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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
José Carlos Rocha
Bauru.
Populismo e paisagem urbana:
1948 – 1968.
Mestrado em Geografia
São Paulo
2008
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
José Carlos Rocha
Bauru.
Populismo e paisagem urbana:
1948 – 1968.
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em Geografia, área de
concentração Territorialidade e análise
sócio-ambiental, sob a orientação do
Professor Doutor Gustavo de Oliveira
Coelho de Souza.
São Paulo
2008
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Banca examinadora
____________________________
____________________________
____________________________
Aos meus filhos: Luís Geraldo, Júlia, Lorena e Giovana.
À minha esposa Carla Cristina. Fiel depositária desta aventura...
A todos os bauruenses que viveram intensamente este período.
RESUMO.
O populismo constituiu-se em um fenômeno político consolidado no país a partir
da Era Vargas. Em 1945 com a democratização, tornar-se-ia hegemônico nas relações
políticas brasileiras. O populismo multiclassista, com sua utópica tentativa de
representação de todas as classes sociais, respondendo às suas demandas, foi
considerado como instrumento de análise mais adaptado às características da realidade
bauruense.
A hegemonia populista em Bauru estendeu-se entre 1948 e 1968. Neste período,
o janismo e o ademarismo disputaram o poder político municipal, refletindo na
produção de paisagens urbanas específicas. Durante o transcorrer de vinte anos de
domínio populista, o ademarismo prevaleceu entre 1948 e 1955, o janismo entre 1956 e
1959 e uma terceira fase composta de elementos janistas e ademaristas, conduziram
uma transição entre o próprio populismo e o poder tecnocrata. Tecnocracia instalada a
partir de 1968, com a eleição de um grupo político associado aos interesses do governo
militar.
O populismo ademarista em Bauru possibilitou uma evolução urbana
harmoniosa, construindo uma paisagem vinculada à esfera educacional. O janismo,
antagonicamente, propôs e produziu uma intervenção surpreendente na evolução do
tecido urbano de Bauru, construindo bairros sem infra-estrutura, definindo problemas
ainda não solucionados nos dias atuais. A junção do ademarismo e do janismo nas
administrações finais do período populista, determinou a concretização de intervenções
urbanas já associadas ao período posterior: a tecnocracia.
Palavras-chaves: Bauru, populismo, ademarismo, janismo, poder político municipal,
paisagem urbana.
ABSTRACT.
Populism consisted in a phenomenon politician consolidated in the country from
the Age Vargas. In 1945 with the democratization, one would become hegemonic in the
relations brazilian politics. Multiclass representative Populism, with its utopian attempt
of representation of all the social classrooms, answering to its demands was considered
the adapted concept more to the space and secular circumstances of Bauru.
The populist hegemony in Bauru was extended enters 1948 and 1968. In this
period, the janismo and the ademarismo had disputed the political power municipal,
reflecting in the production of specific urban landscapes. During transcorrer of twenty
years of populist domain, the ademarismo prevailed between 1948 and 1955, the
janismo between 1956 and 1959 and one third composed phase of janistas and
ademaristas elements, had lead a transistion between proper Populism and the power
technocrat. Tecnocracia installed from 1968, with the election of a group politician
associated with the interests of the military government.
Ademarista Populism in Bauru made possible a harmonious urban evolution,
constructing an entailed landscape to the educational sphere. The janismo, its opposite,
not yet considered and produced a surprising intervention in the evolution of the fabric
urban of Bauru, constructing quarters without infrastructure, defining solved problems
in the current days. The junction of the ademarismo and the janismo in the final
administrations of the populist period determined the concretion of urban interventions
already associates to the posterior period: the tecnocracia.
Word-keys: Bauru, populism, ademarismo, janismo, political power municipal, urban
landscape.
SUMÁRIO.
Mapas............................................................................................................................. 01
Plantas urbanas............................................................................................................... 02
Fotografias...................................................................................................................... 05
Figuras............................................................................................................................ 10
Tabelas............................................................................................................................11
Siglas.............................................................................................................................. 12
Prefeitos de Bauru no período populista....................................................................... 15
Apresentação................................................................................................................. 16
Agradecimentos............................................................................................................. 19
Considerações iniciais.................................................................................................... 23
Parte I
O populismo.................................................................................................................. 40
Capítulo I
A construção teórica do populismo no Brasil................................................................ 41
Capítulo II
Origens do populismo ademarista e janista................................................................... 58
1. A concepção do mito ademarista............................................................................... 58
2. O PSP e a vida democrática de Adhemar de Barros.................................................. 61
3. O populismo janista: formação, ascensão e declínio................................................. 68
Parte II
O populismo e a paisagem urbana................................................................................. 75
Capítulo III
A evolução urbana de Bauru.......................................................................................... 76
1. A constituição do patrimônio................................................................................... 76
2. O processo de urbanização e as ferrovias................................................................. 83
3. A mancha urbana entre os anos 1920 e a década de 1960....................................... 90
Capítulo IV
A formação do populismo.
O ademarismo e a paisagem urbana: 1948 – 1955...................................................... 104
Capítulo V
O janismo e a produção da paisagem urbana: 1956 – 1959......................................... 129
Capítulo VI
O colapso do populismo e a ascensão do poder tecnocrata: 1960 – 1968.................... 166
Considerações finais..................................................................................................... 190
Fontes........................................................................................................................... 201
Referencial bibliográfico.............................................................................................. 205
1
MAPAS.
Mapa 01
Bauru no Estado de São Paulo.
Mapa 02
O sertão paulista no século XIX.
Mapa 03
Fazenda Flores – década de 1850.
Mapa 04
Antigo município de Espírito de Fortaleza.
Mapa 05
Traçado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
2
PLANTAS.
Planta urbana 01
Patrimônio de Bauru.
Planta urbana 02
Área ocupada de Bauru – 1920.
Planta urbana 03
Rua Araújo Leite e Rua Batista de Carvalho.
Planta urbana 04
Área ocupada de Bauru – 1930.
Planta urbana 05
Área ocupada de Bauru – 1940.
Planta urbana 06
Estação central da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
Planta urbana 07
Vetores de crescimento urbano nos anos 1940: Vila Antárctica e Cemitério da Saudade.
Planta urbana 08
Área ocupada de Bauru – 1950.
Planta urbana 09
Área ocupada de Bauru – 1960.
Planta urbana 10
Área ocupada de Bauru – 1970.
Planta urbana 11
Bairros nobres ao sul da cidade, a partir da década de 1940.
3
Planta urbana 12
Rodovia Marechal Rondon seccionando a malha urbana da cidade.
Planta urbana 13
Vetor de crescimento ao sul da cidade: aeroporto.
Planta urbana 14
Vetor de crescimento a sudoeste da cidade: “Recinto de exposição Mello Moraes”.
Planta urbana 15
Vetor de crescimento urbano a leste: Horto Florestal.
Planta urbana 16
Estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Final da Rua Agenor Meira.
Planta urbana 17
Vila Falcão: o primeiro bairro de Bauru.
Planta urbana 18
Hospital de Base.
Planta urbana 19
Viaduto Mauá.
Planta urbana 20
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus.
Planta urbana 21
Instituição Toledo de Ensino.
Planta urbana 22
Viaduto JK.
Planta urbana 23
Canalização do Córrego das Flores.
4
Planta urbana 24
Bairro Ferradura Mirim.
Planta urbana 25
Parque Santa Edwirges.
Planta urbana 26
Parque Industrial Manchester.
Planta urbana 27
Antiga TV Bauru.
Planta urbana 28
Faculdade de Odontologia de Bauru.
Planta urbana 29
Viaduto João Coube.
Planta urbana 30
Avenida Pinheiro Machado.
Planta urbana 31
Avenida Elias Miguel Maluf.
Planta urbana 32
Avenida Dr. Nuno de Assis.
Planta urbana 33
Avenida Nações Unidas.
Planta urbana 34
Avenida Waldemar G. Ferreira.
5
FOTOGRAFIAS.
Foto 01
Pátio central da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1959.
Foto 02
Visão panorâmica da área central de Bauru. Década de 1950.
Foto 03
Foto de satélite da área urbana de Bauru.
Foto 04
Estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Início do século XX.
Foto 05
Estação original da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Foto 06
Sede da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil: 1938.
Foto 07
Interior da estação da “Noroeste”: anos 1940.
Foto 08
Rua Araújo Leite no final do século XIX.
Foto 09
Octávio Pinheiro Brisolla em cerimônia no Palácio dos Campos Elíseos em São Paulo.
Final dos anos 1940.
Foto 10
Octávio Pinheiro Brisolla em cerimônia pública na Prefeitura Municipal de Bauru. Final da
década de 1940.
6
Foto 11
Octávio Pinheiro Brisolla em recepção a Adhemar de Barros no Bauru Tênis Clube. Final
da década de 1940.
Foto 12
Visão panorâmica da região central de Bauru. Início dos anos 1950.
Foto 13
Avenida Rodrigues Alves em meados dos anos 1950.
Foto 14
Rua Batista de Carvalho no início dos anos 1950.
Foto 15
Matadouro municipal: 1951.
Foto 16
Construção do Hospital de Base.
Foto 17
Viaduto Mauá. Atualidade.
Foto 18
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus. Década de 1950.
Fato 19
Instituição Toledo de Ensino. Atualidade.
Foto 20
Paço municipal de Bauru. Atualidade.
Foto 21
Adhemar de Barros em almoço no Bauru Tênis Clube: 1957.
Foto 22
7
Loja comercial de Nicola Avallone Júnior. Rua Batista de Carvalho. Década de 1950.
Foto 23
Nicola Avallone Júnior como presidente do Bauru Atlético Clube. Início dos anos 1950.
Foto 24
Jânio Quadros em Bauru. Campanha para a Presidência da República. 1960.
Foto 25
Outdoor sobre a construção do Viaduto JK. Final dos anos 1950.
Foto 26
Visita de Jânio Quadros a Bauru. Final dos anos 1950.
Foto 27
Primeira página do jornal “A Verdade”. 12 de junho de 1957.
Foto 28
Rua 1º de Agosto na década de 1940.
Foto 29
Manchete do jornal “A Verdade”. 17 de abril de 1958.
Foto 30
Vista aérea de Bauru. 1958.
Foto 31
Construção do Viaduto JK. Foto aérea.
Foto 32
Canalização do Córrego das Flores. Final da década de 1950.
Foto 33
Bairro da Ferradura Mirim.
Foto 34
8
Jardim Santa Edwirges. Atualidade.
Foto 35
“Parque Industrial Manchester”. Atualidade.
Foto 36
Primeira sede da Bauru Rádio Clube. Anos 1940.
Foto 37
Telegrama do advogado Hélio Augusto Ribeiro informando Nicola Avallone Júnior sobre
os trâmites legais para a instalação da TV Bauru. 11 de agosto de 1958.
Foto 38
Getúlio Vargas e João Simonetti em Bauru. Década de 1950.
Foto 39
Estúdios da TV Bauru. Entrevista com o comediante “Canarinho” em 1959.
Foto 40
Nicola Avallone Júnior entrevistado na TV Bauru em 1959.
Foto 41
Instalações da PRG -8 no Jardim Bela Vista. Década de 1950.
Foto 42
Ademaristas na Prefeitura Municipal de Bauru. Governo Nuno de Assis.
Foto 43
Inauguração do Parque Infantil de Vila Falcão. Nicolinha e Irineu Bastos em campanha
para a Prefeitura em 1958.
Foto 44
Construção dos blocos iniciais da Faculdade de Odontologia de Bauru.
Foto 45
9
A FOB na década de 1970. Vista aérea.
Foto 46
Viaduto João Coube. Atualidade.
Foto 47
Avenida Pinheiro Machado. Atualidade.
Foto 48
Avenida Elias Miguel Maluf.
Foto 49
Avenida Dr. Nuno de Assis.
Foto 50
Avenida Nações Unidas.
Foto 51
Avenida Waldemar G. Ferreira.
10
FIGURAS.
Figura 01
Gráfico demonstrando os resultados do pleito majoritário realizado em Bauru - 1947.
Figura 02
Gráfico demonstrando os resultados do pleito majoritário realizado em Bauru - 1951.
Figura 03
Gráfico demonstrando os resultados do pleito majoritário realizado em Bauru - 1955.
Figura 04
Propaganda das Organizações Avallone Júnior – 1958.
Figura 05
Gráfico demonstrando os resultados do pleito majoritário realizado em Bauru - 1959.
Figura 06
Gráfico demonstrando os resultados do pleito majoritário realizado em Bauru – 1963.
11
TABELAS.
Tabela 01
Loteamentos originários da Fazenda Flores estabelecidos por décadas.
12
SIGLAS.
BAC
Bauru Atlético Clube.
BNH
Banco Nacional de Habitação.
BTC
Bauru Tênis Clube.
CEI
Comissão Especial de Inquérito.
DAE
Departamento de Água e Esgoto de Bauru.
DER
Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo.
FAU
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP.
FOB
Faculdade de Odontologia de Bauru.
IBESP
Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política.
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
JK
Juscelino Kubitschek de Oliveira.
13
NOB
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
OVC
Organização Victor Costa.
PRG – 8
Bauru Rádio Clube.
PRP
Partido Republicano Paulista.
PR’s
Partidos Republicanos.
PSD
Partido Social Democrático.
PSP
Partido Social Progressista.
PTB
Partido Trabalhista brasileiro.
PTN
Partido Trabalhista Nacional.
REBRATEL
Rede Brasileira de televisão.
SEPLAN
Secretaria de Planejamento de Bauru.
SFH
Sistema brasileiro de habitação.
14
UDN
União Democrática Nacional.
UNESP
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – campus Bauru.
15
PREFEITOS POPULISTAS.
Octávio Pinheiro Brisolla: 1948 – 1951.
Ademarista.
Nuno de Assis: 1952 – 1955.
Ademarista.
Nicola Avallone Júnior: 1956 – 1959.
Janista.
Luiz Zuiani: 1959.
Janista.
Irineu Bastos: 1960 – 1963.
Janista e posteriormente “carvalhista”.
Nuno de Assis: 1964 - 1968.
Ademarista.
16
APRESENTAÇÃO.
Produzir uma investigação científica não é uma tarefa simples. Requer decisão e
desprendimento. O ato de pesquisar constituí-se em um trabalho isolado, particularizado,
repleto de “idas e vindas”, cujo diálogo constante entre o sujeito e o objeto é permeado por
uma teia de sonhos. Sim, talvez a palavra “sonho” possa ser considerada o termo ideal para
descrever e identificar um trabalho de Mestrado e de Doutorado. O sonho, segundo o
pequeno dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, possui diversos significados: seqüência
de fenômenos psíquicos como imagens e representações; aquilo com que se sonha;
seqüência de pensamentos, de idéias vagas; desejo veemente, aspiração. Diante destas
diversas acepções, optei pela última aqui apresentada, expressando-se o sonho como um
sentimento de aspiração. Este desejo de evoluir, de crescer pessoalmente, como
profissional, como ser humano induziu-me a caminhar novamente para a pesquisa
científica, possibilitando a eventualidade de retorno à vida acadêmica. Esta decisão foi
assumida há três anos quando percebi que, necessitava ampliar meus horizontes
profissionais, estabelecendo transformações em minha trajetória de vida.
Durante o final dos anos 1980 até meados da década de 1990 toda minha aspiração
estava orientada para a ascensão na vida acadêmica. Nesta fase apresentava-me como
professor da Universidade do Sagrado Coração, localizada também em Bauru. Trabalhos
publicados e aprovação no programa de Mestrado na área de Ciência Política na
Universidade Federal de São Carlos indicavam que estas perspectivas realmente se
concretizariam. Entretanto, questões pessoais, muitas vezes, não controladas por nós
mesmos, fizeram-me com que me afastasse do meio universitário. Na última década
participei da vida política de minha cidade, candidatei-me à vereança, chefiando
17
posteriormente o Gabinete de uma administração municipal. Em seguida, efetivei-me como
professor da rede pública estadual, acumulando também o cargo de Coordenador
Educacional da Prefeitura Municipal de Agudos. Entretanto, nada compara-se ao
crescimento intelectual proporcionado pela vida acadêmica. O diálogo cotidiano, entre
profissionais de diversas tendências epistemológicas da ciência geográfica deixou-me boas
lembranças. Enfim, decidi voltar ao circuito universitário, tentando realizar uma Pós-
Graduação. Durante alguns meses freqüentei várias seleções. Após algumas tentativas, fui
aprovado para o programa de Mestrado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.
Durante os últimos meses, me esmerei na construção de um trabalho digno da
instituição e da própria cidade que escolhi como tema: Bauru em uma fase não considerada
por nenhuma pesquisa anterior. A primeira versão do projeto sobre o populismo bauruense
já definia a paisagem como elemento preponderante. Entretanto, havia uma variação: a
pesquisa estaria baseada na análise de políticas públicas, diferenciadas entre administrações
ademaristas e janistas. Este posicionamento necessitaria da inclusão de opções políticas,
expressas na produção de obras públicas. A pesquisa estaria alicerçada na comparação entre
elas. Infelizmente, a Prefeitura Municipal de Bauru não possui arquivos, que resguardem a
memória administrativa do órgão público em questão. Não há dados orçamentários,
expedições de “empenhos” e contratos do período. Circunstâncias típicas do Brasil, em
relação à preservação de nosso passado. Em conseqüência, considerei uma nova
metodologia, analisando a relação entre o populismo e as paisagens urbanas, construídas na
fase hegemônica deste movimento político em Bauru. Acredito que tenha me aproximado
deste objetivo.
18
Ao finalizar essa apresentação, uma referência a meu orientador Prof. Dr. Gustavo
de Oliveira Coelho de Souza é necessária. Sua aposta no projeto, desde seus primeiros
momentos, foi primordial para sua concretização. Desta forma, espero que tanto esta
apresentação, quanto a própria dissertação estejam a contento. Ao desculpar-me pela
emoção, transparente em muitos trechos, fico na expectativa, de que possa este trabalho
direcionar-me a novos horizontes, produzindo frutos, conduzindo-me ao prosseguimento
desta trajetória, encaminhando-me a um futuro Doutorado. Por fim, acredito que o trabalho
valeu a pena. O sonho parece que transfigurou-se em realidade...
19
AGRADECIMENTOS.
Recompor horizontes, reproduzindo caminhos que deveriam ter sido trilhados,
possibilitando transformações em uma existência, é tarefa complexa. Nos últimos três anos,
esta remontagem de vida foi se constituindo gradualmente, peça por peça, circunstância por
circunstância. Finalmente, consegui após uma série de avanços e recuos, iniciar estas
mudanças. A muitas pessoas sou agradecido, sem elas tenho certeza de que não teria
conseguido atingir minha meta síntese, constituída pela apresentação de uma óptica
geográfica sobre o período populista em Bauru. Entretanto, acima de tudo, agradeço a força
ofertada por Deus, durante todos estes anos. A fé, que um dia resguardou-se, demonstrou-se
novamente após um longo período de dificuldades...
Ao nível das relações familiares, estou em débito com pessoas muito queridas. À
minha esposa Carla Cristina, incentivando-me inquestionavelmente, apoiando-me sempre.
Aos meus filhos, Luis Geraldo, Júlia, Lorena e Giovana, que ao compreenderem minha
ausência em vários momentos de suas vidas, possibilitaram a concretização harmônica
deste trabalho. A meus pais, José e Alice que invariavelmente, propuseram-me a auxiliar-
me de diversas formas. A todos minha gratidão. Estes foram os alicerces espirituais desta
pesquisa.
Na esfera das amizades, também sou devedor. Muitos amigos incentivaram-me,
dirigindo-me palavras de apoio e consideração. A minha amiga Benê, colega de trabalho,
quase uma irmã, um agradecimento especial: seu estímulo foi decisivo nos momentos
iniciais, quando decidi realizar uma Pós-Graduação. Muitos me ajudaram em questões
econômicas, emprestando-me um dinheiro ali, outro acolá. Estudar em São Paulo, viajando
duas vezes por semana, requer uma disponibilidade financeira expressiva, que
20
evidentemente, não é o meu caso, como não é da maioria dos professores do país. Agradeço
aos amigos Dárcio, Paulo, Antonio Emílio e Marco Antonio. O companheirismo e a
confiança em minha pessoa tornaram este projeto viável. Paralelamente, é necessário
novamente frizar não somente o apoio moral, mas também material de meus pais, minha
sogra Maria Lúcia e de meus tios Júlio e Maraíza com o objetivo de finalizar minhas idas a
PUC. A meus amigos e familiares um abraço agradecido.
No interior do programa de Pós-Graduação construí grandes amizades, através de
diálogos fecundos com meus colegas e professores. Em relação ao corpo docente gostaria
de agradecer a simpatia e o respeito com que me trataram. Aos professores Marísia, Carlos
Alberto, Douglas e Gustavo por compreenderem minha situação pessoal e a distância de
minha cidade, da capital paulista. Ao mesmo tempo, desejo também agradecer ao
coordenador do programa de Geografia, professor Marcos Bernardino de Carvalho que
possibilitou a liberação da bolsa Capes para a concretização da matrícula. Sem este ato,
dificilmente poderia eu estar aqui hoje, agradecendo a todos. Ao meu orientador Professor
Gustavo de Oliveira Coelho de Souza, meus agradecimentos pela gentileza e
disponibilidade com que se reportou a mim durante este período, bem como a facilidade
com que abordou as diversas etapas metodológicas da realização desta pesquisa. A
liberdade proporcionada por sua orientação segura e concomitantemente flexível, foi
essencial para a dinamização dos trabalhos.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, inúmeras pessoas auxiliaram-me. Ao
senhor Gabriel Ruiz Pelegrina, célebre memorialista bauruense, meus agradecimentos por
ceder-me importante material iconográfico e jornalístico do Núcleo de Pesquisa e
Documentação Histórica de Bauru e Região, bem como, ao conceder-me depoimentos que
considero essenciais na confecção final da dissertação. Ao senhor Irineu Azevedo Bastos,
21
brilhante historiador de Bauru, meus reconhecimentos pela disponibilidade no tocante ao
diálogo sobre as características do populismo nesta cidade. Ao senhor Marco Aurélio
Pinheiro Brisolla, advogado e professor minha gratidão pela verdadeira aula sobre o
populismo bauruense, demonstrando um expressivo conhecimento do período. A Célio
Losnak, também pesquisador de Bauru, agradecido pela indicação de algumas fontes e por
discutir alguns critérios de direcionamento da pesquisa. Ao DAE – Departamento de Água
e Esgoto de Bauru, na figura de seu presidente José Clemente Resende, meus
agradecimentos pela cessão de cópias do Plano Diretor de 1996, bem como de plantas de
Bauru, demonstrando sua evolução urbana. À Secretaria de Planejamento – SEPLAN, na
figura da arquiteta Maria Helena Riginato pelo atendimento oferecido e pela
disponibilidade em facilitar-me o acesso à documentação solicitada.
Um último agradecimento: ao bauruense anônimo que auxiliou-me na construção
da pesquisa. Sua capacidade em encarar com dignidade as adversidades, recebendo com
hospitalidade as mais diversas nacionalidades e brasileiros de todas as origens, apresentou-
se como um símbolo desta cidade. A toda esta coletividade envolvida, minha gratidão por
permitir, por alguns meses, a participação em sua rotina de vida, em seu cotidiano. Ao
observar a força coletiva emanada por esta comunidade, passo a acreditar cada vez mais na
possibilidade de Bauru encontrar novos caminhos. Este é a aspiração deste professor, que
agora apresenta o resultado de seu trabalho.
José Carlos Rocha.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Janeiro de 2008.
22
Foto 01 - Pátio central da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Bauru – 1959.
Fonte: http://br.geocities.com/estradadeferronoroestedobrasil/
Acessado em 12 de janeiro de 2007.
“Criança, criança! Basta! Como fustigados por espíritos invisíveis, os cavalos solares do
tempo arrebatam consigo o carro leve do nosso destino, e nada mais nos resta senão
segurar firme as rédeas, com toda a nossa bravura, todo nosso sangue frio, e desviar as
rédeas ora para a direita, ora para a esquerda, aqui de um pedra, ali de um precipício.
Para onde vamos... quem o sabe? Mas nos lembramos de onde viemos”...
Goethe, Memórias,Poesia e verdade.”.
23
CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
A cidade de Agudos, universo cultural onde estou inserido desde a juventude,
destaca-se como elemento marcante em minhas lembranças de vida. Distanciando-se
quinze quilômetros de Bauru, objeto de pesquisa desta dissertação de Mestrado, apresenta-
se acoplada à realidade econômica, social e política deste pólo regional. A presença ativa de
Bauru, sede da 7ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, no cotidiano de seus
moradores, no qual me incluo, determinou a produção de identidades e comportamentos
típicos de uma relação centro-periferia. Tornaram-se comunidades irmãs, a partir de um
contexto inicial espaço-temporal único: a expansão cafeeira que atingiu o oeste paulista, em
finais do século XIX.
(1)
Como cidades próximas, localizam-se no centro-oeste paulista, Agudos e Bauru
apresentam identidades sociais, culturais e políticas semelhantes. Desenvolveram seu
espaço urbano através do estabelecimento do migrante mineiro, na segunda metade do
século XIX, das ferrovias e da imigração européia, estas já adentrando o século XX.
Entretanto, a fixação do ponto inicial da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil separou os
destinos destas duas cidades. Bauru integrou-se à economia de serviços, voltada para a
expansão ferroviária e comercial, permanecendo sua co-irmã produtora agrícola e
posteriormente industrial. Bauru tornou-se centro regional, eclipsando Agudos através de
sua expansão econômica e política. Como reflexo, a antiga “São Paulo dos Agudos” passou
também a conviver proximamente com a vida da “Sem limites”. Uma grande parte da
população agudense trabalha no centro regional, utiliza-se de seu comércio, de sua
____________
1 ROCHA, José Carlos. A urbanização da cidade de Agudos sob a lógica da acumulação. Bauru: USC,
Caderno de divulgação cultural 26, 1988, p. 11 – 17.
24
assistência médica, de suas áreas de lazer e entretenimentos. Sua vida passa a integrar-se à
Rua Batista de Carvalho, à Rua 1º de Agosto, à Avenida Rodrigues Alves, à Avenida
Duque de Caixas, à Avenida Nações Unidas, à Avenida Getúlio Vargas, ao Hospital de
Base, à Universidade do Sagrado Coração, à UNESP, à Instituição Toledo de Ensino.
Enfim, relacionando-se diariamente com os aspectos urbanos marcantes desta comunidade.
Neste ambiente cresci, ouvindo histórias sobre Bauru e os bauruenses ...
Mapa 01 – Localização de Bauru no estado de São Paulo.
Fonte: http://www.guianet.com.br
. Acessado em 27 de março de 2007.
25
O relato e a análise da vida política de um célebre prefeito da “Capital da terra
branca”, que alcançou também uma grande popularidade regional, atingiram-me quando
menino e adolescente. De tempos em tempos, ouvi relatos de meu pai e de muitos
contemporâneos seus, sobre as arrojadas atitudes do empreendedor prefeito, que tirou a
cidade de Bauru do torpor e da letargia dos primeiros tempos após a Segunda Guerra
Mundial: Nicola Avallone Júnior, reconhecido por toda a região como “Nicolinha”,
governou Bauru entre os anos de 1956 a 1959 e posteriormente por três eleições
consecutivas, foi eleito deputado estadual. A atuação de Avallone Júnior como ator
político, transformando a paisagem urbana de sua cidade, constituiu-se na grande razão
motora inicial desta pesquisa, que agora se apresenta como uma dissertação de
Mestrado.
Paralelamente, seu enigmático e provocador relacionamento político com Jânio
Quadros e sua atuação como um dos maiores políticos populistas da história de Bauru,
tornaram este trabalho, para quem agora se apresenta e o introduz, sedutor e gratificante. A
discussão sobre o envolvente fenômeno Nicola Avallone Júnior, conduziu esta pesquisa por
outros caminhos. Estendi o trabalho, apresentando e discutindo todo o período populista de
Bauru, compreendido entre 1948 e 1968. Nesta época, os populismos ademarista e janista
possuíam a hegemonia política das cidades paulistas. Portanto, a ampliação temática da
pesquisa possibilitou-me a produção de uma nova problemática, mais abrangente que a
idéia original. Diferenciações ideológicas e visões de mundo antagônicas oriundas dos
grupos ademarista e janista em Bauru, refletiram-se na construção de paisagens urbanas
próprias, individuais e visualmente diferenciadas. Vislumbrando-se através da análise das
paisagens construídas, a ação do poder populista e sua caracterização: disputas pelo poder,
vitórias, derrotas, atuações e estratégias administrativas.
26
A idéia e a disposição em escrever sobre o populismo, já eram bastante antigas,
percorrendo minha mente durante muito tempo. Em 1991 apresentei a Universidade Federal
de São Carlos, em um processo de seleção para o programa de Mestrado em Sociologia
Política, um projeto de pesquisa sobre o janismo em Bauru. O projeto foi aceito, bem como
fui aprovado na seleção. Naquela época, trabalhava como professor de Geografia do Brasil
e Metodologia das Ciências na Universidade do Sagrado Coração em Bauru. Devido a
alguns problemas pessoais, o Mestrado não foi finalizado e o projeto adiado por
Foto 02 – Visão panorâmica da área central de Bauru. Destacam-se a Praça Rui
Barbosa, ao centro do lado inferior e a estação da “Estrada de Ferro Noroeste do Brasil”
ao fundo do lado superior direito. Década de 1950.
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
alguns anos. A investigação atingiria somente uma porção do que hoje apresento à
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, através de seu programa de Mestrado em
27
Geografia. A pesquisa atual oferece uma análise do populismo em um centro regional do
interior de São Paulo e sua atuação na produção de paisagens urbanas, via reflexões sobre
suas origens nacionais, suas características, sua tipologia. Analisou-se o populismo em sua
orientação ademarista e janista, por intermédio de sua adequação a uma comunidade
interiorana com características específicas e com universos espacial e histórico particulares.
É necessário elucidar nestas considerações iniciais, os pressupostos, as origens que
nortearam esta pesquisa e as questões que evidenciaram o tratamento oferecido a esse tema.
Questionamos internamente durante algum tempo, se este seria realmente um trabalho
geográfico, com uma geograficidade definida e inquestionável. Esta produção atenderia aos
requisitos mínimos da Ciência Geográfica? Questões pertinentes, sem dúvida alguma!
Reporto-me às aulas da disciplina “Teoria e Método”, ministrada pelo Professor Douglas
Santos e sua incisiva inquietação em estabelecer esta “geograficidade” aos diversos e,
naquele momento específico, precários projetos de pesquisa. Entretanto, a preocupação
persistiu, mesmo durante a pesquisa propriamente dita, ao trabalho de campo, à leitura da
bibliografia indicada e a produção do relatório final. A opção pelo populismo, tema caro à
Ciência Política conduziu-me a algumas indagações. Para que estas possíveis
ambivalências se dissipassem, busquei um referencial teórico que pudesse alicerçar-me na
construção de um produto, que atendesse as reais expectativas da pesquisa: a análise de um
fenômeno político e seu reflexo na paisagem urbana. Para tanto, apresento texto de Milton
Santos (1994), que possue uma grande preocupação em inserir a paisagem, uma das
questões-chave deste trabalho, como categoria geográfica essencial na atualidade:
...”
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela
qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento. Uma
paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é
28
uma herança de muitos diferentes momentos. Daí a anarquia das cidades capitalistas. Se
juntos se mantêm elementos de idades diferentes, eles vão responder diferentemente às
demandas sociais. A cidade é uma heterogeneidade de formas, mas subordinada a um
movimento global. O que se chama desordem é apenas a ordem do possível, já que nada é
desordenado”... (2)
Neste contexto, Santos op. cit., identificou a importância da paisagem como
elemento catalizador das transformações urbanas realizadas em tempos diferentes,
constituindo-se em um legado de vários passados. Caminhando a partir deste pressuposto,
Andrade (1998) apresenta as formas de organização do espaço como resultado de sua
transformação. Em conseqüência, analisa o populismo como fenômeno que exige um
intenso trabalho de interdisciplinaridade, principalmente no tocante a sua influência no
contexto espacial:
...”A organização do espaço e os reflexos das estruturas sociais nas formas que a mesma
apresenta também é de grande complexidade e a sua reflexão contraria os tradicionais
padrões de conhecimento geográfico. O estudioso que se propõe a refletir sobre o
relacionamento entre o populismo e as formas de organização do espaço, se vê obrigado,
quando procura encarar a problemática em sua totalidade, a manejar com categorias
científicas as mais diversificadas. Necessita refletir, levando em conta que o espaço nunca
está organizado de forma definitiva, que ele ao contrário, é profundamente dinâmico e vai
se modificando dialeticamente de forma permanente”... (3)
A construção da pesquisa obedeceu a alguns critérios específicos, vinculados a uma
metodologia de trabalho definida pela junção de algumas categorias e conceitos,
construídos por outras Ciências Sociais. O populismo trabalhado como condicionante da
paisagem urbana, requer um aprofundamento metodológico no qual extrapola o
______________
2 SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. Fundamentos teóricos e metodológicos. São Paulo:
Hucitec, 1994, p. 66.
3 ANDRADE, Manoel Côrrea de. Caminhos e descaminhos da Geografia. São Paulo: Papirus, 1998, p. 35.
29
conhecimento geográfico. Sendo assim, optei pelo aprofundamento do conceito de
populismo, visto por diferentes autores: Jorge Ferreira (2001), Francisco Weffort (1980),
Michael Conniff (2005), Octávio Ianni (1989), Gino Germani (2001), Celso Frederico
(2001). A maioria constitui-se de sociólogos, sendo que Conniff apresenta-se como
historiador. Através da análise destes conceitos, conclui uma proposta de definição
estrutural de populismo, que atendeu aos requisitos da pesquisa. Verifica-se que a
proposição de Michael Conniff estabeleceu padrões coerentes que satisfazem às
perspectivas do trabalho. Segundo o autor, o populismo brasileiro nasceu no final dos anos
1920, estruturou-se durante a década de 1930, estabelecendo como seu grande expoente:
a figura do político carioca Pedro Ernesto, prefeito do Rio de Janeiro durante parte do
primeiro governo Vargas. Neste período, Ernesto direcionou o fenômeno populista como
um movimento político, que visava a integração das emergentes massas populacionais
a uma nova sociedade urbana, em efervescência nas grandes cidades brasileiras. Para tanto,
Conniff construiu o conceito depopulismo multiclassista”, que definiu a reorganização
citadina com enfoque prioritário às classes proletárias. Contudo, não contrariando os
propósitos das elites do país. O significado de populismo utilizado por este trabalho,
envereda por esta trajetória conceitual. O capítulo I discute a problematização levantada,
define o conceito de populismo, empregando-o durante o desenvolvimento da pesquisa.
Naquele período, o populismo não possuía o mesmo significado da atualidade. Jorge
Ferreira op. cit., trabalha suas concepções originais, expressando-se da seguinte maneira:
...”Portanto, naquela época, ser um líder populista, tanto para os trabalhistas, como para
seus adversários, não descrevia um político que utilizava como recursos a manipulação, a
demagogia e a mentira. A palavra tinha outro sentido do atual – talvez o oposto. A
expressão, embora pouco utilizada, pode ser traduzida, na linguagem de nossos dias, no que
chamamos de líder popular, de alguém que representa, autenticamente, os anseios políticos
populares ou dos movimentos populares. Se hoje, pelo menos na sensibilidade política das
30
esquerdas, ser um líder popular é algo elogioso, nos anos 50 e início dos 60, de maneira
singular, surgia como meritório definir alguém como líder populista”... (4)
O capítulo II exprime a necessidade de discutir os grandes expoentes do populismo
em São Paulo: Adhemar Pereira de Barros e Jânio da Silva Quadros, através do relato e da
Foto 03 – Foto de satélite da área urbana de Bauru. Fonte:
http://209.15.138.224/brazil_mapas/s_Sao_Paulo_brazil.htm
. Acesso realizado em 24 de
março de 2007.
______________
4 FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,
2001, p.116.
