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FACULDADE DE TEOLOGIA
MESTRADO EM TEOLOGIA
RUY ALBERTO KAERCHER
SECULARIZAÇÃO, MATRIMÔNIO E FAMÍLIA
NO ENSINAMENTO DE JOÃO PAULO II E
JOSÉ KENTENICH
Porto Alegre
2009
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RUY ALBERTO KAERCHER
SECULARIZAÇÃO, MATRIMÔNIO E FAMÍLIA NO
ENSINAMENTO DE JOÃO PAULO II E JOSÉ KENTENICH
Dissertação apresentada à Faculdade de
Teologia, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Teologia, Área de Concentração em Teologia
Sistemática.
Orientador: Prof. Dr. Mons. Urbano Zilles
Porto Alegre
2009
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RUY ALBERTO KAERCHER
SECULARIZAÇÃO, MATRIMÔNIO E FAMÍLIA NO
ENSINAMENTO DE JOÃO PAULO II E JOSÉ KENTENICH
Dissertação apresentada à Faculdade de
Teologia, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Teologia, Área de Concentração em Teologia
Sistemática.
Orientador: Prof. Dr. Mons. Urbano Zilles
Aprovado em ...... de ....................... de ............, pela Comissão Examinadora
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
3
RESUMO
Através de uma análise de conjuntura do matrimônio e da família constata-se que estas
instituições sofreram e sofrem muitos ataques através do processo de secularização. A
ideologia de gênero se abate de modo especial sobre estas instituições. Na perspectiva do
ensinamento de João Paulo II e na obra de José Kentenich apresenta-se uma visão cristã do
homem e da mulher no matrimônio e na família. É no sacramento do matrimônio que o amor
entre um homem e uma mulher encontra sua plena realização para a edificação da família.
Inspirando-se na Família de Nazaré, participando da Eucaristia, em diálogo fecundo e
permanente, estas instituições constroem a Igreja doméstica e a Civilização do Amor.
Matrimônio e família estão intimamente unidos com a Civilização do Amor. Se a primeira via
da Igreja é a família, a Civilização do Amor é a via da Igreja.
Palavras-chave: Matrimônio. Família. Ideologia de Gênero. Cultura da Vida. Eucaristia.
Diálogo. Civilização do Amor.
4
ABSTRACT
This study has aimed at analyzing the situation of marrige and family in view of the
strong process of secularization that these institutions have been undergoing. The ideology of
gender has especially hit these two institutions very hard. The Magistery of Pope John Paul II
and the Joseph Kentenich’s work point to the christian view of the roles of man and woman in
matrimony and family: it is in the sacrament of matrimony that love between a man and a
woman is fully accomplished, regarding the building up of the family. Under the inspiration
of the Family of Nazareth, by fruitful and permanent dialogue, these institutions make up the
domestic church and the Civilization of Love. If the ground of the Church is the family, then
the Civilization of Love is the ground of the Church.
Key words: Matrimony. Family. Ideology of Gender. Culture of Life. Eucharist. Dialogue.
Civilization of Love.
5
SIGLAS
AA - Decreto Apostolicam Actuositatem
AAS - Acta Apostolica Sedis
ASFAN - Às segundas feiras ao anoitecer
CA - Carta Encíclica Centesimus Annus
CEC - Catecismo da Igreja Católica
CHL - Exortação Apostólica Christifideles Laici
CIC - Código de Direito Canônico da Igreja Católica
DCE - Carta Encíclica Deus Caritas Est
EE - Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia
EV - Carta Encíclica Evangelium Vitae
FC - Exortação Apostólica Familiaris Consortio
FSV – I - Família Serviço à Vida - Volume I
FSV – II - Família Serviço à Vida - Volume II
GrS - Carta às Famílias Gratissimam Sane
LEXIKON - Lexikon para a família
LFPMEC - Linhas fundamentais de uma pedagogia moderna para o educador católico
MD - Carta Apostólica Mulieris Dignitatem
PMM - Pedagogia mariana do matrimônio
PSL - Palestras sobre o santuário-lar
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................08
1 O SECULARISMO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO....................................09
1.1 UMA LEITURA DO FENÔMENO...................................................................................09
1.2 O MATRIMÔNIO E A FAMÍLIA NO SECULARISMO.................................................19
1.3 A IDEOLOGIA DE GÊNERO (GENDER) .......................................................................22
1.4 OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA............................................................................28
1.5 O RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS.......................30
1.5.1 As Propostas de Legalização das Uniões Homossexuais............................................31
1.6 OUTROS TIPOS DE FAMÍLIA........................................................................................34
2 UMA VISÃO CRISTÃ DO HOMEM E DA MULHER NO
MATRIMÔNIO E NA FAMÍLIA......................................................................................39
2.1 A COMUNHÃO DE ALMAS ENTRE O HOMEM E A MULHER
NO MATRIMÔNIO...........................................................................................................41
2.2 A INTEGRAÇÃO DO EROS E DO ÁGAPE NA RELAÇÃO ENTRE
O HOMEM E A MULHER................................................................................................42
2.3 O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO COMO PLENA REALIZAÇÃO
DO AMOR CONJUGAL ...................................................................................................47
2.4 A MISSÃO E TAREFA DO HOMEM NO MATRIMÔNIO E NA FAMÍLIA................50
2.5 A TAREFA E CONSCIÊNCIA DE PAI............................................................................51
2.6 A IDÉIA ORIGINAL DA MULHER NO ÂMBITO DA CRIAÇÃO...............................52
2.7 A MISSÃO E A TAREFA DA MULHER NO MATRIMÔNIO E NA FAMÍLIA...........56
2.8 FAMÍLIA: SERVIÇO A VIDA .........................................................................................59
2.8.1 A Dimensão Social da Família......................................................................................61
2.8.2 A Dimensão Eclesial da Família...................................................................................63
2.8.3 A Família como Construtora da Civilização do Amor...............................................66
7
3 É POSSÍVEL NUM MUNDO PÓS-MODERNO UMA
ESPIRITUALIDADE CONJUGAL E FAMILIAR?.......................................................69
3.1 A CENTRALIDADE DO FILHO NA VIDA MATRIMONIAL E FAMILIAR ..............70
3.2 A EUCARISTIA COMO ÁPICE DA VIDA CONJUGAL E FAMILIAR .......................73
3.3 O DIÁLOGO COMO FONTE DE COMUNHÃO NA VIDA CONJUGAL
E FAMILIAR .....................................................................................................................75
3.4 FAMÍLIA IGREJA DOMÉSTICA ....................................................................................79
CONCLUSÃO.........................................................................................................................84
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................86
8
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho de pesquisa é discorrer sobre visões díspares do matrimônio
e na família, bem como apresentar uma imagem cristã do homem e da mulher, e, ao final,
apresentar propostas para uma vivência conjugal e familiar diante do processo de
secularização que se verifica na sociedade atual.
Na introdução da Exortação Apostólica Familiaris Consortio João Paulo II afirma:
A família nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido
posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e
da cultura. Muitas famílias vivem nesta situação na fidelidade àqueles valores que
constituem o fundamento do instituto familiar. Outras se tornaram incertas e
perdidas frente a seus deveres, ou, ainda mais, duvidosas e quase esquecidas do
significado último e da verdade da vida conjugal e familiar.
1
Para atuar de modo eficaz junto ao matrimônio e a família, é necessário conhecer-lhes
a realidade, pois são fundamento da sociedade do Estado e da Igreja. A FC insiste que: “A
Igreja, para cumprir sua missão, deve esforçar-se por conhecer as situações em que o
matrimônio e a família se encontram hoje”.
2
É certo que o presente trabalho de pesquisa não
vai esgotar toda a complexa realidade destas importantes instituições, e nem este é nosso
propósito devido aos limites impostos a este tipo de estudo. O que se propõe é uma análise
das complexas realidades que se abatem sobre o matrimônio e a família.
No primeiro capítulo apresentará uma visão do matrimônio e da família no âmbito do
secularismo. O segundo capítulo irá apresentar uma visão cristã do homem e da mulher na
realidade do matrimônio e da família, na perspectiva dos documentos do pontificado de João
Paulo II e na obra do padre José Kentenich, fundador da Obra Internacional de Schoenstatt. E,
finalmente, o terceiro capítulo apresentará algumas propostas e considerações para uma
vivência conjugal e familiar cristã frente ao processo de secularização.
1
FC, 1.
2
Id., 4.
9
1 O SECULARISMO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO
1.1 UMA LEITURA DO FENÔMENO
O secularismo é um fenômeno da era moderna, e penetrou na sociedade humana nos
seus mais diversos segmentos. A Igreja Católica Romana através do magistério e de muitos
teólogos e de leigos pertencentes às mais diversas áreas do conhecimento, vêm advertindo de
longa data os efeitos deste fenômeno que acabaram por desembocar num processo amplo de
secularização.
3
João Paulo II falando sobre o mundo atual, seus valores e problemas, suas
ânsias e esperanças, as suas conquistas e fracassos, em um mundo cujas situações
econômicas, sociais, políticas e culturais, que nos dias atuais, apresentam problemas e
dificuldades mais graves do que o que foi descrito pelo Concílio Vaticano II na Constituição
Pastoral Gaudium et Spes, afirma:
É verdadeiramente grave o fenômeno atual do secularismo: não atinge apenas os
indivíduos, mas de certa forma, comunidades inteiras, como já observava o
Concílio: “Multidões cada vez maiores praticamente se separam da religião”.
4
Repetidas vezes eu mesmo recordei o fenômeno da descristianização, que atinge os
povos cristãos de velha data e que exige, sem mais delongas, uma nova
evangelização.
5
3
“A secularização se entende por um processo histórico pelo qual o mundo toma consciência de sua
consistência e de sua autonomia; seria, portanto, um processo geral de libertação, pelo qual o homem, a
sociedade e a cultura seriam libertados da tutela e do controle do mito, da religião e da metafísica ou das
normas ou instituições dependentes do âmbito sacro ou religioso. As atenções são fortemente voltadas contra o
mito, (desmitização), contra o sacro, (dessacralização), contra a metafísica, contra o sobrenatural e contra a
religião como tal” (KLOPPENBURG, Boaventura. O Cristão Secularizado. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 21-
22).
4
CONCILIO VATICANO II. Gaudium et Spes: constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, 8. São
Paulo: Paulus, 1997.
5
CONCILIO VATICANO II. Exortação Apostólica pós sinodal Christifideles Laici. São Paulo: Paulinas, 1990.
10
É um processo no qual a sociedade e a cultura pretendem se liberar do mito, da
religião, do transcendente e de qualquer conotação religiosa, é um movimento de afastamento
progressivo e total de Deus e das realidades sobrenaturais.
Hubert Lepargneur por sua vez, afirma que a secularização é um processo de
transformação de estruturas,
6
aponta alguns componentes que conduziram a sociedade a este
comportamento, como a industrialização, a educação estatal, a urbanização, a nova situação do
homem no mundo, ao progresso científico-tecnológico, a aceleração do ritmo das descobertas
através dos computadores, a importância da cibernética, de uma ciência geral da comunicação,
afirma também que a mentalidade secular e a civilização secular são formas culturais irradiadas
através dos grandes núcleos urbanizados, das cidades. Defende que a secularização é produto da
urbanização, da concentração das pessoas em núcleos habitacionais.
7
A secularização é um fenômeno que atingiu a sociedade humana, o mundo da cultura e
da ciência nos seus mais diversos segmentos, aportando elementos positivos e negativos.
8
Suscitou em determinado círculo de pensadores cristãos, no final dos anos cinquenta e início
dos anos sessenta do século passado, um amplo debate e muitas reflexões que fez surgir o
6
Antes de se constituir em problema teológico, a secularização é transformação das estruturas sociais, de
conhecimento, de produção, de consumo, de ação” (LEPARGNEUR, Hubert. Secularização. São Paulo: Duas
Cidades, 1971, p. 15).
7
“A civilização secular, a mentalidade secular, são as formas culturais que a cidade irradia: daí o nosso interesse pela
cidade. A grande cidade é um fenômeno recente, não sem relação com o volume do gênero humano. Corresponde a
terceira fase de uma evolução da humanidade, caracterizada pelo sociólogo holandês Cornelius van Peursen como:
1) período do mito (o homem se preocupa em justificar a existência das coisas); 2) período ontológico (homem se
preocupa em definir a existência das coisas); 3) período funcional (o homem quer fazer funcionar as coisas naturais
e artificiais)” (Ibid., p. 13).
8
A secularização que aos poucos abrange todos os domínios da cultura comporta: 1) Um elemento positivo que corresponde
ao termo largamente utilizado de maturidade do homem (homem adulto), da sua libertação dos mitos, da magia, das
alienações do sagrado e das assombrações do além, da prepotência abusiva daqueles que tinham pretensões ao poder
espiritual para dominar as formas terrestres da vida social dos homens. Este aspecto só é possível em favor de um crescente
domínio do homem sobre a natureza, muito tempo considerada, como enigmático habitável de forças sobrenaturais. Neste
sentido a secularização é uma reação cultural global, aos progressos específicos das ciências e das técnicas, da
industrialização e da urbanização. 2) Um elemento destrutivo das religiões, se não da religiosidade, da humanidade, assim
como da própria noção de Deus. Deus não existe porque a nossa maneira pragmática de pensar, hoje em dia, não nos permite
mais conceber um conteúdo concreto atrás desta palavra ‘Deus’. Este aspecto abre o caminho para a crítica radical da
religião e para seu desaparecimento histórico, com a possível conservação da fé cristã, para alguns (teólogos da morte de
Deus), ou sua eliminação, para a maioria dos homens radicalmente secularizados. Desde já podemos situar a questão do
movimento teológico da ‘morte de Deus’ (movimento sem nenhuma estruturação, muito diversificado e até contraditório)
com o nosso tema secularização: 1) Esta chamada ‘teologia da morte de Deus’ constitui um esforço - um tanto desesperado -
para interpretar ‘de maneira cristã’, o fenômeno da secularização, representativo no mundo atual.
Essa interpretação poderia ser resumida da seguinte maneira: Deus morreu em Jesus Cristo; eis a Boa Notícia do Evangelho.
Jesus libertou o homem religioso do constrangimento imposto às gerações anteriores pelo imperialismo do Deus
transcendente. Jesus representa a redução da transcendência divina à pura imanência histórica (re-interpretação da kenosis de
São Paulo): eis a que se reduz o fato da Encarnação. Não há Reino dos Céus a não ser o reino terrestre da humanidade. Ser
cristão é compreender este significado da pessoa e da vida de Jesus, e imitar sua dedicação aos outros homens. 2) O
definhamento da religião e o repúdio cultural da divindade (que tem um dos seus pólos no movimento da ‘morte de Deus’),
não são somente interpretação de um fenômeno de secularização que lhe seria exterior; eles fazem parte, inclusive o referido
movimento ‘teológico-ateu’, deste fenômeno total de secularização. A razão disto é simples: a secularização é uma
verdadeira práxis que engloba o processo sociológico e sua elaboração ou auto-justificação teórica. A ‘teologia da morte de
Deus’ constitui a ponta avançada do movimento de secularização tomando consciência de si e refletindo ainda sobre sua
possível ligação com o que se chamava anteriormente cristianismo (Ibid., p. 13-4).
11
movimento teológico denominado de “movimento da morte de Deus”.
9
O secularismo ganhou força com o advento do Iluminismo e a partir dos ideais
propugnados pela Revolução Francesa,
10
pois possui uma ideologia que defende a separação
entre a Religião (o sacro) e o Estado (o laico).
11
9
Deste relacionamento da secularização, com o movimento da morte de Deus, podemos tirar duas consequências: 1)
Não é possível tratar seriamente da secularização, sem nos inteirar da problemática da ‘morte de Deus’, nem estudar
este último movimento, sem examinar o conjunto do processo de secularização. 2) Em que medida a secularização
atual é algo realmente específico e original, permanece uma questão aberta. Quem tiver tendência a relativizar esta
especificidade, e, esta originalidade, vai querer também julgar o fenômeno com moldes e critérios do cristianismo
tradicional, por vezes, obsoletos. Quem tiver tendência a acentuar a novidade do fenômeno, logicamente, vai pedir
uma re-interpretação, em novos moldes, das fontes do cristianismo, da sua essência, das suas formas válidas. Esta
colocação dá a entender que é difícil, ou talvez impossível, adotar um ponto de vista absolutamente neutro que se
des-solidarizasse de uns e de outros, a partir do termo (que talvez não existe) de uma terceira posição.Qualquer
interpretação é por definição ideológica. Contudo, temos esperança de que o cristianismo tradicional não seja tão
rígido, ao ponto, de não permitir a alguns de seus membros, tentar compreender algo da revolução cultural presente
na problemática da ‘morte de Deus’, acolhendo-a e criticando-a e sabendo, ao mesmo tempo, que, a comunidade
cristã, tem ainda muito a fazer para entender o que se vai preparando no mundo e para reagir de maneira mais
construtiva do ponto de vista humano e cristão” (LEPARGNEUR, 1971, p. 13-5).
10
Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de
1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa, estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a
autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776).
Está entre as maiores revoluções da história da humanidade. É considerada como o acontecimento que deu início à
Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais da ‘Liberdade,
Igualdade e Fraternidade’, frase de autoria de Jean-Nicolas Pache.
11
O processo de secularização se dirige, sobretudo, e, em primeiro lugar contra o sacro e se transforma então num
processo de dessacralização. Na fenomenologia da Religião o conceito do ‘sacro’ é bastante complexo e a
sacralidade tem grande multiplicidade de manifestações. O ‘sacro’ é oposto ao ‘profano’, e significa uma força ou
potência que estaria em certas coisas e delas se desprenderia ou nelas se manifestaria por ocasião de algum
acontecimento que teria feito com que estas coisas entrassem numa esfera misteriosa, trans-natural, ou as teria
colocado em contato com um ser transcendente, reservando-a a ele e a seu serviço, de maneira que não poderia ser
mais usada para fins profanos. Assim uma pedra pode ser sacra’, isto é, portadora ou manifestadora de uma força
particular, ou porque foi atingida por um raio, ou porque tem uma forma rara, ou porque foi sagrada para servir de
mesa sacrifical, ou porque foi assinalada por um acontecimento particular. O mesmo pode se dizer, de uma
montanha, de uma árvore, de um pássaro, de um animal, de um período particular de tempo, de uma função
fisiológica, como a nutritiva ou a sexual; vale também para certos homens, como o sacerdote, o rei, o guerreiro.
Assim há determinados tempos sacros, determinados lugares sacros (que não são criados, mas descobertos: devem
sua origem talvez a uma aparição que se deu junto a uma árvore santa, a uma fonte santa, ou no alto de uma
montanha), determinadas pessoas sacras, determinada linguagem sacra (reservada exclusivamente para o culto),
determinados setores sacros da natureza: rios, montes, vacas, águias, crocodilos, carvalhos. O conceito está na base
de todas essas hierofanias (manifestações do ‘sacro’) é o da força ou potência. A sacralidade é uma força colocada
no objeto sacro. Por isso toda hierofania é também uma cratofania. Pôr-se em contato com o ‘sacro’ significa
apropriar-se da força misteriosa nele contida. Esta força pode ser benéfica ou maléfica. Daí a ambivalência do
‘sacro’. Por isso também alguns objetos sacros são ‘tabú’, proibidos, não podem ser tocados, ou menos não sem as
devidas precauções. O respeito é tido como condição essencial da existência e da função do sacro, é o caráter da
inviolabilidade. Tudo isso produz um homem com mentalidade ‘sacra’, que vive num Cosmo ‘sacralizado’, rodeado
de forças que influem benéfica ou maléficamente sobre ele, e que se manifestam nas mais várias maneiras,
mediante objetos, animais, pessoas, acontecimentos, tudo é ‘sacro’. É o sacro mágico das religiões. Os grandes
nomes da literatura sobre o sacro são principalmente Mircea Eliade: Le Sacre et le Profane (1956) e Traité
d’Histórie dês Religions (1964); G. Vander Leeuw: La Religion dans son essence et sés manifestations.
Phénoménologie de la Religion (1955). Durkheim: Lês formes élémentaires de la vie religieuse (1960). Na página
51 da edição de 1950, escreve Émile Durkheim: “Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou
complexas, apresentam uma característica comum: elas supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais,
imaginadas pelos homens, em duas classes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos
distintos, traduzidos muito bem pelas palavras ‘profano’ e ‘sacro’. A divisão do mundo em dois campos que
compreendem: de um lado, tudo o que é sacro; de outro lado, tudo o que é profano. Tal é o traço distintivo do
pensamento religioso. As crenças, os mitos, os dogmas, as lendas são ou representações, ou sistemas de
representações que exprimem a natureza das coisas sacras, as virtudes e os poderes que lhe são atribuídos, sua
história, as relações das coisas sacras entre si e delas com as coisas profanas” (KLOPPENBURG, 1971, p. 21-3).
12
Esta ideologia se expandiu ganhou força e foi introduzindo seus tentáculos nos mais
diversos segmentos da atividade e da vida humana. Um dos ambientes onde o secularismo e o
processo de secularização fez sentir seus efeitos de forma mais contundente e devastadora foi
no âmbito do matrimônio e da família.
12
É inegável que cabe ao Estado laico a realização de tarefas específicas, respeitando as
diferentes etnias e crenças e, para isso, necessita de uma justa e necessária autonomia, a qual a
GS denomina de “autonomia das realidades terrestres”,
13
entretanto, à Religião (ao sacro)
cabe afirmar os valores transcendentes, defender o direito natural, a vida, defender e propagar
os valores éticos e morais, apontando os valores permanentes que devem nortear a ação não
somente dos governantes, mas bem como dos cidadãos em geral visando a plena realização do
bem comum; tornando a sociedade mais justa possível.
14
O Estado não deve proibir como
ocorre na China, nem por outro lado impor a religião, como ocorre em algumas “teocracias”,
como as conhecidas repúblicas islâmicas no Oriente Médio (Afeganistão, Irã, Yêmen), e na
Ásia (Indonésia, Índia), mas deve garantir plenamente a expressão e a liberdade religiosa
12
O início realmente decisivo do processo de secularização no século XVII - cujos princípios podem remontar à
última metade do século XV - colocou a Igreja diante de situação completamente nova. A especulação sobre o
matrimônio já não era de interesse exclusivo dos teólogos. Sábios de várias ciências novas - primeiro o
humanismo e a teologia positiva, depois os filósofos e os enciclopedistas, em seguida os evolucionistas, e
mais tarde ainda os etnólogos e sociólogos - começaram a devotar sua atenção à questão do matrimônio. Nos
países protestantes (na Europa), a legislação matrimonial automaticamente caiu sob o controle do Estado,
embora houvesse discordância entre juristas e teólogos protestantes. Também em países católicos ocorreu
uma certa mudança de ênfase. Este processo de secularização continuou através do século XVIII. Tudo o que
não se ligava estritamente com a união sacramental recaía sob a competência dos juízes seculares. Os teólogos
do século XVIII, porém afirmavam que o matrimônio civil era a matéria, e a liturgia do sacerdote era a forma.
A Revolução Francesa marcou, o verdadeiro começo do período do matrimônio civil como tal, e, da reação
dos Papas a isto, expressa uma aprovação mais positiva em princípio da proposição de Pio VI, que afirmou
que em princípio, de que ela (a Igreja), possui plenos poderes jurisdicionais sobre o matrimônio em sua
totalidade. A noção de liberdade de consciência que se desenvolveu em tempos mais recentes levou à
aceitação da validade dos matrimônios destituídos de qualquer conteúdo religioso, e à reação dos Papas a esta
idéia, expressa na proposição de que nenhum matrimônio válido que ao mesmo tempo não for um sacramento
não é possível para os cristãos batizados. A jurisdição exclusiva da Igreja em assuntos matrimoniais de
cristãos batizados se baseava nisto em princípio. Segundo o Papa Pio IX, o elemento religioso do matrimônio
pertence à sua essência. Isto adquiriu status jurídico por sua inclusão no Código de Direito Canônico (CIC)
(SCHILLEBEECKX, Edward. O matrimônio. São Paulo: Vozes, 1969. p. 291-3).
13
Por autonomia das realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e
valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente
legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser uma exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo
inteiramente de acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio fato da criação, todas as coisas
possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os
métodos peculiares de cada ciência e arte. Por esta razão, a investigação metódica em todos os campos do
saber, quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas morais, nunca será
oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus” (GS, 36).
14
“A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais
justa possível. Não pode, nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode, nem deve ficar à
margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças
espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se, nem
prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e
profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade, às
exigências do bem” (BENTO XVI. Carta encíclica Deus Caritas Est. 28. São Paulo: Paulinas, 2006).
13
para todos os cidadãos.
15
As realidades terrestres devem estar a serviço da humanidade e ajudar a elevar o homem
para que este possa cumprir sua missão transcendental. Esta separação em nome de uma
manifestação de liberdade total, extrema, e provocada por um forte desejo de separação dos
“poderes” (sacro/laico), desenvolveu-se num ambiente bastante complexo e conturbado, seguindo
o caminho da violência, da intolerância e do ódio, acabando por se traduzir no que João Paulo II,
na Carta Encíclica Evangelium Vitae denomina de “cultura da morte”.
16
A EV denuncia a
impressionante multiplicação de eventos que ameaçam à vida de pessoas e povos, assim como o
documento do episcopado latino-americano do encontro de Santo Domingo, também se pronuncia
sobre a “cultura da morte”.
17
Este processo alterou conceitos fundamentais que regem a vida em
sociedade, e que guardam valores que transcendem a realidade terrestre, expressas em termos
como pessoa, matrimônio, família, homem, mulher, entre outros.
Foi com grandes e inúmeros sofrimentos e grandes tragédias, de revoluções, com
guerras de alcance mundial e outras lutas armadas, atentaram contra a vida humana e ceifaram
milhares de vidas e que acabaram por semear a discórdia o ódio e a divisão, provocando
feridas em vastos segmentos da sociedade humana. Neste contexto, se faz a memória das
guerras étnicas (na Chechênia, Kosovo, Bósnia-Herzegovina
18
), das guerras por motivos
religiosos (Irlanda, Indonésia...) as guerras tribais na África (Ruanda-1999), no Sudão
15
“O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das
diversas religiões; por sua vez, a Igreja, como expressão social da fé cristã, tem a sua independência e vive,
assente na fé, a sua forma comunitária, que o Estado deve respeitar. As duas esferas são distintas, mas sempre
em recíproca relação” (DCE, 28).
16
“Vida humana, matrimônio e família são colocados, hoje, radicalmente em discussão pelos agentes da
“cultura da morte” (João Paulo II), cuja atuação político-ideológica leva à degradação da vida humana, da
família, da sociedade e da cultura” [...] “Estes “agentes” são pessoas individuais, grupos e instituições. Junto a
Simone de Beauvoir, Judith Butier, Cristina Grela, Elizabeth Schüssler ou a Jacques Lacan, existem a ONU e
as ONGs a ela ligadas. Mas existem também Estados (Holanda, Grã Bretanha, Chile) e partidos políticos (de
inspiração cristã, marxista ou liberal) que promovem ideologicamente e politicamente aquela “cultura”. Por
último, a grande maioria dos meios de comunicação (mídia), com sátiras grotescas e grosseiras, como e The
Clinic chileno, até a grande mídia (CNN, BBC de Londres, La Reppublica, Le Monde etc), pertencem às
mesmas fileiras) (VALENCIA, Fernando Moreno. Família e personalismo. In: LEXICON: termos ambíguos e
discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 375 et seq).
17
“O homem marcado pelo pecado, dividido em si mesmo, rompeu a solidariedade com o próximo e destruiu a
harmonia da natureza. Nisso reconhecemos a origem dos males individuais e coletivos que deploramos na
América Latina: as guerras, o terrorismo, a droga, a miséria, as opressões e injustiças, a mentira
institucionalizada, a marginalização de grupos étnicos, a corrupção, os ataques à família, o abandono de
crianças e idosos, as campanhas contra a vida, o aborto, a instrumentalização da mulher, a depredação do
meio ambiente, enfim, tudo o que caracteriza uma cultura de morte” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL
LATINO AMERICANA (CELAM). Documento da IV Conferência do Episcopado Latino-americano de
Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1992. p. 9).
18
A Guerra da Bósnia tem início em abril de 1992 e se estende até dezembro de 1995. Foi o conflito mais violento
vivido pela Europa depois da II Guerra Mundial, deixou cerca de 200.000 mortos. Foi uma guerra civil pela posse
de territórios da região da Bósnia e Herzegovina entre três grupos étnicos e religiosos: os sérvios, cristãos
ortodoxos; os croatas, católicos romanos; e os bósnios, muçulmanos.
14
Ocidental-Darfur,
19
Burundi).
Outras iniciativas por parte do poder estatal ou de determinado grupo de pessoas que
levaram a verdadeiras políticas públicas de extermínio, conduzindo as populações a níveis de
vida degradante, aonde milhões vivem em condições indignas em extrema penúria e miséria.
20
Em nome de se alcançar uma pretensa “liberdade” o secularismo e o processo de
secularização introduziram em diversos contextos culturais e sociais, ensinamentos, filosofias,
ideologias, que atacando, de modo sistemático a lei divina e a lei natural e, em consequência a lei
moral, feriram profundamente a instituição matrimonial e familiar. João Paulo II afirma na EV:
Quando se procuram as raízes mais profundas da luta entre a “cultura da vida” e a
“cultura da morte”, não podemos deter-nos na noção perversa de liberdade. É
necessário chegar ao coração do drama vivido pelo homem contemporâneo: o
eclipse do sentido de Deus e do homem, típico de um contexto social e cultural
dominado pelo secularismo que, com os seus tentáculos invasivos, não deixa às
vezes de pôr à prova as próprias comunidades cristãs. Quem se deixa contagiar por
esta atmosfera, entra facilmente na voragem de um terrível círculo vicioso: perdendo
o sentido de Deus, tende-se a perder também o sentido do homem, da sua dignidade
e da sua vida; por sua vez, a sistemática violação da lei moral, especialmente na
grave matéria do respeito à vida humana e da sua dignidade, produz uma espécie de
ofuscamento progressivo da capacidade de enxergar a presença vivificante e
salvífica de Deus.
