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REFORMA AGRÁRIA POR CONVENIÊNCIA E/OU POR PRESSÃO?
ASSENTAMENTO ITAMARATI EM PONTA PORÃ MS: “O PIVÔ DA QUESTÃO”
ADEMIR TERRA
PRESIDENTE PRUDENTE
2009
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REFORMA AGRÁRIA POR CONVENIÊNCIA E/OU POR PRESSÃO?
ASSENTAMENTO ITAMARATI EM PONTA PORÃ MS: “O PIVÔ DA QUESTÃO”
ADEMIR TERRA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
para obtenção do grau de Doutor em Geografia, área de
Concentração Produção do Espaço Geográfico.
Orientador: Dr. Antonio Nivaldo Hespanhol.
Coorientador: Dr. Luis Antonio Barone.
PRESIDENTE PRUDENTE
2009
Terra, Ademir.
T311r Reforma agrária por conveniência e/ou por pressão?
A
ssentamento Itamarati em Ponta Porã – MS: “o pivô da questão” /
A
demir Terra. - Presidente Prudente : [s.n], 2009
xvi, 325 f.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia
Orientador: Antonio Nivaldo Hespanhol
Banca: José Gilberto de Souza, Márcio Antonio Teixeira, Rosa
Maria Vieira Medeiros, Marcos Aurélio Saquet.
Inclui bibliografia
1. Reforma Agrária. 2. Assentamento Rural. 3. Assentamento
Itamarati. I. Autor. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de
Ciências e Tecnologia. III. Título.
CDD(18.ed.) 338.109
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da
Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de
Presidente Prudente. [email protected]
Dedico
A Deus,
presença maior na minha vida.
À Maria Oliveira Terra e à memória de Pedro Terra,
que me tornaram um ser humano capaz de realizar sonhos.
À Lucilene Rodrigues Feil Terra,
minha esposa, amiga e companheira, que com sua ajuda fundamental
tornou possível a realização deste trabalho.
A Andy Willians Ploszai Terra e Yan Marcell Ploszai Terra,
meus filhos, os quais, com seu amor, compreeno, paciência e sacrifício pessoal
fizeram com que este trabalho fosse possível.
Aos assentados do Itamarati, sujeitos desta tese
pela atenção, humildade e confiança dispensadas.
AGRADECIMENTOS
Embora se saiba que um trabalho desta natureza exige grande dose de empenho pessoal, desejo
ressaltar que, sob certo aspecto, ele se apresenta como resultado de uma obra coletiva e,
inevitavelmente, anônima. Assim ocorre porque, com o transcorrer do tempo, vai se tornando cada
vez mais difícil resgatar da memória o inventário de todas as contribuições que de alguma forma
concorreram para o trabalho final.
Inicialmente, agrado ao Professor Dr. Antonio Nivaldo Hespanhol, pois além de ter representado
fonte inestimável de incentivo numa fase crítica deste trabalho, não poupou tempo e esforço mesmo
em meio a responsabilidades urgentes para oferecer orientação e ajuda na condução desta pesquisa.
Deixo meu agradecimento, singelo, mas muito especial, ao amigo Prof. Dr. Luis Antônio Barone,
pela sua dedicação, colaboração e coorientação na realização deste trabalho, pela ajuda fundamental e
de extrema importância, pelos ensinamentos transmitidos, por sua amizade e seu incentivo.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia, que representaram a base de um
amplo processo de enriquecimento intelectual que se dinamizou a partir do meu ingresso no Programa.
Todos souberam cada um a seu modo, mas sempre com dedicação, entusiasmo e disponibilidade
desempenhar com arte o principal papel de um mestre: encurtar o percurso das sendas do conhecimento
para os que querem percorrê-las. Como homenagem a todos os que semearam nesse campo, registro seus
nomes e agradeço a todos: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes; Prof. Dr. Antonio Thomaz
Júnior; Prof. Dr. Gilberto de Souza, Prof
a
Dr
a
Eda Góes, pelos ensinamentos transmitidos e sugestões
apresentadas; Prof
a
Dr
a
Rosangela Aparecida de Medeiros Hespanhol, pela amizade e pela
oportunidade de poder trabalhar no grupo de pesquisa Gedra.
Aos servidores e técnicos do INCRA, do IBGE, da Prefeitura de Ponta Porã, da AGRAER, e demais
óros e entidades, deixo meu agradecimento na pessoa do técnico da AGRAER, Rogério Guerino
Franchini, representando todos aqueles com quem obtive informões que, talvez sem inteira
fidelidade, incorporei em partes específicas desta pesquisa, visando tornar a análise mais completa.
Aos amigos e colegas de curso: Karla, Sampaio, Matuzalém, Beatriz, Elson, Carlos, Ana, Xisto,
Marta, Nelson, pela convivência sincera e amiga, pelo estímulo, carinho e compreensão. Sou
eternamente grato a eles, em especial, aos amigos Antônio Sobreira, Atamis, Sérgio (Duasunhas),
Adriano e Adriana, que tanto me apoiaram, na realização deste trabalho.
Aos funcionários da Universidade Estadual Paulista que, direta ou indiretamente, colaboraram na
condução deste trabalho, em especial a rcia, Ivonete, Erynat, Giuliana e And, pelo apoio e
amizade.
À Universidade Estadual Paulista, pela oportunidade de estudo e desenvolvimento desta tese.
À Coordenadoria de Apoio a Pesquisa e Ensino Superior CAPES, pela bolsa de estudos concedida,
com a qual foi possível garantir a necessária autonomia para investir no projeto e participar de
eventos técnico-científicos.
Acima de tudo às famílias assentadas, sujeitos da pesquisa, que me acolheram e dedicaram parte do seu
tempo para conversar e responder aos questionamentos, sem as quais não seria possível a realização
deste trabalho.
Registro, finalmente, a gratidão e o afeto aos que integram minha família, que sempre me ofereceram
compreensão, apoio e estímulo e dos quais talvez me tenha valido em demasia, subtraindo
irrecuperáveis horas de atenção e convívio.
Em nome de todos os ausentes nesta listagem, que seria imensa, quero registrar mais pelo prazer de
dividir possíveis méritos do que pelo dever de justiça os meus agradecimentos a pessoas e instituões
que tomaram parte em importantes etapas dessa empreitada. A todas, entretanto, isento de qualquer
responsabilidade por eventuais incorreções, embora as faça credoras de minhavida de gratidão e
destinatárias de sinceros reconhecimentos.
RESUMO
A elaboração e implementação de políticas públicas direcionadas ao agrário e ao
agrícola no Brasil possuem caráter ambíguo e contraditório, em decorrência das
disputas entre as forças políticas e sociais que portam distintas estratégias e
interesses. A despeito dos avanços e conquistas obtidos com a “política de
assentamentos rurais”, ela ainda constitui apenas resposta do Estado às pressões
exercidas pelos movimentos sociais que demandam a realização da reforma agrária.
A complexa trama de interesses que conduziu a transformação da antiga Fazenda
Itamarati em assentamento rural constitui uma manifestação clara desses diferentes
interesses. Apesar do Assentamento possuir mais de duas mil e oitocentas famílias
(Assentamentos Itamarati e Itamarati II) e ter viabilizado o acesso a recursos e
serviços de que anteriormente as pessoas não dispunham, melhorando a qualidade
de vida, partimos da compreensão que tal tranformação se deu muito mais como
uma resposta do Estado às pressões exercidas pelas lutas sociais e para atender
outros interesses do que propriamente para se corrigir as distorções geradas pela
elevada concentração fundiária. Além de manter as características de
megaempreendimento dos projetos que o antecederam nesta porção do território
sul-mato-grossense (Companhia Mate Laranjeira, Colônia Agrícola Nacional de
Dourados e Fazenda Itamarati) o Assentamento Itamarati incorpora peculiaridades
como, entre outras, a forma de gestão coletiva, justificada pela presença da
infraestrutura remanescente da antiga fazenda; o agrupamento das famílias
organizadas por quatro diferentes agremiações de trabalhadores, com
posicionamentos político-ideológicos distintos; a persistência do cultivo de
commodities para o qual as famílias não estavam preparadas; a escassez de
recursos para custear as lavouras; a precária infraestrutura básica. Todos esses
elementos compõem a intrincada trama subjacente à criação do Assentamento
Itamarati que nos propusemos a investigar.
Palavras-chave: Assentamento Rural, Assentamento Itamarati, Fazenda Itamarati,
Reforma Agrária, Território, Megaprojetos.
ABSTRACT
Developing and introducing public policies related to contryside issues in Brazil
involves ambiguous and contradictory aspects due to disputes between political and
social powers which carry distinct strategies and interests. In spite of advances and
conquests resulting from the “rural settlement policy”, it has been mostly the State’s
answer to social movements’ pressure directed to the achievement of land reform.
The complex interest web undergoing the transformation of the former Itamarati Farm
into a rural settlement can clearly demonstrate those different interests. It is true that
there are more than two thousand eight hundred families living in the Settlements
(Itamarati I and Itamarati II) who can now access resources and services that they
have never thought of, and also that the quality of their lives has improved.
Neverthless, we believe that this Settlement creation has been much more a State’s
answer to the pressure established by social struggles, and also a way to attend
other interests, than properly an attitude to face the high level of land concentration.
Besides keeping the characteristics of megaenterprise which the prior projects
developed in this portion of the sul-matgrossense territory once had (Mate Laranjeira
Co., Dourados National Agricultural Colony, and Itamarati Farm), this Settlement
presents some peculiarities as, among others: a collective way of administration due
to the remaining infrastructure which had once belonged to the farm; four different
workers associations, each one with a different political-ideological position, involved
in assembling the families to be settled; the growing of commodities in which the
families had no experience; the absence of resources to finance the crops; the poor
basic infrastructure. These are the elements that altogether form the intricate web
undergoing Itamarati Settlement creation, and the ones we have intended to
investigate.
Keywords: Rural Settlement, Itamarati Settlement, Itamarati Farm, Land Reform,
Megaprojects
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................................................................... 5
RESUMO .......................................................................................................................................................................... 7
ABSTRACT ...................................................................................................................................................................... 8
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................................................................12
LISTA DE GRÁFICOS ...................................................................................................................................................14
LISTA DE MAPAS .........................................................................................................................................................15
LISTA DE TABELAS .....................................................................................................................................................16
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................................17
Capítulo I .......................................................................................................................................................................29
1. O CONCEITO DE TERRITÓRIO E SUA UTILIZAÇÃO NO ESTUDO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS ..29
1.1. A ciência e a elaboração de conceitos .......................................................................................................29
1.2. O conceito de território e sua importância na ciência geográfica .............................................................32
1.3. A Geografia e as novas abordagens sobre o território .............................................................................38
1.4. Assentamento rural na perspectiva do território ........................................................................................44
Capítulo II ......................................................................................................................................................................52
2. A REALIDADE AGRÁRIA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL: DOS MEGAPROJETOS AOS
MODELOS MEGALOMANÍACOS ................................................................................................................................52
2.1. A Companhia Mate Laranjeira ....................................................................................................................54
2.2. A Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) ..................................................................................60
2.3. Fazenda Itamarati: um modelo de megaprojeto de modernização da agricultura brasileira ..................64
2.3.1. Crise e destino da Fazenda Itamarati ...............................................................................................79
Capítulo III .....................................................................................................................................................................84
3. A LUTA RECENTE PELA POSSE DA TERRA EM MATO GROSSO DO SUL ..............................................84
3.1. Os assentamentos rurais em Mato Grosso do Sul
....................................................................................91
Capítulo IV .................................................................................................................................................................. 104
4. ASSENTAMENTO ITAMARATI O PIVÔ DA QUESTÃO ............................................................................ 104
4.1. Assentamento modelo: Para quem? Para quê? A que custo? .............................................................. 104
4.2. Os significados da criação do Assentamentos Itamarati ....................................................................... 115
4.2.1. Para o Governo Federal ................................................................................................................. 116
4.2.2. Para o Governo Estadual ............................................................................................................... 118
4.2.3. Para o ex-proprietário ..................................................................................................................... 119
4.2.4. Para os Movimentos Sociais .......................................................................................................... 121
4.2.5. Para os técnicos e intelectuais ....................................................................................................... 123
4.2.6. Para a sociedade ............................................................................................................................ 125
4.2.7. Para as famílias candidatas a um lote ........................................................................................... 128
4.3. Práticas de recrutamento de famílias e formas de organização dos acampamentos das diferentes
entidades ................................................................................................................................................................ 131
4.4. Organização e controle das famílias acampadas .................................................................................. 134
4.5. A chegada das famílias no Assentamento Itamarati sob a coordenação das organizações dos
trabalhadores ......................................................................................................................................................... 143
Capítulo V ................................................................................................................................................................... 146
5. CARACTERIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DO ASSENTAMENTO ITAMARATI .................. 146
5.1. Localização ............................................................................................................................................... 149
5.2. As organizações dos trabalhadores ........................................................................................................ 154
5.1. Distribuição espacial das entidades de trabalhadores no território ....................................................... 157
5.1.1. Associação dos Moradores da Fazenda Itamarati AMFFI ........................................................ 161
5.1.1.1. Forma de exploração .................................................................................................................. 164
5.1.1.2. A agrovila da AMFFI ................................................................................................................... 167
5.1.1.3. Infraestrutura da AMFFI ............................................................................................................. 172
5.1.2.
Central Única dos Trabalhadores - CUT ....................................................................................... 173
5.1.2.1. Agrovila da CUT ......................................................................................................................... 177
5.1.2.2. As divergências internas ............................................................................................................ 178
5.1.3. Federação dos Trabalhadores na Agricultura FETAGRI ........................................................... 179
5.1.3.1. Agrovila da FETAGRI ................................................................................................................. 183
5.1.3.2. Origem das famílias da FETAGRI ............................................................................................. 185
5.1.4. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST ............................................................. 186
5.1.4.1. A agrovila do MST ...................................................................................................................... 188
5.1.4.2. Grupo Coletivo Eldorado dos Carajás ....................................................................................... 191
5.1.4.3. Origem das famílias do MST ..................................................................................................... 194
5.2. Infraestrutura do Assentamento Itamarati ............................................................................................... 199
5.2.1. Infraestrutura viária ......................................................................................................................... 200
5.2.2. Educação ......................................................................................................................................... 202
5.2.3. Saúde ............................................................................................................................................... 204
5.2.4. Segurança ....................................................................................................................................... 206
5.2.5. O núcleo urbano .............................................................................................................................. 209
5.2.5.1. Entraves da situação jurídica do núcleo urbano ....................................................................... 214
5.3. A emancipação político-administrativa .................................................................................................... 220
5.4. Os pivôs .................................................................................................................................................... 222
Capítulo VI .................................................................................................................................................................. 229
6. O MODELO COLETIVO E A GESTÃO ECONÔMICA DO ASSENTAMENTO ITAMARATI ....................... 229
6.1. O Coletivo ................................................................................................................................................. 229
6.1.1. São viáveis os projetos de assentamentos coletivos? ................................................................. 238
6.2. O projeto econômico do Assentamento Itamarati .................................................................................. 242
6.3. A gestão do território ................................................................................................................................ 253
6.3.1. O início das atividades produtivas ................................................................................................. 256
6.3.2. Acesso e destinação do PRONAF ................................................................................................. 260
6.3.3. Energia elétrica ................................................................................................................................ 272
6.3.4.
A agricultura comercial ................................................................................................................... 274
6.3.5. A safra de inverno ........................................................................................................................... 278
6.3.6. A pecuária leiteira ............................................................................................................................ 279
6.3.7. O arrendamento .............................................................................................................................. 284
6.3.7.1. O arrendatário ............................................................................................................................. 289
6.3.7.2. As formas e os valores do arrendamento ................................................................................. 291
6.3.7.3. A responsabilidade pelo arrendamento .................................................................................... 294
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................................... 300
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................................... 309
ANEXOS
..................................................................................................................................................................... 320
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Organograma inicial do Assentamento Itamarati .................................................................................... 156
Figura 2 - Organograma inicial da AMFFI ................................................................................................................. 164
Figura 3 - Agrovila da AMFFI ..................................................................................................................................... 170
Figura 4 Organograma inicial da CUT .................................................................................................................... 174
Figura 5 - Agrovila da CUT ........................................................................................................................................ 178
Figura 6 - Organograma inicial da FETAGRI ............................................................................................................ 181
Figura 7 - Agrovila da FETAGRI ................................................................................................................................ 183
Figura 8 - Organograma inicial do MST .................................................................................................................... 186
Figura 9 - Agrovila do MST ........................................................................................................................................ 189
Figura 10 - Proximidade dos Pivôs do MST que dificultou a localização da Agrovila ............................................ 189
Figura 11 - Loteamento do Núcleo Urbano ainda na fase de projeto ..................................................................... 210
LISTA DE FOTOS
Foto 1 - Vista parcial da infraestrutura da fazenda ......................................................................................................71
Foto 2 - Parque de Máquinas da Fazenda Itamarati ...................................................................................................72
Foto 3 Colheitadeiras utilizadas na safra 1982/1983 ...............................................................................................73
Foto 4 - Olacyr de Moraes em meio a sua lavoura de soja no inicio dos anos 1980 ................................................73
Foto 5 - Presidente Lula ao lado do Ex-Governador Zeca do PT “pilotando” uma colheitadeira de milho no
assentamento Itamarati .............................................................................................................................................. 112
Foto 6 - Presidente Lula e Zeca do PT acompanhando a colheita de milho no Assentamento Itamarati ............ 112
Foto 7 - Posto de saúde instalado na agrovila da AMFFI ........................................................................................ 173
Foto 8 - Telefone público instalado na AMFFI .......................................................................................................... 173
Foto 9 - Entrada do núcleo de moradia do Grupo 17 - Eldorado dos Carajás ....................................................... 193
Foto 10 - cleo habitacional do Grupo Coletivo 17 Eldorado dos Carajás ........................................................... 194
Foto 11 - Ônibus de empresa particular que faz o transporte municipal e interno do assentamento ................... 201
Foto 12 - Ônibus de empresa particular que faz transporte intermunicipal do assentamento .............................. 201
Foto 13 - Ônibus que fazem o transporte escolar no Assentamento ...................................................................... 201
Foto 14 - Escola José Edson, com salas de aulas improvisadas, obrigando os alunos a estudarem amontoados
..................................................................................................................................................................................... 203
Foto 15 - Escola Nova Itamarati, localizada no núcleo urbano ............................................................................... 203
Foto 16 - Antigo hospital, hoje abriga um posto de saúde. Encontra-se em péssimo estado de conservação .. 205
Foto 17 - Funcionários da prefeitura de Ponta Porã realizando o trabalho de demarcação do "loteamento urbano"
..................................................................................................................................................................................... 211
Foto 18 - Primeiras edificações sendo levantadas no “loteamento urbano” ........................................................... 211
Foto 19 - Antiga residência de Olacyr de Moraes "casarão" ................................................................................... 212
Foto 20 - Ginásio poliesportivo .................................................................................................................................. 212
Foto 21 - Conjunto formado por silos, armazéns e secadores ................................................................................ 212
Foto 22 - Prédios da antiga administração da Fazenda, que hoje abrigam o posto do INCRA e da AGRAER ... 212
Foto 23 - cleo habitacional que era destinado aos altos funcionários da fazenda ............................................ 213
Foto 24 - cleo habitacional que era destinado aos funcionários menos qualificados da fazenda .................... 213
Foto 25 Particular realiza coleta de lixo que não tem destinação adequada ...................................................... 214
Foto 26 - Posto de combustíveis desativado ............................................................................................................ 217
Foto 27 - Ponto de venda de gasolina localizado em um lote na área rural ........................................................... 218
Foto 28 - Ponto de venda de gasolina localizado em um lote no núcleo urbano ................................................... 218
Foto 29 - Pivô central utilizado na safra de verão para o cultivo consorciado 50% milho e 50% soja ................. 223
Foto 30 - Pivô central utilizado na safra de inverno para o cultivo de feijão ........................................................... 223
Foto 31 - Lavoura irrigada de feijão em estágio inicial ............................................................................................. 224
Foto 32 - Máquina colhendo semente de milho em área de pivô arrendado .......................................................... 226
Foto 33 - Pivô arrendado para empresa produtora de sementes empregando o cultivo consorciado de milho e
feijão ............................................................................................................................................................................ 226
Foto 34 - Transformadores destruídos pela ação de saqueadores para a obtenção de fios de cobre ................. 227
Foto 35 - Transformador retirado do pivô pelos assentados, para evitar o saque e guardado em local seguro . 227
Foto 36 - Guarita construída no pé do pi para abrigar vigias ............................................................................... 228
Foto 37 - Cartuchos de munição deflagrados guardados no interior de uma guarita de vigilância do pivô ......... 228
Foto 38 - Assentado plantando feijão na lavoura de sobrevivência ........................................................................ 255
Foto 39 - Parte de infraestrutura da AMFFI adquirida com o Pronaf A ................................................................... 269
Foto 40 - Funcionário de laticínio coletando o leite acondicionado em resfriador ................................................. 280
Foto 41 - Caminhão tanque de um laticínio coletando leite no assentamento ....................................................... 280
Foto 42 - O rebanho do assentamento gradativamente vai incorporando melhorias genéticas ........................... 282
Foto 43 - Improvisação de sombra para o rebanho ................................................................................................. 284
Foto 44 - Atividade de ordenha sendo realizada ao relento e no meio da lama .................................................... 284
Foto 45 Residência com toda infraestrutura abandonada por assentado da AMFFI .......................................... 292
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Número de assentamentos criados e de ocupações realizadas em Mato Grosso do Sul entre 1984 e
2008 ................................................................................................................................................................................96
Gráfico 2 - Área (ha) dos assentamentos criados anualmente em Mato Grosso do Sul entre 1984 e 2008 ..........97
Gráfico 3 - Número de famílias assentadas em Mato Grosso do Sul entre 1984 e 2008 .........................................98
Gráfico 4 - Local anterior de moradia das famílias ................................................................................................... 133
Gráfico 5 - Percentual de famílias pesquisadas filiadas ao sindicato por organização de trabalhadores ............ 137
Gráfico 6 - Percentual de participação das famílias pesquisadas em reuniões sindicais por organização de
trabalhadores .............................................................................................................................................................. 138
Gráfico 7 - Grau de satisfação das famílias com o atendimento de saúde em relação às condições anteriores ao
Assentamento ............................................................................................................................................................. 204
Gráfico 8 - Índices pluviométricos mensais dos anos agrícolas de 2001 a 2008 na Região de Dourados Mato
Grosso do Sul ............................................................................................................................................................. 264
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Localização Geográfica do Município de Ponta Porã e da Fazenda Itamarati em Mato Grosso do Sul .46
Mapa 2 - Localização geográfica do Assentamento Itamarati e Itamarati II em Ponta Porã - Mato Grosso do Sul
........................................................................................................................................................................................47
Mapa 3 Território controlado pela Companhia Mate Laranjeira em Mato Grosso do Sul (1882-1924) ................56
Mapa 4 - Fazenda Itamarati ..........................................................................................................................................68
Mapa 5 - Espacialização dos assentamentos rurais em Mato Grosso do Sul - 2009 ...............................................95
Mapa 6 - Espacialização dos assentamentos rurais na Região do Entorno dos Assentamentos Itamarati e
Itamarati II em Mato Grosso do Sul - 2009 ..................................................................................................................99
Mapa 7 Territórios destinados às organizações dos trabalhadores do Assentamento Itamarati ....................... 113
Mapa 8 - Localização do Assentamento Itamarati no Município de Ponta Porã em Mato Grosso do Sul ............ 151
Mapa 9 - Assentamento Itamarati .............................................................................................................................. 152
Mapa 10 - Rede hidrográfica do Assentamento Itamarati ........................................................................................ 153
Mapa 11 - Associação dos Moradores da Fazenda Itamarati AMFFI .................................................................. 163
Mapa 12 - Central Única dos Trabalhadores ............................................................................................................ 175
Mapa 13 - Federação dos Trabalhadores na Agricultura ......................................................................................... 180
Mapa 14 - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST ...................................................................... 187
Mapa 15 - Unidades de Irrigação - Pivôs Centrais ................................................................................................... 225
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Dados comparativos da situação econômica da Fazenda Itamarati em 1980 e 2000 ............................80
Tabela 2 - Número de assentamentos criados por ano, totais de áreas e número de famílias assentadas entre
1984 e 2008 ...................................................................................................................................................................93
Tabela 3 - Plantio safra de verão no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2002/2003 ................................... 259
Tabela 4 - Plantio safra de inverno no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2003 ......................................... 260
Tabela 5 - Demonstrativo da produção de soja da safra 2003/2004 (Verão) no Assentamento Itamarati por
Organização Social ..................................................................................................................................................... 262
Tabela 6 - Demonstrativo da produção de milho da safra 2003/2004 (Verão) no Assentamento Itamarati por
Organização Social ..................................................................................................................................................... 263
Tabela 7 - Plantio da safra de inverno no Assentamento Itamarati no ano agrícola de 2004 ............................... 267
Tabela 8 - Plantio da safra de verão no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2004/2005 .............................. 268
INTRODUÇÃO
Quando surgiram os primeiros rumores sobre uma possível transformação da
Fazenda Itamarati em assentamento para trabalhadores rurais, de início, ninguém
acreditou, as pessoas argumentavam ser uma especulação absurda, primeiro
porque as estavam acostumadas com a idéia de que só eram transformadas em
assentamentos rurais áreas previstas legalmente pela constituição federal, ou seja,
latifúndios improdutivos, áreas devolutas, que não cumpriam a função social da
terra, e este não era o caso, a Fazenda Itamarati ostentava o símbolo do que havia
de mais moderno na agricultura nacional, com um elevado histórico de
produtividade. Além do mais, o custo para a aquisição da área seria muito elevado e
por si só já seria um obstáculo suficiente para que tal transformação não se
concretizasse.
As primeiras notícias soaram como uma chacota, uma provocação por parte de
Olacyr de Moraes
1
No final do ano 2000, quando a imprensa noticiou com estardalhaço a venda da
Fazenda Itamarati para fins de reforma agrária, vimos não somente as parcelas da
sociedade sul-mato-grossense direta ou indiretamente afetadas, como tamm sul-
mato-grossenses e brasileiros, que não tem qualquer interesse que não seja o de
acompanhar os desdobramentos da luta pela terra em todo o país se posicionarem e
manifestarem sua opinião diante do evento em questão.
em resposta às críticas à política fundiária do governo federal
tecidas pelos movimentos sociais, aos partidos políticos de esquerda, e à parcela da
sociedade, segundo os quais estas ações eram pontuais, com vista a apagar focos
de tensão, sendo que os assentamentos rurais eram criados em lugares distantes,
de difícil acesso, em solo de baixíssima qualidade, onde as famílias não tinham
condições de prover minimamente seu sustento, quanto mais de desenvolver uma
atividade econômica que pudesse lhes garantir uma inserção no mercado.
1
A primeira vez que tal hipótese foi aventada, aconteceu em 1996, quando Olacyr se propôs vender
metade de suas terras (cerca de 200 mil hectares) localizada em Mato Grosso do Sul que, segundo
seus próprios cálculos, custariam aos cofres públicos US$ 600 milhões, que poderiam ser pagos em
TDAs (Títulos da Dívida Agrária) onde poderia abrigar dez mil famílias (ISTO É, junho de 1996).
18
Na efervescência do debate, como cidadão sul-mato-grossense, atuando na área da
educação e, portanto na qualidade de formador de opinião, nos posicionamos ao
lado daquele conjunto da sociedade que acredita na criação dos assentamentos
rurais como uma das formas possíveis de se realizar a reforma agrária no país e de
corrigir injustiças sociais.
Todavia, à distância e possuindo parcas informações e, portanto, conhecendo muito
pouco da realidade daquele empreendimento (finanças, vida útil dos equipamentos,
etc.), posicionávamo-nos contra tal transformação, por entender que havia algo de
irracional naquela transação, não conseguíamos compreender porque o empresário
estava descartando um empreendimento considerado um modelo no emprego de
recursos tecnológicos e que alcançava elevada produtividade e rentabilidade. Para
nós, mais irracional era a postura e a atitude do governo que sempre reclamou da
falta de recursos financeiros para assentar famílias de sem-terra, estar adquirindo
uma área a um custo assaz elevado, recursos com os quais poderia adquirir áreas
muito maiores e assentar muito mais famílias, com a justificativa de que tal custo se
devia a infra-estrutura que acompanhava a área, não obstante, uma infra-estrutura
poupadora de mão-de-obra e de difícil reaproveitamento, pois não foi pensada para
a realidade da pequena propriedade.
Debate a parte, o fato é que em novembro de 2000 o governo federal adquire junto
ao banco Itaú 25.100 ha das terras que haviam pertencido à Fazenda Itamarati, os
quais foram repassados em maio de 2001 para o Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), que deu início à implantação do Assentamento Itamarati onde
foram assentadas 1.143 famílias e, posteriormente, em maio de 2004, o governo
federal viria adquirir o restante da fazenda (24.900 ha) junto ao proprietário para a
implantação do assentamento Itamarati II.
O interesse em empreender esta pesquisa adveio da nossa proximidade com os
moradores do Assentamento, mais precisamente da nossa relação com os alunos
do Ensino Médio e principalmente do curso de Geografia do Ensino Superior, no
qual ministrávamos a disciplina Geografia Agrária, onde naturalmente as questões
ligadas ao Assentamento Itamarati eram recorrentes, não só pela presença dos
alunos que lá residiam, pela polêmica que ainda persistia sobre a transformação da
19
antiga fazenda em assentamento como também, pelos impactos socioeconômicos
na economia regional provocados pela sua criação.
Adicionam-se a esse contato, as constantes notícias sobre os êxitos do
Assentamento veiculadas pela imprensa, sobretudo na imprensa local, que
repetidamente veiculava a informação de que para o governador sul-mato-grossense
José Orcírio dos Santos (Zeca do PT), o Assentamento Itamarati “tinha que dar
certo”, ainda mais após a posse de Lula na presidência da república.
