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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA
JOSÉ CARLOS JADON
SUCESSO E SALVAÇÃO
Estudo semiótico comparativo entre os discursos televisivos das
Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica Apostólica Romana
no Brasil
São Paulo
2009
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2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA
SUCESSO E SALVAÇÃO
Estudo semiótico comparativo entre os discursos televisivos das
Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica Apostólica Romana
no Brasil
José carlos Jadon
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Semiótica e
Linguística Geral do Departamento de
Linguística da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Doutor em Letras.
Orientador: Profa. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros
SÃO PAULO
2009
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3
Para Deus, para minha esposa Gláucia, luz da
minha vida, e para os meus filhos Carlos Eduardo,
Marcus Paulo, Juliana e Luís Felipe.
4
AGRADECIMENTOS
À Profª Drª Diana Luz Pessoa de Barros, pela competência ímpar, meticulosidade e
paciência na orientação desta tese. Este trabalho certamente não teria tomado
corpo sem a sua preciosa orientação.
À Profª Drª Norma Discini, pelas inesquecíveis aulas e importantes sugestões
dadas durante o transcorrer do meu curso de doutorado em Semiótica e Linguística
Geral, na USP.
A todos os professores do pós-graduação, doutorado em Semiótica e Linguística
Geral da USP, a cujas aulas e palestras tive oportunidade de assistir, em especial
aos professores José Luiz Fiorin e José Vicente S. Pietroforte.
Aos meus amigos professores Fernando Herren Fernandes Aguillar e Jairo Postal,
pelo incentivo à continuação das pesquisas, nos meus momentos de cansaço e
desânimo frente a tanto trabalho.
A meu pai Júlio Jadon (in memorian), professor brilhante, de quem herdei o amor
pela arte de ensinar; à minha mãe Laura e à minha irmã Yamara, sempre presentes
nos momentos importantes de minha vida.
Aos amigos diretores, pró-reitores, reitor e chanceler da Universidade São Judas
Tadeu, cujo incentivo colaborou sobremaneira com a realização deste trabalho.
5
RESUMO
Esta tese é um estudo, com bases na Semiótica de linha francesa, dos
discursos televisivos de duas Igrejas de confissão cristã no Brasil: a neopentecostal
Universal do Reino de Deus (IURD) e a Católica Apostólica Romana (IC). Desde a
década de 1970, pesquisas têm revelado um considerável êxodo de fiéis católicos
para as Igrejas protestantes neopentecostais. O aumento dessa mobilidade
religiosa acompanhou a multiplicação do número de programas televisivos de
pregação. O novo gênero da pregação religiosa de televisão passou a ser de tal
forma utilizado para a divulgação das ideologias religiosas, que ambas as Igrejas
tornaram-se proprietárias de redes de emissoras de TV. Hoje, além da Rede
Record (IURD) e Rede Vida de Televisão (IC), muitas são as emissoras que
transmitem os inúmeros programas de pregação religiosa pelo Brasil e pelo mundo.
Diante do fenômeno da disseminação de programas desse gênero e, regidos pelas
Semióticas greimasiana tradicional e tensiva, descrevemos, analisamos e
comparamos as estratégias persuasivas, as paixões, os aspectos tensivos, as
estratégias de manipulação, enfim, os mecanismos de significação desenvolvidos
pelos pastores e padres-apresentadores dos programas televisivos dessas duas
congregações, para, em uma última etapa, estabelecer os ethé discursivos das
Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica Apostólica Romana.
Palavras-chave: Semiótica, pregação religiosa de televisão, persuasão, éthos,
paixões, tensões, manipulação, Igreja Católica, Igreja Universal do
Reino de Deus.
6
ABSTRACT
This thesis, based on Semiotics of French orientation, is a study on the
discourses used on TV by two Christian churches in Brazil: the Neo-Pentecostal
Universal Church of the God’s Kingdom (IURD) and the Roman Apostolic Catholic
Church (IC). From the 1970s on, researches have revealed a considerable exodus
of Catholics to Neo-Pentecostal Protestant churches. The increase in this religious
mobility followed the multiplication of religious preaching on TV. This new genre of
religious preaching has been so intensively used in the spreading of religious
ideologies that both churches have become owners of TV nets. Nowadays, besides
Rede Record (IURD) and Rede Vida de Televisão (IC), many other TV stations
present a large number of religious programs to Brazil and the world. Motivated by
this phenomenon and based on traditional and tensive Greimasian Semiotics, we
describe, analyze and compare persuasive strategies, passions, tensive aspects,
and manipulating strategies in other words, all signification mechanisms
developed by pastors and priests presenting television programs for either
congregations, in order to finally set forth the discursive ethé of The Universal
Church of God’s Kingdom and the Roman Catholic Church.
Keywords: Semiotics, religious preaching on TV, persuasion, éthos, passions,
tensions, manipulation, Catholic Church, Universal Church of God’s Kingdom.
7
RÉSUMÉ
Cette thèse est un étude, avec ses bases dans la Sémiotique d’orientation
française, des discours de deux églises chrétiennes au Brésil: la o-Pentecostal
Universal du Royaume de Dieu (IURD) et l’Église Catolique Apostolique Romaine
(IC). À partir des années 1970, des recherches ont révélé un considérable exode de
fidèles catholiques vers les églises protestantes néo-pentecostales. L’augmentation
de cette mobilité religieuse a suivi la multiplication du numéro de programmes de TV
de prédication réligieuse. Ce nouveau genre de prédication réligieuse à la TV a été
tellement employé pour la divulgation des idéologies réligieuses que les deux
églises ont acquises des stations d’émission de TV. Aujourd’hui, en plus que la
Rede Record (IURD) et la Rede Vida de Televisão (IC), il y a beaucoup de stations
d’émission de TV qui montrent une infinité de programmes qui prêchent la réligion
au Brésil et au monde. Devant cette phénomène de dissemination de programmes
de ce genre, et appuyés sur la Sémiotique greimasienne et tensive, nous décrivons,
analysons et comparons les stratégies persuasives, les passions, les aspects
tensifs, les stratégies de manipulation, enfin, les mécanismes de signification
développés par des pasteurs et des prêtres présentant des programmes de
télévision de ces deux congrégations, pour finalement établir les ethé du discours
des églises Universal du Royaume de Dieu et de l’Église Catholique Apostolique
Romaine.
Mots-clefs: sémiotique, prédication réligieuse à la TV, persuasion, éthos, passions,
tensions, manipulation, Église Catholique, Église Universal du Royaume de Dieu.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1: Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na Rússia........................19
Ilustração 2: Templo da IURD na Inglaterra............................................................19
Ilustração 3: Templo da IURD no Rio de janeiro, Brasil .........................................21
Ilustração 4: A gênese do gênero pregação religiosa de televisão.........................77
Ilustração 5: O Mal, obstáculo entre o sujeito e o objeto de valor...........................91
Ilustração 6: A IURD “adjuvante”............................................................................92
Ilustração 7: Instauração do sujeito envergonhado no discurso da IURD..............99
Ilustração 8: Do desespero à felicidade................................................................102
Ilustração 9: Transformação do sujeito envergonhado em esperançoso.............132
Ilustração 10: Os 318 pastores da IURD sobre o altar..........................................141
Ilustração 11: Padre Fernando J. C. Cardoso, apresentador do programa
O pão nosso de cada dia..................................................................176
Ilustração 12: Imagem inicial do programa Encontro com Cristo..........................198
Ilustração 13: Padre Alberto Luiz Gambarini.........................................................198
Ilustração 14: Padre Gambarini ostentando o Santíssimo Sacramento................200
Ilustração 15: O Santíssimo Sacramento..............................................................202
Ilustração 16: Padre Gambarini abençoa a água..................................................213
Ilustração 17: capa do livro Cura das emoções em Cristo....................................223
Ilustração 18: capa do livro Batalha espiritual.......................................................225
Ilustração 19: Metáfora “Pai espiritual”..................................................................234
Ilustração 20: Inversão da orientação da manipulação na prece..........................235
Ilustração 21: Padre Marcelo Rossi......................................................................238
Ilustração 22: Idem................................................................................................239
Ilustração 23: Telespectador pede orações...........................................................241
Ilustração 24: Pedido do sujeito invejado para afastar-se da inveja.....................253
Ilustração 25: Pedido do sujeito invejoso para afastar-se da inveja.....................253
Ilustração 26: ciclo de assujeitamento fiel / IURD.................................................293
Ilustração 27: A IURD, com seu éthos onisciente e onipresente,
coloca-se no mesmo lugar enunciativo Deus.................................296
Ilustração 28: A Igreja Católica e seu papel de intermediadora............................299
Ilustração 29: Incursão ao âmago do telespectador por meio da
9
construção de simulacros negativos................................................301
.
Ilustração 30: Pregação religiosa católica tradicional de televisão.........................301
Ilustração 31: A pomba nos símbolos católico e iurdiano.......................................310
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1: Da impossibilidade à realização........................................................104
Esquema 2: Contrato oferecido pelos programas de pregação da IURD..............118
Esquema 3: Algumas paixões do /querer-ser/.......................................................139
Esquema 4: Testemunhos vs. citações bíblicas....................................................203
Esquema 5: Fidúcia...............................................................................................220
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: O quadrado semiótico.............................................................................33
Gráfico 2: Tensividade.............................................................................................36
Gráfico 3: Valores de absoluto e de universo no gráfico tensivo.............................37
Gráfico 4: Valores e valências.................................................................................39
Gráfico 5: As quatro áreas da tensividade...............................................................40
Gráfico 6: Comparação das áreas tensivas, segundo Hébert (2006)......................41
Gráfico 7: Correlações conversas e inversas..........................................................42
Gráfico 8: Áreas de correlação................................................................................43
Gráfico 9: Esquema de tensão descendente...........................................................45
Gráfico 10: Esquema de tensão ascendente...........................................................45
Gráfico 11: Esquema de tensão da amplificação....................................................46
Gráfico 12: Esquema de tensão da atenuação.............................................. ........47
Gráfico 13: O quadrado da veridicção.....................................................................54
Gráfico 14: Esquema patêmico canônico................................................................57
Gráfico 15: Relação tensiva medo, vergonha/ perdas materiais.............................92
Gráfico 16: Isotopia das coisas do mal..................................................................105
Gráfico 17: Mudança da orientação tensiva: clímax disfórico e recompensa........111
Gráfico 18: Efeito de individuação do testemunho................................................112
Gráfico 19: Gráfico tensivo da totalidade do discurso iurdiano............................115
Gráfico 20: Relação tensiva entre felicidade / acúmulo dos objetos de valor.......120
Gráfico 21: O jogo dos simulacros.........................................................................126
Gráfico 22: Relação tensiva entre medo/ vergonha/ insatisfação e a perda
dos objetos de valor.............................................................................131
Gráfico 23: Redução da vergonha e da insatisfação.............................................133
Gráfico 24: Aumento das tensões devido à isotopia temático-figurativa
da guerra.............................................................................................138
Gráfico 25: O Bem e o Mal, no quadrado semiótico..............................................148
Gráfico 26: Instauração das paixões disfóricas.....................................................149
Gráfico 27: Diminuição da tensão. Instauração de paixões eufóricas...................150
Gráfico 28: Diminuição do medo. Instauração da confiança/esperança...............151
Gráfico 29: Mudança de orientação tensiva: do desespero à esperança..............152
11
Gráfico 30: Isotopia temático-figurativa da guerra, no gráfico tensivo...................153
Gráfico 31: Esquema tensivo final dos programas iurdianos quando do
convite para comparecer à igreja........................................................154
Gráfico 32: O sobe-e-desce do encadeamento tensivo .......................................155
Gráfico 33: O quadrado semiótico em versão tensiva-fórica.................................155
Gráfico 34: Oposição e percurso entre as categorias perdição vs. salvação no
programa católico O pão nosso de cada dia......................................188
Gráfico 35: A obscuridade devida à falta de compreensão e o medo da ira
divina..................................................................................................190
Gráfico 36: A tensividade da impotência, no início do programa Encontro com
Cristo comparada à tensividade do medo no início do programa
SOS espiritual, da IURD.....................................................................211
Gráfico 37: Orientação tensiva dos programas católicos O pão nosso de
cada dia e Encontro com Cristo..........................................................219
Gráfico 38: Áreas tensivas da confiança, crença, fé (racional e emotiva) e
autoconfiança......................................................................................221
Gráfico 39: Semelhança da duratividade da paixão da inveja e o formato do
programa Terço bizantino, representados no gráfico tensivo.............247
Gráfico 40: A tensividade do emocional e do racional no Terço Bizantino............251
Gráfico 41: Gráfico tensivo do discurso iurdiano...................................................286
Gráfico 42: Programas de televisão católicos: do racional ao emocional......287/288
Gráfico 43: Sobreposição da tensividade dos programas católicos......................288
12
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO.........................................................................................................15
-
As trajetórias das Igrejas Universal do Reino de Deus (IURD) e
Católica Apostólica Romana, nos últimos quarenta anos............................... 15
- A metodologia utilizada..................................................................................23
- CAPÍTULO I – Fundamentos teóricos..................................................................27
- Perspectiva teórica. A teoria semiótica de linha francesa..............................27
- O modelo tensivo...........................................................................................33
- Valores e valências........................................................................................38
- Os quatro esquemas da tensão.................................................................... 43
- CAPÍTULO II – A pregação religiosa de televisão. Um novo gênero.................63
- Assimilação do discurso televisivo pelo discurso religioso............................68
- Categorias e gêneros dos programas da TV brasileira..................................69
- A pregação religiosa de televisão: um gênero híbrido...................................76
- CAPÍTULO III – Questões de éthos.......................................................................79
- As três espécies do éthos aristotélico............................................................80
- CAPÍTULO IV – Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD)...........................................85
- 1º segmento: Simulacros negativos................................................................86
- O Mal, um antissujeito poderoso.............................................................90
- O medo.............................................................................................95
- A vergonha.......................................................................................97
- O desespero...................................................................................100
- A esperança...................................................................................102
- 2º segmento: Testemunhos: doação de esperança.....................................106
- Clímax disfórico, desfecho feliz...................................... 109/110/111
- Efeitos de individuação..................................................................112
- 3º segmento: Convocação para a guerra contra o Mal................................133
- Variação tensiva. Do medo à felicidade..................................138/139/140
- 4º segmento: Encontro com a Igreja/ Deus. Mais esperança......................141
- Uma voz autoritária, dona da verdade..................................................144
- Encadeamento tensivo geral do discurso iurdiano.......................................148
13
- Estratégias de interação entre os sujeitos...................................................156
- Objetos mágicos, fetichização do dinheiro...................................................162
- Efeitos de sentido das figuras......................................................................163
- Isotopia temático-figurativa da guerra..........................................................170
- Isotopia temático-figurativa do mundo material............................................171
- CAPÍTULO V – Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja
Católica Apostólica Romana.....................................................173
- Análise do programa O pão nosso de cada dia..........................................176
- Figuras e temas.....................................................................................192
- Análise do programa Encontro com Cristo..................................................198
- 1º segmento: Contrato fiduciário e objetos mágicos.............................199
- Efeitos de realidade vs. argumento de autoridade..........................203
- Preces naturais e não naturais........................................................204
- 2º segmento: Simulacros negativos......................................................209
- 3º segmento: Contrato reforçado..........................................................214
- Fé racional e fé emotiva..................................................................218
- 4º segmento: Os recadinhos.................................................................221
- 5º segmento: Apelo por dinheiro...........................................................227
- Estratégias de interação entre os sujeitos............................................259
- Temas e figuras.....................................................................................232
- Análise do programa Terço bizantino..........................................................238
- Sujeito invejado / sujeito invejoso........................................................242
- O terço: ator adjuvante, doador de poder............................................254
- Estratégias de interação entre os sujeitos...........................................259
- CAPÍTULO VI – Comparação entre os aspectos formadores dos ethé
da IURD e da Igreja Católica....................................................262
- CAPÍTULO VII – Os ethé das Igrejas Universal do Reino de Deus e
Católica Apostólica Romana..................................................291
- Formação do ciclo de assujeitamento.........................................................293
- Relações de comunicação entre Deus/ IURD/ telespectador.....................296
- Relações de comunicação entre Deus/ Igreja Católica/ telespectador.......299
- CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................304
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................311
- ANEXOS................................................................................................................318
14
SUCESSO E SALVAÇÃO
Estudo semiótico comparativo entre os discursos televisivos das
Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica Apostólica Romana
no Brasil
15
INTRODUÇÃO
As trajetórias das Igrejas Universal do Reino de Deus (IURD) e Católica
Apostólica Romana, no Brasil, nos últimos quarenta anos.
O aumento do número de programas religiosos na televisão é fato que vem
sendo notado nos últimos quarenta anos. Tradicionais emissoras alugam seus
horários para as mais variadas Igrejas
1
, normalmente de confissão evangélica
pentecostal ou neopentecostal
2
. Hoje, ao mudarmos de canal, dificilmente não
passamos pela transmissão de algum programa de cunho religioso. Pastores,
bispos, padres e até os autodenominados apóstolos desfilam pela tela durante as
vinte e quatro horas do dia. Enquanto a Rede Vida de Televisão e a TV Canção
Nova transmitem programas católicos, outras emissoras com transmissão aberta
Gazeta, Bandeirantes, Record e Rede TV transmitem, diariamente, juntas, mais
de vinte horas de programação evangélica não-católica
3
. Paralelamente a essa
difusão das Igrejas evangélicas, assistimos a um aumento do contingente dos fiéis
que comparecem aos templos dessas religiões. Segundo Campos (1999: 284), a
presença protestante
4
na TV brasileira durante os primeiros anos de transmissão foi
esporádica e sem criatividade. Para o pesquisador, o regime da ditadura militar
1
Estaremos grafando Igreja, com “I” inicial maiúsculo, quando o lexema referir-se à instituição
religiosa; com “i” minúsculo quando o lexema significar localidade.
2
FRESTON (1993: 64-82-95) classifica cronologicamente a expansão evangélica no Brasil em três
“ondas”: a “primeira onda” são as primeiras Igrejas pentecostais como a Assembleia de Deus e a
Congregação Cristã no Brasil; a “segunda onda” é constituída pelas Igrejas O Brasil para Cristo, Deus
é Amor e Evangelho Quadrangular e a “terceira onda”, formada pelas Igrejas mais recentes, fundadas
a partir da década de 1970 e, por isso, neopentecostais, como a Internacional da Graça de Deus
(liderada pelo missionário R. R. Soares), Comunidade Sara Nossa Terra, Igreja Apostólica Renascer
em Cristo (casal “bispa” Sônia e “apóstolo” Estevam Hernandes) e Universal do Reino de Deus (bispo
Edir Macedo).
3
Refere-se a diferentes religiões protestantes, neopentecostais ou não.
4
Idem.
16
brasileira, em busca de fidelidade, valorizou práticas que legitimavam obediência às
autoridades estabelecidas, o que impulsionou o estabelecimento de um sem-
número de religiões pentecostais e, na Igreja Católica, favoreceu o surgimento de
movimentos ultraconservadores, como a TFP (Tradição, Família e Propriedade) e o
Movimento Cursilho de Cristandade.
A demanda do regime militar por legitimação e fidelidade valorizou práticas
religiosas que enfatizavam a obediência às autoridades. Nesse vazio,
cresceram várias seitas pentecostais e movimentos conservadores católicos
[...] (Campos, 1999: 284)
Ao mesmo tempo em que nasciam esses movimentos conservadores no seio
católico, grande parte do clero colocou-se contra o governo militar. Essa postura fez
a Igreja Católica amargar, durante a ditadura, a cassação de várias de suas
emissoras de rádio, incluindo a então famosa Rádio Nove de Julho.
Além dessa forçosa parada no tempo causada por um clima político adverso,
os católicos também enfrentavam lutas ideológicas internas quanto à transmissão
ou não de suas missas pela televisão. Havia correntes clericais partidárias da ideia
de que a missa e a eucaristia seriam dessacralizadas, caso transmitidas pela
televisão. Enquanto isso, outras religiões descobriam, nos meios eletrônicos de
comunicação, o mapa que as levaria inevitavelmente ao encontro de novos fiéis.
Pode-se afirmar que, nos dias de hoje, a Igreja Católica no Brasil está
formada por três correntes distintas: a tradicionalista, defensora das práticas
ortodoxas e conservadoras; a Teologia da Libertação, considerada uma espécie de
esquerda eclesiástica e a Renovação Carismática Católica (RCC) que, recuperando
a figura do Espírito Santo, tornou-se o movimento de maior vigor. Orações em voz
alta, com os braços elevados para o alto, referências a sensações como
experiências místicas, manifestações do chamado dom das línguas e
reaprendizagem da oração pessoal por meio de uma aproximação do Espírito
17
Santo, aentão pouco enfatizado pela Teologia Católica, são características da
Renovação Carismática e estão muito próximas das dos cultos neopentecostais.
VALLE (2008) ressalta:
O Brasil, que rapidamente absorve qualquer novidade religiosa, não
tardou em se tornar uma das maiores nações carismáticas católicas do
mundo. É impossível dizer quantos são, hoje, os católicos carismáticos do
Brasil. Seguramente são vários milhões. Eles representam, nos dias de
hoje, a força provavelmente mais organizada e motivada de que dispõe a
Igreja Católica em nosso país
.
Apesar dos esforços do Vaticano e, em especial, da RCC, a supremacia
protestante nos meios televisivos é evidente. A Igreja de Roma, na televisão,
procura impor seus programas frente aos programas de dezenas de outras
religiões. É uma batalha contra várias estratégias discursivas que, parece, está
sendo perdida.
De acordo com pesquisa
5
do Centro de Estatística Religiosa e Investigações
Sociais (CERIS), apresentada à 4CNBB, em 2006, a Igreja Católica perdeu, nas
últimas décadas, a despeito do crescimento populacional brasileiro, nada menos do
que 15 milhões de adeptos. A referida pesquisa também apontou que de cada dez
ex-católicos sete tornaram-se evangélicos.
Corroborando o trabalho do CERIS, uma inédita investigação do Centro de
Ciências Políticas da Fundação Getúlio Vargas (2007)
6
, baseada em dados do
IBGE e entrevistas com mais de duzentos mil brasileiros, mostrou que o número de
evangélicos no Brasil, de 2000 a 2003, passou de 15 para 18% da população. Em
números absolutos, isso significa um aumento de seis milhões de indivíduos. Essa
pesquisa também mostrou que a perda de fiéis da Igreja Católica foi de 1% ao ano
5
A pesquisa Mobilidade Religiosa no Brasil 2004 foi coordenada pela doutora em Ciências Sociais
Sílvia Regina Alves Fernandes e apresentada à CNBB. O trabalho abrangeu cinquenta municípios
brasileiros, sendo 23 capitais, e foi realizado entre agosto e novembro de 2004.
6
NERI, M. C.; CARVALHAES, L.; MONTE, S. dos R. M. Economia das Religiões: Mudanças
Recentes. Rio de Janeiro: CPS/IBRE/FGV, 2007.
18
durante a década de 90. Em 1991, havia 83,3% de católicos e 9% de evangélicos
na sociedade brasileira. No Censo de 2000, a proporção de católicos caía para
73,9% e os evangélicos totalizavam 15,6%. Surpreendentemente, porém, o número
de católicos estabilizou-se a partir do ano 2000 até 2003
7
. Mesmo assim, o número
de evangélicos continuou crescendo. Esse aumento, afirma a pesquisa, é originado
principalmente pela ampliação do número de pastores, 3.7 vezes maior do que o
número de padres, ou seja, a relação do número de pastores por fiel evangélico é
17.9 vezes maior que a relação do número de padres por fiel católico. Outro fator
relevante levantado nas pesquisas é o fato de que as Igrejas evangélicas se
estabeleceram nas periferias atendendo às necessidades de acolhimento não
espiritual, mas também social (creches, abrigos para idosos, doações de roupas e
alimentos) das populações mais pobres e carentes. Não é incomum haver, no
interior de favelas, pequenas igrejas de várias denominações não-católicas.
Projeções da mesma pesquisa mostram que, apesar da sangria de fiéis católicos
ter estacionado, no ano de 2015 a população evangélica deverá corresponder a
20% dos brasileiros, registrando um considerável aumento. O principal motivo da
paralisação do êxodo católico foi atribuído a certa melhoria da condição social da
população católica mais pobre que, por isso, deixou de procurar novas religiões. A
busca do auxílio da religião pela melhoria das condições socioeconômicas é
histórica. Grosso modo, no início do século XX, o sociólogo Max Weber, em sua
7
Não dados fornecidos por pesquisas relativas aos anos seguintes, para que possamos ter uma
visão mais próxima da distribuição religiosa no ano de 2009. O último censo do IBGE ocorreu no ano
2000. As pesquisas mais recentes são da Fundação Getúlio Vargas, publicadas em 2007, baseadas,
porém, em dados levantados em 2000 e 2003.
19
obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (1989) tentava explicar o
maior desenvolvimento do capitalismo e o maior número de empresários e de mão-
de-obra mais qualificada nos países de
confissão protestante, procurando disseminar a
impressão de que os católicos optavam por uma
vida mais frugal e, por isso, diferenciavam-se
dos protestantes. Essa impressão era
decorrente da pesquisa
8
de um estudioso
alemão, Martin Offenbacher, que atribuía aos católicos um menor ímpeto aquisitivo
somado a uma vida mais conformada com a frugalidade, imagem refletida pelo
provérbio “entre bem comer ou bem dormir, o que escolher”. O católico deveria
ser feliz abrindo mão dos bens materiais.
Atribuía-se ao protestante a preferência por
saciar-se e ao católico a opção por dormir sem
ser perturbado. A culpa pregada pela doutrina
católica condenava o acúmulo do capital
9
fundamental no Capitalismo e não via com
bons olhos a predisposição ao estudo e ao trabalho em função da riqueza, adiando
a felicidade para após a vida. O ensino superior católico da época voltava-se
exclusivamente à formação humanística enquanto o protestante, em especial o
calvinista, procurava dar uma formação mais voltada à manutenção do capital e à
mão de obra qualificada para o trabalho nas empresas capitalistas, nas quais,
inclusive, era possível atingir o sucesso profissional.
8
Confissão e estratificação social (1901).
9
Para Neri (2007: 31), a tese weberiana original é de que o estilo de vida católico jogava para a outra
vida a conquista da felicidade. A culpa católica inibiria a acumulação de capital e lógica da divisão do
trabalho, motores fundamentais do desenvolvimento capitalista.
Ilustração 2- A IURD, Inglaterra
Ilustração 1- A IURD, Rússia
20
Considerando os resultados das mais recentes pesquisas brasileiras sobre a
mobilidade religiosa
10
, os quais têm atribuído o aumento do protestantismo no país
a fatores socioeconômicos, surpreendeu-nos sobremaneira a não inclusão, em
seus questionários, de questões relativas à influência do discurso religioso
disseminado pela televisão, fundamental no processo persuasivo que impele o
telespectador a procurar uma ou outra religião. A televisão divulga e propaga as
ideias das Igrejas, por isso ela é, a nosso ver, decisiva nas questões da adesão e
da mobilidade religiosa (mudança de religião). Sem suas transmissões quase não
haveria propaganda e o fiel, rico ou pobre, não saberia a quem recorrer.
Se hoje, ainda de acordo com as pesquisas do CERIS e da Fundação
Getúlio Vargas, as religiões protestantes neopentecostais influenciam muito mais as
camadas mais pobres da população, e a Católica as camadas mais bem servidas,
interessa-nos sobremaneira conhecer, sob o olhar da semiótica de linha francesa,
quais estratégias discursivas a neopentecostal IURD e a Católica têm utilizado em
seus programas televisivos para atingir os destinatários, para, então, verificarmos
quais os graus de eficiência desses discursos. Têm os discursos católico e iurdiano
de TV produzido os efeitos desejados para atrair novos adeptos? Até que ponto as
estratégias discursivas dessas Igrejas têm ou não evitado a perda de fiéis para
outras religiões?
Dentre as religiões neopentecostais, a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) chamou a nossa atenção por ser concomitantemente ao aumento de seu
espaço na televisão a que mais cresceu no país e no mundo, nos últimos anos.
Com suas ideias divulgadas por meio de uma forte mídia mundial (redes de TV,
10
As pesquisas mais recentes e completas sobre a mobilidade religiosa e o aumento da
pentecostal no Brasil são: Economia das religiões (2007) e Retratos das religiões no Brasil (2007),
ambas promovidas pelo Centro de Políticas Sociais da FGV e a Mobilidade religiosa no Brasil (2004),
feita pela CERIS-Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, a pedido da CNBB.
21
rádios, jornais, revistas, internet), a Universal conta apenas com pouco mais de
trinta anos, desde sua fundação pelo bispo Edir Macedo, no galpão de uma
funerária. Essa é, atualmente, a Igreja que mais utiliza a televisão no Brasil, sendo,
inclusive, ligada a uma grande rede de comunicação, a Record. São treze mil
templos, espalhados por cento e setenta e dois países, centenas deles construídos
de forma exuberante, como podemos ver em São Paulo, nos bairros do Brás ou de
Santo Amaro. Modernos e confortáveis megatemplos (ilustrações 1, 2 e 3)
espalham-se pelo Brasil e pelo mundo às dezenas e normalmente oferecem
heliporto, ar-condicionado, telões, restaurantes fast-food franquiados, livraria,
além de estacionamento gratuito para mais de quinhentos automóveis. Na
contramão dessa ascensão neopentecostal vem a Igreja Católica que, como
mostram as citadas pesquisas, perdeu quinze milhões dos seus fiéis apenas nos
últimos anos, apesar de contar
igualmente com o poder de
divulgação da mídia.
Interessados pela imensa
proliferação e pela notável
influência dos programas
religiosos de televisão, em
particular pelos da Igreja Universal do Reino de Deus, analisamos, em nossa
dissertação do Mestrado
11
, sob a luz da teoria semiótica de linha francesa, alguns
programas produzidos pela IURD, apresentados por pastores ou bispos, a partir
dos quais estabelecemos as características discursivas dessa Igreja. Nesse
trabalho, levantamos quatro hipóteses relevantes para o efeito da mobilidade
11
Sob orientação da Profa. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros, apresentamos, em 2005, no programa
de mestrado da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a dissertação A ideologia do Sucesso. Uma
análise semiótica do discurso televisivo da Igreja Universal do Reino de Deus”.
Ilustração 3- IURD, Rio de Janeiro
22
religiosa no Brasil, particularmente no que se refere ao crescimento da IURD e à
retração do número de fiéis católicos:
(a) O discurso de televisão de cada uma das Igrejas Católica e Universal
tem sido fundamental
12
para a decisão do indivíduo de aderir ou não a uma ou
a outra religião. Isso justifica uma análise semiótica mais aprofundada, com
lentes sobre os dois discursos;
(b) O discurso televisivo adotado pela IURD, se comparado ao discurso
televisivo católico, apresentaria técnicas persuasivas mais eficazes para levar os
fiéis à aceitação e à adesão do contrato proposto pela Igreja;
(c) O éthos da IURD parece refletir uma unidade, uma mesma voz repetida
em cada programa de TV, independentemente do pastor-apresentador. Esse éthos,
gerado pela criação de um poderoso e transcendental inimigo o Mal
13
, o encosto,
o Diabo e concretizado na perda material, parece ser persuasivo bastante para
cumprir seu objetivo principal: tirar o telespectador de casa e atraí-lo ao templo. O
mesmo provavelmente não ocorre no discurso televisivo da Igreja Católica já que os
padres-apresentadores dos programas percorrem percursos narrativos
aparentemente diferentes e independentes, resultando em um éthos discursivo
fragmentado.
(d) Acreditamos que a pregação religiosa de televisão é um gênero híbrido,
pois deriva, ao mesmo tempo, de vários discursos (religioso, televisivo, jornalístico,
jurídico, teatral). Cremos, também, que esse gênero tende a propagar-se ainda
mais, uma vez que as Igrejas vêm aproveitando a modernização da mídia
12
Para se ter uma ideia dessa importância, a interrupção do êxodo de fiéis católicos para as religiões
pentecostais, registrada do ano 2000 a 2003, coincidiu com o aumento do número de padres-
apresentadores e de programas católicos na TV. Mesmo assim, segundo a Fundação Getúlio Vargas
– relembramos – o contingente de evangélicos continuou aumentando.
13
Estaremos grafando Mal com “M” maiúsculo quando o lexema representar o antissujeito, a entidade
poderosa e difusa disseminada pelo discurso da IURD.
23
televisiva, por meio do aluguel de horários e da aquisição de emissoras ou de redes
de TV inteiras.
A metodologia utilizada
O objetivo precípuo deste trabalho é, pois, o estabelecimento do éthos do
enunciador do discurso da pregação religiosa de TV das Igrejas em pauta,
relevante no processo de persuasão religiosa, de adesão a outra religião e,
portanto, nas mudanças sociais do país. Tomamos, portanto, especial cuidado na
escolha do corpus de análise. Para tanto, recorremos a Norma Discini (2003: 31-
36), com vistas a estabelecer o critério de escolha dos recortes-base da pesquisa.
Levamos, então, em consideração, a noção de que o éthos, resultado das
diferentes recorrências discursivas, está definitivamente ligado à totalidade dos
discursos concretizada a partir de várias partes que, juntas, levam-nos a obter o
todo. O efeito de individuação, como chama Discini, base do estilo/éthos, desponta
do eixo totus/unus.
Ao falar em estilo, falamos em unidade e em totalidade; unidade, porque há
um sentido único, ou um efeito de individuação; totalidade, porque há um
conjunto de discursos, pressuposto à unidade. Unidade e totalidade são
universais quantitativos. (Discini, 2003: 31)
Não se pode apreender o éthos do enunciador numa obra individual,
porque, nesse caso, estar-se-ia captando uma imagem que seria a do
narrador, mas que não se poderia dizer, com segurança, que seria a do
autor, uma vez que as representações dessas duas instâncias enunciativas
podem diferir radicalmente uma da outra. se tem certeza de que se está
diante da imagem do enunciador quando ela se reitera na totalidade da
obra. (Fiorin, 2008b: 56)
Para a constituição do corpus da tese, demos os seguintes passos:
-Constituição do omnis (a totalidade numérica dos programas, sem a
perspectiva do que eles têm em comum): avaliamos a programação religiosa
apresentada na televisão (missas, cultos, programas de oração, programa de
24
música cristã, entrevistas e vários outros), produzida pela Igreja Católica e
pela Universal do Reino de Deus.
-O totus da pesquisa (a totalidade integral dos programas,
considerando o que eles têm em comum) ficou constituído pelos programas
do gênero da pregação religiosa, divididos em duas totalidades (ou dois
unus) a da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) e a da Igreja Católica
já que a análise pretende mostrar a distinção entre os processos de
construção dos discursos das duas Igrejas (sob a visão da semiótica de linha
francesa).
Destarte, procederemos à análise semiótica de trechos de programas
religiosos produzidos pela IURD e pela Igreja Católica, transmitidos entre janeiro de
2007 e janeiro de 2008. Nos anexos inserimos, também, textos de programas muito
recentes (apresentados durante o ano de 2009) das duas Igrejas, dos quais
utilizamos alguns exemplos, com a finalidade de demonstrar que as estratégias
discursivas se mantiveram iguais ao longo do tempo de produção deste trabalho.
Da Igreja Universal do Reino de Deus, escolhemos programas conduzidos
por pastores-destinadores que se propõem a ajudar o destinatário-telespectador na
solução de todos os problemas, sejam de ordem financeira, de saúde, familiares,
afetivos ou espirituais.
Essa programação é gravada nos estúdios de propriedade do bispo Edir
Macedo, e transmitida durante as madrugadas ou manhãs, pela TV Record ou
Gazeta. São apresentados, de meia em meia hora, programas de formato
semelhante: um ou dois pastores, sentados ou em pé, próximos a uma mesa do
tipo “executivo” e, quase sempre, diante de uma moderna tela de plasma, tentam
25
convencer o blico a sair de casa para ir ao templo da IURD. Com essa intenção,
várias vezes o pastor interrompe estrategicamente sua própria fala para delegar a
palavra a fiéis que, entrevistados, narram a “virada” ocorrida em suas vidas como o
sucesso financeiro, a solução para os desencontros afetivos, a cura de doenças
graves, conseguidos somente depois que resolveram frequentar os templos da
Universal. São os chamados testemunhos. Várias imagens do templo, sempre
lotado, são inseridas durante a fala do agente religioso. também, durante todo o
transcorrer dos programas, pequenas produções teatrais (de cinco minutos cada
uma, aproximadamente) em que artistas encenam a “tragédia iminente” a que está
sujeito o destinatário-telespectador (desemprego, doenças graves, traição
amorosa), caso este não compareça às reuniões nos templos da Igreja Universal.
Os programas da IURD submetidos à análise intitulam-se Ponto de luz,
Nosso tempo, A hora dos empresários que, sob a legenda SOS Espiritual, são
apresentados por diferentes pastores ou bispos. Por opção metodológica, na
abordagem semiótica das estruturas narrativas, esses programas serão analisados
separadamente. Entretanto, o conjunto desses segmentos será analisado como um
todo durante a abordagem dos níveis fundamental e discursivo.
Da Igreja Católica, analisaremos três programas muito conhecidos pelos
telespectadores que acompanham a programação da Rede Vida de Televisão (rede
de emissoras de propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil), pois
anos esses programas são apresentados. o eles: O pão nosso de cada dia,
com duração aproximada de 4,5 minutos, apresentado pelo padre Fernando J. C.
Cardoso, doutor em Ciências da Religião, cujo papel invariavelmente é o de
explicar trechos da Bíblia; o Encontro com Cristo, apresentado pelo padre Alberto
Luiz Gambarini, vigário da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, de Itapecerica da
26
Serra, e o Terço bizantino, cujo apresentador, padre Marcelo Rossi, praticamente
atém-se a repetir as jaculatórias. Todos os programas, como veremos, pertencem
ao gênero da pregação religiosa.
Este trabalho conta, portanto, com a seguinte estrutura:
- Introdução As trajetórias das Igrejas Universal do Reino de Deus e
Católica Apostólica Romana, no Brasil, nos últimos quarenta anos.
- Capítulo I – Fundamentos teóricos;
- Capítulo II – A pregação religiosa de televisão, um novo gênero;
- Capítulo III – Questões de éthos;
- Capítulo IV - Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja Universal do
Reino de Deus;
- Capítulo V Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja Católica
Apostólica Romana;
- Capítulo VI Comparação entre os aspectos formadores dos ethé
discursivos extraídos dos programas de televisão das Igrejas Universal do
Reino de Deus e Católica Apostólica Romana.
- Capítulo VII Os ethé das Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica
Apostólica Romana.
- Considerações finais;
- Referências bibliográficas;
- Anexos.
27
CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS
A perspectiva teórica – a teoria semiótica de linha francesa
Diferentemente dos estudos linguísticos anteriores à década de 60, que
estabeleciam a frase como limite da significação, a semiótica de linha francesa, sob
a condução do lituano Algirdas Julien Greimas e do Grupo de Investigações
Semiolinguísticas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, preocupa-se
com o texto, mais especificamente com o sentido do texto. Em sua obra Semântica
estrutural (1966: 30), Greimas afirma:
os signos, unidades constitutivas ou monemas, são elementos secundários
na pesquisa da significação porque a língua não é um sistema de signos, mas
uma reunião [...] de estruturas de significação.
A semiótica greimasiana não trabalha, assim, com sistemas de signos, mas
com processos de significação. Essa semiótica, base deste trabalho, também
conhecida como da Escola de Paris, a língua como uma instituição social, pois
está fundamentada nos postulados e na concepção de língua de Saussure. A Escola
de Paris se diferencia de outra escola tradicional, conhecida como semiótica
americana, desenvolvida a partir das obras do filósofo Charles Sanders Pierce (1839
-1914). No dizer de Bertrand (2003:13-14), semioticista francês:
[a semiótica de Pierce] atém-se especialmente ao modo de produção do
signo (os esquemas inferenciais do raciocínio: dedução, indução, abdução) e
à sua relação com a realidade referencial pela mediação do “interpretante”
(de onde provém a tipologia dos signos: ícone, índice, símbolo). É uma
semiótica lógica e cognitiva, desvinculada de qualquer ancoragem nas formas
linguageiras.
Um terceiro grupo de semioticistas, dentre os quais se destacam Lotman e
Uspenski, é conhecido como Escola de Tartu. uma controvérsia relacionada a
28
uma suposta influência dos formalistas sobre essa escola. Alguns afirmam que
uma relação direta de continuidade do formalismo (1914-1930) sobre os
semioticistas russos, a partir da década de 60; outros teóricos, ainda, asseveram
que o formalismo foi um dos marcos no desenvolvimento da consciência semiótica
da Rússia, mas que não houve uma pura e simples continuidade.
Já a semiótica de linha francesa, que passaremos, daqui por diante, a chamar
apenas de “semiótica”, fundou suas bases metodológicas no Curso de linguística
geral, de Saussure e, sobretudo, na visão saussureana de Hjelmslev. O sentido,
nesse quadro teórico, constrói-se através das relações de alteridade, da diferença,
como afirma Fiorin (2001:15):
[...] cabe lembrar ainda uma coisa. O homem, depois da queda, é um ser
cindido, a ordem da linguagem passa a ser diferente da ordem do mundo.
Essa cisão leva ao fato de que todo discurso se constrói numa relação
polêmica, é constitutivamente heterogêneo, trabalha não sobre a realidade
mesma, mas sobre outros discursos [...]. a Palavra divina e a do homem
antes da queda não se constroem na alteridade.
Assim, a teoria da Escola de Paris não demarcou seus limites nos domínios
do signo nem da frase, mas nos do texto, apresentando-se como uma teoria da
significação preocupada em elaborar conceitualmente as condições de apreensão e
de construção do sentido.
Além de partir da linguística de Saussure e de seu seguidor Hjelmslev, a
semiótica agregou em sua evolução a linguística da enunciação, desenvolvida,
entre outros, nos trabalhos de Émile Benveniste que, segundo Barros (2001: 3),
caracteriza o discurso pelas relações que se estabelecem entre indicadores de
pessoa, tempo, espaço do enunciado e a instância de sua enunciação, e a
antropologia cultural, investigando, em primeiro lugar, os usos culturais do
discurso que regulam a palavra individual. O antropólogo Claude Lévi-Strauss
29
influenciou sobremaneira o estabelecimento do modelo das estruturas fundamentais
da teoria semiótica, com as relações gicas entre contrários e contraditórios,
desenvolvidas a partir de seu trabalho sobre sistemas de parentesco nas sociedades
indígenas. Outra obra de grande influência sobre a análise estrutural da narrativa foi
Morfologia do conto russo, de Vladimir Propp, pois descreve as recorrências
narrativas nos contos maravilhosos da Rússia. Essas recorrências ou invariantes
narrativas geraram, mais tarde, técnicas e métodos propostos para todos os tipos de
textos, ou seja, os figurativos (como, por exemplo, os literários) e os temáticos (como
os científicos, entre outros), sejam eles verbais ou não verbais.
Finalmente, foi da Filosofia, mais precisamente da fenomenologia, com os
estudos de M. Merleau-Ponty sobre a percepção, que a semiótica extraiu, mesmo
que levemente, parte importante de sua concepção de significação, especialmente
no que tange à figuratividade. Greimas considera a figuratividade, característica
central da literatura, como a “tela do parecer”. Bertrand (2003: 21) afirma que a
figuratividade faz surgir aos olhos do leitor a ‘aparência’ do mundo sensível. Essa
percepção aciona o contrato de veridicção que comanda os jogos de parecer do
sentido: verdade, falsidade, segredo e mentira. Aqui encontramos a ascendência da
fenomenologia.
Deixemos claro que a influência dessas disciplinas serviu apenas como um
balizamento na formação da nova ciência, pois a semiótica da Escola de Paris tem,
entre as ciências da linguagem, singularidade teórica e metodológica.
A semiótica de Greimas, portanto, ao ultrapassar os limites do signo e da frase, tem
como objeto de estudo o texto e seus significados.
30
Esse “novo projeto de ciência”, como o chama Tatit (2004: 187), projeta suas
teorias sobre o sentido, descrevendo e explicando o que o texto diz e quais as
estratégias utilizadas para dizer o que diz. Aprofunda-se, pois, sobremaneira em
quatro dimensões: a dimensão narrativa, a figurativa, a enunciativa e a dimensão
passional.
Para que se possa abordar teoricamente o processo da análise semiótica da
Escola de Paris, é de suma importância que se estabeleça o conceito de texto por
ser esse o seu objeto. Muitas são as definições, mas adotamos a concepção de
Diana Luz Pessoa de Barros, em Teoria semiótica do texto (2002: 7-8), em que o
texto existe quando concebido na dualidade que o define objeto de significação
e objeto de comunicação. É objeto de significação por ser um “todo de sentido”. Para
descrever o texto, partindo desse conceito, recorre-se à análise “interna” ou
estrutural. É objeto de comunicação por ser um objeto cultural envolvido em um
contexto sócio-histórico, inserido em uma determinada sociedade. Requer, por
conseguinte, uma análise “externa”. Dessa forma, a semiótica procura analisar os
procedimentos de organização textual (análise “interna”) bem como, e
simultaneamente, os mecanismos de produção e recepção (análise “externa”).
Dessa necessidade de análise dos aspectos de produção, externos ao texto, decorre
a grande importância que se dá ao conceito da enunciação.
Na sua busca por uma teoria geral, a semiótica analisa o sentido dos textos,
examinando o plano do conteúdo, sem, contudo, deixar de reconhecer o plano da
expressão como fator de importância para a significação. Destarte, considerando-se
as características enunciativas e a organização interna, o textos-objetos da
semiótica, dentre outros, produções teis, olfativas, orais ou escritas (contos,
romances, poesias, conversas, artigos de jornal, sermões, aulas), visuais ou
31
gestuais (gravuras, fotografias, danças, aquarelas), sincréticas de mais de uma
expressão (filmes, histórias em quadrinhos, programas de TV, propagandas).
Na análise do discurso sob o ponto de vista de Greimas, deve-se admitir que
o trabalho de construção do sentido tem a imanência como ponto de partida para se
chegar à aparência. Na imanência estão as leis que produzem o discurso; na
aparência está a sua manifestação. A semiótica encara o discurso como sendo
superposições de níveis de profundidade diferentes, articulados de acordo com um
percurso que parte do mais simples (e mais abstrato) ao mais complexo (e mais
concreto). Barros (2001:15) alerta: a noção de percurso gerativo é fundamental para
a teoria semiótica. Prevê-se a apreensão do texto em diferentes instâncias de
abstração e, em decorrência, determinam-se etapas entre imanência e aparência.
Esse percurso no plano do conteúdo, do nível mais profundo ao mais superficial,
apresenta três etapas ou níveis o das estruturas fundamentais, o das estruturas
narrativas e o das estruturas discursivas podendo ser, cada um deles, explicado
por uma gramática autônoma, constituída por sintaxe e semântica. O sentido do
texto, porém, depende da relação entre os três níveis. O percurso gerativo do
sentido é uma “viagem” que passa por três “estações” (os níveis ou etapas das
estruturas fundamentais, narrativas e discursivas) para chegar ao “destino” (o
significado).
É no nível fundamental que estão as categorias semânticas básicas da
construção do texto. Assim, é nesse nível que se encontram, segundo uma
classificação qualitativa, as categorias eufóricas (atraentes ou positivas) ou
disfóricas (repulsivas ou negativas) e intensas ou extensas, segundo uma
classificação quantitativa. Da oposição entre essas categorias, característica de todo
e qualquer texto, surge o sentido. Por conseguinte, o sentido resulta da oposição, da
32
diferença, da descontinuidade entre categorias semânticas. Por exemplo, nos textos
estudados nesta tese, como veremos, opõem-se várias categorias, dentre elas a
/pobreza/ vs /riqueza/, respectivamente, disfórica e eufórica. Tem razão Fiorin
(2002: 20) quando afirma que os valores eufóricos e disfóricos “não são valores
determinados pelo sistema axiológico do leitor, mas estão inscritos no texto”. Em
outras palavras, só o texto nos dirá se os termos de uma oposição semântica
pertencem a uma ou a outra categoria. “Riqueza”, a princípio, uma categoria
eufórica, pode ser disfórica se, na narrativa, for motivo de desavenças e de
desgraças. Em algumas religiões, por exemplo, a riqueza é uma categoria disfórica
por impedir a entrada dos homens no reino de Deus.
Estabelecidas, no nível fundamental, as categorias semânticas opostas que
gerarão o sentido, operações lógicas de negação e de asserção determinarão
percursos que são condição para que haja narratividade.
14
pobreza não-pobreza riqueza
Portanto, se considerássemos apenas o percurso acima, os textos em
análise, nesta tese, tratariam, dentre outros assuntos, da transformação do estado
de pobreza ao de riqueza.
Os termos dessas oposições semânticas são, na sintaxe fundamental,
visualizados no “quadrado semiótico” (gráfico 1), um modelo lógico de relações:
14
Em Fiorin (2002: 21), encontramos: Na realidade, é preciso fazer uma distinção entre narratividade
e narração. Aquela é componente de todos os textos, enquanto esta concerne a uma determinada
classe de textos. A narratividade é uma transformação situada entre dois estados sucessivos e
diferentes. Isso significa que ocorre uma narrativa mínima, quando se tem um estado inicial, uma
transformação e um estado final.
33
relaxamento tensão
(euforia) (disforia)
riqueza---------------------------------------pobreza
---------- termos contrários
______ termos contraditórios
termos complementares
operação de negação
operação de afirmação
não-pobreza------------------------------não-riqueza
(não-disforia) (não-euforia)
distensão intensão
(gráfico 1: quadrado semiótico)
O modelo tensivo
Os mais recentes estudos semióticos (conhecidos por semiótica tensiva)
procuram ampliar ainda mais a visão do arranjo geral do discurso. Essa teoria, com
bases construídas na própria semiótica de Greimas, é uma opção eficaz para que se
chegue a uma análise mais apurada das questões deixadas em suspenso pela
semiótica clássica. A conjugação das duas grandes dimensões da significação o
sensível e o inteligível desenvolvida nos estudos da tensividade promete ser
deveras útil na análise da pregação religiosa. Abaixo segue um resumo de suas
propostas teóricas das quais utilizaremos algumas durante o transcorrer das
análises aqui apresentadas.
Em publicação recente, Jacques Fontanille (2007: 58) ressalta:
A estrutura tensiva é um modelo que procura responder às questões
deixadas em suspenso pelos modelos clássicos. Na verdade, ela situa a
representação das estruturas elementares na perspectiva de uma semântica
do contínuo. Além disso, articulando o espaço tensivo das valências e um
espaço categorial dos valores, a estrutura tensiva conjuga as duas grandes
dimensões da significação: o sensível (os estados da alma) e o inteligível (os
estados das coisas).
34
Registramos que, por ser um desenvolvimento recente de parte da semiótica,
ainda poucas publicações a respeito. Atualmente, são conhecidos os estudos
sobre a estrutura tensiva desenvolvidos, principalmente, por Jacques Fontanille e
Claude Zilberberg, a partir da década de noventa. Mais recentemente, no Brasil,
obras de qualidade que recorrem à teoria da tensividade foram publicadas por Luís
Tatit, Ivã Carlos Lopes e António Vicente Pietroforte, dentre outros.
Caracterizados por complementar ou aperfeiçoar a semiótica tradicional,
especialmente no que se refere ao nível fundamental do percurso gerativo dos
sentidos, os estudos da estrutura tensiva dos textos procuram estabelecer uma
semântica do contínuo ao desvelar, em termos de grandeza, as paixões e a sua
abrangência.
É no nível fundamental que são escolhidos os valores pelo enunciador. Nesse
plano o mais profundo serão constituídos os valores-matrizes das funções
narrativas, das modalidades, da espacialidade e da temporalidade os quais serão
devidamente consolidados nos estratos de superfície do percurso gerativo (Tatit,
2002: 18). A semiótica tensiva volta-se, dessa forma, para o nível fundamental, e
atribui particular importância à dicotomia intensidade/extensão e às modalidades
existenciais (ou modos de existência); a tensividade é o lugar de união entre a
intensidade (o sensível, os estados de alma) e a extensão (o inteligível, os estados
de coisas).
Referindo-se a esse modelo de análise, Pietroforte (2008: 62) destaca:
Se o sentido é organizado em uma rede de relações semióticas, cada um dos
termos simples que compõem a categoria encontra sua definição em relação
ao outro [...].
Essa relação pode ser abordada de, pelo menos, duas maneiras: ou o ponto
de vista insiste nos termos simples, enfocando os elementos descontínuos
que formam a relação; ou insiste na relação propriamente dita, enfocando a
tensão que a constitui.
35
A tensividade é o lugar imaginário da junção entre o sensível e o inteligível. É
o lugar que trata da continuidade que se instaura por meio das tensões. Zilberberg
(2006: 169) ressalta ser possível qualificar toda grandeza em termos de intensidade
e de extensão (ou extensidade)
15
. Pietroforte (2008: 63), por sua vez, explica essa
asserção:
Quando uma grandeza é tomada de modo contínuo, em gradações que
recebem orientações, ela é chamada de profundidade (Fontanille e
Zilberberg, 2001: 20). A liberdade, por exemplo, assim como a opressão, não
são grandezas definidas absolutamente; gradações de diferentes graus
em cada uma delas que variam da não-liberdade para a liberdade e da não-
opressão para a opressão, respectivamente. Tais gradações da negação à
afirmação de cada termo simples constituem orientações; portanto, a
definição de duas profundidades, uma da liberdade e outra da opressão.
Na relação entre duas profundidades, uma define a intensidade e a outra, a
extensidade. Desse modo, é da ordem da intensidade a profundidade que
recebe a tonicidade sensível, capaz de demarcar, em meio à extensidade,
acentuações “tônicas”; e é da ordem da extensidade a profundidade que
demarca como o fluxo de atenção está condicionado.
Claude Zilberberg (2006: 169) afirma haver uma permanente desigualdade
criadora do sensível sobre o inteligível, uma prevalência ou predominância do
sentimento (o sensível) sobre a compreensão (o inteligível), uma vez que os estados
das coisas estão na dependência dos estados da alma. Sempre enfocando o
processo da continuidade provocada pelas tensões, o semioticista ressalta a
possibilidade de descrever a estrutura fundamental da significação no espaço
tensivo formado entre os eixos da intensidade e da extensidade. A intensidade e a
extensão são consideradas dimensões que englobam, respectivamente, as
subdimensões andamento/tonicidade e temporalidade/espacialidade. Essa relação
pode ser assim representada (Zilberberg, 2006: 175):
15
Referindo-nos à semiótica tensiva, tratamos os termos extensão e extensidade como sinônimos.
36
Tensividade
dimensões
intensidade
extensidade (ou extensão)
subdimensões
andamento tonicidade temporalidade espacialidade
gráfico 2: tensividade
Qualquer valor, no modelo tensivo, é resultado da combinação dessas duas
valências, a intensidade e a extensão. A intensidade diz respeito à medida; a
extensão diz respeito à contagem. Fontanille (2007: 75) afirma, ainda, que
Antes de qualquer categorização, uma determinada grandeza é, para o
sujeito do discurso, primeiramente uma presença sensível. Essa presença
exprime-se, segundo nós mesmos, ao mesmo tempo em termos de
intensidade e em termos de extensão e de quantidade. Qual seria, por
exemplo, a qualidade de presença dos objetos naturais? Antes de identificar
esta ou aquela matéria, este ou aquele elemento, reconhecemos suas
propriedades táteis ou visuais: o quente e o frio, o liso e o áspero, o visível e
o invisível, o móvel e o imóvel, o sólido e o fluido.
São essas qualidades sensíveis que podem ser avaliadas segundo as duas
grandes direções que propomos.
[...] Portanto, cada efeito da presença associa para ser qualificado, de fato,
como “presença” um certo grau de intensidade e uma certa posição ou
quantidade na extensão. A presença conjuga, em suma, forças, de um lado,
e posições e quantidades, de outro.
Como síntese da teoria, recorremos a Hébert (2006: 36) que, em trabalho de
esquematização da tensividade, explica os principais postulados teóricos associados
à semiótica tensiva, proposta por Jacques Fontanille e Claude Zilberberg:
37
1- A intensidade e a extensão determinam, respectivamente, o plano do
conteúdo (o plano dos significados) e o plano da expressão (o plano dos
significantes). Desde que todo signo se origina da junção desses dois planos,
qualquer signo é teoricamente descrito em termos tensivos;
2- À intensidade importa a percepção (e/ou os estados da alma, o sensível); à
extensão importa o inteligível, o compreensível;
3- A intensidade refere-se aos estados da alma (paixões) e a extensão aos
estados das coisas;
4- A intensidade refere-se ao nível de percepção originada por um estímulo
interno ao sujeito; a extensão refere-se à percepção de um estímulo de origem
externa;
5- Para Pietroforte (2008: 66), a intensidade produz valores de absoluto e a
extensidade, de universo.
Em termos de organização política, as propostas do socialismo utópico e das
comunidades hippies são exemplos de forma extensiva, e as monarquias e
as ditaduras, da intensiva. Daí a proposta de Fontanille e Zilberberg (2001:
47) relativa ao esquema abaixo:
intensidade
valores de
absoluto
valores de universo extensidade
gráfico 3: Intensidade e Extensidade – valores de absoluto e de universo
38
6- O domínio interno e intensivo (ou intenso) impõe uma orientação
denominada visada; o domínio externo e extensivo (ou extenso) impõe a orientação
denominada apreensão (ver gráfico 4, dos valores e valências, a seguir). No gráfico
representativo da tensão, a visada corresponde ao eixo vertical e a apreensão, ao
eixo horizontal. Segundo Fontanille (2007: 78), os graus de intensidade e de
extensão, sob o controle das operações da visada e da apreensão, tornam-se graus
de profundidade perceptiva;
7- A intensidade (representada no eixo vertical ou da visada) corresponde aos
sentimentos (paixões), ao afeto; a extensão (representada no eixo horizontal ou da
apreensão) ao conhecimento, ao contável, à compreensão;
8- A intensidade está dividida em duas subdimensões: andamento (tempo) e
tonicidade; a extensão também está dividida em duas subdimensões: temporalidade
e espacialidade;
9- As duas funções básicas da intensidade são o aumento e a diminuição; as
funções básicas da extensão são a classificação (a qual aumenta a variedade e/ou o
número) e a combinação (que diminui a variedade e/ou o número);
10- O modelo tensivo pertence a uma semiótica da continuidade
complementar à semiótica tradicional), a uma semiótica de intervalos (complementar
a uma semiótica de relação entre os termos) e a uma semiótica de eventos
(complementar à semiótica dos estados).
Valores e valências
No modelo tensivo, qualquer valor dado, como vimos anteriormente, é
constituído pela combinação de duas valências (ou dimensões): intensidade e
39
extensão (ou extensidade). A primeira tem a ver com o mensurável (o sentimento, as
paixões, a afetividade) e a segunda com o contável (ou o conhecimento, a
compreensão). Considerando essas duas valências como dimensões graduais, sua
correlação pode ser representada como o conjunto dos pontos de um espaço
submetido a dois eixos de controle (Fontanille 2007: 77). Esses eixos são
organizados em torno do sujeito da percepção, que, por sua vez, percebe uma
grandeza que se estende na apreensão do mundo a extensidade e outra que
garante o enfoque tônico a intensidade capaz de sensibilizar a apreensão
(Pietroforte, 2008: 63).
Exemplo do gráfico dos valores e valências
+
Gradiente da espaço dos pontos
Intensidade de correlação
(Visada)
_ Gradiente da Extensão (Apreensão) +
gráfico 4
Como visto, se colocarmos a intensidade no eixo vertical das ordenadas e a
extensão no eixo da abscissa (ver gráfico 4), chegaremos a uma representação
visual com dois eixos. Qualquer fenômeno ocupará uma ou mais posições nesse
gráfico, dependendo do grau de intensidade exibido e da extensão em que perdura.
Ainda de acordo com Hébert (2006: 38), se distinguirmos dois setores de cada
valência, um setor baixo (um setor inativo) e um setor alto (um setor dinâmico),
40
obteremos quatro combinações de valências possíveis que definirão quatro áreas
(ver gráfico 5, abaixo):
Área 1: fraca intensidade e fraca extensão;
Área 2: forte intensidade e fraca extensão;
Área 3: fraca intensidade e forte extensão;
Área 4: forte intensidade e forte extensão.
Hébert (2006: 39), sempre embasado nos trabalhos de Fontanille, exemplifica
a análise tensiva de um grupo de emoções associadas à atração dos seres, como o
amor e a amizade. Atribui, então, ao eixo da intensidade a intensidade da emoção
e ao eixo da extensão o mero de seres pelos quais um dado sujeito sente essa
emoção. Ao dividir o gráfico em quatro áreas, distingue quatro tipos de emoções. Na
área 1 (fraca intensidade e fraca extensão) situa-se o amor comum; na área 2 (forte
intensidade e fraca extensão) encontra-se o verdadeiro amor por uma pessoa; na
área 3, a amizade (fraca intensidade e forte extensão); na área 4 (forte intensidade e
forte extensão), o amor universal ou a compaixão.
+ Área 4
o amor universal
Área 2
(ou compaixão)
o verdadeiro amor de uma
pessoa por outra.
intensidade
Área 1
amor comum
Área 3
a amizade(de uma pessoa
por várias outras)
0 extensão +
gráfico 5: gráfico tensivo de Hébert para a paixão do amor.
41
O gráfico 5 significa que, em termos de extensão, o amor verdadeiro sentido
por alguém geralmente é dedicado a menos pessoas que o amor comum e o amor
universal (como o próprio nome diz) é dedicado a bem mais pessoas que a
amizade.
Outro exemplo que, segundo o pesquisador, pode ser inserido no gráfico é o
da comparação entre a compaixão cristã e a compaixão budista as quais podem ser
consideradas iguais em intensidade, mas diferentes em extensão que a
compaixão budista irradia-se também por sobre as criaturas inanimadas (rochas e
outros “seres” inanimados).
+
compaixão cristã compaixão budista
int. = / ext. < int. = / ext. >
intensidade
0 +
extensão
gráfico 6: gráfico tensivo de Hébert para as compaixões cristã e budista (para maior clareza,
inserimos as setas de orientação)
Ao utilizarmos os dois eixos (intensidade e extensão), outros métodos de
divisão de área poderão ser utilizados, dependendo das comparações que
42
quisermos fazer. Podemos, por exemplo, distinguir várias áreas em cada eixo: área
zero, baixa, média, alta e máxima (até infinito).
dois tipos de correlação entre a intensidade e a extensão: relação
conversa e relação inversa. A relação conversa ocorre quando um aumento de
uma valência é acompanhado pelo aumento de outra (+ +) ou a diminuição de uma
valência é acompanhada pela diminuição da outra (- -); a relação inversa ocorre
quando o aumento de uma das valências é acompanhado pela diminuição de outra
ou vice-versa (+ - ou - +). Isso posto, teremos:
Correlações conversas
+ +
-
correlação conversa + - correlação conversa +
Correlações inversas
+ +
-
correlação inversa + - correlação inversa +
gráficos 7: relações conversas e inversas.
43
Os eixos da intensidade (visada) e da extensão (apreensão) definem as
valências da categoria examinada; os pontos do espaço interno correspondem aos
valores dessa categoria.
Área de correlação área de correlação
Inversa conversa
Eixo da intensidade
VISADA
Eixo da extensão
APREENSÃO
gráfico 8: áreas de correlações conversas e inversas.
Os quatro esquemas da tensão
Fontanille (2007: 110) afirma que, se recorrermos ao princípio básico da
semiótica tensiva no qual os esquemas garantem a relação solidária entre o sensível
(a intensidade, o afeto) e o inteligível (o desdobramento da extensão, o mensurável,
a compreensão), poderemos visualizar variações no equilíbrio entre esses dois
valores que conduzem ao aumento da tensão efetiva ou ao relaxamento.
Dessa forma, considerando esses movimentos direcionados a uma maior
tensão ou a um maior relaxamento, chegaremos aos quatro esquemas tensivo-
-discursivos elementares apresentados a seguir:
(1) esquema descendente;
44
(2) esquema ascendente;
(3) esquema da amplificação e
(4) esquema da atenuação.
No esquema descendente (ou decadente), a diminuição da intensidade e o
aumento da extensão refletem um relaxamento da tensão afetiva. Parte-se da
tensão para se chegar ao relaxamento. Essa situação (Fontanille, 2007: 113) parte
de um realce da intensidade, de “um choque emocional”, em direção ao relaxamento
produzido por uma explicação; nesse caso, o primeiro momento é uma cena
explosiva e a sequência é a exploração explicativa desse primeiro momento; um
exemplo disso é o que os publicitários chamam de gancho criativo (approach ou
abordagem) do anúncio. O gancho criativo é o preâmbulo do texto publicitário, uma
proposta condensada, intensa e eficiente, capaz de atrair a atenção para, no
decorrer do anúncio, conduzir o destinatário a uma decisão ou outro ato cognitivo
por meio da argumentação.
O semioticista (2007: 121) exemplifica a asserção acima com as narrativas de
busca, estudadas por Propp. Segundo ele, essas narrativas obedecem ao esquema
descendente quando o desfecho resulta em uma conjunção (o sujeito une-se ao seu
objeto de valor). Isso porque, no momento em que o sujeito consegue se unir ao seu
objeto de valor geralmente ocorre uma redução, um relaxamento das tensões.
Nesse caso, os objetos de valor eufórico encontram-se no eixo da extensão
intensidade, + extensão).
45
+
Esquema descendente
Intensidade
intensidade - / extensão +
(ex.: No momento em que o sujeito se une ao(s) seu(s)
objeto (s)
de valor ocorre uma natural redução das
tensões.
0 +
extensão
Os objetos de valor, agora unidos ao sujeito, aumentam a extensão.
gráfico 9: esquema tensivo descendente ou decadente.
No esquema ascendente (ou da ascendência), o aumento da intensidade e a
redução da extensão, juntos, refletem uma tensão afetiva. Parte-se do relaxamento
para conduzir-se o texto a uma tensão final. Podem ser citados, como exemplos, os
finais de capítulos de novelas de televisão, a chave de ouro dos sonetos, os gêneros
literários que possuem um desfecho inesperado. Fontanille (2006: 114) ainda afirma
que esse percurso faz, de alguma forma, a “soma” de tudo o que lhe é anterior.
+
Esquema ascendente
Intensidade
intensidade + / extensão -
As tensões aumentam propositadamente no final dos
capítulos das novelas.
0 +
extensão
Nesse momento, o foco passa a ser apenas um dos problemas. .
gráfico 10: esquema tensivo ascendente ou da ascensão.
46
No esquema da amplificação, o aumento da intensidade, simultâneo ao
aumento da extensão, reflete uma maior tensão afetiva ao lado de uma maior
compreensão ou informação. Na realidade, é uma gradação que parte de um
mínimo de intensidade e de fraca extensão para culminar em uma tensão máxima,
também desdobrada na extensão. O sensível e o inteligível crescem
simultaneamente. Pensa-se aqui, apenas como exemplos, nos sermões de Vieira,
nas exclamações dos poemas antiescravagistas de Castro Alves, com o emprego
das figuras ditas de amplificação (alta intensidade) simultâneo à extensão de sua dor
a todos os escravos (alta extensão) ou em certos esquemas narrativos em que,
depois de fraca ou nenhuma tensão, o leitor ou expectador é surpreendido com
arranjos em que a intensidade dramática se fortalece sobremaneira em direção a um
desfecho. O esquema da amplificação é bem marcado no caso das narrativas de
terror ou de suspense (sejam romances, filmes, novelas) que apresentam um clímax
intenso para, depois, caminhar para um desfecho.
+
Esquema da amplificação
Intensidade
intensidade + / extensão +
(em Castro Alves): emprego das figuras como hipérboles,
apóstrofes, comparações, metáforas, exclamações etc.
0 +
extensão
Castro Alves estende sua revolta a todos os escravos
e assume a dor de todos eles
gráfico 11: esquema tensivo da amplificação.
47
No esquema da atenuação, a diminuição da intensidade associada à
diminuição da extensão reflete um relaxamento generalizado. Um exemplo da
atenuação (Hébert, 2006: 42) é o final feliz de um drama ou de uma comédia em que
a intensidade dos problemas da trama praticamente a acaba e o número de
problemas diminuem ou acabam, embora possam não desaparecer totalmente. Os
problemas estão localizados no eixo da extensão (- intensidade/ - extensão).
+
Esquema da atenuação
Intensidade
intensidade - / extensão -
Fim das tensões
0 +
Fim (redução) dos problemas da trama.
extensão
gráfico 12: esquema tensivo da atenuação.
Tais esquemas combinam-se para formar as sequências discursivas, pois um
discurso pode apresentar um ou vários esquemas de tensão.
Fontanille (2006: 117) define modelos tensivos canônicos como um arranjo de
vários modelos tensivos em uma sequência que é imediatamente reconhecida por
uma determinada cultura:
[...] como esses esquemas são característicos de um tipo ou de um gênero,
eles guiam a priori a compreensão do discurso e têm, por isso, o estatuto de
esquemas culturais instaurados de forma convencional ou herdados da
tradição, razão pela qual eles são chamados de esquemas canônicos.
Como exemplo do esquema tensivo canônico, o semioticista cita uma tragédia
clássica “à francesa” que encadeava três cenários tensivos sucessivos: (1) o
48
esquema ascendente quando da configuração do drama: (2) o esquema da
atenuação quando os conflitos se apaziguavam e (3) o esquema da amplificação, no
qual ocorria uma catástrofe generalizada.
Para ilustrar um pouco mais o esquema tensivo canônico, podemos citar o
gênero dos romances românticos, A escrava Isaura, por exemplo, em que, no
esquema ascendente (intensidade forte e extensão fraca), configura-se praticamente
toda a trama, com a definição dos papéis de cada personagem, protagonistas e
antagonistas; no esquema da amplificação (intensidade forte, extensão forte: tensão
máxima), a captura de Isaura por Leôncio e o quase-casamento da heroína com
Belchior, culminando com o suicídio do vilão; no esquema da atenuação
(intensidade fraca, extensão fraca), o desfecho que corresponde à quase totalidade
das novelas televisivas e a boa parte dos romances do romantismo, ou seja, a vitória
do bem sobre o mal com a extirpação de todos os vilões.
No nível das estruturas narrativas, parte-se da relação entre dois actantes,
sujeito e objeto de valor, e examinam-se suas transformações de estado, seus
estabelecimentos e rompimentos de contrato, sua situação final. O objeto, do ponto
de vista da semiótica, passa a ser um objeto de valor desejável, temível etc.
conforme os investimentos semânticos que lhe são atribuídos durante a narrativa ou,
melhor dizendo, o objeto de valor será resultado das relações modal e passional
entre sujeito e objeto. As relações de junção (conjunção e disjunção) e de
transformação do sujeito para com o objeto de valor são chamadas transitivas e são
expressas através de enunciados elementares de fazer e de estado. São as
relações de junção que descrevem o estado do sujeito (relativo a um objeto de valor)
e sua existência. As relações de transformação são constitutivas dos enunciados de
fazer (dão conta do que acontece) e não terão como objeto sintáxico um valor
49
qualquer, mas um enunciado de estado. A sintaxe narrativa, como bem afirma Diana
Luz Pessoa de Barros (2002: 16), deve ser pensada como um espetáculo que
simula o fazer do homem que transforma o mundo.
