos
reais na concepção de um produto de ficção. Para analisar esta simulação do cotidiano, com
apelos grotescos e uma super exposição da sexualidade banalizada, recorremos aos estudos
do francês Jean Baudrillard - que aborda a simulação em programas análogos ao BBB e
retomamos os conceitos iniciais do primeiro capítulo de seus seguidores brasileiros
Muniz Sodré e Raquel Paiva. Elaboramos, então, a hipótese de que o sucesso do Big
Brother Brasil estaria garantido por uma linha tênue, suspensa, entre o real e o imaginário.
14
1. Banalização e grotesco
1.1. Surgimento do grotesco na mídia
Dizer que o Big Brother Brasil reverencia o grotesco é rotular o programa sem
fornecer informações que possibilitem a demonstração dessa categoria estética. Por isso,
pretendemos traçar o percurso do grotesco, desde a sua manifestação em esculturas
italianas até a sua aparição na indústria cultural, de acordo com as considerações feitas por
Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002).
Tal estética surge na mídia de maneira gradativa, mas começou por ser identificada
em obras de arte italianas. É necessário enfatizar que, ao analisarmos a televisão e seu
conteúdo a partir da exploração do grotesco, não pretendemos atribuir os mesmos valores
artísticos aos programas televisivos. Defendemos a hipótese de uma vulgarização desses
valores por meio de formatos e conteúdos explorados pela mídia.
Enquanto a obra de arte busca originalidade a partir da imitação da natureza humana
(ARISTÓTELES, 1999), a programação midática explora recursos estéticos e os vulgariza
com propósitos de massificação que envolvem a produção de bens simbólicos. É
fundamental, portanto, ressaltar que a identificação do grotesco nos programas televisivos
não implica em atribuir classificação artística para esses conteúdos ou formatos que
ocupam espaços na grade geral das emissoras.
Para que a apropriação da estética do grotesco fosse concretizada pela mídia, foi
necessária uma constante evolução da produção de bens simbólicos com objetivo de
15
veicular uma dada formatação da chamada cultura para as massas. A produção em larga
escala desse conteúdo possibilitou agregar a esse material um valor econômico, uma vez
que, por meio do recurso da fixação, os produtos da mídia passaram a fazer parte do
cotidiano da sociedade (THOMPSON, 1998).
A televisão e o rádio foram os dois principais meios para que essas mudanças na
comunicação ocorressem. Jesús Martin Barbero considera que tanto a hegemonia da
televisão quanto a pluralização do rádio são responsáveis pelo desenvolvimento dos meios
e sua expansão que proporcionou maior alcance e penetração das mensagens, fortalecendo
o vínculo entre emissor e receptor (BARBERO, 2003). Dessa forma, uma vez estabelecido
que a televisão é um forte veículo de massa, e que, a partir dela, o poder de abrangência e
fixação dos meios ganhou mais força, levantamos a hipótese de que a estética do grotesco
entra na mídia e se adapta aos padrões e formatações desse veículo. Este processo tem o
intuito de simplificar os discursos, de modo a tornar as mensagens o mais simples possível,
para o entendimento imediato do maior número de pessoas.
A estética do grotesco é um caminho pelo qual a televisão promove uma
programação banalizada, com tendência a valorizar polêmicas e a dar ênfase a discursos
simplificados que têm como resultado programas do tipo reality show. Cabe, portanto,
dentro desta pesquisa, esclarecer como e quando surge o termo “grotesco”, até que este seja
considerado como categoria estética. Além disso, pretendemos expor de que maneira a
mídia faz uso dessa classificação para vulgarizar os critérios artísticos em benefício dos
produtos de massa.
Grotesco vem de gruta, porão e surgiu no fim do século XV, quando escavações em
lugares diversos da Itália revelaram ornamentos estranhos. Segundo Wolfgang Kayser
16
A ‘grotesca’, isto é, grotesco, e os vocábulos correspondentes em outras
línguas são empréstimos tomados do italiano. La grottesca e grottesco,
como derivações de grotta (gruta), foram palavras cunhadas para
designar determinada espécie de ornamentação encontrada em fins do
século XV, no decurso de escavações feitas primeiro em Roma e depois
em outras regiões da Itália (2003: 17).
Sodré e Paiva (2002), afirmam, que essas formas fascinaram os artistas da época.
Tal fascinação vinha, justamente, pelo estranhamento. Essas formas que passaram a ser
chamadas de grotescas, de acordo com os autores, percorreram a Europa do século XV e
eram encontradas em tetos, colunas, gravuras, além de outros espaços de decoração.
Em sua contínua evolução, o termo consta no dicionário de Richelet, no final do
século XVII como “aquilo que tem algo de agradavelmente ridículo”. o dicionário da
Academia Francesa, no mesmo período, define o adjetivo como “ridículo, bizarro,
extravagante” (apud SODRÉ & PAIVA, 2002: 30). Atualmente, o dicionário Aurélio
conceitua o grotesco como aquilo “que suscita riso ou escárnio; ridículo” (HOLANDA,
1994: 331). Aristóteles o define como “um defeito, embora ingênuo e sem dor; isso o prova
a máscara cômica, horrenda e desconforme, mas sem expressão de dor” (1999:42).
Ainda sobre o conceito de grotesco, Alberto Lins Caldas, em seu artigo, O grotesco
e o alegórico, publicado na interner, define-o como:
(...) a aberração, o escandaloso, as regressões, o exagerado, o estranho, o
esquisito, o equívoco, as infantilizações, o tumulto, o risível, o caótico da
substância (o grotesco é sempre considerado caricatamente por
componentes negativos) levando ao riso: o humor acompanha bem de
perto o grotesco construído alegoricamente: riso terrível mas ainda assim
riso, humor (CALDAS, 2002).
17
Ao afirmarmos que o grotesco surge com as manifestações artísticas, considerar
algo como belo ou feio em decorrência de sua classificação como grotesco, tornar-se-ia
uma rotulação, uma vez que a obra de arte possui elementos que se analisam de acordo com
a estética e o contexto de sua produção. Dessa forma, o grotesco embora busque o
estranhamento pelo ridículo – não se enquadra em belo ou feio. Caldas acrescenta que:
O grotesco foi transformado numa ‘arte das esdrúxulas combinações’, em
‘objetos combinados de maneira insólita ou fantasista’, em ‘aspecto anti-
natural composto de partes naturais’, fora do estético respeitável, indo
parar no cômico e no carnavalesco adestrados, exilado do bem dizer e
afiadamente desvendar (2002).
São, portanto, essas “esdrúxulas combinações”, a qual Caldas se refere, que, por
meio do estranhamento irão fascinar os contempladores pelo estranhamento. Do mesmo
modo, quando o grotesco passa a ser explorado em larga escala na mídia, também o
fascínio se dará pelo contato com o ridículo, com o exagerado.
É necessário, portanto, esclarecer que o grotesco, em sua essência é uma categoria
estética e refere-se à arte; muito embora, a sua manifestação possa ocorrer de forma
distorcida, vulgarizada e reduzida na mídia.
É exatamente nessa manifestação reducionista que procuramos posicionar nossa
investigação, uma vez que o objetivo deste trabalho consiste em identificar tais
manifestações em um produto da mídia, mais especificamente, da televisão.
Contudo, torna-se necessário conceituar o belo e o feio para que melhor se esclareça
o fato de que uma classificação estética o conta com tais valores. O belo pode ser
explicado como, desde o antigo grego, ora a expressão de uma simetria ou de uma
18
conciliação entre comentários, ora uma tensão especialmente mantida entre coisas opostas
(SODRÉ & PAIVA, 2002: 17).
Falar do conceito de belo implica conseqüentemente, referir-se ao outro ponto: o
feio. É evidente que ao se considerar algo como belo, a primeira reação seria atribuir o feio
àquilo que seja exatamente o oposto. Todavia, um equívoco em julgar valores de forma
tão simplista. Nesse contexto:
O feio (tradicionalmente identificado ao ‘mau’, assim como o belo
era tido como ‘bom’), por sua vez, não é um simples contrário do
belo, porque também se constitui em um objeto ao qual se atribui
uma qualidade estética positiva. Ou seja, se retirarmos do belo um
traço positivo que o constitui como tal (por exemplo, a proporção
ou a harmonia), não produzimos automaticamente o feio. Esta
última qualidade tem seu modo específico de ser, requer uma
produção particular, que não é o puro negativo do belo (SODRÉ &
PAIVA, 2002: 19).
A partir dessa colocação, compreende-se que classificar algo como bom ou mau,
feio ou belo, é prestar-se simplesmente a considerações do senso comum sem qualquer
valor crítico. Sodré e Paiva acrescentam que “um objeto pode causar repulsa ou
estranhamento do gosto e não ser necessariamente feio”. O grotesco é, portanto, “um tipo
de criação que às vezes se confunde com as manifestações fantasiosas da imaginação e que
quase sempre nos faz rir” (2002: 19).
Esta é, portanto, uma estética que se espalha pelo mundo. Depois da Itália, esse
novo estilo passou a ser encontrado e aceito, gradativamente, em outros países. Kayser
afirma que:
19
no século XVI, os outros países aceitam, com o novo estilo
ornamental, a denominação correspondente. Como substantivo, isto é,
como designação fixa de algo objetivo, penetra em toda parte e mantém-
se vivo. Paralelamente, aparece também o adjetivo, que antes
substantivava o nome (2003:24).
Rompem-se, a partir desse ponto, as tradicionais classificações da arte e da cultura
que abrem espaço para uma nova forma de contemplação a qual não indica necessariamente
a presença de beleza, mas que adquire destaque em virtude do estranhamento causado no
observador. Contudo, Sodré e Paiva ressaltam que “o grotesco funciona por catástrofe (...)
dentro dos padrões de uma repetição previsível. Trata-se da mutação brusca, da quebra
insólita de uma forma canônica, de uma deformação inesperada”. (2002: 25). Nesse ponto
Barbero considera que “o modo grotesco funciona por exageração e degradação e não por
cópia” (2003: 106).
O grotesco sofre, então, uma apropriação pela indústria cultural. Todavia, essa
aquisição midiática dá-se por meio da adjetivação e não da substantivação. Deixa de ser
apenas um nome referente a categorização e passa a ser um atributo da mídia
caracterizando diversos programas.
De um substantivo com uso restrito à avaliação estética de obras-de-arte,
torna-se adjetivo a serviço do gosto generalizado, capaz de qualificar a
partir da tensão entre o centro e a margem ou a partir de um equilíbrio
precário das formas figuras da vida social como discursos, roupas e
comportamentos (SODRÉ & PAIVA, 2002: 30).
Entretanto, foi a partir do século XIX que o grotesco passou a ser apresentado como
categoria estética. Fato que nos obriga a esclarecer o que vêm a ser e como se constituem as
20
categorias estéticas. então, seria possível estabelecer a diferença entre elas e entender
como o grotesco causa determinados efeitos no contemplador. Considerá-lo como categoria
estética não é um ato arbitrário, mas sim, uma conclusão analítica através da combinação
dos elementos que constituem uma obra.
Uma categoria estética não se resume, simplesmente, em misturar os elementos da
obra, mas de organizá-los e combiná-los de maneira coerente. Trata-se de “um sistema
coerente de exigências para que uma obra alcance determinado gênero
(patéticotrágico/dramático, cômico/grotesco/satírico) no interior da dinâmica de produção”
(SODRÉ & PAIVA, 2002: 34). As demais categorias, embora também possam estar
presentes, não fazem parte da pesquisa, portanto, são citadas apenas para ilustrar o conceito
em questão.
Mikhail Bakhtin, ao abordar o grotesco, afirma que “o exagero, o hiperbolismo, a
profusão, o excesso são, segundo opinião geral, os sinais característicos mais marcantes do
estilo grotesco (1987: 265). Apesar disso, o autor enfatiza que o grotesco não se resume a
um simples exagero, mas afirma que o grotesco contém uma riqueza de detalhes e
variações que permite atribuir-lhe diferentes sentidos, de acordo com um determinado
contexto.
Embora todas as explicações e exemplos relacionados à categoria estética referem-
se a obra de arte, esta não é a única maneira de expressão da estética. É importante ressaltar
que a estética pode manifestar-se também através de diversas formas simbólicas. Sodré e
Paiva afirmam que “o campo objetivo da estética é irredutível ao da arte, assim como o da
arte não se reduz ao estético” (2002: 37).
21
Cabe ressaltar que os produtos da mídia, ou melhor, os itens da indústria cultural,
podem se apropriar de recursos artísticos de modo reducionista com o intuito de simplificar
o conteúdo através da vulgarização de maneira que esse possa ser compreendido e
consumido pelo grande público sem as mesmas exigências culturais de uma obra de arte.
Assim, embora a estética possa se manifestar por meio de diversas formas
simbólicas e não exclusivamente através da arte não significa que os produtos
midiáticos possam se confundir com a arte. Todo recurso artístico que passa a ser
apropriado pela mídia sofre uma simplificação em sua forma e uma vulgarização em sua
representação.
O grotesco, como categoria estética, implica na existência de gêneros, pelos quais o
conteúdo simbólico se apresenta; além de espécies a partir das quais o grotesco é
demonstrado. Evidentemente, essa classificação pura e simples pode parecer mecânica e
taxativa, mas consideramos necessário citar tal classificação para que se torne possível
localizar o contexto de atuação do grotesco (SODRÉ & PAIVA, 2002).
Há, portanto, dois gêneros que se subdividem: o representado e o atuado. O
representado diz respeito a situações ou cenas referentes à comunicação indireta. Este se faz
presente através de dois modos: suporte escrito, que seriam a literatura e a imprensa; e
suporte imagístico que se manifesta pela pintura, escultura, arquitetura, desenho, fotografia,
cinema e televisão.
O segundo gênero, que se subdividirá em três, é o atuado. Este se refere às situações
da comunicação direta, “vividas na existência comum ou nos palcos” (SODRÉ & PAIVA,
2002: 66). Elas podem ser espontâneas, que dizem respeito aos episódios da vida cotidiana;
22
encenadas, que se fazem presentes no teatro ou em qualquer jogo cênico; e carnavalescas,
que se fazem notar nos ritos e festas populares como o carnaval, por exemplo.
Com relação às espécies, elas estão presentes em qualquer dos dois gêneros. Elas
são divididas em quatro tipos: o escatológico, situações que fazem referências a “dejetos
humanos, secreções e partes baixas do corpo”; teratológico, que fazem referências a
aberrações, deformações e bestialismos; chocante, que será uma qualificação a mais para os
últimos dois tipos citados, pois tanto o escatológico quanto o teratológico poderão ser
chocantes na media em que se apresentem com intenções sensacionalistas; e, finalmente, o
crítico, uma espécie que tem valor instrutivo, pois pode ser usado como recurso estético
para “desmascarar convenções e ideais, ora rebaixando as identidades poderosas e
pretensiosas, ora expondo de modo risível ou tragicômico os mecanismos do poder
abusivo” (SODRÉ & PAIVA, 2002: 68-69).
Todas as espécies são amplamente utilizadas pela mídia na tentativa de ganhar a
audiência através justamente do chocante. Dessa forma, a televisão faz da escatologia uma
“arma” para chocar o público, provocando determinados efeitos que têm como
conseqüência a identificação com as situações vividas no cotidiano. O teratológico da
mesma forma utiliza-se da mídia, em especial da televisão, para gerar uma cumplicidade.
Sobre o grotesco crítico, Sodré a Paiva esclarecem que este “não se define como
simples objeto de contemplação estética, mas como experiência criativa comprometida com
um tipo especial de reflexão sobre a vida”. Além disso, eles complementam dizendo que
“em cada imagem ou em cada texto, uma ponte direta entre a expressão criadora e a
existência cotidiana” (2002: 72). Estabelece-se, assim, uma função educativa que, ao
contrário das outras espécies, não possui intenção de simplesmente chocar o contemplador.
23
Mas é o grotesco chocante por meio da utilização da escatologia que predomina na
televisão brasileira a partir da década de 60, quando começam a ser importados alguns
formatos de programas apelativos que se espelham nessa mídia. Começa então a haver uma
preocupação excessiva com o índice de audiência e a solução para ampliar os números é
encontrada nessa estratégia de banalização.
A programação televisiva é comparada à feira livre:
lugar de manifestação do espírito dos bairros de uma cidade, com
suas pequenas alegrias e violência, grosserias e ditos sarcásticos,
onde a exibição dos altos ícones da cultura nacional conforta-se
com o que diz respeito ao vulgar ou baixo’: os costumes e gostos,
às vezes exasperados, do populacho (SODRÉ & PAIVA, 2002:
106).
A televisão abandona qualquer pretensão educativa e instrutiva para concentrar sua
produção em uma programação que conquiste o público através de deformidades, do riso
cruel e de uma sexualidade encenada através de uma pornografia disfarçada, que alimenta
a curiosidade do público e contribui para uma audiência de cumplicidade. Evidentemente
não se pode generalizar, o que levaria o discurso para o senso comum, mas referimo-nos à
grande quantidade de produtos que caem no grotesco chocante escatológico, como muitos
programas de auditório e outras experiências de programação ao vivo. Como exemplo
máximo, a constante proliferação dos reality shows, que surgiram na mídia como uma
alternativa de ampliar o índice de audiência por meio de vulgarizações.
Atualmente, a televisão optou por um padrão que promove apelações ao grotesco,
banalização da sexualidade e outros recursos com o intuito de causar polêmica, simular o
cotidiano e fortalecer a identificação do público com o conteúdo simbólico. Por outro lado,
24
existem programas com objetivos culturais, mas com menos repercussão nas grandes
mídias.
Com essa tendência, o cotidiano transforma-se em espetáculo, o que margem a
programas do tipo reality show. Essa transformação é que permite manter o povo a
distância. O espetáculo encerra-se no momento em que se desliga a TV. Assim como nas
novelas, a realidade retorna quando a televisão sai de cena. Todavia, Thompson (1998)
afirma que há uma cumplicidade entre a mídia e seu público
O que se pretende é tornar o anônimo em celebridade, mas tal processo não seria
fácil por meios diferentes do grotesco. É nessa linha de pensamento que se produzem os
programas apelativos que dão margem à banalização da sexualidade através de mulheres
semi-nuas e de uma associação de determinado conteúdo simbólico à satisfação e ao prazer
sexuais.
Pierre Bourdieu esclarece que:
(...) a televisão dos anos 90 visa explorar e a lisonjear esses gostos
para atingir a mais ampla audiência, oferecendo aos
telespectadores produtos brutos, cujo paradigma é o talk show,
fatias de vida, exibições cruas de experiência vividas,
freqüentemente externas e capazes de satisfazer uma forma de
voyeurismo e de exibicionismo (aliás, como os jogos
televisionados dos quais se deseja ardentemente participar, mesmo
como simples espectador para ter acesso a um instante de
visibilidade) (1997: 68).
Segundo Maria Thereza Fraga Rocco, citada por Keila Jimenez, “a
espetacularização alimenta a vontade de ser famoso, de saber sobre os famosos. Tal fama é
25
ilusória, pois os problemas de ninguém se resolvem ao ser exposto na TV”. (JIMENEZ In:
PEREIRA JR, 2002: 138).
É possível ainda fazer uma comparação das considerações feitas por Bourdieu
(1997) sobre os jornais com os programas reality show que se alastraram feito epidemia. O
autor afirma que os jornais pautam uns aos outros determinando o que é relevante e o que
não é. É visível que o grotesco na televisão segue o mesmo caminho, o que gera uma
constante imitação e variações dos mesmos formatos em emissoras diferentes, mas com os
mesmos objetivos financeiros e às vezes até com os mesmos “apoios publicitários”.
Jimenez levanta um aspecto importante que diz respeito à privacidade alheia:
a onda de atrações que promovem a vida ao vivo conquistou
primeiro a Europa e virou mania mundial. (...) Ela [Maria Thereza
Fraga Rocco] acredita que um grande conflito começa a ser
travado entre os direitos da intimidade e a ilimitada curiosidade do
público (JIMENEZ In: PEREIRA JR, 2002: 137).
Cabe ainda uma outra preocupação: como pessoas comuns atropelam suas
convicções morais para contribuírem com tamanha exposição na mídia. Jimenez explica
esse fato dizendo que “é comum que pessoas anônimas busquem seus minutos de fama,
passando por cima de valores morais, em busca de um ‘holofote’ consagrador”. O autor
segue a explicação concluindo que tamanha exposição sem critérios deve-se a “uma
‘vontade de brilhar’ que faz a glória de programas que exploram a privacidade alheia, sem
limites nem piedade” (JIMENEZ In: PEREIRA JR, 2002: 138).
Além disso, Luiz Carlos Merten acredita que o público gosta de saber os detalhes
mais íntimos das pessoas num ato de voyeurismo. Existe uma curiosidade incansável
sobre o que se passa com as pessoas em situações íntimas, pois uma necessidade de
26
comparação e projeção entre o público e os que estão sendo expostos na mídia. É nesse
momento em que ambos se fundem levando a crer que, conforme afirmam Sodré e Paiva,
em recorrência a Lacan, “não existe mais diferença entre a televisão e o público depois de
algum tempo”. Merten afirma ainda que “roupa suja ibope. Aqui, em Londres, em Paris,
em Nova York” (MERTEN In: PEREIRA JR., 2002: 142). As discussões banalizadas na
mídia confundem-se com o cotidiano das pessoas, uma vez que programas voltados
exatamente para tratar de questões referentes aos problemas do dia-a-dia. Ocorre, dessa
forma a identificação com tais representações, que dificultam a delimitação entre ficção e
realidade.
Mas é preciso ter cuidado com interpretações que equivocadamente caem na
tentação de afirmar que a TV é espelho da sociedade, de maneira a entrar na questão da
manipulação. Ao contrário disso, os autores afirmam que “a tevê não é, como se costuma
propalar, espelho de realidade nenhuma, exceto da sua” (PEREIRA JR, 2002), o que
significa que a identificação com os programas midiáticos pode ocorrer, mas não por um
sistema de imposição e sim de cumplicidade. Bourdieu (1997) acrescenta que a televisão é
tão manipulada como seu público.
Dessa forma, a relação de cumplicidade entre emissor e receptor, ou seja, entre a TV
e o telespectador contribui como fator relevante para a afirmação de Pereira Jr. (2002). O
fato da sociedade se sentir, de alguma forma, representada pela mídia não implica em uma
relação de dominação da segunda sobre a primeira. Jean Baudrillard chega a afirmar, no
caso do programa francês Loft Store, uma variação do BBB, que “é ao mesmo tempo, o
espelho e o desastre duma sociedade toda inteira apanhada na corrida para a insignificância
27
e embasbacada frente à sua própria banalidade (2004: 41). Por outro lado, ele esclarece a
relação da televisão com o público por meio de um sistema de “servilidade voluntária”.
1.2. A exploração da sexualidade
A questão da sexualidade é de fundamental importância para compreender como e
por que tem ocorrido uma vulgarização do sexo na mídia, representada principalmente por
determinados programas televisivos, por meio da exposição de um quadro obsceno e
vulgar.
De acordo com os estudos de Wilhelm Reich (1897-1957), médico e cientista
natural, verificaremos a forma fragmentada pela qual a sexualidade é explorada e distorcida
pela mídia. Embora publicado nos anos 20 do século passado, seu livro A função do
orgasmo, continua sendo instrumento de averiguação teórica eficaz para o caso em estudo.
Reich (1987) acusa uma distorção do sentido conotativo do termo sexualidade, que
passa a ser ofensivo. Evidentemente, o preconceito que faz perpetuar tabus a respeito do
tema contribui para a visão simplista e pouco acadêmica, mas a vulgarização excessiva é
então responsável por firmar preconceitos por meio das generalizações que enquadram
dentro da mesma categoria quaisquer discursos que abordem o tema.