21
O secularismo deu um acento forte ao materialismo, à busca desenfreada do possuir e
do consumir a qualquer custo, acentuando o ter em detrimento do ser. “O eclipse de Deus e do
homem, conduz inevitavelmente ao materialismo prático, no qual prolifera o individualismo,
o utilitarismo e o hedonismo. Assim os valores do ser ficam substituídos pelos do ter”.
22
O secularismo apoderou-se do coração do homem, e nele plantou o desejo de viver o
19
O conflito que desde fevereiro de 2003 se arrasta em Darfur é descrito pelas Nações Unidas (ONU) como uma
das piores crises humanitárias da atualidade, afetando cerca de 3,6 milhões de pessoas. Aldeias inteiras foram
arrasadas e cerca de 400.000 pessoas morreram. O número de refugiados no interior do país ronda os 1,9
milhões de pessoas (UNICEF/PORTUGAL. Dafur (Sudão). Disponível em: <http://www.unicef.pt/artigo.
php?mind=18101112&m=3&sid=1810111213>. Acesso em: 20 maio 2008).
20
Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio
voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e
mentais e as tentativas para violentar as consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana,
como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o
comércio de mulheres e jovens; e também a condições degradantes de trabalho, em que os operários são
tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e
outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais
aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao
Criador” (GS, 27).
21
EV, 21.
22
Id., 23.
15
momento presente com toda a intensidade, viver a vida em sua plenitude, gozando dos bens
materiais, usando inclusive dos seus semelhantes como meio de possuir cada vez mais. Hoje
mais do que nunca, fala-se da felicidade plena aqui nesta terra, e procura-se obtê-la na vida
presente dos mais diversos modos legais, ou não, exercendo uma profissão rentável, tendo
uma boa casa, com todo o conforto, um bom automóvel, uma conta bancária com vários
dígitos.
Enfim, procurando saciar o vazio existencial através da busca constante de bens
materiais, o que vai inexoravelmente se traduzindo em um consumismo exagerado, constatado
nos tempos atuais, e amplamente idolatrado nos chamados “templos de consumo” os
shopping-centers, que hoje surgem como um sucesso do empreendedorismo econômico.
A qualidade de vida, ou Welfare State (Estado do Bem Estar) surge com ímpeto
devastador contra a “sacralidade da vida”. Neste contexto João Paulo II afirma na EV:
O único fim que conta, é a busca do próprio bem-estar material. A chamada
qualidade de vida
23
interpretada prevalente ou exclusivamente como eficiência
econômica, consumismo desenfreado, beleza e prazer da vida física, esquecendo as
dimensões mais profundas da existência, como são as interpessoais, espirituais e
religiosas.
24
No seu afã de usufruir os prazeres que a vida pode lhe proporcionar, o homem foge da sua
vocação transcendental, pisoteia os elementares direitos da pessoa humana, ultrapassando todos os
limites, ferindo a lei divina, o direito natural, as normas éticas e morais que são de fundamental
importância e que devem reger a vida em sociedade e a convivência entre as pessoas.
Hoje o ser humano se tornou um indiferente diante do transcendente, do religioso, um
23
“A natureza do Welfare State (Estado do Bem Estar), também nos países mais desenvolvidos, reduziu-se ao
bem-estar social em sentido material: comodidade, falta de preocupações e vida fácil; em outras palavras,
aquilo que se entende de forma equívoca por “qualidade de vida”, que priva a sociedade daqueles valores que
ampliam a sua estatura, a tornam mais humana e, acima de tudo, a empenham num objetivo comum. O
conceito confuso de ‘qualidade de vida’ num contexto de Estado social não se pode aceitar, sem uma visão
crítica, como ponto válido de referência para melhorar a vida de todos. Suas conotações materialistas e
utilitaristas tornam o conceito de difícil compreensão e de difícil aplicação como um símbolo real par o
desenvolvimento do homem e da humanidade no seu conjunto[...]. Não poderá existir verdadeira qualidade de
vida se não se tutela a dimensão humana e religiosa das novas gerações, assim como dos membros mais
idosos da sociedade. Não existirá verdadeira qualidade de vida para ninguém, enquanto existirem famílias
pobres, jovens sem a possibilidade de viver em habitações decentes, pessoas idosas deixadas sozinhas,
pessoas deficientes não assistidas de forma adequada, discriminação para os imigrantes, comércio de armas,
de drogas e de ‘carne humana’ à disposição da prostituição” (RAGA, José-Tomás. Novo modelo de “Welfare
State”. In: LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB,
2007. p. 695 et seq).
24
EV, 23.
16
indiferente diante do seu semelhante que sofre e que passa fome, que não tem condições
dignas de moradia, que não tem um seguro social como atendimento médico-hospitalar, o
acesso a medicamentos, acesso a aposentadoria e outros benefícios sociais e previdenciários.
São feitas pesquisas para prolongar e melhorar a qualidade de vida em vários campos das
ciências, o homem pretende a “imortalidade”. Entretanto, por outro lado, procura-se de muitas
formas atacar a vida e reduzir de forma drástica as taxas de natalidade, através da prática do
aborto e do uso de métodos contraceptivos.
25
Atualmente a defesa do meio ambiente a ecologia ganhou destaque frente ao próprio
homem, fala-se hoje muito em aquecimento global, diminuição da camada de ozônio, dos
espécimes em extinção e, muito pouco, em defender a vida da pessoa, atenta-se diariamente
contra a vida humana principalmente através da “livre escolha”
26
e da eutanásia.
27
Diante da necessária proteção da fauna e da flora, e da atmosfera terrestre, bem como
defender as espécies em extinção, o homem, a sociedade, o Estado acaba esquecendo o projeto de
defesa e de conservação mais importante, a vida humana, notadamente a instituição que gera e
desenvolve a pessoa, “a primeira e essencial estrutura a favor da ‘ecologia humana’ é a família, no
seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem,
aprende o que significa amar e ser amado e, por consequencia, o que quer dizer concretamente ser
uma pessoa”.
28
A humanidade atual entregou-se de corpo e alma aos progressos da tecnociência, “que
25
“Gerar filhos tornou-se um problema do qual o Estado social não se ocupa ativamente. “Na esfera social, o
individualismo influencia também o valor dado à vida humana. Podemos notar que, quando se discute a
respeito do sujeito da vida humana num contexto social, os termos de referência são, quase sempre,
utilitaristas: o cálculo dos bens. A vida humana, numa sociedade consumista, mede-se na base do que
contribui para o aumento geral do bem-estar social e não como um dom a ser desenvolvido segundo a própria
vocação pessoal. O nascimento de um filho torna-se um problema social, um ônus econômico que fará surgir
uma série de dificuldades no futuro, em particular no que diz respeito à educação. O filho, já não é visto como
um recurso de esperança para a mudança da sociedade e como uma dádiva preciosa para a família” (LXXXVI
Assembléia Plenária da Conferência Episcopal Espanhola. La Família, santuário de la vida, 40 apud
LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 703).
26
As feministas de gênero consideram como parte essencial de sua agenda a promoção da “livre escolha” em
assuntos relacionados à reprodução e ao estilo de vida. Segundo O’Leary, “livre escolha de reprodução” é a
expressão chave para referir-se ao aborto provocado; enquanto “estilo de vida” visa promover a
homossexualidade, o lesbianismo e todas a outras formas de sexualidade fora do matrimônio (REVOREDO,
Oscar Alzamora. Ideologia de gênero: perigos e alcance. In: LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre
família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 491 et seq).
27
Significado etimológico de eutanásia: Do grego “eu” (boa) e “thanatos” (morte): significa morte sem dor; tirar
a vida de um ser humano com o objetivo de eliminar toda a dor. Ver também, distanásia: é uma morte lenta,
ansiosa e com muito sofrimento. É um prolongamento exagerado do processo de morrer. (obs. Não se trata
aqui de prolongar a vida, mas o processo de morrer; portanto, é um tratamento que não traz a cura, que não
beneficia a pessoa doente, mas que aumenta seu sofrimento). Ambos os procedimentos, na visão cristã são
inaceitáveis. Definição: é o ato de matar deliberadamente um doente incurável para pôr fim aos seus
sofrimentos, quer dizer por motivos de piedade (PAULA, Ignácio Carrasco de. Eutanásia. In: LEXICON:
termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 309 et seq).
28
CONCILIO VATICANO II. Carta encíclica Centesimus Annus, 39. São Paulo: Paulinas, 1991.
17
atua de modo frequentemente unilateral, apresentando consequentemente, características
puramente positivistas, o positivismo, tem como seus frutos o agnosticismo no campo teórico
e o utilitarismo no campo prático e ético”
29
procura desenvolver as ciências para em todos os
sentidos aumentar ainda mais seu bem-estar físico e material, “nos nossos tempos, a história
em certo sentido repete-se, o utilitarismo é uma civilização da produção e do desfrutamento,
uma civilização das ‘coisas’ e não das ‘pessoas’; uma civilização onde as pessoas se usam
como se usam as coisas”
30
sem se preocupar que todos tenham acesso a estes avanços,
permanecendo estes progressos para uso e acesso de uns poucos privilegiados, enquanto a
grande maioria da humanidade está privada do mínimo essencial para ter uma vida digna.
Embriagado pelas conquistas prodigiosas de um progresso científico-técnico e,
sobretudo, fascinado pela mais antiga e sempre nova tentação de querer tornar-se
como Deus (cf. Gn 3,5), através do uso de uma liberdade sem limites, o homem
corta as raízes religiosas que mergulham no seu coração: esquece-se de Deus,
considera-o vazio de significado para a sua existência, recusa-o prostrando-se em
adoração diante dos mais diversos ídolos.
31
No contexto da civilização do desfrutamento afirma João Paulo II: “a mulher pode
tornar-se para o homem um objeto, os filhos um obstáculo para os pais, a família uma
instituição embaraçosa para a liberdade dos membros que a compõem”.
32
Exemplificando:
“basta examinar certos programas de educação sexual, introduzidos nas escolas, as tendências
pró-abortivas, que se escondem atrás do chamado; ‘direito de escolha’ (pro choice), como
também o chamado ‘sexo seguro’.
33
A violência se concretiza de várias formas, no desemprego, na falta de trabalho para
milhões de pessoas que estão sendo alijadas do mercado de trabalho, e, naqueles que vivem
em condições de pobreza absoluta, não possuem o mínimo indispensável para sua
sobrevivência pessoal e de sua família, também, é uma forma de violência contra a pessoa
humana, e que afeta profundamente o matrimônio e a família.
29
JOÃO PAULO II. Carta às famílias Gratissimam Sane, 13. São Paulo: Paulinas, 1994.
30
GrS, 13.
31
ChL, 4.
32
GrS, 13.
33
Id., 13.
18
Pensemos também nas múltiplas violações a que hoje é submetida a pessoa humana.
O ser humano, quando não é visto e amado na sua dignidade de imagem viva de
Deus (cf Gn 1,26), fica exposto às mais humilhantes e aberrantes forma de
“instrumentalização”, que o tornam miseravelmente escravo do mais forte. E o
“mais forte” pode revestir-se dos mais variados nomes: ideologia, poder econômico,
sistemas políticos desumanos, tecnocracia científica, invasão dos mass-media. Mais
uma vez nos encontramos diante de multidões de pessoas, nossos irmãos e irmãs,
cujos direitos fundamentais são violados, também em nome de um excessiva
tolerância e até da clara injustiça de certas leis civis: o direito à vida e à integridade,
o direito à casa e ao trabalho, o direito à família e à procriação responsável, o direito
de participar da vida pública e da política, o direito à liberdade de consciência e de
profissão de fé religiosa.
34
Tratando sobre a crise que se abate sobre o matrimônio e a família, José Kentenich
35
,
assegura que há um “escuro pano de fundo da vida atual, que apresenta inúmeras dificuldades
contra a firme conservação do ideal católico do matrimônio”.
36
Assevera as três crises que se
abatem sobre o matrimônio e em conseqüência sobre a família: crise do trabalho, crise da
habitação e crise da vida.
37
José Kentenich sustentava que, sem uma habitação adequada seria impossível manter
o ideal do matrimônio, e nesta perspectiva, considerando os vários aspectos da crise da
habitação afirma: “a carência de espaço, falta de quartos, desordem e imundície”, cabe
ressaltar que esta análise ocorre nos anos trinta do século passado, aonde em termos estimados
milhares de famílias não possuíam moradia adequada na Europa daquela época.
Nos dias atuais é grande o número de famílias que não dispõe de moradia digna,
muitas moram em favelas, nos denominados “cinturões de miséria” principalmente no entorno
dos grandes centros urbanos, em condições precárias, sem uma adequada infra-estrutura de
serviços públicos, sem rede de água, de esgoto, energia elétrica, e outros serviços
34
ChL, 5.
35
Fundador da Obra Internacional de Schoenstatt, nasceu em Gymnich-Alemanha, a 18 de novembro de 1885.
Em 1899, ingressou no Seminário Palotino de Ehrenbreitstein, mais tarde, em 1904 em Limburgo fez o
noviciado e os estudos de filosofia e teologia. Foi ordenado sacerdote a 8 de julho de 1910. Em 1912, assumiu
o cargo de diretor espiritual no Seminário Palotino em Schoenstatt-Vallendar o que permitiu-lhe iniciar a
grande obra de sua vida a fundação da Obra de Schoenstatt. A fundação deu-se em 18 de outubro de 1914,
quando junto com seus educandos, selou a aliança de amor com a Mãe de Deus, na capelinha dedicada a São
Miguel, atual Santuário da Mãe, Rainha e Vencedora Três Vezes Admirável de Schoenstatt. Durante a
Segunda Guerra Mundial, com a perseguição à Igreja pelo nacional-socialismo, José Kentenich foi condenado
a seis meses de prisão na masmorra de Coblença, e, por mais três anos, sofreu os horrores do campo de
concentração de Dachau. De 1951 à 1965, José Kentenich e sua Fundação foram seriamente provados pela
Igreja. Separado de sua Obra, permaneceu catorze anos em Milwaukee-USA. Retornou à Schoenstatt em
1965, onde continou a dedicar-se à obra que fundara. Faleceu em 15 de setembro de 1968. Sua fundação
possui uma dimensão múltipla e universal. Integra pessoas de todas as idades, sexos e estados de vida.
Compreende seis Institutos Seculares, seis Uniões Apostólicas, oito comunidades da Liga Apostólica além de
um amplo Movimento Popular e de Romeiros.
36
KENTENICH, José. Pedagogia Mariana do Matrimônio. Schoenstatt: Patris Verlag, 1975. p. 54.
37
PMM, 54.
19
considerados essenciais para uma vida digna. Na GrS, João Paulo II, diz sobre a questão do
trabalho “o desemprego constitui, em nossos dias, um das mais sérias ameaças à vida familiar
e justamente preocupa todas as sociedades. Ele representa um desafio para a política dos
vários estados e um objeto de reflexão para a doutrina social da Igreja”.
38
1.2 O MATRIMÔNIO E A FAMÍLIA NO SECULARISMO
O matrimônio e a família são as duas instituições que sofreram e que sofrem,
constantes e profundos ataques com o processo de secularização. O matrimônio por ser a raiz
da família e a família a base da sociedade, foram motivos de reflexão nos últimos séculos,
algumas em sentido positivo, outras querendo diminuir e até eliminar o significado e a
importância destas duas importantes instituições.
Entretanto, nunca como nos tempos atuais o matrimônio e família, foram tão
manipulados para atender a interesses escusos. José Kentenich faz uma leitura preocupante
da realidade do matrimônio e da família, e afirma que:
A vida familiar se tornou quase incuravelmente doentia e infecunda (referindo-se a
diminuição da taxa de natalidade na Alemanha nos anos seguintes após a primeira
guerra mundial), observamos um abalo nas idéias com respeito à família, ao ideal da
família e do matrimônio. Em todos os tempos existiu o humano no matrimônio e na
família. Porém, em época alguma, os ideais do matrimônio foram tão destruídos e
confusos. Talvez nunca houve tempo em que os ideais do matrimônio e da família
tenham sido substituídos por ídolos, como hoje.
39
Descreve uma trágica inversão de valores e da ordem do ser e diz que: “o terreno está
preparado para novos ideais familiares nos mais amplos círculos - ideais que nós devemos
chamar de ídolos”.
40
38
GrS, 17.
39
PMM, 6.
40
Id.
20
Como que já antevendo a avalanche de dificuldades que atualmente assolam o
matrimônio e a família, José Kentenich denunciava as formas de ataque ao ideal do
matrimônio e da família. Referindo-se ao socialismo soviético dizia:
[...] na Rússia, domina a seguinte concepção: é impossível romper a revolução
enquanto perdura a família, que é instituição da burguesia, inventada pela Igreja.
Deve-se sufocar o instinto do amor materno. Se a mulher ama seus filhos, nada mais
é do que uma cachorra, um animal.
41
Aos poucos vai se constatando que o matrimônio e a família foram e continuam
constantemente sendo atacadas das mais diversas formas no seu âmago, no processo
permanente de separação entre o sagrado e o profano que se verifica no mundo atual. A
família é constituída pelo matrimônio e é definida como a célula básica da sociedade. A
família, ou seja, a comunidade de pais e filhos, baseada no matrimônio, é o primeiro núcleo
da sociedade civil e da comunidade política, origem e fundamento de ambas, a instituição
fundamental, que precede todas as grandes formações sociais.
O que é ser a célula básica, fundamento da sociedade? Se nos reportarmos a um
organismo canceroso, doente, vamos constatar que as células cancerosas que desencadearam
este processo infectam as células sãs, enfraquecendo e tornando inevitavelmente enfermo todo
o organismo, levando conforme o caso, com mais ou menos rapidez à morte. José Kentenich
segue nesta linha de pensamento afirmando: “a célula da sociedade humana é o matrimônio e
a família. Trata-se, portanto, duma questão existencial para a sociedade humana,
principalmente, para ambas as sociedades perfeitas: a Igreja e o Estado”.
42
A estabilidade das instituições Igreja, Estado, Sociedade depende de matrimônios e de
famílias sadias. A família e o matrimônio são a raiz e a célula fundamental e devem ser sadios
se quisermos instituições sadias. Devemos “educar cidadãos sadios e virtuosos para o Estado,
devemos cuidar que estas virtudes sejam cultivadas e garantidas no pequeno círculo da
família”.
43
Assim, os matrimônios e as famílias atingidas pelo processo de secularização nas
rápidas mudanças sócio-econômicas, políticas e culturais dos últimos séculos e que continuam
a se verificar cada vez mais em maior número, acabam por se desintegrar. Constata-se um
41
PMM, 7.
42
Id., 9.
43
Id., 9.
21
grande número de separações e divórcios, bem como um grande número de casais que
dispensam a formalização do matrimônio, quer no âmbito civil, quer no âmbito religioso.
José Kentenich, em curso dirigido a sacerdotes e educadores, ressaltava vários
aspectos do que chamava os “ideais modernos” do matrimônio: “Os ideais matrimoniais que
também já penetraram na Alemanha, figuram como matrimônio de experiência, matrimônio
de camaradagem, matrimônio de fim-de-semana. Tais formas são um golpe mortal ao ideal
autêntico do matrimônio”.
44
João Paulo II na FC faz menção à diversas situações irregulares, religiosa, e também
civilmente, no tempo atual e que causam grandes danos ao instituto familiar e à sociedade;
45
como no chamado matrimônio à experiência; nas uniões livres de fato; nos católicos só unidos
em matrimônio civil; nos separados e divorciados em segunda união; nos divorciados que
contraem nova união;
46
e ainda outro fato que vêm se incorporar nos últimos anos nesta
análise da realidade, as uniões homossexuais.
Nessa conjuntura, a “cultura da morte” encontra ambiente favorável para a prática do
aborto e o uso de métodos contraceptivos, bem como a introdução de idéias que interrompem
e destroem a vida em todos os seus estágios, seja no seu início, no seu desenvolvimento ou no
seu declínio, ou seja, a eliminação da vida humana encontra terreno fértil para prosperar,
tornando práticas de eliminação da pessoa humana uma coisa corriqueira e sem importância
numa sociedade secularizada.
Diante destas realidades que abalam o núcleo familiar, outro aspecto que atinge
profundamente as famílias é a questão da prole, que fica relegada a um segundo plano
gerando daí, uma grande chaga social-familiar, com repercussões na vida social e eclesial.
A importância do matrimônio e da família, como raiz e célula basilar da sociedade é
tão grande que nenhum dos grandes movimentos sócio-políticos do século passado, como o
regime socialista soviético e, o nacional-socialismo alemão deixou de dar especial atenção a
estas instituições. Tanto o nacional-socialismo como o socialismo soviético atacaram
47
consciente e deliberadamente o matrimônio e a família e escolheram a “cultura da morte”
44
Id., 7.
45
CONCILIO VATICANO II. Exortação apostólica Familiaris Consortio, 79. São Paulo: Paulinas, 1994.
46
FC, 80-84.
47
“Segundo O’Leary, os marxistas clássicos acreditavam que o sistema de classes desapareceria quando fosse
eliminada a propriedade privada, facilitado o divórcio, aceita a ilegitimidade, imposto o ingresso da mulher no
mercado de trabalho, quando fossem colocadas as crianças em institutos de assistência diária e eliminada a
religião. Todavia, para as feministas de gênero, os marxistas fracassaram porque se concentraram em soluções
econômicas, sem atacar diretamente a família, que é a verdadeira causa das classes” (REVOREDO, 2007, p.
491 et seq).
22
utilizando-se da eutanásia,
48
do extermínio em massa e de outros meios de eliminação e de
desprezo da vida humana para atingir seus objetivos. Apesar de a história mostrar o fracasso
de tais sistemas os mesmos cometeram muitos erros e táticas perversas contra a pessoa
humana e contra a família e o matrimônio. Hoje, entretanto, práticas semelhantes continuam a
ser utilizadas e são também adotadas por outras ideologias políticas e econômicas.
Tais ideologias de modo dissimulado e com novas táticas, com figuras e linguagens
próprias, continuam a ferir de morte estas o matrimônio e a família. Hoje, expressões como,
gênero, união homoafetiva, centros de saúde reprodutiva,
49
sexo seguro, entre outras, que
escondem atrás de si verdadeiras ideologias, são usadas para manipular e confundir, e, querem
fazer crer como “normais” práticas que ferem o direito à vida, que atacam a moral.
1.3 A IDEOLOGIA DE GÊNERO (GENDER)
Uma ideologia, fruto do secularismo, que nos últimos anos ganhou força e, que se
abate sobre a instituição matrimonial e familiar, é a ideologia de gênero. Tal ideologia afirma
que o ser masculino e o ser feminino, são fatores determinados pela cultura e não pelo sexo, e
que estes seriam papéis socialmente construídos.
48
O nacional-socialismo alemão praticou institucionalmente a eutanásia, sendo que os programas de eutanásia
não foram resultados de um fanatismo repentino, mas o cume de um movimento intelectual iniciado nos anos
20 do século passado, com a publicação da obra “A destruição da vida destituída de valor”, de autoria do
psiquiatra Alfred Hoche e do jurista Karl Binding. E que resultaram na Alemanha, em programas de
esterilização legalmente construídos através da Lei para a Prevenção de Enfermidades Hereditárias de 1933,
que justificava a esterilização obrigatória para portadores de doenças mentais, epilepsia, surdez, cegueira,
entre outras, e, que em 1939 já contabilizava cerca de 375.000 pessoas, incluindo os que tinham perdido
algum membro do próprio corpo em acidentes do trabalho.
49
Os defensores da ideologia de gênero defendem o: “direito à saúde”, que na realidade, está anos luz da
verdadeira saúde do ser humano. Com efeito, mesmo ignorando o direito de todo ser humano à vida, propõem
o direito à saúde, o qual inclui o direito à saúde sexual e reprodutiva. Paradoxalmente esta “saúde
reprodutiva” contempla o aborto e assim a morte de seres humanos não nascidos (REVOREDO, 2007, p. 491-
507).
23
Surgindo com força anos 1960-1970, o feminismo,
50
sob o pretexto de melhorar a
situação da mulher,
51
passa a disseminar a ideologia de gênero (gender)
52
. Atualmente, a
palavra “gênero”
53
aparece em contextos aonde esperávamos encontrar a palavra “sexo”. Ao
invés de falar de diferença de sexos, fala-se de diferença de gênero, ao invés de discriminação
por causa de sexo, fala-se de discriminação por causa de gênero. Aos menos avisados, pode-se
achar que a expressão “gênero” seria inofensiva, apenas um sinônimo de sexo. Entretanto,
esta palavra “gênero” esconde toda uma ideologia, a “ideologia de gênero”.
54
50
“A teoria do feminismo de gênero baseia-se numa interpretação neo-marxista da história. Tem origem na
afirmação de Marx de que toda história é uma luta de classes dos opressores contra os oprimidos, numa
batalha que se resolverá só quando os oprimidos tomarem consciência da sua situação, fizerem a revolução e
impuserem uma ditadura dos oprimidos. A sociedade será, então, totalmente reconstruída e emergirá uma
sociedade sem classes, livre de conflitos, que assegurará a paz e a prosperidade utópicas para todos. Dale
O’Leary afirma que foi Frederich Engels a lançar as bases do conúbio entre marxismo e feminismo. Cita
então o livro A origem da família, da propriedade e do Estado, escrito pelo pensador alemão em 1884, no
qual se diz: “O primeiro antagonismo de classe da história coincide com o antagonismo entre homem e
mulher unidos no matrimônio monogâmico, e a primeira opressão de uma classe sobre a outra, com o sexo
feminino submetido ao masculino” (REVOREDO, 2007, p. 491 et seq).
51
“Depois de ter repassado a original ‘agenda feminista’, Dale O’Leary evidencia que a meta de cada um de
seus pontos não é a melhoria da situação da mulher, mas a separação do homem e a destruição da
identificação dos seus interesses com os interesses da família. Do mesmo modo, acrescenta a especialista, o
interesse primário do feminismo radical jamais foi melhorar diretamente a situação da mulher nem aumentar
sua liberdade. Para as feministas radicais ativas, ao contrário, as melhorias menores podem obstaculizar a
revolução de classe sexo/gênero. Esta afirmação é confirmada pela feminista Heidi Hartmann, que afirma
radicalmente: ‘A questão da mulher nunca foi ‘a questão feminista’. Esta se dirige às causas da desigualdade
sexual entre homens e mulheres e do domínio masculino sobre a mulher” (Id., p. 491 et seq).
52
“A ideologia feminista de gender (gênero) se difunde a partir da década de 1960-1970. Sustenta que a
feminilidade e a masculinidade não seriam determinadas basicamente pelo sexo, mas pela “cultura”. Enquanto
o termo ‘sexo’ se relaciona à natureza e implica duas possibilidades (homem e mulher), o termo ‘gênero’ é
tirado da lingüística, na qual distinguem-se três variantes: masculino feminino e neutro. As diferenças entre o
homem e a mulher não corresponderiam, portanto - além das óbvias disparidades morfológicas -, a uma
natureza “dada”, mas seriam meras construções culturais, “plasmadas” sobre os papéis e estereótipos que em
cada sociedade se atribui aos sexos (“papéis socialmente construídos”). A este propósito se faz notar (não sem
razão) que, no passado, as diferenças eram desmedidamente acentuadas, o que provocou situações de
discriminação e injustiça para muitas mulheres; por longos séculos, o comum “destino feminino” foi ser
considerada um ser inferior, excluídas, das decisões públicas e dos estudos superiores. Hoje, ao contrário, -
afirma-se-, as mulheres estão conscientes do engano de que foram vítimas e rompem os esquemas que lhe
foram impostos. Querem liberar-se principalmente do matrimônio e da maternidade” (BURGGRAF, Jutta.
Gênero (“Gender”). In: LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas.
Brasília: CNBB, 2007. p. 453 et seq).
53
“O termo gênero vem do latim genus, generis e assumiu no tempo uma miríade de significados, desde a
classificação de uma espécie ou classe à identificação de uma família, dinastia ou até mesmo de um povo com
uma clara identidade ou uma nação. Mais recentemente, e em particular no idioma inglês, gênero (gender)
assumiu um significado gramatical. Neste caso significa que nomes, pronomes, adjetivos e verbos devem
concordar em gênero e número. Para sermos mais precisos, estas palavras não devem concordar somente com
o plural e o singular, mas também com outras formas gramaticais, entre as quais também o masculino e o
feminino” (COLLES, Beatriz Vollmer de. Novas definições de gênero. In: LEXICON: termos ambíguos e
discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 669 et seq).
54
“Alguns apóiam a existência de quatro, cinco, seis gêneros, sobre a base de diversas considerações:
heterossexual masculino, heterossexual feminino, homossexual, lésbica, bissexual e indiferenciado. A
masculinidade e a feminilidade, portanto, não são absolutamente os únicos derivados naturais da dicotomia
sexual biológica. Qualquer atividade sexual seria justificável. A “heterossexualidade”, longe de ser
“obrigatória”, não constituiria nada mais do que um dos casos possíveis de prática sexual. Também não seria
preferível para a procriação” (BURGGRAF, 2007, p. 453 et seq).
