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Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica Tecnológica.
Semiótica Visual na Educação Tecnológica.
Significações da Imagem e Discurso Visual.
Mestrando: Emerson Pessoa Ferreira.
Orientador: Irlan von Linsingen.
Dissertação apresentada como pré-requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação Científica e
Tecnológica no Programa de Pós Graduação em Educação
Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa
Catarina em 30 de Junho de 2006.
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“Volver a los dezesiete,
despues de vivir um siglo,
es como descifrar signos,
sin ser sabio competente...”
(Violeta Parra)
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Agradecimentos
Àquele que vive em tudo. Que desenha sobre nós com a tinta da vida. E nos apaga para nos
refazer melhores.
Ao meu orientador, Professor Irlan von Linsingen (“O Bom Pastor”) - O único orientador
que poderia me aguentar.
Aos professores que se colocaram à disposição para a entrevista (o autor tem muito mais o
que aprender do que a sugerir aos entrevistados.)
Ao PPGECT em especial aos professores Suzani, Demétrio, Pinho, Peduzzi, Nadir,
Angotti e Aarden. E à Lúcia Beatriz, da secretaria.
Ao CEFETSC.
Aos amigos que me fizeram rir e chorar: Claudiane, Liana, Caio e João.
Aos amigos do NIS.
Ao pessoal que produz, usa e colabora com a iniciativa do software livre.
Ao pessoal do DICITE.
E um beijo para a Carol, o Michel, o André, a Monique, o Gabriel e um beijinho de leve,
pra não assustar, no Dante, meu novo sobrinho.
Esta dissertação foi totalmente
produzida com OpenOffice e
Linux.
Dedicatória
Dedico este trabalho a quatro pessoas em especial:
Denise. Nosso amor nos transformou. Somos muito mais que dois.
Isadora. Filha, és a pessoa de treze anos mais linda que conheço. Quem não te ama?
Ian. Filho, tua inteligência, bom-humor e curiosidade são tua maior beleza. Te amo.
Rovy. Filho, a cada dia te vejo renascer. Benvindo de volta ao amor brasileiro.
E também ao meu pai, Esmeraldo Ferreira - o fotógrafo que me mostrou o mundo,
e à minha mãe, Edna Pessoa de Lima – por aqueles livros de contos.
1
SUMÁRIO
Agradecimentos..............................................................................................................................iii
Dedicatória......................................................................................................................................iv
SUMÁRIO.......................................................................................................................................1
Resumo.............................................................................................................................................3
Abstract............................................................................................................................................3
Monóculo Memorial........................................................................................................................4
1 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO......................................................................................9
Organização do Trabalho, Ineditismo e Delimitações da Pesquisa.......................................9
Linguagem Visual, Discurso Visual e Educação....................................................................10
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS............................................................................................21
Tema da pesquisa......................................................................................................................21
Hipótese.....................................................................................................................................21
Questão de pesquisa..................................................................................................................22
Objetivos....................................................................................................................................22
Objetivo Geral:.......................................................................................................................22
Objetivos Específicos:............................................................................................................22
Sujeitos.......................................................................................................................................23
Contexto da Pesquisa ..............................................................................................................23
Caracterização da Amostra ....................................................................................................27
Um Estudo de Caso................................................................................................................27
Sobre o Método Utilizado ......................................................................................................28
Ferramentas de Coleta de Dados............................................................................................29
Critérios para escolha de material a ser analisado:.................................................................30
Observação sobre o uso de software livre para execução do trabalho...................................32
3 ASPECTOS FILOSÓFICOS E EPISTEMOLÓGICOS..........................................................34
Um pouco da vida e da obra de Peirce....................................................................................34
Primeiros Passos Peirceanos – Uma ressurreição de Peirce ................................................37
A Ciência de Peirce...................................................................................................................38
As bases filosóficas ...............................................................................................................39
Aristóteles...........................................................................................................................39
Kant....................................................................................................................................40
2
Hegel...................................................................................................................................43
Peirce e as Categorias. Uma Epistemologia Geral (ou como olhar para as coisas es
diretamente vinculado a pensar a Ciência e a Tecnologia)...................................................44
O Pragmati(ci)smo como postura epistemológica..................................................................48
A Semiótica................................................................................................................................55
Ontologia da Imagem e Imagem em Peirce............................................................................59
Abordagens para Análise do Texto Visual.............................................................................65
4 ANÁLISE DE ENTREVISTAS E MATERIAL VISUAL.......................................................80
As significações de imagem do professor do Ensino Técnico ....................................................80
Exemplo de construção de perfil de significação de Imagem, em professor do Ensino
Técnico (o autor):...................................................................................................................85
Primeira entrevista: professor de desenho técnico mecânico ..............................................88
Apresentação do professor:....................................................................................................88
Perfil de leitura da imagem do professor................................................................................88
Perfil de contextualização da imagem do professor...............................................................91
Perfil de produção de imagem do professor...........................................................................93
Segunda entrevista: professor de eletrotécnica......................................................................95
Apresentação do professor......................................................................................................95
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem do professor de eletrotécnica......95
Terceira Entrevista: professor de construção civil .............................................................107
Apresentação do professor....................................................................................................107
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem do professor de construção civil
..............................................................................................................................................107
Quarta entrevista: professora de informática......................................................................117
Apresentação da professora..................................................................................................117
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem da professora de informática.....117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................126
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................131
Referências Eletrônicas..............................................................................................................137
ANEXOS......................................................................................................................................141
Anexo I : The outline of Peirce's classification of sciences (1902-1911) compiled by Tommi
Vehkavaara..................................................................................................................................142
Anexo II - Exemplos de exercícios de desenho técnico mecânico fornecidos pelo professor
entrevistado..................................................................................................................................143
3
Resumo
Este texto explora conexões filosóficas e epistemológicas entre a semiótica visual e a
educação tecnológica, utilizando-se, inicialmente, da semiótica de Charles Sanders Peirce. A
partir de diferentes formas de mapeamento conceitual da categoria imagem, estuda as
significações de signo visual e o discurso visual de professores de ensino cnico, descrevendo
através de um “perfil de significação” as concepções de “imagem” do professor, que, em termos
gerais, desconsideram conteúdos culturais e ideológicos, ou seja, descartam o seu potencial
discursivo e de ferramenta de poder. A superação da alienação/reificação frente ao conceito de
imagem ou signo visual requer a conseqüente apropriação reflexiva de uma fluência no discurso
visual ou imagético, que estaria relacionada com a educação estético-visual crítica do professor.
Palavras Chave: Semiótica Visual, Imagem, Discurso Visual, Educação Tecnológica, Charles
Sanders Peirce.
Abstract
This text explores philosophical and epistemological connections between visual
semiotics and technological education, using, as beginning, the theory of semiotics of Charles
Sanders Peirce. From different forms of mapping the image category, it studies the significations
of visual sign and the visual discourse of technical and professional school teachers, describing
their conceptions of “image” trough a “signification profile”. In general terms, teachers do not
consider cultural and ideological contents of the image, meaning they discard the discursive
potential of the visual sign and its power relation building capacity. To overcome the
alienation/reification in the use of images or visual signs it is necessary to acquire the consequent
reflexive appropriation of knowledge in the visual/imagetic discourse, that may be related to the
critical aesthetic-visual education of the teacher.
Key Words: Visual Semiotics, Image, Visual Discourse, Technological Education, Charles
Sanders Peirce.
4
Monóculo Memorial
"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo."
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa).
Nesse instante, de minha janela assisto a um dos últimos sóis do outono de 2005, desta
ilha ao sul do atlântico indo ao oeste, baixo e amarelo, deixando uma sombra marcada como
cicatriz na encosta de um morro ainda verde, agora musgo, não mais dizível. Imitando Gaston
Bachelard, e sendo bem menos inspirado que ele, escrevo dividido entre os dias iluminados do
Pensamento Ocidental e a Magia Bruxólica das noites desta ilha ao sul do Brasil.
Daí talvez a inspiração, piegas e condescendente, para amaldiçoar a academia e me sentir
vítima de minha própria ambição intelectual.
À guisa de prosa marota, então, e contestando com um certo temor o valor e a
possibilidade do impessoal, homenageio a coragem dos que não seguem todas as regras, e
permito-me, apenas nesta parte da introdução, covarde que sou, fugir do estilo acadêmico. Vou
explicar porque escolhi o tema, vou explicar porque transformei algo tão interessante em algo
sisudo e chato.
Vou explicar como estou triste de fazer isso. E fá-lo-ei descaradamente logo em seguida.
Perdoem-me então os que esperavam de mim algo mais ousado.
5
Na trajetória de minha vida, a presença da imagem se fez desafiadora desde os primeiros
contatos com os livros ilustrados, os atlas e dicionários, que continhamtodo o conhecimento do
mundo” e também com a fotografia, na primeira infância.
Meu pai, marinheiro descendente de africanos e indígenas, vindo de muitas viagens ao
exterior, mostrava cartões postais e fotos dos mesmos lugares que eu via nos mapas. Incríveis
trabalhos de arte, alguns deles, hoje em dia mereceriam um estudo à parte já do ponto de vista
histórico.
E o mundo se descortinava assim, em preto e branco. Fotos de meu pai negro, com seu
sorriso branco ao lado do Arco do Triunfo. Outra foto ali na Acrópole. Outra acolá, logo ali na
catedral de Notre Dame. Mais uma na Espanha. Ainda outra na Itália. Meu pai marinheiro
mágico, me mostrava o mundo sorrindo e orgulhoso, esse mundo grande, curioso e acessível.
A Grécia realmente existia e havia pessoas morando lá, bem diferentes das estátuas. As
pessoas eram estátuas em Pompéia, congeladas pelo fogo do Vesúvio. O Coliseu era velho e
quebrado, mas sempre diferente a cada imagem. A Torre Eiffel parecia um enigma. Pra que
servia?
A mesma sensação com as pirâmides e obeliscos do Egito, a Praça de São Pedro, o “Big
Ben” e a torre do Palácio de Westminster em Londres.
Mal sabia que pouco mais de uma década antes das primeiras fotos que meu pai trouxe,
essas cidades estavam em frangalhos, física e moralmente. Mas a Europa era incrível, no meu
imaginário. E as guerras não eram tão sérias, afinal. Olha quanta grandeza tem por lá!
Mais tarde, conhecendo a Torre de TV (Brasília) a Ponte Hercílio Luz (Florianópolis) e o
relógio da Central do Brasil e o Cristo Redentor (Rio de Janeiro), entendi o feito e a coragem dos
engenheiros e operários em subir tão alto. Talvez minha primeira lição de orgulho patriótico. E da
importância da arquitetura para o orgulho nacional. “Sim, nós temos obras imensas, também”.
Mas achei que faltava algo. Talvez a guerra, para nos dar status. Tinha orgulho de meu pai ser da
Marinha Brasileira. A nossa Marinha de Guerra. E “ditadura” era uma palavra que eu não
conhecia. O mundo tinha uma estrutura sólida e antiga, então.
Papai era também fotógrafo por necessidade. “Batia” fotos de porta em porta e montava e
vendia monóculos
1
e ampliações.
1
Pequena pirâmide de plástico com uma lente ampliadora na ponta, com um fundo removível, onde havia um filme
fotográfico (o filme em si, não a ampliação em papel) revelado, ainda em celulose.
6
Curiosa prisão da alma infantil, os monóculos. Sua imagem gravada em filme não era
imediatamente visível e ampliada em papel fotográfico, mas oculta na pequena câmara
tridimensional. Permitia, por seu fundo levemente opaco, ao olhá-lo contra uma fonte de luz, que
se visse uma imagem com nova iluminação, dinâmica e diversa da exposição original. E lá estava
um “eu” ainda menor, em outras vestes e num espaço tempo em suspensão, mas não estático, nas
minhas próprias mãos. E a memória/presença deste “eu” aprisionado no entanto aparentemente
tranqüilo, até feliz angustiava e divertia ao mesmo tempo. Afastando o monóculo da visão e
abrindo o olho que se tinha fechado, o mundo aos poucos reaparecia em formato envolvente ao
meu redor e, por um lapso, apenas um relance de tempo, eu esperava que um outro “eu”, desta
vez maior, afastasse a lente e me olhasse. Como seria seu mundo?
Mais de três décadas depois, este trabalho sobre Semiótica Visual tenta rever aquela
sensação.
A televisão me apareceu em 1967, aos quatro anos, com sua hipnose e torpor, como uma
mãe que não parasse de contar histórias, sem permitir perguntas. Histórias de adulto. Mas me
interessavam os desenhos animados. E as propagandas. Elas pareciam provocar a gente e eu
sempre corria para pegar os produtos que porventura houvesse em casa e dizia para a televisão:
“Esse eu tenho, olha! Olha!”. E era outra propaganda. Raízes de minha ojeriza à concepção
conteudista de educação e ao não-dialógico.
Em 1969 tinha seis anos e assisti ao homem chegando à lua. Era um vídeo tape? Ou foi
ao vivo? Que diferença? Que maravilha! Era uma tarde de domingo, ensolarada e minha família
estava toda na rua, conversando com os vizinhos. Ninguém além de mim, queria saber da lua.
Morávamos numa casa de madeira pequena, com um galinheiro atrás e numa rua sem
calçamento. Minha mãe achava que era “truque dos americanos”. Raízes de meu ceticismo frente
à tecnologia.
Florianópolis, nessa época, era paradisíaca. Havia carros de boi e engenhos nas estradas
de barro que levavam às praias desertas e magníficas. O “Fusca” era o carro mais vendido e ainda
rodavam caminhões da “Fábrica Nacional de Motores”. Meu pai estava aprendendo a dirigir
nosso primeiro carro. Um fusca verde âmbar.
Mas ainda me vejo de pé, boquiaberto com o truque do tal Armstrong.
Aquela figura branca, improvável, pequena e difusa contra um plano escuro, pulando de
modo estranho na velha Philco de várias polegadas. A mesma que, poucos meses depois, quando
7
mudamos para Brasília, nos permitiu assistir à vitória do Brasil no México. Não pude estar
imune.
Não entendia as regras do futebol, mas olhava para o meu pai e fingia ficar indignado ou
feliz de acordo com os gestos dele. E sempre levava um susto quando havia um gol. Me
impressionava que os ruídos fora indicassem que mais pessoas estavam fazendo o mesmo que
nós. Linguagem não verbal como Semiótica Social...
E Brasília fica no planalto. Espaços imensos. Ecos. O som caminhando no tempo. Depois
do último jogo, um vizinho muito simpático convidou as crianças para irem de carro comemorar.
Meus pais não me deixaram. Porquê?
O vizinho. Era alto e loiro, ou ruivo e distribuía balas às crianças. Mas havia algo estranho
nele. Morava em apartamento funcional para militares, como nós. Solitário, não andava
uniformizado. Alguns textos são velados. Mas as crianças lêem do seu jeito.
Mas Brasília era linda. Muitas obras ainda em andamento e a luminosidade comunista e
racional de Niemeyer por (quase) todo o lado. O enorme anjo de concreto da Catedral, suspenso
por um fio muito fino (a meu ver), falou comigo através de seu peso e sua ameaça de cair. Olhou-
me com pena e preferiu ficar lá em cima. A Metafísica encontra a Física.
O soldado no planalto me olhando com olhar de soldado. Por baixo do uniforme havia
uma pessoa? Que sensação era essa de medo e segredo naquela face aprisionada embaixo do
capacete? Mesmo assim, eu admirava o soldado. Meu pai era um deles.
A praça dos três poderes, sua bandeira, largura e planicidade sempre convidando a uma
corrida. “Corre menino! Corre!”. Diziam também as ruas largas. Quanto tombo... Principalmente
de bicicleta, andando “sem as mãos”. Era um voar enlouquecido pelas descidas longas de asfalto,
com vento no rosto e a sensação de velocidade e aceleração crescentes, assim como crescentes
eram o medo dos carros e das surras ao voltar para casa.
As luzes, nas noites de Junho, na periferia dos eixos arquitetônicos, não eram
monumentos, casas e lojas. Eram prenúncio e glória das fogueiras de São João onde se assavam
deliciosas batatas doces que se comiam com melado em festas comunitárias. E os doces e
salgados feitos pelas senhoras, os sabores, os rostos e os gestos iluminados pelo fogo, o formato
das fogueiras, feitas pelos homens, as bombinhas das crianças...sentido de grupo. Sinais de
fumaça e tribo de um povo que não se sabia indígena.
8
No céu, uma luz se movendo podia ser um balão. A música me irritava: Cai, cai,
balão, cai, cai balão, cai na rua do sabão...” Que cai coisa nenhuma! Quem é que vai querer que o
coitado do balão caia? Ninguém tem pena? Ninguém tem medo?
E de repente um enorme balão enorme mesmo! caiu a poucos metros de onde eu
brincava. O Fogo. O FOGO! Gritei num misto de pena e terror assistindo a imensa estrutura de
arame e seda ser consumida e clarear a noite num breve instante de morte e histeria.
Sem dúvida a música tinha chamado o balão. Mágica. A luminosidade racional que
ofuscava Brasília ainda não me havia ofuscado por completo nem aos folguedos pagãos, negros,
indígenas e cristãos de nossa cultura mutante. Raízes de uma leitura de Brasil e do gosto por
Darcy Ribeiro.
Como para Paulo Freire (e para todos nós) minha leitura de mundo precedia em muito
minha leitura da palavra.
Quando entrei na escola, as coisas mudaram aos poucos de figura. Mas, no fundo de meu
coração, guardo aceso o fogo da surpresa de ver, ouvir, cheirar, tocar, mover, gesticular, viver.
Que isso não seja antônimo de pensar.
Mas à academia não bastam impressões. Elas motivam. Mas não sistematizam. Até
explicam, mas não justificam. Por isso, para iluminar um tanto menos os sentidos e mais à razão,
parto daqui. Abandono o menino a olhar para sempre o balão a se consumir. Fujo e espero ter
exposto pelo menos um pouco dos motivos que se impuseram à minha ótica.
Não desprezo a razão, apenas a considero incompleta.
Daí a fraqueza do que vou escrever. Não acredito que ele seja importante a ponto de me
tirar tanto tempo, mas não consigo deixar de fazer. Preferiria poesia. Mas não sou corajoso o
bastante. Acabo cúmplice do fogo. Cai, Cai, Balão...
9
1 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO
Organização do Trabalho, Ineditismo e Delimitações da Pesquisa.
O texto está organizado em quatro partes ou capítulos. No primeiro capítulo, denominado
Caracterização do Trabalho, tratou-se de fazer uma panorâmica da importância do estudo da
imagem para a Educação em geral, e em especial para a área da Educação Científica e
Tecnológica, introduzindo-se as noções de linguagem não-verbal, texto visual, discurso e
discurso visual. Apresentam-se também questões delimitadoras entre algumas abordagens do
texto visual, e o posicionamento deste escrito frente a essas diferenças.
O segundo capítulo contém os Aspectos Metodológicos da Pesquisa, caracterizada como
um Estudo de Caso realizado no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina.
Nessa parte, estão definidos os objetivos (geral e específicos), delimitados os sujeitos da
pesquisa em seu ambiente e discutidos alguns elementos metodológicos relativos à ferramenta de
coleta de dados (entrevista semi-estruturada) para o estudo de caso em questão. Também são
levantados critérios para a determinação de que tipo de material visual será objeto de análise.
O Terceiro capítulo da dissertação explora em maior profundidade as bases filosóficas e
epistemológicas da semiótica de Charles Sanders Peirce, procurando tornar clara a conexão entre
esse filósofo e a Educação Tecnológica, bem como fazer jus ao foco pedagógico do Programa de
Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – a Epistemologia da Ciência.
Nessa seção também se explora o conceito de imagem em Peirce, a partir de sua famosa
trilogia (ícone-índice-símbolo) e demonstra-se a dificuldade ainda presente nos estudos atuais da
semiótica de se conceituar claramente a categoria Imagem. A partir dessa ontologia da imagem,
mostram-se alguns métodos de análise do discurso visual, finalizando-se com o estabelecimento
de uma matriz arbitrária para se confrontar com as significações dos professores pesquisados.
A última parte do trabalho, ou capítulo quatro, é a análise do material das entrevistas e dos
textos imagéticos fornecidos pelos professores, procurando-se determinar em que nível sua
significação de imagem pressupõe a existência de algo mais que a mera representatividade.
10
Em resumo, apresenta-se aqui um estudo de caso que quer contribuir com a filosofia da
educação tecnológica, buscando realçar a relevância do caráter ideológico do discurso visual. O
núcleo do trabalho é uma explicitação de fontes filosóficas, a partir da apresentação de Charles
Sanders Peirce como epistemólogo e filósofo e o seu final é um esforço de vincular a Semiótica
Peirceana à análise do Discurso Visual, o a oferecendo como metodologia pronta, mas
utilizando categorias dessa semiótica para ajudar a responder à questão de pesquisa: “O que é
imagem para o professor de ensino tecnológico?”.
A pesquisa bibliográfica sobre o tema para se averiguar a existência de trabalhos
semelhantes foi realizada em diferentes fontes, utilizando ao mesmo tempo livros de autores
consagrados e buscas em diferentes bases de dados disponíveis na rede Internet, como o sítio
CAPES (2006), onde se encontram bancos de teses e dissertações nacionais e periódicos de todo
o mundo, e o sítio SCIEL0(2006), onde trabalhos científicos do Brasil e do exterior estão
cadastrados. Buscas em mecanismos automáticos como GOOGLE(2006) também foram
realizadas, resultando em diversas referências utilizadas no decorrer do processo de pesquisa.
Linguagem Visual, Discurso Visual e Educação
Pode ser considerado senso comum o fato de que uma professora ou professor de
Português (ou outra língua) deva se preocupar com a produção textual de seus alunos. O que é
tão importante na produção e interpretação de textos?
Professores de outras disciplinas deveriam se importar com a linguagem utilizada por seus
alunos? Nos níveis comunicacional, sintático, semântico, ou em todos eles? A Linguagem
2
participa na constituição do sujeito epistêmico/social?
Estas perguntas são relativamente freqüentes para um educador moderno, que esteja a par
das teorias que relacionam a linguagem com a aprendizagem, seja de um ponto de vista cognitivo
ou sócio-cultural. Essas teorias se concentram principalmente na linguagem verbal (falada ou
escrita).
Contudo, se ampliarmos um pouco nosso campo de visão e analisarmos o universo de
códigos e linguagens presentes no cotidiano do ser humano, certamente consideraremos que, no
2
O termo está irremediavelmente conectado à fala, pela sua referência anatômica, mas a partir dos estudos
lingüísticos e semióticos modernos ganha nova significação formal, relacionando-se com as estruturas mentais e
sociais de produção de sentido. Linguagem, neste texto, inclui todas as manifestações sociais comunicativas, verbais
ou não.
11
mínimo, a linguagem verbal não é a única utilizada. E, a despeito das várias correntes lingüísticas
e estruturalistas, na verdade, nem sabemos ao certo se ela a linguagem verbal - como modelo
referencial, é válida ou a mais importante. Assim, as perguntas acima poderiam ser feitas para
qualquer sistema de códigos.
Ao percorrer os caminhos da significação no intuito de explorar a importância das
linguagens não-verbais, poderíamos escolher várias sendas (pelo menos tantas quantos nossos
sentidos conhecidos). Neste trabalho, olharemos para os olhos de quem vê. Com a devida licença
dos demais sentidos, abandonados neste recorte.
Se consideramos apenas o sistema visual humano, ainda assim temos que enfrentar a
dificuldade de que ele é um desafio teórico e prático para as neurociências, a psicologia, a
filosofia e teóricos de mais variados campos, sendo o esforço para compreender o seu
funcionamento paralelo àquele para compreender a forma como o ser humano percebe e entende
a si mesmo e ao mundo.
Algumas teorias sobre o sistema visual humano e sobre como interpretamos o que vemos
refletem uma concepção empirista e fundamentada em idéias que nos levam a supor que a
consciência é um processo unicamente, ou predominantemente neurofisiológico. Estas teorias
são, por si, uma “forma de ver”, uma vertente epistemológica.
Na perspectiva que aqui se desenvolve, ver ou olhar não é apenas perceber fisicamente.
Se o processo de ver é um processo cultural, determinado pelas relações sociais, pelo
“estar no mundo” do sujeito vidente, ver ou olhar é construir sentido. Mas o que se olha? Olham-
se Imagens? E o que são elas?
As questões e reflexões deste trabalho estão relacionadas a que tipo de concepções
(significações) da Imagem são utilizadas pelos docentes, que, na prática da Educação em
Ciência e Tecnologia o professor se depara com a necessidade de utilizar cada vez mais uma
infinidade de linguagens para incrementar o aprendizado e a motivação e viabilizar a apreensão
da crescente quantidade e complexidade de conceitos com que o estudante deve lidar.
Os estudantes, por seu turno, estão imersos num cotidiano repleto de todos os tipos de
mídia, relacionando-se com as tecnologias modernas de comunicação e informação bem antes do
aprendizado formal da leitura ou escrita. Nesse mundo, “leitura” e “alfabetização” ganham
dimensões novas e inexploradas.
12
Com as tecnologias digitais, a “galáxia de Gutenberg” choca-se irremediavelmente com o
universo da Imagem e desta explosão de sentidos surge a nebulosa multimídia fazendo uso
extensivo de imagens e sons, além de textos falados e escritos, aglutinando e superando em
eficiência comunicativa praticamente todas as antigas formas de recursos, antes chamados
“audiovisuais”.
Entretanto, conforme apreendemos em Santaella (2001, p.13), apesar de serem
tradicionais as
pesquisas sobre a natureza e estrutura da mídia palavra,
institucionalmente propagada pelos acadêmicos das artes da gramática,
retórica e filologia, os estudos da imagem não criaram uma tradição
similar, continuando até hoje sem um suporte institucional de pesquisa
que lhe seja próprio. Uma ciência da imagem, uma imagologia ou
iconologia ainda está por existir.
Ou seja, apesar da natureza multimídia
3
(multimodal) da educação contemporânea, ainda
persiste uma tendência majoritária de esforço de análise dirigido à linguagem verbal (escrita e
falada). Santaella (2001, p.13) diz que uma das causas da ausência de teorias visuais mais
elaboradas pode ser encontrada nas observações de Emile Benveniste, para quem as imagens
constituem um sistema semiótico que carece de uma metassemiótica, em outras palavras não
dispõe de recursos para explicar a si mesmo, diferentemente do sistema verbal. Isso torna mais
complicado analisar os sistemas imagéticos como a pintura, a fotografia, o cinema, entre outros,
motivando novas iniciativas na área.
Gouvêa e Martins (2001, p.42). também acreditam que
a leitura de imagens é, portanto, uma atividade profundamente influenciada por
princípios que organizam possibilidades de representação e significação numa
dada cultura. Da mesma forma que a leitura do escrito, a leitura das imagens não
se restringe à simples leitura de signos, fazendo-se necessário um aprendizado
de leitura das imagens. Nessa perspectiva, o visual é visto não como
subordinado ou menos importante, mas como um modo semiótico que coopera
com o lingüístico.
3
A noção de várias formas de expressão (escrita, falada, visual, auditiva, entre outras) é normalmente referida como
multimídia quando se trata das tecnologias digitais da informação e comunicação, mas o termo multimodal é
freqüentemente associado aos processos de alfabetização e letramento.
13
Kress e Van Leeuwen (2001) analisam a ruptura que existe na educação, quando, após os
primeiros anos de ensino fundamental, a alfabetização e a aprendizagem se restringem quase que
exclusivamente ao textual, ou seja, a alfabetização e muito mais ainda o letramento
4
visual é
desprezado. As conseqüências dessa exclusão do letramento visual do universo educacional são
inúmeras e transbordam para os campos da filosofia, psicologia e sociologia da educação.
Se esperamos um estudante letrado visualmente, precisamos articular a
alfabetização/letramento visual, e não apenas treinar a visão para interpretações imagéticas
específicas. Magda Soares (2003), falando de linguagem verbal, explica como o letramento e a
alfabetização estão interelacionados:
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais
concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a
entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema
convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de
habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas
sociais que envolvem a língua escrita o letramento. Não são processos
independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização se
desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita,
isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, pode
desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-
grafema, isto é, em dependência da alfabetização.
A partir de uma concepção semelhante, considera-se neste trabalho que a abordagem
educacional dos domínios visuais é sempre mais que interpretativa, no sentido cognitivo, sendo
interdependente dos aspectos sócio-históricos envolvidos na produção e uso dos signos visuais.
Nessas considerações iniciais, é imprescindível ter consciência de que a produção e a
comunicação das idéias científicas e tecnológicas depende das diferentes formas de linguagem,
que coexistem de maneiras variadas e interdependentes (multimodalidade).
4
Utiliza-se o conceito de letramento basicamente, como um processo de aquisição de habilidade de leitura que
supera o caráter mecanicista da alfabetização. (SOARES, 2003).
14
Lemke (1998) vai nesta direção, ao observar que a ciência não pode depender apenas da
linguagem verbal:
a ciência não é feita, não é comunicada, através da linguagem (vebal) apenas.
Ela não pode ser. Os conceitos da ciência não são conceitos verbais, apesar de
terem componentes verbais. Eles são híbridos semióticos, simultaneamente e
essencialmente verbal-tipológicos e matemático-gráfico-operacional-
topológicos.
Daí a importância de aprofundar a análise sobre os demais campos de produção de sentido
ou semiosferas na ciência, como o visual, por exemplo.
Stuart Macdonald dizia, em 1970, que a proliferação de expressões literárias
tais como “elementos visuais”, “gramática visual”, “linguagem visual”,
“alfabetização visual”, “consciência visual”, “fenômeno visual”, “metodologia
visual”, era um evidente resultado e clara demonstração do crescente interesse
de psicólogos, educadores e professores em reconhecer não os aspectos
fisiológicos do sentido da visão, mas também uma orientação educacional para
tirar partido de todos os princípios funcionais do sistema visual humano, visando
formar uma teoria que embasasse tanto a educação formal geral quanto a
educação especial para formação de profissionais pintores, escultores,
gravadores, desenhadores (sic) etc. (GOMES,1996, p. 25)
Não é por acaso que a Teoria da Imagem tenha ganho, nas últimas décadas, tanta
importância, que é pela visão (ou o olhar, como prefeririam alguns) que transita boa parte do
universo da significação e da cognição; do ideograma ao cinema, da forma à cor, do texto
científico à arte. E a imagem é o veículo. A imagem como representação visual e mental, como
ferramenta cognitiva e como manifestação cultural. A imagem como signo. E sua relevância na
Educação Científica e Tecnológica.
