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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
ALAILDE ANGÉLICA SANTOS DOS PASSOS
SEGREGAÇÃO DO ESPAÇO URBANO E LUTAS POR MORADIA:
UM OLHAR SOBRE A VILA CORONEL COSME EM GOIÂNIA-GO
Goiânia-GO
2009
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ALAILDE ANGÉLICA SANTOS DOS PASSOS
SEGREGAÇÃO DO ESPAÇO URBANO E LUTAS POR MORADIA:
UM OLHAR SOBRE A VILA CORONEL COSME EM GOIÂNIA-GO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Serviço
Social da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC-Goiás), como requisito parcial para a obtenção
do título de mestra em Serviço Social.
Orientadora: Professora Dra. Lúcia Maria Moraes.
Goiânia-GO
2009
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P289s Passos, Alailde Angélica Santos dos.
Segregação do espaço urbano e lutas por moradia : um olhar
sobre a Vila Coronel Cosme em Goiânia-GO/ Alailde Angélica
Santos dos Passos. – 2009.
116 f. : il., retrs.
Inclui bibliografia: p. 111-116
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica
de Goiás, Departamento de Serviço Social, 2009.
“Orientadora: Professora Dra. Lúcia Maria Moraes”.
1. Movimentos sociais urbanos. 2. Segregação urbana. 3.
Espaço urbano – segregação – Goiânia (GO). 4. Posseiros –
Vila Coronel Cosme – Goiânia (GO). 5. Moradia – lutas
sociais. I. Título.
CDU: 316.334.54(817.3)(043.3)
iii
FOLHA DE APROVAÇÃO
DISSERTAÇÃO de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação (Stricto Sensu) em
Serviço Social com defesa em 7 de dezembro de 2009 e avaliada pela banca
examinadora.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Orientadora Professora Doutora Lúcia Maria Moraes
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás)
___________________________________________________________________
Professora Doutora Regina Sueli de Sousa
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás)
___________________________________________________________________
Professor Doutor Ricardo Barbosa de Lima
Universidade Federal de Goiás (UFG)
iv
A meu pai Arlindo Rodrigues (in memorian), todo
amor e gratidão, sempre!... Pelo impulso, pelo largo
sorriso...
A minha mãe Lindaura, que mesmo por reclamar,
com razão, a minha ausência, soube entender
minhas opções pelo estudo.
A Ercílio, esposo, amigo e companheiro nas horas
doces e amargas que, com seu jeito especial,
sempre me deu o apoio necessário para vencer as
empreitadas da vida.
A minhas filhas Alacília, Alercy e Silvia; meu filho
Eduardo e meu neto Gerfferson por respeitarem e
compreenderem minhas ausências, apoiando e me
incentivando a estudar e a produzir conhecimento;
A toda minha família, minha terna e eterna gratidão!
Aos posseiros e às posseiras, pessoas humanas,
vitimadas pela injustiça social, que lutam por um
mundo melhor; minhas reverências...
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, simplesmente por tudo!
À Professora Doutora Lúcia Maria Moraes, minha orientadora, que nesses anos de
convivência, conduziu-me sabiamente nos diálogos, e, nas questões que envolvem
diferentes conceitos humanos e de sociedade, orientou-me e se empenhou ainda,
para que minhas idéias fossem reproduzidas.
À Professora Doutora Omari Ludovico Martins, com carinho especial, pela grande
educadora que representa para mim, e, também, pela amizade. Em síntese, por ser
luz na minha caminhada acadêmica, compartilhando comigo ideias, opiniões
convergentes e divergentes na lida com os saberes, desde o início até a conclusão
do curso de graduação, bem como pelo seu empenho para meu ingresso no curso
de mestrado.
Às professoras e professores do curso de mestrado, pela orientação na produção de
conhecimentos. De modo especial, à professora doutora Regina Sueli que, com seu
jeito singular, nos momentos mais difíceis, me incentivou a continuar...
Aos companheiros e às companheiras de sala de aula, de modo especial, à
Ciurinha, pelas palavras amigas nos momentos adversos, à Aparecida Teles, à
Tereza Cristina e à Ana Maria pelo apoio, incentivo e contribuições.
A outras pessoas que, direta ou indiretamente, foram de grande importância para
mim nesta e em outras conquistas.
vi
AGRADECIMENTO ESPECIAL
A partir de 2003, segundo período, data de minha inserção no campo de
estágio e extensão, no Programa de Direitos Humanos da Universidade Católica de
Goiás, atual PUC-Goiás, bem como nos últimos anos, não me faltaram dedicação
para observar, com sentimento de paixão, movimentos sociais e, em especial, a
realidade dos moradores da Vila Coronel Cosme, aos quais, agradecida pela
confiança que em mim depositaram ao me permitirem adentrar suas casas, ouvir
seus relatos, a vivência do dia a dia, seus desafios diários, proporcionaram-me um
conhecimento diferenciado da realidade. E, como agradecer significa mais que um
gesto de carinho, mas, reconhecer e registrar a trajetória percorrida e partilhada,
dedico este trabalho a essa população, a qual deveria ser vista como lutadora pela
sobrevivência, buscando ali, o seu espaço de morar, mas que enfrenta, no cotidiano,
a discriminação e a opressão de autoridades e pessoas que detém “o poder”, e que
se dizem donas daquele lugar.
vii
Sem luta não há progresso.
Aqueles que professam em favor da liberdade
E ainda depreciam a agitação,
São pessoas que querem ceifar sem arar a terra.
Eles querem chuvas sem trovão e raios.
Eles querem o oceano sem o terrível bramido de suas muitas águas.
Esta luta pode ser moral, ou física,
Ou ambas, moral e física, mas deve ser uma luta.
O poder não concede nada sem demanda.
Nunca concedeu e nunca concederá.
(Frederick Douglas, 1849, líder abolicionista norte-americano).
viii
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS..................................................................................................... ix
RESUMO.................................................................................................................... xi
ABSTRACT................................................................................................................xii
INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
CAPÍTULO I AS CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO URBANO E A QUESTÃO DA
MORADIA .................................................................................................................18
1.1 A urbanização no contexto histórico do século XX..............................................19
1.1.1 A influência da migração no desenvolvimento urbano ...............................21
1.2 A política de modernização e a segregação socioespacial .................................23
1.3 A urbanização da cidade de Goiânia...................................................................33
1.4 A ocupação da Vila Coronel Cosme e as questões sociais vivenciadas pelos
moradores .................................................................................................................38
CAPÍTULO II O ESTADO, A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A FUNÇÃO
SOCIAL DA TERRA .................................................................................................47
2.1 A função social da propriedade e o direito à posse da terra urbana ...................48
2.2 A busca pela democratização da terra no espaço urbano ..................................51
2.3 O Estado e a produção do espaço urbano..........................................................55
2.4 O déficit habitacional em Goiânia........................................................................61
CAPÍTULO III – MOBILIZAÇÕES POR MORADIA EM GOIÂNIA: ..........................65
3.1 Uma definição de movimento social....................................................................66
3.2 Movimentos sociais urbanos no contexto brasileiro do século XX ......................70
3.3 O movimento dos posseiros urbanos em Goiânia...............................................78
3.3.1 O Jardim Nova Esperança: marco da organização social por moradia
digna...........................................................................................................................83
CAPÍTULO IV ARTICULAÇÃO E MOBILIZAÇÃO DE LUTAS NA VILA
CORONEL COSME ..................................................................................................86
4.1 O impasse da área de risco e a discriminação social..........................................93
4.2 A Associação de Moradores e os desafios para a mobilização.........................103
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E OUTRAS FONTES ...................................111
ix
LISTA DE SIGLAS
ABC Paulista – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul
ABCD – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema
Abrahp – Associação Brasileira de Habitação Popular
Aeis – Áreas Especiais de Interesse Social
Agehab – Agência Goiana de Habitação
Ansur – Articulação Nacional do Solo Urbano
APG – Associação dos Posseiros Urbanos de Goiânia
Apug – Associação dos Posseiros Urbanos de Goiânia
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH – Banco Nacional de Habitação
Cang – Projeto Colônia Agrícola Nacional
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEF – Caixa Econômica Federal
Celg – Companhia de Energia Elétrica do Estado de Goiás
Cemei – Centro Municipal de Educação Infantil
CF – Constituição Federal
Cfess – Conselho Federal de Serviço Social
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa jurídica
Cohab – Companhias de Habitação
Comob – Companhia Municipal de Obras Públicas
Comunh – Conselho Municipal de Habitação de Goiânia
Conam – Confederação Nacional de Associações de Moradores
Concidades – Conselho Nacional das Cidades
Conclat – Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras
CUT – Central Única dos Trabalhadores
Fegip – Federação Goiana de Inquilinos e Posseiros
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMH – Fundo Municipal de Habitação
x
Fnhis – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Idetech – /Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano
Implam – Instituto de Planejamento do Município de Goiânia
MNLM – Movimento Nacional de Luta Pela Moradia
ONGs – Organizações Não Governamentais
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PDH – Projeto de Direitos Humanos na Educação e Assistência Social
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano,
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC-Goiás – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
RMG – Região Metropolitana de Goiânia
Rotam – Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Polícia Militar).
SABs – Sociedade de Amigos de Bairros
Saneago – Saneamento de Goiás
Seplam – Secretaria de Planejamento Municipal (Goiânia)
SFH – Sistema Financeiro da Habitação
Shis – Sistema Habitacional de Interesse Social
Sinduscon-SP – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo
Uemp – União Estadual por Moradia Popular
UFG – Universidade Federal de Goiás
UnB – Universidade de Brasília
UPU – União dos Posseiros Urbanos
USI – União dos Sindicatos Independentes
Zeis – Zona Especial de Interesse Social
xi
RESUMO
Após a segunda metade do século XX, os países latino-americanos, impactados por
um expansionismo industrial engendrado nas estratégias do capital, passaram a
sofrer as consequências do êxodo rural, da urbanização acelerada e da
suburbanização. Goiânia, cidade planejada marcada pela segregação urbana, não
escapou dessa conjuntura, apresentando um quadro de desigualdades sociais,
sobretudo, em face do crescimento desordenado do seu espaço. Esta dissertação
versa sobre problemática das contradições da urbanização e segregação na cidade
de Goiânia, tendo como objetivo refletir sobre as questões dos posseiros da Vila
Coronel Cosme que lutam pela permanência na área, pela reurbanização e pela
moradia digna. Para tanto, aborda antes as mobilizações populares em prol dos
direitos sociais no período em que o Brasil se consolidou como Estado democrático
no início dos anos 1980. De natureza teórica e empírica, a metodologia para a
elaboração desta dissertação embasou-se em produções sobre a temática, como
projetos e relatórios do Programa de Direitos Humanos, (PDH/PUC-Goiás), do
Departamento de Serviço Social, artigos, teses, dissertações, e, sobretudo, nas
fontes orais extraídas da monografia em Serviço Social e dos relatórios de campo
realizados pela pesquisadora, no período de 2003 segundo período, a 2005,
apresentando novas informações revistas e atualizadas sobre a problemática. Neste
trabalho, pretendeu-se, ainda, que as informações pudessem contribuir para
denunciar as condições impostas aos moradores da Vila Coronel Cosme pelo poder
público, tais como discriminação social, pressões psicológicas, ameaças de
despejos com danos psicológicos, físicos, morais e materiais.
Palavras-chave: urbanização, segregação, Estado, sociedade, ocupação, posse
urbana, movimentos sociais, direitos.
xii
ABSTRACT
In the middle of the twentieth century, Latin American countries, impacted by an
industrial expansionism engendered by the strategies of capital, began to suffer the
consequences of rural exodus, accelerated urbanization and suburbanization.
Goiânia, a planned city marked by urban segregation, could not avoid this situation,
above all in view of the disorganized growth of its space. This dissertation is about
the problems caused by the contradictions of urbanization and segregation in the city
of Goiânia. The object is to reflect on questions related to the squatters in Vila
Coronel Cosme, who have been struggling for the right to remain in the area, for re-
urbanization and for decent housing. To do this, the dissertation begins with the
popular mobilizations for social rights in the 1980s. Both theoretical and empirical,
the methodology used in writing this dissertation is based on research on the topic,
like the projects and reports of the Human Rights Project (PDH/PUC Goiás), from the
social services department, articles, theses, dissertations and, above all, oral
testimony extracted from the final course paper in social work and field reports by the
researcher, from the middle of 2003 to 2005, presenting new revised and updated
information on the topic. In this paper, it is also hoped that this information may help
to bring to light the conditions imposed on the residents of Vila Coronel Cosme by
government, such as social discrimination, psychological pressure, eviction threats,
with psychological, physical, moral and material damage.
Keywords: urbanization, segregation, the state, society, urban settlement, social
movements, rights.
INTRODUÇÃO
A problemática da urbanização das cidades latino-americanas tem chamado a
atenção de estudiosos de diversas áreas, pois o processo de expansão das cidades, a
partir das últimas décadas do século XX até os dias atuais, esteve atrelado à crise
econômica e às políticas recessivas, desde a década de 1980, bem como a novas
perspectivas sobre o padrão de urbanizão. Nesse contexto, é necessária uma
reflexão acerca da questão socioespacial, sobretudo, das grandes cidades, posto que
as estratégias de ajuste na estruturação do planejamento para o desenvolvimento das
áreas metropolitanas no cenário econômico, inteiramente desestabilizado, têm
agravado o quadro de desigualdades sociais.
O processo de ocupação de Goiânia-GO, inserido no Programa Marcha para o
Oeste, com a política de interiorização do governo de Getúlio Vargas na década de
1930, paralelo à expansão capitalista na região Centro-Oeste, como cidade planejada,
teve sua estruturão urbana marcada pela segregação espacial (MORAES, 2003).
Assim, essa reflexão é extremamente importante, pois possibilita a
compreensão da necessidade de reforma do espo urbano, fundamentada no
princípio de democratização do uso do solo urbano e gestão fortemente
regulamentada pelo poder público sem o privilégio de nenhum grupo, mas com
políticas públicas efetivas para minimizar a segregão espacial e a marginalizão
de populações. Diante da ordem econômica mundial, necessário se faz persistir na
luta pelo direito de todos e todas à cidadania, tornando as cidades mais humanizadas,
opondo-se às políticas neoliberais que submetem o Estado, às pretensões lucrativas
do sistema capitalista.
Diversos grupos da sociedade civil constituem-se em atores políticos, por
vezes, presentes no levantamento e discuso de questões de interesse geral na
busca de uma nova institucionalidade. Eles se aglutinam em espos na busca de
interlocução com o Estado, atribuindo-se papeis próprios de agentes do povo a
cidadãos oriundos de associações para confrontos, negociações e proposição de
linhas de respostas às suas necessidades.
A presente dissertação sobre a temática da relação direito-cidade-moradia é
fruto do desejo de prosseguir com as reflexões científicas sobre a queso da
moradia, tendo em vista a Vila Coronel Cosme, dando continuidade ao estudo iniciado
14
desde o início do curso da graduação em Serviço Social e durante a fase do estágio
no Programa de Direitos Humanos (PDH) da atual Ponticia Universidade Católica de
Goiás (PUC-Goiás) com as atividades desenvolvidas na localidade e, ainda,
influenciada pelas ideias das teorias de Gramsci. Prosseguindo com o mesmo objeto
pesquisado, que trata da questão da organização dos moradores da posse urbana da
Vila Coronel Cosme, na busca pelo direito de morar, novas reflexões sobre as
questões que envolvem os moradores dessa área de posse foram buscadas, tais
como a regularização da área e o direito de permanecer no espaço, trazendo
abordagens sobre as mobilizações populares em prol dos direitos sociais no período
em que o Brasil se consolidou como Estado democrático, rompendo com os ditames
da ditadura militar.
De acordo com a literatura inerente à temática, dentre muitos outros meios, os
movimentos de moradia reivindicam o direito de morar e de ser incluso, diante do
agravamento das questões sociais e das transgressões das normas urbanas, o que
motivou a abordagem de suas lutas como condição essencial de contribuir para as
mudanças na sociedade. Assim, alega-se primordial a compreensão das propostas
dos movimentos de posse urbana de Goiânia, com um olhar voltado à questão da Vila
Coronel Cosme, pois esse tipo de organização, quando bem articulada, permite
resgatar os direitos humanos daqueles que, sob a insustentável concentração de
renda e de miséria, necessitam lutar contra o poder do Estado, cujos interesses o
alheios àquela população.
Excluída de seus direitos, diante das questões que enfrenta, essa população
necessita assumir movimentos de caráter organizativo, com objetivos comuns, por
meio de manifestações e ações, para buscar, sobretudo, o direito à moradia, pois, no
espaço em que mora e partilha a vida com os familiares, adquire estabilidade e
constrói sua identidade.
Esses movimentos eões denotam um forte sentimento de apelo social.
Mostram que a exclusão do homem do campo os leva também à exclusão social na
cidade, o que os impulsionam à única escolha: a buscar espaço para morar nas áreas
mais íngremes, nas periferias da cidade, na tentativa de resolver a questão da
sobrevivência para si e para sua família, e de recuperar suas raízes, de construir a
sua própria história a exemplo da área Vila Coronel Cosme e de tantas outras em
Goiânia.
15
Com base nesses pressupostos, julga-se importante abordar as mobilizações
populares que buscam alternativas direcionadas à concretizão da justiça social,
especialmente, no que concerne à questão da moradia no Brasil apesar de que as
formas de lutas e reivindicações vêm sofrendo transformações.
A análise da realidade vivenciada pelos moradores da Vila Coronel Cosme,
bem como de sua tentativa de organizão em forma de associação na luta contra a
desocupação, compõem o estudo sobre a trajetória das mobilizações de moradores
que integram os movimentos sociais em Goiás. Ele demonstra a necessidade de
mudança de cultura, com o objetivo de direcionar a sociedade para a consciência
crítica, dando rumo aos seus objetivos, uma vez que a forma como estão organizadas
e direcionadas as lutas dificulta a busca de soluções e de direitos.
Nesse sentido, entende-se necessário refletir sobre a situação dos moradores
da Vila Coronel Cosme, posse urbana em Goiânia, desde a sua ocupação, e, em um
contexto maior, suas estratégias de articulão em prol da permanência e
reurbanização dessa área, situada na região Leste de Goiânia, de modo que se possa
vislumbrar a possibilidade de crescimento e fortalecimento da expressão coletiva
desses moradores na busca e defesa dos seus direitos. Ressalte-se, ainda, que, por
meio do problema estudado, busca-se compreender as razões econômicas, políticas,
sociais e culturais que impedem o caminho da mobilização dos moradores para a
regularização e reordenamento do espaço, das condições em que se deu e ainda se
essa forma de organização. Assim, esses fatores sugerem indagações sobre a
importância dos movimentos na luta em defesa dos direitos à moradia em Goiânia,
como garantia dos direitos humanos, no processo de urbanizão.
Tendo em vista as consequências da migração campo-cidade e as
contradições no espaço urbano, pretende-se demonstrar o posicionamento do poder
público em relação à população do espaço de que trata o estudo, ressaltando a
criação da associação de moradores como alternativa para o enfrentamento de seus
problemas, em especial, no que tange à permanência no local.
Com o intuito de aprimorar a pesquisa para o curso de mestrado, a partir de
meados de 2007, foram buscadas novas informações acerca da situação dos
moradores da Vila Coronel Cosme, tais como, observação do comportamento e das
suas relões cotidianas, acompanhamento de debates em seminário, reuniões,
visitas à sede de movimentos de moradia de Goiânia, além de nova revisão
bibliográfica.
16
De natureza teórica e empírica, a metodologia para a elaboração desta
dissertação embasou-se em produções sobre a temática, como projetos e relatórios
do Programa de Direitos Humanos, (PDH/PUC-Goiás), do Departamento de Serviço
Social, artigos, teses, dissertações, e, principalmente nas fontes orais extraídas da
monografia em Serviço Social e dos relatórios de campo da realizados pela
pesquisadora na época, com informações revistas e atualizadas na qual foram
apresentados resultados das entrevistas com moradores que residiam na época
(2003) havia mais de vinte anos, com ex-moradores de posses urbanas e militantes
dos movimentos dos invasores em Goiânia.
A história oral de vida dos moradores foi utilizada como forma de possibilitar a
inserção de elementos que, confrontados com as informações bibliográficas,
contribuiu para compor um contexto de inteiração com a realidade. O tema torna-se
rico quando o caminho da abordagem é feito pelo processo diversificado de
lembranças que ampliam o alcance de visões, opiniões e análises sobre o passado e
compreensão do presente, como alerta Montenegro (1994). Nesse sentido, conforme
Ludke e André (1986) o pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e
o papel objetivo de examinador, vinculando a assimilação da realidade e estudo à
percepção imediata e espontânea a própria vida cotidiana e a percepção objetiva
própria da investigão reflexiva.
Neste trabalho, pretendeu-se, ainda, que as informações pudessem contribuir
para assinalar as condições impostas aos moradores da Vila Coronel Cosme pelo
poder público, tais como, discriminação social, pressões psicológicas, ameaça de
despejos com danossicos, morais e materiais, com risco de morte.
Visando uma distribuição mais coerente do fluxo do contdo apresentado
optou-se por estruturar este trabalho em quatro capítulos. O primeiro aborda a
problemática do processo das contradições do espaço urbano de Goiânia,
influenciada pelas mudanças político-econômicas, a partir da segunda metade do
século XX, ou seja, no contexto da política de modernização na cidade e no campo,
impulsionando o êxodo rural, e tendo como consequências o crescimento
desordenado das cidades, a suburbanização e os sérios problemas de moradia,
decorrentes da política de segregão das cidades. Procura mostrar, em linhas gerais,
como se deu a ocupação de Goiânia, marcada pela segregação desde a década de
1930, no contexto de transformações mundiais, sob a influência do capitalismo,
marcando novas tendências no modelo econômico brasileiro, que mudou de
17
agroexportador para desenvolvimento industrial, provocando no campo social
sensíveis mudanças decorrentes, dentre outras, do processo migratório e da
expansão das cidades, apresentando, ainda, a ocupação da Vila Coronel Cosme
como decorncia das questões sociais.
O segundo capítulo versa sobre a função social da terra, como direito social
constitucional garantido, tendo como pressuposto a democratização da terra, fazendo
uma reflexão sobre o Estado e a produção do espaço urbano. Apresenta a criação do
Minisrio das Cidades em de janeiro de 2003, de acordo com a Lei 10.683, de
28 de maio de 2003 (Brasil, 2003), como resultado das lutas por uma política nacional
de desenvolvimento urbano, bem como o déficit habitacional como fator generalizador
das medidas efetivas de contenção das desigualdades sociais referentes à moradia.
O terceiro capítulo trata das mobilizações por moradia com ênfase à cidade de
Goiânia, os movimentos sociais urbanos no contexto brasileiro do século XX contra as
opressões do Estado não democtico e o capital especulativo imobiliário, que
excluem a população do processo de desenvolvimento político, econômico e social,
influenciado pelos paradigmas político-econômicos internacionais, que interferem
drasticamente na vida da populão do campo e das cidades, privilegiando uma
minoria e submetendo uma grande parcela à injustiça social. Aborda o movimento dos
posseiros urbanos e as lutas por moradia com a organização e estruturação do Jardim
Nova Esperança em Goiânia.
No quarto capítulo, faz-se uma reflexão acerca da articulação e mobilizão de
lutas na Vila Coronel Cosme, que se deu por meio da associão de moradores, bem
como das experiências da população no enfrentamento com instituições privadas, de
interesses na área, nos quais se pode perceber a discriminação sofrida pelos
moradores e, ainda, a morosidade da justa para decidir a respeito de seus direitos
de cidadania. Ressalte-se que, de modo geral, o propósito desse capítulo é abordar a
trajetória dos movimentos sociais, procurando mostrar a importância da organização
popular na luta contra a opressão do sistema estatal atrelado à ordem econômica
vigente. Nesse sentido, destaca-se o Movimento dos Posseiros Urbanos em Goiânia
que, para a população exclda, foi fundamental para sua organização na luta pela
moradia. Evidencia, ainda, a organizão política desses posseiros urbanos,
enfatizando a Vila Coronel Cosme e os desafios da sua luta diante das preses do
poder público pela reintegração de posse.
Por último, apresentam-se as considerações finais e as fontes consultadas.
CAPÍTULO I
AS CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO URBANO E A QUESTÃO DA MORADIA
A política de desenvolvimento urbano (Brasil, 2001/2002), de acordo com as
diretrizes fixadas em lei deve ser executada pelo poder público municipal, com o
objetivo de ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade com o objetivo
de garantir o bem-estar da população.
O planejamento urbano, pode servir como instrumento para implementar
propostas de movimentos sociais, entretanto, elas entram em contradição com as
necessidades estruturais do modo de produção, o que prejudicaria os interesses de
setores hegemônicos e, assim, não são implementadas.
Dessa forma, as articulações dos movimentos sociais de caráter
reivindicatório nas lutas contra os aspectos estruturais da sociedade capitalista,
deveriam ser enfrentadas como lutas revolucionárias, visando à transformação da
ordem vigente.
Assim, vão crescendo as cidades e as contradições, e os espaços se
configurando de acordo com o sistema capitalista, cujos interesses divergem dos
movimentos de parte da sociedade que luta pelos seus direitos, mas na qual
convivem interesses diferenciados, e para cada um deles, a cidade assume um
significado diferente. Dentre eles, os interesses dos proprietários de terras, dos
construtores, dos banqueiros e dos industriários para os quais a cidade significa
basicamente negócios, e os que buscam pela habitação para sua sobrevivência, nas
ocupações de forma espontânea e voluntária, que ocorrem desde a construção da
cidade de Goiânia, nas periferias da cidade. Aos poucos, esses grupos cresceram
tanto, que houve a necessidade de lideranças conscientes politicamente, para
articulação e busca ativa, nas lutas, pelo atendimento de suas demandas.
19
1.1 A urbanização no contexto histórico do século XX
O espaço urbano integra um conjunto de lugares, os quais individualmente
apresentam aspectos que muitas vezes são vistos apenas por um ângulo, “que têm
entre si relações contraditórias e de interdependência, vincula-se a uma
organização, a uma estrutura que lhe ordem”, e que segue a lógica da dinâmica
do movimento da sociedade (CAVALCANTI, 2007, p. 11).
Segundo Santos (2008, p. 49),
o espaço geográfico [como a cidade, nesse caso] possui uma forma, isto é,
uma organização que se pretende adequada ao funcionamento da
sociedade. As decisões para isso são econômicas na base, mas sempre
serão opções políticas. [...] É no âmbito do Estado que se estabelecem os
relacionamentos entre interesses divergentes que darão o conteúdo para as
formas espaciais.
No contexto contemporâneo das grandes e médias cidades do Brasil e do
mundo, a lógica predominantemente capitalista, como consequência do processo
histórico da humanidade, incide sobre a relação Estado-sociedade e, dependendo
do modo como se dá, interfere na construção do espaço, tornando-o lócus
intolerável, do ponto de vista social.
Caso se tente traçar parâmetros entre o processo de construção do espaço
urbano das cidades brasileiras e de outras latino-americanas, é possível perceber
realidades sociais que apresentam expressiva desigualdade e similaridade no
arranjo espacial, além de certas peculiaridades. Com efeito, é possível uma
percepção de semelhança dos aspectos quando dialeticamente relacionados à
natureza, à função, ao efeito, à aparência da estrutura urbanística, como expansão,
centralização/segregação, favelização com a decadência do habitat, dentre outros
Esses fatores sugerem a necessidade de um reordenamento do espaço
urbano, ao menos com o objetivo de conter a desordem e tentar resgatar a
dignidade da vida social, compreendendo em primeiro lugar que o desenvolvimento
deve ser pautado pelo controle de certos limites, mas, acima de tudo, pelas
inclusões de todos os diferentes sujeitos habitantes desse espaço em busca da
qualidade de vida.
Assim, considerando a realidade sócio-histórica, faz-se necessário abordar o
direito ao espaço na área urbana, analisando fatores que influenciam todas as
regiões do país, e se mostram permanentes e atuais, em razão da relação direta
20
entre moradia e o ser humano, na participação da construção do espaço urbano,
estabelecendo seu habitat como pressuposto fundamental do direito a exercer a
cidadania. A moradia denota características diferenciadas que evidenciam as
condições de seus ocupantes. Para algumas pessoas, ela expressa a realização de
sonhos, conforto, estabilidade, segurança e capacidade de poder organizar-se, mas
para muitos, a moradia significa a própria sobrevivência.
Para que se possam compreender as contradições do espaço urbano no
contexto atual, julga-se importante a análise de Ferreira (2005), que considera a
expansão capitalista das cidades do século XIX, ao discutir o significado dos termos
urbano e urbanidade
1
. Segundo o autor, no referido século, os termos urbano e
urbanidade da “cidade oitocentista significavam “expressões tendencialmente
sinônimas”. Para o autor, “um comportamento ‘urbano’ era aquele que correspondia
a uma atitude plena de ‘urbanidade’, ambos situados na esfera de uma
normatividade culturalmente aceita, ainda que numa base socialmente discriminada”
(p. 64).