24
A IV Conferência Mundial da ONU
55
sobre a mulher, realizada no ano de 1995 em
Pequim, foi o local escolhido por ativistas desta ideologia para difundir a “perspectiva de
gênero”. Desde então é que foi se infiltrando com mais força, em vários segmentos da
sociedade esta idéia, não só nos países do chamado primeiro mundo, mas também nos em vias
de desenvolvimento, sendo esta idéia já amplamente acatada e difundida nos mais diversos
meios, propagada através dos “mass media”, granjeando simpatizantes e aceitação em vastos
círculos da sociedade e do Estado, sem grandes contestações.
Aqueles que defendem e propugnam pela implantação da ideologia de gênero usam de
todos os meios para difundir suas idéias, acessando e utilizando com muita competência os
meios de comunicação social para alcançar seus objetivos, e, para isso, criando uma
terminologia própria, uma linguagem própria, cheia de ambiguidades, para confundir e
manipular a opinião pública, e assim conquistar adeptos e simpatizantes.
56
55
“Justamente na Conferência de Pequim muitos delegados participantes que ignoravam esta ‘nova perspectiva’
do termo em questão solicitaram aos principais promotores que oferecessem uma definição clara que
iluminasse o debate. Assim, a diretoria da Conferência da ONU emitiu a seguinte definição: ‘O gênero refere-
se às relações entre homem e mulher, baseadas em papéis definidos socialmente que se atribuem a um a ao
outro sexo’. Esta definição criou confusão entre os delegados da reunião, sobretudo entre aqueles
provenientes de países católicos e da Santa Sé, que solicitaram uma maior explicitação do termo, visto que se
pressentia poder este esconder uma agenda inaceitável que incluísse, entre outras coisas, a tolerância de
orientações e identidades homossexuais. Foi então que Bella Abzug, ex-deputada do Congresso dos Estados
Unidos, interveio para complementar a inovadora interpretação do termo ‘gênero’: “O sentido do termo
‘gênero’ evoluiu, diferenciando-se da palavra ‘sexo’, para expressar a realidade pela qual a situação e os
papéis da mulher e do homem são construções sociais sujeitas à mudanças”. Estava claro, portanto, que
aqueles que sustentavam a perspectiva de gênero propunham algo muito mais temerário, como, por exemplo,
que ‘não existe um homem natural ou uma mulher natural, que não há conjunção de características ou de
conduta exclusiva de um só sexo, nem mesmo na vida psíquica. Disso resulta que “a inexistência de uma
essência feminina ou masculina permite-nos rejeitar a suposta ‘superioridade’ de um sexo sobre outro e de pôr
em dúvida a argumentação acerca da possibilidade de que exista uma forma ‘natural’ de sexualidade humana”
(REVOREDO, 2007, p. 491 et seq).
56
“Existem dois modos para obrigar as pessoas a atuar contra as suas convicções sobre a lei natural. O primeiro
é o uso da força; mas quando se instaura um regime violento e de tirania a população tem que ser
constantemente reprimida para evitar a revolta. Uma solução mais eficaz para obrigar as pessoas a assumir
novas atitudes é uma propaganda sistemática que faz da manipulação verbal seu principal instrumento
operativo. Esse tipo de propaganda procura inculcar novas convicções nas suas vítimas. No momento em que
estas novas atitudes são assimiladas, as pessoas julgam ter chegado a elas através da sua própria vontade de
aceitar esta nova forma de agir, fazendo-a sua. Com efeito, toda manipulação social começa com a
manipulação da linguagem. O propósito da manipulação verbal é de manobrar cuidadosamente a opinião
pública para produzir mudanças de comportamento. A manipulação verbal mina na base a dignidade humana,
já que os membros da sociedade contra a qual é usado esse procedimento, não são mais tratados como seres
humanos, mas como objetos a serem manobrados, dominados, para depois serem ‘manipulados’ e
controlados. Ademais, é gravemente imoral enquanto é um engano premeditado” (BARREIRO, Ignácio.
Manipulação verbal. In: LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas.
Brasília: CNBB, 2007. p. 579 et seq).
25
Vários termos são manipulados neste contexto,
57
visando a aceitação social de
comportamentos que são normalmente considerados reprováveis, como por exemplo, a “união
entre homossexuais”, “profissionais do sexo”, “interrupção voluntária da gravidez” e “amor
intergeneracional”, “morte digna” entre outras, palavras utilizadas com o objetivo de dar
“dignidade” a condutas imorais e que atentam contra a vida.
São formas de controle do pensamento,
58
amplamente utilizadas por muitos regimes
totalitários entre eles, o Nacional Socialismo Alemão e o Regime Socialista Soviético, e, são
utilizadas também, nos regimes democráticos, servindo de instrumento para impor suas idéias.
Nesse sentido afirma João Paulo II:
Aproximando-nos do fim de um século que não têm precedentes quanto à destruição da
vida, na maioria das vezes em nome de ideologias totalitárias, devemos talvez concluir
que também a democracia tornou-se a promotora de inigualáveis ataques à vida humana?
Por um lado, o progresso das liberdades democráticas, levou a uma nova afirmação dos
direitos humanos, codificados por meio de importantes declarações e, acordos
internacionais; por outro, quando a liberdade é desligada de princípios morais que
governam a justiça e revelam o bem comum, a própria democracia é minada e torna-se o
instrumento através do qual os fortes, impõem a própria vontade aos fracos, como vemos
acontecer sempre mais frequentemente ao nosso redor.
59
Criam-se e usam-se palavras para indicar coisas estranhas ao seu significado natural,
criam-se “slogans”, verdadeiras palavras de ordem utilizadas pelos movimentos pró-
57
“A manipulação verbal se obtém em geral mediante uma sutil manipulação das palavras. Aos termos que
tradicionalmente têm um significado positivo são atribuídos outros significados ou nuances de significado. A
idéia de fundo é que as pessoas aceitarão o novo significado por estarem habituadas ao termo e não
conseguirem compreender que o antigo significado funciona como cavalo de Tróia para introduzir um
significado mais deletério. Isto se verificou no caso da eutanásia. “Etimologicamente, a palavra eutanásia
significava, na antiguidade, uma morte suave sem sofrimentos atrozes” (CONGREGAÇÃO PARA A
DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a eutanásia. São Paulo: Paulinas, 1980. (AAS, 2)).
58
“O eufemismo é usado frequentemente para mudar os comportamentos sociais e obscurecer a realidade. É
evidente no caso do aborto, do momento em que palavras como matar e destruir não são jamais usadas; é, ao
contrário, definido como “interrupção voluntária da gravidez”. Uma clínica onde se pratica o aborto
freqüentemente é descrita como “centro de saúde reprodutiva”. No caso de uma mãe tenha uma gravidez
múltipla, alguns médicos aconselham “uma redução embrionária”, para garantir aos embriões que
permanecem maiores chances de sobrevivência. O conselho dos médicos é, na realidade, de abortar, de
decidir qual das crianças que esta mãe leva no seu ventre será morta. Em diversos âmbitos da moralidade
sexual, mudam-se alguns termos com o objetivo de justificar ou dar dignidade a condutas imorais. Por
exemplo, as prostitutas são chamadas “ profissionais do sexo” ou “operadoras do sexo”. Um estilo de vida
permissivo e promíscuo é denominado “monogamia em série”. A pedofilia ou o molestar menores hoje são
chamados “amor intergeneracional”. A bestialidade é definida como “amor entre espécies”. Aquilo que era
chamado perversão sexual é hoje denominado um “estilo de vida alternativo”. A pornografia é chamada agora
material para “adultos” ou material “sexualmente explícito”. Aquilo que era chamado eutanásia é hoje
chamado “morte digna”. Aquilo que era chamado autodisciplina pessoal é denominado agora de “insana
repressão” (BARREIRO, 2007, p. 579 et seq).
59
JOÃO PAULO II. Discurso aos representantes das ONGs e das organizações internacionais em 12 de
novembro de 1996. In: INSEGNAMENTI di Giovanni Paolo II, XIX, 2, Roma: Libreria Editrice Vaticana,
1998, 693 apud LEXIKON, 2007, p. 583.
26
emancipação e de reconhecimento às uniões homossexuais, pró-aborto, pró-eutanásia e de todas
as idéias e práticas que afetam profundamente a origem e o desenvolvimento da vida humana,
expressões como: hegemonia, desconstrução, patriarcado, perversão polimorfa,
heterossexualidade compulsória, preferência ou orientação sexual, homofobia, união
homoafetiva, entre outras. Pratica-se “transferências semânticas”, faz-se recurso a “antífrases”,
utiliza-se de uma verdadeira engenharia verbal, para confundir e dominar a opinião pública.
60
Nos dias atuais utiliza-se muito a palavra “desconstrução”, desconstruir a história,
desconstruir a sociedade,
61
o matrimônio, a família, a cultura, a religião, idéia esta defendida
60
“Textos difundidos por professores de reconhecidos colleges e universidades dos Estados Unidos, sustentam e
difundem as seguintes definições: Hegemonia ou hegemônico: idéias, ou conceitos aceitos universalmente
como naturais, mas que, na realidade, são construções sociais.
Desconstrução”: a atividade de denúncia das idéias e da linguagem hegemônica (ou seja, aceitas
universalmente como naturais), com a finalidade de persuadir as pessoas de que suas percepções da realidade
são construções sociais.
Patriarcado, patriarcal: institucionalização do controle masculino sobre a mulher, sobre os filhos e sobre a
sociedade, que perpetua a posição de subordinação da mulher.
Perversão polimorfa, sexualmente polimorfo: os homens e as mulheres sentem atração pelas pessoas do sexo
oposto não em virtude da natureza, mas por condicionamento da sociedade. O desejo sexual, portanto, pode
ser dirigido a quem quer que seja.
Heterossexualidade compulsória: as pessoas são forçadas a pensar que o mundo é dividido em dois sexos que
se atraem sexualmente de forma mútua.
Preferência ou orientação sexual: existem várias formas de sexualidade - entre as quais: homossexuais,
lésbicas, bissexuais, transexuais, travestidos/as - que são equivalentes à heterossexualidade.
Homofobia: temor das relações com pessoas do mesmo sexo; preconceito contra os homossexuais (o termo
baseia-se sobre a noção de que o preconceito contra os homossexuais tenha suas raízes na exaltação das
tendências homossexuais). Estas definições foram extraídas do material obrigatório do curso ‘Re-imaginar o
gênero’, que teve lugar num prestigioso college norte-americano. Como também as seguintes afirmações: “A
teoria feminista não pode mais, permitir-se o luxo de reivindicar uma tolerância do ‘lesbianismo’ como ‘estilo
de vida alternativo’, ou de fazer alusões ocasionais às lésbicas. Demorou demais uma crítica feminista da
orientação heterossexual compulsória da mulher”. “Uma estratégia apropriada e realizável do direito ao aborto
é aquela de informar cada mulher que a penetração heterossexual, não obstante qualquer experiência subjetiva
contrária, é uma violação” (REVOREDO, 2007, p. 491 et seq).
61
“Para chegar à difusão universal de tais idéias, os promotores do feminismo radical de gênero têm como meta
realizar um conversão cultural gradativa, a chamada “desconstrução” da sociedade, iniciando pela família e
pela educação dos filhos. Estes usam uma linguagem ambígua, que faz parecer razoável os novos
pressupostos éticos. O objetivo é a “reconstrução” de um mundo novo e arbitrário que inclui, juntamente ao
masculino e ao feminino, também outros gêneros na configuração da vida humana e das relações
interpessoais”. Estes propósitos encontraram terreno fértil na antropologia individualista do neoliberalismo
radical. Por um lado, fundam-se sobre várias ideologias marxistas e estruturalistas (Foi Friederich Engels que
lançou as bases da união entre marxismo e feminismo. Cf. F.Engels, The Origin of the family, Property ant
the State, New York, 1972- original alemão Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates,
1884) e, por outro lado, sobre postulados de alguns representantes da “revolução sexual”, como Wilhelm
Reich (1897-1957) e Herbert Marcuse (1898-1979), que convidavam para a experimentação de toda situação
sexual. Ainda mais evidente é a influência do existencialismo ateu de Simone de Beauvoir (1908-1986), que,
já em 1979, pronunciava seu célebre aforisma: “Não nasces mulher! Fazem-te mulher!”, mais tarde integrado
pela conclusão lógica: “Não se nasce homem! Fazem-te homem! Nem mesmo a condição de homem é uma
realidade dada por princípio”.(Simone de Beauvoir, Alles in Allem, Hamburg, 1974,455). Também os estudos
sócio-culturais de Margaret Mead (1901-1978) - apesar de a validade científica de seus postulados ser posta
em discussão por outros estudiosos - podem considerar-se internos a esse processamento histórico, que vê o
consolidar-se de um novo ramo do feminismo radical (Cf. M. Mead, Male and Female. A Study of the Sexes
in a Changing Word, New York 1949; G. Solé Romeo, Historia del feminismo. Siglos XIX y XX, Pamplona
1995, 50-53) (apud BURGGRAF, 2007, p. 453 et seq).
27
por inúmeras “teólogas do feminismo de gênero”,
62
entre outros tipos e modos de
desconstrução para após se iniciar um processo de “re-construção” da sociedade, sem o
matrimônio, sem a família e sem religião.
Neste caso é através de uma forma linguística “elegante” e ideológica de destruição do
matrimônio e da família que as feministas de gênero defendem com urgência a desconstrução
dos papéis e das responsabilidades do homem e da mulher determinados socialmente.
63
Além
disso, defendem que a reprodução humana também é determinada socialmente.
64
Portanto, pode-se concluir que o objetivo dos defensores da ideologia de gênero, é
lutar por uma sociedade sem classes de sexo, e como se constata para isso, propõem a
“desconstrução” da linguagem, dos relacionamentos familiares, da reprodução humana, da
62
As feministas de gênero dedicam particular ênfase à “desconstrução da religião, que, em seu parecer, é a
causa principal da opressão da mulher. Numerosas ONGs reconhecidas pela ONU empenharam-se na crítica
daqueles que chamam “fundamentalistas” (cristãos católicos, evangélicos e ortodoxos, judeus e muçulmanos),
ou quem quer que seja que se negue a submeter a própria religião à agenda do feminismo de gênero. Para o
feminismo de gênero, a religião é uma invenção humana e as religiões principais foram inventadas pelos
homens para oprimir as mulheres. Por isso as feministas radicais postulam uma nova imagem de Deus como
Sofia: sabedoria feminina. Nesse sentido, as “teólogas do feminismo de gênero” propõem descobrir e adorar
não Deus, mas a Deusa. Elisabeth Schussler Fiorenza, outra “teóloga feminista do gênero” afirma: “Os textos
bíblicos não são revelação de inspiração verbal nem princípios doutrinais, mas formulações históricas [...]
Analogamente, a teoria feminista insiste no fato que todos os sexos são fruto de uma cultura e de uma história
patriarcal androcêntrica” (REVOREDO, 2007, p. 491 et seq).
63
“A desconstrução destes papéis socialmente construídos, segundo as feministas de gênero, podem-se dividir
em três categorias principais:
- Masculinidade e feminilidade. Julgam que o homem e a mulher adultos são construções sociais; que na
realidade o ser humano nasce sexualmente neutro e só depois é socializado em homem ou mulher. Esta
socialização, dizem, atinge a mulher negativa e injustamente. As feministas propõem, assim, depurar a
educação e os meios de comunicação de qualquer estereótipo e imagem específica de gênero, para que as
crianças possam crescer sem serem dirigidas a trabalhos “sexo-específicos”.
- Relações familiares: pai, mãe, marido e esposa. As feministas não só pretendem que estes termos “gênero-
específicos” sejam substituídos por palavras “gênero-neutrais”, mas aspiram também à eliminação das
diferenças de conduta e responsabilidade entre o homem e a mulher na família. Segundo Dale O’Leary, esta
é a categoria dos “papéis socialmente construídos” a que as feministas atribuem maior importância, já que
julgam que a experiência de relações “sexo-específicas” na família é a causa principal do sistema de classes
por “sexo/gênero”.
Ocupações ou profissões. O terceiro tipo de “papéis socialmente construídos” diz respeito às ocupações que
uma sociedade atribui a um e outro sexo (Ibid., p. 491 et seq).
64
Neste contexto afirma Heidi Hartmann: “O modo como a espécie se reproduz é determinado socialmente. Se
biologicamente as pessoas fossem sexualmente polimorfas e a sociedade organizada de modo a permitir, o
mesmo nível, qualquer forma de expressão sexual, a reprodução seria o resultado só de alguns encontros
sexuais: os heterossexuais. A divisão clara do trabalho entre os sexos, uma invenção social comum a todas as
sociedades conhecidas, cria não só dois gêneros muito distintos mas também a necessidade de que homens e
mulheres se unam por razões econômicas. Contribui, assim, para orientar suas exigências sexuais na direção
de uma realização heterossexual e para garantir a reprodução biológica. Em sociedades mais criativas, a
reprodução biológica poderia ser garantida por outras técnicas (Ibid., p. 491 et seq).
28
sexualidade, da educação,
65
da religião e da cultura, entre outras formas de dominação verbal
e ideológica visando de forma sistemática a destruição do matrimônio e da família.
José Kentenich afirmava: “idéias são realidades”, portanto, as ideologias citadas,
visam atacar e destruir o matrimônio, a família natural
66
aqui entendida e defendida, como “a
família fundada sobre o matrimônio, aonde a doação recíproca de si mesmos, por parte do
homem e da mulher, cria um ambiente vital onde a criança pode nascer e desenvolver as suas
potencialidades, e pode, ficar consciente de sua dignidade e preparar-se para enfrentar seu
único e irrepetível destino”.
67
1.4 OS NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA
Como justificar nos tempos atuais, ditos pós-modernos, com a propagação da
ideologia de gênero e de outras ideologias que afrontam o matrimônio e a família
68
tradicional
o casamento monogâmico e heterossexual?
65
Os defensores da perspectiva de gênero, propõem, desconstruir, não só a família, mas também a educação. As
meninas devem ser orientadas para áreas não tradicionais; não devem ser expostas à imagem da mulher como
esposa ou mãe nem envolvidas em atividades femininas tradicionais. Conforme discurso do presidente da Islândia,
Vigdis Finn-Bogadottir pronunciou em uma conferência preparatória à Conferência de Pequim, organizada pelo
Conselho Europeu em fevereiro de 1995: “A educação é uma estratégia importante para mudar os preconceitos
sobre os papéis do homem e da mulher na sociedade. A perspectiva de gênero deve ser integrada nos programas.
Dos textos escolares devem desaparecer os estereótipos e os professores devem cuidar que meninos e meninas
façam uma opção preferencial consciente e não baseada sobre tradicionais preconceitos de gênero” (REVOREDO,
2007, p. 491 et seq).
66
Alison Jaeger, autora de diversos livros de texto empregados em programas de estudos femininos em universidades
norte-americanas, revelam claramente a hostilidade das feministas de gênero para com a família: “Igualdade
feminista radical não significa simplesmente igualdade diante da lei e nem sequer igual satisfação de outras
necessidades elementares, mas sim que as mulheres - como os homens - não devam dar à luz [...]. A destruição da
família biológica, que Freud nunca viu, permitirá o emergir de mulheres e homens novos, diferentes dos que
existiram anteriormente”. Ao que parece, a principal razão da rejeição feminista da família é que esta instituição
fundamental da sociedade, em seu parecer, “cria e sustenta o sistema de classes sexo/gênero”. Christine Riddiough,
colaboradora da revista publicada pela instituição internacional contrária à vida “Catholics for a Free Choice
(Católicas pelo direito de decidir - favorável a práticas abortivas), explica: “A família nos dá as primeiras lições da
ideologia da classe dominante e confere legitimidade também a outras instituições da sociedade civil. São, as nossas
famílias a ensinar-nos primeiro a religião, a ser bons homens livres [...] a hegemonia da classe dominante na família
é tão forte que é-nos ensinado que esta encarna a ordem natural das coisas. Baseia-se particularmente sobre uma
relação entre o homem e a mulher que reprime a sexualidade especialmente a sexualidade da mulher” (Ibid., p. 491
et seq).
67
CA, 39.
68
“A instituição natural da família dá lugar a formas de organizações variáveis, segundo os tempos ou locais. Todavia, da
família patriarcal à família nuclear é sempre a mesma realidade fundamental que encontramos. Nesta realidade
concreta que é a família, o homem e a mulher acolhem-se reciprocamente, edificam-se mutuamente, amam-se e
comunicam a vida. É com um abuso de linguagem que hoje as organizações governamentais, internacionais ou
privadas, utilizam a expressão “novos modelos de família”. Neste contexto, o termo “família” é utilizado para designar
uniões de pessoas do mesmo sexo, já conhecidas na Antiguidade, mas que nenhuma sociedade daquele tempo quis
qualificar como “família” (HAGAN, Joseph. Novos modelos de família. In: LEXICON: termos ambíguos e discutidos
sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 745 et seq).
29
Historicamente a família nascida do casamento heterossexual e monogâmico é
apresentada como modelo, a instituição natural da célula na qual se fundamenta a sociedade.
Entretanto, nos dias atuais, termos como “casamento”, “matrimônio”, e “família” são também
utilizados para designar uniões entre pessoas do mesmo sexo, uniões estas já conhecidas nas
mais diversas épocas da história da humanidade, mas, que nenhuma das sociedades que as
conheceu quis denominar ou reconhecer como sendo uma “família”, ou como
tradicionalmente é assim conhecida e reconhecida.
Surge assim, a denominação “novos modelos de família”,
69
que envolve várias
situações novas,
70
frutos do relativismo e utilitarismo, bem como da tecnociência, e, que se
abatem sobre questões atinentes ao matrimônio e à família, refere-se a um novo modo de vida
e que criou uma série de novas situações paralelas à família como tradicionalmente a
conhecemos.
69
“A expressão “novos modelos de família” pretende obviamente persuadir as pessoas que tais situações novas
devem ser entendidas como moralmente aceitáveis e equivalentes, ou pelo menos como um substituto à
tradicional noção social de família, ou seja, um homem e uma mulher que, comprometidos de modo
permanente um com o outro, como esposa e marido, estejam abertos ao dom dos filhos no seu matrimônio e
que, uma vez “abençoados” pela vinda de filhos como conseqüência do cumprimento da sua sagrada missão
conjugal da procriação, façam crescer estes filhos física, moral e espiritualmente. O fato de adotar esse
eufemismo “novos modelos de família” no âmbito de um discurso leva justamente à ambigüidade e ao
relativismo, desejados por aqueles que o propõem. Estes acreditam que tal ambigüidade e relativismo moral
são necessários para criar consenso em torno do eufemismo e, ainda mais importante, para chegar à aceitação
das situações paralelas à família às quais o eufemismo se refere” (HAGAN, 2007, p. 745 et seq).
70
“Estas situações incluem, efetivamente ou potencialmente:
- a “união livre” entre um homem e uma mulher que, através do uso de contraceptivos, evitam a procriação;
- a “união livre” entre membros do mesmo sexo, que procuram adotar uma criança ou ter uma própria através
da inseminação artificial assistida, a fecundação in vitro ou a maternidade “substitutiva”;
- “matrimônios” entre pessoas do mesmo sexo, reconhecidos pelo direito civil, cujos componentes buscam
adotar uma criança ou ter uma própria, através da inseminação artificial assistida, a fecundação in vitro ou a
maternidade “substitutiva”;
- famílias com um só genitor que subseqüentemente procuram adotar uma criança ou ter uma própria através
da inseminação artificial assistida, a fecundação in vitro ou a maternidade “substitutiva”;
- família, em sentido tradicional, para as quais a prática do aborto é prevista como uma forma de controle da
natalidade;
- famílias, entendidas em sentido tradicional ou pertencendo a qualquer caso acima descrito, para as quais a
prática da eutanásia ou da morte assistida é prevista para eliminar um dos membros da família cuja vida seja
considerada gravosa, ou inútil à mesma família”. Na área do direito civil, várias nacionalidades já
estabeleceram legislações visando justamente tratar destas questões, legalizando a “união livre” entre
pessoas do mesmo sexo, legalizando o aborto, a fecundação in vitro, a inseminação artificial assistida e
outras situações. A “união livre” entre pessoas do mesmo sexo já é aceita e reconhecida juridicamente em
muitos países, e outros já encaminham instrumentos jurídicos para dar este tipo de relacionamento um
reconhecimento legal (Ibid., p. 745 et seq).
30
Atualmente, aqueles que lutam por uma afirmação destes “novos modelos”
71
de
família, procuram obter um reconhecimento por parte do poder público, procurando obter um
“status” jurídico, pretendendo desta forma, obter um estatuto em tudo igual aos direitos e
deveres da família tradicional, inclusive obter o direito a adoção de filhos.
1.5 O RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS
A ideologia de gênero defende, de forma ferrenha, a adaptação das legislações civis,
para que as mesmas correspondam às novas realidades sociais. Neste sentido, os diversos
parlamentos nacionais mundo afora, procuram reforçar legalmente os “direitos conjugais” dos
homossexuais. A Holanda, em dezembro de 2002, aprovou legislação que autoriza o
“matrimônio” civil de homossexuais, estendendo aos mesmos, os direitos estabelecidos aos
casais heterossexuais, bem como o direito de casais do mesmo sexo adotar crianças.
Seguindo essa mesma linha, a Bélgica em junho de 2003, aprovou legislação
autorizando “matrimônios” entre homossexuais, não só para nascidos no país, mas também
beneficiando estrangeiros, garantindo direitos em matéria de herança, mas não permitindo a
adoção de crianças. No Canadá em 2005 também foi aprovada legislação que autoriza o
“casamento” entre pessoas do mesmo sexo, bem como outorgando o direito de adoção de
crianças. A Dinamarca, Noruega, Suécia, Islândia, Finlândia, França, Portugal, Alemanha,
entre outros países europeus, também já possuem legislação que regulam o “matrimônio”
entre homossexuais, com variação entre um e outro, quanto ao direito de poder ou não de
adotar crianças, ou de utilizar o recurso da procriação médica assistida. Na América do Sul, o
governo da cidade de Buenos Aires, capital da Argentina, autorizou uniões civis de casais
71
Se admitirmos a nova terminologia, a família deixa de ser o que sempre foi, o que é por sua natureza. Eis
porque, em contraposição aos vários “modelos de família” disponíveis nos nossos dias, seria necessário
restaurar o conceito de família - conceito sem dúvida unívoco e com um significado muito preciso - com o
qual sempre se denominou um tipo específico e muito claro de relação: a relação que se estabelece de modo
exclusivo entre homem e mulher e com a qual se configura o vínculo especial que os une [...] Infelizmente, a
família como instituição natural, a família de sempre, recebeu também um rótulo pejorativo ao ser agregado
ao seu conceito o adjetivo “tradicional” (“família tradicional”). E, como se sabe, o tradicional não é atual, não
é o que está na moda, especialmente nesta época pós-moderna, que parece fugir tão apressadamente de tudo o
que significa ou que se refere à história. Uma vez sedimentada pelo uso a expressão “família tradicional”, foi
muito mais fácil requalificar esse tipo de família em termos de obsolescência, de ausência de validade social
e, consequentemente, foi mais fácil procurar excluir do uso social este inconfundível e inequívoco tipo de
união entre o homem e a mulher (LORENTE, Aquilino Polaino. “Matrimônio” de homossexuais. In:
LEXICON: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 609
et seq).
31
homossexuais em maio de 2003, transformando-se desta forma, na primeira cidade da
América Latina que iguala os direitos entre “casais” homossexuais e casais heterossexuais.
Na Oceania, na Nova Zelândia, em dezembro de 2004, o Parlamento Neozelandês,
aprovou legislação que possibilita aos homossexuais oficializarem sua “união”, entretanto a
mesma legislação define o matrimônio como sendo a união entre um homem e uma mulher.
Desse modo, nota-se que esta prática, de reconhecer a união de pessoas do mesmo
sexo, está disseminando-se e como já se frisou, a questão do “matrimônio” entre pessoas do
mesmo sexo, torna-se assim, uma forma linguística com o uso de expressões como “união
estável”, “relações homoafetivas” entre outras, para tornar aceita e reconhecida como
“normal”, e dar “status” jurídico à união entre pessoas do mesmo sexo bem como regularizar
as uniões heterossexuais que não contraem núpcias, ou sejam aquelas uniões já reconhecidas
de fato pela sociedade como um “matrimônio” mas que ainda carecem de um reconhecimento
no ordenamento jurídico civil.
As uniões homossexuais estão tornando-se um acontecimento frequente e é de suma
importância que o Estado bem como a Igreja, se detenham sobre esse fato, já que o mesmo
tem amplas repercussões nos mais variados segmentos sociais, e querendo-se ou não,
estabelecem uma nova norma de comportamento independentemente da crítica que se faça ou
da visão que se tenha sobre estas uniões. É uma realidade que está chamando inclusive a
atenção dos órgãos governamentais do nosso país, tanto que o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), na sua última contagem da população,
72
realizada em 5.435
municípios do País com até 170 mil habitantes, verificou a existência de 17 mil casais
homossexuais, sendo que esta é a primeira vez que o instituto apura o número de casais do
mesmo sexo e que assumem publicamente esta situação. A pesquisa não inclui os 129
municípios mais populosos do País, entre eles Rio de Janeiro e São Paulo, locais onde estão
concentrados cerca de 40% da população brasileira.
Com toda a certeza, o próximo censo, que será feito com maior amplitude, previsto
para ser realizado em 2010, irá revelar um número ainda maior de uniões homossexuais, ou
“uniões homoafetivas”.
72
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de
domicílios. São Paulo: IBGE, 2007.