Para nós, porém, havia algo que não se “encaixava”. Embora ouvíssemos que os
assentados do Itamarati eram considerados privilegiados por terem acesso a um lote
numa área tão especial, diferente de todos os demais assentamentos existentes no
país; que, além de uma conjunção de fatores tão favoráveis, havia muita boa
vontade por parte do governo estadual e federal, que estavam não somente
dispostos a viabilizar o projeto, como já estavam implementando ações para que se
tornasse realidade, não podíamos deixar de perguntar: por que então esses
elementos não compareciam na fala dos nossos alunos e das demais pessoas
vinculadas ao Assentamento com as quais havíamos estabelecido os primeiros
contatos?
Diante dessa constatação, passamos a indagar sobre o que estaria acontecendo de
fato para que as pessoas ligadas ao Assentamento, com as quais mantivemos
contato, na sua maioria, manifestassem tanta insatisfação com a realidade que
estavam lá vivenciando? Por que a fala daquelas pessoas não coadunava com as
informações exitosas veiculadas pela imprensa? Seriam aquelas pessoas tão
imediatistas a ponto de não compreender que o sucesso, num assentamento com
características tão peculiares como aquele, de fato, demanda necessariamente um
tempo maior? Seria esse imediatismo fruto das dificuldades vividas em situações
anteriores, ou da formação ideológica por elas recebida durante a fase do
acampamento, que as transformaram em pessoas tão insatisfeitas, mal agradecidas,
injustas e ambiciosas? Ou, na verdade, seriam vítimas da prática de políticos
inescrupulosos que buscavam, a todo custo, tirar todo tipo de vantagem, tripudiando
sobre a miséria dessa parcela da sociedade sul-mato-grossense?
Esse conjunto de questões motivou-nos a fazer uma leitura mais atenta das notícias
veiculadas sobre o Assentamento e a elaborar um roteiro de entrevista exploratória,
20
visando constituir a problemática da investigação. As leituras e as conversas
informais com pessoas que possuíam qualquer vínculo com o projeto nos ajudaram
a fazer um balanço dos conhecimentos relativos à problemática de partida, e as
entrevistas contribuíram para descobrir os aspectos relevantes e para ampliar ou
retificar o campo de investigação das leituras.
Ao realizarmos as entrevistas exploratórias ouvimos das famílias muitas
reclamações, algumas com críticas um pouco mais ácidas que as outras.
Percebíamos, porém, que mesmo aquelas pessoas mais descontentes tinham uma
certeza de que dias melhores estavam por vir, demonstravam a satisfação pelo
acesso à terra, pela conquista de uma forma digna de prover a segurança e o
sustento da família. Na esperança de dias melhores, detinham tamm a certeza de
que haveria ainda muitas dificuldades a serem vencidas (o acesso à energia
elétrica
2
As entrevistas exploratórias se estenderam tamm aos funcionários e técnicos de
vários órgãos públicos responsáveis pela condução da saúde, da segurança, da
educação e pelo transporte no assentamento além de lideranças sindicais e dos
grupos, dos quais, de maneira geral, o que ouvimos foi a manifestação de muito
otimismo e a certeza de que havia ainda muitos problemas a serem resolvidos,
porém, estavam sendo encaminhados de maneira satisfatória e que estes com boa
dose de paciência, empenho e de muita responsabilidade seguramente seriam
atendidos.
e à água eram as principais dificuldades apontadas pelas famílias), e a
convicção de que não poderiam se acomodar, que precisavam manter a pressão
sobre seus representantes políticos para que pudessem ter suas reivindicações
atendidas e, consequentemente, seus problemas sanados.
A fala das famílias, o otimismo e a segurança expressos pelos técnicos e
funcionários públicos, o bombardeio diário de notícias institucionais apresentando
projetos voltados ao atendimento das reivindicações daquelas famílias, a
manifestação de boa vontade e de comprometimento por parte de dirigentes
políticos de todas as esferas do poder, simbolizados na visita do Presidente da
República ao local após menos de três meses de sua posse, nos conduziram a
2
Em sua visita ao assentamento o presidente Lula afirmou que fazia questão de voltar com seus
ministros para inaugurar redes de água e energia elétrica, duas das grandes reivindicações dos
moradores naquele momento.
21
elaborar este projeto. A hipótese inicial era que, apesar das agruras que as famílias
estavam vivendo em virtude da implantação de um megaempreendimento, e de sua
insatisfação, natural de quem passou por muitas dificuldades e que agora anseia por
soluções rápidas para seus problemas, o assentamento modelo de que tanto se
falava estava se materializando e o êxito do empreendimento era apenas uma
questão de tempo e paciência, pois havia uma conjugação muito favorável de
fatores que conspiravam positivamente para isso.
Desde meados de 2003, quando realizamos as entrevistas exploratórias com as
famílias assentadas, com lideranças e representantes de órgãos públicos até os dias
atuais, muita coisa aconteceu, nestes mais de seis anos houve um amadurecimento
do assentamento e muitas transformações ocorreram no seu interior, algumas
reivindicações foram atendidas, outras tantas ficaram apenas nas promessas,
muitas famílias deixaram o assentamento, outras ocuparam os lotes vagos,
mudança de lideranças, e muitas outras transformações advieram. Após mais de
uma dezena de visitas, aplicação de questionários, realização de entrevistas, do
convívio com as famílias, acompanhamos todas estas transformações, percebemos
que as prioridades e reivindicações se alternaram, da mesma forma que, após
aprofundarmos na literatura, sobretudo da história do Mato Grosso do Sul e das
lutas empreendidas pelos trabalhadores sem-terra, até mesmo o foco da nossa
preocupação não é mais o mesmo.
A nossa inquietação atual e que permeia esta pesquisa é a de que o Assentamento
Itamarati pelo conjunto de suas características, sem qualquer sombra de dúvida
pode ser qualificado como um mega-empreendimento, mas jamais poderá ser
considerado um assentamento modelo, seja qual for o sentido em que este termo
seja empregado, e que as motivações que pautaram sua concepção estão muito
distantes das razões apregoadas pelos seus idealizadores, de ser um novo conceito,
um novo paradigma a inspirar a implantação de outros assentamentos em outras
partes do país.
Na nossa concepção a criação deste assentamento segue um circulo vicioso que
tem marcado esta porção do território brasileiro como se fosse um estigma: o de ser
o palco de grandes empreendimentos, nos quais estão incluídos os pequenos
proprietários e os trabalhadores sem-terra, como elementos fundamentais, porém de
22
forma subserviente, como fora a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados
(CAND) e da Fazenda Itamarati que tinham implicitamente como objetivo atender
aos interesses de uma pequena parcela abastada da sociedade. Em tais projetos as
verdadeiras motivações são camufladas com o pretexto de estarem beneficiando
uma ampla maioria da população excluída da sociedade.
Portanto, nossa hipótese é a de que as políticas fundiárias em terririo sul-mato-
grossense, nunca se deram de fato visando uma desconcentração da propriedade
da terra, que pudesse favorecer os pequenos proprietários ou mesmo coadunar os
interesses destes com o dos grandes empresários. O acesso a terra por parte dos
trabalhadores, nas poucas vezes que aconteceu, veio a “reboque” de outros
interesses, sempre com o propósito de beneficiar muito mais os grandes
proprietários que os trabalhadores. Sendo os trabalhadores obrigados a
desenvolverem estratégias de sobrevivência, tendo que se submeterem (não sem
protestos) a um jogo de cartas marcadas em que as chances de êxitos são muito
pequenas.
O objetivo central da pesquisa é analisar o processo de criação do Assentamento
Itamarati, guardando suas especificidades e considerando o seu contexto histórico,
demonstrando ser a repetição de uma prática, na qual a dinâmica territorial sul-mato-
grossense é comandada por uma lógica mais geral de cunho nacional e nesta, as
políticas públicas nunca colocaram em primeiro plano a preocupação com uma
(re)distribuição de terras que viesse, de fato, beneficiar os trabalhadores rurais. A
distribuição de terra, quando aconteceu, sempre esteve ligada a uma estratégia para
alcançar outros objetivos que não o de realizar a reforma agrária, ou seja, os
trabalhadores sempre foram vistos, muito mais, como um instrumento que poderia
ser manipulado com o intuito de alcançar outros objetivos, do que como parte da
sociedade que demanda políticas públicas em seu favor. Assim, os trabalhadores,
sem muitas alternativas são desafiados e impelidos a desenvolver estratégias
específicas visando enquadrarem-se na conjuntura à qual estavam submetidos.
Para que o objetivo principal fosse alcançado, foi necessário atingir os seguintes
objetivos secundários: demonstrar que a estrutura fundiária concentrada de Mato
Grosso do Sul sempre favoreceu a implantação de mega-empreendimentos tais
como: Companhia Mate Laranjeira, Fazenda Itamarati e atualmente o Assentamento
23
Itamarati; apresentar o Assentamento Itamarati como o resultado de uma
convergência de interesses que vão além da reforma agrária, ficando esta, como
“pano de fundo”, objetivando apagar focos de tensão, e neste caso as tensões vão
além dos interesses de grupos locais que reivindicam uma determinada área, ou
seja, grande parte da dinâmica territorial sul-mato-grossense é comandada por uma
dinâmica mais geral de cunho nacional; evidenciar a partir da história da luta pela
terra em Mato Grosso do Sul, a despeito da influência das grandes questões
nacionais que pautaram as ações relativas à distribuição fundiária estadual, que os
trabalhadores através de suas lutas, desempenharam importante papel, não se
comportando como meros coadjuvantes de acordo com as expectativas das forças
políticas das diferentes esferas do poder, ou seja, que as conquistas, por menores
que sejam, é tamm resultado de uma incessante luta empreendida pela classe
trabalhadora, tanto da cidade quanto do campo; verificar quais as variáveis
endógenas e exógenas em diferentes escalas (nacional, estadual, regional e local)
que convergiram e se combinaram para a aquisição desta área e posteriormente o
estabelecimento de formas coletivas de exploração; analisar as combinações de
fatores e condições no meio local (assentamento) que proporcionaram
potencialidades ou limitações para possíveis articulações das famílias entre si, como
capital social para fortalecer uma ordem local voltada à organização de projetos
coletivos.
Adotou-se para esta pesquisa a investigação baseada no método de estudo de
caso. Segundo Yin (2001), um estudo de caso completo, utiliza o maior número
possível de fontes. As fontes de mais importância são: a documentação, os registros
em arquivos, as entrevistas, a observação direta, a observação participante e os
artefatos físicos.
Yin (2001) enfatiza ainda que “é a investigação empírica que investiga um fenômeno
dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não são claramente definidos” (YIN, 2001, p.32).
Ainda de acordo com este autor, “muitos pesquisadores demonstram preconceitos
tradicionais para com a estratégia do estudo de caso. E dentre as preocupações
mais comuns que provoca tal postura, destaca-se o fato de que o estudo de caso
fornece pouca base para se fazer generalizações científicas
24
Ainda que seja o estudo de caso limitado para explicações mais amplas, isso não
deve ser interpretado de maneira tão determinista. A evidência de particularidades
auxilia nos encontros de teorias e propostas explicativas mais amplas.
A presente pesquisa foi desenvolvida adotando três procedimentos de investigação
metodológica: levantamento e análise de obras que tratam dos conceitos de território
e territorialidade, objetivando constituir um referencial teórico que pudesse subsidiar
as investigações empíricas, além da noção de assentamentos rurais modelo;
levantamento de dados e informações em fontes secundárias que pudessem
contribuir para a caracterização da questão agrícola e da questão agrária sul-mato-
grossense, através de consultas em publicações oficiais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas (IBGE), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (AGRAER), além
de outras entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento Nacional
de Produtores (MNP), Banco do Brasil entre outros; levantamento de dados
empíricos através da aplicação de um formulário abrangente que nos permitiu
conhecer a fundo a realidade do assentamento através da elaboração de um banco
de dados que após analisado
3
Há vários modos de dizer a verdade, ou de procu-la. Um deles, segundo nos
parece consiste em deixar que as pessoas envolvidas nas situações e problemas
estudados utilizem as suas próprias palavras. Mesmo quando elas não estão em
condições de ver claro, ou quando não podem dizer as coisas com clareza; mesmo
nesses casos revelam dados significativos para a compreensão das situações
, nos permitiu realizar um conjunto de entrevistas
semi-estruturadas que conduziram a análise qualitativa configurando num estudo de
campo; A última etapa da pesquisa foi realizada através de um estudo de campo por
meio da observação direta (para realizar tal atividade convivemos durante quatro
meses no assentamento) e de entrevistas com pessoas chaves que foram citadas
quando durante a fase de aplicação dos formulários e ainda outras que fomos
tomando conhecimento ao longo do estudo de campo. As entrevistas foram
realizadas buscando o sentido exposto por Ianni (1991):
3
Este banco de dados serviu para uma análise quantitativa oferecendo dados estatísticos para
subsidiar na elaboração de um conjunto de questões que compuseram o roteiro das entrevistas semi-
estruturadas que orientaram o estudo de campo, ou seja, ao longo das nossas análises neste texto
poucas vezes usaremos os dados estatísticos obtidos através deste levantamento, porém estes
foram fundamentais no conjunto de análises do estudo de campo.
25
problemas. Em geral, no entanto, dizem o essencial [...]. À medida que falam, que
dizem apenas o que querem, que tomam decisões e agem e revela também, as
relações e as estruturas mais íntimas das situações problemas (IANNI, 1991, p.21):
Em relação aos questionários que nortearam o levantamento das informações mais
gerais que segundo Gerardi & Silva (1981, p.20) para um universo de 1.143 famílias,
dever-se-ia selecionar uma amostra de aproximadamente 285 famílias. De acordo
com as autoras, a análise quantitativa permite de maneira objetiva a verificação
entre os fenômenos estudados e sua distribuição no espaço e deve ser utilizada
como um meio e não com um fim para chegar às conclusões sobre a realidade
estudada.
Ainda de acordo com Gerardi e Silva (1981) existe a amostragem intencional e a
amostragem probabilística, a primeira é proposital, intencional, subjetiva ou não
probabilística que apesar de facilitar o trabalho de pesquisa, não se prestam a
tratamentos estatísticos que levem a inferências sobre a população sendo seus
resultados válidos apenas dentro dos limites da própria amostra; já na amostra
probabilística que é mais objetiva se privilegia o elemento chance na escolha das
unidades amostrais. A “aleatoriedade da seleção dos indivíduos amostrados é o
princípio básico deste tipo de amostragem que se assenta em teorias e regras
matemáticas estabelecidas de tal sorte que os resultados obtidos para a amostra
podem ser estendidos para a população com grau de confiança determinado”. (idem,
p.13).
Optou-se pela amostragem probabilística porque, a despeito do assentamento
possuir um elevado número de famílias e estar dividido entre quatro organizações de
trabalhadores que empregaram diferentes formas de recrutamento, organização e
encaminhamentos no processo de fixação das famílias à terra, acreditamos que,
mesmo assim, estas famílias possuem muitas semelhanças intra e inter grupos
quanto a sua origem, características socioeconômicas e até organizacionais e, com
algumas exceções, compartilham das mesmas dificuldades, portanto, os resultados
obtidos por uma amostra das famílias podem ser perfeitamente estendidas às
demais.
Em face destas características elencadas, e tendo em vista a necessidade de tornar
a pesquisa viável não somente economicamente como tamm em função dos
26
fatores exigüidade de tempo e indisponibilidade de mão-de-obra, optou-se por uma
amostra menor do que aquela recomendada pelas autoras supracitadas.
Assim sendo, aplicou-se o formulário contendo 122 questões (abertas e fechadas)
em 115 famílias, este total corresponde a 10% dos parceleiros do Assentamento
Itamarati.
Quanto ao critério de escolha das famílias alvo da oitiva, estabeleceu-se que iniciaria
pelo lote número 01 de cada organização dos trabalhadores, seguindo para o
número 11, 21, 31 e assim sucessivamente, definiu-se ainda que na impossibilidade
de aplicar a referida enquete nestes lotes, o procedimento seria o de buscar o lote
imediatamente anterior, e em persistindo a dificuldade buscar-se-ia o imediatamente
posterior, ou seja, caso não fosse encontrado alguém que pudesse prestar
informações no lote 11, buscar-se-ia primeiramente o lote 10, e se mesmo assim
ainda não fosse possível aplicar o questionário, dirigir-se-ia ao lote de número 12,
em persistindo a dificuldade recorreria ao número 09 e 13, e assim sucessivamente.
Este trabalho é composto de seis capítulos: No primeiro - O conceito de território e
sua utilização no estudo dos assentamentos rurais desenvolvemos uma reflexão a
respeito do conceito de território fazendo um paralelo das discussões realizadas por
alguns importantes pensadores que se dedicam e/ou se dedicaram ao estudo desse
tema. Apresentamos suas várias concepções vinculadas às diferentes correntes do
pensamento geográfico até os dias atuais, quando este conceito retornou de forma
significativa com o seu uso crescente não somente na Geografia como tamm em
diversos ramos das ciências humanas. Neste capítulo, apontamos ainda, a
pertinência do uso do conceito para a análise dos assentamentos rurais.
No segundo capítulo A realidade agrária do estado do Mato Grosso do Sul: Dos
megaprojetos aos modelos megalomaníacos - demonstramos que esta porção do
território sul-mato-grossense é marcada por ambiciosos projetos que se
caracterizam pelo que denominamos megaprojetos (Companhia Mate Laranjeira, a
Colônia Agrícola Nacional de Dourados CAND e a Fazenda Itamarati), e
empreendimento modelo (Fazenda Itamarati), características que se mantém no
Assentamento. Colocamos em discussão ainda que o Itamarati, tal como os projetos
anteriores, apesar de incluir os trabalhadores e de trazer-lhes algum benefício, está
muito longe de ser proposta direcionada a corrigir distorções sociais atendendo
27
exclusivamente os interesses dos pequenos proprietários e dos trabalhadores sem-
terra, perfil com que foi apresentado à opinião pública. Neste capítulo, damos
destaque especial à Fazenda Itamarati como um empreendimento fruto do processo
de modernização da agricultura brasileira que posteriormente se tornou um elemento
viabilizador do próprio projeto que a gerou, ao se tornar uma referência nacional e
até internacional. Apontamos ainda que após o empreendimento ter cumprido sua
finalidade primeira, ao término do processo modernizador, a sua transformação em
assentamento rural constituiu uma estratégia com o intuito de muito mais
salvaguardar os interesses do grupo econômico em decadência e de outros
interesses das diferentes escalas da administração pública do que propriamente
realizar uma obra profícua em relação à reestruturação da estrutura agrária.
No terceiro capítulo - A luta recente pela terra em Mato Grosso do Sul realizamos
um recorte histórico da questão fundiária recente do estado, procurando abordar os
principais conflitos que emergiram a partir da segunda metade da década de 1970,
como reflexo direto das políticas modernizadoras da agricultura. Demonstramos
tamm, através de recursos cartográficos, a espacialização da luta pela terra desde
os acampamentos, até a territorialização das famílias nos assentamentos rurais,
admitindo o ano de 1984 como o ponto de partida de sua criação.
O quarto capítulo - Assentamento Itamarati: O pivô da questão apresenta o
Assentamento como um projeto inspirado nas características
modelar/megalomaníaca dos empreendimentos que o antecederam, onde
discutimos os significados e os interesses dos diversos setores da sociedade na sua
criação. Procuramos descrever as diferentes formas com as quais as entidades
arregimentaram as famílias a serem contempladas com um lote, como tamm as
diferenças nos métodos de atuação e controle das famílias, durante a fase de
acampamento, utilizados pelas entidades que passaram a compor o Assentamento
e, finalmente, como se encaminhou o processo de instalação dessas famílias.
No quinto capítulo - Caracterização e organização sócio-espacial do Assentamento
Itamarati - caracterizamos o Assentamento Itamarati, apresentando sua
infraestrutura, as diferentes organizações de trabalhadores que lá atuam, a
composição dessas organizações e os arranjos por elas empregados, os dilemas
que envolvem as famílias em face do modelo de gestão imposto pelo INCRA e,
28
tamm, as dificuldades enfrentadas por aquelas que habitam o pequeno núcleo
urbano que surgiu onde havia a sede da antiga fazenda.
No sexto e último capítulo O modelo coletivo e a gestão econômica do
Assentamento Itamarati realizamos uma discussão acerca do modelo coletivo
imposto pelo INCRA ao Assentamento, bem como os problemas que emergiram
dessa decisão, diante do despreparo das famílias para esse tipo de gestão.
Empreendemos também uma discussão sobre a questão do arrendamento das
áreas irrigadas do Assentamento.
Capítulo I
1. O CONCEITO DE TERRITÓRIO E SUA UTILIZAÇÃO NO ESTUDO DOS
ASSENTAMENTOS RURAIS
Nesta pesquisa fizemos a opção de trabalhar com o conceito de território, desta
forma, acreditamos ser pertinente neste capítulo apresentar algumas reflexões
conceituais, baseado nas discussões realizadas importantes pensadores que se
dedicam e/ou se dedicaram ao estudo dessa tema.
Nesta ínterim, priorizamos uma análise da evolução histórica do conceito de
território, apresentando suas várias concepções vinculadas às diferentes correntes
do pensamento geográfico até os dias atuais, quando este conceito retornou de
forma significativa com o seu uso crescente não somente pela Geografia como
tamm em diversos ramos das Ciências Humanas. Por outro lado, procurou-se
vincular a discussão de Território aos estudos dos assentamentos rurais.
A recuperação do conceito traz à tona, de um lado, a dimensão política do espaço;
de outro, gera confusões conceituais tanto no seu debate quanto na sua
empregabilidade. Entendemos que o debate acadêmico é revelador de conflitos
conceituais que, por sua vez, permitira avanços na construção de teorias,
oferecendo pistas e indicações relevantes para a compreensão crítica da história
espacial e temporal.
1.1. A ciência e a elaboração de conceitos
A realidade é um fenômeno extremamente complexo. Nossos sentidos nos permitem
apreendê-la em alguns de seus aspectos. Assim, os limites à compreensão integral
da realidade começam pela nossa percepção dela.
30
Porém, o ser humano através da cultura tem acesso a uma extensão maior da
realidade graças à cultura que serve como um instrumento para orientar a
organização das experiências individuais e coletivas. Desta forma, toda cultura, por
menos elaborada que seja, possui uma estrutura de classificação da realidade, tanto
da “real” quanto da “cultural” e social (DURKHEIM & MAUSS, 1973).
Vários autores clássicos das Ciências Sociais, dentre os quais Marx, Weber,
Durkheim, Persons, concordam que, com o desenvolvimento histórico, as
sociedades e as culturas foram progressivamente se tornando diferenciadas, e esta
diferenciação como um processo dialético não só na diacronia, mas tamm em
sincronia, amplia as possibilidades de classificação e de composição da cosmovisão
sobre a realidade.
As diferenciações, ao mesmo tempo em que geram uma autonomia entre as
esferas, ou instâncias, da vida humana, fragmentando o que antes estava integrado,
criam uma maior interdependência entre elas, levando diacronicamente a uma
multiplicação de esquemas concorrentes ou coexistentes de classificação da
realidade.
Estes esquemas não são produtos de indivíduos isolados. São socialmente
produzidos e se constituem de representações. Entretanto, as representações o
estão uniformemente distribuídas pelo corpo social, e um objeto pode ter
representações variadas, dependendo do tipo de socialização que o seu observador
“sofreu” (DURKHEIM, 1989).
A ciência possui uma peculiaridade que a distingue dos demais esquemas de
classificação e conhecimento do mundo, que é a impessoalidade e objetividade (ao
menos hipoteticamente) das suas representações, que, por isso, são denominadas
conceitos.
O conceito é definido pelas suas características. Durkheim aponta, primeiramente, a
sua imutabilidade, a sua resistência à mudança, a sua fixação e cristalização. Em
segundo lugar, o fato de ser universalizável: um conceito nunca é de um homem só,
mas é comum a outros homens. É uma representação, mas impessoal. Desse modo,
se é comum, é porque é obra de toda uma comunidade. Não pode ser abstrato
porque, nesse caso, só teria realidade nas consciências particulares. É,
31
primeiramente, representação coletiva, idéia geral que exprime antes categoria e
classes do que objetos particulares. As representações coletivas pertencem a cada
civilização que, por sua vez, tem seu sistema organizado de conceitos que as
caracterizam. As categorias são obras da coletividade, porém têm algo mais:
desempenham um papel preponderante no conhecimento porque são quadros
permanentes da vida mental”. Esses quadros refletem, em última instância, a
sociedade: “Porque o universo não existe senão enquanto é pensado, porque ele
não é pensado totalmente senão pela sociedade” (idem, p.239).
Depreende-se, então, que um conceito científico não é algo pronto, acabado. Desde
sua origem este percorre um caminho, que por vezes pode sofrer influências que,
conseqüentemente, poderão imiscuir no entendimento de seus conteúdos e
aplicabilidade. Assim sendo, noções e conceitos são construções lógicas que estão
em constante reformulação, sendo redefinidos e aprimorados a cada novo avanço
do pensamento científico e filosófico ou forma de compreensão da materialidade
concreta da vida humana.
Assim, o conceito é um tipo especial de representação, construído a partir da
sujeição sistemática das representações relacionadas ao aspecto da realidade que
está sendo conceituado a “testes” empíricos, uma média aceitável e construída
metodologicamente com base em um conjunto de representações que p-
informavam o produtor do conceito e que o levaram a empreender a pesquisa e
conceituar um aspecto determinado da realidade.
Portanto, apreendemos o conceito como uma construção social que ilumina algum
aspecto da realidade e, para tanto, é preciso uma história das ciências e das
técnicas para seu entendimento. Desta forma, de modo sistemático,
empreenderemos algumas reflexões sobre o conceito de território, sendo esta uma
proposta de interlocução com a literatura da história da ciência e da evolução do
pensamento geográfico, operacionalizando a partir do positivismo, do marxismo e de
um sistema de conceitos, que começam a construir a cultura do nosso tempo
através da apreensão dialética. Concordamos com Soja (1993) ao sentenciar que “a
geografia histórica do capitalismo tem que ser objeto de nossa teorização, e o
materialismo histórico-geográfico, o método de investigação” (SOJA, 1993, p.18).
32
1.2. O conceito de território e sua importância na ciência geográfica
A origem do termo território e o seu emprego nas Ciências não advêm dos estudos
geográficos, tampouco das Ciências Humanas, mas sim das Ciências da Natureza,
em especial da Biologia e da Zoologia, a partir dos estudos ligados à Etologia onde o
conceito será cunhado.
Porém, na atualidade, não se pode desconsiderar que o uso conceitual da categoria
território é reivindicado por uma disciplina, a Geografia, uma vez que, para esta o
território se constitui um dos conceitos-chave, portanto sua utilização atende, antes
de tudo, a finalidades heurísticas e analíticas.
Todavia, o intercâmbio de conceitos e noções entre os campos acadêmicos e
normativos é prática corriqueira e, por si só, não representaria obstáculo à utilização
do território para fins políticos e práticos. Entretanto, cabe aos usuários explicitar em
que sentido recorrem ao território, se conceitual ou normativo ou em ambos ao
mesmo tempo.
Desta forma, o conceito de território é muito amplo e tem várias interpretações,
dependendo da área da ciência que o conceitua. A Geografia dá maior ênfase à
materialidade do território. A Ciência Política leva em consideração as relações de
poder ligadas à concepção de Estado. A Economia o concebe como um fator
locacional ou base de produção. A Antropologia enfatiza a dimensão simbólica
através das sociedades. A Sociologia através da sua participação nas relações
sociais, e a Psicologia através da identidade pessoal até a escala do indivíduo.
(Haesbaert, 2004, p. 37).
Haesbaert (2004) esclarece que:
Etimologicamente, a palavra território, territorium em latim, é derivada
diretamente do vocábulo latino terra e era utilizada pelo sistema
jurídico romano dentro do chamado jus terrendi [...] como pedaço de
terra apropriado dentro dos limites de uma determinada jurisdição
político-administrativa [...] (IDEM, p.43).
Porém, este conceito, pensado no interior das ciências modernas, está associado
essencialmente a duas correntes filosóficas significativamente difundidas entre os
33
ramos do conhecimento que se desenvolveram ao longo dos séculos XVIII e XIX: o
naturalismo e a política.
Nas ciências naturais, o território seria a área de influência e predomínio de uma
espécie animal que exerce o domínio dela, de forma mais intensa no centro,
perdendo esta intensidade ao aproximar-se da periferia, passando a concorrer com
o domínio de outras espécies.
Tradicionalmente nas Ciências Sociais, sobretudo quando se analisa a história do
pensamento geográfico, a expressão território vem sendo muito utilizada desde o
século XIX.
A maioria dos estudos sobre o conceito de território sempre foi realizada na escala
do território nacional e/ou do Estado-Nação. Essa ideia de uma área sob domínio de
uma nação ou onde uma nação possui soberania em relação a outras nações, este
sentido político e jurídico ainda hoje permeia o significado de território e tem raízes,
sobretudo, na constituição dos Estados modernos europeus a partir do
Renascimento.
Neste contexto histórico de consolidação dos modernos Estados-Nação, o conceito
de território passa a ter relevância para as ciências. Muitos dos trabalhos realizados
a respeito deste conceito são contemporâneos à própria sistematização e
legitimação da Geografia como disciplina escolar acadêmica, sobretudo, na
Alemanha e na França do século XIX. Segundo Escolar, a Geografia vem contribuir
política e ideologicamente com o surgimento, nessas nações européias, da “[...]
necessidade socioestrutural de construir, por intermédio da escolarização maciça, a
‘consciência nacional’ e o sentimento de ‘pertencimento territorial” (ESCOLAR, 1996,
p.65).
É nessa perspectiva que são desenvolvidas as obras seminais de geógrafos como
Friedrich Ratzel, preocupado com o papel desempenhado pelo Estado no controle
do território; Como também Élisée Reclus, que procurava estabelecer as relações
entre classes sociais e espaço ocupado e dominado.