Tendo como parâmetro a expansão das cidades no final do século XIX, o
processo de urbanização, a partir de meados do século XX, apresenta-se, do ponto
de vista sociocultural, como um espaço público, cuja urbanização se mantém
alicerçada nas bases político-ideológicas correspondentes ao interesse da
burguesia. Progressivamente, esse espaço vai se reafirmando independentemente
da dinâmica da sociedade. Pode-se afirmar que, na realidade do país, o processo de
crescimento e desenvolvimento estão alinhados ao sistema capitalista. Com efeito,
tal sistema manifestou-se por meio da organização socioespacial notadamente
marcada pela segregação. No entanto, no passado, não havia disputa acirradas
nesse espaço (FERREIRA, 2005), pois o território urbano era pré-estabelecido,
obviamente, privilegiando as classes abastadas. Houve então ruptura com esse
equilíbrio
2
urbano, e, consequentemente, ocorreu um desmantelamento da ordem
social, substituído e fixando gradualmente a ideia de cidade como mercadoria a ser
investida como mais valia.
1
“Urbanidade, (literalmente: qualidade do urbano), cuja, ‘reinvenção’ surge com a mesma urgência
que a da necessidade de agir no contexto da atual realidade urbana”, esclarece Ferreira (2005, p.
64),
2
Ferreira (2005) considera um equilíbrio socialmente dominado a urbanização no século XIX
centralizada nos interesses da sociedade burguesa, porém, não contestada explicitamente por outros
grupos sociais.
21
Portanto, como herança desse processo de conquista territorial do século XIX,
segundo Ferreira (2005, p. 65), o “crescimento econômico, expansão urbana e
segregação social” podem ser entendidos como elementos que sintetizam a cidade
no contexto do século XX. Assim, no que tange ao processo de urbanização,
interessa, pois, neste estudo, enfatizar o século XX como contexto para
compreensão do objeto sobre o qual se propõe refletir, cuja problemática está
relacionada justamente a esses três elementos também presentes na realidade do
processo de crescimento de Goiânia, inserido no contexto geral dos grandes
desafios da humanidade para o século XXI.
1.1.1 Influência da migração no desenvolvimento urbano
A segunda metade do século XX foi marcada por um intenso processo de
urbanização do Brasil e outros países da América Latina, evidenciando o
crescimento demográfico gradativo e constante nas cidades, em razão, sobretudo,
do êxodo rural, da grande mobilidade populacional e da construção do espaço
urbano. A urbanização representou uma ruptura com uma secular história humana,
em que grande parte da população do planeta era vinculada, exclusivamente, às
atividades agrícolas. No Brasil, o desenvolvimento dessas atividades centralizou-se
nas mãos das camadas rurais oligárquicas, tendo como aliados o capital industrial,
comercial e financeiro, alargando a perversa expansão da propriedade fundiária no
espaço rural.
É possível dizer que o processo de migração do campo para a cidade
ocorreu, dentre outros fatores, pela dificuldade de sobrevivência de muitas famílias
desestimuladas pelas condições naturais e, sobretudo, em virtude da falta de
programas de incentivo à permanência no campo ou pelas taxas cobradas que eram
incoerentes com a produção agrícola, o que provocou a expulsão dos trabalhadores
e trabalhadoras do campo para a cidade. Por outro lado, deu-se pela política
excludente de desenvolvimento agrícola, preconizada pelo modelo da agroindústria,
e ainda, pela concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos (latifúndio).
O efeito dessa expansão econômica fez que cidades latino-americanas, como
São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, dentre outras a princípio por deterem
franco processo de crescimento de seus parques industriais atraíssem mão de
obra livre como os trabalhadores do campo ansiosos por emprego e,
22
consequentemente, melhores condições de vida nas metrópoles. O antigo sistema
agrário perdurou a 1930, quando ocorreu o que Florestan Fernandes denomina
revolução burguesa (apud MARICATO, 2001).
Conforme Maricato (2001, p. 17),
o Estado passa então a investir decididamente em infra-estrutura para o
desenvolvimento industrial visando à substituição de importações. A
burguesia industrial assume a hegemonia política na sociedade sem que se
verificasse uma ruptura com os interesses hegemônicos estabelecidos.
Essa ambigüidade entre ruptura e continuidade, verificada em todos os
principais momentos de mudança na sociedade brasileira, marcará o
processo de urbanização com as raízes da sociedade colonial embora ele
ocorra em pleno século XX, quando formalmente o Brasil é uma República
independente.
Da ruptura com o poder coronelístico decorreu o processo de modernização
caracterizado pela busca de novas tecnologias, de crescimento e desenvolvimento,
atraindo ondas migratórias, desordenando as estruturas urbanas, impulsionando o
inchaço das cidades e, em decorrência, a marginalização, a pauperização e a
exclusão, tornando esse espaço suscetível de violência pelo caos instaurado. Diante
disso, em governos que se dizem democráticos, porém com muitos freios e opiniões
em maior escala, contrários a iniciativas que deveriam ser tomadas em defesa dos
direitos, especialmente para a sociedade excluída, as políticas não são de forma a
efetivar direitos, mas apenas mera minimização de necessidades básicas da
população (MORAES, 2003).
Assim fica evidente que, ao longo do tempo, os processos vão se constituindo
na cidade de Goiânia e suas transformações culminam no chamado
desenvolvimento que se configura para preservar a dependência e a subordinação
de grande parcela da sociedade, cujos desafios são os de buscar direitos.
Goiânia, capital planejada na década de 1930, para um médio contingente
populacional (MORAES, 2003), sofre fatores diversos, a exemplo de outras cidades
brasileiras, vivenciando o impacto social em virtude do crescimento rápido e
excessivo da população. Trata-se da explosão demográfica, um dos grandes
problemas globais do século XX, que teve como principal consequência a expulsão
do homem do campo.
Segundo Ribeiro (1999, p. 12), as metrópoles dos países que formam
a periferia do capitalismo desde a Segunda Guerra Mundial experimentaram
um intenso e sustentado processo de industrialização dinamizado pelo
23
movimento de internacionalização da economia e cuja característica
principal é a combinação de crescimento e aumento das desigualdades
sociais.
De acordo com Maricato (2001, p. 17),
considerando o universo das Américas, o Brasil apresentava dados de
grande porte desde o período colonial, mas é somente a partir da virada do
século XIX e das primeiras décadas do século XX, que o processo de
urbanização da sociedade começa realmente a se consolidar, impulsionada
pela emergência do trabalhador livre, a Proclamação da República e uma
indústria ainda incipiente que se desenrola na esteira das atividades ligadas
a cafeicultura e às necessidades básicas do mercado interno.
Assim, no continente americano, o crescimento demográfico constante nas
cidades tem culminado cada vez na expansão de cidades, transformando-as em
metrópoles que passam a atuar como cidades-regiões.
1.2 A política de modernização e a segregação socioespacial
O processo de industrialização e de expansão internacional do capital interno,
influenciado pelas duas grandes guerras mundiais, emergiu como um novo modelo
econômico que vigorou de 1945 até a metade da década de 1980, reorientando a
produção dos parques industriais brasileiros e de outros países latino-americanos
para o atendimento dos mercados internacionais, e, de certo modo, os produtos
invadiram, também, o mercado interno. Para Ribeiro (1999, p. 13), “a
industrialização e a urbanização dos países da América Latina foram capazes de
criar uma dinâmica social, marcada por forte mobilidade social”.
No Brasil, a partir dos anos de 1950, começou a surgir um debate “sobre as
possibilidades de formação de uma sociedade de classes, [...] sob a égide de uma
nova sensibilidade engendrada pelos impactos das primeiras transformações
econômicas e sociais suscitadas pelo início de nossa industrialização” (RIBEIRO,
1999, p. 12). Diversos estudos sobre o processo de urbanização brasileiro ressaltam
a influência do modelo de industrialização e desenvolvimento adotado pelos países
emergentes.
Ao que se sabe, o modelo adotado no Brasil e em outras nações latino-
americanas atribui a característica heterogênea e desequilibrada do modo como se
deu esse processo, tido como modernizador, a fatores que recriaram a exclusão
social e a segregação territorial, ou seja, infligindo uma realidade injusta a uma
24
enorme parcela da população.
Segundo Ferreira (2005, p. 66), nas décadas 1960, 1970, especialmente na
Europa, a cidade apresentava um perfil de forte contraste: “Esquematicamente,
poderíamos sintetizar como uma cidade dualizada: ocupação econômica e financeira
do centro e densificação cultural das periferias!” O autor menciona, ainda, o
crescimento e a especulação do setor imobiliário no Brasil, apoiados por uma
política de desenvolvimento habitacional no país desde 1964 e pautados na idéia de
reforma da arquitetura urbana. Contudo, a política de financiamento de habitação
não democratizou o acesso à moradia a famílias menos favorecidas
financeiramente, sequer o poder público e/ou as empresas privadas atinaram para
os agravos sociais ligados à questão, que ocorrem, paralelamente, ao atendimento
dos interesses de especuladores do setor imobiliário.
Nesse período, Maricato (2001, p. 21), realça que,
enquanto o crescimento econômico se manteve acelerado o modelo
funcionou, criando uma nova classe média urbana, mas mantendo grandes
contingentes sem acesso a direitos sociais e civis básicos: legislação
trabalhista, previdência social, moradia, entre outros.
Mais tarde, durante os anos 1980, conhecidos do ponto de vista econômico
como a cada perdida, a América Latina vivenciou a estagnação e a crise da
economia em razão da retração da produção industrial, que minou o crescimento,
incidindo, ainda, no Produto Interno Bruto (PIB), provocando o empobrecimento
urbano com transformações profundas na organização das metrópoles.
No Brasil, essa drástica conjuntura quebrou o processo de expansão
econômica visto como milagre econômico, provocando uma sucessão de problemas,
como desemprego e uma inflação exorbitante. A recessão que se seguiu nos anos
1980 e 1990, propiciou que as taxas de crescimento demográfico superassem as do
crescimento do PIB, fazendo que a sua evolução per capita fosse negativa na
década de 1980, que aumentou o universo de desigualdade social (MARICATO,
2001)
Conforme a análise de Maricato (2001, p. 20), nesse contexto
socioeconômico latino-americano, o gradativo crescimento do PIB brasileiro com
índice superior a 7% entre os anos de 1940 a 1980 aliás, um dos maiores do
mundo nesse período viabilizou uma riqueza concentrada, e, ainda, interferiu na
vida de toda a população, sobretudo, as que abandonaram o campo em busca de
25
novos horizontes na cidade.
Pode-se dizer que, nas cidades, nas décadas de 1980 e 1990, impelidas por
um crescimento econômico de base industrial notável, houve consequências
negativas no processo de expansão territorial dada a centralidade do emprego.
Posteriormente, elas sucumbiram às crises internacionais, que acentuaram não
os problemas sociais como moradia e outros. Do ponto de vista cultural, pode-se
dizer que a explosão demográfica contribuiu fortemente para a perda de identidade e
o processo de suburbanização, fenômenos históricos do século XX (FERREIRA,
2005).
Paula e Cavalcanti (2007), considerando que, embora as estatísticas de
crescimento das cidades brasileiras apresentassem nas décadas de 1980 e 1990
baixas taxas em comparação a outros tempos recentes, em virtude de diversos
fatores, incluindo o processo de descentralização de atividades econômicas, “não
significa que o espaço da cidade, sua área urbana, tenha crescido menos” (p. 12).
Nesse sentido,
alguns mecanismos da expansão da área urbana que tem
correspondência com o crescimento populacional, mas que extrapolam esse
fator, e obedecem à lógica de produzir do espaço urbano: a especulação, a
reserva de valor, a valorização de áreas, produção de periferias e de
centralidades, a criação de equipamentos sociais, de serviços, a abertura e
a ampliação de vias públicas e outros (p. 12).
Todas as circunstâncias apontadas por esses autores conspiram para que no
espaço urbano não sejam cumpridas suas funções, pois as relações sociais e
culturais deveriam manifestar-se, ainda que contraditórias. No entanto, elas se
desestabilizam no jogo de interesses de pequenos grupos, desarticulando o conjunto
de caracteres próprios e exclusivos, formadores da identidade de metrópole.
A respeito da questão da identidade e da suburbanização como produtos do
expansionismo territorial vislumbrado de forma não homogênea, desde o século XIX,
Ferreira (2005, p. 66) assim discorre:
Paradoxalmente, à medida que se intensificava aquela expansão urbana
mais a cidade ia perdendo a sua identidade, entendida como caracterização
da sua própria urbanidade, desde logo porque, em termos mais prosaicos,
ia perdendo a sua população originária e residente. Desse modo, a cidade
crescia sim, mas nos seus subúrbios. Em tal contexto, talvez se possa falar
de uma espécie de ‘cinismo’ urbano, na medida em que a cidade atuou
como foco de atração demográfica (lembremo-nos dos fortes movimentos
migratórios do “campo” para a cidade”) e simultaneamente como fator de
expulsão de uma parte dessa população (e também da anterior, entretanto
26
urbanamente socializada), levando-a a ocupar as diversas periferias das
respectivas cidades.
Esse mesmo fato tem ocorrido com maior intensidade a partir de meados do
século XX, sob o pretexto da modernidade. No final da década de 1980, um novo
paradigma econômico surgiu preconizado pela nova ordem econômica mundial: o
neoliberalismo. Os estudiosos atribuem a esse modelo econômico, cuja influência se
dá extremamente imperativa nas políticas dos países periféricos, a interferência
profunda nos padrões urbanos, orientando sua estrutura, seus aspectos
socioespaciais e, sobretudo, a dinâmica das relações humanas e o meio ambiente, o
que influencia o cotidiano da vida, a identidade de metrópole e em todas as regiões
do País.
Com a percepção do contexto atual, ou seja, no início do século XXI, no qual
se processa aceleradamente a mundialização econômica e o fortalecimento da
hegemonia capitalista, as cidades grandes, médias ou pequenas, o espaço urbano
vivencia um dinamismo singular na história. Com efeito, as alterações
socioeconômicas dessas novas e complexas macrorrealidades provocam impactos
nos padrões de urbanização, tornando evidente a apropriação da terra pelo setor
imobiliário que utiliza o capital financeiro internacional.
Na sociedade capitalista, é lugar-comum o entendimento de que os
problemas gerados nas cidades são ocasionados pela concentração populacional, o
que denota não ser possível ter qualidade de vida social e meio ambiente
preservado, em locais em que muita aglomeração de pessoas. Todavia, caso se
encare a historicidade social, por exemplo, percebe-se que o problema não está
somente no crescimento urbano, mas sim, no processo de sua formação, ou seja,
como se produzem e se reproduzem, respectivamente, o espaço rural e o espaço
urbano essencialmente desigual.
Vale destacar que a democracia, que possibilitou aos cidadãos urbanos na
Idade Média libertarem-se do domínio senhorial, revolucionando as cidades
européias, tem possibilitado até o contexto atual uma nova percepção sobre as
relações de produção. Os homens e mulheres, nesse contexto histórico da
humanidade, desvincularam-se das relações de dominação pessoal que marcou o
feudalismo período histórico no qual os camponeses eram fortemente vinculados
ao proprietário da terra, sendo “essa sociedade caracterizada pela segregação dos
homens em estratos sociais hierarquizados” (RIBEIRO, 2005, p. 45). No entanto, na
27
sociedade atual ainda persiste o caráter dominante quando se trata das relações
entre proprietários e trabalhadores da terra, até mesmo com resquícios do sistema
feudal. Do mesmo modo, essa relação é reproduzida nas cidades pela forma como a
burguesia urbana trata muitos trabalhadores, sobretudo no que diz respeito à
propriedade territorial urbana.
Assim, na cidade, a emancipação material e moral segundo o modo de
organização social e político feudal, fundamentado nas relações servocontratuais
(servis) propicia uma nova ordem social, “associada à emergência do mercado e dos
direitos considerados naturais da condição humana: Direitos à liberdade, à
propriedade, à segurança e direito de resistência à opressão” (RIBEIRO, 2005, p.
45).
O espaço urbano, com base na análise da trajetória histórica, apresenta-se
como a expressão das mais diferentes contradições, o que justifica a sucessão das
lutas e organizações em prol dos direitos de o cidadão exercer a cidadania e,
portanto, de viver dignamente na cidade. Propositalmente, as palavras cidade,
cidadão e cidadania foram destacadas como forma de reflexão, conforme a análise
de Ribeiro (2005) acerca da relação ser humano e cidade.
Para o autor, com o desenrolar da história, essas palavras foram adquirindo o
mesmo sentido, de modo que podem ser identificados três momentos dessa
evolução.
No primeiro momento, na Antiguidade Clássica, cidadania relacionava-se de
acordo com Ribeiro (2005, p. 45), à “condição de civitas pela qual os homens,
vivendo em aglomerados urbanos, contraem relações fundadas em direitos e
deveres mutuamente respeitados”. Depois, “à condição de civitas somou-se a de
polis, ou seja, o direito de os moradores das cidades participarem nos negócios
públicos”
Ainda, segundo Ribeiro (2005, p. 45),
no século XIX. a condição de cidadania é expandida com a inclusão de
direitos de proteção do morador da cidade contra o arbítrio do Estado. No
final do século XIX e no começo do século XX, a condição de cidadão passa
também a expressar os direitos relacionados à proteção sociais inicialmente
relacionados aos riscos do trabalho assalariado (desemprego, acidente do
trabalho etc.) e posteriormente estendidos à própria condição de cidadão.
Em segundo momento, no sentido moderno, para Ribeiro (2005), o termo
28
cidadania focalizava o democrático o liberal e o social, utilizando-se, portanto,
respectivamente, os termos polis civitas e societas. “Esse último foco tem a ver com
a descoberta de que civitas e polis somente poderiam existir com o mínimo de
justiça social. Podemos, então, imaginar uma sequência: cidadania cívica, cidadania
política e cidadania social”, afirma o autor.
Finalmente, no terceiro momento, o termo cidadania, para esse autor, em
sentido histórico, relaciona-se com a “descoberta do social” caracterizando “o
momento em que a sociedade toma consciência da ameaça de destruição que
representava o livre jogo do mercado”, bem como o momento oportuno para
universalização da “condição do trabalho assalariado como pressuposto da
industrialização capitalista”, e foi criado “um sistema de proteção social ligado ao
salariat, pelo qual o capital impõe a subordinação real do trabalho” (RIBEIRO, 2005,
p. 45).
Baseando-se nos pressupostos históricos, anteriormente considerados,
percebe-se que o processo de urbanização está intrinsecamente relacionado à
construção de uma sociedade notadamente contraditória.
As disputas acirradas em prol da expansão e conquista dos territórios em
todos os sentidos, entre colonizadores e colonizados, entre burgueses e
trabalhadores, levaram ao estágio em que se encontra a sociedade atual, sobretudo,
as que se organizam nos espaços urbanizados, revelando o retrato da espoliação
urbana, cujo processo vai se agravando cada vez mais.
Nas grandes cidades brasileiras, a exemplo de Goiânia, a prevalência dos
clássicos mecanismos de acumulação urbana provocam crescentes desigualdades
sociais, em detrimento do processo de ocupação do solo, justificado, por outro lado,
pela apropriação especulativa da renda da produção urbana. Assim, poucos se
privilegiam do bem-estar social e da riqueza acumulada proveniente de um
patrimônio imobiliário de notável valor (RIBEIRO, 2005). Simultaneamente, parcela
significativa da população formada por trabalhadores e outros grupos socialmente
menosprezados e sem a proteção do Estado, refugiam-se nos lugares mais
insalubres da cidade.
De acordo com Ribeiro (2005, p. 48),
a carência habitacional es no centro do nosso problema urbano, na
medida em que, em razão da exclusão de grande parte da população do
mercado imobiliário formal, a 'solução' do chamado déficit habitacional tem
29
sido a inserção marginal na cidade. Prevalece a lógica perversa, produtora
da maior parte dos chamados problemas urbanos: quem está fora do
mercado somente tem acesso à moradia à margem da cidade! A nossa
urbanização, em conseqüência, é caracterizada pelo permanente e
crescente descompasso entre o lento crescimento das cidades e a veloz
expansão das suas margens. A urbanização expressa, assim, mais
fortemente o processo de desruralização da sociedade do que a
generalização da forma urbana de vida [...]
.
Para Moraes (2003) a cidade aparece como vilã, que, em sua paisagem
urbana, é evidente a expressiva desigualdade social e, ainda, os preocupantes
dados estatísticos divulgados segundo os quais uma grande porcentagem da
população de países periféricos, vive em favelas. Contudo, vale ressaltar que, em
países centrais, os dados da miséria urbana apresentam indicadores de uma
realidade social também problemática e uma crescente violência.
Para Chauí (2005), a pobreza incomoda tanto que muitos relacionam a
criminalidade aos pobres, aos negros, aos sem-teto, aos que não querem e que não
gostam de trabalhar, aos sem-terra. É evidente, portanto, que tal condição
(des)humana reproduz pré-noções que continuam disseminadas no seio da
sociedade, as quais, para muitos, são tomadas e reproduzidas como verdadeiras.
O Estado, com todo seu aparato, atribuindo sua intervenção ao
restabelecimento da ordem na sociedade, por meio do poder de polícia, fixa
tolerância zero às formas de violência e de criminalidade. Nesse sentido, demonstra
incapacidade de suprir as demandas sociais, como se, pelo menos, parte da
sociedade não soubesse de seu nculo ao modelo econômico neoliberal, ditador
das regras, que o submete à condição mínima para garantir as necessidades
sociais: educação, saúde, emprego, moradia e segurança para a população,
especialmente para os jovens, como a política do Estado de Bem-Estar Social
(Welfare State).
De acordo com Cardoso (1982, p. 30), o Estado, como representante do
interesse da nação, torna-se contraditório ao reconhecer o valor e a capacidade da
população, provando ser necessária sua participação no desenvolvimento em prol
da nação e de todos os brasileiros e brasileiras, o que faz parecer, ainda, que cada
um, cada uma e o todo se sintam participantes e responsáveis por aquilo de que, na
realidade, não participam, sobre o qual não decidem e, tampouco, dele se
beneficiam.
Assim, para Cardoso (1982, p. 30),
30
o desenvolvimento do capital, sob o titulo de desenvolvimento nacional,
ideologicamente prega [o] sacrifício de determinada faixa da população, na
expectativa [...] [de] concentração de riqueza ou renda, para depois repartir
sob a égide da justiça social.
De acordo com Chauí (2005), com a população desempregada, sem o
mínimo de seguridade social, com o sucateamento da educação, falta de moradia,
muitos percebem que os ricos se tornam mais ricos, ao passo que os pobres se
tornam mais pobres, sem contar os que vivem abaixo da linha da pobreza.
Os resultados desse desenvolvimento, de forma inversa ao que se divulga,
distanciam, cada vez mais, pobres e ricos, sempre em favor de ricos, em detrimento
da maioria, que necessita se organizar em movimentos para buscar seus direitos.
Em relação ao contrastante quadro de desigualdade das cidades que
crescem com soberba modernidade, Ribeiro (2005, p. 48) propõe uma reflexão:
como podemos chamar isso de urbanização, quando o crescimento das
nossas cidades se realiza, centralmente, pelo aumento do número de mora-
dias que não atendem aos padrões mínimos de habitabilidade responsáveis
pela vida em aglomerados urbanos?
Sabe-se que a distribuição desse espaço urbano depende da renda, do poder
aquisitivo. Alguns moram em áreas com todos os privilégios, infraestrutura e
serviços. Outros moram em locais sem as mínimas condições de sobrevivência.
Vivem em meio a muita poeira/lama e, por vezes, em lugares quase inacessíveis.
Existem casos de um grande número de pessoas que se deslocam diariamente
quilômetros de distância, utilizando transporte de péssima qualidade.
Mesmo diante dessa conjuntura social, o Estado, segundo Maricato (2001),
não faz projeções para o espaço urbano aleatoriamente. Evidentemente, os
interesses envolvidos no parcelamento e no zoneamento do solo são os mais
diversos, o que resulta em situação constante de conflitos. Se o Estado planeja a
cidade, dotando-a de infraestrutura e regulando o uso do solo, os limites desse
planejamento são, sobretudo, políticos, que se trata de planejar para alguém, não
se trata de planejar para o todo.
Para Moraes (2003), do ponto de vista regional, toda a riqueza encontra-se
concentrada, o que significa que somente algumas das regiões e das suas elites
foram e ainda são os privilegiados nesse processo que carece, com urgência, de um
(re)planejamento da urbanização do espaço conscientemente humanizado. Portanto,
31
cabe a indagação: como pensar em desenvolvimento regional promovido pelo
Estado, cujas características econômicas denota privilégios às grandes propriedades
e ao mercado externo?
Em uma perspectiva de ação menos vertical e mais horizontal, o Estado
precisa assumir o seu papel no reordenamento do território, porém com um novo
paradigma pautado na participação democrática. Com base em reflexões e
discussões com os sujeitos envolvidos nas demandas, julga-se necessária a busca
de soluções viáveis com toda a sociedade para as questões socioespaciais. O
Estado, no seu papel de gerenciador dos recursos advindos da população o qual
deveria se constituir como promotor de cidadania mostra-se ineficiente no
atendimento às demandas sociais, sobretudo quanto aos direitos fundamentais
proclamados na Constituição Federal de 1988, pois influenciado pela política
econômica globalizada, preconizadora do consumo, segundo a qual a habitação se
torna mercadoria geradora de lucros exorbitantes para alguns grupos.
Moraes (2003) enfatiza a necessidade de diferenciar o que se torna
apropriação para fins acumulativos ou especulativos, e a que se apresenta na
realidade local, conforme sua função social, como princípio constitucional, em razão
do direito social à moradia, que se contrapõe ao anseio exacerbado pelo lucro.
De acordo com Santos (2008, p. 120),
as diferentes formas de desapropriação do espaço urbano, respondendo
no caso da população mais pobre às suas necessidades imediatas de
sobrevivência são, na perspectiva do capital, respostas às necessidades de
reprodução da força de trabalho.
Assim, grande parcela da sociedade busca encontrar seus próprios meios
para a aquisição da moradia, uma necessidade de inserção no espaço da cidade, ou
ainda, de identificar-se como cidadão em seu local e endereço de domicílio, na
cidade em que vive (MORAES, 2003). Aliás, como é apontado por Santos (2008, p.
120), “quem consegue pagar pela moradia em áreas mais periféricas te de se
organizar e lutar para conseguir infraestrutura e serviços. Normalmente trata-se de
quem foi morar em loteamentos populares desprovidos de tudo”.
Parece evidente, segundo Moraes (2003), que a situação fática da questão da
propriedade em seu sentido individualista continua forte no contexto neoliberal,
promovida por uma ordem econômica que privilegia a propriedade em seu sentido
especulativo e de acumulação do lucro. Não há interesse em torná-la comunitária,
32
como direito social inscrito na Constituição Federal (Brasil, 1988), reconhecida como
Carta cidadã. Cabe ressaltar que, nesse contexto, a moradia deveria se constituir
em elemento de base, visto que sua relação é ligada diretamente à necessidade
natural de abrigo e lugar de descanso, bem como de base física para todas as
necessidades materiais, incluindo a de reproduzir a força de trabalho. Entretanto,
constata-se na realidade o surgimento de loteamentos irregulares como
consequência direta da apropriação do espaço imobiliário, para atender a interesses
econômicos de pequenos grupos.
Para Ianni (2004), o contexto neoliberal que impera na sociedade brasileira
está interligado a todos os acontecimentos, às correlações de forças, não devendo,
portanto, ser considerado pano de fundo. Ao contrário, deve sim, ser o conteúdo, a
base das discussões, das reflexões e das deliberações,
No entanto, percebe-se que pouco diálogo entre Estado e sociedade. O
fato é que o Estado busca imprimir a submissão aos interlocutores de suas próprias
concepções, as quais se refletem negativamente e ainda são reproduzidas no
cotidiano da sociedade.
O mecanismo dessas relações é o da concentração de rendas, pois o Brasil,
conforme Ivanete Boschetti, está entre os doze países produtores social de riquezas,
porém, com arrecadação regressiva e a redistribuição de renda, não suficiente para
minimizar as questões vivenciadas pelas classes mais vulneráveis.
3
Dessa forma, o contexto político-econômico brasileiro, ao longo do processo
histórico do país, vem provocando o agravamento das questões sociais nas mais
diversas modalidades, (re)produzindo violências
4
e sofrimentos.
De acordo com Souza (2004, p. 3), “a ausência de moradia é uma das
contradições sociais engendradas no bojo do modo de produção capitalista”. A
demanda por moradia no espaço urbano brasileiro tornou-se acirrada a partir dos
anos 1940 e, atualmente, constitui “um dos aspectos da luta organizada pelos
movimentos populares urbanos.” Assim, pode-se dizer que, na sua dinâmica social,
repleta de contradições, os acontecimentos e as questões sociais nas cidades têm
demandado para os militantes de movimentos sociais urbanos, desafios
gigantescos, com o objetivo de contribuir para a construção de uma nova realidade,
3
Extraído da Conferência proferida na Semana do Assistente Social em 13 de maio de 2008 no
auditório da área IV, da PUC-Goiás.
4
Neste trabalho, entende-se por violências (no plural), já que se reproduz tanto a violência física,
quanto a moral e a psicológica.
33
com o objetivo de contribuir para minimizar as desigualdades sociais e outras que se
escondem sob as diversidades, tema que será melhor refletido no terceiro capítulo.
