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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
Lillian Bastian
RURAL DE PORTO ALEGRE: PERCEPÇÕES DE MORADORES DE MUNICÍPIOS
DA REGIÃO METROPOLITANA
Porto Alegre
2010
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LILLIAN BASTIAN
RURAL DE PORTO ALEGRE: PERCEPÇÕES DE MORADORES DE MUNICÍPIOS
DA REGIÃO METROPOLITANA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural, da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS
como quesito parcial para obtenção do título
de Mestre em Desenvolvimento Rural.
Orientador: Prof. Dr. Fábio Kessler Dal Soglio
Porto Alegre
2010
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LILLIAN BASTIAN
RURAL DE PORTO ALEGRE: PERCEPÇÕES DE MORADORES DE MUNICÍPIOS
DA REGIÃO METROPOLITANA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural, da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS
como quesito parcial para obtenção do título
de Mestre em Desenvolvimento Rural.
Orientador: Prof. Dr. Fábio Kessler Dal Soglio
Aprovada em: Porto Alegre, 24 de maio de 2010.
Prof. Dr. Fábio Kessler Dal Soglio – orientador
PGDR/UFRGS
Prof. Dr. José Geraldo Wizniewsky
Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural/UFSM
Prof. Flávia Charão Marques
PGDR/UFRGS
Prof. Dr. Saionara Araújo Wagmer
Faculdade de Veterinária/UFRGS
A quem incentivou, indiretamente,
a jornada no mestrado:
meus pais.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a algumas pessoas que foram essenciais para a elaboração desta
Dissertação e estiveram envolvidas diretamente e indiretamente no processo de pesquisa.
Inicialmente gostaria de direcionar estes agradecimentos à minha família,
insubstituíveis pai, mãe, mano e mana. Sem eles nada disso seria possível. Agradeço
principalmente a minha Mãe que esteve sempre presente me fornecendo apoio nos momentos
mais difíceis não medindo esforços e conseqüências para que superasse dificuldades.
Agradeço ao querido amigo Jonas pelos conselhos e pela ajuda! A Eliane que sempre
esteve por perto do início ao final desta jornada. Ambos sempre abertos para me acolher e
conversar. À minha amiga Gil pela qual tenho um carinho mais do que especial. Minha
parceira e conselheira. Miga, ninguém me entende como você! Agradeço aos momentos de
cumplicidade experimentados nas conversas presenciais ou virtuais. Fizeram-me acreditar que
não estamos sozinhos e que existem pessoas como a gente.
Aos meus colegas de mestrado e doutorado, pelos conselhos e força. Novos amigos
que compartilhavam momentos idênticos e parecidos aos meus.
Aos dois professores do PGDR que tive oportunidade de trabalhar conjuntamente em
pesquisas e nas atividades ligadas ao mestrado. Professor Dr. Marcelino de Souza e,
especialmente, quero agradecer ao professor Dr. Fábio Kessler Dal Soglio, meu orientador
nesta pesquisa, que aceitou me guiar e acreditou em minha idéia de pesquisa. Agradeço pela
confiança e pelo incentivo. E, é claro, pelas inúmeras leituras e correções às versões
elaboradas.
Aos agricultores familiares ecológicos do rural de Porto Alegre, especialmente em
nome de Silvana, “Juca”, “Dodô” e Vera. Pela disponibilidade, pela estadia em dias frios,
pelas conversas, por compartilhar comigo seus cotidianos e pelo aprendizado.
Aos informantes que se dispuseram em participar das entrevistas.
À todos os irmãos da casa de estudante (CEU). Que aos poucos foram tornando a CEU
a minha casa! A casa onde encontrava tudo o que precisava: morada, alimentação (no RU),
diversão e amizades! Aos momentos de descontração compartilhados nas festas no DCE, hall
de andares, nos filmes, festinhas de aniversários (que eram muitas!), recepção de calouros e,
mais recentemente, saraus (literário). E aos colegas da CEU que auxiliaram e contribuíram
com ajustes: Cristiano, Eliane, Fabiana, Fernando e Miguel.
E as pessoas que estiveram mais próximas (ou mais distantes) durante este percurso.
Especialmente ao Ricardo. Presente em todos os momentos (iniciais e) finais de escrita. Uma
presença que fez total diferença.
Ao final, ainda quero agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e
Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas durante o período de realização do Mestrado e
elaboração desta pesquisa.
RESUMO
A noção de rural revisitada após a década de 1970, período em que o modelo de
desenvolvimento é questionado, passa a figurar abordando as diversidades deste espaço. Neste
espaço, que era reduzido ao agrícola, passam a ser identificadas atividades não-agrícolas, que
auxiliam na composição das rendas familiares e atividades ligadas ao consumo, onde pessoas
residentes em cidades grandes sentem-se atraídas por modos de vida em ambientes mais
naturais. Nestas situações, há aproximações entre populações urbanas e rurais ocorrendo
distintas relações. Em Porto Alegre, o interesse pelo rural tem acontecido de diferentes
formas. Nesta pesquisa, são identificadas três maneiras que se dão pela Feira Ecológica Jo
Bonifácio, pelos roteiros turísticos Caminhos Rurais e quando se observa que residentes do
urbano mudam seus locais de moradia para o espaço rural (novos rurais). A prática de contato
com o rural de distintas formas indica que estas pessoas têm percepção do rural. Isto porque
as percepções estão na base da prática assim como de todo o saber. Partindo desta perspectiva
os objetivos desta pesquisa estão circunscritos a identificar quais são as percepções do rural
de Porto Alegre em pessoas que se relacionam de distintas formas com este espaço (usuários
da feira, turistas e novos rurais) e quais as aproximações entre o rural descrito conforme as
percepções dos informantes desta pesquisa e vertentes teóricas que abordam o espaço rural. O
método de coleta de dados consiste em duas técnicas da etnografia, entrevistas semi-
estruturadas e diários de campo, aplicadas nos três grupos de informantes. A análise dos
dados se deu através da ferramenta de Análise de Discurso denominada referência. A
aplicação da referência ocorreu após a identificação nas entrevistas dos trechos onde
constavam as percepções. A partir disso, buscou-se por similaridades de sentidos com o texto
do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre. Este foi o texto
escolhido para referência por ser um documento público que gere a forma como ocorre a
ocupação do solo neste município. Após a análise dos dados, apareceram diferentes categorias
de percepções para o rural de Porto Alegre independentes da forma como o informante
relacionava-se com o espaço rural. Conforme estas percepções o rural de Porto Alegre foi
descrito como lugar agroecológico, qualidade, em situação de isolamento, de contradições e
liberdade. A aproximação destas percepções com as compreensões teóricas do rural dão-se em
dois sentidos. Para o caso da categoria lugar em situação de isolamento, há semelhanças com
vertentes teóricas anteriores à concepção de rural posterior a 1970. Já, as demais
compreensões percebem o rural de formas parecidas às identificações neste espaço originadas
posteriormente à crise do modelo de mecanização da agricultura. A aproximação entre
percepções do rural de Porto Alegre e textos teóricos que abordam o rural indica que
atualmente ocorre uma construção social do rural. Nesta forma assumida pelo rural, pessoas
que se relacionam indiretamente com este espaço podem apresentar identificação com suas
características expressando-as mesmo em contextos não relacionados com o rural. Além
disso, concluí-se que entre os grupos de informantes desta pesquisa um lugar em comum
que é o agroecológico. Este lugar, no sul de Porto Alegre, tem se apresentado como um foco
de resistência à descaracterização auxiliando na conservação do espaço rural e do ambiente
natural deste município.
Palavras-chave: Percepção. Rural de Porto Alegre. Agroecológico.
ABSTRACT
The notion of rural revisited after the 1970s, period in which the development model is
questioned, starts to address the diversity of this area. This space, which has been reduced to
agriculture, becomes identified also with non-agricultural activities, which help in the
composition of household incomes and activities related to consumption, where people living
in big cities are attracted by lifestyles in natural environments. In these situations, there are
contacts between urban and rural populations, experiencing different relationships. In Porto
Alegre, interest in the countryside has happened in different ways. This research identifies
three ways: the Ecological open market José Bonifácio, the Rural Roads touristic tours and
when urban residents change their places of housing to rural areas (the neorural). The practice
of contact with the rural in different ways indicates that these people have the perception of
the countryside. It happens because the perceptions underlie practice as well as all
knowledge. From this perspective, the goals of this research are identify what are the
perceptions of rural people in Porto Alegre that relate different ways in this space (the fair
goers, tourists and neorural) and the different approaches of rural between the described
perceptions of informants of this research and theoretical perspectives that addresses the
countryside space. The method of data collection consists in two techniques of ethnography,
semi-structured interviews and field diaries, applied in three groups of informants. The data
analysis was made through the Discourse Analysis’ tool called reference. The application of
reference occurred after the identification of perceptions contained in the interviews. From
this we sought for similarities of meanings with the text of Porto Alegre's director plan for
environmental and urban development. This was the chosen text of reference for being a
public document that manages how land use occurs in this county. After the data analysis
appeared different categories of perceptions for the Porto Alegre’s rural, independently how
the informant related himself with the countryside space. According these perceptions, the
Porto Alegre’s rural was described as a place of agroecology, quality, in situation of isolation,
of contradictions and freedom. The approximation of these perceptions with the theoretical
understandings of rural is given in two directions. For the case of the category ‘place in
situation of isolation’ there are similarities with theoretical pre-conception of rural after
1970. Already the other comprehensions perceive the rural in similar ways to the
identifications in this space originated after the crisis model of agricultural
mechanization. The rapprochement between perceptions of Porto Alegre’s rural and
theoretical texts that address the rural, states the occurrence of a social construction of the
rural. In this form assumed by the rural, people that relate themselves indirectly with
this space can present identification with their characteristics, expressing them even in
contexts not related with the rural. Moreover, I conclude that, there is between the informant
groups of this research a commonplace called agroecological. This place, at Porto Alegre’s
south, has emerged as a resistance focus to the mischaracterization, supporting the
conservation of the rural space and the natural environment of the county.
Keywords: Perception. Rural of Porto Alegre. Agroecological
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Península que servia de porto e evolução da ocupação urbana: acessos e
aglomerações populacionais (meados do século XIX).............................................................22
Figura 2 Crista de Porto Alegre (delineada em vermelho) e Ocupação Intensiva e
Rarefeita....................................................................................................................................26
Figura 3 – Propriedade rural bairro Belém Velho Estrada Belém Velho.................................29
Figura 4 – Paisagem rural de Porto Alegre vista do bairro Lami............................................ 29
Figura 5 - Parreiral. Sítio Dom Guilherme bairro Belém Velho...............................................30
Figura 6 - Diversificação de cultivos ecológicos. Sítio Tio Juca bairro Lami..........................31
Figura 7 - Cultivo diversificado plantas perenes e temporárias. Sítio Recanto das Pedras bairro
Lomba do Pinheiro....................................................................................................................31
Figura 8 Localização da Feira Ecológica José
Bonifácio...................................................................................................................................37
Figura 9 - Foto da Feira Ecológica José Bonifácio em junho de 2009.....................................40
Figura 10 – Banca de produtos beneficiados e in natura..........................................................41
Figura 11 - Banca de produtos in natura...................................................................................42
Figura 12 - Momento de comercialização e conversa com amigos usuários da feira...............42
Figura 13 Grupo de turistas organizado pela agência Webber turismo em visita ao Cycas e
Palmeiras bairro Lami...............................................................................................................46
Figura 14 Grupo de estudantes de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS). Sítio Tio Juca bairro Lami. .............................................................47
Figura 15 Grupo de estudantes de Nutrição Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos). Sítio Capororoca bairro Lami.................................................................................47
Figura 16 - Porto Alegre: Caminhos
Rurais........................................................................................................................................48
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre e ano das respectivas
inclusões....................................................................................................................................24
LISTA DE SIGLAS
AGA - Associação Gaúcha de Apicultores
APEL - Associação de Produtores Ecológicos do Lami
APRESUL - Associação dos Produtores Rurais Ecológicos da Zona Sul de Porto Alegre
ARCOOÍRIS - Cooperativa de Produtores Ecológicos de Porto Alegre Ltda
ASSUDETE - Associação dos Moradores e Produtores Rurais do Sudoeste de Porto Alegre
CR - Caminhos Rurais
CTG - Centro de Tradições Gaúchas
DMAE - Departamento Municipal de Água e Esgoto
EMATER - Associação Riograndensse de Empreendimentos de Assistência Técnica e
Extensão Rural
FEJB - Feira Ecológica José Bonifácio
GFU - Grande Fraternidade Universal
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU - Imposto sobre a Propriedade Territorial e Predial Urbana
PDDUA - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre
PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
SENAR-RS - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SMIC – Secretaria Municipal de Indústria e Comércio
SMTur - Secretaria Municipal de Turismo
TCL - Taxa de Coleta de Lixo
UEU - Unidades de Reestuturação Urbana
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 14
2 DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DA PESQUISA.................................................................. 22
2.1 Breve histórico de Porto Alegre e contextualização do rural ............................................. 22
2.1.1 Breve histórico de Porto Alegre ...................................................................................... 22
2.1.2 Ocupação demográfica de Porto Alegre ......................................................................... 26
2.1.3 O rural de Porto Alegre .................................................................................................. 29
2.2 Feira Ecológica José Bonifácio (FEJB).............................................................................. 35
2.3 Roteiros Turísticos Caminhos Rurais................................................................................. 44
3 PERCEPÇÃO DO ESPAÇO RURAL............................................................................... 51
3.1 A percepção ........................................................................................................................ 51
3.2 Percepção geográfica e ambiental ...................................................................................... 54
3.3 Espaço rural ........................................................................................................................ 58
3.4 Percepção e discurso........................................................................................................... 63
4 MÉTODOS DE PESQUISA ............................................................................................... 69
4.1 Método de coleta de dados ................................................................................................. 69
4.2 O percurso do método ........................................................................................................ 72
4.3 A identificação das percepções........................................................................................... 74
5 PERCEPÇÕES DO RURAL DE PORTO ALEGRE ...................................................... 76
5.1 Os lugares do rural de Porto Alegre ................................................................................... 77
5.1.1 Lugar agroecológico ....................................................................................................... 77
5.1.2 Lugar de qualidade.......................................................................................................... 79
5.1.3 Lugar “isolado” .............................................................................................................. 83
5.1.4 Lugar de contradições..................................................................................................... 87
5.1.5 Lugar de liberdade .......................................................................................................... 91
5.2 Percepções de novos rurais: antes e depois de residir no rural de Porto Alegre ................ 94
6 RURAL E PERCEPÇÕES ............................................................................................... 100
6.1 Fatores determinantes nas percepções.............................................................................. 100
6.2 Relações entre abordagens teóricas do rural e percepções do rural de Porto Alegre ....... 105
6.3 “Lugar” agroecológico de Porto Alegre ........................................................................... 114
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 120
APENDICE A – PONTO DE SIMILARIDADE ENTRE INFORMANTES ................. 130
APÊNDICE B - ROTEIROS DE ENTREVISTA.............................................................. 131
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.......... 134
14
1 INTRODUÇÃO
Linha 20, Baixada, é uma comunidade rural localizada no município de São Domingos
do Sul RS. Neste local, existem famílias de agricultores que tem seu principal meio de
sobrevivência proveniente do meio rural.
O desejo de estudar o espaço rural está alicerçado no fato de ter nascido neste meio e
querer conhecer mais sobre o mundo em que fui gerada. Ser filha de agricultores familiares
levou-me a tomar a decisão de prestar vestibular na Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul para cursar bacharelado em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial.
Após a conclusão da graduação, o ingresso no mestrado teve duas motivações
principais: a primeira era a necessidade de aperfeiçoamento para atuar como
desenvolvimentista rural e gestora agroindustrial. A segunda está ligada a minha história de
vida. Ao longo da graduação passei a observar com mais atenção minha família assim como
outras realidades rurais. Alicerçada nos conhecimentos obtidos, encontrei explicações que me
encheram de um forte desejo de compreender mais estas realidades para poder criar algumas
mudanças proporcionando o desenvolvimento e uma vida melhor.
No mestrado em Desenvolvimento Rural, por sugestão do primeiro professor que tive
oportunidade de trabalhar, comecei a pesquisar o turismo rural no município de Porto Alegre.
Naquele momento, ainda não tinha delimitado exatamente meu tema de pesquisa e decidi
aceitar a sugestão, já que era um tema que meu então orientador vinha pesquisado alguns
anos.
Entretanto, no segundo ano como mestranda, quando escrevia meu projeto de pesquisa,
fui me interessando por uma abordagem do rural onde se consideravam os fatores
motivacionais que levavam os turistas a visitarem o espaço rural praticando a atividade
denominada de turismo rural. Algumas leituras me faziam crer que a maior proporção de
ambiente natural presente no rural era um destes fatores.
Entretanto, o rural não se compunha somente pelo seu aspecto natural, existiam outras
características que não seriam consideradas entre os atrativos que faziam pessoas se interessar
pelo turismo rural, caso considerasse somente a natureza deste espaço. Assim, me decidi pelo
estudo à luz da teoria da percepção uma vez que teria a possibilidade de abarcar o rural
conforme todos os fatores deste espaço identificados por moradores do urbano. Assim, minha
discussão não seria somente sobre a natureza enquanto um atrativo do turismo rural, mas
15
sobre os fatores do rural presentes nas percepções de diferentes grupos de pessoas que os
levam a desempenhar diferentes práticas no espaço rural.
Com base nas motivações expostas acima, o estudo para conclusão do curso de
mestrado trilhou caminhos que levam ao texto que começa a ser descrito. A pesquisa passou a
se inscrever em discussões recentes que consideram as diversidades existentes no rural. Este
enfoque teve início recentemente após a década de 1970. Originou-se de um período de
questionamentos ao modelo de desenvolvimento que era baseado na intervenção estatal e uso
de recursos naturais de maneira indiscriminada. Estes questionamentos estão ligados,
principalmente, à utilização sem prescrições dos recursos naturais insustentáveis.
O modelo de desenvolvimento anterior a década de 1970 incluía o mundo rural em
uma perspectiva que considerava essencialmente sua porção agrícola. Desta forma, o rural
tinha como funções básicas a produção de alimentos para os moradores de cidades e o
fornecimento de insumos para a indústria. Esta produção agrícola era planejada baseando-se
na modernização das práticas agrícolas.
Conforme este modelo, havia uma direção para o desenvolvimento que partia do
atrasado para o moderno e mais evoluído. Nesta perspectiva o espaço rural estava localizado
na primeira posição e o urbano na segunda. Assim, o desenvolvimento era compreendido
como uma evolução que ia do rural para o urbano.
Esta visão do rural ligada fortemente ao agrícola e como local atrasado, começou a ruir
conjuntamente aos questionamentos sobre o modelo de desenvolvimento. Assim, o rural
começa a reproduzir-se com base em outras atividades que não as agrícolas e a apresentar
demais características que não estavam visíveis aos olhos de quem estava “fora” deste espaço
(PIRES, 2004).
Antes mesmo desta discussão sobre o modelo de desenvolvimento, no rural já eram
desempenhadas atividades não-agrícolas. Estas atividades passam a aparecer também
motivadas pelo fato de serem otimizadas posteriormente ao modelo modernizante da
agricultura como uma estratégia para aumentar as rendas de famílias de agricultores
(SCHNEIDER, 2004). E, dentre outras transformações, o rural passa a ser consumido pela
população externa, principalmente por pessoas que vivem em grandes cidades e são atraídas
por modos de vida em ambientes mais naturais. A busca pelo consumo do rural foi
acompanhada por uma maior interação com o entorno urbano e (re)valorização do rural
(FROEHLICH, 2002).
Estas são características que, como é possível observar, são incompreendidas através
de um viés que vê este espaço conforme sua produção agrícola. No entanto, estão presentes no
16
rural e precisavam ser consideradas para que os estudos e pesquisas venham a demonstrar
maior abrangência e reproduzir ao máximo as situações da realidade estudada.
Além de considerar que o rural é um espaço diverso, multidimensional, para além do
agrícola, tem-se que observar variações que estão relacionadas às distintas regiões. No caso
brasileiro, devido à sua extensão e as características diferenciadas de ecossistemas de seu
vasto território, é necessário ponderar sobre as variadas realidades. Por exemplo, os estados
localizados no Nordeste, onde os agricultores desenvolvem estratégias de reprodução
condicionadas pela escassez de chuvas, diferenciam-se dos estados localizados na região
Centro-Oeste onde existe majoritariamente propriedades muito grandes não condicionadas
fortemente pela escassez de água. E de estados como Santa Catarina, onde o perfil das
unidades de produção rural é relativamente pequeno se comparado com as propriedades da
região Centro-Oeste. Então, percebe-se que não é possível falar de um rural brasileiro sem que
se considere a diversidade de “rurais” existentes neste país.
Ainda, existem heterogeneidades particulares aos próprios estados. Por mais que se
utilize de estatísticas para cada unidade da federação, estas “não podem retratar as grandes
heterogeneidades internas em cada estado, que são fruto de fatores históricos [...] ou mesmo
de condições meramente físicas, como a presença de ecossistemas particulares [...]”
(KAGEYAMA, 2008, p. 118). Assim, para que não ocorram comparações equivocadas sem a
consideração das distintas realidades, Veiga (2005), propõe considerar grupos distintos de
cidades. Segundo esta divisão, são agrupados municípios com características parecidas. Neste
caso evitam-se comparações entre municípios que são capitais e municípios de pequeno porte.
A forma adotada para definir áreas urbanas e rurais no Brasil segue um padrão que
considera como urbana toda aglomeração populacional onde se encontra a sede municipal,
independente do número de pessoas que esta sede abrigue (VEIGA, 2003). Mas, para o caso
das metrópoles como Campinas (MIRANDA, 2004) e Porto Alegre, observa-se que uma
denominação diferenciada. Nestas metrópoles a totalidade de seus territórios é considerada
como pertencente à cidade, e, portanto, apresentam espaço territorial definido em sua
totalidade como urbano. No caso de Porto Alegre, esta medida foi tomada para que o poder
público obtivesse um controle maior no planejamento da forma de ocupação do solo com
objetivo de diminuir a ocorrência de ocupações irregulares (SCHNÄDELBACH, 2004).
Apesar desta medida, Porto Alegre tem área rural a sul e a norte de seu território com
cultivos e criações diversificados. Além das atividades agrícolas, na área rural ao sul, um
leque de outras atividades sendo desenvolvidas entre os agricultores familiares, sendo possível
visualizar turismo rural e elaboração de produtos beneficiados para a comercialização
17
(MENEGAT, 2006). A presença deste rural faz com que uma porção de seu território seja
nomeada de “cidade rururbana” (PORTO ALEGRE, 1999).
Neste município, porções territoriais de ocupação com atividades urbanas que se
localizam próximas a ocupações com atividades rurais, proporcionando a ocorrência de
relações sociais entre pessoas que desempenham distintas atividades. Esta proximidade
determina algumas alterações nas identidades dos agricultores, pois são apreendidos alguns
aspectos da cultura urbana originando uma hibridização da identidade social. Assim, estes
agricultores familiares de Porto Alegre, especialmente do bairro Vila Nova, não são somente
pessoas que desempenham uma atividade sócio-econômica, mas apresentam traços culturais
que se identificam com a cultura rural apresentando tessitura social complexa e rica
(SCHNÄDELBACH, 2004).
A proximidade entre áreas denominadas como urbanas e um espaço rural ocasiona
contato entre pessoas destes dois mundos em diferentes proporções. Estes contatos podem
ocorrer de distintas formas. Em Porto Alegre é possível observar pelo menos três formas
distintas de ocorrência: por meio da Feira Ecológica José Bonifácio (FEJB), Roteiros
Turísticos Caminhos Rurais e quando moradores do urbano optam por morar no rural
transformando-se em novos rurais
1
.
Deste modo, pode-se compreender o rural em Porto Alegre como um espaço marcado
pela presença de diversas atividades dos distintos setores primário, secundário e terciário onde
são estabelecidas relações imbuídas de pessoalidade entre o grupo de moradores de
determinada localidade rural. As relações pessoais, em diferentes intensidades, se estendem
para o meio mais urbanizado quando interações com os residentes deste espaço (GOMÉZ,
2001).
As formas de contato com o rural de pessoas externas a ele através de práticas distintas
fazem presumir que existem percepções relacionadas com este espaço (SOUZA, 2009). A
percepção está na base das ações das pessoas assim pode-se supô-la por um determinado
conjunto de práticas. Não está na base de todas as práticas como compõe o princípio de
todo o saber, pois é por meio da percepção que se compreende o mundo. A percepção depende
de toda a trajetória da pessoa e é influenciada pelos contextos que são experimentados por ela
moldando-se ao longo da vida e pelo contato social (MERLEAU-PONTY, 2006).
Particularmente um ramo específico da percepção denominado percepção geográfica
se interessa em compreender a conduta do homem no espaço levando a esclarecimentos, por
1
Este termo é esclarecido nas próximas páginas.
18
meio de descrições, sobre determinadas decisões em um dado espaço e auxiliando em seu
planejamento (XAVIER, 2007; LYNCH, 2006).
Partindo do pressuposto que o rural pode ser experimentado por pessoas externas a ele,
seja pelo contato com agricultores ou visitação em propriedades rurais, e que esta prática
relacionada com o rural indica que existe uma percepção do rural, chega-se a uma pergunta
para esta pesquisa que se projeta a partir das considerações expostas acima: o rural de Porto
Alegre, descrito por meio de percepções de grupos de pessoas, usuários da Feira Ecológica
José Bonifácio, turistas dos Caminhos Rurais e novos rurais de Porto Alegre, que se
relacionam de distintas formas com este espaço, aproxima-se de “noções teóricas” gerais que
trazem abordagens sobre o que é o rural?
A partir desta questão tem-se como objetivo principal: compreender as percepções do
rural de Porto Alegre de pessoas que se relacionam com este espaço através da Feira
Ecológica José Bonifácio, dos Roteiros Turísticos dos Caminhos Rurais e pela residência
neste espaço de Porto Alegre e identificar as aproximações do rural descrito pelas percepções
com abordagens teóricas do rural.
E os seguintes objetivos específicos:
- Descrever as percepções do rural de Porto Alegre de pessoas usuárias da Feira
Ecológica José Bonifácio, turistas dos Caminhos Rurais e novos rurais de Porto Alegre;
- Verificar se houve alteração de percepções do rural de Porto Alegre no grupo novos
rurais após estabelecerem residência no rural;
- Identificar relações entre as percepções destes informantes do rural de Porto Alegre e
noções gerais teóricas que trazem abordagens do rural.
O quadro de informantes desta pesquisa é composto por três diferentes grupos.
Usuários da feira (Grupo 1) que são consumidores de produtos ecológicos da Associação de
Produtores Ecológicos do Lami (APEL) que tem como um ponto de comercialização a Feira
Ecológica José Bonifácio (FEJB). Outro grupo é formado por turistas (Grupo 2) do rural que
conhecem este espaço através de roteiros turísticos dos Caminhos Rurais. Os Caminhos Rurais
são alguns roteiros diferentes que acontecem pelo sul de Porto Alegre passando por diferentes
locais, entre eles, propriedades de produtores agroecológicos. O último grupo é composto por
novos rurais
2
(Grupo 3), pessoas que eram residentes do espaço urbanizado da capital e, por
2
Novos rurais são tratados aqui como pessoas da cidade que passam a valorizar o rural. Segundo Giuliani (1990,
p. 2) esta revalorização faz “reviver os valores próprios do mundo rural, transformando-os em força crítica das
formas em que a sociedade inteira se desenvolve, é uma livre escolha bem precisa e particular. Isto é, quando as
pessoas decidem não mais morar na cidade e não mais trabalhar em profissões urbanas, resolvendo se mudar para
o campo e trabalhar na agricultura ou na criação de animais”. Este movimento é chamado pelos franceses de neo-
19
motivos diversos, foram residir no sul rural almejando desenvolver práticas ligadas a produção
ecológica como modo de reproduzir-se socialmente e economicamente.
A pesquisa com diferentes grupos de informantes está relacionada com a obtenção de
diferentes “níveis” de percepção do rural de Porto Alegre, pois estas pessoas têm uma ligação
com o rural que aparenta ser em proporções diferente. As pessoas do primeiro grupo têm um
contato momentâneo com agricultores familiares quando vão à feira. É desta forma que elas se
relacionavam com o rural: com os agricultores agroecológicos do Lami e de outros municípios
através da obtenção de produtos ecológicos. O segundo grupo tem contato com o rural e com
agricultores familiares quando fazem turismo pelo rural de Porto Alegre. Este contato parece
ser mais aprofundado uma vez que os turistas se relacionam com agricultores agroecológicos
nas propriedades rurais podendo visualizar cultivos e degustar produtos diversos. O terceiro
grupo composto por novos rurais passa a ter um contato permanente com o rural quando
passam a residir neste espaço.
Estes grupos de informantes, além de terem um contato de diferentes formas com o
rural, também apresentam contato com agricultores que cultivam produtos com base em
princípios da Agroecologia, conforme o especificado no Apêndice A. Então a pesquisa com
estes diferentes grupos almejava identificar se contatos em diferentes níveis com o rural
também conformam diferentes percepções.
Nestes termos, esta pesquisa assemelha-se com outras pesquisas sobre o rural.
Froehlich (2002), em análise com distintos grupos da região central do estado do Rio Grande
do Sul, próximo ao município de Santa Maria, verificou que houve uma alteração de sentidos
atribuídos ao rural. O autor desenvolve em sua tese a idéia que o rural foi ressemantizado, ou
seja, as palavras que são associadas a este espaço mudaram. Assim, as palavras com
conotação positiva associadas ao rural por diferentes grupos (idosos, estudantes e um grupo
aleatório) foram tranqüilidade, natureza e campo, principalmente. Enquanto que as palavras
que eram atribuídas anteriormente a este período davam a este espaço uma conotação de lugar
perigoso, sombrio e árduo. Esta ressignificação está relacionada com a problemática
ambiental. Deste modo, considerando esta questão, a natureza se comporia em matriz
importante de novos sentidos para o rural.
ruralismo. Segundo Giuliani (1990), trata-se de um conceito genérico, aplicado a uma realidade não muito
precisa. Usado para fenômenos que estão à margem das dinâmicas atuais da agricultura. Além do que foi
exposto, não busca trazer demais componentes desta discussão, apesar de considerá-la. Nesta pesquisa, a
denominação novos rurais é usada com o intuito de nomear um grupo de pessoas do meio urbano que passaram a
desenvolver um apresso pelo rural mudando-se para este espaço ocupando-se com atividades do rural.
20
Ademais, os novos significados atribuídos ao rural relacionavam-se com experiências
de moradores de grandes cidades onde se estabeleceram características de fracionamento da
personalidade nas interações sociais (SOLARI, 1973) e situações inadequadas para a
qualidade de vida, tais como: a poluição sonora, visual, ambiental e a violência (SEVCENKO,
1999). Estas características atuais de grandes cidades e metrópoles, como São Paulo,
despertaram em seus moradores interesses por espaços, modos de viver e atividades diferentes
dos experimentados no meio urbano. Estes interesses se expressam de maneiras distintas, tais
como pela assinatura de uma revista tipicamente rural, como é a revista Globo Rural,
participação em rodeios e uso frequente de clubes de músicas sertanejas (SILVA, 2009).
Com base nestes estudos se imaginava em que medida o rural de Porto Alegre poderia
aparecer para moradores desta metrópole e região metropolitana. Imaginava-se que as relações
com o rural, expressas de diferentes formas, estariam conectadas com a forma de vida adotada
na cidade. Também que o espaço rural era um lugar alternativo frente a situações degradantes
da qualidade de vida dos grandes centros urbanos.
O espaço rural localizado ao sul de Porto Alegre, foco desta pesquisa, é um local onde
estão presentes as últimas porções de áreas naturais deste município. Próximo ao limite de
dois biomas: Mata Atlântica e Pampa (PORTO ALEGRE, 2008), este município abriga
espécies vegetais variadas. Algumas destas porções se encontram nas delimitações de parques
como a Reserva Biológica do Lami e no Parque Municipal Saint-Hilaire.
Entretanto, parte significativa das espécies existentes em Porto Alegre está em áreas
naturais não pertencentes aos parques e localizadas em propriedades rurais. Por isso, é
importante observar um grupo de agricultores deste espaço que desenvolve cultivos em suas
propriedades conforme princípios da Agroecologia. Estas práticas se identificam com a
manutenção da biodiversidade, pois manejam o ecossistema de forma sustentável.
Deste modo, as diferentes percepções identificadas auxiliariam na projeção de medidas
para mudar a forma como o rural de Porto Alegre é percebido alterando atos que poderiam vir
a prejudicar este ambiente. Compondo uma base para medidas de desenvolvimento rural e
proteção ambiental fundamentada na conscientização. Assim, novas percepções arraigadas nas
populações fariam com que alguns comportamentos não fossem mais aceitos e se estimulasse
um estilo de vida diferenciado aos padrões convencionais.