Segundo Souza (2000), para Ratzel, o território é o espaço com seus elementos
naturais e humanos, apropriado e ocupado por um grupo social ou pelo próprio
Estado. Na visão de Ratzel, o território é a base de sustentação do Estado, pois
34
este, sem aquele não existe, ou seja, o território é a própria condição de existência
do Estado, pois é nele que se encontram os recursos naturais que sustentam a
sociedade. Assim, a idéia de território iguala-se ao conceito de “espaço vital
estabelecido pelo próprio Ratzel.
El territorio, siempre el mismo y siempre situado en el mismo lugar
del espacio, sirve de soporte rígido a los humores, a las volubles
aspiraciones de los hombres, y cuando se les ocurre olvidar este
sustrato les hace sentir su autoridad y les recuerda, mediante serias
advertencias, que toda la vida del Estado tiene sus raíces en la tierra.
[…] El territorio, por el hecho mismo de que ofrece un punto de
referencia fijo en medio de los incesantes cambios de las
manifestaciones vitales, tiene ya, en si y per si, algo de general
(RATZEL, 1982, p. 202). (Grifos do autor).
Assim, o discurso naturalizante de Ratzel, próprio da corrente determinista que se
consolidava na época, passou a buscar uma unidade cultural para a recém criada
nação Alemã e a servir aos anseios expansionistas territoriais desta nação.
O território pensado exclusivamente como uma área delimitável do planeta, como o
palco onde se realizavam as ações do homem, correspondia à própria concepção de
Geografia postulada pelos cientistas da época.
Com o advento da “Escola Possibilista Francesa” e durante o período em que se
destacaram a chamada “Nova Geografia ou “Geografia Teorético-Quantitativa” e a
“Geografia Cultural”, o conceito de território foi praticamente deixado de lado em
favor dos conceitos de organização espacial e de paisagem. Assim sendo, avançou-
se muito pouco em relação às bases teóricas desse conceito e, por conta disso,
perdurou na Geografia uma leitura tradicional do conceito de território, que, segundo
Souza (2000), seria “[...] justamente aquela que, em princípio, deveria dispor de
conceituações bastante ricas da territorialidade e de um arsenal variado de
tipologias territoriais” (2000, p. 83).
Com o advento da “Geografia Crítica” calcada no materialismo histórico dialético o
conceito foi retrabalhado com base na proposição marxista de que a definição do
território passa pelo uso que a sociedade faz de uma determinada porção do globo,
a partir de uma relação de apropriação, qualificada pelo trabalho social. Ou seja,
35
emerge na Geografia uma grande preocupação em compreender as contradições
sociais, as transformações econômicas e políticas, assim como a reorganização
territorial do espaço mundial. Processos que se acentuaram e intensificaram no final
do século XX, em decorrência da atual fase de expansão do capitalismo, chamada
globalização econômica. Fase esta que se caracteriza pela flexibilização da
produção em escala mundial e, conseqüentemente, pela intensificação dos fluxos de
capitais, mercadorias, pessoas e informações entre os mais diferentes pontos do
planeta.
Na perspectiva da “Geografia Crítica”, as novas e as antigas configurações
territoriais decorrem da forma como os agentes que estão no poder apropriam-se do
espaço, por meio das relações sociais de produção, ou seja, por meio das relações
orientadas pelo modo de produção vigente em cada época.
Desta forma, o território que reemerge não tem nada a ver com o conteúdo
geopolítico da definição de Estado-Nação que lhe conferiu originalmente o geógrafo
alemão Friedrich Ratzel.
O retorno do território, como aludiu Milton Santos (1994), está relacionado às
mudanças socioespaciais e político-institucionais do capitalismo em sua fase pós-
fordista (Harvey, 1993). Tratam-se dos efeitos mais gerais da reestruturação dos
processos produtivos, que não apenas se internacionalizam, mas tamm
recompõem e afetam os territórios e as localidades que são a projeção particular
sobre um espaço determinado. Nesse sentido, o território emerge como um
processo vinculado à globalização, sobretudo porque a nova dinâmica econômica e
produtiva depende de decisões e iniciativas que são tomadas e vinculadas em
função do território.
Vivemos nas últimas décadas, em decorrência da reestruturação produtiva do capital
e, por conseguinte, de sua sustentação sociopolítica e ideológica, intensas
transformações no mundo e na organização das sociedades promovidas pelas
políticas neoliberais que vêm se tornando hegemônicas.
Identificam-se, nesta atual “etapa superior do desenvolvimento do capitalismo”,
novas formas de flexibilização do trabalho, liberalização financeira, privatizações,
novas aberturas ao exterior e fragilização dos Estados nacionais. Vivenciamos,
36
assim, a substituição de formas “tradicionais” estatais por formas globais de se
governar as práticas de mercado, no sentido de que se reorganizem os Estados
para que as condições de realização da livre circulação de dinheiro e de mercadoria
sejam facilitadas. Pensamos, então, em uma disciplina e em uma autoridade
abstrata do mercado.
O universo do consumo constrói-se enquanto instância legitimadora da
transnacionalização que se contrapõe cada vez mais a outras instâncias, tais como
o Estado, a escola, a família. O consumo poderia ser definido como uma nova
territorialidade transnacionalizada e simultaneamente diferenciada: universo do
consumo e universo de estilos de vida.
Ou seja, não se trata de um sistema, e sim de um processo, não implicando em
homogeneização do planeta em todas as dimensões. Pode-se, com mais segurança,
falar de uma tecnologia, porém não de uma cultura cada vez mais hegemônica. O
que nos leva a distinguir que, neste momento da evolução da sociedade, dá-se uma
globalização da economia e uma mundialização da cultura.
Estas transformações têm provocado intensos debates no pensamento filosófico e
científico, exigindo das diversas áreas científicas, especialmente das ciências
humanas, reflexões e análises para compreender tais processos de mudanças e
seus desdobramentos, além de ampliar a demanda por uma postura científica cada
vez mais interdisciplinar, onde o conhecimento é colocado à frente das questões
postas no cotidiano.
Sem dúvida, surgiram novos objetos, conceitos e caminhos explicativos,
tendencialmente multidimensionais ou integrativos, indicando a possibilidade de
novas propostas epistemológicas e metodológicas, tais como o princípio de
complexidade de Morin (1990), que objetiva justamente superar a divisão dominante
entre ciências da natureza e cultura.
Em busca de compreensão da complexa realidade das novas formas de
sociabilidade e, portanto, da apropriação e produção do espaço geográfico, as
ciências, de um modo geral, e a Geografia, em particular, necessitam
invariavelmente desconstruir algumas de suas categorias e conceitos,
(re)formulando-as, seja por ganharem conotações substancialmente novas, seja por
37
terem perdido seu poder explicativo, gerando dificuldades de natureza teórica
quanto operacional.
A Geografia, em especial, como ciência social, está diretamente implicada neste
esforço de melhor compreender o movimento da sociedade e dos processos
socioespaciais, à luz das contribuições de uma teoria social crítica no debate
contemporâneo, pois as exigências do nosso tempo é a construção de uma
Geografia crítica para além da crítica do capital.
Em vistas dos processos, o conceito de território ressurge na Geografia em um
quadro profundamente marcado por um processo de ampliação da interdependência
nas relações sociais e econômicas em escala internacional. Tratam-se dos efeitos e
dos condicionantes impostos pela globalização que, sinteticamente, podem ser
caracterizados como definiu Castells (1999), pela excepcional capacidade da
economia capitalista de ajustar, em escala planetária, a interdependência entre as
condições de tempo e espaço no processo global de produção de mercadorias. Essa
interdependência se expressa através da descentralização industrial, da velocidade
de contato proporcionada pelas novas telecomunicações, através da integração do
capital financeiro, comercial, agroindustriais etc. (COUTINHO, 1995).
As mudanças socioespaciais e político-institucionais do capitalismo diversificaram e
fragmentaram o conceito idealizado nos últimos séculos. De acordo com Andrade
(1994), o que temos, hoje, é o território construído pelas empresas superpondo-se
ao território construído pelo Estado que, por sua vez, encontra-se, com frequência, a
serviço das corporações e dos seus jogos de interesses, na disputa por territórios e
mercados, nos quais os processos de territorialização, desterritorialização e novas
territorializações estão cada vez mais subjugados aos interesses do capital.
Santos (1994), porém, adverte :
Assim como tudo não era, digamos assim, território “estatizado”, hoje
tudo não é estritamente “transnacionalizado”. Mesmo nos lugares
onde os vetores da mundialização são mais operantes e eficazes, o
território habitado cria novas sinergias e acaba por impor, ao mundo,
uma revanche. Seu papel ativo faz-nos pensar no início da história,
ainda que nada seja como antes (SANTOS, 1994, p. 15).
Essa assertiva nos orienta para um raciocínio que evita a análise simplista do que se
considera ser determinante para o termo território. Depreende-se dela que ações
38
autóctones são capazes de influenciar e construir outras relações espaciais, mesmo
que a intencionalidade e as atitudes das forças hegemônicas que atuam nesse
espaço pretendam padroni-lo para uma suposta gestão mundial.
1.3. A Geografia e as novas abordagens sobre o território
A despeito da antiguidade do emprego da expressão território nas ciências naturais
e tamm nas sociais, recentemente, porém, o termo passou a ser utilizado com
mais frequência por diferentes ramos das ciências, sobretudo pela Geografia,
concorrendo com outros tradicionais, como espaço e região. Porém, vem ganhando
novas interpretações, mais amplas e mais flexíveis, permitindo-nos ter uma noção
menos delimitada do conceito.
Diferentes concepções e abordagens podem ser utilizadas para compreender e
conceituar território. De forma abrangente, deve sempre ser considerado dentro de
um determinado contexto histórico. É nessa perspectiva que se pode traçar um
panorama geral do pensamento de diferentes autores da atualidade que abordam a
questão territorial, dentro de suas óticas, e discutem esse conceito.
Em Haesbaert (2002; 2004a; 2004b) encontramos uma importante interpretação de
território. Nas obras citadas, o autor o apresenta em quatro vertentes básicas: 1)
Território econômico - compreendido como simples base material, com ênfase na
dimensão espacial das relações econômicas, o território é fonte de recursos (relação
capital-trabalho); 2) Território político - visto como uma forma de controle dos
indivíduos, assim como dos processos sociais, a partir do controle do seu espaço
material, onde as relações se dão entre espaço e poder, ou seja, um espaço
delimitado e controlado no qual se exerce determinado domínio; 3) Território cultural
ou simbólico-cultural - concebido como espaço dotado de identidade, uma
identidade territorial, que carrega significados simbólicos e subjetivos; 4) Território
natural - entendido com base nas relações entre sociedade e natureza, isto é, o
comportamento “natural” dos homens em relação ao seu ambiente físico.
A essas concepções sobre o território podem ainda ser acrescidas mais três
vertentes: 1) jurídico política, que entende o território como um elemento de controle,
39
geralmente pela ação do Estado; 2) cultural(ista), de caráter simbólico e identitário;
3) econômica, na qual se destaca a perda do território de reprodução do capital por
força da globalização (HAESBAERT 2001; SPOSITO 2004).
Em virtude do momento histórico em que vivemos, e face ao profundo “hibridismo”
em que nos encontramos, é cada vez mais difícil enquadrar o conceito de território
em apenas uma dessas dimensões (política, natural, econômica ou cultural). Acerca
dessa afirmação, Saquet (2003) salienta:
[...] Um território não é construído e, ao nosso ver, não pode ser
definido apenas enquanto espaço apropriado política e culturalmente
com a formação de identidade regional e cultural/política. Ele é
produzido, ao mesmo tempo, por relações econômicas, nas quais as
relações de poder estão presentes num jogo contínuo de dominação
e submissão, de controle dos espaços econômico, político e cultural.
O território é apropriado e construído socialmente, fruto do processo
de territorialização. (SAQUET, 2003, p. 24).
Haesbaert (2004b) apresenta um conjunto de perspectivas teóricas, a partir de um
patamar mais amplo, em que essas dimensões (econômica, política, cultural e
natural) se inserem numa fundamentação filosófica própria de cada abordagem. Ele
busca superar a dicotomia materialista/idealista, introduzindo a noção de que o
território encerra tanto a dimensão espacial material das relações sociais, como o
conjunto de representações sobre o espaço, ou o que ele denominou de “imaginário
geográfico”. Assim, no conceito de terririo, a perspectiva materialista (concreto) e a
perspectiva idealista (referido aos sentimentos que o território inspira) são
indissociáveis.
Sob o ponto de vista materialista agrupam-se as concepções naturalista, econômica
e política, as quais, segundo o autor, mesmo consideradas nessa base material, não
estão desvinculadas de relações sociais. Já na perspectiva idealista, o território é
visto numa dimensão simbólica, dotado de identidade. Refere-se aos sentimentos
que o território inspira naqueles que dele o excluídos e à satisfação dos que dele
usufruem/compartilham. Dessa forma, Haesbaert propõe o território numa
perspectiva integradora, que envolve sua leitura como um espaço não estritamente
natural, nem unicamente político, econômico ou cultural, sugerindo que o conceito
seja concebido na perspectiva que analisa as diferentes dimensões sociais.
40
Segundo Spósito (2004, p. 17), as várias concepções de território existentes servem
como porta de entrada” para a discussão desse conceito na Geografia, e ele as
agrupa em quatro abordagens. Em primeiro lugar, a naturalista, muito utilizada pelos
estudiosos desse conceito na Geografia “[...] aparece como imperativo funcional,
como elemento da natureza inerente a um povo ou uma nação pelo qual se deve
lutar para proteger ou conquistar”. O sentido de extensão e de delimitação de
lugares é valorizado, pois é, nesse espaço delimitado que os grupos sociais
estabelecem relações de uso, de transformação e de poder.
Outra abordagem, voltada para o território do indivíduo, diz respeito à territorialidade
e sua apreensão, com forte conotação cultural; “[...] a territorialidade, neste caso,
pertence ao mundo dos sentidos e, portanto da cultura, das interações cujas
referências básicas são as pessoas e a sua capacidade de se localizar e de se
deslocar” (SPOSITO, 2004). Assim, o território aparece como espaço onde os
indivíduos estabelecem relações de poder e de pertencimento a esse espaço.
Uma terceira abordagem de território aparece quando o “[...] termo território é
confundido com o de espaço [...] isso pode ser abstraído a partir do momento em
que se considera uma quarta dimensão, aquela definida pela transformação que a
sociedade impõe à natureza. [...]” (SPOSITO, 2004, p.17).
Saquet (2003) evidencia a importância da relação tempo e espaço na análise sobre
o território, uma vez que cada espaço vive seu tempo, e cada tempo se desenrola
num determinado espaço. Nessa dinâmica, o autor destaca também a importância
de conhecermos a história dos lugares, os diferentes processos de mudanças e
transformações vivenciadas em cada espaço.
No processo de construção, desconstrução e reconstrução, o território é permeado
por relações sociais de domínio, de demarcação e de posse. No âmbito político,
econômico ou cultural, em diferentes escalas, as relações de poder manifestadas no
território não devem ser jamais negligenciadas.
De acordo com Raffestin (1993), o espaço é a base para a formulação do território,
ou seja, o espaço existe antes do território, um é a matéria-prima para a construção
do outro. Na realidade, segundo o autor, num espaço propriamente dito, ainda não
se deram relações de poder, em que um ator manifeste a intenção de apoderar-se
41
dele. Em contrapartida, o conceito de território não abrange simplesmente um
espaço, mas um espaço construído pelo ator, apropriado e organizado de acordo
com seus objetivos e interesses.
O território é, portanto, produzido, a partir do espaço e por uma série de relões
que o indivíduo ou grupos de indivíduos os chamados agentes mantêm entre si e
com a natureza.
Ainda segundo Raffestin (1993), o território é sempre um enquadramento do poder
ou de um poder, em um determinado recorte espacial. Por isso, podemos dizer que
as relações de poder se dão em diferentes escalas territoriais, e a escala do território
determina a escala dos poderes. Assim sendo, as relações de poder estabelecem-se
em níveis local, regional, nacional, supranacional, etc, produzindo uma multiplicidade
de territórios, cada qual com uma territorialidade diferente, ou seja, com uma
dimensão própria, e um conteúdo específico, sendo apropriados, apreendidos e
vivenciados de maneira singular pelos atores sociais.
Autores brasileiros como Souza (2000), Santos (1994), Andrade (1994) e Neves
(1994), entre outros, compartilham a ideia de território como um espaço definido por
e a partir de relações de poder, projetadas no espaço e com grande flexibilidade
espacial e temporal, sejam elas estabelecidas no nível público, estatal ou das
grandes empresas.
Para Tartaruga (2005), esse poder se define em três dimensões: na dimensão
política, a mais difundida, o poder está muitas vezes mas não exclusivamente
relacionado ao Estado, e o território é visto como um espaço delimitado e controlado
por ele; a dimensão cultural ou simbólico-cultural é mais subjetiva, e o território é
compreendido sobretudo, como um produto da apropriação/valorização simbólica de
um grupo em relação ao seu espaço vivido; a dimensão econômica, menos citada,
enfatiza as relações econômicas, entendendo o território como fonte de recursos
e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, por
exemplo, como produto da divisão “territorial” do trabalho.
O autor (2005, p.6) afirma que os territórios podem ser cíclicos, apresentando-se
periódica ou sazonalmente, e de baixa definição, ou seja, espaços caracterizados
pela superposição de diferentes territórios, o que pode provocar o surgimento de
42
relações adicionais de poder contínuas, as mais usuais, - daqueles que possuem
contiguidade espacial - e descontínuas - daqueles que não possuem uma
contiguidade espacial total. Alguns chamam essas relações de rede ou território-
rede; em termos gráficos, os territórios connuos poderiam ser caracterizados por
superfícies e os descontínuos por pontos.
Assim, não podemos nos prender ao conceito de território ligado às relações de
poder desenvolvidas pelo Estado e pelas grandes empresas, mesmo porque elas
precisam de uma escala temporal maior para se estabelecerem. também o
território constituído como local de micropoderes, em que determinados grupos com
a mesma identidade cultural, política e econômica estabelecem relações sociais
projetadas no espaço que, por possuírem extrema flexibilidade, podem formar-se ou
dissipar-se em questão de anos, meses, semanas, dias e até mesmo horas. De
caráter bastante curioso, esses territórios sobrepostos desempenham funções
distintas que às vezes podem acabar chocando-se. Os espaços ocupados pelas
escolas, igrejas, camelôs e prostitutas são exemplos de microterritórios formados a
partir de relações de poder, cada qual com características próprias e possuidores de
grande flexibilidade. O fato de poder constituir-se ou dissolver-se de modo
relativamente rápido confere ao território uma tendência à instabilidade.
Retomando a etimologia, o termo território significa terra pertencente a alguém. Este
“pertencente”, alerta Corrêa (1994), não se vincula necessariamente à propriedade
da terra, mas à sua apropriação. Se por um lado o conceito de território está ligado
ao controle de fato, efetivo, por vezes legitimado por parte das instituições ou grupos
sobre um dado segmento do espaço, por outro, pode assumir uma dimensão afetiva,
derivada das práticas especializadas por parte dos grupos distintos, definidos
segundo renda, raça, religião, sexo, idade ou outros atributos. É a partir desse
sentido que o conceito de território se vincula a uma Geografia que privilegia os
sentimentos e simbolismos atribuídos aos lugares e, assim, a apropriação passa a
se associar à identidade de grupos e à afetividade espacial.
Enfim, entende-se que o território é um processo social. Moraes (2000) afirma que
ele não pode existir sem uma sociedade que o crie e que o qualifique. Assim sendo,
ao contrário do território pensado pelos zoologistas, não pode existir como realidade
puramente natural, sendo construído com base na apropriação e na transformação
43
dos meios criados pela natureza, isto é, um produto socialmente elaborado,
resultado histórico da relação de um grupo humano com o espaço que o abriga,
sendo, antes de qualquer coisa, dinâmico.
Como se evidencia, são muitas as divergências conceituais acerca do território,
porém podemos identificar um consenso sobre a construção e destruição destes. O
modo de produção capitalista, por exemplo, provoca um movimento contínuo de
transformação da técnica e da sociedade que, por sua vez, repercute na criação,
destruição e reconstrução dos territórios, promovendo a desterritorialização de
grupos sociais.
Enquanto Souza (2000) entende que a desterritorialização supõe a exclusão de um
grupo que se apropriava de um dado espaço, Santos (1997) a concebe como o
estranhamento do indivíduo ao lugar, uma desculturização; já para Haesbaert,
(2004b) ela seria resultante do enfraquecimento do controle exercido sobre o
espaço, que provoca a mobilidade de pessoas, bens materiais, capitais e
informação.
De qualquer forma, a desterritorialização traz consigo o processo de
reterritorialização que alude à incorporação de novos territórios e,
consequentemente, à construção de uma nova territorialidade do grupo
desterritorializado.
Para Santos (1997):
O novo meio ambiente opera como uma espécie de detonador. Sua
relação com o novo morador se manifesta dialeticamente como
territorialidade nova e cultura nova, que interferem reciprocamente,
mudando-se paralelamente territorialidade e cultura; e mudando o
homem. Quando essa síntese é percebida, o processo de alienação
vai cedendo ao processo de integração e de entendimento, e o
indivíduo recupera a parte de seu ser que parecia perdida.
(SANTOS, 1997, p. 329).
Assim, segundo o autor, mesmo sendo o território conformado pelo conjunto de
elementos naturais e artificiais de uma área, a reterritorialização não se configura
apenas na alteração das formas. Ao mudar as formas, mudam-se as funções e, por
conseguinte, o homem tamm se modifica.
44
Sob uma perspectiva diferente, Haesbaert (2004b) considera que a
reterritorialização refere-se ao processo de desterritorialização imposto pela
territorialização conduzida por outros:
[...] ou seja, eu posso “delimitar” meu território simplesmente através
da delimitação do território do outro. Neste sentido, mesmo com uma
“territorialização” (física) aparentemente bem definida, o outro está
de fato desterritorializado, pois não exerce efetivo domínio e
apropriação sobre seu território. (HAESBAERT, 2004b, p.263).
A despeito das diferentes visões, esses autores concordam que à medida que são
destruídos os territórios e construídas novas territorialidades, desenvolve-se um
processo dinâmico e concomitante de desterritorialização e reterritorialização.
1.4. Assentamento rural na perspectiva do território
Hoje, o processo de reflexão sobre o agrário, entendido na dimensão da luta social
pela conquista da terra e da permanência nela, (re)dimensiona-se na proporção que
a discussão pela reforma agrária intensifica-se, não apenas na distribuição de terras,
mas tamm na potencialização de seus projetos.
O espaço geográfico produzido pela inserção da agricultura familiar no modelo
produtivo atual demanda um novo tipo de estudo sobre a Geografia dos
assentamentos rurais, que passe a identificar o resultado e as consequências da
produção desse tipo de lugar, pois, neles, o acesso à terra indica uma
reterritorialização, materializada na recriação do lugar a partir da inserção de novos
elementos e perspectivas no espaço rural. O lugar incorpora o novo, especialmente
em relação às técnicas, modificando as práticas sociais. Os assentados constroem
um novo terririo a partir da mudança das relações estabelecidas nesse espaço,
promovendo um rearranjo no processo produtivo, diversificando a produção e
introduzindo novas atividades.
O território é compreendido como uma horizontalidade, em suas múltiplas
dimensões, sobre as quais incidem novas problemáticas com a rearticulação de
suas redes e de seus mecanismos de ordenação. Tomado como o lugar da dinâmica
e da dialética que se configuram a partir de múltiplos usos e inserções, o território é
definido como uma unidade de análise privilegiada, na medida em que permite
45
identificar as bases da dominação e das formas de resistência, e que, por meio da
análise de seu uso, informa sobre os diferentes projetos e visões de mundo em
disputa.
Neste sentido, os assentamentos Itamarati e Itamarati II localizados no Município de
Ponta Porã em Mato Grosso do Sul (Mapas 1 e 2) são a materialidade de um conflito
sobre um dado espaço, síntese da transformação de um latifúndio do agronegócio
em minifúndios de agricultores familiares, e portanto, o conceito território comparece
como uma importante ferramenta para discutir a realidade social ai existente.
Os agentes que atualizam a palavra de ordem da reforma agrária se renovam de
acordo com a conjuntura apresentada, especificam as demandas e objetivam o
embate político. A variação desses agentes se dá de acordo com eixos geográficos
e identidades distintas, o que faz com que o embate pela reforma agrária se atualize
e se apresente a cada período com um novo sentido.
Por constituir um território conquistado, o assentamento representa a
reterritorialização para os trabalhadores rurais, independentemente do grau de
envolvimento de cada família na luta pela conquista da terra.
Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas pelas famílias, dos percalços,
insucessos e até eventuais fracassos, os assentamentos rurais, juntamente com as
pequenas propriedades tradicionais, geralmente constituem a garantia não só da
permanência do homem no campo, como a possibilidade da recuperação da
autoestima e da dignidade, com a geração de emprego e renda e a sua integração
ao mercado, além de representarem uma subversão das relações de poder local,
com a emergência de novos arranjos produtivos, sem falar na contribuição para o
desenvolvimento da economia local, regional e até nacional.
Vistos por essa perspectiva, os assentamentos rurais, enquanto espaços singulares
que possibilitam a ressignificação do lugar, assumem papel cada vez mais
importante na sociedade brasileira contemporânea, pois configuram tessitura da
prática social que favorece a construção de novos territórios e novas territorialidades
no espaço rural.
46
Mapa 1 - Localização Geográfica do Município de Ponta Porã e da Fazenda Itamarati em Mato Grosso do Sul
47
Mapa 2 - Localização geográfica do Assentamento Itamarati e Itamarati II em Ponta Porã - Mato Grosso do Sul
48
Conforme Santos (2000),
O povo como sujeito é também o povo como objeto, sobretudo ao
considerarmos o povo e o território como realidades
indissoluvelmente relacionadas. Daí a necessidade de revalorizar o
dado local e revalorizar o cotidiano como categoria não apenas
filosófica e sociológica, mas como categoria geográfica, territorial.
[...] O sujeito é também objeto. O sujeito é plural e o objeto
diversificado. Partindo dessa idéia, depreendemos as diferenças
estruturais e avaliamos o valor diferenciado das diversas ações
dentro do todo (SANTOS, 2000. p.121).
A criação de novos assentamentos, fazendo emergir novas formas de produção,
novas práticas e novas configurações da organização do trabalho, constitui elemento
de reestruturação do campo. Assim sendo, a análise dos assentamentos, na
perspectiva do território, é mais abrangente que a da territorialização de grupos
específicos e da concepção de novas territorialidades.
O número de assentamentos rurais vem aumentando a cada ano, seja pela
distribuição de novos lotes em áreas reformadas, seja pela regularização fundiária
4
Parafraseando Sauer (2003, p.20), apesar de descontinuidades espaciais, os
assentamentos não são ilhas, mas territórios, social e politicamente demarcados.
São, portanto, espaços singulares que permitem um “convívio face a face”, abrindo a
possibilidade para novas interações e resignificações identitárias e
representacionais.
.
Porém, em números absolutos e em face da dimensão territorial do país, a
implantação desse modelo ainda é muito pequena. Como observaram Medeiros,
Sousa e Alentejano (1998), os assentamentos funcionam como verdadeiros
laboratórios de experiências sociais que, além de dinamizarem o debate acerca das
expectativas futuras do meio rural, têm pautado a discussão sobre um novo padrão
de desenvolvimento fundado na unidade de produção familiar.
A criação dos assentamentos suscita uma nova organização social, econômica e
política. Martins (2000, p. 46) assevera que os projetos de assentamentos são uma
verdadeira reinvenção da sociedade caracterizando-se como uma clara reação aos
efeitos perversos do desenvolvimento excludente e da própria modernidade.Assim,
quando o conjunto das famílias apossarem-se formalmente dessa terra, construindo
4
Oficialização da propriedade de uma área para famílias que nela já residem.
49
sua nova identidade social, estará estabelecido um processo inteiramente novo, uma
vez que nesse espaço imprimir-se-á uma nova organização, um microcosmo social.
Analisado na perspectiva do território, o assentamento rural, em qualquer
circunstância, encerra a materialidade que constitui o fundamento mais imediato de
sustento econômico e de identificação cultural de um grupo, descontadas as trocas
com o exterior. O espaço social, delimitado e apropriado politicamente como
território de um grupo, é suporte material da existência e, mais ou menos, um forte
catalisador cultural-simbólico e indispensável fator de autonomia.
O assentamento é um lugar onde diferentes biografias se encontram e se iniciam
novos processos de interação e identidade sociais, um lugar identitário privilegiado.
Ou seja, o acesso à terra lugar geograficamente localizado, que possibilita o
trabalho e a residência - transforma os “sem terra” em pessoas “com terra”.
Nos assentamentos rurais, os ex sem terra rompem o umbral da exclusão e se
transformam em pequenos produtores rurais, cuja possibilidade de reprodução
social é o controle sobre a terra. Os assentamentos, portanto, são territórios que
representam a fartura e garantia de emprego, trabalho e renda.
A luta na terra, que em muitos lugares por todo o Brasil significa o início da luta pelo
território, significa ainda um processo de construção de alternativas à realidade
atual, portanto, na construção simbólica da terra como uma heterotopia, ou seja, um
lugar, simultaneamente real e imaginário, de oposição às tendências de
homogeneidade do espaço da modernidade (Foucault, 1984), sobretudo pela
crescente exclusão social inerente à dinâmica do capital.
Admitindo-se o território como resultado de um processo histórico de construção do
espaço por agentes sociais que lhe imprimem suas características socioculturais, a
construção dos territórios, para Santos (1994), se processa a partir da projeção do
trabalho sobre o espaço. Como assinala o autor, o território não é território em si
mesmo, pois o que lhe dá essa condição é o seu uso, e esse uso é que o transforma
em objeto de análise social.
