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sentido, devemos antecipar que alguns flagelos, a partir do século III, caíram em desuso
ou foram substituídos por outros.
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Em relação ao tempo da perseguição empreendida por Décio, conta-nos Eusébio:
Quantas e quantas coisas sofreram aqueles que professaram a fé
cristã, além do cárcere e dos tormentos corporais, quantas
penalidades suportaram na armadilha que esticava suas pernas até
quase retirá-las do corpo, além das queimaduras feitas com o fogo, e
como ainda resistiam, não os matavam, tinham que morrer por seus
próprios meios (Hist. Eccl. Livro VI).
Como pode ser observado, trata-se, na verdade, de uma série de ações supliciais
sobre o corpo. Raramente encontramos Eusébio descrevendo uma situação de flagelo
que seja uma execução sumária, sem preliminares. Quanto a isso, era recorrente o ato
de pendurar o indivíduo pelas extremidades de seu corpo a fim de provocar a extensão
máxima de todos os membros, ao mesmo tempo em que um outro soldado imprimia
chagas com o uso de ferro, perfurando todo o corpo. A esse respeito, menciona
Eusébio:
Alguns tinham o nariz cortado, as orelhas e as mãos e foram
mutilados e divididos em outros membros do corpo como aconteceu
em Alexandria (Hist. Eccl. Livro VIII).
Aliás, em relação à cidade de Alexandria, Brown (1990, p. 141) afirma que se
tratava de uma localidade famosa por sua lei de linchamento, prática recorrente nos
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No caso da summa execução, a execução da penalidade máxima, a morte, notamos que a adoção da
crucificação, prevista pela lex horrendi carminis, segundo Cantarella
(1996, p. 175), nos primeiros anos
da Era cristã, se resumia a envolver o condenado a uma corda e amarrá-lo a uma árvore deixando-o a sua
própria sorte. Não havia, de início, um instrumento específico para a crucificação. Além do mais, a
crucificação era empregada como punição destinada aos escravos. Sob este aspecto, Grodzynsky (1984, p.
367) complementa que a crucificação, mesmo destinada aos escravos, deixou de ser utilizada, visto que,
apesar de seu ritual assegurar o tormento prolongado, ação prevista e desejada a uma penalidade, este tipo
de execução remetia, no entanto, no decorrer do Baixo Império, ao martírio de Cristo e passou a ser
considerada entre os cristãos como o símbolo do suplício e exemplo máximo de fé. Deste modo, tal
execução deixou de ser utilizada, talvez para não criar semelhanças entre os cristãos penalizados com a
morte e o suplício do próprio Cristo. De qualquer forma, não encontramos na História Eclesiástica
nenhuma menção de execuções realizadas por meio de crucificação, de maneira que as execuções citadas
por Eusébio são as mesmas prescritas no sistema penal romano.