Exemplos da própria história da ciência incluem como Faraday construiu a
realidade dos campos eletromagnéticos através da visualização de linhas de
força ou como Watson e Crick explicaram a estrutura da molécula do ácido
15
desoxirribonucléico a partir da metáfora da dupla hélice. Entidades que não
ocorrem juntas são reunidas e visualizadas em conjunto, de forma que seja
possível ver ordem e relação entre elas. A tabela periódica e os diagramas
ilustrando taxonomias de espécies são exemplos destes arranjos intencionais.
(GOUVÊA e MARTINS, 2001, p.43)
Observe-se que mesmo no exemplo acima nos deparamos com uma ampla variedade de
conceitos relacionados como imagens (visualizações mentais, figuras, tabelas, diagramas...).
Veja-se aí uma demonstração da dificuldade de avaliar quais destas categorias são entendidas
como tal pelos professores. E como são significadas (tornadas signos) na sua prática pedagógica.
Neste esforço de reflexão, mostra-se que nem tudo que parece imagem no senso comum é
significado como tal por todos. Para se falar de linguagem visual é necessário ir além do
verbalismo e da linguagem como estrutura sem desconsiderar sua existência e importância, mas
centralizando a análise nos aspectos visuais e discursivos, ou seja, naquelas ocorrências em que a
linguagem visual se faz mais social, mais contextual e interdependente do fazer humano. Ela
pode ser meio de comunicação no mundo, ferramenta de diálogo, mas também pode ser
expressão de poder, ferramenta de afirmação, construção e negação das relações sociais
estabelecidas.
Em Fairclough (2001, p. 21-30) há uma discussão e explicação de diferentes acepções do
termo discurso. Mas o próprio autor considera o conceito “difícil” pela abundância e
interpenetração das definições. Na presente pesquisa, discurso é entendido fundamentalmente
como evento textual sociolingüístico. E texto
5
como conjunto de elementos expressivos, verbais
ou não, quer dizer, a noção de discurso também não se restringe ao verbal escrito ou falado, mas
abrange o “visual”. Fairclough (2001, p.21) procura hierarquizar texto e discurso, mostrando que
nos estudos de lingüística, texto é uma dimensão do discurso. O presente estudo aceita essa
concepção e adota um conceito multidimensional de discurso. Considera-se, portanto, a partir
5
Em lingüística, texto é uma unidade de estudos acima das frases e períodos, dotada de fenômenos próprios e
inexplicáveis pelas teorias gramaticais. Esse estudo deu origem à lingüística transfrástica e esta à lingüística do texto,
ou teorias do texto. Um texto pode ser escrito ou oral, e em sentido lato pode ser também não-verbal. (WIKEPEDIA,
2006)
16
daqui, que discurso visual é a expressão social de um texto visual, ou seja, é um conjunto de
elementos (signos) visuais expressivos – um texto visual - na história, na cultura, na vida.
Em que nível está presente à mente do professor de ensino tecnológico que uma imagem
(seja ela o que for) pode ser um texto e compor um discurso visual?
Pretendeu-se chegar a uma resposta mais particular para esta questão a partir de um
levantamento quanto à ontologia da Imagem e buscando-se determinar qualitativamente se existe
um “vetor gradiente de consciência”
6
quanto às variadas significações do conceito Imagem e
explorar algumas das conseqüências desse fato no caso da educação tecnológica, ao mesmo
tempo em que se elegia um viés onde estavam destacadas as questões ideológicas
7
, ou de
correlação de poder.
Essas nuances ideológicas muitas vezes são deixadas de lado por trabalhos que se ocupam
da imagem na educação, portanto, o que pode ser diferencial neste texto, quanto às suas possíveis
contribuições inovadoras, pode residir principalmente na ênfase dada à área da Educação
Tecnológica e ao trato com a imagem a partir de um teor ontológico, ou seja, preocupou-se aqui
em delimitar níveis vivenciais do “ser” imagem, partindo-se da significação do que viesse a ser
imagem para o sujeito analisado.
Então, além da percepção
8
da imagem, que pode ser enfocada sob uma lente psicológica,
está a significação desta, um proceso Semiótico, que exige uma perspectiva filosófica, mais que
psicológica.
Buscou-se, dessa forma, primeiro apreender essas significações (por parte dos
professores) e organizá-las na medida do possível dentro de uma classificação simples, para
poder analisar sob um ponto de vista crítico considerando elementos de caráter sociológico e
pedagógico.
Convencionou-se, por comodidade, que a Escola é um lugar privilegiado da Educação,
mas não se entrega, aqui, a exclusividade do processo educacional à escola. Muito poderia ser
6
O termo “vetor gradiente de consciência” é mais uma provocação que uma tentativa de mensurar. Um gradiente é a
razão segundo a qual uma quantidade variável aumenta ou diminui. Não existe uma forma de quantificar o que quer
que seja a consciência, mas pode-se assumir que ela seja uma entidade relacionada à maior ou menor percepção da
existência de relações de poder em um discurso. Na pagina 70 se encontra o conceito de alienação como oposto da
idéia de consciência.
7
A questão da ideologia é explicitada mais à frente (na página 72. Para o momento, consideremos ideologia como a
parte da cultura que respalda as relações de poder e de produção de uma dada sociedade.
8
Percepção entendida aqui como processo biológico e cognitivo.
17
dito a este respeito, mas preferiu-se não dogmatizar a visão de educação. Em termos simples,
para este trabalho, educação se dá no mundo. A escola apenas faz parte dele.
E não precisa ser a Escola convencional e curricular de senso comum. Como exemplo,
poder-se-ia referenciar “Summer Hill” (SUMMERHILL, 2006) ou “Paideia” (PAIDEIA, 2006) e
outras experiências semelhantes em termos de busca de alternativas educacionais.
Nesse aspecto, apesar de isso não ser elemento de análise na dissertação, vai transparecer
no discurso do autor o seu “anarquismo” educacional, ou, se preferido for, o seu tiquismo
9
intelectual, o que explica muitas das abordagens feitas.
Isso, para aqueles que exigem filiações e determinações teóricas mais explícitas, pode ser
visto como vinculado às posições teóricas de Ivan Ilich, que diz que
La escuela es el rito de iniciación que conduce a una sociedad orientada al
consumo progresivo de servicios cada vez más costosos e intangibles, una
sociedad que confía en normas de valor de vigencia mundial, en una
planificación en gran escala y a largo plazo, en la obsolescencia continua de sus
mercancías basada en el ethos estructural de mejoras interminables: la
conversión constante de nuevas necesidades en demandas específicas para el
consumo de satisfactores nuevos. Esta sociedad es probándose a misma que
no es funcional. (ILICH, 2006)
Para o leitor avesso à radicalidade dessa exposição, deve-se dizer, em defesa deste
trabalho, que ele é realizado tendo em mente o ambiente de Educação Técnica e Tecnológica,
voltada para o chamado mundo do trabalho, o que facilita a percepção da escola como aparelho
ideológico de estado
10
.
Esses detalhes, dentre outros, diferenciam o trabalho presente de uma grande classe de
trabalhos muito importantes e significativos que tratam a questão da imagem mais do ponto de
vista da Educação Escolar voltada para a Arte e para a Estética. Autores que se situam neste
campo estão mais preocupados em ressaltar a importância de introduzir no fazer pedagógico
conceitos como sensibilidade”, percepção”, senso estético”, expressão”, colocando-se em
9
De acordo com Peirce, o tiquismo pode ser visto como um racionalismo relativista que pressupões uma metafísica
complexa, e não um funcionamento mecanicista e determinista do universo.
10
Veja-se sobre isso o tópico “Contexto da Pesquisa e Caracterização da Amostra”.
18
busca da quebra do silêncio comunicativo dos estudantes frente às inúmeras formas de
expressividade visual, trilhando um caminho talvez mais subjetivo em direção à construção de
um sujeito “estético-crítico”, ou seja, com perspectiva estética e ética própria.
Esse sujeito, que é fundamentalmente humano e perceptivo, mas embotado frente à Arte
como um todo e à imagem como conseqüência, necessita de educação estética e visual na escola
como forma de qualificar e de se apropriar de uma visão de mundo. A educação estética e visual,
então, teriam como projeto muito mais que apenas fornecer elementos para uma fala elitista sobre
a qualidade da obra de arte, mas principalmente possibilitar, autorizar, despertar o artista e o
crítico (em sentido amplo) existente em cada um.
É no campo da Educação Artística, da Pedagogia e do ensino primário e secundário que se
encontra mais freqüentemente essa corrente de intervenção teórica e prática, que se convenciona
aqui chamar de Alfabetização Estético-Artístico-Visual
11
(AEAV).
É também comum, nos trabalhos relacionados com a AEAV a exploração da estética, o
que pode acarretar, numa leitura superficial, o perigo de que Kant nos prevenia ao dizer que
Para se distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação, não pelo
entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da
imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de
prazer ou desprazer. O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de
conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético, pelo qual se entende
aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão subjetivo. (KANT,
1993, p. 47).
Questões sobre a formação do conceito na criança e sobre a origem do pensamento e da
linguagem poderiam ser resgatadas para aprofundar ainda mais as diversas nuances que
encaminham para outras paragens esse trabalho, mas existem muito mais interseções que
diferenças entre este texto e a vertente superficialmente apresentada acima.
Apenas para demarcar um aspecto específico, guarda-se como principais especificidades
deste texto uma leitura particular da Semiótica (queo parece ser priorizada na AEAV) e, como
conseqüência, uma compreensão diferenciada sobre as aplicações do trabalho de Paulo Freire e
11
CAMPOS (2003) e BARROS (2003) , emplos dessa corrente.
19
sobre a pedagogia histórico-crítica. Essa diferença se no campo da significação enquanto
lógica.
No presente trabalho também um posicionamento epistemológico que se manifesta na
crítica ao Positivismo ou Experimentalismo ditos ingênuos, conforme pode ser aferido no
capítulo sobre Filosofia e Epistemologia, centrado em Peirce. Há, portanto um posicionamento
claro em termos de Teoria da Imagem e da sua importância na redefinição dos estatutos
epistemológicos e um conseqüente viés ético na crítica do que
“...se impõe como natural” na constituição do sujeito da contemporaneidade.
Urge ademais, que sejam debatidas as ameaças e as possibilidades que estão
postas, bem como as que estão sendo criadas a cada momento. Tanto aquelas
relacionadas diretamente aos processos de ensinar e aprender formalmente
caracterizados, quanto aos processos de pesquisa acadêmica, bem como às
vivncias entabuladas no cotidiano que requerem de todos nós formas inovadoras
de compreender o que assistimos, associadas à conscincia de que também somos
fazedores desste “espetáculo””. Da ROS (2003).
Aqui, mais uma vez um diferencial em relação ao eixo principal da AEAV, que não se
propõe a fazer reflexões sistemáticas sobre a epistemologia ou assumir alguma postura nesta área,
ao que tudo indica, o que de forma alguma diminui a enorme contribuição desses pesquisadores à
educação como um todo.
Seria um “arredondamento” um tanto grosseiro resumir as diferenças com a afirmação
que a AEAV se concentra na percepção ou sensibilização de forma crítica, enquanto este
trabalho, de vertente peirceana, busca se aproximar da significação de forma lógico-crítica.
Permanece o desafio para futuros debates, onde se poderá aprofundar as questões levantadas.
Outros trabalhos apontam para uma conexão entre os universos imagético e lógico ou
conceitual, como no caso da Teoria dos Registros de Representação Semiótica, de Raymond
Duval, e de pesquisadores como Moretti (2002). A atenção destas pesquisas se concentra na
eficiência cognitiva na passagem da mensagem via recursos semióticos (verbal, figuras, gráficos,
ilustrações), sendo o papel da imagem crescentemente importante em áreas como a Matemática e
a Física.
ainda trabalhos que se preocupam com a Imagem na Educação concentrando-se nas
nuances cognitivas, representacionais, interpretativas e de processamento visual envolvidas na
prática da leitura da imagem, como é o caso das pesquisas de Lemke (1998) e Gouvêa e Martins
20
(2001) , que podem ser caracterizados como trabalhos de Semiótica Visual “pura”, sem ênfase na
crítica social. Também nesse campo se localizam algumas das pesquisas de Sonesson (2006).
Hodge e Kress (1988), e também Kress e Van Leeuwen (2001) o trabalhos que
contemplam uma leitura crítica, de fundo sociolingüístico. Esses trabalhos são pioneiros na
reflexão contemporânea sobre semiótica visual e ideologia e, em muitos aspectos, inspiradores do
presente escrito. Ou seja, nestes esforços de sistematização aparecem os elementos de uma crítica
fundada no modelo de sociedade de classes, onde a linguagem visual é elemento cultural de
produção de sentido que compõe as relações de poder.
A antropologia encara a cultura como o total de padrões aprendidos e
desenvolvidos pelo ser humano. Segundo a definição pioneira de Edward
Burnett Tylor, sob a etnologia (ciência relativa especificamente ao estudo da
cultura) a cultura seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte,
morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade.” Portanto corresponde, neste último sentido, às formas de
organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para
geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a
identidade desse povo. O uso de abstração é uma característica do que é cultura:
os elementos culturais existem na mente das pessoas, em seus símbolos tais
como padrões artísticos e mitos. Entretanto fala-se também em cultura material
(por analogia a cultura simbólica) quando do estudo de produtos culturais
concretos (obras de arte, escritos, ferramentas, etc). Essa forma de cultura
(material) é preservada no tempo com mais facilidade, uma vez que a cultura
simbólica é extremamente frágil. WIKIPÉDIA (2006).
Pressupõe-se, então, um ser humano definido dialeticamente pelo cultural e pelo cognitivo
e que a cultura, tanto quanto a cognição, é determinante em todos os aspectos da vida.
21
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Tema da pesquisa
O tema da pesquisa surge de questionamentos teóricos ligados à prática do autor em
Educação Tecnológica, principalmente nos últimos anos, quando a dedicação do pesquisador
esteve voltada á área da Comunicação Visual, especialmente ao Ensino de Design Gráfico, com
ênfase no desenho de ferramentas gráficas e informacionais para a Internet, área conhecida como
“webdesign”, ou, mais modernamente, Infodesign
12
.
A prática pedagógica em Infodesign, e o desenho de sítios para a internet possibilitou a
observação de que o uso de recursos pedagógicos multimodais (que utilizam vários modos ou
mídias ao mesmo tempo), mormente da imagem, torna-se cada vez mais intensivo por parte dos
professores do Ensino Técnico Profissionalizante, sem que este aumento na utilização do discurso
visual seja acompanhado por uma apropriação sobre seus significados. Daí o tema de pesquisa se
localizar no campo da Semiótica Visual, aplicada à Educação Tecnológica.
Hipótese
“Todos sabemos que uma câmera não pode mentir. Mas infelizmente fotógrafos
e usuários de fotos podem. E mentem.” HODGE (1988, pg. 121)
A concepção de imagem do professor do ensino técnico e tecnológico pode estar
relacionada com seu grau de letramento visual, que por sua vez parece estar relacionado à sua
postura epistemológica e pedagógica.
Aventou-se, a princípio, a hipótese de que o professor de ensino técnico reproduz,
em termos gerais, uma concepção meramente representativa de imagem, que mascara seus
conteúdos culturais e ideológicos e diminui seu potencial cognitivo e educacional. A superação
12
Segundo a sociedade Brasileira de Design da Informação, “Design da Informação é uma área do design gráfico que
objetiva equacionar os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos que envolvem os sistemas de informação
através da contextualização, planejamento, produção e interface gráfica da informação junto ao seu público alvo. Seu
princípio básico é o de otimizar o processo de aquisição da informação efetivado nos sistemas de comunicação
analógicos e digitais.”
22
da alienação/reificação frente ao conceito de imagem e a conseqüente apropriação reflexiva de
um discurso visual estaria relacionada com a Educação Estético-Visual Crítica do professor.
Questão de pesquisa
Mostrou-se, então, necessário estabelecer em linhas gerais quais as significações do
conceito de “imagem” entre os professores desta modalidade de educação, podendo a questão de
pesquisa ser parcialmente resumida na pergunta “O que é Imagem para o professor?”.
Saber qual a “visão” do professor sobre a imagem (o que ele entende por e como lida com
o conteúdo e a forma deste ente) com que ele(a) trabalha (ou não) pode fornecer indicadores
qualitativos sobre a sua postura epistemológica e está relacionado com a maior ou menor
flexibilidade no tratamento dos processos semióticos na sala de aula.
Para ter parâmetros para estabelecer quais as concepções ou significações de imagem do
professor, foi preciso avaliar e delimitar algumas dessas significações vigentes na bibliografia
científica.
Objetivos
Objetivo Geral:
Analisar as diferentes concepções de Imagem na Educação Tecnológica.
Objetivos Específicos:
Revisar as concepções teóricas sobre Imagem e seu papel na educação científica e
tecnológica;
Caracterizar métodos de análise de Discurso Visual;
Traçar um panorama crítico da evolução do Discurso Visual em tecnociência;
Analisar as concepções de imagem de professores de ensino tecnológico;
23
Verificar junto aos professores aspectos da utilização do Discurso Visual em sala
de aula;
Explorar as possíveis contribuições da Semiótica Visual e da Educação Estético-
Visual à educação tecnológica.
Sujeitos
Os professores de ensino técnico foram eleitos como sujeitos de pesquisa em função do
compromisso profissional e do desejo de contribuir com a Instituição, o CEFETSC (antiga Escola
Técnica Federal de Santa Catarina) que tem grande tradição no Ensino Técnico, com quase um
século de prática pedagógica nessa área. Os professores seguem a mesma tradição. Laboratórios e
infra-estrutura da instituição estão dimensionados primordialmente para o ensino técnico e
profissionalizante.
Contexto da Pesquisa
A pesquisa se realizou no CEFETSC, uma das mais antigas instituições de educação do
estado de Santa Catarina, parte da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica,
vinculada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação e é
constituída pelas Instituições Federais de Educação Tecnológica, nascidas no início do século
XX, e pelo Colégio Pedro II (fundado em 1837).
O sítio on-line da instituição fornece um histórico mais detalhado, adaptado de Almeida
(2002):
O Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina - CEFET-SC
vivenciou várias modificações na sua trajetória como escola profissionalizante,
bem como outras atuais Instituições Federais de Ensino no país. Iniciou em 1909
como "Escola de Aprendizes Artífices" através do decreto n.º 7.566, de
23/09/1909, pelo então Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,
Nilo Peçanha, em execução da lei n.º 1606, de 29 de dezembro de 1906. Seu
24
objetivo era munir os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável
preparo técnico e intelectual, como meio de vencer as dificuldades sempre
crescentes na luta pela existência. A Escola foi instalada em Florianópolis, na
rua Almirante Alvim, n.º 17 em prédio cedido pelo então Governador do Estado
de Santa Catarina, Cel. Gustavo Richard.
Na década de 30, durante a Era Vargas, o crescimento da indústria foi de
125% ao ano em média, batendo a agricultura que cresceu apenas uma taxa de
20% ao ano. Em razão desse crescimento avançado da industrialização no país,
em 1937 a escola passou, através da Lei n.º 378 de 13 de janeiro de 1937, a
denominar-se "Liceu Industrial de Florianópolis", e depois em 1942, depois
do Decreto-Lei 4.127, de 23 de fevereiro de 1942, que estabelecia as bases da
organização da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial,
transformou-se em "Escola Industrial de Florianópolis". Nesta época a escola
passou a oferecer aos alunos oriundos do ensino primário, cursos industriais
básicos, com duração de 4 anos e aos candidatos à profissão de mestre, cursos de
mestria.
À partir da Lei n.º 4.759, de 20 de agosto 1965 a escola recebeu a
denominação de "Escola Industrial Federal de Santa Catarina", sendo que
um ano depois, foi implantado o Curso Técnico Industrial de Agrimensura.
O Ano de 1968 foi marcante para a Escola; por Portaria Ministerial n.º
331, de 17 de junho do mesmo ano, o estabelecimento de ensino passou a
denominar-se "Escola Técnica Federal de Santa Catarina". Nessa época,
começou a ser viabilizada a idéia de especializar a Escola em cursos técnicos de
2.º grau. Decidiu-se então pela extinção gradativa do curso ginasial, através da
supressão da matrícula de novos alunos na 1.ª série. Com a reforma do ensino de
e graus introduzida pela lei 5.692/71 (LDB) acaba-se de vez com o ensino
de grau (antigo curso ginasial), passando a funcionar nesta escola apenas o
ensino de grau.
A Lei n.º8.948, de 8 de dezembro de 1994, entre outras providências,
transformou, automaticamente, todas as Escolas Técnicas Federais, criadas pela
Lei n.º 3.552, de 16 de fevereiro de 1959, em Centros Federais de Educação
Tecnológica condicionado apenas à publicação de decreto presidencial
específico para cada centro. Em 23 de dezembro de 1997, a Escola encaminhou
25
seu Projeto Institucional de Cefetização à Brasília, para análise e parecer, mas
seu pleito foi negado pelo MEC. em 27 de março de 2002, finalmente, foi
publicado no Diário Oficial da União o Decreto Presidencial de criação do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina e hoje o Sistema
CEFET/SC é formado pela Unidade Sede - Florianópolis, e por duas Unidades
de Ensino Descentralizadas - UNED’S, localizadas nas cidades de São José e
Jaraguá do Sul, respectivamente. (ALMEIDA, 2002)
Enquanto escrevem-se estas linhas, o CEFETSC continua em processo de expansão,
havendo novos campi em instalação em outras cidades do estado. Esse é um processo a nível
nacional, parte de uma política governamental de expansão da educação técnica e profissional.
Em praticamente todo o território do Brasil, o ensino profissionalizante de caráter público
é oferecido por municípios, estados e pelo governo federal, sendo este último o responsável pelo
maior número de estabelecimentos, principalmente pelo alto custo vinculado à infra-estrutura
necessária.
O sistema de ensino federal abrange os Centros Federais de Educação
Tecnológica (Cefets), localizados em vários Estados. A história da Educação
Tecnológica, no Brasil, es ligada à do Ensino Profissionalizante, dedicado a
atuar em resposta aos níveis crescentes de exigências do setor produtivo. As
escolas são agências educativas dedicadas à formação de recursos humanos
capazes de, em diferentesveis de intervenção, aplicar conhecimentos técnicos
e científicos às atividades de produção e serviços. Com a Lei de Diretrizes
Básicas da Educação, o Ensino Técnico está separado do Ensino Médio.
(PORTAL do Governo brasileiro, 2006).
Iniciando como Escolas de Artesãos e Artífices, quase nos moldes de uma Bauhaus
tupiniquim, mas sem a mesma ênfase questionadora, a história dos estabelecimentos oficiais de
educação técnica caminhou paralela à história das universidades, que voltados aos filhos de
classes subalternas.
Aos filhos dos deserdados da fortuna, ou seja, a classe operária, o imigrante pobre, os
órfãos, negros e mulatos, cabia ocupar, com sorte, as fileiras dos bancos escolares dos veis não
tradicionais de ensino como as escolas de aprendizes artífices, ou aprendizes marinheiros, ou de
26
qualquer outra arma onde também se ofereceria educação profissional militar
13
. Essa modalidade
de ensino era uma das poucas formas de educação formal disponível para essa camada da
população. A educação patrocinada pela igreja também recolhia entre os pobres alguns de seus
estudantes, visando resgatá-los das misérias mundanas ou da revolta social. Mas a continuidade
nos estudos estava garantida para aqueles com “vocação” religiosa. Terminado o ciclo inicial
de estudos, então, restaria ao pobre que não desejasse ser religioso e quisesse uma formação
profissional tornar-se militar, operário ou artífice.
Ao grau de artífice não corresponderia, inicialmente, nenhum direito de ascensão ao graus
superiores, como ocorria com o “ginásio” ou “científico”. A integração entre essas diferentes
modalidades de ensino, profissionalizante e escolar convencional, até o presente é motivo de
discussão no Brasil.
Entre os anos quarenta e setenta do último século, ocorre o “boom” industrializante e o
fortalecimento da noção de agroindústria. As chamadas artes e ofícios” perdem status para as
técnicas e tecnologias. As Escolas de Artesãos e Artífices transitaram então para Escolas
Industriais, e em seguida para Escolas Técnicas e Agrotécnicas. A demanda por mão-de-obra
especializada (e barata) para operar equipamento importado e viabilizar o funcionamento da
estrutura fabril e agrícola cresceu e assiste-se ao enorme êxodo rural, invertendo a natureza da
população de rural para urbana em menos de cinqüenta anos.
É nesse contexto que o ensino técnico profissionalizante brasileiro se desenvolve
intimamente relacionado aos problemas inerentes ao papel do país na divisão internacional do
trabalho.
Atualmente, na aurora da chamada “sociedade pós-industrial”, a Rede Federal de
Educação Técnica e Tecnológica comporta ao menos uma unidade CEFET (Centro Federal de
Educação Tecnológica) em quase todos os estados, mantendo por enquanto como seu eixo
principal a educação tecnológica de viés industrial, mas adentrando progressivamente no campo
dos serviços como a Comunicação, a Informática, o Turismo, a Culinária, a Saúde, o Design,
entre outros.
13
Ainda hoje, nas divisas militares dos praças, consta a insígnia relativa à especialidade de nível técnico e
operacional cursada. As especialidades de oficiais são de caráter gerencial.
27
A origem de classe dos estudantes inclui agora, além dos filhos de proletários, os filhos da
pequena burguesia ou classe média em decadência, em busca de uma colocação no mercado de
trabalho.
Não é o caso de analisar em profundidade as várias nuances existentes em cada CEFET
quanto à prática educacional, mas, para o escopo deste, levaremos em consideração elementos de
caráter geral que servirão de indício para um diagnóstico plausível.
Conforme o perfil resumido anteriormente, percebe-se o caráter tecnicista que a educação
profissionalizante adquiriu no país e o nível de comprometimento com um projeto
desenvolvimentista deslocado dos interesses imediatos da população. Isso implica, num primeiro
momento, na perda da qualidade do ensino como ferramenta de efetiva formação cidadã,
transformando muitas vezes a educação num mecanismo de repasse de informação .
Numa educação de caráter tecnicista, a função precípua do educando é ouvir, repetir,
treinar. A pergunta é a pergunta sobre o assunto escolhido a priori pelo mestre que está
preocupado em formar um trabalhador. O objetivo é entregar ao mercado mais uma peça
eficiente. O interesse do aluno, conforme o professor ingênuo pensa, seria adquirir o máximo de
habilidades e competências que o tornem capaz de enfrentar as dificuldades do mercado de
trabalho.
Este modelo tecnicista se aproxima muito do que Paulo Freire chama de Educação
Bancária, onde o educador deposita conhecimentos na caixa/cabeça do educando, numa
expectativa cumulativa.
Caracterização da Amostra
Um Estudo de Caso.
Conforme explicitado, o principal objetivo do trabalho é explorar como o professor de
ensino técnico significa a imagem, partindo-se de uma hipótese que estima esta significação
geralmente é próxima do senso comum. Como isso não será feito de maneira definitiva por uma
única abordagem teórica ou num único trabalho, optou-se pela realização de uma pesquisa
exploratória, consistindo de um estudo de caso com foco no CEFETSC, que pudesse trazer
28
elementos para a composição de um quadro mais amplo sobre o problema, de forma a contribuir
com as teorias sobre a imagem e suas conexões com a educação, experimentando a aplicação de
um enfoque de análise semiótico ao universo visual da educação em tecnologia e ciência.
Sobre o Método Utilizado
"O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é
claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas." (YIN, 1989, p. 23)
Os dados foram extraídos de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com professores de
ensino técnico, e de material imagético utilizado por eles em sala de aula.
As questões respondidas remeteram, após análise, à explicitação da concepção, ou
concepções de imagem presente na prática pedagógica dos professores. Mas trouxeram à tona
muito mais, conforme a hipótese levantada.
De acordo com Gaskell (2002, p. 65 a 89), o número de entrevistados é dependente da
natureza do tópico, do número dos diferentes ambientes que forem considerados relevantes e dos
recursos disponíveis. Mas uma chave para a questão parece ser a incidência de repetições, o
aparecimento de uma tendência clara e que responda às questões levantadas.
Nesta direção, foram escolhidos quatro docentes que constituiram o universo de sujeitos
analisados, sendo formado de um total de 3 (três) professores e 1 (uma) professora , sendo um
externo ao CEFETSC, mas atuante em Escola de caráter similar, o qual ajudou a compor um
quadro mais amplo do estudo.
Esse grupo gerou uma amostra significativa em termos qualitativos, pois determinou o
aparecimento de um comportamento de características repetitivas.
Os critérios para escolha dos sujeitos foram:
1. Ser professores de Ensino Técnico (não exclusivamente), com mais de dez anos de
prática docente, para garantir uma certa estabilidade no fazer pedagógico e que fossem
representantes de uma parcela significativa dos docentes, podendo ter introjetado o
pensamento escolar hegemônico;
29
2. Abranger várias áreas acadêmicas, visando avaliar de forma mais geral e abrangente os
fenômenos.
3. Algum deles deveria ministrar a disciplina Desenho Técnico, o que possibilitaria uma
observação quanto à influência dessa disciplina no discurso visual do professor, em
termos de neutralidade e autoria, por exemplo.
4. Que pelo menos um dos professores não utilize imagens, o que é justificado pelo fato
de que o “silêncio” visual é um fator de interesse e constitui um tipo de discurso.
Ferramentas de Coleta de Dados.
A entrevista qualitativa é fundamentalmente um método para apreensão de pontos de vista
e perspectivas exteriores ao do entrevistador.
Em Gaskell (2002, p.65 a 89), encontram-se requisitos sobre a aplicação de entrevista
qualitativa, os quais determinam que uma compreensão séria dos “mundos da vida” dos
entrevistados é a condição sine qua non. Foi justamente esta compreensão que respaldou o uso de
entrevista semi-estruturada pelo pesquisador, que o mesmo conta com vivência nas áreas e no
contexto pesquisado.
Em outras palavras, o fato de estar de muitas maneiras imerso no cotidiano de práticas
sociais do grupo pesquisado permite retirar da entrevista variadas intuições e indícios que não se
poderiam alcançar apenas com pressuposições teóricas.
