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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
INSTITUTO DE PSICOLOGIA – IP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
E CULTURA - PSICC
Saúde mental e estrutura familiar:
O lugar do sofrimento psíquico grave.
Maria del Carmen Cárdenas Jansen
Brasília
2007
BRASÍLIA – DF
2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
INSTITUTO DE PSICOLOGIA – IP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
E CULTURA - PSICC
Saúde mental e estrutura familiar:
O lugar do sofrimento psíquico grave.
Maria del Carmen Cárdenas Jansen
ORIENTADOR: Prof. Dr. ILENO IZÍDIO DA COSTA
Dissertação apresentada no Departamento
de Psicologia Clínica do Instituto de
Psicologia da Universidade e Brasília, como
parte dos requisitos para obtenção do grau
de Mestre em Psicologia Clínica e Cultura.
BRASÍLIA – DF
2007
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Trabalho realizado junto ao Departamento de Psicologia Clínica do Instituto
de Psicologia da Universidade de Brasília, para obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica e Cultura.
Dissertação aprovada por:
_________________________________________________
Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa
(Presidente)
_________________________________________________
Profa. Dra. Julia Sursis Nobre Ferro Bucher Maluschke
(Membro)
_________________________________________________
Profa. Dra. Maria Aparecida Penso
(Membro)
_________________________________________________
Profa. Dra. Maria Fátima Olivier Sudbrack
(Suplente)
BRASÍLIA – DF
2007
4
SUMÁRIO
Agradecimentos
Resumo................................................................................................................i
Abstract................................................................................................................ii
Introdução .........................................................................................................1
Capítulo 1 – Da noção de Sistema à Família Sistêmica.
1 - Contexto do desenvolvimento do pensamento sistêmico....................7
1.1 - O pensamento sistêmico e a saúde mental....................................10
1.2 - A família como conceito moderno: história e definições.................15
1.3 - Definições de família na Teoria Familiar Sistêmica........................20
Capítulo 2 – Todo sistema tem sua estrutura; toda estrutura, suas
características.
2 - A teoria sistêmica e a teoria familiar estrutural..................................25
2.1 - A teoria familiar sistêmica estrutural e seus fundamentos para a
compreensão da família..........................................................................29
2.2 – O sintoma na teoria familiar estrutural...........................................50
2.3 - A intervenção precoce, o sofrimento psíquico grave e o trabalho
com famílias...........................................................................................53
Capítulo 3 – Sobre o olhar e o fazer (n)a pesquisa......................................59
3.1 – Objetivos........................................................................................61
3.1.1 – Objetivo Geral
3.1.2 – Objetivos Específicos
3.2 – Procedimentos.
3.2.1 Início da pesquisa: Submissão e aprovação da pesquisa
em comitê de ética e contato com instituições e famílias
assistidas....................................................................................61
5
3.2.2 – Do contato com as famílias.............................................64
3.2.3 – Sobre a coleta de dados com a família escolhida............65
3.3 – Entrevistas.
3.3.1 – A PANSS..........................................................................67
3.3.2 – O Genograma Familiar e Linha da Vida...........................68
3.3.3 – A Entrevista Familiar Semi-estruturada baseada no
Calgary Family Assessment Model - CFAM.................................69
3.4 – Metodologia de pesquisa e da análise dos dados:
3.4.1 – Estudo de Caso................................................................70
3.4.2 - Análise de Conteúdo.........................................................71
4 – Resultados e Discussão............................................................................75
4.1 - A PANSS, os sintomas e o sofrimento identificado na família.......75
4.2 – Genograma familiar e apresentação dos familiares......................80
4.3 – A linha da Vida Familiar e Mudanças no Ciclo de Vida Familiar.102
4.4 – Análise de conteúdo das entrevistas – A estrutura familiar.........114
5 – Considerações finais ..............................................................................133
6 – Bibliografía...............................................................................................144
7 Anexos…..……………………………………………………...………………149
1. Classificações Diagnósticas da CID-10 utilizadas..................................150
2. Termo de consentimento livre e esclarecido..........................................153
3. Entrevista semi-estruturada....................................................................156
4. PANSS...................................................................................................163
6
Agradecimentos
Fase emocionante e gratificante da escrita e da vida em si. Quero agradecer desde
a todas as pessoas que fazem parte de meu caminho até aqui e adiante. Por serem
parte do que me faz continuar investindo e sonhando.
Agradeço:
À força maior, que nos ilumina os caminhos e os corações. A Deus, à vida, que com
seus mistérios, nos faz evoluir.
À minha família toda, que como dizia um anjo, traz consigo a vingança dos
cromossomos. Vocês me ensinam a amar, com seu apoio, suas críticas, seu colo, seu
carinho e sua persistência e dedicação, apesar da distância geográfica. Em especial
agradeço:
A meus pais: Marco Antônio e Carmen. Grandes mestres, que me ensinaram acima de
tudo o amor, o respeito, incitando a curiosidade pelo mundo e acompanhando meus
passos sempre com muito carinho e apoio;
A meus irmãos Ricardo, Carlos e Marquinho; à Kátia e família, e a meus sobrinhos,
reforçando a noção de que vínculos de amor se mantêm pela dedicação e pelo afeto.
E que a saudade é dada a quem ama;
À minha tia Ana, por fomentar a busca pelo conhecimento e por todo o respeito, o
carinho e apoio sempre;
À Tia Dinda, Tânia e Karina, carinhos sempre;
À Fips que me acompanha com sua fidelidade canina e me enche de afeto, me
acolhendo sem críticas;
A meus anjos que me ensinam o amor e que me acompanham sempre, estejam onde
estiverem: Na, Quindim, Ramón e Angelina;
São meus exemplos eternos.
Ao Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa, meu mestre, orientador e amigo, por tantos
caminhos percorridos desde a graduação até agora (e no futuro), por participar de
minha formação profissional, acadêmica e pessoal. Pela paciência, por apostar em
mim, por ensinar e ter o carinho, a dedicação, o tempo, o amor, o respeito pelo outro e
por nós mesmos.
Às Profas. Dras. Fátima Sudbrack, Izabel Tafuri, Maria Cláudia Oliveira, Deise Matos,
Marisa Brito, Sandra Francesca e Kátia Brasil. Vocês são exemplos de carinho, força e
dedicação ao trabalho.
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Às pessoas que foram atendidas pelo GIPSI, por mim e por colegas. Em especial à
família que participou desta pesquisa, pelo carinho, por me angustiarem, me fazerem
crescer pessoal e profissionalmente, por me provocarem questionamentos, que me
levam à busca por conhecimento e por possibilitarem este trabalho.
* Durante a revisão final pós-defesa deste trabalho, Donato sofreu um enfarto fulminante e eu
gostaria de fazer um agradecimento especial a ele e sua família, novamente. Na falta de
palavras ou formas sintéticas de expressar meu carinho e meu agradecimento, desejo luz nos
caminhos de todos, para que o falte força nunca. Esta família, além de tudo, será sempre
exemplo.
A meus amigos de risos e de lágrimas por compartilharem caminhos e serem sempre
força (e paciência, nesta fase). Em especial, em ordem alfabética (como forma de
evitar conflitos): Daniel (Carvalho e Gaio), Daniela, Delano, Décio, Diego, Emília,
Enrique, Everson, Fabinho, Fabíola, Guilherme, Giu e família, Igor, Joe, Johnson,
Karina, Lemos, Letícia, Luciana, Marcela, Márcia e família, Marília, Marina e Mik (que
além de tudo, fazem análise de conteúdo!), Mel, Pedro, Silvinho e família, Tatiana
Yokoy, Thiago, Vilma, Yuri, Wainer e a todas as demais pessoas que às vezes sem
saber, me ajudam a continuar sonhando! À todos os demais amigos de amor à musica
(e a roda de samba), à poesia e à vida, meus amigos de aprendizado, meus amigos
de sempre!
Ao grupo GIPSI, em especial: à Maviane, colega de angustias e paixão pela profissão;
à Nerícia por ser tão amiga sempre, ser exemplo de persistência e também fazer
análise de conteúdo; à Elisa por todo seu carinho; à Luciana e Otoniel pelo
compartilhar também neste processo com a família estudada; ao Enrique por todo seu
afeto; a meus transcritores de entrevistas e ao grupo em sua história, por comigo
compartilhar o amor e respeito a clínica.
Ao programa de Pós Graduação em Psicologia e ao Programa de Pós Graduação em
Psicologia Clinica e Cultura que com sua existência e em especial, com professores e
funcionários, possibilitaram este caminho acadêmico. Aos funcionários do IP e do
CAEP, em especial à Regina, Edna, Flávia, Djene e Basílio.
À Secretaria de Saúde do Distrito Federal, ao HSVP e ao ISM por viabilizarem minha
coleta de dados. Em especial, agradeço à Graciane e a Anunciação, exemplos de
dedicação, por toda a disponibilidade.
Ao CNPq e à CAPES pelo fomento de meu curso de pós graduação.
O meu sincero MUITO OBRIGADA!!!
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¿Como puede un hombre hacer del mundo externo un hogar?
¿Cómo y en qué forma debe luchar, qué debe buscar cambiar y superar dentro y
fuera de sí para encontrar la seguridad, el ambiente de amor, la tranquilidad del alma, el
sentido de identidad y honor, que todos los hombres han conectado en sus recuerdos con
la idea de familia?
(Arthur Miller)
i
Resumo
O presente estudo objetiva investigar a organização estrutural de um
sistema familiar com um ou mais membros em sofrimento psíquico grave, de
forma a conhecer este sofrimento e sua função sistêmica. Para tal,
fundamentamo-nos na teoria familiar sistêmica estrutural e executamos uma
pesquisa qualitativa de estudo de caso junto à uma família assistida por
unidade de atenção à saúde mental do Distrito Federal. Após levantamento de
dados em prontuário e contato inicial com a família, foram realizadas
entrevistas para levantamento de dados da linha da vida familiar, genograma e
de entrevista semi-estruturada voltadas a conhecer a estrutura familiar e
aplicou-se a PANSS para reconhecimento de sintomas positivos e negativos do
paciente identificado. Utilizamos a análise qualitativa e a análise de conteúdo
das entrevistas para tratamento dos dados coletados. Assim, descrevemos
neste trabalho a forma de estabelecimento do sofrimento psíquico grave
identificado na família pesquisada, a estrutura familiar e a organização do
sistema familiar em relação ao sintoma estabelecido e observamos a
importância do trabalho terapêutico com famílias e a aplicabilidade prática dos
preceitos teóricos utilizados como fundamentos para nosso estudo. Sugerimos
e justificamos a implementação de políticas públicas de intervenção que sejam
além de precoces, capazes de lidar com a organização familiar sistêmica onde
se estabelece o sofrimento e que não sejam voltadas apenas à orientação das
famílias, como tem sido preconizado atualmente nos trabalhos em saúde
mental.
Palavras Chave: saúde mental; estrutura familiar; sofrimento psíquico grave;
sistemas.
ii
Abstract
The current study aims to investigate the structural organization of a
familiar system constituted by one or more individuals in acute psychic
suffering, in such a manner as to allow cognizance of this suffering and its
systemic function. To achieve this, we have based ourselves on structural
systemic familiar theory and undertook a case-study qualitative research with
one family that is assisted by a mental healthcare unit in Distrito Federal,
Brasília, Brazil. Following data collection in record and initial contact with the
family, interviews were conducted, in order to provide information regarding the
familiar life line, genogram and a semi-structured interview, aiming the attaining
of knowledge regarding the family structure as PANSS was employed to
determine positive and negative symptoms of the identified patient. Qualitative
and content analyses of the interviews were utilized to process the collected
data. Thus, a description is made, within this work, of the form through which
acute psychic suffering is established, as identified in the researched family, of
the familiar structure and the organization of such a familiar structure in regard
to the established symptom. The relevance of therapeutic work with families
and the practical applicability of theoretical precepts herein employed as basis
to the development of the work were observed. Suggestions and justifications
are made, considering the implementation of public policies, not only ones that
encompass early intervention, as well as ones that might be rendered capable
of dealing with systemic familiar organization, where the suffering is originated,
but also ones that don not exclusively involve family guidance, as currently
professed in the field of mental healthcare.
Keywords: mental health; familiar structure; acute psychic suffering; systems.
1
Introdução
Diversos estudos sobre as formas de apresentação do sofrimento
psíquico grave são desenvolvidos em busca de aprimorar as formas de
identificação e de intervenção (Carvalho, 2006; Chen, 1999; Costa, 1999;
Costa, 2003; Costa, 2006; Eaton et al., 1995; McGorry, 1997). Parte-se da
releitura das formas de compreensão do desencadeamento, do
estabelecimento e da evolução do sofrimento e chega-se a novas formas de
trabalho junto à comunidade como um todo e junto aos pacientes e suas
famílias na busca de intervenções não moldadas ao antigo modelo manicomial
e de trabalho com quadros crônicos.
Os objetivos deste estudo encontram-se em consonância com as
recomendações do relatório mundial da OMS (2003), segundo o qual as
políticas a serem formuladas devem se embasar em informações atualizadas e
adequadas à comunidade, a indicadores de saúde mental, intervenções,
estratégias de prevenção e promoção de recursos para a saúde mental. Com
este trabalho pretendemos possibilitar a reflexão sobre as formas de
intervenção junto aos pacientes e às famílias, podendo esta reflexão ser
também promotora de recursos para a saúde mental.
Baseando-se na teoria familiar sistêmica, pode-se entender que o
sofrimento psíquico grave não se estabelece apenas na pessoa do sujeito
identificado; diz de um “sofrimento sistêmico”, que se estende e está presente
entre os membros que fazem parte desse sistema chamado família. Segundo
Minuchin (1990a), quando a família identifica um de seus membros como o
portador dos sintomas, ou ainda “o paciente”, pode-se pressupor que os
sintomas assumam o lugar de recurso de manutenção do sistema ou ainda um
recurso do “sistema mantido”.
2
Assim, conhecer as estruturas familiares que apresentam sofrimento
psíquico grave identificado em um de seus membros deve possibilitar
intervenções e elaborações psicoterápicas conseqüentes junto a estas famílias.
Alguns estudos na área (Andolfi 1981; Ausloos, 1998; Carvalho, 2006; Costa,
1999; Costa, 2003; Costa, 2006; Minuchin, 1990a e 1990b; Palazzoli e cols.
1998) têm demonstrado que os sistemas familiares apresentam características
e dinâmicas que interferem na forma de lidar com problemas ou demandas
psicológicas. Desta forma, papéis, funções, formas de comunicação e relações
entre outros fatores constituintes da estrutura familiar são assumidos dentro de
tal sistema e servirão para manter, estabelecer, identificar e/ou lidar com o
sofrimento.
A teoria familiar sistêmica estrutural considera que a família possui
padrões e uma organização relativa às relações e comportamentos que
permitem a observação das estruturas e que possibilitam a visão sistêmica dos
acontecimentos entre os indivíduos formadores deste. Segundo esta teoria, as
configurações familiares deverão ser observadas, estando o terapeuta atento
às distâncias e fronteiras do sistema, sendo o sintoma compreendido como
“marco” de uma estrutura disfuncional a ser remodelada (Goldenberg-
Merenfield, em Elkaim, 1988). O foco deste trabalho é o conhecimento da
estrutura familiar e da crise psicótica entendida como sofrimento psíquico
grave, inserida no contexto familiar do paciente identificado, em busca de
compreender o sofrimento em seu contexto. Conforme discutido a seguir,
compreendemos o sofrimento psíquico grave como desestruturador do sujeito e
parte do funcionamento e da estrutura familiar da qual participa o sujeito
identificado como portador do sintoma.
3
Em função da possibilidade de trabalho com a estrutura familiar torna-se
possível desenvolver formas de atuação que permitam uma melhor
compreensão das famílias e, por conseguinte, um aperfeiçoamento dos
serviços de atenção à saúde. Estes podem ser viabilizados pelo
aperfeiçoamento da identificação precoce de crises, bem como a intervenção
junto a um sistema complexo marcado por interações que influenciaram na
ocorrência da crise.
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde de 2001, os
esforços de pesquisa devem se voltar ao aperfeiçoamento das formas de
detecção de riscos em etapas precoces ou antes de manifestações iniciais de
quadros de esquizofrenia, estando de acordo com os trabalhos na área de
intervenção precoce.
A identificação de sinais prodrômicos (sinais que possibilitam vislumbrar
um estado de risco a crises do tipo psicóticas) ou de uma primeira crise do tipo
psicótica, e a busca por serviços psicossociais, possibilitam a intervenção
precoce que pode resultar na não deterioração biológica, social e psicológica
decorrentes nos primeiros anos seguintes ao início de quadros transtorno
psicótico, como ressalta Birchwood (1992, em McGorry, 1997).
Segundo Costa (2006), atualmente o potencial da psicoterapia em
aumentar respostas às intervenções farmacológicas e em promover a
recuperação, assim como a não cronificação de quadros de sofrimento
psíquico grave, é cada vez mais aceito e comprovado. Assim, Costa (2006)
propõe a compreensão da intervenção precoce como proposta terapêutica ou
de ações como intervenções medicamentosas, psicológicas e relacionais,
implementadas de forma imediata em primeiras crises de sofrimento psíquico
grave, seja ele neurótico ou psicótico, por trabalharem com sinais e sintomas
4
de elevado nível de angústia, independente da estrutura com a qual se
trabalha.
Ainda ao tratar do sofrimento psíquico grave, considerando o sintoma
como inserido em um sistema maior, para além do sujeito, é indispensável não
deixar de compreender o sofrimento do sujeito em si, um dos elementos que
funciona como porta voz do funcionamento sistêmico. O trabalho de
intervenção busca, além da não cronificação do quadro de sofrimento, o
trabalho com o sofrimento existente, por si demandante de atenção
especializada e multidisciplinar.
Assim, compreender o sofrimento e a estrutura familiar em sua
complexidade, além de possibilitar o aprimoramento de intervenções precoces,
é mais uma forma de atuar junto aos sujeitos, levando a um trabalho em saúde
mental inserido no contexto pessoal, familiar e social.
Pesquisas que coadunem o pensamento sistêmico ao trabalho de
intervenção precoce vêm sendo desenvolvidas recentemente. Em nosso
levantamento bibliográfico foi possível perceber a carência de pesquisas e
trabalhos que compreendam o trabalho familiar para além da orientação e
apoio às famílias por parte de equipes que intervêm em quadros de sofrimento
psíquico grave. Não pormenorizamos os trabalhos com as características
supracitadas, porém, propomos a intervenção familiar de cunho terapêutico,
justificada pela concepção teórica familiar sistêmica a respeito da função e do
lugar do sintoma.
Temos como proposta a partir deste estudo de caso, verificar a
aplicabilidade da teoria familiar já elaborada sobre o sofrimento mental na
família, associando tal fator à realidade sociocultural da qual participamos, com
5
o foco na possibilidade de desenvolvimento de formas de intervenção
adaptadas à nossa realidade de serviços de saúde disponíveis.
Organizamos o presente estudo da seguinte forma:
O primeiro capítulo trata da noção de sistema, do desenvolvimento do
pensamento sistêmico e da teoria familiar sistêmica. Para tal, trazemos uma
perspectiva histórica do desenvolvimento do pensamento sistêmico nas
ciências, sua relevância na construção de teoria familiar e alguns conceitos
utilizados pelos teóricos familiares sistêmicos. Assim, chegamos à temática da
saúde mental pela ótica sistêmica, apresentamos conceitos e a história da
atuação clínica na área da saúde mental, dos terapeutas familiares que
desenvolveram a teoria familiar sistêmica. Fazemos ainda uma revisão do
conceito de família, de maneira a fundamentar nossa discussão a respeito
desta, partindo da forma de compreensão deste grupo social que chamamos
de família. Chegamos então às definições de família para a teoria familiar
sistêmica como forma de possibilitar uma reflexão sobre o conceito e delimitar
nossa compreensão do termo família.
O segundo capítulo trata da estrutura familiar enquanto conceito da teoria
familiar sistêmica. Procuramos traçar uma perspectiva histórica do
desenvolvimento da noção de estrutura familiar, os conceitos sistêmicos
aplicados às concepções teóricas sobre família e os fundamentos para a
compreensão da família enquanto célula social. Neste capítulo são
apresentados os elementos que consideramos como partes da estrutura
familiar a serem observados, propostos pela teoria familiar estrutural e pelo
Calgary Family Assessment Model, bases para nossa compreensão do sistema
familiar estudado. Para finalizar, apresentamos como a teoria familiar estrutural
6
entende o sintoma e como esta compreensão é utilizada por nós em nosso
trabalho.
O terceiro capítulo é dedicado à metodologia. Neste fazemos uma
apresentação do conceito de pesquisa qualitativa, sua cientificidade e a
observância de seus fatores constitutivos. Apresentamos também nossos
objetivos e os procedimentos adotados em nossa pesquisa, desde a submissão
do projeto de pesquisa ao comitê de ética até o contato com a família
estudada. Apresentamos os instrumentos de coleta de dados utilizados e a
metodologia de pesquisa e análise de dados, sendo respectivamente o estudo
de caso e a análise de conteúdo.
No quarto capítulo, apresentamos os resultados e a discussão de nossa
pesquisa. Trata-se da apresentação de uma família e da discussão resultante
da análise dos dados coletados com a teoria que fundamenta nosso estudo.
O quinto capítulo é dedicado à conclusão de nosso trabalho, tratando
também das limitações da pesquisa realizada, observações sobre o tema e
sugestões de trabalhos e pesquisas na área.
7
Capítulo 1 – Da noção de Sistema à Família Sistêmica.
“Apenas o homem aspira ser
as duas coisas ao mesmo tempo
– um solitário social”
J. Bronowski
1 - Contexto do desenvolvimento do pensamento sistêmico
Os acontecimentos sócio-culturais e econômicos que marcaram a
primeira metade do século passado, tais como as duas grandes guerras, a
depressão financeira decorrente destas, o início da guerra fria associada a
seus princípios ideológicos e mudanças filosóficas nas quais estas se
fundamentavam, assim como as mudanças sociais, ampliaram os
questionamentos sobre a influência dos contextos sobre os indivíduos.
À época do desenvolvimento das teorias familiares na perspectiva
psicológica, a mudança de paradigmas na saúde mental e na compreensão de
homem mostrou-se marcante em diversos campos do pensamento científico.
Houve uma transformação do pensamento reducionista fundamentado em
concepções intrapsíquicas e explanatórias, para um pensamento centrado em
idéias e formas de compreensão de caráter psicossocial, contextual e
sistêmico.
No final da década de 40, Norbert Wiener (citado em Sluzki, 1997)
formulou o modelo cibernético, centrado nos processos de controle de
informação os quais permitem uma regulação interna dos processos dos
organismos vivos, máquinas e estruturas sociais, tendo como ponto principal a
noção de “retroalimentação negativa” (feedback negativo), a qual possibilita
descrever e ou explicar processos de neutralização ou correção dos desvios do
8
sistema para além do equilíbrio (Sluzki, 1997, pág. 128). Tal modelo afetou
diversas áreas do meio científico, refletindo diretamente nas fundamentações
teóricas e filosóficas do pensamento sistêmico como um todo.
A partir da reivindicação da noção de retroalimentação positiva na
formulação teórica cibernética, dez anos após a proposta do modelo inicial,
esse foi enriquecido pela noção de existência de movimentos sistêmicos que
possibilitam mudanças que vão além dos parâmetros e do equilíbrio original,
em direção à desestabilização.
O argumento principal para a compreensão dos sistemas apontava para a
necessidade de considerar os processos que favorecem o desequilíbrio, na
busca de uma nova adaptação do sistema às circunstâncias e ao crescimento,
além dos que levam a manutenção da homeostase. A retroalimentação positiva
envolve mudanças qualitativas presentes além das fronteiras de parâmetros
prévios dos sistemas, mudanças que requerem desvios dos processos em
suas formas originais, chegando então a novos limiares e atingindo “novos
níveis de equilíbrio”. Esta inovação teórica provoca a implementação do
conceito de cibernética de primeira ordem ou “cibernética dos sistemas
observados” pela noção de equilíbrio flutuante dos sistemas, qual seja, a busca
pelo equilíbrio homeostático anterior do sistema e ao mesmo tempo, a
capacidade de inovações dentro do sistema para um estado diferente do
anterior.
Acontece, então, segundo Sluzki (1997), um novo salto evolutivo no
modelo cibernético, por intermédio dos questionamentos sobre a realidade
desencadeados pela formulação da física quântica, que propõe a inexistência
de uma descrição objetiva da realidade, pelo fato do observador organizar o
observado e a observação afetar o observador.
9
Vasconcelos (1995) afirma que “a realidade existe a partir da pergunta
do observador sobre ela”. Responder a tal pergunta seria então a principal
atividade científica. Os desenvolvimentos provocados por tais postulados da
física, com a problemática do olhar da cibernética sobre si mesma, levaram a
uma análise cibernética da relação observador-observado que fundamenta a
chamada cibernética de segunda ordem ou “cibernética dos sistemas
observantes”.
A ciência, ao adotar a visão sistêmica do contexto e das interações das
partes que o constituem, depara-se com problemas da “complexidade
organizada” (Von Bertalanffy, 1967, em Vasconcelos, 1995). A noção de
sistema surge, então, ocupando o lugar de conceito fundamental para a
investigação científica. Este conceito leva ao não mais isolamento dos
fenômenos, abrangendo unidades de estudo cada vez mais amplas, buscando
a compreensão do fenômeno em seu contexto. A proposta de novas formas de
investigação dos sistemas leva ao desenvolvimento de diferentes áreas
complementares do conhecimento científico (Vasconcelos, 1995, pág. 73), com
destaques para as teorias das “ciências dos sistemas”, a saber: as concepções
funcionalistas utilizadas por antropólogos na época e a antropologia estrutural
de Lèvi-Strauss, a teoria da informação de Shannon, a lingüística de Korzybski,
a teoria dos jogos, assim como a teoria geral dos sistemas do biólogo Ludwig
Von Bertalanffy. Todas estas influenciaram de forma marcante a ciência e os
terapeutas familiares, ao relacionarem funções a contextos e ao trabalharem a
idéia de relação entre as partes, sendo constituintes do chamado “pensamento
sistêmico”, tendo como características comuns o estudo dos problemas da
interação, da organização, da regulação, das escolhas e das metas.
Assim, Von Bertalanffy (1977) define sistema como:
10
O conjunto de elementos colocados em interação, não sendo
constituído, portanto, por partes independentes, mas, antes,
por partes interdependentes, o que constitui uma unidade
ampla, inteira. As ações e comportamentos de um dos
membros influenciam e simultaneamente são influenciados
pelos comportamentos dos outros (pág. 86).
Von Bertalanffy refere-se às retroações negativas enquanto processos
que objetivam a condução à norma, dos diferentes elementos do sistema
(Elkaïm, 1998), entre outros postulados e reflexões sobre sistemas que foram
adotados como fundamentos da teoria familiar sistêmica e que serão
abordados de forma mais detalhada nos próximos capítulos deste trabalho.
1.1 - O pensamento sistêmico e a saúde mental.
A teoria familiar sistêmica, surgida nos Estados Unidos, na década de 50,
apresenta ao menos uma característica bastante incomum às demais
abordagens psicoterapêuticas da época. Seu desenvolvimento se dá a partir de
teóricos que não se conheciam previamente e que, por motivos diversos,
influenciados pelas mudanças epistemológicas da época, iniciam investigações
a respeito das famílias e funcionamentos das mesmas sobre a saúde mental e
a formação dos indivíduos.
Inspirados na noção de sistemas e de contextos, os teóricos do início do
pensamento sistêmico compararam as famílias a sistemas abertos em estado
de equilíbrio e os sintomas a comportamentos de retroação negativa, na busca
da preservação ou proteção de um estado anterior não funcional ou
existente.
11
Bateson, um dos teóricos seminais da teoria familiar, eleva a cibernética
ao status de epistemologia” (Dell, 1985 em Vasconcelos, 1995, pág. 31). A
cibernética como ciência da organização e dos padrões de relação afirma sua
importância para o pensamento sistêmico ao se verificar que este compreende
o sofrimento e os eventos com o foco não mais nos indivíduos, mas sim, em
suas relações.
No contexto histórico do surgimento da teoria familiar sistêmica, a
psicanálise se estabelecia de forma marcante nos Estados Unidos, sendo a
“porta para as terapias ativas” (Elkaïm, 1998), demonstrando a ineficiência da
psiquiatria biológica descritiva com finalidade diagnóstica. Houve, no entanto,
um encontro dos terapeutas da época com as limitações do modelo
psicanalítico. Ainda ao considerar a importância de Freud, ao possibilitar uma
compreensão profunda do mundo intrapsíquico do indivíduo, a concepção de
indivíduo como sistema fechado associada à recusa psicanalítica em fazer as
famílias participarem do tratamento estabeleceram uma prática de não incluir
as famílias na maior parte das formas de tratamento propostas pela psicanálise
em sua fase inicial, a não ser para orientações a pais em casos específicos
(Framo, 1976).
Diversos terapeutas reavaliaram o principio de exclusão inicial das
famílias, quando perceberam que, ao tratarem de um indivíduo, uma parte
do problema total permanecia invisível. Muitas vezes o paciente identificado era
quem fazia progressos que perduravam, enquanto sua família permanecia sem
mudanças e, em diversos casos, as terapias individuais ruíam, por conteúdos
emocionais primordiais ficarem fora do tratamento (Framo, 1976).
Ainda neste contexto histórico, social e científico, terapeutas que viriam a
se destacar enquanto desencadeadores do pensamento da teoria familiar
12
sistêmica como Don D. H. Jackson e Jay Haley (citados em Elkaïm, 1998), na
década de 50 enfatizavam a observância de que a melhoria de estados de
saúde de algum membro familiar, em alguns casos, poderia coexistir com o
surgimento de algum outro problema afetando outro membro da família, uma
suposta circulação do sintoma dentro do mesmo sistema.
À mesma época, S. Fischer e D. Mendell (em Elkaïm, 1998) constataram
a relação contrária, de melhoria em cadeia, havendo mudanças no sistema
familiar com a evolução terapêutica de um de seus membros, em atendimento.
Essas verificações elevaram a um lugar de destaque as relações possíveis
entre a problemática do indivíduo (o sintoma) e a do conjunto que viria
posteriormente a ser identificado enquanto sistema familiar.
Sobre o sintoma, a teoria familiar destaca a passagem da noção de
doença à de sintoma, proposta pelo enfoque freudiano de uma nova dimensão
que desaloja o conhecido enquanto síndrome ou doença para a compreensão
das marcas de processos estruturais da personalidade. Neste sentido, a
esquizofrenia transforma-se em signo para a terapia familiar; é vista, então,
como um sintoma de uma estrutura familiar particular (Miermont, 1994).
Costa (2003) destaca os trabalhos de Wynne e cols. (1992), ao discutir a
ênfase dos trabalhos de terapeutas familiares sobre o conceito de doença,
sendo esta compreendida em “uma narrativa colocada em um contexto bio-
psico-social”. Desta forma, há uma busca dos terapeutas familiares em sair das
discussões sobre modelos causais e partir para uma concepção de
compartilhamento de responsabilidades em buscar soluções. A doença passa a
ser vista para além do espaço pessoal, tornando-se verificável enquanto
experiência com significados compartilhados, negociáveis e compreendidos de
forma transacional, comunicativos e sociais.
13
Alguns motivos enumerados por Costa (2003, pág. 77) que justificam a
rejeição do conceito de doença pelos terapeutas familiares, segundo Wynne,
são:
1 - A visão dos terapeutas sistêmicos da doença enquanto parte do
paradigma médico-biológico restritivo, o qual é contrastado pelos terapeutas
familiares com as concepções ecossistêmicas e de contexto relacional
transacional.
2 - A ênfase do foco na doença visto enquanto erro clínico ao negligenciar
“o cuidado e as habilidades adaptáveis , os meios e os recursos dos indivíduos
e das famílias”.
3 - A compreensão do conceito de doença como propondo um “modelo
causal defeituoso”. Segundo Costa (2003) as discordâncias a respeito das
hipóteses da etiologia biológica e psicológica da doença esquizofrenia
tornaram-se freqüentes entre os teóricos familiares desde os anos 50. No
início, a etiologia da doença era vista como fortemente ligada a uma
comunicação familiar patogênica. Este modelo causal, ainda segundo Costa
(2003, pág. 77), foi rapidamente identificado como unidirecional, sendo
substituído por noções de causalidade circular e processos “familiares”
cibernéticos.
4 - A noção de doença como fator inerentemente estigmatizante. A
identificação de alguém como doente, destacando-se a doença mental, pode
aumentar as dificuldades de obter apoios (no processo terapêutico) e alcançar
mudanças junto aos pacientes.
Sintoma, do grego, significa literalmente, o que cai com. É ligado ao
patogênico, porém não contem em si a causalidade deste. O sintoma diz de
algo patogênico (Miermont, 1994). Pode-se perceber na etimologia da palavra
14
sintoma, seu sentido para a teoria familiar e assim a passagem da noção de
doença para a de sintoma.
Assim, considerando o sintoma no enfoque proposto pela compreensão
psicológica com aspectos intrapsíquicos e relacionais, é possível definir
sintoma de diferentes formas, segundo Miermont (1994, g. 507), a saber: 1 -
o sintoma como um problema, vivenciado enquanto problema, ligado à uma
doença ou causa patogênica e que deve ser apagado ou sua causa deve ser
suprimida. A causa e o sintoma possuem uma circularidade em planos
analógicos; 2 - sintoma como mensagem, tendo efeito sobre uma relação.
Neste caso os elementos ligados ao sintoma são ao mesmo tempo causas de
sintoma e sintomas de alguma causa patogênica; 3 - o sintoma com a função
de solução para o sistema ou presente no sistema. Aqui se identifica o sintoma
e sua causa como elementos característicos de uma solução presente no
sistema ou enquanto solução elaborada pelos membros do sistema e suas
relações. Neste caso, a solução está ligada a uma identificação da rigidez do
funcionamento sistêmico frente às mudanças possíveis.
Como se pode notar na a história do desenvolvimento da teoria familiar
sistêmica, a compreensão do sofrimento enquanto sintoma sistêmico torna-se
fundamental ao examinarmos que o desencadeamento do interesse pelo
estudo e a elaboração de uma proposta de terapia familiar surge a partir de
trabalhos de terapeutas da área de saúde mental. Zuk e Rubinstein (1976),
citados por Costa (2003), fazem uma revisão dos autores da teoria familiar e
destacam o trabalho de Jackson e Satir sobre fatores de suposto interesse
determinante no tratamento da esquizofrenia pela família. Destacam a
importância da influencia dos estudos psicológicos e sociológicos sobre
15
diferenças de incidência da esquizofrenia entre grupos sociais, étnicos, e
culturais em geral, nos Estados Unidos.
Também o trabalho de Sullivan, citado em Zuk e Rubinstein, destaca a
influência dos problemas “concorrentes” nas vidas dos pacientes. O texto
clássico na área de família, “Toward a theory of schizophrenia”, publicado em
1956 por Bateson, Jackson, Haley e Weakland, propõe o conceito de Duplo
Vínculo discute pesquisas sobre as influências familiares da esquizofrenia
(Costa, 2003, g. 185). Este trabalho sobre a esquizofrenia tornou-se um
clássico que se destaca na história da teoria familiar sistêmica e resulta de
trabalhos e elaborações no campo da saúde mental.
Tais trabalhos são exemplos do constante interesse pela família enquanto
contexto, assim como marcam e o inicio da teoria familiar sistêmica entre
terapeutas da área da saúde mental e dão destaque ao trabalho com pacientes
em quadros diagnosticados como esquizofrenia.
1.2 - A família como conceito moderno: história e definições.
Ao tratar do termo família para designar um grupo social, tenha a
configuração que tiver, torna-se importante revisar a história do uso do conceito
para contextualizar as mais diferentes definições de família utilizadas
atualmente no ocidente. Consideremos que diferenças nos contextos sociais
levam a novos delineamentos do grupo que denominamos família (Passos,
2005). Até meados do século XVIII não havia um contexto de recolhimento da
relação sujeito-grupo familiar a um espaço privativo e, portanto, não existia a
associação das relações afetivas enquanto configuração integrante da família.
Na Europa, a organização de uma família nuclear fundamentada no afeto
e unida em torno da criança surge no final do século XVII início do século XVIII,
16
segundo Ariès (1981). Antes destas mudanças, que caracterizam o processo
de identificação do “sentimento de família” e que se estrutura no mesmo
momento da possibilidade do estabelecimento de um “sentimento de infância”
(Ariès, 1981, pág. 210), o grupo social relacionava-se no mundo público de
forma análoga. Não havia uma diferenciação da relação entre crianças e
adultos de uma família e sua relação com as demais pessoas da sociedade,
não havia uma distinção clara entre os investimentos afetivos entre os
membros de uma família e entre demais convivas da comunidade (Passos,
2005, pág. 15).
A família anterior a este período histórico pode ser considerada como tal
ao se desvincular da noção de linhagem. Segundo Flandrin citado por
Ponciano (2002), é possível abordar o conceito de família anterior ao século
XVIII, ao compreendê-la para além do “trio pai-mãe-filhos” e considerando
ajuntamentos relacionados à linhagem (parentesco e afins) e à “domesticidade”
(compartilhamento de refeições, divisões do espaço interno, governo da
família, regras morais e rituais, por exemplo).
Neste sentido, notamos o surgimento da noção de compartilhamento de
um mesmo espaço por um grupo específico como sendo um dos determinantes
do grupo família, que ocupa um lugar fundamental junto às ligações afetivas
entre os sujeitos deste grupo na sociedade moderna ocidental. De acordo com
Passos (2005):
Foi só com o recolhimento dos membros de uma família
com laços biológicos a uma casa com espaços de
convivência delimitados que passou a existir privacidade,
troca entre os sujeitos e (...) o surgimento da noção de
família (pág. 15).
17
A definição de família tem sido objeto de discussão em diversas áreas de
conhecimento como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. Segundo
Costa (2003), ao analisarmos a família através dos tempos, identifica-se uma
determinação constituinte e conflitiva dos seus diferentes parâmetros de
compreensão e definição possíveis, variados conforme as diversas fases
históricas (pág. 85). Para definir que grupo é este, deparamo-nos com a
necessidade da observância das diferentes configurações possíveis na
sociedade em função de características culturais, geográficas e econômicas.
