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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
SEGURANÇA PÚBLICA E GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA
Os Conselhos Comunitários como Instrumento de Participação e
Regulação Sociopolítica.
Felipe Vieira de Souza
Orientadora: Profª Drª Jacqueline Muniz
Área de Concentração: Direito Econômico e Desenvolvimento
Linha de pesquisa: Regulação, Concorrência, Inovação e
Desenvolvimento
Rio de Janeiro – 2009
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2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
SEGURANÇA PÚBLICA E GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA
Os Conselhos Comunitários como Instrumento de Participação e
Regulação Sociopolítica.
Dissertação apresentada ao Curso
de Mestrado em Direito, área de
concentração em Direito
Econômico e Desenvolvimento, na
linha Regulação e
Desenvolvimento, como requisito
para obtenção do título de Mestre
em Direito, sob a orientação da
Professora Doutora Jacqueline
Muniz.
Rio de Janeiro – 2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
SEGURANÇA PÚBLICA E GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA
Os Conselhos Comunitários como Instrumento de Participação e
Regulação Sociopolítica.
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em Direito,
submetida à apreciação da Banca
Examinadora composta pelos
seguintes membros:
Prof ª Drª Jacqueline Muniz
(orientadora)
Prof. Dr. Ivair Coelho
Profª Drª Paula Ferreira Poncioni
Rio de Janeiro – 2009
4
À minha adorável esposa, Adriana Souza,
pelo incentivo constante e, sobretudo, pela confiança
no meu crescimento.
À minha doce Sophia,
pelos momentos de distração.
À Diana, filha mais velha,
pelo compromisso que tenho de servir de exemplo
para você.
Finalmente, à Deus,
pela Fé, energia vital para a construção do Seu reino.
5
AGRADECIMENTO
À profª Drª Jacqueline Muniz, pela dedicação sincera e interessada à
minha formação como candidato ao magistério superior, bem como pela
perseverante confiança em mim depositada, minha gratidão e orgulho sinceros.
pessoas que, como Sócrates, despertam deleite e admiração por
suas conversas, porque além de iluminarem nossas mentes, nos tornam mais
livres e nobres para a vida. Professor Dr. Ivair Coelho, o que os gregos
denominavam por paidéia foi o que experimentei com os nossos diálogos ao
longo desses dois anos de formação.
Ao professor Dr. Paulo Mendonça, pela sua disponibilidade em integrar a
pré-banca deste trabalho e pelos comentários construtivos feitos naquela
ocasião.
À profª. Drª Paula Poncioni, por nos honrar com sua presença na banca
e enriquecer nossos argumentos com suas críticas e observações.
Ao professor cio Sena, pela gentileza e paciência de revisar o texto.
Obrigado por contribuir para que esse seu amigo alcance, com maior mérito, a
dignidade do título de professor.
6
RESUMO
A presente dissertação cuida dos conselhos comunitários de segurança
pública como instâncias democráticas de regulação sociopolítica do mandato
público outorgado ao Estado para o desempenho da atividade governamental
sobre um setor essencial à garantia do desenvolvimento da sociedade em suas
múltiplas dimensões.
Neste trabalho a participação social na Segurança Pública é
compreendida como legítima expressão da democracia participativa, traduzida
como direito subjetivo público assegurado pela ordem democrática
constitucional brasileira.
O que se pretende demonstrar com esse estudo é que a regulação
democrática do mandato público na gestão da Segurança blica pode se
operar por meio de compromissos juridicamente qualificados entre os agentes
públicos estatais dos mais diversos níveis hierárquicos, dos diferentes setores
do governo, e os cidadãos, beneficiando o desenvolvimento da sociedade em
função da correspondência entre as medidas governamentais e as efetivas
demandas sociais.
Palavras-chave: Estado, governo, sociedade, democracia, participação,
segurança pública, governança, conselho, comunidade, regulação,
desenvolvimento.
7
ABSTRACT
The current dissertation takes charge of the community boards of Public
Security as democratic jurisdiction of social-political regulations of public
delegation granted to the State for the accomplishment of governmental activity
over a sector, essential to the fulfillment of the development of society in its
multiple dimensions.
In this task, the social participation in the Public Security is understood as
an authentic expression of the participating democracy, interpreted as public
subjective right guaranteed by the constitutional Brazilian democratic order.
What is intended to convey with this research is that the democratic
regulation of the public delegation in the administration of the Public Security
may be carried out by means of commitments judicially qualified among
governmental agents from different levels of ranks, belonging to diverse sectors
of the government, and the citizens, improving therefore the development of
society according to the relationship between governmental measures and real
social requirements.
Key-words: state, government, society, democracy, participation, public
security, governance, councils, community, regulation, development.
8
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO ............................................................................................. 5
APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 10
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 16
CAPÍTULO I – Governabilidade, segurança e desenvolvimento
econômico e social...................................................................... 25
CAPÍTULO II – Governança democrática na segurança pública.................... 38
1. Segurança pública em sociedades livres e plurais....................................................... 38
2. Gestão democrática da segurança pública à luz do mandato policial. ......................... 42
2.1. Motivação. ......................................................................................................... 46
2.2. Responsabilidade. ............................................................................................. 48
2.3. Participação social............................................................................................. 52
2.4. Transparência.................................................................................................... 57
2.5. Prestação de contas. ......................................................................................... 60
3. Sociedade, Estado e Polícia na construção da segurança pública............................... 61
4. Democratização social da segurança pública. ............................................................. 71
CAPÍTULO III – Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública............. 76
1. Conselhos comunitários de segurança: espaços públicos de regulação
e assunção de responsabilidades............................................................................... 80
2. A dinâmica de funcionamento dos conselhos comunitários de segurança:
o risco da “funcionalização”.. ....................................................................................... 87
3. Participação social na segurança pública: limites e possibilidades
dos conselhos comunitários de segurança. ................................................................. 92
4. O recorte jurídico dos conselhos comunitários de segurança. .................................... 108
4.1. Quanto à natureza jurídica tendo em vista a personalidade em direito ............ 110
4.2. Quanto à iniciativa de criação do órgão colegiado........................................... 112
4.3. Quanto ao alcance espacial............................................................................. 113
4.4. Quanto ao regime societal de adesão.............................................................. 114
4.5. Quanto à estrutura .......................................................................................... 118
5.6. Quanto ao papel regulatório............................................................................. 118
9
CAPÍTULO IV - A instrumentalidade normativa dos
conselhos comunitários de segurança. ........................................................... 128
1. Constituição Federal: uma abordagem normativa da participação social.................... 131
2. Fundamentos normativo-constitucionais para a participação social na
segurança pública........................................................................................................ 148
3. A democratização da segurança pública à luz da legislação ordinária
federal e a questão federativa...................................................................................... 151
4. Como as constituições estaduais percebem a participação social na
segurança pública?...................................................................................................... 160
5. A instrumentalidade jurídica dos CCS no Estado do Rio de Janeiro. .......................... 163
5.1. O que diz a Constituição do Estado do Rio de Janeiro....................................... 164
5.2. O quadro normativo infraconstitucional estadual do Rio de Janeiro ................... 165
5.2.1. Poderes normativos regulamentar e regulatório da
Administração..................................................................................................... 166
5.2.2. Posição dos instrumentos administrativos regulamentares e
regulatórios no ordenamento jurídico......................................................... 171
5.2.3. A instrumentalização normativa dos CCS no Estado do Rio de
Janeiro....................................................................................................... 173
6. Conclusão................................................................................................................... 178
CAPÍTULO V – Conclusão................................................................................... 180
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 187
LEGISLAÇÃO...................................................................................................... 192
SITES................................................................................................................... 193
ANEXO I .............................................................................................................. 197
10
APRESENTAÇÃO
O modelo tradicional de democracia representativa alicerçado nos
partidos políticos e sindicatos, ferramentas que viabilizaram a construção da
sociedade de massa
1
, tem-se revelado insuficiente
2
para dar conta da
complexidade do princípio ativo que anima a construção das sociedades livres
e plurais: o desejo de participar, de interagir, de influenciar o destino da
humanidade, de ser sujeito e não o objeto do governo.
O governo das questões de interesse público, sobretudo em relação aos
temas ligados aos direitos sociais e econômicos, transcendeu à capacidade de
gestão da máquina estatal, revelando ser imprescindível a interação do Estado
com a sociedade civil com o propósito de garantir a efetividade das medidas
governamentais. Por isso podemos asseverar que governo, Estado e
sociedade são categorias distintas
3
, o que é demonstrado pela sociogênese da
revolução
4
.
Com base nessas premissas e focadas no contexto sociopolítico da
sociedade brasileira em pleno processo de redemocratização, ferramentas
jurídicas foram consagradas pela Carta da República de 1988 visando a
garantir maior capacidade de atuação direta da população sobre a atividade
governamental estatal, com vistas ao desenvolvimento
5
da sociedade em suas
múltiplas dimensões, sobretudo sociais, políticas e econômicas.
1
A propósito da superação da condição de massa e fortalecimento de uma sociedade civil criativa que nasce das
aspirações populares em busca da autodeterminação, cidadania e participação ativa na gestão democrática do poder,
ver o texto de Giovanni SEMERRARO intitulado Da sociedade de massa à sociedade civil: a concepção da
subjetividade em Gramsci, disponível no endereço http://www.scielo.br/pdf/es/v20n66/v20n66a3.pdf . Consulta
realizada em agosto de 2008.
2
MARTINS, Fernando Barbalho. Do direito à democracia: neoconstitucionalismo, princípio democrático e a crise
do sistema representativo. RJ. Lumen Iuris, 2007, pp.88-216.
3
SENELLART, Michel. As artes de governar. SP. Editora 34, 2006.
4
ELLIAS, Norbert. A sociedade de corte. RJ, Jorge Zahar Editor, 2001.
5
A categoria desenvolvimento será trabalhada ao longo dessa dissertação na sua compreensão básica, ou seja, de
processo de crescimento da sociedade humana fruto do aprimoramento de suas capacidades e recursos intelectuais,
morais, políticas e materiais. Embora nossa pretensão seja trabalhar na concepção mais ampla da categoria,
eventualmente estaremos aludindo ao desenvolvimento econômico por conta das implicações dessa questão no
contexto da regulação social da segurança pública. No que se refere ao desenvolvimento social, vamos pressupor essa
perspectiva no bojo da categoria, conforme sugerido por Augusto de Franco, no sentido de que todo desenvolvimento
implica desenvolvimento social. Ver http://www.augustodefranco.org. Consulta realizada em agosto de 2008.
11
O propósito das ferramentas jurídicas é garantir a participação da
sociedade na formulação, acompanhamento, controle, fiscalização e
responsabilização de políticas públicas, oportunizando, dessa maneira, o
compartilhamento do poder e a constante ratificação, ou não, da legitimidade
do mandato público nas ações de governo.
A institucionalização de mecanismos de participação cidadã na gestão
estatal de temas de interesse público aponta para a governança democrática.
Embora o significado da categoria governança não seja pacífico, haja
vista o seu emprego fluente tanto no âmbito da administração privada quanto
pública, e porque neste último caso uma questionável associação do seu
conteúdo com o regime democrático
6
,
denominamos governança democrática os padrões de
interação entre as instituições governamentais, agentes do
mercado e atores sociais que realizem a coordenação e,
simultaneamente promovam ações de inclusão social nos
processos decisórios em matéria de políticas públicas.
(SANTOS JUNIOR, 2004, p.19)
Como legítima expressão da democracia participativa, os conselhos
públicos têm-se concentrado na análise da estrutura, formulação de
estratégias, seleção de critérios e avaliação de resultados de políticas blicas
revelando o compromisso da sociedade com o interesse público.
Numa expressão sintética podemos dizer que os conselhos comunitários
de participação social na gestão pública têm agido como verdadeiras agências
reguladoras, de natureza sociopolítica, da atividade estatal.
Ao avocar responsabilidades para com os bens individuais, coletivos,
sociais e econômicos tomados em sua conotação blica, a sociedade procura
influenciar de forma decisiva os rumos da gestão governamental em parceria
com o Estado, visando à promoção e sustentação do desenvolvimento da
6
Para um estudo mais detalhado sobre essa questão, recomendamos a obra de Leonardo Valles BENTO: Governança
e governabilidade na reforma do estado - entre eficiência e democratização, publicado pela editora Manole, SP, em
2003.
12
sociedade. A gestão do interesse público, portanto, não é concebida como
monopólio do Estado. Esta é uma verdade sociológica e política que precisa
ser contemplada e garantida pelo ordenamento jurídico, sob pena de perda da
capacidade e autoridade desse ordenamento contribuir com a sociedade para o
seu desenvolvimento.
Sob esse prisma, a participação cidadã, com ações concretas e
qualitativamente definidas, por intermédio dos conselhos públicos, exerce um
papel deliberativo importante, enaltecendo práticas e rotinas de democracia
participativa.
É oportuno esclarecer que a perspectiva participativa não subtrai do
sistema político a função representativa. Participar de forma deliberativa,
compreendida essa categoria em seu sentido mais amplo, não substitui a
representação partidária e sindical, apenas à sociedade o direito de regular
o mandato público constituído no sentido de verificar o grau de
correspondência das ações do mandatário em relação à expectativa do
mandante ao deferir a outorga. Afinal, a procuração pública não é um cheque
em branco.
Por outro lado, a participação social e democrática promove o
sentimento de co-responsabilidade com o mandatário no processo de
efetivação do objeto do mandato, que no caso da nossa dissertação tem a ver
com o desenvolvimento econômico e social.
Sob esse foco, a participação social na gestão pública viabiliza a
definição “negociada” e procedimental do papel do Estado frente à produção,
circulação e distribuição de bens, serviços, riquezas e oportunidades derivados
do desenvolvimento, sobretudo econômico e social, com um forte viés de
natureza humanitária.
A função deliberativa a que vamos nos referir ao longo desse trabalho se
refere à pressão popular decorrente da mera participação. Não estará
circunscrita, portanto, à configuração jurídico-estatutária que procura distinguir
as competências deliberativa, consultiva e fiscalizatória. À função deliberativa
se associa o papel regulatório. E neste sentido, a participação social de
conteúdo deliberativo forja o papel regulatório da sociedade sobre o Estado no
13
tocante ao seu desempenho governamental das atividades de interesse
público.
É claro que o caráter regulatório da participação cida com o qual
vamos trabalhar coloca a categoria regulação num patamar distinto e mais
amplo do que habitualmente vem sendo empregado no contexto da relação
Estado-Sociedade, posto que nessa relação tem predominado o recorte
administrativo de conteúdo econômico-financeiro
7
, tanto no plano interno
8
quanto internacional
9
. O que aproxima uma idéia da outra é a noção de
participação como estratégia governamental tendente a criar condições para
que a sociedade exerça uma influência direta sobre o Estado. A propósito,
Nuria Cunill Grau registra que existem três campos de participação social: um
correspondente à formação de políticas públicas; outro relativo à ação
legislativa, operado por iniciativas populares ou revogação de mandatos;
finalmente, sob a forma de prestação de serviços públicos
10
. Embora a autora
não ressalte o caráter regulatório dessas três formas de participação social,
parece-nos não haver nenhuma impropriedade em assim agrupar e categorizar
as três vertentes.
Nossa dissertação procura ressaltar a instrumentalidade jurídica da
regulação sociopolítica, entendida esta como expressão da democracia
participativa, que procura garantir a efetividade dos direitos individuais,
coletivos, sociais e econômicos na elaboração, implementação e avaliação de
políticas públicas, visando ao desenvolvimento.
À efetividade dos direitos fundamentais de natureza individual, coletiva,
social e econômica está associada à construção da ordem pública,
despontando esta como condição fundamental para o desenvolvimento.
Por tal razão resolvemos associar os temas governança democrática,
participação cidadã e ordem pública à luz da experiência dos conselhos
7
Por conta das aulas de Direito Constitucional Econômico, ministrado pela profª. Drª Patrícia Ferreira Baptista,
tivemos acesso ampla literatura a respeito da regulação da atividade econômica tendo em vista a democracia e o
desenvolvimento. Recomendamos as seguintes obras SALOMÃO FILHO, Calixto (org.). Regulação e
desenvolvimento. SP. Malheiros, 2002; MATTOS, Paulo Todescan L. (org.). Regulação econômica e democracia: o
debate norte-americano. SP. Editora 34, 2004; MATTOS, Paulo Todescan L. (org.). Regulação econômica e
democracia: o debate europeu. SP. Singular, 2006.
8
Como as agências reguladoras autárquicas, como ANATEL, ANEEL, ANCINE, ANA etc.
9
Como o FMI, o Banco Mundial, o BID entre outras instituições.
10
GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade. Novas formas de gestão pública e participação
social. RJ. Revan; DF:ENAP, 1998, p.68.
14
comunitários de segurança, destacando a experiência vivenciada no estado do
Rio de Janeiro. A amarramos todos esses assuntos numa perspectiva de
regulação social da Segurança Pública porque entendemos que é esse setor
da governabilidade que garante as condições necessárias para o
desenvolvimento.
O eixo gico do nosso raciocínio é: democracia, regulação, segurança,
e desenvolvimento. O processo de desdobramento desse eixo imaginamos ser
a governança operada pela participação social qualificada por compromissos
decorrentes de reponsabilidades jurídicas. Procuraremos enxergar essa
dinâmica à luz do modelo de conselhos comunitários de segurança desenhado
para o estado do Rio de Janeiro.
Diante desse cenário estabelecemos a seguinte estrutura de
capitulação: abrimos a exposição com uma preleção sobre a democracia,
destacando a insuficiência do regime representativo para dar conta das
demandas governamentais e a necessidade de se estabelecer mecanismos de
participativos para integrar a sociedade no exercício da governança e, com
isso, dividir com ela responsabilidades ante o propósito de desenvolvimento;
em seguida entramos efetivamente no desenvolvimento da nossa proposta, por
isso enquadramos essa parta como Capítulo I, investigando a correlação entre
desempenho governamental, desenvolvimento econômico e democracia à luz
da obra de Robert Putnam, valendo-nos do seu conceito de “comunidade
cívica” para iniciar nossa reflexão sobre a importância da internalização e a
institucionalização de elementos democráticos e republicanos no âmbito das
comunidades para formatar um ambiente propício ao desenvolvimento político
e econômico e a sua sustentabilidade do modelo de desenvolvimento
eventualmente adotado; no Capítulo II vamos discorrer sobre a governança
democrática na Segurança Publica, dando destaque para a concepção da
categoria segurança pública em sociedades livres e plurais, a discussão do
mandato público como objeto de regulação democrática para a participação
social e os limites e possibilidades da participação social neste setor da
governabilidade; o Capítulo III tratará especificamente dos conselhos
comunitários de segurança, examinando-os com espaços públicos de
mediação, a dinâmica de seu funcionamento e os riscos do processo de
15
abertura desse setor governamental à participação popular, finalmente, será
feita uma análise jurídica num recorte doutrinário segundo a leitura do direito
administrativo brasileiro; no Capítulo IV, nos dedicaremos ao estudo da
instrumentalidade jurídica que disciplina a criação e o funcionamento dos
conselhos comunitários de segurança do Rio de Janeiro para identificar como
foi concebida a regulação social na Segurança Pública a partir da interação
sociopolítica verficada nestes órgãos colegiados públicos; por fim, encerramos
o trabalho com um capítulo de conclusão.
Cabe esclarecer o leitor de que embora a presente dissertação se
enquadre na área de concentração de Direito Econômico e Desenvolvimento,
que norteia as linhas de pesquisas do PMD-UCAM
11
, em particular a linha
intitulada Regulação e Desenvolvimento, a construção dessa dissertação
valeu-se, de ampla pesquisa em sociologia e políticas públicas, além de
indicadores de econômicos. Contou, também, com a experiência do autor em
sua observação participante como presidente e membro efetivo do conselho
comunitário de segurança de Teresópolis 30ª AISP Área Integrada de
Segurança Pública.
Derradeiramente, porque a palavra desenvolvimento está sendo
assimilada na sua mais ampla concepção, reiteramos que escolhemos a
participação social na Segurança Pública porque entendemos que se trata de
um setor da governabilidade estatal cuja complexidade permite a análise do
desempenho governamental tendente ao desenvolvimento numa perspectiva
multidisciplinar e intergovernamental.
Procuramos, assim, formular nosso trabalho numa perspectiva de
ciências sociais aplicadas, onde se encontram presentes aspectos do direito,
da sociologia, da economia e da política, sem perder o foco da proposta
institucional-acadêmica do PMD-UCAM. É isso que impede que nosso trabalho
se torne uma proposta generalista e sem objetividade. Por tal motivo,
convidamos para integrar a banca examinadora desse estudo professores
doutores das diversas áreas das Ciências Sociais com afinidade ao tema:
Governabilidade, segurança e desenvolvimento.
11
Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes.
16
INTRODUÇÃO
Os autores não são uníssonos na classificação das diversas
modalidades da democracia. Fala-se em democracia representativa,
deliberativa, referendária, participativa, direta, indireta, liberal, social e por
vai. Evidentemente, as espécies apontadas pelos estudiosos variam conforme
os critérios e contextos nos quais se procura formular um modelo
classificatório.
Fato é que todas essas propostas classificatórias evidenciam um esforço
no sentido de mostrar que democracia não é um conceito político abstrato.
Atualmente, há uma convicção de que ela alude à afirmação concreta da
cidadania como um processo de conquista de direitos políticos, econômicos,
sociais, culturais e ambientais de alcance individual e transindividual
12
.
De forma não aprofundada, pois uma investigação minuciosa poderia
nos levar a perda do foco deste trabalho, democracia é um conceito de três
matizes, a saber: político, social e jurídico. Do ponto de vista político diz
respeito à aptidão para exercer o poder no contexto institucional público da
organização social; do ponto de vista sociológico refere-se à capacidade de
universalidade e inclusividade do ordenamento normativo em relação a todos
os membros da sociedade, condição essencial para a imperatividade da lei
cunhada pelo processo democrático; do ponto de vista jurídico diz respeito às
12
A compreensão de direito transindividual aqui empregada está em conformidade com o entendimento do legislador
brasileiro nos termos do parágrafo único do Art. 81 da Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor. Neste
dispositivo depreende-se que direitos transindividuais têm a ver com direitos experimentados no plano individual,
mas com a peculiar característica de serem de natureza indivisível, ora associados a interesse de um grupo, categoria
ou classe, quando são classificados como transindividuais coletivos, ora a pessoas indeterminadas ligadas por
determinadas circunstâncias de fato, quando são classificados como transindividuais difusos. Ricardo Ribeiro
Campos exemplifica como direito coletivo a ação que visasse impedir o desrespeito à observância do quinto
constitucional na composição dos Tribunais em detrimento da classe de advogados ou dos Membros do Ministério
Público, uma vez que tal prerrogativa está assegurada constitucionalmente a essas categorias nos termos do Art. 94 da
CF/88. A impossibilidade de um advogado ou um membro do Ministério Público ingressar individualmente e em
nome próprio com uma ação judicial, pois o direito é indivisível, devendo a ação ser pleiteada pelo órgão
representativo da categoria. No caso dos transindividuais difusos temos os exemplos dos direitos à paz pública, à
pública, à segurança pública, ao meio ambiente entre outros.
17
formas e meios para garantir o exercício das prerrogativas políticas e sociais
pactuadas.
Interessa-nos o exame da democracia sob a perspectiva das formas e
meios jurídicos para o seu exercício. Neste diapasão diz-se que a democracia
é classificada como direta, indireta e semi-direta
13
.
A democracia direta refere-se aos mecanismos de manifestação direta
da vontade popular e sua implementação revelou-se viável na Grécia antiga e
no sistema comunal da Nova Inglaterra (Estados Unidos) relatado por Alexis de
Tocquevelle, para quem “as comunas, em geral, são submetidas ao Estado
quando se trata de um interesse que chamarei de social, isto é, que elas
partilham com outras
14
.” Tocqueville descrevia as comunas como “corpos
independentes” não havendo entre os habitantes da Nova Inglaterra alguém
que reconhecesse ter o Estado o direito de intervir na direção dos interesses
puramente comunais.
O que viabilizou o exercício direto do poder tanto na Grécia quanto na
experiência da Nova Inglaterra foi o contingente populacional reduzido. Na
Grécia, como é sabido, não tinham direito de se manifestar publicamente as
mulheres, crianças e escravos, reduzindo-se o exercício da cidadania aos
homens adultos.
É questionável a existência de alguma sociedade plenamente regida
pelo sistema democrático direto, uma vez que as sociedades necessitam de
algum grau de delegação para a execução de certas atividades que requerem
especialidade de conhecimento e habilidade na sua execução, o que leva a
adoção da representação por competência.
A propósito da chamada democracia representativa, esta é também
categoriazada como democracia indireta. Nela o povo exerce o poder político
15
de forma indireta, já que diretamente estará atuando o agende delegado.
13
FERREIRA FILHO, Manoel Golçalves. Curso de direito constitucional. 19ª ed. SP, Saraiva, 1992, pp. 69-82.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 14ª ed. SP, Saraiva, 1992, p. 237. RUSSOMANO, Rosah.
Curso de direito constitucional. ed. RJ, Freitas Bastos, 1997, p. 115. SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 22ª ed. 2003, pp. 125-148.
14
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na américa: leis e costumes. SP. Martins Fontes, 2ª ed, 2005, p. 76
15
BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Volume II. 5ª ed.
Brasília, UnB : SP, Imprensa Oficial, 2000, pp.940-941.
18
Na democracia indireta predomina o sistema de eleição para a
constituição de um representante que gozará do exercício do poder, embora
não se delegue a ele a titularidade desse poder. Por isso se diz que a
procuração pública não constitui um cheque em branco. É nesse sistema que
vicejam os partidos políticos e as agremiações sindicais.
Do mesmo modo que é difícil imaginar uma democracia totalmente
direta, as democracias representativas modernas moderam seus regimes com
mecanismos de manifestação direta haja vista a dificuldade de colocar em
prática um mandato público desprovido de algum mecanismo de accountability.
Daí ser comum nas democracias semi-diretas, como no caso do Brasil, o
regime jurídico constitucional asseverar que “todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.”
16
Os constitucionalistas brasileiros o uníssonos ao afirmar que a parte
direta da nossa democracia semi-direta é representada pelos instrumentos de
manifestação direta da vontade popular denominados plebiscito, referendo e
iniciativa popular. O Art. 14 da CF/88, que fundamenta esses instrumentos nos
incisos I, II e III, afirma com luminosa clareza que essas ferramentas jurídicas
permitem o exercício da “soberania popular”. Essa locução aponta diretamente
para a democracia participativa, constituindo base sólida para uma
interpretação jurídica que afirme existir direito subjetivo blico à participação
no sistema governativo brasileiro, seja ele presidencialista, fosse ele
parlamentarista
17
.
Um breve parênteses: esta dissertação procura ser propositiva no
sentido de sustentar que a participação cidadã constitui uma outra forma de
manifestação direta da vontade popular
18
, portanto legítima expressão da
soberania popular, dotada de substância jurídica na medida em que
compromissos juridicamente qualificados venham a ser assumidos pelos
agentes públicos perante a sociedade civil, fruto da interação sociopolítica que
16
CF/88, Art. 1º, Parágrafo único.
17
Cabe o registro de que o Art. 2º do ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, alterado pela
Emenda Constitucional nº 2/92, previu a realização do plebiscito para 21 de abril de 1993 com o propósito de definir
a forma (monarquia ou república) e o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo). A regulação do
exercício da soberania popular neste evento coube à Lei nº 8.624/93.
18
No mesmo sentido, ver o texto de Luciano Cerqueira intitulado Participação Cidadã: onde avançamos, onde
emperramos, publicado no periódico Democracia Viva 40 do IBASE Instituto Brasileiro de Análise Social e
Econômica, disponível na internet pelo endereço http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=866.
19
permita a esta influenciar de modo razoável, proporcional e democrático as
decisões sobre políticas públicas, como ocorre em uma série de situações
sujeitas legalmente a audiências públicas
19
.
Resgatando a noção de que a democracia não é um conceito político
abstrato, mas um processo de afirmação e confirmação do direito, e trazendo
essa questão para o âmbito da participação popular nos colegiados
comunitários, avulta de importância compreender que esses espaços públicos
de deliberação coletiva constituem uma forma real e concreta de exercício da
democracia direta cabendo ao direito municiar essas instâncias dos elementos
formais de juridicidade necessários para dotar de caráter vinculante as
decisões cunhadas em escrutínio, observado o grau de interferência que a
própria sociedade julgue útil e necessário para a “saúde” do regime
democrático por ela modelado. Em outras palavras e servindo-nos de uma
metáfora, se a diferença entre remédio e veneno é a dose, analogamente
podemos asseverar que o grau de interferência da sociedade sobre o processo
político governativo deve ser ponderado tendo em vista a própria vitalidade e
sustentabilidade do regime democrático. Cabe à própria coletividade
estabelecer o grau de transparência e accoutability que ela entenda necessário
e profícuo à democracia. Excessos de liberdade e de controle a pretexto de
uma bandeira democrática podem ser nocivos à própria democracia.
Qual a contribuição que o direito pode oferecer ao processo de
participação social via colegiados públicos interação sociopolitica? Exatamente
a definição das regras que prescrevem os termos e condições da “dosagem”
para o exercício da participação, conforme o estado do “paciente”, sob pena de
responsabilização.
Concentremo-nos na responsabilidade, pois nosso foco não está apenas
na responsabilidade dos atores sociais em função da participação democrática,
mas também, e sobretudo, nos agentes públicos que não assumem
compromissos jurídicos com a coletividade sob o argumento de que às
autoridades públicas cabe a competência legal de decidir como fazer.
19
A propósito do valor deliberativo das audiências públicas no Brasil, ver o artigo de Evanna Soares intitulado
Audiência Pública no Processo Administrativo, onde a autora sustenta que a “audiência pública é uma das formas de
participação e de controle popular da Administração Pública no Estado Social e Democrático de Direito”. Disponível
na internet no endereço http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3145. Consulta realizada em abril de 2009.
20
Ignoram, deliberadamente, com esse argumento o fato jurídico de que a
participação sociopolítica consiste num direito constitucional que se refere ao
poder decidir o que fazer. Esta é uma deliberação política por natureza e sobre
ela é necessário haver o desdobramento correspondente à responsabilização
administrativa do agente público que não cumprimento ao que tenha sido
soberanamente decidido pela vontade popular. Nosso argumento é o de que o
processo deliberativo político consiste na forma pela qual a sociedade dá conta
da sua responsabilidade constitucional em matérias de interesse público, como
é o caso da Segurança Pública, direito subjetivo público de natureza difusa cuja
exigência pela sua observância reside na efetividade da participação popular.
O direito infunde nas diversas instâncias de relação política e social o
caráter da responsabilidade exigível dentro dos limites e formas configurados
no ordenamento normativo, fruto da pactuação social construída pelo processo
democrático. Em outras palavras, no Estado democrático a atividade
governamental está sujeita ao império da lei na medida em que os próprios
agentes públicos estão sujeitos à responsabilização (accountable) tendo em
vista o grau de compromissos, deveres e obrigações que suas investiduras
públicas implicam.
Ser accountable, fazer account e produzir ou oferecer
accountability constituem, em seu conjunto e integralidade, a
contraparte dos poderes delegados de um mandato.
Correspondem ao atributo de ser responsabilizável, ao
processo de identificar responsabilidades, e à
responsabilização por escolhas, resultados e conseqüências
no exercício de um mandato à luz de seu fim. (MUNIZ e
PROENÇA JR, 2007, p.33)
Do ponto de vista jurídico, essa sentença é plenamente verdadeira
quando nos reportamos aos institutos do tipo impeachament, recall (que não
existe no ordenamento brasileiro em relação aos parlamentares), cassação de
mandato parlamentar por deliberação da própria corporação legislativa,
demissão do funcionário público por condenação judicial por fato que
comprometa a sua função como servidor, entre outros.
21
No entanto, no campo do funcionamento dos chamados conselhos
comunitários a responsabilização dos atores que integram esses colegiados
ainda é pouco discutida e estudada. As reuniões comunitárias ainda são muito
vazias de densidade jurídica no tocante a assunção de compromissos que
espelhem uma real intenção de democratização do poder e,
consequentemente, das responsabilidades.
Embora não seja a pretensão desse trabalho investigar largamente os
processos de responsabilização jurídica dos membros dos diversos conselhos
públicos e populares, posto que nos concentraremos na própria fabricação das
normas que dão suporte jurídico-positivo a uma posterior responsabilização,
não podemos deixar de registrar que essa seria uma grande contribuição da
pesquisa acadêmica para o amadurecimento da democracia participativa
operada sob a forma de conselhos populares.
Como para haver democracia é necessário existirem regras e como a
responsabilidade deve ser imputada e exigida em face da inobservância
dessas mesmas regras, deduz-se que a democracia tem profunda relação com
o direito. Afinal, o objeto de estudo do direito é a relação social juridicamente
qualificada e regulada por dispositivos que estabelecem preceitos e sanções.
Neste compasso, conforme sustenta Norberto Bobbio, o futuro da
democracia está no respeito às normas e às instituições democráticas,
consistindo essas questões em requisitos fundamentais para a renovação
progressiva da sociedade
20
. Na verdade, com esse pensamento Bobbio navega
na tese de Kant que sustenta a paz perpétua como último estágio da
organização social, baseada no império da razão e não na supremacia do
poder
21
.
Como instituição democrática garantidora da universalidade das regras e
que ordenam a vida em sociedade e da inclusividade de seus destinatários,
objetivando promover a paz e a ordem públicas, desponta a função policial
como principal gestora da Segurança Pública. Por conta disso, escolhemos
este setor da governabilidade estatal para ensejar o tema participação social.
20
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. SP. Paz e Terra, 2000.
21
A respeito da paz kantiana ver http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/407/304.
Consulta realizada em março de 2009.
22
A categoria segurança pública será tomada nesta dissertação ora em
seu sentido amplo ora no sentido estrito. No sentido amplo estaremos aludindo
ao estado da ordem pública e social resultante do conjunto de fatores políticos,
econômicos, sociais, culturais, jurídicos e até mesmo psicológicos que
conformam a percepção de segurança. Não vamos nos dedicar à investigação
de cada um desses aspectos em separado, mas cuidaremos de todos eles de
modo a reconhecer as suas interconexões, com especial destaque para a
influência dos custos econômicos da criminalidade e da violência para que o
Estado democrático de direito possa se constituir em instrumento do
desenvolvimento. No sentido estrito a categoria segurança blica será
utilizada na sua compreensão habitual, ou seja, de atividade policial estatal, de
caráter preventivo e repressivo, destinada ao controle da violência e da
criminalidade. O papel político das instituições e organizações policiais se
abordado na medida em que o texto demandar essa noção no contexto amplo
e estrito da categoria. Para efeito de esclarecimento, a fim de sinalizar para o
leitor qual o sentido que estaremos dando ao emprego da categoria,
indicaremos com maiúsculas o sentido amplo (Segurança Pública), reservando
para o sentido estrito a redação dos vocábulos da locução com iniciais
minúsculas.
Como vamos trabalhar a participação social na Segurança Pública
atribuindo ao associativismo participativo blico um destaque na configuração
de um novo modelo de democracia no qual o sistema representativo,
reconhecendo seus limites e possibilidades, se conjuga às ferramentas do
sistema participativo e deliberativo, será importante salientar uma questão
apontada como uma das mais importantes para o enfraquacimento das
organizações representativas partidárias e sindicais: a questão econômica.
De forma bastante sintética e despretensiosa, os livros constumam
registrar que o os partidos políticos e sindicatos foram seviciados pelo poder
econômico de modo a trair suas origens de representação democrática.
Fernando Barbalho Martins chaga a falar em “colonização do espaço de debate
e discurso político detido pelos cidadãos para a deliberação acerca dos limites
recíprocos dos direitos fundamentais e das diretrizes das políticas públicas que
23
implementarão os progressos materiais da sociedade
22
, fato do qual também
podem ser alvo os mecanismos propostos pelo sistema democrático
participativo. Temos um exemplo de colonização econômica das organizações
representativas partidárias nos lobbies.
Como a democracia representativa passa por uma grande crise,
carecendo talvez de uma refundação, verificou-se a atuação dos grupos de
pressão nos bastidores do poder e nas diversas instâncias de interação com o
Estado, sem qualquer regulamentação, eximindo-os de uma forma mais clara e
eficaz de imputação de responsabilidade por seus atos. Esses grupos de
pressão se materializam suas atividades por meio do uso do direito de reunião,
do direito de associação, do direito de petição e direito de sindicalização,
pervertendo o sentido dos sistemas democráticos, sejam eles representativos
ou participativos pelo investimento que fazem no desequilíbrio de correlação de
forças. Entretanto, o que queremos ressaltar é que a normatização da
participação social é fundamental para que haja sustentação institucional dos
processos democráticos, sobretudo por conta da questão da responsabilidade.
Participar não é um mero ato cívico vazio de implicações, é, sobretudo, exercer
o poder de influenciar os rumos da governabilidade com o ônus das
consequências de seus atos.
Neste sentido avulta de importância investigar, ainda que
perfunctoriamente, os efeitos das questões econômicas em face da
organização democrática da sociedade.
Do ponto de vista da participação comunitária nos conselhos
democráticos que discutem a Segurança Pública, cabe, por exemplo, investigar
os custos econômicos da violência e da criminalidade e seu impacto na
sustentabilidade do desenvolvimento tendo em vista o regime político que
suporte a este mesmo desenvolvimento. Em outras palavras, examinar o custo
da criminalidade implica verificar também, e sobretudo, o grau de
comprometimento da autoridade do poder estatal para sustentar o
desenvolvimento, inclusive econômico, em face do poder desarticulador das
forças sociais paralelas.
22
MARTINS, Fernando Barbalho. Do direito à democracia: neoconstitucionalismo, princípio democrático e a crise
do sistema representativo. RJ. Lumen Iuris, 2007, p.89.
24
O perigo que a violência e a criminalidade oferecem ao Estado
democrático de direito reside no fato de que as forças paralelas (grupos
paramilitares, máfias, milícias etc) implantam um cenário de disputa de poder
com o Estado, muitas vezes associado, equivocadamente, a uma situação de
“guerra”
23
. O Estado de desordem social, por seu turno, não enfraquece as
instituições democráticas como emperra o desenvolvimento. Ora se o Estado
democrático de direito está finalisticamente vinculado ao desenvolvimento e se
este depende de um ambiente estável e seguro, nada mais coerente do que
colocar em pauta de discussão a regulação social da Segurança Pública.
Iniciaremos nossa exposição com a obra de Robert Putnam tendo em
vista a densidade de suas pesquisas no sentido de correlacionar desempenho
governamental, desenvolvimento econômico e democracia.
23
Em orientação para o desenvolvimento desse trabalho, MUNIZ sempre enfatizou que o maior equívoco do
argumento da possibilidade de existência de uma “guerra” dentro do Estado democrático de direito em função da
criminalidade está na distorção da imagem do cidadão como inimigo. Por outro lado, a guerra normalmente consiste
na disputa de poder sobre um determinado território. Ora o Estado é titular da soberania e está municiado de todo o
aparato necessário para fazer valer o seu domínio, sobretudo no que se refere ao monopólio do uso legítimo da força.
25
CAPÍTULO I
GOVERNABILIDADE, CRIMINALIDADE E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E SOCIAL.
Robert Putnam, em seu estudo sobre a democracia na Itália moderna
24
,
constata que a existência de comunidades cívicas favorece a democracia e a
prosperidade econômica. O que são comunidades cívicas? São aquelas cuja
vida social e política apresenta-se bem articulada e enraizada na coletividade,
ocasionando a existência de muitas associações, intensa participação social,
vários leitores de jornais, muitos eleitores politizados e menor índice de práticas
clientelistas.
O estudo baseou-se na relação entre os dados sobre desempenho
governamental e desenvolvimento econômico das regiões Norte e Sul da Itália.
A conclusão foi a de que “o Norte é bem mais adiantado do que o Sul”.
Entretanto, a pergunta a que o autor procurou responder foi a seguinte: “por
que certos governos regionais italianos tinham bom desempenho e outros não,
levando-se em consideração que todos haviam sido criados ao mesmo tempo e
com o mesmo aporte de recursos?”
25
No entendimento do autor a modernidade econômica está de algum
modo associada ao bom desempenho das instituições públicas, embora não se
possa estabelecer uma relação de causalidade entre aquela e esta
26
. Dados
colhidos nas pesquisas desse autor revelaram que há regiões economicamente
mais adiantadas do que outras com um desempenho governamental bem
menos eficiente do que os verificados em localidades que figuram nas últimas
24
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da itália moderna. RJ. FGV, 5ª ed, reimpressão
2007.
25
O presente item foi inspirado na publicação de Veronika Paulics disponível no endereço eletrônico
http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=81. Pesquisa realizada em fevereiro de 2009.
26
A propósito, ver o estudo sobre desempenho governamental e condições econômicas realizado no Brasil realizado
por José A. CHEIBUB e Adam PRZEWORSKI, onde se conclui que os “governantes são responsáveis se sua taxa de
risco cresce e a probabilidade de sobrevivier no governo diminui à medida que o desempenho econômico piora”.
Disponível no site http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69091997000300004&script=sci_arttext. Pesquisa
realizada em março de 2009.
26
posições da pesquisa no quesito desenvolvimento. Infere o pesquisador,
portanto, que “riqueza e desenvolvimento econômico não explicam tudo.”
Por outro lado, dados colhidos na década de 1970 mostraram que nas
regiões mais democráticas havia um grande número de grupos de grêmios
literários, clubes de esportes, associações diversas, Lions etc. nas
comunidades do Sul da Itália, onde os governos enfrentavam dificuldades para
manter um desempenho democrático, a população não tinha o hábito de se
reunir espontaneamente.
Este fato levou Putnam a investigar as origens do que ele denominou de
“comunidade cívica”. O pesquisador concluiu que nas localidades onde houve
uma rede de relações solidárias horizontais, que mantiveram após a unificação
(1870) suas tradições cívicas de cunho republicano, com valorização de ícones
como honestidade, confiança e observância às lei, tanto a economia quanto a
democracia puderam se consolidar. Onde o desenvolvimento econômico se
operou em um quadro de relações verticalizadas ocorreu, ao contrário, um
desmantelamento das relações, supostamente porque elas não se baseavam
na confiança e na solidariedade, mas no clientelismo, no “familiarismo amoral”.
Conclui Putnam que a credibilidade e a confiança, conteúdos próprios do
capital social articulados pelo sentimento cívico e pelo exercício democrático
constituem base essencial para o desempenho governamental e o
desenvolvimento econômico, não pertencendo à proposta desse autor uma
relação de causalidade entre esses três aspectos, mas entrelaçamento dessas
questões formando uma espécie de relação horizontal em rede, um
emaranhado, onde tudo está interligado. A conclusão realmente não poderia
ser numa perspectiva causal, posto que governos autoritários produziram
desenvolvimento e crescimento econômico, ainda que sob um regime
excludente e maximizando a desigualdade, por um lado, e o assistencialismo
como resposta, por outro.
No que toca à proposta da presente dissertação podemos nos servir do
estudo de Putnam para reforçar a importância da participação social embutida
no sentimento de comunidade vica como questão fundamental para a
governabilidade da Segurança Pública.
27
Por que?
Primeiro, porque o estudo demonstra que não correlação necessária
entre desenvolvimento econômico e eficácia no desempenho governamental,
servindo inclusive de reforço para os estudos consolidados no Brasil sobre a
equivocada correlação entre pobreza e crime
27
, no que se refere à gestão
pública da segurança Ou seja, se não há relação causal entre desenvolvimento
econômico e desempenho governamental como não entre pobreza e crime,
é de se concluir que o desempenho governamental na Segurança Pública não
pode estar calçado exclusivamente em políticas meramente materiais do tipo
mais policiais, mais viaturas, mais armamento, mais rádios comunicadores etc,
deixando de lado os aspectos imateriais que dizem respeito ao sentimento
cívico, ao espírito democrático e à convicção de existirem direitos subjetivos
que amparam os aspectos cívicos e democráticos do desenvolvimento
humano, social e econômico.
Segundo, porque ele chega à conclusão de que a estabilidade do
governo tem mais a ver com a comunidade cívica do que com os recursos
econômicos ou político-administrativos disponíveis, na medida em que em
razão dos vínculos “comunais” a participação, a percepção de igualdade
política, a solidariedade, a confiança e a tolerância
28
constituem o plasma que
reúne tudo e todos, a tudo e a todos. É necessário ponderar, porém, que essa
visão, numa escala política de maior envergadura, pode estar a serviço de
ufanismos etnocêntricos derivando em nacionalismos, fundamentalismos,
racismos, etc.
É de se concluir, portanto, que a política de Segurança Pública deve
considerar estratégias que visam ao fortalecimento das relações sociais
baseadas na confiança, na valorização da honestidade, no espírito de boa
vizinhança, no compromisso mútuo, na co-responsabilidade etc. Essa missão
governamental, ao contrário do que possa parecer, não é utópica, romântica,
27
Conferir trabalho publicado por Michel MISSE intitulado Crime e Pobreza: velhos enfoques, novos problemas.
Disponíve na internet no endereço http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/arquivos/CRIME%20e%20pobreza.pdf. Pesqusa
realizada em fevereiro de 2008.
28
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da itália moderna. RJ. FGV, 5ª ed, reimpressão
2007, pp.101-105.
28
irrealista ou piegas
29
. O que falta é a continuidade de práticas que
institucionalizem uma tradição que cultue valores cívicos voltados à
colaboração social, a administração pacífica de conflitos, o que implica
participação cidaem todos os níveis da experiência sociopolítica. Como isso
ultrapassa o tempo de um mandato de governo, parece um sonho irrealizável.
Por isso essa questão deveria ser enxergada, realmente, como política de
Estado e não de um ou alguns governos.