Não por acaso, a mídia explora a sexualidade. Esse é um fator tão importante para o
homem, que a sua presença nos meios de comunicação traz resultados significativos no que
diz respeito à audiência. Entretanto, a partir do momento em que esse aspecto penetra na
mídia, na forma de bens simbólicos, que se traduzem em programas apelativos, como o
28
reality show, ele adquire um caráter simplificador de conceitos, gerando preconceitos
reducionistas.
É, portanto, por meio da banalização da sexualidade que a mídia alcança a
repercussão desejada para o tema. A simplificação dos conflitos é a estratégia utilizada
pelos meios de comunicação de massa. Sobre este aspecto, Dominque Wolton afirma que
“...a banalidade é também um dos símbolos da comunicação de massa” (2003: 63).
A sexualidade é tão significativa para o indivíduo que uma disfunção dela pode
acarretar problemas de ordem psicológica. Segundo Reich, “a saúde psíquica depende da
potência orgástica, i e., do ponto até o qual o indivíduo pode entregar-se e pode
experimentar o clímax da excitação no ato sexual natural” (1987: 15). Essa afirmação vai
ao encontro dos problemas psicológicos identificados por meio da repressão sexual.
Esclarece-se, dessa forma, que a banalização da sexualidade na mídia é mais
complexa do que pode parecer. Não se trata apenas de mais um produto midiático com
discursos padronizados e simplificados..
Wolton, assim como também observou Thompson (1998) e Bourideu (1997)
considera, portanto, que o telespectador é cúmplice nesse sistema de banalização da
sexualidade. Sobre esse fato Jean Baudrillard considera:
(...) o pior nessa obscenidade, nesse despudor, é a partilha forçada,
é essa cumplicidade automática do espectador, que é o efeito de
uma verdadeira chantagem. É este o objetivo mais claro da
operação: a servilidade das vítimas, mas a servilidade voluntária, a
das vítimas que gozam com o mal que se lhes faz, com a vergonha
que se lhes impõe (2004: 24-25).
29
Dessa forma, a televisão reduz e fragmenta a sexualidade por meio de uma
exposição simplificadora e tendenciosa, com o intuito de alcançar maior envolvimento com
o público receptor. Se por um lado a mídia oferece acesso às informações, por outro o
formato de sua programação, adota a exploração da sexualidade de maneira comercial e
apelativa, especialmente evidenciada nos reality shows.
Ainda sobre as conseqüências enfrentadas pelos indivíduos que sofrem, muitas
vezes de modo inconsciente, de problemas relacionados a sua sexualidade, Reich afirma
que a maioria das pessoas sofre de impotência orgástica, o que segundo ele ocasiona um
“bloqueio da energia biológica e esse bloqueio se torna a fonte de ações irracionais”. O
autor assevera que “(...) as ações anti-sociais são a expressão de impulsos secundários.
Esses impulsos são produzidos pela supressão da vida natural e estão em contradição com a
sexualidade natural” (1987: 15).
Isso evidencia o fato de que as dificuldades não se limitam apenas a enquadrar a
sexualidade na pauta de discussões sociais ou de incentivá-la indiscriminadamente sem
qualquer critério dos meios de divulgação e da prática em si. É exatamente esse o ponto que
se destaca quando Reich refere-se a uma “sexualidade natural”.
O autor vai mais adiante ao analisar outros males com as dificuldades referentes à
sexualidade. Ele considera que “a causa imediata de muitos males assoladores pode ser
determinada pelo fato de que o homem é a única espécie que não satisfaz à lei natural da
sexualidade” (REICH, 1987). A partir dessas hipóteses, o bloqueio do que seria uma
necessidade natural do homem implica em uma relação de outros males com a saúde
sexual.
Contudo, é importante identificar os fatores que levam a sociedade a enfrentar
problemas com sua sexualidade. É evidente que a repressão citada é parte integrante da
30
rede de condições que resultam na atual insuficiência de uma vivência natural da
sexualidade, entretanto, isso seria pouco para esclarecer as transformações individuais e
sociais resultantes do problema em questão.
A interferência da sexualidade em outros aspectos da vida social é visível na
afirmação de Reich ao considerar que:
(...) a estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma
cultura patriarcal de seis mil anos, é tipificada por um
encouraçamento do caráter contra a sua própria natureza interior e
contra a miséria social que o rodeia (REICH, 1987).
A influência da sexualidade não se restringe apenas ao campo psíquico do indivíduo
em particular. No artigo Mídia, Sexualidade e Identidade de Gênero, publicado no
INTERCOM 2002, Maria Coelho Flausino afirma que “(...) deixando de ser percebida
como individual, a sexualidade será abordada a partir do exercício de relações de poder
(...)” (2002: 2). Sobre esse aspecto Reich considera que:
(...) a formação das massas no sentido de serem cegamente
obedientes à autoridade se deve não ao amor parental, mas à
autoridade da família. A supressão da sexualidade nas crianças
pequenas e nos adolescentes é a principal maneira de conseguir
essa obediência (REICH:1987).
Apesar de os autores terem angulações diferentes a respeito das relações de poder, é
importante traçar paralelos entre ambos justamente para demonstrar que a sexualidade é
peça fundamental para a manifestação do poder em âmbitos diferentes dentro da estrutura
31
social. Enriquecem-se dessa forma as afirmações de um e de outro ao serem expostas não a
partir de uma análise comparativa, mas sim numa perspectiva de complementação.
Se a repressão da sexualidade pode ser um mecanismo de exercer o poder, o
problema ganha novas atribuições quando a essa repressão é oferecida a possibilidade de
manifestar-se em um veículo dos meios de comunicação de massa. Sem qualquer análise
crítica, as representações desses sintomas dão suporte a programas do tipo reality show.
Eugênio Bucci, na Folha de S. Paulo (18/08/2002), em seu artigo Ética versus
loucura, considera que a sexualidade atua como vetor do inconsciente, dando margem a
associações com a publicidade e com programas que são exibidos sob o rótulo de
entretenimento, quando na verdade são agentes que inserem valores e determinam
comportamentos do cotidiano. Reich garante que “(...) a sexualidade é o centro do qual gira
a vida da sociedade como um todo, e também o mundo intelectual interior do indivíduo”.
Ainda sobre isso, ele considera que “(...) você é apenas o brinquedo dos seus instintos que
fazem com você o que bem entendem” (REICH, 1987).
Por outro lado, os reality shows utilizam a vulgaridade e a banalização como
recursos para abordarem a sexualidade. Prevalecem, nessa programação, julgamentos do
senso comum, que reforçam preconceitos e preservam modelos de comportamento.
O crescimento da produção de mensagens nos meios de comunicação de massa que
fazem uso de uma imagem vulgarizada da sexualidade, ou até mesmo pornográfica em
alguns casos, tem atingido graus significativos. Utiliza-se a sexualidade, dentro de um
contexto capitalista, associada ao entretenimento e à propaganda de bens simbólicos. Dessa
forma, criam-se produtos culturais que se encharcam de insinuações eróticas/pornográficas
e atingem o espectador no seu imaginário, que decodifica a mensagem através de
32
associações com o prazer sexual. Flausino fala da exploração mercadológica e da utilização
desse dispositivo:
Construídas a partir da estrutura do melodrama, as mulheres-
espetáculo, aquelas que ganham visibilidade na mídia, estão
para serem consumidas, produtos de uma indústria cultural cujos
objetivos mercadológicos são indiscutíveis. Esta forma de inserção
no espaço social chamada consumo liga-se ao gênero e à
sexualidade. Naturalizada pela função reprodutiva, vão ter sua
sexualidade definida, controlada e sancionada. Produtos de grande
aceitação, estes discursos/ corpos-personagens ganham
centralidade (2002: 2).
Décio Pignatari acrescenta uma explicação sobre essa questão ao afirmar que:
(...) vincular a mais marcante, senão a mais profunda satisfação
física, tal como a propiciada pelo relacionamento erótico-sexual,
ao prazer proporcionado pela compra de bens materiais é uma
operação sempre vitoriosa, pois suas raízes se abeberam no lençol
freático que irriga os mitos arquétipos do amor, do prazer, da
riqueza, do sucesso, da felicidade e da realização do ego ou da
tribo ( PIGNATARI apud NOVAES, 1991:41).
Embora Pignatari se refira a bens materiais, acreditamos que os produtos midiáticos
se encaixem perfeitamente na análise do autor por serem “comparados” pelo telespectador
dentro do mesmo sistema capitalista, obedecendo às mesmas regras de mercado.
Evidentemente, diferenças entre uma e outra, mas no que respeita às leis de mercado,
divisão do trabalho e produção em série, elas se encaixam dentro do mesmo contexto, pois
foi exatamente a Revolução Industrial e a sua versão elétro-eletrônica que desencadeou a
33
formação de uma rede de produção organizada e padronizada de bens simbólicos por meio
da indústria cultural.
Se os meios de comunicação de massa precisam, segundo Barbero (2003), falar ao
máximo de pessoas reduzindo ao mínimo as diferenças e para isso, exigir o mínimo de
esforço do espectador, evidentemente, a redução a um padrão de identidade sexual condiz
com as estratégias da mídia utilizadas na maioria de seus discursos. Flausino reafirma
essa postura consumista e padronizada dizendo que
(...) a construção das identidades midiáticas vai passar pelo lugar
onde se reconhece o outro, com que se partilham as representações
sobre o feminino e pelo modo de construção do exercício da
sexualidade, segundo gênero e papéis esperados (2002: 3).
Susan Willis enriquece a discussão ao abordar o consumo de gênero evidenciado na
mídia a partir dos fatores já referidos:
Quando o gênero é assimilado na mercadoria, é conhecido como
algo estabelecido e congelado: um certo mero de atributos
sexuais define e denota masculinidade e feminilidade na prateleira
de um supermercad o destinada às possibilidades genéricas
(WILLIS apud FLAUSINO, 2002:4).
Verifica-se, dessa forma, uma necessidade de expor (ou em alguns casos de
escancarar) o sexo na mídia de modo que todos tenham conhecimento do que se quer
transmitir. É exatamente sobre esse aspecto que Flausino se refere ao afirmar que “(...) no
consultório médico ou no confessionário a sexualidade é confessa. No consultório
34
midiático, na entrevista ou no reality show a confissão ganha a praça pública, às vezes a
excreção.” (2002:9). Todavia, por outro lado, Wolton afirma que:
A força da televisão reside nesta utilização banal mas distanciada, que
constitui o reconhecimento do seu papel em decodificar o mundo. Mas é
falso dizer que o telespectador é enganado pelo que vê: quando o é, é
porque assim o quer (2003:62).
É válido ressaltar que condenar tal banalização da sexualidade não implica em
defender a conservação de tabus - pois a sociedade luta até hoje para quebrar alguns deles -
mas sim de criticar uma postura vulgar daquilo que deveria ser tratado com seriedade. É
evidente que o blico consome esse tipo de mensagem e sustenta essa estrutura, mas o
processo não é tão simples quanto parece, por isso concentramo-nos em apresentar uma
análise crítica baseada em considerações formuladas por estudiosos da mídia e das ciências
da comunicação.
1.3. Apresentação do Big Brother Brasil
Big Brother Brasil propicia um ambiente que valoriza a exploração dos corpos
semi-nus, numa espécie de fetiche vouyer, artifício muito bem trabalhado pelos produtores
do programa. Trata-se de proporcionar a sensação de espiar as intimidades alheias. É o
princípio que Alfred Hitchcock utiliza no filme A janela indiscreta (1954), no qual um
fotógrafo passa a espiar seus vizinhos e descobre o que suspeita ser um assassinato. No
caso de BBB, identifica-se uma representação do cotidiano que desperta o desejo de
espreitar o outro. Evidentemente, as produções e até mesmo as circunstâncias são díspares,
35
porém, preserva-se a idéia de saciar a curiosidade e o desejo de olhar aquilo que está
escondido.
Embora os participantes tenham conhecimento de que estão sendo gravados, a
simulação do cotidiano deixa ainda mais sutil o ponto que separa o real da ficção. Essa é
uma idéia reforçada pelo apresentador Pedro Bial, que convida o telespectador ao anunciar:
“Pode espiar a vontade”. Além disso, no logotipo do programa a lente de uma câmera,
que remete diretamente à idéia de se espiar por meio dela, uma vez que, na abertura do
programa, a lente pisca de maneira semelhante ao obturador de uma máquina fotográfica,
inclusive com o efeito sonoro. A combinação de signos, que começa no logotipo, é a
evidência de que esse é um forte apelo da produção de BBB. Ainda na abertura do
programa, a imagem dos participantes aparece, cada uma, em um monitor, que se apaga
após a eliminação do mesmo, para designar quais daquelas pessoas ainda estão
“disponíveis” para serem observadas.
As vestimentas dos participantes constituem o primeiro indício do clima que se
almeja alcançar nas gravações do programa. Não por acaso, o tipo físico de homens e
mulheres expostos são, em sua maioria, adeptos aos padrões de beleza. É necessário
produzir, ou seja, maquiar o cotidiano; introduzir elementos que indiciem a sexualidade, daí
o predomínio de trajes mínimos. Mais do que incluir o tema nos diálogos, uma
preocupação em embutir, quase que subliminarmente, uma ideologia recorrente à
sexualidade e ao erotismo.
Não se trata de fazer generalizações sobre o comportamento ou sobre os atributos
plantados no roteiro das filmagens. Ao analisar uma suposta representação do cotidiano
pretensão de Big Brother Brasil - usando trajes sumários, e, em especial, os de banho os
“moradores” da famosa casa revezam suas atividades entre horas na piscina ou na academia
36
exibindo seus corpos. É gritante a falsificação que se produz: a representação da
representação; um pseudocotidiano.
Os participantes de todas as edições do BBB possuem suas peculiaridades. Dessa
forma, consideramos útil uma breve descrição do perfil de cada um deles para facilitar a
identificação de suas personalidades no decorrer da análise.
BBB 1 :
Nome Perfil
Adriano
Trajes de banho na maior parte do tempo;
jeans e camiseta. Comportamento e
comentários demonstravam ser contra a
formação de casais. Foi o inventor do termo
“paredão” – dia da eliminação de um
participante.
Alessandra
Trajes de banho e roupas femininas justas.
Procurava manter-se fora das polêmicas, por
isso teve pouco destaque.
André
Trajes de banho; calça e camiseta.
Supostamente homossexual; ganhou
visibilidade ao revelar-se cantor; chegou a
gravar um disco no final do programa.
Bruno Trajes de banho; bermuda e camiseta.
Preservava uma postura elitista em relação
aos demais.
Caetano
Traje de banho na maior parte do tempo.
Teve poucas oportunidades de atuar. Foi
eliminado na primeira semana.
Cristiana
Roupas curtas (saias) e trajes de banho.
Tinha bastante visibilidade. Dançava com
movimentos ensaiados, na tentativa de ser
provocante.
Estela
Usava roupas simples, evitava os trajes de
banho. Supostamente a que se destacava do
ponto de vista intelectual. Não se
preocupava com a aparência.
Helena
Traje de banho e roupas justas. Não
alcançou grande destaque, pois posicionava-
se neutra nas polêmicas e disputas.
37
Kleber
Trajes de banho e roupas que destacassem o
seu físico. Vencedor do programa.
Conhecido como “Bam-Bam”. Erros de
português na fala constituem a característica
marcante.
Sérgio
Roupas modernas (jeans e camisetas justas e
estampadas). Estrangeiro. Cabeleireiro
famoso de estrelas da Globo; teve um
romance com Vanessa durante quase todo o
programa.
Vanessa
Trajes de banho na maior parte do tempo.
Passou a ser discriminada depois que
descobriu-se que ela é filha de um
diplomata, devido à sua provável situação
econômica, supostamente superior em
relação aos demais.
Xaiane
Roupas curtas e justas que destacavam seu
corpo. Dançarina de boate. Teve um breve
romance com Kleber.
BBB2:
Nome Perfil
Cida
Trajes de banho na maior parte do tempo.
“personagem” forte; mulher mais velha da
casa; mística pedia conselhos a um
pássaro que ela chamava de São Jorge.
Fabrício
Roupas ousadas e modernas, além do traje
de banho. Resistiu a assumir um romance
com Manuela.
Manuela
Roupas que mostravam seu físico e trajes de
banho. Vice-campeã do programa. Demorou
a aceitar Thyrso como par romântico.
Chegou, antes, a insinuar-se eroticamente
para Fabrício.
Fernando Roupas que permitiam mostrar seu físico.
Lutador de boxe. Exibia seus músculos e
tatuagens a maior parte do tempo.
Rita Trajes de banho na maior parte do tempo.
Cartomante, que foi eliminada na primeira
semana.
38
Jeferson
Trajes de banho; jeans; bermudas e
camisetas. Ex-drogado. Teve um romance
com Tarciana, com a qual teve relações
sexuais embaixo do edredon, mostradas e
comentadas estrategicamente com o recurso
da edição.
Tarciana
Trajes de banho e roupas que exibiam sua
forma física. Costumava se entusiasmar ao
falar de sexo.
Moisés
Trajes de banho, quando necessário. Roupas
discretas na maior parte do tempo. Evitava
falar; teve pouca visibilidade não
correspondeu às expectativas do programa.
Thaís
Traje de banho a maior parte do tempo;
saias e roupas curtas. Participante mais
nova, com 18 anos. Cantava canções em
francês. Tentava passar a imagem de
adolescente. Chegou a iniciar um romance
com Fernando, mas assumiu namoro com
Rodrigo depois do final do programa.
Rodrigo
Roupas no estilo Cowboy: chapéu, cintos
com fivelas largas. Vencedor do programa.
Ganhou o apelido de Cowboy”. Dentro do
chapéu ele conservava a imagem de Nossa
Senhora, a quem demonstrava sua fé.
Tina
Trajes de banho e roupas curtas.
“personagem” marcante. Declarou guerra à
maioria dos participantes. Provocou tumulto
e baderna na maior parte do tempo.
Mantinha uma personalidade
desequilibrada, com momentos de histeria
intensa.
Thyrso
Trajes de banho, bermudas e camisetas. Foi
apelidado de “Mané”, devido a sua paixão
incondicional por Manuela. Gostava de
cozinhar.
39
BBB 3:
Nome Perfil
Andréa
Trajes de banho na maior parte do tempo;
saias e roupas curtas. Conhecida como “Big
Mother” devido ao seu comportamento
maternal. Teve bastante visibilidade nas
cinco semanas que permaneceu na casa.
Alan
Trajes de banho ou roupas que deixavam
seu físico a mostra. Passava horas na
academia. Era o “personagem” mais bem
aceito entre os participantes. Foi eliminado
ao disputar a permanência no programa com
Dhomini.
Elane
Roupas discretas, no início, e trajes de
banho quando necessário. Com o passar do
tempo, as roupas foram ficando mais
curtas.Vice-campeã, Professora, que
valorizava sua origem humilde.
Dhomini
Trajes de banho e roupas de verão, que
deixavam o físico a mostra. Campeão. Foi o
participante com maior aceitação popular.
Teve um romance com Sabrina e passou a
ser excluído pelos demais.
Joseane
Trajes de banho e roupas curtas. Ex-Miss
Brasil. Saiu na terceira semana. Após o
programa perdeu o título de Miss, depois de
constatarem irregularidades no concurso
para Miss – reveladas no programa.
Emílio
Trajes de banho e camisetas. Mergulhador.
Teve um alto índice de rejeição. Foi
eliminado com 76% dos votos.
Juliana
Trajes de banho; roupas justas. Entrou no
programa por meio da votação popular que
decidiu a participante extra. Foi eliminada
ao concorrer com Dhomini.
Harry
Entrou no programa após a desistência de
um dos participantes. Foi encaixado pela
produção do programa.
Sabrina
Trajes de banho e saias largas e curtas.
Assumiu um romance com Dhomini.
Jean Massumi
Trajes de banho e camisetas. Ganhou
visibilidade ao tentar articular sua estratégia
para eliminar Dhomini, que acabou
vencendo o programa. Massagista; fez dessa
profissão o seu marketing.
40
Samantha
Trajes de banho e roupas de ginástica.
Personal trainer; passava bom tempo na
academia, praticando exercícios físicos. Foi
eliminada na primeira semana.
Marcelo
Trajes de banhos; roupas largas. Teve
destaque ao formar vínculos com as
mulheres. Mas foi eliminado ao enfrentar
Dhomini.
Viviane
Trajes de banho e roupas curtas. Advogada;
permaneceu 12 semanas na casa. Evitava
envolver-se em disputas internas.
Paulo
Trajes de banho na maior parte do tempo.
“personagem” de pouca aceitação popular.
Fotógrafo do site Paparazzo, que faz as
fotos dos eliminados.
BBB 4:
Nome Perfil
Antonela
Roupas curtas, trajes de banho.Argentina.
Foi eliminada após quatro semanas.
Buba
Trajes de banho, calça e camiseta.
Considerado discreto pelo programa. Foi o
sexto eliminado. Evitava as disputas
internas.
Cida
Trajes de banho quando necessário. Roupas
discretas, no início. Com o passar do tempo,
as roupas ficaram mais justas. Campeã.
Entrou no programa por sorteio, como
participante extra. Destacava-se por sua
extrema simplicidade com relação aos luxos
da casa.
Cristiano
Roupas discretas e trajes de banho, quando
necessário. Se aliou a um grupo, mas não
conquistou carisma. Foi eliminado na
terceira semana.
Eduardo
Trajes de banho e camiseta. Foi o segundo a
sair do programa. Uma permanência curta,
sem muito destaque.
Geris
Combinações de roupas o convencionais
com os padrões da moda. Trajes de banho.
Destacava-se como cantora amadora. Foi
eliminada na quinta semana.
41
Juliana
Trajes de banho, na maior parte do tempo.
Terceira colocada. Escapou muitas vezes da
eliminação.
Marcela
Trajes de banho e roupas justas. Conhecida
como “Mama”. Destacou-se pelas inúmeras
discussões com utilizações de expressões
grosseiras. Apesar disso, esforçava-se para
passar uma imagem de boa mãe para a sua
filha, nos quais sempre falava.
Marcelo Trajes de banho e roupas que exbiam o
corpo. Lutador de artes marciais. Exibia
tatuagens e um visual que incluía cabelos
arrepiados.
Rogério Trajes de banho e roupas discretas..
Considerado discreto pelos demais
participantes. Teve um início de romance
com Solange. Foi o nono eliminado.
Solange
Trajes de banho e roupas justas. Trocava de
roupa sem esconder-se das câmeras e
chegou a mostrar totalmente os seios.
Cantava canções estrangeiras com
pronúncias erradas e fez disso uma
“personagem” que utiliza em outros
programas de televisão. Participou, no ano
de 2005, de um programa de humor que
satirizava outro reality show (O Aprendiz),
da Rede TV.
Tatiana
Trajes de banho e roupas curtas. Lutadora
de boxe. Exibia tatuagens. Era criticada por
ser rude com os demais. Se comportava de
maneira autoritária.
Thiago
Trajes de banho e roupas simples e
convencionais (camisetas, calças). Vice-
campeão. Perdeu a disputa para Cida.
Também entrou por sorteio, como segundo
participante extra.
Zulu
Trajes de banho e roupas que valorizavam o
físico. Lutador de artes marciais. Teve um
alto índice de rejeição. Foi eliminado com
80% de votos.
42
BBB 5:
Nomes Perfil
Aline
Trajes de banho, quando necessário. Entrou
na casa por sorteio, como participante extra.