Com a “evolução epistemológica” (Costa, 2003), como referida anteriormente,
houve a possibilidade de discussões no meio científico sobre sistemas e
configurações que desencadearam o aprimoramento do conceito e
acrescentaram elementos fundamentais à compreensão do “fenômeno família”
(pág. 85).
Como exemplos dos parâmetros utilizados historicamente para definir
família, temos os descritos por Flandrin (em Costa, 2003):
- tópico: a domus, a casa, o oikos, o teto;
- simbólico: transmissão do patronímico e/ou matronímico,
filiação;
- dinâmico: as pessoas que vivem junto;
- genético: o parentesco genealógico, por consangüinidade e
aliança;
- econômico: a comunidade de interesses. (pág. 85).
Segundo Canevacci (em Costa, 2003), é atribuído a Morgan, um dos
principais formuladores das terias hipotético-comparativas sobre família, o
mérito de enfatizar a influência social na forma e na estrutura da família e a
distinção entre as diversas organizações e significações possíveis da família
(pág. 79). Para Morgan, a família e seu conceito possuem seis estágios de
desenvolvimento, sendo eles:
18
- Predomínio de um estado selvagem com o comércio sexual sem
obstáculos”;
- Conceito de cônjuges pertencendo uns aos outros (mulher ao homem
e vice-versa). Esta forma de compreensão de família evolui para o conceito de
família consangüínea, havendo o casamento entre irmãos, pertencentes a um
mesmo grupo;
- “Família sindiásmica ou de casal” com casamentos entre casais
individuais, porém não necessariamente havendo coabitação exclusiva. Os
dois cônjuges podiam decidir continuar ou não casados.
- Família fundada pelo casamento de um homem com várias mulheres,
também identificada como família patriarcal.;
- Família monogâmica” fundada pelo casamento de casais exclusivos,
havendo compartilhamento obrigatório da habitação (Costa, 2003, pág. 79).
Esta subdivisão conceitual proposta por Morgan pode ser compreendida
como introdução à questão da origem das famílias. Após estas formulações,
diversas outras formas e tentativas de delineamento teórico das maneiras de
organizações familiares possíveis surgiram nas mais diferentes áreas de
conhecimento científico.
O antropólogo estrutural vi-Strauss (Sluzki, 1997) fez uma revisão
conceitual da família que reflete nas teorias familiares até os dias atuais. Ele
assinala três tipos de relações familiares que participam da estrutura elementar
de parentesco:
1) a relação de consangüinidade (entre irmão e irmã), 2) a
relação de aliança (entre marido e mulher) e 3)a relação de
filiação (entre progenitor e filho) (em Costa, 2003, pág. 82).
19
Na tentativa de conceber a associação de suas elaborações e a questão
da estrutura inconsciente, o grupo familiar é definido por Lévi-Strauss como o
sistema de relações entre duas famílias, fundamentado na regra da proibição
do incesto entre os membros do grupo o qual, na busca de renovação, busca
alianças heterossexuais e ressalta que o termo família serve para designar um
grupo social possuidor de ao menos três características, a saber: 1ª) a origem
do grupo se dá no casamento; 2ª) constituem-no o marido, a esposa e os filhos
provenientes de tal união, embora haja a possibilidade de participação de
outros parentes que se encontrem próximos deste grupo; 3ª) fatores como
laços legais, direitos e obrigações econômicas, religiosas e de outros tipos,
associados aos valores transmitidos de direitos e proibições sexuais e de uma
vasta gama de sentimentos psicológicos. Tais fatores são necessários no
grupo e caracterizam a união entre os membros pertencentes a este.
É importante enfatizar a impossibilidade de uma única definição que
esgote todas as possibilidades de organização do grupo familiar e suas
particularidades. Minuchin (1990, pág. 55) ressalta que a família mudará como
parte dos movimentos de mudança da sociedade. Já para Costa (1999),
O fenômeno chamado família é uma das grandes
manifestações da complexidade humana e, como tal,
definições atualmente limitadas não podem abarcar o
fenômeno como um todo. A teoria sistêmica, no entanto,
procura avançar no sentido dessa complexidade.
Ainda fundamentando o pensamento nas reflexões propostas por Costa
(1999), a tentativa de definir a família enquanto padrão único torna-se
moralizadora, quando assume uma forma através da qual se busca analisar ou
ainda enquadrar as outras em sua definição inicial. Parte-se então para a tarefa
20
de considerar as vinculações íntimas que sejam identificadas como família
dentro de uma unicidade de características e especificidades de cada grupo e
em cada contexto.
1.3 - Definições de família na Teoria Familiar Sistêmica.
Não há, nas teorias familiares, uma única definição para o termo família.
Conceitos e definições da psicologia, da sociologia, legais e morais em nossa
sociedade não podem por si abarcar toda a complexidade de configurações
de família possíveis. Ainda segundo Costa (2003) “as transformações da
família, e, em conseqüência, do ser humano, apontam para a necessidade de
reorganização do direcionamento afetivo dos sujeitos humanos para diferentes
e complexos sistemas de relacionamento” (pág. 87), o que resulta em variadas
configurações do grupo e da estrutura do mesmo, que exerce as funções
familiares para os sujeitos.
Desta feita, diversos teóricos definem família de diferentes formas, não
sendo entre si conflitantes. Na tentativa de verificar diversas possibilidades de
configuração dos grupos familiares, ressaltamos a seguir algumas definições
clássicas de família, presentes na literatura.
Ackerman (1971 em Costa, 2003 pág. 35), um dos precursores da terapia
familiar, define família como a unidade básica de desenvolvimento e
experiência, de realização e fracasso. É ainda, a unidade sica da
enfermidade e da saúde. Para este autor, de leitura psicanalítica e sistêmica, a
família não apresenta nenhuma característica fixa ou imutável a não ser o fato
de estar sempre conosco, não havendo então uma estrutura estática ou
sagrada. A família tem seu funcionamento modelado pela sociedade na busca
de ter uma maior utilidade, sendo os vínculos familiares feitos por meio de
21
combinações de fatores tais como os biológicos, psicológicos, sociais e
econômicos (pág. 36).
Essa célula social é produto de evolução, flexível e adaptável de forma
sutil às influências e mudanças internas e externas que sofre e provoca. Um
grupo familiar estruturado de forma isolada do ambiente não poderia levar suas
funções adiante ou durar muito (Ackerman, 1971 pág. 39). A família tem então,
fundamentalmente, duas funções: ela “assegura a sobrevivência física e
constrói o essencialmente humano do homem” (pág. 39).
Minuchin (1990a), teórico da terapia sistêmica e formulador inicial da
teoria familiar estrutural, delimita dois objetivos das funções familiares: o
interno, de proteção psicossocial de seus membros, e o externo, de
acomodação a uma cultura e de transmissão desta. Sendo a família entendida
como a matriz de identidade, esta “dá a seus membros o cunho de
individualidade”. Segundo este autor, a experiência humana de identidade é
constituída pelo sentido de pertencimento e o de separação ou de ser
separado, enquanto elementos fundamentais (pág. 53).
Considera-se que o grupo familiar, assim como os outros grupos sociais,
é um sistema formado por múltiplos microssistemas em relação dinâmica.
Contemplando três aspectos da teoria sistêmica aplicados à família, Andolfi
(1981) define família e as funções desta para a constituição dos sujeitos que a
formam da seguinte maneira:
a) Sistema que tem o fim de assegurar a continuidade do grupo e o
crescimento psicossocial dos membros que a compõe, estando em constantes
transformações e adaptando-se às diversas exigências de diferentes fases do
ciclo de desenvolvimento do sistema, e às solicitações sociais às quais o grupo
é submetido e se submete numa relação complexa. O processo de
22
continuidade e de crescimento se pelo equilíbrio dinâmico entre duas
funções: tendência homeostática e capacidade de transformação (retroação
negativa e positiva). Selvini (1975, em Andolfi 1981) define a relação dos
agentes reguladores do equilíbrio do sistema (a tendência homeostática e a
capacidade de transformação) como não sendo nem bons nem maus, mas,
sim, como caracteres funcionais.
b) “Família enquanto sistema com regras auto-reguladoras,
desenvolvidas e modificadas pelos movimentos dos componentes do grupo”.
Experimentações do que é e o que deixa de ser permitido nas relações definem
estas e lhes dão estabilidade. A formação do sistema com base nestas
modalidades relacionais próprias permite reformulações e adaptações destas
regras (pág. 23). Trata-se de um sistema de regulação autônoma, reagindo a
tensões originadas por mudanças intrassistêmicas ou interssistêmicas,
exigindo transformações constantes das relações familiares. Estas mudanças
possibilitam a continuidade da família e o crescimento dos membros que a
formam.
c) “Família como sistema aberto em interação com outros sistemas”.
Para Andolfi (1981) relações dialéticas são observadas entre as relações
interfamiliares e o conjunto das relações sociais, havendo um equilíbrio
dinâmico entre estas, condicionando e sendo condicionadas pelas normas e
valores da sociedade. (pág. 25).
Lévi-Strauss, citado em Andolfi (1981), trata da relação do grupo social e
as famílias como um processo dinâmico de tensão e oposição de difícil
equilíbrio, por ter sua localização submetida a variações dependentes da época
e a sociedade.
23
A partir de então, pode-se entender a família como abrangendo algumas
características, independente do nível de configuração vincular que exista. A
repetição e continuidade, a construção de afetos e emoções, da saúde ao
sofrimento desestruturador do sujeito, o sentimento de pertinência, de “eu” e de
existência, assim como o sentido de intimidade e a diferenciação (Costa 2003),
fazem parte da complexidade de interações dos sujeitos constituintes do grupo
familiar e suas relações e, ao mesmo tempo, constituem este grupo.
Costa (2003) destaca:
A família, seja ela qual for, tenha a configuração que tiver, é,
e será, o meio relacional básico para as relações com o
mundo, da norma à transgressão dela, da saúde à patologia,
do amor ao ódio (pág. 87).
Esta deve ser vista como configurada para além de uma relação
obrigatória, caracterizada como uma dentre outras possibilidades de atribuição
de sentido ao sujeito humano.
Deste feita, Costa (1999) propõe a possibilidade de afirmar:
Cada família é uma família na medida em que cria seus
problemas particulares e estrutura suas formas específicas de
lidar uns com os outros, com suas próprias percepções sobre
este universo e com o mundo externo, concreto, além de seus
vínculos (...) não existe a "família" enquanto conceito único
e globalizador, como as definições sociológicas,
antropológicas e mesmo psicológicas pretenderam em
décadas anteriores. (...) Não existem "famílias", mas
configurações vinculares íntimas que dão sentimento de
24
pertença, habitat, ideais, escolhas, fantasmas, limites,
papéis, regras e modos de comunicar que podem (ou não) se
diferenciar das demais relações sociais do indivíduo
humano no mundo.
Assim, ao entender a relevância da família como grupo social complexo,
mutável, constituinte e integrador do grupo social maior enquanto célula social
e sendo a matriz de identidade dos sujeitos, a sua compreensão deve
perpassar a interação com o contexto da qual faz parte para que se possa vê-la
enquanto sistema único.
25
Capítulo 2 Todo sistema tem sua estrutura; toda estrutura, suas
características.
“Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu”.
Mário Quintana.
2 - A Teoria Sistêmica e a teoria familiar estrutural.
A teoria familiar estrutural surge no contexto exposto anteriormente
enquanto alternativa influenciada fundamentalmente pela cibernética, por
elementos da antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss e por práticas de
trabalho com famílias de setores marginais da sociedade. A hipótese inicial
para o desenvolvimento da teoria estrutural era a de que problemas estruturais
de fronteiras entre subsistemas, de equilíbrio organizacional entre outros,
encontrados no funcionamento da família e em seu ambiente social significativo
“constituem o problema” (Sluzki, 1997).
Segundo Minuchin (1990a, pág. 14), a teoria sistêmica como
embasamento teórico de compreensão de relações e de mundo para a teoria
familiar, se mostra como uma das diversas maneiras de conceber o homem
como parte integrante de seu ambiente, que começaram a ocupar lugar nas
ciências no início do século passado. Particularmente, para a compreensão e o
trabalho com famílias, as concepções introduzidas por Von Bertalanffy em 1936
tornaram-se fundamentais para entender a família em sua concepção e
estruturação, assim como para compreender a relação da família com os
sistemas externos, demais células sociais com as quais o sistema familiar
interage.
26
Algumas aplicações da teoria sistêmica à teoria familiar podem ser vistas
em princípios aplicados na teoria familiar estrutural, tais como:
1) O sistema familiar participa de um sistema maior e é composto por
diversos subsistemas. Como visto anteriormente, a família enquanto célula
social trava uma relação de influência mútua com o sistema social do qual
participa. Tanto os subsistemas quando as fronteiras que os delimitam e que
delimitam a família como tal em relação com o sistema social maior, serão
melhor especificados no seguinte item do presente capítulo.
2) A família como um todo é mais do que a soma das partes que a
constituem. Este é o principio da totalidade ou globalidade a partir do qual o
sistema é um todo em integração, não podendo ser reduzido às propriedades
de cada uma das partes articuladas. Assim, conclui-se que a compreensão do
indivíduo é mais facilmente possibilitada ao entendê-lo em seu contexto mais
amplo, prioritariamente em seu contexto familiar (Wright e Leahey, 2005).
3) As mudanças de um dos membros da família afetam a todos os
membros desta. A esta relação denomina-se interdependência das partes do
sistema. Há nesta relação o principio da não linearidade, circularidade ou
ainda, bidirecionalidade, conceitos fundamentais da cibernética aplicados à
teoria sistêmica e à teoria familiar. Ao compreender que relações de multi-
influências entre as partes que constituem o sistema, metodologicamente
torna-se inviável a descrição de um sistema considerando-se apenas as
características de cada um de seus elementos constituintes em separado
(Costa Silva, 2006. Pág. 8).
Entende-se que as mudanças de um dos membros do sistema interferem
no sistema como um todo global, sendo que todos os membros da família são
afetados por tais mudanças e influenciam as mesmas, e desta feita,
27
alterações na organização e no funcionamento da família como um todo
(Wright e Leahey, 2005, pág. 35).
4) O sistema familiar possui a capacidade de criar equilíbrio entre
mudanças e estabilidade. Pelo princípio da busca pela homeostase do sistema
e a possibilidade de mudança (feedback negativo e feedback positivo), pode-se
observar que, enquanto sistema aberto, a família representa uma organização
que pode chegar ao equilíbrio entre as forças que operam internamente e
sobre ele (forças externas) e assim as mudanças e a estabilidade do sistema
possibilitam sua existência enquanto sistema vivo (Von Bertalanffy, 1968 em
Wright e Leahey, 2005, pág. 36). Este fator representa uma busca pela
evolução e de mudanças de acordo com o contexto do qual a família participa.
A estabilidade do sistema, ou homeostase, é mantida pelas regras
presentes no contexto familiar. Segundo Bucher (1985 em Costa Silva, 2006,
pág. 9) “são as regras ou normas estabelecidas pela família que nortearão a
conduta de seus membros”. Assim, as formas de estabelecimento das regras, e
as próprias regras, variam de família para família. Estas estão associadas a
fatores como o contexto sócio-histórico-cultural da família.
5) O funcionamento do sistema e o estabelecimento de regras estão
ligados à história do funcionamento do grupo ao longo do tempo. Ao considerar
a família enquanto matriz de identidade do sujeito (Minuchin, 1990a),
compreende-se que a história passada da família, vivida diretamente por seus
integrantes ou transmitida através de mitos ou mesmo do funcionamento do
grupo como um todo aos indivíduos, influencia na forma de estabelecimento de
relações destes com o mundo no momento presente (Costa Silva, 2006, pág.
9).
28
A teoria familiar estrutural fundamenta-se, ainda, em três axiomas
básicos, considerando a patologia nem interna nem externa à pessoa. Segundo
Minuchin (1990a) a patologia pode encontrar-se no sujeito, no contexto social
do qual este participa ou ainda na relação entre o sujeito e o meio. Assim
sendo, a barreira artificial que separa tais contextos se torna indistinta, levando
à necessidade de novos enfoques psicopatológicos.
O primeiro axioma trata da concepção de indivíduo como possuidor de
uma vida psíquica que vai além de um processo unicamente interno.
processos de influência mútua entre contexto e indivíduo que se em
seqüências de ação recorrentes, sempre levando o todo em conta, ao verificar
que tal relação é sempre complexa.
O segundo axioma refere-se às mudanças possíveis, tanto dos indivíduos
quanto das estruturas familiares e a relação entre elas. O autor coloca que
mudanças no comportamento e nos processos psíquicos internos dos
membros do sistema são influenciadas por mudanças na estrutura familiar
destes membros (pág. 19).
Finalmente, o terceiro axioma diz, por exemplo, da relação do terapeuta
com o sistema familiar. Aqui é possível perceber a influência do pensamento da
cibernética de segunda ordem, de forma clara, como epistemologia da teoria
familiar sistêmica. Trata-se da idéia de que ao trabalhar com uma família, o
comportamento do terapeuta forma parte do contexto, havendo influência
mútua e formando um novo sistema. A este, -se o nome de sistema
terapêutico e é neste que são possíveis estabelecimentos de mudanças nos
comportamentos dos membros e da estrutura como um todo.
29
Estas concepções sistêmicas aplicadas à teoria familiar e aos axiomas
desta, possibilitam verificar a fundamentação utilizada para a concepção de
estrutura familiar e de sistema terapêutico. Assim, viabiliza-se a compreensão
do trabalho com famílias e a importância de conhecer a estrutura familiar para
a atuação junto às mesmas.
2.1 - A teoria familiar sistêmica estrutural e seus fundamentos para a
compreensão da família.
Partindo da formulação inicial da teoria familiar sistêmica de que os
problemas seriam ligados à estrutura e às formas de relação internas e
externas individuais e, portanto, do sistema familiar, desenvolveram-se
metodologias que buscam formalizar as relações entre subsistemas por meio
de traçados de mapas estruturais das relações interpessoais. Essa maneira de
conceber o sistema familiar permite visualizar as relações sistêmicas de forma
mais clara e, através dela, desenvolver formas de modificar as relações
familiares e extra familiares vinculadas a conflitos e sintomas (Sluzki, 1997).
Algumas partes componentes da estrutura familiar como, por exemplo, os
subsistemas, já foram citados no capítulo anterior. Porém, para acessar a
estrutura familiar como um todo, torna-se indispensável conhecer as demais
delimitações e especificidades da estrutura, para a compreensão completa do
mapa estrutural da família. Assim, descreveremos a seguir as estruturas e os
elementos que a compõem, que possibilitam a verificação da estrutura familiar
em trabalhos de pesquisa e terapia com famílias, fundamentados na teoria
familiar estrutural.
30
A divisão feita aqui, dos componentes da estrutura familiar e sua
constituição, foi elaborada para fins didáticos sendo, portanto, apenas uma
forma de visualizar a complexidade de relações e estruturações possíveis. Tal
modelo é proposto pelo Calgary Family Assessment Model (CFAM), o qual se
encontra na quarta edição revisada e que fundamenta as entrevistas realizadas
na coleta de dados deste trabalho. O CFAM é descrito por seus autores (Wright
e Leahey, 2005) como:
um espaço de trabalho integrado e multidimencional baseado
nos sistemas, na cibernética, na comunicação e nas teorias de
fundamentação de mudanças sendo ainda influenciada pelos
pensamento pós-moderno da cognição e da biologia (pág. 57).
Desta feita, o CFAM consiste em três grandes dimensões:
1- Estrutural;
2- Desenvolvimental;
3- Funcional;
A dimensão estrutural é subdividida em estrutura interna e externa, cada
uma com subcategorias, a saber:
Estrutura interna
A estrutura interna pode ser dividida em cinco subcategorias (Wright e
Leahey, 2005), quais sejam:
1. Composição familiar
Refere-se aos membros que compõem a família. Para verificar tal
composição é importante considerar que esta não se limita à família nuclear
31
necessariamente, por não ser esta uma forma que abarque todas as maneiras
de configuração familiar possíveis em nossa sociedade, como dito
anteriormente neste trabalho no item 2 que trata da família, sua história,
definições e a forma de compreendê-la na modernidade.
Conforme exposto, ainda com as mais diferentes configurações possíveis
que existem do grupo familiar, este sempre compartilha atributos afetivos, um
senso de pertencimento e de durabilidade deste entre os membros. Também
faz parte da configuração familiar o elemento transgeracional e afetivo entre os
membros que diz de sua história como família e supõe um futuro do grupo.
2. Gênero
Entende-se que gênero seja o conjunto de características tais como
funções, crenças e ou expectativas sobre experiências femininas e masculinas
(Wright e Leahey, 2005). As crenças que influenciam o sujeito, assim como a
cultura do grupo com o qual a família interage e do qual faz parte, bem como a
religião seguida pelos membros da família, são grandes determinantes das
expectativas e das funções desejadas e ou exercidas pelas pessoas na família,
relacionadas ao gênero.
É importante ressaltar que as questões de gênero não se limitam às
considerações relacionadas à anatomia, sugerindo uma estrutura hierárquica e
de poder presentes na família e fundamentada em valores de referência
(Wright e Leahey, 2005). Compreende-se que as questões ligadas ao gênero
sejam fundamentadas e influenciadas por cultura, religião e crenças familiares
e ainda por classe e orientação sexual dos membros que compõem a família.
Ao compreender o conceito de gênero de maneira amplamente integrada
e até dependente do contexto dos sujeitos, torna-se fundamental a idéia de
verificação, com cada família, da compreensão de gênero presente no grupo
32
familiar, observando ainda se esta compreensão é compartilhada ou não pelos
membros do grupo.
Segundo Wright e Leahey (2005) essa subcategoria inclui orientações
gays, lésbicas, heterossexuais, trangêneros e bissexuais, ao entender o
heterossexismo enquanto visão preconceituosa e excludente das diversas
formas de orientação presentes na sociedade. A observância da maneira como
a família lida com tais questões pode tornar-se fator determinante para a
compreensão da estrutura familiar verificada.
3. Ordem de nascimentos ou ordem de posição
Nesta subcategoria a ordem de posição das pessoas da família é
verificada de acordo com a ordem de nascimento e o gênero. Segundo
McGoldrick e Gerson (1995, em Carter e McGoldrick, 1995), fatores como o
tempo familiar no qual cada nascimento se dá, as características das crianças,
os projetos familiares idealizados e as atitudes parentais com relação às
crianças influenciam a organização familiar e o subsistema fraterno de forma
direta.
Os nascimentos e novas inclusões ao sistema são marcantes no que se
refere ao ciclo de vida familiar. Na utilização da linha da vida e do genograma
familiar, a marca dos nascimentos dos filhos em uma família, ou o momento de
inclusão de um novo membro ao sistema por outras formas como a adoção,
por exemplo, são meios de verificar mudanças nas estruturas do grupo antes e
depois de tais inclusões. Segundo Minuchin (1990a, pág. 68) a absorção de um
novo membro na família envolve a adaptação deste às regras do sistema ao
mesmo tempo em que o sistema antigo deve modificar-se de modo a incluir o
novo membro.
33
4. Subsistemas
Com a compreensão da família enquanto sistema complexo, percebe-se a
existência dos subsistemas que a compõe quais sejam: o subsistema parental,
o fraterno, o pai-filho, entre outros possíveis. Por intermédio destes pode
ocorrer a diferenciação e a família pode levar a cabo suas funções (Minuchin,
1990a. Pág. 58). É importante notar que tais subsistemas, assim como o
sistema familiar maior, sofrem mudanças de acordo com o momento do ciclo
familiar e as necessidades adaptativas do grupo ao contexto e à sua própria
história.
Um mesmo indivíduo pode participar de diferentes subsistemas, tendo
níveis de poder diferenciados em cada sistema. Funções diferentes e o
desenvolvimento de diversas habilidades de acordo com cada subsistema do
qual participa também são características de cada elemento. Segundo
Minuchin (1990a) uma acomodação que possibilita a mutualidade, tornando
viáveis as relações. Para este autor, um treino no processo de manutenção
do ‘eu sou’ diferenciado, resultante da organização dos subsistemas de uma
família. Esta organização também contribui para o exercício de habilidades
interpessoais em diferentes níveis (pág. 58).
Deve-se destacar a importância dos subsistemas e sua verificação para
que se conheça o funcionamento e a estrutura familiar. As configurações
possíveis dos subsistemas, além de serem passíveis de mudanças de acordo
com momentos e ciclos de vida da família, estão ligadas à questões de gênero,
crenças, sexo, geração, interesse, função, história e demais forças que
influenciam o sistema familiar.
34
5. Fronteiras
As delimitações de cada sistema são feitas pelas fronteiras. Estas são as
regras que determinam quem participa do sistema e como é esta participação.
As fronteiras têm como principal papel a proteção da diferenciação do sistema,
ao entender que cada subsistema tem funções e exigências específicas de, ou
para, cada um dos membros que a compõe.
Para que o funcionamento do sistema familiar se de forma apropriada,
as fronteiras dos subsistemas devem ser nítidas. Esta especificidade torna-se
mais importante que a própria composição de tais subsistemas (Minuchin,
1990a), independentemente de quem compõe o subsistema, as regras, as
linhas de responsabilidade e autoridade devem ser claras.
Outra característica das fronteiras é a permeabilidade destas. A nitidez
das fronteiras da família é um bom meio de avaliar o funcionamento familiar.
Minuchin, em seu livro “Famílias funcionamento e tratamento(1990a), cita os
extremos de funcionamento das fronteiras familiares, denominando estes de
emaranhamento e desligamento (pág. 59). Ou seja, funcionamentos de
fronteiras extremamente rígidas ou difusas. Os sistemas que funcionam em
extremos demonstram sobrecarga, no caso das fronteiras rígidas, ou
desligamento dos membros e o identificação das funções do sistema, nos
casos de fronteiras muito difusas.
Estrutura externa
A estrutura externa da família refere-se à conexão dos membros da
família a aqueles externos a ela. São as relações do sistema familiar com o
sistema social maior e outros subsistemas que constituem a chamada família
35
extensa. Para conhecer tais estruturas e suas relações, é possível subdividi-la
em duas categorias:
1. Família extensa.
Inclui a família de origem dos sujeitos que participam da família, a família
de procriação, ou dos filhos, que é composta por casal e filhos e a geração
presente de familiares não consangüíneos. Nesta categoria estão inclusas
pessoas que participam da vida familiar de forma menos intensa que a família
nuclear. Tios, avós, primos, padrinhos, são exemplos de algumas posições de
familiares do sistema maior.
A determinação de posição enquanto família extensa, para além do
vínculo formal existente entre os sujeitos, está ligada à função que as pessoas
ocupam no sistema, a influência, a colocação hierárquica, entre outros fatores
da relação entre subsistemas e sujeitos.
Segundo Miermont (1994, g. 270), a família nuclear refere-se ao grupo
familiar composto pelos pais e seus filhos, sendo a família extensa composta
por membros das famílias de origem como avós, tios, tias e sobrinhos, entre
outros. Para que tais familiares sejam assim considerados, deve-se notar nas
relações entre a família nuclear e a família extensa, a noção de pertencimento
através de filiação ou alianças e a proximidade afetiva, intelectual e/ou o
envolvimento vital com o portador do sintoma e além, com os demais sujeitos
da família nuclear em questão.
2. Sistemas maiores
Ao verificar as relações do sistema familiar com grupos com os quais este
se relaciona, nota-se que fora da estrutura interna da família, há ligações
importantes dos membros com outras organizações e/ou grupos sociais.
36
Uma das formas de se referir aos sistemas sociais maiores é a
denominação dos mesmos enquanto redes sociais. Para Sluzki (1997)
As fronteiras do sistema significativo do indivíduo não se
limitam à família nuclear ou extensa, mas incluem todo do
conjunto de vínculos interpessoais do sujeito: família, amigos,
relações de trabalho, de estudo, de inserção comunitária e de
práticas sociais (pág. 37).
Compreender o sujeito inserido na sociedade, composta por diversos
níveis de estrutura, leva a perceber que o nível intermediário da estrutura
social, quais sejam os sistemas sociais maiores, assume um papel
fundamental. Ao verificar a relação do sujeito com o nível intermediário da
estrutura social, busca-se compreender de maneira mais aprofundada os
processos da integração psicossocial, do bem-estar e sua promoção, do
desenvolvimento de identidade, assim como a consolidação de potenciais de
mudança, o que viabiliza conhecer os processos de desintegração, de mal-
estar e do adoecer, processos de transtorno de identidade e de perturbação de
meios de adaptação construtiva e de mudanças (Sluzki, 1997, pág. 37).
Ampliando a relação do indivíduo com o sistema social maior, nota-se a
importância fundamental do sistema de significações que ele proporciona ao
próprio processo de construção da identidade dos sujeitos e, portanto, de sua
saúde mental. Ao entendermos o ser humano como essencialmente social, a
relação com instituições que fazem parte do sistema social maior, produz
“ideais, desejos, sistemas de valores e normas” (Carreteiro, 2004, pág. 88) que
transpassam os sujeitos e passam a ser projetos. Estes levam o sujeito a
participar da cultura na qual está inserido, de sua história social e ser “sujeito
de seu corpo”. Assim, em alguns momentos, a própria condição de saúde pode
37
se tornar um projeto do indivíduo como forma de inserção social pela afiliação a
uma estrutura social de cuidado à saúde.
Desta forma, para am da compreensão da rede social significativa para
os sujeitos da família como maneira de visualizar sua inserção social, torna-se
fundamental observar essa categoria do estudo da estrutura familiar por estar
esta intimamente ligada à significação da construção e das formas de lidar com
o sofrimento psíquico.
Desenvolvimental
A subcategoria desenvolvimental tem como objetivo principal a
compreensão do equilíbrio entre mudanças e estabilidade no sistema familiar.
Constituem o ciclo de vida familiar processos contínuos e marcados por fatores
ou eventos que afetam a natureza de vida da família. Segundo Carter e
McGoldrick (1995), os relacionamentos entre membros da família passam por
estágios, com a passagem do tempo e dos ciclos de vida da família, havendo
neste movimento um complexo de relacionamentos entre os membros, com
papeis e funções distribuídas.
Segundo Minuchin, (1990a, pág. 64) as famílias são sujeitas à pressões
internas e externas as quais impactam a todos os membros do sistema familiar
e resultam na necessidade de resposta frente a tais pressões. Para aquele
autor, “responder a tais exigências, tanto de dentro como de fora, requer uma
transformação constante da posição dos membros da família, em relação um
com o outro, de maneira que possam crescer, enquanto o sistema familiar
mantém sua continuidade”. É indispensável notar que o ciclo de vida individual
se dá dentro do ciclo de vida familiar, sendo este o contexto primário de
desenvolvimento humano.
38
Os ciclos de vida familiar são divididos em diferentes números de estágios
segundo diversos autores. Combrick-Graham, citado em Carter e McGoldrick
(1995), sugere:
Ênfase nas oscilações entre períodos centrípetos e
centrífugos no desenvolvimento familiar, enfatizando as
experiências de vida, tais como o nascimento ou a
enfermidade, que requerem um estreitamento e primazia dos
relacionamentos, e outras experiências, tais como iniciar a
escola ou um novo emprego, que exigem um foco na
individualidade (pág. 9).
Carter e McGoldrick (1995) se referem também a característica única das
famílias, quando comparadas à outras organizações sistêmicas: a família é um
sistema movendo-se através do tempo, o qual possui a característica de ser
limitado no que se refere à inclusão ou exclusão dos membros dela
pertencentes. A inclusão ao sistema familiar é limitada ao nascimento, ao
casamento ou à adoção, e a exclusão somente acontece em caso de morte. Os
membros desse sistema não têm a opção de abandonar o seu lugar pois
“embora as famílias também tenham papéis e funções, o seu principal valor
são os relacionamentos, que são insubstituíveis” (pág. 9). As funções dos
membros podem ser redistribuídas, porém nunca substituídas como um todo,
pela impossibilidade de transferência das funções emocionais destes. Neste
sentido, segundo Carter e McGoldrick (1995), a inviabilidade de encontrar
formas de funcionar dentro do sistema e diante da inexistência de exclusão
total deste, as pressões nos membros do sistema que não tenham nenhuma
outra saída podem levar ao surgimento de quadros psicopatológicos como a
psicose.
39
A fim de conhecer os ciclos de vida familiar, mesmo ao entender que os
processos familiares não são lineares, afirmamos que podem ser verificados
em sua dimensão linear no tempo. Para tal, pode ser utilizada a linha do tempo
familiar, meio pelo qual se verifica tal dimensão neste trabalho. Conhecer os
eventos marcantes na história do grupo familiar objetiva verificar, além dos
pontos de transição do ciclo de vida familiar, a influência dos padrões familiares
através das gerações.
Acessar os ciclos de vida familiar visa conhecer os estágios passados e o
atual do grupo familiar, assim como os pontos de mudança destes, ou pontos
nodais. Visa ainda distinguir as tarefas distribuídas entre os membros da
família e as ligações afetivas existentes. Nota-se a possibilidade de
identificação de subsistemas através do conhecimento do ciclo de vida familiar
e ainda dos reajustes destes no tempo, enfatizando a complexidade de fatores
envolvida em cada uma das dimensões do trabalho com a estrutura familiar.
Dimensão funcional
A dimensão funcional, terceira parte desta divisão teórica para verificação
da estrutura familiar, focaliza aspectos atuais da vida familiar expressos ou
demonstrados. Diz da comunicação e da relação entre os indivíduos no eixo
sincrônico do funcionamento familiar. dois aspectos básicos do
funcionamento familiar a serem verificados: o instrumental e o expresso,
segundo Parson e Bales, citados em (Wright e Leahey, 2005).
Funcionamento Instrumental
Refere-se às atividades de rotina da família. Estão contidos nesta
categoria as rotinas de alimentação, os cuidados à saúde, limpeza e
organização da casa, acompanhamento das atividades dos participantes do
40
grupo familiar e assim por diante. Estes aspectos devem ser verificados na
família por se referirem à funções ocupadas pelos indivíduos e também por
serem de grande importância, ao estarem diretamente ligados ao
funcionamento estrutural e ao sintoma. Wright e Leahey (2005) ressaltam ainda
a forte conexão existente entre os fatores do funcionamento instrumental e os
problemas de saúde.
Funções Expressas
Este aspecto tem como foco os padrões de comunicação do grupo
familiar. Segundo o CFAM, nove subcategorias são identificadas para auxiliar a
distinção entre famílias de funcionamento saudável daquelas que apresentam
disfunções emocionais ou sofrimento, não sendo, no entanto, determinantes de
tais disfunções. Busca-se verificar as capacidades e limitações presentes em
cada subcategoria e assim, reconhecer padrões de interação presentes entre
os formadores do grupo familiar.
Por ser nosso foco neste estudo, torna-se importante descrever aqui uma
das formas de estabelecimento de comunicação disfuncional observada em
famílias com quadros de sofrimento psíquico grave, que envolve as
subcategorias descritas logo a seguir.
Para além da escola estrutural, que fundamenta as análises deste
trabalho, existem outras escolas dentro da teoria familiar que trabalham com
conceitos possíveis de serem utilizados neste estudo, por não serem
conflitantes com a forma estrutural de compreensão e intervenção com
famílias. Mara Selvini Palazzoli, teórica da escola de Milão, nos coloca um
conceito importante para a compreensão das formas de estabelecimento da
41
comunicação intrafamiliar disfuncional. A autora traz o termo imbróglio como
descrição de uma forma de processo de interação entre pessoas da família.
Este é complexo e ao mesmo tempo estrutura-se e evolui em torno de uma
prática específica de “comportamentos-comunicações” entre os membros da
família. É caracterizado por um aparente privilégio, o qual não é afetivamente
autêntico por tratar-se de uma estratégia (Palazzoli e cols. 1998, pág. 92).
Segundo Palazzoli, jogos relacionais ocorrem entre os membros da
família e estão ligados às formas de estabelecimento de sintomas. Com
relação aos jogos relacionais das famílias com membros diagnosticados como
em sofrimento psíquico grave, a autora descreve a observação de sua equipe:
Esbarramos frequentemente em jogos ou manobras habilmente
dissimulados (...). No nosso modo de entender, um jogo era
sujo quando os autores usavam meios desleais, como enganos
sutis, mentiras desavergonhadas, vinganças camufladas mas
implacáveis, manipulações, seduções, promessas ambíguas
que resultavam em violentações igualmente ambíguas, e assim
por diante.” (Palazzoli e cols. 1998, pág. 103).
Por ser através da comunicação que são estabelecidos tais jogos e
relações, achamos importante ressaltar os jogos comunicacionais possíveis e a
seguir, trataremos das subcategorias propostas por Wright e Leahey (2005),
utilizadas neste trabalho. São elas:
Comunicação emocional.
Este aspecto do funcionamento familiar focaliza a abrangência de
emoções ou sentimentos desencadeados ou demonstrados no convívio
familiar. Busca-se verificar se a forma de lidar com tais emoções ou
sentimentos está sendo eficiente ou não. Os papeis de gênero na família e na
42
sociedade também são importantes ao se verificar o funcionamento da
comunicação emocional, sendo uma categoria fortemente associada a esta.
Comunicação verbal.
Esta subcategoria refere-se ao significado das mensagens escritas ou
ditas entre os sujeitos das relações, sendo o significado das palavras, em
termos de relação, o foco a ser trabalhado (Wright e Leahey, 2005). O sentido
semântico encontra-se em segundo plano, o que leva a uma maior importância
de observar o significado do que se comunica.
A comunicação pode ser direta ou deslocada, o que diz da forma como o
comunicado se relaciona com o objetivo da comunicação. A relação direta
entre a mensagem e o objetivo desta, ou a realidade do conteúdo da mesma, a
caracterizam de forma clara. Uma comunicação indireta ou deslocada é
marcada por uma ligação não-direta entre o conteúdo real que a desencadeia e
a mensagem gerada ou ainda esta não é direcionada ao receptor específico do
afeto investido no conteúdo da fala (Wright e Leahey, 2005).
Ainda com relação à comunicação e suas características, esta pode ser
clara ou velada. O que é comunicado de forma clara possibilita que o receptor
identifique o significado preciso do que se comunica. A mensagem velada
provoca uma compreensão distorcida, levando à diversas possibilidades de
interpretação ou ainda se referindo a diferentes receptores de forma direta e
indireta.
Comunicação não-verbal.
A comunicação não-verbal constitui-se por formas de expressão
compreensíveis, que trazem em si um sentido compartilhado pelo grupo
familiar e social, e que acompanham a comunicação verbal na maior parte das
43
vezes. Esta subcategoria refere-se a fatores como a posição corporal, o
contato do olhar, toques, gestos e locais ocupados pelas pessoas no espaço.
