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SIMONE MARIA PIRES CABRERA
SONS E GESTAÇÃO
Implicações do ambiente sonoro sobre a saúde da gestante e do feto
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista - UNESP, campus de
São Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Música.
Orientadora: Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
Co-orientadora: Carmen Simone Grilo Diniz
São Paulo
2007
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SIMONE MARIA PIRES CABRERA
SONS E GESTAÇÃO
Implicações do ambiente sonoro sobre a saúde da gestante e do feto
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista - UNESP, campus de
São Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Música.
Data: 20 de dezembro de 2007.
Presidente – Orientador: Prfª Drª Marisa Trench de Oliveira Fonterrada
Livre Docente Instituto de Artes/UNESP
2° Examinador: Pro Drª Izildinha Maesta
Prof. Assistente Doutor Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP
3° Examinador: Pro Drª Ilza Zenker Leme Jolly
Doutor DAC/UFSCar
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Aos meus pais
e
aos meus filhos
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é conseqüência de alguns encontros felizes, sem os quais realizá-lo seria
uma tarefa bastante árdua. Não espero ser capaz de listar todas as pessoas que, de alguma
forma, contribuíram para sua conclusão, nem imputar-lhes qualquer responsabilidade
-somente agradecer pelo apoio e ajuda na concepção, gestação e parto desta pesquisa.
Mais por justiça que por praxe, a primeira pessoa a quem devo agradecer é Marisa
Fonterrada, orientadora impecável e, mais do que isso, amiga e apoio nas horas em que senti o
chão faltar...
Dorotéa Kerr, que gentilmente cedeu o posto de orientadora, mas que sempre esteve
por perto.
Simone Diniz, que aceitou a co-orientação deste trabalho, e deu dicas preciosas na
área de obstetrícia.
A todas as gestantes que participaram do projeto, que aceitaram ser objeto de estudo e
contribuíram além do que eu poderia esperar, desnudando-se e trazendo à luz assuntos, por
vezes, delicados, mas essenciais.
Dorothe e Geórgia, doulas, amigas, que me mostraram que a experiência do parto pode
ser diferente e, sobretudo, mais humana.
Marilza Rudge e Sônia Albano, por apontarem virtudes, mas, sobretudo, as falhas
deste trabalho de forma tão apropriada e carinhosa durante o exame de Qualificação.
Alberto Ikeda, pela ajuda com o projeto inicial e pelo interesse durante todo o
percurso, e a todos os Professores da pós-graduação.
Cintia Cavalcanti, pelo Abstract, e por me emprestar seus ouvidos quando tudo parecia
errado.
Aos colegas de curso, pelo apoio e pelas boas risadas.
Ao pessoal da biblioteca, sempre solícito, e em especial à Fabiana, pela ficha
catalográfica.
Às meninas da secretaria pela paciência, e a todos os funcionários do Instituto.
À CAPES, pela Bolsa de Estudo.
Aos meus pais Alice e Pedro, e aos meus filhos Filipe e Daniel, por compreenderem a
minha ausência.
Acontece que o infinito da passividade
(a recepção forçada invisível) se
baseia na audição humana. É o que
resumo nesta frase: As orelhas não
têm pálpebras.
Quignard (1999)
RESUMO
Durante a gestação, é comum que a mulher fique mais sensível, física e
emocionalmente, ao meio. Os sentidos ficam mais aguçados, e a emoção à flor da pele. No
entanto, pouco se comenta sobre o aumento da sensibilidade auditiva, e são escassos os dados
específicos sobre a influência do meio sonoro sobre a saúde da gestante e do bebê.
Esta pesquisa busca entender como se a relação da gestante com o meio sonoro: os
fatores positivos relacionados ao prazer e os negativos, relacionados ao estresse, que pode
ser causado tanto pelo excesso de ruídos como pela associação subjetiva a determinados sons
e músicas, e como essa relação pode afetar sua saúde, e conseqüentemente, a do bebê, e tem
como ponto de partida a necessidade de averiguar o possível aumento da sensibilidade
auditiva durante o período de gestação. Para essa finalidade, foi utilizada a internet como
meio de contato com as gestantes, e criada uma comunidade virtual para discussão dos
aspectos do ambiente sonoro ligados à gestação. Deste modo, formou-se um grupo com
mulheres de diversas partes do Brasil, de formação, classe social e idades diversificadas,
dispostas a falar sobre sua gestação e a percepção do ambiente sonoro. A investigação do tema
fundamenta-se, principalmente, no trabalho de Murray Schafer, precursor do estudo da
ecologia acústica, e em pesquisas da área médica, com o objetivo de realçar a relação entre a
paisagem sonora e a gestação, e para dar sustentação à hipótese de que o ambiente sonoro
possa influenciar a saúde da gestante, tanto positiva quanto negativamente, dependendo do
tipo de som que o forme, e que sua percepção adequada possa se tornar um instrumento
auxiliar na prevenção de problemas e na promoção do bem-estar durante esse período.
Palavras-chave: Ecologia acústica; ambiente sonoro; gestação; educação sonora; saúde.
ABSTRACT
It’s usual that women get emotionally and fiscally more sensible to the environment
during pregnancy.Their senses get more accurate, and they are emotionally touchier.
However, little is said about hearing sensibility, and there is hardly any specific data about
how sounds from the environment interfere with baby and mother healthy.
This research intends to understand how these sounds from environment can positively
and negatively affect a pregnant woman. Sounds can positively affect pregnancy providing
pleasant sensations, and negatively, they can be related either to stress caused by noise excess
or to subjective reactions to certain sounds or music. As environment sounds can affect
pregnancy and therefore the baby’s health, there’s a need to check as much as possible, the
increase of hearing sensibility during pregnancy.
Communication with pregnant women was established through Internet, and through a
virtual community for discussion on how sounds from environment can affect pregnancy. This
community was made up of women from all over Brazil, of different ages and from social
levels who were willing to talk about their pregnancy and the influence of sounds on it. This
investigation is based on Murray Schaffers work, who first studied acoustic ecology and
medical area researches with the intention of approaching soundscape and pregnancy. This
study is used to fundament the idea that sounds from the environment can positively or
negatively influence healthy in pregnancy, according to what kind of sound the woman is
exposed to, and it explains that its appropriate use can be an instrument of prevention to
problems and can also promote well being during the pregnancy time.
Key words: Acoustic ecology; pregnancy; sound education; health;
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................09
Estrutura dos capítulos...............................................................................................19
1. SONS E GESTAÇÃO .........................................................................................21
1.1 Mudanças na sensibilidade e percepção dos sons...............................................25
1.2 Aspectos fisiológicos da gestação.........................................................................30
1.3 Aspectos psicológicos e mudanças na percepção................................................35
1.4 Os sentidos do feto – sua percepção e reação ao meio.......................................44
2. OS VILÕES DA GESTAÇÃO...........................................................................51
2.1 A hipertensão arterial...........................................................................................53
2.2 Fisiologia do estresse.............................................................................................57
2.3 Efeitos do estresse durante a gestação.................................................................59
2.4 O ruído e suas implicações sobre a saúde...........................................................62
2.5 Ambiente sonoro e bem-estar...............................................................................69
3. A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE SONORO.........................................76
3.1 O complexo de mala..............................................................................................80
3.2 Ambiente sonoro e qualidade de vida..................................................................91
3.3 Sons que não podem ser ouvidos..........................................................................93
3.4 Percepção ambiental e limpeza de ouvidos.........................................................99
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................112
ANEXOS.................................................................................................................119
_______________
INTRODUÇÃO
__________________
Esta pesquisa é um projeto que vem crescendo algum tempo, nascido de
especulações sonoras oriundas, principalmente, do trabalho com crianças, que, geralmente,
mostram-se bastante curiosas em relação ao ambiente sonoro e abertas à experimentação, e
também da minha própria experiência como gestante e das observações e questionamentos
advindos desse período.
Desde meu primeiro contato com o trabalho de Murray Schafer venho agregando suas
idéias e exercícios de percepção do ambiente sonoro como parte introdutória - e que considero
essencial dos cursos e workshops que tenho a oportunidade de ministrar. O resultado dessa
atitude tem se mostrado animador: não as crianças ficam mais atentas ao ambiente como
parecem ganhar domínio sobre o material sonoro, manipulando-o com sensibilidade e
criatividade. Essa experiência teve reflexos também sobre mim - passei a ficar mais atenta aos
efeitos que certos sons causam, em especial, ao meu humor: ruídos, mesmo os de pouca
intensidade, como os de reatores de lâmpadas fluorescentes, têm efeito negativo quase
imediato, provocam irritação e afetam a concentração. Por outro lado, o som das folhas das
árvores balançando com o vento, ou então o som da chuva, sempre tiveram efeito relaxante
sobre mim.
Durante a gestação, esses efeitos pareciam se intensificar, tornando certos ambientes
quase insuportáveis, e outros bastante prazerosos, embora, na época, eu não tivesse
consciência de que isso pudesse afetar minha saúde ou a do bebê. Um evento, em particular,
ficou gravado em minha memória e suscitou grande curiosidade: um dia, assistindo a um
concerto, enquanto a orquestra executava passagens tranqüilas, em piano, o bebê estava
quieto, e parecia estar dormindo. Em um dado momento, a orquestra passou para um forte
subito, culminando com a percussão e o som de pratos. O bebê pareceu sentir um susto muito
grande, que percebi como um estremecimento, seguido de muitos movimentos bruscos; fiquei
ao mesmo tempo com e preocupada, pois imaginei que talvez a exposição a determinados
sons durante a gestação fossem prejudiciais a ele, mas não poderia evitá-la totalmente.
Também percebi que os meus estados de humor afetavam, de alguma forma, o
comportamento do bebê.
Meus interesses, por um tempo, ficaram divididos entre a música e assuntos relacionados à
saúde. Fiz vários cursos, dentre eles Medicina Tradicional Chinesa, e tive os primeiros
contatos com o chamado “parto humanizado”, que prioriza o parto natural, centrado no bem-
estar da gestante e do bebê, e evita a medicalização desnecessária, assim como alguns
procedimentos, cuja eficácia tem sido questionada, como a episiotomia
1
de rotina. Fiz curso
1
Corte efetuado no períneo para facilitar a passagem do bebê durante o parto.
11
de formação de doulas
2
, mais como experiência do que com a intenção de seguir a profissão.
Nesta pesquisa, tive a oportunidade de juntar esses dois caminhos, aparentemente tão
díspares, por meio da Ecologia Acústica, que, por seu caráter interdisciplinar, mostra-se apta a
abrigar todas as áreas do saber que toquem a relação entre os seres vivos e o ambiente sonoro.
O estudo da ecologia acústica iniciou-se na década de 1970, sendo que a primeira
pessoa a realizar pesquisas sistemáticas a esse respeito foi o canadense Murray Schafer. Este e
outros termos foram criados ou adaptados por ele à medida que as pesquisas evoluíam, devido
à necessidade de se ter um vocabulário próprio que refletisse esse conceito. Em seu livro A
afinação do mundo um pequeno glossário desses termos, no qual ecologia acústica é
definida como “o estudo dos efeitos do ambiente acústico, ou paisagem sonora, sobre as
respostas físicas ou características comportamentais das criaturas que nele vivem. Seu
principal objetivo é dirigir a atenção aos desequilíbrios que podem ter efeitos insalubres ou
hostis” (SCHAFER, 2001, p.364).
A paisagem sonora é formada pelo conjunto de sons presentes em um determinado
ambiente, sejam eles naturais ou não. Dentre esses sons, encontram-se também os ruídos, que,
por definição, são os sons indesejáveis. O simples fato de serem indesejáveis já os torna, em
certo grau, nocivos, e quando se encontram em grande quantidade em um ambiente, podem
causar vários danos à saúde.
Devido à sua anatomia, os ouvidos estão sempre abertos, receptivos a qualquer som
presente no ambiente, sem qualquer censura ou filtro que possa cessar ou ao menos minimizar
sons indesejáveis ou ruídos. Deste modo, os sons invadem nossos ouvidos até mesmo
quando estamos dormindo, alterando a qualidade do sono.
... o sono, a partir de 35 dB (A), vai ficando superficial, a 75 dB(A) atinge uma perda de 70%
dos estágios profundos, restauradores orgânicos e cerebrais. (PIMENTEL-SOUZA, 1992)
A utilização de uma definição ampla de ruído como som não desejado, faz pensar na
subjetividade do termo. Desta maneira, o que é agradável para um indivíduo é desagradável
para outro, o que torna os efeitos causados pelos ruídos difíceis de estudar, dado o grande
número de variáveis envolvidas. No entanto, apesar das diferenças, parece haver um certo
consenso de que altos níveis de ruído, além de perdas auditivas, pode causar efeitos
secundários como estresse, perda da capacidade de concentração, dificuldades no sono, fadiga
e aumento da pressão sanguínea.
2
Do grego, “mulher que serve”. Atualmente o termo aplica-se às mulheres que dão apoio físico e emocional
às mulheres antes, durante, e após o parto.
12
Alguns desses efeitos têm ação direta sobre a gestação, o qual é um período bastante
delicado na vida das mulheres. As transformações são grandes, e não se limitam às mudanças
corporais visíveis. A cada mês, o corpo feminino se prepara para a gestação, e muitas
mulheres enfrentam a tensão pré-menstrual (TPM), devido às oscilações hormonais. A partir
do momento da concepção, o organismo materno dará seguimento a esse processo, com
mudanças hormonais ainda mais intensas, em adaptação às necessidades da gestação
(CUNNINGHAM et al. 2005, cap. 5, p. 121-150; RUDGE, BORGES, CALDERON, 2006,
cap.6, p. 36-62). A maior parte dessas adaptações ocorre internamente, o que dificulta a
compreensão desse processo, limitando-a ao que acontece no útero, e às mudanças visíveis.
Além das adaptações físicas, ocorrem também mudanças e adaptações psicológicas, gerando
ansiedade. Grande parte dessa ansiedade está ligada à expectativa de gerar uma criança
perfeita, o receio de que possa ocorrer algum problema durante esse processo, gerando filhos
mal formados ou com problemas de saúde, e ao medo do aborto, além do medo do parto em
si.
A causa dos abortos espontâneos, normalmente, é atribuída a anormalidades no
embrião, doenças ou problemas de saúde das mães. A maior parte dos obstetras descarta a
possibilidade de que o estresse possa fazer mulheres saudáveis abortarem fetos saudáveis. No
entanto, uma série de estudos recentes de um grupo de pesquisadores alemães do hospital
Charité ligado à Universidade Humboldt de Berlim sugere que o estresse materno possa
causar desequilíbrio hormonal, o que faz com que o sistema imunológico da gestante se
comporte de maneira hostil em relação ao feto, causando o aborto (ARCK, 2001; BLOIS et
al., 2004; KNACKSTEDT, HAMELMANN, ARCK, 2005).
O nascimento prematuro é uma das principais causas do baixo peso dos recém-
nascidos, sendo que um grande número deles vem a óbito pouco depois do nascimento
(PANETH, 1995, apud SCHWARTZ, 1997). O estresse emocional materno é uma das
principais causas de trabalho de parto prematuro (CUNNINGHAM et al. cap. 36, p. 855-880).
O que parece ser um atributo comum, aqui, é que uma reação exagerada de estresse
materno pode levar ao aborto espontâneo, ao parto prematuro e a bebês abaixo do peso ao
nascerem.
Muitos dos efeitos fisiológicos do estresse se dão por meio dos hormônios do estresse,
chamados catecolaminas. Níveis elevados de catecolaminas durante a gravidez tornam menos
efetivas as contrações uterinas, (SIMKIN, 1986, apud SCHWARTZ, 1997) e, por causa disso,
muitas pacientes acabam precisando de cesarianas. Ansiedade intensa tem sido associada com
morte fetal no terceiro trimestre de gravidez. O mais comum é que as pacientes extremamente
13
ansiosas tenham altos níveis de catecolaminas durante o parto, o que irá diminuir o fluxo de
sangue na placenta e causar sofrimento fetal. Em várias situações clínicas, o uso da música
reduziu o nível de hormônios do estresse (SPINTGE, DROH,1987, apud SCHWARTZ, 1997).
Mas, qual a relação entre a gestação e os sons, ou, mais precisamente, o ambiente
sonoro? Atualmente sabe-se que a poluição sonora é capaz de causar grandes danos à saúde,
pois além das perdas auditivas ligadas à exposição intensa aos ruídos, também pode causar
danos extra-auditivos, como problemas cardiovasculares, incluindo a hipertensão arterial,
distúrbios de sono, dificuldade de concentração e estresse. Dentre estes, a hipertensão arterial
e o estresse são agravos importantes à saúde da gestante e do feto. Vale lembrar que a
hipertensão arterial é a primeira causa de morte materna no Brasil, seguida por hemorragia e
infecção puerperal ( BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003. p. 7-12). Além disso, a
hipertensão arterial é a principal causa de mortalidade perinatal ( LAURENTI, BUCHALLA,
COSTA, 1984) ROBERTS, PEARSON, CUTLER, LINDHEIMER, 2003; 41(3):437-45).
O estresse materno, além de abranger a possibilidade de causar hipertensão arterial
(SOUZA, CARVALHO,FERNANDES, 2001), é associado com abortamento, como citado na
página 12, e trabalho de parto prematuro (CUNNINGHAM et al. 2005. cap. 36, p. 855-880).
Além dessas conseqüências, algumas pesquisas relacionam a exposição da gestante a sons de
alta intensidade, durante grandes períodos de tempo, à formação fetal (ZHANG, CAI,
LEE, 1992), prematuridade e peso baixo do recém-nascido (ZHAN et al. 1991,
HARTIKAINEN et al. 1994). Embora não haja consenso sobre isso, é possível que exista uma
ligação entre os problemas causados pela poluição sonora e algumas das situações de risco
para a gestação.
Para entender os mecanismos envolvidos nesse processo, é preciso que nos voltemos
para a gestante, suas transformações físicas e psicológicas, suas mudanças hormonais, a forma
como ela se relaciona com o meio, e seu papel na sociedade, e também para a fisiologia do
estresse e para os problemas desencadeados pela poluição sonora, para que seja possível
encontrar o ponto comum entre todos esses fatores. Se por um lado, a quantidade de ruídos,
ou de sons indesejados, pode levar a níveis aumentados de estresse, colaborando com um
quadro clínico bastante desfavorável durante a gestação, o oposto também parece ser certo: o
uso de sons agradáveis, que tragam conforto, pode ajudar a alterar positivamente este quadro,
criando um ambiente sonoro saudável. A música, como integrante desse ambiente, quando
usada conscientemente, pode ajudar a controlar a ansiedade e o estresse, colaborando para a
melhoria do bem-estar tanto da gestante quanto do bebê.
Enquanto os efeitos negativos do estresse prolongado sobre a saúde humana são
14
bastante aceitos, seus efeitos sobre a gestação ainda estão sendo estudados, e não se conhece
ainda seu real alcance. Além de seu mecanismo de ação sobre o aborto espontâneo, algumas
pesquisas o têm ligado, inclusive, a conseqüências bastante sérias na vida subseqüente do
bebê, como resposta mais acentuada ao estresse, diabetes, obesidade e problemas cardíacos
(NATHANIELSZ, 1999; SECKL, 1998; van OS, SELTEN, 1998;apud KNACKSTEDT et al.,
2005)., além de problemas comportamentais(CLARKE, SCHNEIDER, 1993;CLARKE et al.,
1994).
Os ruídos, a princípio, foram ligados somente a perdas auditivas, principalmente em
pessoas expostas ao ruído ocupacional. Com o avanço das pesquisas, começou-se a relacioná-
los também a outros problemas, como hipertensão arterial, distúrbios do sono e estresse
(SOUZA, CARVALHO,FERNANDES, 2001).
Até o momento, não foram encontradas pesquisas ligando o ambiente sonoro e o
agravamento de problemas durante a gestação sob o enfoque pretendido nesta pesquisa. As
pesquisas encontradas tratam do ruído ocupacional intenso, tendo sido relacionado, inclusive,
à má-formação fetal. Algumas pesquisas acerca dos efeitos dos ruídos sobre a saúde humana
têm começado a levar em conta o fator pessoal, mas, a maior parte, trabalha somente com um
único parâmetro, a intensidade sonora medida em decibéis, como referência geral para a causa
dos distúrbios. No entanto, a observação empírica leva a crer que outros parâmetros, como a
freqüência, o timbre, a duração assim como a repetição dos sons possam ter influência no grau
de perturbações causadas pelos ruídos. A partir de sua definição como som indesejado, a
questão subjetiva passa a ser de suma importância, pois o mesmo som pode afetar pessoas
diferentes de maneiras também diferentes. É preciso olhar para a questão do ambiente sonoro
por outro ângulo, sem perder de vista o conhecimento acumulado por outras áreas, pois,
devido à sua abrangência, a ecologia acústica pode se abrir a um grande leque de estudos.
Deste modo, esta pesquisa pretende contribuir com o aporte da música para a questão da
saúde relacionada ao ambiente sonoro.
A princípio, pretendia-se coletar dados em pesquisa de campo, com um grupo de
gestantes, com as quais se iria trabalhar a percepção do ambiente sonoro em que convivem a
maior parte do dia, pesquisando-se os sons agradáveis e os desagradáveis, classificando-os
sob diversos parâmetros, e posteriormente discutir as possibilidades de ajuste desse ambiente,
segundo as classificações pessoais, tornando-os, na medida do possível, mais saudáveis. No
entanto, pela escassez de materiais bibliográficos mais específicos, notou-se haver uma
grande lacuna em vários aspectos, e a necessidade de uma pesquisa bibliográfica mais
detalhada, que procurasse unir de maneira satisfatória a questão da saúde da gestante e o
15
ambiente sonoro, dando-lhes um novo enfoque. Por meio de artigos e publicações tanto da
área específica de saúde da gestante quanto da área de saúde ambiental ligada à poluição
sonora, procurou-se encontrar um ponto de convergência que pudesse apoiar a hipótese de
que o ambiente sonoro pode influenciar a saúde da gestante, tanto negativamente quanto
positivamente, dependendo do tipo de som que forme esse ambiente, e que a sua percepção
por parte do ouvinte se tornasse um instrumento auxiliar na prevenção de problemas durante o
período de gravidez.
Para o aporte de dados centrados na gestante, a solução encontrada foi a utilização da
internet, e do site de relacionamentos Orkut. Neste site as pessoas se cadastram e criam
páginas de perfil, com os dados que desejam divulgar a seu respeito, e espaço para fotos e
troca de mensagens com outras pessoas cadastradas. É possível formar grupos de amigos e
fazer contatos com outras pessoas que compartilhem os mesmos interesses, em comunidades
virtuais. Esse meio foi escolhido porque dele participam milhares de pessoas de várias partes
do Brasil e do mundo, e muitas comunidades de gestantes, que se associam a elas para
discutir os mais variados assuntos, desde compartilhar experiências de parto, tirar dúvidas
com outros participantes ou simplesmente compartilhar informações e sentimentos. Nessas
comunidades é possível abrir fóruns de discussão, nos quais as pessoas participam e colocam
suas opiniões a respeito do tema discutido. Para os fins desta pesquisa, foi criado um blog,
com alguns textos sobre ambiente sonoro e gestação
3
, e a comunidade “Sons e gestação”
(ANEXO A), que conta atualmente com cerca de 135 membros, e cuja descrição segue
abaixo:
Esta comunidade foi criada com a finalidade de discutir os aspectos relacionados com o
ambiente sonoro e sua influência sobre a saúde da gestante e, conseqüentemente, do bebê.
O ambiente sonoro, também chamado de paisagem sonora, é composto por todos os sons que
nos rodeiam, sejam eles agradáveis ou não. Os sons agradáveis agem em nosso cérebro,
liberando substâncias que nos causam bem-estar, enquanto os sons que nos desagradam agem
de modo inverso, liberando substâncias estressantes, que podem alterar a saúde durante a
gestação e, inclusive, afetar a saúde do bebê.
Mais informações podem ser obtidas no blog:
http://ambientesonoro.blogspot.com
As informações obtidas por meio desta página irão ajudar a conhecer e divulgar esse tema, e
serão utilizadas como dados para a dissertação de mestrado:
Sons e gestação o ambiente sonoro e suas implicações sobre a saúde durante a gravidez: um
estudo em ecologia acústica. (ANEXO A)
Esta é uma comunidade não moderada, o que significa que as pessoas podem
3
Disponível para acesso no endereço: http://ambientesonoro.blogspot.com
16
participar livremente, sem permissão prévia, bastando, para tanto, inscrever-se. Permite,
também, postagem anônima, para que as gestantes tenham privacidade ao deixar seus
depoimentos, se assim desejarem. Desta forma, todas podem se sentir seguras se quiserem
contar algum fato pessoal. Consta, também, na descrição da comunidade, o fato de que os
dados obtidos serão usados para a construção da dissertação de Mestrado, e a colaboração é
voluntária.
Uma outra ferramenta disponível na comunidade, além dos depoimentos livres sobre
os temas propostos, é a possibilidade de criar enquetes para a obtenção de dados quantitativos,
e que foi utilizada para saber se a informação de que a gestante pode apresentar maior
sensibilidade auditiva procede, ao menos, dentro desse grupo.
As gestantes que participam da comunidade “Sons e gestação” provêm de diversas
partes do Brasil ,e algumas, embora brasileiras, são residentes no exterior. Como não foi
escolhido um grupo homogêneo, mas formado livremente, possui membros de diversas
profissões, escolaridade, assim como idade, situação familiar, social e econômica diferentes
entre si, o que torna esse grupo bastante representativo, embora pequeno.
Apesar da utilização da enquete indicar uma orientação quantitativa, pois buscou
obter dados que permitam uma idéia clara da porcentagem de mulheres que sentem sua
sensibilidade auditiva aumentada durante o período de gestação, esta pesquisa é, em sua maior
parte, qualitativa, pois, assim como a própria definição de ruído como “som desagradável”
pressupõe a subjetividade, o que se busca aqui é o sentimento que o ambiente sonoro provoca
e seus reflexos sobre as respostas corporais, que são influenciadas pelas emoções e memórias,
que, por sua vez, são dados bastante pessoais. A enquete trabalha com números, mas os
depoimentos são carregados de sentidos específicos.
Segundo Minayo e Sanches (1993, p. 247), do ponto de vista epistemológico,
nenhuma das duas abordagens é mais científica do que a outra”. Ambas são de naturezas
diferentes, porém não contraditórias. “Assim, o estudo quantitativo pode gerar questões para
serem aprofundadas qualitativamente, e vice-versa”.
No campo da ecologia acústica, esta pesquisa terá como referência principal o trabalho
de Murray Schafer, compositor, educador e pesquisador canadense que lançou as bases para o
estudo dessa disciplina. Em seu livro A afinação do mundo (2001 p 363 368) um
glossário de termos relativos à paisagem sonora, que definem alguns conceitos utilizados na
presente pesquisa, tais como:
- ecologia acústica
- espaço acústico
17
- limpeza de ouvidos
- objeto sonoro
- paisagem sonora
- projeto acústico
Será utilizado na presente pesquisa, em especial, o conceito do programa de limpeza
de ouvidos” por ele sugerido. Este programa consiste em exercícios propostos para que se
possa perceber de maneira mais clara os sons que compõem o ambiente sonoro circundante.
Estes exercícios encontram-se no livro O ouvido pensante (1991/1996), e podem funcionar
como ponto de partida para muitos outros, aliando-se criatividade e percepção do ambiente
sonoro.
No Brasil, apesar da ecologia acústica ser ainda muito pouco explorada, existe o
trabalho de Marisa Fonterrada (2004), que também foi a responsável pela introdução do
trabalho de Schafer no país, tendo traduzido os dois livros citados anteriormente.
Serão consultadas, também, pesquisas relativas a sons/ruídos/vibração que sejam
relacionadas a mudanças (positivas ou negativas) na qualidade de vida e saúde de grupos ou
populações,como:
- “Music and Perinatal Stress Reduction (SCHWARTZ 1997), em que o autor comenta
suas próprias experiências como anestesiologista do Piedmont Hospital em Atlanta,
Estados Unidos, utilizando música como complemento da anestesia, redutor da dor e do
estresse provocados pelo parto, assim como da duração do mesmo. Discorre ainda a
respeito dos prejuízos causados pela resposta ao estresse durante a gravidez, tanto para a
gestante quanto para o bebê e como a música tem sido utilizada para diminuir esses
efeitos, tanto como coadjuvante quanto operando mudanças efetivas nesses quadros,
citando, o autor, várias pesquisas e artigos publicados principalmente em periódicos para
embasar seu artigo.
- Noise: A Hazard for the Fetus and Newborn (Commitee on Environmental Health, 1996
– 1997), artigo em que os autores comentam vários estudos realizados por diversos
grupos, apontando os efeitos potenciais da exposição excessiva a ruídos durante a
gravidez, tais como maior número de crianças com perdas auditivas nascidas de mães
expostas a ruídos na faixa de 85 a 95 dBs, risco de má-formação e anomalias congênitas,
diminuição do tempo de gestação e risco de nascimento prematuro, baixo peso ao nascer,
e também como indicador de outros fatores de risco, fazendo, ao final, uma série de
recomendações destinadas à prevenção dessas exposições excessivas ao ruído e seus
efeitos.
18
Há ainda os estudos que relacionam ruído e estresse, tais como, entre outros:
- Efeitos da poluição sonora no sono e na saúde em geral ênfase urbana”, de Pimentel-
Souza (1992), em que o autor, não discorre sobre os efeitos negativos da poluição
sonora sobre a saúde, como cita pesquisas realizadas em diversos países sobre este mesmo
tema.
- Recent advances in the study of human performance in noise”, (Jones, 1990), em que o
autor discute alguns efeitos dos altos níveis de ruído, entre eles, a influência sobre o
processamento de informações, sensação de fadiga e insônia.
Em relação à gestação, os artigos e livros de Michel Odent são bastante
esclarecedores, e sua referência, obrigatória em trabalhos relacionados a esse tema.
Também foram tomados como referência os estudos recentes que relacionam o
estresse materno ao aborto espontâneo e outras complicações, especialmente nos primeiros
meses de gravidez:
- Depletion of CD8+ cells abolishes the pregnancy protective effect of progesterone
substitution with dydrogesterone in mice by altering the Th1/Th2 cytokine profile”
(BLOIS et al. 2004)
- Stress and immune mediators in miscarriage” (ARCK et al. 2001)
- “ Mothers in stress: consequences for the offspring” (KNACKSTEDT, HAMELMANN,
ARCK, 2005).
A partir dessas informações, este estudo pretende ligar algumas das pesquisas
existentes sobre a hipertensão e o estresse na gestação, suas possíveis causas, e também suas
conseqüências, tanto em relação à gestante quanto ao feto, às pesquisas sobre a influência dos
sons e do ambiente sonoro sobre esses mesmos sintomas, e a utilização da percepção sonora
como modo de atuação consciente sobre esse ambiente, possibilitando um maior controle
sobre seus efeitos, pela interferência sobre ele, adaptando-o e modificando-o, quando
possível, segundo a sensibilidade e a necessidade de cada gestante.
Ao realçar essas relações entre o ambiente sonoro e a saúde da gestante e incentivar a
consciência sonora, via programas de percepção ambiental baseados na proposta de Murray
Schafer, tem-se por objetivo ampliar a consciência a respeito desses problemas; com essa
atitude, é possível proporcionar à gestante a oportunidade de lidar com o ambiente, cercando-
se, na medida do possível, com sons que lhe tragam conforto, e evitar os que lhe causem mal-
estar.
19
Estrutura dos capítulos:
O primeiro capítulo foi estruturado da seguinte forma:
1 SONS E GESTAÇÃO aborda de maneira ampla as questões relacionadas ao som e à
gestação, que serão detalhadas a seguir:
1.1 Aspectos fisiológicos da gestação – neste segmento discorre-se sobre as mudanças físicas
ocorridas desde a fecundação, os hormônios envolvidos e sua função, mudanças no
metabolismo e suas adaptações.
1.2 Aspectos psicológicos e mudanças na percepção neste item trata-se tanto das
mudanças emocionais, aferidas pelos questionamentos e expectativas em relação à gestação e
ao bebê, quanto das mudanças de humor ocorridas nesse período, causadas pelas
transformações de origem hormonal, assim como por alterações na percepção.
1.3 Os sentidos do feto trata da relação do feto com o ambiente sonoro em que a gestante
está inserida. Este relaciona-se com o meio, tanto através de um sistema de comunicação
gestante-feto, que se pelo compartilhamento, via placenta, de substâncias químicas
relativas às sensações do estresse ou de prazer sentidos pela gestante, e pela percepção dos
sons dos batimentos cardíacos e dos líquidos corporais, quanto por sua percepção dos sons do
ambiente externo ao útero.
No segundo capítulo, desenvolvem-se as seguintes idéias, relacionadas à influência do
meio sobre a gestação:
2 OS VILÕES DA GESTAÇÃO – neste segmento, trata-se, de maneira geral, dos problemas
que podem ocorrer durante a gestação, influenciados pelo meio, especialmente o sonoro.
2.1 A hipertensão arterial aqui, mostra-se que a hipertensão arterial está associada a
diversos males durante a gestação, como, por exemplo, a eclâmpsia, que pode levar a gestante
ao coma e, inclusive, à morte, e que pode ser agravada pelo estresse.