32
1.5.1 As Propostas de Legalização das Uniões Homossexuais
Como aconteceu e está ocorrendo em diversos países do mundo, invariavelmente o
que acontece lá fora, dentro de pouco tempo repercute dentro de nossas fronteiras, seguindo,
pois, os efeitos do fenômeno da globalização no Brasil, a situação não é diferente no que
tange a propostas de legalização das uniões homossexuais. No Congresso Nacional, em
Brasília, foi apresentado em 26 de outubro de 1995, projeto de lei (PL-1151/1995), pela então
deputada federal Marta Suplicy (PT/SP), visando disciplinar a união civil entre pessoas do
mesmo sexo, apesar de uma longa tramitação, o projeto foi retirado de pauta por acordo de
lideranças em 31 de maio de 2001. Entretanto, em 14 de agosto de 2007, através do
requerimento número 1447/2007, apresentado pelo deputado federal Celso Russomano, foi
solicitada a inclusão do mesmo (PL 1151/1995) na ordem do dia, e, desde então, aguarda
inclusão na pauta de votações da Câmara dos Deputados.
Além dessa iniciativa, existem tramitando no Congresso Nacional, outras propostas,
com finalidade semelhante, entre elas, destaca-se na Câmara dos Deputados, o projeto de lei
(PL-674/2007) do deputado federal Cândido Vaccarezza (PT/SP),
73
visando regulamentar a
73
“O projeto de lei número 674/2007, está disponível na página da internet da Câmara dos Deputados, no seguinte
endereço: http://www2.camara.gov.br/proposições, transcrevemos apenas os tópicos de interesse desta pesquisa:
Em seu artigo primeiro prevê: “É reconhecida como entidade familiar a união estável, pública, contínua e
duradoura, entre duas pessoas capazes, estabelecida com o objetivo de constituição familiar”.
O artigo segundo diz: “O Estado civil das pessoas em união estável é o de Consorte” seu parágrafo único, afirma:
“Companheiros e consortes são denominações para identificar os sujeitos da união estável, podendo os termos,
serem utilizados indistintamente”.
O artigo terceiro os seguintes direitos e deveres: “São direitos e deveres iguais dos consortes: I - respeito, lealdade e
consideração mútuos; II - assistência moral e material recíproca; III - guarda, sustento e educação dos filhos”.
O projeto de lei 674/2007 prevê ainda, outras disposições da lei civil relativas, à prova da união; da dissolução da
união estável; do divórcio de fato; dos alimentos, do parentesco, do regime de bens e do direito sucessório; nas
disposições finais propõe a alteração do “caput” do artigo 1723 da Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002 (Código
Civil Brasileiro), propondo a seguinte redação: “É reconhecida como entidade familiar a união estável, pública,
continua e duradoura, entre duas pessoas capazes, estabelecida com o objetivo de constituição familiar”.
Nas justificativas apresentadas para a apresentação do projeto de lei destaca-se o seguinte: “A resistência no
reconhecimento de unidades familiares constituídas por relações homoafetivas é justificada, por muitos, com o
argumento jurídico de que a legislação utilizou os termos “homem” e “mulher” para definir os sujeitos da relação.
Demos nova redação ao conceito de união estável, mantendo a exigência da publicidade, estabilidade e objetivo de
constituição familiar, mas definimos os sujeitos da relação como “pessoas capazes”, englobando as relações entre
homossexuais e heterossexuais”. E, “objetivamos com a aprovação do projeto colaborar na harmonização e
definição dos conceitos envolvendo, esta “nova” instituição familiar e dar respaldo jurídico e relações afetivas
consolidadas, que já venceram tabus sociais, mas ainda enfrentam resistências institucionais”. Cabe ressaltar, que
em 08 de maio de 2007, o deputado federal Antônio Bulhões (PMDB-SP), apresentou emenda modificativa ao
artigo primeiro do PL 674/2007, propondo a seguinte redação: Artigo primeiro: “É reconhecida como entidade
familiar a união estável, pública, contínua e duradoura, entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de
constituição familiar”. Como justificativa apresenta o seguinte argumento: “O novo Código Civil em todo o seu
livro IV contempla a base familiar com a formação entre o homem e a mulher. Outros direitos que possam ser
estendidos a pessoas do mesmo sexo estão previstos em outras partes do tão discutido Código, que entrou em vigor
há pouco mais de quatro anos”.
33
união estável de casais heterossexuais, e inclui na mesma proposta os “casais” homossexuais
no conceito de união estável. O projeto de lei reconhece como “entidade familiar a união
estável, pública, contínua e duradoura, entre duas pessoas capazes, estabelecida com o
objetivo de constituição familiar”.
Esta proposta estabelece que na união estável, os dois consortes terão direitos e
deveres iguais, bem como a guarda, sustento e educação dos filhos comuns, bem como
poderão requerer ao Oficial do Registro Civil, a qualquer tempo, a conversão da união estável
em casamento. Estabelece ainda, a criação do conceito jurídico do “divórcio de fato”, que
consiste na ruptura, por mais de cinco anos, da vida em comum dos integrantes de relação
conjugal ou união estável.
Também tramita projeto de lei na Câmara dos Deputados em Brasília, de autoria do
deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), que dispõe sobre contrato civil de “união
homoafetiva”.
74
Outro projeto, que também tramita na Câmara dos Deputados e do qual pouco se
ouviu até a presente data talvez, por ter sido apresentado em outubro de 2007, portanto, de
recente tramitação, é o que dispõe sobre o denominado “Estatuto das Famílias”, de autoria do
deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) através do projeto de lei número
74
“O projeto de lei número 580/2007, de autoria do deputado Clodovil Hernandes (PTC/SP), propõe alterar
dispositivo do Código Civil Brasileiro nos seguintes termos:
Artigo primeiro: Esta lei altera a Lei 10406, de 10 de janeiro de 2002, para dispor sobre o contrato de união
homoafetiva.
Artigo segundo: Acrescente à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte capítulo e respectivo artigo:
Capítulo XVIII - A
Do contrato de união homoafetiva
Artigo 839-A - Duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união homoafetiva por meio de contrato em
que disponham sobre suas relações patrimoniais.
Parágrafo único - É assegurado, no juízo cível, o segredo de justiça em processos relativos a cláusulas do
contrato de união afetiva.
Artigo quarto: Acrescente ao artigo 1790 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte parágrafo:
Parágrafo único - As disposições desse artigo, aplica-se, no que couber, aos companheiros homossexuais.
Artigo quinto: Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
O relator da matéria é o deputado Maurício Trindade (PR-BA), e, o projeto de lei encontra-se na Comissão de
Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados desde 24 de abril de 2007, tendo sido
encerrado o prazo para apresentação de emendas, sendo que nenhuma emenda foi apresentada. A matéria
segue para outras etapas de tramitação, atinentes a um projeto de lei, maiores informações, bem como
atualização da matéria, podem sem acompanhadas no endereço eletrônico da Câmara dos Deputados
(BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposições. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposições>.
Acesso em: 20 nov. 2008).
34
2285/2007.
75
A proposta contém 274 artigos, e propõe-se a regular os direitos e deveres no
âmbito das “entidades familiares”. No seu artigo terceiro o projeto diz que é reconhecida
como família, “toda comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar,
em qualquer de suas modalidades”, sendo que possui um capítulo específico reconhecendo a
“união homoafetiva”, prevendo inclusive a “adoção de filhos”. Um aspecto que chama
atenção é que o projeto mantém a figura do casamento religioso com efeitos civis, bem como
75
Transcrevemos apenas os artigos do Projeto de Lei número 2285/2007, que interessam à presente dissertação:
Capítulo III - Da união estável.
Artigo 63 - É reconhecida com entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Parágrafo único - A união estável constitui estado civil de convivente, independentemente de registro, o qual
deve ser declarado em todos os atos da vida civil.
Capítulo IV - Da união homoafetiva.
Artigo 68 - É reconhecida com entidade familiar a união entre duas pessoas do mesmo sexo, que mantenham
convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que
couber, as regras concernentes à união estável.
Parágrafo único - Dentre os direitos assegurados, incluem-se:
I - guarda e convivência com os filhos;
II - a adoção de filhos;
III - direito previdenciário;
IV - direito à herança.
Artigo 69 - As famílias parentais se constituem entre pessoas com relação de parentesco entre si e decorrem
da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar.
Parágrafo 1
o
. - Família monoparental é a entidade formada por um ascendente e seus descendentes, qualquer
que seja a natureza da filiação ou do parentesco.
Parágrafo 2
o
. - Família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões
afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais.
Artigo 70 - Os filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações e práticas discriminatórias.
Artigo 73 - Presumem-se filhos:
I - os nascidos durante a convivência dos genitores à época da concepção;
II - os havidos por fecundação artificial homóloga, desde que a implantação do embrião tenha ocorrido antes
do falecimento do genitor;
III - os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que realizada com prévio consentimento livre e
informado do marido ou do convivente, manifestado por escrito, e desde que a implantação tenha ocorrido
antes do seu falecimento.
Artigo 164 - É facultado aos conviventes e aos parceiros, de comum acordo, requerer em juízo o
reconhecimento de sua união estável ou da união homoafetiva.
Na sua justificativa o projeto de lei é apresentado como “Estatuto das Famílias” para “contemplar melhor a
opção constitucional de proteção das variadas entidades familiares. No passado, apenas a família constituída
pelo casamento - portanto única - era objeto do Direito de Família”. Com relação às uniões “homoafetivas”
justifica: “O estágio cultural que a sociedade brasileira vive, na atualidade, encaminha-se para o pleno
reconhecimento da união homoafetiva. A norma do artigo 226 da Constituição é de inclusão - diferentemente
das normas de exclusão das Constituições pré-1988-, abrigando generosamente todas as formas de
convivência existentes na sociedade. A explicitação do casamento, da união estável e da família monoparental
não exclui as demais que se constituem como comunhão de vida afetiva, de modo público e contínuo”.
Em momento algum, a Constituição veda o relacionamento de pessoas do mesmo sexo. A jurisprudência
brasileira tem procurado preencher o vazio normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos às relações entre
essas pessoas. Ignorar essa realidade é negar direito às minorias, incompatível com o Estado Democrático.
Tratar essas relações como meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios de uma sociedade de
fins lucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas, consagrando
o artigo primeiro, inciso III da Constituição. Se esses cidadãos brasileiros trabalham, pagam impostos,
contribuem para o progresso do País, é inconcebível, interditar-lhes direitos assegurados a todos, em razão de
suas orientações sexuais. O projeto de lei 2285 de 2007, que trata do “Estatuto da Família”, encontra-se na
íntegra no portal da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2008).
35
também outras normas na área do direito de família, algumas inclusive, já contempladas e
outras não no atual Código Civil Brasileiro. Conclui-se deste modo, que o Brasil também já
desponta no concerto das nações com uma legislação com vistas a reconhecer e legalizar as
uniões homossexuais.
1.6 OUTROS TIPOS DE FAMÍLIA
Além das uniões homossexuais, outro fato relevante que está afetando a estrutura e a
composição familiar na atualidade, está o que se denomina de “família matriarcal”. O modelo
de família aonde a mulher exerce a figura do “chefe” do núcleo familiar.
Nos dias atuais não é raro se ouvir a expressão “produção independente”, aonde
mulheres que querem ter um filho procuram um “reprodutor de ocasião”, preferencialmente,
homens de boa feição física pagando inclusive boas somas em dinheiro, para manter relação
sexual visando uma gravidez, e, após atingindo o objetivo desejado, dispensam o
companheiro escolhido para este relacionamento exonerando-o de qualquer compromisso de
ordem financeiro-econômica, bem como de qualquer compromisso com a educação da prole
que decorrer dessa relação. Ou seja, o papel do homem neste tipo de relação é apenas
biológico, sendo considerado “supérfluo” para o restante dos direitos e obrigações que
decorrem do normal exercício de uma paternidade responsável. Outras recorrem às técnicas
de reprodução assistida, obtendo embriões nas denominadas clínicas de fertilização.
Existem hoje vários tipos de família monoparental, como os formados por pais
separados, e, que após a separação por motivos vários não assumem um novo relacionamento
estável, e, nesses casos, normalmente a mãe assume a guarda e educação dos filhos. Há
também os casos dos viúvos, núcleos familiares muitas vezes geridos pela figura feminina. As
famílias chefiadas por mulheres aumentaram significativamente nas últimas décadas. Segundo
o IBGE este número de famílias vem aumentando significativamente a cada censo realizado.
Atualmente, muitos casais depois de uma primeira união se separam e assumem novo
relacionamento estável, sendo que a cada novo relacionamento que se sucede, muitas vezes,
ocorre o nascimento de filhos, surgindo daí “famílias”, com múltiplos pais e mães, irmãos e
irmãs, famílias dentro de outras famílias.
36
Todas estas “figuras”, “tipos” e “modelos” de família estão alterando profundamente o
comportamento humano e a vida social. Requerem um estudo e respostas da sociedade, do
Estado, e da Igreja, embora cada uma destas instituições tenha pontos de vista e modos
diferentes de encarar as questões do matrimônio e da família, e dão respostas diferentes às
mesmas, já que tais núcleos, embora fragmentados, e longe do que histórica e
tradicionalmente se denominou constituir um matrimônio e uma família tradicional,
76
fazem
parte da sociedade contemporânea e como integrantes do corpo social, merecem uma atenção
especial por parte daqueles que se dedicam às ciências humanas e praticamente obrigam que
todas as pessoas e instituições devam estar abertas e em constante diálogo frente ao diferente.
Na sociedade atual como vimos existem muitas variantes familiares, que fogem do
conceito ou ao modelo do que por muito tempo se considerou como uma família tradicional.
Na atualidade é necessário que se estabeleça um diálogo com as pessoas que vivem e
assumem situações e formas diversas daquelas que por longo tempo foram consideradas como
socialmente aceitáveis. Face ao grande aumento de situações desta natureza, que muitos
segmentos da sociedade consideram normais, todavia, cabe àqueles que se debruçam sobre as
causas e consequencias do comportamento humano com relação ao matrimônio e à família,
tanto dentro da Igreja, como fora dela, buscar caminhos para que tais alterações no
comportamento social, não desestabilizem de todo a sociedade, pois o impacto que tais
mudanças comportamentais provocam no ser humano de forma individual, ou como grupo,
repercutem inegavelmente, de forma mais ou menos sensível em todo o tecido social
infelizmente causando grandes danos à sociedade como um todo.
Após a análise de conjuntura atual do matrimônio e da família conclui-se que estas
duas instituições sofreram e sofrem múltiplos ataques através do processo de secularização.
Nas análises feitas principalmente sobre a questão da ideologia de gênero, pode-se concluir
76
A expressão ‘família tradicional’, é hoje, freqüentemente utilizada em contextos onde se quer aprovar diversas
formas de união, particularmente a união homossexual. Na verdade, a expressão enuncia antes um pleonasmo,
já que, segundo afirmam os antropólogos mais autorizados, a instituição familiar fundada no matrimônio
monogâmico e heterossexual é atestada em todas as sociedades humanas. Na verdade, os modelos de
organização da família apresentam uma real diversidade, mas, para além de tal diversidade, encontramos um
núcleo constante: a família se reduz sempre à união estável de um homem e de uma mulher que se amam e
projetam transmitir a vida. O termo família é, portanto, unívoco, isto é, tem um só significado aceitável, já que
reenvia a uma instituição natural atestada universalmente, antes e fora do cristianismo. Tal instituição parece
estar hoje em debate: a família dependeria de um paradigma ultrapassado, de um saber pertencente a uma
outra época. Seria, talvez, uma curiosidade histórica, ou um produto cultural destinado a ser superado. A
expressão ‘família tradicional’ deve, pois, ser usada com sutileza, já que colabora a desvalorizar a instituição
natural que pretende designar. Com um ‘transfer’ semântico enganoso, esta expressão pode ser aproveitada
para beneficiar outros tipos de união, cujo estatuto deve continuar a ser reservado à família, que é
monogâmica e heterossexual (BELARDINELLI, Sérgio. Família tradicional. In: LEXICON: termos ambíguos
e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: CNBB, 2007. p. 437-442).
37
que; conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica, as relações homossexuais estão em
desacordo com a lei moral natural, que os atos homossexuais, de fato fecham-se ao dom da
vida, não contêm a essencial complementaridade afetiva/sexual, que deve perpassar todo o
relacionamento sexual o que só pode acontecer na união entre um homem e uma mulher. A
Sagrada Escritura condena as relações homossexuais como grave depravação (cf. Rm 1,24-27;
1Cor 6,10; 1Tm 1,10). Desse juízo da Sagrada Escritura não se pode inferir que todos os que
sofrem de semelhante anomalia sejam pessoalmente responsáveis por ela, mas deixa bem
claro que os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados. Semelhante juízo se
encontra nos escritos dos Padres da Igreja e aceito de forma unânime pela Tradição católica.
As uniões homossexuais vão certamente criar obstáculos ao desenvolvimento
psicológico normal das crianças eventualmente inseridas no interior dessas uniões através do
instituto jurídico da adoção, o que é profundamente lamentável e grave.
Por outro lado, a Igreja ensina que os homens e mulheres com tendências
homossexuais: “Devem ser acolhidos com respeito compaixão e delicadeza. Deve evitar-se,
para com eles, qualquer atitude de injusta discriminação”
77
. A Igreja também conclama à
castidade todos aqueles que sofrem desta anomalia, ressaltando que as práticas homossexuais
“são pecados graves contra o sexto mandamento da Lei de Deus”
78
. Há que lembrar que a
tolerância do mal é muito diferente da aprovação ou como querem alguns a legalização do
mal.
Neste contexto o diálogo com o diferente, com aqueles que têm valores e um viver
totalmente diverso dos cônjuges e pais cristãos é um grande desafio para o futuro.
A Igreja quer que todos os seus fiéis se oponham ao reconhecimento legal das uniões
homossexuais, e neste sentido, os políticos católicos são convocados, a ter uma postura
responsável. A sociedade como um todo deve sua sobrevivência à família fundada sobre o
matrimônio. Como já adverte a Igreja “é uma contradição equiparar à célula básica da
sociedade às uniões homossexuais, o que constitui a sua negação”. Esta equiparação como
consequência imediata seria uma redefinição do matrimônio: “na sua essência legalmente
77
CEC, 2358.
78
Id., 2396.
38
reconhecida, perderia a referência essencial aos fatores ligados à heterossexualidade, como
são, por exemplo, as funções procriadora e educadora”
79
.
Cabe aos leigos casados, principalmente aos cônjuges e casais cristãos, dar, eles
mesmos, respostas para estas emergentes questões que afligem o matrimônio e a família.
Como apóstolos evangelizar em primeiro lugar sua própria família, e num segundo momento
as famílias sobre as quais possam exercer alguma influência.
79
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal
das uniões entre pessoas homossexuais, 8. São Paulo: Paulinas, 2003. (Documentos da Igreja; 14).
39
2 UMA VISÃO CRISTÃ DO HOMEM E DA MULHER NO MATRIMÔNIO E NA
FAMÍLIA
Nesse capítulo propõe-se discorrer sobre a visão do ser masculino e do ser feminino no
âmbito do matrimônio e da família,
80
bem como sobre a vocação e a missão de cada um na
perspectiva do magistério de João Paulo II e na obra de José Kentenich:
O ser humano é, em primeiro lugar, uma imagem de Deus Trino e o plano de Deus
prevê, que os dois sexos se complementem. Estes dois pensamentos, ainda devemos
detalhar, a fim de entendermos melhor a relação com a comunidade de amor, e, qual
a razão para o ato sexual, ou, qual é o objetivo do ato sexual à luz da verdade de
sermos imagens da Santíssima Trindade.
81
O ser humano é um ser corporal e espiritual,
82
no pensamento cristão corpo e alma
formam uma uni-dualidade. O amor conjugal firma entre o homem e a mulher uma aliança,
um pacto, uma união indissolúvel, uma comunhão
83
permanente até o fim de suas vidas,
80
Matrimônio e família não são uma construção sociológica casual, fruto de situações particulares históricas e
econômicas. Pelo contrário, a questão da justa relação entre o homem e a mulher funde suas raízes na essência
mais profunda do ser humano e só pode encontrar sua resposta a partir desta. Não pode separar-se da pergunta
sempre antiga e sempre nova do homem sobre si mesmo: quem sou? Esta pergunta, por sua vez, não pode
separar-se do interrogante sobre Deus: existe Deus? E, quem é Deus? Como é verdadeiramente seu rosto? A
resposta da Bíblia a estas duas perguntas é unitária e consequencial: o homem é criado à imagem de Deus, e
Deus mesmo é amor. Por este motivo, a vocação ao amor é o que faz do homem autêntica imagem de Deus:
faz-se semelhante a Deus na medida em que se converte em alguém que ama (BENTO XVI. Discurso na
Basílica de São João de Latrão na abertura do Congresso Eclesial da Diocese de Roma sobre Família e
comunidade cristã: formação da pessoa e transmissão da fé”. 2009. Disponível em:
<http://www.acidigital.com./Documentos/família05.htm>. Acesso em: 23 jan. 2009).
81
KENTENICH, José. Às segundas-feiras ao anoitecer. Schoenstatt: Patris Verlag, 1995. p. 28.
82
A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual (CEC, 362). A
unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a “forma do corpo”, ou seja, é
graças à alma espiritual que o corpo constituído de matéria é um corpo humano e vivo; o espírito e a matéria
no homem não são duas naturezas unidas, mas a união deles forma uma única natureza (CEC, 365).
83
A comunhão conjugal caracteriza-se não só pela unidade, mas, também pela indissolubilidade: Esta união
íntima, já que o dom recíproco de duas pessoas exige do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira
fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união (GS, 49).
40
A primeira comunhão é a que se instaura e se desenvolve entre os cônjuges, em virtude
do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher: ‘Já não são dois, mas uma só carne’
(Mt 19,6, cf. Gn 2,24). E são chamados a crescer continuamente nesta comunhão através
da fidelidade cotidiana à promessa matrimonial do recíproco dom total.
84
Na atualidade é necessário ter-se uma compreensão clara da diferença entre os sexos,
neste contexto, é preciso aqui considerar o processo pelo qual se forma a identidade de
homem e da mulher,
85
a pessoa é inteiramente homem ou mulher, a masculinidade, a
feminilidade abrangem todo o seu ser. Sabe-se que não existe um traço psicológico ou
espiritual que possa ser atribuído só ao homem ou só à mulher, sabe-se também, que existem
características que se manifestam de forma mais acentuada num ou no outro ambos tendem a
complementação, possuem a mesma natureza humana, mas em modos diferentes, ambos na
ordem da Criação são chamados a agir e viver juntos, em comunhão (Gn 1,27).
O ser masculino e o ser feminino, não se esgotam na paternidade e na maternidade,
são convidados a aceitar-se e complementar-se reciprocamente, e a sociedade alcança sua
estabilidade se ambos os sexos viverem em plenitude seu diferente modo de ser.
86
84
FC, 19.
85
Os especialistas indicam três aspectos deste processo que, em condições normais, se entrelaçam harmonicamente: o
sexo biológico, o sexo psicológico e o sexo social. O sexo biológico descreve a corporeidade de uma pessoa.
Normalmente distinguem-se diversos fatores. O ‘sexo genético’ (ou ‘cromossômico’) - determinado pelos
cromossomos XX na mulher e XY no homem - é determinado no momento da fecundação e se traduz no ‘sexo
gonadal’, que é responsável pela atividade hormonal. O ‘sexo gonadal’, por sua vez, influi sobre o ‘sexo somático’
(ou ‘fenotípico’), que determina a estrutura dos órgãos reprodutivos internos e externos. Deve ser considerado o
fato que estas bases biológicas condicionam profundamente todo o organismo, de tal forma, que, por exemplo,
todas as células de um corpo feminino são diferentes das células de um corpo masculino. A ciência médica indica
mesmo diferenças estruturais e funcionais entre o cérebro masculino e o feminino. O sexo psicológico pertence, à
experiência, de vida psíquica de uma pessoa como homem ou como mulher. Trata-se, praticamente, da consciência
de pertencer a um determinado sexo. Esta consciência se forma, numa primeira fase, em torno dos dois à três anos
de vida e normalmente coincide com o sexo biológico. Pode sofrer significativa influência da educação e do
ambiente no qual vive a criança. O sexo sociológico (ou civil) é o sexo que se confere a uma pessoa no momento do
nascimento. Expressa a percepção que o resto do mundo tem daquela pessoa. Indica o atuar específico de um
homem ou de uma mulher e é geralmente entendido como o resultado de processos histórico-culturais. Refere-se às
funções e aos papéis (e aos estereótipos) que cada sociedade atribui aos diversos grupos humanos. Estes três
aspectos não são isolados um do outro; ao contrário, integram-se, num processo mais amplo: o processo da
formação da identidade. A pessoa, durante a infância e a adolescência, adquire progressivamente a consciência de
ser ‘ela mesma’. Descobre a própria identidade e, nela, sempre mais profundamente, a dimensão sexual do próprio
ser. Assume gradualmente uma identidade sexual (tornando-se consciente dos componentes biopsíquicos do próprio
sexo e da diferença para com o outro sexo) e uma identidade genérica (com a descoberta dos fatores psicológicos e
culturais do papel que as mulheres e os homens desenvolvem na sociedade). Num harmônico e correto
processamento de integração, as duas dimensões são correspondentes e complementares (BURGGRAF, 2007, p.
453 et seq).
86
“Que só a mulher possa ser mãe, e só o homem pai, é um fato biológico. A procriação é neles enobrecida pelo amor,
no qual se desenvolve e, precisamente pelo vínculo amoroso, foi colocada por Deus no centro da pessoa humana
como tarefa conjunta dos dois sexos. A paternidade comum revela um protagonismo especial e a imensa confiança
de Deus. Tanto o homem como a mulher são capazes de satisfazer uma necessidade essencial do outro. Na sua
mútua relação, um permite ao outro descobrir-se e realizar-se na própria condição sexuada. Um torna o outro
consciente do chamamento à comunhão e capaz de entregar-se ao outro, num relacionamento de recíproca
subordinação amorosa. Cada um, sob diversos pontos de vista, alcança a própria felicidade colocando-se ao serviço
da felicidade do outro” (Ibid., p. 453 et seq).
41
2.1 A COMUNHÃO DE ALMAS ENTRE O HOMEM E A MULHER NO MATRIMÔNIO
Na atualidade, usa-se a palavra amor dentro dos mais variados contextos, o
matrimônio e a família experimentam um grande crise, José Kentenich que vivemos:
Uma época de grande crise, que se exprime, sobretudo, como profunda “crise da
verdade”, crise da verdade significa, em primeiro lugar, crise de conceitos. Os
termos “amor”, “liberdade”, “dom sincero”, e até mesmo os de “pessoa”,
significarão na realidade aquilo que por sua natureza contêm?
87
Fala-se tanto do amor, mas deturpa-se o uso desta palavra, dando-lhe outro
significado, os meios de comunicação exploram em demasia o amor sexual, não se dá
destaque às diversas dimensões do amor, acentua-se o corpo, os sentidos, o sexual:
O que se entende por amor?... Quando se fala atualmente em amor, não se capta a
essência do amor, ou entende-se, exclusivamente, como amor sexual. Quem observa
a vida, quem olha as revistas, ou quem está diante da televisão, repara, que se trata
sempre e exclusivamente de alguma forma de amor sexual. Deste modo, o grande
público julga que exista muito amor no mundo atual.
88
Aqueles que contraem matrimônio buscam construir uma vida feliz, mas muitas vezes
buscam uma felicidade fugaz, passageira, fundada nos sentidos, nos bens materiais, a força do
genuíno amor, que assemelha que une é esquecida:
Quantos são os casamentos felizes que ainda encontramos efetivamente? Em
verdade, vamos ter que dizer: o que falta hoje em dia, o que falta para esta
humanidade moderna, é o genuíno e verdadeiro amor. O amor é uma força que gera
semelhança... É uma força que une... por consequencia, uma força unitiva e
assemelhativa... eu em ti e tu em mim e nós dois um no outro, isto é o amor. O amor,
por conseqüência, é um ato anímico, ou seja, uma atitude de alma. Portanto, eu em
ti, eu habito no teu coração; e tu em mim, tu vives no meu coração. E nós, vivemos
um no outro
89
87
GrS, 13.
88
ASFAN, v. 20, Tomo I, p. 81.
89
Id., p. 83.
42
2.2 A INTEGRAÇÃO DO EROS E DO ÁGAPE NA RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A
MULHER
Hoje, fixa-se o relacionamento homem/mulher, de forma muito forte, no plano físico,
manifestando-se num forte sexualismo, esquecendo-se a uni-dualidade
90
da pessoa humana, o
ser humano é corpo e alma. Não somos compostos, apenas pela alma, temos também um
corpo. Por isso, esta força anímica esta força que une e torna semelhante, mais cedo ou mais
tarde, será transmitida, também, ao corpo. José Kentenich pergunta:
Que quer dizer isto na prática? Esta união das almas deverá tornar-se, de alguma
forma, uma união de corpos. Como podemos imaginar esta união física? Pode-se dar
mediante um olhar de ambas as partes. Obviamente, quando um coração encontra o
outro, o olhar será diferente. Existem naturalmente, ainda outras expressões
externas: o aperto de mão, o abraço, o beijo e, evidentemente, o ato conjugal.
91
Neste sentido na GrS, João Paulo II afirma referindo-se ao ensinamento da GS:
É típico do racionalismo, contrapor radicalmente no homem, o espírito ao corpo e o
corpo ao espírito. O homem, pelo contrário, é pessoa na unidade do corpo e do
espírito. O corpo nunca pode ser reduzido a pura matéria: é um corpo
“espiritualizado”, assim como o espírito está tão profundamente unido ao corpo que
se pode qualificar como um espírito “corporizado”. A fonte mais importante para o
conhecimento do corpo é o Verbo feito carne.