Ganhou visibilidade por articular uma
estratégia de espionagem entre os rivais,
comportando-se de maneira, supostamente,
traiçoeira com seus companheiros.
Alan
Calças, camisetas estampadas e trajes de
banho. Iniciou o programa se aliando a um
grupo masculino que tinha o intuito de
eliminar Jean. Mudou de estratégia e iniciou
um romance com Grazielli quando o grupo
enfraqueceu.
Grazielli
Trajes de banho, roupas curtas. Miss Brasil.
Ganhou mais visibilidade fora do programa
com a expectativa da publicação de fotos
nua.
Giulliano
Trajes de banho e roupas esportivas.
Jogador profissional de futebol. Fazia parte
do grupo que tentou eliminar Jean e foi um
dos mais rejeitados pelo público.
Juliana
Evitava os trajes de banho. A mais nova da
casa. Exibia muitos piercings no rosto. Foi a
primeira eliminada.
Jean
Trajes de banho, camisetas com estampas
repletas de simbologia referentes à cultura
baiana. Campeão. Homossexual que fez
dessa condição a sua marca. Jornalista,
professor universitário e escritor, defendia a
presença de um intelectual no BBB. Após o
programa, foi convidado a escrever roteiros
para Rede Globo, e chegou a escrever
alguns deles para o programa Mais você, da
mesma emissora. Chegou a publicar o livro
Ainda me lembro pela Editora Globo.
Karla
Roupas justas e trajes de banho. Participante
que variava suas alianças internas. Foi a
nona eliminada.
Marcos
Roupas discretas e trajes de banho. Entrou
no programa por sorteio. Evitava falar;
considerado discreto pelos demais.
Natália Saias extremamente curtas e trajes de
banho. Declarava almejar a fama.
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Paulo
Trajes de banhos na maior parte do tempo.
Foi um dos principais articuladores no
grupo que pretendia eliminar Jean. Se
comportava como um estrategista para a
eliminação de Jean.
Tatiana
Saias curtas e largas; trajes de banho. Foi
uma das poucas mulheres aliadas ao grupo
liderado por Rogério e Paulo. Era conhecida
como Tati Rio.
Rogério
Trajes de banho e roupas que valorizavam
seu físico. Médico. Ficou conhecido por
manipular os participantes. Era o
responsável por brigas e discussões dentro
da casa. Era o líder do grupo que se
empenhava em eliminar Jean. Em
decorrência desse comportamento, foi
eliminado com o maior índice de rejeição de
todas as edições – 92%.
Tatiane
Roupa de cor rosa na maioria das vezes;
trajes de banho, quando necessário. Ficou
conhecida como Pink. Defendia uma
postura ética na casa. Em sua eliminação,
beijou a boca de Pedro Bial no encontro
com o apresentador. Após o programa,
passou a trabalhar no programa de humor
Zorra Total, da Rede Globo.
Sammy
Trajes de banho quando necessário.
Assumiu um romance com Pink e alcançou
a terceira colocação.
É inconcebível um dia-a-dia no qual o desejo sexual, as preocupações com a boa
forma e os atributos físicos sejam os únicos aspectos evidenciados. Mais do que isso, Big
Brother Brasil distorce a questão da sexualidade para tratá-la de modo vulgar e superficial,
o que obriga a desconsiderar os parâmetros realmente humanos no que diz respeito ao sexo
a seu tratamento.
A falsificação começa na escolha das pessoas para a formação da casa: os critérios
desta seleção excluem possibilidades de contestação ou discussão. “Um grande elenco”,
44
conforme define o âncora do BBB, Pedro Bial, ao comentar sobre os participantes da quinta
edição do programa. Dentro dessa esfera, seria um elenco escolhido com muito rigor, com a
finalidade de atender aos apelos sexuais que deverão ocorrer durante as gravações. As
cenas são cuidadosamente editados para ir ao ar, uma vez que o formato inclui uma
constante alternância entre momentos ao vivo e gravados, que são exibidos de acordo com
a conveniência, roteiro e/ou necessidade de aumentar a audiência. (Veja-se detalhes no
próximo capítulo, que trata da criação e edição do programa).
Evidentemente, uma vez demonstrados os indícios, fica claro que o sexo é um forte
artifício e faz parte de uma estratégia para esse formato de programa, que busca índices
altíssimos de audiência. Obviamente é um produto que está à venda, ou seja, um bem de
consumo que encontrou na exploração da sexualidade o seu argumento para atingir o
receptor.
Depois de estabelecido o direcionamento atribuído à convivência na casa, o prazer,
o desejo, as opções sexuais tornam-se ponto de comum relevância entre os membros do
jogo. Por meio da cumplicidade averiguada entre os dois pólos do processo comunicativo,
produção e recepção, tais questões são jogadas para o público consumidor, que endossa
esse produto midiático. Depois de sobreviver a cinco edições, se anuncia a próxima
versão do BBB.
Na primeira edição, as tentativas de vulgarização foram mais brandas se comparadas
com as seguintes. O reality show BBB evidencia uma distorção da programação da TV, isto
é, elabora uma tentativa de popularização pelo caminho mais curto: a banalização.
45
quem se refira à televisão como ‘janela para o inferno’ e
quem credite esse aumento no tempo de exposição ao ingresso
massivo dos programas do tipo reality show’, que na verdade,
nada mais são do que uma sensível redução (freqüentemente
grotesca) da fronteira entre o telejornalismo e o entretenimento
(SODRÉ; PAIVA, 2002: 130).
É perceptível a construção de uma linha evolutiva que caminha para o banal e para
o grotesco. Além da homossexualidade de André (BBB 1), sem tanta repercussão, e a
constante exposição dos corpos semi-nus que conta com a escolha rigorosa do tipo físico
dos participantes poucos foram os apelos grotescos de banalização da sexualidade. Até
mesmo os casais trocavam carícias menos ousadas, se comparados com as edições
seguintes. Ainda assim, a “cultura do edredon”, isto é, o namoro escondido sob ou entre as
cobertas surgiu nesta fase. Embora recentemente alguns participantes eliminados dos cinco
BBBs tivessem participado de um programa de auditório da Rede TV, curiosamente no
mesmo dia do último episódio do BBB, no qual insinuaram a existência de demais atos
sexuais (além do registrado no BBB 2), nada de concreto foi apresentado; restando a
hipótese de que essa exploração foi aplicada de maneira gradativa para que fosse possível
medir a aprovação do público por meio dos índices de audiência.
Dentro dessa estratégia, a produção do programa investe para tornar próxima à
representação encenada na tela do cotidiano em si. Sodré e Paiva explicam que “pode
converter-se em espetáculo a própria vida comum, o cotidiano com seus miúdos hábitos
repetidos e sua inelutável banalidade” (2002:134).
No BBB 5, as mulheres da casa reunidas no quarto, em frente ao espelho passaram a
se questionar sobre a seguinte reflexão jogada ao grupo por uma delas: “Minha bunda está
muito caída?”. Nesse momento, essa indagação é tratada com um trabalho de edição de
46
imagens que mostra as mulheres analisando seus corpos no espelho e se tocando com o
intuito de identificar o grau de atratividade de suas nádegas.
A cena remete diretamente à questão da beleza, da atração sexual. Mas é importante
ressaltar que essa é uma situação construída por meio do contexto introduzido pela
produção. Elas estavam dentro do quarto, em trajes de banho e com vários espelhos, além
da preocupação com as inúmeras câmeras que transmitem a imagem para a televisão aberta.
Some-se isso a edição de imagens que valoriza ainda mais a questão.
Os exemplos se multiplicam em todas as edições do programa. No BBB 2, os
participantes Tarciana e Jéferson assumiram publicamente terem concretizado o ato sexual
dentro da casa. O sexo aconteceu na cama, embaixo do edredon, mas foi discutido em larga
escala pelos demais. A polêmica fabricada ganhou força com a confirmação de ambas as
partes e com os comentários entre os demais sobre o caso.
Para ilustrar, a produção preparou um clip com cenas nas quais os participantes
dessa edição aparecem com declarações curtas –geralmente uma frase, para que não haja
possibilidade de alterar o contexto pretendido sobre a necessidade de se ter sexo e as
dificuldades de ficar sem relações durante algum tempo. Tarciana aparece com a seguinte
frase em relação ao tema proposto: “É pior que cachorro quando quer”.
Ainda na mesma edição, Manuela que demonstrava atração e interesse por Fabrício,
após uma festa, e em local isolado dos demais, faz a seguinte proposta a ele em murmúrio:
“Quer colocar a mão no meio peito agora?”. Ao que ele responde em tom de deboche:
“Cala boca sua puta!”. Depois disso, em outra cena, eles aparecem sozinhos, em uma
banheira com espumas na qual, especula-se uma possível manifestação reservada de toques
pessoais. Em outro capítulo mais adiante, após assumir um romance com Thyrso, Manuela
recebe o pedido, deitados na cama, trocando carícias: “Mô, vamos fazer momô?”. Tal frase
47
ficou marcada e passou a ser motivo de chacota interna e externamente . Manuela recusara
o convite.
Uma vez definido esse contexto de insinuações, os participantes se inserem
completamente no clima proposto. Nas festas, sempre com muitas bebidas alcoólicas e
caracterizações exóticas e sensuais, os casais se separam e ficam isolados trocando carícias
íntimas. Em reuniões eventuais também acontecem conversas que envolvem o tema sexo de
maneira grotesca e banal. Thaís (BBB 2), em conversa com Cowboy (Rodrigo) ensaia o que
ela chama de dança de acasalamento: “Quando um macho quer conquistar uma fêmea, eles
dançam assim”. Essa frase é dita em conjunto com a suposta dança em que seus órgãos
genitais se encostam sem o menor constrangimento. Os dois começaram um namoro logo
depois do programa.
Em BBB 5, um dos fatos mais polêmicos foi a exposição pessoal de Jean, ao falar
abertamente sobre sua homossexualidade. Quando indagado por Pedro Bial sobre o motivo
de ter recebido três votos no primeiro “paredão”, ele respondeu: “Talvez [tenha sido
votado] pelo fato de eu ser gay”. Bastou essa declaração para que sua popularidade no site
oficial do Big Brother Brasil pulasse para o primeiro lugar e se mantivesse assim até a
última semana de gravação quando venceu a disputa pelo prêmio final de um milhão de
reais.
Mais do que isso, Jean acusou os demais participantes de preconceito em virtude da
sua opção sexual. Durante os dias seguintes do programa, ele frisou o tempo todo em
conversas com outros, que aparentemente estavam em sua defesa, o fato de ter sido
discriminado em razão de sua homossexualidade.
A questão da homossexualidade tem sido explorada pela Rede Globo, num processo
contínuo, que começa com a inserção do tema nas telenovelas. Em Torre de Babel (1998),
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o tema é abordado ainda que de maneira não muito enfática. Já em Mulheres Apaixonadas
(2003), um casal de lésbica ganha bastante destaque na trama. Além disso, a encenação
desse romance traz um diferencial. A cena romântica que inclui o beijo entre as
“personagens” foi realizada na encenação de uma peça teatral dentro da novela. Dessa
forma, o beijo justificava-se pela peça, embora a relação entre as “personagens” fosse parte
da história da novela. Em Senhora do Destino (2004), outro casal homossexual feminino
foi inserido na trama. Houve uma preocupação em enfatizar os conflitos amorosos entre as
“personagens” – decorrentes do preconceito das famílias de uma delas – e, paradoxalmente,
de modo simultâneo, mostrar uma maior tolerância de uma parcela da sociedade,
supostamente mais liberal como o caso da família da outra personagem. Em 2005, a
novela América trouxe um jovem homossexual, que esconde o fato da mãe e chega a
namorar mulheres. Neste caso, o personagem passa a ter dúvidas sobre a sua opção sexual,
que é indefinida no início da história. Os exemplos não se esgotam com os casos
apresentados. Citamos apenas alguns que elucidam a dificuldade de aceitação do
homossexualismo na mídia.
Big Brother Brasil, que se concentra na linha tênue entre a realidade e a ficção traz,
desde sua primeira edição, a presença do homossexualismo com André. Entretanto, no BBB
5 a evidência é ainda mais forte, que a popularidade de Jean salta para o primeiro lugar
após a sua declaração, na qual se dizia gay. A crescente utilização do homossexualismo, na
televisão, especificamente na Globo, não é, portanto, gratuita. A mobilização da população
homossexual foi decisiva, tanto nas votações, quanto nas manifestações de apoio ao
competidor Jean – que venceu o BBB 5, deixando essa marca.
A repercussão do caso gerou protestos e manifestações de apoios externos, por meio
de organizações e movimentos gays espalhados por todo o país. Pink, companheira mais
49
próxima de Jean, inconformada não com a atitude, mas também com a própria
orientação sexual de Jean, chegou a comentar da seguinte forma: “Como pode, um homem
desses...”. Em seu livro Jean Wyllys (BBB 5), dedica um capítulo a respeito de sua
homossexualidade e da amizade entre homens de opções sexuais diferentes. “Entre os
muitos preconceitos em relação aos gays, aquele segundo o qual não é possível uma
relação de amizade entre um homem heterossexual e um homem gay, porque este último
teria sempre o desejo inconfesso de levar aquele para a cama” (2005: 36).
O grotesco é o mecanismo pelo qual a banalização da sexualidade se manifesta.
Reich fala sobre uma série de problemas desencadeados a partir da repressão sexual. As
carências e instabilidades sexuais são expostas, no BBB, pelo filtro de uma estética do
grotesco.
As interferências da sexualidade nos aspectos sociais, às quais Reich se refere,
juntamente se refletem em clichês e estereótipos que são interpretados no Big Brother
Brasil com apelo as representações grotescas que se manifestam dentro da criação de um
falso cotidiano. Trata-se de uma sexualidade asseptizada, sem nenhum frisson, e de uma
libido controlada o tempo todo pelo Grande Irmão, Bial. Sobre esse aspecto (no programa
francês Loft Sotre da mesma natureza de BBB) Jean Baudrillard considera que: “esse
despudor, essa obscenidade radical (...) é ainda, um véu, o último dos últimos véus
aquele inultrapassável, aquele que se interpõe quando se acha que todos foram rasgados”
(2004: 31-32). A sexualidade, portanto, paradoxalmente alcança a nulidade devido a
própria super exposição.
Bial é um narrador onisciente, que, por meio de seus comentários e pela imposição
de suas regras, determinadas pela produção, mas administradas por ele, comanda o
espetáculo da exposição exagerada da sexualidade sem nenhum critério.
50
O grotesco está presente sob diversas formas no Big Brother Brasil. Contudo,
prevalece o grotesco representado pelo uso da imagem (televisão), na espécie chocante
como apelo mais intenso não apenas no BBB como na maior parte dos produtos
midiáticos. Muniz Sodré e Raquel Paiva consideram que o grotesco chocante é a
“modalidade nas programações televisivas para a grande massa” (2002: 133).
Cenas como o desafio, no primeiro dia do BBB 1, em que os participantes ficavam
aglomerados e amontoados, por várias horas dentro de um carro, sem poder satisfazer
necessidades como comer, dormir ou ir ao banheiro, sendo que aquele que resistisse àquela
situação por mais tempo levaria o carro como prêmio, são exemplos da representação
grotesca. Além disso, os diálogos sobre os romances, sobre a sexualidade e até mesmo a
respeito das necessidades biológicas do organismo humano também constituem um forte
apelo ao grotesco.
Na programação grotesca, o público sintoniza-se com problemas pequenos e sem
importância na tentativa de buscar alívio para seus próprios problemas. Dentro desse
contexto:
na sociedade midiatizada de hoje, a televisão, enquanto mídia
hegemônica, tende a instituir-se como ‘corpo grupal’,
reinterpretando semioticamente determinados discursos do senso
comum e tornando-os, por força do mercado de consumo, mais
assimilável pelo público do que verdadeiramente comunicativa
(SODRÉ & PAIVA, 2002: 131).
O principal fator desse sistema é que o grotesco chocante “permite encenar o povo
e, ao mesmo tempo, mantê-lo à distância”. Conforme Sodré e Paiva isso ocorre ao dar “voz
e imagem a energúmenos, ignorantes, ridículos, patéticos, violentados, disformes,
51
aberrantes, para mostrar a crua realidade popular, sem que o choque daí advindo chegue às
causas sociais, mas permaneça na superfície irrisória dos efeitos” (2002, 133).
A estética do grotesco constitui, portanto, o mecanismo de exploração da
sexualidade, que resulta em banalização e vulgarização. Uma vez que a sexualidade passa a
ser explorada pela mídia especialmente nesses BBBs - tais representações se concretizam
dentro de uma estética do grotesco, com estratégias definidas para atingir, por meio da
simulação, o receptor.
52
2. Processo de criação e edição
A criação do reality show Big Brother Brasil aconteceu de forma inusitada, segundo
dados extraídos da entrevista que o idealizador do programa, John De Mol concedeu, em
2003, à revista Veja. Não é possível detalhar a inspiração que o levou a criar o programa na
Holanda. Na entrevista em questão, ele fala resumidamente sobre o desenvolvimento do
Big Brother original. De Mol afirma que a idéia surgiu depois de uma reunião fracassada
para produzir um novo programa para uma TV holandesa. Ele conta que resolveu entrar em
um bar e após o longo consumo de bebidas alcoólicas surgiram as primeiras idéias,
decorrentes do comentário a respeito de um projeto científico. Nas palavras dele:
tinha tomado uma quantidade razoável de drinques quando alguém na
mesa mencionou que havia lido num jornal americano uma notícia sobre
um projeto científico chamado Biosfera 2, em que um grupo de
pesquisadores se isolara numa estufa por um longo período, como se
estivessem em outro planeta (...). Logo de cara, fiquei muito interessado
em saber mais detalhes sobre o Biosfera 2 e o que acontecera na
experiência. A idéia básica do Big Brother nasceu (VEJA, 22/01/03:
12).
O idealizador do Big Brother afirma também, que chegou a fazer entrevistas com
participantes do projeto Biosfera 2. Ele nega que tenha sofrido influência do livro 1984, de
George Orwell. Não tivemos acesso ao programa original, porém as comparações entre a
obra de Orwel e o reality show Big Brother Brasil apresentem muitos pontos de
intersecção. Segundo John de Mol “engana-se quem imaginar que o livro 1984, de George
Orwell, tenha sido influência. Não foi”, justifica:
53
Na obra de Orwell, é o governo que observa tudo o que as pessoas fazem
através de câmeras ele fala de autoritarismo, e não de voyeurismo,
como é o nosso caso. peguei o nome Big Brother emprestado por que
soava melhor do que o título original do programa, A Gaiola Dourada
(VEJA, 22/01/03: 12).
Cabe lembrar, que ao considerarmos o programa em sua estrutura interna, as regras
constituem uma espécie de leis aplicadas por um governo (produção), e respeitadas pelos
participantes que podem sofrer punições por desrespeito a regras. Trata-se do controle
exercido pela produção do programa sobre os participantes. Em BBB, até mesmo os
comentários entre os integrantes são “vigiados” e Bial questiona a todos em postura
autoritária, mas sob a máscara de condutor democrático. É, dessa forma, incoerente
concordar com John De Mol. As semelhanças indicam uma aproximação entre 1984 e Big
Brother. O voyeurismo está presente na esfera do telespectador. Apesar disso, antes da
relação programa-público, uma relação estabelecida entre os próprios membros do
programa envolvendo participantes e direção. Todavia, embora fique visível que BBB teve
inspirações em Orwell, é válido ressaltar que o Big Brother não pode ser comparado a
1984, ou seja, o programa de De Mol não está a altura da obra de Orwell.
O Biosfera 2, que segundo De Mol, foi sua fonte de inspiração, tratava-se de um
projeto que começou a ser executado no ano de 1986, pelo americano Edward P. Bass. Um
laboratório isolado, feito de vidro e aço, concentrava pesquisadores e mais 3.800 espécies.
A idéia era a sobrevivência através da reciclagem do ar e da água, ou seja, um ambiente
auto-suficiente, conforme sugere o nome Biosfera.
54
O investimento para a conclusão do projeto foi de 200 milhões de dólares, segundo
consta no artigo publicado por César da Silva Júnior, Paulo Sérgio Bedaque Sanches e
Sezar Sasson, na página da Internet da Editora Saraiva. Segundo os autores, o fracasso do
projeto se deve a motivos diversos, que incluem desde dificuldades técnicas, como a
composição do ar e a produção de alimentos; a problemas gerados pelo fato de estarem
confinados.
(...) nos dois primeiros anos, a Biosfera 2 tornou-se muito mais parecida
com o Inferno do que com o Paraíso Terrestre! Segundo as palavras de
um dos responsáveis atuais: ‘...é extremamente difícil brincar de Deus e
conseguir fazer tudo funcionar num planeta; os biosferianos tinham que
fazer tudo, desde colher seu próprio café até manter um complicado
sistema de encanamentos e computadores...’ (SILVA JUNIOR;
BEDAQUE; SASSON, 1997).
Sobre a influência sofrida pelo projeto Biosfera 2, John de Mol compara a
experiência científica ao caso do BBB da seguinte forma:
O Biosfera 2 era um projeto sério que acabou se revelando uma piada,
enquanto o Big Brother é um programa de entretenimento que acabou se
tornando objeto de uma porção de estudos (...). Bem, a meu ver, os
fatores que levaram ao fracasso do projeto são exatamente os
ingredientes que fazem o sucesso do programa (VEJA, 22/01/03: 12).
Os fatores aos quais De Mol se refere o confinamento, a convivência com o grupo
são na, na visão dele, os ingredientes que determinaram o sucesso de Big Brother.
Todavia, esses fatoreso apenas algum dos aspectos trabalhados pela produção. Também
o grotesco e a banalização da sexualidade são ingredientes que proporcionam o fascínio no
público e causa uma certa identificação.
55
De acordo com os pesquisadores Silva Junior, Sanches e Sasson, embora a
experiência científica tenha fracassado em seu objetivo principal, o desenvolvimento
científico do projeto ainda é considerado valioso para o desencadeamento de outros
estudos.
Desde janeiro de 1996, a Universidade de Columbia se associou ao
projeto Biosfera 2. Embora os projetos futuros não estejam prevendo
nada de tão espetacular como encerrar pessoas dentro dela, os cientistas
avaliam que a Biosfera 2 é um instrumento valioso para se fazer
experimentos controlados, em que poderá ser medido o efeito de
variáveis como a taxa de gás carbônico e a temperatura sobre os
ecossistemas (SILVA JUNIOR; BEDAQUE; SASSON, 1997).
Dessa forma, confrontamos a opinião de De Mol quando ele considera que o
Biosfera 2 se transformou em uma piada. A seriedade do estudo, de acordo com os autores
do artigo, se evidencia nos aspectos positivos que os resultados da pesquisa trouxeram. Eles
consideram, ainda, que:
Não se pode dizer, em absoluto, que a Biosfera 2 seja um fracasso
absoluto. Mesmo que se pense apenas em termos de atração turística,
mais de um milhão de pessoas, pagando uma entrada de mais ou menos
13 dólares, a visitaram. A parte aberta à visitação inclui somente o
‘habitat humano’, em que moraram os biosferianos; aí, é possível ver a
mesa de mármore em que tomavam suas refeições, ou ainda visitar os
banheiros, em que usavam duchas ao invés de papel higiênico... Os
biomas continuam isolados do público, à disposição dos cientistas que
neles trabalham, que entram e saem neles todos os dias, através de
comportas de ar. Além disso, vários programas educacionais estão sendo
desenvolvidos no seu interior, sendo recebidas várias turmas de
estudantes universitários (SILVA JUNIOR; BEDAQUE; SASSON,
1997).