Também são fatores importantes neste aspecto da comunicação o tom de voz,
sons internos (não verbalizados), características da fala como gagueira e
expressões como choro ou risadas.
É importante observar se as reações são visivelmente condizentes com o
conteúdo da comunicação verbal com a qual elas coexistem. Torna-se
fundamental atentar à influência subjetiva de quem participa desta forma de
comunicação, na atribuição de significado do que é comunicado.
Comunicação circular.
Esta subcategoria da comunicação diz da reciprocidade entre pessoas
que comunicam. Segundo Wright e Leahey (2005) existem padrões na maior
parte das relações, significativos para a compreensão das díades nos grupos.
Estes padrões circulares de comunicação podem tornar-se adaptativos e são
concretizados e/ou simplificados em seqüências de repetições nas relações.
É possível exemplificar os padrões circulares de comunicação através de
uma diagramação do padrão de comunicação (Fig. 1), proposta inicialmente
por Tomm (1980) citado em Wright e Leahey (2005). Este diagrama da
comunicação representa dois comportamentos e duas inferências de
significado, as quais podem ser cognitivas, afetivas ou ambas, referindo-se à
idéias, conceitos, crenças e a estados emocionais.
A figura 1 (pág. 48) ilustra esta forma de comunicação circular.
A inferência entra no espaço (da interação) e representa
alguns processos internos (o que está acontecendo
internamente com cada elemento que interage). As setas de
44
conexão representam informações tornadas conhecidas ou
compreendidas de cada pessoa em relação à outra através do
comportamento. A ligação circular sugere um padrão de
interação repetitivo, estável e auto-regulado (Tomm, 1980
em Wright e Leahey 2005, pág. 129).
Fig. 1 Comunicação circular
Deve-se lembrar que a interação circular ou a comunicação que segue tal
padrão não despreza a responsabilidade de cada parte da interação na tomada
de decisões possíveis da forma como reagir ou agir nesta relação.
Resolução de problemas.
A resolução de problemas diz da capacidade da família de resolver seus
próprios problemas de forma eficiente. Essa possibilidade de lidar com as
questões nodais familiares de maneira eficaz é influenciada pelas crenças
familiares sobre suas habilidades assim como pelas tentativas passadas de
resolução.
A possibilidade de identificação de problemas e sua forma, seja ela
emocional ou instrumental; a pessoa na família que identifica o problema e o
significado sistêmico que este assume, são fatores determinantes na maneira
como o sistema irá tentar resolver as questões que se lhe apresentam. As
Inferência
(cognitiva, afetiva ou ambas
)
Inferência
(cognitiva, afetiva ou ambas)
Comportamento
Comportamento
45
características das formas de resoluções encontradas pelo sistema podem
resultar na manutenção do problema, com um mascarar da questão inicial, na
negação, na procura por família extensa e rede social maior, ou ainda na
procura por ajuda terapêutica nos casos em que os recursos internos estão
aparentemente esgotados. Segundo Ausloos (1998) é possível devolver à
família a sua competência em lidar com suas questões ao ativar processos de
mudanças na família, ao invés de ressaltar seus defeitos ou falhas. O autor
considera que, “a família não pode colocar-se nada além de problemas com os
quais ela mesma seja capaz de lidar” (pág. 32) ao estar frente à questões que
se apresentam no sistema familiar e não são a ele impostas por causas
externas.
Funções ou papéis familiares:
O conceito de papel é de fundamental importância na sociologia da família
e em sociologia das organizações sociais. Os papéis são traçados pelo
conjunto de comportamentos e funções das pessoas, sendo estes esperados
pelas outras pessoas com as quais co-participação em determinado grupo
social. O papel define uma “zona de obrigações e de limitações correlativas a
uma zona de autonomia condicional” segundo Boudon e Bourricaud, citados
em Miermont (1994, pág. 422). Assim, compreende-se que os papeis familiares
são investidos e transmitidos pelo próprio sistema familiar, de acordo com o
desenvolvimento da família, seus ciclos e o desenvolvimento dos indivíduos
que a formam.
Segundo Miermont (1994) o papel familiar é “um modelo abstrato,
universal e normativo, do estatuto biológico, cultural, geracional, sexual e
sexuado de um membro da família, em relação com o sistema global dos
papeis recíprocos” (pág. 423) e pode ser definido em um sistema de
46
oposição a aos demais papeis com os quais interage e é submetido a
restrições biológicas supondo, ainda, aprendizados resultantes do
pertencimento a um sistema de regras sociais maiores. Ao mesmo tempo é um
comportamento único o qual supõe a interpretação de papeis normativos,
correspondendo às condutas normativas efetivas de cada elemento do grupo
familiar (pág. 423). O resultado entre o que é dever e o que é proibido torna-se
o comportamento de papel exercido.
Por conseguinte, o conjunto de papéis desempenhados por uma pessoa
em seu sistema funciona como determinante de seu status, assim como “o
conjunto de papéis” que lhe são atribuídos de forma legítima irão determinar
seu estatuto. “Um filho parentalizado pode ter um status de pai, sem ter o
estatuto” (Miermont, 1994).
Influências.
As formas de controle e influência sobre os comportamentos dos sujeitos
são verificadas nesta subcategoria. Diversos fatores influenciam na forma
utilizada de controle entre os elementos de uma estrutura familiar. O poder está
diretamente associado às influências, e estas podem ser vistas enquanto
instrumentais e/ou psicológicas.
O controle ou influência instrumental ocorre com a utilização de materiais
ou privilégios utilizados como reforços de um comportamento desejado em
alguma relação. Tal forma de controle pode resultar em compensação
financeira, viagens, ou a possibilidades de utilização de aparelhos domésticos,
por exemplo. A influência psicológica “refere-se ao uso de comunicação e
sentimentos para influenciar o comportamento” como por exemplo a indução à
culpa, o uso de diretivas, demonstrações de admiração, orgulho ou crítica.
47
É possível, ainda, verificar o controle corporal para demonstrar e exercer
influência em uma relação. Este é marcado por expressões como abraços,
tapas, carinhos, entre outras formas de contato corporal voluntário entre as
partes ou não.
Percebe-se que as influências, o poder e a forma de comunicá-los, estão
fortemente associadas à maneira de estabelecimento e manutenção de
funções e papéis dentro de um sistema. Ambos são também influenciados pelo
desenvolvimento do grupo familiar e as forças externas às quais este sistema
está ligado.
Crenças.
Idéias fundamentais, opiniões e assuntos sustentados e tidos pelas
famílias ou por seus componentes formam o sistema de crenças ao qual esta
subcategoria de refere. As crenças influenciam a maneira pela qual a resolução
de problemas se no sistema familiar assim como significam eventos ou
fatores presentes na família.
A influência das crenças no funcionamento familiar se pelo fato destas
estarem vinculadas aos comportamentos e escolhas feitas pelos membros,
como ressaltam Wright e Leahey (2005), ao afirmar que as ações ou escolhas
familiares ou dos indivíduos da família são fundamentadas em suas crenças,
demonstrando a interligação intensa entre crenças e comportamento. (pág.
138).
Alianças e coalizões.
Esta subcategoria da análise estrutural familiar visa compreender a
direcionalidade, o balanço ou equilíbrio e a intensidade das relações entre
membros da família ou entre a família e pessoas da rede extensa ligadas a
48
esta (Wright e Leahey, 2005). A coalizão é compreendida enquanto
propriedade fundamental das tríades, aliança entre duas pessoas ou unidades
sociais, contra uma terceira parte ou elemento. As alianças, segundo Miermont
(1994), o baseadas no estabelecimento de acordos entre dois membros de
uma tríade, enquanto o terceiro membro encontra-se em situação de
desacordo.
O termo triangulação foi desenvolvido por Murray Bowen (1978, em
Wright e Leahey, 2005) para definir relações de três membros de forma
triangulada. Segundo Bowen, a relação de uma duas pessoas pode ser instável
e com baixa tolerância à ansiedade, com facilidade para ser perturbada
emocionalmente por forças existentes entre os dois componentes e por
relações com forças externas à dupla. Desta feita, ao estar em uma situação de
ansiedade aumentada, a relação torna-se desconfortável.
Quando a intensidade (de afetos na díade) atinge um
determinado nível, a dupla previsivelmente e automaticamente
envolve uma terceira pessoa vulnerável na questão emocional
com a qual está lidando. (...) Com o envolvimento da terceira
pessoa, o nível de ansiedade decresce. É como se a ansiedade
fosse diluída enquanto se desloca de um elemento para o outro,
no triângulo. O triângulo é mais estável e flexível que a dupla,
tem uma maior tolerância à ansiedade e é mais capacitado em
lidar com uma maior gama de estresses da vida (Bowen, 1978,
citado em Wright e Leahey, 2005, pág. 140).
As alianças e coalizões são formas de relação bastante freqüentes em
grupos familiares e podem ser compreendidas como úteis ou não para um
funcionamento familiar saudável. As características geracionais das relações
49
trianguladas e os fatores que geram a necessidade destas configurações de
aliança entre os elementos do sistema familiar podem estar associadas à
capacidades eficientes de resolução de problemas ou à própria sustentação ou
mesmo ao desenvolvimento de sintomas que geram sofrimento para um
elemento e/ou para o sistema.
Em sistemas nos quais ocorrem relações trianguladas é comum que estas
sejam intergeracionais e envolvam os pais e um filho, o qual, segundo Satir
(1976), torna-se “Paciente Identificado” nos casos em que tal relação resulta no
estabelecimento de sintomas dentro do sistema familiar. Essa configuração é
ligada tanto às características das alianças e coalizões dentro do sistema
familiar quanto às funções e papéis dos elementos do sistema. Satir (1976,
pág. 57) ressalta que os problemas o desencadeados quando os desejos
entre o casal parental são contrapostos, prendendo o filho à exigências
conflitantes.
No triangulo familiar disfuncional, os cônjuges não se sentem
confiantes a respeito de seu relacionamento marital. Cada um
se sente excluído em relação ao outro.(...) Ambos os
cônjuges recorrem ao filho para satisfazer suas necessidades
não atendidas pela relação conjugal (Satir, 1976, pág. 100).
Sendo esta a última categoria proposta pela subdivisão utilizada neste
trabalho e fundamentada no CFAM, verifica-se a necessidade de conhecer
todos estes fatores que dizem do funcionamento e da organização da estrutura
familiar ao trabalhar com famílias e o sofrimento psíquico. Conhecer as formas
de comunicação, alianças, crenças, configurações de relações, assim como a
história da família e sua composição, entre tantos outros fatores descritos
acima, possibilita uma intervenção voltada às características de cada família
50
em particular, utilizando suas próprias capacidades e formas possíveis de
reajuste frente aos estresses que se lhe apresentam.
2.2 - O sintoma na teoria familiar estrutural.
A revisão do conceito de sintoma reflete a influência do pensamento
sistêmico aplicado à saúde mental, adotado pelas teorias familiares. Como
visto anteriormente, a teoria familiar sistêmica entende o sintoma inserido no
contexto bio-psico-social. O questionamento da concepção linear baseada em
modelos médicos, psicodinâmicos e comportamentais, e a passagem para um
modelo circular de etiologia dos sintomas propõe a irrelevância da estrutura
individual isolada do contexto e o foco de trabalho com os sintomas passa a ser
nas relações e no contexto dos indivíduos previamente identificados como
portadores do sintoma.
Ao abandonar a busca por causas do sintoma junto à pessoa identificada
em um quadro de sofrimento psíquico, os teóricos familiares estruturais partem
para um trabalho com as estruturas das quais este sujeito participa, ou seja,
com a família como um todo, na busca de entender o sintoma inserido no
funcionamento estrutural. Diversas formas de compreensão do local de
estabelecimento do sintoma passam a fazer parte das abordagens familiares e
são complementares em variados momentos do trabalho com famílias.
Segundo Minuchin (1990b), o terapeuta estruturalista complementa a
concepção estratégica de que o sintoma seria uma solução protetora em
defesa da homeostase familiar, personificada pelo paciente diagnosticado
como portador do quadro psicopatológico identificado. Para a teoria familiar
estrutural, ao compreender a família enquanto organismo, esta proteção
transvestida de sintoma não é vista como uma resposta intencional, mas sim
51
como uma “reação de um organismo sob tensão”. Tal visão de sintoma o
compreende no contexto e o entende como extenso a todos os membros da
família, todos sintomáticos. O sintoma torna-se uma forma de organização da
estrutura familiar, mantido por ela e tornando-se parte dela (Minuchin, 1990b).
Desta feita, ao compreender o sintoma estabelecido no sistema como um
todo, o trabalho de intervenção trata de desafiar a definição e a natureza da
resposta da família sobre o problema (pág. 75). O objetivo da terapia familiar
estrutural ao trabalhar com sintomas define-se por provocar e/ou participar de
modificações ou ressignificação das concepções familiares dos problemas,
levando a novas respostas alternativas cognitivas, afetivas e de
comportamento na família que não causem mais sofrimento e não caracterizem
mais sintomas.
A forma como a estrutura familiar se estabelece e os elementos desta se
ajustam, ou seja, a dinâmica de funcionamento da estrutura, determinará se o
grupo familiar vai funcionar “como facilitador ou como dificultador na formação
da saúde mental de seus membros” (Féres-Carneiro, 1992).
Ao tratar de sintoma, percebendo a dimensão da influência da estrutura
familiar para a formação e manutenção deste, deve-se também ressaltar os
aspectos presentes no esquema conceitual que caracteriza uma família normal.
Segundo Minuchin (1990a) este esquema é composto por três facetas:
A família se transforma com o tempo, se adapta a novas realidades
externas e internas e se reestrutura. Essa as mudanças são em busca da
continuidade de seu funcionamento e quando este é eficaz a família pode, ou
não, responder a estresses de desenvolvimento de forma adequada. Nos
casos de respostas inadequadas, a tentativa de aderir a esquemas estruturais
prévios pode refletir em funcionamentos não mais eficientes, possibilitando o
52
surgimento de sintomas. Este fato denota a possibilidade de respostas
ineficazes à necessidades de mudanças estarem presentes mesmo em
famílias com um funcionamento prévio eficaz.
A possibilidade de observação da estrutura se ao compreender a
família e sua estrutura em movimento. Frente a necessidades de
reestruturação, sejam internas ou externas, são preferidos padrões eficientes a
exigências costumeiras. A força do sistema depende então, das capacidades
de mobilização de “padrões transacionais alternativos” quando fatores internos
ou externos ao grupo familiar exigem sua reestruturação (pág. 69). Este fator
está diretamente ligado à caracterização das fronteiras dos subsistemas.
O estresse familiar resulta da busca por respostas sistêmicas que
possibilitem a manutenção e a continuidade da família, ainda que
reestruturada. As respostas rígidas dentro da estrutura tendem a gerar padrões
disfuncionais, levando à procura de terapia em alguns casos, ou simplesmente
resultando em sintomas que denunciem e ocupem esse lugar de disfunção
colocado pela maneira como o sistema respondeu às novas demandas de
estruturação.
Assim, após verificar a concepção estrutural do sintoma e perceber as
formas que a família saudável assume para lidar com questões e manter-se
“normal”, segundo Minuchin, é possível concluir que a manutenção da estrutura
é um movimento natural dos sistemas familiares. Este demanda capacidades
de reestruturação, ajuste e realocação dos elementos componentes do grupo.
O sintoma surge como forma de ajustamento ou tentativa deste, ao alcance do
sistema. O trabalho com a verificação de uma estrutura familiar, junto a
sistemas com um componente identificado como portador de uma
53
psicopatologia, possibilita examinar formas de estrutura que assumem
sintomas deste tipo como solução, em seu contexto.
2.3 - A intervenção precoce, o sofrimento psíquico grave e o trabalho com
famílias.
A intervenção precoce é uma proposta de trabalho terapêutico segundo a
qual se trabalha com os sujeitos em primeira crise, ou em fase anterior à crise,
chamada de fase prodrômica. O objetivo é a não cronificação do quadro
psicopatológico em toda sua complexidade. Estudos recentes sugerem que a
intervenção precoce reduz o tempo de psicose o identificada e de psicose
identificada e não tratada (Chen, 1999).
O reconhecimento de um estágio de sofrimentos psíquico, antes que este
se torne grave, depende do trabalho conjunto entre profissionais de saúde e
família como um todo. Nota-se que fatores como a falta de informação e o
estigma ligado aos serviços de saúde mental podem impedir ou adiar a procura
precoce à uma intervenção que possibilite a o cronicidade dos prognósticos
(McGorry, 1997).
Atrasos em receber o tratamento para esquizofrenia estão
independentemente associados a um risco muito aumentado de
recidiva ao longo dos dois anos seguintes crise). (Johnstone
et al em Mc Gorry, 1997).
Como fatores que sinalizam uma crise que pode ser compreendida como
do tipo psicótica, têm-se os pródromos. Estes precedem o surgimento dos
sintomas psicóticos, constituindo um período de transtorno o-psicótico, na
vida do paciente e em seu comportamento (McGorry, 1997). São vistos como,
“uma síndrome” a qual indica uma maior vulnerabilidade ao desenvolvimento
54
de psicose, o que é visto como um ‘estado mental de risco’ ou ‘estado
precursor’ (Eaton et al., 1995).
Quanto à primeira crise, foco da intervenção precoce no que se refere ao
quadro psicopatológico, formas de identificação desta são determinadas pela
presença de algum ou alguns dos seguintes fatores: (1) declínio das funções
sociais sem considerar a relação com a psicopatologia; (2) surgimento de
qualquer sintoma psiquiátrico; (3) e/ou psicótico; (4) surgimento de sintomas
negativos; (5) primeiro tratamento, o qual pode influenciar o curso e a duração
deste primeiro episódio e possibilitar o diagnostico e (6) primeira admissão
hospitalar ou primeira internação (Keshavan 1992).
Para entender a primeira crise do tipo psicótica, cabe comentar definições
de psicose que buscam, em um campo tão cheio da profusão de
conceitualizações nosológicas do que seria esta síndrome, contemplar formas
de entendimento do fenômeno em destaque. Lopes (2001) entende a psicose
como alocada entre o espectro entre dois pólos, sejam eles o da
despersonalização e o da desrealização. Para este autor, toda psicose é
constituída por um conjunto de alterações da identificação e do conhecimento
do indivíduo de seu próprio eu e do mundo externo do qual faz parte. É então
compreendida como a alteração entre o “eu e o mundo”, diferindo da neurose
que se caracteriza pela “alteração da relação entre o ego, o id e o superego”
(Lopes, 2001). Torna-se, portanto, indispensável considerar enquanto
componente da psicose, “a perda do próprio eu” capaz de modificar-se e
transformar-se, sendo impossível encontrar um único sinal que por si
caracterize a psicose.
Para Winnicott (1993), uma das formas de compreender a psicose é vê-la
como representando:
55
uma organização das defesas, e por trás de toda defesa
organizada há a ameaça de confusão, que constitui na verdade
uma ruptura da integração (pág. 90).
Segundo Carvalho (2006):
Entre os fatores de risco para a psicose estão: a adolescência
e início da idade adulta, história familiar de transtorno
psicótico, personalidade vulnerável (exemplo: esquizóide,
esquizotípica), fraco ajustamento pré-mórbido, histórico de
traumatismo crânio-encefálico, histórico de complicações
obstétricas, traumatismos perinatais, estação do ano em que
se deu o nascimento, eventos vitais, estresse psicossocial
percebido, abuso de drogas, alterações funcionais e
subjetivas na pessoa (pág. 34).
Ao verificar as descrições acima e tratando dos componentes o
orgânicos, notam-se diversos fatores de risco ligados à família, tanto no
aspecto relacional e de formação do indivíduo, quanto na possibilidade de
identificação dos mesmos. Incentivos ao trabalho familiar junto a quadros
psicopatológicos são vistos entre autores de diferentes linhas teóricas, como
Winnicott o faz em seu livro Tudo começa em casa ao dissertar sobre o
“ambiente facilitador” e entre autores de linhas teóricas fundamentadas no
pensamento sistêmico, citados neste trabalho. Winnicott (1996) afirma:
O ambiente facilitador e seus ajustes adaptativos
progressivos às necessidades individuais poderiam ser
isolados, para estudo, como uma parte do estudo da saúde.
Incluir-se-iam as funções parentais, complementando as
56
funções da mãe, e a função da família, como uma maneira
cada vez mais complexa medida que a criança fica mais
velha) de introduzir o princípio da realidade, e ao mesmo
tempo que devolve a criança à criança (pág. 19).
Não descartar os fatores individuais do quadro psicopatológico é questão
indispensável no trabalho de intervenção precoce e no campo da saúde
mental. Não pormenorizamos a importância da perspectiva e do trabalho
individual junto a sujeitos em sofrimento psíquico. Porém, ao compreender a
família como peça fundamental no desenvolvimento do sujeito, sendo sua
matriz de identidade, e frente à compreensão do sintoma a partir da proposta
familiar sistêmica estrutural, justifica-se a importância fundamental do trabalho
familiar para que a intervenção precoce se de maneira eficaz e, por
conseguinte, ressalta a importância de trabalhos voltados à compreensão de
funcionamentos e possíveis intervenções junto à família.
Ainda sobre a intervenção precoce e a terapêutica da psicose,
observamos algumas releituras teóricas a serem verificadas para melhor
compreensão do presente trabalho.
O conceito de intervenção precoce fundamenta-se no objetivo de evitar a
cronificação de quadros psicóticos (Keshavan e Schoeler, 1992; Yung e
McGorry, 1999; Beiser, 1993; Duzyurek, 1999 e McGorry, 2000, em Carvalho,
2006). Esta idéia justifica-se conquanto compreendamos que o
desenvolvimento desta proposta de intervenção surgiu a partir de trabalhos na
área médica, junto a pacientes diagnosticados nosologicamente como
psicóticos.
57
A intervenção precoce trabalha ainda com o conceito de pródromos como
fatores de risco para a psicose, o que leva a possibilidade de apenas uma
porcentagem dos indivíduos que se encontram em fase prodrômica progridam
ou desenvolvam um quadro caracterizado como episódio psicótico (Carvalho,
2006, pág. 31), conflitando com a afirmativa de McGorry e Edwards (2002) que
compreendem os pródromos enquanto uma forma de esquizofrenia, o que
resultaria necessariamente, caso não ocorra uma intervenção eficiente, no
curso da psicose.
Frente a tais discordâncias teóricas com relação aos pródromos e aos
possíveis cursos do sofrimento não tratado, que se apresenta na forma
prodrômica, propomos que a idéia de pródromos seja ampliada de forma a
justificar a intervenção precoce não por evitar a cronificação em quadros
psicóticos e sim por voltar-se à terapêutica junto a formas de sofrimento
psíquico grave desestruturador do sujeito e, portanto, merecedor de atenção
especializada, seja este sofrimento precursor de quadros psicóticos ou não.
Assim, justifica-se ainda o uso do termo sofrimento psíquico grave em
lugar do termo psicose para descrever o sofrimento que desestrutura
psiquicamente o sujeito e impacta em seu funcionamento individual e social em
diversos níveis. Não nos opomos às descrições sobre psicose feitas
anteriormente, porém, desvinculamos o tipo de funcionamento descrito como
psicose da idéia de estrutura psicótica diagnosticável e a princípio
necessariamente presente em trabalhos de intervenção precoce.
Tal releitura do termo psicose enquanto maneira de descrever formas de
funcionamento psíquico ou estruturação de sujeito é também embasada na
crítica às posições e fundamentações teóricas que tentam delimitar a
complexidade do fenômeno denominado psicose, que se mostram imprecisas e
58
obscuras, apesar do trabalho voltado a eliminar tais características. Segundo
Costa (2003)
Pode-se afirmar com segurança que a história da loucura
humana é a história da complexidade dos caminhos da
estruturação do indivíduo humano. passa do tempo de
termos que abandonar termos imprecisos ou mesmo confusos
em prol de uma outra compreensão do que seja o sofrimento
psíquico humano (pág. 72).
Desta feita, o trabalho terapêutico de intervenção precoce com famílias é
compreendido como fundamental, por ser no sistema familiar que se torna
possível verificar o sofrimento do sujeito identificado, em sua origem e
manutenção, e por entender o sintoma de maneira sistêmica, extenso a todo o
grupo familiar da pessoa que apresenta o sofrimento psíquico grave verificado.
Assim, conclui-se que o sofrimento se apresenta na pessoa identificada, porém
é construído no sistema relacional do qual este sujeito faz parte.
59
Capítulo 3 – Sobre o olhar e o fazer (n)a pesquisa.
O presente estudo é uma investigação exploratória qualitativa que busca
compreender os sujeitos em seu ambiente, e por conseqüência, contextualizar
o sofrimento psíquico grave e identificar a estrutura familiar e a forma com que
o sistema lidou com a crise de um de seus membros. O estudo exploratório,
segundo Minayo (2006), compreende a escolha dos tópicos de pesquisa, a
delimitação do problema a ser estudado, definições do objeto e dos objetivos
assim como a construção de hipóteses ou pressupostos. Envolve ainda, a
escolha do marco teórico conceitual de fundamentação para a pesquisa e a
elaboração de instrumentos de coleta de dados.
Deslandes e Assis (2003, g. 199) colocam a impossibilidade de
padronização entre as diversas formas de pesquisa qualitativa. Estas podem
ser definidas como “conjunto de práticas interpretativas” (Dezin e Lincoln, 1994,
citados em Deslandes e Assis, 2003), não pertencentes a uma única área do
conhecimento nem constituintes de um paradigma único. O que as autoras
definem como “acervo de multimétodos”, a pesquisa qualitativa, é então
fundamentada na premissa epistêmica de construção do conhecimento através
da interação dinâmica entre sujeito e objeto de estudo, pressupondo um
vínculo entre o “mundo objetivo e (inter)subjetivo dos sujeitos” (Deslandes e
Assis, 2003, pág. 199).
É possível caracterizar a pesquisa qualitativa como tentativa de
compreensão detalhada dos significados e das características situacionais do
objeto de estudo, a qual ocorre em um setting não construído artificialmente
para fins de pesquisa. A pesquisa qualitativa envolve observação de situações
reais e resulta na construção não estruturada por hipóteses formuladas
60
anteriormente sobre os dados, na busca por significados atribuídos pelos
sujeitos sobre a ação social à qual se pesquisa. (Deslandes e Assis, 2003;
Richardson, 1999).
Minayo (2006) ressalta a aplicabilidade do método qualitativo ao estudo
da história, das representações, das crenças, das relações, das percepções e
das opiniões, resultantes das interpretações das pessoas sobre sua existência.
A abordagem qualitativa destaca-se ainda por permitir uma maior fidedignidade
de seus construtos a uma realidade empírica e às experiências dos sujeitos
pesquisados, conformando-se a investigações de segmentos delimitados,
grupos focalizados sob a ótica dos mesmos, à estudos de relações e à análises
de discursos e documentos (Deslandes e Assis, 2003; Minayo 2006).
Cientes da discussão sobre critérios de cientificidade das pesquisas
qualitativas, ressaltamos neste estudo a observância dos problemas propostos
por Lê Compte (1982, citado em Deslandes e Assis, 2003, pág. 202) como
pontos de destaque para o aumento da confiabilidade externa dos estudos
etnográficos, aplicáveis a nossa pesquisa. São eles: O status do pesquisador
(observação de questões como gênero); Escolha dos informantes (descrição
dos fatores de inclusão e exclusão de sujeitos de pesquisa e descrição de
situação sócio-cultural dos participantes, considerando que vivência, valores e
ações são influenciados por tais fatores e, portanto, refletem em resultados de
pesquisas); Informações sobre as condições e situações sociais de coleta de
dados (dados como pessoas que estavam presentes quando da coleta de
dados, podem influenciar nas informações e observações); Escolha de
premissas analíticas e construtos adotados enquanto fundamentação teórica,
destacando a importância de delineamento do “caminho interpretativo” tomado
61
pelo pesquisador enquanto forma de aplicação dos conceitos; Descrição clara
de metodologia de coleta e de análise dos dados.
Todos estes aspectos foram observados e descritos neste estudo. Porém,
ressaltamos que embora seja possível que outros pesquisadores se inspirem
em nosso estudo qualitativo, e sigam nossos caminhos, jamais será possível
que se chegue a resultados idênticos, o que não constitui uma falha na
qualidade das pesquisas (Deslandes e Assis, 2003).
3.1. Objetivos
3.1.1. Objetivo Geral
Conhecer a organização estrutural de um sistema familiar com um ou
mais membros diagnosticados como psicóticos.
3.1.2. Objetivos Específicos:
Identificar a estrutura familiar conforme definido anteriormente;
Identificar a estruturação do sofrimento psíquico grave;
Correlacionar a estruturação do sofrimento psíquico grave com a
estruturação familiar (o lugar do sofrimento na família);
Situar no ciclo de vida familiar a construção do sofrimento.
3.2 - Procedimentos:
3.2.1 Início da pesquisa: Submissão e aprovação da pesquisa em
comitê de ética e contato com instituições e famílias assistidas.
O projeto da pesquisa “A estrutura familiar em sofrimento psíquico grave:
um estudo exploratório” para coleta de dados e elaboração desta dissertação,
foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de
62
Saúde do Governo do Distrito Federal (CEP- Fepecs) em outubro de 2006,
sendo aprovado em sua primeira análise. A pesquisa foi liberada para
execução a partir de novembro de 2006 conforme parecer 181/2006
daquele comitê.
De acordo com o projeto de pesquisa, estariam participando da coleta de
dados desta pesquisa, dez (10) famílias de sujeitos residentes no DF, em
tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico, em unidades de atenção à
saúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Mais especificamente,
pacientes assistidos pelo Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), pelo Instituto
de Saúde Mental (ISM), pacientes da internação psiquiátrica do Hospital Geral
de Base de Brasília ou ainda pacientes identificados e familiares em
atendimento pelo Grupo de Intervenção Precoce em Psicoses (GIPSI) do
Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, do qual participo como
pesquisadora, mestranda e técnica associada.
Procuramos encaminhamentos de pacientes variados, tanto em relação
ao gênero quanto ao tempo de patologia identificada/tratada. Foram excluídos
deste estudo, sujeitos com diagnósticos que tivessem fatores orgânicos como
causadores ou desencadeadores da crise ou quadro psicótico, voltando nosso
trabalho aos pacientes que tiveram como origem da psicose fatores de
desenvolvimento, ambientais, relacionais e afetivos, sendo estes o foco de
nosso trabalho. Assim, utilizamos como fator de inclusão os diagnósticos em
prontuário compreendidos na classificação de F.20 a F.29, segundo a
Classificação Internacional de Doenças 10 (CID-10). Constante descrição do
Anexo 1.
Além de possuírem o diagnóstico nosológido em prontuário incluso nestas
categorias acima descritas, os pacientes do estudo poderiam ser de ambos os
63
sexos, com família de origem residente no DF, assistidos pelas unidades de
saúde supracitadas e que estivessem de acordo com a participação na
pesquisa atestada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (Anexo 2).
Após contato inicial com os profissionais do Hospital São Vicente de
Paulo e do Instituto de Saúde Mental, obtivemos acesso aos prontuários. No
Hospital Geral de Base não realizamos o levantamento dos prontuários por
observarmos, no contato inicial com a equipe de profissionais da unidade, as
dificuldades em encontrar um espaço adequado na instituição para a realização
das entrevistas que o alterasse a rotina de funcionamento da unidade de
internação. Tal fato impediu a nossa pesquisa naquele local uma vez que os
pacientes não poderiam sair da internação para a realização das entrevistas.
Os pacientes do GIPSI não participaram da pesquisa por não possuírem
diagnóstico fechado, em função da proposta de trabalho do grupo não estar
ligada à necessidade de diagnóstico inicial dos pacientes.
Dos pacientes indicados, as dificuldades encontradas para a participação
das famílias em nossa pesquisa foram relativas à: a) impossibilidade de
participação das famílias de origem dos pacientes identificados por motivos de
moradia em outros estados ou óbito de um ou dos dois participantes do casal
parental do paciente identificado (6 pacientes); b) indisponibilidade, por parte
da própria família, de horários para entrevista com todos os familiares e/ou
recusa em participar de pesquisas como a proposta (1 paciente); c)
diagnósticos nosológicos incompatíveis com nossos fatores de inclusão na
pesquisa (3 pacientes) e d) internação de paciente identificado impossibilitando
a realização das entrevistas por questões de disponibilidade de espaço físico
para tal (8 pacientes).
64
Institucionalmente, tanto no Hospital de Base, quanto na internação do
HSVP as dificuldades foram relativas à falta de espaço físico apropriado para a
realização das entrevistas, de forma que a utilização dos espaços não
alterasse a rotina de funcionamento do serviço institucional e ainda as
dificuldades financeiras de locomoção das famílias aos locais de entrevista,
considerando que esta pesquisa não obteve recursos financeiros para oferecer
auxilio transporte aos entrevistados.
Tais complicações foram solucionadas ao entrarmos em contato com a
equipe do programa “vida em casa” do HSVP, que assiste aos pacientes em
suas residências por uma equipe multidisciplinar, o que possibilitou fazermos
visitas residenciais para coleta de dados com a família, assim como acessar
prontuário hospitalar com relatos sobre internações e histórico do paciente
identificado.
3.2.2 - Do contato com as famílias
Conforme relatado acima, algumas questões sobre o impedimento da
participação das famílias em nossa pesquisa puderam ser levantados após
contato inicial com as mesmas. Este se deu através de ligações telefônicas nas
quais a pesquisadora apresentou-se e apresentou a pesquisa a ser realizada.
Explicamos a finalidade da participação dos sujeitos em nossa pesquisa, a
finalidade de nosso estudo e convidamos a participar das entrevistas. Nestes
contatos verificamos que alguns diagnósticos relatados não estavam de acordo
com o registrado em prontuário, havia indisponibilidade em participar das
entrevistas por questões de trabalho (horário disponível) dos familiares, por
frustração com contatos anteriores com equipes de psicologia e pelo fato do
paciente identificado não viver mais com a família de origem.
65
Ainda com relação ao contato com as famílias, este nos foi dificultado em
função da época do ano em que realizamos os contatos com as instituições e
famílias. Por termos a pesquisa liberada pelo CEP-Fepecs para execução a
partir de novembro, o encontro com as equipes profissionais dos hospitais foi
dificultado pelos períodos de licença de final de ano, e com as famílias por elas
estarem viajando entre os períodos de Natal e Ano Novo.
3.2.3 – Sobre a coleta de dados com a família escolhida.
Em função das características desta pesquisa, decidimos trabalhar então
com uma família encaminhada pelo programa “vida em casa” do HSVP
acompanhada por psicólogo e psiquiatra particulares, além do
acompanhamento multidisciplinar da equipe do HSVP.
Foram participantes da pesquisa, tanto o sujeito identificado como
estando em sofrimento psíquico grave, quanto sua família, assim identificada
pelos mesmos e composta por pai, mãe, três irmãos homens e três irmãs
mulheres. Todos os entrevistados da família estiveram de acordo com a
participação, afirmada com assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE – Anexo 2).
Os procedimentos de coleta de dados ocorreram nas unidades de
atenção à saúde à qual o paciente estava previamente ligado (levantamento de
informações do prontuário), no início da pesquisa, e na residência da família
(realização das entrevistas).
Foi realizado um encontro inicial com os pais, o paciente identificado e
uma irmã, para esclarecimento da pesquisa. Após este encontro, realizaram-se
mais duas entrevistas para elaboração do genograma das famílias de origem e
da família atual, três entrevistas para elaboração da linha da vida familiar e
66
mais uma entrevista para complementação dos dados verificados pela
entrevista semi-estruturada baseada no CFAM (Anexo 3). Todos os encontros
foram gravados, transcritos integralmente e analisados, conforme detalhado a
seguir.
No prontuário do paciente identificado desta família, constam informações
sobre suas internações assim como a hipótese diagnóstica F 32.3. Ainda que
tal classificação nosológica não fizesse parte de nosso grupo de inclusão
inicial, a equipe aceitou trabalhar com o paciente e sua família por considerar o
diagnóstico enquadrado nas características de um quadro de sofrimento
psíquico grave de origem não orgânica. Segue em anexo a descrição do
quadro diagnóstico da CID-10 para F 32.3 (Anexo 1).
Os encontros familiares foram realizados com a família declarada como
tal, não importando consangüinidade ou residência compartilhada. Todos os
membros da família, assim identificados, participaram dos encontros para
coleta de dados, com a ressalva da não participação de uma das filhas do
casal parental, por esta residir em outra cidade e não participar diretamente da
vida familiar, segundo relatos da própria família.
Embora os procedimentos de coleta de dados não constituíssem um
trabalho de intervenção terapêutica, alguns benefícios terapêuticos se fizeram
presentes em função de nosso contato com a família, conforme descrito na
análise e discussão desta pesquisa. Segundo Minuchin (1990a), no contato
com terapeutas para a coleta de material com finalidade de elaboração de um
mapa estrutural, a família se organiza em relação a ele, sendo então o
terapeuta um provocador de mudanças por estar formando então, com a
família, um sistema terapêutico. Entendemos que embora nosso papel no
contato com a família não fosse como terapeutas e sim como pesquisadores,
67
nossa atuação é sim terapêutica, em função de nossa formação e da nossa
forma de compreender o sofrimento e o papel familiar, conforme exposto neste
trabalho.
Nos casos em que conteúdos se fizessem presentes de forma que os
participantes necessitassem de intervenção terapêutica psicológica específica,
havia a possibilidade de encaminhamento a serviços disponíveis na rede
pública de saúde, levando-se em conta as limitações da instituição e suas
possibilidades de atuação terapêutica, no hospital ao qual estão vinculados,
após contato com a equipe de Psicologia da unidade de saúde que assiste aos
participantes, para que o tratamento possível fosse oferecido. Ressaltamos a
grande dificuldade encontrada para tal encaminhamento, uma vez que a rede
de atenção a saúde mental em Brasília está em processo de reformulação e
implementação, estando com poucos serviços disponíveis.
Estes dados serão melhor detalhados e especificados nos Resultados e
Discussão.
3.3 – Das entrevistas.
3.3.1 – PANSS
Foi aplicada a Escala das Síndromes Positiva e Negativa PANSS
(Anexo 4) para identificação de sintomas positivos e negativos do paciente
identificado. A PANSS é composta por dezoito itens da BPRS Brief
Psychiatry Rating Scale e doze itens da Psychopathology Rating Scale
(Chaves e Shirakawa, 1998).