Como produto desta pesquisa foram elaborados capítulos relacionados com os temas
concernentes. Além desta introdução, o capítulo seguinte trás uma descrição dos locais onde
os informantes foram contatados. Estes locais se encontram no município de Porto Alegre por
21
isso o capítulo inicia com um histórico da capital gaúcha que se desenrola até chegar a
momentos mais atuais e ao sul rural de Porto Alegre composto por agricultores agroecológicos
e novos rurais. Na sequência, é feita uma descrição da Feira Ecológica José Bonifácio e, por
último, dos roteiros turísticos dos Caminhos Rurais.
Na sequência tem-se um capítulo do referencial teórico que descreve as percepções
enquanto um elemento da vida de todas as pessoas. Indica que elas acontecem nas diferentes
ações e espaços da vida da pessoa inclusive sobre o espaço rural. Deste modo, são
apresentados os referencias teóricos da percepção e da percepção geográfica. Também, é
apresentada uma delimitação teórica sobre o rural. Ainda, ao final deste capítulo, é feita uma
aproximação entre dois referenciais teóricos: percepção e Análise de Discurso com o intuito
de clarificar a forma como foi feita a análise dos dados. São apresentadas as diferenças e
similaridades entre percepção e discurso. É salientado que a Análise de Discurso, através da
ferramenta denominada referência, constitui-se em um instrumento pertinente para análise de
trechos perceptivos.
O tema do capítulo 4 relaciona-se com o método da pesquisa. Metodologicamente foi
realizada através de uma aproximação ao método etnográfico usando algumas de suas
técnicas: observação participante e entrevistas. Aqui, também é descrito como aconteceu a
operacionalização da pesquisa em termos de coleta e análise dos dados.
No capítulo 5, são descritas as categorias de percepções do rural de Porto Alegre que
por sua vez, são discutidas no capítulo 6 da dissertação, onde é demonstrando que as
percepções estão relacionadas com noções interpretativas e características do rural. Neste
capítulo, também são feitas breves discussões sobre a influência do contexto em geral na
percepção. E, próximo ao final, é apresentado um lugar no rural de Porto Alegre denominado
de agroecológico que vem apresentando uma importância dentro do contexto que se encontra
atualmente o sul deste município. As considerações finais apontam principalmente as idéias
conclusivas que se originaram do trabalho sobre a percepção.
22
2 DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DA PESQUISA
A descrição dos distintos locais de pesquisa começa por um histórico de Porto Alegre e
segue até a definição dos locais de menor densidade populacional, localizados ao sul do
município, onde está o espaço referência para as percepções. Posteriormente, trata do
detalhamento da Feira Ecológica José Bonifácio e, por último, de uma descrição dos Roteiros
Turísticos dos Caminhos Rurais.
2.1 Breve histórico de Porto Alegre e contextualização do rural
Porto Alegre é a capital do estado do Rio Grande do Sul e, como qualquer outro
município, iniciou seu desenvolvimento por meio de um pequeno agrupamento de pessoas.
Desde o início de seu desenvolvimento até períodos mais recentes, sua população aumentou
muitas vezes e, ao longo do tempo, foi distribuindo-se pelo território de uma maneira peculiar.
Motivadas por seu relevo característico, as pessoas concentraram suas residências ao norte e
nas proximidades do rio Guaíba. Já o sul do município ficou condicionado a baixa densidade
populacional, pois apresentava uma barreira natural ao deslocamento da população: a Crista
de Porto Alegre. É neste espaço com menor ocupação populacional que as atividades rurais
persistem.
2.1.1 Breve histórico de Porto Alegre
A origem do município de Porto Alegre remete ao século XVIII, quando o Brasil ainda
era colônia de Portugal. Neste contexto, a região ao sul precisava ser colonizada, pois estava
em disputa com a Espanha. Segundo Flores (1987), ambos os países tinham interesse em
povoar as terras ao sul do território brasileiro, onde hoje existe o estado do Rio Grande do Sul,
pois havia gado solto e em abundância.
Com a ameaça da Espanha de tomar as terras do estado mais ao sul do Brasil, Portugal
adotou medidas para defender esse território. Nesta conjuntura, uma península que se
23
encontrava às margens do Rio Guaíba que constituía um porto (pertencente à Porto Alegre,
localizada onde hoje existe a Usina do Gasômetro), passou a ser em ponto estratégico de
defesa do território pelos portugueses (Figura 1). Isso porque o caminho para adentrar as terras
mais interioranas do estado tinha que ser feito pelas águas da Lagoa dos Patos, que são
irrigadas pelo Rio Guaíba e afluentes (FLORES, 1987).
Figura 1 Península que servia de porto e evolução da ocupação urbana: acessos e aglomerações populacionais
(meados século XIX).
Fonte: Editado pela autora. SOUZA; MÜLLER, 2007, p. 62.
24
Considerando as possibilidades oferecidas pela península e com a determinação de
proteger este território, no ano de 1752 ancoraram casais vindos das Ilhas dos Açores,
localizadas no Oceano Atlântico
3
. Estes casais se alojaram nas proximidades ao porto e
passaram a produzir trigo. Foram instalados neste local vinte anos depois da data de sua
ancoragem, quando a colônia lhes distribuiu terrenos (FLORES, 1987).
A colonização iniciada mais fortemente com os casais açorianos, determinou a
denominação das terras localizadas nas proximidades à península. Estas passaram a serem
chamadas de Freguesia de São Francisco de Porto dos Casais
4
. Esta denominação foi adotada
até 1772, quando o aglomerado populacional se torna centro administrativo do estado do Rio
Grande do Sul recebendo o nome de Porto Alegre (MACEDO, 1982; FLORES, 1987).
Segundo Flores (1987), Porto Alegre foi designada a capital deste estado por estar
situada em ponto estratégico e onde o embarque e desembarque de cargas era feito sem
necessitar de maiores transportes terrestres.
Considerando estes aspectos históricos ligados a denominação e à formação inicial,
Souza e Müller (2007), indicam diferentes funções desempenhadas por Porto Alegre. Em um
primeiro momento, as funções assumidas eram definidas pelo potencial portuário, defesa
militar, e escoamento da produção do povoado. Depois, foi fortemente orientada ao
recebimento de imigrantes alemães e italianos que desembarcavam em seu porto e
deslocavam-se para o norte, distribuindo-se pelas várzeas dos afluentes do rio Guaíba (Sinos,
Caí, Jacuí e Taquari) e pelas estradas que ligavam ao município de Gravataí e Viamão.
Em seguida, no ano de 1850, quando havia mudado da denominação vila para
cidade, a península apresentava um núcleo populacional principal circundado por núcleos
menores que adentravam as terras disponíveis (Figura 1). No ano de 1874 foi construída uma
estrada de ferro que ligava Porto Alegre a São Leopoldo. Mais tarde, entre 1890 e 1945, Porto
Alegre, influenciada por condições externas, assumiu uma tendência à industrialização em
ritmos parecidos ao restante do Brasil. Nos anos posteriores a 1945, foi identificado por Souza
e Müller (2007) um período de “metropolização” da região de Porto Alegre que incluia
municípios como Canoas, Novo Hamburgo e o Leopoldo. Exerceu forte influencia nesta
integração a estrada de ferro e a rodovia, denominada posteriormente de BR 116, construída
em 1939 (SILVA, 2003).
3
havia uma sesmaria no local desde 1732. Pertencente a Jerônimo de Ornelas Menezes que se instalou no
Morro Santana com intenção de criar gado. Entretanto, houve a possibilidade de ancoragem destes casais neste
local, pois segundo as cartas de concessão de sesmarias, as margens de sesmarias que davam para águas
navegáveis poderiam ser usadas como logradouros públicos (MACEDO, 1982).
4
Neste período, existia o traçado de algumas das ruas de Porto Alegre como a Rua da Praia (Andradas) e do
Cotovelo (Riachuelo) (SOUZA; MÜLLER, 2007).
25
A partir daí, com a criação de um parque industrial em Porto Alegre e outro nos
municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo, emancipado de São Leopoldo em 1927,
grandes contingentes populacionais do restante do estado passam a migrar para a região,
atraídos por oportunidades tais como a disponibilidade de empregos. Isto ocasiona um
crescimento da população com emancipação de municípios em torno a BR 116. Dentre estes
municípios emancipados estão Sapiranga e Esteio em 1954; Campo Bom, Dois Irmãos e
Estância Velha em 1959 e Sapucaia do Sul em 1961 (SILVA, 2003).
Apesar dos primeiros indícios da metropolização de Porto Alegre terem surgido em
1945, sua instituição só ocorreu e 1973 através da Lei Complementar Federal n° 14. A
legislação do estado do Rio Grande do Sul sobre regiões metropolitanas consta na
Constituição Estadual de 1989, com alterações propostas pela Emenda Constitucional n° 28 de
2001 e Lei Complementar 11.740 de 2002, ambas estaduais. A região metropolitana era
composta por 14 municípios. Os critérios para a criação desta região metropolitana foram:
“continuidade dos espaços urbanizados, fluxos de transporte, fundamentalmente de
passageiros e funções exercidas por cada centro urbano periférico em relação ao espaço
urbano da capital” (SILVA, 2003, p. 70).
Além destes 14 municípios, outros foram sendo incluídos em virtude de emancipações,
relações comerciais e de serviços, proximidade com a região metropolitana ou mesmo por
apresentarem alta taxa de urbanização, elevado PIB e concentração da população em
ocupações dos setores terciários e secundários. Em 1989, foram incluídos mais oito
municípios e de 1994 a2001 foram incluídos mais nove municípios totalizando os 31 que
hoje compõem a região metropolitana de Porto Alegre
(SILVA, 2003).
Quadro 1 – Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre e ano das respectivas inclusões.
Fonte: Formulado pela autora. SILVA, 2003.
1973
Alvorada
Cachoeirinha
Campo Bom
Canoas
Estância Velha
Esteio
Gravataí
Guaíba
Novo Hamburgo
Porto Alegre
São Leopoldo
Sapiranga
Sapucaia do Sul
Viamão
Eldorado do
Sul
Glorinha
Nova Hartz
Dois Irmãos
Ivoti
Par
obé
Portão
Triunfo
Charqueadas
Nova Santa
Rita
Araricá
Taquara
São Jerônimo
Montenegro
Santo Antônio da
Patrulha
Arroio dos Ratos
Capela Santana
26
2.1.2 Ocupação demográfica de Porto Alegre
A ocupação demográfica de Porto Alegre iniciou-se com a chegada dos casais de
açorianos. A partir do pequeno agrupamento que se constituiu na península, a população foi
aumentando ao longo dos anos. Em 1780 a população era de aproximadamente 1.500 pessoas
e em 1803 havia mais do que duplicado, passando para 3.927 habitantes. No ano de 1900
eram 73.274 pessoas e em 1990 a população chegou ao patamar de mais de um milhão de
moradores (SOUZA; LLER, 2007). no ano de 2007, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o número de residentes era de 1.420.667.
Retratando como ocorreu a distribuição desta população, é possível dizer que os
primeiros agrupamentos de habitantes, para além do localizado nas proximidades do porto,
apareciam em meados do século XIX. Na época, estes agrupamentos eram chamados de
“arraiais” e se localizavam onde hoje existem os bairros Cidade Baixa, Navegantes, Santana e
na Praça Maurício Cardoso, localizada no bairro Moinhos de Vento (Figura 1). Estes arraiais
se constituíram nestes pontos pela localização próxima à península, pelas condições do terreno
e pela facilidade de acesso (SOUZA; MÜLLER, 2007).
No final do século XIX, o sistema viário, que também condicionava a ocupação das
pessoas, era marcado pelos caminhos onde atualmente estão as avenidas Voluntários da Pátria,
Assis Brasil, Benjamin Constant, Plínio Brasil Milano, 24 de Outubro, Oswaldo Aranha,
Bento Gonçalves, João Pessoa, da Azenha, And da Rocha, Oscar Pereira, da Cavalhada,
Teresópolis e Nonoai, e ruas Cristóvão Colombo e Barros Cassal (SOUZA; MÜLLER, 2007).
Neste período, as moradias foram construídas em torno destas vias e o mais próximo possível
dos núcleos que já estavam formados ao redor da península. Deste modo, “a cidade
apresentava uma ocupação intensiva em toda a área da península central, se rarefazendo à
medida que se afastava do centro em direção aos caminhos” (SOUZA; MÜLLER, 2007, p.
64).
Deste modo, a distribuição populacional que partia das imediações do porto, começou
a distanciar-se deste centro mais organizado a medida que não havia mais terras disponíveis
nas proximidades ao porto. Como foi visto, a população tomava como fatores influenciadores
na escolha de seus locais de residência, a facilidade de locomoção e as características do
relevo, principalmente. Este último fator, em especial, dificultou a expansão de pessoas de
forma homogênea pelo território do município. (MENEGAT, 2006).
27
Porto Alegre tem uma geografia peculiar com algumas regiões planas e outras mais
onduladas. As regiões mais planas, com alguns morros isolados, estão ao sul e ao norte,
enquanto que próximo ao centro do mapa do município há uma sequência de morros dispostos
próximos uns aos outros. Esta sequência de morros é denominada de Crista de Porto Alegre
(Figura 2) (MENEGAT, 2006).
Figura 2: Crista de Porto Alegre (delineada em vermelho) e Ocupação Intensiva e Rarefeita.
Fonte: Editado pela autora. Mapa coletado do CD do Minicurso de Áreas Naturais e Rurais de Porto Alegre
organizado pelo INGÁ Estudos Ambientais de autoria de Raymundo e Oliveira (2009).
28
A Crista de Porto Alegre tem 22 quilômetros de comprimento por seis de largura
máxima. Ela é cortada por dois pequenos vales: do arroio Cavalhada, que fica mais próximo
ao Rio Guaíba, e pelo vale do Arroio Dilúvio, que inicia a leste e segue em direção a oeste
desembocando no Guaíba. A altitude destes morros com relação ao nível do mar varia de 120
metros (Morro da Cruz) a 311 metros (Morro Santana) (MENEGAT, 2006). Segundo Souza e
Müller (2007), esta característica geográfica da região central de Porto Alegre com morros e
relevo acidentado retardou a expansão para o sul do município constituindo em obstáculos
para a própria comunicação dentro de um mesmo bairro (FLORES, 1987).
Além de dificultar a comunicação, segundo Menegat (2006), se constituía em uma
barreira natural em virtude dos equipamentos disponíveis para o transporte. Estes
equipamentos não apresentavam condições para circular facilmente por terrenos com estas
peculiaridades. Assim, as pessoas não se sentiam atraídas para superar essas dificuldades
impostas pela Crista de Porto Alegre e nem motivadas para residir neste espaço. Era vantajoso
ocupar os terrenos disponíveis que se localizavam próximo ao centro urbano onde havia os
serviços disponíveis e onde as vias de acesso estavam abertas, proporcionando locomoção
mais facilitada. Esta característica do relevo de Porto Alegre foi um fator determinante da
ocupação demográfica deste município.
Como conseqüência desta característica geográfica de Porto Alegre, atualmente é
possível perceber que a norte da Crista de Porto Alegre uma ocupação residencial mais
intensiva, prevalecendo as construções de prédios e de residências, ao contrário das áreas do
sul, marcadas por regiões de ocupação residencial rarefeita e apresentando em sua maior parte
áreas verdes.
No mapa de ocupação de Porto Alegre (Figura 2), é possível visualizar a distribuição
do aglomerado urbano. Em azul a concentração de ocupação urbana do município de Porto
Alegre. Ao sul da capital estas manchas indicam o bairro Restinga, localizado mais ao centro
do mapa, a oeste o bairro Lomba do Pinheiro. Nas margens do Rio Guaíba, os aglomerados
populacionais do bairro Belém Novo e, mais ao sul, do bairro Lami. Circulando estas áreas é
possível observar em branco uma porção significante do território de Porto Alegre onde
pequenos pontos de ocupação demográfica existem, porém não assumem os níveis de
concentração existentes nas áreas representadas em azul. A menor densidade populacional das
áreas representadas em branco é um dos fatores que determina que ao sul da Crista de Porto
Alegre e na própria crista haja a presença de áreas rurais rurais.
29
2.1.3 O rural de Porto Alegre
As áreas da capital que se localizam ao sul da Crista de Porto Alegre são de uma
ocupação mais rarefeita de residências e com número de pessoas menor por área (MENEGAT,
2006). Segundo o poder público municipal, o número de habitantes, no ano de 2000, em
bairros como Lami e Lageado, ao sul da crista, eram de uma pessoa por hectare. Em bairros
como Belém Novo e Belém Velho, eram cinco e nove pessoas por hectare, respectivamente.
nos bairros localizados a norte da Crista de Porto Alegre, como o Centro Histórico, Cidade
Baixa e Independência, os números de habitantes por hectare eram de 162, 210 e 160,
respectivamente (PORTO ALEGRE, 2000).
As pessoas que residem no sul de Porto Alegre distribuem-se principalmente em
aglomerados populacionais denominados Restinga, Lami, Belém Novo, Renascença e Parque
Belém e ao longo das estradas Oscar Pereira, Belém Velho, Costa Gama, Afonço Lourenço
Mariante e do Rincão. Este espaço também é caracterizado pela presença de alguns parques de
preservação e conservação do ambiente natural como a Reserva Biológica do Lami, José
Lutzemberger e uma pequena parte do Parque Municipal Saint-Hilaire, que tem o restante de
sua área localizada no município de Viamão.
Ainda o espaço
5
ao sul de Porto Alegre abriga atividades ligadas ao setor secundário e
terciário (SCUSSEL, 2007). Existem indústrias como a Embapel, localizada na Avenida do
Lami, no bairro Lami, que fabrica e comercializa embalagens de papel e a Arts Fire indústria
de fornos cerâmicos, localizada na Avenida Juca Batista, no bairro Belém Novo. E atividades
do setor de serviços, como o tratamento de água por parte do Departamento Municipal de
Água e Esgoto (DMAE), localizado na Avenida Inácio Antônio da Silva, no bairro Lami
6
.
Para além destas ocupações, predominância de áreas sem edificações onde
prevalecem ambientes naturais e ocupados com atividades agrícolas (Figura 3 e 4). Estas áreas
começam desde os terraços fluviais do Arroio do Salso, localizado na crista, em direção ao sul
pelas margens do Rio Guaíba e percorrem os limites municipais com o município de Viamão
até chegar novamente à crista (MENEGAT, 2006; RECHENBERG, 2007). É neste espaço
onde se instalam pessoas de origem urbana ocupando-se de práticas do rural e tornando-se
novos rurais.
5
A definição de espaço engloba as áreas que ainda não foram ocupadas pelo homem efetivamente além das áreas
ocupadas com atividade humanas relacionadas à produção, comércio, transportes dentre outras ocupações
(SOUZA, 1995).
6
Informações coletadas em período de contextualização da pesquisa e durante a coleta de dados.
30
Figura 3 – Propriedade rural bairro Belém Velho Estrada Belém Velho, Porto Alegre
Fonte: Fotografada pela autora em julho de 2009.
Figura 4 – Paisagem rural de Porto Alegre vista do bairro Lami.
Fonte: Fotografada pela autora em junho de 2009.
31
Neste espaço, existem atividades do setor primário que aparecem em 260
estabelecimentos agropecuários (IBGE, 2006). Um estabelecimento agropecuário é
compreendido como
todo terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou
rural), formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se
processa uma exploração agropecuária, ou seja: o cultivo do solo com culturas
permanentes e temporárias, inclusive hortaliças e flores; a criação, recriação ou
engorda de animais de grande e médio porte; a criação de pequenos animais; a
silvicultura ou o reflorestamento; e a extração de produtos vegetais (IBGE, 2006).
Nestes estabelecimentos agropecuários, em 2006, 1163 pessoas dedicavam-se a
atividades agrícolas, produzindo variados produtos, dentre eles arroz, milho, feijão, frutas e
hortaliças; criação de bovinos, ovinos e avestruzes (IBGE, 2006). Nas Figuras 5, 6 e 7 é
possível observar algumas das atividades agrícolas do rural de Porto Alegre. Os inúmeros
tipos de produtos originários do rural de Porto Alegre estão vinculados à proximidade deste
espaço a mercados.
Figura 5 – Parreiral. Sítio Dom Guilherme bairro Belém Velho, Porto Alegre.
Fonte: fotografada pela autora em julho de 2009.
32
Figura 6 – Diversificação de cultivos agroecológicos. Sítio Tio Juca bairro Lami.
Fonte: fotografada pela autora em setembro de 2008.
Figura 7 Cultivo diversificado plantas perenes e temporárias. Sítio Recanto das Pedras bairro Lomba
do Pinheiro.
Fonte: fotografada pela autora em junho de 2009.
33
Silva (2003), aponta a existência de uma população urbana e outra rural em Porto
Alegre. Segundo Censo Demográfico (IBGE, 2000) a população urbana era de 1.320.739
habitantes, enquanto a população rural era de 39.851 habitantes correspondendo,
respectivamente, a 97,07% e 2,93% da população total.
Considerando as regiões de características diferenciadas de Porto Alegre, o Plano
Diretor
7
de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, criado pela Lei 434 de de dezembro de
1999, dividiu estrategicamente este município em diferentes espaços de características
parecidas. Conforme o modelo espacial traçado, a cidade de Porto Alegre foi dividida em duas
diferentes áreas: Área de Ocupação Rarefeita (AOR) e Área de Ocupação Intensiva (AOI). A
AOR é, como diz o próprio nome, de ocupação rarefeita e no Plano Diretor, tem como
característica a preservação da flora, da fauna e demais elementos naturais. Para a sua
perpetuação e sustentabilidade admite-se atividades de cunho habitacional, turístico, lazer e
pesquisas científicas que sejam compatíveis com o estímulo ao desenvolvimento da produção
primária (PORTO ALEGRE, 1999).
Ainda, estas unidades territoriais maiores se dividem em porções menores que são
denominadas Macrozonas, Unidades de Reestuturação Urbana (UEU) e Regiões de Gestão do
Planejamento. A divisão do território municipal em Macrozonas caracteriza-se pela
estruturação em conjuntos de unidades menores (UEU) com peculiaridades quanto aos
aspectos socioeconômicos, paisagísticos e ambientais (PORTO ALEGRE, 1999).
As Macrozonas 6 e 8, localizadas a sul e a oeste do município de Porto Alegre,
denominam-se “Eixo Lomba do Pinheiro Restingae “Cidade Rurubana”. Dentre os bairros
pertencentes a estas duas Macrozonas estão: Lomba do Pinheiro, Lami, Belém Velho, Belém
Novo e Lajeado. São basicamente estas duas Macronozas que compõem a AOR e é
principalmente, neste espaço que está o rural
8
de Porto Alegre (PORTO ALEGRE, 1999).
Apesar do Plano Diretor organizar o território de Porto Alegre conforme suas
características peculiares, abordou de forma generalista os diferentes espaços quando a
totalidade do território de Porto Alegre foi definida como cidade. A partir desta denominação
o imposto pelo uso do solo seria o Imposto sobre a Propriedade Territorial e Predial Urbana
(IPTU) (PORTO ALEGRE, 1999).
7
Segundo Villaça (1995, p. 238) um plano diretor parte de um “diagnóstico científico da realidade física, social,
econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região”. A partir disso é elaborado e
apresentado um “conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização
espacial dos usos do solo urbano, das redes de infra-estrutura de elementos fundamentais da estrutura urbana,
para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei
municipal”.
8
a norte do município extensões de terra que são utilizadas para cultivo temporário que não fizeram parte
desta pesquisa (KOZENIESKI, 2009).
34
A consideração do território de Porto Alegre como cidade, levava a um endividamento
dos agricultores, que desempenhavam atividades ligadas ao rural, com o poder público
municipal uma vez que o imposto seria cobrado incluindo o uso do solo em anos anteriores.
Entretanto, observando esta incongruência, o poder público através da lei complementar
municipal n° 482 de 2002, isentou do pagamento do IPTU e da Taxa de Coleta de Lixo (TCL)
os agricultores que comprovassem junto à prefeitura municipal que exerciam atividades
ligadas a produção primária (PORTO ALEGRE, 2002).
Neste sentido, a situação contraditória e confusa em que foram postos os agricultores
do rural de Porto Alegre ficou amenizada uma vez que desempenham mais do que
simplesmente uma atividade sócio-profissional vinculada à agricultura. Os agricultores
familiares do Bairro Vila Nova, localizado no sul de Porto Alegre, exercem atividades
agrícolas em sua propriedade e carregam identidade rural territorializada. A forma de
ruralidade deste bairro, expressa por agricultores familiares e mediadores atuantes, demonstra
que não se trata de uma agricultura desligada do rural. Os agricultores familiares apresentaram
uma “tessitura social complexa e, por isso, rica” e “diversidade cultural e identitária” típica do
rural (SCHNÄDELBACH, 2004, p. 106).
À presença destas características intrínsecas ao rural, é somada a produção de
diferentes produtos, atividades diversas e distintas formas de produção. Deste modo, as
propriedades rurais se diferenciam quanto aos produtos, atividades e a orientação técnica que
direciona as práticas utilizadas na produção agrícola. Existem agricultores que seguem uma
orientação mais intensiva de produção utilizando-se de pacote tecnológico e outro conjunto
destes produtores que utilizam técnicas ligadas ao campo de conhecimento científico da
Agroecologia
9
identificando-se com princípios ecológicos (FALCÃO et al, 2006).
Deste modo, os agricultores agroecológicos do sul de Porto Alegre utilizam de técnicas
embasadas no uso de recursos naturais de maneira sustentável. Este cultivo baseado nos
princípios da Agroecologia começou a ocorrer no espaço rural de Porto Alegre no ano de
1985. Estes agricultores estavam vinculados a Associação dos Moradores e Produtores Rurais
do Sudoeste de Porto Alegre (ASSUDETE) (informação pessoal)
10
. Anos depois, a prática de
base ecológica também partiu do interesse individual de agricultores, como é o caso de Eliseu
9
A Agroecologia, segundo Caporal e Costabeber (2004, p. 13) “se consolida como enfoque científico na medida
em que este campo de conhecimento se nutre de outras disciplinas científicas, assim como de saberes,
conhecimentos e experiências dos próprios agricultores, o que permite o estabelecimento de marcos conceituais,
metodológicos e estratégicos com maior capacidade para orientar não apenas o desenho e manejo de
agroecossistemas sustentáveis, mas também processos de desenvolvimento rural sustentável”.
10
Informação concedida por Oliveira, D. uma das sócias fundadoras da cooperativa ARCOOIRIS em fev. 2010.
35
Rosa da Silva conhecido como “Juca”, que iniciou com a produção de base ecológica em sua
propriedade no ano de 1997.
Despertando o interesse de outros agricultores, um grupo de produção ecológica
organizou-se formalmente no sul de Porto Alegre denominando-se de Associação dos
Produtores Ecologistas do Lami (APEL). A APEL surgiu no ano de 1997. Inicialmente, este
grupo era composto por oito associados, em 1999 seu quadro era de quatro agricultores e
atualmente são três os agricultores que compõem a APEL (FALCÃO et al, 2006).
A redução no número de associados da APEL não indica que o número de agricultores
ecologistas de Porto Alegre esteja em recessão, muito pelo contrário. Agricultores que se
desvincularam da APEL passaram a formar outras associações, como o grupo Herdeiros da
Natureza, do casal Vera e Dodô, e do Grupo Ecológico PLami surgindo novos integrantes
como é o caso de Silvana Beatriz Bohrer do Sítio Capororoca.
Atualmente, o número aproximado de produtores agroecológicos no sul de Porto
Alegre é de 52 famílias. Estes produtores estão divididos em diferentes grupos constituídos e
em processo de constituição. Além da APEL, existem mais quatro grupos constituídos no rural
de Porto Alegre, são eles: Grupo Ecológico Portal da Mãe Terra, Grupo Ecológico Mãe Doce,
Associação dos Produtores Rurais Ecológicos da Zona Sul de Porto Alegre (APRESUL) e
Grupo Ecológico Essência da Terra (FALCÃO et al, 2006). Além destes grupos também a
Cooperativa de Produtores Ecológicos de Porto Alegre Ltda (ARCOOÍRIS). Todos estes
grupos de agricultores agroecológicos comercializam produtos no próprio município. Esta
comercialização acontece em feiras como a Feira Ecológica José Bonifácio onde os
produtores compartilham um mesmo local com agricultores ecologistas de outros municípios
do estado do Rio Grande do Sul.
2.2 Feira Ecológica José Bonifácio (FEJB)
A Feira Ecológica
11
José Bonifácio (FEJB) é um local onde agricultores ecologistas da
região metropolitana e de outros municípios do estado do Rio Grande do Sul comercializam
produtos agroecológicos diretamente com consumidores. Ela acontece todos os sábados no
bairro Bom Fim em Porto Alegre. Nesta feira, são comercializados alimentos produzidos em
11
Feira ecológica será tratada como sinônimo de feira agroecológica, pois ambas comercializam produtos
oriundos da produção ecológica que provem de princípios da Agroecologia.
36
sistemas agroecológicos de agricultura, que originam alimentos saudáveis, sem resíduos de
agrotóxicos. Além da compra e venda destes produtos, ela acomoda trocas de conhecimento
entre consumidores e agricultores sobre mercadorias comercializadas e sobre as vivências
sociais distintas.
As feiras ecológicas constituem locais para a venda direta aos consumidores dos
produtos oriundos das famílias de agricultores, promovendo a melhoria na renda e
fortalecendo a integração campo e cidade (BARREIRO, 2008). Estas feiras possibilitam o
fortalecimento das dinâmicas de acesso a mercados locais e estabilidade nas rendas dos
produtores quando comparado aos rendimentos provenientes de cultivos agrícolas
convencionais. Além destes benefícios, proporcionam educação ambiental e manutenção da
biodiversidade uma vez que ervas adventícias, insetos e pequenos animais fazem parte do
agroecossistema (SABIÁ, 2009).
Estas feiras também contribuem trazendo oportunidades de comercialização justas e
solidárias para famílias de agricultores, antes, restritas a vender seus produtos a
atravessadores. Por meio da produção ecológica e organização coletiva, os agricultores
encontram formas de subsidiar suas necessidades baseadas em instrumentos compatíveis com
seus modos de vida e capacidade produtiva. Através da comercialização em feiras, os
agricultores sentem que seus produtos são valorizados e podem produzir de forma ajustada à
demanda dos consumidores, pois pela interação direta sabem quais são as preferências destes.
Aliado a isso ocorre um aumento da autoconfiança dos agricultores, da renda familiar e,
inclusive, uma contribuição para melhorias nas relações de gênero (BARREIRO, 2008).
Ainda as experiências das feiras ecológicas se inserem em processos que incentivam o
empreendedorismo entre os agricultores, uma vez que podem ser autogeridas. “O exercício de
tomada de decisões, a gestão dos fundos das feiras e a vivência coletiva têm contribuído para a
construção de grupos cada vez mais autônomos e conhecedores de sua realidade(SABIÁ,
2009, p. 1).
As feiras surgiram em um momento que os produtos agroecológicos começavam a
ganhar destaque. No caso da FEJB, sua origem parte do interesse de um grupo de pessoas
vinculado à Cooperativa Ecológica Coolméia. Esta cooperativa foi fundada em 1978 por um
grupo de 24 pessoas. Seu primeiro nome era Cooperativa dos Membros da Fundação Dr.
Serge Raynaud de La Ferriérre Ltda, pois seus fundadores eram filiados a Grande
Fraternidade Universal (GFU), uma organização não governamental fundada por Serge
Raynaud de la Ferrière em 1948 inscrita na Organização das Nações Unidas (ONU). Esta
instituição tem como objetivo aproximar distintos grupos humanos que trabalhem em prol da
37
paz. Possui unidades em diversos países sendo que no Brasil esta localizada em Porto Alegre
(UIEDA, 2007).
Além de agrupar produtores interessados na produção ecológica, a Coolméia
interessava-se em formar toda uma cadeia para a comercialização dos produtos provenientes
desta maneira de produzir. Por isso, inicialmente foram instaladas, na sede da cooperativa,
uma quitanda, uma lancheria, uma padaria, uma confeitaria, um entreposto, uma cozinha e um
restaurante. O trabalho nestes pontos de venda era feito por cooperados que inicialmente
trabalhavam voluntariamente o que restringia os horários de atendimento (GIESTA, 2005).
Os sócios desta cooperativa eram divididos em diferentes categorias: produtores,
consumidores e operacionais. A cooperativa integrava os associados através da alimentação
natural, defesa do meio ambiente, trabalho cooperativo e autogestão. E estava estruturada em
quatro linhas de negócio: “relações com o mercado, em que são administradas as feiras e a
loja na sede; alimentação, com padaria, lancheria, restaurante e confeitaria; ecotecnologias,
mais ligados aos associados produtores e à autogestão de tecnologias com preocupação
ambiental; e controladoria administrativa e financeira” (UIEDA, 2007, p. 92).
Até o ano de 1989, a principal forma de comercialização da Coolméia era através das
lojas que tinha em sua sede, mas a partir deste ano começou a desenvolver uma idéia de
comercialização inovadora. Este grupo precisava de espaços para comercializar seus produtos
e desejava difundir um modelo de consumo consciente, baseado no convívio harmonioso com
a natureza. Motivado por estes fatores, membros da cooperativa Coolméia tiveram a idéia de
realizar uma primeira feira ecológica (GIESTA, 2005).
Seguindo os fatos que estão envolvidos na história da FEJB de maneira cronológica, a
organização pela Coolméia de uma feira, no Parque Farroupilha
12
, com o nome de Feira
Ecológica Tupambaé (em guarani Terra de Deus) aconteceu no dia 14 de outubro de 1989.