Os sentimentos cívicos e comunitários são amplamente trabalhados nas
dinâmicas de participação social, sejam elas voltadas para atender a questões
governamentais seja para o interesse “interno” da própria comunidade. Os
sentimentos cívicos e comunitários são portadores dos atributos da
solidariedade, da afetividade e da percepção de pertencimento.
Com base nos argumentos da obra de Putnam é possível sustentar que
a insegurança pública está também relacionada à escassez da percepção
coletiva de comunidade cívica, ou seja, dos vínculos intersubjetivos baseados
em valores comuns que conferem estabilidade, credibilidade, previsibilidade e
confiança às relações sociais locais e às instituições jurídicas que as regulam.
É nesse ponto que entendemos que se entrelaçam, embora não se confundam,
as questões republicana e democrática
30
à luz do direito.
Pode-se compreender a participação social a partir de duas dimensões:
uma democrática e outra republicana. Aliás, ambas integram o perfil
constitucional do Estado brasileiro.
Temos tratado a questão da Segurança Pública a o momento neste
trabalho basicamente sob o foco dos direitos democráticos e não enfatizamos
os valores republicanos. Contudo, parece-nos necessário, ainda que en
passant, ressaltar a importância dos valores cívicos e comunitários e seus
efeitos no campo do desenvolvimento econômico e do desempenho
governamental em face da questão da Segurança Pública. A esse respeito,
pontue-se que estamos ainda nos valendo das pesquisas de Putnam
registradas na mesma obra já citada.
29
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da itália moderna. RJ. FGV, 5ª ed, reimpressão
2007, p.124.
30
BOBBIO, Norberto; VIROLI, Maurizio. Direitos e deveres na república: os grandes temas da política e da
cidadania.RJ, Elsevier, 2007.
29
O autor afirma que as regiões italianas menos cívicas da Itália são as
mais sujeitas à velha praga da corrupção política e foi nelas que a Máfia
vicejou, oferecendo às regiões em que atuava seus “serviços” de proteção e
garantia, especialmente para os comerciantes. Dada a debilidade crônica do
Estado em dar conta da segurança das relações sociais em seus diversos
matizes, sobretudo o econômico, Putnam afirma que o poder dos grupos
informais impossibilitou o Estado italiano de conquistar a lealdade do público,
passando a coletividade a contar com os mafiosos para garantir a efetividade
dos acordos com um mínimo de certeza de que eles seriam cumpridos.
Portanto, um deslocamento da “lealdade” social que migra das instituições
formais para as não-formais, ou talvez seja melhor dizer que a sociedade migra
da lealdade às instituições democráticas para o assujeitamento aos regimes de
dominância arbitrária das organizações paralelas. As “lealdades” paralelas são
forjadas por imposições, ameaças e não admitem contestações. Portanto não
se trata, propriamente de legaldade, mas de assujeitamento. Lealdade é um
atributo próprio da democracia e como tal inconcebível em regimes arbitrários
nos quais os vínculos de fidelidade se baseiam na jura ao déspota tendo em
vista o medo que ele representa. Por isso, em regimes arbitrários o vassalo
“negocia” com o “suserano” o grau de proteção de que pode gozar em troca do
seu maior assujeitamento. Na democracia não se “negocia” o poder sob a
forma de proteção individual selada pela jura, mas a segurança pública
derivada da obediência consentida ao uso da força aplicada aos casos e na
forma autorizados pela própria coletividade
31
. Na democracia a cláusula da
universalização de direitos, sobretudo os fundamentais, é inegociável porque a
própria democracia é inegociável enquanto condição, contexto e meta.
O problema é que as lealdades paralelas” consolidam círculos de poder
que sabotam a si próprios e o Estado, haja vista não compartilharem de regras
e ideais comuns. Grupos de poder que se hostilizam pela disputa de espaços
de poder geram instabilidade e insegurança. Aliás, esse é o motivo pelo qual o
Estado deve negar o discurso e as ações de governo baseadas numa lógica de
puro enfrentamento, de “guerra”. Essa postura é tautológica e não condiz com
a institucionalização e organização do Estado democrático de direito. Cabe ao
31
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento. Uma análise internacional comparativa. 2ª ed. SP, Edusp, 2006, p.
23.
30
Estado catalisar a adesão popular e mostrar que o pacto pela construção de
uma sociedade democrática é vantajoso para todos, especialmente no que se
refere ao desenvolvimento humano, político, social e econômico.
Seja por meios institucionais oficiais ou por exercícios paralelos, a
promessa da estabilização e garantia das relações sociais passa pelo exercício
deliberado da violência como recurso de poder. Entretanto, o caráter
institucionalizado da norma jurídica funciona como garantia para a sociedade
democrática e é esse caráter institucionalizado que distingue o Estado
democrático do despótico e arbitrário
32
. A opção pelos meios institucionais e
pactuados, ainda que implique destrinçar um intenso emaranhado de idéias,
expectativas e interesses em conflito, é o caminho mais adequado, sobretudo
em sociedades que pretendem manter os valores democráticos da liberdade e
do pluralismo. Por uma razão muito simples: as regras oficiais em uma
plataforma democrática o regras conhecidas por todas as partes, ao passo
que numa autocracia, sobretudo do tipo tirânica (máfias, milícias, facções etc),
o exercício do poder é oculto, instável e predatório. Na esteira de Bobbio:
Pense no que é a democracia em relação à autocracia. A
democracia é a tentativa de tornar o poder visível a todos;
é, ou deveria ser, “poder em público”, ou seja, aquela forma
de governo em que a esfera do poder invisível está
reduzida ao mínimo. (BOBBIO e VIROLI, 2007, p.106)
Noutra passagem, assevera Norberto Bobbio que
O máximo de corrupção corresponde ao máximo de
segredo. O pagamento de um contrato regular deve ocorrer
sob a luz do sol; o dinheiro dado ao corrupto é dado nas
sombras. O contrato juridicamente legal é público; a relação
de corrupção acontece em segredo. (BOBBIO e VIROLI,
2007, p.110)
32
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. SP. Martins Fontes, 2008, pp. 7-10.
31
Os efeitos negativos para o Estado enquanto instituição, para o Governo
enquanto gestão, para a Economia enquanto forma e sustentabilidade do
sistema de produção e para a Sociedade enquanto destinatária dos “serviços”
paralelos é patente e não requer profunda reflexão para ser compreendida.
Uma economia, por exemplo, não tem condições sustentáveis de
desenvolvimento em um ambiente social desestabilizado por grupos paralelos
disputando o poder. A única economia possível, neste caso, é a da guerra e a
do terror (interno ou internacional), expressão substantiva e visível da ainda
presente mercancia de “escravos”.
No que toca à séria questão da adesão social por meios violentos a
propostas paralelas, ou pelo menos no que se refere à leniência com tais
expressões de poder, guardadas as devidas proporções e especificidades de
cada contexto, semelhante ao ocorrido na Itália com relação à Máfia, verificou-
se no Rio de Janeiro que a ação das milícias foi percebida com tolerância ou
mesmo com apoio. Pesquisa realizada por meio da internet pelo Jornal O
Globo e publicada em 18 de dezembro de 2006 conta de que num universo
de 2.016 leitores e internautas daquele jornal, 35% optaram pela resposta “não
é o ideal, mas pelo menos elas (as milícias) dão paz às comunidades”,
evidenciando tolerância; 28% optaram pela resposta “eu apóio e pagaria pela
proteção, se fosse necessário”; finalmente, 37% dos participantes entendem
que esse tipo de atividade constitui “uma ilegalidade que deve ser tão
combatida quanto o tráfico”
33
.
É claro que essa pesquisa apresenta uma série de limitações e
circunstâncias que comprometem a sua tradutibilidade crítica frente ao
problema, a começar pela seletividade do público objeto da amostragem que
tem um perfil bastante homogêneo. Entretanto, é exatamente essa
homogeneidade do nicho pesquisado que nos chama a atenção, posto que é
um público classificado pelo próprio Jornal como sendo predominantemente
dos níveis “A” (32%) e “B” (42%), considerados a faixa econômica, a
capacidade de consumo, o local de moradia, o gênero, a idade e a
33
Ver o texto da repostagem em http://oglobo.globo.com/rio/mat/2006/12/15/287060343.asp. Consulta realizada em
Junho de 2008.
32
escolaridade
34
. Neste sentido, parece-nos sintomática a leniência das classes
A e B frente ao tema, especialmente porque são elas que fazem uma leitura
aparentemente “simpática” acerca da ação das milícias, a partir de seus
próprios interesses, critérios, valores e perspectivas, quando a situação objeto
da consulta atinge dramaticamente as classes C (17%), D e E (3%). Afinal, são
essas classes que são subjugadas ao poder arbitrário e paralelo das milícias,
portanto elas é que deveriam também ser consultadas a respeito.
Não seria de todo grosseiro dizer que é exatamente a classe média
(carioca) - “baluarte da democracia estável e eficaz”
35
- quem subsidia a lógica
da proteção, dinâmica completamente oposta à perspectiva das comunidades
cívicas cujo foco está na redução das oportunidades de desvio e das condições
que propiciam a violência e a criminalidade.
No que se refere aos efeitos econômicos da insegurança a revista
Exame publicou em 15 de maio de 2006 artigo intitulado “Onda de violência
altera o cotidiano da economia paulista”
36
. O eixo temático foi o fato de que as
“empresas paulistas decidiram antecipar o fim do expediente em dia marcado
por ataques a policiais e bancos (grifo nosso). Parece-nos dotado de
sugestiva simbologia o fato de que os alvos dos ataques tenham sido os
agentes da segurança pública e os agentes econômicos mais poderosos do
Brasil, sugerindo uma percepção latente de íntima relação entre os dois.
O IPEA estima em 10,5% do PIB o custo do crime e da violência,
“incluindo despesas com segurança, justiça, saúde e perdas patrimoniais e
intangíveis.”
37
Citando dados do Banco Mundial, em entrevista à BOVESPA José
Vicente da Silva Filho, já citado anteriormente neste trabalho, diz que:
Que os ônus econômicos da violência são altíssimos não
dúvida: estudos do Banco Mundial mostram que o custo
34
Ver o perfil do leitor O Globo em http://www.infoglobo.com.br/mercado_perfilleitores.asp. Consulta
realizada em fevereiro de 2009.
35
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da itália moderna. RJ. FGV, 5ª ed, reimpressão
2007, p.98.
36
Consultar em
http://portalexame.abril.com.br/degustacao/secure/degustacao.do?COD_SITE=35&COD_RECURSO=211&URL_R
ETORNO=http://portalexame.abril.uol.com.br/economia/m0081998.html. Pesquisa realizada em setembro de 2008.
37
Ver http://desafios.ipea.gov.br/desafios/edicoes/24/artigo22749-1.php. Consulta realizada em março de 2009.
33
anual da violência para América Latina chega a 10% do
PIB. No Brasil, o cálculo mais moderado indica 7,5% - algo
como US$ 150 milhões por dia, mais que o dobro do de
países desenvolvidos. Isso inclui desde gastos com o
aparato judicial, policial, prisional até estimativas de
propriedades e vidas perdidas e gastos adicionais para a
empresa privada. (...) A violência, diz o Banco Mundial, é
um grande obstáculo ao desenvolvimento na AL. Reduz a
competitividade em países como Brasil, Venezuela,
Colômbia, encarece as operações das multinacionais e
induz a um deslocamento de investimentos para países
menos violentos como Malásia, Tailândia, onde os índices
são mais ou menos um décimo dos índices brasileiros.
Apesar da moderna infra-estrutura comercial, industrial,
financeira, de comunicações, executivos estrangeiros têm
medo de trabalhar no Brasil e exigem compensação
salarial. Não sem razão: mais de 300 mil veículos são
furtados e roubados por ano; a pirataria impede a
arrecadação de quase R$ 30 bilhões em impostos por ano;
os roubos de cargas (mil por mês no País) acarretam
prejuízos de R$ 700 milhões/ano, elevando os custos de
gerenciamento de riscos das transportadoras - que iam de
2% a 3% do faturamento dez anos - entre 12% e 15%.
Em São Paulo matam-se sete pessoas e há mil assaltos por
dia só na capital.
38
O Banco Mundial tem o entendimento de que a garantia do
desenvolvimento por meio da modernização do multilateralismo e dos
mercados depende de uma “estrutura diferente de construção da segurança,
legitimidade, governança e economia”, ressaltando que o conceito de
segurança não passa pelo entendimento tradicional da construção ou
manutenção da paz.
Garantia do desenvolvimento é primeiro associar segurança
e desenvolvimento para atenuar a transição do conflito para
a paz e então integrar a estabilidade de modo que o
desenvolvimento possa consolidar-se durante mais de uma
década. Somente pela garantia do desenvolvimento
podemos fixar raízes suficientemente profundas para
quebrar o ciclo de fragilidade e violência.
Nossa avaliação de qual a melhor forma de garantir o
desenvolvimento para sintetizar a segurança, governança
e economia a fim de obter mais eficácia – ainda é modesta.
38
Consultar site da BOVESPA http://www.bovespa.com.br/InstSites/RevistaBovespa/99/Seguranca.shtml. Pesquisa
realizada em fevereiro de 2009.
34
Enfrentamos hiatos críticos nas competências
internacionais.
Em última análise, o elemento mais importante nos Estados
frágeis ou pós-conflito é a população desses países.
Contudo, será necessária uma assistência muito mais forte
e duradoura para ajudar essas pessoas a deixarem de ser
vítimas para se tornarem os principais agentes da
recuperação. Além da assistência, exige novas redes de
relacionamento entre forças de manutenção da paz e
agentes de desenvolvimento e uma nova abordagem para a
segurança.
39
A CNI Confederação Nacional da Indústria, em estudo feito no final de
2008 a respeito da capacidade competitiva do Brasil em face da necessidade
de inovação, publicou trabalho intitulado “Conhecimento e Inovação para a
Competitividade” cujo capítulo 7 aborda o tema: “Como o Brasil pode estimular
a inovação”. O item 7.2. elenca uma série de medidas e recomendações
necessárias para gerar um ambiente favorável ao investimento do setor
privado. A última delas assinala: “solucionar as deficiências infra-estruturais
que aumentam os custos de produção e de fazer negócios”. (grifo nosso)
Neste tópico lê-se que:
Os custos logísticos como parcela do PIB, por exemplo, são
muito mais altos no Brasil (24%) se comparados ao Chile
(16%) ou do México (18,59%). Outros elementos do cenário
institucional são igualmente desfavoráveis e precisam ser
modificados, em particular o excesso de burocracia, a
corrupção e a incapacidade de controlar a violência.
(...)
40
(grifo nosso)
Os custos da violência e da criminalidade no Rio de Janeiro também
foram objeto de reportagem sob o título: “Violência urbana destrói economia
39
Conferir texto completo do discurso do Presidente do Grupo Banco Mundial, Robert B. Zoellick, proferido no
"Peterson Institute for International Economics", em Washington D.C., em 6 de outubro de 2008 no site
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/HOMEPORTUGUESE/EXTPAISES/EXTLACINPOR/BRAZILIN
POREXTN/0,,contentMDK:21928232~menuPK:3817263~pagePK:2865066~piPK:2865079~theSitePK:3817167,00.
html. Pesquisa realizada em março de 2009.
40
http://www.cni.org.br/portal/data/pages/8A9015D01C8A9CF7011C8BC13E613FF5.htm. Pesquisa realizada em
março de 2009.
35
local e degrada bairros no Rio”
41
. A reportagem traz números importantes para
ilustração:
O medo e a violência, somados ao esvaziamento
econômico, transformaram parte dos subúrbios da
Leopoldina e da Central - região que já atraiu lojas e
grandes indústrias pela proximidade com o Centro e a boa
infra-estrutura urbana - numa espécie de terra de ninguém.
Essa degradação ameaça levar para o ralo investimentos
públicos em infra-estrutura básica estimados entre R$ 3
bilhões e R$ 20 bilhões, sem contar os gastos particulares.
Com 33 bairros, sete Regiões Administrativas e uma área
de 95 quilômetros quadrados, onde vivem cerca de um
milhão de pessoas (dez por cento do território e 17% da
população do Rio), essa região que se estende do Caju à
Pavuna tem ruas asfaltadas e iluminadas, redes de
drenagem, água e esgoto. Ela é cortada por vias
importantes como a Avenida Brasil, a Rua Leopoldo
Bulhões e as Linhas Vermelha e Amarela, a Linha Dois do
Metrô (Estácio-Pavuna) e a ferrovia, que incentivou o
desenvolvimento.
Pesquisa do Instituto Fecomercio-RJ nos principais
corredores do subúrbio mostra um percentual alto de
imóveis fechados. Na Penha, 12,8% (290) dos 2.257
imóveis comerciais, industriais e residenciais estão
desocupados. Em Olaria, o índice é de 8,68% (74 dos 1.464
imóveis); em Ramos é de 7,16% (110 dos 1.537 imóveis);
em Bonsucesso é de 6,35% (173 dos 2.724 imóveis); em
São Cristóvão é de 8,59% (181 dos 2.118 imóveis) e em
Benfica é de 6,11% (29 dos 475 imóveis).
Na sondagem, a Fecomércio ouviu comerciantes de São
Cristóvão, que citaram como principais problemas do bairro
a falta de estacionamento (11%) e a violência (8%). os
moradores reclamaram principalmente da violência (25%) e
da falta de variedade no comércio (12%).
A ADEMI Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário - tem externado a sua preocupação a respeito da elevada
desvalorização dos imóveis no Rio de Janeiro, fato que vem afetando,
41
Conferir em http://www.viaseg.com.br/noticia/1787-
violencia_urbana_destroi_economia_local_e_degrada_bairros_no_rio.html. Consulta realizada em fevereiro de 2009.
36
inclusive, o mercado imobiliário de regiões residenciais e comerciais
tradicionais, com forte apelo turístico
42
.
Retornando à obra de Putnam, o autor faz referência à Diego Gambetta
a propósito da ação de um poder paralelo ao Estado cujo principal investimento
é construir uma imagem de credibilidade e proteção, agregando valor aos seus
“serviços” que prometem garantia e estabilidade às transações econômicas.
A atividade mais específica dos mafiosi consiste em
produzir e vender um produto muito especial, intangível,
porém indispensável na maioria das transações
econômicas. Em vez de produzirem carros, cerveja, porcas
e parafusos ou livros, eles produzem e vendem confiança.
(PUTNAM, 2007, p.157, apud, Diego GAMBETA.
Fragments of an economic theory of the mafia. European
Journal of Sociology. 29: 127-45, 1988 citação à página
128.)
Também é curiosa a investigação de Putnam a respeito da relação entre
a maior ou menor densidade da experiência cívico-comunitária e a expectativa
dos cidadãos sobre o desempenho do mandato policial em face da corrupção
política. As pesquisas por ele comandadas e realizadas junto a deres
comunitários indicam que nas regiões menos cívicas essas lideranças
mostraram-se muito mais inclinadas a definir como corrupta a sua política
regional do que os líderes das regiões mais cívicas. O mesmo contraste pôde
ser observado nas pesquisas de opinião pública realizada em toda a península
em 1987 e 1988, na qual se constatou o seguinte:
Nas regiões cívicas os cidadãos demonstram maior
confiança social e maior na disposição de seus
concidadãos para obedecer à lei do que nas regiões menos
cívicas. Por outro lado, os cidadãos das regiões menos
cívicas foram os que mais insistiram em que as autoridades
42
Ver página da ADEMI: http://www.ademi.webtexto.com.br/article.php3?id_article=20914.
Consulta em 16 de janeiro de 2009.
37
deveriam impor maior respeito à lei e à ordem em suas
comunidades. (PUTNAM, 2007, 124)
Segundo Putnam, o fortalecimento das redes de relações locais,
expressas sob as mais diversas formas de participação social, visando sempre
ao crescimento do capital social, embora não seja uma panacéia, é um fator
determinante para a efetividade dos governos, além de ser decisivo para o
desenvolvimento econômico e social.
Para a estabilidade política, para a boa governança e
mesmo para o desenvolvimento econômico, o capital social
pode ser mais importante até do que o capital físico e/ou
humano. (PUTNAM, 2007, p.192)
Como a segurança pública é a área do governo que melhor sinaliza as
práticas de boa governança, haja vista seus indicadores não se expressarem
apenas pela reação da coletividade com a qualidade do serviço público
especificamente prestado pelas agências de segurança como também pela
percepção generalizada da qualidade de vida em seus múltiplos aspectos,
sobretudo econômicos e sociais, entendemos que tais práticas não devem se
limitar à participação cidadã na gestão pública. Deve buscar, também, a
formação de um senso de comunidade cívica. Ou seja, a participação cidadã,
além de ser um direito social de índole democrática, também possui uma
dimensão de índole republicana que precisa ser trabalhada.
38
CAPÍTULO II
Governança Democrática na Segurança Pública
1. Segurança pública em sociedades livres e plurais.
Segurança pública em sociedades livres e plurais é questão concernente
à permanente construção da ordem pública por meio de mecanismos de
regulação e controle sociais articulados conjuntamente pelo Estado e pela
sociedade em interação sociopolítica. Destes mecanismos resultam
compromissos mútuos para a solução dos conflitos sociais vigentes e
prevenção dos emergentes, sobretudo daqueles que se expressam sob a
forma de violência e criminalidade, sem prejuízo dos direitos considerados
fundamentais à pessoa humana.
Esta abordagem contempla o sentido amplo da categoria segurança
pública, não se limitando à percepção do controle da criminalidade pelo uso da
força pública policial como meio de produzir e sustentar a ordem pública. O
quadro da segurança pública é composto de muitas variáveis que se
entrecruzam, de modo que sua gestão não pode limitar-se a causas ou
soluções únicas. A morfologia da segurança pública é complexa, dinâmica e
mutável
43
. Seu tecido resulta de um entrelaçamento de aspectos políticos,
econômicos, sociais e institucionais
44
, sem o aporte dos quais a administração
desta pasta governamental se torna tautológica.
Qual a relação entre a liberdade e a pluralidade com a gestão pública da
segurança, tendo em vista a promoção da ordem social? O que a organização
sociopolítica tem a ver com tudo isso? Levando em consideração o eixo da
presente dissertação: qual o significado da participação social no cenário da
43
Neste sentido parece mais apropriado falar-se em morfogênese da segurança blica do que em morfologia, tendo
em vista as relações dinâmicas e intrínsecas entre as estruturas social, econômica, políticas e jurídica na configuração
da criminalidade e da violência .
44
ZALUAR, Alba. Violência, crime organizado e poder: a tragédia brasileira e seus desafios. In VELLOSO, João
Paulo dos Reis. Governabilidade, sisema político e violência urbana. RJ. José Olympio, 1994, p. 86.
39
segurança pública, tendo em vista o conflito social e os valores democráticos
da liberdade e da pluralidade?
Essas indagações são essenciais para a compreensão do significado da
segurança pública em sociedades democráticas, porque elas abrem caminho
para o entendimento de que o conflito social é o plasma da democracia, aliás,
de qualquer sociedade.
Admitindo-se que a liberdade e o pluralismo fomentam o conflito social
em razão dos interesses que veiculam, sobretudo em sociedades de escala
onde é típica a formação de grupos heterogêneos e contrapostos, conclui-se
que é do conflito social que surge a necessidade coletiva de institucionalizar
mecanismos de gestão pública capazes de dar conta desses mesmos conflitos
de forma racional, produtiva e democrática.
Com efeito, não democracia sem o reconhecimento de
um campo político onde se exprimem os conflitos sociais e
se tomam, por voto majoritário, decisões reconhecidas
como legítimas pelo conjunto da sociedade. (TOURAINE,
1996, p.95)
Em outras palavras, faz sentido a sociedade recorrer a uma gestão
pública institucionalizada em base democrática tendente à promoção da ordem
pública se o conflito for considerado elemento estruturante da própria
sociedade e não como fator adverso
45
.
Na administração pública dos conflitos sociais, com foco voltado
prioritariamente à produção da segurança pública, destaca-se a instituição
policial cujo papel político, sobretudo em um contexto democrático, consiste em
funcionar como componente e instrumento do Estado capaz de garantir e
demarcar o espaço social no qual a cidadania pode realizar-se em determinado
45
MUNIZ, Jacqueline. Polícia brasileira tem história de repressão social” Entrevista realizada no ano 2001 para o
site ConCiência. Disponível em http://www.comciencia.br/entrevistas/jacquelinemuniz.htm. Consulta realizada em
Junho de 2008. No mesmo sentido: TOURAINE, Allain.O que é democracia? RJ, Vozes, 2ª ed, 1996, p.77.
40
momento e situação, nos termos pactuados pela própria sociedade, tendo em
vista os conflitos que nela vicejam
46
e visando, sempre, à ordem pública.
Ordem pública, nestes termos, não significa o concerto orquestrado de
um sistema de conexões e interações sociais que respondem mecanicamente
a uma lógica determinística e sobre a qual é possível estabelecer pleno
domínio de seus processos dinâmicos e, consequentemente, de seus
resultados. Ao contrário. Ordem pública é a capacidade de produzir condições
viáveis de vida gregária em um ambiente espontaneamente conflitivo e
complexo, onde o equacionamento dos fluxos de poder em permanente atrito
decorre de um processo de “negociação” de obediência à regra imperativa
comum, democraticamente decantada. Compreender a ordem numa dimensão
complexa, dinâmica e mutável, em que a fluidez dos ajustes sociais configura
uma noção de ordem instável, implica aceitar a composição do conflito social a
partir da “negociação” dos interesses individuais e coletivos que projetam os
atributos da liberdade e do pluralismo tomados em prol do desenvolvimento da
sociedade
47
.
A idéia de uma ordem pública “negociada”, cujo processo não deriva
necessariamente de um consenso racionalizado, mas de uma percepção
coletivamente compartilhada
48
, é essencial para que a gestão pública não
pretenda produzi-la por meio da eliminação dos conflitos. Em verdade, eliminar
o conflito consiste numa forma de violência letal à democracia, porque implica
subtrair das pessoas a chance de afirmar seus interesses.
Como no âmbito das relações sociais a interação entre as pessoas
decorre de seus interesses, a ordem pública e social deve ser produzida por
mecanismos estatais e sociais capazes de articular o consenso em face da
profusão, à intensidade e à complexidade dos interesses em jogo, alcançando
a estabilidade das relações sociais pelo estabelecimento transparente de
regras de consenso que permitam aos atores sociais saberem como agir em
46
FISCHER, Rosa Maria. O direito da população à segurança. RJ. Vozes-CEDEC, 1984, p.21.
47
Está na base dessa argumentação as teorias de Foucaut (Teoria do Poder), Habermas (Teoria da Comunicação) e
de Niklas Luhmann (Teoria da auto-referência/autopoiese na regulação jurídica), sem a pretensão de apontar
qualquer delas como norte de orientação do problema da gestão da ordem pública, especialmente da segurança. A
propósito de um estudo que contrasta essas três teorias ver BÔAS FILHO, Orlando Villas. O direito na teoria dos
sistemas de niklas luhmann. SP. Marx Limonad, 2006.
48
BAUMAN, Zugmunt. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. RJ, Jorge Zahar Editor, 2003, p.15.
41
coletividade e o que esperar do comportamento de terceiros. No entanto,
considerando a transversalidade das relações sociais é importante conceber
uma arquitetura normativo-jurídica flexível capaz de instrumentalizar um
contexto relacional que a todo instante renova seus atores e interesses. Eis
que a “negociação” se torna elemento chave para a ordenação da sociedade,
especialmente aquelas que elegem a liberdade e o pluralismo como pilares.
Para o ajustamento e a composição dos ltiplos interesses em jogo,
espaços públicos estatais e não-estatais de participação social funcionam
como arenas de construção da ordem pública e social, pois é neles que se
exerce a governança democrática por meio da articulação
dos mecanismos e procedimentos para lidar com a
dimensão participativa e plural da sociedade o que implica
expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de
administração do jogo de interesses. (DINIZ, 1985, p. 196)
Por meio da governança são “negociadas” as condições de
sustentabilidade do jogo social que na democracia têm a ver com a regulação
dos limites e capacidades da liberdade e do pluralismo. Ou seja, tem a ver com
uma ordem normativa.
Estabelecido um regramento dinâmico em torno da liberdade e do
pluralismo estimam-se a prosperidade e a garantia das relações sociais em
termos de segurança jurídica, o que repercute na segurança pública das
relações sociais. Por isso, segurança pública é produto do estado de liberdade
e pluralismo.
A vitalidade de uma ordem normativa segura decorre da capacidade de
produzir consenso que se traduz em termos de força política, vale dizer, poder
público decorrente da obediência consentida. É nesse sentido que a
42
imperatividade não é compreendida como força externa
49
à sociedade, mas
como valor axiológico a ela inerente e que se origina da própria liberdade
50
.
Um extrato do parágrafo de abertura desse texto poderia ser proposto da
seguinte maneira: segurança pública em sociedades livres e plurais consiste na
permanente regulação e controle do conflito social baseados em uma ordem
jurídica democrática em que a administração e governo desses conflitos têm
por paradigma o desenvolvimento humano nas suas dimensões política,
econômica, social, cultural e ambiental. É por isso que nas democracias o
policiamento, o mandato policial, apresenta-se como a solução para o
enforcement consentido de uma ordem negociada
51
.
2. Gestão democrática da segurança pública à luz do mandato policial.
Quando nos debruçamos sobre o tema segurança pública, a idéia que
imediatamente vem à tona é a de polícia ou, mais propriamente, de controle
policial da criminalidade e da violência. No entanto, a compreensão ampla da
categoria toma por diapasão a ordem pública e o controle social numa
dimensão complexa em que aspectos econômicos, políticos, institucionais e
sociais são considerados em suas interconexões e superposições para efeito
de afinação do discurso. O exercício do poder de polícia para a manutenção ou
o pronto restabelecimento da ordem é um elemento desse contexto, mas não é
sequer o preponderante, dado o seu próprio caráter excepcional. O destaque
que se confere ao poder de polícia decorre da prerrogativa legal do uso
legítimo da força como último recurso para a prevalência da ordem institucional
democraticamente consagrada. Porque o uso efetivo da força coativa por meio
da ação de polícia afeta de forma direta e concreta a vida de cada pessoa, tal
49
Sob esse aspecto a teoria da autopoiese de Luhmann encontra perfeito encaixe, porque parte da idéia de que a
ordem blica é um sistema vivo que constantemente se autoproduz, autorregula, com permanente interações com o
meio no qual viceja, onde este apenas desencadeia na sociedade (no ser vivo) mudanças vocacionadas a partir de sua
própria estrutura, e não por um agente externo.
50
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. SP. Martin Claret, 2005.
51
MUNIZ, Jacqueline e PROENÇA JUNIOR, Domício. Da accountability seletiva à plena responsabilidade policial.
In CARUSO, Haydée Caruso (Orgs). Polícia, estado e sociedade: práticas e saberes latino-americanos. RJ. Publit,
2007, pp.2-73.
43
poder representa a expressão mais sólida, consistente e definida do Estado.
Numa avaliação de dimensão coletiva, este poder repercute seus efeitos,
inexoravelmente, nos pilares da liberdade e do pluralismo do Estado
democrático.
Por conta dos efeitos que o poder de polícia produz na esfera individual
e coletiva, é que se torna indispensável à sociedade democrática realizar
permanente discussão sobre os termos, limites, conteúdos e propósitos desse
poder. Aliás, conforme salienta Nuria Cunill Grau, a crítica e o controle social
sobre as prerrogativas do Estado consistem numa “função política original da
sociedade”
52
. Afinal, o poder público e seus “derivativos”, sobretudo o poder de
polícia, não têm vida própria, pois resultam de um consenso coletivo que lhes
empresta força, conteúdo e significado.
É nesse sentido que o debate público, amplo e democrático no que toca
ao exercício legal e legítimo da força pública leva à discussão do mandato
público, que sob a tônica da segurança ganha o matiz do mandato policial. Este
é “concedido por uma comunidade política [polity]
53
, constituída pela sociedade
e seu governo [constituency]”
54
com o propósito de verter em benefício da
sociedade meios e condições para a sua própria sustentação e prosperidade.
O acompanhamento e controle do mandato público pela sociedade, e mais
precisamente pela polity, são indispensáveis, posto que os próprios mandantes
constituem objeto de incidência dos poderes outorgados ao mandatário. Como
a força policial consiste numa derivação da força pública, ou seja, do poder que
surge do compartilhamento entre os membros da sociedade acerca da
imperatividade
55
de certos princípios e valores sobre a liberdade e o interesse
pessoais, a fim de que o coletivo prevaleça tal como cristalizados nas regras de
ordenação pública democraticamente edificadas, torna-se mister compreender
que o exercício da força policial não consiste num fenômeno autônomo, não se
52
GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade. Novas formas de gestão pública e participação
social. RJ. Revan; DF:ENAP, 1998, p.22.
53
Traducão: Polity - s. Estado, sociedade organizada; forma ou processo de governo civil, constituição política.
HOUAISS, Antônio. Webster’s: dicionário inglês-português. RJ. Record. 16ª ed. Atual., 2006, p.601.
54
MUNIZ, Jacqueine e PROENÇA JUNIOR, Domício. Da accountability seletiva à plena responsabilidade policial.
In CARUSO, Haydée Caruso (Orgs). Polícia, estado e sociedade: práticas e saberes latino-americanos. RJ. Publit,
2007, p.38.
55
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. SP. Saraiva, 17ª ed, 1990, p.129.
44
fundamenta em um Estado alheio à sua base de sustentação social e que sua
coercitividade advém do mandato público.
O mandato público consiste, assim, no reconhecimento de que existe um
poder político fundado na decisão coletiva de construir um Estado regido por
leis, as quais estabelecem os termos e as condições para o exercício da
autoridade pública e, ao mesmo tempo, regulam a medida da liberdade
experimentada por cada indivíduo em relação a si próprio e a terceiros. Porque
as leis congregam a potência de todos os membros da sociedade
coletivamente considerados, torna-se ela a referência objetiva do conflito social
e dos pactos coletivamente formulados. Por isso é que é por meio da
normatividade, a lei, por exemplo, que se disciplina o modo de utilização da
força pública forjada pelo conjunto da sociedade e cristalizada no mandato
público.
O propósito da força pública consiste, portanto, na preservação da
própria coletividade
56
. Por isso, a força pública possui natureza meramente
instrumental. O poder político que a fundamenta não se resume à
disponibilidade do uso da força coativa pelo Estado, porque sua inteligência e
significado encontram-se, na verdade, no pacto social que antecede o próprio
Estado. É este pacto que estabelece os termos, condições e limites para o
exercício do mandato público pelo Estado e seus agentes.
O objeto da polícia é a própria polity, que exercita sua
discricionariedade de outorgante do mandato para
demandar as formas, modos e meios que deseja na ação
de sua polícia. (MUNIZ e PROENÇA JR, 2007, p.50)
Eis que a força pública advém do consenso, ou seja, do consentimento
da sociedade em ver-se sujeita a uma força de ordenação social consistente no
policiamento sob consenso. Esse é o substrato do chamado mandato policial
57
.
56
GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. SP, Edusp, 2003, p.28.
57
Para melhor compreensão do significado do mandato de policiamento público e suas implicações, ver o texto de
MUNIZ, PROENÇA Jr e DINIZ, intitulado Uso de força e ostensividade na ação policial, disponível na internet no
45
Esse é um pensamento que encontra suas raízes em John Locke. Não
interessa fazer uma apreciação dessa matriz filosófica. Apenas cabe ressaltar
que este pensador afirmava que os homens se submetem ao poder e à regra
da maioria porque concordam com isso. Sustentava, assim, que o poder
político e a submissão a ele advinham do consentimento social. Eis que a
imperatividade da força política sob as vestes de poder público se origina,
então, da própria liberdade
58
.
Na base desse pensamento estão duas questões fundamentais:
primeiro, o entendimento de que o conflito é um elemento estruturante da
sociedade livre e plural; segundo, que é a persuasão, o convencimento, e não
a arbitrariedade, que forja a força pública capaz de sustentar a vida em
sociedade.
Compreender o conflito, a “negociação” e o consentimento sociais como
eixos de estruturação da sociedade é fundamental para o exercício do mandato
público e, consequentemente, da força por ele veiculada. Sobretudo quando
esta força é exercida dentro da competência do mandato policial.
É precisamente a autorização da comunidade política ou o
consentimento social, traduzido em aderência coletiva,
pactuação política e dispositivos legais, que dão o conteúdo
do uso da força no exercício do mandato policial. (MUNIZ e
PROENÇA JR, 2007, p.39)
Compreendida a questão do mandato blico como questão central na
relação institucional havida entre a sociedade e o Estado com o sentido de
promover a integração social em um contexto de intenso conflito, respeitados
os paradigmas humanitários da liberdade e do pluralismo, fica fácil
compreender quais são os atributos de natureza democrática do mandato
público: motivação, transparência, responsabilidade, participação social e
prestação de contas.
endereço: http://estudosdeseguranca.blogspot.com/2008/07/uso-de-fora-e-ostensividade-na-ao_18.html. Pesquisa
realizada em Julho de 2008.
58
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. SP. Martin Claret, 2005.
46
2.1. Motivação.
O primeiro conteúdo intrínseco ao mandato público que destacamos é a
motivação. Não sendo o Estado o “dono” da coisa pública, mas simples gestor
dos interesses de toda a coletividade, o exercício do poder público impõe que
sejam explicadas aos seus titulares as causas fáticas ou jurídicas que
justificam as medidas levadas a efeito. Sua finalidade maior é permitir o
controle do outorgante sobre o outorgado no tocante à coerência de suas
ações frente às expectativas e objetivos do mandante.
É a motivação que fornece a medida de adequação, utilidade,
necessidade e razoabilidade da ação efetivada pelo outorgado em relação ao
objeto de sua atuação. A motivação permite avaliar até onde a procuração foi
respeitada em seus limites e finalidades de modo a permitir uma avaliação de
eventuais abusos de poder por excesso de poder ou desvio de finalidade. A
motivação é categoria, portanto, de natureza causal-finalística.
Do ponto de vista da responsabilidade a motivação constitui elemento
imprescindível ao controle do mandato público, pois em relação ao mandatário
funciona como fator de correição e em relação ao mandante como fator de
correção.
uma precedência lógico-pragmática da motivação sobre outros
princípios, sem, com isso, estarmos dizendo que uma hierarquia de
princípios. Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade,
proporcionalidade, prevalência do interesse público, são todos princípios
dependentes da motivação. Daí que esses princípios, do ponto de vista
pragmático, podem ser considerados subprincípios em relação à motivação, o
que não lhes retira valor fundamental.
No tocante às atividades discricionárias operadas pelo Estado, a
motivação avulta de importância. Afinal, o mandato público não é um cheque
em branco. É exatamente por conta dessas atividades que se faz necessário
ao outorgado cumprir o dever de justificar perante o outorgante do mandato
47
público não aquilo que fez em nome do mandato que lhe foi outorgado, mas
também a razão (causa) motivadora das medidas efetivadas.
A discricionariedade é a parte mais sensível e complexa da outorga.
Essa faculdade existe para dar conta da contingência do processo decisório, da
tomada de decisão diante de uma situação específica. Por contingência
operacional delega-se ao outorgado (Estado) a prerrogativa de avaliar a
conveniência, oportunidade, utilidade, necessidade e adequação da
providência a ser tomada diante das circunstâncias e condições do caso
concreto. Diante de situações discricionárias, o outorgante fornece ao
outorgado os parâmetros, os princípios e os valores que espera sejam
fielmente observados, sob pena de perda da legitimidade da procuração que
lhe é passada
59
. O domínio sobre a discricionariedade administrativa
60
com
base no dever de motivação visa a ampliar a segurança do cidadão perante o
Estado, permitindo maior participação de todos no encaminhamento de suas
críticas e avaliações, funcionando, inclusive, como recurso racional ao
aperfeiçoamento do mandato.
Por tais motivos declina Wallace Paiva Martins Júnior que
O fundamento da motivação não é outro senão a
transparência administrativa como decorrência do princípio
democrático. (MARTINS JR, 2004, p. 235)
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o fundamento da motivação está
na soberania popular, no poder popular, em constituir um Estado de Direito em
bases realmente democráticas no qual se proclama a cidadania como
fundamento para que os cidadãos, e em particular o interessado no ato estatal,
tenham o direito de saber porque foi praticado
61
e possam, assim, estabelecer
a responsabilidade.
59
ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. SP. Ed Revista dos Tribunais, 1977, pp.145,146.
60
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Motivo e motivação do ato administrativo. SP. RT, 1998, p.150-151.
61
MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. SP, Malheiros, 21ª ed, 2006, pp. 108-110.
48
2.2. Responsabilidade.
Goldstein, em capítulo intitulado Dirigindo Agências de Polícia através do
Processo Político, inicia sua argumentação questionando, exatamente,
“perante quem a polícia é responsável?”
62
E continua com outra indagação na
qual procura saber como a sociedade provê de significado o entendimento
amplamente arraigado de que a polícia está sujeita ao controle dos cidadãos e
que ela deve responder plenamente pela maneira como exerce seu mandato.
Para ressaltar a importância que a sociedade deve atribuir ao problema
da responsabilização como questão essencial ao controle do mandato público
policial, sob pena de eventual perversão dessa outorga, especialmente no
tocante ao uso da força para a produção e manutenção da ordem pública, este
autor cita o caso ocorrido em 1969 na cidade de Evanston, no estado de
Illinois, relativo à polêmica de quem seria a responsabilidade pelos tiros
disparados por um policial contra um adolescente negro. Ao questionar de
quem seria a responsabilidade, primeiramente aponta-se o policial cuja defesa
alega que ele tomou uma decisão dentro de uma linha de trabalho definida pelo
Departamento de Polícia de Evanston, logo, a responsabilidade seria do Chefe
de Polícia. Este, por sua vez teceu a seguinte defesa: suas decisões são
tomadas de acordo com a política de segurança que orientam as ações do
Departamento de Polícia, deslocando, assim, o foco para o cenário político
quanto ao uso de armas de fogo. Logo, a responsabilidade seria do
administrador municipal. Este, por sua vez sustenta que sua rotina de trabalho
está vinculada às decisões do Conselho Municipal, que é o corpo que faz as
políticas para todos os ramos do governo municipal. O Conselho Municipal, por
sua vez, imputou a responsabilidade aos próprios cidadãos de Evanston, pois
eles seriam seus legítimos representantes. Evaporou-se, assim, a imputação
da responsabilidade. É o que se chama de responsabilidade difusa
63
.
62
GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. SP, Edusp, 2003, p.171.
63
Sobre a responsabilização policial no Brasil, consultar o texto de MUNIZ e PROENÇA Jr intitulado Rumos para a
Segurança Pública no Brasil – O desafio do trabalho policial, in BARTOLO, R. e PORTO, M.F. (orgs), Sentidos do
Trabalho Humano. RJ, E-Papers, 2006, pp. 257-268.
49
Esse fenômeno da indefinição da responsabilidade é, certamente, o
tema mais instigante para o direito frente a sociedade moderna, globalizada,
interconectada, pulverizada, virtualizada. Aliás, do ponto de vista da segurança
pública é necessário que a sociedade e as autoridades despertem para o
atraso governamental sobre o tema, especialmente no que se refere aos
crimes cibernéticos que mostram um potencial muito mais deletério ao Estado
de democrático de direito do que os crimes tradicionais.
Por exemplo, Estados e sociedades podem ser literalmente destruídos
pelo fluxos econômicos que transitam intensamente pela rede mundial de
computadores. Daí a necessidade de se elevar o patamar da discussão sobre o
controle da ordem pública local, sob o ponto de vista da responsabilidade, para
o controle da ordem global. Mas essa é uma discussão que nos afasta do
nosso objeto, embora nada nos impeça de apontar para a discussão de um
conselho de comunidades estatais em torno da questão criminal tendo em vista
o poder deletério dos fluxos econômicos quando não sujeitos a uma regulação.
Aliás, recentemente (Março) tivemos essa idéia encaminhada pela Secretária
de Estado Hillary Clinton em visita ao México para discutir a responsabilidade
dos Estados Unidos na questão do consumo de drogas e sua repercussão na
desestabilização da autoridade política democrática
64
no México por conta do
poder econômico e bélico das forças criminosas
65
.
A responsabilidade representa a contrapartida que qualifica qualquer
delegação. Diz respeito ao fato de que com a efetivação da outorga o
mandatário se torna responsável por cumprir as exigências e encargos
inerentes à procuração que lhe é dada, sob pena de desconstituição da
outorga.
64
Sobre o problema das drogas e seus efeitos para o regime democrático ver o texo Drogas Y Democracia: hacia um
cabio de paradigma, organizado pela Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, disponível na internet
em http://drogasydemocracia.org/files/2009/03/livro_espanhol_04.pdf. Consulta realizada em abril de 2009.
65
A propósito desse assunto ver na internet as seguintes reportagens, cada qual ressaltando um aspecto interessante
das declarações feitas por Hillary Clinton: http://www.dci.com.br/noticia.asp?id_editoria=2&id_noticia=279404;
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1370742; http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,eua-tem-
culpa-pela-violencia-no-mexico-diz-hillary-clinton,344771,0.htm;
http://www.guardian.co.uk/world/2009/mar/26/mexico-hillary-clinton-drugs-weapons;
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/03/25/AR2009032501034.html;
http://www.cnn.com/2009/POLITICS/03/25/clinton.mexico/index.html
50
uma leitura especificamente focada no mandato de representação
política eleitoral que procura justificar, em benefício do mandatário, uma ampla
margem de atuação sem que este se vincule diretamente ao mandante em
função da incapacidade de personalizar ou individualizar o eleitor
66
. Para esse
entendimento, ante o mandato de representação política, o representante eleito
não fica vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação
contratual. O mandato político é considerado geral, livre, irrevogável em
princípio, independente e não comportaria retificação dos atos realizados pelo
mandatário. Neste sentido o argumento é o de que os mandatários não
representam individualmente seus eleitores, mas sim o conjunto da sociedade
ou mais restritamente o respectivo corpo eleitoral, razão pela qual não podem
receber instruções daqueles nem por eles lhes ser retirado o mandato
atribuído, tendo pelo contrário liberdade de ação e decisão.