31
análise de suas vidas políticas no período especificado. A importância deste tópico para o
tema central da pesquisa, demonstra-se na definição das características ideológicas de seus
realizadores e de sua transposição para os atores políticos de Bauru. A construção do
janismo e do ademarismo bauruense obedeceu aos mesmos critérios do pensamento de seus
criadores originais? Ocorreram transformações associadas a aspectos diferenciados de
Bauru? O pensamento modelar de Adhemar e de Jânio, refletidos em seus líderes
produziram paisagens urbanas peculiares? Estas foram questões que se apresentaram, sendo
respondidas durante o desenvolvimento da pesquisa. O instrumental bibliográfico foi
composto dos seguintes autores: Kwak (2006), que discutiu a vida de Jânio e de Adhemar,
relacionando-os e comparando-os por intermédio de suas trajetórias políticas, enfatizando
os momentos de aproximação histórica; Sampaio (1982) apresenta a vida política de
Barros, enfatizando sua máquina partidária: o PSP – Partido Social Progressista; Duarte
(2002) produziu sua tese de Doutorado em História Social pela UNICAMP, analisando o
ademarismo e o janismo no bairro paulistano da Mooca, concluindo que o predomínio
político destes movimentos populistas, impediu o desenvolvimento de partidos vinculados
às lutas sociais; Francisco Weffort op. cit., em sua arquitetura clássica sobre o tema “O
populismo na política brasileira”, estabelece as bases sociais destes fenômenos populistas
em São Paulo; Arnt (2006) produz uma bibliografia de Jânio Quadros, com imparcialidade,
desde os primeiros tempos como vereador até seu falecimento em 1991; Benevides (1982)
em sua obra: “O governo Jânio Quadrosreconstrói criticamente este período, fixando a
figura de Jânio como político conservador e manipulador das massas urbanas.
A metodologia que possibilitou determinada leitura da realidade, caracterizada pelo
diálogo permanente entre o autor e o objeto, foi produto de uma série de reflexões e
inquietações que nortearam a produção do projeto de pesquisa. A partir da opção definitiva,
32
o método proposto direcionou o referencial bibliográfico, o próprio trabalho de campo e a
confecção do relatório final. Trabalhando as características do método e apresentando
conceituação e tipologia próprias, Sposito (2003) identifica seu relacionamento com a
produção científica da Geografia:
...”Consideramos entretanto que, diferentemente de alguns autores já citados, os métodos
são os seguintes: hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico, porque eles contêm as
características de um método científico, como leis e categorias, e estão, historicamente,
relacionados a procedimentos específicos e teorias, disseminados pela comunidade
científica”... (5)
O método dialético, por não possibilitar nenhuma relação de soberania entre o
sujeito e o objeto, passou a realizar uma determinada leitura da realidade. Por seu
intermédio, observa-se antíteses e teses em constante movimento.
(6) A partir desta
configuração conduzi a pesquisa, dentro de parâmetros que se apresentaram adequados a
sua objetivação. Através do método dialético, a investigação científica sobre o populismo e
seus reflexos na paisagem urbana de Bauru, auferiu um panorama que identificou um
processo, o relacionar constante das idéias, a ideologia política com a concretude material.
Desta forma, a hipótese construiu-se dentro de um método específico, que analisou uma
realidade singular. A fase ademarista, definida entre os anos de 1948 a1955, é considerada
a tese original, expressa politicamente pelos governos Octávio Pinheiro Brisolla e Nuno de
Assis. Conjuntamente, uma paisagem urbana específica é construída. Sua antítese, o
período janista coordenou-se através do governo Avallone Júnior, entre 1956 e 1959,
_______________
5 SPOSITO, Eliseu Savério. Contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Editora
da UNESP, 2003, p. 29.
6 Ibid., p. 46.
33
com uma organização espacial diferenciada. A síntese surgiu com a administração Irineu
Bastos, em conjunto com o segundo governo de Nuno de Assis, dispostos entre 1960 e
1968, compostos simultaneamente de elementos ademaristas e janistas, delimitando o
término do período populista em Bauru.
A paisagem é amplamente discutida por Milton Santos op. cit e pelo filósofo Besse
(2006) que a trabalharam como a marca da atuação do homem sobre o espaço, através dos
tempos. A paisagem constitui-se uma escrita, produzida por um conjunto de códigos,
necessitando ser lida e interpretada. É a percepção através dos sentidos. Dardel apud Besse
possibilita a expressão destas tendências através da Fenomenologia, determinando a
paisagem como aparência, não como essência do fenômeno.
Os aspectos referentes à evolução urbana estendendo-se até o final do populismo,
serão apresentados no Capítulo III. As técnicas utilizadas serão baseadas na apresentação
de mapeamento urbano, desde meados do século XIX, passando pela formação da
municipalidade em 1896, até o final da década de 1960, período aproximado de término do
populismo. As bases cartográficas foram extraídas dos Planos Diretores de 1967 e 1996,
bem como de cartas topográficas da biblioteca virtual do IBGE. A descrição do crescimento
de Bauru obedeceu ao trabalho de sistematização dos respectivos Planos Diretores. Os
vetores de desenvolvimento urbano estão dispostos em plantas com escalas 1:10.0000,
cedidos pela Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Bauru e pelo DAE –
Departamento de Água e Esgoto. A pesquisa de Pelegrina et Zanlochi (1991) caracterizou a
evolução urbana bauruense até meados da década de 1920, enfatizando o período da
instalação das ferrovias e seus reflexos sobre o desenvolvimento citadino. Constantino et
Reginato (s/d) trabalharam a questão do estabelecimento inicial da “urbis” bauruense,
destacando a transformação da Fazenda Flores, em patrimônio no final do século XIX.
34
Bastos (2002) apresentou Vila Falcão como o primeiro bairro de Bauru, evidenciando sua
importância para a evolução urbana da “capital da terra branca”. Losnak (2004) produziu
obra de interesse capital para a história bauruense, analisando a edificação de seu
significado como comunidade, através de uma série de representações que foram
paulatinamente produzidas ao longo de sua história. O autor trouxe como instrumental
histórico, a releitura da mídia impressa, analisando-a desde os primeiros tempos de Bauru
até os anos 1980, definindo os jornais como co-responsáveis pela identidade atual desta
cidade. A descrição do sertão paulista e a análise da expansão cafeeira no século XIX são
trabalhadas por Monbeig (1998), autor utilizado como elemento marcante na discussão da
gênese desta comunidade.
O instrumental metodológico caracterizou-se pelo emprego da dialética, que
possibilitou a construção da estrutural central da pesquisa, determinando sua hipótese
central. As técnicas de pesquisa compreenderam acesso ao material jornalístico e
iconográfico do período e entrevistas com personalidades que presenciaram a vida política
de Bauru entre 1948 e 1968. Os jornais “Diários de Bauru”, “Correio da Noroeste” e “Folha
do Povo” foram consultados na tentativa de recompor uma época, reconstituir parâmetros
políticos, reproduzir vidas que se perderam com o tempo, enfim dialogar com o período que
deu origens a Bauru moderna. Entretanto, o semanário “A Verdade” foi o único meio de
comunicação que apresentou uma vertente diferenciada na análise da vida político-
administrativa de Avallone Júnior. Portanto, “A Verdade” foi a base da reconstituição do
janismo e sua inserção na paisagem urbana bauruense. O levantamento dos loteamentos
produzidos na administração Avallone Júnior, foi realizado nos dois Cartórios de Registro
de Imóveis da Comarca de Bauru. Sua função para a pesquisa constituiu-se como elemento
35
de análise da expansão urbana da fase populista janista, especificando seus reflexos para os
dias atuais.
Em relação às entrevistas, as dificuldades foram muitas. A maioria dos personagens
do período já faleceu, ou não possuía capacidade física e mental para serem entrevistados.
“Nicolinha” era o único prefeito ainda vivo em 2007, contava com oitenta e sete anos.
Entretanto, já estava debilitado e não se apresentava em condições de dialogar. O antigo
deputado federal e ex - Chefe de Gabinete de Jânio Quadros durante a primeira
administração frente ao Executivo paulistano, Luiz Francisco da Silva, muito ligado a
Bauru, com quase noventa anos, estava fisicamente fragilizado. Diversas tentativas foram
realizadas com o objetivo de entrevistá-lo, todas foram mal sucedidas. As lacunas foram
preenchidas por vários depoimentos de bauruenses, que viveram aquela época. Gabriel
Ruiz Pelegrina cedeu-me vários. Com idade avançada, também com oitenta e sete anos, o
memorialista bauruense, diretor do “Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de
Bauru e Região” apresentou um quadro grandioso das disputas políticas entre ademaristas e
janistas durante os anos 1950 e a década de 1960. Paralelamente, sua atenção em oferecer
apoio ao acesso à documentação do Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica, foi
expressiva. Irineu Azevedo Bastos, historiador bauruense, filho do ex-prefeito Irineu
Bastos, uma das “chaves” que explicam a fase populista através da dialeticidade, foi
entrevistado em vários momentos, auxiliando-me a reconstruir o quadro de disputa entre
ademaristas e janistas, sugerindo respostas às várias indagações... Muricy Domingues,
Professor Doutor aposentado da área de Geografia e antigo chefe de Gabinete da Reitoria
da Universidade do Sagrado Coração, apresentou-me um Bauru agitado na década de 1950,
enfatizando a importância das ferrovias em sua evolução urbana. Também constituiu-se em
um dos primeiros a alertar-me, para as diferenças de pensamento do janismo e do
36
ademarismo, adaptados a realidade desta cidade. Outro depoimento exemplar foi-me cedido
por Nilson Ferreira Costa, ex-vereador no período populista pela UDN, ex-deputado
estadual cassado pela Revolução de 1964 e ex-prefeito de Bauru do final dos anos 1990 ao
ano de 2004. Sua entrevista foi de capital importância para que se possa compreender a
administração Avallone Júnior, pois foi líder de oposição na Câmara Municipal, durante
seu governo e idealizador do semanário “A Verdade”. Paulo Pereira Rangel, também
vereador pela antiga UDN, opositor de Avallone Júnior reafirmou o depoimento de Nilson
Costa, caracterizando detalhes da postura político-administrativa do ex-prefeito. Entretanto,
a melhor entrevista realizada durante a pesquisa foi cedida por Marco Aurélio Pinheiro
Brisolla, filho do ex-prefeito ademarista Octávio Pinheiro Brisolla e ex-vereador por dois
mandatos. “Brisollinha”, codinome carinhosamente reconhecido pelos bauruenses, é
advogado e ex-professor. Possuidor de uma cultura raramente encontrada, Marco Aurélio
concedeu-me o depoimento na Câmara Municipal. Surpreendeu-me, apesar da idade, já
adentrava os setenta anos, o vigor, a memória e o desembaraço com que relatou a vida de
seu pai, seu amor por Bauru, as características do ademarismo, do janismo bauruense e do
populismo de maneira geral. Alertou-me para a singularidade de sua cidade. Na “Sem
limites”, as crises econômicas mundiais e nacionais nunca continham o ímpeto de suas
regiões de origem. As ferrovias com sua intensa movimentação de capitais e de pessoas
refletindo na atividade comercial, impediam a progressão do desemprego, da miséria e das
adversidades de maneira geral. Durante o transcorrer de sua entrevista, Marco Aurélio
demonstrou grande conhecimento dos anos populistas, pois viveu com seu pai, as glórias e
as derrotas sofridas naqueles tempos. Suas palavras demonstraram o grande cidadão e o
grande homem público que caracterizou a figura de Octávio Pinheiro Brisolla. Muitos
bauruenses poderão discordar de seu posicionamento. Entretanto, sua análise produzida
37
sobre o homem e o político Nicola Avallone Júnior, ferrenho adversário de seu pai,
demonstrou a qualidade e a firmeza de sua crítica e de seu caráter. Ao referir-se a
Nicolinha, Marco Aurélio não demonstrou mágoas, pelo contrário solicitou-me que o
abstivesse de qualquer apreciação sobre o ex-prefeito. Circunstância que indicou
imparcialidade e respeito pela figura de Avallone Júnior, referindo-se a ele como grande
personalidade política do passado bauruense.
O material iconográfico sobre a paisagem urbana de Bauru, construída pelas
administrações populistas, base contextual da pesquisa, foi conseqüência de investigação
produzida em vários estabelecimentos públicos e privados. Além da consulta ao Núcleo de
Pesquisa e Documentação e Histórica de Bauru e Região, obtive acesso ao material
jornalístico do Museu Histórico Municipal e das seguintes instituições: Associação
Hospitalar de Bauru, Faculdade de Odontologia – USP, Câmara Municipal, Departamento
de Água e Esgoto – DAE, Secretaria de Planejamento e TV TEM – associada à Rede Globo
de televisão. As dificuldades encontradas constituíram-se da ausência de material
documental do período, configurando-se na confirmação clássica de que o poder público no
Brasil, em suas diversas esferas de poder, não preserva adequadamente sua memória. Um
número expressivo de fotografias foi cedido por Gabriel Ruiz Pelegrina, Nilson Ferreira da
Costa, Irineu Azevedo Bastos, Giro Ishicava, ex-vereador pessedista e Marco Aurélio
Pinheiro Brisolla.
O referencial bibliográfico que deu sustentação ao diálogo com o populismo
reportou-se, além das entrevistas já comentadas, a um conjunto de autores que trabalharam
o período indicado e seus pressupostos metodológicos. Kerbauy (1979) demonstrou a
problemática da metamorfose entre o coronelismo da República Velha e o populismo,
personificado como conseqüência do Estado Novo e posteriormente da República Liberal,
38
implantada em 1946. Em outra obra de sua autoria, Kerbauy (2003) analisa a formação do
clientelismo de estado, caracterizado também nesta fase. Losnak trabalha a apresentação de
dados populacionais de Bauru no período populista, confirmando as altas taxas de
urbanização do município, diferenciando-o das demais cidades da região.
Ao comentar a formação do clientelismo político, Bahia (2003) apresenta um
trabalho que visa esclarecer as características deste fenômeno sociológico, um dos aspectos
marcantes do movimento populista. Analisando a vida política do ex-prefeito Octávio
Pinheiro Brisolla, Bastos op. cit., afirma sua importância no quadro analisado por esta
pesquisa. Kwak op. cit., determina as razões do envolvimento de Nicola Avallone Júnior
com o antigo PTB – Partido Trabalhista Brasileiro. Definindo políticas públicas como
resultado do posicionamento ideológico dos mandatários, a obra de Marques (2003) é
empregada nesta pesquisa como suporte básico para relacionar populismo e paisagem
urbana. Dias (1993) proporciona um depoimento de Nicola Avallone Júnior sobre sua
trajetória política, confirmando suas características desenvolvimentistas e suas defesa
perante as possíveis irregularidades de sua administração. Mello (2002) destaca um
conjunto de relatos da vida política de Nicola Avallone Júnior, produzidos através da vida
da cafetina bauruense “Eny”. Caldeira (1984) apresenta a história do Rádio em Bauru,
suporte para visualizar suas influências sobre a televisão bauruense. Boteon (1995) discute
a formação da TV Bauru e seu processo de implantação. Trabalhando a relação de Avallone
Júnior com a expansão urbana, Losnak, op. cit., apresenta uma descrição da atuação do
então prefeito na constituição de novos loteamentos nos anos 1950, avaliando suas
conseqüências para a ocupação humana e a construção da paisagem bauruense.
Ao discutirmos sumariamente os pressupostos que nortearam a produção desta
pesquisa, durante essa breve introdução, é necessário também sublinhar as dificuldades em
39
construí-la. Trabalhar um conceito político, o populismo e empregá-lo como instrumento
central na análise de um fenômeno geográfico, a paisagem urbana, é tarefa complexa.
Demandou um diálogo constante entre a Ciência Política e a Geografia. Acredito que, a
interdisciplinaridade resultante desta pesquisa, possa ser avaliada concretamente,
constituindo-se em um de seus elementos mais atraentes. A leitura das próximas páginas
poderá proporcionar, a verificação concreta desta afirmativa.
40
Parte I.
O populismo.
...”Não havia diferenças ideológicas entre janistas e ademaristas em Bauru... Todos fomos
atrás de ilusões políticas, de Mussolini, de Hitler, de Getúlio, de Adhemar, de Jânio...
Fomos todos atrás daqueles que diziam: ‘ Venham comigo porque quero que vocês parem
de sofrer, que o seu sofrimento seja o meu sofrimento! Venham comigo por que eu sou
contra os erros que existem aqui, contra a opressão que vocês estão sofrendo... Venham
comigo pois apesar de não lhes poder dar o paraíso, lhes darei justiça!’ Na raiz do
populismo de todas as matizes esta consolidada somente a disputa pelo poder, pois o poder
é o único capaz de garantir ao homem que ele não será atingido, que ele não será
injustiçado, que ele será perdoado!”.
Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
41
CAPÍTULO I
A CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO CONCEITO DE POPULISMO NO BRASIL.
...”Compreender o populismo é essencial para quem estuda a política brasileira moderna,
embora os estudiosos não tenham chegado a um consenso sobre a questão. Em geral,
concordam que o populismo abrange uma massa eleitoral urbana, liderança carismática e o
equilíbrio de diversos interesses na arena política. Entretanto, além dessa simples
convergência, eles têm formulado as interpretações mais diversas do populismo. Para
alguns, o termo significa uma manipulação oportunista de leitores que haviam recém-
adquirido o direito de votar. Para outros, é primordialmente um mecanismo de controle
social para o refreamento dos trabalhadores braçais urbanos. Outros, ainda o consideram um
instrumento pelo qual os elementos mais novos de uma elite dirigente arrebataram
influência política dos elementos mais velhos. E outro grupo de estudiosos considera o
populismo uma adaptação imperfeita dos procedimentos democráticos ocidentais nos países
recém-industrializados do Terceiro Mundo”... (1)
O populismo constituiu-se como um movimento político hegemônico no Brasil, entre
1945 e 1964. Respectivamente no período estabelecido entre a redemocratização, após o
final do Estado Novo e o Golpe-Militar de 1964. Suas origens remontam ao final da
República Velha, nos anos 1920 e a primeira fase da Era Vargas, entre 1930 e 1945.
Analisar o populismo brasileiro é destacar as profundas transformações estruturais que
foram efetivadas no Brasil, durante este período. O historiador Conniff (2006) enfatiza a
metodologia utilizada, na análise do nascimento do fenômeno populista no Rio de Janeiro,
nas décadas de 1920 e 1930:
...”Mas volto a destacar que tentei refrear meus julgamentos e ‘entrar’ na política populista
como um antropólogo estrutural o faria, compreendendo e reconstruindo a política em seus
próprios termos, prestando especial atenção às manifestações históricas”... (2)
Segundo o historiador Conniff op. cit., o estruturalismo é a metodologia adequada
para a construção do histórico de formação do populismo. Partindo desta proposta, o autor
______________
1 CONNIFF, Michael. Política urbana no Brasil. A ascensão do populismo. 1925-1945. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2005, p. 15.
2 Ibid., p. 16.
42
apresenta, antecipadamente ao leitor suas preferências políticas: governo representativo,
ampla discussão das decisões sociais e o maior bem para o maior número de pessoas.
Considera-se oportuno este esclarecimento, pois ocasionalmente as preferências pessoais do
pesquisador, posicionamentos ideológicos e história de vida tornam-se condicionantes da
pesquisa. É importante, portanto que as preferências ideológicas se tornem elementos
participantes e não condicionantes do trabalho do profissional. O instrumental
metodológico individual, alicerçado na visão pessoal de mundo, deve ser considerado como
condição necessária e não restritiva, para que se possa conduzir um trabalho técnico de
qualidade e inovador.
A pesquisa de Conniff op. cit., estabeleceu-se no antigo Distrito Federal: o Rio de
Janeiro, maior cidade do país no período e caixa de ressonância de toda a atividade política
do Brasil. O populismo no Brasil tem seu nascedouro nesta fase. O autor descreve o
populismo como força política expressiva e o coloca como o resultado de uma determinada
representatividade na sociedade brasileira:
...”Encaro a política como o modo de as pessoas se organizarem para a tomada de decisões
coletivas que afetam a sociedade como um todo. A maioria das sociedades faz arranjos
permanentes para delegar o poder das decisões a líderes (sejam reis, presidentes, generais
ou santos), provocando o surgimento da vida política. A liderança nesses termos é um
fenômeno neutro que pode variar em método de eleição, liberdade de decisão, prazo de
exercício, eficiência, mandato, substituição e representatividade. O populismo tem sido uma
das mais disseminadas formas de política na América Latina do século XX, e a forma
dominante no Brasil do final da década de 1940 até 1964”... (3)
Através deste texto, observa-se que Conniff coloca o populismo como um fenômeno
político, produto de um determinado arranjo social e de uma sociedade específica.
____________
3 Ibid. Ibidem.
43
Ressalta-se que o autor inicia sua análise, colocando-o como reflexo de um determinado
modelo social, não estabelecendo uma crítica política preconceituosa. A estigmatização
construída sobre o populismo, expressa atualmente pela população e por uma ampla gama
de intelectuais, é reflexo de mais de duas décadas de domínio militar no país e da produção
teórica da intelectualidade sobre o tema. O poder militar que se estabeleceu na República,
objetivou a extinção da política populista como instrumento de representação democrática
do Brasil. Gomes (2000) demonstra o preconceito que o termo populista adquiriu na
memória coletiva brasileira, e suas conseqüências para a vida política do país. O efeito
estigmatizador que adquiriu o político populista produziu golpes e contragolpes na política
brasileira, numa tentativa da elite em assumir o poder no Brasil, durante a República
populista:
...”São populistas os políticos que enganam o povo com promessas nunca cumpridas ou,
pior ainda, os que articulam retórica fácil com falta de caráter em nome de interesses
pessoais. É o populismo, afinal, que demonstra como ‘o povo não sabe votar’ ou, em versão
mais otimista, ‘ainda não aprendeu a votar’. Daí decorre uma série de desdobramentos
lamentáveis que, no limite e paradoxalmente, podem justificar a supressão do voto em nome
da ‘boa política”... (4)
Também trabalhando o conceito de populismo, encontramos Ferreira (2000) que o
coloca como força política contrária aos interesses das oligarquias brasileiras, que perderam
o poder em 1930. Portanto, o conceito estigmatizado, propagado por toda a sociedade
brasileira é fruto da atuação consensual destas mesmas elites:
...”O populismo, portanto, surgiu primeiro como uma imagem desmerecedora e negativa do
adversário político, e somente depois como uma categoria explicativa de âmbito
acadêmico”... (5)
_________
4
GOMES, Ângela de Castro. O populismo e as Ciências Sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um
conceito in FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história.
Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 21.
5 FERREIRA, Jorge, op. cit., p. 09.
44
A conceituação do populismo como categoria explicativa de um determinado
conjunto de situações políticas, surge em meados dos anos 1950. O IBESP, Instituto
Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, composto por inúmeros intelectuais que se
preocupavam em analisar as complexas realidades sociais, econômicas e políticas do Brasil,
trabalhou a problemática do populismo. Constituiu-se na vanguarda teórica sobre este
fenômeno político no Brasil. Segundo Ferreira op. cit., o populismo, através da
metodologia do IBESP é uma política de massas, vinculado à proletarização dos
trabalhadores na sociedade moderna, sendo indicativo de que tais trabalhadores não
adquiriram consciência e sentimento de classe. Ao mesmo tempo ele está vinculado a uma
certa conformação da classe dirigente, que perdeu sua representatividade e poder de
exemplaridade, deixando de criar os valores e os estilos de vida orientadores de toda a
sociedade. Conseqüentemente, esta classe dominante precisa conquistar o apoio político das
massas emergentes. O populismo é seu instrumento para a concretização desta tarefa.
Finalmente, a última característica baseia-se no surgimento do líder populista carismático,
capaz de mobilizar as massas e empolgar o poder.
(6)
Entretanto Conniff, op. cit., analisa este movimento político de forma
diferenciada, apresentando novos elementos, que a nosso ver, produzem uma teorização
mais adequada, munida de instrumentais teóricos modernos, pois distancia-se no tempo de
sua hegemonia, durante a década de 1950:
...”O populismo foi uma política inovadora no início do século XX que tentou corrigir
abusos do governo elitista e acomodar as rápidas urbanização e industrialização. Englobava
todas as classes, era urbano, eleitoral, reformista, ‘popular’, não autoritário e de liderança
carismática”... (7)
___________
6 FERREIRA, Jorge, op. cit., p. 24-25.
7 CONNIFF, Michael, op. cit. p. 19.
45
Esta caracterização positiva foi produzida, devido à análise da tradição urbana
eleitoral e intervencionista existente no Brasil desde a Colônia, constituindo-se dos
seguintes aspectos: considerável independência em relação à autoridade superior; busca de
uma sociedade holística, na medida em quem assumia responsabilidades pelo bem-estar e a
prosperidade de toda a população. Reflexo da experiência administrativa do Império
Português, adaptada aos três séculos de domínio colonial. No final do século XIX, líderes
brasileiros tentaram alterar o caráter da estrutura urbana. As transformações legais
estruturaram-se devido à necessidade de adaptação aos novos tempos produzidos pelo
crescimento citadino: mudanças tecnológicas, energia elétrica, sistemas de trânsito, rede de
água, esgoto e de gás, loteamentos, novas visões urbanísticas importadas da Europa,
principalmente da França. Da desconexão dos dois sistemas, do colonial e do moderno,
surgiu o populismo no século XX. As mudanças, verificadas por Conniff op. cit., nas
cidades, foram assim apresentadas:
...”No aspecto demográfico, as cidades cresciam a índices sem precedentes devido à
imigração de trabalhadores rurais e estrangeiros. As sociedades tornaram-se muito mais
complexas durante o final do século XIX e início do século XX, diversificando-se ao longo
de linhas ocupacionais, residenciais, étnicas e de classes. O empreendimento econômico
mudou do comércio e serviços para a fabricação integrada, o tardio estabelecimento da
Revolução Industrial na América Latina. Mudanças tecnológicas como energia elétrica,
concreto armado, aço estrutural, água potável, sistemas de esgoto, ferrovias de massa e
transporte por automóvel, assim como os telefones alteraram a vida urbana a um ponto
quase além da imaginação. Crescentes concentrações de pessoas nas metrópoles também
necessitavam de novas formas de controle social e acomodação das aspirações políticas da
população. Assim, como os outros países latino-americanos, o Brasil experimentou essas
mudanças”... (8)
A nova configuração do urbano no Brasil, predominante no Brasil do final do
______________
8 CONNIFF, Michael, op. cit. p. 23.
46
século XIX até a década de 1920, foi uma das principais causas que geraram a ascensão
populista. O descaso com a questão social, os lucros excessivos da especulação com a terra,
desaguando em lucrativos contratos imobiliários na cidade, produziram um disseminado
descontentamento nos cidadãos e alguns protestos dos eleitores. Ao continuar sua
caracterização da formação do movimento populista, Conniff op. cit., coloca seu
posicionamento sobre o tema:
...”O populismo foi um movimento político que surgiu em resposta à revolução
metropolitana e contra as políticas urbanas elitistas que a acompanharam. Prometendo
restaurar a sociedade holística e a autogestão abandonada no final do século XIX, o
populismo defendia uma sociedade em que todas as pessoas tivessem um lugar, e na qual as
classes fossem indistintas. Em vez de um competitivo sistema laissez-faire que podia ser
explorado pelos ricos, o populismo pedia um Estado intervencionista (ou governo citadino)
que tomasse conta de todas as pessoas, regulasse as relações econômicas, promovesse o
bem estar dos oprimidos e trouxesse justiça social para todos. A força do populismo vinha
do fato de reviver uma tradição ainda não esquecida no folclore e na memória
popular”... (9)
O populismo definiu-se como um movimento político, que respondeu às
metamorfoses citadinas, do início do século XX. Surgiu como um elo entre o passado
colonial com suas tradições de governos locais e os sistemas políticos contemporâneos. O
populismo incentivou o processo democrático, através da luta por aperfeiçoamentos
eleitorais, um sistema social ascendente e reformas, como a regularização do uso do solo
urbano. No Rio de Janeiro, este fenômeno político combateu durante a década de 1920 o
sistema eleitoral vigente, com o objetivo de possibilitar a emergência dos trabalhadores
urbanos, a categoria de cidadãos. Possuía a característica de olhar ao mesmo tempo ‘para
frente e para trás’, o passado como inspiração para o futuro. Weffort (1980), autor
____________
9 CONNIFF, Michael, op. cit., p. 27
47
contemporâneo a Conniff op. cit., produz uma análise similar em relação à gênese da
política populista:
...”Desde a crise de 1929, que desarticula o velho capitalismo agrário voltado para a
exportação e desde a Revolução de 1930 que rompe a hegemonia das oligarquias rurais –
a cidade vem progressivamente oferecendo as condições econômicas e políticas para a
proposição do conjunto dos problemas do país. Nestas circunstâncias, as populações
urbanas representariam no conjunto do povo o contingente politicamente decisivo”... (10)
A rejeição das elites brasileiras em relação ao populismo se reporta a Revolução de
1930, quando estas perdem o poder e uma nova gama de representações surge no universo
sócio-econômico: industrialização, crescimento do operariado urbano, migração rural e
elevação da cidade como pólo condutor das relações políticas do país. Weffort, op. cit.,
apresenta esta questão através da citação da revista Anhembi de 1950 que analisa a vitória
de Getúlio Vargas na eleição presidencial daquele ano:
...”No dia 03 de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhão de miseráveis, analfabetos,
mendigos famintos e andrajosos, espíritos recalcados e justamente ressentidos, indivíduos
tornados pelo abandono, homens boçais, maus e vingativos que desceram os morros
embalados pela cantiga da demagogia berrada de janelas e automóveis, para votar na única
esperança que lhes restava: naquele que se proclamava o pai dos pobres, o messias
charlatão”... (11)
Ainda na conceitualização do desprezo das elites pelo movimento populista e pelas
massas que eram assim representadas, Weffort op. cit., apresenta as palavras do jornalista
liberal Rubens do Amaral do jornal “O Estado de São Paulo”, datado do dia 08 de
dezembro de 1945 que analisa as eleições daquela época:
...”o voto secreto transfere o suborno do indivíduo para os grupos, as classes, os sistemas
de interesse. Desnecessário mencionar que esta repulsa diante da democracia de massas
está uma ponta de nostalgia dos tempos ‘austeros’ da República Velha onde o suborno e a
corrupção eram apenas individuais”.... (12)
______________
10 WEFORT, Francisco C. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 19.
11 Ibid., p. 22.
12 Ibid. ibidem
48
Apesar das elites brasileiras considerarem o fenômeno populista como a
representação política das massas urbanas, centralizadas no operariado, este movimento
produziu interpretações diferenciadas sobre a questão de seu pertencimento e de seu
relacionamento com determinadas classes sociais. Conniff op. cit., apresentou-o como
reflexo de todos os estratos sociais da nova cidade surgida no final dos anos 1920 e
consolidada a partir da década de 1930:
.
...”Por isso, os populistas afirmavam representar o ‘povo’ e buscavam recrutar eleitores em
todos os estratos sociais. Os movimentos populistas eram sempre coalizões. A importância
dessa abordagem multiclasse era dupla: prometia fortalecer a sociedade orgânica e permitia
ao populista uma grande vantagem sobre partidos ou movimentos de base estreita. Devido a
seus alvos multiclasse, o populismo desenfatizava a estrutura de classes e interesses
conflitantes na sociedade. Na verdade, os populistas geravam e administravam a tomada de
decisão de consenso”... (13)
Por outro lado, Weffort op. cit., coloca o populismo no centro da questão da luta de
classes. Utiliza a análise que Marx produziu em seu “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”,
para evidenciar a formação do espírito de classe e o líder populista:
...”Assim, ela só encontrava sua unidade de classe na luta política através da submissão a
um senhor, a uma chefia que lhe é imposta pelas condições da luta política que, no
fundamental, se move pelos interesses de outras classes. Ela só pode aparecer, manifestar-se
como classe, no momento em que aparece como massa devotada a um chefe”... (14)
A pequena burguesia surge como classe social no Brasil, quando encontra no
político populista, a possibilidade de alcançar suas aspirações. Na ausência deste contato,
os elementos burgueses separam-se e passam a não constituir-se como grupo social
_____________
13 CONNIFF, Michael, op. cit., p. 29.
14 WEFFORT, Francisco C., op. cit., 29.
49
específico. Este fenômeno é verificado por Weffort op. cit., quando se reporta a obra de
Marx, “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, especificando uma situação similar entre a
França, no século XIX e o Brasil do século XX: os camponeses apresentando-se como uma
imensa massa, não estabelecendo relações entre si, isolando-se uns dos outros. Este
isolamento é ocasionado pelo seu modo de produção. Não conseguindo estabelecer uma
organização política, que possibilite a conquista de direitos sociais e econômicos. A política
populista assegura-lhes a possibilidade de aglutiná-los, estabelecendo seu acesso indireto ao
poder. Ao contrário, Conniff op. cit., vincula o populismo a procura pela essência do
verdadeiro povo. Desta forma, surge o interesse pelo pobre e pelo analfabeto, em cujas
vidas
simples podia existir a chave para compreender a própria natureza da sociedade
metropolitana. O populismo constituiu-se em uma manifestação política dessa procura
do caráter nacional e a coincidência temporal dos dois, não foi acidental.
Paralelamente, surge a presença da liderança carismática, dotada de qualidades
pessoais excepcionais: integridade e coragem, moralidade, devoção ao pobre, patriotismo e
proteção aos valores tradicionais. A relação baseada na autoridade carismática é de troca,
na qual votos e apoio são dados ao líder em troca de recompensas neste mundo,
psicológicas ou materiais. Conseqüentemente, Conniff op. cit., coloca o populismo como
um fenômeno que procura integrar o pobre a uma sociedade de massa. Portanto, define-o
como urbano, eleitoral e multiclasse. Sua análise sobre os primórdios deste movimento lhe
é extremamente favorável. Representou uma adaptação política das massas populares, a
intensa urbanização ocorrida nesta fase.
Antagonicamente, Ferreira (2001) apresenta o posicionamento de Ianni, de Germani
e de Frederico sobre o populismo e sua precariedade como representante das massas
populares:
50
...”Por um aspecto, diz Ianni, há o surgimento de populações recém-chegadas do mundo
rural que ‘não dispõem ainda das condições psicossociais, ou horizonte cultural’, para um
adequado comportamento urbano e democrático. Por outro, a sociedade carece de
instituições políticas sólidas, a exemplo de um sistema partidário. ‘Daí o sucesso da
arregimentação das massas marginais, ou classes populares, pelo populismo’. Trata-se de
um descompasso, retrocesso ou desvio de curso no sentido que se queria ideal. ‘No mundo
urbano-industrial’, continua Ianni em sua crítica, ‘onde imperam as relações de mercado,
sobrevivem ou predominam as massas e o líder, cujos vínculos são a demagogia e o
carisma”... (15)
...”A passagem de uma sociedade tradicional para uma moderna ocorreu em um rápido
processo de urbanização, mobilizando, desta maneira, as massas populares. Impacientes,
elas exigiram participação política e social, atropelando, com suas pressões, os canais
institucionais clássicos”... (16)
...”Seja nas interpretações convencionais, teorias da modernização, seja em ensaios mais
refinados como os de F.C. Weffort, o populismo é sempre visto como um desvio, uma
simples deformação ideológica, uma falsificação da consciência de classe”... (17)
Os três posicionamentos direcionam-se para um determinado ponto específico: o
populismo como política de massas, constituiu-se em um anacronismo para o universo
político brasileiro. O ‘desvio de curso’, a ‘deformação ideológica’, a ‘falsificação da
consciência de classe’, a ‘demagogia’ e o ‘carisma’ são elementos presentes nas diversas
interpretações que colocam a política populista, como um empecilho para o
desenvolvimento da vida institucional do país. Avaliado negativamente por ideologias
extremas como o marxismo e o liberalismo, o populismo passou a ser considerado uma
patologia do universo público do Brasil. Entretanto, a postura que será utilizada por esta
pesquisa indica outros caminhos. O populismo será considerado um instrumento de
viabilização da adaptação das massas urbanas ao crescimento citadino, a partir do final da
década de 1920, estruturando-se por intermédio dos anos Vargas, entre 1930 e 1945, tendo
seu ápice se estabelecido entre 1945 e 1964. A democracia representativa e os direitos
______________
15 IANNI, Octávio. O populismo na América Latina, p. 25 – 28, apud Jorge Ferreira, op. cit., p. 66.
16 GERMANI, Gino. Política e sociedade em uma época de transição: da sociedade tradicional `a sociedade
de massas, apud Jorge Ferreira, op. cit., p. 64.