56
2.1. As “personagens”
No programa Big Brother Brasil, a representação da realidade se faz por meio de
uma modificação do real com a exploração de estereótipos e clichês que impliquem em
conflitos sociais. Desta forma, os modelos são cópias de representações desgastadas na
mídia e na sociedade. Exatamente por isso, as “personagens” são determinados de tal modo
que o choque entre diferentes personalidades ocasione uma simulação das diferenças
sociais.
A representação no Big Brother Brasil implica numa apresentação fragmentada e
manipulada do real que conta com “personagens” que dão suporte a essa simulação. Sobre
esse aspecto, Platão considera que “(...) a arte de imitar está muito afastada da verdade,
sendo que por isso mesmo dá a impressão de poder fazer tudo, por só atingir a parte mínima
de cada coisa, simples simulacro(apud GUIRADO, 2004: 37).
Entretanto, é necessário ressaltar que a manipulação refere-se ao conteúdo das
mensagens transmitidas e não do público, uma vez que, amparados em Thompson (1998),
defendemos uma audiência ativa que se faz presente por meio de uma relação de
cumplicidade entre os dois pólos do processo comunicativo. Trata-se de uma abordagem da
manipulação da produção.
A simulação da realidade é denunciada pelo ex-diretor da Rede Globo José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, pai de José Bonifácio Brasil de Oliveira, diretor do
programa Big Brother Brasil. Em entrevista a Daniel Castro no Ilustrada do Jornal Folha
de S. Paulo (28/09/2003), Oliveira Sobrinho diz a respeito do BBB: “Eu não gosto do texto,
57
dos atores. uma situação de falsificação de realidade. A separação entre ficção e
realidade é muito tênue”.
As “personagens” do programa, ou atores como disse Oliveira Sobrinho, vestem
determinadas “máscaras” com referências explícitas e redundantes a determinados tipos de
caráter. Udo Becker, em seu Dicionário de Símbolos, define máscara como “símbolo de
disfarce do próprio eu atrás de um rosto artificial” (1999: 182-183). Evidentemente quando
nos referimos a máscaras, estamos utilizando abordagem metafórica que relata um disfarce
da realidade por meio da simulação do cotidiano expresso por representações grotescas.
Dessa forma, mais do que proporcionar os conflitos entre as diferenças, quando
determinados modelos chegam ao ápice de sua concretização, mitifica-se o “personagem”
que busca conquistar status de celebridade. Segundo Bill Moyers, “hoje parece que
reverenciamos celebridades, não heróis”, tal é o poder da celebridade (apud CAMPBELL,
1995: 142).
A criação de modelos que passam a ser imitados socialmente é visível na utilização
de expressões, gírias e a criação de moda com determinados objetos e vestuário dos
“personagens” midiáticos. No caso de Big Brother Brasil, não apenas se transforma em
grife de vários objetos que vão desde camisetas até toalhas de banho, como também oferece
margem para a exploração dos estereótipos através da reprodução de objetos utilizados
pelos participantes no programa. Tais objetos passam a ser produzidos e comercializados
em larga escala.
A imitação desses “personagens” permite por exemplo, a clicherização da
expressão “faz parte”, criada por Kleber, vencedor do primeiro BBB. Trata-se de
58
interferências no uso da língua tal qual os “personagens” de telenovelas executam com
vistas na caracterização que reforça os estereótipos.
A sociedade passa a buscar seus próprios modelos. Constrói-se uma fábrica de
celebridades na mídia. Big Brother Brasil, em seu processo de criação busca exatamente
proporcionar essa simulação por meio de participantes, que num primeiro momento são
pessoas comuns, e posteriormente são astros de televisão atuando numa novela da vida real.
A busca de falsos heróis na mídia propicia uma falsa identidade com o público, por
meio das representações e das simulações do real na formação de modelos. Surgem, a partir
da convivência em grupo e principalmente de uma “pseudo convivência” com o público os
“personagens” e modelos banalizados a partir dos estereótipos. É exatamente por meio
desse sistema que se confirmam certos preconceitos e visões elitistas convenientes para a
mídia de uma maneira geral, mas em especial para a audiência do programa. Formam-se
pontos de referências e concretizam-se estereótipos dentro de uma fabricação de
celebridades.
Assim, os exemplos desse processo aumentam a cada edição. No BBB 2, a
exploração da imagem do vencedor Rodrigo Cowboy proporciona a fixação de um
homem com comportamento machista e ignorante como sendo a forma de uma pessoa do
campo. Rotula-se o perfil dos residentes e trabalhadores na área rural, associando essa
imagem com a do participante.
Paradoxalmente, não apenas a imagem negativa, com fundamentos no vocabulário,
comportamento e vestuário diferenciado ganha espaço. Surge, por outro lado, um modismo
que tende a imitar o figurino, os aspectos comportamentais e até mesmo os erros
gramaticais do vocabulário. O próprio Cowboy suporte ao preconceito em frase dita
59
dentro do confessionário: “Eu sou esse tanto de xucro mas até que sou bem moderno”. A
simplicidade acaba se tornando carisma.
Em outro exemplo, Pedro Bial, em um dos primeiros programas refere-se a Jéferson
ex-usuário de drogas como “meu malandro de Carapicuíba”. A expressão ambígua
remete à idéia de um desvio de caráter. Populariza-se a celebridade pela comoção com
história de vida do “personagem”.
Thaís (BBB 2) foi associada à imagem de uma ninfeta. No decorrer do programa,
houve um trabalho de edição de imagens e uma forte exibição do seu figurino, com trajes
mínimos. Esse é um estereótipo ligado diretamente à sexualidade. Ela é um dos artifícios
para Bial instigar a suposta sensualidade, com indícios obscenos.
Em BBB 1, André foi vítima da especulação sobre sua opção sexual. Entretanto, a
atenção para a sua sexualidade foi desviada quando ele criou um “personagem” uma
máscara consciente e declarada ao público. Deixou-se o duplo da sexualidade, para se jogar
com a dupla personalidade - a esquizofrenia. Também na primeira edição do programa,
Xaiane, dançarina profissional de casas noturnas sofreu insinuações preconceituosas
comparando a profissão de dançarina e prostituta. Além do porte físico, o namoro embaixo
do edredon com Kleber vencedor BBB 1 (também estereotipado de símbolo sexual
masculino tipicamente ignorante, isto é, uma versão masculina da “loira burra”, o que
ironicamente formava o par perfeito) reforçou a idéia.
As características comportamentais, pautadas pelo grotesco, passam a ser
referências do banal. A suposta religiosidade de Rodrigo, fortemente explorada por meio da
exibição exaustiva da imagem de uma santa dentro do chapéu, o misticismo de Rita (BBB
2), cartomante que ditava previsões; e de Cida (BBB 2), que conversava com “São Jorge” –
60
pássaro que, segundo ela, revelava o futuro dos participantes entre outras coisas
passaram a ser valorizados na formação dessas celebridades.
É, dessa forma, sob uma relação cúmplice entre o BBB e seu público que se
solidifica a simulação do real, configurando-se como um “crime perfeito”, que, segundo
Baudrillard é “a eliminação do mundo real”. Dentro dessa concepção, Muniz Sodré
complementa: “O crime é de fato perfeito quando consegue apagar os seus próprios
traços, para nos fazer esquecer que todos nós somos, ao mesmo tempo, criminosos e
vítimas” (In: BAUDRILLARD, 2004: 13-14). A sociedade e a mídia mantém uma relação
de cumplicidade que resulta na proliferação do banal e na confirmação do sucesso da
estética do grotesco.
2.2. Aspectos da elaboração
Dentro do propósito de fortalecer e criar “personagens” a partir de uma
representação que forja o cotidiano, consideramos necessária a apresentação de quatro
aspectos a serem enumerados e discutidos a seguir. São eles: edição, confessionário, jogos
de tensão e relaxamento e publicidade.
2.2.1. Edição
Embora o campo do jornalismo se faça presente ao se utilizar termos como
informações, notícias, imagens e publicações e edições, essas técnicas não se aplicam
apenas a essa área, mas em qualquer produto que vise ser veiculado pela mídia seja ele um
reality show ou um telejornal.
61
No que se refere à edição, é comum que as disputas políticas sejam cenários
propícios para a veiculação de informações fragmentadas com intuito de construir
acusações e alterar o conteúdo dos fatos. É constante a utilização de trechos de entrevistas
nos quais um corte em uma determinada fala causa uma conotação diferente da desejada
pelo autor do discurso.
Os reality shows utilizam desse recurso técnico para criar determinadas situações a
partir da seleção das melhores imagens, dos melhores ângulos para determinada situação.
Cria-se o fato ao invés de ilustrá-lo, pois, a seqüência manipulada de cenas exibidas em
momentos oportunos fabrica uma situação que passa a ser interessante à emissora.
Através da edição decide-se quais serão as imagens ou textos e a disposição desse
material no resultado final da obra. A princípio, esse seria um recurso técnico para
organizar e caracterizar (seja pela relevância ou pelo tempo cronológico) as informações e
dados a serem transmitidos, além de descartar aquilo que não será efetivamente utilizado.
Todavia, a edição age em alguns casos como um filtro que pode fragmentar uma
informação. As conseqüências desse ato podem ser desastrosas como se viu em casos de
notícias mal editadas e informações propositadamente tendenciosas ou falsas. São técnicas
que permitem modificar completamente o conteúdo de uma informação, induzindo a uma
interpretação ambígua ou contraditória, o que pode não corresponder à coerência.
Um exemplo evidente do que pode acontecer com o trabalho de edição tendencioso
(propositadamente embora não haja provas concretas, mas apenas evidências), foi o
ocorrido nas eleições presidenciais no Brasil em 1989. A edição do debate entre Fernando
Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva, feita pela Rede Globo, resultou em uma
modificação de seu conteúdo pois selecionou trechos que foram divulgados em uma
62
disposição que prejudicava o candidato de oposição Lula. Collor obteve uma explícita.
Mais tarde seria cassado e teria seus direitos políticos suspensos por corrupção.
O que deveria ser um recurso técnico que seleciona imagens para ilustrar fatos, age
na verdade como recurso que através de imagens selecionadas compõe tendenciosamente
os fatos. Dessa forma, cria-se uma falsa realidade que, paradoxalmente ao fato de ser
“demonstrada” pelas imagens, não corresponde aos acontecimentos, mas sim à
interpretações, de quem faz a edição, concretizadas por meio de argumentos falsos com
intuito de induzir ao erro; e dados incompletos.
Dentro dessa abordagem, a oportunidade é um fator importantíssimo na produção
do Big Brother Brasil. As cenas são utilizadas em momentos escolhidos e programados, o
que justifica o fato de que nem toda a duração do programa é ao vivo. Ao contrário, faz-se
uma mescla entre cenas editadas e momentos ao vivo nos quais Pedro Bial questiona os
participantes sobre as cenas.
Viabiliza-se o constrangimento de quem precisa esclarecer exatamente o significado
de uma determinada fala ou de uma cena exibida, justamente em momentos nos quais vêm
á tona os assuntos respeitantes àquelas situações mostradas. Incentivam-se as intrigas e a
discordância entre os participantes que, embora não possam ver as cenas mostradas ao
público o que acrescenta o caráter de vida real” para os telespectadores as discutem
tendo Bial como mediador. É, portanto, o posicionamento de BBB em linha tênue entre a
realidade e a ficção.
Além disso, durante o programa, a edição é utilizada para “desmascarar” mentiras
ditas entre os integrantes da casa. Em um exemplo, Cida (BBB 2), após a eliminação de
Tina (“personagem” que cultivou atritos com todo o grupo, exceto Cida), afirma
veementemente que não estava de acordo com as ofensas de Tina para com os demais. No
63
mesmo instante, interrompe-se a cena e entra no ar uma conversa entre Cida e Tina na qual
as duas confabulam sobre as ofensas que deveriam ser feitas.
Uma análise mais superficial poderia supor que essa seria uma função positiva da
edição pelo fato de mostrar a verdade ao público. Entretanto, considerando que a conversa
entre as duas integrantes fora exibida em outras circunstâncias, fica evidente a tentativa
de manipular a opinião pública escolhendo a melhor cena para retransmiti-la na melhor
oportunidade em horário de maior audiência.
É justamente uma montagem de rias imagens, exibidas nas melhores
oportunidades, que fragmenta a informação e cria uma situação que pode não corresponder
à verdade. Embora as imagens sejam legítimas, os cortes e montagens entre elas conduzem
a uma interpretação unilateral que não considera o meio termo, pois situa-se sempre nos
extremos. Soma-se a essa, outras utilidades da edição como recurso técnico para criar um
fato. O “personagem” Thyrso (BBB 2), quando saiu do programa tinha o apelido de
“mané”, devido as suas investidas em se demonstrar um homem sensível, para conquistar
seu par romântico, Manuela.
Ridicularizar as pessoas perante o público é outro artifício presente nas gravações de
Big Brother Brasil. Chacotas com a repentina paixão de Thyrso por Manuela eram
constantes durante os programas. Recursos como fundo musical, modificação da voz, textos
em balões e até mesmo a simulação de uma novela mexicana que expunha de forma
ridícula e banal o triângulo amoroso entre Thyrso, Manuela e Fabrício, foram amplamente
utilizados no processo de edição. O mesmo se passou com os demais casais nas demais
edições do BBB.
Esse processo de edição com objetivo de alcançar o riso pelo ridículo caracteriza a
exploração do grotesco. Todo o mecanismo de edição concentra-se em proporcionar cenas
64
fiéis ao que se pretende na estética do grotesco utilizada pela mídia. As “personagens”
servem de suporte para os exageros e para a ridicularização. Entretanto, o apoio da edição é
fundamental para dar forma ao conteúdo que se pretende explorar.
A situação se agrava ao considerarmos que isso, assim como outros fatores
presentes no programa, contribuem para reforçar ideais machistas ao ridicularizar uma
suposta sensibilidade masculina. Além disso, houve a associação da mulher a uma imagem
negativa, perante o senso comum da sociedade, quando se faz disputar por dois homens, ora
desprezando um, ora outro.
Os estereótipos também se reafirmam através da conduta da edição do programa. A
associação de homem sensível com “mané”, entre outras coisas fazem do Big Brother
Brasil um cenário carregado desses rótulos que, quando não levantados espontaneamente
pelos “personagens”, são incentivados pela produção através da manipulação da opinião
pública.
Os preconceitos a respeito da homossexualidade são também investimentos da
produção que parece apostar no aumento da audiência em função da mera polêmica. Pelo
fato de na segunda edição do programa não haver “personagem” que se dissesse
assumidamente homossexual, o próprio Bial estimula a dúvida sobre a sexualidade de
Fabrício (que já havia sido atacado por Tina a esse respeito) em virtude de uma dança na
qual o “personagem” se vestiu de Drag Queen.
Jean (BBB 5) também teve sua sexualidade explorada. Após a declaração na qual ele
se diz homossexual, a edição exibiu várias vezes a fala “acho que pelo fato de eu ser gay
(resposta dada ao apresentador quando questionado sobre o motivo de ter sido votado para
o Paredão).
65
O trabalho de edição explora o grotesco situações e diálogos que buscam o riso
pelo ridículo; e a sexualidade banalizada. Jean Baudrillard avalia que tal linha de
programação constitui uma “Trivialidade de síntese, fabricada em circuito fechado e com
tela de controle” (2004: 20). A transmissão de imagens e diálogos com conteúdos
escatológicos é feita sem qualquer critério ético. Situações embaraçosas do cotidiano são
reproduzidas e filmadas em tom irônico e/ou vulgar. Em um determinado diálogo entre
Fernando e Jeferson (BBB 2), o primeiro pergunta ao último em tom acusativo sobre uma
suposta flatulência.
Esse é o exemplo mais comum de escatologia pelo qual o trabalho de edição teve
atenção especial. Necessidades fisiológicas que todos os seres humanos têm passam a ser
compartilhadas com todos os telespectadores em tom de chacota, o que configura a situação
como grotesca não pelo seu caráter, mas pelo modo como esta é tratada e transmitida.
Situações como essa estão sempre presentes no Big Brother Brasil. Em um dos
programas, Thaís (BBB 2) reclama dizendo que alguém havia “poluído o ar”. São clichês
grosseiros que simulam uma falsa intimidade entre pessoas que, pelo menos teoricamente,
nunca se conhecem. Tenta-se criar um clima de cumplicidade amistosa entre os
“personagens”.
Na primeira edição do programa, a prova que definiu o ganhador de um carro novo
foi a permanência pelo máximo de tempo possível dentro do veículo até que restasse
uma pessoa. Enfim o ganhador revela a sua tática para “expulsar” os demais concorrentes
do prêmio: flatulência. Esse exemplo é citado por Sodré e Paiva (2002) ao exemplificar o
grotesco chocante.
Além disso, a edição preocupa-se com o fator da sexualidade que oferece grandes
chances de aumento de audiência. A banalização é recurso taticamente aproveitado para
66
criar um cenário obsceno na casa. O diálogo entre os integrantes contribui para essa
finalidade. Em determinado momento Jéferson (BBB 2) se utiliza de metáforas e códigos
para perguntar a Fernando sobre seu envolvimento com Thaís. Em tom de voz discreto ele
pergunta: “Rolou pagodinho? Catou?”. O nível do diálogo deixa evidente o grotesco nas
cenas. A banalização ultrapassa a sexualidade e chega a atingir, inclusive, a língua.
A edição determina a ordem dos fatos (não cronológica, mas a ordem de exibição)
criando uma determinada situação que sirva como sustentação para configurar o grotesco
como categoria estética. A recepção é, dessa forma, totalmente dependente do processo de
edição.
O programa pronto vai ao ar com uma montagem que retrata sempre os extremos. A
comoção na saída de um participante é determinada pela sucessão de cenas tocantes que
leva a crer que tal “personagem” não devia sair do programa, pois isso causou tristeza nos
demais integrantes e no público que se emociona com tal situação, mesmo levando em
conta que esse mesmo público votou para a saída do “personagem”.
O misto entre emoção, obscenidade e intriga é a receita de uma edição que leva ao
ar um cotidiano banal e reforçador de clichês em cada aspecto desse cotidiano; no
sentimentalismo, no sexo e nas diferenças, sejam elas raciais, sexuais ou intelectuais.
Forma-se uma espécie de palco da vida, onde “personagens deveriam agir não como
“personagens”, mas como indivíduos em situações reais. Trata-se do limite entre a
realidade e ficção, por meio de “personagens” de uma vida “quase” real.
Esse cenário mobiliza meios de comunicação que abordam o programa concedendo-
lhe espaço significativo em veículos. Tais veículos deveriam tratar prioritariamente de
informações e não de entretenimento. Exceto críticas e artigos opinativos que constituem
uma maneira válida de o jornalismo trabalhar com o tema, as demais formas de abordagem
67
são uma distorção nos critérios de elaboração de pauta que priorizam assuntos irrelevantes
do ponto de vista jornalístico como, por exemplo, os últimos acontecimentos do Big
Brother Brasil.
É imensurável o volume de notícias e reportagens sobre o programa. Produziu-se
uma quantidade exorbitante de material destacando o programa nas ginas de importantes
veículos brasileiros quando haveria uma infinidade de fatos muito mais relevantes segundo
critérios jornalísticos de elaboração de pauta.
A edição atinge objetivos muito maiores; além da simples exibição diária de uma
falsa novela da vida real. O tema passa a ser parte dos assuntos importantes em destaque no
país, seja na mesa de bar ou na capa de uma revista semanal como a Época (08/04/2002),
que exibiu Kleber, vencedor do primeiro Big Brother, com a manchete “Um brasileiro”. A
ignorância de uma figura imbecilizada por suas frases típicas como: “faiz parte”. É o
“personagem” que melhor exemplifica o grotesco.
O efeito cresce gradativamente seguindo o que sugere Bourdieu ao afirmar que os
meios de comunicação pautam-se uns aos outros. Da mesma forma que um determinado
veículo publica uma matéria referente a assuntos banais como os últimos acontecimentos de
um reality show pautando-se no que foi publicado no corrente, as emissoras também
pautam suas produções desse gênero a partir das concorrentes, gerando um círculo vicioso.
ainda margem para atiçar a curiosidade do público para aquilo que não foi
mostrado. Cria-se então uma expectativa em torno do proibido, do que foi escondido, ou
seja, das cenas inéditas. Isso alimenta uma indústria cultural que cresce através da
mercantilização de bens simbólicos cada vez mais procurados pelas pessoas.
Sugere-se que aquilo que não foi mostrado durante a exibição do programa são as
cenas picantes. A distorção da sexualidade, as carências sugeridas por Reich (1987) são
68
então transportadas para uma suposta pornografia (não encenada, mas natural pelo fato de
não serem artistas e sim pessoas comuns que, naquele momento, representam as perversões
de todos os telespectadores através de um processo de identificação). Baudrillard refere-se
a essa cumplicidade com o público, comparando-a com a cumplicidade entre vítima e
seqüestrador – uma verdadeira Síndrome de Estocolmo que ocorre quando “(...) a sociedade
inteira torna-se cúmplice daqueles que a seqüestraram, mas também quando cada indivíduo
se divide, por si mesmo, em seqüestrado e seqüestrador” (2004: 59-60).
então novas produções de fitas com os “melhores momentos” e “cenas inéditas”,
isto é, um misto daquilo que foi visto com aquilo que todos desejariam ter visto da maneira
mais depravada possível. Os traumas e dificuldades de resolver problemas referentes à
sexualidade são então demonstrados por uma banalização quase que pornográfica do
problema.
Casa dos Artistas (2001), do SBT, foi o primeiro a lançar uma fita de vídeo dessa
natureza. Logo em seguida, Big Brother Brasil, ao terminar a primeira edição do programa,
também colocou à venda uma fita dos melhores momentos e cenas inéditas além de um CD
com a trilha sonora do programa. Vídeo e CD formavam kit vendido no país todo, durante o
ano de 2002.
Mas a indústria cultural oferece ainda outros horizontes, explorando a imagem, a
marca Big Brother ao máximo. Kleber, vencedor da primeira edição, foi garoto propaganda
e tema de um CD denominado As preferidas do Bambam (2002).
É visível que o trabalho de edição se estende a produções muito mais envolventes
do que um simples episódio. Mas é importante esclarecer que uma única cena é
fundamental para que a edição chegue ao sucesso esperado e compense o investimento da
69
emissora. Todos os passos, desde o primeiro episódio até as cenas inéditas publicadas
posteriormente, constituem um percurso seguido fielmente pela indústria cultural.
2.2.2. Confessionário
O confessionário é item essencial para o sucesso do programa Big Brother Brasil.
Não se trata apenas de um cômodo qualquer na casa, mas uma outra dimensão por trás
de um simples lugar. A proposta do programa que mesmo indiretamente implica em
conviver com as diferenças dependeu da idealização do confessionário. Sobre esta
convivência, Baudrillard aponta para uma “reclusão voluntária” na qual se estabelece o
espelho da banalidade. “É o espelho da banalidade, do grau zero, onde se faz a prova,
contrariamente a todos os objetivos, da desaparição do outro, e talvez mesmo do fato de
que o ser humano não é fundamentalmente um ser social” (2004: 20). O autor reforça esse
aspecto ou defender que os reality shows, desse formato, aplicam uma convivialidade de
síntese”, ou seja, trata-se de uma fragmentação modificada do real da nossa sociedade,
simulada pelo banal na mídia.