Quanto às falas do Professor, durante a entrevista semi-estruturada, pretendeu-se
responder algumas questões e perceber as significações dos sujeitos a partir de perguntas como:
1. O que é Imagem para você?
2. Você utiliza Imagem nas suas aulas?
3. Quais os critérios de escolha dos tipos de imagem e momentos de uso?
4. Você é adepto de alguma teoria educacional?
5. Você Produz Imagens (Desenha/Pinta/Esculpe/Fotografa)?
6. Freqüenta Museus/Galerias/Cinemas?
30
Algumas circunstâncias presentes normalmente em entrevistas semi-estruturadas, como a
necessidade de dar tranqüilidade ao entrevistado ou de permitir sua fala espontânea, permitiram o
surgimento de outros questionamentos e o aparecimento de dados complementares que foram
eventualmente utilizados como subsídios para compor um quadro analítico mais completo.
A fala dos professores trouxe à tona categorias de significação (significação sobre a
ontologia da imagem, seu uso, sua história, sua produção e fruição), cuja classificação recairá
fundamentalmente na imagem como signo icônico ou signo cultural. As conseqüências dessas
concepções são exploradas na análise.
Critérios para escolha de material a ser analisado:
O foco em termos de material visual analisado apontou para duas categorias fundamentais:
1. Fotografias e Ilustrações, provenientes das mais variadas fontes.
2. Desenhos e plantas técnicas utilizadas como exercícios em aula.
A escolha do material visual a ser analisado foi feita exclusivamente pelos professores,
que entregavam, a pedido, exemplos das imagens utilizadas por eles em sala de aula.
A importância de considerar também plantas e esquemas técnicos está relacionada ao fato
de estas representações estabelecerem um tipo de abordagem conceitual e epistemológica,
derivada da noção de perspectiva e espaço oriundas da renascença e convencionais nos dias
de hoje.
Delizoicov (1991) mostra que um dos principais problemas colocados aos pintores
renascentistas era a representação de objetos tridimensionais no plano e que eles contribuíram
decisivamente para o desenvolvimento dessa técnica, além de solidificarem a prática da
observação da natureza
particularmente da anatomia do corpo humano e o emprego da perspectiva na
engenharia civil e militar (op. cit)... Entre outras conseqüências, o domínio da
representação em perspectiva viria a auxiliar a preparação dos desenhos da
31
construção civil e naval, dos artefatos técnicos, da anatomia e da fisiologia,
sobretudo a representação de figuras em movimento. (DELIZOICOV, 1991, p.
80-81)
Essa maneira de representar o visível, essa formalização do espaço em eixos, ângulos,
linhas e perspectivas não passa despercebida a Ochoa (1986, p.19), que a considera parte de
nossa história cultural; por isso a prática da representação não está isolada, pois as
necessidades, valores, propósitos, interesses, conflitos e problemas da vida social encontram
sua expressão no que selecionamos para representar e nas maneiras como o fazemos.”
Derrick de Kerckhove em seu livro “A Pele da Cultura”, faz uma análise inovadora dos
mecanismos cerebrais que implicam em nossa visualidade ocidental, afirmando que a forma e
a direção dos sistemas de signo que aprendemos a ler influi em nossa racionalidade. Ele
também desvenda uma vinculação interessante entre a forma alfabética de escrever e a
perspectiva, ao dizer que
O efeito mais visível e, na minha opinião, mais importante da revolução
alfabética foi a invenção da perspectiva. A perspectiva, ou a arte de
representação proporcional do espaço a três dimensões, é uma projecção directa
da consciência letrada. Ou seja, é a imagem invertida da organização da
consciência letrada. Ao contrário da opinião comum, não nada de natural na
perspectiva. É até uma forma altamente inventiva de representar o espaço. Se
olharmos à volta, embora possamos impor um modelo perspectivista ao que nos
rodeia, nada nos obriga a faz-lo. Nadado que vemos nos aparece naturalmente
como um ponto de fuga. Porque estou a escrever no sul da frança, lembro-me da
forma como Cézanne tentava vezes sem conta pintar quadros não perspectivados
da montanha Sainte-Victoire por detrás de Aix-en-Provence.
A perspectiva é a divisão do espaço em segmentos proporcionais. Numa
ilustração de qualquer tratado sobre perspectiva de Alberti ou Dürer, o que
chama primeiro a atenção é a densa rede de linhas que se juntam a cada
elementoou estrutura. Em causa está uma precisão dolorosa ao medir as
distância exactas de um ponto ao outro, como se a ordem rigorosa de intervalos
entre as suas proporções “reais” fosse tão importante para o desenhador como o
desaparecimento de todas as linhas convergentes no mesmo ponte de fuga
32
central. É claro que esta medição ubíqua que se impõe pode ser
interpretadacomo um mero guia do pintor novato para estabelecer a perspectiva.
No entanto, uma outra maneira de compreender esta forma de representar o
espaço. Ao mostrar no papel a redução proporcional do tamanho e da distância
como uma visão que diminui a partir do ponto de vista, o desenhador está a
colocar o tempo no espaço. O artista está a representar uma ordem sucessiva de
objectos numa realidade espacial. Não está a mostrar o que está relamente ,
mas como deve parecer ao observador. Não es a mostrar o “espaço real”, mas
o espaço organizado por uma visão altamente selectiva e condicionada.
(KERCKHOVE, 1997, p. 64-65).
Assim, a forma representativa em si é signo que remete à própria concepção de mundo.
Forma de representar é discurso. Em que nível os professores estarão cientes disso é uma
questão a ser analisada.
Os materiais visuais confrontaram-se com a noção de iconicidade, conforme aparece nos
estudos de Charles S. Peirce e outros teóricos e foram suscetíveis a uma análise semiótica
comparativa em relação ao discurso proferido pelo professor quanto ao seu uso.
Observação sobre o uso de software livre para execução do trabalho
Por uma questão de relativa novidade, ainda se estranha o uso de sistemas operacionais ou
editores de texto que não sejam os já tradicionalmente conhecidos e muitas vezes caríssimos.
Pensou-se que seria interessante para o leitor, a título de informação e ilustração,
contextualizá-lo nas ferramentas utilizadas para a confecção do texto e configuração do material
recolhido.
Por uma questão de opção ética, não foi utilizado neste trabalho nenhum software ilegal
ou pirata”. Todas as ferramentas que possibilitaram essa dissertação são programas sob licença
GPL (software livre) ou freeware. todo um movimento de estímulo ao uso de software livre
na educação, o que se justifica principalmente em países vistos como periféricos, como é o caso
do Brasil
14
. A insistência do autor em realizar o trabalho com ferramentas livres teve o intuito de
14
Ver o sítio do governo brasileiro: http://www.softwarelivre.gov.br.
33
exemplificar para outros autores e para os eventuais leitores que é plenamente factível construir
um trabalho que envolva hipermídia (som, imagem e vários formatos de texto e hipertexto),
utilizando-se apenas ferramentas livres e/ou gratuitas. Não se entrará em detalhes, apenas se
relatará superficialmente os programas utilizados. Maiores detalhes podem ser conseguidos por
uma rápida consulta à rede Internet.
O sistema operacional utilizado foi uma distribuição Linux (http://www.linux.org),
voltada para desktop, denominada Kurumin (http://www.guiadohardware.net), que é uma
adaptação do Debian, outra distribuição maior e mais voltada a serviços corporativos e técnicos.
O Kurumin é uma iniciativa de Carlos Morimoto e pode ser adquirido gratuitamente pela internet.
É de fácil instalação e pode rodar direto de um disco ótico (cd ou dvd), se a configuração do
computador comportar.
O texto foi editado com a suíte de escritório OpenOfficce, de código aberto e distribuída
gratuitamente na rede. Pode ser utilizada em várias plataformas e salva em formatos variados,
entre eles o doc, o txt, o rtf, e o pdf, além do formato nativo odt. Também foram utilizados os
editores gratuitos do Linux, tais como joe, kedit, kwrite e as suítes do KDE e Gnome, que são
ambientes gráficos para Linux (e outras plataformas). Arquivos formato pdf utilizaram o leitor da
Adobe (Acrobat Reader) entre outros disponíveis como o GhostView e o KPDF.
As imagens foram digitalizadas ou transferidas via usb diretamente da câmera digital, para
depois serem, quando necessário, tratadas com o Gimp, o Inkscape ou o sodipodi. (editores de
imagens).
O som foi digitalizado a partir das fitas K7 tocadas no gravador e emitindo para um
microfone, utilizando-se o programa livre Audacity, com excelentes recursos de gravação e
edição. Optou-se pelo formato ogg entre vários disponíveis pelo fato de ser realmente livre de
patentes e restrições. Para ouvir as gravações, utilize um “player” que seja capaz de ler o formato.
No caso, utilizou-se o XMMS e o Kaffeine, mas outros estão disponíveis. Numa perspectiva de
autonomia e democracia, todos os professores que se utilizam de ferramentas computacionais
deveriam procurar se aproximar do universo bastante desenvolvido do software livre. Muitas
vantagens técnicas, políticas, éticas e pedagógicas podem advir desse compromisso.
34
3 ASPECTOS FILOSÓFICOS E EPISTEMOLÓGICOS
“Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não
se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos
for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história
for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na
política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para
serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a
felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil
de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.”
(Marilena Chauí).
Um pouco da vida e da obra de Peirce
"I am a man of whom critics never found anything good to say."(C. S.
Peirce)
Poucos espíritos vagam tão livremente nos recônditos teóricos dos dias modernos
e contemporâneos como o de Charles Sanders Peirce
15
. Podemos encontrá-lo assombrando os
porões dos conceitos de significação e sentido e esbarramos novamente com ele na base da
eletrônica digital moderna (o uso de portas lógicas, que previu décadas antes).
Aparece nas escolas superiores de filosofia, cofiando a barba longa, pragmática, e
cansada, explicando sua classificação das Ciências e, com um sorriso maroto, explica também
sua concepção de Deus.
Fantasma rebelde, livre agora do jugo dos anos, evoluiu e cresceu aos olhos e sob os
auspícios do mesmo mundo universitário que um dia o desprezou terrivelmente. Talvez esteja
acompanhado de Julliete, amante e companheira por quem um dia atirou fora a esposa e a
promissora carreira acadêmica, explica também sua concepção de Amor.
Em dias de vento frio, o espectro do velho Charles folheia escondido um livro nas aulas
de psicologia experimental, da qual foi precursor com seu discípulo William James. Passeia lento
15
A pronúncia correta seria como na palavra inglesa “purse” (NOTH, 1998, p. 60).
35
pelos corredores levantando os papéis dos murais, procurando congressos e seminários onde
aparecerá, ainda que invisível aos olhos leigos.
Observa franzindo a testa, interessado e curioso, o desenvolvimento das ciências
cognitivas e da lingüística, com as quais contribuiu. Podemos ouví-lo comentar seu espanto frente
ao atual estágio da computação e da inteligência artificial.
Nas escadarias das escolas de Artes e de Literatura, o defunto americano às vezes
encontra o colega europeu Ferdinand de Saussure “sussurrando sorrateira semiótica”. Lamentam
não terem podido conversar em vida. Trocam alguma poesia. Cumprimentam-se em francês,
cavalheiros que são. Também poderia ser Inglês ou Alemão”.
Karl Popper e Bertrand Russel, passeando ao longe, comentam que consideravam Peirce
um dos maiores pensadores de todos os tempos. E que apesar de em vida ele ter sido
relativamente mal sucedido em termos financeiros e de reconhecimento público, sua alma acabou
reconciliando-se com a Academia.
Digo a alma, pois foi um processo que começou após sua morte (parece que a morte cai
bem para filósofos polêmicos). Ele parece, enfim, ter o destino de todos os pensadores nascidos
póstumos: A ressurreição teórica.
Sendo um homem que encontrou algum sentido original no ato de pensar e alguma
recompensa superior no processo de buscar o conhecimento, é importante entender sua paixão
pela pesquisa e pela descoberta e a perseverança no trabalho intelectual que ele demonstrou.
Poucos acadêmicos sobreviveriam ao preconceito de seus pares e continuariam a elaborar e
escrever seu programa de pesquisa de maneira tão pródiga como o fez Peirce.
Filósofo de grande expressão, cientista, matemático, astrônomo, lógico, epistemólogo,
engenheiro e escritor prolífico, seu trabalho parece estar longe de ser completamente dissecado e
nos dias de hoje ainda milhares de páginas manuscritas deste professor original e ousado
catalogadas, mas não publicadas.
Aquelas que são públicas servem de inspiração para estudiosos dos mais inesperados
campos, desde a arte e da lingüística a à física e à computação. Uma observação interessante é
que, diferente de outros com a mesma tendência transdisciplinar, ele não se tornou superficial,
oferecendo contribuições significativas em praticamente todas as áreas em que se envolveu.
Para se vislumbrar essa alma assombrosa” é necessário agregar informações de várias
fontes e seus escritos originais, espalhados por várias publicações, são difíceis de abordar
36
diretamente. Observe-se que não existe um livro de sua autoria que contenha a essência de seu
trabalho.
Charles Sanders Peirce veio ao mundo no dia 10 de setembro de 1839, em Cambridge,
Massachussets, nos Estados Unidos. Em 1855 ingressa no Harvard College no qual recebe a
primeira graduação, mas permanece na instituição até 1863, quando recebe da Harvard’s
Lawrence Scientific School o grau de mestre em química, sendo o primeiro agraciado Summa
cum Laude.
Inicia no mesmo ano suas atividades como pesquisador em geodésia e medição
gravimétrica na agência de pesquisas costeiras dos Estados Unidos (U.S. Coast and Geodetic
Survey) e os primeiros passos para se constituir num acadêmico de sucesso, ao mesmo tempo
que casa-se com Harriet Melusina Fay, da qual virá a se separar em 1876.
Infelizmente essa separação foi conturbada, em função de sua segunda mulher ter sido
também sua amante e de terem assumido publicamente o romance, provocando intrigas que mais
tarde o excluiriam para sempre da vida acadêmica tradicional. Peirce chega a lecionar
brevemente em Harvard e na Johns Hopkins University, mas o preconceito quanto à sua atitude
no casamento o afasta das duas.
A segunda mulher viria a adoecer enquanto Peirce enfrentava complicações no seu
trabalho para a U.S. Coast and Geodetic Survey, o que o levaria a perder também esse emprego.
Não voltaria ter nenhuma outra fonte de renda fixa. Para se manter, contou com trabalhos
esporádicos como revisor, comentarista de livros, tradutor, engenheiro, arquivista, e outros.
Enquanto esteve empregado, seus trabalhos na agência de pesquisas geodésicas
possibilitavam que viajasse e obteve algum reconhecimento na área. Durante algumas de suas
viagens, dialogou com lógicos e filósofos europeus.
Produziu artigos, entre outros campos
16
, na filosofia clássica, metafísica, física,
astronomia, matemática, lógica clássica e lógica Booleana.
Em 1867, a Academia de Artes e Ciências elegeu Peirce como membro e a Academia
Nacional de Ciências fará o mesmo dez anos após.
16
Na verdade, Peirce é autor de trabalhos em inúmeras áreas que não tinham identidade clara no contexto histórico
em que ele escreveu (epistemologia, metodologia científica, ciências cognitivas, psicologia, semiótica, estética,
fenomenologia, história, teologia, matemática computacional...).
37
Publicou Photometric Researches, impresso em 1878 que deveu-se a uma anterior
designação que recebeu para atuar como astrônomo no observatório de Harvard e Studies in
Logic em 1883.
Em 1880 foi feito membro pela Sociedade Matemática de Londres e pela Associação
Americana para o Avanço da Ciência.
Peirce passou vários anos de sua vida envolvido com a montagem de experimentos físicos
para testar a gravidade (com pêndulos), e para uso astronômico, entre outros.
Charles Sanders Peirce morreu de câncer, pobre, isolado e sem o devido reconhecimento
em 19 de abril de 1914.
Primeiros Passos Peirceanos – Uma ressurreição de Peirce
Para evitar que nosso Peirce reavivado seja uma degenerescência do que foi o original, é
preciso procurar compreender o sentido de cada termo e o uso, por vezes mutável, que deles faz
Charles Sanders em sua trajetória
17
.
Uma iniciação filosófica que se materializa em leituras clássicas (principalmente da
filosofia, história e epistemologia da ciência) é aconselhável. Seus trabalhos estão numa
linguagem nem sempre imediata, pelo menos para o leitor jovem médio de hoje.
Talvez o único filósofo das Américas comparado a Aristóteles e a Kant pelo esforço
categorizador, e pela tentativa de superar as dicotomias entre o idealismo e o empirismo nas
ciências, Peirce escreveu para um leitor culto, o que era de se esperar na época. Muitos de seus
textos pressupõem leituras anteriores de outros filósofos e de seus próprios escritos.
Uma das linhas guia para ler e utilizar Peirce é usar a máxima ecológica pensar
globalmente, agir localmente”. Isso evita perder de vista seus aspectos gerais e objetivos de
longo prazo, mas permite recortar cada enfoque de maneira a utilizá-lo adequadamente.
O corpo geral de sua teoria, pode, como qualquer teoria, cair vítima da leitura apressada e da
ausência de contextualização. Seus escritos estiveram espalhados e desorganizados e um esforço
concentrado de organização cronológica e edição classificada está em andamento
17
Um sítio interessante para auxiliar nesse sentido é http://www.helsinki.fi/science/commens/dictionary.html (acesso
em ago. 2004).
38
O projeto de edição da obra completa de Peirce é encontrado em
http://www.iupui.edu/~peirce/index.htm (ativo em 10 ago. 2004). É um excelente ponto de
partida para entender a contemporaneidade e dificuldades inerentes ao estudo de Peirce e planejar
um programa de leitura.
A Ciência de Peirce
“Vamos lembrar que a ciência é uma realização de homens viventes, e
que sua característica mais marcante é que quando ela é genuína, está num
incessante estado de metabolismo e crescimento.” PEIRCE (1931).
Uma das coisas mais importantes para entender a filosofia de Peirce é lembrar que ele foi,
durante boa parte de sua vida, um “experimentador”, um “prático”, desenvolvendo experiências
físicas. Para ele, não havia qualquer contradição entre essa vida de experimentador e a de
filósofo. Sua atuação transdisciplinar contudo o era uma provocação ou uma tentativa de
romper barreiras disciplinares rígidas, até porque estas barreiras ou não existiam ou eram muito
flexíveis à época. Na verdade, pode-se dizer que ele, apesar de sua prática liberal, colaborou
enormemente para a delimitação mais clara dos vários campos em que atuava.
Para Peirce, Ciência era sinônimo de saber humano no seu caráter mais amplo. a toda
modalidade de conhecimento ele chama ciência e seu esforço é classificar esse saber, essa
ciência. Filosofia era necessariamente uma filosofia do saber, ou como se diria hoje, Filosofia da
Ciência. Sua meta era criar um corpo teórico que abrangesse a organização e descrevesse o
relacionamento entre todas as áreas do conhecimento.
Assim, buscou construir uma arquitetura ou taxonomia da ciência que contivesse e
classificasse todos os campos do conhecimento humano, inclusive a própria filosofia, e inter-
relacionasse todos e cada um desses campos.
Dessa forma podemos encontrar na sua classificação uma espécie de ecologia do saber.
É fundamental perceber que ao esboçar sua teoria do conhecimento, Charles Peirce não
caminhava às escuras ou tirava “da cartola” soluções para problemas complexos. Sua proposta
39
intelectual sempre foi sustentada por um diálogo vivo com grandes nomes do saber ancestral e da
sua época.
As bases filosóficas
Aristóteles
O encontro com Peirce (ou seu espírito) é conquista pessoal lenta, levada a cabo pelos
cuidadosos que não deixarem de conversar, no caminho, pelo menos um pouco, com dois outros
fantasmas, ambos meio entristecidos com o desprezo que os alunos de hoje lhes oferecem
(talvez por serem baixinhos e severos).
Em suas respectivas épocas, jovens estudantes viajavam grandes distâncias pelo privilégio
de compartilhar sua sabedoria e erudição. Conhecendo-os fica mais fácil entender Peirce.
Um desses fantasmas baixinhos e geniais é o grego Aristóteles (384-322 A.C) que está
sempre caminhando pelos jardins das universidades. Para começar, é bom saber que ele foi
discípulo de Platão(428/427-347 A.C).
Platão acreditava que este mundo é uma sombra, uma espécie de imitação imperfeita do
mundo Ideal perfeito e intocável.
O Bem, A Beleza, A Verdade para Platão são essências perfeitas, com existência prévia.
Estudar este mundo é estudar suas manifestações imperfeitas. A filosofia deveria se preocupar
com a busca das grandes verdades ideais.
A concepção platônica de conhecimento é mais metafísica. A Razão Pura seria nossa
maior aliada na nobre busca pelo Ideal, pela essência das coisas. Seria o que chamamos de
Filosofia, em sua concepção do senso comum.
Aristóteles, por seu turno, queria entender o mundo real a partir da observação e
exploração dos fenômenos naturais, procurando no real a essência da natureza, ou seja queria
tirar da materialidade do mundo as regras mais gerais para o funcionamento deste mundo. Para
ele, filosofia era justamente isso. A Razão Prática seria nossa maior ferramenta nessa jornada.
Estaria mais próximo do que chamamos Ciência ou Tecnologia hoje em dia.
40
Aristóteles compartilha com Platão o racionalismo que busca a verdade a priori (a verdade
está lá. Resta-nos encontrá-la). Seus métodos é que diferem. Podemos imaginar uma discussão
entre os dois sobre a Razão Pura ou a Razão Prática.
Kant
Quem reassume este debate é nosso outro “pequeno fantasma”, Immanuel Kant (1724-
1804), filósofo prussiano e também carente em estatura física, mas um gigante da filosofia.
Assim como Aristóteles, perdeu a na razão pura como instrumento simplesmente
metafísico e buscou uma postura crítica frente às ciências naturais.
Kant não aceitava que todo o conhecimento e toda verdade teriam natureza a priori
(anterior à experiência) como Platão. Tampouco a posteriori quer dizer, viriam da experiência, e
poderiam ser posteriores a ela, como pensava Hume. Por isso se propôs a passar em revista
todo o conhecimento para determinar o que é a priori e o que é a posteriori, ou seja, o que
sabemos desde o nascimento da alma e o que aprendemos pela experiência. Ao concluir essa
jornada filosófica
18
, que durou décadas, Kant influenciou de maneira definitiva o pensamento
humano, determinando um conjunto de categorias racionais apriorísticas que estariam presentes
na estrutura da mente humana, ou seja, seriam um desenho da estrutura ontológica do
pensamento. E, conseqüentemente, determinariam nossa forma de perceber o mundo.
Não cabe aqui elucidar profundamente a natureza e a importância das categorias
ontológicas kantianas, mas de maneira simplista, elas são, no entender do filósofo, as entidades
constitutivas, ou elementos a partir dos quais se constrói o conhecimento.
Elas nos falam das propriedades dos objetos do mundo real e só podemos conhecer a
partir delas. Dessa forma, a partir das noções de tempo, espaço, e das diferentes formas em que
se apresentam os juízos
19
de quantidade, qualidade, relação e modalidade, é que chegamos a
conhecer.
18
Parece que esse era o único tipo de viagem que Kant gostava, fora os passeios regulares pela sua pequena cidade,
Königsberg , no leste da Prússia, onde viveu e morreu aos oitenta anos. Brinca-se com a sua pontualidade e dizem
que os moradores podiam acertar o relógio pelo horário do passeio de Herr Professor.
19
Aristóteles falava destes juízos. Kant os explora na "Analítica Transcendental". “Esses a priori da lógica Kant
diz que correspondem, na verdade, às formas pelas quais a mente está limitada no seu conhecimento das coisas, ou
seja, não pode conhecer nada senão desse modo.” (COBRA, 2004).
41
Tudo aquilo que as categorias nos dizem (que os objetos são únicos, múltiplos,
que podem agrupar-se em totalidades, que os objetos são substâncias com
propriedades, causas com efeitos, efeitos com causas, que têm entre si ações e
reações) todas essas categorias são condições sem as quais não haveria
conhecimento. É nossa possibilidade de raciocínio lógico conforme a essas
formas categóricas a priori que procedem de nós que possibilita para nós o
conhecimento e a certeza. As condições do conhecimento, as categorias, são, por
conseguinte, conceitos puros, a priori, que o sujeito cognoscente ao objeto.
(COBRA, 2004)
Para Kant, então, essas características a priori não estão necessariamente associadas à
realidade. Estão associadas ao Homem. À sua capacidade perceptiva.
A realidade (noumenon), o objeto em si, não está ao nosso alcance. Somente percebemos
o fenômeno. Dessa forma, o que vemos pode não ser real. Mas não podemos ver de outro jeito.
Kant chama essa concepção de "estética transcendental". Estética aqui se refere não à
ciência do Belo, mas à investigação do que é percebido, das sensações. Transcendental é usado
por Kant no sentido de epistemológico.
Kant recusou ser idealista e a associação de sua filosofia com a de George
Berkeley. É importante apontar aqui qual parece ser a diferença. No
"Prolegomena a qualquer futura Metafísica" Kant argumenta que todos
aceitavam o ponto de vista antigo de que cores, sons, etc., eram qualidades que
não estão nos corpos, mas são apenas os modos como os representamos através
dos sentidos. Se essa consideração com respeito a qualidades secundárias não
impugna a existência dos corpos, porque deveria faze-lo um tratamento
semelhante das qualidades primárias?
Em outras palavras, mesmo que também as qualidades primárias sejam irreais
com respeito aos corpos, os corpos existem. Realmente, Kant nunca negou a
existência dos corpos, como Berkeley. Apenas nega que eles tenham, neles
mesmos, à parte de toda representação humana, propriedades espaciais e
temporais.
42
Berkeley nega que fique alguma coisa, se tiramos do objeto todas as suas
qualidades, tanto as primárias como as secundárias, considerando-as produto de
nossos sentidos. Para Berkeley, se também as qualidades primárias dependem da
mente, então não podemos atribuir aos corpos mesmos a atividade de causar
sensações em nós. Então, para Berkeley, é Deus que causa em nós as
impressões.
Mas Kant sustenta que algum material é causa da intuição sensível. Acredita
inteiramente que os corpos existem sem nós, ou seja, existem coisas as quais,
apesar de inteiramente desconhecidas para nós quanto ao que sejam em si
mesmas, sabemos, no entanto, que existem, pela representação que sua
influência em nossa sensibilidade obtêm em nós, e às quais chamamos corpos
(PROLEGOMENA, Primeira Parte, II).
Com este trabalho Kant orgulhosamente afirmou que ele havia conseguido
realizar a revolução copernicana na filosofia. Como já referido, Kant disse que,
assim como o fundador da astronomia moderna, Nicolau Copérnico, havia
explicado o movimento aparente das estrelas, por vinculá-lo parcialmente ao
movimento do observador, assim ele tinha percebido as aplicações dos
princípios a priori da mente aos objetos, pela demonstração de que os objetos se
conformam à mente: no conhecimento não é a mente que se conforma às coisas,
mas as coisas que se conformam à mente. (PROLEGOMENA, Primeira Parte,
II).
É baseado em Kant que Peirce, sabendo a Crítica
20
praticamente de cor elabora sua
arquitetura da ciência. Entendendo o processo de percepção do objeto inexoravelmente mediada
pela categorização, Kant pavimenta o caminho para a construção das categorias de Peirce, que
vão dar origem à sua grade epistemológica. A Semiótica nasce daí.
20
Kant tem inúmeros escritos, mas os dois livros mais importantes em termos de Ciência são a “Crítica da razão
Pura” e os "Prolegomena a qualquer futura Metafísica", um manual para entender a “Crítica”.
43
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770- 1831) estabeleceu uma lógica triádica (tese,
antítese, síntese) antes de Peirce mas, surpreendentemente, o próprio Peirce diz que ele não foi de
grande influência no seu sistema triádico.
Charles Sanders admirava-o profundamente, com momentos de desprezo por seu
idealismo. (SANTAELLA,1998, p.28).
Muito provavelmente o tipo de monismo
21
intelectual desenvolvido por Peirce deva algo a
Hegel.
Hegel baseia seu pensamento em torno de categorias puras, e tem uma concepção de
universo com uma dinâmica cíclica que podem ser simploriamente resumidas em tese, antítese e
síntese.
Nesse sistema, uma idéia nasce e imediatamente relaciona-se ao seu contrário e da relação
dos dois nasce uma terceira noção, que relaciona-se com seu contrário e assim por diante até o
alcance do estado ideal.
Desde Kant, fenômeno indicava aquilo que, do mundo externo, se oferece ao
sujeito do conhecimento, sob as estruturas cognitivas da consciência (isto é, sob
as formas do espaço e do tempo e sob os conceitos do entendimento). No
entanto, o filósofo Hegel ampliou o conceito de fenômeno, afirmando que tudo o
que aparece pode aparecer para uma consciência e que a própria consciência
mostra-se a si mesma no conhecimento de si, sendo ela própria um fenômeno.
Por isso, foi Hegel o primeiro a usar a palavra fenomenologia, para com ela
indicar o conhecimento que a consciência tem de si mesma através dos demais
fenômenos que lhe aparecem. (CHAUÍ, 2000)
Devido às limitações deste trabalho, não será aprofundada a relação entre a filosofia de
Hegel e a de Peirce. É possível que interessantes vínculos sejam ainda revelados entre os dois
sistemas de pensamento.
21
Tendência a unificar ciência e religião. Peirce tinha uma concepção muito particular neste sentido, e também
advogava o sinequismo, ou continuidade inerente que interconecta todas as coisas, em contraposição ao
materialismo, ao idealismo e ao dualismo. Esse tema não será abordado nesse .
44
Peirce e as Categorias. Uma Epistemologia Geral (ou como olhar para as coisas
está diretamente vinculado a pensar a Ciência e a Tecnologia)
Já vimos que através das categorias ontológicas, a percepção ganha sentido.
E vimos que para Kant o mundo exterior é conhecido dentro dos limites das percepções
através dessas categorias a priori ou pré-existentes. Ele diz que os pensamentos sem conteúdo
estão vazios. As intuições sem conceitos estão cegas”, ou seja, a razão sem percepção é vazia. A
percepção sem razão é inútil.
Para muitos grandes filósofos, chegar a uma arquitetura de categorias elementares é
estabelecer o fundamento de seu sistema. A partir desse esqueleto ele tentará explicar o mundo e
seu funcionamento.
Somente em 1897, após 30 anos de estudos é que Peirce apresentou definitivamente uma
arquitetura categórica alternativa (não antagônica) à de Kant, e uma classificação das ciências (no
sentido amplo) correspondente.
Nessa arquitetura aparece claramente sua concepção pragmática e a influência do
pensamento ocidental que o precedeu.