17 FREDERICO, Celso. Consciência operária no Brasil, p. 121, apud Jorge Ferreira, op. cit., p. 105
51
sociais dos trabalhadores foram marcas definitivas deste período.
A política populista será vista como um processo produzido por demandas
específicas da cidade, a partir dos anos 1930. Weffort op. cit., esboça este panorama, com
alguma similaridade, desta forma:
...”Temos aí esboçado três dos elementos básicos para a compreendermos o sentido do
comportamento político-popular durante o regime populista; a pressão para ter acesso aos
empregos urbanos, que exercem as massas de migrantes, a pressão no sentido de ampliação
das possibilidades de consumo (realizada pelas novas massas urbanas e também pelas
antigas) e a pressão que se orienta no sentido da participação política dentro dos quadros
institucionais”... (18)
Desenvolvendo e consubstanciando a hipótese sobre gênese do populismo no
Brasil, será utilizada a pesquisa e os resultados obtidos por Michael Conniff. Este trabalho,
desenvolvido na cidade do Rio de Janeiro demonstra como o movimento populista
configurou-se nos estertores da República Velha. O autor visualiza os problemas
produzidos na antiga capital federal, pelas transformações urbanas retratadas neste período:
crescimento desordenado, aumento da pobreza pela migração incessante, investimentos
públicos em áreas economicamente privilegiadas e movimentos reformistas. O populismo
nasce dentro deste emaranhado de representações:
...”Apesar de a vida oferecer oportunidades maiores, muita gente se sentia descontente. A
privação material atormentava os que se encontravam no fundo da escala social. Além
disso, uma parte de genuína anomia era causada pelo emprego industrial, a falta de raízes da
vida citadina, o declínio das instituições tradicionais e, é claro, o abandono do próprio ideal
urbano orgânico. Em reação a isso, surgiu uma quantidade de movimentos reformistas na
década de 1920, cada um com seu próprio programa, mas a maioria dentro da antiga
tradição holística. O objetivo deles era incorporar grupos ‘marginais’ na sociedade,
______________
18 WEFFORT, Francisco C., op. cit., p. 75.
52
fossem eles os pobres, o privados dos direitos civis ou os analfabetos. Identificar o
problema era um passo importante para a solução política, que se revelou como o
populismo“... (19)
...”As perceptíveis desigualdades de renda nos anos 1920 desencadearam duas reações.
Primeiro, políticos e líderes dos trabalhadores formaram uma aliança que buscava obter
poder por intermédio de eleições e aliviar as disparidades de renda. Segundo, um número de
grupos reformistas emergiu dos setores profissionais médios e da nova elite, cujo objetivo
geral era diminuir a distância entre os ricos e os pobres. Sem essa ampla preocupação com a
reforma social, o populismo não poderia ter surgido”... (20)
...”Por que a sociedade industrial não podia recapturar a solidariedade de uma época
anterior, em que guildas uniam trabalhadores e dirigentes num objetivo comum? E se os
estratos se concretizassem rigidamente em classes que pudessem então organizar-se
politicamente ou gerar revolução? E como incorporar a classe mais baixa, o povo, cujos
clubes e associações nem estavam no mercado, como se diz? Estas outras questões estavam
por trás da busca dos reformistas por uma sociedade orgânica cuja própria estrutura
eliminaria o conflito entre os homens. Em certo sentido, o objetivo deles era a restauração
da tradição colonial urbana. Como a reforma política era central para aquela tarefa, muitos
dos defensores da reforma começaram a expandir o eleitorado e a armar políticos com
mandatos mais ousados. Daí nasceu o impulso na direção da política de massa e do
populismo”... (21)
As questões pertinentes à nova estrutura urbana no Rio de Janeiro, nas primeiras
décadas do século XX impulsionaram a participação popular. A capital federal, naquela
época constituía-se no maior aglomerado citadino do país. A abolição da escravidão, em
fins do século XIX
a intensa migração, o aparecimento de bairros pobres, as “favelas”, o
investimento municipal em áreas urbanas mais nobres produziram o “reformismo social”,
que exigia do poder público maior atendimento ao grande número de deserdados. O
reformismo atingiu todos os setores da vida pública carioca: educação, legisladores,
urbanistas e finalmente políticos. Estes políticos viam na mudança das estruturas eleitorais,
a única saída para o impasse produzido no Rio de Janeiro. Antes mesmo da Revolução de
______________
19 CONNIFF, Michael, op. cit., p.57.
20 Ibid., p. 77.
21 Ibid., p. 84.
53
1930, o reformismo se estruturou e foi uma das ‘molas mestras’ da gênese populista. A
reforma social era a meta comum, encontrada em todos os segmentos contrários à situação
produzida e mantida pelas elites oligárquicas da República Velha. O relacionamento dos
reformistas com o avanço democrático no Rio de Janeiro era descrito desta forma por
Michael Conniff op. cit. :
...”
Os reformistas eram a última categoria importante de líder no Rio dos anos 1920. Eram
políticos que se opunham ao estado de coisas vigente e clamavam por mudanças
importantes na vida carioca. No sentido mais amplo, lideravam a reação contra o ‘novo
urbanismo’ elitista da geração republicana. Defendiam também, embora mais seletivamente,
algumas das reformas sociais, em especial as que favoreciam os trabalhadores. Contudo, os
reformistas eram, acima de tudo, políticos trabalhando: mais do que buscar um mundo
filosoficamente coerente, eles recrutavam um amplo número de eleitores que viam a si
mesmos como efetivamente privados de direitos civis pelo sistema existente. Milhares
dessas pessoas tinham na verdade deixado de participar da política, acreditando que a
mudança de dentro era impossível. O reformista os convencia do contrário e talhava uma
carreira da madeira áspera da alienação do cidadão”... (22)
A Revolução de 1930 levou os reformistas ao poder, na figura do médico Pedro
Ernesto, indicado interventor da cidade por Getúlio Vargas. Reformas urbanas,
educacionais e na área de saúde foram dinamizadas. As eleições de 1935 elegeram Pedro
Ernesto como o vereador mais votado da cidade. A legislação daquela época indicava que o
vereador mais votado seria eleito prefeito. Em sua passagem pelo Poder Executivo
municipal, Pedro Ernesto tornou-se o primeiro grande líder populista da história do Brasil.
Sua liderança e preocupação com as questões sociais do cidadão carioca levaram-no a uma
guinada ao socialismo democrático. Surgia um sério rival para Vargas em seu objetivo
de angariar a simpatia das massas brasileiras. Em 13 de setembro de 1937, Pedro Ernesto é
______________
22 CONNIFF, Michael, op. cit., p. 99.
54
deposto, encarcerado
(23), sob falsas acusações, e caçado sua patente de coronel médico do
Exército brasileiro.
Conniff op. cit., habilmente, ilustra a maioridade do populismo no Rio de Janeiro, na
administração Pedro Ernesto:
...”O populismo tornou-se a abordagem global de Pedro Ernesto e seu partido. Eles se
apoiavam na tradição comunal urbana, prometendo estender o voto e em conseqüência a
soberania para o povo. Os pobres seriam incorporados na sociedade urbana por meio de
programas sociais. Pessoas de todas as posições sociais foram atraídas para a campanha
com o objetivo de restaurar a sociedade holística. E elas responderam: Pedro Ernesto
recebeu o apoio da nova elite, da classe média e das massas. Era um começo de uma nova
era na história brasileira, na qual os votos da cidade grande se multiplicariam e
eventualmente dominariam as eleições nacionais, o populismo chegara à maioridade no
Brasil”... (24)
Às vésperas, da decretação do Estado Novo em 1937, Getúlio Vargas inicia o
processo de instalação do autoritarismo estatal, com um ataque a Pedro Ernesto,
proprietário de grande poder político. O autoritarismo dos anos vindouros vinculou-se ao
_____________
23 Pedro Ernesto do Rego Batista nasceu no Recife em Pernambuco em 1886. dico pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, ingressou na política, participando do movimento revolucionário de 1922 e
tornando-se figura de grande posição da política carioca. Participou igualmente do movimento
revolucionário de 1924, contra o presidente Arthur Bernardes, sendo preso e acusado de participar da
conspiração chefiada pelo almirante Protógenes Guimarães. Teve atuação de destaque na Revolução de
1930, sendo um de seus líderes e organizadores no Rio de Janeiro. Em 1931, foi nomeado interventor
federal em sua cidade, cargo que exerceu por quase cinco anos. Organizou e chefiou o partido
Autonomista, que defendia a autonomia do Distrito Federal com a eleição do prefeito e da apreciação de
seus vetos pela Câmara de vereadores e não pelo Senado federal. O partido Autonomista alcançou fácil
vitória nas eleições de 1934. Preso em 1935, por alegadas conexões com políticas esquerdistas, foi
absolvido. Iniciada a campanha pela sucessão presidencial, em 1937, ingressou nos quadros da União
Democrática Brasileira, que apoiava a candidatura de Armando Sales de Oliveira à Presidência da
República. Com o decreto do Estado Novo, passou a dedicar-se exclusivamente a atividades privadas.
Sua administração como prefeito foi marcada por uma série de importantes realizações, destacando-se o
reequipamento da rede hospitalar e a construção de grande número de escolas públicas. Revogou o plano
apache-urbanismo. Realizou obras de saneamento, que melhoraram sensivelmente as condições
sanitárias, especialmente nos bairros suburbanos. Construiu e inaugurou vários hospitais, salientando-se
entre eles, o Getúlio Vargas, o Carlos Chagas e o Miguel Couto. Absolvido em 13 de setembro de 1937,
passa a oposição, sendo preso algumas vezes. Falece no Rio de Janeiro em 1942. Disponível na Internet
pelo site www.cpdoc.fgv/nav.historia/htm/biografias/ev_bio_pedroernesto.htm
. Arquivo capturado em 28
de dezembro de 2006.
24 CONNIFF, Michael, op. cit., p. 148
55
populismo. Ambos eram oriundos da herança colonial urbana do Brasil. Entre 1937 e 1945,
eles estabeleceram conjuntamente no Brasil, produzindo uma simbiose, retratada dentro
destas circunstâncias:
...”Assim, o Estado Novo não foi um Estado totalitário, nem um autoritarismo sem
mitigações, já que uma subcorrente do populismo (tênue, é verdade) sobrevivia. O
populismo vira-se envolvido numa dança mortal com o autoritarismo, em que cada qual
competia pelo domínio. Às vezes a dança pode ser comparada a um contraponto, nem um
nem outro estando permanentemente no topo e cada linha se movendo em relação `a
outra. A ‘harmonia’ resultava das tradições coloniais comuns das quais os dois lados se
originavam. Na conclusão, será visto que os dois modos de governança haviam passado a
depender um do outro numa relação simbiótica”... (25)
Conniff op. cit., também analisa esta simbiosidade, entre o populismo e o
autoritarismo, dentro da origem comum dos dois processos políticos. Argumenta que,
apesar do passado comum, as duas tradições apresentam aspectos diferenciados e não
podem ser confundidos:
...”E o fato de as duas formas derivarem do passado colonial comum poderia também ser
citado como evidência da similaridade deles. Entretanto, o populismo e o autoritarismo não
precisam apoiar-se mutuamente. Agudas diferenças os separam: representação patrimonial
contra tradições municipais; liderança carismática contra liderança anônima; representação
eleitoral contra representação corporativista; sistema civil aberto contra sistema civil
fechado; processo legal contra poderes judiciários extraordinários; reforma social contra
controle social; e mobilização do eleitor contra desmobilização. Nitidamente há outras
diferenças entre o populismo e o autoritarismo, mas essa lista engloba as diferenças mais
importantes”... (26)
Sabendo que a associação entre o autoritarismo do Estado Novo e o populismo,
herança ideológica de Pedro Ernesto, não permaneceria por muito tempo, Vargas passa
_______________
25 CONNIFF, Michael op. cit., p. 182-183.
26 Ibid.ibidem
56
a planejar uma estratégia para os novos tempos, pós Segunda Guerra Mundial, no Brasil:
...”Vargas que evitou o funeral de Pedro Ernesto, arquitetava uma estratégia populista para
as eleições que seriam realizadas depois da guerra. Colocado de modo simples, Vargas
estimulou a lealdade da classe trabalhadora pela legislação social e publicidade sem
usar recrutamento do partido ou eleições. Exatamente como Pedro Ernesto tinha feito,
Vargas desenvolveu uma imagem carismática como o ‘pai dos pobres’, fazendo com que as
massas confiassem nele. Elas passaram a acreditar em sua dedicação ao bem-estar delas, o
que fortalecia a legitimidade do presidente”... (27)
A política de Vargas, durante o transcorrer do Estado Novo visava garantir o
poder adquirido, com a expansão de sua popularidade perante a opinião pública. Os direitos
trabalhistas, amplamente divulgados pela mídia resultaram em uma grande aproximação
entre Getúlio e as massas urbanas brasileiras. Seu carisma era verificado através do apoio
do operariado e boa parte das classes médias a sua figura e suas propostas governamentais.
A aproximação com as massas, podia ser observado gradativamente, ao transcorrer de seu
primeiro período governamental, entre 1930 e 1945. Em todos seus pronunciamentos
evitava a palavra classe social, desejando a eliminação de intermediários entre ele próprio e
o povo. Sua estratégia populista urbana, durante o Estado Novo visualizava sua
permanência no poder, quando os ‘ventos democráticos’ novamente atingissem a nação. A
velha tática multiclasse, utilizada tanto por Vargas, quanto por Pedro Ernesto sofreria
grandes metamorfoses durante a década de 1950. Nesta fase, a classe trabalhadora já tinha
adquirido novas feições, crescendo substancialmente em número e poder de coerção. Surge
o populismo sindicalista, hegemônico no país, durante os anos 1950 e início da década de
1960. Entretanto, o velho estilo populista, produzido por Pedro Ernesto Baptista e
_____________
27 Ibid, p. 215.
57
posteriormente Getúlio Dornelles Vargas, ainda tinha adeptos: Adhemar de Barros e Jânio
Quadros. Herdeiros diretos deste fenômeno político foram hegemônicos em São Paulo,
durante a maior parte da República Populista, constituindo-se nos maiores políticos
paulistas do século XX.
A conceituação teórica que será empregada neste trabalho estará alicerçada na
concepção de populismo, como um movimento político que visava à integração das grandes
massas populacionais ao crescimento urbano acelerado. A pesquisa sobre o populismo em
Bauru e seus reflexos na produção da paisagem urbana, se desenvolverá neste sentido.
58
CAPÍTULO II
ORIGENS DO POPULISMO ADEMARISTA E JANISTA.
1. A concepção do mito ademarista.
...”O que o prefeito fazia, o governador desfazia, e vice-versa. Houve uma tentativa de
aproximação e de trégua entre os dois numa recepção no Palácio dos Campos Elíseos ao
presidente de Portugal, Craveiro Lopes. Lá pelas tantas, o chefe de estado luso se recolhe
aos seus aposentos. O governador permaneceu nos salões, sentado num sofá.
Inopinadamente, o prefeito, com todo o seu corpanzil e sua sem-cerimônia, tomou a
liberdade de se esparramar no mesmo sofá ao lado de seu arquiinimigo. Para quebrar o gelo,
Adhemar de Barros puxou conversa: __ Você é besta. Você tinha que inventar a candidatura
desse m... do Carvalho Pinto. Antes nós éramos uma gangorra, cada um governa quatro
anos. Impassível e visivelmente contrafeito, Jânio não passou recibo”... (1)
...”Povo de São Paulo, eu não agüento mais. Esse homem é maluco. Ele vai botar o
professor Carvalho Pinto na cadeia. Ele vai me botar na cadeia outra vez! Meu Deus, lá vou
eu de novo para a Bolívia!”... (2)
Os populismos ademarista e janista convergiam para o mesmo ponto: foram
reflexos do universo sócio-econômico e, conseqüentemente político de São Paulo. O
janismo não possuía estrutura partidária particularizada. O populismo ademarista produziu
seu próprio partido, o PSP – Partido Social Progressista, que nunca extrapolou sua função
de instrumento eleitoral. Tanto o ademarismo quanto o janismo caminhavam acima das
ideologias partidárias. O getulismo solidificou-se através do antigo PTB – Partido
Trabalhista Brasileiro, construindo uma sólida base sindical. Transfigurou-se em um
movimento que defendia os interesses das classes trabalhadoras. Portanto, deixou de
representar um fenômeno multiclassse, surgido durante a década de 1930 e fortalecido
durante o Estado Novo; para estabelecer-se como uma força eminentemente trabalhista.
___________________________
1 KWAK, Gabriel. O trevo e a vassoura. Os destinos de Jânio Quadros e Adhemar de Barros. São Paulo:
Girafa, 2006, p. 340.
2 Ibid., p. 345.
59
Porém, no Estado de São Paulo, o trabalhismo nunca conseguiu atingir os níveis eleitorais
do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
(3) A hegemonia da burguesia, o surgimento de
uma numerosa classe média e o antagonismo contra Getúlio Vargas, que derrotou as forças
políticas estaduais por duas vezes consecutivas: 1930 e 1932, foram os produtores do
enfraquecimento do populismo getulista em São Paulo. Dentro deste universo, logo após a
implantação do Estado Novo, Vargas escolhe como interventor um representante das forças
derrotadas de São Paulo, um elemento do PRP – Partido Republicano Paulista
: Adhemar
Pereira de Barros, oriundo de uma rica família de latifundiários da região de São Manuel.
Adhemar ocupou a interventoria paulista de 1938 a 1942, período que construiu seus
alicerces políticos. Sampaio (1982) exprime a questão do nascimento do ademarismo da
seguinte forma:
...”É nesta fase que Adhemar não apenas lança as bases de sua futura máquina partidária,
como também define sua imagem como governante e como personalidade política”... (4)
Como representante da oligarquia paulista Adhemar detinha algo que seus pares
não possuíam: o carisma e a capacidade de relacionar-se facilmente com os elementos
que não pertenciam a sua classe social. Sampaio, op. cit., o coloca também como além de
sua categoria oligárquica, estabelecendo em sua administração em São Paulo novos
parâmetros de atendimento público e político:
...”De uma penada, Adhemar demitiu todos os prefeitos, substituindo-os de acordo com
critérios que não corresponderam às expectativas das velhas lideranças perrepistas locais,
______________
3 BENEVIDES, Maria Victória. O governo Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 22-23.
4 SAMPAIO, Regina. Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global, 1982, p. 39.
60
afastadas por muito tempo do controle da máquina governamental e acreditando ter então
sua grande oportunidade”... (5)
Dentro destas circunstâncias, Adhemar conseguiu ultrapassar a influência
perrepista, adquirindo novos contornos políticos e produzindo uma administração
sem paralelos em São Paulo, com um dinamismo sem precedentes. Porém, este afastamento
do PRP produziria dificuldades no futuro. Após a redemocratização, não obteve sucesso em
relacionar-se com o futuro PSD – Partido Social Democrático, sucessor dos antigos PR’s.
Inovou a comunicação com a população paulista, utilizando pela primeira vez o rádio como
meio de propaganda, criando as ‘conversas ao pé do fogo’:
...”Naquela época não havia televisão, havia apenas transmissões de rádio. Todas as noites,
as setes horas, ele tinha uma palestra com o povo de São Paulo, uma conversação íntima,
todas as noites, inclusive sábado e domingo. Chamava palestra ao pé do fogo e os que
tinham rádio, de qualquer maneira, em todo o interior, ouviam aquela conversa muito
amigável dele. Isto fez época, ele tinha aquela conversa de caboclo franco, não era discurso
inflamado não... falava a linguagem deles. Falava errado até. Era uma novidade, nunca
houve isto, foi daí que surgiu o termo populismo, quer dizer, nós descermos a linguagem do
povo para que ele entendesse. E ele foi pioneiro neste sentido, por isso criou este carisma”...
(6)
A criação do mito Adhemar de Barros iniciou-se nesta fase: de um lado um
administrador ousado e brilhante e, de outro, a imagem do Estado como o responsável
direto pelo amparo aos mais humildes e sem acesso às estruturas normais de poder.
(7) Sua
característica multiclasse aparece claramente, quando se dirige as massas paulistas pelo
rádio e também nas palavras de seu sucessor ao governo do estado de São Paulo Lucas
Nogueira Garcez, na década de 1950:
...”Adhemar não era considerado pelos fazendeiros pior ou melhor do que os outros
governadores de São Paulo; não acredito que ele tenha pago qualquer tributo no sentido
_____________
5 Ibid., p. 42.
6 SAMPAIO, Regina, op. cit., p. 45.
7 Ibid.Ibidem.
61
político por ter contrariado princípios econômicos ou ocasionado distúrbios à classe
econômica. Não se pode dizer que ele fosse uma expressão das classes produtoras, mas
tinha com elas um relacionamento razoável”...
(8)
A demissão de Adhemar da interventoria de São Paulo ocorreu em 1941. O
pretexto para sua saída foi produzido por um suposto dossiê, composto por várias
irregularidades administrativas, conduzidas em seu governo. Porém, verificou-se que os
verdadeiros motivos encerram-se no crescimento vertiginoso de sua imagem, perante a
opinião pública paulista. A incompatibilidade com Getúlio configurou-se a partir destas
circunstâncias. Ao sair do Palácio dos Campos Elíseos, Adhemar de Barros já tinha
edificado suas bases, para seu retorno após a redemocratização em 1945, deixando
delineada uma série de ligações com grupos econômicos que se beneficiaram de sua
administração, bem como das lideranças estaduais, suscetíveis ao seu estilo de governar.
(9)
2. O PSP e a vida democrática de Adhemar de Barros.
...”Após a eleição para governador em 1947, foi possível a Adhemar consolidar uma
poderosa máquina partidária. Portanto, para pensarmos o ademarismo e o pessepismo é
necessário percebê-lo no conjunto das relações políticas em que ele disputou espaços e
recursos; afinal, muitas das suas peculiaridades se definiram a partir do acesso e das
possibilidades de manifestação das fontes de recursos públicos. Foi exatamente como
conseqüência de uma sólida e bem estruturada máquina partidária implantada em todos os
municípios do estado e em todos os bairros da capital que o PSP, cujo alcance sempre foi
regional, teria impossibilitado o desenvolvimento de estruturas partidárias concorrentes
como o Partido Social Democrata e o Partido Trabalhista. Brasileiro”... (10)
O Partido Social Progressista construído por Adhemar de Barros, no final dos anos
1940, obstaculizou o desenvolvimento das maiores agremiações partidárias brasileiras
______________
8 SAMPAIO, Regina, op. cit., p. 46.
9 Ibid., p. 49.
10 DUARTE, Adriano Luiz. Cultura popular e cultura política no pós-guerra: redemocratização,
populismo e desenvolvimento no bairro da Mooca: 1942-1973. Campinas: UNICAMP, 2002,
p. 161. (Tese de Doutorado)
62
durante a fase populista. A UDN - União Democrática Nacional, o PSD – Partido Social
Democrático e o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
(11) não conseguiram estabelecer-se
em São Paulo, com a mesma expressão do restante do país. O populismo ademarista
identificado como um movimento
multiclasse, oferecia ao operariado, as classes médias e
aos proprietários rurais, os canais de comunicação necessários para a sua configuração e
representação política. Portanto, durante sua primeira fase, que atinge até meados dos anos
1950, o fenômeno ademarista possuía uma proposta que atingia todas as classes sociais.
Entretanto, a evolução do significado de classes sociais no país, durante esta fase
possibilitou o arrefecimento das questões ideológicas classistas e o fortalecimento de seus
contrastes na representação política. Desta maneira, analisando os resultados das eleições
para o governo do Estado de São Paulo em 1962, nas quais Adhemar saiu-se vencedor,
Weffort op. cit. produziu outras formas interpretativas, sobre este mesmo movimento
político:
____________
11 O término do Estado Novo em 1945, possibilitou que uma nova estrutura partidária fosse produzida. A
UDN - União Democrática Nacional foi produto da conjunção da maior parte das oposições a Getúlio
Vargas. Em seus primórdios, constituía-se de uma frente com bases liberais, opondo-se ao esquema de
poder do caudilho Getúlio. Entretanto, com o passar dos anos, durante o desenvolvimento da República
Populista, transformou-se em uma agremiação partidária de cunho conservador, representante das classes
médias dos centros urbanos e dos grandes grupos econômicos e financeiros do país. Derrotada em três
eleições presidenciais consecutivas do pós-guerra, decide lançar Jânio Quadros à presidência da
República em l960. Entretanto, vê seu sonho de poder esvanecer-se com os posicionamentos janistas à
frente da administração nacional. Com a renuncia de Jânio em 1961, a UDN passa definitivamente a
apoiar injunções golpistas. Foi uma das responsáveis pelo fim da República Populista em 1964, apoiando
a intervenção militar. Suas maiores lideranças foram o brigadeiro Eduardo Gomes e o político fluminense
Carlos Lacerda. Foi extinta em 1965 e seus elementos vieram a compor a Arena – Aliança Renovadora
Nacional. O PSD – Partido Social Democrático foi constituído também no limiar do Estado Novo.
Porém, sua configuração foi trabalhada ideologicamente por Getúlio. Instrumentalizado por Vargas, o
PSD serviu de instrumento para a perpetuação das políticas getulistas. Representava as poderosas
oligarquias interioranas, herdeiras dos antigos PR’s – Partidos Republicanos da República Velha.
Juntamente com o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro constituiu-se em uma aliança populista que
solidificou o período entre 1945 e 1964. O PSD era um partido de centro, elegendo dois presidentes da
República: o general Eurico Gaspar Dutra em 1945 e Juscelino Kubitschek em 1955. Seus maiores
expoentes foram o próprio Juscelino, Tancredo Neves e Ernani do Amaral Peixoto. Era o centro
63
...”Barros venceu, sobretudo nas regiões onde o operariado constitui minoria ou é
praticamente inexistente, com o apoio da grande massa pequeno- burguesa espalhada
por todo o estado e, embora em menor densidade, também na capital”... (12)
...”Neste sentido, não há nada de estranho em caracterizar o populismo de Barros como uma
forma de ‘política ideológica’ que expressa, em alguma medida, a especial condição de uma
pequena-burguesia de ascensão recente preocupada com a queda iminente”... (13)
A preocupação do ‘pequeno-burguês’ em perder gradativamente, seu modo de
vida conquistado com tantas dificuldades, nas décadas posteriores a Revolução de 1930, fez
com que se aproximasse de Adhemar. Muitos desta categoria social, passavam por
dificuldades econômicas e temiam a perda da esperança da ascensão social.
Consideravam-se ‘desfavorecidos pela sorte’, inferiorizados entre uma sociedade
dividida entre pobres e ricos e cuja localização entre estes dois segmentos, tornava-os
detentores de aspectos de ambas as categorias. O ademarismo penetra exatamente nesta
fissura, proporcionando a pequena burguesia um alento e esperança de dias melhores. O
ademarista, neste sentido, era o cidadão pessimista com a vida. O movimento ademarista
instrumentalizou a pequena-burguesia, oferecendo-lhe um estado patriarcal, protetor e
_______________
de gravidade da política brasileira até 1964. Foi extinto pelo Ato institucional nº 02. Seus integrantes, em
sua grande maioria, ingressaram também na Arena, onde passaram a conviver com seus antigos
adversários udenistas. O PTB – Partido Trabalhista Brasileiro também foi criação de Getúlio Vargas.
Representava as grandes massas do operariado urbano. Venceu as eleições presidenciais de 1950 com
Vargas e assumiu o Poder Executivo nacional, através de João Goulart com a renuncia de Jânio Quadros
em 1961. Às vésperas do Golpe Militar, o PTB caminhava para constituir-se na maior bancada da
Câmara dos deputados. Era um partido de centro-esquerda, associado ao sindicalismo. Sua atuação no
apoio às reformas de base de Goulart levou a intensificação da questão ideológica e o término da
República Populista. Seus maiores expoentes foram Getúlio Vargas, João Goulart, San Tiago Dantas e
Leonel Brizola.
Com sua extinção em 1965, a maioria dos seus quadros passou a ingressar no MDB –
Movimento Democrático Brasileiro, legenda de oposição criada artificialmente pelo regime militar.
Síntese do conteúdo do site www.cpdoc.fgv.br/;dhbb/verbetes_htm/3231_1.asp
. Arquivo capturado em 30
de dezembro de 2006.
12 WEFFORT, Francisco, op. cit., p. 30.
13 Ibid., p. 33.
64
assistencialista, na qual se podia recorrer em caso de dificuldades, sem os impedimentos
técnicos de uma burocracia racional e impessoal.
(14)
O PSP Partido Social Progressista era o instrumento na qual se intermediava a
estrutura estatal e o cidadão individualmente. Duarte, op. cit. destaca a força interna do
ademarismo e a máquina pessedista:
...”A azeitada máquina do PSP tinha uma estrutura bastante verticalizada. Os diretórios
distritais, que correspondiam a um distrito de paz, formavam a base do partido. Nas cidades
mais populosas, era possível criar subdiretórios distritais, por bairro, por área industrial ou
residencial; esses, porém, estariam diretamente subordinados ao diretório municipal. Cada
diretório distrital indicava o respectivo juiz de paz, o delegado de polícia e o subdelegado.
Cada subdelegado escolhia os respectivos inspetores de quarteirão. Esta estrutura garantia,
em cada distrito, uma teia de contatos e apoios que poderia ser acionada rapidamente. No
interior do estado, os diretórios distritais podiam corresponder a vários bairros, mas na
capital, a regra era que cada bairro possuísse um único diretório. Um degrau acima estava
ainda o diretório regional que concentrava o poder de decisão em âmbito estadual. O fluxo
de favores tinha que, necessariamente, passar, por toda a máquina partidária, essa foi a
maneira de garantir que as demandas retornassem como votos, assegurando a força do
partido”... (15)
A estrutura do PSP era inovadora. Todos os pleitos teriam que ser aprovados,
primeiramente pelo partido e depois encaminhados ao governo estadual. Não havia contato
direto dos prefeitos com os secretários de Estado. Estes possuíam um elemento do partido
que produzia o atendimento às solicitações políticas. Cada melhoria que o Adhemar fazia
como governador, era favorável ao partido. Por exemplo, na criação de um posto de
saúde, todos os funcionários eram nomeados pelo PSP
. (16) Conseqüentemente, a atuação
_____________
14 Ibid., p. 31.
15 DUARTE, Adriano Luiz, op. cit., p.162.
16 Ibid., Ibidem.
65
do chefe pessepista à frente do governo de São Paulo, entre 1947 e 1950, apresentou as
mesmas características que já se haviam esboçado no período de sua interventoria.
Sua administração é fundamentalmente centrada na realização de grandes obras
públicas e na ampliação dos serviços oferecidos pelo Estado, dentro de uma perspectiva
de bem-estar social que implicava na ampliação da máquina governamental, o
que, obviamente funcionava ao mesmo tempo como mecanismo de maximização dos
recursos à disposição do PSP para o atendimento de sua clientela.
(17) A partir desta fase, o
PSP torna-se o partido majoritário, desarticulando os principais partidos nacionais em São
Paulo.
Esta época se estende até a eleição do sucessor de Adhemar no governo paulista,
quando passa a ter problemas no comando de sua estrutura partidária. O governador eleito
Lucas Nogueira Garcez passa a disputar o comando do pessepismo, entrando em choque
com seu criador. Após este período, quando Barros perde a eleição para o governo do
estado para Jânio Quadros, o ademarismo passa por uma grande ressaca eleitoral. Fase em
que Adhemar é derrotado duas vezes na tentativa de chegar à Presidência da República, em
1955 e em 1960 e para o governo do estado em 1958. Entretanto, o PSP elege por duas
vezes o prefeito da capital paulista, demonstrando ainda sua grande força eleitoral. Fato
que se destaca, quando se considera o caráter eminentemente clientelístico do partido e a
dificuldades de sobrevivência, pois enfrentava uma fase em que controlava poucos recursos
para a distribuição de favores. Kwak, op. cit. analisa a importância do clientelismo para a
______________
17 SAMPAIO, Regina, op. cit., p. 61-62.
66
configuração do ademarismo como força eleitoral em São Paulo, citando palavras de
William Salem, ex-prefeito da cidade:
...”
Normalmente era pedido de emprego. Todo mundo queria um emprego. Depois, vinham
os problemas de transporte, os problemas de habitação, o problema de matrícula nas
escolas, de tal forma que parece que nós estamos falando sobre hoje. Exatamente os
mesmos problemas ainda afligem a população brasileira”... (18)
O enfraquecimento político de Adhemar se refletiu principalmente no interior do
estado: em 1955 elege apenas 61 dos prefeitos (20%), sendo que no mesmo grupo de
municípios para o qual elegera 133 (43%) em 1951. Entretanto, a renuncia de Jânio em
1961 e a radicalização do processo ideológico durante o governo João Goulart conduziu o
ressurgimento do populismo ademarista em São Paulo, como esclarece Weffort op. cit.:
...”Na campanha de 1962, o ademarismo muda de sentido: o candidato já não se apresenta,
como nas eleições passadas, como ‘progressista’ e ‘realizador’ mas com uma ênfase
claramente conservadora dada pelos slogans de ‘paz e tranqüilidade’. Por certo as
circunstâncias especificamente eleitorais tiveram sua influência. Jânio Quadros, o principal
adversário, havia marcado seus períodos de governo por uma áspera impessoalidade,
perseguira funcionários públicos, agitara problemas políticos etc., e os slogans pretenderam
explicitamente opor a esta ‘política de ódio’, uma ‘política de amor”... (19)
A mudança no eixo ideológico do ademarismo, ao iniciarem-se os anos 1960,
deveu-se também a outros fatores, foram do âmbito restritivo da política paulista. Sua
______________
18 KWAK, Gabriel, op. cit., p. 236.
19 WEFFORT, Francisco, op. cit., p. 31
67
guinada conservadora, distanciando-se do PTB, no qual por muitos anos se aliou, deveu-se
principalmente ao panorama nacional. As reformas de base de Goulart e seu
relacionamento com setores esquerdistas, aproximaram-no dos conspiradores de 1964. Os
trabalhistas radicalizaram: o discurso e a prática política homogeneizaram-se. Com o passar
dos meses, Barros tornou-se um dos líderes civis que incentivaram à intervenção militar.
Duarte, op. cit. evidencia algumas palavras de Adhemar nos anos 1950,
demonstrando sua evolução ideológica:
...”Ser populista, para nós, é dar a função social do estado uma amplitude que não teve até
agora. É governar dando oportunidade a todos e procurando elevar cada um de
acordo com as suas necessidades. Os que se separam do populismo, classificam-se,
muito granfinamente de democratas. Na verdade, porém, são apenas homens poderosos
ou a serviço de grupos poderosíssimos que julgam que o Brasil deve continuar ser das
raras nações do mundo onde existe, de um lado, uma pequena minoria de milionários e, de
outro, a grande maioria de paupérrimos e semi-pobres”... (20)
Novamente Kwak op. cit. conceitua as transformações que Adhemar processou,
durante a última fase de sua vida política. Por ocasião de seu lançamento como candidato
ao governo de São Paulo, em uma convenção do PSP realizada em 24 de maio de 1962, já
se expressa como um futuro conspirador, afastado das tendências esquerdistas da política
nacional:
...”Quiseram os fatos e as circunstâncias, porém, que novamente coubesse a mim a tarefa
árdua de seguir a frente, e aqui estou disposto a cumprir a parte que me cabe. Tenho plena
consciência do grave momento que vivemos, e dos perigos que nos assaltam. Ouço a todo
instante que a ‘revolução está em marcha’. Que revolução? Se é a revolução do
desenvolvimento, a revolução para libertar os desgraçados e espoliados, a revolução pelos
sagrados direitos dos trabalhadores, contem comigo e com minhas modestas forças; mas
que se faça essa revolução através dos caminhos constitucionais, pela valorização do
homem, pelo reconhecimento amplo dos direitos do operário, pelo amparo da agricultura e
das indústrias, pelo extermínio dos exploradores do povo”... (21)
_________
20 DUARTE, Adriano Luiz, op. cit., p 161.
21 KWAK, Gabriel, op. cit., p. 293
68
A última administração ademarista de São Paulo caracterizou-se por duas fases
distintas: a do conspirador e a do desestabilizador do próprio sistema que auxiliou a criar. O
apoio a ‘Revolução de 1964’ era composto de incoerências. A tradução de seu populismo
estava vinculada, a um mundo que somente as liberdades democráticas poderiam concebê-
lo e posteriormente desenvolvê-lo. O populismo ademarista, alicerçado no PSP e no
carisma pessoal de seu líder, não teria lugar em um universo político onde as liberdades
civis desaparecessem e em uma sociedade conduzida por grupos, que durante vinte anos
tentaram chegar ao poder supremo da nação por intermédio de eleições livres e não
conseguiram. Este cenário se cristalizou na visão de Adhemar. Sua posterior oposição ao
movimento de 1964, esteve inserida dentro destas circunstâncias. A cassação em 1966 foi
o epílogo de sua vida política. O populismo multiclassista, centrado na óptica de inclusão
das massas urbanas, finalizou juntamente com Adhemar de Barros um período da vida
política de São Paulo e do Brasil.
