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HAMILTON AFONSO DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RIQUEZA NO SUL DE GOIÁS,
1835-1910
FRANCA–2006
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HAMILTON AFONSO DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RIQUEZA NO SUL DE GOIÁS,
1835-1910
Tese de doutorado apresentada ao Departamento de
História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, em cumprimento às exigências para a obtenção do
título de Doutor em História, sob orientação da Profª. Dr.ª
Ida Lewkowicz.
FRANCA - 2006
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HAMILTON AFONSO DE OLIVEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RIQUEZA NO SUL DE GOIÁS,
1835-1910
Tese de doutorado apresentada ao Departamento de
História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, em cumprimento às exigências para a obtenção
do título de Doutor em História, sob orientação da Profª.
Ida Lewkowicz.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: ____________________________________________________
Orientadora Prof.ª Dr.ª Ida Lewkowicz
1.º Examinador: ____________________________________________________
2.º Examinador: ____________________________________________________
3.º Examinador: ____________________________________________________
4.º Examinador: ____________________________________________________
Franca, ____de___________________2006.
Em memória de meus avós,
Argemiro Cândido de Oliveira (vulgo Inhô Cândido) e
Francisca Abadia Campos (vulgo Dona Chica) que foram lavradores e
cujas lembranças de minha infância sempre estiveram presentes durante a
elaboração deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Aos funcionários do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida, Museu
Municipal Antônio Correa Bueno, Biblioteca Municipal Prof.º José Cândido,
Biblioteca da Universidade Estadual de Goiás de Morrinhos. E também, aos
funcionários da Biblioteca Central da Faculdade de História, Direito e Serviço Social
de Franca, pela dedicação e prestação de serviços essenciais a estudantes e
pesquisadores.
Aos professores Dr.º Horácio Gutierrez, Dr.º José Evaldo de Mello Doin e
Dr.ª Maria Aparecida pelo incentivo e observações que desde o processo seletivo,
aulas e em raras ocasiões de informalidade foram importantes no amadurecimento e
reflexão em relação ao trabalho.
Aos amigos Dr.ª Sônia Maria de Magalhães e Dr.º Robson Mendonça
Pereira pelo apoio, incentivo e acolhida durante os meses que estava cumprindo
créditos e atividades no Doutorado em Franca.
E também, aos amigos Luiz de Carvalho Cassiano e Helena Maria de
Castro Cassiano, por terem me incentivado a inscrever no processo de seleção do
Doutorado em 2002.
A minha orientadora Prof.ª Dr.ª Ida Lewkowicz, pela profícua orientação,
paciência e dedicação para comigo durante a pesquisa e elaboração da tese. Suas
observações foram substanciais neste trabalho.
À minha esposa e companheira Vanusa Lopes da Silva Oliveira, que
entrou em minha vida de forma efetiva com minha admissão no Doutorado, pela
paciência, estímulo e dedicação para comigo nestes anos.
Dedico também à minha filha Izadora, que foi fruto de nossa união cuja
gestação e crescimento ocorreu concomitamente com a tese. Espero que quando
ela crescer tenha a curiosidade de ler o que o papai tentou escrever.
Agradeço ainda à minha mãe Almerinda Cândida de Oliveira (Dona Nina)
por ter me dado a oportunidade de viver e de ser um exemplo de uma grande mulher
e mãe.
Por fim, a todos aqueles que ao longo de minha vida contribuíram de
forma direta e indireta para a minha formação.
RESUMO
O objetivo central deste trabalho é mostrar como se deu a construção da riqueza no
sul de Goiás. O estudo compreende a maior parte do século XIX à primeira década
do século XX, período em que houve fluxo significativo de população de outras
partes do Brasil. Apesar da precariedade do meio, instalou-se na região uma
estrutura produtiva voltada para o abastecimento local e também voltada para
mercados regionais. Os ritmos de seu crescimento econômico e os comportamentos
sociais da população apresentam-se como cerne da tese. Trata-se de uma pesquisa
apoiada em fontes documentais tais como inventários post-mortem, registros de
casamentos, relatos de viajantes e memorialistas e relatório de Presidentes de
Província/Estado. Resulta uma amostra da economia e da sociedade sul goiana, a
partir da ocupação das terras e desenvolvimento de atividades produtivas ligadas à
agricultura e à pecuária e sua estreita relação com a região sudeste do Brasil.
Palavras-chave: Goiás, pecuária, riqueza, família.
ABSTRACT
The main objective of this work is to show how the richness of the south of Goiás was
built. This study involves the most part of the nineteenth century up to the first
decade of the twentieth century, a period which had a meaningful flow of population
coming from other parts of Brazil. Despite the precariousness of the region, a
productive structure was installed to supply the local and regional markets. The
rhythm of its economical growth and the social behavior of the population is the main
subject of this thesis. It is a research based on documental sources such as
postmortem wills
,
wedding registers, reports of travelers and of memo writers, reports
of Province or State Presidents. It results in a sample of the economics and of the
society of the south of Goiás, taking into account the land occupation and the
development of productive activities related to agriculture and cattle raising and its
straight relation to the southern region of Brazil.
Key-words: Goiás, cattle raising, richness, family.
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
p.10
CAPÍTULO 1 – A OCUPAÇÃO DAS TERRAS E A POPULAÇÃO DO SUL DE
GOIÁIS
p.15
1.1 – Impulsos das migrações p.16
1.2 – A organização do território p.37
1.3 – Modos de vida p.50
CAPÍTULO 2 – A CONSOLIDAÇÃO DA ECONOMIA NO SUL DE GOIÁS
p.69
2.1 - A pecuária e a agricultura p.70
2.2 – Conjunturas da economia goiana: os problemas do crescimento p.96
CAPÍTULO 3 – OS DESAFIOS DA ECONOMIA DO SUL DE GOIÁS: O
CRÉDITO E OS MEIOS DE TRANSPORTE
p.126
3.1 – A carência de moedas e os problemas com o crédito p.127
3.2 – Os carros de bois e a estrada de ferro p.155
CAPÍTULO 4 – A RIQUEZA E OS PROPRIETÁRIOS
p.169
4.1 – Estrutura e composição da riqueza, 1850-1910 p.170
4.2 – Perfil sócio-econômico dos inventariados e a composição da riqueza, 1843
-1910.
p.194
CONSIDERAÇÕES FINAIS
p.218
ANEXOS
p.222
BIBLIOGRAFIA
p.225
FONTES
p.233
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como foco central o conhecimento do processo
de ocupação econômica das terras do sul de Goiás e construção da riqueza na
região, entre os anos de 1835 e 1910. A pesquisa apóia-se principalmente em um
conjunto de documentos de natureza notarial: os inventários post-mortem, que além
de possibilitarem a obtenção de informações acerca da composição das fortunas
locais, permitiram a percepção das relações econômicas regionais. Cruzamos essas
fontes com outras, como registros de casamentos, relatórios de presidentes de
Província/Estado, relatos de viajantes e memorialistas, bem como com os dados
existentes na bibliografia a respeito da região, mencionada ao longo da tese.
As fontes, como se percebe, adquiriram uma importância crescente no
estudo aqui desenvolvido e determinaram o recorte temporal e espacial, sobretudo,
pelos registros de casamentos e inventários post-mortem, existentes na Paróquia de
Nossa Senhora do Carmo e na Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr.
Guilherme Xavier e Almeida, em Morrinhos, respectivamente. Os registros de
casamentos compreendem o período de 1836 a 1854, e foram consultados
primeiramente com o objetivo de traçar a procedência das primeiras famílias
colonizadoras, mas acabaram revelando também outros aspectos sócio-econômicos
e culturais relevantes, até então não abordados pela historiografia da região como,
por exemplo, o critério racial como elemento determinante nos matrimônios.
Através do estudo e análise dos inventários traçamos os principais
aspectos que caracterizavam a estrutura e composição da riqueza que era
assentada na posse da terra, dos escravos e do gado. Esses bens tiveram uma
participação muito significativa nos monte-móres examinados, especialmente, o
gado, mercadoria que, comercializada gerava capitais aos criadores e negociantes e
rendas para os cofres públicos através dos impostos de exportação. O gado
lentamente tornou-se o principal elemento gerador de riqueza, capital e moeda,
sendo um elemento substancial para a movimentação da produção e da atividade
comercial em uma época em que a moeda era muito escassa e concentrada nas
mãos de poucas pessoas. Além das diversas informações contidas nos inventários,
destacam-se especialmente as notas de cobrança anexadas pelos credores, por
meio das quais se pode observar o ritmo e o calibre das transações comerciais na
região.
A partir das evidências apresentadas por esta documentação no primeiro
capítulo, propõe-se a abordar os mais variados aspectos da economia e da
população goiana, destacando os fatores que incentivaram migração para o sul de
Goiás a partir das primeiras entradas que estavam relacionadas à exploração
aurífera no século XVIII, com ênfase na compreensão dos fatores que foram
determinantes para a intensificação dos fluxos migratórios, no século XIX, quando
milhares de mineiros e paulistas se deslocaram de suas regiões e se fixaram na
região, ocupando e demarcando terras – sobretudo, através da posse – até então
pouco exploradas construindo sítios, fazendas e povoados a partir de atividades
ligadas à agricultura e pecuária em sua forma extensiva, utilizando-se basicamente
de mão-obra familiar e poucos escravos. Tal fluxo, no transcorrer do século XIX, foi
intensificado à medida que os meios de comunicação e transportes se
desenvolveram integrando de forma mais sistemática Goiás com a região sudeste.
No segundo capítulo abordam-se os problemas enfrentados pela
sociedade goiana no século XIX, com ênfase na abordagem no trabalho da terra, a
partir do estudo da história da agricultura e pecuária, bem como, de uma análise
comparativa e histórica dos preços de mercadorias importadas e exportadas.
Destacamos também a análise histórica dos preços dos animais, desenvolvimento
da pecuária e sua participação na riqueza, levando em consideração, a relação dos
valores nominais com a conjuntura política e econômica brasileiras, bem como as
dificuldades técnicas de cultivo, da criação e produção agromanufatureira. Mesmo
com todas as dificuldades a economia goiana conseguiu um relativo crescimento
econômico no período e, ao final do século XIX e primeiros anos do século XX, além
da pecuária, a agricultura já começava a se despontar como atividade produtiva
importante e com crescente participação no erário público.
O terceiro capítulo tem como cerne a análise do problema da escassez de
moedas, de crédito e arrecadação dos governos provinciais e estaduais, o que
acabava por limitar os investimentos do poder público em infra-estrutura,
inviabilizando políticas de incentivos ao desenvolvimento da “indústria” agropastoril,
uma vez que, a quase totalidade dos impostos arrecadados era procedente da
agricultura e pecuária. Desta forma, neste capítulo pretende-se mostrar que os
fatores de ordem econômica e política nacional – por exemplo, o desenvolvimento
da economia cafeeira e a interiorização da estrada de ferro – acabaram repercutindo
positivamente para que ocorresse um relativo crescimento das atividades de crédito
em Goiás durante o século XIX, que acabaram sendo determinantes para o
desenvolvimento das atividades produtivas e crescimento da arrecadação provincial.
Diante da escassez de moeda e de crédito alguns indivíduos, como por exemplo, o
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que possuíam uma estrutura produtiva que
transcendiam as fronteiras da Província, conseguiam acumular fortuna, terras,
prestígio social e político diante de uma estrutura sócio-econômica-cultural
tipicamente agrária. Ao final, destaca-se ainda a importância que os carros de bois
começaram a ter no final do século XIX e primeiros anos do século XX, como uma
alternativa mais viável e barata no transporte de mercadorias para os principais
entroncamentos ferroviários localizados no Triângulo Mineiro.
No quarto e último capítulo a finalidade é analisar as fortunas e os bens
adquiridos ao longo da vida pelas famílias que chegaram e passaram residir por
gerações na atual região sul de Goiás entre 1850 e 1910. A partir de uma
classificação das fortunas, de acordo com o valor do monte-mór apresentado em
cada inventário à época de sua morte, pretende-se compreender a estrutura,
composição e hierarquia social existente e predominante no sul de Goiás no
período, observando também, os principais bens e sua participação na riqueza. Para
a melhor compreensão de como se encontrava distribuída, a dinâmica da produção
e também identificar quem estava produzindo para o abastecimento familiar, local ou
para um mercado que extrapolava as fronteiras da Província ou Estado, foi
considerada a participação dominante de determinados bens nos monte-móres,
utilizando-se as variáveis mais importantes de riqueza: o escravo, a terra e o gado.
Desta forma, foram estabelecidas as seguintes categorias sócio-econômicas:
proprietários de escravos, proprietários de terras, pequenos proprietários, criadores
de gado, lavradores agregados e habitantes da vila.
A construção de uma imagem do atraso e da decadência em Goiás no período pós-
mineratório é algo recorrente nos estudos a respeito da região. Via-se progresso e
desenvolvimento de uma sociedade, analisando as taxas crescentes e decrescentes do quinto e
taxas de capitação dos centros auríferos. Da mesma, concluíram pela existência de níveis de
riqueza e pobreza a partir do volume crescente e decrescente das reluzentes oitavas de ouro
extraídas e enviadas à metrópole. Via-se vida urbana somente a partir das ilhas de
povoamento dos centros mineradores, sem levar em consideração que estes se localizavam em
meio a imenso oceano de terras repletas de florestas, animais e índios. Por fim, viram o atraso
e a decadência a partir dos olhos do presente, apoiando-se em testemunhas oculares, cujos
padrões e valores em parte não se enquadravam nos padrões culturais da maioria.
Diante destas questões, a partir do cruzamento das informações
presentes na documentação consultada pretendeu-se compreender além da
estrutura e processo de formação da riqueza na região, que apresentava como
principais elementos constitutivos o escravo, a terra – incluindo as benfeitorias – e o
gado. Foi possível perceber a partir da estrutura e composição da riqueza, que a
conjuntura econômica de Goiás, seguiu seu ritmo e curso de acordo com as
condições naturais, sociais e culturais disponíveis. Fazendo uma análise
comparativa a partir dos resultados de trabalhos de pesquisa de outras regiões,
principalmente de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, Goiás apesar de
possuir uma estrutura econômica predominantemente voltada para abastecimento
familiar e local e de todos os percalços que apresentaremos, revelou dinamismo e
crescimento.
CAPÍTULO 1
A OCUPAÇÃO DAS TERRAS E A POPULAÇÃO DO SUL DE
GOIÁS
1.1 – IMPULSOS DAS MIGRAÇÕES
O processo de colonização do Brasil caracterizou-se desde o princípio
como litorâneo, sendo que os primeiros núcleos de povoadores portugueses
desenvolveram-se centrando suas atividades na extração de produtos da terra com
destaque para o pau-brasil e, na organização e estruturação de atividades
relacionadas a agromanufatura da cana-de-açúcar. A maioria dos núcleos urbanos,
que surgiram durante os séculos XVI e XVII, estava relacionado diretamente às
atividades ligadas à lavoura canavieira, à pecuária e às extrativas.
1
A população
movimentava-se na esteira dessas economias e de outras que mais tarde se
instalaram no território brasileiro.
Robert Simonsen em Recursos econômicos e movimentos das
populações, São Paulo, 1940, já entendia que o processo migratório e de ocupação
do território brasileiro passou por quatro fases desde o período colonial:
a) a necessidade de criação de gado para força motora dos
engenhos, alimentação dos colonos e transportes acarretou a
ocupação dos campos do interior e a penetração de amplos trechos
do sertão brasileiro;
b) as descobertas de ouro, no fim do século XVII, coincidindo com a
violenta queda nos preços do açúcar, provocaram intenso movimento
migratório dos engenhos para as zonas de mineração;
c) o advento da cultura do café no Vale do Paraíba, em princípios do
século XIX, atraiu para aí novos deslocamentos de populações e
tornou possível o aproveitamento de considerável massa de
descendentes dos antigos trabalhadores das minas, então em franca
decadência;
d) as migrações de nordestinos, entre os anos de 1869 a 1910, para
o Vale do Amazonas, foram a conseqüência do apogeu da indústria
extrativa da borracha , nessa região.
2
Paralelamente às principais atividades econômicas – cana-de-açúcar,
mineração e café – voltadas a atender ás necessidades do mercado internacional,
1
PETRONE, Pasquale. Povoamento e colonização. In. AZEVEDO, Aroldo de.(Org.) Brasil: a terra e o homem.
Vol.II – A vida humana. Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1970.
2
SIMONSEN, Robert. Recursos econômicos e movimentos das populações, trabalho apresentado no
VIII Congresso Científico em Washington em 10/05/1940, a convite da Junta Executiva Central do
Conselho Nacional de Estatística do Rio de Janeiro, em Ensaios Sociais, políticos e econômicos, São
Paulo, janeiro de 1943, págs. 120-157. Apud. CAMARGO, José Francisco de. Migrações inter-
regionais. In. AZEVEDO, Aroldo de.(Org.) Brasil: a terra e o homem. Vol.II – A vida humana. São
Paulo: Cia. Editora Nacional, 1970. p.79
desenvolveram-se as que tiveram por finalidade o abastecimento do mercado
interno. Estas, também foram importantes no processo de expansão, ocupação e
povoamento das regiões mais afastadas dos principais centros dinâmicos da
localizados nas proximidades litoral brasileiro. À medida que a ocupação brasileira
interiorizou-se, importantes centros econômicos, políticos e culturais regionais
constituíram-se nas proximidades do caminho de Goiás no transcorrer do século
XIX, tornando-se elos entre o sertão e os principais portos brasileiros.
Desta forma, a agricultura e a pecuária extensiva voltada para o abastecimento
familiar, local e regional incentivaram o processo migratório, a ocupação e fixação de colonos
nas regiões mais interioranas incorporando novas áreas e ampliando as fronteiras do território
brasileiro. Neste contexto histórico, havia três tipos de colonos: por um lado, o criador,
proprietário de terras, que ocupava grandes extensões necessárias à alimentação de seu
rebanho; por outro, o vaqueiro empregado, que recebia pelos serviços prestados uma quarta
parte do gado que conseguia criar.
3
E por fim, havia um grande número de
famílias de roceiros que pela posse pura e simples, com pouca ou nenhuma
riqueza se arranchavam em pequenos roçados aqui e acolá, habitualmente,
não se estabelecia definitivamente em uma localidade, pois sua agricultura
rudimentar exigia uma constante movimentação em busca de novas terras,
passíveis de preparo via queimada.
4
Independentemente se fosse região de economia voltada ao mercado
externo ou de abastecimento interno, diante a imensidão do território, a Coroa e,
posteriormente, o Estado brasileiro não tiveram condições de fiscalizar e exercer um
controle efetivo sobre a apropriação da terra, o que por sua vez facilitou a
concentração de grandes propriedades nas mãos de poucas pessoas. Nas regiões
3
PETRONE, 1970, p.137.
4
BRIOSCHI, Lucila R. Entrantes no sertão do Rio Pardo: o povoamento da freguesia de Batatais
séculos XVIII e XIX. CERU: São Paulo, 1991. p. 37-38
não ocupadas com a lavoura de exportação, como em Goiás, distantes da
administração e controle das autoridades constituídas
havia a maior possibilidade de adquirir terras por meio da posse,
independentemente de qualquer formalidade, sendo a legalização
das propriedades realizadas posteriormente através das “brechas” na
legislação: os cartórios locais aceitavam, por exemplo, os contratos
de compra e venda dessas terras que acabavam tornando-se
legalizadas.
5
MAPA 1.1 – A INTERIORIZAÇÃO E A MARCHA DO POVOAMENTO NO SÉCULO
XVII.
Fonte: PETRONE, Pasquale. Povoamento e colonização. In. AZEVEDO, Aroldo de.(Org.) Brasil: a terra e o
homem. Vol.II – A vida humana. Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1970. p.134
Conforme mostra o Mapa 1.1, a interiorização da colonização da região centro-sul
teve início com a fundação da cidade de São Paulo, considerada por Petrone como a primeira
boca-do-sertão do Brasil e que se tornou um dos principais centros de irradiação e de
5
LUZ, Maria Amélia de Alencar. Estrutura Fundiária em Goiás: consolidação e mudanças – 1850-
1910.Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Goiás.Goiânia: UFG, 1982. p. 28
colonização do Brasil
6
. Os paulistas organizados em bandeiras deram início à ocupação dos
atuais estados do sul, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, primeiramente com as bandeiras de
aprisionamento de índios que contribuíram para reconhecer o território que posteriormente foi
colonizado de forma efetiva com o desenvolvimento da mineração e da pecuária. A ocupação
de grande parte dos territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso iniciou-se
nos fins do século XVII, estabilizando-se somente no século XVIII com a mineração.
A história da ocupação da região sul de Goiás inseriu-se neste contexto
histórico que resultou também na ocupação do nordeste Paulista e do Triângulo
Mineiro. Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás na
primeira metade do século XVIII, intensificaram as correntes migratórias em direção
ao oeste pouco conhecido e inexplorado. Com a descoberta do ouro, durante a
primeira metade do século XVIII, capitania de São Paulo estendeu suas fronteiras
abrangendo territórios que hoje correspondem aos Estados de Minas Gerais, Goiás,
Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. Para Brioschi
a descoberta de ouro em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso pelos
paulistas, não foi uma obra da casualidade. Durante dois séculos
eles penetravam o sertão adentro caçando índios e sonhando com a
descoberta de ouro, prata ou pedras preciosas, em uma época que
os paulistas tinham apenas duas opções: a entrada pelo sertão ou a
lavoura de subsistência. Os primeiros caminhos em direção ao ouro
saiam da Vila de Pirapitinga de São Paulo, sendo terrestres para
Minas Gerais e Goiás e fluvial para Cuiabá.
7
Ainda, segundo Brioschi
São Paulo tornou-se deste modo um entroncamento natural de
diversas rotas, de transporte ou contrabando de ouro, da
comercialização de gêneros de primeira necessidade e do gado muar
e cavalar para o abastecimento dos centros mineradores, [...] com o
surgimento dos primeiros ‘sítios’ ou pousos identificados a partir das
6
PETRONE, 1970. p.134
7
BRIOSCHI, 1991, p.02
primeiras concessões de sesmarias no trajeto da estrada do
Anhangüera.
8
Apesar do caminho dos goyazes, provavelmente, ter origem bem mais
remota, foi somente com a descoberta das jazidas auríferas que passou a adquirir
importância, deixando de ser apenas o caminho dos bandeirantes, tornando-se a
principal rota de acesso às minas. As margens do caminho, embora já tivessem sido
ocupadas em tempos bem mais antigos por algumas famílias pioneiras, as terras
passaram, com a descoberta das jazidas auríferas, a ser cobiçadas por novos
entrantes que regulamentados do direito de posse com títulos de sesmarias,
começaram a organizar os primeiros sítios e fazendas e a produzir para o
abastecimento de gêneros para as regiões mineradoras e, sobretudo, construindo
pousos para viajantes e tropas que se deslocavam com relativa freqüência em
direção ao sertão dos Goyazes.
A concessão de várias sesmarias, entre os anos de 1722 a 1735,
revelava a necessidade que a Coroa portuguesa sentia de regularizar a exploração
das minas e as terras que margeavam o caminho de Goiás, com vistas a combater
as tentativas de contrabando e implantar um sistema de fiscalização, por meio da
instalação dos registros nos rios com seus funcionários reais.
Esses pioneiros do processo de ocupação desenvolviam suas atividades
agropastoris à moda dos bandeirantes: plantação de pequenas roças que em
princípio deram lugar aos primeiros pousos que em seus primórdios deveriam ser
simples ranchos, à margem da estrada. Aos poucos se tornaram grandes fazendas
8
BRIOSCHI, 1991, p. 2-6.
com unidades familiares de produção estruturadas, voltadas para a venda do
excedente àqueles que seguiam o caminho.
9
Durante este período,
em todas as sesmarias, o caminho de Goiás, era indispensável local
de referência na concessão. Geralmente, as léguas doadas tinham à
frente, a estrada e, ao fundo, o Sertão. O caminho de Goiás, via de
comunicação e circulação de riquezas, constituiu-se a razão da
existência e da sobrevivência dos primeiros assentamentos
populacionais. A partir de 1735 quando as rendas das minas de
Goiás começaram a decrescer, reduziu-se o interesse, tanto por
parte dos moradores ou da Coroa, pelas terras que margeavam o
caminho de Goiás. Desta forma, depois de 1735, cessaram as
concessões de novas sesmarias na região, sendo feita uma nova
apenas em 1800, o que poderia indicar uma possível decadência do
caminho.
10
Observando o crescimento do número de registros de batismo no último
quartel do século XVIII, Brioschi chegou à conclusão que a população residente no
caminho de Goiás começou a crescer paulatinamente com a chegada dos primeiros
mineiros atraídos pelo desenvolvimento do oeste paulista, a partir da introdução da
agromanufatura da cana-de-açúcar. Inúmeras famílias, oriundas do sul de Minas,
ocuparam o sertão do caminho dos Goyazes provocando as primeiras mudanças
significativas na economia, com o desenvolvimento da pecuária em larga escala, que
se tornou a principal atividade econômica da região com a produção de carne bovina
e de queijos. Possuíam também um elevado rebanho de cavalos.
11
A partir de 1822, quando a posse no interior já era uma realidade
irrefutável, D. Pedro I reconheceu este fato quando, num mesmo documento
12
confirmou uma posse de vinte anos e suspendeu o sistema sesmarial no Brasil. A
9
Ibid., p.6
10
Ibidem., p.13-15
11
Segundo dados de Chiachiri a participação dos migrantes mineiros na população total da
população do Sertão de Goiás cresceu de 24% em 1804 para 75% em 1824.
12
Resolução de 17 de junho de 1822 – “Houve SMI por bem resolver a consulta que subiu à sua
augusta presença com data de 8 de julho do ano próximo passado pela maneira seguinte: Fique o
suplicante na posse das terras que tem cultivado, e suspendão-se todas as sesmarias até
convocação da Assembléia Geral Constituinte.” – GARCIA, Paulo. Terra devolutas. Belo Horizonte:
Livaria Oscar Nicolai, 1958. p.23 (Apud. LUZ, 1982, p.29)
posse tornou-se “a única forma de aquisição de terras baseada no costume, na
tradição, imposta muitas vezes pelos condicionamentos sócio-econômicos. As
posses tornaram-se finalmente legítima e mais tarde foram demarcadas e
legalizadas por meio de processos judiciais.”
13
Com o fim do sistema sesmarial, a
distribuição de terras no Brasil ficou aberta, passando a haver de forma
desgovernada o apossamento de terras. Desta forma, no nordeste muitos paulistas
se lançaram a esta prática conforme descreve Brioschi:
abrindo picadas os entrantes mineiros vieram procurar no sertão
bons pastos e novas expectativas de vida, arranchando-se em algum
sítio que lhes aparecia aprazível e delimitavam a olho a sua área. No
trabalho de demarcação erguiam cruzes e cravavam ferros em
troncos de árvores. Tiravam rego d’água de algum ribeirão e faziam
suas roças, erguiam casas, construíam currais, monjolos e demais
benfeitorias necessárias à atividade agropastoris. Desta forma, a
posse estava assegurada e, os posseiros institucionalizaram-se
como senhores.
14
Porém, antes do fim do sistema sesmarial o Estado português, já admitia
não controlar a situação fundiária do Brasil, fazendo reconhecer sua incapacidade
de fazer valer qualquer ordem legal, ao institucionalizar a lei da Boa Razão,
implantada em 18 de agosto de 1769, que acabou legitimando o apossamento como
costume passando a posse a ter aceitação jurídica. Para ser reconhecida como
costume legítimo e com força de lei desde de que cumprisse os três requisitos
básicos: a racionalidade, o cultivo e a antigüidade. Nos registros paroquiais os
posseiros procuravam assegurar que se apossaram da terra de forma pacífica e, que
as terras encontravam-se cultivadas sendo a sua ocupação antiga.
15
Lucila Brioschi levanta questionamentos em relação à migração mineira e
não se contenta com a tese de que o único fator que tenha provocado o
13
ALENCAR LUZ,1982, p.29-30
14
BRIOSCHI, 1991, p.44.
15
SILVA, Maria Aparecida Daniel da. Raízes do Latifúndio em Goiás.Goiânia: Ed. da UCG, 2004.
deslocamento mineiro esteja relacionado apenas à crise da mineração; teria sido,
sobretudo, pelo crescimento econômico da capitania de São Paulo, primeiramente,
impulsionado pelo fortalecimento da lavoura açucareira no oeste
paulista, a partir de meados do século XVIII fez surgir uma sociedade
rica, monocultora e escravista, contribuiu para a redução da pequena
propriedade rural de subsistência, provocando de um lado, o
deslocamento do roceiro e do pequeno proprietário para as zonas de
fronteira colonizadora e, por outro, atraindo para essa mesma
fronteira: pequenos proprietários capitalistas – criadores de gado e
agricultores de milho, feijão, arroz e mandioca – que passaram a
abastecer a zona açucareira. Assim, a migração para o caminho de
Goiás ocorre tanto no sentido de a aproximação dos mercados, como
de ocupação de novas terras férteis e devolutas.
16
A partir destas indagações outras hipóteses também podem ser
levantadas: será que a falta de uma legislação agrária entre os anos de 1822 a
1850, ano que foi promulgada a Lei das Terras, não acabou incentivando o processo
migratório para as regiões com abundantes terras devolutas? Na ausência de uma
legislação que regulamentasse a posse da terra, não seria uma oportunidade a
quem não tivesse o acesso a terra, de adquirí-la por meio da posse? E quem já tinha
posse de terras regulamentadas asseguradas pelo sistema de sesmarias, não teria
se estimulado a ampliar suas propriedades por meio da posse? Mesmo com a
promulgação da Lei de Terras em 1850, que atendia aos interesses dos fazendeiros
de café do Rio de Janeiro e de São Paulo (sendo a sua aplicabilidade praticamente
nula
17
), sobretudo nas províncias mais afastadas da área de colonização e da
cafeicultura, não acabou incentivando o deslocamento migratório para Goiás na
segunda metade do século XIX, incentivados pela facilidade e possibilidade de
adquirir terras devolutas na região por meio da posse?
16
BRIOSCHI,1991, p.32-33
17
“A aplicabilidade da Lei foi mais efetiva nas Províncias do Rio Grande de São Pedro, Santa
Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, áreas de colonização e
cafeicultura por excelência.” Op. Cit. LOBO, Eulália Maria L., p.124.
A implementação da Lei de Terras de 1850 ficou inviabilizada em
províncias onde a realidade sócio-econômica centrava-se na pecuária extensiva e
na lavoura de subsistência. Em seu estudo a respeito da estrutura fundiária na
segunda metade do século XIX, Luz percebeu, ao analisar os registros paroquiais e
as escrituras de compra e venda em Goiás, que
os proprietários goianos não tinham interesse em legalizar suas
terras na forma prevista da lei, pois além de ser um processo caro –
por causa das despesas com medição e demarcação – e difícil
devido à falta de recursos humanos e técnicos preferiam manter a
situação irregular com vistas a incorporar novas terras sempre que
necessário. Sendo mais fácil e viável legalizar suas propriedades por
meio de doações à paróquia ou por meio de compras e vendas que
eram aceitas pelos cartórios conforme a conivência dos funcionários
do judiciário local.
18
Com o advento da República, a Constituição de 1891, em seu artigo 64,
transferia para os Estados a responsabilidade sobre as terras devolutas situadas em
seus territórios. Estes, por sua vez, acabaram tendo de elaborar sua legislação
agrária, baseado em grande parte na Lei de Terras de 1850.: “Goiás publicou a sua
Lei de Terras em 19 de junho de 1893, quando era então governador José Ignácio
Xavier de Brito, mas, teve curtíssima duração. Em 1897 foi substituída pela Lei
n.º134, mais minuciosa e teve uma longa vigência.”
19
Para Maria Alencar Luz com essa nova legislação o governo do Estado
tinha como objetivo principal, o controle da questão fundiária como forma de
aumentar as rendas públicas através da venda e exploração das terras e da
cobrança de possíveis impostos. A princípio, a legislação agrária goiana surtiu
poucos efeitos. Em 1899, o então presidente da província Urbano Coelho de
Gouvêa, em mensagem à Câmara dos Deputados lamentava que Lei de Terras
18
ALENCAR LUZ, 1982,p.49-50
19
Ibid., p.51
necessitasse de alguns retoques, sobretudo, no que tange o art. 28, δ 1.º, que
permitia a legitimação das posses adquiridas por ocupação primária após a
publicação do regulamento de 1854, artigo contraditório com o n.º29, que concedia
terras aos posseiros estabelecidos antes de 15 de novembro de 1899, aos preços
mínimos da Lei.
20
No ano seguinte Urbano Gouveia, lamentava novamente que a venda de
terras devolutas havia decrescido, o que não significava que estas não
continuassem a ser ocupada por posseiros. Em 1904, no governo do presidente
Xavier de Almeida, o seu Secretário de Instrução, Indústrias, Terras e Obras
Públicas, afirmava
não haver qualquer pedido de revalidação de sesmarias ou de
legitimação de posses. A venda de terras públicas era insignificante e
o defeito estava na própria lei, que permitia o abandono da
fiscalização, não sendo possível evitar que particulares continuasse
invadindo a propriedade do Estado. Entre os anos de 1900 a 1905
havia apenas 28 termos de títulos de venda definitivos, o que
revelava a incapacidade do Estado de fiscalizar a aplicação de sua
política de terras que permaneceu letra morta
.
21
A ocupação do sul de Goiás ocorreu em um contexto marcado pela
ausência de uma legislação fundiária, redução da produção aurífera em Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso e de crescimento da agropecuária que passou a ser a
principal atividade econômica e incentivou deslocamentos migratórios para o norte,
nordeste e, principalmente para o sul provocando a ocupação definitiva de todo o
território goiano no decorrer do século XIX. Região que compreendia entre os anos
de 1840 e 1910, os territórios que atualmente fazem parte as cidades de Morrinhos,
20
Mensagem enviada à Câmara dos Deputados em 13 de Maio de 1899, pelo presidente do Estado
Urbano Coelho de Gouveia. Apud. ALENCAR LUZ, 1982, p.55-56
21
Relatório apresentado pelo Secretário de Instrução, Indústrias, Terras e Obras Públicas, João Alves
de Castro, em 30 de abril de 1904 ao presidente do Estado, José Xavier de Almeida. Apud.
ALENCAR LUZ, 1982 p.56-57
Piracanjuba, Itumbiara, Caldas Novas, Marzagão, Rio Quente, Buriti Alegre,
Goiatuba, Panamá, Pontalina, Mairipotaba, Cachoeira Dourada, Porteirão,
Inaciolândia, Professor Jamil, Água Limpa, Cromínia, Joviânia, Aloândia,
Vicentinópolis e Bom Jesus. Esses núcleos se consolidaram como municípios a
partir do final do século XIX e no transcorrer do século XX.
A partir das análises de Lucila Brioschi em relação ao processo de
ocupação do caminho de Goiás, pode-se inferir que esta se deu durante os séculos
XVIII e XIX a partir de dois momentos: o primeiro com a chegada dos paulistas que
vieram para a região explorar as riquezas auríferas e dando início a constituição das
primeiras freguesias e vilas que surgiram em torno dos principais centros auríferos.
Em um segundo momento, se deu com a chegada dos entrantes paulistas e,
sobretudo, dos mineiros que gradativamente foram ocupando regiões que
correspondem ao atual Triângulo Mineiro – que até 1816 era território goiano –, sul e
sudoeste de Goiás; tomaram posse de grandes extensões de terras ainda
consideradas devolutas e organizaram os primeiros sítios e fazendas que acabaram
resultando nas cidades que compreendem a atual região sul. Todas tiveram a sua
origem em grande parte, durante o século XIX, devido à expansão de atividades
relacionadas à pecuária e agricultura extensiva.
No mapa 1.2 é possível observar que a intensificação do processo
migratório mineiro que atingiu o norte e o oeste paulista acabou rompendo suas
fronteiras. Ao mesmo tempo ocorria a migração para o Vale do Paranaíba que se
consolidou como núcleo abastecedor do oeste Paulista e das cidades de São Paulo
e Rio de Janeiro. A transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808,
estabeleceu medidas que praticamente, determinaram o fim do monopólio colonial,
como por exemplo, a abertura dos portos brasileira que criou novas oportunidades
para o desenvolvimento de uma produção de exportação e, por outro lado,
ampliaram o mercado consumidor interno e conseqüentemente estimulou a
produção para o abastecimento das demandas do mercado interno.
Dessa forma, as marchas da ocupação decorrentes das migrações
internas foram intensificadas durante o século XIX estimuladas pelas políticas
adotadas a partir de 1808 pela Coroa portuguesa, que visavam estimular a
expansão econômica do Brasil. Com a abertura dos portos brasileiros, segundo
Bergad,
aos navios de todas as nações que não estivessem em guerra com
Portugal ou a Inglaterra, foram eliminadas as restrições comerciais e
retiradas quase todas as proibições de fabricação impostas no
período colonial, o que assinalava uma nova fase de relativa
liberdade econômica oficialmente sancionada, contribuíram para o
crescimento significativo das exportações brasileiras já no primeiro
quartel do século XIX.
22
MAPA 1.2 – A INTERIORIZAÇÃO E A MARCHA DA OCUPAÇÃO NO SÉCULO
XVIII
22
BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888.
Bauru,SP: EDUSC, 2004. p.77
Fonte: PETRONE, Pasquale. Povoamento e colonização. In. AZEVEDO, Aroldo de.(Org.) Brasil: a
terra e o homem. Vol.II – A vida humana. Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1970. p.134
A população do Rio de Janeiro dobrou entre 1808 e 1822, passando de
50 mil para 100 mil habitantes, o que aumentou as possibilidades de mercado para
os agricultores e criadores de Minas Gerais. Eschwege que viajou por Minas em
1814 e percebeu àquela ocasião,
o quanto estava movimentado a estrada do Rio a Barbacena,
deparando-se com inúmeros comboios de mulas, que levavam e
traziam mercadorias para o Rio de Janeiro. Às margens do rio
Paraopeba observou grandes plantações de milho, feijão e algodão
cuja produção era exportada para os mercados de Vila Rica e o
algodão despachado para o Rio. Na estrada de Tamanduá os
criadores de porcos salgavam a carne, que em seguida era
embalada em cestas e carregada nos onipresentes comboios de
mulas com destino à Corte. O cultivo do algodão era a base de
sustentação da economia de Formiga. São João Del Rei, cabeça de
Julgado do Rio das Mortes, era um florescente centro comercial que
tinha Barbacena, o principal ponto de interseção de diversas trilhas.
Tamanduá dedicava-se exclusivamente a atividades pastoris; em
Campanha eram criadas grandes quantidades de porcos e cultivava-
se o tabaco; em Minas Novas e Pitangui o cultivo do algodão e a
produção têxtil sustentavam a vida econômica local. Porém, o
viajante não deixou de notar o setor de subsistência rural de Minas.
Na estrada para Araxá e Desemboque deparou com uma grande
caravana de emigrantes dos distritos mineiros centrais que se dirigia
para o oeste em busca de terras; vinham de Congonhas do Campo,
de onde haviam sido forçados a sair devido ao solo exaurido e às
limitadas oportunidades de aquisição de terras ‘virgens’ e férteis.
Observou a destruição da terra devido ao excesso de cultivo e
ausência de fertilização. Na região de Araxá notou o aspecto
rudimentar da pecuária que não utilizava nenhuma espécie de
cercadura: o gado perambulava em completa liberdade. Os animais
eram reunidos quando necessário. A estrada entre São Paulo e
Goiás estava em completo abandono; a região de Uberaba, a
noroeste era uma fronteira quase ‘virgem’.
23
As transformações na economia mineira nas primeiras décadas do século
XIX, conforme se apresenta no Gráfico 1.1, podem ter sido determinantes para a
intensificação do processo migratório mineiro para Goiás, que teve início último
quartel do século XVIII e se intensificou durante o século XIX. As transformações
econômicas associadas ao crescimento demográfico de Minas e a falta de terras
fizeram com que milhares de famílias mineiras se deslocassem de suas regiões em
direção a oeste e norte de São Paulo, norte, oeste, norte e noroeste de Minas
Gerais, norte do Paraná, região sul de Goiás e Mato Grosso. “As regiões sul e
sudoeste de Minas cresciam mais depressa que as outras e a agropecuária
dominava as economias locais na vasta comarca do rio das Mortes ao sul.”
24
Ernani
Silva Bruno observou que no último quartel do século XVIII
criadores e rebanhos partindo de São Paulo e Minas penetraram em
território goiano pelas rotas dos primitivos mineradores, fazendo do
Arraial do Desemboque, perto de Araxá (região que então pertencia
a Goiás) um destacado centro de criação de gado. De Minas Gerais
e Goiás o processo de ocupação a partir da pecuária alcançou
também o Mato Grosso, ocupando os campos da Vacaria, no sul,
onde se formaram as primeiras fazendas pastoris que se
23
ESCHWEGE, W L. von. Brasil, novo mundo. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1966.
Apud.BERGAD, Laird W. 2004. p.78-79
24
Ibid., p.78-79.
converteram ao mesmo tempo em importantes focos de distribuição
de gado.
25
Embora não seja objetivo deste trabalho compreender a dinâmica das
migrações internas, ao manusear fontes documentais como inventários post-mortem,
alguns testamentos e processos crimes da região sul de Goiás, bem como, registros
de casamentos encontraram-se referências a respeito da procedência dos primeiros
entrantes que haviam se estabelecido na região: eram mineiros oriundos de São
Francisco das Chagas, Sacramento, Piuhuim, Bagagem, Passos, Brejo Alegre,
Campos Belos, Dores de Uberaba, Varginha, Formiga, Pitangui, Campanha,
Tamanduá e Araxá. De acordo com as pesquisas de Laird W. Bergad, estas regiões
nas primeiras décadas do século XIX, já possuía uma economia bem diversificada e
com atividades ligadas à criação de gado, agricultura, à manufatura têxtil e
mineração.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
%
1818-1819 1828
Produtos
GRÁFICO 1.1- EXPORTAÇÕES DE MINAS GERAIS -
1818/1819 E 1828
Produtos agrícolas Produtos têxteis
Produtos da pecuária Minérios
Diversos
Fonte: BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de
Minas Gerais, 1720-1888. Bauru,SP: EDUSC, 2004. p.83-84
25
BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil: Geral e regional Vol.VI – O Grande Oeste. – São Paulo: Editora
Cultrix, 1967.p.56
A pecuária conforme o Gráfico 1.1 tinha participação preponderante nos quadros
de exportação da Província de Minas Gerais e correspondia a 55% da divisas da em 1818/19 e
60% em 1828, seguidas pelas manufaturas têxteis e produção agrícola. No ano de 1818/19 a
Província arrecadou com exportações 1.673.447$190 contos de réis e em 1828 2.265.570$650
contos de réis.
26
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Milhares
1804 1825 1832
GRÁFICO 1.2 - COMPARAÇÃO DA EVOLUÇÃO DA
POPULAÇÃO DOS PRINCIPAIS JULGADOS DO
SUL DE GOIÁS
Vila Boa Meia Ponte Pilar Santa Luzia Santa Cruz Crixás
Fonte: FUNES, Eurípedes Antônio. Goiás 1800-1850: um período de
transição da mineração à agropecuária.Ed. UFG: Goiânia, 1986 p.108,111 e
113.
Neste mesmo contexto histórico conforme os levantamentos estatísticos
dos presidentes de Província, entre os anos de 1804 a 1832, conforme se pode
observar no Gráfico 1.2, ocorreu um crescimento populacional significativo na então
região sul de Goiás. Com exceção de Crixás e Pilar, os demais julgados
apresentaram aumento, sobretudo, Vila Boa, Meia Ponte e Santa Cruz. Isto estava
relacionado ao fluxo migratório de paulistas e, principalmente, de mineiros que se
26
Para saber mais detalhadamente a dinâmica econômica, populacional e a escravidão em Minas
Gerais ver BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-
1888. Bauru,SP: EDUSC, 2004.
deslocavam de suas regiões de origem em busca de novas terras que ainda se
encontravam devolutas em Goiás. O então Julgado de Santa Cruz que compreendia
as terras que correspondem à atual região do sul de Goiás, possuía uma população
estimada de 2904 habitantes em 1804. Em 1825, já era a terceira região mais
povoada com 5865 habitantes e, em 1832, 7632 habitantes correspondendo a um
crescimento demográfico superior a 260%.
Em decorrência do crescimento e dinamização da economia mineira no período,
Cruz Machado, então presidente da Província, afirmava em seu relatório de 1855, que depois
de 1824, sobretudo, após 1837, a população de Goiás aumentou muito significativamente.
Ressaltou o crescimento da população da região sul da Província, em que os pequenos curatos
como Bonfim, Jaraguá, Corumbá, Formosa e Catalão e, as então consideradas insignificantes
freguesias de Morrinhos, Santa Rita do Paranaíba (atual Itumbiara), Espírito Santo do Vaivém
(atual Ipameri) e a nova Vila de Dores do Rio Verde (atual Rio Verde) e, mais os distritos de
Pouso Alto (atual Piracanjuba), Caldas Novas, Santo Antônio do Rio Verde e Torres do Rio
Bonito e, finalmente, a Campanha de Santo Antônio entre o rio Anicuns e Turvo, já se
encontravam povoadas de lavradores e criadores procedentes das províncias de Minas e São
Paulo.
27
Silva e Souza em sua Memória Estatística da Província de Goiás, produzida em
princípios do século XIX ao retratar o julgado de Santa Cruz, destacava a presença dos
migrantes mineiros, em sua maioria, roceiros e criadores que adentravam com relativa
freqüência na região, à procura de terras e organizavam seus estabelecimentos na região.
28
Ao
percorrer a Comarca do sul de Goiás, em 1832, Silva e Sousa notou que as terras goianas
27
Relatório que à Assembléia Legislativa de Goiás apresentou na sessão ordinária de 1855, o Exm.º
Presidente da mesma Província Dr.Antônio Cândido da Cruz Machado.Goiás, Tipografia Provincial,
1855. Memórias Goiana N.º 5.
28
“Fazendas de gado, que existem neste Julgado estão incluídas no numero das Sesmarias, e se
augmentão cada vez mais com os Geralistas, que então a procurar estabelecimentos, sendo que
cada hum dos roceiros he também hum creador, que tem segundo as suas posses, gados, que
apascentão em commum” Apud. TELES, Gilberto de Mendonça. Vida e Obra de Silva e Souza. Ed.