Este data foi escolhida em comemoração ao dia internacional do não uso de agrotóxicos (dia
mundial da alimentação e semana mundial de luta contra os agrotóxicos). Neste dia, os
agricultores produtores da Coolméia comercializaram seus produtos diretamente ao
consumidor.
Aos poucos, após duas edições anuais da Feira Ecológica Tupambaé, a cooperativa
Coolméia montou, em 1991, a Feira dos Agricultores Ecologistas na Rua José Bonifácio
12
O Parque Farroupilha é localizado próximo ao Centro da cidade, onde existe vegetação, árvores, lagos,
brinquedos para crianças, área de entretenimento e espaço para caminhadas e prática de diferentes esportes como
o futebol, voleibol e corrida. Este parque, criado em 19 de setembro de 1935, tem aproximadamente 370 000
metros quadrados onde não é permitido entrada de carros não autorizados. Deste modo, se constitui em uma área
específica para a prática de sociabilidades entre as pessoas e para o lazer (SOUZA, 2008).
38
(GIESTA, 2005). A Rua José Bonifácio se encontra ao lado do Parque Farroupilha, entre as
avenidas Oswaldo Aranha e João Pessoa (Figura 8). O corredor que há na parte central desta
rua tem árvores denominadas popularmente como tipas (Tipuana tipu) (GERMANI, 2004)
de
aproximadamente 10 metros de altura, e proporciona espaço suficiente para a locomoção de
pessoas e instalação de barracas.
Também, no ano de 1991, ocorreu a agregação à FEJB de outras entidades. Dentre
estas entidades está a Associação Gaúcha de Apicultores (AGA), o Colégio Bom Pastor Bio
Ciclo e a Associação de Moradores e Produtores Rurais da Região Sudeste de Porto Alegre
(ASSUDETE).
Figura 8 – Localização da Feira Ecológica José Bonifácio
Fonte: Editado pela autora. Google Earth. Acesso em 5 de janeiro de 2010.
Estas entidades passaram a comercializar seus produtos em uma segunda quadra, ao
lado da quadra onde eram comercializados os produtos da cooperativa Coolméia. Quando
estas instituições iniciaram a comercialização de seus produtos na feira ecológica, esta
começou a acontecer semanalmente (ARCOOÍRIS, 2010).
Assim como a Cooperativa Ecológica Coolméia, a Assudete foi atuante na FEJB. Esta
associação surgiu na década de 1980, por meio da integração de um grupo de produtores
39
agroecológicos de Porto Alegre que encontravam dificuldades para comercializar seus
produtos. No ano de 1991, grande parte dos associados da Assudete era composto por
produtores residentes em Porto Alegre (ARCOOÍRIS, 2010).
Com o ingresso à feira ecológica José Bonifácio, surgiu a necessidade de mais
produtores agroecológicos integrados a Assudete, diversificando a oferta dos produtos
disponibilizados. Assim, passaram a comercializar junto a FEJB agricultores agroecológicos
dos municípios de Itati, Morungava, Ipê e Cândido Godoy (ARCOOÍRIS, 2010).
Alguns dos associados da Assudete, incentivados pelas transformações internas,
começaram a pensar em conformar outra formação jurídica para serem melhor atendidos em
serviços técnicos, compras coletivas e aumentar a comercialização. Foi assim que em 25 de
abril de 1994 20 associados da Assudete auxiliaram na formação da Cooperativa de
Produtores Ecológicos de Porto Alegre Ltda (ARCOOIRIS). No momento da criação da
ARCOOIRIS, aos 20 associados da Assudente, juntaram-se outras 25 pessoas. Deste modo, a
fundação da cooperativa ARCOOIRIS deu-se com 45 cooperados (GIESTA, 2005).
Atualmente, o número total de cooperados é de 106. Estes cooperados são produtores,
consumidores e colaboradores. Dentre os produtores agroecológicos vinculados a
ARCOOIRIS, aproximadamente 28 se encontram no rural de Porto Alegre (informação
pessoal)
13
.
Além das alterações na FEJB acima expostas, o ingresso da Assudete e demais
instituições determinou o registro oficial perante o poder público local. A atual legislação
sobre feiras ecológicas de Porto Alegre, Resolução n° 01 de 2003, denomina-as como projetos
político-administrativo, constituindo-se em modalidade cultural de compra e venda entre
produtores e consumidores de alimentos e manufaturas produzidos ecologicamente em Porto
Alegre e fora dele. Este projeto objetiva proporcionar espaços para comercialização de
produtos ecológicos, fomentar opiniões sobre saúde, nutrição, produção ecológica,
associativismo, integração ambiental de porto-alegrenses e demais consumidores, e privilegiar
a cooperação com a sociedade civil (PORTO ALEGRE, 2003).
Outro fator marcante na FEJB aconteceu no ano de 2006 quando a cooperativa
Coolméia, com aproximadamente 2065 associados (GIESTA, 2005), passou por dificuldades
que acabaram influenciando sua continuidade (informação pessoal)
14
. Estas dificuldades estão
relacionadas à sua organização interna na gestão de uma assembléia. Segundo o estatuto, os
membros que poderiam convocar uma assembléia são membro/os do conselho de
13
Informação concedida por Oliveira, D. uma das sócias-fundadoras da cooperativa ARCOOIRIS em fev. 2010.
14
Informações concedidas em entrevista pelas cooperadas da Coolméia Lopes, V. e Ludwig, R. em jan. de 2010.
40
administração, o conselho fiscal ou associados através de uma representação em números
iguais ou superiores a 1/5 do número total de cooperados. Entretanto, estas pessoas não
dispõem de informações sobre a atual situação da cooperativa. Esta situação gera incertezas
quanto às consequências que uma mobilização para convocação de assembléia traria aos
associados e à cooperativa (COOLMÉIA, 2000).
Apesar destas dificuldades por que ainda passa a cooperativa Coolméia não houve
comprometimento sobre a continuidade da FEJB, pois esta estabelecia dinâmicas internas para
sua gestão, que aconteciam por meio de reuniões. O credenciamento de novos produtores
junto à feira acontecia através de uma “Rede de Geração de Credibilidade para a Agricultura
Ecológica” que era formada por agricultores, técnicos, comerciantes e consumidores que
certificavam as propriedades e os processos por que eram produzidos os produtos
comercializados. Esta rede mantinha um reconhecimento para os seus produtos como
legitimamente orgânicos sem precisar, necessariamente, do aval de uma certificadora
(GIESTA, 2005; UIEDA, 2007). Entretanto, segundo informações fornecidas pela SMIC,
atualmente este sistema de reconhecimento para credenciamento gestado pela FEJB não
acontece mais de forma autogerida, sendo que é necessário abrir edital por meio do poder
público municipal para que novas entidades possam comercializar seus produtos na feira
ecológica.
A forma como a feira se constituiu fez com que entre os feirantes e usuários da feira, a
parte onde a Coolméia comercializa seus produtos fosse denominada de “quadra da
Coolmeia” ou “primeira quadra”, e a parte onde a Assudete e, mais tarde, a cooperativa
ARCOOIRIS passou a comercializar, fosse conhecida como “quadra da Arcooiris” ou
“segunda quadra”.
O horário de funcionamento da FEJB é das 7h e 30min às 13h de todos os sábados.
Além da feira ecológica, também acontecem feiras de antiguidades e artesanato na Avenida
José Bonifácio. Estas feiras têm dias e horários diferentes para acontecerem, sendo que a feira
do artesanato ocorre tanto no sábado quanto no domingo. A feira de antiguidades ocorre aos
domingos. A feira do artesanato e da antiguidade fica mais próximo à Avenida João Pessoa.
Ao passo que a feira da agricultura ecológica fica próxima à avenida Oswaldo Aranha,
ocupando a extensão de duas quadras das cinco que é constituída a rua José Bonifácio. As
bancas das feiras da antiguidade e do artesanato são dispostas em um dos lados do espaço que
entre as duas vias na José Bonifácio. Enquanto que na Feira Ecológica José Bonifácio as
bancas são dispostas nos dois lados do espaço, formando um corredor central tomado de uma
paisagem dos produtos ali oferecidos (Figura 9).
41
Figura 9 - Foto da Feira Ecológica José Bonifácio em junho de 2009.
Fonte: fotografada pela autora em junho 2009.
Durante os sábados pela manhã é possível observar que a maioria das pessoas que
circulam pela FEJB está interessada em comprar os produtos oferecidos, entretanto outras
estão passeando e conhecendo a feira. Segundo Giesta (2005), os consumidores desta feira
ecológica são esporádicos e assíduos. Os primeiros ainda não têm um conhecimento dos
produtos oferecidos e tentam se informar sobre eles, enquanto o segundo grupo conhece os
produtos oferecidos e tem uma relação mais próxima com os feirantes.
Ao meio dia, nos dias agradáveis, há concentração de usuários da feira, principalmente
na quadra mais próxima a Avenida Oswaldo Aranha, tornando difícil a compra dos produtos
ecológicos e até mesmo o trânsito por este local.
Na FEJB são comercializados produtos de diferentes associações, cooperativas e
produtores autônomos. Segundo contagem efetuada pela SMIC
15
, ao todo são 57 expositores
nas duas quadras. Na primeira quadra, as entidades são em número de 20 e na segunda quadra
são 15. Existem ainda autônomos em número de 22. O número de bancas é superior a este,
uma vez que existem entidades, como a ARCOOIRIS e a COOLMEIA, que ocupam mais de
uma banca.
15
A SMIC, juntamente com os Conselhos das Feiras e as Organizações da Sociedade Civil, é responsável pela
fiscalização, administração, aplicação de penalidades e organização das diferentes feiras ecológicas de Porto
Alegre, inclusive a FEJB (PORTO ALEGRE, 2003).
42
Ainda, segundo dados fornecidos pela SMIC, desde o início da FEJB já era possível
encontrar uma grande variedade de produtos, seguindo esta diversificação até os dias de hoje.
Entre estes existem os produtos vendidos in natura, como as hortaliças e frutas, e beneficiados,
como os farináceos, bolos, produtos a base de leite, sucos e vinhos (Figura 10 e 11). Deste
modo, os produtos comercializados na FEJB são alimentícios, em sua grande maioria, e não
alimentícios, como shampoos e flores para decoração. Também, podem ser encontrados
vestuários de organizações que de algum modo se identificavam com a produção ecológica
como, por exemplo, o movimento em defesa dos animais.
Assim como em demais feiras ecológicas, na FEJB os consumidores efetuam suas
compras diretamente com os produtores, o que reduz a participação de intermediários na
comercialização e garante preços mais justos tanto para consumidor como para produtor
(Figura 12). A relação dos consumidores e produtores proporciona trocas para além das
relações mercantis, pois são perpassadas pela confiança e por laços de amizade (SCHERER,
2002; UIEDA, 2007).
O contato entre usuários da feira e feirantes pode se estender para outros locais, se
deslocando até os espaços rurais. Por meio da visitação por parte dos usuários da feira às
propriedades rurais dos feirantes, conhecendo as atividades agrícolas de produção dos
produtos comercializados na feira ecológica e pelo turismo rural (DUARTE, 2009).
Figura 10 – Banca de produtos beneficiados e in natura.
Fonte: fotografada pela autora em julho de 2009.
43
Figura 11 – Banca de produtos in natura.
Fonte: fotografada pela autora em julho de 2009.
Figura 12 – Momento de comercialização e conversa com amigos usuários da feira.
Fonte: fotografada pela autora em julho de 2009.
44
2.3 Roteiros Turísticos Caminhos Rurais
Atualmente, 10 anos depois dos pioneiros terem dado este passo inicial, ainda se
acredita no turismo como alternativa de manutenção da área rural produtiva e
também de conservação dos espaços naturais, ambos ameaçados pelo processo de
descaracterização das áreas de entorno, que comprometem a região sul da cidade,
último e maior reduto verde da capital (CAMINHOS RURAIS, 2010).
A atividade do turismo rural desenvolve-se em espaços rurais e tem contribuindo nas
alterações sobre a forma de conceituá-lo e mesmo de interpretá-lo. Esta atividade, que produz
um contato do rural com o urbano, também contribui para a geração de renda para agricultores
familiares. Assim como em demais espaços rurais, a atividade do turismo rural também é
desempenhada nas localidades ao sul de Porto Alegre. Dentre as pessoas que trabalham
atualmente com esta atividade, Webber, que se mudou para o espaço rural de Porto Alegre
12 anos, foi uma das pessoas envolvidas na atividade do turismo rural na capital gaúcha deste
os seus “primeiros passos”. Motivava-se com a possibilidade do turismo rural porque via neste
espaço potencial relacionado à presença de áreas preservadas, às características rurais e à
localização (informação pessoal)
16
.
Antes mesmo de morar no rural de Porto Alegre, no ano de 1996, Webber
desenvolvia em seu sítio localizado no bairro Belém Velho a atividade do turismo rural
recepcionando crianças de colégios de Porto Alegre. Em torno deste ano, outras propriedades
passaram a desenvolver esta atividade. Dentre elas estão os sítios Tio Juca e Herdeiros e, mais
tarde, no ano de 2001, o tio Capororoca. Estes sítios estão localizados no bairro Lami
(BASTIAN; SOUZA, 2008).
A partir destas iniciativas individualizadas de produtores rurais de Porto Alegre, a
atividade passou a ter um caráter coletivo envolvendo vários atrativos em uma mesma visita.
Webber cita que em 2001 surgiu um roteiro de turismo rural denominado “Rota Belém Velho”
que passava por algumas propriedades rurais, pelo Santuário Nossa Senhora Mãe de Deus e
pelo Centro de Tradições Gaúchas (CTG), e ocorria em momentos de festividades do
município, como a Festa da Uva e do Pêssego, Fóruns Social Mundial e semana de aniversário
do município.
Dependendo da festividade, os turistas saiam em micro ônibus do centro da cidade, ou
da própria Praça de Belém Velho, já que era ali que era realizada a Festa da Uva e do Pêssego.
16
Informações concedidas por Webber, M. durante coleta de dados para esta pesquisa em jul. 2009.
45
Os condutores deste roteiro eram locais e o custo era estipulado pela prefeitura, que fornecia
subsídios para o transporte e se encarregava da divulgação.
Esta rota permaneceu durante alguns anos até que em 2003 a prefeitura municipal
desenvolveu roteiros ecológicos para crianças em parques como o Saint Hilaire, Reserva
Biológica do Lami e Morro do Osso, localizados mais ao sul de Porto Alegre. Com uma
proposta de custos reduzidos para a visitação à sua propriedade, Webber enviou para algumas
escolas da capital gaúcha correspondências oferecendo a visitação ao seu sítio, que era
agroecológico, e que poderia acontecer acoplada ao roteiro que passava pelos parques
ecológicos de Porto Alegre. As escolas ficaram interessadas e a partir disto, segundo Webber,
aproximadamente 700 crianças da cidade de Porto Alegre visitaram sua propriedade no
período de uma semana.
No ano de 2005, a Prefeitura Municipal interessou-se em conhecer a atividade de
turismo rural que vinha acontecendo em Porto Alegre. Este interesse se deve ao fato de que
neste ano foi instituída a Secretaria Municipal de Turismo (SMTur), pois até então existia
apenas um escritório de turismo
vinculado a SMIC (DUARTE, 2009). Como um escritório
estabelecia-se um convênio, já como secretaria desenvolve-se projetos com um corpo de
funcionários que atuam em determinado ramo dentro do município (informação pessoal)
17
.
Com base neste interesse que surgiu com a consolidação da SMTur em Porto Alegre,
foram organizadas as primeiras saídas de campo para conhecer as propriedades da zona sul de
Porto Alegre interessadas em inserir-se em um projeto de roteiros turísticos rurais. Estas
primeiras saídas de campo foram organizadas pela EMATER e tinham objetivo de identificar
os atrativos com interesse e potencial para o turismo rural (BASTIAN; SOUZA, 2008).
Através destas saídas de campo, foram identificadas inicialmente 30 famílias. Com os
membros destas famílias foram ministrados cursos de sensibilização, acolhida de turistas,
planejamento e culinária, dentre outros temas. Estes cursos foram fornecidos pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-RS), EMATER, Sindicato Rural e Prefeitura
Municipal (BASTIAN; SOUZA, 2008).
Ao grupo de famílias que passaram a desenvolver o turismo rural foi dado o nome de
“Roteiro Turístico Caminhos Rurais” e a partir de 2005 foi oficializado como projeto
vinculado a SMTur (DUARTE, 2009). No ano de 2005, também foram impressos os
primeiros 5000 folders dos Caminhos Rurais e a Prefeitura Municipal subsidiou algumas
agências que passaram a organizar os roteiros para visitação, auxiliou na divulgação e na
17
Informação fornecida em entrevista por Braga, J. funcionária da Secretaria Municipal de Turismo em 27 jan.
2010.
46
participação em eventos como Expointer, Acampamento Farroupilha, Semana do Turismo
(BASTIAN; SOUZA, 2008; DUARTE, 2009).
Este projeto vinculado ao poder público municipal coordenado pela SMTur tem como
objetivo o desenvolvimento do turismo rural em Porto Alegre, integrando produção com vistas
a qualificar as condições socioeconômicas de comunidades da região rururbana do município.
Também almeja proporcionar sustentabilidade econômica, ambiental, cultural e social;
adequar os suportes para esta atividade, aumentar a autoestima das pessoas envolvidas,
amenizar o êxodo rural e oferecer vivências para a população urbana no meio rural
(DUARTE, 2009).
Após esta fase inicial do projeto Caminhos Rurais (CR), no ano de 2006, foi fundada a
Associação Porto Alegre Rural (Poa Rural) que tem o intuito de auxiliar no provimento de
necessidades ligadas à atividade do turismo rural identificadas como importantes por seus
associados. As prioridades desta associação estão conjugadas, principalmente, à integração
entre espaços urbanos e rurais para a promoção do desenvolvimento sustentável. Os membros
desta associação organizam-se através de reuniões realizadas uma vez por mês em suas
residências (DUARTE, 2009). A grande maioria dos 25 associados (20) faz parte dos CR,
sendo que apenas cinco (RPPN Costa do Cerro, Amparo Santa Cruz, Quiosque do Kiko,
Atelier Luisaço e Cabanha Figueira) não constam no folder destes roteiros turísticos
(ASSOCIAÇÃO PORTO ALEGRE RURAL POA Rural, 2009; CAMINHOS RURAIS,
2009).
Atualmente, os CR têm seis diferentes roteiros turísticos na zona sul da capital gaúcha
que circulam por 41 atrativos diferenciados organizados pelas agências Silsi Tours, Rota
Cultural, Tri Legal e Webber Turismo, principalmente (Figura 13). Além dos roteiros
organizados pelas agências, o público de turistas que tem frequentado este espaço vem de
instituições como faculdades, escolas, grupos de mulheres e grupos religiosos, que se
organizam de maneira desvinculada das agências de viagens. Os estudantes de graduação são
dos cursos de geografia, gastronomia, biologia e nutrição, principalmente (Figura 14 e 15).
Estes grupos têm composto a maioria do público de turistas.
Além destas formas de organização, os turistas também entram em contato com os
proprietários dos atrativos e agendam suas visitas diretamente com eles, se deslocando através
de seus próprios meios para os atrativos dos CR.
Dos atrativos do CR, 23 são propriedades que atuam com atividades ligadas ao rural.
Mais especificamente desempenham, além da atividade de turismo rural, o beneficiamento de
produtos agrícolas e a produção agrícola. Os demais atrativos (18) são compostos por
47
balneários, restaurantes, locais religiosos, para eventos e prática esportiva, comercialização de
produtos coloniais, conservação ambiental, educação ambiental e hospedagem (Figura 16)
(PORTO ALEGRE, 2009).
Figura 13 Grupo de turistas organizado pela agência Webber turismo em visita ao Cycas e Palmeiras
bairro Lami.
Fonte: fotografada pela autora em julho de 2009.
Segundo Duarte (2009), o turismo desenvolvido no sul de Porto Alegre funciona, em
algumas propriedades como atividade alternativa à produção e à feira ecológica, sendo que
nos dias de visita é dedicado aproximadamente uma hora para a recepção dos turistas. Neste
dias, os agricultores deixam de fazer suas atividades nas lavouras e na preparação dos
produtos da feira para recepcionar as pessoas que vêm conhecer a propriedade e as atividades
agrícolas.
Entre os agricultores que produzem alimentos para comercializar na feira e os turistas,
alguns casos de aprofundamento de laços. Com a visitação as propriedades, muitos dos
turistas passam a serem usuários da FEJB, consumindo os produtos produzidos nos atrativos
visitados. Assim, as relações que são estabelecidas por meio do turismo, se estendem para
além da propriedade rural (DUARTE, 2009).
48
Figura 14 – Grupo de estudantes de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Sítio Tio Juca bairro Lami.
Fonte: fotografada pela autora em junho de 2009.
Figura 15 – Grupo de estudantes de Nutrição da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Sítio Capororoca bairro Lami.
Fonte: fotografada pela autora em junho de 2009.
49
Figura 16: Porto Alegre: Caminhos Rurais
Duas das definições das atividades desenvolvidas em cada atrativo estão representadas
de forma diferenciada segundo o folder dos Caminhos Rurais. São elas: Sítio Sol Nascente
50
que está representado no mapa como uma propriedade que desenvolve atividades ambientais,
enquanto que no folder consta que desenvolve atividades nomeadamente agrícolas com
produção agroecológica de plantas medicinais. A outra propriedade é Granja Lia que além de
desenvolver atividades de lazer, atua mais fortemente, segundo o folder, na piscicultura,
fruticultura e hospedagem de equinos (CAMINHOS RURAIS, 2009).
Por meio do turismo rural e de outras formas, diferentes grupos de pessoas criam laços
que perpassam pelo rural de Porto Alegre de maneiras diversas. Seja por meio do consumo do
espaço e dos produtos provenientes, por meio do contato com os agricultores feirantes ou
através da constituição de moradias e realização de práticas agrícolas. Estes laços, a princípio,
apresentam um inter-relacionamento de pessoas que praticam atividades e que atuam sobre
um mesmo espaço.
A constatação de contato com o rural nestes distintos grupos de pessoas pode indicar
para um eixo norteador capaz de colocar estes distintos grupos em uma posição análoga para a
discussão do rural de Porto Alegre. Esta posição é encontrada por meio da percepção que estes
grupos têm deste espaço.
51
3 PERCEPÇÃO DO ESPAÇO RURAL
Este capítulo apresentará e delimitará o corpo teórico que fundamenta esta pesquisa.
Começa ancorando-se principalmente na abordagem de Merleau-Ponty (2006), apresentada na
obra Fenomenologia da Percepção, em que são explicados os princípios da percepção. Em
seguida, em um novo item, são apresentados aportes teóricos relacionados à percepção
geográfica e, em alguma medida, à percepção do ambiente. Também, é feita uma discussão
sobre o rural, onde é expresso o que se compreende como espaço rural. O último item destina-
se a apresentação da Análise de Discurso enquanto uma ferramenta para a interpretação e
análise de trechos onde constam percepções.
3.1 A percepção
“Nossa vista sôbre o homem restará superficial enquanto não remontamos a esta origem,
enquanto não encontramos, sob o barulho das palavras, o silencio primordial, enquanto não
descrevermos o gesto que rompe êsse silêncio. A palavra é um gesto e sua significação um
mundo”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 194)
O recorte teórico sobre a percepção foi elaborado inicialmente a partir do
embasamento proposto por Merleau-Ponty (2006) na obra Fenomenologia da Percepção. Este
autor adota uma concepção de filosofia denominada fenomenologia e busca por uma
compreensão inovadora de ver o mundo.
Pode-se dizer que segue as trilhas do trabalho sobre Fenomenologia de Edmund
Husserl, principalmente. A partir dos pressupostos de Husserl, mas também de outros autores,
Merleau-Ponty (2006) se dedica ao estudo orientado à compreensão de como o sujeito percebe
o mundo.
Segundo Merleau-Ponty (2006), a fenomenologia é uma filosofia que busca localizar a
essência. Esta essência está na existência. Ainda, a fenomenologia consiste em uma tentativa
de explicação da experiência tal como é. Deste modo, a sua maneira de filosofar depende de
uma articulação com uma existência concreta.
52
Para ele, a tarefa da fenomenologia é descrever e não analisar. Esta descrição ocorre
através de um retorno ao mundo vivido, que é base para a ciência e para o conhecimento.
Merleau-Ponty (2006) cita que, neste retorno ao mundo vivido, a supremacia é dada ao mundo
exterior, ao invés da consciência, pois os objetos exteriores não aguardam a consciência sobre
eles para que venham a ocorrer fenômenos.
A percepção faz parte da compreensão dos fenômenos do mundo, é a capacidade
própria do homem de entender partes do mundo exterior baseando-se em suas experiências.
Não se trata de análise, mas uma característica que mostra como o mundo é e fornece
informações para a apreciação. Conhece o mundo antes de fazer as reflexões, constituindo o
sujeito encarnado localizado anteriormente a uma análise. Representa-se nas opiniões, atitudes
e em todas as diferenciadas esferas da vida de uma pessoa (MERLEAU-PONTY, 2006).
A percepção é a capacidade que o homem tem de fazer aparecer, a partir de objetos, de
suas configurações e do seu sentido, o que é próprio a eles. O que é uma característica dele. O
que esteve sempre e sobre os quais em determinado momento é projetada a capacidade
perceptiva que é própria do homem (MERLEAU-PONTY, 2006).
Possibilita uma abertura para o mundo, sendo que este passa a ser o local onde são
realizadas todas as percepções. Ela acontece por meio de uma relação com o mundo (CHAUÍ,
2004). De um direcionamento dos sentidos para determinado local ou ponto, em um ato
automático. A partir da atenção, a percepção permite contemplá-los e torná-los
compreensíveis. Com esta contemplação, o local ou ponto passa a perder o caráter de
desconhecido, ou mais ainda, de não identificado. O que anteriormente era o identificado,
pois sequer havia menção que um dado ponto existisse estando “invisível” aos olhos, passa a
existir e a ter uma forma a partir do corpo.
A percepção é este momento em que se pára e, sem dar-se conta, se observa um ponto
ou local estando absorvido por ele, compreendendo-o. Conforme Merleau-Ponty (2006), o
processo perceptivo acontece naturalmente sem que se tenha necessariamente uma
consciência do ato de perceber. Isso quer dizer que quando se está percebendo, como por
exemplo, uma mesa sobre a qual se escreve, a percepção envolve o escritor de tal maneira que
este não vem a perceber-se percebendo-a. Quando ocorre o ato da percepção é de tal forma
imperceptível que ao tentar percebê-lo, a interpretação ocorre sobre algumas sensações não
mais sobre a mesa. Segundo o autor, é através de exercícios de percepção naturais que se
aprende o mundo.
Deste modo, o ato perceptivo é a capacidade de dar sentido aos objetos e às situações
que se visualiza e se experimenta. Esta capacidade perceptiva cria de um golpe com a
53
constelação de dados o sentido que os une. Os objetos, ou dados, tem um sentido em sua
própria existência. Por isso, não passam a ter um sentido com a percepção (MERLEAU-
PONTY, 2006).
O sentido que em um conjunto de dados, interpretado por meio do ato perceptivo,
constitui-se numa identificação e compreensão do corpo, localizado no mundo, dos dados
presentes neste mundo. Esta concepção do ato perceptivo se afasta da empirista e
intelectualista, pois não a entende como baseada em um estímulo pontual do contexto externo
sobre algum dos “receptores isolados e justapostos” das pessoas, originando sensações
pontuais que, posteriormente, se somariam em um corpo de sensações que formariam
percepções. Na verdade, a percepção não se origina desta soma, ela percebe os dados do
mundo dotados de sentido em sua totalidade (CHAUÍ, 2004, p. 134).
Estes dados que possuem um sentido em si mesmos podem ser interpretados por cada
pessoa de diferentes maneiras. Há esta maneira particular de percepção porque cada pessoa
vivenciou uma gama de experiências distintas durante sua vida (MERLEAU-PONTY, 2006).
As diferentes experiências estão ligadas a trajetória de vida, à cultura, ao local de residência,
ao contexto social e atual a que está inserida, marcando a forma que a pessoa tem de
interpretar. Deste modo, as distintas experiências conformam uma maneira de perceber
diferente.
A percepção é uma constante na vida das pessoas, pois, segundo Gibson (1950), como
sujeito, é possível perceber constantemente o mundo e a ele atribuir novos sentidos e valores.
Na medida em que a atenção, que é própria da percepção, repousa sobre determinado objeto,
seu sentido vai aparecendo e, configurado-se com o que foi experenciado, proporciona seu
reconhecimento. Este ato de (re)conhecimento percebe e atribui um sentido às coisas e
posteriormente retoma experiências anteriores na forma de lembranças. E, neste processo, de
ir para o mundo o voltar-se para si, a memória vai sendo (re)configurada conforme os sentidos
percebidos no presente.
Os atos das pessoas, as criações humanas, pressupõem a percepção, pois ela é o
primeiro contato que se tem com o mundo. A capacidade de orientação em um dado ambiente
carregado de códigos e formas é definida como segunda percepção ou empírica. Esta não é a
percepção que fundamenta nossa verdade, mas mascara o fenômeno fundamental. É cheia de
aquisições antigas, carregada de noções feitas por experiências anteriores e se “joga” sobre a
superfície do corpo. Representando-se possibilita a orientação para a locomoção e realização
de objetivos em um mundo cheio de sentidos interpretados (MERLEAU-PONTY, 2006).
54
A percepção interpreta os sentidos que os objetos têm. E a percepção segunda é o
resultado desta “primeira” percepção que torna a pessoa apta a realizar ações em um mundo
de objetos sem necessariamente percebê-los novamente.
A existência da percepção segunda está ligada ao fato de que em vivências diárias não
se tem em consciência tudo o que foi percebido. Algumas percepções são esquecidas para
dar prioridade as que mais importam em determinados momentos. Se houvesse possibilidade
de uma consciência total, a opacidade característica do processo de percepção desapareceria
(MERLEAU-PONTY, 2006).
Considerando o exposto acima, observa-se que a percepção acesso ao que é tido
como verdade para a pessoa, constituindo-se na fundamentação em que os atos se destacam
assim como pressuposta por eles. As diferentes experiências por que passa a pessoa e o
ambiente cultural no qual está inserida fundamentam suas atitudes, valores e interesses. Ainda,
as experiências contextualizadas em um meio social proporcionam diferentes visões de
mundo. Assim, a percepção está na base da compreensão, fornecendo também os substratos
para os valores e visões de mundo (TUAN, 1980). Está presente em todas as experiências
humanas envolvendo a vida social, como a moral e os costumes, e a forma como uma
determinada sociedade sentido ao mundo em seu entorno, possibilitando orientação no
campo das ações cotidianas e técnicas (MERLEAU-PONTY, 2006).
A orientação em um espaço se dá a partir das percepções que foram obtidas no
momento em que foi experimentado. A experiência possibilita também que se possa fazer uma
descrição do espaço que circunda uma pessoa. A descrição do espaço circundante de uma
pessoa demonstra quais são suas percepções sobre este e aponta as ações permitidas.
3.2 Percepção geográfica e ambiental
As experiências de pessoas relacionadas com espaços, lugares ou mesmo paisagens
mostraram-se como um tema de pesquisa conveniente por fornecer subsídios para a
explicação de relações e projeções destas sobre determinadas unidades territoriais. Também,
conduzem a esclarecimentos da conduta do homem sobre um delimitado espaço, além de um
afinamento na compreensão das relações do homem com outros grupos humanos e com a
natureza. Estas percepções proporcionam um maior entendimento sobre a natureza própria da
55
pessoa e possibilitam o surgimento de uma preocupação com o desenho do espaço e lugar
disponíveis para se viver (XAVIER, 2007).
A corrente perceptiva que desenvolveu pesquisas na geografia, mais especificamente
na geografia humanística, ancorada na fenomenologia e no existencialismo, valoriza a
experiência do homem em seu meio. A partir de estudos pioneiros de pesquisadores
canadenses interessados em estudar os valores e as atitudes que as pessoas tinham
relacionados aos lugares, como Yi-Fu Tuan e Edward Relph na segunda metade do século
XX, começaram a se desenvolver pesquisas nesta área. Estas pesquisas partiram de
“preocupações em se conhecer e explicar as atitudes e os valores das populações em relação
aos lugares” (XAVIER, 2007, p. 28).
Existem autores que trabalham com a identificação de experiências, que refletem
percepções sobre o ambiente. Para Souza (2009), o ambiente é visto como tudo o que cerca o
homem incluindo ele próprio, onde os elementos naturais e sociais estão em interação e
relações dinâmicas. As atitudes de agricultores familiares são reflexos de suas percepções
influenciadas pelo ambiente, pois a percepção, além de conter os elementos perceptivos de
cada pessoa, é influenciada pelo meio, por um mundo onde os “sujeitos perceptores estão
inseridos e são constantemente influenciados” (SOUZA, 2009, p. 46).