3. O populismo janista: formação, ascensão e declínio.
...”O estilo autoritário, moralista e extremamente personificado de Jânio Quadros evocava
um ‘populismo de direita’ – militarista, antiparlamentar e associado ao grande capital -, o
qual, dirigido ‘a todas as classes sociais, ao conjunto da ‘nação’, terminava por diluir o
próprio significado de povo e de massa. Como indica Francisco Weffort – que analisou ,
para o primeiro caso, o ‘Estado de compromisso’ – Jânio Quadros significava não apenas a
falência do sistema partidário, como o populismo levado à sua contradição mais extrema e
que se volta contra si próprio”... (22)
...”Nos botecos humildes da gente simples de Vila Maria ele era um deus; nos salões
elegantes do Jardim América, o esperado, tanto para os patrões como para os criados. Para
_______________
22 BENEVIDES, Maria Victória, op. cit., p. 09
69
os pobres, era a esperança; para os ricos, a segurança. Nos comícios, demagogo,
desgrenhado; no governo, sincero, composto”... (23)
O populismo multiclassista, cristalizado na figura de Adhemar de Barros também
apresentou outra vertente: moderna, dinâmica, resultado das forças econômicas e sociais
que varreram São Paulo, após a Segunda Guerra mundial, nos estertores dos anos 1940,
quando a urbanização e a industrialização acentuavam-se. Diferentemente de Adhemar,
Jânio não era proveniente das oligarquias paulistas. Pertencendo a uma pequena classe-
média que, juntamente com o operariado, na expectativa de ascensão social, procurava um
instrumento para sua representação política. Estas novas classes sociais, que construíam o
panorama da cidade de São Paulo rejeitavam o servilismo, o patriarcalismo e o
paternalismo. O futuro eleitor de Jânio demandava justiça, pois acreditava no trabalho e em
sua valorização, não em favores pessoais e nas práticas usuais do ademarismo. A
ascensão destas classes sociais projetava um Estado justo, impessoal. O populismo de
Jânio, consubstanciado neste período em São Paulo, era diferente do populismo ademarista:
era ‘responsável, defensor do trabalho, da meritocracia, do saneamento administrativo e da
austeridade orçamentária.
(24) Reafirmando o posicionamento de Kwak, op. cit., Benevides
expõe o janismo como uma força política urbana, capaz de liquidar o comportamento
clientelista:
...”É nesse sentido, ao identificar o empreguismo com a base da corrupção, que Jânio
inscreve em seu programa de governo a necessidade de ‘despolitizar’ a administração em
______________
23 ARNT, Ricardo, nio Quadros. O Prometeu de Vila Maria. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 19-20.
24 Ibid., p. 26-27.
70
geral. Despolitizar significa acabar com o sistema de nomeações feitas por injunções
políticas, ou seja extinguir a principal fonte do clientelismo urbano”... (25)
A partir deste ponto, pode-se diferenciar o janismo do ademarismo, seu predecessor,
através da conceituação de Estado. A capacidade e ao, mesmo tempo, a possibilidade do
janismo conceituar e construir uma máquina estatal justa, eqüitativa demonstram sua
aproximação da leitura e da compreensão, do que atualmente se espera de um Estado
moderno e dinâmico, capaz de atender às necessidades coletivas da
sociedade, sem
dimensionar privilégios a grupos ou classes sociais. A capacidade do janismo em
vislumbrá-lo, tornando-o acessível e igualitário para todos, conduz a reafirmação de que o
populismo janista é mais próximo do ideário multiclasse, construído a partir das primeiras
décadas do século XX, do que seu adversário, o ademarismo. Todavia, podemos considerá-
los como oriundos de idêntico processo: resultado da transformação entre o espírito de
igualdade colonial das cidades brasileiras e a modernidade republicana urbana. Weffort op.
cit., apresenta o populismo de Jânio ou de Barros como uma forma popular de exaltação
de um líder, no qual ele aparece como a imagem idealizada do estado, construída por uma
determinada classe social. Jogando toda a sua aspiração de mudança política em uma
pessoa, a quem imagina possuir um poder ilimitado.
(26) A trajetória de Jânio, estabelecida
por mudanças bruscas de orientação política, não causaram problemas em sua
popularidade. Para as massas, o líder era a essência e seu carisma, o instrumento da
concretização de suas demandas sociais.
______________
25 BENEVIDES, Maria Victória. op. cit., p. 44.
26 WEFFORT, Francisco C. , op. cit., p. 36.
71
Duarte, op. cit., expõe o enquadramento histórico do surgimento do fenômeno Jânio
Quadros, a partir dos anos posteriores ao término da Segunda Guerra Mundial:
...”A carreira política de Jânio Quadros se iniciou no contexto dos turbulentos anos do pós-
guerra, no qual as demandas urbanas ocupavam o centro das discussões políticas locais.
Sem raízes partidárias, ele não tinha qualquer vinculação com a tradição getulista nem,
tampouco, ligações com políticos oriundos do liberalismo anterior ao Estado Novo. Neste
sentido, Jânio emergiu como um fenômeno novo... Assim Jânio se configurou como porta-
voz de um projeto de ordenação social no qual caberia ao estado a promoção do bem
comum e a distribuição da justiça, e ele próprio seria o instrumento dessa justiça, corrigindo
os excessos oriundos da lei do mercado, da ganância dos empresários e da preguiça dos
trabalhadores”... (27)
A espetacular ascensão de Jânio Quadros, de vereador em 1947 à Presidente da
República em 1960, representou a tentativa de incorporação política das demandas de
amplos setores sociais, que não se adaptavam ao populismo ademarista e ao populismo
trabalhista, vinculado ao sindicalismo e aos herdeiros de Vargas, portanto eminentemente
classista. O “homem da vassoura” era a antítese de Adhemar, seu clientelismo e o uso
privado do Estado, através das nomeações sem concurso público, da ausência de licitações
para as grandes obras e o conseqüente descontrole orçamentário. Jânio era o novo, o
moderno, contrário às práticas ademaristas, como colocando-se como contraponto às
opções classistas dos trabalhistas. Paralelamente, Jânio também demonstrava aversão aos
excessos do Capitalismo, atacando os altos lucros advindos com a especulação desenfreada
e, ao mesmo tempo, atingindo o trabalhador por intermédio de ações agressivas contra o
funcionalismo. Em toda sua carreira política, estas características foram-lhe marcantes.
Os populismos de Jânio Quadros e de Adhemar de Barros diferenciavam-se
estruturalmente, no estilo em que concebiam o Estado. Contudo, sua essência
______________
27 DUARTE, Adriano Luiz, op. cit., p. 175.
72
era a mesma: o estabelecimento da inclusão das massas urbanas na nova sociedade, surgida
após 1930. As metas eram idênticas, a forma de processá-las, variava conforme o
arcabouço e a experiência de vida de cada um deles. Adhemar produziu o populismo
paternalista, que prometia aos excluídos os favores desfrutados ‘pelos de cima’, Jânio era o
carismático, o salvador, o predestinado, dotado de capacidades ilimitadas.
(28)
As características deste populismo carismático e multiclasse construíram a rápida
carreira política de Jânio. Entretanto, todos os níveis na vida pública que atingiu foram
produzidas em São Paulo. Mesmo sendo o ‘carro-chefe’ da nação, a ‘terra dos
bandeirantes’ era uma parcela do país, não englobando todas as possibilidades sociais,
culturais e econômicas do Brasil. Quando atingiu a Presidência da República em 1961, o
populista ‘paulista’, Jânio Quadros encontrou sérias dificuldades para estabelecer-se como
mandatário maior. Enfrentar os problemas de um país-continente como o Brasil, dentro dos
parâmetros estabelecidos por ele, trouxe-lhe sérias dificuldades de sustentação política:
...”Embora não lhe faltasse respaldo militar, Jânio achava-se isolado, numa camisa de força,
tremendamente sabotado pelos interesses internacionais, boicotado pela classe política e por
parte saliente das ‘classes produtoras’. As vertentes de esquerda não confiavam nele,
mesmo quando estreitava relações com países do ‘Segundo Mundo’ e insistia em disciplinar
a remessa de lucros para o exterior. O ‘patriciado’ também não aceitava muitas das bases de
seu governo... O projeto de modernização da sociedade brasileira, solenemente receitado
pelo exaltado Jânio nas praças públicas, invibializou-se pelo esquema de poder.
O regime estava desajustado as exigências daquele tempo. A função presidencial ficou
esvaziada em face dos vícios do funcionamento institucional. Certamente teríamos por
cinco anos de governo, uma rainha da Inglaterra”... (29)
_____________
28 Ibid., p. 195.
29 KWAK, Gabriel, op. cit., p.145-146.
73
...”De tudo ficou a certeza de que Jânio não foi capaz de atinar para o processo histórico que
então se desenrolava. Uma análise fria das circunstâncias políticas da época permite afirmar
quer se Jânio não tivesse renunciado fatalmente seria deposto. As ‘forças terríveis’
denunciadas por Jânio foram, enfim, conhecidas em março de 1964”... (30)
Afonso Arinos confirma indiretamente, através deste relato, o caráter especial do
populismo janista provocando a renuncia de seu líder a Presidência da República. As
palavras de Arinos estão dispostas no trabalho de Arnt op. cit., sobre a vida política do ex-
presidente. Demonstram sua incapacidade em atender todas as demandas sociais. Ao
mesmo tempo, sua visão multiclassista esfacelou-se diante de um quadro incontrolável,
onde todos os setores sociais e políticos viram-se desprestigiados por sua administração,
enquanto que, os privilégios eram combatidos em todas as áreas governamentais:
...”O ex-chanceler Afonso Arinos testemunha a sinceridade do projeto reformista janista e
ressalta o vulto dos obstáculos que o impediram: ‘Jânio não tinha compromisso algum com
nenhuma instituição política. Só com o povo. Depois de eleito, leal aos compromissos que
assumira com o povo por cima das instituições, apercebeu-se da impossibilidade de
cumpri- los. Um Congresso suspicaz e reacionário; uma Igreja retrógrada; uma Justiça
rotineira; uma imprensa desconfiada; uma classe dominante que passou de entusiasta a
temerosa; e, mais ainda, uma massa que começava a se desiludir diante de sua forma
crescente de poder e da sua falta do que fazer com ele. Uma situação destas,
verdadeiramente dramática, deve ter levado o presidente, a princípio, ao desânimo, depois,
ao desespero e, finalmente, à renúncia”... (31)
O ato da renúncia trouxe à tona o universo de contradições em que se encontravam
as instituições políticas e a sociedade brasileira. Após a Revolução de 1930, o Brasil
transformou-se: desde a agonia da República Velha, a passagem pelo Estado Novo e a
redemocratização, a representação política distanciou-se da realidade. O populismo
______________
30 Ibid., p. 155.
31 ARNT, Ricardo, op. cit., p.44-45.
74
nasceu como forma de inclusão social, de uma camada expressiva da coletividade,
contudo, a diversificação social complexa, construída a partir deste período, não foi
refletida na evolução institucional. O populismo nasce como forma de expressão das
massas urbanas. O janismo e o ademarismo foram, ao mesmo tempo, o reflexo e os
construtores de uma época determinada, quando os moradores das cidades clamavam pela
cidadania, pela participação política, por reformas sociais. Os ideais holísticos, compostos
pela convicção de representação total, de todas as classes sociais, de todos os segmentos
urbanos prevaleceram no populismo brasileiro. Jânio Quadros tornou-se o ápice deste
movimento político. Em sua fase hegemônica, o janismo era moderno, combatia os vícios
de uma sociedade arcaica, inserida em uma vida urbana moderna. Em São Paulo, este
último grande momento do populismo no Brasil, encontrou forças para garantir sua
sobrevivência por mais de uma década. No momento do encontro com as aspirações
nacionais, descobriu um país complexo, multifacetado, cujas condições políticas o
impediram de reformá-lo. Jânio Quadros foi o resultado desta época de contradições e de
suas próprias convicções na tentativa de enfrentá-las e superá-las:
...”A viga de pensamento político de Jânio Quadros consistia na crença” de que as
intermediações políticas sistêmicas são descartáveis. Em outras palavras, ao execrar a classe
política a apresentar-se como deslocado do jogo partidário (como se pairasse acima dos
setores organizados da sociedade), esse líder escolhia o contato direto com o povo como a
pedra angular de sua ação. O homem da vassoura não aceitava o que Kelsen chamava de ‘ o
Estado partidário “... (32).
__________
32 KWAK, Gabriel, op. cit., p.157-158
.
75
Parte II.
O populismo e a paisagem urbana.
...”Falar da paisagem em termos de fisionomia significa que se atribuí à paisagem uma
densidade ontológica própria. Se ela possui uma fisionomia, é preciso compreendê-la como
uma totalidade expressiva, animada por um ‘espírito interno’, do qual se pode extrair o
sentido. Tudo se passa como se houvesse um ‘espírito do lugar’, do qual a aparência
exterior do território visado seria a expressão”...
Jean – Marc Besse.
76
CAPÍTULO III
A EVOLUÇÃO URBANA DE BAURU.
1. A constituição do patrimônio.
Analisando o espaço do interior paulista em meados do século XIX, Monbeig (1998),
descreve seus habitantes originais, os índios, denominados pelo autor como os verdadeiros
pioneiros. (Mapa 02 – o sertão no século XIX) Apresenta os diversos grupos indígenas que
se distribuíam por esta região brasileira, destacando os tupis-guaranis, cuja disposição
definia-se desta maneira: disseminados pela bacia do rio Paraná, ao sul do Tietê. Os
tupiniquins ocupavam as terras mais a leste, sendo que entre estes dois grupos
encontravam-se os caiapós, que dominavam as partes dos planaltos compreendidas entre o
Rio Grande e o Tietê. Os xavantes distribuíam-se pela Alta Sorocabana. Entretanto, o grupo
que ocupava as atuais terras da região de Bauru, denominava-se coroado ou caingangue.
Monbeig, op. cit., o descreve desta forma:
...”Finalmente, os caingangues, a partir do século XVIII, distribuíam-se pelos planaltos
paulistas, como pelas regiões do Paraná e do Brasil Meridional. No fim do século XIX,
encontravam-se cinco pequenos grupos deles, entre o Rio Peixe e o Aguapeí... Foram quase
sempre sangrentos os contatos entre índios e pioneiros... O que tornou difícil a construção
da estrada de ferro de Bauru a Mato Grosso; necessário foi organizar verdadeiras
expedições militares, para proteger os trabalhadores da estrada “... (1)
Na conceituação dos primeiros ocupantes da região, Losnak (2004) discute os vários
relatos sobre o contato do caingangue com os primeiros povoadores, definindo-o como
violento. O autor afirma que formavam-se expedições armadas para eliminar aldeias
____________
1 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec/Polis, 1998, p. 129 – 130.
77
indígenas. Estes grupos armados denominavam-se “dadas”. A aproximação entre o
“elemento civilizador” e os coroados eram tão violentos que, por muitas vezes, os
empreendimentos de ocupação eram retardados. Representavam um difícil obstáculo a ser
Mapa 02 – O sertão paulista no século XIX.
Fonte: Plano Diretor de 1967.
ultrapassado pelos primeiros colonizadores, acentuando-se os combates a partir do final do
século XIX. A própria construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil sofria
interrupções devido às incursões indígenas. O relato destas experiências era composto de
combates violentos e expulsão dos caingangues de suas terras. O espaço onde ocorreram
estes eventos era denominado, de “sertões”, que ideologicamente deveriam ser desbravados
pelo colonizador branco, intrépido e corajoso. A morte e a destruição de uma cultura era
somente uma conseqüência menor para a grande aventura da colonização.
(2)
_____________
2 LOSNAK, Célio J. Polifonia urbana.Imagens e representações. Bauru: 1950-1980. Bauru: EDUSC, 2004
p. 55-57.
78
As primeiras contendas entre o pioneiro branco’ e o indígena foram protagonizadas
pelos mineiros. A partir de 1850 passaram a disputar o domínio do sertão paulista.
Novamente Monbeig, op. cit., trabalha este tema, colocando o migrante de Minas Gerais
como o responsável pela chegada do elemento civilizador no oeste de São Paulo:
...”
Vieram quase todos de Minas Gerais, os pioneiros que, a partir de 1850, se chocaram
com os índios. Sua província não se restabelecera da crise econômica acarretada pela
decadência da mineração. Crescia a pobreza e contra isso o único remédio era a migração.
Perturbações políticas, a tentativa revolucionária de 1842, vieram reforçar as partidas
dos mineiros para novas terras. Por fim, durante a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870,
preferiu bom número deles correr os riscos da vida no sertão a sujeitar-se ao alistamento
militar. Muitos destes caboclos de Minas dirigiram-se para São Paulo, cujos cafezais
começaram a celebrizar-se”... (3)
Os pioneiros mineiros estavam em grande parte, fugindo da obrigação de participar
da Guerra do Paraguai, embrenhando-se no sertão, na busca de novas terras. Ainda pouco
numerosos, os índios não representavam uma ameaça muito concreta aos habitantes da
região. Os caingangues afastavam-se constantemente daqueles que os ameaçavam, pois
havia ainda uma grande porção de terras a serem ocupadas. Foi Pedro Francisco Pinto que,
em 1840, organizou uma expedição de reconhecimento e colonização da terra, partindo de
Botucatu rumo ao noroeste, e encontrando o Rio Batalha, iniciando uma lavoura, até ser
trucidado pelos indígenas em 1848. Em 1850, Sebastião Pereira realizou nova incursão
para explorar os afluentes da margem esquerda do Rio Tietê, encontrando o Rio
Bauru, produzindo uma lavoura e marcando a posse da terra. Quando partiu em busca
de novas fronteiras, deferiu a posse de suas terras a outros pioneiros: Mariano José da
Costa e João Batista Monteiro, que devido às tensões com os indígenas, logo retornaram às
_____________
3 MONBEIG, Pierre, op. cit., p. 133
79
suas regiões de origem. Monteiro deferiu a posse de suas terras (4) a Antonio Teixeira do
Espírito Santo, que em 1856 constituiu a Fazenda das Flores (Mapa 03 – Fazenda Flores).
A posse destas áreas, que posteriormente dariam surgimento ao município de Bauru, foi
caracterizada devido a Lei de terras de 1850, que possibilitou a ocupação e a legalização de
terras devolutas.
Mapa 03 – Fazenda Flores – década de 1850.
Fonte: Plano Diretor de 1967.
_____________
4 CONSTANTINO, Norma Regina T. ; RIGINATO, Maria Helena. Contribuição ao estudo da paisagem
urbana de Bauru. Campinas: UNICAMP, s/d, p. 02.
80
Os mineiros foram também os responsáveis pela fundação de várias cidades do
interior paulista: como Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Na atual região de Bauru
também destaca-se a própria Botucatu e seu posto mais avançado, Lençóis Paulista como
obras de sua ocupação. Os traçados deixados pelo homem de Minas Gerais auxiliaram
sobremaneira, a expansão cafeeira nos anos posteriores. Os caminhos percorridos e os
primeiros núcleos de povoamento serviram de base para as futuras fazendas de café.
(5)
No final da década de 1860 e início dos anos 1870, a ocupação de São Paulo pelos
mineiros já apresentava sinais de decadência. Os grandes fazendeiros da Depressão
Periférica partiam rumo aos Planaltos Ocidentais. Em pouco tempo, as fazendas de café
abandonaram os terrenos cristalinos do Planalto Atlântico, penetrando na Depressão
Periférica Paulista. Em 1870, os terrenos sedimentares destas áreas são ocupados por
grandes cafezais. Nesta fase, observa-se a manutenção da mão-de-obra escrava. No final do
século XIX, o café avança pelo Planalto Ocidental, ocupando o reverso, nas áreas de São
Carlos, Araraquara, Lençóis Paulista.
(6)
A expansão cafeeira atinge a região de Bauru por volta da década de 1880. A junção
do café, da Igreja Católica Romana e dos mineiros foram os fatores que propiciaram a
gênese do estabelecimento urbano de Bauru. As cidades do interior paulista cresceram em
torno destes atores. Dentro desta definição, os primórdios de Bauru tiveram sua gênese
constituída, devido à doação de Antonio Teixeira do Espírito Santo, realizada em 1884 ao
santo de sua devoção. Cinqüenta e sete hectares e vinte ares de terra foram doados, com a
finalidade de formar o Patrimônio de São Sebastião do Bauru, núcleo inicial da cidade.
_____________
5 MONBEIG, Pierre, op. cit., p. 134.
6 Ibid
., p. 167-172.
81
Em 1893, Veríssimo Antônio Pereira, proprietário da Fazenda Grande, doou mais uma
parte de terras, cento e trinta e quatro hectares e oitenta ares, para o Patrimônio de Bauru.
(7) Estas duas áreas foram as responsáveis, pelo início do estabelecimento do núcleo
urbano.
A área da primeira doação era delimitada pelo Córrego das Flores a leste, pelo Rio
Bauru a oeste, até o Córrego da Grama, formando uma linha, onde hoje localiza-se a Rua 1º
de Agosto. As primeiras casas apareceram junto à estrada, que ligava os sertões à
Mapa 04 – Recorte da planta topográfica de Bauru e região. Localização do antigo
município de Espírito Santo de Fortaleza. Escala 1: 250.000.
Fonte: Biblioteca virtual do IBGE.
______________
7 CONSTANTINO, Norma R. T. ; RIGINATO, Maria Helena, op. cit., p. 02 – 03.
82
Fortaleza, antiga sede do município, entre o norte e o sudeste e as cidades de São Paulo dos
Agudos e Lençóis - Paulista. Esta estrada daria origem posteriormente a atual Rua Araújo
Leite, (Planta urbana 03) na confluência do Córrego das Flores com o Rio Bauru. O
primeiro arruador, Vicente Ferreira de Farias em 1888, toma por base estas duas últimas
ruas, e passar a traçar as demais vias da cidade. O traçado é configurado em forma de
tabuleiro de xadrez, compondo quadrículas de 88 por 88 metros, sem preocupação com
eixos principais, avenidas ou área para praças. Com a doação de 1893, o arruamento é
estendido de forma contínua, até pouco acima da atual Rua 15 de novembro. (Planta
urbana 01) Pouco tempo após a formação do patrimônio, em 07 de janeiro de 1896 é
transferida a sede do município do Espírito Santo de Fortaleza, para o Distrito de Bauru.
Planta urbana 01 – Patrimônio de Bauru.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de 1996.
83
A 1º de agosto do mesmo ano, o município passa a denominar-se Bauru. A transferência é
concretizada devido à existência de maior número de habitantes, eleitores e uma atividade
econômica superior a Fortaleza.
(8)
2. O processo de urbanização e as ferrovias.
...”Nesta época, vinham em direção da pequena povoação de Bauru duas estradas de ferro,
construídas por particulares e que o governo, aos poucos, autorizava a prolongar as suas
linhas. Eram a Cia. União Ituana e Sorocabana e a Cia. Paulista de Vias Férreas e fluviais.
Em 1889, ano da República, a antiga Paulista já havia chegado com seus trilhos a Dois
Córregos e a Sorocabana, em Botucatu... A abertura das fazendas sucedia-se no município,
que tinha uma enorme extensão: iniciava suas divisas com Lençóis, descia pelo caudaloso
rio Tietê até a foz do rio Paraná e, descendo por este até a foz do Aguapey, alcançando o
sopé da Serra dos Agudos”... (9)
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro inaugurou em 1903, uma estação em
São Paulo dos Agudos, cidade próxima a Bauru. Também a Sorocabana, visando a meta de
Foto 04 – Estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Início do século XX.
Fonte: htpp/www.estaçoesferroviarias.com.br - s/d
Acessado no dia 05 de janeiro de 2007.
____________
8 Plano Diretor de Bauru – 1996. Evolução urbana, p. 28.
9 PELEGRINA, Gabriel R. ; ZANLOCHI, Terezinha S. Ferrovia e urbanização: o caso de Bauru. Bauru:
USC, 1991, p. 04.
84
atingir o Mato Grosso, chegou a Bauru em 1905, ano que também se iniciou a construção
da ‘Noroeste’. O início dos trabalhos da ‘NOB’, em julho de 1905, foi saudado pelos
habitantes de Bauru, como a grande oportunidade para se integrarem à prosperidade do
Estado de São Paulo. Nesta época, Bauru contava com 200 casas e 600 habitantes. A partir
do momento em que se definiu Bauru, como o ponto de partida dos trilhos com destino às
terras mato-grossenses, foram construídas edificações, destinadas a abrigar os
administradores e todo o funcionalismo da estrada de ferro.
Foto 05 – Estação original da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Fonte: htpp/www.estaçoesferroviarias.com.br - s/d
Acessado no dia 05 de janeiro de 2007.
Com a vinda das ferrovias, as áreas patrimoniais valorizaram-se e a relação entre a
Igreja Católica, proprietária do patrimônio, e a Câmara de vereadores, tornou-se bastante
difícil, devido às desapropriações executadas pelo órgão municipal. Em 1927 ocorre a
mudança dos direitos foreiros sobre as áreas patrimoniais e Bauru torna-se uma das poucas
cidades onde o aforamento é negociado entre a Igreja e a iniciativa privada. A alegação
seria a necessidade de fundos para construção da igreja matriz e do centro católico
(10)
______________
10 CONSTANTINO, Norma R. T. ; RIGITANO, Maria Helena , op. cit., p. 04.
85
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro constrói sua primeira estação no início
da atual Rua Agenor Meira em 1910 (Planta urbana 16). Chega cortando as principais ruas
da época, permitindo passagem apenas na Rua Araújo Leite, com a construção de uma
ponte e na Rua Antonio Alves em nível, vias essas na época com maior número de
edificações. Conseqüentemente, a ferrovia reforçou a barreira já existente, produzida pela
topografia do fundo do vale com relação ao setor norte e oeste da cidade e segregou uma
parte do patrimônio, situado entre a linha férrea e o Rio Bauru. O resultado final foi um
traçado ferroviário localizado nos fundos dos vales, reforçando em toda a sua extensão
urbana, os obstáculos apresentados pelos cursos do Rio Bauru e de seus afluentes.
(11)
A cidade nascia à margem do Rio Bauru, expandiu-se preferencialmente pela
encosta sul menos acidentada, onde caracterizou-se a cidade propriamente dita, com todos
os seus equipamentos. À margem esquerda, em terrenos mais recortados pela hidrografia,
desenvolveram-se, desde o início, os bairros de caráter mais popular. Com o movimento
trazido pelas ferrovias, o eixo principal se desloca da Rua Araújo Leite para a Rua
Batista de Carvalho. (Planta urbana 03) Em 1908 é doada área para um novo cemitério,
atual Cemitério da Saudade (Planta urbana 07) que ocasionou a construção de uma ponte
sobre o Córrego das Flores e a abertura de avenida de acesso, atualmente parte da Rua 1º de
Agosto. Vila Cardia nasce destes melhoramentos, a oeste da região central da cidade. Em
1918, Vila Falcão (Planta urbana 17) primeiro bairro de Bauru, é incorporado ao perímetro
urbano, já com relativa população. Bastos (2002) coloca a situação de área em questão em
1918, através de uma reportagem do antigo jornal bauruense “Correio da Noroeste”:
___________
11 Plano Diretor de Bauru - 1996, op. cit., p. 29.
86
Mapa 05 – Traçado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
Fonte: http://www.efbrasil.eng.br/railfoto.html
Acessado no dia 12 de janeiro de 2007.
...”Os terrenos em que se assentava Vila Falcão, o mais populoso bairro bauruense, eram
cobertos até 1918 mais ou menos, por extenso campo, cortado pelas estradas que conduziam
à vizinha cidade de Piratininga, à Fazenda Val de Palmas, à Fazenda Boa Vista e Santa
Luzia do Serrote ou Mirante e à Chácara do Sr. João Güaggio. Em fins daquele ano foi
organizada, pensamos que por Ernesto Kluge, a planta dos terrenos pertencentes a Maria
Falcão Machado, que os houve de Ismael Marinho Falcão, o qual os teria adquirido em
pagamento dos trabalhos de engenharia nas divisões de terras em que figurava como
técnico... Pela lei nº 145 de 29 de julho de 1918, Vila Falcão passou a integrar o perímetro
urbano do município, fato que facilitou seu loteamento”... (12)
Outro bairro fora do patrimônio que abrigou vasta porção do operariado bauruense
foi Vila Antártica, formada em função da instalação desta indústria, uma das primeiras
da cidade e do caminho em direção a Pederneiras. Assistia-se a um aumento da população
urbana, em função das ferrovias, início da industrialização e incremento do comércio. Os
comerciantes, procurando instalar-se em áreas próximas da estação ferroviária, passaram a
se instalar ao longo das dez quadras da Rua Batista de Carvalho (Planta urbana 03). O
__________
12 BASTOS, Irineu Azevedo. Falcão/Independência. Nossa gente e nossa história. Bauru: USC, 2002, p. 14.
87
Planta urbana 02 – Área ocupada de Bauru – 1920.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de 1996.
mesmo aconteceu com o ramo de hotelaria, que construiu seus estabelecimentos, próximos
a estação da NOB (Planta urbana 06). As três ferrovias instaladas em Bauru despejavam
diariamente centenas de pessoas que vinham à procura de trabalho e que acabavam
fixando-se no município. A cidade no final dos anos 1910 crescia a ‘passos largos’. Neste
.
Foto 06 – Sede da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em Bauru – 1938.
Fonte: http://www.efbrasil.eng.br/railfoto.html
Acessado em 12 de janeiro de 2007.
88
período Bauru já contava com 8000 habitantes
. (13)
Segundo Losnak, op. cit., com o funcionamento das ferrovias e o estabelecimento do
entroncamento ferroviário, Bauru foi se fortalecendo como ponto de conexão e de chegada
de milhares de passageiros. Alguns permaneceram na cidade, outros passavam por ela
fazendo baldeações, vindos da Paulista ou Sorocabana. Bauru tornou-se elo entre o sertão, a
zona pioneira do oeste paulista, ainda em construção e as demais regiões do estado (
14).
Planta urbana 03 – Localização da Rua Araújo Leite, primeira via de Bauru e sua
sucessora como principal artéria urbana, Rua Batista de Carvalho. Fonte: Prefeitura
Municipal de Bauru. Escala - 1:10.000.
______________
13 PELEGRINA, Gabriel R.; ZANLOCHI, Terezinha S. , op. cit., p. 11 – 22.
14 Plano Diretor de Bauru – 1996, op. cit., p. 30 -31.
89
Em 1917 o Governo Federal encampou a “Noroeste do Brasil”, ao mesmo tempo
em que determinou a fixação da sede da ferrovia em Bauru. Paralelamente, todos os
funcionários de Três Lagoas, São Paulo e Rio de Janeiro foram removidos para a nova
sede. A cidade passou a receber novos habitantes, acompanhados de suas famílias.
Consequentemente, as oficinas da ferrovia foram inauguradas em 1921. Durante muito
tempo, o funcionamento
destas últimas sintonizou-se com a rotina da população bauruense.
A memória dos habitantes era relacionada à vida dos ferroviários: os relógios da cidade
eram corrigidos pelo apito a vapor, semelhante aos dos navios, que marcavam o início e
final do expediente de trabalho. O alvorecer nos 1920 trouxe uma Bauru bastante diferente,
daquela encontrada pelos engenheiros da ‘Noroeste’, quando do início dos trabalhos de sua
Foto 07 – Interior da estação da ‘Noroeste’ – anos 1940.
Fonte: http://www.efbrasil.eng.br/railfoto.html
Acessado no dia 12 de janeiro de 2007.
90
instalação.
As transformações ocorridas com a cidade, através da chegada das ferrovias são
apresentadas por Losnak, op. cit., dentro destes parâmetros:
...”surgimento do cinema; criação do primeiro jornal (1906); instalação de serviços de água
e de esgoto (1910), luz elétrica (1912) e telefone (1907); criação de um clube social
recreativo para bailes (1907); surgimento de um time de futebol dos funcionários da
Noroeste (1910); abertura de uma Coletoria Federal (1908) e de um banco (1910);
movimentações operárias, como a greve dos trabalhadores da Noroeste em 1913; criação da
comarca (1911); e posteriormente, construção de um prédio próprio (1913); fundação da
Sociedade Italiana ‘Dante Alighieri’ (1906): instalação da Santa Casa (1912); fundação da
Sociedade Beneficente Portuguesa (1914); abertura do primeiro Grupo escolar (1913);
construção de uma nova matriz (1915); transferência da sede da NOB, até então localizada
no Rio de Janeiro (1917), e instalação de suas oficinas (1921); crescimento populacional, de
7.815 habitantes em 1907 para 35.000 em 1922; redirecionamento urbano orientado pelas
ferrovias, com instalação de um eixo monumental que limitou o crescimento no sentido
norte-sul e acelerou no sentido leste-oeste”... (15)
3. A mancha urbana entre os anos 1920 e a década de 1960.
A partir da década de 1920 o alto custo dos terrenos dentro do patrimônio fez com
que, grande parte dos moradores procurasse áreas fora do perímetro urbano, mais baratas
devido a falta de melhoramentos e dificuldades de acesso. Estas aglomerações deram
origem a novos bairros, traçados segundo a conveniência do loteador para o maior
aproveitamento da gleba. O que se observou foram ruas retas e quadras regulares, com total
desprezo pelo sítio urbano: relevo e áreas inundáveis. O poder público assistiu
passivamente à divisão aleatória do solo, sem nenhuma política de expansão urbana. O
Código de Posturas aprovado em 1928 era extremamente liberal, com os quesitos relativos
ao parcelamento de solo (Planta urbana 04). Não havia necessidade de doação de área
_____________
15 LOSNAK, Célio J., op. cit., p. 63.
91
pública, nem exigência de implantação de melhoramentos, transferindo esse ônus para o
poder público: abertura e retificação de ruas nos terrenos suburbanos edificados.
(16)
Após a formação do patrimônio, a área excedente da Fazenda das Flores foi
parcelada inúmeras vezes. Esta propriedade rural, limítrofe à área do patrimônio religioso,
tinha como principal limite o espigão da bacia hidrográfica, secundária do Córrego das
Flores. Historicamente, a Fazenda constava pertencer originalmente a Antonio Teixeira do
Espírito Santo, um dos pioneiros da região, que adquire a posse de Mariano José da Costa e
de João Batista Monteiro em 1856. O primeiro parcelamento da fazenda em glebas ocorre a
partir do início do século, entre 1906 e 1908, aparecendo linhas divisórias marcantes: os
caminhos radiais que ligam o núcleo urbano de Bauru, a outras vilas e sedes de
Foto 08 – Rua Araújo Leite no final do século XIX.
Fonte: http://www.sãojosé.g12.br/
Acessado em 10 de janeiro de 2007.
_________
16 Plano Diretor de Bauru - 1996, op. cit.. , p. 30 – 31.
92
Planta urbana 04 – Área ocupada de Bauru – 1930.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de Bauru -1996.
Planta urbana 05 – Área ocupada em Bauru – 1940.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de Bauru - 1996.