Esse simulacro do fazer humano e de seus participantes é explicado, na
sintaxe narrativa, por uma teoria semiótica geral e rigorosa que mostra a
particularidade de cada texto, por meio da proposição de enunciados, programas,
percursos e esquemas narrativos, os quais, vistos como elementos operacionais das
análises das narrativas, decompõem o discurso e explicam sua narratividade de
forma ampla e abrangente. Na sintaxe narrativa, os textos são considerados
narrativas complexas, constituídas de um ou de vários programas, cujos enunciados
de fazer regem os de ser (esses últimos chamados enunciados de estado). Barros
(2002: 20) assim define os programas narrativos:
O programa narrativo ou sintagma elementar da sintaxe narrativa define-se
como um enunciado de fazer que rege um enunciado de estado. Integra,
portanto, estados e transformações. [...] pode-se representá-los (os textos)
como programas narrativos, segundo o modelo abaixo:
PN = F[S
1
(S
2
Ov)] , onde F = função
= transformação
S
1
= sujeito do fazer
S
2
= sujeito do estado
= conjunção
Ov = objeto de valor
Quando um enunciado de fazer rege um enunciado de estado (o sujeito do
fazer modificando o sujeito do estado) temos um programa narrativo de aquisição
(doação e apropriação) ou de privação (espoliação e renúncia).
Os programas narrativos de doação, de apropriação, de espoliação e de
renúncia, dividem-se em dois grupos fundamentais:
50
(a) a competencialização: a aquisição de valores modais pelo sujeito de
estado que o tornará apto para a ação;
(b) a performance: a representação semântico-sintática da ação com vistas à
apropriação dos objetos de valor desejados
Tais programas formam os percursos narrativos. Em uma sequência
canônica, os textos compreendem três percursos: o percurso da manipulação (ou do
destinador-manipulador), o da ação (ou do sujeito) e o da sanção (ou do destinador-
julgador). Nem sempre o texto apresenta os três percursos. Os textos dos
programas de TV com os quais trabalharemos, por exemplo, apresentam, em sua
maioria, somente o percurso da manipulação.
A semiótica assim descreve o percurso da manipulação (ou do destinador-
manipulador) um sujeito agindo sobre outro para levá-lo a querer ou dever fazer
algo por meio de quatro grandes situações ou tipos: a tentação, a intimidação, a
sedução e a provocação. Nos dois primeiros, tentação e intimidação, o sujeito-
manipulador demonstra “poder” e procura levar o manipulado a fazer algo, em troca
de um objeto de valor cultural positivo ou mediante ameaças, respectivamente. Nos
dois últimos, sedução e provocação, o sujeito-manipulador demonstra “conhecer” a
competência do manipulado, impelindo-o à ação, mediante um juízo positivo ou
negativo da competência desse sujeito manipulado. Dotado do querer e/ou dever-
fazer, o sujeito que vai realizar a principal transformação da narrativa completará sua
competência com o saber-fazer/poder-fazer, condições básicas para que proceda à
ação. Vê-se, portanto, que esse actante
16
pode ter um conjunto variável de papéis,
16
Entidade sintática da narrativa que se define como resultante de uma relação transitiva de junção
ou de transformação (Barros, 2002: 84).
51
ora como sujeito do estado, ora como sujeito realizador da ação, sendo, por isso,
considerado um actante funcional. Em síntese, o percurso da manipulação parte do
estabelecimento de um contrato fiduciário de confiança em que um destinador (o
manipulador) procura ganhar a confiança de um destinatário (o manipulado). O
destinador exerce um fazer persuasivo, enquanto o destinatário, ao aceitar (ou
recusar) o contrato, exerce um fazer interpretativo. Para haver persuasão (a
aceitação do contrato), é necessário que os sistemas de valores sejam
compartilhados pelo destinador e o destinatário.
No percurso da ação (ou do sujeito), o destinatário que aceitou o contrato
proposto pelo destinador passa a ser o sujeito da ação, agindo sobre os objetos e
realizando a ação definida no acordo. Nessa fase, ocorre a ação decorrente do
processo de manipulação.
Fontanille (2007) recentemente mostrou que, nas narrativas, um mesmo ator
não raro torna-se inquieto ao entrar na fase de transformação do papel de
destinatário para o de sujeito da ação. Para o semioticista francês, no percurso da
manipulação, o destinatário passa a ser o sujeito da ação, mas é em um segundo
percurso - o da competencialização - que o sujeito adquire a identidade necessária
para praticar a ação. Durante a negociação do contrato (e durante a sanção), a
ênfase é colocada na relação destinador/destinatário e a relação sujeito/objeto
passa a ser somente potencial, pois entra em estado de espera. Por outro lado,
quando o sujeito executa a ação, o destinador ocupa uma posição marginal ao
centro da narrativa.
A inquietude, provocada por uma ansiedade ou uma indecisão do
destinatário, ocorre durante a fase de transição (competencialização)
52
destinatário/sujeito da ação, e origem a outras paixões como o medo, a
confiança, a fé.
Assim vemos o esquema narrativo da pregação religiosa de televisão:
manipulação
competencialização ação sanção
(contrato)
destinador destinatário destinador destinatário sujeito da ação
destinador sujeito
(inquietude, esperança, fé etc.)
performance consequência
O percurso do sujeito/objeto equivale à etapa da ação do esquema acima:
performance consequência
[...] Graças à manipulação, o destinador negocia a passagem do
destinatário à ação, isto é, sua conversão em sujeito. Conhecendo os
valores, o destinador empenha-se em realizá-los, em fazê-los emergir em
um plano de realidade diferente do seu. Ele tenta fazê-los sair do plano
transcendente para o plano imanente. Portanto, no horizonte da
manipulação, a hierarquia entre os valores permanece sempre presente, e
é a tensão entre seu estado virtual e potencial (no domínio do par
destinador/destinatário) e seu estatuto atual ou realizado (no domínio
do par sujeito/objeto) que suporte, então, à intencionalidade (grifo
nosso).
Em contrapartida, graças à aquisição de competência (as modalidades do
querer-fazer, do poder-fazer etc.) o sujeito obtém a identidade necessária
para a performance. Essa competência é exclusivamente dirigida para a
conclusão do programa narrativo, e não para a realização de valores. A
intencionalidade reside, então, apenas na tensão entre os programas
disjuntivos e programas conjuntivos (grifo nosso). (Fontanille, 2007: 122)
O terceiro e último percurso é o chamado percurso da sanção (ou do
destinador-julgador), no qual o sujeito que efetuou a ação tenta convencer o
destinador-julgador de que cumpriu sua parte do contrato e, portanto, merece
receber um julgamento positivo. Após julgar se o sujeito cumpriu ou não a ação
53
acordada, o destinador-julgador o sanciona positiva ou negativamente, atribuindo-lhe
uma recompensa ou um castigo.
No percurso gerativo do sentido, é a semântica narrativa a instância em que
ocorrem a atualização dos valores e suas relações com o sujeito. A atualização dos
valores é representada, nos enunciados de estado, pela relação de conjunção ou de
disjunção do objeto com o sujeito. No momento em que elementos semânticos,
inseridos nos objetos, são relacionados ao sujeito, no interior dos enunciados de
estado, esses objetos passam a ser considerados objetos de valor.
Segundo Barros (2001: 45):
A semântica narrativa é, no percurso gerativo, a instância de atualização dos
valores. Os termos de nível fundamental, resultantes da articulação de
categorias semânticas e, pela projeção da categoria tímico-fórica,
axiologizados como valores virtuais, o, na instância narrativa, selecionados
e convertidos em valores atuais (ou valores, simplesmente), mediante
inscrição em um ou mais objetos em junção com sujeitos.
Determinações modais podem modificar as relações entre o sujeito e seus
objetos de valor. Tanto o /ser/ como o /fazer/ podem ser modalizados através de
quatro modalidades: o querer, o dever, chamados de modalidades virtualizantes; o
poder, o saber, chamados de atualizantes. Na modalização do ser (ou modalização
de enunciados de estado), um sujeito doador de valores modais, ou destinador,
confere ao sujeito do estado sua competência modal; um aspecto relevante na
modalização do ser é o da modalização veridictória, relacionada ao fazer
interpretativo, que estabelece a relação sujeito/objeto em quatro tipos: verdadeira,
falsa, secreta ou mentirosa. Articulada sobre a relação entre o /ser/ e o /parecer/, a
modalidade veridictória é (1) verdadeira quando a relação entre o sujeito e o objeto
parece e é verdadeira; (2) falsa quando não parece nem é verdadeira; (3) mentirosa
quando a relação entre sujeito e objeto parece, mas não é verdadeira e (4) secreta
54
quando não parece, mas é verdadeira. Assim são representadas as relações
correspondentes às modalidades veridictórias, no quadrado semiótico:
VERDADEIRA
(parece e é)
ser parecer
SECRETA MENTIROSA
(não parece,mas é) (parece, mas não é)
não-parecer não-ser
FALSA
(não parece e nem é)
gráfico 13: quadrado da veridicção
Por construir sua própria verdade, nenhum discurso é, em si mesmo,
verdadeiro ou falso. Barros (2002: 64) afirma: (o enunciador) fabrica discursos que
criam efeitos de verdade ou de falsidade, que parecem verdadeiros ou falsos e
como tais são interpretados. Por isso, emprega-se o termo ‘veridicção’ ou ‘dizer-
verdadeiro’, que um discurso será verdadeiro quando for interpretado como
verdadeiro, quando for dito verdadeiro.
Na modalização dos enunciados do fazer, o destinador dota o sujeito do fazer
da competência modal para exercer a ação. Nessa fase de doação de competência
modal, pressupõe-se a competência semântica do destinador-manipulador o qual
levará o destinatário-manipulado a crer nos valores apresentados, caso contrário
não terá ocorrido a manipulação.
É, também, na instância da semântica narrativa que a semiótica reserva um
importante lugar teórico para as paixões. Do ponto de vista semiótico, a paixão está
55
sempre presente nos textos, pois ela é considerada o elemento que origem e
movimento à ação do homem. Até 1991, quando da publicação, na França, da obra
Semiótica das paixões - Dos estados das coisas aos estados da alma, de A. J.
Greimas e J. Fontanille, a teoria narrativa tratava do que se poderia chamar de
estados de coisas e não tanto do que chamamos de estados de alma do sujeito.
Trabalhavam-se textos nos quais havia várias estruturas de manipulação e de
sanção ou a transferência de objetos de valor, sem, no entanto, haver um
instrumental teórico mais abrangente para a análise das paixões representativas dos
estados de alma do sujeito. Para os antigos, a paixão (vista como da ordem da
loucura, da desarmonia e da morte) opunha-se à lógica (vista como da ordem da
razão, da harmonia e da vida). Os dicionários de hoje ainda mantêm o sentido de
séculos atrás. Vejamos algumas acepções para o lexema paixão, encontradas no
dicionário on-line UOL/HOUAISS:
Do latim passio, ónis: passividade, sofrimento.
- derivação: por extensão de sentido (do Evangelho): grande sofrimento;
martírio.
- sentimento, gosto ou amor intensos, a ponto de ofuscar a razão; grande
entusiasmo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador.
- furor incontrolável; exaltação, cólera.
- ânimo favorável ou contrário a alguma coisa e que supera os limites da
razão.
Fiorin (2007), entretanto, argumenta que essa concepção dos estados
passionais vem mudando desde o culo XVIII, concebendo-se a paixão como o
que impele o homem à ação e o que o eleva às grandes coisas. Afirma, ainda, que
esses estados de alma, por serem formas de racionalidade discursiva, não se
opõem à razão.
Essa percepção da existência do componente patêmico que designaria a
“paixões de papel” decorrentes de modalizações e sobremodalizações do sujeito,
aspectualização e moralização (sobre as quais discorreremos durante este trabalho)
56
ampliou sobremaneira o escopo de análise da semiótica que passou a analisar não
só os estados das coisas mas também os estados de alma do sujeito.
A semiótica, ao reconhecer que um componente patêmico a perpassar
todas as relações e atividades humanas, que ele é o que move a ação
humana e que a enunciação discursiviza a subjetividade, mostra que as
paixões estão sempre presentes nos textos (FIORIN, 2007).
O conceito semiótico das “paixões de papel”, assim também chamadas por
serem representadas, foi construído, então, longe das bases filosóficas ou
psicológicas (estas preocupam-se com os “sujeitos reais”) para restringi-lo aos
efeitos de sentido inscritos e codificados no discurso, resultantes de qualificações
modais, organizadas sob forma de arranjos sintagmáticos, que modificam o sujeito
de estado. Bertrand (2003: 374) afirma que a uma semiótica do agir (a narratividade)
se integra uma semiótica do sofrer (a dimensão passional). Essa dimensão
passional leva também em conta a estrutura aspectual que a sobredetermina. Por
exemplo, há paixões que estão relacionadas ao aspecto da escansão, como a
cólera, ou da não-escansão, como a avareza; algumas apresentam o aspecto da
duratividade, como o amor, o remorso, o ressentimento; outras têm caráter de
pontualidade: a ira; o receio diz respeito ao que ainda não começou; o impulso
apresenta o aspecto da iteratividade, pois o sujeito impulsivo apresenta essa paixão
repetidamente; paixões voltadas para o futuro, como a esperança; outras - a
saudade, o remorso - são voltadas para o passado; estados patêmicos extensos
(a preguiça) e intensos (a cólera), e assim por diante.
Os enunciados de fazer (os primeiros abordados pela teoria de Greimas) ou
de ser (desses últimos proveio a teoria semiótica das paixões) são modalizados por
quatro modalidades fundamentais querer, dever, saber ou poder e pela
modalidade epistêmica do crer. Isso posto, um sujeito confiante é modalizado por
57
um /querer-ser (ou crer-ser)/ + /saber-poder-ser/. um sujeito insatisfeito é
modalizado por um /querer-ser/ + /saber -não poder- ser/.
Considerando que a paixão em discurso remete ao sentir, Greimas (2001:
244), ao abordar a paixão do ciúme, afirma que se a paixão é “narrável” ela obedece
a uma lógica discursiva, projetada por aspectualização sobre as pressuposições
modais e organiza-se em um esquema patêmico canônico, com a seguinte forma:
Constituição Sensibilização Moralização
Disposição Patemização Emoção
(gráfico 14: esquema patêmico canônico)
Preferimos, no entanto, o esquema proposto por Bertrand (2003: 374) que,
baseado em Greimas, admite quatro sequências assim definidas:
disposição sensibilização emoção moralização
cf. contrato competência ação sanção
A disposição é a caracterização do sujeito, é a fase inicial em que o sujeito se
dispõe a acolher este ou aquele efeito de sentido passional. Para Fontanille (2007:
131), a disposição implica, no actante, certa capacidade para a construção de
simulacros. O ciumento, por exemplo, deve ter a capacidade de imaginar situações
que lhe trarão suspeita, o medroso deve construir simulacros de situações disfóricas
diante de uma presença ameaçadora que desvelarão sua fraqueza, o
envergonhado, por sua vez, construirá um autossimulacro de reprovação perante si
mesmo e perante a sociedade.
58
Na sensibilização, o sujeito, conhecedor do sentido da paixão que o afeta,
pode, por exemplo, tornar-se corajoso diante do medo, caso supere sua apreensão,
ou medroso, caso não a supere. O sujeito assume um papel passional definido.
À emoção corresponde o prolongamento da crise passional. É o momento da
patemização propriamente dita que impele o sujeito à ação ou ao discurso passional.
A moralização é cultural e, por esse motivo, depende da sociedade em que o
sujeito manifesta a paixão. Essa aspectualização do ator se dá pelo excesso ou pela
insuficiência. de se considerar, primeiramente, que uma paixão é concebida
como tal se o “excesso” ou a “insuficiência” for resultado de um juízo feito em um
espaço comunitário que a sanciona positiva ou negativamente (Postal, 2007: 55). A
paixão revela, no final do percurso, os seus valores que, confrontados com os
valores da sociedade, serão sancionados positiva ou negativamente.
Enfim, a semiótica afasta-se das abordagens psicológica e filosófica das
paixões, limitando-se à dimensão discursiva do fenômeno. Conforme Bertrand
(2003: 377), ela (a semiótica greimasiana) se interessa pelas formas culturais dos
dispositivos passionais que o discurso configurou. Aliás, é nesse limite que ela
interessa ao especialista em análise textual. Abordaremos cada paixão de forma
mais específica e detalhada, à medida que elas surgirem nos discursos em foco.
Quanto às estruturas discursivas, o discurso, estritamente ligado à
enunciação
17
, é a instância em que a enunciação (definida por um eu-aqui-agora)
instaura um sujeito que assume a narrativa (enunciador), desenvolvendo temas,
enriquecendo-a com figuras, pessoa, tempo e espaço e produzindo efeitos de
sentido diversos.
17
Adotamos para “enunciação” o conceito expresso por Barros (2002: 86): enunciação é a instância
de mediação entre as estruturas narrativas e discursivas que, pressuposta no discurso, pode ser
construída a partir das pistas que nele espalha; é também mediadora entre o discurso e o contexto
sócio-histórico e, nesse caso, deixa-se apreender graças às relações intertextuais.
59
“No âmbito da linguagem, o que pertence à ordem da História é o discurso e
não o sistema. Ora, como se passa deste àquele? Com a enunciação, ou
seja, temporalizando, espacializando e actorializando a linguagem (Fiorin,
2001:14)
Com a finalidade de concretizar, enriquecer e produzir sentido, a enunciação
projeta, para fora de si, os atores e as coordenadas de tempo e espaço do discurso,
por meio de operações denominadas “debreagens” (ou “desembreagens”). Logo,
esses efeitos nada mais são do que projeções de pessoa, tempo e espaço no
enunciado-discurso. A semiótica analisa essas projeções partindo do princípio de
que o sujeito da enunciação, seu espaço e seu tempo (eu-aqui-agora) o o ponto
de referência das relações espaço-temporais, geradoras dos efeitos de aproximação
e de afastamento da enunciação. Há, por conseguinte, discursos produzidos por
debreagem enunciativa, também chamados de enunciação enunciada, construídos
sob a dêixis do eu-aqui-agora, cujo efeito de sentido é o de subjetividade ou de
aproximação da enunciação justamente porque o “eu” se instala no interior do
discurso; outros discursos são produzidos por debreagem enunciva, também
chamados de enunciado enunciado, construídos sob a dêixis do ele-lá-então, nos
quais o “eu” se afasta do discurso e provoca o efeito de sentido de objetividade ou
de afastamento da enunciação.
Para criar parte dos efeitos de realidade ou de referente, o narrador pode
ceder a palavra aos interlocutores, de forma que a situação de diálogo pareça “real”.
Esse recurso recebe o nome de debreagem de 2
o
. grau. Teoricamente pode haver
debreagens de 3
o
., 4
o
. graus e assim por diante, sempre que o interlocutor, dentro
da narrativa, passe a exercer o papel de narrador e delegue voz a um actante do
60
enunciado. Isso acontece, por exemplo, quando ocorre um discurso direto (diálogo)
18
inserido em outro.
Porém é por meio de procedimentos da semântica discursiva que mais
frequentemente são criados efeitos de realidade. Um desses procedimentos, nos
textos orais ou escritos, crucial no processo da significação, é o emprego das
figuras; outro procedimento é o denominado ancoragem. Consiste a ancoragem em
“ligar” o discurso a datas, lugares e pessoas que o receptor reconhece como “reais”.
Uma fotografia que acompanha uma reportagem ou entrevista tem a mesma função
ancoradoura por assegurar uma “cópia do real”. O tradicional “era uma vez”, dos
contos infantis, ou a idade do entrevistado, normalmente publicada pelos jornais são,
também, bons exemplos de ancoragens.
No nível discursivo, o sujeito da enunciação desdobra-se em enunciador e
enunciatário (os quais, ao assumirem papéis narrativos, correspondem,
respectivamente, ao destinador e ao destinatário).
A disseminação dos temas em percursos temáticos, seu revestimento
figurativo e os efeitos de realidade e de aproximação ou distanciamento da
enunciação são aspectos tratados pela semântica discursiva. Barros (2002: 62)
afirma que
o enunciador define-se como o destinador-manipulador responsável pelos
valores do discurso e capaz de levar o enunciatário a crer e a fazer. A
manipulação do enunciador exerce-se como um fazer persuasivo, enquanto
ao enunciatário cabe um fazer interpretativo e a ação subsequente.
É na instância do discurso que o sujeito da narrativa tem seus valores
assumidos disseminados em percursos temáticos que recebem ou não
investimentos figurativos. O sujeito da enunciação, ao disseminar os temas e as
18
O discurso direto é um simulacro da enunciação construído por intermédio do discurso do
narrador.[...]. O discurso direto, em geral, cria um efeito de sentido de realidade, pois a impressão
de que o narrador está apenas repetindo o que disse o interlocutor (Fiorin, 2001 : 72-74).
61
figuras que o revestem em percursos temáticos e figurativos, garante a coerência
semântica do discurso. A concretização do sentido ocorre com a tematização e a
figurativização.
Para Fiorin (2002 : 65):
A oposição entre tema e figura remete, em princípio, à oposição
abstrato/concreto. [...] A figura é o termo que remete a algo do mundo
natural: árvore, vaga-lume, sol, correr, brincar, vermelho, quente etc. [...]
Tema é um investimento semântico, de natureza puramente conceptual, que
não remete ao mundo natural. Temas são categorias que organizam,
categorizam, ordenam os elementos do mundo natural: elegância, vergonha,
raciocinar, calculista, orgulhoso etc.
Dessa forma, a predominância de elementos abstratos (temáticos) ou
concretos (figurativos) faz que haja textos predominantemente temáticos, de função
interpretativa, que procuram explicar a realidade e textos predominantemente
figurativos, de função representativa, que constroem um simulacro da realidade
para representar o mundo. Não textos exclusivamente temáticos ou
exclusivamente figurativos, pois geralmente ocorrem algumas figuras nos textos
temáticos e, nos figurativos, sempre há pelo menos um tema recoberto pelas figuras,
visto que a tematização é o nível de concretização do sentido anterior à
figurativização. Assim, do ponto de vista dos procedimentos semânticos, dois
tipos de textos: os temáticos de figurativização esparsa e os figurativos, esses
últimos com diferentes graus de figurativização.
A coerência semântica dos textos é garantida pelas isotopias
19
temáticas e
figurativas, ou seja, pela recorrência dos temas e figuras em um mesmo percurso,
respectivamente temático e figurativo. O termo isotopia, proposto por Greimas na
sua Semântica estrutural (1966), está, em semiótica, ligado à noção de recorrência,
19
Em Teoria semiótica do texto (2002 : 74), Barros afirma: Os temas espalham-se pelo texto e são
recobertos pelas figuras. A reiteração dos temas e a recorrência das figuras no discurso denominam-
-se isotopia. A isotopia assegura, graças à ideia de recorrência, a linha sintagmática do discurso e
sua coerência semântica.
62
ou seja, a repetição de mais de um traço semântico é necessária para sua
constatação.
Como já afirmamos anteriormente, deixamos aqui registrada apenas uma
visão geral do que é a semiótica greimasiana, reiterando que as obras de Diana Luz
Pessoa de Barros, José Luiz Fiorin e Norma Discini têm fundamental importância
para aqueles que tiverem intenção de se aprofundar no estudo dos processos de
significação.
63
CAPÍTULO II
A pregação religiosa de televisão, um novo gênero.
Fala-se e escreve-se por meio de gêneros e,
portanto, aprender a falar e a escrever é, antes de
mais nada, aprender gêneros (Fiorin, 2006: 69).
Desde a antiguidade, mais precisamente desde Platão e Aristóteles,
passando pela Filosofia, pela Teoria Literária, pela Linguística e por várias teorias de
comunicação, a questão dos gêneros grosso modo, tipos de textos com traços
comuns vem sendo encarada como de vital importância nos processos de
comunicação. Os filósofos distinguiam, pelo critério da voz e da representação da
realidade, três gêneros básicos e estáveis, cuja categorização é mantida até hoje
por alguns estudiosos da literatura: o lírico, o épico e o dramático. Aristóteles, por
exemplo, classificou a poesia de primeira voz como representação da rica, a de
segunda voz como representação da épica e a de terceira voz como representação
do drama. Hoje em dia os linguistas, a partir de Bakhtin, atribuem aos gêneros uma
“estabilidade relativa”, pois, se na antiguidade eram claramente estabelecidos, hoje
caminham ao lado das mudanças exigidas pela sociedade.
O professor L. A. Marcuschi (2006: 24) corrobora a teoria das mutações
genéricas, assegurando que precisamos da categoria do gênero para trabalhar com
a língua em funcionamento com critérios dinâmicos de natureza ao mesmo tempo
social e linguística, e define:
Os gêneros são atividades discursivas socialmente estabilizadas que se
prestam aos mais variados tipos de controle social e até mesmo ao exercício
de poder. Pode-se, pois, dizer que os gêneros textuais são nossa forma de
inserção, ação e controle social no dia-a-dia (2008: 162).
64
[...] assim como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se,
renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é observar os
gêneros pelo seu lado dinâmico, processual, social, interativo, cognitivo,
evitando a classificação e a postura estrutural (2006: 24).
Os gêneros não são, por conseguinte, modelos fixos; pelo contrário,
modificam-se à medida que são sensíveis às mudanças de seu próprio tempo e
estão totalmente envolvidos com as várias formas de comunicação existentes,
influenciando sobremaneira a produção textual:
[
...] é impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero, assim
como é impossível não se comunicar verbalmente por algum texto. Isso
porque toda a manifestação verbal se por meio de textos realizados em
algum gênero. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por
algum gênero textual (Marcuschi, 2008: 154).
Os homens trabalham, estudam, relacionam-se socialmente e, por
consequência, passam a vida inseridos em diferentes esferas de ação, como a
igreja, o trabalho em um banco, a escola, o quartel, o círculo de amizades. Cada
uma dessas esferas exige uma linguagem que será expressa na forma de
enunciados orais e escritos, moldados sob as finalidades e condições específicas de
cada uma delas. Motivados, gerados e dirigidos a partir do cerne dessas esferas de
atividade humana, os enunciados adquirem caráter de interação social. Assim
surgem os sermões, as cartas de amor, as entrevistas, as dissertações, as
reportagens, enfim, os gêneros textuais.
Não se produzem enunciados fora das esferas de ação, o que significa que
eles são determinados pelas condições específicas e pelas finalidades de
cada esfera. Essas esferas de ação ocasionam o aparecimento de certos
tipos de enunciados, que se estabilizam precariamente e que mudam em
função de alterações nessas esferas de atividades. se age na interação,
se diz no agir e o agir motiva certos tipos de enunciados, o que quer dizer
que cada esfera de utilização da ngua elabora tipos relativamente estáveis
de enunciados (Fiorin 2006: 61).
Por meio dos gêneros, falamos no interior de cada esfera de atividade e,
dessa maneira, estabelecem-se fortes ligações entre a linguagem e a vida social.
65
Cada esfera origina não um gênero em particular, mas vários. Da esfera acadêmica,
por exemplo, surgem inúmeros gêneros, tanto na escrita quanto na oralidade, tais
como monografias, teses, dissertações, pareceres, memoriais, debates,
conferências etc.; da religiosa surgem orações, sermões, cultos, missas, homilias; da
publicitária, placas, anúncios, folhetos, cartazes, propagandas e assim por diante.
Um mesmo gênero pode estar relacionado a mais de uma esfera de atividades.
A influência e as necessidades das esferas são, por conseguinte, o ponto de
partida para o nascimento de um gênero cuja organização sempre apresentará uma
construção composicional, um conteúdo temático e um estilo.
[...] o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da
comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas
cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, aos quais denominamos gêneros do discurso (Bakhtin, 2003:
262)
.
Os gêneros são, pois, tipos de enunciados relativamente estáveis,
caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e
um estilo. Falamos sempre por meio de neros no interior de uma dada
esfera de atividade (Fiorin, 2006: 61).
Fiorin, em sua Introdução ao pensamento de Bakhtin (2006), esclarece que o
conteúdo temático não se resume a um assunto. Mais que isso, é um domínio de
sentido ao qual o gênero está vinculado. Tomemos como exemplo a homilia que, no
discurso religioso, apresenta o conteúdo temático doutrina religiosa, mas cada
homilia exibe um assunto diferente, como a salvação, o pecado, a vida familiar, a
morte. O estilo é resultado da recorrência de palavras, expressões, jargões e
construções sintáticas, empregados em função da imagem dos interlocutores. Onde
estilo há gênero, ressalta Bakhtin (2006: 268). A construção composicional, por
fim, corresponde à forma de organização e de estruturação de um texto. Se o texto
deve ser ou não em dividido em capítulos, se deve ser datado ou não, se deve ter ou
66
não destinatário explicitado, são alguns aspectos, dentre dezenas de outros,
pertinentes à construção composicional.
Bakhtin ainda divide os gêneros em primários e secundários. Os primários
são predominantemente orais e estão ligados à comunicação corriqueira e cotidiana
(e-mails, cartas, piadas); os secundários, predominantemente escritos, apresentam
elaboração mais cuidadosa (sermões, memórias, biografias, romances, editoriais) e
podem utilizar-se dos primários.
Por o serem modelos fixos e apresentarem-se em constante mudança, à
medida que são sensíveis às mudanças de seu próprio tempo, os gêneros
secundários podem hibridizar-se servindo-se de outro gênero ou mesmo imitando a
outro na estrutura composicional, temática e estilo (Fiorin, 2006: 70). Graças a essa
dinâmica, a pregação religiosa, cujas bases estavam fincadas apenas no discurso
religioso cristão (missas, cultos, rezas, sermões), acompanhando a evolução
tecnológica, passou a incorporar também alguns gêneros da mídia televisiva
(entrevistas, teledramaturgia, programas de auditório) para dar origem a um novo
gênero: o da pregação religiosa de televisão.
Um novo gênero é sempre a transformação de um ou
de vários gêneros antigos: por inversão, por
deslocamento, por combinação. (Todorov, 1980: 46)
Ao dar foco à gênese e à enorme variedade genérica, o filósofo e linguista
búlgaro Todorov (1980) afirma que gêneros antigos não desaparecem, mas são
substituídos por outros novos, em virtude dos avanços tecnológicos do mundo
contemporâneo. Fiorin (2006: 63), por sua vez, enfatiza que a riqueza e variedades
dos gêneros são infinitas, uma vez que as possibilidades da ação humana são
inesgotáveis e cada esfera de ação comporta um repertório significativo dos gêneros
do discurso.
67
Mesmo considerando essas constantes mudanças e adaptações às quais um
gênero está sujeito, grande parte dos textos religiosos-televisivos causa certo
impacto por apresentar, como veremos, uma estrutura composicional algumas vezes
próxima à dos programas de auditório, outras mais próximas à dos talk shows,
outras à das entrevistas (misturam-se as pregações de agentes religiosos com
entrevistas, testemunhos, reconstituições de situações da vida dos fiéis
representadas por atores profissionais, bate-papos, reportagens curtas com sujeitos
felizes e bem-sucedidos porque aderiram ao discurso desta ou daquela Igreja). Essa
popularização e consequente propagação do discurso religioso de televisão, como
afirmamos em momento anterior desta tese, começou na cada de 1970, com a
assimilação, pelo discurso das neopentecostais, do estilo “pastores eletrônicos”
norteamericanos, os quais já promoviam verdadeiros “shows” de comunicação frente
às câmeras. Por outro lado, até pouco tempo atrás, a Igreja Católica Romana não
transmitia, via TV, mais do que as Santas Missas, enquanto os protestantes
tradicionais atinham-se em explicar os textos bíblicos. Não era ainda um novo
gênero. Acreditamos que esse marasmo midiático fez essas Igrejas assistirem a
uma significativa parcela de seus fiéis migrar para outras religiões.
Consciente dessa situação, a Igreja Católica no Brasil, por força da
atualização exigida pela sociedade, mesmo tendo enfrentado resistência de uma
parte do clero, também procurou (e tem procurado) adaptar seu discurso à mídia da
televisão, tentando aproximá-lo da compreensão e da participação popular. Tornou-
se uma questão de sobrevivência. Missas-show, festivais da canção religiosa,
padres-cantores têm encontrado lugar nas transmissões católicas de TV. Essa
estratégia tem sido uma resposta à crescente e ameaçadora popularização do
neopentecostalismo que, desde o seu surgimento, com a pregação religiosa de TV,
68
vem atraindo um grande número de fiéis provindos da Igreja milenar. Padres-
apresentadores incorporaram, nos seus textos, características inerentes a outros
discursos. Assim, o que vemos nas telas dos televisores (e mesmo nas igrejas) é um
marcado afastamento dos sermões e das missas tradicionais para a adoção de uma
estratégia discursiva que dialogue mais diretamente com o público. A sociedade,
envolvida pela rápida evolução tecnológica, requer rapidez na solução dos seus
problemas. Essa rapidez reflete-se na permanência e mudança, na estabilidade e
instabilidade características dos gêneros e, mais especificamente, no aparecimento
do gênero pregação religiosa de televisão.
Assimilação do discurso da televisão pelo discurso religioso
Na esfera de ação midiático-televisiva há inúmeros gêneros. Em estudo sobre
os gêneros oriundos dessa esfera de ação, Souza (2004: 92) divide a programação
das emissoras brasileiras em cinco grupos, a partir de grandes categorias temáticas:
entretenimento, informação, educação, publicidade e outros (nessa última, inserem-
se os programas de pregação religiosa). Essas categorias temáticas estão
constituídas por gêneros com temas mais específicos
20
, conforme o quadro a seguir:
20
Não nos interessa, neste trabalho, o estudo aprofundado sobre as categorias genéricas, de forma
que não discorreremos sobre elas.
69
Categorias e gêneros dos programas na TV brasileira
21
CATEGORIA
Conteúdo temático
GÊNERO
Entretenimento
Auditório
22
, colunismo social, culinário,
desenho animado, esportivo, filme, game
show (competição), humorístico, infantil,
interativo, musical, novela, quiz show
(perguntas e respostas), reality show (TV-
realidade), revista, série, série brasileira,
sitcom (comédia de situações), talk show,
teledramaturgia (ficção), variedades,
western (faroeste).
Informação
Debate, documentário, comentário,
entrevista, telejornal.
Educação Educativo, instrutivo.
Publicidade
Chamada, filme comercial, político, sorteio,
telecompra.
Outros
Especial, eventos, religioso.
Souza, 2004: 92
Conforme Pinheiro (2002: 285), a ideia de gênero híbrido resulta de um
confronto entre dois ou mais sistemas de gêneros. Essa mistura se torna
perceptível no momento em que se visualiza o antigo com relação ao novo; vista do
passado toda evolução é uma degradação, mas tão logo essa mistura se impõe
como norma, institui-se um novo gênero (Ducrot & Todorov, 1998: 148).
Os estudos de Bakhtin sobre os gêneros e a retomada desses estudos por
Fiorin (2006), reiteramos, afirmam serem os gêneros uma organização relativamente
estável na temática, na organização composicional e no estilo. Mas é principalmente
21
Antes de se utilizar das transmissões televisivas, o discurso religioso estava presente nas rádios
brasileiras. Até hoje inúmeras emissoras que transmitem exclusivamente programas religiosos ou
que alugam seus horários às Igrejas. Na cidade de São Paulo, podemos citar pelo menos duas
emissoras de rádio FM que transmitem programas religiosos: a 99.3 FM, Rádio Aleluia (propriedade
da IURD) e a 105.7 FM, Rádio Musical (propriedade da Igreja Comunhão Plena).
22
Estão em negrito os gêneros também utilizados durante as pregações religiosas de televisão.
70
por meio da análise da organização composicional da forma que podemos
chegar à gênese da pregação religiosa de televisão, ou seja, o levantamento de
traços organizacionais comuns entre a pregação religiosa e os gêneros/formatos da
televisão acaba por demonstrar a hibridização na formação do novo gênero. Não
nos esqueçamos, porém, de que o fator principal das transmissões televisivas são
as imagens as quais, associadas ou não ao som, tratam de manipular os
destinatários. As imagens produzem efeitos de realidade e de credibilidade
facilitadores do processo da persuasão. Dessa forma, o novo gênero principiou sua
instauração com a transmissão de cultos/missas, homilias e rezas para, depois,
aproveitar-se mais “agressivamente” de outros gêneros/formatos tanto do discurso
religioso quanto dos programas da televisão. Incorporaram-se, então, na pregação
religiosa de televisão, entrevistas com pessoas bem sucedidas após participarem
dos cultos na igreja, reportagens sobre as tragédias da vida para criar um simulacro
das dificuldades, shows de música cujas estrelas são padres ou pastores,
miniproduções teatrais com atores profissionais interpretando os benefícios
provindos da adesão à religião, cultos com formato de programas de auditório
auxiliados por conjuntos musicais e animação, trechos de filmes para ilustrar a fala
do agente religioso e desenhos animados com temas religiosos.
Conforme Barros, a hibridização (ou cruzamento) dos gêneros ocorre de
duas formas:
1ª) - misturam-se gêneros de uma mesma esfera de atividade devido à
imprecisão das características e das fronteiras entre eles e por razões históricas
e sociais, isto é, a sociedade, naquele momento, não mais necessita da
separação de alguns gêneros ou mesmo pede a integração deles;
2ª) - misturam-se gêneros de esferas de atividades diferentes, em decorrência de
mudanças históricas e sociais e/ou das necessidades de comunicação e de
produção de sentido.
71
A segunda delas é a forma de cruzamento que hoje vemos mais
regularmente na pregação religiosa de televisão. Como mostraremos abaixo, na
pregação religiosa de televisão misturam-se gêneros de pelo menos duas esferas de
atividades diferentes a da mídia televisiva e da igreja devido às mudanças
histórico-sociais (surgimento de novas tecnologias, concorrência entre as Igrejas) e
às necessidades de comunicação e de produção de sentido, com a finalidade de
arregimentar novos fiéis.
Traçaremos, então, um paralelo entre algumas características de composição
dos gêneros oriundos da esfera de atividade televisiva (discurso da TV- programas
de televisão) e esses mesmos gêneros, assimilados pelo discurso religioso
(programas religiosos):
PROGRAMAS DE AUDITÓRIO
DISCURSO DA TV
Programas de televisão
DISCURSO RELIGIOSO
Programas religiosos
Os programas de auditório, hoje
classificados pelas emissoras como de
variedades, apresentam música, entrevistas,
danças, quadros dramáticos. Souza (2004:
93) ressalta que são esses programas os
que mais aproximam o telespectador da
realidade da produção, pois permitem a
entrada do público nos estúdios ou nos
locais preparados para a gravação. Neles, o
público é frequentemente convidado a
participar. Palco e plateia são os espaços
destinados às gravações. Uma característica
crucial dos programas de auditório é que
eles estão sempre vinculados a um
eloquente e versátil apresentador.
A IURD utiliza-se do altar (como palco) e dos
fiéis (como plateia) para apresentar durante
seus cultos, sob o comando de eloquentes
pastores, verdadeiros programas de
auditório, com a apresentação inseridos
em cultos e rezas de músicas, entrevistas,
testemunhos.
A Igreja Católica, na televisão, ainda está
incipiente nessa técnica, mas surgem
alguns religiosos-cantores, como o Padre
Marcelo Rossi ou, ainda mais recentemente,
o jovem e bem-afeiçoado Padre Fábio de
Mello, que transformam os encontros e
missas em verdadeiros shows.
72
ENTREVISTA
DISCURSO DA TV
Programas de televisão
DISCURSO RELIGIOSO
Programas religiosos
As entrevistas estão relacionadas aos
programas jornalísticos. Nelas, os
entrevistados propõem-se a responder as
mais variadas perguntas feitas pelo
entrevistador. Segundo Souza (2004: 148), o
entrevistador não tem o compromisso de
deixar o entrevistado à vontade, como nos
talk shows, podendo questioná-lo sobre fatos
polêmicos e chegar até a discórdia, o que
denota seriedade e compromisso com a
verdade, atribuição dos programas
jornalísticos.
As entrevistas foram assimiladas pelos
programas de pregação religiosa
(neo)pentecostais, com adaptações para os
moldes dos testemunhos (nota-se aqui,
também, influência do discurso jurídico) ou
seja, apresentam-se entrevistas com sujeitos
cujas respostas confirmam as pregações da
Igreja. As que não confirmam são
descartadas. Se o destinador
(agente religioso)
afirma, durante o culto transmitido pela
televisão, que as pessoas são curadas
naquele templo, haverá vários testemunhos
de cura como suporte dessa asserção; se o
agente religioso afirma que o fato de ir à
igreja fará do sujeito um homem rico, vários
testemunhos serão apresentados como
suporte desse argumento.
Raras são as entrevistas nos programas
católicos de pregação religiosa. Não
entrevistas nos programas católicos em
análise, mas outras estratégias para
produzir discurso de autoridade e efeitos de
realidade.
73
TELEDRAMATURGIA
DISCURSO DA TV
Programas de televisão
DISCURSO RELIGIOSO
Programas religiosos
São produções com personagens
caracterizados para transmitir uma
mensagem qualquer. É a dramaturgia
adaptada para a televisão.
O discurso religioso, especialmente o da
IURD, apropriou-se da teledramaturgia para
encenar casos que, como os testemunhos,
servem de confirmação ou suporte para os
argumentos da Igreja. pequenas
encenações, com atores interpretando
pessoas sancionadas negativamente por não
frequentarem a igreja. As sanções partem da
pobreza, passando pela loucura e, muitas
vezes, chegam até a morte.
A Igreja Católica não utiliza esse gênero.
FILMES COMERCIAIS / PROPAGANDAS / TELEVENDAS
DISCURSO DA TV
Programas de televisão
DISCURSO RELIGIOSO
Programas religiosos
Na década de 1950, eram ao vivo e
repetidos várias vezes ao dia; hoje, os
comerciais continuam sendo repetidos, mas
gravados em videoteipe e com produção
bem mais apurada. Esse gênero, cuja
duração média é de trinta segundos,
movimenta as agências de publicidade e
tornou o Brasil referência em publicidade.
Com padrão de produção não tão sofisticado
quanto os comerciais produzidos por
grandes empresas, porém com grau de
criatividade que não deixa a desejar, as
Igrejas têm incrustado em sua programação
religiosa comerciais e propagandas
chamando os telespectadores para os
eventos ou cultos.
Ex.:
[...] más energias, que amarram caminhos,
anulam relações amorosas, provocam
descontrole emocional, medo, fracasso
profissional, doenças e agonia.
Se você sofre com algum desses sintomas,
74
deseja ficar livre de todos esses males, sexta-
feira, Corrente Forte Contra as Vibrações
Negativas, sete horas da noite, na Matriz do
Brás, Avenida Celso Garcia, 499; no Templo
Maior Avenida João Dias, 1800, Santo Amaro, e
em todas as Igrejas Universal do Reino de Deus.
Ultimamente temos presenciado um
considerável aumento do gênero televendas
durante os programas religiosos. Padres e
pastores oferecem CDs, DVDs, Bíblias, livros
religiosos diversos, excursões para lugares
santos, dentre outros.
Ex.:
(fala do Padre Alberto Gambarini)
[...] e adquirindo os livros do padre Alberto, você
está ajudando a nossa obra. Adquira o seu nas
melhores livrarias católicas perto de você ou ligue
de segunda-feira a sexta-feira, das 8 às 18 horas,
para 0XX11-4667-4353. Repetindo 0XX11-4667-
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DVDs do padre Alberto com seu cartão
Mastercard, Dinners Club e Visa pelo telefone.
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Além dos gêneros expostos acima, que têm servido como base da pregação
religiosa de televisão, o discurso religioso ainda assimilou, em menor escala,
telejornais, documentários, comentários, televendas, dentre outros.
75
Quanto ao conteúdo temático, podemos afirmar que o grande tema das
religiões é a busca do paraíso através da . O paraíso é encarado como um lugar
no qual se encontrará a felicidade plena, caso o indivíduo assuma e pratique em sua
vida os preceitos pregados pela religião. Deixemos claro que a concepção de
paraíso pode variar de religião para religião. Na fé católica, de acordo com o
dicionário Bíblia católica on line, o paraíso corresponde a
um termo grego que traduz o hebraico “jardim do éden” ou de delícias. É o
símbolo da alegria ou da felicidade (Gn 2, 15), da morada da divindade (Ez
28, 12-19). No Novo Testamento, é o lugar onde se espera viver a felicidade
eterna com Deus (2 Cor 12, 4; Ap 2,7). Para o judaísmo é o lugar onde
ficavam os mortos à espera da ressurreição (Lc 16,23; 23,43).
O conceito de paraíso é cultural. É fato que as religiões sempre estabelecem
normas para os adeptos atingirem a felicidade eterna. As cristãs tradicionais, por
exemplo, acatam decididamente a definição de paraíso acima, uma vez que ela
provém da própria Bíblia. Algumas neopentecostais, como é o caso da IURD, não
refutam esse conceito, porém, acrescentam fortemente, em seus discursos, que o
paraíso pode ser instaurado aqui e agora, concretizado por um mundo terreno de
fartura e de plenitude material. Assim sendo, no que se refere a conteúdo temático,
o gênero pregação religiosa, seja com relação às religiões tradicionais como a
católica, seja com relação às neopentecostais como a Universal do Reino de Deus,
está constantemente preenchido pelos preceitos – bíblicos ou não – que se propõem
a conduzir o fiel ao encontro da felicidade.
Em seu estudo sobre os gêneros da televisão, Souza (2004: 38) afirma que a
programação televisiva tem os propósitos de entreter e informar, portanto seu
conteúdo temático é o entretenimento e a informação. O autor cita o manual de
produção de programas da British Broadcasting Corporation (BBC), da Grã-
Bretanha, no qual se encontram motivos que levam à padronização dos temas:
76
Os programas devem:
1- Entreter.
2- Informar.
O entretenimento é necessário para toda e qualquer ideia de produção, sem
exceções. Todo programa deve entreter, senão não haverá audiência.
Entreter não significa somente vamos sorrir e cantar. Pode ser interessar,
surpreender, divertir, chocar, estimular ou desafiar a audiência, mas
despertando sua vontade de assistir. Isso é entretenimento.
Programas com o propósito de informar são necessários em qualquer
produção, exceto naquela dirigida inteiramente para o entretenimento (balés,
humorísticos, videoclipes etc.). Informar significa possibilitar que a pessoa, no
final da exibição, saiba um pouco mais do que sabia no começo do programa
a respeito de determinado assunto.
.
A temática da esfera religiosa [a busca do paraíso (felicidade
23
) através da fé],
ao utilizar programas de auditório, teledramaturgia, entrevistas, propagandas, dentre
outros formatos oriundos da esfera de circulação da TV, misturou-se, principalmente,
à temática da esfera midiática televisiva (entretenimento e informação) para dar
origem ao novo gênero. Os discursos da Igreja Católica Apostólica Romana e da
neopentecostal IURD, veiculados por programas de TV, refletem, dessa forma, um
gênero híbrido o da pregação religiosa de televisão resultante, principalmente,
da mistura entre os gêneros programas de TV e pregação religiosa. Essa
hibridização ocorre em maior grau no discurso da IURD do que no da Igreja Católica.
Muitas podem ser as causas de os católicos ficarem para trás nessa corrida pela
utilização dos recursos tecnológicos de comunicação, mas uma delas está no
próprio seio da Igreja: como afirmamos no início deste trabalho, uma parcela
influente e retrógrada do clero católico até pouco julgava que a transmissão
televisiva dessacralizaria a missa. Enquanto isso, a IURD ligava-se a uma das
maiores redes de televisão do Brasil, a Record, e, por conseguinte, aprendia
rapidamente a utilizar toda a estrutura de produção.
23
A concepção de felicidade varia conforme a religião. Para umas, a felicidade pode ter uma
conotação materialista como, por exemplo, o acúmulo de dinheiro ou de bens materiais (o sucesso);
para outras, o conceito de felicidade independe dos bens ou da posição social, tendo caráter
espiritual (a salvação).
77
Levando em conta todas essas considerações, esquematizamos, abaixo, a
gênese da pregação religiosa de televisão, partindo das duas esferas de atividade
originárias que, algum tempo, caminhavam separadas, mas que, hoje, na
formação desse novo gênero, acabaram por se fundir:
Gênese da pregação religiosa de televisão
Esfera de atividade Esfera de atividade
da mídia televisiva religiosa
Discurso de televisão Discurso religioso
entrevistas-testemunhos, missas, rezas, cultos,
teledramaturgia, auditório, sermões, exorcismos,
músicas, propagandas cantorias, músicas
Pregação religiosa de televisão
Ilustração 4: gênese da pregação religiosa de televisão.
78
Encontramos, tanto no discurso católico de televisão quanto no iurdiano, uma
hibridização, de forma que essa complementaridade do religioso tradicional com o
midiático de televisão acabou por gerar um novo gênero discursivo: o da pregação
religiosa de televisão.
79
CAPÍTULO III
Questões de éthos
Ao constituírem o novo gênero da pregação religiosa de televisão, os gêneros
provindos de esferas de atividades diferentes (a religiosa e a televisiva) ajudarão a
construir um caráter, uma identidade do enunciador, um éthos que não é o mesmo
do pregador tradicional nem o mesmo do apresentador de televisão. Por isso, o
estabelecimento desse(s) novo(s) éthos the), resultado(s) das marcas deixadas
no(s) enunciado(s) pelo(s) enunciador(es), tem particular importância para este
trabalho, que um de nossos objetivos é estabelecer e comparar os éthe
discursivos das duas Igrejas em análise.
O conceito de éthos, desde a Retórica de Aristóteles em que é concebido
como uma representação do caráter do locutor com a finalidade precípua de
assegurar a persuasão caminha, até os dias de hoje, pela Pragmática, pela
Semiótica e pela Análise do Discurso, recebendo a atenção de diferentes linguistas
e semioticistas.
Muitas são as definições para o éthos”, porém todas parecem ser
complementares. Aristóteles, na Retórica, assegura que, pela forma como constrói o
discurso, o orador tenciona passar ao auditório uma imagem que cause boa
impressão e inspire confiança. Considerado esse ponto de vista, o éthos está
vinculado à própria enunciação e, em consequência, à imagem do ator da
enunciação:
Persuade-se pelo caráter (éthos) quando o discurso está organizado de
forma que o orador inspire confiança; confiamos prontamente nas pessoas
honestas em todas as questões, e nelas depositamos uma confiança
absoluta nas questões que dão lugar à dúvida ou a equívocos. É preciso,
80
entretanto, que essa confiança seja resultado da influência do discurso e não
de uma previsão favorável sobre o caráter do orador (Aristóteles, 1356a: 5-6).
Para explicar melhor a teoria do filósofo grego, tomamos emprestadas as
palavras de Eggs (2005: 42): [...] toda pessoa, o homem, é, para Aristóteles, um
“animal ( pathos) político ( éthos) que tem capacidade de falar e de pensar
( logos). [...] A maneira de o homem manifestar essas três dimensões de seu ser
constitui seu éthos. Poderíamos assim dizer que todo éthos constitui uma
“condensação específica” dessas três dimensões. Desse ponto de vista,
compreendemos o alcance extraordinário da passagem 1378a 6: o orador que
consegue mostrar em seu discurso os mais elevados graus dessas três dimensões
do éthos phrónesis, areté, eúnoia convencerá realmente. Nessa passagem da
Retórica, Aristóteles investiga essas três dimensões do éthos, por meio das quais o
orador inspira confiança, e assevera:
Um orador inspira confiança se seus argumentos e conselhos são sábios,
razoáveis e ponderados; se ele argumenta com honestidade e
sinceridade e se ele é solidário e amável com os ouvintes.
Esquematizando as três espécies de éthe aristotélicos, teremos:
Éthe O orador apresenta-se Constrói suas provas
Phrónesis
sensato, prudente, sábio,
ponderado (racionalidade).
com mais recursos do lógos
(recursos discursivos) do que do
páthos ou do éthos.
Areté
franco, sincero (sinceridade).
com recursos do éthos,
propriamente dito.
Eúnoia
Solidário, benevolente
(solidariedade).
com recursos do páthos.
81
Ao discorrer sobre o éthos estudado por Aristóteles, Fiorin (2004: 121) afirma
que o orador, dependendo de seu caráter, pode recorrer a uma ou mais das três
dimensões acima. Utilizará a phrónesis caso apresente sensatez, ponderação e
sabedoria prática (constrói as provas com mais recursos do lógos do que do páthos
ou do éthos); utiliza-se da areté aquele que se apresenta franco, virtuoso (constrói
suas provas com recursos do éthos); o que se aproveita da solidariedade e
benevolência para com seu enunciatário (provas construídas com recursos do
páthos) estará se utilizando da eúnoia.
Barthes (1975: 2003) enfatiza que o éthos corresponde aos traços de caráter
que o orador mostra ao auditório para causar boa impressão; Discini (2003: 18-31),
em uma visão mais abrangente, afirma que o éthos é o modo próprio da presença
da pessoa no mundo, o modo particular de ser de alguém, cuja construção da
imagem pode ser detectada numa totalidade: seja a obra completa de um dado
autor, seja um todo constituído por seus traços comuns para fins de análise.
Isso considerado, analisar o éthos do enunciador significa analisar o caráter
discursivo do ator da enunciação, definido pela totalidade de sua obra. Depreende-
se o éthos das marcas da enunciação deixadas no enunciado. Não interessa, nesse
caso, a imagem de um enunciador real, mas de uma instância significante, efeito do
discurso. O éthos se mostra; ele não é dito. Fiorin (2004b) explica de forma mais
clara essa asserção:
Quando um professor diz “eu sou muito competente”, está explicitando uma
imagem sua no enunciado. Isso não serve de prova, não leva à construção
do éthos. O caráter da pessoa competente constrói-se na maneira como
organiza as aulas, como discorre sobre os temas etc. À medida que ele vai
falando sobre a matéria, vai dizendo “sou competente”. [...] a enunciação não
é da ordem do inefável, por conseguinte, o éthos explicita-se na enunciação
enunciada, ou seja, nas marcas da enunciação deixadas no enunciado. [...] O
éthos é uma imagem do autor, não do autor real; é um autor discursivo, um
autor implícito.
82
Na realidade, a imagem construída pelo enunciador para causar boa
impressão (o éthos) é crucial para persuadir o enunciatário nos termos da
semiótica de Greimas a aderir ao contrato fiduciário. No contrato, como sabemos,
o destinador, por meio de seu fazer persuasivo (fazer-crer/fazer), procura ganhar a
adesão do destinatário. Os discursos das Igrejas aqui estudadas são marcados não
por um fazer-crer (o fazer do agente religioso deve ser considerado verdadeiro
pelo destinatário
(telespectador)
) mas também por um fazer-fazer (os destinatários devem
tomar certas atitudes que os levarão à felicidade ou à salvação). Além disso, tanto o
discurso de pregação religiosa de televisão da IURD quanto o da Igreja Católica são
muitas vezes enunciados por sujeitos cuja figura pessoal predispõe o enunciatário
a aderir ao contrato proposto (quase sempre o contrato implica ir ao templo e
participar das missas ou das reuniões). São os casos do padre católico Marcelo
Rossi, que tem atraído milhares de telespectadores às missas, influenciados pelas
canções e filmes nos quais atuou, ou do bispo evangélico e dono da Rede Record,
Edir Macedo, não menos conhecido. Maingueneau (in: Amossy, 2005: 71) denomina
esse pré-conhecimento da imagem do enunciador de éthos pré-discursivo, termo do
qual discordamos a partir do momento em que adotamos o princípio de que o éthos
é a imagem do enunciador construída com as marcas deixadas no enunciado, e não
de um enunciador do mundo real, de carne e osso.
A questão é que, quando se examina a problemática da produção do
discurso nas mídias, pensa-se no enunciador real, de carne e osso, e não
numa instância significante, efeito do discurso (Fiorin: 2004b: 16)
.
Adotamos, portanto, a visão da semiótica segundo a qual em não havendo o
texto, não pode haver o éthos prévio ou pré-discursivo do enunciador. A semiótica
não pensa a realidade como algo pré-existente, mas, sim, como algo que provém
dos discursos. Admitimos, por conseguinte, nesse caso, não um éthos pré-
83
discursivo, mas uma imagem que resulta da intertextualidade ou da
interdiscursividade, à qual chamaremos de imagem interdiscursiva no que se refere
aos agentes religiosos-apresentadores dos programas. Lidamos, neste trabalho,
com enunciadores provindos de diferentes linhas religiosas: a da Igreja Católica,
milenar, tradicional, e a da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada
recentemente, e parece bem mais adaptada à evolução tecnológica do mundo
de hoje. É nossa opinião, portanto, que o enunciatário, nos casos de pregações de
TV efetuadas por padres católicos ou por pastores pentecostais, tenha em mente,
na sua interpretação, uma imagem interdiscursiva imbuída de toda a carga histórica
que essa função carrega. Ademais, essa imagem interdiscursiva, pressentida pelo
enunciatário antes de inteirar-se com o texto, também pode ser dada pelo gênero,
no caso, o da pregação religiosa, pois este condiciona certos padrões de
produção textual. Por conseguinte, podemos afirmar que o público, devido às
tradições histórico-culturais constantes no gênero pregação religiosa de televisão,
tem em mente uma imagem do enunciador padre ou pastor antes mesmo de que ele
fale. Essa imagem é refletida por um perfil de honestidade e de conhecimento da
Palavra de Deus que será confirmado (ou não) pelo discurso à medida que o
enunciador deixa suas marcas pessoais no enunciado. Dessa forma, o éthos do
enunciador, por estar intimamente ligado ao gênero de seu discurso, acompanha as
variações genéricas, sofrendo transformações (atualizações) com a velocidade e a
dinâmica que a sociedade exige, devido à interação com sua própria esfera de
atividade humana. As marcas da personalidade e do caráter do enunciador
depreendidas do enunciado, na pregação religiosa, devem inspirar confiança e, para
isso, têm de assimilar as mudanças exigidas pela sociedade. Se a Igreja Católica,
84
por exemplo, mantivesse, hoje, um éthos imutável, mostrado por meio de um
discurso de séculos atrás, estaria fadada a desaparecer.
Apresentaremos, a partir deste ponto, as análises semióticas dos programas
de televisão da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Católica Apostólica
Romana.
85
CAPÍTULO IV
Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD)
Os estúdios das emissoras do Bispo Edir Macedo são, durante a maior parte
do tempo, o espaço no qual os programas da pregação religiosa de televisão da
Igreja Universal são gravados. O pastor-apresentador tem seu discurso levado ao ar,
nas madrugadas, em transmissão direta. Nos programas apresentados na TV
Gazeta, que aluga para a IURD (durante a execução desta tese) os horários das 6
às 8 horas da manhã e das 20 às 22 horas, ocorre a reapresentação da
programação em videoteipe. A forma adotada é quase sempre a mesma: um ou dois
pastores-apresentadores “conversam” com os telespectadores, mostrando-lhes que
podem atingir a felicidade desde que procurem a ajuda da IURD. Compõem esses
programas entrevistas na forma de testemunhos, inserções de imagens gravadas
nos templos superlotados graças à corrente dos “318 pastores”, à corrente dos “70”
e outros eventos da Igreja. também, durante os programas, pequenas produções
dramáticas, encenadas por atores, interpretando as desgraças ocorridas ou que
podem advir na vida de quem não recorre à IURD. Mudam-se os títulos e os
apresentadores, mas a estrutura dos programas é praticamente igual. Iniciaremos
nossa análise pelo programa SOS Espiritual, da Igreja Universal do Reino de Deus.
A análise dos programas da IURD focaliza o SOS Espiritual (transmitido na manhã
do dia 18 de janeiro de 2008) que engloba um conjunto de programas curtos, de
meia hora de duração, aproximadamente, dos quais extraímos os trechos,
apresentados por diferentes pastores ou bispos.
86
1º segmento: Simulacros negativos
Pastor Denílton: [...] uma coisa estranha que acompanha o seu marido, que acompanha o seu
filho, essa coisa estranha que a senhora diz:
Eu não sei o que é, mas ele está diferente, ele o é mais o mesmo, mas eu estou
notando, pastor, uma coisa... que o comportamento do meu marido está igual ao do meu sogro, es
igual ao do meu pai, eu estou notando que isto, essa coisa estranha que está acompanhando o meu
pai, está acompanhando também o meu marido. Eu estou notando que a mesma dor, o mesmo
sofrimento que atuava na minha mãe, no casamento da minha mãe, está atuando no meu.
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor, e você não sabe o que
fazer? Preste atenção se não é isto que tem acontecido, algo estranho. Mas sabe por que esta coisa
estranha entrou aí? Por que de repente aconteceu isso? Olha, preste atenção, olha só...
O programa SOS Espiritual tem início com o pastor-apresentador
(destinador)
24
, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), manipulando o
destinatário-telespectador por intimidação, ao instaurar um antissujeito de natureza
espiritual e, portanto, desconhecido, que pode, a qualquer momento, privar o
telespectador de seus objetos de valor ou prejudicar sua família.
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor, e você não
sabe o que fazer?
A instauração desse poderoso antissujeito
25
que acompanha o destinatário,
disjungindo-o de toda a sorte de objetos de valor eufórico, é uma estratégia
corriqueira no discurso iurdiano, uma vez que o objetivo principal do destinador é
incitar o destinatário-telespectador a buscar ajuda pessoalmente no templo, lugar
em que sofrerá todo tipo de manipulação. Com essa finalidade, o discurso deverá
produzir eleitos de sentido que provoquem, no telespectador, paixões negativas
24
Os pastores-apresentadores alternam-se durante os programas da IURD.
25
O antissujeito instaurado pela IURD, como mostraremos no transcorrer desta tese, é o Mal,
concretizado na figura do “encosto”, dos espíritos malignos, da “coisa estranha”, do Diabo e da
maldição que vem desde os antepassados.
87
como o medo, a vergonha, a insatisfação e o desespero. O antissujeito (o encosto,
a coisa estranha, o espírito maligno etc.) é instaurado repetidas vezes na parte
inicial de quase todos os programas televisivos da Igreja Universal, como pudemos
mostrar em nossa dissertação de Mestrado
26
, não importando a que público o
programa é dirigido. Se o programa é direcionado aos empresários (“A hora dos
empresários”), faz-se o simulacro inicial é o de um sujeito cheio de dívidas que,
influenciado pelo antissujeito, conduz uma empresa à falência; se voltado aos mais
jovens (programa “Em busca do amor”), instaura-se um sujeito mal-resolvido
sentimentalmente, problemático no relacionamento com o sexo oposto, muitas
vezes traído e insatisfeito; se dirigido ao povo mais humilde (programa “Realidade”),
ergue-se a figura de um sujeito humílimo, combalido pelas dificuldades financeiras,
na fila do “sopão”, a ponto de passar fome, e envergonhado diante da sociedade.
Tais situações são, via-de-regra, causadas pela atuação de uma entidade maligna
na vida dos não-adeptos da Igreja.
No texto em foco, destinador-pastor utiliza uma estratégia discursiva
fundamental no processo de persuasão da IURD: o agente religioso cita, por meio
de uma debreagem de segundo grau, as palavras de uma senhora que se diz
desnorteada por seu desconhecimento e impotência diante de um mal espiritual,
figurativizado como coisa estranha”, motivo de toda dor e sofrimento, desde os
antepassados até os dias de hoje. Vejamos:
[...] a senhora diz:
Eu o sei o que é, mas ele está diferente, ele não é mais o mesmo, mas
eu estou notando, pastor, uma coisa... que o comportamento do meu marido
está igual ao do meu sogro, está igual ao do meu pai, eu estou notando que
isto, essa coisa estranha que está acompanhando o meu pai, está
acompanhando também o meu marido. Eu estou notando que a mesma dor,
26
Jadon, José Carlos. A ideologia do sucesso. Uma análise Semiótica do discurso televisivo da Igreja
Universal do Reino de Deus. Dissertação de mestrado. Orientação da Profa. Dra. Diana Luz Pessoa
de Barros. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2005.
88
o mesmo sofrimento que atuava na minha mãe, no casamento da minha
mãe, está atuando no meu.
A expressão coisa estranha é repetida cinco vezes somente no segmento em
análise. Essa iteração reforça o efeito de sentido da presença constante da
entidade desconhecida e poderosa contra quem um ser humano mortal sem a
ajuda da Igreja não tem competência para lutar.
[...] há uma coisa estranha que acompanha o seu marido [...]
[...] essa coisa estranha, que a senhora diz: - Eu não sei o que é [...]
[...] essa coisa estranha que está acompanhando o meu pai está
acompanhando também o meu marido [...]
Há uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor [...]
Mas sabe por que essa coisa estranha entrou aí?
É importante ressaltar outra forma de citação a interpretação por atores e
atrizes (formato de teledramaturgia) empregada nos atuais programas televisivos
da IURD e decisiva no processo persuasivo. Misturam-se aqui gêneros
provenientes da esfera de atividades da mídia televisiva com a da igreja. A
recorrência da teledramaturgia nas pregações televisivas iurdianas decorre de
mudanças históricas e sociais, nas quais a sociedade pede a integração de outros
gêneros, necessários para a produção do sentido. Assim sendo, para tentar
convencer os destinatários-telespectadores de que a “coisa feita” existe e pode
prejudicar, a IURD recorre, como afirmamos, a um gênero da mídia televisiva.
Apresenta, pois, durante a programação, pequenas produções
27
em cujos enredos
se encenam situações que reforçam o discurso da Igreja. No programa em análise,
uma dona de casa bem casada e bem situada financeiramente demite sua
empregada. A vingativa empregada, inconformada e cheia de ódio, vai a um
cemitério e faz um “despacho” com a foto da patroa. A partir daí, a patroa, antes
27
Como já antecipamos no capítulo sobre os gêneros, a IURD, durante sua pregação, recorre
constantemente a vários gêneros da mídia televisiva, no caso, o gênero é o da teledramaturgia. É
muito comum vermos entrevistas, trechos de filmes produzidos em Hollywood e a desenhos
animados como auxiliares da pregação.
89
feliz, começa a sonhar com a morte e a apresentar problemas mentais que vão
aumentando até a destruição total de sua vida (problemas familiares, internação em
sanatório). O texto mostra que a patroa, por não recorrer à IURD, sofre todas as
consequências da maldição lançada pela empregada.
O simulacro da imagem inicial do destinatário-sujeito
(telespectador)
projetada
pelo destinador IURD é, portanto, o de um indivíduo vitimado por uma entidade
espiritual maligna (o Mal) que lhe causa doenças, falta de dinheiro e desgraças de
toda espécie. Esse saber original é marca da onisciência sobre a vida dos
telespectadores, que a IURD demonstra desde o início da maioria de seus
programas televisivos.
Imagem do sujeito
(simulacro)
O destinador procura inspirar confiança no destinatário ao demonstrar uma
personalidade benevolente e solidária, capaz, inclusive, de resolver todos os
problemas dos telespectadores. Esse processo é o início da instauração de um
éthos alicerçado na eúnoia (solidariedade), pois o agente religioso mostra-se, do
começo ao final do texto, bem-intencionado e solidário para com seu auditório.
Essa boa intenção/simpatia para com o outro irá, no transcorrer do discurso,
ampliar-se de forma a transformar-se numa disposição ativa para prestar serviços
ao outro, caso ele necessite (Eggs, 2005: 33). A opção pelo eúnoia pode ser
observada a partir do próprio título do programa (SOS Espiritual) que significa
Vítima de um Mal
desconhecido
Impotente contra o Mal
Amedrontado
Sofredor
Preocupado
90
socorro ou ajuda espiritual, uma vez que durante todo o texto o enunciador se
coloca à disposição do espectador para solucionar todos os seus problemas:
Então, nesta terça feira, nós vamos começar este trabalho de quebra de
maldição, a quebra de maldição dos antepassados, dos ancestrais [...].
Pode ter certeza...a senhora, o senhor, que chegar nesta corrente
carregado, pesado, você vai sair liberto, livre de todo o mal. Tá bom? Se
você quer a nossa ajuda, nós estaremos na nossa catedral [...].
O Mal: um antissujeito poderoso
O discurso da Universal volta-se às pessoas que têm passado por sérios
problemas financeiros, de saúde, afetivos ou profissionais. Esse sujeito que, num
primeiro momento, preenche o espaço do lar, deixa sua marca como uma presença
caracterizada pela intensidade passional do medo e da vergonha, proporcional à
falta dos objetos de valor (bens materiais, saúde, amor, felicidade). Melhor dizendo,
na sociedade que prestigia o ter ao ser, movida pelos valores materiais, as pessoas
geralmente têm medo da pobreza e sentem vergonha por serem pobres diante do
mundo capitalista que as reprova. O Mal, cuja presença se como uma entidade
poderosa, é instaurado no discurso como um antissujeito que separa o sujeito de
seu objeto de valor ou como um obstáculo que se interpõe entre o sujeito/objeto, ou
seja, o Mal, concretizado nas figuras do encosto, da maldição, da coisa estranha,
do pó-de-sumiço, torna o telespectador infeliz, pois impede a sua aproximação dos
bens materiais.
O agente religioso manipula o telespectador de forma a dar-lhe a
competência necessária para procurar a ajuda da Igreja. Por isso, apela à
construção do simulacro negativo. A presença do Mal, instalado no discurso como
um antissujeito/obstáculo entre o destinatário-telespectador e seus objetos de valor,
é inversamente proporcional à conquista dos objetos de valor. Isso significa que
quanto maior a presença desse antissujeito, menor a possibilidade do destinatário
91
realizar suas aspirações; quanto menor a presença, maior a possibilidade de
realização.
O Mal
(Antissujeito)
o obstáculo
entre sujeito/obj.
Ilustração 5: o Mal, como obstáculo entre o sujeito e o objeto de valor.
Em um primeiro momento, o texto caminha orientado pelo esquema tensivo
da ascendência (intensidade +/ extensão -). Há um considerável aumento da tensão
causado pelas paixões do medo/vergonha/insatisfação, conforme o Mal se
manifesta e, por consequência, ocorre uma diminuição ou afastamento dos objetos
de valor do sujeito. O agente religioso espera que o telespectador seja dominado
por uma intensidade crescente das paixões do medo e da vergonha, de forma que
chegue às portas do desespero, para, assim, aderir ao contrato e procurar ajuda da
Igreja. Considerando que o estado das coisas provém dos estados da alma, incitar
as paixões é uma estratégia para levar o sujeito à ação. Em outras palavras, o
sujeito S
1
tenso (amedrontado, insatisfeito e envergonhado) porque disjunto de seu
objeto de valor (S
tenso
U Ov) toma conhecimento de que S
2
(a Igreja, na figura do
agente religioso) se coloca como ajuda imprescindível para eliminar o antissujeito
(ilustração a seguir):
Telespectador
Objetos de
valor
(riqueza,
amor, saúde)
92
O Mal
S
2
(Antissujeito)
IURD (adjuvante)
o obstáculo
entre fonte e alvo
eliminação do antissujeito
Ilustração 6:
A IURD adjuvante
Visualizemos, no gráfico, essa situação tensiva:
+
Medo, vergonha
Intensidade
_ Extensão
bens materiais
+
gráfico 15: sujeito tenso e disjunto de seu Objeto de Valor
O telespectador é aquele que deve passar da condição de sujeito do estado
para a de sujeito da ação. A ação é provocada a partir da manipulação criadora de
um determinado estado passional. Como afirmamos, levar o telespectador a um
estado tensivo-passional elevado que o impila a procurar ajuda “da” e “na” Igreja,
confiante de que ali encontrará a felicidade, é garantia de sucesso da manipulação.