Oriente: Goiânia, 1978 p.159-160.
ainda eram pouco povoadas, devolutas e improdutivas sendo freqüente moradores residirem a
mais de 45 léguas de seu vizinho mais próximo. Poucas eram as sesmarias demarcadas
judicialmente
29
: a maioria possuía apenas o título de posse de suas propriedades. As terras da
região seriam propícias ao cultivo e criação com exceção de alguns lugares áridos e montes
pedregosos. Nos distritos de Anicuns, Campinas, Pilões, Curralinho, Canastras e vizinhanças
do Lago dos Tigres, existiam grandes matas virgens e propícias ao cultivo de algodão, café,
tabaco, canas de açúcar, arroz, milho, feijão, mamona e mandioca; e, às margens dos rios
Turvo, Verde, Meiaponte, Claro, Urubu, havia terras muito favoráveis a criação de gado se ali
fossem introduzidas, conforme observou o autor da memória estatística. Observou que os
moradores costumavam transportar seus gêneros e produtos da lavoura em cavalos; os carros
de bois eram ainda pouco utilizados no transporte de mercadorias na região.
30
O processo de ocupação da então região sul de Goiás se intensificou a partir de
1820. Em seu discurso à Assembléia Provincial em 1837, o presidente da Província Luiz
Gonzaga Fleury
31
, relatava que na região, além do Rio Verde, encontravam-se instalados
colonos da família Garcia, oriundos da Província de São Paulo que atraídos pela abundância e
fertilidade das terras com boas pastagens para a criação de bois e cavalos, ali se estabeleceram
juntamente com outros migrantes de Minas Gerais. Durante a primeira metade do século XIX,
os relatos de memorialistas e viajantes como Silva e Souza, Saint-Hilaire, Phol e Cunha
Mattos que passaram pelo sul de Goiás destacaram a grande presença de mineiros ou
geralistas, como eram denominados os que se instalavam na região e se dedicavam à
agricultura e, sobretudo, a pecuária.
32
29
Em todo o termo havia apenas 98 sesmarias demarcadas judicialmente. TELES, 1978, p.144
30
TELES, 1978.
31
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de julho de 1837
pelo presidente da Província Luiz Gonzaga de Camargo Fleury. In. Relatórios dos Governos da
Província de Goiás de 1870-1875 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 1986. (Memórias Goianas III).p.83
32
Luiz Gonzaga de Camargo Fleury reclamava em sua mensagem à Assembléia Provincial da
ausência de uma legislação fundiária que regulamentasse a ocupação dos terrenos devolutos o que
O povoamento e a ocupação do sul de Goiás e do Triângulo Mineiro, que
até 1816 também faziam parte do território da Província de Goiás se deram em um
mesmo processo histórico. A intensificação da ocupação do Triângulo Mineiro
ocorreu por volta do início do século XIX, quando em 1809, o governador da
Província de Goiás, Marquês de São João da Palma, mandou organizar algumas
bandeiras de exploração e reconhecimento daquele sertão ainda pouco conhecido.
O governador nomeou para a empreitada, segundo o memorialista Borges Sampaio,
“o Sargento-Mor Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, regente dos sertões da
Farinha Podre, que juntamente com outros geralistas empreendeu três bandeiras
àquele sertão”.
33
Após a terceira incursão pelos sertões da Farinha Podre (atual Triângulo
Mineiro) notícias otimistas como a abundância de terras devolutas férteis, propícias à
agricultura e criação de gado começaram a atrair outros mineiros para a região, que
foram se estabelecendo e requerendo posses. Neste período muitas cartas de
sesmarias foram concedidas no território da Farinha Podre pelos Governadores da
Província de Goiás, até 1816, época em que a região foi anexada à Província de
Minas Gerais. Em 1840 já existiam no sertão da Farinha Podre as paróquias de
Uberaba, Carmo de Morrinhos e Dores do Campo do Formoso; também os curatos
de Monte Alegre, Tijuco, Patrocínio, Araxá e Desemboque são anteriores a 1807.
Desde então, intensa migração continuou a afluir para a região, formando sítios,
fazendas, arraiais, freguesias, vilas e cidades. Uberaba multiplicou suas relações
causava grandes prejuízos à Fazenda Pública, que poderia aumentar seus rendimentos com a
concessão de títulos de propriedade. Apud. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da
Província de Goyaz em 1.º de julho de 1837 pelo presidente da Província Luiz Gonzaga de Camargo
Fleury. In. Relatórios dos Governos da Província de Goiás de 1870-1875 - relatórios políticos,
administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do
Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 1986. (Memórias Goianas III).p.83
33
SAMPAIO, Borges. Uberaba: história, fatos e homens.Academia de Letras do Triângulo Mineiro:
Uberaba, 1971. p.123
agrícolas e comerciais, sobretudo, a criação de gado e tornou-se a principal rota dos
caminhos vicinais que levavam ao Rio de Janeiro, São Paulo e Santos.
34
No sul de Goiás refletiram-se as transformações da economia mineira.
Primeiramente, com uma produção voltada para o mercado interno e, na segunda
metade do século XIX, um novo redimensionamento do processo produtivo que
ocorreu com a chegada dos trilhos da estrada de ferro e com o café. Em grande
parte do território de Minas Gerais passou-se a cultivar café em largas proporções
para o mercado externo, empurrando para as regiões mais interioranas os mineiros
que dedicavam a atividades econômicas centradas na agricultura e pecuária
extensiva de produção em pequenas proporções, voltadas para o abastecimento
familiar e local. A crise da produção aurífera, não provocou a expulsão dos
mineradores propriamente ditos para as regiões pouco povoadas e abundantes em
terras ainda inexploradas e, distantes dos principais centros econômicos e políticos
do país, mas sim, o afastamento dos pequenos produtores, em sua maioria
composta de lavradores e criadores que produziam para o abastecimento familiar e
mercado local. “A instalação dos grandes proprietários foi quase sempre posterior à
chegada das famílias de poucas posses, que na verdade compunham o grosso da
frente pioneira
35
, exploratória daquela região pouco explorada.”
36
34
Ibid., p. 128.
35
“A frente pioneira representa a incorporação de novas regiões à economia de mercado; ela se
apresenta, também como fronteira econômica, isto é, como limite de avanço da dominação capitalista
e sua característica é a instauração de empreendimentos econômicos, como “empresas imobiliárias,
ferroviárias, comerc iais, bancárias, etc.; loteiam terras, transportam mercadorias, compram e
vendem, financiam a produção e o comércio.” In. MARTINS, José de Souza. Capitalismo e
tradicionalismo. São Paulo, Pioneira, 1975. p. 45.
36
BRIOSCHI, 1991 p. 41
1.2 – ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
O objeto e contexto espacial desta pesquisa compreendem o atual sul de
Goiás que até a década de 1880 pertencia à jurisdição do Julgado – depois comarca
– de Santa Cruz. A partir de 1882, quando Morrinhos foi elevada à categoria de
cidade, as vilas e freguesias, bem como os distritos da região ficaram sob a sua
jurisdição e a cidade se tornou na Primeira República um importante centro
econômico, político e comercial de Goiás, servindo de entreposto comercial para o
sul e sudoeste do Estado.
MAPA 1.3 – A REGIÃO SUL DE GOIÁS, 1822- 1910.
FONTE: Relatório final do zoneamento ecológico e econômico da região de Meia
Ponte. Estudos básicos. Vol I. Estado de Goiás Secretaria do Meio Ambiente, dos
Piracanjuba
(1833 * – 1855**)
Morrinhos
(1835 – 1871)
Itumbiara
(1824 – 1909)
Buriti Alegre
(1910 – 1927)
Caldas Novas
(1850 – 1911)
Recursos Hídricos e Habitação. Superintendência de Gestão e Proteção
Ambiental. Metais De Goiás S/A – Metago: Goiânia, 1999. p.182
(* ) Data da fundação do povoado
( ** ) Data da emancipação do município
O arraial de Nossa Senhora do Carmo
dos Morrinhos foi fundado em 1835
37
a partir da
doação de cerca de 600 alqueires de terra ao
patrimônio da santa pelo Capitão Gaspar Martins da
Veiga. Com a resolução n.º 2, de 15 de dezembro de
1855, o arraial foi elevado à condição de vila,
passando denominar-se Vila Bela do Paranaíba,
condição que foi revogada em 1859 e foi
restabelecida somente em 1871, pela Lei n.º 63, de
19 de novembro de1859. Passou, então a se
chamar Vila Bela de Nossa Senhora do Carmo de
Morrinhos. Por fim, em 1882, foi elevada à categoria
de cidade mantendo apenas a denominação de
Morrinhos.
Piracanjuba tem sua origem vinculada à pessoa do Padre Marinho, à época
residindo em Campinas, que atualmente é um bairro de Goiânia. Interessado em estabelecer
relações comerciais de Goiás com Minas Gerais e São Paulo, abriu uma estrada que partia de
Campinas em direção à freguesia de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos e de lá seguia
em direção à margem direita do rio Paranaíba. O traçado passava por uma elevação na
cabeceira de um córrego cujo local acabou se tornando um pouso para de viajantes, tropeiros,
37
Embora as informações que são veiculadas afirmam que o ano de fundação do povoado seja 1845,
as evidências apontam que esta data seja mais remota, pois, no ano de 1836 já havia registros de
casamentos na Capela de Nossa Senhora do Carmo de Morrinhos. Algum tempo atrás, por volta do
anos 2000, quando começava a pensar em elaborar uma pesquisa sobre a cidade deparei-me com a
escritura de doação do terreno à padroeira, no livro 01 de assento de escrituras localizado no Cartório
do 1.º Ofício datado de 1835.
carreiros, caixeiros, que se dirigiam à capital de Vila Boa. No ano de 1833, Francisco José
Pinheiro, um português, natural da cidade do Porto, que havia adquirido terras na região, por
meio de sesmarias, solicitou às autoridades provinciais, licença para a construção de uma
capela em uma gleba de terras que doou em louvor a Nossa Senhora da Abadia. Em torno das
terras do patrimônio formou-se um expressivo povoado que foi elevado à categoria de
município, pela Lei Provincial n.
o
06 de 22 de novembro de 1855. Em 1869, foi elevada à
categoria de Vila, pela lei resolução Provincial n.
o
428 de 2 de agosto com a denominação de
Nossa Senhora d’Abadia do Pouso Alto. Em 1874 foi elevada à categoria de cidade pela lei
n.
o
786, de 18 de novembro de 1886, com a denominação de Piracanjuba.
38
Itumbiara surgiu a partir da iniciativa do General Cunha Mattos, presidente da
Província de 1823 a 1824, que mandou construir uma estrada ligando Anhanguera a Uberaba
em 1824. No ponto de passagem do rio Paranaíba, foi construído um porto, por se tratar de
uma região inexplorada com terrenos férteis e abundantes, propícios ao desenvolvimento de
atividades agropastoris. Constituiu-se um povoado com a denominação de Santa Rita do
Paranaíba. Durante o século XIX o povoado ficou conhecido como Porto de Santa Rita que
foi elevada à categoria de vila através da Lei Estadual n.
o
349 de 16 de julho de 1909,
desmembrando-se do município de Morrinhos. Passou a se chamar Itumbiara somente a partir
de 1943.
39
Caldas Novas tem a sua história relacionada com as primeiras incursões
dos bandeirantes que adentraram o território goiano a partir do século XVI. Pires de
Almeida menciona em seus livros Lambari e Cambuquira, datados de 1545, nos
quais fazia apologia das águas de Caldas Novas como águas medicinais. Em 1722,
Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, quando andava pelos sertões goianos deparou-
se com o ribeirão das Águas Quentes (atualmente Pousada do Rio Quente). Em
38
Instituto Brasileiro Geográfico. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Goiás. Vol.XXXVI. Rio de
Janeiro, 1958. p.344-345
39
Ibid. p.246
1777, Martinho Coelho de Siqueira requereu uma sesmaria nas proximidades das
fontes termais onde estruturou uma fazenda que ficou conhecida como Fazenda
Caldas, na qual além da agricultura e pecuária extensiva dedicava-se também à
extração de ouro no Córrego das Lavras, nas margens do Rio Corumbá, cercanias
da Serra de Caldas. O povoado foi se constituindo as margens do Córrego das
Lavras, à medida que chegavam mais garimpeiros e enfermos que se dirigiam a
Caldas em busca de fortuna e curas de suas enfermidades. Com o afluxo contínuo
de enfermos, Martinho Coelho e seu filho Antônio Coelho construíram compridas
casas para o alojamento dos doentes. O povoado de Caldas Novas somente veio a
se consolidar de fato, em 1850, quando Luiz Gonzaga de Menezes e Domingos José
Ribeiro, que eram os então proprietários da Fazenda doaram os terrenos onde se
achavam as fontes termais, para a constituição do patrimônio para a construção da
Igreja de Nossa Senhora do Desterro. Em torno da Igreja aglomeraram-se os
moradores do povoado do Quilombo e do antigo arraial de Caldas Novas, elevado à
condição de freguesia em 1853, sendo o primeiro vigário o cônego José Olinto da
Silva. Pertenceu ao julgado de Santa Cruz até 1880, quando anexada ao município
de Vila Bela de Morrinhos. Através da Lei Estadual n.
o
393 de 05 de julho de 1911,
Caldas Novas foi elevada à condição de vila, tornando-se cidade em 21 de junho de
1923.
40
Buriti Alegre localiza-se no sul de Goiás, divisa natural de Goiás com
Minas Gerais e entre as cidades de Morrinhos, Goiatuba, Marzagão, Itumbiara e
Tupaciguara (Minas Gerais). A fundação do povoado que viria a ser Buriti Alegre
teve início por volta de 1910, quando à época foi construída uma capela rústica em
consagração à Nossa Senhora d’Abadia na Fazenda Buriti. Anualmente faziam-se
40
Ibid. 100-101
festas de louvor à santa, devido à fertilidade das terras. Em torno das terras do
patrimônio – cerca de 70 alqueires – que foram doadas por D. Ana Rita do Espírito
Santo foram sendo construídas inúmeras palhoças que acabaram dando origem ao
povoado, que foi elevado à categoria de distrito pela Lei municipal n.
o
72 em 30 de
junho de 1914. Pela Lei Estadual n.
o
654 de 24 de junho de 1920, foi elevado à
categoria de Vila e, em cidade em 30 de maio de 1927.
41
Os arraiais que se tornaram vilas e posteriormente cidades em Goiás,
durante o século XIX e primeiras décadas do século XX, originaram-se em sua
grande maioria de patrimônios religiosos, em que um ou mais proprietários de terras,
doavam terras ao santo de sua devoção, por meio de documento público onde o
beneficiário era a autoridade eclesiástica.
O doador fixava desta forma, as bases estruturais do futuro aglomerado
procurando atrair moradores para o local. Os que estabelecem no chão doado
ao santo padroeiro pagavam foros à diocese e, os que fixavam nas
redondezas tornavam-se arrendatários ou proprietários de lotes de terras
ocupados.
42
Essa prática de doar uma pequena parcela de terra à uma paróquia ou a uma
comarca das vizinhanças, era também uma das formas dos grandes proprietários legitimarem
suas posses e valorizarem suas propriedades, “de modo a envolver as autoridades locais e a
garantir seu apoio, em caso de litígio.”
43
41
Ibid. p.86-87
42
AZEVEDO, Aroldo de. Habitat. In. AZEVEDO, Aroldo de. (org.) Brasil: a terra e o homem. Vol.II – A
vida humana. Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1970. p.245.
43
SILVA, 2004 p.42
MAPA 1.4 – A ESTRADA DO SUL OU DE SÃO PAULO, CONFORME
INTINERÁRIO DE J.A. LEITE DE MORAIS – 1881.
Fonte: In. LEITE MORAES, J.A. Apontamentos de viagem.
São Paulo: Cia. das Letras, 1995.p.33
No período em que Leite de Moraes governou Goiás (1881-1882) já se percebia
um fluxo migratório intenso para as regiões sul e sudoeste de Goiás na primeira metade do
século XIX, intensificaram o fluxo de viajantes, migrantes e o transporte de mercadorias pela
estrada do sul que se tornou a principal via de acesso a Goiás até a chegada dos trilhos da
estrada de ferro em Catalão – sudoeste do Estado – em 1909. A duração destas viagens no
último quartel do século XIX pode ser avaliada pelo trajeto percorrido por J. A. Leite de
Moraes quando foi nomeado presidente da província de Goiás. Com a missão de executar a
reforma eleitoral, efetuada pela lei n° 3029, de 9 de janeiro de 1880, partiu em 27 de
dezembro daquele ano, de São Paulo, percorreu o itinerário do traçado da estrada do sul,
fazendo o trajeto pelos trilhos da estrada de ferro Alta Mogiana até Casa Branca, percorrendo
o restante do caminho em mula, passando por Cajuru, Mato Grosso, Franca, Santa Rita do
Paraíso (Província de São Paulo), Uberaba, Monte Alegre (Província de Minas), Vila Bela de
Morrinhos, Alemão, Anicuns (Província de Goiás). Chegou à capital em 31 de janeiro de
1881.
44
Já na década de 1850, diante do apelo da população local e dos
comerciantes de Uberaba, foram implementadas obras – como construção de
pontes, uma balsa no Porto de Santa Rita do Paranaíba, construção e melhorias no
traçado da estrada – na estrada do sul o que possibilitou, trafegar como maior
segurança e comodidade por um caminho que representava a economia de 60
léguas na viagem a São Paulo e Rio de Janeiro. O crescimento do fluxo migratório
para a região sul de Goiás contribuiu para o aumento demográfico da região fosse
mais significativo do que nas demais regiões da Província/Estado entre os anos de
1870 e 1910, o que pode ter provocado em um relativo crescimento da economia na
região no período.
45
Enquanto que na então região norte de Goiás os presidentes da Província
procuraram viabilizar e incentivar a exploração das vias fluviais do Rio Araguaia e Tocantins,
44
Mato Grosso é hoje Altinópolis; Santa Rita do Paraíso, Igarapava; Monte Alegre, Monte Alegre de
Minas; Vila Bela de Morrinhos, Morrinhos; Alemão, Palmeiras de Goiás. As outras cidades
conservaram os seus nomes.
45
A estrada do sul passou a ser a principal via de acesso de Goiás ao Triângulo, Uberabinha
(Uberlândia), Uberaba e com o Província de São Paulo e Rio de Janeiro. Uberaba, no Triângulo
Mineiro, se tornou no último quartel do século XIX a principal ponte intermediária não só das relações
comerciais, mas, também, de passagem de novos fluxos migratórios que estavam à procura de
abundantes campos, ainda devolutos, propícios para criação de gado no sul e sudoeste goiano.
sobretudo, a partir do governo de Couto Magalhães
46
(1863) para intensificar as relações
comerciais desta região, com Belém do Pará com a introdução na década de 1870 da
navegação a vapor, na região sul, os presidentes passaram a dar uma atenção maior à melhoria
e manutenção das estradas terrestres que se dirigiam a Minas Gerais, São Paulo e Rio de
Janeiro, com destaque para a estrada do sul ou de São Paulo, cuja proposta de melhoramentos,
no deslocamento e prolongamento da estrada teve início em meados da década de 1850.
Entretanto, a conclusão destes trabalhos deu-se somente em 1870.
Segundo Borges Sampaio a estrada do sul ou de São Paulo, foi um
empreendimento idealizado pelo Padre Hermógenes nos primeiros anos do século XIX,
quando então solicitou do governo da Capitania de Goiás e concessão de favores para abrir
estrada mais curta e segura entre Uberaba e aquela capital. Tal estrada, porém, somente foi
aberta pelo major Eustáquio, auxiliado por Pedro Gonçalves, mediante o auxílio de mil
cruzados pagos pelo governo metropolitano. Essa estrada abriu em direção a Morrinhos; mas
os viajantes preferiram continuar a tomar a direita, ainda que mais longe, onde achavam
povoados para socorrê-los, quando à esquerda da estrada era deserta. Em 1889, esta passou a
ser preferida é preferida esta, por nela haverem facilidades de auxílio e por ser mais curta e
transitável; foi também por ela que a expedição do coronel Cunha Matos foi colocando os
postes que levaram os fios telegráficos a Goiás.
47
Em decorrência das melhorias nas vias de comunicação terrestre, em 1872, a
câmara da cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, em 19 de agosto de 1871, enviou um
ofício de uma representação do corpo do comércio daquela cidade ao então presidente da
46
“Em 1863, foi iniciada efetivamente, por Couto de Magalhães, a navegação a vapor do rio Araguaia. Esta linha
foi oficialmente inaugurada no ano de 1868. Daí até 1870, o progresso foi acentuado, e com excelentes
conseqüências para a melhoria econômica da província. Nesse último ano, foi transportado via Araguaia um total
de quase duzentas e sessenta toneladas de produtos manufaturados de consumo e outros, a um custo de 500 réis a
menos em quilo conduzido que o preço do transporte por caminhos terrestres. Pela via fluvial conseguia a
compra de produtos por preços mais baixos que os adquiridos na Capital Vila Boa e com uma economia nos
custos de transportes em aproximadamente 50%.” Op. Cit. MARTINS, Zildete Inácio de Oliveira. A
participação de Goiás na Guerra do Paraguai – 1864/1870. Coleção Teses Universitárias, Ed.UFG: Goiânia,
1983. p.52-53
47
SAMPAIO, 1971, p.184
Província Antero Cícero de Assis, no qual pedia autorização para a abertura de uma estrada
desde a freguesia de Abadia naquela província até à Vila Bela de Morrinhos, e de um porto no
rio Paranaíba que desembocaria na estrada da Abadia, sem prejuízos aos cofres da província e
sem nenhum ônus à mesma.
48
Entretanto, a conclusão destes trabalhos deu-se somente em 1870. Pelo
novo traçado, a estrada saía da Capital Goiás, passando pelos distritos do Alemão
(atual Palmeiras) e Anicuns, Vila Bela de Morrinhos, Porto de Santa Rita do
Paranaíba até à estrada que seguia para a cidade de Uberaba no Triângulo Mineiro
e, de lá para o Estado de São Paulo, cruzando as cidades paulistas de Igarapava,
Franca, Altinópolis, Cajuru até a estação ferroviária de Casa Branca.
A estrada do sul tornou-se a principal via de acesso e comunicação com a
região sudeste, representando uma redução de cerca de 60 léguas de percurso e,
conseqüentemente o tempo das viagens. Desta forma, as relações comerciais de
Goiás com a região o sudeste ficaram mais estreitas e as cidades de São Pedro de
Uberabinha (atual Uberlândia), Uberaba e Araguari tornaram-se os principais
mercados para onde se escoavam a parca produção agromanufatureira e os
rebanhos bovinos da então região sul de Goiás.
48
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de 1872
pelo presidente da Província Antero Cícero Assis. In. Relatórios dos Governos da Província de Goiás
de 1870-1875 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de
Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 1999.
(Memórias Goianas XI).p.120
TABELA 1.1 - CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO REGIONAL DE GOIÁS – 1872-
1900
UNIDADE 1872 1890 INCREMENTO
%
1900 INCREMENTO
%
Goiás 160.395 227.572 41,8 255.284 12,4
Sul de Goiás 87.588 129.708 48,0 146.570* 13,0
Centro-Norte 72.807 97.864 34,4 108.714** 11,0
Fonte: dados dos recenseamentos gerais do Brasil de 1872, 1890 e 1900.(FRANÇA, 1975. Op. Cit.
p.89.)
* Estimativa ** Estimativa
De acordo com os estudos realizados por Maria de Sousa França, 54% da
população da Província de Goiás na década de 1870, já se concentrava na região sul de Goiás;
em 1890, esta cifra elevou-se 56,2%.
No segundo período de 1890, estimava-se que a
população havia crescido aproximadamente 13%. Entre os anos de 1870 e 1900 ocorreu
significativo aumento populacional na região sul, marcado pela intensificação da migração,
procedente de São Paulo, sobretudo, de Minas Gerais. O crescimento da população foi
expressivo nos municípios de Morrinhos (207,3%), Pouso Alto (atual Piracanjuba) (201,6%),
Curralinho (atual Itaberaí) (85,1%), Rio Verde com (72,4%), Entre Rios (atual Ipameri)
(66,2%), Jataí (62,5%) e Jaraguá (53,3%)
49
conforme apresenta-se na Tabela 1.2 .
TABELA 1.2 - O CRESCIMENTO E A DENSIDADE DA POPULAÇÃO DO SUL DE
GOIÁS – 1870/1890
MUNICÍPIOS POP./1872
DENS.
POP./1890
DENS.
49
FRANÇA, Maria de Sousa. Povoamento no Sul de Goiás: estudo da dinâmica da ocupação
espacial. Dissertação de Mestrado apresentado no Instituto de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Goiás em convênio com a Universidade de São Paulo: Goiânia, UFG, 1975. p.89
DEMOGRÁFICA DEMOGRÁFICA
Bomfim 10.086 1,15 12.053 1,38
Catalão 10.502 1,37 11.243 1,47
Entre-Rios 4.808 0,65 7.984 1,37
Goiás (Capital) 19.159 0,36 17.181 0,44
Jaraguá 4.638 0,57 7.129 0,86
Piracanjuba
1
1.510 0,30 4.552 0,91
Pirenópolis
2
14.203 1,09 11.499 1,37
Santa Cruz 6.152 0,91 7.231 1,69
Morrinhos
3
4.505 0,26 13.866 0,71
Santa Luzia 6.503 0,40 7.605 0,46
Rio Bonito 1.397 0,07 1.572 0,08
Rio Verde 4.125 0,06 5.321 0,26
Jataí - - 2.946 0,07
Curralinho
4
- - 10.530 0,74
Corumbá - - 8.996 1,98
Fontes: Dados dos recenseamentos gerais do Brasil de 1872, 1890 e 1900.(FRANÇA, 1975. Op. Cit. p.90)
Dados da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Fundação IBGE, 1958, utilizados para a
reconstituição das áreas municipais.
1. Denominação nova do município de Pouso Alto.
2. Denominação que substitui a de Meia Ponte, antigo nome do município.
3. Simplificação do antigo nome Vila Bela de Morrinhos.
4. Curralinho corresponde hoje a Itaberaí.
Conforme os dados da Tabela 1.2, observa-se que dentre os municípios,
que alcançaram maiores índices de crescimento demográfico no período foram
Morrinhos e Piracanjuba situados no extremo sul de Goiás. As terras do município
de Morrinhos compreendiam grande parte do vale do rio Paranaíba estendendo até
às margens do Rio Paranaíba, na fronteira com o Triângulo Mineiro, superfície que
sofreu um acréscimo de 2.400km
2
com a incorporação do território da Freguesia de
Caldas Novas, em 1880. A freguesia pertencia ao município de Santa Cruz, e
segundo o censo de 1890 contava 2.114 habitantes.
50
Em 23 de abril de 1889 era inaugurada a estrada de ferro Mogiana em
Uberaba, que representou uma grande economia no tempo das viagens. Uma
viagem de Uberaba ao Rio de Janeiro, poderia ser feita em três dias e à capital da
província de Minas Gerais em apenas quatro dias. Com o telégrafo, tornou-se saber
as notícias em questão de horas. O fluxo migratório acentuou-se no último quartel do
50
Diretoria do Serviço de Estatística. Divisão Administrativa em 1911 da Republica dos Estados
Unidos do Brazil: Rio de Janeiro, 1913. p.65. Apud. FRANÇA, 1975 p.89.
século XIX, quando as economias mineira e paulista passaram por grandes
transformações em decorrência da interiorização da estrada de ferro, que trazia
consigo a expansão da lavoura do café a regiões mais distantes do litoral, bem
como, o crescimento de atividades econômicas voltadas para o abastecimento
interno, sobretudo produtos da lavoura e da pecuária. Estendeu-se, então, a
fronteira de ocupação e povoamento para as terras que ainda se encontravam
devolutas no sul, sudoeste e sudeste e Mato Grosso goiano.
A melhoria das vias de comunicação para o interior a partir da década de
1870 estava relacionada diretamente com a expansão da economia cafeeira que,
naquele período, já correspondia a mais de 60% das exportações brasileiras.
Estimulado pelo aumento do mercado consumidor internacional e a conseqüente
elevação dos preços, o governo brasileiro procurou implementar as vias de
comunicação e transportes com a expansão das linhas de telégrafo e de estradas de
ferro. A construção das estradas de ferro Paulista, Sorocabana, Ituana, Mogiana e
Rio Clarense transformaram em recursos efetivamente utilizáveis uma quantidade
enorme de terras férteis apropriadas para a plantação de café e acentuou também a
corrente imigratória para o interior do Brasil.
51
Desta forma, a criação de uma
infraestrutura que viesse atender ao setor cafeeiro também contribuiu para facilitar o
desenvolvimento comercial e econômico de outras regiões da Província de Minas
Gerais como o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás.
Na década de 1890 migrantes continuavam a afluir para além das
fronteiras de Uberaba, formando sítios, fazendas, arraiais, freguesias, vilas e
cidades. Os habitantes de Uberaba multiplicaram suas relações comerciais e sua
51
Ver DELFIM NETO, Antônio. O problema do café no Brasil. Ministério da Agricultura/ Fundação
Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 1979.
produção agrícola e, sobretudo, a criação de gado.
52
Desde então, os contatos
comerciais tornaram-se mais intensos entre o sul de Goiás com Minas e São Paulo,
através de Uberaba no Triângulo Mineiro, que era o centro urbano que exercia maior
sobre a região, sendo a ponte intermediária não apenas de relações comerciais, mas
também, local de passagem obrigatória de entrantes que buscavam os campos
propícios para criação no sul e sudoeste goiano.
Devido a sua posição privilegiada Morrinhos
53
se tornou um
importante centro comercial regional, ligando todo o sul de Goiás,
com o Triângulo Mineiro e à capital do Império. Pela estrada do sul
passavam as boiadas procedentes do centro-oeste em direção aos
mercados consumidores do sudeste e, por ali chegavam os principais
produtos importados por Goiás do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais.
54
1.3. MODOS DE VIDA
O adensamento da ocupação de região sul de Goiás caracterizou-se pela
chegada de famílias compostas em sua grande maioria de lavradores que
52
Discurso proferido por Borges Sampaio no jantar oferecido pelo comércio à Diretoria da Companhia
Mojiana, quando em Uberaba se inaugurou a estrada de ferro em 23 de abril de 1889. In. Revista de
Uberaba, n.º08. Uberaba, Tipografia da Livraria do Século XX, outubro de 1904, p.186-189. In.
SAMPAIO, Borges. Uberaba: história, fatos e homens.Academia de Letras do Triângulo Mineiro:
Uberaba, 1971. p.185
53
Morrinhos beneficiava-se das duas estradas que ligavam Goiás à região Sudeste: a estrada do Sul,
de Anicuns seguia pela Vila do Alemão e daí à Vila Bela. Uma interligação entre a estrada do sul e a
estrada do Sudeste partia de Bonfim e chegava também a esta vila. ALENCAR LUZ, Maria Amélia
Garcia de. Estrutura Fundiária em Goiás: consolidação e mudanças – 1850-1910. – Goiânia: Editora
UCG, 1993. p. 57
54
ALENCAR LUZ, 1975.
impossibilitados do acesso a terra em suas regiões de origem e, por praticarem uma
agricultura extensiva à base da derrubada, do fogo e enxada. Estavam em constante
movimento à procura de novas terras para o sustento. Com a ausência de uma
legislação agrária a partir de 1822 até a publicação da Lei de Terras de 1850
o trabalhador rural e o pequeno proprietário tiveram oportunidade de
fixar-se num pedaço de solo. Formaram-se fazendas enormes,
abarcando grandes quantidades de terras, desrespeitando o princípio
básico da ocupação que era o do aproveitamento do solo.
55
Infelizmente a historiografia brasileira e goiana pouco se referiu aos fluxos
migratórios internos para que se possa compreender a dinâmica da ocupação e do
processo colonizador de Goiás que sempre teve a sua história relacionada com o
desenvolvimento de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Praticamente ainda
não existem estudos detalhados para o período, acerca dos motivos e da quantidade
de pessoas que se deslocaram de São Paulo e Minas Gerais em direção ao centro-
oeste do Brasil.
56
Sabe-se, entretanto, por meio da documentação examinada, que
houve um movimento populacional expressivo para o sul de Goiás, ao longo do
século XIX. Trata-se de um contexto histórico de ocupação e povoamento marcado
pela expansão agropecuária a partir dos fins do século XVIII e primeiras décadas do
XIX, em que houve uma dinamização econômica do atual sudeste e impulsionou a
marcha da colonização e povoamento em direção a oeste.
Foi neste contexto que muitas famílias, oriundas em grande parte de
Minas Gerais, começaram a se dirigir em direção ao interior do Brasil, tomando
posse de milhares quilômetros quadrados de terras, edificando sítios, fazendas de
criar e semeando povoados. Com este objetivo que as famílias: Correa Bueno,
55
ALENCAR LUZ, 1975, p.30.
56
Um estudo precioso, mas que analisa o período que se inicia em 1872 é o de Douglas H Graham e
Sério Buarque de Hollanda Filho, Migrações internas no Brasil, 1870-1970. São
Paulo:IPE/USP/CNPq, 1984.
Martins da Veiga, Martins Assumpção, Rosa do Carmo, Gonzaga Menezes, Coelho
de Siqueira, Sousa Rosa, Luis Guimarães, Rodrigues Paiva, Antônio de Barros,
Mendes Moreira, Barbosa de Amorim, Araújo Moreira, Pereira Vargas, Mattos,
Parreira e mais outras dezenas de famílias anônimas de pardos e negros livres se
estabeleceram na atual região que corresponde ao sul de Goiás e foram
responsáveis pela fundação das cidades de Piracanjuba, Itumbiara, Morrinhos,
Caldas Novas e Buriti Alegre. Pode-se supor que havia um fluxo permanente de
pessoas que percorriam o então sul de Goiás, que até 1816, compreendia também o
atual Triângulo Mineiro (antigo sertão da Farinha Podre). O fluxo migratório parece
ter sido muito contínuo e freqüente entre as regiões durante todo o século XIX e
primeiras décadas do século XX.
Segundo os estudos de Maria Amélia de Alencar Luz, a forma de
ocupação do território que compreende atualmente às regiões sul, sudeste e
sudoeste de Goiás, na primeira metade do século XIX, foi a posse. Os pioneiros da
ocupação apossavam-se de grandes extensões de terras e, em poucos anos as
vendiam. A venda a terra também era uma das formas mais viáveis para a sua
regulamentação perante as autoridades do Estado. Na região sul, Morrinhos tornou-
se importante ponto de ligação entre Goiás e Minas Gerais, diferentemente do
sudoeste goiano, os recém chegados não vivenciaram o isolamento, e acabavam
integrando-se a uma sociedade já constituída, ampliando-a geográfica, social e
economicamente. Isto se explica
pela rápida formação de laços familiares entre a população local e o
conseqüente desmembramento das fazendas, via herança. As sete
propriedades mais antigas – fazendas Mimosa, Três Barras, Ribeirão
das Cobras, Araras, Vera Cruz, Santo Antônio e Samambaia –
acabaram originando 118 das 243 propriedades registradas na
Paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Vila Bela dos Morrinhos. A
fazenda Mimosa sozinha originou 42 propriedades.
57
57
ALENCAR LUZ, 1982. p.85
Desta forma, a partir dos inventários post-mortem foi possível identificar
algumas famílias pioneiras, que ocuparam a região sul de Goiás na primeira metade
do século XIX distribuídas em suas respectivas propriedades e domicílios conforme
se apresenta na Tabela 1.3.
TABELA 1.3 – FAMÍLIAS E SEUS RESPECTIVOS DOMICÍLIOS NAS FAZENDAS
DO SUL DE GOIÁS, 1840-1870.
FAMÍLIAS FAZENDAS/DOMICÍLIO
Sousa Rosa Araras e Almas
Oliveira Bananeiras
Correa Bueno Barreiro e Chapadão
Mattos, Araújo, Lourenço e Lima Bela Cruz ou Vera Cruz
Mendes Moura Boa Vista/ Sta. Ritta do Pontal
Sousa e Lima Boa Vista/ Sta. Ritta do Paranaíba
Martins Pereira Bom Jardim
Duarte e Sousa Buriti
Guimarães Chapadão
Dias, Silva e Castilho Córrego Fundo
Rodrigues da Silva e Ferreira Meirelles Pombas
Coelho de Siqueira Caldas Novas
Castilho Formiga
Vieira de Sousa e Ignácio Borges Grotão e Mimoso
Araújo e Duarte e Sousa Mimoso
Vieira, Araújo e Sousa Monjolinho
Carvalho e dos Santos Morro Alto
José de Araújo e Amador Araújo Olho d’Água, Cerradão e Água Quente
Rodrigues da Silva Papua e Macaúba/ Caldas Novas
Martins Parreira e Araújo Paraíso e Lajeado
Barbosa de Amorim Pipoca
Ribeiro da Silva, Martins Assumpção e
Sousa
Retiro e Vargem
José do Carmo, Sousa e Vieira Retiro, Mimoso, São Domingos e Lajeado
Pereira de Mattos e Rosa Sta. Bárbara e Campinas
Barros, Pereira Vargas, Valladão e
Correa Bueno
Serra ou Trás dos Montes
Luis de Sousa Sta. Rosa
Sousa Vieira e Vicente do Carmo Tijuqueiro
Borges Pacheco Três Barras/Sta. Ritta do Pontal
Souza Vieira Vinagre
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida
de Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Divididas as terras entre os familiares e agregados – que poderiam ser
parentes ou não – o preparo da terra para o cultivo e pastagem requeria um esforço
conjunto de todos os componentes do núcleo familiar extenso, pois na época todo o
trabalho era feito com o uso dos braços, tendo como instrumentos básicos de
trabalho a enxada, o machado e a foice, sendo muito lento e com baixa rentabilidade
produtiva. Gradativamente as famílias iam construindo benfeitorias: áreas cercadas
de lascas de aroeira ou madeira branca, valos e batumes e córregos ou rios,
construção da sede com currais e quintais com mangueiro, rego d’água, monjolo,
paiol, engenhoca e moinho; o quintal, por sua vez, era formado com uma grande
variedade de arvoredos frutíferos.
As casas dos proprietários eram erguidas sob uma estrutura de madeira,
assoalhadas, geralmente de pau-a-pique ou adobe, barreadas, caiadas e cobertas
por telhas. Possuíam sempre uma planta retangular, com telhado de duas águas e
uma repartição interna simples. Geralmente, eram sem forro sobre um porão e às
vezes de terra batida. O mobiliário era sempre rudimentar. Não tinham nenhuma
função agrícola. As habitações dos escravos, lavradores agregados e pequenos
proprietários eram predominantemente de pau-a-pique e barro, coberta de palhas de
palmeira, de capim, raramente de telhas. O mobiliário também era muito escasso,
restringindo-se a bancos e mesas toscas e alguns utensílios básicos de cozinha,
algumas peças de roupas e de cama. Dormia-se sobre girais fixos de madeira roliça
presos ao chão, forrados com colchão de palha ou capim. As casas de uma maneira
geral eram construídas em locais que não exigiam movimento de terras e na
proximidade de cursos d’água, erguidas sobre uma estrutura de madeira com ripas e
troncos tirados do mato, cobertos de telhas ou com folhas de buriti ou bacuris. O
barreamento era feito geralmente com barro misturado com estrume de gado. Para
iluminação utilizava-se do candeeiro de barro ou de metal umedecidos em algodão
torcido com banha de porco ou azeite de mamona.
FOTO 1.1 – MORADIA TÍPICA DOS LAVRADORES AGREGADOS EM GOIÁS
Rancho típico de morada dos lavradores agregados de Goiás – Foto tirada por volta da década
de 1900.
Fonte: Museu Antônio Correa Bueno, Morrinhos-GO. – arquivo digital do autor.
Saint-Hilaire, que percorreu Goiás em 1819, descreveu algumas
moradias. No percurso do Registro dos Arrependidos a Santa Luzia parou em um
lugar denominado Sítio Novo, em local que abrigava duas ou três famílias e
compunha-se de algumas casinhas feitas de barro cinzento, umas cobertas de palha
e outras de folhas de bacuri. Nenhuma delas tinha janela e portas. Considerou-as
muito frágeis, pois eram feitas com folhas de buriti dispostas verticalmente, ligadas
umas as outras com cipó. No Mato Grosso Goiano no lugar denominado Pouso Alto
deparou-se com meia dúzia de casebres de pau a pique.
58
A Foto 1.1 datada do
início do século XX indicam que as habitações dos lavradores que residiam nas
fazendas não se modificaram muito em relação à época da viagem de Saint-Hilaire.
Os casebres de pau-a-pique forrados com folha de buriti ou de telha ainda
continuaram sendo a moradia típica dos lavradores agregados e pequenos
proprietários que habitavam o mundo rural no sul de Goiás até à década de 1970.
58
SAINT-HILAIRE, 1975.
Em uma estrutura sócio-econômica cujos instrumentos de trabalho
utilizados eram basicamente a enxada, machado e foice em que o cultivo tradicional
da terra, baseava-se na derrubada da mata, queima e plantio, mesmo sendo a
produção voltada para o abastecimento familiar e local, demandava mão-de-obra.
Levando em consideração que 56% dos inventários, entre os anos de 1843 a 1888
declaravam não possuir escravos e quem os possuía tinha cerca de dois escravos
em média, a mão-de-obra familiar tornava-se imprescindível na lavoura e criação de
gado. Em uma época em que a maioria das terras era composta de matas,
capoeiras e cerrados necessitavam-se do trabalho dos filhos, sobretudo os homens,
que eram muito importantes na lida do gado, transporte e comércio de mercadorias
da agricultura.
Esta gente, que habitava a região, procedia em grande parte de Minas
Gerais, conforme se constata nos registros de casamentos realizados na Capela de
Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos entre os anos de 1836 a 1854. Para fins
de análise, os registros foram agrupados em duas partes: a primeira abarca o
conjunto que vai de 1836 a 1849, no qual se obteve, além das informações dos
nomes dos noivos e pais, a cor e a idade dos noivos e noivas, conforme se
preocupou em anotar o capelão Misael da Costa Vale; porém, não informou a
naturalidades dos cônjuges. Na segunda, que envolve o período de 1849 a 1854, os
registros passaram a ser feitos pelo Padre Francisco Antônio de Azevedo, que omitiu
as informações quanto à cor e idade, mas registrou a procedência ou naturalidade
dos noivos e noivas. A partir destes dados tornou-se possível ter uma idéia da
condição social, da procedência das correntes migratórias e a composição étnica
dos primeiros povoadores do atual sul de Goiás, conforme se observa no Gráfico
1.3.
GRÁFICO 1.3 - PROCEDÊNCIA DOS NOIVOS E NOIVAS
RESIDENTES NO SUL DE GOIÁS, 1849-1854.*
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
Geral
Noivo
Noiva
%
Minas Gerais Goiás São Paulo Sem Informação
Fonte: Registros de casamentos realizados na Capela de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos, Livro I -
1849-1854.
* Total de 102 registros de casamentos.
Tabulados os dados conclui-se que os mineiros foram responsáveis pela
ocupação da região sul de Goiás, possivelmente devido à dificuldade de acesso a
terra, em Minas Gerais, elemento substancial à sobrevivência das famílias. Centenas
de mineiros, a partir dos fins do século XVIII, começaram a deslocar de suas regiões
em direção às então disponíveis terras do Triângulo Mineiro e Goiás. Os registros de
batismo, embora sejam relativamente tardios, mostram que mais de 56% dos noivos
e noivas que se casaram na Capela de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos,
que abarcava grande parte da atual região sul de Goiás era oriundos de Minas
Gerais, 35% de Goiás e apenas 3% de São Paulo. Especificamente, 73% dos noivos
eram mineiros, enquanto que 54% das noivas já nasceram e haviam sido batizadas
em Goiás, sobretudo, no Arraial de Morrinhos. Tal mostra evidencia um grande
movimento migratório de famílias, com crianças, e ao mesmo tempo uma possível
predominância também de uma migração de homens jovens sozinhos, em vista da
forte presença de noivos nascidos em Minas.
GRÁFICO 1.4 - COR DOS NOIVOS E DAS NOIVAS DO SUL
DE GOIÁS, 1836-1849*
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
Geral
Noivo
Noiva
Condição social
%
Negro Branco Pardo Índio Livre Escravo
Fonte: Registros de casamentos realizados na Capela de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos,
Livro I - 1836-1849.
* Total de 161 registros de casamentos.
A maioria dos noivos e noivas que se casaram entre os anos de 1836 a
1849, na capela de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos era livre (84%) e 16%
escravos. Os pardos livres representavam 51%, os brancos 33 %. Os dados
apresentados no Gráfico 1.4 levam a supor que o conjunto os primeiros povoadores
da região sul de Goiás era intensamente composto de pardos e negros que juntos
representação cerca de 70% da população. Os registros de casamento também nos
revelam que o matrimônio era um verdadeiro aparthaid racial: brancos casavam-se
com brancos, pardos com pardos e negros com negros. Muito raramente ocorriam
matrimônios entre noivos de grupos étnicos diferentes. Em um total de 161 registros
de casamentos, encontraram-se apenas dois casais com diferenciação étnica:
Luciano José de Magalhães, crioulo forro, que se casou com Maria Antônia Hipólita,
parda livre, em 15 de outubro de 1839 e Serafim Soares de Sousa, pardo livre, que
se casou com Joana Simplícia de Jesus, branca, em 28 de janeiro de 1842. Estas
evidências podem levar a outras hipóteses e discussões sobre o processo de
miscigenação, que é uma característica marcante na população do sul de Goiás, na
primeira metade do século XIX: sua ocorrência efetuava-se, provavelmente, fora do
matrimônio.
Pode-se constatar que eram pardos livres, a maioria dos que contraíam
matrimônio na capela de Nossa Senhora do Carmo de Morrinhos, entre os anos de
1836 a 1849. Os recenseamentos de 1872 e 1890 destacam que na então região
Sul de Goiás os pardos representavam 43,2% e 33,1% da população; enquanto que
negros 7,2% e 8,2%; caboclos 2,5% e 9,8%; brancos 38,2 e 48,1%
respectivamente.