1.3 A urbanização da cidade de Goiânia
Com a abordagem da urbanização no contexto histórico do século XX, o início
da ocupação de Goiânia teve seu marco com a mudança da capital do estado, da
cidade de Goiás para Goiânia, quando o capitalismo superava uma de suas crises
cíclicas: a Grande Depressão
5
de 1929-1933.
Em sua análise sobre a urbanização de Brasília, Palmas e Tocantins, Moraes
(2001, p. 166) discute o “urbanismo periférico”, marcando o contraste com a
paisagem, bem como “a produção urbana das cidades-capitais”, cuja construção
pressupõe “a ideologia do planejamento moderno.” Em relação à Goiânia, segundo
Chaul (1997, p. 21), sua construção “é apontada como um marco da ruptura do
presente com o passado”, ou seja, o rompimento de um “Goiás do passado e do
Goiás dos novos tempos que se anunciaram no pós-30, tornando-se palco da
mesclagem campo e cidade, urbano e rural” (p. 22).
De acordo com Moysés (2004), Goiânia teve seu planejamento urbano
elaborado em 1935, quando havia a decisão de mudança da capital. Essa
transferência e, com ela, a sua ocupação socioespacial inscreveu-se, segundo o
autor, em um contexto em que se discutia nos centros mais dinâmicos do País, Rio
de Janeiro e São Paulo, a importância dessa medida para a vida econômica do país.
Na história dessa metrópole, encontra-se uma velha prática ocorrida no início
da colonização do Brasil. O interventor do estado de Goiás lançou mão de doações
de terras para povoar a nova capital, o que se pode confirmar no depoimento
6
de um
dos moradores
7
da posse urbana da Vila Coronel Cosme, ao relatar o início da
ocupação daquela área:
5
Hobsbawm (2002, p. 94) assinala que a crise de 1929, considerada “a Grande Depressão” provocou
uma expressiva baixa no fluxo do capital internacional, registrando uma queda nos empréstimos de
90%: “O poder dos trabalhadores foi minado o desemprego britânico depois disso não mais caiu
abaixo de 10%, e os sindicatos perderam metade de seus membros nos doze anos seguintes com
a balança mais uma vez a pender para o lado dos patrões, mas a prosperidade continuou fugidia”,
afirma o autor.
6
As entrevistas foram realizadas nos anos de 2003 a 2005 e constam da monografia de Alailde
Angélica Santos dos Passos. A organização dos moradores de uma posse urbana em Goiânia: a Vila
Coronel Cosme.
7
Trata-se de um dos moradores mais idosos da área.
34
Desde 1930 foi falado pra fazer a nova capital em Goiânia, por Getúlio
Vargas e Pedro Ludovico Teixeira doido pra ver Goiânia crescer, doou a
área, pra um Coronel chamado Cosme. Ele tinha uma cerâmica muito
grande em Pires do Rio. Ele veio pra ajudar a construir Goiânia, com o
incentivo de ganhar aqui uma extensa área, que ele deu o seu próprio
nome: Vila Coronel Cosme (Manoelinor
8
).
Segundo Chaves (1985), para analisar o processo de ocupação de Goiânia,
faz-se necessário considerá-la em duas dimensões que, apesar de separadas, se
articulam entre si e são construídas por atores diferentes, que, porém, de forma
simultânea, compõem o seu todo. Assim, ao passo que apresenta a cidade
planejada, a outra representa a invadida, o que mostra, de um lado, a beleza de uma
cidade que nasce e cresce no coração do país e, de outro, sua face segregada, que
vai sendo desenhada por aqueles trabalhadores que lutam para sobreviver em uma
realidade na qual eles o os sujeitos desconhecidos da construção desse
progresso.
Dessa dualidade da urbanização goianiense, pode-se dizer que os chamados
invasores, termo utilizado por uma parcela considerável de autores e da sociedade,
para discriminar aqueles que se inserem no espaço de modo dito irregular, no
entanto, representam a face objetiva e subjetiva da negação dos direitos humanos,
do não atendimento às suas necessidades para uma condição digna de vida, como
garante a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).
Conforme Chaves (1985), esse acontecimento é corroborado, de um lado,
pelo Estado capitalista "que planeja, desapropria, constrói e designa
diferencialmente espaços urbanos para as diferentes classes” (p. viii), e do outro,
pelos trabalhadores que foram transformados em mercadoria.
Para a autora, as ocupações que se desenvolvem com a cidade planejada
são espaços nos quais se constrói uma atribuição social, e “a essa atribuição inclui
uma indicação espacial e de uma identidade social para as camadas trabalhadoras
que nelas passam a viver” (p. viii). Assim, o espaço das ocupações explicita o
cotidiano da exclusão social expresso, tanto no aspecto objetivo quanto no subjetivo.
Na dimensão material, estão presentes as suas lutas pela construção e defesa do
espaço de morar, ao passo que, na dimensão social, a identidade atribuída ao
trabalhador é a de invasor, maloqueiro e outros.
8
Os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios, com o objetivo de preservar identidades.
35
Estevam (2004) aponta o descaso do Estado em relação a questões
presentes no processo da construção de Goiânia, tais como: ausência de projetos
de habitação, de saúde, de educação, assistência social, dentre outros, para a
população de pouca ou nenhuma renda. Ele destaca que a falta de política de
habitação contribuiu, de forma decisiva, para o surgimento das ocupações tanto em
áreas privadas quanto em blicas. Nessas últimas, ressaltam-se, dentre outras, a
Vila Operária e a Macambira.
A princípio, segundo Moraes (2003), as ocupações na cidade de Goiânia
apresentavam-se discretas e pequenas em áreas de terras e em número de famílias.
Essa movimentação constituiu-se em um processo presente na vida da cidade
desde o início de sua construção. Aos poucos, elas foram se multiplicando em vários
locais, o que motivou reação de elites e, consequentemente, do governo estadual.
Essas discussões enfatizavam que a sua viabilidade somente seria garantida
com a intervenção do Estado, melhor dizendo, se o Estado fosse o agente
responsável por sua construção. Assim, a estruturação urbana goianiense inseriu
também no contexto da Marcha para o Oeste. Aliás, conforme Moysés (2004, p.
131), Goiânia nasceu com a marca do planejamento e como parte do “movimento
nacionalista de integração da Marcha para o Oeste”.
É importante lembrar que a Marcha para o Oeste foi um começo para
formulação de políticas governamentais para ocupação do interior do país, após
1930, colocado em prática pelo governo Vargas. Tratava-se ao mesmo tempo de
uma política de ocupação dos vazios geográficos no interior do Brasil e um
instrumento para direcionar as migrações e movimentos populacionais.
Conforme explicita um documento do governo estadual, (2004, p. 9),
nessa época aconteceram várias e importantes intervenções no Estado
como a criação da Fundação Brasil Central, sediada em Caiapônia e
Aragarças, o apoio para a construção de Goiânia, a extensão dos trilhos da
ferrovia até Anápolis (1935) e a execução do projeto Colônia Agrícola
Nacional CANG, em Ceres (1942). Essas ações, juntamente com o
começo de abertura de algumas estradas, abriram todo o Meio-Norte de
Goiás à colonização moderna, atraindo, para a região, milhares de famílias
vindas de todos os lugares, sobretudo de Minas Gerais e do Nordeste
brasileiro. Assim, foram abertas as terras de vários municípios, que
começaram a ser colonizados ao longo dos anos 1940.
Segundo Moysés (2004), a mudança da capital do estado de Goiás era uma
necessidade anterior ao governo de Pedro Ludovico. No entanto, ele foi capaz de
36
executá-la no momento certo, que era de seu interesse e das forças que ele
representava na época. Getúlio Vargas, presidente da República naquele período,
em visita a Goiânia, assim se expressou em seu discurso, em 7 de agosto de 1940:
“mostrastes a vossa ação organizadora e o vosso empenho progressista [...]
como o de construir diria melhor improvisar, em pleno descampado,
uma cidade como esta a segunda do Brasil, edificada de acordo com um
moderno plano urbanístico, atendendo, o a eventualidades políticas, mas
às exigências do crescimento demográfico e econômico do Estado [...]. O
Governo Nacional, no propósito de impulsionar o Brasil como um todo
orgânico e equilibrado, continuará a prestar-vos amplo auxílio,
principalmente no que se refere ao desenvolvimento das comunicações e
transportes ferroviários, fluviais e aéreos [...]. Torna-se imperioso localizar
no centro geográfico do País poderosas forças capazes de irradiar e
garantir a nossa expansão futura” (IBGE apud Moysés, 2004, p. 132).
A análise desse discurso permite afirmar o paradoxal processo da ocupação
de Goiânia, a menção ao desenvolvimento regional do Centro-Oeste no contexto
socioeconômico do país em meados do culo XX, em contraste com a realidade
latente das questões sociais não mencionadas pelo governo.
Com efeito, pode-se perceber, claramente, que Goiânia nasceu tendo seus
primeiros passos firmados no discurso da modernidade. A questão é que, sendo o
progresso e o desenvolvimento nacional, de fato, necessários, não deveria ocorrer
de modo excludente para milhares de brasileiros e brasileiras, sem acesso às
necessidades básicas de sobrevivência: emprego, moradia, educação, saúde, etc.
Para Rodrigues (2009, p. 2),
as transformações sociais e os processos que pesaram na produção do
espaço urbano de Goiânia entrelaçam-se na linha do tempo. Por um lado,
constituem dinâmicas que afetam diretamente a ocupação do solo urbano,
ao incrementarem as demandas por moradia. Em outro sentido, a produção
do espaço está relacionada às projeções urbanísticas que através do
planejamento atribuem particularidades ao desenho da cidade.
Entretanto, a questão de maior peso que envolveu o planejamento urbanístico
de Goiânia esbarra-se na insidiosa proposta de legitimação da construção do
espaço pelo Estado, ao privilegiar o capital especulativo das imobiliárias, conforme
assinalado por Gomes (2007, p. 41):
usa-se [...] da prerrogativa de que é preciso resguardar o planejamento da
capital para legitimar uma prática de segregação. Agindo dessa forma o
Estado defende os ganhos do capital imobiliário na comercialização da terra
urbana em Goiânia. A tentativa é garantir, desde o começo, as melhores
37
localizações. Essa intenção, porém, deve ser velada pelo discurso técnico
da ordem onde se tenta esconder o poder de controle sobre o espaço
produzido. Estrategicamente o plano é chamado para exercer, com rigor
científico, seu papel na produção espacial.
Para a visualização de forma sintetizada, do processo de urbanização por
meio das políticas de ordenação e controle do espaço urbano em Goiânia,
Rodrigues (2009, p. 2) propõe uma divisão específica dos períodos em que se
deram essas políticas, desde a fundação da cidade em 1930 até meados de 1980:
1.
Implementação dos planos originais de Goiânia, que vai até o final da
Década de 1940, quando prevalece a ordenação do espaço a partir da
orientação dos planos originais;
2.
Entre as décadas de 1950 e 1960, período em que o controle do Estado
é reduzido e ocorre a explosão do mercado imobiliário;
3.
Início da década de 1970 até meados da década de 1980, período que
marca o retorno do planejamento. [...] Para tentarmos ser mais exato
procuramos referir essas divisões cronológicas em fatos demarcadores
de mudanças nos instrumentos de política urbana. Assim, a passagem
da primeira fase para a segunda se quando da aprovação da Lei
176 de 1950. No momento posterior à década de sessenta a referência
é a aprovação do Plano Diretor de Jorge Wilheim através da Lei
4.523 de 1971. [...] No ano de 1983, [...] é aprovada a Lei 6.063, que
estabelece o parcelamento em áreas de urbanização especifica.
Vê-se que o planejamento de Goiânia esteve atrelado à relação Estado-
capital imobiliário, independentemente da elaboração do Plano Diretor. Ao que se
sabe, diante das especulações imobiliárias, a política estadual de habitação, e o
planejamento seguiram a gica capitalista, tendo como pano de fundo o
desenvolvimento de uma cidade bela e moderna no coração do país. A segregação
socioespacial originada dessa lógica urbanizadora criou e recria exclusão para
inserção no espaço da cidade em construção. Conforme análise de Gomes (2007, p.
41),
no discurso dos “donos do poder”, retirar a população pobre do perímetro
urbano da ‘novíssima’ capital seria uma atitude técnico-científica e não mera
discriminação. Assim, legitima-se a segregação disfarçada de coerente
planejamento e boa vontade.
Somente com a promulgação da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e do
Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), um novo quadro da política urbana foi
estabelecido no Brasil. Em Goiás e em Goiânia, não foi diferente e novos elementos
puderam ser notados nesse cenário.
38
1.4 A ocupação da Vila Coronel Cosme e as questões sociais vivenciadas
pelos moradores
Conforme consta em histórico do desenvolvimento do estado de Goiás, os
anos de 1970, que marcaram a modernização do campo na região, registraram o
início do processo de ocupação dentre outras, a da posse urbana da Vila Coronel
Cosme em Goiânia que se configurou como a expressão da luta pelos direitos do
homem do campo que, ao ser expulso da terra, procura na cidade um espaço para
morar.
Muitos chegaram a Goiânia em busca de uma vida melhor, atraídos pelo
emprego na construção civil e na indústria e se instalaram em lugares como a Vila
Coronel Cosme, próximos ao local de trabalho, vivendo em condições subumanas.
Na Vila Coronel Cosme, muitos obtiveram emprego na Indústria Macife Metalúrgica,
porém, com a transferência da Macife para outro local, muitos trabalhadores foram
demitidos, e ainda, havia parentes que chegaram ao bairro na esperança de serem
admitidos no trabalho da empresa. Com baixa ou nenhuma escolaridade e sem
capacitação profissional exigida para o trabalho na cidade, passaram a fazer parte
do contingente de desempregados na área urbana.
Assim, essa área de posse, a exemplo de outras em Goiânia, nasceu em
meio às contradições do sistema capitalista, fazendo parte do conjunto de posses
urbanas dessa capital.
Localizada na região Leste, e apresentando em seu traçado urbano um
desenho espontâneo, a Vila Coronel Cosme limita-se de um lado, com as margens
do Rio Meia-Ponte (fig. 1), e de outro, com a Ferrovia Central Atlântica (fig. 2), área
urbanizada com suas adjacências: o Parque Industrial, o Bairro Feliz e a posse
urbana da Vila Negrão de Lima, totalizando, segundo Batista (2003), uma área de
aproximadamente 73.800 m
2
. Apresenta terrenos bastante irregulares com
inclinações na direção do rio, suscetível às erosões no período chuvoso, o que
provoca situações de risco para um número considerável de moradores.
39
Fonte: Coriolano, Germana (2004).
Figura 1 – Vista parcial da Vila Coronel Cosme às margens do Rio Meia-Ponte.
Fonte: Coriolano, Germana (2004). Foto anterior ao asfalto inaugurado em dezembro de
2007.
Figura 2 – Linha Férrea na Vila Coronel Cosme.
40
De acordo com Batista (2003), os documentos arquivados no Instituto de
Planejamento do Município de Goiânia (Iplam) registram que o primeiro proprietário
da área, Cosme José do Nascimento, obteve o parcelamento da área, em 29 de
dezembro de 1950, conforme Decreto-lei municipal 65/50 (processos nº 060371-0
e 731416-7), sancionado pelo então prefeito municipal de Goiânia, na época,
Eurico Viana.
Os limites e confrontações da área começam à margem da Represa Jaó e,
nessa extensão, com terrenos pertencentes à organização Jaime Câmara. Daí, a
oeste, segue até a margem direita do Córrego da Onça, dividindo essas extensões
com terrenos pertencentes a Elísio Campos, e dali, desce pelo mencionado Córrego
da Onça, beirando terrenos pertencentes a João Batista Gonçalves, confrontando-
se, nessa extensão, com terrenos do loteamento Coronel Cosme até a margem da
Represa Jaó, limitando-se nessa extensão com terreno de João Gonçalves Batista.
De lá, segue margeando a Represa Jaó até o ponto de partida. A área total, contida
nos limites descritos, é de 386.547 m
2
, dos quais 77.500 m
2
o considerados
campos e 306.047 m
2
, terra de cultura de segunda (baixo valor comercial)
9
.
De acordo com informação de moradores, a área foi ocupada em momentos
diferentes, o que lhe deu as denominações de Vila Coronel Cosme I e II.
Um levantamento realizado pelos estudantes do Programa de Direitos
Humanos (PDH) da atual Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) e
trabalhadores da Companhia Municipal de Habitação e Obras (Comob), em 2001,
identificou na área de Vila Coronel Cosme I e II, 378 moradias com,
aproximadamente, setecentas famílias, cuja maioria vive em precárias condições
sanitárias e ambientais. As casas são construídas em alvenaria, com restos de
materiais de construção, de madeirite e telhados predominantes de telhas de
fibrocimento.
O processo de ocupação da área deu-se de forma lenta e espontânea e em
etapas diferentes. A Vila Coronel Cosme I, a partir dos anos 1970, iniciou-se com
quinze famílias de trabalhadores da Indústria Macife Metalúrgica.
Alguns relatos de moradores descrevem o processo de ocupação:
Nóis era o pessoal que vieram pra nessa invasão, quase todo mundo era
trabalhador da Macife na época, nos reunimos e combinamos que então
9
Descrição física da área, adaptada do Memorial descritivo e plano de loteamento da Vila Coronel
Cosme (GOIÂNIA, 1950), segundo Batista (2003).
41
nóis vamos fazer nosso barraco na terra porque desocupada tem
uma pessoa tocando roça lá. [...] minha irmã também veio, ela ficou na parte
de cima do lote ali (Calixtério).
Eu tinha 18 anos, vim pra trabalhá na Macife, pois naquele tempo o povo
tinha medo de trabal lá. [...], quando vim pra , tudo aqui era mato,
arranjei trabalho na Macife, trabalhei lá enquanto pude (Calixtério).
Os ocupantes pioneiros da localidade criaram condições para que outras
famílias, ou seus parentes, também se mudassem para a localidade, para não
morarem naquela área de posse, como também trabalharem na Macife, o que pode
ser comprovado pelo depoimento que se segue:
Decidi vim morar em Goiânia, mais ou menos em 1975, com quatro filhos, e
a esposa, o filho caçula, nasceu na Vila. Os cunhados moravam aqui. A
primeira firma que trabalhei foi na Macife. Comprei na época, uma parte do
direito duma pessoa que tinha cercado um pedaço do terreno, onde vivo até
hoje (Antoniero).
A investigação sobre a realidade concreta, conhecida pelas observações e
informações do estudo de campo desde o período de 2003/2005, e as recentes
visitas à localidade para concretização desta dissertação (2007/2009), tornou mais
perceptível o fenômeno social implícito na Vila Coronel Cosme. Ele é marcado pelo
deslocamento de homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras do campo e,
posteriormente, de suas famílias, para Goiânia, à procura de trabalho, de
sobrevivência.
O fato de serem operários da Indústria Macife serviu de estímulo para que
ocupassem as proximidades da brica, fato comprovado com as informações dos
próprios moradores pioneiros da área. No entanto, segundo eles, o principal motivo
decorreu da falta de condições de pagar aluguel, bem como o seguinte fator : quem
tinha imóveis o os alugava para famílias com grande número de filhos, que era
nesse caso também um dos motivos de alguns não conseguirem alugar moradias.
O processo de ocupação da área atualmente denominada Vila Coronel
Cosme II, ocorreu a partir de 1995, com a chegada de vinte famílias resultando, mais
tarde, no conflito social entre os moradores dessas duas áreas. Os moradores da
área II passaram a sofrer discriminações pelos moradores da área I, sendo
chamados de sem-terra, o que pode ser evidenciado no relato de um morador:
42
Nós somos discriminados pelos moradores da Vila Coronel Cosme I, e
chamados de os sem-terra, sendo que os outros também estão na mesma
situação que nós e ainda discrimina os outros
10
.
Essa afirmação comprovada pelos relatos desse e de outros moradores, até
mesmo das crianças, reflete um comportamento segregador no interior da própria
população e permite dizer que, irônica e paradoxalmente, os conflitos sociais,
também se processam no interior dos estratos mais inferiores da sociedade como
reflexo de ver uma crueldade reproduzida. Sistematicamente, percebe-se que a
segregação é reproduzida, também, no âmbito das relações sociais dos moradores
das duas áreas. Sobre o caráter discriminador existente entre as duas vilas,
percebe-se que uma disputa de direitos entre os próprios posseiros, pois os
moradores da Vila Coronel Cosme I alegam terem maiores direitos à posse por
serem mais antigos, sustentando em seus argumentos o fato de a Vila Coronel
Cosme II ser uma ocupação mais recente.
Esse conflito ocorre também em face do padrão de construção das
habitações das duas Vilas a Coronel Cosme I e a II. As moradias têm padrão
considerado de nível médio, algumas são mais estruturadas e também muitas
construções precárias. Na Vila Coronel Cosme I, a predominância é de construções
de melhor qualidade, o que possibilita dizer que esse fato está relacionado às etapas
de ocupação da área. Em outras palavras, a primeira vila foi se estruturando ao
longo de mais de três décadas.
Pode-se perceber que alguns moradores produzem e reproduzem a mesma
discriminação existente entre proprietários e posseiros no espaço da cidade. Alguns
pioneiros da ocupação consideram-se proprietários, ao passo que os ocupantes
posteriores são estereotipados por alguns como os sem-terra. Na realidade, toda
essa população habita área considerada de preservação ambiental, às margens do
Rio Meia-Ponte.
No que tange ao saneamento, a localidade apresenta, em algumas partes,
condições insalubres, inexistindo rede de água e de esgotamento sanitário. Em
algumas moradias, existem fossas sépticas, porém, construídas muito próximas das
cisternas. Nas que têm canalização de esgoto os dejetos escoam in natura no Rio
Meia-Ponte. Em relação ao sistema de água e energia, em algumas casas, a ligação
é feita de forma clandestina. Nas ruas, o serviço de iluminação pública é insuficiente
10
Acervo da pesquisadora 2003/2005.
43
para oferecer segurança necessária aos moradores, e a coleta de lixo é feita de
forma precária: o seu armazenamento em contâineres encontra-se fora do espaço
físico da área em que vivem os moradores, os quais transportam os resíduos para
esses recipientes, que são recolhidos pela prefeitura.
Com a precariedade do saneamento e de outros serviços necessários,
conforme observação na área, é possível mencionar a Vila Coronel Cosme como
lugar cuja vida se expressa em condições subumanas. Apesar dessa perversa
realidade, autoridades políticas utilizam-se desses fatores em período eleitoreiro, o
que evidencia a exploração da massa, pautada nas promessas de campanhas,
quase sempre, não cumpridas.
Outra questão que torna eminente o conflito entre a Vila Coronel Cosme I e a
II, conforme relatos de moradores e ainda não contornado, é a existência de uma
possível disputa de espaço na área. Os lotes localizados entre a ferrovia
11
e o Rio
Meia-Ponte, tanto em um local quanto em outro, estão sob judice, por não
obedecerem ao distanciamento de quinze metros da ferrovia e cem metros do rio, o
que significa que a área não comporta todas as famílias que ali estão assentadas.
Os moradores desse espaço dividem-se, também, pela ideologia religiosa, ou
seja, na posse da Vila Coronel Cosme I existe um templo da Igreja Católica e um da
Assembléia de Deus e na Vila Coronel Cosme II, dois templos de igrejas adeptas
do movimento teológico neopentecostal.
O tráfico e o consumo de drogas constituem outro divisor de água entre
moradores, pois, para alguns moradores da área I, a Vila Coronel Cosme II é reduto
dessa prática de comércio ilícito, motivo de constantes práticas de violências físicas,
quer por alguns moradores entre si, quer por policiais que ali transitam em viaturas
da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (Rotam) ou mesmo à paisana. Com a
finalidade de atualizar tais informações, registra-se a veiculação de manchetes sobre
violência ocorrida na Vila Coronel Cosme, também, apontada como área perigosa e
sob vigilância constante da polícia
12
(Jornal Opção On line, 2009).
Os relatos a respeito de agressões policiais contra os marginais dessa vila
evidenciam as violações aos direitos humanos
13
e prosseguem, em ritmo acelerado,
11
Nessa via, será construída a linha Leste-Oeste.
12
Diário da Manhã de 29 de dezembro de 2008.
13
Por direitos humanos, neste trabalho, entende-se o direito de ir e vir, o direito ao trabalho, à saúde,
à educação, à moradia, ao lazer, à autossustentação, enfim, o direito humano a uma vida digna.
44
incompatíveis com os princípios que qualificam a cidadania, que não leva em
consideração a realidade social vivenciada no cotidiano pelos moradores.
Diante do agravamento das expressões da questão social, o Estado, em suas
estratégias de ação na busca de solução para os problemas, utiliza-se da repressão
policial, como única solução para tal, e argumenta agir, alegando a segurança da
sociedade, valendo-se de prática da violência física. Todavia, essa prática
considerada legal poderia ser substituída por políticas públicas efetivas para mudar
os rumos para outra realidade, o que permite uma reflexão acerca do papel do
Estado como protetor e garantidor dos direitos da pessoa humana, conforme inscrito
na Carta Cidadã (Brasil, 1988): se ele o cumpre, de modo a beneficiar a sociedade
ou se prioriza interesses particulares.
Entende-se que a relação do Estado com a sociedade indica a prevalência de
um paradigma social neoliberal implantado no Brasil, a partir da cada de 1990,
cujo discurso traz como exigência a minimização do Estado, que, por sua vez, passa
a servir ainda mais ao capital.
A respeito dessa influência neoliberal nas políticas estatais, Santos (2008, p.
52), pondera que o Estado
atua no sentido de garantir a existência de mercado para novos produtos.
Assim, gradualmente desaparecem os limites entre o público e o privado. O
Estado passa a ser financiador, consumidor, sócio, podendo, portanto,
intervir cada vez mais, mesmo que seja na defesa de interesses localizado.
Assim, no campo social, as políticas públicas o deixadas a cargo da
sociedade que se organiza na tentativa de solucionar os problemas. Na Vila Coronel
Cosme, até então, não se registra intervenção estatal com o objetivo de assegurar
direitos de cidadania a muitos da população que ali reside mais de quarenta
anos.
Em relação ao serviço de saúde, educação, os moradores buscam
atendimento na rede pública localizada em áreas adjacentes
14
.
O transporte urbano
funciona por meio de duas linhas de ônibus: Bairro Feliz destino Terminal Praça da
Bíblia, que integra a outras linhas; Bairro Feliz destino Centro, passando pela Vila
14
Os serviços de saúde o realizados na Vila Negrão de Lima, Vila Nova, Vila Moraes e outros
setores vizinhos. Educação: O atendimento é feito em escolas municipais do Bairro Feliz, Vila Nova,
Vila Negrão de Lima. um Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) conveniado com a prefeitura,
localizado na área urbanizada da Vila Coronel Cosme e, outro, vinculado ao governo estadual,
situado no Bairro Feliz.
45
Coronel Cosme, Vila Nova e Setor Universitário.
Ao procurar apropriar-se de alguns bens e serviços da região, os moradores
da vila incluem-se na vida da cidade, mas, ao mesmo tempo são excluídos da
cidade planejada, e as exclusões ampliam-se para outros serviços, como as redes
de esgoto e de água. Assim, a ocupação da Vila Coronel Cosme insere-se na
dimensão da construção da cidade não planejada. Segundo Moysés (2004), os que
migram constroem a cidade, porém, não lhes é permitido o mínimo à sua
sobrevivência.
Diante do descaso com a sua realidade social pelo poder público, os
posseiros da Vila Coronel Cosme passaram a contar com o apoio de lideres da
Igreja Católica, que se fizeram presentes desde o início da ocupação daquela área,
como explicitado no relato de moradores a seguir:
Morava num barracão que era da minha mãe e da minha irmã na Vila Cel
Cosme I, dez anos vim para a Cosme II. Tudo era mato e lixo, o povo
começou a limpar e invadir, não tinha lugar meu de morar, nem condições
de comprar, então eu vim pra . Aqui começou tudo com barraca de lona,
de plástico, de papelão, de todo jeito, e a Igreja católica construiu dois
cômodos pra mim morar. Até hoje, eu não tive condições de terminar o
barraco, a instalação elétrica é tudo pelas metade, é tudo bagunçado.
Quando chove, eu passo da banda torta [dificuldade] aqui em casa. Não
tem água encanada, nem bomba, a água que tem é puxada com corda da
cisterna, que nem acabei de fazer. Num tenho salário, nem aposentadoria.
Vou vivendo da ajuda do povo e de Deus [...]. (Marieta).
Era uma vida muito difícil das pessoas que chegava aqui na Vila. Muito
necessitada! A igreja começou as atividades em minha casa com a
catequese. As missas, os terços e as novenas eram feitas nas casas das
pessoas até comprar o espaço e construir a igreja. Foi em 1991. O padre
Gregório Batista, naquele tempo ajudava demais as pessoas que precisava,
levava para o hospital, arranjava dinheiro, comida, remédio, roupa,
materiais, tudo, leite era em grande quantidade, qualquer coisa era só
chamar o padre e ele resolvia tudo. O padre dizia que a situação de
pobreza das pessoas era tanta que ele nem conseguia dormir direito.
(Morganeza).