É evidente que a escolha do nome “confessionário” é estratégica, pois reúne em si a
idéia de pecado; o lugar onde poder-se-á liberar todos os pensamentos sem que para isso
seja julgado ou questionado, pois admite-se o erro e o pecado. Não há, então, receio de
dizer coisas que desagradariam outros integrantes da casa. Dessa forma, o confessionário
do BBB é uma criação simbólica, já que faz uso de um signo já existente em outro contexto
e reformula a sua abordagem. Trata-se da utilização de um símbolo da Igreja em outro
contexto, com outras referências. Ao invés do pecado confessado ao padre, o voto
70
declarado e justificado em segredo para Bial. Além disso, Bial ainda faz questionamentos
sobre os motivos da escolha.
está a figura do Grande Irmão, configurado na imagem de Pedro Bial, que
conversa com os “personagens”. Sentado em uma poltrona, de fronte à tela na qual está o
apresentador (embora não apareça), o “personagem” faz parte de uma verdadeira
reprodução de um confessionário. Os “pecados” não podem ser ouvidos por mais ninguém
além daquele que, em analogia com Orwell, seria a figura do Grande Irmão.
As críticas aos outros integrantes podem ser feitas dentro do confessionário. Sempre
quando necessidade ou vontade, os “personagens” se dirigem ao cômodo que é
acusticamente isolado das outras dependências. liberam suas mágoas, rancores, ou seja,
espaço para o desabafo seja ele por motivos alegres ou tristes, pois ninguém (exceto
todos os telespectadores) poderá ouvir ou ver.
É também que “depositam” seus votos para decidir quem vai para o “paredão”
etapa de eliminação. No dia de votação, o confessionário é o lugar mais visitado da casa,
pois todos os integrantes, exceto o der, são obrigados a entrar e a escolher alguém que
poderá ser eliminado do programa. Dessa forma, o ato de votar consiste em algo secreto,
não pelo direito de livre escolha, mas para funcionar como uma saída para o
constrangimento de escolher alguém.
O isolamento acústico é outro fator que contribui para a peculiaridade do cômodo
que é característica marcante do programa. A sensação de sussurro, de segredo é o que
sentido ao clima de tensão. É nesse momento em que o jogo passa a ser encarado como
realidade, pois a rivalidade provoca um instinto animal de liquidar o adversário mais forte
para dominar o território. Mais uma vez manifesta-se o grotesco no Big Brother Brasil, que
71
se mantém presente sobre as representações guiadas pela edição a partir dos aspectos da
elaboração.
O cômodo funciona como refúgio para reclamações, para comentários (sempre
secretos) que dão ritmo ao programa. Thyrso (BBB 2) usa o confessionário para falar de seu
repentino amor por Manuela. “Eu estou apaixonado”, afirma ele em tom animado. Por
outro lado, serve para Tina desabafar através de um choro raivoso a suposta perseguição da
qual ela estaria sendo vítima na casa.
Cowboy (BBB 2) usa o confessionário para se desviar das perguntas feitas por Bial
através de respostas que demonstram humildade. “Eu sou esse tanto de xucro mas até
que sou bem moderno”, afirma ele que considera normal a tão falada “afetividade” das
mulheres da casa com os homens. De certa forma, transparece a verdade sobre as
personalidades, isto é, as reais opiniões que não serão contrariadas nesse momento.
É um adicional muito utilizado pela edição que exibe apenas aquilo que é realmente
interessante do ponto vista polêmico ou sentimental. A expectativa em torno do
confessionário é grande pois é que se conhece a outra face do “personagem”; não
necessariamente a verdadeira, pois nesse momento, outras máscaras com o intuito de se
passar pela imagem real são levantadas para convencer o público que assiste e o Grande
Irmão Bial – que dirige o espetáculo.
Utiliza-se o confessionário ainda para a discussão de fatos cotidianos. A intenção de
criar uma vivência cotidiana leva os participantes a falarem sobre as banalidades do dia- a-
dia ocorridas na casa. Segundo a teoria heideggeriana, apontada por Muniz Sodré a queda
na banalidade corresponde a “segunda queda do homem”(In: BAUDRILLARD, 2004: 14-
15). Heidegger considera ainda, que a primeira queda refere-se ao próprio estar no mundo
72
(CONÇALVES JR., Arlindo.Ética das massas: a noção de inautenticidade em Heidegger e
Sartre). É, portanto, as banalidades expostas no confessionário, que funciona quase como
um suposto espaço livre, exceto pela obrigatoriedade de não fugir às regras propostas
inicialmente pela produção do programa para que a edição atua de maneira determinante
para utilizar as cenas na elaboração de clipes sobre o histórico da “personagem” na casa,
para mostrá-lo de acordo com a necessidade.
O momento de votação é provavelmente o mais significativo dentro do
confessionário. Apesar de servir como espaço alternativo para “liberar emoções”, essa
utilidade é pouco explorada pela produção que exibe apenas alguns trechos de momentos
dentro do cômodo durante o resumo dos acontecimentos do dia, ou na seqüência de cenas
sobre determinado assunto ou “personagem” que criam um fato.
O valor do confessionário está nos diálogos com o “Grande Irmão”. As declarações,
confissões e acusações são constantes na maioria dos diálogos ocorridos dentro do
confessionário. Mas, é interessante lembrar que Bial não prolonga conversas dentro
respondendo na maioria das vezes apenas para interromper com um alerta do tempo. Lá,
Bial tem a função de perguntar, instigar e ouvir. Quando não são cenas ao vivo, a edição
também interfere nesse momento.
As frustrações são todas despejadas sob o olhar atento do “Grande Irmão” que
procura controlar tudo o que acontece na casa, pois ele é o mediador e a ele os participantes
fazem suas queixas, comentários e votam para eliminar alguém. Dentro do confessionário,
Bial estimula a rivalidade entre os participantes. “Entra lá e detona alguém”, ordena ele.
As expressões faciais de Bial dão ritmo à votação e contribuem para que o próprio
“personagem” entre no clima tenso. Para os telespectadores, o fundo musical tempera a
73
expectativa em torno de quem será o próximo a ser votado e mais do que isso, quem será o
participante mais votado que deverá ir ao paredão com a escolha do líder para disputar uma
vaga.
O ângulo de filmagem no confessionário é sempre o mesmo. A câmera está
estrategicamente posicionada em frente à poltrona azul para denunciar qualquer mudança
de expressão no momento da fala. Bial pede sempre uma breve justificativa para o voto,
que o participante faz destacando os defeitos do oponente e os motivos (na maioria das
vezes fúteis, banalidades do cotidiano) que levaram a tal decisão.
Merece destaque o comportamento de determinados “personagens” como, por
exemplo, Moisés (BBB 2) ou Marcos (BBB 5), que quase nunca expressavam muitas
justificativas ou críticas a seus adversários. Moisés fugia de toda polêmica limitando-se a
falar apenas o necessário, mas não fazia muitas justificativas para os votos. Ele apenas o
expressava sem mais comentários, mesmo dentro do confessionário onde os outros
participantes não poderiam ouvir.
No confessionário se refletiam as intrigas em virtude das justificativa para os votos.
Partindo do princípio segundo o qual a proposta do programa é justamente provocar o
confronto de personalidades através da convivência com as diferenças, é notável que o
comportamento dos “personagens” durante a semana e os possíveis desentendimentos entre
eles refletem a decisão do voto, isto é, o momento solene no confessionário.
Não apenas descrever os fatos e a rotina referentes ao confessionário, interessa-nos
demonstrar a intencionalidade que se esconde atrás dessa estratégia desenvolvida pela
produção do programa. A idéia de pecado é justamente porque os participantes podem ali
confessar tudo o que fazem, confessar sobre suas diferenças através do voto, ali
caracteristicamente algo pecaminoso.
74
A realidade ganha moldes diferentes e a criação do confessionário tem justamente a
função de enriquecer essa pseudo realidade. A associação com o sussurro se faz presente,
pois embora as palavras não sejam murmuradas como em uma confissão, ainda assim elas
possuem o caráter secreto de pecado e justamente porque a sala possui um isolamento
acústico.
Faz-se presente o uso dos meios técnicos e tecnológicos a favor de um
entretenimento que tenta imitar o real. Entra em questão novamente o fato de que os meios
não são em si a causa da banalização da sexualidade e do cotidiano, mas conforme defende
Rüdiger, a má utilização desses meios é que dá suporte às estratégias da indústria cultural.
De certa forma, uma mencionada cumplicidade entre emissor e receptor é a
sustentação de um sistema que explora os meios técnicos e tecnológicos para gerar
programas de entretenimento do tipo Big Brother Brasil, que é falho ao tentar reproduzir
uma vivência. A partir disso, torna-se inevitável, ao analisar o Big Brother Brasil, não falar
do confessionário como um aparato inequívoco desse sistema.
2.2.3. Jogos de tensão e relaxamento
O suspense é um recurso utilizado exaustivamente nos episódios do Big Brother
Brasil. É evidente que o clima de expectativa em torno dos acontecimentos proporciona um
efeito atraente para o público. A curiosidade de saber quem será eliminado, ou quem irá ao
“paredão” disputar uma vaga na casa, mexe com os telespectadores e os prende entre um
bloco e outro.
A relação entre os telespectadores e o BBB se intensifica dentro citada
cumplicidade. Dessa forma, o público que acompanha o BBB passa, de maneira indireta, a
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dividir as mesmas angústias com os participantes e os mesmos medos no momento da
votação, da indicação do líder e da divulgação final que determina quem será eliminado do
programa e consequentemente quem continuará dentro da casa.
Isso acontece por que não como saber o resultado das votações, como num filme
ou novela nos quais os idealizadores já sabem com antecedência qual o resultado final. No
Big Brother Brasil, todos, inclusive os participantes, se alimentam dessa tensão de saber
quem será eliminado, ou quem será votado. Apenas o apresentador sabe antes dos demais,
pois ele é quem dá a notícia.
toda uma preparação, que clima e ritmo ao sistema de votação. No momento
da indicação do líder, os batimentos cardíacos deles são medidos e exibidos na tela.
Também no momento do paredão, os batimentos dos dois participantes no dia da
eliminação são medidos, exibidos e comentados pelo apresentador que brinca com a
tranqüilidade ou nervosismo dos “personagens”.
Tudo é uma diversão para Pedro Bial, que comenta o nervosismo dos participantes.
Quando os comentários não são suficientes para alterar os batimentos de quem está no
“paredão” apela-se para a emoção: “Vamos mostrar a família”, diz Bial. Em seguida,
“Nossa, seus batimentos subiram a 130”.
Todos esses mecanismos utilizados pelo apresentador constituem uma representação
configurada dentro da estética do grotesco, que é explorado em larga escala em todas as
instâncias do programas. Seja nos momentos de uma suposta seriedade ou nas tentativas de
lavar ao riso, o grotesco é predominante.
Na verdade, tudo não passa de uma demonstração patética de concentração popular,
contando com a presença de amigos e familiares e curiosos. Todos querem aparecer na TV,
76
muitas vezes uniformizados em ritmo de torcida organizada, sofrendo com o jogador que
está lá dentro. Mas é uma torcida diferente, pois o jogo com o sentimentalismo faz com que
essa saia vitoriosa em qualquer hipótese de resultado. Um exemplo disso é o agradecimento
emocionado do pai de Tina (BBB 2) ao Brasil que a eliminou através da votação.
Logo em seguida a tensão de correr o risco de ser eliminado vem o êxtase. O
sentimento máximo de alívio e prazer de quem fica na casa e, paradoxalmente, o de quem
sai dizendo que foi melhor assim e que está satisfeito em voltar para casa verdadeira. Aos
telespectadores, a projeção-identificação com ambos os “personagens”.
É como uma masturbação sado-masoquista. A expectativa de ganhar ou perder,
somada ao êxtase, isto é, o orgasmo da vitória que vem com o fim do jogo. Aos demais, o
efeito de catarse que faz comemorar o fato de não estarem passando por tal situação. É
sempre melhor que aconteça com os outros, afinal não é necessário passar por tamanha
expectativa, o que não significa que ela não exista em relação a torcida para os aliados da
casa.
O dia de eliminação é como uma grande festa encenada num filme ao estilo happy
end. A duração do programa chega a extrapolar uma hora e prolonga-se a divulgação final
ao máximo, pois quanto maior o clima de tensão, maior será a sensação de relaxamento no
final, isto é, mais prazeroso e intenso será o orgasmo de quem fica na casa.
As famílias se concentram em frente ao estúdio aguardando o resultado final. Bial
mostra clipes com os momentos dos dois participantes que estão sendo votados. Novamente
utiliza-se o recurso da edição para criar uma situação como o ocorrido no primeiro Big
Brother Brasil com o “personagem” Kleber (BBB 1), vencedor ao final.
Nesse caso específico de Kleber, a produção preparou uma sucessão de cenas
emocionantemente patéticas e banais do intenso relacionamento afetivo com uma boneca
77
montada por ele. As cenas comoventes do choro pela perda de “Maria Eugênia”, retirada
pela produção, e após a devolução, o choro pela alegria de recebê-la de volta, deram ao
“personagem” uma popularidade que o consagrou vencedor.
Como de costume, chegado o momento da decisão. Bial normalmente começa o seu
discurso gerando um clima mais tenso ainda. Em seguida, quando o participante está
quase convencido de que ele será o eliminado e o oponente está mais tranqüilo pensando
que permanecerá, Bial inverte o discurso do resultado que dá vitória àquele que pensava ter
perdido, isto é, intensifica-se ainda mais o orgasmo.
Resta ao segundo participante despedir-se dos que ficaram e seguir desiludido para
o momento de “morte” para a casa e ressurreição para a “vida”. “Morre-se”, encerra-se a
participação e conhece-se o Grande Irmão, que proporciona consolo junto aos familiares
num clima de paraíso. Depois reinicia-se a verdadeira vida, a realidade, não mais
encenada.
O jogo dos opostos é a aposta do programa na busca de sucesso para tal
investimento. Ele é utilizado em todos os momentos. Todas as imagens manipuladas pela
edição do programa são sempre baseadas nos extremos e o mesmo acontece na alternância
entre tensão e relaxamento, o que metaforicamente representa a masturbação e o orgasmo.
A seqüência da execração à comoção ocorre num passe de mágica. De um momento
para o outro apagam-se as mágoas e conflitos, e falsamente ensaia-se um choro comovente
da despedida seguidos de promessas e frases marcantes. Uma cena que traduz toda a
estratégia da produção que aposta num misto de sexualidade, conflitos e emoção.
Um misto entre o choro e o discurso religioso. O apelo às orações que visam uma
“confraternização” entre jogadores que, de uma forma ou de outra, querem a vitória a
78
qualquer custo (não necessariamente consagrar-se vencedor da competição, mas também a
vitória pela popularidade) marca o que deveria ser uma cena de comovente união.
A seqüência que marca o ritual conta com a influência determinante da edição, com
o objetivo de criar uma representação grotesca. Todos os apelos, o choro, as lamentações e
os diálogos tendem ao ridículo, seja bela comoção banal, seja pelo riso. Bial é o condutor
de todo esse processo.
O discurso religioso ganhou ênfase principalmente em função da imagem de Nossa
Senhora no chapéu de Cowboy (BBB 2), que mais tarde seria sagrado vencedor da
competição. Isso resultou até mesmo na gravação de uma música com tema religioso após o
término do programa pelo “personagem”. Tudo foi devidamente registrado e explorado pela
Rede Globo. Além disso, o misticismo ganhou espaço nas edições mais atuais do programa.
Também foi apelativa e banal a despedida entre Thyrso e Manuela (BBB 2). O
símbolo da beleza feminina na casa que durante todo o programa desprezou o incondicional
amor de seu pretendente, de repente desmontou-se em choro aberto e escandaloso pela
saída de seu companheiro. Ao mesmo tempo, Cowboy comemorava rezando e agradecendo
a sua Santa dentro do chapéu legitimando seu papel de modelos-guia. A cena remete a
estética do grotesco e a uma comoção banal, reforçada pela atuação de Bial que muda o
tom de voz e a postura rapidamente, usando de uma falsa seriedade.
A união dos “personagens” Thyrso e Manuela ultrapassou as gravações do
programa, o que muito oportunamente criou o casal do ano: Thysro e Manuela, com direito
a transformarem-se em assunto de telejornal. O casal participou do quadro O Brasil
Aplaude exibido no Jornal Hoje, telejornal diário da Rede Globo.
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Thyrso pôde ainda ter seu espaço de fama sozinho e o mesmo aconteceu com
Manuela. Enquanto ela posou nua para a revista Playboy, ele participou de programas de
culinária como o Mais Você, também da Rede Globo. Ana Maria Braga mostrava afinidade
com o cozinheiro que fez da comida a sua marca registrada para a fama pós Big Brother
Brasil, enquanto Manuela, na ausência de talentos (se não ausentes, desconhecidos), conta
com um belo corpo a serviço de todo o desejo masculino que a idolatra. A televisão cria
moda com esse tipo de atração. Sobre isso, já disse Bourdieu a televisão oferece aos
telespectadores os pedaços ou “fatias” de vida, isto é, exibições das experiências cotidianas.
Esse é um fator que vai além da simples exibição de reality show. Tal fato está
presente até mesmo nas formas de participação popular, seja na concentração física de
familiares em frente aos estúdios, seja através dos telefonemas e votos via Internet.
Conforme conclui Bourdieu, nessas ocasiões, “se deseja ardentemente participar, mesmo
como simples espectador para ter acesso a um instante de visibilidade” (BOURDIEU,
1997: 68).
Apesar dessa discussão parecer num primeiro momento distante da questão dos
jogos de tensão e relaxamento, há uma linha que une todas essas vertentes que se referem à
formulação do programa. O uso dos recursos técnicos e tecnológicos como a edição, a
persuasão e manipulação da opinião pública, as táticas da produção e formam um sistema
que objetiva criar uma falsa interação com os telespectadores, o que resulta em um aumento
de audiência e, consequentemente, de publicidade e lucros financeiros.
É importante ressaltar que as categorias analisadas estão interligadas e funcionam
em conjunto de maneira dependente umas das outras. Dessa forma, a edição continua sendo
peça fundamental dos jogos de tensão e relaxamento que configuram o efeito narcotizante
que enleva o telespectador.
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2.2.4. Publicidade
A publicidade é um componente fundamental do programa Big Brother Brasil. Essa
é a principal fonte de renda de qualquer programa produzido para televisão. Mesmo os
telejornais contam com forte influência - não do ponto de vista da produção ou informação
mas de lucros financeiros que permitam investir na produção de um programa seja ele qual
for - do setor publicitário.
Na verdade, a relação entre a programação e a publicidade é de interdependência,
pois ambas necessitam de um sucesso conjunto para que se valha a pena o investimento de
uma e de outra. É necessária uma programação que tenha boa audiência para que isso então
valorize o horário comercial e obtenha vendas de anúncio que gerem receita para emissora.
Sobre esse aspecto Pereira Jr. afirma que “a televisão movimenta uma indústria
milionária. Metade do gasto com publicidade no Brasil (que gera 1% do Produto Interno
Bruto – PIB todos os anos) fica com a TV” (PEREIRA JR, 2002: 57).
A audiência é então o ponto chave para o sucesso. A publicidade se interessa por um
determinado horário no qual está sendo exibido um determinado programa de acordo com o
sucesso que tal atração obtém junto ao seu público alvo. Isso determina quem, quanto e
como uma empresa investirá em publicidade dentro daquela emissora.
É exatamente sobre isso que Bourdieu fala ao abordar a questão da audiência na
televisão. Segundo o autor,
81
(...) o índice de audiência é a sanção do mercado, da economia,
isto é, de uma legalidade externa e puramente comercial, e a
submissão às exigências desse instrumento de marketing é o
equivalente exato em matéria de cultura do que é a demagogia
orientada pelas pesquisas de opinião em matéria política
(BOURDIEU, 1997: 96).
Configura-se, dessa forma, uma relação de reciprocidade entre publicidade e
programação. Embora nem sempre o público se conta da presença ostensiva dos
anunciantes, principalmente em programas consagrados como o Big Brother Brasil, ela está
sempre presente e nesse caso com grandes investimentos.
Associar determinadas marcas ou empresas a estereótipos e clichês aceitos e
utilizados pelo público é uma excelente alternativa para promover um produto, oferecendo
anexo uma ideologia que muito provavelmente tem relação com o conteúdo da
programação. Dessa forma, seria contra-senso anunciar, por exemplo, um produto
destinado ao público infantil em horário que objetiva um outro público alvo (exceto se o
anúncio tiver por objetivo alcançar os pais das crianças).
Pode-se então dizer que a programação, grosso modo, determina qual o gênero de
anúncios. Isso dependerá, ainda, do horário, do público alvo do programa além de uma
série de outros fatores publicitários e administrativos que fugiriam do tema central do nosso
trabalho. Cabe, todavia, fazer alguns esclarecimentos com relação a essa vertente.
Em princípio, é necessário dizer quais os tipos de anúncios que seriam convenientes
para o programa Big Brother Brasil. Evidentemente os critérios a serem seguidos para essa
escolha se orientam pelo tipo de programa apresentado naquele determinado horário. Dessa
forma, o sucesso em conjunto que na verdade significa audiência têm mais chances de se
concretizar.
82
Dentro desse contexto, é notável o fato de que certos anúncios são feitos
intencionalmente acoplados a determinados tipos de programa visando um trabalho
evolutivo de divulgação da marca a um público específico. Isso não significa, contudo, que
a mesma marca não possa ter anúncios em outros horários e junto a outros programas.
então, em casos assim, um trabalho paralelo ao planejado pela empresa para veicular a
marca em situações específicas com outros objetivos.
No caso dos reality shows, a primeira empresa a ter notavelmente seu nome
associado a esse tipo de programa em televisão foi a Fiat. No reality show exibido no SBT,
Casa dos Artistas (primeira edição), a empresa investiu premiando vários participantes com
um Fiat Doblo, um veículo recém lançado pela montadora que aproveitou o sucesso do
programa para divulgar o lançamento. Sílvio Santos foi mediador para a entrega dos
prêmios. Houve uma encenação entre o apresentador e o ator Alexandre Frota, que
participou da Casa na qual Sílvio Santos brincava com a possibilidade de premiar o ator
com o carro ou não. Finalmente, o apresentador comunica que a Fiat acaba de informar que
todos levarão um carro para casa.
Tudo ocorreu como se não tivesse sido planejado, o que gerou uma falsa impressão
de prêmio consolação. Afinal, “o que importa é competir”, mas todos querem ganhar. A
Fiat então, generosamente, resolve presentear cada um dos participantes que ficaram para
os episódios finais da Casa com um carro recém lançado.
Além disso, o marketing contou com empenhado discurso de Sílvio Santos
elogiando as qualidades do carro e perguntas feitas para todos os que foram premiados
sobre o que fariam com o veículo. Criou-se uma expectativa em torno do carro, o que deu
83
margem a uma ampla divulgação através de uma espécie de comercial disfarçado, isto é, a
Fiat não estaria lá apenas para anunciar, mas principalmente para presentear.
Algum tempo depois, a mesma empresa investiu no Big Brother Brasil da Rede
Globo. Isso mostra uma linha evolutiva, que procura desenvolver um trabalho publicitário
inserido nesse espaço determinado pela audiência dos reality shows que possuem horários e
estruturas semelhantes.
Logo no primeiro episódio de Big Brother Brasil 1, uma prova na qual quem
conseguisse permanecer por mais tempo dentro de um carro Fiat sem dormir nem comer,
levaria o carro para casa. Foi o primeiro de muitos outros carros que seriam distribuídos
pela empresa, a fim de promover a marca associando o produto aos participantes e, mais do
que isso, à marca Big Brother.