59
GRÁFICO 1.5 - IDADE QUE OS NOIVOS CONTRAÍAM
O MATRIMÔNIO - SUL DE GOIÁS, 1836-1849*
0 2,5 5 7,5 10 12,5 15 17,5 20 22,5 25 27,5 30 32,5 35 37,5 40
Geral
Noivo
Noiva
%
13 a 16 anos 17 a 20 anos 21 a 25 anos Acima de 26 anos
Fonte: Registros de casamentos realizados na Capela de Nossa Senhora do Carmo dos Morrinhos,
Livro I - 1836-1849.
* Total de 161 registros de casamentos.
59
Dados dos recenseamentos gerais do Brasil de 1872 e 1890. Op. Cit. FRANÇA, 1975, p.112.
Com a tabulação das informações relacionadas à idade dos noivos e
noivas percebe-se que cerca de 80% dos casamentos na região sul de Goiás entre
os anos de 1836 a 1849 ocorriam entre os 13 e 25 anos. No entanto, conforme o
Gráfico 1.5, nota-se que as mulheres contraíam o matrimônio mais jovens do que os
homens, casando-se muitas, com a idade entre os 13 e 20 anos e os homens com
idade entre 17 e 25 anos. A maioria das mulheres casou-se com a idade de 13 e 20
anos e os homens aparecem como noivos, mais freqüentemente, na faixa entre 17 e
25 anos. Conclui-se que, o matrimônio era contraído no sul de Goiás de forma bem
precoce e, conseqüentemente, este fator também pode ter influído, juntamente com
outros fatores de ordem cultural e econômica para que houvesse altos índices de
natalidade. O Gráfico 1.6 mostra que amiúde as famílias possuíam elevado número
de filhos. A análise dos inventários post-mortem revela tal característica da
sociedade sul goiana, na segunda metade do século XIX, entre as famílias,
independentemente de seu grau de riqueza.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
55%
60%
65%
70%
75%
80%
85%
90%
95%
100%
%
Categoria 1 Categoria 2 Categoria 3 Categoria 4
GRÁFICO 1.6 - NÚMERO DE FILHOS SEGUNDO A
RIQUEZA, 1843-1910
0 filhos De 1 a 2 filhos De 3 a 6 filhos 6 a 9 filhos 10 ou + filhos
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Observado o gráfico 1.6, apreende-se que dos inventariados com riqueza
avaliada em até 1.000$000 conto de réis, 39,7% possuíam um número igual ou
superior a seis filhos; na categoria dos que possuíam riqueza de 1.000$001 a
4.000$000 contos de réis, 47,5%; na categoria entre 4.000$001 e 7.000$000 contos
de réis, 50,6%; entre os que detinham acima de 7.000$000 contos de réis, 56,7%,
sendo que destes, 16,9% eram pais de dez ou mais. Por exemplo, Vicente Duarte e
Sousa inventariado em 14 de setembro de 1852 deixou um monte-mór avaliado em
384$360, para ser dividido entre 15 filhos;
60
José Rosa e Sousa inventariado em 10
de março de 1852 deixou viúva Claudina Luisa de Sousa com 14 filhos e um monte-
mór para ser partilhado de 7.665$820 contos de réis;
61
e Justino de Souza
inventariado em 18 de fevereiro de 1887, deixou viúva Isabel Rita de Jesus com a
60
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 1; Processo:s.n. Data: 14/09/1852.
61
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 1; Processo:s.n. Data: 10/03/1852.
grande prole de vinte filhos e um monte-mór de 2.092$550 contos de réis para ser
partilhado entre os seus herdeiros.
62
De maneira geral, percebe-se que havia
número de filhos bastante elevado em famílias de diferentes condições econômicas
(gráfico 1.7).
GRÁFICO 1.7 - NÚMERO DE FILHOS E FILHAS POR
FAMÍLIA,SEGUNDO CATEGORIAS DE RUQUEZA,
1850/1910
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
1851-1860 1861-1870 1871-1880 1881-1890 1891-1900 1900-1910
Nível de riqueza
N. filhos
Categoria 1 Categoria 2 Cateogria 3 Categoria 4 T. Média Geral
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1850-1910.
A partir dos dados apresentados no Gráfico 1.7, nota-se que entre as
famílias mais abastadas havia uma tendência de maior número de filhos. Em 1846, o
Capitão Florentino de Araújo deixou viúva Delfina Rosa de Jesus com nove filhos e
possuía uma das maiores fortunas da década de 1850, avaliada em 14.180$730;
63
em 1861, Domingos Pereira de Mattos deixou 10 filhos também era detentor da
62
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 13; Processo: 1142 Data:18/02/1887.
63
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 1; Processo:s.n. Data:13/12/1846.
maior fortuna da década de 1860, avaliada em 32.360$250;
64
em 1873, José
Severino de Oliveira deixou viúva Francisca Santíssima Trindade com dez filhos e
um monte-mór avaliado em 93.549$424, a maior fortuna inventariada na década
1870
65
. No balanço todos os resultados dos períodos destacados no Gráfico 2.7 o
número de filhos por casal, em média, de acordo com as categorias de riqueza foi
respectivamente de: categoria 1: 4,4 filhos; categoria 2: 5,1 filhos; categoria 3: 5,3
filhos; e categoria 4: 6 filhos em média por casal.
Infelizmente, os escrivães do período não registravam nos inventários
post-mortem a idade com que os inventariados haviam falecido, o que acaba por
inviabilizar o conhecimento da expectativa média de vida entre as diferentes
categorias de riqueza. Somente a partir do cruzamento das informações
relacionadas à idade da viúva ou viúvo e filhos, seria possível em um primeiro
momento estimar a idade em que faleceram. Para fazer uma estimativa mais
detalhada e confiável seria necessário fazer um acompanhamento de alguns
indivíduos observados na documentação numa perspectiva de média e longa
duração, o que despenderia de muito trabalho e não é o objeto desta pesquisa.
Entretanto, a partir do manuseio das fontes pode-se supor que, quanto maior a
expectativa de vida, maior o número de filhos e maior a quantidade de riqueza
material acumulada. Quanto mais velho o viúvo ou viúva falecia maiores eram a
probabilidade destes deixaram mais filhos, sobretudo, os viúvos que contraíam
novos matrimônios. Portanto, havia uma relação entre expectativa de vida, número
de filhos, força de trabalho familiar e maior coeficiente de riqueza de uma família, no
sul de Goiás, na segunda metade do século XIX.
64
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 3; Processo:s.n. Data:02/09/1861.
65
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1850-1910. Pasta: 11; Processo:1165 Data:11/10/1886.
0
1
2
3
4
5
6
N.de filhos
GRÁFICO 1.8 - NÚMERO MÉDIO DE FILHOS
RELAÇÃO VILA/CAMPO - SUL DE GOIÁS,
1843-1910
Residente na Vila Residente nas fazendas
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme
Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1850-
1910.
Tabulando os dados referentes a inventariados que habitavam a vila e
comparando com aqueles referentes aos que residiam nas fazendas, percebe-se
que o número médio de filhos destes últimos era bem superior e, relação aos
primeiros, conforme consta no Gráfico 1.8. Os habitantes da Vila tinham em média
3,1 filhos enquanto que os que residiam no campo 5,2 filhos por casal. Neste mundo
agrário era incompreensível, “a possibilidade de um homem viver e progredir sem ter
mulher e filhos. Pois, estes ajudam os pais no trabalho da casa e da lavoura de
cereais.
66
” Os principais símbolos de poder e o status social no sul de Goiás se
concentravam, ao que tudo indica, na posse da terra e cor da pele que conjugado
com uma prole extensa acabam sendo determinantes para o prestígio de uma
família.
66
BRANDÃO, Carlos R.; RAMALHO, José R. O campesinato Goiano: três estudos.UFG:Goiânia,1986.
p.45.
Na amostragem de inventários post-mortem de 1866 a 1910, 40% eram
inventariantes viúvos e 60% eram viúvas, conforme se observa no Gráfico 1.9. Essa
informação somente foi anotada nos inventários de 1866 a 1910.
67
GRÁFICO 1.9 - VIÚVOS E VIUVAS DO SUL DE
GOIÁS, 1866-1910
40%
60%
Viúva Viúvo
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida
de Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1866-1910.
Computadas essa informação percebe-se que os inventariantes em sua
maioria viúvos e viúvas declaravam-se analfabetos. Como nas demais regiões do
Brasil, os habitantes da região sul de Goiás tinham essa condição ou mal sabiam
desenhar o nome nos inventários. O analfabetismo ainda era maior entre as viúvas,
informação que não é novidade em um contexto histórico de uma sociedade
predominantemente rural em que uma escola de primeiras letras mais próxima
encontra-se a dezenas de quilômetros.
Os dados revelam que o acesso à educação de primeiras letras era
privilégio de poucos, mesmo entre os mais abastados o analfabetismo era muito
grande e mais acentuado entre as mulheres, negros, pardos e pobres. Durante o
período colonial eram pouquíssimas as mulheres que tinham o acesso à educação
67
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1866-1910.
formal, somente a partir de 1830, é que começaram a surgir as primeiras cadeiras de
ensino elementar para meninas em Goiás.
Segundo os resultados censitários de 1872, 79,7% dos habitantes da
então região sul de Goiás era constituída de analfabetos, índice que se elevou em
1890, a 88,5%. Segundo Maria de Sousa França, no primeiro recenseamento havia
uma proporção de sete pessoas analfabetas para uma que sabia ler e escrever,
saltando para oito analfabetos para um alfabetizado na década de 1890. Os maiores
índices de analfabetismo encontravam-se entre as mulheres e negros:
da população em idade escolar da região somava de acordo com o
recenseamento geral de 1872 em 20745 pessoas. Desses, apenas
10,1% freqüentavam as escolas de primeiras letras, enquanto que
89,9% não freqüentavam. Dos 2196 estudantes que iam à escola,
apenas 6,8% era do sexo feminino.
68
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-
O. - inventários post-mortem de 1866-1910.
GRÁFICO 1.10 - ÍNDICE DE ANALFABETISMO E
ALFABETIZAÇÃO DOS VIÚVOS E VIÚVAS DO SUL DE
GOIÁS, 1866-1910
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90
Viúvo
Viúva
Geral
%
Analfabetos Alfabetizados*
G
*Foram considerados alfabetizados indivíduos que apenas sabiam desenhar o nome.
68
FRANÇA, 1975. p.114-115.
Pode-se constatar a rudeza do meio também por esse aspecto da parca
alfabetização: 60% dos pais de família do sul de Goiás eram analfabetos, ou seja,
não sabiam nem assinar o nome, conforme os inventários post-mortem e cerca de
40% se diziam alfabetizados. O índice de analfabetismo como se percebe no Gráfico
1.10, se acentuava mais ainda entre as mulheres: mais de 56% declararam-se
analfabetas, enquanto que 16,7% dos homens tinham essa condição.
Mesmo com a instituição da obrigatoriedade do Estado Imperial de
financiar o ensino elementar no Brasil para ambos os sexos a partir da Constituição
de 1824, os dados da Diretoria Geral de Estatística do Império de 1878, revelam que
o acesso ao ensino público de primeiras letras durante o Império limitou-se a uma
parcela ínfima da população. Havia naquele ano, no Brasil, uma escola elementar de
primeiras letras para 1620 alunos e em Goiás a proporção era uma para 1425
alunos. A cada 100 alunos no Brasil apenas 3,7 dos que estavam em idade escolar
encontravam-se matriculados enquanto que o percentual de alunas matriculadas era
menor ainda 1,2. Em Goiás a proporção era respectivamente de 2,8 crianças ou
jovens do sexo masculino e 0,3 meninas a cada 100 alunos matriculados.
69
No
entanto, as informações e dos dados oficiais limitam-se aos alunos que são
matriculados em escolas elementares mantidas pelo Estado e não levam em
consideração o ensino ministrado por professores particulares à época.
Oscar Leal em 1890 ao percorrer o Sul do Estado de Goiás testemunhou que, o
preconceito dos homens para com suas mulheres cuja educação reservada às mulheres de
maneira geral, ocorria das portas para dentro de casa:
69
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de 1879
pelo presidente da Província Aristides de Souza Spindola. In. Relatórios dos Governos da Província
de Goiás de 1875-1880 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade
Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG:
Goiânia, 1999. (Memórias Goianas XII).p.249
filha de família, devido ao meio em que vive, procura de preferência a
cozinha pela salla, aprecia mais a conversação sensaborona do labrego, do
famulo ou do camarada, do que a do cavalheiro educado e correcto no fallar
e no trajar”.
70
Em uma sociedade agrária em que cerca de 95% da população residia no
campo e lavrava a terra, a escola não era considerada uma instituição importante,
bastava para os homens mais abastados e, sobretudo, brancos um conhecimento
elementar da leitura, escrita e tabuada. Para as mulheres, a única educação
recebida era a informal, por meio da qual eram preparadas para serem boas
esposas e donas de casa. Mas, possivelmente esta era a condição de apenas uma
parcela das mulheres, pois a grande maioria provavelmente também se envolvia nos
rudes ofícios da lavoura e da criação de pequenos animais para consumo,
acumulados aos trabalhos domésticos da cozinha e cuidados com a prole. A
pobreza do meio e a necessidade de mão-de-obra não as dispensavam dos
trabalhos gerais do meio rural.
70
LEAL, Oscar. Viagem ás terras goianas – Brasil Central. Ed.UFG: Goiânia, 1980. p.78
CAPÍTULO 2
A CONSOLIDAÇÃO DA ECONOMIA SUL GOIANA
2.1. A PECUÁRIA E A AGRICULTURA
Durante o governo de Fernando Freire Delgado Castilho (1809-1820) foi
instituído o imposto de $600 por cada cabeça de gado exportada que acabou
contribuindo significativamente para o aumento da receita em um momento que a
situação econômica era gravíssima, e a dívida passiva da fazenda pública de Goiás
alcançou a cifra, em 1817, de 201.459$089 contos de réis
71
. O imposto, segundo
Americano do Brasil, “provocou o descontentamento entre os criadores de Araxá e
Desemboque, que reivindicaram ao Príncipe D. Pedro I, a anexação destes
territórios à comarca de Paracatu, porque em Minas Gerais não havia imposto sobre
a cabeça de gado.”
72
Esse fato mostra como a economia da província já se apoiava
na criação de gado, condição que continuou ao longo do século XIX, com o
progressivo crescimento da sua exportação para o abastecimento dos mercados da
Bahia e sobretudo para Minas Gerais.
Foi esta a principal atividade econômica viável com que teve de se
contentar a província, que desde os fins do século XVIII, atraiu a atenção dos
capitães generais e, posteriormente, dos presidentes de província, com a finalidade
de socorrer as necessidades do erário público. Em 1804 as exportações de Goiás
alcançaram “a cifra de 177.958$400: o ouro representava 59% (104.748$000) do
montante, a pecuária 24% (43.339$200) e a agricultura 17% (29.871$200).”
73
Em
1809, a agricultura começava a figurar de forma tímida e inexpressiva nos mapas de
exportação; o ouro ainda era o principal produto de exportação sendo exportado,
71
ALECASTRE, J.M.P de. Annaes da Província de Goyaz. In.Revista Trimestral do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro.Tomos XXVII.B.L. Garnier-Livreiro Editor: Rio de Janeiro, 1865. p.107
72
BRASIL, Americano. “Súmula Histórica de Goiás - 1932. p.91. Apud. FRANÇA, Basileu Toledo de.
O Sudoeste: tentativa de interpretação. In. Revista do Instituto Histórico e geográfico de Goiás..O
Popular: Goiânia, Ano 06 N.º07 junho/1978. p.61
73
FUNES, 1986 p.66.
nesse ano, 87.299 oitavas, que representavam um valor de 104.748$000 contos de
réis, seguidas pela exportação de 15.358 cabeças de gado, que resultou na cifra de
33.288$900 contos de réis. As importações consumiam 137.109$414 contos de réis
sendo os principais mercados fornecedores: Rio de Janeiro com 51.679$091 contos
de réis; Bahia com 46.545$369 contos de réis; São Paulo, 26.550$797; e Rio de São
Francisco, 2.008$057 contos de réis.
74
A praça do Rio de Janeiro foi o principal mercado fornecedor dos produtos
necessários ao consumo interno de Goiás, mas nos tempos áureos da mineração, o
comércio da capitania era realizado com a praça de Santos e, depois, concentrou-se
na Bahia de onde vinham os escravos para o serviço das lavras e para as fazendas,
o gado para o consumo e, sobretudo, muitos capitais que financiavam as lavras e a
compra do ouro em pó. Contudo, depois que as comunicações foram se abrindo
para Minas Gerais, o Rio de Janeiro acabou se tornando o mercado preferido dos
habitantes do sul de Goiás.
75
GRÁFICO 2.1 - IMPORTAÇÕES DE GOIÁS, 1804
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
Sul de Goiás
Norte de Goiás
Goiás
%
Rio de Janeiro São Paulo Bahia Pará São Francisco
74
ALENCASTRE, 1865, p. 68-69
75
Ibid.
Fonte:Correspondência de Francisco de Assis Mascarenhas – B.N. Cód.9.4.2 – Doc.
166 In. FUNES, Eurípedes Antônio.Goiás 1800-1850: um período de transição da
mineração à agropecuária.Ed. UFG: Goiânia, 1986 p. 42-43
A província de Goiás importava vinho, bacalhau, sal, tecidos, aviamentos,
louças, vidros, ferro, aço, ferragens, pólvora, chumbo, escravos e bestas, em
princípios do século XIX, basicamente do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo. Porém,
o sul de Goiás, conforme mostra o Gráfico 2.1, importava cerca de 90% das
mercadorias que consumia do Rio de Janeiro e São Paulo, enquanto que, o norte –
atual Estado do Tocantins – importava, da Bahia e do Pará, 93% dos produtos que
consumia. Tal tendência prevaleceu durante todo o século XIX, porém, a partir de
1870 com a introdução da navegação a vapor, intensificaram-se as relações
comerciais da região norte com o Pará, aproveitando-se das facilidades da
navegação fluvial através do rio Tocantins e, conseqüentemente das facilidades e
vantagens do comércio o norte: exportando couros e gado e produtos da
agromanufatura e importando sal, ferragens, tecidos, vinhos e gêneros secos e
molhados de Belém.
O viajante Emmanuel Phol ao visitar a Vila de São José da Palma, por volta de
1820, observou que havia criadores na região que possuíam consideráveis rebanhos. Somente
o ouvidor, de nome Segurado, era proprietário de cerca de 4.000 reses, que lhe permitia
auferir considerável renda, comercializando o gado para a Bahia, onde lhe pagavam 8.000 réis
por cabeça. No mercado local, as reses eram comercializadas por cerca de 2.000 réis, sendo
considerado um bom preço de venda. As vacas de uma maneira geral davam pouco leite:
ordenhadas não rendiam mais do que um quartilho
76
.
Em Santa Luzia, Sant-Hilaire observou que a produção agrícola local era apenas
para a subsistência das famílias, pois mesmo que plantassem em grande quantidade os
76
Quartilho (Seidel), medida austríaca antiga, equivalente a 0,341 litro. N. do T. PHOL, Johann Emmanuel.
Viagem no Interior do Brasil. 2.ª Parte. – Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1951. Op. Cit. p.101-104
colonos não encontravam compradores. Mas havia artigos que os habitantes locais
exportavam: peles de animais selvagens, couros e, sobretudo, marmelos cristalizados que
eram enviados aos mercados do Rio de Janeiro. A criação de gado era a principal e a mais
segura fonte de renda dos fazendeiros, embora não auferissem grandes lucros, porque
precisam dar sal aos animais – produto raro e caro – e devido ao fato das fazendas ficarem
distantes dos mercados consumidores. O gado era conduzido até Bambuí e Formiga
77
, onde os
criadores eram forçados a vendê-lo a preços que lhes ofereciam.
Desta forma, a região sul de Goiás intensificava suas relações comerciais com as
cidades de Paracatu, em Minas Gerais. Importavam-se os gêneros de primeira necessidade,
enfardados nas costas dos animais, e exportavam-se alguns produtos da lavoura e o gado, que
eram importados por negociantes mineiros e baianos que compravam grandes boiadas.
78
Phol
em Viagem ao Interior do Brasil, em 1820, ao percorrer parte da região sul de Goiás,
percebeu que
os terrenos da região de Santa Cruz eram apropriados para a criação de gado,
cujos rebanhos cresciam com a chegada de uma centena de roceiros ou
agricultores procedentes da capitania de Minas Gerais que ali haviam
estabelecido a uns dois anos. Organizaram suas fazendas de criar e
trouxeram seus carros de bois com os quais, de maneira mais cômoda do que
se fazia antes, transportavam os produtos de seu cultivo para a vila de
Paracatu do Príncipe e para Vila Boa. Por intermédio deles foram
conhecidas, pela primeira vez, as moedas de prata e postas em circulação o
que teria facilitado o comércio.
79
Apesar das dificuldades, a pecuária foi uma atividade econômica que teve um
relativo crescimento, sobretudo, no último quarto do século XIX, e caracterizou-se por ser
77
Formiga situava no termo de Tamanduá, Província de Minas Gerais ficava distante poucas léguas
de Bambuí. SAINT-HILAIRE, August de. Viagem à Província de Goiás.Ed.USP: Belo Horizonte/São
Paulo, 1975. Op. Cit. p.27
78
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 29 de abril de 1867 pelo
presidente da Província Augusto Ferreira França. In. Relatórios dos Governos da Província de Goiás
de 1864-1870 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de
Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 1999.
(Memórias Goianas X).p.137
79
PHOL,1951, p. 239
predominantemente extensiva. O gado era criado solto nos campos e cerrados, sem quaisquer
requisitos de ordem técnica. Acabava sendo muito freqüente e comum a expressão popular de
que "não é o homem que cria o gado e sim o boi que cria o homem".
80
Cunha Mattos, ao
percorrer as terras goianas em 1824, deixou relatado que “a criação do gado vaccum leva
todos os cuidados dos seus habitantes: quando digo cuidados não se deve entender que os
homens façam beneficio ao gado, é a natureza que o produz, que o cria e que o protege: os
homens nada mais fazem do que marcal-o matal-o e comel-o”.
81
As distâncias eram um pouco compensadas pela abundante pastagem natural dos
cerrados cuja vegetação possuía grande variedades de plantas forrageiras de variados valores
alimentares, sobretudo, em áreas de campos limpos e de fartas aguadas. Também, a topografia
do planalto central desprovida de elevadas altitudes, facilitou à criação de gado.
82
Vicente Ferreira Gomes em seu relato de viagem, A cidade de Palma, em
Goyaz, à cidade de Belém no Pará pelo rio Tocantins, e breve notícia do Norte da
Província de Goyaz, afirma que a pecuária e agricultura desenvolveram-se
paralelamente à mineração. Enquanto
os mineiros corriam como atônitos e se arranchavam sobre os
barrancos das suas minas; outros chamados roceiros, menos
sôfregos, porém mais atilados seus companheiros, esperando
arrancar-lhes das mãos ouro, se arranchavam também nas suas
vizinhanças; outros, porém em muito menor numero em cujos
corações reinava um amor para outros gêneros de riqueza mais
pacificas e mais conformes à natureza, se apossavam das vastas
Campinas d’estes sertões.
83
O minerador, o criador e roceiro compartilhavam de um mesmo espaço.
Os dois últimos produziam para o abastecimento dos centros mineradores
80
GOMES, Horieste. Geografia sócio-econômica de Goiás. Livraria Central Editora:Goiânia, 1969. p.71
81
CUNHA MATTOS, 1874, p.12.
82
GOMES H., 1969.
83
GOMES, Vicente Ferreira. A cidade de Palma, em Goyaz, à cidade de Belém no Pará, pelo rio
Tocantins, e breve notícia do Norte da Província de Goyaz. In. Revista do Instituto Histórico
Geographico Ethnográphico do Brasil. Tomo XXV. Typ. De D. Luiz dos Santos: Rio de Janeiro,
1862.p.431
abastecendo-os com animais, víveres e gêneros alimentícios de primeira
necessidade, pagos em oitavas de ouro. Nas proximidades dos centros mineradores,
os agricultores e criadores obtinham grandes lucros, devido aos elevados preços
pagos por qualquer mercadoria que oferecessem. Saint-Hilare observou que em
Goiás, “por um alqueire de milho chegava a se pagar até seis oitavas de ouro, um
alqueire de farinha de mandioca dez oitavas, por uma libra de açúcar duas oitavas e
por uma vaca duas libras de ouro.”
84
Em São Paulo, Lima Júnior afirma que “um boi
era comprado por 2$000 réis no início do século XVIII, mas chegava a custar 100
oitavas de ouro em Minas – a 1$500 réis a oitava – um boi poderia custar o
equivalente à astronômica soma de 150$000 mil réis.”
85
Neste contexto de elevados preços nos centros mineradores que acabou
emergindo em Minas Gerais a lavoura e a criação de gado desde os períodos
áureos da mineração, sobretudo, ao longo das margens do rio São Francisco já
desde o início do século XVIII, onde havia fazendas com grandes rebanhos bovinos
de imigrantes baianos e portugueses, que já haviam percebido as grandes
vantagens comerciais da criação de gado nas proximidades dos distritos onde havia
a mineração. Neste mesmo período,
fazendas de gado também eram encontradas na região de Paracatu,
a oeste do rio São Francisco, onde também foram feitas descobertas
de ouro e diamantes. [...] Ao longo dessa rota, especulares e colonos
atravessavam a capitania em direção ao oeste convergiam a
Paracatu, depois seguiam em direção às minas de ouro de Goiás e
Mato Grosso. [...] Inúmeras trilhas ao sul de Minas também levavam
a Pitangui, outro importante centro de mineração de ouro.
86
84
SAINT- HILAIRE, 1975, p.161
85
LIMA JÚNIOR, Augusto de. A capitania das Minas Gerais. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1943.
p.36. Apud. BERGAD, 2004 p. 51.
86
BERGAD, 2004, p. 53-54
No entanto com o esgotamento das minas a partir da década de 1730 e o
conseqüente êxodo da população para regiões a oeste, Paracatu perdeu sua
importância e a criação de gado se tornou uma atividade de subsistência,
complementada por uma agricultura camponesa de pequenas proporções. Em Goiás
durante o século XIX, a situação dos cultivadores e criadores não era diferente, os
baixos preços dos produtos oriundos da lavoura e longos e caros carretos
colocavam em desigualdade a maioria dos roceiros que se encontravam mais
distantes dos principais centros mineradores, o que conseqüentemente contribuía
para que a agricultura em geral em Goiás, durante o século XIX, tivesse uma
produção basicamente voltada para o abastecimento e consumo das pequenas vilas
e para atender as necessidades básicas das famílias. Diante das dificuldades
impostas pela precariedade dos meios de transportes, falta de dinheiro e técnicas
rudimentares de plantio, cultivo e colheita, que associados a um universo sócio-
cultural marcada pela abundância de terras e matas ricas em caça e frutos e, à
sobriedade da maioria dos habitantes do interior do Brasil, onde mesmo os mais
abastados, viviam na simplicidade e sem o luxo dos grandes centros, o nível de
produtividade permaneceu baixo.
Nesta perspectiva, o Governador Francisco de Assis Mascarenhas
escrevia, em 1807, ao Visconde de Anadia que a Capitania de Goiás produzia, “com
abundância e quase sem cultivo, o melhor algodão de toda a América, mas
lamentava que seu cultivo permanecesse desprezado pelos agricultores goianos,
embora, a sua cultura tivesse crescido de forma satisfatória no ano de 1806.”
87
Saint-Hilaire
88
observou que até 1811, cultivava-se algodão no sul da capitania em
quantidade suficiente para atender às necessidades locais, e daquela época em
87
Apud. BRUNO, 1967.
88
SAINT-HILAIRE, 1975.
diante, começou a fazer alguma exportação, para a Bahia e o Rio de Janeiro quando
se reconheceu a boa qualidade do algodão produzido nos distritos de Meia Ponte
(atual Pirenópolis) – onde em uma fazenda mais abastada, pode observar a
existência de 12 descaroçadores, movidos a água que separavam o algodão das se-
mentes – e em Corumbá de Goiás. Cultivavam-se algodoeiros também em Jaraguá
(no sul) e Natividade (no norte). Os viajantes que passaram por Goiás em princípios
do século XIX, perceberam também a presença de algumas lavouras de tabaco nos
distritos goianos de Natividade e Meia Ponte. Em escala ainda menor que o fumo se
cultivava ás vezes o café, segundo as referências de Alincourt,
89
em 1818. As
primeiras sementes teriam chegado ao território goiano por volta de 1774, quando
então se cultivaram os primeiros cafeeiros no sítio do Riacho em Santa Luzia (atual
Luziânia), de onde se irradiou para várias partes da capitania, a ponto de quatro
anos depois se remeter café de Goiás para Belém do Pará, pela via do Tocantins.
90
TABELA 2.1 – EXPORTAÇÕES DE GOIÁS, 1825
EXPORTAÇÃO
Gêneros Quantidade Medida Valor em mil réis %
Pecuária
Gado vacum 4800 Cabeças 19.200$000 65,2%
Couros de boi 400 Unidade 384$000 1,3%
Atanados 5250 6.300$000 21,4%
Toucinho 13 Arroba 23$400 0,07%
Sub-total 25.907$400 88%
Agricultura
Marmelada 300 Arrobas 900$000 3,1%
Açúcar 466 838$800 2,8%
Café 341 “ 818$400 2,8%
Tabaco 29 34$800 0,1%
Sub-total 2.592$000 8,8%
Manufatura
Panos de algodão 2800 Vara 315$000
Sub-total 315$000 1%
Peles 2120 Unidade 636$000
Sub-total 636$000 2,2%
89
D’ALINCOURT, Luiz. Memória sobre a viagem do Porto de Santos às cidade de Cuiabá. Biblioteca de
História Paulista Comemorativa do IV centenário da Fundação de São Paulo – Comissão do IV centenário da
cidade de São Paulo: São Paulo, 1953.
90
BRUNO, 1967, p. 59.
TOTAL 29.450$400
Estatística da Província de Goiás remetida à Secretaria de Negócios do Império por Caetano Maria L.
Gama – 1825. BN cod.11,4,2. In. FUNES, Eurípedes Antônio. Goiás 1800-1850: um período de
transição da mineração à agropecuária.Ed. UFG: Goiânia, 1986, Op. Cit. p.59
Mas, na década de 1820 o gado já tinha uma participação preponderante
nas exportações goianas (Tabela 2.1) com uma participação de 65,2% da
arrecadação que, somados aos demais gêneros da pecuária alcançavam um índice
de participação de 88%, enquanto que os produtos oriundos da lavoura
representavam 8,8% e peles e panos, 3,2%. O gado era comercializado por cerca de
4$000 mil réis a cabeça
91
, o couro de boi por $960 réis, atanados 1$200 réis,
toucinho a 1$800 réis a arroba, marmelada a 3$000 réis a arroba, o açúcar a 1$800
réis a arroba, o café 2$400 réis a arroba, o tabaco a 1$200 réis a arroba e o pano de
algodão a $112 réis a vara. O gado superava a exportação de produtos agrícolas e
demais gêneros, porém, “não era suficiente para garantir o equilíbrio da balança
comercial goiana, que sempre esteve inclinada em favor das importações. O sal e as
fazendas secas bastavam para superar o montante resultante da venda do gado”.
92
Silva e Sousa em sua Memória sobre o descobrimento, população e
cousas mais notáveis da Capitania de Goyaz,
93
relatava que a principal atividade
econômica de Goiás na década de 1830 era a criação de gado, sendo pouco os
agricultores em relação à população e, mesmo assim, os gêneros alimentícios eram
baratos:
uma quarta de farinha, que correspondia a um alqueire na Corte não
custava mais do que 1$000 mil réis; por igual preço se vende o
feijão, e por muito menos o milho e arroz; uma rês custava entre
91
Em 1819, em ocasião de sua passagem nas margens do Rio Grande na região São João D’el Rei,
Saint-Hilaire afirmava que os bois da região eram comprados por 4$000 réis e revendidos no Rio de
Janeiro por 7$000 réis. Apud. SAINT-HILAIRE, August. Viagens às nascentes do Rio São Francisco e
pela Província de Goyaz. Tomo I, Vol68, Col. Brasiliana.Cia. Editora Nacional: São Paulo, 1937. p.72.
92
FUNES,1986, p.61
93
SILVA E SOUSA, Luiz Antônio da. Memória sobre o descobrimento, população e cousas mais
notáveis da Capitania de Goyaz.In.Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.Tomo XII 2.ª Edição. Tipografia João Ignacio da Silva: Rio de Janeiro, 1874.
10$000 a 12$000 mil réis, sendo escolhida, porém, em mão dos que
vendiam mais caro, custava mais de 16$000. Pouco ou nenhuma
indústria havia; o fabrico do açúcar era artesanal não se conheciam
os engenhos horizontais; as moendas eram de madeira, movidas por
bois, as caldeiras eram grandes tachos de cobre e o açúcar era
apurado em vasos de couro.
94
Não era rara a presença de engenhocas de madeira, grandes e médios
tachos, alambiques, utilizados na purga e preparo do açúcar, rapadura e da
aguardente, nos inventários post-mortem da região sul de Goiás. Pode-se constatar
isso entre os anos de 1843-1910, quando eram perceptíveis, sobretudo, nas
fazendas mais bem estruturadas, no quesito das benfeitorias. Estes utensílios, em
geral, eram os de maior valor entre os bens móveis. Atividades como estas eram
essenciais ao atendimento das necessidades básicas das famílias mais abastadas e
os produtos oriundos do engenho como a rapadura, melado, o açúcar e aguardente
constituíam importantes produtos de troca em um contexto profundamente marcado
pela carência de moedas. Além de serem essenciais ao consumo local poderiam
ainda ser transportados e comercializados nas regiões mais distantes.
95
José Pereira Martins Alencastre procurando satisfazer as exigências do
Governo Imperial, elaborou uma estatística geral da economia goiana durante o
período em que esteve à frente da presidência da Província, entre os anos de 1861-
1863. De acordo com o seu relato, a produção agromanufatureira em geral atendia
às necessidades básicas de consumo, sendo o pouco excedente comercializado nas
vilas, sobretudo, na Capital e no Triângulo Mineiro. Dentre os municípios com maior
volume de produção estavam Meia Ponte, Corumbá, Capital Vila Boa, Santa Cruz e
Bonfim.
94
SILVA E SOUSA, 1874, p. 507.
95
“ O açúcar branco era comercializado entre 1$200 réis e 1$500 réis a arroba; aguardente à 2$400 ao barril de
10 frascos; as rapaduras a 2$400 réis a carga de um animal; e estes gêneros eram exportadores para a Cidade e
proporcionavam o maior rendimento”. TELES, Gilberto de Mendonça. Vida e Obra de Silva e Souza. Ed.
Oriente: Goiânia, 1978. Op. Cit. p.160
TABELA 2.2 – PRODUÇÃO AGROMANUFATUREIRA ANUAL DE GOIÁS, 1861
Equipamentos de
produção
Produto Medida Prod./anual Quant./exp./vendida
MEIA PONTE
233 teares Pano grosso Varas* 20.088 7500
Pano fino 6.200 2.400
43 engenhos Açúcar Arroba** 810 430
Açúcar mascavo 560 310
Rapaduras 4332 2582
Aguardente Barril*** 372 253
07 rodas Farinha Alqueire**** 166 110
246 monjolos 6730 3660
08 olarias Panelas Unidade 2000 2000
Telhas 8000 8000
Potes 1200 1200
Queijeiras Queijo 970 580
18 curtumes Meios sola 260 260
Peles 800 800
CORUMBÁ
200 teares Pano Varas 40000 8000
Cobertores Unidade 2000 300
Redes 500 150
38 engenhos Açúcar Arroba*** 20000 16000
Rapaduras 480 120
50 alambiques Aguardente Barris 1000 600
10 rodas Farinha Alqueires 100 -
Polvilho 25 -
04 moinhos Fubá 100 -
224 monjolos Farinha 7560 1000
05 olarias Telhas Unidade 50000 50000
Tijolos 2000 2000
12 queijeiras Queijo 6000 2000
Manteiga Arroba 80 -
Requeijão Unidade 4000 -
100 curtumes Meios sola Unidade 1000 500
Vaquetas 400 200
Peles 3600 2000
05 fábricas Marmelada Arroba 150 100
BOMFIM
Têxtil Pano grosso Vara 15960 9200
Pano fino 2250 530
Riscado 200 120
78 engenhos Açúcar Arroba 5040 4372
Açúcar mascavo 700 550
Rapaduras 3309 2936
15 alambiques Aguardente Canadas**** 7200 6500
18 rodas Farinha Alqueires 130 50
24 moinhos Fubá 870 125
350 monjolos Farinha 10396 3978
05 engenhos de
serra
Madeira Dúzia 200 50
12 olarias Telhas Unidade 50000 50000
Tijolos 6000 6000
Potes/panelas 5000 5000
208 queijeiras Queijos 12000 9200
Requeijões 1100 850
Manteiga Arroba 06 -
40 curtumes Meios sola Unidade 1400 1200
Vaquetas 150 120
Peles 6750 3200
SANTA LUZIA
150 teares Pano grosso Vara 2000 -
Pano fino 500 -
40 engenhos Açúcar Arroba 3000 1000
11 alambiques Aguardente Canadas 3200 -
05 rodas Farinha Alqueire 60 -
09 moinhos Fubá 450 -
600 monjolos Farinha 12000 -
01 engenho de
serra
Madeira Dúzia 20 20
02 olarias Telhas Unidade 20000 20000
20 curtumes Meio sola 1000 -
23 fábricas Marmelada Arroba 3000 2900
VILA DE FORMOSA
14 engenhos Açúcar 1000 700
Rapaduras 600 400
10 alambiques Aguardente Canadas 2000 2000
30 rodas Farinha Alqueire 1200 400
60 monjolos Farinha 1200 400
03 olarias Telhas Unidade 3000 3000
20 Queijeiras Queijos 1000 1000
10 curtumes Meio sola 1200 1200
Peles 200 200
CATALÃO
200 Engenhos Açúcar Arroba 3000 -
20 alambiques Aguardente Canadas 8000 -
13 rodas Farinha Alqueire 134 -
100 moinhos Fubá 2000 -
1353 monjolos Farinha milho 10824 -
02 engenhos de
serra
Madeiras Dúzia 365 -
20 olarias Telha Unidade 10000
PILAR
40 teares Pano grosso Vara 8000 500
Pano fino 1000 -
20 engenhos Açúcar Arroba 1000 600
Rapaduras Arroba 576 200
17 alambiques Aguardente Canadas 6300 6000
12 rodas Farinha Alqueire 240 120
05 moinhos Fubá 300 120
32 monjolos Farinha/milho 600 400
Queijeiras Queijo Unidade 500 -
Requeijão 2000 -
10 curtumes Meio sola 800 400
Peles 2000 1000
S. JOSÉ DO TOCANTINS
22 teares Pano grosso Vara 600 -
Pano fino 230 -
02 engenhos de
socar
Milho Alqueire 400 -
22 engenhos Aguardente Barril 200 180
Açúcar Alqueire 400 280
Rapaduras Unidade 1500 -
03 moinhos Fubá Alqueire 500 -
20 alambiques Aguardente Canada 720 -
14 rodas Farinha Alqueire 100 -
52 monjolos Farinha de milho 6800 -
10 curtumes Meio sola Unidade 200 100
Vaquetas 50 -
Peles 300 -
CAVALCANTE
30 engenhos Açúcar Arroba 300 200
Rapadura 600 300
14 alambiques Aguardente Canada 1500 1000
80 rodas Farinha Alqueire 2000 1000
03 moinhos Fubá 20 -
30 monjolos Farinha de milho 100 50
02 olarias Telhas Unidade 5000 5000
Panelas 800 800
Queijeiras Queijo 600 -
Requeijão 240 -
Curtumes Meio sola 1500 1500
Peles 300 300
CONCEIÇÃO
40 teares Pano Vara 3000 2000
27 engenhos Açúcar Arroba 700 600
Rapadura 1000 500
18 alambiques Aguardente Canada 13000 12500
36 rodas Farinha Alqueire 3000 1000
Queijeiras Queijos Unidade 6000 3000
Requeijão 1000 500
01 curtume Meio sola 600 300
Peles 1500 400
03 olarias Telhas 6000 6000
PALMA
20 teares Pano grosso Vara 1200 -
Pano fino 800 -
12 engenhos Açúcar Arroba 100 50
Rapadura 960 400
02 alambiques Aguardente Canada 24 -
16 rodas Farinha Alqueire 250 100
02 serras braçais Madeira Dúzia 30 -
04 olarias Telhas Unidade 6000 6000
Tijolos 500 500
60 queijeiras Queijo 4800 -
Requeijão 600 -
Manteiga Arroba 04 -
10 curtumes Meio sola Unidade 400 400
Peles 1000 1000
ARRAIAS
79 teares Pano grosso Vara 1120 498
Pano fino 796 359
33 engenhos Açúcar Arroba 510 301
Rapadura 4000 2000
13 alambiques Aguardente Barril 380 280
22 rodas Farinha Alqueire 670 231
07 olarias Telhas Unidade 15050 15050
Panelas 470 470
Potes 180 180
20 curtumes Meios sola 1030 490
FREG. ANICUNS
26 teares Pano grosso Vara 1500 1000
Pano fino 600 400
02 alambiques Aguardente Canada 288 -
66 monjolos Farinha de milho Alqueire 3000 1500
02 queijeiras Queijo Unidade 1000 800
FREG. OURO FINO
12 teares Pano grosso Vara 1400 590
12 engenhos Rapadura Arroba 1800 1050
09 alambiques Aguardente Barril 880 700
16 rodas Farinha Alqueire 2400 390
36 monjolos Farinha de milho 2600 2100
04 olarias Telhas Unidade 8000 8000
04 curtumes Peles 300 100
02 caieiras Sal Alqueire 1800 1800
FREG. S. JOSÉ DE MOSSÂMIDES
08 teares Pano grosso Vara 2500 800
Pano fino 200 120
Engenhos de cana Açúcar Arroba 1260 859
Rapaduras Unidade 8000 5500
03 alambiques Aguardente Canada 4000 4000
12 rodas Farinha Alqueire 600 350
70 monjolos Farinha de milho 1500 900
05 moinhos Fubá 4000 2150
FREG. DE RIO VERDE
10 teares Pano grosso Vara 300 -
Pano fino 300 -
02 engenhos Açúcar Arroba 100 -
Açúcar mascavo 150 -
01 engenho se
serra
Madeira Dúzia 30 30
01 olaria Telha Unidade 6000 6000
60 monjolos Farinha de milho Alqueire 6000 -
FREG.SANTA RITA
08 teares Pano Vara 1600 1400
03 engenhos Açúcar Arroba 320 200
Rapadura 700 300
325 engenhocas 6500 500
01 alambique Aguardente Canada 150 125
367 rodas Farinha Alqueire 15530 1000
04 monjolos Farinha de milho 400 100
43 queijeiras Queijo Unidade 2150 1150
03 curtumes Meios sola 150 120
FREG. DE CURRALINHO
56 teares Pano grosso Vara 7200 4000
49 engenhocas Rapadura Arroba 3456 3120
04 alambiques Aguardente Barril 450 450
22 rodas Farinha Alqueire 220 200
180 monjolos Farinha de milho 27600 9000
02 engenhos de
serra
Madeira Dúzia 300 300
13 olarias Telhas Unidade 40000 40000
06 curtumes Peles Unidade 1200 1200
Fonte: Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de
1862 pelo presidente da Província José Martins Pereira de Alencastre. In. Relatórios dos Governos
da Província de Goiás de 1861-1863 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos,
etc./ Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. -
Editora UCG: Goiânia, 1998. (Memórias Goianas IX).p.166-172
*Vara equivalia a 1,10 metro **** Medida equivalente a 72 litros
**Medida equivalente a 14,7 quilos *****Uma canada equivalia a 2,662 litros ou o
*** Um barril era igual a 83,8 litros equivalente a 04 quartilhos.
Conforme se pode observar na Tabela 2.2, apesar das dificuldades de
transportes, desenvolveu-se paralelamente à criação de gado em Goiás uma
produção agromanufatureira importante não apenas para satisfazer às necessidades
básicas do consumo local, mas, com algum excedente comercializado nas vilas e
cidades da região e, até mesmo fora da Província. Sendo o produto
agromanufaturado menos perecível do que a produção agrícola in natura os
produtores poderiam transportar suas mercadorias em cavalos, mulas ou carros de
bois a longas distâncias e vender ou trocar estes por produtos substanciais ao
consumo local como o sal, ferramentas, utensílios de uso domésticos, tecidos,
aviamentos e arreios. Os produtos agromanufaturados acabavam substituindo na
sua ausência também o pagamento dos serviços de trabalhadores na lida da
lavoura.
96
Observando a Tabela 2.2 nota-se que a produção agromanufatureira era
essencialmente de artigos dirigidos ao consumo interno como tecidos de algodão,
açúcar, rapadura, doces, queijos, aguardente, fumo, farinhas de milho e mandioca,
sendo os produtos derivados da cana-de-açúcar os mais freqüentes em todas as
96
Saint-Hilaire relata que os trabalhadores braçais encontravam grande dificuldade de receber seus
salários, embora este não passe de $600 réis por semana, e alguns negros me disseram que
preferiam ganhar um vintém por dia catando ouro no córrego de Santa Luzia do que receber quatro
vinténs trabalhando nas fazendas, onde o pagamento era feito em mantimentos, os quais eles não
conseguem vender. SAINT-HILAIRE, 1975. Op. Cit. p.27
regiões. O comércio destes produtos ficava restrito em grande parte ao mercado
interno provincial abastecendo as próprias vilas, sobretudo, os centros mais
populosos como Meia Ponte e a Capital da Província. O pouco excedente da região
sul era exportado para Paracatu e Uberaba no Triângulo Mineiro e o do norte
enviado para Belém do Pará. Todavia, o principal produto de exportação da
província era o gado bovino exportado para Rio de Janeiro e São Paulo, via Minas
Gerais, através dos boiadeiros e negociantes mineiros.
