As razões, pois, fundadas nos ouvidos são fé, ao passo que as fundadas na vista
das provas são ciência e verdadeira razão. É com fundamento nesta lógica que surgem os Tomés
com suas crenças de vista, pelo que dizem, como o anotou Vieira: “a mim nunca me saiu da
boca coisa que me entrasse pelos ouvidos: para afirmar, hei de ver com os olhos primeiro;
. Tal
é como procedem os que se guiam pelos olhos, e não, pelos ouvidos; aqueles “são duas luzes do
corpo, são dois laços da alma”
. Se estas luzes do corpo estão acesas, luminosas, a alma andará
às claras, aceitando somente o que for de razão; contudo se estas luzes se apagam, com se
fecharem os olhos, toda a alma estará às escuras, aceitando, de fé, enganos e mentiras que lhe
quiser impingir o hipnotizador. Eis porque e como se dão as alucinações que começam no ponto
em que se fecha os olhos à realidade circunjacente, para penetrar no reino das quimeras e
onirismos. Olhos abertos são candeias e luzes do corpo; fechados, cadeias e laços da alma, visto
que, pelas portas dos ouvidos, a sugestão a pega, a subjuga, a condiciona, a escraviza. Veja lá,
quem for a dormir, se o hipnotizador tem estatura moral, pois, mais vale isto do que meros
conhecimentos científicos, que dão aptidão, porém, não, moralidade, isto é, torna o homem mais
apto, mas, não, melhor. Entre a anestesia química e a hipnótica, conforme o médico, é preferível
a química, que dá inconsciência total, à hipnótica, que deixa a porta aberta para todos os
condicionamentos. Entre os diplomados há os estritamente médicos, no dizer de Sócrates, que
são os curadores de doentes, e há os mercenários da medicina, que são os ganhadores de
dinheiro
. A este propósito conta o autor (muito discutido qual seja o certo) da “Arte de Furtar”
que um filho recém-formado em medicina, querendo superar o próprio pai na arte de Esculápio,
aproveitou-se da ausência desse para curar, de vez, um dos seus doentes crônicos. Tornando o
pai da viagem que fizera, e ciente do ocorrido, diz ao filho: “Não viste tu, selvagem, que
enquanto se queixava das dores, continuavam as visitas, e se acrescentavam as pagas? Secaste o
leite à cabra que ordenhávamos”
.
O hipnotismo é coisa tão maravilhosa como o anel do pastor Giges, que a este fazia
invisível ou visível, conforme pusesse o engaste do anel para dentro ou para fora da mão. E que
se seguiu disto? Seguiu-se que indo Giges ao palácio, prestar contas do rebanho ao rei, em lá
chegando, “seduz a rainha, e, cúmplice dela, assassina o rei e assenhoreia-se do reino”
. Veja lá
se tal anel pode estar na mão do supremo injusto, que é o que parece justo sem o ser. A virtude
maravilhosa estava no anel; contudo o pastor foi quem se aproveitou da maravilha. Assim com o
hipnotismo maravilhoso, belo e bom, em si mesmo, sem perigo algum na mão de um Sócrates,
mas, perigosíssimo se na mão de Giges, seja este um pastor ou um médico.
O maravilhoso não se explica, e por isso se impõe, pela fé, sugestionando, vencendo,
condicionando, arrastando as massas, criando legiões de fanáticos, escrevendo a história,
movendo o mundo.
Diz S. Paulo que “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova
das coisas que se não veem”
. Por isso, para se hipnotizar é preciso que os ouvidos se abram,
aguçados e crédulos, no mesmo ponto em que os olhos se fecham pesados, apagados, inibidos;
por esta razão não se hipnotizam videntes racionais, argutos da idéia, linces e águias do
pensamento, e sim, somente, os sensitivos, os emotivos, os impulsivos, os atletas da vontade e
Vieira, “Sermões”, v. 7, pág, 37 – Ed. das Américas.
Vieira, “Sermões”, v. 15, pág. 327 - Ed. das Américas.
Platão, “A República”, pág.33 – Atena Editora.
Antonio de Souza de Macedo, “Arte de Furtar”, pág. 16-17.
Platão, “A República”, pág. 63 – Atena Editora.
Heb. 11 ,1.