Como de costume, aos finalistas era destinado um carro da marca e ao vencedor
Kleber, um carro de luxo munido de todos os opcionais. Também na segunda edição do
programa, a empresa estava presente com anúncios e carros que eram distribuídos entre os
participantes conforme a eliminação e a etapa na qual eles se encontravam. A partir da
terceira edição a distribuição de carros ficou mais criteriosa, sendo destinado apenas um
carro disputado em provas durante o programa.
Com isso, a Fiat conseguiu ter seus carros associados aos participantes de todas as
edições do Big Brother Brasil além da Casa dos Artistas. Embora inicialmente montado
com pessoas comuns, BBB fez de cada integrante uma celebridade nacional, ou seja, uma
celebridade que aparece na televisão e usa um carro Fiat. O simples fato de a empresa ter
utilizado os automóveis de sua marca no dia-a-dia já é um comercial.
84
Na verdade, é como uma marca registrada, uma associação permanente, pois
nenhuma outra marca de carros teve seu nome associado ao programa. É uma exclusividade
que oferece bons frutos do ponto de vista publicitário pois, valoriza tanto os “personagens”
que ganharam o carro, ou seja, disputaram-no como para a empresa.
O mesmo pode se dizer sobre a Casa dos Artistas. Em se tratando de pessoas
famosas, é muito interessante tê-los como usuários da marca. Isso faz com que o público
associe a idéia de fama com o produto. Pessoas famosas proporcionam prestígio para o
produto, pois uma tendência de seguir um modismo liderado pela mídia que influencia
até mesmo nos bens de consumo material.
Outra empresa que escolheu Big Brother Brasil para anunciar seus serviços e
produtos foi o Banco do Brasil. O prêmio de 500 mil reais para o vencedor, além dos outros
dois prêmios (segundo e terceiro lugar) estavam depositados em uma conta do Banco do
Brasil, anunciado a todo momento por uma garota propaganda sempre com o chamado de
Pedro Bial. O BBB 5, entretanto, teve como patrocinador o banco HSBC
A atuação da publicidade vai muito além dos “patrocinadores” ou da exibição de
anúncios que divulgam uma determinada marca. Evidentemente, esse é um tipo de
publicidade explícita que se refere diretamente a um produto ou a uma marca. Todavia, há
ainda outros ingredientes no trabalho publicitário que não poderiam ser notados pelo senso
comum.
O Big Brother Brasil conta com uma publicidade implícita, que não se traduz na
promoção de uma empresa. É, na verdade, uma publicidade que diz respeito aos
comportamentos, isto é, a um estilo de vida defendido pela mídia. Mais exatamente, pode-
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se exemplificar com a exploração contínua dos aparelhos de ginásticas e as muitas cenas
que resumiam horas de exercício físico.
Essa é a publicidade que prega indiretamente a mensagem “pratiquem exercício; faz
bem à saúde”. Não afirmamos isso apenas com base em cenas que mostravam as atividades
físicas, mas em uma forte exploração do corpo perfeito de acordo com os padrões de beleza
da mídia e a sua associação com a prática de exercícios.
Implicitamente seria como sugerir que praticando exercícios, poder-se-ia ter um
corpo como o de determinado “personagem” que retrata os desejos do público masculino
ou feminino. Dessa forma, a publicidade não atua como divulgação e promoção da marca
de uma empresa, mas de um sistema, de um estilo de vida, o que beneficia setores ligados à
área como as academias de ginásticas.
Isso se explica no fato de que uma minoria pode ter em casa uma academia pessoal,
como tinham os “personagens”. Significa dizer que não se faz propaganda de um aparelho.
Ao assistirem a imagem de seu “personagem” favorito associado aos exercícios, os
telespectadores procuram uma academia reforçando uma tendência iniciada com a exibição
do programa.
Em sua maioria, homens e mulheres que participaram do programa tem o corpo que
se adapta aos critérios exigidos pela mídia. Evidentemente, não são cópias de modelos,
embora muitos deles tenham inclusive trabalhado nessa profissão, o que reforça o fato de
que embora sejam pessoas comuns, elas atuam como “personagem”, o que deixa o limite de
realidade e ficção ainda mais próximo. Dá-se preferência àqueles que possam atrair o
público também pela beleza, pelas formas. A escolha desses “personagens”, encaixados nos
padrões de beleza, reforça o mito midiático muito exacerbado nas telenovelas de que
86
não é necessário fazer esforço para crescer e vencer na vida, caso o indivíduo em questão
tenha um “rostinho bonito” e um corpo escultural, ou seja, dispuser de fotogenia. Dessa
forma, os reality shows (incluindo BBB) fazem o elogio ao culturismo.
Isso mostra que a seleção obedece num processo estudado e programado para atingir
os efeitos traçados nos objetivos determinados pela produção. Não poderia haver um grupo
sem mulheres exuberantes e homens de porte atlético, pois isso fugiria de um propósito
concentrado não apenas na exploração erótica mas também na veiculação de uma
publicidade implícita que não necessariamente gera lucros para a emissora, mas por outro
lado, reforça uma ideologia.
Sobre esse aspecto, Pereira Jr. acrescenta ainda que “a publicidade inverte valores”
(PEREIRA JR, 2002: 132). Dessa forma, o discurso publicitário configura-se como forte
meio de persuasão que pode ser usado para redefinir, ou, conforme afirma o autor, inverter
certos valores. Essa é uma hipótese que se aplica à publicidade implícita pelo fato de que
essa é carregada de estereótipos que pressupõem a aceitação de tais valores nem sempre
correspondentes à realidade.
É, portanto, justificável abordar o aspecto publicitário em nosso trabalho, pois
embora não se fale muito dela explicitamente, este é um fator que integra o sistema de
produção desse reality show. É, dessa forma, uma necessidade a referência aos objetivos
da publicidade dentro do programa Big Brother Brasil.
Soma-se ainda o fato de que Big Brother Brasil passa a ser uma marca, publicada e
comercializada no país todo através dos meios de comunicação de massa. Criam-se
produtos Big Brother Brasil como a fita de vídeo com os “melhores momentos” do
programa e as supostas “cenas inéditas” e CDs com a trilha sonora do programa.
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É na verdade um processo que se intensifica movimentando outros produtos mesmo
que indiretamente. É a publicidade da música, da dança, dos ritmos, do vestuário e outros.
Trata-se de um fator que integra a formação de uma ideologia que determina o
comportamento ou mais precisamente, como deve ser o estilo de vida do grande público.
Além disso, existem produtos dos mais variados tipos e utilidades com o logotipo
do programa o que configura Big Brother Brasil como uma marca e não mais apenas como
uma atração televisiva. São toalhas, canecas, roupões, camisetas, malas, blusas e vários
outros produtos que foram lançados visando a exploração dessa marca.
Aplica-se nessa situação, o que afirmou Pereira Jr. sobre a inversão de valores
praticada pela publicidade. Não são apenas valores estéticos, mas muito mais do que isso, a
publicidade inverte valores comunicacionais, isto é, um programa deixa de ser uma atração
televisiva e passa a ser marca de um (ou mais) produtos.
2.3. Construção do BBB: recursos de montagem
Os recursoscnicos utilizados na produção do BBB são indispensáveis para que o
produto possa ser formatado de acordo com a necessidade. No caso da edição, a ordenação
de imagens provoca a construção de um contexto. Evidentemente, não defendemos a
existência nem ao menos propomos uma imparcialidade, uma vez que isso seria leviano,
falso e simplista.
Apesar disso, é importante ressaltar que seria ingênuo responsabilizar os meios
técnicos por essas atuações tendenciosas. Como afirma Francisco Rüdiger, não se trata de
responsabilizar os meios (ou recursos, nesse caso) técnicos pelos efeitos na sociedade, pois
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deve-se a uma má utilização desses meios (ou recursos) que gera desastres como o já citado
caso das eleições presidenciais de 1989 ( RÜDIGER In: HOHLFELDT, 2001: 138).
É evidente que a edição, presente em todos momentos do programa por se tratar de
um recurso técnico, tem um excelente (do ponto de vista dos objetivos do programa) meio
pelo qual se obtêm cenas que podem ser utilizadas em vários momentos. Isso equivale a
dizer, por exemplo, que as cenas no confessionário são indispensáveis para que edição
obtenha sucesso ao montar os trechos do programa que não são ao vivo.
O trabalho de criar uma determinada idéia ou situação a partir da manipulação de
inúmeras cenas que, montadas em uma certa seqüência, deixam de ilustrar um fato para
criar um (que nem sempre corresponde a verdade), conta , ainda, com uma ótima fonte de
material: cenas filmadas dentro do confessionário. Isso se confirma pois a maior parte dos
clips montados sobre um certo assunto ou “personagem” possuem uma ou mais cenas
ocorridas dentro do cômodo.
Dentro dessa dinâmica, confirma-se também o fato de que, embora o programa seja
“apresentado” por pessoas comuns, ele é constituído depersonagens”, ou seja, trata-se de
representação. Lá dentro, todos saem de sua verdadeira personalidade, não para modificá-la
ou camuflá-la, mas para torná-la passível de se apresentar perante o público. Entretanto,
esse é um trabalho que deve muito mais mérito à produção do programa do que aos
participantes, pois não se trata apenas de pessoas comuns dispostas a contracenar com Bial,
mas de uma rigorosa seleção que provoque o confronto de personalidades.
A habilidade na escolha dessas personalidades é essencial para o sucesso do
programa e está diretamente ligada ao confessionário pois é que se manifesta a disputa
abertamente por meio do voto. Seria, então, pouco atraente a votação de um grupo que não
proporcionasse contraste de opiniões e comportamentos. Mais do que isso, torna-se
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necessário um grupo no qual haja não apenas a disputa pelo prêmio, mas também pelo
namorado(a) e pela promoção pessoal, mesmo que seja através da vulgarização e do
grotesco.
É possível dizer ainda que o próprio confessionário em si, é simulador dessa
realidade, pois encena-se a mudança da descontração para a tensão. A produção do
programa conseguiu taticamente transformar o momento da votação em um ato tenso que
poderia então ser comparado às situações delicadas nas quais as pessoas têm que tomar uma
decisão nem sempre agradável.
É notável que o programa empenha-se em tingir com cores reais fatos fictícios. Essa
é uma maneira de organizar a reprodução de um falso cotidiano que pode ser desmascarado
com uma análise científica que abandona o senso comum preso às emoções e juízos de
valor e prende-se à preocupações de caráter científico.
É exatamente sobre isso que fala Pereira Jr. ao considerar que “a televisão tem um
modo próprio de tratar as coisas da vida, retratar o cotidiano, enquadrar a realidade em seu
terreno e ao sabor de seus caprichos”. Soma-se a isso o fato que conforme afirma o autor,
“programas redefinem os limites da privacidade” (2002: 133).
As considerações de Pereira Jr. tornam-se perfeitamente aplicáveis ao caso do
programa Big Brother Brasil que tenta proporcionar uma outra realidade vivida dentro de
uma casa cercada de câmeras. O autor conclui dizendo que “a vida ganha cores paralelas e
outro contorno ao ser embalada para exibição no vídeo” (PEREIRA JR, 2002: 133), ou
seja, ao tentar se reproduzida na televisão através de reality shows.
O próprio apresentador, Pedro Bial, é reconfigurado enquanto signo; ele também é
uma representação, um misto de seu perfil de jornalista reconhecido - que lhe confere
90
credibilidade - e do seu papel de Grande Irmão no BBB . Dentro do confessionário, ele
vigia, escuta e exige respostas. Ele é quem recebe os votos e contabiliza-os com a ajuda do
computador. Bial é o mediador entre o pecado e a confissão, o medo e o sussurro diante das
câmeras, o público e o aparentemente privado.
Mas toda essa simulação conta com certos artifícios providenciados e pensados pela
produção para enriquecer o suspense, medo e expectativa em torno do voto. O fundo
musical caracteriza o momento da votação, deixando no ar a expectativa sobre o qual será o
voto de cada participante e qual será a justificativa de cada um deles.
A dramatização é um recurso que proporciona o tom da suposta seriedade do
momento e até mesmo do choque. Além disso, Bial modifica até mesmo o tom de voz para
que esteja adequado ao clima do momento que o margens a comentários hilários. A
mudança de expressão e tom de voz é repentina e se alternada entre a convocação dos
participantes e a conversa dentro do confessionário. Nesse momento, ocorre a troca da
máscara. Bial assume uma postura “séria” e trágica para dar continuidade ao show.
Esse é então outro fator que comprova a falsidade das situações. Os sentimentos
demonstrados por Bial não são autênticos, mas convenientes para cada tipo de situação. Da
mesma forma que o confessionário exige determinada postura do apresentador, outras
situações exigem aparências diferentes. Esse mesmo procedimento é seguido
(in)conscientemente por todos os integrantes da casa.
Paradoxalmente à realidade simulada pelo programa e supostamente vivida pelos
participantes, uma das frases mais ditas durante o programa é: “Isto é um jogo”. Mas
mesmo ao considerar como “jogo”, isto demonstra ser um artifício para aliviar a tensão
vivida pelos integrantes da casa que tentam de certa forma fugir das decepções que
existiriam na “vida real”.
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Mesmo considerando a afirmação de Arbex Jr. segundo a qual “a televisão cria
mundos ‘reais’ por que ela colhe na vida real os ingredientes de sua ficção”, é necessário
esclarecer que o fato de se “colher ingredientes da realidade para utilizá-los na ficção”
caracteriza uma simulação pois funciona na verdade como imitação, mas que de forma
alguma poderá ser autêntica o que condena o programa a ser sempre encenação e os
participantes, “personagens” (ARBEX JR In: KUPSTAS, 1997: 82)
Isso constitui o que Bourdieu chamou de fast-thinkers que propõem fast-food
cultural, alimento cultural pré-digerido, pré-pensado” (BOURDIEU, 1997: 41). Dessa
forma, dizer simplesmente que se trata de um jogo é algo pronto, ou seja, uma saída
rápida para resolver questões que exigiram maiores diálogos e análises, o que não é
propício para o ambiente do programa.
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3. Entre o real e o imaginário
3.1. O espaço simulado no BBB
A produção do programa rejeita toda e qualquer hipótese que implique na
falsificação da realidade, ou seja, na encenação de uma suposta novela da vida real” que
em nada se remete ao nosso sistema social, no qual estamos inseridos. O próprio
idealizador do programa, o holandês John De Mol, afirma que os participantes não
representam.
Contraditoriamente, a chamada publicitária para as inscrições da sexta edição do
Big Brother Brasil faz uma referência às representações dentro do programa. O texto
comete uma incoerência ao sugerir que, ao entrar no BBB, o participante deverá “treinar”
sua postura e comportamento. Após apresentar diversas falas utilizadas regularmente pelos
“personagens” como, por exemplo, “Eu sou autêntico, não estou aqui pra fazer tipo não” o
locutor anuncia em off: “Comece a treinar. Inscreva-se para ganhar o prêmio de um milhão
de reais”. O texto apresentado antes da locução possui uma entonação diferenciada para
acrescentar a idéia de falsidade, ou seja, de representação, da máscara que o candidato deve
vestir ao entrar no programa. Essa idéia é reforçada quando o locutor sugere treinamento
comportamental; isto é, que ensaie a sua postura em relação às situações de autenticidade
exigida na chamada.
Os apelos grotescos, o uso da escatologia apresentam-se como artifício na
encenação verificada ao assistir o programa. Big Brother Brasil é um ambiente no qual,
com o intuito de produzir um humor grosseiro, dentro dos elementos que se confundem
93
entre o real e o imaginário, a banalização ganha força. Tratam-se de estratégias estéticas
que se manifestam pelo comportamento e nos diálogos referentes aos “personagens do
Big Brother Brasil. Por meio da edição, a produção monta perfis e seqüências de cenas
enfatizando o grotesco com o intuito de provocar o riso e valorizar o ridículo, conforme
explicado no primeiro capítulo. O cotidiano representado, no espaço da ficção, com o uso
de objetos reais, conta com a exploração de fatores levantados por Sodré e Paiva. “Pode-se
localizar o grotesco nas brincadeiras escatológicas, nas obscenidades e nos ditos
provocativos capazes de suscitar riso” (2002:36). Assim, uma vez que BBB conserva em
seu conteúdo todas essas vertentes nas quais se concentram a apresentação da estética do
grotesco, criam-se representações a partir de uma simulação do cotidiano dentro das
referidas características.
De toda forma, ao mesmo tempo em que Pedro Bial, o Grande Irmão televisionado,
apresenta os participantes como “um grande elenco” que implica em uma encenação ao
afastar-se dos parâmetros da realidade muitas vezes, eles têm vínculos artísticos, até
mesmo com a própria Rede Globo. Por outro lado, as pessoas são representações de si
mesmas - conforme o mito da caverna, explicado por Platão. No programa elas representam
seu próprio dublê, para além de representar o perfil que remete a um grupo social. Sendo
assim, poder-se-ia levar a hipótese da ocorrência de uma meta-representação. Fica,
portanto, confuso o ponto no qual encerra-se a realidade e inicia-se a ficção, uma vez que se
trata de um programa de televisão. Além disso, tais representações utilizam, como não
poderia deixar de ser, os atributos grotescos nas falas, comportamentos estereotipados e
uma exploração banalizada da sexualidade, que permeiam o reality show.
A questão está em estabelecer como se pode caracterizar a simulação do cotidiano
real no Big Brother Brasil. Evidentemente, a produção do programa tem um papel ativo
94
nesse processo, que é responsável por dar forma à idéia concebida por John De Mol e,
sendo assim, articula os recursos técnicos e tecnológicos para cumprir esse propósito. Os
participantes são acessórios de um mundo ficcional ao qual se pretende atribuir
características reais – daí a justificativa de não se utilizar atores profissionais e de não haver
o mesmo sistema de roteiro e texto presentes nas telenovelas.
Esse é, provavelmente, o motivo pelo qual BBB sobreviveu de maneira mais
penetrante em relação a Casa dos Artistas, na qual os participantes eram atores e atrizes
conhecidos do meio. Enquanto BBB fabricava uma representação com elementos reais,
Casa dos Artistas investia numa suposta realidade com elementos ficcionais, isto é, na
exibição da vida (que se diz real) de artistas que, normalmente, apareciam na mídia por
meio de representações. A fórmula do BBB alcançou resultados mais eficazes no que diz
respeito à audiência, também, pelo fato de que o sistema adotado permitia ao público estar
mais próximo de um mundo ficcional, uma vez que os telespectadores se identificam mais
intensamente com as pessoas pertencentes ao mesmo universo e não com os artistas que
pertencem a um mundo não-real – mais distante do cotidiano vivido pelo público.
É também a questão do confinamento que se observa em ambos os programas.
Trata-se da reprodução da passagem que o indivíduo faz de um meio de confinamento a
outro, conforme analisa Gilles Delleuze:
O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um
com suas leis: primeiro a família, depois a escola (‘você não está mais na
sua família), depois a caserna (‘você não está mais na escola’), depois a
fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o
meio de confinamento por excelência (L’Aventure Journal, 1,
maio/1990. In: Conversações, p. 219-26).
95
Observa-se uma simulação na busca de esconder-se do confinamento real, ou seja, o
confinamento existe, no Big Brother Brasil, não apenas para atender a um fetiche voyeur
(também para isso), mas para fugir do próprio sistema de clausura que nosso meio social
nos obriga a viver. Conforme avalia Baudrillard “(...) de certo modo, as prisões existem
para esconder que é todo o social, na sua onipresença banal, que é carceral”. (1991:21).
Criam-se simulações midiáticas que escondem, de certa forma, o nosso próprio
confinamento real. Baudrillard refere-se ao reality show francês Loft Store, uma variação
do Big Brother Brasil como “(...) reclusão voluntária como laboratório de uma
convivialidade de síntese, duma socialidade telegeneticamente modificada” (2004: 20).
Há, também, o fator da identificar-se com a compulsão dos que estão dentro do
programa. Uma vez que passamos por vários meios de confinamento, conforme considera
Delleuze, o indivíduo passa a satisfazer-se com a “prisão” dos “personagens” como
compensação pelo seu sistema de confinamento real. Baudrillard refere-se, ainda, a uma
compulsão pelo confinamento, tanto nos aspectos sociais, quanto no universo ficcional da
mídia que ocorre de maneira constante,
(...) seja o portas-fechadas do Loft, ou de uma ilha, de um gueto de luxo
ou de lazer, ou qualquer espaço fechado onde se recria como um nicho
experimental ou uma zona de privilégios o equivalente de um espaço
iniciático onde sejam abolidas as leis de sociedade aberta (2004:45).
Os sistemas de confinamento, no que refere ao mecanismo de esconder-se de um
confinamento real pela ficção e, além disso, a opção social em aceitar esse estado de
clausura, seja nas formas citadas por Delleuze, seja no Big Brother Brasil, por meio da
simulação, leva a crer que a mídia situa-se como possibilidade de tentativa de fuga das
pressões sociais enfrentadas pelo homem, decorrente da abertura ao mundo resultante da
96
atuação dos meios de comunicação de massa. Dentro deste sistema enquadram-se os jogos
de tensão e relaxamento, presentes na elaboração do BBB. Trata-se de uma alternância entre
as pressões sociais e a abstração alienada atingida pelo confinamento do Big Brother Brasil,
na forma de um entretenimento que busca o relaxamento. É a televisão como diversão,
como “janela para o mundo” (Wolton, 2003), como possibilidade de desligar-se das tensões
e entrar em estado de relaxamento e inverter esse processo ao desligar-se do programa.
Segundo Wolton “a diversão e a heterogeneidade dos programas são, sem dúvida, um dos
meios de compensar os efeitos desestabilizantes desta abertura ao mundo” (2003: 63).
Dessa forma, a construção desse universo simulado, desse ambiente que concentra
traços reais a partir do imaginário conta com artifícios de elaboração que são suporte para a
o programa. Os citados recursos da edição, o espaço do confessionário, os jogos de
tensão e relaxamento, bem como a publicidade são mecanismos de produção para criar o
cenário no qual estão presentes todos os elementos reais que confundem-se dentro de uma
proposta ficcional.
É preciso, entretanto, estabelecer os limites físicos dessa simulação. Evidentemente,
a produção do programa criou um universo denominado Big Brother Brasil. Universo esse
que se restringe a casa em que ocorrem as gravações. O desafio foi transformar uma única
casa, montada como um cenário, em um cotidiano que abrangesse toda uma estrutura social
de convivência e conflitos. Mais do que isso, em confundir um cenário de gravação, uma
representação televisiva, com os parâmetros sociais reais, tendo para isso uma única casa na
qual todos os participantes convivem. As diferenças entre os participantes são
extremamente importantes para implantar o clima de discordância entre eles. Assim, para
que as diferenças fossem exaltas houve a necessidade de escolher participantes capazes de
sustentar os estereótipos conflitantes, implicando na opção por pessoas de classes sociais,
97
religião e opções sexuais distintas umas das outras. Dentro deste propósito, torna-se
necessário que além de possuir características gerais que designem a classe pretendida, os
participantes tenham condições de sustentar os estereótipos pretendidos. Existem boatos
sobre um possível treinamento para a configuração das “personagens”, dentro da
simulação, por meio de oficinas de preparação de atores.