Portanto, o território é resultado da interação entre as relações sociais estabelecidas
em determinado espaço e o controle desse espaço. Para Haesbaert (2004b, p. 79),
ele não é exclusivamente político, nem econômico ou cultural e, muito menos,
50
apenas natural. Para o autor, a construção dos territórios se processa através da
[...] imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações
econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais
estritamente cultural.
Consequentemente, o acesso à terra, materializado nos assentamentos, não
significa somente a garantia de sustentabilidade física da vida humana, no sentido
real de cunho político, econômico e social, mas adquire também um sentido
simbólico. Terra é vida, portanto, lugar e meio de produção e reprodução social. A
luta dos assentados é por uma heterotopia (Foucault, 1984), um “outro lugar”
qualitativamente diferente e de resistência ao processo de desterritorialização
forçada pelo modelo agrário e agropecuário implantado no Brasil ao longo de sua
história, modelo que não contempla a agricultura familiar.
Na busca por desvendar essa heterotopia no conjunto das famílias contempladas
com um lote no Assentamento Itamarati é que estamos recorrendo ao conceito de
território nas suas múltiplas dimensões. Contudo, isso não quer dizer que esta seja a
única via possível de análise para o objeto de estudo em questão, tendo em vista
que a complexidade posta na atualidade e sua tendência em provocar equívocos
diante dos fenômenos vêm reconfigurando as demandas epistemológicas acerca
dos métodos e dos tratamentos do conhecimento que se apresentam
continuamente. Ou seja, não estamos engessando, nesse conceito, a realidade
espacializada no Assentamento Itamarati.
Colocadas as devidas considerações sobre a problemática território e assentamento,
no decorrer deste trabalho, procuraremos apreender a realidade sócio-espacial do
Assentamento Itamarati.
Esta investigação vinculará a analise da realidade histórica, econômica, social e
política do espaço regional do Mato Grosso do Sul, bem como do espaço local de
Ponta Porã, onde se insere nosso objeto de estudo.
Nesta, procuramos apresentar os diversos papéis desempenhados pelos agentes de
produção do espaço local/regional, suas ações e os diversos conflitos, de maneira
que possamos compreender em que medida o assentamento rural se destaca como
uma nova realidade nesta porção do território sul-mato-grossense, mas que traz
51
consigo a marca dos empreendimentos megalomaníacos que historicamente foram
constituídos na região.
Capítulo II
2. A REALIDADE AGRÁRIA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL: DOS
MEGAPROJETOS AOS MODELOS MEGALOMANÍACOS
Objetiva-se neste capítulo demonstrar, através de evidências históricas, que o
recorte espacial, objeto de nossa análise, traz consigo, ao longo da história, a marca
dos grandes projetos, e estes, por conta das dimensões que assumem, pela ampla
gama de elementos que mobilizam, acabam por incorporar o prefixo grego “mega”,
constituindo, portanto, megaprojetos.
A criação do Assentamento Itamarati nesta porção do terririo sul-mato-grossense,
bem como a intenção dos seus idealizadores de que ele se caracterizasse como um
mega-assentamento rural, dá continuidade ao estigma desta área de ser o palco de
grandes projetos, os quais o apresentados para a opinião pública como iniciativas
direcionadas a corrigir distorções sociais, atendendo exclusivamente aos interesses
dos pequenos proprietários e dos trabalhadores sem-terra.
É inegável que os pequenos proprietários e os trabalhadores sem-terra estão
inseridos nesses projetos, porém, de maneira muito diferente daquela apregoada,
uma vez que essa inserção se dá muito mais no sentido de justificar os volumosos
investimentos que objetivam viabilizar outros interesses e atender outras classes
sociais, não devidamente explicitados.
Em outras palavras, as poucas ações desenvolvidas pelas esferas políticas tanto
estaduais quanto federal, nesta porção do território sul-mato-grossense, jamais visou
a uma desconcentração da propriedade da terra. O acesso à terra, por parte dos
trabalhadores, nas poucas vezes em que aconteceu, veio atrelado a outros
interesses, sempre com o propósito de beneficiar muito mais os grandes que os
pequenos. E, nesse contexto, os trabalhadores foram impelidos a desenvolver
estratégias que minorassem seus problemas e lhes garantissem o mínimo
necessário à sobrevivência.
53
Não se pode esquecer que as iniciativas governamentais para resolver a
problemática da terra, em geral, são emergenciais, ou seja, “[...] pontuais, dispersas,
desarticuladas, [...] segundo a gravidade dos conflitos existentes [...]” (MEDEIROS;
SOUSA; ALENTEJANO, 1998, p.56).
Essa atuação dúbia do Estado, e quase sempre sob pressão, visando à solução do
problema agrário, deve-se aos interesses por ele representados. Gonçalves Neto
(1997) expõe claramente que, em sendo o Estado o “guardião da ordem dominante”,
seus interesses serão os interesses da classe dominante, não da sociedade como
um todo.
A decisão pela implantação de um megaempreendimento traz aos empreendedores,
além dos benefícios e prerrogativas que obviamente tal iniciativa lhes provê, um
conjunto de megaimplicações decorrentes e equivalentes à amplitude de tal projeto.
Tais projetos, sob o discurso oficial e particularmente dos tecnocratas e homens de
negócio de promover o progresso e, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento
econômico da sociedade, por vezes privatizam os lucros e socializam os prejuízos,
tais como, entre outros, danos à saúde do trabalhador, poluição ambiental com
agroquímicos e queimadas, mudanças culturais, deterioração de estradas e
aumento de fluxos em locais não planejados, privatização de áreas que antes eram
públicas ou de uso concedido, alterações na beleza cênica e no uso do território
anterior que equilibrava aspectos da cultura e da economia local.
O crescimento econômico é arquitetado como valor supremo da sociedade, como se
fosse uma lei da natureza inerente à espécie humana, uma noção de progresso
unilateral e não mediada, mitificada e universalizada como padrão para todos os
homens, sem relacioná-lo com as especificidades e interesses das pessoas.
O que está por trás dessa ideologia do crescimento econômico e do
desenvolvimento social é uma visão de mundo dominada pela corrida desenfreada
pela acumulação e pelo enriquecimento ilimitado de uma minoria em detrimento da
maioria, nem sempre por meios civilizados e legítimos e, algumas vezes, por meio
também da sedução e da habilidade retórica.
Talvez a cooptação política seja mais eficiente que a força, tendo em vista que não
são raras as vezes em que tais empreendimentos são financiados com recursos
54
públicos, ou que a opinião das populações locais é ouvida (e quando ouvem, elegem
o discurso daqueles que lhes interessam, criando autoridade de ação política) para
se detectar os reais interesses desses atores sociais que representam a maioria da
sociedade e os que mais sofrem os impactos ambientais, sociais e econômicos das
decisões tomadas nas esferas executivas e legislativas, sob a pressão dos
tecnocratas e dos homens de negócio. Decisões essas nem sempre ética ou
politicamente neutras, por ser impossível, a seus autores, despirem-se de suas
posições, interesses e valores sociais.
Ao longo da história, o território que ora faz parte dos Assentamentos Itamarati e
Itamarati II foi palco de pelo menos dois megaprojetos privados, a Companhia Mate
Laranjeira e a própria Fazenda Itamarati. Tendo sido implantandos em períodos
diferentes, pouco têm em comum, ainda que esta tenha herdado parte do espólio
daquela e que ambas tenham sido projetos privados e mantido uma
relação/influência muito forte com os poderes políticos de sua época, mas que
porém, destoam do tipo de desenvolvimento apregoado pelos movimentos sociais e
pelo Estado quando preconizam a reforma agrária e inserção da pequena
propriedade rural como foco de desenvolvimento, contrário portanto, ao grande
latifúndio, uma das marcas do Estado do Mato Grosso do Sul, quiçá do Brasil.
Além desses dois empreendimentos privados, foi levada a cabo nessa área a
implantação da CAND, um grande projeto criado pelo governo federal que tinha
como um de seus objetivos garantir aos pequenos trabalhadores rurais o acesso à
terra, mas como veremos mais adiante, suas reais motivações se estendiam para
muito além dessa proposição.
2.1. A Companhia Mate Laranjeira
A Companhia Mate Laranjeira foi o primeiro grande empreendimento privado
implantado nesta porção do território brasileiro, criado em dezembro de 1882, por
Tomaz Laranjeira, que conseguiu o monopólio para explorar a erva-mate em terras
devolutas na fronteira Brasil-Paraguai, ao sul do planalto de Amambai. A
Companhia, no auge de sua hegemonia e por força das constantes renovações de
contratos com o governo do estado, chegou a dominar uma área de
55
aproximadamente dois milhões de hectares, dos quais, segundo Guillen (1999, p.
154), 1.815.905 ha eram arrendados e mais de 300.000 ha eram de propriedade da
empresa (Mapa 3), constituída não só de matas, mas também de campos propícios
à criação de gado.
Como contrapartida, obrigava-se o projeto a “introduzir famílias de colonos nacionais
e estrangeiros para promover o povoamento efetivo da fronteira, fundar uma cidade
e um porto (Porto Murtinho) e deixando de realizar suas exportações e seu
abastecimento pela vila paraguaia de Conceição” (CORRÊA, 1999, p. 221).
Todavia, além de ignorar completamente a presença dos povos autóctones, com o
controle sobre as terras ervateiras e o respaldo obtido pelas prerrogativas
contratuais de determinar as formas de ocupação da área, a Companhia procurou
de todas as formas, e utilizando-se dos mais diversos meios, impedir que pequenos
proprietários ou posseiros ocupassem a área sob seu controle, prática denominada
“política de ‘espaços vaziospor Guillen (1999), que afirma:
[...] tal política possibilitava não uma melhor organização da
produção da erva-mate, mas também visava impedir que os
trabalhadores dos ervais se tornassem produtores independentes.
Para impor esta política a empresa contava com uma força policial
própria, os “comitiveiros” além de contar com o auxílio de autoridades
locais e de coronéis, que dispunham de bandos armados ou de
facilidades para arregimentá-los (GUILLEN, 1999, p. 149).
Porém, em face do tamanho do território controlado pela empresa e a fragilidade das
formas de controle de seus domínios, persistentes em seu objetivo de conseguir
terras na região, os gaúchos representavam uma fissura no poder disciplinar da
Companhia, pois, desafiando-a, instalavam-se nos seus domínios mais recônditos, o
que provocava confrontos constantes que remontam ao início do século XX.
Além dos gaúchos, uma multidão dispersa de posseiros e elaboradores clandestinos
de erva-mate (denominados em guarani, a língua dominante na região, de changa-y
ou changadores) enfrentava cotidianamente o poderio da Companhia, que não fazia
distinção entre um changa-y e um pequeno proprietário, mesmo que este tivesse um
título provisório, e tratava de expulsar todos, como recurso para manter o controle
territorial e econômico sobre as terras donde explorava a erva-mate.
56
Mapa 3 – Território controlado pela Companhia Mate Laranjeira em Mato Grosso do Sul (1882-1924)
57
Agindo como se fosse autoridade pública, de tal modo que as pessoas preferiam
pedir a sua autorização para requerer terras, a Companhia utilizava diversas
estratégias para impedir o estabelecimento de pequenos ervateiros. Aqueles que se
instalavam na região, sem sua autorização, eram expulsos, sob a alegação de que
os posseiros destruíam os ervais com podas indiscriminadas.
Essas pequenas lutas, de acordo com Guillen (1999):
Marcaram a história da região, ora travestidas na formação de
grupos de bandidos que se dedicavam ao contrabando
clandestinamente em território da companhia, ora assumindo
aspectos mais legais, em que antigos posseiros tentavam obter o
reconhecimento legal das posses. (GUILLEN, 1999, p. 150).
Eram frequentes os litígios entre a Companhia e aqueles que se propunham a
requerer acesso às terras dos ervais, e os pedidos de compra de glebas eram
contestados sempre com o pretexto de que o lote pretendido estava dentro dos
limites do arrendamento.
A forma como a Companhia resolvia suas divergências políticas pode ser avaliada
em reportagem publicada no jornal O Progresso, de Ponta Porã, datado de 13 de
maio de 1923, que relata o assassinato do opositor político da empresa e advogado
dos posseiros, Batista de Azevedo, por Heitor Mendes Gonçalves, dirigente da
Companhia. A vítima havia estado em Cuiabá alguns meses antes tratando de casos
de posseiros, e conseguira a expedição de títulos provisórios relativos a alguns lotes
de terra.
Os conflitos entre a Companhia Mate Laranjeira e os posseiros datam do início do
século XX e não se trata de um fenômeno isolado na história de Mato Grosso do
Sul. A luta pela terra vinha dando o tom das políticas públicas estaduais que
visavam incrementar o desenvolvimento econômico do estado através da instalação
de grandes propriedades capitalistas. Ao mesmo tempo em que se admitia a
necessidade de um adensamento populacional por meio de uma política de
colonização da terra, na prática faziam-se valer os direitos dos grandes proprietários.
Essa situação suscitava, na época, um acalorado debate na opinião pública estadual
acerca da possibilidade de anulação dos arrendamentos e, posteriormente, uma
fragmentação da área dos ervais em pequenos lotes. “A disputa pela terra na região
sul teve como conseqüências políticas uma série de escaramuças e levantes
58
armados que marcaram toda a história de Mato Grosso, chegando em muitos
momentos a se propor a divisão do Estado” ( GUILLEN,1999, p. 150).
Como ficou evidenciado, o caráter do megaempreendimento não reside somente no
tamanho da área controlada pela empresa, mas tamm na sua influência política e
econômica, garantida pela aliança com a oligarquia política da época, de forma que,
através do jogo de interesses, desenvolviam ambas uma relação de apoio tuo.
Essa aliança constituiu um elemento fundamental na fase de implantação da
Companhia, como também tornou-se o principal elemento potencializador e
responsável direto pelas dimensões alcançadas pelo projeto, descrita da seguinte
maneira por Gressler & Swensson (1988):
cia dos irmãos Murtinho, destacados políticos de Mato Grosso, e
apoiada pela amizade com o General Antonio Maria Coelho, primeiro
governador de Mato Grosso, a Companhia Mate Laranjeira aumenta
o seu poder, passando a participar da vida econômica, social e
política do estado (GRESSLER & SWENSSON, 1988, p. 29).
A dimensão do poderio econômico alcançado pela empresa pode ser mensurada
com a informação de Vale (1996), segundo o qual “[...] A Cia. Mate Laranjeira
agigantou-se tal maneira que suas receitas suplantaram as do Tesouro de Mato
Grosso em vários exercícios e chegou mesmo, algumas vezes, a fornecer dinheiro
emprestado ao Estado” (VALE 1996, p. 19).
Por conta desde agigantamento, face ao seu poderio e influência econômica, a
empresa passa a participar decisivamente da vida econômica, social e política do
Estado de Mato Grosso como também do Paraná, afastando os seus concorrentes
na exploração da erva-mate e ampliando o arrendamento de suas terras.
Acerca do que aqui estamos denominando ideologia do crescimento econômico e do
desenvolvimento social, valemo-nos da observação de Guillen (1999):
[...] a Companhia Matte Laranjeira (sic) atuava como um importante
componente progressista e modernizador, na medida em que
implantava na região da fronteira as condições almejadas para o
desenvolvimento que o Estado merecia alcançar, segundo as
aspirações dos segmentos sociais dominantes. (GUILLEN, 1999, p.
150).
Em cada etapa da evolução histórica e social, as relações/alianças entre os
empresários e as oligarquias políticas refletem os interesses, as coligações, as
contradições e os conflitos entre o poder político e econômico e sua tendência à
59
concentração de riquezas, poder e informação, ficando em segundo plano as
aspirações coletivas por participação democrática, autonomia econômica, cultural e
autogestão política.
Todavia, as alianças constituem o principal ponto de inflexão, pois no momento em
que os grupos políticos que lhe dão sustentação são derrotados, inicia-se uma fase
crítica para a empresa, principalmente se ela não tiver uma boa capacidade de
articulação, convencimento e de composição, ou mesmo se os seus interesses já
não se coadunam ou não respondem positivamente aos interesses dos novos
detentores dos cargos políticos.
A diminuição do poder e, portanto o início da decadência da Companhia Mate
Laranjeira foram tamm relatados por Gressler & Swensson (1988):
[...] o seu poder político também começa a diminuir a partir de 1899,
quando Manoel Murtinho não consegue eleger-se para o governo do
estado. Estabeleceram-se correntes políticas que lutavam pró e
contra novos arrendamentos das terras para a Companhia
Laranjeira... (GRESSLER & SWENSSON, 1988, p. 29)
Face às mudanças políticas ocorridas em Mato Grosso e também em consequência
de sua atuação, a Companhia Mate Laranjeira passa a ter novos opositores que,
respaldados no conhecimento de que a empresa detinha o controle de terras em
território brasileiro e paraguaio, entre outras acusações, aponta-a como sonegadora
de impostos.
As divergências se avolumaram e a empresa lutava pela manutenção e ampliação
dos seus privilégios. Entretanto, seus objetivos não foram alcançados em virtude da
lei sancionada em 7 de julho de 1934, que autorizou o governo do Estado de Mato
Grosso a arrendar, em concorrência pública, a área de um milhão de hectares em
terras ervateiras de propriedade do estado (FIGUEIREDO, 1967).
Salientamos, porém que, a perda de poder da empresa em Mato Grosso ocorreu
paulatinamente, pois mesmo com a queda do grupo político que lhe dava
sustentação, ainda levou 35 anos para encerrar suas atividades e, com certeza,
outros fatores concorreram para isso. Esse longo período demonstra o grande poder
de articulação política da empresa, pois é certo que o poder que se estabelece num
território tem uma legitimidade temporária que deve ser permanentemente
estabilizada e equalizada, de forma que mesmo que a correlação de forças a
60
desestabilize e haja mudanças no jogo de interesses, se for bem consolidada
ideologicamente, ela persiste.
De um modo geral, a ocupação e o desenvolvimento de Mato Grosso do Sul,
obedeceram a interesses extrativistas de empresas estrangeiras ligadas à
exploração do minério e dos extensos ervais nativos existentes nesse território,
responsáveis diretos pela apropriação de grandes áreas que irão constituir os
latifúndios cuja existência, sem grandes mudanças, permanecerá durante todo o
período da formação econômica do Brasil.
Em face dessas características, a historiografia tradicional tem apresentado o
processo de apropriação das terras sul-mato-grossenses, como “natural”, realizado
sobre imensas áreas denominadas “áreas vazias, ignorando completamente o
conflito. Assim, também o governo federal, ao olhar para o Mato Grosso uno, via no
estado um grande “vazio demográfico”, com terras que poderiam ser integradas ao
processo produtivo, iniciativa que poderia aliviar as pressões sociais já sentidas no
Nordeste, no Sudeste e no Sul.
Essa característica, associada às preocupações estadonovistas de Vargas, motivou
um conjunto de intervenções federais que proporcionaram, na década de 1940, as
primeiras mudanças significativas na estrutura fundiária desta porção do território
matogrossense, que viriam com a criação da Colônia Agrícola Nacional de
Dourados.
2.2. A Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND)
A campanha da Marcha para o Oeste, lançada na segunda metade da década de
1930, com a criação da Fundação Brasil Central, tinha como objetivo mapear
diversas áreas do Centro-Oeste e nelas instalar núcleos populacionais, visando
ocupar economicamente os espaços vazios ou escassamente povoados no interior
do território brasileiro. Nas palavras de Vargas, a Marcha incorporou "o verdadeiro
61
sentido de brasilidade", uma solução para os infortúnios da nação, incorporando o
Brasil central e sua população ao reperrio ideológico de seu regime
5
Segundo Siqueira (1990):
.
A ‘Marcha para o Oeste’, empreendida por Getúlio Vargas, foi
suficiente para estimular migrantes a se estabelecerem em Mato
Grosso. O projeto original visava fixar o trabalhador nacional em solo
matogrossense, através de assentamentos em pequenas
propriedades (SIQUEIRA, 1990, p. 130).
A política fundiária adotada pelo governo tinha por objetivo absorver os excedentes
populacionais da Região Sul e Sudeste, que já começavam a incomodar.
Acrescentam-se a esse objetivo as preocupações geopolíticas que emergem com o
advento da Segunda Guerra Mundial, tais como a promoção da nacionalidade
(através da ocupação dos vazios territoriais com brasileiros natos), a garantia de
integridade do território e de controle das fontes de riquezas autóctones contra a
ameaça de interesses externos comprometedores da segurança nacional.
Nesse contexto, a Companhia Mate Laranjeira, de acordo com Silva (2000, p. 93),
“tornou-se um dos alvos privilegiados das intervenções desencadeadas pelo Estado
Novo neste período, uma vez que esta era uma grande empresa controlada por
capitais estrangeiros.” Além de ser proprietária de grandes extensões das melhores
terras do Estado, utilizava quase que exclusivamente mão de obra estrangeira
(paraguaios na operacionalização da produção da erva-mate, e argentinos na parte
administrativa) e, por conta disso, promovia a disseminação de costumes estranhos,
sobretudo, de uma língua alienígena (o guarani) e a circulação de moedas
estrangeiras (a libra esterlina e o peso).
Para o governo Vargas, a empresa representava um perigoso vetor de
desnacionalização da fronteira, além de um obstáculo que deveria ser removido a
qualquer custo, pois barrava o prosseguimento da “Marcha” que garantiria a
ocupação da região com brasileiros natos. Visando à solução do problema, o
5
Otávio Velho argumenta que a Marcha serviu para evitar a reforma estrutural do coronelismo nas
áreas rurais brasileiras. Ver VELHO, Otávio. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo,
Difel, 1976, pp. 148-151. De modo similar, Alcir Lenharo aponta que a Marcha, com sua retórica e
ostentação, criou um sentimento ilusório de participação política popular numa sociedade marcada
por um regime ditatorial. Ver LENHARO, Acir. Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia,
Nordeste e Centro-Oeste - os anos 30. Campinas, Papirus, 1986.
62
governo federal passou a acossá-la com constantes fiscalizações e, de acordo com
Arruda (1989):
[...] o cheque-mate às atividades dessa empresa foi dado em 1943,
quando Getúlio Vargas, em lugar de renovar a concessão, decidiu
criar o Território Federal de Ponta Porã, base legal para a
desapropriação das terras e conseqüentemente implantação da
Colônia Agrícola de Dourados (ARRUDA, 1989, p. 23).
Como consequência, em 1944 foi decretado o encerramento dos contratos de
arrendamento da Companhia Mate Laranjeira.
A Colônia Agrícola Nacional de Dourados, criada em outubro de 1943, segundo
Souza (1992), “teve um papel fundamental no rearranjo promovido no setor
produtivo rural do estado, assim como na estrutura do poder político local e
regional”. O projeto foi implantado com a intenção de estimular a expansão das
atividades agrícolas através de pequenas propriedades e, assim, promover o
desenvolvimento econômico da região.
De acordo com Abreu (2001):
A CAND teve um caráter de povoamento com múltiplos objetivos: a)
garantir a ocupação territorial, aumentando o contingente
populacional das áreas limítrofes com os países vizinhos; b)
“desafogar” áreas de possíveis conflitos sociais, como o Nordeste
brasileiro, por exemplo, dada as condições de miserabilidade
enfrentadas pela grande maioria da sua população, já em constante
migração para outras áreas do País (principalmente São Paulo e
Amazônia) e agora, para o Sul de Mato Grosso; c) confirmar a parte
austral mato-grossense como extensão do Sudeste, participando
como mercado de consumo dos produtos paulistas, bem como
extensão da área de produção. (ABREU, 2001, p. 59).
Dos múltiplos objetivos envolvidos no projeto da CAND, depreende-se, como grande
motivação subjacente, a conformação de um processo de centralização das políticas
agrícolas, coerentemente com o processo de centralização política do Estado
Nacional desencadeado pela Revolução de Trinta. De acordo com Delgado (1997),
“essa centralização em boa medida protege e articula interesses agrários regionais e
setoriais, que emergem ou se expressam politicamente após a crise de 1929
(DELGADO, 1997, p.211). A criação da Colônia se dá no momento em que a união
do capital financeiro com o industrial induz à possibilidade de grandes lucros, não só
com a imobilização do capital, decorrente da aquisição de terras como reserva de
valor e para a especulação imobiliária, mas tamm com o comércio de máquinas,
63
insumos e de grãos para a exportação. Nesse contexto, a CAND se insere em um
movimento de reordenamento territorial na escala regional e nacional como
manifestação de uma conjugação de interesses associados à reprodução
internacional do capital.
Para que essa integração se efetivasse atraindo empresários capitalistas para as
terras sul-mato-grossenses, seria necessário criar condições, como por exemplo,
incremento populacional e a garantia de armazenamento e escoamento das safras,
para conferir competitividade dos produtos da região nos demais mercados.
De acordo com Souza (1992):
Com a pouca mão-de-obra disponível na região, o empresário
capitalista não se sentia ‘à vontade’ para investir no campo, pois,
como é sabido, será sempre menor o custo com a mão-de-obra na
medida que esta seja mais abundante (SOUZA, 1992, p.16).
A CAND ocupou uma área de 300.000 ha de terras, até então arrendadas pela
Companhia Mate Laranjeira, da qual foram distribuídos, gratuitamente, 8.820 lotes
para agricultores de baixa renda, compostos, em sua maioria, por nordestinos que
se caracterizavam pela sua condição de pequenos arrendatários, meeiros e
trabalhadores rurais, cujo sistema produtivo associava a cultura de subsistência -
feio, arroz, milho e mandioca -, da qual o eventual excedente era encaminhado
para o mercado, e culturas essencialmente comerciais, como o algodão e o
amendoim.
A distribuição de terras promovida pela CAND atraiu um grande fluxo de pequenos
produtores, contribuindo assim para fixar na região um contingente demográfico de
aproximadamente 35.000 habitantes diretamente envolvidos com aquela atividade
colonizadora, o que favoreceu a criação de um mercado consumidor responsável
pela expansão e concentração de atividades comerciais em Dourados que, de forma
embrionária, assumia o papel de principal polo regional do extremo sul do estado.
Esse processo que dinamizou a cidade de Dourados foi também um fator decisivo
para a ampliação e conformação da atual rede urbana regional, ao dar origem,
durante a década de 1950, a diversos povoados e vilas que posteriormente foram
transformados em cidades, com destaque para Fátima do Sul, Glória de Dourados,
Deodápolis, Douradina, Jateí e Vicentina.
64
A criação da CAND fez surgir a própria atividade agroindustrial como um
empreendimento altamente atraente e, a partir de então, buscou-se abrir frentes que
fossem assumidas pelo estado como forma de garantir o investimento lucrativo do
setor privado e o crescimento do novo modelo de atividade agrícola, que levou à
formação de uma burguesia agrária atrelada à máquina de poder estatal, instalando-
se toda uma estrutura política vinculada ao setor agrário, ao latifúndio.
Evidenciando que “as políticas públicas são tamm instrumentos de opacidade,
pela forma e pelos meandros como são definidas e objetivadas as regras de
apropriação e redistribuição de recursos públicos” (NEVES, 1999, p. 8)
A política populista dedar terras” aos trabalhadores rurais sem-terra, implantada
por Getúlio Vargas com o objetivo de aliviar a pressão popular nos estados mais
pobres, criava condições, em outras regiões, para o crescimento ordenado do capital
no campo incentivando-se o minindio, viabilizando-se a existência de mão de obra
nas regiões onde era mais escassa. Esse ensaio foi fruto da organização popular no
exercício político da democracia que durou por um pequeno intervalo de tempo e foi
interrompido pela instalação da ditadura militar em 1964, quando o discurso da
modernidade que já estava sendo debatido, invadiu o campo brasileiro.
Consideramos a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados como a primeira
e única experiência de assentamento de trabalhadores rurais antes da década de
1980, em Mato Grosso do Sul. Contudo, mesmo que pequenos lotes de terra
tenham sido distribuídos, esse foi um empreendimento, cujo objetivo era atender
outros interesses e não o das famílias de trabalhadores rurais assentados.
2.3. Fazenda Itamarati: um modelo de megaprojeto de modernização da
agricultura brasileira
O que nos move nesta pesquisa é desvendar a complexa trama que subjaz à
aquisição e posterior transformação da Fazenda Itamarati em assentamento de
trabalhadores rurais, incluindo os significados, as implicações e os desdobramentos
dessa transformação para cada um dos agentes direta ou indiretamente envolvidos,
sobretudo, para as famílias ali assentadas.
65
Porém, para revelá-la, é imprescindível realizar uma digressão e uma recomposição
dos elementos históricos que estão na gênese da própria Fazenda Itamarati,
compreendendo-a como um produto do processo modernizador da agricultura e, ao
mesmo tempo, um elemento viabilizador da implantação desse sistema agrícola, não
somente em território sul-mato-grossense, como também emrios outros pontos do
país.
A modernização da agricultura pode ser definida como um processo genérico de
crescente integração da agricultura no sistema capitalista industrial, no qual as
unidades produtoras passam a empregar, de maneira intensiva, máquinas e
insumos modernos, métodos e técnicas de preparo e cultivo do solo, tratos culturais
e de processos de colheita mais sofisticados.
Esse fenômeno, em consonância com a orientação global do processo de
transnacionalização da agricultura brasileira e com a sua inserção no jogo da divisão
internacional do trabalho, imprimiu na economia do país, segundo Brum (1988), as
seguintes características: especialização, com forte tendência à fixação de
monoculturas regionais; viabilização e consolidação da empresa rural capitalista,
acompanhada da progressiva desestabilização e desaparecimento da pequena
propriedade rural em regime de trabalho familiar; concentração da propriedade da
terra; supervalorização das terras; uso intenso do fator capital (máquinas,
implementos, etc), de mão de obra barata e de trabalhadores temporários; estímulo
e incremento dos produtos agrícolas de exportação em detrimento das culturas
destinadas ao consumo interno; e expulsão de numerosos contingentes
populacionais da zona rural para as periferias urbanas.
