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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA/PÓS-GRADUAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DA TERRITORIALIDADE PELO CATADOR
DE MATERIAL RECICLÁVEL NO CRUZEIRO, SETOR
SUDOESTE E SETOR OCTOGONAL DF
AUTOR: SÉRGIO TOLEDO PEREIRA
2005
Dissertação apresentada como
requisito parcial à obtenção do grau
de Mestre no Departamento de
Geografia, Instituto de Ciências
Humanas da Universidade de Brasília.
Orientadora: Professora Dra. Marília
Steinberger.
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II
A CONSTRUÇÃO DA TERRITORIALIDADE PELO
CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL NO CRUZEIRO,
SETOR SUDOESTE E SETOR OCTOGONAL – DF.
SÉRGIO TOLEDO PEREIRA
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do
grau de Mestre no Departamento de Geografia, Instituto de Ciências
Humanas da Universidade de Bralia, pela comissão formada pelos
professores:
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Steinberger (GEA/UNB)
Membro: Prof. Dr. Neio Lucio Oliveira Campos (GEA/UNB)
Membro: Prof. Dr. Marcos Estevan Del Prette (MMA/USP)
Suplente: Prof. Dr. Rafael Sanzio A. dos Anjos (GEA/UNB)
Brasília, 12 de julho de 2005
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III
A Joelma, que tem sonhos e asas.
A Isadora, que reinventou meu mundo.
IV
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................................6
ABSTRACT........................................................................................................................... 7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS.................................................................................8
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10
CAPÍTULO I ....................................................................................................................20
REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO
DE RECICLAGEM NO CICLO DO CAPITAL.............................................................20
CAPÍTULO II .....................................................................................................................35
O PROCESSO DE RECICLAGEM: ETAPAS E AGENTES ENVOLVIDOS .............35
CAPÍTULO III....................................................................................................................51
EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA NO EXTERIOR E NO BRASIL.............51
Na Alemanha...................................................................................................................51
Na França ........................................................................................................................52
Na Espanha......................................................................................................................53
Nos Estados Unidos.........................................................................................................53
No Canadá....................................................................................................................... 54
No Japão..........................................................................................................................54
Na China..........................................................................................................................55
Na América do Sul...........................................................................................................56
No Brasil ......................................................................................................................... 57
Belo Horizonte..............................................................................................................59
Paracatu....................................................................................................................... 60
São Paulo...................................................................................................................... 61
Porto Alegre .................................................................................................................62
Curitiba ........................................................................................................................ 63
Salvador........................................................................................................................ 64
CAPÍTULO IV.................................................................................................................... 67
EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA EM BRASÍLIA........................................67
CAPÍTULO V......................................................................................................................91
A APROPRIAÇÃO TERRITORIAL E OS CONFLITOS ENTRE OS CATADORES
E OS OUTROS AGENTES DO PROCESSO DE RECICLAGEM ...............................91
Os conflitos entre os catadores e os outros agentes do processo de reciclagem ............... 103
As formas de apropriação do território pelos catadores................................................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 117
ANEXO I: Fotografias das Etapas do Processo de Reciclagem.......................................... 120
ANEXO II: Projeto Lixo e Cidadania do DF: Fotografias e Mapa de Localizão das
Associações e Cooperativas de Catadores do DF............................................................... 124
6
RESUMO
Esta dissertação mostra a importância do território na consolidação do
catador de material reciclável como agente beneficiário do processo de
reciclagem, tomando a área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal
como estudo de caso. Identifica as formas de construção da territorialidade pelo
catador e os conflitos em sua relação com os outros agentes do processo de
reciclagem. Destaca o significado da apropriação de um território para a sua
sobrevivência e a relevância da organizão desse segmento social em
associações e cooperativas. Destaca ainda a necessidade do reconhecimento
de seu trabalho pela sociedade e visibilidade a esse profissional, ao mostrar
que sua atividade deve ser merecedora de mais atenção, não pelo valor
agregado que gera, como pelos ganhos ambientais que proporciona.
7
ABSTRACT
This dissertation shows the importance of the territory in the
consolidation of the collector recyclable material as beneficiary agent of the
recycling process, taking the area of the Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor
Octogonal DF as case study. It identifies to the forms of construction of the
territoriality for the collector and the conflicts in its relation with the other agents
of the recycling process. It detaches the meaning of the appropriation of a
territory for his survival and the relevance of the organization of this social
segment in associations and cooperatives. It still detaches the necessity of the
recognition of its work for the society and gives visibility to this professional,
when showing that its activity must be deserving of more attention, not only for
the aggregate value that generates, as for the ambient profits that it provides.
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
100 Dimensão Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Resíduos
Sólidos com Formação e Educação Ambiental
ACARE Associação de Costureiras do Recanto das Emas
ACOBRAZ Associação dos Catadores e Recicladores de Resíduos
Sólidos de Brazlândia
AMBIENTE Associação Ambiente da Vila Estrutural
APCORB Associação Pré-Cooperativista Catadores de Resíduos
Sólidos de Brasília
APCORC Associação Pré-Cooperativista dos Catadores e Recicladores
de Resíduos Sólidos de Ceilândia
ASTRADASM Associação de Trabalho dos Recicladores e Desenvolvimento
Agrícola e Ambientalista de Santa Maria
BELACAP Serviço de Ajardinamento e Limpeza Urbana do Distrito
Federal
CATAGUAR Associação de Catadores do Guará
CEA Centro de Estudos e Assessoria
CEMPRE Compromisso Empresarial para a Reciclagem
CMAD Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
das Nações Unidas
COMLURB Companhia de Limpeza Urbana
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
COOPATIVA Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com
Formação e Educação Ambiental
COOPVAR Cooperativa dos Trabalhadores do Varjão
COORTRAP Cooperativa de Produtores e Trabalhadores de Reciclagem
COORTRAP Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com
Formação e Educação Ambiental
DMLU Departamento Municipal de Limpeza Urbana
ECOCÂMARA Núcleo de Gestão Ambiental da Câmara dos Deputados
9
FECOMÉRCIO Federação do Comércio do Estado de São Paulo
GDF Governo do Distrito Federal
HFA Hospital das Forças Armadas
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
MEC Ministério da Educação
OAF Organização do Auxílio Fraterno
ONG Organização não Governamental
PEV Posto de Entrega Voluntária
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEDU Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da
Presidência da República
SEMATEC Secretaria do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia
SLU Serviço de Limpeza Urbana
UNB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
10
INTRODUÇÃO
Um dos maiores dilemas da humanidade é descobrir um meio de
continuar gerando progresso sem destruir os recursos naturais. A partir da
implantação do sistema capitalista o homem passou a se apropriar da natureza
de uma forma mais rápida e violenta. A industrialização e a urbanização
motivaram a busca incessante de matéria-prima para a produção de
mercadorias em todo o mundo.
O modo de produção capitalista sujeita o meio ambiente e o homem a
uma degradação cada vez mais rápida e violenta. O consumismo desenfreado
provoca, além de outros problemas, a poluição do ar e da água, a contaminação
do solo, a devastação das florestas e o aumento da temperatura do planeta.
A economia do descartável, que incentiva cada vez mais o consumo de
supérfluos, e a criação de necessidades, aceleraram a apropriação dos recursos
naturais e provocaram a iminência do esgotamento de alguns deles. Esse fato
despertou a comunidade mundial para a importância da preservação do meio
ambiente e do uso racional dos recursos naturais, com incentivo à participação
popular. Nesse contexto, surgiu a reciclagem.
Existem várias maneiras de enfocar a reciclagem. Sob o enfoque
ambiental, ela proporciona a diminuição das emissões de dióxido de carbono e
metano, gases responsáveis pelo efeito estufa na atmosfera. Ao reciclar, o ps
economiza na pesquisa, extração e transformação da matéria-prima em novos
produtos. Pelo enfoque econômico, a reciclagem proporciona enorme redução
de gastos para o Estado. Ao implementar políticas públicas que incentivam a
prática da coleta seletiva, em parceria com os catadores e a população, o
Estado obtém diversas vantagens. Economiza na coleta e no transporte do
material reciclável, amplia as frentes de trabalho de autogestão e aumenta a
vida útil dos aterros sanitários. Economiza ainda nos gastos com a limpeza
pública, que terá menor quantidade de material a ser recolhida. Sob o enfoque
social, foco deste trabalho, o processo de reciclagem proporciona importantes
melhorias. O Brasil é um país de contrastes, com alto padrão de consumo e ao
mesmo tempo com uma enorme parcela de excluídos. A reciclagem de materiais
11
pós-consumo tem capacidade de gerar emprego e renda para milhares de
catadores sem outra alternativa de sustento, por não atenderem as exigências
do mercado de trabalho.
Apesar da comprovada importância do catador no processo de
reciclagem, eles ainda formam um dos segmentos mais excluídos da sociedade,
quase sempre tratados com preconceito e como caso de polícia. O
reconhecimento da importância de seu trabalho é vital. A forma de catação de
material reciclável varia de uma cidade para outra em volume e complexidade,
mas algumas características não se alteram: as ssimas condições de
trabalho, a inconstância do apoio do poder público e o desprezo da população.
Pesquisas de ONGs e entidades voltadas para o setor de reciclagem
traçaram o perfil do catador brasileiro. A maioria não tem qualificação
profissional; 70% não tem outra fonte de renda; poucos conseguiram concluir o
ensino fundamental; 57% são casados; trabalham com lixo mais de cinco
anos e foram empurrados para os lixões por causa do desemprego. A
reciclagem abriu caminho em um mercado de trabalho competitivo e excludente,
no qual pessoas com mais de 40 anos estariam possivelmente desempregadas.
Na maioria das cidades, os catadores ainda trabalham para os donos
dos depósitos, que são os intermediadores da venda do material pós-consumo
para as indústrias. A partir dessa constatação, algumas entidades sociais,
depois de muita discussão com as autoridades governamentais, conseguiram
criar galpões de triagem e organizar cooperativas.
Em algumas localidades, essas atitudes favoreceram o reconhecimento
da importância do trabalho do catador na manutenção da limpeza pública e na
economia gerada pela coleta, transporte e destinação final do material recolhido
por esse setor informal. Os catadores são responsáveis pela maior parcela do
material encaminhado para as indústrias de reciclagem. Esse é um dos fatores
que os tornam merecedores de maior amparo legal e reconhecimento social
para que possam aumentar a eficiência e qualidade do serviço que prestam.
Algumas cooperativas têm convênio com instituições de outros países,
conseguem doação de terrenos do governo federal para desenvolver seu
trabalho, produzem artesanato, têm aulas regulares voltadas para o ensino
12
fundamental, médio e pré-vestibular, salas de estudo para os filhos e muitos
outros benefícios. O trabalhador da cooperativa tamm tem contato com
pesquisadores, estudantes e repórteres e sente-se orgulhoso de seu trabalho
por melhorar a qualidade de vida de sua família e da comunidade.
As razões pelas quais escolhi o direcionamento social do processo de
reciclagem como tema da dissertação de mestrado foram de ordem pessoal e
profissional. O assunto me interessa muito tempo, tanto pela variedade de
objetos reaproveitados ou reciclados que utilizava no dia-a-dia, quanto pela
possibilidade de criação de novos objetos e utensílios e a comercializão de
material reciclável. Durante toda minha infância e juventude, sempre utilizei
diversos tipos de material reaproveitável ou reciclável na confecção de meus
brinquedos. Pneus, câmaras de ar, latas em geral, papel e papelão, hastes de
antenas de televisão, diversos tipos de molas, tampas de garrafas, pedaços de
madeira, fios elétricos e muitos outros materiais descartados, além de utensílios
domésticos, eram transformados em brinquedos. Outra forma de aproveitamento
desse material era como utensílio doméstico. Latas de doce, de conserva e de
óleo eram utilizadas como pratos, copos, jarras, chuveiros e regadores. Tampas
de garrafas eram empregadas na confecção de limpadores de pés, engradados
de cerveja faziam as vezes de mesas e cadeiras. As possibilidades de
aproveitamento desses materiais eram imensas, e o emprego deles em
inúmeros lares, é, ainda hoje, bastante comum.
A coleta seletiva de materiais era para mim e para muitas pessoas da
minha comunidade, uma ótima fonte de renda. Coletávamos ferro, alumínio e
cobre, que eram vendidos nos ferros-velhos ou para os compradores que
passavam assiduamente nas ruas. As garrafas de refrigerante, cerveja e
aguardente e os garrafões de vinho eram vendidas ao garrafeiro ambulante, aos
depósitos de garrafas ou aos bares e lanchonetes, que compravam os
vasilhames para repor os que haviam sido quebrados. Os papéis, jornais e
revistas velhos eram vendidos também aos compradores que passavam de
porta em porta ou aos depósitos. A coleta seletiva de materiais, além de ser uma
boa fonte de lucro para a comunidade, proporcionava a limpeza mais adequada
dos terrenos e maior proteção contra doenças.
13
A necessidade na infância e juventude de reaproveitar ou reciclar
materiais descartados tornou-se opção para mim agora na vida adulta. Possuo
em minha residência vários veis e objetos antigos que recolhi, recuperei e dei
nova forma ou utilização. Essa opção pelo reaproveitamento de materiais e
objetos teve influência direta de meu pai, que trabalhou por mais de vinte anos
com conserto de panelas, vasilhames de alumínio e outros utensílios
domésticos.
Como pesquisador, observo que a Geografia atual escada vez mais
compromissada com a justiça social e com a busca de soluções para os
problemas ambientais. Nesse sentido, acredito que a investigação sobre uma
atividade que gera emprego e renda para pessoas carentes, como os catadores
de material reciclável, e a demonstração da importância de seu trabalho para a
sociedade pode acrescentar resultados práticos e relevantes para ciência social
que escolhi como formação básica.
A coleta seletiva de materiais recicláveis, entre outros benefícios,
proporciona a possibilidade de aumentar a duração e a melhor utilização dos
recursos naturais. Este é um dos principais temas da Geografia, segundo
autores como Ferreira (2002), que afirma ser o desenvolvimento e a
preservação do ambiente uma das grandes questões atuais e um dos maiores
desafios para a produção do espaço geográfico pela sociedade. Cidade (2001)
registra as pressões para a mudança de ênfase da Geografia, de um campo
científico voltado para a compreensão de processos socioespaciais, visando a
transformão da sociedade, para uma Geografia como fonte de declarações
prescritivas e normativas voltadas para a resolução de problemas ambientais,
devido a uma leitura cada vez mais generalizada da questão ambiental como
crise ambiental. Suertegaray e Nunes (2001) afirmam que este é o momento do
tempo multidimensional, do tempo com a preocupação da preservação para o
não esgotamento pido da mercadoria natureza, objetivando a manutenção e a
criação de novos processos de acumulação de capital. Neste sentido, um projeto
que sugere algumas decisões e medidas a serem tomadas, de maneira a
favorecer uma possível melhoria na forma de utilização dos recursos naturais e
14
nas condições de vida dos segmentos socialmente excluídos, está de acordo
com as novas tendências da Geografia.
O direcionamento social do processo de reciclagem encontra apoio no
texto de Ferreira, que ressalta que a principal contribuição da Geografia,
consciente do papel do espaço geográfico no processo social e do peso do
lugar, estaria em apontar saídas, a partir do território, no sentido de construir um
espaço socialmente mais justo e ambientalmente sustentável. Estas saídas da
Geografia, de certa forma, resgatam uma vida desta ciência com a natureza,
em geral vista como física. A autora também lembra que o desenvolvimento do
sistema capitalista teve imenso apoio da Geografia: “A expansão do comércio a
partir do século XVI, após as grandes descobertas marítimas, estimulou o
avanço dessa Geografia calcada na observação e na descrição dos lugares, que
permitia saber onde se encontravam as matérias-primas e os mercados.
Acumulou-se assim, sob o rótulo de Geografia, um repertório de informões as
mais diversas sobre a terra e sua ocupação pelos homens”.
A respeito do mesmo tema, destaca Cidade (op.cit.) que o contexto
hisrico da modernidade caracterizou-se pela ascensão e expansão do
capitalismo, que, em nome do êxito material, levou a extremos o processo de
transformão da natureza. Os serviços prestados por essa ciência ao
expansionismo capitalista não foram acompanhados de responsabilidade com o
meio ambiente ou com a viabilização dos meios de sobrevivência dos
segmentos sociais explorados. Ferreira (ibidem) caracteriza bem isto ao dizer
que os estudos geográficos permitiram que se tornasse conhecido o que estava
fisicamente e socialmente distante, ligando pontualmente lugares, fornecendo
informões sobre onde se encontravam as riquezas e como estavam sendo
exploradas. Diz ainda que a Geografia participou do processo de expansão do
mundo ao torná-lo conhecido, sem tentar explicá-lo, permitindo a exploração da
natureza, sem questioná-la. Em outra parte do texto a autora confirma que o
conhecimento geográfico foi também de suma importância para a expansão
colonial:
“O conhecimento que a Geografia fornecia sobre territórios desconhecidos era de
suma importância para a expansão colonial, indicando recursos existentes e as
15
possibilidades de exploração dos mesmos. Os estudos desses lugares pouco
acessíveis obtiveram financiamento das sociedades de Geografia, que contaram com
fundos fornecidos pelos governos dos países em expansão capitalista e por grandes
empresas comerciais”.
A partir da constatação de que a Geografia contribui sobremaneira para
os eventos capitalistas e, por conseqüência também para a aceleração do
processo de degradação da natureza e do homem, é preciso destacar agora a
importância de projetos desta ciência dedicados a apontar soluções para os
problemas ambientais e de sobrevivência dos segmentos sociais menos
favorecidos.
O tema da coleta e reciclagem pode ser enriquecido em vários
aspectos, ao ser abordado por uma ciência preocupada com a preservão do
meio ambiente, com a melhor forma de utilização dos recursos naturais e com a
construção de um espaço socialmente mais justo. A Geografia pode colocar à
disposição do tema todo um conhecimento acumulado em diversas áreas de
aplicação.
Sabe-se que a ciência geográfica evoluiu muito nos últimos tempos.
Essa evolução valorizou experiências de preservação e utilização racional dos
recursos naturais em termos sociais. Essas experiências podem adicionar ao
tema conhecimentos sobre a realidade dos segmentos sociais excluídos e a
importância da mobilizão social para a melhoria das suas condições de vida.
A Geografia atual dedica-se a encontrar soluções práticas para que o
homem possa se beneficiar da melhor maneira possível dos recursos naturais
existentes, e para que possa viver bem numa sociedade cada vez mais
complexa e exigente. A reciclagem desponta como uma das formas mais
harmônicas possíveis de sobrevivência e adequação do homem ao meio em que
vive. Assim, ganha o tema reciclagem com as possíveis contribuições da
Geografia, e ganha a Geografia com os ensinamentos da reciclagem.
A proposta desta dissertação é mostrar a importância do território para a
consolidação do catador como agente beneficiário do processo de reciclagem,
tomando a área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal como estudo de
caso.
16
Como objetivos específicos, o estudo buscou identificar os outros
agentes envolvidos no processo de reciclagem e mapear os conflitos territoriais
entre o catador e esses agentes. Para alcançar este objetivo, buscou-se
identificar os agentes envolvidos no processo de reciclagem em Brasília e os
conflitos territoriais na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal.
A primeira hipótese levantada foi a de que a implantação de um
programa de coleta e reciclagem que assegure a participação do catador e
aponte meios para que ele se aproprie e permaneça em um território adequado
às suas atividades pode ser um primeiro passo para promover a dignidade
desses trabalhadores e solucionar o problema de saturação da capacidade dos
lixões.
A segunda hipótese considerou a possibilidade de que em muitas
situações a constrão da territorialidade dependa mais da concessão dos
outros agentes envolvidos no processo de reciclagem do que do planejamento e
atuação do catador.
Para a elaboração do trabalho adotaram-se os seguintes procedimentos
metodológicos:
- levantamento bibliográfico e revisão bibliográfica teórica/conceitual,
para apoiar as idéias defendidas no texto, amparando-se nas noções de
produção capitalista, meio urbano, territorialidade e territórios
indesejáveis.
- análise documental empírica.
- escolha da pesquisa qualitativa, num enfoque etnográfico, viabilizada
pelo estudo de caso, que mostrou-se mais adequada a este trabalho,
por ser uma modalidade que privilegia o contato direto e natural com a
situação e indiduos em estudo. Assim, a imersão no cotidiano dos
catadores representou a principal fonte de coleta de dados.
- coleta de dados por meio da observação (registrada em diário de campo)
e a entrevista semi-estruturada.
17
A pesquisa de campo permitiu maior conhecimento do problema e seus
efeitos práticos. Foram realizadas visitas a locais estratégicos, como a cooperativa
de catadores, depósitos de materiais recicláveis, supermercados e lanchonetes, a
partir de um reconhecimento da área e identificação dos locais mais procurados
pelos catadores.
No Cruzeiro, os pontos mais procurados são a feira permanente, o
supermercado Veneza, o supermercado Super Maia e o Cruzeiro Center. No Setor
Sudoeste, os pontos mais procurados o os supermercados e lanchonetes da
avenida comercial. No setor Octogonal os catadores vasculham apenas os
conteiners que ficam fora das quadras residenciais, que são fechadas e os dos
blocos comerciais.
A estratégia de contato foi o posicionamento nos pontos citados. Não
houve demora até os primeiros contatos. A abordagem nas ruas foi sempre
precedida de uma certa tensão por parte do catador, desacostumado a conversar
com pessoas fora de seu meio social e sempre arredio, devido à repulsa causada
por sua aparência e o tipo de trabalho que realiza. Alguns chegaram a declarar
instantaneamente que tinham casa para morar e roupas limpas na sacola para
trocar após o banho. Devido a esses aspectos, a abordagem passou a ser feita de
maneira bastante dissimulada e a utilização de gravador foi descartada.
O tempo médio de cada entrevista, inicialmente previsto em 20 minutos,
alongou-se para 50 minutos, inicialmente devido aos cuidados no contato, depois
por causa dos relatos mais longos dos catadores mais idosos, com mais histórias
para contar. Após as primeiras entrevistas, algumas questões de caráter mais
pessoal foram adicionadas ao questionário inicial, porque os entrevistados
demonstravam necessidade de relatar sua trajetória de vida.
O questionário definitivo, contendo 13 questões relacionadas à rotina de
trabalho do catador foi aplicado de forma individual. As respostas foram escritas
pelo próprio entrevistador, devido ao número elevado de analfabetos. Foram
entrevistados 11 catadores autônomos e 19 catadores organizados. Entre os
entrevistados, 7 eram mulheres.
As entrevistas possibilitaram a coleta de dados dentro da perspectiva da
pesquisa, fornecendo informões complementares, e uma maior percepção da
18
questão estudada. Foram entrevistados catadores organizados em associões
e cooperativas e os que trabalham na rua como autônomos, e também outros
agentes envolvidos, como zeladores, porteiros e vigias de prédios residenciais e
comerciais e servidores públicos.
A análise documental emrica colaborou para o mapeamento da
evolução dos fatores que influenciaram no processo abordado, como também
para a identificação dos principais agentes envolvidos. Foram analisados
projetos de coleta seletiva e reciclagem no exterior e no Brasil.
Pela observação, acompanhamos as atividades, posturas e ações
dos principais sujeitos focalizados em várias situações de seu dia-a-dia. A
entrevista permitiu esclarecimentos e aprofundamento dos pontos que pedem
verbalizações mais detalhadas e ainda acrescentou outras explorações
enriquecedoras ao estudo.
No Capítulo 1 foi traçada a relação entre a produção capitalista e a
destruição dos recursos naturais. Foram destacados novos conceitos e formas
de relacionamento com o meio ambiente para prevenir a escassez desses
recursos. O processo de reciclagem foi situado no ciclo do capital, evidenciando-
se as condições de surgimento da atividade de catador e sua importância na
viabilização do retorno do material reciclável à cadeia produtiva. Para melhor
compreensão do processo de reciclagem, abordaram-se aspectos relevantes do
modo de produção capitalista, do meio urbano e das cidades, além de noções
de território, territorialidade e territórios indesejáveis.
A reciclagem foi apresentada no Capítulo 2 como a maneira mais viável
de preservação e uso racional dos recursos naturais, e importante instrumento
de inclusão social. Foram descritas as várias etapas do processo de reciclagem,
desde a coleta seletiva até a transformação do material na indústria recicladora,
e os principais agentes envolvidos. Os agentes foram classificados em grupo
principal, grupo intermediário e grupo de apoio, com destaque para a
importância do catador no processo de reciclagem no Brasil e da organização do
catador em associações ou cooperativas para a melhoria das condições de vida
da categoria.
19
No capítulo 3 foram apresentadas as experiências e o direcionamento
dado ao processo de reciclagem no âmbito internacional, a partir da aceleração
do esgotamento dos recursos naturais, em decorrência do aumento do padrão
de vida nos países industrializados. As experiências de coleta e reciclagem
realizadas em algumas cidades brasileiras foram apresentadas e comparadas
com as experiências internacionais.
As experiências de coleta e reciclagem realizadas em Brasília, no
âmbito dos órgãos públicos, universidades, instrumentos e equipamentos e o
programa de coleta seletiva do plano piloto foram relatadas e analisadas no
capítulo 4.
No capítulo 5 apresentaram-se as formas de construção da
territorialidade pelo catador na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor
Octogonal e seus conflitos com os outros agentes do processo de reciclagem.
Os resultados foram embasados pelos dados obtidos na pesquisa de campo e
pelo referencial teórico-analítico desenvolvido nos capítulos iniciais desta
dissertação.