O entendimento do enfoque peirceano é melhor apreendido quando se percebe que “há
três perspectivas a partir das quais as categorias deveriam ser estudadas antes de serem
claramente apreendidas: (1) qualidade, (2) objeto e (3) mente.” (SANTAELLA, 1999)
Peirce denominou suas categorias gerais de Primeiridade, relacionada com a qualidade
em si, sem relação com o objeto, Secundidade, onde entra em jogo a relação de um objeto com
outro objeto e Terceiridade, na qual se manifesta a lei que regula a relação.
“O tópico mais importante relativo às categorias peircianas, entretanto, está no fato de que
elas são universais. Os conceitos categoriais são, portanto, extremamente gerais e abstratos.
Peirce (1931-1958) afirmou que suas categorias meramente sugerem um modo de pensar:
"Talvez não seja correto chamar as categorias concepções. Elas são tão intangíveis que não
passam de tons ou nuanças das concepções" (PEIRCE, 1999)
Assim, as categorias universais não substituem nem excluem a variedade infinita de outras
categorias mais específicas e materiais que podem ser encontradas em todos os fenômenos. Elas
são apenas noções gerais indicando o perfil lógico dentro do qual algumas classes de idéias se
45
incluem. Desse modo, a categoria da primeiridade inclui as idéias de acaso, originalidade,
espontaneidade, possibilidade, incerteza, imediaticidade, presentidade, qualidade e sentimento.
Na secundidade, encontramos idéias relacionadas com polaridade, tais como força bruta, ação e
reação, esforço e resistência, dependência, conflito, surpresa. Terceiridade está ligada às idéias de
generalidade, continuidade, lei, crescimento, evolução, representação e mediação.
O modelo de Semiótica (Teoria dos Signos) desenvolvido por Charles S. Peirce é
totalmente baseado na “tríade”, o que se contrapõe à teoria de Saussure, mais conhecida
atualmente como semiologia.
Dentro dessa estruturação tríplice nasce a sua taxonomia da ciência, fruto da aplicação
desse “gabarito” ternário ao conhecimento humano. É preciso olhar o modelo proposto por
Peirce sob essa ótica e tentar identificar nele o tipo ou estilo de raciocínio ou pensamento que
Peirce tenta agrupar em cada caso. O modelo consiste, então, de um conjunto geral de tríades, via
de regra
22
.Peirce divide o conhecimento em Teórico e Prático, e as ciências nesses ramos. As
chamadas Ciências Teóricas (Ciências da Descoberta e Ciências da Revisão ou Ciência
Retrospectiva) são aquelas de pura curiosidade científica” ou cujo propósito é simplesmente a
busca das verdades universais ou divinas.
As Ciências Práticas seriam, por exemplo Tecnologias e Artes Industriais, Comércio,
Direito Tributário, Medicina, e muitas outras. Elas lidam com a as demandas cotidianas da vida,
com a pesquisa científica visando um fim visível.
Assim, uma forma de entender a essa filosofia arquitetônica seria olhar para o
conhecimento Humano dividido em três grandes campos, a Observação
23
ou Descoberta, o Juízo
ou Revisão, e a Ação ou Prática, refletidos em A) Ciências da descoberta (primeiridade) ,
B)Ciências da Revisão (terceiridade) e C)Ciências Práticas (secundidade) (anexo I -Classificação
Geral do Conhecimento ou das Ciências)
Essa forma de associar os ramos da ciências às categorias é uma tentativa didática de mostrar o
que Peirce intuiu, depois de vários anos de estudos. Mas essa divisão só teria sentido se tivesse
uma conseqüência prática, qual seja integrar operativamente os ramos do conhecimento,
estabelecendo ou propondo de que forma e em que direção se dá a produção de saber.
22
No anexo I encontra-se o diagrama completo dessa taxonomia, compilada por Tommi Vehkavaara. Esse
organograma está acessível pela internet em formato pdf e contem algumas observações baseadas nos textos de
Peirce. A (em <http://mtlserver.uta.fi/~attove/peirce_systems3.PDF > (12 abr. 2004)
23
Observação aqui não tem o sentido dado pelo empirismo. Peirce criou uma Semiótica e estava consciente que
observação é um processo de produção de sentido (semiose).
46
As Ciências da Revisão englobariam o que hoje chamaríamos de Epistemologia da
Ciência e História da Ciência.
As Ciências da Descoberta ele divide em Matemática, Filosofia e o que ele chamou de
Idioscopia ou Ciências Especiais. É sob a denominação de Ciências Especiais que se encontram
as ciências que chamamos “naturais” (Física, Biologia e Química), entre outras.
A razão dessa denominação está vinculada à lógica que permeia os critérios de
classificação de Peirce, os quais podem ser completamente entendidos num estúdio de longo
prazo. Mas chamar essas Ciências de Especiais também significa que exigem um tipo de
observação (semiose) diferenciado (especializado) quando comparado ao estilo de observação
requerido na Matemática e na Filosofia.
Ora, é justamente por se preocupar com o estilo de pensamento, vinculando-o à
observação e à semiose que ele se torna apropriado para uma análise que investigue o modo de
“olhar” do professor do ensino tecnológico. Significação ou semiose podem ser entendidos em
Peirce, portanto, como construção de estilo de pensamento sobre um fenômeno. É uma espécie de
desenho cognitivo.
Estruturas cognitivas diferenciadas estão em jogo ao se olhar, por exemplo, uma imagem
na Matemática ou na Teologia.
Podemos utilizar o termo “estilo de pensamento” como uma adaptação do conceito que
aparece em Ludwik Fleck (1896-1961).
Dois conceitos são centrais em Fleck: o coletivo de pensamento (Denkkollektiv)
e ao estilo de pensamento (Denkstil). O primeiro é definido como "uma
comunidade de pessoas intercambiando idéias mutuamente ou mantendo
interação intelectual; também veremos por implicação que esta também provê o
'suporte' especial para o desenvolvimento histórico de qualquer campo do
pensamento, bem como do nível de cultura e conhecimento dados" (FLECK,
1979, p.39) e o segundo como "uma construção definida do pensamento, e até
mais; (...) a totalidade da preparação ou disponibilidade intelectuais para uma
forma particular de ver e agir ao invés de qualquer outra" (FLECK, 1979, p.64).
Note-se que o estilo de pensamento não é uma característica opcional que pode
ser voluntariamente adotada, mas antes uma imposição feita pelo processo de
47
socialização representado pela inclusão em um coletivo de
pensamento.(CAMARGO, 1993)
Quando observamos que para Charles Peirce a Filosofia se encontra num contexto de
conhecimento similar à Matemática e às Ciências Especiais também demonstra a sua ansiedade
de vincular o conhecimento filosófico a um fim pragmático, mesmo que de longo prazo.
Como novidade, então, percebe-se que Peirce trouxe para a classificação das ciências uma
forma de olhar que não estava centrada apenas no objeto, pois ao separar uma categoria de outra
vinculou-as entre si pelo “estilo” de observação ou “modo” de pensamento, de raciocínio lógico
(semiótico), de estrutura cognitiva envolvida no processo de produção daquelas ciências.
Ao separar, na raiz (ou topo, conforme o ponto de vista) de seu sistema, as Ciências
Teóricas das Ciências Práticas, Charles Sanders faz jus à sua tradição Aristotélica e Kantiana.
Como as Ciências Práticas são aquelas voltadas ao uso diário, ou seja, aquelas que usam a razão
com um fim mais imediato, poderíamos chamá-las hoje de tecnológicas.
Como lógico, Peirce tentou desenvolver um método científico geral, aplicável
universalmente. E para embasar esse método, procurou determinar uma ontologia do pensamento
cientifico e classificou três formas distintas de inferência ou raciocínio científico: Dedução,
Indução e Abdução. Dedução e indução são passos ou etapas do raciocínio lógicos bastante
conhecidos. A abdução (às vezes chamada retrodução) seria o mecanismo central do processo
criativo de formação da hipótese e de como ele se dá.
Os princípios do pensamento lógico, então, são explorados de maneira racional e ousada
por Charles.
"O filósofo [norte-americano] Peirce considera que, além da dedução e da
indução, a razão discursiva ou raciocínio também se realiza numa terceira
modalidade de inferência, embora esta não seja propriamente demonstrativa.
Essa terceira modalidade é chamada por ele de abdução.
A abdução é uma espécie de intuição, mas que não se de uma vez, indo
passo a passo para chegar a uma conclusão. A abdução é a busca de uma
conclusão pela interpretação racional de sinais, de indícios, de signos. O
exemplo mais simples oferecido por Peirce para explicar o que seja a abdução
48
são os contos policiais, o modo como os detetives vão coletando indícios ou
sinais e formando uma teoria para o caso que investigam.
Segundo Peirce, a abdução é a forma que a razão possui quando inicia o estudo
de um novo campo científico que ainda não havia sido abordado. Ela se
aproxima da intuição do artista e da adivinhação do detetive, que, antes de
iniciarem seus trabalhos, contam com alguns sinais que indicam pistas a
seguir. Os historiadores costumam usar a abdução.
De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais
que empregamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o
procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade
de um conhecimento já adquirido." Chauí (2006, unid.2, cap.2).
Ele busca por uma lógica inerente ao pensamento científico (ao pensamento como um
todo, na verdade) e confia nas possibilidades do poder classificatório e no ecletismo sério e
universalista.
Modernamente, as três categorias fundamentais em Peirce têm despertado novas projeções
teóricas, havendo pesquisas que resgatam a existência de bases fisiológicas cerebrais dessa
divisão triádica:
Assim, procurei estabelecer relações entre esta estrutura do cérebro,
sítio da semiose e os níveis categóricos estabelecidos por Peirce, quais
sejam: o primeiro nível da Qualidade, o segundo da Relação e o terceiro da
Representação,níveis que, mais tarde, o próprio Peirce resolveu chamar
respectivamente de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. (MARIN, 2005,
p. 11).
O Pragmati(ci)smo como postura epistemológica
“Assim como dizemos que um corpo está em movimento e não que o movimento está em um corpo, deveríamos
dizer que nós estamos em pensamento e não que o pensamento está em nós.” (PEIRCE)
49
Assim como para Kant, Peirce não concebia um contato cognitivo direto com a realidade,
se é que tal coisa chamada realidade existisse. Tentar chegar á realidade em si mesma, através
de sucessivas aproximações simbólicas era como, em sua própria expressão, tentar chegar à
cebola em si mesma através do descascar de suas sucessivas camadas. Sua busca intelectual
estava muito mais orientada, como visto, para a lógica do pensamento científico, tentando
sistematizar seu funcionamento. Neste sentido, foi um pioneiro na epistemologia e na filosofia
das ciências.
Apesar de ser um “categorizador compulsivo”, Charles Sanders Peirce é difícil de
classificar, mas pode ser rapidamente definido como um “pragmaticista”.
O pragmatismo de Peirce (que ele mais tarde chamaria de pragmaticismo, com o intuito
de diferenciar de outras linhas, como a de William James) consiste em um método filosófico de
explicitar o sentido e a validade de uma concepção ou de um fenômeno através da
experimentação prática dos resultados. Isso aliado a uma leitura desatenta pode levar a pensar
que ele estaria no campo do Positivismo.
Mas em Peirce o fenômeno, no sentido amplo, é a base da descoberta e da reflexão. Peirce
é um fenomenologista, também em aspecto amplo, quando diz que a Phaneroscopia
(fenomenologia).
“É a descrição do fenômeno; e por fenômeno eu quero dizer o coletivo
total de tudo que está, de alguma maneira ou em qualquer sentido presente à
mente, sem qualquer consideração sobre se é ou não correspondente a algo
real.” (PEIRCE, 2006, CP 1.284.)
Ou seja, toda e qualquer “coisa” é um fenômeno. Imagine-se a extensão dessa definição,
associada ao conceito de signo e teremos uma idéia da empreitada filosófica à nossa disposição.
Então, ressaltando mais uma vez a diferença entre um experimentalista simplório e Peirce,
podemos dizer que aquele busca a verdade, enquanto este procura entender como chegamos a
entender o que poderia vir a ser a verdade. Em comum, os dois lidam com o fenômeno
“Verdade”. Apenas de maneira bem diferenciada.
50
“A principal diferença entre Peirce e (William) James é que a máxima pragmática em
Peirce é uma teoria da significação, mas nas mãos de James, tornou-se uma teoria da verdade.”
(ATKIN, 2006)
Há, portanto, uma grande diferença entre o pragmaticismo e o positivismo ingênuo. O
positivismo simplista, acreditando no método, procura determinar através dele a verdade
científica inexorável.
Para o pragmaticismo, contudo, o valor de verdade de uma concepção está relacionado ao
seu valor prático, ou seja, às conseqüências de se considerar tal coisa verdade.
Em suas próprias palavras, Peirce diz que se deve levar em consideração “quais os efeitos
que possivelmente pode ter a influência prática que você concebe que o objeto de sua concepção
tem. Neste caso, sua concepção desses efeitos é o TODO de sua concepção do objeto.” (PEIRCE,
1999, p. 291)
Em Kant, por exemplo, esse estilo de pensamento se insinua na sua forma de entender a
Estética não como uma ciência que analisa a Beleza, mas como a ciência que analisa a concepção
de beleza de cada um. Ou seja, a partir do momento que a percepção não é universal, “a beleza
está nos olhos de quem vê”.
Algo semelhante se poderia dizer da “verdade científica” em Peirce, que no caso de ter de
avaliar entre duas concepções equivalentes experimentalmente, utilizaria o critério final da
avaliação das conseqüências práticas da adoção dessa ou daquela concepção para averiguar a
realidade. O resultado coletivo dessa medição estabeleceria o padrão aceitável.
Em outras palavras, o conceito é uma construção social, balizada pela utilização
prática. Assim, a condição de realidade de algo seria verificada pela experimentação coletiva e
colocada em teste pelo critério da utilização. Isso implica em um conceito de conhecimento que
pode ser comparado ao que Ludwik Fleck
24
propõe a partir do conceito de “coletivo de
pensamento”, conforme visto acima.
A compreensão do fenômeno é, então, construída também de acordo com critérios
práticos, de uso. Pode-se inferir daí que Peirce tinha uma visão de Ciência como processo, pois
até sua própria produção teórica se deu dessa forma, em constante evolução. A práxis seria o
teste final. As bifurcações culturais, ideológicas, éticas e econômicas dessa concepção, são
24
Fleck, cujas teorias originais contribuem para um olhar não convencional sobre a ciência, foi profundamente
influenciado pela Escola Polonesa de Filosofia da Medicina. Para ele, o “fato científico” é uma “construção” das
comunidades de pesquisadores, que ele denomina “coletivos de pensamento”.
51
muitas e polêmicas, mas não podem deixar de ser consideradas no contexto da educação
científica e tecnológica.
Neste trabalho, então, rejeita-se a noção simplista de “realismo” como a simples
pressuposição do real” como pré-existente independente do homem. Não se rejeita o “real”.
Mas o que é esta coisa que chamamos real?
O real não é constituído por coisas. Nossa experiência direta e imediata
da realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas (sejam elas naturais
ou humanas), isto é, de objetos físicos, psíquicos, culturais oferecidos à nossa
percepção e às nossas vivências. Assim, por exemplo, costumamos dizer que
uma montanha é real por que é uma coisa. No entanto, o simples fato de que
essa “coisa” possua um nome, que a chamemos “montanha”, indica ela é, pelo
menos, uma “coisa-para-nós”, isto é, algo que possui um sentido em nossa
experiência...Não se trata de supor que há, de um lado, a “coisa” física ou
material e, de outro, a “coisa” como idéia ou significação. Não de um lado a
coisa em-si, e, de outro, a coisa para-nós, mas entrelaçamento do físico-material
e da significação, a unidade de um ser e de seu sentido, fazendo com que aquilo
que chamamos “coisa” seja sempre um campo significativo.(CHAUÍ,1988, P.
16 a 18)
É esse “campo significativo” que é fenomenológico em Peirce. E se formos estudar mais
filosoficamente esta questão, precisaremos entender tanto o nominalismo
25
quanto o realismo
mais detalhadamente.
25
Nominalismo. Uma das correntes de filosofia na disputa a respeito da realidade dos "universais" ou existência real
de coisas com todos os atributos da perfeição do seu gênero, e de cuja perfeição participam em maior ou menor grau,
as coisas particulares do mesmo gênero. Um exemplo mais comumente usado é o da palavra "beleza" para a qual os
platônicos reivindicam uma existência própria, como um ser que é a beleza mais completa e perfeita, e neste ser que
é a beleza pura, têm maior ou menor participação totas as coisas que são belas. Esses universais são também nomes
genéricos aplicáveis à coisa em comum que define um conjunto de coisas particulares. Uma mesa com todos os
atributos possíveis da mesa existiria, no dizer de Platão, em um mundo diverso do mundo em que vivemos no qual as
coisas são imperfeitas, e no qual uma mesa difere de outra e pode ser melhor ou pior que outra, ambas apenas
participando da ideia de mesa, a mesa ideal que ele supunha poder existir no mundo da perfeição. O Nominalismo
nega realidade aos universais com fundamento em que o uso de uma designação geral não implica a existência de
uma coisa geral por ela nomeada. Admite, no entanto, que deve haver alguma semelhança entre as coisas particulares
às quais a denominação geral se aplica. Para os nominalistas, "beleza" não tem existência própria e é apenas um
termo geral para designar esse atributo reconhecível em alguns objetos que, por o possuirem, são ditos objetos belos.
52
Declinar-se-á a oportunidade de aprofundar mais essa discussão, que é uma questão em
processo para a Filosofia da Ciência como um todo. Um Berkeley (com sua negação da
existência da matéria) ou um Hume (com sua negação da existência da mente) precisariam estar à
nossa disposição, intelectualmente. Não vamos incomodá-los. Nem deixemos que eles o façam,
por agora. Saibamos da profundidade onde escolhemos mergulhar e da parca capacidade aeróbica
que nos resta, e voltemos à tona para não nos perdermos nos abismos sedutores da Filosofia.
Digamos, portanto, para simplificar, que Peirce era um realista de uma realidade sempre
em processo. Tanto na sua essência como na nossa forma de percebê-la.
“Embora, porém, a questão de realismo e nominalismo tenha suas
raízes nas tecnicalidades da lógica, seus ramos envolvem nossa vida. A questão
de se o genus homo tem alguma existência exceto enquanto indivíduos, é a
questão de se existe algo com maior dignidade, valor e e importância do que a
felicidade individual, as aspirações individuais e a vida individual. Se os
homens realmente têm algo em comum, de modo que a comunidade deva ser
considerada como um fim em si mesma e, se isso ocorrer, qual é o valor
relativo dos dois fatores, é a mais fundamental questão prática em relação a
toda instituição pública cuja constituição esteja em nosso poder influenciar.”
(PEIRCE, 1999, p. 337).
Em que medida podemos abstrair de afirmações como essa algo sobre os elementos
sociológicos da mentalidade peirceana? Coloca-se aqui uma outra fonte de pesquisas
26
.
Ainda com o intuito de validar a ênfase na contribuição científica e epistemológica de
Peirce, e fazendo uma vinculação mais próxima com o tema deste trabalho (semiótica visual),
pode-se citar seu trabalho lógico e algébrico com o que ele chamou de “Grafos Existenciais” -
mecanismos visuais (gráficos), consistindo em diagramas para exploração e comprovação de
assertivas lógicas.
Consideram-se esses exercícios filosóficos de Peirce como prolegômenos à matemática
moderna, sendo que as contribuições da semiótica, vista como lógica da significação, à
epistemologia da matemática vêm se tornando lugar comum para vários pesquisadores, como
vemos nessa explicação das três categorias peirceanas a partir de um ponto de vista matemático:
26
Essa questão remete-nos às questões levantadas no ítem “Ontologia da Imagem e Imagem em Peirce”.
53
Let me illustrate the three categories by means of a simple but with respect to
mathematics fundamentally important example, namely with respect to the
diagram: x = 2: "=" is a first; it is an icon of an idea. Robert Recorde (1510-
1558) introduced this icon saying that "nothing could be more equal". And "2" is
another icon. Gödel says: "Two is the notion under which fall all pairs and
nothing else. There is certainly more than one notion in the constructivistic sense
satisfying this condition, but there might be one common 'form' or 'nature' of all
pairs" (GÖDEL, 1944, p.138). This form or nature or idea is an hypostatic
abstraction and it is the 'ground' of a sign, as Peirce would say. Ideas or icons are
indeterminate but further determinable in a variety of ways. “2 can be anything”,
wonders the young child at school. "x=2" in the course of a calculation is a fact,
a contingent fact, and as such it is a Second. Secondness is expressed by the
syntactic rules of arithmetics. But when "x=2" is considered as a propositional
function or as a proposition and “x” has some concrete meaning as part of an
application, it is a Third. (OTTE, 2001, p. 11)
Apesar da limitação deste estudo, é oportuno citar, para futuras pesquisas, os conceitos de
tiquismo, sinequismo e agapismo, outra vez uma trilogia que cresce em complexidade e cujos
conceitos embasam uma pansemiótica metafísica, ou seja procuram explicar como se a
evolução do universo em termos semióticos.
Autores contemporêneos têm explorado essas concepções aplicando conceitos da
semiótica a campos diversos como a Biologia (biosemiótica) e à Cosmologia(Cosmosemiótica):
A tese tiquista opera o desenvolvimento universal pelo acaso, enquanto a tese
sinequista presume a continuidade do pensamento. Desse modo, essencial para o
método e para a formação do pensamento e, ao final, a tese agapista, que
sustenta a presençaa do amor fraterno como o mecanismo cósmico de evolução
contínua do universo, onde a verdade absoluta é inexistente. Tudo está em
processo, é o eterno vir a ser de esperanças e não de crenças. (TRENTINI, 2005,
p.12)
No mesmo trabalho, encontram-se demonstrações da inequívoca crítica de Peirce ao
mecanicismo ou determinismo racionalista:
54
A opinião comum deve admitir a inesgotável e inumerável variedade do mundo;
deve admitir que sua lei mecânica não pode, em absoluto, dar conta dela; que a
variedade pode surgir da espontaneidade; e não obstante, nega sem provas
nem razões, a existência desta espontaneidade, ou melhor, a retroagir ao
princípio do tempo e dar por morta desde então. A lógica superior de minha
opinião me parece dificilmente controvertível (...) por assim admitir a pura
espontaneidade, ou vida, como uma característica do universo, agindo sempre e
em todo lugar. (TRENTINI, 2005, p.8)
Essa postura do pragmatismo peirceano é notável e pode evitar o desejo de simplificar
mecanicamente o intento do filósofo de estabelecer estruturas ontológicas. Peirce concebe
estruturas mutáveis, mas funcionais para o pensamento científico, e revê sua aplicabilidade
durante o percurso de sua vida para fazê-las evoluir constantemente.
Nesta perspectiva, de se considerar, para início de conversa, que o
pragmatismo inscreve o seu nascedouro numa reflexão epistemológica,
principalmente para responder ao fato de que a ocorrência dos possíveis efeitos
de um objeto no agir humano não é qualquer coisa que possa ser delimitável
definitivamente, mas sim de infinitamente aberto na práxis humana, de modo
que o significado das experiências com as coisas do mundo é um conhecimento
débil, sujeito a infinitas modificações. (SILVA FILHO, 2006, p.6)
Num futuro trabalho poder-se-ia lidar com mais competência, propriedade e
aprofundamento teórico sobre o tema do pragmaticismo e suas inúmeras interpretações
epistemológicas. Deixamos o domínio apenas tocado de leve para demonstrar que o mesmo
cérebro ou alma que criou a Semiótica não o fez desconectado do universo epistemológico e que
a conexão entre as duas áreas (Epistemologia e Semiótica), se não óbvia, é obrigatória.
Ouso afirmar que Peirce é fundamental como um dos teóricos modernos que construiu
uma ponte entre o empirismo de senso comum e o relativismo metafísico, postulando uma
fenomenologia que retira a importância do “o que” seria o “real” e colocando o foco sobre
“como” percebemos esse conjunto de fenômenos. Essa prática é possível através de uma filosofia
55
da linguagem que perspectiva a linguagem como estrutura dinâmica e pervasiva do ser
cognoscente, mas que também é generosa na oferta de status significativo, ou seja, não entende o
signo unicamente como elemento da linguagem verbal.
Tendo vivido numa época de grandes mudanças e morrido às vésperas da Primeira Guerra
Mundial, Charles Peirce testemunhou e participou da etapa moderna da estruturação do sistema
de ensino superior e da pesquisa estadunidenses. As contribuições que ele deixou para a Filosofia
em geral e para a Filosofia da Educação, por conseqüência, ainda prometem gerar novos frutos á
medida que se reestruturam as leituras de seu legado.
Sendo um dos pais do pragmatismo, pode-se dizer que sua influência se faz sentir até hoje
em muitas características da educação norte-americana e ocidental, mesmo que o pragmatismo
hoje existente deva muito mais (infelizmente, para alguns) às elaborações de William James e
John Dewey. Este último, aliás, influenciou, dentre outros, Noam Chomsky e Paulo Freire.
A concepção dialética de signo em Peirce é compartilhada por Vigotsky e influencia o
pensamento de muitos educadores e lingüistas. O método de busca pela lógica inerente ao
pensamento científico é pioneiro, antecipando questões epistemológicas modernas.
Seu pensamento também é um dos que antevê a tendência moderna de atribuir à
linguagem um papel preponderante no desenvolvimento cognitivo.
Qualquer tentativa de classificar ou explorar rapidamente uma mente como a de Charles
Sanders Peirce vai ficar em débito com a extrema vitalidade e inventividade desse estudioso que
transpôs os limites das disciplinas convencionais. foi dito que se alguém pode aspirar ao papel
de Leonardo da Vinci nas Américas seria Peirce.
Peirce estabeleceu princípios filosóficos e científicos com rigor e diligência e manteve seu
trabalho vivo mesmo sem o apoio da academia. Um pensador raro, que se propôs a estabelecer
um desenho geral do conhecimento humano, desde a sua gênese até sua aplicação como ciência.
A Semiótica.
A Semiótica é um campo de estudos relativamente novo e tem ocupado lugar de
importância crescente nas ciências sociais e humanas. Numa sociedade recoberta de diferentes
modalidades de signos rotativos e descartáveis, seu estudo ganha status de obrigatoriedade.
56
A teoria dos signos, ou ciência dos signos é chamada de semiótica ou semiologia de
acordo com a escola a que se refere. Quando se fala de uma concepção derivada dos trabalhos de
Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado o pai do estruturalismo lingüístico e
principalmente numa tradição mais ligada à lingüística verbal, muitas vezes se usa semiologia.
Seu trabalho se desenvolveu paralelamente ao de Charles Sanders, sem que os dois tivessem
contato. Sua concepção de signo era de uma relação dual ou diádica, entre significante e
significado ou a forma externa e a essência mental do conceito - considerando o signo como a
unidade básica da linguagem, quer dizer, toda linguagem seria um sistema de signos.
A palavra Semiótica é mais difundida numa concepção de processo universal de
entendimento através de signos (linguagem verbal e não-verbal).
Peirce foi um dos principais teóricos da Semiótica, deixando uma elaboração filosófica
que atinge hoje as mais variadas áreas. A Semiótica é para Peirce apenas um outro nome da
Lógica como ele a entendia. Pode-se inferir daí sua ligação com a epistemologia.
A palavra semiótica é derivada do termo grego semeîon, que pode ser traduzido como
“sinal” ou “signo” NÖTH (1998, pg. 21).
Para Peirce, o processo cognitivo e comunicacional envolve a corelação de ajuste
progressivo e dialético entre os elementos fundamentais do conhecimento: objetos e signos.
“Um signo ou representamen, é tudo aquilo que, sob um certo aspecto ou medida, está
para alguém em lugar de algo.” (PEIRCE, 1999, p. 46). Essa dinâmica é tríplice e recursiva,
como explicado a seguir.
Todo conhecimento num dado momento cognitivo ou histórico deve ser sobre algo
perceptível em algum grau e de alguma forma para alguém. Esse objeto (ou fenômeno) é
representado por alguma modalidade de signo, que pode ser gráfico, gestual, verbal, sonoro ou de
outro tipo.
A classe de fenômenos que podem funcionar como signo é extremamente ampla,
incluindo figuras, sintomas, palavras, sentenças, livros, bibliotecas, concertos musicais, enfim,
qualquer coisa que transmita a uma pessoa uma impressão que virtualmente emane de algo
externo. (PARMENTIER, 1994, p. 3)
Pode-se dizer que a semiótica de Peirce é uma “pansemiótica” (NOTH, 1998, p. 61),
procurando estabelecer o modo ou a lógica pela qual se dá o entendimento.
57
Isto se processa dentro do escopo da sua estrutura filosófica (vide anexo I) e,
coerentemente com o modelo, ele adota um padrão triádico para definir e classificar os signos. Na
verdade, Peirce imaginou a Semiótica ou Lógica como ciência das leis gerais dos signos ao
mesmo tempo que uma ferramenta para explicitar os “estilos de pensamento” de cada ciência.
A semiótica de Peirce, sendo uma espécie de teoria cognitiva mesclada com lógica
matemática e epistemologia científica é difícil e mesmo hermética para a primeira leitura.
A separação e clarificação de alguns de seus conceitos ainda estão em curso. Para o caso
específico dos estudos de Semiótica, Peirce estabeleceu uma classificação complexa dos signos,
ou ainda melhor, dos componentes gerais do processo de significação que não se pode esgotar em
poucas páginas.
De acordo com Peirce, os signos se diferenciam dependendo da relação entre os
elementos que compõem um signo e de sua ação específica (ou semiose).
Quando um signo diz respeito ao signo em si mesmo (primeiro elemento da
tríade), pode ser classificados em quali-signo, sin-signo ou legi-signo. Quanto à
relação de um signo com o seu objeto dinâmico, o signo pode ser classificado
como ícone, índice e símbolo. Quanto à relação do signo com o(s)
interpretante(s), o signo pode ser classificado como rema, dicente e argumento.
Dada a complexidade dessa classificação feita por Peirce, para entendê-la é
necessário realizar um estudo cuidadoso do assunto. CENEP (2006).
Para Charles Sanders, o signo estabelece três níveis de relações fundamentais: consigo
mesmo, com o objeto e com o interpretante.
Em relação a si mesmo o signo é dividido em quali-signo (qualidade, sensação cromática,
tom vocal), sinsigno (objeto ou evento que substitua algo; uma palavra isolada é sinsigno
enquanto réplica individual de um legisigno) e legi-signo (lei ou convenção, nome enquanto
relação lingüística convencional). Eco (2003, pg.93)
Em relação ao interpretante, dividi-se em rema (função proposicional), dici-signo
(enunciado) e argumento (silogismo). (ibid.)