Com base nesses relatos, sobretudo no último, pode-se perceber a
importância da participação de membros da Igreja Católica na vida desses
posseiros, por ocasião da migração para essa área. A concretização do Centro
Comunitário, implementado como espaço para as atividades sociais, tornou-se
importante também para a assistência social. Assim, a Igreja Católica, no contexto
em que firmou sua opção preferencial pelos pobres assumiu papel de interventora
nas questões sociais, vinculado à sua proposta de evangelização cristã, e de apoio,
46
também, na construção da sede da Associação de Moradores. O depoimento de um
dos moradores demonstra essa participação:
Eu participava direto das reuniões. Antes não tinha associação, achamos
por bem construir a associação pra organização. Tudo foi doado, a Igreja da
Vila Nova doou os materiais e os moradores faziam mutirão nos finais de
semana. Quarenta, a cinquenta pessoas participavam das reuniões.
(Quitério).
Ressalte-se que a Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme, antes
de ter sua sede construída, já funcionava no Centro Comunitário da Igreja, conforme
afirma ainda esse morador:
aqui no Centro Comunitário, vinha o Presidente da Associação de
Moradores da Vila Nova Esperança nas nossas reuniões com os moradores
de lá, e também daqui a gente tudo ia lá. (Quitério)
Contudo, é importante frisar que o prédio do Centro Comunitário permaneceu
ocupado como residência para uma das famílias da área, razão pela qual o espaço
perdeu a função para o qual fora planejado, visto que, na fachada do prédio, havia a
inscrição Centro Comunitário. A sede da associação funcionou como moradia para
essa família a meados de 2004, quando os moradores decidiram se mudar. O
prédio foi devolvido à comunidade em condições precárias, e ele voltou a ser
utilizado como espaço para importantes tomadas de decisões conjuntas.
Assim, com base na observação sobre a realidade dos moradores da posse
da Vila Coronel Cosme, verifica-se a importância, de refletir sobre as questões
humanas relativas ao espaço buscado por eles. É preciso, pois, entender essa
condição humana como suscetível também ao direito, independentemente de
privilégios. Antes, um olhar consciente sobre a realidade dessas pessoas possibilita
propor uma tentativa de resgate da dignidade, seus valores humanos, inserindo-os
como sujeitos de direitos, contribuindo para a possibilidade da construção de uma
sociedade mais justa.
Ressalte-se, ainda, que os habitantes da Vila Coronel Cosme como outras,
cuja realidade é similar, é ainda, denominada por alguns autores e ainda por grande
parcela da sociedade como invasores, mas, na verdade, eles são vítimas de uma
cruel realidade que os motiva a protestar. Caso se penetre nessa realidade, com um
olhar mais humanamente sensível, eles podem ser percebidos simplesmente como
seres humanos que lutam pela sua sobrevivência.
CAPÍTULO II
O ESTADO, A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A FUNÇÃO SOCIAL DA
TERRA
Ao estudar temas que envolvem questões como a produção do espaço
urbano e a função social da terra, percebe-se que sempre houve muitas
divergências, pois alguns autores defendem a justiça social, e outros, não, como se
nunca tivesse existido essa questão no Brasil. São problemas que tem suas raízes
no período de colonização no Brasil, quando as terras foram mal distribuídas. Em
Goiânia, Moraes (2003) afirma que o problema de terras e de habitação existe desde
a construção da cidade.
Ocorrem tantos avanços na tecnologia, que se torna difícil acreditar que tanto
nas pequenas, médias, como nas grandes, cidades do país não se conseguem
equacionar problemas de uma parcela da sociedade, que não conta com moradia
decente, condições de ir e vir, dentre outras demandas básicas para a vida humana.
Segundo Moraes (2003), tanto nas cidades latino-americanas como nas
cidades brasileiras, o processo de urbanização apresenta uma realidade social de
desiguais, que o arranjo espacial quase sempre não considera as particularidades
existentes. Prevalece a lógica de orientar a produção do espaço urbano, que se
relaciona com as características de ser, ao mesmo tempo, produto e condição de
produção social.
Os detentores de capital, o Estado, as incorporadoras imobiliárias e os
segmentos sociais definem o arranjo e rearranjo nas cidades onde administram
interesses em conflitos os mais diversos e, de acordo com a correlação de forças,
instalam-se áreas residenciais segregadas, nas periferias da cidade, sem
infraestrutura básica para sobrevivência da vida humana.
48
2.1 A função social da propriedade e o direito à posse da terra urbana
A terra, segundo Marx (1988, p. 143), “como fonte original de víveres e meios
já prontos de subsistência para o homem, é encontrada sem contribuição dele, como
objeto geral do trabalho humano”, com uma função social.
De acordo com Santos (2008, p. 74),
a função social da propriedade urbana é dada pela destinação social,
relacionada à garantia de que todos tenham acesso à moradia digna,
evitando-se a concentração abusiva da propriedade da terra e impedindo
que imóveis fiquem vazios ou abandonados.
Desde a Constituição Federal do Brasil de 1934, a necessidade de a
propriedade cumprir uma função social sempre foi princípio constitucional. Contudo,
a omissão do poder público em fazer valer essa norma, os proprietários privados
que negligenciam o princípio em relação à questão de terras, contribuíram, segundo
indicadores mundiais, para que o país se posicionasse entre as nações com maior
concentração de terras (SANTOS, 2008).
Em decorrência, intensas e incessantes lutas, até sangrentas e com muitas
mortes, marcaram as ginas da história do Brasil, tendo de um lado, o interesse
capitalista da propriedade como utilidade lucrativa e, de outro, a democratização do
acesso à terra para moradia ou para o cultivo.
No Brasil, atualmente, existe um contingente enorme de famílias de
trabalhadores rurais sem terra, ao passo que, na cidade, um gigantesco ficit
habitacional urbano demanda políticas justas para essas questões sociais da
realidade brasileira. Aliás, em suas raízes históricas, a construção da sociedade
brasileira foi notadamente marcada pela exclusão. No período escravocrático, os
relatos denunciam contendas nas quais ocorreram a morte de inúmeros
trabalhadores.
É importante relatar que a historiografia registra movimentos de ocupação
como os messiânicos, os espontâneos e os organizados, dos quais podem ser
destacados o movimento de Canudos (1889), o Contestado (1911) e o das Ligas
Camponesas (1950) dentre outros mais recentes que têm lutado pela reforma
agrária e urbana, mas que ainda não alcançaram as políticas justas definitivas na
49
promoção da justiça social, ou seja, na promoção de dignidade à população,
sobretudo aos que se encontra em plena miséria (SANTOS, 2008).
Para Sousa (1999), a terra, desde a colonização do Brasil pelos portugueses,
constituiu-se em uma mercadoria, e eles fizeram a sua apropriação com o objetivo
de auferir lucros. Com a expansão do sistema capitalista, a terra foi expropriada dos
trabalhadores nas suas mais diversas modalidades, desdobrando-se em variadas
dimensões da questão social, tais como a degradação do meio ambiente, a
concentração de sua propriedade nas mãos de poucos, provocando a fome e a
miséria para a maioria da população, quer no campo, quer na cidade.
O problema da terra, mesmo no espaço urbano, está inserido no
desenvolvimento do país como uma das principais questões a serem enfrentadas no
século XXI, quando seres humanos e natureza ainda são agredidos por ações e
métodos destrutivos, derivados de um sistema econômico, cuja finalidade é o lucro
máximo.
A terra, como fonte de riqueza e sustento de toda a sociedade, é propriedade
privada de poucos (os latifundiários) que, detendo grande extensão de terras,
deixam a maior parte improdutiva. De acordo com a reflexão de Marx (1984, p. 262),
o monopólio da propriedade fundiária é um pressuposto histórico e continua,
sendo o fundamento permanente dos modos de produção anteriores que se
baseiam, de uma maneira ou de outra, na exploração das massas (apud
SOUSA, 1999, p. 591).
Desde a promulgação da Constituição, em 1988 (BRASIL, 1988) ficou
estabelecido que as terras que não objetivassem o cumprimento de sua função
social deveriam ser desapropriadas para fins de reforma agrária ou reforma urbana.
No que tange à propriedade urbana, o artigo 182, § 2
º
da CF de 1988 e o
artigo 39 do Estatuto da Cidade (BRASIL, 1988) estabelecem que a propriedade
urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando as necessidades dos
cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
atividades econômicas.
De acordo com Santos (2008, p. 58),
por ser eficiente em relação a seus objetivos sociais, uma política urbana
deve alterar os mecanismos da dinâmica especulativa responsável pela
50
escassez social da terra urbanizada. Com a produção elitizada, o capital
imobiliário produz e vende a escassez, isto é, a oferta de imóveis deve ser
inferior à demanda, o que provoca a elevação dos preços. Essa política de
escassez social da terra produzida pela lógica fundiária relaciona-se à
venda da diferenciação material e simbólica do espaço urbano (vendem-se
idéias: lugares aprazíveis, bucólicos, seguros) baseadas na existência de
uma profunda desigualdade social [...].
Nesse sentido, a questão de divisão das terras rural ou urbana assume
fundamental importância para aqueles que compreendem a forma como o processo
histórico se configura ao longo do tempo. Em face da organização de lutas,
passando, muitas vezes, por martírios, buscam estratégias com o objetivo de
traçarem alternativas para essa questão.
Contudo, o persistente desafio e a dificuldade em solucionar o problema vêm
provocando a violência tanto no campo quanto na cidade, ceifando vidas de
trabalhadores que anseiam pelo direito de viver com dignidade. A população
excluída, marginalizada, aumenta o contingente de desempregados quando passam
a ocupar, com ou sem direito, áreas nas grandes cidades, vivendo em condições
subumanas.
A ocupação, como uma categoria histórica, dependendo da região, recebe a
denominação de invasão, a qual, como uma categoria sociológica, é considerada de
maneira pejorativa para denominar o local em que moram os marginais. Na
concepção de Moysés (2004, p. 233), as invasões “nascem com a cidade, têm o
mesmo significado das malocas, dos cortiços dos grandes centros urbanos, ou seja,
são espaços onde se agregam aqueles que estão à margem da sociedade”. Para
Santos (2008, p. 58), “a segregação socioespacial é, assim, gerada pela disputa por
espaços na cidade. Aqueles onde as condições urbanas de vida são consideradas
melhores serão os mais caros.”
O fato é que a precária condição de vida da população obriga milhares de
pessoas a buscarem na posse de terrenos ociosos e irregulares
15
, localizados na
cidade, direitos constitucionais fundamentais inerentes à pessoa humana: moradia e
sobrevivência. A população excluída ainda sofre ferrenhas críticas de outros grupos
que exigem ação do poder público com a alegação de que os posseiros o
usurpadores, pois ocupam terrenos ilegais de propriedade pública e/ou particular.
15
Dizem-se ociosos aqueles terrenos que ainda não estão sendo utilizados para qualquer fim e, os
irregulares os que não estão legalmente documentados.
51
Todavia, ao que se sabe, a irregularidade não é privilégio dos pobres, que se
podem identificar bairros formais, na cidade de Goiânia, estruturados ilegalmente.
Na sociedade capitalista, em que tudo é visto como mercadoria, a terra que
sempre foi motivo de contendas, em razão da especulação de seu valor, perdeu a
sua função social para circular como mercadoria, e a sua apropriação deve
obedecer a essa lógica, ou seja, a exigência das normas do contrato formal para um
processo de transferência. A construção do processo histórico mostra a insidiosa
expropriação dos trabalhadores na questão da terra.
Expropriada da terra, do direito ao trabalho e de morar, a massa de excluídos
na zona urbana despertou a consciência para uma nova percepção de sua realidade
na busca pela moradia: de invasores passaram a se autodenominar posseiros
urbanos ou rurais (CHAVES, 1985).
Em relação à análise do processo de urbanização de Goiânia, exige-se o
percurso de um longo caminho para compreensão do movimento no qual o território
goiano foi sendo apropriado. Ao mesmo tempo, o espaço rural foi sendo esvaziado
pelo deslocamento do homem para a cidade, sob o pretexto da modernização do
campo e centralização do poder de terras, estratégia capitalista para apropriação e
garantia do lucro.
Assim, segundo Loureiro (1988), o processo de expansão do capital ocorre na
articulação entre campo e cidade; a lei do capital é geral e todos os setores são
articulados. Ao desenvolver a indústria, criam-se as condições para o surgimento de
outras necessidades. Dessa forma, transferir novas tecnologias significa também
outras necessidades, formação de novos hábitos de produzir e de consumir. A
acumulação do capital no campo subordina-se à acumulação industrial e se
processa pela transferência de tecnologias, maquinários e insumos agrícolas. Por
outro lado, conforme a autora, a história “é construída a cada dia pelas ações
conjunturais dos homens [...]”, no jogo de força das relações de classes
(LOUREIRO, 1988, p. 26).
2.2 A busca pela democratização da terra no espaço urbano
De acordo com Moraes (2003), no âmbito do espaço urbano, o direito de
usufruir desse espaço em especial aqueles e aquelas que o constroem com a sua
força física, mental e espiritual é um desafio constante que se reflete na busca e
52
na aquisição da moradia como identidade da pessoa humana, como seu espaço
próprio, seu refúgio, seu repouso, seu modo de buscar a sobrevivência e de se
tornarem cidadãos e cidadãs.
O direito ao espaço urbano constitui direito humano e a todos é facultada a
contribuição para o progresso do campo econômico, social, cultural e político.
Porém, nem todos participam igualmente desse desenvolvimento, como a massa de
excluídos que se formou na cidade em decorrência do extenso processo migratório
e, sobretudo, do pouco investimento do Estado em políticas blicas que
acolhessem essa população.
Para Moraes (2003), a população urbana supera a população rural como
fenômeno natural, acelerado pelo êxodo rural, pela globalização, dentre outros
fatores. Nesse contexto, a busca pelo espaço de morar, como luta pela
sobrevivência, dá-se, notadamente, na cidade, no âmbito local em que assume
importância o direito social à moradia como fundamento da cidadania.
Ocorrem os conflitos, de um lado a população excluída é impedida de usufruir
da construção social, e, de outro, aqueles a quem o espaço urbano é destinado:
os que têm condições de pagar por ele. O Estado deveria desempenhar, no mínimo,
o papel de mediador, já que é incapaz de prevenir o conflito.
Em relação a essa problemática, Moraes (2003) aponta outra realidade: a
questão das melhores localizações de terras na área urbana que são abarcadas
pelas imobiliárias. Na opinião da autora, acentua-se ainda mais o impulso à
desigualdade social, quando o Estado, em suas formas de garantir a continuidade
do sistema capitalista gerador das questões sociais implanta assentamentos
para a população nas periferias, bem longe da cidade e de sua estrutura. Por vezes,
ainda impulsiona ocupações denominadas irregulares feitas pela população que
busca sobrevivência nos vazios
16
da cidade, porém, sem as condições para uma
vida digna.
Pode-se vislumbrar, na dinâmica do espaço urbano, atualmente, um
desenvolvimento sem conformidade com a realidade social das cidades, pois
tentativa de rearranjar o espaço mutilado por um sistema econômico, engendrado
16
Espaço intermediário entre o núcleo urbano e a periferia, impulsionado pelos interesses de
imobiliárias que o utilizam como estratégia de valorização comercial para construção de projetos
residenciais.
53
propositalmente para beneficiar o interesse da minoria usurpadora dos bens
produzidos pela massa espoliada.
Assim, segundo Paula e Cavalcanti, (2007, p. 13),
a definição desse arranjo e rearranjo na cidade capitalista fica a cargo dos
agentes da produção do espaço: os detentores de capital, o Estado, as
incorporadoras imobiliárias, os segmentos sociais. A ação desses diferentes
agentes, administrando diversos interesses em conflito e de acordo com a
correlação de forças conjunturais, promove a expansão horizontal da malha,
instala áreas residenciais na zona periférica da cidade, criando um conjunto
urbano pobre e desamparado, deixado vazios (desocupados ou em “estado”
de urbanização precária e rarefeita) à espera de valorização.
Percebe-se, dessa forma, que o Estado-mínimo, ao não proporcionar direitos,
vem, ao longo do tempo, demonstrando incapacidade em atender às demandas
sociais, de forma ágil e com a mobilidade como são criadas. Aliás, submete-se às
pressões do sistema, como no caso das empresas imobiliárias. Suas estratégias de
expansão excluem ainda mais a população empobrecida, apontando o jogo de poder
típico da hegemonia capitalista que as cidades modernas como mercadoria para
especulação, em virtude do acirrado interesse financeiro.
A globalização, expressão dessa realidade, caracteriza-se por uma visão que
denota o individualismo e o mercantilismo na sociedade humana, sem preocupações
com as enormes desigualdades econômicas e sociais existentes, e o que é pior,
contribuindo para o agravamento dessas questões. As correlações de forças na
economia, na política, no social e no cultural, que controlam também os grandes
meios de comunicação, conseguiram divulgar a utilização dos termos globalização
como paradigma da sociedade do futuro, o que permite dizer que os problemas
também são globalizados (MARICATO, 2001).
O modelo dessas forças impõe, em grande parte, no espaço urbano, uma
mundialização do mercado capitalista, paralelo aos valores e interesses do
neoliberalismo. Nesse sentido, as críticas feitas a esse modelo estão centradas,
sobretudo, na marginalização humana, social e cultural, com predomínio dos setores
mundiais econômico, financeiro e comercial.
De acordo com Maricato (2001), nesse panorama, o direito ao espaço urbano
é de difícil aceitação pelas elites que dominam o espaço, que utilizam esquemas e
conceitos tradicionais marcados por caráter individualista, patrimonialista e burguês.
Conforme a autora, o direito ao desenvolvimento possui tanto uma dimensão
54
tanto individual quanto coletiva. Ela coloca em dúvida a suposta incompatibilidade
entre ambas as dimensões. Efetivamente, trata-se de um direito reivindicável pelos
indivíduos mais pobres e oprimidos diante dos ricos.
É importante levar em consideração, além do direito ao espaço na cidade, o
atendimento às necessidades humanas sicas, como alimentação, água potável,
moradia, saúde e educação, que a satisfação dessas necessidades é condição
imprescindível para que todo indivíduo possa exercer e usufruir de direitos humanos
e de suas liberdades fundamentais.
Nesse sentido, moradia adequada significa “ter privacidade adequada, espaço
adequado, proteção adequada, luz e ventilação adequadas, infra-estrutura básica
adequada e localização adequada com relação ao trabalho e a instalações básicas –
tudo a um custo razoável” (CARTILHA PIDESCH, 2008).
Para Santos (2008, p. 59),
a falta de investimentos sociais e a não implementação de políticas públicas
conforme as necessidades sociais e em áreas essenciais, como saúde,
saneamento, educação, habitação e transportes públicos abrem
possibilidades de novas frentes de luta, como aquelas pelo direito ao
espaço urbano.
Assim, a forma de todo indivíduo buscar na cidade as condições de poder
desenvolver suas potencialidades consiste no alcance do bem-estar humano, em
tornar real a dignidade e a liberdade de ir, vir, de participação para todos e todas,
sem discriminação de qualquer espécie.
Nesse sentido, o direito humano ao espaço nas cidades, engloba o conjunto
de outros direitos, o que poderia torná-lo um manifesto universal. Porém, para que
ocorra, é necessário que a sociedade, sobretudo aquela excluída, possa se
organizar constantemente para reflexão e discussão de estratégias de ação,
buscando contribuir para mudança dessa realidade.
A todo o complexo que envolve a direção da força social da confrontação
política das lutas, Gramsci (1988) denomina hegemonia, a qual é exercida e
consumada pela dominação com violência, repressão e direção política do Estado,
ou seja, a república parlamentar que a mídia insiste em chamar de democracia.
Portanto, é salutar o avanço das lutas para desenvolver o bom senso e a
consciência crítica da realidade e, dessa forma, pode-se contribuir para que a
sociedade possa buscar corretamente as informações sobre o que ocorre na
55
realidade o que significa ver além das aparências para que se possam agregar
novos valores à cultura, o que demandado do Estado investimentos em políticas
públicas de saúde e de educação com qualidade para todos e todas. Utopia ou não,
a motivação é essa!
2.3 O Estado e a produção do espaço urbano
Conforme Faleiros (1987), todo estudo que busca compreender a
consolidação do espaço urbano e a gestão de políticas públicas, necessita
considerar o todo, ou seja, o mundo capitalista em seu conjunto. Trata-se de
perceber que a incapacidade e/ou resistência do Estado em buscar soluções para os
diversos problemas infligidos à grande parcela da população em estado de pobreza,
que vive às margens da sociedade, tem a ver com a forma pela qual o país foi
inserido no mercado econômico mundial e demonstra o condicionamento das
relações entre a política e a economia, o Estado e a sociedade.
É necessário ter consciência de que as carências da população pobre são
impostas e inventadas e de que o pobre não pode prescindir da oportunidade de
prover por ele mesmo suas necessidades, sua dignidade e sua liberdade
(FALEIROS, 1987). Poder intervir nesse processo, minimizando progressivamente
seus efeitos, na perspectiva de superação, constitui um desafio para aqueles e
aquelas que pensam em construir políticas públicas. No entanto, o tratamento dado
às políticas públicas de habitação por gestores de visão neoliberal foi quase sempre
o de discutir meios, sem questionar os fins, e ainda, o de transformar os problemas
políticos em simples problemas técnicos.
O Estado não se afirma para fortalecer a acumulação capitalista, como
também intervém de acordo com as correlações de forças sociais, promovendo o
desenvolvimento e/ou o retraimento das políticas, segundo a conjuntura política.
Assim o Estado e suas políticas tiveram seu percurso conforme uma lógica formal e
abstrata, mas situada nos marcos da história estrutural (FALEIROS, 1987).
Nesse contexto, o princípio neoliberal orienta o afastamento do Estado em
quase todo o mundo, de um lado, a ficar fora da interferência na economia, deixando
a cargo do mercado, o papel de regulador, e, de outro lado, atuando como
gerenciador, desse mesmo mercado, procurando diminuir e cortar benefícios sociais,
desregulamentar os direitos trabalhistas e o mercado de trabalho. Esses fatores,
56
dentre outros, dificultam ainda mais a determinação do verdadeiro papel do Estado,
ante as expressões da questão social que se multiplicam, tanto no campo, quanto
nas cidades, tornando cada vez mais complexas as relações sociais, tendo como
consequência sérios transtornos à vida nos espaços das cidades e à vida em
sociedade.
De acordo com Santos (2008, p. 59), “o espaço urbano guarda as marcas da
desigualdade social, como a não fixação de uma efetiva política social.” A autora
menciona a questão da redução progressiva da participação do Estado na economia
do país e, ao mesmo tempo, atribui a “ampliação da ação das transnacionais”, ou
seja, do “comando externo” o marco da influência capitalista no Brasil. Sugere, pois
que “o Estado precisa desenvolver pesados esforços para contrariar essa influência
segregadora” (p. 59). Contudo ressalta que o tema em questão, “é se e como o
Estado pode reverter essas tendências. Para que isso ocorra é necessário o
envolvimento da sociedade civil em um projeto de modificação radical da realidade
social” (p. 59).
É importante destacar a forma como se constituiu o espaço das cidades.
Segundo Moraes (2003), a mudança da linha de poder, nos anos de 1930, reduziu o
papel da política da oligarquia rural, afirmando a influência da burguesia urbana
industrial, o que contribuiu para definir formas de ocupação, de demarcar e de
valorizar as terras, favorecendo ao setor de imóveis o sistema de periferização da
cidade, pelo qual foi se conformando a segregação socioespacial.
O núcleo da cidade e seus arredores, com favelas povoadas de pessoas que
perderam e ainda perdem suas raízes, agiganta a aglomeração que permite aos
detentores do poder de decisão, macros empreendimentos políticos, o que não
altera a realidade social da maioria excluída, já que a economia depende das
estratégias de especulação da terra, como criação da prosperidade e de capitais.
As mudanças institucionais caminham para lados diferenciados e conflitantes,
o que impulsiona as árduas lutas para a sociedade que, mesmo com limites, busca
suas conquistas no campo das políticas públicas, com o objetivo de contribuir para
interferir nas poderosas forças contrárias aos benefícios sociais.
Segundo Faleiros (1987), o Estado tecnocrático militar tentava preservar suas
estruturas tradicionais e, ainda, justificar suas políticas baseadas em modelos
técnicos, para dar impulsos para a economia, na concentração de renda,
manipulando as estatísticas e as ideologias que, no período da ditadura, tiveram o
57
discurso da política desenvolvimentista. O processo do planejamento urbano
promoveu o progresso econômico, mas não para atender às demandas sociais e
sim, para beneficiar pequenos grupos.
Para Faleiros (1987), nesse período no qual se consolidou uma sociedade
caracterizada por um mercado imobiliário especulativo, em que os benefícios eram
destinados às áreas de moradias para as classes médias e altas, financiamentos de
grandes projetos, centralização de recursos dos trabalhadores, enfocando outras
realidades regionais, sociais, econômicas e culturais na criação de programas.
Ao longo do contexto do país, grande número de famílias, excluídas de seus
direitos, busca satisfazer suas necessidades sicas. É o que mostra a história e a
experiência. A sociedade torna-se responsável pela busca de soluções para seus
problemas, ao construir as denominadas favelas em áreas íngremes, contra os
regulamentos e conceitos urbanos, que, no entanto, permitem e/ou estimulam
grande parcela da população em situação de pobreza estrutural enredar sua vida
social com base em seus próprios meios de sobrevivência. Assim, muitos se
aproximam do fenômeno da droga e dele se aproveitam como fonte de renda, ou
seja, a complexidade estrutura-se com a ineficiência e a incapacidade do Estado em
lidar com a miséria.
Somente por meio das iniciativas de mobilização da sociedade, é possível
articulações com as instâncias do governo para reflexão das questões com o
objetivo de contribuir para superar o déficit habitacional. Eventos como realização
de seminários regionais, reuniões cnicas, oficinas e consultas aos conselhos de
participação e controle social da área habitacional podem criar as condições legais e
institucionais para consolidar o setor habitacional como política de responsabilidade
do Estado, com a finalidade de direcionar os recursos existentes, bem como
mobilizar os responsáveis para o enfrentamento da questão habitacional e
superação das ações e programas que estejam dispersos.
O acelerado crescimento da urbanização brasileira nos anos 1970, e segundo
Antunes (1953) a década de 1980, que presenciou profundas transformações no
mundo do trabalho, deixou fora uma parcela enorme da população do mercado de
trabalho, gerando uma massa significativa de excluídos do sistema de proteção
social.
Ao que se sabe, o Estado permaneceu indiferente ao surgimento contínuo de
habitações ilegais e mostrou sua inoperância em lidar com as questões sociais
58
ligadas à moradia o que culminou no estímulo a ocupações irregulares os menos
favorecidos improvisaram construções para moradia, ocupando loteamentos
periféricos nos espaços da cidade, sem infraestrutura adequada.
Nas cidades, pode-se dizer que o mercado de trabalho é cada vez mais
dinâmico, porém, excludente, assim, muitos o conseguem viver como inquilinos
em face da impossibilidade de pagar aluguel, que o estão inseridos nesse
mercado. Com isso, a extensão do espaço urbano continua, em ritmo acelerado e de
forma desordenada, vai se agravando cada vez mais (MORAES, 2003).
Diante dessa realidade, as políticas públicas consistentes e efetivas são
imprescindíveis para amenizar os impactantes conflitos urbanos decorrentes da
dicotomia do desenvolvimento urbano: crescimento e segregação espacial. Os
movimentos sociais urbanos, portanto, tiveram e têm papel de destaque na luta para
a concretização da proposta de reforma urbana pelo Estado.
Com o intuito de sintetizar a agenda pública da política de habitação no Brasil,
é interessante o observar o quadro síntese e comparativo conforme proposta de Ana
Suassuna, Secretária das Cidades de Pernambuco, para apresentação do tema
“Gestão democrática das cidades: políticas públicas e os desafios da gestão
democrática” em palestra ministrada no “Seminário Construindo uma Política de
Desenvolvimento Urbano para o Brasil” realizado pelo Conselho das Cidades e o
Ministério das Cidades (BRASIL, 2009)
17
.
17
<http://www.cidades.gov.br/conselho-das-cidades/apresentacoes-seminario/Painel%206%20-
%20Palestrante%20Sra%20Ana%20Suassuna.pps/view> Acesso em: 5 out. 2009
59
Quadro síntese e comparativo – Evolução da Agenda Pública Brasileira e da Política da Habitação
Princípio organizador
das políticas públicas
Efeito esperado das políticas Princípio organizador das
políticas públicas de
habitação
Efeito esperado das
políticas urbana e de
habitação
Crise do
populismo
(1960-1964)
Redistribuição Expansão organizacional do
aparato público das políticas;
reformas de base permitem
superar o desenvolvimento
social e a estagnação;
“socialismo ou
subdesenvolvimento”
Criação do Banco Nacional de
Habitação – (BNH) e do
Sistema Financeiro da
Habitação – (SFH).
Acesso ao financiamento
imobiliário.
Autoritarismo
burocrático
(1964-1967)
1967 - 1973
Modernização
conservadora
Crescimento sem
redistribuição
Submeter as políticas públicas
à lógica da acumulação;
reformismo conservador;
expansão dos complexos
empresariais de provisão de
bens e serviços sociais;
desenvolvimento social como
trickledown do crescimento
Acesso à terra [pela] via da
instituição da função social da
propriedade urbana. Criação do
FGTS e do Conselho Curador
Reforma urbana
Distensão e
transição
(1974-1984)
Redistributivismo
conservador:
“Redistribution with
Growth” (Banco
Mundial); primado da
desigualdade sobre a
pobreza absoluta no
debate público
Expansão acelerada dos
complexos empresariais de
bens e serviços sociais com
opção moderadamente
redistributiva
Política habitacional formulada,
financiada e avaliada por uma
agencia federal e executadas
por agencias locais dela
dependentes.