2.2 Em Fisiologia do estresse são tratadas as mudanças e adaptações metabólicas às
situações de estresse, suas fases, e sua ligação com os problemas que podem ocorrer na
gravidez.
2.3 Efeitos do estresse durante a gestação -trata especificamente das conseqüências do
estresse e das mudanças hormonais decorrentes dele durante o período de gestação, que
causam desequilíbrios relacionados, entre outras coisas, ao aborto espontâneo e trabalho de
parto prematuro.
2.4 O ruído e suas implicações sobre a saúde neste item estudam-se as conseqüências da
exposição prolongada ao ruído, entre elas, a ocorrência de hipertensão e estresse, que estão
20
ligados a vários problemas na gestação. Como exemplo, cite-se a exposição curta a picos de
ruído, suficiente para causar mudanças no equilíbrio hormonal, que podem ser prejudiciais à
gestação.
2.5 Ambiente sonoro e bem-estar versa sobre a busca do prazer como fonte de bem-estar,
pela liberação de substâncias como endorfinas; sobre a possibilidade de obter essa sensação
por meio de um ambiente sonoro agradável, seus efeitos positivos sobre a saúde, e como a
gestante pode se beneficiar com eles.
No terceiro capítulo serão tratados os seguintes temas:
3. A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE SONORO - serão abordados os temas
relacionados à construção do ambiente sonoro, sejam os fatores sociais que influenciam
em sua percepção, sons não audíveis, mas que também fazem parte da paisagem sonora, e
o programa de “limpeza de ouvidos”.
3.1 O complexo de mala neste item, discute-se o aspecto social da gestante, com questões
de gênero, e a história dos cuidados pré-natais, chegando ao modelo atual, em que, ainda,
subsiste para elas o status de invólucro, ou mala do bebê.
3.2 Ambiente sonoro e qualidade de vida será definido o conceito “qualidade de vida”, e
a possibilidade de alcançá-lo por meio do ambiente sonoro.
3.3 Sons que não podem ser ouvidos trata dos infrassons e ultrassons, que encontram-se
fora da extensão da audição humana, mas que também fazem parte do ambiente, e podem
também afetar a saúde da gestante e do feto.
3.4 Percepção ambiental e limpeza de ouvidos - trata dos efeitos do programa de “limpeza
de ouvidos” para a percepção ambiental, como instrumento para a composição da paisagem
sonora.
Nas Considerações Finais será analisada a relevância da hipótese apresentada para o
projeto de pesquisa e o desenvolvimento dos objetivos propostos na introdução, assim como a
reflexão sobre os temas apresentados no decorrer da elaboração da dissertação.
CAPÍTULO 1
______________________
SONS E GESTAÇÃO
______________________
22
Extasis. Ex- no sentido de “do lado de fora” e stasis significando “em pé”. Sons que deixam a
pessoa em do lado de fora de si mesma. Sons como os que levaram Ulisses até o rochedo
das sereias. Sons cuja potência está além do prazer e até mesmo além da beleza. Sons
revelando-nos verdades que sempre soubemos, mas não somos capazes de descrever, quando o
último eco desaparece. (Jourdain, 1998, p.13)
O ato de escutar começa por volta da 21ª semana de gestação, quando nossos ouvidos
se abrem para o mundo. Estamos tão acostumados a ouvir o tempo todo, sem descanso, que
mal nos damos conta da quantidade de sons processados pelo cérebro diariamente. Muitas
vezes percebemos que um som nos incomoda quando este cessa, trazendo alívio imediato.
Escolhemos com cuidado as músicas que ouvimos, para que nos proporcionem bem-estar, e,
no entanto, não temos o mesmo cuidado ao escolher os sons que nos cercam diariamente, e
com os quais convivemos a maior parte do dia, uma vez que os ouvidos não podem ser
desligados e, como sistemas de alerta, permanecem atentos mesmo quando estamos
dormindo. É preciso destacar que é objeto da ecologia acústica, também chamada de ecologia
sonora, estudar a relação entre os seres vivos e o ambiente acústico em que vivem, e seus
efeitos sobre suas respostas físicas ou comportamentais, detectando desequilíbrios que possam
ser nocivos para a saúde e o bem-estar (SCHAFER, 2001, pg.364). Assim, algumas palavras
serão dedicadas a esse assunto, para que se possa compreendê-lo melhor, e entender de que
forma este pode exercer influência sobre a saúde da gestante e do bebê durante o período
gestacional.
A paisagem sonora tem se modificado no decorrer dos anos, principalmente nas
grandes cidades, onde temos que conviver com uma profusão de decibéis acima do
suportável. Além da intensidade dos sons, sua qualidade também foi alterada. Um número
cada vez maior de sons gerados artificialmente modifica o ambiente natural, e não se sabe
com certeza quais as conseqüências disso. Embora o número de estudos relacionados ao
ambiente acústico tenha aumentado nos últimos anos, no geral, o que se é que mesmo
entidades mundiais ligadas à preservação do meio ambiente, como WWF (World Wild
Fundation) e Greenpeace, não têm uma política a respeito da poluição sonora. Basta uma
visita rápida aos sites de ambas as entidades para se verificar que, embora louváveis, suas
ações passam longe da preocupação com o ambiente acústico. Essa falta de informação a
respeito da paisagem sonora pode trazer a falsa sensação de que sua modificação não pode
nos afetar. No entanto, independentemente do conhecimento ou não de dados que atestem a
influência dos sons em nossa saúde, intuitivamente, e pela prática cotidiana, uma pessoa que
trabalhe em ambiente ruidoso, ou que enfrente diariamente o trânsito das grandes cidades,
sabe que, de alguma forma, esse turbilhão de sons irá afetá-la.
23
Em vista disso, no caso da relação entre som e gestação, foco de interesse desta
pesquisa, torna-se necessário estudar como a paisagem sonora pode se tornar uma aliada, e
não um meio hostil, não para a gestante, mas especialmente nesse período, pois, como
veremos adiante, suas conseqüências podem ir bem além da mera sensação de bem-estar.
Sendo a audição um sentido tão solicitado e, nos dias atuais - especialmente nas
grandes cidades - tão sobrecarregado, é natural pensar que essa profusão de sons indesejados,
que chegam aleatoriamente aos ouvidos, possa causar algum efeito negativo sobre a saúde; e,
de fato, o estresse provocado pelos sons já se faz notar, e merece um capítulo à parte. O que é
preciso salientar aqui é a possibilidade de haver uma escuta diferenciada no período de
gestação, e que possa ter seus efeitos ainda mais intensos nesse período. Parece fazer parte do
senso comum o fato de que as gestantes ficam mais sensíveis, demonstrando maior
suscetibilidade a aromas e mudanças no paladar, por exemplo. Raramente é citada alguma
alteração na sensibilidade auditiva, e, quando acontece, não é dada muita importância ao fato.
No entanto, para os fins desta pesquisa, o conhecimento desses dados específicos torna-se
bastante relevante, pois, para se estabelecer a ligação entre a gestante e o meio ambiente
sonoro que a cerca, é preciso saber como sesua relação com esse meio, e quanto, e, de que
modo, este a afeta.
Para se ter acesso a esses dados, foi criada uma enquete na comunidade do orkut “Sons
e gestação”, na qual as gestantes podem votar na opção que mais se enquadra em seu perfil
atual em relação à sensibilidade sonora. Também foi dada à gestante a possibilidade de
explicar sua escolha, caso deseje. Além dessa enquete, foram criados tópicos para discussão e
comentários sobre o tema, possibilitando mais um canal para que as gestantes se manifestem
sobre sua sensibilidade aos sons.
Outro ponto a ser considerado quando se tenta compreender a relação da gestante com
o ambiente sonoro, é porquê acontecem mudanças em sua sensibilidade, e que fatores podem
contribuir para que o ambiente sonoro seja mais perceptível nesse período, tornando
insuportáveis sons que anteriormente eram bem tolerados, carregando significados
emocionais antes desconhecidos, ou ainda, trazendo prazeres inesperados.
Durante a gestação ocorrem mudanças intensas no organismo materno, que
influenciam o funcionamento de todo o seu corpo, tanto nos aspectos físicos quanto
emocionais. É natural pensar que seus sentidos também terão que se adaptar a essa nova
condição. também razões de ordem prática, ligadas ao estágio de desenvolvimento do
bebê, fazendo que o corpo da mulher tenha que se adaptar rapidamente a cada período
gestacional. As mudanças externas são grandes, porém, as internas são ainda maiores. É
24
preciso entender como e porquê se dão essas mudanças, para saber em que medida elas
refletem no comportamento da gestante em relação ao ambiente sonoro.
Embora muitas dessas mudanças sejam visíveis, como o aumento da barriga, por
exemplo, e suas implicações, como o jeito de caminhar característico desse período, em
especial no último trimestre, devido ao deslocamento do centro de gravidade e aumento de
peso, outras mudanças não podem ser vistas, pois ocorrem internamente. Não sequer uma
parte do corpo que não sofra transformações e adaptações. Gerar um novo ser demanda um
processo complexo que se inicia com a preparação para a fecundação, a qual, caso ocorra,
dará início imediatamente a modificações corporais, em decorrência da ação de hormônios,
que irão agir de diversas maneiras a fim de propiciar as melhores condições para o
desenvolvimento do feto. A partir desse momento, o corpo se volta quase que exclusivamente
para esse fim.
As mudanças não são somente físicas, mas também psicológicas. As alterações
hormonais acarretam instabilidade de humor, e começam as preocupações acerca da saúde do
bebê, e de sua própria capacidade em criá-lo adequadamente, além do medo do parto
propriamente dito. Muitas mães concordariam com a afirmação de que a gestação “é um
período de nove meses de TPM (tensão pré-menstrual), em que se tem um alien morando
dentro da barriga...
4
Obviamente, a gestação não tem nada do clima de horror do filme, e o
“prêmio” é bastante diferente. Se as mulheres passam, aparentemente bem, por esse período,
é porque sabem que ao final, terão seus bebês no colo, com a esperança de que sejam
saudáveis e felizes. E também porque a natureza é sábia; as sensações desagradáveis se
tornam remotas diante da visão do filho, e mesmo a percepção da dor é alterada. Se não fosse
assim, a humanidade já teria acabado.
Ao compreender os processos fisiológicos envolvidos na gestação, é possível entender
como estes influenciam as reações ao meio, e também entender como o meio acústico pode
refletir-se em mudanças nos estados físicos da gestante, tanto para colaborar com possíveis
situações de risco como para amenizá-las. O mesmo se com os processos emocionais e
psicológicos envolvidos no desenvolvimento da gestação. Cabe, portanto, inserido no objeto
desta pesquisa, um olhar mais atento a esses processos. Assim, após a discussão dos dados
acerca da possível sensibilização auditiva da mulher durante o período de gestação, será
dedicada uma parte deste capítulo para examinar tanto os aspectos fisiológicos quanto os
aspectos psicológicos da gestação, bem como as alterações na percepção, com ênfase no
aspecto sonoro. Será examinada, também, a forma como o feto percebe tanto o estado físico
4
Referência ao filme “Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979), de Ridley Scott.
25
quanto emocional da mãe, e como reage a esses estados, sejam eles considerados normais ou
alterados.
Esta pesquisa, que pretende estudar a ligação entre os sons e a saúde durante a
gestação, apóia-se, em parte, nos dados obtidos através do contato com as próprias gestantes,
e no quanto elas conseguem perceber a resposta de seus corpos ao ambiente acústico, no
conhecimento que se tem sobre o funcionamento do corpo feminino e nos mecanismos que
agem sobre a gestação, sejam eles físicos ou psicológicos, no conhecimento dos efeitos dos
sons sobre a saúde humana em geral, e nos estudos realizados no campo da ecologia acústica.
Para se vislumbrar o todo, é preciso deter-se momentaneamente sobre as partes que o
compõem, tentar entender como se o processo da escuta para a gestante, quanto esse
processo decorre de fatores fisiológicos e psicológicos, e quanto, por outro lado, pode
influenciá-los.
1.1- Mudanças na sensibilidade e percepção dos sons
O primeiro passo a ser dado em direção a um ambiente sonoro saudável para a
gestante é saber se mudanças em sua sensibilidade auditiva durante este período, e de que
maneira reage a essas mudanças. Para a obtenção desses dados, foi criada a comunidade
“Sons e gestação” no site de relacionamentos Orkut, que possibilita a criação de fóruns de
debate e enquetes sobre temas ligados à gestação e à paisagem sonora. A escolha do Orkut
como meio de discussão deve-se à sua popularidade e alcance, não se restringindo a um grupo
determinado, atingindo mulheres com perfis diversificados, de diferentes faixas etárias,
profissões, situações familiares e localidades. Essa diversidade é importante para este estudo,
uma vez que na literatura não há, até o momento, dados consistentes sobre o aumento da
sensibilidade auditiva da gestante.
Dentro desse contexto, foi feita a seguinte enquete:
“Durante o período de gestação, algumas mulheres apresentam mudanças em sua
sensibilidade, que são refletidas em suas reações ao ambiente sonoro. Você ficou mais
sensível aos sons durante a gestação?
Sim, muito mais sensível do que costumava ser.
Sim, ligeiramente mais sensível.
Continuo igual em relação aos sons
Estou menos sensível e suporto melhor os sons.
Embora a comunidade “Sons e gestação” ainda seja pequena (conta atualmente
26
dez/2007 - com 138 membros), e nem todas as pessoas tenham votado (100 votos
contabilizados), o resultado foi bastante expressivo, pois a parcela que sentiu mudanças em
sua sensibilidade superou muito a parcela que não sentiu essas mudanças, o que mostra que o
aumento da sensibilidade auditiva é um aspecto relevante a ser considerado. Dessas 100
mulheres, 46 consideraram-se agora muito mais sensíveis aos sons do que costumavam ser
antes da gestação, e 31 ligeiramente mais sensíveis. Somente 20 mulheres consideraram que
sua sensibilidade aos sons está inalterada, e 3 consideraram estar menos sensíveis aos sons
(ANEXO B)
Observando-se o gráfico é possível visualizar o quanto cada fatia representa em
relação ao total de mulheres que participou desta enquete:
Quadro 1 – resultado da enquête a respeito da sensibilidade auditiva da gestante.
Das 100 gestantes que responderam a enquete, 77 (77%) sentiram aumentar sua
sensibilidade auditiva em algum grau. Somente 23% das mulheres que votaram não sentiram
mudanças na sensibilidade, ou disseram que estão menos sensíveis aos sons durante a
gestação (Quadro 1).
Considerando-se que o aspecto sonoro tem sido bastante negligenciado como cuidado
relacionado à gestação, este resultado torna-se significativo, pois um grande número de
gestantes sente-se afetado pelo ambiente sonoro, mais do que o restante das pessoas o são
Muito mais sensível -
46%
ligeiramente mais
sensíve - 31%l
igual - 20%
menos sensível - 3%
27
normalmente. Se pensarmos em ambientes ruidosos, como ruas de tráfego intenso,
considerados estressantes, estes terão, provavelmente, seu efeito muito mais intenso nessas
mulheres do que no restante da população. Além disso, sons que comumente seriam
considerados como não estressantes, poderão tornar-se estressantes durante esse período.
Houve também relatos de que sons ou músicas também passaram a ter seus efeitos
potencializados não só no sentido negativo, mas também no positivo:
Sim, todas as emoções ligadas à musica estão maiores. Por exemplo, músicas que me deixavam
feliz agora me deixam eufórica. As que apertavam meu peito agora me fazem chorar.
E barulhos irritantes são bem mais irritantes agora!!!
Além disso, o bebê começou a reagir a sons há alguns dias, e isso também emociona muito,
aumentando ainda mais a sensibilidade a sons.
5
(ANEXO B)
Neste depoimento é possível perceber também o conteúdo psicológico contido na
percepção do fato de que o feto também é capaz de reagir aos sons externos, o que geralmente
ocorre na metade do período gestacional, a partir da 21ª semana. Vários outros depoimentos
atestam essas mudanças na percepção sonora:
Sim, fiquei muito incomodada, no começo, com o barulho dos carros dos meus vizinhos, o
toque do telefone à noite e o canto de um pássaro que tem por aqui e fica acordado até as 22h!
Melhorou bem agora, mas o pássaro continua me deixando maluca! (ANEXO C)
Eu já não curtia muito, mas agora...
simplesmente fico louca quando ouço barulho de telefone ou campainha!!! É impressionante,
levo cada susto, meu coração dispara e tudo mais... inclusive notei que comecei a ficar mais
impaciente ao falar com algumas pessoas ao telefone, pois o barulho dele tocando me
deixa totalmente fora dos eixos... (ANEXO C)
Algumas mulheres conseguem ter bastante clareza no que se refere às mudanças em
sua percepção sonora em relação ao período anterior à gestação, e quais os efeitos dessas
mudanças:
Um "sintoma", se é que posso chamar assim, de que estava grávida, foi quando comecei a
rejeitar sons de guerras dos filmes e dos videogames que regularmente meu marido sempre
joga no computador e que eu amava... Quando nem sabia que estava grávida comecei ficando
sem vontade de escutar esse tipo de sons e quando meu marido não desligava eu ficava cada
vez mais irritada.. isso foi ficando mais agudo conforme a gestação foi chegando a seu término.
Eu chegava ate a chorar como criança quando não podia evitar esses sons perto de mim... O
que eu sentia era muito esquisito. Dois meses depois do parto podia escutar esses sons sem
ficar afetada. (ANEXO G )
5
Todas as referências a depoimentos serão grafadas respeitando-se o original, porém, sem o uso de
abreviaturas. Somente serão feitas as correções que dificultem o entendimento do texto, e erros visíveis de
digitação. Os originais poderão ser conferidos nos respectivos anexos.
28
Nesse depoimento, existem dois pontos a serem considerados, tanto sob o ponto de
vista físico quanto psicológico: a percepção de que estava mais sensível a determinados sons,
antes mesmo da confirmação da gestação, considerando essa sensibilidade, inclusive, como
um sintoma desta. Isto leva a crer que o fator hormonal e as mudanças que acarreta tenham
ligação direta com a sensibilidade auditiva aumentada durante a gestação, confirmada pela
afirmação de que, dois meses após o parto, não se sentia mais afetada por esses mesmos
sons. Pode-se também, sob o ponto de vista psicológico, tentar analisar se os conteúdos
emocionais dos sons estariam ligados a essa aversão, talvez por se tratarem especificamente
de sons de guerra (de filmes e videogames).
Apesar de muitas gestantes se queixarem de sons altos, a irritação nem sempre é ligada
a esse parâmetro sonoro, e pode estar relacionada a qualquer tipo de som:
é verdade mesmo, fico irritada com sons que antes nem percebia, como a moto barulhenta de
um rapaz que traz a filha na casa da avó pra tomar conta... as crianças fazendo karatê na escola
ao lado da minha casa, e hora do recreio... antes nem percebia esses sons, ou seja não me
irritavam. (ANEXO D)
Depois que engravidei, qualquer ruído mais forte me incomoda, no começo chegava a dar
enjôo. (ANEXO C)
É importante ressaltar neste último depoimento a ligação entre os sons e um sintoma
físico imediato (enjôo), e também, a percepção do efeito que o som alto exerce sobre o
comportamento do feto. Este é também um fator bastante significativo para as gestantes que
se encontrem após a 20ª semana de gestação, pois dizem serem capazes de perceber quais
sons seus bebês
6
gostam e quais não, o que também influencia suas predileções a
determinados sons ou músicas:
Com o som que eu e meu marido gostamos ela fica quietinha parece que presta atenção....Se é
uma música que a gente ouve muito, parece que ela está dançando.... (ANEXO E)
Estava em uma loja com som ambiente e começou uma música que meu marido adora...
Nossa, ela o parava! Comecei a gostar da música por isso... e escuto...
Quando o som não me agrada parece que eu fico outra pessoa me irrita, me estressa ...
Quando me chamam o tempo todo eu fico doida não gosto de toda hora alguém me chamar, até
porque engravidei com lordose e hoje parece que qualquer movimento faz doer, e quando eu
acho uma boa posição alguém me chama e eu tenho que levantar, dói muito minhas costas,
não sei como parar, e depois até achar uma nova posição.... sons altos os que a Marina não
esta acostumada a ouvir de dentro, tipo o jornal, futebol, essas coisas não podem ser altas...
Mas a novela que vejo, sim, pode ser... é esquisito....Música que ela não é chegada me irrita
amargamente se ouvida o tempo todo.... mas fazer o que ? (ANEXO E)
6
O termo “feto” é o mais correto, pois “bebê” se aplica à fase posterior ao nascimento. No entanto, nenhuma
gestante se refere ao seu filho como “feto”, o que pode causar certa estranheza. Assim, ocasionalmente, será
utilizada a palavra “bebê”, preservando-se o sentido de “feto”.
29
Neste depoimento, é possível notar vários aspectos: a percepção dos movimentos do feto
em reação aos sons externos, como sinal de agrado ou desagrado a esses sons; o fato de
começar a gostar de certas músicas porque acredita que ele goste; o fato de sentir-se
estressada quando ouve sons desagradáveis; o fato de não poder ouvir em volume alto os sons
a que o feto não está acostumado, e, inclusive, sentir-se irritada ao ouvir músicas que acredita
que ele não goste. É difícil dizer o que realmente acontece, e se os fetos podem ou não
influenciar as mudanças de gosto musical ou sonoro das gestantes, ou se, por não entenderem
o que está acontecendo, e o porquê de estarem se sentindo diferentes em relação a sons a que
estavam acostumadas, tentam justificar essas mudanças como sendo uma quase imposição
do feto. No entanto, por outro lado, parece que a gestante pode realmente influenciar o modo
como o feto irá perceber determinados sons, uma vez que existem trocas químicas realizadas
por meio da placenta e do líquido amniótico, além da possibilidade da percepção pelo feto das
mudanças nos batimentos cardíacos e na pressão sanguínea, indicando o que a gestante sente
em relação a um determinado som, associando-o à sua sensação , ou seja, se esta sente prazer
em ouvir um determinado som, o feto irá perceber e fazer essa associação, ou então, se a
gestante se estressa com um determinado som, o feto irá associá-lo à sensação de estresse.
Seria necessário um estudo mais aprofundado do tema para responder se as
preferências sonoras do feto também podem exercer influência sobre as preferências da
gestante, mas, para os efeitos desta pesquisa, o fato da gestante poder passar suas sensações
para o feto, causando modificações químicas corporais em ambos, e, como conseqüência, ter
influência sobre a saúde na gestação, já é, por si, suficiente para justificar o estudo do
ambiente sonoro que cerca a gestante. Para que se possa entender como se dão essas trocas
químicas entre a gestante e o feto é preciso entender o processo da gestação, as mudanças
corporais ocorridas nesse período, e as adaptações necessárias para que ela ocorra da melhor
maneira possível para ambos. A manutenção da gestação e da saúde durante essa fase
dependem de um equilíbrio hormonal delicado, que pode ser afetado por diversos fatores
externos.
alguns anos, pensava-se que os fetos estavam bastante protegidos dentro do útero,
num ambiente calmo e seguro. Foi preciso algum tempo de observação para que se percebesse
que, por exemplo, o álcool e o fumo, além de serem prejudiciais à saúde da gestante, trazem
inúmeros malefícios às crianças; que alguns medicamentos podem, inclusive, prejudicar a
formação do feto, causando más-formações; foi preciso que o uso da ultrassonografia nos
mostrasse como é o desenvolvimento do feto, como ele reage aos estímulos externos, que ele
30
dorme, sonha, e começa a formar conexões neurais muito antes do que se imaginava.
Pesquisas recentes (ARCK et al., 2001; BLOIS et al., 2004) sugerem que o estresse materno
possa ser responsável por um desequilíbrio hormonal capaz de induzir o aborto nos primeiros
meses de gestação, e algumas pesquisas feitas em macacos rhesus relatam que o estresse
materno pode ter conseqüências tardias sobre o comportamento da prole (CLARKE,
SCHNEIDER, 1993; CLARKE et al., 1994).
Isto leva a pensar que, se o meio sonoro pode provocar ou agravar o estresse e, se as
gestantes podem estar mais sujeitas ao estresse sonoro, devido, provavelmente, a vários
fatores, como as mudanças hormonais e psicológicas ocorridas no período, e, ainda, se o
estresse pode levar a desequilíbrios hormonais que podem inviabilizar a manutenção da
gestação, então, o estudo da ecologia acústica está também ligado ao estudo da saúde da
gestante e do feto, e pode trazer algumas contribuições nesse sentido. Mas para que um estudo
no campo da ecologia acústica possa se aventurar a fazer conexões com outras áreas é preciso
conhecê-las um pouco melhor, saber onde se tocam, quais os pontos de intersecção. No caso
desta pesquisa, é preciso saber um pouco mais sobre os mecanismos presentes na gestação,
seus aspectos psicológicos e fisiológicos, compreender como os hormônios agem e que
mudanças provocam, para entender de que forma os sons podem influenciar nesse equilíbrio.
Para tanto, a seguir, serão dedicadas algumas páginas a esses assuntos.
1.2 Aspectos fisiológicos da gestação
Muito se diz, hoje em dia, que “gravidez não é doença”. A partir dessa premissa,
cobra-se e espera-se da gestante que continue sua vida normalmente, produzindo, trabalhando,
cuidando da casa e de outros filhos, se houver. Se, por um lado, a afirmação é totalmente
verdadeira, pois se trata de um processo natural, por outro, as mudanças, sejam físicas ou
psicológicas, são tão profundas, que não se pode dizer que a mulher esteja em seu estado
“normal”.
Desde o início da gestação, ocorre uma dramática transformação do corpo feminino,
mesmo que esta não seja ainda externamente perceptível. Internamente, na tuba uterina,
ocorre a fertilização, com a penetração do espermatozóide no óvulo. O pronúcleo feminino e
o pronúcleo masculino se fundem e formam um único núcleo, que originará a primeira célula
do novo indivíduo, chamada zigoto. Inicia-se, então, a multiplicação celular, enquanto esse
31
grupo de células caminha em direção ao útero, onde se implanta no endométrio por volta do
sétimo dia após a fertilização. O embrião (que posteriormente, após oito semanas de
desenvolvimento, será chamado de feto) se desenvolve dentro de membranas e sacos, que têm
a função de sustentar, nutrir e proteger. Esse ambiente, conhecido como cavidade amniótica,
é preenchido por líquido, deixando o embrião livre para se desenvolver, atuando também
como proteção, ao absorver forças de choque. Pouco antes do nascimento, o “rompimento
da bolsa”, ou seja, a membrana amniocoriônica que envolve o feto se rompe, liberando para a
vagina e o exterior meio litro ou mais de líquido. O parto a termo ocorre cerca de 280 dias, ou
40 semanas após a fertilização. (KAPIT, ELSON, 2004, p. 153)
Ao longo dessas 40 semanas, o corpo materno se adapta para que o feto possa se
desenvolver, e essas mudanças não ocorrem somente na região abdominal, mas no corpo todo.
Todos os sistemas estão envolvidos, e a mulher experimenta não só grandes mudanças físicas,
como emocionais e psicológicas. Saber como se dão essas mudanças, e porquê, ajuda a
entender o processo como um todo. A maneira como cada mulher lida com essas mudanças
depende, em parte, da quantidade e qualidade de informações que recebe durante o período,
esclarecendo-se que a presença de informações de qualidade, que a tornem consciente sobre o
que está acontecendo com seu corpo, e em quantidade suficiente para suprir sua necessidade
de compreensão sobre esse período, gera menor angústia e melhor adaptação a esse novo
estado, em parte, devido à sua sensibilidade, que pode fazer a dimensão das mudanças parecer
maior ou menor, e em parte ao apoio que recebe da família, do companheiro, dos colegas de
trabalho e das pessoas responsáveis pelo acompanhamento de saúde durante o período.
Explicando de maneira bastante simplificada, são os hormônios que fazem essas
mudanças entrarem em ação, como mensageiros químicos que se deslocam pela corrente
sanguínea, resultando em reações (respostas) dos órgãos-alvo. Esses hormônios são
secretados por várias glândulas e tecidos endócrinos, sendo que o hipotálamo, localizado no
cérebro, logo acima da hipófise, tem papel primordial tanto durante o ciclo menstrual quanto
durante a gestação, produzindo hormônios que agem diretamente na hipófise, controlando sua
ação. Esse mecanismo atua através de hormônios liberadores ou inibidores, de modo a
estimular ou inibir a produção e liberação de determinados hormônios pela hipófise, numa
cascata de eventos interdependentes. Por exemplo: quando diminuição no nível de
estrogênio, isso é percebido pelo hipotálamo, que aumenta a secreção de GRH (hormônio
liberador de gonadrotitrofina). O GRH atinge a hipófise, que é estimulada a secretar o FSH
(hormônio folículo estimulante), liberado na corrente sanguínea, influenciando o crescimento
dos folículos ovarianos. Do mesmo modo, quando aumento do nível de estrogênio, o
32
hipotálamo suspende a secreção de GRH. Dessa forma, o hipotálamo, por controlar a hipófise,
funciona como uma ponte entre o sistema nervoso central e o sistema endócrino.
Os hormônios trabalham de maneira interdependente e conjunta para manter as
condições apropriadas para a concepção, a preparação do útero, a manutenção da gestação, a
nutrição e crescimento do bebê, a preparação para o nascimento, estimulando as contrações
preparatórias do parto, os reflexos do período expulsivo, e a lactação.
O hCG (gonadotrofina coriônica humana) é um hormônio secretado desde o início da
formação da placenta, quando ocorre a nidação, ou implantação do blastocisto
7
no
endométrio. Sua função principal é a manutenção do corpo lúteo, estimulando a produção de
progesterona e estrógeno, garantindo assim a manutenção da gestação, inibindo a menstruação
e uma nova ovulação. O hCG também determina uma imunossupressão temporária, para que
o corpo da mulher não rejeite o embrião, além de estimular a produção de testosterona pelo
testículo do feto, para que haja diferenciação sexual entre ele e a gestante, caso seja do sexo
masculino.
A hipófise, devidamente estimulada pelo hipotálamo, vai secretar o FSH, cujo alvo são
os ovários, estimulando o desenvolvimento do folículo, a ovulação e a secreção de estrógeno.
Ainda tendo os ovários como alvo, vai secretar o LH (hormônio luteinizante), que estimula a
ovulação e a formação do corpo lúteo, ou corpo amarelo. Secreta também a prolactina, que
estimula a produção de leite, depois das glândulas mamárias terem sido previamente
estimuladas por estrogênio e progesterona.
A ocitocina é secretada em pequena quantidade durante a última fase da gravidez, e
em grande quantidade durante o parto. No início da gravidez não existem receptores para a
ocitocina no útero. Estes vão aparecendo gradativamente, e quando a ocitocina se liga a eles,
potencializa as contrações uterinas, tornando-as mais fortes e rítmicas até completar-se o
trabalho de parto. Também estimula a produção de prostaglandinas pelo útero, ativando o
músculo liso uterino. O parto depende tanto da ocitocina quanto das prostaglandinas, pois, se
a ocitocina é responsável pela contração uterina, as prostaglandinas promovem uma adequada
dilatação do colo uterino.
Os ovários são responsáveis pela produção de estrógeno (ou estrogênio) e
progesterona, os dois hormônios sexuais femininos mais importantes, os quais promovem o
7
O blastocisto é um dos estágios iniciais do desenvolvimento do embrião. O zigoto se divide, formando dois
blastômeros. Estes continuam a divisão celular, formando uma bola de células chamada mórula. Num
próximo estágio, as células da mórula se dispersam para acomodar cavidades, que são preenchidas por
líquido. Algumas células são empurradas para os lados, formando uma espécie de anel periférico, chamado
trofoblasto, que contém uma grande cavidade, o blastocele, dentro do qual algumas células vão formar uma
massa celular. Essa estrutura é chamada blastocisto.
33
desenvolvimento e a manutenção das características sexuais secundárias femininas, ou seja, o
crescimento das mamas, o aparecimento dos pelos pubianos e do ciclo menstrual, a
distribuição da gordura, etc, sendo fundamentais para a reprodução. Produz também a inibina,
que inibe a liberação de FSH pela hipófise, e ajuda o desenvolvimento dos óvulos.
Quando ocorre a gravidez, os níveis aumentados de estrógeno são percebidos pela
hipófise, através da corrente sanguínea, inibindo a produção de FSH e estimulando a produção
de LH. O estrógeno também estimula a maturação dos órgãos reprodutores e do endométrio,
preparando o útero para a gestação. Promove a rápida vascularização e a proliferação da
musculatura uterina, e o desenvolvimento das mamas; o aumento da abertura vaginal e dos
órgãos sexuais externos, preparando-os para o parto. Contribui ainda para a manutenção
hídrica e o aumento da circulação.
A progesterona complementa o efeito do estrógeno nas mamas, promovendo o
crescimento glandular e do epitélio secretor, e o depósito de nutrientes nas células
glandulares, para que estejam preparadas para a produção de leite quando houver demanda. A
progesterona aumenta o endométrio, para que o blastocisto possa ser implantado
adequadamente, e relaxa a musculatura lisa, diminuindo a contração uterina, para que não
haja a expulsão do feto. Além de sua importância para o equilíbrio hidro-eletrolítico, estimula
o centro respiratório no cérebro materno, aumentando a ventilação, e conseqüentemente,
mandando mais oxigênio para o feto.