Essa noção de mandato político eleitoral, embora tenha a sua
eloquência, não refuta a cláusula de responsabilidade do mandato, posto que,
não sendo o mandato vitalício, o eleitorado detém o poder de não renová-lo.
Afinal, a procuração política é, na verdade, uma espécie de mandato (tomada a
categoria em um sentido mais amplo) e “qualquer indivíduo, grupo ou
instituição que recebe um mandato é accountable àqueles indivíduos, grupos
ou instituições que lhe delegam tal mandato.
67
E o que é ser accountable? É
ser responsável ou responsabilizável pelo encargo assumido ante o mandato
que lhe tenha sido outorgado, não importando a natureza deste.
É pela presença da responsabilidade no bojo do mandato público que o
mandante detém sobre o mandatário condições de controle. Essa é também a
linha de raciocínio que regula as relações privadas de representação. No
tocante ao significado jurídico-civil do contrato de mandato estabelece o Código
Civil brasileiro,
66
Ver http://www.cne.pt/index.cfm?sec=1001000000&step=2&letra=M&PalavraID=90. Pesquisado em dezembro de
2008.
67
MUNIZ, Jacqueine e PROENÇA JUNIOR, Domício. Da accountability seletiva à plena responsabilidade policial.
In CARUSO, Haydée Caruso (Orgs). Polícia, estado e sociedade: práticas e saberes latino-americanos. RJ. Publit,
2007, p. 25.
51
Lei 10.503/02, Art. 653 - Opera-se o mandato quando
alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome,
praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o
instrumento do mandato.
No tocante ao dever de prestar contas declina:
Lei nº 10.503/02, Art. 668 - O mandatário é obrigado a dar
contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as
vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que
seja.
Finalmente, no que se refere à responsabilidade, no parágrafo único do
Art. 927, o Código Civil imputa a obrigação de reparar o dano àquele que, por
conta da natureza da atividade que desempenha, independentemente de culpa,
causar prejuízo a outrem em função dos riscos inerentes à sua atividade.
Portanto, seja em razão da promoção de interesses públicos ou
privados operados mediante mandato, a outorga implica sempre a assunção de
responsabilidades do outorgado perante o outorgante no tocante ao conteúdo
do mandato.
Relativamente ao mandato policial instituído em uma sociedade
democrática, considerando o fato de que no conteúdo da outorga implica a
delegação de poderes excepcionais que se projetam sobre a própria polity com
o propósito de promover a sua organização, a questão da responsabilidade
ganha especial matiz. Sobretudo porque “por sua própria natureza e contexto,
a ação policial pode ser produzida através de uma abordagem autônoma”
68
cujo contexto envolve uma praxis essencialmente discricionária, com recurso
ao emprego da força coativa conforme a necessidade e a utilidade. A
discricionariedade e o emprego da força pública, dependendo da forma como
são aplicados, desprovidos de controle e de responsabilidade podem levar à
68
MUNIZ, Jacqueine e PROENÇA JUNIOR, Domício. Da accountability seletiva à plena responsabilidade policial.
In CARUSO, Haydée Caruso (Orgs). Polícia, estado e sociedade: práticas e saberes latino-americanos. RJ. Publit,
2007, p. 42.
52
perversão do mandato, motivo pelo qual essas são questões essenciais à
regulação do mandato policial.
2.3. Participação social.
Todas essas questões que dizem respeito à transparência no exercício
do mandato público, têm a ver com a sustentabilidade de uma sociedade
democrática e reverberam, inexoravelmente, na questão da participação social.
A participação é o eixo da idéia contemporânea de cidadania. Seu foco
está centrado na “relação entre a sociedade civil e a sociedade política”
69
. Daí
a discussão democrática do mandato público, sobretudo em assuntos que
dizem respeito à proteção dos interesses transindividuais, controle do poder
político e administração da coisa pública. Esse quadro reflete o
amadurecimento dos regimes democráticos e, paralelamente, da valorização
da questão humanitária em face da eficiência do aparelho estatal.
A participação se tornou a regra para o exercício do poder, inclusive
com fundamento no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado
pela Resolução 2.200-A
70
da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16
de dezembro de 1966, cujo trâmite de validação e eficácia para o Brasil
somente se ultimou com a promulgação do Decreto 592, em 6 de julho de
1992. O Artigo 25 da referida Resolução assim dispõe:
Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer
das formas de discriminação mencionadas no artigo e
sem restrições infundadas:
I - de participar da condução dos assuntos públicos,
diretamente ou por meio de representantes livremente
escolhidos;
69
GOHN, Maria da Glória. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In SANTOS JUNIOR, Orlando Alves ill et.
Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no brasil. RJ. Revan, 2004, pp.58-
59.
70
Esta mesma Resolução aprova o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e sua
promulgação no Brasil se deu pelo Decreto 591, também de 6 de Julho de 1992. Ocorre que, particularmente em
relação ao texto desse Pacto, não menção expressa à participação social, motivo pelo qual a presente nota de
rodapé apenas lhe empresta o sentido de registro ilustrativo para efeito de contexto histórico.
53
II - de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas,
realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto
secreto, que garantam a manifestação da vontade dos
eleitores;
III - de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às
funções públicas de seu país.
A exigência de ampliação e de abertura de novos canais de atuação
política aptos à defesa e promoção dos múltiplos interesses, permitindo um
grau mais elevado de correspondência entre as políticas públicas e as
demandas sociais, é proporcionada pela participação que atribui legitimidade
substancial às decisões estatais. Eis que a participação sociopolítica diz
respeito a um processo de dimensão coletiva que promove,
concomitantemente, o desenvolvimento do senso de responsabilidade do
cidadão e das instituições formais do Estado quanto aos temas de interesse
público
71
. A participação, assim, reforça, confirma e aprimora o teor do
mandato público.
Torna-se consenso a tese de que a boa administração não
pode ser avaliada segundo critérios puramente técnicos. A
administração e a política, no contexto de um Estado
democrático comprometido com o bem-estar (embora não
mais como antes), encontram-se intimamente ligadas, na
medida em que o sucesso dos projetos e programas da
administração e do governo depende, em última análise, do
apoio popular, da legitimidade. (BENTO, 2003, p.84)
Do ponto de vista da segurança pública a participação social tem a
capacidade de infundir no indivíduo a noção de pertencimento a um grupo
social e a um contexto sociopolítico complexo. Assim, as decisões tomadas a
partir da interação sociopolítica neste setor da governabilidade procuram
contemplar em seu bojo o espectro maior possível de demandas e soluções,
refletindo o conjunto geral da sociedade porque o foco é a ordem pública e
social, não se resumindo, portanto, ao controle da criminalidade.
71
GOHN, Maria da Glória. Conselhos gesores e participação sócio-política. SP, Cortez. 2007, p. 17.
54
Quanto à participação social na segurança declina GOLDSTEIN que:
A questão real sobre o envolvimento dos cidadãos não é se
os cidadãos têm um papel legítimo em contribuir para as
regras e políticas da polícia e influenciá-las. Eles
obviamente têm. A questão real é como essa questão
deveria ser expressa e canalizada. (GOLDSTEIN, 2003,
p.165)
Sendo o envolvimento dos cidadãos, condição essencial para o sucesso
de políticas públicas na área da segurança, especialmente porque a fidelidade
e a confiança dos cidadãos nas instituições de Estado não funcionam como
elementos inibidores dos desvios, como também são fortes sinalizadores do
compromisso coletivo na construção de uma sociedade organizada, cabe à
engenharia governamental estudar os meios e disponibilizar as condições para
que a atuação popular seja a mais contributiva possível. Recursos
tecnológicos, financeiros, institucionais, instrucionais e, sobretudo, interativos,
manejados com base no princípio da transparência, devem compor o leque de
ferramentas estratégicas governamentais para alcançar esse objetivo.
A esta altura de nossa apresentação, pode-se constatar que segurança
pública, especialmente em uma sociedade livre e plural, é questão do exercício
da governança democrática ou de governabilidade
72
, da capacidade de exercer
o governo tendo como fundamento os princípios e valores democráticos.
Entre os instrumentos de participação política existentes na área da
segurança pública, destacam-se nessa dissertação os conselhos comunitários
de segurança. A idéia é a de que pela sociedade civil “podem ser encontradas
novas fontes de legitimação e, portanto, novas áreas de consenso”
73
capazes
de produzir segurança que seja pública, que se distinga da opressão. E isto,
72
Os conceitos de governabilidade e governança ainda não são plenamente distintos. “Estudos mais recentes apontam
para a insustentabilidade de um conceito autônomo de governança relativamente ao de governabilidade. Com efeito,
na medida em que a eficiência administrativa não mais depende de seu insulamento, aliás, contraproducente em
sociedades complexas e dinâmicas, porém, pelo contrário, de sua inserção no contexto político e social e de sua
abertura, tudo parece indicar uma convergência entre os conceitos.” (Bento, Leonardo Valles. Governança e
governabilidade na reforma do estado: entre eficiência e democratização. SP. Manole, 2003, p. 88)
73
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. Para uma teoria geral da política. RJ. Terra e Paz, 7ª ed, 1999,
p.37.
55
por quê? Porque esses espaços de interação sociopolítica, compartilhados pela
sociedade e pelo Estado, permitem que o processo de democratização opere
simultaneamente em ambas as esferas, ampliando a capacidade de cada um
deles na articulação de suas próprias habilidades e recursos para a produção
da ordem pública e social.
A mensagem recorrente desta abordagem é que o Estado
sozinho, não é e nem pode ser responsável por prevenir e
controlar o crime. Pela primeira vez, desde a formação do
moderno Estado de justiça criminal, os governos começam a
reconhecer uma verdade sociológica básica: os mais
importantes processos de produção da ordem e
conformidade são processos visceralmente sociais, situados
dentro das instituições da sociedade civil, e não fruto da
ameaça sincera de sanções legais. (GARLAND, 2008,
p.272)
Tendo relação instrumental com o princípio da transparência, a
participação popular na segurança pública sob a forma de conselhos
comunitários traz uma série de benefícios à ordenação democrática desse
nicho governamental: põe em prática a cultura do controle e fiscalização como
prerrogativas originárias de uma sociedade que legitima a existência do poder
de polícia; cria parâmetros de juridicidade e racionalidade na tomada das
decisões individuais, coletivas e estatais com vistas à produção da segurança
pública; renova e reformula os padrões de relacionamento da comunidade com
as agências de segurança e vice-versa, e, finalmente, confere efetividade aos
direitos fundamentais consagrados pela constituency e que não podem ser
ignorados por aqueles que constroem e reconstroem o pacto social, haja vista
seus inexoráveis reflexos na segurança e estabilidade jurídica das relações
sociais. A idéia-chave é que por meio dos conselhos comunitários de
segurança a cooperação público-privado
74
, vale dizer, a transação institucional
entre o Estado e a sociedade, seja capaz de conferir maior eficácia à
administração pública da segurança.
74
GRAU, Nuria Cunil. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão pública e representação
social. RJ. Revan-ENAP, 1998, p. 234.
56
A contribuição dos cidadãos no processo de co-produção da segurança
pública permite o amadurecimento de duas questões essenciais à
governabilidade do setor: primeiro, que os recursos humanos, financeiros,
institucionais, jurídicos, cnicos e operacionais das agências públicas serão
sempre insuficientes diante da demanda social crescente por segurança, por
conta do alargamento constante do espectro de bens e interesses jurídicos a
serem protegidos; segundo, que o interesse blico não constitui monopólio do
Estado.
Localmente, a interação comunitária, nesse ponto, permite que as
decisões governamentais e administrativas sejam racionalmente tomadas a
partir das necessidades sociais diretamente verbalizadas junto às autoridades,
objetivando atendimento adequado e efetivo das aspirações concretas dos
indivíduos e grupos, considerados os recursos efetivamente disponíveis. Isso
evita promessas irrealizáveis pelos gestores, incertezas na sociedade acerca
da aplicabilidade das medidas e, sobretudo, a percepção equivocada da
amplitude do impacto social das medidas planejadas segundo suas próprias
potencialidades. O efeito reflexo é que tais informações revelam para a
população a complexidade deste setor governamental, além de mostrar a
importância estratégica da contribuição comunitária no sentido de construir com
o Estado a segurança social almejada por todos.
Por outro lado, o entendimento de que o Estado não é o titular do
interesse público, especialmente na área da segurança blica, amplifica a
capacidade de gestão do Estado sobre este setor porque incorpora os
mecanismos articulados pela sociedade civil para a produção da ordem pública
e social, além de diminuir o nível de tensão pela cobrança de resultados. Em
outras palavras, a eficácia da gestão da segurança pública passa a não ser
medida pelo critério da resposta ao crime e da proteção
75
policial, mas pela
habilidade de todos os atores, públicos e privados, produzirem, em parceria, a
ordem e a obediência às leis.
75
“Proteger não é prover segurança. A base de seu funcionamento é a ameaça concreta e constante. Conduz à
sujeição dos indivíduos, ao abandono das garantias individuais e coletivas. A gica da proteção, incapaz de
promover a segurança coletiva, introduz o medo como conselheiro, a violência como cotidiano e o terror como
horizonte.” Conferir em MUNIZ, Jaqueline e PROENÇA JÚNIOR, Domício. Ameaça da proteção. Artigo publicado
na coluna de opinião do Jornal Valor Econômico, 14 de agosto de 2006, p. A-8. Disponível na internet no endereço
eletrônico: http://www.blogger.com/profile/02271395254060328222. Consulta realizada em setembro de 2008.
57
“A participação popular na Administração Pública, portanto, colabora
com o princípio da eficiência e revaloriza a discricionariedade administrativa”
76
,
constituindo elemento estratégico para a gestão pública da segurança na
medida em que qualifica o mandato público em termos concretos ao
estabelecer, dialogicamente, os seus contornos e conteúdos, contendo seus
arranjos ou potencial emancipatório da delegação.
2.4.Transparência.
Em termos instrumentais, pode-se dizer que a transparência consiste na
visibilidade pública do exercício do poder outorgado, ou seja, tem a ver com a
acessibilidade das informações de interesse público, com a publicidade dos
atos oficiais, com a prestação de contas das causas, ferramentas e resultados
das ações governamentais e administrativas, enfim, tem a ver com todos os
expedientes que tornam devassáveis a forma como o mandato público está
sendo desempenhado. O mandato, portanto, tem que ser exercido de forma
clara, cristalina e translúcida.
Cabe, no entanto, ao próprio mandante, como prerrogativa do poder
originário do qual é o efetivo titular, segundo sua própria avaliação e juízo,
estabelecer os níveis ou graus dessa visibilidade. Neste sentido, é importante
perceber que a sociedade detém o poder inalienável e imprescritível de
ponderar quão visível deve ser a gestão o grau de transparência dos assuntos
que a ela afetam. Eis que a transparência, do ponto de vista da publicidade e
do direito de acesso à informação, por exemplo, diante do regime constitucional
vigente, excepciona casos em que a segurança da sociedade ou do Estado em
relação aos quais se requeira o sigilo como recurso de proteção aos interesses
da própria sociedade.
76
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: Publicidade, motivação e participação
popular. SP. Saraiva, 2004, p.307.
58
CF/88, Art. 5º, XXXIII todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvados
aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado.
Note-se que o dispositivo transcrito acima encontra-se no rol
constitucional dos direitos e deveres individuais e coletivos cuja essência
consiste numa garantia positiva do exercício da liberdade
77
. Neste sentido, a
previsão constitucional de casos de sigilo representa, na verdade, uma
autolimitação imposta pelos cidadãos a si mesmos, com o propósito de
preservar a integridade da coletividade, legitimando que o Estado por, meio do
mandato a ele conferido, zele pela sua inviolabilidade. Em outros termos, trata-
se de uma cláusula por meio da qual a sociedade política subtraiu de si mesma
o poder de amplo acesso a informações que, embora digam respeito ao
interesse particular, coletivo ou geral, podem ter o seu conteúdo obstado ao
cidadão em face do interesse público maior nele presente.
A transparência na gestão do poder outorgado é cláusula essencial do
mandato público porque, além de incidir sobre o planejamento e a execução
das atividades concernentes ao objeto da outorga, consiste também na
prestação de contas e na avaliação dos resultados. É a transparência, assim,
princípio oposto aos procedimentos clandestinos e opacos, posto que embasa
e fortalece o escrutínio do público sobre o seu governo. A negligência para com
este princípio deixa a sociedade democrática vulnerável, sobretudo no que se
refere aos valores da liberdade e do pluralismo, sujeitando-a a opressões e a
arbitrariedades, enfim, a violações por parte dos agentes públicos delegados
do pacto político, da Constituição.
A inobservância do princípio da transparência deslegitima o mandato e
acarreta a perda da sua força vital: o poder de adesão e produção do consenso
social. Só se adere àquilo que é translúcido e só sobre isso se pactua.
77
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. SP. Celso Bastos Editor,
ed, 1999, pp.44-49.
59
O valor da transparência na segurança pública é bem esclarecido por
Muniz e Proença Jr. que a vêem com condição essencial de governabilidade.
Dizem os autores que
Com transparência de propósitos e ações, sobretudo em
situações de grave perturbação da ordem pública, pode-se
mobilizar a participação cooperativa dos cidadãos na tarefa
prioritária de atendimento as vítimas e o suporte da mídia
no esclarecimento à população de medidas preventivas que
estão ao seu alcance. É preciso que o governante torne
claro quem são os responsáveis por tais iniciativas, dando-
lhes missão e meios.
78
Com base na transparência, tomada ao mesmo tempo como princípio
ordenador e regra de conduta, é possível institucionalizar mecanismos
democráticos de regulação e controle social que promovam um Estado para a
sociedade civil
79
e não para ele próprio, auto-referido. Daí, por exemplo, o
estabelecimento da prestação de contas como ferramenta a serviço da
responsabilidade. Só se presta contas porque o mandato público investe o
agente de poderes tornando seu conteúdo objeto de accoutability. Neste
sentido, a prestação de contas funciona como instrumento de transparência
através do qual se torna possível a avaliação da responsabilidade política e
jurídica do mandatário.
2.5. Prestação de contas.
Na esteira da discussão do mandato público encontra-se, também, a
prestação de contas. Esta não se confunde com a motivação, posto que o
dever de prestar contas se impõe ao outorgado perante o outorgante em face
da própria instituição do mandato, ao passo que a motivação tem a ver com as
atividades específicas desempenhadas pelo outorgado para a efetivação do
objeto do mandato.
78
MUNIZ, Jaqueline e PROENÇA JÚNIOR, Domício. Ameaça da proteção. Artigo publicado na coluna de opinião
do Jornal Valor Econômico, 14 de agosto de 2006, p. A-8. Disponível na internet no endereço eletrônico:
http://www.blogger.com/profile/02271395254060328222. Consulta realizada em setembro de 2008.
79
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um estado para a sociedade civil, temas éticos e políticos da gestão democrática.
SP. Cortez, ed, 2005. Nesta obra o autor faz uma reflexão teórica e adverte contra os riscos de um Estado sem
sociedade civil e também contra uma sociedade civil sem Estado.
60
Do ponto de vista pragmático, todos os atributos intrínsecos ao mandato
acima descritos encontram na prestação de contas a forma de efetivação de
seus conteúdos. A prestação de contas é uma resultante daqueles atributos.
Prestam-se contas ao outorgante para: explicitar os motivos das decisões
tomadas pelo outorgado; consequentemente, para demarcar o âmbito da
responsabilidade de cada um; permitir que ao longo do exercício do mandato o
outorgante possa participar do processo de tomada de decisões dando idéias,
fazendo correções de rumos, disponibilizando meios e recursos que otimizem o
exercício do mandato e viabilizem a melhor obtenção dos resultados almejados
etc. A prestação de contas valoriza a credibilidade do mandatário e se traduz
em elemento de garantia e segurança do mandante.
Embora sua raiz histórica esteja profundamente vinculada ao controle
orçamentário e financeiro do Executivo, consistindo inclusive numa das
principais razões de institucionalização do Poder Legislativo no Estado
Moderno
80
, a prestação de contas no contexto do Estado Democrático de
Direito diz respeito a toda atividade estatal.
Neste sentido, toda Administração Pública tem o dever de prestar
contas, entendendo-se por Administração Pública o conjunto do aparelho
estatal presente na estrutura do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário,
Ministério Público, Tribunal de Contas e das entidades de administração
indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e
empresas públicas). Todas essas instâncias, diante de seus respectivos
misteres, têm o dever imperativo, por consideração e respeito àqueles que lhes
conferem investidura pública, de fazer um balanço de seu mandato,
transparência essencial à democracia representativa.
Discutir o mandato público no regime da democracia representativa
implica compreender os limites e capacidades da procuração pública. Na
democracia representativa a procuração pública não ganha o significado de
80
O sistema de controle externo das contas públicas tem origem na Magna Carta inglesa de 1215, contexto histórico-
político no qual o povo, na condição de contribuinte, passou a exigir o direito de aprovar a cobrança de impostos e
outros meios de obtenção de recursos para a manutenção da Realeza. Com esse assentimento popular surgiu a
Câmara dos Comuns, e com ela, evolutivamente, o próprio Poder Legislativo. COMPARATO, Fábio Konder. A
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. SP, Saraiva, 1999. Conferir, também, na internet
http://www.assembleia.go.gov.br/assessoramento_tematico/artigo0003_historia_do_legislativo.pdf
61
uma carta de emancipação do procurador em relação ao mandatário no tocante
à gestão dos bens e interesses públicos. A procuração pública não afasta o
mandatário de seus interesses originais em relação ao objeto do mandato, de
modo a convertê-lo em um simples consumidor. Essa aproximação do
outorgante à idéia de consumidor (cidadão com direito) preocupado apenas
com o resultado do produto ou serviço consiste, exatamente, no paradigma a
ser modificado pela democracia representativa. Por isso a prestação de contas
operada no processo de participação social na gestão pública constitui
poderoso instrumento de resgate da cidadania porque ela impede que haja a
alienação das potências produtivas e da liberdade dos cidadãos em favor do
soberano moderno
81
.
3. Sociedade, Estado e Polícia na construção da Segurança Pública.
A gestão pública da segurança consiste na capacidade de o Estado dar
conta, simultaneamente, de dois aspectos fundamentais da realidade social: a
integração e o desvio
82
. Esse é o espaço regulatório do conflito social que cabe
à ação estatal em termos de políticas blicas visando à promoção da
segurança.
Contudo, embora o Estado detenha a competência para gerir a
segurança pública, é preciso compreender que esta não é um “produto”
exclusivo seu. Não é uma “fabricação” sua.
Segurança pública não resulta de uma atuação unilateral e exclusiva do
Estado concebido como seu provedor. Por isso, uma abordagem normativa do
direito, fundamentada no pensamento kelseniano, para quem a ordem social se
confunde com a ordem normativa estatal
83
, deixa a desejar em face da
abordagem social do direito, vertente da antropologia jurídica que desloca a
81
NEGRI, Antonio. 5 lições sobre Império. RJ, DP&A, 2003, pp. 148-149.
82
PERALVA, Angelina. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. SP: Terra e Paz, 2000, p.13
83
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. SP. Martins Fontes, 2ª ed, 1987.
62
atenção do sistema normativo único e linear para os atores sociojurídicos numa
concepção plural e realista do direito
84
.
O tema, portanto, é de envergadura complexa, e supõe colaboração e
compromisso dos diversos atores sociais
85
, públicos e particulares, direta ou
indiretamente envolvidos com a questão operando em interação sociopolítica.
A lógica de um Estado emancipado da sociedade, sobre o qual se reputa
o dever de produzir segurança a partir dos seus próprios recursos, atributos e
poderes, não cabe neste contexto, tal como exposto quando da apreciação do
mandado público e seus atributos.
Ao se compreender segurança pública como expressão de uma ordem
construída a partir das interações sociais, econômicas e políticas em relação às
quais o Estado exerce o papel de principal gestor, fica claro que a questão é
tomada sob a ótica do serviço público
86
e não do poder do Estado
87
. Segurança
não se impõe, se constrói.
Segurança blica é, assim, resultado de um conjunto de ações
governamentais integradas em relação às quais os cidadãos são co-produtores
dos mecanismos de proteção social em suas atividades econômicas e sociais.
Esse entendimento é que levou o ex-secretário nacional de segurança pública
e atual diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Luiz Fernando Corrêa, a
declarar: “a segurança pública é multidisciplinar e não tem mais espaço para
84
ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. SP. Martins Fontes, 2008.
85
A despeito da interessante distinção proposta por GOHN entre as idéias de atores e sujeitos sociais, para efeito do
presente trabalho, são considerados atores todos os operadores sociais, sejam eles avaliados como protagonistas,
coadjuvantes ou meros figurinos. GOHN, Maria da Glória. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In SANTOS
JUNIOR, Orlando Alves ill et. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no
brasil. RJ. Revan, 2004, p.76.
86
O conceito de serviço público varia enormemente entre os estudiosos. Tendo em vista o foco da presente
dissertação está direcionado à prestação do serviço policial em padrões amplamente democráticos, o que envolve
estratégia, publicidade e controle públicos voltados à produção de resultados, estamos trabalhando com a visão
proposta pela New Public Management NPM, cujas ações e baseiam no tripé: Estratégia, Estruturas e Sistemas. “A
Estratégia identifica a qualidade do serviço a ser oferecido, o público alvo e o território a ser abrangido. A Estrutura
qualifica e quantifica o custo do serviço e os seus componentes (pessoal, equipamentos etc) e os Sistemas identificam
o controle, a informação, a divulgação e os meios de avaliação dos resultados.” Texto extraído da publicação
disponível na internet em http://www.consultormunicipal.adv.br/novo/admmun/0050.pdf, intitulado Reforma
do Serviço Público, sem autoria indicada. Pesquisa realizada em agosto de 2008.
87
BENGOCHEA; J. L. P. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. SÃO PAULO EM
PERSPECTIVA, 18(1): 119-131, 2004. http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v18n01/v18n1_14.pdf. Pesquisado em
dezembro de 2008.
63
xerife.
88
” “Fazer polícia” nos moldes tradicionais não é mais viável porque
perdeu legitimidade, componente indissociável do mandato de policiamento
público estatal.
No que toca à figura do “xerife” essa declaração do ex-secretário pode
ser compreendida de duas maneiras. Ambas igualmente válidas e
complementares entre si. A primeira, de inferência imediata, diz respeito à
imagem do policial que normalmente se apresenta perante a sociedade como
único e legítimo produtor da ordem pública, porque detentor dos
conhecimentos e habilidades necessárias para a promoção e manutenção da
paz e da harmonia sociais.
Vários estudos em teoria de polícia refutam esse entendimento
89
. Essa
linha de argumentação não tem nenhuma sustentação empírica, além de se
basearem em premissas equivocadas. Essa forma de pensar a segurança
pública tem muita dificuldade, por exemplo, de discernir desvio e divergência
90
sociais. Essa limitação prejudica, singularmente, o processo de democratização
desse setor governamental.
A outra perspectiva de interpretação da declaração de Luiz Fernando
Corrêa, ao aludir à figura do “xerife”, pode ser assim formulada: o Estado não
pode mais ser considerado o único agente responsável da segurança pública,
particularmente por intermédio de seu aparelho policial. Ante a segurança
pública não há um ator exclusivo encarregado desse mister. Segurança pública
não é produto de um operador social. Aliás, sequer segurança pública pode
ser concebida como resultado, mas como processo sociopolítico dinâmico,
complexo e permanente.
Além de segurança pública não ser um produto exclusivo da gestão do
Estado, não é produto da prestação de um único tipo de serviço público, ou
88
CORRÊA, Luiz Fernando. Um novo pensar na segurança pública. In OLIVEIRA, Fátima Bayma de. Política de
gestão pública integrada. RJ. FGV-FAPERJ, 2008, p. 268.
89
GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. SP: EDUSP, 2003, pp.162 a 165; BITTINER, Egon.
Aspectos do trabalho policial. SP. EDUSP, 2003, pp. 256 e 257. Goldstein explana o tema da discricionariedade
policial com maior detalhamento em sua obra citada. GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. SP:
EDUSP, 2003, pp. 127 a 169; Rolim, Marcos. Caminhos para inovação em segurança pública no brasil. In Revista
Brasileira de Segurança Pública. Ano 1, 2007, p.34.
90
VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. RJ. Jorge Zahar Ed., 8ª ed, 2003.
64
melhor, de uma única forma de abordagem de determinado tipo de serviço
público: combate ao crime, por exemplo. Porque diz respeito à condição de
vida, ao estado da liberdade e ao exercício da cidadania
91
, segurança pública
representa um estado de satisfação coletiva decorrente do conjunto de
serviços, públicos e privados, destinados à proteção social, incluindo o serviço
policial.
As organizações policiais, como principais gestoras da segurança
pública, tendo em vista a responsabilidade inerente a seus mandatos no
tocante a construção e sustentação da ordem estatal democrática, não podem
reduzir seu papel a uma função de efetividade do direito penal, inclusive porque
na prática a demanda pelo serviço policial é muito mais ampla, colocando
essas organizações em contato direto com a ordem pública e social, e somente
num segundo momento, com a ordem jurídico-penal. Por outro lado, à luz da
categoria segurança blica tomada em seu sentido amplo, é preciso
compreender que a ação de polícia tem mais a ver com a criminogênese do
que com o crime, o que coloca a polícia no momento anterior ao cometimento
do fato que se deseja controlar. Em outras palavras, tem mais a ver com uma
polícia proativa do que reativa
92
.
Por essa razão mesma, Skolnick e Bayley problematizam a eficácia da
lógica tradicional do policiamento (mais policiais, mais armas, mais viaturas)
em relação a outras medidas de gestão governamental de conteúdo extra-
policial, mas com impacto inconteste na segurança pública. Afirmam os autores
que
As condições sociais, como renda, desemprego, população
e heterogeneidade social, são indicadores muito mais
importantes de variação nas taxas de crime e de resolução
de crimes.
93
91
SOARES. Luiz Eduardo. Construindo a segurança. Texto publicado na internet e disponível no endereço
http://www.luizeduardosoares.com.br/docs/construindo_a_segurana.doc. Consulta realizada em dezembro de 2008.
92
A citação proativa e reativa é feita por Goldstein em Policiando uma sociedade livre, SP, Edusp, 2003, p.58,
fazendo referência a Albert J. Reiss Jr e seu livro The Police na the Public. New Haven, Conn,. Yale University
Press, 1971, p.64.
93
SKOLNICK, Jerome. H, BAYLEY, David H. Policiamento comunitário. SP. Edusp, 2006, p.67.
65
Este não é o pensamento de alguns operadores da segurança pública,
inclusive com titulação acadêmica e experiência governamental. no Brasil
aqueles que defendem uma política de segurança pública a partir de uma
melhor utilização do aparato policial pela racionalização dos recursos materiais
e humanos existentes, visando à responsabilização dos criminosos. A
estratégia para responder no curto e no longo prazo ao problema da segurança
pública deve estar focada na certeza da punição e não em programas sociais.
A despeito de não se ter no Brasil um debate real, criterioso e
consequente, simpatizantes desse entendimento negam a eficácia das políticas
públicas de conteúdo social para melhorar as condições da segurança pública,
alegando, inclusive, que o Brasil tem investido milhões de reais em programas
e projetos sociais de diversas naturezas sem nenhuma comprovação de sua
eficácia no campo da segurança pública. Essa é a visão, por exemplo, do
mestre em psicologia social pela USP, coronel da reserva da Polícia Militar de
São Paulo e ex-secretário nacional de segurança pública (2002), José Vicente
da Silva Filho.
A pobreza não é fator criminógeno tão poderoso quanto a
impunidade, cujo maior exemplo é o escárnio do criminoso
paraibano Ronaldo Cunha Lima. Pobres, ricos, pretos,
brancos, eleitos e eleitores cometerão menos crimes se
forem intimidados por ações competentes e ágeis da polícia
e da Justiça.
Outro entrave é a descrença na capacidade do aparato
policial, judicial e prisional de impor freios aos criminosos e
reduzir a violência.
O Ministério da Justiça prefere priorizar as ações sociais,
“indo às raízes da violência” e atuando nas áreas de
“descoesão social”, com uma profusão de programas
sociais insólitos.
Vinte diferentes programas de uma dúzia de ministérios
destinados a jovens consomem mais de R$ 1 bilhão ao
ano sem resultados positivos, mas vão tentar outras
alquimias sociais.
Intelectuais têm o direito de oferecer seus expedientes de
curandeirismo social para tentar o que não se conseguiu
em nenhum lugar do mundo, a redução da violência de
66
forma ampla e consistente por intervenções sociais ou
panacéias comunitárias.
94
Partilhamos do entendimento de que o serviço público policial inserido
numa concepção ampla de segurança blica representa uma atividade “sem
fim demarcado”
95
que não se prende a resultados imediatos, salvo nos casos
emergenciais de proteção social.
Compreender o serviço policial num contexto complexo faz, inclusive,
com que se mude a perspectiva de atuação institucional da própria
organização, que deixa de estar focada no controle do crime
96
e passa a se
concentrar na produção da segurança, o que implica uma capacidade de
interpretação de fatores conjunturais presentes no ambiente no qual viceja o
crime.
Conforme salientam Muniz e Proença Jr, um enorme ganho de
qualidade na abordagem multisetorial do tema segurança pública, sobretudo
quando essa perspectiva abre oportunidade para adicionar elementos críticos e
analíticos que contribuem para o debate educativo e formador de opiniões
consistentes. Nesse contexto, ressaltam os autores a demanda social dizendo
que
a população está certa. Suas demandas expressam o
amadurecimento no trato das questões relativas à
segurança e à ordem. São o debate público. Suas
necessidades vão além dos arranjos administrativos
vigentes. Colocam na arena política o imperativo de uma
nova concepção de ordem pública. Uma perspectiva
contemporânea, que incorpore os desafios de uma
sociedade democrática em mudança contínua. Que
considere as expectativas comunitárias, a ampliação dos
direitos individuais e coletivos, a emergência de novos
atores urbanos e os registros identitários alternativos do Rio
de Janeiro. O que está em pauta é uma mudança de
mentalidade, o sensato abandono de uma visão arcaica de
94
Trecho extraído do texto intitulado “Mais polícia e melhores escolas” publicado na internet e disponível no
endereço http://www.e-agora.org.br/arquivo/Mais-polcia-e-melhores-escolas. Consulta realizada em janeiro de 2009.
95
SKOLNICK, Jerome H e BAYLEY, David H. Policiamento comunitário. SP. Edusp, 2006, p. 113.
96
Goldstein registra que várias compreensões sociais do que seja crime. Questão que certamente dificulta a
definição do campo de abrangência da categoria segurança pública. GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma
Sociedade Livre, SP: EDUSP, Vol. 9, 2003, pp. 48 a 51.
67
segurança pública, identificada unicamente com a ação das
polícias.
97
A abordagem intergovernamental, com suporte acadêmico e com a
participação efetiva da sociedade retira o debate sobre o tema da sua
tradicional esterilidade. Novos atores e ferramentas trazem a possibilidade de
se construir um universo epistemológico capaz de criar condições para uma
compreensão racional, criteriosa e ponderada.
Essa é a tese encampada pelo PRONASCI
98
, que invoca uma
abordagem multidimensional, multisetorial e interdisciplinar para a segurança
pública.
Esse novo ângulo de abordagem exige que as proposições
estejam em sintonia com a complexidade do problema a ser
enfrentado, portanto, se traduzam em projetos
multidimensionais, que mobilizem recursos multisetoriais,
que envolvam atores públicos e privados de diferentes tipos
e que se inspirem em conhecimentos interdisciplinares. O
resultado terá a forma de um conjunto que incluirá ações
nas esferas econômica, social, cultural, psico-social,
política, jurídica e policial.
99
No quadro de uma sociedade livre e plural o desafio a ser enfrentado
pelos governos é mudar a mentalidade da gestão da segurança pública, que
deve passar da capacidade de pronta resposta ao crime de forma improvisada,
desregrada e inconsequente para uma ação “racional, cooperativa, orientada
97
Consultar o texto complete em http://estudosdeseguranca.blogspot.com/2008/07/o-prximo-prefeito-e-ordem-
pblica1.html. Pesquisa realizada em agosto de 2008. Ver dos mesmos autores o artigo intitulado Administração
estratégica da ordem blica no endereço http://estudosdeseguranca.blogspot.com/2008/07/administrao-estratgica-
da-ordem-pblica1.html , também consultado em agosto de 2008.
98
O PRONASCI Programa Nacional de Segurança com Cidadania - é um projeto desenvolvido pelo Ministério da
Justiça que articula políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que
levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública. Entre os principais eixos
do PRONASCI destacam-se a valorização dos profissionais de segurança pública; a reestruturação do sistema
penitenciário; o combate à corrupção policial e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência.
99
http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJE24D0EE7ITEMIDAF1131EAD238415B96108A0B8A0E7398PTBRIE.htm.
Pesquisa realizada em março de 2009.
68
para o cumprimento de metas, sob permanente supervisão crítica da
sociedade”
100
.
O paradigma não é mais o da verticalização. A sociedade deseja
acompanhar o processo de gestão governamental para ratificar, passo a passo,
os termos e as condições do mandato público por ela concedido, sobretudo na
segurança. Almejam-se modelos horizontalizados de gestão pública. A idéia é
a de formar uma rede de produtores da segurança por meio de interconexões,
parcerias e distribuição de responsabilidades. Essa visão corresponde à
concepção de uma gestão democrática da segurança pública.
A ruptura é de paradigma: passamos gradualmente da
pirâmide vertical e autoritária herdada do direito romano e
retransmitida pela estrutura da igreja tradicional, para o
conceito de redes interativas de uma sociedade muito mais
horizontal. Trata-se provavelmente da mais profunda
mudança de filosofia de regulação social desde a
Antigüidade. (DOWBOR, 2003, p.31)
Numa sociedade livre e plural, segurança pública é expressão de um
processo de decantação de valores democráticos assimilados pelos gestores
públicos em suas práticas e procedimentos com a concomitante assunção de
compromissos pela coletividade em prol de toda a sociedade. Essa dinâmica
permite que as ações estatais sejam legitimadas em todas as suas iniciativas,
sobretudo naquelas que requerem o emprego da força pública para dar conta
da ordem social. Este é um aspecto que diz respeito à segurança pública como
exercício consentido da autoridade estatal que projeta a força pública por ela
veiculada sobre a própria sociedade em proveito da defesa social. A questão
democrática neste contexto é que o paradigma da autoridade pública não se
funda numa noção de imperatividade imposta, mas compreendida como valor
axiológico
101
e pragmático cristalizada em um mandato.
O Estado democrático é constituído, assim, para assistir à sociedade
nas situações e circunstâncias em que ela própria não consegue dar conta dos
100
SOARES, Luiz Eduardo. Segurança tem saída. RJ. Sextante, 2006, p.33.
101
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. SP. Saraiva, 17ª ed, 1990, p.129.
69
conflitos e tensões sociais quando então se faz necessária a administração
pública da ordem social segundo os princípios, valores e regras consagrados
pela própria coletividade. O “poder” do Estado deriva, portanto, de um pacto
socialmente estabelecido e que resulta da convicção coletiva da necessidade
de uma ferramenta pública suficientemente capaz de compor os múltiplos e
intrincados conflitos de interesses que movem o jogo social, dando-lhe
densidade e conteúdo. Afinal, há relações de poder geradas no seio da própria
sociedade a que o Estado pode fazer frente
102
. O Estado age, assim, nos
termos e condições socialmente consagrados e desde que os poderes
outorgados não subtraiam dela a capacidade de autogovernar-se
103
em
questões que digam respeito à sua liberdade tendo em vista o seu
desenvolvimento social, político e econômico.
Essa é a real ruptura de paradigma na gestão pública: o Estado é um
dos dispositivos estruturantes da ordem política e social, o que não lhe subtrai
o papel de coordenador desse processo. Deve o Estado, inclusive, pautar suas
ações, sempre que possível, no princípio da subsidiariedade
104
, permitindo
maior liberdade para a sociedade atuar sobre si mesma, com autonomia e
responsabilidade.
É preciso pontuar, porém que na produção de obediência consentida,
matéria-prima da segurança pública, sobretudo se tomada essa categoria em
seu sentido estrito, o Estado não tem como ser subsidiário sob risco de atentar
contra a própria democracia. A propósito, Goldstein, como projetista original da
lista de objetivos principais atribuíveis à polícia a partir da experiência norte-
americana, elaborado em um estudo contratado pela American Bar Association
na década de 60, elenca 8 atividades básicas que deixam bem clara a função
protagonista da polícia na promoção da paz social e da ordem pública. São
elas:
105
102
PERALVA, Angelina. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. SP: Terra e Paz, 2000, p.22.
103
GRAU, Nuria Cunil. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão pública e
representação social. RJ. Revan-ENAP, 1998, p. 64.
104
BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do estado: entre a eficiência e a
democratização. SP, Manole, 2003, p.124.
105
GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. SP, Edusp, 2003, pp.56-57.
70
1) prevenir e controlar condutas amplamente reconhecidas como
atentatórias à vida e à propriedade (crimes graves);
2) auxiliar pessoas que estão em risco de dano físico, como as vítimas
de um ataque criminoso;
3) proteger as garantias constitucionais, como os direitos às liberdades
de expressão e de reunião;
4) facilitar o movimento das pessoas e veículos;
5) dar assistência àqueles que não podem se cuidar sozinhos: os
bêbados, os viciados, os deficientes mentais, os deficientes físicos e
os menores;
6) solucionar conflitos, sejam eles entre poucas pessoas, grupos ou
pessoas em disputa contra o seu governo;
7) identificar os problemas que têm potencial de se tornarem mais
sérios para os cidadão, para a polícia ou para o governo;
8) criar e manter um sentimento de segurança na comunidade
A administração da coerção autorizada ou consentida pelo Estado,
projetada sobre o próprio outorgante, apresenta-se como necessária em
sociedades livres e plurais, para que não se tenha a predação dos mais fortes
sobre os mais fracos, para se garantir os princípios da universalidade e
imparcialidade na caracterização da segurança como bem público, coletivo e
acessível a todos. A subsidiariedade do Estado na segurança pública implicaria
num sério risco de fomento ao dilema ou paradoxo da proteção
106
e não a
busca da segurança.
O rompimento com os paradigmas tradicionais é vital para que se opere
uma mudança radical no processo de gestão pública de temas que dizem
respeito à ordem pública e social, cuja produção não deriva do poder estatal,
mas da conformação social.
Por isso a discussão da “desmilitarização das forças de segurança”, do
reexame da organização federativa brasileira em torno do tema, a
106
Ver texto de MUNIZ e PROENÇA Jr na internet, anteriormente citado no comentário 81, em
http://www.blogger.com/profile/02271395254060328222. Consulta realizada em setembro de 2008.
71
profissionalização e racionalização do uso da força pública, a gestão integrada
das pastas governamentais são questões fundamentais para indicar uma
mudança na estrutura da gestão desta pasta governamental, mas insuficientes
para revelar uma radical mudança nas práticas e procedimentos
governamentais. É necessário que, além dessas medidas, sejam incorporadas
ao debate da segurança pública a percepção da finalidade democrática e
humanitária no exercício da força pública, a constatação de que o exercício da
cidadania proativa constitui fator contributivo para a sua promoção da
segurança e que a eficácia das ações governamentais depende da sociedade.
Em uma sociedade livre e plural segurança é parte do processo de
democratização e, ao mesmo tempo, instrumento de sustentação da
democracia cuja dinâmica consiste em transformar “uma comunidade em
sociedade regida por leis e o Estado em representante da sociedade”
107
.
4. Democratização da segurança pública.
O desenho institucional de gestão pública democrática da segurança
contempla, inexoravelmente, ferramentas de participação social. Estas
ferramentas podem ser instituídas oficialmente por ato do poder público, como
é o caso do plebiscito, do referendo, da iniciativa popular entre outros, como
podem resultar da criatividade da sociedade civil.
No entanto, é preciso compreender, preliminarmente, que a gestão
democrática faz parte de um projeto maior consistente na democratização do
Estado operada a partir das dinâmicas integrativas e plurais existentes no seio
da própria sociedade. Ou seja, tratar da gestão democrática da segurança
pública é algo que supõe antes de mais nada “um processo de democratização
social capaz de impulsionar a democratização do Estado e, particularmente, de
seu aparelho burocrático”
108
.
107
TOURAINE. Alain. O que é a democracia? RJ. Vozes, 2ª ed, 1996, p.96.
108
GRAU, Nuria Cunil. Repensando o público através da sociedade: novas formas de gestão pública e
representação social. RJ. Revan-ENAP, 1998, p. 23.
72
A hipótese que fundamenta esse raciocínio é a de que sendo o Estado
uma emanação da sociedade, desejar que este se democratize implica infundir
nele algo que seja minimamente praticado no seio da própria coletividade.
Não se trata de uma relação de causalidade
109
, mas da constatação de que não
basta que a sociedade queira instituir um Estado democrático, é necessário
que ela própria se democratize. Aliás, raciocínio análogo foi apresentado por
Jean Cruet ao criticar a lei formal como instrumento de ordenação social em
detrimento das práticas costumeiras e das manifestações de ordenação
“espontâneas” da sociedade. Dizia o pensador que
Se a lei se apresentasse a todos como a expressão
aproximada do equilíbrio real da sociedade, e não como a
ordem arbitrária de uma vontade incondicionada, os
cidadãos compreenderiam por si mesmos qual mal avisados
andam pedindo ao Parlamento leis perfeitas. Seria bem fácil
responder-lhes: para fazer leis excelentes, era preciso
primeiro uma sociedade melhor. (CRUET, 1939, p.17)
A democratização social do enfrentamento dos problemas que afligem a
sociedade é bastante prodigiosa no tocante à produção de mecanismos de
proteção e promoção social. Organizações como SPC Serviço de Proteção
ao Crédito, SPI Serviço de Proteção ao Inquilinato, redes de colaboração
solidária, mutirões, associações de bairro, oficinas de reciclagem de lixo,
incubadora de empresas, oficinas de alimento vivo
110
, a difusão de softwares
livres entre tantas outras iniciativas. Inspirado no princípio democratizante de
difusão de conhecimentos e soluções, o Banco do Brasil
111
patrocina um
interessante projeto de fomento às tecnologias sociais, entendendo-se como tal
os produtos, cnicas e metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação
com a comunidade e que representam iniciativas de transformação social. Para
109
BOSCHI, Renato Raul. A arte da associação: política de base e democracia no brasil. SP. RT e RJ. Vértice-
IUPERJ, 1987, p. 31.