Por esse motivo, torna-se necessária uma descrição, mesmo que breve, das
S
1
Telespectador
Objeto de valor
(riqueza, amor,
saúde)
93
paixões epistêmicas, positivas e negativas, ligadas ao crer e ao saber, pois são as
paixões desses dois grupos as que mais m lugar no discurso religioso de
televisão. Provêm do crer paixões epistêmicas positivas como a confiança, a
certeza, a crença, a , e negativas, como a decepção, a frustração, a desilusão,
que deságuam no desespero
28
, essas últimas nascidas da incompatibilidade abaixo
representada:
/crer S
2
dever fazer/
com o
/saber S
2
não fazer / (
que resulta no)
/não crer ser/
decepção, frustração,
insatisfação,desespero
Ligados ao saber, encontram-se o medo e a vergonha.
As paixões do crer são descritas pelo estado inicial de espera, o que se
define pelo arranjo modal (Barros, 1990: 62) do /crer-ser/, em que o sujeito da
espera (S
1
) confia, crê que o outro (S
2
) tem o dever de realizar para ele as suas
aspirações. Estabelece-se, então, um contrato, muitas vezes imaginário, entre os
dois sujeitos. Os fazeres cognitivos contratuais o denominados simulacros, os
quais determinam as relações entre os sujeitos. Sendo assim, dois programas
narrativos representativos da espera podem ser formados:
Espera fiduciária: S
1
crê que S
2
tem o dever de
realizar todos os seus desejos.
No discurso religioso tradicional, um terceiro programa narrativo, com a
inclusão de um S
3
, ou seja, o padre/pastor deve exercer o papel de intermediário
entre o crente e Deus. Isso significa que, na pregação religiosa tradicional, dois
sujeitos do fazer: (1) o agente religioso, que faz-fazer (faz Deus atender aos
28
Sobre as paixões da confiança mais utilizadas no discurso em análise (autoconfiança, confiança.
crença e fé) discorreremos mais adiante, durante a análise do discurso católico.
S
1 crer
[S
2 dever
(S
1
Ov)]
94
pedidos por meio das preces e súplicas); (2) Deus, que age, atendendo aos
pedidos.
S
1(telespectador)
crer
[S
2
(padre/pastor)
dever-fazer
(S
3
(Deus)
fazer
((S
1
Ov
))]
No discurso da IURD, o agente religioso S
2
também deve fazer Deus fazer
(restaure os valores perdidos). No entanto, características inerentes ao discurso
iurdiano, como, por exemplo, onisciência (a IURD atribui a si o conhecimento da
vida de seus fiéis) e as preces naturais
29
(o pastor improvisa uma oração/diálogo
com Deus) fazem-na ocupar o mesmo lugar enunciativo de Deus, o que significa
dizer que o lugar de intermediação fiel/Deus permanece vazio.
Com a perda de valores, foco principal do discurso neopentecostal, a IURD
incita no sujeito paixões das ordens do crer e do saber, que, juntas, acabam, por
levar o sujeito ao desespero. Com relação às paixões da ordem do saber, o
discurso deve fazer o sujeito sentir vergonha por não ter os valores positivos
desejados, ao mesmo tempo que, se o sujeito o está em situação ruim, ele deve
sentir medo de chegar a ela. Quanto às paixões epistêmicas da ordem da crença, o
discurso constrói um telespectador decepcionado, porque não encontrou apoio em
nenhuma Igreja e em ninguém, além de frustrado e insatisfeito, porque não
conseguiu obter os valores desejados. A conjunção da decepção com a
frustração/insatisfação, em última análise, desemboca no desespero. Instaurado o
desespero, o discurso apela às paixões epistêmicas positivas (confiança,
esperança) para levar o telespectador à igreja.
29
O discurso da Igreja Universal, empregado nos programas de TV, é enriquecido com uma ou mais
preces naturais (aquelas improvisadas pelo pastor, não conhecidas pelo fiel), sobre as quais
discorreremos em momento posterior. Elas são uma forma crucial de mostrar que o sujeito
manipulador tem acesso, facilidade, diálogo e até intimidade no relacionamento com Deus. Essa
forma de oração ajuda o pastor a conquistar a confiança do destinatário; sem ela o processo
persuasivo poderá não lograr efeito.
95
Assim, a partir deste ponto, descreveremos, sob o ponto de vista da
semiótica de linha francesa, algumas paixões negativas o medo, a vergonha (da
ordem do saber), a insatisfação e o desespero (da ordem do crer, negativas)
cruciais no processo de significação dos textos da pregação religiosa de televisão,
especialmente nos da IURD. Por razões metodológicas, optamos por discorrer
sobre as paixões positivas da confiança e da esperança, igualmente decisivas na
análise dos textos em foco, em momento posterior.
Iniciando pelo medo, o dicionário Aurélio Século XXI, define o lexema
como “sentimento de grande inquietação ante a noção de um perigo real ou
imaginário, de uma ameaça; susto, pavor, temor, terror. Fiorin (1992: 57), por sua
vez, esclarece ser o medo uma paixão da ordem do saber, mas, diferentemente do
saber que o outro sabe (a vergonha), refere-se ao saber que o outro pode fazer,
sendo esse fazer algo disfórico.
O medo é também uma paixão da ordem do saber, mas, ao contrário da
vergonha que concerne ao saber que outro sabe, ele refere-se ao saber que
o outro pode fazer, sendo o fazer uma conjunção com algo disfórico. (Fiorin,
1992: 57)
A paixão do medo, complementa o linguista, também surge quando o sujeito
sabe que pode estar em conjunção com objetos de valor disfórico (ou perda de
valores) e não quer estar. Ainda segundo Fiorin, “há dois tipos de medo: um
derivado da possibilidade de uma sanção pragmática negativa (medo dissuasório) e
outro de uma performance vista como ameaçadora” (medo não-dissuasório). O
medo dissuasório leva o sujeito a agir de acordo com uma dada norma social.
Nesse caso, o sujeito amedrontado tem do outro um simulacro de destinador da
sanção negativa por ser hierarquicamente superior e dotado de competência para
castigar; o outro tipo de medo decorre de uma performance vista como
96
ameaçadora. A instauração desses dois tipos de medo, o não-dissuasório e o
dissuasório, é usada como estratégia persuasiva da IURD. Vejamos os exemplos:
(1) Instauração do medo não-dissuasório (decorrente de uma performance
Ameaçadora e da perda de valores) :
[...] essa coisa estranha que está acompanhando o meu pai, está
acompanhando também o meu marido. (SOS espiritual, exibido em 18 de
janeiro de 2008)
O seu sofrimento o é um carma, não é o destino e muito menos é uma
provação de Deus. Se a senhora, o senhor, está sofrendo é porque existe
uma força do Mal na sua vida, força do Mal esta que pode ter entrado
por uma inveja, por uma maldição, por um feitiço e este Mal não vai sair
da sua vida por si só. (Programa Nosso tempo, exibido em 6 de fevereiro de
2009)
(2) Instauração do medo dissuasório (aquele que leva o sujeito a agir de
acordo com uma dada norma social, para não ser sancionado negativamente pela
própria sociedade):
[...] pessoas que chegam nessa vigília quebradas, endividadas, falidas,
pessoas devendo pra agiotas, na iminência de serem despejadas,
pessoas com o nome sujo na praça, pessoas que trabalharam anos,
lutaram muito tempo pra conquistar alguma coisa e o que conquistou, de
uma hora pra outra, de uma forma inexplicável, elas acabaram perdendo.
Chegaram à estaca zero [...]. (programa A hora dos empresários, exibido em
13 de fevereiro de 2009)
Podemos, pois, afirmar que, no discurso em pauta, a paixão do medo define
a existência modal do sujeito-telespectador de duas formas distintas: a primeira
delas reflete um sujeito amedrontado diante de um poderosíssimo
antissujeito/antidestinador (medo o-dissuasório), figurativizado de forma genérica
e difusa (o Mal) ou – de forma mais definida e específica (o pó-de-sumiço, o
encosto), que não deixará o telespectador jungir-se ao seu objeto de valor (riqueza,
saúde); a segunda existência modal refere-se a um sujeito temeroso de ser
sancionado negativamente pela própria sociedade em que vive (medo dissuasório),
por causa da não-conjunção com o objeto de valor almejado (riqueza, sucesso,
bens materiais).
97
Uma dessas duas possibilidades pode ocorrer com o sujeito coletivo de
estado (o público telespectador) quando se estabelece, no texto, a personificação
do Mal, instituído como um poder antitético a Deus, à Igreja e aos homens.
Tenebroso e desconhecido porque sobrenatural, é potencializado como “uma
atuação espiritual que faz perder”, que age nas sombras e contra quem o
destinatário, sem a ajuda da Igreja, nada pode fazer. Intimida-se o sujeito, impondo-
se o simulacro de um destinador-sancionador, constituído por um ser superior,
plenamente competente para castigar, trazer perigo ou de um antissujeito capaz de
privar o telespectador dos bens materiais, do amor, da harmonia que almeja.
Por haver, no discurso da IURD, uma tentativa constante de se estabelecer
uma relação entre a quantidade de bens materiais e a vergonha, essa paixão
caminha ao lado do medo, ou seja, quanto menos bens materiais o sujeito possuir,
mais envergonhado sentir-se-á. A vergonha, tanto quanto o medo, é uma paixão da
ordem do saber que reflete, porém, um estado de alma exclusivamente humano
30
,
definido pela combinação do /querer ser/ + /não poder não ser/ + /saber não ser/
relacionado a algo moralizado positivamente pela sociedade. Veremos, no 2º
segmento, o depoimento de um sujeito que afirma ter perdido a honra,
envergonhado perante a sociedade e insatisfeito por não possuir bens materiais.
Como afirma de-La-Taille (1999 : 25)
31
, [esse sujeito] valor e torna
legítimo o olhar de um outro destinador, a própria sociedade, que o sanciona
negativamente por não ter emprego ou estar em dificuldades financeiras. Ao
mesmo tempo e, a partir da aceitação dessa reprovação da sociedade, assume o
30
Os animais sentem medo, mas não sentem vergonha.
31
[o sujeito envergonhado] é desdobrado em dois simulacros existenciais conflitantes: em um, ele
tem, ou pensa ter, uma certa competência modal positiva, pensa ser ou melhor, projeta-se de um
determinado modo; noutro, ele que o possui tal competência, que não é como pensava ser.
Tudo isso acrescido do olhar real ou virtual de um espectador legitimado pelo sujeito, supostamente
em conjunção com o sistema de valores do destinador-julgador [...] ele (o sujeito) elege o olhar do
outro como legítimo para julgar, negativamente, a imagem de si que pretende projetar.
98
papel de autodestinador-julgador, reprovando-se a si mesmo, pois não é o que
pensou que viria a ser. Envergonha-se porque não realizou sua autoimagem virtual,
conjunta e relaxada, mas apresenta, segundo seu próprio julgamento, uma imagem
não-conjunta e intensa. O agente religioso-destinador precisa aproveitar-se desse
estado e fazer o destinatário acreditar que conseguirá obter seu objeto de valor
indo ao templo. Ali, o sujeito será exaltado e o ficará mais envergonhado perante
Deus e os outros.
Visando a esclarecer melhor essa tentativa de estabelecer uma relação entre
a escassez de bens materiais com a vergonha, esquematizamos a criação do
simulacro que projeta a imagem de um sujeito envergonhado. No quadro abaixo,
procuramos mostrar que, após ser manipulado, o sujeito, disjunto dos bens
materiais, reprova-se a si mesmo, diante da sanção negativa imposta tanto pela
sociedade quanto por seu próprio modo de ver o mundo, tornando-se, a partir daí,
um sujeito envergonhado. Fiorin (1992: 57) afirma:
A vergonha é, assim, um estado de alma da ordem do saber: o sujeito sabe
que não possui a competência para um fazer exigido pelo simulacro de
membro de um dado grupo ou que fez algo em desacordo com a deontologia
grupal.
99
Instauração do sujeito envergonhado no discurso da IURD
/querer-ser/ + /não poder não ser/ + /saber não ser/
Ilustração 7: Instauração do sujeito envergonhado
A insatisfação é outra paixão disfórica cuja abordagem julgamos
necessária. De acordo com o Dicionário UOL/Houaiss da Língua Portuguesa,
insatisfação significa descontentamento, desprazer, contrariedade, aborrecimento.
Vinculada à perda de valores, essa paixão é, juntamente com o medo e a vergonha,
um dos efeitos de sentido estrategicamente produzidos pelo discurso
neopentecostal e, algumas vezes, pelo católico. Barros (1990: 66-67), ao retomar
Greimas, afirma que a insatisfação é uma paixão intensa, não-eufórica, gerada por
um sentimento de falta e definida pela combinação de um /querer-ser/ + /não-crer-
ser/ + /saber-não-poder-ser/. Em Greimas (1981: 6) encontramos: essa paixão é
consequência da dificuldade decorrente da ruptura entre o /querer-estar reunido/
Destinadores
-
manipuladores
Agente religioso / IURD
Repórter
Testemunhante
Construção de
simulacros negativos
da imagem do Sujeito
não conjunto com
Objetos de valor
positivo
(sucesso financeiro,
bens materiais)
Destinador
-
julgador 2: o próprio
Sujeito
(o próprio destinatário-sujeito se
reprova por sua não-conjunção com os
objetos de valor desejados)
Destinatário
-
Sujeito
-
coletivo
(aceita a reprovação social-
sanção negativa – e assume
uma autoimagem negativa,
reprovando
-
se a si mesmo)
Destinador
-
julgador 1: a sociedade
Moralização negativa
(a sociedade reprova o sujeito por
este não estar conjunto com os
objetos de valor desejados)
Sujeito
envergonhado
(não-conjunto e
tenso)
100
sempre presente e o /saber-não-estar reunido/. Afirma, ainda, o semioticista que
uma relação direta entre a intensidade da expectativa não realizada (“vontade”,
“querer”, “desejo”, “aspiração”, “esperança”) e a gradação da insatisfação. Existe a
possibilidade de esse sentimento dar lugar a um programa de liquidação da falta e
será por esse caminho que os destinadores tratarão de conduzir o processo da
persuasão.
A conjunção dessas três paixões o medo, a vergonha, a insatisfação
conduz o sujeito em direção à infelicidade e, finalmente, ao desespero, uma paixão
intensa. O discurso da IURD, no entanto, procura atenuar ou anular esse
encadeamento passional ao instaurar a esperança, oferecendo-se como adjuvante
na guerra contra o antissujeito, o Mal, causador de todos os problemas do
telespectador. Aderindo ao contrato, o sujeito, agora esperançoso, caminhará em
direção à felicidade.
Sobre o desespero, procuramos, a princípio, examinar as origens
etimológicas do lexema e encontramos o seguinte: o substantivo desespero é
formado por derivação deverbal de desesperar, que, por sua vez, provém, por
derivação prefixal, de esperar (do latim spero, as, avi, atum, are). Assim,
etimologicamente:
- r espera
Esperar + ança esperança
+ des / - r desespero
101
Como o prefixo des- entra na formação de numerosos substantivos,
adjetivos e verbos para expressar ideia contrária à do termo original, se
considerarmos a etimologia, desespero significa não ter esperança. No Dicionário
Houaiss/UOL da Língua Portuguesa, as acepções de desespero confirmam o
sentido etimológico:
1. estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de
qualquer ação; desalento. 2. estado de consciência que julga uma
situação sem saída; desesperança. 3. estado de desânimo, de
sofrimento a que se sujeita uma pessoa devido a um excesso de
dificuldades ou de aflições; aflição, angústia, exasperação. 4. aquilo que,
pela sua dificuldade e pela sua exigência de perfeccionismo, causa
frustração ou desânimo. 5. irritação profunda; cólera, furor, raiva.
O sujeito amedrontado pelos simulacros do Mal construídos pelo destinador,
envergonhado diante da sociedade e insatisfeito com a situação em que se
encontra, deve ser levado ao desespero para, então, movido pela esperança de
resolver seus problemas, buscar a ajuda salvadora da Igreja. Aliás, é comum
ouvirmos as pessoas dizerem que se voltaram a Deus diante de uma situação
desesperadora, sem saída. Para Greimas & Fontanille (1993: 68), o desespero é
uma paixão resultante de uma configuração modal conflitual segundo o /querer-ser/,
de um lado, e os /saber-não-ser/ e / não-poder-ser/, de outro. Apesar de
contrariarem-se, esses dois grupos de modalizações antitéticas não se modificam
mutuamente, o que provoca uma ruptura interna do sujeito. Na realidade, ainda
segundo os semioticistas, no desespero universos modais incompatíveis, ou
seja, o sujeito desesperado vive uma crise de confiança, imbuído de duas
identidades modais independentes: a do fracasso e da frustração, por um lado, e a
da confiança e da expectativa, por outro. O sujeito desesperado procurará a Igreja
se, mesmo enxergando-se a si mesmo um frustrado/fracassado, tiver esperança de
que ela, por meio de seus agentes, pode acionar a onipotência de Deus para
resolver todos os seus problemas e levá-lo à felicidade.
102
medo
vergonha confiança felicidade
insatisfação esperança
desespero (fé)
Ilustração 8: do desespero à felicidade.
A crise de confiança, causada pela presença de uma ou mais paixões
negativas da ordem do crer (decepção, frustração, insatisfação, desespero etc.), é
imediatamente atenuada no momento em que o destinador
(agente religioso)
dá
esperança ao destinatário de que a Igreja solucionará todos os seus problemas. Por
esse motivo, a paixão da esperança é caminho pelo qual o discurso religioso tem
de passar.
No Dicionário da Houaiss/UOL da Língua Portuguesa, o lexema esperança
dispõe das seguintes acepções:
(1) sentimento de quem como possível a realização daquilo que deseja;
confiança em coisa boa; fé (2) (rubrica: religião) a segunda das três virtudes
básicas do cristão, ao lado da e da caridade [representa-se por uma
âncora] (3) expectativa, espera.
No Dicionário de Teologia (2002: 50), encontramos:
Esperança: termo bíblico referente à expectativa do crente de que Deus
cumprirá as promessas feitas no passado. A esperança bíblica é mais que
simples desejo; compreende a certeza baseada na demonstração, na
história da salvação, da fidelidade de Deus para com as pessoas, conforme
registrado nas Escrituras e na experiência da igreja. Em última análise, a
esperança futura do cristão baseia-se na promessa de retorno de Cristo e na
expectativa da ressurreição dos mortos.
São bastante diferentes as acepções apresentadas pelo dicionário de língua
portuguesa e pelo dicionário de Teologia. Isso porque enquanto o Houaiss define a
103
esperança como a visão da realização de um desejo, o Teológico a define como,
mais que um desejo, a expectativa de cumprimento de promessas divinas (a
salvação, o retorno de Cristo, a ressurreição dos mortos). Podemos afirmar, no
entanto, que a primeira definição se identifica com o discurso iurdiano (o paraíso
o sucesso é aqui e agora) e a segunda, com boa parte do discurso católico e de
outras religiões, que postergam a felicidade plena para a vida após a morte.
A confiança (paixão intersubjetiva) e a esperança, como apontamos na
ilustração 8, andam sempre unidas e são cruciais no discurso religioso, pois é
necessário que o sujeito confie no destinador, para, esperançoso, dirigir-se à igreja
em busca de ajuda. Confiante, o sujeito de estado pensa poder contar com o sujeito
do fazer para a realização de “suas esperanças” e/ou de “seus direitos”. O contrato
de confiança é, segundo Greimas (1981), imaginário, e corresponde à construção
de simulacros. Sem a confiança no destinador não haverá instauração da
esperança de se chegar à felicidade (obtenção dos objetos de valor).
Para Tatit (2002: 163), a esperança não deixa de ser uma relação de
continuidade extensa entre o sujeito e seu objeto. É uma paixão típica da espera
fiduciária que o sujeito de estado atribui ao sujeito do fazer um /dever-fazer/ que
vai levá-lo à felicidade.
O grupo de paixões visto até aqui, carrega potencial suficiente para levar o
telespectador a aderir ao contrato proposto, pois a confiança no agente religioso e a
esperança de uma vida melhor são paixões consideravelmente atenuantes do
medo, da vergonha e do desespero.
No esquema 1, a seguir, procuramos mostrar o percurso dos estados de
alma que, no discurso em foco, o destinador pretende impingir no
sujeito
(telespectador)
.
104
(1) Impossibilidade (3) realização
de união com o objeto de valor previsão da consumação de S Ov
/não-poder-ser/ /poder-ser/
Simulacro existencial do sujeito novo simulacro do sujeito
Medo, vergonha, insatisfação, Felicidade
crise de confiança, decepção, desespero segurança, confiança
intensão – estabelecimento da falta relaxamento - liquidação da falta
(2) possibilidade
de união com o objeto de v
alor
/não-poder-não-ser/
Esperança
distensão - reconhecimento da falta
Esquema 1: da impossibilidade à realização.
Alicerçando e fortalecendo a instauração das paixões relacionadas à perda
de valores (medo, vergonha, insatisfação), o agente religioso prepara o discurso
para apresentar a IURD como um destinador adjuvante salvador, pronto para, ao
lado de Deus, eliminar o antissujeito; instala, então, uma isotopia de coisas do mal
destinada a intimidar o destinatário, recorrendo a várias figuras que, juntas,
aumentam sobremaneira a tensão discursiva (coisa estranha, maldição, trabalho,
de sumiço, maldição dos antepassados ou dos ancestrais etc.). Se observarmos
o alcance do mal a que está sujeito o destinatário, caso não recorra à IURD,
perceberemos que a generalização (a isotopia das figuras do mal), além de resultar
em um aumento da intensidade (maior tensão) provocará uma diminuição da
extensão (distanciamento dos Ov). Vejamos essa situação tensiva graficamente:
105
MEDO
maldição
pó de sumiço
intensidade
(coisas do mal)
coisa estranha
isotopia
“trabalho”
0
extensão
Sumiço dos objetos de valor (vida, marido, bens etc.)
Generalização da diminuição dos objetos de valor.
gráfico 16: isotopia das figuras do mal – tensão elevada.
Para fortalecer a manipulação, a pregação iurdiana serve-se de mais um
gênero, dessa vez não trazido da esfera de atividades da mídia televisiva mas da
esfera jurídica: os testemunhos. Eles carregam forte valor persuasivo por serem
narrativas menores que, inseridas na totalidade discursiva, apresentam as três
fases do esquema narrativo (manipulação, ação, recompensa), que as narrativas
televisivas da Igreja Universal, vistas em sua totalidade, normalmente apresentam
apenas a fase da manipulação, isto é, em uma análise do esquema narrativo geral
desses programas, trabalhamos somente com o percurso do destinador-
manipulador (percurso da manipulação). Entretanto as pequenas histórias auxiliares
contadas pelo destinador ou por entrevistados testemunhos apresentam o
modelo canônico completo. A ação (performance) corresponde infalivelmente à ida
do destinatário
(telespectador)
ao templo da IURD; a recompensa é a felicidade
alcançada, a nova vida, o simulacro positivo do telespectador, depois de
comparecer ao templo. Vejamos, no 2º segmento, como se dá esse processo.
106
2º Segmento – TESTEMUNHOS 1 e 2: doação de esperança para uma vida
melhor
Após examinar vários, inserimos, neste segmento, dois testemunhos que
cumprem o mesmo papel no texto, mas apresentam diferentes questões de análise.
O primeiro tem como entrevistador o próprio agente religioso, para quem a Srta.
Priscila relata a cura de suas inúmeras doenças. No segundo, ao ser entrevistado
por uma repórter, o Sr. Alencar relata a sua recuperação dos bens materiais.
Percebemos, nos depoimentos que se referem à saúde, que, em nenhum
momento, os testemunhantes contam ter ficado envergonhados por terem estado
doentes. Por outro lado, nos depoimentos sobre a falta de bens materiais, os
depoentes, quase sem exceção, demonstram ter passado vergonha diante de
amigos e parentes, por não conseguirem dinheiro para suprir suas necessidades
materiais. Concordamos com de-La-Taille (1999) para quem a vergonha começa
com a decisão do sujeito envergonhado de dar crédito a uma postura reprovadora
da sociedade frente às pessoas mal sucedidas materialmente.
O primeiro testemunho aqui estudado, como apontamos, enfoca a
recuperação da saúde de uma jovem. Constituído de imagens (gravadas) a partir
de um templo lotado, o agente religioso toma o depoimento de Priscila, uma adepta,
cujas respostas são notadamente conduzidas pelo enunciador-entrevistador.
Testemunho 1
Sujeito entrevistado: Srta. Priscila.
Entrevistador: Bispo Jadson.
Assunto: cura das doenças ao frequentar a IURD.
Local: altar de um templo IURD.
107
Bispo Jadson: O nome da senhora?
Priscila: O meu nome é Priscila.
Aconteceu o quê?
Eu tive depressão, tive síndrome do pânico, tive, também, reumatismo no sangue e a
médica já tinha me desenganado e determinou que eu devia tomar injeção até os vinte e um anos de
idade, porque eu não teria cura mais.
A senhora veio na sessão e está curada?
Vim na sessão e estou curada.
Liberta de tudo?
Liberta de tudo, não tenho mais nada, não sinto medo, não sinto síndrome de pânico, não
sinto dores, o sinto nada. Quem tem reumatismo no sangue, quem teve, sabe como doem as
juntas, sabe como é ruim essa dor, sabe que não tem controle nas mãos, controle sobre o corpo, é
terrível. Nem fechar o botão da própria camisa a pessoa não consegue.
E agora, consegue tudo?
Liberta, estou participando da corrente, estou liberta, graças a Deus, consigo tudo, sou
feliz, sou realizada, não tenho nenhum tipo de problema, não tenho nenhum tipo de doença, graças
a Deus.
Deus abençoe a senhora.
Os testemunhos são, portanto, formas de entrevista de fundamental
importância no processo persuasivo, uma vez que procuram mostrar a experiência
vivida pelo fiel para produzir, no discurso da persuasão, efeitos de sentido de
realidade. Esse gênero, como dissemos, foi trazido de três esferas de ação
diferentes:
1) da esfera de atividade jurídica: como em um tribunal, os sujeitos-
testemunhantes são escolhidos em função do interesse do inquiridor (no caso, o
próprio agente religioso ou o repórter da IURD) por determinadas respostas,
estratégia que procura erigir o corpo de uma única voz, a da Igreja Universal. Essa
voz se ergue como uma união das vozes dos fiéis testemunhantes, pastores e
bispos da Igreja;
(2) da esfera de atividade da mídia televisiva ou jornalística: quando não
ocorrem no interior dos templos
32
, testemunhos em formato de entrevista são
conduzidos por repórteres profissionais e não por pastores;
32
Esses testemunhos-entrevista, quando fora dos templos, retratam visualmente as condições
socioeconômicas dos entrevistados. A maior parte dos entrevistados são pessoas muito bem-
sucedidas financeiramente, que saíram de uma condição ruim para chegar à riqueza, depois de
procurar a IURD. Nesse caso, enquanto os testemunhantes descrevem seus bens, são mostrados os
locais das entrevistas, que variam desde o interior de caros automóveis até elegantes residências.
108
(3) da esfera religiosa: a Igreja Católica, por exemplo, utiliza-se de
testemunhos nos casamentos e batismos. Em algumas religiões, os fiéis declaram-
se testemunhas, como ocorre com as testemunhas de Jeová.
Sobre o gênero testemunho de televisão, Patrick Charaudeau (2006: 224)
afirma:
O testemunho [...] é forma de enunciação que revela, ou pelo menos
confirma, a existência de uma realidade com a qual o enunciador teve
contato. Esse é, pois, levado a dizer o que viu, ouviu ou tocou, sem análise
ou julgamento. A palavra do testemunho compromete o sujeito sobre uma
verdade que “provém apenas do corpo” (como se diz em Direito), o que lhe
confere os traços da pureza e da autenticidade. A palavra de testemunho
instaura o imaginário da “verdade verdadeira”. O testemunho pode ser
enunciado por um sujeito anônimo ou por um sujeito que tenha certa
notoriedade. Se é anônimo (para o telespectador), para que seu dizer
participe do acontecimento midiático, o testemunho que der a respeito de si
mesmo ou da vida será tido como válido para todos aqueles que pertencem
à mesma categoria (com isso, não será confundido com a simples
testemunha numa entrevista de rua). Ele se achará instituído em um
arquétipo social de um modelo de vida profissional (um relojoeiro, um
artesão), de um indivíduo sofredor (vítima de doenças, de acidentes, de
extorsões), ou de comportamento extremo (herói por um dia) o que os reality
e os talk shows exploram abundantemente.
O segmento em análise é um estereótipo, diariamente apresentado às
dezenas, sempre intercalado às pregações, cujo efeito de sentido resultante é o de
confirmar a realidade apregoada pelo destinador
(bispo, pastor)
durante o processo da
manipulação. Essa forma de enunciação, retomando Charaudeau (2006: 217),
confere traços de autenticidade ao discurso, pois instaura o imaginário de verdade
verdadeira. É um reforço da persuasão que “funciona” como gênero auxiliar inserido
na totalidade da pregação religiosa da IURD. Desacelera momentaneamente o
andamento discursivo e instaura o esquema descendente, uma vez que, apresenta-
se sempre com final feliz, refletindo relaxamento.
Ao analisar os testemunhos como narrativa auxiliar do discurso iurdiano,
devemos levar em conta as formas com que esse gênero interfere no processo da
Em um dos programas apresentados no mês de março de 2009, o testemunho sobre a feliz vida de
um casal que enriqueceu depois de frequentar a IURD ocorreu durante uma espécie de
documentário, gravado em um hotel-cassino de Las Vegas.
109
construção discursiva, tanto considerado individualmente como em relação à
totalidade discursiva (o unus em si mesmo e o unus em relação ao totus).
Começando com uma visão do unus (o testemunho em si), esse tipo de
narrativa, no discurso da Universal, tem uma orientação tensiva bem definida, pois,
via de regra, constrói o sujeito disjunto de seus objetos de valor para, depois, com
um final sempre feliz, uni-los. Isso significa que um aumento das tensões desde
o início até o clímax tensivo em que, invariavelmente, o sujeito chega ao desespero.
A partir desse ponto, as tensões começam a despencar, pois o sujeito narra que,
desde o cumprimento do contrato proposto pela IURD (frequentar o templo) sua
vida mudou para melhor em todos os sentidos.
Exemplificamos, abaixo, como se esse processo de instauração do
esquema tensivo ascendente desde o início do texto até o clímax disfórico (+
intensidade / - extensão) para a mudança de orientação tensivo-passional por meio
do esquema descendente, no qual as tensões desaparecem devido à união com os
objetos de valor desejados (- intensidade/ + extensão):
Exemplo 1: Clímax disfórico
Eu tive depressão, tive síndrome do pânico, tive, também, reumatismo no sangue e a médica
tinha me desenganado e determinou que eu devia tomar injeção até os vinte e um anos de
idade, porque eu não teria cura mais. (testemunho de Priscila: tensão elevada e clímax disfórico,
com relação ao objeto de valor saúde)
Final (desfecho) feliz
[...] (hoje) consigo tudo, sou feliz, sou realizada, não tenho nenhum tipo de problema, não
tenho nenhum tipo de doença [...]. (desfecho do testemunho de Priscila, sob nova orientação
tensiva)
110
Exemplo 2: Clímax disfórico
Olha, foram quatrocentos mil de dívidas, isso fora o patrimônio perdido. Na época, eu perdi
mais de um milhão de reais de patrimônio... quer dizer... eu fiquei negativo, sem patrimônio
nenhum, com todas essas dívidas, e essas dívidas foram contraídas no intuito de resgatar o
patrimônio, no intuito de resgatar o prestígio diante da sociedade, diante dos amigos e no
intuito, também, de honrar os compromissos. (testemunho do Sr. Alencar: tensão elevada e clímax
disfórico, com relação ao objeto de valor dinheiro)
Final Feliz
[...] (hoje) minha vida mudou da água pro vinho. Sou uma pessoa completamente feliz [...]
(mudança da orientação tensiva: recuperação dos bens materiais)
Os esquemas a seguir representam um testemunho-padrão, analisado
isoladamente:
Esquema tensivo de um TESTEMUNHO-PADRÃO, visto isoladamente
Reiteramos que, quando isoladamente analisados, os testemunhos, via de
regra, atingem um ápice de intensidade tensiva (durante a exposição dos
problemas, na 1ª. parte) para, no desfecho (2ª. parte), haver uma diminuição da
intensidade e um simultâneo aumento da extensão, graças ao final feliz, com a
instauração da esperança gerada pela conquista dos objetos de valor. Isso
significa que, nos testemunhos em geral uma mudança de orientação tensiva do
esquema ascendente para o descendente.
111
1ª. parte 2ª. parte
CLÍMAX DISFÓRICO FINAL FELIZ (recompensa)
Esquema tensivo ASCENDENTE Esquema tensivo DESCENDENTE
Eu tive depressão [...] reumatismo (hoje) consigo tudo, sou feliz, sou realizada.
[...] síndrome do pânico
medo medo
desespero desespero
vergonha vergonha
+ +
Mudança de orientação
INTENSIDADE INTENSIDADE
esperança esperança
_ EXTENSÃO objetos de valor + _ EXTENSÃO objetos de valor +
Gráficos 17: mudança de orientação tensiva, do esquema ascendente para o descendente.
Por outro lado, se considerarmos o eixo da extensão correspondente à
abrangência ou ao alcance do discurso, ou seja, se lançarmos no eixo da extensão
o grupo de destinatários com quem cada testemunho está identificado (grupo de
falidos, grupo de doentes etc.), teremos uma visão do efeito de individuação,
marcado por uma redução da intensidade e da extensão, simultaneamente.
112
EFEITO DE INDIVIDUAÇÃO DO TESTEMUNHO
medo
desespero
vergonha
+
ESQUEMA DA
INTENSIDADE ATENUAÇÃO
esperança
_ EXTENSÃO +
O universo de sujeitos que se identificam com os relatos diminui (o relato é direcionado só
aos doentes, aos desempregados, aos falidos, aos abandonados, só aos desesperados,
aos aflitos, só aos desiludidos etc.)
gráfico 18: esquema tensivo do testemunho, visto isoladamente.
Caso lancemos um olhar sobre a totalidade discursiva iurdiana na qual se
insere o gênero “testemunho”, notaremos que, após o que chamamos de clímax
disfórico, o discurso muda sua orientação tensiva e entra em um esquema de
atenuação (- intensidade / - extensão), visto que, para atuar como exemplo ou
reforço de argumento, esse gênero, em seu desfecho, “corta” propositalmente o
continuum da amplificação (intensidade) retórica, normalmente adotado pelo
destinador
(agente religioso)
. Como mostramos, os testemunhos em análise são
narrativas com clímax disfórico e final feliz. Vistos, porém, como partes de um todo,
e, considerando, no eixo da extensão, o público a quem se destinam, diminuem não
a intensidade discursiva como também a extensão, pois cada testemunho
identifica-se com um grupo específico de espectadores. Essas “reduções da
113
tensão”
33
são o momento em que o telespectador “toma lego”, “respira”, frente a
um exemplo de vida feliz, com efeitos de sentido de verdade, cujo objetivo precípuo
é o de confirmar as promessas dos pastores e bispos da Igreja, que serão
retomadas por eles, de forma mais contundente ainda, após a apresentação do
testemunho; no eixo da extensão, a seleção repetitiva dos sujeitos que se
identificam com a história contada (individuação) acaba por gerar o efeito de
sentido de generalização, como afirmamos anteriormente. Tantos são os
testemunhos que o sujeito se identifica com pelo menos um deles. Daí a
generalização.
Tomando por base o totus (a totalidade do discurso televisivo da IURD),
quando o testemunho é enunciado, ocorre:
a- a entrada em cena de um novo enunciador. O eloquente agente
religioso muitas vezes delega a palavra a outro enunciador, um repórter que, por
sua vez passa a palavra a uma dona de casa, um comerciante, um pequeno
empresário, um ex-indigente, um ex-toxicômano. Antes do final feliz, há um
aumento da intensidade tensiva, que o sujeito confirma, por experiência própria,
todo o simulacro negativo projetado pelo destinador.
b- uma breve diminuição da intensidade: um momento de parada da
amplificação retórica sob a qual o discurso vinha sendo construído. O próprio
telespectador avaliza, então, as promessas de sucesso, saúde e riqueza
asseveradas anteriormente pelo enunciador IURD (final feliz).
c- uma diminuição da extensão: retomando as palavras de Charaudeau
(2006: 224), o testemunho será tido como válido para todos os sujeitos
33
As reduções tensivas às quais nos referimos nesse caso são, de acordo com a semiótica tensiva,
estratégicas paradas do aumento da tensividade. A parada da parada, ou seja, a retomada do
aumento das tensões ocorrerá com a fala do pastor imediatamente após o testemunho.
114
pertencentes à mesma categoria, ao mesmo arquétipo social (grifo nosso)
34
.
Conclui-se, por conseguinte, que esse gênero não afeta a todos os telespectadores,
mas a uma parte específica deles. A IURD, porém, adota uma estratégia persuasiva
de inserção de inúmeros testemunhos diferentes, de sujeitos que se uniram a
objetos de valor diversos (o dinheiro, a pessoa amada, a saúde etc,). Esse
procedimento fará que, na totalidade discursiva, haja um aumento da extensão, ou
seja, quanto mais testemunhos diferentes, mais telespectadores se identificarão
com as “verdades” apregoadas no discurso.
Para melhor esclarecer o valor persuasivo desse tipo de estratégia,
representaremos graficamente, abaixo, o discurso iurdiano de televisão. Reiteramos
que há uma queda da tensão no momento da enunciação do testemunho, visto que,
na totalidade discursiva, esse gênero funciona como uma parada da continuidade,
com o intuito de convencer o telespectador cheio de problemas de que existe, sim,
uma esperança de solução, caso recorra à Igreja. Ocorre, nos textos, uma notável
valorização dos valores intensos e de continuidade pela caracterização constante
da relação do telespectador com as perdas materiais e com os sofrimentos (
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor e você não sabe o que
fazer...). Essa continuidade é rompida quando do final dos testemunhos. A ruptura
interrompe um momento tenso da realização (ocorre uma parada). A continuidade
(parada da parada) será retomada no momento em que o agente religioso voltar a
falar.
Assim representamos os testemunhos, inseridos na totalidade IURD: final
feliz, breve queda da tensão:
34
É por esse motivo que os testemunhos, vistos individualmente, diminuem a extensão. Cada
testemunho refere-se a um grupo de indivíduos. testemunhos voltados para os doentes, para os
falidos, para os desempregados, para os abandonados sentimentalmente etc.. Somente a totalidade,
formada pela repetição desse gênero, aumentará a extensão do discurso.
115
Gráfico tensivo da totalidade do discurso iurdiano
O conjunto dos testemunhos aumenta a extensão (o alcance do discurso)
I
n T
t e
e n final
n s
s ã
I o
Testemunho
d
a
d
e E x t e n s ã o
(neste eixo encontram-se os sujeitos destinatários do discurso (telespectadores).
.
Aumento da intensidade tensiva
Aumento da extensão do Mal
Retomada Retomada
Testemunho Testemunho
Fala do agente religioso (pastor) Retomada da fala do pastor
Valores intensos e tônicos do Mal, Volta da continuidade
pela caracterização constante da (parada da parada).
relação do telespectador com as
perdas materiais e com os sofrimentos.
Testemunho (2ª. parte: final feliz)
Redução da intensidade e da
extensão (parada): esperança.
(ver gráficos nº17) Final do programa: ESPERANÇA
O texto invariavelmente
Testemunho (1ª. parte) termina com o agente religioso convidando
Exposição dos problemas, todos os telespectadores para irem ao templo.
aumento das tensões. O telespectador é dotado da esperança de que,
(ver gráficos nº17) ali, encontrará solução para todos os problemas.
(gráfico 19)
116
Ainda com relação ao emprego do gênero testemunho, destacamos, no
trecho abaixo, uma estratégia persuasiva empregada pelos agentes religiosos da
IURD: uma declarada condução do pastor-entrevistador sobre as respostas da
testemunhante, especialmente no que se refere ao cumprimento do contrato (ir à
igreja) pela testemunhante e ao emprego de lexemas-chave na construção da
persuasão, como cura, tudo, liberta. Vejamos, por exemplo, como o
enunciador
(pastor)
, grosso modo, “insere suas próprias palavras nas respostas da
testemunhante”:
– A senhora veio na sessão e está curada?
(O pastor induz a testemunhante Priscila a dizer que se curou após ter ido
à sessão)
Vim na sessão e estou curada.
(Resposta de Priscila, com as palavras do pastor)
Liberta de tudo?
(Novamente o pastor escolhe as palavras que quer ouvir na resposta,
dessa vez com apelo figurativo fortalecido pela metáfora da escravidão)
Liberta de tudo, não tenho mais nada [...]
(Resposta induzida, na qual novamente se inserem as palavras do pastor)
Sob outro prisma, a testemunhante declara que, enquanto permanecia no
estado de espera, sua condição era deplorável, ou seja, desenganada, sofria de
doenças graves, até procurar a IURD, participar da “corrente”
35
e libertar-se.
Liberta, estou participando da corrente, estou liberta [...]
O significado do sintagma “estou liberta”, para os adeptos da IURD, é “estou
livre de todos os males” (doenças, problemas financeiros, falta de amor),
35
A “Corrente de Libertação” ou “Sessão da Libertação” é o evento programado para acontecer todas
as sextas-feiras, nos templos da Universal. Ali ocorrem atos de exorcismo (aos quais os pastores e
adeptos iurdianos chamam de oração forte) para quem tem problemas espirituais por possessão
demoníaca. A IURD prega que o possuídas por espíritos demoníacos, as pessoas que professam
falsas religiões originadas no Espiritismo, as vítimas de trabalhos e despachos, as vítimas das
maldades dos demônios, de macumba, inveja e olho grande, os que convivem com pessoas que
praticam o Espiritismo, os que se alimentam de pratos preparados pelas tradicionais baianas, os que
têm dores de cabeça constantes, os que ouvem vozes, veem vultos, dentre outros (Campos,1999).
117
provocados pelo antissujeito. Isso significa que o destinatário cumpriu o contrato
fiduciário proposto pelo destinador
(IURD)
: o destinatário
(telespectador)
foi ao templo e
recebeu todas as recompensas prometidas pelo agente religioso. Esse é um dos
mecanismos mais empregados pelas Igrejas neopentecostais nos programas de
televisão (e de rádio) com vistas ao aumento do número de fiéis: a Igreja promete
eliminar a entidade causadora das mazelas da vida, desde que o fiel aceite a
manipulação e abrace a (nova) religião. Nada adianta somente assistir ao
programa. O testemunho é recurso persuasivo crucial para o destinador negociar o
contrato de forma que o destinatário passe a ser o sujeito da ação, indo à igreja.
Retomamos, abaixo, momentos desse testemunho:
A senhora veio na sessão e está curada?
Vim na sessão e estou curada!
ação recompensa para o destinatário/cumprimento do
contrato pelo destinador-IURD
Liberta de tudo?
Liberta de tudo!
recompensa para o destinatário/ cumprimento do contrato pelo
destinador
Liberta, estou participando da corrente, estou liberta, graças a Deus,
cumprimento do contrato
pelo destinatário (adesão à Igreja)
consigo tudo, sou feliz [...]
Esquematizando, teremos:
1) “coisa estranha”, maldição 2)
Programa religioso na TV
Destinador IURD
Instaura a figura do Mal.
Manipula por intimidação.
Telespectador
Imbui-se de medo.
Sente-se ameaçado
pelo Mal.
118
3) Oferece acolhimento e esperança 4)
Esquema 2: contrato oferecido pelos programas de pregação religiosa da IURD
Também percebemos, em boa parte do segmento acima, uma estratégia de
persuasão reforçada pelos lexemas de forte apelo figurativo, escolhidos pelo
entrevistador
(pastor)
. O Dicionário Eletrônico Aurélio - Século XXI (1999) registra,
para o lexema liberto, as seguintes acepções:
1- Diz-se de escravo que passou à condição de livre. 2- Posto em liberdade;
livre, solto. 3- Livre, salvo. 4- Isento de preconceitos, de superstições. 5-
Escravo que passou à condição de livre.
E, para cura:
1- ato ou efeito de curar-se. 2- restabelecimento da saúde. 3- meio de
debelar uma doença, tratamento. 4- tratamento preventivo de saúde.
Fig. Solução, remédio, regeneração, emenda
Resultam dessas figuras duas linhas isotópico-figurativas: a da libertação da
escravidão provocada pelos problemas da vida, pela falta de dinheiro etc.; a da cura
das doenças resultantes da atuação do Mal.
Além das isotopias mencionadas, é comum, no discurso iurdiano, o jogo
semântico das antíteses tudo ou nada, ou seja, o interlocutor
(pastor)
“força”,
“implanta” na resposta de sua interlocutária
(Priscila)
os lexemas tudo e nada para
realçar o efeito de sentido de que, na IURD, não meios-termos. Para o adepto
da Igreja, tudo: o fiel torna-se abençoado, rico, saudável, respeitado, bem-sucedido
amorosa e financeiramente, enfim, pleno de felicidade. Já, para os outros, nada.
Programa
religioso na
TV
Manipula por tentação.
Telespectador
Confia.
Procura a IURD.
119
Esses são amaldiçoados desde o nascimento (maldição dos antepassados)
36
,
pobres, doentes, mal-sucedidos afetivamente, infelizes, enfim. Para o fiel, promete-
-se tudo, os bens materiais, a saúde, a felicidade, o paraíso na Terra; para o outro,
o nada.
O encadeamento das coordenadas assindéticas (parataxe) provoca uma
gradação que, associada à repetição de palavras no caso, do advérbio não e do
verbo ter – resulta em uma notável elevação da voz do sujeito do enunciado
(Priscila). Essa elevação da voz que exalta as recompensas decorrentes da ação
de ir aos templos da IURD tenta e seduz o destinatário (Faça como eu fiz. Aja.
ao templo e resolva todos os seus problemas. Você pode!), de forma que o
telespectador projete um simulacro positivo de si mesmo, moldado à imagem do
testemunhante. Dessa forma, enquanto a tensão decai no eixo da intensidade, em
direção à zona átona da felicidade, deixando para trás a zona tônica da infelicidade
(desespero, vergonha), uma progressão da extensão, caso nesse eixo
projetemos os objetos de valor.
Eu tive depressão, tive síndrome do pânico, tive, também, reumatismo no
sangue.
[...]
não tenho mais nada, não sinto medo, não sinto síndrome de pânico,
não sinto dores, não sinto nada [...] consigo tudo, sou feliz, sou realizada,
não tenho nenhum tipo de problema, não tenho nenhum tipo de doença,
graças a Deus.
36
Segundo Romeiro (1995: 97), os pregadores da maldição afirmam que se alguém tem algum
problema relacionado ao alcoolismo, pornografia, depressão, adultério, nerosismo, divórcio, diabetes,
câncer e muitos outros, é porque algum antepassado viveu aquela situação ou praticou aquele
pecado e transmitiu tal pecado ou maldição a um descendente.
120
Infelicidade
+
esquema tensivo descendente
Intensidade
felicidade, liberdade
_
Extensão
+
Objetos de Valor
Gráfico 20: esquema tensivo descendente. Relação entre felicidade e acúmulo de O
V
.
A manipulação passa da intimidação (simulacro do antissujeito) para a
tentação no momento em que um interlocutário “liberto de tudo” entra em cena.
Aqui, como apontamos, notamos a ação e a recompensa, que não ocorrem
durante o esquema narrativo iniciado pelo destinador-manipulador
(pastor),
no primeiro
segmento.
Um testemunho em forma de entrevista: reforço do efeito de realidade
Para reforçar os efeitos de realidade, os testemunhos repetem-se durante a
programação. Mudam-se os valores. Na entrevista analisada a seguir, a
restauração não é mais da saúde, mas de bens materiais. A entrevista é efetuada
com alguém que “chegou ao fundo do poço”, mas que atingiu o sucesso depois
que começou a frequentar as reuniões da Igreja Universal. É importante, para o
estudo do processo da persuasão, registrar que, nesse caso, a entrevista não é
conduzida por um agente religioso, mas por um repórter profissional, o que
potencializa o efeito de realidade devido à “neutralidade” sugerida pela imagem
interdiscursiva do repórter-entrevistador. Além disso, um apelo maior à mistura
121
de um gênero originário da mídia jornalístico-televisiva com o discurso religioso.
Enquanto os pastores entrevistam as pessoas que se dirigem voluntariamente ao
altar do templo, durante os encontros, para testemunhar o fim das doenças, da
desarmonia, da influência dos “encostos” ou das maldições, os repórteres
entrevistam as pessoas (sempre muito bem vestidas, aparentando uma boa
posição socioeconômica) nos corredores dos templos
37
, nos automóveis e até
mesmo na própria residência do bem-sucedido fiel. Vejamos:
Testemunho 2
Sujeito entrevistado: Sr Alencar.
Entrevistadora: repórter profissional contratada pela IURD.
Assunto: (o empresário relata) a recuperação dos bens materiais e a
restauração da honra, depois de começar a frequentar a IURD.
Local: estúdios da emissora de televisão.
Pastor Márcio: -Bom dia, pastor Denílton e a todos aqueles que estão acompanhando este
programa. Nós agora vamos falar a respeito do Congresso Empresarial, que acontece todas as
segundas-feiras na nossa catedral de Santo André, na Avenida Perimetral, número 105. O nosso
Congresso Empresarial acontece para as pessoas que querem ver Deus na vida financeira. Mas o
que Deus tem a ver com a vida financeira? Está escrito que o senhor Jesus, ele veio para dar vida e
vida com abundância. E o que o senhor, a senhora entende de vida com abundância? É dívidas,
problemas, miséria? Não, mas abundância é você ter realmente como está escrito, para ter ao
senhor, a senhora e até emprestar! Isso mesmo! Está escrito que você estenderia as mãos para
emprestar a muita gente, não tomaria emprestado. E o senhor, a senhora, espassando por um
momento difícil. Se o senhor quiser continuar ligando, você pode continuar ligando, as nossas linhas
telefônicas estão à sua inteira disposição, nós temos pessoas que estão dispostas a lhe ajudar,
2199-2625 e 2199-2624. O “seu” Alencar, ele chegou até o congresso empresarial com uma dívida
de mais de quatrocentos mil reais. Como pagar uma dívida de mais de quatrocentos mil reais? Sem
37
O local em que essas entrevistas ocorrem colaboram com a potencialização do efeito de sentido de
verdade/realidade, pois o destinatário-telespectador percebe que o entrevistado está frequentando a
igreja (quando gravadas no templo). Da mesma forma, ao entrevistar um fiel dentro de um moderno
carro ou de uma bonita casa, o repórter passa ao telespectador uma ideia da boa condição social em
que se encontra o fiel entrevistado, uma vez que um bom carro e uma bela casa são símbolos de
sucesso financeiro. entrevistas em que o repórter, além de mostrar, tece comentários enaltecendo
os bens do entrevistado.
122
perspectiva! Eu gostaria que o senhor, a senhora, acompanhassem o desfecho desta história, uma
história verídica de uma pessoa que venceu essa dívida de mais de quatrocentos mil reais.
Repórter (cumprimentando o pastor que, em cena, assiste à entrevista): Olá, pastor
Rogério. O Sr. Alencar, que está aqui ao meu lado, chegou ao Congresso Empresarial com
mais de quatrocentos mil reais em dívidas.
A repórter pergunta ao entrevistado: Como é que o senhor conseguiu adquirir tantas dívidas?
Sr. Alencar: Olha, foram quatrocentos mil de dívidas, isso fora o patrimônio perdido. Na
época, eu perdi mais de um milhão de reais de patrimônio... quer dizer... eu fiquei negativo,
sem patrimônio nenhum, com todas essas dívidas, e essas dívidas foram contraídas no intuito
de resgatar o patrimônio, no intuito de resgatar o prestígio diante da sociedade, diante dos
amigos e no intuito, também, de honrar os compromissos. Mas, uma vez sem direção, não
adiantou nada tantos esforços, não adiantou nada dinheiro emprestado de bancos, de
agiotas, de amigos, de parentes, porque eu o conseguia, em hipótese alguma, honrar com
nenhum desses compromissos. Quando eu comecei a participar do Congresso, Deus me deu
a direção, então a coisa começou, de fato, a mudar, assim, numa rapidez muito grande. Deus
me deu a direção, então eu comecei a negociar as dívidas. Não estou falando de contas
porque, ainda agora, estávamos falando de contas. Contas são coisas do cotidiano que você,
dormindo, você está fazendo contas de IPTU, seu condomínio, seguro do carro etc... . São
dívidas mesmo, coisas impagáveis e eu comecei a pagar, resgatar um cheque ali, outro
cheque aqui e, no final das contas, quando eu percebi, eu estava com esses duzentos e
vinte e dois cheques em mãos, títulos protestados e ações trabalhistas resolvidos e Deus foi
me dando outras direções e eu comecei a ampliar os meus horizontes, trabalhando com
produtos que ora eu não trabalhava e as coisas começaram a acontecer.
Então aconteceu. Hoje eu não mantenho dívidas. Eu tenho compromissos no cotidiano e a
minha vida mudou da água pro vinho. Sou uma pessoa completamente feliz, tenho um
casamento abençoado, uma família maravilhosa, tenho um apartamento muito bom, tenho...
além de ter um apartamento, tenho mais uma casa, tenho três veículos, tenho investimentos
imobiliários que ainda estão para sair...não para mostrar ainda porque são
investimentos de longo prazo. Tenho uma empresa na região dos Jardins, na área de
decoração de interiores também, que está indo de vento em popa, está cada vez mais
crescendo. Eu tenho cada vez mais ampliado os produtos que trabalho e a minha vida, hoje,
está completamente realizada. Eu sou uma pessoa feliz.
O esquema narrativo da entrevista-testemunho acima reflete a estratégia
constantemente utilizada: alguém (nesse caso, um empresário) que esteve com a
123
vida destruída consegue sair dessa situação e chegar à felicidade plena, depois de
começar a frequentar a IURD
38
.
Como é de praxe nesse discurso, a imagem do sujeito foi construída, em um
primeiro passo, sob os estados passionais da vergonha, do medo e da insatisfação,
decorrentes do malogro na conquista ou na posse dos objetos de valor. Os
simulacros do sujeito oscilam propositadamente entre a vergonha e a insatisfação. O
objeto de valor construído pelo destinador
(agente religioso)
foge à tradição dos objetos
oferecidos pelas igrejas tradicionais (a salvação, o perdão), pois passa a ser material
(objetivo, consumível). Outras vezes, o objeto é a recuperação da saúde perdida ou
do amor. No exemplo acima, recorre-se inicialmente às figuras do fracasso e do
fracassado, moldadas sob o conceito da sociedade materialista, diretamente ligadas
ao “não ter”. O sujeito bem sucedido tem; ao mal sucedido falta. Dessa forma, o
destinador, no seu fazer persuasivo, apaga os valores subjetivos (harmonia, prazer
de viver, estados anímicos etc.), comuns no discurso das igrejas tradicionais e
enaltece os valores objetivos. O contrato proposto é a oferta de competência para se
conseguir um paraíso objetivo, palpável, material, aqui e agora. Daí a construção
proposital de um sujeito fortemente tenso, envergonhado e/ou insatisfeito, cuja
imagem, identificada e assumida por uma grande parte da sociedade, reflete o
estado de um sem-número de destinatários
(espectadores).
Produz-se um sujeito que
perdeu a honra, envergonhado perante a sociedade e insatisfeito por não possuir ou
por ter perdido os bens materiais:
38
Notamos, durante esta pesquisa, que a Igreja Universal tem, mais recentemente, voltado seus
programas televisivos à classe média da sociedade e não mais às classes menos favorecidas,
deixando de lado, na televisão, rituais, antes muito utilizados, como, por exemplo, os exorcismos.
Essa opção pelas pessoas com melhor poder aquisitivo é confirmada não pelo discurso mas
também pela ênfase que a Igreja ao culto das segundas-feiras (o Congresso empresarial ou
Reunião da nação dos 318 pastores) para o qual são convidados todos os empresários com
problemas financeiros.
124
([...] eu fiquei negativo [...] essas dívidas foram contraídas no intuito de
resgatar o prestígio diante da sociedade, diante dos amigos e no intuito,
também, de honrar os compromissos).
O foco inicial do trecho em análise está projetado sobre o chamado
“Congresso Empresarial”. Trata-se de um culto para a restituição das finanças.
Aqui, o destinador
(pastor)
tenciona dotar o destinatário de esperança procura alicerçar
sua voz com a voz de Deus, por meio do argumento de autoridade bíblica. Alude,
então, à parte do livro do Deuteronônio, 28, versículos 1 14, nos quais o autor
descreve as recompensas recebidas por quem ouve a voz do Senhor:
1 Se ouvires atentamente a voz do Senhor teu Deus, tendo cuidado de
guardar todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, o Senhor teu
Deus te exaltará sobre todas as nações da Terra;
..........................................................................................
12 O Senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar à tua terra a
chuva no seu tempo, e para abençoar todas as obras das tuas mãos; e
emprestarás a muitas nações, porém tu não tomarás emprestado.
13 E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás por cima, e
não por baixo; se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que
eu hoje te ordeno, para os guardar e cumprir,
14 não te desviando de nenhuma das palavras que eu hoje te ordeno, nem
para a direita nem para a esquerda, e não andando após outros deuses,
para os servires.
(Deuteronômio 28, 1-14)
Os programas televisivos da IURD normalmente recorrem a alusões de
textos bíblicos empregadas como alicerces de argumento de sucesso, prosperidade
ou cura. Esse reforço é mais uma estratégia discursiva destinada à instalação da
esperança, comum nos programas neopentecostais. As alusões aos textos da bíblia
são geralmente empregadas não para instaurar paixões positivas como a
confiança e a esperança mas também para mostrar o bom resultado.
Para ganhar a confiança do maior número possível de destinatários, a Igreja
Universal do Reino de Deus diversifica as intenções de seus cultos, direcionando-
125
os para a recuperação da saúde (programa Terapia do Amor), dos bens materiais
(Reunião da Nação dos 318), da (Reunião dos Filhos de Deus), dentre outros.
Para se ter uma ideia dessa diversificação, registramos os eventos para os quais os
programas de televisão, dia e noite, conclamam os destinatários a comparecer.
Transcrevemos, a seguir, a programação diária dos templos da Universal,
juntamente com suas respectivas lides, extraída do site da referida Igreja
(www.igrejauniversal.org.br), em 10 de fevereiro de 2008:
- Domingos - Reunião de Louvor e Adoração
O domingo foi instituído como o "Dia do Senhor". É quando todos participam
do tratamento espiritual que visa, também, ao fortalecimento e reavivamento
da fé.
- Segundas-feiras - Reunião da Nação dos 318
Congresso Empresarial que reúne 318 pastores e centenas de obreiros, que,
juntos, clamam a Deus pela prosperidade financeira.
- Terças-feiras - Sessão Espiritual do Descarrego
Os pastores e obreiros trabalham forte contra a inveja, o mau olhado, as
opressões espirituais e todo tipo de doenças.
- Quartas-feiras - Reunião dos Filhos de Deus
Tem o objetivo de fortalecer, reavivar e renovar a dos que desejam ter um
verdadeiro encontro com Deus.
- Quintas-feiras - Corrente da Família
Busca libertar nossos familiares de qualquer seta maligna e fazer com que
possamos alcançar a paz e a harmonia dentro de nossas casas.
- Sextas-feiras - Corrente da Libertação
Direcionada para a quebra de maldições e de tudo quanto possa impedir o
progresso das pessoas.
- Sábados - Terapia do Amor
Este dia foi separado não só para os solteiros, mas também para os casados
que buscam uma vida conjugal de qualidade.
Como dissemos, o segmento em estudo principia convocando o público
telespectador, desta vez os empresários (ou quem almeja ser empresário), para
comparecer ao templo. O destinador
(pastor)
convoca os telespectadores que
126
quiserem “ver Deus na vida financeira” e, novamente, reforça o simulacro da
imagem do destinatário, dessa vez dando ênfase aos problemas da vida financeira.
A instauração de um simulacro disfórico da imagem do destinatário-coletivo como
feixe de paixões, ao mesmo tempo em que o destinador constrói um
autossimulacro eufórico de poder e de confiabilidade são estratégias fundamentais
para o estabelecimento do contrato fiduciário proposto pela Igreja. Esse jogo de
simulacros é bem explicitado, no nível da enunciação, por Amossy (2005: 11),
quando retoma o princípio de cheux, “para quem A e B, nas duas pontas da
cadeia de comunicação, fazem uma imagem um do outro: o emissor A faz uma
imagem de si mesmo e de seu interlocutor B; reciprocamente, o receptor B faz
uma imagem do emissor A e de si mesmo”.
O jogo dos simulacros
39
Enunciador E1 Enunciatário E2
o agente religioso o telespectador
E1 E2
Imagem
40
1: E1 tem uma autoimagem (reflexiva) Imagem 4: E2 tem uma autoimagem (reflexiva)
Imagem 2: E1 tem uma imagem de E2 Imagem 5: E2 faz a imagem de E1
Imagem 3: E1 presume qual imagem E2 faz de E1 Imagem 6: E2 presume qual imagem E1 faz de E2
Gráfico 21
39
Osakabe (2002: 55) acrescenta a essas imagens o que E1 pretende de E2 e o que E1 pretende
de si mesmo, falando daquela forma.
40
A Semiótica de linha francesa chama de simulacro ao que Pêcheux chama de imagem.
127
A linguista afirma, ainda, que Kerbrat-Orecchioni, ao retomar esse princípio,
“sugere incorporar na competência cultural dos dois parceiros da comunicação [...]
a imagem que eles fazem de si mesmos, do outro e a que imaginam que o outro
faz deles”. Nesse processo, de maneira geral, o enunciador E1, dotado de um
autossimulacro (simulacro reflexivo), faz um simulacro do seu enunciatário E2, ao
mesmo tempo em que procura prever o simulacro que E2 faz de E1. o
enunciatário E2, possuidor de um autossimulacro, faz um simulacro de E1, ao
mesmo tempo em que procura prever o simulacro que o enunciador E1 faz de E2
(ver esquema acima). Considerando esse jogo de simulacros, nota-se, no discurso
iurdiano, uma assimetria dos lugares enunciativos enunciador/enunciatário. O
enunciador
(agente religioso IURD)
está, no que diz respeito à competência, ao saber e ao
poder, degraus acima do seu enunciatário. Não trocas dos lugares enunciativos
entre os sujeitos do discurso iurdiano. Pelo contrário, há fixidez desses lugares
devido ao fato de ocorrer sempre, no lugar enunciativo do agente religioso, uma
exacerbação do saber e do poder, enquanto do outro lado, no lugar ocupado pelo
enunciatário, ocorre um esvaziamento dessas mesmas modalidades.
No trecho em pauta, opõem-se as categorias fundamentais /miséria/ x
/abundância/, manifestadas, no nível narrativo, por meio de um sujeito em estado
de espera, disjunto de seu objeto de valor, mas que pode adquirir competência
para suprir a falta, caso compareça ao “Congresso Empresarial” promovido pela
IURD. Apela-se ao argumento bíblico (Deuteronômio, 28) para persuadir o
espectador a ir ao congresso. O destinador, ao exercer a persuasão, dá a entender
que o destinatário terá seus problemas resolvidos caso compareça ao Congresso
Empresarial (a reunião dos 318), no templo da Universal.
Quando eu comecei a participar do Congresso, Deus me deu a direção, então
a coisa começou, de fato, a mudar, assim, numa rapidez muito grande. Deus
me deu a direção, então eu comecei a negociar as dívidas [...].
128
Pequenos testemunhos/entrevistas continuam reforçando a estratégia de
manipulação do destinador (IURD), que procura persuadir o sujeito fracassado,
envergonhado e insatisfeito (simulacro que representa boa parte da sociedade) a ir
ao Congresso Empresarial (ou reunião dos 318 pastores) em busca da solução para
os problemas. Os simulacros passionais iniciais da vergonha e da insatisfação são
necessários para o destinador-manipulador estabelecer uma sólida relação fiduciária
com um destinatário-coletivo tenso, não conjunto com o seu objeto de valor, e
persuadi-lo com maior eficiência, tentando-o para que aceite um contrato calcado
num programa salvador de esperança e de liquidação da falta.
Manipulação
Diante de vários problemas, o
Sr. Alencar foi persuadido a
comparecer às reuniões da
IURD.
[...] foram quatrocentos mil de
dívidas, isso fora o patrimônio
perdido. Na época, eu perdi mais
de um milhão de reais de
patrimônio
Ação
Decisão de
comparecer ao
Congresso
Empresarial da
IURD:
Quando eu comecei a
participar do Congresso,
Deus me deu a direção,
então a coisa começou,
de fato, a mudar [...].
Recompensa
A felicidade plena,
depois de começar a
frequentar a igreja:
[...] minha vida, hoje, es
completamente realizada.
Eu sou uma pessoa feliz.
estámpletamente realizada. Eu sou uma pessoa feliz.
Nesses depoimentos de empresários, percebemos, ainda, características
persuasivas próprias do discurso empresarial e da sociedade capitalista:
Recorrência dos números
A recorrência do emprego de números cria o efeito de sentido de realidade, de
exatidão e de conhecimento da situação narrada:
129
[...] mais de quatrocentos mil reais de dívidas [...]
Na época. Eu perdi mais de um milhão de reais [...]
[...] eu já estava com esses duzentos e vinte e dois cheques em mãos [...]
Reiteração do “ter” como sinônimo de felicidade.
Boa parte do “ser feliz” é, segundo o testemunho, resultado do “ter”. Quanto
mais se tem dinheiro e posição social, mais se é feliz:
[...] tenho um apartamento muito bom, tenho... além de ter um
apartamento, tenho mais uma casa, tenho três veículos, tenho
investimentos imobiliários [...] tenho uma empresa na região dos Jardins
[...]
Manipulações por intimidação e por tentação, na criação do simulacro de um
sujeito envergonhado.
A Igreja manipula o telespectador ao apresentar testemunhos cujas
narrativas sempre caminham da vergonha e da insatisfação (a vida sem a IURD)
para a felicidade (a vida depois de frequentar a IURD). O Sr. Alencar, por sua vez,
manipula os empresários por intimidação ao relatar que se tornou um sujeito sem
prestígio e envergonhado quando sua vida financeira, sem a IURD, foi à bancarrota
e, por tentação, quando passa a narrar sua reabilitação a partir do momento em
que Deus, por meio da Igreja, lhe deu a direção.
Existem pessoas que são humilhadas pelo proprietário do imóvel, tem gente
que só está aguentando essas humilhações porque não tem pra onde ir.
[...] não adiantou nada dinheiro emprestado de bancos, de agiotas, de
amigos, de parentes, porque eu não conseguia, em hipótese alguma,
honrar com nenhum desses compromissos. (intimidação)
[...] Deus foi me dando outras direções e eu comecei a ampliar meus
horizontes [...]
[...] minha vida mudou da água pro vinho. Sou uma pessoa completamente
feliz. (tentação)
Julgamos necessária, no entanto, uma visão melhor do “eu” semiótico que
constitui o destinatário
(fiel telespectador)
dos discursos em análise (tanto da IURD quanto
da Igreja Católica). Com esse escopo, levamos em conta, desde o início das
130
análises, a definição desse eu semiótico, dada por Fontanille e Zilberberg (2001:
128):
[...] o “eu” semiótico não se reduz ao “eu” linguístico: o “eu” semiótico é um
“eu” sensível, afetado, muitas vezes atônito, quer dizer, comovido pelos
êxtases que o assaltam, um eu” mais oscilatório do que identitário. A
presença se torna, por isso, uma variável [...]
O eu” semiótico habita um espaço tensivo, ou seja, um espaço em cujo
âmago a intensidade e a profundidade estão associadas, enquanto o sujeito
se esforça, a exemplo de qualquer vivente, por tornar esse nicho habitável,
isto é, por ajustar e regular as tensões, organizando as morfologias que o
condicionam.
O “eu” semiótico, portanto, normalmente não corresponde a um sujeito inerte
e impassível, pois ele sente e faz sentir, comove-se e comove, afeta-se e afeta,
impressiona-se e impressiona, de acordo com as paixões que lhe advêm. Esse
sujeito tensivo, constantemente relacionado a um objeto, tem sempre sua presença
e seu valor definidos pela relação entre a intensidade e a extensão. No segmento
em pauta, encontramos, do início a o sintagma “Deus foi me dando outras
direções”, um sujeito fortemente dominado pela paixão da vergonha por não estar
em conjunção com seus objetos de valor (a riqueza, a prosperidade), ou seja, tanto
maior a vergonha quanto menor a conjunção com os objetos de valor. Repetem-se
as estratégias tensivas do testemunho analisado anteriormente, pois esse estado
tensivo-passional (aumento da intensidade passional proporcional à redução da
extensão material) enquadra-se no esquema discursivo da ascendência (Fontanille,
2007: 112) e pode ser assim representado:
131
medo, vergonha, insatisfação +
diminuição da riqueza/ aumento da vergonha
Intensidade (ascendência)
_ +
honra, felicidade Extensão
Objetos de valor (riqueza)
gráfico 22: esquema tensivo do testemunho do empresário – “até Deus foi-me dando outras
direções”.
A correlação inversa entre a riqueza e a vergonha acaba por determinar a
curva tensiva que reflete o sentido do segmento até “Deus foi-me dando outras
direções”. A partir desse sintagma, há uma inversão de orientação tensiva em
direção a um relaxamento, pois o sujeito deixa os problemas para trás e encontra a
felicidade, terminando a narrativa com “eu sou uma pessoa feliz”.
Doação de esperança
O sujeito envergonhado e não conjunto é, num segundo momento, tentado a
ir à reunião dos 318 pastores, pois o discurso do destinador
(bispo, IURD)
acolhimento
e esperança ao destinatário
(fiel, telespectador)
. Dessa forma, é construída uma nova
espera, ou seja, o telespectador, até então envergonhado e insatisfeito, passa a ter
esperança de, indo à igreja, desligar-se de suas mazelas e unir-se ao seu objeto de
valor (o sucesso, a felicidade).
132
Podemos visualizar o processo de transformação do simulacro negativo inicial
de um sujeito envergonhado (já representado esquematicamente) no simulacro
positivo resultante do novo estado de espera (S O
v (sucesso/esperança)
), da seguinte
maneira:
Ilustração 9: transformação do sujeito envergonhado em sujeito esperançoso
A estratégia persuasiva abandona o esquema da ascendência - esse
conduzia a uma tensão final para aderir à organização do sentido pelo esquema
da decadência, o qual parte de um realce da intensidade, de um choque
emocional, para o relaxamento produzido pelo desenvolvimento, uma explicação
ou, ainda, uma reformulação em extensão (Fontanille, 2007: 113). Dessa forma, o
sujeito, antes intenso, envergonhado e insatisfeito, diante de sua não-conjunção
com os objetos de valor pode passar a projetar um autossimulacro (imagem-fim) de
um sujeito feliz e relaxado, por ter sido plenamente acolhido pelo discurso da IURD
Sujeito envergonhado
(não conjunto e intenso) -
recebe a proposta do
contrato.
Destinador-manipulador
doador de esperança e
“...existe o caminho...”
Sujeito
Esperançoso
pode aceitar o contrato: sair
de casa e ir ao Congresso
Empresarial da IURD.
Você sabe que existe um
caminho certo para a
prosperidade, existe o
caminho.”
