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Pensarmos em interferências
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onde os movimentos não se fazem apenas como
sobreposição de algo qualquer sobre outrem, mas como um jogo de forças é estarmos
atento a um outro movimento produzido na relação, no encontro
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. Com Rolnik (1993)
experimentávamos um outro modo de contar a história de nossa gênese e do modo
como vamos criando a nós mesmos e nossas questões percebemos, sobretudo, que a
construção de nossa existência é produzida no plano dos encontros, pois é nele que
efetuamos nossa potência de afetar e ser afetado, de interferir e sofrer interferências. É
neste plano que se produz uma diferença, como efeito das interferências em suas
relações de forças e das composições que vão se formando; diferença esta que está
sempre nos dessubjetivando, nos tornando outros, nos arrastando para outro lugar (para
‘fora daqui’ como o homem do conto).
Já dizíamos, em um momento anterior, que a experimentação da feitura da própria
pesquisa, nos faz acessar e sermos acessados por uma memória afetiva. Constituída por
marcas vívidas, estas se atualizam por ressonâncias e nos convocam a todo o tempo à
criação de um novo corpo que nos permita a existencialização da diferença que se
produz em nós nos incessantes encontros que fazemos. Se por vezes, construímos
pausas, territórios que nos possibilitam dar contornos aos nossos modos de existir, ao
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Neves (2002) destaca que a realidade, na qual vivemos imersos, é produzida numa multiplicidade de
interferências extensivas e intensivas que, ‘em suas afirmações diferenciais, produzem ressonâncias tanto
inibitórias quanto favorecedoras de proliferações de sentidos e modos de vida como imantações do desejo
numa linha de fuga’ (p.138). Os aspectos extensivos (molares/visíveis) e intensivos (moleculares/
invisíveis) da interferência são coexistentes em um mesmo movimento e, portanto, não podem ser
pensadas como opostas, mas devem, sobretudo, ser pensadas nas relações e nos processos que as
constituem ao avaliarmos os movimentos que promovem ou estacam.
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Com a ajuda do professor de física Marcio Pudenzi da Universidade de Campinas, Neves nos chama
atenção para esta perspectiva de análise da interferência onde os movimentos de ressonância e contágio se
dão por interação. Transcrevemos a explicação do professor Pudenzi retirada da tese de doutorado de
Neves para evidenciarmos que no encontro de uma onda com a outra, de um movimento com outro, de
um corpo com outro, o que está presentemente marcado é a idéia da produção de uma diferença.
"Temos
vários tipos de ondas, mas, para simplificar, vamos visualizar as ondas geradas em um lago calmo,
quando jogo uma pedra nele. Observando estas ondas, podemos notar, entre outras particularidades,
aquelas mencionadas na definição de Houaiss: amplitude, que é a altura máxima que um ponto na
superfície da água atinge, quando a onda passa por ele, em relação à superfície calma do lago (a crista
da onda); freqüência, que é a taxa com que a perturbação se repete (por exemplo, quantas vezes por
segundo um determinado ponto do lago atingiu a amplitude). Agora, resolvemos jogar juntos uma pedra
cada um, gerando ondas com mesma freqüência e amplitude (que coincidência feliz!). Aí, notamos que,
em determinados pontos, na região em que sua onda se encontra com a minha, as amplitudes delas se
somam, e em outros se subtraem. Isto é a interferência. Ela ocorreu porque nossas ondas tinham a
mesma freqüência e amplitude, mas foram geradas em locais diferentes. O mesmo efeito poderia ocorrer
se nossas ondas fossem geradas no mesmo local, mas em tempos diferentes. Esta diferença (espacial e/ou
temporal) nas ondas é o que chamamos de diferença de fase". (Neves, 2002, p.135)