A construção desse universo chamado Big Brother Brasil, traduz-se em cerca de
2.300 metros quadrados ou, na explicação de Bial (na fita, com cenas inéditas, produzida
após o término de BBB 1), em “meio campo de futebol show de bola”. se concentra a
essência do espetáculo ou, melhor dizendo, na criação do espetáculo do cotidiano. A
comparação com um campo de futebol esporte mais popular do país que reúne milhares
de pessoas ao redor do campo (e outros tantos atletas confinados na chamada
“concentração”, dias antes dos jogos), além de centenas de milhares em frente ao televisor e
ao rádio para acompanhar os jogos. Bial diz ainda que a casa será uma “arena” na qual os
participantes disputarão o prêmio. É a metáfora que remete à disputa, à violência, à luta
pela vitória, assistida pelo público (ou torcida que é presente, também, no futebol). Big
Brother Brasil é, portanto, a constatação de um espetáculo do real, que, embora não reúna
público no local exceto nos dias de eliminação, quando as torcidas dos concorrentes se
aglomeram no estúdio montado do lado de fora da casa oferece a oportunidade de
acompanhar tudo pela televisão. Prova de que os conflitos são estimulados pela produção.
“Não será possível escapar da convivência”, ameaça Bial em mais uma evidência da
natureza do show que será exibido em rede nacional pela maior emissora de televisão
aberta do país.
A concepção desse universo do resumo de mundo que tiveram os participantes do
BBB envolveu 500 profissionais na construção da casa e um sistema de energia capaz de
98
abastecer uma cidade de 20 mil habitantes. Além disso, 38 câmeras e 60 microfones foram
instalados para “bisbilhotar a vida dos concorrentes”, conforme esclarece Bial.
Assim como em 1984, de Orwell, as telas que fiscalizam a “vida” das pessoas
também estão presentes em BBB. São visores com vidros espelhados pelos quais é possível
observar ou filmar, registrando o que acontece no interior do local, mas pelo qual as
pessoas de dentro da casa não conseguem visualizar nada do que está do outro lado. Isso
sem falar no enorme monitor pelo qual Pedro Bial se apresenta aos participantes durante os
episódios. O ambiente montado na cidade do Rio de Janeiro é totalmente isolado, sem
qualquer possibilidade de acesso externo. Somente os membros da equipe de produção e
convidados especiais – geralmente artistas - entram na casa.
Esses são, portanto, os critérios que limitam a simulação do cotidiano no programa
Big Brother Brasil. Em linhas gerais, o confinamento, a seleção criteriosa dos
“personagens” e a aparelhagem técnica, capaz de registrar todo o programa, com o apoio
dos aspectos da elaboração, constituem a delimitação desse espaço no qual os participantes
serão vigiados por, aproximadamente, 80 dias.
3.2. Configuração do falso cotidiano
A proposta de Big Brother Brasil é quase uma versão de O show de Trumam (1998),
dirigido por Peter Weir, exceto pelo fato de que no BBB as pessoas têm plena consciência
de que estão sendo filmadas para um programa de televisão. Enquanto que o personagem
Truman era uma atração involuntária e inconsciente, os integrantes do BBB constituem uma
atração consciente. O vencedor do BBB 5, Jean Willis, em seu livro Ainda lembro, escrito
após sua participação no programa, afirma: “(...) a porta de fora (a mais próxima da platéia)
99
funcionava, para cada um de nós, como a saída de nossos labirintos individuais; como
abertura para uma vida melhor” (2005: 19). Trata-se do momento no qual foram inseridos
no universo simulado do Big Brother Brasil; paradoxalmente, abandonando seus próprios
universos com a missão de, simultaneamente ao que Jean chama de “saída de nossos
labirintos individuais”, representar-se em uma simulação que implicará, supostamente,
conforme Jean, na “abertura de uma vida melhor”, na modificação do real como resultado
da simulação.
Da mesma forma, a porta, a qual Jean se refere como a saída para uma nova vida,
(melhor), a porta encontrada pelo personagem Truman, após descobrir que vivia em uma
simulação, também se constituía como a entrada em outra vida, naquela que o indivíduo
tem por real. Diferenciam-se Jean e Truman, nesse ponto, ao notar que, enquanto Truman
abandonava a simulação na qual estava para encontrar sua nova vida, Jean, entretanto,
mergulha no universo simulado em busca de uma vida melhor. Jean, diferentemente de
Truman, supõe encontrar sua melhora de vida ao entrar na simulação, fechando a porta que
separa a casa do mundo. Ao decidir abrir a porta e sair do mundo simulado, Truman saúda
oblico, da mesma forma como os atores encerram as peças. O gesto representa o fim do
espetáculo e o início da vida real para o personagem. Aquilo que Jean chama de a saída dos
labirintos individuais ao entrar na casa, é encontrado por Truman, no momento em que sai
do seu universo simulado.
Para Jean, sair da casa, era uma situação de morte. Isto é, a morte da “personagem”,
a morte da simulação para quem a abandonara. “(...) Estar para sair da casa situação que
ficou conhecida como ‘estar no paredão’era um quase morrer. Quase morri cinco vezes”
(WYLLYS, 2005: 20). Ao contrário para Truman, a porta de saída da simulação era a
entrada para a vida a qual ele desejava.
100
Os signos “entrar” e “sair”, tanto para Jean quanto para Truman, ganhavam uma
perspectiva de “novas possibilidades”. Não por acaso, um dos capítulos do livro de Jean
Wyllys chama-se Saída. Neste capítulo, ele aborda não somente a sua saída casa, mas a sua
saída para essa “vida melhor” a qual ele se refere. A saída do anonimato, a vitória do jogo.
“Aquelas quase 35 mil pessoas em Alagoinhas, minha terra natal, chamando meu nome sob
aplausos, deixaram-me encantado, mas ainda assustado” (WYLLYS, 2005: 26). Jean
refere-se ao encantamento com a fama, com a realização de seu projeto ao entrar no
programa, após aquilo que ele chamou de “viagem a vários mundos em oitenta dias” (2005:
43), isto é, à simulação e às várias possibilidades do real que percorreram seu imaginário no
decorrer dos dias em que esteve no programa. A saída do Big Brother Brasil, a volta “ao
mundo real” é para ele o fim do jogo “(...) um jogo de comportamento que me deu
dinheiro e visibilidade” (2005: 48).
O paradoxo de se criar um mundo o universo BBB ao de isolar os participantes
de um mundo externo, mantendo-os enclausurados naquele cenário, evidencia a dificuldade
de determinar os limites da ficção e da realidade; de saber onde o BBB torna-se uma ficção,
e em que ponto os elementos reais o diferenciam de uma produção midiática qualquer,
como uma telenovela, por exemplo. Baudrillard afirma: “A simulação não é a simulação
de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de
um real sem origem nem realidade: hiper real” (1991: 08). É a extrapolação de uma simples
reprodução de um ambiente. Por que não se trata apenas de um cenário, mas de uma
representação da representação, na qual cada “personagem” é uma representação de si
mesmo, isto é, a exibição de um conjunto de signos que remete ao próprio “ator” e, ao
mesmo tempo, a um determinado perfil social que é percebido por meio da identificação
o que transforma cada participante em modelo do real em uma produção ficcional.
101
Desvencilhar-se do imaginário, mesmo nos aspectos reais, presentes na construção ficcional
de BBB, torna-se uma idéia inconcebível. Conforme observa Juremir Machado Silva: “(...)
o homem é movido pelos imaginários que engendra. O homem existe no imaginário”
(2003: 07).
As referências do real são, portanto, difíceis de serem estabelecidas, uma vez que
BBB consiste em modelos sociais que se auto-representam dentro de uma trama televisiva
que constitui um outro universo o universo BBB. Não é, dessa forma, um sistema
puramente simulado, nem ao menos pode ser constituído como puramente real. Assim
como em O show de Truman a simulação contava com elementos reais, com índices da
realidade, também BBB faz uso da realidade dento do seu cotidiano simulado. “Simular é
fingir ter o que não se tem. (...) a simulação põe em causa a diferença do verdadeiro e do
falso , do real e do imaginário” (BAUDRILLARD, 1991: 10). Big Brother Brasil, dessa
forma, finge ter um sistema social ao qual diz-se o próprio cotidiano ou na pior das
hipóteses, um retrato fiel do mesmo. Mas o ato de fingir um cotidiano; criar um pseudo
cotidiano, soma-se ao fato de que a estrutura midiática, o sistema de representação que
envolve todo o aparato técnico e tecnológico, é de conhecimento público. Todos sabemos
que o BBB é um programa que se limita ao alcance do seu meio a televisão. Por outro
lado, no interior da casa, não outro real acessível. Não possibilidade de desligar-se
dessa simulação e voltar a vida normal, que todos aqui fora possuímos. Embora seja
consciente a presença das câmeras, a constituição de uma atração televisiva, aquele é o
único mundo ao qual os participantes têm acesso. Durante esse período de gravação, é a
realidade dos participantes que, para nós, constitui um conjunto de signos representativos
de uma dada personalidade. Ao mesmo tempo, o falso e o verdadeiro entram em conflito
102
que esses indícios estão presentes em uma situação vivida por pessoas reais, mas sob o
formato ficcional para o público receptor.
Trata-se de um fenômeno semelhante ao que ocorre em A rosa púrpura do Cairo
(1985), de Woody Allen, em que o personagem Tom Baxter sai da tela do cinema e entra
na “vida real”, onde se encontra com o ator que o interpretou, Gil Sheperd (ambos
personagens vividos por Jeff Daniels). O falso e o verdadeiro; o real e o imaginário se
confrontam. Analogamente, os participantes do BBB são os próprios personagens” da
simulação. O falso, o interpretado ou ainda, o mascarado, não correspondem a um
personagem criado por um diretor, mas a auto-representação de cada participante do
programa, compondo o quadro representativo do cotidiano nas telas. Trata-se de uma
modificação do real; um modelo. A contraposição entre “personagem” e participante é;
entre o real e o imaginário; entre cotidiano e a ficção é a linha na qual situa-se o programa
Big Brother Brasil.
Dessa forma, BBB é uma miniaturização de um cotidiano, de um sistema social, mas
é, antes disso, uma miniaturização de uma representação desse cotidiano, a qual se pretende
como um retrato da realidade. É algo semelhante com o que acontece com a Dineylândia,
na análise de Baudrillard.
A Dineylândia é um modelo perfeito de todos os tipos de simulacros
confundidos. É antes de mais um jogo de ilusões e de fantasma: os
Piratas, a Fronteira, o Future World, etc. (...). Mas o que atrai as
multidões é sem dúvida muito mais o microcosmo social (...)
miniaturizado da América real, dos seus constrangimentos e de suas
alegrias (1991: 20).
Assim, BBB corresponde não somente ao jogo ilusório criado pelo cenário e pelo
contexto de regras impostas pela produção do programa, mas a algo que remete a um
103
sistema social por um lado próximo de nossa realidade, que simula regras de
convivência e estabelece situações de convívio; e por outro, longe da essência da realidade
e próximo de uma extrapolação do real, ou seja, de uma criação de um outro universo
análogo ao nosso, mas dissociado, que não acesso a qualquer tipo de contato externo,
resumindo toda a vivência, daquelas pessoas, naquele período de gravação, ao universo
BBB. Conforme Baudrillard, A Dineylândia corresponde a uma criação imaginária para
esconder determinados aspectos do real, neste caso, a infantilidade.
O mundo quer-se infantil para fazer crer que os adultos estão noutra
parte, no mundo real, e para esconder que a verdadeira infantilidade está
em toda a parte, é a dos próprios adultos que vêm aqui fingir que são
crianças para iludir a sua infantilidade real (1991: 21).
Big Brother Brasil esconde um real que não pertence àquele universo. Os
participantes que, por um lado representam determinados perfis, ou seja, tipos de
personalidade, estão, ao mesmo tempo, inseridos em uma representação de si mesmo,
criando uma ilusão sobre a real individualidade de cada um. Trata-se da contradição de ser
verdadeiro quando se está utilizando indícios reais dentro de uma representação o que,
desse modo, camufla a sua própria personalidade, filtrada pelos aspectos de elaboração do
programa, como o recurso da edição.
É, portanto, perceptível que BBB se configura em um sistema de signos que mistura
realidade e ficção; ou que navega pelo imaginário com indícios reais. Isso é possível que
o imaginário forma-se a partir de modificação do real. Segundo Juremir Machado Silva:
104
O imaginário é um reservatório/motor. Reservatório, agrega imagens,
sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o
imaginado, leituras da vida e, através de um mecanismo
individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e
de aspirar ao estar no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária
do vivido que se cristaliza como marca individual ou grupal. Diferente do
imaginado projeção irreal que poderá se tornar real , o imaginário
emana o real, estrutura-se como ideal e retorna ao real como elemento
propulsor (2003:11-12).
Poderíamos dizer que BBB situa-se no mundo do imaginário, presente por meio da
simulação, que realiza o idealizado pela produção do programa. Todo o aparato tecnológico
utilizado pela Rede Globo é constituído por elementos reais para a construção de um
mundo imaginário que se torna real para os integrantes desse sistema presentes no local
sem qualquer acesso ou contato com exterior. O elo entre o mundo e a simulação vivida
pelos participantes é o apresentador Pedro Bial o condutor do espetáculo; o narrador da
trama; o Grande Irmão ou o diretor, personagem da sala de controle em O Show de
Truman.. Ele constitui a ponte entre as duas instâncias: a nossa realidade e a simulação da
casa. Bial é, portanto, o condutor desse universo imaginário. A representação do Grande
Irmão, de Orwell, que assim, como no romance, se faz presente de maneira imaginária
por meio de um monitor, que na verdade, transporta junto à imagem, o signo de sua
representação.
Confundem-se, dessa forma, os indícios reais e imaginários dentro da simulação
criada por BBB. Ao contrário das telenovelas que são puramente obras de ficção,
produzidas com critérios próprios, por roteiros específicos e previamente determinados, o
reality show em questão faz o uso da representação de maneira complexa com elementos
reais, “personagens” não-atores e com uma proposta de querer passar-se pelo próprio
cotidiano real, exatamente por possuir tal diferenciação em relação às demais
105
representações ficcionais presentes na televisão. Conforme Baudrillard analisa sobre a
Dineylândia, “(...) não se trata de uma representação falsa da realidade (a ideologia), trata-
se de esconder que o real não é o real e portanto de salvaguardar o princípio de
realidade” (1991:21). Portanto, de maneira semelhante, representação em BBB não é apenas
uma distorção do nosso cotidiano, mas, mais do que isso, é a simulação que,
paradoxalmente, esconde a real presença dos participantes e da convivência entre eles, ao
mesmo tempo em que as representa. Escondem-se suas personalidades, pois tudo o que eles
demonstram correspondem aquilo que eles representam, a sua máscara. Por outro lado, isto
é, na verdade, a representação de si mesmo apenas deturpada pela edição e pelos demais
critérios da elaboração.
Baudrillard fala dos opostos, real e imaginário, na simulação da seguinte forma:
Trata-se sempre de provar o real pelo imaginário, provar a verdade pelo
escândalo, provar a lei pela transgressão, provar o trabalho pela greve,
provar o sistema pela crise (...). Tudo se metamorfoseia no seu termo
inverso para sobreviver na sua forma expurgada. Todos os poderes, todas
as instituições falam de si próprios pela negativa, para tentar, por
simulação de morte, escapar à sua agonia real” (1991: 28-29).
Big Brother Brasil reúne em sua fórmula os elementos reais e imaginários que se
contrapõem na medida em que tenta isolar o real do imaginário. É, todavia, na utilização
desses elementos reais na concepção de uma produção ficcional que se configura este
reality show. Torna-se impossível, isolar o real ou da mesma forma, isolar o imaginário. Há
uma combinação desses elementos. “Do mesmo tipo que a impossibilidade de voltar a
encontrar um nível absoluto do real é a impossibilidade de encenar a ilusão. A ilusãonão
é possível porque o real não é possível” (BAUDRILLARD, 1991: 29-30).
106
O autor relata, dentro desta perspectiva, a impossibilidade de se isolar uma
simulação, na tentativa de um simulacro perfeito. Num exemplo referido de um falso
assalto, Baudrillard explica que “a rede de signos artificiais vai-se imbricar
inextricavelmente com os elementos reais” (1991: 30). Da mesma maneira em que um
assalto simulado, por exemplo, implicaria em elementos reais, como a aparição de uma
polícia, no BBB a simulação pretendida na casa que inclui uma série de aparatos técnicos
(reais, diga-se de passagem), também exige a presença do real. Exatamente por isso, que,
até mesmo os participantes do programa carregam em si traços reais e imaginários. Eles
correspondem a peças de uma produção midiática, um produto de ficção, mas são pessoas
reais que têm reações e necessidades biológicas reais durante as gravações. Diferente de
uma telenovela, as refeições, os banhos, os momentos em que cumprem com suas demais
necessidades biológicas, como dormir, por exemplo, não o imaginárias. Tratam-se de
necessidades reais, mas que, ainda assim, fazem parte de uma trama televisionada.
Tais aspectos reais na simulação pretendida pelo Big Brother Brasil são abordados
por Jean, em seu livro, quando ele comenta sobre a questão do tempo dentro da casa, que
influenciava na rotina dos participantes. “Ficávamos perdidos, procurando acertar o
momento das refeições e do sono (WYLLYS, 2005:23). A simulação do cotidiano,
portanto, implicava em efeitos reais na rotina cotidiana de cada um dos participantes,
conforme descreve Jean sobre as dificuldades em adaptar-se ao tempo decorrido dentro da
casa.
107
3.3. O poder de fascinação
O reality show Big Brother Brasil exerce um fascínio sobre o telespectador o que
permitiu que ele chegasse a execução de cinco edições e, além da preparação da sexta, que
está com as inscrições abertas. É, portanto, um sucesso midiático que conquistou o seu
público alvo e, conseqüentemente, resultou em vantagens para a emissora que o produz.
Há, então, um ponto essencial para a sobrevivência da fórmula, que consiste em estabelecer
como o produto conquistou seu público, ou melhor, a que é atribuído o fascínio exercido
sobre os receptores.
Evidentemente, o grotesco e a banalização da sexualidade são fatores explorados
para a criação desse suposto cotidiano, com o intuito de tornar as vivências filmadas
próximas ao real. Mas é na utilização do real, dentro do imaginário que consiste a chave a
qual possibilita tamanho sucesso. Mais do que uma questão do voyeurismo (que não deixa
de ser um elemento utilizado) e o gosto por espiar, o conjunto de elementos que se
misturam e confundem entre as linhas que determinam o final do real e o início da ficção
(ou vice-versa) podem explicar parte do êxito da grande apreciação.
O voyeurismo, a idéia de Janela Indiscreta (1954), está presente na concepção
ideológica do Big Brother Brasil. A aceitação do convite feito por Bial “Vamos espiar”
ocorre de maneira massiva pelo público. Da forma como Bourdieu (1997) avaliou, a
televisão, realmente, busca a satisfação de um voyeurismo e do exibicionismo com a
exposição de “fatias e vida” a partir da proposta de simular o cotidiano, neste caso, por
meio do BBB. Neste ponto, contudo, é necessária cautela, uma vez que embora esse
artifício esteja presente na criação do BBB, não se pode dizer que esse é o fator que move a
audiência. Sodré e Paiva chegam a afirmar que:
108
no tocante ao público, não se sustentam as hipótese explicativas de
um ‘voyeurismo freudiano’, pois o que se evidencia mesmo não é
uma sexualidade de fundo, mas a sinergia (...) entre a banalidade
dos fluxos televisivos e a existência banal dos telespectadores
(2002: 134).
Não se trata de uma satisfação de observar a convivência em busca de sexo.
Baudrillard (2004) enfatiza que o fascínio do público não se explica por um voyeurismo
pornô. A curiosidade em espiar é despertada, mas pelo aspecto da simulação e das
possibilidades de satisfação que ela oferece. Além disso, conforme citado, a própria
exposição descontrolada da sexualidade proporciona a anulação da mesma. Evidentemente,
isso não significa que não haja uma exploração da sexualidade, com apelos escandalosos e
vulgarizações. Entretanto, esse não é o ponto que exerce a fascinação pelo programa. Incide
na nulidade do espetáculo, a qual refere-se Baudrillard. A exposição exacerbada tem como
conseqüência, exatamente, a anulação do sexo e da própria sexualidade. Ou seja, embora
seja banalizada pela mídia, com apoio do que Thompson (1998) considera como poder de
reprodução e fixação dos meios técnicos, a sexualidade encenada no Big Brother Brasil não
desperta nenhum frisson, conforme já citado.
Também a idéia do confinamento, da forma como Foucault analisou como “projeto
ideal dos meios de confinamento, visível especialmente nas fábricas: concentrar; distribuir
no espaço; ordenar no tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito
deve ser superior a soma das forças elementares” (apud DELLEUZE. L’Aventure Journal,
1, maio/1990. In: Conversações: 219-26), ou seja, de organizar o universo criado
obedecendo a critérios de tempo, espaço e regras de coletividade imposta aos participantes
como forma de tarefas, é trabalhada na produção do programa.
109
O vencedor da quinta edição do Big Brother Brasil, Jean, em seu livro Ainda
lembro, comenta sobre o confinamento constantemente, como algo acima do próprio
programa. Ele inicia a primeira parte do livro abordando, justamente, a questão do
confinamento sem ao menos, citar o Big Brother Brasil. Parece óbvio e também
oportunista que um escritor, ao fim de um confinamento de oitenta dias numa casa, com um
grupo de pessoas que diminuía a cada semana, escreva um livro com essa experiência”
(WYLLYS, 2005: 15). Não neste momento em que inicia falando da sua experiência,
nenhuma referência direta ao programa. O confinamento, portanto, é algo que está acima da
ficção encenada. É ao confinamento real ou às prováveis conseqüências que ele provoca
que Jean Wyllys se refere.
Evidencia-se a ilusão do real, a simulação que ao ser presenciada por ele passou a
ser real, uma vez que, os elementos que compunham um cotidiano vigiado, com apelos
grotescos e a super exposição de uma sexualidade banalizada (e anulada por esse mesmo
motivo), implicavam em um confinamento real para aqueles que dele participavam, que
as possíveis conseqüências disso, como as angústias e as interferências emocionais, passam
a ser reais para os participantes. Dessa forma, é como o assalto simulado ao qual
Baudrillard se refere, dizendo que este incidiria, por exemplo, numa polícia real e em
dramas reais; justificando dessa forma a impossibilidade de isolar o real da simulação e
vice-versa.
Baudrillard, ao falar sobre o Loft Store, reforça a idéia da banalidade dentro da
simulação como elemento fundamental na conquista do público. “O que as pessoas querem
profundamente é o espetáculo da banalidade, que é hoje, a verdadeira pornografia, a
verdadeira obscenidade a da nulidade, da insignificância e da plenitude” (2004: 21).
110
Trata-se, justamente da anulação da própria sexualidade, exatamente pela exposição
exagerada, conforme já levantado no decorrer de nossa pesquisa.
Novamente, incide no fato referido por Wolton (2003), que considera a banalidade
como símbolo da comunicação de massa; parâmetro no qual se enquadra o BBB. Dessa
forma, a repressão da sexualidade, levantada por Reich (1987) passa a ser alimento de um
processo que consiste em vulgarizar o sexo dentro da mídia a partir de uma simulação,
embora, o fascínio não seja o sexo em si, que a exploração proporciona a anulação do
mesmo, mas no banal em si que remete aos indícios banais do homem real , resultando na
identificação. Conforme Baudrillard, “(...) é d que vem a fascinação, por imersão (...). E
as pessoas ficam fascinadas, fascinadas e aterrorizadas pela indiferença do Nada-a-dizer,
Nada-a-fazer, pela indiferença de sua própria existência” (2004: 21-22).