20
CAPÍTULO I
REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL: A IMPORTÂNCIA DO
PROCESSO DE RECICLAGEM NO CICLO DO CAPITAL
O ponto central da lógica capitalista consiste na produção de
mercadorias para a obtenção de lucro. A partir do século XIX, esse modelo de
produção avançou em ritmo acelerado e as críticas a ele dirigidas não foram
capazes, até agora, de impedir as implicações prejudiciais sobre a sociedade e a
natureza. A idéia de inevitabilidade do progresso sempre justificou a busca
desmedida do lucro, independente das avarias causadas à natureza. Neste
sentido, Smith (1988, p. 94) afirma:
A produção capitalista (e a apropriação da natureza) é acompanhada não pela
satisfação das necessidades em geral, mas pela satisfação de uma necessidade em
particular: lucro. Na busca do lucro, o capital corre o mundo inteiro. Ele coloca uma
etiqueta de preço em qualquer coisa que ele vê, e a partir desta etiqueta de preço é
que se determina o destino da natureza.
A apropriação da natureza, transformando, de maneira inconseqüente,
recursos naturais em mercadorias, pode representar a falência do próprio
sistema, como aponta o mesmo autor:
Na incontrolada tendência para a universalidade o capitalismo cria novas barreiras
para o seu próprio futuro. Produz uma escassez de recursos necessários, empobrece
a qualidade dos recursos ainda não consumidos, cria novas doenças, desenvolve uma
tecnologia nuclear que ameaça o futuro de toda a humanidade, polui totalmente o
ambiente que s devemos consumir para reproduzir, e o processo diário de trabalho
ameaça em muito a existência daqueles que produzem o essencial da riqueza social.
Mas o ímpeto capitalista também deve desenvolver, como parte dele, força necessária
para poder propagar como antinatural e vulnerável este modo de produção é, e quão
historicamente temporário ele pode ser. Não é somente a relativa juventude do
capitalismo que assinala seu aspecto de ser temporário, mas a produção dessas
contradições internas é que garante o caráter temporário. A produção da natureza é o
meio pelo qual estas contradições se concretizam. (p. 100)
A produção de qualquer mercadoria envolve um custo ambiental. Não
se trata aqui de uma conta simples de quanto foi gasto para transformar a
matéria-prima em bem de consumo. A produção de refugos e, por conseguinte,
a preocupação sobre o que fazer com ele, é tão importante quanto preservação
dos recursos escassos.
21
Se por muito tempo as idéias de crescimento econômico e preservação
ambiental trilharam caminhos diversos, com o acirramento das discussões sobre
as causas do desequilíbrio ecológico do planeta, a forma predatória de produção
de mercadorias passou a ser contestada mais veementemente.
Já em 1948, reconheceu-se formalmente os problemas ambientais, na
reunião do Clube de Roma, que constatou a finitude dos recursos naturais e
solicitou o estudo conhecido por Limites do Crescimento (Meadows, 1992),
publicado por ocasião da Conferência Mundial do Meio Ambiente em
Estocolmo no ano d e 1972.
A Conferência de Estocolmo, promovida pela ONU, resultou na
Declaração sobre o Ambiente Humano, reconhecendo como direito fundamental,
tanto das gerações presentes quanto das futuras, a vida num ambiente sadio e
não degradado.
Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
das Nações Unidas (CMAD), conhecida como Comiso Brundtland,
recomendou a criação de uma nova carta ou declaração universal sobre a
proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. O Relatório Brundtland (a
comissão era presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem
Brundtland) foi publicado em 1987, sob título Nosso Futuro Comum, e apontou
para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de
produção e de consumo vigentes. Mas foi na Eco-92, ou Rio-92, que o termo se
consolidou numa proposta referendada por mais de 180 países.
Muitas soluções foram buscadas com a inteão de prevenir uma
iminente escassez de recursos naturais. Novos conceitos e formas de
relacionamento com o meio ambiente foram desenvolvidos. Não cabe mais a
classificação dos recursos naturais em renováveis e não renováveis, pois sua
finitude e mau uso tornam todos o renováveis. Por outro lado, o termo lixo foi
repensado, significando hoje apenas uma pequena parte do que é jogado fora.
Nesse contexto, a reciclagem surgiu como uma alternativa viável para a
amenização da problemática ambiental.
No Brasil, a cadeia da reciclagem depende fundamentalmente do
catador, que atua na primeira fase do processo, a coleta seletiva. Essa coleta
22
consiste na separação do lixo reaproveitável, que pode ser reciclado, do lixo que
não será reaproveitado, geralmente impregnado de detritos orgânicos. Este
capítulo visa situar o processo de reciclagem no ciclo do capital, o que ajudará a
entender a importância do catador na viabilização do retorno do material
reciclável à cadeia produtiva.
O Ciclo do Capital integra as fases de produção, circulação, distribuição
e consumo, esta última responsável pela maior produção de lixo, principalmente
nos grandes centros urbanos, onde se utiliza enorme quantidade de embalagens
descartáveis. A reciclagem apresenta-se, pois, como um subproduto da fase
pós- consumo, anteriormente pouco considerado.
A “catação” de material recicvel para venda ocorria tempos, mas
nunca numa escala tão expressiva como agora, e nunca com o envolvimento do
governo e de diversos segmentos da sociedade nesse processo. A reciclagem
em larga escala abriu novas possibilidades de trabalho e provocou mudanças de
atitude nas cidades onde foi implantada. Para que a coleta seletiva e posterior
reciclagem dos produtos ocorram de forma organizada e eficiente é
imprescindível a atuação do catador. É ele quem movimenta todo o processo.
Mesmo antes do despertar para as questões ambientais, o catador já realizava o
importante trabalho de coleta e encaminhamento do material para a reciclagem.
É certo que essa atuação era, como ainda hoje, movida principalmente
por questões econômicas e de sobrevivência. Mas esse personagem tem uma
longa história de convivência com condições extremamente adversas para
desempenhar seu ofício, que na verdade é o que lhe sobrou de um sistema
socialmente excludente.
A partir da constatação de que o catador não é mais o único a
sobreviver coleta de materiais, faz-se necessária a defesa de sua manutenção
no processo de reciclagem. Empurradas pelo desemprego ou pela possibilidade
de melhorar seus rendimentos, muitas pessoas atualmente se dedicam
costumeira ou esporadicamente a juntar e revender latas de alumínio ou
embalagens confeccionadas com plástico pet, materiais muito valorizados e que
não vão mais parar na lata do lixo o facilmente. As doações desses materiais
para o catador também diminuíram, ficando hoje nas mãos dos porteiros de
23
prédios, zeladores, e até de pessoas de classe média, que descobriram uma
boa forma de conseguir uma renda extra. Assim, forma-se uma verdadeira rede
de atores principais e secundários envolvidos no processo de reciclagem. A
competitividade aumentou muito, e o catador viu seus rendimentos diminuírem.
Enquanto aumenta a disputa pelo material reciclável, apenas 6% do lixo
sólido produzido retornam à indústria sob a forma de matéria-prima, segundo
dados do CEMPRE - Compromisso Empresarial para a Reciclagem. Vários
entraves contribuem para isso, sendo o maior deles a falta de cuidados com o
material pós-consumo. A presença de matéria orgânica nas embalagens
descartadas influencia negativamente na qualidade do material recolhido, o que
dificulta seu reaproveitamento e também provoca diminuição no preço de
mercado. As mudanças comportamentais para um consumo responsável
propiciariam ao mesmo tempo uma grande fonte de renda, a diminuição do
desperdício e, conseqüentemente, economia de recursos.
A falta de programas organizados e eficientes de coleta seletiva é
outro impedimento ao aumento da reciclagem dos resíduos sólidos domiciliares.
São poucos os municípios brasileiros que têm esse tipo de coleta, a maior parte
nas regiões Sudeste e Sul, entre os quais destacam-se Curitiba, Porto Alegre,
Belo Horizonte e Florianópolis. Mesmo assim, a quantidade de resíduos
recolhidos por esse sistema ainda é pequena. Tornam-se urgentes medidas
para incentivar o aumento de seu aproveitamento, como a atribuição de
responsabilidades aos fabricantes pelo ciclo total do produto, a exemplo do que
ocorre na Alemanha, e a obrigão de recolhimento após o uso pelo
consumidor, que já acontece no Brasil com pneus, baterias e pilhas,
obedecendo a resoluções do CONAMA.
A falta de universalização dos métodos de coleta seletiva também é um
grande empecilho para o aumento da reciclagem dos resíduos sólidos. Sem um
modelo unificado para todo o ps, cada unidade da federação tem um projeto
diferente, e não aproveita as inovações e experiências bem sucedidas em outras
localidades.
A utilização dos recursos de forma racional conta hoje com novos
conceitos e atitudes. Um movimento que começa a crescer nos últimos tempos é
24
o da responsabilidade social empresarial, que se tornou um fator de
competitividade para os negócios. A maioria das empresas, para manter-se
competitiva no mercado, antes apostava basicamente no preço de seus
produtos e serviços e, tempos depois, na qualidade. Atualmente, algumas delas
procuram investir no permanente aperfeiçoamento de suas relações com seu
público. Entre outras iniciativas, destacam-se: fabricar produtos ou prestar
serviços que o degradem o meio ambiente, promover a inclusão social e a
melhoria das condições de vida da comunidade da qual fazem parte. Estes são
diferenciais cada vez mais importantes para as empresas na conquista de novos
consumidores ou clientes, e trazem enorme retorno em termos de
reconhecimento (imagem) e melhores condições de competir no mercado. O
acesso aos créditos financeiros também é mais fácil para as que incorporam
critérios de gestão responsável. As empresas, que antes tinham pouco ou
nenhum cuidado com os recursos utilizados na fabricação de seus produtos,
agora podem e devem se tornar parceiras do poder público e da sociedade
interessada em preservá-los.
Os catadores formam um dos segmentos mais excluídos da sociedade,
quase sempre tratados com preconceito e como “caso de polícia”. O
reconhecimento da importância de seu trabalho pelos outros segmentos sociais
é de vital imporncia. A forma de “catação” de material reciclável varia de
cidade para cidade em intensidade e complexidade, mas as características não
se alteram. São comuns as péssimas condições de trabalho, a falta de apoio do
poder público e o desprezo da população em geral.
Somente com o reconhecimento da importância de seu trabalho pela
sociedade, o catador poderá melhorar sua auto-estima, interessar-se mais por
outros aspectos de sua atividade, como o ambiental e o social, e prestar um
serviço com maior qualidade. Deixaria assim de fazer parte da categoria dos
“trabalhadores invisíveis”, aqueles que desempenham importante papel social,
mas sem nenhum reconhecimento. Smith (op.cit., p. 78) ilustra bem essa
situação, afirmando que “Muitas classes dominantes o desempenham
quaisquer tarefas, enquanto outras podem desempenhar funções sociais
necessárias que, contudo, estão desprovidas de valor social.”
25
A adoção de novas práticas sociais, como a economia solidária, é o
sustentáculo para o êxito do processo de reciclagem. Em uma exposição
realizada no II Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, Mance (2002)
relata o surgimento dessa prática e suas principais características. A economia
solidária desenvolveu-se a partir dos Fóruns Sociais Mundiais, onde se defendia
a necessidade de organização das camadas populares da sociedade civil
planetária, compostas por segmentos oprimidos e excluídos e por aqueles que
lhes são solidários, com a intenção de buscar alternativas de superar a lógica de
produção capitalista, causadora de concentração de riquezas, exclusão social e
destruição dos recursos naturais.
O autor ressalta que a noção de economia solidária abarca diversas
práticas e esassociada “a ões de consumo, comercialização, produção e
serviços em que se defende, em graus variados, entre outros aspectos, a
participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo, cooperação e
intercooperação, auto-sustentação, a promoção do desenvolvimento humano,
responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas”.
Entre essas práticas inclui-se a autogestão de empresas pelos
trabalhadores, a agricultura ecológica (sem o uso de agrotóxicos), o consumo
solidário (consumo de produtos essenciais, que não agridam o meio ambiente e
não envolvam a exploração humana em sua produção), as redes de trocas, os
sistemas de micro-crédito e de crédito recíproco, os bancos do povo, os
movimentos de boicote, o cooperativismo e o associativismo popular e a difusão
de softwares livres (como o Linux) e outras mais. A idéia é que a riqueza seja
distribuída da forma mais justa e igualitária possível, incluindo as populações
pobres no processo produtivo e possibilitando a melhoria de suas condições de
vida.
Mance (op.cit.) destaca ainda a necessidade de pressionar os Estados e
outros segmentos sociais e propor legislações e políticas públicas favoráveis à
expansão e consolidação da economia solidária, além de uma atualização das
estratégias de transformão estrutural das relações de produção, para que os
trabalhadores tornem-se donos dos meios de produção.
26
Estas noções, difundidas em campanhas governamentais e aplicadas
nas atividades das cooperativas e em diversas outras áreas, poderão tornar-se
um contraponto de peso ao modo de produção e dos valores do capitalismo,
sistema que se auto-reproduz, como nos lembra Przeworsky (1995, p.89):
De acordo com a teoria de Marx sobre o capitalismo, desenvolvida em O Capital, tal
sistema de produção e troca se reproduz espontaneamente, como efeito automático de seu
funcionamento. O Estado pode ter sido necessário para criar o capitalismo durante o período da
“acumulação primitiva”, mas, uma vez estabelecido, o capitalismo reproduz as condições de sua
própria existência.
A organização em cooperativas, o gerenciamento do próprio negócio, o
conhecimento do produto comercializado, a melhoria nas condições de higiene e
segurança do trabalho e a repartição por igual dos lucros, entre outros
aprendizados importantes, dignifica o trabalhador e seu ofício. Estas conquistas
são inatinveis para a maioria dos trabalhadores das empresas capitalistas que,
quando beneficiários das garantias trabalhistas, o carentes de valores
humanitários. O catador, historicamente excluído, torna-se agora importante
personagem na luta para a resolução das questões ambientais.
Souza (1996, p. 28), apontando os motivos do aumento “colossal” do
desemprego e subemprego a partir da década de 1980 comenta sobre “a massa
crescente de famintos e estropiados que, de tão degradados, estão
irremediavelmente fora da competição por postos de trabalho. A implantação de
sistemas de coleta seletiva em diversas cidades brasileiras pode mudar essa
realidade. A exigência das prefeituras é que todo sistema implantado tenha a
participação direta dos catadores, que inclusive atuam intensamente em sua
fase de planejamento. O catador, antes irremediavelmente fora da disputa por
postos de trabalho, tem agora, na sua própria atividade, antes degradante e hoje
cada vez mais valorizada, oportunidade de cooperar na melhoria das condições
ambientais, de sua comunidade e de sua própria condição de vida. Segundo
dados do Cempre Compromisso Empresarial para a Reciclagem - a maioria
dos trabalhadores cooperativados recebe mais de dois salários mínimos, valor
bastante significativo considerando o número de desempregados no país e a
média salarial da população.
27
O processo de reciclagem origina-se na fase pós-consumo dos
produtos, que ocorre em larga escala no ambiente urbano, principalmente nas
grandes cidades. Para que se compreenda melhor esse processo e suas
caractesticas, serão abordados aspectos relevantes do meio urbano e das
cidades.
A urbanização é um processo contínuo, que vai além da cidade, que
avança mesmo após a consolidão desta e alcança todas as partes do território
penetrado pelo capitalismo, no que Monte-Mór (1996,p.170) chamou de
urbanização extensiva. O autor explica que este termo derivou do que Lefebrve
chamou de “zona urbana”. Em suas palavras:
Lefebrve propõe o conceito de “zona urbana” referindo-se àquele estágio de
organização espacial no qual o capitalismo industrial, firmemente estabelecido dentro
da cidade e controlando toda a sua região de influência, provoca a ruptura da cidade
(herdeira da “polis”, da “civitas”), em duas partes relacionais: o core, o centro-núcleo
urbano, resultante do processo de implosão do locus do poder, marca da antiga
cidade; e o tecido urbano, a trama de relaçõescio-espaciais que se estende à
região resultante da explosão da cidade pré-existente.
Lefebrve (1972a, p.10) identifica o consumo em larga escala como
caractestico das sociedades urbanas, que surgiram da industrialização. O autor
entende o tecido urbano como o conjunto de manifestações do predomínio da
cidade sobre o campo:
Por tejido urbano no se entiende, de manera estrecha, la parte construida de las
ciudades, sino el conjunto de manifestaciones del predominio de la ciudad sobre el
campo. Desde esa perspectiva, una residencia secundaria, una autopista, un
supermercado en pleno campo forman parte del tejido urbano. Más o menos denso,
más o menos compacto y activo, solamente scapan a su influencia las regiones
estancadas o decadentes, limitadas a la “naturaleza”.
A reciclagem é uma prática antiga, mas a forma como está se
organizando hoje em diversos países e abrangendo grande volume de material é
resultado da busca de soluções para os problemas urbanos. Recorro novamente
a Lefebrve (1972a, p. 11) para melhor situar no tempo esse processo:
llamaremos (...) “revolucion urbanaal conjunto de transformaciones que se producen
en la sociedad contemporánea para marcar el paso desde el período en el que
predominan los problemas de crecimiento y de industrialización (modelo, planificación,
programación) à aquel otro en el que predominará ante todo la problemática urbana y
28
donde la búsqueda de soluciones y modelos proprios a la sociedad urbana pasaa
un primer plano.
Lefebrve (op.cit.) entende que a palavra cidade parece designar um
objeto definido e definitivo. Para Sjoberg (1995, p. 38) a cidade é uma “uma
comunidade de dimensões e densidade populacional consideráveis, abrangendo
uma variedade de especialistas não-agrícolas, nela incluída a elite culta”. O
autor comenta também a complexidade da cidade industrial moderna,
caracterizada “pela educação das massas, um sistema de classes fluido e, o
mais importante, um tremendo avanço tecnológico que usa novas fontes de
energia (p. 37). As cidades reúnem um grande contingente populacional,
facilmente convertido em consumidores de produtos de primeira necessidade e
principalmente de supérfluos, fonte do maior lucro das empresas. Na cidade
concentram-se os especialistas, criadores das técnicas e do aparato tecnológico
para sua aplicação. Sjoberg afirma ainda que:
é possível interpretar corretamente o curso da evolução urbana comparando-o à
evolução tecnológica e à evolução da organização social (especialmente a
organização política); estes não são apenas os pré-requisitos da vida urbana, porém
as bases do seu desenvolvimento. Como centros de inovação, as cidades forneciam
um solo fértil para os sistemáticos avanços tecnológicos; e o progresso tecnológico,
por sua vez, contribuía para a expansão da cidade. (p. 44)
Nos grandes centros urbanos o fechados os negócios mais
importantes, moram e trabalham as pessoas mais influentes e ricas. estão
concentradas as fábricas, os grandes equipamentos urbanos, os turistas, a
moda, os grandes centros de compra e lazer. Quase tudo o que acontece nas
grandes cidades é repassado ao restante do país, incluindo o modo de pensar,
vestir-se e os objetos de desejo. Devido a esses e outros motivos, a cidade é o
locus ideal do estabelecimento e manutenção do ciclo da produção. Nela estão
reunidos os elementos ideais para a prodão, circulação, distribuição e
consumo dos mais variados produtos. É, portanto, nesse local, onde está a
maior potencialidade para a reciclagem em larga escala. E é nas grandes
cidades que o catador encontra os meios para sobreviver, recolhendo vários
tipos de material reciclável. Nesta atividade, terminará por construir uma
territorialidade, apropriando-se diariamente de um determinado espaço.
29
As cidades costumam ter uma ou várias vocações, sejam elas turísticas,
religiosas, culturais ou comerciais. É essa vocação da cidade ou outras que
possam surgir com o tempo, que determinará seu nível de emprego e de
qualidade de vida. Benko (1996, p. 80) utiliza o conceito de globalidade dinâmica
local para analisar a abertura dos sistemas locais para o seu milieu (meio
ambiente de inovação ou vocação). O processo de reciclagem amplia a vocação
dos centros urbanos, revelando-lhe uma nova função e proporcionando ganhos
na qualidade de vida da população.
Após o estabelecimento das condições para o surgimento da atividade
de catação, terá início a apropriação de um determinado território de atuação
pelo catador. Castro (s/r, p. 10) comenta que a noção de território foi introduzida
na Geografia moderna por Friedrich Ratzel, que procurou transferir a noção de
domínio natural para as ciências sociais por meio da idéia de propriedade. E que
assim o território passou a representar uma parcela do espaço terrestre
identificada pela posse, uma área de domínio de uma comunidade ou Estado.
Nas palavras de Raffestin (1993, p. 143):
O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um
ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de
um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator
“territorializa” o espaço.
O autor destaca, um pouco mais adiante, que "falar de território é fazer
uma referência implícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como
em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do
espaço" (p. 153).
A apropriação de um território, no caso do catador, é de suma
importância para sua sobrevivência. Quanto maior for o espaço que ele tiver
para recolher o material reciclável, maior será a possibilidade de aumentar os
lucros. Essa aproprião territorial costuma ser conflituosa.
Muitos habitantes, principalmente os de bairros mais abastados e os
donos de estabelecimentos comerciais não são receptivos ao catador, que
geralmente tem aparência descuidada e utiliza carroças ou carrinhos
improvisados e mal cuidados para fazer a coleta. A presença dessas pessoas e
30
veículos numa área nobre pode parecer destoante e depreciativo para os
moradores e até afastar a clientela do comércio.
Para ser aceito, o catador deve freqüentar diariamente esse território,
imprimir uma continuidade em seu serviço de coleta e estabelecer laços de
confiança com os moradores e comerciantes. Nesse sentido, é importante que
ele se organize em associações e cooperativas, onde terá acesso a orientações
para melhorar seu aspecto físico e a estratégias de aproximação e atuação em
locais mais nobres. Com essas atitudes, o catadorinicia a territorializão do
espaço.
A investigação do processo de circulação de material reciclável pode
fornecer pistas de como se dará essa nova territorialidade, e os melhores meios
para que ela não ocorra de forma desordenada ou se molde de maneira a
perpetuar a estrutura social vigente. A este respeito, Arroyo (1996) comenta que:
Um território em transição seria um território que busca uma nova organização, uma
nova ordem. Regras diferentes às que prevalecem no presente, que elas estão se
esgotando, não estão dando conta do s conflitos existentes. Um território usado com
tempos rápidos e tempos lentos é produto de uma hegemonia excludente: apenas os
setores dominantes da sociedade podem atingir as maiores velocidades. Os objetos,
as técnicas, as informações, as redes, se inventam (criam), se constroem, se usam,
para perpetuar essa estrutura social hegemônica, para manter o status quo, enfim,
para reproduzir o presente. Nesse sentido esses elementos, por mais inovadores que
eles sejam, não conseguem dar conta de algo novo, que implique em uma mudança
social, em uma organização menos excludente.
O território da classe mais favorecida economicamente se estende além
de suas propriedades. Alcança as vias públicas, as praças, o espaço aberto,
domina o espaço público. Nesse sentido, refazendo a trajetória de boa parte dos
catadores, advindos de cidades interioranas e deslocados nas grandes cidades,
é possível fazer um paralelo e até enxergar continuidade ao processo de
alienação do homem, descrito por Moreira (2000, pp. 344-345) :
Chega então o tempo da desterritorialização. A descolagem generalizada das
referências, que põe o homem na sensação do fim do próprio espaço. Já não há mais
naturalidade, terreidade ou qualquer outro sentido de inserção que signifique
interioridade. E a alienação desnaturizante, desterreante, desterritorializante se
assume por fim como a relação de um homem com a falta de referências espaciais
que o levem a sentir-se um ser consigo mesmo encontrado.
31
Além dos catadores que atuam em territórios distantes, dos quais
retiram seu sustento, existem os catadores que habitam e sobrevivem em áreas
de destino final do lixo, os chamados lixões. Esses locais são impróprios para a
deposição do lixo, causam diversos tipos de poluição, doenças e são
inadequados à presença humana. Os lixões localizam-se em áreas fora das
cidades, e nas últimas décadas, devido ao impulso consumista da população,
vêm aumentando em número e volume.
O processo de produção, devido aos avanços tecnológicos e de
comunicação e circulação, tornou-se extremamente veloz. Os produtos são cada
vez menos duráveis e mais rapidamente descartados. Rodrigues (1998, p. 8)
afirma que “assim constitui-se a sociedade do descartável, pois o produzido hoje
será velho aman”. O aumento exagerado do volume de lixo produzido es
diretamente ligado ao modo de vida de nossa sociedade, que a autora (1998, p.
23) chamou de sociedade do descartável:
Um grande problema, da intensificação da produção/destrutiva, senão o maior, esno
que se convencionou chamar de problemática ambiental, na criação de novas
necessidades que não satisfazem necessidades humanas enriquecedoras, mas
apenas correspondem a modos de vida da sociedade do descartável. E, na sociedade
do descartável, o tempo e o espaço são tidos como separados, produzem-se cada vez
mais e mais mercadorias – que duram cada vez menos –, e utiliza-se de forma
intensiva o espaço para produzir mais.
O resultado dessa sociedade do descartável se concretiza nos lies,
nos rios assoreados, nas encostas de morros que desmoronam, nos terrenos
baldios, que a autora denomina “territórios indesejáveis”. O surgimento dos
territórios indesejáveis está diretamente ligado ao modo de produção capitalista,
ao ritmo de vida moderno e aos artifícios de incentivo ao consumo. Para
despertar no consumidor o desejo de comprar a mercadoria, os fabricantes
contam com o auxílio indispensável da propaganda promocional. Os gastos com
a promoção do produto o imensos e compensados com grande retorno
lucrativo.
A propaganda desperta no consumidor o desejo de ter, de se distinguir
dos demais, de certificar sua condição social. A classe alta importa um modo de
vida dos países ricos e torna-se modelo para a classe média, que influenciará a
32
classe pobre. o importa a condição social. Os produtos são colocados em
evidência e o desejo de todos é possuí-los, com tecnologia de ponta ou
ultrapassada, a preços altos ou baixos, originais ou falsificados. O consumo
desenfreado é a propulsão de um sistema produtivo que induz a um estilo de
vida ostentador. A mídia oportunista vende a idéia de que consumir em demasia
é um prêmio para quem trabalha muito.