O hormônio lactogênio placentário humano é encontrado no plasma da gestante após a
quarta semana de gestação. Estimula o pâncreas na secreção de insulina, ao mesmo tempo em
que aumenta a resistência materna à sua ação, ajudando no crescimento fetal, através do
aumento da quantidade de nutrientes e glicose para o feto.
A aldosterona tem seu papel na manutenção do equilíbrio de sódio. Enquanto a
progesterona estimula sua eliminação, a aldosterona promove sua reabsorção.
O hormônio melanotrófico atua na liberação de melanina, aumentando a pigmentação
da face, do abdômen e da aréola.
Mesmo através de explanação tão simplificada, é possível perceber as enormes
alterações que ocorrem tanto nos níveis de hormônios quanto em seu delicado equilíbrio,
levando a grandes mudanças no estado físico e emocional da mulher durante o período de
gestação. Lembre-se que a mulher passa por grandes transformações e necessidade de
adaptação também em outras fases, como a puberdade e a menopausa. Nesses períodos,
também mudanças hormonais e físicas, que podem levar à instabilidade emocional. No
ciclo menstrual, também ocorrem flutuações hormonais, e muitas mulheres sofrem com a
34
chamada TPM (tensão pré-menstrual), quando ocorre a exacerbação dos sintomas de
instabilidade e irritação, sendo que já houve casos de absolvição ou atenuação da pena a
mulheres cujos crimes foram cometidos durante esse período, pois foi entendido que elas
estavam fora do seu juízo normal. Embora esses casos extremos sejam exceção, a maior parte
das mulheres enfrenta, no mínimo, incômodos durante o período.
Poderia-se dizer, então, que no geral, as mulheres já estariam acostumadas a essas
flutuações hormonais e aos sintomas decorrentes delas. O que ocorre, porém, é que durante a
gestação, as mudanças são drásticas, e ocorrem num curto período de tempo, demandando
uma capacidade de adaptação muito grande por parte da gestante. Além da instabilidade
emocional, todo o metabolismo muda, seja para acomodar o feto, seja para formá-lo e nutri-
lo, dando sustentação a essa nova vida.
Ingenuamente, as pessoas pensam que durante a gestação, a única parte do corpo que
será afetada é a região abdominal. Sim, existem mulheres que quase ganham volume na
barriga e m seu corpo praticamente inalterado, sendo capazes de deixar a maternidade
usando seu antigo jeans pré-gestação. No entanto, essa não é a regra. Em geral, a gestação é
uma experiência que envolve o corpo como um todo.
Cerca de 70% do nosso corpo é formado por líquidos. Durante a gestação, esse volume
aumenta consideravelmente, sendo distribuído por todo o corpo, tecidos, músculos, órgãos e
corrente sanguínea. É comum, como uma das conseqüências, haver um certo inchaço,
especialmente nas pernas e pés. Parte dessa quantidade extra de líquidos vai formar o líquido
amniótico, e gradualmente aumentar o volume de sangue, garantindo irrigação adequada da
placenta e provendo o feto em crescimento. O coração também tem que trabalhar mais para
bombear essa quantidade aumentada de sangue.
A digestão também é afetada, inicialmente, pelas mudanças hormonais, causando
náuseas e, às vezes, vômitos, especialmente no primeiro trimestre, que costumam cessar
quando o corpo se adapta a essa nova condição. Outra causa de desconfortos no sistema
digestório se deve à ação dos hormônios estrógeno e progesterona, que, entre outras funções,
permitem o relaxamento e aumentam a elasticidade dos músculos e tecidos, para que estes
possam se adaptar às necessidades da gestação. É esse efeito que torna o útero capaz de se
expandir para acomodar o feto em crescimento. Como isto ocorre em todo o corpo, reduzindo
o tônus muscular, isto significa que a comida vai passar mais lentamente, aumentando o
tempo de digestão e absorção, causando constipação em algumas mulheres. O relaxamento
muscular da válvula que fica entre o esôfago e o estômago pode ser a causa da sensação de
queimação e azia, também comuns na gestação.
35
Pode-se dizer que desde as unhas, cabelos, pele, até os órgãos dos sentidos, tudo é
alterado nesse período, não necessariamente causando desconfortos, mas, de uma forma ou de
outra, há a necessidade de adaptação a essa nova condição.
Deve-se lembrar, também, que essas alterações são absolutamente normais, e não
constituem perigo à saúde da gestante ou do feto. No entanto, existem alterações que podem
ser patológicas, pondo em situação de risco a vida de um, de outro, ou de ambos, como o
aumento da pressão sanguínea e índice elevado de estresse. Estes são considerados grandes
vilões de uma gestação saudável, sendo que a poluição sonora pode ser uma das causas do
estresse, e este, entre outras coisas, pode causar o aumento da pressão sanguínea o que,
independentemente de outros fatores, serviria para justificar o estudo desse tema no
presente trabalho. Estes assuntos serão tratados mais adiante, no capítulo 2.
Dependendo do estado psicológico dessas gestantes, esses quadros, tanto os
considerados normais quanto os patológicos, podem ser melhorados ou agravados, sob a
influência das informações que recebem acerca da gestação, de acordo com a maneira como
interpretam esses fatos, e da sua adaptação em relação à nova situação, e, ainda, da sua
relação com o meio e com as pessoas com as quais convive. Assim, é necessário também
dedicar algumas páginas para a compreensão dos aspectos psicológicos inerentes à gestação.
1.3 Aspectos psicológicos e mudanças na percepção
Para que a gestação seja saudável, é necessário que haja equilíbrio, não só físico, como
emocional. Cada mudança física leva a outras, psicológicas, e a forma como cada gestante
reagirá está ligada à sua própria história de vida, às suas relações familiares, às condições da
gestação e às suas fantasias em relação ao bebê e a si mesma, na condição de mãe. Isso tudo
gera uma grande ansiedade, que se reflete em uma sintomatologia física que pode chegar a ser
severa, e, inclusive, provocar parto prematuro ou aborto, dependendo do período gestacional.
A gestação pode ser considerada como um período de transição para a mulher,
podendo ou não constituir-se em uma crise.
Podemos reservar o termo crise para os períodos de vida mais “dramáticos” ou
“revolucionários” e empregar o termo transição existencial para os períodos que, como as
crises, também são passagens de uma situação a outra, mas que acontecem de modo mais
tranqüilo, mais suave. (MALDONADO, 1997, pg 25)
36
A gestação, juntamente com a puberdade e o climatério, é considerada um dos
períodos críticos de transição biologicamente determinados, pois envolve grande instabilidade
emocional, não por causa das transformações metabólicas, como pela necessidade de
adaptação social, devido à mudança de identidade e aos ajustes que se fazem necessários a
essa nova condição.
Especialmente nas primíparas, causa uma importante mudança no papel social, pois
estas deixarão de ser somente filhas, para exercerem, também, o papel de mães. Essa
perspectiva faz que criem muitas expectativas sobre o bebê - que deverá ser modelo de
perfeição, com todas as características que julga fazerem parte desse modelo - e sobre si
mesmas, enquanto mães, pois também devem obedecer a esse modelo de perfeição. Essas
fantasias a respeito do bebê e de si mesmas as levam de volta às vivências familiares, ao
contexto conhecido e vivido, a questionamentos sobre si mesmas e à capacidade de preencher
suas próprias expectativas. Dentro desta perspectiva, tudo o que fugir a esse conceito de
perfeição pode ser encarado como falha e gerar grande culpa. Um exemplo clássico seria a
mãe que gera uma criança com algum problema de saúde, que pode, inclusive, ter origem
genética, mas que se culpa por isso, mesmo que inconscientemente. Ela pode imaginar que
isso tenha relação com algum sentimento de rejeição que, eventualmente, tenha tido, ou com a
única taça de vinho que porventura tenha ingerido durante toda a gestação, ou, ainda, a
qualquer outra relação que possa fazer, para tomar para si a “culpa”. Muitas vezes, não
bastasse sua própria autopunição, pessoas próximas, ao invés de aliviar essa dor, se tornam os
algozes. É o caso do médico que disse à mãe de uma criança nascida com paralisia cerebral
que isso poderia não ter acontecido, caso ela tivesse deixado de tomar o anticoncepcional,
embora ela nem sequer soubesse que estava grávida, e, por isso continuasse a evitar a
concepção, como sempre fazia. Somou-se a culpa por não ter desejado a criança, já que estava
tentando evitar uma gravidez, com a possibilidade de ter provocado um mal irreversível ao
bebê
8
.
No caso de mulheres que tenham outros filhos, ainda assim, existe uma mudança de
identidade, pois é diferente ser mãe de uma criança ou de duas ou três, e de qualquer forma, a
estrutura familiar é alterada pela gestação.
Toda mudança implica em perdas e ganhos, portanto, é muito natural que existam
medos e ansiedade nessa fase. Por mais que a gestação tenha sido desejada, quando ela se
torna concreta é natural que existam sentimentos conflitantes, pois é necessário que haja um
ajuste, isto é, a aceitação do que deve ser renunciado em favor da maternidade, bem como
8
Depoimento colhido em conversa informal com a mãe.
37
clareza em relação ao que sai, permanece, ou entra de novo nessa nova condição.
Um dos primeiros sintomas a surgir no início da gestação, é a sensação de sonolência.
A mulher sente que as horas que costuma destinar ao sono não são suficientes, precisando
dormir muito mais do que o habitual. Segundo a orientação psicanalítica, esse estado de
sonolência corresponderia a uma regressão e identificação com o feto.
A regressão em si tem origem na percepção inconsciente das mudanças orgânicas e hormonais
e na sensação de incógnita.
A percepção, consciente e inconsciente, não consegue definir a causa dessas mudanças e,
diante do conflito suscitado, a mulher adota a solução de afastar os estímulos, tanto internos
como externos, por via do repouso. (SOIFER, 1992, pg.22)
Externamente, essa regressão se manifesta por uma atitude de voltar-se para si mesma.
Além de realmente sentir muito sono, a mulher se encontra em um estado de torpor, e
conseqüentemente, afasta-se dos demais, retraindo-se. Essa conduta pode não ser facilmente
percebida em uma observação superficial, mas, no caso da gestante que tem outros filhos,
estes não percebem essas modificações, como reagem através de caprichos, terrores
noturnos, mudanças de conduta ou ainda, com enfermidades, normalmente leves.
Ao mesmo tempo em que ocorrem essas mudanças, a percepção da falta da
menstruação, que vai incorporar a essa situação uma certa angústia, causada pela incerteza de
estar ou não grávida, ou à total negação da situação, querendo acreditar tratar-se somente de
um “atraso”. Esse mecanismo de aceitação ou negação da gestação vai ser influenciado, em
parte, pela aceitação ou rejeição desta pelo ambiente social, ou seja, uma gestação bem aceita
pelo círculo social imediato tende a reforçar a maternalidade desta gestante. Como as
mudanças corporais são pouco perceptíveis, é comum a ambivalência afetiva se manifestar
através da dúvida de estar ou não grávida, mesmo após confirmação clínica, causando
sentimentos confusos, e às vezes, conflitantes.
Nesse quadro, esse estado de sonolência traz benefícios visíveis, pois favorece a
negação dos estímulos, e, biologicamente, proporciona um maior nível de repouso,
adequando-se às necessidades atuais do corpo. Seria bom, nesse período, que a gestante não
resistisse à necessidade de dormir mais, pois esse repouso é benéfico tanto quanto ao aspecto
físico, quanto ao psicológico. Saliente-se, também, que a insônia, ao contrário, pode
demonstrar um estado de extrema ansiedade diante da gestação.
As náuseas, seguidas ou não de vômitos, no início da gestação são explicadas por
múltiplos fatores, inclusive endócrinos. Nem todas as gestantes apresentam esses sintomas, e
a grande variação quanto à sua ocorrência sugere a influência também de fatores psicológicos
38
sobre sua incidência.
Comprovamos clinicamente a coincidência desses sintomas com a ansiedade determinada pela
incerteza da existência ou não da gravidez... As náuseas e vômitos servem, portanto, para
evidenciar a gestação a mulher que desmaia nos filmes para comunicar ao marido que está
grávida -, ao mesmo tempo que dão vazão à ansiedade causada pela incerteza.” (SOIFER,
1992, pg. 24)
Existem outros fatores que podem agravar essa ansiedade, e conseqüentemente as
náuseas e vômitos, como o medo de dar à luz, ou de não conseguir nutrir e cuidar da criança,
e também devido à condição econômica precária, e o medo de perder o emprego, ou de se
tornar incapaz de trabalhar. Esses fatores podem ser reais, ou então, uma fantasia, um medo
sem fundamento. No entanto, se não forem devidamente esclarecidos, podem ganhar
dimensão, aumentando ainda mais a ansiedade.
Outras disfunções podem ser notadas, como as alimentares, caracterizadas pelos
desejos e aversões a determinados tipos de comida ou bebida, que não existiam antes da
gestação, ou o aumento exacerbado do apetite, que pode causar aumento excessivo de peso,
ocasionando, inclusive, complicações obstétricas. Vários fatores podem atuar nesse caso,
como a tentativa de “sentir-se grávida” no início da gestação, quando o corpo ainda não
mostra claramente isso, e a sensação de que o bebê está se desenvolvendo bem, através do seu
próprio ganho de peso.
Através da observação clínica, Maldonado (1997, pg 39-40) sugere um mecanismo de
autoproteção: a sensação de que o feto esteja “sugando” as reservas da mãe, e esta tentaria
compensar essa perda através da alimentação exagerada, o mesmo podendo ocorrer durante a
amamentação. Outro fator poderia ser um mecanismo compensatório: sente a dieta imposta
durante a gestação como um sacrifício, tendo dificuldade em mantê-la, e sentindo necessidade
de compensar essas perdas. A voracidade pode também estar ligada aos sentimentos de
ambivalência, desejando encobrir seus sentimentos de rejeição com um cuidado excessivo
com o feto, superalimentando-se. Esses fatores podem ter ligação com um dos maiores medos
da gestação, o de gerar uma criança com alguma deformidade ou má-formação:
Em níveis simbólicos mais profundos, isso pode expressar o medo de que os próprios
sentimentos de hostilidade e rejeição, que fazem parte da ambivalência e são vivenciados como
maus e destruidores, possam ter prejudicado irremediavelmente o feto gerado dentro de si
(MALDONADO, 1997, pg 40).
No segundo trimestre de gestação, considerado o mais estável sob o ponto de vista
39
emocional, a percepção dos movimentos fetais ganha o foco das atenções. A gestante começa
a perceber o feto como um ser real, com personalidade própria, apesar de dependente. Passa a
interpretar os movimentos fetais, atribuindo-lhe características pessoais. O sentimento de
ambivalência pode se manifestar nessa fase pela interpretação dos movimentos, ou com
alívio, pois os movimentos são um sinal de que o feto está vivo, ou com ansiedade, pois não
consegue senti-los, pensando que algo possa estar errado. Sente os movimentos como suaves,
carinhosos, ou, ao contrário, como abruptos e agressivos. Essas fantasias que a mãe cria para
si e para o feto estão ligadas ao tipo de vínculo que será criado com o bebê posteriormente.
A partir da 21ª semana de gestação, quando a audição do feto está completamente
desenvolvida e este se torna capaz de perceber, não só os sons do útero, como também os sons
externos, a gestante começa também a interpretar os movimentos do feto em relação aos sons.
Certa vez passava pela calçada de uma padaria e o alarme de um carro disparou, não sei se tem
algo a ver, mas minha bebê ficou muito inquieta por um bom tempo. Quando meu namorido
9
fica conversando com ela também fica mexendo muito. Canto canções de ninar quase todas as
noites para ela e percebo que nos dias que não canto ela fica mais inquieta!!! (ANEXO F)
Os movimentos são também interpretados como uma forma de comunicação entre a
gestante e o feto, e também como forma de expressão do seu agrado ou desagrado em relação
aos sons:
Sou cantora e canto bastante para a minha filha dentro da barriga. Como dou aulas de canto,
percebo que ela se mexe ao ouvir vocalizes e ao som de bateria. Quando meu marido fala com
ela e coloca a mão na minha barriga ela se aproxima da mão dele. Teve um dia que ele beijou
minha barriga com um som de beijo demorado e ela tocou a boca dele. Foi lindo. Sinto que
minha bebê tem muita sintonia com a música e de alguma maneira se comunica com a gente
através dos seus movimentos e nossos sons. Quando dou aulas pra crianças ela não para de se
mexer, principalmente se as músicas são acompanhadas por instrumento de percussão.
(ANEXO F)
É visível também a satisfação na inclusão do pai como figura importante na gestação,
demonstrada nas diversas narrativas sobre a reação do feto, sentida por meio de seus
movimentos, ao perceber a voz e carinho paterno. Não há, pelo menos até o momento, uma
maneira de saber se as reações do feto se dão pelo reconhecimento da voz do pai, pela
sensação do carinho percebido por meio da voz e dos gestos, pela própria satisfação da
gestante, percebida pelo feto, pelo conjunto de fatores, ou ainda por outros motivos
desconhecidos. O fato é que a reação especial à voz do pai é um fato constatado por várias
gestantes:
9
Misto de namorado e marido
40
Estou grávida de 7 meses e percebi que minha filha ficou maluquinha de ouvir a voz do pai
nesse sábado. Acompanhou a voz dele em cada canto da barriga onde ele conversava com ela e
se mexeu vigorosamente, como resposta. A sensação que tive é que ela ficou muito feliz,
excitada, e se pudesse sairia da barriga pra ver o pai! Confesso que mais que feliz, fiquei
impressionada de vê-la mexer desse jeito. (ANEXO F)
Como o número de relatos de reações do feto à voz do pai foi considerado importante
pelas próprias gestantes, uma delas tomou a iniciativa de criar um tópico de discussões na
comunidade “Sons e gestação” somente para discutir esse assunto, chamando-o de “A voz do
pai”.
grávida de pouco mais de cinco meses e o meu bebê reconhece a voz do pai. É o meu
marido se aproximar falando em voz alta que o bebê começa a se mexer, então ele começa a
cantar e o bebe vai se aquietando numa parte da barriga (a mais próxima da voz do pai), é a
coisa mais emocionante do mundo! Contem também a experiência de vocês quanto a isso...
PS: sei que esse assunto foi vagamente comentado em outro tópico, mas acho que vale a
pena criar um tópico disso, tenho certeza que são muitas as experiências que podem ser
contadas aqui. (ANEXO H)
Em um dos relatos nesse mesmo tópico, a gestante conta tanto uma experiência
positiva quanto uma negativa em relação à proximidade do pai:
Agora estou sozinha e não vi mais o pai do meu bebê. Mas ele mexeu pela primeira vez
quando o pai tava falando pertinho da minha barriga... E quando ele deixou a gente, o bebê
ficou 3 dias sem se mexer. Que bom que ele se mexe também com a voz da titia e com a
boneca que toca música!!! (ANEXO H)
Embora a gestante esteja tentando se manter positiva, porque tem consciência de que o
que sente irá afetar o feto, o fato deste ter ficado sem se mexer por alguns dias pode querer
dizer que, de alguma forma, percebeu a tristeza materna.
Passei muito nervoso no início da gestação. Tenho medo que o bebê sofra conseqüências
disso...
Como eu relatei em outro tópico, o bebê começou a se mexer ouvindo a voz do pai, e ficou dias
sem se mexer quando ele foi embora... Estou fazendo de tudo para ficar bem, inclusive me
levando mesmo à alienação algumas vezes, para que o bebê não sofra mais... (ANEXO I)
Muitas vezes, o simples fato de querer manter-se relaxada, com medo de prejudicar o
feto, pode ser causa de muita ansiedade, e, sim, causar um dano maior. Como a mulher
passa por mudanças em toda a fase da gestação, é difícil adaptar-se a cada uma delas, porque
ocorrem em um processo contínuo. Deste modo, até coisas aparentemente sem importância
podem ser fonte se ansiedade e estresse. Nesse contexto, se o ambiente sonoro for saudável,
trará sensação de bem-estar, auxiliando no relaxamento. Porém, se este estiver carregado de
sons desagradáveis, pelo menos sob o ponto de vista da gestante, poderá tornar-se mais um
41
elemento estressante, fazendo com que este período pareça ainda mais difícil. Como veremos
no próximo capítulo, o estresse pode causar ou agravar muitos problemas durante a gestação.
A partir desse período também ocorrem com maior freqüência alterações na libido e
no desempenho sexual, que, em geral, diminui de intensidade, embora o oposto também possa
ocorrer, sendo que algumas mulheres alcançam o orgasmo pela primeira vez, talvez por
sentirem-se mais adultas e femininas, desabrochando como mulheres, sendo que esse
sentimento vem acompanhado de orgulho pelo corpo grávido, especialmente quando esse
aspecto é compartilhado pelo homem. No entanto, é mais comumente verificada a diminuição
do desejo sexual, seja pela mulher, pelo homem, ou por ambos, em diferentes graus, chegando
ao desinteresse total. Vários fatores podem ser apontados como causa: a sensação de que a
mulher grávida não possa ser associada à sexualidade, ligando-a à pureza e tornando-a um ser
assexuado; medo de atingir o feto ou vir a machucá-lo de alguma forma; vivência negativa
das modificações corporais, sentindo-se feia e incapaz de atrair alguém.
Os medos ligados à alteração do corpo, em geral, de não conseguir voltar à antiga
forma, de ficar feia ou de pensar que o corpo tenha a capacidade de alargar-se, mas não de
voltar ao normal, podem ter um significado mais profundo do que a preocupação estética: a de
perder sua identidade antiga, de não ser mais a mesma pessoa, de ser transformada pela
experiência da maternidade, tendo mais perdas do que ganhos. (MALDONADO, 1997, p. 47)
A partir da metade do sétimo mês ocorre a versão interna, quando o bebê vira no útero
e se coloca de cabeça para baixo, posição ideal para o nascimento. Ao perceber esses
movimentos, a gestante pode entrar em crise de ansiedade, somatizando-os de diversas
maneiras.
O trabalho direto com gestantes e a observação clínica demonstraram que a grande maioria das
versões patológicas (apresentação de nádegas, lateral, de ombro, etc.) se devem à contratura
dos músculos pélvicos que se opõe dessa maneira à versão. Tal contratura é produto da intensa
crise de ansiedade, que corresponde a fantasias de esvaziamento. (SOIFER, 1992, p 35)
Dentre os processos somáticos, o parto prematuro merece destaque, por ser o mais
grave.
No terceiro trimestre, a proximidade do parto também tende a aumentar o grau de
ansiedade, tornando-se especialmente intensa nos dias que antecedem a data prevista para o
parto. Os sentimentos são contraditórios: por um lado, a gestante deseja que o filho nasça logo
e que a gestação acabe; por outro, deseja adiar a fase de adaptação que se seguirá quando o
filho nascer.
Foi observado (CAPLAN, 1961, apud MALDONADO, 1997, p. 50) que nesse período
42
a gestante tende a ter maior facilidade em reviver conflitos e antigas memórias em relação aos
pais e irmãos, que tenham sido reprimidos e esquecidos. Ao relembrar problemas antigos, a
mulher tem a oportunidade de encontrar soluções para eles, atingindo um grau maior de
maturidade, ou então, ao contrário, intensificar soluções doentias, interferindo na relação mãe-
filho.
Os medos que se intensificam nesse período estão ligados a sentimentos de
inadequação e despreparo, além de autopunição, ligados aos sentimentos de rejeição e
conflitos infantis mal resolvidos, em relação à mãe e à própria sexualidade. É comum o medo
de morrer no parto, de ter os órgãos genitais deformados, de não ter leite suficiente, ou deste
ser “fraco”, medo de não se adequar à nova vida, ou medo de que o filho seja malformado.
Este último é o mais recorrente, e tem raízes profundas, remetendo à formação da auto-
imagem que ocorre ainda na infância. Pessoas predominantemente boas merecem prêmios (o
filho perfeito), e pessoas predominantemente más, merecem castigo (o filho malformado).
Existem os mecanismos de culpa, como, por exemplo, nos casos de aborto provocado, em que
a mulher se acha merecedora do castigo”. Ou, ainda, podem estar ligados a uma educação
sexual distorcida, em que a menina cresce achando que a menstruação e o sexo são sujos, e,
portanto, o fruto do seu corpo, concebido sob tais condições também o é.
A tendência à introspecção, que aparece logo no início da gestação, foi alvo de um
estudo de Venezia (1972, apud MALDONADO, 1997, p. 49), que confirmou o aumento da
introversão e da passividade da mãe durante a gestação, assim como um maior índice de
extroversão após o parto, em comparação ao terceiro trimestre de gestação. Esse aumento da
introversão pode ser atribuído às mudanças metabólicas e é importante para que a gestante se
prepare para o papel de mãe. Nesse período, geralmente, a mulher necessita de mais afeto,
cuidados e proteção. As mulheres que têm essas necessidades satisfeitas e recebem maior
atenção durante a gestação, são as que, depois do parto, melhor conseguem satisfazer as
necessidades de afeto do bebê, havendo uma relação entre o acolhimento que recebem durante
a gestação e sua capacidade de doação depois do parto. Quanto mais ela conseguir voltar-se
para si mesma, maior será sua capacidade posterior de voltar-se ao filho, e para isso, necessita
de um meio acolhedor, que supra suas necessidades afetivas e de proteção. Assim, tudo o que
a tire desse processo de voltar-se para si mesma pode ser considerado como uma
“intromissão”, e nesse processo, os ruídos acabam se tornando muito mais irritantes do que
eram anteriormente, assim como sons que facilitem esse contato consigo mesma podem ser
muito bem vindos, e trazerem uma grande sensação de bem estar. Essa pode ser uma das
causas, assim como a metabólica, para essa maior sensibilidade sonora no período
43
gestacional.
As oscilações de humor também são freqüentes desde o início da gestação, e também
podem ser atribuídas às mudanças metabólicas, mas esta não é a única causa. O próprio
esforço de adaptação a essa nova condição pode gerar oscilações emocionais, como em outras
fases de transição que não envolvam modificações hormonais. A mulher pode ficar mais
vulnerável a certos estímulos, que a levam a estados de grande irritabilidade. As oscilações de
humor também estão ligadas ao aumento da sensibilidade. O olfato, o paladar e a audição
ficam muito mais aguçados, e estímulos que anteriormente não a incomodavam, ou
incomodavam pouco, passam a ser insuportáveis. Em um depoimento livre, recebido por e-
mail pela pesquisadora, uma gestante deixa clara a mudança no limiar do que era suportável
antes e durante a gestação.
Quanto aos sons eu também percebi algumas alterações, na verdade mais sensibilidade, sons
muito altos me incomodam e causam uma certa irritabilidade. Pra exemplificar algumas
semanas atrás eu estava num supermercado e um funcionário tava empurrando uns 50
carrinhos, uma fileira enorme no estacionamento pra guardar, fazia um som muito alto, meu
marido estava comigo obviamente o som também incomodou a ele e as outras pessoas que
estavam no local, mas pra mim tava insuportável, quis sair de correndo. Não sei se foi
preocupação em incomodar o bebê e eu acabei ficando menos tolerante, mas o fato é que me
deixou muito irritada.
Sabendo-se das mudanças metabólicas e emocionais às quais a mulher passa durante o
período gestacional, e as adaptações necessárias a esse período, do processo de introspecção
como necessidade de trabalhar esses aspectos e preparar-se para a maternidade, e
necessidade de amparo afetivo e acolhimento do meio para que possa suprir as futuras
necessidades do bebê, pode-se supor que a qualidade do meio em que a gestante vive irá
influenciar sua saúde física e emocional no período. Uma gestante melhor suprida
emocionalmente sente-se menos vulnerável, podendo dedicar mais energia a seus processos
internos. Um meio que acolhe, causa menos estresse e preocupações. Uma vez que a
sensibilidade está aflorada, e um aguçamento dos sentidos, inclusive a audição, deve-se
cuidar para que estes não se tornem mais um fator de irritabilidade, mas auxiliares na
construção de um ambiente adequado. Essa adequação deve partir da própria gestante, não no
limite do suportável, mas na busca do agradável. Sendo a audição o sentido mais solicitado no
dia-a-dia, devido à conformação anatômica dos ouvidos, que não possuem mecanismo de
proteção, tornando-os disponíveis ininterruptamente, e também por ser um sentido de alerta,
os sons, que estão presentes em nossas vidas 24 horas por dia, podem ter tanto uma função
estressante quanto calmante, e a construção do ambiente sonoro deve ser criteriosa, para que
seja benéfica nesse período.
44
É preciso, também, considerar as possíveis conseqüências que o ambiente pode
acarretar à criança que está sendo formada. Em grande parte, pode-se considerar que o que é
prejudicial à gestante o será também para o feto, pois seu desenvolvimento depende do bom
funcionamento dos mecanismos fisiológicos da e. No entanto, embora verdadeira, esta é
uma visão bastante simplista, e, certamente, não é completa. Estudos recentes (PIONTELLI,
1995; CLARKE, SCHNEIDER, 1993) têm demonstrado que mais a ser considerado além
da boa ou formação fetal, e que no útero está a gênese da formação psicológica e de
padrões comportamentais do indivíduo. Assim, é preciso também considerar a importância da
formação sensível do feto para a construção de um ambiente sonoro adequado para esse
período.
1.4- Os sentidos do feto – sua percepção e reação ao meio
O estudo mais aprofundado de como o feto percebe o ambiente só foi possível com os
recentes avanços tecnológicos, como imagens claras de ultra-som, microscópios eletrônicos e
computadores, aliados a técnicas fotográficas específicas. Anteriormente, o simples fato de
considerar uma criança recém-nascida como capaz de sentir ou perceber alguma coisa recebia
resistência no meio médico, o que, em decorrência, reduzia o feto a uma categoria ainda
inferior. Parece incrível tamanho despropósito, mas no início da década de 1960 o homem
tinha iniciado as viagens espaciais, e, no entanto, em 1964, em conferência apresentada em
um simpósio sobre “Os problemas Fisiológicos, Neurológicos e Psicológicos do Recém-
nascido”, em Roma, o Dr. Winnicott fez a seguinte observação, que demonstra o
desconhecimento humano das fases iniciais do desenvolvimento de sua própria espécie:
Muitos acham difícil atribuir a um bebê qualquer coisa que pudesse ser chamada de
“psicológica”, até que algumas semanas ou mesmo meses tenham se passado, e é preciso dizer
que são os médicos, muito mais que as mães, que têm esta dificuldade. Será que não
poderíamos dizer que sempre se espera que as mães vejam mais do que existe e que os
cientistas nada vejam até que haja provas?(WINNICOTT, 2006, p. 29-30)
Exatamente uma década mais tarde, Leboyer, a partir da observação de partos na Índia,
desenvolveu sua filosofia de assistência baseada em um modelo de nascimento preparado para
acolher o recém-nascido, diminuindo o impacto entre a mudança do meio intra-uterino e o
externo, e denunciando a forma violenta de tratamento ao recém-nascido durante o trabalho
45
de parto. Era comum, por exemplo, na época, clampear e cortar o cordão umbilical antes que
este parasse de pulsar, segurar o bebê pelos pés, de ponta cabeça, e aplicar-lhe a famosa
“palmada”, dada pelo médico, com a finalidade de fazer o bebê chorar para “abrir os
pulmões”. Este procedimento, além de outros mais, era adotado porque se acreditava que o
bebê fosse incapaz de sentir dor ou de ter sentimentos a respeito do que quer que fosse.
Leboyer, eu seu livro Birth without Violence
10
(1991), que em português foi traduzido como
Nascer Sorrindo (1974), descreve, sob o ponto de vista do bebê, a brutalidade da sala de
parto, assim como sugere o ambiente ideal para o nascimento. Este livro é ilustrado com fotos
que mostram o sofrimento do recém-nascido na forma tradicional de parto, e sua expressão
calma e feliz após um nascimento “sem violência”. Chega a ser chocante a diferença entre um
grupo de fotos e o outro, pois fica muito patente o sofrimento experimentado pelo grupo
nascido pelo método tradicional. Ainda hoje, muitos procedimentos traumáticos são adotados,
muitas vezes, em nome do bem-estar e da saúde do bebê, como o colírio de nitrato de prata ou
antibiótico oftálmico, pingado logo após o nascimento, causando ardência e turvamento da
vista, a fim de evitar a oftalmia gonocócica, caso a mãe esteja contaminada, através do
contato com secreções genitais pela passagem vaginal durante o parto. Note-se que este
procedimento é obrigatório no Estado de São Paulo desde a década de 1970, como prevenção
à oftalmia neonatal. Embora este procedimento tenha o mérito de prevenir uma doença séria e
que pode levar inclusive à cegueira, este não seria necessário em crianças nascidas de partos
cesáreos, pois não haveria risco de contaminação, e, mesmo em partos normais, poderia ser
evitado com um exame na gestante para a detecção da doença. Outro procedimento
considerado por Leboyer como traumático e de extrema crueldade (1991, p. 58), e que ainda é
bastante utilizado atualmente, é o clampeamento e corte do cordão umbilical antes que este
pare de pulsar. Segundo ele, tal procedimento faz que os bebês sejam forçados a respirar
utilizando os pulmões de forma abrupta, ao invés de gradual, como acontece quando se espera
que o cordão pare de pulsar naturalmente. Enquanto o cordão ainda pulsa, o bebê pode
receber oxigênio, tanto através deste, quanto dos pulmões, até que estes assumam seu pleno
funcionamento.