92
Portanto, se o ato sexual, não incluir uma união mútua das almas, não incluir o
elemento anímico, “se reduz ao contato dos dois órgãos (apenas físico/corporal) e, não
representar uma união simbólica entre as almas, dever ser considerado, apenas, um ato
animal...”,
93
deve, portanto, ser uma forte expressão de uma união mútua de almas, nesse
sentido doa-se não apenas o corpo, mas também as almas.
94
90
“O homem [é] ser uno, composto de corpo e alma” (corpore et anima unus) especifica o Concílio Vaticano II
na GS, 14 e 22.
91
ASFAN, v. 20, Tomo I, p. 83.
92
GrS, 19.
93
ASFAN, op. cit., p. 83.
94
“Deste laço fundamental entre Deus e o homem se deriva outro: o laço indissolúvel entre espírito e corpo: o
homem é, de fato, alma que se expressa no corpo e corpo que é vivificado por um espírito imortal. Também o
corpo do homem e da mulher tem, portanto, por assim dizer, um caráter teológico, não é simplesmente corpo,
e, o que é biológico no homem não é só biológico, mas expressão e cumprimento de nossa humanidade. Do
mesmo modo, a sexualidade humana não está ao lado de nosso ser pessoa, mas que lhe pertence. Só quando a
sexualidade se integra na pessoa consegue dar-se um sentido a si mesma” (BENTO XVI, 2009).
43
No relacionamento homem/mulher, todas as formas de amor devem estar presentes no
ato sexual, nesse sentido,
Sexus, eros,
95
amor, cáritas ou ágape,
96
todas estas formas de amor devem coincidir
no ato sexual. Marido e mulher, tem um direito a este prazer sexual, quer dizer ao
ato sexual e, com ele, ao prazer sexual. Para não se tornar um ato exclusivamente
animal e corporal, deve ser realizado como ato entre pessoas. O que significa isto? A
proteção do amor sexual-corporal, é o amor erótico. Se quisermos representar (como
casados) uma imagem de Deus-Trino, de Deus tri-pessoal, não podemos
despersonalizar-nos no casamento. Trata-se de uma mútua e afetuosa estima, sem
que logo se desperte o impulso sexual-corporal.
97
Nos tempos atuais, o erótico, o eros,
98
tem outra conotação, outro sentido, esta
expressão é reduzida ao sentido puramente sexual, ao ato em si, excluindo o aspecto anímico,
95
“Ao amor entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade, mas de certa forma impõe-se ao
ser humano, a Grégia antiga deu o nome de eros. O Antigo Testamento grego usa só duas vezes a palavra
eros, enquanto o Novo Testamento nunca a usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor - eros,
philia (amor de amizade) e ágape - os escritos neotestamentários privilegiam a última (ágape), que na
linguagem grega, era quase posta de lado. Na crítica ao cristianismo que se foi desenvolvendo com
radicalismo crescente a partir do Iluminismo, essa novidade, foi avaliada de forma absolutamente negativa.
Segundo Friederich Nietzsche, o cristianismo teria dado veneno a beber ao eros, que embora não tivesse
morrido, daí teria recebido o impulso para degenerar em vício! Esse filósofo alemão exprimia, assim, uma
sensação muito generalizada: com os seus mandamentos e proibições precisamente onde a alegria, preparada
para nós pelo Criador, nos oferece uma felicidade que nos faz pressentir algo do Divino? Mas será mesmo
assim? O cristianismo destruiu verdadeiramente, o eros? (DCE, 3).
96
“Sobre a palavra ágape: “uma primeira indicação importante podemos encontrar no Cântico dos Cânticos, um
dos livros do Antigo Testamento bem conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje predominante, as
poesias contidas nesse livro são, originalmente cânticos de amor, talvez previstos para uma festa israelita de
núpcias, na qual deixam exaltar o amor conjugal. Nesse contexto, é muito elucidativo o fato de, ao longo do
livro, serem encontradas duas palavras distintas para designar o ‘amor’. Primeiro aparece, a palavra dodim,
um plural que exprime o amor ainda inseguro, numa situação de procura indeterminada. Depois, essa palavra
é substituída por ahabá, que, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzida pelo termo, de som
semelhante, ágape, que se tornou, como vimos, o termo característico para a concepção bíblica do amor. Em
contraposição ao amor indeterminado e ainda em fase de procura, esse vocábulo exprime a experiência do
amor que agora se torna, verdadeiramente, descoberta do outro, superando, assim, o caráter egoísta que antes,
claramente, prevalecia. Agora, o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não
busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está
disposto ao sacrifício, antes procura-o” (DCE, 6).
97
ASFAN, v. 20. Tomo I, p. 30-1.
98
“Os gregos - aliás, de forma análoga a outras culturas - viram no eros, sobretudo o inebriamento, a subjugação
da razão por parte de uma ‘loucura divina’, que arranca o ser humano das limitações da sua existência e, nesse
estado de transtorno por uma força divina, faz-lhe experimentar a mais alta beatitude. Desse modo, todas as
outras forças, quer no céu, quer na terra, resultam de importância secundária: ‘Omnia vincit amor - o amor
vence tudo!’afirma Virgílio, nas Bucólicas, e acrescenta: ‘et nos cedamus amori’ - rendamo-nos também nós
ao amor!’ Nas religiões, essa posição traduziu-se nos cultos da fertilidade, aos quais pertence a prostituição
‘sagrada’ que prosperava em muitos templos. O eros, foi, pois, celebrado como força divina como comunhão
com o divino. Por isso, o eros inebriante e descontrolado não é subida, ‘êxtase’ até o Divino, mas queda,
degradação do ser humano. Fica claro, assim, que o eros necessita de disciplina, de purificação, para dar ao
ser humano não o prazer, de um instante, mas, uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude
para que tende todo o nosso ser (DCE, 4).
44
José Kentenich acentuava o intercâmbio que deve existir em todas as esferas, em todas as
dimensões do amor,
Neste conjunto de reflexões aparece naturalmente, mais um pensamento em forma
de pergunta: como se pode realizar o ato sexual para ele não contradizer à dignidade
da pessoa? Ou mais precisamente: o que se pode e se deve fazer, para este ato não
despencar, como já foi dito, ao nível animalesco, quer dizer, tornar-se um ato
puramente animal? Como agir para que seja um ato entre pessoas? Cuidar que todas
as formas de amor sejam expressas neste ato. Vale dizer, que seja expresso: em
primeiro lugar o amor sexual-corporal, em segundo lugar o amor erótico,
99
em
terceiro o amor espiritual e em quarto, o amor sobrenatural.
100
É necessário, portanto, haver uma integração entre todas as formas ou de todas as
dimensões do amor.
101
Neste contexto, a mulher tem juntamente com o homem, mas a mulher de modo
específico, uma missão especial no aspecto de integrar todas as formas de amor (corporal-
erótico-espiritual e sobrenatural)
102
ao ato sexual,
Uma missão específica da mulher, no ato conjugal, consiste em cuidar da dignidade
da personalidade, de modo, que o mesmo não despenque, de súbito e
exclusivamente, para a esfera animalesca. Este cuidado consiste na evocação do
amor erótico, espiritual e sobrenatural que não podem ser simplesmente apagados.
103
99
“Na análise dessa rápida visão sobre a concepção do eros na história e na atualidade, resultam dois dados: O
primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade - uma
realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência. E, o segundo, é que o caminho para tal
meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e
amadurecimentos, que passam também, pela estrada da renúncia. Isso, não é rejeição do eros, não é seu
‘envenenamento’, mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza” (DCE, 3).
100
ASFAN, v. 20, Tomo I, p. 69.
101
“Na realidade eros e ágape - amor ascendente e amor descendente - nunca se deixam separar completamente
um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única
realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral” (DCE, 7). “No fundo, o
‘amor’ é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão
sobressair mais. Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma
caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor” (DCE, 8).
102
- O amor físico e sexual (sexus) provocado pelo instinto físico natural e que conduz à união sexual.
- O amor erótico (eros) é o mutuo agrado afetivo, motivado pela alegria que produz tudo o que é belo, bom,
divino no outro. É uma forma de amor natural que procura a proximidade e o agrado do outro.
- O amor espiritual (amor) é o amor que aprecia os valores espirituais do outro como a inteligência, o
entendimento, o humor, a liderança, a capacidade de amar, etc. Ao amor espiritual estão ligados a entrega e
a disponibilidade de complementação.
- O amor sobrenatural (ágape ou caritas) é o amor que vê a dimensão sobrenatural do cônjuge como filho de
Deus, como templo do Espírito Santo. É a força que torna possível que todas as energias do amor se
congreguem dirigindo-se para Deus e aspirando à unidade com Ele. A fé na condução divina, a sua graça e
a consciência de um ideal de vida comum como casal, alicerçam o nosso amor em Deus.
103
ASFAN, op. cit., p. 50.
45
O erotismo, expresso na atualidade, no “culto ao corpo”, na utilização principalmente
do corpo da mulher para estimular a libido, o consumo desenfreado, estabelecer uma relação
corpo/prazer, consumo/prazer, exaltando o prazer pelo prazer, sem um envolvimento mais
profundo, sem promover um verdadeiro encontro de pessoas, é na realidade um comércio
deplorável.
104
Neste sentido afirma João Paulo II na FC:
A mensagem cristã acerca da dignidade da mulher vem sendo impugnada por aquela
persistente mentalidade que considera o ser humano não como pessoa, mas como
coisa, como objeto de compra e venda, ao serviço de um interesse egoístico e
exclusivo do prazer: e a primeira vítima de tal mentalidade é a mulher.
105
Portanto, um aspecto importantíssimo e imprescindível no relacionamento
homem/mulher é a união dos corações, das almas, que impulsiona para o alto, tornando-se um
amor ágape, um amor oblativo,
106
um amor que deve abranger a totalidade da personalidade
do outro, um amor não possessivo, não anulando o outro, mas fazendo-o crescer, nesse
sentido o amor torna-se entrega e renúncia, procura a felicidade a realização do outro, é
necessário, portanto, uma “purificação”
107
no relacionamento amoroso e responsável, entre
um homem e uma mulher.
E, esta união agápica torna-se uma elevação do eros, torna-se caminho para o alto, um
caminho para a santidade, todas as coisas deste mundo e cujo uso nos é permitido, devem
tornar-se para as pessoas casadas uma elevação, um caminho para o alto, “isto vale,
primordialmente, para os assuntos conjugais que são lícitos por força do sacramento do
matrimônio”.
108
104
“O modo de exaltar o corpo, a que assistimos hoje, é enganador. O eros degradado a puro ‘sexo’, torna-se
mercadoria, torna-se simplesmente, uma ‘coisa’ que se pode comprar e vender; antes, o próprio ser humano
torna-se mercadoria” (DCE, 5).
105
FC, 24.
106
Tipicamente cristão seria o amor ascendente, oblativo, ou seja, a ágape; ao invés, a cultura não-cristã,
especialmente a grega, caracterizar-se-ia pelo amor descendente, ambicioso e possessivo, ou seja, pelo Eros
(DCE, 7).
107
Faz parte da evolução do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure,
agora, o caráter definitivo, e isso num duplo sentido: no sentido da exclusividade - apenas esta única pessoa -
e no sentido de ser ‘para sempre’ (DCE, 7).
108
ASFAN, op. cit., p. 67.
46
A santidade para os casados, no ambiente católico, foi considerada por muito tempo,
como algo de difícil compreensão, impossível até de ser alcançada, ou seja, a perfeição cristã
somente poderia ser alcançada através do celibato, de um estilo de vida virginal, sem
relacionamento sexual. Entretanto, segundo o pensamento de José Kentenich, como leigos
casados, “podemos afirmar que queremos nos tornar santos, não por sermos cônjuges,
também; mas exatamente por sermos cônjuges de forma explícita; quer dizer, que queremos
usar tudo que nos é permitido dentro do casamento, no sentido de um sursum corda
(corações ao alto),
109
e, conforme o ensinamento de João Paulo II, “todos os cônjuges são
chamados, segundo o plano de Deus, à santidade no matrimônio e esta alta vocação realiza-se
na medida em que a pessoa humana está em grau de responder ao mandato divino com
espírito sereno, confiando na graça divina e na vontade própria”.
110
Ao fato dos cônjuges católicos serem chamados à santidade no matrimônio, João
Paulo II afirma;
O dever de santificação da família tem a sua primeira raiz no Batismo e a sua
expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimônio
cristão, Redescobrir, e, aprofundar tal relação é absolutamente necessário, se, se
quiser, compreender e viver com uma maior intensidade as graças e as
responsabilidades do matrimônio e da família cristã.
111
E devem se esforçar para que “reconheçam claramente a doutrina da Humanae
Vitae
112
como normativa para o exercício da sexualidade e sinceramente se empenhem em pôr
as condições necessárias para a observar”.
113
109
ASFAN, v. 20. Tomo I, p. 67.
110
João Paulo II. Homilia para a conclusão do VI nodo dos Bispos (25 de outubro de 1980), 8: AAS, 72
(1980), 1083.
111
FC, 57.
112
Carta Encíclica Humanae Vitae, publicada por Paulo VI em 25 de julho de 1968, AAS, 60 (1968). Esta
Encíclica causou na época grandes discussões, bem como revolta em muitos setores, principalmente entre as
feministas, que acusavam e acusam a Igreja de estar entrando em seara que não é de sua competência.
113
FC, 34.
47
2.3 O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO COMO PLENA REALIZAÇÃO DO AMOR
CONJUGAL
Para os cristãos católicos o matrimônio é uma instituição sagrada, protegida e regida
por normas próprias no Código de Direito Canônico.
114
É um sacramento
115
que depois de
celebrado validamente, rato e consumado, torna-se irrevogável. O Código de Direito
Canônico,
116
define o sacramento do matrimônio como: “a aliança matrimonial, pela qual o
homem e a mulher constituem entre si uma comunhão da vida toda”.
117
É através deste pacto
conjugal, entre um homem e uma mulher, através do consentimento matrimonial, do “sim”
118
expresso de forma livre, isto é, um “sim” sem sofrer constrangimento e não ser impedido por
uma lei natural ou eclesiástica que “produz o matrimônio”. Um “sim” para a vida toda e,
aberto para toda a vida.
A tríplice finalidade do matrimônio, conforme a doutrina católica;
114
CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Cân. 1055 à Cân 1165.
115
Há na Igreja Católica sete sacramentos: o Batismo, a Confirmação, ou Crisma, a Eucaristia, a Penitência, a
Unção dos Enfermos, a Ordem, o Matrimônio (CATECISMO..., 1993, CEC, 1113). Os sacramentos são
sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, através dos quais nos é dispensada a vida
divina. Os ritos visíveis sob os quais os sacramentos são celebrados significam e realizam as graças próprias
de cada sacramento. Produzem fruto naqueles que os recebem com as disposições exigidas (CEC, 1131). O
pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua
índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo
Senhor elevado à dignidade de sacramento (CIC, Cânon 1055, 1. CEC, 1601).
116
CIC, 1057, 1.
117
“Deste modo, dos dois laços, o do homem com Deus e - no homem - o do corpo com o espírito, surge um
terceiro laço: o que se dá entre pessoa e instituição. A totalidade do homem inclui a dimensão do tempo, e o
‘sim’ do homem é um ir além do momento presente: em sua totalidade, o ‘sim’ significa ‘sempre’, constitui o
espaço de fidelidade. Só em seu interior pode crescer essa fé que dá um fruto e permite que os filhos, fruto do
amor, creiam no homem e em seu futuro em tempos difíceis. A liberdade do ‘sim’ apresenta-se, portanto,
como liberdade capaz de assumir o que é definitivo: a expressão mais elevada da liberdade que não é então a
busca do prazer, sem chegar nunca a uma autêntica decisão. Aparentemente, esta abertura permanente parece
ser a realização da liberdade, mas não é verdade: a verdadeira expressão da liberdade é pelo contrário a
capacidade de decidir-se por um dom definitivo, no qual a liberdade, entregando-se, volta e encontrar-se
plenamente a si mesma” (BENTO XVI, 2009).
118
“Em concreto, o ‘sim’ pessoal e recíproco do homem e da mulher abre espaço para o futuro, para a autêntica
humanidade de cada um, e ao mesmo tempo está destinado ao dom de uma nova vida. Por este motivo, este
‘sim’ pessoal tem de ser necessariamente um ‘simque é também publicamente responsável, com o qual os
cônjuges assumem a responsabilidade pública de fidelidade, que garante também o futuro para a comunidade.
Nenhum de nós pertence exclusivamente a si mesmo: portanto, cada um está chamado a assumir no mais
íntimo de si sua própria responsabilidade pública. O matrimônio, como instituição, não é, portanto, uma
ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, uma imposição desde o exterior na realidade mais privada
da vida; é pelo contrário uma exigência intrínseca de pacto de amor conjugal e da profundidade da pessoa
humana” (Ibid., 2009).
48
Em primeiro lugar aparece a procreatio prolis, isto é, a geração e a educação dos
filhos dentro deste contexto, cabe aqui uma análise das práticas do controle da
natalidade, o uso dos métodos não naturais, o criminoso aborto, e a libertinagem e
confusão existente atualmente no campo da sexualidade humana; em segundo lugar
o mutuum adiutorium, quer dizer, o mútuo apoio dos cônjuges, isto é, a
complementação mútua dos cônjuges entre si; em terceiro lugar, a ajuda para os
impulsos do instinto sexual (remedium concupiscenciae) a satisfação do impulso
corporal-sexual, representa também um valor, um valor extraordinário, pois no
matrimônio marido e mulher, oferecem, um ao outro, este direito.
119
Portanto, se estas finalidades são esquecidas, deixadas de lado, o matrimônio acaba se
tornando uma farsa e acaba fadado ao insucesso, como sói acontecer e é um fato observado
com muita frequencia nos dias atuais.
Diante do exposto até aqui, pode-se afirmar que:
O ser humano é, em primeiro lugar, uma imagem de Deus Trino (Pai-Filho-Espírito
Santo). A essência destas três pessoas se resume em estar sempre aberto um ao
outro. O Pai, pensando no seu ser, gera o Filho que é o seu pensamento. Pai e Filho
se abraçam mutuamente num eterno beijo de amor. Este é o Espírito Santo... Em
essência é uma comunidade e comunhão.
120
O plano de Deus prevê que os dois sexos (o ser masculino e o ser feminino) se
complementem e, que nós como cristãos católicos unidos pelo sacramento do matrimônio,
devemos ter plena consciência de que “a mais perfeita imagem de Deus Trino é, exatamente
os cônjuges, mais precisamente, os cônjuges no momento do ato sexual”.
121
Portanto, os casados marido e mulher não devem fechar-se em si, mas para abrir-se
para o outro: “Sendo imagens de Deus Trino, não apenas deveremos ser personalidades
completas e fechadas em si, deveremos ser permanentemente abertos ao tu, pertence à
essência do ser humano ter sentido, ter abertura em direção à comunidade”.
122
Formam uma
só carne (Gn 2,24), continuam entretanto, a ser duas pessoas distintas.
119
ASFAN, v. 20, Tomo I, p. 27-8.
120
Id., p. 68.
121
Id., p. 68.
122
Id., p. 68.
49
É no sacramento do matrimônio
123
que o amor entre homem e mulher encontra sua
plena realização para a edificação da família, e para sua realização como pessoas, como seres
humanos. O matrimônio é dom e tarefa e expressa para o cristão católico a imagem da relação
de Cristo com sua Igreja, a tarefa consiste em formar o espírito e a vida matrimonial segundo
essa relação. Na Igreja Católica Romana (Rito Latino), é um sacramento eminentemente
laical, ou seja, só pode ser recebido pelos leigos, é o único sacramento que, exclusivamente, é
e pode ser ministrado pelo leigo.
124
O matrimônio como sacramento, é uma demonstração
clara do sacerdócio geral (sacerdócio comum). Em razão do caráter indelével do batismo,
como membro de Cristo, o batizado participa do seu sacerdócio. “A única função essencial do
sacerdócio laical é a administração do sacramento do matrimônio”.
125
Nesse sentido,
São os esposos que se dão reciprocamente o consentimento matrimonial, isto é,
confirmando diante de Deus a verdade do seu consentimento. Enquanto batizados,
eles são na Igreja os ministros do sacramento do matrimônio. São Paulo ensina que
o seu compromisso recíproco é um grande mistério.
126
É um sacramento contínuo, nesse contexto afirma José Kentenich seguindo o
ensinamento de São Belarmino
127
: “que o matrimônio é como a Eucaristia, não apenas produz
graças no momento em que o sacramento se realiza, mas continua a produzi-las durante todo
o tempo em que ele permanece”.
128
É um sacramento social, ou sacramento de construção:
123
“Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos nascido da fonte divina da caridade e
constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. Assim como outrora Deus veio ao encontro do seu
povo com uma aliança de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vem ao
encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimônio. E permanece como eles, para que, assim
como Ele amou a Igreja e, entregou-se por ela, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem
com perpétua fidelidade” (LG, 48).
124
“Sob o nome de leigos entendem-se aqui todos os cristãos, exceto os membros das Sagradas Ordens ou de
estado religioso reconhecido na Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados a Cristo pelo Batismo, constituídos
no Povo de Deus, e, a seu modo, feitos participantes da função sacerdotal profética e régia de Cristo,
exercem, no seu âmbito, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo” (CEC, 897).
125
PMM, 98.
126
GrS, 10.
127
São Belarmino. Roberto Francesco Romolo Belarmino (1542-1621). Teólogo italiano pertenceu a
Companhia de Jesus (Jesuítas), seus principais escritos foram reunidos em Disputationes de controversiis
Christianae fidei adversus huius temporis haereticos (1870-1874). Canonizado em 1930.
128
PMM, 97.
50
O matrimônio constitui sua imagem plena e real (a relação de Cristo com sua Igreja),
seu sentido consiste em ser o órgão de construção, o sacramento de construção. A
ordem e o matrimônio
129
estão justapostos. A função espiritual de edificação da
ordem sacerdotal é complementada por certa função corporal de edificação
matrimonial. Sem a função corporal edificadora, a espiritual se torna impossível. A
função construtora do matrimônio, para muitas coisas, é, pressuposto importante
para a atividade da ordem sacerdotal. Podemos distinguir particularmente a função
edificadora do matrimônio como: criadora, educadora e social.
130
Nesse sentido a FC afirma: “quando não se tem apreço pelo matrimônio, não tem
lugar a virgindade consagrada; quando a sexualidade humana não é considerada um grande
valor dado pelo Criador, perde significado a renúncia pelo Reino dos Céus”.
131
A GrS afirma que casar-se é a vocação ordinária do homem, e que é abraçada pela
maior porção do Povo de Deus, afirma também que os Apóstolos temerosos inclusive em
relação ao matrimônio e à família, tornaram-se corajosos. Eles compreenderam que
matrimônio e família são uma criação e mandato do próprio Deus, “um apostolado: o
apostolado dos leigos”.
132
Cada homem e mulher tem uma missão espefica, uma tarefa, dentro do sacramento
matrimônio e da vida da família, e esta missão é insubstituível, portanto, se um dos dois falhar
no desempenho de suas funções e deveres as duas instituições estarão fadadas ao insucesso,
não cumprirão sua elevada missão social, estatal, eclesial e ainda sobrenatural.
2.4 A MISSÃO E TAREFA DO HOMEM NO MATRIMÔNIO E NA FAMÍLIA
O homem é chamado a viver no matrimônio e na família, respectivamente “o seu dom
e dever de ser esposo e pai”
133
O homem deve ser preparado para assumir integralmente sua
missão de ser um esposo amoroso, um pai responsável.
129
“A Revelação cristã apresenta as duas vocações ao amor: o matrimônio e a virgindade. Não é raro que em
algumas sociedades atuais estejam em crise não só o matrimônio e a família, mas também, as vocações ao
sacerdócio e à vida religiosa. As duas situações são inseparáveis. A vida humana adquire plenitude quando se
torna dom de si: um dom que se pode exprimir no matrimônio, na virgindade consagrada, na dedicação ao
próximo por um ideal, na escolha do sacerdócio ministerial” (PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A
FAMÍLIA. Sexualidade humana: verdade e significado-orientações educativas em família, 34. SãoPaulo:
Paulinas, 2004., p. 38-9).
130
PMM, 98.
131
FC, 16.
132
GrS, 18.
133
FC, 25.
51
A tarefa de esposo e pai deve ser urgentemente recuperada nos dias atuais,
É necessário ser-se solícito para que se recupere socialmente a convicção de que o
lugar e a tarefa do pai, na e pela família, são de importância única e insubstituível.
Como a experiência ensina, a ausência do pai provoca desequilíbrios psicológicos e
morais e dificuldades notáveis nas relações familiares. O mesmo acontece também,
em circunstâncias opostas, pela presença, opressiva do pai, especialmente onde
ainda se verifica o fenômeno do “machismo”, ou seja, da superioridade abusiva das
prerrogativas masculinas que humilham a mulher e inibem o desenvolvimento de
relações familiares sadias.
134
2.5 A TAREFA E CONSCIÊNCIA DE PAI
Nas últimas décadas houve um incremento nas taxas de divórcio as separações
aumentaram em grande número tornando-se tal fato verdadeiramente uma praga. Falta nos
tempos atuais uma consciência de pai, um assumir em sentido profundo a paternidade
responsável:
O pai tem de cultivar a pronunciada consciência de pai... A cultura moderna sabe
falar hoje em maternidade, mas quase nada da paternidade e da consciência de
pai.
135
Todavia, tudo, em nossos dias, depende, em última análise do pai. A grande
questão a ser ventilada consiste em desvendar onde a consciência de pai tem suas
raízes e como se efetua. Na dignidade e na tarefa de Pai! Antes de tudo, temos de
salvar o “ethos” familiar
136
para a família católica. Cumpre cultivar a consciência de
pai, a consciência de mãe e a de filho. Se o fizermos, agimos conforme a lei: Ordo
essendi est ordo agendi.
137
134
FC, 25.
135
Afirmação feita no ano de 1933, nesse entremeio a situação cultural a esse respeito mudou: discute-se muito
relativamente sobre o “problema do pai”, embora com os mais variados argumentos e sob variados pontos de
vista. Verificar entre outros JURITSCH, Martin. Der vater in familie und welt: o pai na família e no mundo.
Paderborn, 1966.
136
Ethos: procedimento. Segundo José Kentenich, o ‘ethos’ familiar se divide em três partes conforme o
portador que se tem em vista, o pai, a mãe ou o filho. Segundo ele, muda o imperativo: “cultiva com
diligência a consciência de pai, de mãe ou de filho” (KENTENICH, José. Linhas fundamentais de uma
pedagogia moderna para o educador católico. Santa Maria: Movimento Apostólico de Schoenstatt, 1984. p.
197-8.
137
José Kentenich cita o ensinamento do Papa Leão XIII (Gioacchino Pecci. 1879-1903) que em suas encíclicas
baseia-se, de maneira forte na lei ‘ordo essendi est ordo agendi’ - a ordem do ser é a ordem do agir, que por
sua vez aplica o ensinamento de Santo Tomas de Aquino (Vide LFPMEC, p. 193-4).
52
Na Santíssima Trindade atribui-se a Deus Pai a propriedade de gerar. Por isso,
expresso de modo humano, no seio da Trindade, Deus Pai é o último. Por isso, o pai, aqui na
terra, como participante desta propriedade de Deus Pai, é o portador último da autoridade. A
autoridade de Deus é a forma primordial da autoridade humana. Qualquer outra autoridade,
mesmo da mãe, é secundária, requer o apoio e a complementação de uma outra autoridade.
138
João Paulo II na GrS afirma que: “a paternidade e maternidade responsável referem-se
diretamente ao momento em que o homem e a mulher, unindo-se “numa só carne”, podem
tornar-se pais. É momento impregnado de um valor peculiar, quer pela sua relação inter-
pessoal, quer pelo seu serviço à vida”.
139
Ao homem esposo e pai, como portador da autoridade paterna, na família e em toda parte,
“há de revestir certa imutabilidade nos princípios e decisões da vontade. Poucos são os pais hoje,
que conhecem esta orientação metafísica. Tornaram-se joguetes das correntes da época e dos
desejos e paixões do próprio coração. Onde está a imagem, o reflexo do Pai Eterno?”.
140
O pai de
família, na maioria das vezes se considera como aquele que tem a única e exclusiva obrigação de
contribuir para o sustento da família, delega o papel fundamental de pai, de educador, para a mãe,
à escola, à Igreja. Podemos nos perguntar, qual imagem os filhos hoje, tem dos seus pais, sente-se
que a autoridade paterna, como qualquer tipo de autoridade, hoje é amplamente contestada: “a
paternidade é a forma original da autoridade. Por isso, no seio da família, o pai representa, em
forma viva, a autoridade original... Não basta que o filho siga apenas uma lei.” A encarnação da
lei, sua viva encarnação é o pai. “A vontade do pai e a lei, no cerne, deve ser para o filho a mesma
e única coisa”.
141
2.6 A IDÉIA ORIGINAL DA MULHER NO ÂMBITO DA CRIAÇÃO
Deve-se dar ênfase ao papel e à missão da mulher principalmente no âmbito do
matrimônio e da família, ressaltando a sua importância, dentro da perspectiva da ordem
objetiva do ser. Isto porque a mentalidade secularista atingiu em cheio o ser feminino, e, esta
mentalidade, clama continuamente por emancipação da idéia original da mulher nos dias
138
José Kentenich, cita a doutrina da Santíssima Trindade no Evangelho de João: Jo 1,1 ss; 3,31 ss; 5,19 ss; 31
ss; 8,42 ss; 14,28” (LFPMEC, p. 197-8).