Inicialmente, foi no Sul e Sudeste do país que a agricultura se desenvolveu de forma
intensiva, mas devido ao esgotamento de terras disponíveis para a ocupação da
agropecuária e à necessidade de aumento da produtividade agrícola, a produção é
direcionada para novas áreas e consequentemente ocorre a expansão agrícola.
Inserida nesse processo, a economia sul-mato-grossense, que até o final da década
de 1960, fora baseada na produção policultora de base familiar e fornecedora de
gado magro para as invernadas paulistas, passou por profundas e significativas
mudanças com a expansão das lavouras mecanizadas de trigo e soja, fortemente
integradas aos interesses agroindustriais. O desenvolvimento desse sistema, que
66
mudou tamm o perfil socioeconômico de Mato Grosso do Sul, é resultado da
convergência simultânea de vários acontecimentos desencadeados a partir do final
dos anos 1960.
Apontamos inicialmente como um dos fatores responsáveis por tais mudanças a
chegada de um expressivo contingente de pequenos produtores rurais oriundos do
Rio Grande do Sul
6
Contribuíram como fatores de atração para esses pequenos produtores gaúchos e
tamm para a introdução e expansão das lavouras mecanizadas, sobretudo da
soja: o predomínio de terrenos planos ou de reduzida declividade, ideais para a
mecanização agrícola; o baixo custo das terras sul-mato-grossenses
que, com terras insuficientes e sem a perspectiva de
crescimento em sua região de origem, viram-se obrigados a migrar à procura de
novas áreas onde pudessem ampliar sua escala de produção e realizar seu projeto
de se tornarem grandes produtores rurais. O esgotamento agrícola no Rio Grande
do Sul, a rápida valorização das terras e o intenso processo de concentração
fundiária naquele estado foram fatores determinantes no processo de modernização
da agricultura sul-mato-grossense.
7
,
subaproveitadas com a pecuária extensiva, por vezes, ultraextensiva; solos
derivados do derrame basáltico, com elevado nível de fertilidade; e, ainda, uma certa
semelhança climática entre o cone sul de Mato Grosso do Sul e a região norte do
Rio Grande do Sul. Para completar, uma evolução bastante favorável do mercado
internacional da soja, no início da década de 1970
8
Nesse contexto, o Mato Grosso do Sul tornou-se estratégico na incorporação de
novas áreas, tanto pela sua posição geográfica, como por suas características físico-
ambientais, que propiciavam a expansão da produção agropecuária nos padrões da
nova agricultura moderna, baseada no pacote tecnológico da “Revolução Verde”.
, favoreceu também o rápido
crescimento do uso de maquinário na lavoura no Mato Grosso do Sul.
6
Num primeiro momento, estes migrantes sulinos se dirigiram para o oeste do Paraná, onde
introduziram suas lavouras mecanizadas. No entanto, em pouco tempo, reproduziram-se nesta área
os mesmos problemas enfrentados por eles no Rio Grande do Sul, desencadeando nova
necessidade de migração.
7
Em entrevista realizada em Ponta Porã/MS, um produtor rural nos revelou que, em 1971, ele vendeu
uma propriedade de 77 hectares em Ibirubá/RS por 191 mil cruzeiros e comprou, no mesmo ano,
uma área de 876 hectares em Ponta Porã/MS por 140 mil cruzeiros, ou seja, por um valor menor
adquiriu uma área 11,3 vezes superior a que possuía no Rio Grande do Sul.
8
Acerca dos fatores internacionais que favoreceram a implantação da lavoura mecanizada da soja no
Mato Grosso do Sul, ver Silva (2000).
67
Assim, a modernização da estrutura produtiva se territorializou em áreas como a
Microrregião Geográfica de Dourados, cujas características naturais e organização
agrária mais propícia à incorporação dos elementos do progresso técnico da
modernização (equipamentos mecânicos e insumos químicos e biológicos de origem
industrial), possibilitaram a criação de uma estrutura de oferta de crédito rural
subsidiado, dirigido prioritariamente às atividades agropecuárias modernas e com
fortes vínculos com os complexos agroindustriais da Região Sudeste.
Foi dentro dessa conjuntura e com base nessas facilidades e nas condições
históricas e econômicas, num momento em que o país, e principalmente o Estado do
Mato Grosso do Sul, passavam por um conjunto de mudanças de grande
envergadura com a introdução e expansão das lavouras mecanizadas de trigo e
soja, fortemente integradas às agroindústrias, que o empresário Olacyr Francisco de
Moraes implantou a Fazenda Itamarati (Mapa 4) no município de Ponta Porã, em
parte das terras pertencentes, anteriormente, à Companhia Mate Laranjeira, [...]
especificamente, parte das ex-Fazendas Santa Virgínia e Campanário(TEIXEIRA,
1989, p.45).
A implantação da Fazenda Itamarati teve início em 1973, quando o empresário
adquiriu 25.000 ha de terras que pertenceram à Companhia Mate Laranjeira.
[...] com apoio da SUDECO, estimulado pelo atraente preço da soja
no mercado internacional e ainda, no meu entender pelo baixo preço
da terra (Cr$ 200,00 o hectare em 1973), é que o empresário toma a
decisão de implantar um ambicioso projeto agrícola. Em 1976 amplia
a área com a aquisição de mais 25.000 ha (TEIXEIRA, 1989, p. 48).
A somatória de 25.000 ha existentes anteriormente com a nova área adquirida
corrobora nossas afirmações anteriores que definem como padrão do projeto político
e econômico desse momento a ocupação de grandes extensões territoriais,
facilitada pelo baixo valor da terra.
68
Mapa 4 - Fazenda Itamarati
69
Assim, a fazenda de 50.000 ha nasceu sob o signo de um megaempreendimento e
com a função específica de tornar-se agroexportadora de commodities, dentro de
um processo de capitalismo concorrencial, com base produtiva numa grande
propriedade territorial em que se aplicam incorporação intensiva de capital, recursos
tecnológicos variados (sementes especiais, pesquisas, insumos e maquinários
modernos) e o de obra assalariada qualificada e setorizada (mecânicos,
tratoristas, gerentes, agrônomos). Todos esses aspectos, entre outros, conferiam ao
projeto a condição de modelo para uma proposta de desenvolvimento, que nos
parece servir às nossas intenções de pesquisa.
Para os dias atuais, 50.000 ha sob o controle de uma única pessoa, pode parecer
algo extraordinário, porém, em se tratando do Mato Grosso do Sul na década de
1970, não era assim uma situação tão insólita. Não obstante as dimensões mais
modestas que as da área dominada anteriormente pela Companhia Mate Laranjeira,
o rótulo de megaempreendimento é confirmado por Teixeira (1989, p. 45), quando
afirma que a Itamarati foi a maior fazenda de soja do mundo”.
A dimensão territorial por sinão credencia uma empresa a ser qualificada como
um megaempreendimento, porém esta qualificação torna-se evidente quando
observamos o aporte tecnológico, os recursos técnicos e humanos empregados, o
número de pessoas mobilizadas, os resultados econômicos auferido, a importância
econômica - não só para a economia estadual -, enfim, a dimensão alcançada pelo
empreendimento ao longo dos cerca de trinta anos de sua existência. Por isso, as
condições políticas e econômicas externas e internas para a implantação de um
projeto dessa envergadura não devem ser desprezadas.
Olacyr começou a plantar soja no Centro-Oeste em 1973, depois que uma
inundação devastara as lavouras no Mississipi, nos Estados Unidos. Vale observar
tamm que neste recorte histórico estão presentes a crise do petróleo e a ditadura
militar que ainda se impunha com sua forma de compreender o território nacional,
cuja ocupação deveria ocorrer pida e efetivamente com a implantação de projetos
monumentais, cabendo aqui um paralelo com as grandes obras desse período - a
Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, Itaipu, e as usinas nucleares. Mas não é
comum ver a expansão da área agrícola como uma grande obra dessa ditadura,
seus efeitos ficam encobertos pela história.
70
As condições físicas da área foram descritas por Teixeira (1989), que comenta
depoimento de Olacyr Moraes:
Segundo depoimento do mesmo, influiu na decisão menos o padrão
original da qualidade dos solos (uma área de arenito Bauru, coberta
por uma formação de campos limpos com algumas manchas de Mata
Tropical nos fundos de Vale até hoje mantidas), e mais as
condições do relevo propício à mecanização. Ressalta ainda, a
presença dos trilhos da Rede Ferroviária Federal (ex-Estrada de
Ferro Noroeste do Brasil), que no interior da propriedade mantém a
Estação Santa Virgínia. Cita como elemento importante a presea
de mananciais Rio Dourados, Rio Santa Virnia, Rio Lageado e
Rio São João. A Estrada de Ferro vai funcionar, basicamente, para o
transporte de calcário para a corrão da acidez dos solos e para o
transporte de adubos (TEIXEIRA, 1989, p. 49).
Esse aparente desdém às propriedades físico-químicas e morfoestruturais da área
denota que a tecnologia empregada já seria suficiente para superar as reais
limitações à produção pretendida. Sendo possível corrigir o solo, estavam garantidas
as condições do relevo, favorável à mecanização, bem como as qualidades prévias
de infraestrutura, fundamentais para o emprego dessas terras. Enquanto a via férrea
facilitaria o transporte de insumos agrícolas e o escoamento da produção, a rede
hidrográfica disponível também foi fator decisivo na escolha da área, que receberia a
estrutura de irrigação de pivôs centrais, o que, na época, demandava grande
investimento econômico, ainda hoje, uma verdade.
Uma nota deve ser adicionada: embora se saiba que a gestão da Fazenda Itamarati
teve seu início muito antes da implantação definitiva, não foi possível encontrar
informações sobre quando esse planejamento começou.
Com tais condicionantes, segundo Teixeira: Aí implantou-se uma extraordinária
infra-estrutura. Os armazéns, silos dotados de secadores, possuem uma capacidade
de armazenagem de 138.000 toneladas de grãos (2.300.000 sacas/60 kg(idem p.
49). Para usar termos da Geografia, esses fixos são a materialização de uma
estrutura que já está sendo planejada no que reconhecemos como uma rede. Não
ainda nos moldes do just in time, mas prenhe da intencionalidade de integrar esse
megassistema local/nacional ao capital internacional.
Um projeto com essa magnitude exigiria uma aproximação intensa com a ciência e a
tecnologia (Fotos 1, 2, 3 e 4) para dar conta de demandas muito específicas, não
71
disponíveis, e que deveriam ser criadas sobre o terreno. Teixeira (1989) demonstra
como isso se incorporou:
A fazenda é dotada de um moderno laboratório de pesquisas, onde
são feitas análises de solo, pesquisas de variedades de soja e trigo,
atingindo o montante de 3.000 linhagens. Mantém pesquisas em
convênios com a EMBRAPA e a Universidade Federal de Viçosa,
investigando a colsa, o linho, a beterraba açucareira, a aveia preta, o
milho, o feijão, o arroz e o sorgo (idem p. 49).
Com essa estrutura, a Fazenda Itamarati torna-se pioneira na pesquisa relacionada
a seus interesses e nas parcerias que obteve como o governo federal e com as
universidades
9
, apesar da autonomia dessas instituições de ensino. No conjunto,
esses parceiros irão colaborar com a legitimidade de execução dessa grande
empreitada. Constatamos que com exceção do feijão, todos os demais produtos são
parte da pauta de exportação ou usados na produção de ração para animais.
Foto 1 - Vista parcial da infraestrutura da fazenda
Ao lado de dois pivôs que foram desativados para ceder espaço a uma agrovila.
Autor: Estúdio Franco
9
Na reportagem “As estrelas do campo”, da edição especial da Revista Veja, nº 717 de 2 de junho de
1982, a Fazenda Itamarati é apresentada como um campus avançado da Universidade Federal de
Viçosa.
72
“A Itamarati montou um dos primeiros laboratórios agrícolas do país. Os estudos
científicos ali realizados resultaram na criação de mais de 100 variedades de soja,
algumas entre as mais produtivas do mundo” (VEJA, 27/06/2001).
Em alguns anos, a Itamarati atingiu padrões de produtividade jamais vistos no país.
“Graças ao impulso dado pela Itamarati, a área cultivada de soja no cerrado passou
de 4.000 hectares no começo da década de 70 para mais de 3 milhões de hectares
(VEJA 27/06/2001).
Esse tipo de exploração depende de um aparato de maquinários que seja adequado
à escala de produção, do que Teixeira (1989) faz um escrutínio bastante ilustrativo:
Operam hoje 143 colhedeiras, 165 plantadeiras, 269 tratores, 6
aviões agrícolas, 118 caminhões, além de vários veículos de apoio,
como utilitários e automóveis pequenos. A manutenção é realizada
na própria fazenda, em oficinas próprias. Toda a frota é controlada
por um sistema interno de comunicação. Tal frota é alimentada por
uma micro-destilaria de álcool, cuja produção é da ordem de 1.000
litros por hora. O sistema produtivo possui 64 conjuntos de irrigação
tipo pivot central, cobrindo uma área de 7.552 ha (120 ha por pivot),
onde é plantada a maior área de trigo irrigada do país (TEIXEIRA,
1989, p. 49).
Foto 2 - Parque de Máquinas da Fazenda Itamarati
Autor Teixeira (1989)
73
O pioneirismo desse sistema aparece mais uma vez na busca de autonomia
decorrente da integração desses conjuntos de equipamentos. O sincronismo com as
limitações e oportunidades históricas está evidenciado em cada um desses
componentes, desde a produção de combustível, aproveitando os incentivos
governamentais do Proálcool, até a instalação da planta industrial e a adaptação da
frota. Não deve ser desprezada a presença de seis aviões nesse empreendimento.
A peça chave de todo esse sistema é o pivô central
10
, que vai ser elemento basilar
de uma tentativa de fordização da produção agrícola, pois irá ser regulada pelo
homem e não mais pela natureza. Cada um desses equipamentos é muito caro e,
segundo informações de técnicos locais responsáveis atualmente pela manutenção,
estima-se que o preço de um pivô completo se aproxime dos R$ 700.000,00
(setecentos mil reais). Se esse empreendimento só foi possível com a utilização de
recursos públicos, resta saber como foram definidas as modalidades de pagamento
e se realmente ele foi realizado.
Foto 3 – Colheitadeiras utilizadas na safra 1982/1983
11
Fonte: Revista Veja (jun/1982)
Foto 4 - Olacyr de Moraes em meio a sua lavoura de soja
no inicio dos anos 1980
12
Fonte: Revista Veja (jun/1982)
Combinando tecnologia de ponta e técnicas inovadoras de administração, a
Itamarati acostumou-se a bater recordes. Nos anos de 1980, ficou conhecida como a
maior plantação de soja do mundo. Na década de 1990, registrou a segunda maior
10
Os pivôs, equipamentos utilizados para a irrigação e grande diferencial da Fazenda Itamarati, serão
descritos posteriormente em tópico específico.
11
Foto publicada na Revista Veja, nº 717 de 2 de junho de 1982, que anuncia para a safra daquele
ano o emprego de 112 “imensas colheitadeiras”.
12
Foto publicada da Revista Veja, nº 717 de 2 de junho de 1982, que apresenta a Fazenda Itamarati
como detentora da “maior lavoura de soja do mundo”.
74
produção brasileira de algodão e, no final desse período, era recordista nacional na
produção de milho.
A Fazenda Itamarati “[...], fez mais de 10 mil pesquisas e cruzamentos genéticos a
chegar ao algodão ITA-90. Graças a essa semente, o Brasil deixou de ser
importador para se tornar exportador do produto” (Isto é Dinheiro, 01/09/2004).
O fator humano envolvido nessa conjunção de técnicas e práticas é outro
levantamento que não pode ser simplificado. Teixeira (1989) fornece uma
caracterização do contingente especializado e não especializado para movimentar
essa estrutura:
No que toca à estrutura de pessoal, vale dizer que vivem na Fazenda
perto de 5.000 pessoas. Possui uma Diretoria Administrativa e uma
Diretoria Técnica. Além de: 7 agrônomos, 1 engenheiro mecânico, 1
engenheiro civil, 3 arquitetos, 1 médico e uma enfermeira, 1
nutricionista. Os agrônomos, em número de 7, são especializados na
produção (2), em pesquisa (3), em armazenamento (1) e em
receão da colheita (1). Operam na Fazenda próximo de 20
técnicos agrícolas, os quais atuam em todos os setores da produção.
Há uma categoria denominada Fiscais de Campo, em número de
aproximadamente 90, sendo que cada um controla 10 máquinas e
respectivos operadores e uma colheitadeira. O setor de manutenção
é composto de aproximadamente 50 profissionais. Para a tarefa de
capina e outras que não exigem especialização, a Fazenda se utiliza
de mão de obra paraguaia, através de empreitadas (Op. Cit. p. 52).
O tamanho dessa equipe deve ser avaliado considerando a geração tecnológica do
período e a inovação gerencial de processos possíveis naquele momento histórico.
Talvez, aos olhos da reengenharia dos dias atuais, poder-se-ia ajuizar que era uma
equipe mal ou superdimensionada, onerosa e complexa em sua gestão. De acordo
com o Sr. João Paulo Goettems
13
Este quadro não era demasiado, uma vez que a plantação de
algodão demandava muita mão de obra, tanto de profissionais
técnicos especializados, como também de trabalhadores em geral.
Com a redução do cultivo do algodão, em 1986 este quadro reduziu
significativamente, passando a possuir apenas três engenheiros
agrônomos e doze técnicos agrícolas (JOÃO PAULO GOETTEMS).
:
Devemos lembrar que à época não se falava em terceirização, e não se encontrou
esse modelo de gestão nos depoimentos reunidos. Todos os problemas de gestão
13
João Paulo Goettems foi funcionário da Fazenda Itamarati, atuando como técnico agrícola durante
15 anos (de 1989 a 2004) e, atualmente, pertence ao quadro de técnicos agrícolas da AGRAER,
prestando serviços no Assentamento Itamarati.
75
desse enorme empreendimento eram novos e demandavam experiências que, sob
qualquer ângulo que se observe, seriam considerados inovações e enfrentamentos
que não existiam e precisavam ser disponibilizados de alguma forma para o setor
produtivo nacional.
A Fazenda foi um marco inicial no Brasil de uma forma de produzir altamente
concentrada e objetivada para a otimização das inversões. Não é exagerado dizer
que foi um modelo e para essas expectativas não poderia fugir de sê-lo, já que a
ambição não ofereceria alternativa que a de criar esses novos caminhos. Essa
mesma dificuldade deveria ser a de não permitir falhas, planificar as perdas e
dimensionar alternativas viáveis bem como camuflar insucessos, ou amenizá-los,
para ganhar tempo com os credores e “parceiros”.
Seguindo ainda a linha de dimensionamento e caracterização do projeto, incluímos o
que Teixeira (1989) coletou sobre a infraestrutura de alojamentos, saúde, lazer e
alimentação:
Há um núcleo habitacional dotado de uma rede de água, esgoto,
energia elétrica, restaurante que serve 700 refeições, armazéns de
abastecimento, escolas, hospital e assistência técnica médica e dois
centros de lazer. A Fazenda produz para seu funcionamento leite de
soja, suínos e aves, além de manter um rebanho de gado de corte e
vacas leiteiras (TEIXEIRA, 1989, p. 52).
Toda essa corporificação precisa ser traduzida no objetivo evidente a que se
dispunha tanto investimento. A relação produção/produtividade está relacionada em
seguida para que sigamos uma análise concreta desses resultados e metas:
No tocante à utilização do solo, 35.000 ha o destinados ao cultivo
da soja, realizado no período de novembro a abril, sendo que,
aproximadamente, de outubro a abril, cultiva-se o trigo em
aproximadamente 8.000 ha. Em matas há uma área de 7.000 ha. Os
restantes 8.000 ha são utilizados para pastagens, estradas e o
núcleo. A Fazenda Itamarati cultiva, hoje, 35.000 ha de soja, o que
corresponde a 4% da área plantada de Mato Grosso do Sul. Com
uma produtividade de 1.700 kg/ha, é responsável também por 4% da
produção do Estado. Quanto ao trigo (irrigado), planta 8.000 ha, o
que significa 4% da área plantada no Estado, com uma elevada
produtividade (3.900 kg/ha), correspondendo a 11% da produção do
Mato Grosso do Sul (290.000 ton.) (TEIXEIRA, 1989, p.52).
Contudo é preciso considerar que se produziam sementes especializadas para todo
o mercado nacional, assim, o valor nelas agregado era muitas vezes superior ao que
atingiam as áreas dedicadas exclusivamente à produção de grãos voltadas à
76
agroindústria, como afirma Teixeira: “Em função de manter um setor de controle de
seleção de sementes, 70% da produção de soja vão se constituir em sementes
selecionadas para a venda no mercado nacional. Os 30% restantes o
comercializados com a Cargill, Branal e Braswey” (TEIXEIRA, 1989, p.55).
Como as empresas a quem eram destinados esses 30% das sementes tamm
atuavam no ramo como distribuidoras de sementes, então, há a possibilidade de que
quase toda a produção da Fazenda Itamarati tenha sido destinada a esse fim. Tal
posição reafirma a ideia de emissão e aperfeiçoamento de um modelo. A sua
difusão era parâmetro para o incremento produtivo, tecnológico e administrativo do
agronegócio.
Além do rótulo de megaprojeto que lhe estamos atribuindo, a Fazenda Itamarati
trouxe consigo tamm o estigma de “modelo”. Ou seja, a Fazenda Itamarati foi
planejada para ser um modelo
14
Assim sendo, a Fazenda constituiu-se numa verdadeira vitrine (em nível nacional e
internacional) para o que hoje denominamos de agronegócio. “Todo mundo
aprendeu com a Itamarati e seguiu seus passos", diz Blairo Maggi, o maior produtor
de soja da atualidade, em reportagem da revista Veja
de empreendimento voltado à produção agrícola em
grande escala. Papel que desempenhou fielmente e com muita competência, uma
vez que atraiu vários grupos empresariais nacionais, e até mesmo estrangeiros, que
procuravam seguir o sistema agrícola por ela praticado.
15
O simbolismo que acumulou com essa posição produziu suas consequências para a
escala local e para o perfil de produção dentro do Mato Grosso do Sul.
.
Depreende-se então, que a ambição por megaempreendimentos e, ao mesmo
tempo, a pretensão de transformá-los em empreendimentos-modelo (ou mesmo
chamarizes” para atraírem a atenção de determinados grupos de empresários, e
verdadeiras “armadilhas” para outros, assim como para a comunidade local menos
atenta), acabam por se consubstanciar em empreendimentos que advogamos serem
“modelos megalomaníacos” aos quais os interessados atribuem virtudes e
14
Na mesma reportagem da edição especial da Revista Veja, nº 717, citada anteriormente, a frase: “A
Itamarati é a fazenda modelo do Brasilé atribuída ao então ministro da Agricultura Amaury Stábile.
15
Idem.
77
características capazes de promoverem verdadeiras revoluções na vida das pessoas
diretamente afetadas, como também na região onde estão sendo implantados
16
Em um regime de democracia parlamentar, a implantação de um projeto de grande
magnitude e impacto não constitui um obstáculo para as práticas “encobertas” de
maximização dos lucros, principalmente quando conta com as benesses dos cofres
oficiais, aplicadas em custos/oportunidade pesados pela perda de recursos que
seriam mais úteis e produtivos em setores de investimentos sociais. Por vezes,
alguns dignos “representantes” do povo no congresso nacional acabam sendo
cooptados
.
17
Assim, forjar a sustentabilidade de empreendimentos dessa envergadura não é um
efeito colateral do processo, mas faz parte do jogo e não é uma contradição, nem
uma disfunção, mas função almejada e direcionada para interesses não
comprometidos com o povo e com a fonte pública de recursos. Na realidade é o
discurso de que se fazem obras e de que se investe no Estado, de forma que a
retórica de sucesso é mais eficaz que o próprio sucesso.
pelas grandes corporações que financiam suas campanhas eleitorais,
esperando a contrapartida posteriormente. Isto quando não ocorre de os “homens de
negócio” e os “homens da política” serem a mesma pessoa.
Uma imposição analítica está em considerar as seguintes questões: até que
momento a equipe foi necessária para o empreendimento? Foi parte explicativa da
derrocada daquele modo de exploração? E se associarmos a obsolescência dos
equipamentos, que mesmo não tão acelerada como atualmente, também poderia ser
um entrave a ser enfrentado, como se trataram os desperdícios e gargalos da
produção e de administração material e pessoal? Que solução se deu às perdas
energéticas, hídricas e de força de trabalho? Como se colocou a necessidade de
especialização e de qualificação permanente da produção? Ainda, o setor
responsável pela contratação e renovação de contratos estava conseguindo superar
as demandas trabalhistas?
A explicação pode ser mais abrangente do que a que iremos aventar. O valor
agregado na produção de sementes especializadas foi, durante algum tempo,
16
Essa lógica se parece com aquela das pirâmides econômicas em que só ganha quem está no topo,
sobrando os prejuízos para as bases.
17
Há também o político já produzido nos times de base para servir a essas empresas, antes mesmo
de sua constituição, forjado para defender os interesses do empresariado. .
78
suficiente para cobrir esses entraves de produção. Sendo pioneira, a empresa
deteve parte do mercado, mas a competitividade que provocou criou novos atores e
novos processos, por exemplo, a produção de sementes transgênicas, os quais
progressivamente foram superando a Fazenda Itamarati, até ao ponto em que
precisou ser ressignificada e abandonada devido aos altos custos que sua
atualização representaria.
A teoria que explica melhor esse processo encontra-se em Santos (1996), quando
fala dos feixes verticais de decisões em escala mundial, que irão se manifestar no
lugar, forçando solidariedades horizontais entre os fixos e fluxos delimitados pelo
capital internacional, em detrimento das redes sociais locais.
Não há como oferecer uma estratégia de inserção na economia de um lugar sem
estabelecer algum ícone, simbólico e concreto para estabelecer uma tese de
sucesso econômico. Mesmo que a Fazenda Itamarati não possuísse as condições
para transformá-la num modelo, elas deveriam ser construídas pela mídia, pelos
políticos locais e demais atores econômicos. O sentido de modelo é “o” exemplo que
tenta provar a regra geral de desenvolvimento, não pode conter dúvidas, não pode
aceitar contrarreações e deve ser inabalável, enquanto durar.
A imaterialidade vai coadunar com a materialidade dos fatos, nesse caso, expressa
na quantidade de terra contínua e de tecnologia empregada. Essas dimensões do
modelo terão que dar conta de todas as posições contrárias e vão anular o futuro
como uma construção, para impor um futuro construído, acabado e inabalável. O
presente modelo é um tipo de autoridade que é inconteste. Nossa análise irá definir
essas ideias com base na história e no processo de sua implementação.
Aqui se revela uma importante contradição da produção capitalista que, segundo
Marx “só desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção,
exaurindo as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador” (MARX,
1867, p.202). Podemos adicionar a essa assertiva que, além da exaustão dessas
riquezas, serão estabelecidos diversos mecanismos de impunidade para os efeitos
negativos que esse processo vier a produzir, de forma que não será possível aferir
arranhões na história que se construirá dessa experiência. Os insucessos receberão
uma tal amálgama ideológica protetora que, mesmo diante de sua evidência, não
serão considerados pelos detentores da história.
79
Com essas considerações, levantamos uma provocação que será aprofundada nas
análises finais: a decadência do modelo não é um efeito colateral, mas parte de sua
concepção.
2.3.1. Crise e destino da Fazenda Itamarati
A história se repete em círculos concêntricos e a diferenciação dos fatos e
acontecimentos se dá em função dos atores, da escala e do grau, porém, a natureza
dos fatos e acontecimentos é a mesma. Quer isto dizer que o novo ou moderno
nunca é tão novidade assim e que aos mais atentos não escapa o sentido
verdadeiro ou o alcance real de tais iniciativas.
Como vimos, ao longo da existência desse projeto, foram muitos os fatores
estruturais e conjunturais que se combinaram, viabilizando sua implantação e
dando-lhe o suporte necessário, contudo, mais uma vez, podemos elencar como
elemento mais influente, em todo o processo, a relação/aliança entre os homens de
negócios e as oligarquias políticas das diferentes escalas de poder.
Como no da Companhia Mate Laranjeira, evidenciam-se novamente as contradições
inerentes ao modo capitalista de produção, no qual os mesmos elementos
potencializadores, em um dado momento histórico, pela própria dinâmica do capital,
se transformam em elementos de inflexão no momento posterior, visto que,
justamente, em meados da década de 1980, quando os recursos públicos
destinados ao crédito oficial começam a escassear, a Fazenda Itamarati entra em
decadência.
Apesar de se configurar como um modelo, o império agropastoril da Itamarati
começou a ruir em 1995. Problemas econômicos ligados à agricultura - fim dos
subsídios, baixos preços dos produtos agrícolas e queda da produtividade -, o custo
trazido pelo Plano Real, a ciranda financeira, perspectivas de investimento em
outros setores produtivos (ferroviário, bancário e industrial), a forma de gestão
familiar dos negócios - incluindo as crises da família Moraes -, todos esses, entre
outros aspectos, constituem uma série de fatores que, isolados e/ou conjugados,
resultaram numa crise estrutural, com o crescimento das dívidas, que levou à venda
da Fazenda Itamarati.