Em geral, considera-se que durante grande parte do século XIX, Goiás
permaneceu relativamente isolado do contexto econômico nacional, devido à
atividade econômica centrada na agropecuária, com uma produção
predominantemente voltada para o abastecimento familiar e mercado local. Pode ser
entendido esse contexto histórico, segundo Funes, como
uma estrutura econômica não de pura subsistência, mas sim de uma
economia em que havia produção para o mercado, externo e interno,
mas não com uma produção suficiente para atender às necessidades
básicas da província. [...] A agricultura apesar de diversificada nunca
foi dinâmica; plantavam-se todos os gêneros básicos à alimentação,
sendo a maior produtividade o milho e em menor escala o feijão, o
arroz, a mandioca e a cana-de-açúcar. O gado exportado, cujo valor
superava o dos gêneros agrícolas, não era suficiente para equilibrar
a balança comercial que sempre esteve inclinada a favor das
importações. O sal e as fazendas secas bastavam para superar o
montante resultante da venda do gado vacum. O mercado interno
limitava-se à circulação de produtos agrícolas de forma muito restrita,
uma vez que os produtos básicos da alimentação em Goiás como o
milho, o feijão, o arroz e a farinha eram produzidos em todas as vilas,
havendo maior procura em períodos de escassez como, por
exemplo, ocorridos em 1819,1830-33 e em 1842.
97
Grande parte da historiografia goiana
98
de uma maneira geral é unânime
em afirmar que os principais fatores que contribuíram para o precário
97
FUNES, 1986, p.61-67
98
Ver FUNES, Eurípedes Antônio. Goiás 1800-1850: um período de transição da mineração à
agropecuária. Ed. UFG: Goiânia, 1986; BORGES, Barsanufo Gomides. Goiás Modernização e Crise –
1920-1960. Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
desenvolvimento da agricultura no período pós-mineratório foram: a) o desprezo do
mineiro pelo trabalho agrícola; b) a omissão das autoridades governamentais; c) a
cobrança dos dízimos; d) o pequeno consumo motivado pelas dificuldades de
circulação de mercadorias em conseqüência da precariedade das estradas e a
distância entre as vilas; e) as rudimentares técnicas de cultivo praticadas em Goiás.
No entanto, mesmo não havendo equipamentos modernos para lavrar a
terra e fazer as colheitas, o volume da produção e cultura da cana-de-açúcar teve
um relativo crescimento ao final do século XIX, uma vez que os produtos
provenientes da cana – açúcar, rapaduras e aguardente – tornavam-se importantes
porque poderiam ser barganhados nos mercados local e regional por outros gêneros
indispensáveis ao consumo doméstico nas fazendas como ferramentas, tecidos, sal,
café, etc. Embora não em grandes proporções o açúcar sempre figurou entre os
produtos de exportação de Goiás. Seu cultivo era à base da enxada, do machado,
queimadas e a produção por olhaduras e toletes. A cana caiana era preferida para o
cultivo dos lavradores, seguida pela listrada, pela crioula e pela miúda, sendo
relativamente de fácil cultivo, sobretudo, por não serem afetadas por pragas – com
exceção das brocas que podiam comprometer toda a plantação. A cana era plantada
entre os meses de outubro e janeiro e após um ano já podia ser cortada; uma
plantação durava em média três anos, podendo ser cortada duas ou quatro vezes;
um hectare produzia em média 40 a 100 toneladas de cana a um custo que variava
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1994; CAMPOS, Itami F.
Coronelismo em Goiás. Goiânia, CEGRAF, 1987; PALACÍN, Luis. Goiás 1722-1882. Oriente: Goiânia,
1982; PALACÍN, Luis. O século do ouro em Goiás. Ed. UCG: Goiânia, 1994; SALLES, Gilka
Vasconcelos Ferreira de. Economia e escravidão na capitania de Goiás. ( Coleção documentos
Goianos, 24) Ed. UFG: Goiânia, 1992.
de 8$000 mil réis. Os impostos que incidiam sobre a produção, venda e consumo do
açúcar eram da ordem de 5% da venda bruta do mercado.
99
Em 1905, figuravam entre maiores produtores de açúcar, os municípios
de Goiás, Corumbá, Bomfim, São José do Duro e Santa Luzia. Os engenhos eram
de bangüê e engenhocas que produziam uma safra de 150 a 12.000 quilos; as
moendas tinham 01 metro de altura e de 1 a 02 metros de circunferência, com
formas que variavam entre 110 a 900 litros; a evaporação era feita em tachos de
cobre; durante a moagem utilizava-se o trabalho de 08 pessoas que trabalhavam por
$500 a 1$000: sendo $500 por dia para mulher e 1$000 mil réis por dia ao homem,
além da alimentação. Empregava-se no trabalho de moagem além de homens e
mulheres, crianças acima de nove anos.
100
A produção de açúcar, cachaça e demais derivados da cana-de-açúcar também era
comum em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, embora nestas regiões a produção fosse
voltada a mercados mais amplos, ao passo que em Goiás a produção era basicamente para o
abastecimento do mercado local: o pouco excedente era comercializado nas poucas vilas do
sul de Goiás e, principalmente, em mercados do Triângulo Mineiro. Nestas regiões, a cachaça
era uma bebida consumida em grandes proporções pela população residente das fazendas e
vilas, diante da carestia dos diversos produtos importados. O vinho, que era extremamente
caro e considerado uma bebida de luxo mesmo para os mais abastados. Saint-Hilaire que se
hospedou no palácio de governo a convite do então Capitão General Fernando Delgado Freire
99
Relatório apresentado ao Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, pelo
bacharel José Alves de Castro, secretário de Instrução e Justiça, Terra e Obras Públicas, em 21 de
abril de 1905. In. Relatórios dos Governos do Estado de Goiás de 1901-1905 - relatórios políticos,
administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do
Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 2003. (Memórias Goianas
XVI).p.222-228
100
Ibid.
Castilho, observou que “o vinho aparecia à mesa todos os dias, mas aparentemente apenas
como enfeite, o governador não tomava mais do que um cálice e, eu bebi apenas água.”
101
No julgado de Santa Cruz – cujo território que compreendia a atual região
sul de Goiás – Silva e Sousa já notava em 1832, uma intensa migração mineira na
região que se dedicava à agricultura e criação extensiva. De acordo com o seu
relato havia no julgado de 37 sesmarias mais ou menos cultivadas, 816 roças mais
ou menos consideráveis e algumas insignificantes; havia somente 19 pequenos
engenhos que fabricavam açúcar, aguardente e rapaduras, porém, nem todos
trabalhavam durante todos os anos. Os lavradores plantavam milho, feijão, arroz,
mandioca e algumas raízes de comestíveis, um pouco algodão, café e tabaco
somente para o consumo doméstico. As fazendas de gado cresciam à medida que
os geralistas chegavam juntamente com seus roceiros, que também eram criadores,
organizavam seus estabelecimentos e apascentavam o gado em comum.
102
A fabricação de tecidos era doméstica e havia no termo de Santa Cruz
387 teares particulares de madeira em que fabricavam o pano de algodão grosso
que vestia os escravos e as pessoas pobres e o que sobrava era exportado era
comercializado a $160 réis a vara. Além de algodão grosso, tecia-se panos finos de
algodão, cobertas de cama entrelaçadas de lã com diversas cores e riscados que
serviam ao uso doméstico. Os panos eram tingidos com anil e ruivinha. As rodas de
fiar eram tocadas com o pé e custavam cerca de 3$000 mil réis cada uma. Existiam
ainda no julgado 330 rodas de fiar, e os fusos de mão que seriam tantos, quantas as
mulheres do distrito.
103
101
Em ocasião à sua visita a Vila Boa o vinho custava não menos de 1$500 réis a garrafa. SAINT-
HILAIRE, 1875, Op. Cit. p. 55
102
SILVA E SOUSA, Apud. TELES, 1978, p.160.
103
Ibid., p.160-161.
Comercializava-se algum tabaco que era vendido a um preço que variava
entre $900 e 1$200 réis, por rolo de 32 varas. O algodão em caroço e o café em
casquinha eram comercializados ao preço de $600 e 1$800 réis por arroba
respectivamente. O comércio interno dos produtos da lavoura era realizado com os
estabelecimentos comerciais que compravam farinha, feijão, toucinho, carne de vaca
seca, açúcar, aguardente, rapaduras e mamonas. Os porcos suas carnes e toucinho
salgados eram comercializados na capital de Vila Boa e na Vila de Paracatu. Ainda
exportavam gados em pé para os povoados; couros de bois, sola e peles curtidas,
somando uma exportação total de 5.200$000 mil réis.
104
O julgado de Santa Cruz importava o sal a um montante de 1000
alqueires, ferro em 10 quintais, aço em 3 quintais, enxadas, foices, machados,
chumbo, pólvora, enxofre, drogas de botica, papel, panos de lã, chapéus, salitre,
tecidos de seda e algodão, canquelheiras, vinho, aguardente, louças e vidros sendo
todos esses produtos pagos em dinheiro. Os gastos com a importação superavam
os valores dos produtos que exportados. Os animais mais utilizados nos transportes
eram os cavalos e éguas e havia na região poucas mulas. Em 1832, as poucas
bestas muares eram comercializadas ao preço de 21$000 a 36$000 mil réis e os
cavalos em torno de 16$000 mil réis. Existiam 12 lojas e 31 tavernas que
comercializavam em seus estabelecimentos sal, vinho, aguardente e comerciando
sem residência certa alguns mascates. Duas estradas principais saiam do Julgado
de Santa Cruz em direção à Capital do Império: a de São Paulo e a de Minas
Gerais.
105
104
SILVA E SOUSA, Apud. TELES, 1978, p. 161.
105
Ibid., p. 161-162
TABELA 2.3 – EXPORTAÇÃO E VENDAGEM DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA DE
GOIÁS – 1861
Exportação e vendagem
Municípios
Milho Feijão Arroz Trigo Fumo Mamona Algodão Café
Jaraguá
- - - - - - - -
Meia-Ponte
14950 2100 11300 31 68 510 800 1650
Corumbá
- - - 150 600 - - 5000
Bomfim
6584 1894 3512 30 1300 421 - 802
Santa Luzia
200 50 7000 48 200 100 - 802
Formosa
800 100 400 - - 80 - -
Santa Cruz
- - - - - - - -
Catalão
300 600 700 - - 100 - -
Pilar
3000 640 1630 - 50 350 - -
S. José do
Tocantins
- - - - - - - -
Cavalcante
300 180 300 512 - 800 - 1000
Arraias
225 198 819 - 163 40 33 31
Conceição
1200 80 1200 - - 30 - -
Palma
600 100 700 - 20 08 - -
Capital (6
freguesias)
12200 3700 13200 - 320 1050 200 80
Total em Alq.
res
40359 9642 40261 771 3333 3389 1033 8863
Fonte: Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de
1862 pelo presidente da Província José Martins Pereira de Alencastre. In. Relatórios dos Governos
da Província de Goiás de 1861-1863 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos,
etc./ Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. -
Editora UCG: Goiânia, 1998. (Memórias Goianas IX). p.173
Apesar do crescimento da população, dos rebanhos e um tímido
crescimento da produção agrícola a partir da segunda metade do século XIX, ao
analisar os relatórios dos presidentes de Província e de Estado entre os anos de
1843 a 1910, nota-se de uma maneira geral que todos que passaram pela
administração pública em Goiás lamentavam a ausência de meios de transportes
eficientes, associadas as já mencionadas técnicas rudimentares técnicas de preparo
da terra, cultivo e colheita que eram realizadas à base do uso da enxada, foice e
machado
106
. Além destes fatores, a pesada cobrança dos dízimos que incidia sobre
os gêneros da lavoura e a falta de capitais impossibilitou o desenvolvimento de uma
agricultura mais dinâmica durante o século XIX. Mesmo assim, com todas essas
adversidades ocorreu o desenvolvimento de uma produção diversificada para o
abastecimento familiar e local e o pouco excedente era comercializado e exportado
para fora da província conforme se pode observar na Tabela 2.3. No ano de 1861,
além de agromanufaturados, Goiás ainda exportava milho, arroz, feijão, trigo, café,
mamona e fumo.
Conforme a observação dos relatos de viajantes que passaram por Goiás
no século XIX, apenas três pessoas empregavam técnicas de cultivo e preparo da
terra diferente dos padrões convencionais praticados, utilizando a adubação e o
arado. Saint-Hilaire faz referência ao comendador Joaquim Alves de Oliveira de Meia
Ponte, que tinha deixado de lado o método primitivo dos brasileiros de cultivar a terra
e passou a utilizar o arado e adubar a terra com o bagaço da cana não havendo,
portanto, a necessidade de queimar novas matas todo o ano. É o caso do vigário de
Santa Luzia, João Teixeira Alvarez, que seguindo as instruções do Tratado de
Cultura das Terras de Duhamel mandou fazer uma charrua para arar as terras que
tinham sido invadidas por capim gordura. Todos os agricultores das redondezas
tentaram convencê-lo de que a cana-de-açúcar não poderia vingar em terreno
descampado. Mas, com a aplicação do arado e adubagem produziu-se excelente
106
“O sistema de preparo do solo não era diferente em relação às demais regiões brasileiras:
empregava-se a coivara. A partir de maio, faziam-se às derrubadas e em agosto e setembro procedia
a queimada, limpava-se o solo e ao sinal das primeiras chuva, plantava-se. Esta prática, além de
destrutiva, fazia com que o agricultor diante da disponibilidade de terra, após 02 ou 03 anos de cultivo
saísse em busca de outra área. Assim a população tornava-se dispersa e ia afastando-se cada vez
mais dos centros consumidores.[...] Em Goiás, praticava-se o plantio consorciado, por exemplo,
plantava-se milho deixando entre uma cova e outra, 5 palmos; depois, no mesmo terreno plantava-se
a mamona, a fava, o feijão ou mandioca.O arroz e o algodão objetivando maior produção eram
plantados separadamente, também seguia o modelo de plantio em covas.” FUNES, 1986, Op. Cit.
p.72-73
cana.
107
Cunha Mattos destacou “o engenho do Padre João Teixeira, onde teria visto
os escravos trabalharem com dois arados”.
108
No transcorrer do século XIX os métodos e técnicas de cultivo pouco
mudaram. Mas, no último quartel do século XIX, à medida que Goiás começou a se
integrar à região sudeste do país em decorrência da melhoria das vias de
comunicação e transporte através da estrada de ferro, ocorreu um crescimento do
mercado consumidor interno e ampliaram-se as relações comerciais com a
exportação de produtos agropecuários. Conforme relatório apresentado por J. Alves
de Castro· ao presidente do Estado José Xavier de Almeida os maiores municípios
produtores de cana-de-açúcar e seus derivados eram Goiás, Corumbá, Bomfim e
Santa Luzia; produtores de fumo Goiás, Bela Vista, Santa Cruz, Antas e Jaraguá; os
cristais eram extraídos na Serra dos Cristais, no município de Santa Luzia
109
. Neste
período, já era percebível uma relativa diversificação da produção agrícola goiana,
conforme os dados relativos às exportações da Tabela 2.4.
107
SAINT-HILAIRE, 1975.
108
MATTOS, Raymundo José da Cunha. Chorographia Histórica da Província de Goyaz. Convênio
SUDECO/Governo de Goiás, Secretaria de Planejamento e Coordenação: Goiânia, 1979 p.173.
Apud. FUNES, 1986 p.74.
109
Mensagem apresentada pelo Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, a
Assembléia Legislativa do Estado de Goyaz em 24 de maio de 1902. In. Relatórios dos Governos do
Estado de Goiás de 1901-1905 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 2003. (Memórias Goianas XVI).
TABELA 2.4 – EXPORTAÇÕES DE GOIÁS, 1884-1905
Produtos 1884-1885* 1901 1902 1903 1904 1905
Pecuária e derivados
Gado bovino 28326 60216 66171 30301 48661 51286
Gado cavalar 549 292 39 228 26 39
Gado suíno 2155 1403 4191 5452 3547 4119
Carne seca –Kg 0 142 254 0 24 0
Toucinho – kg 0 107385 113425,5 98403,5 102392 63437
Crina de gado – Kg 0 0 0 14 0
Meios sola e couros 70810 16798 8003 9176 2311 9037
Lavoura
Fumo – kg 69510 136367 210455 142776 261051 250756
Café – Kg 0 5055 2212,5 1790 100 2846,5
Algodão em rama – Kg 0 450 750 0 150
Cebolas – Kg 0 0 0 52 0
Arroz – litros 0 50650 0 88630 321910 737660
Feijão – litros 0 3400 0 26280 3410 12100
Amendoim – litros 0 0 0 760 1020 0
Agromanufaturados
Açúcar – Kg 0 21816 29792 49905 38274 17387
Marmelada – Kg 0 8526 5110 9054 9060 5387
Farinha de mandioca - litros 0 0 0 16080 0
Fubá – litros 0 0 0 20 128 0
Doces – Kg 0 0 0 16 0
Aguardente – litros 0 824 1445 1892 980 0
Polvilho – litros 0 0 0 200 0 50
Farinha de milho – litros 0 5600 0 10360 480 6120
Sabão –Kg 0 0 222 83 30 105
Extrativismo
Borracha – Kg 0 14407 7806 48218 93826000 74842712
Cristais – kg 1300 25084 27632 21954 25138 24045
Pesca
Peixe – Kg 0 0 75 161 0 60
Fonte: Relatório dos Presidentes da Província de Goiás – 1884/1885; Mensagens dos
Presidentes do Estado de Goiás 1890/1910.
* No exercício supracitado não ocorreu nenhuma exportação de gêneros da agricultura.
No final do século XIX e início do século XX, o fumo tornou-se o principal
produto agrícola de exportação por ser muito procurado nos mercados da corte e de
outras províncias. No Rio de Janeiro “o fumo goiano chegava a ser comercializado
ao preço de 30$000 réis a arroba”.
110
Em 1888, “somente uma casa de comissões,
em Casa Branca, recebera de Goiás, 20 mil arrobas de fumo”.
111
Na década de
1890,
os municípios de Bela Vista e Pirenópolis figuravam entre os maiores
produtores de fumo. Nestas cidades chegaram a ser organizadas
duas empresas: em Bela Vista a sociedade Canêdo & Ramos para
preparar e exportar fumo e, em Pirenópolis, as firmas Pina & Irmão e
Francisco José de Sá.
112
O fumo era cultivado na sua forma extensiva, dispensava quase sempre a lavra e a
adubação do terreno, sendo geralmente plantado em terrenos fofos e profundos, intercalados à
plantação de milho, preferencialmente em terrenos novos e férteis até que se esgote o húmus,
procurando em seguida outro terreno nas mesmas condições.
113
Depois de manufaturado, o
fumo estava pronto para ser transportado e comercializado, sendo geralmente, “conduzido por
tropeiros para os mercados do sudeste O retorno era altamente compensado pela importação
de produtos manufaturados e gêneros agrícolas que complementavam as necessidades do
consumo local”.
114
110
LEAL, Oscar. p.68
111
Jornal o Goyaz de 07 de fevereiro de 1890. Apud. FRANÇA, p.151
112
Ibid.
113
AZZI, Ricardo; FUCCELLA, Vito. A cultura do fumo. Secretaria da Agricultura, Indústria e
Commercio do Estado de São Paulo: São Paulo, 1930. p. 22-27.
114
FRANÇA, 1975, p.151
2.2. CONJUNTURAS DA ECONOMIA GOIANA: OS
PROBLEMAS E O CRESCIMENTO
As dificuldades enfrentadas com transportes acabaram também
comprometendo a qualidade dos rebanhos bovinos e o desenvolvimento da criação
de gado no sul de Goiás, por um lado, pela carência do sal e por de outro, pela falta
de cuidados com o manejo e criação dos bovinos, conforme testemunho dos
viajantes e presidentes de províncias durante o século XIX. Conforme esses relatos
a falta do sal talvez um fosse um dos principais fatores que dificultavam o
desenvolvimento da criação de gado em regiões mais afastadas do litoral como o
interior de Minas e Goiás.
115
Saint-Hilaire notou também que nas poucas
propriedades que existiam nas redondezas de Vila Boa, o sal era dado muito
raramente ao gado e tinha apenas o intuito de fazer com que os animais
aprendessem a conhecer a casa do seu dono.
116
Na década de 1860 o viajante Vicente Ferreira Gomes, na cidade de
Palma, no então norte de Goiás notou que tanto
o gado tanto vaccum, como cavallar, os carneiros, as cabras, os
porcos, todos rodeam a casa de seus senhores, estão dias inteiros
sem procurar pastos lambendo unicamente as terras do terreiro, as
beiradas das casas salobras com as ourinas; correm sôfregos ás
115
O sal de Serro Frio, um comarca, que tirada a mineração seus habitantes não se poderão occupar
senão em crear, e a mais visinha a estas salinas, corre ordinariamente pelo preço de 4$800 a broaca
que conterá cous de 24 pratos. Estes annos passados por causa das tergiversações e contractos
sobre o sal no Rio de Janeiro chegou este aqui a preço de 12$000 a broaca: por cuja causa ainda
muitas d’essas mesmas poucas e pequenas creações acabaram com muito prejuízo do publico e
particular. GOMES, Vicente Ferreira. A cidade de Palma, em Goyaz, à cidade de Belém no Pará, pelo
rio Tocantins, e breve notícia do Norte da Província de Goyaz. In. Revista do Instituto Histórico
Geographico Ethnográphico do Brasil. Tomo XXV. Typ. De D. Luiz dos Santos: Rio de Janeiro, 1862.
Op. Cit. p.434
116
Saint-Hilaire ao passar por Santa Luiza em 1819 relata que “alguns agricultores que viviam em
estado de miséria, chegavam a passar meses comendo alimentos sem sal, por não poderem compra-
lo.” SAINT-HILAIRE, 1975. Op. Cit. p.27 e 90
queimadas à pastarem das mesmas cinzas; e até os ossos dos
companheiros mortos e espargidos pelo campo os aproveitam
também por causa do sal que n’elles se contém.
117
Nas regiões mais distantes por onde passava, notava campos férteis e
vastos despovoados de gente e de animais “viajava-se por elas dias inteiros, e não
se via uma só rês, parece um campo onde só reina a solidão”.
118
José Martins Pereira de Alencastre em sua breve passagem pela
presidência da província, deixou um relatório minucioso da situação administrativa,
política, econômica e social de Goiás nos momentos que antecederam a Guerra do
Paraguai. Destacou a importância da pecuária como a principal fonte de riquezas e
arrecadação aos cofres públicos e fez uma análise crítica das precárias condições
em que se encontravam os rebanhos bovinos cuja produção encontrava-se, naquele
momento, estacionada e subdesenvolvida em muitos municípios do sul da Província.
Dentre os fatores observados por Alencastre e que representavam um empecilho ao
crescimento dos rebanhos bovinos na província destacam-se: 1) o fato dos
fazendeiros não se preocuparem em melhorar as raças; 2) em geral, cerca de um
terço do rebanho não recebia nenhum tratamento e era dizimado por carrapatos,
morcegos e onças; 3) em geral, as fazendas não tinham cômodas precisas para
beneficiar o gado; 4) na região sul, os rebanhos definhavam pela falta de sal, cuja
importação era muito onerada pelos altos impostos e custos de transporte, o que
fazia com que os criadores menos abastados evitassem comprá-lo. Apesar disso, o
gado do sul da província era o que alcançava os melhores preços nos mercados
consumidores, por ser beneficiado com maiores cuidados pelos fazendeiros, que já
se preocupavam em cruzar as raças. Os fazendeiros do norte não tinham, as
117
GOMES, V. 1862, p.433.
118
Ibid.
mesmas preocupações, apesar de verem seus rebanhos depreciados nas praças da
Bahia e mesmo na Província de Minas.
119
J. A. Leite Moraes em seu diário, Apontamentos de viagem em que procurou
descrever a viagem que fez a Goiás por ocasião de sua posse na presidência da província em
1881, quando passava pelas terras do sul observou que era rara a existência de pastos
fechados com cerca de arame. Na maioria das fazendas e pousos que percorreu, desde a
margem do Rio Grande até à capital da província Vila Boa, os viajantes tinham que deixar
seus animais soltos em um encosto, que era um cercado de mata e brejo com apenas uma
entrada, o que resultava em grandes contratempos, incertezas e demoras da viagem, devido ao
ocultamento e fuga de animais.
120
Alertava também que o viajante, nos pousos do sul da
província deveria ser precavido com os arreios, para não ser surpreendido por reses, que
devido à carência do sal entravam sorrateiramente nos acampamentos,
arrastavam couros, baixeiros, freios, cabrestos, etc. e os reduzem a trapos.
Aqui e ali via se uma ou outra rês pastando nos campos. [...] Os moradores à
beira da estrada eram pobres e residiam geralmente em casebres de palha e
miséria extrema.
121
Numa amostragem de 536 de inventariados que viveram entre os anos de
1843-1910, o sal foi mencionado e inventariado em apenas 28 casos, ou seja, em
apenas 5,4%. As observações de Ferreira Gomes, Alencastre e Leite de Morais são
consistentes, com as informações materiais. A primeira referência ao sal como bem
somente apareceu em 1861, no inventário de Domingos Pereira de Mattos, que além
de possuir um dos maiores rebanhos da região, com 282 cabeças de animais e,
provavelmente de uma das maiores fortunas do período, com um monte-mor
119
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de 1862
pelo presidente da Província José Martins Pereira de Alencastre. In. Relatórios dos Governos da
Província de Goiás de 1861-1863 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 1998. (Memórias Goianas IX).p.174
120
LEITE MORAES, J..A., 1995.
121
LEITE DE MORAES, J. A., 1995. p. 82-84
avaliado em 32.360$250 contos de réis.
122
Os maiores estoques de sal, aparecem
em inventários de criadores que possuíam um número superior a 100 cabeças, e
naqueles de pequenos e grandes negociantes proprietários de estabelecimentos
comerciais, como por exemplo, o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, que era
também capitalista e criador e possuía o maior rebanho com mais de 5000 cabeças
de gado. Portanto, o sal durante o século XIX e, mesmo nas primeiras décadas do
século XX, era em Goiás uma especiaria rara e cara e inacessível em proporções
consideráveis para a grande maioria da população goiana, não atendendo as
necessidades básicas do crescente rebanho bovino da região sul.
GRÁFICO 2.2 - COMPARÃO DO VALOR DO SACO
DE SAL COM O PREÇO DO NOVILHO DE TRÊS
ANOS, SUL DE GOIÁS - 1860-1910
0
2500
5000
7500
10000
12500
15000
17500
20000
22500
25000
27500
30000
32500
35000
37500
40000
42500
45000
47500
50000
52500
1861-1870 1871-1880 1881-1890 1891-1900 1901-1910
Em mil réis
Maior Avaliação do sal Menor Avaliação do sal
Maior Avaliação do novilho** Menor Avaliação do novilho**
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida
de Morrinhos - Go. - inventários post-mortem de 1843-1910.
*Os sacos de sal possuíam em média 28 a 30 quilos.
** Novilho de idade de 03 anos
A partir do cruzamento das informações, referentes ao sal, nos inventários
post-mortem, nos relatos de memorialistas e viajantes e, relatórios de presidentes de
província, comparando o seu preço com um novilho de três anos entre os anos de
122
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - Go, Pasta n.º 03, autos n.ºs.n. Inventariado em 02/09/1861.
1860 a 1910, pode-se concluir que o sal era muito caro mesmo para aqueles
grandes criadores que tinham centenas de cabeça de gado. O valor de um saco de
sal, durante grande parte do período, conforme as informações presentes no Gráfico
2.2, era equivalente e, na maioria dos casos, superior ao do novilho de três anos.
Um novilho erado e bom custava nas décadas de 1860 e 1870 o preço 18$000 mil
réis equivalente a um saco de sal. Se fosse um novilho de qualidade inferior que era
avaliado entre 6$000 e 10$000 mil réis, o fazendeiro teria que dispor de dois a três
novilhos para comprar apenas um saco de sal.
Conforme os dados apresentados no Gráfico 2.2 na década de 1860 o
preço do saco de sal, variava entre 13$000 e 18$000 mil réis, já um novilho de 3
anos, bom, 18$000 e um de qualidade inferior valia 6$000 mil réis; na década de
1870 o saco de sal era avaliado entre 20$000 e 12$000 mil réis e o novilho, entre
10$000 e 20$000 réis; na década de 1880, o saco de sal era avaliado entre 10$000
e 25$000 mil réis e o novilho, entre 7$000 e 20$000 mil réis; na década de 1890
percebeu-se uma valorização do preço do novilho em relação ao saco de sal, sendo
este avaliado entre 10$000 e 18$000 mil réis e o novilho entre 13$000 e 50$000 mil
réis; na década de 1910, apesar da crise no comércio de gado, a valorização do
novilho em relação ao sal se manteve, este fora avaliado entre 6$000 e 13$000 mil
réis, e o novilho entre 15$000 e 40$000 mil réis.
Além da carência do sal, dentre os fatores que dificultaram a criação de
gado, em Goiás durante a segunda metade do século XIX e que prevaleceram até a
primeira metade do século XX na pecuária goiana, foram segundo Horieste Gomes:
em primeiro lugar, a ausência de delimitação das fazendas em
decorrência da ausência de cercas – que somente começaram a
aparecer na descrição dos inventários a partir de 1890 – o que
dificultava o manejo e o raceamento do gado; em segundo lugar, a
falta de um sistema efetivo de transportes, de financiamento e
assistência técnica e profilática ao pequeno e médio proprietário; em
terceiro lugar o desinteresse ou falta de esclarecimento no que tange
à formação de boas pastagens e melhoria dos rebanhos, através de
cruzamentos e tratamento zootécnico; em quarto lugar, as grandes
distâncias, que separam os centros de criação dos de abate, acabam
determinando o surgimento de inúmeros campos de recria,
ocasionando prejuízos aos criadores.
123
As grandes distâncias colocavam o gado em uma concorrência
desvantajosa em relação às regiões criadoras como Minas Gerais e Paraná, nos
principais mercados consumidores do Rio de Janeiro e São Paulo. Diante destas
dificuldades quem mais lucrava com o comércio do gado eram negociantes que se
deslocavam de Minas Gerais e Paraná que compravam dezenas de cabeças de
gado nas porteiras das fazendas goianas a preços mais baixos; arrebanhavam
plantéis de centenas de cabeças, e seguida, engordavam-nos nas invernadas e por
fim, os revendiam nos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro.
TABELA 2.5 - EXPORTAÇÃO E PREÇO MÉDIO DO GADO VACUM EXPORTADO
DE GOIÁS - 1861
Cidades Produção anual Exportação e venda
anual
Para onde foi
exportado
Preço da venda
Em Mil Réis
REGIÃO NORTE
Porto Imperial 4000 400 a 500 Bahia 8 a 10$000
Natividade 3000 500 a 1000 7 a 8$000
Conceição 12161 2500 Bahia e Maranhão 7 a 10$000
123
GOMES, H. 1969. p.72-73.
Arraias 7 a 8000 1500 a 2000 Bahia 7 a 10$000
Taguatinga 2000 500 7 a 8$000
Cavalcante - - - -
S. Domingos 12000 4000 Minas e Bahia 8 a10$000
REGIÃO CENTRO SUL
S. José 800 200 Minas e Capital 15 a 20$000
Pilar 3 a 3600 500 a 600 15 a 20$000
Capital 11 a 13000 4 a 5000 Minas 20 a 30$000
Jaraguá 5000 2000 20 a 25$000
Meia Ponte 2000 800
Santa Luzia 2500 1000
Corumbá 2800 800 15 a 25$000
Bomfim 8582 2212 20 a 25$000
Santa Cruz 6 a 7000 1000 a 2000 25 a 30$000
Catalão 3000 500
Formosa 3 a 4000 600 a 700 20 a 30$000
Fonte: Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de
1862 pelo presidente da Província José Martins Pereira de Alencastre. In. Relatórios dos Governos da
Província de Goiás de 1861-1863 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 1998. (Memórias Goianas IX).p.176
Conforme a Tabela 2.5 o gado da região sul de Goiás, era mais
valorizado do que o da região norte. Em 1861, a criação de gado do sul começava a
se destacar em relação à região norte de Goiás, em volume de gado exportado
como em valor. A região sul exportou em 1861 cerca de 15.000 cabeças de gado,
enquanto que o norte havia exportado aproximadamente 10.000 cabeças. O gado do
norte era negociado nas praças da Bahia, Maranhão e Minas Gerais a um preço
médio que ficava entre 7$000, já o gado do sul alcançava uma cifra nos mercados
de Minas Gerais em torno de 15$000 e 30$000 mil réis. A partir destes dados pode-
se supor que a participação da região sul na receita da província era mais
significativa do que do norte.
Confrontando os preços do gado em Goiás com os praticados na região
de Leopoldina no sul da Província de Minas Gerais, percebe que o comércio do
gado era um negócio muito lucrativo para os boiadeiros – ou negociantes de gado –
que se deslocavam das regiões citadas e vinham a Goiás comprar gado. Em
Leopoldina, no sul de Minas Gerais,
na década de 1853 uma vaca era vendida por 13$000 a 14$000 mil
réis; em 1855, entre 19$000 e 22$000 mil réis; em 1857 já era
comercializada por 30$000 a 50$000 mil réis. Um boi custava de
30$000 a 35$000 mil réis em 1853; em 1855 de 40$000 a 45$000 mil
réis; e, em 1857 valia entre 50$000 a 55$000 mil reis.
124
Enquanto que no sul de Goiás entre os anos de 1852-1854 uma vaca era
avaliada nos inventários por 7$000 a 8$000 mil réis, em 1857 chegou a ser avaliada
entre 10$000 a 12$000 mil réis. Fazendo uma comparação os valores nominais
entre os preços do gado em Goiás com os preços praticados em Minas Gerais,
pode-se concluir o quanto que os negociantes mineiros lucravam com o comércio do
gado goiano, que depois da engorda em suas invernadas reexportavam a
excelentes preços aos mercados consumidores de São Paulo e Rio de Janeiro.
Além dos mineiros negociantes de gado, negociantes de outras províncias
como Paraná, Bahia, Pernambuco e São Paulo também, exploravam o lucrativo
comércio de gado com os goianos o que acabava provocando a concorrência,
sobretudo, entre os negociantes e criadores de Minas Gerais e Paraná, que além
destes últimos possuírem os melhores rebanhos, também estavam comprando gado
de Mato Grosso e Goiás e revendendo aos mercados do Rio de Janeiro. Bergad
menciona a questão, a partir de um relatório emitido em Uberaba, em 8 de janeiro de
1858, em que os criadores da
maior zona de criação de gado da municipalidade do Prata, em
Minas Gerais, que exportava anualmente mais de 10.000 cabeças
para o Rio de Janeiro, reclamavam sobre os preços fixados no Rio
por um monopólio de compradores constituído por poderosos
corretores de gado do Paraná, que não apenas embarcavam seu
gado vivo em navios, mas, também compravam a preços mais baixos
animais provenientes do Mato Grosso e Goiás e os reexportavam
para São Paulo e Rio de Janeiro.
125
124
BERGAD, L. 2004, p.131
125
Ver APM, SP 715, relatório emitido de Uberaba a 08 de janeiro de 1858. BERGAD, Laird W.
Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru,SP: EDUSC, 2004.
Op. Cit. p.115
A partir da segunda metade do século XIX à medida que melhoraram as
vias de comunicação, com a construção de estradas e pontes e, sobretudo, com a
chegada dos trilhos da estrada de ferro que avançavam pelo interior de São Paulo e
cruzavam as terras do Triângulo Mineiro em direção a Goiás, ocorreu uma maior
integração dos mercados consumidores. Notou-se, conforme se observa no Gráfico
2.2, que depreciaram os preços do sal em relação aos preços do gado bovino, que
se acentuou a partir da década de 1890. Mesmo com a valorização do gado bovino
em relação ao sal, o seu consumo diário pelo rebanho poderia implicar em altos
custos de produção para qualquer grande criador do sul goiano que possuísse
algumas centenas de cabeças de gado. Por isso, nessa época por ser o sal um
produto de valor muito alto, era um dos preferidos dos grandes negociantes da
região do Triângulo Mineiro que intercambiavam e monopolizavam o comércio em
Goiás e Mato Grosso.
Outro fator que pode ter sido importante para o crescimento dos rebanhos
e estimulado o crescimento da produção agrícola no sul de Goiás, na segunda
metade do século XIX, foi a Guerra do Paraguai (1865-1870). Com a guerra, Goiás
ficou responsável não apenas por enviar voluntários aos campos de batalha, mas
também arcar com o abastecimento de gêneros alimentícios de origem vegetal e
animal para as tropas sediadas na Província de Mato Grosso. Para o então
presidente da província Augusto Ferreira França, Goiás pela sua posição em relação
à província do Mato Grosso, era a que possuía as melhores condições para o
abastecimento de víveres. Desta forma, em 10 de maio, nomeou comissões
municipais em toda a província, incumbindo-as, dentre outros encargos, de estimular
os lavradores e criadores a aumentar sua produção a fim de obter víveres
necessários e suficientes para as tropas na província de Mato Grosso
126
:
enviou ofícios aos diversos administradores dos distritos de Santa
Rita do Paranaíba, em meados de 1865, solicitando o
aproveitamento dos gêneros produzidos e espalhados pelos diversos
lavradores daquelas localidades. Todos esses víveres deveriam ser
concentrados no porto de Santa Rita para serem vendidos aos
comandantes das forças em trânsito. Determinou ainda que se fosse
necessário comprar mantimento em fazendas mais afastadas, ficava
autorizado os administradores a lançar mão das verbas dos cofres da
Recebedoria e, na sua falta, poderiam realizar as comprar a crédito e
debitadas à Fazenda Geral.
127
Como os lavradores se dedicavam à pequena agricultura voltada para o
consumo local e familiar, segundo Zildete Martins
foi criado um grande corpo de agentes que foram incumbidos de remeter
gêneros alimentícios quer para o depósito criado em Bahús ou diretamente
para as forças militares. Para atender a uma demanda de um consumo
imenso, foi necessário expedir carros e tropas de carga da Capital, uns após
outros, que eram gradativamente carregados pelo caminho nos municípios de
Bonfim, Catalão, Jaraguá, Meia Ponte, e comarcas de Anicuns, do rio
Maranhão, Alemão e outros lugares. O presidente da Câmara Municipal da
Capital, Franklin da Rocha Lima, foi encarregado de pessoalmente ir aos
distritos de Curralinho, Campininha, Pouso Alto e Morrinhos para obter
víveres e meios de transporte. [...] Atendendo às solicitações dos agentes,
conforme a recomendações do Ato n° 920, os lavradores aumentaram as suas
plantações e em breve muitos especuladores começaram o transporte de
gêneros para vendê-los, por conta própria, no depósito ou no
acampamento.
128
126
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de junho de 1865
pelo presidente da Província Augusto Ferreira França. In. Relatórios dos Governos da Província de
Goiás de 1864-1870 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade
Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG:
Goiânia, 1998. (Memórias Goianas X) p.68
127
No noticiário do Correio Mercantil n.º 100, da Cor te, lê-se o seguinte sobre o fornecimento de víveres às
forças sediadas no Coxim: “... as forças no Coxim nunca ficaram em tempo algum reduzidas à miséria, desde
que ali chegaram tiveram o que comer e suas condições foram progressivamente melhorando. Os abundantes
fornecimentos que tem sido feitos às forças, remetendo víveres por conta do governo e dos particulares, tanto
desta Capital como de todos os lugares ao sul da província, são devidos em grande parte às facilidades criadas
pela administração do presidente Augusto Ferreira França não poupando meios para suprir de víveres as forças, e
ao patriotismo do novo goiano”. Apud. MARTINS, Zildete Inácio de Oliveira. A participação de Goiás na
Guerra do Paraguai - 1864/1870. Coleção Teses Universitárias, Ed. UFG: Goiânia, 1983. p.78-81
128
Ibid. p. 78-82.
Devido a tal conjuntura, a população passou por aguda crise alimentícia,
pois os estoques de gêneros da Província eram insuficientes mesmo para os tempos
normais. Tudo foi agravado pelas secas de 1865 a 1869 que provocaram más
colheitas e mortandade dos rebanhos.
129
Maria Amélia de Alencar Luz notou que, na região de Rio Verde no
sudoeste, depois de um período de baixa nas transações de vendas de terras, entre
os anos de 1871 a 1885, verificou-se um grande crescimento no pico das
transações,
no período entre 1856 a 1910 ocorreram 46% das transações totais
de compra e venda de terra no sudoeste, que foi impulsionadas pelos
efeitos da Guerra do Paraguai sobre a região. A incumbência de
fornecer víveres, principalmente gado, ao exército brasileiro em luta,
deve ter proporcionado uma ativação dos negócios e provável
valorização da terra na região.
130
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pela pecuária goiana, esta
passou por um gradativo desenvolvimento e crescimento dos rebanhos a partir da
década de 1860, proporcionando rendas para a província, circulação de moeda e
valorização das propriedades à medida que a região sul de Goiás se integrava com
o atual sudeste do país por intermédio das relações sociais, políticas e econômicas
dos goianos com Uberaba, Araguari e, posteriormente Uberlândia, à medida que os
trilhos da estrada de ferro Mogiana foram adentrando o oeste paulista e alcançando
as terras do Triângulo Mineiro.
Eurípedes Funes ao analisar 417 inventários post-mortem das cidades de
Goiás, Pirenópolis, Luziânia, Catalão e Formosa entre os anos de 1800 e 1850,
observou que em 209 havia gado vacum entre os bens declarados. Destes cerca de
71% (150) possuíam um rebanho bovino que não ultrapassava a 40 cabeças de
129
MAGALHÃES, Sônia M. de. Alimentação, saúde e doenças em Goiás no Século XIX. Tese de
Doutorado. UNESP:Franca, 2004, p.80
130
ALENCAR LUZ; 1982, p.101-103.
gado e apenas 10% tinham rebanhos superiores a 100 cabeças.
131
Analisando os
inventários post-mortem na segunda metade do século XIX, sobretudo, a partir da
década de 1880, nota-se que houve um crescimento significativo da pecuária na
região sul de Goiás, conforme demonstra a Tabela 2.6.
TABELA 2.6 - DISTRIBUIÇÃO DOS CRIADORES DE GADO NA
REGIÃO SUL DE GOIÁS, 1843-1910
Grupo sócio-
econômico
DÉCADAS
Criadores 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 Total %
Pequenos
criadores – de 40
a 100 cabeças
- 04 11 05 15 22 08 65
59,6
Médios criadores
– de 101 a 200
cabeças
01 - 02 02 04 04 10 23
21,1
Grandes criadores
– acima de 200
cabeças
01 - 01 05 04 06 04 21
19,3
TOTAL 02 04 14 12 23 32 22 109 100%
1,8% 3,7% 12,8% 11% 21,1% 29,4% 20,2% 100%
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
À medida que a pecuária foi se tornando uma atividade econômica mais
rentável, o rebanho bovino goiano aumentou sensivelmente, sobretudo, nas décadas
de 1880 e 1900. Dentre os 536 inventários post-mortem que foram analisados na
região que corresponde ao atual sul de Goiás, apenas 109 possuíam um rebanho
superior a 40 cabeças de animais, ou seja, 21%. Deste total, 70,7% dos
inventariados classificados na categoria de criadores concentravam-se no período
de 1880 a 1910. Dos 109 da categoria de criadores 59,6% possuíam um rebanho
entre 40 a 100 cabeças de gado; 21,1% possuíam um plantel entre 101 a 200
cabeças de gado; e 19,3% acima de 200 cabeças de gado. O detentor do maior
rebanho bovino, não computado na Tabela 2.6, era o coronel Hermenegildo Lopes
131
FUNES, 1986, p. 76-85.
de Moraes que, falecido em 1905, deixou um rebanho bovino de 5000 cabeças, que
correspondia a um montante estimado na época de 75.000$000 contos de réis, mas,
representavam apenas 4,2% de seu monte-mór.
A partir desta análise dos inventários post-mortem do sul de Goiás,
observa-se que a partir da década de 1880 houve um crescimento do número de
criadores com rebanho superior a 40 cabeças de gado, estimulado pela melhoria
dos preços do gado decorrente da expansão do mercado consumidor na região
sudeste à medida que esta se dedica à lavoura de café. A expansão da lavoura de
café nessa região teve conseqüências imediatas, na pecuária e agricultura extensiva
do sul de Goiás, sobretudo, nos preços do gado.
Além do desenvolvimento da lavoura cafeeira, a partir de 1872, a
população de São Paulo, em especial, da capital começou a crescer e
paralelamente ocorreu também o crescimento do comércio. Porém, não ocorreu o
crescimento da oferta de gêneros de primeira necessidade, o que teve como
conseqüência, a carestia.
132
Segundo Emília Viotti em São Paulo,
o preço dos gêneros aumentou progressivamente entre 1855 e 1875.
Um alqueire de arroz passou de 5$100 em 1855 para 11$000 mil réis
em 1875 (aumento de 137%); o feijão passou de 4$200 para 9$000
mil réis, tendo aumentado 123% o alqueire. O açúcar e a farinha de
mandioca foram os menos atingidos pela alta. [...] A arroba do
açúcar, entre 1855 e 1875, passou de 3$300 para 5$200 mil réis
(aumento de cerca de 57%); a farinha de mandioca passou de 2$500
para 4$000 o alqueire (aumento de 65%); o toucinho passou de
7$500 para 11$000 mil réis (aumento de 46%).[...] O café subiu de
4$200 para 10$200 mil réis a arroba, teve seu preço aumentado em
142%.
133
132
MARTINS, José de Souza. A imigração e a crise do Brasil agrário.Pioneira: São Paulo, 1973 p.58.
133
COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia.- 4.ª Edição – Editora UNESP: São Paulo, 1998. p.177-
178.
Os dados apresentados na Tabela 2.7, que se referem ao volume de
exportação de gado, mostram uma participação muito expressiva da ordem de
aproximadamente 30% da arrecadação total para o erário público goiano nas
décadas de 1890 e 1910. Os dados também que as exportações de gado na década
de 1910 cresceram em torno de 71,2% em relação à década anterior.