139
GrS 12.
140
LFPMEC, 198.
141
Id., p. 201.
53
atuais, que se expressa através do feminismo de gênero. Ou como afirma José Kentenich:
“também encontramos por toda parte uma emancipação da idéia original da mulher. Se
tatearmos um pouco historicamente o ideal da mulher nos últimos decênios, veremos uma
adaptação extraordinariamente forte ao ideal masculino”.
142
O ser feminino quer não só se igualar ao ser masculino, mas busca suplantar e querer
ser mais que o homem, “a secularização desdobra-se numa emancipação multiforme”.
143
A
mulher afasta-se dos valores femininos, quer afastar-se da imagem de ser esposa e mãe, de ser
aquela que cuida dos filhos em casa, procura libertar-se
144
de tudo que possa prendê-la à sua
tarefa e missão,
Hoje a mulher não se contenta, em estar ao mesmo nível do homem, como valor
idêntico. Ao contrário! Ela se apaixona por valores masculinos. Tem de ser assim;
não possuindo valores femininos, escolhe em toda parte a escala de valores do
homem. Deserção é decadência! Por não realizar a grande palavra: “Ecce ancilla
Domini!” - Eis a serva do Senhor! - Lc 1,38, inverte-se a ordem para o “Ecce ancilla
viri!” - Eis a serva do homem! Na medida em que a mulher deixa de ser serva do
Senhor, converte-se na escrava do homem. Esta emancipação leva a libertar-se das
leis e, sobretudo, da moral. Esta é a tendência da natureza feminina dos tempos
atuais!
145
Sem dúvida, tais afirmações incitariam ao ódio as feministas mais ferrenhas, mas
dentro da ordem objetiva do ser, não se pode afastar desta linha de pensamento,
“desesperadamente poucos círculos do mundo feminino aceitaram assumir reflexivamente, a
idéia original da mulher, segundo a metafísica. Com esta imagem feminina é que nos
deparamos hoje. Emancipação de toda a autoridade, mormente da autoridade dos pais!”.
146
Existe um verdadeiro histerismo, nesta questão da emancipação da mulher dentro do
movimento feminista que ultrapassa os limites do bom senso, são aceitos tão somente
142
LFPMEC, p. 70.
143
Id., p. 70.
144
“Para quem tem uma visão marxista e vê nas diferenças entre as classes a causa dos problemas, observa
O’Leary, “diferente” é sempre “desigual” e “desigual” sempre “opressor”. Em tal sentido, as feministas de
gênero julgam que, quando a mulher cuida dos filhos em casa e o esposo trabalha fora de casa, as
responsabilidades são diferentes e, portanto, não igualitárias. Vêem, por conseguinte, esta “desigualdade” na
casa como causa de “desigualdade” na vida pública, visto que a mulher, cujo interesse principal é a família,
nem sempre tem tempo e energia para se dedicar à vida pública. Por isso afirmam, na expressão de C. Hoff
Sommers: “Pensamos que nenhuma mulher deve ter esta possibilidade de escolha. Seria necessário não
permitir a nenhuma mulher fechar-se em casa para cuidar dos filhos. A sociedade deve ser completamente
diferente. As mulheres não devem ter esta escolha, porque, se esta escolha existe, muitas mulheres optam por
ela” (REVOREDO, 2007, p. 491-507).
145
LFPMEC, p. 70.
146
Id., p. 71.
54
argumentos a favor e são refutados todos os argumentos contrários a ideologia defendida por
este movimento. Nesta ideologia da emancipação da mulher o eu está no centro das atenções
através
Da ânsia de prazeres, falta de caráter, ausência de religiosidade, não doação, mas
busca pessoal, por isso, fuga da disposição de servir e dos trabalhos humildes e
domésticos,
147
prefere o trabalho nas fábricas, nos escritórios, ainda que mecânico,
dispor do tempo livre à noite para o divertimento.
148
José Kentenich aponta Maria Santíssima como o ideal de mulher de hoje e de todos os
tempos e responde a questão sobre qual é a idéia original da mulher quando diz: “A Mãe de
Deus no-la mostrou e testemunhou numa forma eterna, através do seu ideal pessoal: Ecce
ancilla Domini! É o servir singelo, forte, pleno de Deus. Em expressão popular, o ideal eterno
da mulher é a doação sem limites. Assim Deus a ideou”.
149
Na Mulieris Dignitatem João
Paulo II destaca que “é preciso deter-se particularmente no significado que vê em Maria a
revelação plena de tudo o que é compreendido na palavra bíblica ‘mulher’: uma revelação
proporcional ao mistério da Redenção”.
150
Afirma que:
O Concílio Vaticano II confirmou que se não se recorre à Mãe de Deus, não é
possível compreender o mistério da Igreja, a sua realidade, a sua vitalidade
essencial. Indiretamente encontramos aqui a referência ao paradigma bíblico da
“mulher”, delineado claramente já na descrição do “princípio” (cf. Gn 3,15), e ao
longo do percurso que vai da criação, passando pelo pecado, até chegar à
Redenção.
151
Ressalta, também, que “Maria” significa em certo sentido, ultrapassar o limite de que
fala o Livro do Gênesis (Gn 3,16) e retornar ao “princípio” no qual se encontra a “mulher” tal
147
As feministas de gênero insistem sobre a desconstrução da família não só porque, em seu parecer, esta
escraviza a esposa, mas porque condiciona socialmente os filhos a aceitar a família, o matrimônio e a
maternidade como algo natural. É claro que, para os propugnadores do gênero, as responsabilidades da
mulher na família são presumivelmente inimigas da realização da mulher. O contexto privado (do lar) é
considerado secundário e menos importante; a família e o trabalho em casa são uma “carga”, que atinge
negativamente os “projetos profissionais” da mulher (REVOREDO, 2007, p. 491 et seq).
148
LFPMEC, p. 71.
149
Id., p. 71.
150
CONCILIO VATICANO II. Carta apostólica Mulieris Dignitatem, 11. São Paulo: Paulinas, 1990.
151
MD, 22.
55
como foi querida na criação, portanto, no pensamento eterno de Deus, no seio da Santíssima
Trindade. Maria é o “novo princípio” da dignidade e da vocação da mulher, de todas e de
cada uma das mulheres.
152
Dentro desta análise da idéia original da mulher, há que se recuperar este pensamento
dentro da perspectiva da ordem do ser e do agir, necessário se faz redescobrir, a verdadeira
humanidade feminina, neste contexto afirma da MD:
Para compreender isto podem servir de chave, de modo particular, as palavras postas
pelo evangelista nos lábios de Maria depois da Anunciação, durante a visita a Isabel:
“Grandes coisas fez em mim o Todo-poderoso” (Lc 1,49). Estas se referem
certamente à concepção do Filho, que é o “Filho do Altíssimo” (Lc 1,32), o “Santo”
de Deus; conjuntamente, porém, elas podem significar também a descoberta da
própria humanidade feminina. Grandes coisas fez em mim”: esta é a descoberta de
toda a riqueza, de todos os recursos pessoais da feminilidade, de toda a eterna
originalidade da “mulher”, assim como Deus a quis, pessoa por si mesma, e que se
encontra contemporaneamente “por um dom de si mesma.
153
O significado da vocação da mulher, sua dignidade, “nos é esclarecido em grau maior
pelas palavras de Cristo e por todo o seu comportamento em relação às mulheres”.
154
Hoje se admite, e isto até por parte daqueles que tem uma postura crítica ao
cristianismo que: “Cristo se constituiu, perante os seus contemporâneos, promotor da
verdadeira dignidade da mulher e da vocação correspondente a tal dignidade”. Nos
Evangelhos há várias passagens que comprovam tal afirmação, mas, para o estudo que
fazemos, nos interessa a referência que Cristo faz ao “princípio” (Mt 19,8), no colóquio que
mantem como os escribas sobre o matrimônio e a sua indissolubilidade (Mt 19,3), Jesus
“apela para o princípio”, para a criação do homem como homem e mulher e para o
ordenamento de Deus que se fundamenta no fato de que os dois foram criados à sua imagem
e semelhança”.
155
Na passagem do Evangelho, acima citada, a questão é a do direito “masculino” de
“repudiar a mulher por qualquer motivo” (Mt 19,3) e, “também do direito da mulher, da sua
justa posição no matrimônio, da sua dignidade”.
156
Jesus Cristo se coloca contra uma
realidade que discriminava a mulher,
152
MD, 11.
153
Id, 11.
154
Id., 12.
155
Id., 12.
156
Id., 12.
56
O homem “dominava”, não considerando adequadamente a mulher e a dignidade
que o “ethos” da criação colocou como base das relações recíprocas das duas
pessoas unidas em matrimônio. Este “ethos” é recordado e confirmado pelas
palavras de Cristo: é o “ethos” do Evangelho e da Redenção.
157
Neste contexto, “A Bíblia convence-nos do fato de que não se pode ter uma adequada
hermenêutica do homem, ou seja, daquilo que é ‘humano’, sem um recurso adequado àquilo
que é ‘feminino’”,
158
e mais, com relação a economia salvífica da Deus “se queremos
compreendê-la plenamente em relação a toda a história do homem, não podemos deixar de
lado, na ótica da nossa fé, o mistério da ‘mulher’: virgem-mãe-esposa”.
159
2.7 A MISSÃO E A TAREFA DA MULHER NO MATRIMÔNIO E NA FAMÍLIA
João Paulo II afirma que não se pode dar uma resposta completa e adequada à
dignidade da mulher e sobre sua vocação, sem uma referência ao “primado do amor”:
Só a pessoa pode amar e só a pessoa pode ser amada. Esta afirmação, em primeiro
lugar, de natureza ontológica, da qual emerge depois uma afirmação de natureza
ética. O amor é uma exigência ontológica e ética da pessoa. A pessoa deve ser
amada, pois só o amor corresponde àquilo que é a pessoa. Assim se explica o
mandamento do amor, conhecido já no Antigo Testamento (cf. Dt 6,5; Lv 19,18) e
colocado por Cristo no próprio centro do “ethos” evangélico (cf. Mt 22,36-40; Mc
12,28-34).
160
Assim se explica também o primado do amor, expresso nas palavras de Paulo na
Carta aos Coríntios: ‘maior é a caridade’ (cf. 1 Cor 13,13).
Quando afirma “que a mulher é aquela que recebe amor para, por sua vez, amar, não
entendemos, só, ou, antes de tudo, a relação esponsal específica do matrimônio”, entende-se
como algo mais amplo, “entendemos algo mais universal, fundado no próprio fato de ser mulher
no conjunto das relações interpessoais, que nas formas mais diversas estruturam a convivência e
157
MD, 12.
158
Id., 22.
159
Id., 22.
160
Id., 29.
57
a colaboração entre as pessoas, homens e mulheres”. Acentua o aspecto da feminilidade, como
um valor particular da mulher como pessoa humana, “isto se refere a todas as mulheres e a cada
uma delas, independentemente do contexto cultural em que cada uma se encontra e das suas
características espirituais, psíquicas e corporais, como, por exemplo, a idade, a instrução, a
saúde, o trabalho, o fato de ser casada ou solteira”.
161
Cita também, a carta de Paulo aos Efésios (5,21-33), segundo a qual a relação entre
Cristo e a Igreja é apresentada como vínculo entre o Esposo e a Esposa, “do ponto de vista
linguistico, pode-se dizer que a analogia do amor esponsal segundo a Carta aos Efésios
reporta o que é ‘masculino’ ao que é ‘feminino’, dado que, como membros da Igreja, também
os homens estão compreendidos no conceito de ‘Esposa’”
162
e, neste sentido segue afirmando:
“No âmbito daquilo que é “humano”, daquilo que é humanamente pessoal, a
masculinidade” e a “feminilidade” se distinguem e, ao mesmo tempo, se completam e se
explicam mutuamente, apontando uma espécie de “profetismo” particular da mulher na sua
feminilidade, ressalta que “a analogia do Esposo e da Esposa fala do amor com que todo o
homem é amado por Deus em Cristo, todo homem e toda mulher”.
163
Afirma, que “esta característica profética da mulher na sua feminilidade encontra
sua mais alta expressão na Virgem Mãe de Deus”.
164
João Paulo II é de uma clareza
extraordinária ao apontar para o significado da vocação fundamental da mulher “a força moral
da mulher, a sua força espiritual une-se à consciência de que Deus lhe confia de uma maneira
especial o homem, o ser humano”, neste contexto afirma: “naturalmente, Deus confia todo
homem a todos e a cada um, todavia, este ato de confiar refere-se de modo especial à mulher -
precisamente pelo fato de sua feminilidade - e isso decide particularmente a sua vocação”.
165
A MD, também aponta as duas dimensões da vocação da mulher, a maternidade e a
virgindade, “duas dimensões particulares na realização da personalidade feminina”.
166
Vamos nos ater à questão da maternidade, embora estas duas dimensões (maternidade
e virgindade) estejam estreitamente unidas. José Kentenich define que ser mãe significa: em
primeiro lugar, dar (doar) amor, e isto superabundantemente, segundo, despertar amor e
transferir amor. A maternidade é uma função imprescindível e insubstituível na história do
161
MD, 29.
162
Id., 25.
163
Id., 29.
164
Id., 29.
165
Id., 30.
166
Id., 17.
58
homem, “ser mãe é despertar amor, despertar conscientemente, significa, que tenho de
despertar toda a riqueza de amor contida no coração de cada filho”.
167
José Kentenich diz que se trata de um verdadeiro crime de lesa humanidade a mãe não
cumprir com sua missão isto vai acarretar graves conseqüências na sociedade. Aponta como
causa dos males que hoje presenciamos no âmbito do matrimônio e da família a falha que
ocorre na educação para o amor, que deve permear a vida matrimonial e familiar, nesse
sentido afirma: “ser criado sem amor significa: ser destinado ou predisposto para ser homem
sem caráter, um homem sem raízes, sem religião e infectado de sexualismo” fazendo uma
análise do tempo atual, diz: “quem conhece a vida de hoje, vê todo este exército de pessoas
carentes de amor, sem caráter, massificadas, sem religião e sexualmente doentias”.
168
O apóstolo Paulo, afirma: “O amor é o vínculo da perfeição” (Col 3,14), ou seja, o
amor une de modo perfeito realiza uma união perfeita entre corações e entre almas, portanto,
num matrimônio, numa família, aonde reina o verdadeiro amor seus membros tornam-se
sempre mais uma unidade em comunhão.
A figura e a missão da mulher no matrimônio, e na família, sofreu nos últimos
decênios grandes transformações. As relações mulher-sociedade, mulher e o mundo do
trabalho, alteraram-se profundamente e por consequencia a relação mulher-esposa e, mulher-
mãe sofreram grande impacto. Existiu histórica e culturalmente por muitos séculos e, em
muitos ambientes ainda existe, uma difundida concepção que pretendeu destinar à mulher
somente a tarefa de esposa e mãe no campo familiar, argumento este usado fartamente pelos
movimentos feministas, reservando as tarefas do mundo do trabalho, bem como as funções
públicas, aos homens.
Entretanto, esta situação mudou a mulher, por força de diversas circunstâncias. Ela
conquistou amplos espaços no mercado de trabalho e inclusive atualmente, iguala ou supera
em número as muitas atividades que no passado eram reservadas exclusivamente ao homem.
A FC fala em uma “teologia do trabalho”, bem como na “necessidade de esclarecer e
aprofundar o significado do trabalho na vida cristã e determinar o laço fundamental que existe
entre o trabalho e a família, e, portanto, o significado original e insubstituível do trabalho da
casa e da educação dos filhos”. Destaca também, que se deve reconhecer às mulheres o direito
de ascender às tarefas públicas e, a sociedade deve procurar estruturar-se “de maneira tal, que
as esposas e mães não sejam de fato constrangidas a trabalhar fora de casa e, que a família
possa dignamente viver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar
167
KENTENICH, José. Família serviço à vida. Schoenstatt: Patris Verlag, 1990. v. I. p. 189.
168
FSV, v. II, p. 189.
59
próprio”.
169
Deve-se, portanto, estimular e valorizar a função feminina no lar e na educação da
prole, função esta que evidentemente pode ser substituída de muitos modos, mas certamente
com muitos prejuízos para a prole, principalmente nos primeiros anos de vida, quando,
conforme comprovam exaustivos estudos realizados, se forma a personalidade da pessoa.
Cabe a esta mesma sociedade em respeito à dignidade pessoal da mulher, procurar criar e
desenvolver condições para o exercício do trabalho doméstico, e que isso não signifique “para
a mulher a renúncia à sua feminilidade nem a imitação do caráter masculino, mas a plenitude
da verdadeira humanidade feminina, tal como se deve exprimir no seu agir, quer na família
quer fora dela”.
170
De outro lado, deve-se lutar pela implantação de políticas públicas por
parte do Estado, no sentido de valorizar o trabalho doméstico. A mulher-esposa e mãe, a
mulher dona de casa, a mulher do lar, conceitos estes tão repudiados pela agenda feminista,
devem ser tarefas valorizadas, portanto, devem receber atenção por parte dos legisladores e
que sejam reconhecidos a estas categorias, os direitos trabalhistas e previdenciários
fundamentais que hoje são reconhecidos aos trabalhadores de um modo geral.
O trabalho doméstico, a guarda e educação dos filhos, são funções e tarefas
primordiais da mulher na perspectiva da ordem objetiva do ser, portanto, tais tarefas não
podem ser exercidas com mais propriedade a não ser pela mulher, esposa e mãe. Portanto, à
mulher devem ser garantidos todos direitos necessários, para que ela possa cumprir com o seu
destino previsto na ordem da Criação e realizar-se integralmente como pessoa.
2.8 FAMÍLIA: SERVIÇO Á VIDA
Um dos objetivos primordiais do matrimônio é a geração e educação dos filhos. Deus
criou o homem e a mulher para
169
FC, 23.
170
Id., 23.
60
Coroar e levar à perfeição a obra das suas mãos: Ele chama-os a uma participação
especial do seu amor e do seu poder de Criador e de Pai, mediante uma cooperação
livre e responsável deles na transmissão do dom da vida humana Deus abençoou-os
e disse-lhes: ‘crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra’ (Gn 1,28)”.
171
Portanto, “a tarefa fundamental da família é o serviço à vida”.
172
A geração dos filhos,
a fecundidade do casal,
173
é dom de si, é um “testemunho vivo da plena doação recíproca dos
esposos”.
174
O sacramento do matrimônio consagra os pais para sua missão educativa, é missão
fundamental dos pais dedicar-se a esta tarefa educativa, própria e intransferível, para isso
foram chamados, conforme afirma a FC:
Os chama a participar da mesma autoridade e do mesmo amor de Deus Pai e de
Cristo Pastor, como também do amor materno da Igreja, e os enriquece de sabedoria,
conselho, fortaleza e de todos os outros dons do Espírito Santo para ajudarem os
filhos no seu crescimento humano e cristão.
175
A família é a primeira escola, é ela que deve gravar na alma e no coração dos filhos os
valores morais, éticos e religiosos que vão alicerçar os futuros cidadãos comprometidos com a
pratica da justiça e do bem
A família cristã, enquanto “Igreja doméstica”, constitui um escola nativa e fundamental
para a formação da fé: o pai e a mãe recebem do sacramento do matrimônio a graça e o
ministério da educação cristã relativamente aos filhos, aos quais testemunham e
transmitem, simultaneamente, valores humanos e valores religiosos.
176
Nos dias atuais, muitos pais, omitem-se desta grave responsabilidade de educar e
instruir os filhos de prepará-los convenientemente, transferem muitas vezes esta função
educativa para outras instituições, nesse sentido afirmava Kentenich:
171
FC, 28.
172
Id., 28.
173
“O autêntico culto do amor conjugal e de toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins
do matrimônio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo estejam dispostos a colaborar com o amor
do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a família” (GS, 50).
174
FC, 28.
175
Id., 38.
176
ChL, 62.
61
Urge à família tornar-se realmente de novo um oásis e a grande oficina de Deus. Há
de ser uma arca na qual Deus domina e tenha a última palavra. Portanto, nesta
formulação, o imperativo é de importância, porque visto historicamente, também em
nossas fileiras (entre os católicos), a estima da família foi muito diminuída... Os
pais, transferiram muitas das suas responsabilidades à escola. Mas segundo a ordem
do ser, a família é a célula-mãe.
177
2.8.1 A Dimensão Social da Família
A figura do pai e da mãe tem um papel fundamental e insubstituível na educação dos
filhos, sendo as outras instâncias educativas como parentes, a Igreja, e escola, igualmente
importantes, mas,
A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu
fundamento e alimento contínuo mediante o dever do serviço à vida: saem, de fato,
da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes
sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade.
178
Conforme a FC, “a família se constitui no lugar nativo e o instrumento mais eficaz da
humanização e personalização da sociedade”,
179
e, “a função social da família não pode
certamente fechar-se na obra procriativa e educativa, ainda que nessa encontre a primeira e
insubstituível forma de expressão”.
180
A família não deve fechar-se em si mesma, deve procurar abrir-se às “outras famílias e
à sociedade assumindo a sua tarefa social”.
181
A vivência, a experiência diária de interação e
de comunhão, “que deve caracterizar a vida quotidiana da família, representa a sua primeira e
fundamental contribuição à sociedade”.
182
Ninguém é tão pobre que nada tenha a compartilhar, e esta partilha, não se refere
somente a bens materiais, ao dinheiro, mas, sobretudo, em partilhar um espaço de tempo e,
visitar um doente, um parente, ou mesmo uma pessoa desconhecida que está necessitando de
ajuda, quer material, psíquica ou espiritual. A família na sua dimensão comunitária e social
177
LFPMEC, p. 191.
178
FC, 42.
179
Id., 43.
180
Id., 44.
181
Id., 42.
182
Id., 43.
62
tem obrigação de compartilhar seus dons, não os guardando de forma egoísta para si, mas
dando o dom de si em favor do próximo. Seguindo a orientação da FC:
As famílias quer cada uma por si ou associadas, podem e devem, portanto, dedicar-
se a várias obras de serviço social, especialmente em prol dos pobres, e de qualquer
modo de todas aquelas pessoas e situações que a organização previdenciária e
assistencial das autoridades públicas não consegue atingir.
183
É um compromisso que cada família tem para com a sociedade, uma expansão da
caritas existente ad intra, e que se abre ad extra, pois, “o dever social próprio de cada família
diz respeito, por um título novo e original, à família cristã, fundada sobre o sacramento do
matrimônio”.
184
O apostolado dos cônjuges e das famílias tem importância singular para a
sociedade civil e para a Igreja:
A própria família recebeu de Deus esta missão, de ser a célula primeira e vital da
sociedade. Cumprirá esta missão se, pela mútua piedade dos membros e pela oração
em comum dirigida a Deus, se mostrar como que o santuário doméstico da Igreja; se
a família toda se inserir no culto litúrgico da Igreja; se, finalmente oferecer
hospitalidade acolhedora, promover a justiça e outras boas obras em serviço de todos
os irmãos constituídos em necessidade.
185
O sacramento do matrimônio implica em um dever social e político e impulsiona os
cônjuges e os pais cristãos a viver em plenitude sua vocação:
Assumindo a realidade humana do amor conjugal com todas as suas conseqüências,
o sacramento habilita e empenha os cônjuges e os pais cristãos a viver a sua vocação
de leigos, e, portanto, “a procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais
e ordenando-as segundo Deus”.
186
O dever social e político, entra, naquela missão
real ou de serviço, da qual os esposos cristãos participam pela força do sacramento
do matrimônio, recebendo ao mesmo tempo um mandamento ao qual não podem
subtrair-se e uma graça que os sustenta e estimula.
187
183
FC, 44.
184
Id., 47.
185
DECRETO sobre o apostolado dos leigos Apostolicam Actuositatem, 11. São Paulo: Paulinas, 1993.
186
LG, 31.
187
FC, 47.
63
Neste contexto, a família cristã, bem como as famílias que não professam a fé cristã,
são convidadas a abrir-se para sua comunidade, para o mundo, participando efetivamente da
construção de uma nova comunidade de uma nova civilização, dando uma passo importante
na construção das realidades terrestres:
A oferecer a todos o testemunho de uma dedicação generosa e desinteressada, pelos
problemas sociais, mediante a “opção preferencial”, pelos pobres e marginalizados.
Por isso, progredindo no caminho do Senhor, mediante uma predileção especial para
com todos os pobres, deve cuidar especialmente dos esfomeados, dos indigentes, dos
anciãos, dos doentes, dos drogados, dos sem família.
188
2.8.2 A Dimensão Eclesial da Família
Os cônjuges e pais cristãos têm uma grande responsabilidade no sentido de ser os
primeiros evangelizadores de seus filhos, e este “ministério” deve ser da parte dos pais a
resposta ao apelo missionário de Jesus Cristo: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova
a toda criatura” (Mc 16,15). Este mandato do Senhor Jesus “constitui os cônjuges e pais
cristãos testemunhas de Cristo até os confins do mundo (At 1,8), verdadeiros e próprios
‘missionários’ do amor e da vida”.
189
Além da dimensão social, a família cristã
190
tem uma missão eclesial específica e é
também chamada “a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e
original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto
comunidade íntima de vida e amor”.
191
Todo o mundo de valores “ad intra” da vida
matrimonial e familiar impele e conduz a família a uma comunhão sempre mais profunda e
intensa.
188
FC, 47.
189
Id., 54.
190
“Cada família comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família
cristã, nascida de um matrimônio que é imagem e participação da aliança de amor, entre Cristo e a Igreja,
manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do
amor dos esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de
todos os seus membros” (GS, 48).
191
FC, 50.
64
Se a família é comunidade cujos vínculos são renovados por Cristo mediante a fé e
os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve dar-se, segundo uma
modalidade comunitária: conjuntamente, portanto, os cônjuges, enquanto casal, os
pais e os filhos, enquanto família, devem viver o seu serviço à Igreja e ao mundo.
192
A família cristã que acolhe o Evangelho e amadurece na fé torna-se comunidade
evangelizadora.
193
A atividade evangelizadora e missionária na família deve em primeiro
lugar voltar-se para si mesma
194
e também a todos que estão a sua volta, os parentes
próximos, os vizinhos, à comunidade a qual pertence.
Pelo espírito missionário, a Igreja doméstica é chamada a ser um sinal luminoso da
presença de Cristo e do seu amor mesmo para os “afastados”, para as famílias que
não crêem e para aquelas que já não vivem em coerência com a fé recebida: é
chamada “com o seu exemplo e com o seu testemunho” a iluminar “aqueles que
procuram a verdade”.
195
A ChL , revela que “a primeira e originária expressão da dimensão social da pessoa é o
casal e a família”,
196
o homem não foi criado para viver só, traz dentro de si uma dimensão
social, comunitária, é chamado “à comunhão com os outros e à doação aos outros”.
197
Portanto, “o casal e a família constituem o primeiro espaço para o empenho social dos fiéis
leigos”,
198
é necessário, “assegurar à família a sua função de ser o lugar primário da
humanização da pessoa e da sociedade”.
199
192
FC, 50.
193
“A família como a Igreja, deve ser um lugar onde se transmite o Evangelho e donde o Evangelho se irradia.
Portanto, no interior de uma família consciente desta missão, todos os componentes evangelizam e são
evangelizados. Os pais não só comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem também receber deles o
mesmo Evangelho profundamente vivido. Uma tal família torna-se, então, evangelizadora de muitas outras
famílias e do ambiente no qual está inserida” (PAULO VI. Exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, 71.
São Paulo: Paulinas, 1976).
194
“Uma certa forma de atividade missionária pode desenvolver-se já, na própria família. Isto acontece quando
algum dos seus membros não tem fé ou não a pratica com coerência. Em tal caso, os familiares devem
oferecer-lhe um testemunho de vida de fé que o estimule e encoraje no caminho para a plena adesão a Cristo
Salvador” (CONCILIO VATICANO II. Ad Gentes: decreto sobre a atividade missionária da Igreja, 39. São
Paulo: Paulus, 1997).
195
FC, 54.
196
ChL, 40.
197
Id., 40.
198
Id., 40.
199
Id., 40.
65
A FC afirma que à família é “confiada à missão de guardar, revelar e comunicar o
amor”,
200
e, põem em evidência quatro deveres gerais da família, primeiro: a formação de
uma comunidade de pessoas; segundo: o serviço à vida; “a tarefa fundamental da família é o
serviço à vida, é realizar, através da história, a bênção originária do Criador (Gn 1,28)
transmitindo a imagem divina pela geração do homem a homem” terceiro;
201
a participação no
desenvolvimento da sociedade; e quarto: a participação na vida e na missão da Igreja.
Estas tarefas no sentido da FC brotam do próprio ser da família e, “representam seu
desenvolvimento dinâmico e existencial”
202
bem como, cada família nestas tarefas vai
descobrir e encontrar a si mesma num apelo que não se esvai, e que vai definir sua “dignidade
e responsabilidade”: “Família, torna-te aquilo que és!”,
203
ou seja, uma comunidade de vida e
de amor. Os esposos, homem e mulher, os pais, os filhos, os parentes, formam uma
comunidade de pessoas e, por isso, têm como primeira tarefa viver com fidelidade a realidade
da comunhão, “a família fundada e vivificada pelo amor,
204
deve viver um empenho constante
de formar e fazer crescer uma autêntica comunidade de pessoas”.
Portanto, o amor entre o homem e a mulher, no matrimônio, e de forma ampla, o amor
entre os membros da família “conduz a família a uma comunhão sempre mais profunda e
intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar”.