80
A decadência da fazenda fica explícita quando comparamos, na Tabela 1, dois
momentos distintos de sua existência, ou seja, durante a década de 1980, quando
estava no auge, e no ano 2000, quando 50% de suas terras já pertenciam ao Banco
Itaú
18
. A revista Isto é Dinheiro
19
Por uma ironia do destino, o lance que transformou a soja brasileira
na mais competitiva do mundo acabou determinando o naufrágio de
Olacyr. Foi a construção da Ferronorte. Nela, o empresário investiu
US$ 200 milhões, mas os trens ficaram sete anos parados porque o
governo de São Paulo demorou a erguer uma ponte sobre o Rio
Para ela ligaria a Ferronorte aos trilhos do Sudeste e ao porto de
Santos (Isto é Dinheiro 01/09/2004).
resumiu a derrocada econômica do empresário
Olacyr de Moraes, que o obrigou a vender a Fazenda Itamarati, da seguinte forma:
Sobre o seu papel na agricultura brasileira, bem como as causas que o levaram à
profunda crise e, consequentemente, à venda da Fazenda Itamarati, o ex-
proprietário, em entrevista a revista Isto é dinheiro, deu a seguinte declaração:
Fiz a Ferronorte, que hoje transporta 8 milhões de toneladas de soja
e é vital para o agronegócio brasileiro. Investi US$ 200 milhões e a
ferrovia só seria viável se o governo de São Paulo tivesse honrado o
compromisso de fazer a sua parte. Era uma ponte sobre o Rio
Paraná. O problema é que, em vez de fazer em dois anos, conforme
prometido, fizeram em sete. E aí eu fiquei com o custo financeiro nas
costas. [...] Todo pioneirismo é arriscado. Abre as portas para quem
vem depois. Paguei o preço, mas vou legar ao País muita coisa
importante na agricultura, no transporte e na pesquisa (Isto é
Dinheiro 01/09/2004).
Para tentar cobrir parte de suas dívidas, Olacyr ofereceu a fazenda inteira por 300
milhões de reais ao governo federal, que não aceitou a proposta. Um ano depois
precisou entregar metade da propriedade ao Banco Itaú, representado por uma de
suas subsidiárias, a Tajhyre S/A Agropecuária para garantir o pagamento de dívidas.
Tabela 1 - Dados comparativos da situação econômica da Fazenda Itamarati em 1980 e 2000
Indicadores
1980
2000
Empregados e seus familiares
3.000
1.000
Produção de sacas de soja
1,6 milhão
330.000
Cabeças de gado
3.000
200
Tratores, caminhões e colheitadeiras
300
150
Infraestrutura
Hospital, escola, creche e
mercado
Foram fechados o hospital, a
escola e a creche
Fonte: Revista Veja, ed. 1674 de 8 de novembro de 2000
Org.: Ademir Terra
18
Lembramos que, mesmo a parte da fazenda que foi entregue ao Banco Itaú continuou a ser
explorada pelo empresário Olacyr de Moraes em regime de comodato.
19
Revista Isto é Dinheiro Nº 365 - 01/09/04 - O drama de Olacyr
81
Desde então o banco vinha tentando encontrar interessados no negócio, o que se
revelou uma tarefa árdua, primeiro, porque a Fazenda Itamarati era colossal, depois,
porque na região onde estava localizada, os maiores negócios com terras giravam
em torno de 5 milhões de reais. Além disso, pesou o fato de o mercado ter se
arrefecido muito em Mato Grosso do Sul, em razão do aumento do número de
ocupações, como resultado do recrudescimento da luta pela terra no estado. Sem
solução à vista, o Banco Itaú procurou o governo com uma oferta melhor: entregaria
metade das terras da fazenda por R$ 27,6 milhões a serem pagos em quinze anos,
com Títulos da Dívida Agrária (TDAs)
20
Inicialmente, só foram negociadas parte das terras e a parte do equipamento de
irrigação que não pôde ser removida ou cuja retirada seria inviável economicamente.
O resto da estrutura permaneceria na porção da fazenda que ainda pertencia a
Olacyr.
.
Em maio de 2001, o governo federal repassou a área ao Instituto de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) quando, então, implantou-se o Assentamento Itamarati,
com o estabelecimento de 1.143 famílias. E, em 24 de maio de 2004, pelo valor de
R$ 165,3 milhões, adquiriu o restante da fazenda (24.900 ha) para a implantação do
Assentamento Itamarati II, onde seriam assentadas 1.692 famílias.
As consequências sociais, sempre negligenciadas pelas políticas explícitas e
implícitas que viabilizaram a implantação da Fazenda Itamarati, passam a romper
com qualquer hipótese fatalista, substituída por um novo processo de inserção da
luta pela terra, com novas dificuldades materiais e políticas, num terririo incluído na
internacionalização do capital. Independente desses entraves, homens e mulheres,
ingênuos quanto à exigência produtiva, mas conscientes da necessidade de trabalho
e dignidade, vão engrossar a ação social para que a terra não cumpra apenas o
papel de produtora de commodities, mas também de vidas e de geração de trabalho
no campo, mais includente, mais eficaz e em bases outras que oferece o mercado.
Assim, o território que expressava a lógica xima de reprodução da agricultura
capitalista com base latifundiária passou, nesse momento, a apontar para uma nova
realidade: a territorialização da agricultura familiar, ainda que sem a sinceridade
20
Papel emitido pelo governo para pagar as desapropriações para reforma agrária.
82
necessária para uma política pública tão exigente e delicada como é a de assentar
pessoas em áreas agrícolas.
A decadência de um ícone da produção agrícola em grande escala servirá como
base para um novo significado de função social da terra a reforma agrária.
Metaforicamente, é a estratégia da reciclagem do modelo, que deixando de servir à
sua função primeira, será refundido para compensar seu desgaste, vestindo uma
camisa ideológica de democratização da terra.
O velho do novo acaba sendo o novo do velho: aquela estrutura que agora é velha
para o agronegócio é a novidade para a agricultura familiar, sempre confundida com
o atraso pelos arautos do processo modernizador. A reforma agrária é a redenção
para a decadência da modernização, oferecendo um fim “digno” para um problema
que os idealizadores do projeto não planificaram na sua concepção. Resolver essa
contradição revela-se um impasse interessante na presente pesquisa, pois, embora
a reforma agrária seja utilizada desse modo pernicioso, é uma necessidade social e
econômica, ainda verdadeira para o Brasil.
A saída cavalheiresca desses empresários, como benfeitores da reforma agrária, é
uma nova roupagem irônica que não deve iludir os pesquisadores e políticos que
lutam por políticas consistentes. As regras desse jogo são onerosas para os fundos
públicos, provocam a desautorização do governo como mentor de políticas e servem
para a ideologia do Estado mínimo, que não deve entrar regulando o setor produtivo
em decorrência de sua incompetência administrativa. Não se deve diminuir a função
que a Fazenda Itamarati teve dentro do capitalismo. Ela foi colocada como “a lebre”
que obrigou todos os concorrentes a investirem na modernização, mas sob um
modelo que só se sustenta com dinheiro público e não pela regra do livre mercado.
Antes de adentrar o processo específico de implantação do Assentamento Itamarati
e dos vários desdobramentos ocorridos desde 2001, é imprescindível compreender
a história recente da luta pela terra no Estado do Mato Grosso do Sul, pois o que
expusemos até aqui pode passar a impressão de que os trabalhadores, sejam eles
do campo ou da cidade, são sujeitos passivos, portanto incapazes de interferirem
nos rumos de sua própria história.
83
Nas páginas seguintes, temos o propósito de demonstrar o contrário, pois a história
fundiária sul-mato-grossense está abarrotada de provas do quanto esses
trabalhadores lutaram e continuam lutando para que esta unidade da federação seja
menos injusta com seus trabalhadores, os quais têm buscado até as últimas
consequências reverter tal quadro, contrariando a lógica oficial de favorecer apenas
a elite. Paralela ao processo de modernização da agricultura, a luta dos
trabalhadores foi infatigável e incessante, conforme podemos apreciar a seguir.
Capítulo III
3. A LUTA RECENTE PELA POSSE DA TERRA EM MATO GROSSO DO SUL
A concentração da posse da terra, reforçada pelo modelo “modernizador”, contribuiu
para acentuar a miséria no campo e produzir tensões sociais, evidenciadas pela
eclosão de conflitos e de movimentos que, embora decorram de diferentes formas
de organizações e de formulações políticas e ideológicas, têm em comum a
inquietude e a revolta da população rural brasileira em face de suas condições de
vida e produção.
As políticas modernizadoras, efetivadas no final da década de 1970 e início de 1980,
privilegiando apenas grandes produtores, provocaram o acirramento e o aumento
das tensões no campo sul-mato-grossense, envolvendo, de um lado, grandes
proprietários de terra e, de outro, arrendatários, posseiros, assalariados, brasiguaios,
etc. Esses trabalhadores passam a reivindicar terras no estado, tendo como suporte
de legitimação a mediação oferecida pelos setores progressistas da igreja católica e
luterana. Vislumbrando novas oportunidades para retornar à terra, ingressam em
movimentos contestatórios e iniciam o processo de ocupação dos latifúndios e de
formação de acampamentos.
Esses sujeitos, que compõem a categoria dos sem-terra - arrendatários, posseiros,
brasiguaios, entre outros - constituem o grupo dos pequenos proprietários do campo
brasileiro, são homens e mulheres que lutam pela terra, abrindo novos espaços para
a democracia e a cidadania, buscando deixar a situação de exclusão imposta pelo
modelo de desenvolvimento da agricultura. São esses trabalhadores historicamente
excluídos e expropriados que fazem eclodir os conflitos sociais presentes na
sociedade brasileira hoje, principalmente quando procuram formas de desconcentrar
as terras dominadas pelos latifundiários e pelos grandes grupos econômicos
constituídos por empresas nacionais e estrangeiras.
85
O Estado do Mato Grosso do Sul, devido ao completo controle do capital sobre a
terra e à inexistência de terras devolutas, não amansadas, não constitui mais uma
frente de expansão. Por isso, trabalhadores sem-terra procuram agora se organizar
para ocupar as propriedades improdutivas ou para instalar acampamentos a fim de
pressionar o governo a decretar a desapropriação de terras não exploradas e a
promover o assentamento das famílias que necessitam delas para sua
sobrevivência. Dessa forma, procuram recriar uma “fronteira interna”, em vez de
migrarem para a cidade ou para outras regiões mais distantes do país, como ocorria
anteriormente.
De acordo com Souza (1992), a luta dos sem-terra em Mato Grosso do Sul teve seu
início em 1979, com a iniciativa isolada do movimento dos arrendatários das
fazendas Entre Rios, Água Doce e Jequitibá, em Naviraí, no sul do estado, quando o
advogado Joaquim das Neves Norte moveu uma ação em nome dos arrendatários
que reivindicavam o direito de permanência nas propriedades por mais três anos,
em virtude de irregularidades existentes no primeiro contrato de arrendamento, que
em desacordo com a legislação vigente, haviam sido firmados para um período de
apenas dois anos.
A justiça deu ganho de causa aos arrendatários da fazenda Jequitibá que, como
represália por parte do proprietário, tiveram suas plantações invadidas por cerca de
cinco mil cabeças de gado. Em ato contínuo, o advogado pede a aplicação das
normas legais do Estatuto da Terra, com a desapropriação da área para fins de
reforma agrária. Esse conflito teve um desfecho trágico com o assassinato do
advogado, no dia 12 de junho de 1982.
Entre os dias 04 e 13 de maio de 1981, sem que houvesse organização prévia,
cerca de 800 famílias, compostas na sua maioria por boias-frias que trabalhavam na
região, ocuparam a fazenda Baunilha, de propriedade de Augusto Bulle, no
município de Itaquiraí, depois de tomarem conhecimento que a terra, disputada por
dois fazendeiros, era devoluta. Uma vez despejados, os trabalhadores montaram
acampamento na beira da estrada, permanecendo ali por cerca de um ano. Aqueles
que não desistiram foram sucessivamente transferidos de um lugar para outro até
que, em setembro de 1983, alguns deles são “convidados” a ir para Braço Sul, em
Colider, no Estado de Mato Grosso (CPT, 1993, p.86).
86
Diante do quadro de violência que se instalou em fins dos anos 1970 e início dos
1980, o campo sul-mato-grossense transformou-se literalmente em um “campo de
batalha”, sob a omissão do poder público. Nesse momento, a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) - Diocese de Dourados - ao lado dos sindicalistas (aqueles que não
foram cooptados pelos fazendeiros), teve atuação decisiva junto às comunidades
locais nas discussões que visavam à organização de um trabalho de base para a
ocupação de terras. Esse período marca o nascimento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Mato Grosso do Sul.
Em 1982, num encontro realizado na cidade de Glória de Dourados, é criada a
“Comissão Estadual dos Sem-Terra”, com o objetivo de criar estratégias de luta pela
terra no estado. Em março de 1984, emtima do Sul, com assessoria de João
Pedro e Miguel Presburger, da CPT nacional, ocorre um encontro de estudos sobre
reforma agrária.
É neste contexto que se fala que uma das formas de se fazer a
Reforma Agrária é fazendo ocupações de terras, porque é a maneira
mais fácil de organização e taticamente representa um ataque ao
inimigo. [...] E no dia 28 de abril de 1984 ocupam a fazenda Santa
Idalina em Ivinhema. (CPT, 1983, p.38).
Sem querer desconsiderar os diferentes momentos e as diversas formas de luta
empreendidas pelos trabalhadores rurais ao longo da história do Mato Grosso do
Sul, pontuamos como marco da luta organizada pela terra, o final de abril de 1984,
quando os trabalhadores ocupam a Gleba Santa Idalina, pertencente à Sociedade
de Melhoramentos e Colonização (SOMECO), localizada no município de Ivinhema,
“fato que abalou parte da estrutura do poder do estado pela forma organizada e
resoluta com que se processou” (SOUZA 1992, p.31). Esse acontecimento causou
perplexidade na elite estadual que, até então, considerava os trabalhadores rurais
conservadores, incultos, acomodados e incapazes de se organizar.
A organização dos trabalhadores e sua luta política evidenciada nessa ocupação,
além de causar espanto nos setores conservadores, trouxe à tona “os conflitos e as
contradições existentes com a injusta distribuição de terras, sufocados durante o
período da ditadura militar” (FABRINI 1996, p. 83), porém camuflados por medidas
paliativas adotadas nas diferentes escalas da administração pública e dos poderes
do país.
87
Os acampamentos rurais criaram situações que exigiam novas
respostas [...] de uma só vez os trabalhadores rurais, em seu
movimento, conseguiram despertar de um longo repouso as mais
caras instituições democráticas e questionar a própria autonomia dos
três poderes. (SOUZA 1992, p.31).
Tal ocupação foi articulada por trabalhadores rurais de diversas regiões de Mato
Grosso do Sul e do Paraguai, motivados pela falta de expectativa de permanecerem
trabalhando na terra, e pelas poucas perspectivas de continuarem garantindo de
maneira digna a sobrevivência das suas famílias. A partir desse “princípio de
organização, no primeiro semestre de 1985, os sem-terra começam a participar dos
trabalhos de base que resultaram no retorno de milhares de famílias de agricultores
brasileiros sem-terra, conhecidos como brasiguaios, que viviam no Paraguai”
(FERNANDES 2000, p.150).
Após serem despejados da área da SOMECO, os trabalhadores instalaram-se num
acampamento na Vila São Pedro, propriedade da Diocese de Dourados. Em outubro
de 1984, cerca de 476 famílias foram transferidas pelo governo do estado para o
assentamento provisório, “Padroeira do Brasil”, no município de Nioaque.
A luta dos trabalhadores que ocuparam a fazenda Santa Idalina foi bem sucedida
uma vez que, em outubro de 1985, o INCRA desapropriou seus 16.580 ha e, em 20
de janeiro de 1986, o órgão implantou oficialmente o assentamento Novo Horizonte
do Sul, para onde foram levadas 761 famílias. Em 29 de abril de 1992, foi criado o
município de Novo Horizonte do Sul, “sendo que o assentamento foi a principal
causa da emancipação” (FERNANDES 2000, p.151).
A ocupação das terras da SOMECO acabou por desencadear ações em outras
áreas, nos municípios de Itaquiraí, Naviraí, Mundo Novo, entre outros. Do conjunto
dessas ocupações, destacamos a da fazenda Itasul, que possuía 13.993,4 ha, em
Itaquiraí.
A fazenda Itasul, a exemplo do que ocorreu em toda a região sul de Mato Grosso do
Sul, fora ocupada com a expansão pioneira e tivera como prática comum a utilização
da mão de obra de arrendatários que, após a derrubada da mata, cultivavam a terra
entre as linhas de plantio de grama, por um período de três anos, até o momento em
que toda a área estivesse com a pastagem efetivamente pronta para o gado,
pagando, ao final de cada safra, uma renda de 15% da colheita ao proprietário, no
88
encerramento do contrato (geralmente verbal). Caso esse valor não fosse pago, eles
tinham por obrigação restituir o lote preparado ou plantado com capim, conforme o
combinado e, se houvesse interesse de ambas as partes, o arrendatário dirigia-se
para outra área da fazenda, repetindo o processo.
Os últimos contratos firmados entre o fazendeiro e arrendatários datam de 1984 e
deveriam valer até 31 de julho de 1987, no encerramento do ano agrícola, quando
as 270 famílias deveriam deixar seus lotes. Porém, preocupado com a relativa
organização dos arrendatários pela permanência na terra, o proprietário passou a
pressioná-los para que deixassem a fazenda já no final de 1986, o que gerou conflito
entre as partes.
Com base no parágrafo 2 do art. 22 do Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1966,
segundo o qual o arrendador deve, até seis meses antes do vencimento do contrato,
expedir notificação de saída ao arrendatário, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Itaquiraí, contando com a assessoria jurídica da Federação dos Trabalhadores na
Agricultura (FETAGRI), impetrou ação com vista à manutenção de posse em nome
dos arrendatários por um prazo de mais três anos. A petição fazia referência
tamm à função social da terra, segundo o Estatuto da Terra e a Constituição
Brasileira, que atribuem ao INCRA a tarefa de promover a reforma agrária em área
com grande incidência de arrendatários, parceiros e posseiros.
Cabe aqui enfatizar que as mobilizações de luta pela terra dos arrendatários em
Itaquiraí, sem a participação da CPT e do MST, foram assumidas pelo sindicato,
principalmente por haver, na época, certa rivalidade entre ele e o Movimento.
De acordo com Fabrini (1996):
O movimento desenvolvido pelos arrendatários na luta pela terra
esteve praticamente preso aos limites institucionais, com
negociações e batalhas jurídicas pela desapropriação e permanência
na terra e com apoio de políticos do município, até que ocorresse a
ocupação da fazenda pelos sem-terra em 12/02/89. Esses, agora,
ultrapassam as barreiras legais e o movimento de luta pela terra, em
Itaquiraí, toma novo impulso resultando na desapropriação e
assentamento de 83 famílias de arrendatários. Após o assentamento,
o movimento dos arrendatários desarticulou-se completamente, uma
vez que a sua luta era exclusivamente pela permanência na terra e
seu movimento isolado, desarticulado de outras lutas (FABRINI 1996,
p.102).
89
O destaque que fizemos neste breve relato sobre as disputas territoriais que
envolveram a antiga fazenda Itasul, no município de Itaquiraí, teve a intenção de
demonstrar as diferentes formas de luta e evidenciar o momento e o contexto em
que ocorreu a primeira ocupação organizada pelo MST, em Mato Grosso do Sul,
uma vez que, a exemplo da descrita anteriormente, as outras lutas e ocupações
foram organizadas pela CPT e por movimentos isolados” (FABRINI, 1996, p.103).
Essa comparação tamm tem por finalidade mostrar o peso, a importância e a nova
dinâmica que um movimento articulado em nível nacional como o MST empresta aos
inúmeros conflitos territoriais locais em todo o território nacional.
Salientamos que o MST, quando surgiu como movimento de organização dos
trabalhadores, em nível nacional, o Mato Grosso do Sul já contava com a CPT,
criada, segundo Farias (1997), em 1978, na Diocese de Dourados, dedicada a
desenvolver discussões e reflexões com as populações do meio rural acerca dos
problemas sociais que as envolviam.
Durante os primeiros anos da formação do Movimento, os sem-terra se empenharam
em construir sua autonomia, contando inclusive com a participação de membros de
outros estados onde o MST já se consolidara. A CPT, principalmente, e alguns
sindicatos de trabalhadores rurais foram importantes nesse processo de luta que fez
crescer o Movimento.
No final da década de 1980, intensificaram-se os embates a respeito da autonomia
do MST-MS, uma vez que a “heteronomia ainda era uma característica marcante,
porque os agentes da CPT controlavam a direção das lutas” (FERNANDES, 2000,
p.152). Todavia, para que o MST-MS consolidasse sua forma de organização era
fundamental que se apropriasse da direção política do Movimento e, no bojo desse
embate, surgem diferentes concepções de luta e organização.
Enquanto alguns entendiam que direção pertenceria aos sem-terra e à CPT cabia a
função de apoiar as lutas, outros consideravam que a CPT era uma forma de
organização e que deveria conduzir as ações. De acordo com Farias (1997), a partir
de 1989, a CPT se distanciou do movimento de luta pela terra, nas questões
relacionadas às ocupações, passando a se dedicar à coordenação dos
assentamentos já existentes. Consequentemente, a organização das ocupações de
terras foi então assumida pelo MST.
90
O MST vem aperfeiçoando seus métodos de organização da classe trabalhadora
tanto nos acampamentos, quanto nos assentamentos, ou seja, na luta pela terra e
na terra. Não restam dúvidas que, atualmente, no Brasil e no Mato Grosso do Sul, o
MST constitui o mais expressivo movimento social, tanto que, a despeito de
existirem dezenas de grupos com o mesmo objetivo, quando qualquer fazenda é
ocupada, a ação é logo atribuída ao Movimento.
Contudo, não é o MST o responsável pela maioria das ocupações de terras em Mato
Grosso do Sul, e sim a FETAGRI, através dos vários sindicatos rurais presentes nos
municípios sul-mato-grossenses. Devemos destacar, porém, que a FETAGRI, assim
como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ou a CPT, não detém as
características de um movimento social de luta pela terra.
Em resposta às ocupações realizadas pelos diferentes movimentos sociais de luta
pela terra, os fazendeiros, com o apoio das quatro maiores entidades do setor
agropecuário do país - a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a
Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), a Organização das
Cooperativas Brasileiras (ACB) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB) - organizaram,
em 1997, o Movimento Nacional de Produtores (MNP) que se define como uma
sociedade civil, sem fins lucrativos, e tem por objetivo a defesa, dentro da lei, da
propriedade privada, do meio ambiente, das novas tecnologias de produção e de
outros interesses dos produtores, tanto rurais, quanto urbanos.
A criação do MNP, com sede em Campo Grande/MS, demonstra claramente a
preocupação com o aumento das ocupações de terra. Em Mato Grosso do Sul, as
ações saltaram de 33, em 1997, para 108, em 1999. A partir daí comaram a
diminuir progressivamente até 2002, mas em 2003, o número de ocupações no
estado voltou a crescer. Nesse período, os índios foram os que mais ocuparam
terras (61,7%).
Podemos atribuir a redução das ações no Mato Grosso do Sul, em boa parte, à
Medida Provisória MPV 2.183-56/2001, editada pelo governo federal em 24 de
agosto de 2001, segundo a qual toda e qualquer propriedade que fosse ocupada
não seria desapropriada nos dois anos subsequentes, com punição dobrada em
caso de reincidência. Tal determinação obrigou o MST a rever suas estratégias e,
91
daí em diante, passou a ocupar prédios públicos como forma de pressionar os
governos e o ministério público para atenderem suas reivindicações.
O processo de luta pela terra no estado e, consequentemente, pela implantação de
assentamentos rurais, é histórico, pois é fruto da resistência dos trabalhadores rurais
a uma formação territorial baseada nos interesses centralizadores e exploratórios
das grandes empresas e dos grandes latifundiários, atrelados ainda à posição dos
governos que, tradicionalmente, representaram esses poderes. Assim sendo, no
Mato Grosso do Sul, a luta dos trabalhadores frente às incessante exploração,
expropriação e violência desencadeadas pelos latifundiários, empresas e grupos
econômicos, tem sido travada por inúmeras famílias que lutam pela terra e contra o
status quo, organizadas no âmbito de dezenas de movimentos sociais.
3.1. Os assentamentos rurais em Mato Grosso do Sul
O Estado do Mato Grosso do Sul, desde muito tempo, foi marcada por uma elevada
concentração fundiária e pelo controle das terras por parte dos grandes fazendeiros,
que sempre detiveram o poder político e de decisão sobre o direcionamento das
ações públicas, as quais, consequentemente tiveram influência direta sobre a vida
de milhares de trabalhadores rurais. Essa estrutura de poder, levada a efeito ao
longo das últimas décadas, é a responsável pela injusta distribuição de terras e
pelas desigualdades sociais neste estado.
As lutas pela posse da terra, que haviam sido sufocadas a partir de 1964 pelo
advento do regime militar no Brasil, ressurgem por todo o território nacional na
primeira metade dos anos 1980, quando já se evidenciava o enfraquecimento desse
regime. Esse período, caracterizado por vários autores como sendo de acumulação
primitiva do capital por meio da abertura de terras para o plantio de pastos,
começava a apresentar um declínio. A partir da chamada abertura política, os
conflitos sociais ganharam maior visibilidade com a efervescência das lutas
organizadas por diferentes categorias de trabalhadores. Para o homem do campo,
essa década “se abriu trazendo ao primeiro plano a bandeira da reforma agrária”
(MEDEIROS; LEITE, 1999, p. 8), inspirada no Estatuto da Terra de 1964 que havia
92
definido as condições para a desapropriação de áreas por interesse social para fins
de reforma agrária.
Muitos dos trabalhadores que decidiram se organizar em acampamentos para a
conquista de terra própria, no Mato Grosso do Sul, já se encontravam fixados no
estado, porém a grande maioria deles era constituída por migrantes oriundos do
Nordeste, do Sul e do Sudeste. Até chegarem ao acampamento, esses
trabalhadores desenvolviam seu trabalho na condição de boias-frias, de
arrendatários, ou ainda de assalariados temporários urbanos ou rurais.
No sistema de arrendamento, usado para abertura das terras e sua incorporação ao
processo produtivo, as famílias viviam numa constante instabilidade, uma vez que
estavam sempre na iminência de ter que migrar de um lugar para outro, de uma
fazenda para outra. Os contratos eram firmados com tempo para começar e para
terminar e geralmente tinham a duração de três anos, tempo suficiente para o
desmate da área arrendada, depois o plantio do pasto que, uma vez formado,
obrigava os arrendatários a recomeçarem o mesmo processo em outra fazenda.
Essa situação ocasionava uma inconstância não só em relação ao trabalho, mas
tamm à residência, uma vez que o contrato normalmente era firmado
considerando o trabalho de toda a família. Assim, o final de um contrato
representava ter que mudar de trabalho e de casa, provocando o deslocamento de
todos seus os membros para um novo lugar, com a transferência para uma nova
moradia, em outra fazenda.
Tal circunstância agravou-se ainda mais em Mato Grosso do Sul, na década de
1980, quando já não havia mais terras a serem abertas para a formação de
pastagem. Nesse período, também, o aceleramento do processo de modernização
agrícola expulsou do campo arrendatários, boias-frias e assalariados.
Como desdobramento dessas lutas, já na Nova República o criados o I Plano
Nacional de Reforma Agrária I PNRA (1985-1989) e o Programa Regional de
Reforma Agrária (PRRA), dando início a uma tímida reestruturação fundiária em
Mato Grosso do Sul, quando, em ação conjunta do INCRA e do TERRASUL
21
21
Atualmente esta instituição faz parte da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural
(AGRAER) que foi criado pelo atual governador estadual, André Puccineli, que extinguiu o Instituto de
Desenvolvimento Agrário, Assistência Técnica e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul (IDATERRA)
, ao
93
longo de 25 anos, foram criados 176 assentamentos, estabelecendo 30.362 famílias
numa área de aproximadamente 670.746 hectares (Tabela 2). Salientamos que tal
intervenção na reordenação das terras sul-mato-grossenses, mais do que resultado
somente das boas intenções políticas dos governantes em relação às famílias dos
sem-terra, concretizou-se, em grande parte, pela pressão exercida pelos
movimentos sociais organizados.
Tabela 2 - Número de assentamentos criados por ano, totais de áreas e número de famílias assentadas
entre 1984 e 2008
Ano
N.º de
Assentamentos
1
Área (ha)
N.º de
Famílias Assentadas
N.º de
Ocupações
1984 1 3.812,17 134 -
1985 3 28.729,76 700 -
1986 4 24.072,17 1.086 -
1987 7 43.661,79 1.039 -
1988 2 9.613,14 295 4
1989 3 19.940,04 1.160 6
1990 --- --- --- 3
1991 1 4.719,81 149 8
1992 1 4.321,03 147 4
1993 --- --- --- 8
1994 1 1.599,61 114 13
1995 1 10.621,08 319 7
1996 8 34.925,34 1.436 25
1997 20 72.090,45 2.754 35
1998 24 91.468,15 3.029 67
1999 5 4.580,25 192 84
2000 22 77.599,74 2.923 68
2001 9 19.636,89 780 24
2002 3 29.636,212 1.213 3
2003 2 967,0218 31 8
2004 10 42.389,39 2.799 21
2005 14 67.302,52 4.654 16
2006 6 13.469,06 1.069 8
2007 24 52.088,76 3.861 8
2008 5 13.502,51 478 3
Totais 176 670.746,89 30.362 423
Fonte: Assentamentos INCRA Ocupações CPT
(
1
) Dados atualizados em 11 de novembro de 2008
Concordamos com Menegat (2003, p. 41) quando assevera que, se observarmos
apenas o número de assentamentos criados e o de famílias beneficiadas, não
considerando o tipo de áreas desapropriadas, podemos concluir que os sucessivos
que havia sido criado pelo ex-governador, José Orcírio Miranda dos Santos, com a junção dos
extintos TERRASUL e EMPAER.
94
governos do Mato Grosso do Sul, a partir de meados da década de 1990, estiveram,
e estão, interessados em encaminhar uma solução para o problema agrário no
estado.
A autora observa ainda que as primeiras desapropriações de áreas destinadas à
instalação de projetos de reforma agrária serviram mais como “válvula de escape”
para as tensões sociais surgidas nos acampamentos dos antigos arrendatários, de
boias-frias e de brasiguaios, instalados nas cidades próximas à fronteira com o
Paraguai e nas diversas regiões de Mato Grosso do Sul. Beneficiaram também os
latifundiários cujas terras eram de má qualidade e que viram nas desapropriações a
solução para se livrar delas, o que provocou um superfaturamento das áreas
desapropriadas para a implantação de assentamentos. (MENEGAT, 2003, p. 42).
