A França, minha filha, está numa situação precária que só é conhecida pelo
rei e alguns espíritos elevados; mas o rei é uma cabeça sem braços; além
disso, os grandes espíritos que partilham o segredo do perigo não têm
nenhuma autoridade sobre os homens que devem ser utilizados para se
chegar a um resultado feliz. Esses homens, vomitados pela eleição popular,
não querem ser instrumentos. Por mais notáveis que sejam, continuam a obra
de destruição social, ao invés de nos ajudar a consolidar o edifício. Em duas
palavras, não há mais do que dois partidos: Mário e Sila; eu sou por Sila
contra Mário. Eis em bloco nosso assunto. Em detalhe, a Revolução
continua, está implantada na lei, está escrita no solo, está sempre nos
espíritos; é tanto mais formidável por parecer vencida para a maioria desses
conselheiros do trono, que não lhe vêem nem soldados, nem tesouro. O rei é
um grande espírito, vê as coisas claras; mas, dia a dia, conquistado pelos
adeptos do irmão, que querem ir demasiado depressa, ele não tem dois anos
de vida, e esse moribundo arranja as suas cobertas para morrer tranqüilo.
Sabes, minha filha, quais são os efeitos mais destruidores da Revolução?
Jamais os suspeitarias. Ao cortar a cabeça de Luís XVI, a Revolução cortou
a cabeça de todos os chefes de família. Hoje não há mais família, há somente
indivíduos. Ao querer tornar-se uma nação, os franceses renunciaram a ser
um império. Ao proclamar a igualdade de direitos à sucessão paterna,
mataram o espírito da família, criaram o fisco. Prepararam, pois, a fraqueza
das superioridades e a força cega da massa, a extinção das artes, o reinado do
interesse pessoal e abriram caminho à conquista. Achamo-nos entre dois
sistemas: ou construir o Estado pela família, ou constituí-lo pelo interesse
pessoal: a democracia ou a aristocracia, a discussão ou a obediência, o
catolicismo ou a indiferença religiosa, eis a questão em poucas palavras.
Pertenço ao pequeno número dos que querem resistir ao que se denomina
povo, no próprio interesse deste. Não se trata mais de direitos feudais, como
se diz aos ingênuos, nem de fidalguia; trata-se do Estado, trata-se da vida da
França. Todo país que não se baseia no poder pátrio fica sem existência
assegurada. Aí começa a escala das responsabilidades, e a subordinação que
ascende até o rei. O rei somos nós todos! Morrer pelo rei é morrer por si
mesmo, pela própria família, a qual não morre, da mesma forma que não
morre o reino (BALZAC. 1994 p.237-238).
Este é o discurso utilizado pelo pai de Luíza para conseguir que ela abra mão de sua parte na
herança da avó em favor do irmão, cujo objetivo era adquirir terras. A visão política do pai de
Luíza mostra sua preocupação com o estabelecimento da democracia. Ele temia que, com o
poder político nas mãos do povo, o Estado sucumbisse na desordem, desencadeando uma luta
por interesses pessoais e não nacionais, o que poderia culminar na desagregação da família,
das artes, da fé e da própria França. Afinal, segundo ele, o poder de um país é composto pelas
famílias ricas, cujos membros têm como interesse comum a defesa do tesouro monetário.