Movimentos sociais
mobilizam ONGs
apresentando projetos por
moradias e regularização
fundiária
(Continua)
60
Quadro síntese e comparativo – Evolução da Agenda Pública Brasileira e da Política da Habitação (continuação)
Nova República
democrática
(a partir de
1985)
Reformismo social-
democrata:
universalismo,
descentralização,
transparência
Redesenhar políticas tornando-
as mais ficientes,democráticas
e redistributivas; ênfase no
modus operandi das políticas;
eliminação do mistargeting
Constituição de 1988 inclui as
diretrizes de indução do
desenvolvimento urbano e da
função social da cidade e da
propriedade. Descentralização
federativa redefine o papel das
esferas administrativas e altera
profundamente a natureza das
relações intergovernamentais
Início dos projetos de
urbanização de favelas e da
instituição das Zonas
Especiais de Interesse Social
(ZEIS) e papel
descentralizado das políticas
urbana e de habitação.
Governo Collor
(1990-1992)
Cesarismo reformista;
reformas como
imperativo de
“governabilidade”
Reestruturação ad hoc e pouco
consistente das
políticas:focalização,
seletividade e redefinição do
mix público-privado das
políticas
Alocação de recursos do FGTS
por critérios de lealdade política
para apoiar o Presidente no
impeachment cria um rombo
financeiro em que entre 1992 e
1995, nenhum contrato foi
firmado entre a União e os
estados ou municípios.
Após impeachment ,
Saneamento do Fundo do
FGTS por intervenção direta
dos trabalhadores (Leis nº
7.839 e 8.036 de 1990)
Governo
Fernando
Henrique
Cardoso
(1995-2002)
Instituir a Boa
Governança; ação
pública como fixação
de regras do jogo
estáveis e
universalistas; primado
da pobreza absoluta
sobre a desigualdade
no debate público.
Focalização, seletividade e
redefinição do mix público-
privado das políticas; restaurar
as bases fiscais das políticas;
políticas compensatórias dos
custos sociais da estabilização
Redução dos recursos
alocados no FGTS.
Mobilização dos movimentos
sociais na busca por recursos
Entre 1995 e 2000, 12 das 44
companhias habitacionais
municipais fecharam devido à
política de não financiamento
do governo Fernando
Henrique (Arretche, 2002)
Estatuto da Cidade (Lei nº
10.257) que regulamenta a
política habitacional
Governo Lula
Federalismo e
descentralização da
Política Nacional de
Habitação
Integração da Política de
Desenvolvimento Urbano
Instituição do Sistema e do
Fundo Nacional de Habitação
Social e do Conselho Gestor do
Fundo
Sustentabilidade e priorização
do Programa Nacional de
Urbanização e Regularização
de Assentamentos Precários
Fonte: Suassuna, Ana. Gestão democrática das cidades: políticas públicas e os desafios da gestão democrática. Palestra. Disponível em:
<http://www.
cidades.gov.br/conselho-das-cidades/apresentacoes-seminario/Painel%206%20-%20Palestrante%20Sra%20Ana%20Suassuna.pps/view> Acesso: em 5 out.
2009.
61
2.4 O déficit habitacional em Goiânia
Mesmo o déficit habitacional sendo realizado pela Fundação João Pinheiro
(1990) de Minas Gerais com uma série de indicadores e reconhecida como
instituição idônea na lida com estatística, a quantificação dos dados relacionados à
carência de habitação no Brasil apresenta-se de modo polêmico entre os diversos
grupos interessados na questão, ou seja, os representantes do setor da construção
nacional, as autoridades governamentais, em seus diversos níveis, e representantes
de movimentos sociais.
Os indicadores fornecidos pelo estudo baseiam-se nas informações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, elaborada e
divulgada pelo IBGE. Os cálculos seguem a metodologia desenvolvida pela
Fundação João Pinheiro (1990).
O estudo sobre o déficit habitacional no Brasil 2007, elaborado pela Fundação
João Pinheiro (1990), em parceria com a Secretaria Nacional de Habitação, do
Ministério das Cidades, aponta que a falta de moradias assume maior dimensão na
região Sudeste, especialmente em São Paulo. No entanto, em termos relativos
(comparado ao número total de domicílios), a situação é grave no Amazonas,
Maranhão e Pará, ao contrário de Paraná, Santa Catarina e Goiás, com os melhores
indicadores (BRASIL, 2009).
Consta no relatório Déficit habitacional 2007, elaborado pelo Ministério da
Cidade e Fundação João Pinheiro,
o conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às
deficiências do estoque de moradias. Engloba aquelas sem condições de
serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de
desgaste da estrutura física. Elas devem ser repostas. Inclui ainda a
necessidade de incremento do estoque, devido à coabitação familiar
forçada (famílias que pretendem constituir um domicilio unifamiliar), aos
moradores de baixa renda sem condições de suportar o pagamento de
aluguel e aos que vivem em casas e apartamentos alugados com grande
densidade de pessoas. Inclui-se ainda nessa rubrica a moradia em imóveis
e locais com fins não residenciais. O déficit habitacional pode ser entendido,
portanto, como déficit por reposição do estoque” e déficit por incremento
de estoque” (BRASIL, 2009).
O deficit habitacional do Brasil, estimado em 2007, é de 6.273 milhões de
domicílios, dos quais 5.180 milhões, ou 82,6%, estão localizados nas áreas urbanas.
Em termos percentuais, corresponde a 11,1% do estoque de domicílios particulares
62
permanentes do país, dos quais 10,8% se referem às áreas urbanas, e 12,9%, às
rurais. Os organismos responsáveis pela pesquisa salientam que esses dados não
devem ser comparados com os de 2006, que “a queda de 1,662 milhão de
domicílios nas estimativas entre esses dois anos é conseqüência basicamente da
consideração, na versão atual, de apenas uma parcela das famílias conviventes
como carente de moradias” (BRASIL, 2009).
Em relação às regiões brasileiras, de acordo com o Ministério das Cidades e
a Fundação João Pinheiro (BRASIL, 2009), o déficit habitacional pode ser assim
analisado:
Numa distribuição regional, grande número das carências, ou seja, 2,335
milhões, 37,2% do total nacional encontra na região Sudeste. Em seguida,
apresentando uma diferença sutil vem a região Nordeste, com 2,144
milhões, indicando 34,2%. É também digna de nota a presença nas regiões
metropolitanas, responsáveis por 29,6%, ou 1,855 milhão do total do déficit
brasileiro.
Apesar da concentração nas regiões Sudeste e Nordeste, o déficit
apresenta características bastante distintas quanto a sua composição.
Enquanto na primeira o problema está localizado eminentemente na área
urbana, na segunda grande parte das carências está na área rural. Na
Sudeste são 2,223 milhões de novas moradias a serem construídas nos
centros urbanos e apenas 112 mil nas áreas rurais. na Nordeste são
1,462 milhão urbanas e 683 mil rurais.
Relativamente, é também bastante grande a diferença entre essas regiões.
Na Sudeste o déficit representa 9,3% do total dos domicílios, percentual
apenas superior ao da região Sul, que é de 7,9%. Historicamente, é onde o
déficit afeta proporcionalmente menor parcela da população. Em situação
oposta estão a Nordeste, com 15%, e a Norte, onde as carências
representam 16,7% dos domicílios. Nessas duas últimas o déficit nas áreas
rurais é superior a 18%.
A situação de moradores da região metropolitana de Goiânia em relação ao
déficit habitacional é de cerca de 8,9% dos domicílios. A média da cidade de Goiânia
é um pouco maior acima com 9,1%, de Aparecida de Goiânia, 8,9% de Senador
Canedo, 8,7% e Trindade de 6,5% dos 3,1% dos moradores da RMG não possuem
a propriedade do terreno (BRASIL, 2008).
De acordo com o Relatório Técnico da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
apresentado ao Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo
(Sinduscon-SP), em 23 de outubro de 2008, sobre o deficit habitacional 2007,
18
18
Disponível em: >http:/www.sindusconsp.com.br/downloads/economia/estudossetoriais/deficithab
2007v.pdf> Acesso: em 5 out.2009.
63
o quadro revelado pela Pnad (2007) mostra avanços importantes na
questão do déficit habitacional. O fato mais positivo refere-se à continuidade
na redução da carência de moradias. Em 2007, pela primeira vez na série
histórica, o déficit foi inferior a 13% do total de domicílios. Mas os resultados
da Pnad 2007 devem ser lidos com grande atenção. Como ocorre com
todas as séries de dados, tanto econômicas quanto sociais, existem
revisões periódicas e calibragem de parâmetros (FGV, 2008).
Ainda, segundo a opinião da FGV (2008),
pode-se dizer que o quadro habitacional brasileiro melhorou
significativamente em 2007, graças ao desempenho positivo da construção
civil. A limitação desse processo está no fato de beneficiar menos os mais
pobres. Os mecanismos de mercado, tais como o crédito habitacional e as
estratégias de crescimento das construtoras, estão fazendo seu papel,
contribuindo com a melhoria do bem-estar da população. Mas as famílias
que estão na base da pirâmide social precisam de algo mais.
Em síntese, o relatório da Fundação Getúlio Vargas propõe uma sugestão
que merece ser destacada neste estudo, uma vez que, sendo uma instituição ligada
diretamente à iniciativa privada, reconhece a importância indelével de políticas
públicas que incluem a participação sensitiva das empresas, mesmo como
pressuposto para o seu sucesso econômico.
Assim, de acordo com a FGV (2008), uma política habitacional mais
agressiva, fortemente direcionada para a população mais carente, constitui um
elemento fundamental para reduzir as desigualdades no país. Avanços são notados
nessa direção, mas ainda são tímidos se comparados com as conquistas
capitaneadas pelo setor privado. Em um período de crise financeira internacional,
em que os investimentos governamentais têm um papel anticíclico, investir na
moradia popular é uma excelente oportunidade, tanto para resgatar uma dívida
social antiga, como para não perder o ritmo de um crescimento econômico tão
duramente alcançado (FGV, 2008, p. 5)
Para a análise do déficit habitacional como desafio do Estado e da sociedade
para conter as desigualdades, é necessária uma releitura sobre as políticas de
habitação brasileira implementadas e gerenciadas verticalmente, isto é, sem a
participação popular. Para avaliar temas de políticas públicas, certamente, o
processo de redesenhar a história da exclusão social é um fator imprescindível.
assim pode-se confirmar que a dimensão de sujeitos pobres dificulta e até emperra a
participação da maioria com o objetivo de contribuir para as reflexões das ações
políticas. Outros fatores, nos rumos que toma a economia, orientada pelo
64
neoliberalismo, os objetivos, quase sempre, consistem e persistem em controlar a
população pobre, negar o seu acesso ao trabalho, o que lhe garante a condição de
seres humanos como sujeitos que pode(riam) fazer sua própria história.
Conforme levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro (1990), em
parceria com o Ministério das Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), revelou que
o déficit de moradias no país, com base em dados de 2005, é de sete milhões e 903
mil residências (Jornal Opção On line, 2009).
A concentração de renda, dentre outros fatores, é fundamental para
caracterizar as desigualdades sociais na realidade brasileira. Essa desigualdade
manifesta-se nos espaços segregados da cidade, em que as deficiências e
carências da habitação constituem, igualmente, o maior problema. A falta de
moradia com dignidade para a população pobre, em Goiânia, segundo Moraes
(2003), corresponde a 92% do déficit habitacional do Brasil.
Para Moraes (2003), os resultados apontam, no plano nacional, um déficit
habitacional que causa espanto, que aproximadamente seis milhões de famílias
precisam de moradias novas, além de haver domicílios com problemas de
infraestrutura básica. Na região metropolitana de Goiânia, constituída de dezessete
municípios, a Agência Goiana de Habitação (Agehab), no ano de 2002, em pesquisa
para definir quantitativos, apontou um déficit de 29.184 novas moradias. Segundo
Moraes (2003), é uma dívida social que vem sendo acumulada ao longo do processo
histórico.
Atualmente, de acordo com o Ministério das Cidades, com base nos dados do
Censo 2000, o déficit habitacional em Goiânia é de 31.540 casas, e, na área rural da
capital, representa 10,5% das moradias na cidade (Jornal Opção On line, 2009).
De acordo com Moraes (2003), a população de Goiânia, segundo Censo do
IBGE em 2001, era de 2.090.581 pessoas, o que mostra que mais de 80% moram
em área urbana e apresentam problemas comuns, com os agravos de sua formação
pela falta de políticas públicas sociais, planejamento, reforma fundiária e controle
sobre o uso do solo.
65
CAPÍTULO III
MOBILIZAÇÕES POR MORADIA EM GOIÂNIA
Neste trabalho, o compromisso é o de possibilitar um outro olhar e contribuir
para reflexão e discussão de temas no que se refere às lutas em busca de moradia
digna, por pessoas à margem da sociedade, que são sujeitos, fazem a própria
história como agentes no processo de luta, e devem ser tratados como pessoas que
têm dignidade, sentimentos, raciocínio. Eles compõem a cidade com suas
diferenças, constroem-na e, completando-se nas lutas por seus direitos, dão à
própria vida e a de seus familiares um sentido especial.
É interessante destacar a opinião de um militante que, ao falar dos
movimentos, indica que a trajetória da luta dos posseiros
pautada numa perspectiva da luta de todas as pessoas que, de alguma
forma, foi excluída, seja do espaço urbano seja do espaço rural na década
de 1970. No meio da década de 1970 para o final da década de 80, houve
uma grande migração das populações da zona rural pras cidades. E Goiás
não fugiu a essa regra. s tivemos um êxodo muito forte do interior para a
capital, e ao chegar aqui essa população não encontrou respaldo do
Estado, dos órgãos públicos, pra poder elas encostar suas moradias. E com
isso foi acontecendo grandes ocupações de variadas formas, de variadas
naturezas, que resultou numa grande mobilização social, aí no final da
década de 1970, com as ocupações que ocorreram nas periferias de
Goiânia [...]. (Melrio)
Esse relato pode-se adequar ao posicionamento de Gramsci (1988), segundo
o qual a estrutura de força exterior que oprime o homem e o torna passivo
transforma-se em mola propulsora de iniciativas das organizações e de
envolvimento das massas como forma de resgate das forças mobilizadoras em
busca da liberdade e do desenvolvimento de um grupo social, o que se quando
seus componentes se propõem a serem sujeitos conscientes e ativos protagonistas
da história. E, no pensamento de Chauí (2005), o direito democrático da vida o
pode ser dissociado da existência do espaço público das opiniões, pois a esfera da
opinião pública contribui para instituir o campo público das discussões, dos debates,
da produção e da recepção das informações pelos cidadãos.
66
A trajetória de lutas por moradia em Goiânia esteve pautada no contexto
político brasileiro das três últimas cadas do século passado. Dos diversos
processos de ocupações da terra urbana para fins de moradia em Goiânia, que
suscitou importantes movimentos, considera-se marco a ocupação do Jardim Nova
Esperança que pode ser compreendida como a organização participativa que
culminou na criação de uma federação organizada, cujas metodologias de ação e
intervenção, espalharam-se pelo território nacional como pressuposto para
mudanças nas políticas públicas de habitação. Ressalta-se que atualmente, esta
federação não mais está na ativa.
3.1 Uma definição de movimento social
De acordo com Tarrow (2009), os movimentos sociais, surgiram durante o
século XVIII, em decorrência das transformações estruturais associadas ao
capitalismo, que precederam a Revolução Industrial, sobretudo o desenvolvimento
da imprensa comercial e os novos modelos de associação e socialização. Tais
mudanças, por si só, segundo Tarrow (2009), não produziram novos
descontentamentos e novos conflitos, mas difundiram maneiras de preparar
reivindicações que ajudaram pessoas comuns a considerarem-se parte de
coletividades mais amplas e no mesmo plano de seus superiores.
Para Santos (2008, p. 39),
os movimentos sociais, provavelmente em razão da mensagem transmitida
de superação das relações de exploração de domínio do homem pelo
homem, passaram a ser vistos como portadores da utopia da transformação
social. Entretanto, convém frisar sua origem fora da esfera produtiva e dos
espaços tradicionais de mediação política, em lugares marcados por
carências de todo tipo, relacionadas ao aprofundamento do Estado
capitalista, a partir de um modelo fortemente concentrador de renda.
Assim, entendendo ser imprescindível a participação dos movimentos como
força expressiva da organização popular diante das diversas formas de opressão
existentes na sociedade, é importante destacar a dificuldade para conceituar
movimentos sociais. Para Melluci (1989), trata-se de um dos campos mais difíceis de
serem definidos, em razão da diversidade de abordagens de difícil comparação, em
virtude dos aspectos empíricos que permeiam os fenômenos coletivos na concepção
de cada autor.
67
Ammann (1991, p. 13) também aponta ser difícil definir o campo dos
movimentos sociais. Segundo a autora,
a noção [de movimentos sociais] em apreço é, até o presente, permeada de
imprecisões e ambigüidades, valendo salientar que, malgrado existam
desde muitos séculos, os Movimentos Sociais recentemente mereceram
a atenção dos cientistas sociais. No início do século XX, o conceito
compreendia quase exclusivamente a organização do proletariado
industrial, isto é, os sindicatos.
Assim, Melluci (1989, p. 57) define movimento social:
Eu defino analiticamente um movimento social como uma forma de ação
coletiva (a) baseada na solidariedade, (b) desenvolvendo um conflito, (c)
rompendo os limites do sistema em que ocorre a ão. Estas dimensões
permitem que os movimentos sociais sejam separados dos outros
fenômenos coletivos (delinqüência, reivindicações organizadas,
comportamento agregado de massa) que são, com muita freqüência,
empiricamente associadas com “movimentos” e “protesto”. Além disso, os
diferentes tipos de movimentos podem ser avaliados de acordo com o
sistema de referência da ação [...].
O que nós costumeiramente chamamos de movimento social muitas vezes
contém uma pluralidade destes elementos e devemos ser capazes de
distingui-los se quisermos entender o resultado de uma dada ação coletiva.
Na formulação de um conceito para movimento social, Ammann (1991, p. 22)
apresenta-o como “uma ação coletiva de caráter contestador, no âmbito das
relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem
estabelecida na sociedade”.
No artigo intitulado Dez teses acerca dos movimentos sociais, publicado na
revista Lua-Nova, Frank e Fuentes (1989, p. 19) analisam algumas teses
relacionadas aos movimentos sociais, sendo interessante citar a segunda:
Os movimentos sociais demonstram muita variedade e mutabilidade, mas
têm em comum a mobilização individual baseada num sentimento de
moralidade e (in)justiça e num poder social baseado na mobilização social
contra as privações (exclusões) e pela sobrevivência e identidade.
Os autores procuram, nessa tese, indicar, com base na variedade de
movimentos sociais existentes, as características comuns que eles apresentam,
como o compartilhamento da força da moralidade e o sentido de (in)justiça para a
mobilidade individual e coletiva de sua força diante da ordem social mundial,
mobilizando seus membros de forma defensiva/ofensiva contra uma injustiça
percebida com base em sentido moral compartilhado.
68
Frank e Fuentes (1989, p. 25) sustentam ainda que a moralidade e a
justiça/injustiça, tanto no passado quanto no presente, foram as forças motivacionais
e sustentadoras dos movimentos sociais. Então, cada movimento social, além de
lutar contra a falta do necessário à vida, acaba por (re)afirmar “a identidade das
pessoas ativas no movimento” bem como daqueles pelos quais o movimento atua,
caracterizando “a vida social da humanidade em muitas épocas e lugares.”
De acordo com Melucci (1989), valendo-se portanto de uma análise empírica,
o movimento social surgiu com a inquietação da massa prejudicada moralmente, ou
seja, privada de direitos sociais ela se mobiliza por meio de organizações criadas
para reivindicar direitos ou lutar contra o sistema opressor.
Segundo Scherer-Warren (1989), a luta contra a opressão se expressa por
meio das mais variadas estratégias, com reivindicações, pressões, apatias ou
mesmo alienação, por vezes, violentas, menos violentas, de forma ativa ou passiva
em prol de libertação, o que exige uma ação ativa.
Assim, para o autor,
quando os grupos se organizam na busca de libertação, ou seja, para
superar alguma forma de opressão e para atuar na produção de uma
sociedade modificada, podemos falar na existência de um movimento social
(p. 9).
É importante destacar a questão do protesto dos movimentos, pois um
confronto contra o sistema político, contra as autoridades, pode resultar em uma
ação política, descaracterizando a ideia de movimento social, posto que as lutas
contra a sistematização geradora das questões podem perder o sentido.
Conforme a concepção de Frank e Fuentes (1989), os movimentos sociais
têm a capacidade de gerar e exercer o poder social por meio de suas estratégias de
mobilizações sociais de seus participantes. E esse poder social provém da própria
ideia de movimento, de articulação e não de uma instituição política, uma vez que
um dos meios de debilitar movimentos sociais é a institucionalização o que muitos
governantes do Estado os nega (p. 26).
No que se refere ao movimento popular de bairro, dadas as circunstâncias da
análise do conjunto de parâmetros socioeconômicos da realidade brasileira,
especialmente da região Centro-Oeste, Ammann (1991, p. 13) considera-o “um
verdadeiro movimento social”. em relação às Associações de Moradores, a
69
autora diz que elas têm um “cunho meramente promocional, não contestatório” (p.
13).
Para a autora,
até aquelas que se organizam para reivindicar melhorias para o bairro,
quando o fazem em forma de ação cooperativa com a ação estatal não
em confronto com ela são movimentos reivindicativos. Não chegam a ser
Movimentos Sociais, pois estes supõem confronto, não a mera cooperação
(AMMANN, 1991, p. 13)
Assim, Ammann (1991, p. 26), assinala que:
os movimentos sociais requerem uma organização flexível, adaptativa e não
autoritária que dirija o poder social na busca de metas sociais, as quais não
podem ser alcançadas por meio da espontaneidade fortuita. Mas esta
organização flexível não tem de necessariamente implicar a
institucionalização, que limita e restringe o poder social destes movimentos.
É assim que estes movimentos sociais auto-organizados enfrentam o poder
(estatal) existente, com um novo poder social, o qual altera o poder político.
Concorda-se com a perspectiva sobre os movimentos sociais, segundo a qual
é necessário compreendê-los como uma proposta de reafirmação da identidade
coletiva, pois os militantes politizados não devem se render ao ideário partidário,
para não correrem o risco de sucumbir à luta, amenizá-la, tornar a meta perigosa,
intransigente, reacionária.
De acordo com a análise de Eder Sader (1988) sobre os movimentos sociais,
na qual valoriza o conceito de sujeito social e histórico, percebe-se a capacidade
que eles têm de criar o sujeito por meio dos próprios movimentos sociais populares.
Em outras palavras, os indivíduos dispersos e isolados vão se reconhecendo à
medida que suas decisões e ações passam a ser decididas em conjunto, criando
uma identidade quando se reavaliam e se definem coletivamente no decorrer do
movimento.
A esse respeito, Santos (2008, p. 40) sugere tratar os movimentos sociais não
“como novos sujeitos ou como nova identidade, mas examiná-los como parte do
fenômeno de socialização da política, com a ampliação de novas formas e espaços
de participação política”.
Portanto, entende-se que o movimento social deve ser consubstanciado no
resgate em comum da moralidade social e da justiça como legado às gerações
posteriores para que possam combater os estigmas de uma sociedade
70
historicamente esfacelada pela centralização do poder.
3.2 Movimentos sociais urbanos no contexto histórico brasileiro do século XX
No Brasil e em toda a America Latina, dada a conturbada conjuntura política,
social e econômica que se instaurou na segunda metade do século XX,
influenciados pela bipolaridade capitalismo/socialismo, os governos instituíram o
regime ditatorial justificando-o pela necessidade de estabilidade política do país ou
de resgatá-lo das ameaças de ideologias tidas como ameaçadoras.
No Brasil, os movimentos sociais, de modo geral, tiveram papel importante na
cidade, desde a década de 1930, sofrendo uma interrupção com o golpe militar de
1964, quando foram impostos à população organizada anos de silêncio.
Para Souza (2004), os movimentos sociais, dependendo do grau de ação e
de suas estratégias, podem provocar transformações nas relações com o Estado,
inclusive de ordem conjuntural e estrutural.
A partir de 1970, a eclosão ou o ressurgimento de numerosos movimentos
sociais suscitaram transformações sociais significativas em todo o continente. No
final dessa década, a sociedade brasileira saiu às ruas para exigir o fim do Estado
ditador, a anistia política, mudanças nos valores dos aluguéis, moradia e muitas
outras reivindicações. Vários movimentos tiveram caráter político de “resistência
popular às condições de vida e do meio ambiente, que são gerados por contradições
imanentes ao próprio processo de acumulação do capital” (MORAES, 2003, p. 187).
Em São Paulo, uma massa de trabalhadores vinculada à indústria
automobilística do ABC
19
paulista desencadeou ações reivindicatórias grevistas, cujo
início ocorreu em 1978 e que continuaram no decorrer da década de 1980,
marcando um processo de resistência. Adentraram esses processos outros setores,
dentre eles, os trabalhadores do serviço público e profissionais de classe média,
como médicos, engenheiros, bancários, que passaram a compor o conjunto de
organizações sindicais brasileiras (ANTUNES, 1992).
Esses trabalhadores fortaleceram sua participação e começaram a ocupar
lugar inédito no espaço das lutas, passando a disputar a liderança com os
trabalhadores da indústria para conduzir o processo sindical rumo à construção da
19
Trata-se das cidades industriais de Santo André, o Bernardo do Campo, o Caetano do Sul.
Posteriormente foi incluída a cidade de Diadema, passando a constituir o ABCD paulista.
71
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com isso, as greves do ABC propiciaram
um fortalecimento aos movimentos sociais na década de 1980.
O movimento desses trabalhadores, com o apoio de setores da Igreja Católica
e as vinculações com os partidos políticos de oposição contra a ditadura na década
de 1980, fez amadurecer “a ideia de formação de um partido político que
representasse o interesse dos trabalhadores e dos movimentos populares”.
(SANTOS, 2008, p. 76). Das articulações das lutas dos trabalhadores da região do
ABC Paulista, surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT), inserido no processo de
redemocratização, a partir da década de 1980.
Também, nesse contexto, houve aumento considerável, após o envolvimento
em greve dos diversos segmentos no sistema sindical (ANTUNES, 1992).
De acordo com Cardoso (1995, p. 196),
esse ciclo de greve marcou o ressurgimento da ação reivindicatória no
Brasil e, apesar das singularidades que caracterizaram cada uma das
paralisações [...] a motivação básica era a compressão dos salários. Os [...]
[trabalhadores] não mais aceitavam uma política salarial que expressava a
superexploração a que eram submetidos no cotidiano.
A autora analisa, ainda, o contexto histórico que deu origem à contestação
dos trabalhadores como um momento de redirecionamento da economia nacional
diante do fracasso do milagre brasileiro, que estabeleceu condições objetivas para o
crescimento da dívida externa em decorrência dos altos índices do Produto Interno
Bruto (PIB) e pela redução das taxas inflacionárias” (Cardoso, 1995, p. 179).
Nenhuma estratégia adotada conseguiu conter a crise ocorrida no país, em
consequência dessas medidas, agravada pela recessão capitalista internacional
afirma a autora.
Santos (2008) trata os movimentos sociais com uma abordagem econômico-
estrutural, considera as lutas decorrentes de aspectos estruturais da sociedade
capitalista e relaciona a origem dos problemas ao capitalismo, sugerindo a
necessidade de “compreender o processo contraditório de desenvolvimento desse
sistema” (p.19).
Para a autora,
a acumulação, a centralização da força de trabalho [concentram-se] nas
cidades, e para isso é preciso garantir as condições mínimas de
sobrevivência que assegurem a reprodução dessa força de trabalho. Por
72
essas análises, os Movimentos Urbanos surgem em decorrência das
carências relacionadas às necessidades dos trabalhadores, que precisam
lutar por condições dignas de vida. Instituições como sindicatos, igrejas,
partidos políticos, associações de bairros podem desempenhar papel
fundamental na eclosão e no desenrolar dos movimentos, porém a causa
que motivou a reunião daquele grupo de pessoas em torno de uma bandeira
será sempre de origem estrutural, isto é, a remuneração insuficiente para o
trabalhador, mas suficiente para garantir a acumulação do capital
(SANTOS, 2008, p. 20).
Continuando sua análise, a autora salienta, também,
a incapacidade do Estado capitalista de atender as demandas sociais
relativas ao fornecimento de bens e equipamentos de consumo coletivo é
ainda de caráter estrutural [...] que acumulação de capital impõe limites
para esse atendimento (p. 20).
Para Cardoso (1995, p. 187), vários movimentos tiveram caráter político, de
“resistência popular às condições de vida e do meio ambiente, [...] gerados por
contradições imanentes ao próprio processo de acumulação do capital”.