Na percepção geográfica as diferentes relações que as pessoas são capazes de
estabelecer com um dado ambiente originam um saber sobre ele que é denominado
conhecimento geográfico. Relph (1979, p. 1) argumenta que, ligado ao conhecimento
geográfico, existem fenômenos de experiência que são “a substância de nossos envolvimentos
no mundo”. Para o autor, as interações variadas e contraditórias com espaços, lugares e
paisagens combinam as qualidades e aparências destes com modos e atitudes de cada pessoa.
Para Relph (1979) geograficidade refere-se a todas as relações estabelecidas pelo
homem com o espaço, lugar e paisagem, e as relações existentes entre estes. Relacionando-se
“às várias maneiras pelas quais sentimos e conhecemos ambientes em todas as suas formas, e
refere-se ao relacionamento com os espaços e as paisagens, construídas e naturais [...]”
(RELPF, 1979, p. 18). Denomina sensações que são originadas no homem em seu contato
com o mundo, em seu estar no mundo. Neste termo, ficam guardadas todas as respostas que as
experiências nos ambientes proporcionaram antes de sua análise e atribuição de conceituação.
Na constituição da ciência da geografia, onde a geograficidade se faz mais presente,
a presença do “ponto de vista” de cada sujeito que forneceu subsídios para conformação de
conceitos. Esta marca da subjetividade das pessoas, exposta por suas interpretações, não
fornece instrumentos para uma deliberação “pura”. É impossível fugir desta subjetividade,
56
pois a única forma de nomear e qualificar o mundo é através da percepção que é particular de
cada pessoa (RELPF, 1979). Apesar desta diversidade existir, as formas de apreender o
mundo ou as noções de geograficidade não podem ser consideradas incorretas, pois todas as
pessoas obtêm, durante sua história de vida, um pouco de conhecimento “verídico” sobre
diferentes aspectos (MERLEAU-PONTY, 2006).
A totalidade de experiências que compõem a geograficidade deve existir simplesmente
para proporcionar a sobrevivência de pessoas no ambiente por elas escolhido para viver. Por
ser tão necessária no mundo vivido das pessoas, ela se encontra, na maioria dos momentos,
submersa em nosso inconsciente, mas tomada como certa. A realidade geográfica exige o
envolvimento do indivíduo através de suas emoções, seus hábitos e seu corpo, o que leva a
ocultação de sua existência, não sendo constante na consciência. Por isso, conforme Relpf
(1979), ela é mais vivida do que expressa.
As sensações obtidas ao se observar uma paisagem ou ao se vivenciar um espaço
compartilham de noções que se aproximam da geograficidade, visto que são vividas mas,
muitas vezes, deixam de ser expressas pela dificuldade de sua enunciação. Isso porque “as
experiências íntimas, quer com pessoas ou coisas, o difíceis de comunicar” (TUAN, 1983,
p. 163).
No entanto, a dificuldade de expressão destas sensações não as impossibilita de serem
descritas, pois podem ocorrer similaridades com as sensações de outras pessoas. “A
experiência dentro de um grupo humano se superpõem o suficiente para que vínculos
individuais não pareçam notórios e incompreensíveis para seus pares” (TUAN, 1983, p. 163),
indicando que até mesmo uma observação em circunstâncias excepcionais pode ser
compartilhada.
Existem momentos em que a sensação de geograficidade pode aparecer mais
ativamente no consciente das pessoas. Isso ocorre quando estas se deparam em um meio onde
as interações estabelecidas não são as habituais. “Nesse momento um despertar da
consciência e uma direção da atenção aos espaços, paisagens e lugares, e aos problemas e
qualidades que nos apresentam.” (RELPF, 1979, p. 19).
Ainda, a geograficidade vem assumir diferentes “cores”, dependendo da forma como
as pessoas se dirigem a coisas e às outras pessoas. Ela assume um caráter agradável quando,
conforme costumes e atitudes da pessoa envolvida na experiência, estímulo, relaxamento e
possibilidade de sentir locais com prazer. Do contrário, quando as experiências vivenciadas
não trazem conforto ou induzem à ansiedade e à depressão, aparecem para as pessoas como
desagradáveis (RELPF, 1979).
57
As formas diferenciadas como as pessoas se relacionam com seu meio, em um mesmo
contexto, podem apresentar um fenômeno complexo e com muitas formas. Apesar do aspecto
complexo que a geograficidade assume, para Relpf (1979) uma característica mais importante
é a sua mutabilidade, forçada por experiências, agradáveis e não agradáveis, que rapidamente
são submetidas ao inconsciente, da mesma forma que outros aspectos comuns da vida
cotidiana.
Tuan (1983) cita que a vida cotidiana das pessoas constitui-se de uma realização
praticamente despercebida. Para o autor, o real é sentido como sendo importante para as
pessoas, mas passa sem chamar atenção. As pessoas vivem em um lugar e muitas vezes,
quando tentam traçá-lo, precisam sentir um mundo fora de si, mesmo estando constantemente
nele.
A forma como o homem experimenta e entende o mundo parte de duas concepções
relacionadas que derivam do ambiente: espaço e lugar. Uma das bases dos significados e da
organização do espaço e do lugar pelo homem é a cultura. Também, considera a influência de
aptidões gerais do homem, suas capacidades e necessidades, como sendo permeadas pela
cultura (TUAN, 1983).
A diferenciação entre espaço e lugar pode iniciar através do apontamento de diferentes
qualidades que estes assumem. Segundo Tuan (1983), o primeiro é liberdade e pode dar a
sensação de amplidão; um espaço sem limites para as pessoas que o vivenciam. Já, o segundo
aponta para um sentimento de segurança e familiaridade, na medida em que traz identificação.
Um espaço pode vir a se tornar um lugar na “medida que o conhecemos melhor e o
dotamos de valor” (TUAN, 1983, p. 6). Estes dois termos também estão entrelaçados, que
uma idéia não pode ser definida sem a outra.
A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da
liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa. Além disso, se pensarmos no espaço
como algo que permite movimento, então o lugar é a pausa; cada pausa no
movimento torna possível que localização se transforme em lugar (TUAN, 1983, p.
6).
As maneiras como as pessoas sentem e conhecem espaço e lugar, utilizam das
experiências definidas como “diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e
constrói a realidade” (TUAN, 1983, p. 9).
No uso do espaço pelo homem para o seu lazer, as relações com os lugares/espaços
turísticos “processam-se a partir da percepção que deles os indivíduos m, das atitudes neles
tomadas e dos valores a eles atribuídos” (XAVIER, 2007, p. 33). A variedade de percepções
58
que podem existir de um espaço/lugar turístico indica que mesmo dentro de uma mesma
unidade territorial, podem existir diferentes formas de utilização para o lazer e para o turismo.
As interfaces que podem existir entre as diferentes categorias de turismo indicam, no
rural, um conjunto de atividades diferenciadas que envolvem o turista com os agricultores
familiares na participação de atividades típicas deste espaço. No inter-relacionamento do
turista com as atividades agrícolas de uma propriedade rural de pequena escala, típica do
turismo rural, pode ser marcada pela venda de produtos artesanais e rurais para os turistas
(BRICALLI, 2005).
Esta forma de ocorrência do turismo, baseada na busca pelo conhecimento do rural, de
práticas agrícolas e de produtos, indica algumas das experiências que podem ser realizadas em
um dado espaço rural. Para compreender as experiências e mais ainda os resultados destas
experiências relacionadas com o espaço rural é fundamental delimitar o que é este espaço.
3.3 Espaço rural
Os delineamentos sobre o conceito de rural iniciam pela contextualização que parte do
enfoque que considerava somente as atividades agrícolas presentes neste espaço. Este enfoque
emergiu em uma situação onde o fornecimento de alimentos para as cidades era marcado
como principal função do rural (KAGEYAMA, 2008).
Conforme esta perspectiva que considerava o rural fortemente conectado com o
agrícola, eram passíveis de observação por agentes externos os aspectos do rural que
estivessem ligadas com esta produção. Deste modo, era destacada a baixa densidade
populacional e a regência dos fenômenos naturais nas criações e principalmente sobre os
cultivos agrícolas. A condição de baixa densidade populacional era associada com ausência de
bem estar e condições culturais atrasadas (GOMÉZ, 2001).
Estes fenômenos, observados conforme uma concepção de modelo de
desenvolvimento, caracterizavam o rural como carência de serviços, infra-estrutura básica e
níveis de escolaridade extremamente baixos. Neste ponto, a cidade contrastava com estas
situações indesejáveis para se viver encontradas no rural, pois as estruturas que eram carentes
neste meio eram assim percebidas quando feita uma comparação entre estes mundos. Neste
sentido, a cidade assumia o posto de local onde estavam supridas as necessidades para uma
vida moderna conforme padrões de qualidade estipulados. Segundo Goméz (2001, p. 2), o
59
conceito de rural como agrícola se expresaba a través de la existencia de un ‘sector’ rural,
que viene a ser una construcción social residual sobre lo que se define positivamente como lo
urbano y lo moderno”.
Esta noção de rural como espaço de atividades agrícolas derivava de uma concepção
mais ampla que compreendia o desenvolvimento como progresso. Seguindo esta forma de
conceber o desenvolvimento, o progresso da sociedade estava associado a uma evolução
natural que caminhava da agricultura para a indústria, do campo para a cidade, do tradicional
para o moderno. Por um percurso que levava as sociedades tradicionais para a moderna
sociedade conforme uma menção de que este era o único caminho a ser trilhado, independente
de características econômicas e da forma como as diferentes sociedades estavam organizadas
(GOMÉZ, 2001). Esta concepção determinou fortemente políticas públicas orientadas para
acelerar um processo de modernização nas sociedades tradicionais.
Entretanto, na segunda metade do século XX, entrou em crise este modelo de
desenvolvimento produtivista que influenciou economias em todo mundo. Por conseguinte,
passa a ser questionada a visão de rural como espaço restrito a produção agrícola. Os
questionamentos e a procura por novas interpretações clarearam a lente posta sobre o rural
permitindo que imagens antes pouco claras ou “invisíveis” aparecessem nas pesquisas e
observações de agentes que, de distintas formas, se interessavam por este meio (GOMÉZ,
2001; PIRES, 2004).
A nova perspectiva lançada sobre o rural faz aparecer alguns fenômenos que não
ganhavam destaque e nem eram percebidos como importantes para o rural. Estes fenômenos
do rural, desempenhados antes mesmo dos questionamentos sobre o modelo de
desenvolvimento, “passaram a ter mais visibilidade e importância seja em vel das políticas
públicas como nas formas de interpretação do rural” (PIRES, 2004, p. 155).
Segundo Pires (2004), além de ser um local de produção o rural era um local de
consumo. Em algumas regiões rurais brasileiras se desenvolviam e tinham como base a
prática do turismo. Na região Sul, especialmente no Rio Grande do Sul, as atividades não
agrícolas conciliadas com atividades agrícolas eram desempenhadas entre famílias de
agricultores como uma forma de complementar a renda agrícola. Um fenômeno que não
decorreu da modernização da agricultura (SCHNEIDER, 2000). Entretanto, frente aos
constrangimentos do modelo de produção agrícola, estas atividades se tornaram determinantes
para a sobrevivência dos agricultores familiares (GOMÉZ, 2001).
Ao mesmo tempo em que estas atividades começaram a aparecer nas pesquisas sobre o
rural, tornando a imagem do rural mais complexa e diversificada, a nova perspectiva adotada
60
para o estudo deste espaço fez emergir e colocou em pauta as mudanças trazidas com a
modernização da agricultura. Dentre estas transformações, as mais visíveis eram ligadas ao
aumento da produção agrícola e alteração de sua base tecnológica, a diminuição populacional
e o crescente impacto ambiental (SCHNEIDER, 2000).
Além das alterações trazidas com a introdução do modelo modernizante da agricultura
e das atividades não agrícolas desempenhadas por atores rurais, existia no rural relações com o
seu entorno que permitiam formas de atuação de instituições públicas e privadas. Outro
fenômeno, mais recente, que interferia na realidade rural era a valorização de formas menos
artificiais de vida que exerciam atração em moradores de cidades para constituir residência
fixa ou secundária em espaços mais naturais (GOMÉZ, 2001). Ocorria o consumo do rural
em bens simbólicos e materiais e em práticas culturais reconhecidas como deste espaço
(CARNEIRO, 1998).
Assim, a influência do contexto de questionamentos sobre os rumos do
desenvolvimento e as transformações e descobertas demonstraram que o agrícola não era o
único componente do mundo rural. Conforme uma visão de rural como agrícola as
transformações da modernização e as diferentes formas de reprodução do núcleo familiar se
concentravam as margens de conceituação. Estes indicativos apontavam à necessidade de
superação da conceituação de rural como agrícola, pois como foi citado acima, o rural era um
espaço diversificado.
A partir d começaram a se desenhar diferenciadas interpretações e conceituações
sobre o “novo” rural. Estas recentes abordagens se dão em um mundo cada vez mais
internacionalizado onde as relações políticas e econômicas em nível mundial traçam
influências de forma generalizada. Influenciando o funcionamento e regulação da produção
agrícola e a valorização do rural (WANDERLEY, 2000).
Neste contexto de enlaçamento de economias em nível global, os fatores externos são
considerados uma vez que produzem efeitos sobre o rural. Os mercados de distintos países e a
oscilação de preços dos produtos agrícolas, apenas para exemplificar, determinam orientações
e prováveis mudanças sobre o mundo rural. Por isso, apesar de na maioria das vezes não
serem citados, estes fatores se encontram presentes nas entrelinhas das interpretações sobre
este espaço.
Considerando (indiretamente) a presença deste determinante mundial, Goméz (2001)
propõe uma compreensão para a ruralidade. Esta compreensão abarca as diversas atividades
presentes no rural e, conforme a sociologia, considera as relações sociais. Está baseada em três
dimensões cumulativas. A primeira destas dimensões comporta as inúmeras atividades
61
realizadas em espaços rurais: agricultura, artesanato, pequenas indústrias, pesca, extração de
recursos naturais e turismo rural. E os serviços onde são empregadas atividades relacionadas à
saúde, educação e transporte
18
. Estas inúmeras atividades que estão no rural, mostram o quão
diversificado está atualmente. São desempenhadas em um espaço onde a densidade
populacional é relativamente baixa.
A esta dimensão é conciliada outra que pressupõe os espaços rurais como espaços
suficientemente pequenos onde os membros de um pequeno grupo estabelecem relações
pessoais entre si. As relações pessoais são marcadas pela confiança e por normas que
estipulam condutas. Podem ocorrer desavenças entre as pessoas, no entanto, as relações são
pessoais. Estes moradores são residentes do local um tempo relativamente longo e por isso
tem uma história que se relaciona com o espaço ocupado e com os residentes vizinhos.
Considerando mais estas características, Goméz (2001, p. 11) cita que lo rural, en definitiva,
a pesar del proceso de globalización en marcha, es una de las condiciones que permite
mantener algunos rasgos de identidad frente a las fuerzas globales y homogéneas que se
expresan a través de los medios de comunicación, del consumo [...]”.
Além destas relações sociais internas ao pequeno grupo da comunidade, ocorrem
interações com pessoas que são externas, mais especificamente com pessoas residentes em
áreas urbanas. A terceira dimensão proposta por Goméz (2001) considera que o rural está
presente em alguns espaços urbanos quando há relações pessoais entre os residentes de ambos
os espaços. Em localidades pequenas estas relações são mais intensas. A intensidade destas
relações diminui progressivamente à medida que o número de habitantes das localidades vai
aumentando. Não deixando de existir, no caso chileno, nem mesmo em capitais provinciais.
Os graus de integração de membros do rural e do urbano variam conforme o acesso a
serviços e mercados que tem a população rural. Ocorre integração também quando as pessoas
saem do seu mundo, rural ou urbano, para trabalharem no outro mundo. Entretanto, neste
caso, é necessário considerar o contexto e se existem relações pessoais no local de trabalho ou
no caminho até ele. Quanto maior esta integração entre pessoas do rural e do urbano maior a
chance de se criar condições para as relações pessoais predominarem. A integração que ocorre
entre estes dois mundos, não se caracteriza por uma objetividade definida em polaridades
onde “há” ou “não há” integração, acontecendo em diferentes tonalidades.
Conforme as considerações propostas por Goméz (2001) pode-se compreender o rural
atualmente como um espaço marcado pela presença de diversas atividades dos distintos
18
Estas atividades são sugestivas podendo serem outras dependendo de cada espaço rural analisado (GOMÉZ,
2001).
62
setores primário, secundário e terciário onde são estabelecidas relações próximas imbuídas de
pessoalidade entre o grupo de moradores de determinada localidade rural. As relações
pessoais, em diferentes intensidades, se estendem para o meio mais urbanizado quando
interações com os residentes deste espaço.
Considerando esta interação, Carneiro (1998) cita que a intensificação de diferenciadas
trocas por meio de relações que passam a ocorrer entre atores residentes nestes distintos
espaços trouxeram alterações em ambos os locais. Estas alterações não se caracterizam por
uma homogeneização entre estes espaços, mas fazem aparecer, nos espaços rurais, aspectos
antes restritos a cultura urbana industrial. Estes aspectos são aceitos no rural observando-se
um equilíbrio mediado pela identificação de necessidades para a sobrevivência da família.
Neste sentido, as relações que são estabelecidas entre o rural e o urbano não determinam que
traços tradicionais de populações rurais sejam perdidos em detrimento a cultura urbana
(WANDERLEY, 2000).
No caso de Piracaia, município localizado na região metropolitana de São Paulo,
agricultores tradicionais e de origem japonesa especializados na produção de olerícolas
adaptam-se às exigências do mercado externo para garantir a sobrevivência conforme a
categoria de agricultores familiares. A adaptação resulta em um misto de atividades
classificadas como tradicionais e modernas. Além disso, são adotadas estratégias vinculadas à
adoção de atividades não agrícolas, aplicação de rendas em mercado financeiro e os recursos
provenientes da aposentadoria. A interação estabelecida com o entorno os coloca em contato
com determinado conjunto de informações da sociedade capitalista industrial que questiona,
restringe, modifica ou substitui o saber tradicional (ECHEVERIA, 1993).
A tensão socioeconômica cultural que estão inseridos marca-os atualmente com a
“presença de alguns valores-chaves da ética camponesa” e pelas “faces modernas, que
representam tanto aspectos da modernidade que se inserem em suas vidas locais, tais como
novas técnicas e lógicas de produção, como suas inserções nessa realidade, expressas pela sua
participação em mercados externos” (ECHEVERIA, 1993, p. 188).
Deste modo, a proximidade entre centros urbanos e áreas rurais determina alterações
na organização interna da propriedade rural e nas suas relações com o exterior. Entretanto
alterações impostas pelos códigos industriais e urbanos não chegam a transformar
completamente os espaços rurais. Isto demonstra que a manutenção de tradições culturais não
é incompatível com a sociedade modernizada, mas que o encontro entre o tradicional e o
moderno deve ser encarado “como uma nova fase” de coexistência de culturas diferentes
(CARNEIRO, 1998, p. 2).
63
As sensações, percepções provenientes de experiências relacionadas com espaço rural
e originadas da interação de pessoas residentes em mundos distintos, podem ser narradas
revelando até mesmo as impressões mais íntimas. Apesar desta possibilidade, Tuan (1983, p.
162) cita que as expressões elaboradas pela mente podem não ser originais. Neste caso, “as
intimidades efêmeras [...] da experiência direta e a verdadeira qualidade de um lugar
comumente passam despercebidas porque a cabeça está cheia” de aquisições anteriores que
podem não estar relacionadas com a sua percepção. As sensações podem ceder lugar, quando
faladas, ao que socialmente é mais aceito e por isso podem não aparecer diretamente ou serem
mescladas com impressões de outras pessoas e textos.
3.4 Percepção e discurso
A fala de uma pessoa carrega um conjunto de impressões originadas em experiências
próprias da pessoa. Isto é a percepção. Mas também pode trazer informações que são
simplesmente repercutidas de discursos originários de fontes diversas. Baseando-se neste fato
de que uma fala pode conter dados originários da experiência e dados provenientes de textos
elaborados em outros contextos, que não o diretamente experenciado, este item destina-se a
uma discussão envolvendo a distinção entre percepção e discurso.
Pode-se pensar, inicialmente, que a representação que determinada pessoa possui de
um espaço aparece por meio de um discurso, quando este é entendido como exposição de
idéias. Entretanto, existem mais perspectivas ligadas ao discurso.
Uma destas perspectivas entende que um discurso em sua explanação de idéias, traz
consigo uma junção de outras idéias originadas em determinadas fontes, podendo ser repetidas
ou ter alguns dos seus sentidos alterados. Este viés denominado de Análise de Discurso
19
constitui-se em uma ferramenta teórico-metodológica que busca identificar quais são as
diferentes fontes que estão por trás de um discurso (ORLANDINI, 2003).
Porém, antes de partir para as descrições relacionadas ao discurso, é importante fazer
um esclarecimento: não se pretende trazer todos os conceitos teóricos da Análise do Discurso,
19
A discussão que seguirá sobre a Análise do Discurso foi elaborada conforme perspectivas teóricas de autores
franceses Michel Foucault e Michel Pêcheux e as interpretações de autores brasileiros das obras produzidas por
este segundo autor, principalmente. Esta perspectiva relaciona história e lingüística (Foucault, 2007). Preocupa-
se com a interpretação de textos e identificação de discursos construídos. Buscando entender o discurso como
produção de sentidos entre interlocutores (Murillo, 2004).
64
pois ela não foi aplicada em sua totalidade. Apenas foi utilizada a ferramenta de seu leque
teórico-metodológico mais adequada em função dos objetivos traçados.
Como já visto, a percepção é um processo de apreensão do mundo a partir dos
dispositivos sensoriais e cognitivos de cada pessoa. Pode ser influenciada por outros fatores,
como a conjuntura social nas distintas interações, acarretando interferências na forma de
perceber. Em uma interação social, ao se escutar a expressão de um pensamento, vai-se
captando o sentido. O sentido do pensamento do locutor vai ficando claro para o ouvinte na
medida em que o arranjo de palavras formulado por aquele é percebido por este. A escuta da
fala permite o entendimento do pensamento, através de um poder que o indivíduo tem de
compreender “o pensamento do outro através de sua fala” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.
189).
Não se trata de dizer que antecipadamente o ouvinte escutar se tem no seu
inconsciente todos os sentidos para interpretar uma fala o que presumiria que não seria
necessário haver comunicação entre as pessoas para apreender, pois se saberia de tudo. Na
verdade, a pessoa compreende para além do que já vivencia espontaneamente ou
cotidianamente. Quando se depara com um texto diferente, ou difícil, suas significações aos
poucos vão se transformando em realizações novas (MERLEAU-PONTY, 2006).
A capacidade de percepção a partir dos sentidos, do cognitivo e motivada por textos
externos as nossas formulações, faz com que as noções criadas pelos diferentes sujeitos sejam
um reflexo de seu próprio aprendizado mesclado com os aprendizados compartilhados por
outros sujeitos. De modo que, nas falas, um campo de regularidade onde diferentes
posições de subjetividades estão presentes. Vive-se nesse mundo da linguagem e da
intersubjetividade, no qual não distinção com o próprio mundo. O mundo aparece desta
forma e é no interior deste mundo falante e falado que se reflete (FOUCAULT, 2007).
Uma fala proferida por uma pessoa sobre determinado tema é marcada por uma síntese
de suas experiências (MERLEAU-PONTY, 2006) e pode ser determinada por formações
discursivas. Estas formações discursivas funcionam como regras que podem orientar a fala
para que tenha um sentido desejado. As formações discursivas são o próprio sentido do
discurso, são as relações feitas para que o discurso seja lógico dentro de um contexto
(ORLANDINI, 2003).
Segundo Foucault (2007, p. 132), discurso é “um conjunto de enunciados na medida
em que se apóia na mesma formação discursiva”. Ele é sempre pronunciado no interior das
forças existentes em um campo político dado e conforme determinadas condições de
produção. Estas características interferem no sentido dos enunciados e contribuem para uma
65
mudança ao longo do tempo nos discursos. Uma formação discursiva é a dispersão de certo
número de enunciados emitidos conforme uma regulação.
Os enunciados são grupos de temas que são falados por um sujeito conforme a
mediação de sentido da formação discursiva reproduzida e as situações particulares do
momento desta emissão. Entretanto, podem ocorrer casos de um discurso proferido por um
mesmo sujeito apresentar enunciados que se filiem a formações discursivas diferentes. Isso
ocorre porque o sujeito é livre para escolher à qual formação ou quais formações discursivas
quer se identificar (BORBA, 2006).
A Análise de Discurso enquanto uma disciplina de interpretação utiliza ferramentas
teóricas e analíticas para interpretar o discurso proferido por um sujeito, considerando
processos de produção de sentido e a constituição dos sujeitos em suas posições (GILL, 2002).
Importante esclarecer que, apesar da análise de discurso e dos aportes teóricos da
percepção utilizar a palavra sentido, as definições que são dadas nestes casos se diferenciam.
Para a análise de discurso, o sentido envolve o contexto e a inserção social da pessoa. Ele é
comparado a uma seção de enunciados que produzem uma lógica, um sentido, e passam a ser
aceitos. Já, para a percepção, a noção de sentido está conjugada na relação da pessoa com o
mundo. O sentido passa a existir, quando, a partir de uma experiência original, percebe-se
qual o sentido de um dado em si e de sua presença no mundo.
O sentido de cada palavra existe dentro do sujeito aparecendo nos momentos em que
se percebe externamente este sentido (MERLEAU-PONTY, 2006). A junção das palavras de
formas diferentes conforme o sentido encontrado externamente traz um pensamento.
Pensamento e a pronúncia da palavra acontecem juntos: “eles estão englobados um no outro, o
sentido é tomado na palavra e a palavra é a existência exterior do sentido”. O pensamento
busca nas palavras sua força de significação que lhes é própria. A fala é mais do que a
designação de um objeto ou o aparecimento e comprovação de um pensamento, mais do que
isso ela é “a presença deste pensamento no mundo sensível” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.
192).
Deste modo, considerando o exposto até aqui, a fala de uma pessoa está circunscrita a
dois aspectos: por um lado à vida social e ao contexto e, por outro a potencialidade da pessoa
de gerir e modelar determinados assuntos e opiniões com as quais se defronta cotidianamente,
gerando suas próprias configurações. Isso acontece a partir de uma experiência da pessoa onde
o discurso que fora abordado, fundamentado no conjunto de experiências de sua vida, produz
uma representação sobre determinado tema. Indicando que, apesar das percepções serem
66
individuais em cada pessoa, podem ser moldadas pelas falas emanados por outras pessoas e
pelo contexto (MERLEAU-PONTY, 2006).
Entretanto, falas podem simplesmente replicar discursos. Sem que a exposição
proferida seja uma percepção do enunciador. A averiguação de falas quanto ao caráter
perceptivo ou discursivo pode ser elaborada pela Análise do Discurso. Grosso modo, esta
perspectiva teórico metodológica observa um determinado texto/discurso buscando seus
sentidos. Os sentidos do texto/discursos levam-no para um campo específico, onde está um
produto maior de discursos com os quais compartilha os mesmos enunciados. Este campo
específico é compreendido aqui como formação discursiva. Sendo assim, a análise do discurso
identifica enunciados relacionados entre si e busca localizar qual a formação discursiva que
reproduzem (GADET; HAK, 1990).
Esta ligação entre falas e discursos procede por meio de uma coincidência de sentidos
dos enunciados proferidos por um determinado sujeito e enunciados sob condições estáveis e
homogêneas característicos de uma formação discursiva (PÊCHEUX, 1990). Então, a análise
de discurso percorre um caminho para unir enunciados com suas formações discursivas.
Até aqui é possível perceber que a compreensão dos sentidos em enunciados e
formações discursivas compõe um dos elementos do “engate” que a análise do discurso busca
elaborar, discutir e avaliar (INDURSKY, 1992). Com base nestes princípios da análise de
discurso, um dos instrumentos de sua teoria foi escolhido como apropriado para a
interpretação dos dados coletados. A noção de referência que é trazida por Pêcheux (1990) se
relaciona com a obtenção, pelos sujeitos, de saberes pertencentes às formações discursivas.
Estes saberes de uma formação discursiva são compreendidos como já-construídos. A
apropriação por parte do sujeito de já-construídos de uma formação discursiva está ligada a
sua inserção social.
Segundo Borba (2006), identifica-se a referência, a partir do paradigma teórico da
Análise do Discurso, quando ocorre uma apreensão discursiva de já-construídos vinculados a
uma formação discursiva. Ela acontece por meio de manipulação de saberes disponíveis para
o sujeito com o objetivo de lhe proporcionar uma posição social. Com base nisso, a referência
se constitui em um discurso anterior presente na retórica utilizada pelo enunciador.
Deste modo, um estudo sobre a referência pode almejar identificar as apropriações de
discursos já-construídos feitas por sujeitos em uma formação discursiva previamente
delimitada. Esta identificação se dá por meio de efeitos de sentidos. Os efeitos de sentido são
produzidos conforme a posição adotada pelo sujeito na relação com a formação discursiva
(PÊCHEUX, 1990).
67
Os sentidos expressos pelo sujeito no discurso podem mostrar uma posição que
concorda ou discorda de uma dada formação discursiva. Uma coincidência entre o sentido
interno à formação discursiva, que aparece por meio de pré-construídos, e efeitos de sentidos
produzidos por enunciados de sujeitos, indica que o discurso se identifica de forma plena com
a formação discursiva (BORBA, 2006).
Deste modo, esta ferramenta de interpretação auxilia para que as percepções de
diferentes sujeitos sobre determinados temas, locais e espaços sejam identificadas retirando-se
enunciados baseados em formações discursivas anteriores ou outras. Por esta análise,
identifica-se uma porção de texto coerente oriunda da experiência da pessoa relacionada com
determinado tema (ORLANDINI, 2003).
O caminho a ser percorrido até a identificação de reprodução de uma dada formação
discursiva por meio de enunciados é sugerida por Orlandini (2003). Segundo este autor, para a
análise do discurso é necessário delimitar um dispositivo teórico e outro analítico. A seleção
prévia do dispositivo teórico indica qual o campo de temas abordados em um determinado
texto, onde posteriormente a análise do discurso irá agir. É ele que guia a leitura do analista no
texto para a identificação de trechos que levam à solução da questão que norteia a pesquisa.
O dispositivo teórico previamente delimitado compõe um aparato sobre as percepções,
especialmente sobre percepção geográfica. A percepção, ao mesmo tempo em que funda o
nosso conhecimento sobre o mundo, representa-se por meio de atitudes e visões de mundo
(TUAN, 1980). Ela é uma construção elaborada por diferentes experiências por que passou a
pessoa ao longo do tempo de sua vida (MERLEAU-PONTY, 2006).
Estas características tornam a percepção diferente de um discurso. Os aportes teóricos
sobre o discurso demonstram que este se trata de enunciados reprodutores de sentidos de uma
dada formação discursiva. Estes enunciados são reproduzidos, permeados pela conjuntura
social na qual está inserido o indivíduo. Já a percepção aparece rodeada pela autoprodução e
pelo conhecimento adquirido por meio das experiências vividas próprias de cada pessoa.
Segundo Merleau-Ponty (2006), quando uma pessoa pensa sobre um assunto, um tema,
um local, traz à mente sua percepção sobre aquilo. Assim, a percepção se diferencia de um
posicionamento adotado por um sujeito em que, conforme as configurações sócio-históricas
torna-se mais apropriado situar-se de maneira favorável ou contrária a uma formação
discursiva.
Com base nesta definição buscou-se providenciar um instrumento que possibilitasse
uma leitura mais aprimorada de trechos onde constem percepções. O que foi estruturado
68
acima aponta que a Análise de Discurso dá o suporte desejado e se constitui em uma
importante ferramenta para interpretação.
69
4 MÉTODOS DE PESQUISA
Nesta seção serão apresentados os métodos utilizados para a coleta de dados,
identificação e análise das percepções do rural de Porto Alegre.
4.1 Método de coleta de dados
Para uma pesquisa sobre opiniões das pessoas, coberta por suas subjetividades, o
método empregado deriva de abordagens qualitativas que estas buscam esmiuçar a forma
como as pessoas constroem o mundo a sua volta, o que fazem e o que lhes acontece (FLICK;
GIBBS, 2009).
Introspectiva à pessoa, a percepção necessita de instrumentos de identificação que
percorram trajetórias de vida e ocupações atuais e, em alguma medida, o contexto a que
determinado informante está inserido.
A etnografia consiste em uma primeira etapa da investigação cultural, utilizando
diferentes cnicas para responder aos questionamentos sobre determinados aspectos de um
grupo (BAZTÁN, 1995). O método de estudo etnográfico começou a ser esboçado junto a
grupos humanos tradicionais, onde o interesse de pesquisadores era compreender a forma
como viviam. Por meio da observação seria possível começar a entender melhor os costumes e
tradições.
Apesar de etnografia ser traçada para estudos culturais em populações tradicionais,
recentemente pesquisadores tem utilizado este método para compreender determinados
comportamentos, independente de estes serem de pessoas de grupos tradicionais ou não.
Segundo Flick e Angrosino (2009, p. 43), “a pesquisa etnográfica pode ser realizada onde quer
que haja pessoas interagindo em cenários ‘naturalmente’ coletivos”. Ela expandiu-se para
estudar determinadas “comunidades de interesse” onde um grupo de pessoas compartilha de
algum fator como, por exemplo, vivências similares.