O encantamento do público com a televisão e, especificamente com BBB se de
maneira verificável pelos altos índices de audiência. Contudo, tal encantamento incide em
um paradoxo, ou, no mínimo, em um dilema que consiste em compreender como é possível
envolver o telespectador a partir de um conteúdo banal. Mesmo considerando-se as
estratégias na utilização mista dos elementos reais e imaginários na concepção da
simulação, ainda resta a questão da qualidade do conteúdo das mensagens transmitidas.
Wolton considera que “a televisão fascina, pois ela ajuda milhões de indivíduos a
viver, se distrair e compreender o mundo” (2003: 61). Dentro de uma linha de produção,
como a do Big Brother Brasil, é preciso saber se essa distração é alcançada pela banalidade
e vulgarização, uma vez que nisso consiste o conteúdo do programa. Sobre essa questão
Baudrillard levanta a seguinte hipótese:
111
se a audiência é tal, não é apesar da debilidade, mas graças à debilidade,
e à nulidade do espetáculo (...). Mas aqui se abrem duas possibilidades,
que não são talvez exclusivas. Ou os espectadores imergem na nulidade
do espetáculo e gozam com ele como se fosse a sua própria imagem,
adequadamente cosmetizada para a circunstância, ou então eles gozam
por se sentirem menos idiota do que o espetáculo e, logo, não se
cansam nunca de assistir a ele (2004: 38).
Segundo Wolton, a televisão não apenas não manipula, como também o público tem
condições de análise sobre o conteúdo que recebe, ou seja, sente-se menos idiota do que o
espetáculo, conforme avalia Baudrillard. Não se trata, entretanto, de elevar o nível cultural
da população a patamares utópicos por meio de análises generalistas, sem base científica,
mas de esclarecer que a televisão e seus respectivos programas, no caso o Big Brother
Brasil, não são um instrumento manipulador que domina seus espectadores sem qualquer
possibilidade de reação. “(...) o público é dotado de inteligência crítica e. mesmo
concedendo um sucesso imenso à televisão, ele sabe guardar distância” (WOLTON, 2003:
62). Muito embora, esse aspecto não exclui a segunda possibilidade levantada por
Baudrillard segundo a qual o público imerge na nulidade do espetáculo. Portanto, quando
Wolton analisa que o público mantém distância , não significa que não envolvimento,
isto é, identificação com o que se assiste.
A chave do problema está no fato de que a televisão não modifica o comportamento
do público, nem ao menos manipula a consciência do mesmo, o que significa dizer que
ocorre um paradoxo (conformedito nesta pesquisa) de aproximação e distanciamento. A
aproximação se no momento da identificação com o que se assiste, ou seja, no gozo
resultante simultaneamente da imersão e da sensação de sentir-se “menos idiota”; enquanto
que o distanciamento está no ato de desligar o aparelho e a “vida real” é retomada. Wolton
complementa:
112
(...) o êxito popular persistente das mídias de massa deveria ter
provocado muito antes uma reflexão sobre a complexidade da recepção, a
inteligência dos públicos e a impossibilidade de reduzir a televisão (...) a
uma manipulação das consciências” (2003: 62).
Dentro desse contexto, em que a mídia fascina os espectadores numa cumplicidade
que abre para as duas possibilidades de encantamento levantadas por Baudrillard, o autor
considera a escolha estratégica de conteúdos próprios para causar a sensação de
superioridade do público em relação a banalidade assistida, exigiria uma potencialidade
anormal dos autores de tais programas.
Pode ser talvez uma estratégia da mídia oferecer espetáculos mais nulos
que a realidade – hiper-reais em sua debilidade, e dando aos espectadores
uma possibilidade diferencial de satisfação. Hipótese sedutora, mas que
supõe muita imaginação por parte de seus autores (2004: 38-39).
Dessa forma, segundo o autor, a explicação está na “presunção da nulidade
presunção de inocência”. Identifica-se uma ausência de mérito no Loft Store (e da mesma
forma em BBB). “É tudo em troca de nada (...) exaltação máxima por uma qualificação
mínima” (2004: 39). Programas como BBB não merecem, segundo Baudrillard, nenhuma
glória pela sua nulidade, já que o seu conteúdo em si é desinteressante. Mas a apreciação do
público, uma vez, que, segundo Wolton, esse não é manipulado, mas opta pela aceitação da
banalidade, traduz o fato de que ele é merecedor do que lhe é oferecido pela mídia.
(...) se essas novas vedetes, comoventes por insignificância e
transparência, se esses usurpadores produzidos por uma especulação
desenfreadas sobre o todo igualitário, se esses piratas do hit-parade não
merecem esse excesso de glória, a sociedade que se o espetáculo
entusiástico dessa mascarada tem o que ela bem merece
(BAUDRILLARD, 2004: 41).
113
Todavia, após estabelecida a simulação, outro fator entra em questão: o paradoxo de
aproximação e distanciamento um sistema imaginário que compreende elementos reais,
de maneira que o telespectador seja ele também um personagem do BBB na mesma medida
em que cada “personagem” também é um ser real além das representações.
Baudrillard ao analisar o programa An American Family (1971) reality show
americano no qual o seu produtor Craig Gilbert e dois assistentes permaneceram na casa da
família Loud, na California, filmando a vida de Bill, Pat e os cinco filhos do casal: Lance,
Kevin, Grant, Delilah, e Michele, o que resultou numa série de 12 episódios transmitidos
pela TV americana afirma que o sucesso da série deve-se ao fato de que tudo o que foi
transmitido ocorreu como se o telespectador estivesse também lá.
Mais interessante é o fantasma de filmar os Loud como se a TV não
estivesse. O triunfo do realizador era dizer: ‘Eles viveram como se nós lá
não estivéssemos’. Fórmula absurda, paradoxal nem verdadeira, nem
falsa: utópica. O ‘como se nós não estivéssemos’ sendo equivalente ao
‘como se você estivesse’. Foi essa utopia, este paradoxo, que fascinou
os vinte milhões de telespectadores, muito mais que o prazer ‘perverso
de violar uma intimidade (1991: 40).
Da mesma maneira, em BBB a utopia de que os “personagens” estivessem “vivendo
como se o público estivesse lá” proporcionou o fascínio sobre o público. A “vida” dentro da
casa na qual os participantes do BBB estiveram confinados ocorreu filtrada pela lente da
produção ficcional, mas o fato de se tratar de não-atores causa o efeito referido acima. A
presença de elementos reais dentro da ficção é um fator determinante no fórmula do
programa, pois proporciona uma identificação. Juremir Machado da Silva acrescenta: “No
simulacro, tudo é uma questão de reflexo, de diferença e de repetição, de ironia e de
114
paradoxo” (2003: 61). Baudrillard complementa a questão sobre a abordagem da
simulação:
Não se trata de segredo nem de perversão na experiência verdade’, mas
de uma espécie de arrepio do real, ou de uma estética do hiper-real,
arrepio de exatidão vertiginosa e falsificada, arrepio de distanciação e de
ampliação ao mesmo tempo, de distorção de escala, de uma transferência
excessiva (1991: 40-41).
Big Brother Brasil faz uso, portanto, de estratégias que envolvem desde apelos para
a estética do grotesco e para uma banalização da sexualidade, na tentativa de reproduzir um
cotidiano na mídia, até a mistura de elementos reais e imaginários, concentrando o
programa nessa linha tênue que separa as duas instâncias. A partir desses instrumentos, na
concepção do BBB, a produção busca fascinar o público de maneira a fortalecer o vínculo
entre os pólos do processo comunicativo. A simulação é o centro desse processo que
utiliza-se todos os recursos técnicos presentes nos aspectos da elaboração do programa.
É, entretanto, dentro do que Baudrillard chamou de “servilidade voluntária” que se
estabelece a relação com público. Muniz Sodré considera que “no dito rebaixamento
cultural dos padrões televisivos, a audiência não é vítima, e sim cúmplice passivo de um
ethos a que se habituou” (In: BAUDRILLARD, 2004: 15), o que implica necessariamente
numa relação de cumplicidade com os telespectadores.
Todavia, não significa atribuir ao espectador o poder de escolha, no sentido de
determinar a programação. “O espectador não é o programador (WOLTON, 2003: 73).
Dentro da relação estabelecida entre os pólos do processo comunicativo – entre o emissor e
o receptor –, ou seja, entre o Big Brother Brasil e seu público, este último possui, portanto,
a responsabilidade de aceitação voluntária da programação. Exatamente como Baudrillard
115
considera ao defender que a sociedade tem aquilo que merece por que deseja a debilidade
da mídia e a nulidade do espetáculo.
Big Brother Brasil, portanto, constitui-se como uma simulação do cotidiano, dentro
de um referido espaço físico, no qual foram instalados todos os aparatos técnicos
necessários. Dentro deste contexto, estabelece-se a cumplicidade com o público que se
mantém fiel cinco edições (e acredita-se que o fenômeno deve se repetir na sexta que
está recebendo as inscrições). Mas é o fascínio exercido sobre o público que mantém o
sucesso de Big Brother Brasil. Essa fidelidade e cumplicidade se dão, justamente, em
decorrência do encantamento do espectador com o programa. Mais forte, inclusive, do que
a identificação com os “personagens” especificamente e dissociado do programa, pois uma
vez fora da casa, pouco a pouco vão perdendo visibilidade. Esse é um encantamento
passageiro e rápido.
Jean Wyllys comentou em seu livro sobre as 35 mil pessoas que o aplaudiam em sua
cidade natal. Entretanto, a imagem daqueles que se distanciam da mídia (em especial da
televisão) vão se apagando gradativamente. Até mesmo aqueles que permanecem em
programas semelhantes, experimentam uma nova relação com seu público, pois muda-se o
contexto e o “personagem” passa a ser mais evidentemente criado e representado quando
comparado com o BBB. Exceto para aqueles que se mantém na mídia, ou seja, que utilizam
o programa como porta de entrada para uma nova vida, conforme avaliou Jean Wyllys, os
demais vão caindo no esquecimento e no anonimato. Poucas pessoas se lembrariam dos
“personagens” mais apagados da primeira edição do programa.
Por outro lado a cumplicidade com a televisão com o Big Brother Brasil se faz
de maneira sustentável, e os ídolos passam a ser, na verdade, os estereótipos que são
repetidos em todas as edições. As “personagens” são as mesmas, mudando apenas as
116
pessoas que se prestam ao serviço de interpretá-las, e assim novos participantes irão formar
uma nova casa, e novamente, todas aquelas classes sociais, culturais e econômica, bem
como as diversas religiões e orientações sexuais serão representadas por novos integrantes.
Ou seja, dentro do que Baudrillard considera, o espetáculo se repete, pois o público não se
cansa de vê-lo e gozar com ele ao se sentir “menos idiota”, e identificar-se com a
representação.
Mesmo assim, cada personagem” continua sendo uma representação de si mesmo,
e, exatamente por isso, caem no esquecimento ao saírem da casa. O encantamento, o
fascínio e a cumplicidade com a imagem de cada um deles têm sentido quando exposta
na mídia, pois uma vez fora dela, passa ser mais comum do que o desejado por aqueles que
almejam a fama. Assim como apenas as personagens mais marcantes de telenovelas ficam
na memória dos telespectadores, poucos serão os participantes do BBB que manter-se-ão
vivos publicamente, após terem sido afastados da mídia.
117
Considerações finais
A associação entre o banal e o Big Brother inicia-se muito antes de sua exploração
mercadológica pela mídia. A própria concepção do programa; os insights que originaram o
processo de execução do produto, conforme narrado em entrevista pelo idealizador John De
Mol, incide em uma experiência de abdução (no sentido peirceano do termo) mergulhada
na banalidade. Segundo ele, sua inspiração surgiu após consumo elevado de álcool em um
determinado estabelecimento, em meio ao caos do fracasso de uma reunião, que se
destinava a produzir um novo programa para a televisão holandesa, com o intuito de
recuperar a audiência.
Por outro lado, se considerarmos a hipótese da idéia inicial do reality show ter sido
originada a partir do projeto Biosfera 2, poderíamos considerá-la uma manifestação da
estética do grotesco, que em seus meandros de distorção, traduz um estudo científico em
produto midiático que privilegia a “nulidade do espetáculo”, como diria Baudrillard. De
Mol afirma que o Biosfera 2 se transformou em uma “piada”. Diz ainda que acredita que o
sucesso do Big Brother consiste, justamente, naquilo que determinou o fracasso do
Biosfera 2. Essa inversão de valores também remete ao ridículo. Se um programa elaborado
por cientistas transformou-se em uma grande piada fracassada, e o Big Brother que
concentra o ridículo em sua forma espalhou-se por países da Europa e América com
sucesso de audiência, temos um complexo quadro de inversão de valores.
Ignorar a influência da obra de Orwell 1984 é, ainda, mais banal do que admitir
ter plagiado a idéia e vulgarizado uma obra literária. Negar essa influência, como fez De
Mol, é, dessa forma, uma justificativa tão falsa quanto o próprio cotidiano simulado. Todas
118
as possibilidades cabíveis para a estruturação do produto – seja com base no Bioesfera 2, ou
uma apropriação da idéia de 1984 remetem a um processo de compilação ideológica
distorcida e adaptada de maneira grotesca para a televisão. É aausência de mérito” a qual
Baudrillard se refere. O resultado do percurso criativo de De Mol não foge de sua
circunstância inicial e, portanto, atinge “o espelho da banalidade” (BAUDRILLARD, 2004:
20).
A fabricação do cotidiano em si implica em uma fragmentação que poderá
resultar na banalização do convívio social. Big Brother Brasil, assim como seus similares
espalhados pelo globo, produz uma “trivialidade de síntese, fabricada em circuito fechado e
com tela de controle” (BAUDRILLARD, 2004: 20). Trata-se de uma compilação dos
diversos aspectos da vida em sociedade o conflito com as diferenças, a imposição de leis,
o respeito aos símbolos e as convenções, o confinamento sob diversas formas reduzidos
em uma simulação limitada ao universo criado dentro do cenário de gravação.
A reprodução do grotesco a partir do comportamento, do vocabulário, dos diálogos,
além das demais formas possíveis, ganha uma amplitude descabida sob a lente da mídia.
Toma-se o gosto por observar as peculiaridades humanas. São os “pedaços de vida” aos
quais se refere Bourdieu (1997). Fraca Rocco, acrescenta que nesse tipo de programa “a
‘metragem privada’ está virando cada vez mais ‘espaço público’” (In: PEREIRA JR, 2002:
137).
No Brasil, o anúncio da sexta edição para o ano de 2006 é reflexo do sucesso de
audiência atingido de maneira gradativa. Prova disso, é que, segundo Etienne Jacintho, no
artigo Kleber quer seguir carreira na TV (O Estado de S. Paulo, 04/04/2002), a final da
primeira edição teve média de 59 pontos no Ibope, e chegou a atingir 64 pontos. Esta final
obteve quase 80% de audiência nacional.
119
Houve, portanto, uma linha evolutiva na televisão brasileira que, gradativamente,
optou por uma programação com tendência para os reality show, como aposta para
conquistar o grande público. A cumplicidade com o banal e a opção em apreciar os
conflitos sociais se concretizaram durante as cinco primeiras edições do Big Brother Brasil.
Muniz Sodré, em entrevista ao Jornal do Brasil, aposta numa tendência nacional: “sempre
que a televisão precisa de público, apela para o grotesco. É uma categoria estética
recorrente na vida brasileira” (13/07/2002).
A utilização de “personagens” mais comuns ao público facilita esse processo.
Representar as classes sociais e os tipos de personalidades com uma suposta legitimidade
alegada pelos produtores, gerou a necessidade de escolher pessoas “tecnicamente” comuns
não-atores. Dessa forma, a representação conta com pessoas tão “normais” quanto o
próprio telespectador. Os estereótipos representados por estes “personagens” se confirmam
nos apelidos que remetem a um determinado perfil social, como por exemplo, Cowboy”,
vencedor da segunda edição do BBB. Além disso, o próprio apresentador do programa,
Pedro Bial o Grande Irmão facilita essa associação com comentários a respeito das
personalidades, comportamento, figurino e aparência.
É suposto que, do ponto de vista da
produção do programa, a variedade de tipos humanos apresentados seja capaz de simular
diferenças reais e genéricas enfrentadas por eles na sociedade. E, ao mesmo tempo, estes
“personagens” apresentam uma tentativa de representar os conflitos e preconceitos sociais,
de maneira fragmentada.
Também as regras sociais simuladas do BBB evoluíram para atribuir maior
proximidade com o cotidiano. As exigências para os participantes foram aumentando de
acordo com a evolução do programa e a “sobrevivência” e a “disputa”, tornaram-se mais
difíceis com o desenvolvimento das edições. Toda essa evolução pretendia ocasionar, de
120
modo cada vez mais intenso, a identificação do público com as representações. Conforme
avaliou Baudrillard, sobre o programa An american family, as gravações ocorrem com o
intuito de passar a sensação de que as filmagens transcorrem como se o público lá estivesse.
O grotesco, enraizado no Big Brother desde a sua criação até a sua implantação nos
demais países especificamente no Brasil espalha-se por todos os quesitos da
representação/simulação, iniciando-se na atuação de Bial e expandindo-se até fragmentação
do convívio entre os participantes. Muniz Sodré complementa: “(...) todo e qualquer
público se compraz do ridículo do outro. No fundo, você está rindo da televisão” (Jornal
do Brasil, 13/07/2002)
. Uma concepção grotesca poderia resultar como fruto, um
produto com essa mesma estética, captada e aplaudida pelo público brasileiro que se
identifica com ela - por necessidade de extrapolar o real, por banalidade, por ser capaz de
rir de seu próprio destino ou por qualquer outra razão que não se pode julgar sem estudos
mais concretos. Para tanto, seria necessária uma análise histórico-sociológica ou
antropológica que acompanhasse a formação do povo brasileiro com ênfase em seus valores
estéticos, assim como seria imprescindível detectar os motivos pelos quais o grotesco
parece ter se sentido sempre tão a vontade no Brasil.
Fatores como o voyeurismo, no caso do BBB, a identificação com o banal e o fascínio
pelo grotesco se complementaram para que o programa caísse no gosto do público e
atingisse tal sucesso. Entretanto, é necessário compreender que esse processo é estabelecido
por meio de uma relação de cumplicidade entre a televisão e seu público resultante da
própria montagem das peças que compõem esse cotidiano fabricado. É a experiência de
enxergar-se no espetáculo. Lacan afirma que “não existe mais diferença entre a televisão e
seu público” (apud SODRÉ & PAIVA, 2002: 31). Ou ainda, designa a “servilidade
voluntária” a qual se refere Baudrillard, que implica no fato de que os telespectadores
121
imergem no espetáculo como se fosse sua própria imagem, e, além disso, gozam com a
debilidade por se sentirem “menos idiotas” em relação ao que assistem. Wolton (2003)
avalia também que o público tem inteligência crítica para decidir aquilo que quer ver o
que comprova, portanto, uma cumplicidade entre os pólos do processo comunicativo e a
aceitação voluntária do grotesco exposto na mídia. É, por conseguinte, a liberdade de
decisão, de optar pela banalidade pela “debilidade do espetáculo” (BAUDRILLARD,
2004: 38) que caracteriza a relação entre o Big Brother Brasil e seu público.
A criação de um outro meio de convívio social pela simulação sempre exerceu
encantamento sobre o homem, desde as primeiras experiências gregas com o teatro. A
persistência e evolução dessa fórmula indica uma preferência dessa linha de programação
na televisão, como exemplo, a produção de telenovelas, de filmes especiais para a TV, de
séries e mini-séries que estimulam o ato de espiar - ou expiar - outras possibilidades de
interpretação da própria vida.
A tentativa de forjar a realidade e mais ainda, de se passar por real por um
cotidiano contextualizado determina a busca constante da aproximação do BBB com o
dia-a-dia real; uma tentativa de paradoxalmente, eliminar a distância entre os universos
reais e aqueles do imaginário e ao mesmo tempo, manter o público afastado da própria
realidade. Verifica-se uma busca inalcançável de aproximação com real; uma clonagem
social impossível de se concretizar além do imaginário, que esta se faz presente por um
produto ficcional. Todavia, a implantação de elementos reais dentro da simulação
impossibilita distinguir, na íntegra, o real do imaginário.
Esta falsificação do cotidiano no BBB pauta-se pelos apelos grotescos e pela
banalização da sexualidade, a tal ponto, que esta última, assim como próprio sexo, tornam-
se nulos, como conseqüência da super exposição do contexto obsceno em que se configura
122
o programa. Reich acredita que “(...) no campo da higiene mental, a primeira e principal
tarefa consiste em substituir o caos sexual, a prostituição, a literatura pornográfica e o
tráfico sexual pela felicidade natural no amor protegido pela sociedade” (REICH, 1987).
Dessa forma, a super exposição da sexualidade no BBB situa-se no oposto dessa esfera,
caracterizando sua anulação.
Evidentemente, todo esse sistema, desde sua fase inicial, quando John De Mol
idealizou o projeto, pretende atender a uma necessidade de mercado. Em um primeiro
olhar, a produção do BBB visa conquistar altos índices de audiência, que se converterão em
vantagens econômicas para as empresas que exibem o programa. Todavia, dirigir o olhar
analítico apenas para esse prisma, implicaria em perder o foco de todo o processo em que
se estabelece a fabricação do cotidiano na mídia. Baudrillard (2004) considera que tanto o
mercado quanto os próprios comentários a esse respeito fazem parte de um mercado
cultural ideológico.
Dentro desse contexto em que se fixa o programa Big Brother Brasil com
recorrência ao grotesco, a banalização da sexualidade e a estereotipação de “personagens”
acreditamos demonstrar, nesta pesquisa, os mecanismos utilizados pela produção do BBB
que evidenciam a tentativa de fabricar o cotidiano, inserindo indícios reais em um ambiente
ficcional. Assim, identificamos a representação do cotidiano ficcionado pela mídia, por
meio de simulacros que proporcionam uma identificação com o telespectador.
Porém, esta não é uma abordagem única e conclusiva. Ao contrário, marca um
ponto inicial por meio do qual é possível adotar novos olhares sobre o Big Brother Brasil.
Futuros olhares atentos poderão direcionar o foco no sentido de compreender o processo de
tradução e apropriação do real para a configuração do universo simulado na televisão
brasileira.
123
Evidentemente, tornar-se-ia incabível compreender todas as formas e possibilidades
de simulação na mídia; portanto, esta análise do BBB constitui-se um trajeto provável para
outros estudos a respeito das simulações do cotidiano na mídia em geral. Abre caminho
para o aprofundamento do estudo das esferas do real e do imaginário; da impossibilidade,
de se isolar e traduzir o real, na mesma proporção em que se torna impraticável o
isolamento total da simulação e dos elementos imaginários do real. Possibilita, ainda, traçar
novos percursos teóricos referentes a simulação midiática para análise de objetos que
compreendam objetivos análogos aos identificados no Big Brother Brasil, além de permitir
aprofundamento nos estudos sobre a televisão e suas diferentes formas de aproximação com
o universo do público.
Consideramos, por fim, que devido a complexidade do tema não é possível
considerá-lo concluído. Novas conjecturas, a partir desse estudo, poderão dar início a
outros trabalhos, com novos dados a serem acrescentados com as edições futuras do BBB e
com outros programas semelhantes passíveis de serem analisados sob esta perspectiva.
Entretanto, que se ressalvar que, se estamos todos inseridos na comunicação como “um
bebê na placenta de sua mãe, um ‘paideuma’ cósmico, cujos limites se ponteiam na
noosfera” (GUIRADO, 1992: 29) incidimos no risco de nossa visão ser, também, um
simulacro.
124
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