Na opinião de Santos (2008, p. 41)
a atuação dos movimentos sociais ocorre paralelamente ao sistema de
representação política. Em geral, agem para pressionar o poder blico no
atendimento de suas bandeiras de luta, colocando-se, portanto, algumas
vezes de forma radical. Especificamente, podem atuar contra as medidas
tomadas pelo poder público. Lidam com valores éticos, morais e
comunitários; estabelecem laços de solidariedade, em substituição aos
conceitos políticos tradicionais, distanciando-se dos tipos tradicionais da
participação em partidos políticos, criados a partir das revoluções burguesas
dos séculos XVII e XVIII.
Constata-se, portanto, que esses movimentos e ações denotam um forte
sentimento de apelo social, e que a dominação do homem pelo homem agravou as
questões sociais. O Estado, por sua vez, nada fez para impedir essa situação. Ao
contrário, os modelos de gestão adotados pelo aparato estatal contribuíram ainda
mais para realçar o quadro de dominação.
De acordo com Gramsci,
as mobilizações da sociedade civil denunciam [...] a crise das velhas
instituições, centralizadas e autoritárias [...] A solução para "a crise
orgânica", para a crise de "hegemonia ou do Estado no seu conjunto",
deveria ser encontrada no reconhecimento da passagem que se operava
nas pessoas, da passividade política para uma certa atividade onde
avançam [nas] reivindicações que [mesmo] no seu conjunto desorgânico
representam a revolução (apud SEMERARO, 1999, p. 239-40).
73
Diante de questões que envolvem interesses privados e bem comum, vontade
individual e vontade geral, autonomia individual e obrigações sociais, entre o direito
de todos e de todas a uma parte da riqueza gerada nacionalmente e os deveres
morais de cada cidadão e cidaem relação aos demais que compõem a nação,
vive-se uma crise profunda que envolve valores, perspectivas, atitudes e
percepções. Superar a crise histórica em que o modo de produção determina a vida
em sociedade é o maior desafio para a população excluída.
Os movimentos populares nos anos de 1970 anos de chumbo
20
referem-se às
lutas isoladas para reivindicarem água, luz, transportes, creches. Esses movimentos
foram apoiados por lideranças de setores de esquerda e também de liberais que
lutavam contra a ditadura imposta, tendo como oponente o Estado. na cada de
1980, Gohn (1991), afirma que houve uma transformação desses movimentos.
Segundo Silva (1989, p. 10), no período desenvolvimentista, baseado na
substituição das importações vivenciado pelos países latino-americanos, houve certa
resistência à mudança em prol da idéia de modernização. Muitos, impelidos pelas
barreiras culturais, "por bolsões de valores culturais em oposição campo (tradicional)
versus cidade (moderno)” rebatiam a necessidade de transformar.
Findo o processo de substituição de importações nos países deres do
continente, a euforia, segundo os autores, foi substituída por um sentimento de
pessimismo, surgindo, assim, uma teoria reversa à teoria da modernização: a teoria
da marginalidade (CARDOSO, 1973, p. 166 apud SILVA et al, 1983, p. 10).
Assim, aspectos negativos decorrentes do processo de modernização
passaram a ser enfatizados e a preocupação passou a ser a população
marginalizada, deixando a maioria excluída do processo. O desemprego urbano e as
favelas eram as duas questões sociais centrais da teoria da marginalidade, que
surgiu em face da não integração de amplos setores populares nesse processo
desenvolvimentista do sistema econômico que se apresenta, às vezes, como
opressor.
Por isso, a questão da integração ou o das camadas socialmente
vulneráveis ao paradigma de crescimento econômico nesse contexto histórico latino-
20
De acordo com Souza e Rodrigues (2004, p. 40), “é comum se falar e se ouvir que os anos 1970
foram “anos de chumbo”. Em 1964, o Brasil entrava para o clube dos países latino-americanos que
tinham como regime político uma ditadura militar. Durante as décadas de 1960 e 1970 em quase
todos os países da América do Sul, os militares estavam no poder [...], cujos regimes políticos foram
extremamente violentos e repressores”.
74
americano significou, no plano político, a oportunidade para a origem dos
movimentos populares urbanos, em virtude da extraordinária força que os
marginalizados representariam na resistência à opressão e segregação dos direitos
segundo a teoria da marginalidade.
Assim, esses estratos das populações urbanas, incluindo-se os migrantes não
incorporados aos sistemas urbanos, mesmo significando uma força geradora de
mudança social, na perspectiva do pensamento sociológico outrora vigente,
prejudicariam a organização e a articulação das forças populares como os
movimentos operários em suas expressivas forças populares contra o arcabouço do
sistema econômico. Silva et al. (1983, p. 11) tratam essa teoria como “noção de
cultura da pobreza”, inserida nos estudos sociais referentes a essa camada à
margem da sociedade.
A análise da dinâmica do sistema econômico em vigência, visto como
socialmente excludente, possibilita a compreensão de que a superação da ideia de
não integração está fundamentada na perspectiva analítica dos diferentes tipos de
produção social e de exploração da força de trabalho nos moldes do sistema
capitalista.
Outro pressuposto para a compreensão dos agravantes problemas eclodidos
nos centros urbanos, que envolviam, sobretudo, a questão econômica e a insidiosa
exploração da força de trabalho, no final da década de 1960, é que,
começa a surgir um tipo de reflexão sobre a questão urbana que reflete de
modo mais imediato a “politização” dos problemas urbanos. Em termos
globais, trata-se de analisar as relações entre o Estado, a planificação
urbana e os movimentos sociais urbanos (SILVA et al, 1983, p. 11-12).
Na América Latina, as populações, imbuídas por um sentimento de injustiça
social, dado o processo de exclusão dos novos paradigmas de produção capitalista,
viam a necessidade de politizarem-se de modo revolucionário para a articulação de
lutas e defesas de direitos, organizando-se coletivamente e se insurgindo contra a
marginalidade.
Segundo o entendimento de Scherer-Warren (1989, p. 8),
na sociedade, tanto no plano individual quanto no plano grupal, as relações
sociais são medidas por relações de poder. O fenômeno da opressão e do
reagir à opressão é uma constante no comportamento humano.
75
Nos anos de 1980, conforme Gohn (1991), os movimentos sociais criados na
década anterior estavam fortalecidos, ou seja, muitos haviam saltado
qualitativamente das “reivindicações isoladas por água, luz, transportes para formas
agregadas mais amplas das demandas populares como foi o caso da luta por
creches, pela moradia, pelos transportes etc “ (p. 12-13).
De acordo ainda com Gohn (1991, p. 13),
embora houvesse um cruzamento intenso de formas organizacionais de
setores das camadas médias (lutas das mulheres, dos estudantes, dos
ecologistas, dos negros etc.) com setores das classes populares (lutas por
equipamentos coletivos, bens e serviços públicos, pela habitação e pelo
acesso à terra), havia alguns denominadores comuns: a construção das
identidades através das semelhanças pelas carências; o desejo de se ter
acesso aos direitos mínimos e básicos dos indivíduos e grupos enquanto
cidadãos; e fundamentalmente, a luta contra o status quo predominante: o
regime militar.
No entanto, a situação político-econômica da década de 1980 foi
fragmentando esses denominadores existentes nos diversos movimentos, tornando
as diferenças explícitas e esfacelando a unidade construída e, também,
intensificando as diferenças político-partidárias. Com isso, houve uma subdivisão
dos movimentos; muitos, não resistindo a essa conjuntura acabaram
desaparecendo, ao passo que outros, ao contrário, “se fortaleceram e retiraram da
crise o amálgama para delinearem novos perfis a exemplo da luta pela moradia”
(GOHN, 1991, p. 13).
A autora esclarece:
o desemprego, o aumento dos aluguéis, a mudança da legislação na área
do solo urbano dificultando a constituição de novos loteamentos populares,
o aumento desproporcional do preço das tarifas de transportes, o
esgotamento dos espaços disponíveis nas favelas etc. levaram às invasões
coletivas de áreas urbanas e a constituição de movimentos de luta pela
moradia (GOHN, 1991, p. 13).
Ainda segundo a autora,
As diferentes formas de luta (pelo acesso à terra, pela regularização da
área, pela posse da terra, pela urbanização da favela, pela construção
através de mutirões, pela reconstrução das casas-embriões populares
financiadas pelo governo, pela construção de conjuntos populares, pelo
rebaixamento das prestações do Sistema Financeiros de habitação etc.),
todas elas iam nascendo posicionadas, ou seja, com caráter e marcas
políticas e/ou partidárias, definidas, segundo o grupo de assessoria a que
se articulavam ou as posições das lideranças populares que assumiram a
76
direção de suas ões. Neste período, os movimentos sociais, de um modo
geral, passaram a estruturar-se em grandes blocos. O movimento sindical
cria a CONCLAT, depois a CUT, a CGT e a USI. O movimento popular cria
a CONAM, a ANAMPOS etc (GOHN, 1991, p. 13).
Ao analisar o processo de redemocratização do país, Canesin (1993),
tomando como foco o movimento dos professores da rede pública de primeiro e
segundo graus em Goiás, considera que o final da década de 1970 foi marcado por
diferentes e importantes momentos, em virtude da eclosão do movimento dos
trabalhadores, com sucessivas greves, que se ampliaram no decorrer da cada de
1980.
Os trabalhadores organizados faziam denúncias, proporcionando à população
visibilidade pelo menos momentaneamente, das péssimas condições de trabalho e
da qualidade do ensino público, bem como das demais políticas sociais. Permitiam,
assim, que essa população visualizasse uma realidade que, até então, apesar de
constatada pela vivência em seu cotidiano, os fazia permanecer quase que
acomodados em um mundo privado.
As lutas por moradia, segundo Chaves (1985), representam, pois, uma forma
de apropriação do espaço, resultado das contradições geradas pelo
desenvolvimento do capitalismo, diante das crescentes necessidades que se
colocam à reprodução da força de trabalho e da política urbana, adotada pelo poder
público. Ela se baseia na inversão de capitais privados e públicos, em direção aos
setores mais rentáveis da produção e do consumo, os quais determinam a
prioridade dos serviços que lhes são destinados, de modo a expandir a produção,
em detrimento das necessidades da classe trabalhadora.
Na cidade, retomou-se a luta pela terra urbana na busca pelo direito de morar
e de ter inclusão. Se, na zona rural, as relações eram estabelecidas na dimensão do
privado, com o poder oligárquico, na cidade, o seu confronto era com o poder
público.
Rolnik (2009) faz uma leitura envolvendo o tripé política, economia e
desenvolvimento social, na década de 1990, tendo em vista a relação Estado-
sociedade e a influência do capitalismo globalizado, tendo como pano de fundo a
questão da moradia no espaço urbano. Para a autora, essa década foi notadamente
marcada pelo debate incessante, envolvendo a sociedade civil, partidos políticos e
77
governo acerca do papel dos cidadãos e suas organizações na gestão das cidades
(p. 2).
Para a autora,
foram anos de avanços institucionais no campo do Direito à Moradia e
Direito à Cidade, a partir da incorporação à Constituição do País, em 1988,
de um capítulo de política urbana, estruturado em torno da noção de função
social da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos de posse
de milhões de moradores das favelas e periferias das cidades do País e da
incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios sobre esta
política.
Estes têm sido – desde o período constituinte – os pontos centrais da
chamada agenda da reforma urbana”, cujos principais proponentes são
movimentos populares, organizações não governamentais, associações de
classe e instituições acadêmicas e de pesquisa organizadas em torno da
defesa da gestão democrática e da promoção do direito à cidade (ROLNIK,
2009, p. 3).
Na última década do culo XX, as cidades brasileiras, sobretudo as
metrópoles, segundo análise de Rolnik (2009), “sofreram os efeitos das reformas
macroeconômicas de caráter liberal” refletindo-se poderosamente na economia das
cidades, ocasionando desemprego “e radicalizando as assimetrias econômico-
sociais existentes anteriormente, como sobre a capacidade dos governos e atores
sociais de enfrentá-las” (p. 3).
Essas transformações de ordem econômica nas cidades foram apoiadas pelo
Estado que, na elaboração de agenda de sua reforma, promoveu
a privatização de amplas áreas das políticas públicas, a proposta de
modernização e downsizing
21
do Estado e a introdução de processos e
métodos de gerenciamento empresarial e governança estratégica,
acompanhadas por um discurso participacionista e de revalorização da
sociedade civil, redefinida como Terceiro Setor (ROLNIK, 2009, p. 3).
Essa década ainda marcou ainda a implantação progressiva do
processo de descentralização federativa, fortalecimento e autonomia dos
poderes locais, propostos desde a Constituição de 1988, [...] limitado tanto
pelos constrangimentos do ajuste macroeconômico como pela alta dose de
continuidade política que o processo de redemocratização brasileira
envolveu (ROLNIK, 2009, p. 3).
Com essa compreensão do contexto da década final do século XX, Rolnik
(2009) entende essa interação de forças como “a combinação particular e perversa
21 http://poupaclique.ig.com.br/materias/171501-172000/171956/171956_1.html
78
destes elementos, em suas relações com a herança pesada de uma lógica de
gestão do território predatória, concentradora e restrita a certos grupos sociais” (p.
4), como imperativo na agenda da reforma urbana. Contudo, salienta que esse
conjunto de forças estrategicamente organizadas, apesar de seus esforços, não
logrou constituir o sustentáculo político sobre a dinâmica estatal, “assim como
relações entre sociedade política e sociedade civil de forma a promover a gestão
das cidades na direção de um espaço mais coeso, includente e sustentável”. Mesmo
assim, esse arcabouço montado “tem sido uma fonte permanente de tensionamento
e inovação cultural introduzida pelos atores sociais, que ampliou do ponto de vista
territorial e político o espaço da democracia brasileira” (ROLNIK, 2009, p. 3-4).
3.3 O movimento dos posseiros urbanos em Goiânia
Na construção de Goiânia, conforme Chaves (1985), ocorreu um processo de
transformar trabalhadores rurais em urbanos, bem como regular e disciplinar essa
força de trabalho assalariada, empregada pelo Estado e/ou empresas. Os
trabalhadores moravam “em acampamentos e galpões coletivos diretamente
controlados pelas empresas construtoras” (p. 223). os embriões das lutas por
moradia, em Goiânia surgiram do processo de ocupação não “planejada”, porém,
consentida e incentivada e “acompanhou toda a história de construção e expansão
da cidade planejada” (p. 226), e a fixação dos trabalhadores e ocupações de áreas
ocorreram nas vizinhanças dos canteiros de obras.
Entre as décadas de 1960-1980, para Chaves (1985), a população de Goiânia
dobrou. Esse crescimento urbano contribuiu para a valorização das terras antes
vazias, que não recebiam benefícios e nem eram reclamadas por seus proprietários.
Com a valorização em decorrência da ocupação gradativa, os supostos donos, com
apoio do poder público, começaram a expulsar dos terrenos os moradores
ocupantes dessas áreas.
A ocupação do solo urbano, no qual se “cria um novo lugar, com
características de uso socioeconômico”, é assim descrita por Santos (2008, p. 55):
constrói-se um novo lugar, incorporando uma área vazia, a espera de
valorização, ou destrói-se um lugar anterior com suas características
socioeconômicas, produzindo um outro, em geral com feições mais
79
homogêneas, dirigido a outra classe social, na maioria das vezes de poder
aquisitivo mais alto.
Em relação às ocupações de posses urbanas em Goiânia, Chaves (1985)
destacam dois argumentos do poder público para proceder à retirada dos
moradores: limpar a área, e garantir a pavimentação exigida pelo crescimento da
cidade.
O primeiro argumento, limpar a área, envolveu as ocupações do Areião, no
início dos anos 1950, do Setor Pedro Ludovico, às margens do Córrego Botafogo e
da Vila Coronel Cosme, surgida nos anos 1960.
O segundo argumento que defendia a destinação da área para a expansão de
benfeitorias
22
envolvia, particularmente, a ocupação denominada Jardim Nova
Esperança. Em virtude da organização de seus participantes, foi nela que ocorreu
intenso conflito com o poder público, que utilizou diversas formas de repressão
policial
23
. Nesse conflito, o movimento dos posseiros urbanos contou com o apoio
expressivo da ala progressista da Igreja Católica que se manifestava de forma
diferenciada nesses momentos.
Diante desse impasse, de acordo com Chaves (1985), a Arquidiocese de
Goiânia pronunciou-se por meio de um documento, intitulado Invasão e violência,
que foi publicado no Diário da Manhã, de 11 de abril de 1980, contendo a seguinte
mensagem:
Por invasores consideramos aqui famílias inteiras que, levadas pela fome e
por outras pressões, deslocam-se do lugar onde moravam e instalam-se
nos espaços desocupados da cidade [...]. A terra de ninguém é do primeiro
ocupante... Se não aparece alguém que tome a defesa dos oprimidos, o
medo, à violência, as ameaças expulsam pela força os migrantes daquele
pedaço de chão, sem o mínimo respeito aos dispositivos do Direito como se
a ação policial pudesse agir, nesses casos, por iniciativa própria [...] Os
proprietários de áreas ociosas, de casas sobre casas, de loteamentos
clandestinos são sempre bem tratados e protegidos porque dispõe de
dinheiro para assegurar seus privilégios [...] o preocupação séria em
resolver essa terrível chaga social [...] Mas ninguém se iluda. Esses ‘restos’
que são a imensa maioria da sociedade, estão tomando consciência de
seus direitos e de sua condição inalienável de pessoas humanas. (apud
CHAVES, 1985, p. 93).
22
Segundo os argumentos oficiais, tratava-se da expansão da indústria e do comércio. Nesse sentido
a “firma Carfepe S. A. iniciou outra ação judicial requerendo 3.000 lotes na área já desapropriada pela
Prefeitura” para tal fim (CHAVES, 1985, p. 92).
23
A repressão policial, conforme Chaves (1985), ocorreu com o uso de cassetete, gás lacrimogêneo
e arma de fogo.
80
Conforme a autora, em outros momentos de sua trajetória histórica, a Igreja
Católica adotou posição conservadora voltada para os interesses da burguesia, com
destaque especial para sua ação no movimento leigo Tradição, Família e
Propriedade. No entanto, após o golpe militar, voltou-se para a direção apontada
pelo Concílio Vaticano II, em 1965, e reforçada na II e na III Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano, em Medelin na Colômbia, em 1968 e Puebla, no
México, em 1979 (CHAVES, 1985).
Nesses espaços de tomada de decisões, a Igreja afirmou seu compromisso,
preferencial pelos pobres e oprimidos. Na concretização de tal compromisso, as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as diversas pastorais (da terra, da
juventude, operária, dentre outras) tiveram um papel fundamental na organização
das classes subalternas, em defesa da justiça social, dos direitos humanos e da
construção de uma sociedade justa e fraterna (CHAVES, 1985; SANTOS, 2008).
As associações de moradores constituíram um espaço de ampliação dessa
organização por ultrapassarem os limites da religião católica e abrigarem todos os
segmentos de credo e tendências políticas. Os setores progressistas da Igreja
procuravam superar o conservadorismo na administração de centros comunitários,
nos quais o assistencialismo era praticado (CHAVES, 1985).
A análise das relações entre setores da Igreja Católica e as questões sociais
no Brasil, nas últimas décadas do culo XX, sobretudo no tocante às lutas por
justiça social, permite a afirmação de que essa instituição se posicionou como
defensora da população marginalizada, diante de um Estado inoperante.
Na opinião de Santos (2008, p. 72),
durante a ditadura militar, a Igreja Católica foi um apoio institucional
importante para os movimentos populares, por intermédio de sua ala
progressista ligada à Teologia da Libertação. Tal atuação foi fundamental
para que os movimentos pudessem se reunir nos bairros, uma vez que lhes
cedia os salões paróquia e dava apoio espiritual e político para as camadas
populares urbanas, que podiam contar com a capacidade organizativa da
Igreja católica.
Os temas da Campanha da Fraternidade idealizados pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e divulgados desde o final dos anos 1960, até
os dias atuais apontam a sensibilidade dessa instituição que se compromete com a
questão dos direitos da pessoa humana, sobretudo dos mais pobres.
As lutas pela moradia na cidade de Goiânia, de um lado, consistiram no ato
81
de ocupar um terreno e nele construir, para garantir e defender o espaço físico da
invasão, de outro, o de empreender um processo de luta pelo seu reconhecimento
social como sujeitos, o que exigiu lutar contra essa identidade social negativa: a de
morador de invasão. A intermediação de setores progressistas da Igreja Católica por
meio de trabalhos educativos, permitiu a mobilização dos indivíduos para
contraporem-se às marcas de carências e, ainda, contribuiu para a compreensão do
processo que os atingia como grupo social..
Esses setores da Igreja também se mobilizaram para uma série de ações com
o objetivo de orientar os moradores com informações na área jurídica, bem como
dos direitos humanos inerentes ao sujeito (SANTOS, 2008).
A organização do movimento de posseiros urbanos de Goiânia teve como
marco a criação da União dos Invasores. Mais tarde, no final da década de 1970,
seu nome foi alterado para União dos Posseiros Urbanos.
Conforme com Moraes (1998, p. 316),
a União das Invasões apoiou todas as invasões que aconteceram em
Goiânia. À medida que buscava consolidar-se como um movimento político
de luta por moradia decente, respeito social e cidadania, 'concluiu-se que
seu nome estava bastante limitado. Em 1984, a União das Invasões foi
rebatizada como União dos Posseiros Urbanos.
Essa alteração não foi, simplesmente, de forma, mas de conteúdo, que
esse movimento marcou a ocupação de uma área vazia na Vila João Vaz, em 1979,
seguida de um intenso confronto entre os posseiros e a polícia, no qual muitas
pessoas foram feridas, causando-lhes, também, danos materiais e morais.
Posteriormente, em 1987, segundo Moraes (1998) foi criada a Federação
Goiana de Inquilinos e Posseiros (Fegip), com a finalidade de lutar para que os
posseiros pudessem gozar dos direitos civis e políticos e cumprir seus deveres como
qualquer cidadão, exigindo que os níveis governamentais “implementasse[m] uma
política de habitação para atender às necessidades de moradia daqueles que
recebiam até doze vezes o salário mínimo legal.” (p. 308)
Como forma de viabilizar sua proposta, ou seja, unir os posseiros para
lutarem pela moradia, a Fegip desenvolveu uma série de atividades de politização
da categoria, com “encontros e seminários, formação e fortalecimento de
organizações comunitárias de base, boletins informativos, estações de rádio
alternativas, um canal de TV móvel e congressos regionais e estaduais”, dentre
82
outras estratégias. Conforme Moraes, (1998, p. 308),
os inquilinos sempre fizeram parte da FEGIP. Embora as organizações que
a precederam não possuíam a "palavra 'inquilinos' em suas siglas, os
posseiros de hoje são, em sua maioria, os inquilinos de ontem”.
Nas décadas de 1980 e 1990, essa instituição buscava nas suas lutas
assegurar o poder político às lutas dos sem-teto. Ela ainda colaborou, fortemente, na
defesa das ocupações locais e procurou fortalecer vários movimentos de bairros,
dentre os quais, o Anhangüera, Finsocial, Jardim Botânico, Jardim das Oliveiras,
Lajeado, Dom Fernando, Parque das Amendoeiras, e, ainda a Associação da Vila
Coronel Cosme.
De acordo com Moraes (1998, p. 308-9), “as atitudes e ações governamentais
para com a Fegip sempre intencionaram o enfraquecimento da organização” que
resistiu “às pressões dos governos estaduais e municipais”. A federação não ficou
vinculada somente aos problemas de Goiânia. Ao contrário, deu suporte a outros
movimentos populares em âmbito nacional, incluindo a criação de organismos que
participaram fortemente da luta pela reforma urbana: Articulação Nacional do Solo
Urbano (Ansur) e o Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM).
Três fatos importantes marcaram a trajetória de luta da Fegip, segundo
Moraes (1998, p. 315):
a formação da União das Invasões União das Terras Invadidas em
1980;
a União das Invasões torna-se União dos Posseiros Urbanos em 1984;
a União dos Posseiros Urbanos torna-se Federação Goiana dos Inqui-
linos e Posseiros (FEGIP) em 1987.
O final da década de 1980 levou a população espoliada pelo processo
inflacionário ao desemprego, aos baixos salários, à falta de condições de
sobrevivência em virtude da concentração de rendas. Por outro lado, com a não
implementação de políticas públicas que respondessem às suas necessidades, essa
população, empobrecida, e com um grau de insatisfação cada vez maior, passou a
organizar-se em movimentos populares contra a carestia, na luta por creches, em
movimentos feministas, nas associações de moradores, de moradia, dentre outros,
em busca de seus direitos.
83
Segundo Moraes (2003, p. 189), a crise no setor da habitação voltada para os
interesses das camadas sociais de baixa ou nenhuma renda obrigou inúmeras
famílias, em sua maior parte proveniente do campo, a organizarem-se em
movimentos na busca do direito à moradia.
3.3.1 O Jardim Nova Esperança: marco da organização social por moradia
digna
A análise do contexto dos movimentos sociais, a partir da segunda metade do
século XX, permite inferir a compreensão da história das classes subalternas, que,
segundo Cardoso (1995, p. 14), não constitui “mero desenrolar de fatos econômicos
e sociais sem finalidade; ela tem uma direção consciente. São os homens que a
constroem ao produzirem os meios de produção e reproduzirem a si mesmos e à
sociedade”.
Para Moraes (2003), o processo de organização dos movimentos sociais pelo
direito da moradia possibilita aos moradores trocarem experiências entre si,
fortalecendo o movimento que passa a fazer a interlocução com o Estado. Seus
atores, de um lado, têm como objetivo buscar solução para a moradia, e, de outro,
visam construir instrumento político de reivindicação e de encaminhamento de luta
que leve ao atendimento das suas necessidades.
Conforme Oliveira (2002), o comprometimento de intelectuais orgânicos na
vida cotidiana das ocupações e a participação dos posseiros moradores contribuiram
para modificar o universo de participantes com a desmistificação/construção da
identidade social de invasores para posseiros, suscitada pela educação popular, que
se constituiu em embrião para uma organização mais consciente na busca de seus
objetivos, a partir daquele momento.
Na concepção desse autor, o êxodo rural diário aumentava e, na área urbana,
também crescia o contingente de pessoas pobres sem meios de sobrevivência e de
adquirir a casa própria. O Estado continuava a ignorar a carência social, não
cumprindo seu papel com projetos de políticas sociais na questão da moradia.
Assim, a solução era a ocupação dos terrenos vazios nas periferias.
Segundo Oliveira (2002, p. 103), no dia 4 de outubro de 1979, a primeira
ocupação coletiva em Goiânia deu-se na Fazenda Caveirinha, o que foi “uma luta
política para construção do espaço urbanizado e com infra-estrutura adequada, com
84
base na própria capacidade de representação junto ao poder blico”. Esse
processo de ocupação é considerado um marco das ocupações coletivas com
significado cultural, contribuindo para as experiências da organização política dos
posseiros: ocupar e resistir para resolver a questão da moradia, no bairro que foi
denominado posteriormente de Jardim Nova Esperança.
Para Oliveira (2002), a estruturação desse bairro foi resultado do movimento
que teve como base conhecimentos da realidade presente e do processo histórico.
Foi a quebra do silêncio e das intensas lutas marcadas pela pluralidade das
identidades, da separação entre Estado e sociedade, da superação da fase das
ocupações individuais.
Como um todo, a dinâmica das relações sociais em Goiânia projetou o
“sujeito do meio popular ao nível político, [...] [foi] o alvorecer de uma nova
experiência social, com a afirmação do sujeito coletivo e organizado” (OLIVEIRA, p.
122), nos movimentos em busca dos direitos.
A autora exemplifica o caso do Jardim Nova Esperança, em Goiânia, que,
desde 1979, consistia, simplesmente, de um grupo de famílias moradoras de aluguel
que, inconformados com a realidade, organizaram-se em grupo para ocupação de
um terreno particular na região Sudoeste da cidade. A ocupação, que se deu de
forma extremamente organizada e coletiva, representou um marco para o
movimento dos posseiros urbanos em Goiânia.
Em dezembro de 1980, a Associação do Jardim Nova Esperança, Moraes
(2003), afirma que todos invasores conclamou para uma assembleia em que seriam
discutidos os problemas relacionados aos posseiros, bem como aos da moradia.
Dessa reunião, nasceu a União das Invasões, em 1981.
A ocupação do Jardim Nova Esperança, no final da década de 1970, foi
significativa para o movimento de moradia em Goiânia já que representou uma
alavanca para o surgimento de uma discussão até então escamoteada pelas
autoridades do Estado, bem como pelo poder blico municipal. Naquela época, os
conflitos urbanos pela terra em Goiânia e as pessoas envolvidas nas reivindicações
eram consideradas lixo pela sociedade. Dessa forma, é importante ressaltar que o
próprio Estado estimulava o surgimento de áreas de posse.
Para Chaves (1985), em Goiânia, a ocupação do Jardim Nova Esperança foi
um marco nas lutas por moradia, que a mobilização em torno da questão chamou
85
a atenção da sociedade e do poder blico para a ausência de moradia, de
cidadania, do respeito a muitas pessoas à margem do desenvolvimento social.