Esta escala foi desenvolvida com a proposta de avaliar os sintomas
apresentados por pessoas com esquizofrenia. Compreende-se que a dicotomia
positivo-negativa não abrange todo o fenômeno da esquizofrenia (Chaves e
68
Shirakawa 1998), sendo necessário compreender a situação do sofrimento
psíquico como um todo. Embora esta dicotomia não seja suficiente para
descrever o sofrimento, é possível utilizar a PANSS com finalidade de
delineamento psicodiagnóstico. Com a aplicação da PANSS é possível verificar
pródromos, antecedentes a crises ou reincidências. As propriedades
psicométricas da PANSS, assim como a confiabilidade entre examinadores e a
consistência interna associada a confiabilidade de teste-reteste foram
demonstradas por uma rie de estudos recentes com tal escala (Chaves e
Shirakawa, 1998).
3.3.2 – O Genograma Familiar e Linha da Vida.
O genograma familiar procura descrever a composição familiar através da
elaboração de um esquema representativo da organização familiar e seus
vínculos “formais” de consangüinidade ou conjugalidade compreendida
enquanto formação de casal. Proporciona ainda, verificar o movimento através
do ciclo de vida familiar (McGoldrick e Gerson, 1995). Trata-se de um método
sistemático de investigação sobre o sistema familiar, e por conseqüência, de
sua organização, legados transgeracionais e dinâmicas da família. Pode ser
compreendido como uma forma inicial de exploração dos padrões e influências
presentes na família nuclear ou extensa utilizado para sumarizar padrões
relacionais atuais e passados do sistema familiar, incluindo ao menos três
gerações dos membros familiares com os quais se trabalha (DeMaria; Weeks e
Hof, 1999).
A linha da vida foi também utilizada enquanto técnica para investigar a
história da família e os momentos entendidos como marcantes por esta,
compreendidos pelos familiares como eventos de reajuste estruturais e
69
funcionais do sistema e seus membros. A linha da vida possibilita representar e
identificar visualmente transições do ciclo de vida familiar, de desenvolvimento,
interpessoais e de contexto (DeMaria; Weeks e Hof, 1999). Através da
elaboração da linha da vida familiar, torna-se possível identificar momentos de
“coincidências” entre eventos do ciclo de vida familiar ou individual e viabiliza a
perspectiva histórica de desenvolvimento familiar.
Para DeMaria; Weeks e Hof (1999) a possibilidade de identificar
transições normativas ou situacionais consideradas importantes pelos
pacientes e pelo clínico ou pesquisador, leva a conhecer o desenvolvimento
familiar sob a observação de questões como o atraso ou extensão de fases de
desenvolvimento do sistema familiar. As transições normativas são aquelas
observadas no desenvolvimento natural das fases da vida, por exemplo,
casamentos, nascimentos e mortes. Chamamos de transições situacionais
aquelas marcadas por momentos de crises ou rompimentos quais sejam,
suicídio, doenças, mortes acidentais, divórcios ou outros eventos, não naturais
ao ciclo familiar.
O genograma, associado à linha da vida familiar neste trabalho, podem
ser compreendidos enquanto “retrato geográfico da história e do padrão
familiar” (McGoldrick e Gerson, 1995, pág. 144), e possibilitam a visualização
da estrutura básica da família, sua demografia, seu funcionamento, seu
desenvolvimento e as formas de relacionamento presentes no grupo familiar.
3.3.3 – A Entrevista Familiar Semi-estruturada baseada no Calgary Family
Assessment Model - CFAM.
Utilizou-se a entrevista familiar semi-etruturada (Anexo 3) para investigar
fatores do funcionamento da família, que possibilitassem a identificação dos
70
papeis e funções de cada indivíduo dentro do sistema familiar. Para tanto foi
utilizada nesta pesquisa a entrevista semi-estruturada baseada no Calgary
Family Assessment Model (Wright e Leahey, 2005) que permite uma forma
sistemática de compreensão do funcionamento familiar.
O Calgary Family Assessment Model (CFAM) propõe a investigação dos
elementos descritos anteriormente, visando a dimensão estrutural subdividida.
Estes elementos fazem parte da compreensão de estrutura familiar proposta
por Minuchin, considerando que é possível identificar certas características
comuns entre famílias, embora cada uma delas seja única. A Calgary Family
Assessment Model proporciona uma fundamentação para a compreensão da
complexidade e particularidade das famílias, através da correlação entre
aspectos únicos apresentados por cada família e os conceitos de estrutura e
funcionamento familiar.
3.4 – Metodologia de pesquisa e da análise dos dados.
3.4.1 – Estudo de Caso.
Podemos afirmar que o crescente interesse em pesquisas de estudo de
caso foi desencadeado em função do impacto provocado pelos estudos de
caso nas ciências sociais, o avanço dos argumentos metodológicos que
justificam o formato de estudos de casos e, entre outros fatores, pelo fato dos
estudos de caso serem compreendidos como forma de diminuir a distância
entre pesquisa e prática nos campos das ciências sociais aplicadas (Moon e
Trepper, 1996, pág. 394).
Esta metodologia de pesquisa traz consigo a possibilidade de realização
de estudos aprofundados, analíticos e pode ser conduzida ou fundamentada
por diferentes posições filosóficas. O estudo de caso pode ainda ser relativo a
71
questões prospectivas ou retrospectivas, com metodologia qualitativa,
quantitativa ou mista de coleta e análise dos dados. Utilizam-se estratégias de
investigação para possibilitar o mapeamento e a conseqüente descrição e
análise de contextos, relações e percepções a respeito de situações,
fenômenos ou episódios focalizados pela pesquisa (Minayo, 2006).
A metodologia de estudo de caso pode ser subdividida em projetos
formais ou informais, relativos à condução e aos objetivos das pesquisas.
Neste trabalho utilizamos o projeto formal de estudo de caso por este ser
orientado para investigar fenômenos específicos, aumentar o conhecimento
sobre os mesmos e focalizar o avanço científico da compreensão das
condições humanas, fatores que coadunam com nossos objetivos. Segundo
Moon e Trepper (1996) trata-se de uma metodologia de pesquisa caracterizada
pelo aprofundamento do estudo de casos selecionados de forma específica de
acordo com os objetivos e com a utilização de múltiplas fontes de informação e
métodos de coleta de dados.
3.4.2 – A Análise de Conteúdo.
Utilizamos a análise de conteúdo como metodologia de tratamento dos
dados das entrevistas realizadas com a família escolhida. Todas as entrevistas
foram gravadas e transcritas integralmente.
A história da análise de conteúdo, enquanto técnica de análise de dados,
levou à construção de um esforço teórico, fundado tanto na lógica quantitativa
quanto na qualitativa, voltado ao objetivo de ultrapassar níveis de senso
comum e de subjetivismo na interpretação de dados e atingir uma vigilância
crítica frente ao comunicado, seja ele através de textos, entrevistas,
observações ou outras formas de comunicação (Minayo, 2006, pág. 308).
72
A análise de conteúdo pode ser definida como um conjunto de técnicas
com as quais se analisa a comunicação, que faz uso de procedimentos
sistemáticos e objetivos para a descrição dos conteúdos das mensagens
(Bardin, 1977, pág. 38). Esta descrição dos conteúdos das mensagens é feita
também sobre conteúdos inferidos, relativos a indicadores observados ou
descritos.
Com o objetivo de atingir um nível mais aprofundado de análise que
ultrapasse os sentidos manifestos expressos no material a ser analisado, a
análise de conteúdo parte de uma leitura “em primeiro plano” do material a ser
analisado. O aprofundamento é alcançado utilizando-se procedimentos que
levam à correlação entre estruturas semânticas ou significantes, e estruturas
sociológicas ou significados dos enunciados. Este é resultado também de um
tratamento de dados que os correlaciona e contextualiza em seu lugar sócio-
histórico-cultural (Minayo, 2006 pág. 308; Bauer, 2000 pág. 192), e visa à
consistência interna das operações. Segundo Silva (2007 pág. 73) a
contextualização é fator indispensável para que os resultados se mostrem
relevantes e tenham importância de divulgação.
Assim, a análise de conteúdo vai além dos conteúdos de fala, passando
por todos os materiais ou códigos aos quais o analista tem acesso, por
exemplo: palavras, frases, e silêncios. Busca-se deixar a “leitura simples do
real” (Bardin, 1977) para chegar a uma análise exaustiva dos conteúdos a fim
de checar ou testar hipóteses, definir planos de investigação ou intervenção
através de uma compreensão mais apurada do objeto de estudo investigado.
Para atingir a consistência interna da análise, considera-se que esta deva
ser objetiva, com regras preestabelecidas e diretrizes que viabilizem a
replicabilidade dos procedimentos e resultados dos mesmos; e sistemática, de
73
maneira que o conteúdo seja trabalhado em categorias selecionadas em
função dos objetivos estabelecidos. Segundo Franco (2003, pág. 24 citado
em Silva, 2007)
O que está escrito, falado, mapeado, figurativamente
desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o
ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto
(seja explícito e/ou latente) (pág. 73).
A análise de conteúdo pode ainda ter a característica quantitativa de
freqüência de ocorrência dos temas, correlacionada com a importância dos
mesmos em função de seu maior número de recorrência no material analisado,
não sendo uma exigência entre todos os teóricos da análise de conteúdo,
segundo Minayo (2006).
Para analisar os dados coletados em nossa pesquisa, entre as diversas
modalidades de Análise de Conteúdo, utilizamos a análise temática, por ser a
mais apropriada para pesquisas em saúde (Minayo, 2006, pág. 309) e por ser a
mais utilizada para o trabalho com entrevistas como as realizadas por nós.
Segundo Bardin (1977, pág. 105) o tema é compreendido enquanto
“unidade de significação” a qual se mostra em um texto analisado, de acordo
com a fundamentação teórica utilizada como base para o olhar que se traça
sobre o que se lê. A análise temática é a busca por descobrir núcleos de
sentido componentes da comunicação, marcadores de uma freqüência ou
presença que estejam vinculados ao objeto visado pela análise (Minayo, 2006,
pág. 316).
Minayo cita três etapas constituintes da análise de conteúdo, a saber:
1. Pré-análise: que consiste em escolher o material a ser analisado e
retomar os objetivos e hipóteses da pesquisa. Durante esta etapa do trabalho,
74
são determinadas a unidade de registro, a unidade de contexto, os recortes, a
forma de categorização e a modalidade de codificação e conceitos teóricos a
serem utilizados para a análise.
Esta fase pode ser decomposta nas seguintes tarefas:
a) Leitura flutuante; b) Constituição do corpus e c) Formulação e
reformulação de hipóteses e objetivos.
2. Exploração do material: etapa que tem por objetivo alcançar os núcleos
de compreensão do texto. Categorias são encontradas de maneira a organizar
o conteúdo da fala. Escolhem-se as regras de contagem e realiza-se a
classificação e agregação dos dados, em categorias teóricas ou empíricas, às
quais especificam os temas.
3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: fase em que os
dados brutos são tratados estatisticamente com o objetivo de destacar as
informações obtidas. Partindo do destaque, interpretam-se os dados e infere-se
sobre os mesmos, sempre com a fundamentação da teoria que baseia o estudo
e a leitura dos dados.
Estas etapas foram seguidas por s no trabalho de elaboração desta
dissertação, como forma de tratamento dos dados analisados, detalhados e
discutidos a seguir.
75
4 – Resultados e Discussão
De acordo com o TCLE os nomes, trabalhos e as cidades de moradia da
família estudada foram alterados ou descritos de maneira a preservar o sigilo
ético. Este procedimento buscou preservar o sigilo para além da alteração dos
nomes dos participantes, uma vez que compreendemos tal sigilo extenso ao
que tange dados relacionais e intra-psíquicos a serem preservados.
No entanto, considerando a complexidade do estudo de caso, seu
detalhamento tornou-se importante para o conhecimento do funcionamento e
da estrutura familiar, assim como da dinâmica e do funcionamento individual
dos participantes da pesquisa. Porém, tal detalhamento está devidamente
autorizado pela assinatura do TCLE, conforme especificado anteriormente.
Ainda como forma de preservar os procedimentos éticos da pesquisa,
ficou assumido o compromisso de encaminhamento do material resultante
desta pesquisa aos profissionais e terapeutas responsáveis pelo
acompanhamento do caso da família estudada, para sua discussão.
O retorno à família será dado em um encontro com todos que
participaram das entrevistas para coleta de dados, após a defesa desta
dissertação. Neste encontro, relataremos as reflexões sobre a família e
reforçaremos o encaminhamento para terapia familiar, realizado durante as
entrevistas como resposta à demanda apresentada pela própria família.
4.1 – A PANSS, os sintomas e o sofrimento identificado na família.
Para levantamento de dados necessários para o preenchimento da
PANSS Escala das Síndromes Positiva e Negativa, descrita anteriormente,
realizamos uma entrevista focada na temática ‘crise’ com os familiares
76
presentes à ultima crise identificada de Donato, ocorrida no mês de agosto de
2006.
Estiveram presentes: Donato, o paciente identificado, através de quem
entramos em contato com a família estudada; Dinalva, irmã mais nova de
Donato; Dário, irmão de Donato; Élia e José, respectivamente mãe e pai de
Donato. Como entrevistadores estávamos eu e um auxiliar de pesquisa, aluno
estagiário do GIPSI, que havia trabalhado com o instrumento utilizado em
seu projeto de iniciação científica. Fizemos o levantamento de sinais e
sintomas proposto pela PANSS de forma retroativa, considerando informações
da entrevista sobre as crises e de relatos em prontuário do HSVP, levantadas
anteriormente pela equipe de pesquisa. Tal levantamento retroativo deveu-se à
necessidade de verificar a forma de apresentação dos sintomas quando
Donato esteve em crise. Consideramos neste estudo, a crise como momentos
de exacerbação do sofrimento que resultaram em internações hospitalares.
Após a entrevista julgamos os itens propostos pela PANSS e chegamos
a um resultado positivo conforme a escala aplicada, para o tipo sintomatológico
ao qual a PANSS se propõe mensurar. Tal resultado é relativo à identificação
de três ou mais sintomas com escore maior ou igual a quatro na escala positiva
de sinais e sintomas. No caso de Donato estes resultados são relativos às
dimensões “delírios, comportamentos alucinatórios, excitação, desconfiança e
hostilidade”, e a identificação de menos de três sintomas com escore menor ou
igual à 4 na escala negativa de sinais e sintomas, sendo eles “contato pobre e
dificuldade de pensamento abstrato”.
Este resultado condiz com um quadro de “psicose” ou sofrimento
psíquico grave de Donato. Achamos importante citar, para alem dos resultados
da PANSS, informações relevantes para nosso estudo observadas no
77
prontuário hospitalar de Donato e coletadas durante as entrevistas e no contato
com o psiquiatra particular que o assiste.
Consta em prontuário que Donato atualmente utiliza a seguinte
medicação: Carbolitium 300mg; Haldol 5mg; Biperideno 2mg; Captopril 50mg;
Propanolol 40mg.
Segundo dados sobre as internações,registro de quatro tentativas de
suicídio nas quais Donato relatou estar obedecendo a vozes e que levaram à
internações no HSVP. relatos de suposições de Donato sobre ser
soropositivo, diagnóstico negado em exames de sangue feitos posteriormente,
e relatos sobre sentimentos de culpa associada aos desejos sexuais. Consta
também que Donato fala sobre sentir-se culpado pelo trabalho que dá aos pais.
Não registros de comportamentos agressivos ou resistentes durante
as internações.
Houve relatos familiares sobre as crises de Donato com destaque à
primeira, na qual Donato ficou muito emotivo, abraçando os irmãos e dizendo
que os amava e não queria perdê-los, conforme relatado na linha da vida da
família. Outra crise que recebeu destaque aconteceu em um apartamento onde
a família nuclear residia. Durante esta crise, Donato trancou-se no apartamento
enquanto os pais estavam na missa. Seu irmão Daniel arrombou a porta do
apartamento atendendo ao pedido de José e então Donato trancou-se em seu
quarto. Nesta crise Donato dizia que seus pais eram demônios e permaneceu
em seu quarto onde tinha guardado comidas e onde armazenava sua urina em
potes e defecava em um lugar específico, dentro do quarto. Ocorreu uma
tentativa de suicídio por enforcamento e os familiares decidiram interná-lo.
78
A terceira crise descrita pela família, também narrada na linha da vida
familiar, aconteceu no final do ano de 2006 e resultou em internação após uma
tentativa de suicídio com uma faca, obedecendo ao comando de vozes.
Donato não foi mais internado desde o final do ano de 2006, porém,
durante a entrevista para preenchimento da PANSS, nos foi relatado que
Dontato está muito agitado à noite, perambulando e falando sozinho. Frente ao
incômodo pela situação atual do filho, José ameaçou interná-lo e foi impedido
por Élia de chamar os bombeiros para levar Donato ao HSVP mais uma vez.
Podemos notar muitas mudanças de medicação durante o período de
2002 a 2007, conforme registrado em prontuário. Percebe-se que a medicação
altera-se ao longo do tratamento, no entanto, os princípios ativos e objetivos do
tratamento farmacológico são mantidos. Descrevemos na tabela a seguir, a
funcionalidade e as medicações utilizadas por Donato nos últimos 5 anos:
Tabela 1.
Antipsicóticos Ansioliticos Anti-
histamínicos
Estabilizadores
de humor
Antidepressivos Hipertensão
arterial
Levomepromazina
/ Neozine
Rivotril Prometazina
/ Fenergan
Ácido Valpróico Imipramina Captopril
Zyprexa Diazepam Biperideno Lítio Fluoxetina Propanolol
Haldol
Carbamazepina
Carbolítium
Também notamos que há um período em que Donato tomava uma
medicação de complemento ou reposição de secreções tireoidianas (Euthyrox).
Frente a este fato, procuramos nos informar sobre possível alteração de
tireóide de Donato e segundo relatos dos pais e do próprio Donato, ele não tem
nenhum transtorno de tireóide. Este fato pode ser atestado ainda, ao
observarmos a medicação atual, onde não consta nenhuma medicação para
transtorno de tireóide.
79
Durante as entrevistas familiares fomos informados que Élia e José
também estão utilizando medicação antidepressiva. Além do acompanhamento
de Donato e da família pela equipe do programa “vida em casa” do HSVP, eles
também são atendidos por um psiquiatra particular que receitou à Élia e a José
a utilização de Fluoxetina.
Entramos em contato com o psiquiatra que atende a família em busca de
levantar mais dados. Este nos informou que a fluoxetina foi receitada a Élia por
esta apresentar um quadro de depressão e a José para um controle de
ansiedade.
Segundo o psiquiatra, Donato apresenta um quadro de Esquizofrenia
Paranóide CID-10 F20.0 (Anexo 1). Ele relata que Donato costuma
abandonar o tratamento medicamentoso e que em função disso, administra
Clopixol intramuscular, neuroléptico utilizado para o controle de sintomas
psicóticos.
Assim, vemos que atualmente Donato toma diversas medicações
voltadas ao tratamento de sintomatologia psicótica, estabilizadores de humor,
pressão alta e depressão porém ressaltamos que Donato possui preservadas a
cognição possível de observar em nossos contatos e mostra-se funcional,
apesar da medicação e da história de internações.
80
4.2 - Genograma familiar e apresentação dos familiares.
Durante duas entrevistas com a família estudada, estruturamos o
genograma apresentado a seguir. As entrevistas para elaboração do
genograma foram realizadas na residência do casal parental da família atual.
Não estavam presentes a todas as entrevistas: Dalva, por residir em outra
cidade muitos anos, e Daniel, que faltou à segunda entrevista. A equipe de
pesquisa nesta fase da coleta dos dados estava composta por mim e por uma
auxiliar de pesquisa, aluna do GIPSI.
Devemos destacar a importância relacional das famílias nucleares de
origem, descritas no genograma, escolhidas para serem representadas aqui ao
estarem marcadas por relações importantes com a família atual.
A família de origem do senhor José é influenciada pela família de origem
do senhor Josefo, pai de José, principalmente em função do quadro de
sofrimento mental do senhor Otávio e da senhora Inês, respectivamente avô e
tia de José. A história familiar de José se reflete até os dias atuais nas relações
do senhor José com centros de atenção à saúde, com religião e com o quadro
de sofrimento psíquico do filho Donato, indicando um fator transgeracional do
sofrimento, associado ao papel familiar de José.
A família de Élia é marcada por um quadro de epilepsia de uma de suas
irmãs. Este fato mostrou-se importante para nosso estudo ao verificarmos que
houve uma retomada de contato entre Élia e sua mãe, após o
desencadeamento do quadro de epilepsia de Zaida.
Nem todas as relações e suas formas de estabelecimento estão
marcadas no genograma, por termos escolhido representar apenas as mais
81
recorrentes no discurso ou marcantes como influentes para o grupo familiar, de
acordo com as falas durante o processo de coleta de dados.
Destacamos ainda o não preenchimento de todos os dados dos membros
da família extensa, por não termos tido acesso a eles. Por exemplo, ao falar
sobre a família extensa de seu pai, José não soube informar os anos de
nascimento de seus tios, seu avô e sua avó assim como de seus pais e seus
irmãos. Desta feita, não foi possível preencher todo o genograma da família
nuclear de Otávio e sua esposa e de Josefo e Fabrícia. Limitamo-nos a marcar
as pessoas que apresentaram algum tipo de sofrimento reconhecido pela
família, como foi o caso do suicídio de um dos filhos e de um dos netos de
Otávio e os óbitos de dois dos irmãos de José. Com relação à família de Élia,
também não foi possível saber os anos de nascimento dos filhos de Zacarias e
Lea, então marcamos apenas a epilepsia de Zaida.
Em função de não haver contato freqüente da família de José e Élia com
os filhos dos respectivos irmãos dos dois, não estão representados no
genograma os casamentos e filhos da família extensa de ambos. Embora este
fator não esteja representado, ressaltamos que uma família numerosa é
valorizada pela família nuclear estudada. Os dados representados neste
genograma serão discutidos em concomitância com os dados da linha da vida
familiar, relatados no item seguinte neste trabalho, com os dados da entrevista
familiar semi-estruturada e com as informações relativas ao sofrimento psíquico
diagnosticado na familia.
Estruturamos o genograma de acordo com as regras de organização e
legendas propostas por Carter e McGoldrick (1995), fazendo sua análise a
partir da mesma bibliografia associada à proposta de interpretação de DeMaria;
Weeks e Hof (1999), conforme vai a seguir:
82
Falhecida aos 4 anos por
afogamento
Falhecido com
aproximadamente um ano
por pneumonia
Adoção após perda de
filho biológico e diversas
tentativas frustradas de
gravidez
Morte por suicídio
Morte por
suicídio
O filho homem tem problemas mentais e as
filhas mulheres tomam medicação controlada
Epilética
Josefo Fabrícia
1941
Jose
66
Josué Josimar Josinei Lucrécia Luana
4
Jacó
1
Jonas Janiel Lana Lindaura Josias Joaquim
1916 - 1998
Zacarias
82
1922 - 1987
Léa
65
Elaine
1943
Elia
64
Eleni Elineida Esia Elizete Lucin Zadoque Zaida Marcondes Elinaura Zenóbio
1964
Dalva
43
1965
Daniel
42
1966
Damiana
41
1968
Dario
39
1969
Delbert
38
1971
Dinalva
36
1974
Donato
33
2001
Gustavo
6
1995
Amélia
12
2005
Natanael
2
1989
Alex
18
1991
Marta
16
1996
Haidê
11
2001
Pilar
6
1994
Éder
13
1999
Adalberto
8
2001
Aniela
6
Otávio
Inês
?? ? ? ? ?
1995
12
Homem Mulher Morte Aborto espontâneo
?
indivíduo não identificado
Relacionamento muito estreito Relacionamento conflitual Fundido e conflitual Relacionamento distante
Compartilhamento de residência Casamento ou união conjugal Separação Divórcio Filho adotado
83
As relações compreendidas por nós como relacionamentos muito
estreitos, relacionamentos conflituais, fundidos e conflituais ou distantes serão
melhor descritas a seguir.
Cabe esclarecer que a relação de Dinalva e Donato, representada como
“conflitual” em nossa figura é na verdade compreendida como “relacionamento
muito estreito”.
Relação de Otávio e José:
Otávio, avô de José, teve problemas psíquicos descritos por Jocomo
causadores de grande sofrimento para a família. De acordo com o relato de
José, os problemas de Otávio começaram a se apresentar na forma de uma
preocupação muito grande com visitas, arrumação da casa e comida. Esta
preocupação recorrente o fazia despertar a noite e ficar acordado. Atordoado
em tal situação, seus filhos o internaram após várias tentativas de tratamento.
Otávio esteve internado por aproximadamente três meses em um manicômio
do interior de Minas Gerais e após sua alta viveu na casa de seu filho Josué
por aproximadamente quarenta dias, uma vez que não tinha condições de
voltar a viver em sua casa, pois era viúvo à época, e vivia por não poder
conviver com pessoas.
Quando saiu da internação, estava sem lucidez alguma, segundo José.
Este fato o impressionou muito, pois tinha quatorze anos e percebia a falta de
lucidez de seu avô em convívio diário. Ao falar da época, José relata um
episódio em que seu avô pediu para que ele chamasse o padre da cidade.
Atendido pelo neto, ao chegar o padre, Otávio o recebeu com agressões e
cuspes na cara, após o padre ter “confessado” (sic.) a todos. Este episódio é
84
relatado por José como marcante com relação a sua historia de pessoa católica
e cuidadora do avô. Para José este foi um trauma em sua vida.
Logo após este acontecimento o pai de Jo voltou de viagem
(aparentemente ele era caminhoneiro na época) e levou Otávio ao manicômio
mais uma vez. Otávio morreu no hospital durante a segunda internação.
Ao relatar este período de sua vida, José fala de quando teve problemas
sérios de estômago e de coração sem tratamento possível pela medicina. Na
época com aproximadamente 20 anos, procurou outras formas de tratamento e
obteve a cura em um sanatório espírita em outra cidade pequena, do interior do
estado, onde viu muitas pessoas sofrendo e diz:
“Aí você , essa história de louco, totalmente nu, sem roupa, se
enforcavam. É um quadro muito pior do que do São Vicente de Paulo.
Muito pior. E o que dói no meu coração é o seguinte, naquele tempo eu
vi, era solteiro, jamais imaginava que era, que aquilo poderia ser uma
coisa humana, pensava até que aquilo seria um castigo de família. E
esses castigos de família, m que acontecer comigo também. (...) Esse
quadro. Esse quadro que eu vi lá, aos 14 anos depois aos 21 no
sanatório, agora sou obrigado a vivenciar.” (...) “Vi louco completamente
louco. Acabava de defecar, pegar e comer normalmente. Vi coisas
horríveis no sanatório de lá.” (sic)
Neste trecho de fala durante a entrevista de organização do genograma,
José comenta sobre sua experiência de convívio com pessoas em sofrimento
psíquico, associando sua experiência anterior ao quadro se sofrimento psíquico
que seu filho Donato apresenta e que resulta em internações no Hospital
Psiquiátrico em períodos de crise.
Nota-se a importância do relacionamento de José com seu avô Otávio,
por esta relação estar diretamente ligada à maneira como José identifica a sua
85
forma de vida atual como cuidador do filho Donato, e com o papel que ele
atribui ao sofrimento próprio e relacional em sua vida. Ainda como fator
marcante deste papel de cuidador, José fala sobre sua função de colocar
dinheiro em casa a partir dos 14 anos, pois seu pai jogava frequentemente,
apostava e perdia dinheiro e passava muito tempo viajando. Também destaca
seu papel de cuidador da tia paterna, Inês, que era epilética, a quem ele
cuidava durante suas férias da escola. Ao falar sobre o sofrimento de cuidar de
quem sofre, José fala:
“É, eu vim a esse mundo, sabe, não renego, não estou contrariado. Se
isso é conforme Jesus diz assim: “O ouro, a prata tem que ser bitolado,
tem que ser trabalhado para se tornar aparentemente bonito.” Então eu
sou aquele tipo. Sou aquele tipo. Trabalhei até os nove, fui ajudando a
cuidar da minha filha (referindo-se à tia Inês). A única época de lazer que
eu tinha era férias. Aos 14 eu vi o quadro que a gente falou. Sabendo
de tudo, embora criança. O mais responsável, que era o mais velho da
casa, né. Aquela preocupação continuava, , quando eu vi o meu avô
partir da minha casa para o internamento fatal.” (...) “Tô assumindo isso
(olhando para o filho), não é contrariado. Se Deus me mandou para ser
bitolado, para procurar minha salvação, minha santidade, que seja feita
vontade dele.”
Podemos ver que embora Otávio tenha falecido durante o período da
adolescência de José, este vínculo marcou sua vida em sua relação com a
religião e com a saúde mental das pessoas que participam de sua vida. A
importância de tais valores constituintes de José enquanto pessoa são
importantes, fundamentalmente por desencadear todo um pensamento próprio
sobre o sofrimento psíquico e o papel de Jo de cuidar de pessoas a quem
ama e que sofrem.
86
Relação de Zacarias e Élia:
Quando confeccionávamos o genograma da família de origem de Élia,
tivemos dificuldades em completar as informações uma vez que Élia dizia não
lembrar-se de quase nada. Aos poucos ela foi relatando sua relação com pais e
irmãos, dizendo sempre ser muito passiva. Cuidava da casa e das irmãs, era
muito obediente, sempre ocupando um lugar passivo e cuidador.
Quando perguntados sobre a relação dela com pai, Élia e José contaram
que ele bebia muito e a agredia com um canivete, batendo em sua cabeça para
mandar que ela continuasse com seus afazeres domésticos. Élia afirma que
ninguém a protegia e que sua mãe dizia que seu pai não “regulava” bem.
Segundo José, ao ser agredida pelo pai, Élia chorava muito, mas ninguém a
ajudava.
O pai de Élia se afastou da filha em função do casamento com José,
pelos mesmos motivos que levaram a mãe de Élia ao afastamento. O contato
com ele foi retomado após o nascimento de Damiana, antes da retomada de
contato de Élia com a mãe, que só ocorreu após o desencadeamento do
quadro de epilepsia de Zaida, irmã de Élia, conforme relatado anteriormente.
Relação de José e Josué.
A relação entre os irmãos sempre foi complicada por existirem muitas
competições, assim, classificamos esta como uma relação conflitual. Segundo
José, foi em função de discussões entre os dois e difamações que seu irmão
fez sobre ele, que ocorreu a primeira mudança de cidade de residência da
família, de Minas Gerais para Goiás.
87
A família estudada relata que sempre houve muita comparação entre as
duas famílias nucleares e que imaginam que estas foram desencadeadas por
inveja do estatus social da família de José, que conseguiu melhorar
financeiramente com negócios próprios. Segundo os filhos de José, o tio e os
primos sempre competiram com eles, e eles sempre os ajudaram,
aconselhando nos negócios, oferecendo oportunidades de trabalho.
Atualmente vivem todos em Brasília. Joe seus filhos homens afirmam
que m um relacionamento mais tranqüilo, porém ainda acontecem
comparações com relação às posses materiais das famílias. José diz que
sempre reza muito pela família de seu irmão e que acredita que suas preces o
ajudam a melhorar na vida, acalmar momentos de crise financeira e outros
conflitos. Ressaltamos mais uma vez, a relação entre a conflitos afetivos e a
religião de José.
Foi através dos relatos sobre a relação entre a família nuclear do José
com a família nuclear de Josué que nos foi possível verificar a importância
atribuída pela família de José como um todo, ao dinheiro, ao estatus social
decorrente dele dentro das próprias relações com a família extensa, e o lugar
do trabalho como fundador de um espaço de independência e de negociação
de poder dentro do grupo familiar.
Relação de Josefo e Daniel.
Ao fazermos a linha da vida da família, chegamos ao período entre os
anos de 1975 e 1980, durante o qual Daniel viveu uma relação muito próxima e
íntima com seu avô. Neste período Josué viveu na casa da família de José por
dois anos, durante os quais compartilhou o quarto com Daniel.
88
Os outros filhos lembram-se do avô como pessoa afetuosa, mas que
mantinha seu quarto trancado, provocando um mistério, ao qual só Daniel tinha
acesso. Daniel refere-se ao avô como confidente e conta sobre um grande
sentimento de perda após a morte do avô. Esta foi anunciada a José pelo
próprio Daniel, que viajou para encontrar o pai e contar sobre o falecimento do
avô. Nesta época, Josué não residia mais com a família de José, morava,
então, em Minas Gerais com seus irmãos.
Relação de José e Daniel.
José refere-se a Daniel como o filho em quem confia para confidenciar
certas questões práticas da vida diária. É Daniel quem aconselha o pai em
negócios, por exemplo.
Daniel é sócio de Dário em uma empresa na qual exercem um dos ofícios
que o pai também exerceu e que ensinou aos filhos. Vemos que um legado
aos filhos, marcado pelo trabalho.
Daniel, por ser o homem mais velho dos filhos, ocupa um lugar de
proximidade hierárquica com o pai, no sistema familiar. Este lugar é ressaltado
quando Daniel fala ser o conselheiro do pai e o pai concorda. Dizem que
conversam quando algo tem que ser decidido. Vemos este papel também com
relação aos cuidados de Donato. Ao relatar uma das crises que resultaram em
internação de Donato, foi Daniel que o pai chamou para ajudá-lo a contornar a
situação na casa e levar Donato ao hospital.
Relação de José e Damiana
Damiana ocupa um lugar muito característico na família. Atualmente é
quem se encarrega de conseguir médicos, acompanhar tratamentos e
89
acompanhar a situação de saúde dos pais. As entrevistas 3, 4 e 5 foram
realizadas em sua casa.
Durante um dos contatos telefônicos para marcar e confirmar as
entrevistas, papel que ela assumiu a partir do terceiro encontro com a equipe
de pesquisa, Damiana nos relatou uma confidência com o pai relativa ao sexo
entre ele e sua mulher. Contou que sempre teve um lugar muito próximo ao
pai, sendo com ela que ele conversava sobre questões afetivas.
Damiana teve conflitos com o pai à época em que engravidou e ainda era
solteira. Tal conflito foi resolvido após seu casamento com o atual marido, pai
de seus dois filhos.
Atualmente Damiana ocupa um lugar centralizador da família, com a
função de organização de eventos familiares, organização de tratamentos de
saúde e promoção de contatos mais freqüentes com Dalva, que mora em
Recife. Damiana sempre protege o pai nas discussões. Embora por vezes o
critique, ao final sempre o elogia, o acarinha e protege das criticas dos demais
filhos. Este relação pode ser identificada como uma aliança entre membros,
assim como a relação de José com Daniel.
Relação de Donato e Dinalva
Dinalva é a irmã mais próxima de Donato, tanto em idade quanto em
convívio durante a infância, a adolescência e na época atual. Durante a
infância, pela proximidade das idades dos dois, vivenciaram muitas coisas
juntos, de forma diferente da vivencia dos outros irmãos. Este dado é visto no
relato não dos dois, mas de toda a família. Um exemplo da maneira como a
família identifica as vivências compartilhadas de Donato e Dinalva é quando,
90
durante a elaboração da linha da vida familiar, os pais falam sobre o período de
tempo logo após 1974:
“E eu também tava distante, né?! Tava morando sozinho. As duas vezes
que eu me distanciei, afetou a Dinalva, né?!” (José)
“Afetou os dois: a Dinalva e o Donato”. (Élia)
Nota-se que nesta fala o pai refere-se apenas à falta de Dinalva e não
comenta sobre Donato, sendo lembrado pela e sobre a importância da falta
do pai que os dois sentiam logo nos primeiros anos de vida.
Atualmente Dinalva voltou a viver na casa dos pais, após separar-se do
esposo. Dinalva conta sempre sobre conversas com seu irmão e ocupa um
lugar de denuncia de comportamentos e exposição de questões afetivas de
todos os membros da família, durante as entrevistas. Donato refere-se à irmã
como uma pessoa a quem admira, chamando-a de “heroína” tanto por sua
maneira direta e brincalhona de falar com ele, quando com relação ao tempo
em que Donato trabalhou na empresa de Dinalva, época vista pelos dois como
muito produtiva e boa para a saúde de Donato.
É imprescindível relatar aqui o lugar de co-entrevistadora, ou mesmo de
“co-terapêuta”, ocupado por Dinalva durante o processo de coleta de dados
para este trabalho, diretamente atrelado à seu papel familiar de denunciar
questões familiares. Dinalva denuncia acontecimentos e sentimentos da época
da adolescência dela e de Donato, relativas à possibilidade de independência
dos filhos, da forma como o pai usualmente se comunica com ironia, da
maneira como os irmãos dificilmente admitem que não confiam em Donato,
entre outras questões.
Durante uma das entrevistas, Dinalva fala da relação entre os pais e
Donato, referindo-se a esta como geradora de um profundo incômodo para ela,
91
estando a seu ver, diretamente associada ao sofrimento psíquico de Donato.
Tal relação foi percebida por Dinalva quando esta voltou a morar na casa dos
pais, após sua primeira separação. São essas as palavras de Dinalva:
“Então, as implicâncias, parecia um triângulo amoroso. E as diversas
vezes que a gente parou para conversar, eu falei ‘vamos parar, tem
uma mulher aqui para ser amada’. Então nesta época eram implicâncias
que eram de falta de respeito à individualidade do Donato, e por sua vez,
de falta de respeito ao casal, à eles serem casados. (...) Eu sou mais
direta. falei para minha mãe que no dia que meu pai morrer o Donato
sara. No dia que meu pai morrer acaba o problema. (...) Eu usava isso
(falar sobre o triângulo) muito há uns nove anos atrás. Eu via isso,
quando eu saía de um casamento e não tinha filhos e era muito mais
fácil eu retornar para a família, mas naquele momento eu não me senti
retornada. A relação parecia uma laranja. Eu tentava entrar e não
conseguia, no grupo dos três”. (Damiana)
Relação de José e Élia
No início da relação entre o casal parental, vemos alguns fatores
importantes para a compreensão da configuração familiar atual e as relações
entre os pais e entre pais e filhos da família estudada.
Segundo relatos de José, no início do namoro com Élia ele também
namorava com outra moça, de quem se separou e ficou apenas com a atual
esposa, após as doenças em seu coração e seu estômago. Estas doenças
curadas por um médium, episódio já comentado anteriormente.