93
grandes fazendas. Uma segunda etapa de parcelamento irá ocorrer na década de 1940,
com maior intensidade. Os limites mais alongados se constituíram nas linhas que
ligam o espigão até o Córrego das Flores. As glebas resultantes foram resultantes do
formato de partilha entre herdeiros. A terceira etapa constatada constituiu-se no
parcelamento, do solo em loteamentos urbanos. Estes foram comercializados pelos próprios
proprietários ou por empresas imobiliárias, em sua maioria, resultantes da formalização da
partilha entre herdeiros (Planta urbana 05).
Fazenda Flores.
Quadro comparativo dos loteamentos por décadas:
Década.
População
Urbana.
Loteamentos. Número
de lotes
1900-1909 3000 - -
1910-1919 15000 Patrimônio
Vila Falcão
943
105
1920-1929 22733 Vila Antártica 162
1930-1939
32796
J. Bela Vista
V. São Vicente
Vila Vieira
V. Bom Jesus
V. Camargo
V. Flores
V. Bom Fim
V. Maracy
573
14
128
66
76
50
39
314
1950-1959
85234
V. N.Marajoara
Cidade jardim
P. Roosevelt
P.Alto Sumaré
V. Gonçalves
J. Avenida
J. São José
71
198
836
240
215
69
97
94
J. Araruna
P. Primavera
P.S. Cristovão
V. Brunhari
P. S. Cecília
P. Boa Vista
V. Vergueiro
J. Petrópolis
460
261
461
173
526
317
40
718
1960-1969
120178
P.S. Geraldo
J. M. Angélica
J. Coral
Jardim TV
B. Madureira
J. Santana
Jardim Godoy
Al.Higienópolis
544
153
104
650
325
175
118
154
Tabela 01 – Loteamentos originários da Fazenda Flores.
Fonte: SEPLAN - Prefeitura Municipal de Bauru.
Estes loteamentos surgiram em todas as direções: ao norte, com características
populares: Vila Seabra, Jardim Bela Vista (Planta urbana 06); a leste, paralela a estrada de
Pederneiras: as instalações industriais e o quartel do Exército, Vila Cardia, Vila Santo
Antonio e Vila das Flores (Planta urbana 07); a oeste: anexa a Vila Falcão, Vila Souto
(Planta urbana 17); ao sul: em área anexa ao patrimônio (Planta urbana 11): Vila Santa
Tereza, Vila Santa Clara, Jardim América, ocupadas pelas classes mais abastadas. A
construção do hospital Beneficência Portuguesa em 1913, acelerou a ocupação destas
últimas áreas.
(17)
O ciclo do algodão, que sucedeu ao declínio da cafeicultura, elegeu a cidade de
Bauru como local ideal para investimento. A cidade tomou novo impulso após 1935, com o
crescimento da cultura algodoeira e a instalação de beneficiadoras de algodão, ao longo das
linhas ferroviárias: Anderson Clayton e Sanbra. Durante esta época foram criadas pelo
_____________
17 Plano Diretor de Bauru – 1996., op. cit., p. 31
95
poder público, alguns vetores de expansão urbana: ao norte, Escola Agrícola em
área da antiga Fazenda Val de Palmas; ao sul, aeroporto (Planta urbana 13) e Ginásio
Ernesto Monte; a leste, Horto Florestal (Planta urbana 15) e a sudoeste, Recinto Mello
Moraes (Planta urbana 14). A partir deste período, uma expansão descontrolada é
observada em Bauru, sendo que a cidade se ramificou de maneira descontínua, gerando
grandes vazios urbanos. Esses bairros não dispunham de infra-estrutura,
obrigando a
prefeitura a desapropriar áreas para a construção de escolas e praças. Rede de água e
esgoto, guias, sarjetas, pavimentação e iluminação foram instaladas pelo município. O
acesso era realizado por passagens perigosas sobre os trilhos das ferrovias. A partir da
década de 1950 foram construídos viadutos que ligavam Vila Falcão e Jardim Bela Vista a
área central de Bauru. Verificou-se a partir desta fase, uma ocupação mais efetiva
Planta urbana 06 – Localização da estação central da “Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil”.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
96
desses bairros ao conjunto urbano da cidade, principalmente ao longo dos eixos
viários que davam acesso às cidades vizinhas. Paralelamente à Avenida Rodrigues Alves,
ao sul do patrimônio original, surgiu uma nova avenida: a Duque de Caxias.
Planta urbana 07 – Vetores de crescimento urbano nos anos 1940 e 1950: Vila
Antarctica e Cemitério da Saudade.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
A Rodovia Marechal Rondon (Planta urbana 12) cortou o município no final da
década de 1950, atravessou a malha urbana, constituindo-se em uma barreira física para a
sua expansão. Primeiramente, as vias públicas cortaram a rodovia em nível, ligando o
centro ao setor leste da cidade. Entretanto, com o surgimento de núcleos habitacionais
populares nas décadas posteriores, tais acessos tornaram-se insuficientes e inadequados.
Muitos loteamentos produzidos entre as décadas de 1940 a 1960 surgiram em áreas
de antigas fazendas que, com o declínio do café foram destinadas ao uso urbano: Santa
97
Edwirges, Parque Giansante e Ferradura Mirim são exemplos típicos. Estes parcelamentos
de solo foram construídos fora da malha urbana, sem infra-estrutura, permanecendo ociosos
ou subutilizados por décadas.
Planta urbana 08 – Área ocupada de Bauru – 1950.
Fonte: Plano Diretor de Bauru - 1996.
Em fins dos anos 1960, a ocupação urbana concentrava-se na parte central da cidade.
Jardim Bela Vista, Parque Vista Alegre, Vila Falcão e Vila Independência eram os bairros
mais populosos, sendo que a Rodovia Marechal Rondon era ainda uma forte barreira
limitante da ocupação, no sentido leste da cidade (Planta urbana 09) A maioria dos
98
loteamentos existentes era ainda desocupada. Somente na década de 1970 (Planta urbana
10), o perímetro urbano passou a abranger também os loteamentos mais afastados.
(18)
Planta urbana 09 – Área ocupada de Bauru em 1960.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de Bauru - 1996.
______________
18 Plano Diretor de Bauru - 1996, op. cit., p. 31 – 33.
99
Planta urbana 10 – Área ocupada de Bauru – 1970.
Fonte: SEPLAN - Plano Diretor de Bauru - 1996.
Planta urbana 11 – Localização dos bairros nobres ao sul da cidade. Loteados a partir
dos anos 1940. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
100
Planta urbana 12 - Rodovia Marechal Rondon seccionando a malha urbana da cidade.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
101
Planta urbana 13 – Vetor de crescimento ao sul da cidade: aeroporto.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Planta urbana 14 – Vetor de crescimento a sudoeste da cidade: Recinto de exposições
Mello Moraes. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
102
Planta urbana 15 – Vetor de crescimento urbano a leste: “Horto florestal”,
atualmente Parque ecológico municipal.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
103
Planta urbana 16 – Localização da estação da Companhia Paulista de Estradas de
Ferro: final da Rua Agenor Meira. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala –
1:10.000.
Planta urbana 17 – O primeiro bairro de Bauru: Vila Falcão.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala - 1:10.000.
104
CAPÍTULO IV
A FORMAÇÃO DO POPULISMO.
O ademarismo e a paisagem urbana: 1948 – 1955.
...”Dependendo das características dos municípios, este pacto coronelístico deixa de existir
a partir de 1945, e principalmente naqueles municípios marcadamente urbano-industriais,
pois a entrada em peso das ‘massas’ no processo político eleitoral introduz novos fatores
definidores do sistema político local. O populismo passa a ser um fenômeno marcante neste
momento”... (1)
...”Muitos dos grupos políticos que organizaram o sistema partidário municipal possuíam
suas raízes no período anterior, ou nas épocas mais longínquas, no período dos coronéis,
que o Estado Novo não conseguiu exterminar”... (2)
...”O populismo se define como um instrumento de manipulação de massas que se fez valer
dos apelos reformistas ligados a uma política de bem estar social, fazendo crer na
cooperação entre capital e trabalho, amortecendo os conflitos de classe e enfatizando os
conceitos de povo e de nação”... (3)
O processo de urbanização de Bauru distinguiu-se dos demais municípios paulistas.
Os níveis de crescimento urbano durante a maior parte do século XX, assemelharam-se aos
da capital do Estado. Em meados do período populista, entre 1950 e 1960, São Paulo
atingia o índice de 88%, aproximando-se do êxodo-rural completo.
(4) As taxas bauruenses
caminhavam no sentido de aproximarem-se de 92%, definindo o fato de que seu processo
de urbanização possuía características diferentes, é contemporâneo da gênese do município.
O restante da região apresentava dados inferiores. A urbanização constituiu-se como
produto do advento das ferrovias, principalmente da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
_____________
1 KERBAUY, Maria Teresa M. Poder político local. Do coronelismo ao populismo (um estudo de caso: São
Carlos). São Paulo: PUC, 1979, p. 12 – 13. (Dissertação de Mestrado).
2 Ibid., p. 18.
3 Ibid., p. 19.
4 LOSNAK, Célio J, op. cit., p.
76.
105
O crescimento desta cidade está associado ao expressivo
contingente populacional,
nela estabelecida como reflexo da afirmação das ferrovias. Entre 1920 e 1934, Bauru
passou de 20.389 para 45.852 habitantes (IBGE), com um índice de urbanização superior
aos das demais cidades da região. Exemplificando Agudos na mesma fase, a taxa de
urbanização atingiu o índice de 19,02%, enquanto que Jaú obtinha 35,05%.
Conseqüentemente, Bauru tornou-se um núcleo urbano diferenciado, marcado pela
importância do setor de serviços em sua economia. A década de 1930 observou-se o final
do domínio da oligarquia cafeeira, em um fenômeno político e social, que já era observado
no final dos anos 1920. Neste período, entre 1918 e 1920 nasce um movimento que
discordaria das bases da política coronelista na cidade de Bauru, predominante durante a
República Velha. Contrariando os ditames desta política, surge Octávio Pinheiro Brisolla
na vida pública bauruense. Bastos, op. cit., destaca a vida de Brisolla e sua participação na
revolução de 1924 e de 1930:
...”Foi vereador no período de 1918 a 1920 pelo Partido Republicano Paulista, acumulando
o cargo de prefeito em 1918 e 1919, quando este, na República Velha, era escolhido pelos
demais vereadores, sucedendo ao médico José Vicente Figueira de Mello nesse cargo e
perdendo-o por discordar da política perrepista, vinculando-se ao grupo oposicionista de
Gustavo Maciel, a partir daí. Quando os revolucionários de Isidoro Dias Filho acamparam
em Bauru em 1924, por intermediação do médico Alípio dos Santos, Brisolla estabeleceu
relações com a força revolucionária... Quando a tropa revolucionária invasora partiu rumo
ao Paraná, Brisolla acompanhou-a, mas depois dela desligou-se, indo residir em Posadas na
Argentina... Brisolla voltou para Bauru em 1926, ano de falecimento de seu pai, Octaviano
Martins Brisolla, presidente da Câmara municipal de Fortaleza, quando de sua elevação
em município em 1889. Durante a Revolução de 1930, ocupou o cargo de delegado de
polícia, mudando-se posteriormente para São Paulo, onde exerceu o cargo de chefe de
gabinete do secretário de Viação e Obras Públicas e posteriormente diretor do Instituto
Disciplinar Mauá. Voltando a Bauru, devido a seu passado político, elege-se prefeito pelo
Partido Republicano”... (5)
______________
5 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 264 – 265.
106
Octávio Pinheiro Brisolla foi testemunha viva dos acontecimentos sociais e políticos
que nortearam o município de Bauru, durante a fase de transformação ocorrida com o
Brasil, entre os anos 1920 e 1940. Prefeito duas vezes, pela primeira vez durante a
República Velha, atuando como político vinculado ao antigo Partido Republicano
Paulista e após o final do
Estado Novo em 1947, como político vinculado às massas
urbanas, Brisolla distinguiu-se dos demais pela capacidade de adaptação aos novos tempos.
No final dos anos 1920 participou dos movimentos que almejavam empreender grandes
reformas estruturais no Brasil. Aderiu a Getúlio Vargas e a Revolução de 1930. Seguiu os
caminhos da nova geração de políticos que nasceram com a intensa urbanização brasileira e
a ascensão das grandes massas urbanas, que desejavam direitos civis, ignorados pelas
oligarquias rurais. Brisolla tornou-se populista, aos moldes de Pedro Ernesto, prefeito do
Rio de Janeiro nos anos 1930. Opondo-se às elites do período anterior, mesmo originando-
se delas, tornou-se o pioneiro em políticas populistas, inovando em ações sociais,
construindo este fenômeno em Bauru, atuando na inserção das massas urbanas.
Octávio Brisolla, precursor do direito trabalhista na cidade de Bauru, trabalhou e
auxiliou multidões em questões jurídicas, sem objetivar retornos políticos. Mesmo durante
todo o Estado Novo, Brisolla assistiu aos mais necessitados, sem lhes nada barganhar.
Representou a ponte entre a República Oligárquica e a Revolução de 1930 em Bauru,
constituindo-se em um novo político, que se adaptou aos novos tempos. Sua futura adesão
ao ademarismo, no final da década de 1940, foi conseqüência da ausência de opções
políticas, naquele período no interior paulista. Entretanto, sua convivência com Adhemar e
o PSP tornou-o com o passar dos anos, um ardoroso defensor das políticas públicas
ademaristas. A aparente contradição entre o estilo austero de Octávio Brisolla e a
incontinência administrativa do ademarismo, explica-se pelo companheirismo e o bom
107
tratamento ofertado a ele durante todos os anos de fidelidade política. Seu filho Marco
Aurélio, que o acompanhou em toda sua vida política e também ex-vereador, analisa assim
sua personalidade:
...”Muito alto, magro, sendo que seus olhos azuis fulguravam no Tribunal do Júri. Lutou
contra toda sorte de dificuldades humanas, de todas as espécies, ajudando a quem lhe
procurasse, sem objetivar nenhum retorno político, mesmo em épocas quando o
processo eleitoral estava suspenso... Entretanto era muito possessivo em seus atos, em suas
idéias e em seus comandos”... (6)
Neste período de transição da política coronelista para o populismo, pode-se afirmar
que houve uma ruptura entre um regime autocrático para um regime representativo. Entre o
final da República Oligárquica em 1930 e a ascensão da política populista após a
redemocratização, observa-se que o compromisso político não estava mais definido em
termos de adesão pessoal. O que se verifica é a manipulação das aspirações populares em
nome de interesses ditos gerais, determinado pelo compromisso populista.
(7) Esta tendência
já era verificada, quando do desligamento de Brisolla do Partido Republicano Paulista no
início dos anos 1920 e sua adesão ao “tenentismo” neste mesmo período. Com a intensa
urbanização deste período, Bauru caminha rapidamente para o compromisso populista.
A Constituição do Estado Novo de 1937 trouxe para a ordem institucional as
seguintes modificações: concentração do poder político nas mãos do Presidente da
República; fechamento do Congresso Nacional, das Assembléias Estaduais e das Câmaras
municipais; o Sistema Jurídico subordinou-se ao Poder Executivo e os Estados passaram
_____________
6 Depoimento cedido pelo Professor Marco Aurélio Pinheiro Brisolla, em entrevista realizada em
08 de dezembro de 2006 na Câmara Municipal de Bauru.
7 KERBAUY, Maria Teresa M., op. cit., p. 95.
108
a ser administrados por interventores nomeados por Vargas. Entretanto, por sua vez
possuíam liberdade de nomear os prefeitos municipais, mantendo as orientações relativas à
transferência dos impostos estaduais aos municípios. Isto significou maior independência
dos prefeitos nomeados em relação aos grandes proprietários rurais.
O clientelismo de Estado apresenta suas raízes ao nível local. O município passa a
configurar-se no ponto de transformação entre a ordem derrotada em 1930 e a novo poder,
que nasce a partir da implantação do Estado Novo e o posterior período democrático.
Em 1936, última eleição antes da ditadura getulista, a maioria dos vereadores e prefeitos
eleitos ainda era oriunda das elites tradicionais da República Velha, indicando uma
reintegração da velha ordem ao novo sistema político. Entretanto, o período entre 1930 e
1934 criou condições, para sua substituição completa após 1945. As antigas elites agrárias,
as novas classes médias, o nascente operariado urbano estabeleceram um novo pacto
cooperativo, através do acesso privilegiado às modernas estruturas estatais e suas benesses,
construídas com o Estado Novo. O populismo, em sua versão multiclassista, na tentativa de
representar todos os setores sociais, prospera justamente neste período. As elites políticas
novas e velhas passaram a alimentar um clientelismo de Estado, fazendo dele uma
estratégia de consolidação do poder. O advento do pluralismo partidário, de eleições diretas
e o retorno formal à separação dos poderes de Estado, determinados pela Constituição de
1946, não destruiu a estrutura institucional montada na fase 1930-1945. Estas novas
instituições foram acopladas e superpostas à composição anterior: sistema de interventoria
e arcabouço corporativista sindical, possuidor de uma potente capacidade decisória.
A rede de interventores e prefeitos nomeados vai se constituir na base para a
reestruturação do sistema partidário e das lideranças políticas que surgiram neste período,
fortalecendo o clientelismo. Em São Paulo, o exemplo de Adhemar de Barros e a utilização
109
do sistema de interventorias são marcantes, para a reorganização dos partidos pós 1945.
Após três anos como interventor federal, Adhemar consolidou liderança própria, não
somente a Getúlio, mas também às lideranças perrepistas tradicionais. O novo interventor
passou assim a construir sua própria máquina política em lugar de prestigiar as correntes já
estabelecidas. Com este objetivo, Barros demitiu todos os prefeitos do Estado, nomeando
para seus lugares elementos jovens, muitos dos quais sem qualquer vinculação com o PRP,
e às vezes, vinculados a grupos rivais a este partido. Em Bauru, Ernesto Monte assumiu a
prefeitura em 1938 e deixou-a somente em 1947, com a redemocratização.
Conseqüentemente, observou-se a renovação das esferas políticas municipais, recrutadas a
partir de uma base social mais ampla. A nomeação de elementos jovens, muitos dos quais
sem qualquer ligação com o PRP, foi o primeiro passo desta nova tendência.
A assistência ao interior também foi dinamizada através do Departamento de
municipalidades, órgão diretamente subordinado ao interventor, que abriu créditos
especiais para obras de saneamento e implantou um sistema de financiamento mais flexível
para as prefeituras, com taxas de juros baixas. As obras realizadas com o apoio do governo
eram sistematicamente inauguradas com festividades em que Adhemar entrava em contato
direto com a população local, o que contribuiu para afirmar sua imagem de administrador
ousado e político atento aos problemas do povo humilde. Essa imagem foi cuidadosamente
alimentada através da utilização da máquina administrativa do Estado, dos prefeitos
nomeados e de uma ativa política de propaganda que chegou a utilizar o cinema, como na
série de documentários intitulada: “O bandeirante na tela”. A centralização do Estado, a
grande ampliação de suas agências, autarquias e institutos de política econômica fizeram
com que os novos partidos e as lideranças políticas nos vários níveis de governo,
110
Figura 01 – Gráfico demonstrando os resultados eleitorais do pleito majoritário,
realizado em 1947 no município de Bauru e a vitória de Octávio Pinheiro Brisolla.
Fonte: Irineu Azevedo Bastos in Eleições municipais I. Analisando os resultados,
observa-se que mesmo neste período, os trabalhistas já demonstravam ser a segunda
força política do município, vindo a constituir-se nas eleições subseqüentes, um dos
sustentáculos do janismo nesta comunidade.
2.261
2.068
1.750
1.718
1.403
677
321
Ocvio Pinheiro Brisolla - PR João Simonetti - PTB/PSP
José Rodrigues Gonçalves - UDN Breno Ribas - PSD
Darcy Cesar Improta - PTN José Lemos de Almeida - PSB
Jurandir Bueno - PRP
Eleições Bauru.
15 de novembro de 1947.
111
dependessem cada vez menos dos velhos coronéis, para serem bem sucedidos nos
municípios do interior paulista. As benesses estatais, o clientelismo advindo do “Estado
cartorial” aliados intimamente ao ideário “populista-trabalhista” sedimentaram-se como
recursos organizacionais de grupos políticos e partidos e substituíram os coronéis como
árbitros supremos da vida política da região interiorana. Parece não haver muitas dúvidas
de que o ideário modernizador e centralizador da Revolução de 30, que inspirava à
reformulação da estrutura decisória do país, fez surgir uma plêiade de novos postos de
poder burocrático-administrativo nos municípios. Seus ocupantes fizeram valer tais trunfos,
na luta pelos mandatos eletivos que então, mostraram-se disponíveis com a democratização
em 1945.
(8) Pode-se que dizer que durante os 15 anos (1930-1945) de hegemonia política
de Vargas foram atiradas, em terreno fértil, as sementes de um processo que pode ser
chamado de “clientelismo de estado”, que veio a formar as bases dos partidos criados pós
1945, em especial o PSD, o PTB, o PSP, comandado por Adhemar de Barros e o Partido
Trabalhista Nacional – PTN, versão e ramo do PTB, dirigido por Hugo Borghi.
(9)
Analisando a questão do clientelismo é necessário, neste momento quando discute-se
sua metamorfose entre seus tipos coronelístico e estatal, colocar alguns parâmetros a
seu respeito. Bahia (2006) produziu uma tese de Doutorado que analisa os tipos de
clientelismo e os diversos autores que trabalharam com este tema. Sua hipótese se opõe à
concepção usual, que coloca a política clientelista como típico reflexo das carências sociais,
econômicas e políticas estruturais dos países subdesenvolvidos. Conseqüentemente,
______________
8 KERBAUY, Maria Teresa M. ; SOUZA, Maria do Carmo Campello de ; TRUZZI, Oswaldo Mário
Serra. Do clientelismo coronelista ao clientelismo de estado: a ascensão dos imigrantes na
política do interior paulista. Perspectivas, São Paulo, v. 26, 2003, p. 27 – 31.
9 Hugo Borghi nasceu em Campinas (SP), em 1910. Estudou Economia Política no Instituto Paolo
Sarpi em Veneza, e no Instituto Bocconi, em Milão, Itália. Retornou ao Brasil em 1930 e passou
112
apresenta seu posicionamento a este respeito:
...”Logo vê-se que o clientelismo se manifesta em todos os modos de poder, concorrendo
para a sua conservação e distribuição nos espaços não regidos pela lei. Por ter , inclusive,
uma forma de costume. No passado essencialmente, e em nossa época, o clientelismo
aparece como fator endógeno às sociedades estruturadas. Não podem elas – organização e
hierarquia – prescindir dele”... (10)
...”No sistema político partidário é de boa norma condenar farisaicamente todo o
clientelismo, como se a reação fosse bastante para eliminá-lo. Esta crítica ignora estar o
fenômeno relacionado a qualquer forma de organização ou de ordem. Por isso, o grau de
imoralidade da prática clientelista será sempre graduado pela avaliação ética de sua
finalidade”... (11)
O padrão clientelista atual nasce na Antiguidade com ‘Roma’ e se aperfeiçoa durante
o Feudalismo, quando os servos passam a relacionar-se com o senhor feudal, dentro de
___________
a trabalhar em empresas privadas Estudou economia política no Instituto Paolo Sarpi, em Veneza, e no
Instituto Bocconi, em Milão, Itália. Retornou ao Brasil em 1930 e passou a trabalhar em empresas
privadas. Em 1932, participou como aviador do Movimento Constitucionalista deflagrado pelas forças
políticas paulistas contra o governo de Getúlio Vargas. Por conta disso, esteve foragido por um breve
período na Argentina e no Paraguai, após a derrota do movimento. De volta ao Brasil, passou a se dedicar
às atividades empresariais. Fez fortuna durante a Segunda Guerra Mundial quando, de posse de
informações governamentais sigilosas, realizou grandes negócios no comércio de algodão. Em 1945,
através de financiamento federal, adquiriu três emissoras de rádio, transformando-as em instrumento de
propaganda do governo Vargas Ainda em 1945, integrou-se ativamente ao movimento queremista, que
defendia a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte com Vargas no poder. O nome do
movimento surgiu do slogan "Queremos Getúlio", utilizado nas manifestações de rua pró-Vargas. Após a
deposição de Getúlio, deu apoio à candidatura presidencial do general Eurico Gaspar Dutra, insistindo
junto a Vargas para que fizesse o mesmo. Quando o ex-presidente, já na reta final da campanha eleitoral,
finalmente recomendou o voto em Dutra, Borghi criou o slogan "Ele disse", para divulgar o referido
apoio entre as massas populares. Foi Borghi também que atribuiu ao candidato adversário, o brigadeiro
Eduardo Gomes, a declaração segundo a qual não necessitava do "voto dos marmiteiros", caracterizando-
o como um candidato elitista e antipopular. No mesmo pleito que deu a vitória a Dutra, elegeu-se
deputado federal constituinte por São Paulo, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
agremiação criada a partir das bases sindicais atreladas ao Ministério do Trabalho, durante o Estado
Novo. Durante os trabalhos constituintes, foi obrigado a responder a um inquérito no qual era acusado de
se beneficiar ilicitamente com o comércio de algodão durante o Estado Novo. Apesar das investigações
apontarem a sua culpabilidade, teve seu processo arquivado no Ministério da Justiça. Nos anos
seguintes, adquiriu e arrendou diversas outras emissoras, chegando a controlar cerca de 130
estações de rádio.
10 BAHIA, Luiz Henrique N. O poder do clientelismo. Raízes e fundamentos da troca política.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 105.
11 Ibid., p. 106.
113
práticas clientelistas. Com o declínio feudal e o advento da sociedade mercantilista e a
urbanização, reflexo do período especificado, o clientelismo torna-se a norma de
relacionamento entre o poder instituído e o homem comum. Segundo Bahia, op. cit., o
padrão clientelista é uma prática constante das culturas humanas, inclusive atuando também
na realidade dos países que produziram o “socialismo real”. O termo “clientela” foi muito
utilizado na Renascença Italiana, usado para descrever os vínculos não-contratuais entre
homens de prestígio e aqueles a quem estavam em posição de ajudar com proteção,
empréstimos, conselhos em ações judiciais, promoção em carreiras e apadrinhamento
político. O clientelismo que nos municípios do interior paulista metamorfizou-se do
coronelístico para o estatal, a partir deste período, passa a apresentar o poder partidário
como instrumento de sua viabilização.
Quando o populismo se estrutura, o cliente não apenas assegura seu voto e apoio no
processo político, como também promete não considerar outro “patronus” senão aquele de
quem recebeu bens e crédito. O cliente tem o compromisso não apenas de dizer que é leal,
mas também de demonstrar sua lealdade. Ele se torna membro de uma facção que serve aos
propósitos do líder. A disputa de clientes por “patronus” gera competição em potencial
___________
Paralelamente, deu sequência a uma conturbada carreira política. Por várias vezes abandonou e
regressou ao PTB. Sem conseguir obter a indicação do partido para disputar a eleição para o governo
paulista em 1947 e 1950, lançou sua candidatura pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Nas duas
vezes foi derrotado, na primeira por Ademar de Barros e na segunda por Lucas Garcez. No final da
década de 50, deixou definitivamente o PTB e ingressou no pequeno Partido Republicano Democrático
(PRD), posteriormente rebatizado como Partido Rural Trabalhista (PRT). Por essa legenda, elegeu-se
deputado federal por São Paulo por duas vezes, em 1958 e 1962. Apoiou a posse de João Goulart na
Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros, mas esteve ao lado também do movimento
militar que depôs Goulart em 1964. Com a instituição do bipartidarismo, ingressou em 1966 na Aliança
Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar. Deixou a Câmara dos Deputados
no início de 1967, ao terminar seu mandato. Em seguida, abandona a carreira política. Disponível na
Internet pelo site www.cpdoc.fgv/nav.historia/htm/biografias/ev_bio Hugo Borghi/ htm
. Arquivo
capturado em 14 de janeiro de 2007.
114
entre “patroni” que oferecem ao cliente sua influência, sua habilidade de conquistar apoio e
de manter este apoio.
Ao contrário da crença geral, a burocratização da vida moderna aumentou as
possibilidades do clientelismo, pois burocracia significa a oportunidade de exercer a
arbitrariedade, e as pessoas afetáveis pela lei e por decisões oficiais buscam influenciar esta
aplicação específica. A discricionariedade atinge os indivíduos dos mais diversos níveis de
organização, aumentando o potencial para inter-relações clientelistas.
(12) O crescimento
da burocracia estatal a partir da década de 1930, constituiu-se em uma nova possibilidade
para que as forças clientelistas da sociedade se tornarem mais poderosas e sedutoras.
Paralelamente, a Democracia Liberal estabelecida no Brasil, a partir de 1945 e a extensão
do sufrágio a todas as camadas sociais solidificou o clientelismo como um dos braços do
populismo multiclassista. É importante observar que, ainda que seja característica do
clientelismo o benefício recíproco, este muitas vezes não será, para o cliente, imediato. O
cliente poderá servir o patrão, que obterá o benefício diretamente, e terá de esperar algum
tempo pela contra prestação. A vida política de Octávio Pinheiro Brisolla em Bauru, retrata
estas circunstâncias. Seu filho Marco Aurélio especifica seu comportamento pessoal, em
relação às solicitações anteriores a pleitos eleitorais:
...”Não se falava para um homem como meu pai desta forma: a troca de um emprego
público por apoio eleitoral... Não, isto não funcionava... Por outro lado, se este mesmo
indíviduo tivesse votado e trabalhado para ele em uma determinada eleição e não pedisse
____________
12 BAHIA, Luiz Henrique N. , op. cit., p. 138 – 139.
115
Foto 09 - Cerimônia no Palácio dos Campos Elíseos em São Paulo. Brisolla é o segundo
a esquerda. Final dos anos 1940. Fonte: acervo de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
nada em troca naquele momento, poderia solicitar, em uma hipótese futura, após algum
tempo transcorrido, um auxílio para um filho que se casaria e que necessitava de uma
colocação. Diante destas circunstâncias, ele, meu pai, o nomearia... A coisa funcionava
assim”... (13)
O clientelismo estatal forjado durante o Estado Novo e consolidado a partir de 1945,
com o advento da democracia, como forma de expressão das recentes massas urbanas, toma
forma em Bauru, com a ascensão de Octávio Pinheiro Brisolla è prefeitura em 1947.
Estabelecido novamente na “Sem limites” desde meados da década de 1930. Octávio
_______________
13 Depoimento de Marco Aurélio Brisolla, op. cit.
116
Foto 10 – Cerimônia pública na Prefeitura Municipal de Bauru, em fins
dos anos 1940. Prefeito Octávio Pinheiro Brisolla em primeiro plano à direita.
Fonte: acervo de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
Brisolla passa a advogar e atender gratuitamente centenas de questões trabalhistas para a
população, muitas vezes, sem nenhuma compensação financeira. Este fato associado a suas
origens políticas impulsionou-o a disputa pelo Poder Executivo municipal nas primeiras
eleições após a ditadura “estadonovista”. Em novembro de 1947 elege-se prefeito,
derrotando adversários expressivos, como o radialista João Simonetti, apoiado por Vargas e
Adhemar de Barros. Sua candidatura expressou-se pelo minúsculo PR – Partido
Republicano. No início de 1948, logo após a posse, Octávio Brisolla adere a Adhemar de
Barros e ingressa no PSP – Partido Social Progressista.
(14) Nasce neste período um
relacionamento político, que duraria até a morte de Adhemar de Barros em 1969.
____________
14 BASTOS, Irineu Azevedo. , op. cit., p. 264 – 265.
117
Foto 11 – Recepção a Adhemar de Barros no Bauru Tênis Clube no final dos anos 1940.
Sentado, em primeiro plano Octávio Pinheiro Brisolla.
Fonte: acervo pessoal de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
Concomitantemente, visualiza-se por intermédio da opção realizada por Brisolla, a
origem do ademarismo em Bauru, cujo predomínio político sofreria abalos entre 1955 com
a ascensão janista, coordenada por Nicola Avallone Júnior.
Descrevendo a paisagem urbana bauruense, na fase onde o poder ademarista se
consolida, Marco Aurélio Brisolla a apresenta como ainda vinculada aos anos 1930 e a
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, delineando-a através destas características:
... Nós recebemos a ferrovia em 1906 e a partir desta fase, Bauru passou a crescer em torno
dela. Para que se tenha idéia, quando Bauru tinha 56.000 habitantes, época da eleição de
meu pai a prefeitura, a ‘Noroeste’ possuía 1800 funcionários. Além disto era tamm sede
de inúmeras delegacias estaduais e federais, consulados do Japão, da Itália, de Portugal, da
Espanha... Tinha também um comércio excelente, pois muitas pessoas vinham à Bauru por
que a ferrovia era o único meio de locomoção. Chegávamos a ver bolivianos e paraguaios
comprando no comércio. Bauru não tinha aquela agudeza de dificuldades materiais e
financeiras que muitas cidades possuíam”... (15)
______________
15 Depoimento de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla, op. cit.
118
Bauru segundo Bastos op. cit., na ampliação da análise de Marco Aurélio sobre o
tema, apresentava no início do período populista, os seguintes aspectos populacionais,
econômicos e urbanos:
...”Bauru do pós-guerra tinha 56.000 habitantes e não era a cidade mais habitada de sua
região. Lins contava com 74.900, Pirajuí com 71.540 e Marília com quase 92.000
habitantes... O perímetro urbano da cidade alcançava Vila Falcão e adjacências, Vila Bela
Vista, Vila Seabra, Vila Camargo, Vila Santa Isabel e Altos da Cidade... A cidade tinha
6.852 prédios residenciais com 9.537 habitações; 129 edificações comerciais, 96 industriais,
444 de utilização mista, 35 de natureza pública, 17 destinados a cultos religiosos, 9 de
diversões e 9 de assistência social. As principais indústrias eram moinho Santista,
Anderson Clayton e Matarazzo. A fábrica de cigarros Flórida estava em fase de
instalação... (16)
A paisagem urbana de Bauru sofreu pequenas alterações quantitativas na fase
administrativa de Octavio Pinheiro Brisolla e de seu sucessor e correligionário na
Prefeitura municipal de Bauru, , o médico Nuno de Assis, entre os anos de 1952 a 1955. Os
Foto 12 – Visão panorâmica da região central de Bauru. Início dos anos 1950. Ao fundo,
no canto superior esquerdo, apresenta-se o ‘Hospital de Base’.
Fonte: acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
_____________
16 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 174.
119
oito anos, que demarcaram a primeira fase do ademarismo nesta cidade, constituíram-se
em um período cuja expansão urbana bauruense pouco extrapolou aos bairros já
estabelecidos durante a década de 1930. A principais alterações qualitativas na mancha
urbana, durante a hegemonia do populismo em Bauru irão estabelecer-se durante o governo
de Nicola Avallone Júnior à frente do Poder Executivo municipal, entre 1956 e 1959.
Portanto, em outra vertente eleitoral e política, o populismo janista.
Foto 13 – Avenida Rodrigues Alves em meados dos anos 1950.
Fonte: Acervo fotográfico da TV TEM – subsidiária da Rede Globo de televisão.
A paisagem urbana de Bauru no período ademarista possuía aspectos distintos às
características políticas de Barros, que consistia na realização de grandes obras e na
incontinência administrativa, principalmente quando ocupou a interventoria e como
governador eleito, entre 1947 e 1950. Havia uma profunda diferença ideológica entre
Brisolla e Adhemar; o primeiro era um tanto “esquerdista”, como seu filho Marco Aurélio,
o definia. O administrador poderia optar por uma cidade bonita, iluminada, entretanto
120
corria o risco de que a coletividade ficasse sem atendimento social precário: sem escolas,
sem hospitais. Brisolla optou pela segunda opção. Quando veio a crise do óleo, a crise do
pão, ele colocou a prefeitura à disposição da população para que estes serviços tivessem
continuidade. Após a Segunda Guerra Mundial, estes gêneros foram racionados e Octávio
Brisolla utilizou toda sua influência política para trazê-los a população bauruense. Entre a
obra de concreto e o ser humano, elegia sempre como prioridade o homem. A construção
do Hospital Fernando Costa, posteriormente denominado Hospital de Base, foi uma de
Foto 14 – Rua Batista de Carvalho no início dos anos 1950.