TABELA 2.7 – A EXPORTAÇÃO DE GADO VACUM E SUA PARTICIPAÇÃO NA
ARRECADAÇÃO GLOBAL DE GOIÁS, 1858-1910
Ano Arrecadação
global
Gado
exportado
Arrecadação com o gado
exportado
% participação na
receita global
1858 135.142$100 9.577 11.759$520 8,7
1859 156.125$280 10.842 18.799$700 12,4
1860 152.011$361 7.869 15.195$000 10,0
1861 142.946$241 6.235 14.013$900 9,8
586224982 34523 59.768$120 10,2
1889 205.906$679 28.758 57.670$550 28%
1890 260.994$145 44.809 89.618$000 34%
466.900$824 73.567 147.288$550 31,5%
1891 310.225$772 53.306 118.612$000 38%
1892 316.553$202 45.364 136.060$000 43%
1893 391.145$006 26.658 81.571$000 20,8%
1894 456.567$611 34.763 152.824$210 34%
1895 395.698$274 14.111 69.533$354 17,6%
1896 503.633$059 21.159 108.822$275 21,6%
1897 703.934$163 46.190 230.127$332 32,7%
1898 762.617$204 41.817 206.995$580 27,1%
1899 686.049$976 34.511 170.813$276 24,9%
1900 757.987$551 50.597 250.457$460 33,0%
5:284.411$818 368.476 1:525.816$487 28,9%
1901 1:065.611$548 64.170 317.644$522 29,8%
1902 846.125$527 68.882 340.967$330 40,3%
1903 633.948$996 36.654 181.437$883 28,6%
1904 710.259$499 55.060 272.538$145 38,4%
1905 740.015$357 66.164 327.843$014 44,3%
1906 1:023.045$665 82.196 406.870$574 39,8%
1907 914.236$087 64.936 321.437$751 35,2%
1908 977.701$744 83.560 413.625$300 42,3%
1909 972.647$806 39.716 196.598$994 20,2%
1910 1:315.422$060 69.609 304.966$200 23,2%
9:199.014$289 630.947 3:083.929$713 33,5%
Fonte: Relatório dos Presidentes da Província de Goiás – 1858/1889; Mensagens dos Presidentes do
Estado de Goiás 1890/1910; Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas pelo Dr. Pedro
Ludovico Teixeira, Interventor Federal no Estado de Goiás.
Dentre as regiões do Estado de Goiás, muito provavelmente os maiores e
melhores rebanhos encontravam-se no sudoeste goiano. Conforme o relatório de Governo de
Xavier de Almeida (1901-1905) o gado procedente da região, especialmente, dos municípios
de Rio Verde, Jataí e Rio Bonito, onde desde a década de 1870, já se procurava aperfeiçoar a
raça bovina por meio do cruzamento das raças zebu e china com o tradicional gado curraleiro,
o que resultava em um gado mais valorizado. Enquanto que um boi curraleiro do município
de Pilar alcançava o preço de 40$000 mil réis, o boi cruzado com china ou zebu com as
antigas raças conhecidas no Estado era vendido a 70$000 mil réis nos mercados de Minas
Gerais e São Paulo.
134
GRÁFICO 2.3 - O REBANHO BOVINO E A SUA
PARTICIPAÇÃO NA RIQUEZA FAMILIAR, SUL DE
GOIÁS - 1843-1910*
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
85
90
95
100
105
110
115
120
1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900
%
Média de cabeças de gado vaccum Part./dos animais na riqueza familiar
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
*Foi levado em consideração, nesta análise, os dados do inventário do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes.
Conforme a análise nos inventários post-mortem percebe-se que ocorreu
o crescimento da atividade pastoril na atual região sul de Goiás que começou a se
intensificar a partir da década de 1860, conforme já foi mencionado. A partir dessa
época, o crescimento médio do rebanho bovino foi contínuo. Observando o Gráfico
2.3 percebe-se que o número médio de cabeças de gado por proprietário avançou
de 13,7 na década de 1860, para 20,9 em 1870, de 23,9 em 1880 para 113,9
134
Mensagem apresentada pelo Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, a Assembléia
Legislativa do Estado de Goyaz em 24 de maio de 1902. In. Relatórios dos Governos do Estado de Goiás de
1901-1905 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de Cultura,
Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 2003. (Memórias
Goianas XVI).p.71
cabeças em 1890. Em decorrência da crise da pecuária, em 1900, o número médio
de cabeças de gado por inventariado caiu para 82,2.
O ritmo da participação dos animais na riqueza também acompanhou de
forma relativa o crescimento do rebanho bovino, que não foi mais acentuado devido
à instabilidade econômica durante a primeira década do século XX. Também o
crescimento muito significativo do rebanho bovino, no período, contribuiu para que
houvesse uma queda geral nos preços do gado. Apesar disso, a participação dos
animais no monte-mór dos inventariados da atual região sul de Goiás, manteve seu
ritmo de desenvolvimento e participação, elevando-se de 5,4% em 1850 para o
patamar acima de 10% nas décadas de 1860/70, chegou a 20,6% em 1880 e fechou
o período analisado com uma participação de 27% na riqueza inventariada, durante
os primeiros anos do século XX.
A melhoria das principais vias de transporte e comunicação da atual
região sul com o sudeste do país, que teve início com a construção da estrada do sul
(ou de São Paulo) na década de 1850 que foi concluída na 1870, e posteriormente a
chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Mogiana em Uberaba, Araguari e São
Pedro de Uberabinha, no Triângulo Mineiro, em fins da década de 1880 e durante a
década 1890, foram fatores primordiais no sentido de atrair novos investimentos que
possibilitaram a construção de uma melhor infra-estrutura nas fazendas de criar:
currais, desmatamento, cercamentos das terras e pastagens e construção de
engenhos de cana e madeira. Além disso, contribuíram para desencadear um fluxo
migratório mais intenso para a região no último quartel do século XIX e primeiras
décadas do século XX.
Estes fatores associados à expansão da fronteira agrícola voltada para a
exportação, sobretudo, em Minas Gerais e São Paulo, com a ampliação da área de
lavoura de café, podem ter contribuído de forma significativa para haver uma maior
pressão no mercado interno pela demanda de produtos agropecuários, o que
acabou repercutindo também para que se elevassem os preços no mercado interno,
especialmente do gado. Diante das perspectivas de maiores lucros muitos
fazendeiros investiram na criação, que passou a ter uma participação mais
significativa nos montes mor dos criadores em relação aos demais bens da estrutura
e composição da riqueza familiar no sul de Goiás, sobretudo, entre os anos de 1890
e 1910.
GRÁFICO 2.4 - PREÇO MÉDIO DO NOVILHO DE 03 ANOS,
DA VACA E DO CAVALO - SUL DE GOIÁS, 1843-1910
-5
5
15
25
35
45
55
65
75
85
95
105
115
1850 1860 1870 1880 1890 1900
Em mil réis
Aval. Média da vaca parida Aval. Média do Novilho de 03 anos
Aval. Média do Cavalo
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Na computação dos dados que compõem o Gráfico 2.4 foram
consideradas as maiores avaliações obtidas a cada ano, levando em consideração
apenas os animais em bom estado de saúde e idade, conforme descrição – bom,
ruim, velho(a), cego – apresentadas pelos avaliadores, nos inventários post-mortem.
Conforme se observa no gráfico, o cavalo – animal muito importante na lida do gado
e utilizado nas viagens como transporte individual –, o novilho de três anos e a vaca
parida passou por um contínuo e gradativo aumento de preços com algumas
oscilações entre os anos de 1850 a 1880. No período entre as décadas de 1860 e
1890, os preços da vaca parida, do novilho e do cavalo tiveram seus valores
nominais sempre crescentes, sobretudo, na década de 1890. Nestes anos a vaca
parida teve um encarecimento acumulado de 400%, o novilho de três anos, de 290%
e o cavalo, 258%. Já na década de 1900, os valores nominais destes animais
sofreram uma depreciação da ordem de 25 a 30% em seus preços.
Na década de 1850 um cavalo bom foi avaliado nos inventários post-
mortem a um preço médio de 34$900 mil réis, sendo que no ano de 1860, chegou a
ser avaliado em 70$000 mil réis; alcançou um valor médio de 52$600 réis na década
de 1870 chegando a 80$000 mil réis; já na década de 1890 ocorreu uma valorização
nominal na ordem de 110% em relação à década anterior e alcançou uma avaliação
média de 111$000 mil réis; seu valor na década aproximou-se de 200$000 mil réis,
em 1899. Na década de 1910, ocorreu uma desvalorização nominal de cerca de
30%, sendo avaliado em média a 80$000 réis.
Os preços médios da vaca parida praticamente permaneceram estáveis
entre as décadas de 1850 e 1860, sendo uma vaca parida boa avaliada na média
em 12$000 réis; na década de 1870 ocorreu uma valorização nominal que
ultrapassou a 100% e chegou a ser avaliada em 30$000 mil reis; sofreu uma leve
desvalorização na década de 1880 com uma avaliação em média de 24$000 mil
réis; na década de 1890, a exemplo do cavalo, sofreu uma valorização nominal de
cerca de 100% e chegou a ser avaliada em 60$000 mil réis. Tendência semelhante
de valorização e desvalorização nominal seguiu também o novilho de três anos. Na
década de 1850 um novilho bom de três anos era avaliado em média em 13$400 e
alcançou o preço de 18$000 mil réis; sofreu uma desvalorização média de 25% na
década de 1860, obtendo uma avaliação média de 10$000 réis e alcançou 18$000
mil réis no ano de 1870; na década de 1870 o seu preço médio permaneceu
relativamente estável em 15$200 mil réis; na década de 1890, assim como o cavalo
e a vaca parida, o novilho de três anos sofreu uma valorização nominal próxima de
100%, e foi avaliado em média por 29$100 mil réis e chegou, em 1893 a 35$000 mil
réis; e, sofreu também na década de 1910, uma desvalorização nominal de preço de
aproximadamente 30%.
O que pode ter contribuído para desencadear a crise no comércio de gado na
década de 1900, foi por um lado, a grande crise na economia brasileira provocada pela queda
dos preços do café no mercado internacional e interno,
135
agravada pelo surto de febre aftosa
que em 1903 atingiu algumas regiões de Minas Gerais por onde transitavam os rebanhos
goianos. Estes fatores, com certeza, foram determinantes para a queda dos preços do gado nas
feiras daquele Estado o que provocou grandes prejuízos aos boiadeiros que compravam o
gado em Goiás para revendê-lo a invernistas mineiros que se viram em situação difícil.
Muitos cessaram com comércio e conseqüentemente também deixaram de ser criadores.
136
À
135
Segundo Delfim Neto, em seu livro O problema do café no Brasil afirma que “durante a década de
1890 a resposta aos estímulos do aumento da demanda e dos preços do café no mercado
internacional, provocou a ampliação da área plantada através da construção das estradas de ferro
Paulista, Sorocabana, Ituana, Mogiana e Rio Clarense, que transformou efetivamente uma enorme
quantidade de terras férteis apropriadas para a plantação de café e estimulou a corrente migratória
para o interior, ampliando a oferta de mão de obra. Desta forma, os preços atrativos do café
associada a infra-estrutura básicas de transportes e comunicação com a interiorização das estradas
de ferro, provocou um crescimento muito grande da produção que dobrou, saltando de 6 milhões de
sacas entre 1892/96 para 11,2 milhões de sacas entre 1897/98, chegando a 12,7 milhões de sacas
em 1903/04. A situação causada pelo desenvolvimento descompassado da taxa cambial e dos
preços externos do café se apresentava séria, não só do ponto de vista de cada agricultor, mas
também de todo o País. Isto porque os grandes lucros proporcionados pela cafeicultura haviam
desviado todos os recursos da classe agrícola para a produção de café, o que conduzira ao
abandono da agricultura de subsistência. As importações de cereais e de outros gêneros de consumo
haviam aumentado enormemente e pressionavam ainda mais a taxa cambial. Esta concentração de
fatores de produção na cafeicultura tomara o setor agrícola da economia brasileira extremamente
sensível às flutuações dos preços do café e a baixa desses preços não podia ser compensada, a
curto prazo, por maiores vendas de arroz, feijão, milho, porcos, etc.” In. DELFIM NETO, Antônio. O
problema do café no Brasil.Ed.Fundação Getúlio Vargas/ Ministério da Agricultura/SUPLAN: Rio de
Janeiro,1979. Op. Citi p.22-23
136
Mensagem apresentada pelo Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, a
Assembléia Legislativa do Estado de Goyaz em 24 de maio de 1902. In. Relatórios dos Governos do
Estado de Goiás de 1901-1905 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
época em auxílio e proteção à pecuária, o Congresso Nacional instituiu uma lei elevando a
taxa de importação 15$000 a 30$000 por cabeça de gado vacum. A crise no comércio de gado
trouxe muita apreensão aos criadores que viram baixar o preço do boi de 70$000 para 35$000
mil réis.
137
O aumento da taxa de importação em 1901 foi uma medida protecionista contra a
entrada do gado argentino e uruguaio cuja participação no mercado nacional era muito
significativa na segunda metade do século XIX. Com o crescimento do rebanho bovino a
partir da década de 1890, a importação de gado da região platina diminuiu, mas, em 1901 o
Brasil ainda importou do Uruguai e da Argentina 12.016 cabeças de gado; 2.747.947 quilos de
manteiga; 1.171.800 quilos de queijos; 1.147.486 quilos de leite condensado; 61.113.813
quilos de charque; 22.908.965 quilos de banha; 563.495 couros e solas.
138
A crise da pecuária
revelou o quanto a indústria pastoril encontrava-se muito aquém dos vizinhos platinos.
139
Enquanto que, no Brasil, a pecuária era ainda, no limiar do século XX, predominantemente
extensiva baseada nas condições naturais dos campos, sem amparo na educação e nos
conhecimentos, na Argentina e no Uruguai no último quartel do século XIX, já se investiam
maciçamente no melhoramento do manejo e da raça bovina, “a partir da difusão do ensino de
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 2003. (Memórias Goianas XVI).p.77
137
Mensagem apresentada pelo Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, a
Assembléia Legislativa do Estado de Goyaz em 13 de maio de 1905. In. Relatórios dos Governos do
Estado de Goiás de 1901-1905 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 2003. (Memórias Goianas XVI).p.121
138
Segundo Maria de Sousa França “em 1894 cerca de 1/3 do gado consumido na capital federal
provinha do mercado nacional. Para os intermediários que abasteciam aquele mercado e os
fluminenses, a importação do Rio da Prata oferecia uma maior margem de lucros”. FRANÇA, 1975,
Op. Cit. p.157.
139
Em 1900 a exportação Argentina havia atingido 115 milhões de peso-ouro, o que representava
mais de 62% de suas exportações que oscilava entre 180 e 200 milhões de pesos-ouro. O Uruguai
exportou artigos no valor de £ 7.000.000, quase todos provenientes da indústria pastoril, em suas
charqueadas foram abatidas mais de 511.000 cabeças de gado em 1900. CORREIA, Sezedelo. O
problema econômico no Brasil. Fundação Casa de Rui Barbosa/Senado Federal:Brasília/São Paulo,
1980.
zootecnia e agrologia no terreno da prática, e ao lado a prova das vantagens que poderiam
colher pela demonstração nos campos de experimentação”.
140
Devido a aplicação de conhecimentos técnicos e científicos a diferença
de qualidade do rebanho argentino em relação ao brasileiro era enorme, pois,
enquanto o boi brasileiro chegava a pesar em média de 200 a 210 quilos, um novilho
argentino de quatro anos já pesava cerca de 320 quilos.
141
Com estas condições o
gado platino era um potencial competidor da indústria pastoril brasileira e goiana,
sobretudo, no início do século XX, agravado ainda pela desvalorização do câmbio e
queda geral nos preços do rebanho bovino, conforme demonstra o Gráfico 2.5. além
de ter provocado uma redução de mais de 50% do volume de gado exportado pelo
Estado no ano de 1903 em relação a 1902, coincidentemente, o mesmo ocorreu no
ano de 1909, com uma redução nas exportações do Estado na ordem de 57,5% em
relação ao ano anterior, conforme Tabela 2.7.
A retração das exportações internas de gado no ano 1908, provavelmente
deveu-se à crise internacional, que provavelmente deve ter contribuído para uma
nova dificuldade no mercado e redução mais acentuada nos preços do rebanho
bovino após 1905, conforme pode ser observado de forma mais detalhada no
Gráfico 2.4. A crise
provocou a redução dos níveis globais do comércio exterior que
conseqüentemente provocou uma brusca redução na receita
tributária federal que dependia ainda de cerca de 70% do imposto de
importação, com o aumento no serviço da dívida em virtude dos
últimos empréstimos, agravou-se o déficit até 1913.
142
140
CORREIA, 1980:140-147
141
Ibid.
142
VILLELA, A. V.;SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. 2.ª
ed. IPEA: Rio de Janeiro,1975.p.20
Esse momento marcado pela expansão seguido de retração nos preços
do gado bovino foi reflexo das mudanças políticas e econômicas que estava
ocorrendo no Brasil após a proclamação da República em 1889, cujos primeiros
anos foram marcados segundo Villela e Suzigan por
períodos de maior equilíbrio orçamentário, como em 1895-96, e o
período posterior, 1896-98, caracterizado por forte desequilíbrio em
conseqüência de dificuldades cambiais. No governo de Campo Sales
a política do Governo Federal passou a estar comprometida com a
redução do papel-moeda em circulação e a eliminação dos déficits
públicos.
143
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
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130
140
150
160
170
180
190
200
210
Em mil réis
1885-1890 1891-1895 1896-1900 1901-1905 1906-1910
GRÁFICO 2.5 - A DINAMICA DOS PREÇOS DO
REBANHO BOVINO NO SUL DE GOIÁS, 1891-1910
Maior Aval./Boi de carro Menor Aval./Boi de carro
Maior Aval./Vaca parida Menor Aval./Vaca parida
Maior Aval./Cavalo Menor Aval./ Cavalo
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-
GO. - inventários post-mortem de 1885-1910.
Nesta perspectiva fazendo uma análise mais detalhada da dinâmica dos preços dos
rebanhos bovinos inventariados no sul de Goiás, entre os anos de 1890 a 1910, percebe-se que
estes também acabaram sofrendo os efeitos da crise econômica brasileira do período, que
culminou em momentos de elevação acentuada nos preços do gado (1890-1900), seguido por
oscilações e queda de preços entre os anos de 1901 a 1910, conforme se apresenta no Gráfico
143
Ibid. p. 92-93.
2.5. Do rebanho bovino, os bois de carro eram os animais mais bem valorizados e além de
serem importantes como animais de tração e transporte requeriam cuidados especiais além da
criação. Antes de serem atrelados às cangalhas dos carros, os novilhos eram cuidadosamente
selecionados, geralmente em duplas, devendo ter mesma idade, massa corpórea e tamanho
semelhantes e amansados para puxar os carros. Desta forma, chegaram a ser avaliados, nos
inventários post-mortem, em até 110$000 mil réis entre os anos de 1896-1900, estabilizando o
seu preço em 60$000 mil réis na década seguinte; as vacas paridas avaliadas entre 1886-1890
em 25$000 mil réis, mantiveram o preço estável em 60$000 mil réis entre os anos de 1890 a
1910; um cavalo bom chegou a ser avaliado em 200$000 mil réis entre os anos de 1896-1900,
já entre os anos de 1906-1910 teve seu valor reduzido a 90$000 mil réis.
Neste contexto histórico, que foi de crise na economia brasileira em
Goiás, o então presidente de Estado, Xavier de Almeida (1902-1905) em sua
Mensagem de Governo enviada ao Congresso
144
em 13 de Maio de 1905,
lamentava a relativa retração no desenvolvimento da criação de gado em Goiás,
decorrente da conjuntura política e econômica do país: muitos criadores tiveram que
reduzir ou abandonar a criação, investindo em outras atividades mais rentáveis ou
em aplicações em títulos da dívida pública. O coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, por exemplo, sogro do então Presidente de Estado, Xavier de Almeida,
aplicou somente no ano de 1895, 362.000$000 contos de réis
145
, em títulos da dívida
pública que correspondia a 50,3% do montante total de dinheiro que aplicara no
decorrer do século XIX, nesta modalidade de investimento.
144
Mensagem apresentada pelo Dr. José Xavier de Almeida, presidente do Estado de Goyaz, a
Assembléia Legislativa do Estado de Goyaz em 13 de maio de 1905. In. Relatórios dos Governos do
Estado de Goiás de 1901-1905 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 2003. (Memórias Goianas XVI).p.161
145
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida, Caixa n.º 15 (documentos
diversos e avulsos), autos n.º83.
Com a reestruturação do sistema tributário na República a partir da nova
Constituição de 1891, o Governo Federal não poderia mais cobrar os impostos de exportação,
impostos territoriais e impostos de transmissão de propriedade nos Estados. O Ministro da
Fazenda Rui Barbosa para compensar as perdas do Tesouro Nacional, propôs a criação dos
seguintes impostos: o imposto de renda às pessoas físicas que recebessem ao ano uma renda
igual ou superior a 800$000 mil réis; imposto sobre terrenos incultos e não edificados na
capital do Rio de Janeiro; imposto sobre o consumo de bebidas alcoólicas; imposto sobre o
consumo do fumo; aumento dos impostos sobre o selo.
146
Com uma maior autonomia política
e administrativa os Estados e as Câmaras dos Deputados Estaduais passaram o ter o direito de
decretar impostos. Conforme a Constituição do Estado de Goiás, promulgada em 1.º de
dezembro de 1891, em seu Art.66 estabeleceu que,
É da privativa competência da Câmara dos Deputados decretar os
seguintes impostos:
§1.ªExportação;
§2.ªTransmissão de propriedade;
§3.ª Heranças e legados;
§4.ª Velhos e novos direitos;
§5.ª Sobre aposentadoria e lotação de ofícios de justiça;
§6.ª Os que sob designação de emolumentos e expediente se
cobram nas repartições do Estado;
§7.ª Sobre títulos de nomeação e vencimentos dos empregados
públicos do Estado;
§8.ª Sobre vendas de terras pertencentes ao Estado;
§ 9.ªTaxa itinerária e passagens sobre os rios.
147
Com a República ocorreu um crescimento da carga tributária e de uma
maior fiscalização e arrecadação de impostos. Talvez por isso que a Receita
Estadual de Goiás teve um crescimento muito significativo nos primeiros dez anos
da República conforme demonstra o Gráfico 2.6.
146
Relatório do Ministro da Fazenda Rui Barbosa de junho de 1891. p. 206 Disponível no Site:
http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/provopen.html.
147
Constituição política do Estado de Goyaz de 1.º de dezembro de 1891 . In. Relatórios dos
Governos da Província de Goiás de 1891-1900 - relatórios políticos, administrativos, econômicos,
religiosos, etc./ Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura
Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 2002. (Memórias Goianas XV) p.38.
GRÁFICO 2.6 - O DESEMPENHO DA ARRECADAÇÃO DE
GOIÁS, 1889-1898.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
650
700
750
800
1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898
Em contos de réis
Arrecadação total do estado Arrecadacão com exoprtação de gado
Fonte: Relatório dos Presidentes da Província de Goiás – 1858/1889; Mensagens dos
Presidentes do Estado de Goiás 1890/1910; Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio
Vargas pelo Dr. Pedro Ludovico Teixeira, Interventor Federal no Estado de Goiás.
A arrecadação (Gráfico 2.6), entre os anos de 1889 a 1898, teve um
grande crescimento em valores nominais impulsionados, não necessariamente pelo
crescimento econômico, mas, por um lado, pela inflação do período e, por outro,
pela reforma na Legislação Tributária de 189. No período, a arrecadação cresceu
cerca de 370%, ao passo que a economia não teve o mesmo desempenho em um
tempo muito curto. Tendo como exemplo, o gado que era principal fonte de
arrecadação produtiva de Goiás no período, conforme dados dao Tabela 2.6,
percebe-se que o volume de cabeças exportadas e a conseqüentemente os valores
arrecadados oscilavam muito no período ano a ano. O volume exportado foi 35.654
cabeças anuais, a arrecadação com exportação em decorrência do encarecimento
do gado no período, cresceram em 361%, não havendo, portanto, resultado do
crescimento do volume de gado exportado.
Além disso, esse aparente crescimento significativo da arrecadação não
foi suficiente para cobrir o aumento dos encargos do Estado com o advento da
República:
em 1892, o presidente do Estado em mensagem dirigida ao poder
Legislativo, argumentava que a receita estadual era insuficiente para
fazer face às despesas que acarretava o regime republicano. Em
função da ampliação das despesas, em 1893, foi instituído o imposto
territorial e foi proposto um acréscimo de 10% sobre todos os demais
impostos estaduais. Foi criada ainda, a taxa de consumo, o imposto
predial e de exportação.
148
Ao findar o século XIX, em 1899, o gado era responsável por apenas um
terço da arrecadação do Estado. Os demais impostos que contribuíram para o
crescimento da arrecadação foram os de transmissão de propriedade, o territorial, as
taxas itinerárias, as taxas de passagens sobre os rios e a venda de terras. Estes
impostos, conforme se pode ver no Gráfico 2.7, passaram desde 1893 a ter uma
participação muito significativa na arrecadação estadual de Goiás. A contribuição
progressiva de tais impostos pode evidenciar que ocorreu no período um processo
de valorização das terras goianas, maior mobilidade social, um relativo dinamismo
da economia decorrente da intensificação do processo de ocupação, sobretudo, na
então região sul de Goiás a partir do último quartel do século XIX.
149
148
FRANÇA, 1975, p.162.
149
Ibid.
GRÁFICO 2.7 - ARRECADAÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS,
1892-1895
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
1892 1893 1894 1895 Participação geral
Impostos
%
Animais Produtos agrícolas
Transmissão de propriedade Passagens de rios
Taxa de herança e legados Indústria e profissões
Taxa itinerária Selo
Venda de terras Imposto Territorial
Diversos
Fonte: Relatório apresentado à Câmara dos Deputados em 15 de Maio de 1896 pelo presidente do
Estado Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. In. Relatórios dos Governos da Província de Goiás de
1891-1900 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade Goiana de
Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG: Goiânia, 2002.
(Memórias Goianas XV) p.190.
As reformas na legislação tributária começaram a entrar em vigor em
1893, quando o governo estadual criou novos impostos que até então não eram
cobrados: de indústrias e profissões, do selo, sobre a venda de terras e sobre a
propriedade rural. Conforme Gráfico 2.7, com esses novos impostos a receita
estadual cresceu muito após 1892 e, por outro lado, os impostos com a exportação
de gado reduziram-se de 57,4%, em 1892, para 30,8% em 1893. Enquanto que o
imposto sobre transmissão de propriedade que não atingia 5% em 1892,
representava mais de 21% do volume de impostos arrecadados no ano de 1893,
fechando o quadriênio com uma participação de 17%. Os produtos agrícolas já
começavam a figurar entre as principais fontes de arrecadação, embora com
algumas oscilações, foram responsáveis por 14,5% da receita estadual durante o
quadriênio de 1892 a 1895. Apesar de uma relativa diversificação e dinamização
econômica no período, pode-se concluir que, o vertiginoso crescimento da
arrecadação na década de 1890, não foi proporcional ao crescimento da economia
goiana. O crescimento da arrecadação está diretamente relacionado com a
autonomia garantida pelo pacto federativo aos Estados, que passaram a gerir, criar e
fiscalizar seus impostos. Desta forma, o vertiginoso crescimento da arrecadação
estadual no período indica que com o advento da República ocorreu um aumento da
carga tributária tanto por parte dos Estados quanto da União sobre os indivíduos e
produção.
Nas décadas de 1890 e 1900 ocorreu um relativo crescimento econômico
do Estado de Goiás, com uma participação nas exportações de produtos oriundos
da indústria extrativista como a borracha, e os cristais, de agromanufaturados, com
destaque, para o fumo e o açúcar e, da produção agrícola que tinha o arroz
despontando como principal produto da lavoura de exportação. Houve também, o
crescimento e diversificação dos produtos da indústria pastoril, com um maior
volume de toucinho, peles e solas exportados. Conforme os dados de exportação
apresentados na Tabela 2.4, percebe-se um contínuo dinamismo e uma maior
diversificação das atividades econômicas de Goiás na década de 1900. Além dos
produtos oriundos das atividades agropastoris – em especial o fumo, a cana-de-
açúcar e o arroz – a indústria extrativista da borracha na região do extremo norte e a
extração de cristais começaram a se destacar como importantes produtos no quadro
das exportações goianas entre os anos de 1901 e 1905.
CAPÍTULO 3
OS DESAFIOS DA ECONOMIA SUL GOIANA: O
CRÉDITO E OS MEIOS DE TRANSPORTE
3.1 - A CARÊNCIA DE MOEDA E OS PROBLEMAS DO
CRÉDITO
Enquanto a economia mineira no decorrer do século XIX tornava-se mais
dinâmica com uma produção diversificada voltada tanto para o abastecimento
interno e externo, Goiás permaneceu com uma economia predominantemente de
subsistência baseada na produção de gêneros agrícolas como arroz, feijão, milho,
mandioca, cana-de-açúcar, na agromanufatura de derivados da cana-de-açúcar, do
algodão e na pecuária extensiva. Considerava-se esta última como a principal
atividade econômica e geradora de recursos para os cofres provinciais.
A carência de moedas apresentava-se como um grande empecilho tanto
ao desenvolvimento de atividades mais produtivas, quanto ao comércio.
Mencionava-se sempre a ausência de moedas nos relatórios dos presidentes de
província, apontando a sua falta como um fator determinante que impedia o aumento
das rendas públicas. Diante desta dificuldade em 1837, o então presidente da
Província Luiz Gonzaga de Camargo Fleury lamentava a dificuldade de encontrar
coletores, pois a maioria acabava pedindo demissão. Muitos lavradores e criadores
sentiam-se intimidados e se negavam a pagar os impostos, pois declaravam não ter
dinheiro, a não ser punhados de cobre punçado. Como os coletores só podiam
receber de tal moeda até a quantia de mil réis, o restante do imposto devido
acabava ficando sem pagamento, pois mesmo que ameaçados com penhoras, os
devedores só possuíam os produtos da terra, o que não resolvia o problema, porque
o governo provincial não tinha como vendê-los. O pouco dinheiro circulava nas mãos
de negociantes e destes ia para a praça do Rio de Janeiro. Os coletores, por sua
vez, queixavam-se que a população, de uma maneira geral, se negava a pagar os
impostos e conspirava contra eles.
150
O que agravava mais a situação era o fato da
Província importar mais e exportar menos, como relatava Cunha Mattos,
tudo vai para o Rio de Janeiro, e na comarca de Goyaz fica somente
pouco cobre para circulação, e é provável que em toda ella não
girem trinta mil cruzados; pois é tal a escassez do numerário que em
alguns arraiaes, a moeda corrente são novellos de algodão fiado.
151
Tal dificuldade se iniciou devido ao sistema bancário que foi criado no
Brasil com a chegada da coroa portuguesa no Brasil em 1808.
152
Praticamente,
durante o século XIX todo ele concentrava-se na corte, o centro financeiro do país
que alimentava um setor comercial de avantajadas proporções.
153
Mesmo as
províncias com uma economia mais dinâmica sofriam com a carência de moeda.
Neste sentido, Calógeras afirma que na década de 1860, as colheitas
exigiam remessas periódicas de dinheiro, as quais empobreciam as
praças de onde o papel-moeda era exportado, e esse só retornava
lentamente devido a dificuldade das comunicações. O Rio,
principalmente, capital econômica e também política, assistia, à
época das colheitas do Norte, à drenagem do seu numerário para as
praças dessa região e sofria as conseqüências disso: elevação da
taxa de descontos, tabelas de juros muito altos, dificuldade de
realizar negócios, penúria de moeda.
154
Segundo Franco,
150
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de julho de 1838
pelo presidente da Província Luiz Gonzaga de Camargo Fleury. In. Relatórios dos Governos da
Província de Goiás de 1835-1843 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 1986. (Memórias Goianas III).p.131-132
151
CUNHA MATTOS, 1874, p.284
152
“Em 1808 ano da fundação do Banco do Brasil, foi solicitado aos governadores das capitanias que
animassem os negociantes de suas praças para que adquirissem ações do referido banco,
objetivando a constituição do fundo necessário ao seu estabelecimento.” FUNES, 1986, Op. Cit. p. 83
153
O sistema bancário da capital tinha íntimas ligações com o movimento comercial da praça do Rio,
que era o grande mercado consumidor do país. Em 1890 a população do Distrito Federal era,
aproximadamente de 522 mil habitantes e a segunda maior cidade era Salvador com 150 mil
habitantes (São Paulo, tinha apenas 75 mil habitantes). Em 1900 a população do Rio atingiu 876 mil
habitantes, enquanto que São Paulo chegava a 239 mil, sendo a segunda cidade brasileira. Em 1907,
o Rio ainda contava com o dobro dos estabelecimentos industriais de São Paulo e quase dez vezes o
valor da produção industrial de todo o estado de Minas Gerais.FRANCO, G. Op. Cit. 1983, p.25
154
CALÓGERAS, 1960:161. Apud. FRANCO, G. 1983. p. 25-26
em decorrência do reduzido desenvolvimento do sistema bancário e
sua pouca penetração no interior a prática do entesouramento era
um hábito corrente nas cidades e ainda mais acentuado no interior.
Os agricultores e outros habitantes do interior acumulavam grandes
somas, para satisfazer às suas necessidades e esse dinheiro levava
meses ou anos para ir ter aos bancos.
155
A redução da circulação de moedas na Província a partir da década de
1830 se acentuou na década de 1840, conforme os relatórios dos rendimentos da
Coletoria. Os coletores não conseguiam arrecadar todo o imposto devido, em
decorrência da redução da circulação de moedas que era agravada pela evasão
destas e do ouro para outras praças, sobretudo, para o Rio de Janeiro. O que
restava de moeda ou ouro que ficava em Goiás, concentrava-se nas mãos de
poucos, que não os faziam circular, preferindo emprestá-los a altas taxas de juros.
156
Conforme o gráfico 3.1, em 184, 40,7% dos impostos devidos deixaram de ser
arrecadados; em 1844, 42,8%; em 1847, 41,3%; em 1848 44,7%; e em 1849 55,3%.
No período, o governo provincial deixou de arrecadar 45% dos impostos.
155
The Economist, 23/12/1890, transcrito em FPR, p. 78. Com relação ao entesouramento no interior,
note-se que esse hábito era estimulado pela quase inexistência de bancos fora dos grandes centros.
A penetração da rede bancária no campo era inibida pelos canais tradicionais de intermediação, ou
seja, pelo papel do comissário como elo de ligação entre a rede bancária da capital e a fazenda. A
progressiva eliminação do comissário como intermediário foi, possivelmente, um fator que induziu, em
um momento posterior, a penetração dos estabelecimentos da capital no campo e a criação de
bancos no interior. Apud. FRANCO, G. 1983, p.28-29.
156
FUNES, 1989.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
5,5
6
6,5
Em contos réis
1843 1844 1847 1848 1849
GRÁFICO 3.1 - Rendimento das coletorias, 1843-
1849
Valor cobrado Valor a cobrar
Fonte: Rendimentos das Coletorias – A.H.G – Goiânia. In. FUNES, Eurípedes
Antônio. Goiás 1800-1850: um período de transição da mineração à
agropecuária.Ed. UFG: Goiânia, 1986. p.82
Diante destas circunstâncias, em Goiás durante o século XIX a posse
direta ou indireta da terra era a condição básica de sobrevivência e símbolo de
status social e riqueza das famílias que conseguissem concentrá-las em suas mãos.
Neste contexto, as atividades econômicas fundamentavam-se na agricultura
itinerante de subsistência e na pecuária extensiva nas quais havia de um lado, as
famílias detentoras de grandes propriedades com lavouras e campos de criação,
onde o proprietário lavrava a terra com os filhos, filhas, noras e genros, e de outro,
inúmeras famílias de agregados com residências e trabalhos provisórios, que
praticamente faziam parte da propriedade, muitas vezes ligada ao proprietário por
relações de parentesco ou compadrio. Em sua maioria, essa população era
composta de negros e pardos livres dependentes dos senhores da terra, que
concediam o direito a um pedaço onde podiam cultivar suas roças para o sustento
da família, em troca de serviços
157
. Como agregados, os lavradores geralmente não
157
Carlos Rodrigues Brandão classifica como agregados todos os trabalhadores, meeiros ou
arrendatários, que moram, solteiros ou com suas famílias nucleares, em alguma residência dentro da
recebiam em dinheiro pelos serviços prestados, diariamente, nas propriedades,
como a lida do gado, a construção de cercas, a derrubada de matos e o preparo das
roças. O pagamento geralmente era feito em espécie, a começar pelo acesso a um
pequeno pedaço de terra onde construíam as suas casas simples. Nestes terrenos
plantavam e criavam galinhas e porcos. Tudo que se produzia era dividido com os
proprietários das terras, cujos laços poderiam ser reforçados pelas relações de
compadrio, camaradagem e criadagem que, às vezes, se mantinham
ininterruptamente por gerações.
Na ausência de moedas e da cultura do dinheiro as relações de trabalho
não se fundamentavam nos princípios de uma economia capitalista e de mercado,
baseadas no pagamento de salários fixos e em moeda. As relações sociais e de
trabalho fundamentavam-se nos laços familiares, no compadrio, camaradagem e
escravidão. Os serviços de um jornaleiro segundo a literatura dos viajantes,
memorialistas e depoimentos de velhos lavradores e agregados, eram pagos em
mercadorias como arroz, milho, manteiga de porco, farinha e feijão. Saint-Hilaire ao
passar por Goiás chegou a ouvir o clamor de trabalhadores braçais que
encontravam grandes dificuldades em receber seus salários, embora este não
passasse de $600 réis por semana. O pagamento costumava ser feito em
mantimentos. Alguns negros libertos chegaram a lhe confessar que preferiam ganhar
um vintém por dia catando ouro no córrego de Santa Luzia do que receber quatro
vinténs trabalhando nas fazendas.
158
No caso do trabalho com a lida do gado era regra geral receber o
pagamento sob a forma de partilha de crias: em cada quatro novas crias, uma lhe
pertencia ao trabalhador. Dos agregados que não estavam ligados diretamente à
fazenda, podendo ser parentes ou não. Ver. BRANDÃO, Carlos R.; RAMALHO, José R. O
campesinato Goiano: três estudos.UFG:Goiânia,1986.
158
SAINT-HILAIRE, 1976.
criação, os proprietários só desejavam uma coisa o capim: podiam fazer a roça que
bem entendessem. A mata era derrubada, plantava-se a roça, e depois de algum
tempo, entre dois a três anos, o agregado tinha por obrigação entregar pasto
formado.
159
A maioria absoluta da população ganhava a vida trabalhando para os
agricultores e criadores e eram em geral pagos com produtos da terra. As mulheres
teciam e fiavam o algodão e também recebiam o pagamento sob a forma de
mercadorias.
160
Pela estrutura da riqueza que aparece nos montes-mores inventariados
os entre os anos de 1843 e 1910, pode-se afirmar que os principais produtos
destinados à comercialização eram o gado e os gêneros agrícolas. Com exceção de
produtos da agricultura que poderiam ser manufaturados, a produção não se
destinava a um mercado de grandes proporções, mas ao abastecimento familiar e
mercado local de pequena monta. Vendiam-se os excedentes derivados da cana-de-
açúcar, algodão e seus derivados, fumo e doces que eram comercializados no
mercado regional em troca de mantimentos imprescindíveis como café, açúcar,
ferramentas, tecidos e sal. A preocupação principal dos criadores era com o gado e
não com a agricultura, pois tudo que se plantava – arroz, milho, feijão – não tinha
grande valor de mercado, apenas importância para o consumo.
No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo, no
último quartel desse século, os estabelecimentos comerciais começaram a vender
uma série de produtos manufaturados que passaram a aparecer com alguma
freqüência na relação dos bens inventariados: relógios de parede, moinhos de moer
café, arame, tecidos importados e máquinas de costura. Os comerciantes vendiam
de tudo: armarinhos, ferragens, ferros em barra, calçados, couros, chapéus, secos e
159
Ibid.
160
SAINT-HILAIRE, 1975.
molhados, sal, café, açúcar, medicamentos, arreamentos, aviamentos fúnebres,
artigos de cama, mesa e banho e, também concediam créditos em moeda corrente.
Segundo Joaquim Rosa
o comércio funcionava a semana inteira e entrava a noite adentro.
Também aos domingos, as lojas mais movimentadas regurgitavam
de fregueses. E um mundão de piquiras com suas cutucas, via-se
amarrados nas estacas em frente às portas, nos ‘cabeças de
frade’.[...] era comum a troca de um pedaço de pano marca 33, de
um maço de linha Atlas com seus dez ‘carrinhos’, de um canudo de
pólvora elefante, por meia quarta de goma, umas tantas de rapadura,
meio alqueire de arroz pilado, duas medidas de puba. O regime de
troca muitas vezes substituía o mil réis.[...] As casas comerciais de
maior conceito e solidez mandavam imprimir nas tipografias de
Uberaba, vales de quinhentos réis e um mil réis, autenticados pelo
emissor. Circulavam livremente até entre cidades mais próximas.
161
O depoimento de Joaquim Rosa relatado em seus escritos intitulados Por
esse Goiás afora, relembra a juventude em Formosa, por volta da década de 1900, e
mostra como os estabelecimentos comerciais funcionavam no interior e também, o
quanto o dinheiro ainda era escasso na vida cotidiana goiana.
A partir da análise das notas promissórias de cobranças que apareciam
com freqüência nos inventários com dívidas passivas foi possível identificar o que
era consumido pelas famílias: os tipos de tecidos, as roupas mais comuns usadas
pelas pessoas no dia-a-dia, como a chita, os panos de algodão, o brim, o americano
e casimira. Da mesma forma, foi possível perceber as formas de pagamento
vigentes: dinheiro/serviços/produtos e, também, a importância que estes
estabelecimentos tinham como locais de concessão de crédito em dinheiro e
mercadorias.
Nas vilas, as lojas comerciais funcionavam semelhantemente a uma
agência bancária que possuía clientes cativos com contas correntes em aberto por
161
ROSA, Joaquim. Por esse Goiás afora. Livraria e Editora Cultura Goiana: Goiânia, 1974. p.14
sucessivos anos, de onde retiravam constantemente as mercadorias que
precisavam; pagavam parte desta dívida de tempos em tempos, de acordo com suas
condições, orientados pelo tempo das colheitas e das invernadas do gado. Desde os
indivíduos de poucas posses até os mais abastados como Antônio José de Barros
162
e Cândido Martins Parreira
163
deixavam contas em aberto por décadas. O primeiro
possuía uma aberta no estabelecimento de Francisco Soares Pinheiro por quase 20
anos, e o segundo por quase 14 anos. Tais contas somente foram pagas
definitivamente por ocasião da partilha dos bens inventariados.
Como a maioria absoluta da população residia no campo e produzia
quase tudo o que era necessário para o consumo da família, muito provavelmente
nas vilas não havia um grande dinamismo nas atividades de comércio.
O maior volume de vendas se efetuava por ocasião às festividades
religiosas locais, que eram realizadas geralmente na estação da
seca, que era o período mais favorável a viagens dos fiéis e também,
correspondia à fase anual de maior disponibilidade de recursos
financeiros dos rurícolas. As colheitas já haviam sido concluídas e
sés excedentes estavam em circulação comercial.[...] Fora destas
épocas na maioria dos aglomerados urbanos, as casas de negócio,
não permaneciam abertas durante todo o dia, por não haver
afluência de fregueses.
164
162
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1160, caixa 12 datado de 09/06/1886.
163
Ibidem, Inventário post-mortem processo n.º 1152, caixa 13 datado de 26/04/1887.
164
FRANÇA, 1975, p.136-137
GRÁFICO 3.2 - O COMÉRCIO E O CONSUMO: OS
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DO SUL DE GOIÁS, 1866-
1896*.
0
2,5
5
7,5
10
12,5
15
17,5
20
22,5
25
27,5
30
32,5
Mercadorias consumidas
%
Tecidos, vestuário, calçados, cama, mesa e banho Ferramentas
Utensílios e mantimentos do lar Medicamentos
Bebidas Sal
Açúcar Café
Empréstimos Bélico
Arreamentos Animais
Outros
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. – Notas promissórias anexas aos inventários post-mortem de 1866-1896.
Dentre os principais estabelecimentos comerciais da região sul de Goiás,
do último quartel do século XIX, destacavam-se as lojas do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes, de Francisco Soares Pinheiro e de José Luiz de Medeiros. Das 45
notas encontradas anexadas aos inventários como cobrança de dívidas, 18 eram do
estabelecimento do coronel Hermenegildo, 10 de Francisco Soares Pinheiro e 6 de
José Luiz de Medeiros; as 11 restantes eram de comerciantes diversos da região:
um de Uberaba e outro de Morrinhos.
165
Os dados apresentados no Gráfico 3.2 mostram que os maiores gastos
eram com tecidos, vestuário, roupas e artigos de cama, mesa e banho com 30%,
165
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-
GO. – Notas promissórias diversas anexas aos inventários post-mortem de 1866-1896.
seguidos por empréstimos pessoais com 28,9%, sal com 5,8%, utensílios e
mantimentos do lar 5,1%, animais 4,7%, café 4,3%, arreamentos 3%, medicamentos
2,5%, material bélico 2,3%, bebidas 2,1%, açúcar 1,6%, ferramentas 1,3% e outros
artigos diversos 8,3%. Em uma economia predominantemente voltada para o
abastecimento familiar e local, as famílias produziam quase tudo o que
necessitavam e o pouco excedente era comercializado no comércio local e o gado
para fora das fronteiras da Província. Desta forma, os gastos com produtos
alimentícios restringiam-se apenas ao açúcar e café. Segundo Oscar Leal,
além do comércio regular desenvolvido pelos estabelecimentos das
vilas, havia também, um comércio itinerante e de maior amplitude
geográfica praticado por negociantes tropeiros profissionalizados e,
ocasionalmente pelos comerciantes estabelecidos e pelos mascates.
No final do século XIX, os sírios e libaneses, já começavam a
mascatear no sul de Goiás.
166
Diante da carência de moeda os lavradores agregados e lavradores
proprietários de terras que tinham uma produção tipicamente voltada para o
abastecimento familiar e local ficavam numa permanente situação de dependência
dos grandes fazendeiros, negociantes de crédito, comerciantes de mercadorias e
gado. Contraíam dívidas em dinheiro ou mercadorias nos estabelecimentos
comerciais onde tinham contas permanentes e onde compravam as mercadorias de
consumo diário da família como: tecidos, aviamentos, café, ferramentas, pólvora, e
ainda faziam empréstimos em dinheiro.