Se um bebê, que pode expressar-se através do choro, de suas expressões faciais e
movimentos, tem seus sentimentos, muitas vezes, deixados de lado em nome de
procedimentos e cuidados nem sempre efetivos, e por vezes até questionáveis, o feto foi, por
10
Tradução para o inglês de Pour Une Naissance Sans Violence. Paris: Editions du Seuil, 1974.
46
muito tempo, sob esse aspecto, totalmente ignorado. Isso começou a mudar depois da
possibilidade de observá-lo ainda dentro do ventre materno, com os avanços tecnológicos, que
permitem ver e acompanhar, detalhadamente, o que ocorre com o feto, desde a fecundação até
o final da gestação. Assim, foi possível constatar como se dão seu desenvolvimento físico e
emocional e saber que não o modo como este lida com o trauma do nascimento, mas
também a maneira como percebe suas experiências pré-natais, irão constituir o modelo
emocional utilizado durante a primeira infância. Um estudo de Piontelli (1995) aponta para
essa concordância entre o comportamento pré e pós-natal. Onze fetos, incluindo quatro pares
de gêmeos, foram observados mensalmente através de ultrassom. Após o nascimento, as
crianças foram acompanhadas até os quatro anos de idade, em observações periódicas. Como
resultado, constatou-se que elas mantinham os mesmos padrões de comportamento e reação
apresentados durante a gestação. Através de tratamento psicanalítico de algumas dessas
crianças também foi constatada essa concordância entre as vivências pré-natais e as reações e
padrões de comportamento durante a infância, inclusive entre gêmeos.
Meus achados sugerem a existência de notável continuidade em aspectos da vida pré e pós-
natal. Cada feto tinha características de comportamento que até certo ponto e de alguma forma
continuaram na vida pós-natal. Tal continuidade deu-se apesar das grandes alterações
provocadas pelo nascimento e pela natureza do meio ambiente continente. Não quero, no
entanto, afirmar que o “inato” seja mais importante que o “adquirido”. O que os meus achados
sugerem é que a interação entre inato e adquirido começa muito mais cedo do que
normalmente se considera, e de que certas experiências pré-natais podem ter efeito emocional
profundo sobre a criança, especialmente se tais acontecimentos são reforçados pelas
existências pós-natais. (PIONTELLI, 1995, p.15)
Também foram incluídos alguns casos em que a criança chegou para tratamento com
fortes indícios de que seus problemas estavam relacionados com as experiências vividas no
útero. Entre esses relatos está o de Alexandre, um menino que se “recusou a nascer”,
colocando-se em posição podálica pouco antes do nascimento, sentando-se sobre o cérvix em
posição de ioga. Antes do nascimento, mostrava-se bastante ativo, mexendo-se muito, porém,
depois de nascer, passou o primeiro ano praticamente dormindo, se mostrando ativo na
hora do banho. Era louco por água, chegando quase a se afogar diversas vezes, pois se atirava
em piscinas, rios, ou qualquer poça ou banheira. Mostrava claramente o desejo de voltar para
o útero, e aversão a qualquer mudança. Segundo sua mãe, escritora, que usava constantemente
a máquina de escrever, durante a gestação ele parecia amar o som monótono da máquina,
parecendo dançar ao som desta. Também parecia gostar de músicas que mostrassem
regularidade, odiando qualquer música mais moderna, especialmente Stockhausen e Nono,
que ela amava, mas que deixou de ouvir, pois ele parecia enlouquecer de raiva, e seus
47
movimentos se tornavam violentos. Após o primeiro ano de vida, quando começou a ficar
mais desperto, ficava muito perturbado com ruídos e, como disse sua mãe: “ele parece viver
todo o tempo sobre uma espécie de nuvem... os barulhos o fazem voltar à terra...”
(PIONTELLI, 1995, p. 212).
Aparentemente o lugar que a música e os sons ocupam nesse caso é o de ponte entre o
mundo particular, de segurança e estabilidade, representado pelos sons regulares da máquina
de escrever e pelas músicas mais previsíveis, que o menino parece querer para si, e o mundo
externo, relacionado a qualquer som que interrompa esse estado de controle do seu próprio
mundo, causando rejeição. Apesar deste ser um estado patológico, demonstra a coerência
existente entre o comportamento pré e pós-natal, e o papel dos sons nesse comportamento. Na
vida pré-natal, os sons são responsáveis pela maior parte das impressões do mundo externo,
sendo que a maturidade do aparelho auditivo ocorre no mesmo período em que se iniciam as
conexões neurais e a formação da memória, ou seja, muitas das relações que o bebê fará com
o ambiente terão sua gênese no período pré-natal, e sua conexão com o mundo externo será
feita, em grande parte, por meio de estímulos sonoros.
Durante a gestação da minha primeira filha, hoje com 1 ano e 6 meses, eu fazia duas coisas
todos os dias: Fazia suco de fruta (liquidificador) e pegava moedas no cofre de vidro do meu
marido. Quando eu sentava para almoçar eu percebia que ela estava mexendo muito. Mas para
mim era normal. Minha filha nasceu, e quando ela estava com 4 meses eu fui mexer no cofre
com ela ao meu lado...ela entrou em pânico...o coraçãozinho faltou sair pela boca e chorou
bastante...e repeti a cena algumas vezes para ver se foi apenas susto de momento ou se
realmente ela tinha algum trauma. E em todas as outras vezes ela ficava em pânico...tremendo.
E a mesma coisa com o liquidificador...só que agora, depois de muito conversarmos com
ela...mostrando que o liquidificador é para fazer suquinho...ela não tem mais medo. Quanto
ao cofre...eu nunca mais mostrei. Fiquei com muita quando ela ficou daquele jeito...vou
deixar que ela descubra o cofre naturalmente...sem que eu force nada. (ANEXO J)
Assim, a visão que se tinha do útero como um lugar tranqüilo, escuro e silencioso, cai
por terra. Hoje, sabe-se que o útero é, na verdade, um lugar bastante ruidoso, onde o feto pode
ouvir tanto sons externos, embora abafados pelo líquido amniótico e a placenta, quanto os
sons internos, provenientes do corpo da própria mãe, como os batimentos cardíacos, a
digestão e a circulação sanguínea. Esta última, quando ouvida do útero, através da placenta,
pode chegar a níveis de 80 decibéis, com picos de até 95 decibéis (GERHARDT& ABRAMS,
1996, apud SCHWARTZ, 1997, p. 3).
Alguns estudos ( FEIJOO, 1981; DeCASPER et al., 1994, apud MALDONADO, 1997
p. 62 63) sugerem a capacidade de memorização de sons e melodias pelo feto, e de seu
reconhecimento pelo recém-nascido, pela repetição de melodias ou sons, como, por exemplo,
um caso em que um poema recitado pela própria mãe, durante o último trimestre de gestação,
48
e posteriormente, após o nascimento, mostrou, pelo estudo das reações do neonato, que a
escuta do som familiar provocava sensíveis reações nele, como diminuição dos batimentos
cardíacos, e sensação de calma e tranqüilidade. As mesmas reações não foram observadas
quando sons diferentes dos já familiares foram tocados.
Os seguintes depoimentos também ilustram o reconhecimento de sons ouvidos durante
a gestação, e a correspondência entre as reações pré e pós natais:
Eu inventei uma musiquinha que citava o nome dela, Gabi, e cantava sempre que ela estava
agitada e então ela se acalmava; quando ela nasceu acabei notando que quando eu cantava ela
também ficava calminha. Hoje ela está com 1 ano e 3 meses e quando está muito agitada na
hora de dormir, é só começar a cantar a música dela e ela dorme rapidinho ! Outra coisa que eu
detestava desde o inicio da gravidez era o som do videogame do meu marido,ela soluçava
muito e hoje ela também chora quando ouve, parece que tem medo! (ANEXO J)
... Outra experiência com sons que tive, foi com musica de Mozart. Eu fiquei sabendo que faz
bem para o cognitivo da criança escutar essa musica. Então, resolvi desde que confirmaram
minha gravidez passar a escutar todos os dias e tentar me relaxar escutando um cd que
comprei especialmente para bebês de Mozart. Quando minha filha nasceu, lembro que um dia
ela estava chorando muito porque, como fiz cesariana, meu leite demorou em descer e ela
estava com muita fome.. eu sentei na minha poltrona de amamentação com ela no colo e liguei
a musiquinha.. ela simplesmente parou de chorar e ficou alerta olhando seu entorno como se
reconhecesse aquilo, foi muito emocionante, sentir que ela reconhecia que aquilo ela
havia escutado muitas vezes num lugar onde ela estava super à vontade
Quando o tempo ruim das cólicas chegou, o mal-estar melhorou muito quando eu colocava a
musica e ficava sozinha com ela fazendo respiração para relaxar.. dava para perceber como a
menina também relaxava. (ANEXO J)
Este último depoimento, além de exemplificar como o bebê é capaz de reconhecer
sons ouvidos no útero, ainda mostra como o ambiente sonoro pode ser construído com o
intuito de propiciar relaxamento durante a gestação, e, ainda, a maneira como o bebê pôde
relacionar o som ouvido anteriormente com a sensação agradável de relaxamento, acalmando-
o posteriormente e, inclusive, ajudando-o a lidar com as cólicas que normalmente se fazem
presentes nos primeiros meses. Assim, não os traumas e reações negativas aos sons são
reconhecidos, mas também as sensações agradáveis aos sons.
Outro estudo mostra a capacidade de reconhecimento e diferenciação sonora do feto e
do recém-nascido, (RIGHETTI, 1996, apud SWARTZMAN, 1997), como o reconhecimento
da gravação dos sons ouvidos durante o período pré-natal na barriga de sua própria mãe,
diferenciando dos sons da barriga de outra gestante; o bebê também foi capaz de perceber o
conteúdo emocional da gravação, respondendo com mudanças em seus movimentos e também
no ritmo cardíaco. Este estudo sugere que o estado emocional da gestante possa ser percebido
pelo feto, pelas mudanças no seu ritmo cardíaco, nos sons da circulação sanguínea e na
respiração desta, que se alteram como resposta ao seu estado emocional.
49
Outra forma de comunicação entre o feto e sua mãe, é através da corrente sanguínea.
Alterações emocionais, como ansiedade, medo e raiva, assim como alegria, felicidade e
sensação de bem-estar, acarretam mudanças bioquímicas, ou seja, fazem o cérebro da gestante
liberar determinadas substâncias na corrente sanguínea, que, através da placenta, são
compartilhadas pelo feto. No caso das emoções negativas, essa modificação na composição
do sangue materno pode deixar o feto em estado de alerta, aumentando sua atividade motora e
os batimentos cardíacos. Dependendo da duração desses estados emocionais, essa situação
pode se tornar crítica, havendo maior possibilidade de o neonato apresentar baixo peso ao
nascer e parto prematuro, e manifestar diversos distúrbios, como irritabilidade, dificuldades
de sono, choro excessivo e problemas com a alimentação.
Diante disto, se o nível de angústia e ansiedade da gestante tiver intensidade muito elevada ou
mesmo se sofrer traumas emocionais ou stress, crônico ou agudo, de desencadear grande
sofrimento fetal, marcando-o profundamente, podendo mesmo acarretar problemas orgânicos e
psíquicos, com decréscimo de seu desenvolvimento físico. (RICO, s/d)
É possível perceber que, através destas duas vias de contato e troca de informações
entre a gestante e o feto, não este é capaz de perceber as alterações emocionais da mãe e
decodificá-las, como também, de modo indireto, a forma como esta se relaciona com sua
família e pessoas de convívio direto, trabalho, e também com o ambiente em geral. Dentro
deste contexto, é preciso que se estude, também, o ambiente sonoro em que vive a gestante,
pois, os sons, por suas características de propagação, que permitem que sejam ouvidos mesmo
a longas distâncias, e pela anatomia humana, que faz que o contato com o ambiente sonoro
seja contínuo e direto, pois não existe proteção mecânica natural para os ouvidos, podem se
constituir tanto em fonte de prazer, quanto em fonte de irritação e estresse. O mesmo som,
para duas pessoas distintas, pode ter conotações opostas, sendo que, para uma, pode ser fonte
de prazer, e para a outra, causar irritação, ou, mesmo, ter conotação neutra. É possível chegar
a uma lista de sons que agradem a maior parte das pessoas, e a outra lista que desagrade a
maior parte das pessoas, mas dificilmente se chegará a um consenso, pois muitos fatores
podem influenciar estas escolhas, como experiências pessoais que remetam a sensações
particulares. Uma pessoa que tenha passado por situação traumática no mar, por exemplo,
pode ter sensações desagradáveis ao ouvir seu som, enquanto outra, com experiência diversa,
pode achá-lo muito agradável e tranqüilizador, remetendo-a a sensações de acolhimento e
calma. A percepção e modificação, tanto voluntária quanto involuntária, da paisagem sonora,
será tratada com mais detalhes e propriedade no capítulo 3. Por hora, deve-se ter em mente
50
que o ambiente sonoro é capaz de alterar os estados emocionais da gestante, tanto de forma
positiva quanto negativa, sendo que o feto, pela percepção dos sons corporais da mãe, e de
modificações químicas em sua corrente sanguínea, reage a estas alterações emocionais. O feto
também, a partir da metade da gestação, é capaz de ouvir os sons externos, se assustar com
sons fortes ou inesperados e sentir prazer com os conhecidos, que transmitam segurança, seja
porque a gestante sente prazer em ouvi-los, e ele é capaz de perceber isso, seja porque seu
ritmo ou melodia lhe são familiares e ele se sinta tranqüilo ao reconhecê-los.
CAPÍTULO 2
________________________________
OS VILÕES DA GESTAÇÃO
________________________________
Os sons existem em profusão à nossa volta, e são parte integrante da vida cotidiana.
Nos acostumamos de tal forma à sua presença, que muitas vezes não nos damos conta de
quanto eles influenciam nosso humor e nossa saúde. Dentre os sons que compõem o ambiente
acústico, existem alguns que não nos agradam, cuja presença é inoportuna ou indesejada, os
quais chamamos de ruídos. Quando um ambiente está carregado de ruídos, o humor se altera,
e se essa situação permanecer por mais tempo, a saúde também será afetada. A poluição
sonora é um dos males que atingem os grandes centros urbanos, causando danos muitas vezes
irreversíveis à saúde, como hipertensão arterial e estresse, os quais podem causar problemas
bastante sérios durante a gestação.
A maior parte das gestações, se tomados os devidos cuidados pré-natais, pode correr
satisfatoriamente até o final, culminando com o parto a termo, sem maiores dificuldades ou
perigos para a gestante ou para o feto. No entanto, algumas situações podem levar ao
agravamento deste quadro, colocando em risco a saúde de ambos. As complicações incluem o
aborto espontâneo, a gravidez ectópica, quando o bebê se desenvolve fora do útero,
normalmente em uma das tubas uterinas, a anemia, a incompatibilidade de Rh, problemas da
placenta, o vômito excessivo, a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia, e erupções cutâneas, assim como
o trabalho de parto prematuro e a ruptura prematura das membranas. Dentre estas, algumas
podem estar relacionadas aos estados emocionais, e, inclusive, serem causadas ou agravadas
pelo ambiente, incluindo-se o sonoro, como a hipertensão arterial, e um tipo especial desta, a
pré-eclâmpsia, que atinge as mulheres durante a gestação, estando ligada à existência da
placenta, mas cujo mecanismo não foi ainda completamente desvendado. Hoje em dia, é
passível de tratamento e pode ser diagnosticada durante o período pré-natal, mas, no Brasil,
ainda é a maior causa de óbito materno. Não se sabem ao certo as causas da pré-eclâmpsia,
mas sabe-se que a incidência é maior em gestantes que eram hipertensas antes da gestação,
e parece haver indícios ligando a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia, que é a forma mais grave, ao
índice de estresse enfrentado pela gestante durante o período de gestação. Embora o estresse
sempre tenha existido, atualmente sua ocorrência tem sido bastante freqüente,devido ao ritmo
de vida nas grandes cidades. Atualmente, o estresse tem sido ligado a inúmeros problemas de
saúde, que se tornam mais delicados durante a gestação. Este é um tema que só começou a ser
estudado recentemente, mas se sabe que seus efeitos durante a gestação podem ser bastante
específicos e graves, podendo levar inclusive ao aborto, e, sugere-se, possa influir seriamente
sobre a formação psicológica do bebê, levando a respostas inadequadas ou exacerbadas em
seu comportamento futuro.
53
Por outro lado, a poluição sonora tem sido apontada como grande geradora de estresse,
e é curioso notar que, em alguns experimentos feitos com animais em laboratório, uma das
maneiras de conseguir elevar seu nível de estresse é através do som, expondo os animais a
níveis de ruído muitas vezes acima do tolerado. Em contrapartida, os sons também são
utilizados por sua capacidade de gerar bem-estar e levar ao relaxamento, produzindo
endorfinas capazes de ajudar, inclusive, no manejo da dor durante o trabalho de parto. Essas
características do som, aparentemente antagônicas, estão ligadas tanto às suas propriedades
físicas, quanto a questões subjetivas e ao gosto pessoal. O que afeta positivamente uma pessoa
pode afetar negativamente a outra. Se a música e o ambiente sonoro podem trazer
conseqüências tanto boas quanto más, isso provavelmente também será verdadeiro durante a
gestação. Deve-se levar em conta também que, como indica a enquete realizada com as
gestantes participantes da comunidade “Sons e gestação” do orkut, a gestante está mais sujeita
à sensibilidade auditiva, irritando-se com sons que não a irritavam antes da gestação, e pode
estar, dessa forma, também, mais sujeita ao estresse sonoro durante este período. Como um
ambiente sonoro inadequado pode interferir negativamente sobre a gestação, e que
conseqüências pode ter sobre a saúde da gestante e do bebê? E, se for adequado, e trouxer
sensações positivas, de que forma pode ser utilizado como mais um instrumento para o bem-
estar e melhoria da saúde de ambos? Para responder a essas questões, é necessário, mais uma
vez, nos voltarmos para a gestante nessas condições, conhecer o real perigo dessas situações
de risco, e entender de que maneira elas se inter-relacionam, e, também, nos voltarmos para o
ambiente sonoro, reconhecendo-o tanto como possível agravante destas, quanto como forma
de alívio e, talvez, até, como instrumento de auxílio não farmacológico.
2.1 A hipertensão arterial
As duas formas mais comuns de hipertensão durante a gestação são a hipertensão
arterial crônica e a pré-eclâmpsia. A hipertensão crônica é uma condição pré-existente, que
pode se agravar e trazer conseqüências sérias durante a gestação. A pré-eclâmpsia é um tipo
de hipertensão que ocorre durante a gestação, e que desaparece ao final desta. O maior
risco da pré-eclâmpsia é evoluir para a eclâmpsia, pela qual a mulher entra em estado
convulsivo por causa da elevação da pressão arterial, diminuindo o afluxo de sangue para o
cérebro, o que pode levar ao coma. Embora nem sempre a hipertensão crônica esteja
associada à pré-eclâmpsia, estas podem acontecer simultaneamente.
54
Cerca de 2% das mulheres em idade reprodutiva sofre de hipertensão crônica, a maior
parte sem desenvolver outros sintomas. No entanto, durante a gestação, podem enfrentar
situações de risco. As complicações mais freqüentes são a pré-eclâmpsia superposta, a crise
hipertensiva materna no final da gestação, descolamento prematuro da placenta e restrição do
crescimento intra-uterino e prematuridade ( HIGGINS e BRENNECKE, 1999).
Destes, o fator de maior risco é a pré-eclâmpsia superposta, cuja incidência é maior em
mulheres com hipertensão crônica. Quanto maior a severidade da hipertensão crônica,
maiores os riscos durante a gestação. No total, a mortalidade perinatal aumenta
aproximadamente quatro vezes em mulheres com hipertensão crônica (Mc COWAN et al.
Apud HIGGINS e BRENNECKE, 1999).
As gestantes com hipertensão crônica leve, quando não desenvolvem a pré-eclâmpsia,
podem ter o desenrolar da gestação próximo ao de gestantes normotensas. No entanto, ainda
assim, há o risco aumentado de gerarem crianças com baixo peso ao nascer, pois as alterações
nas artérias, causadas pela hipertensão, especialmente se esta for severa, podem reduzir a
oferta de oxigênio para o feto, pela dificuldade de circulação sanguínea na placenta. Mulheres
hipertensas também apresentam maior incidência de descolamento precoce da placenta, que
pode ser total ou parcial, diminuindo a oxigenação e o aporte de nutrientes para o feto,
podendo, inclusive, causar sua morte, além de complicações para a mãe, como sangramentos,
que podem ser perigosos se não forem controlados. Nesse caso, a melhor opção, tanto para o
feto quanto para a gestante, é o parto prematuro.
Quando é diagnosticada a pré-eclâmpsia superposta, devido à sua instabilidade, a
internação hospitalar é indicada, pois pode haver elevação súbita da pressão arterial, sendo
mais seguro o acompanhamento hospitalar.
Os mecanismos da pré-eclâmpsia ainda não são totalmente conhecidos, mas sabe-se
que estão ligados à presença da placenta e ao sistema imunológico da mãe. Durante a
gestação, a placenta, que é responsável pelas trocas, tanto gasosas quanto nutricionais entre a
gestante e o feto, é também um dos mecanismos que impedem que o corpo da gestante o
rejeite. No entanto, em alguns casos, são liberadas proteínas do feto na corrente sanguínea da
mãe, causando uma reação do sistema imunológico. Devido a essa reação, que agride as
paredes dos vasos sanguíneos fazendo-as se retraírem, o coração tem que bombear o sangue
com mais força, aumentando a pressão sanguínea. Muitas vezes, diante de um quadro mais
grave, é aconselhável antecipar o parto, evitando-se a eclâmpsia. É possível detectar a pré-
eclâmpsia durante o pré-natal, pela observação de alguns sintomas, além do aumento da
pressão sanguínea, como a presença elevada de proteínas na urina, e edema. Muitas vezes a
55
gestante não se sente doente, e procura o médico quando o quadro está se agravando e
aparecem sintomas como dores de cabeça, tonturas e dores no estômago.
A incidência de pré-eclâmpsia é maior em mulheres que tenham outros casos na
família, evidenciando o fator genético da doença. Mulheres com sobrepeso quando
engravidaram ou que ganharam muito peso durante a gestação também estão mais sujeitas à
doença, assim como as primigestas e mulheres abaixo de dezoito e acima de trinta e cinco
anos. O fator ambiental também é decisivo, e, principalmente o estresse, seja qual for a sua
origem, tem uma grande parcela na incidência da pré-eclâmpsia entre as mulheres na faixa de
risco. Deve-se assinalar que, como veremos adiante, o ambiente sonoro inadequado pode ser
causa de grande estresse, em especial para as gestantes, e contribuir para agravar essas
situações de risco.
Embora a pré-eclâmpsia possa trazer prejuízos à saúde da gestante e do feto, a maior
preocupação é a possibilidade de ocorrer a eclâmpsia, cuja incidência é a principal causa
mundial de morte materna, chegando a aproximadamente 50.000 mortes por ano (DULEY,
1992, apud ODENT s/d), prevalecendo índices mais altos de incidência em países pobres,
chegando a 9% em Bangladesh (BEGUM et al. s/d, apud ODENT s/d), enquanto em países
ricos, pode ser bastante baixa, menos de 0,4% (VILLAR et al., 2004, apud ODENT s/d).
Tendo em vista que a incidência de pré-eclâmpsia/eclampsia é bastante elevada em países cuja
população apresenta um padrão de vida mais baixo, e, baseado em pesquisas que indicam
maior incidência em gestantes cujos bebês estão tanto acima quanto abaixo do peso para a
idade gestacional, Michel Odent concluiu que a origem da pré-eclâmpsia poderia estar em
um conflito gerado entre as necessidades nutricionais do feto e a capacidade materna de suprir
essas necessidades, gerando desequilíbrio como um efeito compensatório. Esse tipo de efeito
compensatório pode ser observado em outros mamíferos, cada qual segundo as suas
necessidades específicas. No ser humano, segundo Odent (s/d), essa necessidade seria
priorizar o desenvolvimento cerebral, mais acentuado durante a segunda metade da gestação.
Para que esse desenvolvimento cerebral ocorra de maneira satisfatória, é preciso haver oferta
suficiente de certos nutrientes, como ácidos graxos poliinsaturados das séries n-6 e n-3,
especialmente ácido araquidônico (AA = 20:4 n-6) e ácido docosahexaenóico (DHA = 22:6
n-3). O DHA representa pelo menos 50% das moléculas de ácidos graxos incorporados ao
cérebro. Assim, é possível que a razão do conflito materno/fetal possa ser a impossibilidade
de suprir a crescente demanda de DHA, levando o corpo materno ao desequilíbrio. Esse
conflito pode ser acentuado pela disfunção placentária ou por causa da desnutrição materna, e
agentes catalizadores do metabolismo dos ácidos graxos, como magnésio, cálcio e zinco, além
56
de alimentos ricos em poliinsaturados n-3, podem ser utilizados na prevenção da pré-
eclâmpsia, assim como bloqueadores do metabolismo, como álcool, açúcar e gorduras trans,
devem ser evitados. O cortisol, um dos hormônios secretados durante estados de ansiedade e
de estresse é um conhecido agente bloqueador do metabolismo, o que pode explicar porque os
estados emocionais da gestante influenciam na incidência da pré-eclâmpsia. Mais uma vez, o
estresse aparece como um fator importante na incidência da pré-eclâmpsia, ligando-se
também à hipótese apontada por Odent. O ambiente sonoro desfavorável, mais uma vez, pode
ser um fator de agravo nesses quadros, por constituir-se em meio propício ao estresse.
O Dr. Marco Aurélio Galleta, médico e professor de obstetrícia do Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo, em entrevista a Drauzio Varella (GALLETA,
s/d),quando perguntado se a classe social também pode influir sobre a incidência da pré-
eclâmpsia, faz um comentário interessante sobre a influência do meio e do estresse sobre a
saúde da gestante:
Esse é um assunto controverso. Hoje em dia percebe-se que a classe social não é determinante,
mas pode pesar em algumas situações: ganho inadequado de peso, pré-natal insatisfatório,
estresse psicossocial, etc. A mulher que não conta com uma estrutura familiar equilibrada,
trabalha demais ou vive estressada por algum motivo, corre risco maior de ter pré-eclampsia.
Alguns trabalhos evidenciam que certas profissões aumentam em até 8 vezes o risco da pré-
eclâmpsia. Qual seria essa mulher mais vulnerável? Na faculdade de medicina, brinca-se que
são as médicas. Trabalham demais, não dormem bem, estão sempre estressadas e
pressionadas para resolver problemas. Encaixam-se nessa classificação também as executivas,
as profissionais liberais, as trabalhadoras braçais e as mulheres solteiras. Estas últimas
apresentam um fato interessante a respeito do qual defendi minha tese de doutorado: a pré-
eclâmpsia em adolescentes solteiras. Durante toda a gravidez, a mulher solteira, que não conta
com suporte familiar adequado, acaba se envolvendo em grandes preocupações responsáveis
pela elevação da pressão arterial o que prejudica a gravidez.
Nesse contexto, é importante salientar que, com o aumento da poluição sonora nas
cidades, muitos estudos têm sido conduzidos para saber acerca de seus efeitos sobre a saúde
da população. Inicialmente, a maior parte destes estudos era relacionada às perdas auditivas
em trabalhadores expostos a níveis de ruído ocupacional elevado. No entanto, foram-se
percebendo outras relações, não tão aparentes, como um índice mais elevado de hipertensão,
estresse e problemas de sono entre os trabalhadores expostos ao ruído por muito tempo. Esse
dados apontam justamente para alguns dos fatores que podem colocar em risco a gestação,
causados pelo ambiente. Dentre estes, o estresse parece ser o mais complexo, e pode ser o
grande vilão da gestação, pois, além de ser apontado como uma das causas do aumento da
pressão arterial e da incidência da pré-eclâmpsia, também pode ser a causa de outros
problemas durante a gestação, com conseqüências futuras sobre os bebês. Esses efeitos a
longo prazo podem, inclusive, estender-se a padrões de comportamento e saúde das crianças
57
nascidas de mulheres submetidas a estresse contínuo durante a gestação e o parto.
Para podermos saber mais sobre a influência do ambiente sonoro sobre a saúde da
gestante, é importante conhecer um pouco mais sobre a fisiologia do estresse, de que maneira
atua sobre os mecanismos corporais, e quais suas conseqüências durante o período de
gestação, e, também, saber de que maneira o ambiente sonoro pode estar ligado ao estresse.
2.2 Fisiologia do estresse
Estresse, ou stress, é uma palavra que tem sido muito utilizada ultimamente, e parece
que todos estão familiarizados com esse conceito. No entanto, apesar da vulgarização do
termo, é possível que a maior parte das pessoas não saiba exatamente o que é o estresse, e
quais são seus efeitos sobre o organismo.
O estresse é uma reação natural do nosso organismo, e acontece quando o cérebro
interpreta alguma situação como ameaça, independentemente da nossa vontade. Ele se
desenvolve em três fases. Na primeira, chamada de Reação de Alarme, o corpo fica em estado
de prontidão, e o Hipotálamo ativa o Sistema Nervoso Autônomo, em sua porção Simpática,
que irá proporcionar as reações físicas, mentais e psicológicas ao estresse. Também irá
secretar os chamados neuro-hormônios , entre eles a dopamina e a noradrenalina, para que a
hipófise comece a liberação de uma série de hormônios em resposta ao estresse, e ativar as
glândulas supra-renais, que por sua vez, irão aumentar a liberação de corticóides (cortisol) e
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). Níveis aumentados de corticóides influenciam o
sistema imunológico, aparentemente como um mecanismo para diminuir a intensidade das
reações ao agente estressante. Como reações físicas ao agente estressor, podemos citar, nessa
primeira fase:
a) aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial, pois com o sangue circulando mais
rápido, há uma melhora na atividade muscular, esquelética e cerebral, o que facilita a ação e o
movimento.
b) contração do baço, com a finalidade de levar mais glóbulos vermelhos à corrente
sanguínea, melhorando a oxigenação do organismo.
c) liberação de glicose pelo fígado, para gerar energia para os músculos e cérebro.
d) redistribuição sanguínea, diminuindo a irrigação da pele e das vísceras, e aumentando a
dos músculos e do cérebro.
e) aumento da freqüência respiratória e dilatação dos brônquios, favorecendo a captação de
58
mais oxigênio.
f) dilatação das pupilas, para aumentar a eficiência visual.
g) aumento do número de linfócitos na corrente sanguínea, para preparar os tecidos para
possíveis danos por agentes externos agressores (BALLONE, 2002).
Como é possível perceber, todo o corpo é envolvido nesse mecanismo de ação, com a
finalidade de adaptar-se à situação estressante. Se esse estímulo estressor desaparecer, a
tendência é que essas alterações regridam e cessem. No entanto, se persistirem, o organismo
precisará manter esse mecanismo, entrando na segunda fase, chamada de Adaptação ou
Resistência. Sob a influência do hipotálamo, uma hiperatividade das glândulas supra-
renais, ao mesmo tempo em que a diminuição do baço e das estruturas linfáticas, e
aumento dos leucócitos, os glóbulos brancos. Como o corpo necessita de mais energia para se
defender, o Sistema Simpático aumenta os estímulos à supra-renal, tendo como conseqüência
a liberação de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), e inibindo a insulina, que é
responsável pelo controle do açúcar no sangue, e estimulando o glucagon, ambos hormônios
produzidos pelo pâncreas, e, assim, aumentando a taxa de glicose disponível para as
atividades físicas e cerebrais. Em continuação a esse processo, a resposta do organismo
diminui de intensidade, como se fosse se acostumando ao agente estressor. No entanto, pode
também passar a reagir com a mera possibilidade, a expectativa ou a antecipação deste,
gerando ainda mais ansiedade e estresse, o que pode ser extremamente danoso no período de
gestação.
Se o estímulo estressor permanecer, o organismo entra na fase da Exaustão, ou
Esgotamento, pois o corpo não consegue manter essa situação indeterminadamente. Nessa
fase, as reações biológicas são semelhantes à Reação de Alarme, mas o corpo já não consegue
mais se adaptar, e as reservas de energia entram em déficit. Esse estado de esgotamento, tanto
físico quanto mental e emocional, acontece quando o estímulo estressor é muito intenso e/ou
persistente.
Em suma, as primeiras reações do corpo à situação estressante visam obter um ótimo
desempenho, alterando o metabolismo para proporcionar uma resposta rápida e eficiente a
essa situação. O corpo pode se adaptar a essas alterações, porém, não por tempo
indeterminado, o que pode levar ao comprometimento de diversas funções. Segundo Ballone
(2002
Os efeitos da Síndrome Geral de Adaptação sobre o indivíduo cronicamente ao longo do tempo
compõem o substrato fisiopatológico das doenças psicossomáticas. Cada órgão ou sistema são
envolvidos e apenados pelas alterações fisiológicas continuadas do estresse, de início apenas
59
com alterações funcionais e depois, com lesões também anatômicas.