110
Sobre alimento vivo, ver projeto Terrapia da Fiocruz no site: www.ensp.fiocruz.br/terrapia/. Pesquisado em
dezembro de 2008.
111
Ver site da Fundação Banco do Brasil sobre tecnologias sociais. http://www.tecnologiasocial.org.br/bts/.
Pesquisado em Novembro de 2008.
73
tanto as tecnologias sociais podem aliar saber popular, organização social e
conhecimento técnico-científico.
Quando capazes de contribuir eficientemente para o quadro de
estabilidade social e gestão governamental, tais mecanismos levam o Estado a
reconhecer sua utilidade, assimilando-os institucionalmente ao processo de
gestão pública. Não é exagero afirmar, inclusive, que muitas das ações
estatais, desde operações específicas aa formulação de políticas públicas,
podem até chegar a depender da criatividade e do emprego das ferramentas
de participação social.
No campo da segurança blica, talvez o maior exemplo brasileiro de
contribuição da sociedade civil para o aparelho estatal seja encontrado no
disque-denúncia
112
.
O Disque-Denúncia foi fundado por cidadãos como você.
Lideranças comunitárias e empresários que, em março de 1995,
pensaram juntos em uma maneira de contribuir com as
autoridades no combate e na prevenção da violência. Muitos
podem não lembrar, mas naquele ano o Rio de Janeiro atingiu o
ápice de uma onda de violência centrada em seqüestros, que
vinha crescendo nos anos anteriores.
Movido pela ascensão dos seqüestros no estado, um grupo de
pessoas pensou em uma maneira de fazer alguma coisa. A forma
que encontramos para levar adiante este projeto de cidadania foi
a criação de uma Organização Não Governamental que se
dispusesse, entre outras atividades, a recolher denúncias
anônimas e repassá-las aos órgãos competentes. Lançado em 1°
de agosto de 1995, o Disque-Denúncia conseguiu computar um
banco de dados com 6 milhões de informações sobre segurança
pública no estado do Rio de Janeiro. Essas informações não
apenas ajudam a elucidar casos, mas servem como base para
estudos, relatórios e análises de prevenção da criminalidade.
Hoje centrais do Disque-Denúncia em Pernambuco, Espírito
Santo, São Paulo, Bahia e Goiás, em um trabalho conjunto e
articulado. Uma prova de que o serviço prestado pelo Disque-
Denúncia no Rio de Janeiro deu certo e que outros estados
querem combater a violência urbana utilizando o mesmo modelo.
112
MORAES, Luciane Patrício Braga de. Disque-denúncia: a arma do cidadão. Processos de construção da verdade
a partir da experiência da Central Disque-denúncia do Rio de Janeiro. UFF, Dissertação de Mestrado em
Antropologia, 01 de fevereiro de 2006.
74
Somos um grande aliado da polícia e do poder público. Não é à
toa que, em mais de uma década de atuação, o estado do Rio de
Janeiro já teve cinco governadores e 12 secretários de
segurança, que apoiaram nosso trabalho e reconheceram no
Disque-Denúncia um poderoso instrumento de mobilização dos
cidadãos de nossa cidade e de nosso estado.
113
O Disque-Denúncia é fruto da terceira geração de movimentos
institucionais de participação social produzidos pela própria sociedade que
influenciam decisivamente a democratização do Estado. Após os partidos
políticos e sindicatos
114
, o associativismo tem produzido novas estruturas de
intermediação social, como, por exemplo, as ONG’s
115
. É de se observar que
todas essas ferramentas de participação sociopolítica aplicam no seu próprio
contexto elementos de gestão democrática, como, por exemplo, a
descentralização, a regionalização, a gestão participativa, a coordenação
colegiada. Isso demonstra que a democratização do Estado está atrelada à
democratização da própria sociedade.
Por isso, o processo de democratização da sociedade é questão-chave
para dinamizar a democratização do Estado. A força desse processo está no
fato de que sua implementação encontra-se ao alcance de todos como
verdadeira expressão de cidadania. Qualquer ator social, blico ou particular,
consciente de seu pertencimento a uma coletividade, pode acioná-lo
imediatamente no seu próprio nicho de interação social. E esta é uma
dimensão de cidadania que não depende do reconhecimento formal do Estado
nem está atrelada a um rol de direitos estatutários, pois parte-se do
pressuposto de que “não cidadania, sem a consciência de filiação a uma
coletividade política”
116
.
O estabelecimento da democracia reconhece e atende o anseio do
cidadão moderno que pretende atuar na concepção, deliberação e execução
de políticas públicas desenvolvidas pela Administração Pública para o alcance
113
Texto colhido no site do Disque-Denúncia, pelo endereço: http://www.disquedenuncia.org.br/content.asp?cc=1.
Pesquisa realizada em janeiro de 2008.
114
TOURAINE, Allain. O que é democracia? RJ, Vozes, 2ª ed, 1996, p.132.
115
MANCE, Euclides André. Redes de colaboração solidária, Aspéctos econômicos-filosóficos: complexidade e
libertação. RJ. Vozes, 2002.
116
TOURAINE, Allain. O que é democracia? RJ, Vozes, 2ª ed, 1996, p.93.
75
do bem comum, sobretudo porque a avaliação do interesse blico não
constitui prerrogativa exclusiva do Estado. Por outro lado,
Na esfera da administração da coisa pública, o princípio da
participação popular permite evitar os extremos do
estatismo e do privatismo pela introdução de uma linha de
atuação mais democrática, devendo o legislador estendê-lo
a outros campos da administração do bem comum.
(MARTINS JR, 2004, p.298)
A democratização da segurança pública é dinâmica e processual.
Requer, antes de tudo, uma mudança de mentalidade o que implica,
inexoravelmente, uma mudança de posturas não do Estado como também
da sociedade. Essa é a verdadeira mudança de ordem constitucional que deve
ser operada, sem embargo das necessárias modificações no plano formal,
indispensáveis à cristalização desse processo.
É preciso perceber que, “em verdade, há, na ordem constitucional, antes
funções ou órgãos do que poderes: mudança de palavras, que implica uma
mudança de método”
117
. Neste compasso, a participação social em todas as
instâncias governamentais põe de lado os modelos metodológicos impositivos,
baseados na verticalização de um governo que opera de cima para baixo, e
passa a trabalhar com ferramentas de horizontalização, que valorizam práticas
e procedimentos cooperativos, prestigiam a igualdade política e cultivam o
senso coletivo de responsabilidade cívica
118
.
117
CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. RS. Editora Vendramim, 1939, p. 230.
118
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da itália moderna. RJ. FGV, ed, reimpressão
2007, p.102.
76
CAPÍTULO III
OS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA
O processo de democratização da gestão pública pela qual vem
passando o Estado e a política brasileiros não pode ser bem compreendido
sem considerar o impulso que o associativismo
119
vem ganhando no Brasil,
especialmente a partir da década de 90
120
.
Dados do IBGE extraídos do Suplemento da Pesquisa Mensal de
Emprego – SUPPME –, realizado em abril de 1996, cujo tema focava “o
associativismo, representação de interesses e intermediação política”,
abrangendo seis grandes áreas metropolitanas do país - Recife, Salvador, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre -, comparados com os
dados da pesquisa suplementar da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios PNAD - de 1988, revelam que o associativismo sofreu alterações
entre os dois levantamentos, sobretudo no que se refere ao associativismo
comunitário.
Cotejados os dados observa-se que “embora a proporção das filiações
tenha permanecido praticamente mesma (29% em 1988 e 31% em 1996), em
1988 a filiação a órgãos comunitários superava a filiação aos sindicatos na
119
Estamos considerando nesse texto a categoria associativismo em sentido amplo, na perspectiva de projeto coletivo
de intervenção social, sem considerar as variações de significado que pode sofrer em função da natureza, alcance ou
dos interesses eventualmente tutelados pelo movimento associativista. Por conta dessas variáveis, não vinculamos o
desenvolvimento de comunidades locais ao associativismo, embora seja ele um fenômeno socipolítico de inequívoca
relevância para a construção instituições com identidades temáticas de interesse público em âmbito local, como é o
caso dos conselhos comunitários. A propósito do tema associativismo e seus vários significados consultar o trabalho
de Manuel Matos, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto - FPCE-UP
Portugal, initulado “Desenvolvimento e cidadania: intervenção associativa e acção comunitária”, publicado em
“Cadernos ICE – Inovação, cidadania e desenvolvimento local. Instituto das Comunidades Educativas, nº 7. Setúbal,
2004. Disponível na internet no endereço: http://www.fpce.up.pt/ciie/matos_desenvolvimento.doc. Consulta
realizada em fevereiro de 2009.
120
BURITY, Joanildo A. Identidades coletivas em transição e a ativação de uma esfera pública o-estatal. In
LUBANBO, Catia; COÊLHO, Denilson bandeira; MELO, Marcus André (Orgs). Desenho institucional e
participação política: experiências no brasil contemporâneo. RJ, Petrópolis. Vozes, 2005, p.64.
77
preferência da população (49% contra 35%), e as associações de classe
perderam no período capacidade de motivar adesões.
121
Entretanto, o estudo de 1996 revelou que dos 22,5 milhões de pessoas
consultadas a respeito de filiação a associação comunitária, 88% da população
pesquisada disse não ter vínculo associativo.
Ainda hoje a taxa de adesão a instâncias de representação comunitária
é muito baixa no Brasil, embora haja um forte incentivo institucional e político
por parte da Constituição Federal de 1988 no sentido de que sejam criados
espaços de intermediação sociopolítica, especialmente nos setores
governamentais da área social.
Não obstante a pouca expressividade do número de indivíduos que se
filiam a alguma entidade comunitária, fato é que as organizações
associativistas vêm ganhando força na medida em que procuram se consolidar
institucionalmente, buscando inclusive a qualificação de seus atores com vistas
a uma nova linha de diálogo com o Estado.
Alexandre Ciconello Ganança, em dissertação de mestrado apresentada
ao Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Brasília, sustenta
que são fatores e contextos históricos e políticos que levaram ao expressivo
número de criação de associações civis no país entre 1996 e 2002 (157%)
122
:
o processo de abertura política e redemocratização, com posterior
promulgação da Carta de 1988;
a existência de incentivos estatais, com a criação de programas e
fundos públicos direcionados para as associações civis;
a exigência de formalização dos movimentos sociais;
a criação no âmbito dos estados de uma grande estrutura de
conselhos setoriais e de políticas públicas,.
121
Para acessar a pesquisa do IBGE sobre associativismo, representação de interesses e intermediação política ver:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/suppme/analiseresultados1.s
htm. Consulta feita em agosto de 2008.
122
Dissertação disponível em http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=536 . Ver
página 117. Consulta realizada em setembro de 2008.
78
Paralelamente a essa constatação do IBGE quanto ao associativismo, é
interessante contextualizar neste cenário a observação de Ana Paula Miranda
sobre a modificação de prisma ou de perspectiva do associativismo nas
décadas de 1970/80 e a de 1990. Diz a pesquisadora que
De modo geral, observa-se que o associativismo
predominante dos anos 90 não deriva de mobilizações de
massas, tradicionalmente composta a partir de núcleos de
militantes que se dedicam a uma causa, mas sim de
processos de mobilizações pontuais, realizadas a partir do
atendimento a um apelo feito por alguma entidade,
fundamentado em objetivos humanitários. (MIRANDA, 2007,
p.423)
Focando a questão normativa e no diapasão do entendimento de Ana
Paula Miranda, Mauro Rego M. dos Santos, ressalta o fato de que os
movimentos sociais, com o tempo, passaram a se interessar pelas questões de
caráter normativo em razão da busca pela garantia da realização de bens de
segundo nível, não se limitando aos de primeiro nível, ou seja, das meras
reivindicações setoriais e classistas. Entende-se por bens de segundo nível
aqueles que “procuram alterar a consciência da sociedade acerca dos temas
que estão envolvidos, como a importância da ecologia, da igualdade da mulher
e dos negros, dos direitos humanos etc.
123
Com o empenho da sociedade civil no sentido de se qualificar para
responder aos novos desafios institucionais do Estado Democrático e a
sistemática de incentivos criada pela normatividade constitucional no sentido
de que estados e municípios passassem a ter acesso a recursos federais na
medida em que sejam instalados orgãos de participação sociopolítica, obtém-
se um quadro propício à consolidação de espaços públicos de participação
comunitária em âmbito local.
123
DOS SANTOS, Mauro Rego Monteiro. A representação social no contexto da participação institucionalizada. O
caso dos conselhos municipais do rio de janeiro. In SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Governança
democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no brasil. RJ, Revan, Fase, 2004, p.139.
79
Fóruns, conferências, congressos, conselhos entre outras modalidades
de audiências públicas, tornaram-se valiosos instrumentos de governança
democrática porque a democratização, seja ela vista no terreno meramente
político ou no terreno mais vasto da afirmação da cidadania política, cívica,
econômica, social e cultural, é “um processo em que muitas vezes o decisivo
são as instâncias da sociedade civil”
124
.
A demanda por maior participação da sociedade indica uma mudança
fundamental na perspectiva de pensar o interesse público e de exercer a
cidadania. O entendimento de que parte das atribuições e responsabilidades do
Estado devem ser “transferidas” para a sociedade fomentou, outrora, o
processo de redemocratização, acarretou a formatação de um novo cenário
normativo de obrigações jurídicas do Estado para com a sociedade com a
promulgação da Carta de 1988. Além disso, contribuiu para consolidar um novo
conceito ou idéia de cidadania dinâmica, isto é, de
movimento social que visa a ampliação das condições e
recursos capazes de reduzir a reprodução da desigualdade
entre estratos da sociedade, através do exercício extensivo
da participação social e política. (FISCHER, 1985, p.8)
Após 20 anos de experiência constitucional democrática é possível
dizer-se que os modelos comunitários de participação governamental se
tornaram uma realidade amplamente acolhida em várias localidades do
território nacional. Até mesmo setores governamentais não obrigados por
comando constitucional a instalar espaços de interação sociopolítica estão
criando seus próprios mecanismos de governança democrática, como é o caso
da segurança pública.
124
Sobre inter-relações democracia/preservação da diferença cultural/participação da sociedade civil/paz ver o
interessante texto de José Carlos de Almeida Fonseca publicado no site da Organização de Estados Iberoamericanos -
OIE, no endereço http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric06a02.htm. Consultado em Janeirod e 2009.
80
1. Conselhos comunitários de segurança: espaços públicos de regulação
e assunção de responsabilidades.
A criação de mecanismos de interface com o Estado retrata a
construção de estruturas de governança emergentes em um regime de ordem
social e política de base democrática em que responsabilidades sociais são
compartilhadas.
Sendo assim, tanto a sociedade quanto o Estado, por meio de seus
processos e dinâmicas, possuem instrumentos para dar conta da segurança,
na medida de suas potencialidades.
Tendo em vista as práticas informais de controle do crime, David
Garland comenta o fato de que as polícias da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos, desde as décadas de 1980/1990, vêm implementando esforços no
sentido de aproximar os oficiais de polícia dos atores não-estatais, com uma
proposta de cooperação que permita aos gestores de segurança pública se
familiarizarem com os meios e procedimentos operados pelas comunidades
para administrar os conflitos locais emergentes ou em andamento. Neste
sentido, a estratégia é fazer com que gradualmente e de forma “silenciosa”
sejam estimuladas, aperfeiçoadas e acionadas as forças locais de controle
social. Essa estratégia procura partilhar a missão do controle do crime com
atores privados que detêm o poder de influenciar o comportamento
comunitário. Para tanto, foi necessário ao poder público reconhecer a
existência fática de um poder de “governar” que extrapola o parelho
institucional do Estado soberano e que não pode ser visto como concorrente,
mas como complementar a autoridade pública.
É nesse sentido de complementariedade contemplada no bojo da
categoria governança (neste caso, não necessariamente democrática, mas
como pura estratégia de controle social) que se fala em “governar à distância”.
Arranjos e manejos sutis de intervenção governamental capazes de concertar o
quadro de controle social a partir da conjugação das ferramentas legais
disponíveis para o Estado e dos instrumentos sociais vivenciados no seio das
próprias comunidades.
81
Elas buscam esta política de parceria viabilizada e
encorajada pelos dispositivos de prevenção comunitária do
crime inspirados nos mesmos princípios, ocasionou o
surgimento de uma estratégia autoconsciente que se tornou
espectro primordial da política governamental dos anos 1980
e 1990, tanto na Grã-Bretanha quanto nos EUA. (GARLAND,
2008, p.269)
Para evitar uma interpretação distorcida acerca das reais intenções
desse tipo de medida governamental identificada como “estratégia de
responsabilização”, Garland esclarece mais adiante que
A motivação por traz dessas estratégias de
“responsabilização” não é o puro e simples alívio de
funções estatais problemáticas, embora a visão de
responsabilidades seja claramente uma estratégia atraente
para as autoridades da justiça criminal que buscam evitar a
culpa pelas limitações de suas instituições. Nem é
simplesmente a “comunitarização” ou a “privatização” do
controle do crime, conquanto o desiderato de reduzir os
gastos públicos certamente seja um fator e um dos efeitos
dessa estratégia consista em estimular o mercado
crescente de segurança privada. Ao contrário de tudo isto, a
motivação é uma nova concepção de exercício de poder no
campo do controle do crime, uma nova forma de “governar
à distância” que introduz princípios e técnicas de governo
que a esta altura estão bem sedimentadas em outras
áreas da política econômica e social. (GARLAND, 2008,
pp.273 e 274)
Como o processo de construção democrática por meio do diálogo, da
busca de parcerias e da co-responsabilização não é linear, diversos
instrumentos de mediação entre a sociedade e o Estado têm sido propostos,
revelando um espectro enorme de modelos de interação. Uma dessas
interfaces são os conselhos comunitários.
Os conselhos comunitários resultam de uma demanda do processo de
democratização não só do Estado como também da própria sociedade. Embora
não haja relação de causalidade entre a democratização da sociedade e do
82
Estado, exatamente porque se operam por dinâmicas distintas, esses espaços
públicos destinados à interação sociogovernamental permitem que haja um
encontro de providências e posturas da sociedade e do Estado em torno
daquilo que seja qualificado como de interesse público e segundo suas
potencialidades e habilidades.
Numa abordagem mais direta e objetiva, os conselhos comunitários de
segurança o entidades associativas de colaboração voluntária com as
autoridades públicas, constituídas para discutir, analisar, planejar, avaliar,
propor e acompanhar medidas na área de segurança pública, assim como para
estreitar os laços de entendimento, apoio e cooperação entre as lideranças
locais, buscando remover as assimetrias de poder havida entre elas. São,
assim, um canal privilegiado de comunicação entre a sociedade e o Estado por
meio do qual é possível “negociar” os interesses plurais em um ambiente
propício à revelação das capacidades, limites e necessidades de iniciativas, de
uma e outra parte, tendentes ao melhor atendimento das demandas
constatadas.
A “participação efetiva e operante do povo na coisa pública”
125
indica
uma nova dimensão de cidadania na sua interação com a comunidade maior,
ou seja, com o Estado. Trata-se de uma cidadania cujo significado é construído
pelos cidadãos em permanente contato com o Estado, trocando perspectivas e
possibilidades na efetivação do bem comum.
Do ponto de vista histórico, na medida em que processos políticos,
econômicos e sociais conferiram ao Estado o papel de provedor do interesse
público e à sociedade o papel de gerar sua riqueza e promover o
desenvolvimento econômico, operou-se uma alieanação do status de
cidadania
126
com consequente perda de iniciativas de participação social em
temas de interesse público. No Estado democrático, contudo, cidadão é aquele
que está ligado às dinâmicas de construção políticas, econômicas, sociais e
culturais que enraízam sua personalidade em determinado núcleo social
identitário. Cidadania e comunidade
127
são notas em perfeito acorde. Enquanto
125
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. SP. RT, 22ª ed., 2003, p.117 em apud a Emílio
Crosa, Lo Stato democratico. Torino, UTET, 1946, p. 25.
126
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. SP. Brasiliense. 8ª ed, 1994, p. 53.
127
TOURAINE. Alain. O que é a democracia? RJ. Vozes, 2ª ed, 1996, p.93-105.
83
construção de identidades, cidadania está para a comunidade, assim como
sociedade está para Estado. A perda da noção de cidadania implica num
esvaziamento da noção de polity, vale dizer, de comunidade política.
Por outro lado, o hiato entre cidadania e comunidade é alargado quando
se forma um consenso acerca da noção de cidadania vinculada ao “consumo”
de prerrogativas individuais, sem conectar o indivíduo a uma rede de
compromissos compartilhados. No campo da segurança pública, essa situação
fica explícita quando se enfatiza que segurança é dever do Estado e direito dos
cidadãos, sem alusão à responsabilidade social sobre o tema que a todos
envolve.
Por isso, e em termos gerais, os CCSs existem, fundamentalmente,
para propiciar dois níveis de interação: um em âmbito formal e outro em âmbito
social. No primeiro caso a proposta é permitir a identificação e a mobilização
dos segmentos representativos da sociedade local para, juntos com os órgãos
do sistema de segurança pública, por meio de “consórcios”, formarem uma
rede de proteção social e prevenção à violência e à criminalidade, com base
nos recursos sociais, jurídicos, políticos, econômicos, culturais e até mesmo
ambientais disponíveis na comunidade. O outro nível de interação diz respeito
às relações sociais que possibilitam a integração entre os membros de uma
mesma localidade no sentido de incentivar a formação, a transmissão e o
mútuo apoio em medidas de defesa social capazes de contribuir com a redução
das condições e circunstâncias que criam oportunidades para comportamentos
desviantes.
Em ambos os casos a idéia é que o crime e a violência são, antes de
mais nada, problemas de natureza relacional, apostando-se na perspectiva de
que é essencialmente na relação com os outros que se deve procurar a
resposta.
Não se pode assim compreender o crime, a violência, as incivilidades e
o sentimento de insegurança a partir de um retrato instantâneo, mas através da
sua construção nos diversos contextos a eles transversais tais como a relação
familiar, a trajetória escolar em termos de aprendizagem e socialização, as
mensagens e valores veiculados pelos meios de comunicação social, as
84
oportunidades de capacitação profissional e de desenvolvimento de
competências para efeito de empregabilidade e geração de renda etc.
São objetivos básicos perseguidos pelos conselhos comunitários de
segurança em geral
128
:
tornar-se um canal privilegiado por meio do qual se busca obter
subsídios da sociedade para otimizar a atuação dos órgãos de
segurança pública, em benefício do cidadão e da comunidade;
congregar as lideranças comunitárias entre si e com as
autoridades locais, no sentido de planejar ações integradas de
segurança que resultem na melhoria da qualidade de vida da
comunidade e na valorização dos integrantes do sistema de
segurança pública e defesa social;
compartilhar com a comunidade o diagnóstico, a seleção de
prioridades a identificação das metas e o processo de avaliação
dos projetos apresentados em segurança blica, sob o prisma
da ação policial (uso da força pública e poder coercitivo do
Estado), a execução e a deliberação são intransferíveis;
mobilizar a comunidade, visando à solução de problemas que
possam trazer implicações à segurança pública e à defesa social;
estimular o desenvolvimento de valores cívicos e comunitários;
sugerir programas motivacionais tanto para a comunidade quanto
para os gestores de segurança, visando à produtividade dos
sujeitos diretamente envolvidos com a efetividade dos projetos,
programas e metas, particularmente dos agentes de segurança
pública da área, reforçando, inclusive, sua auto-estima;
realizar estudos e pesquisas com o fim de proporcionar o aumento
da segurança na comunidade e maior eficiência dos órgãos
integrantes da segurança pública, inclusive mediante convênios ou
parcerias com instituições públicas e privadas;
128
Lista de objetivos disponíveis em http://www.ssp.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=4637.
85
em um nível mais sofisticado, encaminhar às autoridades
legislativas competentes, propostas ou subsídios para elaboração
legislativa em matéria de segurança pública.
Rosa Maria Fischer, em um trabalho intitulado “O Direito da População à
Segurança”, diz que
Os problemas que se colocam concretamente para as
comunidades são: diminuir a freqüência com que são
vítimas de assaltos e agressões físicas por parte de
delinqüentes; eliminar a possibilidade de serem presos
arbitrariamente, sofrerem torturas e perseguições policiais;
obter apoio efetivo da justiça para encaminhamento ágil e
imparcial dos processos em que estão envolvidos; ter
condições de obter apoio legal para solução de problemas
jurídicos que exigem conhecimento profissional. (FISCHER,
1985, p.102)
Atualmente, é verdade, a formação de conselhos comunitários tornou-se
uma importante estratégia de governança democrática deflagrado em vários
estados da Federação, o que não representa uma grande novidade, uma vez
que é da sistemática do federalismo promover a responsabilidade do governo
para com as pessoas e incentivar a participação dos cidadãos e a
responsabilidade cívica ao permitir que os governos locais elaborem suas
próprias leis
129
e administrem seus próprios interesses.
Ocorre que os conselhos comunitários de segurança foram criados no
Brasil, basicamente, na década de 80
130
e resultaram, quase sempre, da
iniciativa da sociedade civil, especialmente dos segmentos comerciais e
industriais locais. Ainda hoje, vários conselhos comunitários são formados por
iniciativa da própria comunidade local e posteriormente reconhecidos pelos
gestores públicos da segurança por meio de ato administrativo homologatório.
129
http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/federalism.htm
130
ALMEIDA SILVA, Carla Eicheler de. Participação Democrática em Nível Local: a experiência dos conselhos
comunitários de segurança pública.Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
Políticas da UFF - Universidade Federal Fluminense em 2005.
86
Eis que embrionariamente a democratização da segurança pública, no
que se refere à criação de espaços públicos de interação sociopolítica, resultou
de iniciativa da própria sociedade civil, agregando diversos estratos
socioeconômicos, para depois tornar-se uma ferramenta de governança
democrática.
Integram os conselhos comunitários de segurança sujeitos sociais
interessados, direta ou indiretamente, no tema segurança pública e que
representam segmentos da sociedade civil (associações locais, clubes de
serviço, organizações religiosas, ONGs, organizações da sociedade civil de
interesse público OSCIP), sendo possível, ainda, em muitos casos, a
participação de pessoas sem qualquer vínculo institucional mas que têm
interesse em colaborar com as reflexões e medidas práticas a serem aplicadas
no setor. É interessante registrar, contudo, que do ponto de vista da
representatividade e da frequência às reuniões dos CCS, foi possível observar
em nossas entrevistas que os segmentos sociais melhor organizados são mais
numerosos e assíduos, especialmente os ligados aos setores econômicos
produtivos da localidade. Associações de classes e de moradores se fazem
presentes, mas sem uma regularidade que permita o fortalecimento dos seus
vínculos com as agências governamentais de segurança que atuam junto a
eles.
Quanto à capacidade funcional, do ponto de vista jurídico e institucional,
os CCS não têm sido concebidos com caráter deliberativo, uma vez que a
proposta não é determinar o papel das agências de segurança pública, mas
compreender, estimular, apoiar, avaliar, sugerir e criticar as práticas e ações
estatais na área da segurança pública local. Por tais razões as sessões se
configuram como reuniões e não como assembléias. Nesse sentido, os CCS
não determinam, mas influenciam, de forma mais ou menos intensa de acordo
com o maior ou menor grau de proximidade entre os atores sociais e
governamentais, o rumo das agências que operam a segurança pública local.
Como este tópico pretende fazer uma apresentação genérica dos CCS não
colocaremos em discussão o conteúdo do que se entenda por deliberativo.
Procuraremos aprofundar esse assunto no item 4.6. do Capítulo III.
87
2. A dinâmica de funcionamento dos conselhos comunitários de
segurança: o risco da “funcionalização”.
Dado o recorte sociopolítico básico acerca dos CCS, cabe salientar
agora a questão de como se articula a dinâmica dos CCS enquanto instâncias
de participação popular e democrática. A questão é investigar se essas
dinâmicas emancipam ou “funcionalizam” os agentes operadores do colegiado,
nos termos propostos por Leonardo Valles Bento.
O que se entende por funcionalização?
Essa expressão indica uma dinâmica de desempenho acrítico de papéis
funcionais por parte, especialmente, dos membros oriundos da sociedade civil
catalizados para a instalação de esferas públicas.
Embora os objetivos declarados dessas iniciativas da nova
governança revelem preocupação com a qualidade de seus
produtos, com a eficiência gerencial, com a reversão da
cultura auto-referente da burocracia, com o incremento da
propriedade pública e com o estímulo à auto-ajuda, na
realidade a participação é funcionalizada em relação aos
interesses da administração, a qual determina as opções, os
critérios de seleção e mesmo as oportunidades para a
participação. (BENTO, 2003, p.223)
Com se nota, a chamada funcionalização, tal como aqui caracterizada,
normalmente resulta de uma forma sofisticada e sutil de estabelecimento das
dinâmicas de andamento dos conselhos por meio de práticas e papéis que
desequilibram a relação de “poder” entre os membros do colegiado havendo
uma prevalência daqueles que representam o poder público
131
.
Aliás, exatamente para evitar a funcionalização, a natureza jurídica dos
conselhos comunitários de segurança, seja ela qual for, instância pública ou
131
SANTOS JR. Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz César Queiroz; AZEVEDO, Sérgio. Democracia e gestão local:
a experiência dos conselhos municipais. SANTOS JR. Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz César Queiroz;
AZEVEDO, Sérgio.In Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no brasil. RJ.
REVAN-Observatório das Metrópoles-FASE, 2004, pp. 11 a 56.
88
entidade privada, não comporta a qualificação formal de órgão blico, embora
conselhos comunitários procurem atuar junto aos órgãos gestores da
segurança pública. Os conselhos comunitários de segurança não integram a
estrutura burocrática da Administração Pública, não constam como rubricas
vinculadas ao orçamento público e seus membros não mantêm relação
funcional de subordinação com a esfera de Poder Público com a qual dialogam.
Em geral, os conselhos comunitários, não importa a área governamental em
que atuem, representam novas formas de legitimação junto a e na atuação da
Administração Pública.
Muito embora a administração participativa seja organização
subalterna com fonte de legitimação na lei (para a
formulação e deliberação de políticas públicas ou auto-
administração), é inegável a repartição, comunhão ou
partilha da condução política dos negócios públicos entre a
sociedade e a Administração Pública, concretizada na
participação popular, máxime nos órgãos colegiados de
representação plural. Dotando de novo ingrediente de
legitimidade a atuação administrativa, instaura, conforme o
grau e a natureza da decisão a ser tomada em relação à
definição mais ou menos ampla de seu conteúdo em lei,
nova fonte de legalidade (em sentido amplo) da atuação
administrativa. (MARTINS JR, 2004, pp. 296 e 307)
A funcionalização dos conselhos comunitários, portanto, compromete a
estratégia de governança que tenha como proposta a democratização da
gestão pública na construção de um Estado para a sociedade civil. Por todas
essas razões, avulta de importância o fato de os instrumentos normativos que
regulam o processo de democratização dos conselhos comunitários de
segurança, definam a opção de funcionamento do colegiado a fim de que a sua
função reguladora desse nicho governamental seja planamente garantida.
Eis que, em termos básicos, é possível a adoção de um método
condutivista ou construtivista
132
. o se trata de dizer que um é melhor ou pior
132
Sobre o método construtivista como proposta de construção do conhecimento a partir da empiria ver os seguintes
artigos: http://www.abed.org.br/congresso2002/trabalhos/texto18.htm; http://www.inf.puc-rio.br/~francis/2006-
Construtivismo.pdf e http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a13v21n2.pdf
89
que o outro, mas qual delas melhor se alinha a uma dinâmica democrática para
a gestão governamental.
Se a opção é por um arranjo condutivista, geram-se modelos
institucionais de tendência verticalizada, de cima para baixo, que supõem
arquétipos ideais traduzidos por pessoas dotadas de habilidades especiais, o
que supostamente as qualifica para as funções de comando e orientação,
tornando os demais atores em reprodutores passivos dos conhecimentos e
práticas ditados. No entanto, se a opção é pelo método construtivista, os
modelos institucionais gerados são inspirados na horizontalização, na
procedimentalização, na proximidade do fato com a solução, no
desenvolvimento de competências, na autonomia, na autoconfiança etc.
Do ponto de vista de um desenho democrático projetado para os
diversos modelos de conselho comunitário, que são inspirados na idéia de
“negociação” de interesses públicos, que procuram associar à prática de
prerrogativas e capacidades cidadãs a correspondente assunção de
responsabilidades sociais, a metodologia construtivista parece mais apropriada,
haja vista sua plataforma de funcionamento ser horizontalizada e ter como
propósito a emancipação do indivíduo como cidadão.
Como se sabe, “a segurança pública foi e ainda é pensada
primordialmente como assunto de Estado, a despeito de implicar em efeitos
imediatos na vida de toda a sociedade
133
”. Neste sentido, é forte a tendência
condutivista, circunstância que levanta um sério alerta para a grande tendência
da funcionalização dos membros dos conselhos comunitários, sobretudo
aqueles oriundos da sociedade civil.
Como o funcionamento de um conselho se apóia numa base normativa
que procura conferir sistematicidade e lógica aos princípios e procedimentos
que regem um determinado processo, é perfeitamente coerente que a
instrumentalidade jurídica dela se ocupe em termos de ordenação do processo
deste funcionamento tendo em vista a democratização da segurança pública.
Cabe aos estatutos e regulamentos que regem os órgãos colegiados,
como instrumentos normativos que são, não estabelecer a estrutura, os
133
NASCIMENTO, Nívio Caixeta do. Prefácio à obra intitulada Polícia e comunidade: temas e desafios na
implantação de conselhos comunitários de segurança. Governo do Estado do Rio de Janeiro, ISP, 2006, p.11.
90
membros e as competências do conselho, como também e, sobretudo, a forma
como se processa a dinâmica interativa dos seus membros integrantes,
especialmente entre os membros do poder público e da sociedade civil.
No caso dos CCS, o quadro teórico que fundamenta a normatização é
baseado na democracia e o objetivo é o processo de democratização. O
método mais indicado neste cenário parece ser o construtivista, evitando a
funcionalização dos membros que neles atuam por meio de dinâmicas
dialógicas regidas estatutariamente. Essas dinâmicas devem visar à
construção de soluções compartilhadas a partir das condições concretas e das
ferramentas disponíveis junto à comunidade e na organização policial local,
preservada a autonomia de opinião de cada membro, a competência legal dos
gestores da segurança e o critério da maioria.
Embora não caiba ao conselho comunitário de segurança deliberar
sobre as ações policiais em si mesmas consideradas, é forçoso perceber que
essas instâncias detêm capacidade de influir na formulação de estratégias de
Segurança Pública. Por isso o modelo regimental dessas instâncias devem
focar a revelação dos dados, dos diagnósticos, do planejamento, dos critérios
de avaliação e com a continuidade no monitoramento das ações estatais pela
comunidade.
Nesse sentido, o processo de democratização da segurança pública tem
íntima relação com a gestão pública do conhecimento. Daí a relação entre
democratização, modelo e regime jurídico de funcionamento dos conselhos
comunitários de segurança.
Questões como qual a periodicidade das reuniões do conselho? Em que
dia e horário deve se reunir o conselho? Quem elabora a pauta? Que itens são
pertinentes ou não à pauta? Quais os critérios e objetivos para a escolha dos
itens da pauta? Qual o “peso” atribuído a cada voto colhido em escrutínio?
Qual o poder de vinculação dos assuntos discutidos e votados? A quem
compete a prestação de contas a respeito do que tenha sido deliberado? Quais
as consequências pelo não cumprimento do que tenha sido deliberado? A
quem compete o exercício do poder regulador da participação de cada membro
e em que medida esse poder pode ser exercido? Tudo isso diz respeito ao
91
modelo que espelha a forma com que se desenvolvem práticas e experiências
democráticas.
Essas e outras questões devem ser observadas na construção de regras
jurídicas que disciplinam a criação e o funcionamento dos conselhos
comunitários de segurança, sob pena de eventual perversão funcional da
instância que mesmo anunciada como democrática, pode estar camuflando
mecanismos incompatíveis com a proposta democrática.
Assim, no tocante ao aspecto instrumental, o que interessa é saber se
disciplina normativa que regula a interação comunitária é capaz de incentivar e
garantir o diálogo entre atores sociais e agentes públicos de modo a permitir a
construção solidária de soluções políticas e sociais para a segurança pública.
À guisa de um simples exemplo, oferecemos nossa crítica, fruto da da
experiência que tivemos como presidente do Conselho Comunitário de
Segurança de Teresópolis – 30ª AISP, com mandato de 2006-2007, aos
modelos regimentais de conselhos que atribuem o título de “presidente” àquele
que detém o encargo da regência das sessões do colegiado. O
questionamento que fazemos é o seguinte: se a proposta é a da construção co-
responsável da segurança pública, por que denominar “presidente” aquele que
rege os trabalhos desse tipo de órgão colegiado em face da proposta que lhe
empresta conteúdo? Presidente de um processo de co-responsabilidades?
Parece-nos inadequado, talvez até aliciador. Por que não “mediador”,
“coordenador”, “articulador”? Não é ele o elemento de interface para promover
o processo de “negociação”? Achamos que essas expressões são mais
propositivas para evidenciar o caráter regulador desse tipo de conselho
comunitário.
3. Participação social na segurança pública: limites e possibilidades dos
conselhos comunitários de segurança.
Constituindo parte de uma política pública abrangente que incorpora a
sociedade no processo de produção da segurança pública, são apresentados
92
os conselhos comunitários de segurança. Por intermédio dessas instâncias
democráticas de participação popular operam-se várias dinâmicas
fundamentais para a mudança de mentalidade, tanto da parte do poder público
quanto da sociedade civil, além de permitir a construção de novas
metodologias e estratégias no ofício público da segurança. Pontue-se, contudo,
que a participação popular na segurança pública não se adstringe à atuação
nesses órgãos colegiados, inclusive porque essas instâncias possuem limites e
possibilidades que lhes conferem potencialidades específicas.
Os espaços de ampliação e democratização da gestão estatal, sob a
forma de fóruns, simpósios, seminários, congressos, conselhos entre outros,
parece ser o caminho abraçado pelas diversas propostas de políticas blicas,
inclusive na segurança, para incrementar o processo de democratização da
gestão pública.
Esses espaços blicos, nos termos concebidos por Evelina Dagnino,
sinalizam positivamente para a aproximação do Estado e da sociedade na
medida em que funcionem
como esforços de controle social do Estado, visando à maior
transparência e publicização das políticas públicas, assim
como à participação efetiva na sua formulação de setores da
sociedade civil desprovidos de outras formas de acesso a
espaços de decisão. (DAGNINO, 2002, p.11)
Eis que a criação de espaços públicos pelo Estado visando à
participação social deve significar, realmente, o compromisso democrático de
se compartilhar com a sociedade o poder de governar. Afinal, faz parte do
processo de participação social o desenvolvimento da consciência crítica dos
cidadãos e o consequente desejo de empoderamento
134
da sociedade.
Conforme sustenta Bordenave, se não disposição para dividir o poder é
134
A despeito de o VOLP Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registrar o verbo “empoderar”, não há,
entretanto, registro para o substantivo “empoderamento”. Aliás, normalmente os dicionários não registram a palavra
seja como verbo ou como substantivo. Contudo, seu emprego é frequente nos textos por nós pesquisados em
referência ao vocábulo empowerment da língua inglesa.
93
melhor não iniciar um processo de participação social
135
. Essa advertência, no
entanto, deve ser sopesada no que tange à gestão pública da segurança, pois
há relações de poder geradas na sociedade de que só o Estado é capaz de dar
conta
136
. A cautela se deve à possibilidade de “privatização” da força pública
coativa, situação que compromete enormemente o Estado democrático. Não é
incomum, por exemplo, que grupos hegemônicos em determinada comunidade
se valham da força coativa do Estado para efetivar um modelo de ordem
pública e social segundo seus próprios juízos, valores e interesses. O caráter
excludente dessa forma de utilização da força pública traz sérios prejuízos ao
Estado democrático, sobretudo no que se refere à preservação dos princípios
da liberdade e do pluralismo.
É importante salientar que a participação da sociedade civil, como
expressão do processo de democratização, não se restringe à atuação nos
espaços públicos criados pelo Estado. Até porque a representatividade social
nessas instâncias, para ser qualitativamente expressiva, depende de que seus
integrantes advenham “de estruturas participativas organizadas
autonomamente pela própria sociedade civil”
137
.
Por outro lado, a sociedade pode e deve participar do processo de
organização social com todas as ferramentas de que dispuser, respeitados os
limites impostos pelo consenso social cristalizado na Constituição e nas leis do
país. Por isso a Lei Maior assegura os direitos fundamentais de reunião em
local aberto ao público, com o disciplinamento cabível; reconhece o direito à
livre expressão do pensamento, inclusive sem prévia censura ou licença, mas
repudia o anonimato e sujeita o autor à imputação de responsabilidade civil e
penal, conforme a natureza e a gravidade da eventual ofensa; também
assegura o direito de associar-se ou de permanecer associado, não
admitindo a finalidade paramilitar à agremiação, entre outras prerrogativas de
índole participativa. Existem, assim, diversas formas e meios de participação
social com efeito político, motivo pelo qual é importante ter-se em mente que o
tema participação social é mais amplo do que a forma escolhida pelo foco da
presente dissertação.
135
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. SP. Brasiliense. 8ª ed, 1994, p. 77.
136
PERALVA, Angelina. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. SP: Terra e Paz, 2000, p.22.
137
GOHN, Maria da Glória. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In SANTOS JUNIOR, Orlando Alves ill et.
Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no brasil. RJ. Revan, 2004, p.80.
94
No entanto, é preciso ponderar que a participação social, em qualquer
das suas formas, não é a solução para todos os problemas da democracia.
Afinal, a participação social na gestão pública possui limites e, de acordo com a
realidade do nicho governamental em que ela opera, comporta algumas
possibilidades.
Ao analisar conselhos como espaços blicos democráticos numa
abordagem ampla e genérica, Ana Paula Miranda elencou alguns limites que
também acabam se apresentando nos conselhos comunitários de segurança
138
.
As alíneas abaixo retratam os pontos destacados pela autora e os comentários
subsequentes a eles são breves considerações que fazemos acerca dos
referidos limites em face da experiência dos CCS no Rio de Janeiro
139
.
a. “dificuldade de reverter a centralidade e o protagonismo do Estado na
definição de políticas e prioridades sociais”;
No campo da segurança pública essa é uma questão evidente,
especialmente porque está enraizada na sociedade e nas organizações
policiais a idéia de que assunto de segurança pública é dever do Estado. Outro
fator que dificulta o abrandamento da visão estadocêntrica do tema é a falta de
um discernimento mais apurado das categorias segurança pública e polícia.
b. “a obrigatoriedade da paridade: a igualdade numérica entre os
representantes da sociedade e do governo não é suficiente para garantir
o equilíbrio das decisões”;
Esta é uma observação de grande relevância na estruturação e
composição dos Conselhos Comunitários de Segurança, posto que o
estabelecimento de uma paridade numérica entre os representantes da
138
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. A busca por direitos: possibilidades e limites da participação social na
democratização do estado. In CARUSO, Haydée (orgs). Polícia, estado e sociedade: pratica e saberes latino-
americanos. RJ. Publit. 2007, p.432.
139
Esclarecemos o leitor que os apontamentos apresentados na sequência de cada item derivam também da nossa
observação participante como presidente da primeira gestão (2006/2007) do Conselho Comunitário de Segurança de
Teresópolis – 30ª AISP, permanecendo até a presente data como membro efetivo do mesmo colegiado.
95
sociedade e do governo na área da segurança pública pende a balança para o
lado do governo.
O modelo adotado no Rio de Janeiro para a composição dos Conselhos
Comunitários, cujo regime normativo é orientado por resolução do secretário
estadual de segurança pública, atribui ao delegado titular da delegacia
circunscricional e ao comandante do batalhão/companhia/destacamento da
PMERJ da mesma circunscrição a qualidade de membros natos do conselho.
Ambos são obrigados, por força do princípio hierárquico, a participar do
colegiado. Outras autoridades públicas podem integrar o conselho como
membros (com direito a voto) ou participar como convidados ou visitantes (sem
direito a voto).
c. “há resistência das organizações sociais em reconhecer as demais
como representações legítimas”;
No âmbito da organização local dos CCS essa situação é
particularmente sentida em relação às associações de moradores, pois nem
todas elas se constituem em entidades dotadas de personalidade jurídica. Não
é incomum, por conta disso, ocorrer a tentativa de descredenciamento de uma
dada representação comunitária não personalizada por outra entidade
formalmente constituída. A propósito, o Estatuto dos CCS no Rio de Janeiro,
instituído pela Resolução SSP 781/05, no parágrafo do Art. 25 estabelece
que as entidades não personalizadas em direito poderão inscrever-se como
membros efetivos do CCS local, se apresentarem um abaixo-assinado por um
grupo de moradores referendando a representatividade da pessoa indicada
como representante comunitário.