A etnografia é um conjunto de técnicas de pesquisa baseadas em pesquisa de campo,
aplicação de duas ou mais técnicas de coleta de dados, compromisso de longo prazo e é
conduzida para possibilitar a maior aproximação possível da realidade (FLICK;
ANGROSINO, 2009). A pesquisa de campo realizada atendeu a estes requisitos da etnografia.
70
Entretanto, existiram alguns limitantes que impediram a realização de uma etnografia de
forma completa.
O principal limitante foi a quantidade de lugares onde seria coletados dados: a Feira
Ecológica José Bonifácio, os roteiros turísticos dos Caminhos Rurais e as propriedades dos
novos rurais. Estes diferentes campos de pesquisa não possibilitariam anotações detalhadas
que originassem generalizações e explicações especificadas. Além disso, para o caso do
Grupo 2 não se sabia em quantos roteiros seria possível participar, pois estes dependiam da
demanda de turistas e era impossível prever em que quantidade ela existiria no período
deliberado para a coleta de dados. Ainda, a coleta de dados foi realizada concomitantemente
com os três grupos originando contínuo deslocamento por diferentes locais, dificultando as
possibilidades de aprofundamento.
Além disso, outro requisito da etnografia exige um debate constante com os
informantes durante a produção do resultado da pesquisa. O que não poderia ser atendido, pois
os informantes não compunham um círculo de pessoas em contato direto e a identificação de
percepções e elaboração da discussão exigia um trabalho individual (FLICK; ANGROSINO,
2009).
Deste modo, optou-se por utilizar algumas técnicas da etnografia, em uma
aproximação ao método etnográfico. As técnicas da etnografia são agrupadas em três grandes
categorias: entrevistas, observação e pesquisa em arquivo. Deixou-se de utilizar esta última
técnica, que as percepções dos grupos de informantes não iriam aparecer por meio da
consulta a documentos arquivados, uma vez que elas se atualizam frequentemente conforme
as novas experiências vivenciadas.
A técnica denominada como entrevista compõe uma forma de obter informações por
meio de questões. Pode ser definida como uma maneira que se utiliza de questões para obter
informações verbais de uma ou várias pessoas (CAUHÉ, 1995). Uma entrevista semi-
estruturada utiliza perguntas relacionadas a campos de interesse. Este tipo de entrevista
possibilita que, durante sua realização se possam fazer outros questionamentos que não estão
contidas, necessariamente, no roteiro de questões. Estas outras perguntas são feitas com o
intuito de clarear as respostas dadas pelos informantes, bem como para tirar dúvidas (CAUHÉ,
1995). (APÊNDICE B).
A observação é a capacidade que o homem tem de observar seu mundo e formular
raciocínios sobre aspectos em geral. A observação participante em etnografia constitui-se em
uma interação, em níveis diferentes, entre o observante e o/os observado/os. Esta observação
71
acontece num determinado espaço em que a modificação na gica de ação destes últimos,
devido à presença do primeiro, seja mínima (ARGILAGA, 1995).
Na observação participante o observador compartilha das vivências através de um
contato direto. Ele tem um duplo propósito: estar imerso nas situações sociais condizentes
com o estudo e observar de forma mais aprofundada possível a situação (VALLES, 1999).
O pesquisador pode observar conforme diferentes graus de envolvimento, sendo que
ao assumir o papel de observador-como-participante “faz observações durante breves
períodos, possivelmente visando a estabelecer o contexto para entrevistas [...]” (FLICK;
ANGROSINO, 2009, p. 75). Neste tipo de observação, o observador relaciona-se com seus
prováveis informantes como pesquisador.
Em outros momentos, quando o tempo de contato com as pessoas dos grupos da
pesquisa for muito curto, a observação é feita sem que os colaboradores da pesquisa saibam
que estão sendo observados. Neste momento, pode ser feitas anotações relacionadas com o
tema da pesquisa (FLICK; ANGROSINO, 2009).
Os diários, ou notas de campo, são as anotações originadas da observação participante
do período de campo. Estas anotações se dão de modo sistemático, ou seja, o pesquisador faz
suas anotações breves depois da observação. Para não se esquecer de nada que viu, o
pesquisador pode levar ao campo uma caderneta para fazer anotações (descrições
condensadas) do que está verificando em sua vivência. Posteriormente, a partir de cada um
dos escritos condensados, se faz uma descrição mais expandida, rica em detalhes, do que
observou. Estas duas anotações são registradas rigorosamente conforme o que se viu. Neste
sentido, a escrita deve corresponder fielmente ao que se vivenciou no campo (VALLES,
1999).
Segundo Flick e Angrosini (2009, p. 79) “as observações continuam até alcançar um
ponto de saturação teórica. Isto quer dizer que as características gerais das novas descobertas
reproduzem consistentemente as anteriores”. Deste modo, a observação participante e novos
informantes foram identificados e entrevistados até que ocorreu a saturação dos dados
(DUARTE, 2002), no caso, as informações acerca das percepções do que é o rural de Porto
Alegre começaram a repetir-se.
Com base nestas indicações teóricas e metodológicas traçou-se uma prática para a
obtenção dos dados necessários para a pesquisa junto a cada um dos grupos de entrevistados.
72
4.2 O percurso do método
A forma como se deu a coleta de dados junto aos grupos teve alguns pontos em
comum. Porém, como os ambientes de cada um dos grupos eram diferentes, a prática da
metodologia foi organizada de maneira em que estas particularidades pudessem ser
contempladas.
A coleta de dados junto ao grupo de usuários da FEJB, Grupo 1, iniciou através de
uma técnica de aproximação aos informantes por meio de agricultores, conhecidos da
pesquisadora, que comercializam seus produtos neste local. Deste modo durante dois meses
pode-se ficar junto à banca de uma das agricultoras, auxiliando nas vendas e coletando falas e
comportamentos que poderiam auxiliar na compreensão da percepção dos usuários da feira do
rural de Porto Alegre.
A escolha dos possíveis informantes para o caso do Grupo 1 foi realizada após um
primeiro contato informal. Após este contato, foi verificada a possibilidade de realização da
entrevista. Então, eram trocados dados (nome e telefone) e, em alguns casos, endereço e local
onde iria ser realizada a entrevista. Entretanto, houve casos em que as pessoas se mostravam
interessadas em participar, mas depois apresentavam dificuldades para o agendamento da
entrevista.
Houve experiências em que o tempo do primeiro contato até a realização da entrevista
ultrapassava o período de uma semana exigindo organização para encaixar a data da
realização das entrevistas em horários não sobrepostos e que possibilitassem fazer a
organização dos bastidores.
Era necessário organizar gravador Mp4 Sony, câmera fotográfica e fazer os escritos do
diário de campo que exigiam muito tempo. Também era necessário ter em mãos os Termos de
Consentimento Livres e Esclarecidos (APÊNDICE C). Estes eram documentos em que
constavam: os dados da pesquisadora e da instituição a que estava vinculada, os objetivos e
procedimentos metodológicos, e um consentimento de participação em que era assegurada ao
participante sua privacidade. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado
pela pesquisadora e pelo informante, ficando cada um com uma cópia.
A preferência para a realização da entrevista era na residência dos informantes, pois
estes estariam em seu ambiente, o que possibilitaria conhecer um pouco mais estas pessoas
além de elas poderem estar mais à vontade. Entretanto, quem decidia o local onde iria ser
realizada a pesquisa era o informante, de modo que houve casos onde a entrevista foi realizada
73
em cafés, no Parque Farroupilha e ainda na feira, quando os informantes sugeriam aquele
espaço.
Ao total a feira foi acompanhada durante nove sábados e foi entrevistado um mesmo
número de usuários da feira. Nestes dias foi possível fazer anotações relacionadas à descrição
do espaço da feira e da feira em si, além das relacionadas com os objetivos.
Para o caso do grupo de turistas, Grupo 2, dois roteiros organizados por diferentes
agências de viagens
20
foram acompanhados durante os meses de junho e julho, quando a
pesquisa de campo foi realizada. Entretanto, além destes passeios, foi possível acompanhar
mais três visitas de outros grupos de turistas às propriedades de agricultores familiares do sul
de Porto Alegre. Estas visitas foram acompanhadas sem participação “direta”, pois eram
grupos de pessoas que se organizavam para o roteiro sem o auxílio de agências de turismo e
que não estavam abertos à introdução de outros membros que não os de sua instituição.
O método de aproximação para uma provável entrevista e seu agendamento se deu da
mesma forma que como foi estipulado para o Grupo 1. Logo após uma primeira conversa
informal e com um agendamento para realização posterior. Os informantes deste grupo foram
em número de cinco e em sua totalidade do sexo feminino. As entrevistas foram realizadas em
locais públicos (salão comunitário, saguão de metrô e cafés) e na residência de uma delas.
O procedimento para a coleta de dados junto ao Grupo 3 foi diferenciado dos demais.
se tinha o conhecimento de uma nova rural, sendo que os demais informantes deste grupo
foram identificados ao longo da pesquisa de campo e por indicação. As observações que
deram origem ao diário de campo junto aos novos rurais originaram-se principalmente das
visitas às propriedades dos novos rurais quando foi feita a entrevista.
Em uma destas propriedades, o principal procedimento para a coleta de dados o se
deu através da entrevista, mas sim através da observação participante. A proprietária
comercializava seus produtos na FEJB e foi na banca dela que foram contatados todos os
informantes da feira. Esta experiência formou um duplo contato com esta nova rural: a
vivência em seu sítio, principalmente em dias em que estava organizando os produtos para a
feira, e o trabalho conjunto na feira ecológica. Este convívio gerou muitas anotações
relacionadas à percepção, dando origem às respostas das questões do roteiro para os novos
rurais. Nos últimos dias, identificados os pontos faltantes da entrevista que não foram citados
pela nova rural por meio da observação participante, as questões faltantes foram feitas
diretamente.
20
Foram duas as agências de viagem que organizaram os roteiros durante o período de coleta de dados: Webber
Turismo e Tri Legal.
74
Foram coletados dados com sete novos rurais. Somados com os demais informantes
totalizaram um número de 21 entrevistas.
4.3 A identificação das percepções
Após as entrevistas serem degravadas e impressas em papel, originando mais de 300
páginas de dados, teve início a análise. Com base no dispositivo teórico perceptivo foram
selecionados os trechos das entrevistas de cada um dos informantes onde constavam suas
percepções acerca do rural de Porto Alegre.
Os trechos perceptivos foram selecionados por pertencerem a momentos da entrevista
onde se faziam delimitações sobre o que é espaço rural de Porto Alegre para cada um dos
informantes. Além deste critério principal também foram adotados alguns critérios
secundários. Foram escolhidos os trechos onde era visível na fala e tom de voz do informante
aspectos como profundidade, naturalidade e certeza; contradições em uma mesma resposta ou
ao longo da entrevista e expressões da pessoa no momento de sua fala lembradas
posteriormente.
Estes critérios permitiram a localização, nas entrevistas, dos trechos que compuseram
o “corpus” discursivo da análise de discurso (INDUSRSKY, 1992). A partir desta
identificação utilizou-se como base a ferramenta da Análise de Discurso denomina referência.
A intenção, com a utilização desta ferramenta de análise, foi identificar quais falas
compunham percepções e quais faziam parte de enunciados pré-construídos.
Os sentidos emitidos no corpus” discursivo de cada informante foram colocados em
comparação com os sentidos expressos dos enunciados pré-construídos do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (PDDUA). Este é um referente pré-
construído, presente cotidianamente entre os habitantes da capital gaúcha e mesmo entre os
residentes da região metropolitana. Apesar de não constituir a única fonte de enunciados em
torno da área delimitada para estudo, foi escolhido por ser instrumento regimental do
município. O Plano Diretor determina as formas de ocupação do território com vistas a
proporcionar o desenvolvimento de Porto Alegre. Dita as regras e determina a constituição de
moradias e estabelecimentos.
Então, a cada trecho do corpus perceptivo que compunha um sentido, o PDDUA era
consultado para verificar coincidências que comprovassem uma reprodução idêntica. Este
75
trabalho foi realizado em todos os trechos perceptivos coletados do texto das entrevistas.
Quando um trecho da entrevista se filiava plenamente ao discurso de referência, apresentando
mesmo sentido, não compunha a percepção do informante. Isso permitiu filtrar as concepções
ligadas aos aspectos perceptivos que apareceram nas entrevistas.
Com base nesta forma de identificação de discursos, frases de cada um dos textos
ditados pelos informantes apareceram como não pertencentes ao discurso do PDDUA, pois
não apresentaram mesmo sentido. Por isso, passaram a representar a percepção dos
informantes sobre o rural de Porto Alegre.
76
5 PERCEPÇÕES DO RURAL DE PORTO ALEGRE
Neste capítulo, o rural de Porto Alegre é abordado através do mundo interior formado
pela percepção de cada pessoa entrevistada. Este mundo interior, único, por vezes é parecido
com outro mundo interior. Esta similaridade decorre das formas de criar o exterior no interior
quando trilham por caminhos que levam a semelhanças em suas representações.
Antes de iniciar as descrições, é necessário esclarecer que, apesar de a pesquisa ser
elaborada com grupos diferentes, com uma intenção de identificar as percepções de cada um
destes, as expectativas iniciais quanto às similaridades de percepções entre os informantes de
um mesmo grupo não se concretizaram. Ao longo da análise dos dados, os informantes
pertencentes a um mesmo grupo foram apresentando diferentes percepções do rural de Porto
Alegre. Deste modo, as características dos grupos que os diferenciavam e estão relacionadas à
maneira como se relacionavam com o rural de Porto Alegre não demarcaram um conjunto de
percepções similares.
Alguns dos informantes contatados em determinados grupos delimitados para esta
pesquisa, ao longo da coleta de dados e após a realização da entrevista, apresentaram, na
esfera de suas vivências e experiências relacionadas com o rural de Porto Alegre, contatos que
ultrapassavam o consumo de produtos da FEJB, o turismo nos Caminhos Rurais e os locais
próximos à residência no rural. Deste modo, o local onde foram contatados não determinou as
relações que estas pessoas tinham com o rural de Porto Alegre. As categorias de percepções
elaboradas após a análise dos dados são independentes dos locais onde os informantes foram
contatados formando interpretações do rural que permeiam os diferentes grupos.
Ao final deste capítulo é apresentada a descrição das percepções do grupo dos novos
rurais antes e depois de sua mudança para o espaço rural. Através da apresentação das
categorias de percepções não é possível verificar prováveis mudanças de percepção e nem se
as expectativas criadas com este espaço são confirmadas. Uma maneira de verificar isso foi
consultar as pessoas que passaram a residir neste espaço, buscando a identificação da
percepção anteriormente e posteriormente à mudança de residência.
77
5.1 Os lugares do rural de Porto Alegre
A descrição das percepções do rural de Porto Alegre inicia com o aspecto
agroecológico do lugar, passando na sequência para a explanação de lugar qualidade, isolado e
contraste e, ao final, como lugar de liberdade.
5.1.1 Lugar agroecológico
Esta primeira categoria percebe o rural de Porto Alegre como um local de produção
ecológica citando a dimensão agroecológica do lugar. Para o caso desta categoria composta
por dois entrevistados, a percepção de local agroecológico reflete uma opção pessoal de cada
um dos entrevistados em consumir estes produtos. Adquirem alimentos mais saudáveis
produzidos no rural de Porto Alegre e por isso este espaço assume esta característica.
As informações fornecidas sobre o rural demonstraram que a obtenção dos alimentos
ecológicos está vinculada a uma interação em diferentes níveis de pessoalidade entre
produtores e consumidores e por isso estando embasada em relações diferenciadas.
Estas relações ocorrem quando consumidor reside muito próximo ao local onde é
produzido o alimento ecológico. Neste caso, a proximidade na localização das propriedades é
apontada com otimismo, pois possibilita acesso à produção de alimentos ecológicos. Estar
próximo destes produtos e mais distante de locais onde obteria alimentos considerados
contaminados. Fica identificável uma comparação de que na cidade não se encontra um
alimento mais saudável do que o que está à disposição perto de sua moradia.
A proximidade aos locais onde a produção ecológica traz uma tranquilidade para as
pessoas que saíram de ambientes mais urbanizados e passaram a viver no rural. Apesar de
terem levado uma vida estritamente ligada ao urbano, à residência em um sítio atualmente trás
tudo o que necessitam para viver. Alimentos saudáveis, tranquilidade, local de trabalho.
Então, a proximidade aos locais de produção ecológica determinou uma adaptação ao novo
local de residência e um desligamento de uma vida baseada no consumo existente fora do
ambiente habitado atualmente.
Hoje né, eu tenho o privilégio de mora entre os quatro agroecologicos do Lami que
abastecem a feira ecológica [...]. Então assim, se eu preciso de alguma coisa assim
78
mais, mais puro que isso eu não encontro assim na cidade. Eu vou aqui nos meus
vizinhos são meus colegas de Caminhos Rurais, entendeu?! Eu vou aqui atrás nos
meus vizinhos pulo a cerca, como se diz, e eu tenho tudo o que eu preciso pra minha
alimentação aqui. Se eu vou no mercado a três quilômetros daqui eu compro coisas
contaminadas entendeu?! compro com agrotóxicos e outras coisas e tal ali a três
quilômetros. Se eu pulo a cerca do vizinho aqui eu tenho tudo natural. Então a vel
de alimento, de [...] qualidade, não tem outra coisa que eu possa assim, me tudo
hoje não tem nenhuma dificuldade aqui hoje. (ENTREVISTA 6, Grupo 3, p. 9).
Outra relação de pessoalidade que ocorre entre consumidor e produtor acontece na
FEJB. A relação, neste caso, determina uma percepção sobre o espaço ao sul de Porto Alegre
quando este foi vivenciado alguns anos e quando as propriedades dos agricultores
agroecológicos não são conhecidas por usuários da feira. Estes fatores determinam que entre
usuários da feira, o rural seja concebido a partir do que é visualizado na feira e apreendido do
contato com os feirantes. Por isso, a percepção deste espaço é de um lugar onde existe
agricultura familiar de base ecológica. Devido ao contato com estes agricultores da feira, a
percepção do rural aparece fortemente relacionada com os locais onde são produzidos os
produtos ecológicos da FEJB.
Conhecer a propriedade dos produtores agroecológicos levaria a benefícios para
usuários da feira que desfrutariam de um aprofundamento das relações com agricultores na
feira e o conhecimento da forma de produção dos alimentos por eles consumidos: “ia ser bem
legal pra mim saber onde que é plantado, como é que é o local que eles plantam, onde é que
eles moram né, eu acho que ia ser bem interessante(E14, G1, p. 38).
A aproximação entre consumidor e produtor sublinharia a relação que existe entre
ambos, que vai para além das trocas mercantis, sendo marcada pela confiança. Esta confiança
inclui troca de favores como guardar mercadorias para usuários e mesmo informações
pertinentes para as atividades desempenhadas pelos agricultores. Obter alimentos ecológicos
junto aos próprios produtores faz diferença no momento de consumi-los, pois foram
produzidos de modo a torná-los mais benéficos à saúde, apresentando cuidados no momento
do cultivo e da comercialização.
A produção de base ecológica ainda é considerada quando, além de fornecer os
alimentos saudáveis e frescos para alimentação, o rural de Porto Alegre apresenta-se
preservado e em condições ambientais menos maléficas para a saúde das pessoas direta e
indiretamente envolvidas. Este aspecto é percebido como importante para os consumidores de
produtos ecológicos, pois as condições de trabalho a que estão expostos os feirantes também
determina a qualidade do alimento consumido. Saber que os alimentos comercializados na
feira são produzidos conforme princípios da Agroecologia trás uma tranquilidade aos
79
consumidores que acreditam que as situações de produção dos alimentos determinam suas
características e que, ao serem consumidos, serão introduzidas em seus organismos.
Deste modo, o rural de Porto Alegre, partindo das experiências vivenciadas por estes
informantes, aparece em suas percepções como um local que apresenta mais fortemente o
aspecto da produção ecológica.
5.1.2 Lugar de qualidade
Nesta categoria, o rural de Porto Alegre assume uma amplitude maior passando a ser
considerado como um espaço pertencente ao município. Segundo os cinco informantes desta
categoria, o rural é um componente importante dentro de um município que deve ser mais
valorizado quando existente em uma capital de estado. Nesta consideração, o rural é um
componente necessário para que os moradores de Porto Alegre conheçam as formas de
produção dos alimentos e para auxiliar a despoluir o ar de áreas mais urbanizadas.
A existência de áreas de ambiente natural apresenta-se como um componente
determinante para a qualidade de vida das pessoas. Esta constatação origina-se de experiências
em bairros como o Bom Fim, onde seus habitantes são expostos a uma situação de
adensamento populacional. A alta densidade populacional deste bairro é sentida quando um
contingente de pessoas compartilha de um mesmo espaço e dificuldade na realização de
atividades do dia a dia e na circulação em ruas. A situação experimentada de adensamento
populacional, no bairro Bom Fim, pode ser detalhada mostrando os números de habitantes que
se aproximam de 300 por hectare (PORTO ALEGRE, 2000).
Deste modo, as áreas naturais necessitam ser consideradas no planejamento da cidade,
pois determinariam uma menor quantidade de pessoas por área. Esta constatação é feita por
uma informante, ao observar que nas áreas mais urbanizadas, especialmente no bairro Bom
Fim, existe uma grande concentração de pessoas, porque as residências estão dispostas muito
próximas umas das outras tornando pequena a área disponível para as pessoas. Segundo ela,
neste bairro praticamente estão ausentes áreas naturais. Esta situação é um dos principais
fatores causadores de tensão social neste local e em outros espaços de Porto Alegre.
Partindo de uma vivência cotidiana em espaços com características de adensamento
demográfico, o rural de Porto Alegre é percebido como um local onde a proximidade entre as
pessoas parece menor. O espaço é mais amplo e natural e a ocupação humana se encontra em
80
níveis de densidade inferiores. Considerando isso, é evidenciado que o ideal para a não
continuidade de um caos urbano seria um planejamento da cidade, onde as áreas construídas
fossem mescladas com áreas não construídas onde predominasse o ambiente natural.
A entrevistada 9 que constata que áreas com menor área construída apontam para uma
melhor qualidade de vida, percebe o rural como um espaço propício de planejamento de um
estilo de vida mais saudável. Isso aconteceria através da construção de benfeitorias
circundadas por áreas verdes.
Partindo das condições de densificação em Porto Alegre, a entrevistada considera que
a população precisa se espalhar pelo espaço que ela percebe com locais naturais. É atribuído
mais significação para ela o fato deste espaço constituir um provável local onde as pessoas
obtêm mais qualidade em suas vidas.
Para o caso de uma ocupação habitacional, a continuidade de atividades agrícolas,
típicas do rural, ficaria prejudicada. Porque, no caso de um planejamento de acordo com esta
lógica, a população irá se distribuindo gradativamente até que todo o espaço ocupado com
atividades agrícolas acabe por ser abocanhado: “e de uma certa maneira, eu acho que isso
talvez prejudique até uma, futuramente uma área rural porque as pessoas vão indo tanto, tanto,
tanto, que tu vai acaba abocanhando aquele espaço” (E9, G1, p. 8).
A qualidade que as pessoas teriam nestes locais não está vinculada ao rural. Segundo
sua percepção, este espaço pode ser submetido a dois usos desassociados: residencial e rural.
Ou espaço rural ou há os espaços residenciais menos densificados. Um uso exclui o outro.
Assim, a sua percepção do rural é de um espaço que perde as suas características rurais em
função de uma ocupação residencial que ofereça melhores condições de vida à população.
Então, é um espaço que é potencial para proporcionar qualidade de vida as pessoas.
Entretanto, outros informantes desconsideram condições de estresse urbano oriundo de
densidades populacionais altas. Neste caso, o rural não é alterado em perspectivas futuras, mas
deve ser mantido o mais parecido ao encontrado atualmente para que pessoas residentes em
Porto Alegre possam conhecer como são produzidos os alimentos por elas consumidos. O
espaço rural de Porto Alegre é um local que proporcionaria um resgate deste conhecimento
entre as pessoas.
Eu acho que [...] o meio rural deve inclusive existir pra mostrar as pessoas muito
urbanas, como [...] se desenvolve, sabe! Muitas coisas que vem pra elas e elas pegam
praticamente na prateleira do supermercado sabe. Eu acho que é importante ter essa,
ter essa visão.” (E18, G1, p. 29).
O que eu faço (turismo rural) da um retorno pro meio urbano muito bom, que é tu
manter em qualidade de vida aqui, ar puro, e tu da em educação que faltando
81
muita coisa pro meio urbano. Pras crianças que ficam fascinadas vendo que uma
galinha, existe galinha, que ela tem pena, que ela tem ovo, que não é do
supermercado, que o leite não sai da caixinha, sai da vaca, isso me dava muita
satisfação (E19, G3, p. 19, grifos nossos).
Neste sentido, tanto crianças como adultos poderiam ser beneficiados. A percepção de
que a manutenção do espaço rural de Porto Alegre em condições onde há ar puro dentre outras
condições condizentes com o bem estar é necessária para oferecer ao urbano uma experiência
que lhes propiciem um aprendizado sobre este espaço. O rural de Porto Alegre que lhe
proporciona uma forma de sobreviver e reproduzir-se socialmente dá este retorno quando é
mantido em condições ambientais consideradas adequadas. A manutenção do rural desta
forma proporciona desempenhar uma atividade de geração de renda. Então, o espaço rural é
percebido como local onde é possível sobreviver e ter uma renda, mas considerando que
algumas determinadas situações sejam mantidas.
Isto demonstra uma percepção do que é este espaço dentro do município. Um espaço
que mantido em condições ambientais naturais vem a proporcionar algum conhecimento que é
notado como faltante no urbano. Nas duas citações anteriores, a sociedade urbana é notada
como carente em alguns pontos relacionados com o rural que necessitam ser fomentadas. O
rural assume a importância de mostrar como é a forma de produção dos produtos que são
obtidos diretamente nos supermercados. Além disso, manter no sul do município um ambiente
saudável gera para o urbano retorno em educação da população. Por isso, os entrevistados
desejam que este espaço rural seja mantido.
Interessante observar que entre pessoas que apresentam contatos diferentes com o rural
vivenciando-o diariamente ou estando envolvido com questões pertinentes para a sua
preservação, ele aparece de forma parecida ligando-se no ponto de que significa um retorno
positivo para o meio urbano.
Considerando a necessidade de metrópoles como Porto Alegre possuírem espaços que
proporcionem ar mais puro. Que a cidade precisa de um local onde o ar circule e purifique-se;
onde não exista somente cimento; onde ela não esteja fechada sobre si mesma e com miséria,
como ocorre em outras metrópoles.
“Aquele espaço é imprescindível pra saúde da cidade [...] inclusive a gente nota que
a qualidade de vida é outra. [...] Porque tem que ter um respirador. A cidade
precisa respirar, não pode ficar como São Paulo! Não pode ser uma cidade que nem
São Paulo que ficou abatumada. Ou então Rio com toda a miséria. tem miséria
que chega em Porto Alegre, assim com o espaço rural, mas ainda cobri só de
cimento?! Isso não dá! Eu acho que realmente a população precisa tomar
consciência! Eu acho que é imprescindível, assim, pra saúde da cidade, eu acho que
[...] eu acho que realmente, que é pra manter a saúde da cidade, tem que ter, tem que
82
tê! um, tem que dar um jeito de conseguir manter esse espaço sem a perigo”
(E17, G1, p.16)
Este entrevistado considera que o espaço rural de Porto Alegre proporciona ao ar uma
renovação, um filtro para a poluição da cidade. O município “consegue respirar melhor” se
possuir uma área com vegetação típica de áreas rurais.
A existência de rural em Porto Alegre livra a cidade de uma realidade ruim parecida
com metrópoles maiores. Assumindo uma projeção que condiciona ao desaparecimento do
espaço rural de Porto Alegre, futuramente este município pode apresentar características
parecidas as visualizadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Nesta fala, é visível que o rural de
Porto Alegre assume uma postura de local que mantém a qualidade de vida na cidade. Sendo
responsável por situações agradáveis.
Estas situações agradáveis não estão relacionadas somente à questão ambiental, mas
que o rural em Porto Alegre é associado com menos pobreza. Neste sentido, o espaço rural
não é visto como local onde pobreza. E é um local que auxilia para que não haja tanta
miséria.
Indicando relações de necessidade da área de ocupação intensiva pela área rarefeita,
pois esta última lhe proporciona “saúde”, gerando a possibilidade de respirar, livrando-lhe de
problemas mais graves de poluição e pobreza que atingem metrópoles maiores.
Além de servir ao município como um local onde as praticas relacionadas à produção
de alimentos podem ser conhecidas, o espaço rural produz o que é necessário para a sua
subsistência alimentar. Para o consumo alimentar das famílias residentes nos bairros mais
centrais de Porto Alegre que não tenham condições ou interesse de produzi-los. Dentro desta
perspectiva, ele assume um papel essencial para a vida na cidade e para a sustentabilidade do
município, através de uma lógica de produção e consumo local.
“Eu acho [a zona rural] muito bonita. Eu acho que é, que é fundamental um
município, tem que ter, tem que ter uma zona rural né! A única pra sustentabilidade
do município, pra produzindo localmente, sustentabilidade da cidade de ela
produzindo o seu próprio alimento [...] daí o conceito de sustentabilidade já entra
também né! [...] tu tá, produzindo um alimento ali que ele é consumido localmente,
tu não precisa, isso é sustentabilidade, tu não tá agregando valor, tu nãoagregando
outros custos de transporte ou de manessa comida pra outro lugar e de passar
por 300 atravessadores. Então a sustentabilidade é isso, tu produzir localmente e
consumir localmente.” (E4, G1, p 14 e 15).
O espaço rural dos municípios proporciona que sejam sustentáveis. A parte rural de
Porto Alegre, onde acontece produção primária, proporciona qualidade ambiental e
83
sustentabilidade para todo o município. A sustentabilidade acontece por meio da produção
local do alimento.
Deste modo, é possível dizer que esta percepção vai ao sentido de que o rural de Porto
Alegre é um exemplo de sustentabilidade, conforme a concepção de sustentabilidade para a
informante. Para ela, a sustentabilidade da cidade é composta pela produção do seu próprio
alimento, não necessitando de transporte por longas distâncias e nem de atravessadores. A
comercialização seria mais direta e com menos custos ambientais.
5.1.3 Lugar “isolado”
Os quatro entrevistados que percebem o rural de Porto Alegre marcado pelo
isolamento citam algumas características para explicar esta percepção. Uma destas
características é a falta de serviços e estrutura básica, tais como água encanada e energia
elétrica. Uma das informantes cita estes elementos como benefícios que a cidade oferece.
Moradora de um dos bairros mais centrais de Porto Alegre, o bairro Bom Fim, vê esta
carência no rural como uma de suas características, sendo que, conforme sua percepção, este
aparato estrutural não seria necessário no rural.
Mas eu acho que a rural é isso, não sei nem como é que é assim, fornecimento de
energia, de, de água, de coisas eu não tenho, não sei como é que é [...] eu não sei te
informar sobre isso. Eu não sei até se rural tem essa necessidade de ter esse tipo de,
de, de benefício né porque... não sei isso aí, não sei te dizer. Acho que a água poderia
ser de poço. Quantas fazendas que que não tem, não tem água encanada! Energia
tudo bem que eu acho que chegou em um monte de lugares (E16, G1, p. 14 e 15).
Esta percepção é reforçada pela distância que o rural se encontra de bairros mais
centrais, e onde os serviços como água e esgoto não são deficitários. Conforme a distância do
Centro da capital vai aumentando, mais problemático vai ficando o oferecimento destas
estruturas urbanas. Assim, a entrevistada amplia esta noção, imaginando que nos bairros mais
ao sul, onde está o rural, a carência seja maior.
Isso a incomodaria em caso de residir neste espaço, porque prefere locais que tenham
acesso aos serviços que percebe não disponíveis no sul rural de Porto Alegre.
E de saber é, pelo acesso que é mais complicado, difícil de chegar. Se aqui nas vilas
não tem, tu imagina mais afastado! O problema todo é água, esgoto e energia. Não
tem. (E16, G1, p. 14 e 15).
84
Outro entrevistado sente-se inseguro em pensar em frequentar este espaço, pois o
percebe como perigoso. Ele faz uma comparação com anos anteriores que o frequentava,
quando era possível andar livremente, e entrar em terrenos dos quais não se conhecia os
proprietários.
Atualmente, além de achar perigoso, este espaço recortado pelos terrenos onde não
é mais permitido entrar, pois estão cercados.
Então, um pouco diferente. Eu meio que me retrai um pouco [...] E na verdade eu
nem sei bem os locais porque eu pegava o carro eu ia indo e quando eu via eu tava
naquele lugar eu ia subindo e eu não sei direito que bairro sabe, se aquilo tinha dono
se não tinha, a gente entrava simplesmente, não tinha porteira, não tinha, [...] Então,
até que a gente pego aquela faixa que vai pra Itapuã, a gente andava ali pra cima
daqueles morros, andava, metia o jipe lá pra cima, bá! [...] Porque hoje não tem mais
isso, tudo cercado, não tem mais isso. Todo mundo é dono de alguma coisa,
antigamente ainda se deixava um terreno aberto sem cerca, né! Hoje não! (E5, G1, p.