Como o corpo, durante a gestação, se encontra sobrecarregado com todas as
mudanças e adaptações exigidas nesse período, o estresse pode vir a afetar ainda mais todos
os sistemas corporais, prejudicando e, às vezes, inviabilizando a manutenção da gestação.
Deve-se lembrar também que, como comentado no capítulo anterior, a gestante possivelmente
esteja mais sensível ao ambiente, tornando-se hiper-reativa a ele, e, portanto, mais sujeita a
estados de estresse.
2.3 Efeitos do estresse durante a gestação
Estudos recentes têm demonstrado que muito do que se refere à saúde
(NATHANIELSZ, 1999; SECKL, 1998; van OS, SELTEN, 1998;apud KNACKSTEDT et al.,
2005) e comportamento (PIONTELLI, 1995; WILHEIM, 1988; CLARKE,
SCHNEIDER,1993; CLARKE,1995) do adulto, começa a se formar durante as quarenta
semanas de gestação, numa relação de causa e efeito. Muitos dessas causas têm efeitos
imediatos, e são, portanto mais facilmente identificáveis, como, por exemplo, a relação entre
o consumo de drogas e álcool e os danos tanto físicos quanto mentais ao bebê. Outras têm
efeito a longo prazo, tornando sua identificação mais difícil, como, por exemplo, os reflexos,
tanto físicos quanto comportamentais, sobre a vida adulta. O nível elevado de estresse durante
a gestação pode ter efeitos tanto a curto, quanto a longo prazo. Como efeitos a curto prazo,
pode-se citar o aumento da pressão sanguínea, possibilidade de aborto, quando no início da
gestação, ou parto prematuro, no último trimestre de gestação.
Na gravidez as alterações hormonais suprarrenais devem ser adequadamente valorizadas. Na
grávida, o quadro de estresse grave pode levar ao trabalho de parto prematuro e prejuízo do
crescimento fetal. Se houver concomitante hipertensão ou diabetes o quadro será mais grave
ainda.
No estresse, a reação hormonal que se em cadeia através do eixo hipotálamo-hipófise-
suprarrenal pode produzir uma diminuição do calibre dos vasos sanguíneos placentários
(vasoconstrição), resultando também em uma redução da oxigenação e aporte de nutrientes ao
bebê. Isso pode resultar em sofrimento fetal e, nos casos muito graves, até na morte intra-
uterina. (Ballone, 2002)
A causa de muitos abortos espontâneos tem sido atribuída a anormalidades fetais ou a
60
problemas de saúde da mãe. No entanto, alguns estudos (Arck et al. 2001;Baerenstrauch et al.
2003; Blois et al. 2004) têm demonstrado que gestantes saudáveis podem abortar fetos
igualmente saudáveis por causa dos mecanismos do estresse. O nível aumentado de cortisol
na corrente sanguínea da gestante provoca um desequilíbrio hormonal, diminuindo ou
suprimindo a produção de progesterona, a qual exerce papel crucial na manutenção da
gestação. A progesterona é responsável por induzir a produção de um fator bloqueador, que
envia sinais ao sistema imunológico para que as células do feto e da placenta sejam toleradas
durante a gestação. Outro estudo (NEPONMASCHY et al., 2006) relaciona os níveis
aumentados de cortisol na urina da gestante com o aborto espontâneo no período que
compreende as três primeiras semanas após a concepção, ou aproximadamente cinco semanas
após a última menstruação, o mais crítico para a manutenção da gestação.
No último trimestre de gestação, o estresse também pode trazer prejuízos à gestante e
ao feto, tanto pela possibilidade de causar pré-eclâmpsia, cujos efeitos foram relatados,
quanto pela possibilidade de antecipação do parto e prematuridade. Hipócrates acreditava que
o feto podia decidir quando iniciar o trabalho de parto, o que hoje em dia foi confirmado
através de pesquisas (NATHANIELSZ, 1995, apud SCHWARTZ, 1997). O processo inicia no
cérebro do feto, onde o hipotálamo estimula uma série de reações, induzindo a placenta a
produzir mais estrógeno e menos progesterona, iniciando as contrações. É possível que o feto
inicie prematuramente esse processo quando as condições no útero se tornam desfavoráveis,
em tentativa de sobrevivência, como quando em situações de estresse intenso.
O nascimento prematuro é a principal causa do baixo peso do recém-nascido, e da
mortalidade neonatal nos Estados Unidos (Wegman, 1996, apud Schwartz, 1997),
constituindo o maior índice de mortalidade entre países industrializados.
A interação do feto com o ambiente uterino pode afetar sua vida tanto antes quanto
depois do nascimento. Altos índices de estresse enfrentados pela mãe ameaçam o
desenvolvimento fetal, trazendo conseqüências em períodos subseqüentes até a vida adulta,
como uma programação biológica que irá determinar a predisposição a certos distúrbios.
Mesmo que a percepção do estresse durante a gestação não leve ao aborto, nem traga
problemas maiores à gestação, uma série de estudos recentes sugere que os fatores ambientais
tenham importância substancial no risco do desenvolvimento de doenças nos anos
subseqüentes (NATHANIELSZ, 1999; SECKL, 1998; van OS, SELTEN, 1998;apud
KNACKSTEDT et al., 2005).
Existem algumas hipóteses sobre o funcionamento desses mecanismos que envolvem a
percepção do estresse pela gestante. Os níveis de glicocorticóides são aumentados durante os
61
períodos de estresse, e parte destes irá ultrapassar a barreira placentária em concentração
suficiente para alterar o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, cuja ativação prolongada é
conhecida por retardar o crescimento fetal e alterar a estrutura vascular. Durante o segundo e
terceiro trimestres da gestação, o feto cresce rapidamente e a circulação sanguínea reduzida
não conseguirá suprir suficientemente o feto. Para proteger o Sistema Nervoso Central de
possíveis danos, a circulação irá se concentrar no cérebro, em detrimento dos outros órgãos,
levando a uma desproporção entre a cabeça e o corpo, afetando as interações hormonais, a
atividade metabólica e a estrutura dos órgãos. Se este estado se prolongar, irá levar à restrição
do crescimento fetal, associado com uma resposta alterada da insulina à glicose. Essa
alteração metabólica chega à vida adulta através da hiperglicemia e intolerância à glicose, e a
redução da insulina na circulação leva a uma utilização patológica da glicose e baixa divisão
celular, que a insulina é um importante fator de crescimento. Essas alterações profundas
demonstram como o estado de desnutrição fetal pode levar a uma programação para o estoque
de nutrientes pelo metabolismo, em que o estresse materno pode afetar o modo pelo qual a
criança processa, armazena e gasta energia, economizando calorias na expectativa de escassez
de alimentos. Essas crianças serão mais propensas à obesidade e a diabetes tipo II, além de
maior risco de doenças coronárias (KNACKSTEDT et al., 2005).
Crianças cuja mãe passou por períodos de estresse durante a gestação também são
mais propensas a desenvolver alergias. Uma das hipóteses para essa maior propensão é o
desequilíbrio imunológico causado pelo estresse.
O estresse materno também pode ser responsável por respostas comportamentais a
longo prazo nos filhos. Pesquisas com macacos rhesus cujas mães sofreram com agentes
estressantes durante a gestação, mostraram maior comportamento social anormal sob
condições de estresse do que o grupo de controle (CLARKE, SCHNEIDER, 1993). Um
estudo subseqüente mostrou que a prole de macacos rhesus cujas mães foram expostas a
grande estresse através da exposição a altos níveis sonoros durante a gestação apresentaram
resposta aumentada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal a estressores, confirmados através da
presença de altos níveis de cortisol em amostras de sangue em relação ao grupo de controle
(CLARKE et al., 1994).
O estresse, ao que tudo indica, pode ser o responsável por grandes males durante a
gestação, não para a gestante como para o feto, trazendo-lhe conseqüências bastante
nocivas, que irão se refletir em diversos aspectos da sua saúde, inclusive a longo prazo. O
ambiente sonoro, caso seja desfavorável, pode induzir o estresse, elevar a pressão sangüínea e
alterar a qualidade do sono, entre outros sintomas, e, desta forma, constituir-se em fator de
62
risco para a gestação, assim como para a saúde do feto. No entanto, deve-se salientar também
que o ambiente sonoro, quando saudável, pode trazer conseqüências benéficas e se tornar uma
fonte de prazer e relaxamento, auxiliando na manutenção da saúde durante a gestação.
2.4 O ruído e suas implicações sobre a saúde
Antes de falar sobre possíveis efeitos dos ruídos sobre a saúde em geral, e mais
especificamente, sobre a saúde da gestante, é preciso definir o que é ruído. A definição que
melhor se ajusta aos propósitos desta pesquisa, devido à sua abrangência, é a de “som não
desejado”, pois inclui fatores subjetivos entre os parâmetros de classificação. Assim, podemos
classificar os ambientes sonoros como favoráveis ou saudáveis - quando, em sua
constituição, são formados preponderantemente por sons agradáveis, que trazem bem estar;
como desfavoráveis, podemos colocar os ambientes formados preponderantemente por ruídos,
ou sons desagradáveis. Embora seja possível fazer uma lista de sons que agradem ou
desagradem a um determinado grupo de pessoas, dificilmente encontraríamos unanimidade,
pois, assim como o gosto musical, o gosto pela paisagem sonora também é variado. Muitas
das pesquisas realizadas sobre os efeitos dos ruídos em seres humanos não levam em conta o
fator subjetivo, ou seja, a percepção individualizada da fonte sonora, nem a paisagem sonora
como um todo, destacando somente alguns elementos, como o trânsito, tráfego aéreo e outros,
medidos quanto à sua intensidade, sem levar em consideração outros parâmetros sonoros,
como periodicidade, timbre, freqüência e duração. A intensidade do som é medida em
decibéis (dB), uma escala utilizada mundialmente, o que torna possível a padronização e
comparação de dados. Segundo Jourdain (1998, p. 68-69), zero decibel (0 dB) representa o
som mais fraco captado pelo ouvido, sendo que 10 dB representa um aumento de dez vezes
essa intensidade, 20 dB representa cem vezes esse aumento, 30 dB, mil vezes e assim
sucessivamente; o registro da escuta humana em relação à intensidade dos sons -que abrange
desde a primeira sensação de som até um som tão forte que passa a não ser mais audível
cuja amplitude compreende cerca de 150 dB, representa uma diferença no nível de energia
sonora na razão de um (os sons mais fracos) para um quadrilhão (os sons mais fortes
percebidos pelos nossos ouvidos). No entanto, os decibéis medem somente a pressão das
ondas sonoras, e não a interpretação que o cérebro a elas. Na prática, esse limiar superior
da audição não parece ser um quadrilhão de vezes mais intenso que o limiar inferior. Nosso
63
ouvido também é mais sensível às freqüências mais altas, que necessitam menos pressão para
serem percebidas e, assim, as freqüências mais baixas precisarão de uma pressão muito maior
para serem percebidas na mesma intensidade que uma freqüência mais alta. Deste modo, dois
sons com a mesma intensidade, mas com freqüências diferentes, serão percebidos de forma
diferente, sendo que o de freqüência mais alta parecerá ser mais intenso. Portanto, embora
saiba-se que a pressão do som é um dado importante para as pesquisas sobre a salubridade do
ambiente sonoro, sua simples mensuração e delimitação não garante que este seja saudável,
pois este é apenas um dos parâmetros possíveis de identificação dos problemas de um dado
ambiente.
Ainda assim, esses estudos, embora vislumbrem apenas parcialmente o problema, são
importantes para a formação de uma base de dados que permita a formulação de novas
hipóteses e o avanço das pesquisas. No entanto, a questão da percepção sonora também é
delicada, pois muitas vezes as pessoas não se dão conta de que um determinado ruído possa
causar problemas à sua saúde, especialmente alguns ruídos de fundo, como por exemplo, o
som emitido pelo reator de lâmpadas fluorescentes, o ar condicionado ou o sistema de
ventilação do computador. São ruídos de pouca intensidade, e muitas pessoas sequer
percebem sua presença, mas mesmo assim, a exposição repetida ou prolongada a esses ruídos
pode trazer conseqüências à saúde, como irritabilidade, fadiga, ou dificuldade de
concentração.
O mais traiçoeiro ocorre em níveis moderados de ruído, porque mansamente vão se instalando
estresse, distúrbios físicos, mentais e psicológicos, insônia e problemas auditivos. Muitos sinais
passam despercebidos do próprio paciente pela tolerância e aparente adaptação e são de
difícil reversão. Muitas pessoas ... não conseguem identificar o ruído como um dos principais
agentes agressores, ... ficando desorientados por não saber a causa de tal mal. (PIMENTEL-
SOUZA, s.d )
Os seres humanos conseguem perceber sons compreendidos entre 20Hz e 20000Hz, e,
segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), sons com intensidade acima de 50dB já
causam prejuízos à saúde. A perda auditiva é um dos principais problemas conhecidos
relacionados à exposição ao ruído, mas efeitos extra-auditivos também têm sido estudados.
Grande mero de pesquisas dedica-se à associação entre o ruído ocupacional e a incidência
de problemas cardiovasculares, entre eles, a hipertensão arterial.
Várias pesquisas experimentais demonstraram que exposição a níveis elevados de ruído por um
curto período de tempo pode desencadear respostas cardiovasculares semelhantes às que
ocorrem no estresse agudo, com aumento da pressão sangüínea, provavelmente mediado pelo
aumento da resistência vascular periférica (Andren et al., 1982; Harlan et al., 1981). Em
64
animais, se demonstrou que este aumento agudo da pressão sangüínea, ocorrendo
repetidamente, pode tornar-se uma alteração permanente devido à hipertrofia da musculatura
lisa dos vasos sangüíneos periféricos, levando à hipertensão arterial (Bevan, 1976). (SOUZA,
CARVALHO,FERNANDES, 2001).
Uma pesquisa com jovens saudáveis de 20 anos, portanto os menos suscetíveis a
apresentarem problemas de saúde, mostrou que, quando expostos a ruídos de fundo de até
70dB entremeados a 3% do tempo com picos de 85 dB no período diurno, e 50 dB no período
noturno, durante os 40 dias do experimento, desencadearam aumento médio de 25% no
colesterol e 68% no cortisol (CANTRELL, 1974 apud PIMENTEL-SOUZA, 1992). Lembre-
se que o cortisol tem sido relacionado, entre outros fatores, com o aumento do risco de aborto
espontâneo, além de outros problemas, tanto em relação à gestante quanto ao feto, como foi
citado anteriormente.
Os problemas cardiovasculares, em especial a hipertensão arterial, são de grande
preocupação durante a gestação, e, portanto, merecem atenção durante esse período. A
possibilidade de agravamento desses sintomas pelo ambiente sonoro em que a gestante
convive deve ser levada em conta, especialmente quando esta passa muitas horas em ambiente
ruidoso.
Um estudo de caso na Finlândia (NURMINEN, KURPPA, 1989) examinou a possível
relação entre a exposição ao ruído ocupacional e efeitos adversos sobre a gestação. Foram
consideradas para a pesquisa gestantes expostas a ruídos estimados de 80dB e acima, tomando
como base a descrição feita em registros de médicos sanitaristas industriais. Ameaça de
aborto não foi associada somente ao ruído, mas quando este estava associado a trabalho em
turno, o risco foi duplicado. Mulheres expostas ao ruído quando trabalhando em turnos
tiveram duplicado o risco de desenvolver hipertensão gestacional, além de terem a duração da
gestação mais curta, o que demonstra que o ambiente sonoro pode potencializar o risco de
situações desfavoráveis à gestação. Foram encontradas também indicações de uma relação
entre ruído e retardo no crescimento fetal, sem ligação com o trabalho em turno. Houve
também uma tendência ascendente significante na proporção desses resultados, de acordo
com a crescente intensidade de exposição . Um trabalho posterior de Nurminen (1995)
ressalta que além da possibilidade direta de efeitos negativos para o feto, os ruídos induzem à
reação de estresse na mãe, possivelmente causando distúrbios reprodutivos.
Neste depoimento temos um exemplo de como a gestante pode chegar a um grau
elevado de estresse ocasionado pelo ambiente sonoro:
Estou grávida de oito meses , e TODOS, mas sem exceção, TODOS os dias os cães do meu
vizinho latem dia e noite, o que me impede de dormir, de ver televisão em um volume mais
65
baixo, de falar ao telefone, enfim, de ter sossego em casa...
Precisaria saber se você tem algum material que fale a respeito das influências negativas que
esse tipo de sonoridade venha a causar em uma gestante, até mesmo para efeito de
apresentação em um processo judicial que estou pensando em abrir...
(...)
Desculpe se desvirtuei o foco da sua comunidade, mas não tenho encontrado nenhuma outra
solução, já que sou contra cometer qualquer tipo de violência com os animais, que com certeza
não têm culpa dos donos que os possuem... (ANEXO K)
É possível perceber neste depoimento que a gestante está profundamente incomodada
com os latidos dos cães, e também o sentimento de impotência gerado pela impossibilidade de
encontrar uma solução para seu caso. Infelizmente, a maior parte das pessoas não se conta
de que os sons ultrapassam as barreiras de limites territoriais, não ficando restritos ao espaço
em que ocupamos. Se escutamos música em volume alto em nosso carro, por exemplo, o som
não fica restrito a esse espaço, atingindo as pessoas que se encontram em um raio bem maior
que o limite físico deste. O mesmo ocorre com todos os sons que produzimos. Alguns irão
cobrir distâncias muito maiores do que imaginamos, atingindo um grande número de pessoas,
que nem sempre estão dispostas a ouvi-los. Como no caso dessa gestante, que não encontra
colaboração de seus vizinhos e não consegue se resguardar dos sons que tanto a incomodam, e
pede auxílio:
Não sei mesmo mais o que fazer, jamais faria algum mal aos animais, mas terrível aceitar o
fato de não poder desfrutar do meu direito de ficar em paz na minha casa (...)
Se você souber de algo que possa amenizar esses efeitos, sei lá, terapia, florais ou qualquer
coisa, me indique, por favor! (ANEXO K)
Trabalhar sob exposição a ruídos excessivos foi considerado como uma forma de risco
à gestação, segundo pesquisa realizada com dois grupos de gestantes, um deles exposto a altos
níveis de ruído, e um outro grupo de controle, sujeito a condições semelhantes de trabalho,
mas sem exposição ao ruído. Quando expostas a ruídos de 90 dB ou acima, as crianças
nascidas das gestantes do primeiro grupo apresentaram declínio no peso de nascimento, ou
baixo peso para a idade gestacional (HARTIKAINEN et al. 1994).
Na China, novecentas e setenta e oito mulheres foram recrutadas de uma indústria
têxtil , como grupo de observação, expostas a ruídos iguais ou superiores a 85 dB, enquanto
outro grupo (402 mulheres) foi formado para controle, com mulheres expostas a ruídos de no
máximo 75 dB. As trabalhadoras expostas ao ruído apresentaram significante aumento no
índice de incidência de dismenorréia, ciclo menstrual irregular, hipertensão na gravidez,
ameaça de aborto, aborto espontâneo, parto prematuro, distócia
11
e baixo peso nos recém
11
compreende o parto prolongado, ou aquele no qual lida-se com sintomas que fogem ao padrão considerado
normal, como sofrimento fetal, o ombro do bebê ficar preso, ou o parto deixar de progredir adequadamente.
66
nascidos. Quando os níveis de ruído aumentavam, aumentavam proporcionalmente os índices
de incidência das disfunções reprodutivas, demonstrando que uma relação entre a
intensidade dos sons e seus efeitos. O tempo de trabalho nesse tipo de ocupação sujeita a
ruídos elevados também foi um fator significante na incidência de hipertensão gestacional e
prematuridade. Em termos de prejuízo à saúde materno-infantil, a intensidade do ruído foi
considerada a que mais traz prejuízos, seguida pelo tempo de serviço, e por último, a idade da
mulher (ZHAN et al. 1991).
Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Saúde Materno Infantil da
Universidade de Medicina de Shangai examinou a associação entre a exposição a riscos
ocupacionais e seus efeitos sobre a gestação. Foram investigados dados recolhidos em 29
hospitais, com uma amostra de 1875 casos de morte perinatal e recém nascidos com defeitos
congênitos, sobre a exposição materna à radiação, químicos, ruídos e pesticidas. A exposição
ocupacional ao ruído foi associada a riscos aumentados de morte fetal. Foi descoberto
também um número maior do que o esperado de defeitos no sistema urogenital e outros
defeitos de nascimento entre mulheres expostas a ruído ocupacional durante o primeiro
trimestre de gestação (ZHANG, CAI, LEE, 1992).
Altos níveis de ruído podem causar também outros danos à saúde, interferindo no
desempenho de atividades diárias, no humor e na qualidade do sono. Aqui temos o
depoimento de uma gestante sobre outros sintomas causados pelos ruídos:
Gente, faz duas semanas que tenho fortes dores de cabeça quando ouço o som de um batuque
de tambor, que tem na frente da minha casa. Vem de uma escolinha e eles estavam treinando
para o dia dos pais... Adoro todos de lá, mas, infelizmente, tive que denunciar... Não agüentava
mais tanto sofrimento na minha cabeça! Liguei para o órgão responsável pelo tal fato, e meia
hora depois, havia acabado o som, que tanto me incomodava... Agora pasmem... O som baixou
e a cabeça nunca mais doeu... É possível? (ANEXO L)
Quando uma ligação clara entre os ruídos e o distúrbio causado por estes, é mais
fácil identificá-los e tomar uma atitude para melhorar o ambiente sonoro, quando possível. No
entanto, nem sempre as pessoas conseguem fazer a conexão entre a fonte sonora e os sintomas
causados por esta, especialmente se os ruídos forem de baixa intensidade, e também quando
estes não incomodavam antes da gestação, dificultando sua identificação. Daí a importância
do trabalho de percepção sonora, ou “limpeza de ouvidos”, a qual será tratada com mais
detalhes no próximo capítulo.
Segundo Pimentel (1992), esses distúrbios se dão através do estresse ou da
perturbação do ritmo biológico pela poluição sonora, tendo chegado a essa conclusão através
67
da revisão de vinte anos de literatura científica.
Em vígilia, o ruído de até 50 dB(A) (Leq) pode perturbar, mas é adaptável. A partir de 55
dB(A) provoca estresse leve, excitante, causando dependência e levando a durável desconforto.
O estresse degradativo do organismo começa a cerca de 65 dB(A) com desequilíbrio
bioquímico, aumentando o risco de infarte, derrame cerebral, infecções, osteoporose etc.
Provavelmente a 80 dB(A) libera morfinas biológicas no corpo, provocando prazer e
completando o quadro de dependência. Em torno de 100 dB(A) pode haver perda imediata da
audição. Por outro lado, o sono, a partir de 35 dB(A), vai ficando superficial, à 75 dB(A)
atinge uma perda de 70 % dos estágios profundos, restauradores orgânicos e cerebrais.
Os distúrbios de sono são uma das queixas mais freqüentes em relação à poluição
sonora, e têm sido bastante estudados. Um desses estudos tem colocação bastante interessante,
pois examina a influência da exposição ao ruído diurno na atividade do eletroencefalograma
(EEG) e no nível plasmático de hormônios hipofisários como cortisol e catecolaminas -os
quais exercem influência negativa durante a gestação- durante a vigília, e também os efeitos
na noite de sono subseqüente. Foram encontradas alterações, como a redução do sono REM
no EEG e ciclos de sono mais curtos, como conseqüência de nove horas de exposição a ruídos
na intensidade de 80dB durante o dia (FRUHSTORFER et al., 1990). Outra pesquisa avaliou,
tanto de forma objetiva - através de exames dos estágios do sono - quanto subjetiva - através
de questionários - a interferência de diferentes tipos de som na qualidade de sono, usando
gravações de sons do trânsito e de sapos coaxando. Chegaram à conclusão, em ambas as
formas de avaliação, que o ruído do trânsito afeta mais as qualidades do sono do que o ruído
dos sapos, sendo que estes últimos sons não alteraram significativamente a qualidade de sono
em nenhum dos parâmetros objetivos de avaliação (SASASAWA et al., 2002). Este tipo de
conclusão nos leva a crer que outras características, além da intensidade, podem ser de igual
importância na avaliação dos distúrbios causados pelos sons, como por exemplo, o timbre e a
freqüência, além da avaliação puramente subjetiva. Embora a intensidade sonora tenha sido
estudada com maior freqüência, outros parâmetros também devem ser levados em conta, pois
um ruído de curta duração terá efeito diferente de um de longa duração; parâmetros rítmicos
diferentes poderão exercer efeitos também diferentes sobre a saúde, assim como a altura dos
sons, pois ondas sonoras longas podem ser percebidas por distâncias maiores do que as ondas
curtas, além de terem uma duração maior; sons com timbres diferentes, mas com a mesma
altura, duração e intensidade, podem ter efeitos diferentes sobre as pessoas. Todos esses
parâmetros são igualmente mensuráveis e, mesmo assim, não se está levando, ainda, em conta
o fator subjetivo. Há muito campo para pesquisas sobre o ambiente sonoro, tanto quantitativas
quanto qualitativas, pois as variáveis e combinações podem ser bastante grandes, produzindo
68
padrões totalmente diferentes.
Outro exemplo de avaliação do som sob um parâmetro diferente foram os estudos em
laboratório realizados em câmaras de som, apoiados pelo estudo de campo realizado com
motoristas de caminhão, que deram suporte à teoria de que a fadiga e estados de alerta podem
ser influenciadas pelo som. O efeito da exaustão foi mais pronunciado durante a exposição a
ruídos de baixa freqüência, próximos da linha de audição, enquanto reações de estresse e
alerta foram registrados quando o nível de pressão sonora ou a freqüência eram maiores
(LANDSTRÖM, 1990).
Uma pesquisa bastante interessante foi desenvolvida em Genebra, Suíça, na qual o
objetivo era comparar o ruído percebido e o ruído quantificado através da medição científica
(dB), para fins de avaliação da valorização imobiliária. Para tanto, o ruído percebido foi
quantificado através do grau de distúrbio relatado, e transformado em uma escala em decibéis.
Foi concluído que para níveis de ruído de moderado a alto, as duas formas de medição
chegaram a resultados aproximados; para níveis baixos de ruído, foi notada uma alta
variabilidade na percepção subjetiva, segundo os autores, devido a diversos fatores, entre eles,
a sensibilidade individual, devido a diferenças pessoais e culturais, além da capacidade de
isolamento das próprias construções em questão (BARANZINI et al., 2006).
Os resultados a que essa pesquisa chegou, não são inesperados; quando existe uma
fonte sonora de alta intensidade, a atenção converge para ela, suplantando as demais. Quando
se têm ruídos de intensidade mais fraca, é possível percebê-los e julgá-los individualmente,
segundo padrões pessoais. No entanto, esse tipo de avaliação depende de um certo grau de
consciência do ambiente acústico, e muitas pessoas não conseguem percebê-lo
adequadamente sem que se chame sua atenção para determinados sons ou aspectos da
paisagem sonora. Foi esta a conclusão a que chegou uma pesquisa realizada em Curitiba, cujo
objetivo era verificar como os habitantes de uma certa região com índices de poluição sonora
intensa, percebem o ruído urbano e seus efeitos sobre o organismo.
Apesar dos níveis de pressão sonora ultrapassarem os limites estabelecidos legalmente,
observamos que num primeiro momento, os entrevistados não dão valor ao fator ruído.
Somente quando foram motivados para o tema é que reagiram ao mesmo, sendo capazes de
apontar as fontes e algumas conseqüências do som forte (OLIVEIRA, MOCELLIN, RIBAS,
2005).
muito ainda a ser pesquisado sobre os efeitos dos ruídos na saúde humana,
especialmente sobre a saúde da gestante. No entanto, é possível perceber relações estreitas
entre ruído e estresse, e entre estresse e problemas na gestação. Como as pesquisas, em sua
69
grande maioria, estão ligadas à intensidade do som, com grande atenção ao ruído ocupacional,
pouco se sabe a respeito do impacto dos outros parâmetros sonoros sobre a saúde, e sobre os
aspectos pessoais e subjetivos ligados à percepção sonora. De acordo com a pesquisa
realizada em Curitiba, é preciso trabalhar tanto para que haja uma valorização maior do
ambiente sonoro, quanto para melhorar sua percepção, pois somente através da percepção
adequada da paisagem sonora é possível redesenhá-la para que se torne mais agradável, e
menos nociva. Outro aspecto importante a ser destacado é o fato de que, mesmo níveis
relativamente moderados de ruídos, podem trazer prejuízos a longo prazo, sendo que muitas
vezes as pessoas não conseguem relacionar causa e efeito, e, portanto, se tornam indefesas a
seus efeitos nocivos. Mais uma vez, o trabalho de percepção sonora se torna necessário. O que
dizer, então, do período de gestação, em que os sentidos da mulher ficam mais sensíveis?
Hoje sabe-se que o que afeta a gestante, irá afetar, indiretamente, o feto, trazendo-lhe
conseqüências em sua vida futura, pois é o momento em que seus órgãos e cérebro, com todas
as suas conexões nervosas, estão em formação. Assim, torna-se crucial proporcionar-lhe um
ambiente seguro para que se desenvolva com saúde, e esse ambiente é o útero materno. O
bem-estar da gestante torna-se o bem-estar do feto; ambos estão intimamente ligados, e o
ambiente sonoro pode ser responsável tanto pelo desconforto e estresse, quanto por momentos
agradáveis de relaxamento e prazer. A melhor política, então, em se tratando de sons, é tê-los
como aliados; torna-se necessário limpar os ouvidos, e colocar mãos à obra.
2.5 Ambiente sonoro e bem-estar
Embora, até o momento, não tenham sido encontradas pesquisas específicas que
liguem o ambiente sonoro a mudanças na saúde durante a gestação, diante do que foi
apresentado neste e no capítulo anterior, é possível estabelecer uma relação clara entre
ambiente sonoro e estresse, e entre estresse e problemas de saúde, que podem dificultar ou
inviabilizar a gestação.
É possível também que a gestante fique mais sensível aos sons, tornando-a mais
vulnerável ao ambiente sonoro durante esse período. No entanto, até aqui, foi focalizado
somente o lado negativo do ambiente e os problemas que este possa acarretar, tanto para a
gestante quanto para o feto. É possível questionar-se nesse ponto, se o ambiente positivo seria
a exata contrapartida ao negativo, trazendo a possibilidade de neutralizar e prevenir seus
efeitos ou, ainda, alcançar benefícios capazes de melhorar o estado de saúde da gestante. É
70
difícil responder a essas perguntas, pois é necessário entender como se a escuta e sua
relação com os mecanismos de regulação corporal, a gênese das emoções, especialmente as
ligadas aos sons, e a liberação de químicas cerebrais, e todo um conjunto de fatores que
puderam ser observados após os avanços tecnológicos recentes, como, por exemplo, o uso da
tomografia por emissão de pósitrons (PET), que possibilitou a observação tanto das estruturas
do cérebro quanto da atividade das regiões cerebrais. A princípio, o foco das pesquisas sobre
os efeitos dos sons sobre a saúde limitou-se a seus aspectos negativos, porém, atualmente,
vários pesquisadores têm se dedicado aos aspectos positivos destes sobre a saúde, levando em
conta conhecimentos empíricos bastante antigos, que haviam sido subestimados ou
desconsiderados até então e tratados com ceticismo, por causa da dificuldade de mensurá-los
e dar-lhes provas científicas aceitáveis. No entanto, desde a antiguidade, os sons e a música
têm sido usados por diversas culturas como parte integrante dos processos de cura, seja para
amenizar a dor, seja para expulsar espíritos malignos, causadores das doenças e do sofrimento
(GFELLER, 2002, apud ROY et al., 2006).
Nos dias atuais, a música tem sido reintroduzida no cenário médico, tanto por seus
notáveis efeitos sobre as emoções e humor, podendo ser utilizada tanto como auxiliar em
tratamentos de distúrbios neurológicos, como Alzheimer e Parkinson, distúrbios
psiquiátricos, como esquizofrenia, depressão, ansiedade e autismo,quanto por seus efeitos
físicos, como alterações na respiração e batimentos cardíacos (BOSO et al, 2006), assim como
sobre a pressão arterial (ESCH et al. 2004) e o manejo da dor (ROY et al., 2006). Mas, se a
indicação terapêutica da música ainda sofre restrições quanto à sua aplicação, devido à falta
de pesquisas científicas que comprovem sua eficácia, o que dizer do ambiente sonoro como
um todo? Antes de entrar na questão do ambiente sonoro, é preciso definir o que é música, e o
que se entende por ambiente sonoro, e qual definição se adequa melhor ao propósito desta
pesquisa. Pode parecer simples, afinal, a música faz parte do dia-a-dia das pessoas, e
“ambiente sonoro” pode ter seu sentido compreendido pela somatória do significado das
palavras que o formam.
Apesar da familiaridade com o termo, definir o que é música requer um pouco de
reflexão. Segundo a definição utilizada por Esch et al. (2004, p. 10), música seria “... a
produção de alturas diferentes dentro de um esquema rítmico”. Muitas músicas não poderiam
ser classificadas como tais segundo esse conceito, por utilizarem-se de sons que não são
variados em sua altura ou que não podem ter sua altura definida, e, ainda, por não manterem
esquemas rítmicos claros. Essa definição, portanto, não engloba todos os tipos de música.