Para exemplificar
27
a tricotomia mais palatável e notória de elementos sígnicos em
relação ao objeto, de acordo com Peirce, vejamos as noções de :
27
Adaptado de Eco (2003, pg. 93).
58
Ícone: imagem mental, pintura, diagrama com a mesma forma da relação que representa,
metáfora. Tem uma semelhança nativa com o objeto. A fotografia de um leão, por exemplo.
Índice: escala graduada, operador lógico, grito, pronome demonstrativo. Dirige a atenção
para um objeto por meio de um impulso básico, de uma relação indireta. A marca da pegada de
um leão.
Símbolo: substantivo, conto, lei, instituição. Ao contrário dos outros dois, é convencional.
A palavra leão, um sinal de trânsito.
A relação entre signo e objeto resulta um outro signo, o interpretante.
Figura 1– Esquema semiótico peirceano
O interpretante
28
, substitui o objeto real na mente do intérprete de um certo modo, num
certo contexto. Daí o “objeto real” ser inatingível pela percepção, que tudo é signo. A
interpretação de um signo é um processo dinâmico na mente do receptor.
O que Peirce aponta, então, resumidamente, é que o processo de significação se em
diferentes (3) níveis estruturais básicos e interrelacionados de abstração lógica.
Partindo do meramente perceptivo (iconicidade/primeiridade), quase não explicável por
existir como processo biológico e como categoria a priori, passando então para o nível em que
um grau maior de intencionalidade (indexicalidade/secundidade) e chegando á intencionalidade
socialmente constituiída (simbólico/terceiridade).
A noção de signo está ligada à noção de pensamento e de linguagem, e conseqüentemente
à idéia de inteligência ou cognição.
28
O interpretante, na verdade, é uma dinâmica sígnica que se cria na mente do intérprete. É o próprio resultado
significante, ou seja, o efeito do signo. É, em suma, um outro signo, já que as idéias são signos.
Signo
Objeto
Interpretante
59
Mas é de uma perspectiva acumulativa, numa espécie de espiral evolutiva que devemos
pensar o signo. Cada uma de suas formas como que evolui em complexidade, sendo que o
símbolo traz em si um índice e um ícone.
Conforme expressamos ao comentar a relação de sua filosofia com a dialética de Hegel,
Peirce tenta superar o maniqueísmo dicotômico e binário que contrapõe duas essências objeto e
significado - lendo o texto emanado do mundo do signo como um processo relacional, assim
como na Física moderna onde se tem buscado explicações menos deterministas para o universo
pela compreensão do “texto” matéria/energia. A tríade ontológica que constitui o signo, reduz de
maneira ousada a significação a três essências, e por isso ele se arriscou a ser considerado neo-
pitagórico, o que não pareceu assustá-lo.
É justamente por sustentar uma arquitetura filosófica de bases amplas que a teoria
peirceana nos oferece a oportunidade de visualizar mais claramente a ponte lógica entre a
Filosofia, a Epistemologia e a Semiótica. E parece que apenas no campo (ou incluindo o campo)
da metafísica se realizou plenamente a liberdade que Charles Sanders necessitava para o esforço
abstracionista demandado pela ambição de estruturar um corpus teórico mais denso.
Compreende-se porque nessa pansemiótica os estudiosos podem se sentir mais à vontade
para dar vazão à exploração da linguagem ou pensamento imagético e como é possível
confrontar o labirinto estruturalista com o mapa recursivo do signo triádico. Pode-se achar a saída
através dele? Há indícios claros de que a viagem é pelo menos interessante
29
.
Ontologia da Imagem e Imagem em Peirce
Entender a produção social de significações visuais é tarefa de uma área acadêmica
inteira. O compromisso desta dissertação é simplesmente apontar algumas das significações sobre
a palavra ou conceito Imagem presentes entre professores de ensino tecnológico. Para isso
exploraremos um domínio de conceitos, estabelecendo parâmetros de comparação com os quais
poderemos confrontar as categorias que freqüentam o imaginário e o pragmático dos professores.
O primeiro problema que aparece na tentativa de sistematizar o campo da “visualidade”
ou da “Imagem”: definir imagem.
29
Umberto Eco apresenta o problema da tentativa de descobrir ou aplicar a estrutura lingüística a códigos visuais. Eco
(2003, pgs. 97 a 138)
60
A semiótica oferece umagama muito sutil de ferramentas analíticas que nos permitem
penetrar nos interiores do signo, visualizando sua natureza.” Estes mesmos autores advertem para
a necessidade de não se tratar de maneira leviana ou simplista a classificação de Peirce, e
reclamam:Infelizmente a compreensão e utilização das classificações peirceanas tem sido, via
de regra, comprometidas por reducionismos e esquematismos estéreis que ficam muito aquém do
potencial abrangente que elas apresentam” (SANTAELLA e
NÖTH, 2001, p.59).
Os mesmos autores tentam auxiliar na compreensão das classificações de ícone de Peirce,
apresentando algumas subdivisões da iconicidade, mostrando que o ícone é dividido em:
1. ícone puro e
2. signos icônicos ou hipoícones
sendo que para Peirce, a imagem é um tipo de hipoícone, conjuntamente com diagramas e
metáforas.
O ícone puro
30
é o nível do ícone que se traduz poruma simples qualidade de sentimento
indivisível e inanalisável. pode ter uma natureza mental, mas como possibilidade ainda
irrealizada não é nem mesmo comparável a uma idéia, apenas um flash de incandescência mental,
quase imagem interior, luz primeira de todos os insights.” (SANTAELLA E NÖTH, 2001, p. 60).
Os ícones puros se conectariam à estrutura mental básica como “hormônios lógicos”, que
preparam o campo para o processo de significação mais elaborado. É elemento formador na
gênese da relação fenomenológica e mental que desperta a percepção do sinal visual, por
exemplo. Ele precisa ter elementos no mundo e na mente, ao mesmo tempo, para se realizar,
como todo o processo sígnico, sendo seu nível mais baixo, mais fundador.
No hipoícone, encontramos três elementos constituintes:
1. Imagem.
2. Diagrama.
30
O ícone puro ainda apresenta mais subdivisões. Aqui o caráter filosófico e cognitivista do pensamento de Peirce,
que atrai pelas sua possibilidade categorizadora, fica abandonado em prol da usabilidade dos conceitos neste texto.
Considera-se que a tentativa de exaurir os fundamentos do raciocínio semiótico está melhor realizada nas obras
citadas, e não é a tarefa desta exposição. Mas a importância desses conceitos é reconhecida.
61
3. Metáfora.
uma dinâmica de dependência destas três “grandezas” semióticas, de tal maneira que
uma como que engloba a outra de forma crescente, ou seja, todo diagrama tem algo de imagem e
toda metáfora tem algo dos dois. Como a imagem é imediatamente icônica, é considerada de
menor grau gnico que o diagrama e a metáfora, que por sua vez possuem menor grau de
iconicidade.
A a metáfora herda as teias relacionais do diagrama que por sua vez herda elementos
imagéticos. É a mesma co-presença de ícone e índice no símbolo. Lembremo-nos da Terceiridade
como impossível sem a Secundidade e a Primeiridade, ou de uma generalização que vem da
compreensão que provem da percepção, ou de quase qualquer outro exemplo de relações de
princípio que leva à análise e à síntese. Entender a exitência desses elementos enquanto signos
exige entender a evolução do conceito de signo na obra de Peirce.
Importa, aqui, clarear como Peirce localiza a imagem icônica, adotando uma abordagem
empirista frente à percepção visual na sua gênese. Sua semiótica aplicada à imagem, por assim
dizer, básica, nos deixa com a sensação de um cognitivismo forte. Então uma imagem nessa fase
como uma figura ou uma fotografia, ou qualquer elemento visual mais significativo que um sinal
primário, pode ser um hipoícone. Assim também poderiam ser classificados os gráficos e as
fórmulas algébricas, que são ícones por correspondências relacionais. NÖTH (1998, pg. 79).
Essa “similaridade” que constitui o ícone não é aceita por alguns estudiosos. Mas o
próprio Charles Sanders admitia essa arbitrariedade da similitude, sem abandonar, porém o valor
da iconicidade.
Aqui é central a noção de percepção como algo fenomenológico na natureza. Ou seja, não
se pretende negar a existência da percepção, enquanto um fenômeno desse nível de realidade ao
qual estamos vinculados. O modelo comunicacional que permite conceber cada indivíduo de
determinada espécie como um “receptor” de impulsos ou sinais não está em questão aqui, pois
tem sua validade em certos níveis de sistematização.
Mesmo se nos restringirmos às emissões eletromagnéticas que compõem a luz visível,
elas ocupam diferentes faixas do espectro para diferentes espécies. E nem todas as espécies vivas
“vêem” com os olhos. Sabemos mesmo desse modelo sinalético, que um morcego ou golfinho
(que utilizam sinais ultrassônicos) percebem seu entorno de maneira diversa de um peixe das
62
regiões abissais (que se concentra em sinais olfativos e de pressão) ou de um leão (que enxerga
em preto e branco), para não falarmos do homem.
Existe toda uma área da Semiótica que vai lidar com esses desafios de uma forma de
significação e relação organismo-meio ambiente, que é a Biossemiótica (NÖTH, 1999, p. 237).
Então, para falarmos de imagem, devemos supor que ela é percebida por alguém. E esse
alguém tem como que um “receptor” para esse sinal. Não apenas em termos de aparelho visual,
mas em termos de estrutura mental desenvolvida para tal. Para ver é necessário saber ver. E esse
saber é natural em sua base, ou seja, a percepção visual vem com o “pacote” genético, mas é
cultural em seu desenvolvimento, quer dizer, se desenvolve em níveis de complexidade crescente,
assim como o próprio ser que recebe o “pacote”.
Pode-se demorar nas conseqüências dessa modelagem. Ao atribuir valor de hipoícone às
percepções visuais básicas, sabemos que o hipoícone foi colocado numa camada inferior em
termos de lógica, frente à hierarquia de formação do signo.
Daí o sufixo hipo precedendo a expressão ícone. Assim, por exemplo, o diagrama, em
Peirce, não é a montagem visual em si, mas o estabelecimento primário de certas relações
conceituais na mente, que pode ser representada em papel. E a metáfora o nascimento da
associação por semelhança vinculada a sinais elementares.
Podemos inferir que o ícone visual é bem mais que uma mera representação do real, até
porque o processo de representação já envolve semiose de alto nível. Em alguns estudos, aparece,
inclusive, a proposta de substituir a palavra imagem por signo visual, que englobaria imagens
como figuras em geral, escultura e arquitetura, como visto em Groupe µ (1992).
Por isso a categoria imagem pode ser confusa se utilizada no senso comum. E a
dificuldade da semiótica de definir claramente o que seja imagem, do ponto de vista científico,
reside também na sua onipresença para o ser humano vidente, já que é um ente amplo e
aparentemente universal, participando desde os processos psicológicos básicos até o nível
analítico
31
.
A própria gênese da palavra está relacionada à cognição. O verbo “ver” em grego, por
exemplo, origem à palavra “idéia” ou os conceitos platônico de “eidos” como essência e de
“eidolon” como representação ou imagem visível. Mas seria imprudente tentar uma proeza maior.
31
Uma dificuldade semelhante atinge outra ciência: A Biologia trabalha com conceitos variados de “vida”.
63
Nas referências bibliográficas fez-se residir um grande número de autores que dão conta
do problema da imagem até seu estado da arte. Como panorâmica sobre os clássicos que abordam
a questão, recomenda-se a leitura de Santaella e Nöth (2001), que realizam um “tour de force”
sobre a questão, deixando poucas dúvidas sobre sua complexidade e sobre o caráter grandioso do
empreendimento.
Para Santaella e Nöth (2001, p.15), a imagem pode ser inicialmente classificada em dois
grandes grupos:
1. Imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias,
imagens de cinema e televisão, holografias imagens digitais em geral, além de outras.
2. Imagens Mentais: São as imagens que aparecem como visões, fantasias, imaginações e
modelos mentais em geral.
Mitchell (1987, p.10) propõe um diagrama que classifica imagens, cujo conteúdo
adaptamos a seguir
Figura 2: Classificação da imagem para W. J. T. Mitchel
64
O filósofo Vilém Flusser divide a imagem em:
1. imagem pré-histórica (tradicional) e
2. imagem técnica. - Flusser (2002)
fazendo uma análise que remete à questão da reprodutibilidade - já analisada sob o ponto de vista
sociológico por Walter Benjamin Benjamin (2006) e avaliando seu papel lingüístico e
comunicativo na sociedade moderna e na mídia.
“As imagens técnicas possuem como resultado de seu deciframento um texto
(FLUSSER, 2002:15). Ela é texto científico. Ao considerá-la uma entidade
discursiva, inclui uma dimensão conceitual como a existente na língua. Por isso
as imagens técnicas são metacódigos de textos, que a leitura de textos
promove a configuração de imagens no pensamento (2002:11). E os textos
também o metacódigos de imagens, pois o deciframento das imagens técnicas
leva à configuração de textos. Devido a isso, os dois códigos produzem uma
relação circular, na qual o deciframento de um pressupõe o outro (FLUSSER,
2002:10).” COSTA (2006)
Apesar da aparente simplicidade dessas categorizações, elas escondem o que talvez seja a
questão mais polêmica nas pesquisas envolvendo elementos da Teoria da Imagem; a questão da
iconicidade. Até que ponto uma imagem gráfica, uma imagem técnica ou representação visual,
ou ainda um signo visual pode ser meramente um reflexo de algo?
Essa questão nos remete a Peirce, e se lembrarmos sua definição de ícone, lembraremos
também como ela estava relacionada com a semelhança, com a proximidade formal entre o signo
icônico e seu referente. Mas essa semelhança superava, desde cedo o nível perceptivo, deixando a
mecânica cerebral e visual básicas ao hipoícone. Para ele, o signo propriamente dito era uma
consecução que implicava em nível de abstração superior
32
.
32
Por ser algo que está por outra coisa. Quanto menos substitutivo, menos sígnico.
65
Poderíamos tentar abstrair da semiótica de Peirce um nível socialmente determinado para
o signo visual, imaginando se não seria o símbolo, por sua arbitrariedade e caráter cultural a porta
de entrada para uma semiótica mais localizada ideologicamente. Ou talvez resida na exploração
da noção de interpretante lido como o conceito de sentido
33
em Vygotsky. Mas não se ousou esse
nível de aprofundamento aqui.
Eco (2003, pgs.99 a 119) discorre sobre a inconveniência conceitual de se pensar a
iconicidade como mera semelhança, mostrando como é difícil separar o socialmente construído e
significado da leitura de imagens, ou qualquer outro signo. A naturalização de aspectos ou
aparências remete à transformação da natureza ou realidade ou mundo natural, como se queira, a
senso comum. O mundo natural, acessível apenas por meio do processo semiótico, não está á
nossa disposição através dos sentidos ou das impressões iniciais. O processo semiótico não
poderia estar desconectado da cultura. Não parece ideologicamente inocente acreditar que as
relações vitais entre os seres humanos estejam separadas da forma como esses mesmos homens
pensam.
Abordagens para Análise do Texto Visual
A tarefa da Semiótica da Imagem não consiste somente em determinar a
especificidade da imagem como signo, mas também em descrever as
particularidades de diferentes imagens, como são, por exemplo, o desenho, a
fotografia e a imagem digital.”. Sonesson (2006).
Ochoa (1986, p.155-159) num capítulo dedicado aos alcances e limites da perspectiva
semiótica declara que
ainda que existam incompatibilidades de natureza epistemológica entre certos
aspectos de uma corrente teórica e outra, também é possível encontrar outros
aspectos nos quais sejam complementares, ainda que sua busca seja ainda um
trabalho que se tem que realizar...
A influência da teoria matemática da informação estendeu sua noção de código à
lingüística e à semiótica e originou com isso mais problemas que soluções.
33
Apropriação subjetiva de um significado socialmente compartilhado.
66
A lingüística demonstrou a existência de unidades no código da linguagem
(verbal) que possuem um caráter discreto e observável; com este modelo, os
teóricos postularam outros sistemas de significação como repertórios de
unidades bem delimitadas e lançaram-se em sua busca. Tal concepção foi,
felizmente, superada ao se compreender que a noção de sistema é uma
construção e que o dado, o suscetível de análise é o. Trate-se de textos
lingüísticos ou de outros cuja base material seja distinta, em todos eles a busca
de unidades mínimas não tem sentido, pois em todos os casos a noção de
unidade é relativa e depende do vel de análise em que se situa o leitor no
momento de estudo dos ditos textos.
A semiótica visual pura” pode estar para a lingüística como a crítica literária estaria
apara os métodos de análise do texto visual. A Semiótica é descritiva e classificatória, e mistura,
muitas vezes na sua gênese, aspectos psicológicos com aspectos filosóficos, como vimos. Mas
em termos de capacidades analíticas ela ainda pode ser realçada, enriquecida por técnicas e
conhecimentos que permitem transcender o seu aspecto categorizador. Da mesma forma que a
análise do discurso se utiliza de elementos lingüíticos, a análise do discurso visual pode lançar
mão de conceitos da semiótica visual.
Sugere-se aqui uma classificação, sem pretensão de resolver definitivamente essa questão,
mas com o intuito de esboçar uma classificação geral para os métodos de análise de textos
visuais. Estes métodos de podem, no entender deste autor, ser divididos de acordo com a maior
ou menor carga simbólica e cultural que trazem a priori para a análise. Dessa forma, quanto mais
se distancia de uma elementaridade essencial da imagem, mais o analista tende a buscar insumos
no contexto cultural para realizar sua leitura.
É o caso de se diferenciar, nestes métodos, a importância da “visão” em relação à
“visualidade”, ou seja, diferenciar a importância dada ao que é inerente anatomicamente ao olho
humano (se é que há algo inerente) frente ao que é construído culturalmente no processo de
significação.
Não há obrigatoriedade de imaginar que esses métodos ou processos sejam incompatíveis
entre si. Até pelo contrário. A combinação das virtudes de cada um deles é a busca que o leitor de
imagens deve empreender, com a consciência de que é um processo de alfabetização/letramento
que deve considerar todos os estágios formativos da linguagem visual.
67
Os métodos de leitura da imagem, então, poderiam ser classificados em:
1. Gestálticos (ou Composicionais). São aqueles que se firmam na existência de uma
Teoria da Percepção, onde se estuda a percepção de forma (gestalt), cores, padrões, e outros
elementos visuais que seriam inerentes à natureza da visão humana. Nesses métodos, esses
elementos constituem uma espécie de alfabeto ou vocabulário com o qual se pode transmitir,
através de composições básicas diversas, sensações e emoções mais ou menos elaboradas para o
espectador da imagem. Uma obra exemplar dessa tendência é Dondis (1991), que estabelece
princípios de uma sintaxe visual.
Uma das vantagens desses modelos é permitir, por exemplo, a análise formal de imagens
não figurativas, como no caso de desenhos ou pinturas geométricas ou abstratas. Mas também é
possível encontrar em imagens figurativas como fotografias uma profusão de sinais visuais
legíveis pela gestalt que trazem. Também é possível descobrir sentidos lógicos num texto visual a
partir dessa avaliação que busca repetições, harmonias, contrastes e equilíbrios luminosos. É
quase como se o visual nos falasse diretamente ao cérebro, após conhecermos os princípios de
sua organização.
2. Hermenêuticos-Simbólicos (ou Psicanalíticos). Contam, em seu arsenal, com o poder
do mito, do arquétipo, da história do símbolo na tradição mística e religiosa, enfim, são métodos
de leitura que privilegiam o figurativo frente ao formal. A representatividade de cada divindade,
de cada elemento básico (terra, ar, água, fogo), em combinação com a psicodinâmica das cores, o
significado onírico de cada elemento do quadro ou fotografia, a disposição numérica, geométrica
e hierárquica dos personagens, tudo isso é levado em conta numa análise mitológica. A análise
hermenêutica do símbolo permite, dentre outras variantes, analisar imagens mentais (como as
provenientes de sonhos e de obras literárias).
Muito do desenvolvimento da crítica e da fruição de obras artística e arquitetônicas
históricas e contemporâneas depende do conhecimento intensivo de seu significado mitológico e
simbólico. Pensadores da área da psicanálise como Sigmund Freud e principalmente Carl Gustav
Jung fornecem subsídios teóricos sólidos para essa escola. O mito (mitema) é o construto básico
da Hermenêutica Simbólica e ele é estruturante do discurso. Independente do contexto sócio-
68
cultural. Uma imagem abstrata, por exemplo, sem contexto mitológico não estaria, a princípio,
sujeita à mitoanálise.
3. Culturais (ou Críticos-Discursivos). Essa abordagem analítica centra sua análise nas
condições culturais de produção e fruição da imagem e nas formas como ela é utilizada para
divulgar idéias e conceitos que explicitam uma determinada postura frente às relações de poder
da sociedade em que estão inseridas. Questões como gênero, etnia, classe social e contexto de
exibição são levados em conta para desvelar ou explicitar os vetores ideológicos presentes no
texto visual, que, no caso, se configura num discurso, isto é, num texto com intencionalidade
social e política.
Se uma mulher negra ou um homem rico aparecem na imagem, isso não é “neutro” ou
casual e deve ser levado em consideração sob o ponto de vista ideológico na descontrução da
imagem em busca de seu sentido. Leva-se em consideração a questão da reificação da imagem,
com a presença de um “texto oculto” ou discurso alienante.
É possível, por exemplo, analisar linhas de formas, texturas, cores, nas imagens
produzidas por uma sociedade, uma instituição ou um período, e a partir destas
marcas encontrar formas de interpelação (posicionamento & poder) e
valorizações de determinados conceitos que são fundamentalmente ideológicos.
A idéia do discurso como “transmissor” de ideologia é aplicada às formas de
Arte e de Comunicação Visual mais recentemente, em virtude da evolução das
relações de produção, que vem distanciando quem cria de quem produz.
Na história da feitura de artefatos (fabricação de objetos e obras de arte), a
produção deslocou-se da união designer/produtor para a gradual separação entre
esses dois agentes. Antigamente, um artesão era ao mesmo tempo o projetista e
o fabricante de um objeto ou uma obra. Já no contexto da produção industrial, o
profissional que aplica valores estéticos aos objetos que serão produzidos
(designer) não é o mesmo que os executa. Assim, indaga-se se é ele quem cria e
determina esses valores estéticos, ou se eles já lhe são passados, pelo ambiente
cultural, ideológico ou econômico.
69
Por exemplo: se os cartazistas russos do período revolucionário (1917-1922)
utilizavam praticamente só cores preta e vermelha, isto era uma condição
imposta pela economia de guerra, que não dispunha de variedade de tintas, ou
era reflexo de um discurso ideológico extremista que defendia altos contrastes e
opostos bem definidos, desprestigiando nuances e meios-termos?
Ou, por outro lado, o estilo Barroco da Contra-Reforma católica dá idéia de
riqueza e opulência, fazendo frente à austeridade sombria da estética
protestante, que pregava a não-representação (abolição do culto às imagens de
santos etc.) e a ascese.
Embora não seja fácil definir qual é a relação causa-e-conseqüência do
fenômeno, o certo é que os valores estéticos impregnados num trabalho e o
ambiente ideológico estão intrinsecamente ligados, produzindo discursos muito
mais do que verbais. Assim, é possível encontrar discursos estéticos nas
instituições (aparelhos ideológicos do Estado, segundo Althusser, ou aparelhos
de hegemonia, segundo Gramsci), dentro do que se considera "cultura", e pode-
se considerar a atividade de comunicação visual como produtora de estética.
WIKIPÉDIA. Conceito de Análise do Discurso. (2006)
A abordagem discursiva não compartilha a possibilidade de outras vertentes de se colocar
de forma “neutra” frente á visualidade.
Finalizando este pequeno esquema de classificação, ainda sugere-se que todas as formas
de análise da imagem podem constituir, de certa forma, uma “semiótica visual”, se analisamos a
dimensão sígnica dentro de cada uma delas. Ou talvez fosse melhor dizer que a semiótica está
presente em cada elemento sígnico de cada uma das abordagens críticas, restando a tarefa de
organizá-los de maneira comparativa e determinar como se comportam no nível da abstração, ou
seja, que signos se comportam como ícones, índices e símbolos, por exemplo.
A semiótica visual seria então o gabarito conceitual e lógico comum que tenta explicar o
que é a imagem como signo visual e se propõe a oferecer a sustentação cognitiva e a estrutura
científica geral de todos os métodos de análise. Os métodos de análise vão buscar as retóricas
presentes nos textos visuais.
70
Essas afirmações nos remetem às idéias de texto e contexto presentes em Bakhtin (1981).
De um ponto de vista da Semiótica Social, por exemplo, seria raso, avaliar dicotomicamente
texto e contexto. Preferencialmente, dever-se-ia teorizar e entender o contexto como um outro
conjunto de textos. O significado é sempre uma negociação. Nunca imposto de forma absoluta
por um autor onipotente através de um código inexorável. (HODGE,1988, p. 8 e 12)
Considera-se neste trabalho que uma abordagem voltada à exploração do campo da
imagem e da linguagem visual na educação que se restringir à análise dos fatores e implicações
cognitivas (cerebrais) do uso de recursos visuais limita o enfoque analítico aos aspectos técnicos
e biológicos, e remete à prática “conteudista”, ou “bancária”, nas palavras de Paulo Freire, ou
seja, aquela que se preocupa quase exclusivamente com a otimização do repasse do “conteúdo”
escolar, sem preocupações ou elaborações significativas sobre a natureza (social, filosófica ou
ideológica) da mensagem.
Para melhor expressar esse compromisso teórico, e considerando que imagem é
linguagem, podemos ler o parágrafo abaixo substituindo a expressão “palavra” por “imagem”:
Não há palavra verdadeira que não seja práxis... A palavra inautêntica, por outro
lado, com que não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia que se
estabelece entre seus elementos constituintes. Assim é que, esgotada a palavra
de sua dimensão de ação, sacrificada, automaticamente, a reflexão também, se
transforma em palavreria, verbalismo, bláblablá. Por tudo isto, alienada e
alienante. É uma palavra oca, da qual não se pode esperar a denúncia do mundo,
pois que não denúncia verdadeira sem compromisso de transformação, nem
este sem ação.
Se, pelo contrário, se enfatiza ou exclusiviza a ação, com o sacrifício da
reflexão, a palavra se converte em ativismo. Este que é ação pela ação, ao
minimizar a reflexão, nega também a práxis verdadeira e impossibilita o
diálogo...Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modifica-lo. (FREIRE,
2004, p. 77 -78)
Existir humanamente também é desenhar o mundo. Desenho, no sentido de projeto,
reflexão consciente.
71
Assume-se desde já um viés sociológico na medida em que se busca traçar esboços
teóricos sobre uma “pedagogia da imagem”
34
inserida numa perspectiva de educação
problematizadora
35
. Esta pedagogia ganha instrumentos de análise poderosos a partir do momento
em que a imagem passa a ser tratada com algum status lingüístico
36
(ou sociolingüístico) e não
meramente artístico ou ilustrativo. Não que se deva desprezar estes dois aspectos. Mas ao se
concentrar exclusivamente neles, perde-se de vista o caráter discursivo da imagem. E discurso,
visto como prática social, é o desvelado em suas relações de poder, ou seja, não-neutro. Assim,
neste trabalho, estendemos a noção de discurso a signos visuais, o que nos trará à discussão
clássica sobre iconicidade.
Ochoa (1986, p. 7) avisa no início de seu trabalho que
O tratamento teórico das mensagens visuais encontra em seu caminho, cedo ou
tarde, a noção de iconismo ou iconicidade, tendo em vista que estes tipos de
mensagens são considerados como processos icônicos de significação. A
bibliografia recente se orienta, em geral, criticamente frente esta noção; quer
dizer, coloca em crise a concepção de iconicidade segundo a qual os signos
icônicos são tais por terem a propriedade de semelhança ou analogia com
respeito aos objetos dos quais são signos.
Aponta ainda que Gombrich, por exemplo, fazendo eco a Platão e Aristóteles, utiliza a
conceito de “imitação”, quando diz que “a iconicidade é a base da imagem visual. Podemos ler a
imagem porque a reconhecemos como uma imitação da realidade” (GOMBRICH apud OCHOA,
1986, p. 7)
Pode-se, então fazer uma diferenciação básica entre a imagem tomada como ícone, ou
seja, imitação, um objeto semelhante a algo, e a imagem como linguagem ou discurso. Greimas
afirma que
reconhecer que a semiótica visual é uma imensa analogia do mundo natural é
perder-se nos labirintos dos pressupostos positivistas, confessar que sabemos o
que é a ‘realidade’, que conhecemos os ‘signos naturais’ cuja imitação produzirá
34
Os termos “pedagogia da imagem” ou “pedagogia pela imagem” têm sido usados para caracterizar reflexões sobre
a natureza e uso de imagens como práticas discursivas em Educação, conforme Leite (1995) e Barros (2003), em
oposição a uma compreensão meramente ilustrativa ou acessória da imagem.
35
Educação Problematizadora é uma concepção teórica e prática do processo educacional que como um dos
objetivos intrínsecos da educação a libertação do ser humano da opressão e da desigualdade social (FREIRE, 2004).
36
Não necessariamente estruturalista.
72
tal ou qual semiótica...Ao mesmo tempo é negar a semiótica visual enquanto tal.
(GREIMAS apud OCHOA, 1986, p. 7).
Ou seja, na abordagem analítica que adotamos,
a visão humana não é um simples reflexo neurológico de uma cadeia causal que
começa com um raio de luz sobre o olho e termina no córtex; ainda que esta
cadeia seja uma condição necessária para a visão, a visão mesma é uma prática
humana: Nós vemos, não nossos olhos, nem a porção visual do córtex, nem
sequer nosso sistema neurológico completo; nós vemos, como seres humanos,
como sujeitos que se desenvolveram e diferenciaram cultural e historicamente.
A visão humana é algo construído, é o produto do nosso próprio fazer, é um
artefato histórico e cultural, criado e transformado por nosso próprios modos de
representação. Tais modos de representação não são fixos, mas historicamente
variáveis, e são eles que transformam a base natural do sistema de visão em um
artefato cultural. (OCHOA, 1986, p.8)
Um dos principais elementos teóricos ou categoria a ser levada em conta aqui neste
trabalho é o aspecto ideológico da linguagem visual, especificamente aquela mais comumente
praticada na educação tecnológica, o que pressupõe a noção de não neutralidade da técnica e da
educação científica e tecnológica, questão a ser aprofundada no decorrer do.