Fonte: acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
suas iniciativas mais concretas no sentido de viabilizar um digno atendimento na área de
saúde à família bauruense. A doação do terreno, realizada pelos bauruenses Joaquim Alves
Ferreira e Luís Gonzaga Falcão, possibilitou a construção das instalações efetivada por
investimentos estaduais, durante a administração de Barros. Em janeiro de 1951, Adhemar
esteve em Bauru, inaugurando o novo Hospital Estadual, o Centro de saúde de Vila Falcão
e o Matadouro municipal. Paralelamente, duas instituições de nível superior instalam-se em
121
Bauru: a Instituição Toledo de Ensino estabelece-se em 1951 e a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus instituída em 1953. Apesar das diferenças
ideológicas e administrativas, Brisolla permaneceu como ademarista pelo restante de sua
vida política. Seu filho Marco Aurélio afirmou que no final da década de 1940 não havia
alternativa para a política interiorana, o predomínio do ademarismo era absoluto em São
Paulo. Com o passar dos anos, a afinidade entre Adhemar e Brisolla evidenciou-se bastante,
surgindo uma amizade e um companheirismo absolutos. Adhemar era inquestionável com
seus leais companheiros. Este companheirismo revelou-se contumaz, quando Octávio
Pinheiro Brisolla tornou-se o orador oficial da convenção do PSP, que lançou a candidatura
de Lucas Nogueira Garcez à sucessão de Adhemar de Barros em 1950.
Foto 15 – Matadouro municipal – 1951. Localizado no início do Jardim Redentor.
Fonte: Arquivo de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
A simbologia de um lugar nos remete ao conjunto de condições que a produziu. A
paisagem de Bauru, construída no interior do movimento populista, proporciona
122
Foto 16 – Construção do Hospital de Base inaugurado em janeiro de 1951. Fonte:
Arquivo da Associação Hospitalar de Bauru.
Planta urbana 18 – Localização do Hospital de Base. Confluência da Rua Monsenhor
Claro com a Avenida Duque de Caxias. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala -
1:10.000.
123
algumas questões pertinentes a sua significação. O populismo ademarista apresentou-se
dissociado do pensamento hegemônico de sua origem: incontinência orçamentária, grandes
obras viárias e clientelismo político eram típicos da ação de Adhemar de Barros. Os
ademaristas bauruenses detinham uma visão administrativa distante do ademarismo oficial,
apesar da proximidade de seus componentes. Bauru entre o final dos anos 1940 até 1955,
com a chegada ao poder de Nicola Avallone Júnior, constituiu-se em um núcleo urbano
ainda associado à estrutura urbana herdada das ferrovias. A cidade ainda relacionava-se
intimamente com esta característica, enquanto que sua paisagem lentamente se distanciava
destas matrizes, em um movimento quase imperceptível. Ao término do período ademarista
em Bauru, a “urbis” observava desorientada a construção desta nova urbanicidade, imposta
pelo ritmo das transformações nacionais: industrialização, êxodo-rural e intensa
urbanização. Este movimento foi captado por Avallone Júnior, traduzido pelo populismo
janista, vitorioso em Bauru em meados dos anos 1950. A diferenciação entre esta
espacialidade e a paisagem é conceituada e analisada por Jean – Marc Besse quando cita E.
Straus, que define-os dentro destas estruturas ontológicas:
...”A paisagem está ligada fundamentalmente à existência de um horizonte. Inversamente, o
espaço geográfico não tem horizonte: ‘Quando procuramos nos orientar em alguma parte,
quando perguntamos a alguém sobre o caminho ou mesmo quando utilizamos uma carta,
nós estabelecemos nosso Aqui como um lugar num espaço sem horizonte’... A
conseqüência imediata da presença desta estrutura de horizonte é que a paisagem significa
ausência de totalização ou de síntese de sobrevôo, para retomar uma expressão de Merleau-
Ponty. A abertura própria da paisagem significa que na paisagem nos deslocamos de uma
parte à outra. Não há paisagem senão local. Mais exatamente, nos deslocamos de um lugar a
outro ‘no interior do círculo da visibilidade’. O que quer dizer não há paisagem sem a
coexistência do aqui e do além, coexistível do visível e do oculto, que define a abertura
sensível e situada para o mundo. Inversamente, o espaço geográfico é fechado, porque é
sistematizado:’cada lugar deste espaço é determinado por sua situação no conjunto, e
finalmente por sua relação ao ponto zero deste espaço decomposto, segundo um sistema de
coordenadas”... (17)
________________
17 BESSE, Jean – Marc, op. cit., p. 79 -80.
124
Planta urbana 19 – Viaduto Mauá próximo à Praça Itália.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 17 - Viaduto Mauá. Elo entre a região central e Vila Falcão. Iniciado no governo
Octávio Pinheiro Brisolla e finalizado na primeira administração Nuno de Assis.
Princípio dos anos 1950. Fonte: Foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
125
Foto 18 – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus.
Década de 1950. Fonte: http://www.saojose-bauru.g12.br/
Planta urbana 20 – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de
Jesus. Região central de Bauru Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala –
1:10.000.
126
Foto 19 – Instituição Toledo de Ensino.
Fonte: foto realizada pelo autor em 15 de agosto de 2007.
Planta urbana 21 – Instituição Toledo de Ensino. Vila Falcão.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
127
A paisagem que indicava, em seu interior, a possibilidade futura de grandes
transformações urbanas em Bauru, concretizou-se materialmente na construção das novas
instalações da Prefeitura municipal. Produziu-se em seu horizonte paisagístico, defendido
por Straus apud Besse, o elo entre duas épocas, a urbanização conduzida pela ferrovia e a
“modernidade”, com novos estilos arquitetônicos, novas formas de enxergar a cidade,
novos modelos de crescimento citadino, novas formas de enxergar o mundo. Constituiu-se
também no símbolo de transição entre o próprio populismo e a tecnocracia, que iria
instalar-se no município de Bauru em 1968. Seu arrojado estilo arquitetônico já era
evidenciado ao iniciar-se sua construção em 1953, durante o governo ademarista de Nuno
de Assis. Demonstrando-se que no cerne de seu projeto, potencializava-se o final do
domínio populista em Bauru.
Foto 20 – Paço municipal de Bauru. Foto atual. Fonte: http://Meus documentos\Web.
Bauru. htm. Acessado em 10 de julho de 2007.
128
O Paço municipal tornou-se a primeira grande obra citadina, caracteristicamente
moderna de Bauru. O ademarismo, recatado e inexpressivo em questões urbanas, passa a
evidenciar-se por intermédio deste significativo projeto. O populismo janista, coordenado
por Nicola Avallone Júnior, contrapondo o ademarismo de Octávio Brisolla e Nuno de
Assis, iniciou metamorfoses urbanas que iriam acentuar-se a partir de 1968, com a
instalação de governos tecnocratas.
Foto 21 – Adhemar de Barros em almoço no BTC – Bauru Tênis Clube. O vereador Giro
Ischicava é o último à direita – 1957.
Fonte: arquivo fotográfico de Giro Ishicava.
129
CAPÍTULO V
O JANISMO E A PAISAGEM URBANA.
1956 – 1959
...”Por trás da cortina, o presidente Getúlio Vargas, a grande estrela do PTB, combinou
com o próprio Jânio a traição a Prestes Maia, até então apoiado pelo Palácio do Catete.
Certa noite, por volta de nove horas, o prefeito dirigiu-se ao Campo de Marte com seu chefe
de gabinete, Luiz Francisco de Carvalho, a fim de tomar um avião para o Rio de Janeiro. O
presidente Getúlio Vargas o esperava. No palácio, o prefeito quis conversar a sós com o
presidente. O ministro do Trabalho João Goulart, teve que se retirar. Jango saiu do
recinto arrastando sua perna defeituosa e soltando fumaça pelas ventas. O conteúdo da
conversa, Getúlio e Jânio levaram para omulo. Mas na viagem de volta a São
Paulo, Jânio bateu na perna de Luiz Francisco, sentado a seu lado no avião, e disse
do seu jeito característico: ‘Luiz, meu amigo, você sabe que está viajando com o futuro
governador de São Paulo?’ Curiosamente, depois deste encontro sigiloso, diversos chefes
do PTB passaram a apoiar a candidatura de Jânio Quadros. Entre eles, Nicola Avallone
Júnior, liderança do PTB na cidade de Bauru “... (1)
Nicola Avallone Júnior tornou-se o primeiro bauruense a ocupar do cargo de prefeito.
Em 1946, voltando de São Paulo, onde cursou Ciências Econômicas, transformou-se em
proprietário do Diário de Bauru, criado com o intuito de estabelecer-se como instrumento
político em suas mãos.
(2) Em entrevista a Losnak, op. cit., não confirma sua intenção,
porém seus procedimentos posteriores, indicaram este caminho: jornal gratuito e distribuído
em toda Bauru, principalmente nos bairros periféricos
. (3) Comerciante bauruense, Avallone
iniciou a construção de sua carreira política, como candidato a sucessão de Brisolla em
1951 pelo PSD – Partido Social Democrático. Mesmo derrotado pelo médico ademarista
__________
1 KWAK, Gabriel , op. cit., p. 81 – 82.
2 Depoimento de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla, op. cit.
3 LOSNAK, Célio J. op. cit., p. 83 – 84.
130
Nuno de Assis, “Nicolinha”, denominação esta carinhosamente conhecida e vinculada por
toda a população de Bauru, tornou-se um sério problema para Brisolla e seu grupo político.
Jovem, dinâmico, empreendedor, Avallone tinha como meta atingir a prefeitura de Bauru
dentro de um prazo relativamente curto. O próprio lançamento da candidatura Nuno de
Assis à chefia do Poder Executivo bauruense em 1950, já se constituía como reflexo do
receio de Brisolla, diante da ascensão de “Nicolinha”. Nuno de Assis, conceituado médico e
colega de turma de Adhemar de Barros foi a opção encontrada para enfrentá-lo.
(4)
Foto 22 – Loja comercial de Nicola Avallone Júnior. Rua Batista de Carvalho na década
de 1950. Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
Ao final da administração Nuno de Assis, Octávio Pinheiro Brisolla ira passar pelo
mais dramática experiência de sua vida política. Filiado naquele período, pelo Partido
Trabalhista Brasileiro, Avallone Júnior já adquirira experiência, detinha um sólido jornal,
_____________
4 Depoimento de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla, op. cit.
131
4.885
4.064
2.015
1.651
56
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
4.000
4.500
5.000
Nuno de Assis
- PSP
Nicola
Avalone
Junior - PSD
João
Simonetti -
PTB
Guilherme
Ferraz - UDN
João Guedes -
PR
Eleições Bauru
14 de Outubro de 1951
Prefeito.
Figura 02 – Gráfico demonstrando os resultados eleitorais do pleito majoritário,
realizado em 1951 no município de Bauru e a vitória de Nuno de Assis. Fonte: Irineu
Azevedo Bastos in Eleições municipais I. Analisando os resultados, observa-se o
fortalecimento da oposição comandada pelo PSD e pelo PTB. Ao mesmo tempo, também
verifica-se o nascimento da figura de Nicola Avallone Júnior.
132
Foto 23 – Nicola Avallone Júnior como presidente do BAC – Bauru Atlético Clube.
Início dos anos 1950. Fonte: arquivo pessoal de Gabriel Ruiz Pelegrina.
avançado para o seu tempo, estabelecido como instrumento de divulgação política.
Paralelamente, sua nova legenda, o PTB possuía uma forte conotação classista,
principalmente em torno dos ferroviários da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, da
‘Companhia Paulista’ e da ‘Sorocabana’. Associado ao mito construído por Getúlio Vargas
que se suicidara em 1954, Nicola apresentava-se como um candidato perfeito, para o
momento político adequado. Conjuntamente a estes fatores, a associação do PTB com o
janismo em ascensão, como esclarece Kwak, op. cit., colocava Avallone Júnior como um
candidato sem precedentes, na história bauruense. O tema de sua campanha em 1955
associava sua vitória ao término definitivo da política ademarista na cidade de Bauru: seria
133
a extinção do continuísmo, expresso por intermédio de Brisolla e Nuno de Assis.
(5)
Confirmando avaliação de Pelegrina sobre aquele momento político em Bauru, Mello
(2002) descreve o nascimento do “Diário de Bauru” e sua utilização como instrumento
político nas mãos de Nicolinha:
..
.”Começava a circular na cidade naquele janeiro de 1946 o jornal Diário de Bauru.
Fundado por Nicola Avallone Júnior, que na época era um jovem empresário de 22 anos,
dono da loja Reunidos Labor, representante da General Eletric e da Panair do Brasil.
Avallone ou Nicolinha, como também era conhecido tinha dois irmãos que eram donos de
uma loja de calçados. Nas primeiras edições, o jornal procurou noticiar os problemas da
periferia, trazendo manchetes que destacavam a escuridão em que andava a Vila
Independência por causa dos raríssimos postes e luzes acesas. Vila Falcão com ruas
abandonadas, moleques vadios, soltos. Naquele tempo, o único jornal que poderia ser
considerado concorrente do Diário era a Folha do povo”... (6)
Pinheiro Brisolla candidatara-se novamente nesta eleição. Com uma força eleitoral
diminuída, pois se afastara de Nuno de Assis por divergências políticas, Brisolla ainda
detinha o comando do PSP. Entretanto, sem o apoio oficial do prefeito. Portanto, caminhou
para a disputa eleitoral bastante enfraquecido. Ao término das mais acirradas eleições da
história contemporânea de Bauru, pois Nicolinha venceu Brisolla por uma diferença de
apenas 67 votos, o ciclo ademarista desta cidade havia sido interrompido e uma nova
política administrativa fora implantada. O janismo havia conquistado a “capital da terra
branca”. Seriam necessárias mais duas administrações municipais, longos oito anos, para
que os seguidores de Adhemar de Barros alcançassem novamente o poder na “Sem limites”.
__________
5 Depoimento de Gabriel Ruiz Pelegrina, realizado em 21 de novembro de 2006.
6 MELLO, Lucíus de. Eny e o grande bordel brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.123.
134
A eleição de Nicola Avallone para a Prefeitura de Bauru em 1955 coincidiu com o
período Juscelino Kubitschek de Oliveira na Presidência da República, associado ao clima
de otimismo e desenvolvimentismo que se instalou no país. Entre 1956 e 1960, os
brasileiros participaram de um amplo projeto de ‘modernização’ de seu país, cujo lema
alicerçava-se na evolução econômica amparada no capital multinacional:cinqüenta anos
em cinco”. Portanto, nesta fase os acontecimentos se sucediam em ritmo febril: a
construção de Brasília, a indústria automobilística, a indústria de bens de consumo duráveis
e não duráveis tornaram-se, juntamente com a aceleração do processo de urbanização,
marcas típicas desta época.
‘Nicolinha’, valendo-se desta predisposição e da atmosfera política que norteava o
país, juntamente com sua própria dinâmica personalidade, passou a conduzir sua
administração em Bauru também dentro destes parâmetros: modernidade, expansão urbana,
obras com efeitos visuais. Analisando Avallone Júnior, através desta perspectiva Losnak,
op. cit., demonstra o envolvimento do então prefeito, com o estilo desenvolvimentista de
Juscelino:
...”Avallone Júnior desempenhou atividades no comércio, foi político de estilo populista e
muito sensível aos temas de sua época – desenvolvimentismo, industrialização, progresso –
utilizando vários recursos de propaganda para ser figura de destaque no cotidiano da
população. Ele tentou manter-se onipresente na cidade por meio de passeios e visitas aos
bairros, atendimento clientelista, publicidade com carros utilizando alto-falantes, festas na
cidade, propaganda de seus loteamentos, atividades desenvolvidas como diretor do Bauru
Atlético Clube – BAC. Avallone articulava interesses empresariais e políticos com
atividades esportivas. No início dos anos 1950, como presidente do BAC, trouxe vedetes de
rádio como Emilinha Borba e Marlene, para divulgar o futebol, os loteamentos lançados e
aumentar sua popularidade...” (7)
_____________________________
7 LOSNAK, Célio J., op. cit., p. 88.
135
Eleições Bauru
03 de Outubro de 1955
Prefeito.
6.843
6.776
3.804
484
Nicola Avalone Junior - PTB/PRT
Octávio Pinheiro Brisolla - PSP/PSD
Sebastião Aleixo da Silva - PTN/PSB
José Ranieri
Figura 03 – Gráfico demonstrando os resultados eleitorais do pleito majoritário,
realizado em 1955 no município de Bauru e a vitória de Nicola Avallone Júnior. Fonte:
Irineu Azevedo Bastos in Eleições municipais II. Analisando os resultados, verifica-se a
vitória de ‘Nicolinha’ por uma pequena margem de votos, jamais repetida na história
contemporânea de Bauru. Eleição que se fixou na memória coletiva bauruense, como o
término do predomínio do ademarismo e o nascimento de novas lideranças políticas.
136
...”O seu estilo populista se revelava ao estabelecer proximidade física com as classes
populares, através de visitas aos bairros, onde dava atenção às eventuais queixas e
reivindicações e se colocava como seu defensor... Quando iniciou a canalização do Ribeirão
das Flores em 1956, lugar onde seria mais tarde a Avenida Nações Unidas, criou um
mutirão. Com estardalhaço na cidade, congregou trabalhadores, donos de caminhões, de
caminhonetes e de carroças para ajudarem nos trabalhos”... (8)
Ardoroso defensor de Juscelino e de suas idéias para o país, Avallone passou a
construir uma ‘sui generis’ combinação de populismo janista com o desenvolvimentismo
de Juscelino, ou seja, um esforço para adaptar-se a universos políticos bastante
diferenciados. O janismo, defensor de uma administração pública eficiente e equilibrada,
Foto 24 - Jânio Quadros em Bauru. Campanha para a Presidência da República – 1960.
A seu lado apresentavam-se: deputado federal Luiz Francisco de Carvalho, deputado
estadual Nicola Avallone Júnior e Carlos Alberto de Carvalho Pinto, então governador
do estado de São Paulo. Fonte: acervo pessoal de Gabriel Ruiz Pelegrina.
_______________
8 Ibid., p. 89.
137
Foto 25 – Outdoor sobre a construção do Viaduto JK – ligando o centro da cidade ao
Jardim Bela Vista. Final dos anos 1950. Fonte: acervo de Gabriel Ruiz Pelegrina.
sujeita ao equilíbrio orçamentário, estaria associado a realização de obras a qualquer custo
financeiro e político. A combinação das duas proposições político-administrativas trouxe
problemas para a condução dos negócios municipais e ao, mesmo tempo, para a evolução
da malha urbana bauruense, durante as décadas que se seguiram a seu governo. A paisagem
urbana de Bauru foi alterada e seus reflexos sobre a cidade são observados e sentidos até
hoje, transformando a cidade, conduzindo-a de uma maneira específica. Inicia-se a partir
deste ponto, a discussão entre a forma de atuação e a composição do pensamento entre o
populismo ademarista e janista na cidade de Bauru. Sendo assim, coloca-se um
posicionamento diferenciado daquele obtido através do depoimento de Marco Aurélio
Brisolla e de Irineu Azevedo Bastos
(9), quando discutiram as diferenças ideológicas dos
________________
9 Depoimento de Irineu Azevedo Bastos realizado em 12 de novembro de 2006.
138
dois estilos de populismo multiclassista. Os respectivos historiadores bauruenses
apresentam a existência destes grupos políticos, como reflexo do regime democrático e da
luta pelo poder, não ocorrendo diferenças em suas práticas administrativas. Entretanto,
através do posicionamento de Marques (2003), proporciona-se outra versão sobre este
tema:
...”Mais importante do que isso, ao que tudo indica, diferentes governos produzem políticas
de conteúdos diversos, indicando que há escolhas reais sendo realizadas e importantes
processos ocorrendo no estado em nível local no Brasil” (10)
...”Defendemos o ponto de vista de que, embora as políticas locais estejam imersas em
conjunturas nacionais e internacionais e sejam influenciadas por essas, para estudarmos a
política em nível local é preciso focar nessas escalas e nos seus processos, sem perder as
demais dimensões”... (11)
Analisando as políticas públicas das fases ademarista e janista em Bauru
respectivamente entre Brisolla, Nuno de Assis e Nicola Avallone Júnior, alguns elementos
norteadores podem ser estabelecidos. A rigidez orçamentária da política ademarista
bauruense era notória: seriedade no trato da ‘coisa pública’ constituía-se em um dos pilares.
Tanto Octávio Pinheiro Brisolla, quanto Nuno de Assis, apesar de ademaristas eram
extremamente zelosos com os negócios públicos. Em contrapartida, ‘Nicolinha’, apesar de
janista, enfrentou em seu período administrativo à frente da Prefeitura de Bauru, uma
série de constantes problemas legais, referentes à suspeitas de irregularidades
___________
10 MARQUES, Eduardo César. Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São
Paulo. São Paulo: Annablume, 2003, p. 16.
11 Ibid., p. 18
139
administrativas. Portanto, o janismo disposto pelo jovem prefeito caracterizava-se pela
oportunidade política, não tendo fundamentação ideológica. Conseqüentemente, a postura
de Avallone Júnior trouxe problemas nas fileiras janistas, que englobavam um grande arco
de seguidores em Bauru, das mais variadas matizes políticas.
O janismo em Bauru possuía adeptos em muitos partidos, com exceção do PSP que
abrigava historicamente os ademaristas. Havia janistas na UDN - União Democrática
Nacional, no PTN - Partido Trabalhista Nacional e no próprio PTB - Partido Trabalhista
Brasileiro. O janismo era um movimento suprapartidário, que possuía vínculos em muitas
agremiações.
Os udenistas bauruenses comandados pelo jovem vereador Nilson Ferreira da Costa
tornaram-se adeptos de Jânio Quadros, devido à influência de Carlos Lacerda e dos grupos
parlamentares udenistas federais “bossa-nova” e “banda de música”.
(12) Nilson Costa que
na década de 1950 era bastante jovem, contando com menos de trinta anos, era um líder
ferroviário que posteriormente tornou-se deputado estadual e prefeito de Bauru no final da
década de 1990 e início dos anos 2000. O “caso dos paralelepípedos”, no início da
administração de Nicolinha revelou as circunstâncias que provocaram o início do
afastamento de Nilson, do janismo. O rompimento tornou-se definitivo quando Nicola
Avallone assumiu o comando da campanha de Carvalho Pinto em Bauru e região, para a
sucessão de Jânio ao governo de São Paulo em 1959.
Com o objetivo de contrabalançar o poder do Diário de Bauru”, Nilson Costa
produziu a gazeta de oposição “A Verdade”
(13). O semanário, bastante popular no período
______________
12 Depoimento de Muricy Domingues realizado em 17 de dezembro de 2006.
13 Depoimento de Paulo Pereira Rangel realizado em 06 de novembro de 2006.
140
de seu funcionamento, trabalhou incessantemente para conduzir a oposição ao prefeito
Nicola Avallone, para além do espaço parlamentar da Câmara de vereadores. O “caso dos
paralelepípedos” foi detalhado em toda sua amplitude social e política e divulgado por este
jornal.
(14)
O caso dos paralelepípedos” foi denunciado pelo vereador Nilson Costa no início
do governo de ‘Nicolinha’. Durante a campanha, o jovem prefeito garantira a população
bauruense que, nos primeiros dias de sua administração, a Rua 1º de Agosto, uma das
“principais artérias” comerciais da cidade, seria asfaltada. Nos primeiros dias de sua gestão,
todos os paralelepípedos foram retirados. Porém, a infra-estrutura necessitava ser corrigida:
a rede de água e esgoto deveria ser remodelada. Por conseguinte, a Rua 1° de Agosto
tornou-se intransitável por meses, causando grandes transtornos aos comerciantes e
usuários. Quando as contas do primeiro quadrimestre da administração Avallone Júnior
chegaram a Câmara de Vereadores, o edil Nilson Costa passou a analisá-las,
verificando que havia problemas contábeis, em relação aos valores pagos à empresa que
realizou o serviço de retirada e transporte dos paralelepípedos.
A empresa Panamericana de Pavimentação, situada no Jardim Bela Vista, próximo à
região central da cidade, foi a responsável pela remoção imediata dos blocos. Entre a
medição e o pagamento do serviço transcorreu-se apenas quarenta e oito horas. Segundo
Nilson Costa, após pesquisa de preços na região, entrevistando caminhoneiros que estavam
acostumados a este tipo de transporte e consultando o DER – Departamento de estradas de
rodagem, chegou-se à conclusão que houve problemas legais no pagamento da execução da
obra. “O caso dos paralelepípedos” levou a Câmara de vereadores à criação de uma CEI –
_____________
14 Depoimento de Nilson Ferreira da Costa realizado em 07 de dezembro de 2006.
141
Foto 26 – Visita de Jânio Quadros a Bauru. Final dos anos 1950. À direita sentado,
deputado federal Luiz Francisco de Carvalho, em pé ao centro, Sérvio Túlio Coube,
sentado do lado esquerdo de Jânio, Nilson Costa e o último à direta em pé, Marco
Aurélio Pinheiro Brisolla. Fonte: arquivo pessoal de Nilson Costa.
Foto 27 – Primeira página do jornal semanal “A Verdade”.
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
Data: 12 de junho de 1957.
142
Foto 28 – Rua 1º de Agosto na década de 1940, ainda calçada com paralelepípedos. No
final observa-se a estação da NOB. Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação
Histórica de Bauru e Região.
Comissão Especial de Inquérito. Após seus trabalhos finalizados, com o parecer contrário
ao prefeito Nicola Avallone Júnior, o relatório foi encaminhado ao Ministério Público que
solicitou à Justiça a abertura de processo penal e posteriormente sua prisão preventiva.
Entretanto, o episódio foi finalizado quando a Câmara de Vereadores aprovou as contas de
1956 de “Nicolinha”. Pela legislação vigente na época, as denúncias contra prefeitos se
extinguiriam, na eventualidade de aprovação, em plenário, dos atos de suas administrações.
Durante a análise decisória dos vereadores, três membros da oposição votaram a favor do
prefeito, incluindo um voto oriundo do PSP, comandado por Octávio Pinheiro Brisolla,
ardente adversário de Nicola Avallone Júnior e outro da UDN, partido de Nilson Costa,
produtor da denúncia.
(15)
_____________
15 Depoimento de Nilson Ferreira da Costa, op. cit.
143
Foto 29 – Manchete do jornal “A Verdade”.
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
Data: 17 de abril de 1958.
A análise que Nicola Avallone Júnior realizou sobre o incidente é caracterizada
através de depoimento ofertado a publicação “Revista” datada de setembro de 1993:
...”Por que a CPI? Sei que foram quatro. Por que queria usar um crédito de seis milhões em
novecentos mil e acusavam que iria dar tantos por cento para alguém. No tempo que Faria Lima,
Prestes Maia, eu e Franciscato governávamos não havia ICM. Então determinei que usasse este
dinheiro. Crédito é crédito. Liguei para uma firma para nos auxiliar. Denunciaram que estava
roubando paralelepípedos. Diziam que naquela transferência ganhei milhões. Houve a CPI da
pavimentação, presidida pelo vereador Chaim Mauad. Eles acusavam que estava fazendo asfalto
tipo chocolate que não iria durar três meses. Quando fui a Campos do Jordão, encontrei um
cidadão chamado Faria Soto que fazia o melhor asfalto do estado, consegui convencê-lo, veio
para cá e começou a trabalhar. Durou vinte anos este asfalto. – que não iria durar três meses. É
aquela coisa, criticavam que era uma droga, que estava ganhando por metro. Eles ganhavam
por metro. Aí ficavam falando: o Nicolinha esta roubando. Como era minoria tinha que ser santo.
O Chaim um dia me procurou pra dizer: tô cansado do ódio de Pinheiro Brisolla e Nuno de Assis.
Disse isso na Câmara”... (16)
____________
16 DIAS, Gilmar, Nicola Avallone Júnior: o paladino do populismo. Bauru: Revista, 1993, nº 1, p. 19 – 22.
144
Nicola Avallone Júnior demonstrou ser produtor de portentosas obras viárias,
acelerando o crescimento da mancha urbana através de loteamentos sem planejamento
adequado, produzindo um conjunto de representações que formaram o imaginário coletivo
de sua administração. O jovem prefeito empreendedor e visionário que objetivava a
modernização de Bauru
(17) ainda subsiste neste imaginário, que correspondeu a um
período de grandes esperanças e transformações. A pretensa modernização trouxe sérios
problemas, refletidos na paisagem urbana.
O grande marco da administração Nicola Avalonne Júnior expressou-se no tecido
urbano, através da construção do Viaduto JK, que estabeleceu a ligação entre o centro da
cidade e o Jardim Bela Vista, desenvolvido a partir dos anos 1930 e moradia da pequena
classe média bauruense. Situado entre as Ruas Azarias Leite na área central e Carlos
Gomes, na entrada da “Bela Vista”, o viaduto conquistou a reputação da maior obra viária
do município, até o início das administrações tecnocratas ligadas ao Regime Militar e que
modificaram o panorama viário de Bauru na década de 1970. Este período que se iniciou
em 1968 com a eleição do empresário Alcides Franciscato
(18), demarcou o término do
período populista em Bauru.
Considerada a grande obra desta fase, o Viaduto JK caracterizou o
desenvolvimentismo juscelinista, visualizado em Bauru por intermédio das expressões
políticas e administrativas de Avalonne Júnior. O desejo de reportar-se a Juscelino era
evidente nas atitudes e nas propostas de ‘Nicolinha’: uma maquete do viaduto foi entregue
pessoalmente a Kubitschek, fixando a modernidade como instrumento de identificação
______________
17 LOSNAK, Célio J., op. cit., p. 125.
18 Alcides Franciscato, natural de Piracicaba, é engenheiro agrônomo e empresário, nasceu em 02 de
1930. Em 1953 formou-se na Escola de agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, em
145
de uma época: os anos 1950
(19). Esta arrojada obra de engenharia possibilitou o
incremento do Jardim Bela Vista e de todos os bairros adjacentes, pelos anos seguintes a
sua construção. Constituiu-se na marca por excelência do janismo em Bauru, definida
Foto 30 – Vista aérea de Bauru – 1958.
Fonte: acervo pessoal de Gabriel Ruiz Pelegrina.
em sua paisagem urbana. Transformações na configuração do traçado urbano de Bauru,
também foram metas de Nicola Avallone Júnior. Analisando as realizações do prefeito,
Losnak op. cit., especifica que em 1956 iniciou-se a canalização do Córrego das
Flores, que corre no sentido norte – sul e que corta a cidade no sentido leste-
_____________
19 Depoimento de Gabriel Ruiz Pelegrina, op. cit.
junho de 1953. Em 1954 foi estagiário do governo norte-americano. Sócio fundador do “Jornal da
Cidade” e administrador do Expresso de Prata, empresa de ônibus que liga São Paulo a Bauru e toda a
Alta Paulista do Estado. Foi prefeito municipal de Bauru de 1969 a 1972. No pleito realizado em 10 de
novembro de 1968, com Franciscato disputando pela Arena, foi vencedor ultrapassando seu adversário,
Nicola Avallone com quase o dobro de sua votação. Franciscato foi fundador da Associação dos
municípios do Centro-oeste paulista – AMCOP. Dominando a política local, fez seus sucessores por um
período de uma década: Luis Edmundo Coube e Oswaldo Sbeghen. Eleito deputado federal por duas
legislaturas consecutivas (1975 – 1979 e 1979 – 1982). Tanto como prefeito quanto como deputado sua
146
Foto 31 – Construção do Viaduto JK. Final dos anos 1950.
Fonte: acervo de Gabriel Ruiz Pelegrina.
oeste, impedindo que a cidade se desenvolvesse na direção desta área. Localizavam-se
nesta região citadina: Vila Antártica, o cemitério e o caminho para Pederneiras (Planta
urbana 07). O prefeito canalizou quinhentos metros de córrego entre as Ruas Marcondes
Salgado e Constituição. Com a obra, construída lentamente, a Avenida Marginal,
posteriormente denominada Avenida Nações Unidas e, a partir daí, todas as ruas
desse trecho que rumavam do centro para leste, até então seccionadas pelo córrego,
______________
atuação foi destacada, estabelecendo recursos a’ fundo perdido’ para o município. A Avenida Nações
Unidas e a construção da nova rodoviária são algumas de suas obras. Ficou muito conhecido em todo o
país quando, fazendo parte da delegação de João Figueiredo a Espanha, quando ocorriam no Brasil os
comícios das “diretas já”, ao dar uma declaração pública de que o presidente também gostaria de estar
presentes nesses eventos. Pelo mal estar causado na cúpula do governo, Franciscato voltou atrás e disse
que ele havia se expressado incorretamente. Tempos depois, o próprio João Figueiredo confirmou que
tivera essa intenção, que, no entanto, como cabeça de um governo contrário a esse tipo de eleição,
naquele momento, não pode apoiar o deputado, que ficou só naquele episódio. Retirado da obra
Falcão/Independência. Nossa gente e nossa história, de Irineu Azevedo Bastos, p. 267 – 268.
147
Planta urbana 22 – Viaduto JK – Região central de Bauru.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala 1:10.000
passaram a ter continuação, viabilizando a rápida ocupação da colina do setor leste-sudeste.
Conseqüentemente, o trajeto entre o centro da cidade, o Cemitério da Saudade, o nascente
bairro de classe média alta, Higienópolis e Pederneiras foi facilitado. A valorização
imobiliária desta área urbana demonstrava-se claramente. A futura Avenida Nações Unidas
obteve sua gênese neste momento, fruto da atuação de Nicola Avallone Júnior na malha
urbana bauruense.
A atuação de Avallone Júnior no tecido urbano de Bauru inaugurou um amplo
processo de intervenções, que a cidade passou a sofrer a partir do final dos anos 1950.
Estas séries de ingerências urbanas, iniciadas por Nicolinha sinalizaram transformações
políticas no populismo bauruense: do populismo multiclassista, sedimentado por Octávio
Pinheiro Brisolla e Nuno de Assis objetivando o atendimento a todas as classes sociais
transitou-se até o desenvolvimentismo de Avallone Júnior.
148
Planta urbana 23 - Canalização do Córrego das Flores.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala 1:10.000.
A canalização do Córrego das Flores e a conseqüente ligação da região central da cidade
com a colina, onde está situado o Cemitério da Saudade, possibilitou a produção de um
bairro de classe média alta, Higienópolis e a valorização imobiliária da área em questão.
(20) Portanto, o populismo de Nicola atendia a seus interesses políticos. O populismo
multiclassista bauruense, cuja maior expressão se configurou na figura pública de Octávio
Pinheiro Brisolla, estaria em sua fase terminal com a ascensão política de Nicola Avallone
Júnior.
A questão urbana na administração janista, também demonstrou outro aspecto, além
da edificação do Viaduto JK e do início da construção da Avenida Nações Unidas: a
expansão da cidade ocorreu naquele período, através de loteamentos sem infra-estrutura.
Em reportagem do “Jornal da cidade” de 20 de maio de 2007, os bairros bauruenses
_____________
20 LOSNAK, Célio J., op. cit., p. 154 – 157.
149
Foto 32 – Canalização do Córrego das Flores. Final dos anos 1950.
Acervo fotográfico de Gabriel Ruiz Pelegrina.
que ainda não possuíam guias, sarjetas e pavimentação foram analisados: Parque Jaraguá,
Jardim Santa Edwirges e Parque Manchester. Constituindo-se em reflexos do período
Avallone Júnior, a frente da Prefeitura municipal de Bauru. A reportagem foi realizada
através de entrevistas concedidas pela Secretaria Municipal de Planejamento e pelos
moradores dos bairros afetados: Em alguns pontos desta análise jornalística, evidenciam-se
alguns loteamentos, que foram produzidos nos anos 1950:
.
..”Em Bauru, as ruas de terra são encontradas com maior facilidade nos bairros periféricos.
Alguns como os parques Jaraguá e Santa Edwirges, na zona noroeste até possuem trechos
asfaltados; outros como o Tangarás e o Jardim Manchester, na região leste, não contam com
pavimentação em uma rua sequer”... (21)
_____________
21 FERRARI, Rodrigo. Bauru tem 350 quilômetros de ruas de terra. Jornal da cidade, Bauru, 20 mai. 2007.
JC nos bairros, p. 01.