167
O arrolamento das dívidas nas lojas
comerciais poderia durar décadas. Pagar e continuar devendo anos a fio era uma
prática comum na vida cotidiana dos sertões do Brasil, e eram os bens que davam a
166
LEAL, Oscar. Op. cit. p.157.
167
Joaquim Rosa em sua memória “Por esse Goiás afora” relembra que seu pai, que era dono de
uma loja, vendendo a fregueses do norte, mercadorias de seu estoque no fiado, embora houvesse
uma advertência escrito em um pedaço de papelão “fiado só amanhã”, a vendia-se a prazo com muita
freqüência e também, no dinheiro e no regime de badroca, isto é, troca de mercadorias de artigos
regionais, mantimentos e produtos de artesanato. ROSA, 1974. Op. Cit. p.16.
garantia aos credores, que recebiam o restante das dívidas no ato da partilha dos
bens do devedor, por ocasião de sua morte. Como o responsável por todos os
negócios da família era o pai, sempre na ocasião em que este falecia, os credores
reivindicavam o pagamento das dívidas no ato da divisão dos bens. Abatido às
dívidas, o restante do monte-mór era dividido entre os herdeiros; quando estas
suplantavam o valor do total dos bens, tinha-se que abrir mão dos recebimentos em
favor dos credores, sendo, portanto, muito freqüentemente viúvas, com vários filhos
ficarem na miséria, como observou Oscar Leal em Goiás na última década do século
XIX,
viuvas de homens que em vida passaram por bem arranjados, ora em
completa pobreza como o temos visto. Para prova podiamos transcrever aqui
o annuncio que no “Publicador Goyano” fez certo padre do Bomfim, o qual
declarava que por estar velho e contando mais dia menos dia baixar á
sepultura, desejava fazer publico que nada devia a pessoa alguma até aquella
data; podendo aliás quem por ventura se julgasse seu credor, apresentar-se
n'um prazo estabelecido, para que depois de sua morte não succedesse o
mesmo que a outros tem succedido. Em Luziania conheci mais uma viuva
carregada de filhos, mulher de muito boa fé e inexperiente, cujo marido
negociava a credito e que teve o desgosto depois da morte d'elle de ver até a
sua machina de costura, a sua thesoura e os seus proprios arreios de montar,
irem á praça para pagamento aos credores do finado.
168
Estudando os inventários post-mortem do sul de Goiás, não foi raro
encontrar viúvas que após a morte do marido ficaram em situação difícil e que no ato
da partilha tiveram que abrir mão de sua parte e dos filhos menores, em benefício
dos credores que dividiam entre si os bens da família do inventariado. Um exemplo é
o de Anna Francisca dos Reis, viúva de Francisco Alves da Costa que ao falecer em
1887, deixou-a com 12 filhos, sendo seis menores de 15 anos e uma dívida passiva
que consumia 42% dos bens do casal.
169
Outro exemplo é o de Maria Carolina de
Jesus, viúva de Manoel Bento Machado, que falecido em 1900, deixou-a com 10
168
LEAL, 1980, p. 141
169
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 586, caixa 05 datado de 09/05/1887.
filhos, sendo sete menores de 15 anos e uma dívida passiva que consumia 48% dos
bens inventariados.
170
. Estes são apenas dois casos, em meio a dezenas de outros
que fazem parte de uma amostragem de 536 inventários post-mortem distribuídos
pela atual região sul de Goiás de indivíduos que viveram na segunda metade do
século XIX, do qual, foi selecionada uma amostra de 44 cuja dívida passiva
superava mais de 40% do monte-mór inventariado. Destes, mais de 70% eram
viúvas que perderam o marido e os bens.
GRÁFICO 3.3 - ESTRUTURA E COMPOSIÇAO DA
RIQUEZA DE FAMÍLIAS ENDIVIDADAS DO SUL DE
GOIÁS, 1843-1910
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
Bens
Dívidas passivas
Inventariados
%
Animais Escravos B. Móveis
Terras Benfeitorias Casas/terrenos na Vila
D. Ativas D. Passivas Viúvo
Viúva
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
O Gráfico 3.3 mostra que na maioria dos inventários cujas dívidas
passivas acabavam superando bens do casal inventariado era composta de viúvas,
com 73%, enquanto que os viúvos representam apenas 27%. As dívidas passivas
representam 55% dos bens inventariados, ou seja, na maioria dos casos não eram
suficientes para saldar as dívidas com os credores. Os bens imóveis – terras,
170
Ibid. Inventário post-mortem processo n.º s.n., caixa 22 datado de 03/07/1900.
benfeitorias e casas na vila – tinham uma participação preponderante nos monte-
mores dos inventariados com 41,2%, sendo que no total de 44 inventariados, 77,3%
concentravam sua riqueza em bens imóveis. Deste total, apenas 15,9% podem ser
considerados criadores de gado, como Belchior Martins em cujo inventário constava
a propriedade de 405 cabeças de gado vacum, 51 eqüinos, 29 bois de carro, 17
mulas e burros e 4 escravos, que somados representavam 42,4% do total do monte-
mór; as dívidas passivas correspondiam a 42% da riqueza. Dos 44 inventários,
81,1%, pelo que apresentaram na disposição dos montes-mores, tinham sua riqueza
concentrada na posse de bens imóveis e uma produção voltada para o
abastecimento familiar.
Desta forma, as evidências assinalam que embora a moeda estivesse
presente na sociedade, não circulava de mão em mão e sua movimentação era
dificultada pelas grandes distâncias dos mercados e pelos precários meios de
transporte. Mesmo as pessoas que tinham posses, que em valores nominais
chegavam a dezenas de contos de réis em terras, bens móveis e gado, declaravam
não possuir dinheiro, por vezes sequer para cobrir as custas de um processo de
inventário no valor de 200$000 mil réis, e muitos menos para quitar as dívidas
passivas. No entanto, à medida que a economia regional foi se tornando mais
dinâmica e Goiás se consolidava como um considerável mercado consumidor e
fornecedor de produtos agropecuários para a região sudeste, a necessidade de
moeda em circulação tornou-se mais evidente. Isso se acentuou à medida que
novos hábitos de consumo e, sobretudo, a necessidade de novos investimentos em
infraestrutura para o desenvolvimento da agricultura e criação de gado se tornou
necessários.
Alcântara Machado ao analisar os inventários post-mortem de São Paulo nos
séculos precedentes, deparou-se com uma estrutura econômica parecida com a de Goiás no
século XIX. O autor chegou à conclusão de que a conjuntura econômica paulista no período
caracterizava-se pelo
baixo nível de produção e consumo, era pequena a circulação monetária
onde se contavam pelos dedos os espólios em que apareciam em alguns
tostões de prata ou alguma moeda de ouro[...] Tamanha era a escassez de
numerário, que os colonos voltavam ao sistema pré-histórico dos escambos
in natura, dos pagamentos em espécie.
171
O autor relacionou os artigos que apareciam nos documentos, dados como
pagamento: “o açúcar, as carnes de porco, as galinhas, o pano de algodão, o mel, a
aguardente, a marmelada, os feijões, a farinha de guerra boa de receber.”
172
Apesar da existência de um único produto, o gado, que propiciava o
estabelecimento de uma relativa corrente de comércio com a Bahia e Minas Gerais,
sobressaía-se durante o século XIX uma economia com uma produção voltada para
o abastecimento familiar e regional que diante da escassez de moeda, tornava a
prática do escambo muito freqüente nas relações sócio-econômicas, em Goiás. A
permuta fazia parte das relações da vida cotidiana goiana, desde o pagamento de
dias de serviço na lavoura ou da lida com o gado e na compra e venda de
mercadorias no comércio local. À época negociava-se de tudo, de dinheiro a dias de
serviço na roça, a serviços de transporte em carros de bois, de produtos agrícolas e
agromanufaturados, (aguardente, rapaduras, queijos fumo) a campeio de gado.
171
ALCANTARA MACHADO, J. Vida e morte do bandeirante. 2.ª ed., São Paulo, Empresa Graphica
da Revista dos Tribunais, 1930, p.19. Apud. CARDOSO DE MELLO, Zélia Maria Metamorfose da
riqueza São Paulo, 1845-1895. 2.ª Ed. Hucitec : São Paulo, 1990. p. 39-40
172
CARDOSO DE MELLO, 1990, p.39-40.
GRÁFICO 3.4 - A DIMICA DAS DÍVIDAS
PASSIVAS NOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM, SUL
DE GOIÁS - 1860-1910
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
85
90
95
1860 1870 1880 1890 1900
%
Sem dinheiro para pagamento das dívidas
Com dívidas a receber ou a pagar
Sem dívidas
Com dívidas passivas
Com dívidas ativas
Participação das dívidas ativas na riqueza
Participação das dívidas passivas na riqueza
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1860-1910.
Lavradores e criadores contraíam empréstimos com capitalistas, que
geralmente monopolizam o comércio e o crédito regional, apesar de certa dificuldade
nos recebimentos. Em um total de 473 inventariados pesquisados entre os anos de
1860 a 1910, 27% mostravam não haver dinheiro para pagar as custas do
inventário. Praticamente, em todos os inventários em que constava a existência de
dívidas passivas, independentemente de possuir bens suficientes ou não para quitá-
las não exibiam dinheiro para pagá-las.
Pela estrutura dos inventários post-mortem, no sul de Goiás, ficar
devendo ou ter que receber de alguém era algo muito freqüente, o que demonstra
que a maioria da população que tinha riqueza assentada na posse de bens imóveis,
não possuía dinheiro para saldar seus compromissos do dia-a-dia. Entre os anos de
1860 a 1910, 71,8% dos inventariados declararam possuir dívidas ativas ou passivas
e, apenas 28,2%, não possuíam dívida alguma; 60% tinham dívidas a pagar,
enquanto que, 46,5% declararam possuir dívidas a receber; as dívidas passivas
tinham uma participação em média de 11,4% na riqueza, já as dividas passivas,
17,5%.
No entanto, observando a dinâmica das dívidas passivas apresentadas no
Gráfico 3.4, percebe-se que no decorrer do período, sobretudo, a partir da década
de 1880, houve um relativo crescimento do crédito e da circulação de dinheiro na
região, pois o governo imperial a partir de 1854 começou a empreender uma política
de emissão gradativa de papel moeda, que perdurou até o governo de Campos
Sales. Desta forma, à medida que ocorria o crescimento de papel moeda em
circulação, o número de inventariados que declarava possuir dívidas ativas e
passivas decresceu, principalmente após a década de 1880. O contexto histórico
que compreende as décadas de 1860 e 1880, talvez tenha sido um dos mais críticos
da economia da região sul de Goiás, diante da necessidade de moedas e de crédito.
Na década de 1860, 72% dos inventariados declarou possuir dívidas ativas ou
passivas, índice que chegou a 89,2% na década de 1880, resultado semelhante
encontrado aos que declararam possuir dívidas passivas: 58,7% tinham dívidas
passivas em 1860, índice que subiu a 84,8% na década de 1880. Da mesma forma,
os inventários em que não havia recursos em dinheiro para pagar os custos do
inventário e a participação das dívidas passivas também tiveram uma progressão
crescente (Gráfico 3.4).
O período compreendido entre 1890 a 1910, foi marcado por um
crescimento relativo da economia goiana, em especial, da pecuária e, sobretudo,
pela maior intercâmbio de Goiás com a região sudeste, por meio dos trilhos da
estrada de ferro. Provavelmente, tal crescimento provocou uma maior circulação de
capital e moeda na região sul de Goiás e, por conseguinte, contribuiu para reduzir o
número de inventariados com dívidas passivas e ativas declaradas no momento do
inventário dos bens. Por outro lado, isto não significou que ocorreu uma redução da
participação do ativo e passivo na riqueza familiar; ao contrário, com o crescimento
do papel moeda em circulação, algumas famílias mais abastadas e com uma
mentalidade mais capitalista passaram a diversificar suas atividades produtivas,
dedicando-se, especialmente a atividades de crédito, o que conseqüentemente deve
ter contribuído para que as dívidas ativas, nos anos de 1860, tivessem uma
participação na riqueza inventariada entre 8% e 10%; a partir da década de 1890,
passaram a ter uma maior participação ultrapassando a 20% da riqueza
inventariada, na década de 1900.
173
Da mesma forma, as dívidas passivas após um
momento de queda na participação da riqueza na década de 1890 tiveram,
novamente, um momento de crescimento na primeira década do século XX.
TABELA 3.1 – A OFERTA DE MOEDA E A RELAÇÃO COM O CRESCIMENTO
DAS DÍVIDAS ATIVAS E PASSIVAS NO SUL DE GOIÁS, 1860-1900.
DÉCADAS MÉDIA DE PAPEL MOEDA
EM CIRCULAÇÃO
%
MÉDIA DE DÍVIDAS ATIVAS E
PASSIVAS
%
173
Com o objetivo de evitar discrepâncias na análise, não levado em consideração na soma dos
monte-mores dos inventariados na década de 1900, o inventário do coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, que somente as dívidas ativas correspondia a 630.077$324 mil contos de réis que
correspondia a 92,5% da riqueza inventariada no período.
(Em milhares de contos de
réis)
ACUMULADAS
(Em contos de réis)
1860 117 100 48 100
1870 193 165 53 110
1880 218 186 151 315
1890 670 573 176 367
Fonte: CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império do Brasil. Senado
Federal/Fundação Casa de Rui Barbosa:Rio de Janeiro, 1980 p.742-743; FISHLOW, Albert. Origens e
conseqüências da substituição de importações no Brasil. In. VERSIANI, Flávio Rabelo; BARROS, José Roberto
Mendonça de.(Orgs.) Formação econômica do Brasil: a experiência da industrialização.Saraiva:São Paulo,1978.
p.13; Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. -
inventários post-mortem de 1860-1910.
Conforme os dados apresentados na Tabela 3.1, é possível supor que à
medida que o governo imperial e o então recente governo republicano aumentou o
volume de papel moeda em circulação, ocorreu também, o crescimento da
participação das dívidas passivas e ativas nos inventários post-mortem, entre os
anos de 1860 a 1900. Enquanto que no período, o volume de papel moeda cresceu
na ordem de 573%, as dívidas ativas e passivas cresceram 367% no conjunto da
riqueza inventariada, principalmente, entre as famílias mais abastadas. Ou seja, com
uma maior integração da região aos mercados da região sudeste, via estrada de
ferro, e com o crescimento da oferta de moeda, intensificaram-se as relações
sociais, econômicas e comerciais e, ocorreu uma maior monetarização da
sociedade. Na ausência de instituições de financiamento e de crédito entrou em
cena a figura do capitalista – que em Goiás poderia ser comerciante, grande
proprietário/criador e proprietário de tropas de mulas e burros – indivíduos
integrados ao mercado local e regional que alem de concentrar riqueza
monopolizavam o crédito no interior do Brasil. Cardoso de Mello refere-se às figuras
que desempenharam um importante papel na economia regional:
na ausência de bancos ou devido ao pequeno desenvolvimento
regional estas pessoas funcionavam como emprestadores
particulares de quantias significativas que possibilitavam o giro de
dinheiro necessário em uma economia em mudança.
174
O isolamento relacionado à falta de meios de transportes eficientes, a precariedade
das estradas e a grande distância em relação aos principais centros econômicos, não eram
empecilhos para que algumas famílias conseguissem acumular riqueza no sul de Goiás. Em
um ambiente agrário e rústico os proprietários de grandes extensões de terra e de gado e os
proprietários de estabelecimentos comerciais souberam tirar proveito e vantagens econômicas
e políticas de uma estrutura tipicamente agrária marcada por relações pré-capitalistas e
mercantis o qual o poder político, a terra, a produção econômica, o comércio e o dinheiro em
circulação concentravam-se em suas mãos. Segundo Victor Nunes Leal,
somente essa elite agrária é que tinha facilidade de capitalizar recursos e
obter financiamento, mercadorias e dinheiro que se convertem no
oferecimento de favores a uma população rural composta em sua grande
maioria de lavradores agregados e proprietários que tiravam o sustento no
trabalho com a terra, e que viviam no mais lamentável estado de “pobreza” e
ignorância diante do “coronel”.
175
Neste contexto agrário o prestígio social e político estavam nas famílias que
pudessem oferecer maiores quantidades de favores através do empréstimo de dinheiro e
compra de mercadorias no fiado.
176
Nesta conjuntura para gerar capitais, era necessário que
um indivíduo diversificasse suas atividades produtivas: além de proprietário de grandes
extensões de terras dever-se-ia exercer atividades diversas, como por exemplo, o coronel
174
CARDOSO DE MELO, 1990, p.92.
175
“O coronelismo tem sido entendido como uma forma específica de poder político brasileiro, que floresceu
durante a Primeira República, e cujas raízes remontam ao Império. [...] Uma das grandes surpresas dos
republicanos históricos, quase imediatamente após a proclamação da República, foi a persistência desse sistema,
que acreditavam ter anulado com a modificação do processo eleitoral. A Constituição Brasileira de 1891
outorgou o direito de voto a todo o cidadão brasileiro ou naturalizado que fosse alfabetizado; assim, pareciam
extintas as antigas barreiras econômicas e políticas, e um amplo eleitorado poderia teoricamente exprimir
livremente sua escolha.” QUEIROZ, Maria Izaura Pereira. O coronelismo numa interpretação sociológica. 1969,
In. FAUSTO, Boris. (org). História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. Vol.VIII. 6.ª Ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. Op. Cit. p. 61
176
“É, pois, para o próprio ‘coronel’ que recorria o roceiro nos momentos de apertura, comprando
fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas mesmas condições, para
outras necessidades.” LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime
representativo no Brasil. 3.ª Ed. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1997. Op. Cit. p.43.
Hermenegildo Lopes de Moraes, que teve a princípio, boa parte de sua fortuna adquirida
durante a Guerra do Paraguai, ao fornecer grandes quantidades de sal às tropas que passavam
pelo Porto de Santa Rita do Paranaíba em direção ao Estado do Mato Grosso. Possuía sua
própria tropa de burros e mulas, mantinha três importantes casas comerciais no sul de Goiás,
em Santa Rita do Paranaíba, Morrinhos e Pouso Alto, em seu nome e de seus familiares, que
eram encarregados de administrá-las. Além de ser talvez, o maior latifundiário do Estado,
com cerca de 48.000
177
alqueires goianos de terras espalhadas pelos municípios de Morrinhos,
Santa Rita do Paranaíba, Distrito de Alemão, Rio Verde, Pouso Alto e Bom Jesus, era também
capitalista e financiava negócios públicos e privados emprestando dinheiro a juros tanto no
sudeste, sudoeste e sul de Goiás, como no Triângulo Mineiro. Também exerceu várias
ocupações na administração pública sendo Intendente Municipal e seu nome figura entre os
Vice-Governadores de Estado, de 1889 até à sua morte em 1905.
Dentre a mostra dos 536 inventariados da região sul de Goiás que foram
analisados o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes reunia todas as qualidades de um
tradicional coronel. Uma vez estabelecido em Morrinhos, por volta de 1870, logo se tornou
um chefe político local e a partir de uma série de alianças e casamentos estratégicos de seus
filhos e enteados, conseguiu alargar sua influência no âmbito regional e provincial/estadual e,
também, por meio do financiamento de obras públicas e privadas. Leite de Moraes, em
passagem por Morrinhos, à ocasião de sua viagem para assumir o a presidência da Província
de Goiás em 1881, hospedou-se em sua casa, considerando-a como uma única construção que
representava o verdadeiro símbolo do trabalho e progresso em meio a um lugarejo composto
de pequenas casas espalhadas pelas ruas alagadas e lamacentas.
178
Em sua obra Apontamentos
de viagem, faz referência à figura do coronel Hermenegildo: consideru-o um “cidadão distinto
por seu caráter, por suas qualidades morais e por seus serviços à causa pública não deixando
177
ALENCAR, 1993.
178
LEITE DE MORAES, 1995.
também de destacar a importância que teve em seu governo, na administração dos
melhoramentos materiais realizados na estrada do sul.”
179
Entre 1871 e 1901 adquiriu 27 propriedades que correspondiam a um
valor total de 39.273$000, no município de Morrinhos.
180
Explorava as terras
desenvolvendo atividades agropastoris e controlava os principais setores comerciais
e financeiros da região sul de Goiás, suprindo a inexistência de bancos sendo,
portanto, ao mesmo tempo, proprietário de terras e capitalista.
181
Tendo-se
estabelecido na Vila Bela de Morrinhos por volta de 1870 exerceu diversas
atividades e conseguiu acumular prestígio, poder econômico e político que lhe
permitiu criar uma estrutura que propiciou a seus sucessores a ascensão política no
âmbito estadual e federal. A sua influência era tão grande “a ponto de líderes da
capital do Estado irem à cidade de Morrinhos para, de acordo com o coronel
Hermenegildo, escolherem a chapa dos representantes goianos à Assembléia
Nacional Constituinte”,
182
o que atesta a sua importância política em Goiás nos
primeiros anos da Primeira República.
Enviou seus três filhos para estudarem, em São Paulo, tendo em vista
que esta condição seria o passaporte para vôos políticos altos. Os filhos
Hermenegildo Lopes de Moraes Filho e Alfredo Lopes de Moraes bacharelaram-se
em Direito. O primeiro foi deputado federal e senador federal e, chegou a ser eleito
Presidente do Estado em 1909, mas foi impedido de tomar posse. O segundo
Alfredo Lopes de Moraes, também foi deputado federal e Presidente do Estado de
1929 a 1930. Seu genro José Xavier de Almeida foi deputado federal e Presidente
do Estado de 1901 a 1905. E o outro filho, Francisco Lopes de Moraes, embora
179
Ibid. p.84
180
Ainda fez investimentos de muito valor no município de Rio Verde.
181
ALENCAR, 1993.
182
ALMEIDA, Guilherme Xavier de. “Sobrado”. Revista VI Festa de Artes de Morrinhos, n.º 2, 1970,
p.14
tivesse abandonado os estudos ocupou vários cargos públicos no município e
exerceu um mandato de deputado estadual.
Ao falecer em 1905, de acordo com os seus bens inventariados, acumulou uma
fortuna de 1.774:775$476 mil contos réis distribuídos entre bens móveis 21:342$500 contos
de réis, bens imóveis 256:045$810
183
contos de réis, bens semoventes 81:600$000
(equivalente a 5.000 cabeças de gado, 50 burros arriados e 40 cavalos selados), dinheiro
aplicado em duas cadernetas de poupança no valor de 10.000$000 contos de réis, 720 títulos
de dívida pública no valor total de 740:000$000 (setecentos e quarenta contos de réis), dívidas
ativas no valor de 630:077$324 (seiscentos e trinta contos, setenta e sete mil trezentos e vinte
quatro réis) e lucros em casas comerciais que somavam 15:689$842 (quinze contos,
seiscentos e oitenta e nove mil oitocentos e quarenta e dois réis)
184
. Boa parte desta riqueza,
provavelmente deve ter sido formada “durante a Guerra do Paraguai, quando o coronel
Hermenegildo fornecia grandes quantidades de sal às tropas que ali passavam rumo ao Estado
do Mato Grosso e, por emprestar dinheiro tanto no sudeste goiano quanto no Triângulo
Mineiro.
185
” Em um contexto em que o acesso a bancos não era privilégio da grande maioria
dos goianos, o coronel Hermenegildo foi único em cujo monte-mór havia a declaração de
possuir dinheiro aplicado em cadernetas de poupança na Caixa Econômica. No período de
1843 a 1910, mesmo com o aumento do volume de papel moeda emitido pelo governo
imperial e nos primeiros anos da república, o dinheiro, no início do século XX, aparecia com
pouca freqüência e, geralmente, nas mãos de negociantes – comerciantes, criadores de gado,
comerciantes de sal e negociantes de crédito – que na ausência de bancos, emprestavam
dinheiro a juros em torno de 1% a 2% ao mês.
183
O Coronel Hermenegildo Lopes de Moraes em 1905 era detentor de cerca de 48.000 alqueires
goiano de terras nas regiões Sul e Sudoeste do Estado de Goiás.
184
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida da cidade de Morrinhos Caixa n.º
15 (documentos diversos e avulsos), autos n.º83.
185
FONSECA, 1995, p.35-36.
GRÁFICO 3.5 - PARTICIPAÇAO DO DINHEIRO NA
RIQUEZA, SEGUNDO CATEGORIAS SÓCIO-ECONÔMICAS
- SUL DE GOIÁS, 1843-1910*
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
5,5
6
6,5
Categoria sócio-econômica
%
Lavrador/agregado Pequeno proprietário
Médio proprietário Riqueza concentrada em terras
Riqueza concentrada em escravos Criadores
Habitante da Vila
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910
* O inventário do coronel Hermenegildo Lopes Moraes não esta incluído nesta amostra
que corresponde a 536 inventários post-mortem.
Conforme Gráfico 3.5, além do dinheiro ter pouca participação nos monte-
mores dos inventariados entre os anos de 1843-1910, este se concentrava nas
mãos de quem possuía uma produção econômica que excedia às necessidades
básicas da família e abastecimento do mercado local, com destaque para os
comerciantes, que geralmente residiam na vila onde tocavam seus estabelecimentos
comerciais e os criadores de gado que em sua grande maioria residiam no campo.
Mesmo assim, globalmente a participação do dinheiro como riqueza nos montes-
mores era pequena. Entre classificados como lavradores agregados, pequenos
proprietários, médios proprietários, com riqueza concentrada em terras e em
escravos, a participação do dinheiro não ultrapassava 1%, da riqueza total
inventariada. Enquanto que entre os criadores de gado a participação do dinheiro
como riqueza no monte-mór foi de 3% e, entre os habitantes da vila, cuja maioria
eram proprietários de estabelecimentos comerciais ou negociantes de crédito, o
dinheiro correspondia a 6% da riqueza inventariada. Seguindo essa tendência, o
volume de dívidas ativas, que é dinheiro emprestado a alguém a título de crédito
concentrava-se também entre as famílias mais ricas.
A pouca presença do dinheiro pode ser explicado pela sua escassez,
embora talvez fosse também uma prática muito comum dos inventariantes omitirem
a posse de dinheiro na declaração dos bens. Os dados apresentados fornecem uma
idéia de que a moeda aparecia com maior freqüência entre os indivíduos que
possuíam uma estrutura de produção econômica mais dinâmica e centrada na
criação e comércio de gado, venda de mercadorias e em atividades de crédito.
Apesar de haver uma pequena população residente nas vilas, esta tinha uma grande
importância na vida social, cultural e econômica, pois era onde se encontravam os
principais estabelecimentos comerciais e se realizavam atividades de crédito, ou
seja, era onde circulava o dinheiro e residiam os principais comerciantes e
negociadores de crédito, como por exemplo, o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes.
GRÁFICO 3.6 - DISTRIBUIÇÃO DAS DÍVIDAS ATIVAS,
CONFORME GRUPOS DE RIQUEZA - SUL DE GOIÁS,
1850- 1910
81
42
18,2
31,2
31,7
0,9
19
58
81,8
68,8
68,3
99,1
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1850 1860 1870 1880 1890 1900
%
Até 10 contos de réis Acima de 10 contos de réis
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-
GO. - inventários post-mortem de 1850-1910.
Entre os anos de 1850 a 1910, na região sul de Goiás, apenas 12,4% (62
inventários) dos inventariados declararam possuir uma riqueza superior a
10.000$000 contos de réis. Deste total, 53,2% (33 inventários) estão distribuídos nas
décadas de 1890 e 1900. Analisando a distribuição das dívidas ativas percebe-se
que estas concentravam nos inventários dos que pertenciam a famílias mais
abastadas, acentuando-se no decorrer das décadas, à medida que a participação do
volume de dívidas ativas decrescia entre inventariados com monte-mór inferior até
10.000$000 contos de réis.
De 19% na década de 1850, os mais ricos passaram a concentrar 99,1%
do volume de dívidas ativas, na década de 1900, especialmente os monopolizadores
do crédito como, o capitão Florentino de Araújo, residente na fazenda Paraíso da
Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Morrinhos, que na década de 1840
apresentou um monte-mór avaliado em 14.170$830, o maior rebanho bovino com
cerca de 280 cabeças de gado vacum e um volume de dívidas a receber no valor de
3.722$060 contos de réis, que representavam 26,3% do seu monte-mór;
186
; na
década de 1860, no inventário de Pedro José da Silva Ferrugem residente na Vila
Bela de Morrinhos fazendeiro, criador de gado e negociante, apresentou-se um
monte-mór avaliado em 21.090$869 contos de réis do qual faziam parte um rebanho
de 140 cabeças de gado vacum e um volume em dívidas ativas de 8.612$229
contos de réis, o que representava cerca de 40% da riqueza inventariada
187
; na
década de 1870, o tenente coronel Luis Gonzaga de Menezes, residente no distrito
de Caldas Novas, fazendeiro, criador de gado e negociante tinha um monte-mór
186
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida da cidade de Morrinhos, Pasta n.º
01, autos n.º s.n. Inventariado em 03/12/1846.
187
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida da cidade de Morrinhos Pasta n.º
03, autos n.º s.n. Inventariado em 11/05/1863.
avaliado em 82.962$494 contos de réis, um rebanho de 591 cabeças de gado
vacum, incluindo 33 bois de carro, 22 escravos, propriedade de um estabelecimento
comercial e volume em dívidas ativas a receber no valor de 14.831$832 contos de
réis, equivalente a 17,8% de sua riqueza
188
; na década de 1890, o Capitão José
Missias Ferreira de Ázara fazendeiro, criador de gado e negociante, possuía um
monte-mór avaliado em 47.179$621 contos de réis, um rebanho de 159 cabeças de
gado vacum, dívidas ativas a receber no valor de 15.646$491, que correspondia a
33% do total, sendo que, 30,9% deste estávamos comprometidos com dívidas a
pagar que correspondiam a um valor total de 14.856$130 e, deste valor, 8.679$531
eram dívidas de crédito contraídas com o coronel Hermenegildo Lopes de Moraes e
5.824$370, para com loja comercial Castilhos & Cia, atacadista do Rio de Janeiro.
189
Na década de 1900, o grande credor e detentor da maior fortuna
inventariada da mostra de 518 inventários foi o coronel Hermenegildo Lopes de
Moraes, falecido em 1905, cuja fortuna, comentada anteriormente, tinha valor muito
alto para os padrões de riqueza da região das famílias mais abastadas que não
chegavam a ultrapassar cifra dos 100 contos de réis; possuía também um volume
grande de dívidas ativas declaradas que correspondiam a 35,5% de sua riqueza,
montante que o caracteriza também, como um grande financiador e monopolizador
do crédito na região.
Com o suceder das gerações, à medida que as propriedades rurais eram
divididas entre os herdeiros dos casais, famílias que tradicionalmente detinham a
posse de grandes extensões de terras e de dezenas de escravos, mas que não se
preocuparam em dinamizar sua produção investindo, sobretudo, na criação de gado,
188
Escrivania de família do Fórum de Caldas Novas Pasta n.º 03, autos n.º58 Inventariado em
15/03/1875.
189
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida da cidade de Morrinhos Pasta n.º
20, autos n.º659 Inventariado em 09/11/1896.
acabaram não conseguindo se capitalizar e não acumularam fortuna, seja em
dinheiro ou em espécie. Muitos constituíram proles extensas, no suceder das
gerações, e não se adaptarem às mudanças e transformações provocadas pela
maior inserção da região em uma economia de mercado cada vez mais dinâmica,
sobretudo, a partir do último quartel do século XIX, com o desenvolvimento
econômico da região sudeste. Sobretudo, com o advento da economia cafeeira,
novas relações econômicas e sociais de produção foram sendo introduzidas e
acentuaram o processo de monetarização das relações sociais no campo, diante das
necessidades cada vez mais urgentes de uma produção de mercado, à medida que
as distâncias iam sendo suplantadas com a chegada dos trilhos da estrada de ferro.
As famílias que não se adaptaram às mudanças e transformações sócio-culturais
calcadas em uma economia de mercado acabaram tendo sua riqueza esfacelada
pelo endividamento, venda ou troca das terras por ninharias e conseqüentemente,
os descendentes ficaram sem a posse da terra. Algumas poucas famílias, como a do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes, com um espírito empreendedor e capitalista
acabaram tirando proveito das adversidades e das novas possibilidades advindas
com a chegada dos novos tempos.
3.2 – OS CARROS DE BOIS E A ESTRADA DE FERRO
A maior diversificação e dinamização da economia goiana no limiar do
século XX podem-se dizer, foram decorrentes das transformações provocadas pela
industrialização que revolucionou os meios de comunicação e transportes com a
implantação do telégrafo e das estradas de ferro.
190
Porém, durante o período
estudado, o ritmo da economia goiana seguia o seu curso ritmado pelo tropel das
mulas e burros, acompanhados pela sinfonia do ranger dos carros e mugir dos bois,
que tinham que transpor diariamente, antes da expansão ferroviária, as 240 léguas
que separavam Goiás do Rio de Janeiro, pelas estradas de Minas Gerais e São
Paulo. Tais estradas tornavam péssimas e quase intransitáveis em épocas de
chuvas intensas.
Essas estradas por Minas e São Paulo, que no tempo secco
offerecem transito fácil, especialmente a de São Paulo pela qual
190
Segundo Maria de Sousa França “no final do século XIX os portos de arrecadação de maior
circulação de mercadorias eram aqueles localizados mais próximos da estrada de ferro.” FRANÇA,
1975, Op. Cit. p.152-153
transitão carros de bois, tornão-se ruins no tempo das chuvas, e
havendo em ambas falta absoluta de benefício, o transito é
difficil e interrompido a cada passo pelo crescimento das águas
de muitos córregos, que não raro obrigão os tropeiros a pararem
muitos dias até que seja possível passar, e pelos atoleiros,
concorrendo mais ainda para as difficuldades as febres
intermitentes que são freqüentes em toda a extensão das
estradas.
191
Em 1870 o então presidente da Província, Ernesto Augusto Pereira, em
seu relatório à Assembléia Legislativa, demonstrava insatisfação em relação à
precariedade dos transportes e estradas que eram os grandes empecilhos ao
desenvolvimento do comércio, da agricultura e criação em Goiás. As tropas
gastavam em média 60 dias de viagem, em tempos de estiagem, do Rio de Janeiro
à cidade de Goiás; nos períodos de chuva, o tempo das viagens era impreciso. Além
de ser um transporte oneroso, o preço por cada arroba transportada variava entre
12$000 e 16$000 réis. Muitos gêneros de primeira necessidade deixavam de ser
importados ou exportados por serem perecíveis, como os alimentos, devido à
necessidade de carregá-los e descarregá-los diariamente. A chuva, o sol ardente, a
poeira e a brutalidade dos carregadores causavam a deteriorização dos produtos.
O transporte de mercadorias com peso superior a seis arrobas era
impossível de ser realizado. Um maquinário, que já era utilizado em fazendas
paulistas, para o trabalho na lavoura devido ao seu grande peso não poderia ser
conduzido por um único animal. Se separadas, as partes ocupariam um grande
número de animais o que tornaria o transporte muito caro, impossibilitado a lavoura
goiana de utilizar maquinários já empregados nas fazendas de outras regiões. Assim
que, se um objeto representasse grande volume, ainda tivesse que pouco peso era
191
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de agosto de 1870
pelo presidente da Província Ernesto Augusto Pereira. In. Relatórios dos Governos da Província de
Goiás de 1870-1874 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./ Sociedade
Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora UCG:
Goiânia, 1999. (Memórias Goianas XI).p.21
considerado como a metade da carga de um animal e custavam pelo menos 48$000
réis de frete. Se o objeto era de pequeno volume, mas de muito peso, mesmo sendo
muito barato, o preço da arroba era sempre o mesmo, como por exemplo, o ferro
que custava de 4$000 a 5$000 réis a arroba no Rio de Janeiro e pagava de frete, de
12$000 réis por arroba.
192
Nessas condições, mesmo que um lavrador plantasse
milho, feijão e arroz em quantidades que excedessem à necessidade alimentar de
sua família, era inviável que seus produtos chegassem a um mercado consumidor
mais distante.
No final do século XIX, mesmo com a estrada de ferro em Uberaba e
Araguari no Triângulo Mineiro, o sal ainda continuava sendo um produto muito caro.
Segundo Serzedelo Correia os impostos e os custos de transportes contribuíam para
o seu encarecimento. Custavam originariamente nos portos Rio de Janeiro 12$500
mil réis, a tonelada e chegava ao interior de Minas Gerais ao preço de 865$600 mil
réis, sem levar ainda em consideração os lucros dos negociantes.
193
Por ser o sal um produto de grande valor os negociantes da região do Triângulo
Mineiro e Goiás fizeram fortuna com o seu comércio. Gama Cerqueira em seu relatório de
governo de 1858 apontou um abastado negociante de Uberaba, na província de Minas Gerais,
que importava grandes carregamentos de sal de Mogi-Mirim, através da via fluvial, e os
revendia nos mercados mineiro e goiano, obtendo grandes lucros deste comércio que lhe
192
Ibid. p 10
193
I-Preço do Sal 12$500 a tonelada;
II - Imposto Municipal 2$000
III – Imposto Estadual 17$500
IV – Imposto de Gabela 30$000
V – Frete Marítimo 16$600
VI – Frete de estrada de ferro 25$000
VII – Condução em carros e tropas 725$000
VIII – Gabela mineira 33$000
IX – Aferição mineira 4$000
X – Benefício dos intermediários s.v.
Preço da tonelada em Minas Gerais 865$600
proporcionou acumular uma avultada fortuna.
194
Em 1884 “formou-se uma sociedade
anônima em Uberaba, com o capital de 120.000$000 contos de réis para comercializar o sal,
que funcionou alguns anos, dissolvendo-se após a aproximação dos trilhos da Estrada de
Ferro Mogiana.”
195
No sul de Goiás, coronel Hermenegildo Lopes de Moraes acumulou parte de sua
fortuna fornecendo mercadorias e, principalmente, sal ao exercito brasileiro na guerra com o
Paraguai (1865-1870). Ao falecer em 15 de maio de 1905, deixou um estoque de 1.862 sacos
de sal de 28 quilos e 300 sacos de 30 quilos que se encontravam distribuídos no porto de
Barreiras, Morrinhos e cidade de Goiás, respectivamente ao preço de 7$500 e 9$335 mil réis
perfazendo um valor total no monte-mor de 16.765$500 contos de réis.
196
Com a interiorização da estrada de ferro à medida que foi ocorrendo uma
maior dinamização da economia e do comércio, tendência também aplicável aos
animais utilizados no transporte de mercadorias, houve um aumento gradativo nos
preços, por um lado, devido à inflação que provocou a partir de 1880 uma alta geral
dos preços no Brasil, que foi muito acentuado na década de 1890. A estrada de ferro
reduziu as distâncias e o uso do carro de boi tornou-se mais freqüente por ser o
meio de transporte mais barato em distâncias mais curtas, ao mesmo tempo, que
tinha a capacidade de transportar um volume maior de carga. Desta forma, o carro
194
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Província de Goyaz em 1.º de maio de 1858
pelo presidente da Província Francisco Januário da Gama Cerqueira. In. Relatórios dos Governos da
Província de Goiás de 1870-1874 - relatórios políticos, administrativos, econômicos, religiosos, etc./
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto Histórico do Brasil Central, Centro de Cultura Goiana. - Editora
UCG: Goiânia, 1997. (Memórias Goianas VII).p.153
195
SAMPAIO, 1971, p.130
196
Escrivania de família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida, Caixa n.º 15 (documentos
diversos e avulsos), autos n.º83. O Cel Hermenegildo Lopes de Moraes também era detentor de 5000
cabeças de gado bovino, sendo o maior rebanho inventariado em uma amostragem de 536
inventários da região Sul de Goiás. Este fator talvez explique, por um lado, a grande quantidade de
sal que foi declarada em seu inventário.
de boi gradativamente foi se tornando o principal meio de transporte da então região
sul de Goiás, substituindo as bestas e mulas.
197
Leite de Moraes ao percorrer o caminho de Casa Branca em direção à cidade de
Goiás deparou-se com dezenas de carros de bois procedentes de Minas Gerais e Goiás, cada
um deles puxado por dez juntas de bois, pelo menos. Por muitas vezes viu, durante a viagem,
carros atolados na lama até o eixo, e para arrastá-los os carreiros emendavam as boiadas de
dois carros. Encontrou alguns cometas
198
do Rio de Janeiro, que vinham de volta de Franca e
Uberaba.
199
Na barranca do rio Grande encontrou vários viajantes, tropeiros, carreiros
amontoados esperando a sua vez de atravessar o rio, de balsa, ou de canoa;
notou que nos armazéns do porto existiam mais de 10 mil alqueires de sal;
do lado oposto, no porto fronteiro, via-se também que havia viajantes,
tropeiros e carreiros solicitando passagem.
200
Segundo Aguiar,
o avanço da estrada de ferro em direção ao interior, mesmo não
tendo chegado a Goiás durante o século XIX, conseguiu melhorar as
condições de transporte de mercadorias, uma vez que estabeleceu
pontos de convergência para os gêneros a serem transportados.
Assim, quando os trilhos chegaram a Uberaba, para lá se dirigiam os
carros para o embarque e recebimento dos produtos.
201
197
Nogueira retrata em seus estudos que “muitos velhos textos se referem a mercadorias que,
procedentes do sertão, inclusive o goiano, seguiram para o Rio em carros de transporte que, em
operação contínua de um mesmo carro, ligavam Goiás ao Rio. [...] No trecho entre São Paulo e Rio,
até 1860, o transporte se assegurava exclusivamente por carros e tropas. A freqüência dos carros
subia, diariamente, a centenas. [...] Entretanto, em relatos ouvidos em minha infância, e em
entrevistas realizadas com velhos carreiros, posteriormente, colhi descrições de viagens destes, ou
de seus pais, realizadas entre regiões do sudoeste goiano e Casa Branca. Esta era, então um grande
centro comercial do interior de São Paulo. A presença da Mogiana ainda em Mogi-Mirim, em 1875,
sugere a realização daquelas viagens em anos posteriores a 1880” NOGUEIRA, Wilson Cavalcanti.O
Mestre Carreiro. A Folclórica (Instituto Goiano do Folclore), Edição especial: Goiânia, 1980, Op. Cit.
p.52.
198
Designação popular dos caixeiros-viajantes devido ao fato de passarem pelas cidades com
intervalos regulares.
199
LEITE MORAES, 1998 p. 49-50
200
Ibid. p.60
201
AGUIAR, Maria do Amparo Albuquerque. Terras em Goiás: estrutura fundiária – 1850-1920. Tese de
doutorado em História Econômica apresentada à Universidade de São Paulo.SBD-FFLCH-USP: São Paulo,
1998. p.36
Conseqüentemente a progressão dos trilhos da Mogiana, até a Araguari
em 1896, encurtou os roteiros carreiros orientados para São Paulo. Em rápida
sucessão, como terminais, Uberaba, Uberabinha (atual Uberlândia) e Araguari
centralizaram os principais roteiros e monopolizaram o comércio regional.
202
Os
carros de bois, antes da chegada da ferrovia, foram essenciais na ligação das vilas
com o meio rural interligando locais que não eram abastecidos pelas tropas que se
ocupavam do transporte de artigos nobres e se mantinham presas a rotas mestras.
O trabalho dos carros de bois segundo Nogueira, sustentou Goiás e, sobretudo, a
região sul por dois motivos: o transporte microrregional de produtos da lavoura e o
transporte de sal para o gado. Com o crescimento do rebanho bovino, no último
quartel do século XIX e primeiras décadas do século XX, a demanda por sal cresceu
e conseqüentemente, o alto preço deste produto, associado ao baixo preço do gado,
tornou inviável o transporte por tropas. Da mesma forma, os produtos da lavoura,
pois neste período a província já começava a produzir recursos superiores às suas
necessidades de subsistência, sobretudo, com a produção de agromanufaturados
como aguardente, rapadura, açúcar, fumo, cujo transporte era muito oneroso por
meio de tropas.
203
No último quartel do século XIX, conforme relatórios dos presidentes de
Província/Estado, além da criação de gado, a produção agrícola, agromanufatureira
e extrativista começava a despontar na pauta de exportações. Os dados
apresentados mostram que nas décadas de 1890 e 1900, intensificaram-se as
relações econômicas de Goiás com o sudeste. Além da pecuária e derivados,
produtos agrícolas, com destaque para o fumo e agromanufaturados como açúcar e
marmelada, começaram a ter participação na pauta de exportações goianas. Com a
202
NOGUEIRA, 1980.
203
Ibid.
maior dinamização da economia ocorreu o crescimento das relações comerciais e
conseqüentemente a possibilidade de maior utilização do carro de boi no transporte
de mercadorias com a reforma e abertura de estradas e construção de pontes. A
chegada da estrada de ferro ao Triângulo Mineiro facilitou as compras e as
exportações, embora o grande desejo dos goianos fosse que a via férrea chegasse
a Goiás.
MAPA 3.1 – OS ROTEIROS DAS TROPAS E CARROS DE BOIS DE GOIÁS DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.
Fonte: NOGUEIRA, Wilson Cavalcanti. Mestre Carreiro. A folclórica, n.08.
Instituto Goiano de Folclore: Goiânia, 1980. p.45
Conforme o Mapa 3.1 as principais rotas dos carros de bois no transporte
de mercadorias e do sal, segundo Nogueira, era o caminho de São Paulo, através
do Triângulo Mineiro até a estação da Estrada de Ferro Mogiana, em Casa Branca e,
o outro roteiro, preferido pelos carreiros, criadores e negociantes do sudoeste
goiano, era o caminho de Mato Grosso até a cidade de Coxim. A rota pioneira era a
de São Paulo, que oferecia alguns atrativos aos viajantes, tropeiros e carreiros como
o tráfego mais intenso, seguro e viável devido aos sucessivos melhoramentos que o
caminho recebeu dos governos provinciais de São Paulo, Minas Gerais e Goiás a
partir de 1838: “O caminho já passava a dispor de algum apoio ao tráfego, como
instalações primitivas para o auxílio na travessia dos rios e alguns pousos mais bem
organizados.”