11, 12 e 13).
O tema abordado neste trecho perceptivo discute o rural como um local que não é mais
livre para a circulação, já que agora sofreu transformações ligadas à demarcação, proteção dos
terrenos particulares, perdendo seu isolamento que lhe permitia circular por onde quisesse.
Ainda, este espaço é visto como peculiar dentro de uma capital. Por isso é maravilhoso
e deve ser preservado. Segundo sua noção, muitas pessoas não sabem que Porto Alegre possui
um espaço com características rurais. Inclusive, é característico de cidades do interior do
estado, mas não de uma capital. Tanto é que por alguns momentos, enquanto participava do
roteiro dos Caminhos Rurais, sentiu-se de forma parecida como quando passeou pela zona
rural de Ivoti. Isto lhe causou confusão e por alguns momentos lhe parecia estar no interior
deste município.
Além de percebê-lo desta forma, a entrevistada também citou que este rural de Porto
Alegre tem pessoas que lhe receberam de forma acolhedora lhe mostraram o rural. Estas
pessoas atualmente desempenham uma nova atividade que é o turismo rural. Segundo esta
informante, esta nova atividade lhes faz bem, pois agora não ficam retidos apenas na produção
agrícola, passando a conhecer melhor a própria propriedade para apresentar aos turistas.
Segundo esta informante, agora os agricultores não se sentem mais isolados.
Eu acho que pra eles [agricultores agroecológicos] aquilo [turismo rural] abriu um
horizonte muito grande. [...] Geralmente pra acontecer esses passeios rurais, que
antes não aconteciam, agora que ta proliferando isso, [...] eu acho que eles viviam
muito isolados, muito sozinho. Plantavam, colhiam e ficava naquilo ali né. Eu acho
que pra eles foi um crescimento muito grande porque eles tão mostrando o que eles
fazem.
(E3, G2, p. 4 e 14).
85
Neste caso, as características existentes na produção rural, colocam sua população em
uma situação de isolamento que é perdida quando outras pessoas conhecem e frequentam este
espaço. A perda do isolamento do rural de Porto Alegre passou a ocorrer entre os agricultores
agroecológicos quando estes adotaram a prática do turismo rural onde são mostrados quais são
suas atividades e sua propriedade.
A questão do isolamento para esta informante é fortemente marcado pelo sentimento
de solidão em não ver muitas pessoas e o movimento de carros. Por apresentar estas
características, para ela, este lugar lhe faria mal.
“eu não sei viver num lugar assim, eu ficaria louca, é muita solidão, ficaria muita
solidão, fica um mês assim, passaria dois dias, três dias lá, tomando chimarrão,
coisinhas novas, mas [...] no quinto dia eu me mandava”. [...] Então eu sou uma
pessoa que eu não sei me isolar [...] Eu até disse pra umas mulheres, eu olhei aquilo
assim ao meu redor, “não faz a minha cabeça morar aqui, jamais eu moraria aqui”.
Solidão, viver sozinha lá. (E3, G2, p. 4 e 14)
Deste modo, a percepção desta entrevistada decorre justamente pela questão do
isolamento que uma hipotética vivência naquele espaço lhe ocasionaria. Um isolamento que
lhe causaria um sentimento de solidão, de ficar sozinha, pois não entraria em contato com
diferentes pessoas.
No caso da entrevistada 10, sua percepção perpassa as noções de isolamento no mesmo
sentido do abordado pelos demais informantes desta categoria. Esta entrevistada sempre
residiu em espaço urbano, onde suas necessidades eram facilmente e rapidamente atendidas
por estar em uma localização próxima aos locais que podiam saciá-la. Isso a faz questionar-se
sobre a vida de pessoas que vivem no meio rural.
E também além de ser, eu sempre, eu sempre tive muita curiosidade por esta questão
rural, porque eu sempre morei, no meio do cimento né! E, mesmo viajando em
qualquer outro lugar, eu sempre vejo uma casinha no meio do campo no meio do
nada e penso: “mas como é que aquela pessoa vive ali?! Longe de tudo!” Eu sempre
tive tudo ao redor. A farmácia ha uma quadra de casa, o mercado do lado, a
padaria na outra esquina. E eu sempre tive essa, essa, meio que, meio intrigante,
essa pergunta intrigante de: “como é que é a vida de uma pessoa que mora longe?
Longe do centro, longe da farmácia, longe da padaria, longe do supermercado longe
da academia, longe de tudo! Mora afastado, na zona rural?
(E10, G2, p. 12).
Este questionamento da entrevistada começa a delimitar sua percepção. As pessoas
vivem longe dos serviços, que são serviços diferentes dos citados pela ntrevistada 16. Não são
estruturais, como o encanamento para água e esgoto; são necessidades ligadas à alimentação e
à saúde. Esta distância que os moradores do rural estão dos pontos que oferecem estes
serviços, esclarece sua forma de o perceber como um espaço isolado.
86
Ela diz que em Porto Alegre o isolamento do rural parece estar sendo revertido. Para
ela, este rural não é mais isolado, pois existe uma telentrega que pode trazer o que for
identificado subitamente como necessário. Desta forma, ela passa a compreender como uma
pessoa consegue viver em um local assim “longe de tudo”.
A cidade pode ir até você [tele-entrega] ou você por ir até a cidade [transporte
público] [...] Se eles têm um problema, precisam de um remédio, isso não é um
problema, na verdade. Hoje em dia tu pode viver na zona rural e de certa forma ter
algum conforto que a zona urbana te traz. Tipo preciso de um remédio, não é o fim
do mundo, liga e a tele-entrega vai te trazer. E isso não te afasta do teu mundo, do
teu mundo rural. Tu ali inserido naquela, naquele espaço, mas te beneficiando,
do que a, do que o urbano pode te proporcionar de conforto assim né, que é, que eu
sei, que eu sei magina morá longe de uma farmácia, que uma coisa de última hora
“precisei ir no supermercado, meu deus, faltô alguma coisa importante!” “Tele-
entrega amiga!” [...] tu tem uma tele-entrega que pode te levar qualquer coisa que tu
precisa, tu tem até, tu tem a modernidade do dia, do dia a dia, da moder, do dia
comum da cidade de: “tô com fome. Quero comer uma pizza!” “tele-entrega!”, ele
vai te levá e tu não vai, tu o fica isolado do mundo, tu na tua qualidade de vida
conectado com o mundo urbano. (E10, G2, p. 8, 9, 14 e 15).
Como foi possível observar, as percepções expostas acima abarcam o rural de Porto
Alegre como um espaço em situações de isolamento. Entretanto, este isolamento é descrito de
maneiras diferentes para cada um destes entrevistados. A entrevistada 16 o isolamento
existente é uma característica intrínseca aos espaços rurais, pois não a necessidade de estar
vinculado às estruturas que estão disponíveis para a cidade. É uma característica de o próprio
rural ter água de poço e não água encanada.
Esta informante percebe o isolamento de Porto Alegre como uma característica atual.
Não notou prováveis mudanças do sul rural de Porto Alegre, como os demais integrantes que
compartilham de percepções parecidas, porque ela não costuma frequentar este espaço.
Para o informante da Entrevista 5, antigamente o sul rural apresentava um tipo de
isolamento que era percebido por ele como bom, pois era possível circular livremente por ele,
era percebido inclusive como um espaço onde podia ter liberdade. Hoje, este espaço continua
sendo isolado, mas houve uma alteração, pois agora as áreas livres para a circulação são
cercadas. Por isso, ele não se sente mais atraído para frequentar este espaço.
A entrevistada 3, o viés seguido demonstra o espaço onde solidão. Esta entrevistada
não conseguiria viver em um local assim porque tem necessidade de ver pessoas. Entretanto, o
turismo está diminuindo a solidão para estes produtores. Segundo sua concepção, esta
atividade está fazendo bem para eles.
Por último a entrevistada 10 cita
o isolamento é de serviços. Não fala do isolamento
social, mas da distância dos serviços vistas por ela como indispensáveis e que podem ser
87
necessárias a qualquer momento. Cita a distância que estes locais estão de supermercados e
farmácias, dentre outros pontos de venda de produtos necessários à subsistência. Mas, a tele-
entrega e a facilidade de deslocamento estão resolvendo este problema do distanciamento.
5.1.4 Lugar de contradições
As percepções que compuseram a categoria contradição existem nos informantes
conforme a forma como se relacionam com o rural de Porto Alegre. Estes informantes são
pessoas influenciadas por relações pessoais com moradores deste espaço e que, por isso,
haviam circulado por ele antes do contato estabelecido para esta pesquisa. Alguns destes
informantes também eram pessoas residentes deste espaço, mas não necessariamente novos
rurais (Entrevista 7). Deste modo, compõe um grupo de cinco pessoas que está desvinculada
de entidades atuantes no sul de Porto Alegre e que se insere no rural por vontade própria.
A vivencia no rural permeado por relações pessoais aumenta a amplitude de
informações e conhecimentos sobre o local freqüentado. Possibilita uma confrontação com
situações do rural que não são identificadas em uma primeira visitação. Deste modo, estas
pessoas puderam apropriar-se com mais intensidade de características e das situações que
existem no rural.
Estar neste espaço e conviver com pessoas com residência nele fazem com que sejam
experimentadas situações que não são somente as relacionadas às belezas. Do mesmo modo,
uma ligação desta maneira e desvinculada de instituições faz com que das experiências no
rural, surjam percepções que expõe todas as mazelas e belezas do rural. Os próprios
informantes e os atores que pertencem à rede de relações destes demonstram as preocupações
relacionadas a este espaço.
Estas percepções expõem belezas e mazelas do rural em Porto Alegre que são
diferenciadas. Fazendo aparecer que nestas percepções o rural de Porto Alegre é um local
onde existem forças que o tencionam para direções contrárias, colocando o rural em posição
de contrariedades.
Nas percepções, o rural aparece com algumas características que podem comprometer
a continuidade deste espaço enquanto espaço de atividades rurais. Estas características não
podem ocorrer conjuntamente, pois causam ameaça a continuidade do rural.
88
Uma das informantes cita uma das características positivas do rural em Porto Alegre
percebendo como um espaço diferente para a realidade de uma capital, cita que não são todas
as capitais que possuem um espaço como este. Por isso, para esta informante a existência
deste espaço peculiar deve ser mais divulgado para que mais pessoas o conheçam, porque
segundo sua concepção “é uma coisa pras pessoas verem” (E2, G2, p. 8).
Entretanto o espaço rural de Porto Alegre é descrito apresentando características que
podem prejudicar sua manutenção. Inicialmente expõe que há falta de cuidado com o
ambiente. Em um passeio anterior averiguou que neste espaço havia a presença de lixo e
poluição na praia do Lami. Segundo ela, esta situação ainda ocorreria, mas não foi verificada
na visita ao rural de Porto Alegre por meio dos Caminhos Rurais porque não teve
oportunidade de passar por estes locais. Esta informante apesar de ter vivenciado uma nova
experiência com o rural onde não observou estas situações de poluição e descuido com o
ambiente, ainda acredita que existam descuidos com áreas naturais do sul de Porto Alegre.
Sua percepção aparece então permeada por estas duas características de espaço rural: como
um local diferente para a realidade urbanizada de uma capital e de espaço onde indícios de
contaminação deste ambiente.
Em seguida é citado um aspecto, referente à questão da preservação que aparece
conciliada com a noção de rural: “é
porque até eu achei bem estranho ele ter falado isso (o
Morro São Pedro não é considerado como rural) porque poxa, lá é, pelo menos aquele lado
do morro, é super preservado, né?!” (E20, G1, p. 7 e 9). Fica subentendido que, para a
entrevistada, no rural estaria incluída a preservação do ambiente natural que se faz referência a
um dos morros de Porto Alegre denominado Morro São Pedro. Este é um morro de Porto
Alegre localizado nas proximidades de Viamão não pertencente à crista e o de maior extensão
do município, com aproximadamente 1259 hectares. Tem a maioria de sua área coberta com
vegetação natural (INGÁ, 2009).
Neste trecho da entrevista, fica evidente a apreensão de uma informação externa com
uma posterior reflexão pela informante com base em sua percepção do rural. Apesar de ter
compartilhado uma conversa sobre a denominação rururbana da parte sul de Porto Alegre com
um dos atores do rural de Porto Alegre proprietário de uma parcela do território do Morro São
Pedro, a entrevistada achou inapropriada a classificação do sul de Porto Alegre. Conforme o
que observava no momento que se encontrava neste local, este é um espaço onde a natureza é
mais preservada e por isso é rural.
Nota-se conforme este conjunto de percepções que atualmente o setor imobiliário tem
atuado em diferentes espaços de Porto Alegre, tanto nos mais densamente povoadas como nos
89
de menor densidade populacional. Aparecendo mais citações sobre a incidência deste setor
neste último espaço. Tencionando a predominância de áreas naturais, mas principalmente das
áreas rurais do sul de Porto Alegre.
Constando como um espaço que sofre a ocupação populacional, uma nova rural diz
que percebeu o aumento de residentes nas proximidades de sua casa. Esta informante migrou
para o rural de Porto Alegre aproximadamente 28 anos. Onde ela mora, na Avenida Oscar
Pereira, no Bairro Belém Velho, desde sua mudança para o local percebeu que foram
desmembradas em porções territoriais menores a grande maioria de propriedades que se
localizavam nas redondezas de seu sítio. Sobrando poucas propriedades ainda não
desmembradas.
Esta informante percebe que o bairro Lami é mais rural do que o bairro Belém Velho e
entorno ao seu local de residência. Ela faz uma associação com a menor “demanda
populacional” salientando que “por enquanto” este bairro não se constitui em um local
ameaçado, pois não observa procura de pessoas externas por locais de residência neste espaço
e nem divisão de propriedades (E12, G3, p. 11).
A tensão da população sobre o rural de Porto Alegre é percebida em condomínios
clandestinos e legalizados conforme a legislação municipal. As residências estabelecidas
informalmente são as que causam maiores preocupações porque vão constituindo-se sem um
rigor que considere a propriedade do solo. Mas, segundo uma informante, existem situações
onde os próprios loteamentos criados pelo poder público municipal não apresentam condições
para uma adequada sobrevivência de pessoas.
Prefere que o espaço seja mantido com as características atuais: “que é um rural que as
pessoas tão investindo em uma nova coisa que é o orgânico né, que é a preservação. Então pra
mim isso aí é importante” (E12, G3, p. 11).
Entretanto, esta informante percebe que a atividade do turismo rural pode
comprometer, em longo prazo, as áreas rurais. Sabe dos benefícios que esta atividade vem
oferecendo aos agricultores familiares, mas se questiona quanto à atração que este espaço
pode exercer sobre as pessoas que o conhecem por meio dos Roteiros Turísticos Caminhos
Rurais. Com estes roteiros mais pessoas passam a conhecê-lo e podem se interessar em morar
pelo local. Esta informante expõe sua preocupação no trecho da entrevista citado onde faz
referência às placas indicativas dos Caminhos Rurais que começaram a ser colocados em
meados do ano de 2009.
“agora eu comecei a ficar com um pouco de medo, tá, porque agora começaram a
colocar um monte de placa né. Faz um tempo que essas placa tão né, porque eu ando
pra cima e pra baixo todo dia, e é uma coisa né! Eu não acho que seja ruim, não é,
90
em termos da Silvana, do Dodô e de outros agricultores daquela região. Não é ruim
pra eles, eu não quero tirar o beneficio deles, mas eu sei [...] Eu digo assim: até que
ponto isso aqui com o tempo vai influenciar nas áreas deles de rural? Isso me
preocupa. Isso é uma coisa que, nesses 28 anos nós tamo aqui a gente sentiu a
mudança, eu sinto muito. Não sei! Lá daqui a quantos anos vai acontecer isso, dez
anos, 15 anos não sei” (E12, G3, p. 11).
Ao mesmo tempo em que os Caminhos Rurais aparece como um potencial causador do
interesse em constituir residência no rural de Porto Alegre, a organização de agricultores
familiares e novos rurais, dentre outros atores deste espaço em torno à atividade do turismo
rural, se constitui em uma das razões para a conservação do local. Outra razão apontada é a
história de ligação que os agricultores familiares têm com a terra, que em alguns casos
pertencia a antepassados (informação pessoal)
21
.
A sensação de temor quanto à permanência do rural de Porto Alegre é associado com a
percepção de que novos rurais poderiam sentir-se menos motivados a resistir às pressões
externas e, consequentemente, lotear suas propriedades. Isso poderia acontecer com estes
moradores, pois não teriam uma ligação com o espaço como uma pessoa que é “tradicional
daquele lugar”. Como no caso de agricultores familiares (E13, G2, p. 16).
A integridade do rural de Porto Alegre depende de pessoas que queiram mantê-lo
daquela forma e não almejem produzir transformações nas características que são típicas do
rural, como as estradas de chão batido. Esta entrevistada acha ótimo esse espaço “acho uma
situação ótima”, mas “o crescimento absurdo de loteamentos por perto” lhe aflinge (E13, G2,
p. 16). Devido à presença de loteamentos irregulares e regulares percebe o rural como um
local “ameaçado o tempo inteiro” (E13, G2, p. 17). Assim, o espaço que é considerado uma
situação ótima, em sua percepção mescla-se com um sentimento de preocupação relacionado
com a resistência dos atores à atuação de um poder percebido como mais forte, que é o
imobiliário, e ao avanço da ocupação irregular.
Para o caso de um informante que é professor, as famílias que são instaladas em
bairros ao sul de Porto Alegre pelo poder público em alguns casos não encontram condições
adequadas para a sobrevivência humana. Para ele o rural de Porto Alegre expressa tensões
sociais observáveis no ambiente de uma sala de aula super lotada. Onde algumas crianças não
têm a assistência necessária para adaptarem-se ao novo ambiente.
Me assusta ver esses projetos de deslocamento. Isso é o mais assustador. Que a
prefeitura faz, com pessoas de menor poder aquisitivo. o tiradas de áreas como de
construção de shoppings, né. Dali, nós da zona sul percebemos três deslocamentos
de pessoas, de ff, de uma vila inteira que talvez tenha se desintegrado em três.
Essa vila foi desintegrada toda pro Jardim Vila Nova que é o bairro onde eu moro.
Então toda zona sul ta recebendo essas pessoas e são favelas de concreto e isso a
21
Informação concedida durante período de coleta de dados por Silva, E. agricultor familiar do bairro Lami.
91
gente ta vendo. [...] Ali na Vila Nova, que se vê, muitas chácaras são fragmentadas e
que recebem essas vilas. E nem uma estrutura. Eu como professor, sinto direto isso
na carne, de ver o ambiente da sala de aula. Crianças que vem de uma outra escola
que não tem uma adaptação àquela escola, escola nova. A escola não comporta, são
salas super lotadas, né! (E7, G1, p. 14).
Por isso, a contradição percebida por este entrevistado retrata a beleza do rural de
Porto Alegre, e, por outro lado, um aspecto relacionado às famílias, especialmente crianças,
instaladas em loteamentos do poder público local sem uma estrutura adequada.
acho maravilhosa, a zona assim, num certo sentido. Me dói eu como morador da
zona sul, ver isso sendo estrangulado cada vez mais pela urbanidade que se expande
ahh. [...] Então eu si, é uma coisa que eu sinto, eu sinto muita dor. Porque eu
adoro essa zona sul, adoro essa zona rural (E7, G1, p. 14, 15, 16 e 17).
Os informantes desta categoria têm ou tiveram uma relação em diferentes níveis de
intensidade com o espaço ou atores deste. Estas vivências os colocam em uma posição mais
crítica e envolvendo demais aspectos que permeiam o sul rural. Por isso, expressam um
sentimento de apreço pelo rural de Porto Alegre, mas, no entanto, não deixam de expressar um
conjunto de situações que sentem como ameaças ou prováveis ameaças a continuidade deste
espaço rural.
5.1.5 Lugar de liberdade
A forma de perceber o rural de Porto Alegre como espaço de liberdade foi expressa por
cinco entrevistados. A maior parte destes integrantes (4) se identificou com o Grupo 3 e uma
integrante se identifica com o Grupo 2. Inicialmente o que chama atenção na análise destas
percepções é a separação de dois espaços onde se apresentam formas de viver diferentes. A
partir da percepção de que existem mundos diferentes que influenciam hábitos e atividades do
dia a dia, estes informantes constroem suas vidas e tem motivações para ações diárias.
Em todas as entrevistas, a distinção entre os espaços é feita conforme a conduta de
vida que é estimulada em locais urbanizados. Esta forma de viver em locais mais urbanizados
parece para alguns dos informantes imposta e, muitas vezes, não proporciona autenticidade
em decisões, expondo-os, por exemplo, ao consumo sem necessidade. Além disso, este espaço
os submete a um modo de vida ritmado e agitado que não proporciona um autoconhecimento.
Forçando as pessoas a agir conforme padrões sociais em suas vivências urbanas.
92
Esta imposição sentida pelos informantes de uma forma de viver, faz com que as
pessoas trabalhem para manterem-se em determinado nível de vida e almejem ascender a
níveis mais elevados. Em momentos que os informantes sentiam necessidade por estes níveis,
adequavam-se a uma rotina baseada em códigos padronizados que se caracterizam por impor
às pessoas um horário de trabalho e em locais determinados.
Os informantes deste grupo perceptivo, quando se moldavam a estes padrões sentiam-
se confinados em salas sem poderem observar a paisagem externa, recebendo ordens e, em
alguns casos, executando atividades com as quais não se identificavam.
Outro fator destacado por este grupo, que consiste em mais um ponto na separação em
mundos diferentes, são os constrangimentos sociais existentes entre pessoas que estão mais
próximas fisicamente. Uma das informantes cita que não se sente à vontade para ir ao pátio de
sua casa, pois o vizinho poderia estar observando o que faz em seu ambiente particular. Ou
então, é necessário ter um cuidado com a segurança nos espaços mais urbanizados colocando
muros e grades nas casas.
Este formato da vida urbana é claramente percebido como desagradável retirando de
algumas pessoas a liberdade de decidirem elas mesmas sobre seus horários e desejos. Desta
forma, acabam adquirindo determinados produtos, moderadas pelo meio que as circula.
Na Santana a gente era bem urbanóide. A gente consumia bem as coisas que queriam
que a gente consumisse [...] coisa que o capitalismo construiu e quer que a gente,
acha que a gente precisa disso, né! [...] (hoje) se eu quero comprar uma bota nova,
até posso compra uma roupa nova, uma bota, mas porque eu com vontade de botá
naquele momento e acho que eu tenho valor que eu posso usar aquilo sem me
incomodar, ! [...] Então, aqui, a gente consome aquilo que a gente acha que é
nosso valor consumi, né! [...] Hoje, eu tenho uma, hoje eu tenho critério de valor, né!
Diferente, lá no apartamento não, eu não tinha noção de que eu não precisava
daquilo. Aquilo pra mim era necessário (E8, G3, p. 7).
Conforme a sensação exposta, esta informante sentiu-se forçada, indiretamente, a
comportar-se conforme alguns padrões estabelecidos obtendo produtos sem uma
necessidade. Partindo desta constatação, fica evidente que as pessoas que passam por
experiências como esta ou semelhantes onde provam de sensações parecidas venham a
almejar um mundo onde a interação com seu exterior ocorra de forma distinta. As sensações
desagradáveis originadas de práticas em cidades grandes como Porto Alegre, determinam
anseios de viver em outro mundo, livre destas concepções de vida que ditam o que e quando
produzir e realizar. Estas pessoas passam a buscar por maneiras diferentes de se relacionar
com o exterior, permeadas pelo desejo de ter seus anseios determinados por eles mesmos, sem
lhes parecerem impostos.
93
Inicialmente, alguns destes informantes não sabiam como isso poderia acontecer. Foi
quando conheceram propriedades conduzidas baseadas nos princípios da Agroecologia.
Segundo suas descrições, nestas propriedades, basicamente, havia produção de alimento para
consumo e comercialização, e identificaram que a família vivia feliz. A forma da vida destes
agricultores lhes agradou pincelando alguns traços no desenho onde o viver não estivesse pré-
moldado.
Após estas visitas, e motivados pelas características indesejáveis da vida urbana da
metrópole, estes informantes começaram a verificar possibilidades de acordo com as
expectativas que tinham traçado de uma vida mais livre e independente. Dentro deste
contexto, o rural de Porto Alegre passou a compor um horizonte que se apresentava como
mais adequado frente às perspectivas de vida.
Deste modo, pessoas observaram que residir próximo a agricultores agroecológicos
possibilitaria sair de um ambiente onde se sentiam pressionadas e trancadas. Além disso, viver
próximo às propriedades ecológicas colocava em potencial uma produção mais saudável. Pois,
a decisão de produzir sem insumos químicos é mais facilitada quando não se restringe apenas
a propriedades de maneira isolada. As práticas realizadas por vizinhos interferem na qualidade
dos alimentos produzidos. Assim, as propriedades em transição agroecológica localizadas no
bairro Lami determinaram, em certa medida, as vontades de novos rurais de residir no rural.
O sul de Porto Alegre com características rurais possibilitaria a independência por
meio da produção do próprio alimento e um contato mais aprofundado com o lar. Um contato
permanente, numa relação que abrange outra esfera de interação, onde o cuidar é cuidar do
que pertence a pessoa.
Mas morar em um apartamento assim tri pequeninho assim, nada a ver com o que a
gente quer ter de contato com o nosso lar mesmo né! E também porque a gente
pretende ficar mais tempo em casa que [...] futuramente talvez a gente consiga ter
aqui um trabalho, né! [...] Ah, segundo porque a gente quer poder plantar coisas pra
se alimentar e tal. É mais se tu for ver em formas gerais e mais autonomia assim
mesmo [...] Até dentro da universidade ou do lugar de trabalho assim as coisas são,
tem uma certa dinâmica de ser.[...]Eu acho que dentro da nossa própria casa a
gente consegue ter um espaço, a gente consegue fazer o que a gente quer a gente
pode viver da forma que a gente quer né (E1, G3, p. 9, 10 e 13).
Eu já tinha certo uma questão de tentar buscar uma liberdade sabe, uma questão de
autonomia mesmo, de depender cada vez menos do sistema e poder fazer as coisas a
hora que eu quero, curtir mais a vida [...] de querer ter ser livre e tal, bem isso
mesmo, de deixar de ser escravo, porque eu me considero um escravo ainda, mesmo
trabalhando assim, em um colégio que me proporciona tudo mais, mas eu tô, a gente
correndo atrás da máquina, tem que pagar conta no final do mês. E se pára, tu é
engolido assim pelo sistema. Então eu me sinto um escravo então ah, tentando
buscar a minha carta, tô tentando” (E15, G3, p. 9).
94
Em um primeiro momento, o rural de Porto Alegre é percebido por este grupo de
pessoas como um espaço onde é possível viver de forma diferenciada da forma de vida em
bairros mais centrais. Um local onde é possível “respirar mais fundo” e ter clareza de idéias,
não sendo sentida pressão para consumir.
Eu se passo dois dias assim que às vezes dou aula o dia inteiro, ou que chegô de
noite e eu saio, ah no outro dia, eu preciso respirar né, eu preciso. Essa visão de
mundo reto assim de mundo fechado, ela me reduz muito a minha visão de mundo
assim, então eu preciso disso. [...] Eu acho que a gente consegue mais tranquilo,
ter mais clareza das coisas assim. Em função da gente o nosso rumo, né! (E8, G3,
p. 8).
Neste espaço, o mundo das pessoas assume caráter personalizado. O rural de Porto
Alegre constitui um espaço que possibilita estar fora do ritmo que é ditado pelas cidades e
pelo consumismo, do ritmo de trabalho, fazer o que se considera saudável, conversar com os
amigos na hora que se deseja, sem necessitar de uma brecha entre compromissos. Fazer o que
se quer no pátio, sem as pessoas estarem observando. Poder ter a liberdade de aumentar um
pouco mais o volume do som e curtir uma música. Ter autonomia para fazer o que se deseja
no espaço onde se está. Não viver em uma sala fechada durante todo o horário de trabalho e
poder apreciar a natureza.
As percepções sobre o rural de Porto Alegre, expostas por este grupo de informantes, o
fazem aparecer como um local contrastante com o espaço mais urbanizado da capital e de
outros municípios da região metropolitana, como São Leopoldo, apresentando qualidades
desejáveis para uma vida considerada melhor. A forma como estas qualidades foram expressas
e o que este espaço poderia proporcionar e proporciona aos informantes torna-o um lugar livre
de situações indesejáveis do mundo urbanizado. Um espaço onde as pessoas sentem-se
libertadas do modo de viver conforme um molde determinado estendendo-se sobre ele uma
percepção de liberdade.
5.2 Percepções de novos rurais: antes e depois de residir no rural de Porto Alegre
Ao contrário dos outros grupos de informantes, os novos moradores do rural de Porto
Alegre transformam o rural no local onde estabelecem sua morada. Desejam obter ou obtêm
uma renda através de meios diretamente ligados ao local de residência, como é o caso da
produção ecológica.
95
Antes de morar neste espaço detinham uma perspectiva sobre as possibilidades
oferecidas e uma percepção acerca do rural. Entretanto, alguns pontos podem ter sido
percebidos somente após a mudança para o espaço escolhido para se viver o que pode levar a
uma reconfiguração de percepções. Verificar esta reconfiguração permite identificar
elementos não perceptíveis ao observador inserido parcialmente no rural de Porto Alegre e
descobrir se o rural atende à perspectivas criadas.
As respostas aos questionamentos para a identificação destas percepções indicam que
para três dos novos rurais entrevistados as expectativas com relação ao rural se concretizaram
ao longo dos anos de residência. Para o caso da experiência vivenciada pelo entrevistado 6, o
sítio para o qual se mudou estava em descuidado no que tange à parte estética. Este novo-rural
teve que restituir o jardim, pois suas plantas e flores haviam crescido desordenadamente ao
longo dos anos sem ornamento. Depois de ter feito os reparos considerados necessários,
considera-se satisfeito com a aparência de seu sítio.
Atualmente, neste sítio, um pátio onde as construções estão dispostas de forma
aleatória. Dentre estas construções a sua própria residência e do caseiro, uma pequena
pousada, um local para recepcionar turistas, uma biblioteca de livros esotéricos e local de
terapia. Também, há um conjunto de pequenas construções onde estão algumas aves. O
caseiro cuida da jardinagem e de outras atividades do sítio, tais como tratar os animais. No
pátio, há uma área central com gramado aparado e com árvores e flores dispersas. Nesta parte,
estão soltos os patos, gansos, gatos, galinhas e cachorros.
A entrevistada 8 também sentiu-se decepcionada inicialmente com os resultados
obtidos na nova residência. As expectativas não se concretizaram imediatamente, pois a casa
que possuía no sítio era muito grande. Isso a assustava, pois tinha receio que as pessoas de seu
bairro pensassem que ela queria assumir uma posição de superioridade. Entretanto, ao longo
do tempo este temor foi sendo superado quando passou a engajar-se em atividades de
assistência social no bairro. No momento atual diz que tem boas relações com os vizinhos.
Como no caso de outros novos rurais, a entrevistada 12 demonstrou que algumas
expectativas relacionadas à residência não foram concretizadas de imediato. No caso desta
entrevistada, a casa onde foi morar estava danificada, com vários problemas no encanamento e
alguns vazamentos, além de constituir abrigo para outras pessoas externas a família. No
entanto, estes problemas foram sendo resolvidos na medida do possível ao longo dos anos.
Na entrevista 19, as expectativas eram relacionadas com a obtenção de uma renda por
meio de atividades ligadas ao rural que possibilitassem o sustento de sua família. Acreditava
que indo morar no rural de Porto Alegre teria um retorno imediato por meio do turismo
96
realizado em sua propriedade. No entanto, este investimento foi vagarosamente demonstrando
sua viabilidade, como ficou perceptível na descrição do processo de introdução da atividade
turística. Exigiu um pouco de insistência do entrevistado, até que surgisse um interesse e as
pessoas se mostrassem interessadas em conhecer o rural de Porto Alegre por meio do turismo.
Estes quatro informantes novos rurais forneceram relatos sobre a concretização de suas
expectativas ao mudarem-se para o sul rural de Porto Alegre, demonstrando que os desgostos
por ele sentidos não estavam relacionados com o espaço em si ou com o modo de vida
adotado. Mas estava relacionado com a organização da propriedade e das atividades, até que
os sítios ficassem da maneira como o almejavam.
Mesmo tendo estes problemas, três destas pessoas declararam estar satisfeitas em
residir no rural de Porto Alegre. Somente o Entrevistado 19 demonstrou aborrecimento com
os resultados obtidos com a atividade do turismo rural, e, indiretamente, com o espaço da
referência para a pesquisa. Inconformismo que gerou o investimento em uma atividade ligada
ao setor de serviços em fase de expansão.
Para o caso de dois informantes, a prática agrícola trouxe surpresas quanto à forma
como eram realizadas. Esta descoberta, tanto da entrevistada 1, como do entrevistado 15, fez
com que as expectativas de morar em um local tranquilo e calmo se concretizassem. Mas, em
aspectos como uma maior autonomia, que se refletiria em maior tempo de permanência em
seu sítio, alternativas para não poluir o ambiente e produção do próprio alimento, os
resultados obtidos foram aquém das expectativas.