Casaram-se a contragosto dos pais de Élia, depois de aproximadamente
um ano de namoro. No início do casamento o casal sofreu muito com ciúmes,
brigando muito e necessitando da interferência de terceiros para que as brigas
92
não se tornassem mais sérias. Nunca houve agressão física entre eles, a não
ser um dia em que Élia, grávida de Damiana, deu um tapa em José depois dele
ter colocado o sujo em sua cara, a princípio como uma forma de mostrar a
ela que ela não o amava, segundo o próprio José.
Na época em que o ciúme entre o casal estava mais marcante, José
apresentava comportamentos obsessivos, na busca de encontrar o suposto
amante da esposa. Nestes anos iniciais do casamento, José trabalhava como
caminhoneiro, viajava muito e ao voltar sempre desconfiava de traição. Élia
conta que o ciúme era extremo, e a ofendia, pois nunca traiu o marido. José
chegou a desconfiar que Damiana não era sua filha o que levava a Élia afirmar
que se o tivesse traído, gostaria que Deus matasse a ela e a sua filha. Sobre a
época, Élia fala:
“Eu sofri demais com isso. Desse problema dele, né?! Ele ficava pensando
mal de mim sem eu dever.” (Élia)
José conta que viu o diabo nessa época, que era ele seu suspeito de
traição e que estes fatos todos ocorreram porque uma pessoa teria feito
macumba para atrapalhar sua vida. O problema do ciúme começou a ser
solucionado no dia em que um médium consultado por José, encontrou objetos
enterrados na casa em que viviam, o que provocou uma mudança residencial
da família. Os filhos afirmam que “Deus abençoou o lar” e assim, o ciúme de
José diminuiu após o nascimento de Damiana e também em função da
mudança de ofício de José, que parou de trabalhar como caminhoneiro e
passou a trabalhar em uma oficina montada em casa.
Após a mudança para a cidade no interior do estado de Goiás, José
experienciou mais uma vez problemas com ciúme. Desta vez, sentia-se
culpado pela iminência de desejar outras mulheres, uma vez que se sentia
93
muito longe de sua esposa e esta sentia ciúme por não estar com o marido.
A solução encontrada por José foi procurar a Igreja. O padre da cidade havia
fugido com uma mulher, a igreja estava fechada. José a reabriu e organizou os
cultos, tornando-se, na prática, o padre da pequena cidade. Tal fato é relatado
pela família como sendo de grande importância para todos.
“Optei pela igreja católica, que padre tinha ido embora com a única
mulher da saúde” (...) “Aí o José assumiu, pronto. O José assumiu.
Quando ele buscou a família, sabe, ele tava tomando conta do culto
há seis meses.” (José)
“Tomei conta de uma comunidade 12 anos. Então, queria ou não queira,
eu era o exemplo pros meus filhos. Praticamente eu era um padre não
convertido”. (José)
“Virou o padre da cidade...” (Damiana)
“Meu pai era um pastor, quase...” (Delbert)
Após esta faze da família e da relação do casal ser marcada pelo ciúme e
as fantasias de traição de José, houve uma outra época importante para a
família e para o relacionamento do casal. Segundo José, ele tomava haldol
para dormir e fazia acompanhamento psiquiátrico em Brasília, pois sofria de
muito medo, temia morrer, temia ver profissionais de saúde pois havia recebido
um diagnóstico de doença incurável aos 19 anos. Nesta época a família vivia
no interior de Goiás, Donato tinha aproximadamente um ano de vida. Sobre
essa época, Élia conta sobre José e a culpa associada à fantasia de traição,
mais uma vez:
“É. Ele tinha medo de tudo. Ele achava que se, se ele olhasse para uma
mulher, ele tava pensando que tava desejando ela. Ele tinha medo de
conversar, até com mulher.” (Élia)
94
E José fala que em uma conversa com o psiquiatra chegou à seguinte
conclusão:
“Meu maior medo é de olhar pra mulher. Olhar nos olhos da mulher. Por
quê? Eu tinha prometido fidelidade à minha esposa, sabe, e o meu
pensamento pecava, sabe. Contra qualquer olhar. Eu tô desejando a
mulher e eu tô errando contra a minha mulher e eu tô me prostituindo. A
palavra que eu usava era essa. Eu me prostituindo. Então aquilo para
mim era o problema maior do mundo.” (José)
Para dormir, tomava o haldol. José conta que deixou de tomar o remédio
por decisão própria após ler a bula da medicação e descobrir que a dose que
ele utilizava era para crianças, e achar então que seu efeito era psicológico e
que ele não precisava disso. Nessa época ele tinha aproximadamente 35 anos,
e então ele se reconheceu como sendo José, sobre este tema ele se refere
a si mesmo em terceira pessoa e conta que até ter 35 anos, não se conhecia.
Ao falarmos sobre este tema, Élia sentiu-se muito incomodada, dizendo já
não agüentar tais histórias. O tratamento psiquiátrico de José o obrigava a
viajar e deixar mais uma vez a família. Nesta época, Élia conta que se sentia
só.
Podemos ver que a relação de Élia e Josempre esteve permeada por
valores religiosos. Inicialmente este lugar da religião aparece como causadora
de conflitos com os pais de Élia. Depois, em face à magia de outra religião, o
casal sofre com o ciúme atribuído à macumba. Posteriormente José recorre à
religião para impedir que suas fantasias de traição se tornassem concretas.
Nota-se ainda que as curas e resoluções de problemas sempre estão
permeadas por orações, e estas assumem um lugar de solucionar conflitos.
Nota-se, ao conversar com o casal, que José sempre quer contar os fatos
de sua vida individual e familiar em detalhes, e que Élia mostra-se cansada das
95
histórias. Ela alega que já ouviu muitas vezes as mesmas coisas, que já
cansou de escutar os detalhes de tudo. Na ultima entrevista, ao falarmos sobre
um problema sério de saúde de José, Élia diz que ele conta sempre tudo para
todas as pessoas que conhece. Este problema de saúde impede o ato sexual
entre o casal e está presente desde o início deste ano. Aparentemente tal
doença está ligada à relação atual com Donato e ao desencadeamento de
pródromos.
Apesar dos fatos aqui descritos, corporalmente o casal parental sempre
está próximo, havendo toques e carinhos entre os dois. Aparentemente
cuidam-se muito, convivendo pacificamente nos dias atuais. Esta relação é
muito marcada pela convivência com Donato, a qual se melhor descrita a
seguir.
Relação de Élia e Donato.
O relacionamento entre mãe e filho é marcado desde o início da gravidez,
por diversos eventos importantes e que refletem até os dias atuais. A princípio,
Élia não queria mais ter filhos, porém engravidou de Donato e segundo ela,
Deus enviou-lhe mais um filho maravilhoso.
Durante a gravidez, Élia sofria de asma e usava muita medicação. Ainda
gestante levou um choque que a jogou longe, sendo outro dos fatores aos
quais ela atribui as dificuldades do parto.
O parto de Donato acarretou uma viagem da família até uma cidade com
hospital melhor equipado, como descrito na linha da vida familiar deste
trabalho. O relato sobre este acontecimento é confuso, porém afirmam que
embora tenham ocorrido complicações durante o parto, os médicos nunca
96
detectaram nenhum tipo de lesão neurológica decorrente dos problemas
ocorridos.
Élia e José se referem à sobrevivência de Donato como sendo milagre.
Tal significação também é vista quando Élia conta sobre um atropelamento
sofrido por Donato na infância o qual não chegou a machucar fisicamente o
menino. A família denuncia que Élia sentiu-se muito culpada pelo
atropelamento. A seu ver, o fato teria sido evitado se ela fosse mais cuidadosa.
Ao falarmos sobre a época atual e perguntarmos a Donato sobre sua
relação com a mãe e a possibilidade de colocar limites em invasões de
privacidade por parte dela, em sua vida, Donato diz:
“Eu brigo direto com minha mãe. Ela vai no meu quarto e quer até vestir
roupa em mim. Eu brigo com ela: -Mãe, pelo amor de Deus e. Eu
tenho 32 anos, por favor, deixa eu me virar sozinho com minha roupa,
com o meu cabelo! (...) Quanto a minha mãe é isso, ela me trata como
criança, é muito no pé.” (Donato)
Nota-se que Élia trata Donato de uma maneira diferenciada dos demais
membros da família. Quando entravamos em assuntos ligados às crises de
Donato, por exemplo, Élia sempre pedia para parar, dizendo que isso
incomodava muito a seu filho. Também foi possível observar que Élia sempre
parte em defesa de Donato frente a qualquer acusação ou crítica vinda de José
e direcionada ao filho caçula.
José refere-se à relação de Élia com Donato como sendo de extrema
proteção, fazendo até mal para o filho. Ele critica que ela deixa sempre muita
comida para Donato, o que faz com que o filho fique ainda mais obeso. Estes
comportamentos e características da relação de Donato e Élia também geram
ciúmes por parte dos irmãos e do próprio José, os quais foram perguntados
sobre o ciúme, respondendo todos positivamente e logo após justificando o
97
comportamento superprotetor da mãe em função de possíveis sentimentos de
culpa.
Ao mesmo tempo em que Élia demonstra sempre assumir um papel de
protetora ou defensora do filho mais novo, ela também o critica. Diz que ele é
preguiçoso e que sempre foi assim. Tal opinião é compartilhada pelo pai.
Percebemos que Élia duvida das capacidades de Donato e também da
possibilidade de melhora de seu quadro de sofrimento psíquico.
Élia é sempre muito afetuosa com Donato, assim como com os outros
filhos. Esta forma de relação da mãe com os filhos marca uma das ultimas
crises descritas pela família. Segundo Dário, antes da ultima crise de Donato,
ele e sua mãe estavam sentados juntos, assistindo televisão e fazendo
carinhos um no outro, em frente a Donato. Este, vendo a cena de afeto entre a
mãe e o irmão, levantou-se e retirou-se do ambiente onde estavam, falando
sozinho como costuma fazer. Logo após este episódio, Donato colocou fogo
nos colchões onde sua mãe estivera com seu irmão e algum tempo depois,
tentou suicídio pela quarta vez.
Vemos que existe uma relação fundida e conflitual entre Donato e Élia,
conturbada pela idéia de proteção versus a idéia de invasão de espaço. Donato
demonstra além do ciúme com relação à Élia, alguns outros sentimentos e
comportamentos compartilhados com o pai, conforme relatado no item a seguir.
Relação de Donato e José
José e Donato mantêm uma relação conflituosa e fundida, assim como é
a relação de Donato com Élia. Percebemos alguns comportamentos que se
repetiram ao longo do processo de entrevistas familiares para coleta de dados
e que chamaram nossa atenção para essa relação. Sempre que José contava
98
sobre seu ciúme por Élia, ou sobre suas experiências com saúde mental e o
sofrimento com seu avô Otávio, ou com sua tia, Donato chamava a atenção de
todos, começando a falar sozinho ou retirando-se do ambiente em que nos
encontrávamos. Este comportamento de Donato só aconteceu em contexto
diferenciado quando falávamos sobre a forma como a família lida com sexo.
Donato sempre é acompanhado às consultas psiquiátricas ou levado à
internação por seu pai. É José quem assume o lugar de decidir o que
acontecerá com o filho, no sentido de ser sempre ele que toma a iniciativa de
procurar atendimentos médicos, sendo as vezes impedido por Élia.
Percebemos que ao relatar a história dos dois, José sempre buscou
incentivar Donato a trabalhar, ensinando ofícios ao filho, assim como fez com
os demais. Porém, após as crises iniciais de Donato, José aparentemente
desistiu de ver seu filho trabalhando e aceitou o lugar de “doente” atribuído à
Donato.
Durante uma das entrevistas podemos perceber que Donato
frequentemente entra em conflito com seu pai. Quem acalma as discussões é
Élia, reprimindo José de formas variadas. O exemplo que tivemos foi relativo à
forma como José reagiu ao relato de Donato para justificar o fato de ele não
querer mais ser atendido pelo psiquiatra que acompanha a família atualmente.
Esta é uma parte do diálogo significativa para a compreensão da dinâmica
relacional dos dois. Ao perguntarmos como a família poderia ajudar Donato a
ficar melhor, ele responde:
“Eu preciso que acompanhem, porque eu vou falar a verdade, se vocês
acharem que é loucura, eu não vou gostar. Eu bem da cabeça, como
vocês estão vendo, eu bem, ouvi tudo e entendi tudo que vocês
conversaram. Fiquei na minha respondi na hora que me solicitaram,
mas o que eu vou expor é rio. A consulta com o Dr.Roberto, se vocês
99
quiserem acreditar, meu pai e minha mãe principalmente, acharem que
eu tô maluco, pode achar, que eu vou ficar chateado, eu vou. Eu fui em
umas duas consultas com ele, ele me aplicou... transparentemente, eu
não sei se você estudou a faculdade dinossauro, como essas que tem aí,
me aplicou floxicol
1
(sic) na coluna, acabou com a minha coluna.
Cheguei em casa com dor... sem sentir essa parte do nervo da coluna
todinha. Então, eu falei com ele, com o pessoal, que eu não gosto dele,
eu quero trocar. Já falei com todo mundo, com o pai, a mãe, não sei mais
quem, eu quero trocar. O pessoal não faz a mínima pra trocar. Eu não
a fim mais de levar injeção na coluna de jeito nenhum.” (Donato)
E o pai contra-argumenta:
“Ele é tão ruim médico, sabe, que ele nunca te deu uma injeção, ele
mandou a enfermeira aplicar essa que eu mais sua mãe toma, que ela
prevalece para 30 dias. Eu mais sua mãe toma todo dia, em comprimido.
Então o médico é muito ruim mesmo, porque mandou fazer uma injeção
que dá para 30 dias.” (José)
Durante a discussão desencadeada por este diálogo entre Donato e José,
Élia mostrava-se interessada em compreender o que havia acontecido no
consultório médico, quem havia aplicado a injeção em Donato. Perguntava
coisas ao filho, enquanto o pai discordava do relato de Donato.
Depois de algum tempo tentando explicar o que aconteceu e tendo seu
relato contraposto pelo relato do pai, Donato disse não querer mais participar
da entrevista, frente ao aparente apoio de Damiana às falas do pai. Neste
momento, perguntamos o que incomodava tanto Donato. Tal pergunta resultou
no seguinte diálogo:
1
O nome correto da medicação é Clopixol.
100
José: (...) “porque eu falei que o médico é ruim. Concordei com ele.
Mostrando um exemplo que ele é ruim. Quando ele encontrou o Dr. pela
primeira vez ele tava péssimo...”.
“Peço desculpas se eu fui falar aqui bem do médico, porque quem
cuidando de mim e da sua mãe é ele, tá? E com plena capacidade”.
Dário: “Mas pai, você tem que falar direito. Você e a Damiana”.
José: “Agora se ele não dá certo...”.
Delbert: “Vocês tem mania de falar em metáforas”.
Daniel: “Irônico, né?”.
Dário: “É, ele tem muito isso. Ironia machuca”.
Dinalva: “Exatamente. É a maneira como as coisas são ditas. E todos nós
tivemos com papai... todos nós fomos adolescentes. Todos nós tivemos o
papai, pela maneira que ele... Papai nunca encostou em mim e em
nenhum dos filhos. Mas assim, a explosão era sempre muito dura com
palavras, né? Hoje você sabe o tanto que ele se segura ”.
Nas falas acima, notamos que a ironia sempre esteve presente na
maneira de expressão de José. Tal característica é compreendida pelos filhos
como uma forma dura, comparada à agressão física, em sua função.
Outro fator marcante da relação entre Donato e Jo é a similaridade
entre vivências, embora com significações diferentes, atribuídas tanto por eles
mesmos quanto pelo restante da família. Ambos sofreram efeitos ruins em sua
vida, como conseqüência de macumbas feitas por mulheres. Os dois vêem o
diabo, sendo que Donato recebe ordens deste, quando em crise. Os dois
conversam sozinhos, mas José o faz com Deus e Donato não sabe, ou não fala
para os outros com quem esta conversando quando fala sozinho, e por vezes
refere-se às conversas como sendo visões. Donato e José também se
assemelham em relação às mulheres. Ambos se dizem muito mulherengos,
101
porém não lidam bem com o desejo, diretamente associado à culpa. Tal fato é
identificado na história de José e Élia descrita acima, e em dados de prontuário
de Donato, nos quais o médico relata que Donato esteve sentindo-se muito
culpado ao masturbar-se pensando em mulheres com quem não chegava nem
a conversar.
Esta similaridade de vivências é identificada pelo próprio Donato, como
vemos a seguir, quando este argumenta com José sobre sua experiência com
o psiquiatra que resultou na discussão apresentada neste texto. Donato fala
ao pai:
“O senhor não entende, pai, sabe? Eu tenho visões transparentes... Igual
o senhor tem visão de Igreja, que o senhor dorme, Deus conta as coisas
pro senhor, o senhor acorda, com revelação, , que o senhor falou? Eu
tenho visões transparentes, também, eu vejo o que as pessoas fazem
comigo. eu vi aquelas agulhas enfiadas em mim e a picada doendo.
Logo a coluna tava doendo.” (Donato).
Percebe-se ainda uma relação de dupla significação, pois ao
presenciarmos a discussão descrita acima e pensarmos em falas sobre o
respeito ao espaço pessoal de Donato, vemos que este por vezes refere-se ao
pai como uma pessoa que o respeita e o trata como homem.
Este dado se faz ver ao analisarmos a fala de Donato em uma outra
entrevista, quando relata a forma como o pai o trata em comparação ao
tratamento dado a ele pela mãe:
“Meu pai é melhor, me manda eu fazer as coisas, não vai ficar me
caçoando, né pai?! “ (...) “Isso, ele me trata como homem” (Donato).
Concluímos nossos comentários sobre a relação entre Donato e José
ressaltando que:
102
Donato identifica-se com o pai em sua vivência de sofrimento psíquico
com sintomatologia e conteúdo análogos, porém com atribuição de
significado à vivência diferenciada.
José ao mesmo tempo em que valoriza o filho, desvaloriza certas
atitudes e falas que vão de encontro à sua opinião.
Donato tenta buscar espaço de fala porém é limitado ao mesmo tempo
pela mãe e pelo pai, de formas diferentes. O pai desvaloriza seu lugar,
contra-agrumentando e a mãe o superprotege.
4.3 – A Linha da Vida Familiar e Mudanças no Ciclo de Vida familiar.
A linha da vida foi construída com a família durante três entrevistas. Foi
necessário este número de encontros, pois durante a elaboração da linha da
vida fomos coletando dados constituintes da entrevista semi-estruturada
baseada no CFAM.
Por conseguinte, preenchemos a linha familiar durante a segunda, a
quinta e a sexta entrevistas familiares. Estiveram presentes a estas entrevistas
todos os familiares participantes do processo de coleta de dados, sendo que
Daniel faltou à segunda entrevista e Dalva esteve presente no quinto encontro
via internet, utilizando o programa Live Messenger com Web Cam e som, após
concordar com os termos do TCLE. Ao sexto encontro, durante o qual se deu a
finalização da linha familiar, todos estiveram presentes, menos Dalva. Na
primeira entrevista de elaboração da linha da vida, eu estive levantando os
dados com a família, nas outras duas, estive acompanhada por um auxiliar de
pesquisa, estagiário do grupo GIPSI.
103
Compreendemos que na estruturação da linha da vida familiar se
possibilita a verificação da dimensão de desenvolvimento da família, proposta
pelo CFAM enquanto dimensão constitutiva da estrutura familiar.
O marco escolhido pela família para iniciar a linha da vida foi o começo do
namoro do casal parental. As demais datas seguiram ordens de nascimento,
mudanças de casa e cidade, casamentos dos filhos, nascimentos dos netos do
casal parental, mortes e as crises de Donato. As datas e acontecimentos serão
descritos de forma mais extensa a seguir:
1962 - José e Élia iniciam seu namoro (seis meses até o casamento).
1963 - Casamento de José e Élia / Conflito com a mãe e com o pai de Élia por
questões religiosas (diferença entre a religião da família de Élia,
protestante, com a do José, católico). Perderam o contato com os pais de
Élia.
1964 - Nascimento de Dalva. Élia conta que teve muitos enjôos. Nessa época o
pai de Élia já havia retomado a relação com a filha.
1965 - Nascimento de Daniel (fórceps). Retomada do contato com a Dna. Léa
(mãe de Élia) desencadeada pela epilepsia de Zaida (irmã de Élia), após
o nascimento de Daniel. Viviam em uma terceira casa, após o casamento;
1966 - Nascimento de Damiana. O casal discutia muito por motivo de ciúmes,
principalmente do José com relação à Élia. Nunca houve confirmação
nem mesmo suspeita fundamentada em fatos reais de traição por parte de
Élia. A mãe de Élia, Dna. Lea, apartava as brigas do casal. Nessa época
José passou a não viajar mais com muita freqüência (era caminhoneiro) e
a tomar atitudes como levantar o muro da 3ª casa onde viveram, para que
o sujeito com quem a mulher supostamente o traía não fugisse. Há relatos
104
de diversos comportamentos exacerbados como reação a suspeita de
traição da mulher, descritos no genograma.
1968 - Nascimento de Dário. Mudaram-se para a quarta casa. Damiana caiu
em uma cisterna e em um pote de cal. Com relação a esta época, José e
Élia relatam a falta de recursos financeiros.
1968 - Nascimento de Delbert. Neste ano, Dário com aproximadamente um
ano, quebra a perna.
1971 - Nascimento de Dinalva. A família muda-se da cidade de origem para
uma cidade em Goiás como forma de evitar conflitos com Josefo, irmão
de José, que o havia “difamado” (sic). Antes de mudar com a família toda,
José passou seis meses procurando moradia e trabalho na nova cidade.
A mudança ocorreu quando Dinalva completava 1 mês de idade. Esta
mudança foi muito marcante para a família, sinalizando uma mudança de
ciclo de vida familiar. Houve uma transformação intensa das relações
sociais, José assumiu a coordenação de uma igreja católica da nova
cidade de residência da família. Segundo relatos, o padre havia
abandonado a sacristia e José assumiu os encargos de padre para fugir
às tentações de trair a esposa e por ser um homem muito religioso.
1974 - Nascimento de Donato. Segundo relatos, Donato estava “virado na
barriga” e Élia passou muito mal antes do parto. Tiveram que viajar 10
horas achegar a um hospital mais equipado para fazer o parto, que foi
cesariana. Os filhos Dário e Delbert também foram na viagem. Ao nascer,
Donato teve que permanecer internado, respirando com auxílio de um
balão de oxigênio, por problemas de circulação e respiração os quais não
deixaram resquícios físicos. Élia e José referem-se ao fato de Donato ter
sobrevivido como sendo um milagre. A causa dos problemas respiratórios
105
e circulatórios de Donato ao nascer é atribuída ao fato de Élia utilizar
“bombinha para asma” durante a gravidez e ter tomado um choque em
uma lâmpada. A seguir, apresentamos uma fala do pai de Donato sobre
os acontecimento supracitados:
“Aí ele não tinha a circulação sanguínea normal e foi preciso ficar no
balão assim o tempo todo. Inclusive ele foi batizado dentro do hospital. O
médico achou que ele não recuperava” (José).
Neste mesmo período, a Sr. Lana (irmã de José) muda-se para a casa de
José após brigar com o pai (Sr. Josefo) e tentar suicídio. Viveram
aproximadamente dois anos juntos. As filhas identificam uma grande
influencia desta tia em sua educação.
1975 a 1980 - Grande interação entre Daniel e o a paterno, Josefo. Jo
viajava muito à Brasília para tratamento médico e psicológico.
1978 - Josefo mora um tempo na casa de José e família. Compartilhava o
quarto com Daniel, que relata que foi seu confidente e amigo próximo
durante essa época.
1982 - Josefo morre. À época já não vivia com José, compartilhando residência
com os irmãos na cidade mineira onde todos viviam anteriormente.
Momento muito marcante para Daniel, segundo seu próprio relato.
1983 - A família muda-se para Brasília, onde reside atualmente. Novamente
José muda-se antes da família para encontrar uma casa e um trabalho
antes de trazer mulher e filhos. Dalva morava em Brasília com uma tia,
para poder estudar. O motivo da mudança foi inicialmente a possibilidade
de os filhos freqüentarem escolas melhores, principalmente Damiana.
Esta namorava com um rapaz na época e José desgostava de tal
relacionamento, fato que também influenciou na decisão de mudarem.
106
1984 - Mudam-se de casa novamente. Os filhos relatam que a mudança para
Brasília acarretou em uma grande alteração do estatus social da família
toda, antes vista como “rica” na cidade do interior de Goiás. Tiveram que
reconstruir laços sociais, o que para os filhos de José e Élia se repetia
com muita freqüência por terem várias mudanças de residência ao longo
da vida. José conta que sofreu muito na época pois os visinhos
chamavam seus filhos de “favelados”. À época, José adquiriu um
estabelecimento comercial para empregar todos da família nuclear,
menos Dalva e Daniel que trabalhavam em outros lugares. Viviam em
um apartamento improvisado, em cima do comércio da família, no qual as
divisões dos modos eram de madeirite e onde o casal dormia em um
“giral improvisado”. Não havia privacidade. Os filhos contam que ouviam
as conversas noturnas dos pais e que o pai sempre se queixava muito
das despesas com a alimentação dos filhos.
1985 - A família relata que Donato comia muito nessa época.
1986 - Daniel começa a servir ao exercito. Nessa época ele trabalhava em
um dos ofícios exercidos pelo pai e pelo avô paterno.
Neste ano morre Dna. Fabrícia, mãe de José. Élia foi a cuidadora da
sogra até o momento de seu falecimento após um derrame.
Segundo relatos dos filhos, nessa época todos namoravam, menos os
dois mais novos.
1987 - Todos os filhos tinham empregos formais com exceção de Dinalva e
Donato. Ela concorria em concursos de modelo, onde ganhava um pouco
de dinheiro e Donato “fazia bicos” trabalhos informais ensinados pelo
pai.
107
1988 - Élia compra uma nova casa para a família, por ordem de José. A
escolha de Élia gera brigas entre o casal por questões financeiras.
1989 - Damiana fica grávida ainda solteira, fato que incomoda muito a José.
À época Jo trabalhava em uma outra cidade, Élia sentia-se muito
mas ainda assim sempre apoiou sua filha grávida. Dinalva começou a
cursar a universidade. Donato ganha muito peso, começam a aparecer
relatos do que poderíamos chamar de pródromos ou sintomas negativos.
1990 - Acontece a primeira crise de Donato identificada pela família. Donato
conta ter ficado estranho após assistir ao filme “Platoon”. Por ter visto o
filme, começou a apresentar comportamentos considerados estranhos,
abraçando os irmãos, pedindo desculpas e dizendo sempre que os amava
muito. Damiana e Dalva casaram neste mesmo ano, o que resultou em
sua saída da casa dos pais. Damiana se casou com o pai de seu primeiro
filho. Neste mesmo ano Dário, Donato e um amigo de Donato viajam
juntos para a cidade em Goiás onde residiam anteriormente. Dário e
Donato referem-se à viagem com muito afeto.
1991 - Casamento de Daniel.
1992 - Casamento de Dário e nascimento do segundo filho de Damiana.
1993 - Casamento de Delbert.
1994/1995 - O casal José e Élia sofre um acidente de carro, no qual não houve
vítimas. No acidente perdem-se todas as fotos da família. Ao relatar o
acontecido, Élia afirma que José nunca a escutou e que ela havia alertado
o marido sobre o perigo de sofrerem um acidente.
1996 - A família nuclear que ainda vivia na mesma casa (José, Élia, Dinalva e
Donato), muda-se para cidade do entorno do Distrito Federal. Neste
mesmo ano Dinalva “junta” com um homem quinze anos mais velho,
108
considerando-se casada. Nasce a primeira filha de Dário. Dalva separa-se
do primeiro marido.
1998 - Dinalva separa-se do primeiro marido.
2000 - Donato é mandado pela família à escola profissionalizante onde fica
interno e isolado da família durante alguns dias da semana, por sugestão
da irmã Dalva, que não vivia com a família anos, mas queria ajudar
o irmão nas crises.
Nenhum dos integrantes da família nuclear, a não ser o José, gostava de
viver na cidade do entorno. Foi um momento identificado como de
afastamento da família extensa (filhos casados e formando famílias
nucleares com os cônjuges), pela própria distância entre as residências.
Nessa época a família paterna passa por séria crise financeira, segundo
José, a qual foi resolvida graças a ajuda prestada por ele e por suas
preces pelo irmão. “Foi a mão de Deus” (sic.) que ajudou, segundo José.
2002 - A família nuclear volta a viver no Distrito Federal, na mesma cidade
satélite onde viviam quando chegaram a Brasília. Donato não estudava
na escola profissionalizante.
2003 - Élia recebe uma herança de seu pai.
2005 - Acontece mais uma crise de Donato, na época de Natal. Este coloca
fogo em almofadas da casa de sua cunhada, esposa de Daniel.
2006 - Adoção do filho de Daniel. Separação de Dário, período em que voltou a
viver na casa dos pais. Separação de Dinalva, que também voltou a viver
com os pais. Ultima crise de Donato, até os dias atuais. Diagnóstico de
depressão de Élia e de José.
109
Por decisão da família, encerramos os relatos sobre a linha da vida com
os acontecimentos do ano de 2006.
Podemos notar as mudanças de ciclos de vida familiar em pontos
marcantes para a família como um todo, ou para algum de seus elementos ou
subsistemas, que influenciaram a vida de todo o grupo familiar.
Compreendemos os ciclos de vida da família pesquisada, da seguinte forma:
O primeiro ciclo de vida familiar inicia-se com o namoro e o casamento do
casal parental, José e Élia, no ano de 1963. Este ciclo, de formação da família,
segue até o ano de 1974, com o nascimento de Donato.
Nesta época, o ciúme entre José e Élia torna-se marca da relação
conjugal e resulta em comportamentos persecutórios de José. Este é atribuído
a conteúdo de crenças (macumba).
Durante este primeiro ciclo, percebem-se pontos marcantes para a vida
familiar, tais como o rompimento (1963) e a retomada (1965) do contato do
casal com dona Lea, mãe de Élia, e a mudança de cidade (de Minas Gerais
para Goiás) de moradia da família em 1971, após o nascimento de Dinalva.
O nascimento de Donato é mais um fato extremamente marcante para a
família. Foi um parto complicado, que resultou em internação do bebê para
acompanhamento durante os primeiros dias após o nascimento. Após ter sua
vida desacreditada pelos médicos, segundo relato familiar, a sobrevivência de
Donato foi compreendida como milagre. Antes de parir, Élia teve que viajar
para outra cidade buscando um melhor atendimento médico, o que levou ao
nascimento de Donato na mesma cidade em Minas Gerais onde nasceram os
irmãos e os pais. Desta forma, notamos que todos da família estudada
nasceram na mesma cidade.
110
O segundo ciclo de vida da família é marcado pela adaptação à nova
cidade de moradia da família, em Goiás, e pelo crescimento dos filhos. Neste
ciclo, dois fatos marcam a vida familiar de maneira intensa. o eles os
períodos de convívio com a Tia Lana, irmã de José, que viveu com eles
durante dois anos, entre 1975 e 1977, e o convívio com o pai de José, o Sr
Josefo durante 1980.
Nesta época a família assumiu um lugar social importante na cidade onde
moravam, eram vistos como uma família grande e influente. Segundo José, ele
era carola da igreja, tomando conta da instituição como se fosse padre, não
convertido. Os filhos tinham muitos amigos, estudavam e aprendiam ofícios
com o pai.
O período é marcado por dois acidentes importantes: Dinalva e Donato
foram atropelados por veículos automotivos, em momentos diferentes e com
significados diferentes para a família. O acidente envolvendo Dinalva não
pareceu ter grande importância, sendo relatado em tom de brincadeira. O
acidente envolvendo Donato é visto como resultado do descuido de Élia,
gerando um sentimento de culpa da mesma. Segundo os pais, Donato
sobreviveu, mais uma vez, por milagre. Nenhum dos acidentes levou a lesões
físicas das crianças.
O terceiro ciclo tem seu inicio em 1982, com a mudança de moradia da
família para a cidade de Brasília. Nota-se que a filha mais velha do casal,
Dalva, morava na cidade com uma tia paterna, fato não relatado de maneira
detalhada pela família.
Esta mudança resulta em uma diferença de estatus social da família, um
choque cultural para os filhos e é um momento de rompimento de laços sociais
anteriores e criação de novos, na nova cidade. Os filhos relatam que nesta
111
época conheceram coisas como a televisão, fizeram novos amigos e que
gostaram muito de mudar de cidade.
José relata grandes dificuldades para manter a família financeiramente e
sublinha que sofreu muito com a queda de estatus social vivida durante esta
fase. Na cidade em Goiás, onde viviam anteriormente, eram conhecidos como
pessoas influentes e de classe média-alta. Em Brasília eram anônimos, seus
filhos eram chamados pelos visinhos de “favelados” (sic.) e todos tinham
muitas dificuldades financeiras.
Também é fato marcante deste período a inserção no mercado de
trabalho dos filhos do casal parental. À época, Daniel, Dário e Delbert
começaram a trabalhar em empregos formais, seguindo ofícios do pai ou em
um estabelecimento comercial que o pai montou. As filhas Dalva e Damiana
também se inserem no mercado de trabalho, porém em uma ocupação igual
entre as duas e diferente das ocupações do pai. Os filhos mais novos, Dinalva
e Donato, trabalhavam ajudando o pai ou informalmente, sem vínculo
empregatício ou estabilidade.
No final deste ciclo, os filhos relatam que todos namoravam, menos
Donato, muito novo e, de certa maneira, excluído do círculo social dos irmãos
desde o nascimento.
O quarto ciclo de vida do grupo familiar inicia-se em 1989. Neste ano
Damiana engravidou do namorado com quem se casou, após o nascimento do
filho. Dinalva foi aprovada no vestibular. Os filhos todos namoravam e
trabalhavam. José viajava muito, como sempre, porém Élia relata que nesta
época sentia-se muito . Em 1990 ocorreu a primeira crise identificada de
Donato, após assistir a um filme. Inicia-se, com a crise, a história de
acompanhamento de Donato por hospitais psiquiátricos e internações.
112
Neste período da vida familiar acontecem os casamentos dos filhos de
José e Élia, e suas conseqüentes mudanças com relação à família de origem.
Todos, menos Donato, se casaram entre os anos de 1990 e 1996. Todos
mudaram de casa e iniciaram novas famílias nucleares junto aos cônjuges.
Após os casamentos dos filhos, o convívio diário da família nuclear passa
a ser entre Donato, José e Élia. Os demais filhos só visitam a casa dos pais em
momentos de festa, quando o pai convoca reuniões familiares ou quando têm
algum problema. Visitas informais são pouco freqüentes, segundo relato.
A família ressalta os nascimentos e adoções de crianças nas famílias
nucleares de cada um dos filhos do casal parental, ocorridas neste período. As
crises de Donato durante as quais ocorreram quatro tentativas de suicídio e
internações no HSVP decorrentes destas tentativas também recebem
destaque, assim como e a depressão de Élia e de José, medicadas pelo
mesmo psiquiatra que acompanha Donato.
Em 2006 Dário retornou à casa dos pais, residindo com a família nuclear
de inicio, em decorrência de separação conjugal com sua esposa. Durante este
período ocorreu a ultima tentativa de suicídio de Donato, e sua ultima
internação até os dias atuais. Dário reatou relações com sua esposa e saiu
novamente da casa dos pais.
No final do ano de 2006 Dinalva também se separou do marido e voltou a
viver na casa dos pais. A partir desta mudança, começam a viver juntos na
mesma residência: José, Élia, Donato, Dinalva e sua filha Aniela.
Atualmente a família está configurada conforme descrito no genograma.
Dário separou-se novamente de sua esposa durante o processo de coleta de
dados com a família estudada.
83
114
4.4 – Análise de conteúdo das entrevistas – A estrutura familiar.
Esta análise foi realizada por três juízas psicólogas que conheceram a
técnica de análise de conteúdo durante o curso de graduação. O trabalho de
análise foi acompanhado e finalizado por mim, responsável pela pesquisa.
Foram analisadas as seis entrevistas feitas com a família durante as quais
levantamos os dados da linha da vida familiar, do genograma e das questões
da entrevista semi-estruturada baseada no CFAM. A entrevista para
preenchimento da PANSS esteve fora da análise de conteúdo realizada por ser
focada nas crises e pelo fato de não estarem todos os familiares presentes
quando esta ocorreu.
Categoria 1 – SOFRIMENTO
Foram relatados vários casos de mortes, acidentes, doenças, humilhação,
mudanças de casa e de cidade. Em especial, a família relatou que a vinda à
Brasília foi acompanhada por um choque cultural, social e econômico que levou
à restrição da privacidade dos membros e a conflitos familiares.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
Ela era epilética, né. Quando descobriram, o remédio ela
começou a tomar. Mas muitas das vezes ela se queimou, se
machucou, sabe.
Minha tia. Ela tinha epilepsia. não havia tratamento
naquele tempo. E ela se aprontava idêntico ao que eu tinha
vivido. Idêntico.
Circulação. Como não desinchou o coração, com os roncos
da mãe ele inchou o tórax completo. Então, o coração e o
pulmão ficou tudo sem espaço suficiente pra pulsar normal.
Metástase é quando o câncer espalha pelo corpo todo.
na quimioterapia direto.(...), ela consegue ficar em pé, mas
segurando assim... com a perna assim. ela me deu
aquele abraço, sabe, aí eu falei “que saudade, tia, que
abraço mais gostoso”. Ela “é”, a risada dela. Super alegre. E
ela falou “Deus ainda me deixou braços fortes para poder
dar abraços”. E me abraçou bem apertado.
DOENÇA
(Física)
18
Eu diria que Brasília foi um choque cultural muito forte.
Olha, pode ter sido uma fuga pro meu pai, fugir dos
familiares, tentar uma vida nova com dignidade, mas pra
gente foi tudo de bom. Porque a gente lembra de tudo.
MUDANÇA 36
115
O motivo que fez a gente deixar a (cidade no entorno do
DF), vir pra feito um buraquinho na (cidade satélite de
Brasília), foi por isso. Ter que ficar mais perto do hospital,
dos filhos, porque uma hora que eu não estiver o filho vem,
passa e corre pro hospital.
O que me machucou mesmo foi o que eu falei na outra
gravação. Foi que meus filhos não tinham bicicleta nova...
fim de ano, né?! Que eu não podia comprar presentes
novos. Isso aí já foi falado, né?! Então o que mais me
machucava era isso: era ser humilhado pelo pessoal
chamando meus filhos de favelado.
