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E é exatamente a segurança jurídica, tomada no sentido antes comentado, o
primeiro dos valores cuja “renúncia” avizinha-se em favor da eficácia social da
jurisdição; vista, já o sustentamos, como vetor que opera de modo a
“aprisionar”, formalmente, o órgão jurisdicional, segurança jurídica é ideal que
parece reprimir a noção de efetividade, situação que, tomada sob a óptica do
tempo, mostra-se ainda mais nítida: as regras de produção formal da tutela
jurisdicional implicam, no mais das vezes, a ampliação cronológica do
respectivo processo; protraem, assim, a emissão da norma que se quer ao final, o
que autoriza concluir, mesmo que isso represente indevido reducionismo, que a
forma estaria em permanente guerra com a eficácia e o conteúdo.
Por indevida (e assim já nos colocamos), no lugar de tal visão postulamos uma
outra, fundada na premissa segundo a qual a norma proveniente da tutela
jurisdicional só existe pela forma que a contém, circunstância que torna inviável
qualquer teoria que, à guisa de atribuir efetividade à jurisdição, despreze a noção
de segurança.
[Nesse momento, adequado que se reflita, em breve paralelo, sobre a questão do
assim chamado “informalismo”, saída colateral lançada, em certos setores, como
solução para o problema da (in)efetividade da jurisdição. Quando nos propomos
a responder a tais perguntas, colhidos somos pela perplexidade: a
“informalidade” é “forma”, supostamente menos solene do que outra e que, de
todo modo, não é fixada pelo aplicador, o qual, para situações ordinárias,
determina a aplicação das “formas formais”.]
Queremos, com isso, que os problemas de efetividade sejam de fato enfrentados
pelos órgãos que respondem pela produção e pelo cumprimento das normas-fim
da jurisdição, sempre, porém, com base nos instrumentos que o sistema geral e
abstrato preordena, estando desautorizado o uso (que, parece-nos, seria abusivo)
do valor efetividade para motivar a prática de atos-meio sem base normativa
geral e abstrata.
[É de interesse lembrar, nesse momento e ainda que em breve anotação paralela,
que o uso (já qualificado, assim o fizemos, como abusivo) da efetividade como
justificativa para a prática de atos imprevistos no ordenamento aproxima-nos das
assim chamadas “razões de Estado”, fórmulas genéricas lançadas à guisa de
justificar certas decisões estatais, com as quais, de certa forma, lamentavelmente
já nos acostumamos, até porque dotadas de uma atração quase irresistível.
Resumem, tais fórmulas, discursos como os que se enxerga no mais famoso
texto de Maquiavel, algo como “necessária tal providência, mesmo que não
prevista em lei, porque a autoriza a supremacia do interesse público”, ou “é
preciso abrir mão do rigor formal em prol da viabilização das políticas sociais”,
ou “a prática diuturna de uma conduta, mesmo que seja ela ilícita, autoriza sua
adoção, ainda mais porque assim procedo em nome dos infortunados”. Ao final,
o que se conclui, sob tal óptica, é que os órgãos jurisdicionais que renunciam ao
vetor da segurança em suposto proveito da efetividade, estariam a agir com
esteio nas tais “razões de Estado”, correndo o risco de engrossarem a lista de
“príncipes” que o Direito desejaria, por premissa e justamente em sentido
contrário, esvaziar.]
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Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, vol. 76, p. 52/54.