O que faz com que um objeto tão desejado poucos anos, meses,
dias ou instantes seja desprezado em pouco tempo? A crião do desejo e a
rápida substituição desse desejo por outro. O lançamento e a substituição de
uma tecnologia por outra mais moderna, nem sempre mais funcional, e o
barateamento dessa tecnologia. A propaganda promove o objeto, torna-o
desejado, imprescindível, e logo em seguida exibe-o obsoleto e fora de moda
diante de um modelo de tecnologia muito mais atual. Surge d o lixo
tecnológico, que com todo o conhecimento empregado na sua concepção, irá
compor a paisagem dos territórios indeseveis.
O modo de vida atribulada da maioria da população das grandes
cidades é um fator que eleva muito o consumo de embalagens descartáveis.
Morando longe do local do trabalho, grande parte da população faz suas
refeições na rua, utilizando muitas embalagens descartáveis. A informatização
dos serviços, que possibilitou a execução de várias tarefas ao mesmo tempo e
em prazo recorde, criou atividades novas e ininterruptas, exigindo de seus
executores refeições rápidas, preferencialmente no próprio local de trabalho,
diante do computador. As grandes cadeias de lanchonetes e restaurantes self-
service desenvolveram-se no esteio da vida corrida do trabalhador moderno, do
incentivo aos maus hábitos alimentares e da cumplicidade do governo. O
incentivo ao consumo destes e outros produtos é embalado por campanhas
mundiais, que induzem às pessoas um comportamento único, a adoção de
valores e desejos parecidos a serem saciados em locais pré-determinados.
Alguns hábitos importantes foram abandonados. Para ilustrar, entre
outras situações, é oportuno lembrar que poucas pessoas hoje em dia levam
sacolas de compras para o supermercado ou para os chamados verdurões.
Quase todos os produtos têm uma pré-embalagem, e serão novamente
33
embalados em sacolas plásticas que irão parar no lixo ou nos mais variados
locais indevidos.
No mundo inteiro a ocupação de espaços para segregar o lixo tornou-se
um sério problema. Além da questão ambiental, a ocupação de áreas que
poderiam servir para moradia ou para a agricultura dificulta a sobrevivência da
população e cria mais uma questão social. Muitas pessoas têm nos lixões seu
único meio de sobrevivência. Muitos nasceram e cresceram em seus arredores
e, apesar de toda penúria, também por falta de referências ou opções, não vêem
estes locais como totalmente indesejáveis. Ali encontram toda sorte de materiais
recicláveis, roupas, alimentos, veis e utensílios para suas moradias. Algumas
reportagens já mostraram moradores dessas áreas apedrejando viaturas de
funcionários do governo incumbidos de desativar lixões.
A noção de territórios indesejáveis pode ser analisada por outros
ângulos. As pessoas que vivem nos lixões, por exemplo, não têm a mínima
chance de sobrevivência nas cidades. A maioria é oriunda de áreas rurais de
pequenos municípios, onde exerciam atividades agrícolas, pesqueiras e outras
sem nenhum aproveitamento no ambiente competitivo das cidades.
Uma comparação entre as condições de vida nos lixões e nos arredores
dos pequenos municípios brasileiros mostra que os lixões representam territórios
indesejáveis para os habitantes de áreas urbanas, mas tornam-se espaços
disputados pelos migrantes de regiões pobres. Nesses locais, é possível ter
moradia, ainda que precária, alimentar-se, ainda que com comida estragada e
vender o material reciclável que encontram. Nos locais de origem dessa
população, a sede e a fome representam ameaças muito mais contundentes do
que as doenças e a degradação causadas pelo lixo. Outro fator importante é que
os lixões encontram-se relativamente próximos aos centros das cidades ou a
áreas residenciais. Acabam por tornarem-se territórios indesejáveis, mas dentro
de territórios desejáveis.
Para os moradores do lixão, a cidade representa muitas vezes um meio
inóspito, onde ele não é bem aceito, não saberia como sobreviver e seria
perseguido pelas autoridades governamentais, que tentariam mandá-lo de volta
a seu local de origem. Os lixões são locais horríveis e degradantes, mas ainda
34
assim com mais chances de sobrevivência para as populações pobres do que
muitos pequenos municípios brasileiros.
35
CATULO II
O PROCESSO DE RECICLAGEM: ETAPAS E AGENTES ENVOLVIDOS
A reciclagem tem-se mostrado a maneira mais viável de preservação e
uso racional dos recursos naturais, com reflexo na economia de energia,
redução de custos de extração de matéria-prima, e, pelo lado humano, constitui
um potente instrumento de inclusão social.
O processo de reciclagem envolve várias etapas. A primeira delas é a
coleta seletiva, passando-se depois ao armazenamento, triagem, compactação,
enfardamento e o transporte para a indústria recicladora.
A coleta seletiva consiste em separar o material orgânico, como restos
de alimentos, do material que pode ser reciclado. Essa separação é feita no
ambiente residencial, industrial, hospitalar ou comercial. Esse tipo de coleta
contribui para a preservação dos recursos naturais, reduzindo os gastos com a
extração de matéria-prima da natureza. É importante também na economia de
energia para a fabricação de embalagens, na geração de renda para os
catadores e na diminuição do espaço utilizado em lixões e aterros sanitários.
Outro aspecto que merece destaque é a conscientização e
envolvimento da sociedade e do Estado na sua implantação e desenvolvimento.
A respeito da coleta seletiva, Legaspe (1996, p. 136) comenta que:
A concepção do sistema de Coleta Seletiva baseia-se no princípio de minimizar a
quantidade de resíduos, restos da atividade de consumo da população, enviados aos
Aterros Sanitários, Usinas de Compostagem ou Incineradores, as formas de
tratamento e destinação final dos resíduos sólidos recolhidos nas cidades (...).
O material reciclado deve ser armazenado em quantidade suficiente
para justificar o tempo e o valor gasto com o transporte até o local de revenda.
Na etapa de triagem, o material seseparado por cores, tamanho, espessura
ou outras características, dependendo do tipo de reciclagem a que se prestará.
Após a triagem, o material será compactado ou prensado e enfardado, conforme
seja melhor para guardar até o momento do transporte, medidas que
acrescentam valor à venda.
36
A etapa seguinte é a de transporte final do material para
comercialização com os sucateiros, depósitos ou diretamente para as indústrias
recicladoras. A última etapa é a da reciclagem propriamente dita, em que o
material será transformado em novos produtos e reiniciará o ciclo.
Nos últimos anos o processo de reciclagem tornou-se mais complexo e
ganhou maior visibilidade, devido aos resultados positivos que alcançou,
fazendo com que o mero de agentes envolvidos aumentasse muito, elevando
a concorrência na atividade.
Para melhor distinguir os agentes envolvidos no processo de
reciclagem, será feita uma classificação em três grupos. O primeiro, denominado
aqui principal, é formado pelos catadores, pelos atravessadores e pelas
empresas recicladoras. Esse grupo é essencial para a realização do processo
de reciclagem.
O segundo grupo será chamado de intermediário. Aqui encontram-se
agentes importantes para o processo de reciclagem, mas não determinantes
para sua realização. Entre eles encontram-se as várias pessoas que viram uma
oportunidade de completar sua renda com a coleta de material reciclável ou os
que desempenham essa atividade apenas esporadicamente.
O último sechamado aqui de grupo de apoio. Refere-se aos agentes
que ajudam na implementação e suporte dos programas de coleta e reciclagem
e é composto pelas entidades religiosas, ONGs, escolas e profissionais que
atuam nessas entidades.
O catador é o agente mais importante do processo de reciclagem no
Brasil. É ele quem inicia e o torna viável, considerando-se que seria muito caro
se a indústria recicladora ou o Estado tivessem que arcar com as despesas de
pagamento de mão-de-obra especializada para a coleta e o transporte do
material reciclável. O processo de reciclagem no Brasil vem obtendo resultados
positivos exatamente por adotar um modelo de gestão compartilhada das
responsabilidades entre os catadores, a sociedade e o Estado. Esse modelo
serve de referência para vários países.
Os catadores atuam como autônomos ou organizados em associações
ou cooperativas. Os autônomos são os que trabalham individualmente, não
37
organizados em associações ou em cooperativas. Esses trabalhadores vivem
em condição degradante e muitas vezes não m nem condições de adquirir um
carrinho ou carroça para transportar o material coletado. Os catadores
autônomos m menor poder de negociação frente aos compradores, sofrem
maior preconceito por parte da população e m menores chances de melhorar
sua condição social do que os catadores organizados. A condição deplorável do
catador autônomo e de seus meios de transporte do material coletado
inviabilizam sua movimentação nas áreas mais nobres das cidades, onde é
possível encontrar material recicvel em maiores quantidades e de melhor
qualidade. Em piores condições ainda encontram-se os catadores que trabalham
nos lixões.
Esses locais o totalmente inadequados à presença humana, devido
ao mau cheiro, proliferação de doenças, poluição do ar e do solo, risco de
contaminação por materiais radioativos e acidentes com objetos cortantes.
Sobre essa situação, Santos (2000, p. 375) comenta:
A estas pessoas é atribuído o status mais baixo entre os pobres urbanos e
economicamente são os mais pobres entre os pobres. Muitos destes coletores de lixo
são mulheres e crianças. Eles vagam pelas ruas a pé, procurando lixo, que colocam
dentro de sacos que transportam. Deixam suas casas ao amanhecer, andando vários
quilômetros todos os dias, completando ao fim da tarde. Seus instrumentos de trabalho
são um saco para a coleta e uma vara para espetar e remexer o lixo. No trabalho,
correm vários riscos: ficam com cortes e ferimentos produzidos por objetos cortantes e
pedaços de vidro ou contraem, no lixo, alergias de pele causadas por lixo químico.
Depois de terminada a coleta do dia, os coletores separam os materiais, vendidos aos
comerciantes. O que recebem como pagamento pela coleta é muito pouco, vivendo
estas pessoas no limite da pobreza.
O material despejado nessas áreas é de qualidade inferior ao
encontrado nas cidades, devido à impregnação de detritos orgânicos,
principalmente restos de alimentos, o que diminui seu valor de venda.
Milhares de crianças e adolescentes vivem e trabalham nos lixões e,
segundo dados do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, 30%
delas estão fora da escola e têm no lixo sua principal fonte de alimentação.
Apesar de todas as adversidades, as pessoas que moram e trabalham
nos lixões recusam-se a deixar a área, primeiro porque não têm para onde ir,
depois porque conseguem uma renda superior a um salário mínimo com a
38
catação de material reciclável, além de ter liberdade de horário de trabalho.
Assim, muitos não m a pretensão de trabalhar com carteira assinada nas
cidades, onde provavelmente receberiam apenas um salário mínimo e não
teriam condições de arcar com despesas de transporte e alimentação.
A substituição dos lixões por aterros sanitários agrava ainda mais a
situação dos catadores dessas áreas, que podem ficar sem seu sustento e até
mesmo sem seu local de moradia. O ideal seria promover a organização desses
catadores e junto com eles tentar buscar uma solução para a situação
degradante em que se encontram. Afinal, apesar da forte exclusão social que
sofrem, eles têm um papel importantíssimo no processo de reciclagem.
O catador organizado em associações ou em cooperativas é o que tem
maiores possibilidades de melhorar sua condição de vida e ao mesmo tempo
proporcionar ganhos sociais e ambientais. A grande intermediação que ocorre
no comércio dos materiais coletados impõe uma diminuição na renda alcançada
pelos catadores, e ao mesmo tempo uma desvalorização da atividade que
exercem. São comuns os casos de catadores enganados nos valores recebidos
e no peso do material vendido, por não saberem contar o dinheiro nem conferir a
pesagem da balança.
As cooperativas, com suas idéias de solidariedade, organização e poder
de negociação, surgiram como uma alternativa eficaz para capacitação e
obtenção de maiores vantagens para seus integrantes.
Existe hoje no país um movimento crescente de formão de
associações, cooperativas e organizões de catadores atuando no processo de
reciclagem do lixo. É importante para o catador se organizar como categoria,
podendo assim alcançar mais rapidamente o reconhecimento da sociedade e o
sentido de pertencer, com local certo de trabalho, com nome reconhecido no
mercado e crédito para comprar alimentos e objetos necessários ao seu bem-
estar. Outro aspecto positivo é que atuando nas associações ou cooperativas
ele tem a oportunidade de conhecer todas as fases de seu trabalho,
compreendendo melhor a sua importância.
A participação e o controle social o fatores essenciais para a gestão
dos resíduos sólidos, onde se inclui o processo de reciclagem. A partir disso
39
pode-se aferir a importância do trabalho do catador no processo de manejo
desses resíduos e na melhoria da qualidade de vida da população, elevando-o
de uma condição de exclusão para um patamar de importância social. As
associações e cooperativas promovem aulas de educação ambiental e difundem
noções de preço justo, responsabilidade territorial, passivo ambiental, combate
ao desperdício, mais-valia e outros, visando maior qualificação técnica e cultural
dos trabalhadores. Adquirindo essas noções, o catador pode realizar um
trabalho de melhor qualidade para a sociedade.
Os catadores estão expostos a acidentes de trabalho e doenças
decorrentes de suas atividades. Diariamente entram em contato com resíduos
contaminados e materiais perfuro-cortantes. São comuns também os problemas
de dores musculares ou na coluna, causados pelos movimentos repetitivos.
Outro problema é o uso da tração humana para transportar o material coletado.
Aqueles que não têm condições de comprar carroças puxam carrinhos pesados
pelas ruas da cidade. Além do desgaste sico, é evidente a situação de
humilhação por que passam.
Casos freqüentes de alcoolismo, que provocam faltas ao trabalho,
incompatíveis com a regularidade que os serviços de limpeza urbana exigem,
dificultam o estabelecimento de parcerias dessa categoria com a administração
pública. Nas associações e cooperativas o catador recebe também orientações
sobre vacinação e importância de exames médicos regulares e o uso de
Equipamentos de Proteção no trabalho. Esses cuidados proporcionam aumento
da produtividade e da auto-estima do catador, além da redução dos
afastamentos por licenças médicas.
O Cd-rom do Ministério das Cidades informa que o Ministério do Meio
Ambiente, em conjunto com a Caixa Econômica Federal, realizou um estudo das
demandas prioritárias a serem desenvolvidas para a inserção social e
econômica dos catadores, destacando as seguintes ações:
- Fazer gestões no sentido de que os catadores sejam representados na
construção do Pacto Social, discutindo a sua inserção econômica e
social, e para que as famílias de catadores sejam priorizadas nos
programas de combate à fome.
40
- Promover uma ampla campanha nacional estimulando a população a
separar os materiais recicláveis e doá-los aos catadores, mesmo onde
ainda não haja programas estruturados de coleta seletiva.
- Incentivar a implantação de programas de coleta seletiva e de
reciclagem do lixo que incluam os catadores como parceiros prioritários.
- Criar instrumentos para incentivar e apoiar a organizão de
associações e cooperativas de catadores, com a criação de linhas de
crédito subsidiado.
- Estimular a implantação de programas de coleta seletiva em todas as
instituições governamentais em parceria com associações ou
cooperativas de catadores, a exemplo do que ocorre no Palácio do
Planalto.
- Garantir recursos para programa de coleta seletiva de lixo, triagem e
comercialização para catadores de lixões, especialmente quando da
implantação de aterros sanitários.
- Assegurar moradia para as famílias residentes nas áreas dos lixões
- Articular a inserção dos princípios do Programa Lixo e Cidadania nos
programas habitacionais e de desenvolvimento urbano.
- Estabelecer mecanismos de incentivo para o fortalecimento do mercado
de material reciclado.
- Apoiar o Fórum Nacional de População de Rua na realização de duas
pesquisas brasileiras: o censo nacional sobre a população de rua e o
perfil quali-quantitativo de catadores em lixões no Brasil.
- Promover programas de capacitação para a economia solidária.
- Estabelecer mecanismos de criação e incentivo para o fortalecimento e
descentralização do mercado de reciclagem.
- Apoiar a organização de catadores para a prática da coleta seletiva.
- Garantir que as Conferências Nacionais das Cidades e do Meio
Ambiente tenham representação dos catadores e dos fóruns estaduais
Lixo e Cidadania.
41
É importante observar que todas essas medidas serão tomadas em
função da organização do catador. O autônomo terá muito mais dificuldades de
encontrar material reciclável em um futuro próximo, principalmente a partir da
implantação de programas de coleta seletiva e reciclagem.
Os catadores organizados alcançaram importantes avanços políticos,
especialmente por meio do Movimento Nacional dos Catadores, realizado em
janeiro de 2003 no Rio Grande do Sul. Os principais temas tratados no evento
foram a erradicação de lixões, a responsabilização dos geradores de resíduos
com o seu correto destino e a criação de linhas de créditos específicas para a
área de reciclagem.
São inúmeras as vantagens da organização em associações e
cooperativas, mas a promoção da auto-estima do catador talvez seja a maior
delas. A partir da conscientização da importância do seu trabalho e do
aprendizado de novos conceitos sociais e ambientais, ele pode se livrar da
condição de excluído e obter o respeito que a categoria merece.
Os atravessadores ou sucateiros são comerciantes que compram o
material reciclável do catador a preços baixos e o revende às indústrias
recicladoras com altos lucros. Eles fazem a interligação entre a etapa de coleta
seletiva e a etapa final da reciclagem. Compõem este grupo desde donos de
caminhões que compram o material para revender até os sucateiros, os ferros-
velhos e os pequenos, médios e grandes depósitos compradores. Magera (2003,
p. 106) descreve assim a atuação do atravessador ou sucateiro:
O sucateiro aparece como o “parceiro ideal” das cooperativas que, por meio de seu
poder de barganha, impõe o preço de compra dos produtos reciclados e vende estes
resíduos por um valor maior às indústrias, muitas vezes, chegando a 100% de
diferença do valor pago às cooperativas.
A maioria dos catadores o tem meios de transportar o material
coletado diretamente para as empresas recicladoras e não tem como influenciar
no preço das suas vendas. Assim, os ferros-velhos e os grandes depósitos
terminam por centralizar a compra do material reciclável e impor os valores de
mercado. Mais uma vez revela-se a importância de o catador organizar-se em
associações e cooperativas, que têm maior poder de negociação e podem
42
pesquisar os preços do material recicvel no mercado. Outro fator positivo da
organização do catador é aumentar as chances de comprar equipamentos de
beneficiamento do material reciclável, como prensas, máquinas de corte, fornos
elétricos e esteiras para triagem.
É importante destacar que figura do atravessador aparece no grupo
principal apenas devido à falta de condições dos catadores para transportar o
material coletado até a indústria recicladora. E que o atravessador, nesse caso e
no caso da maioria dos países pobres, é considerado apenas um mal
temporariamente necessário.
A tendência atual é a de uma organização maior dos catadores em
associações e cooperativas. Essa organização viabilizará seu acesso a mais
equipamentos e meios de transporte do material recolhido, diminuindo
sensivelmente a participação do atravessador em todo o processo de
reciclagem.
A indústria recicladora encontra-se no último estágio do processo de
coleta e reciclagem. Essa indústria vai transformar o material que comprou em
novos produtos e reiniciar todo o ciclo. Magera (op. cit., p. 41) comenta a
situação:
Hoje, o setor industrial é o maior beneficiado da reciclagem do lixo promovida pelos
catadores e cooperativas de lixo do Brasil. É através do sucateiro, seu intermediário e
“comparsa” que as indústrias ficam com o maior valor primário extraído dos catadores
de lixo.
O número de agentes envolvidos no processo de reciclagem aumentou
consideravelmente a partir da substituição do vidro pela lata de alumínio e pelo
plástico no envasamento de sucos, refrigerantes e cervejas. Essa substituição
se deu gradativamente na cada de 80 e se intensificou na década seguinte.
Até então, esses produtos eram embalados em garrafas de vidro, um material
bem mais barato e com matéria-prima em abundância. Todo esse processo
começou com as embalagens de aço, usadas para envasar a maioria dos
produtos.
O site do Cempre informa que o o é um dos mais antigos materiais
recicláveis. Na antigüidade, os soldados romanos fabricavam novas armas a
43
partir do recolhimento de espadas, facas e escudos abandonados nas
trincheiras. O surgimento da lata tem duas versões conhecidas. A primeira conta
que a lata teria sido inventada a pedido de Napoleão Bonaparte, para que seus
soldados pudessem levar alimentos para a guerra, aproveitando a capacidade
de conservação que o o propicia. A outra versão conta que o alimento
enlatado surgiu na Inglaterra, em 1800.
As embalagens de aço foram evoluindo e ganhando cada vez mais
propriedades adequadas à conservação de alimentos e líquidos. As latas foram
se tornando mais leves e menos espessas. Com o tempo, estudos apontaram o
alumínio como o material mais adequado à conservação de líquidos. Ele tem
propriedades de anti-corrosão, é mais leve e pode ser confeccionado em menor
espessura que o o, atinge baixas temperaturas rapidamente e as conserva
por mais tempo, mantendo a bebida mais gelada e pode ser reciclado infinitas
vezes, sem perder suas propriedades. As latas de alumínio se mostraram mais
práticas também do que as garrafas de vidro para o armazenamento, o
transporte e por não oferecerem riscos de corte em quem as manuseia.
Os Estados Unidos começaram a reciclar suas latas de alumínio ainda
na década de 70, e suas empresas multinacionais impulsionaram a demanda no
mundo todo. Aqui no Brasil as características climáticas, favoráveis ao consumo
de refrigerantes e cervejas, aliadas a uma crescente implementação de sistemas
de coleta e reciclagem e às necessidades financeiras da população,
contribuíram para que atingíssemos o primeiro lugar no mundo em reciclagem
de latas de alumínio nos últimos quatro anos.
Muito valorizado, o alumínio atingiu o preço de quatro mil reais por
tonelada, aumentando muito o número de agentes envolvidos na atividade de
coleta.
Os supermercados, antes bastante procurados pelos catadores, que ali
encontravam material reciclado variado em grande quantidade, nas ultimas
décadas passaram a cercar toda a área em sua volta, e muitos deles se
mudaram para locais isolados ou abriram filiais em shoppingcenters (centros de
compra), tornando mais difícil a atuação do catador, que não tem facilidade de
locomoção para áreas isoladas, muito menos acesso a centros de compra.
44
As cadeias de supermercados passaram também a fazer campanhas de
recolhimento de embalagens, muitas vezes com desconto na compra de outros
produtos. Assim, muitas pessoas que antes jogavam as embalagens vazias no
lixo ou doavam para os catadores, passaram a encaminhá-las a esses
estabelecimentos, que se tornaram postos de coleta.
Criadoras e incentivadoras de inúmeros programas de reciclagem, as
entidades religiosas aparecem com destaque em todo o processo de reciclagem.
Elas têm uma tradição de apoio aos grupos excluídos em todo o mundo, e no
Brasil desenvolvem um importante papel de inserção social dos catadores. A
articulação dessas entidades com o Estado, a sociedade e o meio empresarial
tem sido extremamente importante para a implantação e o monitoramento dos
programas de reciclagem. Muitas igrejas cedem terrenos, equipamentos e
veículos para os catadores realizarem seu trabalho.
O trabalho realizado por essas entidades sofre críticas devido à falta de
visão empresarial e conotação assistencialista que imprime nas associações e
cooperativas onde atuam. Nesse sentido, Magera (op.cit., p. 106) afirma que:
As dificuldades encontradas pelos catadores de lixo de rua para se organizarem em
associações ou cooperativas fazem parte de um processo histórico e secular em
nosso país; as camadas menos favorecidas não têm acesso ao crédito/financiamento
e ficam nas mãos de instituições sociais, normalmente religiosas ou assistenciais que,
com boa intenção, tentam ajudar, mas, na falta de uma visão mais profissional do trato
com o lixo ou até com a própria gestão da associação/cooperativa, fracassam por não
atender as expectativas econômicas, sociais ou ambientais da reciclagem do lixo.
Apesar da constatação feita pelo autor, é inegável que a presença de
religiosos no processo de qualificação dos catadores tem sido um fator de
melhoria constante das condições de vida dessa categoria. O impulso inicial da
organização de catadores é dado na maioria das vezes por grupos religiosos. A
orientação psicológica que prestam aos viciados em álcool e drogas, o trabalho
de alfabetização e a promão de auto-estima do catador tem tanta importância
quanto a visão profissional para o êxito da organização. O ideal é que os
catadores se tornem independentes com o tempo, mas, até lá, é válida a ajuda
de voluntários, se possível, isentos de intencionalidades religiosas ou eleitorais.
As associações e cooperativas constituem, hoje, a melhor opção de
organização dos catadores de material reciclável. A cartilha Metodologia para a
45
Organização Social dos Catadores, publicada pela Pastoral de rua da
Arquidiocese de Belo Horizonte, em 2002, informa que a associação é uma
entidade civil, formada por pessoas que têm objetivos comuns. Pessoas que se
juntam para buscar o bem comum e conseguir, assim, maior autonomia de
ação”. (p. 32).
O objetivo da associação de catadores é incrementar sua renda e
conquistar direitos. Por meio das associações, eles têm acesso a uma série de
benefícios que não alcançariam se trabalhassem por conta própria. As
associações, via de regra, aplicam a gestão democrática de seus recursos e as
decisões são discutidas e votadas em assembléias gerais, onde o voto de cada
associado tem o mesmo valor.