Diferente do exposto pelos demais informantes a entrevistada 21 conhecia o local onde
iria morar, bem como as atividades que iria realizar em sua propriedade. Por isso, a mudança
de residência e o estilo de vida adotado estavam de acordo com suas expectativas. O local de
residência lhe proporciona liberdade em vários aspectos: poder observar a paisagem e tomar
as próprias decisões sobre os rumos do local onde se encontra instalada.
Como é possível observar, apenas para uma das entrevistadas as expectativas foram
totalmente atendidas apresentando, na maioria dos casos, novas características não
perceptíveis antes da mudança de residência. As características não percebidas por esta
categoria antes de se mudar para o rural estão ligadas às dificuldades encontradas para
organizar o sítio conforme os desejos. Em outros casos, alguns aspectos do rural que não eram
conhecidos estão relacionados com as práticas agrícolas e com a própria viabilidade
mercadológica de atividades ligadas ao rural. Neste caso, indicam que não era perceptível por
atores externos características que são próprias do rural.
97
Além destes pontos referentes ao local escolhido para morar, a percepção do rural de
Porto Alegre também apresentou variações. O entrevistado 6 antes de morar neste espaço o
percebia como um local de lazer. Esta impressão originou-se de experiências tidas quando
criança, em momentos em que freqüentava o bairro Lami com seus pais.
O Lami era como uma área de lazer. Quando eu vinha pra era sempre, foi uma
área de lazer. Eu nunca tive o intuito de me envolver com o Lami, digamos assim,
com a área rural. No momento em que eu tive contato com esse rural [...] eu senti
que eu realmente tinha uma oportunidade de construir alguma coisa legal aqui dentro
do Lami. (E6, G2, p. 8).
Este novo rural considera a importância de estar em harmonia com a natureza
buscando um aprendizado na observação do convívio com os animais. Adepto de uma
alimentação viva, onde os alimentos são consumidos semi cozidos, a qualidade dos produtos
alimentícios é averiguada. No tio ele cultiva alguns dos alimentos, outros são adquiridos na
FEJB e dos agricultores agroecológicos que estão situados no entorno ao local ocupado por
ele. Através de atividades de turismo rural e de consultas de terapia obtém uma renda para se
sustentar.
Igualmente ao entrevistado 6, a entrevistada 8 tinha percepção do rural de Porto Alegre
como um espaço de lazer, além de compor um local pelo qual tinha uma identificação.
Quando se mudou para o bairro Lomba do Pinheiro, esperava encontrar um estilo de vida
diferente do vivenciado nos bairros mais centrais da capital e isto se confirmou plenamente.
Em seu sítio, consegue ter um melhor discernimento sobre o que é necessário para se viver
bem e não se sente pressionada para obter produtos dos quais não precisa.
Atualmente, esta informante ainda demonstra a mesma percepção de quando pretendia
voltar às raízes tornando-se uma nova rural. Mas, ressaltando a importância que tem este
espaço dentro do município, pois, segundo sua visão, a produção agrícola é expressiva.
No caso da Entrevista 19, inicialmente, quando se tornou novo rural, o entrevistado via
o novo local como um potencial a ser explorado com a atividade do turismo, seu caráter
preservado conciliado com a produção agrícola proporcionava um aprendizado aos habitantes
de Porto Alegre com hábitos urbanos. Conforme esta menção que considerava uma
possibilidade de geração de renda aproveitando estas características, o espaço compunha um
instrumento que o faria reestruturar novamente sua vida. Além disso, descobriu o rural em
Porto Alegre como sendo importante para as pessoas que vivem em um meio estritamente
urbano. Através do turismo, permite às crianças poderem conhecer a origem dos produtos que
elas consomem, proporcionando-lhes um aprendizado prático que dificilmente iriam ter nas
escolas.
98
Os três últimos informantes apresentam trajetória de percepções diferenciadas. A
percepção da entrevistada 12 do local onde foi morar praticamente não se alterou. Para ela, no
momento da troca de residência, este local era percebido como diferente do espaço mais
urbanizado da capital, mais calmo e com menos poluição. Desde que se mudou para este local,
há 28 anos, o espaço rural continua apresentando estas mesmas características.
Entretanto, assume que ocorreram algumas alterações na forma como ela se sente no
local. Este continua sendo maravilhoso, mas, atualmente é visto pela informante com
preocupação, pois percebe que estão ocorrendo alguns desmembramentos de propriedades no
sul de Porto Alegre. Sente que um risco deste local se tornar mais urbanizado, perdendo a
tranquilidade e ar puro que fortemente o caracterizam.
Uma das informantes (21) demonstrou ao longo do tempo pouca alteração de sua
percepção, pois ela conhecia o local onde iria morar, bem como as atividades que iria
realizar em sua propriedade. Por isso, a mudança de residência e o estilo de vida adotado
estavam de acordo com suas expectativas. O local de residência lhe proporciona liberdade em
vários aspectos: poder observar a paisagem e tomar as próprias decisões sobre os rumos do
local onde se encontra instalada. Também, sempre achou que viver neste espaço seria como
residir em uma “cidadezinha de interior”. Atualmente, ela vivencia uma relação de
proximidade com vizinhos o que, para ela, é um aspecto de cidades mais interioranas.
Entretanto, como aspecto secundário, é possível citar duas pequenas alterações na
forma de ver o local de residência. Um deles está ligado à distancia que se encontra do Centro
da cidade. Esta noção do tempo e dos quilômetros a serem percorridos não foram estimados
por ela no momento de se mudar para o local. Outro aspecto está relacionado com a
necessidade sentida por ela de ter alguém cuidando do tio nos momentos em que a família
sai para viajar. Um cuidado necessário com os animais, cachorros e galinhas, que não podem
ficar muito tempo sem se alimentar, e com a segurança da própria residência. Estes dois
aspectos não chegaram a comprometer o interesse em residir no sul rural. Foram incorporados
à percepção que esta informante tinha do local.
Para outros dois informantes novos rurais, o caminho das percepções foi acompanhado
pela descoberta da prática de produção agrícola. No caso da informante 1, no momento da
entrevista, esta residia no tio um ano e um mês, e ainda não havia conseguido produzir
alimentos como mandioca, batata e milho. O entrevistado 15 também teve sua percepção do
sul rural de Porto Alegre alterada, pois esperava uma dificuldade menor no processo de
produção agrícola. Pensava que seria mais fácil produzir os alimentos e não tinha noção da
quantidade de trabalho e da necessidade de recursos financeiros. Somente havia visto
99
produções agrícolas, nunca tinham experimentado cultivar algum produto, e não tinha
escutado nenhuma explicação sobre isso. Pensava que onde fosse plantar, independentemente
da época, haveria produção. Assim, teve decepções quanto a este aspecto.
Mesmo assim, diz que é fácil pensar em produzir de modo agroecológico, pois as
técnicas, os saberes, foram pesquisados, sendo necessário aplicá-los. Para ele, olhar o rural
de fora trazia uma percepção mais lírica:
Fica meio que uma questão meia romântica assim do rural: “bá, aqui é legal, aqui é
bonito, tudo o mais, aqui eu vou plantar a minha própria comida, vai dar tudo certo!”
Daí tu acha que é do dia pra noite que isso vai acontecer, sabe! Fica imaginando
assim de fora, e dquando tu vem pra cá, as coisas acontecem assim, mas é bem
mais lento, e é todo um processo, e é um processo que tu vai vivenciando tudo
acontecer (E15, G3, p. 15).
Diferenciando-se de outros novos rurais, para estes dois novos rurais as atividades
agrícolas desenvolvidas fizeram emergir um elemento que faz parte deste meio. As
dificuldades sentidas por eles estão concatenadas ao fato de que não haviam tido contato com
a agricultura anteriormente ao estabelecimento de residência neste local. Por não conhecerem
as formas de cultivo e produção agrícola, acreditavam que não era necessário um
conhecimento mais específico. Isso levou a uma desilusão inicial, pois o grau de dificuldade
esperado era inferior. Eles encontram dificuldades relacionadas às práticas e técnicas agrícolas
a serem adotadas, aos tipos de solo adequados à plantação e ao conhecimento de espécies de
árvores.
Pode-se concluir esta breve seção salientando que praticamente todas as percepções
dos informantes novos rurais antes e depois da residência no rural se diferenciaram. Algumas
delas mudaram totalmente, como é o caso do entrevistado 6, outras passaram por acréscimos
sem perder sua essência, como é o caso da entrevistada 21. As variações de percepções estão
conectadas às diferentes experiências e ao contexto a que passam a estarem submetidos estes
atores.
100
6 RURAL E PERCEPÇÕES
Neste capítulo, a intenção é aprofundar a análise das percepções do rural de Porto
Alegre expressas no capítulo anterior, buscando compreender brevemente como experiências
e o contexto que cada um dos informantes está inserido influencia nas suas percepções. Além
desta análise, também será apresentada uma discussão sobre o rural baseada nas categorias de
percepções identificadas buscando apontar aproximações com textos teóricos que discutem a
temática rural. Uma última discussão foi elaborada com o intuito de indicar a importância que
determinado “lugar agroecológico” vem assumindo recentemente na preservação do rural e do
natural de Porto Alegre.
6.1 Fatores determinantes nas percepções
“Os dados apreendidos num determinado momento exibem significado, graças aos vínculos
que os prendem aos apreendidos momentos antes”
(PENNA, 1997, p. 14).
A abordagem teórica indica que a forma de perceber origina-se de inúmeras
experiências de cada ator, permeadas pelo contexto em que está inserido. A relação com o
contexto acontece por uma via de mão dupla onde o contexto influencia a pessoa e esta exerce
influência sobre ele (SOUZA, 2009).
A relação estabelecida com o meio faz com que surjam formas de interpretá-lo
fundamentadas nestes vínculos. Esta relação se dá através de trocas onde o indivíduo fornece e
recebe informações. A “troca e a interação que ocorre em determinado ambiente e com cada
pessoa pode refletir diferentes formas de entender a realidade” (SOUZA, 2007, p. 104).
Assim, a forma de perceber o espaço é determinada por características individualizadas
da pessoa e pela esfera que a circunda caracterizada por interações sociais, situações de cunho
político particularizadas para um determinado tempo e espaço, condições econômicas, cultura,
dentre outras características. “Cada indivíduo tem sua interpretação de espaço, de acordo com
a realidade em que vive” (OLIVEIRA, 2006, p. 35).
101
A influência do meio sobre as pessoas pode ser observada em uma citação de um
pequeno trecho da entrevista de uma informante. A forma como conheceu o rural de Porto
Alegre deu-se pelos roteiros dos Caminhos Rurais. Antes de trabalhar na Secretaria Municipal
de Turismo (SMTur) de Porto Alegre ela nem imaginava que existia na capital gaúcha um
espaço rural. Provavelmente, este fator tenha direcionado algumas de suas explicações de
como percebe estes roteiros da capital gaúcha e não propriamente o espaço rural. Esta
indicação aparece na seguinte fala: “É o verde que a gente tem que ter, é o nosso pulmão, é o
nosso verde, é o agroecológico esses são os pontos fundamentais do Caminhos Rurais
(E10, G2, p. 12, grifos nossos). Falando de características atribuídas por ela aos Caminhos
Rurais e não ao rural de Porto Alegre mesmo quando a pergunta era sobre este espaço. Esta
“confusão” está ligada com a forma como conheceu o espaço rural. Por isso, o meio no qual
estava inserida, a SMTur, influenciou-a para que apreendesse, inicialmente, o rural de Porto
Alegre como roteiros turísticos dos Caminhos Rurais.
Deste modo, algumas características do rural se tornam mais visíveis quando existem
experiências anteriores que auxiliam no seu aparecimento. Isto porque, se as pessoas são
capazes de citar características de um espaço ou de um lugar é por que passaram por
experiências nas quais puderam, por meio das condições da percepção, identificar algumas de
suas especificidades (MERLEAU-PONTY, 2006). Assim, as experiências vivenciadas
anteriormente ou mais recentemente auxiliam para que as informações ou os dados sejam
percebidos e assumam caráter considerável.
Para cada uma das categorias de percepções do rural de Porto Alegre, existem contexto
e experiência diferenciados que influenciam e ajudam a explicar por que estes informantes
identificam o rural de Porto Alegre da maneira como expressaram. Pode-se dizer que no caso
da categoria agroecológico, os informantes estão envolvidos em experiências com agricultores
agroecológicos por meio dos quais definem percepções através do contato que tem com estes.
No caso dos informantes que perceberam o espaço como sendo de qualidade,
constatou-se que têm experiências que estão fortemente relacionadas com o rural: três deles
tem suas ocupações profissionais diretamente ligadas com este espaço. Motivados por
relações com atores do rural, algumas práticas são originadas. Dentre elas o próprio consumo
de produtos mais específicos da FEJB: “eu compro ali [ervas medicinais] porque um dos
ervateiros ali eu trabalho, então com ele, eu sempre ali, eu to sempre comprando alguma
coisinha dele.” (E4, G1, p. 6).
Em outros casos, identificam-se prováveis associações entre as atividades
desenvolvidas no trabalho em espaço rural e as percepções. Um dos informantes que trabalha
102
em uma ONG que atua no sul de Porto Alegre, descreve seu ocupação desta foram: “a gente
trabalha justamente com a educação ambiental da comunidade do morro e das crianças de
escolas no entorno, trazendo pra eles o que é uma unidade de conservação, como funciona
como é protegida, [...] além de mostra toda vegetação, toda mata” (E18, G1, p. 4, grifos
nossos). Indicando que atua desempenhando atividades de educação ambiental onde ensina
crianças mostrando a vegetação que nas comunidades. Ao observar sua percepção do rural
de Porto Alegre identifica-se que este espaço também está vinculado ao mostrar, devendo
existir para que as pessoas urbanas aprendam como ocorre a produção agrícola.
Uma relação parecida entre prática profissional e percepção é observada nas
experiências de um novo rural que desenvolve a atividade do turismo rural em sua
propriedade. Quando se mudou para o sítio, este se constituía em sua única fonte de renda
visualizada através do turismo rural. O que se percebe é que a atividade que passou a
desenvolver em seu sítio está presente na percepção do rural: saber que o quê eu faço
um retorno pro meio urbano muito bom, que é tu manter em qualidade de vida aqui, ar
puro, e tu da em educação que ta faltando muita coisa pro meio urbano” (E19, G3, p. 19,
grifos nossos).
O que primeiro chama atenção é um vínculo estabelecido entre atividades profissionais
desempenhadas no rural de Porto Alegre e as percepções, indicando que a percepção está
vinculada com práticas cotidianas. Esta identificação se aproxima da citada por Penna (1997,
p. 191) onde o espaço de vida de uma pessoa determina uma seleção de aspectos do meio
físico baseando-se em um princípio econômico onde conviver com a totalidade do meio seria
perturbador. A pessoa, “em função de sua constituição e de suas estratégias de vida, segregaria
da realidade apenas aqueles aspectos de fato relevantes para efeito de uma adaptação eficaz”.
Então, como observado, as atividades profissionais compreendidas como estratégias de vida
de uma pessoa determinam a forma como percebem o mundo.
A possibilidade de reproduzir-se por meios ligados ao rural determina que as
percepções deste espaço estejam ligadas com as atividades de suas profissões. Estas
percepções são mais bem compreendidas quando se observa que as necessidades de uma
pessoa, determinam o planejamento da vida de maneira estratégica para supri-las. Assim, as
necessidades direcionam a forma de conceber o mundo e subordinam processos perceptivos
(Penna, 1997).
No caso dos componentes do grupo lugar isolado, o contexto envolvido em dois
informantes indica experiências fortemente relacionadas com o espaço urbano onde
relativamente mais proximidade entre às pessoas e destas com pontos comerciais:
103
eu me criei dentro da cidade, eu aos 15 anos já fui trabalhar em banco, e eu sempre
vivi assim no meio de pessoas comercialmente, financeiramente [...] eu não gosto de
viver sozinha assim, na solidão, eu preciso ver pessoas sempre. Então o bairro
onde eu moro hoje é um bairro muito movimentado. Eu to na minha cozinha eu to
vendo carros passando, eu to vendo pessoas passando, to vendo caminhões, ônibus
passando, to vendo... o ponto da minha [casa] é bem estratégico, assim, é de muito
movimento (E3, G2, p. 3 e 4, grifos nossos).
eu sempre morei, no meio do cimento né, e mesmo viajando em qualquer outro
lugar, eu sempre vejo uma casinha no meio do campo no meio do nada e penso, mas
como é que aquela pessoa vive ali, longe de tudo. Eu sempre tive tudo ao redor, a
farmácia ta a uma quadra de casa, o mercado ta do lado, a padaria ta na outra esquina
(E10, G2, p. 8, grifos nossos).
Para quem sempre conviveu próximo as pessoas desde que começou a exercer
atividades profissionais, o rural, enquanto espaço menos densamente povoado, apresenta-se
como um local onde uma distância maior entre as pessoas o que pode vir a expressar em
menor quantidade de relações interpessoais (TUAN, 1983). Pois, a tendência aponta para a
indicação de que em ambientes com maior quantidade de pessoas possibilidade de ocorrer
mais relações sociais entre as pessoas.
Acredita-se, também, que a sensação de solidão e isolamento está entrelaçada com a
noção de espaciosidade. A espaciosidade é medida com a quantidade de espaço necessário
para uma pessoa não sentir-se pressionada por outras pessoas. Este quesito varia de cultura
para cultura e pode demonstrar oscilações em uma mesma cultura. Assim, a sensação de
solidão experimentada em alguns ambientes, está ligada a estar em um ambiente que é
sentido como espaçoso demais. Por isso, em patamares variáveis, a sensação de solidão pode
estar vinculada ao espaço mais extenso do rural (TUAN, 1983).
No caso do grupo de informantes da categoria contradições observa-se que estão muito
próximos ao rural de Porto Alegre apresentando relações com atores que residem neste
espaço. Havendo informantes que tem suas residências localizadas em bairros onde rural,
sendo novos rurais e moradores que não possuem rendas oriundas de atividades do rural.
A maioria das pessoas que expuseram as contrariedades do rural, não estava vinculada
à instituições atuantes nesta área mais preservada de Porto Alegre, por isso não tinham
vínculos profissionais ligados, direta ou indiretamente, a este espaço. Possuíam uma fala e um
discurso desvinculado destas influências.
Esta proximidade faz com que apareçam tanto características positivas relacionadas
com belezas locais e culturais, quanto ameaças de comprometer a continuidade deste espaço
rural e natural. Deste modo, suas percepções assumem um caráter que aponta o que lhes
fascina e o que lhes preocupa pondo em risco um espaço que é apreciado.
104
Por último, o grupo liberdade expressa fortemente percepções do rural remetendo ao
“sítio”, lugar onde convivem durante a maior parte do tempo. No caso deste grupo de
percepções, pode-se dizer que a expressão espaço rural é “um símbolo comum de liberdade”
por ser aberto ao olhar e ao pensamento (TUAN, 1983, p. 61).
Apesar de informantes deste grupo já terem uma percepção do rural de Porto Alegre
antes de se mudarem para este espaço, o viver em um local sob condições que, na maioria dos
casos eram novas, exigiu deles uma adaptação com o novo meio.
a gente plantava por tudo, porque a gente não tinha também, apesar de ter lido, certas
coisas o livro não vai te dizer, qual é o lado norte daqui que a gente... ta sabe uma
posição solar aqui de determinado lugar, [mas] que horas que bate uma sombra lá?
Se é bom ou se é ruim pra plantá? Ou se é mais seco, ou se é mais arenoso o solo...
essas coisas assim tu vai vendo (E15, G3, p. 12).
A fase de mudança de local de residência trouxe-lhes momentos em que
experimentaram fortemente o novo ambiente. Confrontaram-se com realidades que não
estavam totalmente adaptados por mais que imaginavam e tinham expectativas de como seria
viver no rural.
Para estas situações vivenciadas Penna (1997) cita que “a percepção aparece como
forma de atividade e como primeiro passo ao estágio para a total complementação do
ajustamento do organismo ao meio”. Estando na base da ação dos indivíduos, a percepção
auxilia-os a identificar as melhores soluções para problemas identificados e para que as
pessoas apreendam como lidar com determinadas situações e mesmo como executar tarefas.
Quando ainda não ocorre um ajustamento completo, a percepção continua atuando de maneira
a proporcionar um conhecimento básico.
Posteriormente a esta fase de adaptação surgem outras que indicam que o meio passa a
ser manipulado e consumido.
Durante um ano foi uma experiência muito radical na minha vida. Acostumado
com movimento, atendendo, duzentas, trezentas pessoas por dia na Tristeza, me
retirar pra um sítio onde eu realmente fique sozinho, esse primeiro ano de convívio
foi muito difícil. Mas também foi um aprendizado. Eu aprendi a viver comigo e
com os animais, eles são a minha companhia na verdade, hoje eu tenho outra, duas
pessoas que me... que me ajudam com a manutenção do sítio, mas basicamente o
primeiro ano, eu gramiei sozinho aqui, entendeu!? Isso me deu uma certa, um outro
descobrimento, um outro reconhecimento da minha personalidade, fez me
recordar a minha ligação com a terra, com a natureza digamos assim né! (E6,
G3, p. 4, grifos nossos).
Assim, a percepção é influenciada por fatores externos. Ela não depende somente do
dos sentidos e do cognitivo da pessoa, mas dos traços culturais, do contexto que determina
diferentes relações sociais com pessoas e com o ambiente. Podendo alterar-se durante a vida
da pessoa quando submetida a experiências com as quais não se sentia habituada.
105
6.2 Relações entre abordagens teóricas do rural e percepções do rural de Porto Alegre
O real deve ser descrito, não construído ou constituído. Isso quer dizer que não posso
assimilar a percepção às sínteses que são da ordem do juízo, dos atos ou da predicação.”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 5).
Em sua totalidade, as cinco categorias de percepções do rural expõem o rural de Porto
Alegre aproximando-se de informações sobre o rural delimitadas em textos teóricos que
expõem compreensões do rural e as transformações deste espaço. Demonstrando que os
informantes desta pesquisa de relações distintas com o rural não o percebem de maneira muito
distante do que é identificado atualmente por pesquisadores brasileiros do rural.
Estas distintas percepções se associam a compreensões do rural conforme as
interpretações do período posterior e anterior à década de 1970, quando se abordava o rural
como sinônimo de agricultura, principalmente (PIRES, 2004, 153). Entretanto, observando-se
palavras associativas, verifica-se que a categoria que percebe o rural de Porto Alegre como
“isolado” parece “reproduzir as definições tradicionais das sociedades rurais” quando estas
não entravam em relação com o meio urbano (WANDERLEY, 2000, p. 17).
As percepções desta categoria indicam dois tipos específicos de isolamento deste
espaço, são elas: isolamento de pessoas e relações sociais na própria comunidade rural e
isolamento de estruturas e serviços urbanos. Não se relacionando com a falta de interação com
o meio urbano, pois como se verifica para o espaço em questão nesta pesquisa, ocorrem
diferenciadas relações sociais entre rural e urbano em Porto Alegre.
No caso do isolamento de relações sociais entre pessoas salienta-se que o menor
número de pessoas residindo em um determinado local, não são fatores determinantes do
número de relações próximas que ocorrem entre as pessoas. Pois foi identificado que em
comunidades rurais ocorrem relações entre as pessoas que são imbuídas de maior confiança e
amizade (GOMÉZ, 2001; SOLARI, 1973).
No rural existem formas de relacionamento distintas das existentes na cidade,
indicando uma complexidade maior nas relações sociais. Na cidade, apesar das pessoas
estarem muito próximas umas das outras em ruas, locais de trabalho e residências, a interação
social não permite conhecer profundamente todas as pessoas com as quais se convive.
Podendo apresentar relações sociais mais próximas, entretanto em “níveis” inferiores aos
observados em meio rural.
106
Em uma interação entre moradores de uma comunidade localizada no meio rural,
um conjunto maior de fatores envolvidos. A vida social dos moradores de uma comunidade é
mais aberta possibilitando que uma pessoa conheça a família, ocupações e parentes de seu
vizinho assim como de outras unidades familiares localizadas na comunidade rural (SOLARI,
1973).
Então, o rural se transforma em espaço isolado de vida social quando se considera o
número de pessoas com as quais pode se falar durante um dia. Por isso, o sentimento de
solidão experimentado no rural precisa ser relativizado conforme a percepção de mundo de
cada pessoa uma vez que ocorrem, neste meio, relações sociais íntimas entre os atores. O que
demonstra proximidade social ao se observar a quantidade de características da vida dos
locutores envolvida na conversa.
Para o caso das outras percepções da categoria lugar “isolado” identifica-se que
percebem características do rural. Averigua-se que é típica do rural a situação de menor
densidade populacional. Sendo uma de suas propriedades necessárias para a atividade
agrícola. Do mesmo modo, a situação de isolamento de estruturas, tais como de água e esgoto
e serviços de acesso às mercadorias como medicamentos e alimentos se constituem em
situações presentes do rural. Estes espaços por serem distantes de centros de distribuição
localizados nas cidades ainda não foram abrangidos pelo poder público e não constitui espaço
viável para a atuação de serviços como de tele-entrega. Por mais que seja identificável em
alguns locais do rural de Porto Alegre, a presença destes serviços, não estão presentes para
todo espaço.
No entanto, como citado, nos tempos posteriores à década de 1970 ocorre uma
alteração na forma de abordagem do rural. Acompanhada de redução no deslocamento de
pessoas do rural para o urbano, ocorrendo casos de inversão onde as pessoas se deslocam do
urbano para o rural. E descentralização econômica e política com instalação de indústrias no
espaço rural, ocasionando o surgimento de novas oportunidades de trabalho no rural (PIRES,
2004).
“Acompanhando” as transformações nas maneiras de compreender o rural, as demais
percepções do rural descrevem este espaço abordando suas diversidades de maneira
semelhante à forma como o espaço rural é identificado e citado em noções teóricas publicados
no Brasil e América Latina.
Uma das transformações atuais é o aumento da prática de consumo do rural e a
representação desse espaço por pessoas residentes no espaço urbano. Pires (2004) destaca que
as atividades não-agrícolas são decorrentes do consumo de bens e serviços por pessoas do
107
espaço urbano, que passam a valorizar o rural, atribuindo-lhe qualidades positivas, tais como
recreação, moradia e a proteção ambiental.
Identifica-se nas entrevistas do Grupo 1, assim como nos demais grupos,
características do rural de Porto Alegre que demonstram como estas pessoas sentem o rural
quando estão neste espaço e como gostariam de usá-lo caso detivessem um terreno e/ou tempo
para se dedicar a produção do próprio alimento:
é um outro ritmo de vida, sem o estress urbano, outra qualidade de vida assim,
ambiental né, ar, água, produção do próprio alimento, sustentabilidade da própria
pessoa assim tenta contato maior. Ah, ficá fica curtindo a natureza,
conhecendo a natureza, isso aí é tri bom, eu acho isso importante (E4, G1, p. 15);
todas as, as vantagens de morar longe do centro possam te dar, [...] tranquilidade,
silêncio, fauna, flora, [...], natural, o próprio consumo direto, contato direto com a
agricultura ecológica, poder plantar, colher em casa, talvez fosse fazer isso
(pausa) [...] um ambiente sadio, proximidade com o Guaíba, proximidade com as
áreas mais rurais ainda, que eu gosto (E7, G1, p. 15).
Destacam-se, além das demais amenidades percebidas no rural, o aspecto natural do
rural. Segundo Froehlich (2002, p. 141), o rural “pode ser visto como refrigério justamente
porque é associado a uma natureza idealizada como tendo propriedades repousantes,
saudáveis e acolhedoras.” Estes aspectos são motivadores da busca por um local com as
peculiaridades do rural. Deste modo, reúne-se à característica de metrópoles de caos urbano,
as características do rural provenientes de seu aspecto natural.
A categoria qualidade percebe um rural que, de diferentes formas, contribui para
melhorias a Porto Alegre urbanizada. A partir disso identifica-se uma abordagem que
considera complementaridades na aproximação entre rural e urbano. Kageyama (2008)
salienta uma relação de complementaridade do rural com o urbano que ocorre por meio de
produção e consumo. Na proximidade entre estes mundos, a função assumida pelo rural é
paisagística e cultural, além da indispensável produção agrícola. O rural então assume um
papel específico na reprodução e desenvolvimento da cidade.
A proximidade que se encontra o mundo rural e o urbano em Porto Alegre fornece
instrumentos para o desenvolvimento uma vez que surgem vantagens provenientes da
integração e proximidade de ambientes urbanos e rurais. Identifica-se, na categoria qualidade,
interações de complementação que expressam o fornecimento pelo rural agroecológico de
alimentos saudáveis baseados em produção sustentável aos moradores do urbano que não tem
como produzi-los. Entretanto, observa-se que nestas percepções o urbano é sentido como um
local pobre de compreensões sobre o rural. Necessitando instruir-se sobre as práticas rurais
que originam os alimentos por eles consumidos. Esta prerrogativa trás associado à
108
indispensabilidade deste espaço para a “educação rural”, para a despoluição da cidade e para
que haja espaciosidade entre pessoas e residências.
Estas percepções apontam alternativas mais sustentáveis para o município através de
uma produção localizada e ecológica. Aproxima-se em suas idéias de um modelo de
desenvolvimento identificado na Itália, onde os locais de produção e consumo são fatores
determinantes no desenvolvimento. Neste caso, camponeses de uma determinada região
aproveitaram redes de municípios grandes e pequenos para comercializar seus produtos o que
baixou seus custos de transação
22
. Conforme esta perspectiva, os centros urbanos assumem
um papel relevante interferindo no desenvolvimento de áreas rurais quando o rural apresenta
diversificação interna e integração externa (KAGEYAMA, 2008).
A produção ecológica tem como princípios determinantes da Agroecologia. Constata-
se que agricultores familiares expressam capacidades de adequar os meios disponíveis no
ecossistema com uma produção agrícola (PETERSEN; DAL SOGLIO; CAPORAL, 2009).
Baseados em suas observações cotidianas e em trocas de experiências, agricultores familiares
e novos rurais de Porto Alegre elaboraram maneiras de produção ecológica e auxiliam a
compor um lugar com características ecológicas.
O desejo de residir num espaço rural representado mais fortemente pela categoria
liberdade, apresenta-se em sentido contrário à noção que apontava a cidade como espaço de
liberdade. No período recente e atual, esta palavra passa a estar ligada ao rural (FAVARETO,
2006).
Assim, o campo quando em posição de comparação com a vida na cidade, assume
atribuições que eram associadas a esta. Dentre elas a forma de viver em uma vida mais
comunitária, permeada por relações sociais mais próximas, típicas de cidade pouco
urbanizadas. A experimentação destas sensações de proximidade social faz lembrar a forma de
vida adotada em uma “cidadezinha de interior” (E21, G3).
Segundo Silva (2009), as pessoas que ligam ao campo um sentimento de liberdade não
são contrárias às tecnologias disponíveis no mundo técnico-científico, como a internet, mas
são avessas às formas contraditórias atuais das vivências da cidade e se mudam para o rural
“pra fugir da loucura do urbano” (E1, G3, p. 9). Estes informantes sentem falta destas
facilidades e da melhor qualidade dos serviços de telefonia celular e da agilidade e rapidez de
acesso à internet na cidade.
22
Os custos de transação são os custos presentes em todas as atividades de um sistema econômico que envolve a
troca de mercadorias (COASE, 1993).
109
Conforme uma abordagem mais recente do rural, a aproximação entre mundos antes
tão distantes poderia ser compreendida através de uma perspectiva que considera a formação
de um contínuo entre o rural e o urbano. Esta noção de continuidade entre estes dois espaços
seria marcada por uma indistinção de atividades econômicas e mesmo de aspectos culturais.
Apesar de esta abordagem ter obtido destaque, as interações entre o urbano e o rural
não causam uma homogeneização entre estes dois espaços, pois populações tradicionais, no
caso agricultores familiares, captam mudanças e as transpõe à sua realidade, sem perder as
características que os identificam (CARNEIRO, 1998). Algumas falas dos informantes
(externos ao rural) demonstram relações com esta perspectiva quando expressam as diferenças
que existem entre o local onde moram e o espaço rural. Ou quando percebem as diferenças
que existem entre “a Porto Alegre” dos bairros centrais e a Porto Alegre” que ao sul de
seu território.
Porque eles nos oferecem pra nos mostrar que em uma capital existe isso aí, muita
gente não imaginava, tinha horas que a gente tava andando e achava que a gente
tava aqui nos interior de Ivoti né, não que a gente tava dentro de Porto Alegre, eu
imagino aquilo ali quando não era asfalto, que nem ela falou, a Mirta pra nós, era
chão batido, bom também não existia estrada, esses Caminhos Rurais né, mas eu
imagino como é que era aquilo lá era bem interior, mais interior ainda né, hoje com
asfalto já modifica as coisas né (E3, G2, p. 11, grifos nossos).
Ou mesmo quando falam de características que este rural tem: “a questão de ter essa
gente vivendo ah, [...] agroecológicos, vivendo disso, [...] vive disso né, isso é a vida dele, ele
vive dos caminhos rurais, mas antes disso ele vivia da produção que ele faz e que ele vende
na feira” (E10, G2, p. 11).