Considerando abandonados os recortes unicamente cognitivistas - as concepções
mecanicistas de linguagem como mero instrumento de comunicação; ortodoxia confrontada no
início do século passado por Bakhtin (1981) - mesmo as teorias que se localizam no campo
crítico da análise da linguagem, e que apontam a necessidade da superação da alienação
37
no seu
uso dedicam pouco (ou nenhum) espaço de análise à imagem.
37
O conceito de alienação é amplo, como no sentido de perda de propriedade ou de loucura, sendo todas elas
relacionadas à idéia de se perder algo ou se perder de si mesmo, de tornar-se deslocado de sua própria existência no
mundo. Este conceito é utilizado por Karl Marx para explicar o mecanismo ideológico de apropriação da força de
trabalho no capitalismo, quando a mercadoria produzida pelo operário torna-se alheia a ele, conforme Codo (1985,
pgs 7 a 31). Utilizaremos o conceito aqui também para exprimir a incapacidade de um indivíduo ou grupo de estar
consciente da natureza e níveis das relações de poder que são estabelecidas entre eles.
73
Sendo alienação é um processo que renova e estrutura a desigualdade social, um dos
aspectos mais centrais do confronto com esse processo é a construção da consciência, vista aqui
como o oposto da alienação.
Marx afirma que a consciência humana é sempre social e histórica, isto é,
determinada pelas condições concretas de nossa existência. Não isso. As
aparências ou o aparecer social à consciência são aparências justamente
porque nos oferecem o mundo de cabeça para baixo: o que é causa parece ser
efeito, o que é efeito parece ser causa. Isso não se apenas no plano da
consciência individual, mas sobretudo no da consciência social, isto é, no
conjunto de idéias e explicações que uma sociedade oferece sobre si mesma.
Isso não significa, porém, que nossas idéias representem a realidade tal como
esta é em si mesma. Se assim fosse, seria incompreensível que os seres
humanos, conhecendo as causas da exploração, da dominação, da miséria e da
injustiça nada fizessem conrta elas. Nossas idéias, historicamente determinadas,
têm a peculiaridade de nascer a partir de nossa experiência social direta. A
marca da experiência social é oferecer-se como uma explicação da aparência das
coisas como se esta fosse a essência das próprias coisas. (CHAUÍ, 2000)
Desse ponto de vista, podemos inferir que a alienação está presente no cotidiano da sala
de aula e que contribuir para uma Educação Libertadora, problematizadora, nos moldes
freirianos, por exemplo, é contribuir para uma pedagogia crítica e humanista que contemple a
superação da alienação e a explicitação do caráter ideológico do saber.
Ou seja, compreender as causas e conseqüências da alienação (re)produzida pelo discurso
hegemônico é parte do processo de crítica desse mesmo discurso.
Aqui se faz necessário uma focalização. A exploração do visual como um todo é tarefa
infindável e assumida pelos pesquisadores em Artes, Design, Psicologia, Ciências Cognitivas,
entre outras.
Neste trabalho a preocupação está centrada nos mecanismos sociais e culturais de
apropriação do discurso visual por parte dos professores das áreas científicas e tecnológicas. E
quando se diz apropriação do discurso pressupõe-se a linguagem visual como uma ferramenta
para a construção de um discurso. E discurso aqui considerado como uma tecnologia, uma forma
74
de se apropriar do poder da mesma forma que Norman Fairclough se refere à tecnologização do
discurso. Essa tecnologia se faz e refaz no mundo, ou seja, num contexto cultural.
A análise de Foucault das tecnologias de poder pode ser estendida ao discurso.
Podemos referir produtivamente a ‘tecnologias discursivas’...e a ‘tecnologização
do discurso’ como características de ordens de discursos modernas. Exemplos de
tecnologias de discurso são entrevista, ensino, aconselhamento e publicidade.
Ao denominá-las tecnologias de discurso, quero sugerir que, na sociedade
moderna elas têm assumido e estão assumindo o caráter de técnicas
transcontextuais que são...conjuntos de instrumentos que podem ser usados para
perseguir uma variedade ampla de estratégias... . As tecnologias discursivas são
cada vez mais adotadas em locais institucionais específicos por agentes sociais
designados. ...Esses tecnólogos incluem membros de departamentos de ciências
sociais da universidade... . Os que são direcionados para o treinamento em
tecnologias discursivas tendem a ser professores, entrevistadores, publicitários e
outros ‘porteiros’ e detentores de poder, e as tecnologias discursivas são
geralmente planejadas para efeitos particulares sobre o público (clientes,
fregueses, consumidores) que não estão treinados nisso (FAIRCLOUGH, 2001,
p. 264).
Isso inclui o discurso que é proferido por este, o que não invalida seu caráter
anunciador/denunciador.
Neste trabalho considera-se a hipótese de que vivemos numa sociedade e numa cultura de
caráter classista. Num contexto dessa natureza, o processo de reificação
38
da linguagem como um
todo, incluindo a visual, é um dos fenômenossicos para a construção dos sistemas de crenças
e das relações de poder que, por sua vez, (re)constituem a própria linguagem.
Em conformidade com o que afirmam Michel Pêcheux, Mikhail Bakhtin,, César G.
Ochoa, Julia Kristeva, Norman Fairclough, Gunther Kress e outros semioticistas e lingüistas
contemporâneos, o conceito de linguagem está irremediavelmente vinculado ao conceito de
cultura e de ideologia através da noção de discurso
39
.
38
O processo alienante de atribuir a algo uma objetividade ilusória, de mascarar uma relação numa coisa, um
processo dinâmico num produto acabado. Ver Doria (1974, p. 94 -100).
39
É considerado por alguns um “sacrilégio” reunir numa mesma abordagem estes autores. Não os reúno. Apenas
afirmo que têm em comum a superação da idéia de discurso como fala, expressão. O que eleso compartilham é a
75
Como diz Pêcheux (1988, apud Orlandi, 2003) não discurso sem sujeito nem sujeito
sem ideologia.
Antonio Gramsci conceitua ideologia sob duas óticas: A lógica arbitrária, ou seja, usa e
impõe a ideologia como uma dissimulação da realidade para legitimar o status quo, e a lógica
orgânica, que transforma e explicita a ideologia como o conjunto articulado de sistemas de crença
elaborados com uma visão de classe para legitimar a hegemonia dessa classe. (COUTINHO,
1981, p. 229).
Sobre ideologia ainda, Chauí nos mostra claramente como a discussão deste conceito não
poderia, pelo menos numa perspectiva não-positivista de conhecimento científico, estar separada
da questão mesma do conhecimento. É interessante perceber como a autora se utiliza de termos
visuais para se fazer entender, quando adota uma perspectiva marxista clássica, ao declarar que
a ideologia não é um “reflexo” do real na cabeça dos homens, mas o modo
ilusório (isto é, abstrato e invertido) pelo qual representam o aparecer social
como se tal aparecer fosse a realidade social. Se a ideologia fosse um simples
“reflexo invertido” da realidade na consciência dos homens, a relação entre o
mundo e a consciência não seria dialética (isto é, contraditória ou de negação
interna), mas seria mecânica, ou de causa e efeito. Se a ideologia fosse o espelho
“ruim” da realidade, ela seria o efeito mecânico da ação dos objetos exteriores
sobre nossa consciência, como a ação da luz sobre nossa retina. Neste caso, não
poderíamos compreender a célebre afirmação de Marx (nas chamadas Onze
Teses Sobre Feuerbach) de que o engano dos materialistas tinha sido o de
considerar a relação da consciência com os objetos como uma experiência
sensível, e não como uma práxis social, isto é, como uma atividade social que
produz os objetos e o sentido dos objetos. A ideologia é uma das formas da
práxis social: aquela que, partindo da experiência imediata dos dados da vida
social, constrói abstratamente um sistema de idéias ou representações sobre a
realidade.” (CHAUÌ, 1988, p. 106)
noção do que seja o discurso.
76
Voltando a Gramsci, e insistindo na vinculação existente entre ideologia e epistemologia,
aparece uma questão perturbadora e diretamente vinculada à noção de pensamento científico,
quuando ele, Gramsci, toma a ideologia como realidade prática.
Esse idealismo se manifesta nas observações de Gramsci que envolvem questões
de teoria do conhecimento (de gnosiologia), assim como de ontologia da
natureza, sem atingir essencialmente, porém, suas posições ontológico-sociais.
Rejeitando com razão uma “leitura” determinista e fatalista do marxismo, que
nega o papel do sujeito (da práxis) na formação da objetividade social, Gramsci
que nisso se aproxima de uma corrente marxista que tem seus expoentes no
jovem Luckács e em Karl Korsch termina por negar na prática um tipo
específico de conhecimento, o conhecimento científico (grifo nosso)...
(COUTINHO, 1981, p. 79)
Isso ocorre porque Gramsci mesmo o aceitando a antropomorfização da ciência, ou
seja, a projeção subjetiva do sujeito que conhece sobre o objeto, considera que o sujeito é parte
- ontologicamente - da estrutura objetiva do ser social que a ciência tenta
reproduzir. O materialismo vulgar, mecanicista, que tantas vezes se apresenta
como o autêntico marxismo, deixa de lado o segundo aspecto da questão:
generalizando para o sujeito ontológico (o que atua) algo válido apenas para o
sujeito gnosiológico (o que conhece), ele termina por eliminar o papel ativo do
sujeito em geral na construção da vida social, afirmando que o homem se limita
a refletir e registrar uma realidade que se processa independentemente de sua
vontade. (COUTINHO, 1981, p. 79)
Contra isso Gramsci se rebela e afirma o acoplamento inexorável entre conhecimento e
práxis, assim submetendo todo conhecimento ao condicionamento histórico (historicismo). O
conhecimento é ideologia, e não há possibilidade representação objetiva ou “científica” do real:
77
se o homem faz parte do processo objetivo da realidade social, todo
conhecimento acerca desse real pensa tal corrente será necessariamente
ideológico, ou seja, refletirá não tanto algo que existe fora da consciência e da
vontade do sujeito que conhece, mas sim as aspirações e os projetos do sujeito
que atua. (COUTINHO, 1981, p. 79-80)
É um “nexo orgânico a vel ontológico entre ciência e ideologia, entre
conhecimento e práxis...” (ibid.) que para Coutinho não é necessariamente incompatível com a
“objetividade científica”. Mas para Gramsci, o próprio marxismo (que ele denomina de “filosofia
da práxis”) é uma superestrutura, uma ideologia.
Deve ficar claro que Gramsci nega o status de “realidade objetiva” a praticamente tudo,
pois atribui o caráter de ideologia às ciências naturais.
E isso é uma consequência da própria concepção Gramsciana da objetividade;
afirmar a existência de uma realidade objetiva independente do sujeito que
conhece é, para ele, uma manifestação de materialismo vulgar, de mecanicismo,
até de misticismo: O conceito de 'objetivo' do materialismo metafísico, ao que
parece, pretende significar uma objetividade que existe também fora do homem;
contudo, quando se afirma que uma realidade existiria ainda que o homem não
existisse, ou se faz uma metáfora ou se cai numa forma de misticismo
(COUTINHO, 1981, p. 81)
A única objetividade possível em Gramsci, então, é aquela permeada pelo seu caráter
humano, ou histórico, o que significa permeada de subjetividade. É o que ele denomina
“universal subjetivo”. Não há objeto ou fenômeno à parte do construído socialmente. Sem dúvida
é uma afirmação de fazer mexer com os brios do realista mais calmo.
É muita sorte que este escrito não precise se posicionar definitivamente sobre essa
questão, mas não foi neutra a decisão de levantá-la. O relativismo epistemológico de Gramsci,
transformando tudo em ideologia, nos remete de volta á questão de pesquisa, sobre o significado
da imagem, que por sorte é mais simples, queremos crer.
78
Ora, se o que se é ideológico, se cada átomo está perpassado, “contaminado”, por
assim dizer, de significados culturais, não haveria, desse ponto de vista, um ícone puro, uma
primeiridade neutra, ou qualquer elemento neutro. Nem o pensamento que agora lhe passa pela
cabeça, nem a tinta que define as formas dessa última letra que se apresenta no papel.
A própria forma impessoal no escrever que finjo respeitar é uma manifestação, então de
uma postura ideológica e, como conseqüência, de uma postura epistemológica.
Então, ao se visar uma abordagem crítica, considerar prioridade apenas o aumento da
eficácia pedagógica ou da melhoria no uso prático de ferramentas gráficas, ou recursos
multimídia é secundário. Quando se analisa a imagem sob a perspectiva crítica, analisa-se um
texto que traz em si um discurso.
Aqui ocorre a necessidade de avançar um pouco sobre o conceito de signo peirceano, que,
sendo este algo que está no lugar de outro algo para um alguém, não se detém na cultura, na vida
desse alguém.
Seria, como foi dito, um trabalho de pesquisa futuro, comparar essa “acusação” que se
faz a Peirce de ser cognitivista e empirista em sua semiótica com aquela que se faz a Jean Piaget
ao relacioná-lo a Lev Semenovich Vygotsky. Ao considerar a cultura e a ideologia como
elementos constituintes do sujeito que significa, Vygotsky parece ter aberto uma distância
incomensurável entre sua obra e a de Piaget, para alguns. Mas quem pense que é necessário
localizar essa “incomensurabilidade”. O fato de Piaget não ter se detido, por qualquer razão que
seja, na questão da cultura, não invalida suas teorias.
Pode-se assumir que há indícios na epistemologia genética de Piaget que nos apontam um
elo entre ele e Vygotsky e a recíproca é verdadeira, considerado o plano geral da ciência
elaborado pelos dois, conforme Davis (2005). Isso não quer dizer que eles bebem na mesma
fonte, mas sim que matam partes diferentes de uma mesma sede.
O mesmo pode ser dito de Charles Sander quanto à empreitada de relacionar sua
semiótica a uma semiótica de visão mais culturalista ou crítica, como a de veia Russa, por
exemplo e carências de estudos que nos permitiriam inferir algo definitivo de seu perfil
sociológico ou ideológico. Aqui temos uma tarefa mais simples.
79
Procura-se, simplesmente, oferecer uma panorâmica de análise do discurso visual na
educação em tecnociência
40
como instrumento que permita compreender melhor as causas e
conseqüências da alienação e da reificação da linguagem visual produzidas e reproduzidas pelo
discurso educacional hegemônico.
A importância da análise do discurso não-verbal em ciência e tecnologia é apontada, por
exemplo, em Lemke, que também adota uma perspectiva de certa forma relativista quanto à
ciência:
A Ciência Natural é um discurso sobre a materialidade do mundo. E porque ela
é um discurso e um sistema de atividades e práticas sociais e semióticas
interdependentes de muitos tipos unificadas por discursos, a ciência trabalha
para vincular os sistemas analíticos de significação de nossa cultura e os
processos materiais subjacentes pelos quais nós, como organismos, interagimos
e formamos parte do mundo físico, biológico, ecológico...Nos seus esforços para
descrever as interações materiais entre pessoas e coisas, a Ciência Natural tem se
afastado de sua dependência exclusiva da linguagem verbal. Ela tem tentado
encontrar caminhos para descrever o contínuo processo de mudança e co-
variância, ... o que reconhecemos através de nossas Gestalts perceptivas e
atividades motoras, para construir representações tanto dos aspectos topológicos
quanto dos tipológicos do nosso ser-no-mundo. (LEMKE, 1998, p. 2)
Se considera-se a linguagem como produto e produtora de cultura, reconhece-se também,
principalmente na construção de uma perspectiva educacional libertadora, a necessidade de uma
teoria da significação que procure superar os formalismos cognitivistas e ajude a explicitar o
caráter ideológico do discurso visual. Faz-se necessária, como já visto, uma teoria ou abordagem
crítica
41
.
Os estudos da Lingüística Crítica, da Análise Crítica do Discurso e, posteriormente da
Semiótica Social de autoria de Hodge & Kress (1988), são exemplos de abordagens que
40
O conceito de tecnociência aparece em (LATOUR, 2000), mas, conforme ele mesmo diz, pode ser utilizado,
momentaneamente para evitar a excessiva repetição da expressão “ciência e tecnologia” ou “científico e
tecnológico”. Reconheço a necessidade de abordar, posteriormente, o problema do hibridismo entre Ciência e
Tecnologia.
41
As abordagens de análise de discurso podem ser divididas, de forma geral, em “não críticas” e “críticas”, de acordo
com seu caráter explicitador da componente ideológica do discurso, conforme Fairclough (2001).
80
pretendem desvelar as correlações de poder entranhadas no uso social da linguagem (discurso).
Norman Fairclough também identifica sua metodologia de análise como uma teoria social da
linguagem. (FAIRCLOUGH, 2001)
Outra teoria crítica importante é a de Michel Pêcheux, desenvolvida com base na teoria
althusseriana de ideologia. Nunca é demais ressaltar que, via de regra, é o conceito de ideologia
que separa algumas dessas correntes.
4 ANÁLISE DE ENTREVISTAS E MATERIAL VISUAL
As significações de imagem do professor do Ensino Técnico
Das abordagens citadas, nenhuma pode contemplar todo o campo da análise da
linguagem, seja ela verbal ou visual.
Na fase de análise de material visual, pretende-se construir uma ferramenta de análise a
partir das considerações contidas em vários dos trabalhos citados, com a especificidade da
preocupação de considerar as dimensões de poder existentes no discurso visual, conforme
aparece nos trabalhos da Semiótica Social de Hodge (1988) e Kress (2001), que mais que se
concentrar no signo, procuram falar sobre o processo de fazer social que produz os signos (a
significação ou semiose) e que oferece muitos trabalhos com exemplos da importância da
explicitação das correlações de poder nos discursos imagéticos e multimodais.
A Semiótica Social faz a tentativa de descrever e entender como pessoas de determinados
meios ou agrupamentos sociais (famílias, instituições, nações...) produzem sentido. A produção
de signos na sociedade (semiótica social) é muito variada nos seus aspectos, pois se torna difícil,
se não impossível, ver a atividade semiótica separada dos hábitos, costumes e convenções
associados ao existir cotidiano do grupo analisado.
Ainda que se alinhe a estes estudos esta análise pode se posicionar como relativamente
autônoma e não chega a explorar todo o seu ferramental teórico, nem se restringe a ele.
81
Esta forma de analisar o discurso visual pode ser classificada como crítica-discursiva, de
acordo com a divisão que se esboçou acima. Mas os elementos gestálticos e psicanalíticos não
deixam de estar presentes na imagem e uma análise mais densa deve levá-los em conta.
Pensar as relações existentes entre cultura, ideologia e linguagem visual, e tornar
operacionais os conceitos derivados dessas relações é o processo de sistematização que anuncia e
utilizar esses conceitos de maneira flexível mas rigorosa é a tarefa científica a que os autores
vinculados à Semiótica Social se propõem.
Para estes autores, a definição do que seja o “real” é um problema a ser enfrentado pela
semiótica, e eles tomam para si essa tarefa ao encarar de frente o papel da semiose na formação
social do homem. E ao avaliar o humano como o resultado de uma práxis (prática reflexiva),
procuram evitar o congelamento do saber, desmentem aquele estilo de pensamento que o
mundo como algo que está ali, parado, esperando ser “descoberto”. E não há respostas definitivas
para a história do conhecimento, porque não estamos no final da história. Estamos, enquanto
humanos, ao mesmo tempo dentro dela e somos seus criadores.
A análise que segue é apenas uma demonstração de uma possibilidade entre muitas que
surgem ao se aplicar uma visão crítica a um conceito geral. Uma perspectiva transformadora,
libertadora, parece que pode começar ao se “libertar” o conceito das amarras do senso comum, do
cotidiano monótono das relações implícitas, não pensadas, mortas.
O conceito reificado, é um rei vestido de ilusões. É ao se apontar as “roupas novas do
rei”, vê-se muito mais do que é seguro para alguns. Muito mais do que é preciso para outros.
Muito menos do que está lá, de qualquer forma.
Para procurar determinar quais significações de imagem estão presentes no discurso
pedagógico do professor de ensino técnico, estabeleceu-se uma classificação triádica, baseada nas
categorias de Peirce, mas ampliando seu campo conceitual para possibilitar o enquadramento de
um grande número de ocorrências. Essa classificação sugere que a significação se em
diferentes níveis.
Neste processo, o primeiro nível de significações é o mais imediato, mais icônico, ou seja,
a imagem é vista como representação do real, como signo neutro, colado ao objeto. Também não
uma relação de apropriação da linguagem visual, vista como algo restrito aos especialistas da
área como artistasplásticos, designers e fotógrafos. Vamos chamar esse nível de Icônico.
82
No segundo vel de abstração, a imagem ganha características indiciais, aparecendo um
primeiro momento de descolamento do objeto, mas ainda mantendo uma leitura textual,
aprisionada á forma e à estrutura do texto imagético. A neutralidade ainda é pressuposta, mas
um nível de intencionalidade na mensagem, devido ao seu teor pedagógico ou comunicacional.
Vamos chamar esse nível de Textual, que se percebe a existência de uma mensagem, de um
texto visual, que indica a leitura que deve ser feita e guia os olhos para o conteúdo “adequado”. A
linguagem visual pode ser acessível através de treinamento.
O terceiro nível da classificação é o nível simbólico, onde o valor da imagem é
determinado pela interpretação, que deve ser crítica. É um nível onde se percebe que existe valor
ideológico na imagem, que existe um discurso pervasivo ao texto. A produção de textos visuais e
a fluncia em linguagem visual é vista como natural no ser humano, devendo ser utilizada tanto
quanto outra modalidade, podendo ser passível de educação e sofisticação. Chamaremos esse
nível de Discursivo.
Associadas a essas percepções da imagem, estabeleceu-se um quadro de características
para testar a validade da hipótese que atribui ao analfabetismo visual o baixo nível de abstração
na sua significação.
Com esta perspectiva, ao tentarmos compreender de que forma se processa a significação
visual, entendemos o processo semiótico por parte do professor como algo mais que a
reordenação de uma “gestalt” ou uma apreciação estética. Podemos inferir, sem classificações
estritas, algo de seu perfil epistemológico
42
, por exemplo, que a forma com que esse professor
significa o que pode ser relacionada com suas concepções ou significações filosófico-
epistemológicas. As classes de análise aparecem do cruzamento das leituras teóricas com o
revisão do material obtido a partir das entrevistas.
Esse quadro comparativo foi confrontado com o resultado das entrevistas e materiais
visuais, para então gerar um perfil conceitual de cada professor analisado. A partir desse perfil,
pode-se delimitar, para cada entrevistado, um quadro conceitual sobre sua significação da
imagem (tabela 1). Os estereótipos, ou perfis idealizados estabelecidos mapeados poderiam
oferecer subsídios para uma “mudança conceitual”, ou para uma mudança no nível de
consciência quanto à significação da imagem.
42
A noção de perfil epistemológico é usada aqui conforma aparece em Bachelard (1984) e pode ser resumida por
uma escala comparativa de concepções epistemológicas diversas. Mortimer (2006) chama as várias significações em
torno de um mesmo conceito científico de perfil conceitual.
83
Nível Icônico
Nível básico de abstração frente
ao conteúdo da imagem. Imagem
como retrato, representação
perfeita do real. Neutralidade
ideológica. Pouca ou nenhuma
autoria, fruição ou
contextualização. Nível básico de
alfabetização/letramento visual.
Nível Textual
Nível intermediário de abstração.
Imagem como representação
indicativa, conotativa, imperfeita
do real, com intencionalidade
comunicacional no texto visual.
Autoria baseada em cópia ou
imitação, alguma fruição e
contextualização. Nível
instrumental de
alfabetização/letramento visual.
Nível Discursivo
Alto nível de Abstração. Imagem
como construção cultural. Percepção
de relações de poder. Autoria
Criativa. Elevado poder de fruição e
contextualização.
Alfabetizado/letrado visual.
Tabela 1: Níveis de significação da imagem
Essa significação não se num nível apenas reflexivo, sentimental, subjetivo. Ela se
explicita no fazer, no viver, no usar. É a práxis imagética do professor, sua prática mais ou
menos reflexiva com a imagem que determina sua significação. O pensar/fazer imagético do
professor é, então, o objeto da análise.
A Equipe de Educação Artística do Movimento de Reorientação Curricular do Município
de São Paulo, na sua seção voltada à Educação Artística, propôs a aplicação de três eixos
fundamentais à educação em artes, quais sejam: O Fazer, O Apreciar e O Contextualizar.
Secretaria Municipal de Educação (1992).
Essa metodologia triangular é de autoria da primeira doutora em arte-educação do Brasil,
discípula de Paulo Freire, Anna Mae Barbosa.
Esses eixos, na verdade, coadunam-se com uma prática pedagógica reflexiva e poderiam
ser aplicados a qualquer área, pois abrangem os aspectos pragmáticos, estéticos e analítcos.
Procurou-se, então, criar uma matriz que incluísse estes elementos na avaliação da
significação da imagem pelo professor, analisando os três aspectos em três níveis, conforme
arbitrado anteriormente.
Não pôde passar despercebido o fato de que mais de um método de Educação
Comunitária Libertadora aludiu a uma trilogia desse tipo. Nas leituras alternativas da bíblia e da
realidade opressiva feita pelos círculos blicos das comunidades eclesiais de base da América
84
Latina (MESTERS, 2006), também está presente a trilogia ver-julgar-agir (tabela2). Ver a
realidade em que se está inserido, julgá-la ou apreciá-la fora do senso comum, agir sobre ela e
rever ou retomar os passos a partir da nova realidade criada a partir da ação.
Claro fica que este não é um método aleatório, mas praticado e suportado por uma visão
filosófica crítica, no sentido de comprometida com a transformação libertadora do homem e da
sociedade. Nessa concepção filosófica, podemos ver a presença do método dialético. E
voltaríamos então à trilogia de Hegel (tese-antítese-síntese), aplicada à educação sob um ponto de
vista que transcende o escolar, conforme o fazia Paulo Freire nos seus Círculos de Cultura.
Apreciar Contextualizar Fazer
Ver/Julgar Julgar/Rever Agir
Tese/Antítese Antítese/Síntese Síntese
Tabela 2: Aspectos triádicos na prática da Educação Popular e Comunitária Libertadora.
Essa trilogia, essa tríade dialética (tabela 3) forma as categorias da matriz eleita para
confrontar o fenômeno da significação do imagem do professor, nos níveis explicitados
anteriormente (tabela 1).
Ler/Apreciar imagens
Aspecto Sintático
Criticar/Contextualizar
imagens
Aspecto Semântico
Produzir/Utilizar imagens.
Aspecto Pragmático
Tabela 3: Categorias de significação da imagem do professor.
Como foi visto, essa significação é um processo dinâmico e tentou-se captar , filtrar,
através dos dados gentilmente cedidos pelos professores, uma fotografia que fugisse um pouco da
unidimensionalidade a que se arrisca o analista de um conceito complexo como a imagem.
Assim, a tabela ou matriz de análise final é a seguinte:
85
Categorias de Análise
Níveis de Significação
Leitura de Imagens Contextualização e
Crítica de Imagens
Produção e Uso de
imagens
Nível Icônico
Nível Textual
Nível Discursivo
Tabela 4: Matriz para analisar a significação da imagem.
Para exemplificar , expõe-se o pesquisador ao crivo da própria ferramenta, aplicando-se-
se os sensores ao autor, sem necessidade, por razões óbvias, de entrevista.
Exemplo de construção de perfil de significação de Imagem, em professor
do Ensino Técnico (o autor):
Significação de imagem sob o ponto de vista da categoria Leitura:
Nível Icônico Nível textual Nível Discursivo
Pequeno grau. Médio grau. Alto grau.
Significação de imagem sob o ponto de vista da Contextualização e Crítica:
Nível Icônico Nível textual Nível Discursivo
Pequeno grau. Médio grau. Alto grau.
Significação da imagem sob o ponto de vista da Produção:
Nível Icônico Nível textual Nível Discursivo
Alto grau Alto grau. Alto grau.
86
A chave hermenêutica do gráfico é a observação de cada categoria, avaliando-se em qual
delas há superação de um certo nível mínimo. Claro que os números só têm caráter ilustrativo ou
comparativo, não servindo em absoluto para quantificar. Se considerarmos, por exemplo,o nível
máximo de cada categoria (3), aferimos que em todas elas o sujeito amostrado atinge esse nível
em algum aspecto (iconicidade, textualidade, discursividade). Isso nos dá uma dimensão do
domínio da linguagem visual por parte do professor. E da forma como ele significa a imagem.
O que se pode ver claramente neste perfil é a predominância do nível discursivo em todas
as categorias de significação da imagem. Pode-se inferir que há um nível satisfatório de
apropriação da linguagem e do discurso visual no nível discursivo, que é o nível que está
maximizado todas as formas de significação desse perfil.
Mas é fundamental perceber que todos os níveis convivem na prática diária do docente,
não estando o tempo todo presente a visão crítica. Pode-se até dizer que há uma carência de visão
icônica por parte do sujeito analisado (abaixo da metade na leitura e contextualização). Esse
Gráfico 1: Perfil da Significação de imagem do autor.
Leitura de Imagens Contextualização
Crítica de Imagens
Produção de
Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Perfil da significação de imagem do autor
Nível Icônico
Nível Textual
Nível Discursivo
Categorias de significação
87
docente poderia ser “diagnosticado” como relativista, pois não consegue ver ou lidar muito bem
com o caráter exclusivamente representativo da imagem (sua iconicidade).
Na realidade, poder-se-ia perguntar em que medida seria possível ou desejável a
predominânicia didentificada do nível crítico. Como professor de ensino médio, muitas vezes, o
autor necessita esboçar uma imagem para ilustrar um conceito ou sugerir um produto, sem
penetrar na anatomia discursiva da mesma. Isso não quer dizer que a imagem não seja discurso
neste caso.
A consciência permanece, mas a significação dada é alienada, a imagem é reificada em
prol da comunicação pedagógica. Isso acontece em todas as linguagens. Em que medida um
professor (ou ser humano) poderia abrir mão dessa autonomia é outra questão. Parece que não é
isso que importa, na verdade, mas o fato de que a alfabetização e o letramento em qualquer
linguagem oferecem a oportunidade de escolha. A modalidade e o nível de significação que o
texto terá, será então escolha do autor ou, melhor ainda, um diálogo entre autor e espectador.
O perfil ideal, então, se é que ele existe poderia ser aquele em que todas as categorias são
contempladas com níveis máximos de significação.
Em geral, todos os seres humanos lêem, apreciam e produzem imagens, de uma forma ou
de outra. O que podemos comparar a partir do perfil é de que forma fazem isso.
A íntegra das entrevistas, juntamente com o material visual, está disponibilizada em mídia
ótica digital, anexada a este documento. As partes que foram identificadas como elementos
determinantes para estabelecer o perfil em cada caso estão transcritas e comentadas.