Em relação às cooperativas, a cartilha informa que “o objetivo de uma
cooperativa é a união de pessoas que possam prestar serviços de forma coletiva
e solidária, e que se comprometam a assumir responsabilidades
compartilhadas”. (p. 30). O trabalho em cooperativas propicia ganhos de caráter
econômico, social e cultural para os catadores. A apostila aponta ainda as
caractesticas essenciais de uma cooperativa: a autogestão, a solidariedade, a
constante capacitação do catador, do quadro técnico e da direção e a busca de
parcerias e troca de experiências com outras entidades. As associações e
cooperativas aparecem como entidades análogas nesse trabalho apenas no
sentido de organização que têm, visando a melhoria das condições de vida do
catador.
O poder de negociação também é um grande atrativo para que os
catadores se organizem em cooperativas. A pesquisa de mercado, o
armazenamento, beneficiamento e comercialização de grande quantidade de
material reciclável são vantagens que o catador autônomo dificilmente poderia
alcançar. Estudos da Comlurb – Companhia de Limpeza Urbana do Rio de
Janeiro constataram que os depósitos compradores de material reciclável da
cidade passaram a pagar um valor mais alto ao catador após sua organização
em cooperativa. Na visão de Singer (2002, p. 89):
A cooperativa possibilita compras em comum a preços menores e venda em comum a
preços maiores. Sendo entidade econômica e política, a cooperativa representa os
46
catadores perante o poder público e dele reivindica espaço protegido para armazenar
e separar o material recolhido e financiamento para processar parte do material
separado, agregando-lhe valor. A cooperativa é uma oportunidade de resgate da
dignidade humana do catador e desenvolvimento da auto-ajuda e ajuda tua, que
permite constituir a comunidade dos catadores.
O sucesso dos programas de coleta seletiva e reciclagem depende
muito da ampla participação popular. A cartilha da Arquidiocese de Belo
Horizonte ressalta tamm que sem a participação da comunidade é quase
impossível uma cidade se ver livre dos efeitos degradantes do lixo. É a partir da
mobilização que as pessoas tomam consciência de que o poder público sozinho
não consegue solucionar um problema que diz respeito a todos.” (p.10). À
população cabe separar o material em suas residências, eliminando a maior
quantidade possível de detritos orgânicos. Essa atitude aumenta a qualidade e
conseqüentemente o valor de comercialização desse material. Além disso,
colabora para o aumento da auto-estima do catador, que entrará em contato
com um material limpo e que não tem mais a simples conotação de lixo.
Outro papel importante da população é a doação do material reciclável
aos catadores ou o encaminhamento aos “postos de entrega voluntária”, que
são recipientes colocados em locais estratégicos nas cidades. A população
também deve ser consultada quanto aos locais de instalação de unidades de
reciclagem e galpões de triagem do material coletado, devido à forte rejeição à
instalação dessas unidades de tratamento de resíduos sólidos próximo a áreas
urbanas.
Para que a participação da comunidade nos programas de coleta
seletiva e reciclagem seja permanente, é necessário que ela compreenda a real
dimensão social da proposta, e reconheça o catador como principal agente do
processo de reciclagem. O meio mais eficiente de incentivar a participação
popular é através da educação socioambiental, que estimula uma mudança de
valores, práticas e atitudes sociais. A partir da informação e sensibilização da
sociedade, é possível diminuir o preconceito e a discriminação contra os
catadores e dar melhor destinação aos resíduos pós-consumo. O tema meio
ambiente foi incluído pelo Ministério da Educação no sistema brasileiro de
47
ensino, visando uma mudança de paradigma em relação às questões ambientais
e sociais.
A cartilha Plataforma de Educação Sócio-ambiental do Programa de
Coleta Seletiva Solidária de São Paulo, publicada em 2003 pela Caixa
Econômica Federal aponta pressupostos para a abordagem das questões
relativas à geso dos resíduos sólidos urbanos e à educação para a reciclagem
de resíduos pós-consumo (pp. 4-6).
Um dos pressupostos é que a superação das desigualdades sociais
passa pela inclusão social, cultural e econômica. Para que isso ocorra, é
necessário que a gestão social dos resíduos sólidos implemente políticas
públicas que priorizem a geração de renda para os catadores, além da formação
de uma rede de educadores sócio-ambientais. A cartilha evidencia ainda que é a
participação social que amplia os espaços democráticos no interior das
associações, cooperativas e instituições públicas e privadas. Esses espaços
favorecem a conexão do indivíduo com o grupo e a reflexão sobre as atividades
que desempenha.
De acordo com o Cd-rom do Ministério das Cidades, o Programa Lixo e
Cidadania incentiva a máxima representatividade da sociedade civil, estimulando
a participação de representantes de associações comunitárias, entidades
religiosas, associações de classes, clubes de serviços, dentre outras.
O Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Cidades condicionam
a liberação de recursos financeiros para o aperfeiçoamento dos serviços de
limpeza urbana dos municípios ao envolvimento da comunidade local na gestão
participativa dos resíduos sólidos, à retirada das crianças trabalhadoras no lixo e
inserção das mesmas na escola, e ainda à incorporação dos catadores, de
lixões ou de ruas, em programas de coleta seletiva. Segundo os elaboradores
desse trabalho, o procedimento visa garantir o direcionamento social do
empreendimento e fortalecer o Programa Lixo e Cidadania que, dessa forma,
tem estimulado o apoio municipal a programas comunitários, especialmente para
a implantação da coleta seletiva em parceria com catadores.
A população em geral demonstra simpatia e disposição para participar
dos programas de coleta seletiva implantados nas cidades. O problema da
48
destinação dos resíduos sólidos afeta toda a sociedade, e somente a partir de
um trabalho contínuo de conscientização será possível atingir um nível de
responsabilidade compartilhada que atenda às suas necessidades.
O papel do Estado no processo de reciclagem tem sido relevante. Vários
órgãos governamentais têm se dedicado ao estudo e à implantação de
programas de coleta seletiva com a finalidade de reciclagem. As prefeituras têm
cedido espaços e financiado equipamentos para a montagem de galpões de
recolhimento do material e centros de triagem, onde o material é separado e
preparado para a revenda. Muitas prefeituras trabalham em parceria com
cooperativas, emprestando caminhões para o transporte do material. Com essa
atitude, a prefeitura também é beneficiada, pois ganha em aumento da coleta de
lixo e melhoria da imagem da administração junto à população, entre outras
vantagens.
Outro aspecto importante é dos incentivos que o Estado promove para
as empresas envolvidas no processo de reciclagem e para a população que
colabora na etapa da coleta seletiva. Existem várias iniciativas, como desconto
no IPTU e Taxa do Lixo, troca de material reciclável por cestas sicas e outras
formas de envolver a sociedade.
No ano de 2002, o MEC (www.mec.gov.br) instituiu um programa de
formação de professores da educação fundamental para atuar na área de meio
ambiente. O Programa pressupõe a parceria com entidades governamentais e
ONGs para promover a formão de professores da 5 à 8 séries do ensino
fundamental para o trabalho com o tema meio ambiente.
A atuação do Estado é importante tamm na divulgação de campanhas
de conscientização da população para a preservação da natureza. As
campanhas podem ser veiculadas pela televisão, rádio e outros canais de
comunicação, alcançando todo o país.
O envolvimento das Organizações Não Governamentais na gestão de
resíduos sólidos no Brasil tem crescido nos últimos anos, participando de forma
decisiva na criação de fóruns de debates, edição de vídeos, manuais e cartilhas
sobre gestão de resíduos sólidos e implantação de projetos de capacitação para
o setor.
49
Organizações não governamentais ligadas à igreja católica,
especialmente a Caritas Brasileira, a Organização do Auxílio Fraterno – OAF e a
Pastoral de Rua têm participação fundamental no apoio à organização dos
catadores de material reciclável. A atuação das ONGs no setor é antiga. Desde
o final da década de 80 a Pastoral de Rua de Belo Horizonte apóia a
organização de catadores. A Pastoral consegue firmar parceria com centenas de
empresas e instituições que doam toneladas de recicláveis por mês à maior
associação de catadores de Belo Horizonte, a ASMARE. É importante destacar
que com o auxílio dessas ONGs e outras instituições dedicadas ao setor de
recicláveis, o catador é inserido em um círculo de colaboração, participação e
solidariedade, valores que dificilmente encontraria em outra atividade.
Muitas ONGs têm verbas internacionais para a implantação de seus
projetos, além de manter uma rede de contatos no mundo todo. Geralmente os
profissionais que trabalham nessas organizões têm elevado vel de
dedicação e qualificação, além da identificação com as causas que defendem.
Outra vantagem importante são as parcerias que as ONGs mantêm com
instituições privadas ou governamentais, onde promovem palestras e oficinas de
conscientização e treinamento para os funcionários, aumentando qualificação
daqueles que atuam na geso de resíduos sólidos, além de viabilizar a doação
de material recicvel para as associações e cooperativas de catadores.
As escolas têm um papel fundamental na assimilação, implantação e
divulgação de projetos. É um multiplicador de ações e conceitos, por isso são
tão procuradas por empresas de reciclagem, que lançam os Projetos Escola.
A Reynolds Latasa, indústria de reciclagem de latas, criou o Projeto
Escola em 1993, para apoiar o Programa de Reciclagem da Lata de Alumínio.
Através desse projeto, milhares de escolas públicas e particulares de rios
estados passaram a trocar latas de alumínio vazias por equipamentos, que vão
desde ventiladores de teto até televisores, videocassetes e microcomputadores,
além de outros itens. O projeto contribui também para a melhoria das condições
de ensino no Brasil, onde grande parte dos alunos não tem contato com
equipamentos de informática e são prejudicados em relação a pesquisas e às
exigências do mercado de trabalho.
50
Ao se inscrever no projeto, a escola recebe a visita de um palestrante da
empresa, vídeos educativos e equipamentos para compactação das latas. A
empresa recolhe as latas nas escolas, quando a quantidade é superior a 8 mil
unidades. Algumas empresas de eletroeletrônicos e de máquinas xerográficas
oferecem equipamentos mais baratos à Latasa, que por sua vez repassa os
descontos para as escolas que participam do programa. Esse projeto tem
alcançado grande êxito e vem sendo copiado em outros países.
As pessoas que coletam material reciclável apenas para complementar
a renda ou enquanto encontram um emprego fixo podem ser consideradas
catadores esporádicos ou não costumeiros. São os porteiros e zeladores de
edifícios, garçons, aposentados, empregadas domésticas e vários outros atores
que de alguma forma acabam por aumentar a concorrência com os catadores
originais e reduzir seu território de atuação.
As latas de refrigerante e embalagens de plástico pet que antes eram
vistos jogados nas ruas ou empilhadas em lixeiras, hoje dificilmente são
encontradas nesses locais. A procura por esse material e o conseqüente
aumento do seu preço no mercado fez com que ele fosse recolhido muito mais
rapidamente das lixeiras ou até nem chegue a elas. É comum hoje em dia que
em qualquer reunião de amigos tenha alguém recolhendo latas com um fim
qualquer. Outra cena freqüente é o recolhimento de latas em shows e outros
locais onde o catador não pode entrar. Após os finais de semana e feriados, é
possível ver muitas pessoas que não são catadores costumeiros recolhendo
latas e plásticos do lixo.
Devido ao aumento do custo de vida e à defasagem salarial, a
pessoas de classe média juntam latas de alumínio em suas casas e vendem aos
depósitos. Os catadores têm dificuldade de encontrar esse material nas lixeiras
e passa a percorrer maiores distâncias por dia e penetrar em outros territórios
para poder recolher uma quantidade maior de material. Essa situação dificulta
ainda mais as condições de trabalho do catador e diminui sua renda. No próximo
capítulo serão apresentadas, de forma sucinta, as experiências e
direcionamento dado à reciclagem no âmbito internacional e no Brasil.
51
CAPÍTULO III
EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA NO EXTERIOR E NO BRASIL
O aumento do padrão de vida nos países industrializados causou um
crescimento proporcional no consumo dos recursos naturais. Os pses
desenvolvidos são grandes consumidores de eletroeletrônicos, o que provoca
um aumento substancial no consumo de energia elétrica e um rápido
esgotamento dos recursos naturais. O sítio ambientebrasil informa que somente
no continente europeu são descartados 8 milhões de toneladas de
equipamentos eletroeletrônicos por ano (www.ambientebrasil.com.br ).
Muitos países membros da União Européia implementaram programas
obrigatórios de coleta e reciclagem de resíduos lidos, incluindo o reuso de
equipamentos e componentes de computadores, telefones celulares, cartuchos
de toner para impressoras, meras fotográficas dentre outros.
A reunião dos países europeus em um só bloco favorece a padronizão
das políticas de tratamento de resíduos sólidos, o que facilita a implementação
de técnicas mais modernas e apropriadas de coleta e reciclagem.
Na Alemanha
A Alemanha foi o primeiro país a adotar medidas de equacionamento da
questão dos resíduos sólidos, segundo Juras (2001, p.3). A Lei de Minimização
e Eliminação de Resíduos, de 1986 estabeleceu os objetivos da política de
resíduos sólidos daquele país. Em 1994, a Lei de Economia de Ciclo Integral e
Gestão de Resíduos ampliou a responsabilidade do fabricante a todo o ciclo de
vida de seu produto. As normas do setor de embalagens determinam os
fabricantes e os distribuidores como responsáveis pelo recebimento e
encaminhamento dos vasilhames para a reciclagem. Para atender a essas
normas, os fabricantes e comerciantes criaram o chamado Sistema Dual, pelo
qual se encarregam da coleta, seleção e reciclagem dos vasilhames e resíduos
comerciais.
52
Na Alemanha, os aspectos ecológicos têm um papel bastante importante
na produção de embalagens.
O setor de separação e de reciclagem da Alemanha experimentou um
crescimento intenso desde a implantação do Sistema Dual. Atualmente, existem
mais de 550 centrais de triagem para embalagens leves, papeis e papelão. A
reciclagem de papel é outro setor bastante desenvolvido no país. Atualmente
quase todos os jornais, papéis para embalagem e papelão são confeccionados
com material reciclado.
As tendências existentes hoje no setor de embalagem da Alemanha são
a redão do peso das embalagens pelo aumento da eficiência dos materiais
utilizados e a utilização de embalagens que podem ser reutilizadas. Os alemães
procuram utilizar produtos concentrados que demandam menores embalagens e
também reduzir o número de materiais utilizados para embalar os produtos.
1
Na França
A responsabilidade do gerenciamento de resíduos sólidos na Franca é
da Administração Pública ou entidades autorizadas. O setor blico fica
responsável pela eliminação dos resíduos sólidos domiciliares, enquanto os da
indústria, transporte e construção civil ficam a cargo de quem os produziu. Os
resíduos perigosos o manejados apenas por empresas privadas
especializadas, por questão de segurança.
Os principais objetivos da política francesa de resíduos, estabelecida em
1975 e modificada em 1992, são prevenir ou reduzir a nocividade dos resíduos;
organizar o transporte dos resíduos e limitá-lo em distância e volume; valorizar
os resíduos pela reutilização, reciclagem ou qualquer outra ão visando obter
energia ou materiais a partir dos resíduos; além de disso, determinou-se, ainda,
que, depois de 1º de julho de 2002, seriam admitidos nas instalações de
disposição os resíduos finais.
1
Os dados referentes à questão dos resíduos sólidos na Alemanha, na França, na Espanha e no
Canadá foram obtidos através do seguinte trabalho: A Questão dos Resíduos Sólidos. Nota
Técnica. Câmara dos Deputados, Brasília, 2001.
53
Existe ainda a possibilidade de firmar contrato com empresas
especializadas em exploração de resíduos ou cedê-los por contrato a um
intermediário autorizado que assegurará o transporte e a comercialização desse
material. Os responsáveis pelos resíduos devem separá-los dos outros
materiais, além de informar a maneira adequada de prepará-los para a
reciclagem.
Na Espanha
A Espanha es desenvolvendo ações com o objetivo de cumprir as
regras da União Européia para a reciclagem. A Lei 11/1997 estabeleceu que as
empresas geradoras devem valorizar e reciclar as embalagens de acordo com
metas estabelecidas. As empresas geradoras podem desenvolver um sistema
próprio, onde cobram um valor dos clientes pelas embalagens dos produtos.
Assim que os clientes devolvem as embalagens, esse valor é restituído. Cabe ao
sistema de gestão integrada dar suporte cnico às administrações locais, além
de financiar o custo da coleta seletiva, mais elevado do que a tradicional.
Nos Estados Unidos
O procedimento quanto ao gerenciamento de resíduos lidos nos
Estados Unidos é semelhante ao que ocorre na Europa. O país investe em
estudos de redução e remodelagem das embalagens muitos anos. Existe
uma tendência contínua de uso de materiais mais leves, como o plástico e o
alumínio para substituir o aço e o vidro.
Os Estados Unidos têm uma longa tradição na reutilização de bens
duráveis. É comum o repasse de bens utilizados para outras pessoas ou a
doação para instituições de caridade. As “vendas de garagem” o uma tradição
no país e uma forma de adiar o momento de descarte desses bens.
A compostagem de restos de comida e podas de jardim é obrigatória em
vários estados do país, e mais de 50% da população cumpre a determinação
de não destinar a as sobras de comida e podas de jardim para os aterros
54
sanitários. Em Nova York há um ativo programa de coleta e reciclagem de papel
e metal, por alcançarem bom preço no mercado. A coleta seletiva dos outros
tipos de material foi suspensa dois anos, porque o prefeito acreditava que ela
era dispendiosa para a cidade. Alguns estudos revelaram que a diferença entre
transportar os resíduos para os aterros ou reciclá-los era de apenas um dólar
por tonelada. A conclusão foi que valia a pena voltar a reciclar outros materiais.
No Canadá
No Canadá, a consciência da população em relação aos problemas do
gerenciamento de resíduos sólidos cresceu consideravelmente nos últimos dez
anos. Iniciativas conjuntas do Estado, de empresas e da comunidade
conseguiram reduzir a quantidade de resíduos lidos enviados para a
disposição final. Em todas as províncias canadenses houve ampla divulgação de
campanhas educativas para incentivar a população a aderir aos programas de
coleta seletiva e reciclagem.
Algumas províncias e rejeitam a deposição de resíduos orgânicos nos
locais de despejo. A reciclagem de óleo usado é obrigatória em algumas
províncias.
Os resíduos domiciliares mais reciclados são os diversos tipos de
papéis, vidros, latas e alguns plásticos.
No Japão
O Japão é um país modelo na questão de coleta seletiva e reciclagem.
O país possui poucos recursos naturais e depende da importação de gêneros
alimentícios e da maioria dos produtos consumidos pela população. É um
grande produtor e consumidor de eletroeletrônicos, cujo descarte ocorre em
curto período de tempo, devido ao constante avanço da tecnologia e criação de
novidades.
A coleta seletiva é realizada em todas as cidades japonesas, o que
garante a redução da quantidade de material destinado ao local de disposição
final de resíduos (www.partidoverde-mg.org.br). A distribuição de contêineres
55
para a entrega voluntária de material reciclável é outra medida que tornou
possível o êxito do programa de coleta seletiva no país.
O comércio de produtos usados é bastante expressivo no país e as
diversas lojas desse ramo oferecem, ainda, assistência técnica de aparelhos
usados. Apenas uma rede de produtos reciclados possui mais de 230 lojas no
Japão e em outros países. Noutra ponta, em 2003 entrou em vigor no país a Lei
de Reciclagem, que obriga os consumidores a assumirem parte das despesas
do descarte de eletrodomésticos, o que incrementou consumo de produtos
reciclados.
Outro aspecto que merece destaque refere-se ao alto índice de
aproveitamento do lixo orgânico, transformado em adubo pelo processo de
compostagem, obtido por meio da fermentação de materiais orgânicos, como
restos de comida despejados pelas residências e restaurantes das grandes
cidades e estrume emitido pelas fazendas pecuárias e granjas do interior. Esse
procedimento é de suma importância para o país, cujo solo resultante de
atividades vulcânicas é pouco fértil, (IV Encontro do Movimento de Educação
Ambiental da BSGI).
Mesmo não sendo economicamente vantajosa, devido ao alto preço do
papel reciclado em relação ao papel confeccionado com matéria-prima virgem, o
governo japonês obrigou os fabricantes a incluírem uma parcela de material
reciclado na fabricação de seus produtos. Essa medida foi tomada visando à
redução da quantidade de lixo gerada e à economia de recursos naturais, o que,
por outro lado, diminui os gastos com importação.
Na China
A China é um país superpopuloso onde o processo de coleta e
reciclagem tem importância fundamental no equilíbrio da relação de produção e
consumo de mercadorias.
Na composição do lixo doméstico dos chineses predominância de
resíduos orgânicos. Papel, pstico, metal e vidro m participação reduzida no
volume total. O setor de reciclagem na China esvoltado em sua maioria para
os resíduos sólidos industriais. Atuam na reciclagem sobretudo as companhias
56
públicas e empresas ligadas à Federação Nacional das Cooperativas de
suprimento e Mercado, empregando cerca de 880 mil trabalhadores.
Um setor informal, operado por trabalhadores aunomos que também
atuam na lavoura, realiza coleta de porta em porta. No final de 1995, cerca de 3
milhões de pessoas estavam engajadas nessa atividade informal, respondendo
por 80% do total de resíduos sólidos recuperados. A deposição dos resíduos
sólidos é feita, na maioria das vezes, em lixões, resultando na emissão de gás
metano e poluição dos lençóis freáticos.
Na América do Sul
O CEMPRE - informa nº 75 maio/junho 2004 (www.cempre.com.br)
traz informações gerais sobre o tratamento dos resíduos sólidos em outros
países da América do Sul. A matéria esclarece que na Argentina, Uruguai,
Paraguai, Bolívia, Venezuela, Peru, Equador, e em outros países
economicamente instáveis, as questões relativas ao meio ambiente não têm
tratamento prioritário. As políticas públicas ou leis referentes à questão dos
resíduos sólidos são focadas na sua disposição final, objetivando a substituição
dos lixões por aterros sanitários. o existem ainda estudos sistemáticos de
implantação de coleta seletiva e reciclagem nesses países, o que poderia
contribuir na geração de renda para a população carente e ajudar no combate a
diversas doenças causadas pela falta de tratamento adequado do lixo.
As experiências de coleta e reciclagem dos países europeus mostram
uma tendência de padronização dos métodos e metas, objetivando o
cumprimento das regras estabelecidas pela União Européia. Os Estados Unidos
e o Canadá seguem orientações semelhantes, enquanto a China e os países da
América do Sul encontram-se em um estágio mais atrasado do processo de
coleta e reciclagem, não apresentando ainda nenhuma tendência de
padronização dos métodos e metas.
57
No Brasil
A implantação dos programas de coleta seletiva no Brasil traz como
pilares a geração de renda para o catador, o incentivo à sua organização em
cooperativas e a promoção de sua inclusão social. Para isso, conta com a
parceria de instituições governamentais, ONGs, organismos internacionais,
entidades religiosas, empresas dentre outros segmentos sociais.
O Brasil, pela quarta vez seguida, foi o país que mais reciclou latas de
alumínio no mundo. As latas de cerveja e refrigerantes formam a quase
totalidade dessa reciclagem, enquanto outros produtos foram praticamente
desprezados pela coleta.
A coleta seletiva encontra-se no âmbito da gestão de resíduos lidos.
Os dados que serão utilizados para ilustrar a atual situação dos sistemas de
coleta seletiva no Brasil e no exterior tomam como base o cd-rom Avaliação
Técnico-Econômica e Social de Sistemas de Coleta Seletiva de Resíduos
Sólidos Urbanos Existentes no Brasil, iniciativa da SEDU Secretaria Especial
de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República e o cd-rom Dados do
Brasil para a 1ª Avaliação Regional 2002 dos Serviços de Manejo de Resíduos
Sólidos Municipais nos Países da América Latina e Caribe – OPAS/OMS.
No Brasil, a coleta de lixo e varrição das ruas alcança a quase totalidade
dos municípios 99% m coleta convencional, enquanto apenas cerca de 8%
têm programa de coleta seletiva.
Os melhores resultados no manejo, tratamento e destinação final dos
resíduos são obtidos pelos grandes municípios e regiões metropolitanas, com
maior capacidade de ordem estrutural e administrativa, maior qualificação de
pessoal e maior capacidade de obtenção e aplicação de recursos. É importante
destacar que houve uma ampliação significativa na quantidade de lixo coletada,
decorrente do aumento dos índices de coleta e de mudanças nos padrões de
consumo. A população consome hoje muito mais embalagens e produtos
descartáveis do que na década passada.
58
O Governo Federal, por intermédio do rum Nacional Lixo e Cidadania,
e especialmente dos Ministérios das Cidades, do Meio Ambiente e da Saúde
vem tentando adequar seus programas e projetos com o objetivo de otimizar e
padronizar critérios para a análise e aprovação dos recursos que resultem em
geração de emprego no setor de resíduos sólidos. O rum procura também
destacar a importância e promover a gestão participativa no manejo dos
resíduos.
Vários instrumentos legais disciplinam a área, como a Constituição
Federal de 1988, a Lei de Crimes Ambientais, o Estatuto das Cidades, Lei de
Educação Ambiental, decretos, portarias e resoluções do Conselho Nacional de
Meio Ambiente - CONAMA, as Agências Reguladoras, leis estaduais e
municipais.
A participação social é fundamental para que qualquer programa de
coleta seletiva obtenha êxito. Cientes disso, as prefeituras procuram a melhor
forma de incentivo da população. Algumas prefeituras dão descontos nas taxas
de IPTU e de recolhimento do lixo para os moradores que praticam a coleta
seletiva. A população se mostra favorável e disposta a participar da implantação
dos programas.
registros de cidades que incentivavam os moradores com pmios
pela maior quantidade de material recolhido. Após o término das campanhas, os
moradores continuaram recolhendo e encaminhando para a reciclagem grande
quantidade de material reciclável, independente de prêmios.
