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falou então: Vem morar aqui, faz um barracão de pareia aqui”. fui e fiz, e
isso eu fiz foi assim, comecei com madeirite, até que aí eu comecei a
trabaiá. [...] (morador).
Nessa mesma audiência, outro fator que merece destaque se refere ao termo
invasão. Ao tratar da questão da permanência ou não dos moradores na área de
posse, o então presidente da Agehab (2003), entidade estatal, responsável pela
política de habitação em Goiás, utilizou grosseiramente os termos invasão
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e
ocupação irregular, na presença dos moradores dessa área presentes nessa
audiência, como se vê a seguir:
nós não aceitamos em momento algum, ocupação irregular, todas, todas,
na nossa gestão na área da habitação nós estamos devolvendo, pegando a
reintegração de posse, e uma vez decidido, é feito o congelamento da área,
ta certo? Eu tô removendo agora 1.300 famílias de uma ocupação, e vamos
remover, doa a quem doer, [...] inclusive com o apoio da própria imprensa,
umas semanas atrás foi [até] matéria principal de uma nota de capa de
revista, ação do governo. É feita uma avaliação detalhada de cada família,
se não preencher os critérios rígidos nós não atendemos, cerca de mais de
72% das famílias das últimas invasões não receberam moradia, pura e
simplesmente. O governo não é tolerante. Não é omisso. [Quase todas as
autoridades presentes confirmaram em voz alta. É verdade, ele não é
omisso]
32
.
Os argumentos das autoridades e, em particular, do presidente da Agehab
denota uma posição discriminatória dos representantes do Estado em relação aos
posseiros, o que demonstra violação dos direitos humanos e da função social da
terra
33
. As áreas vazias e existentes próximos da vila não foram sequer cogitadas
pelas autoridades para assentar as famílias. Porém, muitos moradores resistiram,
resistem e demonstram sua persistência em permanecer na área. Atualmente, pelo
que se pode observar, muitas famílias estão sendo gradativamente retiradas do local
pelo poder público municipal e levadas para outras áreas distantes, desarticulando o
convívio social, uma vez que as famílias estão sendo assentadas distantes umas
das outras, provocando ruptura social entre pessoas que mantinham convívio afetivo
31
Termo utilizado durante a audiência com o Ministério Público, dia 6 de março de 2003, quando as
autoridades se dirigiam aos moradores da área de posse da Vila Coronel Cosme. (Informações
obtidas de audiovisual VHS).
32
Discurso do presidente da Agehab, na audiência no Ministério Público dia 6 de março de 2003,
(Informações obtidas de áudiovisual VHS).
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A ferrovia que atendia somente a uma empresa, a Emegê, atualmente está desativada por decisão
judicial. A área de posse tem, de um lado, uma chácara pertencente à família Jaime Câmara,
proprietária do jornal O Popular e, de outro, aos herdeiros do fundador do Clube Regatas Jaó e à
Imobiliária Tropical, pertencem as áreas vazias. Essas áreas não são cogitadas para o assentamento
daquelas famílias.