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“riscos biopsicossociais” tanto para a mãe quanto para o filho, tem direcionado os esforços
das políticas públicas no sentido da “prevenção” da gravidez “precoce” (Santos Jr., 1999),
sendo menosprezadas, ou simplesmente desconsideradas, as diferenciações de gênero e as
escolhas, sobretudo afetivas, dos casais nela envolvidos
4
.
Alinhada a essa representação, a mídia também tem dado a sua parcela de
contribuição para o aumento da visibilidade negativa do evento. Atualmente, bastante
popularizado pelos meios de comunicação de massa, o mesmo vem assumindo lugar de
destaque em programas de entrevistas, reportagens e até novelas
5
. Pautado em um discurso
miserabilista, o evento tem sido mostrado ao público mais amplo, como um dos maiores
problemas atuais para a sociedade brasileira, recaindo evidentemente, o maior peso sobre as
mulheres.
Ao ser “demonizada
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” a experiência desse ponto de vista, as mulheres passam a ser
responsabilizadas pelo aumento da pobreza e pela perpetuação da miséria no país
7
. Um
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Estas idéias de “problema social” e “prevenção” reverberam no discurso popular chegando-se a falar nesse
evento como uma das questões que “assolam” o país, no dizer de um professor da chamada “periferia” em
entrevista recente para um canal de televisão de Belém.
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Essa massificação do tema pode ser percebida através dos inúmeros programas e reportagens televisivas
exibidos pelos principais canais de comunicação entre os anos 2005 e 2007. A Rede Globo de Televisão,
emissora considerada de maior alcance publicitário no país, tem evidenciado o tema na quase totalidade de sua
programação, inclusive naquelas que vão ao ar diariamente, como no caso da novela intitulada “Senhora do
Destino” exibida em horário nobre em 2005, e o Programa “Malhação”, que é direcionado ao público jovem e
exibido todas as tardes durante a semana. Ainda em 2005 o assunto foi tema de uma série de reportagens
exibida aos domingos no programa “Fantástico”, sob o título “Filhos deste Solo”, em que um famoso e bem
cotado médico ginecologista traçava um diagnóstico (“sombrio”) da situação das meninas (de camadas
populares) que engravidam durante a adolescência, destacando a “precocidade” e a falta de acesso aos
anticoncepcionais como problemas que precisam ser resolvidos no nosso país, enfatizando que “nenhuma
criança deveria ficar grávida nessa idade”. No ano de 2006 o tema continuou na pauta das reportagens com o
mesmo tom alarmista. Ao longo desse ano foram mais de dez reportagens exibidas nos programas jornalísticos
considerados de maior audiência em rede nacional, com destaque para uma série de reportagens exibida no
“Jornal Hoje” da Rede Globo de Televisão, sob o título “Gravidez na Adolescência: o que fazer?”. Em 2007
esse mesmo programa jornalístico levou ao ar uma outra série de reportagens sobre o tema, da mesma forma
associando o evento a um problema para a sociedade brasileira, culpabilizando as meninas pela falta de
informação sobre métodos contraceptivos e ausência de projetos profissionais.
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Essa “demonização” das mulheres, aliás, é bom não esquecermos, data de longo tempo. Como bem mostra
Jean Delumeau (1989), na Europa Ocidental do fim da Idade Média e início da Idade Moderna, as mulheres,
tanto quanto os judeus, foram identificadas (e acusadas como) “agentes de satã”, entre outros motivos, por
serem elas consideradas “juízes de sua sexualidade”. Essa percepção da mulher como um ser “perigoso”, no
entanto, está longe de ser uma invenção dos cristãos. Sua origem encontra-se entre os gregos antigos através
da figura mítica de Pandora, e, entre os judeus, representada pela imagem da Eva judaica, responsabilizada
pelo sofrimento da humanidade e o desaparecimento do “paraíso terrestre”.
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Aliás, em recente programa exibido pela TV Câmara (abril/2007), uma deputada federal pelo estado de
Rondônia, acrescentou mais duas “pérolas” ao repertório que vem sendo construído, afirmando tratar-se a
gravidez na adolescência, já de uma “epidemia”, ligando-a também à produção e reprodução, não só da
pobreza, mas, também, da violência no país.