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filmes, procuram aflitas uma coincidência de sensações, uma superposição
de modelos, tentando, mais uma vez, obedecer.
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Perplexas ficamos também nós, leitoras, e aqui me incluo abertamente, que
procuramos no texto de uma autora feminista a certeza de que as lutas do
movimento feminista deram frutos e que tais frutos poderiam e deveriam ser colhidos
e saboreados. Mas o estilo ensaístico de Marina Colasanti é impregnado de
inquietações. E nada mais perturbador para o leitor do que encontrar no texto
justamente aquilo que não esperava encontrar, o inusitado.
Eu te procurei, mulher, contemporânea minha destes anos 70, na Porno-
shop da Ohe Strasse, na Alemanha. A loja fica na rua principal da cidade,
junto à butique mais elegante, à livraria mais sofisticada, nem ninguém se
espanta, passando diante da vitrine, de ver os manequins seminus nas
roupas pretas dos sado masoquistas. Manequins de mulher. Mas você, lá
dentro, onde estava? Eu, mulher do meu tempo, supostamente liberada,
entrei para ver o que encontrava de mim, ou das minhas semelhantes. E caí
no século dezoito. Nenhuma mulher lá dentro, excitando-se com filminhos,
comprando implementos. Apenas vendedoras que me olhavam com
evidente desagrado, e a massa monótona daqueles homens silenciosos,
evitando encarar-se, procurando entre as caixinhas de rótulos discretos
como quem escolhe remédios homeopáticos.
Em plena revolução sexual, aquele era um recinto tacitamente proibido às
mulheres. E eu não encontrei ali nenhum eco daquelas palavras de ordem
que nestes últimos dez anos nos esforçamos tanto para fazer passar,
palavras de igualdade, de abertura, de busca do prazer. Encontrei somente
a velha mulher objeto tão conhecida nossa, de glúteos redondos e
empinados, seios redondos e empinados, empinada toda e exposta, para
uso e abuso.
146
Em sua avaliação sobre as conquistas do feminismo, Marina Colasanti esbarra no
velho estigma da repressão sexual.
Considerada por Marilena Chauí como “um conjunto de interdições, permissões,
normas, valores, regras estabelecidos histórico e culturalmente para controlar o
exercício da sexualidade”,
147
é possível perceber em vários trechos o paradoxo
repressão/liberação sexual, tão apregoada nos anos 70. A loja a que se refere, a
Porno-shop, “fica na rua principal da cidade, junto à butique mais elegante, à livraria
mais sofisticada”; e o que é mais importante, “ninguém se espanta, passando diante
da vitrine, de ver os manequins seminus”. Mas ao entrar na loja, eis o paradoxo. “Eu,
145
Ibid., p. 190.
146
Ibid.
147
CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: essa nossa (des)conhecida. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.
9.