133
e, consequentemente, pela fé, conjunto com os objetos de valor (a riqueza, a
solução dos problemas financeiros):
medo, vergonha, insatisfação
+
Intensidade esquema da decadência
esperança, fé +
Extensão (bens materiais)
gráfico 23: redução da vergonha e da insatisfação.
3º segmento: Convocação para a guerra contra o Mal. Surge uma esperança.
Pastor Denílton: Tá vendo? Essa coisa estranha é alguém que jogou uma maldição, um trabalho,
um de sumiço. Eu me lembro de uma senhora que disse que uma amiga dela viu a outra amiga
jogar um nas costas dela... ela não viu, uma outra amiga viu e contou para ela e então começou
a sumir da vida dela; o marido começou a sumir da vida dela, os bens que ela tinha, os clientes que
ela tinha, os fregueses que ela tinha. Começou a sumir a saúde, começou a sumir tudo. É isso que
tem acontecido com muitas pessoas, sem saber explicar o porquê, a razão pela qual vêm sofrendo.
É uma maldição. Então, nesta terça feira, nós vamos começar este trabalho de quebra de maldição,
a quebra de maldição dos antepassados, dos ancestrais, três da tarde, sete da noite, sete e meia,
aliás, em Santo André, na Avenida Perimetral, número 105 e em todas as Igrejas Universal do Reino
de Deus. Eu quero mostrar para a senhora, para o senhor, o bloco de depoimentos, com o Bispo
Jadson, de pessoas que têm ido, que têm participado desta sessão espiritual e têm visto resultado.
Acompanhe, por favor, eu volto já...
Interrupção para apresentação dos testemunhos (mesmo padrão dos já estudados)
134
Pastor Denílton : - Olha esses resultados! Deus quer que aconteça também na vida da senhora e
do senhor, então, nesta terça-feira, comece uma luta, uma batalha. o lute mais na força do seu
braço, brigando, discutindo, mas lute de uma forma espiritual, por quê? Porque se o Mal é espiritual,
eu tenho que lutar contra ele de uma forma espiritual, aí eu vou nivelar a guerra, eu vou nivelar a
batalha. Se eu lutando na carne, então o Mal, que é espírito, está aqui (o pastor posiciona a mão
direita no alto, na altura dos olhos), e eu, lutando na carne, eu vou lutar aqui embaixo (posicionando
a mão esquerda em uma altura inferior à da outra mão). Mas se eu começar a lutar no espírito, vindo
fazer a corrente de terça-feira, então eu vou lutar no mesmo nível do Mal. E, aliado ao Bem, então
eu vou vencer este Mal. Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua vida, na
sua família. Estamos começando um trabalho de libertação muito forte. É a quebra da maldição dos
ancestrais, aquilo que acompanha seu pai, sua mãe, os seus antepassados; que têm acompanhado
a senhora, o senhor. Comece a quebrar este Mal, nesta terça-feira, em todas as Igrejas Universal do
Reino de Deus, especialmente em Santo André... eu faço este convite, três da tarde, sete e meia da
noite. O telefone fica aí, à disposição. Para você, que quer ligar, é 2199-2625 e 2199-2624. Agora
você vai ficar com o pastor Márcio, falando sobre esta reunião de segunda-feira. Todas as pessoas
que estão me assistindo, que estão com problemas financeiros, o pastor Márcio, então, vai falar com
a senhora, agora, a respeito desta reunião. Pastor Márcio, bom dia...
no início do segmento, o destinador
(pastor)
procura levar o destinatário ao
desespero, exacerbando a possibilidade da falta. Para tanto, repete
exageradamente o verbo sumir: Sumiram o marido, os bens, os clientes, os
fregueses, a saúde, tudo.
[...] então começou a sumir da vida dela; o marido começou a sumir da vida
dela, os bens que ela tinha, os clientes que ela tinha, os fregueses que ela
tinha. Começou a sumir a saúde, começou a sumir tudo.
135
Estabelece-se uma relação de domínio do desconhecido (o mundo espiritual)
sobre o mundo material com a afirmação de que a razão dos sofrimentos é uma
maldição.
É isso que tem acontecido com muitas pessoas, sem saber explicar o
porquê, a razão pela qual vêm sofrendo. É uma maldição.
O discurso confirma, dessa forma, a prevalência do plano espiritual sobre o
material. O plano espiritual e suas entidades permeiam e interferem no mundo
materialsem que o inverso possa ocorrer, a não ser por quem se diz competente
para tal, papel assumido pela IURD. Por isso, a sensação de desespero dos
telespectadores devido à sujeição ao desconhecido. A intensidade das tensões
textuais, antes alta graças ao medo, vergonha e desespero, passa a diminuir com o
oferecimento de ajuda pela Igreja (instauração da esperança); o discurso toma,
então, nova orientação tensiva, dessa vez em direção a uma tensão menor e
extensão maior (decadência). A esperança é instaurada pelo discurso que oferece
a Igreja como adjuvante salvadora para que todos cheguem à felicidade. Ao
demonstrar sua onisciência sobre o mundo espiritual e colocar suas forças contra o
Mal à disposição de todos, a IURD reforça seu éthos eúnoia/phrónesis/areté
(solidário, sapiente, sincero), alimentando, no telespectador, a esperança de ver
suas mazelas resolvidas. caso busque a ajuda da Igreja.
vendo? Essa coisa estranha é alguém que jogou uma maldição, um
trabalho, um pó de sumiço. (manipulação por intimidação)
Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua vida.
[...] nós vamos começar este trabalho de quebra de maldição, a
quebra de maldição dos antepassados, dos ancestrais
136
Após a apresentação de vários testemunhos, o destinador continua a
narrativa direcionando-a, como sempre, para persuadir o destinatário a aderir ao
contrato. Repetem-se os programas narrativos de uso, doadores de competência
modal, para que o destinatário-telespectador saia do estado de espera e ao
templo. Com esse intuito, o pastor inicia o segmento com o emprego do modo
imperativo Olha esses resultados!”, chamando a atenção do telespectador para as
recompensas anteriormente testemunhadas por outros sujeitos. O esquema
narrativo apresenta apenas o percurso da manipulação, uma vez que não se sabe
qual a reação do espectador manipulado. Dessa forma, no texto acima, resta-nos
prever os percursos da ação e da sanção (recompensa).
Manipulação Ação proposta Recompensa prevista
O agente religioso procura
atrair o telespectador ao
templo, asseverando que o Mal
é espiritual e pode ser
vencido com a ajuda da IURD.
O sujeito deve ir ao
templo e unir-se ao
Bem (a IURD) para
poder vencer a
batalha.
Restauração ou
instauração da
felicidade, concretizada
por meio dos bens
materiais e da saúde.
No trecho em pauta, o destinador (IURD) demonstra onisciência
41
e
conhecimento profundo do mundo espiritual ao garantir o propósito de Deus para a
vida do destinatário (telespectador):
Olha esses resultados! Deus quer que aconteça também na vida da
senhora e do senhor
[...]
Lexemas de combate, retórica militarista, corroboram a doação da esperança
e convocam o destinatário para ingressar em uma guerra cujos soldados são a
41
Uma característica marcante do discurso iurdiano é a onisciência, ou seja, a IURD demonstra ter
conhecimento de todas as mazelas que afligem os telespectadores. A Igreja sabe” o que se passa
na vida de cada um e conhece todas as causas dos problemas, oferecendo ajuda eficaz.
137
Igreja. Ao figurativizar a luta espiritual com a guerra contra o Mal
42
, a IURD se
oferece para exercer o papel de sujeito adjuvante, como estratégia para o
estabelecimento da esperança.
[...] comece uma luta, uma batalha, não lute mais na força do seu
braço, brigando, discutindo, mas lute de forma espiritual [...] eu
vou nivelar a guerra, vou nivelar a batalha [...]
Venha se aliar ao Bem [...]
O telespectador é instado a “aliar-se ao Bem” a IURD indo ao templo.
Aceitando essa condição, basta esperar e confiar que a Igreja, ao destruir o Mal,
restitua todos os objetos de valor. Passa o telespectador, portanto, a ser novamente
um sujeito da espera, ou seja, acredita ser, no futuro, sancionado positivamente,
receber uma recompensa, após a performance do outro.
Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua
vida, na sua família
.
A intensidade tensiva do discurso reflete o esquema da decadência
(intensidade - / extensão +) com a intenção de atingir o maior número de
espectadores. Lança o, de uma isotopia temático-figurativa da guerra (luta,
batalha, força, briga, brigar, guerra, aliar) e projeta uma diminuição da tensão
discursiva ao direcionar o texto para a paixão da esperança, uma paixão relaxada,
em busca da desejada felicidade.
42
O discurso iurdiano demoniza as religiões de origem africana e o espiritismo, atribuindo-lhes
responsabilidade pela atuação de várias entidades malignas. Sobre esse assunto, o bispo Edir
Macedo recentemente publicou Orixás, caboclos e guias deuses ou demônios?, obra que gerou
muita polêmica e processos na justiça, por ser considerada discriminatória e preconceituosa.
138
medo, vergonha, insatisfação, desespero
+
batalha
luta
Intensidade
briga
força
aliança
esperança
felicidade _ +
Extensão bens materiais, saúde
gráfico 24: isotopia temático-figurativa da guerra.
Sob uma visão geral do texto, tendo instaurado o sujeito da falta, tenso,
desesperado com a situação pela qual passa, amedrontado diante de um inimigo
transcendental, uma maldição que provoca e mantém as mazelas da família, o
destinador procura não deixar o sujeito sair desse estado tenso, tomando o cuidado
de, reduzida a tensão, não gerar os estados passionais da resignação ou da
conformação. Pelo contrário, o agente religioso trata de aumentar ainda mais a
tensão do telespectador com o objetivo de persuadi-lo a transformar-se num sujeito
do fazer. Para tanto, agrava-se o simulacro de força do antissujeito, no caso, a
maldição que vem desde a época dos antepassados
43
. O contrato proposto é o da
oferta de competência para a libertação. Daí a construção do simulacro de um
sujeito tenso porque preso a uma corrente maligna forte, contínua e consistente que
transcende o seu tempo. A narrativa desenvolve-se tomando o rumo de liquidação
43
O Mal, antissujeito no discurso iurdiano, concretizava-se a pouco tempo, nas figuras do
encosto, dos espíritos malignos. Mais recentemente porém, novas figuras, ao lado das existentes,
passaram a fazer parte do discurso: o pó-de-sumiço, a “coisa feita” e, empregada mais
constantemente, a maldição dos antepassados.
139
da falta para, com a aquisição de bens materiais, o sujeito atingir a felicidade. O
destinador
(pastor)
apresenta-se como poderoso aliado, um sujeito adjuvante para
“quebrar a maldição”, a um destinatário que quer-ser, mas que sabe-poder-não-ser.
O pastor doa, então, ao telespectador uma esperança, uma paixão relaxada que
vem quebrar a tensão do discurso neopentecostal, que vinculada a uma “guerra”
para eliminar a maldição. A esperança surge frente ao simulacro da felicidade
(alcançar uma vida plena e feliz), objetivo principal do discurso iurdiano.
Para o lexema felicidade, encontramos, no Dicionário Houaiss/UOL, o
seguinte:
qualidade ou estado de feliz, estado de uma consciência plenamente
satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar. 2. boa fortuna;
sorte. 3. bom êxito, acerto, sucesso.
A felicidade é, como apontamos, a promessa primeira do discurso da
IURD e define-se pela combinação do /querer-ser/ com o saber sobre as
possibilidades de ocorrência ou não da conjunção desejada pelo sujeito da espera.
O /saber-poder-ser/ sobremodaliza a espera (Barros, 1990: 62-63). Eis algumas
paixões que, como a felicidade, são modalizadas pelo querer-ser:
felicidade aflição
(relaxamento) (tensão)
saber poder ser saber poder não ser
querer ser querer ser
alívio infelicidade
(distensão) (intensão)
saber não poder não ser saber não poder ser
querer ser querer ser
Esquema 3: algumas paixões do /querer-ser/.
140
Ainda segundo a semioticista, a diferença entre paixões que pertencem ao
mesmo paradigma está essencialmente na tensividade. Por exemplo, o que
diferencia o contentamento da satisfação e da alegria, paixões do paradigma da
felicidade, é o grau de tensividade. A pesquisadora afirma que a modalização pelo
/saber-poder/ assegura a variação passional e revela ao sujeito a verdade ou a
falsidade de sua relação com o objeto. É o momento da “tomada de consciência”:
Felicidade: saber possível a conjunção desejada.
Infelicidade: saber impossível a conjunção desejada.
Aflição: saber incerta, evitável, insegura, a conjunção desejada.
Alívio: saber certa, inevitável, segura, a conjunção desejada.
No discurso iurdiano, o percurso de variação de tensividade entre as paixões
é o seguinte:
medo/vergonha/insatisfação desespero esperança felicidade
O segmento termina com uma convocação dos que estão com problemas
financeiros” para comparecerem a uma “reunião” chamada Congresso Empresarial,
que acontece todas as segundas-feiras.
O esquema narrativo da sequência acima continua formado por programas
de aquisição de competência por doação de valores modais (no caso, o querer, o
poder e o dever) para que o destinatário torne-se sujeito da ação, entre na guerra,
alie-se ao Bem (a Igreja), quebre a força do Mal e chegue, dessa forma, aos valores
descritivos desejados.
141
4º segmento: Encontro com a igreja/Deus. Mais esperança.
Pastor Márcio: Você viu o que “seu” Alencar
fez? Ele tomou uma decisão, ele tomou uma
atitude diante da situação, porque não adianta
ficar se escondendo, ficar se esquivando. Não
adianta ficar até mesmo dando desculpas, mas
o que fazer então? Você acompanhou, ele usou
a fé, ele praticou a fé que ele tem. É isso que
acontece no Congresso Empresarial: você recebe uma direção de Deus, pois nós clamamos a Deus
para que Deus lhe uma direção, para que Deus venha lhe ensinar o caminho. Você sabe que
existe um caminho certo para a prosperidade, existe o caminho. De repente, um dia, o senhor, a
senhora esteve neste caminho, e agora parece que estão fechados. As portas se abriram. De
repente começou o ano e as coisas começaram a se enrolar, as coisas começaram a dar errado pro
senhor ou pra senhora. Esteja conosco no Congresso Empresarial nesta segunda-feira, às oito
horas da noite. Estaremos clamando a Deus para que ele mude a sua situação, porque se você
precisa de uma direção, esta direção ela vem de Deus para sua vida. Você que tem uma religião ou
não, não é dia de nós falarmos de religião, não é dia de nós tratarmos de apenas assuntos
religiosos, não. Não vamos ali discutir a sua religião A, B ou C, estaremos clamando ao Deus, ao
Deus que veio a este mundo para lhe dar uma vida, e uma vida com abundância e, de repente, você
diz:- “Está muito longe da minha vida ser esta vida com abundância, ser esta vida com fartura, ser
esta vida que eu vou dar o melhor para os meus filhos.” Porque imagine quantos pais de família
estão numa situação... De repente, o senhor esdesempregado, o senhor não gostaria de ver a
situação que você está. Mas isto é uma realidade. Pegue a sua carteira profissional, pegue a sua
carteira de trabalho, esteja conosco nesta segunda feira, deixe de dar ouvido a tudo e a todos,
porque, de repente você tem dado ouvido a tantas pessoas e estas pessoas o podem te ajudar.
Mas eu tenho certeza que Deus pode te ajudar, eu tenho certeza que através da nossa oração que
nós estamos pedindo a Deus, pois todos os dias, todos os dias, nós estamos pedindo uma direção a
10 - Os 318 pastores sobre o altar
142
Deus, a fim de abençoar a sua vida financeira, a fim de mudar a vida que você tem vivido, a fim de
que toda esta situação ela venha mudar.
O segmento em pauta tem início logo após o testemunho do Sr. Alencar,
utilizado como uma espécie de argumento de autoridade, na figura de um ex-falido
empresário, mas, agora, bem-posicionado e feliz. O percurso narrativo passa da
disjunção à conjunção, num programa de aquisição reflexiva do objeto de valor (a
riqueza). Nesse pseudoargumento de autoridade, o destinador confere ao
entrevistado o status de autoridade no assunto (apenas por relatar um caso
pessoal) e lhe o papel de adjuvante da narrativa para consolidar, por
convergência de vozes, o contrato em vias de ser estabelecido. Esse procedimento,
repetitivo e polifônico, potencializa o efeito de verdade da narrativa, pois apela à
“autoridade” de sujeitos que, embora desconhecidos, confirmam o sucesso
apregoado pelo discurso da IURD, a partir da decisão do destinatário de aderir ao
contrato (ir ao templo).
Quando nos referimos ao agente religioso da IURD, apresentador dos
programas em pauta e, por conseguinte, destinador, acabamos por aceitar a visão
de Denis Bertrand (2003: 341), para quem lidamos com um
destinador estabelecido, ou seja, “sua posição é tão estável que não se
imagina que ele possa escapar às obrigações programadas de seu papel [...]
(o destinador estabelecido) situa-se nos dois extremos da cadeia narrativa: é
ele que atribui uma missão ao herói no momento do contrato, é ele que
reconhece e avalia a ação concluída no momento da sanção [...] é o grande
regulador que encarna o pano de fundo axiológico, definindo o desejável, o
temível, o odiável, logo de início. [...] É Deus, é o Rei e todas as instâncias
delegadas da autoridade que formam tantos papéis típicos e estereotipados
(o pai, o policial, o professor etc.).
Esse destinador, ao fazer o simulacro de seu destinatário, define os objetos
de valor disfórico (com os quais o destinatário sempre está em conjunção inicial) e
eufórico (aqueles com que o destinatário deve querer entrar em conjunção). Inicia,
então, sua manipulação pelo fazer-crer, para, num segundo passo, fazer-fazer.
143
Ele tomou uma decisão, ele tomou uma atitude diante da situação [...]
Ele usou a fé, ele praticou a fé que ele tem [...]
No seu fazer persuasivo, o destinador realça a performance com que procura
persuadir o telespectador: ir ao templo para assistir ao Congresso Empresarial.
Para tanto, exercendo o papel de quem faz-fazer, emprega expressões de forte
impacto, mais comuns no discurso da autoajuda (tomar uma atitude, tomar uma
decisão, fundo do poço, dar a volta por cima), cujo efeito de sentido é o de provocar
no destinatário uma cio, uma ruptura com o estado atual, para que inicie a
performance. É necessário mudar o modo de existência de um telespectador
estabilizado no querer, para levá-lo ao fazer. A eficácia do discurso depende da
adesão dos sujeitos potenciais e virtuais ao contrato clamado. Com esse objetivo,
novos aliados Deus e os 318 pastores entram em cena.
É isso que acontece no Congresso Empresarial: você recebe uma direção
de Deus, pois nós clamamos a Deus para que Deus lhe uma direção,
para que Deus venha lhe ensinar o caminho
Um segundo destinador, Deus, “mostrará a direção, o caminho certo a ser
trilhado em direção à prosperidade” ou em direção à restituição dos objetos de valor
perdidos, no Congresso Empresarial. Na IURD, o Congresso Empresarial ocorre,
como apontamos anteriormente, no culto das segundas-feiras, também chamado
de Reunião da Nação dos 318 (mostraremos posteriormente o significado desse
número).
Esse esforço pela busca de novos adeptos, provindos ou não de outras
religiões, torna-se mais claro quando o destinador
(pastor)
manipula o telespectador
por sedução:
Você que tem uma religião ou não, não é dia de nós falarmos de religião,
não é dia de nós tratarmos de apenas assuntos religiosos, não.
144
E por tentação, ao asseverar que clamaa Deus em favor de uma vida com
abundância, para construir a imagem-fim de um destinatário bem-sucedido e com
abundância material:
Não vamos ali discutir a sua religião A, B ou C, estaremos clamando ao
Deus, ao Deus que veio a este mundo para lhe dar uma vida, e uma vida
com abundância [...]
Recorre-se ao paralelismo, com o emprego de orações coordenadas
assindéticas, destinadas a reforçar consideravelmente o efeito de sentido de
realidade. O enunciador encadeia essas orações (parataxe) provocando uma
gradação que, associada ao emprego da repetição, implicará a elevação da voz do
sujeito da enunciação. Os gradientes da intensidade e da extensão evoluem de
maneira conversa, respectivamente em direção às zonas tônicas da e do maior
número de fiéis, o que faz o texto, sob o olhar da tensão, caminhar no esquema da
amplificação.
Ele tomou uma decisão / ele tomou uma atitude.
[...] não adianta ficar se escondendo / (não adianta) ficar se esquivando /
não adianta ficar até mesmo dando desculpas.
Ele usou a fé / ele praticou a fé que ele tem.
De repente, um dia, o senhor, a senhora esteve neste caminho [...] / De
repente começou o ano e as coisas começaram a se enrolar [...] / de
repente, o senhor está desempregado [...] / de repente você tem dado
ouvido a tantas pessoas
Está muito longe da minha vida ser esta vida com abundância/ ser esta vida
com fartura/ ser esta vida que eu vou dar [...]
Uma voz autoritária, dona da verdade
Por meio da voz autoritária da modalização deôntica, o destinador, sujeito
do fazer persuasivo, produz efeitos de verdade e tenta levar seu destinatário a crer
que o estado em que se encontra parece e é verdadeiro. O telespectador tem de ser
145
convencido de que a IURD, representada por seus agentes religiosos, tem
exclusividade e infalibilidade no trato com Deus. A exacerbação da mudança de vida
do telespectador (para melhor), como objetivo precípuo do agente religioso, é
enfatizada pela recorrência das orações subordinadas adverbiais finais. Vejamos:
Certeza de exclusividade no trato com Deus:
[...]
deixe de dar ouvido a tudo e a todos, porque, de repente você tem
dado ouvido a tantas pessoas e estas pessoas não podem te ajudar
(exclusividade)
. Mas eu tenho certeza que Deus pode te ajudar, eu tenho
certeza que, através da nossa oração, que nós estamos pedindo a Deus,
pois todos os dias, todos os dias, nós estamos pedindo uma direção a
Deus [...]
Orações adverbiais finais:
[...] nós estamos pedindo uma direção a Deus a fim de abençoar a sua vida
financeira, a fim de mudar a vida que você tem vivido, a fim de que toda esta
situação ela venha mudar.
Considerados os seis segmentos em análise como um todo, a oposição entre
as categorias do Bem/fartura/vida (concretizadas na saúde, riqueza e na própria
IURD) e do Mal/falta/morte (concretizadas na miséria, no desemprego, na doença)
impõe, no transcorrer da narrativa, aspectos relacionados à duração. Como diz Tatit
(2001: 113), as escolhas dos valores intensos efetuadas pelo enunciador,
responsáveis pelas descontinuidades (limites, disjunções, paradas, formas de
concentração) ou extensos, responsáveis pelas continuidades (gradações,
conjunções, formas de expansão) residem na base dos fenômenos da conjunção ou
da disjunção entre sujeito e objeto, da persuasão ou perda de confiança entre
destinador e destinatário, das relações opositivas entre sujeito e antissujeito.
Em síntese, a programação “SOS Espiritual” tem como destinador principal o
pastor/bispo-apresentador, representante da Igreja Universal do Reino de Deus.
146
Esse destinador tenciona fazer seus espectadores não assistirem aos programas
mas também, e principalmente, recorrerem à ajuda salvadora da IURD, tomando a
decisão final de ir ao templo para participar das “Reuniões”, sejam elas do
Congresso Empresarial, dos 318 Pastores, do Descarrego ou da corrente da
Libertação. Para tanto, o destinatário-sujeito é manipulado, num primeiro momento,
por intimidação e provocação, pois é colocado pelo destinador-manipulador à mercê
de uma grande força transcendental e maligna (intimidação) que o priva ou
privará do sucesso (os bens materiais, a saúde), contra a qual, sozinho, não pode
lutar (provocação). Num segundo momento, demonstrados o caos em que se
encontra a vida do destinatário-espectador e sua impossibilidade para sair por si
mesmo dessa situação, o destinador manipula o sujeito por sedução ao afirmar, no
transcorrer de todo o programa, que o destinatário pode (sedução), desde que
recorra à IURD, transformar sua vida num paraíso (tentação), concebido como o
sucesso financeiro e material. Cria-se, aqui, um novo estado: o destinatário
insatisfeito, amedrontado e envergonhado, é instado a ter esperança, a acreditar que
a IURD o acolherá e resolverá todos os seus problemas.
O sentido do programa “SOS Espiritual” está construído a partir da oposição
semântica básica entre o Bem, representado pela IURD, e o Mal, refletidos,
respectivamente, nos valores da abundância e da falta que, por sua vez, englobam
outras oposições não menos importantes como riqueza vs. pobreza, saúde vs.
doença, maldição vs. bênção.
Essa oposição é manifestada sob várias formas:
Bem (IURD) vs. Mal
Venha se aliar ao Bem e quebrar essa força do Mal existente na
sua vida [...]
147
Estabelece-se, no nível fundamental, um percurso entre os termos, partindo
da falta (pobreza, doença), disfórica, para se chegar à abundância (riqueza, saúde,
sucesso), eufórica. A negação do estado disfórico da falta, para culminar, por meio
de testemunhos, na restituição dos valores eufóricos, é manifestada diversas vezes:
Liberta de tudo, não tenho mais nada, o sinto medo, não sinto síndrome
de pânico, não sinto dores, não sinto nada
[...]
falta não-falta abundância
(disforia)
bancarrota
doenças
maldição
(não-disforia)
Desejo de lutar contra o
Mal
(euforia)
Libertação do Mal,
restituição da saúde e
dos bens materiais,
pagamento das dívidas
As categorias Bem (vida, riqueza) vs. Mal (morte, pobreza), pontos de partida
para a geração do discurso, sofrem determinação axiológica já nas estruturas
fundamentais. O texto caminha, pois, da disforia para a euforia (restituição da falta).
O Bem é a Igreja e tudo o que a adesão a ela pode representar: dinheiro, posição
social, saúde, fartura. A vida deve ser vivida aqui e agora, com tudo o que ela pode
oferecer. A falta, a ausência dos bens materiais ou da saúde são a morte. Não vale
a pena viver sem a riqueza.
A relação mínima que define o texto pode, então, ser representada pelo
seguinte quadrado semiótico:
148
O Bem (abundância) / vida O Mal (a falta) / morte
saúde doenças
dinheiro dívidas
família desavenças
- - - - percurso da intimidação
─── percurso da tentação
não-Mal (não-morte) não-Bem (não-vida)
(não-falta) (não-abundância)
gráfico 25: o Bem e o Mal, no quadrado semiótico.
Os segmentos discursivos analisados adotam o padrão da maioria dos
programas televisivos produzidos pela IURD, ou seja, o do tipo enunciação
enunciada pela constante instalação de um eu/nós-você para garantir efeitos de
aproximação da enunciação, subjetividade e certa igualdade entre os interlocutores.
No aspecto tensivo, repetem-se as estratégias de alternância entre os esquemas
ascendente (quando dos simulacros negativos do telespectador) e descendente
(com a instauração da confiança/esperança).
Encadeamento tensivo geral
Segue, abaixo, a sequência de esquemas correspondentes ao
encadeamento tensivo dos textos analisados:
149
1º. Segmento: Exacerbação de simulacros negativos do destinatário e criação
do antissujeito
− esquema tensivo da ascendência −
A manipulação por intimidação, como vimos, é constantemente
empregada no início dos programas televisivos iurdianos, com a finalidade de
transformar o destinatário em um sujeito tenso, amedrontado, envergonhado diante
da sociedade e desesperado frente a problemas para os quais não encontra
solução. Essa técnica persuasiva descarta toda e qualquer racionalidade para dar
total ênfase à intensidade passional. O medo aumenta diante da perspectiva de
disjunção ou de não-conjunção com os objetos de valor, além da presença de um
antissujeito espiritual maligno.
[...] uma coisa estranha que acompanha o seu marido, que
acompanha o seu filho [...]
Há uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor [...]
Eu estou notando que a mesma dor, o mesmo sofrimento que atuava na
minha mãe, no casamento da minha mãe, está atuando no meu. (citação do
provável discurso do destinatário)
+
Medo/vergonha/insatisfação/desespero
Esquema tensivo da ascendência
Intensidade
-
Extensão
+
Objetos de valor eufórico
gráfico 26: encadeamento tensivo – instauração das paixões disfóricas.
150
2º. Segmento: Testemunhos (redução da intensidade do medo, com a doação
de esperança e confiança)
– decadência –
(desaceleração momentânea do andamento discursivo e instauração do esquema da decadência. O
testemunho, no discurso iurdiano, apresenta-se sempre com final feliz)
O crescente apelo à emoção, por meio da construção contínua de simulacros
negativos do destinatário
(telespectador),
observado no . segmento, é propositalmente
atenuado por uma “quebra” do andamento, à medida que o testemunho é
apresentado. Tais testemunhos são narrativas com sujeitos que tiveram todos os
tipos de problemas, mas atingiram a felicidade depois de obedecerem aos preceitos
ditados pela IURD. O final sempre feliz dos testemunhos quebra a ascensão tensiva
do discurso, pois funciona como alívio e doação de esperança ao telespectador.
Após o testemunho, a fala do pastor continua a construir simulacros negativos,
retomando com força ainda maior a ascensão tensiva.
Texto a
Liberta, estou participando da corrente, estou liberta, graças a Deus,
consigo tudo, sou feliz, sou realizada, não tenho nenhum tipo de problema,
não tenho nenhum tipo de doença, graças a Deus.
medo vergonha insatisfação, desespero
+
(esquema tensivo da decadência)
Intensidade
Confiança,
Esperança
Extensão Objetos de valor
+
gráfico 27: encadeamento tensivo – diminuição da tensão: felicidade, paixão relaxada.
151
Texto b
Tenho uma empresa na região dos Jardins, na área de decoração de
interiores também, que está indo de vento em popa, escada vez mais
crescendo. Eu tenho cada vez mais ampliado os produtos que trabalho e a
minha vida, hoje, está completamente realizada. Eu sou uma pessoa feliz.
O segundo testemunho é uma continuação e, ao mesmo tempo,
confirmação do anterior. Ocorre uma continuidade da redução da paixão do medo
em direção às paixões mais relaxadas como a esperança e a ([...] e Deus foi me
dando outras direções e eu comecei a ampliar os meus horizontes [...]).
+
Medo, vergonha, insatisfação, desespero
(dívidas, problemas, miséria)
Intensidade
Confiança, esperança
(Deus foi-me dando outras direções)
-
Extensão
bens materiais
gráfico 28: diminuição do medo, com a instauração da confiança e da esperança.
3º segmento: Convocação para a guerra contra o Mal. Surge uma esperança.
ascendência/ decadência
Depois dos testemunhos, a retomada dos simulacros negativos. Forte apelo
à emoção. Apresenta-se uma produção de aproximadamente cinco minutos em que
atores encenam as mazelas da vida de uma mulher bem posicionada socialmente
que foi levada ao desespero e, posteriormente, à loucura, vítima de um “pó de
sumiço”. O exemplo da vida real é utilizado como argumento para aumentar a
tensão passional do medo.
152
(1) [...] e então começou a sumir da vida dela; o marido começou a sumir da vida dela, os bens que
ela tinha, os clientes que ela tinha, os fregueses que ela tinha. Começou a sumir a saúde, começou a
sumir tudo.
(2)
Então, nesta terça feira, nós vamos começar este trabalho de quebra de maldição, a quebra de
maldição dos antepassados, dos ancestrais.
(1) esquema ascendente (2) esquema descendente
Desespero
Desespero
sumiço do + +
marido, bens, Mudança de orientação
clientes etc. a Igreja se coloca
Intensidade Intensidade como adjuvante
Esperança Esperança
_ Extensão saúde, dinheiro + _ Extensão saúde, dinheiro +
gráfico 29: mudança de orientação tensiva: do desespero para a esperança.
O destinador apela à retórica militarista, doando esperança ao
telespectador de, se aliado ao Bem (a IURD), vencer a batalha contra o Mal (a
presença que causa a pobreza, as doenças a falta de amor, o fim do casamento).
Aqui, a IURD se coloca como sinônimo do Bem e propõe-se a atuar como adjuvante
na extirpação do mal..
[...] comece uma luta, uma batalha, o lute mais na força do seu braço,
brigando, discutindo, mas lute de forma espiritual [...] eu vou nivelar a
guerra, vou nivelar a batalha [...]
Venha se aliar ao Bem [...]
[...]
Olha esses resultados! Deus quer que aconteça também na vida da
senhora e do senhor.
153
Medo, vergonha, insatisfação, desespero
+
batalha
luta
Intensidade briga
força
aliança
Esperança
Extensão
bens materiais, saúde
gráfico 30: isotopia temático-figurativa da guerra.
4º. (e último) segmento: Encontro com a Igreja/Deus. Esperança.
amplificação
[...] Estaremos clamando a Deus para que ele mude a sua situação,
[...] estaremos clamando ao Deus, ao Deus que veio a este mundo para lhe
dar uma vida, e uma vida com abundância.
Ele tomou uma decisão / ele tomou uma atitude.
[...] não adianta ficar se escondendo / (não adianta) ficar se esquivando /
não adianta ficar até mesmo dando desculpas.
Emprego da parataxe provocando uma gradação que implicará a elevação
da voz do sujeito da enunciação. Todo o jogo tensivo, o sobe-e-desce das valências
tensivas, desde o medo e o desespero até a instauração da esperança, fazem, em
uma visão geral do texto, os gradientes da intensidade e da extensão evoluírem de
maneira divergente, respectivamente em direção às zonas átonas das paixões
relaxadas e do maior mero de fiéis, o que faz o texto, sob o olhar da totalidade,
depois de caminhar no esquema da ascensão, mudar a orientação tensiva para a
decadência. .
154
Medo, vergonha. desespero
Intensidade
(decadência)
_ +
Esperança
Extensão
+ fiéis
gráfico 31: esquema tensivo final dos programas iurdianos quando do convite para
comparecer à igreja.
uma oscilação, um sobe e desce, entre o esquema tensivo da ascensão
predominante no segmento (simulacros negativos), da decadência no
segmento (testemunhos), da ascensão no 3º. segmento (convocação para a guerra)
e da amplificação, no segmento final. Essa variação de orientação tensiva ocorre
porque o destinatário está constantemente sujeito ao medo da falta (disjunção ou
não-conjunção com o objeto de valor) imposto pelo antissujeito e à esperança
(desejo de ser feliz). A “quebra” dessa oscilação ocorre com a nova e última
orientação tensiva em direção à decadência, ou seja, após a exacerbação do medo,
vergonha e desespero, o discurso volta-se à doação de esperança, por meio da
atuação da IURD.
É isso que acontece no Congresso Empresarial: você recebe uma direção de
Deus, pois nós clamamos a Deus para que Deus lhe uma direção, para
que Deus venha lhe ensinar o caminho. Você sabe que existe um caminho
certo para a prosperidade, existe o caminho.
155
Abaixo, podemos ter uma visão do encadeamento tensivo, observados alguns
momentos decisivos dos segmentos analisados, na estratégia de persuasão.
1º. 2º. 3º. 4º.
Simulacros conjunto dos guerra contra Encontro
negativos testemunhos o Mal com a Igreja.
medo esperança
vergonha
desespero
Intensidade
esperança
Extensão Objetos de valor
gráfico 32: o sobe-e-desce do encadeamento tensivo.
Para visualizarmos melhor o percurso narrativo-persuasivo global do texto em
análise, adaptamos o quadrado semiótico, em sua versão tensivo-fórica, proposto
por Zilberberg (2006: 161):
continuidade parada
simulacros negativos do telespectador ida ao templo da IURD
(o mal: fracassos, doenças, desemprego) (o bem: sucesso, saúde, amor)
parada da parada parada da continuidade
Atuação do antissujeito (pó de sumiço, encosto)
o testemunho
gráfico 33: quadrado semiótico, em versão tensivo-fórica.
156
As estratégias de interação entre os sujeitos
Tomando como base os estudos de Barros (in Preti, 2002), vejamos, agora, no
nível discursivo, as estratégias de interação entre os sujeitos da totalidade iurdiana.
Considerando que os processos de comunicação são formas de manipulação em
que um destinador sempre exerce um fazer persuasivo enquanto o destinatário
exerce um fazer interpretativo, os sujeitos envolvidos na comunicação não são
lugares vazios, mas preenchidos de valores, de crenças, de projetos, de aspirações,
de sentimentos. Ainda segundo a semioticista, essa relação de interação entre os
sujeitos, que pode ser de conflito ou de cooperação, admitindo uma determinação
pela objetividade ou subjetividade (sensorial ou afetiva), está intimamente ligada às
estratégias de construção dos sentidos. Dessa forma, a abordagem da interação
entre os sujeitos é uma necessária contribuição para a análise dos éthe construídos
pelos discursos das Igrejas Católica e Universal do Reino de Deus.
a- A interação eu/você
Os pastores da IURD geralmente preferem discursos do tipo enunciação
enunciada, com predomínio da relação eu/você(s), o que caracteriza uma relação
dialógica recíproca entre os sujeitos. Essa relação eu/você é fundamental no
processo persuasivo desse discurso, que constrói um destinador onisciente e
poderoso, expandido para além dos limites do sujeito, pois designa não o ator-
pastor mas toda a estrutura persuasiva da IURD (pastores, bispos, 318)
conhecedora de todas as mazelas da vida dos telespectadores e, por isso, confiável.
Eu me lembro de uma senhora que disse [...]
[...] você não sabe o que fazer?
157
b- Emprego da 3ª. pessoa do singular (Ele/Deus) no lugar do eu/nós (a IURD)
Deus quer que aconteça também na vida da senhora e do senhor [...]
A interação acima, organizada por meio de uma debreagem enunciativa - a
3ª. pessoa do singular (Deus) no lugar da primeira (eu/nós, representando a IURD) -
exacerba não só a autoridade e o poder da Igreja, tendo em vista que o próprio Deus
fala em nome dela, como também o interesse e o comprometimento com o
destinatário. Esse efeito de sentido de um destinador objetivo e diferente do
destinatário, que ocupa outro lugar enunciativo, surge em consequência do emprego
da terceira pessoa. A inclusão da 3ª. pessoa, concretizada na figura do destinador
maior Deus reforça a imagem da Igreja e de seus pastores, representados
sempre pela primeira pessoa eu/nós, que a IURD se diz conhecedora da vontade
divina (Deus quer que aconteça...) e pode, consoante seu discurso, fazê-Lo agir em
benefício dos destinatários.
c- Emprego da 1ª. pessoa do singular (eu) pela 2ª. pessoa do singular ou do
plural (você/vocês).
[...] se o Mal é espiritual, eu tenho que lutar contra ele de uma forma
espiritual, eu vou nivelar a guerra, eu vou nivelar a batalha. Se eu estou
lutando na carne, então o Mal, que é espírito, está aqui (o pastor posiciona a
mão direita no alto, na altura dos olhos), e eu, lutando na carne, eu vou
lutar aqui embaixo (posicionando a mão esquerda em numa altura inferior à
da outra mão). Mas se eu começar a lutar no espírito, vindo fazer a corrente
de terça-feira, então eu vou lutar no mesmo nível do Mal. E, aliado ao Bem,
então eu vou vencer este Mal. Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força
do Mal existente na sua vida, na sua família. Estamos começando um
trabalho de libertação muito forte.
Desse emprego do eu pelo você(s) resulta o efeito de sentido de identificação
com os telespectadores. Uma espécie de “se eu fosse você” fabrica a ilusão de
aproximação da enunciação e cria, no texto, efeitos de sentido de identificação total
158
com o sujeito. Essa estratégia de interação é empregada no momento em que o
enunciador se coloca como adjuvante na guerra contra o antissujeito
O programa SOS Espiritual constrói, em sua maior parte, uma enunciação
enunciada, com diferentes organizações da categoria de pessoa, sendo as
principais:
Destinador Destinatário Efeito de sentido
a- 1ª. pessoa do singular
-eu expandido
-fala do pastor ou do
bispo.
-marca a autoridade da
IURD.
2ª.pessoa do singular (você) Reciprocidade,
relação dialógica
entre os sujeitos.
b- a 3ª. pessoa do singular
(Ele/Deus), no lugar da 1ª.
pessoa do singular ou
plural – eu/nós).
2ª. pessoa do singular (você) Onisciência,
autoridade,
conhecimento da
vontade de Deus.
c- 1ª. pessoa do singular
- embreagem -
(no lugar da 2ª. pessoa do
singular ou plural)
A Igreja passa a ser
adjuvante.
Identificação total
da Igreja com o
destinatário.
É recorrente o recurso do destinatário estar centrado no você (singular).
que se registrar, porém, que a segunda pessoa do singular (você) é, em regra,
empregada no lugar da 2ª. do plural (vocês) para gerar um efeito de maior
intimidade. O destinatário, no caso, é o público telespectador, portanto, coletivo.
159
O emprego dos lexemas senhor e senhora, segundo o Aurélio Século XXI,
expressões de tratamento cerimonioso ou respeitoso, juntamente com o pronome
você, representa uma passagem da formalidade para a informalidade que pode
significar tanto uma aproximação maior do telespectador quanto um consequente
alargamento da abrangência do discurso.
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor, e você não
sabe o que fazer?
Eu quero mostrar para a senhora, para o senhor, o bloco de depoimentos[...]
Observamos o plural majestático “nós” (ou “nós” amplificado) utilizado para
exprimir uma pessoa amplificada, recurso que lhe permite ao agente religioso
colocar-se como “alta autoridade” e opor-se ao “você”. Esse nós exclusivo, é um eu
que exclui o destinatário, fabrica a ilusão de aproximação da enunciação e cria, no
texto, um efeito de sentido de subjetividade e comprometimento ou cumplicidade-
não recíproca, ou seja, o destinador é um sujeito superior (representa uma entidade
superior: a IURD), dotado do poder e da sabedoria necessários para resolver os
problemas do destinatário.
[...] nós temos realizado aqui, no Templo Maior, o ritual contra as energias
negativas.
Então, nesta terça feira, nós vamos começar este trabalho de quebra de
maldição, a quebra de maldição dos antepassados, dos ancestrais [...].
Outro efeito para o uso do s exclusivo, o de um nós cúmplice e
comprometido, é dado quando se relaciona com o você, pois coloca o telespectador
como finalidade principal das ações da Igreja. Os sujeitos são cúmplices e, como diz
Barros (2002: 41), assimétricos (eu/nós e não-você), instalados em níveis diferentes:
o agente religioso precisa exprimir-se como uma autoridade (nós), capacitada e
poderosa, pronta para “ajudar” um destinatário (você) que acredita precisar dessa
ajuda. Sem essa manifestação de poder não é possível instaurar o contrato
160
fiduciário intersubjetivo da confiança. Instaura-se a cumplicidade quando o agente
religioso tenta mostrar interesse e comprometimento em dispor de seus poderes
para capacitar o destinatário a resolver todos os problemas..
[...]
nós temos pessoas que estão dispostas a lhe ajudar.
[...]
nós estamos pedindo uma direção a Deus, a fim de abençoar a sua
vida financeira [...]
À interação acima soma-se um nós inclusivo (nós
pastor
+ você
telespectador
), bem
menos utilizado, que também gera um efeito de sentido de subjetividade e fabrica a
ilusão de identificação recíproca ou de igualdade. Essa reciprocidade na interação
simétrica entre destinador/destinatário ocorre quando o argumento em questão não
é o poder, pois esse, o poder, refere-se apenas ao simulacro da imagem do
destinador.
[...] nós vamos acompanhar um testemunho, uma pessoa que alcançou a
libertação numa corrente forte que é realizada, inclusive, todas as sextas-
feiras.
Em relação ao tempo discursivo, o enunciado está construído num eixo
temporal principal que se define a partir de um agora, realizado pelo presente do
indicativo, em torno do qual se organizam todos os outros tempos como o futuro do
presente ou o pretérito perfeito do indicativo. Como o programa dá ênfase à
maldição que vem dos antepassados e perdura até os dias de hoje, o emprego
do pretérito perfeito composto do indicativo, justamente para indicar esses fatos
durativos (começaram no passado e vão se repetindo até o presente).
161
Tempos do Pretérito PRESENTE DO INDICATIVO Tempo do futuro
Ele tomou uma decisão, Tá vendo? Essa coisa estranha é [...] Eu vou lutar aqui embaixo [...]
(pretérito perfeito do indicativo) (presente do indicativo) (futuro do presente do indicativo)
Ele tomou uma atitude. Ela não sabe o que é [...] Nós vamos começar este trabalho
(pretérito perfeito do indicativo) (presente do indicativo) (futuro do presente do indicativo)
As coisas começaram a se enrolar [...]
uma coisa estranha acompanhando a Sra
(pretérito perfeito do indicativo) (presente do indicativo)
É isso que tem acontecido com muitas [...]
(pretérito perfeito composto do indicativo)
(a maldição) que tem acompanhado o senhor [...]
(pretérito perfeito composto do indicativo)
A forma nominal do gerúndio, combinado com o auxiliar estar, para indicar
uma ação durativa em um momento pontual, também é repetidamente utilizada na
fala do pastor para expressar uma ação em curso.
Eu estou notando uma coisa [...]
[...] (a coisa estranha) está acompanhando também o meu marido.
[...] estou participando da corrente [...]
[...] estamos começando um trabalho [...]
Objetos mágicos
Depois de reforçar o simulacro negativo da imagem do destinatário
(desempregado, longe da abundância), o agente religioso constrói mais um
argumento para levar o telespectador a aderir ao contrato: transformar a carteira
profissional em um objeto mágico positivo.
De repente, o senhor está desempregado, o senhor não gostaria de ver a
situação que você está. Mas isto é uma realidade. Pegue a sua carteira
profissional, pegue a sua carteira de trabalho, esteja conosco nesta
segunda-feira [...]
162
O documento será abençoado, de forma a adquirir o status de objeto
mágico
44
, com poder suficiente para abrir as portas de um novo emprego. Essa
estratégia persuasiva recupera as bases da semiótica e a herança de Propp, pois a
carteira profissional remete nossa análise ao objeto mágico dos contos
maravilhosos. Possuidor do objeto mágico, o sujeito se torna competente (quer,
deve, pode e sabe) para entrar em contato com seu objeto de valor, no caso, suas
aspirações, desejos e ideais, exacerbados pela própria instituição Igreja Universal do
Reino de Deus. Esse objeto mágico algumas vezes chega a ultrapassar o estatuto
do símbolo para atingir o estatuto do fetiche, considerando o fetiche como uma
supervalorização ética do objeto, que passa a significar por si só. Essa fetichização
é cultural, ocorre no discurso e deságua na fetichização do dinheiro. Todas essas
figuras (a carteira e o documento abençoados, o dinheiro) refletem o mundo por
meio da estereotipia do poder aquisitivo, do “ter”. “Ter” significa “ser”. No discurso da
IURD, é digno de respeito alguém que possua bens materiais. Nesse discurso são
apagados a vida após a morte, os dons espirituais, o amor ao próximo. O paraíso
são os bens, o poder econômico e nada mais.
A IURD atribui aos homens plenos poderes para a instauração de males
transcendentes à lógica e à razão, males que podem, a partir de uma palavra,
atravessar o tempo lesando várias gerações de seus bens, da saúde e da felicidade.
Entretanto, o discurso iurdiano não delega aos mesmos homens condições para
libertarem-se dos males por eles mesmos criados sem que recorram,
obrigatoriamente, à ajuda da Igreja. O homem pratica o mal, torna-se vítima do mal,
mas não tem competência para libertar-se daquilo que, muitas vezes, ele próprio
44
Essa é uma estratégia bastante comum no fazer persuasivo da maioria das Igrejas. Oferecem-se
todos os tipos de objetos mágicos. Na Igreja Universal, são toalhinhas, rosas, óleos abençoados,
vidrinhos com terra do Sinai e até bengalinhas de Moisés. Algumas vezes, o destinatário é instado a
levar algum objeto pessoal que, após uma bênção, assumirá o status de objeto mágico.
163
engenhou. Surge, então, a Igreja, com seus pastores e bispos oniscientes e
onipotentes, prontos para dissolver qualquer mazela, inclusive as causadas por pós-
de-sumiço misteriosos e dotados de poder.
O efeitos de sentido das figuras
Como um todo, o texto constrói um simulacro de realidade para representar o
mundo. Seus programas narrativos básicos (conjunção e disjunção com o dinheiro, a
saúde, a posição social, a abundância material) estão subordinados ao tema central
“a construção do paraíso na Terra através da fé” que, por sua vez, é formado por
vários outros subtemas (quebra das maldições, relacionamento familiar, perdas
materiais, a recuperadora dos bens, pobreza, guerra espiritual), alguns eufóricos,
outros disfóricos, sempre revestidos por figuras que, embora esparsas ao longo do
texto, m considerável importância no mecanismo da significação, pois remetem o
destinatário ao mundo da magia, do enigmático e do desconhecido, características
que, entre outras, diferenciam o discurso iurdiano dos discursos de outras igrejas.
Em Jadon (2005: 134-135), observamos:
No discurso da IURD, para o destinatário (espectador) o inimigo (o Mal) é
transcendental e desconhecido, portanto, um grande e poderoso mistério.
Esse discurso constrói um destinatário dependente da e, por conseguinte,
da IURD, para destruir o inimigo e pôr fim à falta de dinheiro, às doenças, ao
desconforto, ao medo e à vergonha. Quanto maior o mistério, quanto maior a
transcendência do inimigo, maior o poder persuasivo gerador da fé, a que
dá origem à ação e à dependência do fiel com relação à IURD.
Assim sendo, várias são as estratégias de figurativização empregadas pelo
enunciador IURD com o objetivo de exacerbar o desconhecido.
Isotopia temático-figurativa da magia e do extraordinário
164
Desenvolve-se, no transcorrer do discurso, uma isotopia religiosa que opõe as
categorias fundamentais do Bem e do Mal. O Mal está concretizado, como
afirmamos anteriormente, na figura de uma poderosa entidade do mundo espiritual,
que atua no mundo material, ocasionando inúmeras perdas ao sujeito. Essa
entidade maligna e misteriosa é figurativizada de inúmeras formas e pode surgir na
narrativa como uma coisa estranha, uma coisa feita, um pó-de-sumiço, uma
maldição dos antepassados, um encosto, um trabalho etc. Todos os pontos
negativos da vida do destinatário, sejam relativos à falta de saúde, de amor ou de
dinheiro, são atribuídos à constante performance dessa força mágica do Mal. A essa
força contrapõe-se outra força mágica e poderosa: a do Bem.
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor, e você não
sabe o que fazer?
vendo? Essa coisa estranha é alguém que jogou uma maldição, um
trabalho, um pó-de-sumiço.
O Bem concretiza-se nas figuras da IURD (pastores, bispos, templos, objetos
mágicos) e de Deus, que atuam conjuntamente para restituir as perdas ou reparar a
falta provocada pelo “inimigo” na vida do destinatário.
Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua vida, na
sua família.
Vejamos algumas figuras que, no discurso em análise, remetem o
enunciatário à isotopia da magia e do extraordinário:
- coisa estranha
[...] uma coisa estranha que acompanha o seu marido, que acompanha o
seu filho [...] mas por que essa coisa estranha entrou ai?
[...] há uma coisa estranha que acompanha o seu marido [...]
[...] essa coisa estranha, que a senhora diz: - Eu não sei o que é [...]
[...] essa coisa estranha que está acompanhando o meu pai está
acompanhando também o meu marido [...]
Há uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor [...]
Mas sabe por que essa coisa estranha entrou aí?
165
Dentre as acepções constantes do Dicionário Eletrônico Aurélio - Século XXI,
encontramos, para o lexema coisa, mistério, enigma e diabo (Bras. Pop.); e para
estranho: encontramos: misterioso, enigmático, desconhecido, indivíduo que não
conhecemos. Percebemos, por conseguinte, que a figura coisa estranha,
constantemente iterada no texto, é formada por dois lexemas que carregam em seu
cerne as mesmas bases significativas. Juntos produzem um efeito de sentido de
potencialização do mistério e do enigma. Dessa forma, a expressão coisa
estranha, representativa do Mal ou da misteriosa e enigmática entidade maligna, tem
um efeito de sentido extraordinariamente ampliado, de forma a produzir, no
enunciatário, paixões decorrentes da espera tensa: o medo, a aflição, a insegurança
frente ao incógnito.
Esse recurso leva o telespectador a crer-ser prejudicado por uma poderosa
entidade contra a qual não tem forças para lutar porque desconhecida, altamente
misteriosa e enigmática. Daí ser denominada “coisa”. Deve ele, portanto, correr para
a IURD, a fim de obter ajuda.
- maldição dos antepassados
É uma maldição [...] nós vamos começar este trabalho de quebra da
maldição, a quebra da maldição dos antepassados, dos ancestrais [...]
Do latim, maledictione ato ou efeito de amaldiçoar ou de maldizer o
lexema maldição tem seu efeito de sentido sensivelmente ampliado pelo adjunto dos
antepassados (ou dos ancestrais). O enunciador procura levar o enunciatário a crer-
ser vítima de uma maldição transcendental ao próprio tempo (daí deduz-se sua
enorme força), que vem disjungindo sua família dos objetos de valor positivo, desde
os antepassados até os dias de hoje. Como a maldição é resultado da maledicência,
o discurso em análise aos homens a condição de instauradores do Mal, mas não
166
a de restauradores do Bem, atribuição exclusiva da IURD. Essa figura realça
novamente o mistério e o enigma, potencializando os efeitos de sentido da magia,
do extraordinário, do fora da realidade, característicos do discurso da Igreja
Universal.
- pó-de-sumiço
Discorremos sobre essa figura ao abordarmos os objetos mágicos do texto.
Observamos, em acréscimo ao dito, que, mesmo no mundo hodierno, em plena era
da tecnologia, o discurso em pauta restaura valores marcantes do início da Idade
Moderna. Ao abordar o medo do Diabo que dominava os homens nesse período da
História da Europa Ocidental, Oliva (1997: 92) afirma:
[...] havia dois tipos de Diabo soltos no Velho Mundo: O Diabo erudito e o
Diabo popular. O Diabo dos teólogos, pregadores e inquisidores medonho,
terrível, libertino, obsceno, assustador e, sobretudo, poderoso é
impiedosamente perseguido pela Santa Inquisição numa infatigável caça às
bruxas, feiticeiros e judeus desde fins do século XIII. [...] O Diabo popular são
demônios domesticados, familiares, a serviço das bruxas e feiticeiras que os
conservam escondidos pelos cantos da casa ou presos em garrafas ou anéis
.
A História mostra que quanto mais os religiosos perseguiam o Diabo erudito,
mais popular o Maligno ficava. A IURD recuperou parte da crença dessa época para
unir, no período pós-moderno, a magia ao popular. O pó-de-sumiço remete-nos às
velhas bruxas dos contos maravilhosos estudados por Propp. As bruxas,
antissujeitos nos contos maravilhosos, portam um objeto com o qual criam sérias
barreiras para os heróis cumprirem os contratos e chegarem aos objetos de valor
desejados. Na narrativa em foco, o enunciador
(agente religioso)
muda os
interlocutores, mas não muda os papéis dos atores: uma “amiga” (a bruxa) jogou um
pó-de-sumiço (o objeto mágico disfórico) nas costas da outra (a vítima) e, a partir
167
daí, tudo começou a sumir: sumiram o marido, os bens, os clientes, os fregueses e a
saúde.
[...] o
marido começou a sumir da vida dela, os bens que ela tinha, os
clientes que ela tinha, os fregueses que ela tinha. Começou a sumir a saúde,
começou a sumir tudo.
A figura do pó-de-sumiço afirma a condição de fragilidade das pessoas, diante
da exposição cotidiana aos mais inusitados perigos; gera, pois, um efeito de sentido
que reforça a paixão do medo diante das agruras da vida. Esse reforço é necessário
no processo discursivo doador de competência para potencializar, no enunciatário, o
desejo de ir ao templo. Além disso, essas figuras (maldição, antepassados, pó-de-
sumiço, coisa estranha, descarrego), como dissemos, provocam o efeito mágico
que norteia o discurso iurdiano.
-Sessão espiritual do descarrego
A expressão “sessão espiritual” invoca a fé e remete o destinatário a uma
instância transcendente, espiritual, irrefutável porque desconhecida e dependente da
fé; “descarrego” é um substantivo formado por derivação deverbal de descarregar.
O dicionário Aurélio Século XXI dá, para esse verbo, dentre outras, estas
acepções: tranquilizar, desoprimir, sossegar, aliviar, desafogar, desabafar. São
significados que, substantivados (tranquilidade, sossego, alívio, desafogo,
desabafo), transformam-se nos temas originados pelo lexema. Esses temas serão
recobertos pela figura do “descarrego” que nada mais é do que “a ação de tirar de
cima”, “tirar a carga”, “tirar o peso”. Essa figura til do peso é altamente persuasiva
porque concretiza a saída do Mal, deixando o sujeito “leve”, sem pesos sobre as
costas ou sobre a vida. Além disso, o lexema em questão apela a toda uma cultura
religiosa e popular por ser importado do vocabulário pertinente aos terreiros da
168
umbanda, nos quais os praticantes creem descarregar todos os valores negativos.
Utilizar termos e símbolos trazidos de outras culturas religiosas é uma estratégia
discursiva muito empregada pela IURD, com a finalidade de atrair para si os adeptos
dessas outras religiões. Para Campos (1997: 82)
O sucesso da mensagem dessa Igreja (IURD) é maior ou menor na medida
em que faz descobrir os símbolos das culturas locais, e estabelece uma
conexão com a sua retórica. Uma vez descoberto o veio, rapidamente ali se
estabelece um fecundo processo de comunicação, acrescentando-se-lhe
também que os símbolos são polissêmicos, intuitivamente captáveis,
sugerindo várias leituras simultâneas, e criando condições para pessoas com
visões diferenciadas conviverem numa mesma comunidade de culto, afetiva
ou de ideias
.
O discurso da Igreja do bispo Edir Macedo opõe-se ao discurso do
espiritismo, porém, paradoxalmente, adota a figura espírita do “encosto” para
intimidar seus destinatários; não aceita as imagens católicas, mas utiliza a cruz em
seus altares, opõe-se às religiões orientais que reverenciam os ancestrais, mas
prega a “maldição dos antepassados” como realidade. A IURD se opõe
tematicamente a muitas religiões, mas, ao mesmo tempo, utiliza-se das figuras
dessas mesmas religiões, como a cruz, o encosto, o descarrego. Essa é uma
estratégia com a função de trazer para si os fiéis de outras religiões. Por isso,
usam-se figuras que os outros devem reconhecer. A Igreja Universal vangloria-se
por conhecer o mundo espiritual, aparentemente habitado por Deus e um sem-
número de entidades malignas; aos homens, não reserva um paraíso espiritual,
pós-vida, pois o paraíso é aqui e agora, que significa viver bem. Seu discurso se
cala diante da morte, no entanto produz efeitos de sentido que mostram ter a força
suficiente para combater as causas dos males.
- 318 pastores (Congresso Empresarial)
169
Ao lançarmos um olhar mais apurado sobre o Congresso Empresarial,
recuperamos a origem do número 318, deveras relevante para o estudo da
significação. O apelo aos 318 pastores estabelece o diálogo do discurso iurdiano
com a Bíblia.
Os 318 pastores
A expressão figurativa Reunião dos 318 pastores é substituída algumas
vezes por reunião dos 318 justos, vigília dos 318 pastores, Congresso
Empresarial, Faculdade da Fé. Todas essas expressões figurativas
representam o mesmo evento, porém, utilizadas como sinônimas, criam um
efeito de sentido multiplicado: conforme o Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa, “reunião” significa “ato ou efeito de reunir”; para “vigília”
encontramos “condição de quem está desperto, acordado, vigilância;
“congresso” representa “reunião de especialistas para que deliberem
assuntos comuns”; já o lexema “faculdade” significa “capacidade natural de
se fazer algo” ou “escola de ensino superior”. A alternância e retomada
anafórica dessas figuras constrói um destinador-manipulador com poderes
ampliados, que reúne em si, ao mesmo tempo, características como
“vigilância”, “especialidade e “conhecimento”. Repete-se, aqui, a retomada
anafórica com efeito argumentativo. Além disso, o número 318, simbólico,
traz a ideia da força que faltava para a construção de um sujeito “onipotente”,
que não é Deus, porém capaz de trazer bens e riqueza a quem o procurar.
Recorre-se, nesse caso, ao discurso de autoridade da Bíblia para reforçar o
poder argumentativo implícito no número 318. Compreende-se melhor a
origem desse número com a leitura do Gênesis, capítulo 14, versículos 11 a
16, abaixo transcritos: (Jadon, 2005: 63-64)
11 (os reis de Sodoma e Gomorra) Tomaram,
pois, todos os bens de Sodoma e de Gomorra e
todo o seu mantimento, e se foram.
12 Apossaram-se também de Ló, filho do
irmão de Abrão, que morava em Sodoma, e dos
seus bens, e partiram.
13 Porém veio um, que escapara, e o
contou a Abrão, o hebreu; este habitava junto a
carvalhais de Manre, o amorreu, irmão de Escol
e de Aner, os quais eram aliados de Abrão.
14 Ouvindo Abrão que seu sobrinho (Ló) estava
preso, fez sair trezentos e dezoito homens
dos mais capazes, nascidos em sua casa, e
os perseguiu até Dã.
15 E, repartidos contra eles de noite, ele e os
seus homens, feriu-os e os perseguiu até
Hobá, que fica à esquerda de Damasco.
16 Trouxe de novo todos os bens, e
também a Ló, seu sobrinho, os bens dele,
e ainda as mulheres, e o povo.
170
O número 318 tem, portanto, fundamento intertextual com o Velho
Testamento. É uma alusão ao texto bíblico acima porque recupera o conteúdo em
que um poderoso exército, formado pelos mais capazes homens (sic), restaura
todos os bens materiais de e das cidades de Sodoma e Gomorra. Reiteramos
que os 318 tinham a missão de recuperar os bens materiais espoliados de Ló. É de
se notar, em primeiro lugar, que a alusão em pauta é utilizada como argumento de
autoridade para todos os destinatários que têm um saber bíblico; no entanto, para o
destinatário leigo, a autoridade é construída pela quantidade, além do que o
detalhamento por meio do emprego de um número exato, 318, e não aproximado
(300, por exemplo), cria a ilusão de verdade e aumenta o poder da persuasão.
Isotopia temático-figurativa da guerra
A isotopia da guerra é igualmente decisiva na constituição do sentido dos
textos em pauta. O uso dos verbos “lutar” e “vencer”, o emprego dos substantivos
“batalha”, “guerra”, “luta” e “força” levam à construção de um éthos beligerante. Com
relação a essa isotopia, Campos (1999: 312) afirma:
[...] o pentecostalismo também tem uma predileção por uma retórica
militarista e emprega palavras que funcionam como armas de guerra,
convencional ou de guerrilha. No vel da linguagem e da ação, os seus fiéis
estão engajados numa guerra contra os demônios, secularismo, cultos
mágicos de outras procedências, bruxarias e catolicismo. Nesse sentido,
podemos afirmar que a propaganda religiosa iurdiana é a “guerra santa”,
levada a cabo por outros meios. Pois, não se trata somente de criar uma
identidade em oposição a outra, mas também em mobilizar os fiéis, tarefa
mais fácil quando há um inimigo comum contra o qual se pode declarar
guerra.
Não é raro, pois, defrontarmo-nos com partes do enunciado construídas sob
forte retórica militarista:
Não lute mais na força do seu braço, brigando, discutindo [...]
[...] nesta terça feira, comece uma luta, uma batalha [...]
171
[...] aí eu vou nivelar a guerra, eu vou nivelar a batalha [...]
[...] vindo fazer a corrente de terça feira, então eu vou lutar no mesmo nível
do Mal [...]
Isotopia temático-figurativa do mundo material
O discurso iurdiano exalta a tormenta do homem refletida na falta: perda do
dinheiro, dos bens materiais, do emprego, do conforto, da saúde. A isotopia
temático-figurativa das coisas divinas, disseminada pelos discursos das religiões
tradicionais (céu, graça divina, inferno, pecado, morte...) é sobreposta por uma
isotopia do mundo material (dinheiro, sucesso, emprego, conforto, saúde) o
paraíso na Terra com o argumento de autoridade colhido dos vários testemunhos
espalhados pelos programas de TV. Apagam-se os estados do âmbito passional da
culpa pelo pecado e pela ofensa a Deus. Os homens, dessa forma, deixam de ser
culpados (antes maculados pelo pecado original) e passam a ser vítimas de
entidades espirituais malignas cuja presença regula a relação sujeito/objeto de valor.
As paixões do medo e da vergonha não mais procedem da perda da graça divina a
nós doada, segundo os discursos religiosos tradicionais, mas da perda dos bens
materiais ou da saúde.
A programação SOS Espiritual apresenta como destinadores os pastores ou
bispos representantes da Igreja Universal do Reino de Deus, cujo objetivo principal é
o de dotar os destinatários-telespectadores da competência necessária para saírem
do estado de espera em que se encontram e irem a um dos templos (transformação
dos destinatários em sujeitos da ação). Ali sofrerão, de forma direta, todos os tipos
de manipulação. Com esse fim, o destinador constrói simulacros de um sujeito S
1
cheio de problemas das mais variadas espécies, sempre resultantes da atuação de
uma poderosa e misteriosa força maligna contra a qual se pode lutar (e vencer)
172
com a ajuda da IURD. Essa força provém de condições mágicas ou extraordinárias
causadas por objetos gicos (pós-de-sumiço, “trabalhos”, coisas feitas) ou por
condições gicas que fogem da realidade e do tempo (maldição dos
antepassados). Os homens podem criar e causar o mal a outrem, mas não têm
forças para, sozinhos, sem a ajuda da IURD, livrarem-se dele. Dessa forma, o
destinador provoca, tenta, seduz e intimida, reforçando os efeitos de sentido de seu
discurso com testemunhos de pessoas que passaram por gravíssimos problemas
financeiros, de saúde ou afetivos, contudo conseguiram atingir a felicidade depois
que começaram a frequentar e seguir os preceitos da IURD. Os percursos narrativos
e temáticos desses textos caminham infalivelmente da disforia da falta para a euforia
da abundância. O paraíso está aqui e pode ser vivido agora se houver fé. na
IURD.
173
CAPÍTULO V
Análise semiótica do discurso televisivo da Igreja Católica
Apostólica Romana
Como mostramos no início deste trabalho, a Igreja Católica Apostólica
Romana, preocupada com a própria sobrevivência no Brasil, tem procurado
recuperar os fiéis perdidos para outras religiões, adotando, com mais determinação,
os mesmos meios midiáticos há décadas utilizados pela IURD. Com o movimento da
Renovação Carismática, a Igreja Católica, influenciada pelos versos bíblicos
motivadores das religiões pentecostais, deu seguimento ao seu projeto de
recuperação (e manutenção) dos fiéis:
“Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. Depois dessas
palavras, soprou sobre eles, dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo’”. (Jo 20,
21-22)
Isso significa que, enquanto as Pentecostais manifestavam os dons da
terceira pessoa da Trindade o Espírito Santo na figura de seus pastores, parte
da Igreja Romana no Brasil reagiu e passou a cultuar os mesmos dons, estimulando,
nas reuniões dos adeptos, a manifestação de “revelações” ou de glossolalia nos
próprios fiéis laicos. Enquanto isso ocorria, o rito monologal da missa, em algumas
igrejas católicas, passou a contar com cantorias e padres eloquentes, bem mais
jovens, que estimulavam uma maior participação dos fiéis. No site da Renovação
Carismática Cristã (www.rccbrasil.org.br) encontramos, em fevereiro de 2008, o
seguinte:
174
Seu chamado (o do Espírito santo) é claro: vivenciarmos nossa identidade de
Renovação Carismática Católica, promovendo Pentecostes na Igreja. Assim,
somos convocados a ser apóstolos do Espírito Santo, ou seja, missionários,
levando a boa nova no poder do Espírito, aceitando seus dons e permitindo
que Ele aja poderosamente.
Ainda com a finalidade de refrear a expansão pentecostal, fundaram-se
emissoras de televisão, como a Rede Vida, a TV Aparecida e a TV Canção Nova,
esta última de orientação totalmente carismática. Ao lado dos programas tradicionais
como transmissões de missas, orações do terço, entrevistas e debates sob a visão
ortodoxa do catolicismo, surgiram programas de cunho mais popular. Apelou-se ao
padre-artista, como o conhecido Padre Marcelo Rossi que, embora pouco eloquente,
tem sido, de longe, o campeão de vendas de CDs no Brasil, atingindo, como
afirmamos anteriormente, cifras muito acima das de qualquer cantor brasileiro
consagrado.
Sempre com a preocupação de não perder mais fiéis e trazer de volta os
dissidentes, programas televisivos católicos de diversas naturezas (carismáticos ou
não) surgiram, dos quais escolhemos três (apresentados na Rede Vida de
Televisão) para submetê-los a uma análise semiótica. Os resultados dessa análise
serão comparados aos do discurso iurdiano. O primeiro dos programas, denominado
O pão nosso de cada dia, é uma produção com quatro e meio minutos de duração,
apresentado três vezes por dia, de a feira, pelo padre Fernando José Carneiro
Cardoso, doutor em Ciências das Sagradas Escrituras. O segundo programa,
Encontro com Cristo, é apresentado pelo padre Alberto Gambarini, vigário da
paróquia de Nossa Senhora dos Prazeres, de Itapecerica da Serra e o terceiro é o
Terço Bizantino, apresentado pelo padre Marcelo Rossi, considerado um ícone da
Renovação Carismática Católica e fenômeno da mídia. Os dois últimos são de
175
orientação carismática. Nenhum dos programas católicos analisados foi transmitido
ao vivo e não havia contato direto com o telespectador.
176
Análise do programa “O pão nosso de cada dia” (Igreja Católica)
O programa “O pão nosso de cada dia” é uma produção das Edições
Paulinas, editora católica, apresentado (repetido) três vezes por dia, pelo padre
Fernando J. C. Cardoso, com duração de, aproximadamente, quatro e meio minutos,
diariamente, na emissora Rede Vida de
Televisão. As imagens concentram-se na
figura do padre, como se flutuando no céu
cheio de nuvens, ao lado de mãos que
repartem o o. Os recursos da mídia
televisiva, nesse programa resumem-se nas
imagens gravadas nos estúdios. Não propagandas, auditório ou produções
dramáticas. Os dois segmentos abaixo correspondem a um programa inteiro (a
divisão do texto em segmentos e sequências foi efetuada com o objetivo de facilitar
a análise).
1º. segmento
Amigos telespectadores da Rede Vida de Televisão e do programa “O Pão
Nosso de Cada Dia”, é interessante nós, hoje, contemplarmos, na primeira
leitura, um texto parenético-exortativo da Carta aos Hebreus, Capítulo 3,
versículos 7 a 14.
“Hoje, se ouvirdes Sua voz, não endureçais os vossos corações como
aconteceu na provação no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me
tentaram colocando-me à prova. Por isso me irritei com essa geração e
afirmei: ‘Sempre se enganam no coração e desc
onhecem os meus caminhos
Assim, jurei minha ira, não entrarão no meu repouso’.”
11 - padre Fernando J. C. Cardoso
177
2º. segmento
Caríssimos irmãos, o autor está se referindo ao que aconteceu com
aquela geração da época de Moisés, que saiu da escravidão do Egito,
atravessou a pé o Mar dos Juncos e começou a peregrinar pelo deserto em
1ª sequência
busca da Terra Prometida. Por causa de inúmeras provocações, por causa de
Inúmeras tentações e, sobretudo, quedas nas tentações, o texto afirma que
nenhum deles, com exceção de Josué, filho de Nun, entrou na Terra
Prometida. Todos eles morreram no deserto.