O quadro da coleta seletiva no Brasil ainda o é animador. Além do
pequeno número de municípios com programas de coleta seletiva implantada,
são poucos os programas que incorporam os catadores como parceiros. A
situação da maioria dos trabalhadores nessa atividade é bastante precária. A
área de resíduos sólidos ainda apresenta pouco desenvolvimento tecnológico.
Não temos equipamentos adequados para compactação de resíduos nem
equipamentos motorizados de pequeno porte, que possam substituir a tração
humana realizada na coleta seletiva, importante fator para promoção da
melhoria da auto-estima do catador. O esforço sico no recolhimento do
material, como o arremesso de sacos plásticos de lixo, é causa de inúmeros
59
casos de afastamento de trabalhadores, principalmente por problemas de
postura e cortes por objetos perfuro-cortantes.
Apesar dos esforços de instituições blicas e particulares, observa-se
ainda no país uma grande deficiência na gestão dos resíduos sólidos urbanos do
ponto de vista gerencial, técnico e financeiro, embora a situação tenha
melhorado nos últimos anos.
A iniciativa privada é responsável pela coleta de aproximadamente 70%
dos resíduos gerados no Brasil, o que não garantiu maior eficiência e economia
do que o serviço prestado pelas empresas estatais.
As experiências de coleta seletiva que adotaram um processo
participativo tiveram maior êxito do que as que foram implantadas sem a
participação da sociedade (forma de viabilizar o direcionamento social do
processo de reciclagem). Essa característica permitiu encontrar alternativas
apropriadas para cada município e estabelecer o controle social da gestão,
possibilitando ampliar a capacitação local.
Cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba
destacam-se por ter um sistema de coleta seletiva participativo, com soluções
inteligentes para a questão do lixo. Essas experiências serão relatadas a seguir
e comparadas com os resultados obtidos no exterior.
Belo Horizonte
A cartilha Experiências de Coleta Seletiva, da Pastoral de Rua da
Arquidiocese de Belo Horizonte – 2002, informa que os catadores recolhem
material recicvel nas ruas de Belo Horizonte desde os anos 50 (p. 9). No final
da década de 80, a Pastoral de Rua e a Cáritas Brasileira implementaram uma
ação de apoio ao trabalho dos catadores, resultando na criação da Associação
dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte
ASMARE.
As primeiras iniciativas de coleta seletiva de Belo Horizonte não
obtiveram resultados satisfatórios, e ainda não consideravam a importância do
trabalho do catador nessa atividade. Somente em 1993 a prefeitura reconhece
60
oficialmente que o trabalho do catador é importante na manutenção da limpeza
pública e na economia gerada pela coleta, transporte e destinação final do
material recolhido. Com a implantação de um programa de manejo de resíduos
sólidos na cidade, foi criado o Projeto de Coleta Seletiva dos Recicláveis,
visando à coleta e à reciclagem do material recolhido, com geração de renda
para os catadores e a conscientização da sociedade para a diminuição do
desperdício (p. 11). As escolas, comunidades religiosas, instituições públicas e
privadas e o comércio central foram escolhidos para dar início ao trabalho de
coleta, devido ao seu potencial multiplicador de idéias.
A partir da implantação do programa de coleta seletiva, foi
desenvolvido um intenso trabalho de esclarecimento da importância da utilização
dos postos de entrega voluntária de material reciclável. A prefeitura cedeu
terrenos para a instalação de galpões de triagem, que passaram a receber
doação de grandes quantidades de material reciclável por parte de empresas.
A prefeitura firmou um convênio de repasse de recursos do município
para o pagamento de despesas administrativas e investimento na capacitação
técnica dos catadores da ASMARE. A pastoral de Rua, em parceria com outras
instituições, promove cursos de limpeza pública e reciclagem, cooperativismo,
segurança no trânsito e saúde do catador.
A ASMARE desenvolve um trabalho de capacitação dos filhos dos
catadores. Os adolescentes aprendem o ofício de marceneiro, reaproveitando
móveis usados e construindo carrinhos que servirão para a coleta de material
reciclável. A oficina de papel artesanal foi criada para gerar renda destinada a
ex-moradores de rua incorporados à associação. A produção dessas duas
oficinas é comercializada no Espaço Cultural Reciclo, criado para divulgar o
trabalho dos catadores.
Paracatu
A cartilha da Pastoral de Rua de Belo Horizonte descreve também a
experiência de coleta seletiva e reciclagem da cidade mineira de Paracatu,
cidade mineira próxima a Brasília. Com a missão de organizar os catadores do
lixão e das ruas da cidade, inserindo-os no processo de coleta seletiva, teve
61
início a implantão do programa da cidade. A Pastoral de Rua de Belo
Horizonte e o Centro Tecnológico de Minas Gerais foram convidados para
organizar os catadores do lixão e das ruas de Paracatu (p.22).
O Fórum Nacional Lixo & Cidadania apresentou a realidade social dos
catadores do lixão e destacou a importância de seu trabalho. Várias entidades,
como a Cáritas Diocesana de Paracatu, a Fundação Nacional de Saúde e a
Companhia Mineira de Metais deram apoio ao programa.
A logística operacional da coleta seletiva priorizou o início das atividades
pelas escolas, por serem espaços que influenciam a mudança de
comportamento da comunidade. Os bairros da região central foram os primeiros
a ter o serviço de coleta seletiva por apresentarem maior quantidade de material
reciclável, maior grau de organização social e por estarem localizados em áreas
planas e bem definidas setorialmente (p. 23).
A coleta de material reciclável foi sistematizada de três maneiras. No
bairro Bela Vista, é realizada porta a porta pelos catadores, que utilizam
carrinhos-de-mão. No centro, os carroceiros fazem a coleta e encaminham o
material para o galpão de triagem, construído em um terreno cedido pela
Cáritas. A coleta ponto a ponto é realizada uma vez por semana nas escolas e
nos contêineres espalhados pela cidade. Algumas empresas que são geradoras
de grande quantidade de material reciclável e têm coleta seletiva em suas
unidades fazem a entrega voluntária no galpão de triagem (p.25).
O material que chega ao galpão de triagem é separado, pesado e
enfardado pelos catadores. Em Paracatu os catadores participam de todas as
etapas da coleta seletiva, inclusive do transporte final do material, com veículos
emprestados pela Cáritas. Houve um significativo aumento da renda dos
catadores, devido às melhorias nas condições de trabalho e à ampliação dos
tipos de materiais coletados. (p. 30).
São Paulo
Em 2002 foi implantado Programa de Coleta Seletiva Solidária de São
Paulo. Os objetivos do programa são a redução da quantidade de lixo despejada
62
nos aterros, a preservação dos recursos naturais e a inserção dos catadores no
processo de reciclagem.
A prefeitura da cidade incentivou a criação de cooperativas de
catadores, que gerenciam as centrais de triagem de material recicvel. A coleta
seletiva é realizada de porta em porta e também através dos pontos de entrega
voluntária. Foi criado um desconto na taxa de lixo dos moradores em função da
quantidade de material reciclado recolhido. A medida ajudou a reduzir a emissão
de resíduos sólidos de 12 mil toneladas para 8 mil toneladas por dia em 2003.
O programa de coleta e reciclagem de São Paulo incentiva a
conscientização dos direitos e da importância social dos catadores. A
administração das cooperativas é realizada pelos próprios catadores. As tarefas
são divididas por grupos de catadores.
As autoridades municipais já declararam a saturação dos principais
aterros sanitários da cidade. Em razão disso, a prefeitura buscou ampliar a
coleta e os investimentos na construção e reforma de galpões e equipamentos
utilizados no processo de coleta seletiva. Os galpões e equipamentos serão
operados por cooperativas de catadores, que participarão da coleta, triagem e
beneficiamento do material reciclável.
Além dos ganhos ambientais, a prefeitura de São Paulo espera obter
também um amplo reflexo social com a amplião da coleta e inclusão de maior
quantidade de catadores. A intenção da prefeitura é incentivar a criação de mais
cooperativas e a eliminação dos atravessadores.
Ainda segundo informões do site, os especialistas estimam que São
Paulo perca 300 milhões de reais por ano com o desperdício do material
reciclável e os representantes da indústria de alumínio garantem que nos aterros
da capital são enterrados, a cada ano, 500 milhões de lares só em recipientes
que poderiam ser reciclados.
Porto Alegre
O projeto de coleta seletiva de Porto Alegre foi implantado pelo
Departamento Municipal de Limpeza Urbana DMLU em 1990
(www.unilivre.org.br). A exemplo de outras localidades, a falta de espaço para
63
disposição do lixo e a grande quantidade de pessoas vivendo da catação
impulsionaram o programa de coleta seletiva e reciclagem da cidade.
A implantação do programa foi precedida de uma ampla campanha de
conscientização da população, ao mesmo tempo em que foram desenvolvidos
programas de coleta seletiva nas escolas, empresas, hospitais e órgãos
públicos.
Em 1990 foi constituída a Associação de Mulheres Papeleiras e
Trabalhadoras em Geral, primeira entidade organizada de coleta e reciclagem
da cidade. O DMLU investiu na capacitação e organização dos catadores,
promovendo cursos de educação ambiental, aspectos técnicos das matérias-
primas e técnicas de comercialização. O trabalho do órgão foi extremamente
importante para a mobilizão da população local.
O programa de coleta seletiva implantado em Porto Alegre possui uma
equipe de educação ambiental e uma equipe operacional. As unidades de
reciclagem são operadas por cerca de duzentos e cinqüenta trabalhadores
autônomos, sob supervisão do DMLU. Esse programa foi implementado por
etapas a partir de 1990, iniciando pelo Bairro do Bom Fim. No ano seguinte
beneficiava 16 bairros, chegando a 37 em 1992 e 61 em 1995. Em julho de 1997
o programa alcançou 100% dos bairros.
O programa coleta 40 toneladas diárias de material recicvel. O custo
da coleta seletiva é coberto pela taxa de lixo. O objetivo é viabilizar meios de
aumentar o volume de material reciclável recuperado.
Curitiba
A cidade de Curitiba tem o maior índice de aproveitamento do lixo
reciclável do Brasil. A cidade foi pioneira na implantação de programa de coleta
seletiva, em 1989. A coleta seletiva é realizada em todos os bairros e
movimenta aproximadamente 4 mil catadores informais. Além disso, 30
caminhões participam do recolhimento de material reciclável (www.resol.com.br)
A prefeitura de Curitiba estima que mais de 600 toneladas de material
reciclável sejam recolhidas das ruas todos os dias. Segundo a superintendente
64
de controle ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a maioria dos
catadores tem acordos com lojas, shoppings e condomínios para recolher o
material. A cidade lançou projetos pioneiros, que ajudaram na conscientização
da população sobre o problema da disposição do lixo. O projeto Compra do Lixo
consiste na troca do lixo por produtos como alimentos e vales-transporte e
abrange 45 áreas da periferia, onde é difícil o acesso dos caminhões de coleta.
Existe tamm o Programa mbio Verde, que troca material reciclável por
cadernos, brinquedos e alimentos, e tem mais de 35 mil famílias participando.
Cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos foram criados na cidade
com o programa de coleta seletiva e reciclagem de Curitiba.
Salvador
A cidade de Salvador registra a atividade de catação de material
reciclável desde a década de 1940, em decorrência do êxodo rural. A falta de
qualificação dos migrantes para os empregos oferecidos na cidade e as
dificuldades de permanência no centro empurrou-os para a periferia, onde
sobreviviam do encontravam na área de aterramento de lixo, conhecida como
Alagados. O adensamento populacional nessa área aumentou rapidamente,
atingindo o número de 50.000 pessoas na década de 60 (www.igeo.uerj.br).
A quantidade de lixo gerada pela cidade e o aumento do número de
pessoas vivendo da catação de material reciclável se intensificou nas décadas
seguintes. Nos anos 90 a cidade concebeu um modelo de gestão de lixo no qual
se inseria um amplo programa de coleta seletiva. Em 1991 foi implantado o
Projeto Lixo Útil, que adotou os modelos de coleta porta a porta e postos de
entrega voluntária dos materiais recicláveis. Os objetivos do programa eram
incentivar a indústria recicladora, reduzir custos de limpeza urbana, criar
empregos e incentivar a população para adoção de novos hábitos para com o
lixo. Esse programa amenizaria uma crise no sistema de limpeza urbana da
cidade, que afetava diretamente a imagem da cidade frente à atividade turística.
Em 1998 Salvador adquiria a imagem de “cidade modelo” de limpeza
urbana, coletando mais de 90% de do lixo diário que gerava. Atualmente a
65
cidade mantém ainda um programa ativo de coleta seletiva. Em 2002, uma
pesquisa realizada pela Bahiatursa revelou que a limpeza pública está entre os
dez itens que mais agrada o turista na cidade. Este é um exemplo de programa
de coleta e reciclagem mantido em função do marketing turístico, onde a limpeza
da cidade tem grande influência no aumento de recursos.
A comparação das experiências de coleta seletiva e reciclagem entre os
países economicamente desenvolvidos e o Brasil revela um enorme contraste.
Os países desenvolvidos encontram-se em um esgio mais avançado em
relação à coleta e reciclagem de materiais, refletindo a diferença econômica e
cultural em que se encontram. Tendo iniciado sua industrialização muito antes
do Brasil, foram obrigados a lidar mais tempo com as questões de
preservação dos recursos naturais. Esses países implementaram leis nacionais
de gerenciamento de resíduos lidos muito tempo, o que ainda não
aconteceu no Brasil. A responsabilização do fabricante pelo ciclo total de vida do
produto, desde sua fabricação até a sua eliminação, é uma medida que tem
proporcionado resultados expressivos no processo de reciclagem dos países
desenvolvidos.
A análise dos programas de coleta e reciclagem dos países
desenvolvidos demonstra maior preocupação ecológica na fabricação dos
produtos, obedecendo a uma rígida legislação. Essas preocupações ainda estão
distantes no Brasil, que luta pela implementação e manuteão dos programas
de coleta e reciclagem.
Os países apontados reciclam maior variedade de produtos que o Brasil,
investem em tecnologia e maquinário para a limpeza pública, além de contar
com a participação da população na entrega voluntária do material reciclado. As
etapas de triagem, compactação e enfardamento do material são realizadas por
usinas de reciclagem, com poucos funcionários operando.
Os programas de coleta e reciclagem desenvolvidos no Brasil visam a
inserção social do catador, agente que o aparece no processo de reciclagem
dos países desenvolvidos, onde a população encaminha o material reciclável
aos postos de coleta ou tem um sistema eficiente de recolhimento desse
material.
66
Como foi possível observar, a diferença econômica e cultural dos países
se reflete no desenvolvimento de seus programas de coleta e reciclagem. A
China movimenta milhares de catadores no processo de reciclagem, que ajuda a
alimentar seu crescimento econômico. Os outros países da América do Sul
encontram-se em instabilidade política e econômica e preocupam-se ainda com
a destinação final do lixo. O Brasil vive um momento de crescimento da
conscientização ambiental e a tendência é de aumento do número de municípios
com programas de coleta e reciclagem implantados. As experiências
internacionais servem como referência para a melhoria do processo de
reciclagem no país, através da incorporação de novas atitudes de combate ao
desperdício e mobilização popular.
67
CAPÍTULO IV
EXPERIÊNCIAS DE COLETA SELETIVA EM BRASÍLIA
O crescimento populacional e o processo de industrialização
provocaram um aumento expressivo da quantidade de produtos consumidos nas
grandes cidades. Essa situação se repete em Brasília-DF (figura 1). A cidade
apresenta indicadores sócio-econômicos superiores à maioria das unidades da
federação. A renda per capita é elevada, o nível educacional é satisfatório e a
qualidade de vida atrai pessoas de todas as regiões do país.
Um estudo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo
Fecomércio-SP (Correio Braziliense, 26/06/2005 Caderno de Economia, p. 16)
mostra que a população de Brasília é a que, proporcionalmente, mais consome
no Brasil. O resultado desse consumo é a geração de grande quantidade de
embalagens, que deveriam ser reaproveitadas, reduzindo os danos causados à
68
natureza e gerando renda para as populações carentes, como ocorre em outras
cidades.
A implantação de um programa de coleta e reciclagem em Brasília
poderia ter custos menores do que o de outras localidades. A topografia plana
da cidade favorece a economia de combustível e a conservação dos veículos,
dois itens que pesam na despesa desse tipo de serviço. As ruas planas
favorecem a circulação de carrinhos de coleta, carroças, caminhões e outros
veículos envolvidos no recolhimento do material reciclável. A setorização das
atividades é outro fator que permite um planejamento estratégico de
recolhimento de material por tipo e horário, propiciando economia de gastos e
rapidez na execução do serviço.
Mesmo não tendo um programa de coleta seletiva e reciclagem, ocorre
uma intensa atividade de catação de material reciclável na cidade, desde os
tempos de sua inauguração. A nova capital atraiu migrantes de todas as partes
do país. Os servidores públicos receberam gratificações e moradia para virem
trabalhar aqui. Profissionais de todas as áreas vieram ajudar a construir a
cidade.
Os migrantes que o conseguiram emprego e moradia terminaram por
habitar a área destinada à disposição de lixo, conhecida hoje como Lixão da
Estrutural. Poucos anos depois do início das atividades do lixão, em 1961, foram
montados os primeiros barracos de pessoas que viviam da catação de lixo. A
ocupação da área se deu em ritmo acelerado, chegando atualmente a mais de
25 mil moradores, segundo informações da Administração Regional do Setor
Complementar de Indústria e Abastecimento SCIA (a vigésima quinta Região
Administrativa do D.F., criada em 2005, englobando o Setor de Indústria e
Abastecimento, A Cidade Estrutural e a Vila Estrutural).
O aumento do número de habitantes ocorreu principalmente devido a
interesses eleitorais dos governantes do DF, transformando o local em um
grande problema social e ambiental. O acúmulo de lixo provoca doenças na
população e degradação do Parque Nacional de Brasília, que possui rias
espécies de fauna e flora e é responsável por 30% do abastecimento de água da
capital. Além disso, existe perigo constante de explosão, que pode ser causada
69
pelos gases originários do lixo e também pelo Oleoduto da Petrobrás, que passa
ao longo de toda a invasão. Existem casas construídas acima da tubulação, que
está apenas a 1,5m da superfície.
Os caminhões despejam cerca de 1,8 toneladas de resíduos por dia no
lixão da Estrutural, segundo dados do SLU. As pessoas catam o que podem
rapidamente e vendem todo o material no próprio local a outros catadores, que
revendem aos grandes depósitos. Somente catadores cadastrados na
associação podem trabalhar no recolhimento do lixo. Essa medida foi tomada
pela Belacap, para evitar a entrada de pessoas de fora, reduzindo a quantidade
de material para cada um.
No artigo “Porque somos contra a Estrutural” (www.arvore.com.br), o
Secretário Executivo do Fórum das ONGs Ambientalistas sugeriu a transferência
da invasão da Estrutural para outra localidade. O especialista afirma que o DF
conta com imeros assentamentos urbanos ainda e fase de ocupação e não
consolidados, e que podem atender à demanda de moradia da população
carente.
Apesar dos inúmeros pareceres e protestos em contrário, a tendência é
que a invasão da Estrutural seja regularizada em breve, ou mesmo que a área
continue habitada, causando danos ambientais e mantendo as péssimas
condições de vida dos moradores.
O lixão da Estrutural está com a sua capacidade saturada. A área será
desativada brevemente e outro local será designado para o despejo do lixo.
Essa é uma medida de emergência, que não soluciona o problema da
destinação final dos resíduos sólidos e apenas e apenas transfere os problemas
causados pelo lixo para outro lugar.
Uma alternativa para reduzir o volume de lixo despejado é aumentar a
capacidade de reaproveitamento do material reciclável, com a implantação de
usinas de compostagem e reciclagem, equipamento utilizado com sucesso nos
países desenvolvidos.
A primeira usina de compostagem e reciclagem de lixo do DF foi
implantada em Ceilândia, no ano de 1988, segundo informões do site
www.nutep.adm.ufrgs.br. A usina, de tecnologia francesa, funciona com
70
separação do material por etapas. Na primeira etapa, os volumes pequenos são
separados manualmente. Na segunda etapa, um eletroimã separa os metais
ferrosos. Os plásticos e papéis são separados na etapa seguinte por uma
corrente de ar. Uma segunda catação manual separa os vidros e plásticos
duros. O material sai enfardado ou compactado, pronto para ser reciclado. No
final da esteira restam os resíduos orgânicos, que são triturados, transformados
em adubo e repassados a baixos preços para os produtores agrícolas do DF.
A usina representa ganhos ambientais e econômicos, com a diminuição
dos impactos provocados pela produção dos resíduos e a economia de energia,
que será empregada na confecção de novos produtos. No aspecto social, os
ganhos são representados por um convênio com a comunidade que trabalha nos
lixões. O aproveitamento desses trabalhadores na usina de compostagem
diminui o problema de ordem social e econômica que será causado pela
desativação dos lixões do DF.
O site informa ainda que o funcionamento da usina foi satisfatório
apenas nos primeiros anos. Por falta de manutenção dos equipamentos, apenas
uma linha de tratamento está funcionando, sendo que várias etapas estão sendo
saltadas. Faltaram também programas complementares para os trabalhadores
da usina e uma avaliação criteriosa da realidade cultural da população brasileira.
A usina foi projetada para receber um material separado nas residências,
como na França, onde a coleta seletiva é praticada muitos anos. A inserção
desse equipamento na realidade brasileira, sem ao menos um programa
educacional, foi considerada um grande erro.
A Belacap disponibiliza em seu site (www.belacap.df.gov.br) o
organograma das unidades de coleta, tratamento e disposição final dos resíduos
sólidos do Distrito Federal :
- Distritos de Limpeza, localizados em algumas regiões
administrativas do Distrito Federal, totalizando 14 distritos de
limpeza descentralizados, para facilitar o deslocamento de
pessoal e equipamentos nos serviços de recolhimento de
resíduos.
71
- Usina de Tratamento de Lixo / UTL: situada às margens do Lago
Paranoá e inaugurada em 1963. O processo de tratamento
(DANO) é de tecnologia dinamarquesa. Tem capacidade
nominal de tratamento de 250 t/dia de lixo, porém, es
processando na faixa de 60 a 100 t/dia.
- Usina Central de Tratamento de Lixo / UCTL: situada às margens
no Setor P-Sul em área especial na Ceilândia e inaugurada em
1986. O processo de tratamento (TRIGA) é de tecnologia
francesa. Tem capacidade nominal de tratamento de 600t/dia,
porém, está processando na faixa de 200 a 250 t/dia.
- Usina de Compostagem e Reciclagem de Brazlândia / UDBraz:
construída para tratar o lixo proveniente da coleta seletiva em
Brazlândia. Inaugurada em 1992, está processando cerca de 80
t/dia de lixo.
- Usina Central de Coleta Seletiva / UCCS: situada ao lado da UTL,
foi construída para receber o lixo inorgânico do Plano Piloto,
coletando seletivamente.
- Usina de Incineração de Lixo Especial: inaugurada em 1985,
es situada na mesma área da UCTL na Ceilândia. Tem
capacidade para incinerar cerca de 30 t/dia, preferencialmente o
lixo hospitalar, animais mortos, produtos impróprios para o
consumo, drogas e entorpecentes, documentos sigilosos, etc.
- Aterro Controlado do Jóquei (Estrutural): situado às margens da
via estrutural, é o principal local de destinação final de lixo do
Distrito Federal, que recebe cerca de 90% do lixo no Distrito
Federal. Existe a mais de 30 anos e, atualmente, conta com
projeto para recuperação da área degradada e reutilização como
aterro sanitário.
Brasília já teve uma experiência de coleta seletiva e reciclagem. O
projeto piloto do programa desenvolvido pelo Serviço de Limpeza Urbana – SLU,
a SEMATEC e a BELACAP foi implantado em junho de 1996. A intenção era
72
aproveitar melhor os resíduos sólidos urbanos e de reduzir a quantidade de
material depositado nos lixões e aterros sanitários.
O programa foi implantado inicialmente nas superquadras 108 a 113,
208 a 213, 308 a 313 e 408 a 413 da Asa Sul (figura 2). A idéia do GDF era
analisar os resultados da coleta seletiva nessas quadras durante um período e,
caso os resultados fossem satisfatórios, expandir gradativamente para outros
setores e cidades próximas.
(Mapa adaptado por Ananélia Dubois)
73
As características do programa de coleta seletiva adotado por Brasília
eram similares às de outros programas bem sucedidos de outras cidades. Todos
os resíduos eram tratados, a coleta seletiva substituiria gradativamente a coleta
convencional e seria intensificada a utilização de trabalho humano nos
processos de triagem, classificação e prensagem.
O trabalho de conscientizão foi adequado a uma população de
caractesticas predominantemente urbanas, habitante de prédios de
apartamentos. Foram realizadas palestras nos condomínios dos prédios,
atividades de educação ambiental, distribuição de panfletos educativos e
divulgação nos meios de comunicação. O objetivo era orientar os moradores a
separar em dois sacos diferentes os resíduos orgânicos e os resíduos sólidos. O
caminhão de coleta do SLU estava encarregado de fazer a coleta dos resíduos
orgânicos nas segundas, quartas e sextas, e dos resíduos sólidos nas quintas e
sábados, sempre no período da tarde.
O programa funcionou mais intensamente apenas nos três primeiros
anos as a implantação. Em seu trabalho de dissertação de mestrado, em que
analisa a experiência de coleta seletiva do Distrito Federal, a geógrafa Ananélia
Dubois apontou os principais motivos do fracasso do programa. A separação
dos resíduos não era feita de maneira adequada pelos moradores, que tinham
vidas quanto ao que era resíduo sólido e resíduo orgânico. Os moradores
também o tinham sido suficientemente esclarecidos de que o objetivo final da
coleta seletiva era diminuir a quantidade de lixo dos aterros. A rapidez com que
a campanha foi implantada, sem uma preparação gradual da população
prejudicou o projeto.