205
José Kentenich apresenta como grande desafio para as comunidades familiares quatro
tarefas rumo ao futuro: “por princípio temos de evitar tudo que, de qualquer forma, venha
prejudicar a família, quer em nossa tarefa ou trabalho pessoal, quer em nossa atitude como
membro de uma comunidade.”
206
Kentenich refere-se, à família como “Igreja no pequeno”,
“Igreja em miniatura”, e neste sentido afirma:
Nada podemos fazer que possa desacelerar o processo de dissolução, porém,
havemos de fazer tudo, mesmo tudo, que possa salvar a família. Isto, significa, nos
pormenores: primeiro: lutar cuidadosamente pela moral da família; segundo: lutar
para obter uma ascese intensificada de família; terceiro: esforçar-se por usos
familiares sadios; e quarto: empenho pelo pronunciado “ethos” familiar. Todo o
resto é valioso (do primeiro ao terceiro ponto), mas, o “ethos” familiar é o mais
importante. Com isso a família se nos apresenta como uma Igreja em miniatura.
207
200
FC, 17.
201
Id., 28.
202
Id., 17.
203
Id., 17.
204
Id., 18.
205
Id., 18.
206
LFPMEC, p. 192-193.
207
Id., p. 192-193.
66
A FC acentua ainda o caráter comunitário da família cristã, e a apresenta como
comunidade crente e evangelizadora, comunidade em diálogo com Deus e comunidade ao
serviço do homem.
Como as famílias da pós-modernidade vão cumprir suas missões e deveres a elas
confiadas e que foram apontadas pela FC, bem como responder aos desafios apresentados por
José Kentenich?
Kentenich, fala também de “uma específica espiritualidade laical, de uma específica
espiritualidade laical e matrimonial”
208
diante de todo este quadro de luzes e sombras até
agora apresentado, e que ilustram uma situação preocupante mas, ao mesmo tempo de desafio
e de esperança frente ao matrimônio e à família, cabe aos leigos casados, às famílias, a
responsabilidade de procurar respostas e dar vida a estes grandes desafios da hora presente.
2.8.3 A Família como Construtora da Civilização do Amor
Na GrS, João Paulo II, discorre sobre a expressão “civilização do amor”,
209
afirma que
a questão da paternidade e da maternidade responsável insere-se na temática global da
civilização do amor, afirma o papa que esta expressão está ligada coma tradição da igreja
domésticado cristianismo nos seus primórdios”.
210
Neste contexto o termo “civilização” se
refere mais ao seu conteúdo “humanístico” e não tanto político. Acentua que “a família está
organicamente unida com tal civilização”.
211
A família e a civilização do amor tem íntima
relação entre si “se a primeira ‘via da Igreja’ é a família, a civilização do amor é ‘via da
Igreja’, que caminha no mundo e chama a seguir por tal via as famílias e as outras instituições
sociais, nacionais e internacionais, precisamente por causa das famílias e através das
famílias”.
212
Já se afirmou anteriormente, que, a família se constitui na “célula” fundamental da
sociedade, “mas tem necessidade de Cristo... para que esta família não fique exposta à ameaça
de uma espécie de desenraizamento cultural”.
213
208
FSV, Tomo 1, p. 47.
209
Civilização do amor: expressão utilizada por Paulo VI e que posteriormente entrou no ensinamento da Igreja.
Cf. Homilia no rito de encerramento do Ano Santo (25 de dezembro de 1975): AAS, 68 (1976), 145.
210
GrS, 13.
211
Id., 13.
212
Id., 13.
213
Id., 13.
67
Na GrS, João Paulo II, ressalta o aspecto de “grande mistério” que envolve toda a
questão da vida familiar. Referindo-se ao apostolo São Paulo, “que sintetiza o tema da vida
familiar com a expressão: ‘grande mistério’” (Ef 5,32). Segue dizendo: “a Igreja professa que
o matrimônio, como sacramento da aliança dos esposos, é um ‘grande mistério’, porque nele
se exprime o amor esponsal de Cristo pela sua Igreja
214
e diz,
Não se pode compreender a Igreja como Corpo místico de Cristo, como sinal da
Aliança do homem com Deus em Cristo, como sacramento universal de salvação,
sem fazer referência ao “grande mistério”, associado à criação do ser humano como
homem e mulher e à vocação de ambos no amor conjugal, à paternidade e à
maternidade.
215
Portanto, “não existe o ‘grande mistério’, que é a Igreja e a humanidade em Cristo,
sem o ‘grande mistério’ expresso no ser ‘uma só carne’ (Cf. Gn 2,24; Ef 5,31-32), isto é, na
realidade do matrimônio e da família”.
216
Neste documento, João Paulo II afirma ainda:
A própria família é o grande mistério de Deus. Como “igreja doméstica”, ela é a
esposa de Cristo. A Igreja Universal, e nela cada Igreja Particular, revela-se de
maneira mais imediata e concreta como esposa de Cristo na “igreja doméstica” e no
amor aí vivido: amor conjugal, amor paterno e materno, amor fraterno, amor de uma
comunidade de pessoas e gerações.
217
O ser humano é em primeiro lugar uma imagem de Deus Trino e o plano de Deus
prevê que os dois sexos se complementem. O ser humano é um espírito encarnado, no
pensamento cristão corpo e alma formam uma uni-dualidade. O amor conjugal firma entre o
homem e a mulher uma aliança, uma união indissolúvel, uma comunhão permanente até o fim
de suas vidas. A pessoa é inteiramente homem ou mulher, pois a masculinidade ou a
feminilidade abrangem todo o seu ser. O ser masculino e o ser feminino não se esgotam na
paternidade e na maternidade, são convidados a aceitar-se e complementar-se reciprocamente,
e a sociedade alcança sua estabilidade se ambos os sexos viverem em plenitude seu diferente
modo de ser.
214
GrS, 19.
215
Id., 19.
216
Id., 19.
217
Id., 19.
68
Na atualidade fixa-se o relacionamento homem/mulher de forma muito forte no plano
físico manifestando-se num forte sexualismo, esquece-se a uni-dualidade. Na expressão de
João Paulo II “é típico do racionalismo, contrapor, radicalmente, no homem, o espírito ao
corpo e o corpo ao espírito”. O homem é pessoa na unidade do corpo e do espírito. No
relacionamento homem/mulher, todas as formas de amor (sexus, eros, amor, cáritas ou ágape),
devem estar presentes, por isso nesse relacionamento é imprescindível a união dos corações,
das almas, tornando-se um amor ágape, um amor oblativo. Portanto, todos os cônjuges são
chamados, segundo o plano de Deus, à santidade no sacramento do matrimônio e devem,
sobretudo, reconhecer claramente a doutrina contida na Encíclica Humanae Vitae. É neste
sacramento que o amor entre um homem e uma mulher encontra sua plena realização para a
edificação da família. O homem e a mulher devem, na pós-modernidade, resgatar sua tarefa e
missão no matrimônio e na família à luz da ordem objetiva do ser. A figura do pai e da mãe
tem papel fundamental na função procriadora e educadora dos filhos. Este papel é
imprescindível e insubstituível.
69
3 É POSSÍVEL NUM MUNDO PÓS-MODERNO UMA ESPIRITUALIDADE
CONJUGAL E FAMILIAR?
Urge que se renove no matrimônio e nas famílias a vida cristã. Notam-se muitas
iniciativas nos mais diversos âmbitos, na Igreja de modo particular, que envida esforços no
sentido de indicar e estimular ações para auxiliar estas duas instituições. Mas, cabe a cada
casal, cada família, buscar uma espiritualidade, lutar pela ética e moral familiar, conquistar
uma ascese intensificada da família, esforçar-se por usos familiares sadios, e, lutar por um
ethos” familiar, para manter de modo perene a chama “do primeiro amor”, deve ser uma
busca constante, diária e permanente, por toda a vida.
José Kentenich fala em uma original espiritualidade laical conjugal
218
e familiar, João
Paulo II em “um renovado impulso na vida cristã”.
219
Na FC João Paulo II, citando a LG
afirma que a vocação universal à santidade é dirigida também aos cônjuges e aos pais cristãos:
“a santidade é especificada para eles pela celebração do sacramento (do matrimônio) e
traduzida concretamente nas realidades próprias da existência conjugal e familiar”
220
. Fala de
uma necessária espiritualidade e assim afirma que: “nasce daqui a graça e a exigência de uma
autêntica e profunda espiritualidade conjugal e familiar, que se inspire nos motivos da criação,
da aliança, da cruz, da ressurreição e do sinal”.
221
Teceremos considerações de como pode na atualidade subsistir uma espiritualidade
conjugal e familiar que possa atender às necessidades dos casais e das famílias cristãs, e que
possa servir de testemunho, inspiração e modelo para aqueles que têm outras crenças ou até
para aqueles que não crêem, mas que no matrimônio e na família encontram os mesmos
desafios e dificuldades.
Vamos aqui ressaltar quatro aspectos essenciais na construção de uma espiritualidade
matrimonial e familiar, de acordo com o ensinamento de João Paulo II e na espiritualidade
matrimonial e familiar proposta por José Kentenich:
a) a centralidade do filho;
b) a importância do diálogo;
218
ASFAN, v. 1, p. 50.
219
CONCILIO VATICANO II. Carta encíclica Ecclesia de Eucharistia, 60. São Paulo: Paulinas, 2005.
220
FC, 56.
221
Id., 56.
70
c) a importância da Eucaristia;
d) a Igreja doméstica ou a vinculação a um ponto de referência e de união do casal e
da família que José Kentenich denominava de santuário-lar.
3.1 A CENTRALIDADE DO FILHO NA VIDA MATRIMONIAL E FAMILIAR
Aos cristãos católicos em muitas oportunidades apresenta-se como inspiração e
modelo para as famílias, a Família de Nazaré. Neste contexto se questiona como pode a
Sagrada Família servir de modelo já que a mesma se encontra em um patamar inacessível para
as demais famílias, os seus membros são especialíssimos, e, sob o ponto de vista humano não
há referencial que se lhes possa comparar.
Pergunta-se: pode a Família de Nazaré ser um ideal para as famílias de hoje? Não seria
algo por demais pretensioso? Mais, não seria um ideal inatingível face às características da
época presente? Conforme se depreende da Sagrada Escritura, Jesus Cristo viveu trinta anos
de sua existência terrena em Nazaré junto com sua família e apenas por cerca de três anos
dedicou-se a sua tarefa messiânica. Pouco se sabe deste período de sua vida em Nazaré, os
Evangelhos não fornecem dados e informações precisas sobre este tempo. O que se sabe são
apenas especulações e alguns aportes que nos chegaram seja através dos evangelhos
apócrifos, bem como através de místicos, como por exemplo os relatos feitos por Maria
Valtorta.
222
Note-se que estas duas fontes, os evangelhos apócrifos e as revelações
particulares, não obrigam segundo o ensinamento da Igreja a sua crença mas colaboraram e
colaboram para tecer o imaginário sobre a Sagrada Família.
Neste sentido, José Kentenich, a partir dos Evangelhos indica as características da
Família de Nazaré:
Desejo condensá-las em três características; Primeira: na Família de Nazaré, pai e
mãe têm a posição que lhes é própria conforme a intenção de Deus, desde toda a
eternidade. Segunda: na Família de Nazaré, o filho está no centro. E, terceira: na
Família de Nazaré, pai mãe e filho estão unidos e entrelaçados pelo laço de profundo
e íntimo amor.
223
222
Maria Valtorta (1897-1961), mística italiana cuja maior obra publicada em 10 volumes é: O evangelho como
me foi revelado. Neste contexto verificar também: ZILLES, Urbano. Evangelhos apócrifos. 2. ed. Porto
Alegre: Edipucrs, 2001.
223
FSV, v. I, p. 25.
71
Descreve a situação especialíssima desta família e ressalta que somente em alguns
aspectos ela pode servir de modelo:
Como pode Nazaré, como pode a Mãe de Deus, que não conhecia o pecado
original
224
e, portanto, não tinha uma vida de paixões rebeldes, ser um ideal para
nós? [...] falamos da Família de Nazaré e realçamos conscientemente apenas alguns
aspectos do ideal, úteis para nós. Não tratamos da vida global da Família de Nazaré,
como modelo para nós.
225
E conclui, respondendo sob quais perspectivas a Família de Nazaré pode ser modelo
para as demais famílias;
Sob que ponto de vista a apresentamos? (a Família de Nazaré como ideal). É bom,
que reflitamos sempre de novo estes pensamentos. Primeiro: a Família de Nazaré se
orientou na ordem objetiva do ser. Segundo: estava unida pelo laço do amor.
Terceiro: concentrava-se, inteiramente no bem do filho. Sob este tríplice aspecto
apresentamos a Família de Nazaré como modelo.
226
Portanto, nestes três aspectos a família da Nazaré é apresentada por José Kentenich
como modelo, como um referencial, para as famílias na atualidade.
Na primeira característica indicada, afirma que a Família de Nazaré orienta-se sempre na
ordem objetiva do ser, “conforme a ordem objetiva do ser o pai, mediante sua ação geradora,
sempre ocupa o centro da família [...] o pai é um ‘prolongamento’ de Deus Pai e, portanto, a
autoridade paterna é primordial e básica autoridade na família, A autoridade materna se apóia na
autoridade paterna”.
227
224
A doutrina do pecado original é por assim dizer “o reverso” da Boa Notícia de que Jesus é o Salvador de
todos os homens, de que todos tem necessidade de salvação e de que a salvação é oferecida a todos graças a
Cristo. A Igreja tem o senso de Cristo, sabe perfeitamente que não se pode atentar contra a revelação do
pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo (CEC, 389). Constituído em estado de justiça, o
homem, instigado pelo Maligno, desde o início da história, abusou da própria liberdade. Levantou-se contra
Deus desejando atingir o seu objetivo fora dele (CEC, 415). Pelo seu pecado Adão, na qualidade de primeiro
homem, perdeu a santidade e a justiça originais que havia recebido de Deus não somente para si, mas para
todos os seres humanos (CEC, 416). À sua descendência, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida
pelo seu primeiro pecado, portanto privada da santidade e da justiça originais. Esta privação é denominada
“pecado original” (CEC, 417).
225
FSV, v. I, p. 62.
226
Id., p. 62.
227
Id., p. 111.
72
Neste sentido indica a missão do pai e da mãe na família: “a missão do pai, consiste
em educar os filhos para a obediência e a ousadia. A autoridade materna deve educar o filho
no sentido de aprender a carregar e suportar os contratempos da vida”.
228
Na segunda
característica acentua a figura do filho na Família de Nazaré; “no centro da Família de Nazaré
está o filho. O filho é objeto principal de solicitude, não apenas o filho, como produto físico
do próprio seio, mas sim o filho, como filho de Deus”.
229
Segundo essas características, a Família de Nazaré pode e deve ser referência para os
cônjuges e famílias cristãs, pois nos dias atuais quantas separações ocorrem, com cada
cônjuge pensando na sua felicidade, no seu bem-estar, pensando em desfrutar a vida,
enquanto o filho é muitas vezes desconsiderado, relegado a um segundo plano, sendo
inclusive manipulado para se obter em muitíssimos casos, vantagens econômicas no processo
de separação e divórcio, sendo a partilha dos bens mais importante do que a questão da guarda
e educação dos filhos.
Em muitos casos, o filho, não é suficientemente considerado. A família como
instituição que deve servir e proteger a vida, em primeiro lugar dirigir suas atenções, e se
esforçar por ter no seu centro, a figura do filho, fruto do amor conjugal expressão máxima do
“dom de si” matrimonial. O filho deve ocupar o lugar central, o centro das atenções e dos
cuidados, do pai e da mãe, e, isto obviamente exige renúncias e sacrifícios por parte dos pais;
“na Família de Nazaré, Jesus ocupou o lugar central, isto quer dizer, o centro dos mútuos
cuidados [...] o filho está totalmente no ponto central das atenções [...] o filho constitui o alvo
central dos cuidados, não apenas dos cuidados, como também o alvo central da renúncia”.
230
Neste aspecto, entra de forma muito forte o caráter da doação, do “dom de si”,
fortemente acentuado em vários documentos João Paulo II, da entrega que deve caracterizar o
matrimônio e a missão do pai e da mãe na família.
A segunda característica apontada por José Kentenich destaca o vínculo do amor da
Família de Nazaré, a família deve permanecer unida por este vínculo onde destaca o seguinte
aspecto: “a mesa familiar é em primeiro lugar uma mesa de sacrifício e não de prazeres
231
, e
em seguida destaca outro ponto importante: “a família deverá ser uma imagem do
relacionamento entre Cristo e a sua Igreja. Trata-se do vínculo do amor, de um amor vigoroso
e sacrifical que une pai e mãe”.
232
Este vínculo vai ser conquistado mediante uma
228
FSV, v. II, p. 111.
229
Id., v. I, p. 25.
230
Id., v. 2, p. 126-7.
231
Id., p. 112.
232
Id., p. 112.
73
espiritualidade que compreende o “sacramento do Esposo e da Esposa.”
233
Vivido dentro de
uma acentuada vida eucarística do casal e da família, uma vida de diálogo matrimonial e
familiar constante, meios que vão transformando assim, as famílias em verdadeiras “Igrejas
domésticas.”
3.2 A EUCARISTIA COMO ÁPICE DA VIDA CONJUGAL E FAMILIAR
A Eucaristia é “o sacramento por excelência do mistério pascal, está colocada no
centro da vida eclesial”.
234
Em 1985, o Sínodo dos Bispos reconheceu a “eclesiologia da
comunhão” como a idéia central e fundamental dos documentos do Concílio Vaticano II. A
Igreja “é chamada a conservar e promover tanto a comunhão com a Trindade divina como a
comunhão entre os fiéis. O termo comunhão se tornou um dos nomes específicos deste
sacramento”.
235
Quanto mais forte a pressão que o mundo dos mais diversos modos exerce sobre a
instituição do matrimônio e da família, no sentido de desestabilizar e destruir, mais forte deve
ser a resposta dos membros destas instituições no nível sobrenatural. Para os cristãos
católicos, dentro da perspectiva de uma espiritualidade laical no matrimônio e na família, o
sacramento da Eucaristia
236
deve ocupar um lugar especialíssimo.
Neste sentido, João Paulo II, afirma que a santificação da família tem na Eucaristia
237
a sua máxima expressão;
233
MD, 26.
234
EE, 3.
235
Id., 34.
236
A Eucaristia corrobora de forma inexaurível a unidade e o amor indissolúveis de cada matrimônio cristão.
Neste, em virtude do sacramento o vínculo conjugal está intrínsicamente ligado com a união eucarística
entre Cristo esposo e a Igreja esposa (Cf. Ef 5, 31-32). O consentimento recíproco, que o marido e a esposa
trocam entre si em Cristo, constituindo-os em comunidade de vida e amor, tem também, uma dimensão
eucarística; com efeito, na teologia paulina, o amor esponsal é sinal sacramental do amor de Cristo pela sua
Igreja, um amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão das suas “núpcias” com a humanidade e,
ao mesmo tempo, origem e centro da Eucaristia. Por isso, a Igreja manifesta uma particular solidariedade
espiritual a todos aqueles que fundaram a sua família sobre o sacramento do Matrimônio. A família- Igreja
doméstica - é um âmbito primário da vida da Igreja, especialmente pelo papel decisivo que tem na educação
cristã dos filhos (CONCILIO VATICANO II. Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis, 27.
São Paulo: Paulinas, 2007. p. 44).
237
A Eucaristia é “fonte e ápice de toda a vida cristã”. (LG 11). Os demais sacramentos, assim como todos os
ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Pois a
Santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa (CEC,
1324).
74
O dever de santificação da família tem a sua primeira raiz no Batismo e a sua
expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimônio
cristão. Redescobrir, e, aprofundar tal relação é absolutamente necessário, se, se,
quiser, compreender e viver com uma maior intensidade as graças e as
responsabilidades do matrimônio e da família cristã.
238
O caráter apostólico e
missionário do sacramento do matrimônio,
239
e, da família cristã, encontra na
Eucaristia uma fonte inesgotável de dinamismo nas palavras de João Paulo II; a
Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico, de fato,
representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada com o sangue
da sua Cruz (Cf. Jo 19,34). Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os
cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é, interiormente plasmada e
continuamente vivificada a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício
de amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é fonte de caridade. E no dom eucarístico
da caridade, a família cristã encontra o fundamento e a alma da sua “comunhão” e
da sua “missão”: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da comunidade
familiar um único corpo, revelação e participação na mais ampla unidade da Igreja;
a participação, pois, no Corpo “dado” e no Sangue “derramado” de Cristo torna-se
inesgotável do dinamismo missionário e apostólico da família cristã.
240
Portanto, a Eucaristia deve ter um lugar de vital importância para o cultivo de uma
espiritualidade cristã no matrimônio e na família. Hoje, uma grande multidão de cristãos não
tem noção e consciência desta importância, trata-se, portanto, de resgatar e de colocar a
Eucaristia no verdadeiro contexto e no lugar que ela deve ter na vida cristã, na vida do casal,
na vida da família.
Não existe fórmula ou um programa milagroso para sanar a crise do matrimônio e da
família na atualidade, ou como já referia João Paulo II, no caminho da renovação da vida
cristã nestes ambientes.
Não se trata de inventar um “programa novo”. O programa já existe: é o mesmo de
sempre, expresso no Evangelho e na Tradição viva. Concentra-se em última análise,
no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para N’Ele viver a vida
trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste.
241
A concretização deste programa, de um renovado impulso na vida cristã, passa pela
Eucaristia.
242
238
FC, 57.
239
Id., 57.
240
Id., 57.
241
CONCILIO VATICANO II. Carta apostólica Novo Millenio Inneunte. São Paulo: Paulinas, 2000. (AAS, 29,
93). p. 285.
242
EE, 60.
75
3.3 O DIÁLOGO COMO FONTE DE COMUNHÃO NA VIDA CONJUGAL E FAMILIAR
Um dos aspectos que o casal deve privilegiar no seu relacionamento é o diálogo.
243
Muito tem se falado a respeito do diálogo matrimonial nas últimas décadas, entretanto, o
diálogo é muito pouco exercitado entre a maioria dos casais na atualidade. A falta de diálogo
é sem dúvida uma das causas geradoras de discórdia e de mal-entendidos, e também,
conseqüentemente do grande número de separações e divórcios verificados atualmente.
Inúmeras são as causas da falta de diálogo conjugal. Nesta pesquisa se abordará tão somente
alguns aspectos sobre a importância desta prática para a manutenção da harmonia conjugal e
familiar, bem como utilizar e incentivar a prática do diálogo no matrimônio e na família como
um dos meios eficazes para a nova evangelização. José Kentenich destaca na sua obra
pedagógica para o matrimônio e a família, a importância do diálogo.
Entre marido e mulher, dever haver comunhão, uma forma de conectar-se, e esta conexão
é o diálogo. Quando se fala em diálogo, não se entende apenas “conversação”. Quando existe
diálogo? Quando há encontro de pessoas. Posso encontrar alguém através de um olhar, mas
também posso passar o dia todo olhando uma determinada pessoa, sem que haja encontro algum.
Posso falar o dia todo com alguém sem que haja por isso, nenhum encontro pessoal. Portanto, no
243
Na área do diálogo matrimonial há uma proposta baseada no trabalho pastoral das Equipes de Nossa Senhora,
movimento surgido na França nos anos quarenta do século passado, e fundado pelo padre Henri Caffarel (1903-1996),
que percebendo as dificuldades nos relacionamentos conjugais, bem como das dificuldades dos cônjuges em entender sua
comunhão de vida também no plano espiritual, sugere o diálogo como fonte de manutenção e preservação da vida
matrimonial e familiar. Como favorecer esta comunhão, indispensável para a plena realização matrimonial e
conseqüentemente da família? A resposta lhe surge ao ler certo dia Lucas 14,28-32: “Quem de vós, com efeito, querendo
construir uma torre, primeiro não se senta para calcular as despesas e ponderar se tem com que terminar? Não aconteça
que, tendo colocado o alicerce e não sendo capaz de acabar, todos os que virem comecem a caçoar dele, dizendo: ‘Esse
homem começou a construir e não pôde acabar!’Ou ainda, que o rei que, partindo para guerrear com um outro rei,
primeiro não se senta para examinar se, com dez mil homens, poderá confrontar-se com aquele que vem contra ele com
vinte mil? Do contrário, enquanto o outro ainda está longe, envia uma embaixada para perguntar as condições de paz.
Igualmente, portanto, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo”. Neste
sentido, acrescenta padre Caffarel: “Cristo, neste capítulo de Lucas, convida seus ouvintes à prática do dever de sentar-se,
um dever ignorado neste século das pressas vertiginosas. Torna-se mais oportuno do que nunca preconizar este dever
desconhecido. [...] Antes de empreender a construção de seu lar, vocês (os esposos) confrontaram seus pontos de vista,
pesaram seus recursos materiais e espirituais, elaboraram um plano. Entretanto, depois que lhe deram início, não teriam
vocês (os esposos) esquecidos de se assentarem para examinar, juntos, a tarefa realizada, reencontrar o ideal previsto,
consultar o Mestre da obra? [...] Nos lares onde não se reserva tempo para parar e refletir a desordem material e moral se
introduz e se instala insidiosa e frequentemente. A rotina se apodera da oração em comum, das refeições e de todos os
ritos familiares: a educação se limita a reflexos de pais mais ou menos nervosos; a união se enfraquece. E, estas
deficiências, são percebidas, ao lado de muitas outras, não somente entre casais sem formação, alheios aos problemas de
educação e de espiritualidade conjugal, mas também entre aqueles considerados entendidos em ciências familiares;
entendidos, sim, mas...teoricamente. [...] Sem uma visão de conjunto, os esposos não verão mais o que o visitante
facilmente constata assim que entra naquela casa: uma negligência que os amigos comentam entre si, às vezes, desolados,
mas de que não ousam falar aos interessados receando a incompreensão ou a suscetibilidade [...] Tomem uma agenda e,
assim como vocês marcam nela um espetáculo ou uma visita a um amigo, marquem um encontro com vocês mesmos. E
fique bem claro que estas duas ou três horas serão ‘sagradas’. E, por nada neste mundo, desmarquem este encontro, assim
como não desmarcariam uma reunião ou um jantar com amigos” (EQUIPES DE NOSSA SENHORA. O dever de
sentar-se -diálogo conjugal. São Paulo: Paulinas, 1986).
76
diálogo, o importante é haver o encontro das pessoas. Alguém que fale demais, não significa que é
alguém que dialogue muito. O diálogo se inicia quando com pouco se diz muito, quando se
encontra, um “eu” bem definido com um “tu” bem definido. É um encontro amoroso e pessoal. É
importante que o “eu” e o “tu” interajam, se comuniquem
244
efetivamente. Aqui, entra-se através
deste meio de comunicação, num modo de entrega especial, o “eu” e o “tu” se comunicam de
modo íntimo, caracterizando-se nesta entrega “o dom de si”.
No diálogo é importantíssimo o aspecto de complementaridade do amor conjugal,
além da dimensão afetiva, física/sexual, espiritual, sobrenatural, a exemplo, das várias
dimensões do amor que vimos no capítulo segundo da presente pesquisa, no diálogo
matrimonial, também há quatro formas; o diálogo afetivo
245
, físico ou sensível
246
, espiritual
247
244
Se não há comunicação de vida, não há crescimento da vida. No organismo nada se desenvolve separado. Isto tem
inúmeras aplicações na vida matrimonial. O amor é sempre encontro pessoal. A isto se chama diálogo. Por isso
podemos dizer que no amor matrimonial há diversos caminhos de encontro pessoal, como expressão e caminho do
amor. Estas modalidades de diálogo permitem aos esposos comunicarem-se mutuamente a vida e ao mesmo tempo,
exigem o relacionamento de umas com as outras para o crescimento total (FERNANDEZ, Jaime. Matrimônio:
vocação de amor. Santa Maria: Movimento Apostólico de Schoenstatt, 1989. p. 45-6).
245
Diálogo afetivo: é o carinho. Tem uma importância enorme porque é um grande regulador da atitude. O carinho é
um dos pontos que vai servir de barômetro durante toda a vida, mostrará se verdadeiramente o amor mantém o seu
frescor. É verdadeiramente destrutivo da vida matrimonial quando o carinho, o pegar na mão, o olhar, o dar um
beijo [...] não tem uma significação profunda. E qual é a significação mais profunda? No fundo é bondade, é
benevolência, quer dizer, é ternura; eu te quero, eu quero fazer-te feliz, eu quisera enriquecer-te. Esta é o sentido
do carinho e não ‘eu te quero para mim’. Mais do que uma tomada de posse é um sinal de proteção de ternura
diante da fraqueza (Ibid., p. 47).
246
Diálogo físico: este diálogo tem uma série de dimensões: o cuidado do corpo, o cuidado do outro quando está
doente, etc... Tem outra forma que é muito importante, a relação sexual, que é quase um resumo das diferentes
formas de diálogo [...] Existe um diálogo físico quando, através daquelas ações que se realizam no plano físico, se
consegue um encontro de pessoas. As diversas ações que fazem parte da vida matrimonial, alimentação, o cuidado
nas doenças e, inclusive, a relação sexual, podem ficar apenas num plano puramente físico ou ser veículo de
aproximação pessoal e gerador de um veículo mais profundo e rico [...] O ato sexual é, portanto, um ato no qual
estamos procurando viver toda a caridade de Cristo, que é serviçal, que é benevolente, que é generosa [...] O
encontro se torna verdadeiramente integral quando neste momento de sensibilidade experimentamos um tu
benevolente, delicado, respeitoso, generoso, cheio de amor de Deus. Quando este ato é pleno, é verdadeiramente
integral, caem todas as barreiras que se apresentam durante o dia, as rusgas, os desentendimentos, as
incompreensões que sempre existem na vida diária do casal. É por isso que o ato conjugal é psicologicamente, o
alimento da complementaridade. É preciso educar-se e preocupar-se para que exista uma plenitude também física
(Ibid., p. 56).