Muito mais tarde, um salmo se aproveitou desses acontecimentos e, a
modo de oração, insiste com o orante para que o feche o seu coração
diante de uma nova perspectiva aberta por Deus para entrar no seu
repouso. E o autor da Carta aos Hebreus, numa exegese mais ou menos
rabínica, diz o seguinte: ‘Ainda existe um repouso para o novo povo de
Deus que somos nós, seguidores de Jesus’. Nós também nos encontramos
a meio caminho. Ainda não entramos definitivamente naquele grande
sábado onde se repousa em Deus e onde se repousa com Deus. Portanto,
olhando para o passado e contemplando o que aconteceu com aquela
geração que acabou não entrando no primeiro repouso, a terra de Canaã, a
terra onde corria o leite e mel, tomemos cuidado nós também. Para nós não
se trata de entrar novamente em Canaã ou em qualquer área geográfica
deste planeta. O novo povo de Deus caminha através do deserto da vida
rumo ao grande repouso, onde Deus está e onde ele quer repousar com
Deus, também num sábado, num sétimo dia que o conhece ocaso, mas
para tanto, caríssimos irmãos, agora nós nos fatigamos, agora nós
trabalhamos, agora nós perseveramos, agora nós caminhamos e seguimos
Jesus. A estrada que Jesus nos aponta no início deste ano e já nô-la
apontou conduz seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus.
2ª sequência
178
Um dos aspectos mais característicos da estratégia persuasiva do programa
O o nosso de cada dia é o de recorrer aos textos bíblicos, os quais, se
considerados como a Palavra Revelada, refletem a voz do próprio Deus. Esse
suporte argumentativo substitui e mantém a mesma função dos testemunhos, tanto
utilizados na Igreja neopentecostal IURD. Enquanto os testemunhos, como
apontamos, aproveitam-se de traços de pureza e de autenticidade (Charaudeau,
2006: 224), a citação do texto extraído da Bíblia carrega todo argumento de
autoridade da voz de Deus. Nesse caso, é como se o próprio Deus falasse como
testemunha dos argumentos do destinador. Mantendo nosso foco nos textos
bíblicos, concordamos com Orlandi (2006: 243) quando, referindo-se ao discurso
religioso, a linguista afirma:
Partindo, então, da caracterização do discurso religioso como aquele em que
fala a voz de Deus, começaria por dizer que, no discurso religioso, um
desnivelamento fundamental na relação entre locutor e ouvinte: o locutor é do
plano espiritual (o sujeito, Deus) e o ouvinte é do plano temporal (os sujeitos,
os homens). Isto é, locutor e ouvinte pertencem a duas ordens do mundo
totalmente diferentes e afetadas por um valor hierárquico, por uma
desigualdade em sua relação: o mundo espiritual domina o temporal. O
locutor é Deus, logo, de acordo com a crença, imortal, eterno, infalível, infinito
e todo-poderoso; os ouvintes são humanos, logo, mortais, efêmeros, falíveis,
finitos, dotados de poder relativo. Na desigualdade, Deus domina os homens.
A pregação de televisão do padre Cardoso erige suas bases no gênero texto
bíblico para, por meio de citação, utilizá-lo como se fosse um “testemunho” dado
pela Palavra divina da Bíblia. Cumpre-nos recordar que um grande
distanciamento entre os planos enunciativos de Deus e dos homens. Daí, a
necessidade de um sujeito que assuma o papel de mediador ao que Orlandi (2006)
chama de o dito de Deus e o dizer do homem. Esse mediador é o agente religioso
que, dentre outras funções, traduz a Palavra divina, de acordo com os preceitos de
sua religião. Isso considerado, julgamos relevante a consideração da pesquisadora
179
(2006: 245-246), a respeito do mediador católico (representante), da interpretação e
do que ela chama de obscuridade da Palavra Revelada:
regras restritas no procedimento com que o representante se apropria da
voz de Deus: a relação do representante com a voz é regulada pelo texto
sagrado, pela Igreja, pelas cerimônias.
[...] dada a assimetria fundamental que caracteriza a relação falante/ouvinte
no discurso religioso, mantém-se a distância entre o dito de Deus e o dizer do
homem, ou seja, uma separação (diferença?) entre a significação divina e
a linguagem humana, separação essa que deriva da assimetria entre os
planos. E assim se mostra e se mantém a obscuridade dessa significação
inacessível e desejada.
Uma vez que obscuridade, sempre a possibilidade das diferentes
interpretações (leituras) das palavras (do texto), mas essas diferenças
observam um regulamento categórico: além de um certo limite, elas são
consideradas transgressões, instituem novas seitas, são cismas etc.
A interpretação própria da Palavra de Deus é, pois, regulada. Os sentidos não
podem ser quaisquer sentidos: o discurso religioso tende fortemente para a
monossemia, No cristianismo, enquanto religião institucional, a interpretação
própria é a da Igreja, o texto próprio é a Bíblia, que é a revelação da Palavra
de Deus, o lugar próprio para a Palavra é determinado segundo as diferentes
cerimônias.
Para cumprir seu papel de intermediador entre Deus e os homens, o padre
Fernando Cardoso desempenha dupla função, uma vez que, depois de exercer seu
fazer interpretativo da Palavra, repassa-a ao destinatário de forma que este
compreenda. A narrativa inicia-se com um preâmbulo (“[...] é interessante nós, hoje,
contemplarmos, na primeira leitura, um texto parenético-exortativo da Carta aos
Hebreus[...]” ) que define a natureza do argumento escolhido pelo destinador
(padre)
uma exortação moral para persuadir o destinatário
(telespectador)
a aderir ao contrato,
ou seja, o telespectador deve crer e pôr em prática os preceitos ditados pela Palavra
Revelada para atingir a salvação. A expressão definidora (texto parenético-
exortativo), além de ser tautológica, uma vez que parênese significa exortação
45
,
inicia a instauração de um tom professoral e de sapiência, característica da tentativa
de fortalecimento do simulacro de confiabilidade (existente no éthos interdiscursivo
45
Segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI, parênese significa discurso moral,
exortação.
180
dos padres). O argumento discursivo alicerça-se em três textos bíblicos, um do Novo
(Hebreus) e dois do Velho Testamento (Êxodo e Salmos).
O primeiro texto bíblico citado Hebreus 3, 7-14 é uma delegação de voz,
dada por debreagem, pelo narrador (supostamente Paulo) ao Espírito Santo, que
fala, do versículo 8 a 11, em discurso direto:
7
Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvires hoje a sua voz,
8
Não endureçais os vossos corações, como na provocação,
no dia da tentação no deserto,
9
Onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram, por
quarenta anos, as minhas obras.
10
Por isso me indignei contra esta geração e disse: Estes
sempre erram em seu coração e não conhecem os meus
caminhos.
11
Assim, jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso.
12
Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração
mau e infiel para se apartar do Deus vivo.
13
Antes exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo
que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo
engano do pecado;
14
Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos
firmemente o princípio de nossa confiança até o fim.
O segundo texto bíblico-base Êxodo 17, 1-7 é aludido em Hebreus 3, 7-
14. No Êxodo, o narrador conta o episódio da fuga dos hebreus das terras do Egito,
no qual o povo, tomado pela sede e pela incredulidade, indispôs-se com Moisés
devido à falta de água para beber. Moisés, orientado por Deus, feriu a rocha, de
onde imediatamente jorrou água potável. Graças a essa demonstração de
descrença, o povo experimentou a ira de Deus. Seguiu-se um período de quarenta
anos, caracterizado pela rebelião e pela desobediência, sem que ninguém daquela
geração, a não ser Josué e Caleb, entrasse na Terra Prometida e conseguisse a
salvação.
1
Depois toda a congregação dos filhos de Israel partiu do deserto de Sim
pelas suas jornadas, segundo o mandamento do Senhor, e acamparam em
Refidim; e não havia ali água para o povo beber.
2
Então contendeu o povo com Moisés, e disseram: Dá-nos água para beber.
E Moisés lhes disse: Por que contendeis comigo? Por que tentais ao Senhor?
3
Tendo, pois, ali o povo sede d’água, o povo murmurou contra Moisés e
disse: Por que nos fizeste subir do Egito, para nos matares de sede, a nós e
aos nossos filhos e ao nosso gado?
181
4
E clamou Moisés ao Senhor, dizendo: Que farei a este povo? Daqui a
pouco me apedrejarão.
5
Então disse o Senhor a Moisés: Passa diante do povo e toma contigo
alguns dos anciãos de Israel; e toma na tua mão a tua vara com que feriste o
rio; vai.
6
Eis que eu estarei ali, diante de ti, sobre a rocha, em Horebe, e tu ferirás a
rocha, e dela sairão águas e o povo beberá. E Moisés assim o fez, diante dos
olhos dos anciãos de Israel.
7
E chamou o nome daquele lugar Massa e Meribá, por causa da contenda
dos filhos de Israel, e porque tentaram ao Senhor, dizendo: eso Senhor no
meio de nós ou não?
ÊXODO 17,1-7
Portanto, em Hebreus 3, 7-14, o povo de Israel, após ser libertado da
escravidão do Egito, experimentou a ira de Deus devido à incredulidade. A ira é uma
paixão pontual, assim definida pelo Dicionário Houaiss/UOL da Língua Portuguesa:
intenso sentimento de ódio, de rancor, geralmente dirigido a uma ou mais
pessoas em razão de alguma ofensa, insulto etc., ou rancor generalizado em
razão de alguma situação injuriante; fúria, cólera, indignação.
Tal definição coloca no mesmo grupo da ira as paixões do ódio, rancor, fúria,
cólera e indignação. Sob a visão da semiótica, essas são paixões tensas da falta de
confiança (falta fiduciária) ou do objeto de valor, relacionadas ao /poder-fazer/,
resultantes do conflito entre o /querer-ser/, o /saber poder não ser/ e o /crer não ser/.
No texto, o sentimento da falta resulta de uma conjunção entre a insatisfação e a
indignação de Deus diante da quebra de confiança do povo de Israel na promessa
divina de salvação. Deus esperava que o povo, após ter sido salvo da servidão,
retribuísse o Seu amor com a e a obediência. Esse era o contrato que não
ocorreu. Como sanção pelo não cumprimento do contrato, o povo teve de passar do
amor à ira de Deus.
Por isso me indignei contra esta geração e disse: Estes
sempre erram em seu coração e não conhecem os meus caminhos.
Assim, jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso.
(Hebreus 3, 10-11)
182
Tanto o Dicionário Houaiss/UOL quanto o Aurélio - Século XXI afirmam que a
indignação é nascida da cólera:
-sentimento de cólera ou de desprezo experimentado diante de indignidade,
injustiça, afronta; repulsa, revolta. (Houaiss)
-sentimento de cólera despertado por ação indigna; ódio, raiva; desprezo,
repulsa, aversão. (Aurélio)
De acordo com Marchezan (2007: 75), a indignação, é uma paixão que visa
ao outro e decorre de um caráter honesto. Pode indignar-se o sujeito justo, que tem
dignidade moral e a medida correta dos valores sociais, frente ao sucesso de quem
não merece. Para Aristóteles (2003: 59), a indignação opõe-se à compaixão. Em
Hebreus 3, 10-11, Deus demonstra Sua indignação com o povo que, desviado de
Seus desígnios e, dessa forma, em falta com Ele, tornou-se indigno de alcançar a
salvação.
De acordo com Barros (1990), o sentimento de falta lugar a um respectivo
programa de liquidação dessa falta. Diz a semioticista que a falta resolve-se de três
formas diferentes: pelo prolongamento da aflição e insegurança na “paixão” relaxada
da resignação e da conformação; pela volta à situação de confiança e, finalmente,
pela reparação. No texto, a reparação da falta, engendrada pela ira de Deus, é dada,
por conseguinte, pelo castigo ao povo desobediente, consumado pela desorientação
no deserto durante quarenta anos.
O destinador
(padre Fernando)
trabalha o conceito da ira divina sobre os cristãos que
não cumprirem sua parte no contrato (qual seja, seguir a Palavra para atingir a
salvação) para, por meio da intimidação, suscitar nos destinatários
(telespectadores)
a
confiança (fé) nos desígnios de Deus e no próprio destinador. Com essa finalidade
e, de acordo com a cristã, recorre ao argumento de autoridade da Bíblia ao
reproduzir as palavras proferidas pelo Espírito Santo aos Hebreus do primeiro século
depois de Cristo. O argumento de autoridade bíblica é sempre a base de raciocínio
183
do padre-destinador para que, por meio da exegese, convença o destinatário da
importância da na busca da salvação. Quanto maior a fé, maior a proximidade da
salvação. Dessa forma, apresenta um texto exortativo no qual está explícito apenas
o percurso da manipulação.
A narrativa prevê sanção negativa (castigo) para quem não cumprir o contrato,
ou seja, para quem “endurecer o coração” (não tiver fé) ao ouvir a voz de Deus. Em
contrapartida, oferece-se uma recompensa (a salvação) para quem cumpri-lo
satisfatoriamente. O esquema narrativo dessa passagem, considerando-se que pode
haver duas sanções distintas, é o seguinte:
Percurso da manipulação Ação suposta Sanção possível
O Espírito Santo relembra os
acontecimentos ocorridos durante a
fuga dos judeus do Egito em busca
da Terra Prometida. Dá, então, uma
série de conselhos aos hebreus do
século I, alertando-os de que, se
quisessem encontrar a salvação,
não deveriam repetir os erros
cometidos pelos seus
antepassados durante a jornada em
direção a Canaã.
Não endurecer o
coração ao ouvir a voz
de Deus (agir conforme
as ordens de Deus).
Endurecer o coração
(descrer) ao ouvir a voz
de Deus e não agir.
Recompensa
Encontrar a Terra
Prometida ( a
salvação)
Castigo
Sofrer as
consequências da
ira de Deus.
Com o propósito de ganhar confiança do público telespectador, o agente
religioso inicia a exegese com a figura do irmão (“Caríssimos irmãos [...]”), precedida
pelo lexema caro no grau superlativo absoluto sintético, forma comumente utilizada
nos exórdios ou introduções a textos de cunho católico
46
. Valendo-se sempre do
argumento de autoridade do texto bíblico, cuja função estratégica assemelha-se ao
46
Em 02/11/2008, encontramos, na Internet, 27.300 resultados para textos iniciados com a
expressão “Caríssimos irmãos”, a maioria de cunho católico.
184
emprego dos testemunhos, o padre-destinador sustenta o percurso da manipulação
e do contrato com uma retomada e uma análise pessoal da Carta aos Hebreus 3,
14-17. Com esse fim, evidencia as palavras atribuídas ao Espírito Santo, utilizando,
na sua narrativa, um esquema completo, tal como nos testemunhos da IURD:
Manipulação Ação Sanção
Durante a peregrinação
pelo deserto, os hebreus
devem fazer tudo segundo
as ordens de Deus.
No percurso, o povo perde
a fé e cai nas tentações,
portanto não cumpre o
contrato.
Todos os que tinham mais
de vinte anos de idade, à
exceção de Josué e
Caleb, morrem durante a
peregrinação, sem
encontrar a Terra
Prometida. (a salvação).
O padre-destinador potencializa seu argumento por meio de uma alusão a um
terceiro texto bíblico, o salmo 106, em que o salmista retoma a fuga do Egito pelo
povo hebreu:
Muito mais tarde, um salmo se aproveitou desses acontecimentos
e, a modo de oração, insiste com o orante para que não feche o seu
coração diante de uma nova perspectiva aberta por Deus para entrar
no seu repouso.
Esse recurso visa a reforçar o argumento dos textos anteriores e a
demonstrar o vasto conhecimento que o destinador tem dos textos sagrados.
Abaixo, transcrevemos parte do Salmo 106:
21
Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que fizera grandes coisas no
Egito,
22
Maravilhas na terra de Cão, coisas tremendas no Mar Vermelho.
23
Pelo que disse que os teria destruído, se Moisés, seu escolhido, se
não pusera perante Ele, naquele transe, para desviar Sua indignação, a
fim de os não destruir.
24
Também desprezaram a terra aprazível; não creram na Sua Palavra.
25
Antes murmuraram em suas tendas, e o deram ouvidos à voz do
Senhor.
26
Pelo que levantou a Sua mão contra eles, afirmando que os faria cair
no deserto;
27
Que humilharia também a sua descendência entre as nações e os
espalharia pelas terras.
185
[...]
47
Salva-nos, Senhor, nosso Deus, e congrega-nos dentre as nações,
para que louvemos o Teu nome santo e nos gloriemos no Teu louvor.
48
Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, de eternidade em eternidade, e
todo o povo diga: Amém. Louvai ao Senhor.
Essa intertextualidade, lançada como recurso persuasivo pelo destinador,
relaciona de forma contratual os três textos bíblicos ora transcritos: o Êxodo, a Carta
aos Hebreus e o Salmo 106, com a finalidade de comparar a vida do destinatário-
telespectador com a travessia do deserto.
O objeto de valor a ser conquistado é o descanso em Deus, equivalente à
salvação, só alcançado depois da travessia do deserto (travessia da vida). Tal
sintaxe conta das articulações do esquema narrativo, apresentando o povo judeu
e o objeto de valor Terra Prometida (a salvação). O sujeito inicia seu percurso
disjunto, privado do objeto de valor. Esse é seu estado inicial. Seu programa de
aquisição consiste em passar da disjunção à conjunção (passar do deserto da vida à
salvação em Deus)
O objeto de valor figurativo “repouso em Deus”, construído como valor na
narrativa da travessia, está modalizado como “desejável”. O destinador-padre erige
um simulacro de erudição resultado do emprego das palavras/expressões da língua
culta (“parenético-exortativo”, “exegese rabínica”), da correção gramatical e de um
saber (aparenta profundo conhecimento bíblico e ontológico) que pode fazer surgir o
percurso do “fazer-crer”, do “fazer-querer”, do “fazer-saber” e do “fazer-fazer ou não
fazer”. Dessa forma, o destinador procura colocar o telespectador no estado inicial
de espera confiante para, em seguida, modalizando-o em um poder-ser, instaurar a
paixão da esperança, fazendo-o ver como possível aquilo que é desejável (“Ainda
existe um repouso para o novo povo de Deus, que somos nós”).
186
Assentado sobre a disforia (a perdição no deserto da vida), o texto caminha
para a euforia quando o narrador padre Fernando, por meio do discurso reportado
47
,
reproduz a fala do Espírito Santo (“Hoje, se ouvires Sua voz, não endureçais os
vossos corações como aconteceu no dia da tentação no deserto [...]”), introduzindo-
a como “uma exegese mais ou menos rabínica”. Essa introdução contraria os
preceitos da Igreja Católica porque o destinador recorre ao judaísmo ao qualificar de
rabínica a exegese, contrariedade confirmada diante do emprego da figura do
sábado como dia de guarda, o que não é aceito pelo catolicismo.
No site jendela-liwa janela da alma (jendela-jiwa.blogspot.com),
encontramos esta definição sobre o sábado judaico:
O Sábado, em hebraico, diz-se sabbat, que quer dizer “descanso”. Este
constitui um dos elementos fundamentais da tradição judaica. O Sábado é o
sétimo dia, que é o dia de descanso. Esse dia recorda dois grandes
momentos da história do povo judaico: o descanso de Jahvé, depois de
terminar a sua obra da salvação (Êx 20, 8-11; cf. Gén 2, 2) e a libertação do
povo de Israel da escravidão do Egito (Dt 5, 12-15). De acordo com a tradição
judaica, a ordem de um dia de descanso foi dada por Deus e institui um dos
mandamentos do Decálogo.
Por isso, o Sábado, para alguns, constitui o mandamento mais característico
do judaísmo, pois se refere unicamente a Deus e ao povo de Israel,
atendendo o que se diz no livro do Êxodo: “Portanto, os filhos de Israel
guardarão o sábado, através de todas as suas gerações, como uma aliança
perpétua. Entre mim e os filhos de Israel é um sinal externo de que o Senhor
fez os céus e a Terra em seis dias, e que no sétimo dia terminou a obra e
descansou” (Êx 31, 16-17). Jahvé falou aos filhos de Israel por meio de
Moisés para que estes guardassem o sábado, porque este é o sinal perpétuo
estabelecido entre Deus e o Seu Povo, de geração em geração. E, por isso, o
sábado, para esse, povo é santo (cf. Êx 31, 12-14).
O Sábado é o ponto culminante do ciclo semanal. A caminhada diária atinge
o seu auge no sétimo dia. Esse dia coroa a semana judaica. Na tradição
judaica, o dia começa com o pôr-do-sol e termina, igualmente, com o pôr-do-
sol do dia seguinte. Assim, o sábado inicia-se na véspera, ou seja, no pôr-do-
sol da sexta-feira e termina no anoitecer do sábado.
A observância do bado foi estabelecida pelo próprio Deus. Por isso,
durante esse período de tempo, nota-se o ambiente festivo e litúrgico nas
casas e nas sinagogas, além do descanso exigido nesse dia. gestos e
atos litúrgicos próprios para celebrar esse dia no círculo familiar e sinagogal.
47
O narrador cede a palavra ao outro que diz “eu”. Esse artifício é, também, muito utilizado nos
testemunhos, pois traz para o presente situações enunciativas passadas, produzindo forte efeito de
realidade.
187
O destinador, portanto, ao referir-se ao sábado em conformidade com os
preceitos religiosos judaicos, tenta reforçar seu éthos phrónesis de sapiência, pois
demonstra conhecimento do Velho Testamento e do judaísmo.
A partir desse ponto, como estratégia de persuasão, o destinador faz uso de
esquemas narrativos paralelos o do êxodo no deserto e o da vida cotidiana o
primeiro ancorado no tempo passado e o segundo, no tempo presente, com a
intenção de dar ao destinatário a coragem para passar pelas privações da vida e
encontrar a Terra Prometida, ou seja, a salvação. Essa é uma característica
marcante do discurso religioso católico tradicional: a exacerbação da coragem. Por
meio dessa estratégia, vemos construídos historicamente os simulacros dos
santos/mártires da Igreja Romana.
Outro importante fator que deve ser registrado na análise do texto em pauta é
o de que o agente religioso não fala em valores econômicos. Além deste, vimos
vários outros textos do programa O pão nosso de cada dia e em nenhum deles há
sequer uma alusão a qualquer valor econômico, atendo-se sempre, o destinador, à
exegese bíblica voltada à salvação.
Nas estruturas mais profundas, a narrativa do êxodo hebreu pelo deserto
está consolidada sobre a oposição entre as categorias semânticas perdição vs.
salvação, ocultadas sob as tramas narrativa e figurativa. As categorias perdição e
salvação são o ponto de partida para a geração do discurso. O destinador não se
refere, nesse texto, à Igreja Católica. O cumprimento da Palavra Revelada, e não a
Igreja, é citado como o condutor do fiel à salvação. Dessa forma, teremos como
categorias opostas principais:
188
perdição vs. salvação
(a escravidão no Egito) (a entrada na Terra Prometida)
(a vida sobrecarregada de problemas) (o descanso em Deus)
Sujeito virtualizado Sujeito realizado
não-salvação não-perdição
(o morrer perdido no deserto) (a caminhada através do deserto)
(o não cumprimento do contrato) (o trabalho, o cansaço, a caminhada da vida)
não agiram conforme as ordens de Deus cumprimento da Palavra Revelada
Sujeito atualizado Sujeito potencializado
gráfico 34: oposição e percurso entre as categorias perdição vs. salvação.
Considerando a presença ou modo de existência do destinatário-
sujeito
(telespectador)
nos parágrafos introdutórios, encontramos o simulacro de um
telespectador ainda virtualizado, que sepotencializado para, por pressuposição,
atingir o modo de existência realizado (em conjunção com seu objeto de valor, a
salvação).
[...] E o autor da Carta aos Hebreus, numa exegese mais ou menos rabínica,
diz o seguinte: ‘Ainda existe um repouso para o novo povo de Deus que
somos nós, seguidores de Jesus’.
Nós também nos encontramos a meio caminho.
Se enfocarmos apenas o primeiro e segundo parágrafos do primeiro
segmento, nos quais o agente religioso classifica como interessante a contemplação
de um texto parenético-exortativo, citado logo em seguida, registramos uma retórica
de sapiência que, afirmamos, constrói um simulacro de confiabilidade e de
189
erudição próprio do éthos phrónesis (sapiência) para apresentar um tom professoral
de bom senso, de sabedoria e de conhecimento profundo das escrituras. A utilização
de lexemas incomuns, desconhecidos para o telespectador, estabelece
comunicação somente com sujeitos providos de certo grau de cultura. Esse emprego
de lexemas eruditos seleciona os destinatários e remete as estratégias discursivas a
duas formas distintas, sem que uma exclua a outra:
(1) A erudição textual seleciona os destinatários, atraindo os que
compreendem o significado e (2) a erudição atrai os destinatários que, por não
entenderem o texto, sentem-se atraídos pelo mistério do desconhecido e tendem,
por isso, a aderir ao discurso. Como exemplo desse fenômeno, relembramos o
grande número de católicos que, algumas décadas, comparecia às missas,
simplesmente por serem rezadas em latim, língua desconhecida por quase todos. A
Igreja demonstra seu saber tanto pela erudição quanto pelo conhecimento (domínio)
do desconhecido. Aqui, retomamos, por oportuna, a citação de Orlandi (2006: 245),
feita em momento anterior deste trabalho, na qual, repetimos, o agente religioso
(padre), porta-voz da Palavra Revelada, mantém a distância entre o dito de Deus e o
dizer do homem porque, além da dissimetria entre os planos, uma separação
entre a significação divina e a significação humana. O resultado é que se mantém a
obscuridade dessa significação inacessível e desejada
48
(grifo nosso).
Em termos de tensividade, o grau da extensão (apreensão) varia conforme o
nível de compreensão do destinatário. O texto, a partir do segundo segmento, é, de
acordo com o padre, uma parênese, uma exortação moral, ou seja, uma “aula”.
Sendo assim, se representarmos as valências tensivas desse texto católico,
48
Transcrevemos aqui a nota de rodapé concernente ao esoterismo, referente ao texto de Orlandi
citado, mas que, a nosso ver, podemos estender a todos os discursos religiosos que mantêm a
obscuridade e o mistério: Eis uma importante função do esoterismo: porque não se compreende,
deve-se crer e obedecer.(grifo nosso)
190
observaremos que, no eixo da extensão, a valência caminhará no sentido crescente
proporcionalmente a uma maior compreensão do destinatário. As tensões, nesse
texto, aumentarão de qualquer forma: caso o telespectador não compreenda o texto,
elas serão altas devido à obscuridade; caso o destinatário compreenda o texto, ele
estará sendo manipulado por intimidação, à medida que está, segundo o destinador,
exposto à ira de Deus, caso o ouça a Palavra. Assim representamos, nos gráficos
tensivos, essas situações:
O destinatário não compreende o texto. O destinatário compreende o texto e
Tensões elevadas devido à obscuridade. percebe sua sujeição à ira divina.
Obscuridade Medo
Intensidade Intensidade
. extensão extensão
Gráficos 35: (1) a obscuridade devida à falta de compreensão e (2)o medo da ira divina.
Na primeira sequência narrativa do segundo segmento, o enunciador instala
um “ele” (Moisés, o autor, Josué, povo hebreu), um “lá” (Egito, Mar dos Juncos,
Terra Prometida), e um “então” (época de Moisés), criando o efeito de sentido de
objetividade e distanciamento da enunciação, para, na segunda sequência, passar à
enunciação enunciada, instalando, no texto, um “eu/nós” (os seguidores de Jesus),
um “aqui”, e um “agora”. A narrativa ocorre, portanto, em duas sequências
interdependentes: (a) a peregrinação dos hebreus pelo deserto com eixo temporal
no pretérito perfeito e (b) a peregrinação dos homens contemporâneos pela vida
ancorada no presente do indicativo.
191
Quanto às estratégias de relação entre os sujeitos, o programa apresentado
pelo padre Fernando está organizado em enunciação enunciada, pois reflete
interação dialógica entre o eu-agente religioso e o você-telespectador. Internamente
à enunciação enunciada, insere-se a homilia sobre a história do êxodo hebreu
através deserto, extraída da Bíblia, em enunciado enunciado, para criar os efeitos de
sentido de objetividade (distanciamento da enunciação) do destinador e de verdade,
com relação à história contada. Instala-se o seguinte quadro de interação
comunicativa entre o destinador e o destinatário:
Destinatário incluído (nós inclusivo): nós = eu
(padre, Igreja, clero)
+
você
(telespectador)
[...] caríssimos irmãos, agora s nos fatigamos, agora nós trabalhamos,
agora nós perseveramos, agora nós caminhamos e seguimos Jesus.
E s, também, quanto mais nos dedicarmos ao silêncio e à oração, mais de
sairemos cheios de Deus para entregar Deus aos irmãos. Se não
fazemos isso, se não entregamos Deus aos irmãos, é porque não temos
muito tempo de comunicação pessoal e íntima com o Pai
.
(Programa O pão nosso de cada dia, exibido em outra data)
O s, aqui, diferentemente do nós empregado pela IURD, representa uma
estratégia de identificação entre os sujeitos na qual o destinador se coloca no
mesmo nível de seus destinatários, passível das mesmas intempéries que a vida
apresenta. Com relação a esse tipo de interação, Barros (2002: 25) afirma:
[...] os papéis do eu e do você não se distinguem, mas, ao contrário, se
confundem numa “massa amorfa” comum. O efeito é de ausência de
interação, substituída pela identificação do destinador e do destinatário
(Barros, 2002: 25).
Esse emprego do pronome nós inclusivo engendra um efeito de subjetividade,
associado a uma declarada presentificação enunciativa, causada pela iteração do
advérbio agora. A não distinção entre o eu e o você é um artifício de argumento que,
192
propositadamente, coloca o padre e o telespectador destinador e destinatário
em um plano de igualdade entre si (todos estão em busca da salvação) e de
inferioridade perante Deus.
Destinador Efeito de sentido
1ª. pessoa do plural: nós
(Destinatário incluído)
eu
(padre)
+ você
(telespectador)
Igualdade entre destinador
e destinatário. Sujeição às
mesmas intempéries da
vida.
O nós inclusivo (eu-padre + você-telespectador) delimita o corpo do sujeito e
estabelece um mesmo ponto de vista para o destinador e o destinatário, com relação
ao objeto de valor, alcançar a salvação. Nesse caso, a salvação é vista como
resultado do conhecimento e da prática da Palavra Revelada, que “funciona” como
uma diretriz divina para o alcance da salvação. Considerando a origem divina da
Palavra, instaura-se a figura de Deus como salvador, pois Ele, pela maior ou menor
vivência da Palavra pelo homem, permitirá ou não a conquista da salvação.
Figuras e temas
O texto é predominantemente temático, entretanto o agente religioso recorre a
textos bíblicos altamente figurativos, com argumentação baseada nas figuras do
Êxodo, que apresenta o mundo por meio da escravidão dos hebreus no Egito, da
travessia do Mar dos Juncos, da peregrinação pelo deserto, da Terra Prometida, do
povo de Deus, do leite e do mel etc. (figuras retomadas pelo enunciador
(padre Fernando)
na construção do argumento), com o objetivo de concretizar o texto temático da
pregação. O tema central A busca do repouso em Deus” (A busca da salvação)
será, como dissemos, preenchido por várias figuras (apresentadas em seguida) e
acompanhado por outros subtemas como “a liberdade”, “a solidão”, “a fé em Deus”,
193
“o trabalho exaustivo”, que são concretizações de temas. Torna-se importante
registrar que a primeira sequência, considerada isoladamente, encerra uma narrativa
resumida que alude à longa caminhada dos hebreus no deserto e às tentações que
os levaram à perdição e à morte; se considerada na totalidade do texto, a primeira
sequência acaba por dar o suporte argumentativo à segunda sequência e passa a
ter o valor de uma grande metáfora, pois o narrador vincula totalmente o êxodo no
deserto à caminhada dos homens de hoje pela vida. Isso quer dizer que a figura
“Terra Prometida”, por exemplo, durante a primeira sequência, significa apenas a
Canaã prometida por Deus aos hebreus; após a leitura da segunda sequência,
“Terra Prometida” deixa de ter o sentido original de ”Canaã” para significar
“salvação”, “o descanso em Deus para todos os homens de hoje, guiados por Jesus
através do deserto da vida”
49
. Vejamos, pois, as principais figuras que recobrem os
temas do texto em análise:
fechar o coração
[...] não feche o seu coração diante de uma nova perspectiva aberta por
Deus para entrar no seu repouso.
Por tradição, o coração é o órgão do corpo responsável por guardar as
paixões mais marcantes. O Dicionário Eletrônico Aurélio - Século XXI atribui ao
lexema coração as seguintes acepções, entre outras:
(1) a sede dos sentimentos, das emoções, da consciência; (2) a natureza ou
a parte emocional do indivíduo (por oposição à natureza, ou à parte
intelectual, à cabeça); (3) caráter, índole, feitio; (4) amor, afeto.
49
No texto em foco, as metáforas não funcionam como simples figuras de palavras, mas, sim, como
metáforas entre isotopias, pois ligam e relacionam as duas isotopias básicas: a travessia do deserto e
a travessia da vida, ou seja, lidamos, nesse caso, com metáforas de texto inteiro que relacionam e
interligam temas e leituras inteiras.
194
Nos textos religiosos e, mais especificamente, na Bíblia, o lexema “coração”
refere-se à capacidade humana de pensar, decidir, agir e sentir. Couto (2007)
ressalta que, em sentido figurado, pensamos, agimos, decidimos e sentimos com o
coração. Na Bíblia, esse lexema é inúmeras vezes empregado metaforicamente,
tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Jesus, em seu discurso, referiu-se ao
coração como sendo o centro de nossos sentimentos e emoções (“onde estiver seu
tesouro, ali estará seu coração”). No texto em análise, a expressão “fechar o
coração” (“não feche seu coração diante de uma nova perspectiva aberta por Deus
para entrar no seu repouso) é uma metáfora cujo significado é a perda da fé, a perda
da perspectiva de encontrar a salvação.
povo de Deus
A perífrase “povo de Deus” é utilizada desde a época dos primeiros cristãos
para designar a Igreja primitiva. Hoje, quase todas as religiões se autoconclamam o
povo de Deus. No texto, o enunciador aproveita a expressão para empregá-la como
um importante argumento de persuasão (Ainda existe um repouso para o novo povo
de Deus, que somos nós, seguidores de Jesus), utilizando-a como ligação analógica
entre os hebreus do Velho Testamento (seguidores de Moisés) e os cristãos de hoje
(seguidores de Jesus Cristo). Essa perífrase desencadeia as isotopias figurativas
ligadas à vida cotidiana, pois quando denomina os católicos de hoje como “o novo
povo de Deus” o enunciador está, ao mesmo tempo, transformando a história da
travessia do deserto em uma grande e abrangente metáfora, ou seja, a peregrinação
pelo deserto é a metáfora para a jornada da vida daqueles que estão sem rumo e
sem fé; as provocações e quedas nas tentações são metáforas para a falta de e
os pecados. Esses efeitos de sentido são ainda confirmados por asserções como
195
“caminhar através do deserto da vida” ([...] o povo de Deus caminha através do
deserto da vida) ou como “nós também nos encontramos no meio do caminho”, ou
seja, ainda hoje estamos perdidos no deserto da vida, em busca da Canaã.
sábado
[...] ele quer repousar com Deus também num sábado, num sétimo dia que
não conhece ocaso [...]
O sábado, como apontamos anteriormente, é o sétimo e último dia da
semana. Na Bíblia, é o dia de descanso ou, para os judeus, dia de descanso
religioso. No mundo cristão, o sábado perdeu essa atribuição para o domingo. Hoje
em dia, algumas religiões que resguardam rigidamente os sábados
50
como o dia
em que se proíbe qualquer tipo de trabalho e nada se pode fazer. É o dia do
descanso.
No caso, o enunciador emprega o sábado como metáfora que representa a
entrada na Canaã, terra prometida. O último dia da semana, dia de repouso,
conforme a tradição judaica, é a figura que produz o efeito de sentido da eternidade,
da vida depois da vida. O sábado é personificado como “o sétimo dia que não
conhece ocaso”, ou seja, o dia que nunca termina, o descanso eterno no seio de
Deus.
repouso (ou descanso) em Deus
A figura do repouso em Deus é fundamental para o entendimento do texto,
uma vez que ela representa a salvação. Com essa figura, o agente religioso procura
50
Do pôr do sol da sexta-feira até o pôr do sol do sábado.
196
demonstrar sua preocupação e, por conseguinte, a preocupação da Igreja Católica,
com a salvação de seus fiéis. O texto apregoa o descanso em Deus como a vida
eterna, recompensa a todos que, fatigados pelas provações do deserto da vida
terrena, mas perseverantes, caminharem pela estrada apontada por Jesus. A
estrada representa o caminho do amor, base da doutrina cristã. Essa figura mostra
que hoje, a Igreja Católica tradicional opta pela pregação dos valores não materiais.
Os lexemas repouso ou descanso, sozinhos, sem complemento, muitas vezes
significam morte. Porém, acompanhados pela expressão em Deus, passam a
significar vida. No texto em análise, o padre-enunciador, depois de figurativizar a
vida humana na metáfora de um grande deserto, apela à figura do repouso como o
objetivo primordial dos cristãos: a salvação. Opõem-se, dessa forma, as figuras do
deserto e do repouso, concretizadoras dos seguintes temas:
Deserto Repouso
A escassez material, a falta de perspectivas, a
tribulação da vida, o cansaço, a perdição.
O descanso, a tranquilidade, a recompensa, a
salvação, a vida eterna.
deserto da vida
A figura mais importante, na qual está baseado o texto inteiro é, sem vida,
a do deserto da vida, pois ela relaciona o deserto pelo qual os hebreus tentaram
sem êxito atravessar, com a jornada da vida. O destinador tenciona mostrar a
semelhança das condições desfavoráveis encontradas no deserto com os percalços
da vida humana. Para que a travessia tenha êxito, são necessárias a confiança, a
esperança e, principalmente, a fé. Solidão, escassez material, descrença, situações
de extrema adversidade, certamente são encontradas não só no deserto como
também na vida cotidiana. Destarte, essa figura tem papel crucial no processo da
significação, pois opera como um elemento desencadeador de isotopias por
197
relacionar temas e figuras disfóricos do deserto aos da própria vida. O deserto
também se contrapõe à estrada apontada por Jesus (A estrada que Jesus nos
aponta [...] conduz seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus). Quem segue
pela estrada apontada por Jesus está orientado pela fé; sem fé o destinatário
seguirá sua jornada pelo deserto.
198
Análise do programa “Encontro com Cristo” – Igreja Católica
O programa “Encontro com
Cristo”, da mesma forma que “O pão
nosso”, é uma produção simples, sem
variações de cenário, totalmente
gravado em videoteipe e apresentado na
emissora católica Rede Vida de
Televisão. Com duração aproximada de
quinze minutos, não depoimentos gravados e, portanto, não ocorrem
testemunhos ou entrevistas com os destinatários-telespectadores. Durante o
programa as câmeras focalizam a imagem do padre-apresentador Alberto Luiz
Gambarini. O cenário de fundo é fixo, mas
reformulado de vez em quando. Na época
em que gravamos o programa, o padre
colocava-se à frente de um painel pintado
com uma pomba branca (símbolo, para os
católicos, do Espírito Santo), uma labareda
(o fogo do Espírito Santo), uma cruz e um
sol em um céu azul (ilustração acima, à direita).
Do site www.encontrocomcristo.org.br, retiramos o trecho abaixo, escrito pelo
próprio apresentador, que se diz “tomado pelo Fogo de Pentecostes”. Essa
declarada influência direta do Espírito Santo insere-se em uma das linhas católicas
de maior vigor no Brasil, a da Renovação Carismática Católica (RCC).
12 - Entrada do Encontro com Cristo
13- padre Alberto Gambarini
199
A verdadeira efusão do Espírito Santo aconteceu comigo em um retiro
espiritual no ano de 1980. O "Fogo de Pentecostes" tomou conta de mim e
pude perceber que ali estava a "água viva" que deveria ser bebida por todos
os filhos e filhas de Deus!
Desde então comecei a evangelizar com mais fervor. Sentia em meu
coração uma enorme vontade de expandir cada vez mais a "Boa Nova" de
Cristo, utilizando-me dos meios de comunicação disponíveis.
Padre Alberto L. Gambarini
1º. segmento : contrato fiduciário e objetos mágicos
Olá! Que a graça maravilhosa do nosso Deus neste momento possa estar transbordando em
sua vida porque você está no lugar certo, o Programa “Encontro com Cristo”. Meu nome é padre
Alberto Gambarini e, como seu pai espiritual, convido você a não faltar no nosso grande encontro no
carnaval, dia 18 de fevereiro, no Ginásio Municipal de Itapecerica da Serra, das 8 da manhã às 17
horas. Ao chegar, você receberá uma unção com o óleo bento nas suas mãos, uma medalha
milagrosa e, quando o Santíssimo Sacramento estiver entrando, com certeza você será confirmado
em um milagre. Você, com certeza também, colocou no coração o desejo de estar conosco. Por
isso, agora, vamos pedir o Espírito Santo: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis
e acendei neles o fogo do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face
da Terra. Oremos!
Deus, que instruístes os corações de Vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que apreciemos
retamente todas as coisas segundo o mesmo Espírito e gozemos sempre da Sua consolação. Por
Cristo, Senhor nosso. Amém.
Observamos inicialmente que o destinador
(padre Alberto)
manipula o destinatário-
sujeito
(telespectador)
por tentação ao assumir a figura de um “pai” que acolhe a todos
(Meu nome é padre Alberto Gambarini e, como seu pai espiritual, convido você a
não faltar ao nosso grande encontro [...]). Em seguida, o destinador oferece objetos
mágicos (a unção com o óleo bento e a medalha milagrosa) para os que
200
comparecerem ao Encontro, com a promessa de que esses objetos doarão as
condições para o destinatário-telespectador conseguir sua recompensa: um milagre.
"
Ao chegar, você receberá uma unção com o óleo bento nas suas
mãos, uma medalha milagrosa e quando o Santíssimo
Sacramento estiver entrando, com certeza você será confirmado
em um milagre.”
O agente religioso manipula novamente por
tentação para levar o espectador a aceitar um contrato
fiduciário no qual um “pai espiritual” oferece um
milagre a quem for ao “Encontro” e receber a unção
com o óleo e a medalha milagrosa. Com essa
estratégia, o destinador, por ser padre, portador de uma imagem interdiscursiva de
religiosidade e de conhecimento do mundo espiritual, associada à figura do “pai”,
vinculada à segurança e à responsabilidade, busca cristalizar um simulacro de
confiabilidade, gerando no destinatário (da mesma forma que nos programas da
IURD) um querer-fazer que poderá tirá-lo do estado de espera para colocá-lo na
condição de sujeito da ação, para ir ao grande Encontro. A manipulação inicia-se,
então, por meio de um programa narrativo de atribuição de competência. Parte-se
do princípio de que o espectador tem problemas e deseja resolvê-los. Ao assistir ao
programa, o destinatário encontra um padre-destinador que lhe propõe um contrato:
ir ao Encontro religioso para receber os objetos mágicos (a unção com o óleo bento
e a medalha milagrosa) e “certamente” receber a recompensa: um milagre
51
, na
ocasião da entrada do Santíssimo Sacramento
52
.
Em um primeiro momento, o
51
Ao não especificar o milagre, o destinador-padre promete aos telespectadores a concretização de
algo bom e extraordinário, correspondente à realização do desejo de cada um.
52
O Santíssimo Sacramento é um utensílio litúrgico constituído por um opérculo (ver ilustração) onde
se coloca a hóstia consagrada, apoiado sobre um pedestal. Deve ser benzido e confeccionado com
material nobre.
14- padre Gambarini e o
Santíssimo Sacramento
201
milagre oferecido é genérico, mas irá, no transcorrer do texto, concretizar-se na
fartura, na cura das feridas emocionais, no recebimento das graças, na solução dos
problemas.
[...] e quando o Santíssimo Sacramento estiver entrando, com certeza você
será confirmado em um milagre.
No Dicionário Eletrônico Aurélio - Século XXI, encontramos, para o lexema
milagre, as seguintes acepções: (1) Feito ou ocorrência extraordinária, que não se
explica pelas leis da natureza. (2) Acontecimento admirável, espantoso. (3)
Portento, prodígio, maravilha. (4) Ocorrência que produz admiração ou surpresa. (5)
Rel. Qualquer manifestação da presença ativa de Deus na história humana. (6) Rel.
Sinal dessa presença, caracterizado sobretudo por uma alteração repentina e
insólita dos determinismos naturais.
O reconhecimento da legitimidade dos milagres na Igreja Católica é,
diferentemente das Igrejas (neo)pentecostais, difícil, demorado e complexo.
Relativamente ao número de casos ditos milagrosos, é pequeno o número de casos
considerados reais pelo Vaticano, portanto, acreditamos ser paradoxal o fato de o
padre oferecer milagres aos que comparecerem ao Encontro católico. Por outro
lado, algumas Igrejas (neo)pentecostais o conhecidas como “balcões de
milagres”, pois basta um depoimento (às vezes acompanhado de exames médicos,
fotocópias de documentos etc.) para o agente religioso, em frente ao público,
anunciar o relato como sendo o de um milagre. É recorrente, porém, em quase
todas as religiões, a promessa da realização de feitos extraordinários, mesmo
porque todas elas tratam de religar as criaturas desde o mundo material ao Criador,
no mundo espiritual. No texto ora analisado, a promessa do milagre associado ao
Santíssimo e à medalhinha assemelha-se à estratégia dos textos iurdianos nos
202
quais são oferecidas toalhinhas dos 318, rosas abençoadas, óleos, terras do Sinai
etc.. Outro aspecto da estratégia de manipulação/persuasão que nos chamou a
atenção foi que enquanto os programas da IURD
e o programa católico O pão nosso de cada dia
manipulam, predominantemente, por intimidação
(este citando a ira de Deus; aquele, exacerbando
a presença do Mal), o programa Encontro com
Cristo manipula por tentação, oferecendo o amor
de Deus, como veremos a partir do 2º segmento.
Por meio da instauração de relações de ipseidade
53
(de sujeito para sujeito) e
de alteridade (de sujeito para objeto), o destinador procura incutir no destinatário a
confiança e a crença; a confiança do destinatário no destinador é, por conseguinte,
reforçada pela crença nos objetos mágicos oferecidos. Embora a instauração da
confiança seja própria de toda manipulação, no discurso católico, a crença em certos
objetos com caráter simbólico é acentuada. Citemos, como exemplo, as relíquias
guardadas a sete chaves como o sudário de Jesus ou o tecido com a imagem de
Nossa Senhora de Guadalupe, dentre outras, que movimentam milhares de
peregrinos diariamente.
Esse esquema narrativo, resumido ao percurso da manipulação, é um
procedimento de construção da narrativa comum nos programas religiosos de
televisão. A inexistência de uma performance efetiva do telespectador como sujeito
da ação gera, no destinador, a necessidade de instauração da certeza, com o
objetivo precípuo de modalizar o sujeito-destinatário na fé. Nos programas da Igreja
53
Fontanille & Zilberberg (2001: 264), ao comentarem a instalação da tensividade fórica na estrutura
profunda, afirmam que a divisão dos actantes obedece a duas opções: a alteridade, que engendra a
distinção entre o sujeito e o objeto, ou a ipseidade, que produz a distinção entre o sujeito e o outro.
15 – O Santíssimo Sacramento
203
Universal, por meio de debreagens internas, como vimos, o destinador passa a
palavra ao destinatário para que este “testemunho” do milagre ocorrido,
preenchendo, assim, os percursos da ação e da recompensa. A estratégia
persuasiva de utilização do gênero testemunho, por meio de depoimento ao vivo ou
em videoteipe, não é utilizado nos programas de televisão católicos em análise, os
quais, via de regra, não recorrendo a esse gênero, optam pelas citações dos trechos
bíblicos. Dessa maneira, enquanto os testemunhos, nos programas
(neo)pentecostais, engendram efeitos de sentido de realidade, as citações de
passagens da blia, além de produzirem efeitos de realidade devido à sua forte
figuratividade, funcionam como argumento de autoridade.
IURD
Testemunhos relatos construídos efeitos de realidade
pelo homem
IGREJA CATÓLICA
Citações bíblicas Palavra Revelada autor: Deus argumento de autoridade
efeitos de realidade
Esquema 4
Retomando Propp, exceção feita aos testemunhos, comuns nos programas
das Igrejas (neo)pentecostais, e às citações bíblicas, mais comuns nos da católica,
verificamos apenas a prova qualificante (percurso do manipulador). As provas
atualizante (percurso do sujeito manipulado) e glorificante (percurso da recompensa)
204
são suposições construídas a partir da manipulação inicial. Não há, nesse tipo de
texto, uma sequência narrativa que leve o sujeito de estado à ação e à recompensa.
O segmento em análise é um programa de uso, doador de competência, pois
o sujeito S
1(padre Alberto)
procura doar competência para colocar o sujeito S
2(o telespectador)
em conjunção com o objeto de valor desejado [O
v(poder/dever-fazer)
], eufórico. A
transformação é a aquisição de competência pelo destinatário para ir ao Encontro. O
sujeito de estado, do qual se pretende alterar a situação, é o S
2(telespectador)
. Na
realidade, esse é um programa transitivo de aquisição de modalidades em que o S
2
adquire o poder-fazer, recebendo a competência para ir ao Encontro e obter a
proteção divina.
Percurso da Manipulação
Contrato: o padre-destinador tenciona demover o destinatário do estado de
espera para induzi-lo à ação de ir ao “Encontro”. Manipula-o por tentação,
oferecendo-lhe objetos mágicos (óleo bento, medalha), para depois, diante do
Santíssimo Sacramento, oferecer-lhe um milagre (correspondente a um objeto de
valor positivo, não especificado, dado por Deus), como recompensa pelo
cumprimento do contrato.
Preces naturais e não naturais.
Além do quase não-emprego do gênero testemunhos
54
no discurso católico
dos programas analisados, outro aspecto crucial que diferencia os dois discursos em
54
Dissemos quase porque constatamos que, em programa religioso de outra emissora católica (não
estudado nesta tese), a TV Canção Nova, os padres estão, de forma incipiente, recorrendo a um ou
outro testemunho. Mesmo o Padre Gambarini tem, recentemente, apelado a esse gênero, pedindo
e divulgando cartas-testemunho de seus espectadores (no segmento do programa analisado, o
padre já pede para os telespectadores “mandarem seus testemunhos para colocá-los junto ao
sacrário”). Acreditamos que não se divulgam testemunhos católicos relatando milagres pelo fato de
que, para a Igreja Católica reconhecer um fato como milagre, deve haver, no Vaticano, um longo e
demorado processo.
205
pauta é a forma de enunciação do gênero preces/orações. Comparando as preces
do discurso católico às do discurso iurdiano, percebemos uma diferença básica de
efeitos de sentido na estratégia de manipulação. Considerando que, no discurso
religioso, a voz do agente (padre/pastor) propõe-se a ser a voz de Deus, ocorrerá,
durante a reza, uma aproximação entre dois planos distintos: o plano espiritual
(habitado por Deus) e o plano material (habitado pelos homens). O agente religioso
demonstra conhecer os dois planos, enquanto o telespectador, apenas o plano
material. A prece é o momento da tentativa de incursão do telespectador no plano
espiritual. Essa aproximação entre os dois mundos acontece, porém, de formas
distintas: nas rezas católicas preces não naturais
55
(textos prontos, orações-
chavão pré-produzidas por autoridades eclesiásticas, por santos ou até pelo próprio
Jesus Cristo, como é o caso da Ave-Maria, do Credo, do Pai-Nosso, da Oração ao
Divino Espírito Santo), o próprio Deus oferece as orações aos homens. Tais preces
mantêm um traço do divino no orante e, repetidas como mantras, valorizam o
significante em detrimento do significado, estabelecendo um forte argumento de
autoridade. O resultado é um efeito de sentido de aproximação do plano espiritual ao
plano material, ou seja, de aproximação do divino ao plano material do homem. Nas
orações protestantes preces naturais , o efeito de sentido é o de uma maior
interação no trato com Deus. Nelas, o orante busca ao Criador por meio de uma
aproximação direta / menos formal, utilizando uma forma própria e improvisada de
falar.
Historicamente, a própria Igreja Católica se utilizou muito dos significantes
para mostrar seu domínio cognitivo do plano espiritual aos fiéis. Lembremo-nos,
55
Por serem pré-produzidas, as preces católicas não naturais autorizam o fiel a orar em conjunto com
outros fiéis ou com o padre. Nas missas, o agente religioso conduz a oração que, muitas vezes, é
respondida” pelos fiéis. Nas preces naturais neopentecostais, o pastor se coloca no mesmo patamar
de Deus e com Ele “dialoga”. O fiel, nesse caso, é quase um espectador.
206
mais uma vez, das missas em latim e da proibição de traduções da Bíblia,
justamente porque era prioridade da Igreja manter em segredo, longe dos leigos,
toda a mística do mundo divino. Essa manutenção da ignorância do povo era uma
forma de preservar o poder e, por consequência, de manipular por intimidação.
Quem domina o conhecimento detém o poder. Na sequência abaixo, o destinador
católico evoca, por meio de uma prece não natural, a figura do Divino Espírito Santo,
cuja função é a de recompensar todo o sujeito que comparecer ao Encontro. Nessa
prece, o padre, apoiado na tradição e empenhado em construir um éthos sincero e
confiável (areté), racional (phrónesis) e solidário (eúnoia), emprega a 2ª. pessoa do
plural do imperativo afirmativo, causando dois fortes efeitos de sentido:
(a) o de erudição e de superioridade do agente religioso com relação ao fiel,
que a 2ª. pessoa verbal (especialmente a do plural) não é utilizada na linguagem
coloquial brasileira e
(b) o de inferioridade no trato com Deus. Essa interação é um indício de que
o agente religioso católico trabalha discursivamente na construção de uma imagem
de intercessor, pois se coloca em posição intermediária entre o fiel e Deus. Ao
mostrar sua erudição, tenta estabelecer um autossimulacro de superioridade para
com ao fiel e de respeito e submissão a Deus.
Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo
do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a
face da Terra. Deus que instruístes os corações de Vossos fiéis com a luz
do Espírito Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo
o mesmo Espírito e gozemos sempre da Sua consolação
56
.
Cabe, neste ponto, um aparte para compararmos a presença do Espírito
Santo nos textos dos dois programas católicos até agora analisados. A enciclopédia
56
Oração de invocação ao Divino Espírito Santo (prece não natural).
207
eletrônica Wikipédia afirma que, segundo o apóstolo Paulo, toda a escritura é
inspirada por Deus (literalmente, soprada por Deus). Afirma, ainda, que
a fé dos leitores religiosos da Bíblia baseia-se na premissa de que "Deus está
na Bíblia e Ele não fica em silêncio", como declara repetidamente o renomado
teólogo presbiteriano e filósofo, o Pastor Francis Schaeffer, dando a entender
que a Bíblia constitui uma carta de Deus para os homens. Para os cristãos, o
Espírito Santo de Deus atuou de uma forma única e sobrenatural sobre os
escritores. Seguindo este raciocínio, Deus é o verdadeiro autor da Bíblia, e
não os seus escritores, por si mesmos. Segundo esse pensamento, Deus
usou as suas personalidades e talentos individuais, para registrar por escrito
os seus pensamentos e a revelação progressiva dos seus propósitos em suas
palavras. Para os crentes, a sua postura diante da Bíblia determinará o seu
destino eterno.
No primeiro programa, O pão nosso de cada dia, o enunciador
(padre Fernando)
manipula por intimidação, recorrendo a um texto bíblico cujo narrador é o próprio
Espírito Santo, que justifica a ira divina sobre o povo de Israel por este não ter
confiado nos desígnios de Deus. No programa Encontro com Cristo, o
enunciador
(padre Alberto)
seduz os fiéis e cumpre seu papel de intermediador /
intercessor, pedindo a intervenção do Espírito na vida de cada um, por meio de uma
prece não natural. Citações da Bíblia também o utilizadas, mas com o objetivo de
reforçar o argumento da provisão que vem de Deus (ver segmento). Enquanto
padre Fernando exalta a ira de Deus, padre Alberto prega o amor divino. Essa
recorrência da presença do Espírito Santo é, até certo ponto, recente entre os
católicos, que, algumas cadas, voltavam-se muito mais aos outros dois
elementos da Trindade (Deus-Pai e Deus-Filho-Jesus), à Virgem Maria e aos santos
consagrados. Com o movimento da Renovação Carismática Católica, a figura do
Espírito Santo passou a ser mais invocada no catolicismo. Padre Alberto Gambarini,
de formação carismática, procura sempre vincular suas pregações à inspiração do
Espírito.
208
À construção da imagem de um destinador confiável deverá somar-se a de
um destinatário modalizado epistemicamente no crer (na fé), caminhando em
direção à certeza absoluta quanto à recompensa que advirá do cumprimento do
contrato proposto (acatar a Palavra). Para Barros (1990: 64) a certeza é uma paixão
de confiança, modalizada no /crer-ser/, projetada por alguns lexemas que marcam o
caráter imaginário do simulacro fiduciário (ilusão, expectativa), por outros que
ressaltam a confiança em si mesmo (confiança) e por outros que destacam a
confiança no sujeito do fazer. O agente religioso, no caso em análise, procura
exacerbar a confiança no sujeito do fazer (ele mesmo) para trazer o telespectador ao
Encontro: “certo”, “confirmado”, “certeza” o lexemas utilizados com esse fim.
Vejamos, abaixo, retiradas da primeira sequência, expressões que nos levaram a
essa asserção:
[...] porque voestá no lugar certo, o programa Encontro com Cristo [...]
Você, com certeza, também colocou no coração o desejo de estar
conosco.
[...] e quando o Santíssimo Sacramento estiver entrando, com certeza você
será confirmado em um milagre [...]
O dicionário Aurélio - culo XXI atribui ao lexema confirmar as seguintes
acepções: (1) Afirmar de modo absoluto a exatidão, a veracidade de; corroborar; (2)
Dar certeza a; mostrar a verdade de; demonstrar, comprovar. O Houaiss/Uol
acrescenta: entre os católicos, (confirmar significa) administrar ou receber o
sacramento da confirmação. Nota-se então que o emprego impróprio do verbo
(“você será confirmado em um milagre”) corrobora o efeito de sentido da convicção,
estabilidade e segurança, associado ao éthos eúnoia de um destinador protetor e
confiável.
209
Na realidade, o destinador procura convencer o destinatário-sujeito da certeza
de que serecompensado, caso compareça à igreja. É a modalização do crer. A
modalização do telespectador no crer modifica sua relação tanto com objeto de valor
(com certeza você será confirmado em um milagre [...]) quanto com o próprio
sujeito do fazer persuasivo (Você, com certeza, também colocou no coração o
desejo de estar conosco) e faz o discurso parecer verdadeiro. Portanto, como
afirmam Greimas & Courtés (s/d: 152), (super)modaliza-se epistemicamente o
discurso para suprir a falta de procedimentos de verificação (não há, no texto em
pauta, os percursos da ação e da recompensa). Nesse caso, duas situações modais
se configuram:
a- a modalidade que modifica a relação entre S e O (caso o sujeito S creia no
objeto O, traduz-se essa relação como crer em algo);
b- a modalidade que modifica e relação entre S
1
e S
2
(caso o sujeito S
1
creia
em S
2
, traduz-se como confiar em alguém).
No discurso religioso televisivo configuram-se permanentemente as duas
situações modais acima: o telespectador deve ser levado a crer em milagres /
objetos mágicos que lhe são apresentados (a medalha milagrosa, o Santíssimo
Sacramento, o óleo milagroso) e no sujeito, lugar preenchido pela figura do agente
religioso-padre.
2º. SEGMENTO: simulacros negativos
Infelizmente, muitas vezes nós temos a impressão de que os problemas são maiores do que a nossa
capacidade para resolvê-los, como aconteceu, por exemplo, com André, quando Jesus queria
210
alimentar a multidão que o estava acompanhando. Naquela ocasião, aqui no Evangelho de São João,
no Capítulo VI, versículo 9, disse André: ‘Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois
peixes, mas que é isto para tanta gente?’. Reparem como ainda este discípulo não havia entendido
quem era, quem é Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Nós temos que acreditar que quando
andamos na Palavra de Deus, quando nós queremos viver o Seu plano de amor, Ele moverá os céus
para multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos que forem necessárias para que nós
tenhamos uma vida abundante, como aconteceu na multiplicação dos pães. Aqui, em João, no
Capítulo VI, versículo 13, nós lemos: ‘Eles recolheram dos pedaços dos cinco pães de cevada que
sobraram e encheram doze cestos’. Reparem: daqueles poucos peixes, daqueles poucos pães, doze
cestos ficaram cheios. E esses doze cestos simbolizam as bênçãos que Deus deseja dar a você, a
mim e a todos nós. Não deixemos estes cestos ficarem vazios por causa da nossa incredulidade, mas
olhemos para Jesus Cristo confiando que Ele é Aquele que está estendendo as mãos sobre a nossa
vida, sobre a nossa casa, a nossa família, a nossa saúde, o nosso trabalho, o nosso estudo, para que
tudo possa ser para a maior glória do nosso Deus.
O segmento inicia-se com o advérbio infelizmente, o que prenuncia uma
estratégia discursiva semelhante à utilizada nos programas neopentecostais
analisados, ou seja, o destinador
(padre)
manipula por intimidação ao construir o
simulacro negativo de um destinatário
(espectador)
impotente, fraco, sem coragem de
enfrentar os problemas e dificuldades da vida. Nesse simulacro, o
destinatário
(espectador)
encontra-se disjunto dos bens materiais, mais especificamente
da fartura, seu objeto de valor, se considerarmos que o texto bíblico aludido a
multiplicação dos pães e dos peixes refere-se à mudança do estado de escassez
para o de fartura. O texto parte, portanto, da disforia para caminhar em direção à
euforia.
Há, no entanto, relevantes diferenças, se compararmos a estratégia com que
o padre Alberto constrói o simulacro negativo do destinatário com a estratégia de
construção empregada pela IURD. A falta, no texto católico, não é atribuída à
211
presença de uma entidade maligna, mas, sim, ao próprio modo de agir e de ser do
destinatário (o homem é pecador e responsável por sua vida). Nos programas
iurdianos, porém, o simulacro do destinatário-telespectador é construído com alto
grau de tensividade decorrente da instauração do medo (o homem é vítima do Mal)
Essas diferenças aparecem em esquemas tensivos diferentes:
1 2
Programa católico Programa iurdiano
Encontro com Cristo SOS Espiritual
(início, após convite para o Encontro) (início)
Infelizmente, nós temos a impressão de que os problemas [...] estou notando a mesma dor, o mesmo sofrimento.
são maiores do que nossa capacidade para resolvê-los [...] uma coisa estranha acompanhando a senhora [..]
Sensação de impotência Medo
+ +
esquema tensivo esquema tensivo
da amplificação ascendente
Intensidade Intensidade
Extensão (genérica: todos temos problemas) Extensão (específica)
Gráficos 36: a tensividade da impotência, no início do programa Encontro com Cristo
comparada à tensividade do medo no início da programa SOS espiritual, da IURD.
O esquema do programa católico (nº 1, acima) segue orientação tensiva da
amplificação (o gradiente das tensões tende para a zona nica) porque a situação
se inicia por um realce da intensidade (... nós temos a impressão de que os
problemas são maiores do que a nossa capacidade...) para, somente depois,
prosseguir em direção ao relaxamento causado por uma explicação/justificativa
atenuante (no caso, a citação bíblica sobre a fartura) que aparece nas primeiras
linhas do segmento. No eixo da extensão, a generalização (todos os homens
212
temos problemas, todos somos pecadores); no programa iurdiano (nº 2), a
orientação segue o esquema ascendente, uma vez que um aumento da tensão
em direção à paixão do medo frente ao desconhecido e diminuição da extensão,
graças à especificidade do caso citado (uma coisa estranha que acompanha o
telespectador).
O emprego do modo imperativo e de expressões que traduzem uma ordem
estabelecem um discurso autoritário e instauram ou preservam a autoridade do
agente religioso.
Não deixemos (nós) estes cestos ficarem vazios [...]
Reparem: daqueles poucos peixes [...]
Nós temos que acreditar que [...]
Não conjunto com seu objeto de valor (uma vida farta, rica) e induzido a
sentir-se dependente do destinador porque incapaz de resolver sozinho seus
problemas, o telespectador vê-se na obrigação de aceitar o contrato cuja promessa
é a saída da incômoda situação de falta por que passa para avançar em direção à
abundância, por meio da atuação de Deus. O estabelecimento de um simulacro
passional da incapacidade do destinatário
(espectador)
diante da solução dos problemas
é indispensável para o estabelecimento de uma forte relação fiduciária entre o
destinador-agente religioso e o fiel. Nesse jogo de simulacros, agiganta-se o éthos
eúnoia do destinador poderoso, à disposição do destinatário, para ajudá-lo a
resolver seus problemas.
Destinador-padre
Destinatário- fiel
poderoso
protetor
convicto fraco
sábio incrédulo
seguro
213
O destinador
(padre Alberto
) inicia o segmento com a passagem da
multiplicação dos pães. Utilizando uma debreagem interna (João 6, 9), o narrador
passará a palavra ao apóstolo André que, mesmo convivendo com Jesus, não creu.
[...]
disse André: ‘Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois
peixes, mas que é isto para tanta gente?
A citação do Evangelho
57
carrega o argumento de autoridade bíblica. Além
disso, o emprego do discurso direto, reproduzindo as palavras incrédulas do
apóstolo André, produz um efeito de sentido de realidade. Com essa estratégia, o
padre de mostrar um Deus de
amor, que se preocupa com os
homens em toda sua dimensão.
Nesse episódio, Jesus percebe que
a multidão não quer ir embora, e
sente compaixão, movido pela
necessidade que o homem tem do
alimento biológico. Realiza, então,
um grande milagre: o da
multiplicação dos pães e dos peixes,
em número suficiente para alimentar toda a multidão (João 6, 13, também citado).
Além de demonstrar o amor de Deus (... quando nós queremos viver o Seu plano de
amor, Ele moverá os céus para multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos
que forem necessárias para que nós tenhamos uma vida abundante...), o destinador
reforça o seu argumento principal de que o fiel incrédulo é incapaz de solucionar os
57
Registre-se que, da mesma forma que o Padre Fernando Cardoso, do programa anterior, o padre
Gambarini faz questão de mostrar o Evangelho aberto, à sua frente, sobre a mesa (ilustração acima).
Essa presença visual da Bíblia também constitui forte argumento de autoridade.
16- Bênção da água – padre Alberto Gambarini
214
problemas (Não deixemos estes cestos ficarem vazios por causa da nossa
incredulidade, mas olhemos para Jesus Cristo).
Os programas narrativos do segmento em pauta são programas de uso,
doadores de competência modal, que tencionam levar o destinatário a assumir e
cumprir sua parte no contrato, no caso, a de ir ao Encontro, com a esperança de
receber a recompensa, ou seja, solucionar os problemas e viver uma vida farta.
F
(convencer o S
2
de
[S
1(padre)
S
2(espectador)
O
v
(querer ir ao Encontro)]
ir ao Encontro)
3º. Segmento: contrato reforçado
A dificuldade, não tenhamos medo dela! Os problemas, não fujamos deles! Mas, muito pelo contrário,
olhemos tudo tendo a grande certeza que entre eles e nós está Jesus Cristo com a Sua bondade,
dizendo: ‘Confiem em mim, confiem no Senhor Jesus Cristo’. Você verá as graças dos céus sendo
derramadas em sua vida. É por isso que eu convido você, meu querido e minha querida, a me
escrever. Mande-me o seu testemunho, os seus pedidos de oração. Eu irei colocá-los ali, junto ao
sacrário do Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres e Divina Misericórdia, que fica no Largo da
Matriz, no Centro de Itapecerica da Serra, São Paulo. Mande a sua carta para padre Alberto, Caixa
Postal 32, CEP 06850-970, Itapecerica da Serra, São Paulo, ou entre no meu site
www.encontrocomcristo.org.br.
Prosseguindo o seu fazer persuasivo, o padre passa a reforçar o contrato.
Topicaliza aspectos que realçam pontos disfóricos da vida (dificuldades, problemas)
e procura ganhar a confiança dos telespectadores, ancorando-se na figura de Jesus
Cristo. Intensifica-se o efeito de sentido de exaltação da persona do Cristo quando o
narrador, por debreagem de segundo grau, delega a palavra a Jesus que, por sua
vez, refere-se a si mesmo não só com a primeira pessoa, mas com a terceira:
[...] entre eles (os problemas) e nós está Jesus Cristo com a Sua bondade,
dizendo: “Confiem em mim (1ª. pessoa), confiem no Senhor Jesus Cristo
(3ª.
pessoa: exaltação da persona)
.
215
Como estratégia para o estabelecimento da confiança, o padre pede aos
telespectadores que enviem testemunhos e pedidos, por escrito. Embora não
tenhamos registro da leitura dessas cartas durante os programas, o ato de escrever
é parte importante no processo da persuasão porque concretiza o pedido, o milagre
ou a graça recebida. Para o destinador, mais importante do que ler as cartas é fazer
o destinatário escrever e crer no discurso
58
. Como promessa de recompensa, em
troca da confiança depositada no destinador, o destinatário
(telespectador)
verá as graças
do céu sendo derramadas na vida. De acordo com o Dicionário Houaiss/UOL da
Língua Portuguesa, graça, no catolicismo, significa favor ou auxílio gratuito
outorgado por Deus a determinados homens que a ele, por si sós, não teriam
nenhum direito pessoal, e que os eleva a uma destinação sobrenatural. No site do
Universo Católico (www.universocatolico.com.br), encontramos:
Diz o Catecismo da Igreja Católica: A nossa justificação vem da graça de
Deus. A Graça é um favor, o socorro gratuito que Deus nos (grifo
nosso), a fim de respondermos ao seu chamamento para nos tomarmos filhos
de Deus, filhos adotivos, participantes da natureza divina, e da vida eterna.
Segundo essas definições, o recebimento da graça divina é ato
desinteressado e espontâneo
59
, ou seja, Deus concede a graça a alguém de forma
espontânea. Esse ato desinteressado é confirmado pelo Dicionário de Teologia o
católico (2002: 63), quando este se refere à graça comum, a qual diz respeito ao
amor de Deus, que se estende a todas as pessoas por meio de cuidado
providencial, independentemente de reconhecerem e amarem a Deus. No entanto,
58
Várias Igrejas recorrem a essa estratégia. A IURD, por exemplo, em um ritual chamado de Fogueira
Santa de Israel, leva a Israel, mediante doação, os pedidos, por escrito, para que sejam atendidos.
59
Nem sempre a concessão da graça provém de um ato desinteressado e espontâneo, uma vez que
a definição católica relativa à graça está bastante próxima da protestante da graça eficaz, ou seja, a
graça também será concedida à pessoa que, pela fé, responde ao chamado do Cristo para a vida
eterna (a salvação). Isso significa que pode haver uma contrapartida para a concessão desse dom.