Dubois considerou falha a ausência de estrutura adequada para a
separação dos resíduos, com mero insuficiente de esteiras de triagem para a
quantidade de resíduos gerados. Faltou também o envolvimento das escolas e o
aumento do número de parcerias com outros órgãos, como solução para uma
maior conscientização da população. Os moradores reclamaram que o material
reciclável separado por eles era depois misturado no caminhão do SLU,
invalidando todo o trabalho.
74
Com a mudança de governo no Distrito Federal, as campanhas de
divulgação e o acompanhamento do processo de reciclagem foram deixados de
lado. A expansão da Usina Central de Coleta Seletiva UCCS do Plano Piloto,
que deveria receber o material recolhido em outras áreas o ocorreu,
inviabilizando que o programa fosse levado a outros setores da cidade.
A experiência de coleta seletiva nas quadras residenciais do Plano Piloto
serviu para medir a capacidade de envolvimento da população, que
correspondeu de maneira satisfatória. Os moradores dessas quadras mantêm
até hoje o hábito de separar o lixo seco do orgânico, apesar de saberem que o
programa não mantém mais as características iniciais e o recolhimento do
material recicvel fica a cargo dos catadores, que passam nas quadras antes do
caminhão do lixo. O GDF pretende implantar um novo programa de coleta
seletiva, que ainda se encontra em fase de estudo. Esse programa deve levar
em conta a experiência das quadras do Plano Piloto e as que ocorrem no
exterior e no Brasil, para não repetir erros e desestimular a participação da
população de Brasília.
Outra fonte de consulta que pode ser aproveitada no planejamento do
programa de coleta e reciclagem que será implantado na cidade é a experiência
realizada nos órgãos públicos. O desempenho das atividades diárias dos
servidores públicos implica o consumo de grande quantidade de material de
expediente, móveis, produtos químicos, peças e acessórios para veículos,
produtos farmacêuticos, hospitalares e alimentares e materiais de construção,
entre outros. A compra de todo esse material envolve gastos vultosos por parte
dos órgãos públicos, e sua produção causa o excessivo consumo de recursos
naturais. O mau uso e o desperdício desses materiais por parte dos servidores
públicos aumentam os gastos com a compra e o consumo dos recursos naturais.
O consumo e o desperdício dessa enorme quantidade de materiais e
equipamentos, multiplicados pelo mero elevado de órgãos blicos existentes
na cidade, evidenciam a importância da análise dos programas de coleta e
reciclagem implantados nessas entidades. Os recursos poupados com a
diminuição do desperdício nos órgãos públicos podem ser investidos em outras
áreas, como educação e saúde.
75
A preocupação da administração pública com essa situação gerou um
empenho na busca de soluções para os problemas causados por suas
atividades. Em 2002, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a
UNESCO elaborou a Agenda Ambiental na Administração Pública, com os
seguintes objetivos:
- promover a reflexão sobre os problemas ambientais em todos os
níveis da administração pública;
- estimular a adoção de atitudes e procedimentos que levem ao uso
racional dos recursos naturais e dos bens públicos;
- reduzir a destinação inadequada dos resíduos sólidos;
- estimular e promover mudanças de hábitos dos servidores públicos;
- reacender a ética e auto-estima dos servidores públicos;
Entre os objetivos apresentados, é interessante observar que em
primeiro lugar vem a reflexão sobre os problemas ambientais. Os profissionais
que participaram de Grupos de Trabalho de implantação de coleta seletiva em
órgãos públicos observaram que quando as pessoas m informações de que
para produzir uma tonelada de papel é preciso cortar quarenta árvores e
também de quantas árvores são poupadas com a reutilização de papel ou
quanto petróleo é economizado com a reciclagem de copos plásticos, por
exemplo, a adesão ao programas propostos é muito mais rápida e abrangente. A
doação de material reciclável para associações e cooperativas de catadores é
outro fator que aumenta o número de adesões e estímulo à continuidade dos
programas. Esse direcionamento social acaba por influenciar fortemente na
eficácia dos programas de coleta e reciclagem. O objetivo de reacender a ética e
a auto-estima dos servidores públicos uma noção de quantos aspectos um
programa de coleta e reciclagem envolve.
A Agenda Ambiental na Administração Pública, a exemplo das cartilhas
de experiências de coleta seletiva, enfatiza que a implantação de programas de
coleta e reciclagem requer a adoção de ações educativas e de treinamento para
que os objetivos sejam alcançados. A agenda destaca tamm que o Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão lançou os programas Qualidade no
Serviço Público e Gestão Pública Empreendedora, ambos tratando de questões
76
ambientais institucionais (p. 11). Outros órgãos públicos lançaram programas no
mesmo sentido ou acataram orientações do Ministério do Planejamento, o que
revela uma tendência crescente de adoção de novos padrões de consumo na
esfera pública.
Os pressupostos para a implantação da Agenda Ambiental na
Administração Pública (p. 15) revelam uma aproximação dos órgãos públicos
com a forma de gerenciamento das empresas privadas. São eles:
- criação e regulamentação de uma comissão, envolvendo servidores
de várias áreas da instituição;
- diagnóstico da situação, avaliando os impactos ambientais e os
desperdícios gerados;
- diagnóstico e priorizão dos projetos e atividades de maior urgência
e relevância;
- planejamento integrado, envolvendo o maior número de colaboradores
e áreas de trabalho;
- realizão de treinamentos e disponibilização de recursos físicos e
financeiros;
- verificação do desempenho ambiental, identificação de falhas e pontos
de melhoria;
- avaliação sistemática, replanejamento e implementação de
procedimentos, qualificação e treinamento de recursos humanos,
controle e acompanhamento, conhecimento e absorção de novas
tecnologias e legislação;
- levantamento de impactos de riscos ambientais, identificação de
ões de controle e de indicadores de aprimoramento;
- programas de incentivo, premião e divulgação das melhores
práticas ambientais.
O alto nível de conhecimento técnico empregado na elaboração desses
pressupostos e das sugestões apresentadas por essa agenda serviu para
nortear a implantação de programas semelhantes em vários órgãos da
administração blica. Até mesmo empresas privadas, associações e
cooperativas podem adaptar o conteúdo da agenda a suas atividades.
77
O envolvimento de pessoas de todas as áreas na implantação da
agenda ambiental proporciona ganhos para o órgão público e para o quadro de
servidores. Os benecios mais evidentes são a maior integração entre os
servidores, uma visão mais ampla e melhor aproveitamento do quadro de
talentos, uma qualificação dos servidores em áreas que eles possivelmente não
teriam contato antes e uma visão mais ampla das atividades de todo o órgão.
Essa iniciativa gera maior satisfação e melhoria da auto-estima dos servidores,
que se reverte em uma melhora significativa dos serviços prestados pela
administração pública.
A missão principal da agenda ambiental é a sensibilização de todos os
servidores públicos para as queses apresentadas (p. 18). A intenção é mudar
os conceitos para mudar procedimentos, uma tarefa reconhecidamente difícil em
vel institucional e pessoal. A adoção dessa árdua tarefa pelos idealizadores da
agenda deve-se ao potencial multiplicador desse enorme contingente de
servidores. A tendência é que eles repassem o aprendizado a suas famílias e à
sua comunidade. Somada às iniciativas de outras áreas, a experncia do setor
público pode gerar uma mudança gradual no comportamento da população da
cidade. Outro importante potencial multiplicador dos órgãos públicos é o fato de
existirem representações descentralizadas em todo o território nacional. A
adoção desses critérios pelo órgão sede pode servir de referência para todas as
suas unidades espalhadas pelo país.
As experiências de coleta e reciclagem dos órgãos públicos podem
contribuir muito para o programa de coleta seletiva e reciclagem que será
lançado em Brasília. As orientações da agenda ambiental para o uso racional e
reaproveitamento de materiais de expediente, equipamentos, móveis, peças de
veículos, pilhas e outros itens podem ser aplicadas nas casas dos servidores. A
vivência dos servidores blicos com a coleta e reciclagem é um grande passo
para que o programa tenha êxito. A experiência no local de trabalho serve como
preparação para uma experiência maior, na sociedade.
O material descartado pelos órgãos públicos é bastante valorizado no
mercado de reciclagem, por estar geralmente limpo, seco, ter boa qualidade e
concentrar grande volume em um lugar só, o que diminui os gastos com
78
transporte e o tempo para o recolhimento. Esse material é disputado por vários
agentes envolvidos no processo de reciclagem, principalmente os grandes
depósitos.
No final do ano passado, foi criada a Lei 3517/04, que obriga todos os
órgãos públicos a instalar cestos de lixo com cores diferenciadas em suas
dependências e doar os materiais coletados às associações e cooperativas de
catadores.
Os primeiros resultados da implantação dessa lei começaram a
acontecer. No dia 31 de maio deste ano, a Advocacia Geral da União doou sete
toneladas de papel de seus arquivos para o Movimento dos Catadores de Lixo
do Distrito Federal (www.agu.gov.br). A iniciativa beneficiou duas associações e
três cooperativas que integram o Fórum Lixo e Cidadania do DF. A estimativa é
que cada associação e cooperativa receba em torno de R$ 300,00.
Essa notícia confirma a preocupação do Estado brasileiro em dar um
direcionamento social aos programas de coleta seletiva e reciclagem,
beneficiando os catadores. A doação do material somente para associações e
cooperativas é uma forma de incentivar a organização do catador. O catador
autônomo mais uma vez está em posição de desvantagem em relação ao
catador organizado.
A lei obriga também que os órgãos públicos promovam campanhas
educativas perdicas, visando a conscientização dos servidores sobre a
importância da coleta seletiva e reciclagem. O programa de coleta seletiva e
reciclagem da mara dos Deputados é um bom exemplo de como os órgãos
públicos podem reduzir suas despesas e ao mesmo tempo contribuir para a
melhoria das condições de vida da população carente.
A mara dos Deputados implementou o seu programa de coleta
seletiva em 2002, como resultado das ões do Grupo de Trabalho destinado a
propor o gerenciamento dos resíduos recicláveis produzidos na Casa
(www.ecocamara.gov.br). Em 2003, foi criado o seu Núcleo de Gestão
Ambiental EcoCâmara, visando harmonizar ões da Câmara relacionadas ao
meio ambiente e inserir conceitos sócio-ambientais às ações administrativas.
79
A coordenação dos trabalhos no EcoCâmara é rotativa e a participação
é voluntária e interativa. Existem nove subgrupos de atividades encarregados de
disseminar os procedimentos ambientais entre os servidores, visitantes e
colaboradores, através de eventos, palestras, exposições, visitas aos lixões e
veiculação de matérias na mídia interna.
Após várias reuniões entre os servidores, decidiu-se por escolher a
Associação de Catadores de Papel, Papelão e Materiais Re-aproveitáveis de
Brasília BRASCICLA, localizada na invasão da Estrutural, para a destinação
do material reciclável. A associação tem projetos de comercialização de
resíduos sólidos, confeão de objetos de arte, alfabetização de crianças e
adultos, além de uma cooperativa, a COORTRAP, que beneficia e comercializa
o material reciclável.
O programa de coleta seletiva foi iniciado no Anexo IV da Câmara, com
a separação de garrafas de água, filme plástico, copos descarveis e todos os
tipos de papelão. A partir da coleta realizada nesse prédio, pode-se fazer uma
estimativa do quantitativo de material gerado pelos outros prédios da Câmara, o
que deu em torno de 50 a 60 toneladas por ano.
O EcoCâmara estendeu a coleta seletiva ao departamento de serviço
médico, obtendo uma redução de aproximadamente 70% do lixo que seria
incinerado ou destinado aos lixões. A inteão é agora é criar um sistema drive-
thru de entrega voluntária, com doação do material para os lavadores de carros
que prestam serviços na Casa.
A mara dos Deputados criou o Escritório Verde do EcoCâmara, um
espaço destinado à exposição permanente de produtos ecológicos. Segundo o
texto do site da Câmara, os produtos ecológicos são fabricados sem provocar
agressões aos seres vivos ou ao meio ambiente, privilegiando a inclusão social,
utilizando matérias-primas naturais periodicamente renovadas, reaproveitadas
ou recicladas, com reduzido consumo de água ou energia, baixa toxicidade,
gerando poucos resíduos não aproveitáveis ou recicláveis.
O contato dos servidores e dos visitantes com os produtos ecológicos,
os conceitos de gestão ambiental e a prática da coleta seletiva criaram uma
80
nova cultura na Casa, resultando em redução de despesas e geração de renda
para os catadores.
Todos os meios possíveis de divulgação de novas práticas ambientais
devem ser utilizados. As universidades, detentoras de grande conhecimento
científico voltado para a resolução das questões ambientais, começam a
enxergar a importância do exemplo prático do que pregam. O envolvimento da
comunidade universitária com as questões que envolvem a produção de
resíduos sólidos e suas conseqüências para a natureza vem aumentando nos
últimos anos.
A Universidade Católica de Brasília lançou seu Programa de Educação
Ambiental em 1999. A intenção do programa era de ajudar a conscientizar as
pessoas na promão de mudanças de hábitos necessárias ao direcionamento
para uma cultura de responsabilidade sócio-ambiental.
Entre os vários objetivos do Programa de Educação Ambiental da
Católica estava a implantação de um programa de coleta seletiva. Após várias
reuniões, o diagnóstico ambiental da universidade revelou problemas como a
disposição inadequada de resíduos sólidos, desperdício de combustíveis, água e
energia elétrica, entre outros.
Após um longo período de conscientização, foi implantada a coleta
seletiva, inicialmente apenas de papéis, expandindo-se progressivamente para
outros materiais, como metais, plásticos, vidros, baterias de celulares e pilhas.
Para a disposição dos materiais, foram distribuídos coletores em todo o campus.
As folhas caídas e as aparas do gramado foram levadas para a compostagem e
transformadas em adubo orgânico.
Os resultados obtidos em 2003, com a implantação do programa de
coleta seletiva foram a reunião de 2.140 kg de plástico e vidro, 240 mil latas de
alumínio, 23.888 kg de papel, 2.411 baterias de celulares e aproximadamente 2
mil pilhas. O plástico e o vidro recolhidos foram doados à Cooperativa 100
Dimensão. As latas de alumínio foram encaminhadas para a reciclagem. O
papel foi vendido a Novo Rio Recicláveis, gerando uma renda de R$ 2.720,00.
As baterias de celulares foram encaminhadas à empresa Vivo. O adubo
orgânico gerou uma economia de R$ 12.000,00 na plantação de mudas e
81
revitalização do gramado. O excedente do adubo foi doado para hortas
comunitárias e instituições beneficentes.
O sucesso do Programa de Educação Ambiental e do Programa de
Coleta Seletiva da Universidade Católica de Brasília deveu-se em grande parte
ao trabalho dos grupos de voluntários. Os grupos atuam em horários e dias
escolhidos em função de sua disponibilidade. Ao final de 50 horas de trabalho, a
universidade expede um certificado de participação ao voluntário. Em 2003, 35
voluntários atuaram em diversas atividades do Programa de Educação
Ambiental da universidade. (Ecos de Um Projeto de Educação Ambiental –
Universidade Católica de Brasília PROEx DPC. Genebaldo Freire Dias
2005. Brisa Editora Gráfica Ltda.)
O Programa Agenda 21 da UnB, gestão DEX (1998-2000), Grupo de
Trabalho Resíduos Sólidos publicou na internet um resumo do Programa de
Coleta Seletiva da Universidade de Brasília. O programa foi criado com o
objetivo de dar uma destinação mais adequada aos resíduos produzidos pela
instituição, além de contribuir para a construção e consolidação de uma
consciência ambiental no campus universitário e em sua área de influência.
Para a elaboração, implementação e acompanhamento do programa de
coleta seletiva, inicialmente foi constituído um Grupo de Trabalho. Após analisar
experiências vivenciadas por outras instituições, o grupo de trabalho optou por
iniciar a atividade de coleta seletiva com a colocação de lixeiras de cores
diferenciadas para cada material na entrada da Reitoria, da Prefeitura do
Campus e da Faculdade de Educação.
O Grupo de Trabalho creditou o resultado insatisfatório da experiência
aos seguintes fatores: a ausência de um trabalho educativo; o destino
inadequado para o lixo separado; o número de lixeiras diferenciadas
insuficientes; e a o consideração de outros atores como os funcionários da
limpeza e os catadores de lixo.
É interessante observar aqui que, mesmo em um ambiente com alto
vel educacional, a separação e a destinação correta do material reciclável não
ocorrem sem um trabalho prévio de conscientização. A exemplo de outros
locais, não adianta disponibilizar lixeiras e outros equipamentos, se a população
82
não está preparada para utiliza-los corretamente. Em todos os locais de Bralia
onde observei o conteúdo das lixeiras diferenciadas, o material estava
misturado, ou aleatoriamente depositado, independente da cor apropriada. Esse
fato indica que o investimento em equipamentos antes do trabalho de
conscientização representa apenas uma despesa desnecessária. A falta de
consulta do Grupo de Trabalho aos funcionários da limpeza e aos catadores
indica uma certa desconexão com as várias experiências de coleta seletiva e
reciclagem implantadas no Brasil, que têm essas duas categorias de
trabalhadores como fonte de consulta.
Após a realização do Seminário Agenda 21 da UnB, no período de 28 a
30 de junho de 1999, o Grupo de Trabalho, agora denominado Grupo de
Trabalho de Resíduos Sólidos da Unb, lançou o projeto Sou UnB Jogo Limpo
Programa de Coleta Seletiva de Lixo. O novo projeto foi dividido em etapas. Na
primeira etapa, foi realizada uma avaliação da situação e da produção dos
resíduos sólidos gerados pela UnB e a identificação dos mercados para
produtos recicláveis no DF. Na etapa seguinte, o grupo de trabalhão se
empenhou em:
- divulgar junto à comunidade universitária e demais interessados os
resultados da primeira etapa do projeto;
- organizar um cadastro de produção bibliográfica e filmográfica sobre
resíduos sólidos;
- revisar a edição do vídeo sobre o projeto produzido na primeira etapa
- integrar conhecimentos de diferentes áreas em torno da temática do
lixo;
- produzir material didático impresso;
- diagnosticar o lixo produzido pelo Restaurante Universitário;
- implantar a coleta seletiva na Reitoria e no Restaurante Universitário;
- realizar oficinas e reuniões com funcionários, alunos e professores nas
unidades onde se deseja implantar a coleta seletiva;
- estabelecer parcerias,
- oferecer cursos.
83
O diagnóstico da produção de lixo revelou que a comunidade
universitária produz resíduos de serviços de saúde, resíduos químicos e
radioativos, resíduos das áreas verdes, resíduos orgânicos alimentares,
resíduos de construção, plástico, papel, vidros e metais. A estimativa do volume
desse resíduo sólido foi de 1.700 kg por dia, aproximadamente 42,5 toneladas
ao mês. Da produção total de lixo, os resíduos que mais contribuíam para a
composição do lixo eram o papel e papelão, com 47,42%, os resíduos
orgânicos, como restos de alimentos e papel higiênico, com 32% e os psticos
com 12%.
Após todo esse levantamento, a intenção dos gestores do programa era
fazer um levantamento do preço dos produtos no mercado e dar continuidade ao
que foi planejado. Por falta de voluntários, o programa foi interrompido,
aguardando até agora a formão de novos grupos de trabalho.
Em dezembro de 2002 foi criado o rum Lixo & Cidadania do DF. Os
principais objetivos desse fórum são promover a inclusão social dos catadores,
proporcionando sustento econômico às suas famílias e subsídio à elaboração do
Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do DF.
A criação do fórum foi precedida da realização do Fórum Nacional Lixo &
Cidadania, em junho de 1998, do Encontro dos Catadores do DF e Entorno,
em maio de 2001 e do 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis e Marcha Nacional, em Brasília, no mês de junho do mesmo ano.
No ano seguinte à sua criação, o rum definiu novos objetivos:
promover a inclusão política, social e econômica dos catadores de materiais
recicláveis, fortalecer as cooperativas, retirar dos lies as crianças e
adolescente e erradicar esses locais e gerar ocupação e renda por meio da
economia solidária .
As entidades fundadoras do fórum são:
- Cáritas Brasileira
- Caixa Econômica Federal
- Minisrio Público
- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
84
- SEBRAE
- Cooperativa de Produtores e Trabalhadores de Reciclagem
COORTRAP
- Associação Ambiente da Vila Estrutural – “Ambiente
- Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de Resíduos Sólidos
com Formação e Educação Ambiental “100 Dimensão”
As entidades participantes do fórum são:
- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
- Cáritas do DF
- Centro de Estudos e Assessoria – CEA
- Programa Providência
- Gaia 21
- Fórum Nacional Lixo & Cidadania
- ACARE – Associação de Costureiras do Recanto das Emas
- Membros do Programa Fome Zero de várias cidades
Entidades Educacionais:
- UNB
- Faculdade da Terra de Brasília
- Universidade Católica de Brasília
Entidades Governamentais
- Caixa Econômica Federal
- Minisrio Público
- Fundação Banco do Brasil
- BELACAP
- SEBRAE
- Minisrio das Cidades
- Minisrio do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Organizações de catadores participantes do fórum:
- Ambiente – Associação Ambiental da Vila Estrutural
85
- ASTRADASM Associação de Trabalho dos Recicladores e
Desenvolvimento Agrícola e Ambientalista de Santa Maria
- 100 Dimensão – Cooperativa de Coleta Seletiva e Reciclagem de
Resíduos Sólidos com Formação e Educação Ambiental
- COORTRAPCooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis
com Formação e Educação Ambiental
- CATAGUAR – Associação de Catadores do Guará
Usinas de Reciclagem
- APCORC Associação Pré-Cooperativista dos Catadores e
Recicladores de Resíduos Sólidos de Ceilândia
- ACOBRAZ Associação dos Catadores e Recicladores de Resíduos
Sólidos de Brazlândia
- APCORB – Associação Pré-Cooperativista Catadores de Resíduos
Sólidos de Brasília
Grupos em processo de organização
- COOPVAR – Cooperativa dos Trabalhadores do Varjão
- Sobradinho
- Candangolândia
- AGEPLAN – Vila Planalto
- o Sebastião
- Organizações do entorno do DF
- COOPER RECICLA – Formosa/GO
- COOPEG – Planaltina/GO
- Cidade Ocidental
- Valparaíso
A relação de cooperativas em funcionamento e as que estão em
processo de organizão, as usinas de reciclagem instaladas, somadas aos
catadores autônomos, mostram que em Brasília ocorre um intenso processo de
coleta e reciclagem. Abaixo está um quadro adaptado do GDF com as entidades
e número estimado de catadores.
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CATADORES ORGANIZADOS EM ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS
ENTIDADES Nº ESTIMADO DE
CATADORES
ASTRADASM – Santa Maria 140
COOPATIVA – SIA 240
CATAGUAR – Guará (Vila Feliz) 79
COORTRAP – Estrutural (Pró-DF) 120
AMBIENTE – Estrutural (Lixão) 658
APCORC – Ceilândia (Usina) 160
APCORB – L2 Sul (Usina) 53
ACOBRAZ – Brazlândia (Usina) 53
100 Dimensão – Recanto das Emas
130
1.766
Fonte: Belacap
As demandas prioritárias dos catadores são as seguintes:
1- A concessão pelo GDF de terrenos onde possam desenvolver suas
atividades;
2- Cessão de terreno pelo GDF para a implantação da Central das
Cooperativas de Catadores do DF;
3- Liberação de espaço físico para a instalação da usina de
beneficiamento de alumínio, que funciona provisoriamente na
COORTRAP;
4- Instalação de centros sociais com infra-estrutura para atividades de
múltiplas;
5- Construção de Vilas Ecológicas para os catadores próximas à sede da
associação ou cooperativa ou a concessão de terrenos;
6- Viabilização do acesso das famílias dos catadores aos Programas de
Governo;
7- Implantação do Programa de Coleta Seletiva do DF em parceria com
as associações e Cooperativas de Catadores;
87
É importante observar que as demandas dos catadores não poderiam
ser alcançadas sem a organização em associações ou cooperativas. O catador
autônomo es distante do alcance desses benecios e até mesmo da
capacidade de formulação de alguns deles.
As associações e cooperativas listaram vários itens que podem
proporcionar melhorias nas atividades que desempenham. Os principais itens
são a criação de centros de triagem, a aquisição de prensas, balanças,
elevadores elétricos e equipamentos de proteção, além da aquisição de veículos
para o transporte do material recolhido.
A falta desses equipamentos indica que a maioria das associações e
cooperativas participam efetivamente apenas da etapa de coleta do material
reciclável. Falta espaço para o armazenamento, galpões para fazer a triagem,
prensas para a compactação e caminhões para o transporte do material para as
indústrias ou para os grandes depósitos. Sem esses equipamentos, os
atravessadores impõem os preços e condições de negociação, sempre
desfavoráveis aos catadores.
O GDF planeja implantar o programa de coleta e reciclagem no DF
(ainda em fase de estudo) em parceria com os catadores, a exemplo das
experiências brasileiras relatadas. O rum Lixo & Cidadania está promovendo
diversas encontros entre as associações e cooperativas do DF para discutir a
forma de participação dessas organizações no programa (Projeto Lixo &
Cidadania – GDF –2003 ).
Com a implantação do projeto, é possível que surjam novos
equipamentos urbanos, como centros de triagem do material e usinas
recicladoras, grandes depósitos compradores do material e grandes
cooperativas, instaladas em áreas amplas, que favoreçam a estocagem dos
recicláveis. Além disso, as vias de circulação também sofrerão alterações, com
maior fluxo de caminhões transportadores de material para os depósitos e
usinas recicladoras locais ou de outras cidades. E as que estiverem melhor
equipadas poderão enviar frotas de caminhões ou outro meio de transporte para
comprar recicláveis de cidades que não tenham usina recicladora.