Eu fiquei até preocupada. Com meu pai... a gente
conversou com ela, porque ela tava muito poderosa. a
gente conversou com ela: mãe, papai sempre botou
dinheiro dentro de casa. Pena e tal. A gente teve que
conversar com ela, que ela tava muito poderosa.
Fugi de perto do Josué, que era meu avalista. Josué e papai
que eram meus avalistas. Então eu tive que fugir de perto
dele que eu não agüentava mais ver a cara do homem que
ele ia vir me depreciar, ainda mais irmão. Isso machuca
demais...
HUMILHAÇÃO 7
Mamãe cuidava da casa e a gente morava em cima do
mercado. Essas lojas do (...) que a gente morava em
cima. Daí os móveis eram bem, bem... dividia pelos móveis.
Isso me incomodava muito, porque eu tava na minha 12, 13
anos... corpinho e tal. E eu me incomodava. Às vezes eu via
uma brecha de um irmão olhando... Isso afetou a minha
sexualidade. Eu não ter privacidade. Isso afetou muito.
Eu ouvia. Não as intimidades. Eles sempre conversavam
sobre os problemas na cama. Eu escutava. Esses
problemas de falta de dinheiro, que num sei o que...
PRIVACIDADE 10
TOTAL 71
Categoria 2 - SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE
Os entrevistados relataram casos de transtorno mental na família que
resultaram em internações a na utilização de medicamentos para diferentes
finalidades. O medo foi sintoma relatado, caracterizado por medo de morrer, de
desejar outras mulheres e de médico. Também apareceram relatos de
tentativas de suicídio e curas.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
Aliás uma data em relação a um filme que passou na
época, que estourou bilheteria. E eu consigo ver isso
como foi um mês depois aconteceu. Ele entrar. Foi o filme
Platoon. É apenas uma coincidência.
CRISE 27
116
Enquanto ele não estava em crise, ele tinha a mente
hiperativa, não parava um minuto.
Um canil... Enfim, mas depois que eu dispensei o Donato
mesmo, falei Daniel, não quero mais”, ficou uns 2 ou 3
anos com a gente, trabalhando. E às vezes enfrentava uma
crise, Donato tinha uma crise, ficava dois meses sem ir
trabalhar. Mas a gente sabia disso, fichado ainda...
Enfim...
Teatrinho, acho que já rolou também isso, acho que você
também ficou... acomodado. A gente vai repetindo o
comportamento desde que eles sejam legais pra gente, de
alguma maneira. Você acaba repetindo alguns
comportamentos. Então, assim, no momento eu acho que
você é culpado ou deixa de ser culpado de alguma coisa,
sabe?
Parece que veio numa crise de arrependimento de tudo o
que ele fez a gente passar na cabeça dele, né, e pediu
desculpa pra todo mundo.
Eu tinha aproximadamente 14 anos quando meu avô
faleceu. Ele esteve internado em (Minas Gerais), num
pequeno tempo, talvez uns 3 meses, uma coisa assim. E
ele voltou uns, uns, uns dias. Não deixaram ele voltar para
a casa dele, porque ele morava só. ele esteve na minha
casa, dos meus pais. Mais ou menos 40 dias.
Eu me desafiei sabe, porque eu tomava 5 gotinhas de
Haldol. Quando eu olhei na bula que 5 gotas de Haldol era
o suficiente para uma criança de 5 dias de nascida que não
está dormindo muito bem. Eu falei: “Gente, olha meu corpo,
meu físico a comparar com o de uma criança com 5 dias de
nascida.”
internamos ele quando ele tentou suicídio. Suicídio. A
gente internou ele quando não teve condições de cuidar
em casa. Mas teve uma vez que eu mandei internar ele
sem suicídio.
Ele é tão ruim médico, sabe, que ele nunca te deu uma
injeção, ele mandou a enfermeira aplicar essa que eu mais
sua mãe toma, que ela prevalece para 30 dias. Eu mais
sua mãe toma todo dia, em comprimido. Então o médico é
muito ruim mesmo, porque mandou fazer uma injeção que
dá para 30 dias.
TRATAMENTO 23
É. E o meu avô que é Otávio, que é casado com esta
(mulher), é esse que teve pobrema, pobrema (sic).... é, de
desequilíbrio mental.
E com esse desequilíbrio dele, ele dormia muito pouco, né.
E no final, não havia tratamento suficiente. Ele acabou
sendo internado por duas vezes (...) no sanatório. (...) E ele
faleceu lá.
DOENÇA
MENTAL
12
117
Sabe o que ele falou, na primeira consulta que nós fomos?
Não sei se você se recorda. Conversamos muito, ele
falou, o Donato, “os médicos me falou que eu sou
esquizofrênico”. Ele mesmo contou pro Dr (...). Aí o Dr.
Conversou, conversou “esquizofrênico não, cara, você não
é esquizofrênico não, você não tem nada de esquizofrenia.
Eu acho que você o muito bem e vou te ajudar”. “Aí,
doutor, confio em você, confio no senhor”. Saiu de
abraçado no médico, “vai com Deus”. O finalzinho que ele
falou é que me... a tranqüilidade que ele falou pro Donato
“vai com Deus, Deus te acompanhe”.
Então medo eu não tinha. Então eu discordei do médico na
hora. E o psiquiatra: “É medo. Seu medo, José, é de você
mesmo.” E eu: “Ótimo. Mas por quê?” “Não, é assim, assim,
assim...” Fomos conversando. Meu maior medo é de olhar
pra mulher. Olhar nos olhos da mulher. Por quê? Eu tinha
prometido fidelidade à minha esposa, sabe, e o meu
pensamento pecava, sabe. Contra qualquer olhar. Eu o
desejando a mulher e eu o errando contra a minha mulher
e eu o me prostituindo. A palavra que eu usava era essa.
Eu o me prostituindo. Então aquilo para mim era o
problema maior do mundo.
Medo de morrer. Eu tinha um pânico de morte que eu não
podia ver uma psicóloga vestida de branco, um médico,
uma enfermeira.
Veja a situação. Levantar cinco horas da manha, pra ir la
pra porta da mamãe... a única pessoa que sabia que se
passava na minha casa era a minha mãe. Mas que era
sério era. Porque não é que os olhos viram não. Era coisa
da cabeça mas era verdadeira.
Sim, mas o que eu quero dizer para a senhora é que são
visões de cada um, nada de realidade, são fantasias.
O senhor não entende, pai, sabe? Eu tenho visões
transparentes... Igual o senhor tem visão de Igreja, que o
senhor dorme, Deus conta as coisas pro senhor, o senhor
acorda, com revelação, né, que o senhor falou? Eu tenho
visões transparentes, também, eu vejo o que as pessoas
fazem comigo. eu vi aquelas agulhas enfiadas em mim e
a picada doendo. Logo a coluna tava doendo.
Mas que nem ele, que fechou a cama de casal, dizendo que
não dava para aquela cama ficar mais lá, que queria uma
cama de solteiro, porque tinham oito mulheres namorando
toda noite. Sendo que nós que tínhamos o controle do
portão e ninguém entra naquela casa.
SINTOMA 40
Ela saiu da casa do meu pai porque ele depreciou ela
diante do namorado, aí ela tentou suicídio. Aí ela veio morar
com a gente, depois ela casou e foi seguir a vida dela.
O primeiro suicídio foi com copo. no apartamento da
minha filha.
Se você não gosta nem de hospital psiquiátrico, se põe no
meu lugar ficar falando internamente de suicídio que eu
cometi. A fraqueza, que todo mundo tem fraqueza.
TENTATIVA DE
SUICIDÍO
9
Então em casa, quando você falar que não quer ir em tal
terapeuta vou te lembrar disto que estou falando agora, que
vocês vai fazer de tudo para poder se curar.
CURA 21
118
Maria, acredito que existe um círculo vicioso, até já falei que
sou tão explosiva quanto meu pai. Eu sou mais direta.
falei para minha mãe que no dia que meu pai morrer o
Donato sara. No dia que meu pai morrer acaba o problema.
Eu tento muito, tento muito mesmo, mas as vezes é pela
vida, pelos problemas que eu tive, vida que eu levei, o
Diabo atentando mesmo, que o Capeta atenta, insônia, as
vezes eu não durmo. Eu não consigo ter força de vontade
para me sentir bem. Não consigo.
TOTAL 137
Categoria 3 – HISTÓRIA DA VIDA FAMILIAR
A família contou diversas histórias sobre sua trajetória incluindo mortes,
acidentes, casamentos, gravidez e nascimentos, sempre questionando se
todos lembravam dos acontecimentos relatados. O ciúme entre os pais foi
relatado de maneira enfática, e algumas histórias relativas a comportamentos
de José eram desconhecidas para os filhos, até então. Os pais estiveram
presentes durante o casamento dos filhos e eventuais separações. Os filhos
retornaram à viver com os pais após as separações.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
O trauma maior eu era criança, sabe. Tinha uns 6, 8 anos,
sabe, igual, saí correndo feito louco mais ou menos uns
três quilômetros gritando: “Papai! Papai! Oh, papai, a
Luana morreu! Papai! Papai, a Luana morreu!
Ele morreu no convívio familiar dele, a gente tava em
Goiás já e ele tava em Minas Gerais com os irmãos todos.
O sentimento eu não sei definir não
MORTE 12
Ele ficava esparramando cal ao redor do muro todinho, da
passarela até no portão, pra largar a pegada do
andante.Pra achar a pegada de quem estava perturbando
nossa vida.
sei de quem que eu puxei, ter marido ciumento. Foi de
vocês dois aí, né. Eu tava na sua barriga? Ah, e hoje eu
tenho um marido que me, que não dorme de ciúme.
Esse pecado eu num levo pra Deus... Eu ganhei muitas
cantadas, sabe?! Eu levei muitas cantadas. Fiquei
mesmo, bonita. Ele me deixava sozinha. Eu saía da casa
da irmã dele, teve tentação pro meu lado. Teve cara
novinho que eu passei pra frente. Eu brava de você,
comadre Cida junto comigo, fui passear na casa da mãe
dele e dois cara me seguiu. Me seguiu que quase me
derrubou.
Pois é, a gente foi pra (a cidade no interior de Goiás) e
minha mãe tinha bastante ciúmes do meu pai.
CIÚME 29
119
Ele era ciumento demais, nossa senhora. Ele chegava de
viagem e verificava até as minhas roupas.
É, mas eu sofri com isso, viu?! Ele ciumando de mim, eu
esperando ela aí com nove meses e...
E você era neném! Mas mamãe sempre te deu muito
carinho! E por isso a gente, filho, tinha um pouquinho de
ciúmes de você!
É. Ele chegou a pensar que a Damiana não era filha dele.
Eu também. Eu tinha dois anos. 68. Mãe, eu lembro disso.
Eu caminhando... como é que pode a pessoa ter
memória? Eu caminhando em direção ao quintal, que tava
acabando pra fazer uma cisterna. Fundo, uns dois metros
e meio pra baixo. Eu andando e caí lá e chorando e papai
me procurando e jogaram o balde. Aí quando me acharam
eu tava chorando e eu não tenho medo de escuro, não
tenho medo de buraco, de nada.
O Delbert. Quando o Delbert nasceu, o Dário quebrou a
perna. Ele vinha montado num cabo de vassoura, sabe. E
correndo em cavalinho. Ela rapando a água da chaminé,
que descia na chaminé quando faz chuva, né?! Molhava a
cozinha toda, ia amarrar pano e vinha correndo da sala
onde tinha degrau, dois degraus. A cozinha era mais
baixa. E montado nesse rodo...
ACIDENTE 7
É como eu falei. Eu cresci ouvindo a história do meu pai.
Eu percebo meu pai, ele acha bom em contar e percebo
que ele se engrandece com isso. Ele uma... Até que
ele vai... Ele é detalhista até, né. E isso, ele acha muito
bom contar. Isso até no caso de vocês novas aqui. E eu
também não sabia de tudo. Mais em relação aos dois que
tinha morrido que tinham morrido eu tinha ouvido
falar. Mas esse fato de (cidade no interior de Minas
Gerais) também...
Hoje, por exemplo, eu parei para escutar ela inteira para
poder fechar os buracos que tinha. Mas o corpo dela eu
tinha escutado.
HISTÓRIAS 30
Eu casei, juro. E mudei de Brasília, fui pra (...). a Dalva
foi me visitar, um mês depois, foi me visitar com o
namorado. Namorados, não eram nem noivos. viu
minha vidinha lá... Minha casinha... Pó, minha irmã mais
nova casou, né?! Fez pressão pro namorado,
compraram a aliança mesmo e ficaram noivos em
(cidade onde Damiana vivia). E já marcaram o
casamento pra novembro.
Pai, o senhor concorda que a gente começa a linha da
vida da família a partir do casamento de vocês? Ou o
senhor quer que comece mais antes?
José: Não, é a partir do casamento.
Fui casada dez anos, tem nove meses que a gente ta
separado. Ele foi casado.(...). Então tem uma enteada
(...).
CASAMENTO 20
o Donato nasceu. vem eu, num momento difícil, né,
pai?! Porque a mamãe engravidou lá... a gravidez parece
que num foi nada fácil, né, mamãe?
GRAVIDEZ 7
120
(...) Eu queria que ele apaixonasse de novo por mim.
Aquela historia da gravidez. Eu engravidei, a gente tinha 4
anos de namoro. Não era isso que eu planejava, o que vai
ser da minha vida. Eu não gostei muito da postura. E o
meu pai sempre: Vai casar quando? Toda vez que meu
pai via perguntava, vai casar quando?. Ai quando meu pai
falava isso eu lembrava que ele não tava querendo casar.
Ai a coisa começou a pressionar. Pra quem me via todos
os dias, começou a não querer me ver todo dia mais.
Vou mencionar, não sei detalhe direito, mas talvez o papai
lembre... Quando o Donato nasceu, ele nasceu com
problemas no coração. É isso, pai? Nasceu com o
coração e o pulmão do tamanho do coração de adulto.
Não é isso?! Inchados.
Pra mim tem muita coisa importante, né?! Minha vida foi
uma luta, né?! De comércio, de crescimento, né?! Filho
nascendo... mas eu acho que mais individual. Eu era
muito ligado ao papai e à mamãe. Assim, quando o Éder
nasceu, nós estávamos aqui fazendo... que eu tinha feito
a parte de cima, eu tinha recém pintado, né?! E aí, como a
tinta ainda estava muito forte, a (esposa) foi ganhar o
neném lá, né?! na casa da mamãe, (...). E , a
(esposa) foi ganhar o neném no hospital, mas também a
gente ficou um tempo lá, que a mamãe ajudava a olhar,
né?!
NASCIMENTO 8
TOTAL 120
Categoria 4 – CRENÇAS
A vivência e a prática religiosa são bastante presentes na vida familiar,
assim como a crença em Deus. Parte da família freqüenta a igreja católica e
outra parte é evangélica. Além disso, relataram vivências com macumba, feitas
por pessoas próximas a família, namoradas e amigos. A crença religiosa
assume ainda uma forma de tentativa de cura e de ajuda nos momentos
difíceis da família.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
Eu não sei o detalhe mais porque tem muito tempo que
ele me falou. Parece que foi uma ex namorada que fez a
macumba e depois foi que a gente começou a passar
essa dificuldade total, (...)
To brincando. É porque ela começou a querer fazer
macumba pra mim
MACUMBA 11
Dalva e seu esposo entraram na igreja adventista do
sétimo dia porque ele trabalha num grupo que todos era
adventistas, a empresa. Eles tinham que guardar o por do
sol as sexta pro sábado e ele teve que se enquadrar. Ele
tentou arrastar todo mundo, a gente ate foi no por do
RELIGIÃO 8
121
sol. Mas a gente não muita verdade naquilo. O Delbert
e a esposa a gente que é verdade, por isso que eu fui.
A eu comecei na verdade a ir à evangélica pelo Donato,
pra ajudar, eu tentei levar ele umas duas vezes, depois
não quis mais e eu disse: Tudo bem. Eu vou por você, vou
continuar indo pra orar por você. Porque eu sentia que
era mais forte. E continuei indo.
É um termo que eu sempre uso: Que Deus me bitolou,
quebrou minhas quinas, me lapidou. Deus quebrou
minhas quinas, e eu senti que isso realmente aconteceu
depois que eu fiz 35 anos. Desde criança eu venho
buscando esse aperfeiçoamento, essa melhora. Eu senti a
melhora justamente nessa época, depois dos meus 35
anos. Foi que eu descobri que eu não era um carola,
um católico obcecado. Eu era um homem comum, sujeito
a pecar, a cometer besteiras.
Muita lágrima. Senhor, eu não to dando conta de
trabalhar. Me ajuda pelo menos a fazer essa reunião de
família. Eu to brigado com Dalva, com Dinalva, eu não
suporto essa solidão, essa tristeza de vê-las com raiva de
mim... Pelo amor de Deus, me ajuda. E Deus abriu-me as
portas...
É. eu entrei atrás dele. Fui tirar o bêbado pra não falar
com ela, porque ela tava passando mal, né. deu um
jeito e Deus abençoou.
DEUS 7
TOTAL 26
Categoria 5 – DINÂMICA FAMILIAR
Os entrevistados relataram trabalhar e/ou assumir algum tipo de
responsabilidade familiar ou financeira desde muito jovens. Este fator é
associado à conquista da autonomia. Descrevem-se como acolhedores,
honestos e batalhadores, apesar das desavenças e agressões existentes entre
eles, identificadas principalmente por meio da comunicação. Apontaram
também várias situações de conflitos e afastamento na família.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
Eu lembro eu grávida da Dalva, ele chegou o pé no meu
nariz, eu soltei um tapa...
Eu lembro de uma surra que vocês ficaram amarrados.
Em cima da cama.
AGRESSÃO 35
122
Eu defendi muito o Donato porque do jeito que ele está
às vezes... Os filhos falavam que eu paparicava demais.
E eu pensava que estava com um problema, e ainda
junta o pai, que é nervoso e chega às vezes até a bater
nele. Com dezenove anos ele apanhou do pai lá (...).
em (cidade do entorno do DF) ele queria pegar até o
ferro para bater nele. Estava dependendo desta parte. É
bem nervoso. falei que não ia pegar nada para bater
nele. Porque às vezes ele está no quarto e ele chama
para ajudá-lo na piscina. Porque toda vida ele você
preguiçoso mesmo. Então o pai chamava ele para
ajudar na piscina e ele ficava enrolando deitado na rede
na área. o José saia com o cinto e dizia que ele
não valia um saco de bosta e sentou o couro na perna
dele e ele saiu com raiva lá para o quarto.
Não tem comparação, né?! eu falei, não, eu quero
assumir minha firma. eu falei com meu pai: como é
que vai ser aqui em casa? Porque essa é a nossa fonte
de renda aqui em Brasília. Os aluguéis são pouquinho,
que não sei o quê. eu falei: pai, faz o seguinte, eu
seguro as pontas de comida aqui em casa, mas eu
quero as máquinas pra mim. Aí ele disse então tá, você
vai comprar o supermercado pra casa e usa as minhas
máquinas, mas vai ter que comprar as suas. seis
meses, rapidinho, eu consegui comprar minhas
máquinas.
Agora não. Agora eu sei me cuidar sozinho. Não gosto
pegue no meu pé, não gosto de carinho, assim, de mãe,
irmão muito em cima, muito grudado, grudado. Mas eu
reconheço a responsabilidade que cada um tem
comigo. Preocupação que tem com minha doença,
depressão, tudo eu reconheço.
AUTONOMIA E
TRABALHO
13
Eu não tinha entendido o que você tinha falado! Mas eu
vivia isolado, vocês tinham carro bom, e não me
chamavam para sair nem nada! Num davam valor às
minhas coisas, não me davam presentes! Não é
verdade? Eu não interagia com vocês, não jogava bola!
Não ia no cinema!
Os carros, os netos. que nessa mudança, ele
pensou ali em receber os filhos, não pensou se eles
estavam na (universidade)... que Donato tinha amigos
na porta de casa, que era o melhor amigo dele, que é
até hoje,(...). Era na porta de casa, ele teve que deixar
tudo isso e mudar pro (cidade no entorno do Distrito
Federal).
AFASTAMENTO 22
A gente se reunia, tinha churrasco, zoológico, parque
da cidade. Tinha eventos que reunia todo mundo, tanto
na família do tio lá, também começou a casar.
começaram a construir as famílias, os solteiros de
foram diminuindo, daqui também foram diminuindo.
Conseqüentemente, a gente, isso é uma verdade, a
gente passou a deixar, porque tem duas famílias né, a
deixar de ta aos domingos sempre com o papai e a
mamãe. Por coincidência começou a morar mais longe,
então a gente também começou, ah meu Deus, tem que
ir lá, papai e mamãe....
123
Não é inveja. É espelhar pra poder ter uma coisa
positiva
O Daniel é o seguinte: Ele é tranqüilo mas ele tem o
temperamento de que se chegar num ponto ele
ultrapassa. Aí ele estoura.
IDIOSSINCRASIA
(comparações
entre os
membros)
8
TOTAL 78
Categoria 6 – GÊNERO
Os entrevistados relataram as diferenças de gênero na família,
identificando os homens como machos e turrões e as mulheres como
cuidadoras e afetivas. Relatam que José sempre fez questão de que todos os
filhos (homens e mulheres) se casassem virgens e não viessem a se separar,
como forma de preservar a reputação da família. Porém, apesar do pai pregar
a idéia de sexo só depois do casamento, os filhos relataram que tiveram
experiências sexuais antes de casarem, porém preservaram-se durante um
certo período de tempo anterior ao casamento, durante o qual evitavam manter
relações sexuais.
VERBALIZAÇÃO TEMA FREQ.
Não, eu gostava mais que namorar. Eu preferia botar na
bicicleta que botar nas namoradas.6
Deve ter umas coisas sim, besterinha, mas que fica
gravado na mente de uma pessoa por toda vida. A minha
primeira relação sexual, meu pai me levou na casa de
uma prostituta, uma preta feia danada. (...)
Fico com vergonha demais de falar dos meus pontos
fracos com mulher. Coisas da vida com mulher. Morro de
vergonha nem sai nada.
Não quero mexer com mulher mais não.
SEXUALIDADE 36
Toda mulher é social.
Na verdade, quando vocês fazem farra, as mulheres
fazem terapia.
Mãe é tudo, ela abraça tudo que for possível para fazer
um filho feliz, né mãe?
MULHER 13
Eu tenho a consciência tranqüila, eu sou muito macho.
Deixa eu falar. Aqui o homem é que tem atitude e
permanece nela tanto errado ou não. E mulher que é
maleável.
Acho que os homens não deveriam ser tão machão
assim. Encarar isso com uma coisa forte, ser mais
flexíveis e liberais, em todos os sentidos.
HOMEM 12
TOTAL 61
124
Como resultado da análise de conteúdo, é indispensável comentarmos
que algumas falas ou fatores constituintes da estrutura que não demonstraram
uma freqüência de destaque nas entrevistas, e que devem ser consideradas e
abordadas, segundo a característica qualitativa da análise. Assim, utilizando a
divisão estrutural proposta pelo CFAM e comentada no item 2.1 deste trabalho,
apresentamos as formas de estruturação familiar que se destacaram,
associadas às categorias e temas descritos acima.
A estrutura interna, constituinte da dimensão estrutural da família
estudada, é composta pela composição familiar, a saber:
A família se reconhece como tal, constituída pelos nculos de
consangüinidade. É composta pelo casal parental (Élia e José) e os filhos
(Dalva, Daniel, Damiana, Dário, Delbert, Dinalva e Donato). O casamento
representa uma forma de entrada à esta família, ou seja, os cônjuges passam a
ser vistos como familiares, assim como os filhos. Porém, nesse momento, o
filho casado passa a fazer parte de uma nova família e a família de origem
inicial passa a ser parte da família extensa do membro que se casou. Em casos
de separação, o ex-cônjuge deixa de fazer parte da família. Nota-se que o
sistema familiar possui uma fronteira nítida e permeável, pela observação de
estes fatores descritos acima.
As funções de nero são interligadas à noção de subsistemas dentro
deste grupo familiar. Vemos que “gênero” é uma categoria de nossa análise
das entrevistas, composta pelos temas: “sexualidade, mulher e homem”. Esta
subcategoria diz da forma como a família se organizou com relação à
identificação de funções e papeis de cada um dentro da família, assim como
diz da sexualidade de seus membros.
125
A família identifica então subsistemas com fronteiras claras que
possibilitam a noção de pertencimento, ligadas ao gênero e também à temática
de “autonomia e trabalho” da categoria “dinâmica familiar”, uma vez que as
ocupações dos membros também são associadas ao gênero. Para a família,
homens são identificados como pessoas de atitude e teimosos, trabalham em
ofícios aprendidos com o pai; mulheres o identificadas como pessoas sociais
que lidam com a educação dos filhos e com questões de organização
financeira e são sempre muito afetivas.
Esta categoria está ainda associada ao tema “afastamento” da categoria
“dinâmica familiar”, quando Donato afirma que sempre esteve afastado do
subsistema fraterno e masculino, pela diferença de idade e por não trabalhar.
Por ser homem não pertenceu ao subsistema fraterno e feminino. Os dois
subsistemas incluíam o casal parental em alguns momentos. Assim,
identificamos o subsistema parental como englobando um terceiro elemento, o
filho Donato.
Diferente dos demais subsistemas, o subsistema composto por José, Élia
e Donato, que passou a ser identificado enquanto família nuclear depois dos
casamentos dos demais filhos do casal parental, assume uma característica de
possuir a fronteira rígida e impermeável. Fato observado tanto na dinâmica de
funcionamento da família, quanto na fala de Dinalva, comentada na
apresentação das relações observadas no genograma quando ela afirma que
os três vivem um “triângulo amoroso” e diz:
“A relação parecia uma laranja. Eu tentava entrar e não
conseguia, no grupo dos três”.
Notamos que esta divisão em subsistemas sofreu poucas alterações
através dos ciclos de vida familiar. Destacamos que nas falas dos familiares, a
126
principal mudança foi do subsistema composto pelos pais e Donato, que se
tornou rígido e impenetrável por outros membros. Esta característica, no
entanto, não impede que José participe do subsistema masculino composto
também pelos filhos com exceção de Donato, e nem que Élia participe em
alguns momentos do subsistema feminino composto também pelas filhas.
Donato, porém, o circula entre subsistemas, está de certa forma, “preso” no
subsistema que sua irmã Dinalva caracterizou como uma laranja, ao mesmo
tempo que não é incluído nos subsistemas fraternos.
A estrutura externa da família é composta pela família extensa, à qual
pertencem os indivíduos com parentesco de consangüinidade, e os indivíduos
inicialmente pertencentes à família nuclear que conforme descrito
anteriormente, passam a fazer parte da família extensa após o casamento. Tal
característica assume uma forma diferenciada em momentos de crise familiar.
Frente à necessidade de lidar com questões importantes, a família nuclear
inicial une-se, formando um grande sistema familiar nuclear como era antes
dos casamentos dos filhos, na busca de resolução para a crise. Esta união
normalmente ocorre através de chamados de José, para resolver questões
desencadeadas por crises de Donato ou questões de saúde de outros
membros. Assim, a família se une novamente. O outro momento de reunião da
família extensa se pela reunião anual da família extensa de José, onde
todos os irmãos dele se encontram e levam suas famílias nucleares. Esta
reunião é uma festa da qual Donato não gosta de participar e que resultou
em uma de suas crises. Élia também não gosta das reuniões, fato associado
pela família ao medo das possíveis atitudes do filho e por vergonha de Donato
ser “doente”.
127
Também fazem parte da estrutura externa da família os sistemas sociais
maiores dos quais esta participa e com os quais se relaciona. Os principais
sistemas maiores dos quais eles participam e com os quais tem ligação são os
grupos religiosos, os grupos de trabalho, as amizades e as instituições e
profissionais da atenção à saúde.
Estes grupos interligam-se às temáticas “mudanças” da categoria
“sofrimento” de nossa análise, uma vez que os vínculos sociais sofreram
impactos diferenciados entre os membros da família, em função das mudanças
de cidade. Em Brasília, todos ampliaram seus círculos sociais, menos José,
Élia e Donato.
Donato relata que tem apenas um amigo, do qual se separou após a
mudança de moradia da família para a cidade do entorno do Distrito Federal.
José relata que as mudanças de cidade também resultaram em uma mudança
de estatus social, o que alterou sua rede social. Este dado aparece no tema
“humilhação” da categoria “sofrimento” de nossa análise. Podemos dizer que
atualmente a inserção social dos membros do subsistema composto por Élia,
José e Donato se limita aos vínculos familiares e de atenção à saúde.
Nota-se que os membros da família associaram-se a diferentes grupos
religiosos, porém para todos, em diversos momentos dos ciclos de vida da
família, a religião ocupa um lugar marcante de cuidado, lei, resolução de
problemas, noção de pertencimento e significação de eventos da vida. Esta
importante posição da religião no sistema de crenças da família destacou-se
em nossa análise na categoria “crenças” que conta com as temáticas
“macumba, religião e Deus” e na categoria “sofrimento psíquico grave” uma vez
que todos os temas desta categoria, sejam eles: “crise, tratamento, doença
mental, sintoma, tentativa de suicídio e cura”, contêm conteúdos religiosos em
128
algum momento. Assim, esta categoria está associada tanto ao sistema social
maior da família quanto às influencias e crenças componentes da dimensão
funcional da família.
O vínculo com instituições de atenção à saúde não apareceu na análise
de conteúdo das entrevistas, porém se destaca em nosso estudo uma vez que
Donato participa do programa “vida em casa” do HSVP e tem um histórico de
internações, assim como é assistido por um psiquiatra que atende também a
seus pais. Não o conhecimento de instituições como Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) pelos
familiares, assim como não um tratamento familiar por nenhuma das
equipes que atendem a Donato e a seus pais que além de orientações
sobre como lidar com Donato. Reiteramos que o atendimento dos pais é em
função de os dois apresentarem quadros depressivos descritos no item 4.1
deste trabalho.
A dimensão do desenvolvimento da família é abordada neste trabalho de
forma mais aprofundada no item 4.2 onde apresentamos a linha da vida
familiar, e se faz presente em nossa análise de conteúdo das entrevistas na
categoria “história da vida familiar” composta pelos temas: “morte, ciúme,
acidente, histórias, casamento, gravidez e nascimento”, sendo uma das
categorias com maior numero de freqüência de verbalizações (120).
Através da verificação da grande ocorrência de verbalizações nesta
categoria, notamos a importância que a história familiar assume para os
membros desta família, fator que podemos associar à noção de pertencimento
dos membros vinculada ao reconhecimento de uma história comum que os une
e da qual todos participaram. Durante as entrevistas, a temática da história
129
familiar foi valorizada pelos membros da família, inclusive como desencadeador
de encontros de todos os membros.
A dimensão funcional focaliza aspectos presentes no eixo sincrônico da
vida familiar. Para verificar tal dimensão, observamos o funcionamento
instrumental e as funções expressas presentes na família, de acordo com a
nossa teoria de fundamentação.
No que se refere ao funcionamento instrumental vemos uma forte ligação
entre esta subcategoria da análise da estrutura familiar com as questões
ressaltadas na categoria “gênero” de nossa análise de conteúdo,
principalmente no que se refere às temáticas “homem” e “mulher”. As mulheres
ocupam um lugar de apoio afetivo exercido de diferentes formas e os homens
apresentam a função de proverem financeiramente as famílias. Nota-se que
atualmente na família nuclear, quem exerce a função de cuidar da limpeza,
alimentação e organização da casa é Élia, com auxílio de uma ajudante
externa à família. É Élia que exerce o papel de identificar sentimentos entre os
familiares, sendo ela que costuma identificar problemas e ajudar a resolvê-los.
Podemos dizer que é Élia o apoio emocional de todos na família. José é o
responsável pelo controle da medicação de Donato e de Élia.
Com relação às funções expressas na família vemos que há variados
padrões de comunicação estabelecidos. Estes padrões estão presentes em
diversos temas de nossa análise e principalmente na categoria “dinâmica
familiar” na temática “agressão” e “afastamento”. Também estão associado os
padrões de comunicação à temática “histórias” da categoria “história da vida
familiar”.
José rompe com a característica familiar masculina segundo a qual os
homens o identificados como teimosos e fechados. Tal fato é percebido ao
130
verificarmos as colocações de Élia, ressaltadas no genorgrama da família, ao
dizer estar cansada de José contar sempre as histórias de sua vida às
pessoas. Élia, no entanto, mostra-se muito fechada, assim como Donato. Os
dois apresentam quadros de somatização e Élia aparentou grandes mudanças
com relação a tal fato, no processo de coleta de dados para esta pesquisa. No
início falava muito pouco, dizendo não lembrar-se dos fatos de sua vida, assim
como Donato o fez algumas vezes. Com o passar do tempo, mostrando uma
melhora de seu quadro depressivo, foi se colocando mais nas entrevistas,
chegando a cantar uma música para os entrevistadores ao final da quarta
entrevista.
As mulheres da família identificam-se como denunciadoras de fatores
familiares conflituosos ou disfincionais. Dinalva sempre se coloca no lugar de
apontar de forma direta, questões que ela observa. Mostra-se incisiva e as
vezes dura em suas colocações, sendo sempre quem questiona as atitudes
dos demais familiares e assim como Damiana, exercem de maneira forte e
clara a comunicação verbal de questões familiares.
um padrão de comunicação indireta exercido por José que é
identificado pelos familiares como uma forma de agressão. É uma
comunicação velada, com traços de ironia, que resulta em uma defesa prévia
de Donato quando vai falar sobre certos assuntos, como ressaltado
anteriormente na descrição da relação entre Donato e José feita na
apresentação do genograma. Este padrão de comunicação é também
entendido por nós como uma comunicação prioritariamente circular que está
diretamente associada ao sofrimento psíquico grave observado na família e
que envolve os padrões de funcionamento de Donato e José.
131
Daniel também exerce um padrão velado de comunicação, utilizando
muitos recursos de comédia e brincadeiras para se comunicar. Os demais
irmãos se mostraram diretos em sua forma de comunicação, embora todos da
família com exceção de Damiana e Dinalva, tenham afirmado sempre guardar
muitas coisas para si mesmos, de forma a não incomodar aos demais ou para
reservar seu espaço privado.
Observamos que associados às formas de comunicação estabelecidas
pela família estão as funções e papeis dos familiares, também vinculados à
“história de vida da família” e às questões de “gênero”.
Vemos que Élia assume o papel de resolver problemas de maneira
velada, pois quem assume tal papel de forma direta é José, com auxílio de
Daniel e Damiana em alguns momentos específicos. Daniel auxilia o pai a
resolver questões de trabalho, financeiras, de negócios e em momentos de
crise de Donato, ajuda a levá-lo ao hospital. Damiana auxilia em questões
ligadas à saúde como procurar auxílio médico e em algumas questões afetivas,
sendo confidente do pai.
Dinalva ocupa o lugar de denunciar as questões familiares e ser
confidente da mãe. É ela quem mais se aproxima afetivamente de Donato,
desde quando eram crianças, ocupando o papel de ajudar o irmão na escola,
por exemplo.
Delbert e Dário mostraram-se bastante afetuosos, porém não ocupam
nenhum papel marcante identificado por nós na família a não ser o de cuidar de
forma indireta dos demais familiares.
A nosso ver, Donato exerce um papel especial no grupo familiar ao
notarmos que ele está sempre a par dos sentimentos que acontecem na
132
família. A sua maneira, lida com estes e os expõe ou vela com suas crises, tem
para si o papel familiar de paciente identificado.
133
5 – Considerações finais.
Percebemos que a família apresenta uma estruturação flexível a
mudanças externas, porém não a mudanças no funcionamento da estrutura
familiar. Os subsistemas o bem definidos, com fronteiras flexíveis e nítidas,
conforme citamos anteriormente. Entretanto, o subsistema caracterizado pela
aliança e coalizão entre os pais e o filho Donato nos chama a atenção. Este
subgrupo se diferencia dos demais por apresentar uma fronteira nítida, porém
inflexível, caracterizando um subsistema de fronteira rígida e, portanto,
disfuncional (Minuchin, 1990a). Tal organização constitui-se na relação com os
demais subsistemas da família, o que podemos notar quando os irmãos de
Donato, que constituem os demais subsistemas familiares, o identificam ao
mesmo tempo como doente e protegido pela mãe e o excluem de seus
subsistemas por questões de gênero e idade. Dedicaremos, portanto, mais
atenção a tal organização e relação entre subsistemas dentro do grupo familiar,
por encontrarmos em sua constituição e funcionamento, o lugar do sintoma na
família.
Segundo Bowen (1978, em Wright e Leahey, 2005) uma terceira pessoa
pode ser inserida e inserir-se em uma relação de outras duas como forma de
diminuir o nível de ansiedade da relação da dupla inicial, proporcionando mais
estabilidade à essa relação, triangulada com a entrada do terceiro elemento.
Observamos este padrão de relação entre José, Élia e Donato de maneira bem
delimitada.
O triângulo se faz presente enquanto configuração relacional na família
desde o nascimento de Donato, tornando-se mais rígido com o passar do
tempo. Esta organização de relações influencia fortemente a maneira como
134
Donato interage com os demais subsistemas presentes em seu sistema familiar
maior. Donato apenas tem relações mais próximas com uma outra integrante
do sistema familiar, a irmã Dinalva. Ela nos denunciou o triângulo, mostrando-
se sempre muito incomodada com tal padrão relacional. Os demais familiares
afirmam que sentem culpa por não ajudar o irmão a melhorar, embora tenham
tentado inseri-lo em seus trabalhos, uma vez que são donos de empresas, e
acompanhem mais de perto a vida dos pais e de Donato em momentos de
crises identificadas.
Segundo Satir (1976), disfunções conjugais podem afetar as funções
parentais relativas a algum dos filhos do casal, sendo este o que se torna
Paciente Identificado, como citado anteriormente. Para esta autora, caso os
pais nutram baixa auto-estima e confiem pouco um no outro, podem confiar ao
filho o lugar de conferir um aumento da auto-estima e por conseqüência, aliviar
as tensões do relacionamento parental. Este fato pode ser observado na
organização da família estudada ao verificarmos que a relação de Élia e José
sempre teve muita influencia do ciúme de José, constituído por conteúdos
religiosos e de magia. Tal dado aparece tanto na descrição da linha da vida
familiar como nas relações demarcadas no genograma e na análise de
conteúdo de nossas entrevistas e nos diz de um sofrimento psíquico extenso a
todos os elementos do subsistema triangulado.