216
esse mesmo dicionário define a graça de duas outras formas: a graça preveniente
(considerada algumas vezes como sinônimo da graça comum), aquela com a qual
Deus capacitou todas as pessoas para corresponder favoravelmente ao Evangelho,
se assim desejarem, e a graça eficaz que corresponde à aplicação especial da graça
à pessoa que, pela fé, se achega a Cristo para a salvação. É ato especial de Deus
que efetua a verdadeira salvação. Porém, de acordo com os católicos, o lexema em
si significa algo que recebemos graciosamente, de graça. No programa Encontro
com Cristo, o padre pede a confiança dos telespectadores nele e em Jesus, pois
certamente receberão as graças do céu. O destinador utiliza em seu discurso o
conceito católico sem mudanças. A graça é um dom que Deus dá a todos os
homens.
Você verá as graças dos céus sendo derramadas em sua vida.
Nós temos que acreditar que quando andamos na Palavra de Deus, quando
nós queremos viver o Seu plano de amor, Ele moverá os céus para
multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos que forem
necessárias para que nós tenhamos uma vida abundante, como aconteceu
na multiplicação dos pães.
PERCURSO DA MANIPULAÇÃO
O destinador
(padre Alberto)
pede aos telespectadores que enviem a ele cartas
contendo pedidos e testemunhos. Ao mesmo tempo, roga que depositem total
confiança nele e em Jesus e promete que o destinatário veas graças do céu
sendo derramadas.
Essa estratégia narrativa complementa o simulacro do sujeito
coletivo
(telespectador)
da espera, que quer-ser, mas que sabe não-ser e que (sem a
ajuda do destinador) não-pode-ser : é uma configuração modal reveladora de um
sujeito em conflito, tenso, disjunto de seu objeto de valor
(vida plena, abundante)
, incapaz de
resolver por si suas dificuldades. Esse sujeito, porém, é manipulado por tentação de
forma que enfrente os problemas mesmo diante dos dissabores pelos quais passa
217
(“A dificuldade, não tenhamos medo dela! Os problemas, não fujamos deles! Mas,
muito pelo contrário [...]”
).
Segundo Greimas & Fontanille (1993: 63), tenciona-se
formar aí o simulacro de um sujeito obstinado, disposto a prosseguir por um caminho
previamente traçado, sem se deixar desencorajar pelos obstáculos. Ainda segundo
os semioticistas, essa disposição põe o sujeito em estado de “fazer apesar de X”,
mesmo quando X é uma previsão que recai sobre a impossibilidade do fazer: é um
querer-fazer que sobrevive a um não-poder-fazer. Essa competencialização é uma
característica do discurso do padre Alberto. No seu papel de intermediador entre o
plano terreno e o divino, procura ser o canal pelo qual o sujeito de estado
(telespectador) aumentará sua fé em Deus (Jesus). É através da fé que o fiel, sujeito
de estado, “imagina poder contar” com o sujeito do fazer (Deus) para a realização de
seus desejos. Como o Cristianismo é, por sua natureza, dogmático
60
, todas as
religiões nele alicerçadas têm por base a fé. O dicionário Houaiss/UOL da Língua
Portuguesa quase não distingue os lexemas crença e confiança do lexema ,
considerando-os sinônimos. Esse mesmo dicionário, porém, na rubrica Filosofia,
atribui à fé falta de fundamento racional ([...] crença religiosa sem fundamento em
argumentos racionais). O Dicionário de Teologia (2002: 57) assim define a fé:
Palavra bíblica que se refere tanto à crença intelectual quanto à confiança ou
ao comprometimento em um relacionamento. Os autores bíblicos geralmente
não fazem distinção entre fé como crença e fé como confiança, mas tendem a
considerar que a verdadeira consiste tanto no que se crê (e.g., que Deus
existe, que Jesus é filho de Deus) quanto no compromisso para com uma
pessoa digna de confiança e capaz de salvar (i.e., confiança na pessoa de
Cristo como meio de salvação)
.
60
O Dicionário de Teologia (2002) registra para dogma: Nos círculos protestantes, dogma é quase
sinônimo de doutrina, ou seja, ensino teológico. Nos círculos católicos romanos e na ortodoxia
oriental, dogmas são ensinos oficialmente aceitos pela Igreja e não meras teorias desse ou daquele
teólogo. No texto, utilizamos o adjetivo dogmático portando o significado que o Dicionário
Houaiss/UOL ao substantivo correspondente: ponto fundamental de uma doutrina religiosa,
apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem
questionar. Exemplo: dogma da Santíssima Trindade.
218
A confiança, a certeza, a crença e a fazem parte do grupo de paixões da
confiança. As diferentes gradações na tonicidade tensiva marcam as diferenças
entre essas paixões. Na fé há um excedente passional epistêmico que foge à
racionalidade (um crer que tende para o infinito [crer →∞ = fé]) e pode ser traduzida
por uma modalização deôntica de comprometimento com a Palavra Revelada que
direcionará o sujeito para a conjunção com seu objeto de valor.
A fé, embora infundida pelas religiões tradicionais como um ato individual e
racional porque fundamentada em escrituras, ultrapassa as limitações do racional,
sem necessidade de confirmação, que é justamente essa não confirmação que
lhe o caráter de “fé”. Isso significa que a ligada às modalidades epistêmicas
do crer/saber será pensada como racional, se proveniente do saber, pois estará
fundamentada no conhecimento das escrituras, dos livros sagrados; e como
emocional, se proveniente do crer não provindo das escrituras. Nesse caso, a fé
dependerá muito mais das emoções. Por conseguinte, essa paixão pode ter duas
concepções que andam juntas: (1) a racional, que é a do saber, do
conhecimento, e (2) a outra fé, a emotiva, a do crer, mais fundamentada nas
emoções, que se encontra, por isso, em um grau de extensão bem menor que a
racional. Assim, o discurso da pregação religiosa de televisão, quando baseado nas
escrituras, tende para um alto grau de entendimento e está assentado, portanto, no
eixo da extensão. Quanto maior o grau de entendimento, maior profundidade da
extensão. a emotiva o é alicerçada na racionalidade, mas, sim, na emoção,
pois não busca a compreensão, assentando-se sobre um baixo grau de extensão.
Considerar a própria Palavra bíblica como “revelada” é uma questão de fé. Os
programas em análise podem estimular um ou outro tipo de fé, em maior ou menor
grau. Os textos televisivos da IURD, analisados neste trabalho, estimulam a fé
219
emocional (apelam a símbolos e crenças regionais como encostos e descarregos,
preferem alusões a citações bíblicas, instigam o destinatário a entrar na guerra
contra o Mal, valorizam as emoções); os católicos partem da fé racional (programa O
pão nosso de cada dia, do padre Fernando J. C. Cardoso) para chegar, como
veremos, à fé emocional, no Terço Bizantino, com o padre Marcelo Rossi.
Se compararmos os dois programas católicos analisados até agora (O pão
nosso de cada dia e o Encontro com Cristo), perceberemos uma diferença na
orientação tensiva de cada um. No Pão nosso, do padre Fernando Cardoso, como
vimos, um forte predomínio do racional sobre o emocional (linguagem
professoral, erudição, longa citação de texto bíblico: éthos phrónesis); no programa
Encontro com Cristo, do padre Gambarini, ocorre uma tendência de orientação para
o emocional (oferecimento de milagres, cura das emoções, o amor de Deus: éthos
eúnoia), sem deixar de lado, contudo, as citações bíblicas (o racional). Poderíamos,
portanto, representar a orientação tensiva desses programas da seguinte forma:
Programa católico 1: O pão nosso de cada dia
Programa 2: Encontro com Cristo
+ +
Linguagem professoral, erudição, Milagres, cura das emoções
citações bíblicas completas. negativas, citações bíblicas.
Intens. Intensidade
decadência amplificação
_ extensão + _
extensão +
Predomínio do conhecimento, da releitura, da Crescimento progressivo da fé
consciência e da reflexão (fé racional) (fé emotiva + fé racional)
gráficos 37: orientação tensiva dos programas católicos O pão nosso de cada dia e Encontro
com Cristo.
220
Lançamos, então, um olhar mais apurado sobre a paixão da confiança, base
dos contratos fiduciários propostos pelos destinadores durante os programas em
foco. Para Fontanille & Zilberberg (2001: 264), o significado atribuído ao lexema
fidúcia “oscila entre a simples opinião e a convicção profunda”. Para esses
semioticistas, pode-se admitir que a fidúcia manifesta-se em duas versões: a
confiança, quando uma relação entre sujeitos (relação de ipseidade), e a
crença, quando a relação se faz entre o sujeito e o objeto (relação de alteridade).
Acrescentamos a essas duas versões a autoconfiança, de alcance subjetivo, que
compromete apenas o mesmo ator e a (relação imediata, de caráter transubjetivo,
que relaciona o sujeito ao infinito
61
).
A fidúcia pode, portanto, ser manifestada das seguintes maneiras:
FIDÚCIA
Confiança Fé
(S
1
/S
2
) (S
1
/S
2Deus
)
intersubjetiva transubjetiva
Confiança no outro / recíproca Fé em Deus
Autoconfiança Crença
(S
1
/S
2
) (S/O)
mesmo ator objetva ou transobjetiva (se ligada ao
)
.
subjetiva
Confiança em si mesmo Crença no objeto mágico
Esquema 5
61
Adotamos a visão de Friedrich Ernst Daniel Schleiermacher (1768-1834), filósofo e teólogo alemão,
considerado o pai da Teologia protestante moderna, cujo sistema ético e religioso tem forte influência
de Spinoza, Platão e Kant.
221
A fé, quando baseada no crer (fé emotiva) ou no saber (fé racional), ocupa
áreas tensivas diferentes:
Área 1: intensidade forte, extensão fraca
Área 2: intensidade forte, extensão forte
Área 3: intensidade fraca, extensão fraca
Área 4: intensidade fraca, extensão forte
+
Fé emotiva
(
proveniente do crer, fundamentada nos dogmas)
área 1 área 2
intensidade
Crença
(Crença objetos mágicos) área 3 área 4
Confiança e Fé racional
autoconfiança
(vinculada ao saber,
(Confiança no agente religioso ou em si) ao conhecimento)
0 extensão +
gráfico 38: movimentação das paixões de confiança entre áreas tensivas diferentes.
4º. Segmento: os recadinhos
Lembre-se, no final do programa eu estarei orando por você, abençoando a água. Mas, agora,
por favor, mas por favor mesmo, preste atenção nestes meus recadinhos.
Pare de sofrer emocionalmente, deixe Jesus curar as suas feridas interiores lendo o livro que eu
escrevi para você: “Cura das emoções em Cristo”. Um livro repleto de orientações práticas de como
222
aprender a renovar a mente e a lidar com os sentimentos de rejeição, a falta de perdão, depressão,
medo, ansiedade e solidão. É um livro completo de cura interior. Cura das emoções em Cristo”. E
adquirindo os livros do padre Alberto, você está ajudando a nossa obra. Adquira o seu nas melhores
livrarias católicas perto de você ou ligue de segunda-feira a sexta-feira, das 8 às 18 horas, para
0XX11-4667-4353. Repetindo, 0XX11- 4667-4353. Agora você pode adquirir os livros, CDs e DVDs
do padre Alberto com seu cartão Mastercard, Dinners Club e Visa pelo telefone. Ligue de segunda-
feira a sexta-feira, das 8 às 18 horas, para 0XX11-4667-4353, 0XX11-4667-4353 e faça o seu pedido.
Válido somente para Mastercard, Diners Club e Visa.
O parágrafo inicial do segmento acima prenuncia uma propaganda e um
apelo que desvelarão, como veremos, uma das intenções do destinador: levar o
destinatário a comprar seu livro e a fazê-lo doar dinheiro. A iteração da expressão
por favor (Mas, agora, por favor, por favor mesmo, preste atenção nestes meus
recadinhos) hiperboliza o efeito de sentido de súplica, de extrema necessidade,
reforçado sobremaneira pelos empregos do advérbio enfático mesmo (com sentido
de “de fato”, “de verdade“) e da expressão invocativa preste atenção”. Por outro
lado, a escolha do lexema recadinhos, no diminutivo, para designar o objeto da
atenção do destinatário, gera em si mesmo um efeito de sentido paradoxal, uma vez
que o diminutivo, nesse caso, reduz de forma aparente, mas não real, a importância
do objeto para o qual o destinador insistentemente pede a atenção (propaganda de
vendas de livros e apelo para doações).
O parágrafo seguinte corresponde a um dos recadinhos prenunciados pelo
agente religioso. Esse trecho é uma propaganda destinada a vender livros, CDs e
DVDs e, em especial, o livro “Cura das emoções em Cristo”; o destinador
(padre Alberto)
busca estabelecer mais um contrato (concomitante ao de ir ao Encontro) fazendo o
sujeito coletivo
(telespectadores)
comprar e ler o livro. A recompensa precípua decorrente
223
do cumprimento contratual é, por meio da fé, fazer outro sujeito (no caso, Jesus
Cristo) realizar a performance de curar as feridas do espectador. Apela-se a uma
série de paixões negativas, abordadas no livro de autoria do próprio padre Alberto,
como a do sentimento de rejeição, da falta de perdão, medo, depressão, ansiedade
e solidão.
Adquirimos o livro Cura das emoções em Cristo, que chegou acompanhado
da medalhinha de Nossa Senhora dos Prazeres. A obra adota o gênero da
autoajuda, vinculando, porém, todos os temas à em Jesus / Deus. Dividida em
dez capítulos, marcados por títulos-temas da autoajuda adaptados a uma versão
católica, utilizam-se de argumentos bíblicos e preces, dessa vez, quase todas
naturais. Estes são os títulos dos capítulos:
Capítulo 1: Reeducação da mente: somos o
que dizemos.
Capítulo 2: Aprendendo a amar a si mesmo:
importância da autoimagem.
Capítulo 3: Enfrentando a rejeição.
Capítulo 4: Perdão e cura das emoções.
Capítulo 5: Saindo da depressão.
Capítulo 6: Libertando-se do medo.
Capítulo 7: Ansiedade ou preocupação,
Capítulo 8: Como vencer a solidão.
Capítulo 9: Desafio dos solteiros.
Capítulo 10: Para se manter e crescer na
cura das emoções.
É importante mencionar que, no livro em pauta, o padre inicia todas as
orações com o lexema Pai, apresentando-nos, por conseguinte, como filhos. Deus
17- Capa do livro Cura das emoções
em Cristo
224
exerce o papel temático do pai ligado a seus filhos, pois é mostrado com uma
“pessoa” e como “Pai de amor”, e não como uma “energia” ou “força cósmica”:
Deus é uma pessoa! Quando falamos de Deus logo somos
invadidos pela impressão errada de se tratar de algo
inatingível. Esta maneira de olhar para Deus não é a visão
bíblica.
O próprio Deus faz questão de apresentar-se com as
características de uma pessoa. Ele se revela deste modo a
partir do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis. Uma imagem
muito bela é a que encontramos em Gn 3, 8: “E EIS QUE
OUVIRAM O BARULHO (dos passos) DO SENHOR QUE
PASSEAVA NO JARDIM...”. fica evidente que Deus não é
uma força ou uma energia cósmica da qual somos uma parte.
Ele é distinto de nós, pois é o Criador de tudo; mas, ao
mesmo tempo, Ele está presente, caminhando junto à sua
obra para levá-la à perfeição. (Gambarini, 2009: 26)
No programa televisivo Encontro com Cristo, o papel temático do pai será
assumido pelo destinador quando de sua fala
(Meu nome é padre Alberto Gambarini
e, como seu pai espiritual, convido você [...]). Tornamos a afirmar que esse é um
importante recurso persuasivo tendo em vista a grande importância que a Igreja
Católica dá à família.
No transcorrer da obra, surgem orações que enfocam especificamente desde
a fase que o padre chama de “primeira infância” (do zero aos seis anos), passando
pela adolescência até chegar à fase adulta. Durante a sequência de orações,
encontramos: Oração para a afetividade sadia, para o casamento, para o
relacionamento dos pais com os filhos, pelo relacionamento com os pais, para a cura
dos traumas de doenças e a oração final.
A abordagem da cura de paixões como o medo, a rejeição, a falta de perdão
e a ansiedade, vinculada principalmente ao perdão e ao amor de Jesus / Deus, mas
não sem a vontade e a atitude do próprio sujeito, faz do livro um misto de autoajuda
e religião católica. Ainda assim, a obra tem a aprovação eclesiástica para
publicação.
225
Outra obra desse padre-apresentador-escritor sobre a qual julgamos
importante comentar é a Batalha espiritual. Nela, o religioso assemelha-se à IURD
na forma de encarar e de anular o Mal. Sugere então um verdadeiro plano de guerra
contra um inimigo demoníaco acionado, segundo o autor, pelos centros espíritas,
terreiros, Nova Era, religiões orientais, IURD, dentre outros. Quatro capítulos do
livro são dedicados à “guerra” contra o Mal, evidenciando a existência e a atuação
de Satanás no dia a dia:
- Capítulo I: Desmascarando o inimigo;
- Capítulo II: Plano de batalha;
- Capítulo III: Treinamento para a batalha;
- Capítulo IV: Entrando na batalha.
Nos capítulos V ao IX e apêndices finais
(estes, dedicados ao exorcismo), o padre
Gambarini procura “desmascarar” outras religiões
que, segundo ele, o seguem os preceitos
cristãos tradicionais. Sobre a IURD, escreve (2008:
134-135):
Nos primeiros anos, a
Universal em nada se diferenciou de
outras igrejas evangélicas. Todavia,
aos poucos, foi revelando para que
estava surgindo. Quatro anos depois de sua fundação, Edir Macedo passou a
usar o tulo de bispo”. A finalidade de tal decisão tinha um objetivo mal
intencionado, revelado por Roberto Augusto Alves
62
, em depoimento ao
Jornal da Tarde, em 2 de abril de 1991, p. 16: “Esse negócio de bispo é
um título para envolver os católicos”.
O terreno estava sendo preparado com toda a estratégia do
lançamento de um produto feito para agradar ao blico, e não para
realmente pregar o Evangelho. Quem faz um estudo mais apurado dos cultos
realizados por esta seita observa o cuidado de estar atento ao gosto da
plateia. Para alcançar mais facilmente as massas, usam-se artifícios que
recordam e reforçam as crendices e superstições do lugar onde a seita
Universal se instala.
62
Roberto Augusto Alves é um dos pastores que, ao lado de Edir Macedo e R. R. Soares, fundaram a
Igreja Universal do Reino de Deus.
18- Capa do livro Batalha espiritual
226
No programa televisivo Encontro com Cristo, a narrativa origina um
encadeamento de contratos fundados, como diz Tatit (2001: 37), na e na
confiança, com vistas a fazer o destinatário
(espectador)
realizar as performances (ir ao
Encontro / comprar o livro), para envolvê-lo na crença de que um outro sujeito, Jesus
Cristo, realizará a performance de curá-lo ou de trazer-lhe fartura. Criam-se, dessa
forma, esquemas narrativos paralelos. Do primeiro segmento até aqui, teremos o
seguinte:
Manipulação
(por tentação)
Ação Recompensa
Esquema 1
(promessa) quem for
ao encontro terá os
problemas resolvidos
(receberá o milagre).
Ir ao Encontro, no ginásio
de Itapecerica da Serra,
para receber os objetos
mágicos (unção com o óleo
bento e a medalha
milagrosa) e presenciar a
passagem do Santíssimo
Sacramento.
Receber um
milagre.
Esquema 2
Quem confiar em Jesus
e mandar ao padre
Alberto testemunhos e
pedidos de oração verá
as graças do céu na
vida.
Mandar testemunhos e
pedidos de oração.
Ver as graças do
céu na vida
.
Esquema 3
Quem comprar o livro,
os CDs e DVDs
deixará de ter
problemas emocionais.
Adquirir os livros, CDs e
DVDs do padre Alberto.
Resolução dos
problemas
emocionais e
libertação das
paixões negativas.
Em síntese, ergue-se um simulacro de um destinatário-sujeito castigado
emocionalmente por paixões figurativizadas como “feridas interiores” para,
modalizado pelo não-poder-não-fazer, da obediência regida pela fé, ir ao Encontro,
mandar pedidos e testemunhos, comprar os livros e CDs. É um sujeito regido pela
227
e pelo amor de Deus. O destinador estimula a compra do seu livro “Cura das
emoções em Cristo, o qual grande ênfase ao tratamento de paixões negativas
como sentimentos de rejeição, falta de perdão, depressão, medo, ansiedade e
solidão (sic). Essa é uma notável diferença dos textos do padre Gambarini, com
relação aos textos da IURD (instauram o medo, a vergonha, o desespero) e o do
padre Fernando J. C. Cardoso (exalta a ira de Deus contra os que o buscam a
salvação).
Pare de sofrer emocionalmente, deixe Jesus curar as suas feridas
interiores [...]
[...] lidar com os sentimentos de rejeição, a falta de perdão, depressão,
medo, ansiedade e solidão.
É um livro completo de cura interior.
(trechos do programa do padre Gambarini)
A proposta do contrato é a de que, com a leitura do livro, abram-se as portas
para a atuação do grande destinador, Jesus/Deus. A manipulação por tentação é
garantida pela atuação do próprio Deus, acionada pela fé. A recompensa é a cura
das emoções de quem ler e puser em prática os preceitos do livro. O intermediador,
nesse caso, é a obra Cura das emoções em Cristo, cujo autor é o padre Gambarini.
O final do parágrafo corresponde a uma exortação para a compra, apoiada
por três cartões de crédito (Mastercard, Dinners e Visa) e por uma série de
ancoragens espaço-temporais (nas melhores livrarias católicas, de segunda a sexta-
feira, das 8 às 18 horas, pelo telefone 4667-4353 etc.), facilitadoras da performance
solicitada.
5º. Segmento: apelo por dinheiro
Nós estamos no mês de janeiro e eu quero fazer uma grande convocação a toda a nossa
família “Encontro com Cristo”. Você que acompanha o nosso programa, por favor, ajude-me com
quanto você puder. Sim, eu preciso da sua colaboração. Você que tem sido ajudado pelo nosso
228
programa, seja fiel a esta colaboração. Você que recebe a minha carta mensal, destaque o boleto,
ao banco de sua preferência ou use a comodidade das casas lotéricas. E você que ainda não a
recebe, colabore deste modo: dirija-se a qualquer agência do Bradesco e faça o seu depósito para
“Programa Encontro com Cristo”, agência 1464, conta 32247-4. Repetindo, Bradesco, agência 1464,
conta 32247-4, ou envie um cheque cruzado nominal ao padre Alberto para padre Alberto, Caixa
Postal 32, CEP 06850-970, Itapecerica da Serra, São Paulo.
O 5º. segmento (acima) é um apelo por doações pecuniárias em nome do
programa Encontro com Cristo ou do próprio padre Alberto. O destinador tenta
estabelecer mais um contrato, dessa vez com vistas a receber o dinheiro dos fiéis.
Com essa finalidade, procura manipular os destinatários, utilizando para tal o
argumento da (in)gratidão. Vejamos:
Sim, eu preciso da sua colaboração. Você que tem sido ajudado pelo nosso
programa, seja fiel a esta colaboração.
A gratidão, segundo os dicionários, corresponde ao reconhecimento por um
benefício recebido. É uma paixão da ordem do /dever-fazer/. No caso acima, o padre
faz uma imagem negativa de um destinatário ingrato que recebe, mas não retribui.
“Cobra” gratidão dos telespectadores que receberam ajuda do programa, por meio
de uma retribuição pecuniária. Ocorre, então, uma convocação
63
, não mais para a
ida ao Encontro, no ginásio, mas para o comparecimento ao Banco Bradesco, local
em que o telespectador deverá depositar dinheiro. O telespectador é manipulado por
sedução à medida que o destinador se coloca em situação de necessidade
financeira e roga uma ajuda, um favor, e por provocação, no momento em que é
instado a ser um colaborador fiel (Você que tem sido ajudado pelo nosso
63
A acepção que nos parece mais adequada, nesse caso, para o verbo convocar, está registrada no
dicionário eletrônico Houaiss/UOL como “mandar comparecer”. O agente religioso apela à gratidão
(paixão modalizada deonticamente pelo /dever-fazer/) do destinatário para que ele faça o que deve
fazer: retribua ao padre a ajuda recebida do programa Encontro com Cristo.
229
programa, seja fiel a esta colaboração). A persuasão à adesão ao contrato é
fortalecida com o acréscimo do advérbio de afirmação “sim” ao sintagma eu preciso
da sua colaboração (Sim, eu preciso de sua colaboração) e com a iteração retórica
de orações adjetivas restritivas, iniciadas por um “você que”, as quais, por repetição,
reforçam a provocação e engendram um efeito de sentido de generalização que
cada oração restritiva determina o simulacro de um sujeito diferente:
Você que acompanha o nosso programa [...].
Você que tem sido ajudado pelo nosso programa [...].
Você que recebe a minha carta mensal [...].
E você que ainda não a recebe [...].
As categorias semânticas básicas sobre as quais está constituído o programa
“Encontro com Cristo” são a falta e a abundância, aquela manifestada, no nível
discursivo, não pela escassez dos bens, mas pela ausência da saúde
(principalmente a emocional); esta pela instauração de bens materiais e, em
especial, pelo equilíbrio emocional. uma parte do programa direcionada à venda
do Cura das emoções em Cristo.
Falta vs. Abundância
poucos peixes
poucos pães
problemas não resolvidos
feridas internas não curadas
paixões negativas (rejeição, depressão, medo,
ansiedade, solidão)
pães multiplicados
cestos cheios
resolução dos problemas
cura das feridas internas
cura das paixões negativas
A estratégia de interação entre os sujeitos
Os discursos católicos de TV são, em maioria, enunciação enunciada, pois
refletem a interação entre o eu-agente religioso e o você-telespectador. Algumas
vezes, porém, internamente à enunciação enunciada, inserem-se, em maior ou
230
menor número, histórias ilustrativas auxiliares da argumentação, retiradas da Bíblia,
em enunciado enunciado, e inseridas no discurso com o intuito de criar o efeito de
sentido de objetividade (distanciamento da enunciação), de verdade e de autoridade.
No interior dessas pequenas histórias há, com frequência, uma debreagem interna
que a voz em enunciação enunciada. No programa Encontro com Cristo,
instalam-se diferentes relações de interação comunicativa entre o destinador e o
destinatário, conforme observamos abaixo:
a- Emprego da 3ª pessoa do singular no lugar da 1ª pessoa do singular
Como diz Fiorin (2001: 86), quando se faz essa embreagem, é como se o
enunciador se esvaziasse de toda e qualquer subjetividade. Quando vende seus
produtos, o padre Alberto Gambarini exalta sua persona ao mesmo tempo em que,
neutralizando a 1ª pessoa, esconde-se atrás da objetividade.
Agora você pode adquirir os livros, CDs e DVDs do padre Alberto com seu cartão [...]
E adquirindo os livros do padre Alberto, você está ajudando a nossa obra.
b- O agente religioso (eu – destinador) dirige-se ao você (destinatário).
O procedimento da interação entre o eu (padre Alberto) e o você
(telespectador) é utilizado nos momentos em que o padre solicita a colaboração dos
telespectadores no sentido de passarem a sujeitos da ação, mandando cartas,
comprando livros ou CDs, indo ao Encontro, dando auxílio pecuniário. Essa é uma
estratégia utilizada pelo agente religioso para criar o efeito de sentido de que ele
está no mesmo nível do telespectador, além de cumplicidade e de subjetividade.
Você que acompanha o nosso programa, por favor, ajude-me com quanto
você puder.
Você que recebe a minha carta mensal [...]
E você que ainda não a recebe, colabore deste modo: [ ]
231
c- Emprego do nós inclusivo (eu + você = nós).
Outra estratégia de interação entre os sujeitos é o emprego do nós inclusivo
(eu
(padre)
+ você
(telespectador)
) para produzir efeitos de identificação do agente religioso
com o telespectador. O destinador utiliza esse nós, quando se identifica com o
destinatário para pedir a proteção de Deus.
Nós temos que acreditar que quando (nós) andamos na Palavra de Deus [...]
Nós temos que aprender todos os dias a entender [...]
d- Emprego do nós exclusivo (eu + Ele
(Jesus)
– você = nós).
Em função conativa ou apelativa, instala-se uma relação interativa com o
propósito de reforçar o papel temático da intermediação exercido pelo agente
religioso entre Jesus/Deus e o destinatário. Esse reforço é bastante comum no
discurso católico. A relação eu + Jesus é uma embreagem (Confiem em mim [eu],
confiem no senhor Jesus [Ele] = nós) empregada com a finalidade de reforçar a
estratégia persuasiva para o agente religioso ganhar a confiança do telespectador. A
exclusão do destinatário cria o efeito de redução da igualdade e da intimidade,
aumentando a assimetria das relações entre o destinador
(padre Alberto)
e o
destinatário
(telespectador)
. Esse é um nós de campo fechado, que exclui o destinatário
(eu
agente religioso
+ Jesus - você
telespectador
) com o propósito de ressaltar que o poder-
fazer é atributo exclusivo dos destinadores (Confiem em nós: no padre e em Jesus).
Isso mostra um éthos que recorre predominantemente à eúnoia (solidariedade,
benevolência), pois constrói o discurso baseado em um páthos pressuposto. O
padre coloca-se à disposição para ajudar espiritualmente a todos os que
comparecerem ao Encontro/ comprarem seus livros.
Quadro-resumo das principais estratégias de interação entre sujeitos:
232
Destinador Destinatário Efeitos de sentido
3ª pessoa do singular no
lugar da 1ª pessoa.
E adquirindo os livros do padre
Alberto, você está ajudando a
nossa obra.
Você
(telespectador)
Exaltação da
persona do padre
Alberto; efeitos de
objetividade.
1ª. pessoa do singular ou
plural(eu-agente
religioso).
Alterna o nós em lugar do
eu.
Você que acompanha o nosso
programa, por favor, ajude-me
com quanto você puder.
Você
(telespectador)
Cumplicidade e
subjetividade. O
agente religioso
coloca-se no
mesmo nível do
destinatário.
Nós inclusivo (eu
padre
+
você
telespectador
)
Nós temos que acreditar que
quando (nós) andamos na
Palavra de Deus [...]
Identificação do
destinador com o
destinatário.
Nós exclusivo (eu padre +
Ele Jesus – vocês
telespectadores).
Confiem em mim, confiem no
Senhor Jesus (confiem em
nós),
Vocês
(telespectadores)
Redução da
igualdade e da
intimidade.
Afirmação do papel
de intermediador
/intercessor
exercido pelo
agente religioso.
Temas e figuras
Relacionados ao tema central do programa Os procedimentos para o
alcance da graça e das bênçãos divinas disseminam-se vários subtemas eufóricos
e disfóricos, que asseguram a coerência semântica do discurso:
subtemas
Tema : Os procedimentos para o alcance da graça e das bênçãos divinas
A crença nos
ícones e
símbolos
católicos
A solução dos
problemas
financeiros e das
dificuldades .
Cura da saúde
emocional
233
Mesmo predominantemente temático, o texto tem o tema central e os
subtemas ocasionalmente recobertos por figuras das coisas divinas ou religiosas. O
subtema “A crença nos ícones e símbolos católicos” é recoberto com as figuras de
“Deus”, “Jesus Cristo”, “Espírito Santo”, “pai espiritual”, “Santíssimo Sacramento”,
“unção com o óleo bento”, “Evangelho”, “sacrário”; o subtema “A solução das
dificuldades e dos problemas financeiros” é recoberto com “vida abundante”,
“multiplicação dos pães e dos peixes”, “doze cestos cheios”; para o subtema
“Restituição da saúde emocional” registramos “curar as feridas interiores”, “cura
interior”, “aprender a lidar com sentimentos”, o livro Cura das emoções em Cristo.
Essa isotopia das coisas religiosas, da cura emocional e da fartura assegura a linha
sintagmática e a coerência semântica do discurso. Vejamos duas dessas figuras
cujo emprego é crucial no processo de persuasão gerado pelo discurso em análise:
Pai espiritual
O enunciador inicia o texto realçando seu papel temático de pai (“Meu nome é
padre Alberto Gambarini e, como seu pai espiritual, convido você a não faltar no
nosso grande encontro [...]”), uma expressão consagrada no discurso católico,
relevante para o argumento a ser desenvolvido, provinda de uma metaforização
(“Deus é pai”). Fiorin (1990: 122) define metáfora
64
como sendo “a alteração de
sentido de uma palavra ou expressão quando entre o sentido que o termo tem e o
que ele adquire existe uma intersecção”. Quando o agente religioso, padre Alberto,
afirma ser o pai espiritual dos telespectadores, constrói uma metaforização, pois,
entre ele e o pai, identificam-se os semas comuns de /proteção/, /condução/ e
64
Este tipo tradicional de metáfora difere-se das metáforas de texto inteiro, empregadas no programa
analisado anteriormente, cuja função era a de vincular uma isotopia à outra, uma leitura à outra.
234
/amor/, sendo isolados respectivamente os semas /divino/ e /humano/. Para melhor
visualizarmos essa metaforização, adaptamos o esquema de Postal (2007: 11):
DEUS
Padre Alberto
Pai espiritual
(segurança, proteção, amor)
Divino
Humano
Ilustração 19
O papel temático do pai, assumido pelo agente religioso, é um reforço no
processo de manipulação por tentação porque traz em si a imagem do protetor, do
orientador, e produz efeitos de sentido da segurança, confiabilidade, proteção, amor.
A assunção desse papel pelo enunciador instaura sua condição de estabilidade, ou
seja, é ele quem atribui a tarefa ao sujeito e, no caso, é ele quem antevê a sanção
resultante do cumprimento ou não do contrato. Além disso, uma retomada do
significado latino original, hoje esquecido, do lexema padre (pater pai), importante
para o aumento da confiança do enunciatário, devido ao efeito de sentido causado
pela identificação sêmica acima mencionada. O papel temático exercido pelo agente
religioso católico é, a partir do lexema padre, diferente do papel que exerce o
pastor protestante tradicional ou neopentecostal. O lexema pastor diz respeito à
condução do rebanho (os homens) em direção a um lugar seguro. o lexema
padre (pai), além de nos remeter à proteção, bondade, amor, acolhimento, traz à
tona o conceito de família (o pai é o chefe da família), fortemente resguardado pela
235
Igreja Católica. Esse conceito acaba por se completar com a denominação de Madre
(mãe) atribuída às freiras.
Espírito Santo
Por isso, agora, vamos pedir o Espírito Santo. Vinde, Espírito Santo, enchei
os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do Vosso amor. Enviai o
Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da Terra. Oremos!
A presença do Espírito Santo é invocada, nesse segmento, por meio de prece
não natural. Considerando que Deus é sempre o grande destinador, adotamos o
ponto de vista de Fontanille e Zilberberg (2001: 272) para quem a orientação do
dispositivo actancial que parte do destinador para chegar ao destinatário manipulado
fica invertida na prece ou súplica por encontrarmos um destinatário empenhado em
manipular o destinador.
Prece (inversão da orientação)
manipulação por sedução
Ilustração 20
Fontanille & Zilberberg, em capítulo sobre a fidúcia (2001: 272), afirmam:
A súplica direta nada mais é do que a prece, nos próprios termos de
Cassirer
65
.
Os autores ainda declaram:
Com efeito, para este, assim como para Lévi-Strauss: “a prece está
destinada a superar o abismo que separa o homem de seu deus”.
65
CASSIRER, E. La philosophie des formes symboliques, tome 2, op. cit., p.268.
DESTINADOR
DEUS
Durante a prece: Destinatário
DESTINATÁRIO
AGENTE RELIGIOSO
Durante a prece: Destinador
236
Com a prece, o agente religioso tenta preencher parte desse abismo e põe
em jogo um fazer-crer que pode ser aceito ou não pelo telespectador. A invocação
da figura do Espírito Santo é um reforço indispensável do processo de manipulação,
tendo em vista que o destinador
(agente religioso)
oferece ao destinatário
(telespectador)
um
sujeito da ação divino, onipotente e reconhecido por boa parte das religiões cristãs,
que executa a performance (curará as feridas emocionais, além de instaurar a
saúde e a fartura material). É necessário, porém, que o destinatário
(fiel)
creia. Essa
fase da manipulação é vital para que o processo de persuasão seja bem sucedido,
uma vez que o telespectador precisa ser levado a crer que o agente religioso é um
intercessor suficientemente competente para fazer o grande destinador-Deus
cumprir seu papel, na figura do Espírito Santo, e agir em favor de seus fiéis.
De acordo com a enciclopédia eletrônica Wikipedia, os cristãos creem que é
o Espírito Santo
66
quem conduz as pessoas à em Jesus Cristo e aquele que lhes
a capacidade necessária para viver uma vida cristã. O Espírito Santo
figurativamente habita dentro de cada cristão verdadeiro, e se manifesta em ações
de graça. Ele é descrito como um "ajudador" (em grego, paraclete), guiando os
cristãos no caminho da verdade. Os 'Frutos do Espírito' (isto é, os resultados da sua
influência) são "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé,
mansidão, temperança" (Gálatas 5:22). Ele também concede dons (isto é,
66
Os movimentos Pentecostal e Neopentecostal colocam uma ênfase especial nas obras do Espírito
Santo, em especial nos dons acima mencionados, acreditando que estes são ainda hoje concedidos.
Os Pentecostais acreditam que o batismo no Espírito Santo é uma obra distinta do novo nascimento.
Creem que é Jesus quem batiza com o Espírito Santo, e que tal batismo é evidenciado pelo falar em
línguas estranhas. Uma parte minoritária dessas Igrejas afirma que esse batismo é o verdadeiro sinal
de Cristianismo numa pessoa, ou seja, uma pessoa não pode estar certa de sua salvação até ter
experimentado o batismo do Espírito Santo.
237
habilidades) aos cristãos tais como os dons de profecia, línguas e conhecimento,
embora alguns cristãos acreditem que isto apenas aconteceu nos tempos do Novo
Testamento.
Essa figura do “ajudador”, como define o dicionário, nada mais é do que um
sujeito-destinador que praticará a ação no lugar do outro, o telespectador, caso este
último cumpra o contrato (creia).
238
Análise do programa Terço bizantino (Igreja Católica)
Programa Terço Bizantino, Rede Vida, 21 de setembro de 2007
Primeiro dia da quinzena
Padre Marcelo Rossi: Durante quinze dias, sim, uma quinzena, você pediu e nós vamos fazer.
Infelizmente ela existe: a inveja. Vamos orar contra todo e qualquer tipo de inveja, por isso, juntos,
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
E, de joelhos, segundo mistério:
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja. Padre Marcelo Rossi, durante o Terço Bizantino
Jesus, tira do meu coração toda inveja. Ilustração 21
239
Terceiro mistério:
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Quarto mistério:
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
E terminamos:
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
22 - padre Marcelo Rossi
240
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
E que desça sobre você a bênção do Deus todo poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo, Amém.
Jesus, proteja a minha vida, a minha família, de todo tipo de inveja.
O programa Terço bizantino é apresentado pela Rede Vida de Televisão,
diariamente, pelo Padre Marcelo Rossi. Os recursos do gênero da mídia televisiva
concentram-se nas imagens gravadas e transmitidas aos telespectadores. O Terço
bizantino não varia. É basicamente a reza do terço, uma espécie de ladainha
transmitida pela TV. Por ser bastante curto, durante o programa não
propagandas, produções de dramaturgia ou mesmo testemunhos. O programa em
análise é o primeiro de uma quinzena. Isso quer dizer que se apresentado de
forma idêntica durante quinze dias. Nada mudará, a não ser quando o destinador-
padre disser ao destinatário-telespectador qual dos programas é aquele (se é o
primeiro, o segundo programa e assim por diante). Após a introdução, o padre olha
para uma figura ou imagem de Jesus e reza o terço, reduzido de dez para cinco
mistérios, se comparado ao tradicional. Inicia a oração pela invocação do nome
“Jesus”, dez vezes, e, de joelhos, repete dez vezes outros sintagmas, que se
diferenciam para cada mistério. No texto, o padre-destinador inicia a narrativa
241
informando que está atendendo a um pedido
67
de seus destinatários-
telespectadores: rezar contra a inveja durante uma quinzena
Durante quinze dias, sim, uma quinzena, você pediu e nós vamos fazer.
Decorrente da construção sintática, o sintagma inicial, acima exposto,
apresenta uma ambiguidade, somente dirimida no transcorrer da narrativa. Em uma
primeira leitura, supõe-se que o telespectador tenha durante quinze dias
solicitado ao padre a realização do terço contra a inveja. Considerando-se, porém, a
natureza do programa de TV, constata-se que os quinze dias se referem à duração
da quinzena de orações com o terço e o ao número de dias durante os quais os
pedidos dos espectadores foram feitos.
Nesse segmento inicial, notamos que o destinador-padre Marcelo inverte os
papéis e coloca-se como destinatário e sujeito da ação, cumpridor de um contrato
fiduciário proposto pelo então destinador, o telespectador ([...] você [telespectador]
pediu e nós vamos fazer.).
ilustração 23
Essa inversão dos papéis destinador/destinatário é aparente, levando-se em
conta que o padre está, desde o início do programa assumindo o papel de
destinador para manipular seu destinatário
(telespectador)
por sedução (você pede, eu
67
Há, tanto no site do padre Marcelo Rossi quanto no do padre Alberto Gambarini, um ícone
destinado a pedidos de oração. Por meio desse ícone, o telespectador pode levar suas solicitações
aos religiosos. Nos programas analisados, o tratamento dado a esses pedidos é diferente: Padre
Marcelo Rossi, como estamos vendo, atende a um pedido, dirigindo a reza do Terço bizantino para o
afastamento da inveja (Durante quinze dias, você pediu e nós vamos fazer...); Padre Gambarini, em
Encontro com Cristo, ao solicitar que os telespectadores enviem seus pedidos, não os responde no
ar, porém afirma que os colocará no sacrário de Nossa Senhora dos Prazeres e Divina Misericórdia.
Telespectador-
Destinador (pede orações)
Padre-
Destinatário (acata o pedido) e
sujeito da ação
242
faço). Cria-se, com essa estratégia de persuasão, um efeito de sentido que confirma
o papel temático de autoridade mediadora / intercessora do padre, produzido pela
sujeição do destinador ao pedido de orações contra a inveja e pela longa
duratividade da performance contratual, quinze dias. A postura discursiva aceita pelo
padre (porta-voz dos pedidos dos telespectadores junto a Deus) coloca-o em um
patamar intermediário acima do telespectador, mas abaixo de Deus entre o
plano material e o plano espiritual. Sem a ajuda do agente religioso não haverá a
ligação, a comunicação do fiel com Deus. Eis que a constância desse papel é, como
afirma Discini (2008: 43), fator de estabilidade para a construção de um caráter.
Conforme a Retórica aristotélica, padre Marcelo apresenta um éthos caracterizado
pela eúnoia, pois mostra-se solidário aos pedidos de oração dos telespectadores e
assume seu papel de intermediário entre os homens e Deus, ou seja, orando o terço
trata de interceder junto a Deus pelos fiéis.
Instauram-se, devido a uma segunda ambiguidade (dessa vez, quanto a
quem a inveja afeta), dois tipos de destinatários pelos quais o padre-destinador
rezará o terço durante uma quinzena. O primeiro deles o invejado é o que supõe
ser ele mesmo alvo da inveja de outrem (Jesus, proteja-me de toda a inveja)
68
; o
segundo o invejoso é o sujeito apaixonado, aquele que sente inveja e quer se
ver livre dela (Jesus, tira do meu coração toda a inveja).
Sujeito invejado / Sujeito invejoso
Nesta análise, teremos de tratar dos dois tipos de destinatário (o invejoso e o
invejado). Assim, o sujeito invejado S
1
sente-se dominado por uma inquietude, uma
68
Os sintagmas Jesus, proteja-me de toda a inveja e Jesus, tira do meu coração toda a inveja são
ambíguos, pois não definem com clareza se o sujeito quer proteção contra a inveja que ele mesmo
sente ou se quer proteção contra a inveja que o outro sente dele.
243
certa agitação causada por um /não poder-fazer/ contra algo que, acredita, pode
dissociá-lo de seu objeto de valor. Diante desse /não poder-fazer/, busca a ajuda de
quem julga ter todas as condições modais (quer, deve, pode e sabe) para realizar
seu desejo: o padre. O destinador-padre pode fazer duas imagens de seus
destinatários:
(1) No caso do telespectador invejado é a de um sujeito realizado, conjunto
com seu objetos de valor, mas inquieto, que se ameaçado de disjungir-
se de seu(s) Ov porque acredita estar à mercê da inveja de outrem. O
destinador à paixão da inveja status de antissujeito com poderes
suficientes para influenciar disforicamente ou afastar o sujeito do objeto de
valor. Esse antissujeito a inveja adquire quase o mesmo status da
figura do Mal, tanto utilizada pela IURD, pois, na Católica, o agente
religioso
(padre)
reza o terço para que não sejamos alvos dessa paixão. Isso
significa que o sujeito se torna inquieto diante da possibilidade de ser
vítima da atitude resultante da inveja de outrem.
(2) No caso de um telespectador invejoso, a imagem é a de um sujeito
inquieto porque reconhece sentir inveja e acata o julgamento moral da
sociedade, que condena essa paixão.
Sobre a inquietude, afirmam Greimas & Fontanille (1993: 238):
A inquietude, essa preocupação do sujeito absorto por um apego ameaçado,
decorre de uma posição, pelo menos imaginária, de conjunção essa
espécie de conjunção simulada que resiste a todas as contingências das
junções efetivas. O sujeito inquieto seria, pois, um sujeito que tem algo a
perder, um sujeito realizado.
244
Os semioticistas alertam (1993: 194-195) que o inquieto não é ciclotímico
69
,
mas oscila continuamente entre a euforia e a disforia, em um percurso misto que,
embora não chegue a posições extremas, prepara o sujeito para outras paixões:
A inquietude nada mais é que essa oscilação que instala um simulacro
disponível para uma outra paixão, que opera a reembreagem sobre o sujeito
tensivo em vista de percursos mais específicos. A inquietude prepara, de
algum modo, o terreno para outras paixões: ela define certa constituição do
sujeito; ela se particulariza em função das paixões que vêm, em seguida,
investir o simulacro e dar-lhe armadura modal. (Greimas & Fontanille, 1993:
195)
A inquietude afeta o apego que o sujeito realizado tem pelos seus objetos de
valor. Esse sujeito, que tem algo a perder, crê que a inveja pode fazê-lo vítima (se
invejado) ou algoz (se invejoso).
Encontramos no Dicionário Houaiss/UOL da Língua Portuguesa a seguinte
acepção para inveja: sentimento em que se misturam o ódio e o desgosto, e que é
provocado pela felicidade, prosperidade de outrem. Greimas e Fontanille (1993: 176)
afirmam que essa paixão também pode ser entendida como o desejo de gozar de
uma vantagem, de um prazer igual ao de outrem. Dessa forma, a paixão da inveja
traz em si a configuração de uma rivalidade que oscila entre a relação polêmica (um
querer-ser o que o outro é) e a relação de objeto (um querer ter o que o outro tem).
Trata-se, segundo esses semioticistas, de uma relação entre três actantes: S
1
, S
2
e
o objeto de valor O. Aspectualmente, a inveja é uma paixão durativa, voltada para o
presente, cuja modulação tensiva reflete um estado patêmico intenso
70
. Do ponto de
vista semiótico, podem ocorrer dois tipos de inveja:
69
A ciclotimia é uma patologia mental também conhecida como psicose maníaco depressiva ou
distúrbio bipolar do humor. O ciclotímico apresenta períodos de profunda depressão ou de euforia
(hipomania).
70
Apesar de a paixão da inveja poder estar algumas vezes voltada para o passado ou para o futuro,
julgamos ser essa uma paixão mais afeita ao tempo presente. Em seu artigo Semiótica das paixões:
o ressentimento (2007), Fiorin afirma que, quanto à temporalização, paixões voltadas para o
passado (a culpa) e outras para o futuro (o temor).
245
(a) inveja do tipo S
1
O S
2
(através do objeto O, S
1
visa ao S
2
). Essa
mediação pelo objeto estabelece uma dimensão polêmica e intensifica a
rivalidade: o /querer-ser/ implica que o outro não seja.
(b) inveja do tipo S
1
S
2
O (através de S
2
, S
1
visa ao O). A mediação pelo
rival intensifica o desejo do objeto: o /querer-ter/ implica que o outro não
tenha.
O sujeito invejado S
2
pode ser deliberadamente prejudicado pela atuação do
sujeito invejoso S
1
ou, de acordo com a IURD, ser vitimado pela influência das
energias negativas emitidas por S
1
(olho gordo, mau olhado etc.). Seja de uma ou de
outra forma, no texto católico em estudo, a inveja é personificada e preenche o papel
actancial de antissujeito/antidestinador. Ela é encarada como uma força que atua ou
pode atuar negativamente na vida do destinatário-telespectador fazendo-o vítima (se
invejado) ou vilão (se invejoso). Do mesmo modo que no discurso da Igreja
Universal do Reino de Deus (este caracterizado pela atuação de um poderoso e
difuso sujeito maligno), esboça-se, no programa do padre Marcelo Rossi, um modelo
centrado em um pressuposto antissujeito a própria paixão da inveja pautado por
valores inscritos na esfera de um antidestinador, instalando no texto uma dimensão
polêmica conflituosa.
No Terço bizantino, o telespectador S
1
pede oração a um intermediário (o
padre) que, supostamente, estabelecerá ligação com Deus. Esse pedido de oração
corresponde a um pedido de ajuda ou de socorro espiritual, resultado de um
enfraquecimento da competência modal do sujeito S
1
(perda do querer, saber e/ou
poder), atemorizado e inquieto, devido à falta de compreensão da estrutura daquilo
que o ameaça no desenrolar do processo de identificação do mal. A paixão da inveja
tem suporte nos textos bíblicos desde a morte de Abel. Na Igreja Católica, a inveja é
considerada um dos sete pecados capitais. Moralizada negativamente pela
sociedade, a inveja, de acordo com a doutrina católica, pode levar o homem à
246
condenação. Na tentativa de eliminar a paixão da inveja, que tanto pode afastá-lo do
objeto de valor desejado (se invejado) quanto induzi-lo à performance contra o outro
(se invejoso), o sujeito recorre ao padre cuja competência modal (o querer, o dever,
o poder e o saber) e o adjuvante (Terço Bizantino)
71
para “acionar” Deus/Jesus lhe
parecem plenamente suficientes e confiáveis.
O “acionamento” de Jesus é estimulado por um programa de TV que, sob
uma visão aspectual, assemelha-se ao aspecto semiótico da própria paixão da
inveja, ou seja, no que concerne à temporalidade, o aspecto extenso e durativo da
inveja iguala-se ao aspecto extenso e durativo da “quinzena”, o que gerará um efeito
de sentido de oposição do programa ao mal virtual ocasionado pelo antissujeito
inveja. Além disso, o caráter repetitivo-durativo interno do texto (a repetição de
sintagmas) somado à repetição do próprio programa durante uma quinzena geram,
juntos, o efeito de sentido de continuidade e de ação prolongada do Terço. Em
outras palavras, o efeito de continuidade se não com a repetição interna dos
sintagmas (como mantras) mas também com a repetição da reza do terço durante
quinze dias. Ocorre, também, devido à repetição, um processo de
dessemantização
72
textual interna, graças à forma fixa e inalterada com que a
oração é feita (da mesma forma que nas Ave-Marias, por exemplo). A repetição
mecânica é um procedimento em que se perdem os significados parciais em
proveito de um significado geral. Os lexemas e os sintagmas são infalivelmente os
mesmos.
71
O terço, mais do que um instrumento, é um adjuvante, pois cumpre uma das modalidades da
competência do sujeito (padre). O terço é um ator claramente separado a quem cabe atribuir o poder
ao sujeito (padre). No texto, o agente religioso, unido ao terço, adquire o poder.
72
Conforme o Dicionário de Semiótica (Greimas & Courtés, 2008: 131), a dessemantização é a perda
de certos conteúdos parciais em benefício do significado global de uma unidade discursiva mais
ampla.
247
A repetição de sintagmas do terço leva a um aumento da intensidade que
coincide com a alta intensidade da inveja, conforme abaixo:
Aspecto da paixão da inveja Aspecto do programa Terço Bizantino
Temporalidade: Durativa Durativa
(reza-se o terço durante quinze dias)
Modalização tensiva:
Eixo da intensidade: Intensa
Eixo da extensão
(temporalidade): Extensa
Intensa
Extensa
Referência temporal: Presente Presente
Vejamos, no gráfico das tensões, a semelhança entre a inveja e o formato do
programa Terço bizantino:
Paixão da Inveja Programa Terço bizantino
(intensidade: forte) (intensidade: forte)
(extensão [temporalidade]: durativa) (extensão [temporalidade]: durativa)
Esquema da amplificação Esquema da amplificação
Inveja repetição
Intensidade Intensidade
Extensão - temporalidade (durativa) Extensão - temporalidade
gráficos 39: semelhança da duratividade da paixão da inveja e o formato do programa Terço
bizantino, representados no gráfico tensivo.
O conteúdo do programa do padre Marcelo Rossi, mesmo algumas vezes
inalterado durante dias, varia ao tratar de diversas questões, conforme segue:
248
questões passionais: inveja, angústia, desânimo, mau humor, alegria, amor.
questões pragmáticas: família, trabalho, empreendimentos, prosperidade.
questões sensoriais-corporais: estresse, esgotamento, descanso, equilíbrio
físico, enfermidade.
Exemplificamos, abaixo, essa variação, por meio de outros programas do
Terço, apresentados pelo padre Marcelo, os quais transcrevemos literalmente do
site católico NPD Brasil (www.npdbrasil.com.br).
Sempre com a mesma estrutura textual aqui exposta (o agente religioso inicia
a oração invocando dez vezes o nome de Jesus para, depois, repetir dez vezes
outros sintagmas, um para cada mistério restante), a oração do Terço é
recomendada pelo padre Marcelo Rossi como instrumento de cura física, de
renovação, de cura da depressão, da angústia, das enfermidades em geral, do
estresse, de realização no trabalho, de salvação da família.
O número um (Como instrumento de cura física) é dado apenas como exemplo
de como rezar o terço:
1) Como instrumento de CURA FÍSICA
Jesus, me ajude;
Jesus, me cure;
Eu te amo, Jesus;
Fica comigo, Jesus;
Obrigado, Senhor!
Do número dois a oito, sugere-se um para cada dia da semana:
2) RENOVAÇÃO (para a segunda-feira)
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, liberta-me do desânimo e do mau humor;
249
Senhor Jesus Cristo, abençoa-me nesta segunda-feira;
Senhor Jesus Cristo, abençoa-me e alegra-me nesta segunda-feira;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
3) DEPRESSÃO (para a terça-feira)
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, nesta terça-feira, liberta-me da depressão;
Senhor Jesus Cristo, preencha todas as áreas da minha mente com seu amor;
Senhor Jesus Cristo, equilibra a minha mente;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
4) ANGÚSTIA (para a quarta-feira)
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, nesta quarta-feira, liberta-me de toda angústia;
Senhor Jesus Cristo, preencha todas as áreas do meu ser com paz;
Senhor Jesus Cristo, equilibra-me com seu amor;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
5) ENFERMIDADE (para a quinta-feira)
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, nesta quinta-feira, liberta-me de toda e qualquer enfermidade;
Senhor Jesus Cristo, visita o mais íntimo de mim e, no seu amor, cura-me;
Senhor Jesus Cristo, equilibra-me fisicamente;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
6) TRABALHO (para a sexta-feira)
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, nesta sexta-feira, abençoa o meu trabalho e empreendimentos;
Senhor Jesus Cristo, que eu possa me realizar no meu trabalho;
Senhor Jesus Cristo, pelo teu amor, que eu possa prosperar;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
7) ESTRESSE
(para o sábado)
250
Senhor Jesus Cristo;
Senhor Jesus Cristo, neste sábado, liberta-me do esgotamento e do estresse;
Senhor Jesus Cristo, que eu possa descansar neste final de semana;
Senhor Jesus Cristo, reanima-me com teu amor;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
8) FAMÍLIA (para o domingo)
Senhor Jesus Cristo:
Senhor Jesus Cristo, neste domingo, tem misericórdia de minha família;
Senhor Jesus Cristo, salva minha família;
Senhor Jesus Cristo, que minha família cresça no teu amor;
Obrigado, Senhor Jesus Cristo!
Outro ponto que deve ser observado na análise do Terço bizantino o as
propostas contratuais, as súplicas, direcionadas a Jesus pelo agente religioso, em
nome dos telespectadores. Isso considerado, analisamos, além do texto em pauta,
os nove textos do programa expostos acima e pudemos constatar que, embora
muitas sejam as súplicas (por cura, salvação, bênção, renovação, equilíbrio), a que
mais se repete é pela libertação (em cinco dos nove programas). Conclui-se que,
sob o olhar do destinador, os telespectadores desejam livrar-se de seus próprios
males (desânimo, mau humor, depressão, angústia, enfermidades, esgotamento,
estresse):
Senhor Jesus Cristo, liberta-me do desânimo e mau humor.
(dez vezes)
Senhor Jesus Cristo, nesta terça-feira, liberta-me da depressão.
Senhor Jesus Cristo, nesta quarta-feira, liberta-me de toda angústia.
Senhor Jesus Cristo, nesta quinta-feira, liberta-me de toda e qualquer
enfermidade.
Senhor Jesus Cristo, neste sábado, liberta-me do esgotamento e do
estresse.
251
Isso quer dizer que o destinador
(padre Marcelo)
procura promover a libertação dos
fiéis, prisioneiros das paixões e dos estados disfóricos, para conduzi-los à salvação,
exclusivamente por meio da fé. Além dos pedidos pela libertação, repetem-se, em
outros programas do Terço, pedidos de proteção (contra os males), de bênçãos e de
equilíbrio (mental). Nesse processo, registramos um notável predomínio da emoção
sobre a razão, pois os textos bíblicos não são sequer citados ou aludidos pelo
destinador como suporte de argumento. Parte-se da confiança no simulacro do
destinador para que se chegue à em Deus. Assim, o valor do Terço bizantino
comporta um alto grau de intensidade. A fé emocional predomina e se sobrepõe à
razão. Do ponto de vista emocional e, considerando o eixo da extensão
correspondente ao racional, o programa do padre Marcelo orienta-se pelo esquema
tensivo da ascendência
73
.
o emocional
(o programa é baseado exclusivamente na fé)
Esquema tensivo da
Intensidade ascendência
o racional
Extensão
(não há textos bíblicos, explanações, comparações)
gráfico 40: a tensividade do emocional e do racional.
A característica repetição de sintagmas do terço é também típica das
ladainhas e do ritmo de mantra. Nesse caso, a narrativa procura construir ou
73
Caso relacionemos, no gráfico tensivo, o aspecto emocional com a duração da extensão do terço
bizantino, a orientação tensiva passará ao esquema da amplificação, com um aumento simultâneo da
intensidade emocional e da extensidade durativa.
252
aumentar a fé já existente em um sujeito (o telespectador) que, modalizado no crer e
confiante no simulacro de um conhecido destinador
(Padre Marcelo),
é instado a rezar
para afastar-se da inveja e chegar à salvação. O ato da repetição, além de ser
ritualizado, uma fórmula dada de antemão para se falar com Deus (Orlandi 2006:
247), nesse caso também acaba por demonstrar as ações da Igreja sobre seus fiéis
que o de libertar, salvar (o sujeito dos males), tirar (o mal, as paixões negativas),
abençoar e proteger, reafirmando seu papel de mediadora entre Deus e os homens.
O próprio padre Marcelo Rossi, em seu site, enfatiza:
[...] O fato de repetirmos várias vezes uma mesma jaculatória (oração curta e
fervorosa) faz com que nossa mente seja envolvida por aquilo que
estamos falando [...].
[...] Apesar de ser leigo no campo da psicologia, pude compreender que Jung,
em suas teses, refere-se ao terço e à repetição como forma de acalmar e
reequilibrar a pessoa que está repetindo [...].
Quanto ao aspecto propriamente narrativo, recorremos novamente a Propp
para invocar as bases do conto maravilhoso: um destinador S
1 (o telespectador)
incumbe
um herói S
2 (padre Marcelo)
de uma determinada tarefa. Para conseguir realizá-la, o herói
deve ter a posse de um objeto gico (o terço) que, mediante certas palavras (a
repetição das jaculatórias), possibilitará a realização da performance [afastar-se da
(ou afastar a) inveja] e de sua consequente recompensa para ambos os sujeitos
(recompensa para S
1(telespectador)
: não se disjungir de seu Objeto de Valor / não sentir
inveja; para S
2(padre Marcelo)
: receber a adesão de mais telespectadores ao seu
programa de TV e à sua fé). Esquematizando, teremos o seguinte:
(1) - O sujeito S
1
sente-se invejado e pede orações para afastar a inveja
provinda do outro:
253
Inveja
(Antissujeito)
performance esperada de Deus:
Provém do outro. Afastar a inveja do sujeito invejado.
Ilustração 24
(2) – O sujeito S
1
é invejoso e pede orações para afastar-se da inveja:
S
1 (telespectador invejoso)
Sente inveja e recorre
ao S
2
(padre)
.
performance esperada de Deus:
afastar a inveja do sujeito invejoso.
INVEJA
(Antissujeito)
Provém do próprio S
1.
Ilustração 25
Observamos que o destinador padre Marcelo considera as paixões disfóricas
antissujeitos / antidestinadores dos quais o fiel deve ser libertado. No programa
terço bizantino, além da inveja, se tornaram antissujeitos / antidestinadores o
desânimo, o mau humor, a depressão e a angústia, dentre outros sentimentos
moralizados negativamente pela sociedade. Considerar um sujeito envolvido por
uma paixão moralizada negativamente é uma estratégia recorrente no programa em
análise.
S
1 (telespectador invejado)
Inquieto, pede para S
2
(padre)
orar a S
3 (Deus).
S
2 (padre)
atende ao pedido e
ora, com ajuda do
Terço, a S
3 (Deus)
.
S
3
(Deus)
Supõe-se (pela fé)
que atenda à oração
de S
2 (padre)
e anule o
antissujeito (inveja).
S
2
(padre)
atende ao pedido e
ora, com ajuda do
Terço, a S
3 (Deus)
.
S
3
(Deus)
Supõe-se (pela fé)
que atenda à oração
de S
2 (padre)
e anule o
antissujeito (inveja).
254
O Terço: ator adjuvante, doador de poder
O instrumento de contato com o destinador Maior (Deus) é a ritualização
adaptada do Terço bizantino, um dos símbolos da Igreja Católica Apostólica
Romana, não conhecido no Brasil. Transcrevemos do site do padre Marcelo Rossi
alguns trechos em que, com suas próprias palavras, o religioso procura explicar o
que é o referido Terço e o porquê de sua utilização:
[...] No desejo de torná-lo (o terço bizantino) mais acessível ao nosso
modo ocidental de pensar e rezar, procurarei fazer uma oração adaptada
ao terço de Nossa Senhora, embora ele continue sendo um modo de pensar
e rezar bizantino [...].
[...] A oração através deste terço é uma forma de chegar à libertação que o
nome de Jesus, pronunciado constantemente, traz ao nosso ser em sua
totalidade [...].
[...] Esta oração (o terço) nos introduz no amoroso poder de Deus, ao
mesmo tempo que passa a ser súplica constante em nossas vidas [...].
Analisando as palavras do padre Marcelo Rossi sobre seu programa de
televisão, percebemos alguns pontos que confirmam aspectos analisados. Um
deles é a instauração da para que se chegue à libertação dos males e problemas
emocionais. Outro aspecto do texto, confirmado pelo religioso, é o de que esse tipo
de oração leva aos destinatários o amor e o poder de Deus, ou seja, há uma
reafirmação da fé. Constatamos, também, que o destinador
(padre)
tem consciência de
que a prática da repetição envolve a mente, acalma e equilibra a pessoa que está
orando.
Como dissemos, o aspecto durativo-repetitivo é a característica mais
marcante da prática do terço. Por ser longo demais, o destinador modificou
radicalmente o ritual do terço bizantino original para cinco mistérios (em grupos de
255
dez contas), totalizando apenas cinquenta contas
74
. A sua oração, durante o
programa da TV, resume-se à repetição de cinquenta jaculatórias. Essa
configuração repetitiva tem por objetivo modalizar o sujeito S
1
, antes tenso e
inquieto, em um /crer-ser/ das paixões da confiança e da fé, características de um
sujeito da espera que pede a atuação de um intermediário S
2(padre)
cujo /dever-fazer/
contratual é o de por meio da súplica fazer o S
3(Deus)
atender ao desejo de
S
1(telespectador)
. Essa espera pode ser representada pelo seguinte esquema narrativo:
pedido súplica recompensa
S
1
(telespectador)
atribui (pede) ao
sujeito do fazer S
2
(padre) um dever-
fazer (rezar o
Terço Bizantino)
O sujeito S
2
(padre)
suplica a Deus; é
sujeito do fazer de S
1
e, ao mesmo tempo,
sujeito da espera de
S
3
Deus
S
3
(Deus) é o sujeito do fazer de S
2
e de S
1
que
atuará na vida do telespectador, afastando dele
toda a inveja.
Ao abordar os contratos fiduciários, Barros (2002: 64) afirma que, por não se
tratar de contratos verdadeiros, mas de pseudocontratos construídos sobre a base
da confiança, o sujeito do fazer não se sente obrigado a fazer, que sua
modalização deôntica não passa de produto da imaginação do sujeito de estado
.
Todavia, o padre-destinador procura produzir o efeito de estar obrigado a cumprir o
contrato de confiança, devido não à própria natureza de sua função eclesiástica
(dar assistência religiosa) como também à natureza da narrativa da qual é
destinador: promessa em blico e ao público da oração do terço uma súplica
durante quinze dias.
74
O terço bizantino original (Cikotki, na liturgia bizantina) é constituído de um cordão de com nós
correspondentes às contas dos rosários ocidentais, com o acréscimo de dez contas para marcar as
centenas, o que, segundo o padre, faz desse terço uma prática de mil orações.
256
Configuram-se, dessa forma, duas grandes categorias fiduciárias: a promessa
e a prece. Sob a promessa de orar, o destinador-padre manipula por sedução seu
destinatário-telespectador; ao orar, no entanto, o padre é um destinador que
procura, também por sedução, manipular o destinatário que, durante a oração, é o
destinador Maior: Deus.
O texto, predominantemente temático, caminha da disforia para chegar à
euforia. Opõem-se, no nível fundamental, as categorias /perdição/ vs. /salvação/. O
tema central do programa em foco A liberta das paixões negativas é
recoberto por figuras esparsas como “Jesus”, “tirar a inveja do coração”, “proteção”,
“família” e “coração”. Tais figuras remetem a aspectos humanos internos (o coração)
e externos (a família). O coração figura no texto em pauta, sempre mencionado
como o centro dos sentimentos; a família, na concepção católica, é a base
sustentadora do cristão e da sociedade na qual ele se insere.
Quanto às estratégias de interação entre os sujeitos, o programa do Padre
Marcelo Rossi estrutura-se como enunciação enunciada, pois instala-se um nós
inclusivo (eu + você), gerando efeitos de aproximação da enunciação, de
subjetividade e de certa igualdade entre os interlocutores. Esse efeito é reforçado
pelo lexema juntos (por isso, juntos...), necessário para a instauração imediata do
contrato de confiança destinador
(padre)
/destinatário
(telespectador)
. O eixo temporal está
ancorado no presente. O modo imperativo instala o efeito de destaque da
intermediação que o destinador
(padre)
quer demonstrar ter com o mundo espiritual e,
mais especificamente, com Deus. O uso do “eu” confirma o lugar enunciativo
assumido pelo padre católico. Os vocativos, reiterados do começo ao fim, são
seguidos por verbos no tempo presente, eixo sobre o qual está construído o texto
257
inteiro. Concordamos com Orlandi (2006: 247) quando, tratando do discurso
religioso católico, a linguista afirma:
O eu-cristão pode falar diretamente com Deus, mas isto não modifica o seu
poder de dizer, o lugar de onde fala.
[...] A própria fala é ritualizada, e dada de antemão. fórmulas para se falar
com Deus, mesmo quando se caracteriza essa relação de fala pela
familiaridade, pela informalidade. Isso porque, quando se fala com Deus, se o
faz por orações ou por expressões mais ou menos cristalizadas (como: Ó
meu Deus! Faça com que...).
Vejamos algumas das principais estratégias de interação entre os sujeitos
empregadas pelo agente religioso durante o Terço bizantino:
a- Emprego da 1ª pessoa do plural (nós), no lugar da 1ª pessoa do
singular (eu) – plural majestático.
O nós é amplificado por um sujeito que fala em seu nome e em nome da
Igreja. O padre estabelece-se como alguém cuja autoridade provém da Igreja ou até
do próprio Deus.
[...] você pediu e nós vamos fazer.
b- 1ª. pessoa do plural: nós inclusivo (eu + você/vocês): identificação
Vamos orar contra todo e qualquer tipo de inveja, por isso, juntos [...]
c- uso da primeira pessoa do singular (eu) no lugar da pessoa do
singular ou plural (você ou vocês)
Utilizando as palavras de Fiorin (2001: 92), nesse tipo de interação o
essencial é descaracterizar a reciprocidade que se revela impossível. É como se o
258
enunciatário assumisse o que diz o enunciador, uma vez que não é preciso
responder.
No caso em pauta, há ainda um importante fator para o emprego dessa
estratégia de interação: o agente religioso deseja que os telespectadores repitam
com ele os sintagmas do terço, portanto fala como se fosse um deles, sem, porém
identificar-se com os destinatários, já que cumpre sua função de mediador.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Essa é uma estratégia discursiva que engendra um efeito de sentido
necessário para o destinador persuadir o destinatário a aderir ou permanecer fiel ao
contrato
75
:
- a individualização do coletivo (eu no lugar de vocês) potencializa o
efeito de sentido de um destinador com força perante o mundo espiritual
legitimando, assim, a posição de intercessor junto a Deus, que o agente
religioso procura construir no discurso; o padre deve ser o porta-voz de Deus
para os homens e o porta-voz dos homens para Deus.
Dessa forma, o agente religioso diferencia-se da coletividade por colocar-se
em um patamar superior, como intermediário, representante dos homens diante de
Deus. Essa posição enunciativa é certamente um dos fatores que mais contribuem
para a acentuada popularidade do Padre Marcelo Rossi. Além disso, instauram-se,
nesse discurso, três bases da fidúcia, em profundidades tensivas diversas, ou seja,
75
Nos dias de hoje, dentre os principais motivos de realização dos programas religiosos de televisão,
destacam-se o de manter o fiel vinculado àquela religião, aproximando-o de Deus, e também o de
atrair o maior número possível de novos adeptos, mesmo oriundos de outras religiões (gerar
mobilidade religiosa).
259
a crença na oração (ou no ritual) do terço, a confiança no agente religioso
(padre
Marcelo)
como mediador e a em Deus, acionada a partir da crença e da confiança.