150
Analisando a problemática situação destes bairros, a arquiteta Maria Helena Riginato
da Secretaria municipal de Planejamento identifica as razões de suas existência para o
jornalista Rodrigo Ferrari:
...”Para Maria Helena Riginato, professora de Arquitetura da Universidade estadual paulista
(UNESP) de Bauru, a situação é reflexo da expansão urbana do município, iniciada na
década de 1940. ‘Nesse período começaram a ser abertos loteamentos em locais distantes da
cidade. Como na época não existia uma legislação específica que regulamentasse essa
questão, a maioria dos empreendimentos acabou sendo entregues sem dispor de serviços
básicos de infra-estrutura’, explica... Em lugares como Santa Edwirges, Manchester,
Tangarás e Pousada da Esperança as ruas estão desaparecendo em meio às enormes
crateras”... (22)
Riginato também expõe as conseqüências para o município, que se estabelecem
como bastante elevadas, ao longo de todos estes anos, desde os anos 1950 até a atualidade.
Paralelamente, coloca as razões que levaram a produção destes loteamentos:
...”Como na época não existiam leis que regulamentassem a abertura de loteamentos, os
proprietários passaram a ter em mãos um negócio para lá de rentável. ’ Eles não tinham
obrigação de dotar os empreendimentos com infra-estrutura. Bastava apenas desmembrar os
terrenos e vendê-los’, diz Riginato... ‘Essa falta inicial de infra-estrutura gerou um pesado
ônus ao município, pois todas as melhorias existentes nesses bairros precisaram ser feitas
com dinheiro público’. Atualmente a prefeitura só autoriza a abertura de loteamentos que
estejam dotados de infra-estrutura básica – inclusive asfalto”... (23)
Por intermédio de investigação aos arquivos do 1º e 2º Cartórios de Registro de
Imóveis de Bauru, levantaram-se os seguintes loteamentos autorizados pela Prefeitura
Municipal e registrados entre os anos de 1956 e 1959:
_______________
22 Ibid. Ibidem.
23 Ibid p. 01 – 02.
151
Figura 04 – Propaganda comercial das organizações Avallone Júnior em 1958 como co-
patrocinadora da revista de “prestação de contas” à população ao final de seu governo.
Fonte: Arquivo pessoal de Gabriel Ruiz Pelegrina.
Loteamentos inscritos em 1955: Jardim Avenida, Jardim São José.
Loteamentos inscritos em 1956: Jardim Nova Bauru, Jardim Olímpico, Jardim Ouro Verde,
Jardim Marabá, Vila Aviação – 01 quadra.
Loteamentos inscritos em 1957: Jardim Araruna, Jardim Marambá, Jardim Alvorada,
Parque Primavera, Parque São Cristóvão, Ferradura Mirim, Parque Jaraguá, Parque Santa
Cecília, Jardim Eldorado, Vila Aeroporto, Jardim Estoril, Jardim Aracy, Jardim Planalto.
Loteamentos inscritos em 1958: Parque Boa Vista, Chácara Reunidas Nossa Senhora de
Fátima, Vila Victor Dotto.
152
Loteamentos inscritos em 1959: Parque Giansante, Chácaras São João, Parque Santa
Edwirges, Chácara das Flores, Jardim Vergueiro, Jardim Petrópolis, Vila São João do
Ipiranga, Chácara Cornélia, Jardim Pagani, Estâncias Águas Virtuosas.
Os Parques Tangarás e Manchester, situados na zona leste da cidade, formados no mesmo
período dos demais loteamentos, constituíram-se em tentativas do estabelecimento de
distritos industriais. Atualmente tornaram-se áreas residenciais de baixa renda com grandes
problemas de infra-estrutura. No governo Avallone Júnior, 33 loteamentos residenciais
foram aprovados. Muitos destes empreendimentos ainda hoje, não adquiriram feições
urbanas satisfatórias: guias, sarjetas, asfalto, transporte comunitário, iluminação pública,
escolas, creches e centros de saúde. Losnak op. cit., analisa este momento da ocupação
urbana de Bauru, apresentando também os problemas acarretados pelo crescimento
desordenado:
...”Os inúmeros loteamentos produziram uma cidade intercalada de áreas vazias. Parte
destes bairros, principalmente no começa da ocupação, possuía poucas casas, espalhadas e
entremeadas por mato e trilhas. Esta característica dificultou a instalação de infra-estrutura
urbana... onerando a prefeitura por necessitar estender as redes. Quando eram implantadas,
possibilitavam a valorização das regiões próximas e intermediárias ainda não loteadas ou
não vendidas”... (24)
Continuando a análise sobre a implantação de loteamentos em Bauru, Losnak op. cit.,
também apresenta o posicionamento do arquiteto Jurandyr Bueno sobre este tema:
...”Em 1979, Jurandyr Bueno, ao avaliar os problemas dos loteamentos – e a grande parte
deles era ilegal -, afirmou: ‘Bauru está loteada para suportar uma população de quatro
milhões de pessoas’. Exageros à parte, foi na década de 1950, segundo ele, que a venda de
lotes se tornou um grande negócio e se multiplicou devido à grande especulação
imobiliária’. Ao observamos os desenhos de mancha urbana produzidos pelo Plano diretor
de 1996, constatamos que, a partir dos anos 50, ocorreu um crescimento da área não
ocupada”... (25) (Planta urbana 08)
_______________
24 LOSNAK, Célio José, op. cit., p. 137.
25 Ibid Ibidem.
153
Foto 33 – Bairro da Ferradura Mirim. .
Fonte: Foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
Planta urbana 24 – Localização do Bairro da Ferradura Mirim. Zona leste da cidade.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1: 10.000.
154
Foto 34 – Jardim Santa Edwirges.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
Planta urbana 25 – Localização do Parque Santa Edwirges. Zona oeste da cidade.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1: 10.000.
155
Foto 35 – “Parque Industrial Manchester”.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
Planta urbana 26 – Localização do “Parque Industrial Manchester”. Zona leste da
cidade. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1: 10.000.
156
Descrevendo a atuação da questão da especulação imobiliária nas cidades brasileiras,
Oliveira (1982) determina como ocorre seu funcionamento:
...”Observamos que não é de todo comum os grandes investidores do mercado imobiliário
(de terras) estarem à frente dos loteamentos. Via de regra, opta-se por uma empresa
imobiliária que ‘administra o loteamento’. Seja qual for o processo de gerenciamento dos
negócios, direto, por empresa ou mesmo por ‘testas-de-ferro’, a lógica a ser trilhada é a
mesma”... (26)
Anteriormente a Lei Federal 6766 de 1979, que regulamentou os loteamentos, os
caminhos a serem percorridos com o objetivo de regularizá-los eram semelhantes em todas
as regiões do país. O primeiro passo baseava-se na superação dos trâmites legais para a
aprovação da planta da gleba, satisfazendo a única barreira legal do período, o Código de
Posturas municipais. O segundo passo constituía-se na venda de pequena parte do
loteamento, geralmente as piores áreas em termo de localização. Também é importante
salientar que posteriormente a venda dos primeiros lotes, eram reservadas os melhores
setores para comercialização posterior. Instalados os serviços básicos como: abastecimento
de água, energia
elétrica, os lotes melhor localizados, seriam comercializados
posteriormente. (
27)
No caso específico dos loteamentos do governo Nicolinha, muitos destas áreas
foram comercializadas pelo seu escritório de corretagem. Este fato é demonstrado pela
página de propaganda de suas organizações, co-patrocinadora de uma revista de
encerramento de governo, conjuntamente com outras empresas bauruenses (vide página
______________
26 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A lógica da especulação imobiliária apud MOREIRA, Ruy.
Geografia: teoria e crítica. O saber posto em questão. Petrópolis: Vozes, 1982, p.133.
27 MARX, Karl apud OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de, op. cit., p. 134 – 137.
157
151). Entretanto, muitos destes empreendimentos não se desenvolveram, devido à distância
elevada da região central da cidade e a ausência de infra-estrutura. Consequentemente,
muitas destas áreas loteadas não obtiveram sucesso, devido à ausência de investimentos da
prefeitura municipal. Baixos recursos públicos impediram a valorização de parte dos
loteamentos produzidos. Como produto final, a renda fundiária processada não atingiu
índices elevados, desvalorizando ainda mais os lotes, reforçando sua ocupação por classes
sociais com baixos padrões de vida. Áreas sem infra-estrutura, lotes com preços irrisórios,
desvalorização, ocupação por famílias com renda precária... Um círculo vicioso se instalou.
O período desenvolvimentista em Bauru também apresentou uma outra faceta,
diferenciada da expansão urbana. As questões pertinentes à cultura, expressão da
manifestação do retrato de uma comunidade, também tiveram um progressivo incentivo. O
auge da atuação cultural da fase de Nicola Avallone Júnior apresentou-se com a instalação
de uma emissora de televisão, no final dos anos 1950. A TV Bauru, Canal 2 tornou-se
símbolo do pioneirismo, produto da figura e da personalidade empreendedora de João
Simonetti.
A partir de 1932, Simonetti estabeleceu um serviço de alto-falantes instalado à Rua
Marcondes Salgado, na confluência com a Rua Agenor Meire. Logo em seguida, a partir
do dia 26 de abril de 1935, a concessão provisória de uma estação de rádio, datada de 1934,
tornava-se definitiva. Surge a “PRG-8”, a Bauru Rádio Clube: segunda emissora
interiorana do país. Em 1936 novos estúdios foram inaugurados no Jardim Bela Vista, em
frente a atual Praça dos Expedicionários. Era o início de uma época onde os sonhos
individuais tornavam-se realidade e o país abria-se a novas perspectivas. Caldeira (1984)
apresenta estas circunstâncias, dentro das seguintes características:
158
...”A primeira transmissão de rádio feita em Bauru foi ao ar no dia 08 de março de 1934,
aliás uma das primeiras transmissões radiofônicas no interior do Brasil e a segunda
transmissão no interior de São Paulo”... (28)
A segunda concessão de rádio adquirida por Simonetti em 1949, a primeira estação
de freqüência modulada da região, foi concedida devido à sua grande amizade política com
Getúlio Vargas, construída a partir da década de 1930, quando da instalação da “PRG -8”.
João Simonetti foi candidato a prefeito por partidos políticos ligados ao trabalhismo
varguista em 1947 e 1951 (vide página 110 e 131). Seu relacionamento com Getúlio
estabeleceu-se desde aquela fase. A criação de espaços culturais em Bauru era uma de suas
principais preocupações. Observando as mesmas ansiedades, o então prefeito Nicola
Avallone Júnior resolve organizar grandes shows e bailes, que trouxeram a “Cidade
sem limites nomes como Emilinha Borba, Ângela Maria, Marlene, Dalva de Oliveira e
Foto 36 – Primeira sede da Bauru Rádio Clube, núcleo gerador da TV Bauru.
Fonte: acervo TV Tem - 40 anos da TV Bauru. Anos 1940.
___________
28 CALDEIRA, Sandro Ferreira. Aspectos históricos do Rádio em Bauru. Bauru: Polaris, 1984.
159
Dolores Duran. A identificação das mesmas inquietações aproximou Nicolinha e Simonetti.
A TV Bauru, Canal 2 seria o elo de aproximação, relacionando a política e a cultura,
formando um universo ímpar de progresso e aventura. O jovem prefeito empreendedor,
personificação da década de 1950 juntou-se a Simonetti, o “Assis Chateaubriand”
bauruense, para a construção da “paisagem virtual” bauruense: a televisão, a primeira do
interior brasileiro. Avallone Júnior auxiliou-o nos trâmites finais que levaram a liberação da
concessão e da montagem final da emissora.
Boteon (1995) relembra o entusiasmo de João Simonetti em relação à televisão
como instrumento de comunicação de massa e ao mesmo tempo, destaca seu esforço em
atingir sua meta, a concessão de um canal de televisão para Bauru:
...”João Simonetti talvez seja a maior expressão do interior paulista em termos de
empreendimento. Se não a maior, com certeza uma das mais notáveis. Seu interesse pelos
novos rumos da comunicação, já conhecido desde meados dos anos 1930 sob o prefixo PRG
– 8, intensifica-se durante uma de suas visitas a São Paulo, aonde a novidade tecnológica
vinha provocando um pipocar de emissoras. O interesse assumiu os contornos da
necessidade eufórica e urgente: fazer TV em Bauru é agora sua principal razão para lutar. E
dentre armas, munições e estratégias necessárias para sua concretização não poderá
dispensar o suporte de amigos. Precisa da concessão de um canal; para obtê-lo desembarca
na então capital da República. Segue para o Catete, domicílio de seu poderoso amigo,
pessoal e político. Getúlio endossa o processo encaminhando-o para atendimento”... (29)
A concessão foi encaminhada pouco tempo antes do suicídio de Getúlio. As
circunstâncias que levaram o presidente à morte em 1954 e o clima político do país
produziram um estancamento de suas últimas medidas. Portanto, Simonetti observou que
a viabilização de um canal de televisão para Bauru, caminhava a passos lentos. Com a
eleição de Juscelino Kubitschek de Oliveira à Presidência da República em 1955, paralela
__________
29 BOTEON, Terezinha de Jesus. TV BAURU – CANAL 2: O homem como agente no processo de sua
criação e instalação. Bauru: UNESP, 1995. (Dissertação de Mestrado)
160
Foto 37 – Correspondência endereçada a Nicola Avallone Júnior, João Simonetti e
Horácio A. Cunha, deputado federal, emitida pelo advogado Hélio Augusto Ribeiro,
responsável pelo planejamento logístico da futura emissora.
Fonte: acervo TV Tem - 40 anos da TV Bauru.
Foto 38 – João Simonetti e Getúlio Vargas em Bauru.
Fonte: acervo TV Tem - 40 anos da TV Bauru.
161
à vitória do entusiasta Nicolinha a Prefeitura de Bauru, o processo passou a caminhar
novamente. Em 23 de julho de 1958 Simonetti recebe um telegrama do então deputado
federal João Batista Ramos, noticiando que a Presidência da República assinara o decreto
de concessão de TV para Bauru, em nome da Bauru Rádio Clube. A partir desta data a
PRG – 8” contava com um prazo de cento e oitenta dias para a aquisição e montagem da
estação de televisão. Em 1959 a Bauru Rádio Clube firma contrato com a Rebratel - Rede
brasileira de televisão, com condições assim especificadas: instalação de equipamentos em
sessenta dias, pagamento de 50% do valor do transmissor, participação de 50% nos lucros e
na administração da emissora. A TV Bauru foi instalada nas dependências da “PRG – 8”
no Jardim Bela Vista. Constituindo-se também vetor de crescimento urbano a oeste da
cidade.
Planta urbana 27 – Localização da TV Bauru – Canal 2. Jardim Bela Vista.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
162
Foto 39 – Entrevista com o comediante “Canarinho” em meados de 1959.
Fonte: acervo TV Tem - 40 anos da TV Bauru.
Foto 40 – Nicola Avallone Júnior, ao centro, entrevistado juntamente com João
Simonetti, à direita em programa da TV Bauru no final dos anos 1950.
Fonte: acervo TV Tem – 40 anos da TV Bauru.
163
A participação de Avallone Júnior na instalação da televisão bauruense, é avaliada por
Boteon, op. cit., quando destaca seu apoio a Simonetti na concretização de uma verdadeira
epopéia urbana, no final dos anos 1950 em Bauru:
...”João Simonetti, Nicola Avallone Júnior e Horácio Alves Cunha entregaram ao advogado
Hélio Augusto Ribeiro a missão de realizar um levantamento das possibilidades de atender,
o mais brevemente, a necessidade de aquisição dos equipamentos para a nascente emissora.
No desempenho da tarefa encontra uma série de compatibilidades entre o pretendido e a
estação emissora de Santos, base da TV – Canal 5, da Organização Victor Costa.
Recebendo especial atenção de seu diretor administrativo Saulo Ramos, coincidentemente o
mesmo da rede brasileira de televisão – REBRATEL – indústria de equipamentos e
receptores”...(30)
Ao final de junho de 1959 iniciam-se as primeiras emissões, acertando-se os
equipamentos. Entre julho e dezembro do mesmo ano, precariamente a TV Bauru,
Canal 2 disponibiliza a população bauruense uma programação diária de três horas, com o
intuito de ser captada em um raio de 60 km. Nesta fase, a primeira televisão do interior da
América Latina surge como elemento inovador, alterando costumes e implantando novas
possibilidades de comunicação e entretenimento virtuais. As pessoas passam a visualizar a
distância a materialidade que somente poderia ser concebida com a proximidade física. A
televisão em Bauru surgiu como um sonho de João Simonetti, entretanto possuía
características que fogem ao idealismo, atingindo novos interesses políticos. Nicola
Avallone Júnior como prefeito, interessou-se pelo empreendimento, passando a apoiá-lo
incontestavelmente, utilizando-se de sua força política para auxiliar sua implantação.
Durante sua campanha como candidato a deputado estadual em 1959, cujo pleito foi
vitorioso, Nicolinha utilizou- se da televisão como instrumento de poder midiático,
____________
30 BOTEON, Terezinha de Jesus, op. cit., p. 68.
164
aproveitando-se de sua simpatia e carisma pessoais. No mesmo ano, seu candidato à
sucessão municipal, Irineu Bastos utilizou os mesmos artifícios. O próprio Irineu, em
entrevista concedida em 27 de junho de 1993 ao “Jornal da Cidade” de Bauru e transcrita
por Bastos, op. cit., colocou sua vitória em 1959 como resultado de sua atuação na nascente
televisão bauruense:
...”Ganhei a eleição na televisão. Eles, da emissora do João Simonetti, entrevistaram todos
os candidatos, um de cada vez. Todos utilizaram a TV para trocar ofensas, mas quando eu
fui, elogiei todo mundo e só falei sobre o que poderia fazer para Bauru. Também tinha
muito conhecimento sobre o orçamento. Durante doze anos fui o relator do orçamento de
Bauru, e respondia de imediato todas as perguntas que me faziam..” (31)
Apesar do pioneirismo de Simonetti, do apoio institucional de Nicola Avallone
Júnior e do grupo político hegemônico naquele período em Bauru, as questões
financeiras produziram a venda da TV Bauru ao grupo OVC – Organização Victor Costa,
proprietária da TV Paulista e das Rádios Nacional e Excelsior. Em fins de 1960, este grupo
de comunicações já comandava o Canal 2, impondo novas perspectivas, anteriormente não
dimensionadas sob o comando dos Simonetti. A administração tomou novos rumos,
ampliando as horas de transmissão e conduzindo uma dinâmica atualizada, alicerçada em
novos investimentos e associada à programação da TV Paulista. Em 1965, a OVC foi
adquirida pela Rede Globo. Na fase entre o término da gerência da Organização Victor
Costa e o ano de 1969, a TV Bauru como subsidiária da televisão de Roberto Marinho,
mantinha ainda grande parte da sua programação, vinculada a Bauru. Entretanto, após a
construção da rede nacional de televisão, comandada pela Rede Globo, restaram somente
trinta minutos de transmissões locais. Atualmente, a programação regional, não ultrapassa
trinta minutos semanais.
____________
31 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 243.
165
A TV Bauru participou como instrumento de comunicação, objetivando a divulgação
do panorama desenvolvimentista proposto por Nicola Avallone Júnior e reafirmado por
João Simonetti, durante o segundo período da década de 1950. Representou a possibilidade
da ingerência de setores da elite política e cultural no panorama urbano da cidade, através
da vinculação dos instrumentos de poder da mídia eletrônica. Conseqüentemente, a visão de
‘Nicolinha’ sobre a comunidade bauruense, expandiu-se, auxiliando a construção de seu
projeto de organização urbana. Uma concepção de desenvolvimento que ultrapassava as
fronteiras forjadas pela força propulsora das ferrovias, direcionadora da forma urbana, da
economia, enfim de todo o complexo citadino de Bauru, desde o início do século XX. A
televisão projetada por Simonetti, apoiada por Nicola Avallone Júnior, constituiu-se em um
elemento que auxiliou a produção de sua figura pública, juntamente com o jornal “Diário
de Bauru”, de sua propriedade. Uma das conseqüências da instalação da televisão na “Sem
limites” apresentou-se a partir destas circunstâncias.
Foto 41 – As instalações da PRG – 8, Bauru Rádio Clube: Jardim Bela Vista no início da
década de 1940. Futuras instalações da TV Bauru.Fonte: Museu Histórico Municipal.
166
CAPÍTULO VI
O COLAPSO DO POPULISMO E A ASCENSÃO DO PODER TECNOCRATA.
1960 – 1968
...”A corrida ao cargo de governador de São Paulo começava de novo e Bauru entrava na
rota dos políticos de projeção nacional. Nicolinha, que se fez conhecer como o
administrador da cidade sem limites recebendo das mãos do presidente Juscelino
Kubitschek o título de melhor prefeito do Brasil, também disputava uma cadeira da
Assembléia Legislativa. Jânio Quadros, Ivete Vargas, Adhemar de Barros, Carvalho Pinto,
Porfírio da Paz e muitos outros nomes importantes do cenário político daquela época vieram
várias vezes participar dos comícios para as eleições de outubro de 1958. Ao contrário do
que ocorreu na batalha municipal anterior, Nicolinha agora estava do lado de Jânio
Quadros, apoiando Carvalho Pinto para o governo do estado. Jânio também fez por merecer
o apoio de Nicola Avallone Júnior. Depois que reataram a amizade, o governador abriu as
torneiras do Tesouro Estadual para Bauru. Queria agora a gratidão dos eleitores para eleger
o próximo governador, de olho na sua candidatura à Câmara Federal e à Presidência da
República”... (1)
Apesar do governo popular e de muitas realizações, a eleição municipal de 1959, era
uma incógnita em potencial para Nicolinha. Os constantes ataques produzidos por muitos
vereadores tinham alcançado parcialmente seus objetivos: elevado grau de desconfiança era
observado por grandes porções da população bauruense. Os vereadores Nilson Ferreira da
Costa, Nuno de Assis, Paulo Pereira Rangel e Sérvio Túlio Coube comandavam a “tropa de
choque” oposicionista e quase conseguiram o impedimento do prefeito no caso dos
paralelepípedos”. O jornal “A Verdade” de Nilson Costa atacava-o semanalmente. (vide
páginas 141 - 143). Além deste panorama, contrário a seus interesses na Câmara de
vereadores, ainda se avistava no horizonte o problema sucessório: a candidatura de Octávio
Pinheiro Brisolla pelo PSP de Adhemar de Barros. Brisolla era considerado um dos maiores
expoentes e um verdadeiro mito da história política bauruense.
(2)
______________
1 MELLO, Lucíus de, op. cit., p. 173 – 174.
2 Depoimento de Gabriel Ruiz Pelegrina, op. cit.
167
Foto 42 – Os ademaristas: Chaim Mauad, Assir Reze, Brisolla, Nuno de Assis, Luiz
Zuiani e Irineu Bastos. Administração ‘Nuno de Assis’. Início da década de 1950. Fonte:
acervo pessoal de Irineu Azevedo Bastos.
Nicolinha não possuía, em suas hostes, um componente capaz de galvanizar seu
sucesso como político empreendedor e ousado. Restava-lhe uma única alternativa: buscar
entre seus adversários, um nome de expressão que pudesse competir com Octávio Brisolla.
A figura política encontrada constituiu-se no vereador pessepista e então Presidente da
Câmara municipal, Irineu Bastos. Seu filho, Irineu Azevedo Bastos, apresenta as questões
que nortearam a opção de seu pai por esse novo relacionamento político:
...”Sintetizando a trajetória política de meu pai, ele se iniciou na política no partido de
Emílio Carlos, o Partido trabalhista Nacional. Depois de conviver com o Dr. Octávio
Pinheiro Brisolla, quando de sua primeira vereança, meu pai ficou seu aliado. Nesse
esquema, foi reeleito nas duas legislaturas subseqüentes pelo Partido Social Progressista...
Em 1959, sua vinculação com Dr. Brisolla, com quem mantinha muita afinidade e respeito,
estava tolhendo-lhe a possibilidade de candidatar-se a prefeito. Num momento em que
estava crescendo politicamente, pronto para tentar um vôo mais alto na política local”... (3)
A candidatura de Irineu Bastos possibilitou a permanência do grupo de Avallone
______________
3 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 181.
168
Foto 43 – Inauguração do Parque infantil de Vila Falcão – 1958. Ao microfone Irineu
Bastos e, ao seu lado, o então Prefeito Nicola Avallone Júnior.
Fonte: acervo pessoal de Irineu Azevedo Bastos
Júnior, a frente do Poder Executivo municipal. O janista Nicolinha indicara, como
candidato à sua sucessão, um ademarista, ligado ao histórico grupo de Octávio Pinheiro
Brisolla. Inaugurava-se em Bauru a fase terminal do populismo, uma fase híbrida, com
características e elementos das duas facções políticas antagônicas. A paisagem urbana
também passou a sofrer reflexos, ocasionada pelas transformações do populismo bauruense.
Em entrevista realizada pelo Diário de Bauru em 1º de janeiro de 1960 apud Bastos op. cit.,
Irineu Bastos, antigo ademarista, revela suas novas características políticas:
...”As relações administrativas com o Estado, esse será um dos pontos altos de nosso
governo, pois fomos eleitos pelas forças janistas de Bauru, comandadas habilmente pelo
Partido Trabalhista Nacional, a cuja frente pontificaram os nomes dos deputados Avallone
Júnior... Esse elo será exercido pelo deputado bauruense Avallone Júnior, que terá toda
cobertura do município na sua atuação na Assembléia Legislativa como representante real
de nosso povo “... (4)
_____________
4 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 182 – 183.
169
Eleições Bauru
04 de Outubro de 1959
Prefeito.
8.744
7.279
6.959
3.870
Irineu Bastos - PTN/PRT
Octávio Pinheiro Brisolla - UDN/PSP
Antonio Bortoni - PR
Benedito Moreira Pinto - PSD/PTB/PRP
Figura 05 – Gráfico demonstrando os resultados eleitorais do pleito majoritário,
realizado em 1959 no município de Bauru e a vitória do situacionista Irineu Bastos.
Fonte: Irineu Azevedo Bastos in Eleições municipais II. Analisando os resultados,
observa-se a vitória “janista” por um elemento proveniente da facção ademarista,
produzindo o nascimento de uma nova força política, composta por um populismo
conjugado por forças anteriormente opostas .
170
No início da década de 1960, grandes transformações ocorreram no cenário político.
O janismo que estruturou-se a partir da segunda metade dos anos 50, sofreu abalos com a
renúncia de sua figura principal à Presidência da República. Nas eleições estaduais de
1962, as forças janistas dividem-se em duas: a candidatura do próprio Jânio e a de José
Bonifácio, amparada pelo então governador Carvalho Pinto, rompido já, naquele momento,
com o “homem da vassoura”.
(5) Em Bauru, Nicolinha passa a apoiar Quadros e o prefeito
Irineu Bastos, o candidato do governador. Um novo rompimento político é produzido,
demonstrando uma fase bastante conturbada na vida política municipal.
(6)
O distanciamento entre o prefeito e o deputado estadual acarretou-se devido à
instalação da FOB – Faculdade de Odontologia de Bauru, que durante anos foi um das
aspirações da cidade de Bauru. O governador Carvalho Pinto ofereceu a Irineu Bastos, a
instalação desta unidade da Universidade de São Paulo em troca do apoio a seu candidato.
Foto 44 - Construção dos blocos iniciais da Faculdade de Odontologia de Bauru. Início
dos anos 1960. Fonte: arquivo fotográfico da FOB.
___________
5 KWAK, Gabriel, op. cit., p. 293 – 295.
6 Depoimento de Irineu Azevedo Bastos, op. cit.
171
Foto 45 – Visão panorâmica da Faculdade de Odontologia de Bauru, em meados dos
anos 1970. Fonte: arquivo fotográfico da FOB.
Planta urbana 28 – Localização da FOB – Vila Nova Universitária. Vetor de crescimento
dos bairros nobres, situados a sudoeste da cidade. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru.
Escala - 1:10.000.
172
O governo Irineu Bastos e posteriormente, a segunda administração Nuno de Assis,
representaram a formação de uma nova vertente populista, composta de características
janistas e ademaristas. Bastos, eleito pelas forças janistas de Bauru em 1959, conduziu sua
administração dentro dos parâmetros opostos a de Nicola Avallone Júnior. Em seu período
a frente da Prefeitura Municipal de Bauru, Irineu direcionou os negócios públicos com
seriedade. Sua maior conquista constituiu-se na Faculdade de Odontologia. Portanto, seu
maior legado vincula-se a Educação. Posicionamento administrativo semelhante a seus
antigos colegas ademaristas: Octávio Pinheiro Brisolla e Nuno de Assis. A Instituição
Toledo de Ensino e as Faculdades de Ciências e Letras do Sagrado Coração instalaram-se
em terras bauruenses, respectivamente em 1951 e 1953.
Ideologicamente, Irineu estava atrelado ao grupo ademarista bauruense. O
rompimento com o pessepismo foi ocasionado por imperativos eleitorais. Sua visão de
mundo e suas perspectivas públicas estavam associadas ao universo ademarista bauruense.
Consequentemente, o crescimento urbano desordenado da fase de Avallone Júnior foi
estancado. A Faculdade de Odontologia, sua obra mais vultosa, possibilitou o
desenvolvimento de bairros de classe média, a sudoeste da cidade. A construção do novo
Paço municipal prosseguiu, identificando-se como paisagem que materializou
urbanisticamente o populismo em Bauru, simbolizando, dialeticamente a junção do
ademarismo e do janismo.
Durante o governo Irineu Bastos, a visão tecnocrata em relação ao gerenciamento da
“coisa pública”, principalmente em seu aspecto urbano, já era observado por intermédio do
crescimento político do jovem vereador udenista Nilson Ferreira da Costa. Nilson antecipou
o nascimento do grupo político de Alcides Franciscato, tornando-se candidato a prefeito em
173
Eleições Bauru
06 de Outubro de 1963
Prefeito.
10.122
7.466
6.666
3.870
Nuno de Assis - PSP/PTB Nilson Ferreira Costa - UDN
Luiz Zuiani - PSD Ivaldo Crivelli - PSB
Figura 06 - Gráfico demonstrando os resultados eleitorais do pleito majoritário,
realizado em 1963 no município de Bauru e a vitória do situacionista Nuno de Assis.
Fonte: Irineu Azevedo Bastos in Eleições municipais III. Analisando os resultados
observa-se a volta ao poder do ademarismo e a ascensão de Nilson Costa, antecipando a
instalação de governos tecnocratas em Bauru.
174
1963, conquistando o segundo lugar em uma eleição bastante disputada. Posteriormente,
tornou-se diretor do “Jornal da cidade”, órgão de comunicação criado em 1967 e vinculado
ao grupo empresarial da família Franciscato. O candidato vitorioso, o médico e ex-prefeito
Nuno de Assis, representou o retorno ao poder do pessepismo. O novo governo, inaugurado
em 1964, continua a representar um híbrido entre o ademarismo e o janismo. O período de
Irineu Bastos e Nuno de Assis à frente do Poder Executivo municipal produziu uma nova
vertente populista, resultante de elementos anteriormente antagônicos. Em suas próprias
origens, como expressão da dialeticidade das forças políticas em jogo, o governo Nuno de
Assis estabeleceu-se como a última fase do populismo em Bauru, contendo em seu bojo as
causas de seu desaparecimento.
A segunda administração Nuno de Assis apresentou novas formas de tratamento da
questão urbana. Suas primeiras determinações possibilitaram o término das obras da nova
Prefeitura, que se arrastaram por quase onze anos, desde 1954. O Paço municipal “Horácio
Alves Cunha”, paisagem urbana característica dos anos populistas, foi inaugurado em 02 de
agosto de 1965
(7). Paralelamente, criou o Escritório Técnico de Planejamento, órgão
especial de assessoria. A opção por um órgão especializado fora conseqüência da
implantação da tecnocracia a nível federal. A Revolução de 1964, movimento político
declaradamente contrário ao populismo, passou a construir legislação específica para
organizar as cidades sob a óptica da acumulação capitalista. O crescimento urbano deveria
estar acoplado à lógica do capital
. (8) Consequentemente, a Lei estadual nº. 9205 de 28 de
____________
7 BASTOS, Irineu Azevedo, op. cit., p. 355.
8 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A lógica da especulação imobiliária apud MOREIRA, Ruy.
Geografia: teoria e crítica. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 141 – 145.
175
dezembro de 1965 estabeleceu que os municípios não teriam direito a “auxílio financeiro
ou empréstimo”, concedido pelo Estado se não possuísse Plano Diretor “regularmente
aprovado”, após três anos de vigência da lei. O prefeito Nuno de Assis, ciente das
implicações da ausência deste instrumento de ordenamento urbano legalizado, encomendou
um plano em dezembro de 1966 ao Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos da
Universidade de São Paulo.
(9) O Plano Diretor de 1967 apresentou a seguinte análise sobre
a estrutura urbana de Bauru:
1. Ineficiência do sistema viário;
2. Grande número de loteamentos distantes da malha urbana, sem nenhuma infra-estrutura;
3. Os fundos de vales e as ferrovias produziram a setorização da cidade;
4. Necessidade de incorporação das rodovias ao sistema viário;
5. Ausência de viadutos para a transposição destas barreiras.
O plano propôs para o dimensionamento destes problemas, a organização de um sistema
viário, em forma de malha, a partir do centro, conectando os vários setores da cidade,
aproveitando os fundos de vales para áreas verdes e recreação. Preocupou-se também com
os trevos da Rodovia Marechal Rondon, estabelecendo vias de acesso à cidade.
(10)
A última administração populista de Bauru passou a sofrer grandes metamorfoses,
preocupando-se em adaptar-se ao novo universo sócio-político, definido a partir de 1964.
A Lei municipal de 03 de julho de 1968 instituiu o Plano geral de organização urbana e deu
atribuições ao Escritório Técnico de Planejamento. Com o objetivo de analisar o Plano
_______________
9 LOSNAK, Célio José, op. cit., p. 190.
10 Análise do Plano Diretor de Bauru de 1967. Plano diretor de Bauru. SEPLAN, 1996, p. 84.
176
Diretor de Bauru como instrumento da modernidade Losnak op. cit., apresenta a visão do
arquiteto Jurandyr Bueno, participante de sua elaboração e condutor das transformações
urbanas ocorridas em Bauru após 1968:
...”O Plano Diretor de Bauru não foi implantado; entretanto, foi recebido e reiterado como
obra moderna que orientou discursos, produziu noticiários, referencializou propostas
políticas, legitimou posições e práticas, inspirou o direcionamento urbano e as obras
públicas nas décadas de 1960 e 1970... Décadas depois, em entrevista, o arquiteto Jurandyr
Bueno afirmou que o plano não foi implantado por ser ‘uma coisa importada e utópica’ ou
‘um joguinho de montar que permite dispor as peças como a gente quiser’. Entretanto,
desde o início do mandato de Alcides Franciscato, em 1969, o plano era constantemente
citado como símbolo de progresso, como forma de justificar a importância das obras e
intervenções da Prefeitura. Tal importância estaria fundada em um projeto moderno,
anteriormente definido por um saber técnico superior, legitimado por uma instituição
externa a cidade, a FAU, mas que também era produto de um grande criador. Desse modo, a
cada nova obra, os argumentos pretendiam confirmar o que já estava escrito; um documento
importante que pairava sobre os destinos da cidade e do ‘homem comum’, anunciando as
determinações de ‘novos tempos’ (progresso, modernidade, monumentos urbanos); ao
mesmo tempo, divulgava-se que criação, previsão e realização dessas transformações já
contidas no fazer histórico seriam produtos de um mesmo homem”... (11)
O Plano Diretor de 1967 instituiu-se como ferramenta da modernidade. Amparada na
tecnocracia, ele representou a possibilidade da instalação de novos rumos urbanos para a
cidade de Bauru. O populismo multiclassista, evidenciado na figura ímpar de Octávio
Pinheiro Brisolla, que se sustentou por vinte anos como força política hegemônica, estava
com seus dias contados. O multiclassismo, que visava adaptar os interesses de todas as
classes sociais em uma única representação de forças políticas, caminhava para ser
substituído pela tecnocracia e por sua opção pela expansão capitalista e as classes que a
amparavam: a burguesia e as classes médias. Os tecnocratas associaram-se ao grande
empresariado para determinar o término do populismo. A fundação do “Jornal da Cidade”
em 1967 caracterizou esta situação política: Alcides Franciscato associou-se a Halim Aidar,
______________
11 LOSNAK, Célio José, op. cit., p. 193 – 194.
177
empresário na área de asfalto e Israel Dias Novaes, deputado federal pela Arena para a
formação deste empreendimento. Logo em seguida, outros empresários passaram a fazer
parte da empresa: João Pereira Martins, proprietário da concessionária de veículos General
Motors, Guilherme Ferraz, proprietário de terras e da concessionária de caminhões
Mercedes Benz, Luis Carlos Pagani, loteador, Nacib Salmen, dono da concessionária de
automóveis Ford, José da Silva Martha Filho, engenheiro, proprietário da maior construtora
de Bauru. As eleições municipais de 1968 demonstrariam a força desta conjugação político-
econômica: a candidatura majoritária de Alcides Franciscato.