Outra definição que foi bastante utilizada, embora também suscite questionamentos, é a de
71
que música é a combinação de sons de forma a resultarem agradáveis aos ouvidos”. Na
prática, essa definição é ainda mais limitada do que a anterior, pois não existe consenso sobre
o que é “agradável”. A mesma combinação de sons pode ser agradável para uns, e
desagradável para outros, e essa sensação depende de muitas variáveis, como fatores culturais
e o histórico individual. Com a diversidade de sons e estilos musicais existentes no mundo,
dificilmente uma música ou estilo musical irá agradar a todos, e é possível imaginar se até
mesmo um único som seria capaz de conseguir tal proeza.
A resposta para uma definição mais condizente com a diversidade de estilos e
propostas musicais atuais, e que abrange igualmente a todas, vem do compositor americano
John Cage. Em 1952 ele compôs uma peça para piano inteiramente com pausas, sem nenhuma
nota escrita, chamada 4'33” (quatro minutos e trinta e três segundos), na qual o pianista
deveria subir ao palco e, pelo tempo determinado, sentar-se ao piano e “tocá-la”, portando-se
como se estivesse prestes a iniciar a performance de uma obra tradicional,porém,
permanecendo imóvel e concentrado no decorrer do tempo de pausa. Longe de ser uma peça
composta apenas por silêncio, ela é, na verdade, formada pelos sons ambientes do local onde
é executada, tornando-se única e diferente a cada vez, de acordo com a reação da platéia que,
assim, se torna também executora da música, de forma interativa. Essa participação do
público e a integração da música com o ambiente era o passo que faltava para abranger todos
os sons e situações numa única definição. Assim, segundo Cage, “música é som. O som que
nos rodeia, dentro e fora das salas de concerto” (apud FONTERRADA, 2004, p. 58). Sob esse
prisma, música é todo o som que podemos captar, o que pressupõe a interação humana com o
meio sonoro, recriando-o por meio da percepção e da reflexão, e modificando-o, mesmo
quando não essa intenção, simplesmente pela sua presença. A percepção do ambiente é
pessoal, pois depende do aparato auditivo e das experiências individuais, assim como as
contribuições a esse meio, mesmo que sutis, se mostram diferentes. Como concluiu o próprio
Cage (1961), após entrar em uma câmara anecóica totalmente à prova de som -, o silêncio
não existe. Nosso corpo produz sons o tempo todo - passagem do ar em seu caminho das
narinas aos pulmões, e seu retorno, produz sons; os batimentos cardíacos produzem sons -
porém, nem todos são perceptíveis quando estamos num ambiente ruidoso; Cage foi capaz de
ouvir a própria circulação sanguínea na câmara anecóica. Portanto,onde houver vida, não
silêncio, somente a quietude, jamais a ausência. Assim, estamos todo o tempo recebendo
influências do meio, e agindo sobre ele, mesmo que não conscientemente.
A partir dessa definição mais ampla de música, chegamos ao conceito de ambiente
sonoro, também chamado de paisagem sonora. Segundo Schafer (2001), esses ambientes
72
podem ser naturais ou construções abstratas, como a peça de Cage descrita anteriormente,
desde que considerados como ambiente, ou uma porção deste, vista como campo de estudo,
ou seja, é o conjunto de sons que compõe um determinado ambiente. O estudo dos efeitos do
ambiente sonoro, ou paisagem sonora, sejam físicos ou comportamentais, sobre os seres que
vivem nele, é chamado de ecologia acústica.
Para se ter o ambiente sonoro como aliado, é preciso torná-lo agradável e acolhedor,
pois, da mesma forma que o cérebro reage aos sons desagradáveis, desencadeando reações
físicas em resposta aos mesmos, as quais causam desequilíbrio e estresse,possivelmente
também seja capaz de reagir aos sons agradáveis, pela sensação de prazer, liberando
substâncias passíveis de causar bem-estar, como as endorfinas. Também chamadas de
“hormônios da felicidade”, as endorfinas, têm atuação semelhante aos opiáceos, como a
morfina, o ópio e a heroína,sendo estruturalmente semelhante a estes, porém, sem seus efeitos
negativos, uma vez que são produzidas pelo próprio corpo para lidar com situações como dor
e estresse, proporcionando analgesia e relaxamento. Elas também são liberadas quando o
corpo faz algum esforço extenuante, durante o trabalho de parto, o sexo, na prática de esportes
e em atividades prazerosas, incluindo-se ouvir música e relaxar no seu ambiente favorito. A
liberação de endorfinas pode funcionar como um antídoto à dor e ao estresse, a ansiedade, a
sensação de fadiga e a depressão. Elas atuam inibindo a transmissão da sensação de dor ao
cérebro e funcionando como analgésicos naturais, e estimulam os centros de prazer no
cérebro, ajudando a criar sensações de bem-estar; auxiliam no relaxamento, melhorando
também a pressão sanguínea e o sistema imunológico, pois, quando essas substâncias se
multiplicam no organismo, enviam mensagens ao cérebro e também aos linfócitos e outras
células responsáveis pelas respostas corporais aos vírus e bactérias invasores.
O corpo humano produz endorfinas sob muitas formas,algumas muito potentes, mas
sua vida é curta, sendo destruídas por enzimas produzidas pelo próprio corpo. Isto
provavelmente acontece para que o equilíbrio seja mantido, pois os sinais de alerta não devem
ser ocultados por uma constante sensação de bem-estar. Embora as endorfinas, a princípio,
aliviem as sensações causadas pelo estresse, para que haja força para combater suas causas,
essa situação não pode ser mantida indefinidamente. Se o estresse permanecer (ou qualquer
que seja a situação extrema a que o corpo seja levado), causará danos ao organismo, e
portanto, deve haver alguma ação contra suas causas. Assim, o corpo se encaminha para a
resolução dos problemas, e não somente para sua atenuação. Desta forma é possível ter uma
pista do porque a busca do prazer deve ser constante, enquanto os efeitos desagradáveis são
mais duradouros.
73
A música é conhecida como a linguagem do coração, e acredita-se que exerça grande
influência sobre o humor. Essa conexão com as emoções pode ser a chave para o
entendimento da sua influência sobre a saúde, e do porquê a música e os sons agradáveis
agirem beneficamente sobre o organismo. Muitas pesquisas ainda são necessárias nesse
campo, mas algumas delas nos dão uma idéia sobre o futuro do uso dos sons como meio
seguro de alcançar certas emoções para que sejam estudadas e para que se saiba mais sobre
seus efeitos sobre as áreas cerebrais responsáveis por regular do metabolismo. Segundo
Panksepp e Bernatzky (2002), não a música é capaz de dar voz aos nossos sentimentos
como proporciona um meio único e ético estudar como as emoções se processam no cérebro
humano.
Ainda que as vibrações sonoras possam ser percebidas por todo o corpo, o som é
captado principalmente pela orelha externa, lançando-os na membrana timpânica, na orelha
média, onde a energia sonora será transformada em energia mecânica, amplificada pelos
ossículos, e será transmitida para a orelha interna, onde será transformada em impulsos
eletroquímicos. O nervo auditivo então carrega esses impulsos ao tálamo auditivo, e
finalmente ao córtex auditivo. evidências de que a música ative várias áreas do sistema
límbico
12
, como a amígdala e o giro do cíngulo (MENON, LEVITIN, 2005 apud BOSO 2006;
KOELSCH et al.2006 apud BOSO et al 2006), áreas envolvidas com o processo emocional no
cérebro. Não somente as áreas subcorticais, mas também o córtex pode mediar os processos
emocionais provocados por estímulos musicais (LIMB 2006 apud BOSO 2006).
Com o auxílio de técnicas de neuroimagem foi possível detectar algumas
particularidades cerebrais, como, por exemplo, a diferenciação das áreas ativadas em relação à
música agradável e à música desagradável. Durante a audição de música considerada
agradável o lobo frontal foi ativado, assim como partes do sistema mbico, como o giro do
cíngulo ( ALTENMULLER, 2001 apud ESCH 2004). Por outro lado, músicas consideradas
desagradáveis ativaram áreas relacionadas ao medo e à ansiedade (ALTENMULLER 2002,
apud ESCH 2004; SALAMON et al. Apud ESCH 2004). Para investigar como música
agradável e desagradável pode ser usada para provocar determinadas emoções, foi conduzido
um estudo (KOELSCH et al. 2005, apud BOSO 2006) usando ressonância magnética
funcional para estabelecer a correlação entre os processos neurológicos da emoção em
resposta a estímulos musicais. Mais uma vez, as áreas cerebrais estimuladas pelas músicas
desagradáveis corresponderam às ligadas às emoções negativas, e as áreas estimuladas pelas
12
O sistema límbico é composto por um grupo de estruturas – hipotálamo, tálamo, amígdala, hipocampo, os
corpos mamilares e o giro do cíngulo - cuja função está relacionada com as respostas emocionais, assim
como com a aprendizagem e a memória.
74
pelas músicas agradáveis corresponderam às ligadas às emoções positivas.
A dopamina e sistemas opióides, assim como outros neurotransmissores, também
tomam parte como mediadores nos processos de recompensa envolvidos na sensação de bem-
estar provocados pelos estímulos musicais no cérebro. Estímulos musicais também se
mostraram capazes de induzir a liberação de endorfinas e endocanabinóides na corrente
sanguínea. (BLOOD, ZATORRE, 2001). Nessa pesquisa, Blood e Zatorre chegaram a
conclusões bastante relevantes para a ecologia acústica, especialmente para esta pesquisa,
como o fato de que estímulos musicais podem ativar importantes sistemas neurológicos de
recompensa e emoções similares às conhecidas como resposta a estímulos biológicos
relevantes, como comida e sexo, e as provocadas artificialmente por meio do uso de drogas.
Isso é particularmente importante porque música não é reconhecida como algo necessário à
sobrevivência ou à reprodução, e também não é uma substância química.
O uso da música como atenuante da dor também foi estudado (ROY et al.2006), e o
argumento de que esta seria apenas um fator de distração à dor foi totalmente descartado.
Foram usados três trechos de cinco minutos cada de música considerada agradável, e o
mesmo tempo de músicas consideradas desagradáveis, escolhidas entre 30 trechos pré-
selecionados e submetidos à avaliação de 20 participantes independentes, e com o mesmo
nível de estímulo; a dor foi provocada por estimulação térmica e seu nível relatado foi
comparado após cada trecho de música agradável, desagradável, ou silêncio. Todas as
condições foram controladas para garantir segurança nos resultados. A sensação da dor foi
menor quando foi ouvido o trecho com músicas agradáveis, em comparação ao silêncio e às
músicas desagradáveis, o que leva à conclusão de que não é a distração, mas sim o fator
emocional relacionado à música o responsável pela diminuição da sensação da dor.
A música também pode produzir outros efeitos, como induzir a produção e liberação
de óxido nítrico, o qual é conhecido por sua função imunomodulatória, antiviral e
antibacteriana, assim, seria possível especular sua ação como protetor do organismo contra
infecções (SALAMON et al. 2003 apud BOSO 2006). Também pode atuar induzindo
vasodilatação e diminuição da pressão arterial (RAMCHANDRA et al.2005 apud BOSO
2006).
Em todas essas pesquisas, a música é vista como um evento isolado, e não dentro do
conceito mais amplo empregado neste trabalho. Mesmo utilizando um conceito mais restrito
nas pesquisas, grande dificuldade em conseguir medir esses resultados, pois a reação
causada pelos sons é individual e subjetiva, e depende de fatores como estado emocional,
diferenças culturais e gosto pessoal, podendo afetar os resultados fisiológicos. Apesar das
75
dificuldades em conseguir os resultados esperados em situação controlada, é possível perceber
que os efeitos comprovados até agora podem ser bastante interessantes durante a gestação,
pois muitos medicamentos não são compatíveis com essa condição, e a possibilidade de ter
uma opção não farmacológica para lidar com a dor e com as variações na pressão arterial,
assim como auxiliar o sistema circulatório, e que ajude a diminuir o estresse e promover o
relaxamento será sempre bem-vinda.
Diante desses resultados, e levando-se em conta também os aspectos negativos do
ambiente sonoro, é possível perceber que o ser humano é bastante afetado pelos sons, e que a
gestante, por estar mais sensível a eles, também pode ser afetada de forma mais intensa, o que
trará conseqüências, boas ou ruins, também para o feto.
Uma ação plausível em direção à melhoria da qualidade de vida da gestante seria
intensificar a incidência de sons agradáveis e diminuir a de sons desagradáveis. Para tanto, é
preciso que a gestante tenha consciência dos sons que a cercam, e a percepção de quais lhe
fazem bem e quais não. Porém, antes de abordar esse assunto, é preciso lembrar que a
gestante não vive em uma bolha protegida, onde cria e dispõe dos sons da maneira que lhe
aprouver. Ela tem vida social, convive em família, tem vizinhos, trabalha, se locomove e
interage com muitas pessoas e, talvez, em vários ambientes diferentes, diariamente.
Por suas características, o som não fica contido dentro de um curto espaço ao redor da
fonte sonora, mas se propaga em ondas, o que faz com que determinados sons sejam
percebidos a grandes distâncias, e captados por muitos ouvidos. Portanto, para que se possa
pensar em um ambiente sonoro mais saudável, é preciso que haja a colaboração de todas as
pessoas que fazem parte desse ambiente, e que se entenda e respeite a condição de maior
sensibilidade auditiva da gestante. Isso demanda um esforço coletivo, que é justificado
quando a gestante ocupa um lugar importante dentro da sociedade, e quando se tem
conhecimento dos efeitos que o ambiente sonoro possa ter sobre sua saúde.
Desta forma, no próximo capítulo, além de tratar da importância da percepção
adequada e da composição do ambiente sonoro propriamente dito, é importante que se fale
também do lugar que a gestante ocupa na sociedade. Por meio da história da obstetrícia é
possível conhecer um pouco da forma como a gestante tem sido tratada dentro do contexto
social ocidental nos últimos séculos, e entender como toma suas decisões a respeito de sua
saúde durante esse período, como a sociedade a e a maneira como suporte às suas
necessidades.
CAPÍTULO 3
_______________________________________________
A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE SONORO
_______________________________________________
Nos últimos anos temos vivido uma crescente tomada de consciência a respeito do
meio ambiente. Muitas pessoas tentam reduzir a produção de lixo e reciclar a maior
quantidade possível dele; estão mais atentas às causas do efeito estufa, que, segundo dizem os
cientistas, se não for contido, irá causar sérios danos à vida; estão mais conscientes dos efeitos
da poluição do ar e das águas, e do desmatamento. Levou muito tempo até a humanidade
perceber que todos os seus atos sobre este planeta geram conseqüências, e que a falta de
planejamento, aliada a atitudes levianas em relação ao meio podem ser catastróficas,
prejudicando a sobrevivência das espécies, inclusive a humana. Muitas dessas conseqüências
são bastante visíveis, outras requerem algum estudo para que se perceba sua gravidade.
Dentre os aspectos mais relegados na busca de melhor qualidade de vida está o
ambiente sonoro. Seja porque diante da profusão de sons que nos cercam, especialmente nos
ambientes urbanos, nos tornamos surdos a eles, seja porque faltam incentivos e uma política
clara de educação sonora, o fato é que grande parte das pessoas não tem consciência dos
males a que estão expostas quando vivem em ambientes ruidosos, e nem dos benefícios que
possam usufruir de um ambiente sonoro saudável.
Dentro deste panorama, que não é favorável a ninguém, a gestante está duplamente em
desvantagem: pela possibilidade de estar mais sensível aos sons e pela ignorância de que o
ambiente sonoro possa causar danos e ganhos - específicos durante o período de gestação.
Muitas pessoas se abstêm de fumar perto de gestantes, porque é amplamente conhecido que a
fumaça do cigarro é mais prejudicial nesse período, porque pode causar danos ao feto. No
entanto, parece estranho que alguém deixe de produzir determinados sons em respeito à
sensibilidade e ao desagrado da gestante. Para que essa atitude seja tomada, é preciso que haja
mais investimentos em pesquisas que possam dar credibilidade a esse fato, além de ampla
divulgação e programas de educação sonora que demonstrem a importância de se construir
um ambiente saudável para todos e, em especial, para a gestante.
Isso toca em outro ponto que deve ser considerado: a posição que a gestante ocupa na
sociedade e seu grau de importância, pois isso irá determinar a forma como será tratada e o
respeito a atitudes que possam beneficiá-la. Por meio da história da obstetrícia, como veremos
a seguir, é possível perceber a relação existente entre sua importância social e o modelo atual
de cuidados à gestação. É preciso que as gestantes tenham voz ativa e seus direitos garantidos
para que possam atuar livremente no meio ambiente a gestação deve ser um período de
tranqüilidade, e não de luta e estresse.
Assim, o trabalho de composição do meio sonoro, para os fins desta pesquisa, pode ser
78
concebido em duas frentes: o trabalho específico com as gestantes, e a conscientização da
comunidade como um todo - que se torna bastante necessária devido às características do
som, como a dificuldade em mantê-lo restrito a um determinado espaço, e à própria
constituição das orelhas, abertas ao som ambiental - para benefício tanto coletivo quanto das
gestantes, uma vez que os ambientes sonoros são, basicamente, coletivos.. Ambas partem do
mesmo princípio: aprender a escutar atentamente os sons, por meio de exercícios de
percepção do ambiente sonoro, que é parte crucial do trabalho, pois muitas vezes deixamos de
notar adequadamente os sons, permitindo que participem de nossa vida e afetem nossos
corpos sem censura. Torna-se necessário tomar consciência do ambiente sonoro, fazendo o
que Schafer (1991) chamou de “limpeza de ouvidos”, que consiste em um programa
concebido para auxiliar em sua percepção , possibilitando uma escuta mais consciente dos
sons, mesmo os mais sutis e suas particularidades.
A maior parte dos sons é captada por meio do aparelho auditivo, mas a escuta não é a
única maneira de percebê-los. Existem freqüências sonoras que estão além ou aquém da
capacidade humana de escutá-las, ou, então, estão próximas do limiar da audição; porém os
sons se propagam em ondas, que podem ser percebidas por todo o corpo, causando sensações
nem sempre agradáveis. Os que se situam acima da capacidade humana de escuta são sons
extremamente agudos, chamados ultrassons, como os que são usados pelos morcegos em seu
sistema de sonar, ou os sons usados nos exames de imagem que, comumente, chamamos de
“ultrassonografia”; também os infrassons, que abrangem a gama situada abaixo do limite
de audição humana, e também os chamados “sons de baixa freqüência, que atingem tanto a
faixa de freqüências mais graves, próximas ao limiar inferior quanto os infrassons. São sons
do tipo que fazem tremer as janelas quando passa um caminhão na rua próxima, ou os obtidos
por muitas pessoas por meio de subwoofers em seus aparelhos de som, que servem para
reforçar os sons mais graves, e que podem ser sentidos pela sensação das vibrações que
provocam. É preciso conhecer seus sinais para que possamos entender como podem nos
afetar, e então, decidir se esses sons devem permanecer no ambiente ou não.
É claro que limites para a intervenção no ambiente. sons que não podem ser
eliminados facilmente, porque não temos, ou temos pouco controle sobre eles; mas sons
que produzimos o tempo todo, e que, somados, fazem muita diferença no ambiente. Estes são
os sons que podemos decidir se queremos ou não perto de nós. Por outro lado, talvez seja
mais fácil acrescentar sons ao ambiente do que retirá-los. Da mesma forma que cuidamos de
nossa higiene pessoal, que nos arrumamos da forma que esteticamente nos seja conveniente, e
que fazemos o mesmo com os lugares onde habitamos, cuidando e arrumando para que a
79
permanência neles seja agradável, assim também deveríamos proceder em relação aos sons:
fazer a higiene sonora dos ambientes que freqüentamos, e, depois, acrescentar-lhes alguns
toques pessoais, que os tornem saudáveis e aconchegantes. No entanto, diferentemente do que
acontece quando limpamos ou decoramos algum espaço, os sons dificilmente ficam
confinados a ele, a não ser que haja algum tipo de tratamento acústico nesses ambientes,
utilizando materiais isolantes à semelhança dos estúdios de gravadoras e outros locais que,
necessariamente, devam impedir que o som escape, como, por exemplo, boates e casas
noturnas. Da mesma forma, sons de fora também conseguem nos alcançar, compondo esse
espaço. Assim, torna-se necessário que o maior mero de pessoas possível tome parte da
reorganização sonora, tomando conta de seu próprio espaço sonoro sem deixar de respeitar o
coletivo. Conhecer-se e interagir de forma saudável com o meio traz benefícios a todos, e
uma boa maneira de atingir esse objetivo é por meio da educação ambiental, que deveria
abranger, também, a educação sonora, responsável por uma parte importante do equilíbrio
ecológico.
Dentro desse contexto, as gestantes merecem grande atenção, pois as pesquisas
levantadas no decorrer deste estudo sugerem que o ambiente sonoro possa ter uma
importância maior do que se supunha anteriormente, tanto para a manutenção da sua saúde,
quanto para a do feto e, conforme o que foi discutido no capítulo 2, fortes indícios de que
as experiências intra-uterinas tenham forte influência tanto sobre o desenvolvimento
psicológico quanto físico do bebê, imprimindo nele informações que se manifestam de forma
não consciente nas suas reações ao meio e nos seus padrões comportamentais, assim como na
sua saúde, de um modo geral. As impressões que o feto registra do mundo são obtidas
basicamente de duas fontes: as emoções da gestante, que são percebidas e decodificadas, e o
que consegue captar do mundo por meio dos sons que ultrapassam a barreira placentária, entre
os quais se destacam, principalmente, os sons emitidos pela própria gestante, dos sons
corporais à própria voz. Junto com estes sons, o feto recebe a reação emocional da gestante,
percebida tanto por meio químico, quanto pela decodificação de padrões corporais, como
aumento e diminuição do ritmo cardíaco e da circulação, formando padrões de resposta que
serão usados por ele, posteriormente, durante sua vida. Coincidentemente ou não, a audição
amadurece no mesmo período em que começam a se formar suas memórias, e os sons podem
ser o elo inicial da corrente de reações e interação com o meio. Assim, torna-se necessário
entender o máximo possível como a gestante convive e se insere no meio social, e como este a
recebe; o que é positivo e o que não é nessa relação; o que se baseia em crenças arcaicas e o
80
que por trás de comportamentos mantidos até hoje em relação à gestante. A observação de
fatos atuais e um olhar sobre a história da obstetrícia nos dão a pista sobre o porquê de certos
comportamentos tidos como “naturais”, que se encontram tão arraigados que, praticamente,
não se pensa sobre suas origens e os significados intrínsecos que possam ter.
3.1 O complexo de mala
Sob o heterônimo Alberto Caeiro, Fernando Pessoa escreveu o poema “O Guardador
de Rebanhos” (Pessoa, 1980, pg 142), onde fala de um sonho no qual Jesus teria se tornado
outra vez criança e descido à terra, pois “no céu era tudo falso, tudo em desacordo”, e que
sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher, era uma mala em que ele tinha vindo
do céu”. Idéia semelhante foi ouvida de uma gestante que disse que seu sogro a chamava de
“porta-neto”. Apesar do tom jocoso e provocativo, cabe uma reflexão acerca do assunto:
quase um século separa as duas situações. O poema de Pessoa foi escrito entre 1911-1912, e a
brincadeira entre sogro e nora ocorreu em 2006. No entanto, trazem embutida a mesma idéia,
da gestante como um invólucro, cuja função naquele momento se resume única e
exclusivamente a servir de albergue ao novo ser. No poema, Jesus não foi gerado, sua mãe era
somente o meio para que ele descesse do céu, ou seja, a já citada mala. Na situação atual, cabe
à gestante a função de “porta-bebê”, como se este fosse uma entidade a parte, e o seu
desenvolvimento não dependesse da saúde e do bem-estar físico e emocional da mãe. Ainda a
mala.
Historicamente, é possível constatar que a referência à mulher como porta-bebê, é
muito mais antiga, e tem raízes e implicações bem mais profundas, ligadas ao papel da própria
mulher na sociedade.
No Egito Antigo, as mulheres gozavam de posição bastante privilegiada em relação às
suas contemporâneas, podendo exercer as mais diversas profissões, possuir propriedades,
morar sozinhas; eram independentes em todos os aspectos, e os cuidados médicos que se tinha
com as mulheres refletiam essa condição. Eram conhecidas algumas práticas, que iam desde
formas de contracepção, até tratamento de doenças, demonstrando conhecimento empírico
sobre o corpo e as enfermidades da mulher.
Uma das rainhas egípcias mais famosas foi Hatchepsut, que reinou de 1503 a 1482
a.C. Ela teria impulsionado o papel das mulheres na arte de curar e seu reinado
81
coincide com a idade áurea da cultura egípcia. A ela são atribuídas a fundação de três
escolas médicas e o desenvolvimento dos jardins botânicos e de ervas medicinais,
assim como o estudo e a divulgação do uso dessas plantas (Brooke, 1995:9. Apud
DINIZ, 1997, cap 2)
De maneira geral, os conhecimentos médicos relativos à saúde da mulher na
Antiguidade eram bastante sofisticados, sendo deixados a cargo das próprias mulheres, fosse
por motivos religiosos ou porque estas eram detentoras do conhecimento relacionado à sua
própria saúde, e, em especial, ao parto.
Na Grécia, as gestantes eram tratadas pelas maieutas, que eram, em geral, mulheres na
menopausa e que tivessem tido filhos, por possuírem experiência, e estas as orientavam
sobre como se alimentar, fazer exercícios e evitar álcool e sal. (DINIZ, 1997, cap. 2).
Utilizavam exercícios respiratórios para aliviar a dor, usavam drogas para acelerar o parto,
faziam massagens vaginais e sabiam como fazer a versão interna para que o bebê estivesse
sempre em posição por ocasião do parto. Somente quando havia algum tipo de complicação
no parto, eram chamados os físicos, homens, para que realizassem a embriotomia. As
maieutas também eram encarregadas da contracepção, do aborto, que era legal e somente
praticado por estas, e também do destino das crianças nascidas, avaliando se era aconselhável
criá-las ou abandoná-las.
Naquela época, as mulheres exerciam atividades valorizadas, como a medicina, a
música e os esportes, e recebiam tratamento de acordo com seu status, e em especial, as
gestantes:
As mulheres gestantes eram tratadas com vários privilégios, e em Atenas, "a casa da mulher
grávida era considerado um asilo inviolável, um santuário sagrado, onde até o criminoso
encontrava refúgio seguro". Em Esparta, a grávida deveria ser poupada de presenciar situações
violentas, devendo estar ocupada com o que lhe causasse boa impressão (Barbaut, 1990:115.
Apud DINIZ, 1997, cap. 2).
É curioso perceber como essa preocupação em poupar a mulher do estresse, deixando
que se ocupasse com coisas agradáveis, que por bastante tempo foi considerada como mera
superstição, vem ao encontro de estudos recentes, que ligam o estresse materno a várias
enfermidades, podendo ser uma das causas do aborto, como comentado no capítulo anterior,
82
e, em particular, a este estudo, que inclui o estresse sonoro nesta questão, e a construção
consciente da paisagem sonora, com base nas sensações prazerosas individuais, como uma
maneira de evitá-lo.
Em Roma, a situação das mulheres era semelhante à da Grécia, tendo elas direito a
exercer uma profissão e a se instruírem, gozando de bastante liberdade; as práticas do aborto e
a contracepção estavam bem desenvolvidas. Devido a isto, havia, inclusive, incentivo à
procriação, e as gestantes gozavam de vários privilégios:
suspendiam-se grinaldas ou coroas de louro que evitavam qualquer visita incômoda, ficando
sua casa interdita aos próprios oficiais de justiça e outros credores". As grávidas tinham
prioridade nos locais públicos em relação aos cidadãos mais honrados, e não eram obrigadas a
afastar-se quando passavam os magistrados, ao contrário do que cabia fazer a todos. (Barbaut,
1990:115. Apud DINIZ, 1997, cap 2).
À medida que o Império Romano passou a adotar o cristianismo como única religião,
a assistência ao parto e assuntos como a sexualidade e a fertilidade, anteriormente, ligados aos
deuses pagãos, começaram a entrar em choque com a nova religião, e, a partir do ano 382, “a
igreja declarou oficialmente que qualquer oposição à sua própria crença em favor de outras
deveria ser punida com a pena de morte” (Walker, 1991:208-212. Apud DINIZ, 1997 cap. 2).
A partir de então, houve uma mudança tanto na posição ocupada pelas mulheres na sociedade
quanto um grande retrocesso nos cuidados médicos dedicados a esta.
O advento do cristianismo implicou não somente uma crescente intolerância aos cultos pagãos
como também a todas as formas de conhecimento associado ao paganismo. Ao final doculo
V, os cristãos aboliram o estudo da medicina, da astronomia, da matemática e da geografia,
promoveram uma extensa destruição de bibliotecas e escolas, e se opuseram à educação dos
leigos. O papa Gregório, o Grande, proibiu os cristãos leigos até mesmo de lerem a Bíblia e
denunciou toda educação secular como insensata e perversa. Ele mandou queimar bibliotecas
para evitar que o conhecimento secular desviasse os fiéis da contemplação de Deus (Walker,
1984:208. Apud DINIZ, 1997, cap.2 ).
Para que este assunto possa ser melhor compreendido, é preciso analisar as duas
figuras femininas mais importantes do cristianismo: Eva e Maria. Eva, embora seja a mãe
primordial, o início da humanidade, es ligada à idéia da transgressão, da expulsão do
paraíso, e do castigo à humanidade em decorrência do pecado original, sendo, nesses termos,
a responsável pelo sofrimento na gestação e no parto, que passa a ser visto como condição não
83
só justificável, mas até necessária e justa.
E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores
darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. (Gênesis 3:16)
Maria cumpre o papel oposto, como a mulher que concebeu sem pecado, a mãe virgem
e pura, símbolo da obediência e da castidade; nesse contexto, a maternidade é dissociada da
sexualidade, e a gestante traz ,em seu ventre, a possibilidade da redenção.
Se as mulheres, anteriormente, gozavam de liberdade e autoridade sobre si mesmas,
em maior ou menor grau, de acordo com o período histórico e a cultura, após o advento do
cristianismo passaram a ter sua liberdade cerceada e a ser consideradas moralmente inferiores,
culpadas pelo pecado original, ligado à reprodução e à sexualidade. Embora o homem
também tenha pecado, foi absolvido de tal culpa, por ter sido induzido pela mulher a pecar.
Assim, a mulher passou a ser responsabilizada, não só pelo pecado original, mas por
transmiti-lo à descendência, por sua sexualidade, pela reprodução, tornando a todos pecadores
desde o nascimento.
...o advento da misoginia cristã vem superpor a essa variabilidade a instituição teológica da
inferioridade moral e da culpa essencial das mulheres, associada à noção de pecado original
como marca da sexualidade e da reprodução. Essa marca, sobretudo no que diz respeito à
autoridade das mulheres sobre as esferas sexual e reprodutiva está presente até hoje, de
maneira surpreendentemente atual. (DINIZ, 1997, cap 2)
Com o avanço do cristianismo e a perseguição aos cultos pagãos, por meio de extensa
repressão, as mulheres foram se tornando cada vez mais alvo dessa perseguição, em especial,
as parteiras, verdadeiramente odiadas por sua ligação com esses cultos, cuja oposição aos
valores cristãos era aparente, valorizando a sexualidade e o controle sobre o próprio destino,
especialmente em relação às mulheres, pela prática da contracepção, do aborto, do uso de
afrodisíacos e de remédios, incluindo-se os de alívio às dores do parto e técnicas de auxílio a
este, que eram agora proibidos.
A desvalorização da mulher chegou ao ápice no século XIII, com os teólogos
escolásticos, que, baseados em Aristóteles, definiam a mulher como um erro da natureza, um
homem mal formado, pois postulavam que todo ser, a princípio, fosse homem; se houvesse
algum problema ou erro durante o processo de formação, este teria, como resultado, a mulher.
Acreditavam também que a mulher em nada contribuía no processo de geração, sendo apenas
84
um vaso para a deposição do sêmen. Este seria, em essência, completo, pois traria em si "uma
pessoa inteira ou, mais precisamente, um homem inteiro, já que uma mulher ganha
existência por alguma falha no processo de desenvolvimento" (Ranke-Heinemann, 1996:228.
Apud DINIZ, 1997, cap.3).
Chegamos assim, ao conceito puro e simples da mulher como “mala”, ou à função
única e exclusiva de invólucro, culpada de todos os erros e destituída de qualquer tipo de
honra ou mérito. Se o sêmen contém uma pessoa inteira, a contracepção passa à condição de
crime, passível de punição com a morte, assim como o aborto, e, em conseqüência, muitas
mulheres foram condenadas à fogueira. Na condição de detentora da culpa pelo pecado
original, e condenada a sofrer durante a gestação e a conceber com dores, a assistência à
mulher gestante, em especial na hora do parto, deveria assegurar o cumprimento de tal
sentença. E, desta forma, as parteiras, detentoras do conhecimento para evitar a concepção e
aliviar essas dores, foram cada vez mais perseguidas, acusadas de bruxaria.