Embora a população assentada não tenha grande peso na população total do
estado, sua participação relativa na população rural dos municípios sul-mato-
grossenses, em vários casos, é significativa. Uma inferência possível é que a
intensificação dos assentamentos nesta unidade da federação pode ter contribuído,
se não para ampliar a população rural, pelos menos para estancar sua redução.
A dinâmica da espacialização dos assentamentos rurais, a área correspondente, o
número de famílias contempladas, bem como a evolução do número de ocupações
de terra em Mato Grosso do Sul poderão ser visualizadas a partir da análise dos
dados que apresentamos na Tabela 2, no Mapa 5 e nos Gráficos 1, 2 e 3.
Acerca da crescente importância que os assentamentos rurais foram assumindo em
todo o Brasil por força das lutas das famílias de sem-terra, Leite, Heredia, Medeiros,
(2004) ressaltam que:
Mesmo continuando uma experiência minoritária, os assentamentos
ganharam uma sistematicidade e um reconhecimento social, vale
dizer, uma objetividade, que os colocam no primeiro plano das
disputas intelectuais e políticas em torno da questão agrária (LEITE,
HEREDIA, MEDEIROS, 2004, p.68).
95
Mapa 5 - Espacialização dos assentamentos rurais em Mato Grosso do Sul - 2009
96
O início da implantação de projetos de assentamentos em Mato Grosso do Sul
ocorreu em 1984, como resultado da efervescência do período marcado pela
chamada transição democrática e com o ressurgimento dos movimentos sociais que
foram sufocados durante regime militar.
Gráfico 1 - mero de assentamentos criados e de ocupações realizadas em Mato Grosso do Sul entre
1984 e 2008
Fonte: Assentamentos INCRA - Ocupações CPT
Org.: Ademir Terra
Durante a vigência do I PNRA, muito pouco se materializou em território sul-mato-
grossense, uma vez que, num total de 129.829,08 ha de área desapropriada para
fins de reforma agrária, foram criados nesse período somente 20 assentamentos
rurais, contemplando 4.414 famílias. Nessa etapa, cada família assentada era
beneficiada com um crédito habitação, suficiente para erguer uma casa de 18 m
2
,
um crédito alimentação a ser liberado mensalmente, por um período de seis meses,
e mais um, de fomento agrícola (não sem atrasos), destinado à aquisição de
ferramentas, sementes e defensivos. Para esse fim foi criado, pelo Conselho
Monetário Nacional, em 1985, o Programa de Crédito Especial para a Reforma
Agrária (PROCERA)
22
22
Em 1996, o governo federal criou o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
que, aos poucos, foi substituindo o PROCERA, atendendo a todos os agricultores e não mais
exclusivamente aos assentados rurais.
, que tinha como objetivo o aumento da produção e da
produtividade agrícola dos assentamentos da reforma agrária. Os recursos eram
repassados pelo Banco do Brasil e controlados por comissões estaduais.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Unidades
de Assentamentos de Ocupações
97
Depois do breve e conturbado período político por que passou a vida nacional no
início dos anos 1990, com a posse e o impeachment de Fernando Collor, que adotou
um conjunto de medidas políticas polêmicas, o vice-presidente, Itamar Franco,
assumiu o governo prometendo assentar 80.000 famílias, mas beneficiando apenas
12.600 em todo o país. Em Mato Grosso do Sul, os resultados foram igualmente
pífios.
Gráfico 2 - Área (ha) dos assentamentos criados anualmente em Mato Grosso do Sul entre 1984 e 2008
Fonte: INCRA
Org.: Ademir Terra
No período que vai de 1990 a 1994, houve uma redução das ocupações e
consequentemente da criação de assentamentos não só em Mato Grosso do Sul,
mas em todo o Brasil.
De acordo com Medeiros e Leite (2001), a queda do número de assentamentos no
período 1990-1994 e a concentração de novos projetos criados no período 1995-
1999 são visíveis, e essa variação poderia ser atribuída grosseiramente a diferentes
orientações de política agrária das sucessivas administrações. Ressaltam ainda que
praticamente todos os governos entre 1985 e 1999 mudaram (e nem sempre uma só
vez) a orientação de sua política agrária, dando peso maior ou menor à criação de
assentamentos rurais.
Dessa forma, nos anos de 1990 e 1993, nenhum assentamento foi instalado e, no
total, durante os mandatos Collor/Itamar, apenas três foram criados, com uma área
de aproximadamente 10.640 hectares, beneficiando 410 famílias.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
Em Hectares
Área (ha) dos Assentamentos
98
Ao analisarmos a evolução dos dados, já em 1995, quando Fernando Henrique
Cardoso assume o seu primeiro mandato na presidência do país, percebemos que o
ritmo do primeiro ano acompanhou a cadência do governo anterior, com a
implantação de apenas um assentamento no estado (Assentamento Tamarineiro II,
em Corumbá), atendendo 319 famílias, com uma área de 10.621 ha.
Gráfico 3 - Número de famílias assentadas em Mato Grosso do Sul entre 1984 e 2008
Fonte: INCRA
Org.: Ademir Terra
O acirramento das ocupações promovidas pelos movimentos sociais de luta pela
terra, no estado, articulados e organizados principalmente pelos sindicatos dos
trabalhadores rurais de Mato Grosso do Sul (Gráfico 01 e Tabela 2), e em todo o
país, com o desdobramento trágico dos massacres de Corumbiara (1995) e
Eldorado dos Carajás (1996), impõe o ressurgimento do debate e coloca na pauta
do dia a questão agrária, obrigando o governo federal a reorganizar a política pública
agrária, o que resultou na criação do Ministério Extraordinário da Política Fundiária.
Aqueles dois eventos funestos catalisaram a discussão em nível nacional e
internacional acerca da urgência de uma reforma agrária que passava a ser
considerada como “um dos pontos mais conturbados da agenda política do governo
federal” (NORDER, 2004, p.63).
0
1000
2000
3000
4000
5000
Nº de Famílias Assentadas
Nº de Famílias
99
Mapa 6 - Espacialização dos assentamentos rurais na Região do Entorno dos Assentamentos Itamarati e Itamarati II em Mato Grosso do Sul - 2009
100
A coordenação dos assentamentos rurais, então, começa a ocupar um lugar cada
vez maior nos debates internos das organizações dos trabalhadores sem-terra e nas
instâncias que apoiam sua luta, focados na importância da potencialização dos
projetos de assentamentos como mecanismo de pressão para ampliação da reforma
agrária. Alguns métodos de organização e produção são estimulados,
principalmente no intuito de construção de um modelo diferenciado de gestão que
refletisse o descontentamento pelo atual modelo econômico do país e apresentasse
novas possibilidades para a massa excluída do processo produtivo.
O governo federal que, em certa medida, encontrava-se desgastado, procurou
desenvolver ações mais efetivas para dinamizar a criação de assentamentos rurais,
visando evitar a eclosão de graves conflitos agrários. A medida tomada foi
desenvolver novos projetos de assentamento em todo o país, muitos deles sem a
necessária estrutura para fornecer boas condições de vida às populações locais,
resultando em problemas sociais irreversíveis para essas comunidades, bem como
em severos danos ambientais. Nesse contexto, durante o primeiro mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), foram criados 53
assentamentos, cuja soma das áreas corresponde a aproximadamente 209.105
hectares, abrigando 7.538 famílias.
Entre 1999 e 2002, período que corresponde ao segundo mandato de FHC, e ao
primeiro de Zeca do PT como governador de Mato Grosso do Sul, o esforço conjunto
das duas esferas de governo resultou na criação de uma área especial para a
instalação, implementação e regulação de assentamentos, o “Plano de Ação da
Área Especial de Mato Grosso do Sul”, localizado no sul do estado. Tal área foi
escolhida em razão da haver uma grande ocorrência de conflitos, com a
existência de inúmeros acampamentos, de vários projetos de assentamentos não
consolidados e a localização de terras férteis e inexploradas. Nesse período é que
foi implantado o Assentamento Itamarati. A despeito de tais medidas, o número de
assentamentos criados foi menor do que no período anterior, totalizando 39, numa
área de 131.453 ha, na qual foram assentadas 5.108 famílias.
No primeiro mandato de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006) como presidente da
república não houve grandes alterações no que diz respeito à perspectiva da
reforma agrária. Ao assinar os acordos com o Fundo Monetário Internacional, logo
101
no início do período, e ao preservar o Banco da Terra, o governo dava sinais de que
não cumpriria sequer a meta relativa à implantação de assentamentos rurais.
Na segunda metade de 2003, as ocupações de terra aumentaram em 42%. Em abril
do ano seguinte, cerca de 15.000 famílias ligadas ao MST iniciaram uma ofensiva de
ocupações de terra como mecanismo de pressão, atingindo mais de cinquenta
fazendas, em catorze estados brasileiros (OVIÑA, 2005, p. 106).
O primeiro mandato de Lula corresponde ao segundo período de Zeca do PT no
governo sul-mato-grossense. Tal como ocorreu em nível nacional, em Mato Grosso
do Sul houve uma retomada da luta pela terra, como podemos constatar no Gráfico
1. Nesse período, foram criados 32 assentamentos (Inclusive o Itamarati II), com
área total de 124.127 ha, portanto, menos que no período FHC/Wilson (53
assentamentos e 209.105 ha), e no período FHC/Zeca (39 assentamentos e 131.453
ha), porém, o número de famílias assentadas foi o maior da história de Mato Grosso
do Sul, totalizando 8.553.
Não restam dúvidas que os oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso e
os quatro primeiros de Luis Inácio Lula da Silva correspondem ao período em que foi
criado o maior número de assentamentos e, consequentemente, o maior número de
famílias foi atendido em território sul-mato-grossense. Porém, uma avaliação
fidedigna quanto ao número de desapropriões executadas por esses governos é
dificultada, tendo em vista que foram apresentadas, num mesmo conjunto, as metas
atingidas em relação a desapropriações de novas áreas e as regulamentações de
títulos já existentes.
A relação com os nomes dos assentamentos, das áreas correspondentes, do ano de
criação, número de famílias assentadas e os municípios onde foram implantados,
encontram-se no Anexo I.
Parafraseando Bergamasco (1997), podemos perguntar: o que está por trás dos
números? Ou, ainda, o que eles (não) revelam? Da leitura dos números observa-se
que, desde os anos 1980, a temática da reforma agrária se tornou constante na
agenda política brasileira. E pelo até aqui exposto, é possível afirmar que as
ocupações e conflitos pela posse da terra em Mato Grosso do Sul, mais que
acontecimentos pontuais e isolados, constituem um processo de redefinição da
102
estrutura fundiária que contribuiu para alterar o perfil da distribuição da população
estadual. Além de confirmar a amplitude da redefinição da posse da terra no estado,
esses dados servem de base para a compreensão dos efeitos sociais e políticos que
se produzem nesse processo.
Nesse contexto de reconfiguração da estrutura fundiária, aqui tratado a partir da
criação dos assentamentos, e com base nos dados apresentados, pode-se dizer que
eles tiveram um impacto significativo na reconfiguração do desenho da estrutura
fundiária, com uma ampliação no número das pequenas propriedades numa área
outrora ocupada pelo latifúndio. Sem dúvida, a implementação dos assentamentos
impuseram uma redistribuição fundiária que, embora localizada, aponta para o
aumento de inserção das famílias nas atividades econômicas, a qualidade de
produtos, alterações no uso do espaço, possibilidades de diversificação produtiva,
afirmação de novas identidades e interesses e, finalmente, a abertura de espaço
para maior participação política da nova categoria que surge com perfil e demanda
específicas.
Vale lembrar que, de forma geral, o principal motor das desapropriações e da
criação dos assentamentos tem sido os conflitos por terra e as iniciativas dos
trabalhadores rurais e de seus movimentos. É coerente ainda afirmar que o aumento
do número de assentamentos é uma resposta política do governo federal às
investidas desses movimentos e às lutas pela reforma agrária que durante estes
anos têm se multiplicado pelo Brasil.
No país, a definição de assentamento rural “esteve atrelada a uma atuação estatal
direcionada ao controle e à delimitação do novo ‘espaço’ criado, e, por outro lado, às
características dos processos de luta e conquista de terra, encaminhados pelos
trabalhadores rurais” (LEITE, 2005, p.43). Enquanto para o Estado os
assentamentos representam uma colonização dirigida e a regularização fundiária,
para os agricultores, eles estão mais fortemente ligados a uma proposta de reforma
agrária.
É inegável que a implantação do Assentamento Itamarati seja fruto de uma longa e
penosa luta pela democratização do acesso à terra no Brasil, porém não resulta de
uma luta específica pela desapropriação daquela área (mesmo considerando o fato
de ter sido ocupada por membros de um grupo de cem famílias de sem-terra em
103
dezembro de 1998, sob a alegação de que a fazenda era improdutiva), como
veremos no próximo capítulo.
Capítulo IV
4. ASSENTAMENTO ITAMARATIO PIVÔ DA QUESTÃO
Mais uma vez impulsionada pela conjugação de fatores conjunturais, com inspiração
na característica modelar/megalomaníaca da antiga fazenda, novamente acordos e
alianças entre um seleto grupo de representantes da sociedade passam a envidar
esforços no sentido de viabilizar um novo megaprojeto com pretensões modelares
nesta porção do território sul-mato-grossense.
Todavia, pelo menos nos discursos e nas aparências (a essência será discutida
mais adiante) os interesses desse projeto são mais nobres, pois diferente do
anterior, cuja justificativa era de que iria beneficiar um grande número de
trabalhadores, através da geração de emprego, proporcionando-lhes melhores
condições de vida, este, por sua vez, mantém essa característica, acrescida dos
benefícios e vantagens proporcionados pelo acesso à propriedade da terra.
O caráter de megaempreendimento evidencia-se tanto quantitativa quanto
qualitativamente. Analisados em conjunto ou isolados, os Assentamentos Itamarati e
Itamarati II, por suas amplas dimensões, são singulares sob qualquer aspecto em
que se queira analisar.
4.1. Assentamento modelo: Para quem? Para quê? A que custo?
Quando, em novembro de 2000, foi anunciada, pelo então Ministro do
Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, a compra da Fazenda Itamarati com o
objetivo de transformá-la em assentamentos rurais, alardeava-se que esse seria o
principal projeto de reforma agrária a ser implantado no Brasil e que a intenção era
transformar a área num mega-assentamento rural.
105
Essa pretensão está explícita na introdução do Plano Indicativo de Criação do
Assentamento Itamarati, no qual o então governador de Mato Grosso do Sul, José
Orcírio Miranda dos Santos, menciona que “[...] o projeto não é apenas o maior do
país em tamanho, é modelo organizacional e de questão participativa”
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p.7).
A intenção de transformar o assentamento em modelo se apresenta ainda mais
alvissareira na introdução da primeira vero do Diagnóstico Sócio-Produtivo, que
compõe o Plano de Desenvolvimento do Assentamento Itamarati, onde se lê:
“considerado como o modelo decisivo para o futuro da reforma agrária brasileira, o
sucesso do assentamento na fazenda Itamarati representará inúmeros benefícios,
não somente aos assentados, mas tamm a todo o entorno do Assentamento e,
respectivamente, a todo Estado de Mato Grosso do Sul”
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 6).
O que se observa é que há uma sintonia nos discursos tanto em nível federal,
quanto no estadual, e neles estão presentes o que aqui estamos chamando de
estigmas de “mega” e “modelo” que historicamente têm acompanhado esta porção
do território sul-mato-grossense. Por esse motivo, o empreendimento tem em
comum com os projetos anteriormente desenvolvidos no local apenas o fato de estar
instalado na mesma área e, ainda carrega a dura missão de ter que dar um destino
virtuoso aos resquícios do que foi no passado a megafazenda modelo Itamarati.
Suas especificidades conferem-lhe um perfil muito diferente do de seus
antecessores megaempreendimentos, principalmente pelo fato de serem de
natureza privada e, portanto, terem uma lógica econômica, social e política bem
diversa.
Como observaram Leite, Heredia, Medeiros, et al (2004):
Mesmo sendo apropriado pelos trabalhadores e seus movimentos o
assentamento é uma criação do Estado e está sujeito a sua gestão,
seja de maneira mais direta e autoritária (como nos projetos de
colonização do regime militar), seja de maneira mais indireta e
negociada como no período democrático (LEITE, HEREDIA,
MEDEIROS, et al 2004, p.65).
Quando o Estado decide pela implantação de um mega-assentamento de
trabalhadores rurais, isto implica não somente capitalizar os resultados positivos, na
forma de dividendos políticos, e até financeiros, para aqueles personagens que
106
estão à frente desses empreendimentos e, acima de tudo, implica assumir
megarresponsabilidades, afinal, criar um assentamento rural significa tomar
importantes decisões que irão interferir diretamente nos destinos das muitas famílias
que lá serão assentadas. Há que se ter o bom-senso para que tais decisões,
vantajosas para quem as tomam, não se transformem em um fardo para aqueles a
quem deveriam beneficiar.
Ainda de acordo com Leite, Heredia, Medeiros, et al (2004):
Ao criar o assentamento, o Estado assume a responsabilidade de
viabilizá-lo queira o Estado (na pessoa daqueles que o fazem existir)
ou não, o desempenho de um assentamento é um desempenho do
Estado. E aqui há uma espécie de coerção interna ao Estado, do
mesmo tipo que se coloca para outras partes desse Estado, para
definir normas de funcionamento. É impensável, para os
responsáveis estatais e funcionários, deixar que outros, sobretudo,
outros desprovidos do saber das coisas do Estado, definam regras
de funcionamento de algo que é visto como sendo próprio do Estado
(LEITE, HEREDIA, MEDEIROS, et al, 2004, p.65).
Muitas vezes, as decisões tomadas de acordo com as conveniências de pessoas
que ocupam cargos políticos à frente de órgãos públicos geram enormes
dificuldades para o corpo de servidores e de técnicos que, contando com recursos
escassos e condições de trabalho desfavoráveis, têm que encontrar soluções
racionais para as deliberações irracionais de autoria daqueles a quem estão
hierarquicamente subordinados.
Na maioria das vezes, essas pessoas têm como único atributo o fato de serem
aliados políticos dos que compõem o governo, carecendo, com frequência, da
qualificação necessária para conduzirem as pastas que ocupam, com passagem
efêmera pelos cargos, mas com tempo suficiente para que, ao deixarem-nos,
deixem tamm um rastro de malefícios provocados por decisões equivocadas, as
quais poderão, ao longo do tempo, produzir graves consequências na vida daqueles
que estão ou que estiveram à mercê dessas determinações.
Os interesses políticos e os significados que nortearam a implantação do “mega-
assentamento-modelo” Itamarati, bem como os resultados oriundos de tal decisão
nos destinos das famílias contempladas com um lote é o que nos propomos a
analisar a seguir.
107
São muitos os significados que se podem atribuir ao termo modelo. Para a antiga
Fazenda Itamarati, não havia qualquer ambiguidade no seu emprego, pois a função
modelar para a agricultura capitalista, assumida pelo empreendimento, foi exercida
em sua plenitude até o momento em que entrou em decadência em face da
desatualização tecnológica, em comparação com o padrão atual do agronegócio,
quando então, de forma providencial, foi transformada em objeto de reforma agrária.
O termo não mantém essa singularidade semântica em relação ao assentamento
rural, onde, para cada agente, assume significados muito diversos.
A ideia de assentamento modelo emerge na segunda metade dos anos 1980, em
vários estudos que, de acordo com Maluf e Bilbao (1988), eram fundamentados na
matriz da produção coletiva e/ou associativa, em franca alusão ao projeto defendido
pelas organizações ligadas à Igreja, aos técnicos progressistas do Estado e à
dificuldade de recursos financeiros. O conceito ganha destaque na segunda metade
dos anos 1990, numa conjuntura desfavorável ao governo, que em certa medida
buscava comprovar a eficácia de suas ações e de suas políticas agrárias, uma vez
que o campo estava inflamado pelos massacres de Corumbiara (1995) e Eldorado
dos Carajás (1996).
Moreira (2004) constata que no contexto da discussão sobre a reforma agrária no
governo Lula, alguns acontecimentos, como por exemplo, a proposta de
recuperação dos assentamentos, o fim do refluxo dos movimentos sociais no campo
com a retomada das ocupações de terra e a reorganização dos ruralistas, apontam
para a revitalização do debate sobre o significado de um assentamento modelo, ou
seja, ao que parece, uma tentativa de ressignificação da noção.
Na concepção do governo Lula, é condição fundamental para que seja considerado
um assentamento modelo, portanto, uma referência para os demais, aquele cujas
atividades estendam-se para além da agricultura, sendo vistos como tradicionais os
que não se encaixam nessa definição.
É nessa perspectiva que o governo defende, no Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA):
Um novo modelo de assentamento que levará em conta a concepção
espacial, viabilidade econômica, integração produtiva, adequação
aos diferentes biomas, acesso à educação, saúde, seguridade social,
108
desenvolvimento territorial, participação social e articulação dos
governos federais, estaduais e municipais.
Ou seja, um novo conceito em que se enfatizam questões relativas à agroecologia e
uma nova política de desenvolvimento territorial.
De acordo com Moreira (2004, p.5), passamos a presenciar nos anos 1990 não
somente um debate, como tamm um embate, entre os representantes do governo
responsáveis pela implementação de políticas e os assentados e seus mediadores,
em torno da defesa dos assentamentos rurais como um “modelo”.
De um modo geral, no discurso dos representantes do Estado, um assentamento
modelo é aquele em que tanto os assentados quanto o próprio Estado respeitaram
todos os estágios e mecanismos para sua implementação: desapropriação,
liberação de todos os créditos, existência de posto de saúde, escola, eletrificação
rural, infraestrutura viária, etc. Como se vê, aparentemente a preocupação com as
relações de sociabilidade e com a democratização das relações estabelecidas entre
assentados e técnicos não se inclui entre os itens que qualificam um assentamento,
priorizando-se uma visão técnica e produtivista (MOREIRA, 2004, p.5).
Se admitirmos essa concepção de modelo para o Assentamento Itamarati, tal
definição pode, com toda segurança, ser empregada em sua plenitude, pois todas as
etapas foram cumpridas, algumas com um grau maior de eficiência que outras,
inclusive negligenciando a preocupação com a sociabilidade.
Convém lembrar que o que frequentemente está implícito nessa ideia de modelo,
principalmente em países que, como o Brasil, são marcados pela desigualdade,
seletividade e exclusão, é a necessidade de referências que sejam capaz de servir
de polos irradiadores, a partir dos quais determinados padrões e processos possam
se perpetuar por imitação.
Esse objetivo está presente no PDA do Assentamento Itamarati, assim expresso:
Promover a democratização do Assentamento Itamarati em um pólo
de desenvolvimento agroeconômico integrado e sustentável, que
seja referência nacional de modelo em inclusão social, garantindo a
cidadania e a melhoria sócio-econômica da população assentada
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 230)
Quanto a esses aspectos, acreditamos que o Assentamento possa muito pouco
servir como referência positiva para qualquer outro no Brasil. Em alguns casos,
109
podemos usá-lo mesmo como um exemplo de ões que não devem jamais ser
repetidas.
Contudo, a despeito do que acabamos de afirmar e dos muitos equívocos
cometidos, não estamos afirmando que as experiências realizadas nesse
empreendimento tenham sido todas malsucedidas. Acontece que as suas
especificidades são tantas, que muitas das práticas lá empregadas jamais poderão
ser reproduzidas na mesma escala em qualquer outra parte do país, nem mesmo no
Assentamento Itamarati II, cuja área, por fazer parte da mesma fazenda, faria supor
o contrário, sendo que, na verdade, a gestão dos dois projetos guarda poucas
semelhanças entre si.
Por outro lado, ainda de acordo com Moreira (2004, p.6), para os assentados e seus
principais mediadores e representantes (segmentos progressistas da igreja católica,
CPT e o STR), a concepção de assentamento modelo, em primeiro lugar remete à
ideia de um empreendimento produto da discussão, decisão e participação de todos
e, em segundo lugar, de assentamento programado, não espontâneo, com critérios,
regras, etc.
Seria o Assentamento Itamarati um modelo segundo essa concepção?
Consideramos que a resposta afirmativa a essa questão seria apenas parcial,
porque, embora não tenha sido um assentamento espontâneo, o critério de
participação dos assentados em todas as discussões e decisões fica prejudicado,
pois nem sempre esta condição foi respeitada, como por exemplo, não se pode
deixar de citar que a decisão pelo modelo coletivo
23
Segundo relato dos assentados, eles receberam essa informação pelas suas
respectivas lideranças, as quais faziam questão de frisar que aqueles que não
estivessem de acordo deveriam voltar para o acampamento e aguardar outra
oportunidade para serem assentados. Isso lhes soava como uma proposta igbil,
considerando que as famílias haviam ficado acampadas por muito tempo e não
saberiam por quanto tempo mais deveriam esperar, sofrendo as agruras próprias
de gestão do Assentamento foi
imposto pelo INCRA.
23
Todas as referências feitas ao modelo de gestão do Assentamento Itamarati, mesmos as oficiais,
dão conta de que esse modelo é coletivo, muito embora não o seja de fato, uma vez que se trata de
um modelo semicoletivo, pois muitas famílias receberam um lote individual e outro coletivo, existindo
até mesmo famílias que receberam apenas a área individual.
110
dos acampamentos. Em dirão contrária a essa alternativa, eles eram instigados a
aceitar a proposta do coletivo, pois a promessa de um futuro promissor era muito
grande. Acenavam-lhes com a possibilidade de que, já na primeira safra, estariam
recebendo uma quantia razoável, e que isso seria uma constante nas suas vidas,
tendo em vista que as famílias estariam sendo contempladas com um lote em uma
área que lhes garantiria, a cada safra, uma elevada produção de commodities,
graças à alta tecnologia a que teriam acesso.
Foram inúmeras as vezes em que as famílias foram convidadas a participar de
exaustivas reuniões, principalmente quando da elaboração do Plano de
Desenvolvimento do Assentamento (PDA).
A despeito dos técnicos terem feito o levantamento das expectativas dos parceleiros
quanto à carteira agrícola comercial pretendida por eles, a fim de se realizarem as
análises técnicas (edafoclimáticas) e econômicas (comercialização) quanto a sua
viabilidade e sustentabilidade, etc, o que de fato se considerou, foram aquelas
propostas que coadunavam com os planos previamente elaborados. Muitas vezes a
participação dos envolvidos é requerida muito mais para referendar as escolhas
feitas pelo corpo técnico do que para construir uma proposta consciente e
correspondente à expressão da vontade e das reais possibilidades das famílias
interessadas. Isso é decorrência tanto do baixo nível de instrução dos assentados,
como tamm das opções teóricas e da forma sistêmica de pensar e agir dos
técnicos/intelectuais que, procurando generalizações, adotam verdadeiros
“receituários” prescritos com base em dada teoria, ignorando assim a subjetividade e
a racionalidade da agricultura familiar.
Ainda que muitas propostas dos assentados fossem contempladas no PDA, as
verdadeiras condições para que se materializassem não foram dadas. Esse
documento passa a configurar apenas como uma carta de intenções, que tem como
finalidade cumprir uma exigência legal. Aqui tamm pode-se afirmar que contribuiu
para isso a falta de experiência das famílias na condução das atividades de forma
coletiva, além do desconhecimento sobre o cultivo de commodities, da dificuldade de
adaptação a uma tecnologia que não foi pensada e tampouco adaptada para a
agricultura familiar, da ausência de assistência técnica e de muitas outras
dificuldades que estaremos relatando oportunamente.
111
Para os empresários rurais e agroindustriais, um assentamento modelo é aquele que
realiza parcerias com o agronegócio. para os assentados, essa parceria
representa a completa submissão das famílias, quer trabalhando como mão de obra
barata, quer, sobretudo, entregando seus lotes em arrendamento para o cultivo da
soja, do milho e de outros produtos de interesse das grandes empresas.
O arrendamento de áreas em assentamento é uma prática ilegal, que foge dos
propósitos da reforma agrária, pois o que se espera com a criação de um
assentamento de trabalhadores rurais é que o acesso à terra lhes dê condições de
se reproduzir socialmente, obtendo o sustento a partir da exploração direta do lote
recebido, através do trabalho familiar, e não que vivam da renda da terra.
No caso do Assentamento Itamarati, os pivôs são importantes vetores a impulsionar
esse tipo de prática, inclusive com a anuência do próprio INCRA que orienta os
assentados a o declararem que arrendam suas terras e sim, que estabelecem
parcerias com produtores de soja e milho da região, não incorrendo assim em
nenhum ato ilegal.
Do ponto de vista dos movimentos sociais no campo, em especial do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, um assentamento modelo é aquele criado e
organizado em bases e valores alternativos ao modelo econômico capitalista,
constituindo um exemplo de resistência na luta pela reforma agrária, em que seus
fundamentos tenham sido estabelecidos ainda durante a fase de acampamento,
onde se materializa a vontade soberana das famílias, abalizados em experiências
concretas e passíveis de serem implementadas.
Apesar da influência exercida pelos movimentos sociais junto à Superintendência do
INCRA sul-mato-grossense na escolha do modelo de gestão do Assentamento
Itamarati, não se realizou, quando as famílias ainda estavam no acampamento, uma
discussão aprofundada acerca da melhor utilização da área, do aproveitamento de
todas as suas potencialidades, ou de como adaptar para a racionalidade da
agricultura familiar toda aquela tecnologia planejada para um modelo empresarial.
O MST realizou oficinas (laboratórios) com as famílias que integravam o seu grupo,
já nas dependências do Assentamento, quando ainda estavam sendo realizados os
trabalhos de demarcação dos lotes, o que de certa forma enquadraria o Itamarati
112
nessa concepção de modelo. Porém, essa afirmação não se sustenta em virtude de
o Assentamento ser composto por quatro diferentes organizações de trabalhadores
(e não movimentos sociais) - Associação dos Moradores e Funcionários da Fazenda
Itamarati (AMFFI), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Federação dos
Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) e Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) - Mapa 7 - , não tendo as outras três empregado a mesma prática.