204
Porém, com a Guerra do Paraguai os rios Paraná e Paraguai passaram a
ter um tráfego muito intenso de embarcações dos mais diversos tipos, para
transporte comercial e de guerra. Sendo muito mais barato que o terrestre, o
transporte aquático tornou-se responsável pelo abastecimento de sal, atendendo
tanto às necessidades de consumo e abastecimento das tropas do exército brasileiro
no front, quanto às necessidades dos criadores de gado na região banhadas pelos
rios. No último quartel do século XIX, Coxim, que era ligado a Goiás por uma estrada
muito trafegada e construída sobre o roteiro mineiro para Cuiabá, passou a ser um
importante centro de fornecimento de sal ao sudoeste goiano.
205
204
NOGUEIRA, 1980, p.45-46
205
“A respeito do roteiro de Coxim existem muitas referências escritas, muito esclarecedoras.[...]
dentre elas o relatório do 1.º Tenente Joaquim Rodrigues de Morais Jardim. Datado embora de 1896,
este relato faz referência à estrada já existente, com projeto de julho de 1864. Diz um trecho dele: ‘O
terreno em geral plano e seco por onde se estende a estrada, a torna apropriada à condução por
carros de qualquer sistema, o que certamente trará uma redução de transporte, substituindo o caro
sistema de condução na costa de animais. É assim que no último período do comércio do Coxim,
antes do começo da Guerra do Paraguai, muito carreiros de Bonfim e de outros lugares, em vez de
Em seu relatório datado de 1896 o 1.º Tenente Joaquim Rodrigues de
Morais Jardim já apontava algumas vantagens do caminho mato-grossense em
relação a São Paulo. Primeiro pelo menor preço do sal na fonte de abastecimento;
segundo, a maior facilidade para permutas vantajosas de mercadorias; em terceiro,
a disponibilidade de melhor estrada. O relatório ainda menciona que havia uma
freqüência de duzentos de cinqüenta carros trafegando pelo caminho mato-
grossense no ano que antecedeu a Guerra do Paraguai. Cerca de duas décadas
após a eclosão do conflito, a região sudoeste, devido a sua posição geográfica e
muito provavelmente, por já deter no último quartel do século XIX, o melhor e maior
contingente bovino de Goiás, ocorreu a abertura de uma nova estrada salineira até
Três Lagoas, cidade mato-grossense próxima às províncias de São Paulo e Paraná.
A nova rota, apresentava maior vantagem sobre o caminho de Coxim passando por
Baliza, conforme pode ser observado no Mapa 3.1.
206
Segundo informações que Wilson Cavalcanti colheu dos velhos carreiros
tratava-se de um caminho difícil de transpor. Demasiadamente
arenoso em muitos trechos, exigia dos bois um esforço
extraordinário. As rodas dos carros se metiam profundamente na
areia do caminho, e se agarravam ao solo, tornando o veículo muito
mais pesado de tração. As viagens para Três Lagoas, desde o
sudoeste de Goiás, eram conseqüentemente muito demoradas.
Exigiam nada menos que 14 juntas de bois, quatro das quais
destinadas a revezamentos necessários. [...] Esclarecem ainda que
os carros não chegavam a Três Lagoas, propriamente. Paravam às
margens do Rio Sucuriú, que era largo em sua foz no Rio Paraná.
Canoas e barcos completavam o percurso até à cidade,
atravessando gente e carga sobre a água. Os mesmos informantes
asseguram que, o caminho em foco tinha alta freqüência de trânsito
de carros de bois. Em pontos determinados do caminho, escolhidos
especialmente para pousos, asseguram eles que era comum se
reunirem, num mesmo dia, duas ou mais dezenas de veículos.
207
irem buscar sal na estrada do Rio Grande – estrada de São Paulo – dirigiam para Coxim.’” Revista
Informação Goyana, Vol.V. n.04, os.28 a 32. Apud. NOGUEIRA, 1980. p.46-46.
206
Ibid.
207
NOGUEIRA, 1980, p.48.
A interiorização da Estrada de Ferro Mogiana, que chegou a Araguari em
1896, contribuiu para encurtar as distâncias dos roteiros dos carreiros que se
dirigiam anteriormente para São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Nogueira, o
sudoeste goiano viveu uma história diferente do restante de Goiás, pois apesar das
dificuldades, manteve-se a preferência pelo caminho de Três Lagoas, onde se
continuava realizando compras de sal, e se fazendo outros negócios. Oferecia-se sal
bem mais barato e não ficava tão mais distante do terminal ferroviário de Araguari.
208
No último quartel do século XIX e primeiras décadas do século XX o fluxo
dos carros de bois aumentava e os caminhos se tornaram mais intensos à medida
que crescia a demanda por sal e novas mercadorias oriundas dos grandes centros
industriais, como tecidos, máquinas de costura, arame, calcados, moinhos de moer
café, ferramentas e querosene. Os carros de bois, com o encurtamento das
distâncias, além de serem utilizados no transporte de sal e ferramentas, passaram a
ser utilizados no transporte de mercadorias de todos os tipos, passando a concorrer
de forma mais sistemática com os tropeiros que se davam ao luxo de transportar
apenas os fretes mais nobres.
Wilson Cavalcante Nogueira classifica dois tipos mais freqüentes de
viagens dos carreiros:
um era o dos grandes roteiros que empregavam os melhores carros
com rodas de sete palmos de diâmetro com capacidade de 1.800
quilos. Neste tipo de viagem, o próprio fazendeiro é que se
responsabilizava pela condução das viagens, na busca de sal e
ferramentas para o próprio consumo e, também o pequeno
proprietário, que como trabalhador autônomo, tinha na atividade um
renda complementar. E o outro era o dos pequenos percursos ou
viagens de porta, cujos riscos e responsabilidades era menores;
utilizava-se qualquer tipo de carro, geralmente carros mais velhos e
de menor capacidade de carga. O carreiro responsável pelas viagens
geralmente era o trabalhador agregado ou escravo.
209
208
NOGUEIRA, 1980.
209
NOGUEIRA, 1980, p. 53-54
Com a interiorização da estrada de ferro as rotas foram ficando mais
curtas e, por conseguinte, os carros de bois passaram a apresentar custos mais
baixos e mais eficientes no transporte de mercadorias, pois tinham capacidade de
transportar um volume maior e, com a redução dos roteiros os custos com
alimentação dos animais e homens também se reduziram. Segundo Nogueira, em
rotas menores os carros de bois apresentavam as seguintes vantagens:
eliminação de muitas das despesas que os grandes roteiros
impunham, especialmente as relativas à alimentação de homens e
animais; redução do rigor no estabelecimento de requisitos de
segurança e proteção de carga, e de resistência e manutenção dos
carros. Esta redução permitia a utilização de veículos de qualidade
inferior, quanto ao material e quanto aos cuidados de construção.
Permitia prolongar, sem reparos, a utilização de eixos com superfície
de rolamento já danificada, ao cabo de uma viagem de longo curso.
A redução de rigor levava ã redução de custos operacionais; redução
do esforço a se exigir dos bois. Isto permitia o emprego de animais
menores, mais leves, e por isto, mais baratos, embora menos
adequados ao trabalho. Entre eles os mestiços zebuínos; duplicação
do tempo de efetiva utilização econômica do carro. Isto era uma
conseqüência a mais, e importante, do menor esforço exigido dos
bois. Mesmo animais subnutridos, castigados pelas deficientes
pastagens das secas, trabalhavam satisfatoriamente nos pequenos
roteiros.
210
A conjugação do trem de ferro com os carros de bois deu as condições
essenciais que proporcionaram um maior crescimento econômico de Goiás a partir
da década de 1890. Com a chegada dos trilhos no Triângulo Mineiro, multiplicaram-
se as cargas de mercadorias que iam e vinham e as viagens carreiras se
intensificaram.
A conjugação dos dois sistemas acabou determinando uma profunda
e acelerada transformação no comércio da região sul de Goiás e
despertou o interesse das grandes matrizes atacadistas de São
Paulo e do Rio de Janeiro. Nas cidades onde havia entroncamentos
ferroviários surgiu um grande número de comerciantes, como em
Uberaba, Araguari e Uberlândia no Triângulo Mineiro, e,
posteriormente Catalão, no sudeste de Goiás. Nestes locais, surgiu a
210
Ibid., p.57
figura do comissário, que prestava serviços mediante comissão, que
era um percentual calculado sobre o valor das mercadorias. Possuía
as características de um verdadeiro despachante junto aos trens,
para o embarque e desembarque de cargas. A sua clientela era
constituída de comerciantes de localidades não servidas diretamente
pelos trens, mais integradas pela ação dos carreiros.
211
Conseqüentemente ocorreu maior circulação de capital e dinheiro na
região sul de Goiás, sobretudo, na década de 1890 quando no governo de Deodoro
da Fonseca, durante a gestão do Ministro da Fazenda Rui Barbosa, quase
quadruplicou o volume de papel moeda em circulação, o que provocou um aumento
geral nos preços do rebanho bovino e, principalmente dos animais como: bois
carreiros, mulas e os carros de bois, que diante do crescimento da demanda por
fretes tiveram um encarecimento acima dos demais animais da pecuária.
GRÁFICO 3.7 - PREÇO MÉDIO DO CARRO DE BOI, DA
BESTA E DO BOI DE CARRO NO SUL DE GOIÁS, 1860-
1910
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
650
1860 1870 1880 1890 1900
Em mil réis
Pro médio do carro de boi Preço médio do boi de carro
Pro médio da besta
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
211
NOGUEIRA, 1980, p. 58.
Da mesma forma que os animais ligados diretamente à pecuária, o carro
de boi, o boi de carro e a mula, animais utilizados no transporte de mercadorias,
sofreram, entre as décadas de 1860 e 1890 um acelerado processo de valorização
nominal nos preços, sobretudo, na década de 1890. Neste período, conforme
valores nominais do Gráfico 3.7, no período, os carros de bois tiveram uma
valorização nominal acumulada de 950%, as mulas 472% e os bois de carro 362%.
Os maiores aumentos de preços ocorreram na década de 1890 e, posteriormente,
da mesma forma que os demais animais da pecuária, sofreram uma queda nos
preços na década de 1900. O carro de boi teve uma queda nominal nos preços de
37%, a besta apenas 7% e o boi de carro de 28,5%, em relação à década anterior.
Acompanhando a trajetória dos preços destes bens avaliados nos
inventários post-mortem do sul de Goiás, (Gráfico 3.7) um carro de boi na década de
1860 tinha uma avaliação média de 63$110 mil reis, chegado a ser avaliado em
90$000 mil reis; na década de 1870 o seu valor médio alcançou 131$250 mil réis e
chegou a uma avaliação máxima de 250$000 mil réis; na década de 1880 ocorreu
uma avaliação média de 198$000 mil réis, e avaliação máxima de 340$000 mil réis;
na década de 1890 obteve uma avaliação média astronômica de 600$000 réis: mas
chegou a ser avaliado em 850$000 mil réis; na década de 1900, por ser um período
marcado pela depreciação geral dos preços, a avaliação média do carro de boi
também seguiu a tendência e despencou a um valor médio de 378$000 mil réis,
sendo 550$000 mil réis a avaliação máxima obtida neste período. A besta era
avaliada em média, na década de 1860 em 55$000 mil réis; na década de 1870,
alcançou um valor médio de 147$000 mil réis e chegou a ser avaliada em 200$000
mil réis; na década de 1880, seu preço médio caiu para 108$000 mil réis, a
avaliação máxima encontrada foi de 150$000 mil réis; na década de 1890, o preço
médio voltou novamente a subir atingindo 260$000 mil réis e chegou a ser avaliada
em 450$000 mil réis; na década de 1900 o valor seu preço médio reduziu a 247$000
mil réis e, chegou a ser avaliada em 550$000 mil réis em 1901, antes da
depreciação geral dos preços. O boi de carro alcançou um valor médio de avaliação
de 19$900 mil réis em 1860, mas chegou a ser avaliado em 25$000 mil réis; na
década de 1870 seu preço médio de avaliação chegou a 36$500 mil réis e obteve
uma avaliação máxima de 55$000 mil réis; na década de 1880, a exemplo da besta,
seu preço médio também caiu para 31$000 mil réis, e obteve avaliação máxima de
42$500 mil réis; na década de 1890, o valor médio dos preços voltou novamente a
subir chegando a 72$000 mil réis, e alcançou a uma avaliação máxima de 110$000
mil réis; na década de 1900 seguindo a tendência geral de queda dos preços, os
bois de carro alcançaram uma avaliação média de 51$500 mil réis, e obteve
avaliação máxima de 60$000 mil réis.
A interiorização dos trilhos da estrada de ferro foi essencial para provocar
crescimento e dinamização da economia de Goiás no último quarto do século XIX e limiar do
século XX, contribuindo tanto para o aumento do consumo de mercadorias importadas, bem
como, para o crescimento do volume de mercadorias exportáveis. Neste contexto histórico,
gradativamente os tropeiros foram perdendo espaço para os carros de bois, devido ao fato de
não serem mais capazes de competir com os preços dos carreiros “e desapareceram
virtualmente das estradas do sul de Goiás entre os anos de 1920 e 1930, sobrevivendo por
mais tempo na região norte de Goiás”
212
(atual Estado do Tocantins). Ao se tornar o principal
meio de transporte da então região sul de Goiás (atual Estado de Goiás) o número de carreiros
212
NOGUEIRA, 1980, p. 58-59.
e carros de bois deve ter crescido muito após 1909, quando o entroncamento da estrada de
ferro chegou a Catalão, cidade localizada atualmente na região sudeste de Goiás.
213
CAPÍTULO 4
A RIQUEZA E OS PROPRIETÁRIOS
213
Segundo Wilson Nogueira, Planaltina dispunha em 1931 de 173 carros; Santa Rita do Paranaíba
(Itumbiara), em 1918 possuía 400 carros do próprio município e 1195 de fora do município; Rio Verde
estimava-se que havia 300 carros em 1918; Corumbá tinha em 1931, 135 carros; Santa Cruz 400
carros de bois. NOGUEIRA, 1980.
4.1 - A ESTRUTURA E A COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA, 1850-
1910
O objetivo central deste capítulo é analisar as fortunas e os bens
adquiridos ao longo da vida pelas famílias que viviam na região sul de Goiás entre
1850-1910. Tratam-se, principalmente, de bens imóveis, semoventes, dívidas
passivas e ativas e bens móveis importantes ou mesmo de fraco valor monetário.
Conforme estudos de uma amostra de 518 inventários post-mortem da região, cerca
de 20% dos inventariados entre os anos de 1850 a 1910, exerciam em sua unidade
produtiva doméstica uma ou mais atividades econômicas que transcendiam às
necessidades básicas da família, com destaque para a criação de gado.
214
Procurar-se-á identificar em que medida ocorria a conexão da região sul
de Goiás com região sudeste, os indivíduos que se destacaram com um produção
que transcendia o abastecimento familiar e que já estavam integrados a um mercado
de maiores proporções e aqueles cujas atividades produtivas não excediam às
necessidades do ambiente doméstico e local procurando compreender desta forma a
dinâmica da constituição e composição da riqueza familiar em uma estrutura agrária.
Em um contexto marcado por muitas dificuldades, devido a inexistência
de meios de transportes eficientes, o que impossibilitava fácil acesso aos principais
mercados consumidores e aos recursos técnicos localizados em áreas mais
214
Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos - GO.
- inventários post-mortem de 1843-1910.
privilegiadas e próximas ao litoral, a maioria dos migrantes que ingressava ao sertão
no final do século XVIII e durante o século XIX com esperança de tomar posse de
novas terras. Provavelmente, esses sitiantes não as viam, como objeto que
possibilitaria alcance imediato de riqueza, ainda mais se tratando de uma região em
que a terra não tinha grande valor comercial.
215
A posse da terra neste contexto
representava a possibilidade de sustento, manutenção e continuidade da família,
bem como, possíveis vantagens econômicas imediatas que esta poderia trazer aos
seus possuidores. Além disso, a posse poderia representar status e prestígio social
perante em uma comunidade ou vila composta em grande parte por lavradores
agregados sem terra. Porém, a sua exploração, para fins lucrativos, encontrava-se
ainda muito restrita a algumas famílias, durante o século XIX, especificamente na
região que corresponde atualmente ao sul de Goiás.
Dentre as famílias pioneiras e proprietários que se destacaram pela
riqueza, propriedade e distinção perante a sociedade goiana da região sul, entre os
anos de 1840 e 1870 destacaram-se: os Correa Bueno, Martins da Veiga, Martins
Assumpção, Rosa do Carmo, Gonzaga Menezes, Coelho de Siqueira, Sousa Rosa,
Luis Guimarães, Rodrigues Paiva, Antônio de Barros, Mendes Moreira, Barbosa de
Amorim, Araújo Moreira, Pereira Vargas, Mattos, Parreira. Dentre os patriarcas,
cabeças de famílias, das informações obtidas do cruzamento de informações dos
inventários post-mortem e dos registros de casamento, constatou-se que apenas o
coronel Luiz Gonzaga de Menezes era pardo, vindo de São João Del Rei – Minas
215
O Goyaz informava que em 1914 as terras em quase todo o Estado de Goiás custavam de 100 a
300 réis a légua quadrada, enquanto que em São Paulo, o preço por hectare era de 16$000 mil réis e
no Rio de 10$000 mil réis. PALACIN, Luís. Op. Cit. p.30 [...] Á época do censo em 1920, Goiás era o
Estado do Brasil em que a terra valia menos: apenas 8$000 mil réis por hectare, enquanto que em
São Paulo o valor médio já subia a 161$000 mil réis e no Rio 106$000 mil reis. PALACIM, Luís. Os
três povoamentos de Goiás.Revista do Instituto Histórico Geográfico de Goiás. Ano 07 N.º08:
Goiânia, 1979. Op. Cit. p.95.
Gerais –, viúvo negociante de gado. Estabeleceu-se definitivamente em Goiás por
volta da década de 1840; adquiriu propriedades na região de Caldas Novas e
contraiu segundas núpcias com Rita Martins Parreira, de uma das famílias mais
abastadas e proprietária de grandes extensões de terras na região, na década de
1850.
GRÁFICO – 4.1 PROCEDÊNCIA DOS INVENTARIADOS
10%
9%
2%
70%
1%
5%
2%
1%
o Consta Santa Rita do Paranaíba
Santa Rita do Pontal Morrinhos
Freguesia de Campinas Caldas Novas
Bananeiras Outros
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de
Almeida de Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
A pesquisa concentrou-se em Morrinhos, por ser a cidade mais antiga do
sul de Goiás, cujo início do povoamento deu-se por volta do início do século XIX;
elevou-se a Freguesia em 1835. Na primeira metade do século XIX surgiram os
povoados de Santa Rita do Paranaíba, Caldas Novas, Pouso Alto (atual
Piracanjuba), Santa Rita do Pontal (atual Pontalina) e Campinas (hoje, um bairro de
Goiânia). As demais cidades da região sul de Goiás que correspondem atualmente a
um conjunto de 32 municípios, somente surgiram enquanto povoados e,
posteriormente cidades, no século XX. Em um montante total de 544 inventariados,
70% declararam ser domiciliados em Morrinhos, em 10% não foi possível identificar
o domicílio, 9% eram domiciliados no distrito de Santa Rita do Paranaíba, 5% no
distrito de Caldas Novas, 2% em Bananeiras (atual Goiatuba) e Santa Rita do
Pontal, 1% em Campinas e 1% em outras localidades.
Nos dados coletados foram observadas as seguintes variáveis: 1)
Informação dos inventariados: ano, data do inventário, pasta e número do processo,
seguido pelos nomes do inventariado e inventariante e, herdeiros, que foram
classificados quanto ao sexo e idade produtiva;
216
2) bens semoventes
compreendendo todos os animais: os bovinos, suínos, cavalares, muares e, também
escravos; 3) bens móveis que incluem todos os bens de uso doméstico, de trabalho
no quintal e na roça, roupas e aviamentos, jóias, armas e diversos outros; 4) bens
imóveis: terras, benfeitorias do terreiro, terrenos e casas na vila; 5) dívidas:
distribuídas em ativos e passivos, destacando ativos de dotes e dívidas d’alma. Na
planilha cada bem foi somado e, destacado a sua participação dentro das categorias
de bens acima citadas, bem como sua participação no monte-mór total.
Para fins de análise, estabeleceu-se uma classificação das fortunas, de
acordo com o valor do monte-mór, total da riqueza possuída por um indivíduo à
época de seu inventário, que será um importante elemento para a compreensão e
estudo da hierarquia social no sul de Goiás, do século XIX:
o estudo da origem dos bens, da composição da riqueza privada e de
sua gestão, nos possibilitará compreender a importância da herança,
da poupança, do espírito de empresa ou especulação, interesse
primordial dado à conservação do patrimônio ou, ao contrário,
consumação do capital seja para sobreviver, seja para fazer face às
despesas necessárias para conservar a posição da família
217
216
Acima de 15 anos considerados maiores.
217
DAUMARD, A, BALHANA, A.P., WESPHALEN, C.M. e GRAF, M.E.C. História Social do Brasil –
Teoria e Metodologia. Curitiba: Ed. Universidade Federal do Paraná, 1984.. p.31
Os inventariados foram classificados de duas formas: primeiro conforme o
valor total do monte-mór distribuídos em quatro categorias de riqueza: categoria 1,
até 1.000$000 (um conto de réis); categoria 2, de 1.001$000 a 4.000$000 (quatro
contos de réis); categoria 3, de 4.001$000 a 7.000$000 (sete contos de réis); e
categoria 4, inclui os montes-mores acima de 7.000$000 ( sete contos de réis)
distribuídos em uma sucessão cronológica, conforme Gráfico 4.2.
GRÁFICO 4.2 - CLASSIFICAÇAO DOS INVENTÁRIOS
SEGUNDO CATEGORIAS DE RIQUEZA - SUL DE GOIÁS,
1850/1910*
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1850 1860 1870 1880 1890 1900 MÉDIA
GERAL
%
Categoria 1 até 1.000$000 Categoria 2 de 1.001 até 4.000$000
Categoria 3 de 4.001 até 7.000$000 Categoria 4 acima de 7.000$000
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
* Foram pesquisados 518 inventários e não foi levado em consideração o inventário do
coronel Hermenegildo Lopes de Moraes.
Durante o período de 1850 a 1910, apesar da inflação que provocou um
gradativo aumento dos preços, sobretudo a partir da década de 1880, observa-se
que a maioria absoluta, 70% dos inventariados, no suceder das décadas não
possuía riqueza superior 4.000$000 (quatro contos de réis). Apenas 14,3% dos
inventários possuíam um monte-mór entre 4.001$000 (quatro conto e um mil réis) e
7.000$000 (sete contos de réis) e, 16,4% possuíam riqueza acima de 7.000$000.
Apesar de estes representarem a menor fatia do montante total dos inventários que
foram pesquisados e analisados, concentravam a maior parte dos bens,
principalmente escravos, rebanhos, terras e também o crédito. Tratava-se de
pessoas que possuíam uma produção que ultrapassavam as necessidades básicas
de sobrevivência. Esta era comercializada nos mercados interno e externo por meio,
principalmente, de transações comerciais com a região do Triângulo Mineiro que era
a porta de entrada e saída de mercadorias de Goiás.
MAPA 4.1 – FATORES DE URBANIZAÇÃO: AS CIDADES GOIANAS NASCIDAS
A PARTIR DO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE AGROPASTORIL.
Fonte: GOMES, Horieste; NETO, Antônio Teixeira.Geografia: Goiás/Tocantins.CEGRAF/UFG:
Goiânia, 1993. p.70
Região Sul Goiás compreendia aproximadamente entre os anos de 1871 a 1910, total região
que se encontra de amarelo.
MAPA 4.2 – DIVISÃO TERRITORIAL E REGIONAL DE GOIÁS – 1872.
Fonte: FRANÇA, Maria de Sousa. Povoamento do Sul de Goiás: 1872-1900 – estudo da
dinâmica da ocupação espacial. Dissertação de Mestrado apresentada no Instituto de
Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás em convênio com a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. UFG: Goiânia,
1975.(mimeo.) p.179.
Desde o início da ocupação da região sul de Goiás, ocorreu uma
tendência à concentração da riqueza e propriedade nas mãos de poucos, como
podemos verificar no Gráfico 4.3. Os inventariados classificados na categoria 1
detinham em média apenas 5% dos bens inventariados; os classificados na
categoria 2, 17,8%; os da categoria 3, 16,5%; e, na categoria 4 apesar de
representar o menor número no montante de inventariados concentravam 60,3% da
riqueza inventariada entre os anos de 1850 e 1910.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
%
1850 1860 1870 1880 1890 1900 Média
Geral
Categorias de riqueza
GRÁFICO 4.3 - DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA NO SUL DE
GOIÁS, 1850-1910
Categoria 1 - até 1.000$000 Categoria 2 - de 1.001 a 4.000$000
Categoria 3 - de 4.001 a 7.000$000 Categoria 4 - acima de 7.000$000
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - Go. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Os dados apresentados nos inventários post-mortem entre os anos de 1850 a 1910,
conforme se apresentam no Gráfico 4.3, ao longo do período mostram a ocorrência na região
sul de Goiás de um processo de concentração da riqueza à medida que se intensificou a
migração, e uma relativa dinamização economia regional, impulsionada pelo crescimento
econômico da região sudeste, sobretudo, da Província de São Paulo durante égide da
agricultura cafeeira no último quartel do século XIX. Os inventários mais ricos geralmente
eram dos que possuíam as maiores propriedades e os maiores rebanhos, fazendas e sítios bem
estruturados com currais, rego d’água, monjolo, pastos, casas assoalhadas e cobertas de telhas
e casas com engenhocas, além de possuir um maior volume de dívidas ativas e passivas.
Os mais ricos já concentravam na década de 1850, 49,1% da riqueza e,
na década de 1900 detinham 74,7%, não tendo sido levado em consideração, no
conjunto dos dados, o inventário do coronel Hermenegildo Lopes de Moraes que
possuía sozinho 72,2% da riqueza inventariada no período, que se fosse acrescida,
elevaria a porcentagem de concentração da riqueza a 92,8. Na década de 1900, em
uma amostra de 101 inventários, 78% dos inventariados reuniam apenas 7,2% da
riqueza inventariada. A concentração da riqueza estava relacionada
predominantemente às formas de ocupação da terra, que se caracterizaram pela
exploração extensiva. Tal situação foi determinante para o crescimento de uma
economia latifundiária.
218
Além de concentrar a riqueza e o crédito, o coronel Hermenegildo Lopes
de Moraes foi também o maior latifundiário. Maria Lúcia Alencar ao estudar a
estrutura fundiária em Goiás, destacou em seu trabalho que o coronel Hermenegildo
entre os
anos de 1871 e 1901 adquiriu somente em Morrinhos, 27
propriedades investindo um valor de 39.272$000 contos de réis
nestas propriedades, o que correspondia a mais 20% dos
investimentos em terra na região sul de Goiás, no período. Em 1901
comprou de D. Anna Maria Parreira e sua filha, Maria Francisca
Pinheiro Medeiros um sítio com benfeitorias na fazenda Paraíso,
além de outros imóveis na fazenda Cachoeira, bem como diversas
partes de terras nas fazendas Vera Cruz, Barreiro e Bom Jardim,
perfazendo um valor total de 12.530$000 contos de réis que era
devido pelas vendedoras. Em 1902 comprou de João Evangelista
Guimarães uma parte de terras, com sítio e pertences na fazenda
São Domingos por 8.000$000 contos de réis. Fez também, vultosos
investimentos em Rio Verde, onde em 1904 comprou do tenente
coronel Jeronymo Vasconcellos de Moraes e sua mulher Cândida do
Carmo Moraes, a fazenda Ponte da Pedra, pelo valor de 50.000$000
218
FRANÇA, 1975 p.21
contos de réis. Na mesma data ampliou as terras da fazenda Ponte
da Pedra comprando a fazenda do Estreito, de diversos proprietários,
no valor de 10.000$000contos de réis.”
219
Ao falecer em 1905, todas suas propriedades foram avaliadas em
256.045$810 contos de réis, o que correspondia a 14,4% do seu monte-mór.
Levando em consideração que, o preço médio do hectare de terra em Goiás era, em
1905, em média de $720 réis o hectare, é possível estimar que o coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes possuía em torno de 355.620 hectares de terras.
Por ser uma região tipicamente agrária, os principais bens que
constituíam a riqueza familiar no sul de Goiás eram: os bens semoventes que
incluíam os animais e escravos; os bens móveis abrangem todos os utensílios de
uso doméstico e mais as diversas ferramentas de trabalho como enxadas, foices,
machados, carros de bois, alambiques, armas; os bens imóveis que foram
classificados em terras, benfeitorias do terreiro e casas e terrenos na vila; e por fim,
as dívidas distribuídas nas seguintes modalidades: ativas, passivas, d’alma e dotes,
conforme se observa no Gráfico 4.4:
219
ALENCAR LUZ, p.105-114
GRÁFICO 4.4 - COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA DO SUL DE
GOIÁS, 1850-1910*
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
65
1850 1860 1870 1880 1890 1900
BENS
%
Bens Semoventes Bens Imóveis Dívidas Ativas
Dívidas Passivas Bens Móveis Dívidas D'Alma
Ativos em dotes
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos -
GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
* A Quantidade de inventários encontram distribuídos da seguinte forma: 1851-1860 são 47;
1861 a 1870 são 75; 1871 a 1880 são 85; 1881 a 1890 são 92; de 1891 a 1900 são 120; e de
1901
a 1910 são 101, perfazendo um total de 520 inventários.
Na segunda metade do século XIX, foram os bens semoventes que mais
tiveram destaque e participação na riqueza familiar, mas entraram em gradativo
declive a partir da década de 1860. Dentre os bens semoventes, os escravos eram
um componente muito significativo, apesar de não existirem no sul de Goiás grandes
plantéis. A participação dos cativos não estava relacionada diretamente ao número
presente no monte-mór, mas, aos seus preços que tiveram o valor nominal
sobrevalorizado, sobretudo, na década de 1850. Com o fim do tráfico negreiro, os
escravos inventariados acabaram alcançando as maiores avaliações nas décadas
de 1850 e 1860 e, a partir da década de 1870, os preços começaram a declinar
gradativamente, sobretudo com a publicação da Lei do Ventre Livre em 1871 e com
a promulgação da Lei dos Sexagenários de 1885, até à promulgação da Lei Áurea
em 1888 que determinou o fim da escravidão no Brasil. Portanto, a participação dos
bens semoventes no montante da riqueza familiar do sul de Goiás, também foi
diminuindo com o declínio e o fim da escravidão, passando a representar na década
de 1900 apenas 15,8% da riqueza inventariada no período.
GRÁFICO 4.5 - PREÇOS DE ESCRAVOS NO SUL DE GOIÁS,
1843-1888*
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
1200
1300
1400
1500
1600
1700
1800
1900
2000
1840 1850 1860 1870 1880
Escravo
Em contos de réis
Em Idade de 12 a 25 anos Em Idade de 26 a 35 anos
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1888.
*Foi considerada a maior avaliação no período.
Os preços dos escravos na região sul de Goiás tiveram o período de
maior pico na valorização nominal dos seus preços durante a década de 1850,
quando um escravo em uma faixa etária de 12 e 25 anos chegou a ser avaliado em
1.900$000 (um conto e novecentos mil réis). Os preços de escravos em uma faixa
de idade de 12 e 35 anos se estabilizaram nas décadas de 1860 e 1870 entre
1.450$000 a 1.550$000 contos de réis. Desta forma, a participação dos escravos na
riqueza familiar do sul de Goiás estava relacionada com o movimento geral dos
preços. De 1850 a 1870, a participação dos escravos na riqueza familiar foi muito
expressiva, porém, a partir da década de 1870 os escravos gradativamente foram
deixando de ser os principais bens de valor nos montes-móres, dando lugar à
crescente participação dos bens imóveis, sobretudo, terras e benfeitorias e às
dívidas passivas e ativas. Embora, no conjunto da riqueza inventariada a
contribuição de participação dos animais fosse menor que outros bens, como a terra,
a partir de 1870, devido o aumento dos preços e o crescimento do rebanho e do
número de criadores, o gado também adquiriu uma relativa e ascendente
participação na riqueza.
Os bens imóveis, ao contrário, que tinham uma participação na riqueza
familiar na década de 1850 de 18,7%, chegaram a representar, na década de 1890,
38,3% da riqueza inventariada. A terra, da mesma forma que o gado, também deve
ter passado por valorização nos preços a partir da década de 1870. Dentre os
fatores que podem ter contribuído para a valorização das terras no último quartel do
século XIX, podem estar relacionados às melhorias na comunicação provocadas
primeiramente com a construção da estrada do sul ou de São Paulo em 1870, que
acabou contribuindo significativamente para o crescimento do fluxo migratório para o
sul de Goiás. E em segundo lugar, a construção da ponte Afonso Pena sobre o Rio
Paranaíba, no Porto de Santa Rita do Paranaíba (Itumbiara) e pela interiorização da
estrada de ferro que em 1889 já se encontrava em Uberaba, no Triângulo Mineiro,
bem como, a perspectiva de extensão de seus trilhos até a cidade de Catalão.
As pesquisas desenvolvidas por Maria Amélia de Alencar Luz, que
analisou a estrutura fundiária nas Comarcas de Goiás, Morrinhos e Rio Verde,
mostraram que, na segunda metade do século XIX e primeira década do século XX,
ocorreu um crescimento nas transações de compra e venda de terras, nestas três
regiões, sobretudo, na década de 1890. O crescimento do comércio de terras deve
ter provocado uma relativa valorização em Goiás, principalmente, na região sul e
sudeste que eram regiões mais próximas aos terminais da estrada de Ferro
Mogiana, onde se verificou um maior número de transações fundiárias entre os anos
de 1850 a 1910, conforme os Gráficos 4.6 e 4.7.
220
GRÁFICO 4.6 – TRANSAÇÕES FUNDIÁRIAS E VALORES NA REGIÃO SUL DE
GOIÁS, 1850-1910.
Fonte: ALENCAR LUZ, Maria Amélia. Estrutura fundiária em Goiás:
consolidação e mudanças – 1850 –1910.p.113.
220
ALENCAR LUZ,1982.
GRÁFICO 4.7 – COMPARATIVO DO VALOR DAS TRANSAÇÕES FUNDIÁRIAS
ENTRE CIDADE DE GOIÁS, RIO VERDE E MORRINHOS, 1850-1910
Fonte:ALENCAR LUZ, Maria Amélia.Estrutura fundiária em Goiás: consolidação
e mudanças – 1850 –1910.p.125.
De acordo com os estudos de Alencar Luz,
o volume maior de transações e volume de capitais investidos na
compra e venda de terras em Morrinhos, no sul de Goiás, ocorreram
entre os anos de 1881 a 1900. Nesse período o número de
transações atingiu 64% em relação ao período de 60 anos. O período
de maior pico nas transações comerciais da terra se deu entre os
anos de 1896 a 1900, quando foram realizados 28% dos negócios
com imóveis rurais, envolvendo em torno de 37% dos capitais
investidos em terras entre 1850 a 1910.”
221
Nas três regiões estudadas: Morrinhos (região sul), Rio Verde (região
sudoeste) e Goiás (centro), Maria Amélia Alencar Luz, percebeu que, tanto o volume
de transações fundiárias, como a quantidade de dinheiro envolvido no seu comércio
teve uma participação crescente entre os anos de 1850 a 1910, sobretudo, na
década de 1890 quando ocorreu o maior volume de negócios com terras em
Goiás.
222
Esse crescimento no volume das transações e de dinheiro aplicado na
compra de terras na década de 1890, também não deixa de estar relacionado ao
crescimento do volume de papel moeda que passou a entrar circulação durante o
Império e, sobretudo, nos primeiros anos da República com o encilhamento. Em
Goiás grande parte destes recursos se concentrava nas mãos de alguns indivíduos,
que os aplicavam em empréstimos de dinheiro a juros e recebiam as dívidas em
bens, sobretudo terras. Diante das expectativas favoráveis de sua valorização a
médio e longo prazo, aplicavam parte dos recursos neste imóvel, o que
provavelmente deve ter contribuído para a valorização das terras na década de
1890. Na década de 1900, ao contrário, ocorreu uma depreciação nos preços das
terras, da mesma forma que aconteceu com os preços do gado, decorrente de
medidas deflacionistas implementadas a partir do governo de Campos Sales (1898-
1902). Esses fatores podem explicar, conforme Gráficos 4.6 e 4.7, porque ocorreu
ao longo do período de 1850 a 1910 elevação da participação dos bens imóveis na
riqueza familiar que chegou a atingir em 38,3% da riqueza na década de 1890,
enquanto na década de 1900 a sua participação retrocedeu a 31,5%,
221
ALENCAR LUZ, 1982:113-114.
222
ALENCAR LUZ,1982
acompanhando a tendência de depreciação geral dos preços ocorrida no Brasil, no
período, que repercutiu também em Goiás.
223
GRÁFICO 4.8 - ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA
DO SUL DE GOIÁS, 1850-1910*
0
2,5
5
7,5
10
12,5
15
17,5
20
22,5
25
27,5
30
32,5
35
37,5
40
42,5
45
47,5
50
1850 1860 1870 1880 1890 1900
BENS
%
Escravos Animais Terras
Benfeitorias Terrenos urbanos Dívidas ativas
Dívidas passivas Móveis Outros
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos -
Go. - inventários post-mortem de 1850-1910.
*Não foi considerado na década de 1900, para efeito de análise, o inventário do coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes.
223
Maria Amélia Alencar Luz, estima que a valorização das terras em Morrinhos, no Sul de Goiás,
alcançou o pico de maior valorização no período de 1896-1900, mas, não ultrapassou a 18% em
relação ao período anterior. Coincidentemente, a participação dos bens imóveis na riqueza familiar
caiu 18% na década de 1900 em relação à década de 1890.
No Gráfico 4.8 estão especificados os bens que constituíam a estrutura da
riqueza familiar na região sul de Goiás entre os anos de 1850 e 1910. Com o fim da
escravidão em 1888, os principais bens que passaram a agregar valor e gerar
riqueza e, conseqüentemente, atraíram os maiores investimentos foram a terra e os
animais, com destaque para criação de gado vacum. Por serem também
mercadorias, estes bens tiveram a sua participação na riqueza igualmente
relacionada com o movimento geral dos preços ao longo do período. Em épocas em
que os preços dos animais, terra e escravos estavam em alta ou em baixa, os
mesmos movimentos são perceptíveis na participação dos monte-móres.
Desta forma, o rebanho que tinha uma participação de 10,8% chegou a
ter uma presença de 25,5% na riqueza na década de 1890, em um momento em que
todos os animais sofreram um aumento geral de preços. Na década de 1900, ao
contrário diante da depreciação geral, a participação dos animais na riqueza caiu
para 15,8%. Da mesma maneira, a terra – embora não tivesse sido possível fazer
um acompanhamento em série dos preços nos inventários post-mortem, devido à
ausência da discriminação do tamanho das propriedades –, pode-se concluir que,
entre os anos de 1880 a 1900, deve ter sofrido também uma alta em torno de 18%.
As terras que eram responsáveis por 11,5% da riqueza inventariada na década de
1850, mantiveram uma taxa crescimento estável até a década de 1880 e, em 1890,
correspondiam a 21% da riqueza inventariada. Na década de 1900, representava
apenas 9,1% da riqueza, mas em compensação, as chamadas benfeitorias do
terreiro ao longo do período tiveram uma participação sempre ascendente, desde a
década de 1860 até 1900, saltando de 4,5% para 19,3% de participação na riqueza.
As expectativas trazidas pela chegada da estrada de ferro no Triângulo Mineiro e a
possibilidade dos trilhos chegarem a Goiás, possivelmente contribuíram para
estimular o aumento de investimentos na infra-estrutura das fazendas, diante da
possibilidade de maior diversificação da produção e dinamização das atividades
agropastoris. Desta forma, investimentos em benfeitorias como currais, ampliação de
áreas de pastagens e de cultivo, cercadas de arame pode ter sido determinantes
também, na valorização dos imóveis rurais e crescimento da produção. A década de
1890, de acordo com os dados apresentados no transcorrer deste trabalho, foi um
período de grandes esperanças, sobretudo, em relação à pecuária com o sucessivo
avanço dos preços do rebanho.
Percebeu-se também que no período, o crescimento do volume de dívidas
passivas, e seu movimento nos montes-mór estavam relacionados ao
desenvolvimento, dinamização e capitalização da economia, bem como, aos
momentos de instabilidade econômica e política do país, que tiveram seus reflexos
na riqueza individual. Conforme se pode observar no Gráfico 5.10, a participação
dos animais na riqueza familiar ao longo do período estudado é descontínua: nas
décadas de 1850 e 1860 era de 11%; na década de 1870 atingiu 21%; reduziu-se
para 18% em 1880; na década de 1890 chegou a representar mais de 25%; na
década de 1900, a participação dos animais representava apenas 16% da riqueza
inventariada. A presença da terra foi crescente na riqueza entre as décadas de
1850 e 1870, saltando de 12% em 1850 para 16% em 1870; na década de 1880,
ficou reduzida a 14%; na década de 1890 as terras representavam cerca de 21% da
riqueza; já na década de 1900 correspondia apenas a 9% dos monte-móres.
Nesta dança dos preços e da participação dos bens na riqueza, os dados
revelam que, nos momentos em que a participação das dívidas passivas cresce, os
demais bens, sobretudo, a terra, os animais e os móveis decrescem, como ocorreu
na década de 1880, quando o passivo chegou a representar cerca de 28% da
riqueza inventariada. Na década de 1890, percebe-se que ocorreu o inverso: a
participação dos bens imóveis, móveis e animais cresceu e as dívidas passivas
decresceram a 15,3%; novamente na década de 1900, houve uma inversão, as
dívidas passivas representavam 25% dos monte-móres e os demais bens tiveram
uma presença decrescente.
Desta forma, se por um lado, o período compreendido entre as décadas
de 1880 e 1900, foi marcado por grandes instabilidades na economia nacional e que
conseqüentemente, acabaram repercutindo em Goiás, por outro, também o
movimento das dívidas ativas, relacionou-se mais diretamente com o crescimento
das possibilidades de crédito, com a injeção de um volume maior de papel moeda
em circulação, crescimento do consumo da população e, conseqüentemente, uma
dinamização da economia.
Com a interiorização da estrada de ferro, sobretudo a partir de 1890, a
sociedade goiana passou a ter a possibilidade de consumir um volume maior de
mercadorias, oriundas da região sudeste e até de outros países, que se tornaram
mais acessíveis às populações interioranas, o que provavelmente deve ter
estimulado o desenvolvimento de novos hábitos de consumo como, por exemplo, o
de tecidos produzidos na Europa, sapatos, arame, máquinas de costura, relógios de
parede, moinho de moer café, lampiões a gás, lamparinas de querosene que
passaram a ser comercializados com relativa freqüência nos estabelecimentos e,
gradativamente, passaram a fazer parte do mobiliário e da vida cotidiana,
especialmente, das famílias de médias e grandes fortunas na região sul de Goiás, já
a partir da década de 1870. Estes artigos começaram desde então a compor os
bens móveis de algumas famílias, o que contribuiu para o crescimento da
participação destes na riqueza familiar, passando de 6% na década de 1850 e,
saltando para mais 10% na década de 1890. Mesmo possuindo uma estrutura
econômica agrária predominantemente extensiva, voltada para o abastecimento
familiar e local, a economia goiana não deixava de ter certo dinamismo e de estar
integrada aos circuitos comerciais mais amplos.
Provavelmente, por ser uma região predominantemente agrária,
investimentos em casas e terrenos urbanos, pelo que foi observado nos inventários
eram raros. A maioria absoluta da população residia no campo e freqüentava a Vila
apenas aos domingos e dias santos e, em ocasiões de comemorações e de
festividades religiosas ou, ainda, quando necessitavam de fazer compras nos
estabelecimentos comerciais. A participação dos terrenos urbanos na riqueza
familiar era ínfima, de 2,5%, na década de 1900, o que atesta que o grosso dos
investimentos em bens imóveis estava no campo.
A prática do dote aparecia com pouca freqüência nos inventários e,
geralmente aparecem entre as famílias brancas e mais abastadas, detentoras de
patentes da Guarda Nacional e, procedentes do primeiro movimento migratório de
ocupação e povoamento que chegaram à região antes de 1870. Em um total de 536
inventariados os dote apareceram em apenas dez, no período compreendido de
1843 e 1910. A participação dos ativos em dotes na riqueza familiar era ínfima:
0,6% na década de 1850 e 1,8%, em 1880. Após esse período foi encontrada
apenas uma única referência a ativos de dote, nos inventários.
224
Da mesma forma,
as dívidas d’alma que abrangiam as despesas com funerais, doações e ofertas à
Igreja, que não chegavam a 1%, depois de 1880, também deixaram de ser
declaradas pelos inventariantes.
224
A última referência a dote apareceu no inventário de Ernesto Augusto Ferreira Lewergger, datado
de 13/10/1909, pasta 27 processo n.º154.
Apesar de haver um número relativamente reduzido de escravos por
proprietário, estes possuíam uma participação muito significativa nos monte-móres
dos inventariados, por serem de alto valor em uma economia agrária extensiva. A
posse de apenas um escravo poderia representar uma participação preponderante
na composição geral da riqueza, sobretudo, nas décadas de 1850 e 1860 quando
ocorreu uma supervalorização dos escravos, decorrente do fim do tráfico negreiro.
Conforme se observa no Gráfico 4.8, os escravos representavam, na década de
1850, 48,5% da riqueza; na década de 1860, 43,3%. A partir da década de 1870,
com a intensificação da campanha abolicionista, os preços dos escravos começaram
a cair e conseqüentemente a sua participação na riqueza também se reduziu para a
19,1% da riqueza; na década de 1880 a participação dos escravos na estrutura da
riqueza familiar era de apenas 10,5%.
Por fim, talvez por se tratar de uma região de estrutura agrária, o sul de
Goiás, ao longo do período estudado, não chegou a passar por profundas mudanças
estruturais em sua economia e na estrutura da riqueza familiar. Da mesma forma,
também não havia grandes disparidades nos bens que compunham a estrutura e
composição da riqueza familiar entre os quatro grupos de riqueza analisados.