Mas em nenhum outro lugar a misoginia da Igreja é mais pronunciada e clara do que num texto
medieval de 1486 escrito por dois frades dominicanos, Heinrich Kramer e Jacob Sprenger,
chamado Malleus Maleficarum, ou O Martelo das Feiticeiras. Sua publicação foi
acompanhada pela bula papal do Papa Inocêncio VIII, que deu ao documento a bênção da
Igreja e de sua maior autoridade.” (CABOT e MILLS, 2000, p. 48)
Nessa obra, Kramer e Sprenger colocam a mulher como a própria encarnação do mal,
capazes de todas as abominações imagináveis, enganadoras e cruéis. A capacidade de curar,
quando praticada por mulheres, é tida como arte da bruxaria e por obra do demônio. Seus
argumentos rebuscados tentam justificar, em meio a citações bíblicas e de teólogos que os
precederam, a legitimidade do poder masculino e sua autoridade sobre a mulher, que não é
inferiorizada como, ainda, descrita como um animal imperfeito e enganador. Nesse contexto,
as parteiras eram tidas como as “que superam todas as demais em perversidade" (Kramer e
Sprenger,1991:112. Apud DINIZ, 1997, cap. 3), imputando a elas quatro tipos de crime: 1)
impossibilitar de praticar o ato carnal, o que é conseguido mediante diversos recursos,
principalmente provocando o desaparecimento do pênis dos homens ; 2) impossibilitar a
concepção ou abortar após ter concebido; 3) tendo malogrado a tentativa de aborto, devorar a
criança; e 4) oferecê-la ao diabo. (DINIZ, 1997, cap. 3).
Apesar desses argumentos parecerem ilógicos hoje em dia, as idéias gerais do Malleus
Maleficarum encontram ecos ainda hoje, e podem ser identificados inclusive em manchetes de
85
jornais em diversas partes do mundo, em questões que dizem respeito aos direitos das
mulheres e, especialmente, no que diz respeito à sua saúde reprodutiva e sexualidade.
De acordo com um jornal britânico, num tribunal inglês um homem foi recentemente multado
em mil libras por ter jogado lixo na rua. Em outro tribunal, no mesmo prédio, outro homem
recebeu multa de quinhentas libras por violentar uma mulher. Em outubro de 1996, o resultado
de uma pesquisa foi entregue aos meios de comunicação declarando que as mulheres que
haviam feito aborto tinham uma possibilidade 33% maior de contrair câncer de mama. A
chamada “coleta de dados” para a pesquisa foi organizada e patrocinada por organizações
antiaborto e pelo direito à vida. ... Em toda a América Latina a “defesa da honra” continua a
ser uma defesa legal válida para homens que espancam, mutilam ou assassinam suas
mulheres ou amantes. ... As conclusões sobre mulheres no Malleus estão longe de ser
consideradas ultrapassadas, pois a verdade é que as mulheres ainda lutam contra os
sentimentos opressivos expressos no longínquo ano de 1486. (CABOT e MILLS, 2000, p. 50)
A mulher, pecadora e causadora de todos os males e merecedora da punição divina,
passa, no século XIX, com o Iluminismo, a ser inferiorizada também devido à sua
constituição, pois era preciso justificar cientificamente essa condição. Ao invés de ser
considerada um erro no processo de desenvolvimento, passa a ser vista como naturalmente
inferior desde o princípio, tendo sido talhada unicamente para a maternidade, frágil e pouco
dotada intelectualmente, incapaz de assumir qualquer outro papel.
Os ossos do crânio das mulheres seriam reduzidos demais em proporção, comparáveis aos do
crânio dos varões das raças inferiores, atestando sua desqualificação para a atividade
intelectual. Seus ossos da pélvis, mais largos e próprios para a maternidade, também não
deixavam dúvidas quanto ao seu lugar natural na sociedade. Esse papel social era ainda
comprovado pelas diferenças nos nervos femininos; a mulher era constitucionalmente mais
sensível, mais sugestionável, mais frágil, moralmente instável e, sobretudo, mais irracional,
portanto, desqualificada para ocupar um lugar na vida pública: sua constituição natural a
qualificava, de maneira inequívoca, apenas para as atividades domésticas e a reprodução
(Costa, 1996; Laqueur, 1990. Apud DINIZ, 1997 cap. 4).
Ainda no século XIX, o processo de fecundação é dissociado do prazer sexual, pois
até então, acreditava-se que este fosse necessário à procriação. A partir de então, alguns
médicos passaram a acreditar que o orgasmo feminino pudesse atrapalhar o processo de
fecundação, pois a mulher passiva poderia reter melhor o esperma. Assim se delineou uma
outra forma de repressão à sua sexualidade, pois, para a procriação, somente o orgasmo
86
masculino era necessário.
Assim, não a mulher é confinada em casa, e sua função reduzida à procriação e
criação dos filhos, como também seu prazer sexual perde a função e passa a ser evitado. O ato
sexual feminino passa a ser restrito à procriação, sendo contra-indicado em qualquer outra
ocasião, em especial, durante a gravidez e a amamentação, mitos que ainda hoje encontram
repercussão e geram dúvida entre as gestantes.
Começa a haver interesse científico sobre o corpo feminino, especialmente os órgãos
reprodutores, não mais tidos como uma cópia mutilada e inferior dos órgãos masculinos. O
útero começa a ser visto como um órgão merecedor de estudo, e, portanto, passa do controle
das parteiras, mulheres, para o controle dos médicos, homens. Para tanto, uma
deserotização dos genitais femininos, para que pudessem ser estudados cientificamente. Em
1806, surge a obstetrícia, como especialidade médica, ainda que, a princípio, pouco
valorizada. No entanto, as mulheres fugiam das clínicas, tanto por não quererem se expor a
homens desconhecidos como objeto de estudo, como porque, devido à falta de higiene e o
pouco conhecimento masculino na área, sentiam-se mais seguras nas mãos das parteiras. No
entanto, aos poucos estes foram ganhando terreno, pois as mulheres, como seres naturalmente
frágeis, diziam, precisavam ser amparadas durante a agonia do parto, que passara a ser visto
como um grande martírio, no qual, apesar de todos os esforços médicos, a mulher perecia
devido à sua constituição frágil. Os homens, por sua vez, entravam nesse campo pautados
pelo rigor científico do discurso anátomo-patológico, transformando-se, então, em detentores
da verdade e do conhecimento, estes, inatingíveis pelas mulheres, devido à sua própria
constituição física, que as tornava instáveis e irracionais, incapazes da observação objetiva
necessária à importância desse trabalho.
Na visão masculina, o parto tornou-se potencialmente patológico, sendo
extensivamente estudado a fim de prevenir possíveis problemas, e, assim, agir antes que estes
acontecessem. A pélvis feminina é classificada, e, sistematicamente, considerada imprópria
para o parto normal.
A autoridade e a superioridade masculina que foi se instituindo na assistência ao parto, com seu
rosário de funestos prognósticos, assentou-se justamente no uso de instrumentos cirúrgicos
tornados necessários, que foram regulamentados como exclusivo dos médicos, por definição,
varões (Ehrenreich e English, 1973b; Kitzinger, 1978; Rich, 1986; O'Dowd e Phillip, 1994.
Apud DINIZ, 1997, cap. 4).
87
Segundo Maldonado ( 1997, p. 17), com a crescente participação dos cirurgiões na
cena de parto, a mulher começa a ser atendida em decúbito dorsal, para que seu trabalho fosse
facilitado. Com a inclusão da mesa de parto em substituição à cadeira de parto, a mulher passa
a ficar deitada, para que o médico pudesse observar melhor, e posteriormente a cena de parto
foi também iluminada por refletores. Surgem tamm as argolas e correias para a
imobilização da mulher. Note-se que em momento algum os procedimentos foram adotados
para facilitar o trabalho de parto ou melhorar a condição das mulheres, mas para facilitar o
estudo e o trabalho dos médicos. Mesmo posteriormente, quando foi observado que as
mulheres de povos considerados primitivos, que adotavam o movimento e a mudança de
posição, freqüentemente de cócoras, ajoelhadas ou caminhando, davam à luz mais facilmente
e com menos dor do que a mulher civilizada, evidenciando que a posição deitada, que ainda é
adotada, resulta em partos mais difíceis, prolongados e dolorosos, a adoção de um parto mais
fisiológico não se confirmou, e o processo “científico” prevaleceu, causando acentuada
mortalidade, tanto das mães quanto das crianças, pelo abuso dos processos cirúrgicos,
arrancamentos e cesáreas, e pela febre puerperal. Esta era causada pela falta de higiene dos
médicos, que não tinham o costume de lavar as mãos antes de irem para a sala de partos,
muitas vezes, vindos da sala de autópsia, após manipular restos putrefeitos de cadáveres.
Mesmo após evidências de que se poderiam evitar muitas mortes com o simples ato de
lavarem as mãos e os instrumentos utilizados, a maior parte dos médicos se recusava a adotar
esse hábito, seja por ter que admitir sua participação nas mortes, seja por motivos religiosos,
recusando-se a aliviar qualquer sofrimento relativo ao parto, baseados na premissa de que as
dores eram castigo divino em decorrência do pecado original. O fato é que as mulheres que
davam à luz assistidas por parteiras eram menos sujeitas à mortalidade, tanto pela febre
puerperal, que as parteiras não faziam autópsias, quanto por complicações cirúrgicas, pois
estas eram proibidas de utilizar estes instrumentos. O que, então, levou à prevalência do
modelo masculino, intervencionista, sobre o modelo feminino, baseado no conhecimento
empírico? Aparentemente, o próprio discurso médico, que transformou a pélvis feminina em
um grande problema, incapaz de dar passagem naturalmente ao bebê, justificou sua atuação,
como os únicos possibilitados a utilizar toda a parafernália instrumental, agora tornada
necessária. As famílias abastadas eram as que mais sofriam perdas, assim como as mais
necessitadas, pois, se as primeiras podiam arcar com os altos custos médicos, e todo o
instrumental cirúrgico das clínicas, as mais pobres não tinham outra opção de atendimento, a
não ser, entregar suas vidas aos estudantes, que precisavam praticar essa incipiente arte.
Naturalmente,os maridos também queriam proporcionar a suas mulheres o “melhor”
88
atendimento possível, que, na sua visão, eram os médicos, que as mulheres não eram
consideradas como capazes de tomar decisões importantes, mesmo referentes ao seu próprio
corpo.
Nessa época, as clínicas de parto mais pareciam salas de tortura, com mulheres
amarradas, impossibilitadas de darem à luz naturalmente, de onde poderiam sair com vida,
mas jamais inteiras. A cesariana era indicada apenas para que o bebê pudesse receber o
batismo, nunca em respeito à gestante, que, muitas vezes era literalmente assassinada, dando a
vida para que um bebê já morto pudesse ser batizado. Mesmo com o advento da anestesia, que
permitia aos médicos maior tranqüilidade para realizar a cirurgia, as mulheres raramente
sobreviviam. Sob os auspícios da Igreja, e a custos humanos altíssimos, várias técnicas foram
experimentadas para “ajudar” a natureza frágil e imperfeita das mulheres.
É um paradoxo que os homens tenham relegado as mulheres à condição única de
parideiras, transformando-as, a seguir, em seres frágeis, incapazes de concluir a única função
que lhes coube, por causa das inúmeras imperfeições de sua pélvis, necessitando da ajuda dos
cirurgiões, para, assim, glorificarem suas vidas como mártires. De mala, a mala sem alça...
Se as mulheres, no decorrer do século XX, melhoraram, muito, sua condição social, a
gestação parece resistir a essas mudanças. Longe do respeito adquirido entre alguns povos da
Antiguidade, os poucos privilégios, como assentos preferenciais nos transportes públicos e em
filas de bancos, devem-se mais à herança do conceito de fragilidade do que ao respeito em
relação ao fato de a mulher estar gerando um outro ser. A conceituação do corpo feminino
como “fisiologicamente patológico”, transformou o parto num evento de alto risco,
necessitando do amparo médico-cirúrgico, num modelo que, especialmente no caso
brasileiro
13
, coloca a cesariana como ação preventiva aos sofrimentos, dores e dilacerações do
parto, perpetuando este conceito de imperfeição.
Mesmo depois do advento da pílula, na década de 1960, quando a mulher assumiu um
controle maior da sua sexualidade, a gestação ainda aparece cercada por preconceitos, e com
uma certa aura decastidade”, trazendo, mesmo que inconscientemente, o mito de Maria, que
concebeu sem pecado. Nesse contexto, parece não ser muito bem aceita, socialmente, a
ligação entre a gestação e a sexualidade, como se uma pudesse ser dissociada da outra. Assim,
a exibição da barriga, como a comprovação do ato sexual, é vista com desagrado.
Sob o ponto de vista da gestante, é compreensível que, depois de tantos séculos de
submissão e controle de sua sexualidade e, principalmente, de sua vontade, não se sinta segura
13
O Brasil é um dos campeões no número de partos cesáreos, especialmente na rede privada.
89
para expressar livremente seus desejos que muitas vezes são interpretados como capricho.
Isso parece ter gerado uma certa desconexão com seus instintos de fêmea, de gerar e prover
sua cria, e de buscar em si mesma as respostas sobre seu corpo, e seus ciclos. No entanto,
lentamente as mulheres têm reivindicado esse direito e, com a revolução sexual e o advento
de meios mais efetivos de contracepção, começaram uma busca maior nesse sentido,
principalmente com o surgimento de movimentos que reivindicam a humanização dos
cuidados pré-natais, e buscam formas mais naturais de parir.
Os avanços nesse campo são lentos, e se devem, na maior parte das vezes, a figuras
polêmicas, que se expressam com liberdade, sem se importar se sua conduta será moralmente
aceita, proporcionando a oportunidade de se debater temas normalmente evitados. No Brasil,
uma das mulheres que mais suscitou debates de ordem moral e comportamental foi Leila
Diniz, que, em plena ditadura militar
14
, não exercia livremente sua sexualidade, como a
declarava publicamente. Sofreu retaliações, quando, alegando razões morais, a rede Globo,
onde trabalhava, não renovou seu contrato. Sua liberdade incomodava inclusive as feministas,
que a acusavam de servir aos homens. Em 1971, Leila, grávida, causou polêmica ao exibir sua
barriga, de biquíni, na praia, e também ao posar nua para o fotógrafo David Drew Zingg.
“Exibir aquele ventre livre, aquela barriga, na praia, no sol, orgulhosa, foi romper com anos de
preconceitos. Eu admirava muito isso nela, como ela assumia o feminino, o feminino do corpo,
não para ter prazer, mas para ter a filha, ter a cria dela. Dar de mamar, filmar dando de
mamar, tirar retrato dando de mamar. As mulheres não estavam mais dando de mamar
naquela época e Leila trouxe de volta o "ser mulher","ser fêmea".
15
Esse tema ainda causou polêmica quando, vinte anos depois, em 1991, a também atriz
Demi Moore posou na mesma situação para a revista Vanity Fair. Ainda hoje esse fato é
lembrado e comentado.
Leila Diniz é considerada uma mulher à frente de seu tempo, por quebrar tabus, mas
acima de tudo, por assumir plenamente sua vida, e seu corpo. Segundo suas próprias palavras:
Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas
que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta
intensamente.
16
14
, Os setores conservadores da sociedade e da igreja mobilizaram a população para apoiar o golpe militar de
1964, convocando a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.
15
Depoimento de Ligia, irmã de Leila Diniz, disponível no site:
<http://www.heco.com.br/leila/extras/05_17.php> acessado em 17/02/2007.
16
Disponível no site: < http://www.aleitamento.org.br/meninas/leila.htm> acessado em 17/02/2007.
90
Fig. 1- Leila Diniz, 1971, fotografada por David Drew Zingg.
A percepção do meio, inclusive do meio sonoro, é muito mais proveitosa quando o
prazer não é cerceado, e pode expressar-se livremente, quando não existe o pré-conceito de
“feio” e “bonito”, quando não se tem o limite do “que fica bem”, do comportamento tido
como certo e cabível, quando as escolhas não têm que ser feitas dentro do “aceitável”. Para
tanto, a gestante deve conquistar o seu lugar de respeito, baseado na sua força de gerar, não
em falsos conceitos de fragilidade e imperfeição, colocando-se no lugar de agente, e deixando
o lugar de vítima.
O fato de assumir-se sem culpas, de buscar constantemente o prazer, não sexual,
mas o prazer de viver, traz em si a possibilidade de transformar a gestante, do invólucro, da
mala, em um ser integral, ciente de sua sexualidade, capaz de perceber e decidir o que lhe faz
bem, escolher o que a faz feliz, de colocar-se diante do meio e transformá-lo,
conscientemente, buscando uma melhor qualidade de vida durante a gestação.
91
3.2 Ambiente sonoro e qualidade de vida
Qualidade de vida é um conceito bastante abrangente, e que tem sido utilizado dentro
das pesquisas médicas como um meio de ir além da avaliação de sintomas, eficácia e
segurança na utilização de medicamentos, diminuição da mortalidade e aumento da
expectativa de vida, numa tentativa de resgatar valores humanitários que estão sendo
perdidos com o desenvolvimento tecnológico. Assim, a avaliação da qualidade de vida foi
acrescentada como outro parâmetro a ser avaliado. Essa expressão foi usada pela primeira vez
pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson em 1964 ao declarar que "os objetivos
não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles podem ser medidos através
da qualidade de vida que proporcionam às pessoas" (OMS, 1998).
Aparentemente não existe um conceito único para a expressão “qualidade de vida”,
mas pode-se considerar que “inclui uma variedade potencial maior de condições que podem
afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e comportamentos relacionados com o seu
funcionamento diário, incluindo, mas não se limitando, à sua condição de saúde e às
intervenções médicas”(OMS, 1998).
Para que houvesse um instrumento internacional capaz de avaliar a qualidade de vida,
a Organização Mundial de Saúde organizou um projeto colaborativo multicêntrico, que
elaborou um questionário com 100 itens, que abrangem vários domínios, como segue:
Domínio I - Domínio físico
1. Dor e desconforto
2. Energia e fadiga
3. Sono e repouso
Domínio II - Domínio psicológico
4. Sentimentos positivos
5. Pensar, aprender, memória e concentração
6. Auto-estima
7. Imagem corporal e aparência
8. Sentimentos negativos
Domínio III - Nível de Independência
9. Mobilidade
10. Atividades da vida cotidiana
11. Dependência de medicação ou de tratamentos
12. Capacidade de trabalho
92
Domínio IV - Relações sociais
13. Relações pessoais
14.Suporte (Apoio) social
15. Atividade sexual
Domínio V- Ambiente
16. Segurança física e proteção
17. Ambiente no lar
18. Recursos financeiros
19. Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade
20. Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades
21. Participação em, e oportunidades de recreação/lazer
22. Ambiente físico: (poluição/ruído/trânsito/clima)
23. Transporte
Domínio VI- Aspectos espirituais/Religião/Crenças pessoais
24. Espiritualidade/religião/crenças pessoais
(OMS, 1998)
Para cada pergunta cinco possibilidades de resposta, e deve-se escolher a que
melhor se aproxime do que foi percebido em relação àquele item nas últimas duas semanas.
Por meio deste questionário é possível avaliar quantitativamente questões basicamente
qualitativas. Mesmo em se tratando da percepção de questões bastante subjetivas, algumas
vezes são necessários dados que possam ser comparados entre si e que possam ser aplicados
de forma sistemática, daí a necessidade de mensurar o que, aparentemente, não é mensurável.
Apesar de conter um mero grande de questões, e da relevância das mesmas, o meio
ambiente não parece ser suficientemente explorado nesse questionário. No item 22, relativo
ao ambiente, há somente duas questões:
F22.1 Quão saudável é o seu ambiente físico (clima, barulho, poluição, atrativos)?
F22.2 Quão preocupado (a) você está com o barulho na área em que você vive?
(WHOQOL-100, 1998)
Com a crescente preocupação com o meio ambiente, talvez seja uma boa idéia a
produção de um meio de avaliação da qualidade de vida exclusivamente voltada para a
percepção do meio ambiente, com diferentes itens relativos ao ambiente urbano, à qualidade
do ar, ao abastecimento de água, à existência de áreas verdes e, certamente, à avaliação acerca
93
da percepção do ambiente sonoro e da preocupação com a melhoria de sua qualidade. É
preciso saber como as pessoas percebem o ambiente sonoro, e se fazem a ligação entre a
qualidade desse meio e sua própria saúde. Aparentemente, é mais evidente a ligação da
diminuição da qualidade de vida em relação à poluição do ar e das águas, que podem ser
vistas e facilmente identificadas, do que a ligação entre a degradação do ambiente sonoro e
suas conseqüências sobre a saúde, que podem se instalar gradativamente e não deixar claras
suas raízes. Além disso, a possibilidade de um ambiente sonoro desfavorável agravar
estados de saúde pré-existentes, ou atuar concomitantemente com outros fatores, agravando
sua influência.
Por outro lado, quando o ambiente sonoro se mostra agradável, pode melhorar bastante
a qualidade de vida das pessoas, proporcionando uma fonte de prazer e bem-estar. Essa
sensação de bem-estar pode ajudar a lidar com o estresse do dia-a-dia, seja qual for sua
origem. Pessoas que trabalham em ambientes ruidosos também precisam compensar os efeitos
negativos desse ambiente, se possível, passando algum tempo em outro ambiente mais
favorável, que lhe proporcione relaxamento e prazer.
Durante a gestação, quando a mulher está mais propensa à instabilidade de humor e ao
estresse, garantir que a qualidade do meio sonoro seja satisfatória pode proporcionar alívio a
esses sintomas. Mas, para obter esses benefícios, o ambiente sonoro deve ser agradável, o que
é algo bastante pessoal e subjetivo. A construção do ambiente sonoro depende,
principalmente, da consciência e percepção que se tenha dele. É preciso conhecê-lo em
detalhes, classificá-lo, experimentar suas nuances e saber quais são os elementos de que
gostamos e quais os que não gostamos. Para isso, é preciso promover uma “limpeza de
ouvidos”, despertar a consciência para os sons que deixamos de escutar, principalmente como
modo de defesa contra a profusão de sons a que somos expostos diariamente. Além disso, é
preciso também estar atento aos sons que são pouco audíveis, e aqueles cuja presença é
percebida pela sensação de suas vibrações.
3.3 Sons que não podem ser ouvidos
Dentro do limite da audição humana, que compreende aproximadamente a faixa que
vai de 20 até 20.000Hz, variando um pouco de pessoa para pessoa, os sons são captados,
basicamente pelos ouvidos, embora as vibrações também possam ser percebidas pelo tato.
94
Acima desse limite, encontramos os chamados ultrassons, que são as mesmas ondas utilizadas
na ultrassonografia, um exame de imagem bastante recomendado durante a gestação para
acompanhar o crescimento do feto. Embora esse exame constitua-se em uma ferramenta
importante para a verificação da formação e do crescimento fetal, assim como da integridade
da placenta, e seja largamente utilizado, pesquisadores têm questionado seu uso freqüente.
Ainda não provas de que o uso da ultrassonografia possa causar danos ao feto, porém o
ultrassom é uma forma de energia que produz calor , e existe possibilidade de que possa
causar danos aos tecidos (SHEINER et al. 2007). Exames ultrassonográficos de alta definição
possuem um índice térmico mais alto, devido à elevada produção acústica necessária para a
obtenção das imagens, e devem ser usados com critério (SHEINER et al. 2007b). Uma
pesquisa especula se ligação entre o uso de exames ultrassonográficos e o baixo peso do
bebê ao nascer (NEWNHAM et al. 1993); outra, relaciona à aquisição tardia da fala
(CAMPBELL, 1993). O fato é que ainda não há evidências suficientes para afirmar que o uso
do ultrassom durante a gestação possa realmente ser prejudicial, mas os especialistas
recomendam que seja usado somente quando indicação médica, ao menos enquanto seu
índice de segurança não for totalmente estabelecido.
Uma pesquisa chamou atenção para um o fato, até então ignorado, de que o feto possa
“ouvir” os ultrassons (NEWSCIENTIST, s/d.). Na verdade, os seres humanos não podem
ouvir essas freqüências, mas pesquisadores levantaram a possibilidade de que elas possam
causar vibrações secundárias no útero, essas sim, bastante audíveis. Os aparelhos de
ultrassonografia emitem pulsos de curtíssima duração, pois o som contínuo causa muito calor
sobre o tecido examinado. Os cientistas previram que o som audível resultaria como
batidinhas curtas, o que foi comprovado colocando-se um pequeno hidrofone dentro do útero
de uma gestante que seria submetida ao ultrassom. O som ouvido foi semelhante ao das notas
mais agudas do piano, e quando o ultrassom foi apontado para a direção do hidrofone, chegou
à intensdidade de 100 dB, que os cientistas descreveram como tão alto quanto o som do metrô
chegando à estação.
Essa descoberta vem ao encontro da pergunta formulada por Luciana na comunidade
“Sons e gestação”:
Eu não sei se você pode me responder a isso.
Bebês choram dentro da barriga da mãe?
Porque eu acho que aconteceu isso comigo, minha bebê chorando!!
Eu procurei algo na net sobre esse assunto e tinha um artigo dizendo que nos EUA foi realizado
um estudo que provou que a partir da 27ª semana o bebê pode chorar dentro do ventre materno.
Mas será que isso realmente é possível?
95
Ou foi imaginação minha, porque os ruídos que eu ouvia com estetoscópio eram muito
semelhantes a um choro de bebê, e isso demorou mais ou menos uns 20-30 minutos, eu fiquei
bastante preocupada!!! (ANEXO O)
A pesquisa a qual Luciana se refere (GINGRAS et al. 2005) foi realizada com a
finalidade de detectar possíveis danos causados pela exposição a tabaco e cocaína durante a
gestação na capacidade de resposta e habituação do feto à estimulação vibroacústica. O que
foi observado com o uso de ultrassonografia foi um comportamento homólogo ao do choro no
recém-nascido, com todos os gestos e características, e assemelha-se a um fenômeno raro
chamado vagitus uterinus, termo usado para descrever o choro audível do feto dentro do útero
(BLAIR, 1965 apud GINGRAS et al., 2005). Esses casos acontecem geralmente quando o
bebê já está a termo
17
, e são associados à ruptura de membranas, que permitem a entrada de ar
no útero, condição necessária para a vocalização. No caso da pesquisa de Gingras, citada
acima, essas reações aconteceram cerca de sete semanas antes desse período, e o som do
choro não foi ouvido.
Embora o objetivo dessa pesquisa fosse detectar comportamentos fetais no caso de uso
de drogas pelas gestantes, os resultados foram além das expectativas, e apontaram alguns
pontos importantes em relação aos sons. O primeiro foi o choro do feto, como reação ao
incômodo causado pelo estímulo vibroacústico. Foram utilizados para esses estímulos, sons
de aproximadamente 100Hz (que são considerados como sons de baixa freqüência, como
veremos a seguir) e 95 dB de intensidade, modificados para que tivessem a duração exata de
0,5 segundos. Essa duração foi selecionada porque estímulos mais longos poderiam causar
efeitos adversos, como taquicardia prolongada e movimentos fetais intensos, como observado
por Visser e Mulder (1993 apud GINGRAS et al. 2005). Ora, se estímulos mais longos, nessa
freqüência e intensidade, podem causar esse tipo de reação nos fetos, pode-se imaginar
também que os sons secundários gerados como resultado das ondas sonoras do exame
ultrassonográfico relatado pela revista Newscientist, como foi citado anteriormente,
possivelmente também causar, no mínimo, algum tipo de incômodo e reação por parte dos
fetos, pois eram bastante intensos, embora com uma freqüência bem mais elevada, e com
duração maior, visto que as ondas sonoras são emitidas durante todo o procedimento do
exame.
Outro ponto importante foi a constatação de que esse comportamento de choro foi
visto após a estimulação vibroacústica, o que pode sugerir que ocorra quando o feto é, de
17
O bebê é considerado a termo quando está próximo ao nascimento, a partir da 37ª semana, inclusive, de
gestação. Até a 36ª semana, é considerado prematuro.
96
alguma forma, perturbado.
Não como saber se o que foi sentido por Luciana (anexo 14) foi realmente a
percepção de que seu bebê estava chorando. O que se sabe é que estava passando por um
período de grande estresse, segundo ela mesma relata:
Eu tenho passado muita coisa durante a minha gestação, vários problemas pessoais!!!
chorei muito e percebo que logo que começo a chorar ela mexe muito, inclusive tive uma
discussão com meu namorado quinta no início da noite. Fui dormir e na madrugada da sexta
acordei com ela mexendo muito, então peguei meu estetoscópio e fiquei ouvindo uns ruídos
que pareciam um choro, não eram os ruídos hidroaéreos, pois os mesmos não (são) contínuos e
tão demorados, e os ruídos que eu ouvia eram contínuos. Demorou um certo tempo, mais ou
menos uma meia hora. (ANEXO O)
Esse relato parece corroborar o que foi comentado no capítulo 2, a respeito dos efeitos
do estresse sobre a gestação, e da percepção do estresse pelo bebê. Uma vez que a pesquisa de
Gingras et al (2005), citada acima, associa os comportamentos de choro do feto a situações de
incômodo e perturbação, é possível que a percepção do estresse e das emoções maternas
também possam causar sensações ruins ao bebê, fazendo com que reaja a elas, possivelmente
com choro, e também com estresse e alterações fisiológicas. Uma vez que ondas sonoras
podem causar esse tipo de reação, assim como o estresse materno, convém evitá-las, pelo
menos até que se estabeleça um nível seguro de exposição.
Deve-se lembrar que a ultrassonografia é um exame bastante importante e, se bem
utilizado, pode ajudar a diagnosticar precocemente vários tipos de problemas, tanto em
relação ao feto quanto à gestante. O que se deve evitar é a exposição desnecessária e
prolongada, como nos casos em que a gestante solicita o exame para tentar ver o sexo do
bebê, ou somente para gravá-lo em vídeo, como lembrança da gestação. A ultrassonografia
utiliza uma fonte de energia poderosa, que são as ondas sonoras, e deve ser usada com
cautela.
No outro extremo do espectro sonoro encontram-se os infrassons e os sons de baixa
freqüência. Normalmente se considera como infrassons as freqüências compreendidas abaixo
de 20Hz. No entanto elas ainda podem ser ouvidas, mesmo que abaixo desse limite; quando
alcançam 16-18Hz elas perdem um elemento básico para sua percepção, a sonoridade”, e
passam a ser percebidas mais como pulsação, o que dificulta sua identificação. Os sons de
baixa freqüência abrangem os ultrassons e a faixa grave dos sons audíveis. Não limites
fixos para sua extensão, mas compreendem aproximadamente a extensão que vai de 10Hz a
200Hz, sendo que a faixa de maior interesse está entre 10Hz e 100Hz. Para se ter uma idéia
do que representam esses números, a freqüência da nota Dó mais grave de um piano completo
97
é de aproximadamente 32Hz, enquanto a do central é de aproximadamente 261Hz.
(LEVENTHALL, 2003).
É muito difícil conter ou absorver os infrassons; sua atenuação por confinamento
requer paredes extremamente fortes, e os materiais usados para a absorção do som devem ter
a grossura de um quarto do comprimento da onda. Quanto mais grave o som, maior o
comprimento da onda; por exemplo, um som que vibre na freqüência de 25Hz terá um
comprimento de onda correspondente de 13,6m (LEVENTHALL, 2003, p. 7), o que significa
que para absorver esses sons pode ser preciso que esses materiais tenham alguns metros de
espessura. A propagação dos sons de baixa freqüência é muito grande, pois todos os fatores de
atenuação de sons, como o ar, a absorção pelo solo, ou outras barreiras exercem pouca
influência sobre essas freqüências. Ainda que a atenuação desses sons devido à sua difusão
ainda se aplique, o resultado é que esses sons não são tão atenuados pela distância e outros
fatores quanto as freqüências mais agudas. Na prática, isso quer dizer que esses sons viajam
por distâncias maiores do que os sons mais agudos, e praticamente não são retidos ou
atenuados por paredes, móveis ou outros obstáculos, deixando-nos mais expostos a eles. São
produzidos por uma série de eventos, tanto naturais, como todos os tipos de turbulências,
trovões, tempestades, terremotos, vento e mudanças atmosféricas, quanto artificiais, como
bombas, motores, turbinas, compressores e tráfego aéreo, maquinas industriais, explosões,
aparelhos de ar-condicionado, sistemas de ventilação e outros, e dificilmente haverá um
ambiente que não tenha sua parcela de sons de baixa freqüência. Esses sons podem ser
percebidos tanto pelo aparato auditivo quanto por receptores na pele, assim como suas
vibrações podem ser sentidas por todo o corpo e podem ser fonte de grande perturbação. São
largamente usados como efeito sonoro nos filmes, para realçar sensações de medo ou de
grandiosidade e poder.
A exposição contínua aos sons (ou ruídos, que grande parte deles é indesejada) de
baixa freqüência, mesmo que em níveis moderados, pode ser considerada como um meio
estressor de fundo causado pelo ambiente. Embora não tenha efeito tão devastador quanto o
estresse atribuído a catástrofes como enchentes e terremotos, as pessoas cujo estresse tem
como causa ruídos encontram seu inimigo no dia-a-dia, e têm que conviver com ele.