Em escala nacional também é possível constatar a resistência de
reconhecimento de legitimidade em entidades congêneres ou afins. Na
realização do Fórum Nacional de Segurança Pública, evento a ser realizado
em 2009 em Brasília, vários CCS questionam a legitimidade e a
96
representatividade
140
da Confederação Brasileira das Federações dos
Conselhos Comunitários de Segurança
141
para funcionar como interlocutor dos
CCS em escala nacional.
d. “existência de vínculo frágil entre os representantes
governamentais e os órgãos de origem, pois geralmente defendem suas
opiniões pessoais e não as posições discutidas com suas instituições”;
A experiência dos CCS no estado do Rio de Janeiro demonstra que
embora o delegado titular e o comandante do batalhão ou companhia estejam
jurídico-administrativamente obrigados a participar das reuniões, pois são
estatutariamente considerados membros natos do colegiado, não raro estes
são substituídos nas reuniões por policiais civis e militares de hierarquia inferior
que não têm qualquer interesse ou conhecimento da proposta institucional do
Conselho, ignorando não as suas regras de funcionamento como a
mesmo a razão de ser dessas instâncias. Suas manifestações acabam se
limitando às suas próprias experiências como agentes policias já que não estão
investidos funcionalmente do poder jurídico necessário para traçar metas,
diretrizes ou discutir políticas de segurança junto à comunidade local.
Normalmente, suas manifestações não passam de dicas ou aconselhamentos,
inclusive sem qualquer fundamento técnico, científico ou jurídico.
e. “falta de capacidade dos conselheiros, governamentais e não-
governamentais, para uma atuação mais ativa no diálogo deliberativo”;
Em relação a esta alínea é importante frisar que os CCS, até onde
minha pesquisa empírica mapeou, não têm caráter propriamente deliberativo.
140
Consultar as manifestações dos presidentes das AISP 07 - São Gonçalo e 21 São João de Meriti no relatório da
reunião do ISP-RJ com os Presidentes dos CCS que debateu o tema Avaliação e Planejamento da Coordenadoria dos
CCS, realizado em 18 de dezembro de 2008, assinado em 18 de dezembro de 2008 pelo Gerente da Coordenadoria
dos CCS, Dr. Marcus Vinícius da Paixão Veloso e publicado na página do ISP http://www.isp.rj.gov.br/ e mais
precisamente no endereço: http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/RelatoriodeAvaliacao.pdf. Pesquisa
realizada em 4 de fevereiro de 2009.
141
Sobre a CBFCCSP ver: http://www.feconsepro.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=622.
Consulta realizada em janeiro de 2009.
97
Obstante essa característica, verifica-se nas sessões dos colegiados
comunitários de segurança que as questões normalmente postas em discussão
revelam pouca capacidade dos participantes, sobretudo dos membros natos,
de abordar os assuntos num plano diferenciado da tradicional visão de controle
da criminalidade.
Outro fator que compromete a qualidade dos debates dos CCS é que,
que não obrigatoriedade do comparecimento de outras autoridades blicas
distintas das policiais, especialmente as municipais, a capacidade de articular
interfaces e trazer à tona outras perspectivas para desenvolver estratégias de
segurança pública fica prejudicada.
É preciso ressaltar, porém, que no Rio de Janeiro e em alguns outros
estados da Federação, dois expedientes estatutários da pauta-padrão que
procuram ampliar o universo dos debates e fomentar o controle social sobre as
ações das agências de segurança: primeiro, a obrigatoriedade da apresentação
e discussão dos índices de criminalidade registrados pelos procedimentos
policiais civis e militares em determinado período e ocorridos na circunscrição
do conselho; o segundo diz respeito à obrigatoriedade de confecção da ata da
reunião como forma de historiar os assuntos discutidos e criar uma memória
capaz de permitir futuras avaliações críticas, notadamente quanto à efetividade
e produtividade do colegiado e das agências policiais.
f. “dificuldade de explicação de interesses, do reconhecimento da
existência e legitimidade dos conflitos e das trocas de idéias como
instrumento de tomada de decisão”;
No campo da segurança pública essa é uma questão patente, pois a
percepção mais comum é a de que o conflito tem que ser eliminado para haver
ordem pública e social. Com essa percepção, a ordem não é compreendida
numa perspectiva democrática, por vezes autoritária, com um viés ora
castrense (militar) ora legalista (judiciário). “Nesse modelo a idéia de conflito
98
aparece como uma desarrumação da ordem, que põe em risco a estrutura
social”
142
.
g. “as ações estão mais voltadas para sua própria estruturação do
que para a definição de diretrizes e a discussão de políticas”;
Pela análise de atas de alguns conselhos comunitários de segurança no
Rio de Janeiro, verifica-se que o foco penalista prepondera nas questões
levadas ao colegiado, existindo ainda espaço para honrarias e elogios por
desempenho. A discussão de políticas de segurança quase sempre não são
sequer mencionada. Em Teresópolis, por exemplo, não houve qualquer
ressonância por parte do Conselho, inclusive de seus membros natos, no
tocante à demanda do Secretário Municipal de Segurança Pública, Ten.CelPM
Hugo Freire de Vasconcelos Filho, que junto ao ISP formulou o Plano Municipal
de Segurança Pública para o Município de Teresópolis
143
.
h. “há grande recusa do Estado em partillhar as decisões”;
O processo de democratização da gestão pública enfrenta dificuldades
de interlocução e compartilhamento de decisões em quase todos, senão todos,
os setores do aparelho estatal. A recusa do Estado em partilhar decisões com
a sociedade o é característica de algum setor específico do governo ou da
Administração Pública. Mudanças de valores, procedimentos e rotinas, e
compartilhar o poder de decisão, sobretudo com “estranhos”, são questões que
realmente provocam uma grande resistência das estruturas organizacionais
públicas e privadas
144
consolidadas.
142
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. A busca por direitos: possibilidades e limites da participação social na
democratização do estado. In CARUSO, Haydée. Polícia, estado e sociedade: pratica e saberes latino-americanos.
RJ. Publit. 2007, p.425.
143
http://teresopolisjornal.com.br/terejor/index.php?option=com_content&task=view&id=2703&Itemid=32
144
Todos os textos sobre governança corporativa a que tivemos acesso pontuavam essa questão da resistência das
estruturas organizacionais vigentes. A propósito, recomendamos o livro intitulado Governança corporativa em saúde,
obra coletiva organizada por VILLAR, Josier Marques, publicada pela editora Mauad X 2007.
99
Na Administração Pública, a dificuldade para a adoção de mecanismos
de governança democrática encontra raízes no processo de estruturação do
Estado brasileiro, sobretudo por conta do modelo burocrático autoritário como
definidor da relação Estado-sociedade. Isso é constatável nas intervenções no
campo econômico e social, repercutindo na implementação de modelos
bastante rígidos e impessoais de administração burocrática cuja preocupação
se concentrava na suficiência da prestação de serviços públicos à coletividade
em geral tendo em vista o paradigma da eficácia. O objetivo de evitar o
clientelismo e a apropriação do aparelho estatal por pessoas influentes ou
grupos de poder. Essa postura acarretou o distanciamento do Estado em
relação à sociedade pela visão formal e auto-referida de um sistema de
decisões, procedimentos, práticas, regras e valores que enxergavam o
destinatário do serviço público como administrado, cliente e usuário do serviço.
Como se observa essa concepção coloca o destinatário do serviço público
numa passiva diante da Administração Pública. O cidadão é reduzido à
condição de consumidor do serviço e o critério de avaliação de desempenho da
produtividade é essencialmente quantitativo.
Estudos recentes sobre a reforma do aparelho
145
do Estado sinalizam
para os padrões e modelos gerenciais da Nova Administração Pública (NAP)
ou New Public Management (NPM) que propõem uma releitura do papel do
Estado e da sociedade frente à administração da coisa pública. Entre as várias
críticas formuladas pela NAP, uma que diz que a separação da
Administração (o Estado) do público (destinatário do serviço) decorreu do fato
de que este deixou de ser compreendido como “proprietário” da administração
(res publica), e passou a ser visto como mero cliente. Em outras palavras o
cliente do serviço público é um consumidor e não um cidadão.
Com efeito, a cidadania é um conceito mais amplo, que
envolve não apenas uma atitude passiva, de escolha entre
os produtos de acordo com a q ualidade, ou o controle dos
mesmos, mas também compreende uma dimensão ativa de
145
Não se confundem as idéias de reforma do Estado e do aparelho do Estado. O primeiro, de conteúdo mais amplo,
diz respeito à reformulação das funções a serem desempenhadas pelo Estado, sobretudo no que se refere às
intervenções econômica e social, tendo em vista a redefinição que se faz necessária da relação entre o Estado e a
sociedade. O segundo, de conteúdo mais específico e concreto, diz respeito à reforma administrativa, referindo-se a
mudanças na forma de administrar, na criação de novas ferramentas de gestão e ao modo de prestar serviços públicos.
100
participação e responsabilização (accountability). Ao
contrário do consumidor, que se limita a escolher entre um
leque mais ou menos limitado de opções e de reclamar
quando não está bom, o cidadão reivindica o direito de
participar diretamente no processo de formulação de
políticas e na implementação e gestão dos serviços
públicos. (BENTO, 2003, p.92)
Neste sentido, a terceira geração de reformadores sectários da NAP
propõe modelos gerenciais que contemplem as seguintes diretrizes:
a) ênfase no desenvolvimento organizacional de baixo para cima
e na aprendizagem;
b) valorização da cultura organizacional;
c) responsabilização (accountability) de políticos pela
formulação de políticas e de administradores pela
implementação e gerenciamento delas;
d) participação popular;
e) ênfase no desenvolvimento da cidadania;
f) ênfase na proteção da res publica.
Como no Brasil a segurança pública sempre esteve associada aos
interesses do Estado na gestão da ordem pública, disfarçando na verdade
vários projetos de poder por meio da manipulação do aparelho repressivo
estatal sobre as classes populares, sobretudo as consideradas “perigosas”
146
, a
tendência de distanciamento do Estado em relação à sociedade tornou-se algo
bastante salientado. Para assegurar o caráter oficial e revestir de legalidade o
distanciamento necessário das agências públicas de segurança em relação à
sociedade, a dinâmica funcional da atividade policial foi arquitetada com base
no burocratismo administrativo e no cartorialismo processual penal
147
.
146
Sobre as funções de repressão política da organização social, ver Paulo Sérgio Pinheiro. “Violência do Estado e
classes populares”. In Dados. Nº 22, RJ, IUPERJ, 1979.
147
A respeito das mudanças pretendidas para um novo Código de Processo Penal ver na internet o texto que reproduz
a reunião do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo publicado em
101
No caso da segurança pública a dificuldade de compartilhamento de
decisões decorre do fato de que ainda não se tem um discernimento adequado
do que seja política de segurança pública e ação policial uma vez que ambos
projetam suas iniciativas para a produção e manutenção da ordem pública
148
.
Ocorre que decidir sobre política de segurança pública supõe deliberar a
respeito do estabelecimento de metas e prioridades; a elaboração de
programas e projetos; a alocação de recursos; a escolha dos meios e a
definição das condições gerais para a implementação de ações preventivas,
repressivas e educativas; a produção de critérios diagnósticos; o controle sobre
a prestação de contas e o apontamento de responsabilidades. Questões
operacionais tais como execução de mandado judicial, lavratura de flagrantes,
operações em comunidades, número de policiais, viaturas, armamento,
munição, apreensões, prisão e detenção etc o são temas para a esfera de
domínio da sociedade, exatamente porque dizem respeito à rotina funcional
das agências de segurança no desempenho do seu papel de garantidor
universal da ordem jurídico-constitucional vigente. Deliberar sobre políticas de
segurança é algo que está aquém e além de procedimentos ordinários e
específicos verificados em casos concretos. É a política de segurança que
valida ou exclui procedimentos e rotinas e não o inverso. Afinal, trata-se de
produzir policiamento e segurança sob consentimento. Acreditamos ser nisso
que devem se concentrar os conselhos comunitários de segurança, sob pena
de um recrudescimento da resistência no compartilhamento democrático de
questões ligadas à segurança pública.
Não se pode olvidar, contudo, que aos conselhos comunitários cabe o
papel democrático de colocar em pauta de discussão questões de limitação do
poder coercitivo do Estado quando procedimentos e práticas policiais se
mostram abusivo aos direitos fundamentais, como é o caso do uso das
algemas
149
.
http://www.sescsp.org.br/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=838breadcrumb=18Artigo_ID=870&ID
Categoria=10388reftype=1. Consulta feita em março de 2009.
148
Para uma apreciação da distinção entre política de segurança pública e política de policiamento, ver: MUNIZ,
Jacqueline, 2008. E agora depois do pan, no site http://www.forumseguranca.org.br/artigos/e-agora-depois-do-pan
149
Sobre o uso de algemas ver o verbete 11 da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal que resultou da
sessão plenária de 13/08/2008. Fonte DJ nº 157/2008, p.1, publicado em 22/08/2008.
102
i. “baixa capacidade de articulação, pressão e mobilização dos
setores organizados da sociedade civil”;
Talvez a grande contribuição que os espaços públicos democráticos na
área da segurança possam promover consista, exatamente, na tentativa de
reunir o maior espectro socioeconômico possível em uma mesma arena,
rompendo com tabus e impressões sociais que se consolidaram historicamente
em função dos modelos de produção de riqueza e distribuição de bens
econômicos, assim como pela forma de utilização do aparato policial estatal em
torno dos interesses desses modelos. A enorme dificuldade que se tem em
colocar os problemas da segurança pública numa plataforma variada de fatores
e vetores decorre da percepção imediata e limitada que cada segmento social
faz de suas próprias realidades socioeconômicas e a expectativa que cada um
deles tem acerca do papel do Estado frente a estas mesmas realidades.
Agrava ainda mais a situação quando as demandas ganham um tom de
discurso político segregacionista tendente à fragmentação social pela utilização
do aparelho policial do Estado em (des)favor de um determinado segmento
social. Superar a imagem de que a polícia serve de escudo ou ferramenta para
a manutenção de privilégios sociais e econômicos, tendo em vista a sua
prerrogativa de emprego da força, é uma das grandes missões dos CCS,
que eles são inspirados no propósito da construção de uma sociedade e de um
Estado baseados em valores democráticos e humanitários. Do contrário tem-se
a clientelização da segurança pública, a particularização ou sua privatização.
Aliás, é extremamente importante pontuar que a polícia, enquanto
principal gestora da segurança pública, embora seja um instrumento do Estado,
no contexto de uma ordem democrática não é uma organização que se
subsuma totalmente a ele. Polícia é uma projeção da polis, do estado de
cidadania. Garantir a observância e a aplicação de direitos civis, políticos,
sociais e econômicos consagrados pela ordem jurídica é a sua razão e meta,
motivo pelo qual não pode a polícia, enquanto instituição democrática,
obedecer a ordens governamentais que atentem contra esses mesmos direitos,
sob pena de inevitável desgaste de sua confiabilidade e credibilidade.
103
A dificuldade da mobilização social e da transformação das suas
demandas em medidas qualitativamente substanciais para a formulação de
políticas públicas na área de segurança pode ser percebida nos relatórios das
atas de reuniões dos CCS. Os colegiados integrados predominantemente por
membros pertencentes às classes média e alta demandam serviços policiais
baseados na gica da proteção, pois sua percepção de segurança está
associada ao afastamento do risco representado pela favelização, pela
mendicância, pela camelotagem, pelo descontrole das áreas de diversão
pública etc. A mobilização neste caso está, portanto, associada essencialmente
ao medo e à percepção de risco de determinado grupo social mais influente.
Não está ancorada no desejo de construir a segurança a partir de paradigmas
humanitários e sociais inclusivos. É uma percepção que nega o conflito social
como elemento estruturante da sociedade, que não a democracia como
forma de correção das desigualdades ao mesmo tempo que preserva as
diferenças e, finalmente, a questão humanitária é subalternizada em relação à
meta de atingir a fartura na disponibilidade de bens e serviços.
Por outro lado, os conselhos criados em comunidades socialmente
vulneráveis têm dificuldade de mobilizar as pessoas porque ao verem a polícia
como protagonista da iniciativa estatal de aproximação, especulam com grande
desconfiança acerca dos reais interesses dessa medida. Sem contar o fato de
que em comunidades dominadas pela criminalidade, a aproximação do
morador com a polícia pode ser interpretada como ato de traição à subcultura
local de lealdades, proteção e ordem. Como a própria pesquisadora Ana Paula
Miranda diz: “neste caso, uma enorme dificuldade em se perceber este
espaço como um local de demandas por serviços ou de reivindicações de
direitos”
150
.
j. “tendência de “burocratização” e de se transformar em instâncias
de projeção de propostas particulares”;
150
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. A busca por direitos: possibilidades e limites da participação social na
democratização do estado. In CARUSO, Haydée (orgs). Polícia, estado e sociedade: pratica e saberes latino-
americanos. RJ. Publit. 2007, p.435.
104
Tendo em vista a proposta e a dinâmica de funcionamento dos CCS no
Rio de Janeiro, não pertence à sua vocação assumir um desenho burocrático.
Basicamente, dois procedimentos tendem a ser documentados em função de
uma necessidade de controle formal em relação à “deliberação”
151
colegiada.
Um deles diz respeito à confecção das atas de reunião e o outro à elaboração
de ofícios para orgãos públicos ou entidades privadas diversos.
Tomando por base a liturgia estatutária dos CCS no Rio de Janeiro, a
obrigatoriedade da feitura de atas de reunião funciona como medida formal que
viabiliza duplo controle, institucional e social, frente aos compromissos
assumidos em reunião comunitária.
Do ponto de vista institucional, as instâncias policiais superiores, tais
como o Comando-geral da PMERJ
152
, o gabinete do Chefe de Polícia Civil, o
Instituto de Segurança Pública (ISP) ou o próprio Governador, podem fazer
análises de diversas naturezas a partir do texto dos relatórios. Podem, por
exemplo, elaborar estratégias de ação policial de alcance local ou regional;
supervisionar o comportamento dos agentes policiais no sentido de saber se
suas atitudes estão de acordo com a macropolítica da secretaria de segurança
pública; se esta ferramenta está dando os resultados almejados pelos objetivos
da política de segurança pública no tocante ao processo de aproximação da
polícia com a comunidade etc. Do ponto de vista do controle social, os
relatórios ensejam construir algum grau de crítica ou de influência sobre a
gestão policial da segurança pública local.
No tocante à elaboração de ofícios para órgãos públicos diversos sobre
os quais se tenha algum interesse colaborativo, esses documentos servem
para consolidar os processos internos de discussão e “deliberação”,
repercutindo no amadurecimento do próprio papel dos conselhos, além de dar
maior visibilidade social à instância no tocante à sua utilidade e contribuição.
Também há o fato de que essa opção procedimental dos colegiados visa
simplificar a maneira pela qual se forma e cristaliza a manifestação de vontade
da instância, pois do contrário suas demandas somente gozariam de validade e
151
Estamos empregando o vocábulo “deliberação” entre aspas para indicar que não estamos conferindo o sentido de
tomada de decisão, mas de formação discursiva da vontade colegiada, alusiva, portanto, a uma racionalidade
comuncativa alternativa à racionalidade instrumental que é de índole burocrática e tecnocrática.
152
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
105
legitimidade, se fossem encaminhadas as próprias atas de reunião nas quais
são registrados os pleitos e as decisões da comunidade.
Quanto à segunda parte do item em comento, há, de fato, uma
tendência de os CCS se transformarem em um espaço de projeção de
propostas ou demandas particulares. No Rio de Janeiro esta propensão
deveria ser melhor administrada pelos membros natos e presidentes de CCS
na medida em que existe no âmbito desta unidade da Federação, também
como instrumento de interlocução, os chamados Cafés Comunitários.
Os Cafés
153
são apresentados como espaços públicos mais flexíveis na
sua composição e funcionamento, exatamente para estimular o acesso das
pessoas da comunidade a uma aproximação com a polícia sem se
preocuparem com as formalidades normalmente encontradas no conselho,
como, por exemplo, integrar uma entidade associativa legalmente constituída.
O propósito dos Cafés Comunitários é que os comandantes dos batalhões se
sentem à “mesa” com as pessoas da comunidade para compartilhar um
momento simpático e cordial de aproximação, onde o assunto que mobiliza os
participantes são os serviços locais de segurança pública. Da interação havida
com a comunidade os gestores colhem elementos sobre os quais se pode fazer
uma leitura das prioridades de ação policial e estabelecer uma estrutura
estratégica, tática, operacional e logística otimizada para as ações policias que
se mostrem necessárias.
k. “dificuldade de alcançar a capacidade deliberativa dos conselhos”.
Tendo por base o regramento estatutário dos conselhos comunitários de
segurança no RJ e os compromissos constitucionais e legais das agências
policiais, esses colegiados não possuem caráter deliberativo. A complexidade e
a natureza dos assuntos concernentes à segurança pública exigem cautela e
prudência quando se fala em participação social, sobretudo quando a
153
A respeito dos Cafés Comunitários e dos CCS no Rio de Janeiro ver o texto elaborado pelo então coordenador-
geral dos CCS Maj-PMERJ Teixeira em http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/Artigo2005003.pdf
106
segurança pública se expressa em termos de exercício de poder de polícia,
posto que esta supõe a disponibilidade do eventual emprego da força coativa.
A dificuldade dos conselhos comunitários de segurança alcançarem a
capacidade deliberativa se deve, fundamentalmente, ao fato de como as
agências de segurança pública, especialmente as de polícia, interpretam suas
as funções de proteção social, de mediação de conflitos e redistribuição de
direitos, misteres estes que são tipicamente atribuídos ao Estado por conta do
monopólio do uso legal e legítimo da força pública a ele delegado. Quase
sempre estas agências ambicionam um discurso monopolista que visa a
aumentar crescentemente os seus poderes.
Além disso, questões inerentes ao próprio funcionamento e organização
dos conselhos desautorizam a função deliberativa, tomado este termo como
capacidade de determinar ou decidir ações de polícia na área da segurança. O
grau de representatividade, a ingerência na seleção dos membros oriundos da
sociedade civil, o déficit instrucional, a falta de vínculo formal que viabilize a
responsabilização civil e administrativa
154
entre outros, são fatores que contra-
indicam a faculdade deliberativa na gestão democrática da segurança pública.
Não dispor da capacidade deliberativa, porém, não impede a realização
de atividades de elevado escol para a segurança pública, sobretudo no que se
refere ao estabelecimento de prioridades, realização de diagnósticos e
formulação de políticas blicas para o setor. Significativo exemplo pode ser
dado com a moção à Mesa diretora da ALERJ Assembléia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro, de 20080900175, provocada pelo Conselho
Comunitário de Segurança de Nova Friburgo
155
, 11ª AISP, em 2008 e
encaminhada pelos deputados Olney Botelho e Rogério Cabral, no sentido de
solicitar ao secretário de segurança pública informações do banco de dados da
polícia civil sobre as ocorrências verificadas no município de Nova Friburgo,
com o seguinte teor:
154
A responsabilidade penal pode ser imputada aos participantes do CCS, especialmente sobre aqueles que detêm
dunções de diretoria, pelo disposto no Art. 327 do CP. “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais,
quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”
155
http://portal.11bpm-novafriburgo.com/index.php?option=com_content&task=view&id=72&Itemid=2
107
Autor(es): Deputado OLNEY BOTELHO, ROGERIO
CABRAL
Requeremos à Mesa Diretora, nos termos do Art. 107 do
Regimento Interno e do Art. 101 da Constituição Estadual,
que seja encaminhado ofício ao Ilustríssimo Sr. Secretário
de Estado de Segurança, Dr. José Mariano Beltrame, com a
seguinte solicitação:
- Sejam fornecidas informações detalhadas no âmbito da
151ª Delegacia Policial de Nova Friburgo, no período de
de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2007 e dos meses
de 2008 disponíveis, relativas as seguintes ocorrências:
Homicídio doloso; lesão corporal dolosa; estupro; atentado
violento ao pudor; total de roubos; roubos de veículos; furto
de veículos; roubo a residências; furto a turistas; roubo a
transeuntes; auto de resistência; tráfico de drogas; posse e
uso de drogas; apreensão de drogas; armas apreendidas;
com as seguintes variáveis: data da ocorrência (dia, mês e
ano); dia da semana; horário da ocorrência; endereço
detalhado da ocorrência; bairro da ocorrência; distrito da
ocorrência, sexo da vítima; cor ou raça da vítima; sexo do
agressor; cor ou raça do agressor; idade real ou presumida
do agressor.
Esclarecemos que tais informações serão utilizadas na
confecção de diagnóstico da segurança pública no
Município de Nova Friburgo a ser elaborado pelo Conselho
Comunitário de Segurança - CONSEG, em parceria com o
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da
Universidade Cândido Mendes e o Instituto Sou da Paz.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 10 de junho de 2008.
Apresentadas as limitações atinentes aos conselhos para funcionarem
como espaços públicos democráticos, chega-se à conclusão de que a
participação social na gestão pública, e particularmente na segurança, é uma
prerrogativa cívica que se justifica por si mesma e não por seus resultados. No
entanto, a participação social na esfera pública não se de maneira uniforme
em todos os setores, havendo necessidade de moderar o grau de influência da
participação em cada nicho governamental. No fundo, é preciso perceber que o
que está em jogo é o processo de democratização não do Estado, mas
também da sociedade. No que se refere à participação social na segurança
pública o eventual descontrole sobre as formas dessa participação não põe
108
em risco o projeto de equilíbrio do Estado de direito em bases democráticas,
mas a própria organização social democrática.
Por isso, diante da segurança pública não se pretende que a
participação social determine as soluções, mas que seja capaz de apontá-las,
de construí-las conjuntamente, não à luz dos índices de criminalidade e
percepção da violência, mas também quanto aos aspectos críticos desse
cenário no tocante ao comprometimento com as instituições democráticas e os
direitos humanos.
Nesse sentido, tem-se que os conselhos comunitários de segurança são
espaços de participação social que funcionam como instâncias privilegiadas
para o debate, a problematização e o encaminhamento de propostas em torno
da matéria segurança pública cujo alcance está na razão direta da produção de
serviços públicos variados que conformem um quadro conjuntural satisfatório
de governabilidade capaz de inibir a violência e os comportamentos desviantes,
sobretudo aqueles qualificados legalmente como criminosos, observadas as
regras formais e informais que possibilitam a negociação dos interesses em
jogo, sempre tendo em vista a efetivação de valores democráticos e
humanitários.
4. O recorte jurídico dos conselhos comunitários de segurança.
O presente item exige que façamos uma preliminar do fundamento
empírico que nos permitiu formular o seu desenvolvimento.
É necessário esclarecer que o autor dessa dissertação valeu-se
amplamente de uma observação participante a partir da sua experiência como
presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Teresópolis, gestão
2006-2007. O CCS de Teresópolis está ligado à 30ª AISP Área Integrada de
Segurança Pública, circunscrição do 30º Batalhão da Polícia Militar do Estado
do Rio de Janeiro, bem como da 110ª Delegacia de Polícia Judiciária.
Nosso ingresso no CCS de Teresópolis deveu-se ao fato de sermos,
ainda hoje no terceiro mandato, presidente de uma associação de moradores
109
localizada no Distrito do Município de Teresópolis, denominada AMAVALE
Associação dos Moradores e Amigos do Vale dos Agriões de Dentro
156
.
Em função desse papel de presidente do CCS de Teresópolis,
passamos a interagir com a Coodenadoria dos Conselhos Comunitários de
Segurança, órgão que integra a estrutura do ISP – Instituto de Segurança
Pública do Estado do Rio de Janeiro
157
, o que nos possibilitou acesso a
eventos, reuniões, cursos, textos, legislação, relatórios e dados concernentes à
criação e funcionamento dos CCS nos termos da Resolução 781/05
158
da
Secretaria de Segurança Pública.
Por outro lado, ao longo da construção dessa dissertação fizemos um
mapeamento de todos os estados da Federação procurando elementos para
confrontar as estruturas normativas conferidas aos diversos conselhos
cotejados com o modelo implantado no estado do Rio de Janeiro. Para tanto
realizamos diversas entrevistas telefônicas com agentes públicos encarregados
da coordenação de projetos ligados a policiamento comunitário e a conselhos
comunitários, além de vasta consulta a sítios na internet de propriedade das
assembléias legislativas, do executivo estadual, das polícias civil e militar, além
das páginas dos respectivos tribunais de contas e ministérios públicos
estaduais.
Não o presente Capítulo III se beneficia desse esforço de pesquisa
como também o próximo, quando cuidaremos especificamente da
instrumentalidade jurídica dos CCS.
O estudo que nos colocamos a fazer nesse item 3 consiste numa análise
do perfil jurídico dos conselhos comunitários, tomados em termos de
configuração geral a partir dos elementos que conseguimos em nossas
pesquisas. Sendo assim, não é um estudo que retrata o modelo de CCS
adotado no Rio de Janeiro, posto que os argumentos aqui apresentados
procuram refletir a aparência geral dos conselhos, tal como revelado por
nossas pesquisas.
156
Sobre a AMAVALE ver na internet o site www.amavale.org.
157
Sobre o Instituto de Segurança Pública ver na internet o site http://www.isp.rj.gov.br
158
Para acesso à Res. nº 781/05, ver http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/legislacaoCCSago2005.pdf
110
Outrossim, cabe esclarecer que não se trata de um estudo normativo
exegético. A base informativa são, essencialmente, as entrevistas que fizemos,
reportagens publicadas e os diplomas normativos que consultamos, mas a
exposição que faremos no presente item não se presta a uma análise de texto
legal, até porque isso seria improfícuo para a pretensão que ora se persegue.
Trata-se, na verdade, de um estudo do recorte jurídico dos CCS com os
argumentos e categorias formulados pela doutrina em Direito e que nos
permitem fazer uma leitura de todo o material colhido em nossas pesquisas.
Finalmente, cabe registrar que o estudo exegético-normativo será objeto
do próximo Capítulo e se concentrará, apenas, no modelo adotado pelo estado
do Rio de Janeiro.
Do ponto de vista jurídico e considerando as diferentes motivações,
formas de composição de seus membros, dinâmicas de funcionamento e metas
almejadas pelos diversos modelos de conselhos comunitários de segurança
implantados no Brasil, não é possível apresentar uma formulação única capaz
de revelar a natureza jurídica dessas organizações, salvo o fato de serem fiéis
expressões do direito constitucional de associação.
O perfil dos conselhos é muito variado, comportando diversos critérios
de sua configuração, conforme o caso.
4.1.Quanto à natureza jurídica tendo em vista a personalidade em direito.
Quanto à personalidade, alguns conselhos são entidades dotadas de
personalidade jurídica de direito privado, qualificando-se como associações
(sentido estrito), outros se configuram como agremiações desprovidas de
personalidade em direito (associação em sentido amplo e de matiz
constitucional). Apenas a título ilustrativo, predomina nos estados da Região
Sul do país exemplos do primeiro caso. Colhemos essas informações pelas
entrevistas que fizemos com o órgão integra a estrutura da Polícia Militar do
Estado do Rio Grande do Sul denominado DRIC Departamento de Relações
Institucionais e Comunitárias e no Paraná com a Coordenadoria dos
CONSEGS, órgão ligado diretamente à Secretaria de Segurança Pública, na
111
ocasião capitaneada por um civil e gerenciando 214 CONSEGs. No estado de
Santa Catarina não constatamos a existência de um órgão estadual com a
atribuição articular algum tipo de relação institucional com os conselhos
existentes naquela unidade da federação. No entanto, descobrimos existirem
conselhos dedicados à área da segurança providos de personalidade jurídica
de direito privado, inclusive havendo um deles com reconhecimento legal de
entidade de utilidade pública pela lei estadual nº 12.736, de 19 de novembro de
2003.
Na Região Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo, predominam conselhos desprovidos de personalidade jurídica.
No entanto, é importante ressaltar que o alcance da pesquisa que
fizemos não nos autoriza asseverar detalhadamente por Estado a maior ou
menor incidência de conselhos dotados ou não de personalidade jurídica uma
vez que nem sempre essas informações estavam disponíveis com os
entrevistados ou mesmo eram compreendidas por estes. Em outras palavras,
muitos dos entrevistados não têm o discernimento da natureza jurídica das
instâncias com as quais interagem, implicando em não souberem informar se
os CCS ou CONSEG com os quais se relacionam constituem associações com
registro civil em cartório ou se se apresentam como simples associações.
Pensamos que um aprofundamento dessa questão jurídica concernente à
personalidade pode contribuir para uma análise do grau de independência e
autonomia institucional dessas entidades no seu relacionamento com os
órgãos estaduais, além de também permitir um estudo do grau de inclusividade
do colegiado no tocante à sua representatividade, entre outras questões
bastante interessantes.
4.2.Quanto à iniciativa da criação do colegiado.
Quanto à iniciativa de sua criação, alguns conselhos resultam de uma
vontade originada no seio da própria sociedade civil, outros são fruto de um
projeto governamental ou de ato estratégico de gestores de segurança
112
(comandantes de batalhões de polícia militar, delegados de polícia civil ou
secretários municipais de segurança).
Esse critério é revelador no tocante à afirmação feita por MUNIZ e
PROENÇA Jr. no texto intitulado Os Rumos da Construção da Polícia
Democrática. Os autores afirmam que há duas direções na construção da
polícia democrática, vale dizer de um serviço público de segurança social
democrático: uma delas, de natureza estrutural e dependente de vontade
política institucional formal e oficial para o seu processo de mudança, por isso
mais complexa e demorada, diz respeito à refundação das polícias; a outra é
relativa à democratização das práticas policiais. Quanto a esta última declinam
os autores que
a democratização das práticas policiais é algo que pode
começar amanhã. Ela diz respeito à relação cotidiana entre
cidadãos e policiais. Seu início está ao alcance de qualquer
executivo de segurança pública num bairro, numa cidade ou
num Estado sem que isto exija qualquer mudança na
legislação criminal ou na Constituição. (MUNIZ e PROENÇA
JR, 2006, p.4)
O critério do item anterior concernente à natureza jurídica é bastante
indicativo do presente critério relativo à iniciativa de formação. Sendo assim, os
CCS/CONSEG que se formaram como pessoas jurídicas de direito privado sob
a forma de associações, indicam quem sua origem decorre da convergência da
vontade particular. No entanto, foi possível constatar que é expressiva a
quantidade de conselhos desprovidos de personalidade jurídica, mas que se
constituem em agremiações fundadas a partir da vontade da população local.
Por outro lado, nossos levantamentos também revelaram que a iniciativa de
formação de conselhos de segurança parte de uma medida originada da
atividade estatal, não qualquer inclinação de que essas organizações
assimilem uma personalidade jurídica em direito, funcionando como
simplesmente como instâncias de interação comunitária.
113
4.3. Quanto ao alcance espacial.
Quanto à abrangência territorial, certos conselhos pretendem a
dimensão correspondente à territorialidade do município outros se contentam
com alcances menores.
Nossa observação participante nos levou a seguinte percepção: os CCS
que pretendem abranger toda a área da municipalidade têm uma forte
tendência centralizadora, ao passo que os que trabalham com alcances
espaciais menores são mais flexíveis à descentralização.
Como assim?
Conforme destacado no item 3 deste Capítulo, a partir do texto de Ana
Paula Miranda acerca dos limites e possibilidades da participação social na
democratização do Estado, alíneas “c” e “g”, “há resistência das organizações
sociais em reconhecer as demais como representações legítimas”, inclusive
suas “ações estão mais voltadas para a sua própria estruturação”.
Quando na presidência do CCS de Teresópolis, e ainda hoje na
condição de membro efetivo do colegiado, lançamos e reiteramos a idéia de ter
um CCS em cada um dos três distritos que integram a municipalidade. Embora
posto em pauta de discussão, o encaminhamento jamais angariou simpatia e
adesão. Encerradas as reuniões as manifestações de bastidores eram sempre
no sentido de não incentivar essa idéia pelo receio da perda de atenção das
autoridades policiais. Afinal, o comandante do BPM e delegado titular, por
determinação regulamentar, na qualidade de membros-permanentes do
conselho teriam que estar presente às reuniões de cada um desses CCS. Isso
implicaria causar um transtorno no agendamento de compromissos dessas
autoridades, que muito provavelmente passariam a faltar às reuniões do CCS
instalado na cidade.
Devemos ponderar que essa circunstância derivada da dificuldade de
agendamento tem a sua procedência. Contudo, no caso do Rio de Janeiro,
tratando-se da efetivação de uma política pública estruturada
institucionalmente, entendemos que esse compromisso deveria prevalecer
sobre todos os demais haja vista a sua natureza estratégica e os recursos
114
mobilizados para dar implementação ao projeto político de participação social
na segurança pública que estimula, conforme o caso, a descentralização na
criação de CCS.
Por isso, entendemos que os compromissos jurídicos e administrativos
das autoridades não podem servir de argumento para evitar a
descentralização, servindo este argumento como artifício para manter a
centralização.
4.4.Quanto ao regime societal de adesão.
Quanto ao regime associativo, alguns conselhos são de caráter inclusivo
outros são seletivos.
Conselhos de segurança formados a partir de categorias ou segmentos
sociais específicos, como associações comerciais e industriais, campus
universitário entre outros, tendem a ser seletivos na adesão de participantes
pela própria abrangência e finalidade dessas entidades. Essa seletividade
parece contribuir para a definição do tamanho e do conteúdo da discussão do
tema segurança pública, normalmente abordado à luz do paradigma da
proteção
159
. A abordagem do tema segurança sob o recorte da prevenção e
repressão ao crime e à violência por meio do uso potencial ou efetivo da força
pública policial, demandados por conselhos de perfil seletivo que buscam a
proteção de bens jurídicos (não necessariamente penais) diretamente ligados a
seus interesses particulares, traz o sério risco da privatização do serviço
público policial, fato que evidentemente atenta contra a função institucional
original das agências estatais de polícia. Tal advertência, contudo, não nos
autoriza deduzir que todos os colegiados que adotam critérios seletivos de
adesão para seus membros limitem a discussão do tema segurança pública à
perspectiva de mera proteção a interesses classistas ou setoriais.
No outro extremo, colegiados públicos dedicados à problematização do
tema, embora estatutariamente orientados pelo princípio da pluralidade no
tocante ao regime de adesão de participantes, não estão imunes à tendência
159
A respeito do paradigma da proteção ver nota 87.
115
de privatização da coisa pública. A composição plural das representações
sociais previstas normativamente nos estatutos de funcionamento dos
conselhos comunitários representa um ganho institucional importante para
garantir a discussão democrática da segurança pública. Contudo, não se pode
perder de vista que a abrangência comunitária do conselho pode propiciar
visões etnocêntricas e outras tendências excludentes, quando as deliberações
revelam acríticas e desprovidas de relativizações, ainda que do ponto de vista
da representatividade seja perceptível a composição plural do colegiado. Neste
sentido, não é desmedido imaginar uma apropriação inadequada dos recursos
humanos e operacionais do Estado pela comunidade contrárias ao processo de
democratização da governabilidade estatal da segurança pública.
Para ilustrar o comentário acima nos valemos da experiência ocorrida no
município serrano-fluminense de Teresópolis. Antes de ser instalado o
conselho comunitário de segurança nos termos da Resolução 781/05 da
Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, havia em
funcionamento um Conselho Municipal de Segurança Pública, em
funcionamento mais de 10 anos na municipalidade e integrado
essencialmente por membros do comércio e da indústria local. Não havia nele
representação comunitária de moradores e de outros segmentos sociais
igualmente interessados na questão da segurança pública. Nosso
levantamento permitiu chegar conclusão de que esses conselhos se reuniam
para discutir o tema segurança pública com as autoridades policiais, porém sob
o enfoque da proteção da atividade comercial. Em troca esse conselho se
responsabilizava pela manutenção de viaturas, equipamentos de informática,
material de consumo etc.
Com esse perfil e finalidade, evidentemente o a composição de seus
membros passava a refletir um caráter seletivo, muito pouco inclusivo. Aliás, o
que se refletia, também, no exercício pouco democrático da presidência do
colegiado, posto que a mesma pessoa dirigia os trabalhos daquele conselho
também há mais de anos.
Ao constatar essa situação em Teresópolis no que se refere a conferir
ao conselho comunitário de segurança local uma forma de proteção da praça
comercial, melhor dizendo, dos interesses dos comerciantes, passamos a ter
116
um olhar seletivo para esse aspecto junto a outras localidades. Com grande
frequência descobrimos perfis muito próximos daquele verificado em nosso
município em todo o país, especialmente na Região Sul, onde predominam
conselhos dotados de personalidade jurídica de direito privado, inclusive
explicitamente anunciado que uma de suas finalidades consiste no
aparelhamento das polícias e corpos de bombeiros militares
160
. Aliás, para citar
mais um exemplo fluminense e serrano, o município vizinho a Teresópolis,
Nova Friburgo, da área da 11ª AISP, também detinha esse perfil
originariamente, tanto que sua sede se localizava, e ainda se localiza
161
, numa
propriedade da comunidade maçônica
162
. Mais um exemplo fluminense de CCS
com um forte viés na questão da proteção policial da praça de comércio local
temos no município de Macaé
163
, estruturado pela associação comercial e
industrial local.
A relação entre proteção policial e desenvolvimento econômico é patente
e de fácil constatação em todo o país
164
. Não se nega a necessidade da
presença policial nessas praças comerciais. A questão, porém, é a sociedade
não sucumbir ao discurso de que a proteção policial deve ser utilizada para
garantir o desenvolvimento do comércio local porque o protege. O papel das
agências de segurança pública, não só da polícia, no ambiente comercial não é
fazer o papel de vigilância particular, mas de fazer prevalecer o respeito aos
direitos das pessoas, promover a paz e a tranquilidade, e gerar condições
sociais de segurança que garantam o desenvolvimento local, alavancando o
econômico.
Outro aspecto extremamente relevante acerca do regime societal de
adesão aos conselhos comunitários de segurança diz respeito aos
antecedentes criminais do pretendente a integrar o conselho. Tivemos
oportunidade de verificar vários estatutos em nossas pesquisas e todos eles, e
em particular o estatuto do Rio de Janeiro, obstam que ingresso como membro
160
http://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Comunit%C3%A1rio_Pr%C3%B3-Seguran%C3%A7a_P%C3%BAblica
161
Av. Alberto Braune, nº 111, Centro N. Friburgo. Na internet, ver: http://www.consegnf.org.br/Mantenedores.html
162
Não da parte desse mestrando qualquer insinuação negativa ou crítico-reprovatória com esse comentário,
inclusive porque entendemos absolutamente legítimo, do ponto de vista constitucional, e coerente que a organização
de natureza privada se valha da prerrogativa de estabelecer requisitos e condições para o ingresso e permanência nas
corporações particulares que veiculam interesses específicos dos membros que se associam em torno da proposta
encaminhada pela entidade. Diga-se de passagem, esse CCS em especial desenvolve trabalhos na Segurança Pública
bastante amadurecidos e de alcance social dignos de elogio.
163
http://www.acim-macae.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=10
164
http://www.cdlmanaus.com.br/noticias.php?idN=319
117
efetivo no colegiado, pessoas que registram antecedentes criminais. No caso
da Resolução SSP-RJ 781/05, a previsão vem contida no artigo 17, inciso
XI, como competência dos membros natos (delegado titular e comandante do
batalhão local da PEMERJ), e no inciso IV do artigo 25 que cuida dos requisitos
para ser membro nato do conselho.
Resolução SSP-RJ 781/05, Art. 17 –Compete aos
membros natos: XI - certificar-se dos bens antecedentes de
quem pleiteie tornar-se membro efetivo do respectivo CCS,
nos termos do artigo 25, IV.
Resolução SSP-RJ 781/05, Art. 25 As condições para
ser membro efetivo são: IV não registrar antecedentes
criminais.
A cautela tem a sua razão de ser, inclusive histórica e jornalisticamente
comprovada
165
. Sendo os conselhos comunitários integrados por lideranças
associativas locais, sejam elas comerciais, industriais, profissionais, religiosas,
esportivas etc, uma preocupação latente neste regramento quanto às
associações de moradores
166
. O receio é que ingressem nos CCS pessoas
ligadas ao crime organizado, notadamente ao tráfico de drogas, pervertendo ou
sabotando propósito de aproximação polícia-comunidade. É importante lembrar
que o Rio de Janeiro registrou na década de 1980 a tomada das associações
de moradores localizadas em favelas, com interesse de tornar a população
local “moeda política” para beneficiar este ou aquele candidato. Nas eleições
municipais de 2008 os jornais noticiaram vários casos de ação do crime
organizado em apoio determinados candidatos
167
. Evidentemente, qualquer
165
PERALVA, Angelina.Violência e democracia. O paradoxo brasileiro. SP, Paz e Terra, 2000, pp.103-120.
166
Com o propósito de colocar em debate a imagem social de que lideranças comunitárias em favelas estão
associadas ao tráfico, ver o interessante artigo da jornalista Maria Paula Güttler, intitulado Um Debate sem Hipocrisia
2, comentando o caso da prisão do líder comunitário Willian de Oliveira, presidente da União Pró-Melhoramentos
dos Moradores da Rocinha, veiculado pela “TVROC O Cabo da ROCinha”. Acessar
http://tvrocinha.com/site/index.php?option=com_frontpage&Itemid=1&limit=4&limitstart=16
167
A respeito da formação de currais eleitorais pelo crime organizado no Rio de Janeiro ver reportagem na internet
http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2008/mat/2008/07/24/policia_do_rio_encontra_indicio_de_apoio_do_trafico_ca
ndidato_da_rocinha_em_ata_de_reuniao_-547406315.asp. O Estadão publica a manchete: O tráfico “mostra poder”
e intimida candidato a prefeito no Rio”. http://www.estadao.com.br/nacional/eleicoes2008/not_cid216433,0.shtm.
Consultas realizadas em abril de 2009. Com relação à milícia conhecida como liga da justiça, ligada ao vereador
Jerominho ver: http://www.transanet.fm/pt-BR/_contents/news/2008/08/29/163529_0_3214_0794299f.php
118
proposta de política pública na área da segurança deve levar em consideração
esse tipo de estratégia de infiltração por meio de representantes comunitários
supostamente eleitos legitimamente.
