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enunciação lingüística (no sentido estrito do termo, quer dizer análise de categorias como a dêixis
ou as modalidades) e as da argumentação” (p.116). Assim, Fuchs, embora acredite que, por
exemplo, Ducrot (que mais uma vez aparece) tenha sua temática (a argumentação) oriunda da
lógica, está consciente de que as teorias das linguagens formais defendem a “independência (...)
dos três planos, da sintaxe (relações signo-signo), da semântica (relações signos-objetos) e da
sintaxe (relações signos-utilizadores), e a hierarquia sintaxe → semântica → pragmática” (p.116)
e que “este postulado duplo da independência mútua dos três níveis e da hierarquia entre eles é
recusado pelos defensores de uma abordagem enunciativa da linguagem (dita “natural” em
oposição às linguagens formais): por exemplo, por Culioli e Ducrot” (p.116)
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Acreditamos ser necessário um parêntese para uma breve exposição da teoria de Oswald Ducrot – embora
trazendo apenas caracteres mais gerais –, à medida em que ela é tão marcadamente citada no texto de Cathérine
Fuchs. Dessa forma esperamos explicitar o que há de “herança” das linhas apresentadas pela autora em Ducrot.
No texto “Por uma abordagem argumentativa da linguagem”, Barbisan (2004a) afirma:
Oswald Ducrot, o criador da Teoria da Argumentação na Língua, recusa-se a considerar, para a descrição semântica
de uma língua, a realidade, o mundo de que fala a linguagem. Em artigo de 1999, ele afirma sua posição
estruturalista, segundo a qual a realidade só pode ser acessível por meio de representações que o falante dá dessa
realidade. Quando se fala, representa-se pela linguagem o objeto da fala. A linguagem é vista como uma forma de
apreender as coisas do mundo de que se fala. Não se considera, na perspectiva estruturalista, o exterior lingüístico; ao
contrário, pensa-se a atividade de linguagem em si mesma, criando sentido a partir de si mesma. (p.60-61)
A Teoria da Argumentação na Língua (TAL), portanto, assim como faz a teoria benvenistiana, filia-se ao
pensamento estruturalista (saussuriano), ampliando-o. Essa ampliação se dá com a “introdução da figura do
locutor, que recria o mundo pela linguagem”, na interação com o seu interlocutor, “e no princípio sobre o qual a
teoria se assenta: o de que a função primeira da linguagem é a de argumentar” (p.61). Diz Ducrot (1977, p.13)
que “o ato lingüístico fundamental será o de impor ao interlocutor tal ou tal tipo de resposta, impedindo
simultaneamente tal ou tal outro. O enunciado se definirá então pelas possibilidades de resposta que abre e por
aquelas que fecha”.
Barbisan explica que Ducrot foca seu estudo no que ele denomina encadeamento argumentativo, que é a
direção que o locutor quer imprimir ao sentido no discurso. Assim, poderíamos concordar com Fuchs quando ela
afirma que Ducrot, de certa forma, seguiria a lógica, no sentido de que seu estudo gira em torno da argumentação
e do “conjunto das possibilidades ou impossibilidades de continuação; quer dizer, de encadeamento que seu
emprego determina” (BARBISAN, 2004a, p.62). Entretanto, é importante destacar que, na TAL, “o sentido não
preexiste ao enunciado; ao contrário, ele se constitui no enunciado, no uso que o locutor faz da linguagem”
(p.71), portanto, “a conclusão não decorre só do fato, mas também da forma lingüística, porque a argumentação
está marcada na própria palavra, na língua” (p.72), o que é essencialmente distinto de um conclusão na lógica
inferencial, em que a conclusão depende das condições de verdade do que é dito, resultando portanto, não da
argumentação interna à língua, mas de constatações baseadas no mundo concreto.
Da mesma forma, o locutor tem na TAL um caráter diferenciado daquele que aparece na retórica (mesmo que
os gregos se preocupassem com a questão da persuasão). Ducrot, questionando a univocidade do sujeito falante,
diferencia três instâncias: o sujeito empírico (autor efetivo do enunciado, que não é da alçada do lingüista), o
locutor (personagem fictícia, responsável pelo enunciado) e o enunciador (origem dos diferentes pontos de vista
que o locutor expressa no enunciado, ou como chama Ducrot, pontos de perspectiva abstratos) (p.68).
Podemos citar, ainda, o texto “Polifonia: origem e evolução do conceito em Oswald Ducrot”, de Barbisan e
Teixeira, em que as autoras afirmam que é das noções de modus e dictum tal qual trabalhadas por Bally que
Ducrot “parte para conceber sua teoria da polifonia” (p.163), porque Bally, segundo Ducrot, abre “a
possibilidade de que o pensamento comunicado não seja o do sujeito falante” (p.163), indo ao encontro da crença
de Ducrot, segundo a qual há polifonia nos enunciados, isto é, mais do que uma voz se manifesta em um
enunciado, há “a possibilidade de um desdobramento enunciativo dentro do próprio enunciado, à maneira de
uma encenação teatral em que atuam diferentes personagens” (p.162). Ainda segundo Barbisan e Teixeira,
existem duas diferenças fundamentais entre a concepção de Bally, por exemplo, e a das teorias dos atos de fala –
essas ligadas diretamente à lógica. Teorias como a de Bally se ocupam da “análise do pensamento”, enquanto as
dos atos de fala “da atividade de comunicação”. A segunda questão se refere ao fato de que