O nível elevado de secreção de cortisol tem sido usado como um indicador da
presença de estresse. Um estudo em laboratório demonstrou que pessoas sensíveis ao ruído
tiveram o nível de cortisol aumentado quando expostas a sons de baixa freqüência, e que
geralmente mantinham o nível de cortisol aumentado, além do desempenho prejudicado
98
(PERSSON-WAYE et al. 2002 apud LEVENTHALL 2003).
A presença do infrassom na vida moderna é quase onipresente, devido à grande
quantidade de fontes geradoras, e, também, como descrito, devido à dificuldade em atenuá-
lo e à sua eficiente propagação, tornando-o muito invasivo, o que faz que haja grande
preocupação acerca da sua influência sobre a saúde humana. Foram observados efeitos sobre
os sistemas cardiovascular e nervoso, como irritação, distúrbios de sono estado de alerta e
mudanças no eletroencefalograma, e, também, sobre a estrutura dos olhos, a audição e o
sistema vestibular, e o sistema endócrino. Em exposições moderadas ao infrassom, os efeitos
observados parecem refletir um estado de lentidão e cansaço, tanto fisiológico quanto
psicológico. É possível que a qualidade do som também exerça influência sobre esses estados,
e algumas freqüências e características do ruído sejam mais efetivas para alcançar esses
estados (LEVENTHALL, 2003).
Ainda que os efeitos da exposição aos ruídos de baixa freqüência sejam difíceis de
estabelecer, a evidência sugere que um número dos efeitos adversos dos ruídos em geral
provém deles; relatos de irritação são mais freqüentes, além da sensação de que eles soam
com mais intensidade do que outros ruídos com o mesmo nível de pressão. A irritação pode
ser exacerbada por causa das vibrações induzidas por eles; é mais difícil distinguir os sons da
fala na presença de ruídos de baixa freqüência do que na presença de outros ruídos, com
exceção daqueles que se situam no mesmo nível de freqüência da fala.
O desejo de oferecer níveis de proteção sonora e melhorar o ambiente esbarra tanto
em limitações técnicas quanto financeiras. Ao se estabelecer a intensidade medida em
decibéis como critério de avaliação da saúde sonora de um ambiente, limitando-a a um
determinado nível, a medida será de pouca eficácia em se tratando de ruídos de baixa
freqüência, pois uma relação diferente entre os distúrbios causados por estes e por outros
tipos de ruídos na mesma intensidade, necessitando de critérios mais rigorosos (BENTON,
1997 apud LEVENTHALL 2003).
É preciso que haja mais pesquisas a respeito dos limites seguros à saúde quanto à
exposição tanto aos infrassons quanto aos ultrassons, e que se estabeleçam leis protetoras
mais efetivas e rigorosas , para que seus efeitos adversos sejam minimizados. Em relação ao
infrassom, uma medida inicial para diminuir sua incidência seria por meio da educação
sonora, tanto para que sejam reconhecidos, quanto para que se evite sua produção
desnecessária, alertando sobre seus possíveis efeitos sobre a saúde. Outra medida seria o
incentivo a pesquisas e desenvolvimento de motores e maquinário que produza menos ruídos
99
em geral, e em especial os de baixa freqüência pois, pela dificuldade em identificá-los, e por
seus efeitos serem sentidos mesmo quando em níveis de intensidade baixa, muitas vezes tem-
se a sensação de que eles não estão presentes.
Não foram encontrados até o momento estudos específicos sobre os possíveis danos
dos infrassons e sons de baixa freqüência sobre a gestação. A única pesquisa que se relaciona
ao tema foi a citada anteriormente (GINGRAS et al. 2005), que usou sons de 100Hz para
testar os reflexos do feto, e que, surpreendentemente, chegou à conclusão de que os fetos são
capazes de chorar quando perturbados. A atenção dessa pesquisa foi focada nesse ponto, até
antes nunca documentado. Para esta pesquisa, no entanto, também outro foco de interesse,
centrado no som propriamente dito, e em sua qualidade de provocar tal reação. Esse fato, em
si, é de grande importância, pois caracteriza um mal potencial à saúde do feto que, se
exposto a esse tipo de som por muito tempo, pode vir a sentir grande estresse.
3.4 Percepção ambiental e limpeza de ouvidos
Com tantos sons à nossa volta, parece contraditório dizer que estamos perdendo a
capacidade de ouvi-los. É como se, diante do caos, não conseguíssemos mais distinguir os
elementos que o compõem. E no meio de tantos ruídos, para poder destacar algum elemento,
precisamos aumentar cada vez mais sua intensidade, e assim, contribuímos para aumentar
ainda mais o caos. Os ouvidos tornam-se tão cansados que ficam entorpecidos, e é preciso
despertá-los.
Ao contrário dos outros órgãos dos sentidos, os ouvidos são expostos e vulneráveis. Os olhos
podem ser fechados, se quisermos; os ouvidos não, estão sempre abertos. Os olhos podem
focalizar e apontar nossa vontade, enquanto os ouvidos captam todos os sons do horizonte
acústico, em todas as direções. (SCHAFER, 1991, p. 67)
A esse despertar para os sons que não conseguimos mais distinguir, que ficam
sufocados em meio a tantos outros, Schafer chama de “limpeza de ouvidos”.
Para recuperar a sensibilidade auditiva, é preciso reconhecer que a estamos perdendo.
Por mais que, aparentemente, as pessoas estejam menos alertas aos sons, estes continuam a
bombardear o organismo, e seus efeitos se fazem presentes. Como disse Schopenhauer, “a
sensibilidade do homem para a música varia inversamente de acordo com a quantidade de
ruído com a qual é capaz de conviver” (apud SCHAFER 1991).
100
Mesmo as gestantes que participaram da pesquisa, que em geral relataram sentirem-se
mais sensíveis aos sons, perceberam que num primeiro momento houve dificuldade em ouvir
os sons mais suaves que fazem parte de seu ambiente.
Em um dos tópicos da comunidade “Sons e gestação” foi proposto às gestantes que
escolhessem um ambiente na qual passam ao menos algumas horas do seu dia, e que
reservassem alguns minutos para ouvi-lo atentamente, anotando os sons ouvidos em um
papel. Feito isso, deveriam classificá-los em três categorias: agradáveis, neutros e
desagradáveis (anexo 12).
Algumas listas foram mais completas, outras mais sucintas, o que um indício de
que algumas pessoas conseguem perceber um mero maior de sons do que outras. Um
diálogo importante aconteceu a partir da lista de sons de uma gestante:
Simone
18
diz:
Hercilia: você foi a única que colocou na lista o som da sua respiração...
Será que vocês estão realmente ouvindo o que tem em volta?
Quanto mais completa a lista de sons, maiores as possibilidades de trabalhar com o ambiente.
Existem muitos sons aos quais a gente se acostuma, e nem se dá conta. Será que esses sons são
bons ou ruins? Será que não estamos deixando que muitos sons (e seus significados) entrem em
nossos ouvidos sem perceber? (ANEXO M)
Ao que uma gestante (Monica - Móka), que não tinha colocado o som da sua própria
respiração na lista de sons comentou:
Acho que a Hercilia ouviu o som da respiração dela porque pelo jeito ela adora o silêncio... Pra
falar a verdade, eu estou sempre no meio do barulho, ou de música, ou de outras coisas...
agora, por exemplo, estão martelando numa obra aqui do lado e um inferno. Nem em casa
fico no silêncio para ouvir o som da minha respiração... vou tentar fazer uns testes e ver o que
ouço quando não tem barulhos artificiais no local. Depois conto. (ANEXO M).
A partir desse comentário é possível perceber que a gestante se deu conta de que seu
ambiente é bastante ruidoso, o que dificulta que perceba os sons mais sutis, mas ainda não se
conta das perdas acarretadas pelo excesso de ruídos. Seguindo-se esse diálogo é possível
perceber essa tomada de consciência, e as mudanças de atitude provocadas pela percepção
mais detalhada do ambiente sonoro.
Simone diz:
Monica : é que está o X da questão... às vezes estamos cercados de tantos sons que
deixamos de perceber muitos deles, especialmente os mais amenos. Mas mesmo que não
tenhamos consciência deles, o cérebro registra sua presença e reage, normalmente com stress,
por causa do grande número de informações que tem que decodificar. Isso causa sensação de
cansaço e irritação, que as pessoas normalmente não ligam com o ambiente sonoro, a não ser
que exista um som realmente irritante, de cil identificação. Com a gestação, a mulher fica
mais sensível, porque o corpo está ocupado com a formação do bebê. O metabolismo muda
totalmente, e a mulher tem que se adaptar em um curto período de tempo, o que já é difícil sem
18
Simone, que aparece neste diálogo é a pesquisadora.
101
outras situações agravantes como um ambiente sonoro desfavorável.
Por outro lado, quando se consegue interferir nesse ambiente, tornando-o agradável, ou pelo
menos amenizando a agressividade causada por determinados sons, é possível relaxar mais,
deixando o corpo se ocupar com sua função principal nesse período: o bebê. Se o ambiente for
agradável, o cérebro produz endorfinas, que causam sensação de prazer, trazendo muitos
benefícios para a mãe e para o bebê. (ANEXO N)
Monica diz:
Concordo 100%
Depois que resolvi prestar mais atenção nos sons, descobri que qualquer coisa fora do normal
me irrita muito, até barulho da TV que antes era normal agora fica quase insuportável.
Fiz uns testes em casa no final de semana. Peguei uma cadeira bem confortável e fui sentar
embaixo das árvores pra ver se eu descobria quais sons me eram agradáveis ou não.
Realmente o som da respiração é muito calmante, o do vento e de alguns pássaros também.
Mas, por outro lado, os pássaros que ficavam por perto com o canto repetitivo e estridente me
irritavam também. Cachorro latindo é o fim, stress no máximo.
O vento é a melhor melodia na minha opinião. Poderia ter ficado ali dias ouvindo o vento.
Depois disso, aqui no meu trabalho, percebo quanto é barulhento. Pessoas que passam
conversando na rua, daí o som chega todo misturado das vozes delas. Os carros que antes
não me incomodavam muito agora ouço até quando estão longe.
Pra resolver esses problemas, resolvi colocar fones de ouvido pra ouvir músicas suaves. Deixo
o volume baixo e me concentro nele, daí não ouço tanto os barulhos externos.
Ainda bem que a reforma aqui do lado acabou. Senão ia pedir férias. (anexo 13)
O primeiro passo, então, para a construção do ambiente sonoro é perceber-se alheio a
ele; então, após reconhecer a necessidade de ouvi-lo melhor, é possível tomar uma atitude em
direção ao próximo passo, que é propor-se a escutá-lo. Simplesmente parar e ouvir
atentamente, demorando-se em cada detalhe, e tentar perceber as sensações causadas por cada
som. Esse é o início. Quando os ouvidos começam a ouvir novamente não só os sons de maior
intensidade, os mais estridentes e próximos, mas também os mais sutis e delicados, ocorre
simultaneamente um ganho e uma perda. Ganha-se uma riqueza inusitada, sons carregados de
nuances que não eram percebidas anteriormente, e que causam muito prazer, a exemplo da
melodia do vento citada no depoimento de Monica, e do ganho sonoro causado pela
percepção da própria respiração, classificada como “muito calmante”, e que anteriormente
nem fora citada em sua lista de sons. Mas também uma perda, se é que se pode considerar
assim; perde-se a surdez aos sons indesejados, e passa-se a ter uma terrível consciência de que
esses sons não deveriam fazer parte da paisagem sonora. Pode-se fazer uma analogia com o
mito bíblico da criação, quando Adão e Eva, após comerem o fruto proibido, dão-se conta de
que estão nus. A diferença é que, ao invés de perder-se o paraíso, com a tomada de
consciência do ambiente sonoro pode-se recuperá-lo. No entanto isso não ocorre sem algum
trabalho; é preciso debruçar-se sobre ele e reconstruí-lo lentamente, degustando cada
conquista. Para Monica, a solução mais imediata foi isolar-se com fones de ouvido e criar seu
ambiente particular.
A gestação parece ser a época ideal para fazer uma limpeza de ouvidos, uma vez que
102
muitas gestantes reportaram o aumento da sensibilidade auditiva. Esse dado pode ser
interpretado tanto de forma positiva quanto negativa. Dois tipos de atitude podem ser tomadas
em relação a essa sensibilidade exacerbada: simplesmente reclamar que determinados sons
não são mais tolerados, e irritar-se com isso, ou então, aproveitar a oportunidade de senti-los
de forma mais intensa, e procurar ouvir sons que causem mais prazer do que aversão.
Após dedicar-se a ouvir atentamente o ambiente sonoro, é preciso classificar os sons,
para que possamos agrupá-los de acordo com suas similaridades, para descobrir suas
diferenças e analisá-los, a fim de percebê-los melhor. muitas formas de classificar os sons:
de acordo com sua procedência; de acordo com sua intensidade; sons do próprio ambiente e
sons que vêm de fora; sons produzidos pela própria pessoa e sons produzidos por outras
pessoas; sons naturais e sons artificiais; de acordo com a freqüência do grave ao agudo, por
exemplo; e mais quantas maneiras de diferenciá-los e classificá-los for possível pensar.
Uma forma bastante prática de começar a classificação pode ser separando-os em
grupos, de acordo com a sensação que eles causam, e da preferência pessoal. Quais deles
trouxeram sensações agradáveis? Que sensações foram essas? Evocam alguma emoção ou
recordação em especial? Quais despertaram sensações desagradáveis? Porque me sinto dessa
forma a respeito desses sons? Existem sons neutros nesse ambiente, que se possa dizer que
não causam nem sensações boas e nem ruins? Essa separação dos sons pode dar uma
primeira noção de quais sons gostaríamos que permanecessem no ambiente e quais deveriam
sair dele. Dentro de cada um desses grupos, é possível fazer outras classificações, como por
exemplo, dividi-los em sons produzidos pelo homem, sons naturais e sons produzidos por
máquinas (que podem também ser um subgrupo dos sons produzidos pelo homem). Dentro do
grupo dos sons agradáveis, existem mais sons naturais ou artificiais? Mais sons graves ou
agudos? Maior quantidade de sons de baixa ou alta intensidade? Quais estão próximos, e
quais estão distantes?A partir da comparação entre as listas e das anotações feitas a respeito de
cada som, é possível conhecer melhor nossos gostos sonoros, e saber com mais precisão quais
sons nos beneficiam, e quais nos causam sensações ruins.
A partir desses exercícios simples, há uma grande melhora da consciência da paisagem
sonora, e também do conhecimento do próprio corpo e de como se relaciona com esse
ambiente. Com o início do processo de “limpeza de ouvidos”, é possível perceber sons que
não eram notados anteriormente e, principalmente, como nos sentimos em relação a eles. De
posse dessas informações, é possível decidir criteriosamente como compor a nossa própria
paisagem sonora, imaginando-a da maneira mais prazerosa possível, com os elementos de que
dispomos, e com outros que se possam conceber. Dentre os sons agradáveis, quais podem ter
103
sua ocorrência aumentada? Dentre os sons desagradáveis, quais podem ser subtraídos ao
ambiente? Sobre quais podemos exercer alguma influência, e sobre quais não temos nenhum
controle (ou pelo menos não imediatamente)? Quais sons gostaríamos de acrescentar? A partir
da análise consciente do ambiente sonoro é possível começar a construí-lo (ou reconstruí-lo),
de modo a torná-lo cada vez mais agradável e prazeroso, ao invés de agressivo e hostil.
Existem muitos outros exercícios que ajudam no refinamento da percepção dos sons.
Uma idéia bastante interessante utilizada por Schafer foi a idealização de um diário de sons,
onde anotou suas impressões sonoras durante uma viagem ao Oriente Médio:
...
27 de março – o grande sumidouro de sons do futuro será o céu.
...
4 de abril - ... Um presente para o ouvido. Os zoroastrianos enterram seus mortos em Torres de
Silêncio. Um presente para o corpo.
5 de abril Ambiente não é apenas aquilo que é visto. Plano: pegar cartões-postais de vários
lugares famosos e bonitos e gravar os sons que estão junto deles. Por exemplo, Trafalgar
Square, o Arco do Triunfo, o Coliseu, a Catedral de Colônia. Pode-se presumir que as
paisagens sonoras dessas atrações não devem ser muito bonitas.
...
8 de abril se alguém quiser estudar sons, não pode ignorar seu simbolismo. O enorme
simbolismo do mar, por exemplo.
...
11 de abril As ruas de Shiraz. O grande silvo das lâmpadas Coleman. A noite chama para
orar. O cantar quebrado do Alcorão. Frases curtas, altamente ornamentadas, entre silêncios
tensos. (Schafer, 1991).
Um diário de sons pode ser feito em qualquer lugar, com anotações do dia-a-dia.
Quanto mais se apurar os ouvidos, mais interessante ele pode ficar, e com o tempo, os
ouvidos ficarão muito mais atentos a novas ocorrências sonoras.
Quanto mais pessoas forem envolvidas nesse processo de “limpeza de ouvidos”,
maiores as chances de que o ambiente se torne saudável, pois o ambiente sonoro é um bem
comunitário, e não individual. A música tem um grande papel de socialização, tendo tomado
parte em todos os eventos importantes da humanidade. É curioso ver como o ambiente sonoro
foi dissociado desse papel, uma vez que ele é formado, voluntária ou involuntariamente, pela
contribuição coletiva. É possível que a educação sonora seja capaz de, ao longo do tempo,
resgatar a responsabilidade pelo ambiente sonoro, o respeito pelo espaço coletivo, e o trabalho
em conjunto para sua melhoria.
No que diz respeito às gestantes, a proposta de implantação de um trabalho de limpeza
de ouvidos, que pode ser conduzido em forma de workshop ou como parte integrante dos
cursos oferecidos a elas em maternidades e instituições públicas ou privadas pode ajudar a
suprir essa lacuna, e ajudá-las a criar pequenos espaços de repouso sonoro, além de abrir
104
espaço para se mostrar a importância de manter o ambiente sonoro menos poluído e discutir
soluções que possam ser aplicadas de maneira prática em seu ambiente, e mostrar a
importância de manter o ambiente sonoro menos poluído. O ideal seria contar com a
participação dos companheiros e familiares, que podem então compreender a necessidade de
contribuir para que a gestante se sinta mais acolhida pelo ambiente sonoro, atitude que irá
trazer, na verdade, ganhos para todos.
_______________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_______________________________
Em primeiro lugar, precisamos ensinar às pessoas como ouvir mais cuidadosa e criticamente a
paisagem sonora; depois, precisamos solicitar sua ajuda para replanejá-la. (Schafer, 2001, p.
12)
O ponto de partida desta pesquisa foi a hipótese de que o ambiente sonoro possa
influenciar, tanto positiva quanto negativamente, o estado de saúde da gestante, e,
conseqüentemente, do feto. Para entender como isso poderia se dar, foi preciso buscar um elo
de ligação entre a gestante e todo o universo de estados físicos e emocionais que envolvem
esse período e o ambiente sonoro, que também evoca significados emocionais e respostas
físicas em reação a esse meio, seja ele saudável ou não.
Ao se proceder o levantamento de pesquisas realizadas nesse campo, foi possível
verificar uma grande lacuna, pois não foi encontrado nenhum estudo com o enfoque
pretendido aqui. Praticamente todas procuravam estabelecer a ligação entre má-formação
fetal, baixo peso, ou outras anomalias, e a exposição a ruídos intensos durante a gestação, e
estabelecer um nível que possa ser considerado seguro, especialmente em relação a ruído
ocupacional. Até este momento, não foi encontrada nenhuma pesquisa que considere a relação
da gestante com o meio sonoro sob um olhar qualitativo, que leve em conta os conteúdos
emocionais subjetivos que um determinado som possa suscitar a uma pessoa em particular,
nem se consideram outros parâmetros sonoros além da intensidade, e, ainda menos, a
combinação de sons que forma o ambiente. Notou-se, também, uma predominância do
enfoque negativo dos sons, ou seja, os ruídos, em detrimento da possibilidade de se construir
um ambiente sonoro saudável, e das possibilidades de uso desse ambiente a favor da saúde e
bem-estar.
Iniciou-se, assim, a partir do material encontrado, a procurar uma correlação entre os
efeitos do ambiente sonoro sobre a saúde humana sob esse enfoque predominantemente
negativo – e quais as conseqüências destes sobre a saúde da gestante em particular.
Entre os principais problemas passíveis de serem causados pelo meio, encontra-se o
estresse. Ele é responsável por um grande número de males, que se tornam ainda mais nocivos
durante a gravidez.
Um delicado equilíbrio químico é responsável pela manutenção da gestação, e pelas
mudanças físicas e psicológicas que têm lugar nesse período, que começam imediatamente
após a fecundação. No aspecto físico, as mudanças são drásticas, e demandam grande
capacidade de adaptação por parte da gestante; porém, as maiores mudanças ocorrem
107
internamente. Uma cascata de hormônios faz com que todo o corpo da mulher se volte para
um único objetivo: gerar um novo ser. Essas mudanças, tão profundas, ocorrem em um
período que compreende, em média, quarenta semanas. Levando-se em conta os outros dois
grandes marcos de mudanças físicas e psicológicas na vida da mulher, que são a adolescência
e o climatério, esse período torna-se relativamente curto.
Psicologicamente, as mudanças não são menores. É preciso adaptar-se à nova imagem
corporal e ao papel que representa, e a mulher questiona-se, internamente, sobre sua
capacidade como mãe. As expectativas são grandes, e as preocupações, também, tanto acerca
da saúde do bebê quanto sobre como será sua vida após o nascimento.
O feto, por sua vez, a partir da metade da gestação, torna-se apto a ouvir tanto sons do
corpo da mãe quanto sons do ambiente, interagindo com eles. É capaz de memorizar sons e
melodias e reconhecê-los após o nascimento, assim como reconhece o som da voz materna,
principalmente, e também das pessoas próximas com as quais convive. Pode não ser mera
coincidência o fato de os padrões de memória se formarem no cérebro aproximadamente no
mesmo período em que o aparato auditivo alcança sua maturação. É possível que haja uma
correlação entre esses fatos, uma vez que os sons fazem a ponte entre o mundo intra e extra-
uterino.
Os vínculos entre mãe e bebê também começam a se formar antes do nascimento, e
existe um tipo de comunicação não verbal entre eles, pois o feto é capaz de sentir os estados
emocionais da gestante, tanto pela percepção das alterações no ritmo cardíaco e na circulação,
quanto por meio de trocas químicas. Quando a gestante está feliz e bem, seu cérebro secreta
substâncias que alcançam o feto por meio da corrente sanguínea, e ele é capaz de sentir esse
bem-estar. Se, por outro lado, ela está estressada, o cérebro secreta substâncias que alteram
tanto os batimentos cardíacos quanto a circulação e pressão sanguínea, e o bebê acaba
sofrendo os mesmos sintomas. O estresse e os sintomas decorrentes dele vividos durante a
gestação podem acarretar no bebê tanto problemas comportamentais quanto físicos, pois ele
tenderá a responder às situações estressantes de forma mais imediata e intensa. É possível
supor, então, que os estados emocionais da gestante são de grande importância para a vida
posterior do bebê, pois irão influenciar tanto a forma como este irá se relacionar com o meio
quanto alguns estados de saúde até a vida adulta, como a propensão a certas doenças,
decorrentes do estresse.
Entre os problemas mais graves que possam ocorrer durante a gestação, estão o
aumento da pressão arterial e o estresse.
A hipertensão, sozinha, pode causar desde a diminuição do aporte de oxigênio e
108
nutrientes para o feto, quanto aumentar a incidência da pré-eclâmpsia e da eclâmpsia, sua
forma mais grave. A pré-eclâmpsia se caracteriza pelo aumento da pressão sanguínea,
especialmente no final da gravidez, e pode evoluir para eclâmpsia que, por sua vez, é a maior
causa de morte na gestação. Não se sabe ao certo sua origem, mas sabe-se que o estresse pode
causar aumento na pressão sanguínea, e que as mulheres expostas a altos níveis de estresse
são mais propensas a desenvolver pré-eclâmpsia e eclâmpsia.
O estresse, por sua vez, pode ser a causa de uma série de problemas, que vão desde
distúrbios de sono, aumento da pressão sanguínea e do colesterol, a distúrbios psiquiátricos.
Todos eles podem ter efeitos adversos sobre a saúde durante a gestação, variando sua
gravidade.
Além do que foi comentado, o estresse também atua sobre o equilíbrio hormonal,
desregulando-o. Durante outras fases da vida da mulher, esse desequilíbrio pode afetar o
humor e o ciclo menstrual, entre outras coisas; na gestação, os danos podem ser maiores. O
estresse tem sido apontado como uma das possíveis causas de aborto no primeiro trimestre de
gestação, justamente por causar desequilíbrio nos hormônios responsáveis pela manutenção
da gestação.
Aqui encontramos um ponto de convergência entre o ambiente sonoro e a gestação.
Uma das formas mais efetivas de alcançar o estresse é por meio de indução sonora, métodos
utilizado em laboratórios, por exemplo, quando se quer estudar aspectos relacionados ao
estresse.
O ambiente sonoro pode ser uma grande fonte de estresse, especialmente nos centros
urbanos, onde superabundância de sons que, se desagradáveis, os chamados ruídos,
podem causar grande irritação. Além de problemas auditivos, quando em excesso são
apontados como responsáveis por problemas como distúrbios de sono, enxaquecas, aumento
da pressão sanguínea e do colesterol, e como indutor do estresse. Aqui podem ser vistos vários
pontos em comum com as situações de risco para a gestação, o que leva a crer que o ambiente
sonoro possa, em algum grau, alterar a saúde durante a gestação. É necessário que se
conduzam mais estudos que liguem o estresse sonoro a problemas de saúde ocorridos durante
o período de gestação, para que se possa realmente ter alguma certeza; mas se a afirmação é
verdadeira, como parecem demonstrar as pesquisas citadas no capítulo 2, para outros períodos
da vida, provavelmente o é também para a gestação
Some-se a tudo isso, a possibilidade da gestante ficar mais emotiva e sensível ao
ambiente sonoro. Fala-se muito sobre o aumento da sensibilidade olfativa nesse período, mas
pouco se comenta sobre a auditiva, e não foram encontrados na literatura, até o momento,
109
estudos relacionados a esse assunto, nem tampouco dados que pudessem comprovar essa
questão, de grande importância, e que norteia esta pesquisa. Foi preciso, então, a partir da
necessidade de se obter alguns dados a esse respeito, proceder a uma enquete para a
verificação dessa possibilidade, e, também, para que se avaliasse em que grau isso poderia
ocorrer. Surpreendentemente, para as gestantes que participaram dessa avaliação, o número de
mulheres que reportou aumento na sensibilidade auditiva foi bastante grande, 77% do total, e,
destas, a grande maioria (46% do total) declarou que se sente muito mais sensível aos sons do
que no período em que não estavam grávidas.
O fato de que a mulher fique mais sensível aos sons durante a gestação pode ter
implicâncias maiores do que se possa supor num primeiro momento. Tomando-se como
exemplo os extremos, por um lado irritação e estresse, e, por outro, sensações prazerosas e de
bem-estar, imagina-se que essas sensações possam ser ampliadas por conta dessa
sensibilidade exacerbada. São apenas conjecturas, pois não é objetivo deste estudo em
particular, e nem seria possível em tão curto período de tempo e sem acesso aos meios
necessários para uma pesquisa mais aprofundada, chegar a uma conclusão clara e precisa
sobre este assunto; porém, quando todos esses indícios são colocados juntos, cria-se um
panorama possível de ação: o trabalho de percepção acurada do ambiente sonoro e a atuação
consciente sobre este, modificando-o, na medida do possível, e o conhecimento dos processos
envolvidos na escuta e sensibilidade auditiva da gestante, utilizados como meio para que se
suscitem sensações boas capazes de provocar bem-estar e satisfação, minimizando os efeitos
causados por um ambiente sonoro desfavorável.
Não se pretende aqui afirmar que o ambiente sonoro seja a cura para todos os males,
mas é possível que possa ser capaz de sublinhar certos estados, bons ou ruins, de acordo com
a saúde desse ambiente. Parece utópico, também, pensar que seja possível criar um ambiente
saudável para a gestante sem que haja a conscientização e trabalho das pessoas que a cercam;
a gestante não vive em uma bolha protegida e a prova de sons, e estes, por suas
características, ultrapassam facilmente os limites de propriedade, e não respeitam muros. A
composição do ambiente sonoro, obrigatoriamente, precisa de parcerias.
outras características sociais que podem mascarar a manifestação do prazer ,
necessário para a composição da paisagem sonora. Uma delas é a capacidade de tolerância a
situações adversas que a mulher desenvolveu ao longo de séculos de submissão da sua
vontade a convenções sociais nada favoráveis a ela, devido ao patriarcado. Durante muito
tempo a mulher foi considerada como um ser inferior, destituída de caráter e fraca, sendo,
assim, mais sujeita a cometer erros, necessitando ser vigiada e contida em seus desejos. Essa
110
visão da mulher está ligada ao mito da criação, quando Eva, a primeira mulher, foi tentada
pela serpente a comer o fruto proibido, que lhe daria o conhecimento do bem e do mal; ela
deu o fruto também a Adão, e assim, com a perda da inocência, foram expulsos do paraíso.
Eva foi associada à noção de castigo a perda do paraíso e responsabilizada por todos os
males a que está sujeita a humanidade, e pelo pecado original, pelo qual todos nascemos na
condição de pecadores e, portanto, condenados, e necessitados de redenção.
Outra característica é a concepção de que o prazer, que remete à sexualidade, seja
algo a que se deva negar, mesmo que inconsciente. Essa questão está ligada tanto a Eva
quanto a Maria; Eva como pecadora, e Maria como símbolo da pureza, que concebeu sem
pecado, mãe daquele que viria para nos redimir. Assim, a sexualidade é desvinculada da
gestação, e o prazer, negado. Esse tipo de pensamento prevaleceu por tanto tempo que ainda
está arraigado no nosso inconsciente. Ainda hoje, mulheres que são espancadas abusadas
pelos próprios companheiros, que se acham no direito sobre seu corpo e vontade. As mulheres
ainda têm, em média, salários inferiores aos dos homens para funções semelhantes, e ocupam
um número inferior de cargos de chefia. Assim, essa possível maior tolerância às adversidades
e a negação sistemática do prazer por séculos a fio, ainda está presente nos nossos dias, e
podem constituir-se em fatores que contribuem para que as mulheres não se queixem do
desconforto causado pelos sons. A inexistência, até onde esta pesquisa conseguiu alcançar, de
dados a respeito da sensibilidade das gestantes aos sons, de suma importância para a
composição de um ambiente sonoro apropriado para elas, levou à necessidade de um contato
maior com elas, e de um trabalho de investigação direcionado à obtenção desses dados.
Foi preciso encontrar meios para que se tivesse acesso a essa informação. A criação da
comunidade “Sons e gestação” supriu essa necessidade, e chegou a resultados, de certa forma,
surpreendentes para um trabalho sem contato pessoal com nenhuma das gestantes, e foi além
da coleta desses dados, recebendo contribuições valiosas para esta pesquisa.
Foi possível perceber, também, que a consciência do ambiente sonoro muitas vezes,
precisa de um “empurrãozinho”, e que, a princípio, não lhe é dado o devido valor. Após
alguma reflexão, no entanto, inicia-se a tomada de consciência da influência que os sons
exercem sobre o humor e os estados emocionais, e aumenta o interesse pelo trabalho de
percepção do ambiente sonoro.
Esse trabalho de tomada de consciência, ou “limpeza de ouvidos”, não pôde ser
aprofundado, devido à natureza deste trabalho, cujo tempo é limitado, e ao próprio meio
utilizado para a pesquisa, a internet, que, se por um lado possibilitou a formação de um grupo
com características bastante representativas, e uniu pessoas de localizações geográficas
111
diversas, por outro inviabilizou a formação de um grupo presencial; porém, os objetivos a que
se propôs, delimitados na introdução desta dissertação, de ligar as pesquisas existentes sobre a
saúde na gestação às pesquisas sobre o ambiente sonoro, e encontrar pontos em comum,
como, por exemplo, o estresse, acredito, foram alcançados; a formação de grupos presenciais,
que também esbarra em questões éticas e na necessidade de acompanhamento médico
profissional,e, portanto, mais complexa, deve ser utilizada em ocasião mais propícia e em
condições ideais, e indicada, provavelmente, para uma próxima pesquisa.
O caminho de pesquisa em ecologia acústica, antecipado por Schafer, e sua proposta
de educação sonora, concebida na década de 1970, mostrou-se visionária e, mais do que
nunca, atual. É preciso proceder a limpeza de ouvidos coletiva, criar meios de atingir o maior
número de pessoas possível, para que se torne viável, como disse Schafer na citação que inicia
estas considerações, replanejar a paisagem sonora.
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_____________
ANEXOS
_____________
ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C
ANEXO D
ANEXO E
ANEXO F
ANEXO G
128
ANEXO H
ANEXO I
ANEXO J
ANEXO K
ANEXO L
ANEXO M
ANEXO N
ANEXO O
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