Um outro fator identificado por nós como associado ao sofrimento
psíquico grave apresentado, é ligado à necessidade da criança desenvolver a
auto-estima como “uma pessoa com domínio” e como “pessoa sexuada” (Satir,
1976 pág. 81).
Na família de Donato, a relação com Élia não abriu espaço a esta
validação em função da história do nascimento e do crescimento de Donato. A
135
atribuição de valor de milagre à sua sobrevivência quando bebê e a culpa de
Élia com relação ao atropelamento de Donato quando criança, marcam sua
relação com o filho e impedem primariamente uma construção de um espaço
no qual seu crescimento seja validado pela mãe.
Ao mesmo tempo, vemos que José invalida as posições do filho ao
pormenorizar sua fala na dinâmica da comunicação entre os dois e não
reconhecer sua capacidade de trabalho, fator identificado na família como
afirmativo da construção de um espaço de individualização e independência.
O movimento demonstrado de invalidação de Donato enquanto sujeito é
compreendido por nós como atrelado à invalidação da sexualidade de Donato.
Este fato se faz presente pelos relatos de culpa de Donato, com relação a seus
desejos, ao mesmo tempo em que nos denuncia uma identificação com o pai.
Segundo Satir (1976, g. 84) a validação da identificação sexual se
principalmente pelo fato da relação entre homem e mulher servirem de modelo
de relação gratificante e funcional. Isto não ocorreu na vida de Donato uma vez
que a relação parental necessitou de sua entrada e absorção como forma de
alivio das tensões entre o casal. A independência de Donato necessitaria de
uma demonstração parental de reconhecimento dele enquanto sujeito sexuado
e capaz de ser independente, ao mesmo tempo em que demonstrasse ser uma
relação funcional e gratificante para ambos os elementos do casal.
Este processo se deu de forma diferente com os demais filhos, a nosso
ver, em função da própria organização de subsistemas fraternos e de gênero.
Por serem subsistemas bem definidos e com fronteiras permeáveis, houve uma
maior liberdade para a inserção dos sujeitos que constituem estes subsistemas
em uma rede social maior, com mais referências de relações entre homem e
mulher.
136
O processo de identificação de Donato com Joé para s um dado da
herança e um reflexo de um funcionamento estrutural da família. Afirmamos
isso ao percebermos que todos os filhos do sexo masculino seguem algum
oficio aprendido com o pai, deixado como uma herança e que valida a posição
do pai ao mesmo tempo em que valida a posição dos filhos como sujeitos
adultos e independentes por estarem inseridos no mercado de trabalho.
As filhas mulheres seguiram trabalhos aprendidos com a e, que
embora sempre tenha sido dona de casa, ocupou funções como a de cuidadora
e administradora de dinheiro, funções hoje ocupadas pelas filhas em suas
tarefas de trabalho. Este fato também tem a função de validação do lugar
materno e valida a posição de adultas independentes das filhas.
Neste contexto, Donato não seguiu nenhum dos ofícios do pai, porém,
percebemos sua identificação com José através de outros aspectos. Donato,
assim como José, tem visões e as associa a conteúdos religiosos. Também
sofreu interferência de macumba em sua vida, feita por uma ex-namorada e
toma medicação controlada, assim como o pai. Vemos a similaridade de
conteúdos e de formas de construção de sintomas nosológicos entre o quadro
de sofrimento psíquico grave de Donato e as características das visões e
experiências de vida de José. Além desses fatores, Donato valida o papel de
cuidador exercido pelo pai e constituído ainda em sua família de origem,
principalmente pela relação com o a Otávio. Jose se reconhece como
alguém a ser bitolado por Deus através do sofrimento.
Esta relação nos diz de uma identificação e da aceitação de um legado
familiar, além de destacar o sintoma constituído enquanto crise em sua
primeira ocorrência, no momento familiar de saída dos filhos da casa dos pais
para casarem, estando todos já inseridos no mercado de trabalho.
137
A nosso ver, a crise de Donato naquele momento da vida familiar nos
afirma essa identificação com o pai, a angustia de Donato em perder o contato
com os outros subsistemas da família, assim como a angustia dos pais em
ficarem sós e terem que lidar com a ansiedade de sua relação conjugal de uma
nova maneira, frente à possibilidade de saída de Donato.
No contexto descrito acima, compreendemos que a família apresenta uma
organização estrutural como um imbróglio (Palazzoli e cols. 1998, pág. 92)
descrito anteriormente neste trabalho. Este envolve a relação entre José, Élia e
Donato, que mostra ser um processo interativo complexo, estruturado em torno
de uma prática comportamental que evolui e é específica. Segundo Palazzoli
(1998, pág. 93) esta forma de relação é posta em prática por um dos pais e
caracteriza-se pela ostentação de uma relação de uma díade, aparentemente
privilegiada, intergeracional e que na realidade não é verdadeira. A falta de
autenticidade do ilusório privilégio é decorrente do fato da relação ser um
instrumento de uma estratégia voltada contra algum elemento da relação
familiar, normalmente outro genitor.
Assim, localizando o sofrimento psíquico grave e as crises nos diferentes
momentos do ciclo de vida da família, identificamos que a associação entre
indivíduos participantes do imbróglio construído na relação triangulada, e na
relação das pessoas envolvidas nesse subsistema com os demais constituintes
do grupo familiar, varia de acordo com a funcionalidade sistêmica do sintoma.
Desta forma, afirmamos a importância de verificar a maneira como as
relações são estabelecidas nas famílias, tanto em sua funcionalidade quanto
na organização de subsistemas, como forma de compreender a construção de
sintomas no seio da relação familiar, quando estamos trabalhando com saúde
mental.
138
Por vezes uma associação de Donato com a mãe, de forma a trazer o
pai de volta ao convívio familiar. Esta relação é sustentada pela aliança entre
os dois, fundamentada na ameaça de traição da mãe, que quando se
concretiza desencadeia crises. Como exemplo, temos a crise vivida ao final do
ano de 2006, descrita anteriormente.
Em outros momentos, uma associação de Donato com o pai,
impedindo concretizações de desejos e fantasias sexuais de José e validando
seu lugar de cuidador na relação, função estruturadora do papel familiar de
José conforme exposto neste trabalho.
Em determinadas ocasiões, acontece a associação do casal contra
Donato, levando à crises que resultam em reuniões com os demais elementos
da família.
Compreendendo o sintoma inserido na estrutura familiar, ao localizarmos
sua constituição no funcionamento estrutural da família, chegamos à sua
relação com o sistema social maior do qual o grupo familiar participa. Carreteiro
(2004, g. 93) apresenta a perspectiva do sofrimento mental como um projeto
de inserção social por proporcionar uma forma de afiliação institucional de
cuidados à saúde. Tal afiliação decorre da necessidade de afiliação à
instituições como forma de inclusão social. Assim, para além da funcionalidade
sistêmica do sintoma de Donato no interior da estrutura familiar que
apresentamos, vemos a funcionalidade social do sintoma, que carrega em si
uma solução misturada com um outro fator de sofrimento.
Ao mesmo tempo em que a identificação de um sofrimento denominado
de doença pela sociedade exclui o sujeito e sua família de diversas esferas
sociais, esta identificação fornece um lugar social de doente ao indivíduo assim
denominado. Este lugar se pela afiliação à instituição de atenção à saúde,
139
como é o caso da relação de Donato com o HSVP, ao mesmo tempo em que
justifica sua não-afiliação a outras instituições sociais, como seria o caso se ele
trabalhasse.
Esta reflexão sobre o lugar do sintoma no aspecto social amplo observada
neste estudo de caso, nos leva a sugerir a observância de significações do
sofrimento mental no trabalho clínico com famílias com sofrimento psíquico
grave identificado.
Observamos na família estudada uma organização de grupo familiar
contemporânea que apresenta características estruturais pressupostas pela
teoria familiar sistêmica para a compreensão do estabelecimento de quadros
de sofrimento psíquico grave, qual seja, por exemplo, a organização de
subsistemas da família que opera em extremos entre emaranhamento e
desligamento (Minuchin, 1990a). Assim, com o objetivo de trabalhar com
famílias em sofrimento psíquico grave em nosso contexto sócio-cultural, é
possível utilizar fundamentações teóricas clássicas, que puderam ser
observadas como estando de acordo com os dados por nós observados.
Neste contexto, concordamos com a afirmativa de Minuchin (1990a) de
que o problema se localiza em padrões de interação da família. Com nosso
estudo e as reflexões colocadas por nós até então, concluímos que ao
trabalhar com famílias em sofrimento psíquico grave, torna-se fundamental
observar certos aspectos de seu funcionamento estrutural que se destacaram
em nossa pesquisa de forma a otimizar as intervenções e possibilitar um
trabalho familiar congruente com nossa realidade sociocultural.
Reafirmamos a importância de observar a história familiar do grupo com o
qual se trabalha de maneira a acessar a localização temporal do sofrimento
identificado. Outra função do conhecimento da história familiar é a possibilidade
140
de verificar fatores intergeracionais do sofrimento e da saúde na família,
ligados aos papeis e funções dos sujeitos no grupo familiar e ao sistema de
crenças da família, que está diretamente vinculado à identificação do
sofrimento.
Ainda como fator de destaque no trabalho em saúde mental com famílias,
ressaltamos a necessidade de compreender a forma como os subsistemas são
estabelecidos no seio familiar, suas características de fronteiras e de
funcionamento assim como dos padrões de comunicação estabelecidos entre
os sujeitos que compõem os subsistemas. Tal compreensão permite acessar
mais uma vez o estabelecimento de funções e papéis, a possibilidade de
circulação dos sintomas caso este se estabeleça em sistemas de fronteiras
muito fechadas e inflexíveis e as noções de pertencimento dos sujeitos aos
subsistemas.
Conquanto se identifiquem formas de comunicação, esta compreensão de
estabelecimento de funções e papeis também estará ligada à funcionalidade do
sintoma no sistema estudado, dentro de seu funcionamento estrutural. Estas
características foram verificadas por s como estreitamente ligados à saúde
mental dos elementos do sistema, uma vez que este fator é dependente da
capacidade sistêmica estrutural em adaptar-se e sofrer e provocar mudanças.
Desta forma, torna-se possível intervir desafiando o sintoma, a estrutura e a
realidade familiar consideradas por Minuchin (1990b, pág.75) como as
principais estratégias da terapia familiar estrutural.
A maneira como entendemos a construção do sintoma leva à
possibilidade deste circular na família, quando não observado o grupo familiar e
trabalhado em sua estrutura. Esta circulação pode acontecer no sentido de
novos sintomas emergirem frente à necessidade de desencadeamento de
141
mudanças estruturais o realizadas através do sintoma inicial ou ainda
desencadeadas pelo movimento sistêmico contrário às mudanças, como uma
forma de tentativa de manutenção de um funcionamento da estrutura não
mais possível.
Para além da observação de aplicabilidade teórica, nos posicionamos de
forma a justificar o trabalho terapêutico de intervenção precoce com famílias,
ao observarmos com clareza neste estudo e na bibliografia consultada, que o
sintoma se estabelece no seio da organização familiar. Este fato não exclui a
necessidade de observar e trabalhar com o paciente identificado portador do
sintoma a priori, porém reafirma e enfatiza a importância da família na saúde
mental. Entendemos que com este estudo de caso, reafirmamos a importância
de compreender o sintoma em sua constituição sistêmica, justificando a
terapêutica com a família e com o paciente identificado.
Assim, sugerimos que as políticas de revisão das formas de tratamento e
intervenção em saúde mental junto à quadros de sofrimento crônicos ou em
intervenções precoces adotem o trabalho com as famílias dos pacientes
identificados para além da orientação psicopedagógica e do aconselhamento,
incluindo a família na terapia, uma vez que o sintoma está, comprovadamente,
ligado à estrutura familiar, sua dinâmica de funcionamento e sua história.
Tendo em vista as sugestões feitas acima, ressaltamos uma das
dificuldades encontradas para a realização deste trabalho. Não foi possível a
realização de um encaminhamento da família para atendimento terapêutico
familiar na rede pública de saúde uma vez que não está disponível tal serviço
nos centros de atenção à saúde mental que existem no Distrito Federal
atualmente. Tal fato é por nós visto como um foco demandante de atenção.
Embora haja políticas de revisão dos serviços disponíveis e de implementação
142
de CAPS e NAPS, não existem possibilidades de encaminhamento para
atendimento familiar de pacientes crônicos que possibilitem o trabalho
integrado com as equipes que assistem a pacientes e suas famílias como
acontece com a família participante deste trabalho.
Outra limitação de nosso estudo ocorreu em função das informações do
prontuário de Donato. Apesar da revisão das formas de trabalho das
instituições de atenção à saúde, notamos que os prontuários carecem de
informações mais precisas sobre os atendimentos realizados com os pacientes.
Neste estudo, vemos que o prontuário de Donato apresenta hipóteses
diagnósticas incertas, o que nos chama a atenção ao fato de que não houve
um processo de psicodiagnóstico, ou diagnóstico psiquiátrico, relatado em
prontuário em nenhuma de suas internações.
Este fator foi ainda um dificultador na execução de nosso trabalho na fase
de levantamento de prontuários para entrar em contato com os pacientes,
conforme descrito no projeto de pesquisa inicial. Não foi possível identificar os
diagnósticos nosológicos em prontuário, dificultando nosso contato com os
pacientes.
Deixamos como sugestões para próximos trabalhos, questões que nos
saltam aos olhos após este estudo de caso, a saber:
Como o sintoma circula na estrutura, caso por si não execute mais sua
funcionalidade sistêmica dentro do grupo familiar? Este estudo deve
potencializar uma extensão da concepção teórica de intervenção precoce para
além da crise, sendo precoce no que concerne à função do sintoma
estabelecido na estrutura familiar.
As significações religiosas da crise e do conteúdo da crise como forma de
inserção no sistema sócio-cultural de crenças. Como a forma de significação
143
dos próprios sinais que levam por vezes à identificação de sofrimento psíquico
acontece?
Estudo das formas de estabelecimento de vínculo com a família, por parte
dos profissionais de saúde, focalizando o lugar sistêmico ocupado pelo
profissional no processo de construção do sistema terapêutico, com foco na
resistência das famílias em seguirem processos terapêuticos. Como o lugar do
terapeuta e suas ações interagem com o lugar do sintoma na estrutura
familiar?
Assim, concluímos nosso trabalho esperando ter respondido a nossos
objetivos iniciais e pressupondo que a construção do conhecimento possibilite
melhores formas de trabalho junto às pessoas que sofrem, através da melhora
das nossas técnicas e da provocação à reflexão constante sobre aquilo que se
faz na clínica em saúde mental, tendo a família como foco principal.
144
6 - Bibliografia
Andolfi, M. (1981). A terapia familiar. Lisboa: Veja.
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149
ANEXOS
150
ANEXO 1
Descrição das codificações da CID-10
F 20-F 29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e
transtornos delirantes
Este agrupamento reúne a esquizofrenia, a categoria mais importante deste
grupo de transtornos, o transtorno esquizotípico e os transtornos delirantes
persistentes e um grupo maior de transtornos psicóticos agudos e transitórios.
Os transtornos esquizoafetivos foram mantidos nesta seção, ainda que sua
natureza permaneça controversa.
Este agrupamento contém as seguintes categorias:
F20 Esquizofrenia
F21 Transtorno esquizotípico
F22 Transtornos delirantes persistentes
F23 Transtornos psicóticos agudos e transitórios
F24 Transtorno delirante induzido
F25 Transtornos esquizoafetivos
F28 Outros transtornos psicóticos não-orgânicos
F29 Psicose não-orgânica não especificada”.
F20 Esquizofrenia
Os transtornos esquizofrênicos se caracterizam em geral por distorções
fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos
inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a
capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no
curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o
eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do
pensamento, a percepção delirante, idéias delirantes de controle, de influência
ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o
paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos.
A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser contínua, episódica com
ocorrência de um déficit progressivo ou estável, ou comportar um ou vários
episódios seguidos de uma remissão completa ou incompleta. Não se deve
151
fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando o quadro clínico comporta
sintomas depressivos ou maníacos no primeiro plano, a menos que se possa
estabelecer sem equívoco que a ocorrência dos sintomas esquizofrênicos
fosse anterior à dos transtornos afetivos. Além disto, não se deve fazer um
diagnóstico de esquizofrenia quando existe uma doença cerebral manifesta,
intoxicação por droga ou abstinência de droga. Os transtornos que se
assemelham à esquizofrenia, mas que ocorrem no curso de uma epilepsia ou
de outra afecção cerebral, devem ser codificados em F06.2; os transtornos que
se assemelham à esquizofrenia, mas que são induzidos por drogas psicoativas
devem ser classificados em F10-F19 com quarto caractere comum .5.
F20.0 Esquizofrenia paranóide
A esquizofrenia paranóide se caracteriza essencialmente pela presença de
idéias delirantes relativamente estáveis, freqüentemente de perseguição, em
geral acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de
perturbações das percepções. As perturbações do afeto, da vontade, da
linguagem e os sintomas catatônicos, estão ausentes, ou são relativamente
discretos.
Esquizofrenia parafrênica
Exclui:
estado paranóico de involução (F22.8)
paranóia (F22.0)
F32 Episódios depressivos
Nos episódios típicos de cada um dos três graus de depressão: leve, moderado
ou grave, o paciente apresenta um rebaixamento do humor, redução da
energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de
experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de
concentração, associadas em geral à fadiga importante, mesmo após um
esforço mínimo. Observam-se em geral problemas do sono e diminuição do
apetite. Existe quase sempre uma diminuição da auto-estima e da
autoconfiança e freqüentemente idéias de culpabilidade e ou de indignidade,
mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de dia para dia ou
segundo as circunstâncias e pode se acompanhar de sintomas ditos
"somáticos", por exemplo perda de interesse ou prazer, despertar matinal
152
precoce, várias horas antes da hora habitual de despertar, agravamento
matinal da depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de
apetite, perda de peso e perda da libido. O número e a gravidade dos sintomas
permitem determinar três graus de um episódio depressivo: leve, moderado e
grave.
F 32.3 Episódio depressivo grave com sintomas psicóticos
Episódio depressivo correspondente á descrição de um episódio depressivo
grave (F32.2) mas acompanhado de alucinações, idéias delirantes, de uma
lentidão psicomotora ou de estupor de uma gravidade tal que todas as
atividades sociais normais tornam-se impossíveis; pode existir o risco de
morrer por suicídio, de desidratação ou de desnutrição. As alucinações e os
delírios podem não corresponder ao caráter dominante do distúrbio afetivo.
Episódios isolados de:
· depressão:
· major com sintomas psicóticos
· psicótica
· psicose depressiva:
· psicogênica
· reativa”
Fonte: CID-10
153
ANEXO 2
Termo de consentimento livre e esclarecido
Este documento se refere à sua participação informada, no processo de
investigação e pesquisa no qual trabalhamos, e do qual você(s) estará(ão)
aceitando ou não participar como sujeito(s) de pesquisa.
Esta pesquisa procura investigar a estrutura familiar na situação de
sofrimento psíquico grave. É um estudo para realização do mestrado, feito por
mim, Maria del Carmen Cárdenas Jansen, psicóloga, CRP 01-11034, sob
orientação do Professor Dr. Ileno Izídio da Costa, da Universidade de Brasília.
Vocês participarão de entrevistas familiares e/ou individuais, atividades
que serão por mim realizadas com você(s), acompanhada por um auxiliar de
pesquisa estudante de psicologia, sendo nossos encontros registrados por
escrito e/ou filmados. Estes procedimentos serão explicados e orientados
sempre que necessário. É indispensável lembrar a importância de sua
participação e a possibilidade de interromper esta a qualquer momento que
assim você(s) desejar(em), desde que esta interrupção seja informada
antecipadamente. A sua participação nesta pesquisa será composta por
aproximadamente 5 (cinco) encontros com os pesquisadores.
A participação nesta pesquisa será importante para seu
acompanhamento terapêutico e ainda para o desenvolvimento de formas de
tratamento mais eficientes. As questões que surgirem no decorrer deste
estudo, assim como o material de devolução dos resultados, poderão ser
encaminhados para orientação de seu acompanhamento terapêutico nas
unidades de saúde onde vocês já estão sendo assistidos.
Todas as informações relativas à pesquisa e aos atendimentos serão
trabalhadas sob sigilo ético, sendo que os nomes serão modificados e qualquer
possibilidade de identificação pessoal de vocês será preservada na divulgação
dos resultados da pesquisa. Os dados da pesquisa serão parte de meu
trabalho de dissertação de mestrado, sendo assim divulgados no meio
científico.
Cada pessoa da família receberá um documento como este para
preenchimento e participarão da pesquisa aqueles que estiverem de acordo
com as informações aqui fornecidas, através da assinatura deste documento,
154
sendo necessário, para que a participação de vocês aconteça, que todos da
família concordem e estejam presentes em todos os encontros familiares.
Sendo assim, estando informados e esclarecidos sobre o procedimento
de coleta de dados do qual estarão participando; assinando este termo de
consentimento livre esclarecido regulamentado pela Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde e Princípios Éticos Internacionais para
participação em Pesquisa, atestando sua intenção de participação neste
projeto e no caso de ser o responsável legal por algum menor ou alguém
incapacitado legalmente de assumir tal tipo de decisão, estarão declarando sua
intenção de participação no processo de pesquisa acima descrito. Obrigada por
sua colaboração!
Eu ____________________________________, CPF_______________
Idade_____, declaro estar de acordo com a minha participação nesta pesquisa,
e no caso de ser responsável por _______________________________
meu___________(grau de parentesco ou relação) CPF__________
Idade_____ também pela sua participação, estando este informado e de
acordo com tal decisão.
Endereço completo________________________________________________
Telefone para contato__________________
Assinatura
_______________________________________________________________
Assinatura do menor ou pessoa pela qual a acima se responsabiliza legalmente
Maria del Carmen Cárdenas Jansen
Pesquisadora
155
Contatos com a responsável: Psicóloga Maria del Carmen rdenas Jansen
Tel. 81518715 CRP: 01-11034.
Contatos com o Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa, a ser realizado pelo tel. do
CAEP (Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos – IP – UnB).
Telefone (s) Institucional (ais): CAEP – 307.2625 Ramal 614 – 273.8894.
Telefone do Conselho de Ética em Pesquisa/ SES/DF – 3325-4955.
Brasília DF __/__/2007.
156
ANEXO 3
Entrevista familiar baseada no CFAM
Entrevistador: Maria del Carmen
Auxiliar:_________________________________________________________
Local:__________________________________________________________
Data: __/___/___ Hora de início/fim: ________/_________.
Forma de Registro:________________________________________________
Obs:___________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
______________________________________________________________.
Presentes:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________.
Estrutura Interna:
Composição familiar:
1. Quem vocês consideram como sendo da família?
2. Por quê?
3. Estão todos presentes aqui? Se não, por quê?
4. Todos residem na mesma casa?
5. Como é quando alguém nasce ou morre nesta família?
Gênero:
1. Como é ser homem ou mulher nesta família?
2. As mulheres devem: (ex: fazer tais coisas, não fazer tais coisas).
3. Os homens devem: (ex: fazer tais coisas, não fazer tais coisas).
4. As mulheres não devem:
5. Os homens devem:
6. Há nesta família alguém que exerça tarefas de homens sendo mulher ou
vice-versa? Quem? Como?
Obs: observar neste item as tarefas e atribuições de cada gênero na
família.
Orientação Sexual:
1. Como é, nesta família, o início de relacionamentos afetivos com outras
pessoas? (início de namoros, amizades coloridas, “casos”, etc.).
2. Algum de vocês é separado; viveu outros casamentos? Como é o
término destes relacionamentos?
3. Quais o os passos que devem ser seguidos para que um casal seja
considerado “casado”?
4. Há alguém homossexual, bissexual ou transgênero nesta família?
5. Se há, como foi o processo de identificação e de compreensão pela
opção sexual desta pessoa pelos outros membros da família?
157
6. Se não, como seria identificar esta opção por parte de algum membro
familiar?
Ordem de posição:
1. Quais as idades de vocês?
2. Quantos filhos vocês têm?
3. Algum filho já morreu?
4. Algum aborto aconteceu nesta família?
Subsistemas:
1. Algumas famílias têm subgrupos especiais; por exemplo, a mulher faz
certas coisas enquanto o homem faz outras. Existem diferentes subgrupos
em sua família?
2. Caso houver, quais efeitos estes têm no nível de estresse de sua
família?
3. Quem costuma conversar sobre os problemas da família ou um de seus
membros? Enquanto essas conversas acontecem, o que as outras pessoas
costumam fazer?
4. Qual o subgrupo mais afetado pelo sofrimento psíquico grave de
___________ (nome do paciente identificado)?
5. Quem reúne a família para conversas importantes? Como? Sempre foi
essa pessoa?
6. Como as relações de vocês mudaram depois do diagnóstico de
__________?
7. O casal tem tempo para estar sozinho e não estar resolvendo questões
familiares? Quando e com qual freqüência?
8. Como foi para os irmãos, saber do diagnóstico de _________?
9. Quando há problemas na família que nem todos podem saber, quem fica
sabendo e quem os resolve?
Fronteiras:
1. O que vocês vêm de mais diferente entre sua família e as demais com
as quais vocês têm contato?
2. Como vocês se organizam em pequenos grupos dentro da família?,
Quem é parte desses subgrupos?
3. É fácil perceber quem é de cada grupo?
4. Com quem você conversa quando se sente triste? E feliz? (perguntar ao
cuidador identificado e ao paciente identificado)?
5. Ha alguém em sua família contrário a suas conversas com alguém?
6. Quem seria mais a favor de suas conversas com aquela pessoa?
Funções expressas
Comunicação emocional:
1. Quem na família tende a iniciar as conversas sobre sentimentos?
2. Como vocês poderiam saber e/ou contar que seu pai está se sentindo
feliz? Nervoso? Triste? E sua mãe?
3. Qual o efeito que sua raiva tem com relação a seus filhos?
4. O que sua mãe faz quando seu pai está nervoso?
5. Se sua avó se mostrasse triste a seus pais, como você acha que seus
pais agiriam?
158
6. Como vocês agem quando o __________ está nervoso? E triste? E
feliz?
Comunicação verbal:
1. Quem dos seus familiares é o mais claro e direto ao comunicar-se de
forma falada?
2. Quando você tem coisas difíceis ou chatas para conversar, como sua
família reage?
3. Vocês conseguem identificar quando alguém diz algo que não é
direcionado exatamente para quem está escutando? Como?
4. Quando isso acontece, normalmente quem o faz?
Comunicação não-verbal:
Observar
1. Posição corporal
2. Contato do olhar
3. Toque
4. Gestos
5. Proximidade ou afastamento entre pessoas
6. Tom de voz
7. Choro
8. Sons internos
9. Gagueiras
10. Quem nesta família demonstra mais preocupação quando alguém está
com problemas? Como isso é visto na família?
11. Quem tem mais facilidade de demonstrar sentimentos nesta família, sem
necessariamente falar? Como isso acontece?
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS:
Identificação dos problemas:
1. Quem nesta família identifica quando problemas? É alguém da
família ou alguma outra pessoa de fora?
2. Vocês poderiam me dar um exemplo de problema identificado como
emocional por vocês?
3. E um problema de ordem prática?
Padrões de resolução de problemas:
4. Quando vocês identificam um problema de alguém da família, como
vocês agem?
5. Quando o problema é da família como um todo, como vocês resolvem?
Quem normalmente toma a frente?
Funções e papeis:
1. Quais as obrigações de cada um na família? (como por exemplo
limpar a casa, comprar comida, acompanhar o dever de casa das crianças,
etc)?
159
2. Quem cuida de quem na família?
Influência:
1. Como vocês fazem para conseguir alguma coisa com seus pais?
2. Como seus pais fazem para conseguir que os filhos os obedeçam?
3. Quando seu irmão quer um favor seu, como ele faz para conseguir que
você o atenda?
4. Quando alguém na família realiza algo desejado por todos, como isso é
visto na família?
5. Como alguma coisa não bem aceita pela família acontece, como isso é
punido?
Controle corporal:
1. Quem é mais carinhoso nesta família?
2. Quem é o mais nervoso?
3. Como essas emoções são demonstradas corporalmente por vocês
(abraços, tapas, beijos, etc)?
CRENÇAS
1. Como as crenças da família influenciam na procura por tratamento
médico?
2. Qual a religião de vocês?
3. Como é a escolha por seguir essa religião na família?(Há escolha?
Alguém não tem a mesma religião?)
4. Como o sofrimento de _____________ é compreendido por vocês,
segundo o que vocês acreditam?
5. Como vocês acreditam que as pessoas devem ser e se comportar e
como isso influencia na criação das crianças nesta família, ou na escolha
por parceiros?
ALIANÇAS E COALIZÕES
Relações trianguladas:
1. Quando duas pessoas na família não estão conseguindo se comunicar
bem, quem interfere?
2. Esta pessoa é chamada por alguém envolvido na questão de forma
direta ou ela já entra no conflito de forma natural?
3. Como você (pessoa que se envolve no conflito como ) resolve a
questão ou escolhe de que lado ficar?
4. Quando está tudo bem no grupo reunido de algumas pessoas na família,
quem tende a começar uma briga ou discussão?
FUNCIONAMENTO INSTRUMENTAL
1. Quem normalmente cozinha, faz as refeições, cuida da casa? Quem
ajuda?
2. Quem cuida de ________ quando este está em casa e não se sente
bem?
DIMENSÃO FUNCIONAL
Instrumental: (vista acima)
Expressiva:
1. Quem normalmente percebe se as pessoas na família estão felizes ou
tristes? Como esta pessoa reage?
160
2. Como são comunicados acontecimentos difíceis na família (ex: quando
alguém morre, fica doente, vai embora, etc.)
DIMENSÃO DO DESENVOLVIMENTO
*Fazer a linha da vida familiar
Verificar fatores:
Nascimentos
Crescimento e criação dos filhos
Saída de casa dos filhos
Aposentadoria
Morte.
Obs:. Separações, casamentos e fatores citados pela família como o
surgimento do sofrimento psíquico grave devem ser aqui destacados!
CONTEXTO
Fatores étnico-culturais:
1. De onde é sua família? Vocês mantêm costumes da região de onde
vocês vêm, tais como festas, comidas, musicas ou outras tradições?
2. Estas tradições influenciam na forma de cuidar da saúde, criar os filhos,
etc.?
Raça:
1. Vocês se identificam como sendo de alguma raça em particular?
2. É diferente essa raça, de alguma outra, com a qual vocês convivem?
Como vocês percebem essas diferenças?
3. Vocês consideram que são de uma raça diferente da minha?
4. Se sim, nossa conversa seria diferente se fossemos da mesma raça?
Classe social
1. Qual seu trabalho ou ocupação e quantas horas você trabalha por
semana?
2. Qual o nível de escolaridade dos membros de sua família?
3. Você considera que sua família passa por problemas financeiros neste
momento?
4. Como sua situação financeira influencia no uso de recursos de cuidado
à saúde?
Religião:
1. Vocês se consideram membros de algum grupo religioso em particular?
2. Se você tivesse algum problema de família, você falaria com alguém de
sua igreja?
3. Você acha que suas crenças religiosas ou espirituais modelam ou
influenciam a forma como você leva sua vida ou lida com problemas?
4. A sua igreja influencia a forma como sua família lida com cuidados de
saúde ou a socialização da família?
Ambiente:
Verificar com a família:
Adequação de espaço e privacidade
Acessibilidade à escolas
161
Acessibilidade a cuidados diários
Acessibilidade a recreação
Acessibilidade a transporte público
Acessibilidade ao trabalho ou à lojas
1. Você considera o espaço onde você vive adequado em termos de
localização e tamanho?
2. O que você como vantagens ou desvantagens no bairro ou na
vizinhança onde você vive?
3. Quais são os serviços comunitários dos quais sua família faz uso?
Estrutura externa (rede social e família extensa)
Família extensa:
1. Onde seus parentes vivem? Quão freqüentemente vocês têm contato?
2. Quais parentes você encontra ou conversa com relativa freqüência?
3. Você tem parentes com os quais você costuma passar feriados, férias
ou eventos importantes? Isso pode ser considerada uma fonte de
desentendimentos?
4. Quando alguém na família casa, passa a ser considerado da família
extensa ou ainda faz parte da família imediata?
5. Existe alguma pessoa próxima, externa à família formal, que vocês
consideram como sendo da família? Qual é o tipo de relação com essa
pessoa?
Sistemas maiores:
Trabalho
Escola
Igreja
Hospital ou Centro de Saúde
Verificar como se relacionam com as pessoas de tais instituições, qual a
importância delas e fatores interligados ao funcionamento do sistema
familiar.
Verificar também o tempo de contato com elas e a forma como este se deu
inicialmente.
1. Quais agências profissionais estão envolvidas com sua família (se
houver)?
2. Quais de seus familiares estão ligados a organizações comunitárias,
religiosas ou de interesse especial? Quais o os grupos dos quais cada
um faz parte?
3. Quais o os tipos de contato que os membros da família têm com os
sistemas escolares?
4. E com o sistema de saúde?
5. Vocês sentem falta de algum grupo, centro de saúde ou instituição do
tipo, que esteja mais próxima de vocês?
6. Se vocês pudessem, como seria a instituição de saúde mental ideal para
trabalhar com a sua família?
162
7. Vocês ouviram falar em CAPS ou hospital dia? Tem algum trabalho
realizado pela instituição que assiste ao __________ (paciente identificado)
junto a vocês? Como é feito o trabalho lá?
163
ANEXO 4
ESCALA DAS SÍNDROMES POSITIVA E NEGATIVA
PANSS
Instruções: Circule o grau apropriado para cada dimensão após determinada
entrevista clínica. Remeta-se ao manual de avaliação para os itens definição,
descrição pontos de ancoragem e o procedimento de contagem. 1= ausente, 2=
mínimo, 3= leve, 4= moderado, 5= moderadamente grave, 6= grave, 7= extremamente
grave.
Escala Positiva
P1 - Delírios.............................................1..........2...........3..........4........5..........6...........7
P2 – Desorganização conceitual ............1..........2...........3..........4........5..........6...........7
P3 – Comportamento alucinatório...........1..........2...........3..........4........5...........6..........7
P4 – Excitação ...................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
P5 – Grandeza....................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
P6 – Desconfiança . ............................ 1..........2...........3..........4........5..........6............7
P7 – Hostilidade..................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
Escore escala positiva ............................
Números de sintomas avaliados > 3...............................
Escala Negativa
N1 Afetividade embotada.......................... 1........2...........3..........4........5..........6..........7
N2 – Retraimento emocional................... 1..........2...........3..........4........5..........6..........7
N3 – Contato pobre................................. 1..........2...........3..........4........5..........6..........7
N4 – Retraimento social passivo / apático.1........2...........3..........4........5..........6..........7
N5 – Dificuldade pensamento abstrato.....1..........2...........3..........4........5..........6.........7
N6 – Falta de espontaneidade e fluência...1.........2.........3..........4........5..........6...........7
N7 – Pensamento estereotipado..............1..........2...........3..........4........5..........6..........7
Escore escala negativa..........................
Números de sintomas avaliados > 3 .................
Escala de Psicopatologia Geral
G1 – Preocupação somática.................1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G2 – Ansiedade.................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G3 – Culpa........................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G4 – Tensão........................................ 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G5 – Maneirismo / postura................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G6 – Depressão................................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G7 – Retardo motor.............................. 1..........2...........3..........4........5.........6...........7
G8 – Falta de cooperação.................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G9 – Conteúdo incomum pensamento. 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G10 – Desorientação............................ 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G11 – Déficit atenção........................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G12 – Juízo e crítica...............................1..........2...........3..........4........5..........6.........7
G13 – Distúrbio volição......................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G14 – Mau controle impulso................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G15 - Preocupação................................ 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
G16 – Esquiva social ativa..................... 1..........2...........3..........4........5..........6...........7
Escala de Psicopatologia Geral................
Tipo Sintomatológico:
164
1 – Positivo (3 ou mais sintomas com o escore > ou = 4 na escala positiva e menos de
3 sintomas com escore > ou = 4 na escala negativa);
2 Negativo (3 ou mais sintomas com o escore > ou = 4 na escala negativa e menos
de 3 sintomas com escore > ou = 4 na escala positiva);
3 – Misto (3 ou mais sintomas com escore > ou = 4 em ambas as escalas);
4 – Nenhum Tipo (quando não se aplicam os critérios anteriores)
ESCALA POSITIVA (P)
P1 – Delírios: Crenças que são infundadas, irreais e idiossincráticas. Bases para
avaliação: conteúdo do pensamento expressado na entrevista e sua influência nas
relações sociais e no comportamento.
1 – Ausente - Definição não aplicável.
2 – Mínimo - Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve - Presença de um ou dois delírios que são vagos, não cristalizados, e não
mantidos de forma obstinada. Os delírios não interferem no pensamento, nas relações
sociais ou no comportamento.
4 Moderado - Presença ou de um arranjo mutável de delírios, mal sistematizados,
instáveis ou de poucos delírios bem formados que interferem ocasionalmente no
pensamento, nas relações sociais, ou no comportamento.
5 Moderadamente grave - Presença de numerosos delírios bem formados que são
mantidos de forma obstinada e ocasionalmente interferem no pensamento, nas
relações sociais ou no comportamento.
6 – Grave - Presença de um conjunto de delírios estáveis que são cristalizados,
possivelmente sistematizados, mantidos de forma obstinada, e interferem claramente
no pensamento, relações sociais e o comportamento.
7 – Extremo - Presença de um conjunto de delírios estáveis que são altamente
sistematizados ou muito numerosos, e que dominam a maioria dos aspectos da vida
do paciente. Isto frequentemente resulta em comportamentos inadequados e
irresponsáveis que pode ameaçar a segurança do paciente ou de outros.
P2 Desorganização Conceitual: Processo desorganizado do pensamento,
caracterizado pela ruptura da sequência orientada em direção a um objetivo, por
exemplo, circunstancialidade, tangencialidade, associações frouxas, pensamento sem
sequência, altamente ilógica, ou bloqueio do pensamento. Bases para quantificação:
processos congnitivo-verbais observado durante o curso da entrevista.
1 – Ausente- Definição não aplicável.
2 – Mínimo- Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade
3 Leve- O pensamento é circunstancial, tangencial ou paralógico. alguma
dificuldade em orientar os pensamentos em direção a um objetivo, e algum
comprometimento das associações podem ser evidenciados quando sob pressão.