Assim observa-se que a definição do contínuo entre o rural e o urbano não é
condizente com o que se vê em Porto Alegre. As informantes citam a diferença que entre
os bairros centrais, onde está a efervescência urbana da capital, e o local onde existem
características interioranas no qual são desenvolvidas atividades agrícolas mescladas com
práticas turísticas com o intuito dos agricultores familiares obterem o necessário para a
sobrevivência da família.
Em um trecho é destacada aspectos culturais das pessoas que vivem no rural de Porto
Alegre e estão inseridas nos Caminhos Rurais:
e junto com ele trás uma cultura né, que é a cultura daquelas pessoas que vivem uma
vida, uma vida, não, não cimentada, digamos assim, que trazem coi, costumes,
talvez um pouco mais conservadores, que perde no dia a dia da metrópole né,
dia a dia do cimento que o acho. Eu falo do cimento porque eu acho um contraste
muito grande assim né, a (rua) Independência com a zona sul eu acho que são dois
opostos 100%, o cimento e a planta e eu acho que junto com isso, traz, tra, traz
toda uma cultura, uma cultura de família assim sabe. Aquelas pessoas, a maioria
que ta ali, herdo, herdo a terra do seu pai, da sua mãe, então tem aquela questão do
110
pro, o próprio Sítio do Guilherme ali que é uma questão que ele herdou, que é uma
questão de carinho pela terra, uma questão, um carinho pela terra [...]. Porque junto
com o verde junto com essa terra, vem uma cultura de outra, a maioria ali são
pessoas que vem com essa terra de geração assim, porque, eu não sei se tem algum,
alguma das propriedades que chego e compro agora. Que nem a [...] Cycas e
Palmeiras também, que tem o avô [...] que o avô compro, pra dar de presente pra
filha e aquilo vai [...] vai mantendo sabe. E daí né, tu busco toda aquela questão de
como valoriza aquela terra e como produzir, fazer, é tudo uma questão de gerações
assim sabe é uma cultura que vem, que vem de outras gerações, que já estavam ali
em Porto Alegre naquela zona rural, a muito mais tempo (E10, G2, p. 13).
Observa-se que mesmo que os agricultores familiares estejam em interação constante
com as pessoas do mundo urbano não deixaram de ter e expressar sua cultura. Principalmente,
no que tange a tradição de passar as terras de pai para filho. Assim como esta informante
expressou em sua entrevista, o apego e a valoração atribuída ao local onde residem os
agricultores do sul de Porto Alegre são citados por eles nas visitas turísticas às propriedades.
Isto indica que o turismo rural que ocorre vinculado aos Caminhos Rurais abre espaço para
manifestações de sentimentos que os agricultores têm por sua terra. Contribuindo para que
mais pessoas conheçam as realidades do sul de Porto Alegre e para que venham a identificar
enquanto um espaço onde o rural se faz presente. Não somente enquanto local de produção
agrícola, mas como um local de cultura diferenciada dos espaços urbanos. Assim pode-se
dizer que em Porto Alegre o espaço com características rurais não é percebido como
homogêneo em aspectos culturais ao espaço urbanizado.
A categoria contradições expressa características que tencionam a Zona Sul de Porto
Alegre, onde se localiza o rural. Estas situações de tensão são grandemente decorrentes da
localização deste rural em uma capital do Brasil.
Na região metropolitana de Porto Alegre, especialmente na capital, o setor imobiliário
apresenta-se influente na construção de prédios, loteamentos e condomínios em locais com
distintas densidades populacionais e exercendo influência nos preços de lotes de terras: “aqui
(cidade) pra onde se olha estão construindo, e derrubando casas antigas pra construir
condomínios”. E “a área de Porto Alegre que é menos construída, que seria mais preservada”
também tem sido influenciada por este ramo, não apresentando diferenciação das áreas
urbanizadas: “eu tinha pensado em te falar com menos especulação imobiliária, mas eu acho
que não mais, porque tão construindo por tudo” (E20, G1, p. 9). Segundo o INGÁ (2009),
Estudos Ambientais, a ocupação para loteamentos e residências é de aproximadamente 500
hectares ao ano em áreas localizadas na Zona Sul cobertas com vegetação natural e com
ocupações rurais.
As situações de contradições presentes em Porto Alegre assemelham-se a discussão
trazida por Miranda (2004) entre “campo e cidade” na região metropolitana de Campinas.
111
Numa análise sobre o setor imobiliário neste município, cita que este ramo muitas vezes
influencia na definição da regulação dos usos que são dados ao solo dos municípios.
As preocupações relacionadas com o sul de Porto Alegre expressas nas percepções
também são contempladas na análise de Miranda (2004) quando se referem à classificação de
espaços enquanto áreas rurais ou urbanas. Em casos de definição da totalidade do território de
municípios como urbano, salienta que surgem implicações relacionadas com a fragmentação
do solo em unidades territoriais pequenas e com os custos referentes à extensão de infra-
estrutura urbana a regiões mais distantes.
Esta classificação pode problematizar as formas de regulação do uso e ocupação
quando tenta conciliar a legislação para atender a distintos interesses, por vezes dificilmente
compatíveis. Esta nomeação de territórios como urbanos, regrados por leis regulamentadoras
dos usos do solo, também apresenta dificuldades para impedir o surgimento de loteamentos
irregulares, clandestinos e na forma de condomínios em áreas rurais (MIRANDA, 2004). O
que também é apontado nas percepções: “até onde esses produtores vão ter força pra lutar
contra um poder maior [...] em função das invasões, esse que é o maior problema desses
proprietários dessas regiões [...] é o pavor assim de todos os proprietários, não é só de alguns”
(E13, G2, p. 13 e 16).
Oliveira
23
(1997 apud ESCORZA, 2004, p. 138) cita que a especulação também
dificulta a criação de benefícios para a coletividade e a atuação de planejadores urbanos.
Segundo Escorza (2004), a especulação do solo traz prejuízos para o coletivo de pessoas
residentes, pois o preço da terra sobe, prejudicando principalmente as pessoas mais carentes
que impossibilitadas de obter terrenos legalmente, se dirigem para locais distantes,
desabrigados de estruturas urbanas necessárias à qualidade de vida. Por isso, a atuação do
setor imobiliário quando influencia no aumento do preço de terras, causa exclusão social e é
um dos causadores da origem de favelas em metrópoles e regiões metropolitanas: “esse
problema da superlotação, super população, não é o oficial né, existe o clandestino, o
clandestino é cada vez maior, cada vez mais os morros tão sendo ocupados né!” (E7, G1, p.
14).
Além destes aspectos de cidades metrópoles, outra característica é a insegurança das
ruas: “mas apesar de tudo isso que acontece de assalto de tudo, me parece que o espaço rural é
um lugar mais seguro, é um lugar que se eu tivesse condições de morar eu moraria, até pela
23
OLIVEIRA, A. Estudo analítico e fenomenológico dos loteamentos fechados na cidade de o José dos
Campos. 1997. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade do Vale do Paraíba,
São José dos Campos, 1997.
112
questão de segurança” (E11, G2, p. 13). Segundo Escorza (2004), locais perigosos não são
necessariamente áreas urbanizadas mais antigas ou tradicionais, abrangendo também bairros
residenciais e tranquilos. Potencializando o uso de tecnologias com o objetivo de proporcionar
mais segurança.
As metrópoles e municípios em seu entorno apresentam um mundo de velocidade, de
história acelerada, de valorização do efêmero e do instantâneo, conjuntamente com a cidade
compartimentada, caracterizada pela realização de atividades ligadas à profissão, ao lazer e a
moradia em distintos locais (SILVA, 2009).
No contexto permeado por estas características do mundo urbanizado, os problemas
das cidades populosas, como a segurança, a ocupação clandestina, irregular e a segregação do
solo rural e urbano são sentidas por moradores através de sensações desconfortáveis Todas
estas características traçam, em alguns dos seus moradores, o desejo de um cenário
diferenciado de uma vida baseada em outros moldes que não os valores de um sistema que se
baseia no consumismo (SILVA, 2009).
Estas características apontadas são percebidas pelo grupo liberdade como conjunções
deste mundo onde as condutas pessoais não respeitam a subjetividade de cada um de seus
indivíduos ditando ritmos de vida a serem seguidos. A vida na cidade é vista como sufocante
de vontades próprias de cada uma das pessoas, impondo o consumo de serviços e produtos.
Fazendo com que mudem sua residência para um espaço onde a vida é menos submetida às
pressões urbanas.
Nesta conjuntura, motivados por distintas experiências relacionadas com o rural este
aparece como um local onde a forma de viver é percebida como diferente. Os moradores da
cidade passam a sonhar com um refúgio no campo onde respirar ar mais puro, debruçam os
olhos no horizonte. Provam a liberdade admirando a natureza. Almejam um lugar para residir
onde a água seja limpa e os produtos sem agrotóxicos e abundantes. “Espera-se que a casa no
campo seja o melhor dos aconchegos, sólido como a mais firme das terras, alimentado por um
enraizamento temporal e espacial, fincado diretamente no chão e não pendurado em prédios.”
(SILVA, 2009, p. 4, tradução nossa). “No momento em que esses novos estratos passam a
colonizar o espaço, quando se começa a produzir bens e serviços para essa população, eles
passam também a disputar a representação do rural com a população preexistente” (PIRES,
2004, p. 161).
A discussão que foi elaborada acima se deteve num ir e vir das percepções do rural
para as referências teóricas que abordam o rural atualmente. Foi possível perceber que as
percepções das distintas pessoas envolvidas com o rural, direta e indiretamente, denominam
113
este espaço de maneira muito similar e até idêntica as definições do rural adotadas
recentemente.
Inicialmente esta identificação chama a atenção, pois se trata de formas muito
parecidas de se “interpretar” o rural feitas por pessoas que têm com ele relações totalmente
diferentes. Uns se interessam por compreender suas transformações e outros o percebem como
um local que pode ser usado de diferentes formas que tem características distintas, muitas
vezes, obtendo informações sobre o rural por meio da feira ecológica ou pelo turismo rural.
Circulando por locais que se relacionam com o rural ou pelo próprio espaço rural.
Para Mormont (1990), a compreensão do rural atualmente precisa separar o rural como
espaço físico do rural como local de relações sociais. O autor assume esta postura como
alternativa de pensar o rural, argumentando que os espaços rurais são continuamente usados
por diferentes grupos sociais como forma de afirmação pessoal e até como um local que presta
uma identificação para estas pessoas que vão aos espaços rurais e também fazem usos de
espaços marcadamente urbanos.
Usando distintos espaços produzem representações sobre estes diferentes espaços
freqüentados e percebidos. Assim é que o rural passa a ser uma representação social produzida
por diferentes grupos (PIRES, 2004). A partir desta concepção, o rural deixa de ser algo
externo, entendido enquanto um espaço físico, e passa a, internamente, como no mundo das
percepções, ser construído como um instrumento de identificação pessoal.
Deste modo, segundo Halfacree
24
(1993 apud PIRES, 2004, p. 168) a “categoria” rural
passa a distanciar-se do espaço físico que anteriormente o representava. Por causa desta
desespacialização, o termo usado para designação do rural é ruralidades, permeado pela
compreensão que o aborda como construção social.
As representações e interpretações do rural são variadas porque diferentes atores,
vinculados a instituições ou não, tem interesses diferenciados relacionados com o rural e
“disputam”/produzem distintas representações com o intuito de assumir uma postura. Assim, o
número de ruralidades é proporcional à quantidade de grupos sociais de uma formação
socioespacial (MORMONT, 1990).
Apesar desta constatação do rural como construção social não ocorre uma perda das
características que marcam este espaço. Segundo Carneiro (1998, p. 5), na interação da cidade
com o campo ocorreria uma diversificação de culturas que aconteceria de maneira irregular
em suas mudanças de hábitos e costumes não descaracterizando a cultura urbana e rural. “Não
24
HALFACREE, K. Locality and social representation: space, discurse and alternative definitions of the rural.
Journal the rural studies, London, v. 9, i. 1, p. 23-37. jan. 1993.
114
se trata, portanto, de um processo inexorável de descaracterização dos núcleos rurais, mas da
sua reestruturação a partir da incorporação de novos componentes econômicos, culturais e
sociais.”
6.3 “Lugar” agroecológico de Porto Alegre
Naquele Lami tem, porque algumas propriedades têm, algumas propriedades são
agroecológicas e isso permite que as ao redor também sejam né! Eu acho que isso, se
ampliassem isso ainda além do Lami começassem a aumentar esse círculo, acho que
teria muita, teria muita aceitação. Por exemplo, se no Zaffari começassem a vender
só produtos agroecologicos eu acho que teria saída 100%, eu acho que dava, eu acho
que nós tamo chegando numa época que se tem que optar por coisas
agroecológicas e deixar as coisas, ah, cheias de fertilizantes e de [...] agrotóxicos e
coisas cheias de químicos e venenos. Eu acho que se esses agroecológicos entrassem
no mercado com mais força, com mais força eles iam ter as, iam repercutir, iam sair
também, iam vender e ia ser melhor pra todo mundo. Então nessa questão
agroecológica eu acho que esse espaço é maravilhoso, deveria crescer nesse sentido,
deveria ter mais gente produzindo dessa forma e eu acho que teria mais saída e eu
acho que Porto Alegre seria uma cidade ainda mais, mais saudável nesse sentido
(E10, G2, p. 12).
Assim como no bairro Lami, existe no sul de Porto Alegre, no espaço rural, um
conjunto de agricultores agroecológicos. Estes agricultores envolvem-se em relações com um
conjunto de outros atores tais como os grupos que compuseram os informantes para esta
pesquisa: usuários da feira, turistas e mesmo os novos rurais. A presença de diferentes pessoas
é um resultado da “permeabilidade” assumida pelos atores que circulando por diferentes
locais, estendem suas ações por espaços urbanos e rurais, abrangendo suas propriedades, FEJB
e os Caminhos Rurais.
Os locais de produção ecológica compõem um instrumento” dos atores sociais das
localidades encontradas mais ao sul do município. Mostrando-se organizado e marcado por
relações intensas entre seus membros mais próximos e pessoas externas. Assistidos por órgãos
públicos como a SMTur e a SMIC, do mesmo modo, ou mais, pela EMATER, conseguem
encontrar incentivos para a permanência.
Além de terem potencial de jogarem conforme o meio, através de uma readaptação
para continuarem e manterem a sua sobrevivência, estes relacionamentos intensos em esferas
públicas, mistas e individuais, e as dimensões que a prática agroecológica assumidas em Porto
Alegre demonstra a produção de alternativas frente à pressão que atualmente incide sobre o
sul de Porto Alegre natural e rural.
115
Também é possível pensar em estratégias sustentáveis para toda a região. O espaço
onde são realizadas atividades agrícolas em Porto Alegre não é suficiente para suprir a
demanda por alimentos da capital. A população de Porto Alegre necessita de muito mais área
para ser atendida em produtos alimentícios. Para esta situação, o interessante é o exemplo que
é trazido com a prática rural baseada em princípios da Agroecologia. Como foi destacado na
categoria de percepções qualidade, estes agricultores possibilitam uma produção local e um
consumo local empregando uma forma de viver e produzir mais sustentável.
Por meio disso, pode-se pensar em incentivos para este tipo de agricultura, não
somente em Porto Alegre, mas em toda região metropolitana onde ainda existem áreas rurais,
trazendo melhorias em diversos aspectos, mas, principalmente, no ambiental e no social.
Possibilitando que famílias residentes em periferias e espaços menos privilegiados passam ter
uma ocupação que lhes forneça alimentação saudável, assim como a região metropolitana
poderia ser servida por alimentos mais adequados e condizentes com uma boa saúde.
Este quadro poderia a vir representar futuramente para famílias de toda a região
metropolitana o que atualmente é visualizado em Porto Alegre quando se observa os novos
rurais e as estratégias baseadas em autonomia que assumem agricultores familiares. Esta
situação assemelhasse a denominada de recampesinização por Ploeg (2006), onde pessoas
tornam-se camponesas vindas de qualquer outra condição. A situação camponesa apresenta
diferentes graus em que são considerados alguns fatores, tais como: dependência em relação
ao mercado e agentes, relativa autonomia, magnitude e controle de recursos gerados e níveis
de produtividade.
O processo de recampesinização a que me refiro não se confunde, de forma alguma,
com um mero “retorno ao passado”. Trata-se, ao contrário, de uma ativa
reconstituição de relações de elementos (velhos e novos, materiais e simbólicos) que
ajudam a encarar o mundo moderno, mas em muitos aspectos grosseiro e cruel, de
forma mais adequada e atrativa (PLOEG, 2006, p. 47)
A forma como estes atores engajam-se no espaço rural de Porto Alegre, e se encontram
motivados e estimulados a continuar residindo em um espaço como este, pode surtir efeito
contra o setor imobiliário que atua adquirindo terras para investimentos na forma de
condomínios e loteamentos. Assim, poderão continuar desempenhando suas atividades ligadas
ao rural e mantendo um espaço mais verde que é significante para a qualidade de vida de toda
a população de Porto Alegre, uma vez que o cultivo agroecológico é sustentável e os
alimentos são mais saudáveis do que os produzidos conforme práticas de agricultura
convencionais.
116
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da mesma forma que um pesquisador chega a um espaço para entendê-lo, o rural de
Porto Alegre foi abordado conforme percepções de atores externos que se inserem no rural de
diferentes formas e por períodos de tempo distintos. Assim, a maneira como esta pesquisa foi
planejada abordou o rural em uma direção que partiu de “fora para dentro”.
Esta forma de pesquisar demonstrou, ao longo do trabalho, ser um interessante e
adequado instrumento para obter dados da realidade de espaços e lugares. Uma pesquisa
elaborada com a participação de um leque de pessoas selecionadas com o intuito de melhor
representá-los, pode fornecer informações para elaboração de diagnósticos. Por meio de
pesquisas baseadas em metodologias parecidas, podem ser identificadas quais são as
necessidades e demandas de uma comunidade rural, vindo a contribuir para melhorias e para o
desenvolvimento.
Dentro de uma temática de estudos rurais, este trabalho veio a ressaltar um conjunto de
fatores que se fazem presentes no rural atualmente, principalmente, a presença de atores que
estão indiretamente envolvidos com a prática rural, e que vem auxiliando na composição do
que é o rural.
As relações diferenciadas com o rural de Porto Alegre, onde distintos grupos de
pessoas originam práticas demonstram a existência de percepções deste espaço. Apesar de
serem identificadas inicialmente algumas formas de interação com o rural de Porto Alegre,
pela feira ecológica, pelo turismo rural e no caso dos novos rurais, estas formas de ligação não
determinam um “tipo” específico de percepção do rural. Por isso, as percepções não são,
necessariamente, similares dentro de cada um dos grupos desta pesquisa. Pelo contrário,
dentre as categorias de percepções identificadas e agrupadas pela similaridade, não houve nem
uma delas composta por informantes de um mesmo grupo, demonstrando que as percepções
do rural podem variar mesmo entre pessoas que apresentam uma mesma forma de relação com
este espaço.
As ligações com o mundo rural identificadas durante a coleta de dados foram além das
estipuladas. Foi descoberto que além de ligarem-se ao rural pelas formas previstas, existem
interações com este espaço circunscritas à profissão e aos laços pessoais. Estas formas de
relacionamento com o espaço também são fatores determinantes das percepções, e contribuem
para que surjam formas diferenciadas de perceber, inclusive entre pessoas de um mesmo
grupo.
117
Assim, o rural de Porto Alegre foi descrito pelos informantes apresentando diferentes
lugares. Conforme a categoria de lugar agroecológico, o rural de Porto Alegre é um espaço
onde são cultivados alimentos baseando-se em princípios da Agroecologia. Para o grupo lugar
qualidade, o espaço rural é percebido como imprescindível para uma cidade e para o
município, aparecendo como fornecedor de alimentos, como um local onde o ar é puro e onde
pode ocorrer o aprimoramento do conhecimento sobre as práticas do rural. No caso do grupo
lugar “isolado”, o rural é percebido como um local não relacionado ao mundo urbano, onde
estão disponíveis mercadorias e, principalmente, serviços. Na categoria que definiu o rural de
Porto Alegre como lugar de contradições, aparecem as ameaças de ocupação irregular e
originárias da incidência do setor imobiliário, bem como características do local, no que tange
aos aspectos natural e rural, que o torna bonito e faz com que surja o desejo de manutenção do
espaço. Por último, identificam-se na categoria lugar liberdade experiências desagradáveis
vivenciadas no mundo urbano que fazem com que conviesse aos informantes um mundo
distinto, o rural, onde as situações a que estariam expostos no dia a dia são agradáveis.
Abordando as percepções sob um viés que parte de um princípio descritivo, uma vez
que, no mundo das percepções, “o real deve ser descrito, não construído ou constituído”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 5), buscou-se nesta pesquisa aproximar as percepções do rural
de Porto Alegre com referências que auxiliassem na sua compreensão, e não elaborar uma
análise de percepções. Assim, identifica-se que as percepções estão presentes nas pessoas,
condicionadas por fatos da história de vida e permeadas pelas experiências vivenciadas mais
recentemente. Esta característica das percepções faz com que o rural de Porto Alegre seja
descrito conforme as sensações experimentadas no espaço rural e conforme o cotidiano onde
se está constantemente exposto a novas experiências, reconfigurando percepções.
Deste modo, se observou que a qualidade atribuída às situações cotidianas da vida de
cada um dos informantes, agradável ou desagradável, também se faz presente, indiretamente,
na percepção do rural de Porto Alegre. Dependendo desta qualidade, a percepção assume uma
postura de lugar que apresenta características combinantes com os desejos de vida ou de local
não combinante com as afinidades de determinados grupos de pessoas. As situações cotidianas
urbanas a que estão sujeitos os informantes do lugar “isolado” são explicadas, em sua maioria,
como sendo agradáveis, uma vez que estes informantes demonstraram ter o desejo de
continuar no mundo onde estão inseridos. para o grupo qualidade a situação é inversa, pois
eles identificam no meio urbano, onde residem, situações desagradáveis, o que os incita a
perceber o rural com bons atributos.
118
O conjunto de percepções do rural, identificado e agrupado conforme a similaridade de
perceber aproxima-se, em suas formas de descrição, com outras abordagens expostas em
textos teóricos sobre esta mesma temática. Assim, observou-se que para o caso do grupo de
pessoas que citaram o rural de Porto Alegre como um lugar “isolado” verifica-se, em certa
medida, aproximação com a abordagem do rural definida como tradicional. Nesta abordagem
o rural era atrasado em contraponto com a cidade moderna. O rural era composto por uma
sociedade que não se relacionava com a sociedade moderna localizada nas cidades e eram-lhe
atribuídas características como a carência de serviços e de infra-estrutura.
Os demais grupos de percepções fazem descrições do mundo rural de Porto Alegre
assemelhando-se a abordagens teóricas que consideram as diversidades do rural. Nestas
abordagens o rural é um local onde ocorre produção agrícola. Entretanto, para além disso, é
um local que atrai a atenção dos moradores de grandes cidades por apresentar aspectos
condizentes com suas demandas, demonstrando “propriedades repousantes, saudáveis e
acolhedoras” (FROEHLICH, 2002, p. 141).
Nesta perspectiva foram consideradas atividades desempenhadas no rural ligadas ao
setor secundário e terciário e que anteriormente eram restritas às cidades. Pode-se citar a
produção e beneficiamento de produtos agrícolas saudáveis e o turismo rural como exemplos
destas atividades. Também é aproveitada a proximidade do mundo rural ao mundo urbano
para a comercialização de produtos agrícolas, favorecendo o bem estar da população de ambos
os espaços.
Diferentes atores descrevendo, através de percepções, o que é o rural identificam-se
com abordagens teóricas quando assumem posições semelhantes às encontras em textos. As
aproximações entre percepções do rural de Porto Alegre e textos que abordam a temática rural
salientam que existem formas semelhantes de referir-se ao rural em diferentes grupos sociais.
Esta similaridade acontece mesmo entre pessoas que não desempenham atividades do rural,
como os turistas. Por isso, percebe-se uma construção social do rural entre grupos sociais que
se relacionam de diferentes formas com este espaço: consumindo-o, utilizando-o como meio
de sobrevivência e mesmo pesquisando-o.
Por fim, acrescentasse às considerações expostas que a prática agrícola baseada em
princípios da Agroecologia, desempenhada ao sul de Porto Alegre e presente na interação com
o rural nos três grupos de informantes desta pesquisa, na medida em que permeia as relações
em diferentes áreas e entre diferentes atores, passa a fornecer uma identificação para o rural de
Porto Alegre. Esta associação ao rural de Porto Alegre da característica “lugar” de produção
com base agroecológica pode proporcionar uma ‘identidade” ao sul de Porto Alegre, podendo
119
tornar-se um instrumento de resistência às forças maiores que ameaçam transformar este
espaço.
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Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2003. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3824>. Acesso
em: 7 jan. 2010.
SOLARI, A. O objetivo da sociologia rural. In: SZMRECSÁNYI, T.; QUEDA, O. Vida rural
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14.
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EDUFRGS, 2007.
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Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. Disponível em:
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128
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Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
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Economia) – Faculdade de Economia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
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VEIGA, J. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se pensa. Campinas: Autores
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VEIGA, J. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro:
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VILLAÇA, F. Dilemas do plano diretor. Disponível em:
<http://www.ongcidade.org/site/arquivos/artigos/dilemas436f9e94d59fb.pdf >. Acesso em: 4
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“rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos Sociedade e Agricultura. Rio de
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Acesso em: 27 dez. 2009.
XAVIER, H. A percepção geográfica do turismo. São Paulo: ALEPH, 2007. (Série
Turismo).
130
APENDICE A – PONTO DE SIMILARIDADE ENTRE INFORMANTES
Ponto de similaridades
entre os informantes
onde se encontram
práticas conforme
princípios da
Agroecologia.
131
APÊNDICE B - ROTEIROS DE ENTREVISTA
Roteiro de entrevista usuários da feira
- Caracterização da pessoa
Nome:
Idade:
Sexo:
Estado civil:
Filhos:
Aonde nasceu:
Em que bairro vive/ha quanto tempo mora neste bairro?
Em que municípios você morou?
Por que você veio morar em Poa?
Em alguns destes municípios que você morou, você residiu no espaço rural?
E como era esse lugar/você gostaria de morar?
Por que?
- Ocupação da pessoa atualmente
Qual a sua profissão?
Aonde você trabalha?
Como descreveria o seu trabalho?
Quais são suas atividades preferidas nos momentos que tem para lazer?
Quais os locais que mais freqüenta em Poa?
Por que gosta de fazer estas atividades e ir a estes locais?
- Motivações ligadas ao rural
Onde adquire os alimentos para a sua família?
O que diferencia os alimentos ecológicos da feira dos comprados noutros locais?
Quais são os alimentos que você compra na feira?
Porque prefere comprar estes alimentos na feira/o que você acha da forma como os alimentos
são produzidos/ como isso pode estar relacionado com a saúde.
Como tomou conhecimento da feira?
Há quanto tempo frequenta a feira?
De que “bancas” costuma comprar/como escolhe os alimentos?
O que você acha da forma de produção dos alimentos comprados na feira/como isso pode
estar relacionado com a saúde.
O que você acha do meio ambiente onde estes alimentos são produzidos?
O que é sustentabilidade?
O que você acha dos agricultores da feira?
- Percepções do rural de Porto Alegre
O que você conhece do rural de Porto Alegre?
O que você acha da Zona Rural de Porto Alegre?
132
Quais seriam as vantagens e desvantagens de morar no espaço rural de Porto Alegre?
Roteiro de entrevista turistas
- Caracterização da pessoa
Nome:
Idade:
Sexo:
Estado civil:
Filhos:
Aonde nasceu:
Em que bairro vive/ha quanto tempo mora neste bairro?
Em que municípios você morou?
Por que você veio morar em Poa?
Em alguns destes municípios que você morou, você residiu no espaço rural?
E como era esse lugar/você gostaria de morar?
Por que?
- Ocupação da pessoa atualmente
Qual a sua profissão?
Aonde você trabalha?
Como descreveria o seu trabalho?
Quais são suas atividades preferidas nos momentos que tem para lazer?
Quais os locais que mais freqüenta em Poa?
Por que gosta de fazer estas atividades e ir a estes locais?
- Motivações para o turismo no Caminhos Rurais
Em que lugares faz turismo?
Como você diferencia estes locais do Caminhos Rurais de Porto Alegre?
Porque optou pelo turismo neste local?
Como tomou conhecimento do Caminhos Rurais?
Você já veio outras vezes ao roteiro/Por que está retornando?
- Percepção da Zona Rural de Porto Alegre
O que você acha da Zona Rural de Porto Alegre?
O que você acha do meio ambiente deste espaço?
Quais seriam as vantagens e as desvantagens de morar no espaço rural de Porto Alegre?
O que é sustentabilidade?
Como isso pode estar relacionado com a saúde?
133
Roteiro de entrevista novos rurais
- Caracterização da pessoa
Nome:
Idade:
Sexo:
Estado civil:
Filhos:
Aonde nasceu:
Em que bairro vive/ha quanto tempo mora neste bairro?
Em que municípios você morou?
Por que você veio morar em Poa?
Em alguns destes municípios que você morou, você residiu no espaço rural?
E como era esse lugar/você gostaria de morar?
Por que?
- Ocupação da pessoa atualmente
Qual a sua profissão?
Aonde você trabalha?
Como descreveria o seu trabalho?
Quais são suas atividades preferidas nos momentos que tem para lazer?
Quais os locais que mais freqüenta em Poa?
Por que gosta de fazer estas atividades e ir a estes locais?
-
Percepções relacionadas ao rural de Porto Alegre
Há quanto tempo mora na Zona Rural de Porto Alegre?
Por que veio morar neste espaço rural/como você se sente morando aqui?
Da onde você veio?
Como você diferencia o local da onde você veio daqui?
O que você conhecia deste espaço rural antes de vir morar aqui?
Você fazia turismo ou visitas a este espaço antes de pensar em morar aqui?
Porque fazia turismo e visitas a este espaço?
O que você acha do meio ambiente deste espaço?
Quais são as vantagens e desvantagens de morar no espaço rural de Porto Alegre?
O que é sustentabilidade?
Como isso está relacionado com sa
134
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Este documento visa esclarecer os objetivos e procedimentos metodológicos da pesquisa
intitulada: “Percepção do espaço rural: descrição e análise a partir de citadinos e neo-rurais da
Zona Rural de Porto Alegre – RS” e você,
, está sendo convidado/a a participar como
voluntário/a.
Para além destes esclarecimentos sobre a pesquisa, este termo também contém os contatos
residencial, institucional e telefônico da pesquisadora, para eventuais dúvidas ou
esclarecimentos que possam surgir sobre a pesquisa e a participação nesta.
Concordando em participar, o termo deve ser assinado no final, pela pesquisadora e pessoa
que cedeu a entrevista ficando cada uma com cópia.
É importante ressaltar que a participação nesta pesquisa não é obrigatória e, a qualquer
momento, você pode desistir de participar e retirar seu consentimento, solicitando que todo o
material coletado até então seja descartado. A recusa não trará nenhum prejuízo na relação
com a pesquisadora ou com a instituição. Além disso, fica garantida a confidencialidade das
informações e dos dados pessoais coletados durante as entrevistas.
OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa pretende descrever quais são as percepções de citadinos e neo-rurais do espaço
rural de Porto Alegre (RS). A partir disso, analisar as diferentes formas de percebê-lo.
Para tanto, a pesquisa irá basear-se em entrevistas individuais com pessoas que freqüentam a
Feira da Agricultura Ecológica (FAE), turistas do Caminhos Rurais de Porto Alegre e neo-
rurais que residem no espaço rural desta capital.
A partir do consentimento, as entrevistas serão gravadas digitalmente e depois transcritas
literalmente, para que possam ser analisadas. Este material será catalogado de maneira a
garantir que os dados pessoais de cada entrevistado não sejam divulgados e estará à disposição
destes a todo tempo.
DADOS DA PESQUISA/PESQUISADORA/INSTITUIÇÃO
NOME DA PESQUISA: “Percepção do espaço rural: descrição e análise a partir de citadinos
e neo-rurais da Zona Rural de Porto Alegre – RS”
PESQUISADORA RESPONSÁVEL: Lillian Bastian
ENDEREÇO: Avenida João Pessoa, n° 41, apto 719, Centro, Porto Alegre.
ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]
TELEFONE: (51) 96240056
INSTITUIÇÃO DE PESQUISA: Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PGDR/UFRGS
ENDEREÇO: Av. João Pessoa, 31. Centro - Porto Alegre, RS. Cep: 90040-000.
TELEFONE/FAX: (51) 3308-3281
____________________________________
Assinatura da Pesquisadora Responsável
135
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO
Eu, ____________________________________, declaro que li as informações contidas nesse
documento, fui devidamente informado pela pesquisadora Lillian Bastian dos objetivos e
procedimentos que serão utilizados e confidencialidade da pesquisa. Através deste
consentimento, concordo em participar da pesquisa acima descrita. Foi-me garantido que
posso retirar o consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a qualquer
constrangimento. Declaro também que recebi uma cópia desse Termo de Consentimento.
_______________, __/__/2009
__________________________________
(Nome por extenso)
__________________________________
(Assinatura)
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