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crítica acontece porque são processos que se iniciam simultaneamente na história.
É quando a questão do governo das pessoas passa a ser importante que se começa,
ao mesmo tempo, a questionar os modos pelos quais as pessoas são governadas e
os modos pelos quais não querem ser governadas, uma atitude crítica, como uma
condição das sociedades modernas.
O governo das pessoas teria sido exercido inicialmente pela pastoral católica
e, posteriormente, seria disseminado à sociedade. A pastoral católica, através do
governo dos fiéis, desenvolveu a idéia de que cada indivíduo, independente de
suas características, deveria ser governado e deixar-se governar para ser levado à
salvação da alma. É a partir do século XV que esse governo exercido pela pastoral
se expandiria a toda sociedade, por meio de diferentes instituições, como a escola,
o manicômio, o hospital, a família, etc. Isso gerou uma vontade de governo e uma
multiplicação dos domínios destes
como governar as crianças, como governar os pobres e mendicantes,
como governar uma família, uma casa, como governar o exército,
como governar os diferentes grupos, as cidades, os Estados, como
governar seu próprio corpo, como governar seu próprio espírito
(Foucault, 2005, p. 38).
Diante disso, a questão como não ser governado veio em decorrência da
questão como governar. Porém, a atitude crítica em Foucault não trabalharia com
a questão como não ser governado, mas com a questão “como não ser governado
desse modo, por esse modo, em nome desses tais princípios, em vista de tais
objetivos, e por meio de tais procedimentos; não desse modo, não para isso, não
através deles?” (Foucault, 2005, p. 38).
A crítica coloca três questões de ancoragem. A primeira ancoragem é a
Bíblica. Na época em que o governo dos homens era uma arte espiritual, não
querer ser governado era procurar na sagrada Escritura, outra forma de ser
governado através do retorno ao autêntico da Escritura, era tê-la como lugar da
verdade. Na medida em que se começou a questionar se a Escritura continha a
verdade, é que foi possível se desenvolver a crítica. A segunda ancoragem, a
jurídica, colocou a questão de não querer ser governado do modo como se é
governado, como uma forma de questionar as leis a partir das quais somos
governados, colocando em discussão, a partir desse momento, o que é o justo e o
que é o injusto. A crítica seria, desse modo, opor-se ao governo e à obediência que
ele exige, ao pôr em questão os direitos universais e imprescindíveis. E a terceira
ancoragem, a ciência, teria colocado o problema da certeza diante da autoridade,