Para a autora, muitas pessoas demonstravam enorme preconceito em
relação às áreas de posse, evitando circular por locais como o Capuava, o Jardim
Botânico. Até a própria região Leste, que tinha uma ocupação histórica, sofria
preconceito. Assim, a ocupação da Fazenda Caveirinha que se constituiu
posteriormente no Jardim Nova Esperança foi um impacto na questão fundiária
urbana do acesso a terra para moradia, passando a ser tratada até mesmo, ainda
que timidamente, como uma questão de Estado. Portanto, havia motivo para
comemoração dos militantes dos movimentos sociais urbanos goianienses.
86
CAPÍTULO IV
ARTICULAÇÃO E MOBILIZAÇÃO DE LUTAS NA VILA CORONEL COSME
Como analisado anteriormente, diversos grupos da sociedade civil aglutinam-
se em busca de uma nova institucionalidade e interlocução com o Estado, atribuindo
papeis próprios de agentes do povo a cidadãos originários de associações para
confrontar, negociar e propor com suas demandas, soluções para as necessidades.
Constata-se no entanto, que muitas dessas organizações o ampliadas mais como
estratégias de aglutinação de pessoas, além de deter o controle sobre os espaços
de discussão política.
Nas últimas duas décadas do século XX, segundo Gohn (1994), existiam no
Brasil três formas básicas de agregação das demandas populares relativas às
necessidades do setor urbano como principais formas de organização popular: as
associações de moradores, as sociedades de amigos de bairros (SABs), as
associações de favelas e as lutas e movimentos, em particular, pela moradia ou por
equipamentos urbanos.
Essas organizações tinham reivindicações e objetivos semelhantes, porém,
divergiam, em decorrência de suas origens, na questão do desenvolvimento
histórico, nas articulações e nas relações sociais tanto internas quanto externas.
Além disso, diferenciavam-se nos métodos utilizados para o encaminhamento das
demandas, dos projetos político-ideológicos e, também, nas configurações de suas
ações no espaço urbano construído.
Analisar o processo organizativo da Associação dos Moradores da Posse
Urbana da Vila Coronel Cosme exige um retrocesso no tempo para confirmar que
essa população não está desligada da realidade. Ao contrário, ela é também uma
parte do todo, resultado de um longo processo da formação histórica do país. Nesse
sentido, julga-se necessário, narrar o processo sutil de articulação dos moradores da
Vila Coronel Comes em forma de associação para fortalecer o combate às pressões
contra a permanência da população na área.
Essa associação de moradores teve sua origem no contexto da
redemocratização da sociedade e na participação de seus moradores no movimento
dos posseiros urbanos, cuja organização ganhou força, apesar de sofrer os
87
rebatimentos de uma administração do Estado dividido, que buscava arrebanhar
parte de suas lideranças para o seu projeto. O movimento cindiu-se com a criação
da Associação de Posseiros Urbanos, vinculada à administração estadual, que se
tornou a interlocutora de parte do segmento dos posseiros urbanos com o poder
público daquela época. Contudo, diante dessa relação não se pode deixar de
mencionar a presença de uma forma extrema de sociedade política, com poder,
tanto de dominação como de consenso, na luta contra o novo e pela conservação
dos que vacilam, consolidando-se por meio da força ou do consenso, como
manifestação do novo para destruir as resistências durante o desenvolvimento
dessas forças, conforme expõe Gramsci (1988).
A intervenção de assessores do governo provocou a divisão do movimento
dos posseiros, porém, os componentes da União dos Posseiros Urbanos não
abandonaram a luta e tornaram-se fortalecidos com a eleição municipal do governo
democrático-popular para o período 1993-1996, justamente no contexto da
articulação para criação
da Associação dos Moradores da Posse Urbana da Vila
Coronel Cosme, em 1993.
Essa forma de organização popular da Vila Coronel Cosme teve como um dos
objetivos a discussão do processo de urbanização daquela área. Com efeito, essa
forma de aliança é resultante do acúmulo de forças dos moradores, seja no
confronto com os pretensos donos da área, seja na luta pela sobrevivência, ou ainda
das discussões nos espaços da Igreja Católica, do Centro Comunitário, local de que
dispunham para refletirem acerca dos momentos vivenciados e na busca de
soluções para as suas dificuldades, bem como na articulação com outras
organizações.
Não se pode deixar de ressaltar o significativo apoio da ala progressista da
Igreja Católica por ocasião da ocupação da área, aos posseiros da
Vila Coronel
Cosme
, conforme salienta um
dos ex-moradores:
fizemos uma triangulação entre os setores avançados da Igreja,
[estudantes] universitários e do Colégio de Aplicação da Universidade
Federal [...] fizemos cursos de alfabetização de adultos para [...] reflexão
mais crítica da realidade (Ariel).
Ao mencionar a mobilização no início da ocupação, final da década de 1970 e
início da década de 1980, um ex-morador relata que se reuniam até quinhentas
88
pessoas, com o intuito de fazerem parte do processo de redemocratização da
sociedade em prol da concretização de direitos proclamados na Constituição Federal
(BRASIL, 1988). Ressalta, ainda,
a participação de alguns moradores da Vila
Coronel Cosme, como militantes no enfrentamento das questões do Jardim Nova
Esperança, no clímax do processo de redemocratização brasileira e também da
transição do nome de União das Invasões para União dos Posseiros Urbanos, o que
conferiu um salto qualitativo no nível de consciência dos trabalhadores e, de modo
geral, dos moradores de posse urbana, como no caso da Vila Coronel Cosme, que
buscava articulação com diversas frentes
24
. O referido ex-morador assim se
expressa: “fizemos uma parceria com a União da Nova Esperança e a união das
invasões na época (Ariel). A Associação do Jardim Nova Esperança também
participou da criação da União das Invasões.
Diante desses fatos é importante apresentar a concepção de Gramsci (1988)
de que a força exterior que oprime o homem, que o torna passivo, se transforma em
meio de buscar liberdade, em instrumento para criar uma nova forma de ética
política tendo, em sua origem, novas iniciativas. É o momento em que a esfera
egoísta e passional, a esfera dos interesses corporativos e particulares, eleva-se ao
patamar da consciência universal, e as classes conseguem elaborar um projeto para
o todo, por meio de uma ação coletiva, com o objetivo de mudar a realidade.
Também vale destacar o argumento de Cardoso (1995), que em sua
concepção, considera que as classes sociais, a luta de classes e a consciência de
classe
existem e desempenham um papel na história e, nessa premissa básica,
segundo a autora, o conceito de classe social subalterna é fundamental para
compreender a organização dos posseiros na cidade de Goiânia e, em particular, a
da Vila Coronel Cosme que para
o enfrentamento das lutas, contaram com o apoio
de parte da Igreja Católica para a implantação do Centro Comunitário na década de
1980.
Os desafios para a permanência na área continuaram, e, com a eleição e
gestão do governo municipal (2001-2004), em Goiânia, tido como democrático-
popular, organizaram-se na luta pela urbanização da área e legalização da
propriedade. Nessa fase, receberam apoio, inicialmente, da União dos Posseiros
24
O termo frente é empregado para indicar as posses urbanas existentes em Goiânia.
89
Urbanos, de estudantes e de professores inseridos no Programa de Direitos
Humanos (PDH) atual PUC-Goiás.
No tocante aos desafios enfrentados para a implementação da associação e
de suas ações, um dos moradores da Vila Coronel Cosme e ex-presidente da
entidade (1993-1996), em entrevista realizada em 2004, relata que, ao assumir a
direção da associação, reuniu a comunidade para registrar a entidade em cartório e
tomar outras medidas:
A gente tava precisando de organizar aqui, , lutar pras benfeitoria aqui
pro setor. Resolvi assumir, tomar a frente; eu registrei a associação tudo
certinho em cartório, Diário Oficial, na Justiça Federal também, na Receita
Federal. Tiramos o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e tudo.
Daí começou nossa luta. Na época, o Darci era prefeito da cidade, tivemos
várias reuniões na Comob; o pessoal fez um projeto aqui pra urbanização e
legalização da área de posse, só que a legalização da área de posse até
hoje não foi possível. A hoje não conseguimos legalizar essa área, mas
benfeitoria a gente conseguiu, asfalto aqui nessa rua, asfalto na rua de
baixo, asfalto na rua da igreja [rua 2], foi uma luta. Assim, pouco a pouco,
agente fomos conseguindo alguma coisa. que aí ficou muito difícil! O
pessoal afastou; todo mundo; era eu. Eu tinha que trabalhar e tudo ficou
um pouco difícil! Acabamos não dando prosseguimento a esse trabalho, a
essa luta. Então, eu me afastei da associação um tempo (Malaquias).
A busca por melhoria da área não se limitou ao asfalto das ruas. Em
setembro de 1995, a posse urbana da Vila Coronel Cosme foi inserida no Programa
Morada Viva de Urbanização e Recuperação Ambiental de Áreas Degradadas
25
(GOIÂNIA, 1995, p. 1). No entanto, esse projeto não foi concretizado, e conforme
especulações dos moradores, a não viabilização desse projeto teve como causa as
divergências existentes entre o presidente da associação e a prefeitura,
prejudicando a negociação, e que os recursos foram desviados para outra área.
Diante do impasse, conflitos internos começaram a surgir entre os associados,
destacando-se a atitude do presidente que optou pelo afastamento do cargo, e
dentre outras conseqüências, desvirtuou-se o real propósito do movimento. Ainda
assim, segundo outro morador, tentou-se, na ocasião, reaglutinar os moradores para
lutar pela urbanização.
25
Esse programa “foi elaborado sob a responsabilidade da Diretoria de Habitação da Comob, com a
participação de técnicos do IPLAM e Departamento de DERMU/COMPAV” (GOIÂNIA, 1995, p. 2)
anexo à carta-consulta ao Pró-Moradia-FGTS para viabilizar o projeto de urbanização de várias áreas
de posse em Goiânia, dentre elas, a da Vila Coronel Cosme. Segundo consta no documento, o
projeto previa a geração de trabalho e renda para a população local inserida em todas as suas
etapas.
90
Vale ressaltar que o ex-presidente da associação justificou a sua atitude
afirmando que, a maioria da população não se interessava muito. Ele ainda afirmou:
Já perdemos o dinheiro que saiu para urbanização dessa área em 1995 (Malaquias).
Além do afastamento do presidente da associação e da frustração por não ocorrer a
possível urbanização, outro fator que contribuiu para o enfraquecimento da
participação dos moradores em seu processo organizativo e na sua luta foi a
ocupação do prédio do Centro Comunitário, durante duas décadas por uma família
que o transformou em residência. Em decorrência, os moradores ficaram sem
espaço físico para a realização de suas atividades.
Em 2002, durante o período de uma nova gestão democrático-popular (2001-
2004), em Goiânia, os moradores dessa posse urbana retomaram sua organização e
luta pela urbanização da área, buscando mobilizar os moradores com o intuito de
retomar a direção da associação. No desenvolver das discussões e, com a
assessoria dos estudantes do Programa de Direitos Humanos (PDH), foi reativada a
associação. A primeira reunião aconteceu no estabelecimento comercial de um dos
moradores, teve como objetivo a retomada do processo organizativo na área de
posse urbana e contou com a presença do presidente da Associação de Moradores
do Bairro Feliz; também teve o objetivo de desvincular dessa associação a da Vila
Coronel Cosme.
Apesar de ser a primeira reunião, estavam presentes 26 pessoas, dentre elas,
três que despontavam como candidatas à presidência da Associação da Vila
Coronel Cosme. Um dos principais articuladores do movimento nos bairros Feliz e
Vila Coronel Cosme, membro da diretoria da Associação de Moradores do Bairro
Feliz, pretendia eleger-se presidente da nova associação. De acordo com a
informação do presidente da Associação de Moradores do Bairro Feliz, na ocasião,
dentre as pessoas que pleiteavam a presidência da Associação, duas pretendiam
candidatar-se ao cargo de vereador nas eleições municipais de 2004, pelo Partido
dos Trabalhadores.
Entretanto, concretizou-se a candidatura apenas do presidente da Associação
de Moradores da Vila Coronel Cosme, cujo processo eleitoral transcorreu
concomitantemente com a discussão da urbanização da área, que foi retomada pela
população desde outubro de 2001, com a assessoria do PDH da UCG. Tais
reflexões foram retomadas após uma visita da Defesa Civil que intimou a Comob a
transferir as famílias que estavam morando às margens do Rio Meia-Ponte, local
91
considerado, por aquele órgão como de risco. Inicialmente, foram relacionadas 18
famílias, e a lista foi entregue à equipe do PDH que atuou naquela área e se
reuniam com aquelas famílias, próximo às suas casas, situadas às margens do rio.
Em uma mesma reunião da qual participaram 44 pessoas, o diretor da Comob
apresentou o resultado do levantamento topo-topográfico
26
contendo o mapa da
área de posse da Vila Coronel Cosme I e II, com o desenho de 378 casas que
abrigariam seus moradores. Trabalhava-se com a hipótese de retirada de 100 a 120
casas, e a tendência era que esse número aumentasse. Ressalte-se que essa área
de posse foi a primeira em que os delegados do orçamento participativo (OP)
27
participaram para determinar as prioridades da região e/ou da população. Quatro
dos seis delegados decidiram que a primeira providência seria entregar a escritura
para regularizar os lotes. Informou-se que fizeram todos a leitura do mapa, com o
objetivo de elaborarem um diagnóstico da área. A reunião realizou-se no dia 11 de
dezembro de 2002
28
.
Conforme diagnóstico realizado a partir da Rua 2, o diretor da Comob,
apontava no mapa a existência de inúmeras casas irregulares chegando a
questionar:
O que fazer com estas casas irregulares para ligar uma rua à outra? Só aqui
na Rua 2, doze casas precisam sair para que seja possível ligar uma rua
com outra, para sair na estrada de ferro teríamos que tirar mais duas casas,
etc. Essa tarefa temos que fazer juntos, muitos não querem sair, mas como
também fazer a urbanização sem tirar as casas? [...]
29
.
No transcurso da reunião, o diretor da Comob apontou a linha vermelha que
indicava a maior enchente ocorrida nos últimos dez anos. Abordou a legislação
26
O levantamento topo-topográfico foi o resultado de uma ação conjunta do PDH com a Comob. Ele
foi executado por uma firma empreiteira e pago com recursos do “orçamento participativo” da
prefeitura municipal. Os estudantes assumiram a preparação dos moradores, distribuindo panfletos
de casa em casa. Também os trabalhadores auxiliaram os estagiários.
27
Segundo Sanches (2002), a origem da proposta do orçamento participativo configura uma nítida
ruptura com o clientelismo na política brasileira, sobretudo, com aquela fortemente marcada pelo
patrimonialismo e pelo autoritarismo burocrático. Surgiu das circunstâncias de formação do partido e
das características marcantes da conjuntura no final dos anos 1980. Foi uma inovação institucional, a
primeira experiência ocorrida na sociedade contemporânea em que uma administração local, nascida
de lutas sociais e de um partido popular e socialista como o Partido dos Trabalhadores (PT), que
criou como mecanismo de gestão democrática e participativa das políticas públicas, instrumento de
participação popular das tomadas de decisões para melhor alocação dos recursos e distribuição de
renda, às regiões mais pobres.
28
Informações obtidas do Diário de Campo 2003/05 da pesquisadora.
29
Trecho extraído da reunião da Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme, do dia 11 de
dezembro de 2002. Informação obtida do Diário de Campo 2003/05 da pesquisadora (UCG/PDH,
2001/2003).
92
federal que define a distância de cem metros das margens do rio para a construção
das casas. Mencionou a possibilidade de uma negociação para diminuição da
metragem da legislação federal (aproximadamente cinqüenta metros) e, ainda, a
necessidade de
uma pesquisa paralela, tendo em vista que a Vila Coronel Cosme tem uma
parte pública e outra privada; que a parte pública a Câmara de Vereadores
aprova e tudo fica resolvido. A parte privada precisa ser desapropriada e
fazer o pagamento a seus respectivos donos. Prefeitos anteriores [...] não
pagaram os proprietários das terras. Significa, portanto, que as áreas
privadas da Vila foram desapropriadas, mas o pagamento não foi feito. Tudo
isso é complicado e demorado. Provavelmente, esta situação só será
resolvida em 2004. Mesmo assim já estávamos fazendo o levantamento das
áreas públicas e privadas. Um [...] é que a urbanização desta área ficará
mais ou menos em torno de 2 milhões de reais [...], cada família em torno
de 15 mil reais. [...] O Ministério Público e a Prefeitura não irão bancar
sozinhos toda esta despesa porque é competência também da Empresa
e/ou dono da estrada [de ferro]. Está sendo aberto um processo contra a
Empresa, para que cumpra a sua parte
30
.
Ao convidar o diretor da Comob para discutir a urbanização da área em uma
reunião que deveria tratar do concurso à presidência, um dos candidatos, que
postulava candidatura e melhoria das condições de habitação, utilizou-se dessa
estratégia para conseguir vantagem sobre seus concorrentes. Essa afirmação ficou
evidenciada no final da votação, ao verificar que esse candidato se sobressaiu como
o mais votado. Apesar da proposição de três chapas para candidatura a presidência,
houve consenso para chapa única, justificado pelo temor da divisão de forças. Com
a participação de 150 moradores, a chapa única elegeu-se em processo que se
pode afirmar como democrático.
Essa atitude político-democrática entre os moradores para eleição do
presidente é salutar ao contexto das lutas. Segundo Gramsci, “as classes
subalternas podem encontrar [...] espaço privilegiado para organizarem [em] suas
associações, articularem suas alianças, [e,] confrontarem seus projetos
sociopolíticos” (apud SEMERARO, 1999, p. 158).
A nova diretoria eleita com a assessoria dos estudantes estagiários do
PDH/UCG passou a discutir o papel da associação, a providenciar a legalização da
sua documentação, então inconclusa, e a discutir o processo de reurbanização da
área como prioridade.
30
Trecho extraído do discurso em reunião da Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme, do
dia 11 de dezembro de 2002, obtido do Diário de Campo 2003/05 da pesquisadora (UCG/PDH,
2001/2003).
93
4.1 O impasse da área de risco e a discriminação social
A dificuldade de fazer avançar o processo de urbanização da área, principal
impasse na questão socioespacial da Vila Coronel Cosme, esteve atrelada às áreas
de risco. Havia algumas habitações situadas às margens do Rio Meia-Ponte, bem
como outras que se localizavam à beira da linha rrea dessa posse urbana, e as
áreas de risco em pautas de discussão da associação.
Assim, se de um lado, os moradores das margens do Rio Meia-Ponte
vivenciaram as pressões da Defesa Civil para sua saída da área durante o período
chuvoso; de outro, os moradores das margens da ferrovia foram intimados
judicialmente pela empresa Ferrovia Centro Atlântica a deixarem suas casas, com a
ameaça de serem retirados à força. Algumas famílias foram removidas para outros
locais distantes da área, outras, para barracas improvisadas com lonas plásticas. Em
decorrência dessas pressões, e temendo a força policial, alguns moradores
deixaram a área, retornando às suas cidades de origem. Outros buscaram formas
alternativas de moradia.
A área de risco abandonada pelas famílias sob a orientação da Defesa Civil
foi posteriormente ocupada por outras que chegaram ao local. Em alguns casos,
essa ocupação deu-se sob a forma de aluguel. A atitude de locar o imóvel pelos
moradores evadidos como saída para fugir da (o)pressão justificada pela ideia de
proteção da vida, pelo risco, foi, ainda, largamente enfatizada na audiência do dia 6
de março de 2005, no Ministério Público.
Nessa audiência planejada, os moradores da Vila Coronel Cosme, munidos
de cartazes, manifestaram seu protesto pela indiferença das autoridades municipais
e estaduais em resolver sua questão de permanência ou não nas áreas tidas como
de risco, em decorrência do período chuvoso. Dessa audiência, participaram o
presidente da Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme, alguns moradores,
o presidente da Comob e o presidente da Agehab na época, a imprensa,
autoridades da Polícia Militar, Promotor de Justiça, engenheiros e advogados
representantes da Ferrovia e também da Emegê, empresa produtora de massas.
Em relação à compra ou locação de imóvel na área da Vila Coronel Cosme,
destaca-se trecho do diálogo:
94
Dr. O pessoal vende Dr. de um pra o outro. A frente é tudo antigo o que
existe é que atrás da linha foi crescendo (advogado).
A Coronel Cosme II, de agora pra frente existe vários moradores que existe
pra frente, da onde foi caída a erosão ali, existe famílias mais novas que
entraram agora, [...] que comprou o direito do outro (morador).
Invasão virou comércio. Invasão é um tipo de comércio, (fala repetida pelos
advogados, engenheiros e promotor).
Segundo informação dos próprios moradores que nós cadastramos no final
do mês passado, tem gente com um mês que habitando (autoridade
da polícia militar)
Que comprou o direito do outro [...] (uma das autoridades).
A alegação do ex-morador, na condição de proprietário do espaço, é que ele
esperava ser ressarcido pelas despesas ali efetuadas, já que todas as economias de
uma vida de intenso trabalho estavam ali aplicados. A análise de Sader (1988)
desmistifica a ideia de comércio em área de posse, de forma generalizada,
envolvendo todos aqueles que a ocupam para morar.
É fácil notar os reflexos cruéis da segregação socioespacial que se expressa
nas situações dela decorrentes, a saber, a idéia de invasão como comércio. Esse
argumento, diga-se de passagem, é extremamente generalizada, pois, mesmo
admitindo-se a ocorrência de alguns casos dessa prática, não pode ser tomada no
conjunto. Assim, pode-se dizer que, se tal argumento é persistentemente utilizado
pelo poder público, não se pode negar que se trata de atitude estrategicamente
discriminatória para lidar com as reivindicações de moradores de áreas de posse, o
que torna mais complexas as tentativas de reflexão sobre a questão fundiária
urbana.
Ao referir-se aos manipulados, Eder Sader (1988) menciona “famílias
operárias [que] procuraram assimilar (com resultados variados) os padrões de
consumos difundidos pela indústria cultural e que os aparentaria à ‘classe média’”.
Na realidade famílias são obrigadas a deixarem suas moradias, e o fator comercial
mencionado pelas autoridades na questão das moradias em áreas de posse e que
de fato acontece, pelo menos em alguns casos isolados, significa uma “absorção
dos padrões dominantes” (p. 110). Por outro lado, reforçando o que foi dito
anteriormente, o se pode deixar de considerar que o argumento de que invasão
virou comércio, utilizados pelos donos do poder é uma forma pejorativa de tratar
essa população, uma estratégia para justificar que ela não tem direito ao espaço.
A busca pela permanência no espaço é um constante enfrentamento diante
95
dos que se dizem donos da área. As autoridades representantes das instituições
públicas, no discurso, atuam em defesa dos moradores. No entanto, são
complacentes com o poder público quanto à exigência de execução de políticas
públicas que atendam às necessidades humanas. Ainda, ao serem chamadas para
participar nos conflitos, assumem uma atitude repressora, defendem a propriedade
privada expressa na especulação imobiliária, em detrimento de uma maioria
excluída de seus direitos, como evidenciado em reunião para tratar sobre a questão
dos moradores das áreas de risco próximos à linha férrea e beira do Rio Meia-Ponte.
A questão da retirada dos moradores da área de risco serviu de pretexto para
as autoridades ampliarem a discussão sobre a questão dos invasores (termos
utilizados constantemente pelas autoridades na audiência) nesse local. O Promotor
de Justiça, com a alegação de existência de riscos à vida de algumas famílias em
virtude das chuvas, respondeu em entrevista à parte à imprensa, quando
questionado sobre qual seria a melhor solução para os moradores: “o ideal [...]
[seria] a retirada desses moradores dali, desde que eles sejam colocados em outro
lugar, e esse é o grande impasse que nós estamos enfrentando”. Contudo,
persistentemente, um membro da imprensa disse: “só que os moradores querem ser
transferidos para outro lugar perto da Coronel Cosme, isso é possível?” O promotor,
em resposta, assim afirmou:
Olha, ali é gente que invadiu terra, e como invasor de terras, também a
gente não pode dar tanta colher de chá assim não! Se a gente arrumar pra
eles ficar em outro lugar longe, eles vão pra longe, ou então, nada feito!
Ainda ao ser questionado pela entrevistadora se concordava ou não que a
retirada da ferrovia talvez fosse uma solução viável que ela atende hoje
basicamente a uma empresa, a Emegê, o promotor respondeu que possivelmente o
assunto seria discutido em audiência naquele mesmo dia.
A discussão acerca da questão da linha férrea e das enchentes do Rio Meia-
Ponte que ameaçaria as famílias, e que, portanto, deveriam ser retiradas das áreas
de risco, ampliou o debate para a questão da moradia da população. Na ocasião, as
autoridades utilizaram o argumento de que a questão invasão constituia prejuízo
para a urbanização goianiense. Por outro lado, evidenciou-se a indiferença das
autoridades em relação ao direito à posse daquela área, posto que, como alegou
96
uma das lideranças da Associação da Vila, algumas famílias habitavam o local havia
mais de trinta anos.
Discutiu-se muito sobre a retirada ou não da linha rrea ou das casas
localizadas às margens, o que acirrou o conflito entre direito e autoridade, essa
última vista como autoritária, que o que se pôde perceber, dentre tantos
argumentos técnicos e econômicos, que a população tinha que compreender e
colaborar. Prova disso é o argumento utilizado pelas autoridades quando um
morador alegou sua fixação no local havia mais de vinte anos, como destacado no
trecho a seguir:
O senhor tinha ciência do que você estava fazendo, que no futuro poderia
estar causando uma série de transtornos não pro senhor. Mas pra outras
pessoas? (advogado).
Não eu não tinha, eu vim da roça... (morador).
Mas o senhor tinha idéia do risco que tava vivendo ali, ? (autoridade da
polícia militar).
Não tinha (morador)
Nem do risco? (autoridade da Polícia Militar).
Nem do risco... (morador).
O trem passando ali pertinho e o senhor nunca percebeu que... (autoridade
da polícia militar).
O interrogatório das autoridades, na audiência que tratava da questão do
risco iminente à vida dos moradores das áreas assim avaliadas, denota mudança da
pauta, sugerindo atitude arbitrária e intransigente dos donos do poder, em relação à
condição indigna de um dos moradores da Vila Coronel Cosme, como expressa no
termo ciência empregado pelo advogado da linha férrea.
Em relação ao diálogo entre autoridades e migrantes, é pertinente usar a
reflexão de Eder Sader (1988) sobre depoimentos de ex-moradores rurais. Mesmo
com todos os problemas existentes na cidade, as vantagens nela oferecida para o
migrante superam as que eles desfrutavam na roça.
Segundo esse autor, o migrante rural
busca as oportunidades de mobilidade social oferecida pela sociedade
urbana. Isso quer dizer que os fundamentos da sociedade tradicional já
estavam corroídos lá mesmo. A migração aparece como tentativa de
melhorar de vida, numa denúncia da deterioração das condições de vida
rural relacionadas com o poder de atração da vida urbana. O fundamental é
saber como é resolvido o trauma da chegada (SADER, 1988, p. 92).
97
Ainda sobre essa questão, faz-se uso também da análise de Santos (2008, p.
67) sobre os estudos de Engels, o qual considera o “Estado como agente de
organização espacial, à medida que agrupa seus súditos de acordo com a divisão
territorial”, e, ao enfatizar que o “Estado como uma força proveniente da sociedade
coloca-se acima dela, se afastando dela cada vez mais”. Segundo a autora, “Estado
e Poder Público não correspondem diretamente à população e se organizam, por
isso, como força armada e instituições coercitivas”. No que tange às lutas de classe,
a autora aponta a participação do Estado que busca atender aos interesses da
classe mais poderosa.
A justificativa do referido morador ante as interrogações expressa a dura
realidade por ele enfrentada para sua sobrevivência e de sua família, inserida no
contexto de uma nação notadamente marcada pelas desigualdades sociais de
classe. Ressaltem-se, em seu relato, as caracterizações de migrante rural diante das
mazelas da cidade socialmente segregada:
Aquele tempo era bem tratado, a linha de ferro era bem arrumadinho, tudo
cheio de friso, e nunca falaram pra gente isso aqui é um risco, o trem é
perigoso e a gente eu vim da roça, dessa forma, eu morava na roça,
chega um ponto que o fazendeiro fala que não tem como tocar roça: “Se
vocês quiser ficar morando aí, pode ficar morando dentro da roça sem tocar
roça”. Sem comer, não tem, vamos embora pra cidade”. Eu vim. Botei minha
mudança em cima dum caminhão tanque sem conhecer Goiânia, parei
dentro do setor dentro da Rua Perdiz, falei: “Pode parar aqui”. chega um
curioso e procurando assim, fala: “Você vai mudar pra onde?” Eu sem
saber, falei: “Vou caçar um barraco pra mim morar”. um senhor bem de
idade que morava ali que é falecido falou assim: Eu tenho um barraco
que alugado e o pessoal vai chegar quinta-feira”. Isso foi num dia de
segunda-feira. “O senhor coloca a mudança do senhor até que o senhor
arruma um barraco pra alugá”. O primeiro barraco que eu morei foi, dentro
de um mês, foi na Vila Viana. surgiu o pessoal que falou: invadindo
umas terra ali, entrando numas terras ali na Coronel Cosme”. E eu sem
saber: Será que invade lá?... (morador).