Quadro-resumo das estratégias de interação entre os sujeitos do Terço
bizantino
Destinador Destinatário Efeito de sentido
a- 1ª. pessoa do plural (nós)
no lugar da 1ª pessoa do
singular (eu): plural
majestático
Você(s)-
telespectador(ES)
Pessoa amplificada por um
sujeito que fala em nome
dele, com autoridade da
Igreja e de Deus.
b- 1ª. pessoa do plural no
lugar da 2ª pessoa do
singular ou plural: (nós
inclusivo)
Identificação do agente
religioso com o
telespectador
c- 1ª pessoa do singular (eu)
no lugar da 2ª pessoa do
singular ou plural (você ou
vocês)
Individualização do coletivo.
destinador forte,
intermediário entre Deus e
os homens
A análise semiótica dos três programas televisivos católicos envolveu os
discursos de duas correntes atuantes dentro da Igreja Romana de hoje: (1) a
Renovação Carismática Católica (RCC), em que se enquadram os programas
Encontro com Cristo, do padre Alberto Gambarini, e o Terço bizantino, do padre
Marcelo Rossi, e (2) a corrente tradicional, do programa O pão nosso de cada dia,
apresentado pelo doutor em Ciência da Religião, padre Fernando J. C. Cardoso.
Tais programas, a despeito de pertencerem ao seio da mesma Igreja, são marcados
por estratégias de persuasão diferenciadas. Demonstrando erudição e em tom
professoral, o destinador do primeiro programa católico analisado (O pão nosso de
cada dia), de linha tradicional, padre Fernando recorre a citações bíblicas e alusões
para pregar o Velho e o Novo Testamentos, destacando a ira de Deus sobre aqueles
260
que não obedecem à Palavra Revelada e a salvação, esta como meta final da
caminhada dos homens através do deserto da vida.
O segundo programa católico analisado, o Encontro com Cristo, apresentado
pelo padre Alberto Gambarini, assemelha-se em vários aspectos aos programas da
neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus. Fartura, bens materiais, cura
das paixões negativas, milagre e derramamento da graça divina são oferecidos pelo
padre aos telespectadores, principalmente àqueles que forem ao grande Encontro,
na Igreja Nossa Senhora dos Prazeres e Divina Misericórdia. No Encontro com
Cristo, o agente religioso “cobra” a colaboração pecuniária dos que “foram ajudados”
pelo programa, oferece livros de sua autoria, CDs e DVDs que auxiliarão na solução
dos problemas e na “cura” das feridas emocionais. O destinador valoriza os objetos
mágicos (Santíssimo Sacramento, medalhinha milagrosa), prega o amor de Deus,
concretizado pela promessa de atuação do Espírito Santo e se mantém, como os
outros padres apresentadores católicos, em um patamar enunciativo intermediário
entre Deus e os homens.
O terceiro e último programa Terço bizantino em que o apresentador,
padre Marcelo Rossi, modifica a reza do terço tradicional para adaptá-la a um novo
processo que, mesmo ainda repetitivo e com forma fixa, deixa de ser uma oração
não natural para transformar-se em uma prece natural, que muitos são os temas
abordados no Terço. A saúde, a proteção, o trabalho, as paixões negativas, o
casamento, a situação financeira, enfim, todos os temas da vida cotidiana podem ser
o foco do programa.
A partir recorrência das diferentes características discursivas de cada um dos
programas religiosos analisados nesta tese, procuraremos estabelecer, ao longo
261
páginas seguintes, os éthe televisivos das Igrejas Universal do Reino de Deus e
Católica Apostólica Romana.
262
CAPÍTULO VI
Comparação entre os aspectos formadores dos ethé discursivos
extraídos dos programas de televisão das Igrejas Universal do
Reino de Deus (IURD) e Católica Apostólica Romana (IC)
1- Para a IURD, o homem é vítima; para a Igreja Católica, culpado.
1.a- O discurso da IURD, na televisão, instaura a presença do homem como
vítima e não como culpado.
No discurso iurdiano, notamos uma constante manipulação por intimidação
decorrente da instauração de um antissujeito sobrenatural, onisciente e onipotente
o Mal figurativizado por um sem-número de nomes como coisa estranha, espíritos
malignos, encosto, maldição etc., antissujeitos a quem são atribuídas todas as
mazelas da vida do telespectador e que poderão ser destruídas com a ajuda da
Igreja e de seus pastores. O homem é vítima de misteriosas e desconhecidas
entidades que habitam os planos espirituais e de maldições herdadas do passado.
A construção de simulacros negativos do destinatário
(telespectador)
instaura todo
tipo de dificuldade, desde as de saúde a os problemas financeiros, levando o
telespectador ao medo, à vergonha e ao desespero. Envergonhado, amedrontado e
desesperado na luta contra o desconhecido, o sujeito sente-se incapaz de resolver
sozinho seus problemas. O único meio de sair dessa situação é recorrer à IURD:
[...] Há uma coisa estranha que acompanha seu marido, que
acompanha o seu filho [...] (pastor Denílton)
[...] depressão...pânico...reumatismo no sangue[...] (testemunho de
Priscila)
[...] o marido começou a sumir da vida dela, os bens que ela tinha,
os clientes que ela tinha, os fregueses que ela tinha [,,,] (pastor
Denílton)
[...] maldição dos ancestrais, aquilo que acompanha o seu pai, sua
mãe, os seus antepassados [...] (pastor Denílton)
263
E o senhor, a senhora está passando por um momento difícil.
(pastor Márcio)
[...] eu perdi mais de um milhão de reais de patrimônio.
(testemunho do Sr Alencar)
De repente começou o ano e as coisas começaram a se enrolar, as
coisas começaram a dar errado pro senhor ou pra senhora. (pastor
Márcio)
1.b- O discurso católico de televisão atribui ao homem a responsabilidade
por sua situação. O homem é pecador, culpado pela mazelas da vida.
Os programas católicos também constroem simulacros negativos dos fiéis. No
entanto, diferem-se dos programas iurdianos analisados porque, no texto católico, as
vicissitudes da vida não são atribuídas à presença de entidades malignas, mas, sim,
ao próprio modo de agir e de ser do destinatário (o homem é pecador, nasce
pecador e é responsável por sua vida). O sujeito deve procurar a ajuda da Igreja
para passar pela vida sem cair nas tentações e nos pecados (discurso tradicional)
ou para, além disso, curar-se das próprias feridas emocionais e encontrar uma vida
plena (discurso carismático).
Por causa de inúmeras provocações, por causa de inúmeras
tentações e, sobretudo, quedas nas tentações, o texto afirma que
nenhum deles, com exceção de Josué, filho de Nun, entrou na Terra
Prometida. (padre Fernando Cardoso)
Você diz que ama a Cristo, mas o seu amor a Cristo é capaz de
vencer as tentações e o pecado? (padre Fernando Cardoso)
[...] pensam e agem da mesma forma aqueles que por um nada que
se chama pecado são capazes de romper a amizade e a
intimidade com Cristo e com Deus [...] (padre Fernando Cardoso)
2- Medo/vergonha/desespero vs. amor/coragem/fé.
2.a- IURD: instaura paixões negativas como ponto de partida do processo da
persuasão.
Com o objetivo de suscitar a paixão do medo nos telespectadores, a IURD
banaliza a atuação do Mal, atribuindo-lhe a responsabilidade até por fatos
264
corriqueiros da vida, como, por exemplo, dores de cabeça e nervosismo. Esse
convívio constante com poderosas entidades espirituais gera, no telespectador, o
medo e a sensação de impotência para, sozinho, livrar-se da(s) entidade(s) que o
persegue(m). O destinatário, dependente da ajuda da Igreja, deve, então,
comparecer ao templo da IURD que, poderosa e conhecedora profunda do mundo
espiritual, estará sempre pronta para combater o inimigo.
Esta “propaganda de televisão” da IURD, na voz de um locutor desconhecido,
é um exemplo dessa característica:
Existem dez sintomas que caracterizam a influência dos espíritos do Mal:
-nervosismo
-dores de cabeça constantes
-insônia
-medo
-desmaio
-ataque
-desejo de suicídio
-doenças que os médicos não descobrem as causas
-visão de vultos ou audição de vozes
-vícios ou depressão
2.b- Igreja Católica: recorre à coragem, ao amor e à fé.
O discurso católico procura transmitir coragem aos telespectadores,
eliminando paixões moralizadas negativamente como o medo, a inveja, a ansiedade,
a solidão (Terço bizantino) ou incentivando a caminhada pela vida de acordo com os
planos de Deus (O pão nosso de cada dia, Encontro com Cristo)
[...] caríssimos irmãos, agora nós nos fatigamos, agora nós trabalhamos,
agora nós perseveramos, agora nós caminhamos e seguimos Jesus. A
estrada que Jesus nos aponta no início deste ano e já nô-la apontou conduz
seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus. (Padre Fernando Cardoso -
O pão nosso de cada dia)
Nós temos que acreditar que quando andamos na Palavra de Deus,
quando nós queremos viver o Seu plano de amor, Ele moverá os céus
para multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos que forem
necessárias para que nós tenhamos uma vida abundante, como aconteceu
na multiplicação dos pães. (Padre Alberto Gambarini - Encontro com Cristo)
Senhor, tira do meu coração toda a inveja.(Padre Marcelo Rossi - Terço
bizantino)
265
[...] orientações práticas de como aprender a renovar a mente e a lidar com
os sentimentos de rejeição, a falta de perdão, depressão, medo, ansiedade e
solidão. (Padre Alberto Gambarini - Encontro com Cristo)
3- Isotopia religiosa do Mal e do Bem.
3.a- A IURD concretiza uma isotopia religiosa do Mal e do Bem em todos os
programas televisivos.
Durante o transcorrer dos textos, a isotopia maniqueísta do Mal e do Bem é
constantemente concretizada por maldições ou por uma entidade do mundo
espiritual que atua no mundo material, ocasionando inúmeras perdas ao
destinatário. Todos os pontos negativos da vida do destinatário, sejam relativos à
falta de saúde, de amor ou de dinheiro, são atribuídos a essa atuação. A
duratividade do Mal é extensa, de geração para geração. O Bem é concretizado pela
IURD, com seus bispos e pastores.
O Mal
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor e você não
sabe o que fazer? (pastor Denílton)
[...] sabe por que essa coisa estranha entrou aí? (idem)
[...] alguém que jogou uma maldição, um trabalho, um de sumiço
[...].(idem)
[...] vamos começar este trabalho de quebra de maldição, a quebra de
maldição dos antepassados, dos ancestrais [...] (idem)
Por trás desse problema que a senhora enfrenta, por trás desse problema
que o senhor enfrenta, existe um causador, existe um Mal. Esse Mal, ele
não é vencido com o tempo, ele não é vencido com choro, com lágrimas.
(pastor Rogério)
O Bem
Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua vida, na
sua família.(pastor Denílton)
E, aliado ao Bem, então eu vou vencer este mal.(idem)
3.b- Os programas televisivos católicos não recorrem, com frequência, às
isotopias religiosas do Bem e do Mal.
266
Há uma tendência da Igreja Católica, em seus programas de TV mais recentes,
de não recorrer com frequência à isotopia religiosa do Bem e do Mal. O discurso
católico moderno tem deixado de lado, na televisão, a visão maniqueísta que
colocava os homens sob as influências de demônios. A estratégia católica instala
paixões moralizadas negativamente (inveja, angústia, depressão) como antissujeitos
que “aprisionam” o telespectador (Encontro com Cristo). Da mesma forma, no
programa Terço Bizantino, o padre Marcelo Rossi dá às paixões negativas (inveja,
depressão, angústia, desânimo etc.) o status de antissujeito
76
que pode desviar o
fiel da salvação.
[...] tira do meu coração toda a inveja.(Padre Marcelo Rossi)
[...] proteja-me de toda a inveja.(idem)
[...] proteja minha família da inveja.(idem)
O sujeito pecador é culpado de suas próprias mazelas e pode ser
dependendo de sua aceitação da Palavra Revelada digno do amor e da graça
divinos ou sofrer a ira de Deus.
[...] E esses doze cestos simbolizam as bênçãos que Deus deseja dar a
você, a mim e a todos nós. Não deixemos estes cestos ficarem vazios por
causa da nossa incredulidade [...] (padre Alberto Gambarini) – fé e obediência
à Palavra.
[...] o texto afirma que nenhum deles, com exceção de Josué, filho de Nun,
entrou na Terra Prometida. Todos eles morreram no deserto.(Padre
Fernando Cardoso) – a ira de Deus.
4- Sucesso material vs. salvação espiritual.
4.a- Reflexo da pós-modernidade, o discurso iurdiano promete o sucesso por
meio de simulacros de uma vida material abundante.
A promessa de felicidade para quem frequenta a igreja é uma técnica
persuasiva fundamental e recorrente no discurso iurdiano. Após erigir inúmeros
76
Não é o mesmo antissujeito do discurso iurdiano. No discurso neopentecostal, como vimos, o
antissujeito está concretizado em uma entidade espiritual maligna com vida própria (o Diabo, o Mal, o
encosto), algumas vezes acionado por paixões negativas, cuja presença afastará o telespectador do
sucesso e da felicidade; no discurso carismático dos padres Alberto Gambarini e Marcelo Rossi, por
exemplo, o antissujeito está concretizado nas figuras das paixões negativas (inveja, ansiedade,
depressão, desânimo).
267
simulacros negativos do telespectador, o destinador
(bispo/IURD)
doa confiança e
esperança, com a promessa de que, caso procurada, a IURD vencerá as entidades
causadoras dos males. A partir daí, o sucesso, concretizado por bens materiais,
dinheiro, emprego, ascensão social e saúde, instalar-se-á na vida do telespectador.
Não há menção, na totalidade iurduana, da salvação espiritual pós- vida terrena.
Olha esses resultados! Deus quer que aconteça também na vida da
senhora e do senhor [...] (pastor Denílton)
Isso mesmo! Está escrito que você estenderia as mãos para emprestar a
muita gente, não tomaria emprestado. (pastor Márcio)
Quando eu comecei a participar do Congresso, Deus me deu a direção,
então a coisa começou, de fato, a mudar, assim, numa rapidez muito grande.
Deus me deu a direção [...] (testemunho do Sr. Alencar)
[...] tenho um apartamento muito bom, tenho... além de ter um
apartamento, tenho mais uma casa, tenho três veículos, tenho
investimentos imobiliários que ainda estão para sair...não para
mostrar ainda porque são investimentos de longo prazo. Tenho uma
empresa na região dos Jardins, na área de decoração de interiores
também, que está indo de vento em popa, está cada vez mais crescendo. Eu
tenho cada vez mais ampliado os produtos que trabalho [...] (idem)
Você viu o que “seu” Alencar fez? Ele tomou uma decisão, ele tomou
uma atitude diante da situação, porque não adianta ficar se escondendo,
ficar se esquivando. (pastor Márcio)
Mas eu tenho certeza de que Deus pode te ajudar, eu tenho certeza que
através da nossa oração [...] (pastor Márcio)
Sim, hoje eu consigo dormir em paz, consigo atender os meus
fornecedores, consigo atender os meus clientes tranquilamente. Aquelas
coisas desagradáveis não existem mais. (testemunho de Dona Leia)
4.b- Católicos: carismáticos – valorização da fartura e do bem-estar terrenos.
tradicionais – valorização da salvação.
268
O discurso católico carismático carrega traços do discurso neopentecostal e
da pós-modernidade, como a valorização da fartura, do bem-estar e do homem
individual.
[...] Ele moverá os céus para multiplicar também em nossa vida todas as
bênçãos que forem necessárias para que nós tenhamos uma vida
abundante [...] (padre Alberto Gambarini)
Você está precisando de bênção, cura e libertação? Então venha dia 22
de fevereiro, domingo de carnaval, participar do louvor Encontro com Cristo
[...] .(padre Alberto Gambarini)
5- O poder vs. o saber.
5.a- O discurso da IURD afirma o domínio do mundo espiritual sobre o
material e aponta para o poder da Igreja sobre ambos.
O discurso da IURD estabelece uma hierarquia entre o mundo espiritual e o
terreno, enfatizando a superioridade do primeiro sobre o segundo. O mundo
espiritual influencia o material, o invisível sobrepuja o visível e sua ação, quando
maléfica, pode ser anulada pela única entidade com poder suficiente para tal: a
IURD. Os atores do mal são sempre construídos de acordo com a cultura local,
como forma de a Igreja ser mais facilmente aceita pelo povo da região em que se
instala. Para gerar o medo, o discurso admite que qualquer homem comum pode
acionar os planos espirituais malignos por meio de uma praga, maldição ou feitiçaria,
mas, desprovido do conhecimento e da força suficientes para contê-los, estará
sempre à mercê dessas entidades poderosas, a não ser que recorra à ajuda da
Igreja. O plano espiritual é instaurado sob um clima de mistério e poder, de forma
que o destinatário esteja sempre sujeito a ele. Esse forte assujeitamento é estratégia
crucial para levar o telespectador a procurar a ajuda da IURD.
Estamos começando um trabalho de libertação muito forte. É a quebra da
maldição dos ancestrais, aquilo que acompanha seu pai, sua mãe, os seus
antepassados; que tem acompanhado a senhora, o senhor. Comece a
quebrar este mal, nesta terça feira, em todas as Igrejas Universal do Reino de
Deus [...] (pastor Denílton)
269
[...] por trás desse problema que o senhor enfrenta, existe um causador,
existe um Mal. Esse Mal, ele não é vencido com o tempo, ele não é
vencido com choro, com lágrimas. (pastor Rogério)
Este Mal que está na sua vida, enquanto o tempo vai passando, ele vai
crescendo, por isso que a cada dia a sua situação está cada vez pior.
Você vai nos médicos, os médicos não descobrem o que você tem, você vive
com dores, vive doente; o seu casamento, de uma hora pra outra esfriou,
nada tem dado certo na sua vida; a sua autoestima esembaixo, porque
um Mal na sua vida que tranca, que amarra. Você precisa de uma
libertação [...] (pastor Rogério)
5.b- O discurso católico aponta para o saber (o conhecimento das escrituras)
e a oração.
Os programas católicos em análise destacam a prática dos preceitos das
Escrituras e as orações como forma de cura das paixões negativas (Terço bizantino
e Encontro com Cristo), da melhoria financeira (Encontro com Cristo) e de busca da
salvação (O pão nosso de cada dia). As passagens bíblicas citadas, além de
carregarem argumento de autoridade produzem efeitos de realidade. A Igreja
Católica, como afirmamos, mostra-se porta-voz da Palavra Revelada e procura
demonstrar seu saber tanto pela erudição quanto pelo conhecimento (domínio) do
desconhecido. A obscuridade entre o dito de Deus e o dizer do homem é mantida
pelo agente religioso católico porque, como intermediário / intercessor, o padre
conhece o abismo que separa a significação divina da significação humana (ver
página 189).
Melhoria da vida material
(padre Alberto Gambarini)
[...] Ele é Aquele que está estendendo as mãos sobre a nossa vida, sobre a
nossa casa, a nossa família, a nossa saúde, o nosso trabalho, o nosso
estudo, para que tudo possa ser para a maior glória do nosso Deus.
Você verá as graças dos céus sendo derramadas em sua vida.
Cura emocional
Pare de sofrer emocionalmente, deixe Jesus curar as suas feridas
interiores lendo o livro que eu escrevi para você: Cura das emoções em
Cristo” (padre Gambarini)
Vamos orar contra todo e qualquer tipo de inveja. (padre Marcelo Rossi)
270
Salvação
A estrada que Jesus nos aponta no início deste ano e já nô-la apontou
conduz seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus. (padre Fernando
Cardoso)
6- Testemunhos vs. citações bíblicas
6.a- A IURD recorre constantemente a testemunhos, gênero trazido de outras
esferas de ação.
O discurso iurdiano credencia sua legitimidade por meio de testemunhos que
narram histórias de vida. Os testemunhos são estratégia largamente empregada nos
programas de rádio e de televisão dessa Igreja. Neles, um sujeito bem-sucedido na
cura de uma doença grave, na vida material ou no relacionamento afetivo, relata a
“virada” ocorrida em sua vida, sempre depois que começou a frequentar os templos
da Universal. Isso significa que cada testemunho é crucial para a estratégia
persuasiva porque ele legitima o discurso e provoca uma mudança na orientação
tensiva, da intensidade para a extensão (das altas tensões do
medo/vergonha/desespero para a esperança). Nos programas exibidos mais
recentemente, o apelo aos testemunhos tem sido ainda mais constante. Já há
programas de televisão da Universal constituídos quase só por esse gênero.
[...] você vai acompanhar vários testemunhos de pessoas que também
traziam o Mal com elas, mas essas pessoas, elas alcançaram a libertação
através de uma corrente forte de libertação [...]
Repórter: Hoje a senhora consegue ter qualidade de vida?
Dona Leia: Sim, hoje eu consigo dormir em paz, consigo atender os meus
fornecedores, consigo atender os meus clientes tranquilamente. Aquelas
coisas desagradáveis não existem mais. [...] A minha dívida, ela está
literalmente quitada.
6.b- O discurso católico emprega citações de textos bíblicos que,
estrategicamente, substituem os testemunhos utilizados pela IURD.
271
Enquanto os pastores da IURD reforçam os efeitos de realidade ao
apresentarem muitas entrevistas-testemunhos, os padres preferem o argumento de
autoridade contido nas citações de narrativas da Bíblia. As citações bíblicas
carregam todo argumento de autoridade da voz de Deus. É como se o próprio Deus
testemunhasse em favor dos argumentos do destinador.
E o autor da Carta aos Hebreus [...] diz o seguinte: ‘Ainda existe um repouso
para o novo povo de Deus que somos nós, seguidores de Jesus’ (Hebreus 4)
[...]
disse André: ‘Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois
peixes, mas que é isto para tanta gente?’ (João 6: 9)
“Hoje, se ouvirdes Sua voz, não endureçais os vossos corações como
aconteceu na provação no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me
tentaram colocando-me à prova. Por isso me irritei com essa geração e
afirmei: ‘Sempre se enganam no coração e desconhecem os meus caminhos.
Assim, jurei minha ira, não entrarão no meu repouso.” (Hebreus 3, 7-14)
7- Inferno de quem não vai ao templo vs. inferno de quem não obedece à
Palavra.
7.a- O discurso iurdiano provoca efeitos de realidade com figuras disfóricas
e eufóricas que representam, respectivamente, a vida dos que
frequentam e dos que não frequentam o templo .
Os efeitos de realidade, criados pelas figuras (e fetiches) que recobrem os
temas, auxiliam definitivamente o processo de persuasão e estão, nos programas,
divididos em dois grupos: um grupo disfórico, representativo do inferno que é a vida
material do espectador o-fiel (aquele que o vai ao templo) e outro eufórico,
representando o paraíso que é a vida do fiel assíduo. Isso nos faz confirmar a
intenção principal do discurso iurdiano: fazer os telespectadores participarem dos
cultos ou eventos nos próprios templos.
Grupo das figuras disfóricas, representativas do inferno da vida dos que
não frequentam a IURD:
-coisa estranha, dor, sofrimento, depressão, pânico, reumatismo no sangue,
injeção, desengano, dor nas juntas, maldição, trabalho de bruxaria, pó-de-
sumiço, falta de saúde, dívidas, problemas, miséria, momentos difíceis,
dinheiro emprestado em bancos, agiotas, contas, caminhos fechados,
desemprego.
272
Grupo das figuras eufóricas, representativas da vida plena de quem
frequenta os templos da IURD:
-curas, libertação, felicidade, realização, ausência de problemas, resultados
positivos, fim dos problemas financeiros, presença de Deus na vida
financeira, abundância, quitação das dívidas, lucros, riquezas, patrimônio,
prestígio social, amigos, casas próprias, investimentos, posse de veículos,
empresa na região dos Jardins.
7.b.1- A Igreja Católica, em seu discurso tradicional (programa O pão nosso de
cada dia), emprega figuras disfóricas e eufóricas para recobrir os temas
decorrentes da vida de quem não obedece à Palavra Revelada.
No programa do padre Fernando Cardoso, cujo discurso é o tradicional, as
figuras não são empregadas para recobrir temas relativos a quem frequenta ou não
as igrejas, mas a quem obedece ou não aos preceitos bíblicos.
Figuras disfóricas relativas à vida de quem não obedece aos
preceitos bíblicos:
-escravidão, irritação, atravessar o mar a pé, deserto, peregrinar pelo deserto,
morrer no deserto.
Figuras eufóricas relativas a quem obedece aos preceitos bíblicos:
-novas perspectivas, repouso, repouso de/com Deus, trabalhar, perseverar,
entrar no grande sábado, Canaã, novo povo de Deus.
7.b.2- A Igreja Católica, no discurso carismático, emprega as figuras de
forma semelhante aos programas iurdianos.
O programa Encontro com Cristo emprega figuras eufóricas relativas aos que
vão ao templo, têm fé ou leem os livros escritos pelo padre Alberto.
Figuras eufóricas relativas a quem vai ao Encontro/igreja/lê os livros
escritos pelo padre/anda na Palavra.
-unção com óleo bento, medalha milagrosa, Santíssimo Sacramento, milagre,
Espírito Santo, Deus, consolação, palavra de Deus, plano de amor, mover os
céus, multiplicar bênçãos, vida abundante, feridas interiores curadas.
Figuras disfóricas relativas a quem não vai ao Encontro/igreja/não lê os
livros escritos pelo padre/não anda na Palavra.
-problemas, cestos vazios, dificuldade, feridas interiores, rejeição, falta de
perdão, medo, ansiedade, solidão.
8- Sujeito adjuvante vs. sujeito intercessor
8.a- A IURD assume o papel de sujeito adjuvante para resolver os problemas
dos fiéis, criando, assim, um ciclo de assujeitamento.
273
A IURD tem o conhecimento e o poder necessários para derrotar o Mal. Em
vista disso, instalar-se-á no discurso como o sujeito adjuvante que, ao lado de Deus,
libertará os destinatários das forças misteriosas que os prejudicam. Além disso,
atuará como reguladora entre o sujeito
(fiel)
e seus objetos de valor. Forma-se um
forte ciclo de assujeitamento decorrente do efeito de sentido causado pela postura
de domínio da Igreja frente ao misterioso e desconhecido mundo espiritual: quanto
maior a presença da IURD na vida dos telespectadores, maior conjunção com a
felicidade.
[...] nós vamos começar este trabalho de quebra de maldição, a quebra de
maldição dos antepassados, dos ancestrais
Elas também pensavam assim, mas tomaram a decisão, não ficaram em
casa só acompanhando o programa, tomaram a decisão de vir à igreja, de
participar dessa reunião dos empresários e se submeter a Deus. Por isso,
elas saíram do anonimato e alcançaram essa vida de qualidade [...].
8.b- O discurso católico exerce o papel de intermediador/ intercessor.
O discurso católico (tradicional e carismático) coloca o agente religioso um
degrau acima do fiel, mas abaixo de Deus, mantendo a Igreja e seus padres em uma
posição enunciativa intermediária entre o profano e o sagrado. A chave de abertura
do mundo espiritual são a Bíblia e, principalmente, as orações. A reza do terço pelo
padre é um exemplo dessa estratégia. A personalidade católica intercessora está
registrada própria teologia da Igreja uma vez que reconhece em Nossa Senhora
(existe Nossa Senhora Medianeira) e na figura dos santos o papel de
mediação/intercessão entre Deus e os homens.
Deus, que instruístes os corações de Vossos fiéis com a luz do Espírito
Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo o mesmo
espírito e gozemos sempre da Sua consolação. (Oração ao Divino Espírito
Santo – padre Alberto Gambarini, conduzindo a oração)
[...] olhemos para Jesus Cristo confiando que Ele é Aquele que es
estendendo as mãos sobre a nossa vida [...] (padre Alberto Gambarini)
[...] Nós gostaríamos em primeiro lugar, hoje, de elevar preces e súplicas a
Deus por aqueles cristãos que [...] (padre Fernando Cardoso)
274
Jesus, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus, Jesus...(padre
Marcelo Rossi)
9- Preces naturais vs. preces não naturais.
9.a- A IURD utiliza as preces naturais para mostrar intimidade e facilidade no
trato com Deus.
Os agentes religiosos iurdianos não utilizam orações prontas, preferindo as
preces naturais, ou seja, improvisam as orações conforme o tema, “conversam com
Deus” para causar o efeito de intimidade / facilidade da Igreja e de seus pastores no
trato com o plano divino. Não mantras nem é uma reza ritualística. , sim, o
efeito de um “diálogo” com um Deus dito presente e que ouve a Igreja. O fiel ouve
atentamente a prece e, quando participa, responde com um “Sim, Senhor Jesus” ou
com um “Obrigado, Senhor”. Isso corrobora nossa tese de que a IURD e Deus
ocupam o mesmo lugar enunciativo.
Ocupar o mesmo lugar enunciativo de Deus é uma característica marcante
das Igrejas de confissão neopentecostal. O emprego desse tipo de prece funciona
como um complemento ao éthos de onisciência e de conhecimento dos planos
espirituais que o agente religioso procura construir no discurso. Abaixo,
transcrevemos uma prece não natural transmitida diretamente do templo, pela
televisão.
Senhor, nosso Deus e nosso Pai, a tua Palavra é infalível, é imutável, e a tua
Palavra nos garante que na cabeça do justo benção e é por isso que nós
consagramos agora esse azeite para que quando nós derramarmos sobre a
cabeça dos 318 pastores e depois, meu Deus, nós iremos recolher esse óleo
nesse recipiente porque, no dia 10, nós estaremos consagrando teu povo,
para que eles sejam grandes, para que eles venham a ser cabeça, porque a
tua Palavra diz que no lugar da vossa vergonha tereis dupla honra. O senhor
mesmo nos garante: 'sereis cabeça e não cauda, estareis por cima e não por
baixo, emprestarás a muita gente, porém, tu não tomarás emprestado', e
quando esse óleo, meu Deus, for derramado sobre a cabeça do teu povo, que
a benção venha a estar com eles, que a vitória, a conquista, que a tua
Palavra venha a sair do papel e venha se materializar na vida e no teu povo
para a glória do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém e graças a Deus.
(Oração durante a Reunião dos 318 pastores)
275
9.b- O discurso católico opta pelas preces não-naturais e pela
dessemantização. A improvisação dá lugar à repetição.
O emprego das preces não-naturais, orações-base do catolicismo, ensinadas
por santos, papas ou pelo próprio Jesus (o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo, a
oração ao Divino Espírito Santo, o terço tradicional e até a missa), adotam forma
ritualística de mantras, cujo efeito de sentido é o de mistério e de incursão do agente
religioso-padre no plano divino, ou seja, o padre exerce o papel de intermediador
entre Deus e o homem. Com as palavras que lhe foram ensinadas, ele “sobe” até o
plano divino e abre as portas para que a prece seja atendida. O padre é o porta-voz
dos pedidos humanos. Essa forma ritualística, com a repetição de vocativos, é uma
antiga estratégia da Igreja Católica que carrega em si um forte argumento de
autoridade. É uma “forma de se falar com Deus”. A repetição em ritmo de mantra, o
vocabulário de nível elevado e até o retorno das missas rezadas em latim
77
reforçam
o papel de mediador do padre, competente para interceder junto aos planos divinos.
O site católico Veritatis Splendor, referindo-se à volta das missas rezadas em latim,
afirma que participar da missa é unir-se a Cristo, ao seu sacrifício, não
necessariamente entender cada palavra proferida ou responder a cada oração.
A repetição de frases prontas constitui boa parte do texto das missas
(lembremos, por exemplo, de: “Senhor, escutai a nossa prece” ou “Cordeiro de
Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós” etc.), o que não ocorre
nos cultos neopentecostais. Essa declarada opção pela dessemantização significa
que o discurso católico, nesse ponto, privilegia o significante em prol de um
significado global. Lembremo-nos, aqui, a definição de Greimas & Courtés (2008:
131) em que, na dessemantização, a perda de certos conteúdos parciais beneficiam
77
A partir do mês de julho de 2007, o Papa Bento XVI autorizou oficialmente a celebração
(facultativa) das missas em latim.
276
o significado global de uma unidade discursiva mais ampla. A repetição, nesse caso,
prestigia o conteúdo.
Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do
Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da
Terra. Deus que instruístes os corações de Vossos fiéis com a luz do Espírito
Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo o mesmo
Espírito e gozemos sempre da Sua consolação. (Prece não natural de
invocação do Divino Espírito Santo, programa Encontro com Cristo)
10- Pós-modernidade vs. tradição.
10.a- O discurso iurdiano apresenta forte influência da sociedade pós-
moderna ao estabelecer relação de proporção direta entre a felicidade e
os bens materiais (consumismo): quanto mais bens, maior a felicidade.
Os programas televisivos iurdianos adotam os padrões da sociedade s-
moderna (a felicidade e a satisfação material aqui e agora). O padrão pós-
modernista do homem de sucesso financeiro, que vive bem e é invejado pela
sociedade, é a meta final para todos os fiéis.
Sou uma pessoa completamente feliz, tenho um casamento abençoado,
uma família maravilhosa, tenho um apartamento muito bom, tenho...
além de ter um apartamento, tenho mais uma casa, tenho três
veículos, tenho investimentos imobiliários que ainda estão para
sair...não para mostrar ainda porque são investimentos de longo prazo.
Tenho uma empresa na região dos Jardins, na área de decoração de
interiores também, que está indo de vento em popa, está cada vez mais
crescendo. Eu tenho cada vez mais ampliado os produtos que trabalho e a
minha vida, hoje, está completamente realizada. Eu sou uma pessoa feliz.
(testemunho do Sr. Alencar sobre o altar de um templo)
10.b- O discurso católico tradicional busca a felicidade na salvação eterna;
para o carismático, também herdeiro da pós-modernidade, a felicidade
já começa na vida terrena.
A salvação é a meta do discurso católico tradicional. O texto do padre
Fernando Cardoso aponta para o repouso em Deus, depois da caminhada da vida.
277
Isso significa que a salvação pode ser alcançada depois da vida terrena, por
aqueles que seguirem a Jesus, e corresponde à vida eterna junto a Deus.
A estrada que Jesus nos aponta no início deste ano e nô-la apontou
conduz seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus. (padre Fernando
Cardoso)
O discurso católico carismático, da mesma forma que os neopentecostais,
também apresenta características pós-modernas, como a individualização do
homem, a divulgação da Teologia da prosperidade, a banalização dos milagres e de
objetos mágicos.
[...] multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos que forem
necessárias para que nós tenhamos uma vida abundante, como aconteceu
na multiplicação dos pães. (padre Alberto Gambarini)
11- Objetos mágicos negativos e positivos vs. objetos mágicos positivos e
relíquias.
11.a- A IURD oferece objetos mágicos (água, toalha, terra do Sinai etc.) que
ajudarão os destinatários a solucionar os problemas.
Enquanto as religiões protestantes tradicionais abominam definitivamente a
atribuição de valores a quaisquer objetos, a IURD assemelha-se, em parte, à cultura
católica quando eleva ao status de sagrados o vidrinho com a água do Sinai, a rosa
abençoada, uma toalha, um documento abençoado. Esses “poderes” dados aos
objetos fogem à tradição protestante, mas florescem nas Igrejas neopentecostais.
Nicodemus (2008: 31) atribui o uso desses objetos a uma espécie de retorno de
práticas medievais católicas, e afirma:
Quando vejo o apego de grandes massas ditas evangélicas às práticas
medievais católicas de objetos ungidos e consagrados para o culto a Deus,
busca por bispos e apóstolos, recurso a práticas supersticiosas , pergunto-
me se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na
verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neocatolicismo
tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma
católica.
O discurso iurdiano atribui poderes não a objetos gicos positivos mas
também a negativos, como os pós de sumiço, as cordas com nós (amarrações) etc.
Eis alguns exemplos dos objetos mágicos nesse discurso:
278
[...] quando essa água tocar no seu corpo, todo o Mal que existe na sua vida,
que existe nos seus caminhos, eles serão banidos da sua vida.
[...] é alguém que jogou uma maldição, um trabalho, um pó de sumiço [...]
Pegue sua carteira profissional, pegue sua carteira de trabalho, esteja
conosco nesta segunda-feira.
Nesta sexta-feira, nós estaremos aspergindo uma água energizada sobre
você, uma água consagrada [...]
11.b- A Igreja Católica mantém a tradição milenar tentando os fiéis com
objetos mágicos positivos de toda a sorte.
Historicamente, o catolicismo vem oferecendo todo tipo de objetos gicos
aos fiéis, desde a cruz adespojos de santos. Quanto à natureza, esses objetos
dividem-se em dois grupos: o primeiro grupo é formado pelas relíquias, objetos que
a Igreja, historicamente, reconheceu como sagrados. o pedaços da cruz de
Cristo, o santo sudário, os cravos da cruz, o santo graal, entre outros.
Segundo a enciclopédia eletrônica Wikidia, a Igreja Católica definiu a
seguinte classificação de relíquias:
Primeira Classe: parte do corpo de um santo (ossos, unhas, cabelo etc.)
Segunda Classe: objetos pessoais de um santo (roupa, um cajado, os pregos
da cruz etc.)
Terceira Classe: inclui pedaços de tecido que tocaram no corpo do santo ou
no relicário onde uma porção do seu corpo está conservada.
O segundo grupo é formado pelos objetos que mudam de status, passando a
ser mágicos após um ritual ou uma bênção, como é o caso da água benta, das
medalhinhas, dos santinhos. Esse grupo não é exclusivo da Igreja Católica. Não
a IURD, como vimos anteriormente, mas as Igrejas neopentecostais em geral têm
sido muito criativas com relação a esses objetos e oferecem toalhinhas, bengalinhas
279
de Moisés, vidrinhos com água do Jordão, óleos, terras do Sinai, rosas milagrosas
etc.
Ao chegar, você receberá uma unção com o óleo bento nas suas
mãos, uma medalha milagrosa e quando o santíssimo sacramento
estiver entrando, com certeza você será confirmado em um milagre
[...]. (programa católico Encontro com Cristo)
No final do programa, eu vou abençoar você e tudo aquilo que
estiver diante da televisão, inclusive a água.
12- Medo do Mal vs. medo do Bem (Deus).
12.a- A IURD define a existência modal do sujeito-telespectador, frente ao
Mal, de duas formas distintas:
(a) A primeira delas reflete um sujeito amedrontado diante do Mal,
figurativizado de forma genérica e difusa (a coisa estranha, a maldição, o encosto)
ou de forma mais definida e específica (o inimigo, o Diabo) que não deixará o
telespectador jungir-se ao seu objeto de valor (riqueza, saúde);
b) A segunda existência modal refere-se a um sujeito temeroso diante da
vergonha de ser sancionado negativamente pela própria sociedade em que vive
(medo dissuasório), por causa da não-conjunção com o objeto de valor almejado
(riqueza, sucesso, bens materiais).
Exemplo de (a):
Se a senhora, o senhor está sofrendo é porque existe uma força do Mal
na sua vida, força do Mal esta que pode ter entrado por uma inveja, por
uma maldição, por um feitiço e este Mal não vai sair da sua vida por si
só. Ele não vai sair com o tempo. É preciso que este Mal...ele seja
arrancado [...]
Exemplo de (b):
[...] essas vidas foram contraídas no intuito de resgatar o patrimônio, no
intuito de resgatar o prestígio diante da sociedade, diante dos amigos e no
intuito, também, de honrar os compromissos.
[...] uma falta de atitude pode deixar você dependendo dos outros, vivendo
uma vida vexatória, vivendo uma vida de humilhação [...].
12.b- O discurso católico televisivo define a existência modal do sujeito frente
à ira de Deus e às paixões negativas.
280
Em um primeiro momento, o agente religioso católico tradicional manipula por
intimidação um sujeito-telespectador pecador que deve se amedrontar diante da
possibilidade de um Deus irritado, indignado e irado com a conduta humana
(discurso da Igreja tradicional). O agente religioso carismático, no entanto, põe Deus
a serviço dos homens para curá-los das paixões negativas (rejeição, depressão,
ódio, medo, ansiedade, solidão) instauradas pelo discurso como antissujeitos
causadores de feridas interiores.
- Manipulação por intimidação diante da ira divina (católico tradicional):
Por isso me irritei com essa geração e afirmei: ‘Sempre se enganam no
coração e desconhecem os meus caminhos. Assim, jurei minha ira, não
entrarão no meu repouso’.”(Hebreus 3)
- Manipulação por tentação: curar-se das feridas emocionais
(carismático)
“Cura das emoções em Cristo” [...] orientações práticas de como aprender a
renovar a mente e a lidar com os sentimentos de rejeição, a falta de perdão,
depressão, medo, ansiedade e solidão.[...]
13- Alusões vs. citações
13.a – O discurso da Universal prefere alusões a citações bíblicas.
O agente religioso enriquece seus argumentos com alusões a passagens
bíblicas, e quase nunca com citações. Essa estratégia traz ao destinador maior
facilidade para justificar seus argumentos com a autoridade da Bíblia. A preferência
pelas alusões é providencial, pois normalmente são feitas rápida e vagamente, sem
explicações mais profundas, servindo, por isso mesmo, para justificar qualquer
argumento levantado pelo pastor. A associação, por alusão, dos eventos da Igreja
a números ou a acontecimentos bíblicos é bastante comum no discurso iurdiano:
Uma reunião nos templos da Universal, para a qual o telespectador é
convidado a comparecer, é a Corrente dos 70 pastores. Os números bíblicos (70,
318 etc.) são aludidos de forma que o texto (oral ou visual) produza efeito de sentido
281
de poder pela união numérica. No trecho abaixo, extraído do site da IURD
www.igrejauniversal.org.br -, encontramos um comentário sobre uma dessas
reuniões:
RIO DE JANEIRO - A situação caótica dos hospitais no Rio de Janeiro tem
levado cariocas depositarem ainda mais em Deus. Desamparados pela
Saúde Pública, eles recorrem à Corrente dos 70 - reunião da Igreja Universal
direcionada àqueles que sofrem principalmente com enfermidades e
maldições a fim de receberem cura, libertação e restauração de suas vidas
que se encontram destruídas.
[...]
Entre louvores e clamores a Deus, participantes declararam já ter recebido a
resposta para seus desejos, enquanto passavam pelo Corredor dos 70,
tocando sobre as muralhas depositadas no local, simbolizando a pedra de
escape, citada na passagem bíblica.
O número 70 é uma alusão ao texto de Números, 11: 16-17, no qual consta a
escolha dos setenta anciãos que carregarão o peso do povo:
Disse então o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de
Israel, que sabes serem os anciãos do povo e seus oficiais; e os trarás
perante a tenda da revelação, para que estejam ali contigo. Então descerei e
ali falarei contigo, e tirarei do espírito que está sobre ti, e o porei sobre eles; e
contigo levarão eles o peso do povo para que tu não o leves só (Números, 11:
16-17)
.
Outro exemplo de associação de evento da Igreja ao evento bíblico, por apelo
à alusão numérica, é a Reunião (vigília ou corrente) dos 318 pastores, sobre a qual
já discorremos anteriormente, uma alusão a Gênesis, 14: 11-16.
Mais recentemente, a IURD tem divulgado a possibilidade de o telespectador
trocar seu próprio anjo de guarda por outro, caso não esteja contente com o primeiro
(Troque seu anjo da guarda). Tal argumento é justificado por uma alusão a Daniel,
10: 13, onde se leem as palavras do anjo Gabriel (um anjo mensageiro e não
guerreiro), dizendo:
Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu vinte e um dias, e eis que
Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu fiquei ali com
os reis da Pérsia
.
13.b- Os católicos utilizam tanto as citações quanto as alusões.
282
Com exceção padre Marcelo Rossi, no Terço, os outros dois apresentadores,
padres Alberto Gambarini e Fernando Cardoso, mantêm, à sua frente, uma Bíblia
aberta da qual provêm as citações:
[...] aqui no Evangelho de São João, no Capítulo VI, versículo 9, disse
André: “Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes,
mas que é isto para tanta gente?” (padre Alberto Gambarini)
Aqui, em João, no Capítulo VI, versículo 13, nós lemos: “Eles recolheram
dos pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram e encheram doze
cestos” [...] (padre Alberto Gambarini)
[...] é interessante nós, hoje, contemplarmos, na primeira leitura, um texto
parenético-exortativo da Carta aos Hebreus, Capítulo 3, versículos 7 a 14:
“Hoje, se ouvirdes Sua voz, não endureçais os vossos corações como
aconteceu na provação no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me
tentaram colocando-me à prova. Por isso me irritei com essa geração e
afirmei: ‘Sempre se enganam no coração e desconhecem os meus caminhos
Assim, jurei minha ira, não entrarão no meu repouso.” (padre Fernando
Cardoso)
14- Retórica militarista do poder vs. retórica professoral do saber.
14.a- Com o emprego de uma isotopia de figuras da guerra, valorizado por
uma retórica militarista, o discurso iurdiano afirma o poder da Igreja.
Decisiva na construção do sentido, a isotopia da guerra é comum nos textos
de origem neopentecostal. Recorrência de substantivos como batalha, luta, vitória,
guerra, libertação e do uso dos verbos vencer e aliar levam à construção de uma
Igreja poderosa e solidária aos telespectadores, disposta a ajudá-los nas batalhas
contra o Mal. Para que possam atingir a felicidade, todos devem ir ao templo em
busca das armas para lutar contra o inimigo. Ali, o fiel será manipulado de todas as
formas para que passe a frequentar regularmente as reuniões da Igreja. Além das
manifestações diabólicas durante vida cotidiana, a Igreja Universal considera
inimigos o catolicismo, o espiritismo, as religiões de origem africana ou oriental.
[...] nesta terça feira, comece uma luta, uma batalha.
[...] mas lute de uma forma espiritual [...].
[...] eu tenho que lutar contra ele de uma forma espiritual, eu vou nivelar a
guerra, eu vou nivelar a batalha.
[...] aliado ao Bem, então eu vou vencer este mal.
283
[...] você precisa de uma libertação [...].
14.b- Prevalece, no discurso católico, principalmente no tradicional, uma
retórica professoral, que afirma a sapiência
78
; no carismárico, a afirmação da
segurança.
A instauração de um tom professoral fortalece o simulacro de confiabilidade
(existente no éthos interdiscursivo dos padres) e registra uma retórica de sapiência
que, afirmamos, constrói um simulacro de confiabilidade, de erudição e de
conhecimento profundo das escrituras. No discurso católico carismático, a figura do
padre-pai exacerba a proteção e a segurança.
[...] é interessante nós, hoje, contemplarmos, na primeira leitura, um texto
parenético-exortativo [...] – retórica professoral.
E o autor da Carta aos Hebreus, numa exegese mais ou menos rabínica, diz
o seguinte [...] – retórica professoral.
Não se esqueçam: existem os mártires efetivos, mas existem também
aqueles que, embora não tenham derramado materialmente o seu sangue,
simularam a vida inteirinha por Jesus. São os autênticos confessores da fé.
[...] – retórica professoral.
Meu nome é padre Alberto Gambarini e, como seu pai espiritual, convido
você a não faltar no nosso grande encontro – retórica paternalista.
15- Isotopia temático-figurativa das coisas do mundo vs. isotopia das coisas
divinas.
15.a- A IURD inverte os valores e sobrepõe a isotopia temático-figurativa das
coisas do mundo à isotopia das coisas divinas.
O discurso iurdiano consolida sua pós-modernidade ao exaltar a tormenta do
homem refletida na perda do dinheiro, da saúde ou do relacionamento amoroso,
enfim, na privação das coisas do mundo. A isotopia temático-figurativa das coisas
divinas, disseminada pelos discursos das religiões tradicionais (céu, graça divina,
inferno, pecado, morte) é sobreposta por uma isotopia temático-figurativa das coisas
do mundo (dinheiro, emprego, lucro, saúde, bom relacionamento amoroso) o
78
O Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa dá ao lexema sapiência os seguintes
significados: qualidade ou virtude do que é sapiente; grande acervo de conhecimentos; a infinita
sabedoria divina.
284
paraíso na Terra com o argumento de autoridade colhido de alusões a trechos da
Bíblia e dos vários testemunhos espalhados pelos programas de TV (Priscila, Sr.
Alencar, D. Leia). O homem deve ser servido por Deus. Apagam-se os estados do
âmbito passional da culpa pelo pecado e pela ofensa a Deus. As paixões do medo,
da insatisfação e da vergonha não mais procedem da perda da graça divina a nós
doada, segundo os discursos religiosos tradicionais, mas da perda da saúde e dos
bens materiais. Medo e vergonha são decorrências do saldo bancário vermelho,
consequência da influência de entidades malignas.
[...] eu perdi mais de um milhão de reais de patrimônio... quer dizer... eu
fiquei negativo, sem patrimônio nenhum, com todas essas dívidas [...]
(testemunho do Sr. Alencar)
[...] não adiantou nada dinheiro emprestado de bancos, de agiotas, de
amigos, de parentes, porque eu não conseguia, em hipótese alguma, honrar
com nenhum desses compromissos. (idem)
[...] quando eu percebi, eu estava com esses duzentos e vinte e dois
cheques em mãos, títulos protestados e ações trabalhistas [...] (idem)
Você também quer ter uma nova história pra contar. Aparentemente, nesse
emaranhado de dívidas, nesse emaranhado de problemas que você se
encontra é até impossível você sair dele. (pastor Rogério)
[...] pessoas que chegam nessa vigília quebradas, endividadas, falidas,
pessoas devendo pra agiotas, na iminência de serem despejadas, pessoas
com o nome sujo na praça, pessoas que trabalharam anos, lutaram muito
tempo pra conquistar alguma coisa e o que conquistou, de uma hora pra
outra, de uma forma inexplicável, elas acabaram perdendo. Chegaram à
estaca zero e, humanamente falando, não tinha saída, não tinha solução [...]
(pastor Rogério).
15.b - O discurso tradicional católico procura não inverter os valores e
sobrepõe a isotopia temático-figurativa das coisas de Deus sobre as do
mundo.
Os programas católicos mantêm seus agentes religiosos em posição
enunciativa de inferioridade com relação à de Deus. Tanto no Pão nosso como no
Encontro com Cristo, os religiosos procuram explicar, auxiliados por citações, os
propósitos divinos para os homens para que estes atinjam a salvação. No Terço, o
padre exerce seu papel de intermediário, levando (e elevando) ao plano espiritual
285
divino os pedidos e súplicas dos homens. Dessa forma, são desenvolvidas figuras
(Canaã, deserto da vida, repouso, salvação, etc.) e temas das coisas de Deus (a
obediência aos preceitos divinos, a busca do repouso em Deus), com a finalidade de
direcionar a vida dos homens para a salvação.
Ainda existe um repouso para o novo povo de Deus que somos nós [...]
(padre Fernando)
E o autor da Carta aos Hebreus, numa exegese mais ou menos rabínica [...]
(idem)
Ainda não entramos definitivamente naquele grande sábado onde se
repousa em Deus e onde se repousa com Deus.(idem)
[...] quando andamos na Palavra de Deus, quando nós queremos viver o Seu
plano de amor [...] (padre Alberto)
16 – Fé emocional (intensa) vs. fé racional (extensa)
16.a- O discurso iurdiano mantém o nível do gradiente da intensidade tensiva
elevado durante a preleção, reduzindo-o, porém, quando dos desfechos
dos testemunhos (sempre felizes) e da instauração da esperança. Tem
base na emoção. Fé emocional.
É prática comum, no discurso dos programas televisivos neopentecostais, a
manutenção dos níveis de tensão elevados, decorrentes da instauração do medo, da
vergonha e do desespero. O medo e os antissujeitos malignos não se instauram
com base na Palavra Revelada, mas, sim, nas crenças do local em que a IURD se
instala. Tais níveis serão reduzidos com a implantação da esperança de solução dos
problemas, por meio dos testemunhos ou com o convite de ida ao templo para
buscar, na Igreja, a solução de todos os problemas.
(aumento da tensão)
[...] existe uma força do Mal na sua vida, força do Mal esta que pode ter
entrado por uma inveja, por uma maldição, por um feitiço e este mal não vai
sair da sua vida por si só [...].
(relaxamento)
Repórter IURD: É uma felicidade que a senhora não conhecia?
Testemunhante (D. Leia): Completamente. que pra tudo isso existe um
segredo e esse segredo é a perseverança. Aqui, sim, você sendo
perseverante, você vai obter a sua vitória.
286
Repórter: Essa perseverança, a senhora adquire a cada segunda-feira que a
senhora está aqui?
D. Leia: A cada segunda-feira. Não é exatamente na primeira segunda-feira
que você tem o resultado, não. Você passa uma segunda-feira...aquela
ministração que você tem ali, você consegue adquirir algo para
você...abastecer aquela semana pra você resolver a situação daquela
semana e, aos poucos, você consegue a sua conquista.
Assim representamos graficamente as tensões do discurso iurdiano de televisão:
tensões
+
Intensidade
Extensão +
alcance (a quem o discurso atinge)
fala do pastor
Convite para ida ao templo (- tensão, + alcance)
retomada da fala pelo pastor (+ tensão, + alcance)
1ª. parte do testemunho (+ tensão, - alcance)
Final feliz do testemunho (- tensão, - alcance)
Gráfico 41: gráfico tensivo do discurso iurdiano
16.b- Lançando as paixões (o emocional) no eixo da intensidade e a compreensão
(o racional) no eixo da extensão, os programas televisivos católicos variam da
emocional à fé racional. O programa O pão nosso de cada dia, mesmo tendo
desenvolvido as paixões da ira e da indignação (de Deus), consolida os argumentos
287
sobre as explanações dos textos bíblicos. Essa postura professoral leva esse
programa a fincar suas bases na fé racional e, portanto, no eixo da extensão.
O programa de linha carismática Encontro com Cristo situa-se, em termos
tensivos, entre os eixos da intensidade e da extensão. Nesse programa, uma
mistura de traços neopentecostais com católicos tradicionais, ou seja, o destinador,
padre Alberto, promete uma vida abundante por meio da Palavra Revelada
(racional), um milagre para quem for ao Encontro (emocional) e a cura das emoções
negativas causada pela leitura de um livro de sua autoria (emocional). Essa
“mistura” é uma característica do discurso carismático católico. O emocional e o
racional caminham lado a lado.
O programa do padre Marcelo Rossi é uma oração improvisada, um mantra
que nada tem a ver com as escrituras ou com o racional. A reza do terço bizantino,
na forma idealizada pelo padre, depende inteiramente da fé. Fé emocional.
Assim representamos graficamente a tensividade dos três programas
televisivos católicos analisados:
1-
O pão nosso de cada dia (racional) 2- Encontro com Cristo (emocional / racional)
Padre Fernando J. C. Cardoso Padre Alberto Luiz Gambarini
+ +
Linguagem professoral, erudição, Milagres, cura das emoções
citações bíblicas completas. negativas, citações
Intens. decadência Intensidade amplificação
_ extensão + _ extensão
+
Predomínio do conhecimento, da releitura, da “Mistura” do emocional e do racional
consciência e da reflexão (fé racional) (fé emotiva + fé racional)
288
3 -
Terço bizantino (emocional)
Padre Marcelo Rossi
Intensidade ascendência
extensão
O programa é baseado exclusivamente na fé.
(não há textos bíblicos, explanações, comparações)
Gráficos 42: do racional ao emocional
Sobrepondo-se no gráfico da tensividade a fé emocional e a fé racional
instauradas nos três programas católicos de televisão, visualizaremos o discurso
televisivo multifacetado da Igreja Católica:
(emocional)
Intensidade
Encontro com Cristo
O pão nosso de cada dia
Terço bizantino
Extensão (racional)
Gráfico 43: esquemas tensivos dos programas católicos.
289
QUADRO-RESUMO COMPARATIVO ENTRE AS ESTRATÉGIAS PERSUASIVAS
DOS PROGRAMAS TELEVISIVOS DA IURD E CALICOS
A IURD A IGREJA CATÓLICA
Considera os homens vítimas do Mal,
concretizado na figura do encosto, da
coisa estranha, do pó-de-sumiço, que
exerce o papel de antissujeito, obstáculo
entre o sujeito
(telespectador)
e seu objeto de
valor
(bens materiais)
. A concretização do Mal,
enquanto entidade, é baseada nas
crenças e na cultura dos locais em que a
Igreja se instala.
Considera os homens culpados por
suas mazelas, as quais decorrem do
não-cumprimento da Palavra Revelada.
A Igreja Católica leva em conta a cula
deixada nos homens pelo pecado
original.
Instaura predominantemente paixões
negativas medo, vergonha, desespero
como ponto de partida do processo da
persuasão.
O discurso católico tradicional baseia seu
argumento nas Escrituras e procura
encorajar os fiéis diante dos problemas
que a vida apresenta.
Desenvolve uma isotopia maniqueísta do
Mal (antissujeito) e do Bem, em todos os
programas televisivos.
uma tendência dos programas
católicos mais recentes de não recorrer à
visão maniqueísta que colocava os
homens sob a influência de demônios.
Dois dos três programas católicos
analisados instalam paixões negativas
como antissujeitos em lugar do Mal.
Reflete as características da pós-
modernidade, apresentando um discurso
que promete o sucesso imediato, por
meio de simulacros de uma vida material
plena e abundante.
O discurso católico tradicional busca a
salvação espiritual. O carismático não
deixa de lado a salvação, mas exacerba
características pós-modernas como o
imediatismo das curas, a fartura e o
bem-estar terrenos
Pretende ser a igreja do poder. Afirma o
domínio do mundo espiritual sobre o
material e o poder da Igreja sobre
ambos.
Quer ser a igreja do saber. Valoriza o
conhecimento das escrituras, da vida,
dos homens e de Deus.
Utiliza grade número de testemunhos. O argumento de autoridade da voz de
Deus, decorrente das citações de textos
bíblicos substitui estrategicamente a
recorrência dos testemunhos.
Intimida quem “não toma uma atitude”
(quem não vai ao templo). Seduz quem
for ao templo, prometendo a solução dos
problemas, a riqueza e a saúde.
Intimida quem o obedece à Palavra
Revelada (discurso católico tradicional).
Seduz quem for à igreja, prometendo
objetos mágicos e milagres.
Assume o papel do sujeito que resolve
todos os problemas dos telespectadores.
Cria, assim, um ciclo de assujeitamento
do fiel com a Igreja.
Exerce o papel de intermediadora
/intercessora.
Utiliza somente preces naturais. Quase sempre utiliza as preces não-
naturais, já prontas.
290
Linguagem da pós-modernidade Linguagem da tradição e da s-
modernidade (linha católica carismática)
Valoriza e exacerba o uso de objetos
mágicos (água, -de-sumiço, carteira
profissional abençoada etc.), tanto
eufóricos quanto disfóricos, atribuindo-
lhes poderes.
Valoriza os objetos mágicos e as
relíquias. Atribui poderes a objetos
mágicos gua, óleo, Santíssimo,
medalhinhas etc.), sempre eufóricos.
Instaura o medo do domínio das forças
malignas e a vergonha do fracasso
diante da sociedade.
Instaura o medo diante da ira de Deus
pelo não cumprimento da Palavra.
Prefere alusões a citações dos textos
bíblicos.
Utiliza tanto citações quanto alusões a
textos bíblicos.
Reafirma o poder, empregando uma
retórica militarista.
Principalmente no discurso tradicional,
recorre a uma retórica professoral em
que afirma a sapiência e a confiabilidade
da Igreja.
Sobrepõe a isotopia temático-figurativa
das coisa do mundo sobre a isotopia das
coisas divinas.
Sobrepõe a isotopia temático-figurativa
das coisas de Deus sobre as do mundo.
Procura impingir, no telespectador, a
emocional.
Impinge, no telespectador, tanto a fé
emocional quanto a fé racional.
Incorpora gêneros trazidos de outras
esferas de ação, como os testemunhos,
muito utilizados, atualmente, nos
programas televisivos da IURD.
Também incorpora gêneros trazidos de
outras esferas de ação, se bem que de
forma incipiente. Enquanto a IURD
recorre a desenhos animados, filmes,
teledramaturgia, programas de auditório,
a Igreja Católica, nos programas
analisados, ainda se mantém
conservadora. No programa Encontro
com Cristo, o padre-destinador, por
exemplo, pede aos telespectadores que
enviem testemunhos por carta, mas não
os apresenta.
As estratégias discursivas dos pastores e
bispos são idênticas. Os agentes
religiosos iurdianos “falam a mesma
língua”, portanto, apresentam um éthos
uno.
As estratégias discursivas dos padres
são bastante diferentes entre si. Variam
de programa para programa. Os
destinadores católicos “não falam a
mesma língua” e, em consequência,
apresentam um éthos fragmentado.
291
CAPÍTULO VII
Os ethé das Igrejas Universal do Reino de Deus e Católica
Apostólica Romana
Pelo modo recorrente de avaliar e interpretar
o mundo, é construído o ator da enunciação.
(Discini,2003: 205)
IURD IGREJA CATÓLICA
Destinatário-sujeito: vítima. Destinatário-sujeito: culpado.
Medo, vergonha, desespero, esperança >IURD:
solução dos problemas.
Medo, coragem, amor de Deus > fé.
Isotopia maniqueísta Bem/ Mal. Instauração de paixões negativas como
antissujeitos.
Sucesso material, saúde, fartura. Salvação espiritual / sucesso material.
Igreja do poder. Igreja do saber.
Discurso de autoridade: testemunhos. Discurso de autoridade: Bíblia.
Persuasão do sujeito para que vá templo. Persuasão do sujeito para que obedeça à
Palavra/ vá ao templo.
IURD: co-destinadora (mesmo lugar enunciativo
de Deus).
Igreja Católica: intermediadora/ intercessora
(lugar enunciativo intermediário entre o fiel e
Deus).
Preces naturais. Preces não-naturais.
Pós-modernidade. Tradição / pós modernidade.
Objetos mágicos negativos e positivos. Objetos mágicos positivos e relíquias.
Medo do Mal. Medo de Deus.
Predomínio das alusões. Predomínio das citações.
Retórica militarista. Retórica professoral.
Isotopia das coisas do mundo. Isotopia das coisas divinas.
Fé emocional. Fé racional.
292
A partir do conjunto dos segmentos analisados e apoiados na recorrência de
comportamentos cuja previsibilidade está assegurada pela própria totalidade,
podemos afirmar que o discurso de televisão da neopentecostal Igreja Universal do
Reino de Deus constrói um éthos” onisciente porque demonstra tudo saber a
respeito da vida de seus telespectadores, do mundo material e do mundo espiritual.
Esse éthos se estabelece em função da construção do simulacro de um destinatário-
sujeito afastado da felicidade porque constantemente submisso a atuantes forças
negativas, influentes no lar, no trabalho, na saúde física e emocional. A felicidade
concebida pela IURD como a conjunção da saúde, com o amor e o dinheiro, aqui e
agora somente se(re)conquistada com a poderosa ajuda da Igreja, de seus
bispos e pastores, que ocorrerá, caso o telespectador vá ao templo. Ali, o fiel sofrerá
todo tipo de manipulação. Por convergência de vozes, o discurso iurdiano ergue um
éthos uno que grita um inimigo espiritual causador de todos os males, um
antissujeito / antidestinador criado pela própria Igreja Universal, à imagem da cultura
brasileira, contra o qual lutará em uma guerra sem fim. A ação da poderosa
entidade maligna é banalizada por uma contínua performance, provocadora de todos
os problemas da vida, desde os mais corriqueiros, como dores de cabeça e
nervosismo, até os mais graves, como doenças ditas incuráveis. O discurso da
neopentecostal procurará atrair o destinatário ao templo. Com esse propósito,
iniciará seu processo de persuasão com o simulacro de um telespectador
amedrontado diante da ameaça de ser vitimado pela vergonha e pelo desespero
causados pela situação de falta por que passa, resultado da influência de um
inimigo, somente conhecido pela IURD. O éthosonisciente iurdiano não apresenta
dúvidas nem contradições, pois conhece tudo o que se passa na vida particular dos
293
telespectadores; onipotente, atribui a si mesmo, e a si, o poder de melhorar o
mundo, o mundo de quem frequenta a IURD. Provocativo e intimidador, sedutor e
tentador, consegue levar o destinatário do medo/vergonha/desespero à esperança,
do conformismo à ação. Esse discurso constrói um destinatário dependente da e,
por conseguinte, da IURD, para destruir o inimigo e pôr fim à falta de dinheiro, às
doenças, ao desconforto, ao medo e à vergonha. Quanto maior o mistério, quanto
maior a transcendência do inimigo, maior o poder persuasivo gerador da , a que
dá origem à ação e à dependência do fiel com relação à Igreja. Define-se, assim, um
ciclo de assujeitamento do fiel para com a Igreja, conforme ilustração a seguir.
Ilustração 26: ciclo de assujeitamento fiel/ IURD.
O discurso iurdiano deve boa parte de seu sucesso persuasivo por caminhar
lado a lado com o progresso, oferecendo as exigências do mundo pós-moderno. À
medida que promete sucesso imediato criando simulacros de uma vida material
abundante, estabelece sua identidade dialogando com outros discursos,
especialmente com o discurso econômico, o discurso da mídia, da propaganda, da
autoajuda, da Bíblia e de outras religiões.
ciclo de
assujeitamento
maior mistério
maior inimigo
maior fé
maior
dependência
da
igreja
294
Nesse perfil desenham-se os contornos da Igreja s-moderna: pastores
eloquentes e impecavelmente vestidos, cercados por telões e computadores,
formam o cenário nos estúdios da emissora de TV. O éthosda Universal promete
entrar na guerra pela felicidade de seus fiéis, enfrentando quaisquer desafios,
curando doenças incuráveis, dando a vida plena, a saúde, o amor, os bens
materiais, porque resulta da indubitabilidade. Esse éthos insere-se, assim, de forma
perfeita, no contexto da comunicação do mundo moderno, colhendo para si frutos
que nada mais são do que sua própria promessa ao outro: o sucesso.
Recuperamos, neste ponto, a asseveração de Tatit (2001: 37), para quem Deus é
um grande destinador transcendente sempre o maior de todos, nos sistemas de
valores conhecidos que independe de atributos modais ou de bens materiais para
exercer sua influência, já que é um produto da dos seus destinatários. Tal
afirmação, no entanto, não corresponde ao discurso da IURD, uma vez que nele
ocorre uma considerável mudança de lugares actanciais, se comparado ao discurso
religioso tradicional. O discurso da IURD, fortemente voltado à atração de novos fiéis
oriundos de outras religiões, principalmente da católica, constrói uma ideologia de
facilitação no trato com Deus, devido à extrema facilidade com que seus pastores e
bispos “se comunicam” com o Criador
79
. Ao construir simulacros demonstrando
conhecer profundamente não os destinatários, enquanto seres humanos repletos
de paixões, mas também seus problemas familiares, emocionais e financeiros, o
discurso iurdiano mostra seu éthos onisciente que, somado à adoção de uma
retórica militarista, assume sua onipotência no papel de comandante da guerra
contra o Mal. Deus cumpre papel de adjuvante no ritual e no discurso. A
concretização desse papel se no espaço do Templo Maior, durante o Congresso
79
O Bispo Edir Macedo, líder da IURD, em seu programa diário na Rádio Aleluia, FM 99.3, repete
diariamente, antes da prece natural, como se Deus estivesse sentado na cadeira a seu lado: Vamos,
agora, falar com Deus.
295
Empresarial (Reunião dos 318), durante a Corrente dos 70 ou em meio às sessões
do descarrego e de terapia espiritual. Deus deixa de ser considerado uma entidade
sobreposta e dominante para ser um elemento participante desses mesmos rituais.
Deflagra-se uma igualdade entre os lugares enunciativos do agente
religioso
(bispo/pastor/IURD)
e de Deus
(pastor/IURD/Deus)
; quem precisa de ajuda e é ajudado é
sempre o destinatário, quem atua é sempre a Igreja. Não há mudanças de papéis ao
longo dos programas analisados. Como afirmamos anteriormente, se alguma
ocasional simetria na relação de comunicação entre destinador / destinatário, no
discurso iurdiano, é porque, em alguns (poucos) momentos, o bispo / pastor desce
um degrau para criar o efeito de cumplicidade, colocando-se como soldado em uma
batalha que a Igreja pode vencer. O destinatário
(fiel/telespectador)
é convencido de
que, sem a IURD, nada poderá fazer para sair da situação ruim em que se encontra.
Essa batalha é continuamente vinculada a uma ideologia beligerante e
maniqueísta de busca do sucesso material. Teologia da prosperidade. Exacerba-se
a presença do Mal fustigando a vida de todos os telespectadores que não são
adeptos da Universal, concretizado nas doenças, no desemprego, nas desilusões,
na vergonha causada por uma posição social inferior. O Bem é a Igreja, que, com
seus pastores, bispos, objetos mágicos e rituais, pode, quando bem desejar, acionar
sua força e a de Deus para acabar com todas as mazelas dos destinatários. A
convicção, a intimidade com o mundo espiritual, a exaltação retórica somados aos
testemunhos de cura e de sucesso fazem do pastor neopentecostal quase um
homem-deus (e não homem de Deus). É o éthos do poder. O sobe-e-desce tensivo
do discurso iurdiano alterna momentos de forte intensidade, quando da instauração
de paixões negativas nascidas do medo, com momentos de relaxamento, quando da
doação da esperança na (re)conquista desses objetos, transformando o destinatário
296
em um feixe de paixões. O poderoso éthos iurdiano faz prevalecer a emocional
alicerçada na intensidade das paixões, na inconstância dos bens materiais e na
efemeridade da vida terrena. Para tanto, sobrepõe uma isotopia temático-figurativa
das coisas do mundo sobre a isotopia das coisas de Deus, prefere as alusões às
citações bíblicas e assume seu lugar enunciativo ao lado de Deus.
Assim vemos os lugares enunciativos e as relações de comunicação entre
Deus, a IURD
(bispo, pastor)
e o fiel (Jadon, 2005: 133):
(a) Relação de comunicação simétrica entre Deus e a IURD.
(b) Relação de comunicação assimétrica entre Deus/IURD e o fiel.
(a) Relação de comunicação simétrica
entre Deus e a IURD.
ocupam o mesmo
lugar enunciativo
( igualdade actancial )
lugares enunciativos diferentes
(b)
relação de comunicação assimétrica entre Deus/agente religioso e o fiel
Ilustração 27: A IURD, com seu éthos onisciente e onipresente, coloca-se no mesmo lugar
enunciativo de Deus.
Sob o olhar aristotélico, o éthos iurdiano convence porque, ao mostrar-se
profundamente solidário aos telespectadores e aparentar sinceridade e sabedoria,
apresenta, respectivamente, suas três dimensões: eúnoia, areté e phrónesis. Além
Deus
Pastor/bispo/IURD
destinador
Fiel
destinatário
297
disso, todas as vozes convergem para a formação de uma personalidade
discursiva. Os agentes religiosos, pastores ou bispos, líderes ou não, utilizam as
mesmas estratégias de persuasão e, como afirmamos, “falam a mesma língua”,
sem contradições. Dessa forma, o éthos iurdiano de televisão, além de se fazer
onisciente e onipotente, o poderoso quanto Deus, beligerante e heróico contra a
figura do Mal, é, também, uno, sólido e indivisível, fator que grande credibilidade
ao discurso.