Os textos visuais talvez lidos/criticados/produzidos de forma inconsciente ou alienada
pelos professores, nem sempre foram levados em consideração para o estabelecimento do perfil
de significação, pela própria dificuldade de estabelecer em que nível o professor era realmente o
sujeito dessa ação, pois considerou-se que essa leitura/crítica/produção não é controlada,
apropriada pelo professor, mas fruto de uma prática reificada, de um fazer desconectado da
intencionalidade transformadora, tornando-se um fazer conservador, por não saber de si.
Essa é uma limitação para o estabelecimento de um perfil mais criterioso, mas que pode
ser contornada a partir do perfil inicial que identifica a prática consciente e a proposta de
codificação e decodificação do real que permeia as aulas do docente.
Nenhum resultado aqui apresentado visa fazer um juízo de valor quanto á capacidade
intelectual, profissional ou artística de nenhum dos professores avaliados. Todos os professores
88
entrevistados são profissionais reconhecidos em suas áreas e o perfil apresentado tem como
objetivo simplesmente refletir sobre as variadas maneiras em que sua prática, já consagrada, pode
se tornar ainda mais efetiva na direção de uma educação transformadora. O autor tem muito mais
o que aprender do que a sugerir aos entrevistados.
Para facilitar a consulta à gravações na íntegra, colocou-se ao lado de cada fragmento
escolhido o seu marcador de tempo em minutos e segundos, na forma (min:seg.). Os fragmentos
sem marcação são continuação do último marcado.
Primeira entrevista: professor de desenho técnico mecânico
Apresentação do professor:
O professor atua nos níveis cnico e superior (tecnólogo) de uma grande Escola Técnica
do Estado, onde ministra as disciplinas de desenho técnico bidimensional (prancheta), desenho
auxiliado por computador (CAD), e modelagem por computador (CAD tridimensional).
Também leciona as disciplinas de Processos Industriais e Fundição.
Tem experiência profissional de quinze (15) anos na empresa onde leciona, tendo iniciado
como torneiro mecânico formado pelo SENAI, onde foi instrutor. Também atuou como
desenhista na área de desenvolvimento de produtos.
É licenciado em Filosofia, com Especialização em Geografia e Mestrado em Educação.
Nesta entrevista, ressaltam-se várias passagens marcantes em termos da significação de
imagem que o professor expressa, que vamos analisar à luz da classificação que está proposta.
Perfil de leitura da imagem do professor
“Olha Emerson, a imagem...eu vejo a imagem como um produto. Como
uma forma. Como uma simbologia, né? É...que transmite pro teu
cérebro, digamos um, um perfil. Uma imagem, além da imagem ela tem
uma série de informações, de significados”. (06:30)
89
Nessa frase, o professor explicita sua concepção derivada de anos de prática de desenho
técnico, onde imagem é praticamente um produto, pois o desenho técnico mecânico tem como
objetivo representar peças e produtos para a fabricação. Mas ao mesmo tempo fala de “forma” e
simbologia”, “informações” e “significados”, demonstrando capacidade de leitura imagética no
nível textual. O desenho técnico exige esse tipo de habilidade, pois estabelece praticamente uma
linguagem própria, padronizada, que possibilita uma leitura da imagem como artefato a ser
realizado na linha de produção. Tem também uma significação gestáltica, formalista, ao dizer que
a imagem “transmite pro teu cérebro”.
“...Se eu olhar, por exemplo, uma paisagem, dependendo da minha
formação, do meu estado de espírito, eu vou ver situações, digamos
assim, que outras pessoas não estando naquela, naquele estado que eu
estou, não conseguem ver”. (06:30)
Aqui mais um reforço na abordagem textual, com uma significação subjetivista da
imagem, produzindo sensações diferentes em pessoas diferentes, numa dinâmica dialógica,
intencional por parte do artista e relativa, dependendo de quem aprecia.
“...Então, isso em termos de paisagens. É...quando me deparo com uma
imagem por exemplo, é... através de uma expressão artística, Cubismo,
por exemplo. O Cubismo ela transmite, digamos assim, uma essência
maior pras pessoas que tão vendo, porque, se você uma mulher
tridimensional o Cubismo trabalha bem essa questão da
tridimensionalidade você consegue visualizar algo, talvez não bem
definido, mas, digamos assim, é...melhor pra quem está vendo a imagem.
Se eu partir por exemplo pra um desenho artístico ou uma pintura em
tela, por exemplo, eu tenho uma imagem, vamos dizer, onde tem a
idéia de quem tentou passar e eu tenho na imagem um conjunto de
cores, é...de formas, definidas ou não, ela me transmite mensagem pro
meu cérebro e eu vou traduzir isso em algo que, a princípio se torne
90
agradável...Eu posso ter repulsa por uma imagem como eu posso sentir
ela agradável”.(06:30)
Ao comentar o cubismo e fazer referência à forma inusitada com que os seus artista lidam
com a tridimensionalidade, assina definitivamente seu atestado de leitor fluente de imagens. Mas
sempre com o reforço construtivo, formal. A imagem é lida na sua forma, na sua cor, nos seus
atributos, a partir dos impulsos que produz na mente do espectador.
Acredita-se que esse professor é um excelente leitor de imagem no nível textual, por não
ter, durante a entrevista, demonstrado nenhum elemento que indicasse sua percepção da
discursividade do texto visual. Observe-se que o nível icônico está presente com alto grau de
importância, frente à necessidade representacional que a profissão lhe impõe. Isso fica claro na
importância dada ao desenvovlvimento da representação bi e tridimensional:
“Na verdade, hoje você não, é..., está havendo uma mudança de cultura
na empresa. O desenho 2D, desenho plano, você tem que ter uma
visualização espacial muito grande pra entender a forma quando se está,
principalmente, na área de usinagem, né? O técnico se prepara para a
área de usinagem, desenvolver projetos nessa área...Com o advento dos
softwares de modelamento(sic) 3D, você não precisa se preocupar em
fazer o desenho 2D. Você vê a peça como ela é. Você a peça virtual.
Você manipula a peça. Gerar um desenho 2D depois é até parte do
modelo...E antigamente, alguns anos atrás, você partia de um desenho
2D pra você, o profissional na área de usinagem ele tinha de ter o
modelo...é...a idéia, ele tinha que fazer a idéia, a geração espacial do
produto no caso, né, que tava ali no plano e então fazer a usinagem
como se estivesse memorizando, através das simbologias, através das
expressões gráficas, uma forma tridimensional. Essa é uma
característica que alguns alunos têm facilidade e outros nem tanto, então
‘cê tem que trabalhar bem essa questão de uma peça de um produto para
ele poder manipular, quando se trata de desenho 2D, onde ele não
tem...” (04:30)
91
Elementos do discurso do professor indicam uma certa tendência para o relacionamento
da educação técnica com os interesses da iniciativa privada, mas com uma crítica incipiente ao
fato de simplesmente submeter os interesses educacionais ao interesses do mercado:
“...O ensino tecnológico visa preparar, não a mão de obra específica
para o mercado, mas sim um profissional com uma visão sistêmica de o
que ele vai poder desenvolver na empresa na área de tecnologia”.
No entanto essa crítica não se relaciona com a sua significação de imagem no plano
pedagógico.
O professor percebe claramente que tem um papel diretivo nas aulas, e que procura
construir com o aluno uma capacidade de raciocínio abstrato, utilizando a imagem, que aqui
aparece como um conceito menos concreto, mais mental:
É até meio interessante dizer que você tenta passar pro aluno através
da fala uma imagem, mas eu procuro fazer isso...”(11:05)
É um professor que aprecia artes estabelecendo uma relação de fruição com as artes
plásticas, a Arquitetura e o Design de Interiores.
“Eu tenho ido muito a museus, gosto muito de museus, tive várias
vezes em museus em Joinville, São Francisco, exposições de arte também
eu gosto muito, tenho revistas nessa área também, eu gosto muito de
decoração, então nessa parte de decoraçãojá tive várias vezes na
(exposição) CasaCor, onde tem formas geométricas, cores, tinha
assinatura de revistas dessa área, “Casa Cláudia”, “Arquitetura e
Construção”...esses tempos atrás tinha um vaso bonito lá...(19:50)
Perfil de contextualização da imagem do professor
92
“Dependendo da disciplina e da aula que eu vou trabalhar eu procuro
mostrar através de uma apostila que a gente utiliza digamos, no meu
trabalho, através de exercícios onde também entra imagem
tridimensional, onde entra uma peça tridimensional, através de livros,
através de vídeos, através de desenhos em cartaz, e também utilizando a
expressão verbal para que o aluno contextualize a idéia que eu tô
tentando passar...”(10:18)
O professor utiliza extensa quantidade de material visual, mas não indica, em sua fala,
nenhum elemento que evidencie sua dimensão ideológica. Neste caso, o nível de
contextualização crítica é pequeno.
“ Lógico que, como eu te falei no início, dependendo da tua formação,
até digamos, da tua religião, dependendo das religiões, mas não é o caso
de discutirmos aqui, mas a religião ela tem uma influncia muito grande,
porque, principalmente eu, da religião católica, né? eu... a imagem, em
si, ela pra mim ela, ela é cheia de emoções e, por incrível que pareça, eu
nasci num bairro onde era cercado de matos, onde tinha a casa do meu
pai, aquela imagem assim da casinha com aquela fumacinha saindo,
fogãozinho de lenha, né? O pó do café jogado da janela pra baixo onde
ficava aquela borra de café, isso tá muito presente em mim, embora hoje
eu posso dizer pra você que eu tô, é, vivenciando a virtualidade, mas
quando eu vejo uma imagem de uma casinha lá no interior (tô colocando
aqui, minha, meu espírito, né?) eu consigo entrar dentro daquele objeto,
eu consigo me ver lá dentro, independente se é uma casinha no interior
ou se é uma imagem onde eu tenho lá um barco e o mar atrás...” (22:15)
Nessa fala ele demonstra sua sensibilidade e capacidade de contextualizar em termos de
mensagem emotiva proveniente da imagem. Percebe a intencionalidade e o poder comunicativo e
entende o processo abstrato de se “deslocar” para o interior da imagem, mas não denuncia
consciência crítica em termos de ideologia da imagem, mais uma vez.
93
Perfil de produção de imagem do professor
“Utilizo as imagens porque elas expressam digamos, em termos de
condução da minha aula, digamos, oitenta por cento, que eu trabalho
na área de desenho” (09:50)
“...pra mim, no meu caso, produzir a minha imagem, eu produzo ela
através do esboço, eu desenho, eu modelo a peça, eu desenho a peça
tridimensional mostrando numa folha de papel o esboço
abaixo:”(15:30)
Figura 3: Esboço fornecido pelo professor de desenho técnico mecânico.
O professor, além de desenhista técnico, é artista plástico amador, tendo algum
conhecimento das escolas artísticas.
“...Eu tô fazendo pintura em tela, e tô gostando porque é uma coisa que
me faz bem, além de de uma coisa que flui de dentro de teu eu,não é um
94
passatempo é até uma forma de você poder externar as tuas emoções e
tal e tal, né...”(18:00)
“Sem sombra de dúvidas o traçado do esboço, pra você fazer a forma,
depois colocar a tinta, dar a cor, a formação técnica ela é a base, ela
ajuda bastante nessa questão de transpor uma imagem, num ponto de
fuga da tela...” (21:17)
Mesmo com essa vivência artística, a influência da leitura em perspectiva, do realismo e
do método formal se faz presente na prática artística do docente. O professor também forneceu
exemplos de exercícios de desenho cnico, que exploram a habilidade de raciocínio espacial na
construção recíproca entre vistas ortogonais e perspectivas (anexo II). Os exercícios são
convencionais, visando o desenvolvimento da capacidade representativa de peças mecânicas.
Com todas as informações compiladas, pôde-se estabelecer o seguinte perfil geral de
significação da imagem para o professor de desenho técnico mecânico:
Gráfico 2: Perfil de significação de imagem do professor de desenho técnico mecânico
Leitura de Imagens Contextualização Crítica
de Imagens
Produção de Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Nível Icônico
Nível Textual
Nível Discursivo
Categorias de significação
95
Segunda entrevista: professor de eletrotécnica
Apresentação do professor
Este professor trabalha desde 1972, contando mais de 33 anos de serviço quando da
entrevista. É professor da área de Eletrotécnica (atual Gerência Educacional de Eletrotécnica),
tendo exercido vários cargos administrativos na antiga Escola Técnica Federal e no CEFETSC,
como chefe de laboratório, coordenador de curso, coordenador pedagógico, coordenador de
ensino e diretor de ensino da unidade, nas décadas de 1980 e 1990 e de 1999 a 2003 como
gerente educacional e diretor da unidade de Florianópolis. É um professor que esteve sempre em
contato com a sala de aula, mesmo exercendo atividades administrativas.
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem do professor de
eletrotécnica
A imagem é, como meio didático, seria isso? Como meio
didático, né...pode ser caracterizado dessa forma, como meio didático
para sala de aula, seria uma forma do nosso aluno, né, ou de um
indivíduo, ao adquirir um conhecimento teórico, concretizar aquele
conhecimento teórico através da visualização, através da imagem.
Imagino, no meu conceito, que isso seria um conceito do que que seria
imagem; uma forma de concretizar uma questão teórica, visualizando,
não é, através de uma imagem, ele poderia consolidar aquele
fundamento, aquela definição, aquela teoria, aquele princípio de
funcionamento ou algo parecido.”(02:00)
O professor de eletrotécnica define imagem como acessório educacional, como auxiliar no
processo de formação do conceito teórico. Aqui se manifesta, assim como no caso da entrevista
anterior uma possibilidade de relacionar a significação de imagem com a significação de
aprendizado, ou com a postura epistemológica.
96
O que se pode inferir da resposta do entrevistado em termos de alfabetização visual é que
a sua concepção de leitura imagética é icônica, representativa por semelhança de um objeto ou
conceito. Sua definição também se assemelha, às vezes, à concepção de diagrama ou esquema, ao
afirmar que a imagem pode servir para facilitar a apreensão ou confirmar uma hipótese teórica.
Quando perguntado se utilizava imagens em sala de aula, respondeu:
Não tanto. Até pela própria característica da unidade curricular, ou
das unidades curriculares do qual eu leciono, que são, entre outras,
Eletricidade, Máquinas Elétricas, Medidas Elétricas, (sendo) Máquinas
“Elétricas dentro de uma classificação de Máquinas Elétricas I e II,
Máquinas Elétricas I, que é a parte de transformadores e máquinas
rotativas e Máquinas Elétricas II, que é a parte de geração de energia e
máquinas especiais e como as atividades são muito de laboratório,
aahn...essa questão de imagem essa se torna muito mais prática, muito
mais eficiente se ela for feita de uma forma visual, ou seja, você tem um
conjunto didático, você tem uma máquina, então você trabalha toda
aquela teoria em cima da máquina, mostrando pra eles as componentes
da máquina, o funcionamento da máquina, as partes principais da
máquina, sempre trabalhando em cima do elemento didático, da parte
didática que é transformar a máquina em várias partes e mostrar
individualmente como funciona, o que é que elas fazem. Em função disto,
a questão da imagem ela não está assim, sendo muito aplicada.” (03:07)
Uma visita posterior ao laboratório do professor ilustrou essa realidade, mas, outra vez, a
concepção de imagem como acessório se tornou clara. O professor aponta um cartaz de seu
laboratório, mas frisa, durante a conversa, que é mais produtivo pedagogicamente fazer a
experiência ao vivo (figura 6). O uso de imagens seria apenas um substitutivo ao presencial,
sempre privilegiado do ponto de vista do aprendizado técnico, no entender do docente. Sua forma
de ler a imagem é então, duplamente qualificada. Para ele, o objeto é diferente da imagem. O
objeto tem prevalência existencial e experimental. O objeto não é imagem.
97
O que chama atenção, no entanto, é que a organização espacial, a distribuição dos
aparatos e kits do laboratório, remetem, por si, a uma fala, um discurso proferido em alto e bom
som pelo professor. Mas não são vistos por ele como imagem ou texto visual, ao que tudo indica.
Como coordenador do laboratório, ele desenha o espaço do mesmo, mas não se detém em
analisar esse espaço pedagógico como imagem, icônica, textual ou discursiva.
Figura 4 e 5 : Tomadas gerais do laboratório do professor de eletrotécnica.
Figura 6: Cartazes na parede como recurso didático.
98
Pergunta: Então o que tu usas são kits, modelos...
“Kits. Kits didáticos, modelos didáticos, máquinas em corte e o próprio
funcionamento real da máquina, não é? Porque, no laboratório, no
nosso caso, o aluno precisa fazer a máquina funcionar, ele precisa
ensaiar, ele precisa colher dados, ele precisa ensaiar uma máquina,
colher dados para reproduzir outros dados a partir da coleta que ele faz,
então, na realidade ele tem que colocar a maquina em funcionamento. E
isso faz com que ele aprenda, ele tem que botar a mão na massa ele tem
que visualizar, ele tem que fazer funcionar.”(04:47)
Figura 7: O docente em uma demonstração de utilização de kit didático.
99
Pergunta: Então tua disciplina é eminentemente prática...(05:29)
“É, digamos cinqüenta por cento teórica e cinqüenta por cento prática.”
Pergunta: Na parte teórica, quando tu dás a parte teórica...(05:35)
“É, na parte teórica também, não utilizo muito a questão da imagem, né?
A imagem é...virtual, né? É essa a definição? Imagem Virtual...né...e até
porque também a visualização da máquina ela pode ajudar, agora em
termos de imagem mesmo, nos utilizamos pouco na nossa unidade
curricular.”
O que ele tenta fazer aqui, instintivamente é diferenciar a imagem iconográfica da
imagem “real”, chamando a primeira de “imagem virtual”. É um exemplo de como a noção de
imagem é difusa e fugaz na prática docente, flutuando entre várias formas de visualidade. Isso
não desmerece em nada o professor, pois, como já vimos, o conceito de imagem é foco de
discussão entre os teóricos. No final, ele atribui à imagem iconográfica a expressão “imagem
mesmo”.
Pergunta: Então eu poderia dizer – me corrija se eu estiver errado – quando tu dizes imagem no
sentido de algo que é, que ...que representa o objeto mesmo, você não usa, você não usa
representações do objeto...você usa o objeto em si...usa o equipamento...(06:07)
“Não...só o objeto mesmo..só o equipamento, mostramos o equipamento,
trabalhamos em cima do equipamento”
O aparente “silêncio” visual do professor é pleno de significado pedagógico e didático.
Sua preocupação em colocar o estudante de encontro coma “realidade” do equipamento é
característica de um tipo de pragmatismo conceitual bastante difundido entre os docentes do
ensino técnico e tecnológico. O distanciamento do mundo da “imagem virtual” é fruto da
100
proximidade com o mundo da “imagem mesmo”. Poder-se-ia dizer que quase se percebe uma
valorização maior deste.
Pergunta: Que dados que ele (o aluno) colhe?(06:46)
“Ah...digamos de uma experiência com um motor então ele vai ter que
alimentar o motor a rede, ele vai ter que aplicar uma tensão, ele vai ter
que aplicar uma freqüência, ele vai ter que medir uma corrente, ele vai
ter que medir uma rotação e medir a potência que o motor tá absorvendo
da rede e a partir desses valores, então, ele vai calcular inúmeras
grandezas elétricas, não é? E a partir dali traçar curvas características
desse equipamento, porque as curvas características elas mostram o
comportamento da máquina em vários valores de carga. Funcionando
em vários valores de carga. Então nós temos que analisar o
comportamento da máquina em várias situações diferentes, então ele
traça curvas e pra fazer curvas ele tem que ter dados reais da máquina.
Esse é o “quente” hoje da nossa unidade curricular
Num exemplo paradigmático de didática voltada ao ensino técnico, o professor demonstra
a importância de gráficos e diagramas em suas disciplinas, mais uma vez dando ênfase ao
pensamento lógico experimental, derivado do ensaio da máquina e expresso pelos diagramas e
gráficos que os alunos desenham.
Pergunta: E, no caso, teus alunos, por exemplo, desenham, na tua disciplina, eles têm algum
tipo de desenho que você pede?(07:45)
“Não. são esquemas elétricos. Circuitos elétricos. Então é feito
através...toda representação é feita através de circuitos, através de
tabelas, através de gráficos, não é? Essa é a forma com que nós
trabalhamos a nossa unidade curricular.”
101
“Então...sim, eles constroem, eles constroem...e com a construção que
eles fazem nós analisamos em conjunto e vem a questão de
interpretação de resultado o comentário daquele resultado que ele
determinou, que ele descobriu...faz uma análise daqueles dados em
conjunto. Porque que a tensão aumentou, porque que a corrente
diminuiu, porque que a potência alterou, porque que o fator de potência
quanto mais alto melhor, ir se aproximando de um, então isso a gente
discute com o aluno, fazendo entender o que que é o melhor pra aquela
máquina. É assim que nós trabalhamos.”(08:20)
A pergunta teve o objetivo de distinguir, no campo conceitual do professor, se os gráficos,
diagramas, esquemas e tabelas são considerados por ele como desenhos. A resposta indica que
não. Provavelmente o desenho acompanhe a noção de “imagem virtual”, e os signos da família do
diagrama formem uma outra noção. Interessante que Peirce faz essa distinção, comoutra
nomenclatura, conforme exposto.
Pergunta: E essas, essas, é...curvas que você obtém, esses dados, esses gráficos que você obtém,
os alunos têm dificuldade de lidar com eles?( 09:07)
“Existem duas formas de você fazer digamos um gráfico. Tomemos como
exemplo um gráfico, ele poderia fazer um gráfico através de um
computador, que existem os programinhas prontos onde você coloca
os dados, injeta os dados e o computador te o gráfico prontinho. Isso
é uma forma...é..a outra forma é eles construírem esse gráfico no papel,
o próprio aluno construir no papel, né, usando o papel adequado, que é
papel milimetrado (ininteligível) construir. Bom, qual a vantagem que
existe entre o gráfico feito através do computador e o gráfico feito
manualmente? Qual a diferença que nós estabelecemos isso e até razão
pela qual a gente utiliza mais o gráfico construído em papel? Porque no
gráfico com o computador ele se torna fácil pro aluno; ele coloca o
gráfico, o computador faz pra ele, traça o gráfico...tu os dados e o
102
computador faz. Essa é uma forma, e que o computador não sabe que um
gráfico tem que ter o maior número de pontos que coincidem, né?...E
não mostra pra ele que pode ter ocorrido um problema durante o ensaio
e que pode ocorrer aquele problema durante o funcionamento da
máquina..passa a ser um gráfico construído em função do que o aluno
jogou dentro. Quando ele vai construir manualmente, ele percebe que
algum ponto está fora do alinhamento e ele vai querer descobrir porque
que aquele ponto fora, então ele vai ter que buscar qual é a razão
daquele ponto ter saído, então qual é a grandeza que variou muito para
que aquele ponto desse fora. Esse é um aspecto, ele vai ter que buscar o
porquê que aquilo aconteceu. Outra, a questão de é uma questão de
matemática é...qual a relação de escala, qual é a melhor relação que
ele tem que utilizar, porque que ele usa uma escala dentro de um formato
de um quadrado, enfim, existem outros...agregam-se a essaconstrução
manual outros fatores, e vem a questão da interdisciplinaridade, né,
que o aluno tem que buscar na matemática, na estatística, como é que
ele monta tabela, como é que le monta o gráfico esse (sic) é outra
questão que agente faz com que o aluno buscar essas informações
para que ele construa um gráfico mais real possível e que interprete
aquele gráfico que ele fez...”
O gráfico manualmente construído tem um valor maior se comparado ao criado
digitalmente, em termos de aproveitamento didático, na concepção do professor. E mais uma vez
se percebe como o lidar com o mundo gráfico ou visual pode oferecer pistas importantes sobre
um conjunto de concepções relacionadas á prática educativa e á postura epistemológica. Qualquer
aprofundamento dessas relações exigiria um enfoque das perguntas nessa direção. É indutivo
pensar que o professor valoriza sobremaneira o raciocínio lógico abstrato. A tradição pedagógica
no ensino técnico tem confirmado a prevalência desse tipo de raciocínio, no qual análise
matemática conta com o suporte de gráficos e diagramas. As imagens gráficas são utilizadas
em geral como ilustração de situações modelo, nessa modalidade de ensino. A leitura do signo
visual é, portanto na maioria das vezes, restrita às suas características diagramáticas.
103
Pergunta: E... com relação à imagem no caráter mais geral, assim, agora saindo, não
necessariamente na sala de aula, você, é... você como professor, como cidadão, como pessoa,
você costuma, tem algum tipo de...de...atividade artística, por exemplo,
pintura...fotografia...(18:35)
“Não, não tenho. Mas eu vejo que até pelo pouco conhecimento nessa
área, principalmente de construção de imagens que a gente tem, mas por
aquilo que se vê, por aquilo que se assiste, que se e até muitas vezes
“brincando de pesquisar na internet”, a gente percebe o quanto a
imagem é importante e às vezes até o nosso aluno, aquele que é um
pouco mais curioso, que vai á busca da internet, de alguma informação
de algum dado, que a imagem ela é realmente muito importante, pra
quem nunca, não conhece um determinado conteúdo, ele além da parte
teórica, ele visualizando aquele objeto, visualizando aquela informação
ele tem condições de assimilar, com o dia-a-dia, né...e até assimilar
depois no momento em sala de aula, quando o professor está falando,
sempre em determinado momento ele vai lembrar “Ah! Eu vi isso e tal,
eu pesquisei...vi que isto era feito assim, que tinha essa configuração,
que tinha essa perspectiva, que tinha essa imagem...”, eu vejo que a
imagem utiliza bastante e até por uma questão mais de pouco uso da
ferramenta, hoje a gente não constrói muito essa questão essa...o fator
didático através da imagem, mas eu acho que ele ajudaria bastante.
Acho não, eu tenho certeza que ele ajudaria bastante numa sala de
aula..que você transmitir uma informação através da imagem, a
visualização dessa imagem concretiza muito mais do que apenas a
questão teórica. Isso eu tenho certeza absoluta de que para o aluno teria
um ganho maior”.
Ao se posicionar como um leigo na construção de imagens, o professor, ao mesmo tempo
admite a validade da imagem como texto comunicativo. Fica bem claro aqui a presença
104
simultânea dos níveis icônico e textual na leitura imagética e o valor didático atribuído a este
texto, sempre associado a um conceito teórico-prático ao qual viria a auxiliar.
Pergunta: Em termos de lazer, quer dizer, imagem pra ti como lazer, você...cinema, televisão,
teatro...?(21:07)
“Ah! Muito pouco. Muito pouco. É, eu tenho por característica, no
momento de lazer,ou fora da atividade profissional, voltado mais para a
atividade domiciliar, eu utilizo muito pouco isso, eu não tenho muita
paciência pra ficar uma tarde ou uma noite na frente do computador ou
na...também na frente da televisão. Eu prefiro mais a atividade caseira,
profissional,que envolva o movimento físico, né?...eu não tenho
paciência pra ficar assistindo um filme sábado á tarde (riso) de jeito
nenhum...isso eu não consigo fazer. E à noite, muito pouco também. Não
tenho esse hábito de muita visualização, agora aqui, profissionalmente,
quase que a gente é arrastado por essa necessidade profissional, né...que
a gente precisa visualizar, precisa ver, então a gente...profissionalmente
ainda usa, mas muito pouco ainda pelo tempo que ela (a tecnologia da
imagem?) existe e pelo tempo que agente se dedica, né?;
Pergunta: Se você tivesse que escolher então uma forma de representar,acho que seria mais
escrita...pintura?
“Prática. Prática. A visualização do objeto. A manipulação do
equipamento ele faz com que o aluno tenha a representação mais real do
objeto.”
Considerando-se um prático por natureza, o professor expressa definitivamente sua
aversão à abstração como atividade lúdica, o que nos mais indicadores sobre seu perfil de
leitor de imagens. Os esforços do professor se concentram na manipulação de equipamentos e
kits e mesmo em sua lida cotidiana, não tem interesse ou aptidão para a produção ou a fruição de
imagens. A contextualização crítica do texto visual se torna praticamente inexistente de todos os
105
pontos de vista. Ele imagens gráficas como ícones e em menor grau como textos visuais; não
contextualiza criticamente e não as produz. Mesmo que o fizesse, sua contextualização e
produção seriam enviesadas pela leitura unicamente icônica.
Mas o que dizer do textos visuais que ele estabelece no espaço, mesmo sem se dar conta?
Figura 8: Fileira de lâmpadas em série. Um texto visual sobre tecnologia.
Figura 9: Ponteiras coloridas Figura 10: Kits didáticos enfileirados.
106
Como perfil de significação da imagem do professor analisado acima, temos, dessa forma,
um quadro que retrata que ele é capaz de ler a imagem como ícone, e que sua leitura textual se
restringe a imagens que representem relações lógicas (diagramas e esquemas). O discurso visual
não é considerado por este docente na leitura. Na contextualização, ele encontra dificuldade em
julgar ou criticar o texto visual, mesmo do ponto de vista iconográfico. E a produção de imagens
fica restrita a praticamente nenhuma. Isso para o perfil de significação da imagem no espaço
didático pedagógico, fundamentalmente.
:
Gráfico 3: Perfil de significação de imagem do professor de eletrotécnica
107
Terceira Entrevista: professor de construção civil
Apresentação do professor
Arquiteto, doutor em engenharia, 14 anos de magistério no CEFETSC, mais experiência
em outras instituições, sendo professor do curso técnico de edificações e do curso superior de
tecnologia em gerenciamento de edificações, tendo ministrado as disciplinas de materiais de
construção, tecnologia da construção e geotecnia.
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem do professor de
construção civil
Pergunta: O que que é Imagem pra ti?(01:00)
“Bom, imagem é maneira de você descrever um objeto, de forma, eu
diria...ela é descrita por...
Perdão...você descreve o objeto...não precisa descrever o objeto, você
projeta a imagem e interpreta simplesmente com a visão, ou com o som
também, porque, no caso da multimídia o som ajuda a interpretação da
imagem, por exemplo, se você está passando uma imagem de um quarto
escuro com uma pessoa dormindo, você não pode ter uma banda de rock
tocando, porque não vai combinar, então você vai ter que ter um som,
um pouquinho algo de vento, ou pingo d'água, o som faz parte da
imagem, ajuda a imagem.”
O desconforto inicial, sentido aliás por todos os entrevistados ao serem indagados sobre
sua concepção de imagem, faz-se patente nessa entrevista. Mas ao articular uma resposta, o
108
entrevistado expressa um conceito multimodal de imagem, incluindo nessa categoria o som.