Essa leitura sobre as associações de moradores e suas implicações com
o chamado crime organizado, contudo, precisa ser profundamente relativizada.
Primeiro, porque as associações de moradores representam uma das mais
legítimas e desejadas formas de associativismo em um Estado Democrático.
Segundo, porque essa é uma leitura rotulante (labelling approach) que procura
desviar a constatação de que o crime organizado também se encontra infiltrado
nos mais cortejados círculos sociais frequentados pelas camadas afortunadas.
Portanto, não é razoável ter-se um juízo, a priori, que desqualifique essas
entidades por conta das fortes impressões geradas, especialmente pela mídia,
no imaginário popular acerca dos eventos que, lamentavelmente, mostraram o
interesse estratégico do crime organizado sobre as associações de moradores
localizadas nas áreas ou zonas de risco social.
A regra estatutária que leva em consideração os antecedentes criminais
daqueles que pretendam tornar-se membro efetivo de um conselho comunitário
de segurança parece razoável no que se refere a atuação qualificada do
membro efetivo, posto que tal condição lhe confere direito a voto nas reuniões
e isso pode, de alguma maneira, vulnerar o colegiado ao poder de grupos
criminosos organizados que dissimuladamente passam a integrá-lo sob as
vestes de associações legítima e legalmente constituídas. Contudo, não parece
proporcional e compatível com o regime democrático que essa cautela se
estenda sobre todos os membros que integram o colegiado. Por essa razão, os
membros participantes, ou seja, aqueles que não têm direito a voto, mas que
podem se manifestar oralmente perante o conselho, o precisam apresentar
declaração, certidão ou atestado de antecedentes criminais. No nosso
entender, essa medida procura preservar o direito de cidadania do membro
participante, ainda que subtraído o direito de votar.
Entendemos que o caráter democrático dos conselhos comunitários de
segurança no que se refere à inclusividade não pode prescindir de regras
restritivas mínimas. Não nos parece de todo despropositada essa preocupação,
haja vista existir grande interesse dos grupos criminosos sobre as mais
119
variadas instâncias organizacionais ligadas ao Estado, tal como vem sendo
verificado no Estado do Rio de Janeiro.
Entretanto, cabem as seguintes indagações: qual é o alcance que esses
estatutos conferem à categoria jurídica antecedentes criminais? Alguém que
tenha sido processado, julgado, condenado e cumprido todos os requisitos da
pena está impedido de integrar o conselho? Quem está regularmente em
liberdade condicional pode integrar o conselho como membro efetivo? Quem
está respondendo a inquérito policial, está no âmbito dessa regra impeditiva?
Registro por responder a processo em sede de juizados especiais criminais
também desabonam o candidato? Como fica essa questão à luz do princípio
constitucional da presunção de inocência? Se no plano dos direitos políticos o
cidadão somente tem suspenso o direito de sufrágio ativo, ou seja, direito de
votar, em caso de condenação criminal transitada em julgado (CF/88, Art. 15,
inciso III)
168
, podem os estatutos e regimentos internos de conselhos
comunitários subtraírem o direito de participação com direito a voto de pessoas
que ainda não tenham sido definitivamente condenadas?
Não integra a proposta do presente item, que quer apenas esclarecer
alguns critérios classificatórios, muito menos da presente dissertação, no
tocante ao seu aspecto regulatório e participativo, debruçar-se sobre essas
indagações e aprofundar assunto tão específico. No entanto, cabia ao espectro
dos comentários que estamos desenvolvendo tocar no assunto, ao menos para
efeito de registro.
4.5.Quanto à estrutura.
Quanto à estrutura, alguns conselhos se configuram num corpo
organizacional único e indivisível, portanto são conselhos de estrutura simples,
outros subdividem-se em comissões (de ética, por exemplo), câmaras técnicas,
grupos de trabalho encrustados na organização geral do colegiado,
configurando uma estrutura composta.
168
A respeito da suspensão de direitos políticos por conta de condenação criminal, ver na internet o texto de
Alexandre de Moraes. http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/artigo_alexandre_de_morais.pdf. Consulta
realizada em abril de 2009.
120
4.6. Quanto ao papel regulatório.
Outra questão de grande relevância acerca da “anatomia” jurídica dos
conselhos comunitários de segurança diz respeito ao caráter de sua atuação
institucional. Em outras palavras, os conselhos comunitários de segurança são
esferas públicas de caráter deliberativo, consultivo ou fiscalizatório.
Antes de pretendermos afirmar qual o caráter funcional regulatório
assumido pelos conselhos comunitários de segurança é necessário entender o
que significa cada uma dessas categorias do ponto de vista estritamente
jurídico-normativo, tal como frequentemente são configurados nos estatutos.
Entende-se que um conselho possui caráter deliberativo quando a
formulação da vontade do órgão sobre as matérias de sua competência é fruto
de um escrutínio, secreto ou aberto, cujo resultado se cristaliza numa decisão
do colegiado que o vincula institucionalmente a um entendimento,
compromisso ou responsabilidade. É o caso, por exemplo, do COPOM
Conselho de Política Monetária, ao estabelecer a taxa de juros
169
.
É de caráter consultivo o órgão colegiado constituído para o exercício do
amplo debate acerca dos temas que compõem a pauta da sessão que reúne
seus membros, com o propósito de esclarecer, depurar e aprofundar os temas
submetidos ao seu exame, sem, no entanto, implicar vinculação decisória. É o
caso do Conselho de Defesa Nacional, órgão colegiado cuja competência
consiste, nos termos do parágrafo do Art. 91 da CF/88, em: a) opinar nas
hipóteses de declaração de guerra e de celebração da paz, nos termos desta
Constituição; b) opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de
sítio e da intervenção federal; c) propor os critérios e condições de utilização
de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu
efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a
preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; d) estudar,
169
Sobre a dinâmica das reuniões do COPOM ver http://www.bcb.gov.br/htms/copom/a-hist.asp. Pesquisa realizada
em Novembro de 2009.
121
propor e acompanhar o desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a
independência nacional e a defesa do Estado democrático.
Finalmente, conselho fiscalizatório é aquele instituído para o
acompanhamento de atos, procedimentos e processos com poder de
intervenção ou de representação, conforme o grau de sua competência
funcional. A faculdade de intervir normalmente implica o exercício de
prerrogativas administrativas discricionárias próprias do poder de polícia,
nomeadamente no tocante à capacidade regulatória de situações e eventos por
meio do estabelecimento de exigências e condições. Exemplo bastante
ilustrativo é o conselho fiscal instituído no âmbito das relações condominiais.
Esses são os substratos jurídicos dos papéis deliberativo, consultivo e
fiscalizatório, havendo variações de maior ou menor intensidade nas
atribuições e prerrogativas conforme as especificidades dos órgãos colegiados
que os operam.
A reflexão que se deve fazer, porém, é a seguinte: o caráter jurídico-
estatutário das funções deliberativa, consultiva e fiscalizatória tem o poder de
limitar o papel democrático do órgão colegiado? Em outras palavras, se os
colegiados encontram uma raiz no princípio democrático participativo de direito
constitucional, sua natureza política não teria o poder de ampliar a concepção
regulatória do órgão de modo a não estarem adstritos a uma concepção
jurídico-administrativa limitativa de função deliberativa, consultiva e
fiscalizatória? Do contrário, não estaria o direito administrativo limitando uma
prerrogativa de direito constitucional?
Se por razões de cautela e previdência, e em função da racionalização
dos papéis executivos, não se reconhece maior poder jurídico às decisões
deliberativas, consultivas ou fiscalizatórias; em outras palavras, se não uma
capacidade vinculativa dessas funções no âmbito dos colegiados democráticos,
por conta de certas contingências, é necessário que as autoridades públicas,
sobretudo os representantes governamentais, se autovinculem politicamente,
senão o que se falar em democracia participativa. Tudo não passará de
falácia, de sofisma, pela sucumbência do direito político democrático e
constitucional às premissas e regramentos clássicos do direito administrativo.
122
Parece-nos imperativo, face a necessidade do Estado de contar com a
colaboração da sociedade para sustentar a governabilidade em termos
democráticos, que os governantes dêem um retorno para a sociedade fora do
processo representativo tradicional, e a forma mais democrática para tanto se
por meio da participação popular em instâncias colegiadas nas quais
compromissos são assumidos com teor jurídico.
Se a polity não pode obrigar (vincular) as autoridades públicas por conta
das cautelas frente ao problema do sistema político representativo, ou ao
problema sociológico do etnocentrismo, ou ainda da questão jurídico-
administrativa da repartição de competências e atribuições ou qualquer outro
problema que seja, é preciso perceber uma INVERSÃO na sistemática de
constituição da responsabilidade que ao invés de se constituir pela lógica da
imputação, ou seja, vir de fora para dentro, de um acusador em relação a um
imputado, passe a se constituir como auto-compromisso decorrente do
exercício de uma regulação democrática. E isso é possível, inclusive, a partir
do aparato teórico e prático contemplado no direito administrativo brasileiro
vigente por intermédio de atos administrativos que celebrem acordos,
convênios ou simplesmente auto-obriguem as autoridades no âmbito de suas
próprias atribuições. Afinal, é amplamente aceita a definição de atos
administrativos que assevera tratar-se de uma manifestação unilateral de
vontade da Administração Pública que tem por fim imediato adquirir, modificar,
conservar, transmitir ou extinguir direitos e impor obrigações a si própria ou a
terceiros
170
.
No que se refere aos conselhos comunitários de segurança, em face do
tema objeto que motiva esse colegiado, o modelo deliberativo requer, por
razões fáticas e jurídicas, cautelas por conta da eventual perversão da sua
natureza democrática. Manifestações etnocêntricas podem predominar
comportamento do colegiado, assim como manipulações jurídicas podem estar
a serviço de algum projeto de poder. A velha noção de polícia contra as
170
Junto aos autores administrativistas por nós pesquisados (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira
de Melo, José dos Santos Carvalho Filho, Marcello Caetano, Diógenes Gasparini, Celso Ribeiro Bastos), somente
Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, SP, Malheiros, 25ª ed, 2000, p.139, e Alexandre de
Moraes, in Direito Constitucional Administrativo, SP, Atlas, 3ª ed, 2006, p.103, ressaltam no conceito de ato
administrativo o aspecto a Administração poder criar obrigações para si própria por intermédio de suas próprias
manifestações cristalizadas em atos.
123
“classes perigosas”
171
. Portanto, parece arriscado o caráter deliberativo em
matéria de segurança pública, mas isso no que se refere ao plano operacional,
executivo, administrativo. Questões logísticas, táticas e estratégicas devem, em
princípio, ficar realmente a cargo dos próprios agentes públicos para que eles
possa assumir a responsabilidade profissional e funcional de seus atos. No
entanto, as razões e objetivos políticos e institucionais dessas medidas devem
ser compartilhadas com a sociedade, sobretudo para enriquecer a formulação
e a aplicação de políticas públicas no setor.
Ainda quanto ao caráter deliberativo, é importante salientar que essa
característica somente ganha autêntico significado quando se encontram ao
alcance do órgão instrumentos jurídicos que garantam a eficácia de suas
decisões.
O fato de as decisões dos conselhos terem caráter
deliberativo não garante suma implementação efetiva, pois
não estruturas jurídicas que dêem amparo legal e
obriguem o executivo a acatar as decisões dos conselhos
(mormente nos casos em que essas decisões venham a
contrariar interesses dominantes). (GOHN, 2007, p.91)
Alguns autores sustentam que, para se ter um modelo participativo
democrático realmente autêntico, é necessário conferir o poder deliberativo,
vale dizer, poder decisório, ao conselho. No limite, o que esse entendimento
quer comunicar é que a participação democrática não pode se dar apenas no
plano reativo, como mecanismo estratégico de feedback
172
para os agentes
estatais aferirem o sucesso ou insucesso de seus próprios interesses e metas.
A participação popular deve assumir, sobretudo, uma atuação pró-ativa, que no
âmbito do funcionamento de um órgão colegiado democrático somente seria
alcançável por meio da faculdade deliberativa. É o pensamento de Leonardo
Valles Bento:
Para que se possa falar, portanto, em participação social na
administração pública, no contexto de uma esfera pública
171
TÓRTIMA, Pedro. Crime e castigo para além do equador. BH, Inédita, 2002.
172
BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do estado: entre eficiência e
democratização. Berueri, SP: Manole, 2003, p.225.
124
politizada e democrática, é essencial o desenvolvimento de
desenhos institucionais discursivos que incluam a
deliberação como dimensão necessária da participação.
Nesse sentido, algumas propostas vêm sendo colocadas,
em que se permite aos cidadãos efetivamente decidir
politicamente e não simplesmente aplicar conhecimentos
gerenciais ou responder a surveys de mercado. (BENTO,
2003, p.229)
Hanna Arendt tamanho destaque à participação democrática
deliberativa que chega a falar em um sistema de governo baseado nos
conselhos.
O que tenho em mente não é tanto um conceito diferente de
estado, mas a necessidade de mudar este. O que
chamamos de “estado” não é muito mais velho que os
séculos quinze e dezesseis, e o mesmo se passa com o
conceito de soberania. (...) Os únicos rudimentos que vejo
para um novo conceito de estado podem ser encontrados
nos sistema federalista, cuja vantagem é que o poder não
vem nem de cima nem de baixo, mas dirigido
horizontalmente de modo que as unidades federadas
refreiam e controlam mutuamente seus poderes. (...) Desde
as revoluções do século dezoito, todo grande levante
desenvolveu realmente os rudimentos de uma forma
completamente nova de governo, que surgiu,
independentemente de todas as teorias revolucionárias
precedentes, diretamente fora do curso da revolução em si,
isto é, fora das experiências de ação e fora do desejo
resultante dos atores em participar do ulterior
desenvolvimento dos assuntos públicos. Esta nova forma de
governo é o sistema de conselho, que, como sabemos,
pereceu em todo lugar e em toda época, destruído
diretamente pela burocracia dos estados-nações ou pelas
máquinas dos partidos. Se este sistema é uma utopia de
qualquer modo seria uma utopia do povo, não a utopia dos
teóricos e ideólogos eu não posso dizer. Parece-me, no
entanto, a única alternativa que apareceu na história, e
que tem reaparecido repedidas vezes. (HARENDIT, 2006,
pp. 198 e 199)
Na mesma esteira de Arendt, Antonio Carlos Wolkmer.
Não resta dúvida de que a forma democrática mais autêntica
de participação, deliberação e controle é o “sistema de
125
conselhos” disseminado nos diferentes níveis da esfera e do
poder local (bairro, distrito e município). (...) Registre-se que,
quando no governo dos Conselhos o núcleo do poder reside
no conjunto dos organismos de base: as decisões tomadas
são passadas, asseguradas e executadas pela cúpula
administrativa com delegação. Entretanto, quando o sistema
está escalonado sob a forma de pirâmide de poderes difusos
e interpostos as bases deverão dispor de instrumentos
eficazes para opinar, pressionar e controlar os núcleos de
decisão e de poder mais acima. É nesse quadro de uma
democracia participativa pluralista que MacPherson procura
chamar a atenção para a necessária combinação de certos
mecanismos (indiretos) recuperados da democracia
representativa (quadros partidários) com o modus operandi
(direto) do sistema piramidal de base. (WOLKMER, 2001,
pp.258 e 259)
Como destaca o texto acima, é preciso ponderar a respeito da faculdade
deliberativa em face do nível de atuação governamental dos vários conselhos.
órgãos que atuam no plano político, elaborando políticas públicas; outros
há, porém, que se localizam no plano da execução dessas políticas. Não se
pode tomar o papel deliberativo com o mesmo teor e forma em todo e qualquer
nível de atuação.
Fato é que há, por assim dizer,
uma guerra entre a participação “consultiva” e a participação
“resolutiva”, e até se esboça uma dicotomia entre elas. A
primeira modalidade é sustentada fundamentalmente pelos
âmbitos governamentais, ainda que também seja defendida
no âmbito social pelos que recusam a possibilidade de co-
responsabilidade nas decisões estatais; a segunda, em
troca, aduzindo que o problema central é conseguir
compartilhar o poder público em função de sua
redistribuição -, aceita uma ingerência direta nos
processos de tomada de decisões é assumida, sobretudo,
pelo movimento distrital. (GRAU, 1998, p.94)
No campo da segurança pública existem várias situações para as quais
a consulta administrativa à população, com caráter deliberativo de teor político
democrático, seria possível e desejável, especialmente num contexto de
governança democrática desejosa de efetivar uma política pública bem
126
arquitetada para o setor. Citamos como exemplo uma situação ocorrida no
Estado do Rio de Janeiro em que, por razões de teor essencialmente
administrativo, foi alterada a área de abrangência do 30º BPM sem qualquer
oportunidade de participação das populações dos municípios envolvidos,
embora neles estivessem em funcionamento conselhos comunitários de
segurança.
Para compreendermos em que medida essa modificação interessa ao
aspecto consultivo-deliberativo e qual o seu impacto num processo de
governança democrática faz-se necessário um breve histórico do fato a ser
narrado.
Em setembro de 1999 foi implantado no Rio de Janeiro o projeto AISP
que divide o território do Estado em Áreas Integradas de Segurança Pública
173
.
Trata-se de um projeto que busca implementar uma política de integração dos
diversos sujeitos, públicos e particulares, que atuam direta ou indiretamente na
área da segurança pública, com particular destaque para as polícias militar e
civil e a comunidade local. No bojo desse projeto encontram-se os conselhos
comunitários de segurança cujo papel primordial é fortalecer os vínculos da
relação Sociedade-Estado no que toca ao setor da segurança pública. Para
cada AISP estima-se a instalação de pelo menos um conselho comunitário de
segurança. Entre os vários objetivos a serem alcançados por meio da interação
direta entre os gestores de segurança pública destaca-se aquele que visa a
conferir legitimidade às medidas governamentais e administrativas perceptíveis
aos olhos da sociedade. Conforme ensina Maria da Glória Gohn “o foco central
da participação está na relação entre a sociedade civil e a sociedade
política”
174
.
Dito isso, retornemos ao nosso exemplo. Originalmente, na divisão
territorial do Estado do Rio de Janeiro em Áreas Integradas de Segurança
Pública, os municípios de Teresópolis e de São José do Vale do Rio Preto
cumpunham a 30ª AISP, totalizando juntos um território de 1.011 Km
2
. Em
novembro de 2007, por determinação do comando superior da PM, a 3AISP
173
Sobre as AISPs, Ver na internet http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=45
174
GOHN, Maria da Glória. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In SANTOS JUNIOR, Orlando Alves ill et.
Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no brasil. RJ. Revan, 2004, pp. 58-
59.
127
passou a contar também com os municípios de Carmo e Sumidouro, gerando
uma nova área de 1.727 Km
2
.
MUNUCÍPIO ÁREA POPULAÇÃO
TERESÓPOLIS
110ª DP
771Km
2
COMPERJ
146.994 (2004)
150.268 (2007)
S.J.V.R.PRETO
104ª DP
240Km
2
21.231 (2004)
19.439 (2007)
CARMO
104ª DP
321Km
2
15.689 (2004)
16.690 (2007)
SUMIDOURO
104ª DP
395Km
2
14.791 (2004)
14.562 (2007)
TOTAIS 1.727Km
2
198.705 (2004)
200.959 (2007)
* Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1
Levantamento em setembro 2007.
A medida foi justificada como uma providência decorrente de
necessidades logísticas e operacionais da Polícia Militar. Observe-se, não foi
uma mudança baseada em um projeto de política blica. Ao que parece não
ficou claro para o responsável por essa medida, seja ele o Governador, o
Secretário de Segurança Pública ou o Comandante-geral da Polícia Militar, que
as AISP não são simples divisões territoriais da PM. A forma unilateral e
impositiva com que essa medida foi implementada, reforçada ainda pelo
argumento de que se trata de um assunto interno à gestão policial, demonstra
quão presas ainda estão as autoridades públicas a um modelo de gestão
burocrático
175
verticalizado
176
.
O fato de as AISP terem os batalhões de polícia militar como referência
é uma questão de estratégia adotada para a execução do projeto, o que não
torna a divisão territorial em AISP parte do aparato institucional da PM. Afinal,
AISP que dizer ÁREA INTEGRADA e não área circunscricional da PM. Sendo
as AISP um projeto de gestão governamental do Estado do Rio de Janeiro para
175
BENTO, Leonardo Valles. Governança e governabilidade na reforma do estado: entre a eficiência e a
democratização. SP. Manole, 2003, p.82.
176
DOWBOR, Ladislau. A reprodução social. Vol III Descentralização e participação As novas tendências. RJ,
Vozes, 2003, p.17 , sustenta que “Na visão tradicional, mais capacidade de governo deve implicar mais poder de cima
para baixo, no topo da pirâmide. Na sociedade que desponta, para este terceiro milênio, mais capacidade de governo
significará maior capacidade de gestão e de decisão política na própria base da sociedade.”
128
o setor da segurança pública, as administrações das Polícias Militar e Civil
teriam que ajustar seus recursos disponíveis, humanos e operacionais, além
dos procedimentos, para viabilizar a consolidação de um novo modelo de
gestão da segurança pública. Para isso, inclusive, as Polícias Militar e Civil do
Estado contam com o apoio de uma autarquia, o ISP Instituto de Segurança
Pública, inteiramente dedicada aos interesses dos gestores da segurança
pública no Estado.
No que toca ao aspecto consultivo, podemos dizer que a despeito de
existirem dois conselhos comunitários de segurança instalados e em
funcionamento, um em Teresópolis e o outro em São José do Vale do Rio
Preto, a medida determinada em novembro de 2006 não levou em
consideração os interesses, a visão, o entendimento daqueles colegiados. Isso
demonstra a relevância que foi dada aos conselhos comunitários enquanto
instrumento de gestão pública. Ou seja, nenhuma! Nosso comentário não
questiona a utilidade e a necessidade da medida, mas o fato de que sendo o
projeto AISP uma ferramenta de política pública, cremos que não poderiam ter
realizado a referida mudança sem qualquer participação comunitária, inclusive
para facilitar a aproximação da unidade militar às comunidades incorporadas.
Por outro lado, representou um ganho para a gestão da 30ª AISP o fato de que
os municípios que ela abrangia terem seus próprios conselhos comunitários.
Carmo e Sumidouro o contavam com a mesma ferramenta. Teria sido
extremamente proveitoso, do ponto de vista estratégico de aproximação
comunitária, o processo ter sido conduzido de maneira tal que os conselhos
existentes contribuíssem com a motivação das novas comunidades na
formação de seus próprios conselhos. Uma medida dessa natureza certamente
contribuiria com a imagem de uma polícia cidadã, escopo maior do projeto
AISP.
129
CAPÍTULO IV
A INSTRUMENTALIDADE NORMATIVA
DOS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA
Após 20 anos de vida democrática, parece que está ficando para trás “a
postura imperial do Estado como detentor do monopólio do interesse público,
transformando-o em instrumento da sociedade, que necessita de cooperação e
colaboração para angariar eficiência e legitimidade.
177
Afinal, consolida-se o entendimento de que o Estado paternalista e
monopolista sonega a realidade aos cidadãos no tocante à responsabilidade
que a sociedade tem sobre o seu próprio destino.
Embora o trecho acima destacado não seja capaz de retratar por
completo a realidade brasileira, fato é que ao longo dessas duas décadas a
afinação dos discursos relacionais entre o Estado e a sociedade, sobretudo no
campo dos chamados direitos sociais, a despeito de todas as dificuldades e
resistências, vem se apurando no sentido da cooperação, da co-
responsabilidade, da transparência, do procedimentalismo
178
, da
proximidade
179
, da utilização de arranjos produtivos locais
180
, das redes de
solidariedade
181
entre outros “acordes” do concerto democrático.
177
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação
popular. SP, Editora Saraiva, 2004, pp. 307
178
DUARTE, David J. P. Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização do princípio
da imparcialidade como parâmetro decisório. Portugal. Almedina, 1996.
179
MARTINS JUNIOR, Op.Cit, p.203.
180
Sobre políticas públicas baseadas em APL Arranjos Produtivos Locais ver: DE MIRANDA, José Marcelino
Goulart. Arranjos produtivos locais, abordagens coletivas de organização da produção e políticas públicas de gestão
integrada a experiência do sebrae. In OLIVEIRA, Fátima Bayma de (Org.). Política de gestão pública integrada.
RJ. FGV, 2008, pp. 88 a 95.
181
Sobre experiências comunitárias, participativas e humanizadoras produzidas por redes de solidariedade consultar o
interessante artigo de Veronika Paulics intitulado Desenvolvimento local e redes de solidariedade, onde se frases
muito interessantes como: “Não se desenvolve redes de relações solidárias por decreto”. Consultar
http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=81. Pesquisa realizada em Novembro de 2008.
130
Essa nova dinâmica relacional permitiu evidenciar que a participação
popular na gestão e no controle da Administração Pública se constitui num
verdadeiro princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.
Foi com base nesse espírito que o constituinte de 88 firmou em várias
passagens normativas o direito da sociedade articular com os organismos
estatais a formulação, o controle, a implementação e a avaliação de políticas
de interesse coletivo por meio de colegiados locais de interação sociopolítica.
A fundamentação normativa para a construção desses espaços como
expressão jurídica do processo de democratização do Estado e da sociedade,
com incentivo constitucional especialmente voltado ao campo dos direitos
sociais, ganha destaque no presente capítulo dessa dissertação.
O propósito, porém, é mostrar que a expressão formal do processo de
democratização da gestão pública das pastas governamentais, sobretudo no
que se refere à formação de órgãos colegiados de consulta, brota na ordem
jurídico-normativa como fato sociojurídico, independentemente de previsão
constitucional expressa nesse sentido. A ordem jurídica vigente dispõe no seu
mosaico normativo de instrumentos suficientemente aptos para a formalização
de pactos democráticos de alcance local, regional ou mesmo nacional,
dependendo apenas de uma iniciativa advinda dos sujeitos sociais ou mesmo
dos agentes estatais no sentido de efetivar o propósito democrático.
É importante salientar que, do ponto de vista jurídico, governança
democrática é uma categoria política que associa à idéia de governo a
existência de instrumentos normativos
182
capazes de garantir a interação e a
estabilidade das relações entre a sociedade civil e o Estado. Nesse sentido, a
governança democrática encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio,
pois as diversas espécies normativas que compõem a ordem jurídica brasileira
seguem um escalonamento compatível com a estrutura de distribuição
hierárquica do aparelho estatal brasileiro. Assim, das mais altas autoridades às
subalternas, há recursos instrumentais normativo-jurídicos em condições de
contribuir com o processo de democratização da gestão pública.
182
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Transparência administrativa: publicidade, motivação e participação
popular. SP, Editora Saraiva, 2004, pp.323-332.
131
Respeitada a organização hierárquica no tocante aos seus aspectos
lógico-jurídico e jurídico-positivo, especialmente no que se refere à reserva de
competência constitucional e legal, bem como a questões de natureza ético-
profissional, nada impede, por exemplo, que o delegado de polícia ou o
comandante de batalhão, na circunscrição em que atuem, celebrem acordos de
aproximação comunitária como estratégia de gestão da segurança pública.
Reitere-se que a ordem jurídica brasileira dispõe de instrumentos normativos
proporcionais à natureza e à extensão da investidura pública de que cada um
desses gestores da segurança.
Para demonstrar que a ordem jurídica brasileira admite a implementação
de projetos, programas e planos visando à democratização da gestão pública a
despeito de previsão constitucional expressa, posto que resultam de uma
demanda fundada no próprio processo de democratização, cuja essência é
antes política e social do que jurídica, valemo-nos dos setores do lazer e da
segurança pública como exemplos.
Esses dois nichos governamentais não foram contemplados com
dispositivos constitucionais expressos quanto à gestão democrática,
especialmente no que se refere à formação de órgãos colegiados de
representação popular. Não obstante, tais setores vêm implementando o
processo de abertura democrática e amadurecendo a relação sociopolítica por
meio da interação comunitária, firmando inclusive compromissos juridicamente
qualificados, notadamente em termos de direito administrativo
183
.
Com o propósito de demonstrar a veracidade desse argumento,
faremos, primeiramente, uma breve navegação pelos dispositivos
constitucionais que contemplam a obrigatoriedade da participação social e,
assim, teremos oportunidade de constatar que do elenco de direitos sociais
declinado no artigo 6º da Lei Maior, somente o lazer e a segurança não
receberam previsão expressa a respeito.
Na sequência, discorreremos que, a despeito da inexistência de regra
expressa, esses nichos governamentais vêm desenvolvendo seus próprios
183
Ver o interessante artigo da professora de direito administrativo da Universidade de Fortaleza, Luziânia Carla
Pinheiro Braga intitulado Processo administrativo como instrumento de cidadania: participação dos administrados
na administração pública , publicado na internet no site http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8476. Consulta
realizada em agosto de 2008.
132
modelos de governança democrática, alinhando-se a uma postura
governamental que está se generalizando em todas as esferas do Governo e
da Administração Pública brasileiros.
Desse modo, restará demonstrado que o processo de democratização
da gestão pública independe de previsão constitucional expressa e que
fundamento jurídico para se respaldar os atos normativos exarados pelas
diversas autoridades públicas para revestir de legalidade as iniciativas
destinadas à formação de conselhos comunitários de segurança, observadas a
natureza e extensão do mandato público para o qual se encontrem investidas
estas autoridades.
Paralelamente, argumentaremos que a obrigatoriedade expressamente
estabelecida para alguns setores governamentais e a ausência de regra para o
lazer e a segurança não constitui óbice para o reconhecimento do direito
subjetivo público à instauração de colegiados democráticos de participação
sociopolítica, particularmente no setor da segurança. O argumento do direito
subjetivo público procura corroborar, portanto, a tese da democratização como
processo sociopolítico ao qual o direito empresta a sua força.
Será tomado como estudo de caso o quadro normativo do Estado do Rio
de Janeiro para o reconhecimento formal dos conselhos comunitários de
segurança.
1.Constituição Federal: uma abordagem normativa da participação social.
A universalidade e a inclusividade o características sicas e típicas
do regime democrático. A efetividade de seus propósitos no Estado de direito
depende da existência de instrumentos jurídicos que garantam o exercício da
cidadania
184
.
184
Não pertence ao foco do presente capítulo investigar a efetividade do ponto de vista da receptividade,
credibilidade e aplicabilidade social dos instrumentos jurídicos, conforme enxerga Guilhermo O”Donnell com o
termo “pobreza legal” , expressão que busca evidenciar a baixa efetividade do sistema legal em relação aos seus
destinatários, sobretudo aqueles que habitam as periferias. Conferir esse entendimento do autor em Teoria
Democrática e Política Comparada. In Dados – Revista de Ciências Sociais. RJ, V.42, 1999, p.623.
133
Ao contemplar instrumentos de participação cida operáveis ante os
três poderes da República e nos três níveis da Federação, o ordenamento
jurídico pátrio fundamenta o direito subjetivo
185
constitucional de natureza
pública que cada cidadão, individual ou coletivamente considerado, possui no
sentido de estar capacitado a articular seus interesses de conteúdo social,
econômico, cultural, ambiental ou político. À luz de exemplo, veja-se o disposto
no parágrafo do Art. 74 da CF/88 cuja regra enuncia que “qualquer cidadão,
partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei,
denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União”.
A implementação do direito subjetivo público à participação permite ao
cidadão o poder de influenciar decisivamente a trajetória de desenvolvimento
político, econômico e social de sua comunidade, de seu município, de seu
estado ou mesmo do país, compondo-se às demais forças políticas existentes
no seio de toda a sociedade.
Nesse prisma sustenta Miguel Reale que
O legislador constituinte de 1988 não se contentou, porém,
com a extensa lista de direitos consagrados na Secção
superlembrada, porquanto, na linha seguida pelas
Constituições anteriores, dedicou títulos especiais para a
disciplina da ordem econômica e financeira e da ordem
social, assegurando novos direitos públicos subjetivos no
plano da atividade empresarial, da saúde, da previdência e
assistência sociais, da educação, da cultura etc. (REALE,
2006, p.266)
É nesse sentido que se compreende uma cidadania não limitada à
tradicional manifestação política pelo voto. Tampouco o sistema representativo
185
"A dicotomia entre direito objetivo e subjetivo pretende realçar que o direito é um fenômeno objetivo, que não
pertence a ninguém socialmente, que é um dado cultural, composto de normas, instituições, mas que, de outro lado, é
também um fenômeno subjetivo, no sentido de que faz, dos sujeitos, titulares de poderes, obrigações, faculdades,
estabelecendo entre eles relações. Assim, quando falamos no direito das sucessões significamos algo objetivo,
quando mencionamos o direito à sucessão de um herdeiro, mencionamos que algo lhe pertence. Para clarificar,
lembramos que o inglês tem duas palavras diferentes para enunciar os dois termos: law (direito objetivo) e right
(direito subjetivo)" Grifos do autor. Conferir em FERRAZ JÚNIOR, T.S. Introdução ao estudo do Direito: técnica,
decisão, dominação. SP. Atlas, 1994, p.146.
134
convencional operado por partidos políticos e sindicatos
186
são suficientes para
dar conta do apelo popular pela participação mais efetiva nas questões de
interesse público. Por isso, instrumentos proativos de cidadania encontram-se
disponíveis no ordenamento jurídico para potencializar as expressões
democráticas de uma cidadania verdadeiramente ampliada, capaz de promover
direitos civis e sociais, que produzem um nexo indissociável
entre os direitos humanos e a soberania popular ou seja,
entre a esfera dos direitos civis e sociais (Estado de Direito)
e a esfera dos direitos políticos e os procedimentos
democráticos (Estado Democrático). (SANTOS JR, 2001,
p.97)
No que se refere à participação popular na gestão pública é possível
dizer-se que a luta por essa expressão de cidadania foi incansável e vencedora
ante um processo de redemocratização turbulento e duvidoso quanto às suas
reais propostas de democratização, haja vista a forma “negociada”
187
que se
deu entre as elites políticas do país, sustentada pelo processo de Abertura
lento, gradual e seguro preconizado pelo governo Geisel e a despeito de ter
sido ultimado por um congresso constituinte dominado pelo PMDB com 52,9%
dos deputados federais e 77,5% dos senadores, sem contar com o fato de
governar todos os estados da Federação, exceto Sergipe (PFL).
Foi neste cenário político que se promulgou a Constituição Cidadã, que,
no tocante à proposta de empoderamento da sociedade sob a forma de
participação social no Governo e na Administração Pública, deixou um legado
normativo bastante razoável, sobretudo na área dos direitos sociais.
No vigésimo aniversário da Carta Democrática de 1988, podemos
asseverar que o legislador constituinte foi razoavelmente correspondido em sua
186
Sobre a relação entre partido político e sindicato e os aspectos de sua representatividade foi tema da dissertação de
mestrado de Cristiane Leyendecker de Lima, intitulada: A relação partido/sindicato: um estudo de caso. A pesquisa
realizada tomou por base a relação entre o PT e a CUT e foi apresentada ao Departamento de Ciência Política da
Universidade de Brasília UnB, em Julho de 2004. Disponível na internet no endereço eletrônico:
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=16. Consulta realizada em Junho de
2008.
187
Para uma leitura crítica sobre o processo eleitoral de 1986 e seu significado para a questão da redemocratização
recomendamos o texto do professor Alvaro Algusto de Barbosa Barreto, do Instituto de Sociologia e Política da
Universidade Federal de Pelotas, intitulado À espera de um novo tempo: pelotas (rs), as eleições de 1986 e a futura
constiuinte, publicado em http://www.ufpel.tche.br/isp/ppgcs/publicacoes/alvaro/27a_SBPH.pdf. Consulta feita em
fevereiro de 2009.
135
expectativa de democratização da gestão do campo social. Ainda que do ponto
de vista qualitativo ainda falte muito a se fazer, avanços significativos são
registrados pelos estudiosos quanto à interação comunitária e o controle social
no exercício dos direitos sociais.
A propósito, parece oportuna uma referência a Ulysses Guimarães que
em discurso pronunciado na sessão de 27 de julho de 1988, afirmou: “A
governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença
inassistida são ingovernáveis”
188
. Se esse discurso fosse pronunciado hoje,
provavelmente Ulysses Guimarães incluiria a violência, não por conta da sua
face grotesca, agressiva e bruta, mas porque sua virulência é mortal para a
democracia. Afinal, “a violência busca intimidar as pessoas na afirmação de
seus interesses.”
189
No mesmo discurso asseverou o constituinte que “governar
é encurtar distâncias”.
Cabe à própria cidadania, agora, envolver-se nessa dinâmica e invocar
seu direito subjetivo público ao diálogo com o Estado e suas instituições, sejam
elas quais forem, e contribuir para a implantação de um verdadeiro sistema de
governança democrática.
Cabe salientar, contudo, que o exercício do direito público subjetivo à
participação social na gestão pública independe de previsão normativa
expressa que a reconheça e garanta. Embora o direito subjetivo encontre
fundamento no direito objetivo
190
, o é correto compreender que a sua
consistência dependa de previsão expressa em um diploma jurídico, mas da
ordem jurídica considerada em seu conjunto e sistematicidade
191
. O direito não
se adstringe ao que está escrito na lei, é um fenômeno social e político,
culturalmente forjado. É isso que permite a sua expansão e multiplicidade
192
.
Ele não é autoreferido.
188
Ver em http://www.fugpmdb.org.br/c_cidada.htm. Pesquisa realizada em 10 de dezembro de 2008.
189
PIRES, Lênin. SOUZA, Mirian Alves de. MIRANDA, Ana Paula Mendes de (orgs). Políticas públicas e
participação popular. Polícia e comunidade: temas e desafios na implantação de conselhos comunitários de
segurança. Governo do Estado do Rio de Janeiro, ISP, 2006, p.30
190
“Por direito objetivo entende-se o conjunto das normas jurídicas que representam a estrutura de uma determinada
comunidade constituída num Estado, ou seja, o ordenamento jurídico, que é uma trama das normas jurídicas vigentes
numa sociedade estatal num determinado momento histórico”. Definição apresentada no site Wikipédia. Conferir
http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_objetivo. Consulta realizada em outubro de 2008.
191
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. SP. Malheiros, 2004,
p.22.
192
ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. SP. Martins Fontes, 2008
136
A Constituição Federal é exemplo desse entendimento, basta examinar
como ela disciplinou a participação social no campo dos direitos sociais. Dos
nove itens que compõem o elenco dos direitos sociais gravados no Art. da
CF/88 “São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistências aos desamparados, na forma desta Constituição.”-, somente a
segurança e o lazer não foram regrados em seções próprias com a previsão da
participação social. A despeito dessa lacuna, o processo de democratização
das instâncias públicas vem se consolidado em harmonia com o que está
ocorrendo nos demais setores cuja previsão se fez expressa.
Uma breve navegação pelos dispositivos que regulam os direitos sociais
demonstrará esse entendimento. Comecemos pela educação, cuja obrigação
de oportunizar a participação social encontra suporte no disposto pelos artigos
205 e 206 da CF/88, com os seguintes teores, respectivamente:
CF/88, Art. 205 A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, sem preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
CF/88, Art. 206 O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios:
VI gestão democrática do ensino público, na forma da lei.
(grifos nossos)
A obrigatoriedade da participação cidana educação está gravada no
nos dispositivos acima por meio da fórmula cogente “será”. Esta forma de
redigir o dispositivo constitucional é suficiente para embasar o direito subjetivo
público à participação social no setor. E foi com base nessa perspectiva de
governança democrática na área da educação, em abril de 2007, o governo
federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação Básica (PDE), o que
acarretou a realização de um fórum em Brasília, em novembro de 2008, para
137
esclarecer o que é o plano, que objetivos e metas pretende alcançar e como os
pais podem ajudar nessa tarefa.
De acordo com o secretário-executivo adjunto do MEC,
Francisco das Chagas, os pais são parceiros
imprescindíveis na execução do PDE. “Eles acompanham o
aprendizado dos filhos, querem educação de qualidade,
muitos estão nos conselhos escolares e municipais, são
parte das escolas”, explica. Segundo ele, os pais precisam
conhecer as políticas públicas da educação, discuti-las,
dizer o que pensam, e o ministério quer ouvi-los.
193
No evento de novembro de 2008 houve espaço para os conselhos
estaduais e municipais de educação se reunirem e o tema foi a parceria na
execução do PDE. Acompanhar cada etapa do PDE é uma das tarefas que os
conselhos assumiram. Também resultou dessa reunião uma carta aos
governadores e prefeitos pedindo empenho e agilidade na construção dos
planos estaduais e municipais de educação, previstos no Plano Nacional de
Educação (PNE), que é de 2001.
Além de terem sido discutidos vários temas da educação, foi dada
especial atenção ao FUNDEB Fundo de Desenvolvimento da Educação
Básica, tema que recebeu a contribuição do Tribunal de Contas da União
(TCU). Esse órgão auxiliar de controle externo elaborou um documento para os
tribunais de contas dos estados com dados e parâmetros para auxiliá-los na
fiscalização das prestações de contas dos recursos do FUNDEB.
A ilustração um pouco mais detalhada desse evento realizado na área
da educação em 2008 tem o objetivo de evidenciar a forma complexa como se
vem trabalhando o tema. A idéia é mostrar que a participação social se insere
num universo maior que a simples atuação pessoal e direta dos pais na escola.
É necessário compreender a participação social num contexto em que
questões como federalismo, controle das contas públicas e sustentabilidade
193
Texto colhido da página http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11377. Pesquisa
realizada em janeiro de 2009.
138
econômica, entre outros aspectos, fazem parte. Portanto, a participação social
não se reduz à decisão estéril de fazer volume em movimentos sociais, mas de
educar-se para o exercício da cidadania. Improvisação, amadorismo, euforia
fugaz, imediatismo e a busca por reconhecimento ou prestígio social o
características que vêm sendo superadas pelos diversos atores sociais que
operam no cenário da participação popular, revelando o amadurecimento de
uma nova concepção de cidadania.
A gestão participativa e a apropriação dos direitos sociais são um
desafio constante, pois a ampliação do controle social sobre o Estado depende,
em última instância, da participação da sociedade na definição e no exercício
dos direitos de cidadania. Sendo assim, fortalecer o controle social e a gestão
participativa, como política de um governo democrático, representa o
compromisso de identificar e fortalecer as ferramentas que promovem a
inclusão da população nas ações e políticas.
A saúde também foi outro setor da gestão pública rapidamente
assediado pela sociedade brasileira no tocante à participação popular, e é
talvez dela que se possa extrair o maior volume de experiências concretas de
interação comunitária com os agentes do poder público em função da previsão
expressa de um sistema único para todo o país (CF/88, Art. 195, § 10).
“Na saúde, além da descentralização e da integralidade da assistência, a
participação popular e intergovernamental revelaram-se imprescindíveis para a
construção de um modelo público efetivo, amplo e irrestrito.”
194
O fundamento
normativo constitucional se encontra no artigo 198 da Magna Carta,
CF/88, Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde
integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
III – participação da comunidade. (grifos nossos)
194
Ver http://www.sus20anos.saude.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=62&Itemid=2.
Cnsulta realizada em dezembro de 2008.
139
A mesma postura de concitar a participação social foi mantida pelo
constituinte de 1988 em relação à seguridade social. O inciso VII do parágrafo
único do artigo 194 da Constituição da República determina que
Art. 194, Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos
termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos
seguintes objetivos:
VII caráter democrático e descentralizado da
administração, mediante gestão quadripartite, com
participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (grifos
nossos)
Como a assistência social representa um setor específico da seguridade
social, o artigo 204 da Constituição reproduziu a orientação do regramento
transcrito acima.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência
social serão realizadas com recursos do orçamento da
seguridade social, previstos no art. 195, além de outras
fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
II participação da população, por meio de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis. (grifos nossos)
Inspirado na experiência do SUS e dado o caráter universal que a
Constituição da República conferiu à assistência social, foi concebido para este
setor o SUAS Sistema Único de Assistência Social. O marco oficial para a
implantação do Sistema foi em 14 julho de 1997
195
, quando o Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou a Norma Operacional Básica
do SUAS, estabelecendo um conjunto de regras que disciplinam a
195
Acerca da história da assistência social no Brasil, consultar: http://www.mds.gov.br/suas/conheca/conheca09.asp.
Pesquisa realizada em março de 2009.
140
operacionalização da Assistência Social e a transição do antigo para o novo
modelo.
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cujo modelo de gestão é
descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em
todo território nacional dos serviços, programas, projetos e benefícios
socioassitenciais, de caráter continuado ou eventual, executados e providos
por pessoas jurídicas de direito público sob critério universal e lógica de ação
em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil. Além
disso, o SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à
execução da política pública de assistência social, possibilitando a
normatização dos padrões nos serviços, qualidade no atendimento aos
usuários, indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos serviços e da
rede prestadora de serviços socioassistenciais
196
.
Relativamente à proteção à infância e ao adolescente, outro item
elencado entre os direitos sociais, quanto à participação social o constituinte
previu que
Art. 227, § - No atendimento dos direitos da criança e do
adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art.
204.
O parágrafo sétimo do Art. 227 é o fundamento jurídico-constitucional
para a formação dos Conselhos Tutelares, órgão colegiado que também
encontra referência legal no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao tratar da política de desenvolvimento e expansão urbana a
Constituição estabeleceu que ela deve ser orientada pelo plano diretor da
cidade que tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (caput do Art. 182
da CF/88). Como o inciso XII do artigo 29 da CF/88 estabelece que o município
deve observar a “cooperação das associações representativas no
planejamento municipal”, é de se deduzir que a participação social na questão
196
Texto do parágrafo extraído da página http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas. Pesquisa realizada em janeiro
de 2008.
141
concernente à moradia está devidamente contemplada na Constituição. No
plano legal federal a participação social é reforçada pelo Estatuto das Cidades
– Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, Art. 2º, incisos II, III e XIII.