Insistentemente o poder público e os representantes da linha férrea
submetiam o morador a interrogatórios referentes ao processo de ocupação
(invasão) na Vila Coronel Cosme:
O senhor tem ciência que tava invadindo? (autoridade da polícia militar).
pessoal, invade lá, entrando lá, ocê não tem onde morar vai lá, e
corremo pra lá, então entramo lá, e isso ficou até hoje. Tem o Adolfo que
morava, que trabalhava, todos os funcionário da linha de ferro que tinha o
direito de morar na linha de ferro... (morador).
Que a rede construía a casa pra ele (advogado).
A rede construía, era um pedação. “Ele falou assim”: era parente meu,
98
falou então: Vem morar aqui, faz um barracão de pareia aqui”. fui e fiz, e
isso eu fiz foi assim, comecei com madeirite, até que aí eu comecei a
trabaiá. [...] (morador).
Nessa mesma audiência, outro fator que merece destaque se refere ao termo
invasão. Ao tratar da questão da permanência ou não dos moradores na área de
posse, o então presidente da Agehab (2003), entidade estatal, responsável pela
política de habitação em Goiás, utilizou grosseiramente os termos invasão
31
e
ocupação irregular, na presença dos moradores dessa área presentes nessa
audiência, como se vê a seguir:
nós não aceitamos em momento algum, ocupação irregular, todas, todas,
na nossa gestão na área da habitação nós estamos devolvendo, pegando a
reintegração de posse, e uma vez decidido, é feito o congelamento da área,
ta certo? Eu removendo agora 1.300 famílias de uma ocupação, e vamos
remover, doa a quem doer, [...] inclusive com o apoio da própria imprensa,
umas semanas atrás foi [até] matéria principal de uma nota de capa de
revista, ação do governo. É feita uma avaliação detalhada de cada família,
se não preencher os critérios rígidos nós não atendemos, cerca de mais de
72% das famílias das últimas invasões não receberam moradia, pura e
simplesmente. O governo não é tolerante. Não é omisso. [Quase todas as
autoridades presentes confirmaram em voz alta. É verdade, ele não é
omisso]
32
.
Os argumentos das autoridades e, em particular, do presidente da Agehab
denota uma posição discriminatória dos representantes do Estado em relação aos
posseiros, o que demonstra violação dos direitos humanos e da função social da
terra
33
. As áreas vazias e existentes próximos da vila não foram sequer cogitadas
pelas autoridades para assentar as famílias. Porém, muitos moradores resistiram,
resistem e demonstram sua persistência em permanecer na área. Atualmente, pelo
que se pode observar, muitas famílias estão sendo gradativamente retiradas do local
pelo poder público municipal e levadas para outras áreas distantes, desarticulando o
convívio social, uma vez que as famílias estão sendo assentadas distantes umas
das outras, provocando ruptura social entre pessoas que mantinham convívio afetivo
31
Termo utilizado durante a audiência com o Ministério Público, dia 6 de março de 2003, quando as
autoridades se dirigiam aos moradores da área de posse da Vila Coronel Cosme. (Informações
obtidas de audiovisual VHS).
32
Discurso do presidente da Agehab, na audiência no Ministério Público dia 6 de março de 2003,
(Informações obtidas de áudiovisual VHS).
33
A ferrovia que atendia somente a uma empresa, a Emegê, atualmente esdesativada por decisão
judicial. A área de posse tem, de um lado, uma chácara pertencente à família Jaime Câmara,
proprietária do jornal O Popular e, de outro, aos herdeiros do fundador do Clube Regatas Je à
Imobiliária Tropical, pertencem as áreas vazias. Essas áreas não são cogitadas para o assentamento
daquelas famílias.
99
e cultural. Muitos membros dessas famílias, consoante essa atitude das autoridades,
sofrem impactos psicossociais que afetam drasticamente a autoestima, o que
demonstra a falta de uma política adequada para os novos assentamentos das
famílias, viabilizados pelo poder público. Ressalte-se, também, a necessidade de
intervenção de organização que cuida do respeito aos direitos humanos.
Ainda sobre a audiência em 2003, pode-se dizer que a difícil solução para a
questão da retirada da ferrovia ou dos moradores da área de risco gerou uma tensão
entre os participantes, visto que a saída para o impasse se mostrava complexa.
Contudo, incapaz de solucionarem o problema, as autoridades demonstraram certa
ironia, como se pode perceber no diálogo a seguir:
Calma aí, o [presidente da Agehab] acabou de chegar. Você pode ser o
Salvador da tria, você não é o Sassá Mutema? [risos...] Mas pode ser o
Salvador da Pátria, esse moço é o presidente da Agência Goiana de
Habitação, ele é o dono do talão de cheque moradia, não é isso? Não. É o
cheque moradia, o cheque moradia vai pro pessoal, mais o talão na sua
mão, não ? O canhoto dos cheques que já passou o por ali. [presidente],
por favor nos ajude (promotor).
Em primeiro lugar, quero pedir desculpas pelo atraso, eu tava numa outra
reunião de uma outra ocupação irregular (presidente da Agehab).
O Primavera? vou processar ocês, viu? vou tirar aquele povo de e vou
processar (promotor) [risos]
Vai ser mais um pro meu curriculum [...] (presidente da Agehab).
Outro ponto que merece ser destacado na referida, audiência ocorrida em
2003, é quanto ao número de famílias que seriam retiradas da faixa de domínio da
linha férrea e da beira do rio. No que se refere à retirada das famílias da área para
ganhar a habitação esperada pelos moradores da Vila Coronel Cosme, as
autoridades pressupunham que tal atitude estimularia ainda mais a vinda de novos
moradores, e julgavam ser necessária uma ação repressora mais efetiva, como se
observa na expressão das autoridades:
Quais são as situações críticas? (promotor).
Todas essas são classificadas como alto grau de risco. Se for classificar
prioridades, não há como (autoridade da polícia militar).
O cuidado também que a partir do momento que souber que quem tiver
na faixa de domínio supor que vão ganhar habitação vai triplicar, vai
triplicar. Aí, você tem que ter uma ação pesada em cima. Aí, você tem que
pôr a mão no bolso, cercar, murar, por segurança (autoridade da polícia
militar).
100
doutor nós temos que ver aqui com o nosso ilustre presidente da Comob
se não vai haver lá, padre, pastor todo mundo lá em defesa, ? advogado.
Que é isso? Esse povo é invasor, e como invasor tem que ser tratado
(promotor).
Eu sei disso, perfeitamente, o doutor sabe disso, o nosso ilustre
representante [advogado] sabe disso agora os jornalistas normalmente não
sabe disso (advogado).
Ah, os nossos jornalistas pode por tudo pra cima de mim (promotor).
Esses debates ocorridos na aludida audiência entre o Estado (representado
pelo MP, Agehab e Comob e a força policial), iniciativa privada (linha férrea) e
posseiros da Vila Coronel Cosme, para a discussão dos problemas, apesar de tratar-
se de um tema de suma importância para a população menos favorecida, o deixa
de apresentar o paradoxo entre a expectativa angustiante dos moradores e a ironia
das autoridades no trato da questão.
Em outra análise, nota-se que gestores de instituições estaduais relacionadas
à habitação referiam-se ao termo ocupação irregular como restrição ao direito de
moradia. A expressão doa a quem doer é um pressuposto da desocupação de áreas
pela Agehab, conforme expressou seu representante; referendado pelo advogado da
ferrovia:
Ah, então deixa eu te relatar, aqui nós não temos esse problema, ? Isso
foi fruto de uma decisão política, nós não aceitamos em momento algum,
ocupação irregular, todas, todas, na nossa gestão na área da habitação nós
estamos devolvendo, pegando a reintegração de posse, e uma vez isso
decidido, é feito o congelamento da área, certo? Eu removendo agora
1.300 famílias de uma ocupação, e vamos remover, doa a quem doer...
(presidente da Agehab).
Isso é louvável! [...] (advogado).
Diante do intenso debate, entre justificativas técnicas e políticas em tons
autoritários, quase não se permitiu vez e voz à população, sem representante
judicial, e indefesa. A audiência finalizou sem apontar qualquer alternativa para
solucionar o problema e garantir direitos de cidadania à população moradora da Vila.
Entretanto, ressalte-se que, posteriormente, em virtude dos riscos a que a
população se encontrava exposta, a linha férrea foi retirada por determinação
judicial. Contudo, outro desafio maior apresentou-se no caminho desses moradores:
a linha Leste-Oeste.
Toda a análise acerca do impasse dos posseiros na luta pela permanência e
direito de morar possibilita afirmar que a mobilização é extremamente desafiadora,
101
pois o combate vai além da reivindicação de um direito, ele se esfacela diante da
correlação de forças que se mostra cruel e oponente. Assim, necessidade de
uma maior inteiração e interação, de uma participação maior dos membros
envolvidos e de novos integrantes com o objetivo de fortalecer a ação como
movimento ofensivo/defensivo contra essa injustiça social, proveniente do Estado.
Gramsci (1988) destaca a importância do trabalho político-pedagógico, alicerçado na
busca do coletivo e na união para fortalecer a luta, sem corporativismo.
A Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme passou a planejar uma
série de ações com o intuito de continuar a luta pela reurbanização da área, de
concluir o processo de legalização da associação, além de reclamar o prédio do
antigo Centro Comunitário, retransformando aquele espaço em sede da entidade
para tratar as diversas questões relacionadas aos moradores e à reurbanização da
área. Nesse sentido, recebeu assessoria dos integrantes do PDH/UCG, tendo
elaborado um projeto de reurbanização com a parte arquitetônica do conjunto,
contendo a reposição das árvores às margens do Rio Meia-Ponte, um centro de
educação e de assistência social. Foram ainda elaboradas as plantas das casas
com previsão de espaço para promoção de capacitação profissional, geração de
trabalho e renda. A proposta previa, em 2003, o deslocamento da população
excedente na área ocupada para a área vazia
34
próxima do local, podendo assim ser
ligada à área mais antiga. Desse modo, a proposta poderia garantir a permanência
de todos sem necessidade de remanejamento e de destruição de uma história.
No início da organização da associação, em 1993 os moradores tinham como
objetivo a busca da reurbanização da área, e o elemento motivador foi o projeto
elaborado pela Comob Morada Viva para urbanização e recuperação ambiental
de áreas degradadas. No segundo momento, após sete anos, a associação foi
reativada e teve como instrumento de luta esse projeto.
O mencionado projeto foi elaborado com a participação da população em
interlocução com os órgãos governamentais do município. A diretoria da associação
esteve inserida em todas as fases do projeto, encaminhado ao Instituto de
Planejamento Municipal (Iplam), que, no entanto, não se concretizou.
Segundo Coriolano (2004), um dos elementos primordiais considerados no
projeto foi o de inclusão social. Para tanto, houve um estudo com o intuito de
34
A área disponível ao lado da posse urbana fica na Vila Coronel Cosme; uma parte é de propriedade
do município e, outra, particular.
102
preservar o maior número possível de famílias no local, buscando uma área próxima
que pudesse ser integrada à vila, para onde deviam ser deslocadas as famílias
estabelecidas a 50 m do Rio-Meia-Ponte e menos de 10m da ferrovia e ainda nos
locais nos quais seriam alargadas as ruas. Houve o respeito à legislação federal e
se elaborou uma proposta de compensação da área ocupada por meio da inclusão
de outra, de preservação permanente.
A Avenida Leste-Oeste foi um fator condicionante para a definição do projeto.
A criação de uma via de integração cortando o parque foi a solução utilizada para a
maior integração entre o novo a construir e o velho existente. Situação idêntica
ocorreu com a Avenida Parque que delimita a área de proteção ambiental e o
Parque Linear, que também apresentava uma proposta de integração do espaço. As
vias da vila seriam abertas seguindo o traçado existente, respeitando o trabalho
feito pelos moradores.
Coriolano (2004) afirma que a proposta sugerida, se implementada, teria o
mínimo de impacto ambiental possível. As vias seriam traçadas com base na
topografia do terreno, o que facilitaria o sistema de drenagem, a fim de evitar
problemas como erosões, inundações que prejudicam a preservação do meio
ambiente.
Ainda, conforme Coriolano (2004), para proporcionar lazer e bem-estar à
comunidade, propôs-se a construção de quadras esportivas, campos para futebol,
praça de alimentação, teatro de arena para manifestações da população,
equipamentos de ginástica, pista de skate e parque infantil. Considerando as
diretrizes da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplam), a faixa de 30m,
paralela ao Rio-Meia-Ponte, deveria ser reflorestada com árvores nativas do
cerrado, assim como a faixa de 15 m do Córrego da Onça.
E ainda,
a proposta habitacional segue um modelo de habitação popular com
utilização de técnicas de arquitetura convencionais, onde o valor mínimo da
habitação e o número de casas a serem construídas foram determinantes,
busca-se no projeto a cor para criar uma identidade local do usuário
(CORRIOLANO, 2004, p. 41)
O projeto de reurbanização permitiria, ainda, a implementação de educação
ambiental e outras propostas que fortalecessem e dessem continuidade ao processo
103
de educação em direitos humanos, por meio de oficinas e reuniões na associação
de moradores.
Quanto ao projeto de reurbanização da área, os moradores que dele tomaram
conhecimento concordaram que vai ao encontro de suas necessidades e, se
viabilizado, realmente, poderia promover a melhoria da qualidade de vida. Uns
porém, não acreditam na concretização do projeto. Sentem-se lesados em seus
direitos. Alguns deles afirmaram: "o projeto justamente por ser tão bom é que não
sai do papel mesmo
35
".
Decorridos seis anos da proposta do projeto apresentado à Prefeitura de
Goiânia, as autoridades municipais na época não se manifestaram sobre a
viabilidade ou não, ficando ele esquecido nos arquivos públicos.
Na área não se percebe nenhuma intervenção do setor de habitação da
prefeitura ou do governo estadual para reestruturação das moradias ou
reurbanização da área. Percebe-se a conclusão do condomínio fechado Recanto
das Praças, justamente no local onde estava cogitada implementação do projeto
proposto pelo Programa de Direitos Humanos da Universidade Católica de Goiás.
4.2 A associação de moradores e os desafios para a mobilização
A Associação de Moradores da Vila Coronel Cosme atualmente vive uma
crise diante das dificuldades impostas no cotidiano das lutas.
É bom destacar que a população está exausta e incrédula, em virtude das
expectativas frustradas nos vários momentos, envolvendo atores políticos que
alimentam vãs promessas em relação à reurbanização da área e outras
reivindicações, as quais porém, não passam de promessas de campanhas.
É perceptível a contínua insistência de candidatos em palcos eleitoreiros, em
visitas à área, prometerem solução para a histórica busca do direito de morar, a
regularização da posse e a melhoria nas habitações e estruturas básicas para
homens, mulheres, idosos, jovens e crianças da vila. Muitos moradores perderam as
esperanças de buscarem seus direitos, e os membros da associação encontram-se
dispersos, em virtude dos afazeres cotidianos, das dificuldades da práxis, de
mobilização. Assim, os desafios da moradia persistem na vida da população e na
35
Acervo da pesquisadora 2003/2005.
104
luta pela sua sobrevivência. Ressalte-se, portanto, ser imprescindível a continuidade
dos trabalhos do PDH da UCG na área, não apenas como campo de pesquisa, mas,
por meio de seus estudos, podem contribuir para estabelecer propostas que
intervenham concretamente na realidade, cumprindo seu compromisso social.
Gramsci (1987, p. 21) confere grande importância política e histórica para a
criação
de uma elite de intelectuais [...], [já que] uma massa humana não se
“distingue” e não se torna independente “por si”, sem organizar-se (em
sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem
organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-
prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas
“especializadasna elaboração conceitual e filosófica”. Para ele, o caminho
da criação dos intelectuais pode ser longo, difícil, [e] cheio de contradições,
que essa figura tanto pode agir para transformação quanto para a
reprodução da sociedade vigente.
No entanto, não se pode perder de vista que a população tem um saber. Ela
conhece o objetivo que deve ser alcançado, porém, por não dispor de uma
organização efetiva, fica difícil aglutinar-se para viabilizar seus projetos. “Fraco, com
fraco não nada”, fala um dos moradores. Assim, as suas ações caminham na
direção de eleger e promover políticos que, no entanto, se utilizam da população
para conseguir adesão e apoio para projetos pessoais. Lembra Gramsci (1988) que
as massas não têm partido, o seu partido é o da fidelidade.
Ocorrem atualmente, mudanças nas formas de articulações dos movimentos
populares que se institucionalizaram assim como nas lutas coletivas (GOHN, 1994).
Entende-se haver um aparente consenso de que a intervenção neoliberal nas
sociedades é a grande responsável pela desarticulação e desestruturação das
formas de organizações sociais. As organizações não governamentais, tidas como
parceiras do Estado na busca das melhorias, parecem representar uma nova
modalidade de manifestação popular como meio de buscar transformações. Fala-se
agora em negociação e não mais em confronto com o Estado, como alternativa para
consolidação das propostas.
A institucionalização dos movimentos é uma outra novidade no campo das
lutas populares, bem como uma maior influência político-partidária, muitas vezes
justificada pela proposta de facilitação dessas negociações em favor dos grupos
reivindicadores e propositores. Trata-se de fatores que favorecem o deterioramento
105
das ações coletivas de luta. Maria da Glória Gohn
36
, em entrevista ao jornal IHU On-
Line em 2003, relata que, a partir do final dos anos 1990,
muitos movimentos se transformaram em ONGs ou se incorporaram às
ONGs que os apoiavam. [...] Criou-se uma nova gramática, onde
mobilizar deixou de ser para o desenvolvimento de uma consciência critica
ou para protestar nas ruas. Mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar
e organizar a população para participar de programas e projetos sociais, a
maioria dos quais vinha totalmente pronta e atendia a pequenas parcelas
da população. O militante foi se transformando no ativista organizador das
clientelas usuárias dos serviços sociais. Como todo ciclo, ele também se
fecha e se esgota as políticas neoliberais que passaram a desaguar ao final
da década de 1990, em termos de sua legitimidade inicial, junto as camadas
médias e partes das elites [...].
Pode-se então dizer que a realidade da Associação da Vila Coronel Cosme é
o reflexo do que ocorre no plano macro da sociedade brasileira.
No que tange à regularização de área de posse, a Medida Provisória 459,
de 25 de março de 2009 (BRASIL, 2009) criou um marco legal para a regularização
fundiária de áreas urbanas cujos pontos principais o divulgados na cartilha de
divulgação do Programa Minha casa Minha Vida, podem ser assim lidos:
Compete ao Poder Público:
Implementar a infraestrutura básica;
Demarcar áreas ocupadas e conceder título de legitimação de posse aos
ocupantes;
Empreender a regularização fundiária junto com associações de
moradores e beneficiários,
e estabelecendo:
Procedimento para o usucapião administrativo;
Critérios para a regularização fundiária de interesse social de áreas
situadas no interior de Áreas de Proteção Permanente, desde que a
regularização traga melhorias ambientais
Esse documento, enfatizado pelo Programa Minha Casa Minha Vida
contribuiu para que as ações do poder público municipal e do Ministério Público
apressassem a tomada de decisão em prol o só da regularização fundiária e da
permanência das famílias na área, mas da sua inclusão no programa que traz em
seu escopo a distribuição de renda e a inclusão social (BRASIL, 2009b).
36
Os movimentos sociais no Brasil: novos atores sociais? Entrevista com Maria da Gloria Gohn. In:
IHU On-Line (2003). Disponível em: <http://www.unisinos.br>. Acesso em 10 de outubro de 2009.
106
Contudo, é importante que a população aja rapidamente e pressione as
autoridades de forma bem articulada, pois, ao que se sabe, com base em
informações obtidas do PDH da UCG, a população está em pânico, que as suas
reivindicações, ao longo de quarenta anos nunca obtiveram êxito, diante da política
segregadora em Goiânia, vista a como institucionalizada, desde 1933, conforme
Moraes (2003).
A tensão da população fundamenta-se nas diversas visitas surpresas do
Secretário de Habitação, Iram Saraiva, às casas das famílias na Vila Coronel
Cosme, intimidando-as com pressão a se mudarem da área. Ainda como forma de
convencer e assegurar o deslocamento das famílias contra a vontade delas, os
representantes do poder público municipal estrategicamente elaboraram um
cadastramento das famílias que deverão mudar-se, ressaltando que algumas já
foram transferidas do local, até debaixo de chuvas. Ainda segundo o PDH/UCG, as
estratégias também envolvem a presença de empresas terceirizadas pela Prefeitura
de Goiânia, como o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idetech)
que, com o pretexto de desenvolver atividades de educação ambiental (saúde,
vigilância sanitária, saneamento), atuam na área convencendo a população a
mudar-se do local considerado extremamente insalubre. Finalmente as incansáveis
tentativas de diálogo com o atual presidente da Comob são frustradas, já que
assessores de seu gabinete se negam a marcar audiência para receber a
associação de moradores.
Por tudo isso, a associação, com assessoria do PDH/UCG está elaborando
um documento de denúncia ao Ministério Público no qual expressa sua insegurança
e indignação em relação à omissão do poder blico no cumprimento do dever de
garantir o direito à moradia aos posseiros dessa área. Alega, ainda, que a
especulação imobiliária tem avançado cada vez mais no espaço, com edificações de
condomínios residenciais verticais, às margens do Rio Meia-Ponte, portanto até
licença autorizada pelo governo municipal (Alvará de Licença 2.057/2008) para a
construção do Recanto das Praças Residenciais, pelas empresas Polo Imóveis e
Imobiliária Tropical, contribuindo para o processo de expulsão dos verdadeiros
moradores da área.
Assim, deve-se insistir na politização de cada morador, homem, mulher,
jovem e criança, como forma de desalienação e, ao mesmo tempo, de inserção no
107
contexto de uma nova compreensão da realidade. Trata-se, portanto, de uma busca
geral pela conscientização dos direitos diante de várias privações.
Como afirma Maricato (2001), o desafio que se apresenta para a sociedade
excluída é o de se empenhar na busca de informações, de conhecimentos, e o que é
essencial, de socialização das produções e das análises, de sistematização das
políticas, para que haja inclusão da sociedade que demanda moradia. Para tanto,
deve haver participação em movimentos sociais, contribuindo para a discussão e
elaboração de políticas públicas sociais.
Outra justificativa não menos importante para a resistência e a persistência na
busca em conjunto, como comunidade, é a formação da identidade. As pessoas com
sua história, seus valores, anseios, inquietações, sonhos, se organizadas em grupo,
criam força em comum, promovem a identidade de grupo. Como resultado, pode
haver uma potencialização da participação para ação e reação contra um sistema
que as subestima.
Em suma, é imprescindível o apoio da sociedade, do poder público, das
universidades, para evitar o desmantelamento da teia de relações socioculturais e
econômicas criadas pela população da Vila Coronel Cosme, e por outras
comunidades sobreviventes em posses.
Ressalte-se que a luta dos moradores da Vila Coronel Cosme se fundamenta
na proposta legal de permanência na área, em um lugar que antes não existia e se
tornou referência para a vida de todas essas pessoas. Retirá-los da área significa
ferir seus direitos humanos e sociais que o local sugere possibilidades de vida
melhor para todos que ali construíram e constroem, no cotidiano, os laços familiares,
sua identidade, sua história.
O viver na cidade é uma luta contínua, uma luta pela vida. A forma como essa
população elaborou suas trajetórias chamam nossa atenção. Por muitas vezes em
uma disputa desacreditada, fez-se presente na cidade, interferiu em sua dinâmica,
questionou e mudou rumos de acontecimentos, estabeleceu as mais diversas
estratégias no sentido conquistar dignidade, respeito, quebrar barreiras, demonstrar
a seriedade de como a questão política precisa ser tratada. O olhar ansioso sobre si
mesmo, sobre a cidade e os sonhos de construir sua moradia na Vila Coronel
Cosme, se tornou pesadelo tanto pelos esforços, como pelos sofrimentos nas lutas
diárias, ao longo dos anos.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação possibilitou reflexões sobre a problemática da urbanização
brasileira, da segregação do espaço goianiense, bem como da importância das
reivindicações por direitos sociais de uma maioria excluída das benfeitorias do
Estado. A análise sucinta do processo de organização de movimentos, com
destaque para o dos posseiros urbanos de Goiânia, demonstrou que a sociedade,
quando articulada coletivamente e quando os membros se compenetram da
necessidade conjunta e participativa, muito contribui para minimizar os impactos do
processo de exclusão social.
O estudo permitiu compreender que a ocupação da área de posse da Vila
Coronel Cosme pelos moradores, assim como outras áreas de ocupação não
legalizada, constituiu-se como única alternativa para essas famílias morarem na
cidade em busca da sobrevivência. Entende-se que, para os segmentos
pauperizados da força de trabalho, sua inserção se nas ocupações mais
desfavorecidas do sistema produtivo. Como forma de assentamento, as ocupações
não estão estabelecidas por razões conjunturais. Sua origem, permanência e
expansão são geradas por fatores macroestruturais.
É possível afirmar que os ocupantes das áreas de posse, em Goiânia
contaram com o apoio da Igreja Católica, em particular, os da Vila Coronel Cosme, o
que foi de grande importância para a sobrevivência dos moradores que tiveram na
construção do Centro Comunitário o seu ponto de sustentação. As reuniões e
mutirões possibilitaram acúmulo de forças para o processo organizativo e busca de
estratégia para viabilizar que essa população excluída tivesse garantido o direito de
um espaço para morar. Pode-se dizer que a Igreja Católica, uma instituição outrora
vista como opressora, no Brasil, nas últimas décadas contribuiu fortemente para a
luta contra as injustiças sociais e pelos direitos humanos.
Destaca-se, também, nesse processo, o papel das duas universidades
goianienses: a UFG e a atual PUC-Goiás. No entanto, de acordo com o estudo e
com as observações empíricas, pode-se dizer que, no primeiro momento, os
moradores receberam o apoio dessas instituições e da extinta Fegip; no segundo,
com a eleição dos governos municipais democrático-populares, centraram o
109
interesse pela tentativa de reurbanização da área e, até o momento atual, não
obtiveram êxito.
Do transcurso das abordagens trazidas pela monografia (2005) e atualizadas
nesta dissertação, pode-se afirmar que apesar do processo de articulação para
viabilização da Associação dos Moradores da Vila Coronel Cosme como expressão
de luta, sua população, mesmo com os avanços, não conquistou o direito à moradia
e permanência na área. Entende-se que tal fato pressupõe a existência, de um lado,
de um hiato entre as aspirações da população e a realidade de implantação de um
projeto de reurbanização em face da complexidade estrutural e histórica dos
problemas enfrentados pelos moradores da área; de outro, o poder público resiste
ao seu compromisso social de garantir direitos fundamentais expressos na
Constituição Federal como o da moradia.
Diante das abordagens sobre a trajetória dos movimentos sociais e em
particular, das pressões populares pelo direito de morar, pode-se dizer, de modo
geral, que um dos grandes desafios a este novo século pode ser a questão da
urbanização. Portanto, é imprescindível que a sociedade, diante das especulações
do espaço urbano e da questão socioespacial, busque formas de articulação e
mobilização para formulação de novos paradigmas para as políticas de gestão das
cidades, tendo em vista a responsabilidade social e a sustentabilidade.
As políticas de gestão de cidades capitais a exemplo de Goiânia, precisam
priorizar estratégias de planejamento e execução que primem pela transformação do
espaço de forma democrática e ambientalmente responsável. Para tanto, deve haver
a promoção de políticas públicas que visem a obtenção de resultados impactantes
que possibilitem a eliminação das desigualdades sociais, nas práticas de
discriminação em todas as suas formas da segregação de indivíduos, grupos sociais
e comunidades, em razão dos tipos de moradia e localização dos assentamentos em
que vivem.
Os movimentos sociais, velhos e novos foram importantíssimos para o
processo de redemocratização do País, pois, ao reagirem contra as formas de
dominação e à opressão do Estado capitalista viabilizaram transformações
socioeconômicas que impactaram a sociedade com a consolidação da Constituição,
tida como a Carta Cidadã. No entanto, as transformações ainda vão ocorrendo,
surgindo novas necessidades a serem garantidas, além da moradia: a saúde e a
educação de qualidade, o trabalho e o lazer, dentre outros. Novas formas de lutas
110
sempre existirão quando os direitos sociais forem violados com prejuízos para a
população; novos militantes entrarão em cena com o objetivo de contribuir para
promover as mudanças necessárias em prol da coletividade, sobretudo dos
marginalizados, como forma de garantir justiça social.
Assim, as lutas pela moradia na cidade de Goiânia, a exemplo das
articulações reivindicatórias da Vila Coronel Cosme, mesmo em forma de invasão,
sugerem a necessidade que grande parcela da população tem de manifestar contra
o reconhecimento social, como sujeitos inseridos no processo histórico
segregacionista da construção da cidade.
A história particular de cada uma das pessoas da área de posse da Vila
Coronel Cosme representou, para a pesquisadora, uma experiência rica em
conhecimento e vivência com uma outra realidade, o que nos possibilitou identificar,
o que mais tem afetado a muitos brasileiros e brasileiras: o desemprego estrutural, o
desrespeito à vida, a falta de alimentação, o difícil acesso à educação e a moradia
digna. Espera-se que este trabalho possa, ao lado de outros, contribuir para quem
ainda não conseguiu ter um olhar diferenciado, ver além das aparências, que a
abilização de novas pesquisas pode responder a questões de como se dará a
atuação de lideranças em movimentos sociais, frente às lutas e desafios do século
XXI.
111
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