Imagem para ele pode ser o produto final de uma conjunção visual/sonora.
“...por exemplo, você apresenta uma betoneira funcionando, sem som, é
uma coisa, a betoneira funcionando com o som da betoneira, é outra
coisa. A compreensão de aluno muda.”
Pergunta: E na tua sala de aula, tu utiliza imagem? (2:40)
“Muito pouco. Muito pouco. Eu utilizo a imagem...porque tem aquele
professor que utiliza, como eu digo, projeta texto na tela e fica mudando
texto com o mouse e lendo o texto. Isso eu não faço.
Então, a minha aula ela é expositiva e também dialogada, eu faço muito
uso da palavra, e só utilizo imagem naquilo que realmente é necessário –
um gráfico, uma fotografia, ou uma imagem animada, uma imagem com
som – aí então eu utilizo a imagem. Senão não. Para texto não utilizo
imagem.”
A compreensão de imagem como algo que se projeta é semelhante à idéia de “imagem
virtual” do professor de eletrotécnica. A imagem também tem um caráter técnico aqui, associada
a aparatos de reprodução como o computador, a máquina fotográfica ou o projetor. O texto
projetado em tela visto como uma imagem dá uma pista do que o docente quer dizer.
“...mas quando você tem, por exemplo a execução de um serviço de
tecnologia da construção, você tem que mostrar como é que é executado
o serviço, então você tem que ter – a imagem não pode ser parada, tem
que ser uma imagem em movimento e, de preferência com o som, porque
senão você tira muito da compreensão do que tá acontecendo.”'(03:59)
O recurso à multimídia é compreendido como auxiliar no processo didático. A imagem
parece necessitar sempre de auxílio para se explicar.
109
Pergunta: Então você utiliza filme, por exemplo?
“É, não..vídeo, né...hoje em dia o vídeo tá muito fácil né? Estes dias uns
alunos meus mostraram um videozinho, num trabalho, um vídeo
baixado...”
(04:44) “...então a imagem, ela é muito importante. Então se eu vou
mostrar a execução de uma concretagem, uma coisa é mostrar a imagem
estática, operários, parados, numa fotografia, em cima da lage, é uma
coisa. Agora no momento que eu coloco movimento e som, o aluno
começa a compreender melhor.”
Apesar de argumentar no início que usa muito pouco a imagem, á medida em que vão se
descortinando suas significações do tema o professor já abre algumas excessões, que vão se
confirmar no decorrer da entrevista. Também faz uma divisão muito clara entre imagem estática e
dinâmica, e quando dinâmica, com som. Que tipo de leitura de imagem faz esse professor? Até
agora já se percebe que o teor meramente icônico não parece satisfaz-lo em sua ânsia de
significar a imagem como algo que fale mais do que a simples aparência. Não estariam o som, o
movimento, fazendo papel de um preenchimento semiótico que ele busca e não encontra na
imagem estática?
Quando argüido sobre o uso de ferramentas computacionais, afirma:
(5:58) ...”meu problema é gráfico..um gráfico semi-log, log-log, aí são
coisas complicadas, tabelas – imagina fazer uma tabela no quadro
negro, não tem sentido – então aí você se expõe. Ábacos. Que mais?
Mapas, quando no caso, nós temos muito perfil de subsolo”
Diferentemente do professor de eletrotécnica, o uso dos computadores para fazer um
gráfico ou outro elemento diagramático parece natural e adequado ao docente de edificações.
Sua relação com as imagens se configura cada vez mais técnica e parece que sua preocupação
também está centrada em se adequar aos recursos didáticos contemporâneos. Este professor
110
também explica mais elementos que considera imagens, como gaficos, tabelas, ábacos, mapas e
perfis.
Pergunta: Essas são as imagens que tu utilizas mais, então... como é que seriam mesmo, então?
“Gráficos, tabelas, fotografias, mapas, croquis,...”
A inclusão de fotografias na lista é significativa e reafirma a classificação ampla de
imagens feita pelo professor.
(07:00)“... eu monto imagens. Gráficos eu monto e também tabelas eu
monto... tem que ter um pouco de cuidado com a questão do direito
autoral, então por exemplo, agora imagem de obra que eu utilizo é
imagem que nós tiramos a fotografia com a máquina digital...para ter
material próprio e não trabalhar com material de outros, que de repente
você cai numa denúncia de direito autoral, pode acontecer, você tira de
um livro, por exemplo, uma imagem de um livro e pode ter problema com
direito autoral. Então é interessante trabalhar com material próprio.”
Fechada, nesse parágrafo a questão da produção de imagens por parte desse professor. E a
consciência da imagem como obra, como texto de propriedade de alguém.
(07:42)“E também outra coisa que eu faço: eu divulgo os trabalhos pela
internet. Então cada turma cria um e-mail, e-mail da turma,
(ininteligível) tem a sua senha daquele e-mail e envia praquele e-mail
todo material que foi trabalhado, então toda comunicação com os alunos
passa a ser por aquele e-mail...”
(08:22)“...o levantamento fotográfico é muito importante na disciplina
de tecnologia da construção. E hoje com amáquina digital facilitou
tudo... e até imagem animada...pra que o aluno se insere no contexto da
111
construção civil...no levantamento fotográfico você vai ver que as tábuas
são cheias de nós, estão empenadas, no desenho não estão empenadas”
O professor desfere mais um golpe no seu “silêncio” visual, ao admitir que produz e
divulga trabalhos seus de outros professores (fotos de obras) pela internet para os alunos.
Ele também fala do contexto da construção civil, fazendo alusão à proximidade com a realidade
que a fotografia pode trazer, em relação ao desenho.
(09:47)“...cê vai ver que o desalinhamento dos tijolos da parede vai ser
visível, no desenho não seria. Que mais? Os operários podem estar de
chinelo de dedo na fotografia (risos). Tudo isso se constata as coisas
positivas e as negativas. Fica bem mais realista. O que eu recomendo:
visita aobra, leva a máquina digital, fotografa tudo. Então nós tamos
fazendo um banco de imagens também. Isso facilita muito, né? (estou
fazendo isso) Como coordenador. Estou coordenando o curso
(superior).”
A extrema proximidade da fotografia com a realidade é um lugar comum para o professor.
E o fato dela desvelar, expor as imperfeições dessa mesma realidade, também. Imagem como
retrato. Espelhamento. Ícone.
(12:14) “por exemplo, foi feito um banner, pra feira (de tecnologia), e no
banner da feira aparecia um caminhão-bomba de concreto e aparecia a
marca da concreteira. Então não é interessante. Seria interessante que
fosse apagado...a marca da concreteira, senão gera uma publicidade
indevida, alguém pode se sentir prejudicado e com a imagem digital isso
é fácil fazer, com um tratador, um processador de imagem...inclusive a
gente nas emissoras americanas, aparece o operário, aparece o
112
logotipo no capacete do operário, eles borram a imagem, não
aparece...”
Mais indícios fortes, no parágrafo acima, de que o professor entende a possibilidade de
tratar, editar a imagem como um texto, manipulando a sua mensagem, o seu conteúdo. Observa-
se a contigüidade do conceito de imagem ícone e imagem texto. E a imagem é retrato da verdade,
como fica, agora que podemos modificá-la tão facilmente, como no caso da imagem digital? Essa
questão não parece afligir o docente.
(13:25)“...inclusive eu fiz um projeto de um laboratório...só que não veio
ainda o recurso, pra montar...eu chamaria de laboratório de produção
de material didático, que seria a câmara de vídeo e a mesa
processadora, pra quê? Pra produzir deos de treinamento de mão de
obra, porque nós temos que pensar que nosso tecnólogo vai ser o
gerenciador da obra, e gerenciar a obra também implica em capacitar a
mão de obra. Então ele tem que estar preparado para capacitar a mão
de obra. E o operário de construção, nós não podemos querer capacitar
ele com apostila, por que não faz parte do universo dele a apostila.
Então tem que ser vídeo imagem animada, teatrinho. E então esse
trabalho eu quero fazer com os alunos mais adiantados...eu quero que
eles produzam vídeos didáticos para pessoal de obra. Então por
exemplo, treinamento de execução de reboco; ...uma obra de bom
padrão, lá, vai aparecer o pedreiro chapiscando a parede, reguando,
tal, faz a narração, põe música de fundo, caracteres, o que for
necessário para tornar bem...explicativo. Não podem ser vídeos longos
porque senão o pessoal também não agüenta. Tem que ser vídeos curtos,
dez, quinze minutos.”
Para quem começou dizendo que usa muito pouco a imagem, o professor surpreende. Tem
bastante capacidade de leitura, julga o texto, produz imagens e se considera capaz de aumentar
sua fluência nas artes visuais.
113
Pergunta: Como é que você faria esse vídeo se você fosse fazer, se você fosse dirigir esse
vídeo ? (15:26)
“...olha, ele teria que ser mais ou menos assim, como se o reboco tivesse
sendo executado aqui e todos os operários sentados ali. Próximo da
execução, só que a execução real (ininteligível) pra tela”
Pergunta: Quem taria fazendo, o professor?
“Não. O bom seria o operário. Um operário de bom nível, né...que o
operário não precisaria fazer a narração. A narração seria feita por
alguém especializado. Ele faria a execução do serviço...bem orientado,
teria que com uma roupa adequada, um sapato de obra, macacão de
obra, capacete,...a obra tem que estar limpa, não é? Você tem que passar
uma boa imagem e esse operário faria a execução do serviço e uma
narração de uma pessoa com boa locução, explicando todos os passo
que ele tá executando.”
A intenção de prestar assistência educacional ao operário na obra, vem acompanhada da
intenção de “idealizar” ou “melhorar” a imagem em relação à realidade encontrada normalmente
nas obras no Brasil. Isso mostra a clara consciência do discurso da imagem. O docente dirigiria a
imagem na intenção de passar uma mensagem, a seu ver, pedagógica e provavelmente neutra.,
limpando-a das imperfeições que acontecem no dia-a-dia na vida do trabalhador de construção
civil, pois o objetivo é transmitir o conteúdo do treinamento. Certamente o docente considera
essa idéia uma oportunidade para os operários, que de outra forma, não teriam acesso à
especialização.
Pergunta:(17:26) Você tem, fora da atividade pedagógica, educacional, uma relação com a
imagem, você produz outro tipo de imagem..pintura...?
114
“Não, não, não...só som, né, que eu sou músico né...”
Aqui se explica o grande vínculo entre imagem e som que o professor sempre procura. Ao
se declarar músico (ele já gravou um CD de músicas regionalistas gaúchas) ele também explica
sua maior fluência multimodal. Mas continua a se dizer, de certa forma, desligado da imagem, a
não ser na atividade didática e por ser um apreciador de museus:
(17:58) “Ah...museu eu gosto muito. Museu, eu gosto. Sou rato de
museu. Museu eu gosto. É uma das coisas que eu adoro... Principalmente
históricos e exposições históricas...”
O professor confessa que a muitos anos não exerce a arquitetura e não se sente mais tão
afinado com a estética, mas reconhece a importância da área para que se façam obras mais
elegantes. Algumas semanas após a entrevista, o professor enviou uma seqüência de imagens da
entrega do concreto usinado na obra, com texto explicando as imagens.
Essa forma de colocar as fotografias em seqüência lógica mostra o potencial textual que
tem a imagem para o professor de construção civil, e também sua necessidade de reforçar o texto
visual com texto verbal (figuras de 11 a 14).
Figura 11
115
Figura 12
Figura 13
116
Figura 14
O perfil de significação de imagem do professor pode ser esboçado assim:
Gráfico 4 : Perfil da significação de imagens do professor de construção civil
117
O gráfico tem semelhanças com o do professor de desenho técnico, que ambos
conseguem trabalhar muito bem a leitura formal (sintaxe) e entender o processo de criação de um
texto visual, inclusive sendo capaz de julgar esse texto do ponto de vista comunicativo
(semântico). A diferença se no nível discursivo, que ele não exerce, não parece considerar em
nehuma das categorias, seja a leitura , a crítica ou a produção.
Quarta entrevista: professora de informática
Apresentação da professora
Professora do CEFETSC a 18 anos, especialista em informática e mestre em Engenharia
de Produção. Professora de várias disciplinas de informática, nas áreas de programação,
softwares gráficos e outros aplicativos. Tem experiência em ensino de informática para a terceira
idade, tendo defendido uma dissertação na área.
Ocupou cargos de coordenação do curso técnico de informática e do curso de tecnologia em redes
de computadores.
Perfil de leitura, contextualização e produção da imagem da professora de
informática
Pergunta: O que que é imagem pra ti?(00:55)
“O que que é imagem?...(riso) ahnn...pra mim imagem é...é...uma coisa
assim concreta...eu não diria concreta. É uma maneira de tu visualizar
uma coisa, entendeu? A visualização, pra mim é imagem.”
Numa perspectiva de análise do discurso, os silêncios, os intervalos, as falas cortadas, as
correções e retornos são parte da significação produzida no momento da entrevista. Mais uma
vez, o desconforto com a pergunta central da pesquisa determina que esse conceito é tratado de
maneira convencional no dia-a-dia da educação, ou seja, de forma não refletida. Mas a surpresa e
118
a dificuldade naturais de cercá-lo, por parte dos professores, mostra que para todos eles esse é um
conceito não-linear, complexo.
A professora, ao utilizar os termos “concreta” e “coisa”, denota a relação da imagem com
o objeto de maneira direta ou icônica. A visualização sendo a imagem e sendo a representação
visual da coisa.
Pergunta: Tu usas imagem, na tua aula, na tua sala de aula? (1:23)
“..ah! Eu uso, tem unidades curriculares que eu não consigo sem
imaginar sem o uso da imagem. Se é que imagem é realmente o que eu
estou pensando. É... te dar um exemplo: Se eu for trabalhar um software
gráfico, por exemplo, se eu for ensinar um software gráfico pro aluno, se
eu não usar uma imagem, se eu não usar imagem, quanto de texto e
quanto de gestos eu precisaria fazer para que ele aprendesse aquele
conteúdo? Então eu vejo, assim, a imagem, pra mim, na sala de aula, é
uma estratégia de ensino, porque, imagina se eu vou ensinar um aluno a
fazer a sombra de um objeto...se eu não tenho uma imagem pra mostrar
isso pra ele pra que ele consiga fazer mentalmente, construir
mentalmente algum conhecimento, como é que eu poderia explicar pra
ele com palavras como vai ficar ou como é que ele vai agir até chegar ao
objeto final?”
Emblemáticas as colocações da professora, que praticamente esgotam o tema quanto à
categoria leitura de seu perfil. Sem dúvida ela percebe o valor textual da imagem e é
extremamente capaz de perceber as fortes ligações entre a abstração conceitual da construção da
imagem (imagem mental) e a construção icônica da imagem técnica. Não como perceber o
valor textual sem perceber o icônico. Mas a professora domina os dois níveis.
(03:00) “...(na disciplina de) programação também, porque eu acho
assim, ó: A imagem, ela ajuda o aluno a construir, mentalmente, alguma
119
coisa, entendeu?...E pra ele aprender, ele tem que saber exatamente o
que está acontecendo, e a imagem facilita isso.”
Grande proximidade, nessa fala, com o conceito de signo. E pode-se inferir, pela condição
de aprendizado colocada, um forte viés construtivista e cognitivista.
(03:12) “...eu vou te dar um exemplo em programação: se eu vou
explicar como é que o aluno vai fazer uma entrada de dados, por
exemplo, em programação. Eu não teria isso num televisor (?). Mas de
qualquer forma eu uso a imagem, porque, na medida em que eu vou ao
quadro e faço a representação de como é que ele vai entrar com o valor,
onde é que ele vai ficar armazenado, eu desenho isso, eu faço um gráfico
disso, então eu estou usando uma imagem, e se eu não fizesse esse
desenho, ele teria muito mais dificuldade em aprender esse conteúdo.”
(04:49) “...o visual eu acho que facilita por demais do que o verbal,
muito mais...”
Os gráficos e desenhos são imagens para a professora. Ir ao quadro demonstra certo vel
de autoria, vinculado ao raciocínio diagramático, modalidade mais exigida frente à natureza da
disciplina de programação de computadores. Reafirma também sua capacidade de utilizar o
visual como texto.
Pergunta: E as imagens que tu usas, tu é que fazes, tu pegas, tu misturas as imagens que tu fazes
como...como é que tu...?(04:57)
“Bom, eu normalmente eu capturo. Ou eu uso diretamente o software,
demonstro o software diretamente numa tela, né, mostrando os ícones e o
que que tá rolando...outras vezes eu faço meu próprio material
capturando telas e anexando nessas telas alguma informação ou
120
ressaltando alguma coisa que eu acho importante...então eu crio as tela,
capturo e crio essas imagens.”
Não parece que seja necessário comentários sobre capacidade de autoria, mas uma
observação pode se fazer necessária sobre o nível dessa, que pode estar baseado, às vezes em
cópia.
(06:00) “...dependendo da unidade curricular eles criam, por exemplo, a
disciplina de softwares gráficos, ou editoração eletrônica ou hipermídia,
eles, a partir de uma explicação ou de uma demonstração eles criam as
próprias imagens a seu gosto, à sua criatividade. Por exemplo, eu
explico como fazer uma sombra, depois eu deixo livre pra que eles criem
um objeto com uma determinada sombra. onde entra a criatividade
deles.”
A professora ainda forneceu imagens para ilustrar alguns dos exercícios realizados em
sala de aula. Essas imagens estão, por questão de proximidade, anexadas nas próximas páginas, e
por questão de fidelidade, deixadas na mesma formatação enviada pela docente (em itálico,
palavras da docente conforme enviadas).
121
w w w .v is io n n e t.c o m .b r
Mostro esta imagem e eles produzem
outras...
Ensino passo a passo como construir sombras com esta imagem
E eles produzem outras...
122
Apresento diversos cartões de visita já impressos e eles criam os seus ....
T R A D U T O R A IN T É R P R E T E
J
U L IS S A Â IN N A
L
I
IN G L Ê S P O R T U G U Ê S
P O R T U G U Ê S IN G L Ê S
m a y a _ ju li2 0 0 2 @ y a h o o .c o m .b r
4 8 -2 2 3 0 1 3 8
4 8 -2 2 8 9 6 3 8
Apresento esta imagem : E eles me retornam esta:
A d e m a r S ilv a
S t u d io
F o t ó g r a f o
A v . N o s s a S e n h o r a , 3 1 0 - C o p a c a b a n a - R j
5 5 2 - 2 6 0 0
N o é R o c h a
R u a : G is e la , 9 9 8 - B a rre iro s
C e p : 8 8 -1 1 0 -1 1 0 S ã o J o s é - S C
{ 4 8 } 2 4 6 -3 8 0 9 n o _ ro c h a @ y a h o o .c o m .b r
123
124
Depois de estabelecer o nível textual de autoria, parece ser pacífico determinar a ausência
de nível discursivo nessas afirmações.
Pergunta: E em nível de fora da aula, fora da aula, você usa imagem pra você, tipo, produz
imagem, gosta de fotografar, pinta, desenha, como é que você faz? Ou você usa mais na aula
mesmo, como uma ferramenta?(11:45)
“Não, hoje eu estou com um hobby de produzirdeos, assim...então...eu
equipei a minha máquina com placa de captura e tal, então estou
pegando VHS e transformando. fazendo inclusive o DVD do primeiro
ano de vida do meu neto! A partir das fotos digitais e dos VHS que eu fiz,
entendeu? Então virando um hobby, eu entrando nessa área,
gostando disso, sabe? Isso no lado pessoal.”
Aqui um exemplo interessante de contextualização textual não discursiva. A produção de
vídeo da professora exige uma crítica, uma escolha. Dentre as fotos e vídeos de seu neto, ela
precisa determinar quais os que vão fazer parte de uma obra especial, inédita. Para escolher essas
imagens ela vai discriminá-las criticamente, contextualizá-las, sem levar em consideração o nível
discursivo (ideológico). Talvez ela nem aceite a idéia de que este texto visual possa ter algum
caráter que exprima relações de poder dentro do grupo. Ela então, talvez creia na existência deste
texto como um texto neutro.
Em geral, as pessoas não estão ocupadas com questões ideológicas ao produzirem um
material assim, ou a tirarem fotografias de aniversários ou passeios. Isso não reduz em nada o
conteúdo ideológico que pode ser lido nessa imagens.
O compromisso e a capacidade de realizar essa leitura quando necessário é que faltam às
vezes aos professores do ensino técnico.
A visualização do perfil de significação de imagem da professora de informática é a que
segue:
125
É um perfil idêntico ao perfil do professor de desenho técnico, expressando a grande
capacidade comunicativa em todas as categorias de significação, sendo básica apenas no nível
discursivo.
Gráfico 5 : Perfil da significação de imagens da professora de informática.
126
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Analisar a realidade através da ciência é manter aquela realidade que a ciência
pretende analisar” (DORIA, 1974, p.128)
Os professores do ensino técnico e tecnológico entrevistados, mestres dedicados de suas
disciplinas, demonstraram algumas das dificuldades e sucessos que encontram na vivência de um
conceito amplo como é o de imagem. E ajudaram a pintar um quadro restrito mas representativo
das diferentes formas de significação teórica e prática que esse conceito pode assumir.
No início desta dissertação foi levantada uma hipótese:
“A concepção de imagem do professor do ensino técnico e tecnológico
pode estar relacionada com seu grau de letramento visual, que por sua
vez parece estar relacionado à sua postura epistemológica e pedagógica.
Aventou-se, a princípio, a hipótese de que o professor de ensino técnico
reproduz, em termos gerais, uma concepção meramente representativa de
imagem, que mascara seus conteúdos culturais e ideológicos e diminui
seu potencial cognitivo e educacional. A superação da
alienação/reificação frente ao conceito de imagem e a conseqüente
apropriação reflexiva de um discurso visual estaria relacionada com a
Educação Estético-Visual Crítica do professor.” (pg.20)
Comparando-se os perfis dos entrevistados, pode-se responder em que nível a hipótese
aventada no início da pesquisa é válida:
127
Comparação dos gráficos 2, 3, 4 e 5: Perfis dos professores (da esquerda para a direita e de cima para baixo):
Desenho Técnico Mecânico, Eletrotécnica, Construção Civil e Informática.
Quanto à primeira parte da hipótese, a concepção (significação) de imagem do professor
parece estar vinculada ao seu grau de letramento visual. Dos quatro analisados, o primeiro é
desenhista mecânico, o segundo é eletricista, o terceiro é arquiteto e a quarta leciona softwares
gráficos. Apenas o professor com formação em eletricidade apresenta teor muito básico de
contextualização e produção de imagem. Mas em se tratando de leitura formal, ele se iguala aos
de formação mais gráfica.
Leitura de Imagens Contextualização Crítica
de Imagens
Produção de Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Perfil da significação de imagens do professor
de desenho mecânico
vel Icônico
vel Textual
vel Discursivo
Categorias de significação
Leitura de Imagens Contextualização Crí-
tica de Imagens
Produção de Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Perfil da significação de imagens do professor
de eletrotécnica
vel Icônico
vel Textual
vel Discursivo
Categorias de significação
Leitura de Imagens Contextualização
Crítica de Imagens
Produção de
Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Perfil da significação de imagens da professora de informática.
Nível Icônico
Nível Textual
Nível Discursivo
Categorias de significação
Leitura de Imagens Contextualização Crí-
tica de Imagens
Produção de Imagens
0
0,25
0,5
0,75
1
1,25
1,5
1,75
2
2,25
2,5
2,75
3
Perfil da significação de imagens do professor
de construção civil
Nível Icônico
Nível Textual
Nível Discursivo
Categorias de significação
128
Quanto á relação com as posturas epistemológicas e pedagógicas, no decorrer do texto
acredita-se terem sido levantados elementos que corroboram essa parte da hipótese, e a
verificação experimental deixou claros indícios nessa direção. Mas não é desejo deste autor fazer
concluir de forma linear que quanto mais icônica a significação de imagem, mais positivista,
experimetalista ou tecnicista a postura do professor. Os professores apresentaram, pelo menos
três deles, capacidades elevadas de contextualização e produção de imagens. Mas nunca no nível
crítico. Portanto, essas relações se afiguraram mais complexas, pois os professores tinham
diferentes posturas pedagógicas práticas, variando do tecnicismo ao construtivismo, e mesmo
assim, em sua maioria, guardavam uma forte concepção de imagem como ícone. Esta parte da
hipótese, portanto, precisaria de um maior aprofundamento e reflexão.
No caso estudado, os professores reproduzem, em geral, uma visão “neutra” e
fundamentalmente comunicacional da imagem, sem fazer referência a conteúdos ideológicos.
Essa foi a conclusão mais simples a que se pôde chegar a partir da pesquisa.
Quanto ao fato da concepção meramente representativa levar à diminuição do potencial
cognitivo e educacional, na realidade, parece que o que ocorre é controverso. Depende do que se
considera educacional e qual o conceito de cognição. Se optarmos por uma abordagem
conteudista, o importante será a comunicação do conteúdo da aula e usar a imagem como texto
acessório pode ser interessante, e até necessário. Numa outra forma de abordar, onde o conteúdo
seja colocado num plano menos central, provavelmente os conteúdos culturais e ideológicos
pudessem aflorar e participar do processo educacional.
A superação da alienação/reificação frente ao conceito de imagem e a conseqüente
apropriação reflexiva de um discurso visual estaria relacionada com a Educação Estético-Visual
Crítica do professor. Essa última parte da hipótese revelou-se apenas uma outra hipótese, que
teria de ser testada em outro trabalho. Parece promissor apostar na formação docente como forma
de intervir na prática escolar, mas podemos, no máximo, concluir que ampliar o universo
semiótico dos professores é um reforço à sua capacidade comunicativa.
Como educar o professor do ensino profissionalizante e técnico para que seu universo
visual inclua a leitura, contextualização e produção de discursos imagéticos contextualizados
culturalmente?
Como analisado no decorrer do texto, o papel das linguagens visuais na educação é
cada vez mais reconhecido e explorado, mas ainda espaço e necessidade de teorias que
129
agreguem os aspectos estruturais e culturais de maneira equilibrada e de forma mais relacionada
com a autonomia semiótica da imagem.
Para que a formação de professores possa estar vinculada a este esforço, as linguagens
visuais precisariam usufruir do mesmo status das linguagens simbólicas nos cursos de formação
de educadores, e seus currículos deveriam contemplar discussões que favorecessem uma
perspectiva de autoria e interpretação, visando o letramento/alfabetização visual e a Educação
Estético-Visual mais ampla.
Pois a autoria é a capacidade que o professor deve buscar de criar, nas condições mais
inóspitas, seu texto. Mas não o texto que repete a realidade, o texto meramente retratista ou
descritivo.
Esse tipo de texto, verbal ou visual, muitas vezes também repete e retrata a fala do
opressor, a fala que quer manter a desigualdade, o ódio e a indiferença como aceitáveis. Ao
repeti-la, nos tornamos cúmplices, inocentes úteis.
O professor autor não é autor apenas de um texto no papel. É um autor de todos os textos
de todos os papéis em que se sentir compromissado a atuar. No momento em que ele começar a
escrever nos cadernos, nos livros, na forma de andar, de vestir, de comprar, de gesticular, de falar,
de cantar, de desenhar, de fotografar, de filmar, de gravar, de amar, de viver enfim, esse será um
autor próximo de se firmar como homem/mulher num mundo que ele faz a cada acordar. E um
autor que pode se tornar autor de autores.
Mas se é apenas se alfabetizando e letrando em todas as linguagens vivas que o ser
humano vai se humanizando, é também ao se apropriar dessas linguagens que ele começa a se
perguntar o que não é linguagem. Ele começa a perceber que sentido em tudo. Tudo é parte de
um grande texto do qual ele – e todos – deveriam ser autores.
Se é assim, se toda obra, todo fazer humano é semiótico, significação viva, então a
Ciência e a Tecnologia também o são. E, como fazer humano, essas formas de discursar no
mundo estão para serem abertas e expostas em todos os seus gomos como uma saborosa
bergamota conceitual. Uma enorme manga semiótica com a qual devemos nos lambuzar.
Essa concepção pansemiótica da Ciência e da Tecnologia não é consensual. Não é a partir
da vontade de formar autores autônomos e críticos que se faz a educação científica e tecnológica.
A Ciência e a Tecnologia como um corpo, um ser estranho ao homem parece que dialoga
com esse homem de cima para baixo. Partes determinadas e estanques do conhecimento
130
especializado precisam ser transferidas do grande repositório científico ou técnico para a cabeça
do estudante. Não há tempo para perguntar quem pôs esse conhecimento lá nem porque.
Mas se a tecnociência for vista como um discurso, então ela é necessariamente falada”
por um alguém no mundo. Um alguém que tem interesses, amores e ódios, e aí o risco de se
horizontalizar a relação do aprendiz com o conhecimento, ou seja, o grande repositório científico
e técnico já não é inacessível, pois se mostra humano, demasiado humano.
Não se trata de acreditar que um único indivíduo pode igualar toda a história do
conhecimento. Trata-se de assumir que esse indivíduo é tão humano quanto Platão, Aristóteles,
Peirce, Einstein, Darwin, ou o leitor. Mas não um humano pronto, dado. É um humano em
permanente diálogo formativo com o mundo. Diálogo quer dizer que os dois lados têm vez na
fala. E é ao tomar ciência disso que o professor e o estudante estão sendo autores.
Este trabalho foi iniciado com um memorial onde digo não acreditar na importância dele.
Demorou meses para ficar pronto e agora que esescrito, devo me retratar. Acredito que algo
de útil aqui. E se assim for, é pela sinergia criada por todas as vozes que participam dessa
dissertação. Dos autores referidos aos colegas entrevistados, esse trabalho foi também um pouco
produzido por cada um deles.
E por todos os que encontrei e deixei de encontrar enquanto ficava sentado em frente ao
computador, sem poder olhar aquele céu, na mesma janela onde comecei.
Agora já posso levantar a cabeça.
Nesse instante, assisto a uma das noites desta ilha ao sul do atlântico.
Por alguma razão, nenhum ruído.
131
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em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Análise_do_discurso>. Acesso em jun. 2006.
141
ANEXOS
142
Anexo I : The outline of Peirce's classification of sciences
(1902-1911) compiled by Tommi Vehkavaara
(Um esboço da classificação das ciências de Peirce – conforme seus estudos de 1902 a
1911) – Compilado por Tommi Vehkavaara.
143
Anexo II - Exemplos de exercícios de desenho técnico mecânico fornecidos pelo
professor entrevistado.
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