Estatuto das Cidades. Art. 2
o
A política urbana tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais:
II gestão democrática por meio da participação da
população e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de
desenvolvimento urbano;
III cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os
demais setores da sociedade no processo de urbanização,
em atendimento ao interesse social;
XIII audiência do Poder Público municipal e da população
interessada nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente
negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o
conforto ou a segurança da população;
Relativamente ao direito social ao trabalho, o artigo 10 da CF/88 garante
a participação dos trabalhadores e empregadores “nos colegiados dos órgãos
públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto
de discussão e deliberação”. Destaca-se, neste cenário o Conselho
Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), órgão colegiado, de
caráter tripartite e paritário, composto por representantes dos trabalhadores,
dos empregadores e do governo, que atua como instância gestora do FAT. O
FAT é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao
Ministério do Trabalho e Emprego, destinado ao custeio do Programa do
Seguro-desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de
142
Desenvolvimento Econômico
197
. A garantia da participação da sociedade civil
se pelas comissões estaduais e municipais de emprego que são instâncias
colegiadas, de caráter permanente e deliberativo, também constituídas de
forma tripartite e paritária, tendo por competência permitir a participação da
sociedade civil organizada na constituição do SNE – Sistema Nacional de
Emprego e o acompanhamento das ações executadas descentralizadamente,
com recursos do FAT, pelo poder público municipal e entidade executoras.
Quanto ao direito social ao lazer, a Constituição dispõe sobre esse tema
à luz da cultura (215, §3º, IV)
198
, do esporte (217, § 3º) e do meio ambiente
(225, caput). Por estar no corpo da própria Constituição, esses itens assimilam
o espírito participativo nela próprio embutido. Cabe registrar que o constituinte
atribuiu à União o papel de “exercer a classificação, para efeito indicativo, de
diversões públicas e de programas de rádio e televisão” (CF/88, Art. 21, XVI).
Essa competência regulatória da União não impede que haja alguma forma de
influência da sociedade civil por meio da atuação de instrumentos de
participação social.
Conforme dito anteriormente, é preciso ponderar que a participação
democrática em assuntos de interesse público não se esgota na criação e
funcionamento de arenas públicas dedicadas ao diálogo entre representantes
da sociedade e do Estado. no ordenamento jurídico outros mecanismos
plenamente aptos a influenciar de forma decisiva o cenário da administração de
interesses sociais postos sob a regência da administração estatal. Conselhos,
comissões, comitês, runs, audiências públicas, entre outros, não se
constituem nas únicas formas de participação social. uma infinidade de
outros instrumentos por intermédio dos quais é possível o exercício da
participação democrática. É o caso, por exemplo, dos abaixo-assinados,
moções públicas, requerimentos e representações; subscrição de projeto de lei
promovido por iniciativa popular; atuação em movimentos sociais; contribuição
material, financeira ou laboral para ONGs; patrocínio de projetos sociais por
empresa privada; realização de survey de opinião visando à coleta de
197
A respeito do FAT ver http://www.bndes.gov.br/empresa/fundos/fat/default.asp. Consulta realizada em março de
2009.
198
O Art. 15, parágrafo 1º, item 1 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece para
os Estados-parte que cada indivíduo tem o direito de “participar da vida cultural”.
143
informações de forma direta e ampla junto à sociedade civil; encaminhamento
de denúncias e reclamações aos órgãos de ouvidoria e de ombudsman etc.
Como se nota, o cenário normativo constitucional e as práticas políticas
de efetivação de suas regras consagram a participação cidadã nesses setores
dos direitos sociais. No entanto, o mesmo não se observou com a segurança,
embora ela também integre o rol de direitos sociais.
Diferentemente da sistemática adotada para os demais setores, a
Constituição Federal de 1988 não foi direta, clara e objetiva a respeito da
adoção de princípios e práticas democráticas na gestão pública do direito social
à segurança. O Art. declara a segurança como direito social fundamental,
mas seu desdobramento no Art. 144 não faz qualquer menção a respeito da
participação democrática.
Desperta interesse investigativo o fato de que a democratização da
gestão pública da segurança no Brasil seja a última fronteira a ser conquistada
pela participação popular. A participação neste setor da governabilidade está
na ordem do dia devido à insatisfação da sociedade em constatar a sua
marginalização no processo de discussão de políticas públicas em um assunto
que inexoravelmente afeta a toda coletividade, mas que é decidido por
poucos
199
.
A discussão democrática da segurança pública coloca em destaque o
principal poder delegado ao Estado, que é o poder de coagir. Esse é o poder
mais concreto, imediato e palpável da soberania estatal. Somente ele é capaz
de submeter a vontade da pessoa à vontade do Estado, supostamente
justificada na vontade geral. Será essa a razão pela qual a discussão
democrática de seu exercício enfrenta fortes resistências? Afinal como sustenta
Ladislau Dowbor “na visão tradicional, mais capacidade de governo deve
implicar mais poder de cima para baixo, no topo da pirâmide”
200
. Como esse
poder resulta de uma delegação da sociedade ao Estado, é imperativo que
também ele passe pelo filtro da democratização a fim de que ele não se
converta em instrumento de tirania.
199
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. SP. Brasiliense. 8ª ed, 1994, p. 12.
200
DOWBOR, Ladislau. A reprodução social. Vol III Descentralização e participação As novas tendências. RJ,
Vozes, 2003, p.17
144
A filtragem democrática
201
do tema segurança pública coloca em debate
o mandato público e nele localiza o mandato policial. Portanto, entram na pauta
de “negociação” entre o Estado e a sociedade as práticas e procedimentos
policiais tendentes à promoção da segurança pública.
A propósito, adverte Goldstein que
é prejudicial para o nosso sistema de governo lidar com uma
situação em que órgãos governamentais ou alguém desses
órgãos determinem que, quando a complexidade ou o perigo
criados por um problema específico se estende para além de
um certo limite, o interesse público justifique deixar de lado as
leis sob a quais a agência é obrigada a operar. (GOLDSTEIN,
2003, p.32)
A sociedade brasileira que desponta para este terceiro milênio está
consolidando o entendimento de que mais capacidade de governo significa
maior capacidade de gestão e de decisão política na própria base da
sociedade. Essa perspectiva contraria os modelos administrativos tradicionais
de matriz burocrática e consagra uma nova lógica no processo de formulação
de decisões governamentais
202
: o caminho da governança democrática passa a
ser a alternativa para a co-responsabilização da sociedade em assuntos de
interesse público, inclusive na segurança pública.
A despeito da lacuna em nossa Constituição Federal no que se refere à
interação das agências de segurança com a sociedade a legislação federal
infraconstitucional vem procurando colmatar esse espaço com leis e decretos
que estimulam a formação de colegiados públicos e iniciativas de aproximação
das agências de segurança com a sociedade. Foi o caso, por exemplo, do
201
A utilização da expressão filtragem democrática é intencional no sentido de fazer uma analogia com a denominada
“filtragem constitucional” cujo teor consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e interpretada à luz da
Constituição, de modo a realizar os princípios e valores nela consagrados. Todos os ramos do Direito e leis
produzidas devem ser lidos, interpretados e efetivados sob a lente da Constituição, com o propósito de fixar, a partir
dos princípios consagrados, seus alcances e limites. A propósito do tema consultar Konrad HESSE, A Força
Normativa da Constituição. Porto Alegre Sérgio Fabris Editor, 1991. Consultar também da mesma editora e ano a
obra de Paulo Ricardo Schier intitulada Filtragem Constitucional.
202
Sobre relação entre democracia, cultura política e capital social no Brasil com foco voltado à construção de uma
sociedade participativa ver o texto de Marcello Baquero, professor do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, disponível na internet no endereço eletrônico
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782003000200007&script=sci_arttext. Consulta realizada em
Novembro de 2008.
145
SUSP Sistema Único de Segurança Pública, lançado em abril de 2003, que
dentre os princípios reitores de sua implementação contemplava a participação
comunitária. Portanto, a participação popular vem-se firmando como o novo
pilar do Estado democrático, com influência decisiva nos processos de
condução, arranjo e manejo dos interesses, bens e serviços públicos operados
pela Administração Pública.
No campo da segurança pública, por exemplo, a participação social é
expressiva por meio da utilização do disque-denúncia
203
.
Nesse sentido, é importante que o governante tenha consciência de que
A capacidade de governar não está unicamente ligada ao
aparato institucional formal, mas supõe a construção de
coalizões entre atores sociais, construídas em função de
diversos fatores, tais como a interação entre as diversas
categorias de atores, as orientações ideológicas e os
recursos disponíveis.
204
.
A polêmica na gestão democrática da segurança blica está no nível
de interferência ou grau de intensidade que a participação popular pode ter na
gestão e na política de segurança pública. Ilustra bastante bem essa questão a
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade - de número 244-9/600 que versou
sobre a validade jurídica do disposto nas alíneas “b” e “c” do parágrafo do
Art. 183 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, cujo teor versa o
seguinte:
CERJ/89, Art. 183, § - Nas jurisdições policiais com sede
nos Municípios, o delegado de polícia será escolhido entre
os delegados de carreira, por voto unitário residencial, por
período de dois anos, podendo ser reconduzido, dentre os
componentes de lista tríplice apresentada pelo
Superintendente da Polícia Civil:
203
Moraes, Luciane Patrício Braga de. Disque-denúncia: a arma do cidadaão. Processos de construção da verdade a
partir da experi6encia da Central Disque-denúncia do Rio de Janeiro. UFF, Dissertação de Mestrado em
Antropologia, 01 de fevereiro de 2006.
204
HAMEL, 1999, apud Santos Junior. A democracia e o governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. RJ.
IPPUR/UFRJ, 2001, p.60.
146
a) o delegado de polícia residirá na jurisdição policial
da delegacia da qual for titular;
b) a autoridade policial será destituída, por força de
decisão de maioria simples do Conselho Comunitário
da Defesa Social do Município onde atuar;
c) o voto unitário residencial será representado pelo
comprovante de pagamento de imposto predial ou
territorial.
Em decisão prolatada em 18 de abril de 1990, por unanimidade, com o
voto do Presidente, a Suprema Corte deferiu medida liminar e suspendeu, até o
julgamento final da ação, a vigência do § do então artigo 180, bem assim
das suas alíneas b e c, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. No
mérito, em 11 de setembro de 2002, o Tribunal julgou procedente o pedido
formulado na inicial da ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos
referidos dispositivos.
EMENTA: Polícia Civil: subordinação ao Governador do
Estado e competência deste para prover os cargos de sua
estrutura administrativa: inconstitucionalidade de normas da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro (atual art.183, § 4º,
b e c), que subordinam a nomeação dos Delegados de
Polícia à escolha, entre os delegados de carreira, ao "voto
unitário residencial" da população do município; sua
recondução, a lista tríplice apresentada pela
Superintendência da Polícia Civil, e sua destituição a decisão
de Conselho Comunitário de Defesa Social do município
respectivo. 1. Além das modalidades explícitas, mas
espasmódicas, de democracia direta - o plebiscito, o
referendo e a iniciativa popular (art. 14) - a Constituição da
República aventa oportunidades tópicas de participação
popular na administração pública (v.g., art. 5º, XXXVIII e
LXXIII; art. 29, XII e XIII; art. 37 , § 3º; art. 74, § 2º; art. 187;
art. 194, § único, VII; art. 204, II; art. 206, VI; art. 224). 2. A
Constituição não abriu ensanchas, contudo, à interferência
popular na gestão da segurança pública: ao contrário, primou
o texto fundamental por sublinhar que os seus organismos -
as polícias e corpos de bombeiros militares, assim como as
polícias civis, subordinam-se aos Governadores. 3. Por outro
lado, dado o seu caráter censitário, a questionada eleição da
autoridade policial é aparentemente democrática: a
147
redução do corpo eleitoral aos contribuintes do IPTU -
proprietários ou locatários formais de imóveis regulares - dele
tenderia a subtrair precisamente os sujeitos passivos da
endêmica violência policial urbana, a população das áreas
periféricas das grandes cidades, nascidas, na normalidade
dos casos, dos loteamentos clandestinos ainda não
alcançados pelo cadastramento imobiliário municipal.
O entendimento do STF é diametralmente oposto ao adotado pela
presente dissertação no que se refere ao item 2 da ementa acima transcrita,
que subordina a participação popular na gestão pública da segurança à
previsão normativa expressa na Constituição. Conforme declinamos, o
compartilhamento do poder é uma prerrogativa imanente ao Estado
republicano e democrático de direito cujos princípios não subtraem do povo
outorgante do mandato público policial, ao contrário confirmam, a
responsabilidade de atuarem em questões que afetem diretamente seus bens e
interesses jurídicos aquilatados como essenciais. Concordamos, contudo, com
o argumento contido no item 3. O caráter censitário do corpo eleitoral quando
vincula o exercício do direito de voto ao pagamento do IPTU vai de encontro ao
caráter democratizante do orgão colegiado cujo maior escopo é a integração
sociopolítica de todas as camadas sociais que compõem a região em que
atuam as agências de segurança pública.
No que se refere ao dispositivo constitucional estadual acoimado de
inválido por unanimidade de votos dos ministros do STF, data venia,
entendemos que não óbice constitucional federal que impeça o Estado do
Rio de Janeiro, no gozo de sua autonomia político-administrativa e no
desempenho de sua competência residual (CF/88, Art. 25 caput e parágrafo
único), a estabelecer a participação popular na permanência ou retirada do
delegado titular. Não enxergamos neste caso nenhuma violação a preceito
constitucional federal de conteúdo material, restando como embasamento para
a decretação da invalidade apenas a constatação meramente literal de
ausência de previsão expressa.
148
Entendemos que essa leitura burocrática da normativa constitucional
ignora a melhor hermenêutica sistemática incidente sobre a questão tendo em
vista a prevalência da efetividade de princípios constitucionais
205
.
A doutrina jurídica brasileira, aliás, refutou o argumento do monopólio
do interesse público pela Administração Pública.
A contribuição dos administrados no processo de tomada de
decisão demonstra a perda do monopólio do interesse
público pela Administração Pública e diminui a distância
entre o Estado e a sociedade, proporcionando a tomada da
decisão administrativa a partir da consideração objetiva das
necessidades sociais verbalizadas para atendimento
adequado, direto e efetivo das aspirações mais concretas do
povo. (MARTINS JR, 2004, pp.306 E 307)
Sendo a função segurança pública uma atribuição de administração
pública, fica fácil deduzir que também nela se faz pertinente e até mesmo
necessária a participação popular na definição de políticas públicas para o
setor. A frustração da participação social na gestão governamental constitui
forma aviltante de mutilação do homem social
206
, especialmente na área da
segurança pública cuja discussão coloca em destaque o principal poder
delegado ao Estado que é o poder de coagir. O objeto da discussão pública
neste setor estatal é a regulação das condições, formas e meios para o uso
legal e legítimo da força, ou seja, o objeto da discussão democrática é saber
como o Estado governa o emprego da força pública.
Embora não seja o propósito deste capítulo aprofundar o tema do uso
legal e legítimo da força pública, não podíamos deixar de pontuar que essa é
uma questão-chave na problematização e apresentação de propostas nas
searas de participação popular em matéria de segurança blica no contexto
do Estado democrático.
205
A respeito da efetividade dos princípios constitucionais, ler o texto de Luiz Roberto Barroso publicado na internet
em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547. Consulta realizada em setembro de 2008.
206
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. SP. Brasiliense. 8ª ed, 1994, p. 17.
149
2.Fundamentos normativo-constitucionais para a participação social na
segurança pública.
registramos anteriormente que o legislador constituinte federal não foi
muito eloquente no regramento da participação social na segurança pública. Do
ponto de vista jurídico-normativo, para se chegar ao reconhecimento desse
direito público subjetivo
207
à luz da Constituição Federal é necessário percorrer
um caminho interpretativo relativamente longo a fim de evidenciar a sua
aplicação na esfera da segurança pública.
O inciso II do Art. 1º fixa a cidadania como fundamento da República. A
despeito do viés que se queira atribuir ao conteúdo dessa categoria, sabe-se
que “as questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas,
mas sim questões políticas”
208
. Nesse sentido, a declaração da cidadania como
fundamento da República expressa, antes de mais nada, a prerrogativa fática
que detêm os cidadãos de exercerem diretamente o poder sempre que os
instrumentos e oportunidades lhes permitam expressar direta e livremente, mas
com responsabilidade, seus pensamentos e aspirações. Noutras palavras, a
cidadania consiste numa expressão política de poder projetado nas relações
sociais cujo exercício forja elementos de juridicidade, contemplados
expressamente ou não pelo ordenamento objetivo. Assim, a cidadania é uma
expressão permanente de conquista e de sustentação de direitos, de
capacidade de modificação do status quo, e não um direito a mais incluído no
“pacote” de prerrogativas declaradas pelo ordenamento positivo.
Por seu turno, o parágrafo único do art. afirma ser o povo a fonte
primaz do poder – “todo o poder emana do povo”. Ainda que passando ao largo
das argumentações de natureza política e sociológica que emprestam maior
densidade ao significado jurídico dessa afirmação, não se pode olvidar a força
normativa do dispositivo. Pensar de forma contrária implicaria reforçar o coro
daqueles teóricos, ultrapassados em sua doutrina, que afirmavam existir na
Constituição regras desprovidas de eficácia. É certo que a capacidade das
207
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. SP. Saraiva, 17ª ed, 1990, p.265.
208
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre. Sergio Fabris Editor, 1991, p.9
150
regras constitucionais regularem e motivarem as relações sociais está
condicionada à sua compatibilidade com os reais poderes que operam no meio
social
209
. Declarações como a contida no parágrafo único do Art. 2º podem
parecer descoladas da realidade. No entanto, seu valor jurídico reside no
fomento e na sustentação de processos sociais de institucionalização. Não se
trata de reconhecer um poder abstrato, surreal, mas uma manifestação que se
afirma em práticas constantes, frente às adversidades e contrariedades que
permeiam a vida em sociedade, e mais propriamente o processo mesmo de
fabricação de jurisdicização nascido das interações sociais.
Outrossim, o inciso I do art. 3º estabelece como um dos objetivos da
República a construção de uma sociedade solidária. A solidariedade evocada
pelo dispositivo constitucional refere-se ao vínculo recíproco de
responsabilidade existente num grupo social em face da existência de
interesses comuns, sobretudo no tocante a situações que revelam obrigações
de natureza moral, cívica ou jurídica. No entanto, é importante ressaltar que o
objeto jurídico do inciso é revelado pelo verbo “construir”. Nesse compasso, a
“solidariedade” é elemento integrativo e teleológico do objeto, mas que com ele
não se confunde. No que se refere à fundamentação da participação
democrática na gestão da segurança pública, essa declaração avulta de
importância para afastar o entendimento de que a gestão democrática deste
setor governamental carece de fundamentação jurídico-positiva. Ao dizer
“construir” uma sociedade solidária o constituinte certamente não colocou o
Estado acima da sociedade tornando-a seus objeto. É o Estado que se
constitui em instrumento de ordenação da sociedade, portanto cabe a ele atuar
em consonância com o interesse da sociedade e com a colaboração dela. Na
esteira de Celso Lafer o Estado contemporâneo é um processo contínuo e
aberto
210
. É mais um mediador de conflitos e instrumento de justiça social do
que um ente soberano, “dono” do interesse público e protegido pelo dogma do
império da lei.
Podemos nos valer ainda dos incisos XVI a XXI do Art. 5º, que
declaram respectivamente as prerrogativas fundamentais relativas aos direitos
209
LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição?, versão para ebook disponível na internet no endereço
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html. Ver também ROULAND, Norbert. Nos confins do direito.
SP. Martins Fontes, 2007.
210
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. SP, Cia das Letras, 1988, p.72.
151
de reunião e de associação; bem como o inciso LXXIII do mesmo artigo, que
traz a previsão do “remédio” intitulado ação popular. Tais cláusulas pétreas
atestam a aposta do legislador constituinte numa cidadania ativa e ampliada.
Conforme citamos anteriormente, o caput do art. enuncia a
segurança como direito social fundamental.
O caput do art. 14 declina pela primeira vez em um texto normativo na
história constitucional brasileira
211
a categoria “soberania popular” cujo
conteúdo traduz a idéia de que é a sociedade, e não o Estado, quem determina
as condições que governam a sua vida.
Finalmente, o caput do art. 144 declina que a segurança pública é
“dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. A locução
“responsabilidade de todos” alude à responsabilidade pública e social, que não
quer dizer apenas responsabilidade do Estado, mas de todos: sociedade,
Estado, comunidade, família, cidadão
212
. Estado e sociedade estão, portanto,
reciprocamente implicados no contexto da segurança pública, por conta da sua
natureza difusa e cujas fronteiras para o seu movimento não admite uma
demarcação autoritária.
Desse conjunto de dispositivos é razoável deduzir que a democratização
das decisões em matéria de segurança pública no plano da normatização
constitucional federal constitui-se num direito subjetivo público inerente à
condição de cidadania, não podendo ser negado ou obstaculizado sob a
alegação dissuasória de ausência de previsão expressa na Carta. É a
democratização das decisões que qualifica a responsabilidade pública sobre
assuntos de interesse público, sob pena de perda de significado jurídico público
atribuível à própria categoria responsabilidade.
A participação cidadã, institucionalizada como meio ou forma de
consulta, de debate, de problematização e de sugestão, potencializa o
desenvolvimento de políticas e serviços públicos compatíveis com as reais
211
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à constituição brasileira de 1988. Vol II. RJ: Forense Universitária,
1991, pp.1088 e 1089.
212
A legislação infraconstitucional vem adotando em algumas disposições normativas a idéia de
responsabilidade/obrigação à sociedade, ou à comunidade. É o caso, por exemplo, do disposto no Art. da Lei
8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no 3º da Lei 10.741/03 Estatuto do Idoso. Essa
tendência legislativa indica a necessidade de uma definição jurídica sobre a natureza, o conteúdo e as implicações da
categoria responsabilidade no campo do direito público ou, ao menos, no campo das meterias de interesse público.
152
demandas da sociedade, aumentando a sua eficácia. Por outro lado, a
participação cidadã contribui para o processo de legitimação das políticas
públicas e consolida o entendimento de que a responsabilidade da sociedade
ante as matérias de interesse público está associada aos mecanismos e
formas de interação sociopolítica, com efeito jurídico, junto à gestão pública.
Essa percepção foi encampada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme
se verifica na Lei 10.257/01 Estatuto das Cidades, cujo Capítulo IV é
inteiramente dedicado à gestão democrática da cidade, contendo, inclusive,
regra sobre a gestão orçamentária participativa
213
.
3. A democratização da segurança pública à luz da legislação ordinária
federal e a questão federativa.
No plano político-administrativo
214
, tem-se lido na doutrina
215
que a
estrutura federativa adotada no Brasil, permeada de valores democráticos,
propicia, e até mesmo impõe, um processo de descentralização das políticas
públicas, fato que supostamente tende a estimular o engajamento popular
216
na
busca de decisões governamentais tomadas no nível mais próximo possível da
população interessada (princípio da proximidade).
Uma leitura diferente dessa é feita pela professora Marta Arretche, para
quem não há correlação entre o processo de descentralização e o engajamento
popular nas políticas públicas.
213
Lei 10.257/01, Art. 44 “No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do
inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do
plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação
pela Câmara Municipal.”
214
A categoria político-adminsitrativa estará sendo utilizada no sentido atribuído ao termo pela Constituição Federal
de 1988, não sendo ignorado pelo autor o fato de que existem outros significados para o seu emprego como, por
exemplo, o que atribui ao vocábulo “político” uma conotação de governabilidade e ao vocábulo “administrativo” uma
conotação de governança. Essa é a visão de Leonardo Valles Bento, em sua obra já citada neste trabalho. A propósito
deste autor e obra, ver páginas 85 e 88.
215
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: Publicidade, motivação e participação
popular. SP. Saraiva, 2004, p.293.
216
SILVA, Jorge da. Segurança pública e polícia: criminologia crítica aplicada. RJ. Forense, 2003, p.106.
153
Em sua tese
217
de doutorado apresentada ao IFCH/UNICAMP, no
capítulo dedicado aos graus de descentralização e participação política, Marta
Arretche faz um importante registro baseado numa hipótese formulada por
Putnam
218
. A hipótese é a de que “a participação em associações civis seja
qual for a sua natureza – formaria sociedades fortes, cuja capacidade de
pressão geraria governos fortes, os quais, por sua vez, seriam caracterizados
por sua capacidade de instituir e manter políticas públicas de qualidade”. A
expectativa levantada pela professora com base na referida hipótese era a de
que “seria de se esperar que, no caso brasileiro, mais elevadas taxas de
participação em associações civis correspondessem a mais elevados graus de
iniciativa local para a gestão de políticas sociais.” No entanto, os dados
levantados pela autora com base nesse recorte não confirmam, para a
amostra de Estados brasileiros examinada, que as verificações nas taxas
de filiação e associações civis sejam fatores determinantes para que os
governos locais se sintam decisivamente pressionados a assumir a
gestão de programas sociais.” (grifo nosso) (ARRETCHE, 2000, p.62)
Fato é que no tocante à questão federativa, podemos dizer que o
processo constitucional de repartição de competências desenhado pelo
constituinte de 1988 para a segurança pública, também não colabora com a
consolidação de uma cultura democrático-participativa na gestão pública, talvez
por conta da sistemática dual adotada pela Carta.
Em relação à segurança pública o constituinte seguiu a inspiração do
federalismo “dual”, diferentemente do que se observa para os demais setores
ligados aos direitos sociais, para os quais a sistemática da repartição de
competências seguiu a inspiração do federalismo “cooperativo”. Explica-se:
Com o federalismo cooperativo uma alteração no conceito
de autonomia, que passa a se medir menos pelas disposições
jurídicas e pela defesa das barreiras constitucionais e mais
pela capacidade de influência tanto no âmbito das
negociações entre todos os entes da federação, como nas
comissões freqüentemente consuetudinárias e segundo
217
Arretche, Marta. Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. RJ. Editora
Revan/Fapesp, 2000.
218
PUTNAM, Robert D. Makin democracy work. Princeton, Princeton University Press, 1993. Livro citado pela
autora no elenco bibliográfico da sua obra.
154
procedimentos que devem assegurar a igualdade entre os
entes representados. Para um governo federado, a defesa da
autonomia passa a depender de sua capacidade de
negociação nos âmbitos que considera prioritários. Os
atores mais influentes serão aqueles que possuírem a maior
variedade de informação e que puderem se comunicar de
forma simples com os demais atores. (grifos nossos)
(BARACHO, 1988, p.84)
A arquitetura imaginada pelo constituinte de 1988 para a segurança
pública no Brasil, no que se refere à partilha de competências, reforça um
sistema que prioriza interesses, deixando de incentivar um sistema de
solidariedade
219
. Senão vejamos:
Os quatro artigos definidores de competências da União (CF/88, Arts. 21
a 24) não tratam da questão no sentido da integração ou da cooperação das
agências policiais. Nenhum inciso ou parágrafo menciona como a União vai
interagir com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em torno da
matéria segurança pública, salvo no caso do inciso XVI do artigo 24 que prevê
como competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal a
“organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis”. Neste caso, o
papel da União não passa muito da função de orquestrador do conserto
estatutário das corporações locais de polícia judiciária, sem poder interferir de
forma mais incisiva na matéria sob pena de inconstitucionalidade substancial,
haja vista a autonomia política e administrativa de cada ente federativo
estadual.
Ao contrário da sistemática dos demais itens de direitos sociais, todos
sujeitos a um regime de colaboração segundo o regramento conferido pelos
artigos 23 (competência comum) e 24 (competência concorrente), a
Constituição reserva exclusivamente à União o papel de “executar os serviços
de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (CF/88, Art. 21, XXII), e
privativamente a função de legislar sobre “normas gerais de organização,
efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias
militares e corpos de bombeiros militares” e sobre a “competência da polícia
federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais” (CF/88, Art. 21, XXI e
219
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. SP. Brasiliense, 8ª ed, 2007, p. 42.
155
XXII, respectivamente). Portanto, os artigos limitam-se à definição de
atribuições funcionais das polícias federais, mobilização das corporações
militares estaduais e regime estatutário geral das polícias civis.
Entre os artigos 21 a 24, apenas três incisos definem competências de
ordem legislativa (CF/88, Arts. 22, XXI e XXI e 24, XVI) e somente um trata de
competência executiva (CF/88, Arts. 21, XXII). No entanto preocupação
legislativa se circunscreve ao limitado aspecto ratione materie das agências
policiais, deixando de lado a normatização das funções institucionais da
Polícia, semelhantemente ao que ocorre com o Ministério Público no corpo do
Art. 129 da Lei Maior. Houve, portanto, uma preocupação do constituinte em
demarcar “territórios” de dominação, e uma negligência quanto à disciplina
normativa dos limites, possibilidades e condições para o exercício do poder de
polícia no âmbito desses mesmos “territórios”.
Sujeitas aos regimes das competências exclusiva e privativa, a regência
das atribuições
220
policiais foi modelada verticalmente, segundo a técnica das
competências exclusivo-enumerativas (para a União), Arts. 21 e 22, e
exlcusivo-residuais (para os Estados), Art. 25, § 1º.
CF/88, Art. 21 –Compete [exclusivamente]
221
à União: XXII
executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras.
CF/88, Art. 22 Compete privativamente à União legislar
sobre: XXI normas gerais de organização, efetivos,
material bélico, garantias, convocação e mobilização das
polícias militares e corpos de bombeiros militares”; XXII
“competência da polícia federal e das polícias rodoviária e
ferroviária federais.
220
Em direito uma diferença normalmente utilizada para discernir os vocábulos “competência” e “atribuição”.
Reserva-se o uso do vocábulo competência para questões de natureza constitucional que digam respeito à jurisdição
ou às atividades legislativas e executivas dos entes federativos. Outro é o sentido da palavra “atribuições”. Seu
emprego se por exclusão, ou seja, não se tratando de matéria constitucional e relativa a competências, utiliza-se a
palavra atribuições.As competências englobam as atribuições. O inverso não procede. As competências têm natureza
constitucional ao passo que as atribuições têm natureza administrativa. Estamos adotando na presente dissertação a
distinção entre competências e atribuições. Admitindo-se essa orientação doutrinária, o legislador constituinte
empregou inadequadamente o termo competência na redação do inciso XXII do art. 22. Há, porém, juristas de escol
que não fazem tal distinção. É o caso, por exemplo, de Maria Sylvia Zanella DiPietro, in Direito Administrativo. SP,
Atlas, ed. 1995. p.169, onde se lê: “Pode-se, portanto, definir competência como o conjunto de atribuições das
pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo.”
221
A doutrina constitucional identifica a competência exclusiva no Art. 21 da CF/88, embora a redação do texto
normativo não mencione o vocábulo “exclusiva”.
156
Art. 25, § - São reservadas aos Estados as competências
que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
No corpo do Art. 144, fora do conjunto dos artigos 21 a 24 da CF/88,
também se verifica essa mesma preocupação meramente demarcatória de
competências exclusivas para as agências de segurança pública.
Art. 144, § 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão
permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira, destina-se a: I apurar infrações penais contra
a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços
e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática
tenha repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo dispuser em lei; II previnir e
reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas
áreas de competência; III exercer as funções de polícia
marítima, aeroportuária e de fronteiras; exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(grifo nosso)
Art. 144, § - A polícia rodoviária federal, órgão
permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento
ostensivo das rodovias federais.
Art. 144, § - A polícia ferroviária federal, órgão
permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento
ostensivo das ferrovias federais.
Art. 144, § - “Às polícias civis, dirigidas por delegados de
polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.” § - “Às polícias
militares cabem a polícia ostencisa e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das
atribuições definidas em lei, incumbe a execução de
atividades de defesa civil.”
157
Do exposto verifica-se que o constituinte de 88, no tocante a segurança
pública, inspirou-se no federalismo dual por concentrar as competências das
agências policiais de segurança pública no corpo dos artigos 21 e 22 que
tratam, respectivamente, das competências exclusiva e privativa da União, e no
conjunto de incisos que compõem os artigos 22 e 23, que tratam
respectivamente das competências comum e concorrente, nada mencionou no
sentido de estabelecer um sistema institucional de interação entre as
corporações policiais.
Considerando a regência das competências na área da segurança
pública não apenas à luz do conjunto de artigos 21 a 24, mas da totalidade de
dispositivos constitucionais e considerando, também, os programas
governamentais que vêm sendo adotados no sentido de integrar as agências
de segurança pública, somos levados, finalmente, a concluir que a definição de
competências funcionais de natureza exclusivo-enumerativa da União e
exclusivo-residual dos Estados, contempladas no que couber a atuação dos
municípios, embora não crie vínculos jurídicos no sentido de que haja o
compromisso normativo constitucional da cooperação e do mútuo apoio
entre as entidades políticas da federação brasileira, não óbice jurídico
para a integração de políticas públicas em matéria de segurança pública,
até porque o que ficou definido pelo constituinte foram as atribuições das
agências policiais e não as competências das entidades políticas.
Dando crédito ao argumento de que a descentralização político-
administrativa estimula a participação popular e considerando inexistir
empecilho para a integração de esforços entre as diversas entidades político-
administrativas, um dos desafios no campo da segurança pública, em face da
sistemática da estrutura federativa brasileira, consiste no estabelecimento de
regras de cooperação e coordenação para a disseminação dos valores
democráticos a serem aplicados na segurança pública, de modo a também
viabilizar o processo de institucionalização de modelos e formas de governança
participativa para o setor. A idéia é a de que a “multiplicação de círculos de
decisões políticas em que o cidadão fica mais próximo do poder”
222
atua como
222
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na constituição de 1988. SP.:Atlas, 1991, p.49.
158
mecanismo de um relacionamento equilibrado entre os três níveis de governo
que caracterizam a federação brasileira
223
.
Com o propósito de superar os entraves causados por uma sistemática
de competências exclusivas na área de segurança pública, tendente ao
isolamento das entidades político-administrativas, e viabilizar o processo de
aproximação intergovernamental, e destas com a sociedade, é que a partir de
2003 o governo federal começa a desenhar uma série de medidas que
demonstram clara preocupação com a existência de alguma política pública
coordenada de alcance nacional na área da segurança, com envolvimento não
só dos governos regionais e locais, como também da população.
A coordenação de políticas de gestão pública é o novo paradigma na
segurança pública. Coordenação como articulação de partes distintas que
vivenciam um mesmo problema, mas que a despeito de suas peculiaridades
são capazes de produzir uma visão de conjunto, valorizando interconexões,
otimizando recursos, atuando em sentido de complementariedades e gerando
sinergias.
Coordenar não equivale a um mecanismo de autoridade, do
tipo um comando puro e simples. Coordenar possui uma
dimensão de indução e uma capacidade de colocar uma
série de vetores alinhados, não necessariamente um
mecanismo de autoridade formal. (GAETANI, 2008, p.39)
Eis que em julho de 2003 foi lançado pelo governo federal o SUSP -
Sistema Único de Segurança Pública, fortemente inspirado na experiência do
SUS - Sistema Único de Saúde. A inspiração não se limitou aos instrumentos
de gestão integrada ou à instalação de instâncias de interação sociopolítica.
Não ficou também no elementar: objetivos, competências e sustentabilidade
financeira. A constatação de uma mudança de mentalidade acerca das
intervenções públicas em saúde também contribuiu para estimular a mudança
de percepção no modo de pensar a segurança, embora ainda faltem ações
223
Essa opinião é esposada por Wallace Paiva Martins Júnior, em obra já citada, p.293.
159
concretas que demonstrem esse novo entendimento, sobretudo no âmbito das
políticas estaduais.
As questões da saúde coletiva passam a ser equacionadas
com as condições de vida: inserção social, trabalho e
renda, de modo a prover de instrumentos necessários para
a formulação e, em definitivo, para decisões/implementação
de políticas integradas, capazes de alterar o quadro
sanitário/epidemiológico da população. Essa conjunção é
consagrada na reforma do sistema de saúde brasileiro.
(GERSCHAMAN, 2008, p.48)
É importante retratar os episódios
224
de repercussão nacional que criam
um vetor de pressão, sobretudo por conta da exploração midiática
225
, sobre a
necessidade de mudança de mentalidade na política de segurança pública. A
cronologia de violência entre 1992 a 2008 estabeleceu o ritmo de resposta da
União
226
na administração coordenada intergovernamental de políticas públicas
na área da segurança pública com as medidas executivas abaixo relacionadas
na coluna da direita, desconsideradas as mais de 100 (cem) alterações
realizadas na legislação penal
227
ocorridas nesse período que receberam a
sanção do presidente da República.
2 de outubro de 1992 Massacre do Carandiru,
SP
23 de julho de 1993 – Chacina da Candelária, RJ;
29 de agosto de 1993 Chacina de Vigário Geral,
RJ
Em 7 de setembro de 1993. Programa Nacional de
Direitos Humanos, conforme previsto na
Declaração e Programa de Ação de Viena,
adotada consensualmente na Conferência Mundial
dos Direitos Humanos, em 25 de junho de 1993.
Entre as principais medidas legislativas que
resultaram de proposições do PNDH figuram a Lei
9.140/95, que reconhece as mortes de pessoas
desaparecidas em razão de participação política; a
Lei 9.299/96, que trata da transferência da
justiça militar para a justiça comum dos crimes
dolosos contra a vida praticados por policiais
militares, que permitiu o indiciamento e julgamento
de policiais militares em casos de múltiplas e
graves violações como os do Carandiru,
224
Para uma consulta cronológica dos casos que chocaram o Brasil ver: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/crimes-
chocaram-pais-404008.shtml. Consultado em fevereiro de 2009.
225
RAMOS, Silvia; PAIVA, Anabela. Mídia e violência – novas tendências na cobertura de criminalidae e
segurança no brasil. RJ, UCAM-CeSEC-IUPERJ-SEDH, 2007.
226
Para uma consulta mais detalhada de instrumentos normativos registrando os esforços da da União em torno do
tema Segurança blica, ver na internet http://www.mj.gov.br/main.asp?View={A14AD16A-EF1E-47CF-8866-
EA5B8F3D06E2}
227
Legislar sobre direito penal é competência privativa da União, conforme estabelece o inciso I do Art. 22 da CF/88.
160
Corumbiara e Eldorado dos Carajás; a tipificação
do crime de tortura pela Lei 9.455/97; e a
construção da proposta de reforma do Poder
Judiciário, na qual se inclui, entre outras medidas
destinadas a agilizar o processamento dos
responsáveis por violações, a chamada
‘federalização’ dos crimes de direitos humanos.
14 de julho de 1995 Massacre de Corumbiara,
Rondônia;
17 de abril de 1996 – Eldorado dos Carajás, PA;
1 de janeiro de 1995 Criada a Ouvidoria de
Polícia de São Paulo pelo Decreto nº 39.900;
228
20 de abril de 1997 Caso do Índio Pataxó
Galdino; BR;
4 de setembro de 1997 foi baixado o Decreto
Federal 23 que criou a Secretaria Nacional de
Segurança Pública – SENASP;
Agosto de 2000 Assassinato de Sandra Gomide
pelo jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, SP;
Em junho de 2000 foi anunciado o Plano Nacional
de Segurança Pública Governo Fernando
Henrique Cardoso.
229
12 de junho de 2001 – Sequestro do ônibus 174 no
Jardim Botânico, RJ;
Implementando diretivas do PNSP, em 2001 foram
promulgadas duas importantes leis federais. Em 14
de fevereiro de 2001 foi promulgada a Lei nº
10.201, que instituiu o Fundo Nacional de
Segurança Pública FNSP, e em setembro a Lei
Federal 10.277, que estabeleceu medidas para
assegurar o funcionamento de serviços e
atividades imprescindíveis à segurança pública;
2 de junho de 2002 Assassinato do repórter Tim
Lopes, RJ;
Para os fins do disposto no inciso I do §1º do art.
144 da Constituição Federal, em 8 de maio de
2002 foi promulgada a Lei Federal 10.446 que
dispunha sobre infrações penais de repercussão
interestadual e internacional que exigem repressão
uniforme;
31 de outubro de 2002 Morte do casal von
Richthofen, SP;
2 de outubro de 2003 Assassinato do casal de
jovens Liana Friedenbach e Felipe Caffé, Embu-
Guaçu, SP;
25 de março de 2003 Assassinato Gabriela
Prado, RJ;
12 fevereiro de 2005 Assassinato da Irmã
Dorothy Stang, Anapu, PA;
Ano 2002 - Plano Nacional de Segurança
Pública Governo Lula (proposta de
campanha).
230
29 de Novembro de 2004 – Publicado o Decreto nº
5.289 que disciplina a organização e o
funcionamento da administração pública federal,
para desenvolvimento do programa de cooperação
federativa denominado Força Nacional de
Segurança Pública.
Maio de 2006 41 policiais civis e militares mortos
em SP, rebeliões e pânico urbano fruto da prisão
de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola;
23 de agosto de 2006, publicada a Lei 11.343,
que institui o SISNAD Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas, o qual tem por
finalidade articular, integrar, organizar e coordenar
as atividades relacionadas com a prevenção do
uso indevido, a atenção e a reinserção social de
usuários e dependentes, a repressão da produção
não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
228
LEMGRUBER, Julita; MUSUMECI, Leonarda; CANO, Ignacio. Quem vigia os vigias? Um estudo sobre controle
externo da polícia no brasil. RJ, Record, 2003.
229
A respeito de uma análise da política de segurança pública formulada e implementada pelo governo FHC em sua
segunda gestão (1999-2002) ver o texto de Sérgio ADORNO, intitulado Lei e Ordem no Segundo Governo FHC,
Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 15, n. 2, novembro 2003, pp. 103-140. Disponível na internet no
endereço: <http://www.nevusp.org/downloads/down181.pdf> Consulta: Novembro de 2008.
230
A respeito do Plano Nacional de Segurança Pública, lançado pelo governo Lula, consultar os seguintes sites:
http://www.carceraria.org.br/fotos/fotos/admin/Sistema%20Penal/Seguranca_Publica/Plano_Nacional_Seguranca_Pu
blica_analise.pdf> e < http://www.ucamcesec.com.br/md_mt_texto.php?cod_proj=62> Consultas realizadas em
Novembro de 2008.
161
7 de fevereiro de 2007 João Hélio Fernandes,
RJ;
Março de 2008 Menina de 12 anos mantida em
cativeiro por Silvia Calabresi Lima, GO;
6 de julho de 2008 Assassinato de João Roberto
Amorim Soares, RJ;
14 de outubro de 2008 Assassinato Eloá C.
Pimentel, Santo André, SP;
4 de dezembro de 2008 - Estupro e Assassinato
da menina de 4 anos, Trancoso, BA;
10 de maio de 2007, promulgação da Lei Federal
nº 11.473, cujo teor dispõe sobre a cooperação
federativa no âmbito da segurança pública e
revoga a lei nº 10.277, de 10 de setembro de 2001.
24 de outubro de 2007 foi promulgação da Lei
Federal nº 11.530 que institui o Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania
PRONASCI.
Tendo em vista a ausência de norma constitucional que um
direcionamento geral à política de segurança pública nacional numa
perspectiva integrada, plural e democrática, esse conjunto de medidas e
normas federais, legislativas e administrativas, tenta harmonizar as iniciativas
locais, regionais e nacionais, respeitada as autonomias das unidades da
federação.
A profusão de normas federais em torno da matéria segurança pública,
com foco direcionado à cidadania, revela que o processo de redemocratização
ainda não se ultimou
231
. A promulgação da Carta Federal consolida o rumo do
Brasil no sentido da democracia, mas o processo ainda não se exauriu
totalmente.
A onda da redemocratização dos anos 70-80 não se propagou com a
mesma intensidade e dinâmica, muito menos operou os mesmos efeitos nos
diversos setores governamentais. Caminhos diferentes foram sendo trilhados, a
partir das experiências de cada área e instância governamental e produziram
resultados singularmente diferentes.
Tendo em vista o grande impulso gerado pela normatividade
constitucional federal no tocante à governança democrática dos direitos sociais,
o processo de redemocratização foi acompanhado de uma descentralização
política e financeira que implicou a celebração de novos pactos políticos e
231
SOARES, Luiz Eduardo. Notas sobre a problemática da segurança pública. In Políticas sociais:
acompanhamento e análises. IPEA, Diretoria de Estudos Sociais, Número 2, 2001, p. 123.
162
sociais, o que exigiu uma nova leitura dos fundamentos federativos do Estado
brasileiro
232
.
Todo este cenário revela que, na área da segurança pública, a
inexistência de regramento constitucional expresso no sentido da gestão
democrática não constituiu óbice jurídico para a elaboração de diplomas
normativos, legais e administrativos, no plano federal que ponham em pauta a
discussão da cidadania, do pluralismo integrativo, da colaboração social, da
prestação de contas entre outros temas de cunho democrático.
4. Como as constituições estaduais percebem a participação social na
segurança pública?
A construção deste item decorreu de pesquisa realizada pelo autor
durante o ano de 2008 e início de 2009, tendo sido realizada ampla busca pela
internet com relação à base legislativa disponibilizada pelos governos
estaduais, assembléias legislativas, tribunais de contas, ministérios públicos e
polícias civil e militar na rede mundial de computadores. Foi feito um
mapeamento de todos os dispositivos constitucionais estaduais concernentes à
segurança pública com o objetivo de identificar quais estados da Federação
contemplou a questão democrática participativa. Os resultados dessa
investigação encontram-se abaixo.
Nossas pesquisas revelaram que das 26 constituições estaduais mais a
Lei Orgânica do Distrito Federal, somente as dos estados do Rio Grande do Sul
(CERS, Art. 126), Rio de Janeiro (CERJ, Art. 183, §2º), Espírito Santo (CEES,
Art. 124, P.Único), Sergipe (CESE, Art. 130), Pará (CEPA, Art. 193, §2º) e
Amazonas (CEAM, Art. 114, §§1º e ) declaram explicitamente a participação
popular no processo de formulação de políticas públicas na área da segurança
pública.