(12) O empresariado
bauruense uniu-se contra a candidatura do populista Nicola Avallone Júnior a Prefeitura
municipal.
As propostas do Plano Diretor de 1967 preconizavam a inclusão de Bauru em uma
nova etapa econômica: a indústria. O sistema viário implantado seria conseqüência desta
opção. As ferrovias e o comércio tornar-se-iam secundários e a tecnocracia substituiria o
populismo como força política predominante. A partir de 1969 até o final da década de
1970, Bauru passa a sofrer alterações urbanas, inspiradas no Plano Diretor de 1967:
1. Construção do Viaduto João Coube sobre a Rodovia Marechal Rondon;
2. Duplicação das Avenidas Elias Miguel Maluf, Pinheiro Machado e do Viaduto Mauá;
3. Interligação dos setores norte e oeste: construção das Avenidas Waldemar G. Ferreira e
Daniel Pacífico;
4. Construção da Avenida Nuno de Assis entre o Viaduto JK até a Rua Araújo Leite;
5. Construção da Avenida Nações Unidas
(13).
_____________
12 LOSNAK, Célio José, op. cit., p. 92 – 93.
13 Plano Diretor de Bauru - 1996, op. cit., p. 84 – 85.
178
Planta urbana 29 – Viaduto João Coube sobre a Rodovia Marechal Rondon.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 46 – Viaduto João Coube. Elo entre o leste e o centro urbano.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
179
Planta urbana 30 – Avenida Pinheiro Machado.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 47 – Avenida Pinheiro Machado. Zona oeste da cidade.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
180
Planta urbana 31 – Avenida Elias Miguel Maluf.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 48 – Avenida Elias Miguel Maluf. Elo entre o centro e o oeste da cidade.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
181
Planta urbana 32 – Localização da Avenida Dr. Nuno de Assis.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 49 – Avenida Dr.Nuno de Assis. Saída do Viaduto JK.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
182
Planta urbana 33 – Localização da Avenida Nações Unidas.
Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. Escala – 1:10.000.
Foto 50 - Avenida Nações Unidas. Principal artéria urbana de Bauru.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
183
Foto 51 – Avenida Waldemar G. Ferreira.
Fonte: foto realizada pelo autor em 27 de julho de 2007.
Planta urbana 34 – Localização da Avenida Waldemar G. Ferreira. Elo entre a zona
oeste e norte da cidade. Fonte: Prefeitura Municipal de Bauru. E scala - 1:10.000.
184
Evidenciando a formação de um Estado tecnocrata após a tomada do poder pelos
militares em 1964, Losnak, op. cit., identificou sua estrutura na área de investimentos
urbanos:
..
.”No pós-64, o Estado criou vários órgãos e programas para investimentos urbanos, em
sua maioria ligada ao SFH e ao BNH. Alguns foram substituídos, subdivididos, outros
fracassaram, mas mantiveram uma tecnocracia que pretendia orientar o desenvolvimento
urbano. Com o Estado direcionando a economia para a predominância do capital
monopolista e internacional, cabiam-lhe os investimentos em infra-estrutura dos mais
variados aspectos: das rodovias necessárias ao transporte de mercadorias, passando pelo
escoamento do trânsito urbano, exigência e orientação de planejamentos urbanos, às
melhorias das condições ambientais (saneamento: captação e fornecimento de água e
canalização de esgoto, drenagem de rios) e da maioria de setores das classes
trabalhadoras”... (14)
As políticas de intervenção urbana planejadas em Bauru foram inauguradas no
governo Nuno de Assis. Pouco tempo antes da produção do Plano Diretor, o prefeito
ademarista constituiu uma empresa de construção habitacional. A COHAB foi instalada em
1966 e rapidamente passou a produzir os primeiros núcleos habitacionais. Jardim Redentor
I com 472 residências e Parque União com 305 foram os primeiros conjuntos entregues a
população, respectivamente em 1968 e 1969.
(15)
Como forma de promoção da propriedade privada e com o objetivo de assentamento
urbano de milhares de famílias que saíam do campo em um processo de intensificação do
êxodo-rural, a habitação popular foi a opção selecionada pelo Governo Federal e os demais
níveis de Poder. Dentro desta perspectiva, Maricato (1997) apresenta uma correspondência
da então Presidente do Banco Nacional de Habitação, Sandra Cavalcanti enviada ao
______________
14 LOSNAK, Célio José, op. cit., p. 189.
15 Plano Diretor de Bauru - 1996, op. cit., p. 43.
185
Presidente Castello Branco em 1964, esclarecendo as razões da escolha da política
habitacional popular:
...”Achamos que a Revolução vai necessitar agir vigorosamente junto às massas. Elas estão
órfãs e magoadas, de modo que vamos ter que nos esforçar para devolver a elas uma certa
alegria. Penso que a solução do problema de moradia, pelo menos nos grandes centros,
atuará de forma amenizadora e balsâmica sobre suas feridas cívicas”... (16)
A marca da política habitacional dos governos tecnocratas, alicerçava-se na
construção de grandes núcleos habitacionais. Impessoais, com uma “territorialidade lisa”,
ainda a ser preenchida, produzida pelas pessoas que ali se instalassem, a “casa popular”,
como é ainda hoje denominada genericamente pela população, constituiu-se em uma
inovação no período pós 1964. Diferentemente da política urbana do populismo
multiclassista, os tecnocratas compreendiam a cidade como força expressão da supremacia
de uma classe social e de seus interesses, sobre a totalidade do tecido social. A
administração Nuno de Assis, apesar de sua visão populista da sociedade, passou a
conduzir os processos de mudanças urbanas, que já era observado em muitas regiões do
país. O último período populista em Bauru identificou estas transformações, possibilitando
a conquista do poder pela tecnocracia burguesa, representada pela vitória eleitoral do grupo
de Alcides Franciscato nas eleições de 1968.
A paisagem urbana do final do populismo demonstrava ambigüidades: permanecia
como reflexo deste movimento político, com alicerces anteriores ao processo
revolucionário, enquanto que em seu âmago era produzida a ascensão do domínio técnico-
burguês. No interior do populismo bauruense nasce a tecnocracia, identificada com as
_____________
16 MARICATO, Erminia. Habitação e cidade. São Paulo: Atual, 1997, p. 49.
186
forças capitalistas da cidade. O Plano Diretor, o Escritório Técnico de Planejamento e a
COHAB foram reflexos destes momentos de metamorfose entre o populismo e a
tecnocracia. Nas eleições de 1968 o candidato vitorioso Alcides Franciscato venceu um dos
símbolos do populismo bauruense: Nicola Avallone Júnior. Irineu Bastos era seu candidato
a vice-prefeito. O populismo chega a sua conclusão através da derrota eleitoral de um de
seus maiores símbolos. Nicolinha e Irineu Bastos unidos representaram uma tentativa de
retorno ao poder. Objetivaram o regresso a uma temporalidade extinta. Jânio Quadros e
Adhemar de Barros haviam sido cassados. Os trabalhistas foram depostos em 1964. Uma
nova fase política surgia, produzindo uma nova paisagem, modificando as estruturas
urbanas. Entretanto, o período populista pode ser considerado como uma época de transição
entre as ferrovias, que construíram a cidade e a Bauru moderna, da atualidade. Os atores
políticos conduziram a transição entre estes dois momentos, estas duas temporalidades,
traduzidas em concepções urbanas diferenciadas, em paisagens distintas.
Octávio Pinheiro Brisolla, a maior personalidade do ademarismo bauruense, também
pode ser considerado o mais destacado político do período populista. Sua capacidade em
ultrapassar dois momentos da vida política brasileira é a demonstração inequívoca de que
sua figura e as marcas que deixou na política bauruense e na paisagem urbana se
confundiram com sua época. Poderia ela denominar-se a “Era Brisolla.” prefeito durante a
República Velha, político getulista nos anos 1930 e ademarista durante as décadas de 1950
e 1960, Octávio Pinheiro Brisolla soube expressar-se através de sua trajetória, as
metamorfoses políticas, econômicas e sociais do Brasil nesta cidade. Representou as
transformações entre a Bauru das ferrovias e do comércio, e a Bauru atual. Simbolizou esta
transição, determinando um populismo que iria sofrer somente um intervalo, durante a
administração Avallone Júnior. Os demais prefeitos, Irineu Bastos e Nuno de Assis que
187
compuseram este ciclo populista, eram ademaristas em sua origem. Nicola Avallone Júnior
estabeleceu-se como uma exceção a toda esta fase, um ator significativo, que adquiriu
importância como contraponto da figura maior da fase populista: Octávio Pinheiro Brisolla.
Prefeito duas vezes, em dois momentos distintos; vereador, Presidente da Câmara de
Vereadores durante os anos 1950; derrotado por duas vezes consecutivas na disputa pela
Prefeitura municipal e, finalmente deputado federal na legislatura 1963 – 1967, Brisolla
definiu uma época. Sua maior mágoa não se configurou nas derrotas para Avallone Júnior e
para Irineu Bastos. Este desalento ocorreu com a infrutífera tentativa pela reeleição em
1967.
(17) Sem recursos financeiros, a derrota ocasionou-lhe o agravamento de suas
condições de saúde, produzindo seu falecimento em 1970, fato próximo ao ocaso do
populismo na cidade de Bauru.
A vida política de Nicola Avallone no período populista, estende-se um pouco mais
em relação à de Octávio Brisolla. Porém, esta fase também marcou a conclusão de sua
participação vitoriosa na vida pública bauruense. Em 1968 é derrotado pelo grupo político
de Alcides Franciscato, no pleito visando à conquista da Prefeitura municipal. Em 1971,
ainda como deputado estadual, é cassado pelo Regime Militar. Mello op. cit expõe as
razões que o levaram a ser cassado, através de um relato do próprio Nicolinha:
...”
Fui cassado sem merecer porque atentei contra mafiosos... Investiguei a vida daquele
bando de sem-vergonhas que estava vendendo cotas de uma falsa fábrica de automóveis,
lembra? Diziam que a fábrica ia ser instalada num terreno lá em São Paulo, davam prazo
para a produção começar e tudo o mais. Rodei as indústrias de autopeças uma por uma para
saber se algumas delas iria fornecer material para a tal montadora e aí descobri que era tudo
enrolação... O problema é que alguns generais estavam envolvidos. Os meus inimigos da
_____________
17 Depoimento de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla, op. cit.
188
capital se uniram aos daqui e foram buscar lá no passado até aquela velha história dos
paralelepípedos. Forjaram documentos, inventaram, caluniaram até que conseguiram
convencer os milicos de que eu havia superfaturado as obras do asfaltamento da Rua 1º de
Agosto quando era prefeito em 1956. Foi uma belíssima economia que eu fiz , isso sim;
em vez de jogar no lixo como entulho, ordenei que arrancassem os paralelepípedos do
centro e usassem as mesmas pedras para pavimentar as ruas do bairro da Bela Vista. Mas a
oposição com inveja da minha idéia, armou um escândalo, fez o promotor quase pedir
minha prisão e não sossegou enquanto não me viu pagar pelo que não fiz. Perdi o mandato
de deputado estadual “.. (18)
A era populista em Bauru pode se sintetizada como uma tentativa de produzir o
moderno, sem destruir o antigo, ora questionando as antigas organizações urbanas, ora
preparando a cidade para os “tempos modernos”. O ademarista Octávio Pinheiro Brisolla,
a maior figura política desta fase, possuía preocupações sociais, com responsabilidade
sobre os negócios públicos. O janista Nicolinha, com sua capacidade empreendedora,
produziu marcas profundas na textura urbana de Bauru. Irineu Bastos e Nuno de Assis
foram símbolos e co-autores da transmissão entre o populismo e a “modernidade” da era
tecnocrata. Conjuntamente, construíram paisagens definidas, específicas, símbolos de uma
época, resultado de uma determinada temporalidade, que se expõe e que foi fixada no
tecido da cidade. Em sua exterioridade, a paisagem apresenta, através de percepção, o
passado de Bauru. Seu interior proporciona uma leitura infinita de relações urbanas e
temporais identificadoras de sua formação, traços de um cotidiano anterior, mas que
surpreende pela sua capacidade em transgredir o tempo. Em conseqüência, a paisagem
urbana apresenta-se como um conjunto de códigos específicos, processados como fruto da
atuação política sobre o espaço. A derradeira fase populista, construída pelos dois
______________
18 MELLO, Lucíus de, op. cit., p. 232 – 233.
189
últimos prefeitos, apresentou um universo de características ademaristas, janistas e
tecnocratas. Por intermédio deste período de sobreposição, nasceu a paisagem urbana
moderna de Bauru.
190
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A questão primordial que deu origem a opção pelo movimento populista em Bauru,
inseriu-se dentro de uma perspectiva específica. Esta cidade compôs meu cenário de vida
por décadas. Apesar de ter nascido e de ter vivido durante toda minha vida na cidade de
Agudos, comunidade próxima, meu relacionamento com Bauru se manifesta intensamente.
Desta forma, por fazer parte de minha história, Bauru representou muitas vezes uma
segunda comunidade, onde ocorre uma inserção cotidiana. Ao visualizar sua paisagem
urbana, alguns questionamentos básicos, surgiram-me paulatinamente. Quais seriam seus
significados? Quais os elementos que direcionaram sua produção? Estas perguntas
juntaram-se a outras, muito particularmente sobre uma determinada figura da esfera política
bauruense: Nicola Avallone Júnior. Ex-prefeito nos anos 1950 e deputado estadual, eleito
sucessivamente para três legislaturas, Nicolinha era conhecido por toda a região como um
político dinâmico e ousado. Quais as relações existentes entre este famoso ator político e as
paisagens que eu observava como perdidas, isoladas dentro da modernidade bauruense?
Consequentemente, a lógica interna desta pesquisa relacionou-se primeiramente com a
paisagem. Em seguida, a política surge como instrumento de análise sobre esta mesma
paisagem. Quanto à evolução do trabalho empreguei conceitos geográficos e da Ciência
Política adaptada a esses questionamentos, conduzindo um diálogo sobre a construção
teórica do conceito de populismo no Brasil. Determinei também o método dialético como
intermediador entre a realidade geográfica, a paisagem e o fenômeno político, o populismo.
Esta ferramenta metodológica possibilitou a análise da evolução do populismo ademarista e
janista, permitindo evidenciar e explicar as metamorfoses políticas de alguns atores sociais
191
entre 1948 e 1968, fase determinante deste movimento em Bauru. A pesquisa não poderia
ter se desenvolvido se os conceitos de paisagem e populismo não se definissem.
A paisagem demonstrou-se como categoria de importância capital para o
desenvolvimento desta dissertação. A paisagem urbana analisada em Bauru é reflexo do
fenômeno populista. Conjuntamente comportaram-se como integrantes do eixo central
deste trabalho. O reavivamento atual da paisagem para a Geografia está relacionado ao
desenvolvimento da Geografia Humanista, mais precisamente atrelada ao Culturalismo.
Caracterizando esta visão apresentei a posição de Jean-Marc Besse, um filósofo que
trabalha com questões de fundamentação da Geografia. Jean-Marc coloca a paisagem como
desaguadouro do modo com que as pessoas se comportam e se ajustam a sua própria
cultura. Na verdade, para o autor a paisagem se caracteriza como um invólucro que detêm
uma interioridade, cuja essência o geógrafo deve analisar. Milton Santos também coloca-se
como portador desta óptica, quando aponta as palavras do historiador Marc Bloch, sobre
esta categoria geográfica. Para ambos a paisagem é a memória viva de um passado
morto. Abordei a questão paisagística dentro desta óptica, relacionando-a com o poder
populista, apresentando-a como resultado da atuação da política como construtora do
urbano.
A preocupação com a conceituação de populismo também acompanhou-me nos
estágios iniciais da pesquisa. Esta inquietação já era observada no levantamento da
problematização, na formulação das hipóteses e no levantamento bibliográfico.
Consequentemente decidi discutí-lo, trazendo o posicionamento de inúmeros autores, que
dedicaram análises diferenciadas sobre o tema. Atualmente o populismo é proclamado
como um movimento político que detém uma definição estigmatizada, verificada tanto pela
população em geral quanto pela intelectualidade marxista e liberal. Desta forma, as práticas
192
populistas são consideradas como um conjunto de situações que descrevem o ator político,
alheio às estruturas partidárias, comunicando-se diretamente com o povo com o objetivo de
permanecer e usufruir-se do poder conquistado. Seu contacto com a população é direto,
sem intermediários. As organizações partidárias constituem-se em elementos legais para
possibilitar sua ascensão política. No contato com o povo, o carisma e o clientelismo são
práticas usuais. Entretanto, a postura conceitual empregada nesta dissertação diverge desta
tendência, trabalhando posicionamento contrário. O populismo, segundo esta orientação,
nasce na etapa de transição entre o Brasil rural e o Brasil moderno, no final dos anos 1920.
Período rico em metamorfoses, acentuadas pelo nascimento das massas urbanas. Esse
movimento passa a se constituir em um fenômeno político que visava englobar todas as
classes na nova sociedade que acabara de emergir.
A primeira grande experiência populista, conduzida pelo “reformismo social”,
nasceu no Rio de Janeiro nos anos 1930, através da atuação do prefeito carioca Pedro
Ernesto. O populismo multiclassista caracterizou-se como um instrumento que visava à
inclusão das grandes massas urbanas brasileiras ao processo sócio-econômico e político.
Durante o período populista no município de Bauru, constatando este processo, verificou-se
um grande crescimento populacional: em 1950 possuía 65.452 moradores, em 1960 atingia
o número de 92.099 e em 1970 passava a contar com 131.101 habitantes. (Fonte Seade) Em
conseqüência, ao analisar o populismo bauruense, empreguei a conceituação multiclassista,
construída pelo historiador Michael Conniff. Conclui que este movimento político procurou
dirigir-se a todos os segmentos sociais da cidade e suas respectivas demandas, com
diversificações entre as administrações janistas e ademaristas. Estas variações foram
identificadas por paisagens urbanas individualizadas.
193
Com a finalidade de compreender o populismo multiclassista atuante em Bauru,
deparei-me com a necessidade de estabelecer uma crítica a seus produtores, demarcando
semelhanças, distinções e proximidades ideológicas, por intermédio do mapeamento da
vida política de Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Esta análise foi elaborada com o
objetivo de esclarecer os fundamentos que os afastaram, tornando-os rivais, dividindo o
cenário político de São Paulo entre as décadas de 1950 e 1960. Em seguida, constatei que
tanto o ademarismo quanto o janismo originaram-se do multiclassismo. Estas duas
vertentes populistas tentavam atender às demandas e expectativas de todas as classes
sociais. Contudo, circunstâncias e posturas políticas as diferenciaram. A concepção de
Estado produziu diferenciações, gerando antagonismo e divergências políticas. Adhemar
utilizava-se dele para manter-se no poder, construindo uma poderosa máquina partidária, o
PSP que atrelava-se as organizações governamentais, usufruindo muitas vezes desta
situação. Jânio vislumbrava uma era de reformas políticas que transformaria as relações da
sociedade com o estado. O Estado janista era impessoal e austero. Em Bauru, a situação
inverteu-se. O ademarismo de Brisolla tratava os negócios públicos com parcimônia. O
janista Avallone Júnior conduzia a “coisa pública” como instrumento de poder,
estabelecendo muitas vezes relações privadas em seu domínio.
A evolução urbana bauruense definiu-se inicialmente, como produto do
estabelecimento das ferrovias, a partir do início do século XX. Além de sua atuação no
crescimento citadino, as ferrovias marcaram uma época onde o poder político estava nas
mãos das oligarquias. A paisagem urbana refletiu estas circunstâncias. A área ocupada de
Bauru estava relacionada até fins dos anos 1940, ao espaço produzido pelas ferrovias. O
Ribeirão Bauru e o Córrego das Flores demarcavam os limites urbanos, com exceção da
área de Vila Falcão a oeste, de Jardim Bela Vista ao noroeste e de Vila Antártica a nordeste
194
e adjacências. A partir da segunda metade dos anos 1950, o crescimento da cidade acentua-
se, surgindo novos bairros, distanciados do centro, em sua maioria carentes de infra-
estrutura. O período populista coincidiu com a rápida expansão urbana, protagonizada
principalmente a partir de 1956, pela administração municipal Nicola Avallone Júnior.
O populismo ademarista, definido nas administrações Octávio Brisolla e Nuno de
Assis, determinou algumas características que demarcaram a vida política e a organização
urbana bauruense. O arranjo espacial visualizado, ainda detinha características da época da
instalação das ferrovias: crescimento citadino era limitado aos limites dos vales dos
principais rios e a economia ainda baseava-se no comércio. Entretanto, em seu bojo já
continha aspectos do nascimento da modernidade que iria ser edificada nos anos
posteriores. O projeto das novas instalações da Prefeitura municipal, iniciadas no primeiro
governo Nuno de Assis prenunciou esta nova era, na cidade de Bauru. Conjuntamente com
a instalação do Hospital de Base, da Instituição Toledo de Ensino em 1951 e da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus em 1953 representaram o
alvorecer de uma paisagem, que paulatinamente adquiria novas feições urbanas. Esta
dialeticidade demonstra a vitalidade das novas forças políticas surgidas após a Segunda
Guerra Mundial e a redemocratização ocorrida no país em 1946. O ademarismo em São
Paulo constituiu-se como o resultado do desdobramento deste original momento histórico,
que iria descortinar-se urbanisticamente pelo interior paulista, através da atuação de seus
elementos a frente do poderes municipais.
A versão ademarista do populismo bauruense encerrava-se em aspectos dissociados
de sua matriz estadual. A distinção essencial consistia-se em visões antagônicas sobre o
Estado. O ademarismo de Brisolla e de Nuno de Assis possuía uma vertente original.
Consideravam a coisa pública como dissociada do universo privado. O ademarismo oficial
195
colocava o Estado a seu serviço, como seu usufruto, com o intuito de manter-se no poder
indefinidamente. Porém, tanto Adhemar quanto Brisolla caracterizavam-se por tentar
responder aos anseios de todas as classes sociais, constituindo-se em uma versão do
populismo multiclassista. Octávio Pinheiro Brisolla considerava o poder estatal como
instrumento de atendimento a todos, sem distinção econômica e social. Os problemas
urbanos da atualidade bauruense não são reflexos da atuação do grupo ademarista à frente
da Prefeitura de Bauru, ao contrário apresentam-se como resultado de seu contraponto
político, Nicola Avallone Júnior e sua inserção na malha urbana.
A antítese ademarista evidenciou-se pela ascensão do grupo janista ao poder político
bauruense, capitaneada por ‘Nicolinha’, nas eleições majoritárias mais disputadas da
história do município. Avallone Júnior constituiu-se em uma versão diferenciada do
populismo derrotado em 1955. Definia-se um desenvolvimentista com tintas janistas. Uma
argamassa difícil de ser consolidada. O janismo detinha feições dissociadas do ademarismo
regional. Considerava que a cidade de Bauru deveria desvincular-se de sua herança
ferroviária e do comércio. Consequentemente, a atuação do Estado, no caso específico o
poder público local, deveria comportar-se como instrumento de viabilização destas
transformações. No emaranhado de modificações na estrutura urbana de Bauru, conduzidas
pela atuação de Nicola Avallone Júnior, ora como administrador, ora como dimensionador
e oficializador destes loteamentos, o caos urbano projetou-se no futuro.
Um terceiro momento do período populista coordenou-se com o governo Irineu
Bastos e a segunda administração Nuno de Assis. Constituíram uma síntese do processo em
curso, pois possuíram elementos tanto janistas quanto ademaristas. O próprio Irineu Bastos
era um antigo correligionário de Brisolla, tornando-se candidato de Nicolinha, à sua
sucessão em 1959, devido às contingências políticas da época. Direcionou sua conduta
196
como prefeito, divergindo das posturas de seu antecessor. Poucos loteamentos foram
autorizados. A mancha urbana permaneceu, sem grandes alterações quantitativas. Sua
marca como gerenciador público o remete às características de seu grupo político original.
A instalação da FOB garantiu a permanência de um componente ademarista em sua
administração.
O segundo governo de Nuno de Assis encerrou a fase populista. Originariamente
ademarista, a posição política do prefeito caminhava a passos largos para metamorfoses
estruturais. A concepção urbana de Bauru passou a sofrer influência da política nacional,
pois os governos militares passaram a construir novas opções para o direcionamento das
aglomerações citadinas. Estas novas orientões basearam-se na concepção burguesa da
sociedade. A tecnocracia instituiu-se como instrumento que as viabilizou, associando-se ao
poder do capital, construindo novos parâmetros urbanos e sociais. O período de Nuno de
Assis frente à Prefeitura municipal possibilitou a geração deste poder tecnocrata. A
constituição do Escritório de Planejamento, a confecção do Plano Diretor em 1967 e o
estabelecimento da COHAB redirecionaram a política urbana, antes associada ao
populismo e a sua maneira de visualizar a cidade. O populismo passou a ser extinto
gradativamente, enquanto que a tecnocracia despontou como instrumento hegemônico do
capital sobre a cidade. O ano de 1968 demarca claramente o nascedouro de uma nova fase
política. A paisagem urbana produzida na fase Nuno de Assis compreende o princípio do
movimento de transformação social, política e urbana de Bauru.
A razão motivadora desta pesquisa está relacionada a dois fatores preponderantes: a
figura de Nicola Avallone Júnior, célebre político bauruense e a algumas paisagens urbanas
desta cidade que transmitiam para mim uma sensação de “desencaixe”, não pertencente a
Bauru moderna, muito menos a Bauru relacionada aos tempos da “Noroeste do Brasil”. Os
197
bairros sem infra-estrutura, distantes do centro urbano, a antiga TV Bauru, o antigo prédio
da Faculdade Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração de Jesus, o Viaduto Mauá, as
instalações da Instituição Toledo de Ensino, o Hospital de Base... Símbolos de uma época?
Mas qual temporalidade, produzida por quais fatores urbanos, econômicos e políticos?
Estaríamos nos referindo a uma época de transição? Um período entre a Bauru dos “trilhos”
e a Bauru moderna, traduzida pelo desenvolvimento da área de serviços? Questões que
freqüentemente me deixavam perplexo! A análise do período populista e de sua
conseqüente paisagem urbana conduziu-me a reflexões que orientaram-me em respostas
conclusivas.
O período populista em Bauru constituiu-se em uma época de transição. Fase entre
dois universos distintos: a Bauru das ferrovias e a Bauru das Universidades, da Avenida
Nações Unidas, da Avenida Getúlio Vargas, da pujante área de serviços da
contemporaneidade. Entretanto, cabe-me evidenciar, ao término destas considerações, a
força de uma personalidade que marcou indelevelmente a história política da Sem limites:
Octávio Pinheiro Brisolla representou esta época de transição, passagem entre as velhas
oligarquias da República Velha e a tecnocracia. Os bauruenses sempre consideraram
Nicolinha como a figura máxima do período populista. Contudo, este atributo não lhe
pertence. Brisolla tornou-se o símbolo verdadeiro de uma época, que vivenciou
profundamente. O ‘velho ademarista’ caracterizava-se por nortear seu comportamento por
valores éticos, imprimindo uma conduta irrepreensível no trato com a ‘coisa pública’.
Iniciando sua carreira política em 1919 como prefeito, completando-a em 1967 com a
tentativa infrutífera de reeleger-se deputado federal, Octávio Pinheiro Brisolla atravessou
universos políticos diferentes, épocas diferentes, convivendo com poderes políticos e
econômicos antagônicos. Permaneceu ininterruptamente com as mesmas características:
198
irredutível, inflexível quanto às suas convicções políticas, construindo em conjunto com
seus companheiros, uma força política produtora de espaços urbanos harmônicos, cuja
paisagem tornou-se símbolo, ultrapassando as fronteiras temporais.
Adentrando novamente às indagações levantadas ao iniciar-se este trabalho, objetivo
retomá-las, apresentando ao leitor os resultados desta investigação de maneira sucinta. O
problema central que viabilizou a pesquisa inseriu-se no seguinte questionamento: um
fenômeno político pode condicionar a produção de uma paisagem urbana diferenciada? A
conseqüente resposta baseia-se na afirmação de que o populismo criou uma paisagem
urbana característica, dissociada da Bauru das ferrovias, das oligarquias da República
Velha e do período getulista, cujas estruturas urbanas estiveram associadas a estas
temporalidades. Estas diferenciações podem ser observadas através de paisagens urbanas
definidas: a Bauru das ferrovias apresentando uma evolução citadina delimitada pelos vales
dos principais rios, detentora de uma sólida infra-estrutura urbana.
O questionamento seguinte fundamentou-se na seguinte possibilidade: dentro do
movimento populista surgiram diferenciações que também deixaram sinais de sua atuação,
por intermédio de paisagens diferenciadas? Esta resposta caminha no sentido de evidenciar
a existência de dois movimentos populistas de Bauru: janistas e ademaristas degladiaram-se
pelo controle político da cidade, com acentuada predominância do grupo ademarista.
Apesar dos depoimentos de vários memorialistas e historiadores bauruenses demonstrarem
poucas variações ideológicas entre estes sub-movimentos políticos, cumpre-me salientar
que me oponho a este posicionamento. Durante a evolução da pesquisa constatei que,
grandes diferenciações entre estes grupos foram comprovadas. O ademarismo bauruense
possuía um alto grau de antagonismo ideológico com sua matriz e sua maior personalidade
Octávio Pinheiro Brisolla era detentor de um alto grau de responsabilidade pública.
199
Entretanto, permaneceu ademarista por toda sua vida. Retrato fundamental das paixões
políticas. Em relação a visão sobre o desenvolvimento urbano, os ademaristas diante do
poder público municipal, caracterizaram-se por um expressivo comedimento com o
crescimento da cidade. Grandes loteamentos não foram introduzidos e a urbe concentrava-
se entre seu centro e alguns bairros adjacentes como Jardim Bela Vista, Vila Falcão, Vila
Seabra e Vila Antártica. Em relação às políticas públicas que também geraram paisagens
urbanas definidas, os ademaristas atuaram na área de saúde, construção do Hospital de Base
e no desenvolvimento da Educação Superior como a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras do Sagrado Coração de Jesus e a Instituição Toledo de Ensino. Os alicerces, da face
harmoniosa da modernidade bauruense estabeleceram-se durante suas administrações.
A outra vertente populista caracterizou-se pelo predomínio janista, configurada na
administração Nicola Avallone Júnior. Ao contrário do grupo ademarista, Nicolinha
visualizava grandes transformações no tecido urbano de Bauru, bem como em sua
dependência para com as ferrovias e o comércio. O resultado desta interferência maciça na
evolução citadina é observado com nitidez no estabelecimento de bairros periféricos sem
infra-estrutura. Consequentemente, um crescimento desordenado é observado: 33
loteamentos foram registrados no governo Avallone Júnior. A faceta problemática da
modernidade nasceu nestes anos. Portanto, categoricamente pode-se afirmar que existiram
diferenciações entre estes sub-movimentos políticos. O ademarismo propunha-se assegurar
o ambiente urbano do período hegemônico das ferrovias, ressaltando novas conquistas
sociais por intermédio da Educação Superior. O janismo aventava uma cidade voltada para
a modernidade, visualizada no horizonte. Para que isto acontecesse, a cidade necessitaria
desenvolver-se a “todo custo”, direcionando possíveis soluções aos problemas acarretados
com o crescimento urbano artificial, em um futuro ainda incerto. Com estas afirmações
200
pretendo oferecer uma resposta a outra questão básica levantada: janistas e ademaristas
possuíam posicionamentos ideológicos diferenciados? Suas atuações políticas na
construção na produção de paisagens específicas, identificam a veracidade de visões de
mundo antagônicas.
O universo ademarista bauruense definiu uma fase cujo equilíbrio político
projetou uma organização urbana moderada, sem grandes modificações em sua estrutura.
Seu contraponto, o governo Avallone Júnior desenvolveu uma atividade política
desenfreada, fragmentando a malha urbana bauruense. A síntese deste processo político é
determinada no período vivenciado pelos prefeitos Irineu Bastos e Nuno de Assis,
completando o ciclo populista, proporcionando a junção de elementos ademaristas e
janistas, convivendo no interior de uma fase híbrida e produzindo, em seu término, a gênese
do poder tecnocrata. Desta forma, o processo espaço-temporal que produziu esta complexa
problemática está circunscrita no imaginário de uma geração de bauruenses, que
vislumbrou a política populista como mecanismo de inserção social e na concretude isolada
de suas paisagens urbanas.
Enfim, a cidade é a expressão material das diversas forças que agem no espaço.
Ela é fruto, na sua materialidade e na memória daqueles que nela vivem, do processo
histórico mediado pelas intencionalidades dessas forças políticas, econômicas e sociais.
Não é abstração, percepção, nem representação, mas a cidade é a expressão concreta da
ontologia possível do espaço, onde a paisagem urbana apresenta os registros materiais
realizados pelos homens; constituindo-se em uma inscrição que deve ser lida, um texto que
deve ser desvendado.
201
FONTES.
FONTES IMPRESSAS.
A Revista – nº 1, set. 1993.
A Verdade – exemplares avulsos de1956 a 1959.
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Diário de Bauru – exemplares avulsos de 1948 a 1965.
Folha do Povo – exemplares avulsos – década de 1950.
Jornal da cidade – JC nos bairros, 07 mai. 2007.
Museu Histórico Municipal.
Núcleo de Pesquisa e Documentação Histórica de Bauru e Região.
Plano Diretor de Bauru – 1967 – SEPLAN.
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Revista Atenção – nº 270, setembro 2006.
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CD-ROM.
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ENTREVISTAS.
Adelmo Bertusi – assessor técnico da Secretaria de Planejamento de Bauru – Entrevista
realizada em 28 de novembro de 2006.
Gabriel Ruiz Pelegrina - memorialista bauruense e diretor do Núcleo de documentação e
pesquisa histórica de Bauru e região. Entrevista realizada em 21 de novembro de 2006.
Irineu Azevedo Bastos – historiador bauruense e filho do ex-prefeito Irineu Bastos.
Entrevista realizada em 12 de novembro de 2006
203
Marco Aurélio Pinheiro Brisolla – antigo vereador e filho de Octávio Pinheiro Brisolla.
Entrevista realizada em 08 de dezembro de 2006.
Muricy Domingues – antigo udenista, Professor Doutor e ex-Chefe de Gabinete da Reitoria
da Universidade do Sagrado Coração. Entrevista realizada em 17 de dezembro de 2006.
Nilson Ferreira da Costa – antigo vereador, ex-deputado estadual no período populista e ex-
prefeito de Bauru. Entrevista realizada em 07 de dezembro de 2006
Paulo Pereira Rangel – antigo vereador do período populista. Entrevista realizada em 06 de
novembro de 2006.
FONTES VISUAIS.
Arquivo pessoal de Gabriel Ruiz Pelegrina.
Arquivo pessoal de Giro Ishicava.
Arquivo pessoal de Irineu Azevedo Bastos.
Arquivo pessoal de Marco Aurélio Pinheiro Brisolla.
Associação Hospitalar de Bauru.
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