O discurso dos programas de televisão católicos, visto de forma geral, reflete
tendências ideológicas diferentes, conforme a linha de formação dos padres-
apresentadores e, por isso, apresenta desde programas produzidos por correntes
reacionárias até as mais progressistas. Nesta tese, restringimos o enfoque da
análise a textos produzidos pela Igreja Católica tradicional (programa O pão nosso
de cada dia, apresentado pelo padre Fernando J. C. Cardoso) e pelo Movimento de
Renovação Carismática Católico (programas Encontro com Cristo, do padre Alberto
Gambarini, e Terço bizantino, do padre Marcelo Rossi). O nome “Renovação”
demonstra o perfil ideológico desse movimento. Após a análise dos textos dessas
duas correntes católicas, pudemos concluir que, em ambas, Deus permanece o
destinador onisciente, onipresente e onipotente, inatingível pelo status de qualquer
ser humano, seja ele padre, bispo ou papa. O discurso procura erigir um éthos do
saber, da mediação e da intercessão. Em tom professoral, o padre, detentor da
imagem de homem de Deus (diferente do homem-deus iurdiano), recupera as
passagens bíblicas, por meio de citações, para repassá-las aos telespectadores não
tão esclarecidos. O agente religioso assume uma posição enunciativa ambígua
porque ora ocupa o lugar de destinatário da Palavra Revelada ora ocupa o lugar de
destinador com relação ao fiel. O discurso da religião romana apresenta estratégias
298
persuasivas divergentes de enunciador para enunciador, entretanto mantém seus
agentes religiosos, de linha tradicional ou carismática, preenchendo o lugar de
intermediadores entre o plano material, habitado pelos homens, e o espiritual,
habitado por Deus. Construído sobre um discurso que exalta a transcendentalidade
do homem e da vida, o éthos católico demonstra sabedoria, ao alertar os
telespectadores quanto às consequências espirituais às quais estão sujeitos, caso
pequem. O homem é atormentado constantemente pelo pecado, por suas culpas,
pelas paixões negativas e, consequentemente, pela possível morte espiritual, com a
perda da sua eternidade, em troca da graça divina e da salvação espiritual. Para que
os telespectadores atinjam o objetivo maior (a salvação), o discurso católico
tradicional repassa aos telespectadores a imagem da erudição professoral em torno
Palavra Revelada, da proteção familiar (Deus é o Pai, Maria é a e, Jesus é o
Filho) e da coragem diante dos transtornos da vida.
O discurso dos padres de linha carismática também constrói seu éthos sobre
as bases principais da tradição católica, mantendo a salvação espiritual como meta,
mas incorpora características pós-modernas e, por isso, aproxima-se do éthos
(neo)pentecostal. A atomização do fiel (o homem visto como um ser individual), a
necessidade de respostas imediatas (milagres) para a supressão da falta, as curas
emocionais e de doenças, as batalhas contra o Diabo, a busca do bem-estar, o
apelo às manifestações do Espírito Santo são incorporados pelo discurso católico
carismático como acolhimento aos anseios do homem de hoje. Mesmo assim, o
enunciador não deixa vazio seu lugar enunciativo de intermediador / intercessor
entre o homem e o divino. Deus sempre é o Pai, o espírito supremo, onisciente,
onipresente e onipotente, a quem todo o universo está submisso.
299
Assim representamos a relação assimétrica de comunicação entre Deus, a
Igreja Católica e o fiel:
intermediador / intercessor
lugares enunciativos diferentes
relação de comunicação assimétrica
Ilustração 28: A Igreja Católica e seu papel de intermediadora.
A presença de várias correntes ideológicas no seio da Igreja Católica submete
o éthos a uma fragmentação. Sob uma visão geral, são várias igrejas em uma só.
Nos textos analisados, o éthos fragmentado sujeita os telespectadores não
cumpridores da Palavra ora à ira de Deus ora à Sua misericórdia e amor. As
estratégias de persuasão não são uniformes, como as da IURD. Se o padre tem
formação carismática, apresenta um discurso centralizado diretamente no
destinatário, no você
80
, semelhante ao discurso neopentecostal; se tradicional,
prega, algumas vezes, com erudição, como em uma aula, apagando a relação eu-
destinador / você-destinatário, característica da enunciação enunciada, para
valorizar o emprego da 3ª pessoa, no enunciado enunciado,. A pregação em 3ª
pessoa não invade o interior do destinatário como o faz a pregação em enunciação
enunciada (eu / você). O nível de tensividade, no enunciado enunciado permanece
80
no programa Encontro com Cristo aqui analisado, cuja duração não chega a quinze minutos, o
padre carismático Alberto Gambarini utiliza dezoito vezes o lexema você. Em programa exibido mais
recentemente (anexo), em 2009, o lexema é empregado dezenove vezes.
Deus
o grande destinador
A
gente
Religioso / Igreja
(padre, bispo, etc.)
Fiel
destinatário
300
baixo, pois cria o efeito de sentido de objetividade. Nesse caso, o destinatário exerce
muito mais o papel de espectador do que de expectador. Por outro lado, a relação
dialógica eu/você, predominante nos programas televisivos neopentecostais,
autoriza a “incursão” que o agente religioso faz na vida do destinatário, para
descortinar as situações e paixões mais íntimas do telespectador. Criam-se
simulacros disfóricos, abusa-se do conhecimento genérico, em uma enunciação
enunciada que constrói um destinador onisciente e poderoso, expandido para além
dos limites do sujeito, representativo de toda estrutura da IURD (pastores, bispos
etc.). O efeito de sentido pretendido é o do agente religioso realmente conhecer o
que se passa no interior de cada um para, trazendo à tona as mazelas, atrair o
destinatário ao templo. Ocorre uma estratégica “invasão” ao interior do sujeito para
exacerbar os fatores disfóricos que conduzem à infelicidade. A emoção sobrepõe-se
à razão. Esse procedimento implica um aumento do grau de intensidade tensiva no
discurso, como pudemos demonstrar no transcorrer das análises. Recordemos os
pastores iurdianos iniciando sua fala com simulacros negativos dos estados em que
se encontravam os telespectadores (Você, que está desesperado, devendo para
todo mundo; você, que está com problemas de saúde; você que tem sido tima de
feitiçarias e de trabalhos; você, que tem sido preterido no amor; você, que está
sempre desempregado etc.) ou, em menor grau, o padre carismático Alberto
Gambarini, preocupado com a cura das emoções interiores de seus fiéis. na
pregação tradicional, repetimos, o agente religioso procura atrair o telespectador por
meio de uma centralização do discurso na Palavra Revelada e não no destinatário.
Em enunciado enunciado, parte-se da premissa de que todos os seres humanos,
ricos ou pobres, os ou doentes, são faltos, falhos e pecadores e encontrarão a
felicidade plena por meio da salvação, no paraíso.
301
Pregação religiosa de televisão neopentecostal
“incursão” ao âmago do telespectador
por meio de simulacros negativos e
apelo à magia ou a símbolos culturais locais..
Pregação IURD Telespectador
Ilustração 29: pregação religiosa de televisão da IURD
Pregação religiosa católica tradicional
O agente religioso busca a adesão do
telespectador por meio da Palavra Revelada
Pregação católica tradicional Telespectador
Ilustração 30: Pregação religiosa de televisão da Igreja Católica.
Na realidade, as estratégias discursivas até aqui descritas pretendem trazer
novos adeptos à religião e manter os que o são inserindo-os em uma relação de
dependência com relação à Igreja, como afirmamos em momento anterior. A Igreja
Católica instaura, na televisão, um éthos discursivo do saber, da erudição, da
302
proteção familiar, da doação de coragem, fragmentado, multifacetado, devido não
à sua dimensão, história e idade, como também às suas correntes políticas internas
e às várias ordens religiosas diferentes que, embora subordinadas ao Vaticano,
carregam ideologias diversas. Neste trabalho, tivemos oportunidade de abordar uma
ínfima parcela do discurso católico de televisão, se considerarmos que analisamos
apenas os discursos católicos tradicional (padre Fernando J. C. Cardoso) e
carismático (padre Alberto Gambarini e Marcelo Rossi). Deixamos de lado, por
exemplo, a pregação religiosa de televisão (se houver) orientada por organizações
católicas como o Opus Dei (considerada ultraconservadora) ou como as
Comunidades de Base (progressistas). Há, ainda, no seio da Igreja Romana, ordens
e movimentos mais progressistas ainda, os quais pretendem apresentar uma Igreja
menos dogmática, que se aproxime do povo. Outros há, no entanto, que dão
extremo valor à hierarquia, à tradição, aos dogmas, à manutenção do
distanciamento profano / divino. Alguns desses movimentos querem parar o tempo
no passado, outros pretendem acompanhar o progresso; alguns apoiam ideologias
reacionárias, outros seguem linhas de considerável liberalidade. No entanto,
nenhum deles assume, no discurso, o lugar enunciativo de Deus, mantendo sempre
a característica de intermediação e, com maior ou menor eficiência, o necessário
ciclo de assujeitamento. Em outras palavras, podemos afirmar que, no Brasil, a
Igreja Católica “fala línguas diferentes”, mas, em cada uma delas, apresenta um
éthos do saber que se coloca como passagem entre o mundo material e o espiritual,
oferecendo a salvação para um conjunto de destinatários que sofre dos mesmos
males: a falta de dinheiro, a falta de saúde, a sensação de incompetência para
resolver problemas e, por isso, a insatisfação, o medo. na IURD, Igreja recém-
constituída (fundada em 1977), seu líder-fundador e idealizador, o Bispo Edir
303
Macedo, tem total domínio ideológico sobre seus pastores e não permite
movimentos dentro da Igreja, por isso, “falam a mesma língua”. Mesmo contando
com milhares de templos espalhados pelo Brasil e por mais de 100 países, a
Universal emprega as mesmas estratégias discursivas. Seus pastores são
semelhantes até na forma de falar. Todos seguem à risca as determinações e
orientações do Bispo Macedo. Daí a construção de um éthos uno, indivisível,
beligerante, onisciente e poderoso, pois tudo pode e tudo consegue solucionar,
moldado exatamente na forma exigida pela sociedade pós-moderna.
304
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho nasceu de nosso interesse por dois objetos de estudo: o
discurso religioso de televisão e a Semiótica de linha francesa ou greimasiana.
Nossa curiosidade sobre essa ciência começou quando, no ano de 2003, após vinte
e cinco anos de atuação nos magistérios médio e superior, retornamos aos bancos
da Universidade para obter, em 2005, o título de Mestre em Letras. Durante esse
curto tempo de retorno aos bancos universitários, tivemos a oportunidade de
conhecer professores que ministraram suas aulas apaixonadamente, com o amor
refletido pelo dom de ensinar que a vida lhes deu. Pudemos, a partir dali até hoje,
“saborear” as aulas de professores considerados “deuses” da Análise do Discurso e
da Semiótica, como a Profª Dra. Diana Luz Pessoa de Barros, o Prof. Dr. José Luiz
Fiorin, a Profª Dra. Norma Discini, a Profª Dra. Elisa Guimarães, a Profª Dra. Maria
Helena de Moura Neves, o Prof. Dr. Antonio Vicente S. Pietroforte, dentre tantos
outros que nos incentivaram a desenvolver nossos estudos sobre a instigante
pregação religiosa de televisão. Para nós que, com nove anos de idade, por
iniciativa própria, havíamos lido atentamente todo o Evangelho de Jesus Cristo e,
talvez, por isso, tivéssemos desenvolvido uma grande atração por “como e o que se
prega em cada religião”, abriram-se as portas de uma pesquisa que, embora longa e
sem fim, trouxe-nos indescritível satisfação, além do inegável amadurecimento
pessoal e profissional.
Essa pesquisa, que certamente não terminará aqui, constituiu este estudo
sobre cujas conclusões tecemos, agora, algumas considerações finais:
Desde a antiguidade, os homens do mundo ocidental e, mais
especificamente, os cristãos, acreditam estar sujeitos a toda sorte de influências
305
provindas de planos de existência diversos, cujos nomes variam sobremaneira.
Jesus, ao ensinar o povo a rezar, iniciou a principal oração do cristianismo com um
“Pai nosso que estais nos céus”, ou seja, mesmo levando em conta que Sua vida
foi marcada por um constante diálogo entre os planos espirituais e terrenos, Jesus
confirmou, com a expressão nos céus, que Deus-pai se encontra no plano espiritual,
um lugar invisível, inacessível para o homem, diferente do nosso. Essa crença em
um mundo invisível aos olhos carnais remonta, no entanto, a épocas muito
anteriores à de Cristo. Os antigos egípcios (3000 anos a.C.) embalsamavam os
corpos de seus faraós e depositavam enormes tesouros nas tumbas para que o
espírito nobre pudesse usufruir, com grande fartura, a nova vida nos planos
espirituais. Na realidade, para o cristianismo, o diálogo entre o mundo material e o
espiritual, o profano e o divino, existe, segundo as Escrituras (Gênesis), desde a
criação da humanidade e do universo, quando, expulso do Éden por desobedecer ao
Criador, o homem não perdeu sua condição divina, mas, maculado pelo pecado
original, acabou por se expor ao erro, à culpa causada pelo pecado, ao sofrimento, à
morte, à tormenta do inferno e ao julgamento final. Desfez-se, na expulsão do
paraíso, a aliança original com Deus, recuperada, tempos depois, pelo sacrifício de
Jesus, na Cruz (“o sangue derramado pela nova e eterna aliança”). Exilado de seu
lar, o homem sempre se sentiu sozinho, desligado do Pai, e, por isso, sem força
suficiente para enfrentar, por si só, os grandes problemas que a vida apresenta.
Dessa insegurança diante do inexplicável surgiu a necessidade de se acreditar em
algo que pudesse, pelo menos, atenuar a inexorável ideia da morte.
306
Assim, grosso modo, surgiram as religiões cristãs
81
, filosofias dispostas a
restaurar a origem divina do homem e, portanto, dispostas a religá-lo a Deus e à
eternidade em troca da e da obediência à Palavra Revelada. Filósofos e líderes
espirituais reuniram seus textos, autenticaram suas verdades, organizaram-se
hierarquicamente e divulgaram-nas a todos que, fiéis por meio da fé, passaram a
sustentá-las dentro das estruturas de suas igrejas.
É fato, porém, que, a partir da segunda metade do Século XX, os adventos da
televisão e do computador, a valorização do consumo, da autoimagem e da moral do
prazer imediato, promoveram a transformação do homem em um indivíduo mais
individualista, desprovido de historicidade, voltado para si mesmo, na busca de
referências para o viver diário (Campos, 1997: 46) mudanças asseguradas pelo
mundo pós-moderno
82
e influenciaram o gênero da pregação religiosa. Esse
gênero milenar teve, então, que incorporar outros, em especial, o gênero da mídia
televisiva, com o objetivo não de manter os antigos fiéis como também e
principalmente o de atrair novos adeptos. O que se viu no Brasil, país quase
81
No Grande dicionário etimológico-prosódico da Língua Portuguesa, encontramos, para o lexema
religião: Lat. religio, religionis, do tema de religare, ligar outra vez, ou melhor: ligar fortemente, onde o
prefixo re é intensivo.
82
Não nos propusemos, neste trabalho, a tratar da pós-modernidade, porém as religiões
neopentecostais e, em especial, a IURD, carregam os parâmetros desse movimento. Do Blog dos
Docentes e Investigadores da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona,
transcrevemos o comentário de Azevedo (2008) sobre as religiões na pós-modernidade.:
[...] podemos destacar algumas marcas dessa manifestação religiosa, enfocando obviamente
a religiosidade do catolicismo popular e a que se manifesta no contexto protestante.
Uma das marcas desse fenômeno (das-modernidade) é o misticismo, a valorização
excessiva do emocional e o abandono da razão. Parece contraditório que vivamos hoje quase que
um retorno aos períodos mais primitivos da raça humana. Elementos das crendices religiosas mais
elementares ganham espaço na religiosidade atual. [...] verifica-se a banalização da e a
mercantilização da graça. A graça não é concedida por Deus, ela é conquistada por um baixo
preço através da manipulação de jejuns, correntes de orações,” “cultos de descarrego”, “cultos da
conquista” das “novenasetc. Tem sempre uma “noite” para cada necessidade. O que você quiser é
só frequentar o culto certo, e Deus não tem escolha, tem que atender. A igreja já não é o lugar “aonde
você vai para servir”, ela se tornou a prateleira onde se vendem nçãos, milagres, curas, CDs,
DVDs, livros de todo tipo, objetos ungidos e sagrados e todo tipo de bugigangas que alimentam a
volúpia de alguns que enriquecem enquanto prometem prosperidade para os outros.
Campos (1997: 46) afirma que a pós-modernidade tem sido apresentada como uma das
causas do surgimento de novos movimentos religiosos no Ocidente e que tanto o movimento
neopentecostal protestante como o movimento carismático católico podem ser analisados dentro da
linha pós-moderna.
307
totalmente católico, foi, a partir da cada de 50, um crescimento das religiões
evangélicas pentecostais e das neopentecostais (estas, a partir da década de 70)
que recorreram aos recursos da mídia, com ousadia, alugando longos horários ou
comprando redes de televisão para transmitir suas pregações. As estratégias
persuasivas do discurso religioso passaram, então, a se modificar continuamente, de
forma a se adaptar às novas tecnologias. Hoje, ao lado dos cultos nos templos
(transmitidos via satélite), os programas de rádio, as pregações via TV, os blogs
dos padres e dos pastores, os sites das Igrejas, a mídia impressa pelas próprias
instituições religiosas, enfim, um aparato comunicativo que, se não utilizado,
certamente implicará o declínio do número de fiéis ou mesmo o desaparecimento de
algumas religiões tradicionais. Cientes disso, a neopentecostal IURD e a tradicional
Igreja Católica vêm utilizando a mídia televisiva, como vimos, com formatos de
produção e estratégias discursivas diferentes. Construíram, então, o novo gênero da
pregação religiosa de televisão, resultado da incorporação de outros gêneros,
oriundos de diversas esferas de atividades, e erigiram éthe cujo resultado é uma
maior ou menor eficiência no /fazer-crer/ para /fazer-fazer/.
Passa a ocorrer, dessa forma, um embate discursivo não só entre duas
religiões cristãs, mas entre religiões de características diferentes: a IURD não
completou quarenta anos, a Católica é milenar; a IURD aumentou o número de fiéis
nos últimos anos, a Católica perdeu parte deles; a IURD responsabiliza o Diabo pelo
Espiritismo, pelas religiões de origem africana e pelo catolicismo; a Católica
excomunga o médico que, autorizado pela lei e aclamado pela opinião pública,
procedeu ao aborto para salvar a vida de uma menina de nove anos, vítima de
estupro; a IURD espelho da pós-modernidade converge todas as suas vozes
para a pregação da felicidade aqui e agora, do homem atomizado, individualista,
308
materialista; a Católica luta para unir suas vozes divergentes que gritam desde a
felicidade de uma vida material abundante até a felicidade concretizada na salvação
eterna, produto da obediência aos preceitos bíblicos. Ambas, porém, apresentam
suas ideologias em programas na televisão.
No discurso católico, tivemos a oportunidade de avaliar duas tendências
muito presentes na Igreja de hoje: a tradicional, do programa O pão nosso de cada
dia, apresentado pelo padre Fernando J. C. Cardoso, doutor em Ciências da
Religião, e a progressista ou moderna, representada pelos programas de tendência
carismática. Pudemos observar que o agente religioso católico se coloca não
como intermediador entre o plano espiritual (de Deus) e o plano material (dos
homens) mas também como intercessor homem / Deus. Por outro lado, se o
discurso neopentecostal coloca o agente religioso no mesmo lugar enunciativo de
Deus, cabe-nos registrar que o telespectador da IURD também se mais próximo
do plano espiritual que não existe o degrau intermediário (normalmente ocupado
pelo agente religioso) entre ele e o Criador. A ocupação do mesmo patamar
enunciativo de Deus demonstra conhecimento e poder, fator que estimula no outro,
em alto grau, a fé na Igreja (e em Deus). No discurso católico, no entanto, a
presença do padre preenchendo o degrau da intermediação deixa o fiel em uma
posição mais afastada do plano espiritual. O padre exerce um papel ambíguo, pois é
um porta-voz de dupla função: leva os anseios dos homens a Deus e traz a Palavra
divina para os homens. Essa estratégia também resulta em um ciclo de dependência
fiel / Igreja, mais brando que o da IURD, uma vez que o medo, a vergonha e o
desespero diante da falta dos valores materiais, paixões constantes no discurso
iurdiano, não se instalam de forma tão constante e contundente no discurso católico.
309
Em conclusão, desde a antiguidade, os homens vêm atribuindo ao plano
espiritual a responsabilidade pelo curso de boa parte de suas vidas, outorgando-lhe
um status superior que o autoriza a influenciar decisivamente nos destinos dos
planos materiais. Conscientes disso, os homens têm apelado cada vez mais à ajuda
do mundo espiritual, impulsionados pelos problemas e pelas mazelas da vida
cotidiana. Dessa forma, as religes tornaram-se (ou procuraram se tornar) uma
porta de entrada para as criaturas buscarem ajuda de Deus ou mesmo de outras
entidades que, de acordo com a fé, habitam outro mundo. Por conseguinte, ao longo
da História, tais religiões, em especial as cristãs, foram-se proliferando,
multiplicando-se cada vez mais, de forma a construir estruturas seculares e
milenares cuja “manutenção” exigia (exige) uma constante adequação do discurso.
Basta observar a mudança do discurso católico durante a Contrarreforma religiosa
promovida pelo Vaticano, em meados do século XVI, para confirmar essa
necessidade de contínua transformação. Os tempos mudaram e grande parte das
pessoas não está mais disposta a se submeter a preceitos ditados por discursos tão
severos, condenatórios e cerceantes como eram os discursos religiosos de séculos
atrás. O catolicismo, depois de manter sua hegemonia no universo cristão durante
doze séculos (desde sua fundação
83
no Concílio de Niceia, século IV d.C, até a
Reforma de Luthero, culo XVI) viu-se obrigado a disputar lugar com outras
religiões cristãs, que também se espalharam pelo mundo. No entanto, no século XX,
com o advento da pós-modernidade, surgiram centenas de novas religiões cristãs
que, percebendo a necessidade de uma maior divulgação dos seus preceitos aos
homens, passaram a realizar suas pregações utilizando o mais moderno meio de
83
Os católicos afirmam que a fundação de sua Igreja deu-se por ocasião da nomeação, por Jesus, do
apóstolo Pedro como líder continuador de Sua doutrina, no século I. No entanto, adotamos, nesta
tese, o ano 325 d.C, data do Primeiro Concílio de Niceia, como a data oficial de fundação da Igreja
Católica Apostólica Romana.
310
comunicação, a televisão. O uso da televisão passou a ser quase uma questão de
sobrevivência. Assim ocorreu com a IURD, praticamente desde a sua fundação, em
1977, acompanhada pela milenar Igreja Católica, dentre outras. Assim surgiu o novo
gênero da pregação religiosa de televisão que, certamente, perdurará por muitos
anos até que outro aparelho de comunicação em massa venha a ser o popular a
ponto de substituir o televisor. O homem pós-moderno quer ser servido por Deus e
não servi-Lo. O Deus das religiões surgidas da pós-modernidade existe para servir e
não para ser servido. A fidelidade tem de ser um atributo do Criador com relação às
suas criaturas e não o contrário, por isso, frente a tantos problemas que a vida
apresenta, o homem procurará contar cada vez mais com a servidão do seu próprio
Pai, afinal, Deus é fiel.
Ilustrações 31: Acima, à esquerda, vê-se, sob a cruz, a pomba, símbolo do programa católico
carismático, representando o Espírito Santo; o mesmo símbolo, a pomba, é adotado pela IURD
(acima, à direita).
311
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318
ANEXOS
(os textos televisivos utilizados, na ordem)
TEXTOS DOS PROGRAMAS DE TELEVISÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO
REINO DE DEUS
1º segmento: Simulacros Negativos
Pastor Denílton: [...] há uma coisa estranha que acompanha o seu marido, que acompanha o
seu filho, essa coisa estranha que a senhora diz:
Eu não sei o que é, mas ele está diferente, ele o é mais o mesmo, mas eu estou
notando, pastor, uma coisa... que o comportamento do meu marido está igual ao do meu sogro, es
igual ao do meu pai, eu estou notando que isto, essa coisa estranha que está acompanhando o meu
pai, está acompanhando também o meu marido. Eu estou notando que a mesma dor, o mesmo
sofrimento que atuava na minha mãe, no casamento da minha mãe, está atuando no meu.
uma coisa estranha acompanhando a senhora, o senhor, e você não sabe o que
fazer? Preste atenção se não é isto que tem acontecido, algo estranho. Mas sabe por que esta coisa
estranha entrou aí? Por que de repente aconteceu isso? Olha, preste atenção, olha só...
2º Segmento: esperança e
Testemunho 1 (Priscila)
Bispo Jadson: O nome da senhora?
Fiel: O meu nome é Priscila.
Aconteceu o quê?
Eu tive depressão, tive síndrome do pânico, tive, também, reumatismo no sangue e a
médica tinha me desenganado e determinou que eu devia tomar injeção até os vinte e um anos
de idade, porque eu não teria cura mais.
A senhora veio na sessão e está curada?
Vim na sessão e estou curada.
319
Liberta de tudo?
Liberta de tudo, não tenho mais nada, não sinto medo, não sinto síndrome de pânico, não
sinto dores, o sinto nada. Quem tem reumatismo no sangue, quem teve, sabe como doem as
juntas, sabe como é ruim essa dor, sabe que não tem controle nas mãos, controle sobre o corpo, é
terrível. Nem fechar o botão da própria camisa, a pessoa não consegue.
E agora, consegue tudo?
Liberta, estou participando da corrente, estou liberta, graças a Deus, consigo tudo, sou
feliz, sou realizada, o tenho nenhum tipo de problema, não tenho nenhum tipo de doença, graças
a Deus.
Deus abençoe a senhora.
Testemunho 2 (Sr. Alencar)
Pastor Márcio: Bom dia, pastor Denílton e a todos aqueles que estão acompanhando este
programa. Nós agora vamos falar a respeito do Congresso Empresarial, que acontece todas as
segundas-feiras na nossa catedral de Santo André, na Avenida Perimetral, número 105. O nosso
Congresso Empresarial acontece para as pessoas que querem ver Deus na vida financeira. Mas o
que Deus tem a ver com a vida financeira? Está escrito que o senhor Jesus, ele veio para dar vida e
vida com abundância. E o que o senhor, a senhora entende de vida com abundância? É dívidas,
problemas, miséria? Não, mas abundância é você ter realmente como está escrito, para ter ao
senhor, a senhora e até emprestar! Isso mesmo! Está escrito que você estenderia as mãos para
emprestar a muita gente, não tomaria emprestado. E o senhor, a senhora, espassando por um
momento difícil. Se o senhor quiser continuar ligando, você pode continuar ligando, as nossas linhas
telefônicas estão à sua inteira disposição, nós temos pessoas que estão dispostas a lhe ajudar,
2199-2625 e 2199-2624. O “seu” Alencar, ele chegou até o congresso empresarial com uma dívida
de mais de quatrocentos mil reais. Como pagar uma dívida de mais de quatrocentos mil reais? Sem
perspectiva! Eu gostaria que o senhor, a senhora, acompanhassem o desfecho desta história, uma
história verídica de uma pessoa que venceu essa dívida de mais de quatrocentos mil reais.
320
Repórter: Olá, pastor Rogério. O Sr. Alencar, que está aqui ao meu lado, chegou ao Congresso
Empresarial com mais de quatrocentos mil reais em dívidas.
Como é que o senhor conseguiu adquirir tantas dívidas?
Sr. Alencar: Olha, foram quatrocentos mil de dívidas, isso fora o patrimônio perdido. Na época,
eu perdi mais de um milhão de reais de patrimônio... quer dizer... eu fiquei negativo, sem
patrimônio nenhum, com todas essas dívidas, e essas dívidas foram contraídas no intuito de
resgatar o patrimônio, no intuito de resgatar o prestígio diante da sociedade, diante dos
amigos e no intuito, também, de honrar os compromissos. Mas, uma vez sem direção, o
adiantou nada tantos esforços, não adiantou nada dinheiro emprestado de bancos, de
agiotas, de amigos, de parentes, porque eu não conseguia, em hipótese alguma, honrar com
nenhum desses compromissos. Quando eu comecei a participar do Congresso, Deus me deu
a direção, então a coisa começou, de fato, a mudar, assim, numa rapidez muito grande. Deus
me deu a direção, então eu comecei a negociar as dívidas. Não estou falando de contas
porque, ainda agora, estávamos falando de contas. Contas são coisas do cotidiano que você,
dormindo, você está fazendo contas de IPTU, seu condomínio, seguro do carro etc... . São
dívidas mesmo, coisas impagáveis e eu comecei a pagar, resgatar um cheque ali, outro
cheque aqui e, no final das contas, quando eu percebi, eu estava com esses duzentos e
vinte e dois cheques em mãos, títulos protestados e ações trabalhistas resolvidos e Deus foi
me dando outras direções e eu comecei a ampliar os meus horizontes, trabalhando com
produtos que ora eu não trabalhava e as coisas começaram a acontecer.
Então aconteceu. Hoje eu não mantenho dívidas. Eu tenho compromissos no cotidiano e a
minha vida mudou da água pro vinho. Sou uma pessoa completamente feliz, tenho um
casamento abençoado, uma família maravilhosa, tenho um apartamento muito bom, tenho...
além de ter um apartamento, tenho mais uma casa, tenho três veículos, tenho investimentos
imobiliários que ainda estão para sair...não para mostrar ainda porque são investimentos
de longo prazo. Tenho uma empresa na região dos Jardins, na área de decoração de interiores
também, que esindo de vento em popa, está cada vez mais crescendo. Eu tenho cada vez
ais ampliado os produtos que trabalho e a minha vida, hoje, está completamente realizada. Eu
sou uma pessoa feliz.
321
3º segmento : Convocação para a guerra contra o Mal. Surge uma esperança.
Pastor Denílton: Tá vendo? Essa coisa estranha é alguém que jogou uma maldição, um trabalho,
um de sumiço. Eu me lembro de uma senhora que disse que uma amiga dela viu a outra amiga
jogar um nas costas dela... ela não viu, uma outra amiga viu e contou para ela e então começou
a sumir da vida dela; o marido começou a sumir da vida dela, os bens que ela tinha, os clientes que
ela tinha, os fregueses que ela tinha. Começou a sumir a saúde, começou a sumir tudo. É isso que
tem acontecido com muitas pessoas, sem saber explicar o porquê, a razão pela qual vêm sofrendo.
É uma maldição. Então, nesta terça feira, nós vamos começar este trabalho de quebra de maldição,
a quebra de maldição dos antepassados, dos ancestrais, três da tarde, sete da noite, sete e meia,
aliás, em Santo André, na Avenida Perimetral, número 105 e em todas as Igrejas Universal do Reino
de Deus. Eu quero mostrar para a senhora, para o senhor, o bloco de depoimentos, com o Bispo
Jadson, de pessoas que têm ido, que têm participado desta sessão espiritual e têm visto resultado.
Acompanhe, por favor, eu volto já...
...
Olha esses resultados! Deus quer que aconteça também na vida da senhora e do senhor, então,
nesta terça feira, comece uma luta, uma batalha. Não lute mais na força do seu braço, brigando,
discutindo, mas lute de uma forma espiritual, por quê? Porque se o Mal é espiritual, eu tenho que
lutar contra ele de uma forma espiritual, aí eu vou nivelar a guerra, eu vou nivelar a batalha. Se eu
lutando na carne, então o Mal que é espírito está aqui (o pastor posiciona a mão direita no alto, na
altura dos olhos), e eu, lutando na carne, eu vou lutar aqui embaixo (posicionando a mão esquerda
em numa altura inferior à da outra mão). Mas se eu começar a lutar no espírito, vindo fazer a
corrente de terça feira, então eu vou lutar no mesmo nível do Mal. E, aliado ao Bem, então eu vou
vencer este Mal. Venha se aliar ao Bem e quebrar esta força do Mal existente na sua vida, na sua
família. Estamos começando um trabalho de libertação muito forte. É a quebra da maldição dos
ancestrais, aquilo que acompanha seu pai, sua mãe, os seus antepassados; que tem acompanhado
a senhora, o senhor. Comece a quebrar este Mal, nesta terça feira, em todas as Igrejas Universal do
Reino de Deus, especialmente em Santo André... eu faço este convite, três da tarde, sete e meia da
noite. O telefone fica aí, à disposição. Para você, que quer ligar, é, 2199-2625 e 2199-2624. Agora
322
você vai ficar com o pastor Márcio, falando sobre esta reunião de segunda- feira. Todas as pessoas
que estão me assistindo, que estão com problemas financeiros, o pastor Márcio, então, vai falar com
a senhora, agora, a respeito desta reunião. Pastor Márcio, bom dia...
segmento: O encontro com a Igreja/Deus
Pastor Márcio: Você viu o que “seu” Alencar fez? Ele tomou uma decisão, ele tomou uma atitude
diante da situação, porque não adianta ficar se escondendo, ficar se esquivando. Não adianta ficar
até mesmo dando desculpas, mas o que fazer então? Você acompanhou, ele usou a fé, ele praticou
a fé que ele tem. É isso que acontece no Congresso Empresarial: você recebe uma direção de
Deus, pois nós clamamos a Deus para que Deus lhe uma direção, para que Deus venha lhe
ensinar o caminho Você sabe que existe um caminho certo para a prosperidade, existe o caminho.
De repente, um dia, o senhor, a senhora esteve neste caminho, e agora parece que estão fechados.
As portas se abriram. De repente começou o ano e as coisas começaram a se enrolar, as coisas
começaram a dar errado pro senhor ou pra senhora. Esteja conosco no congresso empresarial nesta
segunda-feira, às oito horas da noite. Estaremos clamando a Deus para que ele mude a sua
situação, porque se você precisa de uma direção, esta direção ela vem de Deus para sua vida. Você
que tem uma religião ou não, não é dia de nós falarmos de religião, não é dia de nós tratarmos de
apenas assuntos religiosos, não. Não vamos ali discutir a sua religião A, B ou C, estaremos
clamando ao Deus, ao Deus que veio a este mundo para lhe dar uma vida, e uma vida com
abundância e, de repente, você diz:- “Está muito longe da minha vida ser esta vida com abundância,
ser esta vida com fartura, ser esta vida que eu vou dar o melhor para os meus filhos.” Porque
imagine quantos pais de família estão numa situação... De repente, o senhor está desempregado, o
senhor não gostaria de ver a situação que você está. Mas isto é uma realidade. Pegue a sua carteira
profissional, pegue a sua carteira de trabalho, esteja conosco nesta segunda feira, deixe de dar
ouvido a tudo e a todos, porque, de repente você tem dado ouvido a tantas pessoas e estas pessoas
não podem te ajudar. Mas eu tenho certeza que Deus pode te ajudar, eu tenho certeza que através
da nossa oração que nós estamos pedindo a Deus, pois todos os dias, todos os dias, nós estamos
pedindo uma direção a Deus, a fim de abençoar a sua vida financeira, a fim de mudar a vida que
você tem vivido, a fim de que toda esta situação ela venha mudar. Eu gostaria que o senhor
323
acompanhasse esse testemunho do senhor Ednael, que chegou com a empresa cheia de
dificuldades e, também, devido aos problemas financeiros, problemas familiares. Acompanhe com
atenção, eu volto a seguir...
TEXTOS DOS PROGRAMAS DE TELEVISÃO CATÓLICOS
Programa O pão nosso de cada dia (Padre Fernando J. C. Cardoso)
Amigos telespectadores da Rede Vida de Televisão e do programa “O Pão Nosso de Cada
Dia”, é interessante nós, hoje, contemplarmos, na primeira leitura, um texto parenético-exortativo da
Carta aos Hebreus, Capítulo 3, versículos 7 a 14.
“Hoje, se ouvirdes Sua voz, não endureçais os vossos corações como aconteceu na provação no dia
da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram colocando-me à prova. Por isso me irritei com
essa geração e afirmei: ‘Sempre se enganam no coração e desconhecem os meus caminhos
Assim, jurei minha ira, não entrarão no meu repouso’.”
Caríssimos irmãos, o autor está se referindo ao que aconteceu com aquela geração da época
de Moisés que saiu da escravidão do Egito, atravessou a pé o Mar dos Juncos e começou a
peregrinar pelo deserto em busca da Terra Prometida. Por causa de inúmeras provocações, por
causa de inúmeras tentações e, sobretudo, quedas nas tentações, o texto afirma que nenhum deles,
com exceção de Josué, filho de Nun, entrou na Terra Prometida. Todos eles morreram no deserto.
Muito mais tarde, um salmo se aproveitou desses acontecimentos e, a modo de oração, insiste
com o orante para que não feche o seu coração diante de uma nova perspectiva aberta por Deus
para entrar no seu repouso. E o autor da Carta aos Hebreus, numa exegese mais ou menos rabínica,
diz o seguinte: ‘Ainda existe um repouso para o novo povo de Deus que somos nós, seguidores de
Jesus’. Nós também nos encontramos a meio caminho. Ainda não entramos definitivamente naquele
grande sábado onde se repousa em Deus e onde se repousa com Deus. Portanto, olhando para o
passado e contemplando o que aconteceu com aquela geração que acabou não entrando no primeiro
repouso, a terra de Canaã, a terra onde corria o leite e mel, tomemos cuidado nós também. Para nós
324
não se trata de entrar novamente em Canaã ou em qualquer área geográfica deste planeta. O novo
povo de Deus caminha através do deserto da vida rumo ao grande repouso, onde Deus ese onde
ele quer repousar com Deus, também num sábado, num sétimo dia que não conhece ocaso, mas
para tanto, caríssimos irmãos, agora nós nos fatigamos, agora nós trabalhamos, agora nós
perseveramos, agora nós caminhamos e seguimos Jesus. A estrada que Jesus nos aponta no início
deste ano e já nô-la apontou conduz seriamente, infalivelmente, ao repouso de Deus.
Programa Encontro com Cristo (padre Alberto L. Gambarini)
1º. segmento : contrato fiduciário e Objetos mágicos
Olá! Que a graça maravilhosa do nosso Deus neste momento possa estar transbordando em
sua vida porque você está no lugar certo, o Programa “Encontro com Cristo”. Meu nome é padre
Alberto Gambarini e, como seu pai espiritual, convido você a não faltar no nosso grande encontro no
carnaval, dia 18 de fevereiro, no Ginásio Municipal de Itapecerica da Serra, das 8 da manhã às 17
horas. Ao chegar, você receberá uma unção com o óleo bento nas suas mãos, uma medalha
milagrosa e quando o santíssimo sacramento estiver entrando, com certeza você será confirmado em
um milagre. Você, com certeza também, colocou no coração o desejo de estar conosco. Por isso,
agora, vamos pedir o Espírito Santo: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e
acendei neles o fogo do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face
da Terra. Oremos!
Deus, que instruístes os corações de Vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que
apreciemos retamente todas as coisas segundo o mesmo espírito e gozemos sempre da Sua
consolação. Por Cristo, Senhor nosso. Amém.
2º. SEGMENTO: simulacros negativos
Infelizmente, muitas vezes, nós temos a impressão de que os problemas são maiores do que a
nossa capacidade para resolvê-los, como aconteceu, por exemplo, com André, quando Jesus queria
alimentar a multidão que o estava acompanhando. Naquela ocasião, aqui no Evangelho de São João,
no Capítulo VI, versículo 9, disse André: ‘Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois
peixes, mas que é isto para tanta gente?’. Reparem como ainda este discípulo não havia entendido
325
quem era, quem é, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Nós temos que acreditar que quando
andamos na Palavra de Deus, quando nós queremos viver o Seu plano de amor, Ele moverá os céus
para multiplicar também em nossa vida todas as bênçãos que forem necessárias para que nós
tenhamos uma vida abundante, como aconteceu na multiplicação dos pães. Aqui, em João, no
Capítulo VI, versículo 13, nós lemos: ‘Eles recolheram dos pedaços dos cinco pães de cevada que
sobraram e encheram doze cestos’. Reparem: daqueles poucos peixes, daqueles poucos pães, doze
cestos ficaram cheios. E esses doze cestos simbolizam as bênçãos que Deus deseja dar a você, a
mim e a todos nós. Não deixemos estes cestos ficarem vazios por causa da nossa incredulidade, mas
olhemos para Jesus Cristo confiando que Ele é Aquele que está estendendo as mãos sobre a nossa
vida, sobre a nossa casa, a nossa família, a nossa saúde, o nosso trabalho, o nosso estudo, para que
tudo possa ser para a maior glória do nosso Deus.
3º. Segmento: contrato reforçado
A dificuldade, não tenhamos medo dela! Os problemas, não fujamos deles! Mas, muito pelo
contrário, olhemos tudo tendo a grande certeza que entre eles e nós está Jesus Cristo com a Sua
bondade, dizendo: ‘Confiem em mim, confiem no Senhor Jesus Cristo’. Você verá as graças dos céus
sendo derramadas em sua vida. É por isso que eu convido você, meu querido e minha querida, a me
escrever. Mande-me o seu testemunho, os seus pedidos de oração. Eu irei colocá-los ali, junto ao
sacrário do Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres e Divina Misericórdia, que fica no Largo da
Matriz, no Centro de Itapecerica da Serra, São Paulo. Mande a sua carta para padre Alberto, Caixa
Postal 32, CEP 06850-970, Itapecerica da Serra, São Paulo, ou entre no meu site
www.encontrocomcristo.org.br.
Lembre-se, no final do programa eu estarei orando por você, abençoando a água. Mas, agora,
por favor, mas por favor mesmo, preste atenção nestes meus recadinhos.
4º. Segmento: os recadinhos
Pare de sofrer emocionalmente, deixe Jesus curar as suas feridas interiores lendo o livro que
eu escrevi para você: “Cura das emoções em Cristo”. Um livro repleto de orientações práticas de
como aprender a renovar a mente e a lidar com os sentimentos de rejeição, a falta de perdão,
326
depressão, medo, ansiedade e solidão. É um livro completo de cura interior. “Cura das emoções em
Cristo”. E adquirindo os livros do padre Alberto, você está ajudando a nossa obra. Adquira o seu nas
melhores livrarias católicas perto de você ou ligue de segunda-feira a sexta-feira, das 8 às 18 horas,
para 0XX11-4667-4353. Repetindo 0XX11-4667-4353. Agora você pode adquirir os livros, CDs e
DVDs do padre Alberto com seu cartão Mastercard, Dinners Club e Visa pelo telefone. Ligue de
segunda-feira a sexta-feira, das 8 às 18 horas, para 0XX11-4667-4353, 0XX11-4667-4353 e faça o
seu pedido. Válido somente para Mastercard, Diners Club e Visa.
5º. Segmento: apelo por dinheiro
Nós estamos no mês de janeiro e eu quero fazer uma grande convocação a toda a nossa
família “Encontro com Cristo”. Você que acompanha o nosso programa, por favor, ajude-me com
quanto você puder. Sim, eu preciso da sua colaboração. Você que tem sido ajudado pelo nosso
programa, seja fiel a esta colaboração. Você que recebe a minha carta mensal, destaque o boleto,
ao banco de sua preferência ou use a comodidade das casas lotéricas. E você que ainda não a
recebe, colabore deste modo: dirija-se a qualquer agência do Bradesco e faça o seu depósito para
“Programa Encontro com Cristo”, agência 1464, conta 32247-4. Repetindo, Bradesco, agência 1464,
conta 32247-4, ou envie um cheque cruzado nominal ao padre Alberto para padre Alberto, Caixa
Postal 32, CEP 06850-970, Itapecerica da Serra, São Paulo.
Programa O terço bizantino (Padre Marcelo Rossi)
Padre Marcelo Rossi: Durante quinze dias, sim, uma quinzena, você pediu e nós vamos fazer.
Infelizmente ela existe: a inveja. Vamos orar contra todo e qualquer tipo de inveja, por isso, juntos,
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
327
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
E, de joelhos, segundo mistério:
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Jesus, tira do meu coração toda inveja.
Terceiro mistério:
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Jesus, proteja-me de toda inveja.
Quarto mistério:
328
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
Jesus, proteja minha família da inveja.
E terminamos:
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
Obrigado, Senhor
E que desça sobre você a bênção do Deus todo poderoso Pai, Filho e Espírito Santo, Amém.
Jesus, proteja a minha vida, a minha família, de todo tipo de inveja.
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Textos recentes transcritos de programas exibidos pelas Igrejas em estudo
durante o mês de fevereiro de 2009
Programa O pão nosso de cada dia, exibido pela Rede Vida de Televisão em 6
de fevereiro de 2009
Amigos telespectadores da Rede Vida de Televisão e do programa O pão nosso de cada dia.
Meditação ao alcance de todos no portal católico.
Ontem falávamos no espírito despojado dos missionários. Hoje, damos um passo a mais.
Aqueles que se propõem a testemunhar Jesus Cristo podem correr sérios riscos de vida. João
Batista, aquele que veio para dar testemunho da luz por causa da sua pregação, por causa da sua
coragem, por temer mais a Deus que os homens foi posto numa prisão escura e, finalmente, devido à
fraqueza de um rei e aos caprichos de uma mulher e sua filha, decapitado. De para foram
muitos os que foram decapitados por causa de Jesus Cristo. Meus caríssimos irmãos, o século XX,
que nós deixamos para trás poucos anos está repleto de santos e santas mártires, de cristãos
eminentes que derramaram o sangue por causa do Evangelho de Cristo em diversos países e
diversos continentes. O martírio não cessou. Nós gostaríamos em primeiro lugar, hoje, de elevar
preces e súplicas a Deus por aqueles cristãos que, por serem corajosos e destemidos, estão
atualmente correndo riscos de vida. Alguns se encontram já nas prisões. Em segundo lugar, s
gostaríamos de perguntar até onde vai a nossa autenticidade por Cristo. Certa vez, eu dizia a uma
pessoa que, por causa de Cristo, nós devemos derramar o próprio sangue. Esta pessoa ficou
escandalizada, esta pessoa o imaginava que por amor a Jesus Cristo se devesse chegar a tanto.
Para esta pessoa, a própria vida vale mais do que a amizade com Cristo. Mas, embora não digam
isto, pensam e agem da mesma forma aqueles que por um nada que se chama pecado são capazes
de romper a amizade e a intimidade com Cristo e com Deus, não sabendo sofrer ou deixar de lado
coisa alguma para manter esta mesma amizade, não sabendo recusar a nenhum bem deste mundo
por uma finalidade maior: o meu apreço a Cristo. Você diz que ama a Cristo, mas o seu amor a
Cristo é capaz de vencer as tentações e o pecado? O seu amor a Cristo é capaz de torná-lo corajoso
e destemido e falar em favor de Cristo até mesmo em circunstâncias adversas da vida? Se fosse
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necessário, você seria capaz de dar a sua vida e derramar o seu sangue por Cristo? Ou mártir ou
confessor da fé.
Programa O terço Bizantino, com o padre Marcelo Rossi, exibido pela Rede
Vida de Televisão em 6 de fevereiro de 2009
Dia seis de fevereiro, Com muito carinho, estamos orando o Terço Bizantino, e,
repercussão...misericórdia... é desemprego. Você vê o jornal, você lê o jornal... e a notícia?... firma tal
é a que fali (sic)...famílias sem emprego. Por isso, juntos,
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
Jesus
E, de joelhos, segundo mistério:
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
331
Jesus, misericórdia dos trabalhadores.
Terceiro mistério:
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Jesus, misericórdia dos desempregados.
Quarto mistério:
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
Jesus, misericórdia.
E terminamos, agradecendo:
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
332
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
Obrigado, Senhor.
E que desça sobre você...esse mês de fevereiro... todos os dias, a bênção de Deus, todo poderoso: o
Pai, o Filho e o Espírito Santo, Amém.
Jesus, misericórdia no trabalho, no desemprego. Em tuas mãos colocamos a nossa vida.
Programa Encontro com Cristo, exibido em 06 de fevereiro de 2009, pela Rede
Vida de Televisão (apresentador: padre Alberto Gambarini)
Olá. Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito
Santo, neste momento, possam estar transbordando em seu coração. Está começando o programa
Encontro com Cristo. Eu fico feliz de encontrar mais uma vez com você, meu amigo e minha amiga.
Meu nome é padre Alberto Gambarini. Sou pároco da Igreja Nossa Senhora dos Prazeres e Divina
Misericórdia, que fica no Largo da Matriz, centro de Itapecerica da Serra, São Paulo.
Não deixe que nada impeça você de chegar ao nosso louvor de carnaval. Venha decidido a
receber um milagre. O tema Curai os enfermos, dia 22 de fevereiro, no ginásio municipal de
Itapecerica da Serra, na Avenida Dona Anila, Rua da Delegacia, das 8 da manhã às 17 horas. Venha
com a sua família, forme a sua caravana. Madre Tereza de Calcutá não se cansava de repetir: o
melhor caminho para mostrar nossa gratidão a Deus é aceitar todas as coisas com alegria. Peçamos
esta graça ao Espírito Santo:
Vinde Espírito Santo, enchei os corações de vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso
amor. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da Terra.
Oremos:
333
Deus, que instruístes os corações de vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que
apreciemos retamente todas as coisas segundo o mesmo espírito e gozemos sempre da sua
consolação. Por Cristo, senhor nosso, amém.
Quantas pessoas que perguntam “onde eu posso encontrar o Cristo ressuscitado? Onde eu
posso ouvir as suas palavras? Onde eu posso ver que realmente Ele continua entre nós?
Primeiro ponto muito importante: nós temos a certeza que Jesus está vivo porque ele
ressuscitou; Ele prometeu estar conosco até o final dos tempos e também disse: onde dois ou mais
estiverem reunidos, Eu estarei. Porém, de um modo todo especial, na 5ª. feira Santa, Ele celebrou
a eucaristia porque ele queria continuar se encontrando de um modo mais forte conosco, Ele queria
se tornar presente para que nós pudéssemos receber o alimento que nos fortalece, mas não um
alimento qualquer, mas Ele próprio, porque a eucaristia é o Seu corpo e sangue e é aquilo que
aconteceu com os discípulos de Emaús, em um domingo porque o domingo passou a ser para os
primeiros cristãos o grande dia do culto verdadeiro e completo a Deus. Em um domingo, Nosso
Senhor aparece a amigos Seus que estavam tristes, começa a conversar com eles, explica as
escrituras. Mas veja o que está escrito aqui, em Lucas, no capítulo 24, versículos 30 e 31:
Aconteceu que, estando sentado conjuntamente à mesa, Ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-
o e serviu-lho. Então se lhes abriram os olhos e O reconheceram.
Reparem: o encontro dominical, na Santa Missa, onde nós celebramos a eucaristia ao encontro
vivo com este ressuscitado que deseja se dar a nós para que a nossa semana seja uma semana de
vitórias. Quando nós entramos na igreja com a grande certeza que vamos nos encontrar com Jesus,
quando nós rezamos, cantamos, ouvimos com atenção a Sagrada Escritura, mergulhamos naquele
momento da consagração no altar, junto com o pão e o vinho e depois recebemos o corpo e sangue
de Jesus, nós vemos que a missa é a maior fonte de milagres que nos foi deixada por Jesus Cristo.
Por isso, meu querido e minha querida, você não pode faltar á santa missa dominical. E se pode ir
durante a semana, vá. Se o padre celebra diariamente, participe também durante a semana. Mas a
missa que nós não podemos faltar é a missa dominical. Apresente a Jesus a situação que você está
vivendo, boa ou má, e você verá: Ele irá te abençoar, Ele irá te curar, Ele irá te libertar porque Ele
está vivo, Ele está presente por inteiro, na eucaristia, por amor de nós. Neste final de semana, não
falte à santa missa na sua paróquia e veja também o programa Encontro com Cristo, aqui, pela sua
Rede Vida de Televisão, neste domingo, ás 17 horas. Eu estarei esperando por você. No final do
334
programa, eu vou abençoar você e tudo aquilo que estiver diante da televisão, inclusive a água. Mas,
agora, por favor, preste atenção nestes meus recadinhos:
Você está precisando de bênção, cura e libertação? Então venha dia 22 de fevereiro, domingo
de carnaval, participar do louvor Encontro com Cristo, com o tema: Curai os enfermos. Começaremos
com a procissão e nção do Santíssimo e o dia inteiro Jesus estará derramando aquela graça que
você tanto está necessitando. Dia 22 de fevereiro, ginásio municipal Dona Anila, Rua da Delegacia,
das 8 da manhã às 17 horas, encerrando com a Santa Missa. Tome a decisão acertada de ser
abençoado e venha.
Você leu o livro de minha autoria Batalha espiritual? Falar deste tema significa entrar na
dimensão dos poderes das trevas. sempre o perigo de cair no engano de desprezar a presença
de Satanás e de seus demônios ou conceder exagerada importância à sua influência na vida dos
homens. Este livro Batalha espiritual, do padre Alberto Gambarini, é importante para entender este
mundo em chamas e também para não cair nas armadilhas do maligno. Você encontra o livro Batalha
espiritual nas melhores livrarias perto de você ou você pode ligar, de 2ª. a 6ª. feira, das 8 da manhã
às 17:30 para 0 operadora 11 4667 4353 ou entre na minha loja virtual www.encontrocomcristo. org.
br.
Estamos no mês de fevereiro, o mês mais curto do ano e que tem também o carnaval. E aí,
então, muitas vezes, as pessoas esquecem por causa das viagens, por causa dos encontros, da
colaboração para a manutenção da nossa programação. Estamos na semana decisiva e nós
precisamos da sua colaboração com quanto você puder. Se você ainda não fez a sua oferta este
mês, por favor, ajude-me esta semana porque nós precisamos pagar a nossa programação. Você,
que recebe a minha carta mensal, destaque o boleto, ao banco de sua preferência ou use a
comodidade das casas lotéricas. Você, que ainda não a recebe, ajude-me deste modo:
Dirija-se a qualquer agência do Banco Itaú e faça o seu depósito para programa Encontro com
Cristo, agência 0570, conta 09484-7 e envie um cheque cruzado, nominal ao padre Alberto, para:
Padre Alberto, caixa postal 32, CEP 06850-970, Itapecerica da Serra, São Paulo.
O Evangelho de São João, no capítulo 5, nos mostra Jesus indo ao poço de Betesda, onde
muito doentes esperavam uma cura. Ali ele encontra um homem que 38 anos desejava ser
curado. Quantas vezes nós também passamos anos e anos sofrendo, imaginando que Deus não quer
335
nos abençoar. É por isso que, hoje, eu quero te convidar a estar junto de Jesus e ouvir as mesmas
palavras que Ele disse àquele homem: Você quer ser curado?
Eu tenho a certeza que a sua resposta é positiva. Por isso, curve a sua cabeça e receba a
oração:
Pai querido, pai amado, como aquele homem junto ao poço de Betesda, derrama agora, em
nome de Jesus, a tua bênção para trazer a cura que estas pessoas estão necessitando para as suas
vidas e também nós queremos pedir a intercessão da doce Virgem Maria entrando no seu santuário
de Nossa Senhora dos Prazeres, em Itapecerica da Serra, com a oração das três Ave-Marias:
Ave-Maria, cheia de graça... 3x
Naquele poço de Betesda, diziam que descia um anjo que movimentava a água e o primeiro
que entrasse era curado. Hoje, o anjo são as palavras do nosso programa, hoje o anjo es
abençoando esta água que você vai bebê-la com e trará a graça, a bênção para a sua vida.
Abençoa esta água, santifica-a para que possa trazer a tua bênção, conforme a necessidade de cada
pessoa que esacompanhando o nosso programa, em nome do Pai, do Filho e do espírito santo,
amém.
Que Deus te abençoe, os anjos te protejam e salve Maria.
Programa Nosso tempo, exibido em 12 de fevereiro de 2009, na Rede Record
de Televisão
Pastor Rogério Formigoni: Muito bem. No programa de hoje, nós vamos falar sobre a que
liberta, a que traz à existência aquilo que ainda não existe. É claro que independente da religião,
independente da sua crença,os problemas, eles vieram, eles surgiram. Eles só são vencidos por meio
dessa fé, por isso que, às sextas-feiras, nós temos realizado aqui, no Templo Maior, o ritual contra as
energias negativas. Por trás desse problema que a senhora enfrenta, por trás desse problema que o
senhor enfrenta, existe um causador, existe um Mal. Esse Mal, ele não é vencido com o tempo, ele
não é vencido com choro, com lágrimas. Ele é vencido por meio de uma aplicada em Deus. Nós
temos os sintomas que caracterizam a ação de um Mal na vida de uma pessoa. você vai começar
a entender o porquê que existem pessoas que mudam de uma forma repentina, têm reações, na sua
grande maioria agressivas, de uma hora pra outra. Eu quero que você acompanhe esses sintomas.
Se você tem um deles, você precisa de uma libertação.
336
EXISTEM DEZ SINTOMAS QUE CARACTERIZAM A INFLUÊNCIA DOS ESPÍRITOS DO MAL:
-NERVOSISMO
-DORES DE CABEÇA CONSTANTES
-INSÔNIA
-MEDO
-DESMAIO
-ATAQUE
-DESEJO DE SUICÍDIO
-DOENÇAS QUE OS MÉDICOS NÃO DESCOBREM AS CAUSAS
-VISÃO DE VULTOS OU AUDIÇÃO DE VOZES
-VÍCIOS OU DEPRESSÃO
Nesta sexta-feira, nós estaremos aspergindo uma água energizada sobre você, uma água
consagrada, e quando essa água tocar no seu corpo, todo o Mal que existe na sua vida, que existe
nos seus caminhos, eles serão banidos da sua vida. Nesta sexta-feira, às três horas da tarde, nós
vamos estar pessoalmente aqui no Templo Maior [...]
Agora eu vou colocar o intervalo que fala mais sobre esse ritual para que você possa entender
como que esses encostos, eles agem na vida de uma pessoa;
VIBRAÇÕES NEGATIVAS. AS VIBRAÇÕES NEGATIVAS CERCAM O SER HUMANO, BLOQUEIAM
A CAPACIDADE DE RACIOCÍNIO E IMPEDEM O CRESCIMENTO E A FELICIDADE. O MEIO EM
QUE VIVEMOS E TODAS AS ENERGIAS QUE RECEBEMOS DELE SÃO ABSORVIDAS POR NÓS.
OS QUE PENSAM NEGATIVO ATÉ ALMEJAM O SUCESSO, MAS NÃO FAZEM NADA PARA
ALCANÇÁ-LO, NÃO CONFIAM EM SI MESMOS E ATRAEM AINDA MAIS DERROTAS. INSÔNIA,
DEPRESSÃO E O DESEJO DE SUICÍDIO SURGEM COMO CONSEQUÊNCIA DE TUDO ISSO.
VOCÊ SENTE QUE NÃO CONSEGUE DESENVOLVER PORQUE ESTÁ CARREGADO DE
ENERGIA NEGATIVA, MAS QUER E PRECISA MUDAR ESSA SITUAÇÃO. VOCÊ PRECISA
REAGIR! PARTICIPE NESTA SEXTA-FEIRA DA CORRENTE CONTRA AS VIBRAÇÕES
337
NEGATIVAS E CONQUISTE UMA VIDA DE QUALIDADE. ÀS OITO HORAS DA NOITE, NO
TEMPLO MAIOR, AVENIDA JOÃO DIAS, 1800, SANTO AMARO.
Programa A hora dos empresários, exibido dia 13 de fevereiro de 2009, na TV
Gazeta
Pastor Rogério Formigoni: É... tem gente que diz assim: quando vai chegar a minha vez, de desfrutar
de uma vida de qualidade? E a gente pergunta o seguinte: quando você quer que chegue a sua vez?
Porque uma atitude sua pode mudar a sua história e uma falta de atitude pode deixar você
dependendo dos outros, vivendo uma vida vexatória, vivendo uma vida de humilhação. Nós
queremos falar, neste programa, sobre a vigília dos 318 pastores, que tem sido a ponte para levar
milhares de pessoas de um extremo a outro, pessoas que chegam nessa vigília quebradas,
endividadas, falidas, pessoas devendo pra agiotas, na iminência de serem despejadas, pessoas com
o nome sujo na praça, pessoas que trabalharam anos, lutaram muito tempo pra conquistar alguma
coisa e o que conquistou, de uma hora pra outra, de uma forma inexplicável, elas acabaram
perdendo. Chegaram à estaca zero e, humanamente falando, não tinha saída, não tinha solução. Mas
aqui, nesta vigília, não aconteceu mágica, o. Elas seguiram e direção. Deus deu a elas uma visão,
ideias, Deus, Ele foi à frente abrindo portas, e, hoje, são pessoas bem sucedidas, são pessoas que
têm uma história de sucesso pra contar. Você também quer ter uma nova história pra contar.
Aparentemente, nesse emaranhado de dívidas, nesse emaranhado de problemas que você se
encontra é até impossível você sair dele. Elas também pensavam assim, mas tomaram a decisão,
não ficaram em casa só acompanhando o programa, tomaram a decisão de vir à igreja, de participar
dessa reunião dos empresários e se submeter a Deus. Por isso, elas saíram do anonimato e
alcançaram essa vida de qualidade. Foi o que aconteceu com a Sra. Leia. A nossa repórter Maria
Clara falou com ela. Ela chegou com uma dívida de duzentos e cinquenta mil reais. Foi nessa a
situação que ela chegou no congresso. Humanamente falando: sem saída. Mas a foi-nos dada pra
isso, para quando estivéssemos sem saída, colocarmos em prática essa e alcançarmos a vitória
e o sucesso que tanto desejamos. Você não tem a fé pra dizer que tem, você tem a pra usá-la e
quando você usa, você se beneficia dela. A Dona Leia usou a fé. Você vai acompanhar agora o
resultado dessa fé.
338
Repórter Maria Clara: Com uma empresa à beira da falência, a Dona Leia, com quem eu converso
agora, contraiu uma dívida de aproximadamente duzentos e cinquenta mil reais. A situação era
desesperadora, não é, Dona Leia?
Dona Leia: Sim. Eu estava literalmente endividada, eu tinha uma empresa no ramo têxtil, no qual eu
fornecia mão-de-obra e com isso eu vim perder os meus fornecedores e os problemas começaram a
surgir. Comecei e dever limite de banco, cartão de crédito, meus cheques sendo protestados. Várias
situações contribuíram para que, cada vez mais, eu viesse a ficar endividada e, principalmente,
chegou num ponto onde eu não conseguia mais fazer a folha de pagamento dos funcionários.
Repórter: Foi nessa situação já sem saída que a senhora encontrou uma última porta.
Leia: Exatamente. Assistindo à TV, pela madrugada, eu me deparei com pessoas em situações
piores que a minha. Se ela conseguiu eu também vou conseguir e comecei a frequentar as reuniões.
Repórter: E assim, com esse sentimento de alívio, sua vida realmente se transformou, não é?
Leia: Sim, mudou. Eu mudei o ramo de atividade da empresa, de confecção pra vestuário,
consegui colocar... na verdade, a gente fala “a casa em ordem”, pois foi através das palestras e das
orientações que eu obtive aqui.
Repórter: Sua dívida, hoje, foi completamente quitada.
Leia: A minha dívida, ela está literalmente quitada.
Repórter: Hoje a senhora consegue ter qualidade de vida?
Leia: Sim, hoje eu consigo dormir em paz, consigo atender os meus fornecedores, consigo atender
os meus clientes tranquilamente. Aquelas coisas desagradáveis não existem mais.
339
Repórter: É uma felicidade que a senhora não conhecia?
Leia: Completamente. que pra tudo isso existe um segredo e esse segredo é a perseverança.
Aqui, sim, você sendo perseverante, você vai obter a sua vitória.
Repórter: Essa perseverança, a senhora adquire a cada segunda-feira que a senhora está aqui?
Leia: A cada segunda-feira. Não é exatamente na primeira segunda-feira que você tem o resultado,
não. Você passa uma segunda-feira...aquela ministração que você tem ali, você consegue adquirir
algo para você...abastecer aquela semana pra você resolver a situação daquela semana e, aos
poucos, você consegue a sua conquista.
Repórter: certo, então. Obrigada pela participação. A Dona Leia teve a vida transformada por
meio da vigília das grandezas de Deus e você também pode ter. Basta participar dessa reunião que
acontece toda segunda-feira, às dez da noite. No Templo Maior.
Programa Nosso tempo, exibido dia 13 de fevereiro de 2009, na TV Gazeta
Pastor Renato Lucas: Muito bom dia. Que Deus abençoe a todos abundantemente. O programa
Nosso tempo inicia-se a partir deste momento e quantas são as pessoas vítimas de inveja, vítimas de
trabalhos de bruxaria e trabalhos de feitiçaria. Saiba que se a senhora, o senhor está sofrendo, não é
por acaso. O seu sofrimento não é um carma, não é o destino e muito menos é uma provação de
Deus. Se a senhora, o senhor está sofrendo é porque existe uma força do Mal na sua vida, força do
Mal esta que pode ter entrado por uma inveja, por uma maldição, por um feitiço e este Mal não vai
sair da sua vida por si só. Ele não vai sair com o tempo. É preciso que este Mal...ele seja arrancado e
dentro desta nossa programação, você vai acompanhar vários testemunhos de pessoas que também
traziam o Mal com elas, mas essas pessoas, elas alcançaram a libertação através de uma corrente
forte de libertação, inclusive, nós já vamos acompanhar um testemunho, uma pessoa que alcançou a
libertação numa corrente forte que é realizada, inclusive, todas as sextas-feiras. Acompanhe esse
testemunho de fé. Já, já voltamos.
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Testemunho (mesmo padrão dos anteriores, com pessoas felizes depois de frequentarem a IURD)
não transcrito.
Pastor Renato: Acompanhou essa pessoa que alcançou a libertação? Quantas vezes a senhora,
o senhor se perguntam: o que é que falta para ser feliz? O que é que falta para que os meus
problemas venham ser resolvidos? Falta a senhora, o senhor se libertar deste Mal que está na sua
vida. Às vezes você até diz: mas eu não faço mal pra ninguém, eu até procuro ajudar as pessoas, eu
sou uma pessoa boa. Mas as pessoas boas são as mais atingidas pela inveja, são as mais atingidas
pelas forças do Mal. Você precisa de uma libertação, amiga e amigo. Este Mal que está na sua vida,
enquanto o tempo vai passando, ele vai crescendo, por isso que a cada dia a sua situação está cada
vez pior. Você vai nos médicos, os médicos não descobrem o que você tem, você vive com dores,
vive doente; o seu casamento, de uma hora pra outra esfriou, nada tem dado certo na sua vida; a sua
autoestima está embaixo, porque há um Mal na sua vida que tranca, que amarra. Você precisa de
uma libertação, inclusive vamos a mais um testemunho de fé. Mais uma pessoa que alcançou a
libertação participando desta corrente forte de sexta-feira.
Testemunho (mesmo padrão dos anteriores) não transcrito.
Pastor Renato: Bom...você deseja também uma libertação na sua vida? Nesta sexta-feira, estaremos
realizando um trabalho forte de libertação em todo templo da fé da Igreja Universal do Reino de Deus.
Um trabalho forte de libertação pra te libertar da inveja, da praga, da maldição, da bruxaria...pra te
libertar de todo o mal. Pode ter certeza...a senhora, o senhor, que chegar nesta corrente carregado,
pesado, você vai sair liberto, livre de todo o mal. Tá bom? Se você quer a nossa ajuda, nós
estaremos na nossa catedral ali em Santo André, na Avenida Perimetral, número 105, o dia todo. Nós
temos ali reuniões oito, dez, meio-dia, três, mas, especialmente, às sete e meia da noite, na grande
noite da libertação. Se você quer um atendimento espiritual, uma hora antes, estaremos realizando
esse atendimento espiritual, tá bom? Avenida Perimetral, número 105, como em todo templo da da
Igreja Universal do Reino de Deus. Vamos ao intervalo, já, já voltamos.
PROPAGANDA
341
ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ ENTROU NUM LUGAR ONDE A VIBRAÇÃO NÃO ESTAVA BOA?
JÁ SAIU DE ALGUM LUGAR EM QUE O AMBIENTE ESTAVA PESADO?
ESTES SINTOMAS SÃO DE VIBRAÇÕES NEGATIVAS, INVISÍVEIS, MAS TOTALMENTE NOCIVAS
AOS QUE ESTÃO DESPROTEGIDOS.
PENSAMENTOS DESTRUTIVOS, DESCONTENTAMENTO, ÓDIO, DESILUSÕES, FRUSTRAÇÕES
E INVEJA. TUDO ISSO GERA MÁS ENERGIAS QUE AMARRAM CAMINHOS, ANULAM
RELAÇÕES AMOROSAS, PROVOCAM DESCONTROLE EMOCIONAL, MEDO, FRACASSO
PROFISSIONAL, DOENÇAS E AGONIA.
SE VOCÊ SOFRE COM ALGUM DESSES SINTOMAS E DESEJA FICAR LIVRE DE TODOS ESSES
MALES, SEXTA-FEIRA, A CORRENTE FORTE CONTRA AS VIBRAÇÕES NEGATIVAS, ÀS SETE
HORAS DA NOITE, NA MATRIZ DO BRÁS, AVENIDA CELSO GARCIA, 499, NO TEMPLO MAIOR,
AVENIDA JOÃO DIAS, 1800, SANTO AMARO, E EM TODAS AS IGREJAS UNIVERSAL DO REINO
DE DEUS.
Programa A hora dos empresários, exibido dia 13 de fevereiro de 2009, na TV
Gazeta
Bispo Jadson: [...] Eu sei que tem gente que está se segurando pra não vender o carro, pastor
Edson. Tem gente que se segurando pra não vender um bem. Existem pessoas que, ultimamente,
a coisa apertando pra elas e existem pessoas que não estão conseguindo...sabe...nem manter a
casa, nem pagar as despesas do mês. Tem pessoas que a despesa é muito alta e o que entra é
muito pouco e ela vendo a situação piorando. Se uma atitude não for tomada, a tendência é a
pessoa vender tudo e chegar ao ponto de não ter mais o que vender e ficar só com dívidas.
Pastor Edson: É verdade. Tem um caso mais extremo que é aquela pessoa que nem pode vender
um bem, não pode porque, por exemplo, se a casa dela é própria, se o apartamento, se o imóvel é
próprio é uma coisa... se ele está financiado é outra. E se ela não tem fonte de renda, se não está
entrando nada e mal a prestação ela está conseguindo pagar, de repente estão prestes a tomar dela
o imóvel. Não é nem questão de vender, é de perder mesmo o imóvel e ela vai fazer o qnessa
situação?
342
Bispo Jadson: Existem pessoas que são humilhadas pelo proprietário do imóvel, tem gente que
está aguentando essas humilhações porque não têm pra onde ir. Ela precisa de uma pessoa para ser
avalista, ela precisa ter um nome limpo para poder alugar outro lugar e não tem. A pessoa com
medo de não ter onde morar e tem filhos aí, na responsabilidade. Olha que situação! Existem
pessoas que estão precisando de um milagre porque elas estão cercadas de todos os lados. Procura
a gente segunda-feira. Sete e meia da manhã, termina oito e vinte, cinquenta minutos. De dez às
onze e dez , o pastor Edson [...]
PROPAGANDA
O QUE VOCÊ FAZ QUANDO O PROBLEMA VEM?
EM UM CENÁRIO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS ONDE SUA FAMÍLIA ESTÁ
DESESTABILIZADA, AS CONTAS ESTÃO CHEGANDO E AS DÍVIDAS CRESCENDO, O MEDO DO
FUTURO BATE À PORTA E AS BRIGAS SE TORNAM INEVITÁVEIS. NESTE MOMENTO DE
AFLIÇÃO ONDE PARECE NÃO EXISTIR SAÍDA, NÃO DEIXE O MEDO TE DOMINAR. TOME A
ATITUDE CERTA. VENHA NESTA SEGUNDA RECEBER A DIREÇÃO PARA VENCER AS
ADVERSIDADES E FORTALECER SEUS PASSOS. NAÇÃO DOS 318 PASTORES, UNINDO
FORÇAS PARA QUE VOCÊ RECEBA SUA VITÓRIA FINANCEIRA. NO BRÁS, AVENIDA CELSO
GARCIA, 499.
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