88
A amplião dos canais de comercializão desse material pode
provocar maior movimentação do catador em outras áreas da cidade,
provocando conflitos com os moradores das localidades, principalmente as mais
nobres. Este aspecto é observado nas cidades que têm sistema de coleta
seletiva implantada. A respeito desses conflitos, são importantes as observações
de Raffestin (apud Ratzel, pp.152-153):
As 'imagens' territoriais revelam as relações de produção e conseqüentemente as
relações de poder, e é decifrando-as que se chega à estrutura profunda. Do Estado ao
indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se
atores sintagmáticos que 'produzem' o território. De fato, o Estado está sempre
organizando o território nacional por intermédio de novos recortes, de novas
implantações e de novas ligações. O mesmo se passa com as empresas ou outras
organizações, para as quais o sistema precedente constitui um conjunto de fatores
favoráveis e limitantes. Essa produção de território se inscreve perfeitamente no
campo do poder de nossa problemática relacional. Todos s cambiamos energia e
informação, que estruturamos com digos em função de certos objetivos. Todos nós
elaboramos estratégias de produção, que se chocam com outras estratégias em
diversas relações de poder.
Apesar de não termos ainda em Brasília um sistema de coleta
funcionando, temos uma catação intensa, que gera enfrentamentos numa cidade
de imensos contrastes sociais. Neste aspecto, Gomes (2002, p. 63) comenta
que a identidade comunitária es sempre relacionada a uma identidade
territorial, e que:
Como o grupo se define pelo mecanismo de exclusão, tendo em vista uma
característica demarcadora qualquer, ele sempre se vê ameaçado pelos elementos
oriundos de fora dele, e essas fronteiras, ainda que fluidas, são territórios de conflito,
reivindicação e reprodução da ideologia central da diferenciação.
A dificuldade de movimentação dos catadores se concretiza em
alguns setores da cidade, como na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor
Octogonal. No Setor Sudoeste, um comirepresentativo dos moradores tenta
aprovar um projeto de fechamento das quadras. No mesmo sentido excludente,
impede a construção de postos de sde ou escolas públicas nas áreas
destinadas a este fim. Neste exemplo, a identidade comunitária tem caráter
89
econômico. Aproveito as palavras do mesmo autor (p. 60) para ilustrar este
contexto:
O discurso que funde a identidade comunitária é o da diferença. Em outras palavras, a
diferenciação se faz exagerando os traços distintivos daquele grupo de pessoas e
diminuindo a importância de todas as outras características comuns compartilhadas
com os outros grupos. Sublinhar um nível de diferença significa que, a despeito do
infinito patamar de diferenciação teoricamente possível, um limite será privilegiado,
aquele que distingue o grupo dos demais.
Brasília apresenta peculiaridades em relação a seus resíduos sólidos.
Devido à setorização de sua organização espacial , acaba por concentrar esses
resíduos em alguns locais espeficos, o que facilita a coleta seletiva. A falta de
indústrias locais impõe à cidade a importação de bens de consumo produzidos
em outras unidades da federação, tornando-a grande geradora de embalagens.
A distribuição espacial da cidade, mais que em outras localidades,
evidencia a necessidade de organização do catador. Existem cooperativas na
cidade que recebem os recicláveis de vários órgãos blicos da Esplanada dos
Ministérios, por exemplo. Algumas celebraram convênios com organizadores de
grandes eventos realizados na cidade, que lhes permite exclusividade na coleta
de latas de cerveja e refrigerantes. Já se torna comum o comentário de
catadores autônomos que não conseguem mais encontrar esse tipo de reciclável
nas lixeiras. Esta situação já retrata a força do catador organizado em
cooperativas, em relação ao catador autônomo.
As soluções para um novo modo de comportamento da população são
muitas e bastante claras. Sua aplicabilidade é muito mais complexa. Sabe-se
que é necessária uma mudança de atitude, mas sabe-se tamm que este tipo
de mudança é muito difícil de se alcançar num mundo globalizado,
homogeneizado por um sistema produtivo controlador e vigilante de sua
manutenção.
O processo de reciclagem traz novo fôlego e nova esperança de mudanças
comportamentais. Não apenas pelos conceitos que o envolvem, mas também
por sua aplicabilidade imediata e rápida constatação de retorno positivo. Outro
fator de peso é que esta prática surgiu do povo, das camadas pobres da
população, amparadas por segmentos sociais preocupados com valores éticos e
90
morais, que combatam um modelo seletivo, excludente. Ampliando-se o foco,
pode-se enxergar a contraposição de fundamentos do capitalismo e do
socialismo no processo de reciclagem. Nessa direção, podemos aproveitar as
palavras de Arroyo (op.cit.):
Se o futuro significa mudança social, esperança dos pobres para que suas possibilidades
sejam outras, os setores hegemônicos da sociedade estarão interessados apenas por cuidar e
reproduzir o presente. Através da competitividade, por exemplo, que não tem nenhuma proposta
teleológica, moral, se busca perpetuar a situação atual. Nela não acharemos as bases para
uma mudança social. Sim, porém, poderemos consegui-lo através de outras ões.
Solidariedade, cooperação, seriam bons exemplos na medida em que poderiam preencher com
novos conteúdos a relação entre os homens e desses com as coisas. Exigiriam, talvez, repensar
os valores perdidos na batalha da competitividade e, assim, construir uma ordem social
diferente.
Um grande trunfo dos projetos sociais, políticos ou econômicos que
obtiveram êxito foi o aproveitamento das idéias no momento certo. O processo
de reciclagem carrega conceitos aplicáveis a vários aspectos de nossas vidas.
Talvez seja esse lado prático e simples dessa e de outras iniciativas que venha
a nos relembrar o que é viver melhor.
91
CAPÍTULO V
A APROPRIAÇÃO TERRITORIAL E OS CONFLITOS ENTRE OS
CATADORES E OS OUTROS AGENTES DO PROCESSO DE RECICLAGEM
Brasília (figura 3) é uma cidade de enormes contrastes sociais. Uma
parte significativa da população tem elevado padrão de vida, alto grau de
estudo, boa qualificação profissional e bom nível salarial. Em contrapartida, a
cidade recebe uma grande quantidade de migrantes com pouca ou nenhuma
qualificação profissional e baixo nível de escolaridade, que vêm para Brasília em
busca de emprego e melhores condições de vida. Em virtude da falta de
qualificação, acabam por desempenhar tarefas informais que mal cobrem o
sustento drio. Nesse contexto, a catação constitui uma solução para boa parte
dessas pessoas.
Figura 3
92
Nas áreas nobres da cidade, maiores geradoras de material reciclável,
devido ao alto poder de consumo dos moradores, é intensa a atividade de
coleta. A atuação do catador nesses territórios acaba por gerar inúmeros
conflitos com os comerciantes e os moradores, que rejeitam esse convívio. É o
caso da área do Cruzeiro, Sudoeste e Octogonal. O Cruzeiro é habitado por uma
população heterogênea em termos econômicos, onde convivem pessoas de
menor poder aquisitivo e outras de padrão mais elevado. As populações do
Setor Sudoeste e Setor Octogonal são mais homogêneas, com padrão de vida
elevado. Os catadores transitam mais livremente no Cruzeiro, e os que têm
carroça prestam também outros serviços para a comunidade. No setor
Sudoeste o catador não é bem aceito e é comum a polícia interceptá-lo a pedido
dos moradores e comerciantes. No Setor Octogonal as quadras são totalmente
fechadas e com guaritas na entrada, o que impossibilita o acesso do catador.
Questionário da pesquisa de campo
Nome:
Idade:
Nº de filhos:
Procedência:
Grau de instrução:
Local de moradia:
Profissão anterior:
Tempo que reside em Brasília:
Tempo de trabalho como catador:
1. Quais são os lugares onde você cata material para vender?
11 catam material reciclável na área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor
Octogonal.
07 catam apenas no Cruzeiro e Setor Sudoeste, SAAN, SIA e Guará.
04 trabalham no próprio local de moradia.
03 catam apenas no SIA.
93
03 catam apenas no Cruzeiro, Setor Sudoeste e SAAN.
01 cata apenas no Setor Comercial Sul (Banco do Brasil)
2
.
01 cata apenas no Cruzeiro, Sudoeste e Asa Norte.
A área do Cruzeiro, Setor Sudoeste e Setor Octogonal é a mais procurada
pelos catadores entrevistados, devido à quantidade de material reciclável
disponível. Alguns catadores recolhem material apenas nas áreas próximas ao
seu local de moradia, por não possuírem carroças ou por serem novos em Brasília
e temerem o trânsito. Os catadores que trabalham no próprio local de moradia
são mulheres ou novatos em Brasília, que não possuem carroças ou carrinhos, e
trabalham separando o material para os outros catadores.
2. Por que você escolheu esses locais para trabalhar?
13 escolheram a área porque tem muito material para catar.
05 escolheram aquela área para trabalhar porque ficava mais próxima de
sua casa.
05 escolheram porque o trânsito é menor que nas outras áreas,
04 porque não têm carroça.
03 compraram o direito de trabalhar lá.
3. Todos os dias você trabalha nos mesmos locais e nas mesmas horas?
12 trabalham no mesmo local e na mesma hora.
18 trabalham no mesmo local, mas em horários variados.
4. Existe alguma dificuldade para você trabalhar nesses locais?
18 responderam que não existem dificuldades para trabalhar naquele
local.
12 responderam que existem dificuldades para trabalhar lá.
2
Catador com ponto no local.
94
5. O que você faz quando não pode trabalhar em algum local?
13 desistiram de trabalhar naquele local,
17 voltavam ao local no início da noite ou de madrugada.
6. Você tem alguma combinação com os moradores ou comerciantes para
recolher o material?
13 responderam que os moradores, comerciantes, zeladores ou
funcionários de estabelecimentos comerciais, empresas privadas ou
órgãos públicos guardam material para eles.
17 responderam queo guardam.
A combinação para que os moradores ou comerciantes guardem material
reciclável para o catador depende do tempo que atuam na área, das relações de
confiança que estabeleceram e da continuidade do serviço que prestam. A compra
de um ponto é outra forma de garantir exclusividade na guarda do material.
7. Quais são os tipos de material que você recolhe para vender?
27 catam todos os materiais.
03 catam apenas latinhas.
Observação:
Os materiais coletados por eles são as latas de alumínio, papel branco,
papel colorido, papelão, ferro, cobre, plástico pet e o que eles chamam de
“mangaba” (recipientes de detergentes, de desinfetantes, de álcool e outros).
A quantidade reduzida de catadores que recolhem apenas latinhas se
deve ao fato de que esse material se tornou escasso nas ruas, devido ao alto
preço que atingiu no mercado. Os catadores de latinhas geralmente andam em
bicicletas e atuam sozinhos, preferindo não se associar em cooperativas.
95
8. Existe alguma dificuldade para você juntar o material que recolhe?
23 responderam que existem dificuldades para juntar o material que
recolheram.
07 responderam que não existem dificuldades para juntar o material que
recolheram.
Observação:
As dificuldades para juntar o material relatadas pelos catadores são as
derrubadas dos barracos e queima do material pela Siv-Solo, o roubo de cavalos e
carroças e o roubo de material reciclável na rua ou nos cercados.
9. Para quem você vende o material que recolhe?
19 vendem as latas para algum atravessador e os outros materiais para a
Capital Recicveis.
06 vendem as latas para algum atravessador e os outros materiais para a
Novo Rio Recicveis.
Observões:
- Quatro dos entrevistados trabalham somente separando o material.
- O antigo dono da Novo Rio Recicláveis faleceu e os novos proprierios
pagam um preço menor do que a Capital Recicláveis.
As latas geralmente são vendidas para atravessadores que vão até o local
de moradia ou nas cooperativas dos catadores ou ficam posicionados em pontos
estratégicos de sua rota de trabalho. O principal comprador de latas de alumínio
da área de estudo está localizado na feira permanente do Cruzeiro. O catador
prefere vender ao pequeno atravessador, que compra quantidades menores de
latas e está localizado em sua rota de trabalho.
10. Quanto você ganha por mês com a venda do material que recolhe?
96
04 ganham até R$ 60,00.
08 ganham entre R$ 100,00 e R$ 150,00.
10 ganham entre R$ 200,00 e R$ 300,00.
05 ganham entre R$ 350,00 e R$ 500,00.
02 ganham até R$ 600,00.
01 Não soube declarar sua renda.
Observões:
- O que não soube declarar a renda era um catador mendigo que vende
as latas amiúde para comprar pinga.
- A renda individual das mulheres é imprecisa porque elas consideram o
ganho coletivo (para família).
As rendas variam de acordo com os equipamentos que os catadores
possuem (carroças, carrinhos, bicicletas), com o tempo de trabalho na profiso e
com o tempo de moradia em Brasília. As mulheres, os separadores de papel e os
catadores que o possuem nenhum equipamento têm as menores rendas. A
variação nas rendas declaradas se deve também ao fato da cooperativa
pesquisada ter pouco tempo de criação, baixo nível de organizão e não
trabalhar com divisão eqüitativa de renda.
11. Você trabalha sozinho ou em alguma associação ou cooperativa?
19 trabalham em associão ou cooperativa.
11 trabalham sozinhos.
12. Você percebeu alguma diferença entre trabalhar sozinho ou em uma
associação ou cooperativa?
15 responderam que é melhor trabalhar na associação ou cooperativa.
04 responderam queo houve melhora depois de se associar.
Observões:
97
- As melhorias relatadas pelos catadores da COOPATIVA foram o
aumento de renda, a diminuição da derrubada dos barracos, a colocação
de água potável, o ônibus escolar para as crianças, doação de um
caminhão pelo Banco do Brasil e o aumento do valor do material vendido.
- Os catadores que trabalhavam na Associação de Carroceiros do
Cruzeiro e do Sudoeste relataram que a melhoria foi o direito de circular
livremente por causa das placas da Associação nas carroças.
- Cinco catadores autônomos declararam que gostariam de trabalhar em
uma associação ou cooperativa.
13. Qual o trabalho que você acha melhor, o de catador ou o que tinha
antes?
30 Responderam que acham melhor o trabalho de catador.
Observações:
- Muitos responderam que não trocariam o trabalho de catador por outro de
carteira assinada.
- Não lhes foi perguntado se havia outra atividade que gostariam de
desempenhar.
As respostas a esta pergunta foram dadas sem nenhuma hesitação,
evidenciando que as condições de vida dos entrevistados em seu local de origem
eram bem piores que as de Brasília. Embora não trabalhassem em meio ao lixo,
estas pessoas realizavam tarefas que exigiam grande esforço físico, recebiam
rendas menores que as atuais e dependiam das condições climáticas ou de
remuneração incerta para sobreviver. Mesmo catadores que tiveram outros
empregos em Brasília, até com carteira assinada, acham que a atual atividade é
melhor, por não terem que se sujeitar a patrões, horários, depender de transporte
coletivo e ficarem muitas horas do dia longe da família.
As primeiras entrevistas revelaram a atuação de catadores autônomos e
organizados, vindos de vários locais próximos da área estudada, com acentuada
superioridade numérica do grupo organizado. Outro aspecto revelado foi a maior
98
quantidade de catadores utilizando carroças, do que carrinhos ou a pé,
carregando sacos para a coleta.
A abordagem do catador organizado foi realizada com mais facilidade do
que a do autônomo. Os termos utilizados pelos dois grupos também diferiam. O
catador organizado utilizava o termo material recicvel e o autônomo utilizava o
termo lixo.
O número de homens trabalhando na coleta mostrou-se muito superior ao
de mulheres. Os motivos declarados foram a força sica exigida para puxar os
carrinhos, o acúmulo do trabalho com os afazeres domésticos e o medo de
conduzir os cavalos no trânsito intenso da área.
O primeiro grupo de catadores organizados a ser entrevistado foi o dos
carroceiros da Associação dos Condutores de Veículos de Tração Animal do
Cruzeiro e Sudoeste. De acordo com informações da Administração do Cruzeiro,
o grupo de carroceiros era formado principalmente por moradores da “Invasão
do HFA”, localizada onde hoje é a “área econômica” do Setor Sudoeste, e da
“Invasão do Pelezão”, no Guará. Os carroceiros recolhiam material reciclável,
transportavam entulho e material de construção e prestavam serviços de
jardinagem para os moradores.
O GDF desativou essas invasões em meados da década de 80 e doou
lotes para os moradores em Samambaia. Mesmo morando distante, os
carroceiros continuaram a freqüentar a área, onde encontravam grande
quantidade de material reciclável e cobravam preços muito mais altos pelos
serviços que prestavam do que nas proximidades de onde moravam. A relação
de confiança estabelecida ao longo dos anos com os moradores garantia o
acesso e a circulação naquele território.
Os carroceiros prestavam serviços à comunidade, mas causavam
problemas, devido às brigas freqüentes, o consumo de álcool e drogas e a
degradação do cerrado próximo, com o despejo de entulho. Devido à distância,
muitos não voltavam para casa, preferindo dormir nas ruas e no cerrado. Os
animais ficavam soltos e causavam transtornos ao trânsito e aos moradores.
Para controlar essa situação, a Administração do Cruzeiro criou a
associação em 1999, limitando o número de carroceiros a quinze, para poder
99
controlar melhor e para que houvesse meios de sobrevivência para todos em
uma pequena extensão territorial.
A Administração exigia que os associados cuidassem dos animais e
melhorassem as carroças, que deveriam circular com uma placa numerada e
com o nome da associação. O carroceiro que despejasse entulho nas ruas ou no
cerrado próximo ou revirasse e espalhasse o lixo, perderia a licença para
circular. Somente os carroceiros associados tinham permissão para trabalhar na
área, e a administração chamava o Detran para apreender as carroças dos
catadores autônomos, que vinham em grande número de outras localidades.
Segundo o funcionário da Administração, a associação dos carroceiros
nunca chegou a funcionar satisfatoriamente. A associação criou uma taxa
administrativa, mas os associados não conseguiam pagá-la. Os carroceiros se
envolviam em muitas brigas, consumiam muito álcool e drogas e nunca tiveram
uma liderança capaz de unir o grupo. O funcionário afirmou que a
Administração do Cruzeiro não tem mais nenhum vínculo com a associação dos
carroceiros.
Nas entrevistas com os carroceiros da associação surgiram algumas
contradições. Alguns afirmaram que a associação estava funcionando e que
tinha um presidente. Outros não souberam afirmar com certeza quem era o
presidente, apontando três nomes diferentes. Nenhum deles soube indicar onde
funcionava a sede da associação e todos declararam que nunca tiveram acesso
ao estatuto social.
Os carroceiros entrevistados afirmaram que a associação não está mais
funcionando e que prestam somente serviços de transporte de entulho, de
material de construção e jardinagem. Outros afirmaram que coletam material
reciclável apenas para repassar aos catadores do Setor de Áreas de
Abastecimento Norte - SAAN, próximo ao Cruzeiro, que em troca guardam
seus cavalos e carroças. No outro dia cedo eles pegam de volta as carroças e
reiniciam o trabalho.
Pelo que foi observado, os carroceiros da Associação dos Condutores
de Veículos de Tração Animal do Cruzeiro e Sudoeste mantêm as placas nas
carroças apenas para servirem de referência para os moradores e para a polícia.
100
A principal atividade que exercem é a prestação de serviços de transporte de
entulho, de material de construção e de jardinagem para os moradores. A coleta
seletiva é uma atividade casual e esporádica e não constitui sua principal fonte
de renda.
O segundo grupo de catadores organizados a ser entrevistado foi o da
Cooperativa Popular de Coleta de Produtos Recicláveis com Formação e
Educação Ambiental COOPATIVA, única cooperativa com acesso à área de
estudo. A cooperativa está localizada em uma área de cerrado às margens do
asfalto, no final do trecho quatro do Setor de Indústrias. O local é conhecido
como “Invasão do Sia” ou “Invasão da Onogás”, por ficar em frente a um
depósito desativado dessa companhia de s.
A invasão abriga cerca de 300 pessoas, que moram em barracos de
lona plástica e em condições mínimas de higiene. Muitas crianças circulam nuas
ou mal vestidas. Os adultos apresentam doenças de pele, marcas de ferimentos
e sinais de alcoolismo. O material reciclável fica armazenado próximo aos
barracos, em locais chamados de “chiqueirosou “jiques”. O material acumulado
muitas vezes é trazido misturado a detritos orgânicos e é separado ao lado dos
barracos, provocando mau cheiro e acúmulo de moscas e formigas por toda a
invasão.
A cooperativa foi criada em 2001, mas não conta ainda com uma sede,
prensas, esteiras de triagem ou outro equipamento qualquer de beneficiamento
do material recolhido. Nesse aspecto, apesar de estarem reunidos em uma
cooperativa, esses catadores se assemelham mais ao grupo dos autônomos
que, segundo o que foi visto no capítulo II (Etapas e Agentes da Coleta
Seletiva), não atingem as etapas de compactação e enfardamento, que agregam
valor ao material. Os catadores ainda não têm nenhum equipamento de
proteção para lidar com o material ou galpão que os proteja do sol e da chuva.
A maioria das famílias que moram na invasão não se associou à
cooperativa. Muitos foram atraídos para a invasão por causa dos benefícios que
a cooperativa conseguiu. Antes da formação da cooperativa, o Siv-Solo
derrubava os barracos constantemente e queimava ou enterrava o material
101
recolhido pelos catadores. Muitos relataram casos de espancamento por parte
da polícia.
Após a formão da cooperativa, os moradores passaram a contar com
a proteção da Vice Governadora do DF e as derrubadas dos barracos cessaram.
A cooperativa conseguiu um reservatório de água potável, instalado pela Caesb
e um caminhão novo, doado pela Fundação Banco do Brasil, através de um
projeto da UnB. O GDF disponibilizou um ônibus para levar as crianças para a
escola. A energia elétrica é conseguida por meio de gambiarras.
A cooperativa aguarda a doação pelo GDF de um terreno no trecho 4 do
Sia, para onde será transferida. Essa perspectiva es atraindo catadores de
outras cooperativas, catadores autônomos e moradores de outras invasões que
não são catadores na esperança de conseguir um lote para morar. Esse fato
compromete a exatidão de algumas respostas quanto ao tempo que moravam
na invasão, se estavam associados à cooperativa e desde quando. Alguns
entrevistados deixaram transparecer a intenção de se declarar associados sem
efetivamente ser e de declarar mais tempo de associação e de moradia no local.
As entrevistas revelaram um escalonamento de funções e de renda dos
catadores da cooperativa. Os catadores mais antigos trabalham com carroças,
percorrem distâncias maiores e obtêm renda mais alta, entre R$ 300 e R$ 600
por mês. Os catadores que circulam com “carrinho no peito” m menos tempo
no local, percorrem menores distâncias e obtêm renda menor que a dos
carroceiros, entre R$ 100 e R$ 200,00. Existem tamm trabalhadores
contratados por outros catadores para separar o papel e o papeo nos
“chiqueiros”. Esses contratados ganham em média R$ 60,00 por s e muitas
vezes trabalham apenas em troca de alimentos. Na última posição estão os
catadores que transportam o material em sacos nas costas e sem renda certa,
sendo que alguns praticam a mendicância.
No decorrer das entrevistas foi possível compreender alguns códigos
estabelecidos pelos catadores na apropriação do território. Eles percorrem
quase sempre os mesmos caminhos em sua jornada diária de trabalho, para
demarcar aquele espaço. Se um catador está em uma lixeira, o outro segue em
102
frente, até encontrar outra vazia. Catadores de carroça ou de carrinho não
compartilham a lixeira no mesmo horário.
Outro aspecto da forma de apropriação do território é o estabelecimento
de ”pontos” fixos de recolhimento do material reciclável. Alguns catadores têm
pontos em vários locais da cidade, principalmente no Plano Piloto. Esses pontos
podem ser algum órgão público, quadras comerciais, supermercados,
lanchonetes ou qualquer outro local que gere grande volume de material
reciclável. Enquanto um catador coleta o material, outro vigia o local de
armazenamento. À noite passa um caminhão contratado pelos catadores de
vários pontos e transporta o material para a cooperativa. ele será despejado
nos “chiqueirose separado pelos trabalhadores contratados pelos donos dos
pontos.
Outro grupo de catadores que trabalha nessa área é o do SAAN. Os
catadores entrevistados informaram que não existe nenhuma associação ou
cooperativa onde moram, mas que gostariam de se associar, pois ouviram falar
que os catadores da COOPATIVA têm uma renda melhor.
Somente oito catadores do SAAN trabalham com carroças. Eles
explicaram que, por causa do grande número de catadores trabalhando no
Cruzeiro, Octogonal e Setor Sudoeste, uma repartição do grupo por horário,
para que ninguém fique sem coletar algum material. A metade deles vai para
essa área pela manhã. A outra metade do grupo fica trabalhando no SAAN.
Quando os carroceiros que saíram pela man retornam, os que ficaram
seguem para aquela outra área.
Além dos supermercados e das lanchonetes, foi realizada uma visita à
Capital Recicláveis, localizada no SAAN, onde foram acompanhadas as etapas do
processo de coleta e reciclagem. Em determinados horários, havia fila de
caminhões para pesar e descarregar o material recolhido. As etapas de
armazenamento, triagem, prensagem ou compactação, enfardamento e
encaminhamento para a indústria de reciclagem foram acompanhadas e
fotografadas.