232
Sobre as mudanças ocorridas no federalismo brasileiro e no gasto social tendo em vista o novo paradigma
econômico do controle fiscal, consideradas as disparidades intra e inter-regionais ver:
http://info.worldbank.org/etools/docs/library/232522/SouzaRedemocratizacao.pdf . Pesquisa realizada em setembro
de 2008.
163
Entre esses estados, somente as constituições do Rio Grande do Sul,
Rio de Janeiro e Sergipe falam claramente sobre a formação de conselhos
comunitários de segurança ou de defesa social. A Constituição do Amazonas,
embora não seja clara a respeito da formação de conselhos comunitários de
segurança, parece bastante inclinada à proposta com base no final do texto do
seu parágrafo 1º do Art. 114, cuja regra enuncia:
À Secretaria de Segurança Pública, órgão coordenador do
sistema [de segurança pública], incumbe a administração
da segurança pública e a promoção da integração de
seus órgãos com a comunidade. (grifo nosso).
Inclusive essa tendência de contar com a participação é declarada logo
no primeiro título da constituição amazonense, cujo art. 7º enuncia:
A sociedade integrará, através de representantes
democraticamente escolhidos, todos os órgãos de
deliberação coletiva, estaduais ou municipais, que tenham
atribuições consultivas ou deliberativas ou de controle
social nas áreas de educação, cultura, saúde,
desenvolvimento sócio-econômico, meio ambiente,
segurança pública, distribuição de justiça, assistência e
previdência social e defesa do consumidor. (grifo nosso)
Os estados de Minas Gerais (CEMG, Art. 134), Pernambuco (CEPE, Art.
102, §2º), Paraíba (CEPB, Art. 43), Ceará (CECE, Arts. 180 e 181) e Acre
(CEAC, Art. 130) mencionam a existência de órgãos colegiados de consulta e
assessoramento direto dos seus respectivos governadores. Esses colegiados
são distintos, funcional e operacionalmente, dos CONSEGS ou CCS. A
participação da sociedade civil na composição desses colegiados de
assessoramento governamental direto, quando admitida, é estabelecida por
disposição expressa das próprias constituições ou pela legislação ordinária que
as regulamenta. No entanto, é preciso registrar que nestes casos as
representações da sociedade civil ficam sempre adstritas a entidades formais e
de índole classista, comprometendo a capacidade de integração dessas
164
instâncias com a realidade plural da sociedade. Esses corpos orgânicos
assemelham-se mais a conselhos diretivos público, ou seja, a instâncias de
consulta constituídas por membros que trazem conhecimentos específicos ou
especializados na área de atuação do órgão, do que a espaços públicos
dedicados às práticas do pluralismo integrativo
233
.
As demais 16 unidades da federação nada mencionam sobre
participação popular ou de representantes da sociedade civil na gestão da
segurança pública.
Portanto, no âmbito dos estados constata-se um déficit expressivo de
normatividade constitucional local que alavanque, do ponto de vista jurídico, o
processo de democratização governamental da segurança pública. Dos 27
diplomas constitucionais estaduais, somente 6 Cartas (22%) fazem referência
expressa à participação popular na segurança blica. Dessas 6 constituições,
apenas 3 delas aludem à participação social sob a forma de CONSEGS/CCS, o
que representa apenas 11% do total de constituições locais. Isso demonstra
que, no geral, os legisladores constituintes estaduais tiveram pouca
personalidade no uso de suas autonomias para atuar normativamente nesse
setor governamental porque provavelmente ficaram atrelados cegamente ao
modelo de regramento constitucional federal. Sendo a Constituição Federal o
parâmetro de inspiração para a elaboração das constituições estaduais, somos
levados a crer que a falta de dispositivo federal expresso mencionando a
participação popular na segurança pública repercutiu decisivamente na
atividade legislativa constituinte das unidades da federação.
A despeito da inexistência de dispositivo constitucional estadual
expresso acerca da participação popular na segurança pública, quase todos
esses estados vêm aderindo aos programas de policiamento comunitário e à
instalação de conselhos comunitários de segurança
234
.
No tocante aos conselhos comunitários de segurança, a inexistênciade
regras constitucionais estaduais a respeito o impediu a mobilização social
em torno do tema, assim como não obstou a iniciativa de medidas normativas
233
GRAU, Nuria Cunill. Repensando o público através da sociedade. Novas formas de gestão pública e participação
social. RJ. Revan; DF:ENAP, 1998, p.96.
234
A comprovação dessa afirmativa pode ser verificada nos sites publicados na internet. A título de documentação da
nossa pesquisa registramos vários endereços nesses estados no Anexo I a esta dissertação
.
165
no âmbito do próprio Poder Executivo para a instalação desses colegiados
comunitários. Essa lacuna constitucional estadual vem sendo preenchida em
vários estados da federação por outros instrumentos normativos, tais como leis,
decretos, portarias, resoluções e atos de homologação.
O preenchimento do espaço de normatividade constitucional estadual
pela profusão de leis e atos administrativos regulamentares e normativos
exarados pelas autoridades competentes de cada unidade da federação muda
completamente o cenário pessimista acima descrito com a indicação de apenas
22% das Leis Maiores estaduais se ocuparem com alguma forma de
participação popular na segurança pública.
No que se refere aos CONSEGS ou CCS, um estudo mais apurado da
quantidade dessas instâncias instaladas pelo país está sendo feito pelo
Ministério da Justiça em uma pesquisa que será apresentada em agosto de
2009 na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública.
5. A instrumentalidade jurídica dos CCS no Estado do Rio de Janeiro.
O quadro normativo que vamos expor nos subitens que se seguem
expressa a autonomia político-administrativa de que goza o estado do Rio de
Janeiro na estrutura federativa do Brasil. Respeitados os princípios e regras
constitucionais, “os estados organizam-se e regem-se pelas constituições e leis
que adotarem.” (CF/88, Art. 25, caput)
Relativamente à segurança pública e à participação popular, embora o
constituinte federal não tenha feito menção expressa a uma gestão participativa
nesta pasta governamental, pensamos que não óbice jurídico que impeça a
formação de instâncias locais de interação sociopolítica, conforme expusemos
a longo do item 1 deste capítulo. Aliás, o fundamento normativo que autoriza os
estados a tomarem iniciativas nesse sentido encontra-se na própria
Constituição Federal. O Art. 25, parágrafo único, que trata da chamada
166
competência residual
235
, estabelece que “são reservadas aos estados as
competências que não lhes forem vedadas por esta Constituição”.
Por outro lado, a quantidade de conselhos comunitários existentes por
todo o país e reconhecidos em sua legitimidade e funcionalidade por atos
administrativos normativos e ordinatórios emitidos pelas diversas agências de
segurança, demonstra que o processo de democratização da segurança
pública não requer fórmula constitucional, estadual ou federal, autorizativa.
5.1. O que diz a Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
É no Título V Da Segurança blica - da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro que reside o fundamento jurídico-positivo para a participação
popular sob a forma de colegiados democráticos de âmbito local.
O parágrafo 2º do Art. 183 é o dispositivo normativo que contém a
previsão da formação dos conselhos comunitários de defesa social, também
conhecidos como conselhos comuntários de segurança. Ele declina que:
CERJ, Art. 183, § - os órgãos de segurança pública
serão assessorados pelo Conselho Comunitário de Defesa
Social, estruturado na forma da lei, guardando-se a
proporcionalidade relativa à respectiva representação.
O regramento contido neste dispositivo é complementado pelo parágrafo
seguinte, cujo teor diz o seguinte:
CERJ, Art. 183, § - Os membros do Conselho referido
no parágrafo anterior serão nomeados pelo Governador do
235
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na constituição de 1988. SP.:Atlas, 1991, pp. 87-88 e DA
SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. SP. Malheiros, 22ª ed., 2003, p.599.
167
Estado, após indicação pelos órgãos e entidades
diretamente envolvidos na prevenção e combate à
criminalidade, bem como pelas instituições representativas
da sociedade, sem qualquer ônus para o erário ou vínculo
com o serviço público.
A leitura conjugada desses dois parágrafos é possível asseverar que
eles conformam uma norma constitucional de eficácia limitada de conteúdo
institutivo na medida em que “o legislador constituinte traça esquemas gerais
de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o
legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei”
236
implementando
sua eficácia.
Até o presente momento a lei a que se refere o parágrafo não foi
sequer deflagrada em seu processo legislativo. Não na ALERJ
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - anteprojeto ou projeto
protocolado nesse sentido, estando a disciplina da instauração e
funcionamento dos CCS por conta de atos administrativos normativos,
notadamente de resoluções do secretário de estado de segurança pública.
5.2. O quadro normativo infraconstitucional estadual do Rio de Janeiro.
A inexistência da lei que complementa a eficácia do parágrafo do Art.
183 da CERJ/99 vem induzindo a elaboração de atos administrativos de
conteúdo normativo com o propósito de suprir essa lacuna. Essa providência
procura responder à demanda por uma instrumentalização normativa a respeito
da participação popular na segurança pública, o que tem contribuído para o
processo de democratização desse nicho de direito social tão refratário a
mudança de posturas e mentalidade.
Por conta da normatização administrativa que vem acontecendo, é
oportuna uma rápida digressão acerca dos atos emitidos pela Administração
Pública com teor normativo a fim de justificar o seu emprego na sistemática do
236
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. SP, Malheiros, 3ª ed, 1999, p. 126.
168
ordenamento jurídico brasileiro. Isso possibilitará enxergar com maior precisão
quais são os limites e possibilidades que cercam esse tipo de
instrumentalidade jurídica, tendo em vista a efetividade da participação social
na política estatal de segurança e, consequentemente, na gestão pública desse
setor da Administração.
5.2.1. Poderes normativos regulamentar e regulatório da Administração.
Helly Lopes Meirelles sustenta que os atos administrativos, quaisquer
que sejam
237
, resultam dos chamados poderes administrativos. De acordo com
a natureza do poder administrativo tem-se um tipo de ato a ele correspondente.
Por exemplo, fruto do poder disciplinar, surgem os atos administrativos
punitivos, já os atos de avocação ou de delegação de competências têm
fundamento no poder hierárquico, e assim por diante.
No tocante aos atos administrativos que se expressam sob a forma de
normas, tem-se entendimentos distintos. Basicamente, dois são os
entendimentos quanto ao poder do qual eles dimanam. O primeiro deles
sustenta que os atos administrativos normativos derivam do poder
regulamentar. Esse é a interpretação, por exemplo, de Hely Lopes Meirelles
238
.
Um segundo entendimento sustenta que poder normativo e poder regulamentar
não se confundem. Esta é visão da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro
239
.
Para Di Pietro, o poder regulamentar é exercido com o propósito de dar
condições para o fiel cumprimento dos comandos contidos na lei. Nesse
sentido coincidem os entendimentos de Di Pietro e Hely L. Meirelles. O papel
da norma regulamentar é explicar, detalhar, esclarecer, minudenciar os
comandos legais que, por natureza e vocação, são gerais e abstratos. Para
tanto, defere-se ao administrador público da mais alta hierarquia do Poder
Executivo o poder normativo para regulamentar a lei por intermédio de decretos
237
Uma classificação básica das espécies de atos administrativos os categoriza em: normativos, ordinatórios,
negociais, enunciativos e punitivos. A propósito consultar Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro.
SP. Malheiros, 25ª ed., 2000,, pp. 167-186.
238
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro. SP. Mallheiros, 25ª ed., 2000,, pp. 118-120.
239
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. SP. Atlas, 5ª ed, 1995, pp. 74-76.
169
regulamentares
240
. Em menor escala e conforme o caso, os demais Poderes da
República também dispõem do poder regulamentar, o que fazem normalmente
por meio de resoluções. De regra, contudo, o poder regulamentar é estudado à
luz do Poder Executivo, o que requer a seguinte ponderação: a plataforma da
Administração Pública não se exaure na estrutura do Poder Executivo. Eis que
a categoria Administração Pública refere-se ao conjunto de entidades, órgãos e
agentes públicos que operam a máquina administrativa estatal, esteja ela
incrustada no Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público,
Tribunal de Contas ou em quaisquer das entidades de administração indireta
(autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas
públicas). Assim, conforme o caso e de acordo com a competência
constitucional ou legal, o poder de editar normas regulamentares pode estar ao
alcance de instâncias administrativas que não estejam atreladas à estrutura do
Poder Executivo, mas, por pertencerem à arquitetura do aparelho estatal, se
veem em condições de exarar tais atos, como é o caso das agências
reguladoras. O Judiciário, por exemplo, edita uma série de normas para
regulamentar a aplicação da lei que afete o exercício jurisdicional do Estado,
como é o caso das normatizações decorrentes da aplicação da Lei 9.099/95
– Lei dos Juizados Especiais no âmbito da justiça estadual.
Focando no Executivo, é importante salientar que o poder regulamentar
pode, conforme a competência pré-estabelecida na lei, estar sob a tutela do
titular do Executivo (presidente da República, governadores de estado e
prefeitos) cuja efetivação se opera por decreto, ou de órgão colegiado máximo
do Executivo (conselhos, câmaras, comissões, juntas etc) que normalmente
cristaliza seu ato normativo sob a forma de resolução.
A título de exemplo é interessante aludir à sistemática da Lei nº
9.503/97, Código de Trânsito Brasileiro. vários dispositivos do CTB cuja
regulamentação é da competência do CONTRAN – Conselho Nacional de
Trânsito - e outros da competência do presidente da República. Quando a
regulamentação se opera por ato do CONTRAN, o instrumento normativo
utilizado é a resolução. Quando por ato do presidente da República, o
instrumento é o decreto.
240
CF/88, Art. 84 “Compete privativamente ao Presidente da República:” IV “sancionar, promulgar e fazer
publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução.”
170
Assim, cabe ao legislador definir no próprio corpo da lei a que órgão ou
agente competirá o exercício do poder administrativo normativo de caráter
regulamentar.
De regra, quando a lei não menciona a quem compete a atividade
normativa regulamentar, esta é assumida diretamente pelo titular do Poder
Executivo. A regulamentação por meio de resolução é, normalmente,
determinada de forma expressa no corpo da lei. A regulamentação por
resolução deve ser explícita, ao passo que a regulamentação por decreto pode
ser expressa ou tácita, bastando observar neste último caso a pertinência
temática e os limites jurídicos traçados pela própria normatividade da lei. A
estrutura da resolução, como fórmula, não difere da estrutura do decreto. Para
efeito de obediência ao princípio da publicidade, o veículo de publicação deve
ser adequado e proporcional aos destinatários do ato, ou seja, deve ser
operado por instrumento que esteja ao alcance do conhecimento daqueles para
os quais se destina e com clareza quanto à sua vigência.
Nesse compasso, tanto o decreto quanto a resolução representam atos
administrativos normativos de vocação regulamentar, variando entre si,
basicamente, em função da autoridade ou órgão dos quais promanem em face
da competência legal para a sua expedição.
Tratando agora do poder administrativo normativo conforme o
pensamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, este não se limita à função
regulamentar. Sua capacidade normativa se estende por toda a malha
administrativa, observadas as regras de competência. O poder normativo,
assim, é poder imanente à administração que decorre de uma função
regulatória necessária à ordenação das práticas e procedimentos que
operacionalizam a prestação de serviços públicos bem como o funcionamento
interno da própria Administração.
O poder normativo encontra limite apenas na sua disposição hierárquica
que escalona as atribuições funcionais normativas e executivas de cada órgão
que compõe a estrutura piramidal da Administração. Quão mais inferior o órgão
na escala hierárquica administrativa, em face da predominância de atividades
vinculadas, menor e mais limitada será a capacidade de elaboração de normas
administrativas atribuídas a seus respectivos dirigentes (resoluções, portarias,
171
circulares, editais, instruções, avisos, ordens de serviço). Uma vez que os
órgãos subalternos de administração destinam-se, predominantemente, à
execução concreta de serviços blicos específicos, tornam-se impróprias ou
menos frequentes as atividades administrativas de cunho normativo.
Com base na interpretação de Di Pietro, conclui-se, então, que o poder
regulamentar e o poder normativo correspondem, respectivamente, às funções
regulamentar e reguladora/regulatória da Administração Pública, sendo a
primeira uma espécie da segunda por sua peculiar característica de se amoldar
aos elementos materiais da lei que procura integrar. O poder regulamentar
consiste, na verdade, numa atividade regulatória de conteúdo e finalidade
específicos tendo em vista a sua função de disciplinar a eficácia da norma legal
que regulamenta e dar efetividade a seus comandos.
“Regular” significa estabelecer regras, independentemente
de quem as dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda
que por meio de órgãos da Administração direta ou
entidades da Administração indireta. Trata-se de vocábulo
de sentido amplo, que abrange, inclusive, a
regulamentação, que tem um sentido mais estrito. (...)
Regulamentar significa também ditar regras jurídica, porém,
no direito brasileiro, como competência exclusiva do Poder
Executivo. Perante a atual Constituição, o Poder
regulamentar é exclusivo do Chefe do Poder Executivo (Art.
84, IV), não sendo incluído no parágrafo único do mesmo
dispositivo, entre as competências delegáveis.
241
Portanto, à Administração Pública, considerada como um todo, são
reconhecidas duas funções: a reguladora/regulatória e a regulamentadora já
que são funções indispensáveis ao aparelho estatal, esteja ele incrustado nos
órgãos da Administração direta ou nas entidades da Administração indireta.
Tendo em vista o órgão com atribuição, o objeto, o instrumento de
normatização, assevera-se que a função reguladora é mais abrangente que a
função regulamentadora.
241
Trecho de Maria Sylvia Zenella Di Pietro extraído de artigo publicado na internet endereço:
http://www.jfpb.gov.br/esmafe/Pdf_Doutrina/Ag%C3%AAncias%20Reguladoras%20Artigo.pdf
172
Assim, observada a questão da competência legal, qualquer órgão
executivo está investido da função reguladora do serviço blico, bastando
para isso materializar-se no instrumento próprio da alçada do agente ou órgão
com atribuição legal, com observância do princípio hierárquico. A regulação
refere-se, portanto, à estipulação de regras por quaisquer dos órgãos da
Administração Pública direta e entidades da Administração indireta,
cristalizando-se nos mais diversos instrumentos (decretos, resoluções,
portarias, circulares, ordens de serviço, provimento etc) compatíveis com o
poder hierárquico da autoridade ou órgão que o emite. A regulamentação, por
seu turno, é da competência exclusiva de determinados agentes públicos,
estando na alçada da mais alta autoridade executiva ou, conforme a previsão
legal, do colegiado mais destacado na estrutura do aparelho administrativo
estatal.
Outro aspecto relevante acerca dos poderes normativo e regulamentar
tendo em vista a hierarquia administrativa diz respeito ao alcance e ao poder
de vinculação. Conforme a posição hierárquica ocupada pelo agente ou órgão
na estrutura da Administração Pública, são exarados atos normativos de maior
ou menor alcance quanto aos destinatários, bem como de maior ou menor
densidade quanto ao seu grau de vinculação e obrigatoriedade. O poder
normativo, cuja função é essencialmente regulatória das atividades internas da
Administração, tem alcance intra murus, vinculando os agentes públicos
sujeitos ao campo de abrangência do poder hierárquico exercido pela
autoridade que o emite. Portanto, pela atividade normativa regulatória, a
Administração Pública pode criar obrigações para si mesma traduzida em
termos de práticas e procedimentos internos. A regulamentação, por seu
turno, tem seu objeto definido pela lei, por isso normalmente seu alcance
produz efeitos externos à Administração, envolvendo relações jurídicas entre o
Estado-administração e o cidadão. Na regulamentação, a lei é o suporte de
validade do ato regulamentar (decreto ou resolução), ao passo que na
regulação o fundamento da normatização encontra-se na necessidade de auto-
organização e auto-tutela da própria Administração Pública, a fim de que ela
possa realizar o seu mister institucional.
173
5.2.2. Posição dos instrumentos administrativos regulamentares e
regulatórios no ordenamento jurídico.
Adequando o entendimento exposto no item anterior à compreensão do
ordenamento jurídico como um escalonamento de normas, temos que a
integração dos atos administrativos normativos, sejam eles frutos do poder
regulamentar ou do poder normativo, ao conjunto de normas que compõem a
pirâmide hierárquica também se opera pela lógica kelseniana da
fundamentação e da derivação.
Nesse compasso, é coerente sustentar que o fundamento de validade da
atividade regulamentar é a lei, ao passo que o fundamento de validade da
atividade regulatória encontra-se associado à inexorável necessidade de
ordenação normativa dos serviços e atividades que dinamizam a Administração
no seu desempenho funcional ordinário.
Com base nos princípios da derivação e da fundamentação,
compreende-se que os atos administrativos, sejam eles quais forem, sobretudo
os normativos, derivam de um fundamento constitucional ou legal. Em outras
palavras, a Constituição e as leis constituem o fundamento de validade dos
atos administrativos, isto porque os atos que são frutos de poderes políticos
precedem os atos que resultam de poderes administrativos.
A cadeia escalonada que forma a pirâmide hierárquica das normas
encontra na Constituição o fundamento de toda a ordem jurídica. Da
Constituição derivam as leis, das leis derivam os atos administrativos
normativos e destes as normas ordinatórias (regulatórias/reguladoras) da
Administração. Em sentido inverso, o fundamento de validade dos atos
ordinatórios da Administração são os atos administrativos normativos, que se
fundamentam nas leis que, por sua vez, se fundamentam na constituição. A
perfeita adequação entre os preceitos da norma superior e da norma inferior
propicia a formação do ordenamento jurídico
242
.
242
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2ª ed. SP, Martins Fontes, 1987.
174
Uma representação gráfica do que foi dito até o momento pode ser
assim apresentada:
....CONTEÚDO...... INSTRUMENTO...
N.CONSTITUCIONAL Constituição e Emendas
Complementares
NORMA LEGAL Leis Ordinárias / MP
Delegadas
N.REGULAMENTAR Decretos e Resoluções etc
N.REGULATÓRIA Ordens de serviço, portarias etc
Conforme dito acima, as normas constitucionais e legais são frutos de
poderes políticos. as normas administrativas regulamentares e regulatórias
são frutos de poderes administrativos. Sendo assim, uma outra abordagem
sobre o mesmo assunto pode ser assim proposta: estruturalmente, a pirâmide
normativa contém normas que derivam basicamente de dois poderes - um
deles é de natureza política e outro de natureza administrativa. As normas
derivadas do poder político são superiores às normas administrativas porque
representam uma manifestação de vontade do povo, decantada por um
processo legislativo democrático. Por isso, suas normas têm autoridade e
legitimidade para criar, extinguir, conservar, modificar ou transmitir direitos,
deveres e obrigações. As normas administrativas, por seu turno, são inferiores
porque, como atos administrativos, são manifestações de vontade unilaterais
da Administração. Do poder político resultam as normas constitucionais e
legais. Do poder administrativo resultam as normas regulamentares das leis,
cristalizadas em decretos ou em resoluções e os demais instrumentos
normativos administrativos ordinatórios que disciplinam as rotinas e atividades
básicas da Administração Pública e que expressam uma função regulatória.
175
NATUREZA FUNÇÃO INSTRUMENTO
Constituição
Constituinte
Emendas à Constituição
Lei Complementar
Lei Ordinária
Poder
Político
Legislativa
Lei Delegada
Regulamentar
Decretos / Resoluções
Poder
Administrativo
Regulatória Portarias, Ordens de Serviço etc.
Conclui-se, portanto, que os poderes administrativos regulamentar e
normativo, dos quais resultam respectivamente os decretos e resoluções e as
demais espécies normativas administrativas, encontram conformação no
ordenamento jurídico, variando na sua capacidade de vinculação dos
destinatários em face da densidade das obrigações deles decorrentes.
5.2.3. A instrumentalização normativa dos CCS no Estado do Rio de
Janeiro.
Cabe salientar que, no Brasil, as espécies normativas administrativas
não se submetem formalmente a uma categorização rígida e uniforme,
havendo frequentemente o emprego de uma mesma denominação de ato a
vários instrumentos com objetos, funções e alcances distintos. Por exemplo,
para a instauração de inquérito policial, o delegado de polícia exara portaria na
qualidade de ato ordinatório de sua atribuição funcional. Por outro lado, o
Ministro da Fazenda também exara portaria (Portaria Ministerial) para
normatizar práticas e procedimentos tributários junto à fazenda pública.
Essa situação de falta de uniformidade não é uma característica do
Executivo. Ocorre também no Judiciário onde é comum a edição de manuais
176
de uniformização dos atos emanados dos órgãos administrativos que o
integram. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
243
, por exemplo, denomina
provimento o ato administrativo destinado a regulamentar, esclarecer ou
viabilizar a aplicação de disposições legais; portaria, para aplicar disposições
legais a casos concretos; ato executivo, para determinar providências
concernentes ao regime jurídico e à vida funcional do servidor da Justiça;
circular, para divulgação de normas ou instruções por via epistolar; aviso, para
divulgação de normas ou instruções mediante publicação no Diário Oficial;
ordem de serviço, para estabelecer providência de aplicação restrita ao
funcionamento do órgão. Pode ser que em outro tribunal de justiça haja a
utilização dos mesmos instrumentos (enquanto denominação), mas com
finalidades diversas das empregadas pelo TJRJ.
Sendo assim, é importante não tentar compreender o alcance e a
capacidade de cada ato administrativo normativo pela sua denominação, pelo
seu “rótulo”, pelo seu título. O que determina seus limites e possibilidades é se
ele decorre do poder regulamentar ou do poder normativo, conforme
examinado no item anterior.
Esclarecido isso, é importante ressaltar que a autonomia político-
administrativa que cada ente federativo goza contribui para esse quadro
confuso de várias espécies normativas administrativas com nomes variados e
funções semelhantes. Como não no Brasil um código nacional de direito
administrativo ou um acordo nacional de uniformização dos atos emanados da
Administração Pública brasileira, cada ente político formata seus próprios
modelos e fórmulas para a efetivação de atos.
No que toca à instrumentalização jurídica dos conselhos comunitários
de segurança no Rio de Janeiro, o quadro normativo infralegal estadual é
constituído dos seguintes diplomas:
a) Resolução da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de 248, de 30
de abril de 1999, dispõe sobre a ordenação sequencial das AISP
Áreas Integradas de Segurança Pública.
243
Ver art. 2o da Consolidação Normativa da Corregedoria-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
CNCGJERJ in http://www.tj.rj.gov.br/cgj/legis/cncgj.doc. Consulta feita em fevereiro de 2009.
177
b) Resolução SSP nº 263, de 27 de julho de 1999, alterada pela Resolução
SSP 607, de 24 de março de 2003 Define os coordenadores das
AISPs;
c) Resolução SSP 629, de 19 de maio de 2003 Revitaliza os CCS das
AISP.
d) Resolução SSP 781, de 8 de agosto de 2005, alterada pela
Resolução SESEG 78, de setembro de 2007. Regulamento dos
CCS;
e) Resolução SESEG 20, de 27 de fevereiro de 2007 Institui o Fórum
permanente dos CCS na região metropolitana.
Como se observa, no caso do Rio de Janeiro a normatização dos
conselhos comunitários de segurança se por Resolução exarada pelo
secretário estadual de segurança pública. Em função do que expusemos no
item anterior, resta saber se o instrumento resolução utilizado pelo secretário
exerce o papel de regulamentação ou de regulação normativa para sabermos,
do ponto de vista formal, qual a posição “topográfica” desses instrumentos na
pirâmide hierárquica normativa estadual e a correspondente força vinculante.
Considerando o fato de que a lei regulamentadora do parágrafo 2º do art
183 da CERJ/89 não foi editada, a normatização dos conselhos comunitários
de segurança tem-se dado a título de regulação e não de regulamentação.
Significa dizer que respeitado o grau hierárquico da autoridade que subscreve
o ato de resolução (secretário de segurança), seus subordinados (agentes
policiais) são obrigados a cumprir e fazer cumprir, inclusive baixando outras
normas administrativas de caráter ordinatório se necessário, as normas por ele
editadas sob pena de desobediência hierárquica.
Na eventual promulgação da citada lei, todas as resoluções que
contrastarem com a normatização legal superveniente serão automaticamente
consideradas revogadas e inválidas. O surgimento da lei provoca o fenômeno
jurídico da recepção
244
em razão do qual, por conta da compatibilidade material
244
No estudo da sucessão de leis no tempo, destacando a sucessão das constituições, surgem os temas: recepção,
repristinação e desconstitucionalização. No tocante à recepção trata-se de um expediente jurídico por meio do qual se
178
da norma administrativa precedente em relação ao conteúdo da lei
superveniente, ocorre a transmutação da natureza normativa do ato
administrativo que passa de regulatória para regulamentar, embora não
exarados pelo titular da pasta executiva.
Naquilo que a lei superveniente não dispuser de forma exaustiva e
esclarecedora sobre a normatização dos CCS, a autoridade administrativa
continua a dispor do poder normativo correspondente à sua investidura para
baixar o instrumento apropriado. Assim, o secretário de segurança, neste novo
cenário, não fica impedido da sua competência regulatória, mas é inequívoco
que a sua discricionariedade normativa fica bastante reduzida. Novos atos
administrativos normativos regulatórios podem ser editados segundo a
demanda de regulação do próprio serviço público operado por esta pasta
governamental, observada a sua adequação e não propriamente a sua
derivação para com a normatização superior.
Nesse compasso, a procedimentalização e o princípio da proximidade
autorizam a edição dos atos reguladores/regulatórios ajustando a ordem
normativa superior aos casos concretos e específicos, conferindo efetividade
ao sistema jurídico, isto porque o sistema jurídico não comporta uma noção de
cadeia hierárquica autista de comando e controle burocrático autoreferido.
Por outro lado, enquanto não editada a lei a que se refere o parágrafo 2º
do Art. 183 da CERJ/99 fica o administrador público subtraído do exercício do
seu poder regulamentar, por falta de objeto, mas não fica impedido de
administrar o interesse público da alçada de sua pasta governamental por meio
do seu poder normativo regulatório. Por isso, a despeito da ausência da lei e
desde que não ofenda a ordem político-jurídica criando direitos e obrigações
aos administrados, pode a Administração assumir compromissos com a
sociedade obrigando-se a si própria em questões compatíveis com a natureza
procura evitar o refazimento de todas as leis ordinárias, complementares e delegadas em função do surgimento de
nova Carta Constitucional. Assim, pelo fenômeno da recepção, a legislação infraconstitucional que se mostrar
compatível com os novos princípios e regras, sobretudo do ponto de vista material (substancial), consagrados na Lei
Maior serão recepcionados pelo novo ordenamento constitucional. As leis anteriores à nova Constituição que se
revelarem incompatíveis com o novo ordenamento são consideradas revogadas. Esse expediente reserva a produção
legislativa apenas para atender a necessidade atual de leis segundo o regime constitucional vigente. A respeito do
tema, ver CERQUEIRA, Marcelo. A constituição e o direito anterior: o fenômeno da recepção. Centro de
documentação e informação da mara dos deputados, 1995, p. 63-83. A título de um exemplo concreto consultar no
site do Supremo Tribunal federal a ADI74/RN, na qual funcionou como relator o Ministro Celso de Melo.
Julgamento ocorrido em 07/02/1992
179
do serviço público que opera e atribuindo responsabilidades a terceiros. É
nesse sentido que particularmente entendemos haver conteúdo jurídico no
termo “responsabilidade” gravado no caput do artigo 144 da CF/88.
As resoluções baixadas no âmbito do Estado do Rio de Janeiro
cumprem o papel de regular a criação e o funcionamento dos conselhos
comunitários de segurança sem estar, com isso, ofendendo a organização da
hierarquia normativa do ordenamento jurídico pátrio. Por meio desses
instrumentos normativos confere-se juridicidade aos compromissos firmados
pelos gestores da segurança pública e pelos representantes das comunidades
que integram o CCS local. Tendo em vista o seu conteúdo jurídico-
administrativo, as prerrogativas conferidas estatutária e regimentalmente aos
membros efetivos dos CCS no Rio de Janeiro demonstram existir
responsabilidades a serem cumpridas e respeitadas tanto pela Administração
Pública quanto pela comunidade.
A propósito do valor jurídico dos atos administrativos no sentido de dar
uma conformação de direito público ao instituto da responsabilidade distinto da
forma tradicional com que se compreende no campo do direito civil (shuld
que é o elemento da dívida em relação ao qual o sujeito passivo da relação
obrigacional está vinculado; haftung que indica a responsabilidade e se
constitui num instituto de natureza processual viabilizador da cobrança da
reparação pelo não cumprimento da obrigação)
245
, baseamos nosso argumento
na tese de Joaquim José Gomes Canotilho sobre regulática.
O ponto de partida da regulática é, tendencialmente, este:
as mudanças estruturais da sociedade tornam clara a
necessidade de o direito não ser considerado como
regulador heterônomo de relações sociais, mas como
instrumento de trabalho pra auto-regulação das relações
sociais. Conseqüentemente, o problema das fontes de
direito deve ter em consideração não apenas as questões
tradicionalmente ligadas às regulações legais, mas também
normações jurídicas de qualquer género, como, por
exemplo, contratos, sentenças, convenções coletivas, de
trabalho, normas privadas das empresas e de associações
(ex.: federações desportivas). Além disso, uma
compreensão moderna (rectius: pós-moderna) das fontes
de direito deve também responder às mudanças das
245
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações, Vol II. SP. Saraiva. 19ª ed, 1989, p.6.
180
estruturas sociais num sentido individualizante, e, por isso,
causadora de modelos de regulação flexíveis. (...)
Independentemente dos postulados teóricos e políticos da
regulática, é inegável que não existe um monopólio estatal
de normação constitucionalmente consagrado. Pelo
contrário: vários preceitos constitucionais apontam para a
necessidade de desconcentração e descentralização da
regulação jurídica (...) (CANOTILHO, 1993, pp.682 e 683)
Como a regulação representa uma atividade normativa administrativa
inerente à natureza de qualquer organização administrativa, apanágio também
encontrado na Administração Pública, entendemos que a falta da lei, embora
dificulte o reconhecimento da legalidade da participação popular na segurança
pública, não é fator impeditivo para o exercício do poder normativo com aptidão
para reconhecer e conferir validade jurídica aos conselhos comunitários. Os
poderes hierárquico e normativo, em conformidade com a investidura do
agente para a prática de atos ordinatórios, viabilizam a efetivação da instalação
regular desses colegiados locais. Pontue-se que além da justificativa de
conteúdo jurídico-administrativo ainda o amparo constitucional concernente
ao processo de democratização da gestão pública gravado na Constituição da
República, o que fundamenta com mais forte razão a validade e legalidade das
resoluções baixadas no âmbito do estado do Rio de Janeiro no sentido de
colocar em prática estes espaços públicos como mais um instrumento de
política pública na área da segurança.
6. Conclusão.
A despeito do comando constitucional normalmente ser seguido por
regramento legal, no caso do Rio de Janeiro, a falta da lei não impe que o
autoridades executivas, como o Secretário Estadual da Segurança Pública,
com base no poder regulatório que dispõem, exarem atos administrativos
destinados a colocar em prática a diretiva da participação social na segurança
pública.
181
Isso nos leva a concluir que autoridades administrativas de nível
hierárquico inferior ao Secretário Estadual de Segurança Pública, como, por
exemplo, um delegado de polícia ou um Sargento comandante de posto de
policiamento comunitário, possam instituir ou reconhecer, ainda que sob um
regime precário, o funcionamento de uma instância colegiada popular no
âmbito de sua circunscrição e estabelecer com ela uma relação dialógica de
cunho democrático em que se procure celebrar compromissos com base na
deliberação comunitária de prioridades e medidas para a Segurança Pública
local, sem que se ofenda, com essa postura, a ordem jurídica e institucional de
suas respectivas corporações policiais.
Essa prática vai ao encontro do que Muniz e Proença Jr. sustentam no
sentido de que “a democratização das práticas policiais é algo que pode
começar amanhã”, pois “seu início está ao alcance de qualquer executivo de
segurança pública num bairro, numa cidade ou num Estado sem que isto exija
qualquer mudança na legislação criminal ou na Constituição”. (ver item 4.2. do
Capítulo III)
Do ponto de vista sociopolítico, esse procedimento não estaria
amparado na lógica da própria dinâmica democrática como, do ponto de vista
estritamente jurídico, estaria plenamente ancorado no direito constitucional à
participação em assuntos de interesse público. Estas iniciativas, a despeito de
uma autorização normativa expressa que investisse formalmente o
escalonamento hierárquico dessa atribuição, se alinham ao entendimento da
constitucionalização da ordem jurídica, de modo a afastar qualquer suspeita de
infringência ao ordenamento jurídico ou aos princípios da hierarquia e da
disciplina, observados, é claro, os limites da própria competência funcional do
agente que viesse a editar o ato.
182
CAPÍTULO V
CONCLUSÃO
O fato inexistir regra constitucional expressa sobre participação popular
na Segurança Pública, associado ao fato de que existem hoje vários meios e
formas de colaboração social para a gestão pública da segurança, demonstra a
consistência de dois argumentos: primeiro, de que temas de interesse público
não se circunscrevem ao domínio das prescrições normativas legais, ou seja,
não constituem monopólio do Estado; segundo, que a sociedade, por meio de
múltiplos processos, engendra os mais variados instrumentos de atuação social
capazes de influenciar, efetivamente, a governabilidade estatal.
A experiência dos conselhos comunitários de segurança no Brasil é um
exemplo ilustrativo desses dois argumentos. Considerado o seu processo de
institucionalização a partir da cada de 1980, verifica-se que essas instâncias
de interação sociopolítica foram impulsionadas pelo espírito associativista,
normalmente de alcance restrito quanto aos seus integrantes e proposta,
chegando nos dias de hoje a ser apontadas como um dos pilares essenciais de
programas intergovernamentais de Segurança Pública.
A consciência de que a sociedade tem um papel de co-responsabilidade
no processo de construção da Segurança Pública está retratada no caput do
Art. 144 da Constituição Federal. No entanto, para que o papel da sociedade
seja efetivamente cumprido, algumas questões básicas precisam ser
claramente definidas, sob pena desse preceito constitucional ficar desprovido
de conteúdo e significado prático. A presente dissertação destacou duas
questões básicas, entre tantas outras.
Primeira questão: para que pactos sociopolíticos possam ser construídos
entre o Estado e a sociedade em torno da promoção da Segurança Pública,
pois afinal trata-se de uma “responsabilidade de todos”, é imperativo que essa
categoria seja compreendida de forma mais homogênea pelos representantes
do poder público e da sociedade. É necessário que os interlocutores do tema
183
dialoguem, instruídos por uma idéia minimamente comum sobre as
características e aspectos gerais do objeto posto em debate, sob pena de estar
visceralmente malograda a comunicação havida entre eles. Especialmente
quando a pretensão da interação dialógica é a construção de pactos sobre os
quais repousem direitos, deveres, obrigações e responsabilidades sobre um
bem que é de interesse coletivo.
O que se observa com frequencia, sobretudo no âmbito dos conselhos
comunitários, é que não um discernimento acerca dos sentidos amplo e
estrito da categoria Segurança Pública. A discussão, embora aberta a todos
que queiram sobre ela se manifestar, fica normalmente limitada ao foco penal e
policial do controle do crime e da violência. Curiosamente, contudo,
normalmente são demandadas medias que ultrapassam a competência das
agências governamentais de polícia, como, por exemplo: melhoria na
iluminação pública, na sinalização, no funcionamento de estabelecimentos
comerciais que servem bebidas alcoólicas ou que promovam bailes e festas
etc.
Portanto definir o objeto do pacto nos parece a primeira grande tarefa no
processo de democratização da Segurança Pública com cidadania e
responsabilidade.
O enfrentamento sincero, aberto e profundo dessa questão traz várias
conseqüências importantes. A principal delas consiste na compreensão do que
seja o mandato público, e particularmente o mandato policial. É da
compreensão do mandato público que se pode extrair, com maior precisão, as
competências, limites, possibilidades e responsabilidades de cada um dos
atores sociais interessados no pacto da Segurança. Consequentemente, a
discussão democrática do mandato público implica o reconhecimento da
capacidade regulatória da participação social sobre a gestão pública.
A segunda questão destacada neste trabalho diz respeito à necessidade
do reconhecimento de uma instrumentalidade jurídica que consistência
formal aos compromissos oficialmente assumidos pelos representantes do
poder público em interação com a sociedade.
184
Se a participação da sociedade é atualmente considerada como um
recurso indispensável ao aumento da eficiência governamental na gestão da
Segurança Pública, é fato que se estabelece entre o Estado e a sociedade um
campo de “negociação” de interesses, capacidades, prerrogativas e
investiduras que se tornam objeto de regulação. Portanto, da participação
social, como mecanismo democrático de socialização da produção da
Segurança Pública, surge um requisito indispensável à manutenção e
prosperidade da interação sociopolítica: conhecer, de forma transparente e
responsável, quais são as regras desse jogo social.
Essa preocupação se justifica, pois em se tratando de uma medida que
tem por escopo empoderar a sociedade em termos de influência e
responsabilidades ante a governabilidade Estatal, torna-se imprescindível que
a participação social o se torne mero expediente de legitimação dos atos
oficiais do Estado e sua atuação não se reduza a uma “funcionalização” das
pretensões dos agentes do poder constituído.
Centrando nosso foco na experiência dos conselhos comunitários de
segurança no Estado do Rio de Janeiro, verifica-se que a preocupação
fundamental da Resolução SSP 781/05 foi tornar claros os limites e
possibilidades da participação social na Segurança Pública sob a forma de
instâncias locais de interação sociopolítica. Portanto, naquele diploma
encontram-se as normas que, em seu conjunto, estabelecem o regime jurídico
na relação Estado/sociedade. Vale dizer, no bojo do regramento daquela
Resolução encontram-se disposições normativas sobre alcance espacial,
composição, processo eleitoral do corpo dirigente, dinâmica das reuniões,
prerrogativas, proibições, atribuições, deveres, responsabilidades e processo
disciplinar.
Vários aspectos de fundo democrático podem ser destacados na análise
desse ato normativo estadual, sobretudo no que se refere à sua capacidade de
garantir a liberdade de manifestação do pensamento, autonomia para
permanecer ou sair do colegiado, e especialmente estabelecer procedimentos
de discussão, encaminhamento, acompanhamento e avaliação de medidas que
sejam percebidas consensualmente como prioritárias ou fundamentais para a
localidade.
185
No entanto, o que se desejamos destacar neste capítulo de conclusão é
que a referida Resolução SSP 781/05 resulta de uma deliberação do
Secretário de Segurança Pública, certamente sensível ao processo de
democratização da gestão pública nos diversos setores da Administração
Estatal estadual.
Enquanto ato administrativo trata-se de uma manifestação de vontade
unilateral, derivada do poder hierárquico e normativo da Administração Pública
que, por meio de instrumento competente, cria obrigações no âmbito interno da
própria Administração, estabelecendo rotinas e práticas funcionais. Vale dizer,
o ato administrativo comporta uma função auto-regulatória da Administração.
Vale ressaltar que a referida Resolução SSP 781/05 foi editada a
despeito da inexistência da lei a que se refere o parágrafo do Art. 186 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Nesta atitude do Secretário Estadual
de Segurança Pública não está presente uma ousadia desrespeitosa ao
ordenamento constitucional estadual, ou mesmo federal. Ao contrário. Além de
ser um expediente fundamentado no poder de auto-tutela da Administração
Pública, que neste caso se alinha às diretivas de um governo democrático,
essa medida também encontra fundamento de validade no próprio princípio
democrático da gestão pública participativa.
Sendo assim, a tese esposada nesta dissertação é que se as
autoridades públicas podem editar atos administrativos que contribuam com a
consolidação do processo de democratização da gestão pública, então é
possível imaginar-se que, fruto da interação sociopolítica, a sociedade pode
exercer influência de natureza regulatória sobre a gestão pública por meio da
construção de pactos que levem as autoridades a assumirem o compromisso
de editarem atos administrativos, sobretudo normativos, que vinculem as
práticas e procedimentos internos dos órgãos e agentes públicos sujeitos à sua
eficácia.
Se tomarmos como correto o entendimento de que a democratização das
práticas policiais é algo que pode começar amanhã, pois ela diz respeito à relação
cotidiana entre cidadãos e policiais, logo “seu início está ao alcance de qualquer
executivo de segurança pública num bairro, numa cidade ou num Estado sem que isto
exija qualquer mudança na legislação criminal ou na Constituição”. (MUNIZ e
186
PROENÇA JR, 2006) Portanto, o potencial regulatório sociopolítico dos
conselhos comunitários de segurança pode se traduzir num exercício de auto-
regulação da Administração Pública na medida em que as autoridades
públicas, não importa o grau hierárquico, estejam conscientes de que a
participação social constitui direito subjetivo público enraizado no próprio
Estado democrático e, como tal, não deve e não pode ser obstaculizado,
especialmente sob o pretexto de respeito ortodoxo e injustificado ao Estado de
direito, vale dizer, só faz se estiver autorizado por lei.
É oportuno salientar, finalmente, que a grande conquista da Constituição
de 1988 não foi instaurar o Estado de direito, mas o Estado democrático.
Alinhado a esse pensamento, concluímos, por derradeiro, que cabe ao
Estado e à sociedade encontrar todos os mecanismos e formas possíveis de
manutenção e aprimoramento do processo democrático – que, diga-se de
passagem, ainda não se ultimou –, sobretudo nos setores da Administração
Pública que lidem com os chamados direitos sociais, inclusive a segurança,
motivo pelo qual sustentamos no presente trabalho o os conselhos
com,unitários de segurança como instrumento de participação democrática
dotado de potencial regulatório sobre a atividade governamental do Estado,
externado inclusive sob a forma de proposição de medidas a se converterem
em atos administrativos, circunstância esta que confere densidade jurídica ao
texto constitucional que alude à Segurança Pública como “responsabilidade” de
todos.
187
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http://www.mpdft.gov.br/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=820&Itemid=177
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