4 Moderado- O paciente é capaz de organizar o pensamento quando as
comunicações são breves e estruturadas, mas os pensamentos se tornam vagos ou
irrelevantes quando o mesmo está lidando com comunicações mais complexas ou
quando se encontra sob pressão, ainda que mínima.
5 Moderadamente grave- Geralmente tem dificuldade na organização dos
pensamentos, como evidenciado por dados irrelevantes, falta de conexões, ou perda
das associações frequentes, mesmo quando não está sob pressão.
6 Grave- O pensamento está seriamente desagregado e internamente inconsistente,
resultando em dados francamente irrelevantes e desorganização dos processos do
pensamento, que ocorre quase constantemente.
7 Extremo- Os pensamentos estão desorganizados até ponto onde o paciente se
torna incoerente. acentuada perda das associações que resultam na falência da
comunicação, por exemplo, “salada de palavras” ou mutismo.
P3 Comportamento Alucinatório: O relato verbal ou comportamento mostram
percepções que não são geradas por estímulos externos.
165
Essas podem ocorrer nas esferas auditivas, visuais, olfatórias ou somáticas. Bases
para avaliação: Relato verbal e manifestações físicas durante o curso da entrevista,
bem como relatos de comportamento pelos familiares ou enfermagem.
1 – Ausente- Definição não aplicável.
2 – Mínimo- Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve - Uma ou duas alucinações claramente formadas, mas raras ou mesmo
várias percepções anormais vagas que não resultam em distorções do pensamento ou
comportamento.
4 Moderado - As alucinações ocorrem frequentemente mas não de maneira
contínua, e o pensamento e o comportamento do paciente são só levemente afetados.
5 Moderadamente grave - As alucinações são frequentes, podem envolver mais do
que uma modalidade sensorial, e tendem a distorcer o pensamento e/ou desorganizar
o comportamento. O paciente pode Ter uma interpretação delirante destas
experiências e reagir à elas emocionalmente e, às vezes também verbalmente.
6 Grave - As alucinações estão presentes quase que continuamente, causando
desorganização importante no pensamento e no comportamento. O paciente as
considera percepções reais e o seu funcionamento é prejudicado pro frequentes
respostas verbais e emocionais dadas a essas percepções.
7 Extremo - O paciente está quase totalmente preocupado com as alucinações que
realmente dominam o pensamento e o comportamento. As alucinações têm
interpretações delirantes rígidas e provocam respostas verbais e comportamentais,
incluindo obediência às ordens alucinatórias.
P4 – Excitação: Hiperatividade que se reflete em um comportamento motor acelerado,
aumento da resposta aumentada aos estímulos, hipervigilância ou labilidade do humor
excessiva. Bases para avaliação: manifestações comportamentais durante o curso da
entrevista, bem como relatos sobre o comportamento pela enfermagem ou familiares.
1 – Ausente- Definição não aplicável.
2 – Mínimo - Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve - Tende a estar levemente agitado, hipervigilante, ou em estado de alerta
levemente aumentado durante a entrevista, mas sem distintos episódios de excitação
ou acentuada labilidade de humor. O discurso pode estar levemente acelerado.
4 Moderado - Agitação ou estado de alerta aumentado se mostram na entrevista de
forma evidente, afetando o discurso e psicomotricidade geral, ou acessos episódicos
ocorrem esporadicamente.
5 – Moderadamente grave - Hiperatividade significante ou acessos frequentes de
atividade motora são observados, tornando difícil para o paciente permanecer sentado
por mais que alguns minutos ao logo do tempo.
6 Grave - Acentuada excitação domina a entrevista, restringe a atenção e em algum
grau afeta as funções pessoais como comer e dormir.
7 Extremo- Acentuada excitação interfere seriamente no ato de comer e dormir e
torna as interações interpessoais realmente impossíveis. Aceleração do discurso e
atividade motora podem resultar em incoerência e exaustão.
P5 Grandiosidade: Opinião própria exagerada e convicções irreais de superioridade,
incluindo delírios de capacidades extraordinárias, riqueza, conhecimento, fama, poder
e moralidade. Bases para avaliação: Conteúdo do pensamento expresso na entrevista
e sua influência no comportamento.
1 – Ausente - Definição não aplicável.
2 – Mínimo- Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve - Alguma expansividade ou aumento da auto-estima são evidentes, mas sem
delírios, mas sem delírios claramente delineados.
4 Moderado - Sente-se claramente superior sem base na realidade. Podem estar
presentes alguns delírios pobremente estruturados acerca de um estado ou de uma
capacidade especial mas não age de acordo com eles.
166
5 – Moderadamente grave - O paciente expressa delírios claramente delineados
relacionados a capacidades notáveis, status, de poder influenciam suas atitudes mas
não o comportamento.
6 Grave: O paciente expressa delírios claramente delineados de notável
superioridade envolvendo mais que um parâmetro (riqueza, conhecimento, fama,
etc...) que influenciam consideravelmente as interações e podem levar o paciente a
agir de acordo com eles.
7 Extremo - Delírios múltiplos de capacidades extraordinárias, riqueza,
conhecimento, fama, poder e/ou valor moral, que podem tomar uma qualidade bizarra,
dominam o pensamento, as interações e o comportamento.
P6 Desconfiança/Perseguição: Idéias de perseguição irreais ou exageradas, como
observadas em atitudes de defesa e desconfiança, de hipervigilância suspeitosa, ou
francos delírios de que os outros desejam prejudicá-lo. Bases para avaliação:
conteúdo do pensamento expresso na entrevista e sua influência no comportamento.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Presença de atitude de defesa ou mesmo claramente desconfiada, mas os
pensamentos, interações e o comportamento estão apenas levemente afetados.
4 Moderado A desconfiança é evidente e interfere na entrevista e/ou
comportamento, mas não evidencia de delírios persecutórios. Por outro lado, pode
haver indicação de delírios persecutórios frouxamente estruturados, mas isso não
parece alterar a atitude ou relações interpessoais do paciente.
5 Moderadamente grave O paciente mostra acentuada desconfiança, o que leva a
distúrbios importantes das relações interpessoais, ou então delírios persecutórios
claramente delineados que tem impacto limitado nas relações interpessoais e no
comportamento.
6 – Grave – Delírios de perseguição bem delineados e difusos, que podem ser
sistematizados e interferem significativamente nas relações interpessoais.
7 Extremo Uma trama de delírios persecutórios sistematizados dominam o
pensamento, as relações sociais e o comportamento do paciente.
P7 Hostilidade – Expressões verbais e não verbais de raiva e ressentimento,
incluindo sarcasmo, comportamento passivo-agressivo, ofensa verbal e agressividade.
Bases para avaliação: comportamento interpessoal observado durante a entrevista e
relatos das enfermagens ou familiares.
1 – Ausente – Definição não aplicável
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Comunicação de raiva indireta ou refreada, tais como: sarcasmo,
desrespeito, expressões hostis e irritabilidade ocasional.
4 – Moderado – O paciente apresenta uma atitude claramente hostil, mostrando
frequente irritabilidade e expressões diretas de raiva e ressentimento.
5 Moderadamente grave O paciente está altamente irritável e por vezes se torna
verbalmente agressivo ou ameaçador.
6 Grave A falta de cooperação e as ofensas verbais ou ameaças influenciam
notavelmente a entrevista e causam um impacto importante nas relações sociais. O
paciente pode estar violento e destrutivo, mas não está fisicamente agressivo com os
outros.
7 Extremo A raiva acentuada resulta em extrema falta de cooperação, impedindo
interações com os outros, ou resulta em episódios de agressividade física.
ESCALA NEGATIVA
N1 Embotamento Afetivo: Responsividade emocional diminuída, caracterizada por
redução da expressão facial, da modulação dos afetos, e dos gestos comunicativos.
Bases para avaliação: observação das manifestações físicas, do tônus afetivo e
responsividade emocional durante o curso da entrevista.
167
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode ser o limite superior da normalidade.
3 Leve – As mudanças na expressão facial e nos gestos comunicativos parecem ser
formais, forçados, artificiais, ou carentes em modulação.
4 Moderado Redução da expressão facial e poucos gestos expressivos resultam
em aparência monótona.
5 Moderadamente grave O afeto está geralmente embotado, somente com
mudanças ocasionais na expressão facial e uma escassez de gestos comunicativos.
6 Grave O paciente apresenta na maior parte do tempo, acentuado embotamento
e deficiência de emoções. Pode haver uma extrema descarga afetiva extrema sem
modulação, tais como: excitação, furor ou risos inapropriados e desencontrados.
7 Extremo As mudanças na expressão facial e evidências de gestos de
comunicativos estão virtualmente ausentes. O paciente parece mostrar
constantemente uma expressão vazia ou “petrificada”.
N2 – Retraimento Emocional: Falta de interesse de envolvimento e compromisso
afetivo com os eventos da vida. Bases para avaliação: relatos de funcionamento pela
enfermagem e familiares e observação do comportamento interpessoal durante a
entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Usualmente falta iniciativa e ocasionalmente pode apresentar algum
interesse em eventos que o cercam.
4 – Moderado – Geralmente o paciente está distanciado emocionalmente do seu
ambiente e dos seus desafios, mas com encorajamento, pode se envolver.
5 Moderadamente grave O paciente está claramente isolado emocionalmente de
pessoas e de eventos do ambiente, resistente a todos os esforços de envolvimento. O
paciente parece distante, passivo e sem propósito, mas pode se estabelecer
comunicação com ele pelo menos breve espaço de tempo e o mesmo é capaz de
cuidar de suas necessidades pessoais algumas vezes com assistência.
6 Grave A falta acentuada de interesse e envolvimento emocional resulta em
limitação da comunicação com outros e frequentes negligências das funções pessoais,
para as quais o paciente requer supervisão.
7 Extremo O paciente está quase totalmente isolado, incomunicável e negligente
em relação às necessidades pessoais como resultado da profunda falta de interesse e
envolvimento emocional.
N3 – Contato Pobre: Falta de empatia interpessoal, espontaneidade na conversação e
senso de proximidade, de interesse ou envolvimento com o entrevistador. Isto é
evidenciado pelo distanciamento interpessoal e pela reduzida comunicação verbal e
não verbal. Bases para avaliação: comportamento interpessoal durante a entrevista.
1 – Ausente - Definição não aplicável.
2 – Mínimo - Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve - A Conversação está caracterizada pelo tom afetado, forçado ou artificial.
Pode ser destituído de profundidade emocional ou tender a permanecer num plano
impessoal e intelectual.
4 Moderado – O paciente tipicamente está indiferente, mantendo um distanciamento
interpessoal bastante evidente. Pode responder questões mecanicamente, agir com
enfado ou expressar desinteresse.
5 Moderadamente grave A falta de envolvimento é óbvia e claramente impede a
produtividade da entrevista. Pode haver tendência do paciente evitar o contato visual
ou facial.
6 - Grave O paciente está muito indiferente, com acentuado distanciamento
interpessoal. As respostas são superficiais e há pouca evidência de envolvimento
através de manifestações não verbais. Os contatos visuais e faciais são
frequentemente evitados.
168
7 Extremo O paciente encontra-se totalmente alheio em relação ao entrevistador.
O paciente parece estar completamente indiferente e sistematicamente evita
interações verbais e não verbais durante a entrevista.
N4 Retraimento Social Passivo/Apático: O interesse e a iniciativa nas intenções
sociais estão diminuídos devido à passividade, apatia, falta de energia ou abulia. Isso
leva a uma redução dos envolvimentos interpessoais e negligência das atividades da
vida diária. Bases para avaliação: Relatos sobre o comportamento social por familiares
ou pela enfermagem.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve- O paciente apresenta interesse ocasional em atividades sociais, mas com
pouca iniciativa. Habitualmente envolve-se com os outros apenas quando esses o
procuram.
4 Moderado O paciente participa passivamente na maioria das atividades sociais,
mas de uma maneira desinteressada ou mecânica. Tende a retroceder ao seu
isolamento.
5 Moderamente grave O paciente participa passivamente apenas em uma minoria
de atividades e virtualmente não demonstra nenhum interesse ou iniciativa.
Geralmente permanece pouco tempo com os outros.
6- Grave O paciente tende a ser apático e isolado, muito raramente participa das
atividades sociais e ocasionalmente negligencia necessidades pessoais. Tem poucos
contatos sociais espontâneos.
7 Extremo O paciente está profundamente apático, isolado socialmente e
negligente em relação à sua pessoa.
N5 Dificuldade no Pensamento Abstrato Prejuízo no uso do pensamento abstrato-
simbólico, conforme se evidencia pelas dificuldades em classificar, formular
generalizações e em resolver problemas por se limitar ao pensamento concreto ou
egocêntrico. Bases para avaliação: respostas a perguntas sobre similaridades e
interpretações de provérbios, e uso das abordagens concretas versus abstratas
durante a entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 Mínimo Patologia não questionável: pode estar no limite superior da
normalidade.
3 – Leve – O paciente tende a dar interpretações literais ou personalizadas aos
provérbios mais difíceis e pode ter alguns problemas com conceitos que são
razoavelmente abstratos ou remotamente relacionados.
4 Moderação – O paciente frequentemente se utiliza uma abordagem concreta. Tem
dificuldade com a maioria dos provérbios e com algumas classificações. Tende a voltar
sua atenção para aspectos funcionais e para características mais proeminentes.
5 Moderadamente grave O paciente utiliza-se primariamente de uma abordagem
concreta, mostrando dificuldade com a maioria dos provérbios e muitas classificações.
6 Grave – O paciente é incapaz de compreender o significado abstrato de quaisquer
provérbios ou expressões figurativas e poder formular classificações para apenas
similaridades mais simples. O pensamento é vazio ou preso a aspectos funcionais,
características proeminentes e interpretações fotossincráticas.
7 - Extremo O paciente consegue se utilizar de abordagens concretas de
pensamento. Não demonstra nenhuma compreensão de provérbios, metáforas
comuns ou semelhanças comuns, e como uma base para classificação. Essa
avaliação pode ser aplicada para aqueles que não conseguem interagir, mesmo de
forma mínima com o examinador devido a um prejuízo cognitivo importante.
N6 Falta de espontaneidade na Fluência da Conversação: Redução da fluência
normal da comunicação associada com apatia, abulia, atitude defensiva, ou déficit
cognitivo. Isso se manifesta pela diminuição da fluidez e produtividade do processo de
169
interação verbal. Bases para avaliação: processos cognitivos vergais observados
durante a entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 - Mínimo – Patologia questionável: pode ser o limite superior da normalidade.
3 – Leve – O paciente mostra pouca iniciativa na conversação. Suas respostas tendem
a ser curtas e não elaboradas, exigindo perguntas diretivas por parte do entrevistador.
4 Moderado A conversação carece de fluência e se apresenta irregular ou com
interrupções. Frequentemente são necessárias perguntas diretivas para provocar
respostas adequadas e dar sequência à conversação.
5 Moderadamente grave O paciente apresenta uma falta acentuada de
espontaneidade e se mostra fechado, respondendo às questões do entrevistador
apenas com uma ou duas sentenças curtas.
6 – Grave – As respostas do paciente limitam-se principalmente à umas poucas
palavras ou frases curtas, com a intenção de evitar ou reduzir a comunicação (por
exemplo: “Eu não sei”, “Eu não tenho liberdade para dizer”). Como resultado a
conversação é seriamente prejudicada e a entrevista é altamente improdutiva.
7 – Extremo – A manifestação verbal restringe-se a no máximo expressões ocasionais,
tornando a conversação impossível.
N7 Pensamento Estereotipado Diminuição da fluência, espontaneidade e
flexibilidade do pensamento, como se evidencia no conteúdo do pensamento rígido,
repetitivo ou vazio. Bases para avaliação: processos cognitivos verbais observados
durante a entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 - Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve O paciente demonstra alguma rigidez em atitudes ou crenças. Pode se
recusar a considerar posições alternativas ou tem dificuldade em mudar de uma idéia
para outra.
4 Moderado A conversação gira em torno de um tema recorrente, resultando na
dificuldade em mudar para um novo assunto.
5 Moderadamente grave O pensamento é rígido e repetitivo até o ponto que
apesar dos esforços do entrevistador a conversação é limitada somente a dois ou três
assuntos dominantes.
6 - Grave Repetição incontrolada de necessidades, afirmações, idéias ou perguntas
que prejudicam a conversação de forma intensa.
7 - Extremo O pensamento, o comportamento e a conversação são dominados pela
repetição constante de idéias fixas ou frases limitadas, levando a uma intensa rigidez,
inadequação e restrição da comunicação do paciente.
ESCALA DE PSICOPATOLOGIA GERAL
G1 Preocupação Somática: Queixas físicas ou crenças à respeito de doenças ou
mau funcionamento do corpo. Isso pode variar de uma sensação vaga de mal-estar a
delírios bem definidos de doença física catastrófica. Bases para avaliação: conteúdo
do pensamento manifestado durante a entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 - Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve O paciente demonstra preocupações cm temas de saúde ou somáticos,
como se evidência por perguntas ocasionais e desejo de ser reassegurado.
4 Moderado Queixa-se de pouca saúde e mau funcionamento corporal, mas não
convicção delirante, e essas preocupações exageradas podem ser aliviadas por
reasseguramento.
5 Moderamente grave O paciente expressa queixas numerosas ou frequentes
sobre doenças físicas ou mau funcionamento corporal, ou então revela um ou dois
delírios bem definidos envolvendo esses temas mas não se preocupa com eles.
170
6 - Grave O paciente está preocupado com um ou alguns delírios bem definidos de
doenças físicas ou mau funcionamento do organismo, mas o afeto não está
completamente imerso nesses temas, e os pensamentos podem ser desviados pelo
entrevistador com algum esforço.
7 – Extremo – O paciente relata delírios somáticos numerosos e frequentes ou apenas
alguns delírios somáticos de natureza catastrófica que dominam completamente o afet
e o pensamento do paciente.
G2 Ansiedade Experiência subjetiva de nervosismo, preocupação, apreensão ou
inquietação, variando de preocupação excessiva com o presente ou com o futuro até
sensações de pânico. Bases para avaliação: relato verbal durante a entrevista e
manifestações físicas correspondentes.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3- Leve O paciente expressa algum aborrecimento, preocupação excessiva, ou
inquietação subjetiva, mas não são relatadas ou evidenciadas consequências
somáticas ou comportamentais.
4 –Moderado – O paciente relata claros sintomas de nervosismo que são refletidos em
manifestações físicas leves, tais como tremores finos nas mãos e sudorese excessiva.
5 Moderadamente grave: O paciente relata problemas sérios de ansiedade que tem
significativas consequências físicas e comportamentais, tais com tensão acentuada,
concentração pobre, palpitações ou prejuízos do sono.
6 Grave O paciente apresenta estado subjetivo de medo quase constantes
associados a fobias, inquietação acentuada, ou numerosas manifestações somáticas.
7 Extremo A vida do paciente está seriamente prejudicada pela ansiedade que
está presente quase constantemente e às vezes alcança proporções de pânico ou é
manifestado por verdadeiros ataques de pânico.
G3 Sentimentos de Culpa: Sentimentos de remorso ou auto-acusação por erros
imaginários ou reais do passado. Bases para avaliação: relato verbal de sentimento de
culpa durante a entrevista e sua influência sobre atitudes e pensamentos.
1 - Ausente – Definição não aplicável.
2 - Mínimo – Patologia questionável, pode estar no limite superior da normalidade.
3 - Leve O interrogatório revela um sentimento vago de culpa ou auto-acusação por
um incidente menor, mas o paciente não está excessivamente preocupado com isso.
4 - Moderado O paciente expressa preocupação definida com sua responsabilidade
por um incidente real em sua vida, mas não está preocupado com isso, e sua atitude e
comportamento não estão essencialmente afetados.
5 Moderadamente grave- O paciente expressa um forte sentimento de culpa
associado com auto-depreciação ou acredita que mereça ser punido. O sentimento de
culpa pode ter uma base delirante, podem ser relatados espontaneamente, podem ser
uma fonte de preocupação e/ou humor deprimido, e não podem ser aliviados
prontamente pelo entrevistador.
6 Grave Fortes idéias de culpa assumem uma qualidade delirante e conduzem a
uma atitude de desesperança ou desvalia. O paciente acredita que deva receber
severas penalidades por seus erros e pode considerar sua situação de vida atual
como punição.
7 – Extremo – A vida do paciente está dominada por irredutíveis delírios de culpa, pelo
quais ele se sente merecedor de punições drásticas como prisão, tortura ou morte.
Podem estar associados pensamentos suicidas ou atribuir a seus próprios erros no
passado os problemas dos outros.
G4 Tensão: Manifestações físicas evidentes de medo, ansiedade e agitação, tais
como rigidez de postura, tremores, sudorese profusa e inquietação. Bases para
avaliação: relato verbal mostrando ansiedade, concomitantemente à severidade das
manifestações físicas de tensão observadas durante a entrevista.
171
1 - Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável, pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve A postura e os movimentos indicam leve estado de apreensão, tais como:
discreta rigidez de postura, inquietação ocasional, frequentes mudanças de posição,
tremores finos e rápidos das mãos.
4 Moderado Uma clara aparência nervosa emerge de várias manifestações, tais
como: inquietação, tremor de mãos evidente, transpiração excessiva, ou maneirismos
nervosos.
5 - Moderadamente grave – Forte tensão é evidenciada por numerosas manifestações,
como tremores nervosos, sudorese excessiva e inquietação, mas a conduta na
entrevista não é significativamente afetada.
6 Grave A intensidade de tensão chega a ponto de perturbar as relações
interpessoais. O paciente, por exemplo, pode estar constantemente inquieto, ser
incapaz de permanecer sentado por mais tempo, ou mostra hiperventilação.
7 Extremo A acentuada tensão se manifesta por sinais de pânico ou evidente
aceleração motora, tais como andar rapidamente de um lado para outro e inabilidade
para permanecer sentado por mais de um minuto, o que torna a conversação
impossível.
G5 Maneirismo e Postura: Postura ou movimentos não naturais são caracterizados
por aparência desajeitada, formal, desorganizada, ou bizarra. Bases para
quantificação: observação das manifestações físicas durante a entrevista bem como
relatos da enfermagem ou da família.
1 – Ausente – Definição não é aplicável.
2 - Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 - Leve Os movimentos são levemente desajeitados ou a postura é levemente
rígida.
4 Moderado Os movimentos são notadamente desajeitados ou desarmônicos, ou
uma postura forçada é mantida por períodos curtos.
5 Moderamente grave Observa-se rituais bizarros ocasionais ou postura
contorcida, ou uma posição anormal é mantida por longos períodos.
6 Grave Repetição frequente de rituais bizarros, maneirismos, ou movimentos
estereotipados, ou uma postura contorcida são mantidos por períodos extensos.
7 - Extremo OO funcionamento do paciente está seriamente prejudicado por seu
envolvimento constante em movimentos retualistas, maneirismos ou estereotipias, ou
por uma postura fixa não natural, que é mantida a maior parte do tempo.
G6 - Depressão: Sentimentos de tristeza, desencourajamento, desamparo e
pessimismo. Bases para avaliação: Relato verbal de humor deprimido durante a
entrevista e sua influência observada sobre a atitude e comportamento.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2- Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 - Leve O paciente expressa alguma tristeza ou desencorajamento apenas quando
questionado, mas não há evidência de depressão na atitude ou comportamento geral.
4 Moderado Sentimentos evidentes de tristeza ou desesperança que podem ser
relatados espontaneamente, mas o humor deprimido não tem impacto maior sobre o
funcionamento social ou comportamento e o paciente pode usualmente ser
reencorajado.
5 - Moderadamente grave Humor distintamente deprimido está associado a tristeza,
pessimismo, perda de interesse social, retardo psicomotor evidentes, e alguma
interferência no apetite e sono. O paciente não pode ser facilmente reencorajado.
6 - Grave Humor acentuadamente deprimido está associado com sentimentos
constantes de miséria, choro ocasional, desesperança e depreciação. Além disso,
interferência importante no apetite e/ou sono, bem como nas funções motoras e
sociais normais, com possíveis sinais de auto-negligência.
7 – Extremo – Sentimentos depressivos interferem seriamente na maioria das funções.
As manifestações incluem choro frequente, sintomas somáticos pronunciados, prejuízo
172
da concentração, retardo psicomotor, desinteresse social, auto-negligência, possíveis
delírios depressivos ou niilistas, e/ou possíveis pensamentos ou atos suicidas.
G7 Retardo Motor: Redução na atividade motora como refletida na lentificação ou
diminuição dos movimentos e da fala, diminuição da responsividade aos estímulos, e
redução do tônus corporal. Bases para avaliação: manifestações durante a entrevista
bem como relatos da enfermagem ou da família.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2- Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Diminuição leve, mas perceptível no ritmo dos movimentos e da fala. O
paciente pode estar improdutivo na conversação e nos gestos.
4 - Moderado O paciente está claramente lentificado nos seus movimentos e a fala
pode ser caracterizada por produtividade pobre, incluindo longa latência nas
respostas, pausas prolongadas ou ritmo lento.
5 Moderadamente grave Uma redução acentuado na atividade motora torna a
comunicação altamente improdutiva ou limita o funcionamento nas situações sociais e
ocupacionais. O paciente pode ser encontrado usualmente sentado ou deitado.
6 Grave Os movimentos estão extremamente lentificados, resultando num mínimo
de atividade e fala. O dia é gasto essencialmente em sentar-se ociosamente ou deitar-
se.
7 - Extremo O paciente fica quase completamente imóvel e praticamente não
responde aos estímulos externos.
G8- Falta de Cooperação Recusa ativa em cooperar com a vontade de pessoas
importantes para o paciente, incluindo o entrevistador, funcionários do hospital, ou
familiares, que pode estar associado com desconfiança, atitude defensiva, teimosia,
negativismo, rejeição de autoridade, hostilidade ou beligerância. Bases para avaliação:
comportamento interpessoal observado na entrevista, bem como relatos da
enfermagem ou família.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Coopera com uma atitude de ressentimento, impaciência ou sarcasmo.
Pode objetar inofensivamente a questionamento durante a entrevista.
4 – Moderado – Ocasionalmente apresenta recusa direta a atender a demandas
sociais normais, tais como fazer a própria cama, comparecer a atividades
programadas, etc. o paciente pode mostrar uma atitude hostil, defensiva ou
negativista, mas usualmente isso pode ser trabalhado.
5 - Moderadamente grave O paciente frequentemente não atende às solicitações do
seu ambiente, pode ser caracterizado pelos outros como um marginal ou como tendo
“problemas sérios de atitude”. A falta de cooperação é refletida na atitude de defesa
evidente ou irritabilidade para com o entrevistador e indisposição para responder a
muitas perguntas.
6 - Severo O paciente está altamente não cooperante, negativista e possivelmente
também beligerante. Recusa a obedecer a maior parte das regras sociais e pode estar
indisposto a iniciar ou concluir toda a entrevista.
7 – Extremo – A resistência ativa perturba seriamente todas as áreas mais importantes
de funcionamento. O paciente pode recusar a aderirem quaisquer atividades sociais,
cuidar da higiene pessoal, a conversar com familiares ou enfermagem, e participar
mesmo brevemente numa entrevista.
G9 Conteúdo Incomum do Pensamento: Pensamento caracterizado por idéias
estranhas, fantásticas ou bizarras, desde aqueles que são remotos ou atípicos aqueles
que são distorcidos, ilógicos e patentemente absurdos. Bases para avaliação:
conteúdo do pensamento expresso durante o curso da entrevista.
1 - Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
173
3 - Leve O conteúdo do pensamento é algo peculiar ou idiossincrático, ou as idéias
familiares são concebidas em um contexto impar.
4 - Moderado As idéias são frequentemente distorcidas e ocasionalmente parecem
muito bizarras.
5 - Moderadamente grave - O paciente expressa muitos pensamentos estranhos e
fantásticos (por exemplo: ser o filho adotivo de um rei, ser um foragido da sentença de
morte) ou alguns que são claramente absurdos (por exemplo: ter centenas de filhos,
receber mensagens de rádio do espaço exterior por meio de obturação dentária).
6 Grave O paciente expressa muitas idéias ilógicas ou absurdas ou algumas tem
uma qualidade claramente bizarra (por exemplo: ter 3 cabeças, ser um visitante de
outro planeta).
7 - Extremo – O pensamento é repleto de idéias absurdas, bizarras e grotescas.
G 10 – Desorientação: Falta de percepção do paciente em relação ao ambiente,
incluindo pessoas, lugar e tempo, que pode ser devido à confusão ou retraimento.
Bases para avaliação: resposta às perguntas sobre orientação durante a entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve A orientação geral é adequada, mas alguma dificuldade com pontos
específicos. Por exemplo: o paciente sabe sua localização, mas não o nome da rua,
conhece o nome dos funcionários do hospital mas não suas funções, sabe o mês, mas
confunde o dia da semana com o dia adjacente, ou erra na data por mais que dois
dias. Pode haver estreitamento de interesse evidenciado pela familiaridade com o
ambiente imediato, mas não com o ambiente mais amplo, bem como capacidade para
identificar os funcionários, mas o Prefeito, o governador ou o Presidente.
4 Moderado Sucesso apenas parcial em reconhecer pessoas, lugares e tempo.
Por exemplo: o paciente sabe que está num hospital, mas não seu nome, conhece o
nome da sua cidade mas não o bairro ou distrito, sabe o nome do seu terapeuta
principal, mas não o de muitos funcionários a que está diretamente relacionado, sabe
o ano e a estação mas não o mês.
5 Moderadamente grave Fracasso considerável em reconhecer pessoas, lugar e
tempo. O paciente tem apenas uma vaga noção de onde ele está e não parece
familiarizado com a maioria das pessoas do seu meio. Ele pode identificar o ano
correto ou quase corretamente, mas não sabe o mês atual, dia da semana ou estação
do ano em que está.
6 – Grave – Acentuado fracasso em reconhecer pessoas, lugares e tempo. Por
exemplo: o paciente não tem conhecimento do lugar onde está, confunde data por
mais de um ano, consegue dar o nome apenas de uma ou duas pessoas da sua
vida atual.
7 Extremo O paciente mostra-se completamente desorientado com relação às
pessoas, lugar e tempo. grande confusão ou total ignorância sobre seu paradeiro,
o ano corrente, e mesmo as pessoas mais familiares, tais como os pais, a esposa, os
amigos e o terapeuta principal.
G11 Atenção Pobre: Falha em focalizar a atenção manifestada por concentração
pobre, distraibilidade à partir de estímulos internos e externos, e dificuldade em
controlar, manter, ou em mudar o foco para novos estímulos. Bases para avaliação:
manifestações durante o curso da entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Concentração limitada, evidenciada por vulnerabilidade ocasional à
distrações ou falhas da atenção próximo ao fim da entrevista.
4 Moderado A conversação é afetada pela tendência a ser facilmente distraído,
dificuldade em manter a concentração sobre um dado tópico ao longo do tempo, ou
problema em mudar a atenção para novos assuntos.
5 Moderadamente grave: A conversação é seriamente prejudicada pela
concentração pobre, distraibilidade e dificuldade em mudar o foco apropriadamente.
174
6 Grave – A Atenção do paciente pode ser mantida apenas por momentos curtos ou
com grande esforço, devido à acentuada distração por estímulos externos e internos.
7– Extremo A atenção é tão desorganizada que mesmo uma conversação curta não
é possível.
G12 Falta de Julgamento e “Insight”: Prejuízo da compreensão ou consciência da
sua própria condição psiquiátrica ou situação de vida. Isto é evidenciado pelo fracasso
em reconhecer a doença ou sintomas psiquiátricos passados ou presentes, negação
da necessidade de hospitalização ou tratamento psiquiátrico, decisões caracterizadas
pela pobre capacidade de antecipação das conseqüências e planos irreais a curto e
longo prazo. Bases para avaliação: conteúdo do pensamento expresso durante a
entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Reconhece ter um distúrbio psiquiátrico, mas subestima claramente sua
seriedade, implicações para tratamento, ou importância de tomar medidas para evitar
recaídas. O planejamento futuro pode pobremente concebido.
4 Moderado O paciente mostra apenas um vago ou superficial reconhecimento da
doença. Pode haver flutuações em tomar conhecimento de estar doente ou pouca
consciência de sintomas importantes que estão presentes, tais como: delírios,
pensamento desorganizado, estado de desconfiança e retraimento social. O paciente
pode racionalizar a necessidade do tratamento em termos de ele aliviar sintomas de
menor importância, tais como: ansiedade, tensão e dificuldade no sono.
5 Moderadamente grave Reconhece distúrbio psiquiátrico passado, mas não o
presente. Se testado, o paciente pode admitir a presença de alguns sintomas, não
relacionados ou insignificantes, que tendem a ser explicados sempre por uma
interpretação, ou pensamento delirante. A necessidade de um tratamento psiquiátrico
de forma semelhante não é reconhecida.
6 Grave O paciente nega jamais ter tido um distúrbio psiquiátrico. Ele reluta a
presença de quaisquer sintomas psiquiátricos no passado ou presente e, embora
condescendente, nega a necessidade de tratamento e hospitalização.
7 Extremo Negação enfática de doença psiquiátrica passada ou presente. uma
interpretação delirante
G13 Ambivalência Volitiva: Distúrbios do início, manutenção e controle dos próprios
pensamentos, comportamentos, movimentos e fala. Bases para avaliação: conteúdo
do pensamento e comportamento manifestado no curso da entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve evidência de alguma indecisão na conversação e no pensamento, que
pode impedir em pequena extensão os processos cognitivos e verbais.
4 Moderado O paciente é frequentemente ambivalente e mostra clara dificuldade
em tomar decisões. A conversação pode ser prejudicada por alternância no
pensamento, e em conseqüência as funções verbais e cognitivas estão claramente
prejudicadas.
5 Moderadamente grave O distúrbio da volição interfere tanto no pensamento
como no comportamento. O paciente mostra pronunciada indecisão que impede o
início e continuidade de atividades sociais e motoras, e que também pode ser
evidenciado no discurso interrompido.
6 Grave O distúrbio da volição interfere na execução funções motoras simples e
automáticas, tais como: vestir-se e arrumar-se, e afeta claramente o discurso.
7 – Extremo – A falha da volição quase completa é manifestada por grande inibição da
movimentação e da fala, resultando em imobilidade e/ou mutismo.
G14 Mau Controle dos Impulsos: Regulação e controle da ação desordenada em
relação a seus desejos internos, resultando em descargas de tensões súbitas, sem
modulação, arbitrárias, ou mal dirigidas, sem considerar as consequências. Bases
175
para avaliação: Comportamento durante a entrevista e relatos da enfermagem ou
familiares.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve O paciente tende a ficar facilmente irritado e frustrado quando diante de
stress ou lhe é negado gratificação mas raramente age por impulso.
4 Moderado O paciente torna-se irritado e ofende verbalmente à mínima
provocação. Pode ser ocasionalmente ameaçador, destrutivo, ou ter um ou dois
episódios envolvendo confronto físico ou pequenas gritarias.
5 Moderadamente grave O paciente exibe episódios impulsivos repetidos
envolvendo ofensa verbal, destruição de propriedade, ou ameaças físicas. Pode haver
um ou dois episódios envolvendo sérias agressões, pelas quais o paciente requer
isolamento, restrição física, ou sedação.
6 Grave O paciente está na maioria das vezes impulsivamente agressivo,
ameaçador, exigente e destrutivo, sem nenhuma consideração aparente das
consequências. Mostra comportamento agressivo e também pode ser sexualmente
ofensivo e possivelmente age em resposta às ordens alucinatórias.
7 Extremo O paciente apresenta ataques homicidas, agressões sexuais,
brutalidade repetitiva, ou comportamento auto- destrutivo. Requer constante
supervisão direta ou contenção externa devido à inabilidade para controlar impulsos
perigosos.
G15 Preocupação: Envolvimento com sentimentos e pensamentos originados
internamente e com experiências autistas em detrimento da orientação voltada para a
realidade e do comportamento adaptativo. Bases para avaliação: Comportamento
interpessoal observado durante o curso da entrevista.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve Envolvimento excessivo com problemas ou necessidades pessoais, de tal
forma que a conversação se volta para temas egocêntricos e um interesse
diminuído em relação aos outros.
4 Moderado O paciente parece ocasionalmente absorvido em si mesmo, como se
estivesse em devaneios ou envolvido com experiências internas, que interferem com a
comunicação em pequeno grau.
5 Moderadamente grave O paciente parece estar frequentemente envolvido em
experiências autistas, como evidenciado por comportamentos que interferem
significativamente nas funções comunicacional e social, tais como a presença de um
olhar vago, mussitações ou falar consigo mesmo, ou envolvimento com
comportamento motor estereotipado.
6 Grave Preocupações acentuadas com experiências autistas, que prejudicam
seriamente a concentração, habilidade para conversar e orientação em relação ao
meio. O paciente pode ser frequentemente observado sorrindo, gargalhando,
mussiotando, falando ou gritando para si mesmo.
7 Extremo Intenso envolvimento com experiências autistas, que afetam
profundamente todo o comportamento. O paciente pode estar constantemente
respondendo verbalmente e através de comportamento às alucinações e mostra
pouca percepção de outras pessoas ou ambiente externo.
G16 - Esquiva Social Ativa: Envolvimento social diminuído associado a medo
injustificado, hostilidade, ou desconfiança. Bases para avaliação: Relatos sobre o
funcionamento social pela enfermagem ou familiares.
1 – Ausente – Definição não aplicável.
2 – Mínimo – Patologia questionável: pode estar no limite superior da normalidade.
3 Leve O paciente mostra desconforto na presença de outros ou prefere ficar
sozinho, embora participe em atividades sociais quando solicitado.
176
4 – Moderado – O paciente atende a todas ou a maioria das atividades sociais
contrariado, mas pode ser persuadido ou pode terminar prematuramente em razão de
ansiedade, desconfiança ou hostilidade.
5 – Moderadamente grave – O paciente com medo ou hostilidade mantendo-se isolado
de muitas das interações sociais, apesar dos esforços de outros para engajá-lo nessas
atividades. Tende a ficar sozinho durante o tempo não planejado.
6 – Grave – O paciente participa de poucas atividades sociais devido ao medo,
hostilidade ou desconfiança. Quando abordado, o paciente mostra uma forte tendência
a romper as interações e tende geralmente a isolar-se dos outros.
7 Extremo O paciente não consegue envolver –se nas atividades sociais devido a
medo pronunciado, hostilidade ou delírios percusitórios. Tanto quanto possível ele
evita todas as interações e permanece isolado dos outros.
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