247
Diálogo espiritual: É, o intercâmbio, de dois seres racionais que comunicam suas reações e suas impressões. O
diálogo é pessoal quando o que eu digo é meu. Se eu digo as horas a alguém, não há nada de diálogo.Se, conto algo
que me contaram, tampouco é algo meu. Quando começa a ser meu? Quando começo a conversar com o outro do
que penso, do que sinto, do que me parece, do que eu gostaria. Podemos ver muitos casais que falam sempre de
coisas impessoais: da conta do telefone, dos botões da camisa, da taxa de interesse bancário, etc.; mas não vão
descobrindo aos poucos o que cada um é, o que cada um pensa e sente. Não se encontram como pessoas. Isto leva a
uma crise de solidão. É através deste diálogo, em que cada um manifesta o que é seu, que se vai chegando a um
progressivo crescimento. Porque o outro pode contar o que quer sobre si mesmo, sem que se produza
verdadeiramente um encontro. O diálogo é expressão de um processo de encontro de ambos e de descobrimento
mútuo. Não é puramente ideológico, mas vital. [...] É nesse diálogo lento e continuado submergido e quotidiano,
onde cada um, vai sentindo realmente o que pensa e o que sente o outro. Quando eu me descrevo, posso não ser
objetivo, mas quando eu vivo e me manifesto, então sim é real o que estou manifestando e o que o outro está
entendendo de mim. No fundo, é na prática e na vida comunicada que eu posso ir conhecendo o tu. Alguém me
pode falar muito sobre si mesmo. Eu formo uma idéia dele, mas depois de conviver um mês com ele, formo outra
idéia. Por que? Porque através de suas atitudes, de sua maneira de dar-se, ou, de não dar-se, vou apreciando e
descobrindo o que o outro realmente é (Ibid., p. 48-9).
77
e sobrenatural
248
, é necessário e conveniente, haver interação e integração de todas as formas
de diálogo, pois uma forma repercute na outra.
249
É necessário uma intercomunicação das
várias formas de diálogo, cada casal, cada cônjuge é um mundo à parte, é uma realidade única
e irrepetível, cada um tem seu modo de ser e agir, de pensar, por isso a necessidade de
intercomunicação.
250
O primeiro diálogo é entre os esposos e que a partir daí, deve se ampliar para todo o
núcleo familiar. O casal e a família que não dialoga passam por muitas dificuldades e tem
problemas para encontrar soluções e superá-las. Por mais graves que sejam as dificuldades, as
pressões que o meio exerce sobre o matrimônio e a família estes serão capazes de superar os
248
Diálogo sobrenatural: o ser humano não só possui uma condição sensível espiritual e física, como também,
experimenta em seu interior uma vocação a transcender ao puramente natural. É um chamado misterioso, que
o convida a exceder os limites de sua natureza. Este anelo o manterá sempre inquieto desde que não encontre
no que o rodeia uma resposta adequada. Cada homem experimenta, a seu modo, esse anelo de infinito, a
ânsia de Deus que o transformará em um buscador do eterno, projetando-o na direção do transcendental, este
impulso pode ser considerado como um instinto primário do ser humano e, como tal, pode-se reprimi-lo e
desvia-lo, mas nunca se conseguirá extirpá-lo. É próprio de sua natureza e constitui o fundamento de sua
abertura a Deus. [...] A condição do diálogo com Deus é a fé. Por meio dela o homem se abre a uma relação
pessoal com Ele. Quando os esposos se encontram entre si no âmbito de uma fé compartilhada, podem
comunicar-se mutuamente na intimidade de Deus. Na unidade misteriosa de Cristo, fruto do Batismo
participam, mutuamente, a vida divina entre si canais da graça santificante. Isto, entretanto, não sucede
somente no plano imponderável do mistério do Corpo de Cristo, senão, opera na vida quotidiana em forma
experimentável (Ibid., p. 51).
249
É conveniente que estas quatro formas de diálogo se integrem e que esta integração, algumas vezes, se faça
conscientemente. Por exemplo: entre o diálogo físico como relação conjugal e o diálogo sobrenatural. [...] As
dificuldades na relação sexual conjugal vão repercutir necessariamente no diálogo sobrenatural, seja como
um incentivo, quando se trata de um problema que não causado por má vontade, seja como um impedimento
quando são problemas provocados pelo egoísmo.[...] Por que é tão necessária uma integração? Porque, pelo
sacramento do matrimônio, realizamos até as últimas conseqüências, a união de Cristo com sua Igreja. É a
encarnação do amor de Deus na humanidade. O amor de Deus, ou seja, o próprio Deus, chega à humanidade,
mas tem de chegar através de todas as formas de todas as possibilidades integrando-as na caridade divina de
tal maneira que o amor instintivo, o amor afetivo, o amor espiritual, tudo se impregna de Deus (Ibid., p. 54).
250
Existe uma intercomunicação das diferentes formas de diálogo. Nenhuma forma existe separadamente; todas
repercutem umas nas outras. Se não há entre nós diálogo espiritual, com o passar do tempo ressente-se o
diálogo afetivo, sobrenatural e físico [...] É necessário que revisemos se cada uma dessa formas está sendo
suficientemente alcançada e, se por acaso, alguma não está sendo alcançada, por exemplo, se nosso diálogo
espiritual é pobre, se não temos conversação, se não temos interesses comuns. Aqui há toda uma linha de
trabalho: como descobrir as perspectivas de interesses comuns? Do que gostas? De que gosto? Poderá haver
casais que se encontram através da leitura, ou indo ao teatro e depois comentando a peça; outros casais se
encontrarão através de outras atividades, etc. O homem deve ter um cuidado enorme com sua tendência
individualista, tem que aprender a dizer, ‘nós’, do contrário destrói o lar. Quer dizer, tem que aprender a ter
atividades nas quais os dois se sintam fazendo as coisas em comum, preparando em comum. [...] Para o
homem é algo espontâneo, fazer as coisas sozinho. Isso é precisamente o que tem que aprender a vencer. A
mulher, por sua vez, tem que vencer sua tendência a dizer ‘não quero’, ou ‘não tenho vontade’ e, aprender a
acompanhar o marido. Tem que existir uma integração dos dois. Isto é um trabalho, uma tarefa. Para que
possam ter uma conversação que não seja um solilóquio, têm que aprender a ter pontos de referência, pontos
de comunicação. [...] Qual é então, a forma de diálogo que mais temos que cultivar? Será diferente para cada
casal. Para alguns será o ter que aprender a rezar em comum, porque se dão conta que a oração em comum
está sendo pobre, forçada e é necessário, então, conquista-la, enriquece-la de modo que os dois possam
expressar-se de uma maneira diferente na oração. É importante que a oração não seja a forma imposta por um
dos dois. É necessário ter um ritmo em comum. A plenitude do amor matrimonial só se alcança no
desenvolvimento harmônico e integral de todas as suas formas. Negligenciar uma, é cavar por baixo das
outras expressões e fontes de amor (Ibid., p. 61-2).
78
obstáculos, na medida em que se esforcem por conservar viva a sua capacidade de dialogar. A
falta de diálogo é um verdadeiro câncer que corrói e acaba por destruir o matrimônio e a
família. O diálogo alimenta e “rega” o amor. O casal, uma família que dialoga, é capaz de
arrancar da sua unidade interior as forças necessárias, para enfrentar os diversos problemas e
dificuldades, que mais dia menos dia, acabam por se abater sobre a vida matrimonial e familiar.
Para gerar esta força o diálogo deve obedecer a certas condições, em primeiro lugar,
entre o casal, e dar-se também entre todos os membros da família. Portanto, entre os esposos,
entre pais e filhos, entre os filhos entre si. O diálogo dos esposos entre si é que dá forma e
sustenta aos demais diálogos. É importante que se trate de um diálogo realmente pessoal.
Como já se destacou não basta dialogar sobre qualquer coisa. O diálogo que aqui se trata
consiste em que o casal as pessoas da família, abram o seu coração e, compartilhem, com os
demais, as suas alegrias dores e esperanças.
Só este diálogo alimenta o amor, pois não é contar ou dar “coisas” ao outro, mas dar-
se a si mesmo, o “dom de si”, uma entrega na sua totalidade, sem ressalvas.
Muito se fala da necessidade do diálogo nos relacionamentos conjugais e familiares,
entretanto, são poucos os que realmente o praticam com a intensidade necessária. Diversos
fatores contribuem para isso.
251
Na atualidade, os meios de comunicação, a televisão, a
internet, acabam “separando” o casal, os membros da família.
Ao invés de dialogar, isolam-se, distanciam-se das mais diversas formas, hoje,
principalmente através da televisão e da internet, ficam diante das novelas, dos noticiários,
dos “big brothers”, dos “sites” de relacionamento e dos “sites” de vida virtual, em inúmeros
casos, se verifica na atualidade, nos núcleos familiares, mais de um aparelho de televisão e
mais de um computador por unidade habitacional, sendo que em muitos casos cada membro
da família possui seu próprio aparelho (televisor ou computador), instalados em diferentes
251
Há três fatores que enfraquecem o diálogo, primeiro a consciência, ou a “certeza” de que o outro já nos
pertence, isso gera a sensação de que “já o conhecemos”. Mas nos enganamos. Nunca terminaremos de
conhecer os “segredos” do outro. O exercício do diálogo vai nos permitir que descubramos constantes
surpresas, novas riquezas e novas perspectivas que brotam do coração da pessoa amada. O segundo fator que
prejudica o diálogo é a “falta de tempo”. Impelidos pelo frenético afã de produzir para possuir, a cultura
moderna nos impõem um ritmo de vida estressante. Somos como uma engrenagem de uma maquina
gigantesca que não pára de girar. Estamos correndo diariamente atrás de muitas “coisas” urgentes e
inadiáveis: cobrir o cheque no banco, o pagamento da prestação habitacional, ou, o pagamento do aluguel, a
conta da luz, da água, do telefone, a conta do supermercado, etc. Os assuntos econômicos são inadiáveis. O
diálogo, podemos deixar, para outro momento, para mais tarde, quando tivermos tempo. E se assim proceder,
família, o casal, de fato, nunca vai encontrar tempo. O atraso permanente do diálogo constitui um pecado por
acumulação porque é um grave risco para o amor. Finalmente, conspira contra o diálogo a mentalidade
materialista que só deixa espaço para o diálogo “funcional”, sobre aquele diálogo que recai sobre coisas que é
necessário fazer, para que a engrenagem da casa, do escritório, da fábrica, continue girando. É o diálogo
despersonalizado que impera no mundo do trabalho, mas que invade a vida familiar sem que nos demos
conta. É urgente rever o que se fala quando conversamos como casal ou em família (ALESSANDRI, Hernán.
Fé e vida matrimonial. Santa Maria: Movimento Apostólico de Schoenstatt, 1993. p. 12-3).
79
pontos da casa.
Urge, portanto, que o casal e a família pratiquem em suas casas o diálogo fraterno,
conversem sobre tudo aquilo que lhes é próprio e indispensável, isto se faz necessário, para a
saúde física, psíquica e espiritual da instituição conjugal e familiar.
3.4 FAMÍLIA IGREJA DOMÉSTICA
No ambiente da Igreja Católica a família sempre teve um acento importante sendo
uma instituição sempre protegida e defendida pelo Magistério desde seus primórdios. A
família deve ser efetivamente uma Igreja doméstica. Com visão profética, antecipando o que o
Concílio Vaticano II anos depois ensina sobre este aspecto, José Kentenich dirigindo-se à
Obra Familiar de Schoenstatt afirma:
Que, em seu Cenáculo, a Mãe de Deus implore a todos o Espírito Santo, afim de que
compreendam bem a grande importância da nova tarefa de vida, doada por Deus,
livremente desejada e escolhida; mas também, lhes conceda forças para observar a
moral familiar, que os Papas determinaram em suas encíclicas e possa elaborar uma
ascese e pedagogia própria, que perpetuam os usos familiares comprovados e
repletos de alma. Assim, transformarão a família num reservatório, no qual todos os
Ramos do Movimento (referindo-se ao Movimento Apostólico de Schoenstatt)
podem se nutrir e renovar.
252
José Kentenich fala em uma ascese e pedagogia própria, em usos familiares
comprovados, e dá acento a uma pastoral familiar centrada em uma devoção à Virgem Maria,
colocando-a como educadora e protetora dos matrimônios e das famílias dizendo:
Todos nós, sem exceção, estamos empenhados neste novo prodígio de Pentecostes.
Por isso, nos reunimos e imploramos, com grande fervor, um eficiente e novo
milagre de transformação. Levem a imagem da Mãe de Deus, e, dêem-lhe um lugar
de honra nos lares. Assim, eles se tornarão pequenos santuários, nos quais a
imagem de graças (da Mãe de Deus) se manifestará, operando milagres de graças,
criando uma santa terra de famílias e formando santo membros da família.
253
O santuário-lar, como é denominado no Movimento Apostólico de Schoenstatt, é uma
252
KENTENICH, José. Carta de Santa Maria. Documento escrito pelo Padre José Kentenich em abril de 1948
em Santa Maria, RS, Brasil e dirigida a grupo de famílias na Alemanha. Santa Maria: Movimento Apostólico
de Schoenstatt, 2008.
253
Ibid.
80
reprodução original, do Santuário Original de Schoenstatt, na casa, ou seja, na moradia das
famílias, cada casal ou família, estabelece um local em sua residência, onde coloca uma
imagem da Mãe de Deus, um crucifixo, e ali se reúne para rezar e dialogar.
O Santuário Original tornou-se, em primeiro lugar, para a os integrantes da Família de
Schoenstatt, e posteriormente para todos aqueles que entram em contato com este local, um
lugar de graças, através da realização da Aliança de Amor com a Mãe de Deus.
254
Portanto, com o passar dos anos, a idéia do santuário-lar foi amadurecendo e tomando
corpo dentro da Obra Familiar do Movimento Apostólico de Schoenstatt. Kentenich explica o
que é um santuário-lar, referindo-se, as viagens missionárias de São Paulo Apóstolo, propôs
nesse sentido, inclusive, desenvolver formas concretas para o casal e a família desenvolver
uma pastoral própria de cultivo de vida interior, e assim, conquistar uma atmosfera
sobrenatural em suas casas, cada família deste modo construindo seu “ethos” familiar próprio:
O que é um santuário-lar? Muitos de nós consagraram os seus lares, à Mãe de Deus,
não apenas de modo geral, e sim, como um santuário vivo [...] Nós queremos
representar, nós mesmos, um santuário vivo [...] A mesma atuação que a Mãe de
Deus tem no Santuário aqui, no Santuário Central (em muitos países onde o
Movimento de Schoenstatt está presente, há um santuário nacional central,
normalmente o primeiro que surgiu naquele país) e no Santuário local (é assim
denominado o santuário de Schoenstatt de cada diocese), Ela terá no nosso pequeno
santuário-lar. Se toda a família quer ser e quer incorporar um Santuário vivo, todas
as coisas, que fazemos como família, ficam bem mais concretas [...] Poderiam ler,
aos domingos, o documento de fundação (do Movimento Apostólico de Schoenstatt,
ou a Carta de Santa Maria, considerada hoje o documento de fundação do Instituto
Secular das Famílias de Schoenstatt), ou pelo menos um trecho [...] Poderiam
analisar, se não valeria a pena cultivar no santuário-lar, a atmosfera do ano litúrgico
[...] Como poderíamos celebrar, por exemplo, o período do Advento dentro de nossa
pequena família? Possuímos usos e costumes com profundo sentido [...] Assim me
imagino as viagens missionárias e o trabalho missionário do apóstolo Paulo. Como
foi? Visitou as diversas famílias e estas se converteram. Depois foi convidada uma
família da vizinhança. Assim, aos poucos, se formou a comunidade eclesial [...] O
apóstolo atuou principalmente dentro das respectivas famílias, isto é, dentro das
diversas casas. Se o bom Deus abençoar todos esses empreendimentos (os
santuários-lares), ter-se-á uma orientação para a pastoral dos tempos vindouros.
255
Maria Santíssima na visão de José Kentenich tem uma missão especial para os tempos
254
Trata-se de um contrato (aliança de amor), assim denominado pelo padre José Kentenich feito por ele e um
grupo de seminaristas palotinos à Mãe de Deus, na então capelinha dedicada a São Miguel situada no terreno
do Seminário dos Palotinos em Vallendar (Schoenstatt-Alemanha), e, que posteriormente, ficou sendo
denominado de “santuário”, de outro lado, este contrato (aliança de amor), contém seis promessas e seis
exigências, surgindo deste ato, um contrato bi-lateral, cuja vivência pelos primeiros contratantes, mais tarde
conhecidos como geração fundadora, desencadeou diversas conseqüências, entre elas o surgimento do
Movimento Apostólico de Schoenstatt. Sobre o conteúdo desta “aliança de amor”, verificar: KENTENICH,
José. Primeiro Documento de Fundação. Santamaría: Movimento Apostólico de Schoenstatt, 1974. p. 41-53.
255
KENTENICH, José. Palestras sobre o santuário-lar. Vallendar: Instituto das Famílias de Schoenstatt no
Brasil, 2003. (Edição inédita). p. 16 et seq.
81
atuais, aos quais denomina de “tempos novíssimos”:
Qual é a missão da querida Mãe de Deus, para este tempo novíssimo? Eu diria: tem
a missão para esta Igreja novíssima, que tinha para a Igreja antiga. A antiga Igreja
não existiria sem o Fiat, pronunciado pela Mãe de Deus. Isso vale também para o
tempo de hoje. Ela precisa pronunciar novamente o seu Fiat, a fim de que possa
existir esta novíssima que agora se esboça e cujos membros somos nós [...] Nelas
(nas famílias), Ela deseja pronunciar seu Fiat para a novíssima Igreja nos novíssimos
tempos.
256
Destaca a importância de existir nas famílias, um espaço, para um encontro da família
com Deus, com a Mãe de Deus, criando assim uma atmosfera religiosa, um espaço de oração,
que vai impregnar com seu espírito toda a vida da família, e todos os seus membros,
formando uma comunidade de almas e corações unidos, e, neste sentido afirma Kentenich:
Não importa, em primeiro lugar, se nós estabelecermos dentro da nossa casa um
canto com um crucifixo, com uma imagem da Mãe de Deus. Não devemos nos
limitar a reservar um lugar em nossa casa à Mãe de Deus. O principal é, que
deixemos a Mãe de Deus operar a partir deste lugar, a fim de que se possa criar uma
atmosfera religiosa que penetre por toda a casa, e que a atmosfera religiosa
mantenha unidos pai e mãe e que esta atmosfera, passe para os corações dos filhos e
dos filhos dos filhos.
257
Com Maria, a grande missionária, e através dos santuários-lares as famílias
evangelizadas tornam-se evangelizadoras e missionárias. Deste modo, as famílias portadoras
da Boa-Nova, tornam-se, meio de evangelização para as demais famílias de boa vontade, que
se entrelaçarão através desta pastoral dos santuários-lares, criando assim uma corrente
espiritual, unindo-as em torno de um objetivo comum. Neste contexto diz José Kentenich:
256
PSL, p. 31.
257
Id., p. 33.
82
Chegará o tempo, em que todos estes “santuários”, isto é, os moradores destas casas,
sentirão uma misteriosa simpatia uns pelos outros. Assim surgirá uma comunidade
muito mais profunda do que se experimentou em experiências semelhantes (nas
associações) do passado. A nossa grande meta é: dar-nos mutuamente as mãos,
como homem e mulher (junto com os filhos) e ajudar-nos a reencontrar o caminho a
Deus. Não cada um por si, mas sim, como marido e mulher e com os filhos,
impulsionar-nos, mutuamente, no sentido religioso. Esta deve ser a tarefa para todos
nós: juntos queremos caminhar rumo ao Céu.
258
Na concepção de José Kentenich, o ser humano deve estar vinculado a um lar natural-
sobrenatural se quiser que todas as suas forças cheguem a um pleno desenvolvimento. No
santuário-lar a Mãe de Deus, pela força da Aliança de Amor quer presentear aos membros das
famílias, graças especiais, a saber:
a) a graça do abrigo espiritual;
b) a graça da transformação espiritual;
c) a graça do apostolado.
O santuário-lar schoenstatteano propõe ser um ponto de contato com o sobrenatural, se
torna um lar, e hoje mais do que nunca, esta realidade se abate sobre a humanidade, o tempo
atual está caracterizado pelo homem desvinculado, um homem sem lar, sem ninho,
desamparado, sem caráter, sem moral, sem ética e, o pior, sem Deus, e que deseja cada vez
mais distância das realidades sobrenaturais. Hoje, mais do que nunca na história da
humanidade o ser humano precisa de um lar, de um ninho, de um lar sobrenatural, e na
concepção de José Kentenich ele encontra este lar, este abrigo na Mãe de Deus e em Deus.
O ser humano traz em si uma profunda saudade de viver em comunhão de amor com
Deus, o ser humano não pode formar e experimentar comunidade de amor, se não viver em
comunhão com Deus, com o sobrenatural.
No santuário-lar schoenstatteano a Mãe de Deus intercede as graças necessárias para a
transformação interior, isto não só para a santificação de cada membro da família, mas
irradiando a atmosfera religiosa para todos os que entrarem em contato, parentes, vizinhos,
amigos e comunidade circunstante. Segundo José Kentenich, Maria no santuário-lar, atua
especialmente como educadora, quer educar o ser humano, os membros da família a não
escravizar-se a formas, mas ser arraigados na verdadeira tradição, para que assim possam
abrir-se para tudo que é novo. Maria quer formar os membros da família, que em liberdade e
responsabilidade atuam criativamente e ajudam a conduzir e construir a Igreja da nova
margem.
258
PSL, p. 41.
83
O conceito de apostolado passou por uma transformação no Concílio Vaticano II, foi
fortemente acentuado, o apostolado do ser. A missão da família ser apóstola e missionária de
Jesus Cristo, ela a recebe, de modo especial através da graça da missão ou fecundidade
apostólica, através do santuário-lar. Neste sentido, a Mãe de Deus, quer através de sua atuação
nas famílias, reavivar a graça que recebemos no Batismo e na Crisma.
Na atualidade, a unidade, fecundidade e fidelidade conjugal e familiar, não pode ser
realizada e mantida sem graças especiais. A Igreja nos tempos atuais, não pode ser uma
grande família se não se organizar e se fortalecer nas pequenas células familiares,
genuinamente católicas, nas paróquias, nas dioceses. Este fortalecimento vai tornar-se
também uma fonte de irradiação, a família vai dar testemunho do seu ser família, para as
demais famílias, sejam elas crentes ou não. Cada família natural deve tornar-se novamente,
família no sentido pleno da palavra, conforme a ordem objetiva do ser, como família Igreja
doméstica.
Neste contexto afirma José Kentenich:
O que ao cristianismo falta hoje em eficiência ampla, deve ser compensado por
maior profundidade, através de uma formação esmerada, individual e imediata da
personalidade (do indivíduo) e da família. Estes são hoje os principais portadores da
educação cristã. Assim como o indivíduo, do mesmo modo também a família deve
ser um domínio da fé, do amor e da graça, deve tornar-se uma Igreja no pequeno.
84
CONCLUSÃO
Na doutrina da Igreja o matrimônio entre cristãos (homem e mulher) é sempre
sacramento. Forma uma comunidade de toda vida – ordenado a geração e a educação dos
filhos, a complementação mútua dos cônjuges e ajuda para os impulsos do instinto sexual
(remedium concupiscenciae). Se estas finalidades do matrimônio são ignoradas ele acaba se
tornando uma farsa e fadado ao insucesso.
Os cônjuges católicos são chamados à santidade no matrimônio, a raiz deste chamado
está no Batismo sua expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o
matrimônio cristão. Os cônjuges encontram no matrimônio de modo específico a missão de
integrar todas as formas de amor (corporal-erótico-espiritual e sobrenatural), tornando-se um
amor ágape, um amor oblativo, que deve atingir a totalidade da personalidade do outro. Esta
abertura ao “tu”, ao outro, e isto pertence à essência do ser humano ter sentido, ser aberto em
direção à comunidade. É no matrimônio que o amor entre um homem e uma mulher encontra
sua plena realização para a edificação da família, da qual é verdadeiro e autêntico
fundamento. O matrimônio é dom e ao mesmo tempo tarefa, e expressa para o cristão católico
a imagem da relação esponsal de Cristo com sua Igreja, a tarefa consiste em formar o espírito
e a vida matrimonial segundo essa relação. O sacramento recebido habilita os cônjuges e os
pais cristãos a viver sua vocação de leigos. Homem e mulher têm no matrimônio e na vida da
família segundo a ordem objetiva do ser, uma tarefa única e insubstituível, se falharem no
desempenho de suas funções e deveres as duas instituições irão falhar e, em consequencia,
não irão cumprir sua elevada missão social, estatal, eclesial e sobrenatural.
A tarefa fundamental da família é o serviço à vida. É sua tarefa defender e proteger a
vida em todas suas instâncias, da concepção até o fim da existência humana, conforme os
ditames da lei Divina e o ensinamento da Igreja. A família se constitui no lugar próprio e
instrumento eficaz da humanização e personalização da sociedade. É o primeiro espaço para o
empenho social dos fiéis leigos. A vivência diária de interação e comunhão que deve
caracterizar a vida quotidiana da família, representa a sua primeira e fundamental contribuição
à sociedade. A função da família não pode fechar-se na obra procriativa e educativa, sua
primeira e insubstituível forma de expressão, tem obrigação de compartilhar seus dons, não os
guardando egoisticamente para si, mas dando o dom de si em favor do outro. Os cônjuges e
85
pais cristãos têm grande responsabilidade no sentido de ser os primeiros evangelizadores de
seus filhos, são constituídos verdadeiros e próprios missionários de amor e da vida. As
famílias são convidadas a dar o testemunho e uma dedicação generosa e desinteressada pelos
problemas sociais, mediante a “opção preferencial” pelos pobres e marginalizados, mediante
uma predileção especial cuidar dos que passam fome, dos indigentes, dos anciãos, dos
doentes, dos drogados, dos sem família. Participando no desenvolvimento da sociedade e na
vida e missão da Igreja, cada família nestas tarefas vai descobrir e encontrar a si mesma num
apelo que não se esvai e que vai definir sua dignidade e responsabilidade. A família cristã,
acentuando seu caráter comunitário e evangelizador, deve se apresentar à sociedade como
uma comunidade de amor, crente e evangelizadora, uma comunidade em diálogo com Deus e
uma comunidade ao serviço do homem.
Neste sentido a família está intimamente unida a civilização do amor, ambas tem
íntima relação entre si. Conforme o ensinamento da GrS, “a família é o centro e o coração da
civilização do amor. Se a primeira via da Igreja é a família, a civilização do amor é a via da
Igreja”
259
.
Como referencial para as famílias cristãs a Sagrada Família da Nazaré nos indica o
caminho a seguir: se orientar na ordem objetiva do ser, estar unida pelo laço do amor e se
concentrar inteiramente no bem dos filhos. Para os cristãos católicos a Eucaristia deve ter um
lugar de vital importância para o cultivo de uma espiritualidade no matrimônio e na família.
Não há fórmula ou um programa milagroso para sanar a crise do matrimônio e da família. Um
dos aspectos que os cônjuges e a família devem privilegiar no seu relacionamento é o diálogo,
instrumento importantíssimo de complementaridade do amor conjugal e familiar. O exercício
do diálogo com o diferente, com aqueles que pensam e vivem de modo diferente das famílias
cristãs é sem dúvida um grande desafio para os cônjuges e pais cristãos. A família Igreja
Doméstica, através de uma pastoral familiar centrada em uma devoção à Virgem Maria vai
encontrar formas concretas para desenvolver um cultivo de vida interior conquistando uma
atmosfera sobrenatural, cada família construindo seu “ethos” familiar que de suas casas vai
irradiar-se para as demais famílias inclusive para as não crentes, tornando-se assim famílias
evangelizadas e evangelizadoras.
Por fim pode-se concluir dizendo aos cônjuges e pais cristãos, que a família cristã
como um todo cabe a necessária tarefa de realizar a verdade do projeto de Deus sobre o
259
GrS, 13.
86
matrimônio e a família.
260
Ter uma consciência crítica da cultura familiar e como sujeitos
ativos da construção de um humanismo familiar autêntico.
261
É cada vez mais necessária uma adequada preparação ao sacramento do matrimônio, e
de uma pastoral matrimonial e familiar integrada e estruturada em nível paroquial e
diocesano. Bem como “A necessidade da celebração do sacramento do matrimônio com uma
fé viva, promovendo o exercício humano e cristão da sexualidade no matrimônio”.
262
A nova
compreensão do sentido último da vida e dos seus valores fundamentais é a grande tarefa que
se impõe hoje para a renovação da sociedade.
263
Portanto é indispensável e urgente que cada homem de boa vontade se esforce no
sentido de salvar e proteger os valores e as exigências do matrimônio e da família.
É necessário, portanto, que se continue aprofundando o estudo e qual o significado
último e da verdade da vida conjugal e familiar, nos seus mais variados aspectos, para que o
matrimônio e a família descubram não só sua identidade, o que são, mas também, a sua
missão, e o que, como instituições basilares da sociedade podem fazer para a construção de
um mundo mais justo e fraterno, e proclamando no sentido da FC que “o futuro da
humanidade passa pela família”.
264
260
FC, 6.
261
Id., 7.
262
Id., 7.
263
Id., 8.
264
Id., Conclusão.
87
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