A Capital Recicveis possui amplos galpões para a realização de cada
etapa do processo de reciclagem. Os funcionários trabalham uniformizados e com
103
equipamentos de proteção. O material reciclável é movimentado com
equipamentos e tratores com pás elevatórias e a prensagem ou compactação dos
materiais é feita por máquinas apropriadas. A empresa possui ainda vários
caminhões e contêineres que são colocados nas empresas e órgãos públicos com
quem tem contrato de recolhimento do material. A diferença de capacidade de
realização do processo de coleta e reciclagem e das condições de trabalho da
empresa visitada e dos catadores da COOPATIVA é enorme.
A funcionária do depósito mencionou o nome dos quatro principais
fornecedores de papel para a empresa, todos donos de caminhões, e comentou
admirada: Não sei de onde eles tiram tanto papel!. Talvez dos órgãos públicos.
Os conflitos entre os catadores e os outros agentes do processo de
reciclagem
Nos últimos anos, a valorização do material reciclável, principalmente as
latas de alumínio, em conjunto com o desemprego e os baixos salários pagos
em algumas atividades, despertou a atenção de muitas pessoas para a
possibilidade de aumentar sua renda com a venda desse material. Esse fato
provoca a redução do território de atuação do catador, essencial para sua
sobrevivência, e gera conflitos com os outros agentes envolvidos no processo de
reciclagem.
A partir das entrevistas com os catadores, foi possível identificar e
localizar outros agentes envolvidos na comercialização de material reciclável na
área do Cruzeiro, Setor Octogonal e Setor Sudoeste. Para ter uma opinião mais
realista dos problemas que afetam a rotina de trabalho dos catadores, as
entrevistas foram direcionadas para os supermercados e lanchonetes dos três
setores.
O contato com os funcionários dos supermercados foi pido, e o tempo
médio das entrevistas foi de 15 minutos. As questões básicas eram sobre o
encaminhamento do material reciclável e a relação com os catadores.
Os supermercados visitados foram o Supermaia e o Veneza no
Cruzeiro, o Champion no Terraço Shopping do Setor Octogonal e o Big Box, o
Bom Motivo e o Pão de Açúcar no Setor Sudoeste. Os funcionários do
104
Supermaia, do Veneza e do Bom Motivo afirmaram que os supermercados
comercializam todo o papel e papelão com a empresa Novo Rio Recicláveis, que
fornece prensas, enfarda e transporta o material para sua filial no Setor Gráfico.
É importante notar que quase todas as etapas anteriores à reciclagem
ocorrem no supermercado. A separação, o armazenamento, a prensagem e o
enfardamento do material é feito pelos funcionários e o transporte é realizado
pelo próprio depósito comprador. Os outros materiais são descartados nos
contêineres de lixo e recolhidos depois pelo SLU.
Na maioria dos supermercados, os funcionários informaram que os
contêineres o trancados com cadeados, para que os catadores o tenham
acesso. O procedimento evita que o lixo seja espalhado e que os catadores
comam alimentos com prazo de validade vencida. O fechamento dos
contêineres evita tamm a aglomeração e o consumo de bebidas alcoólicas em
frente ao supermercado, causando brigas e afastando os clientes. Somente as
lixeiras do Big Box e do Bom motivo ficavam abertas e distantes do
estabelecimento, onde os catadores podem ter acesso.
O funcionário do supermercado Champion informou que todo o papel e
papelão são comprados por uma micro-empresa, que faz a coleta no
supermercado e revende para um depósito. Afirmou desconhecer o nome da
micro-empresa e do depósito comprador. Aqui surge outro agente no processo
de coleta e reciclagem. A micro-empresa entra na concorrência com os
depósitos compradores e reduz ainda mais o território de atuação do catador. O
funcionário afirmou também que quando a empresa Qualix (contratada pelo GDF
para fazer a limpeza pública) recolhe o lixo, ela mesma faz a separação e venda
do material recicvel. Só vai para o lixão o que realmente o pode ser
aproveitado.
O último supermercado visitado foi o Pão-de-Açúcar do Setor Sudoeste,
que tem um espaço separado com lixeiras de cores diferenciadas para a
deposição de material recicvel. Um funcionário da empresa Novo Rio
Recicláveis, encarregado de organizar as lixeiras e prestar informações sobre
coleta e reciclagem, afirmou que a empresa tem um contrato de compra de todo
105
o material com o Pão-de-Açúcar. Os catadores não m acesso às lixeiras do
supermercado, que é cercado por grades.
Não foram relatados conflitos com os catadores nos supermercados que
mantêm as lixeiras trancadas atualmente, nem nos que as mantêm abertas.
As visitas seguintes foram a três lanchonetes da rede Giraffas do Setor
Sudoeste e do Cruzeiro. Os funcionários informaram que o procedimento da
maioria das lanchonetes da rede é juntar as latas de alumínio e vendê-las no
final do mês para a Novo Rio Recicláveis. O lucro é dividido entre todos os
funcionários, como forma de incentivo. Não foi relatado nenhum conflito com os
catadores.
A última lanchonete visitada foi a do M’cDonalds do Setor Sudoeste. O
funcionário entrevistado informou que a lanchonete não seleciona nem vende o
material reciclável. Todo o material é depositado nas lixeiras, e algumas vezes
os catadores espalham lixo pelo chão, causando transtornos aos funcionários e
clientes.
Os zeladores dos prédios foram apontados pelos catadores como os
principais responsáveis pela diminuição da quantidade de material reciclável que
vai para as lixeiras. As entrevistas foram realizadas com um zelador do Cruzeiro,
um do Octogonal e um do Setor Sudoeste. Os três zeladores informaram que
juntam latas de alumínio e vendem para uma pessoa que passa de caminhão à
noite pelas quadras. Afirmaram ainda que quase todos os zeladores que eles
conhecem m contato com motoristas de caminhão que compram latas de
alumínio.
Os zeladores informaram que os jornais e revistas tamm propiciam
alguma renda no final do mês, e que o juntam outros materiais, como o
papelão e as embalagens de pet porque ocupam muito espaço e o valor de
venda é baixo. Todos relataram conflitos com os catadores, que rasgam os
sacos de lixo e espalham na rua.
A catação de material reciclável, principalmente a de latas de alumínio,
tornou-se uma atividade bastante concorrida. O quilo da lata de alumínio (65
latas) varia de R$ 2,00 a R$ 3,50, dependendo se é vendido a um atravessador
que vem buscá-las de porta em porta, se é levado ao local onde o atravessador
106
negocia ou se é vendido a um depósito próximo, segundo informaram os
zeladores. Nas cidades onde existem indústrias recicladoras de latas, o preço do
quilo chega a R$ 4,00, variando em função do valor do dólar no mercado (dados
do CEMPRE).
A valorização das latas de cerveja e refrigerantes fez surgir outro agente
no cenário da coleta e reciclagem das cidades: o catador que anda de bicicleta e
recolhe somente latas. Esse catador não faz parte do grupo original, que
trabalha nessa atividade muitos anos e coleta todo tipo de material reciclável.
Em alguns casos, ele não é morador de invasões e tem uma condição
econômica melhor que a dos outros catadores. Trabalha individualmente e não
tem interesse em fazer parte de associações ou cooperativas.
A velocidade com que esse catador cruza as ruas das cidades em busca
das latas é um fator de peso na dinâmica da coleta. Devido a essa mobilidade e
à redução da quantidade de latas que chega às lixeiras, os catadores de
“carrinho no peito” e os carroceiros praticamente não se ocupam mais de catar
esse material. Esse fato estabeleceu um novo código entre os catadores. Se
outro catador chega primeiro a uma lixeira, o catador que anda de bicicleta não
se aproxima. Se o catador que anda de bicicleta chega primeiro à lixeira, o outro
pode se aproximar, mas repassa as latas que encontrar ao ciclista, ficando
somente com os outros materiais.
A catação de latas foi uma ótima fonte de renda para os catadores e
desempregados das cidades. Edmilson Alves, o mesmo que declarou ter
comprado seu ponto, relatou a seguinte história: “No carnaval de 93 eu cheguei
a juntá as latinha de rodo. O preço do quilo era vinte centavos e ninguém queria.
Com a subida do preço para uns treis e cinqüenta, o pessoal do Nordeste que
ganhava cinco reais a diária veio todo pra cá ganhá quinze por dia com as
latinha.”
O catador Iderlano Alves, de 27 anos, também da Estrutural, contou que
era especializado em catar latinhas de bicicleta, com um caixote na garupa.
Conseguia obter em média R$ 150,00 por mês com a atividade. Com o aumento
da concorrência, as latas sumiram das lixeiras e ele agora trabalha para os
107
outros catadores, separando o material que chega nas carroças e caminhões.
Recebe por dia de trabalho e a renda não cobre a despesa com alimentos.
A entrada de pessoas com emprego fixo e moradia na atividade de
catação é outro fator que reduz a renda do catador e diminui seu território de
atuação. Os catadores relataram vários casos de pessoas bem vestidas catando
latas. Um catador que mora na invasão do SIA afirmou que viu pessoas
saírem de boas casas e apartamentos para fazerem caminhada pela manhã,
com sacos plásticos para colher latas. Um mendigo vindo de o Paulo, que
também cata latas, reclamou da situação: “Pô meu, tem uma pá de gente
nojenta, que tem trabalho e moradia fixa que põe a mão na sujeira... não sobra
nada pra gente, meu”.
Muitos aposentados e pessoas com baixos salários passaram a catar
material reciclável. Até professores e servidores públicos passaram a vender as
latas que antes doavam às empregadas domésticas ou aos zeladores dos
prédios. Durante uma entrevista, um servidor público encarregado de organizar
as atividades dos catadores e que tem um estabelecimento comercial, afirmou
que passaria a recolher o papeo descartado pela loja ao lado da sua.
Percebendo a contradição com suas atribuições junto aos catadores, voltou
atrás na afirmação.
As formas de apropriação do território pelos catadores
Os vigias e zeladores dos prédios públicos e comerciais também juntam
ou guardam o material reciclável para os catadores, que em troca retiram os
sacos de lixo e deixam o local limpo, poupando o trabalho dos zeladores. Essa é
uma das formas de apropriação de um ponto, com estabelecimento de uma
relação de confiança e prestação de serviços.
Outra forma de apropriação dos pontos é a compra. E seu preço varia
de acordo com a quantidade e qualidade do material. O brasiliense José Alves
Pinto, de 25 anos, declarou que é comum catadores pagarem aos zeladores e
vigias de empresas e prédios públicos para que juntem o material para eles.
Informou ainda que, se o catador recolhe naquele local material no valor de
108
cento e cinqüenta reais por semana, cinqüenta reais ficam com o zelador ou
vigia.
A forma de pagamento do ponto pode variar. Edmilson Alves da Silva,
38 anos, afirmou ter comprado o seu ponto de outro catador que queria voltar
com a família para a Bahia. Ele pagou a passagem de ônibus e a despesa de
todos, em torno de 3 mil reais. O ponto pode ser pago também com bicicletas,
carroças e outros bens. Os vigias e zeladores que venderam os pontos ficam
responsáveis por avisar aos “donos” quando outro catador invade aquele
espaço, o que pode gerar muitas brigas.
A maioria dos catadores entrevistados afirmou ter um itinerário certo
todos os dias, preferindo vender as latas aos atravessadores posicionados ao
longo desse trajeto, para não perderem tempo e poderem vasculhar mais
lixeiras. As latas servem como um meio rápido de conseguir dinheiro para
comprar arroz ou uma mistura (carne), como afirmou o catador Miguel, do
SAAN. Outros catadores utilizam a venda das latas para comprar “pitchulas”
(pequenos recipientes) de aguardente, que custam R$ 0,50 nos mercados.
Qualquer necessidade imediata é suprida com a venda das latas de alumínio.
Os resultados do estudo da dinâmica do processo de coleta e
reciclagem da área do Cruzeiro, Setor Octogonal e Setor Sudoeste
apresentaram muitas semelhanças com a realidade de outras localidades do
país, como as péssimas condições de trabalho e de vida dos catadores e a falta
de reconhecimento da importância de seu serviço pela sociedade.
As organizações estudadas têm pouco tempo de criação e apresentam
resultados menos satisfatórios do que outras mais antigas do Distrito Federal e
de outros estados. As associações e cooperativas não seguem os pressupostos
básicos de sua criação. A relação entre os membros das organizações é
hierarquizada, as tarefas não são compartilhadas e a renda não é repartida
igualitariamente.
Devido à falta de recursos, o material recolhido recebe pouco
beneficiamento antes da venda, atingindo somente a etapa de triagem. Na
COOPATIVA, o caminhão doado pelo Banco do Brasil faz o transporte do
material recolhido para a Capital Recicláveis, mas os catadores reclamam.
109
Todos têm que pagar dez reais por mês ao motorista, fora a porcentagem para a
manutenção de outras despesas da cooperativa. Reclamam também de terem
que esperar em média quinze dias para encaminhar o material, pois o caminhão
não é suficiente para atender a todos.
Os catadores que estão ou estiveram organizados em associações ou
cooperativas demonstram desconfiança da isenção dos dirigentes dessas
instituições. Muitos denunciam aumentos abusivos das taxas de administração,
a falta de prestação de contas por parte dos dirigentes e desproporcionalidade
entre os valores arrecadados e os bens adquiridos. Há inúmeros casos de
catadores que migram de uma cooperativa para outra em função do valor da
taxa cobrada. Essa situação se insere no que Gonçalves (op.cit., p. 36) chama
de círculo perverso da reciclagem”, onde “todos os atores contribuem para a
falência do sistema, cada um com o seu texto de não-ação, não-interação, não-
articulação e não-responsabilidade”.
A inexistência de indústrias recicladoras próximas à área de estudo
desequilibra ainda mais a relação do catador com os outros agentes do
processo de reciclagem. Os atravessadores impõem os preços e condições de
venda do material recicvel. Os grandes depósitos descontam entre 20 e 40%
do valor final do material entregue com alguma impureza ou umidade.
Os catadores denunciam que os chefes das áreas de limpeza dos
órgãos públicos retêm o material de melhor qualidade para vender aos
depósitos, descumprindo a determinação legal de doação para as associações e
cooperativas.
As entrevistas evidenciaram o interesse eleitoral de políticos ligados às
organizações dos catadores. A doação de equipamentos e terrenos coincide
com a proximidade do período de eleições. O interesse político se mistura às
intenções reais de ajuda de instituições sérias preocupadas com a melhoria das
condições de vida dos catadores.
A área não oferece condições de sobrevivência para o mero de
catadores que a percorre todos os dias. A concorrência dos outros atores
envolvidos no processo de coleta e reciclagem piora as condições de vida
desses trabalhadores, que o têm outra fonte de renda. Os catadores têm que
110
buscar várias maneiras de conseguir seu sustento, sem provocar incômodo aos
moradores e comerciantes.
O mapa (figura 4) mostra um dos principais caminhos percorridos pelos
catadores da COOPATIVA na busca de material reciclável na área do Cruzeiro,
Setor Sudoeste e Setor Octogonal.
figura 4
fonte: CODEPLAN /adaptação do autor:2005
Os catadores saem da cooperativa pela manhã, percorrem as áreas
comerciais e residenciais do Cruzeiro Velho, atravessando depois para o
Cruzeiro Novo. Entram no Setor Sudoeste, percorrem toda a área comercial,
retornando depois pelo Setor Octogonal, onde vasculham as lixeiras externas
111
das quadras e do comércio local. Retornam no final do dia á cooperativa, onde
o material será preparado para o encaminhamento ao depósito comprador (D).
Alguns catadores percorrem as quadras residenciais e comerciais do Setor
Sudoeste de madrugada, para se livrar da polícia e da repreensão dos
moradores e comerciantes.
- No trajeto entre o Cruzeiro Velho e o Cruzeiro Novo, os catadores
podem parar na Feira Permanente, onde vendem latas e outros materiais de
alumínio ao atravessador (A).
- As moradias do Cruzeiro Velho são formadas por casas e os catadores
têm fácil acesso às lixeiras, que são colocadas do lado de fora pelos moradores.
- No Cruzeiro Novo as moradias o formadas por prédios, os catadores
não têm acesso às lixeiras, que ficam na área interna e quase o se encontra
material, que é retido pelos porteiros e zeladores.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa de campo possibilitou atingir o objetivo geral desta
dissertação: mostrar a importância do território na consolidação do catador como
agente beneficiário do processo de reciclagem. A sobrevivência do catador está
diretamente ligada ao domínio territorial.
O primeiro objetivo específico, identificar outros agentes do processo de
reciclagem revelou uma rede de indivíduos comercializando material recicvel,
entre eles porteiros, zeladores, aposentados e até pessoas da classe média.
O segundo objetivo específico, identificar os conflitos territoriais entre o
catador e os outros agentes, mostrou as dificuldades desses trabalhadores para
juntar o material que recolhem, o roubo dos animais e das carroças, os
problemas com o trânsito, com a polícia, com os moradores e comerciantes e
até com catadores de outras cooperativas.
A primeira hipótese, de que a implantação de um programa de coleta e
reciclagem que assegure a participação do catador e aponte meios para que ele
se aproprie e permaneça em um território adequado às suas atividades pode ser
um primeiro passo para melhorar sua condão de vida e solucionar o problema
da destinação do lixo, foi comprovada a partir das experiências relatadas no
Brasil e da pesquisa de campo.
A segunda hipótese, de que a construção da territorialidade na área
estudada depende muitas vezes da concessão dos outros agentes do que do
planejamento e atuação do catador, foi confirmada. A apropriação do território
pelo catador depende do estabelecimento de relações de confiança, da
prestação de serviços e do aluguel e compra de pontos em poder dos
moradores, comerciantes e funcionários de prédios particulares e públicos. Os
pontos de coleta de material reciclável estão cada vez mais disputados e o
catador tem que recorrer a diversas táticas para sobreviver, como revezamento
de horários e o trabalho noturno. A área estudada não oferece condições de
sobrevivência para o mero de catadores que a percorre todos os dias. A
concorrência dos outros atores envolvidos no processo de coleta e reciclagem
113
piora as condições de vida desses trabalhadores, que não têm outra fonte de
renda.
A identificação dos outros agentes envolvidos no processo de
reciclagem exigiu a adoção de uma postura dissimulada, paciente. Até que o
colega da repartição ou coordenador dos trabalhos de inserção social do catador
deixasse escapar que agora também junta latas, papelão e outros materiais.
está outro agente do processo de reciclagem. E a impressão de que o trabalho
estará sempre desatualizado. que se computar ainda os agentes “invisíveis”.
O homem do caminhão, que passa à noite comprando latas, a micro-empresa
que compra papelão e o encarregado dos serviços de limpeza dos órgãos
públicos, que negocia com os depósitos.
A pesquisa de campo permitiu a identificação de várias causas dos
conflitos territoriais entre o catador e os outros agentes do processo de
reciclagem. Os conflitos com os supermercados, lanchonetes e moradores,
antes gerados pelos distúrbios, alcoolismo e brigas, agora se dão também pela
disputa do material reciclável. Os conflitos com as empresas e escritórios
surgem das exigências dos contratos de exclusividade firmados com os grandes
depósitos. Os conflitos com zeladores e porteiros dos prédios residenciais,
devido ao barulho das carroças e abertura dos sacos de lixo, agora estão
entremeados de motivação econômica.
Além dos conflitos com os outros agentes, o catador está envolvido em
uma disputa territorial com sua própria categoria. A compra de pontos, que lhe
exclusividade de acesso a alguns locais, expulsa os outros catadores. A
organização em associações e cooperativas acaba por delimitar um território e
restringir o acesso a outras organizações ou ao catador autônomo, resultando
em uma situação de monopólio. A entrevista com o presidente da COOPATIVA
ilustra bem essa situação. Perguntado sobre o motivo de haver apenas
catadores daquela cooperativa atuando na área de estudo, ele respondeu:
“Porque nós estamos mais tempo. E nós temos contato direto com a Vice-
Governadora. E ai de outro catador de outra cooperativa que entrar lá!”. Aparece
uma contradição: o catador, que faz parte de um segmento de excluídos da
sociedade, após a organização em associações ou cooperativas, passa a excluir
114
outros de sua própria classe. A visita à cooperativa de catadores da invasão do
SIA evidenciou a reprodução do modelo capitalista nas relações de trabalho. A
renda o é dividida e os equipamentos não são disponibilizados para todos.
Existe um escalonamento de fuões e de posição social mesmo onde parecia
haver um nivelamento total.
O atravessador, representado pelos dois maiores depósitos de compra
de material reciclável do DF, se beneficia da distância que as indústrias de
reciclagem estão da cidade para impor seus preços e condições de negociação.
Com capital suficiente para comprar terrenos, construir galpões e adquirir
equipamentos adequados, os depósitos realizam em suas instalações várias
etapas do processo de reciclagem (armazenamento, triagem, compactação,
enfardamento), antes de enviar o material para a indústria recicladora. Ao
catador cabe apenas as etapas de coleta seletiva e triagem, antes de enviar o
material para o depósito comprador.
Os depósitos estabeleceram contratos de exclusividade no recolhimento
do material reciclável com órgãos blicos, empresas e supermercados. Nas
lixeiras, onde antes era possível encontrar todos os tipos de material, agora só é
depositado o que tem menor valor no mercado. O “lixo grosso”, como chama o
catador. O lixo do lixo.
Os contêineres que os depósitos espalham por todos os lugares da
cidade são os limites de um território ao qual o catador o tem mais acesso.
Em contrapartida, a presença destoante desse mesmo equipamento em meio a
um cerrado devastado, coberto de lixo e barracos de lona, representa o longo
braço do capitalismo, que a tudo alcança, desde que tenha algum valor.
A re-conceituação do termo lixo, a valorização do material reciclável e a
incrementação do processo de reciclagem não serviram somente para mostrar à
sociedade a importância do trabalho do catador e transformar as estruturas
geradoras de exclusão. Serviram também para mostrar que riqueza no lixo, e
que é possível tomá-la do catador sem menores esforços. Basta interceptar a
saída do material, trancar as lixeiras e chamar a polícia.
A valorização do material reciclável mostrou que o catador o esna
última posição da escala social. Abaixo dele ainda cabem os quebradores de
115
pedras, os agricultores, os ajudantes de pedreiro, os pescadores. E que os
cerrados de Brasília o são o pior lugar para morar. Pior ainda são os
arredores de Sertânia-PE, Iguatu-CE e Ibotirama-BA, alguns dos pequenos
municípios de onde veio grande parte dos catadores entrevistados. A atividade
de catação em Brasília se transformou em fonte de renda dos profissionais de
“carteira assinada”. Dos porteiros, zeladores, empregadas domésticas, garçons,
que também moram nos cerrados, em meio ao lixo, nos barracos de lona.
O resumo da forma de construção da territorialidade pelo catador na
área de estudo é o retrato de qualquer outra atividade comercial: ganha mais e
domina maior parte do território quem tem mais tempo de atuação na área,
estabeleceu relações de confiança com moradores e comerciantes, imprimiu
uma continuidade na prestação dos serviços, se organizou em grupos,
conseguiu apoio de alguma autoridade do governo, impôs uma hierarquia nas
relações de trabalho e alugou ou comprou pontos de recolhimento de material
reciclável.
Apesar do quadro desfavorável que se apresentou ao final do trabalho, é
possível enxergar melhorias na condição de vida dos catadores, que já foram
observadas nas experiências de coleta e reciclagem do Brasil. O envolvimento
de diversos segmentos sociais na busca de alternativas viáveis para a questão
do gerenciamento dos resíduos sólidos propicia mudanças de paradigmas
quanto ao tema e o exercício real de cidadania na convivência com os
catadores. As parcerias com as escolas ajudam a criar uma geração mais
consciente e preparada para lidar com questões ambientais e sociais.
A promoção de cursos para a educação ambiental e saúde do catador,
além da confecção de uniformes e a melhoria e padronização dos carrinhos de
coleta favorecem a aceitação desses trabalhadores nas áreas comerciais e
residenciais e na convivência com os clientes e moradores.
A disputa territorial deixa claro que a organização é a melhor forma de
fortalecimento da categoria. Mesmo com todos os problemas, o catador
organizado tem melhores condições de trabalho e sobrevivência do que o
catador autônomo.
116
Na invasão do SIA, onde os moradores bebiam água de um córrego
poluído, as crianças o estudavam e o material reciclado era vendido a preços
baixos, hoje tem água potável, ônibus escolar, um caminhão e o material é
vendido a preço de mercado. Esses benefícios foram conseguidos a partir da
criação da cooperativa.
O que se busca com o direcionamento social do processo de reciclagem
não é manter o estado atual da condição de catador nem perpetuar a categoria.
A implantação de programas de coleta e reciclagem com a participação do
catador é uma questão de reconhecimento do trabalho prestado à sociedade por
muitos anos.
O direcionamento social inclui cursos de capacitação para a inserção
social. Mas pouco adianta ao catador se capacitar para exercer uma profissão
que não vai tirá-lo do cerrado ou do meio do lixo, e que lhe oferece um salário
abaixo da renda que tinha.
O que se almeja é chegar à condição das experiências dos países
desenvolvidos que foram analisadas, onde o catador não aparece no processo
de reciclagem. Mas esse é um estágio mais avançado, onde a sociedade
resolveu grande parte de seus problemas econômicos e sociais, podendo
investir no aprimoramento cultural. A situação atual é de encontrar soluções para
que o catador consiga manter seu território de atuação e condições de
sobrevivência. O que se buscou com esse trabalho foi dar alguma contribuição
social e geográfica para a assegurar a sobrevivência e melhorar as condições de
vida desse profissional.
117
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<www.partidoverde-mg.org.br>
<www.radiobras.gov.br>
<www.unilivre.org.br>
120
ANEXO I: Fotografias das Etapas do Processo de Reciclagem
121
122
123
124
ANEXO II: Projeto Lixo e Cidadania do DF: Fotografias e Mapa de Localização
das Associações e Cooperativas de Catadores do DF
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