Exceto, por uma inequívoca concentração da pouca mão-de-obra escrava disponível
e do volume de dívidas ativas e passivas, entre as famílias mais abastadas.
Comparando, no período de 1850 a 1910, os gráficos que envolvem as quatro
categorias de riqueza, foi perceptível que qualitativamente os principais bens que
constituíam a riqueza familiar eram os mesmos, desde os inventariados mais pobres
aos mais ricos. As grandes diferenças se manifestam no aspecto quantitativo, como
por exemplo, a terra, o gado, os animais e o crédito que se concentram em maior
quantidade entre os mais abastados e que também produziam um excedente que
transcendia às necessidades básicas da família, e que, portanto, acabavam
estabelecendo relações com mercados de maiores proporções, tanto no aspecto
qualitativo quanto quantitativo.
4.2. O PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS INVENTARIADOS
E A COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA, 1843-1910
Após análise dos os aspectos qualitativos e quantitativos dos inventários
observou-se, nesta parte, o comportamento de cada unidade familiar de produção
conforme as informações especificadas nos monte-móres. Os inventários foram
considerados no seu conjunto abrangendo o período de 1843 a 1910, sem
atrelamento à uma década exclusiva, uma vez que este trabalho já foi realizado no
capítulo anterior. Por se tratar de um volume maior de inventariados os inventários
foram novamente classificados e divididos segundo montante de riqueza, da
seguinte forma: intervalo de riqueza até 1.000$000 (um conto de réis); intervalo de
riqueza de 1.001 a 2.000$000 (dois contos de réis); intervalo de riqueza de 2.001 a
4.000$000 (quatro contos de réis); intervalo de riqueza de 4.001 a 10.000$000 (dez
contos de réis); intervalo de riqueza de 10.001 a 30.000$000 (trinta contos de réis)
intervalo de riqueza acima de 30.001 a 100.000$000 (cem contos de réis) intervalo
de riqueza acima de 100.000$000 contos de réis, que tem somente o coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes que foi muito provavelmente o homem mais rico do
Estado de Goiás no período.
Distribuídos os inventários post-mortem conforme a classificação descrita
pode-se observar na Tabela 4.1 que a região sul de Goiás, apesar de possuir uma
economia voltada predominantemente para o abastecimento familiar e local,
apresentou a possibilidade de uma expressiva concentração de riqueza, comparável
em muitos casos ás áreas mais dinâmicas voltadas para o abastecimento interno e
externo como São Paulo, Minas Gerais e nordeste açucareiro. É provável que o
panorama econômico apresentado pelo sul de Goiás tenha reunido condições
favoráveis à convergência da riqueza nas mãos de poucas pessoas. No total de 536
inventariados, 60 ou 11,2% reuniam 74,3% da riqueza inventariada no período,
sendo que, 39,5% concentravam-se nas mãos de uma única pessoa, o coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes.
TABELA 4.1 – DISTRIBUIÇÃO DOS MONTES-MÓRES POR FAIXAS DE
RIQUEZA, SUL DE GOIÁS, 1843-1910
Intervalos de riqueza em contos de réis Quantidade % dos monte-
mór
% dos monte-
mór
Até 1.000$000 166 31,0 98.631$815 2,2
De 1.001 a 2.000$000 98 18,3 141.969$873 3,2
De 2.001 a 4.000$000 112 20,9 326.886$220 7,3
De 4.001 a 10.000$000 100 18,7 590.194$806 13,0
De 10.001 a 30.000$000 42 7,7 674.549$017 15,0
De 30.001 a 100.000$000 17 3,2 888.883$876 19,8
Acima de 100.000$000 01 0,2 1.776.775$456 39,5
TOTAL 536 100,0 4.497.891$083 100,0
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos -
GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Um dos desafios é tentar compreender porque e como a riqueza se
concentrava nas mãos de 11,1% das famílias inventariadas no período. A partir de
uma leitura da estrutura e composição dos montes-mores, traçou-se um perfil sócio-
econômico dos inventariados da região sul de Goiás, tendo como referência o
montante de riqueza. Desta forma, estabeleceu-se novo agrupamento para análise
dos inventários post-mortem, com o intuito de identificar aqueles que possuíam uma
estrutura econômica de produção voltada basicamente para o abastecimento familiar
e local, e os que tinham estrutura de produção com excedentes que transcendiam às
necessidades básicas da família e do mercado local. Foi nestes últimos que o
volume maior de bens como cabeças gado, terras, dinheiro e dívidas ativas e
passivas se concentravam, conforme se apresenta no 4.2.
Em uma sociedade agrária como a de Goiás no século XIX, a posse da
terra, a criação do gado, o comércio e o monopólio do crédito eram as condições
essenciais para concentrar e acumular riquezas em um contexto no qual a maioria
da população, proprietária ou não, era tipicamente composta de lavradores, cujo
ritmo de trabalho e produção era determinado pelas necessidades básicas de
consumo da família.
TABELA 4.2 - QUADRO GERAL DE DADOS DA ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO
DA RIQUEZA SEGUNDO NÍVEIS DE RIQUEZA – SUL DE GOIÁS 1843-1910
Intervalos de riqueza em
contos de réis
N.
Filhos
Número Médio Cabeças de animais Participação dos
Bens Semoventes na
riqueza
Vacum Cavalar Bois/carro Muar Suín
os
Até 1.000$000 4,6 6,4 1,6 1,3 0,1 0,9 32,9%
De 1.001 a 2.000$000 5,1 16,8 3,3 3,7 0,1 1,4 36,9%
De 2.001 a 4.000$000 5,2 16,4 2,7 3,4 0,3 4,5 35,3%
De 4.001 a 10.000$000 5,7 36,6 5,5 7,2 0,6 5,6 43,3%
De 10.001 a 30.000$000 5,7 76,3 10,7 10,7 1,8 9,0 27,8%
Acima de 30.000$000 6,0 574,9 29,3 15,7 7,5 10,6 10,5%
N. Médio
de
escravos
Participação Bens
Móveis na
riqueza
B.Imóveis na riqueza Dívidas Total
%
Ter. Benf Ter./vila Ativas Passivas
0,2 15% 18,5% 16,7% 2,1% 3,6% 11,2% 100
0,3 11,3% 16,7% 14,8% 1,8% 6,5% 12% 100
2,2 10,8% 13,5% 18,4% 2% 6,0% 14% 100
5,2 9% 11% 16,4% 1,9% 7,1% 11,3% 100
8,5 9% 15% 8,6% 1,5% 12,5% 25,6% 100
8,9 4,9% 14% 3,2% 1,7% 30,4% 6,8% 100
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos -
GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Procurou-se traçar o perfil sócio-econômico dos inventariados da região
sul de Goiás, observando-se os intervalos de riqueza. Desta forma, pela estrutura da
riqueza e pelo número médio de cabeças de animais e de escravos, bem como, a
participação geral na riqueza chegou-se à conclusão que 79,4% dos indivíduos
apresentavam um monte-mór que não excedia a 10.000$000 (dez contos de réis),
possuíam uma unidade produtiva predominantemente voltada para o abastecimento
familiar e local, enquanto que, 20,6% das famílias mais abastadas que possuíam
uma riqueza superior a 10.000$000 (dez contos de réis), apoiavam-s em uma
estrutura produtiva que transcendia às necessidades do abastecimento familiar e
local, produzindo para uma economia de mercado de maiores proporções.
Para a melhor compreensão de como se encontrava distribuída a riqueza,
a dinâmica da produção e também identificar quem estava produzindo para o
abastecimento familiar, local ou para um mercado que extrapolava as fronteiras da
Província ou Estado, foi considerada a participação predominante de determinados
bens nos monte-móres utilizando-se as variáveis mais importantes de riqueza como:
o escravo, a terra e o gado. Desta forma, os que tinham riqueza concentrada na
posse de escravos foram denominados proprietários de escravos e os que possuíam
riqueza concentrada em terras, proprietário de terras. Aqueles cujos bens imóveis
tinham uma participação muito ínfima na riqueza foram classificados como
lavradores agregados. Os inventariados que declararam possuir um rebanho acima
de 40 cabeças de gado foram denominados de criadores de gado e, foram
classificados em três subcategorias: pequeno criador, que tinha um rebanho entre
40 e 100 cabeças de gado; médio criador, com rebanho entre 101 e 200 cabeças de
gado; e grande criador os que possuíam rebanho superior a 200 cabeças de gado;
os proprietários que declararam possuir terras até um valor de 500$000 mil réis
foram classificados como pequenos proprietários; os que possuíam um montante
entre 501$000 a 1.000$000 conto de réis, médios proprietários; acima de 1.000$000
conto de réis, grandes proprietários.
225
Por último, foram colocados os inventariados
que declararam residir na vila.
225
Um dos grandes problemas encontrados nos inventários do
período refere-se à identificação do tamanho das propriedades
rurais, pois, é muito raro aparecer menção à extensão das
propriedades. As informações restringem-se apenas à parte de
terras em uma determinada região – às vezes nem isso –, à
descrição de algumas benfeitorias e ao valor. Dentre os
GRÁFICO 4.9 - CLASSIFICAÇÃO DOS INVENTARIADOS,
SEGUNDO A NATUREZA DAS POSSES, SUL DE GOS -
1843-1910*
8,4%
28,0%
32,2%
6,0%
20,6%
4,8%
Proprietário de escravos Proprietário de terras "Pequeno" proprietário
Lavrador agregado Criadores de gado Habitante da Vila
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos
- GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
* Foram pesquisados 536 inventários.
Analisando os inventários conforme a estrutura e composição da riqueza,
de um total de 536 inventariados, 32,3% (170) tinham partes de terras que não
excediam ao valor de 500$000 mil réis: eram pequenos proprietários; 6% (31) eram
lavradores agregados que geralmente não possuíam terra declarada, ou quantias
mínimas ou, ainda apenas benfeitorias do terreiro; 28,1% (148) eram proprietários de
terras que possuíam riqueza nelas concentrada; apenas 20,6% (109) eram criadores
de gado e possuíam uma maior diversificação nos bens e riqueza, com produção
para o abastecimento local e interprovincial/estadual; 8,4% (44) eram proprietários
inventários analisados em apenas um, o de Maria Esméria de
Jesus de 30/09/1851, havia referência a uma parte de terras
de ½ légua quadrada - que seria o equivalente a 2178 hectares
ou 450 alqueires avaliada em 400$000 réis. Se levarmos em
consideração o valor médio do hectare de terra em Goiás de
1905, uma parte de terras avaliada em 500$000 mil réis
poderia corresponder a uma propriedade de aproximadamente
144,6 alqueires goianos ou cerca de 700 hectares. Desta
forma, a utilização do termo, pequeno proprietário para o
período aqui estudado refere-se não a indivíduos que tenham
algumas unidades ou dezenas de hectares, mas, a
proprietários que poderiam possuir em alguns casos mais de
500 alqueires de terras, pois no período as terras goianas não
eram valorizadas tanto quanto nas regiões litorâneas ou que já
possuíssem uma economia mais dinâmica e voltada para o
abastecimento do mercado internacional.
de escravos que possuíam grande parte de sua riqueza neles concentrada; e,
apenas 4,8% (25) da população inventariada residiam na vila. Com exceção dos
criadores de gado e comerciantes, que em parte residiam na vila, os demais
indivíduos, classificados nas outras categorias produziam apenas o necessário para
o abastecimento da familiar e local, vivendo no campo.
Os monte-móres que não excediam a 1.000$000 (um conto de réis)
apresentavam unidades produtivas voltada para atender necessidades familiares
básicas de consumo. Os grupos familiares eram compostos, em média, por cinco a
sete pessoas, incluindo pai e mãe; possuíam geralmente até 10 cabeças de animais
e, apenas 9% possuíam escravos, cuja participação na riqueza correspondia a 56%.
Os montes-mores nesta faixa atingiam entre 550$000 e 600$00 mil réis e embora o
período analisado seja longo, pode-se deduzir que poderiam ter propriedades de até
600 alqueires
226
(2.904 hectares) de terras, conforme se observa no Gráfico 4.10.
226
O alqueire goiano equivale a 4,84 hectares.
GRÁFICO 4.10 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ATÉ 1.000$000
-5 2,5 10 17,5 25 32,5 40 47,5 55 62,5 70 77,5 85 92,5 100
Categoria social
Unidade produtiva
%
Produção para o mercado interprovincial
Produção para o abastecimento familiar e local
Lavrador escravo
Riqueza concentrada em escravos
Habitante da Vila
Riqueza concetrada na posse de terras
Lavrador agregado
Lavrador pequeno proprietário
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos -
GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Um monte-mór que não excedesse a 1.000$000 (um conto de réis) era
geralmente de lavradores pequeno-proprietários e agregados. Um deles era o
escravo chamado Gabriel de propriedade, de Manoel Rosa e Sousa, que deixou ao
falecer em 1872, 12 cabeças de gado vacum, 3 cavalos, 4 porcos e ferramentas de
trabalho que perfaziam 206$000 mil réis.
227
Além de lavradores proprietários e
agregados, que possuíam uma estrutura e composição de riqueza diversificada,
227
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1336, caixa 05 datado de 14/10/1872
encontra-se ainda inventariados habitantes das vilas cuja maior parte da riqueza
concentrava-se na posse de escravos ou mesmo terras. A estrutura produtiva em
que esse grupo se inseria era totalmente voltada para o abastecimento familiar e
local.
O perfil dos inventariados que possuíam um monte-mór entre 1.0001 a
2.000$000 (dois contos de riqueza) também era muito semelhante ao das famílias
cuja riqueza avaliada não superava 1.000$000 (um conto de réis). Eram
proprietários de pequenos rebanhos bovinos com 10 a 20 cabeças de animais,
inseridos em grupo familiar composto por cinco a oito pessoas e apenas 18%
declararam possuir escravos. Nessa categoria, apenas um inventário, o de Antônio
Vieira dos Santos declarava, em 188, possuir dois escravos, que juntos
representavam cerca de 65% de sua riqueza. Possuíam um monte-mór equivalente,
em média, a 1.450$000 (um conto quatrocentos e cinqüenta mil réis) e propriedades
que poderiam chegar a 1.200 alqueires (5.808 hectares) de terras.
228
228
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1257, caixa 12 datado de 09/06/1886
GRÁFICO 4.11 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ENTRE 1.001$000 A
2.000$000
0 7,5 15 22,5 30 37,5 45 52,5 60 67,5 75 82,5 90
Categoria social
Unidade produtiva
%
Pequeno proprietário Lavrador agregado
Riqueza concetrada na posse de terras Habitante da Vila
Riqueza concentrada em escravos Pequeno proprietário/criador
Lavrador agregado/criador Produção para o abastecimento familiar e local
Produção para o mercado interprovincial
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Conforme o Gráfico 4.11 os inventários em que o monte-mór ficava entre
1.001 a 2.000$000 (dois contos de réis) eram também pertencentes basicamente a
lavradores pequenos proprietários e agregados que representavam 70,4% dos
inventariados. 14,3% eram lavradores proprietários e agregados que criavam um
pouco de gado e possuíam certa estrutura produtiva para o abastecimento do
mercado interprovincial. Dentre os lavradores agregados podemos destacar, o caso
de Manoel Correa Mulato que ao falecer, em 1865, possuía um rebanho de 61
cabeças de animais que representavam mais de 60% do seu monte-mór,
229
e do
pequeno proprietário Gustavo Dias Carneiro, falecido em 1904, com 69 cabeças de
animais que equivaliam a mais de 70% do seu monte-mór.
230
Havia também alguns
casos, como por exemplo, de Maria Joaquina de Jesus, que em 1886, possuía dois
escravos que correspondiam a 65% de seu monte-mór.
231
José de Sousa Lobo, é
outro caso, falecido em 1859, deixou apenas um escravo que representava 95% do
seu monte-mór;
232
e, Joaquim Vieira de Jesus cujas partes de terras avaliadas
constituíam a 76% do seu monte-mór.
233
Entre esses, praticamente 85% das
unidades produtivas visavam o abastecimento familiar e local e, apenas 15%, já
detinham uma produção voltada para o mercado interprovincial.
229
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1276, caixa 04, datado de 18/09/1865.
230
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 553, caixa 24, datado de 24/06/1904.
231
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1257, caixa 12, datado de 16/10/1886.
232
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.ºs.n., caixa 03, datado de 31/05/1859.
233
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n., caixa 01, datado de 05/09/1848.
GRÁFICO 4.12 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ENTRE 2.001 A
4.000$000
0 7,5 15 22,5 30 37,5 45 52,5 60 67,5 75 82,5 90
Categoria social
Unidade produtiva
%
Produção para o mercado inter/provincial
Produção para o abastecimento familiar e local
Médio Proprietário
Pequeno proprietário/criador
Riqueza concentrada em escravos
Habitante da Vila
Riqueza concetrada na posse de terras
Lavrador agregado
Pequeno proprietário
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
O perfil sócio econômico das famílias que possuíam um monte-mór entre
2001 a 4.000$000 (quatro contos de réis) – embora houvesse uma relativa
diversificação em relação às unidades familiares analisadas anteriormente e uma
maior concentração de terras –, 82,1% dos inventariados, neste intervalo de riqueza,
possuíam propriedades voltadas para o abastecimento familiar e local e apenas
17,9% tinham uma estrutura produtiva para o mercado interprovincial: 47,3% eram
lavradores pequenos proprietários, 17,9% lavradores pequeno-
proprietários/criadores e 2,7% de lavradores agregados. Apesar de serem
detentores de um monte-mór médio de 2.900$000 (dois contos e novecentos mil
réis), a maioria dos inventariados tinha rebanhos pouco expressivos que não
excediam a 20 cabeças. O grupo familiar era composto por cinco a oito pessoas e
possuíam 2,2 escravos, em média. O maior proprietário de escravos foi o capitão
Manoel Ferreira de Mattos, falecido em 1857, que deixou 10 escravos que somados
alcançaram uma avaliação de 1.422$929 (um conto quatrocentos e vinte dois mil e
novecentos e vinte nove reis), equivalente a 42% de seu monte-mór.
234
Até a
abolição da escravidão em 1888, 71% dos inventariados declararam possuir
escravos e apenas 29% não tinham nenhum escravo. Os escravos representavam
até 1888, 34% da riqueza, nesse grupo.
O valor médio investido em imóveis era de aproximadamente 1.000$000
(um conto de réis) e pelos valores da época poderia haver durante o período,
proprietários com cerca de 1.200 alqueires (5.808 hectares) de terras. Os imóveis
constituíam, aproximadamente, 34% da riqueza. Em um total de 112 inventariados,
15 (13,4%) concentravam grande parte de sua riqueza em terras, como Januário
Antônio de Souza cujos bens imóveis correspondiam a 90% de seu monte-mór
235
e,
Joaquim Alves de Moraes com 88%.
236
Ambos faleceram em 1909.
A partir dos intervalos de riqueza inferiores a 4.000$000 (quatro contos de
réis) percebe-se que não havia uma grande diversificação sócio-econômica entre os
inventariados, bem como, a unidade de produção familiar baseava-se
fundamentalmente em uma produção que tinha como objetivo o abastecimento
familiar e local. Conforme Gráfico 4.13, em estruturas de riqueza familiar cujo monte-
234
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1047, caixa 08, datado de 18/09/1865
235
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 487 caixa 27, datado de 03/03/1909.
236
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 1068 caixa 27, datado de 12/02/1909.
mór era superior a 4.000$000 (quatro contos de réis), por sua vez, já havia uma
maior diversificação. A unidade de produção familiar mostrava-se mais dinâmica,
pois além de abastecimento local e familiar, apresentava uma estrutura produtiva
com características que lhes possibilitava produção voltada para o abastecimento de
um mercado interprovincial, embora, esta ainda não fosse preponderante conforme
se pode perceber no Gráfico 4.13, 61% dos inventariados ainda dedicavam-se a
atividades destinadas ao abastecimento familiar e local e, somente 39% poderiam
estar integrados a um mercado interprovincial de maiores proporções.
GRÁFICO 4.13 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ENTRE 4.001$000 a
10.000$000
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65
Categoria social
Unidade produtiva
%
Produção para o mercado interprovincial
Produção para o abastecimento familiar e local
Lavrador agregado - criador
Médio proprietário - grande criador
Médio propreitário - médio/criador
Médio proprietario - pequeno criador
Médio Proprietário
Pequeno proprietário - grande/criador
Pequeno proprietário - médio/criador
Pequeno proprietário/criador
Riqueza concentrada em escravos
Habitante da Vila
Riqueza concetrada na posse de terras
Pequeno proprietário
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Conforme Gráfico 4.13, no intervalo de riqueza entre 4.001$000 a
10.000$000 (dez contos de réis), a grande maioria dos inventariados possuía
rebanhos entre 30 e 50 cabeças de animais e tinham em média 5,2 escravos por
família. Os escravos correspondiam, até à abolição, a 43,3% da riqueza
inventariada, sendo os maiores proprietários de escravos Manoel Vieira de Sousa
que deixou ao falecer em 1847, 22 escravos que representavam 98,4% de sua
riqueza
237
; Florentina Maria de Jesus, para quem 16 escravos respondiam por 74,8%
da riqueza inventariada em seu monte-mór;
238
; e, Anna Josefa do Sacramento, que
possuía 14 escravos com uma participação de 73%, na riqueza.
239
Em um total de
100 inventariados, 20% possuíam riqueza concentrada na posse de escravos.
Conforme o Gráfico 4.13, além de proprietários de escravos, o perfil sócio-
econômico dos inventariados neste intervalo de riqueza, se encontrava bem
diversificado: 16% eram pequenos proprietários; 28% além de pequenos
proprietários, também eram criadores de pequeno, médio e grande porte; 9% eram
médios proprietários; 12% eram criadores de pequeno, médio e grande porte; 2%
eram lavradores criadores de pequeno porte; 9% tinham sua riqueza concentrada na
posse da terra; 7% eram habitantes da vila, sendo cinco negociantes. No geral, os
inventariados possuíam em média 5.900$000 (cinco contos e novecentos mil réis) e
cerca de 1.700$000 (um conto de setecentos mil réis) em terras, podendo existir
proprietários com até 3.000 alqueires (14.520 hectares) de terras. Os bens imóveis
tinham uma participação de 29,3% nos monte-móres.
237
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n. caixa 01, datado de 07/10/1847.
238
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 185 caixa 06, datado de 18/03/1873.
239
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n. caixa 03, datado de 21/07/1867.
GRÁFICO 4.14 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ENTRE 10.001$000 a
30.000$000
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55
Categoria social
Unidade produtiva
%
Pequeno proprietário Riqueza concetrada na posse de terras
Habitante da Vila Riqueza concentrada em escravos
Pequeno proprietário/criador Pequeno proprietário - médio/criador
Pequeno proprietário - grande/criador Médio Proprietário
Médio proprietario - pequeno criador Médio propreitário - médio/criador
Médio proprietário - grande criador Grande proprietário
Grande proprietário - pequeno/criador Grande proprietário - médio criador
Grande proprietário - grande criador Produção para o abastecimento familiar e local
Produção para o mercado interprovincial
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Os inventariados classificados nos intervalos de riqueza de 10.001 a
30.000$000 (trinta contos de réis) possuíam em média 16.000$000 (dezesseis
contos de réis), sendo imóveis os principais bens constitutivos da riqueza, com
participação de 25%. Escravos, até a abolição representavam mais de 30%; dívidas
passivas, 25,6%; animais, 10%; bens móveis, 9%; e, dívidas ativas, 12,2%. Os
maiores proprietários de escravos foram Manuel Borges Pacheco, falecido em 1861,
que possuía 26 escravos, avaliados pela quantia de 11.550$000 (onze contos
quinhentos e cinqüenta mil réis). Este valor representava 85,3% de toda sua
riqueza.
240
João Martins Pereira, falecido em 1857, deixou 22 escravos que
correspondiam a um valor de 7.800$000 (sete contos e oitocentos mil réis), que
equivalia a 58,4% do seu monte-mór.
241
Neste intervalo de riqueza, apenas 9,8%
dos inventariados tinham na posse de escravos a principal fonte de riqueza.
Conforme mostra o Gráfico 4.14, havia muito dinamismo neste intervalo
de riqueza, pois 51,2% das famílias produziam excedente para o abastecimento do
mercado interprovincial. 48,8% deixavam transparecer a existência de unidades de
produção que atendiam apenas às necessidades familiares e do mercado local.
Devido a maior diversificação econômica, neste grupo, a participação das dívidas
ativas e passivas foi significativa. O grupo familiar era composto de seis a nove
pessoas, possuíam em média 8,5 escravos por família e rebanho que girava em
torno de 70 a 100 cabeças de gado. O maior rebanho bovino pertencia a Antônio
Ignácio Gomes, que deixou ao falecer, em 1902, 640 cabeças de gado vacum,
avaliados em 12.625$000 (doze contos seiscentos e vinte cinco mil réis), que tinham
uma participação de 59,1% no seu monte-mór.
242
Além do mais, neste intervalo de riqueza a figura do pequeno lavrador
agregado desapareceu, e desponta a figura do grande proprietário de terras que
representava quase 30% dos inventariados na categoria. Destes 17,1% eram
criadores de pequeno, médio e grande porte e, 12,2% grandes proprietários, com
riqueza predominantemente concentrada na posse de terras, como por exemplo,
Capitão José Antônio de Barros, que em 1850, deixou propriedades no valor de
10.222$820 contos de réis, que poderia representar naquela época em torno de
240
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n. caixa 03, datado de 06/11/1861.
241
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n. caixa 02, datado de 11/07/1857.
242
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 486 caixa 23, datado de 13/01/1902.
11.500 alqueires (55.650 hectares), o equivalente a mais de 12 léguas quadradas de
terras.
243
Outro, que também se encaixava neste perfil foi José Feliciano dos Santos,
que ao falecer em 1898, deixou partes de terras que somavam a quantia de
12.920$000(doze contos e novecentos e vinte mil réis). Tendo por referência o preço
médio da terra de $720 réis, o hectare, de 1900 a 1905, equivaleria a um total de
propriedades entre 3.700 a 4.000 alqueires de terras (17908 a 19360 hectares)
representava 83,6% do seu monte-mór.
244
Além dos grandes proprietários criadores, os pequenos proprietários
criadores representavam 14,6% dos inventariados e os médios proprietários
criadores 24,4% deste total, 19,5% eram criadores de pequeno, médio e grande
porte. Havia ainda, três moradores na vila, sendo um negociante, nesta categoria.
Os mais abastados com monte-mór superior a 30.000$000 (trinta contos
de réis) representavam apenas 3,2% dos inventariados, mas, concentravam 19,8%
de toda a riqueza inventariada entre 1843 a 1910. Dentre os mecanismos de
acumulação de riqueza utilizados por essa elite agrária, além da de casamentos
convenientes com pessoas de um mesmo grupo étnico-social era, sobretudo, a
possibilidade de diversificação de suas atividades que lhes permitia o
enriquecimento. Além da posse de grandes latifúndios, procuravam investir em
atividades econômicas estratégicas como o comércio, a criação de gado e,
principalmente em atividades de crédito, em meio a uma estrutura econômica e
cultural em que prevaleciam atividades basicamente ligadas a uma produção para o
abastecimento familiar e local, sem fins lucrativos calcados na agricultura e pecuária
extensiva, em que as relações sociais de trabalho e do uso econômico do tempo.
243
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º s.n. caixa 01, datado de 18/10/1850.
244
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 97 avulsos, datado de 27/04/1898.
Essa elite agrária mercantil e capitalista soube tirar proveito desta situação adversa
e conseguiu capitalizar benefícios econômicos e políticos, através da posse de
grandes extensões de terras e das relações de camaradagem e compadrio, práticas
sociais que prevaleciam nesse mundo tipicamente rural, além do monopólio do
comércio e do crédito, cujo resultado final era, o prestígio social e político perante a
sociedade em que estava inserida.
GRÁFICO 4.15 - PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DOS
INVENTARIADOS COM MONTE-MÓR ENTRE 30.001 a
100.000$000
-5 2,5 10 17,5 25 32,5 40 47,5 55 62,5 70 77,5 85 92,5 100
Categoria social
Unidade produtiva
%
Produção para o mercado interprovincial
Produção para o abastecimento familiar e local
Grande proprietário - grande criador
Grande proprietário - pequeno/criador
Médio proprietário - grande criador
Médio propreitário - médio/criador
Pequeno proprietário - médio/criador
Pequeno proprietário/criador
Habitante da Vila
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos
- GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
O perfil sócio-econômico, dos inventariados que possuíam um monte-mór
entre 30.001 a 100.000$000 (cem contos de réis), era composto de 82% criadores e
negociantes de gado. Nesse intervalo, 94,1% das unidades produtivas presentes
nos inventários voltavam-se para o abastecimento interprovincial e tinha na pecuária,
a principal atividade econômica. Possuíam plantéis de rebanho bovino em média
com 315 de cabeças, e um número médio de 8,9 escravos por família, antes da
abolição. O maior proprietário de escravos era o coronel Luiz Gonzaga de Menezes,
que possuía 22 escravos, que representavam 18,2% do seu monte-mór de
82.962$494 contos de réis.
245
A família, neste intervalo de riqueza, era composta em
média por cinco a oito pessoas, que se dedicavam à criação, agricultura extensiva,
ao comércio de gado, produção de agromanufaturados e, em alguns casos
desenvolviam atividades no comércio de mercadorias e negociavam créditos. Era
neste grupo sócio-econômico que se concentrava o maior volume de dívidas ativas e
passivas, que juntas representavam em média 41% da riqueza inventariada. Os
bens imóveis correspondiam a 27,7% do monte-mór, os animais, 16,%, os bens
móveis, 8,6% e os escravos, até à abolição, 12,2%.
Pela composição do rebanho, além de gado vacum, havia uma expressiva
quantidade de cabeças de eqüinos, bois de carro e muares, conforme se pode
observar na Tabela 4.2. O número expressivo destes animais revela que havia uma
estrutura que lhes possibilitava o escoamento da produção agrícola, sobretudo
agromanufaturados, e o transporte de mercadorias industrializadas e do sal, aos
entroncamentos ferroviários localizados em Uberaba e posteriormente em Araguari,
no Triângulo Mineiro. Além de grandes propriedades rurais, e significativos
rebanhos, a maioria das famílias mais abastadas negociava mercadorias e dedicava-
se ao crédito a juros, prática que começou a ser disseminada com mais intensidade
a partir da década de 1870, na região sul de Goiás, pelo coronel Hermenegildo
Lopes de Moraes.
245
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum de Caldas Novas. Inventário post-mortem
processo n.º 58 caixa 03, datado de 15/03/1875.
O perfil sócio-econômico da maioria das famílias dos inventariados era de
grandes e médios proprietários rurais.
246
Em 82,3% dos inventariados deste intervalo
de riqueza, algumas propriedades poderiam ultrapassar a 6.000 alqueires (25.040
hectares) de terras, como por exemplo, a de Cândida do Nascimento Oliveira, que
era esposa do major Luis Marciano de Oliveira, ambos residentes na Fazenda São
Domingos, em Morrinhos, cujo valor, em 1896, chegava a 40.536$000 (quarenta mil
quinhentos e trinta e seis contos de réis). Pelo valor médio do hectare de terra da
época ($720), o casal poderia possuir cerca de 56.300 hectares ou 11.632 alqueires
em terras, desconsideradas as benfeitorias que foram avaliadas em 4.150$000
(quatro contos cento e cinqüenta mil réis).
247
O coronel Hermenegildo era o maior latifundiário; suas propriedades
foram avaliadas, por ocasião do inventário post-mortem, em 1905, em 221.445$810
contos de réis (duzentos e vinte um mil quatrocentos e quarenta e cinco contos de
réis), o equivaleria a uma área estimada de 307.563,6 hectares ou 62.542 alqueires
em terras. Os inventariados desta faixa de riqueza, excluído o inventário do coronel
Hermenegildo Lopes de Moraes, possuíam, em média, 8.900$000 (oito contos e
novecentos mil réis) em propriedades de terras, desconsideradas as benfeitorias. A
estrutura e composição da riqueza do coronel Hermenegildo, fugia dos padrões
convencionais de riqueza, na região sul de Goiás, uma vez que de todos os
inventários analisados, era o único que possuía aplicações em caderneta de
poupança, investimentos em títulos da dívida pública e detinha uma fortuna
astronômica se comparadas às grandes fortunas da região, que não chegaram a
246
Essa classificação em pequeno, médio e grande proprietário seguiu-se o seguinte critério: até
500$000 mil réis pequeno proprietário, entre 501 a 1.000$000 de réis médio proprietário e acima de
1.000$000 um conto, grande proprietário.
247
Escrivania de Famílias de Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos.
Inventário post-mortem processo n.º 167 caixa 19, datado de 28/06/1896.
ultrapassar 100.000$000 (cem contos de réis) até a primeira década do século XX,
pode se observar a composição da fortuna do coronel Hermenegildo no Gráfico
4.16:
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
%
Bens
GRÁFICO 4.16 - COMPOSIÇÃO DA RIQUEZA DO
CORONEL HERMENEGILDO LOPES DE MORAES - 1905
Animais vidas Ativas
Bens Móveis Aplicações em títulos
Poupança e lucros nas lojas comerciais Terras
Casas/terrenos/na Vila
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
Morrinhos. Escrivania de família do
Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida, Caixa n.º 15 (documentos diversos e avulsos), autos
n.º83.
Na fortuna de 1.776:755$456 contos de réis, 76% deste valor encontrava-
se aplicado em ações de títulos da dívida pública (41%) e em dívidas ativas (35%) a
receber; as terras havia uma participação de 12,5%; o volume de mais de 5000
cabeças de animais representavam apenas 4,6% de sua fortuna; bens móveis, 3%;
dinheiro aplicado em poupança e lucros em estabelecimentos comerciais 2,6%; e
por fim, casas e terrenos na vila, 1,9%. Pela disposição do seu monte-mór, o coronel
Hermenegildo, não era um típico grande proprietário de terras de Goiás do último
quartel do século XIX. O seu modo de vida marcado por luxo e ostentação, bem
como, os negócios centrados no empréstimo de dinheiro a juros, comércio e
transporte de secos e molhados, investimentos em terras e criação de gado e mais o
exercício de várias atividades no serviço público local – intendente municipal, vice-
governador de Estado, Juiz Municipal, encarregado da Coletoria de Santa Rita do
Paranaíba (atual Itumbiara) e Comandante do Regimento da Guarda Nacional – o
credenciaram como uma importante personalidade política de Goiás no fim do
Império e primeiros anos da Primeira República. O seu prestígio, poder econômico e
político eram incontestáveis, na então região sul de Goiás. Pode-se dizer que a
disposição e volume de sua riqueza o colocavam no mesmo patamar e estilo de vida
de um grande cafeicultor de São Paulo, da virada do século XIX ao XX.
GRÁFICO 4.17 - QUADRO GERAL DO PERFIL SÓCIO-
ECONÔMICO DOS INVENTARIADOS QUE HABITAVAM
A REGIÃO SUL DE GOIÁS, 1843-1910*
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Perfil sócio-econômico
%
Pequeno proprietário
Lavrador agregado
Riqueza concentrada na posse da terra
Habitante de vila
Riqueza concentrada na posse de escravos
Lavrador escravo
Pequeno proprietário/criador
Lavrador agregado/criador
Médio proprietário/criador
Grande proprietário/criador
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de
Morrinhos - GO. - inventários post-mortem de 1843-1910.
*Foram pesquisados 536 inventários
De uma maneira geral, o perfil sócio-econômico da amostra de
inventariados da região sul de Goiás entre os anos de 1843 a 1910 compunha-se
em sua grande maioria de pequenos proprietários que possuíam menos de 500$000
réis em partes de terras, que representavam 46,6% dos inventários; 10,7% tinham
riqueza concentrada na posse de escravos 10,7%. A maioria destes últimos
inventariados faleceu nas décadas de 1850, 1860 e 1870, no período em que os
preços dos escravos sofreram uma grande valorização de preços, o que pode
revelar ser um período em que pessoas com alguns recursos, diante das
perspectivas de valorização do escravo, acabaram investindo grande parte de seus
recursos na compra de cativos; 9,7% eram de pequenos proprietários que possuíam
rebanhos entre 40 e 100 cabeças; 8,6% concentravam grande parte de sua riqueza
na posse de terras, principalmente a partir da década de 1890, quando passou a
haver grande investimento neste tipo de bem, diante das expectativas criadas pela
possibilidade da chegada da estrada de ferro ao sul Goiás. Nota-se que no período
ocorreu uma série significativa de investimentos que envolviam a compra e venda de
terras, nas regiões sul, sudeste e sudoeste de Goiás. Dentre os maiores investidores
da região, destacou-se o coronel Hermenegildo que investiu mais 100.000$000 (cem
contos de réis) em terras nestas regiões, conforme estudos de Maria Amélia Alencar
Luz
248
; 7,1% eram compostos de pequenos lavradores agregados que tinham sua
riqueza concentrada na posse de animais e bens móveis; destes 1,5% dos casos
chegaram a ser classificados, também como criadores de gado que chegavam a
possuir rebanhos de até 100 cabeças de animais e escravos; 6,4% dos
inventariados residiam na vila: destes, 42,8% eram negociantes de crédito, gado e
proprietários de estabelecimentos comerciais, talvez por isso, cerca de 64,8% dos
monte-móres destes indivíduos eram compostos de dívidas ativas e passivas,
volume bem superior aos demais grupos sócio-econômicos.
248
Ver LUZ, Maria Amélia de Alencar. Estrutura Fundiária em Goiás: consolidação e mudanças –
1850-1910. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Goiás.Goiânia: UFG, 1982.
O maior negociante de crédito e comerciante da região sul de Goiás entre
os anos de 1880 a 1905, também foi o coronel Hermenegildo. Do volume de dívidas
passivas declaradas nos inventários nas décadas de 1880 e 1890, 47,7% e 44,2%,
respectivamente correspondiam a dívidas de crédito ou de compras de mercadorias
em seu estabelecimento comercial; 4,5% eram compostos de médios proprietários
criadores e 3% de grandes proprietários criadores; quanto aos lavradores escravos
encontraram-se apenas dois inventários.
Finalmente, do volume total de inventários pesquisados pode-se concluir
que, a grande maioria dos inventariados 79,4% estava envolvidos em estruturas
produtivas voltadas apenas para o abastecimento familiar e local e, portanto, não
estavam conectados diretamente a um mercado de maiores proporções. Apenas
20,6% das famílias, possuíam uma estrutura de produção familiar mais dinâmica e
diversificada, de maiores dimensões, que transcendiam às necessidades do
abastecimento familiar e local e se encontravam mais integradas a uma economia de
mercado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste trabalho revelam que o contexto histórico do século XIX, não
pode ser interpretado como sendo um período de estagnação e decadência, associada à crise
da produção aurífera que teria provocado um colapso na economia e, também declínio
populacional e conseqüente desaparecimento dos centros urbanos.
249
Ao contrário, no
transcorrer do século XIX ocorreu um crescimento da população em Goiás, principalmente no
sul, impulsionado pela intensificação do fluxo migratório de paulistas e mineiros para a
região. Milhares de famílias, procedentes, sobretudo, de Minas Gerais a partir de 1820, se
estabeleceram na região e ocuparam as terras por meio da posse, demarcaram propriedades,
constituíam sítios e fazendas e fundaram vilas e povoados, a partir de atividades econômicas,
centradas na agricultura e na pecuária extensiva.
O desenvolvimento das atividades econômicas da região sul adquiriu um relativo
impulso a partir da segunda metade do século XIX, com a Guerra do Paraguai, quando a
província de Goiás, viu-se obrigada a fornecer alimentos e gado aos combatentes do front de
batalha na Província de Mato Grosso. No entanto, a partir de 1870, com a consolidação da
economia agro-exportadora do café na região sudeste que resultaram na construção e
interiorização dos trilhos da estrada de ferro, foi possível perceber a partir da análise dos
inventários, que ocorreu desde então, um crescimento do mercado consumidor interno quando
se começou a consumir produtos oriundos da indústria européia e da indústria nacional
nascente como arame, relógios, os tecidos industrializados, moinhos de moer café, máquinas
de costura, cerveja e outros artigos com maior intensidade. Por outro lado, ocorreu também o
aumento da exportação de gado, agromanufaturados e gêneros agrícolas.
Com as novas perspectivas que poderiam advir com a chegada dos trilhos da
estrada de ferro na região sul de Goiás, entre os anos de 1880 e 1900 ocorreram uma
significativa ampliação de investimentos, principalmente em terras e benfeitorias, que
249
Ver BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. A população goiana no século XIX: algumas questões. In.
Populações. N.03. Jan/jun, 1996; CHAUL, Nasr N. F. Caminhos de Goiás: da Construção da “
Decadência” aos limites da “Modernidade”. Goiânia: Cegraf / UFG / UCG , 1997.
acabaram por refletir no crescimento da participação destes bens nos inventários. Por outro
lado, houve também a intensificação do fluxo migratório, elevação do número de cabeças de
gado por propriedade e conseqüentemente a participação dos animais no conjunto da riqueza.
Notou-se também o acréscimo da participação das dívidas passivas e ativas na riqueza
inventariada, principalmente entre os mais abastados.
Com o alargamento do mercado consumidor e exportador, sobretudo, a
partir da década de 1890, os carros de bois se consolidaram como principais meios
de transportes, ligando as vilas e propriedades aos entroncamentos da estrada de
ferro localizados no Triângulo Mineiro. No período também ocorreu uma valorização
nominal muito significativa dos carros e bois carreiros, o que evidencia que ocorreu o
crescimento da demanda por este tipo de transporte.
Os resultados revelaram que a grande maioria dos migrantes que
adentraram o sul de Goiás na primeira metade do século XIX eram indivíduos de
poucos recursos, em sua grande maioria analfabetos, pardos e negros, e uma
minoria branca que diante das transformações provocadas na conjuntura econômica
da região sudeste, foram obrigados a se deslocar em direção ao sentido oeste,
ocupando terras até então consideradas devolutas. Foi possível perceber que desde
o início, o processo de ocupação das terras, caracterizou-se pela concentração da
riqueza e da propriedade nas mãos da minoria branca, com destaque para as
famílias Correa Bueno, Pereira Martins, Martins da Veiga, Rosa do Carmo,
Assumpção, Ferreira de Matos, Araújo, Coelho de Siqueira, Luís Guimarães,
Rodrigues Paiva, Antônio de Barros, Mendes de Barros, Barbosa Amorim, Pereira
Vargas, Parreira e outras. Os registros de casamentos revelaram uma segmentação
sócio-racial, em que os brancos casavam-se com brancos, pardos com pardos e
negros com negros: muito raramente ocorria o enlace matrimonial entre noivos de
grupos étnicos diferentes.
Apesar das dificuldades de técnicas de produção, da precariedade dos
meios de transporte e do relativo isolamento, foi perceptível que entre os anos de
1835 e 1910, não obstante todas essa adversidade ocorreu o crescimento da
economia goiana, baseada na pecuária extensiva, que foi a principal fonte geradora
de riqueza e que tinha uma participação muito relevante na arrecadação provincial.
Enquanto a agricultura caracterizava-se por uma natureza voltada para o
abastecimento familiar e local, a produção agromanufatureira – aguardente,
rapaduras, fumo, doces, tecidos – alcançou importância vital em um contexto
histórico que foi marcado pela carência de moedas e de crédito. Os
agromanufaturados eram importantes mercadorias de troca nos mercados locais e
regionais, substituindo muitas vezes o dinheiro nos estabelecimentos comerciais da
vila.
A partir da análise da estrutura dos bens e da observação do movimento dos
preços e da participação nos monte-móres notou-se um relativo dinamismo, um crescimento
evidente da economia e sua relação com a conjuntura política e econômica nacional.
Relacionando os inventários com outras fontes documentais e comparando com outros
resultados de pesquisas a respeito da região, chegou-se a conclusão que cerca de 80% dos
inventariados possuíam unidades produtivas de produção voltada para o abastecimento local e
familiar e, apenas 20% possuíam uma estrutura produtiva que transcendiam as fronteiras do
mercado provincial. Desta forma, foi possível perceber estes últimos, em sua maioria por
detentores de títulos da Guarda Nacional, eram ao mesmo tempo criadores e negociantes de
gado, proprietários de estabelecimentos comerciais e negociantes de crédito, e que acabavam
concentrando grande parte da riqueza, em suas mãos.
Para encerrar essas breves considerações finais, esperamos ter
contribuído para um melhor conhecimento da história da região sul de Goiás na
segunda metade do século XIX e início do XX, com a dilatação do uso de fontes
documentais da região.
ANEXOS
GRÁFICOS: ESTRUTURA DA RIQUEZA NA REGIÃO SUL
DE GOIÁS, SEGUNDO CATEGORIAS SÓCIO-
ECONÔMICAS, 1843-1910.
GRÁFICO I - Estrutra e composição da riqueza dos
proprietários de escravos
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
1843-1864
1865-1888
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
GRÁFICO II - Estrutra e composição da riqueza dos
proprietários de terras
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70
1843-1864
1865-1875
1876-1885
1886-1895
1896-1905
1906-1910
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
GRÁFICO III - Estrutra e composição da riqueza dos
"pequenos" proprietários de terras
0 2,5 5 7,5 10 12,5 15 17,5 20 22,5 25 27,5 30 32,5 35 37,5 40
1843-1865
1866-1875
1876-1885
1886-1895
1896-1905
1906-1910
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
GRÁFICO IV - Estrutra e composição da riqueza dos
criadores de gado
0 2,5 5 7,5 10 12,5 15 17,5 20 22,5 25 27,5 30 32,5 35
1843-1865
1866-1875
1876-1885
1886-1895
1896-1905
1906-1910
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
GRÁFICO V - Estrutra e composição da riqueza dos
moradores da vila
0 2,5 5 7,5 10 12,5 15 17,5 20 22,5 25 27,5 30 32,5 35 37,5
1857-1886
1889-1910
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
GRÁFICO VI - Estrutra e composição da riqueza dos
lavradores agregados
-2,5 5 12,5 20 27,5 35 42,5 50
1848-1888
1889-1910
%
Pecuária Escravos Bens Móveis
Bens Imóveis vidas Ativas Ativos em dotes
Dívidas Passivas
Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos - Go. -
inventários post-mortem de 1843-1910.
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no Site: http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/provopen.html.
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