Além disso, consideramos que as oficinas realizadas pelo MST não tiveram o
mesmo efeito psicológico que teriam se tivessem sido realizadas durante a fase de
acampamento fora das dependências da antiga fazenda.
Nos discursos, no início do primeiro mandato do governo Lula, apregoava-se que os
assentamentos seriam administrados sob um sistema inédito, com um conselho de
gestão tripartite envolvendo os governos federal e estadual e os assentados (em
visita ao Assentamento Itamarati o Presidente Lula anunciou uma proposta de
conselho nestes moldes para o mesmo Fotos 5 e 6 ), os quais poderiam ainda
manter parcerias com organizações não governamentais. Haveria tamm maras
técnicas de gestão para áreas específicas: geração de renda, inovações e
comercialização, gestão ambiental, qualidade de vida, direitos sociais e
infraestrutura.
Foto 5 - Presidente Lula ao lado do Ex-Governador
Zeca do PT “pilotando” uma colheitadeira de milho no
assentamento Itamarati
Autor: Edmondo Tazza
Foto 6 - Presidente Lula e Zeca do PT acompanhando a
colheita de milho no Assentamento Itamarati
Autor: Edmondo Tazza
113
Mapa 7 – Territórios destinados às organizações dos trabalhadores do Assentamento Itamarati
114
As ações envidadas para a implementação desse modelo ainda são muito
insignificantes, muitas propostas ficaram apenas nos discursos. As famílias
assentadas, a despeito do acesso às linhas de crédito e aos financiamentos,
encontram-se completamente endividadas, sem qualquer apoio técnico, sofrendo
todo tipo de exploração, desde a de sua mão de obra barata, até o arrendamento de
seus lotes para atividades monocultoras.
No caso do Assentamento Itamarati, pelas condições que lhe foram impostas ou
pelo completo abandono a que estão relegadas, a saída encontrada pelas famílias
para amenizar suas dificuldades foi o arrendamento das áreas irrigadas com os
pivôs.
Por tudo o que elencamos até aqui, fica difícil admitir o Assentamento Itamarati
como um empreendimento modelo. Não bastasse a complexidade que o envolve,
faltou um engajamento de fato por parte daqueles que deveriam fazê-lo se tornar
realidade. O que se evidencia é a maneira irresponsável com que o destino de
milhares de pessoas foi tratado, ainda que seja verdade estarem algumas famílias
hoje em condição muito melhor do que se encontravam no momento anterior ao
assentamento. Todavia, muito mais pessoas poderiam ter alcançado o mesmo êxito,
muito sacrifício poderia ter sido evitado.
A partir da constituição do Assentamento como unidade territorial e administrativa,
de certa forma ele passou a ser referência, não em virtude das características
apresentadas pelos agentes sociais acima citados, mas porque introduziu
modificações no meio rural local, resultando numa ampliação das demandas de
infraestrutura e em pressão sobre os poderes públicos municipal e federal. A
condição de assentado possibilitou também a essa população, pela primeira vez, o
acesso ao crédito para a produção, ainda que essa integração ao mercado
financeiro esteja marcada por um conjunto significativo de dificuldades.
Nesta perspectiva, Leite, Heredia, Medeiros et al (2004), apontam que:
Os assentamentos não só geram empregos e, de alguma maneira,
aumentam o nível de renda das famílias assentadas, com reflexos na
econômica municipal e regional, como também transformam em
diferentes proporções, as relações sociais e de poder local. Em que
pese a pobreza de diversos assentamentos, é preciso ter em conta a
situação das famílias do período anterior à sua instalação na terra, e
atentar para os projetos com uma possibilidade de reestruturação da
115
própria lógica de reprodução da unidade famíliar (LEITE, HEREDIA,
MEDEIROS et al 2004, p.28).
Por fim, esclarecemos que não estamos nos posicionando contra o princípio do
modelo, mas sim contra a sua imposição e o enquadramento a qualquer situação,
sem a necessária consideração das diferenças e particularidades em cada caso.
Acreditamos que aprender com outras experiências é importante, desde que se crie
uma reflexão acerca das peculiaridades do objeto que se quer enquadrar, e que não
se torne uma simples adoção automática de um formato pré-determinado.
4.2. Os significados da criação do Assentamentos Itamarati
Diante do quadro de uma estrutura fundiária concentrada e das grandes mazelas
sociais oriundas dessa concentração, toda ação no sentido de corrigir esse
panorama e promover uma distribuição democrática de terras no país será bem-
vinda e não deveria causar sobressaltos.
Porém, quando se trata da transformar em assentamento rural uma
fazenda/empresa que foi considerada símbolo ao longo de trinta anos e também a
grande vitrine da agricultura capitalista no Brasil, a empreitada torna-se emblemática
em face da gama de interesses e dos simbologismos que subjazem tal
metamorfose.
Primeiramente é preciso compreender que aquele empreendimento, devido à
antiguidade e à desatualização tecnológica (em média 20 anos) para o padrão atual
do agronegócio, entrou num processo de decadência e tornou-se antieconômico.
Para a lógica empresarial da maximização dos lucros, era imperativo que fosse
submetido a um processo de reformulação. Porém, dada a crise econômica em que
o proprietário mergulhou desde meados da década de 1990, apesar de sua astúcia e
visão empreendedora, é pouco provável que uma modernização do projeto viesse a
se materializar, hipótese que provavelmente tenha sido refutada pelo empresário por
considerá-la inviável. Pouco provável também seria a alternativa de repassar o
empreendimento para outro empresário, numa transação que lhe fosse vantajosa.
116
O processo de decadência da fazenda começou a se evidenciar quando integrantes
de um grupo de cem famílias de sem-terra, que estavam acampadas em uma
chácara da prefeitura de Ponta Porã, ocuparam a propriedade em dezembro de
1998, requerendo sua desaproprião por considerá-la improdutiva. Se o fato de ser
ocupada por sem-terra por si só não é prova do quadro de decadência em que a
fazenda se encontrava, com certeza é um indicativo de que algo não andava muito
bem, pois perante a opinião pública, a empresa gozava do conceito de ser um
exemplo de propriedade altamente produtiva.
Segundo um especialista que trabalhou no processo de restauração dos pivôs, outra
evidência da desatualização tecnológica do empreendimento era o alto consumo de
energia e de água que aqueles equipamentos demandavam. Após a criação do
Assentamento, eles ganharam uma sobrevida de 10 anos depois de terem sido
submetidos a uma reforma patrocinada pelo governo sul-mato-grossense, e mesmo
assim, m apresentando problemas por conta do longo tempo de uso.
Decadente ou não, o fato é que a fazenda foi adquirida pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário, em parceria com o governo sul-mato-grossense, e
transformada em assentamento rural em duas etapas, num processo carregado de
interesses e de simbologismos, os quais tentaremos desvendar a seguir.
4.2.1. Para o Governo Federal
A aquisição da Fazenda Itamarati para fins de reforma agrária ocorre no momento
em que o governo federal formulava uma política explicitamente voltada para a
agricultura familiar, alçando-a ao centro das propostas de desenvolvimento rural. De
certa forma, essa iniciativa tinha também o objetivo de tentar reverter o quadro
politicamente desfavorável em que o governo estava colocado, do ponto de vista da
questão agrária, resultante da ofensiva dos movimentos sociais rurais, especial-
mente do MST, mas também da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), e seu “Grito da Terra”, e da crescente pressão internacional
após os episódios de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás.
117
Além do interesse pela valorização da agricultura familiar - ao menos na retórica -, a
crise vivida pelo setor agropecuário modernizado, que apontava para o esgotamento
do modelo de industrialização concentrada e da agricultura patronal, tamm exigia
uma tomada de decisão. De acordo com o ideário governista daquele momento, a
concentração de riqueza e renda, característica em que se assentava o modelo
agrícola dominante no país durante as últimas décadas, prejudicava o
desenvolvimento econômico, sendo, portanto, necessário romper com essa herança
para superar os obstáculos à retomada do crescimento.
Os pressupostos e fundamentos políticos para o enfrentamento da crise, e que iriam
influenciar na aquisição da fazenda, podem ser encontrados nas propostas do
governo federal para o meio rural, publicadas, em março de 1999, no documento:
Agricultura familiar, reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo
rural, no qual se afirmava pretender inaugurar uma nova etapa no desenvolvimento
rural brasileiro, declarando como objetivo:
[...] promover o desenvolvimento sócio-econômico sustentável, em
vel local e regional, por meio da desconcentração da base
produtiva e da dinamização da vida econômica, social, política e
cultural dos espaços rurais - que compreendem pequenos e médios
centros urbanos -, usando como vetores estratégicos o investimento
em expansão e fortalecimento da agricultura familiar, na
redistribuição dos ativos terra e educação e no estímulo a múltiplas
atividades geradoras de renda no campo, não necessariamente
agrícolas (BRASIL, 1999, p.2).
Do ponto de vista do governo federal, a aquisição da Fazenda Itamarati foi a grande
oportunidade de realizar uma obra marcante no campo da reforma agrária e
responder às críticas de que, a despeito de ser o presidente que mais assentara
famílias no campo até aquele momento da história do país (o que, como relatamos
anteriormente, só se deu, em virtude da grande pressão exercida pelos movimentos
sociais), essa reforma agrária não passava de um arremedo, de simples distribuição
de terra. Afirmava-se que aos beneficiários não eram dadas as condições reais para
que pudessem explorar seus lotes, de forma a garantir não só o seu sustento, como
tamm sua inserção social, tendo em vista as dificuldades de acesso ao crédito, à
tecnologia, à informação, aos canais de distribuição e, sobretudo, em virtude de
muitos assentamentos terem sido implantados em locais de difícil acesso e pobres
em recursos naturais, que demandavam equipamentos e tecnologias dos quais os
assentados não dispunham.
118
Destarte, a transformação da Fazenda Itamarati em assentamento foi oportuna no
sentido de rebater com fortes argumentos e ações as críticas dirigidas à atuação do
governo voltada às reformas sociais, uma vez que estaria disponibilizando aos
assentados, nesta porção do território sul-mato-grossense, o acesso a um lote numa
área bem localizada do ponto de vista logístico, como tamm bem servida de
recursos naturais (solo, água, clima, etc) e portadora de uma poderosa
infraestrutura, responsável pela elevada produtividade da antiga fazenda. Se essa
infraestrutura encontrava-se defasada para o padrão do agronegócio ou inadequada
para a agricultura familiar não estava em pauta.
4.2.2. Para o Governo Estadual
Do ponto de vista do governo estadual, representado, à época, pelo ex-bancário, ex-
sindicalista e militante político do Partido dos Trabalhadores, José Orcírio Miranda
dos Santos, o “Zeca do PT”, em seu segundo ano do primeiro mandato, estabelecer
parceria com o governo federal, visando levar adiante esse projeto, significou a
oportunidade de r em prática as teses defendidas, não só pelo militante político,
como tamm pelo partido de esquerda que tem na reforma agrária a bandeira da
redenção e da inclusão de um grande número de trabalhadores urbanos, vítimas da
histórica estrutura fundiária concentrada e sem acesso à modernização tecnológica.
A implantação do Assentamento seria uma forma de honrar os compromissos
assumidos perante a sociedade sul-mato-grossense, de modo particular com os
movimentos sociais de luta pela terra, num projeto político que defendia a mudança
em todos os setores sociais, sobretudo, na estrutura fundiária estadual.
Não obstante, creditamos às alianças e aos compromissos políticos assumidos com
os movimentos sociais, ainda durante a campanha que levaram o Zeca do PT ao
governo sul-mato-grossense, que redundou na escolha do modelo de gestão
coletiva do Assentamento Itamarati, pois como sabemos, essa forma de
administração vai ao encontro das proposições da CONCRAB - Cooperativas de
Reforma Agrária do Brasil, que veem nas SCA Sociedade Cooperativista dos
Assentados - um modelo superior de organização dos trabalhadores rurais.
119
Diante das dificuldades enfrentadas para a implantação de tal projeto, constatadas
logo no início do mandato do primeiro governo de origem popular nesta unidade da
federação que não foge à regra das demais, historicamente governada/dominada
por uma elite agrário-latifundiária, essa seria a oportunidade também de entrar para
a história como um grande promotor da reforma agrária no Brasil. Por conta das
especificidades do empreendimento, o Assentamento constituiria um modelo a ser
implantado em todo o país, o que de certa forma projetaria nacionalmente a imagem
do político.
4.2.3. Para o ex-proprietário
Entre os elementos que teriam desencadeado o processo falimentar do grupo de
empresas liderado por Olacyr de Moraes em seu projeto megalomaníaco, e que, em
consequência, teriam também motivado a venda da propriedade, estariam
relacionados às dificuldades de honrar o montante das dívidas contraídas junto ao
sistema financeiro, acrescidas a problemas gerenciais e à obsolescência da base
tecnológica instalada trinta anos.
Para o empresário, que foi dono de um dos cinco maiores grupos do país, empregou
mais de 25 mil pessoas, certamente esse não teria sido o destino imaginado para
empreendimento que o projetou no mundo empresarial, mas, diante da conjuntura,
apesar do deságio de se desfazer da propriedade da maneira como fez, não parece
ter sido um mau negócio.
Afinal, instalada a crise econômica, a visão perspicaz do empresário o levou a
avaliar a vantagem de entregar a propriedade para quitar débitos junto ao banco,
certo de que o destino da fazenda seria mesmo tornar-se objeto de reforma agrária.
Essa afirmação pode ser comprovada quando observamos a declaração a ele
atribuída, em reportagem da revista Isto É, em 1996: Temos propostas de venda da
fazenda para grupos estrangeiros, mas preferiria uma solução social [...] até eu
gostaria de ser sem-terra e ser assentado nas Fazendas Itamarati (ISTO É,
12/06/1996).
120
Como se tornou público, posteriormente, a dificuldade econômica na qual
mergulhara o empresário tivera início em 1995, e já no ano seguinte, como podemos
constatar na citação acima, ele avaliava as vantagens de uma provável
comercialização da propriedade para fins de assentamento de trabalhadores rurais e
articulava sua efetivação, contando ainda com a prerrogativa de se tornar um grande
benfeitor da reforma agrária no país, intenções essas que se concretizaram quatro
anos depois.
Essa seria, portanto, uma saída vantajosa encontrada pelo empresário para se livrar
de um empreendimento que se tornara antieconômico, auferindo um lucro
considerável, ao mesmo tempo em que se travestia de promotor da reforma agrária.
Para tanto se valeu da velha, mas sempre presente e infalível, aliança entre os
empresários e as oligarquias políticas por nós relatadas anteriormente.
A própria reportagem da revista desvenda a verdadeira intenção de Olacyr naquele
momento, quando relata:
A partir do Plano Real, o preço das terras caiu muito, enquanto o
endividamento do setor agrícola foi para as alturas. Os TDAs
foram um "mico", porém, desde junho de 1992, quando deixaram de
ser emitidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) e passaram para o Tesouro, ganharam confiabilidade.
Rendem correção monetária e juros de 6% ao ano. Além do
rendimento, os TDAs são aceitos sem deságio no processo de
privatização das empresas estatais (ISTO É, 12/06/1996).
Quando a proposta veio à tona, a Rede Globo, no editorial do Jornal Nacional do dia
6 junho de 2006, recomendou ao governo o máximo de cautela e rigor na análise da
proposta para evitar seu envolvimento em uma “negociata”. O ministro Jungmann,
porém, já havia instalado duas comissões, com representantes do governo e dos
sem-terra, para avaliar o preço da fazenda e a viabilidade econômica da
desapropriação.
Mesmo pressionado pelo crescente número de ocupações, que bateram recorde no
primeiro ano do governo FHC, e ainda que os sem-terra tenham garantido serem
capazes de administrar a propriedade, o ministro declinou da proposta do
empresário, receoso de que a desapropriação de terras se tornasse moda, uma vez
que a bancada ruralista, vendo que a desapropriação da fazenda poderia
representar o triunfo dos sem-terra, ameaçava deflagrar um movimento propondo
121
oferecer suas terras em troca dos TDAs. Como fez o então deputado Nélson
Marquezelli (PTB-SP), produtor de laranjas no interior de São Paulo, que dizia estar
disposto a vender para o INCRA duas de suas 11 propriedades, sob a alegação de
que "como a agricultura só dá prejuízo, é melhor pegar os TDAs e tentar ganhar
dinheiro nas privatizações" (ISTO É, 12/06/1996).
Como podemos ver, a transformação da Fazenda Itamarati em assentamento rural
foi uma ação concebida de maneira planejada, em que os prós e contras foram
devidamente avaliados. Dessa forma a reforma agrária, que em passado recente
fora tão combatida e ridicularizada, considerada desnecessária ou uma utopia da
esquerda revolucionária brasileira, passara, neste caso, a constituir verdadeira
“tábua da salvação” para um representante da elite agrário-conservadora do país.
Não queremos dizer com isso que a transformação da antiga Fazenda Itamarati em
assentamento rural constitui a realização de uma reforma agrária no Brasil,
tampouco que tenha significado a salvação das finanças do senhor Olacyr de
Moraes e do grupo liderado por ele. Quando muito, talvez tenha sido uma solução
honrosa para um império construído às custas de muito trabalho e astúcia do
empresário, é bem verdade, mas, sobretudo, graças aos fartos subsídios fiscais e
facilidades financieras.
4.2.4. Para os Movimentos Sociais
Nos últimos anos, a reforma agrária foi impulsionada por agentes estranhos ao
Estado: os demandantes e excluídos do processo de produção. Inseridos nos
movimentos sociais dos trabalhadores rurais sem-terra, passaram a ter uma atuação
significativa no sentido de pressionar o Estado, imprimindo ritmo e dinâmica às
políticas e ao mecanismo de acesso à terra e ampliando, não só a dimensão das
áreas reformadas, mas a própria compreensão desse processo. Assim, a
organização dos trabalhadores rurais tem produzido novas espacialidades, à
medida que se organizam, ocupam terras e implementam novos projetos de
assentamento.
122
Para os movimentos sociais, com destaque para o MST, a criação do Assentamento,
além de representar mais um passo na direção da conquista da reforma agrária,
assume um significado simbólico muito grande, uma vez que representa um triunfo
da luta histórica contra o agronegócio e pela socialização da terra no país.
A Fazenda Itamarati não representa o agronegócio em si, mas parte dele, e é, ao
mesmo tempo, um ícone da grande lavoura capitalista no Brasil, pois ao longo da
sua existência, em especial na sua fase áurea, mais que um modelo, representou
um laboratório pioneiro para as experiências do agronegócio no país. Obviamente
essa matriz foi altamente combatida pelos movimentos que defendiam a reforma
agrária, por estarem seus responsáveis bem representados em todas as esferas do
governo e, por isso mesmo, serem os principais beneficiários, ao lado dos
industriais, de toda sorte de políticas públicas, das benesses e dos recursos que os
cofres públicos podem proporcionar numa sociedade injusta e desigual como a
brasileira, em detrimento da pequena produção familiar.
Os movimentos sociais veem na criação do Assentamento Itamarati uma excelente
oportunidade para a implantação de um modelo coletivo nos moldes defendidos pelo
MST/Concrab, posto que uma série de fatores convergiam nessa direção: as
relações e afinidades ideológicas com o governo estadual sob a legenda do Partido
dos Trabalhadores, os compromissos firmados durante a campanha eleitoral e,
ainda, a obrigatoriedade de ter que reaproveitar de forma racional um imóvel
portador de infraestrutura pensada e desenvolvida de acordo com a visão da
agricultura capitalista de grande escala, que obviamente impunha limites e restrições
à implantação de lotes individuais, em especial nos locais onde estão instalados os
equipamentos de irrigação (pivôs).
Uma evidência da influência dos movimentos sociais nas diferentes escalas de
governo, principalmente do MST, é o fato de o modelo de gestão coletiva (na
verdade, semicoletivo) ter sido o escolhido. Outro exemplo é a opção pelo modelo
de agrovilas adotado pelo INCRA, para as famílias da AMFFI, que se coaduna com
o ideal preconizado para a implantação de uma Cooperativa de Produção dos
Assentados.
Nos seus estudos sobre assentamentos rurais no Paraná, Brenneisen (2003)
comenta as relações entre o INCRA e os dirigentes do MST:
123
Se a compreensão das relações estabelecidas entre os dirigentes e a
base do MST, nos seus meandros, não é de fácil apreensão, a
postura que tem sido adotada pelo INCRA (ou pelos seus técnicos e
quadro de dirigentes...) torna-se igualmente de difícil entendimento.
[...] esta conduta colaboracionista dos agentes governamentais tem
se estendido das definições quanto às tipologias organizacionais até
as escolhas produtivas (BRENNEISEN, 2003, p. 79-81).
Em Mato Grosso do Sul, no momento da implantação do Assentamento Itamarati,
essas relações eram ainda mais imbricadas, pois além das descritas na citação,
existia uma afinidade muito grande entre os dirigentes do MST e o governo estadual,
tendo em vista os pactos firmados entre o governo de Zeca do PT e os movimentos
sociais.
4.2.5. Para os técnicos e intelectuais
Após a aquisição da área, o desafio que se coloca é satisfazer as ambições e
interesses de pessoas, órgãos e entidades. Depois de escolhida a gestão coletiva
como o “modelo ideal”, novos atores entraram em cena para materializar o projeto,
por isso, foi convocado um grupo de intelectuais e tecnocratas que deveria assumir
a linha de frente e, munidos de um conjunto de teses e teorias, tomar a dianteira em
suas respectivas áreas e, literalmente, saírem a campo a fim aplicar seus
conhecimentos a serviço da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e do
governo estadual de Mato Grosso do Sul.
Participaram dessa empreitada a Fundação Cândido Rondon/Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul e o IDATERRA, capitaneados pelo INCRA, que iniciaram os
trabalhos, primeiro, na escolha daqueles que estariam aptos a serem contemplados
com um lote, depois, na elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento
e, sobretudo, na minuciosa tarefa de orientar/convencer os assentados sobre a
forma de gerir seus lotes, uma vez que a escolha pelo modelo coletivo já havia sido
feita nos bastidores e gabinetes.
É inegável que o trabalho realizado por tais profissionais tenha sido extremamente
relevante e indispensável, pois além de cumprirem com as formalidades legais,
organizaram os atos iniciais no Assentamento e ainda traçaram diretrizes para que
os encaminhamentos futuros fossem efetivados da forma mais racional possível.
124
Mas é aí que identificamos o calcanhar de Aquilesdesses trabalhos, pois, apesar
da recorrente preocupação em assegurar a participação dos assentados em todas
as etapas da elaboração e implantação do projeto, e em buscar a todo momento
esclarecê-los da importância de determinadas escolhas, das alternativas que se lhes
apresentavam, das implicações decorrentes de optarem por esta ou aquela decisão,
mas muitas vezes tais participações eram realizadas mais para referendar escolhas
feitas previamente pelo corpo técnico.
Diante da dificuldade de encontrar uma teoria que contemple todas as
subjetividades, ainda mais em se tratando de um projeto com as dimensões e
especificidades deste em pauta, a opção por uma determinada teoria aumenta as
chances de se cometerem equívocos, pois no Assentamento convivem pessoas com
distintas histórias de vida e valores, unidas muitas vezes apenas pelo desejo de
acesso à terra.
Carvalho (1999) afirma que, nos assentamentos, encontram-se grupos sociais com
comportamentos distintos, marcados por uma identidade social construída na sua
trajetória de vida. No processo de constituição do Assentamento, esses grupos com
perspectivas diferentes, encontraram-se numa interação social face a face,
independentemente das suas vontades. Isso não significa necessariamente que, ao
interagirem, eles tenham sido ou seriam desarticulados, tendendo para um processo
de homogeneização social, simplesmente pelo fato de compartilharem agora a
mesma área.
As motivações que aproximaram essas diferentes pessoas para a constituição do
movimento social foram diversas, assim como eram seus anseios, ao serem
assentados, e suas afinidades com as atividades agrícolas. Do mesmo modo é
complexa a percepção que detêm sobre a coletividade e sobre o próprio movimento
social que constituem.
No dia a dia, as diferenças entre as pessoas, bem como as práticas de produção e
consumo com as quais elas têm mais afinidades vão se manifestando. O essencial
nesses momentos é não esconder os conflitos internos, mas dialogar com eles, com
o objetivo de buscar novas possibilidades e construir um projeto de desenvolvimento
de produção e consumo coerente com os valores, anseios e meios das famílias
assentadas.
125
4.2.6. Para a sociedade
A notícia da transformação da Fazenda Itamarati em assentamento rural provocou
um intenso debate envolvendo não somente as parcelas da sociedade sul-mato-
grossense direta ou indiretamente afetadas, como tamm outros sul-mato-
grossenses e brasileiros que apenas acompanha os desdobramentos da luta pela
terra em todo o país, posicionarem-se e manifestar sua opinião sobre o evento em
questão.
De um lado, estavam aqueles que, com diversas justificativas, condenavam a
medida, um grupo composto por pessoas extremamente conservadoras que
consideravam desnecessária a realização de uma reforma agrária, que não viam e
nem veem a criação de assentamentos como uma alternativa para corrigir injustiças
sociais, como forma de gerar emprego e renda, nem como uma importante maneira
de dar ou mesmo devolver a dignidade a muitas famílias socialmente excluídas.
Para elas, a transformação da Fazenda Itamarati em assentamento de trabalhadores
rurais era uma atitude excêntrica, uma obra de políticos de esquerda (lembrando
que, à época, Mato Grosso do Sul era governado pelo Zeca do PT), e consideravam
um desperdício destinar todo aquele “valiosopatrimônio
24
Para esses conservadores, aqueles que se denominavam agricultores familiares,
eram em sua grande maioria sujeitos oriundos do meio urbano e sem qualquer
tradição e/ou habilidade no trato com a terra, sobretudo, numa área moldada pelo e
para o agronegócio. E, ainda, sem anima qualificação necessária para dar
continuidade às práticas agrícolas que até então estavam sendo desenvolvidas na
propriedade, ou para implantarem outra forma de exploração racional da área, que
pudesse subverter o modelo desenvolvido até então, com capacidade de
aproveitamento de todo o potencial viabilizado pelo aparato tecnológico de que a
propriedade dispunha.
aos novos gestores
beneficiários da reforma agrária, que certamente não saberiam utilizá-lo.
Consideravam que com a criação do assentamento estava sendo decretado o fim de
um empreendimento que marcara o processo de modernização da agricultura tanto
24
Desconheciam ou simplesmente desprezavam o fato de que, em grande parte, aquela tecnologia
se encontrava ultrapassada, cuja atualização demandava um valor muito elevado, o que a nosso ver
não era viável e por certo não estava nos planos do ex-proprietário.
126
no estado como no país. Na visão dessa parcela da sociedade, a instalação de um
assentamento de trabalhadores rurais na área era sinônimo de retrocesso,
atribuindo-lhe a responsabilidade pela decadência de um projeto que reputavam
exitoso. Ou seja, não viam ou se recusavam a ver que o empreendimento já estava
decadente
25
Com visões e posição ideológicas diferentes, mas igualmente discordando da
medida, estava a parcela da sociedade que defende a reforma agrária - na qual nos
incluíamos - e que acredita na criação de assentamentos rurais como uma das
formas de viabilizá-la no país. A posição contrária à criação do Assentamento
Itamarati por parte dessas pessoas, porém, ainda que acreditem que os
trabalhadores rurais merecessem ter acesso a uma área bem localizada, com boas
condições naturais e com recursos modernos, deve-se à maneira vil e maniqueísta
como o empreendimento estava sendo implantado e, também, utilizado pelas
diferentes esferas de governo de forma politiqueira, populista, oportunista e mal
intencionada. Para elas, a intenção do projeto era muito mais escamotear algumas
práticas do governo e ajudar os ex-proprietários, do que propriamente incluir uma
importante parcela marginalizada da população.
e que sua transformação em assentamento rural fora para ele uma
saída “honrosa” e “digna”.
Do outro lado estavam aqueles que se colocavam a favor, que acreditavam que a
criação do Assentamento representava um estágio avançado na história da política
agrária brasileira, um momento ímpar, em que se abria um importante precedente
em direção à correção da estrutura fundiária injusta e desigual do país, configurando
uma oportunidade histórica para dar início a uma verdadeira e justa reforma agrária.
Para eles, o Assentamento Itamarati, além de promover a distribuição de terra, pela
primeira vez possibilitaria às famílias que fossem contempladas com um lote, terem
acesso a uma área muito diferente daquelas disponibilizadas até então nos demais
assentamentos rurais criados em todo o país, ou seja, um território bem localizado,
portador de uma infraestrutura moderna, altamente produtiva, e que lhes permitiria
uma inserção competitiva no mercado.
25
Prova disso é que a primeira parte da fazenda, que se transformou no Assentamento Itamarati I,
não foi adquirida diretamente do ex-proprietário, e sim, do Banco Itaú.
127
Partilhavam a ideia de que, talvez essa fosse a primeira vez em toda a história da
reforma agrária brasileira que as famílias, ao serem assentadas, teriam à sua
disposição uma área bem localizada, com solos férteis, dotada de recursos
tecnológicos que, a despeito de apresentarem certo grau de obsolescência para o
padrão da grande lavoura capitalista, poderiam, em certa medida e após alguns
ajustes, serem reaproveitados e readaptados para o padrão da agricultura familiar.
Desse conjunto da sociedade que se posicionava a favor da transformação da
Fazenda Itamarati em assentamento rural faziam parte pessoas ingênuas (futuros
assentados ou não), crentes que bastava às famílias tomarem posse dos seus
respectivos lotes e darem continuidade à maneira como a área era explorada até
então, para iniciarem uma nova e promissora fase de suas vidas.
Havia tamm aqueles que estavam conscientes das muitas dificuldades que as
famílias teriam que enfrentar, seja pela dificuldade de adaptação dos recursos
técnicos pensados pelo/para outro padrão de produção, seja pelo enquadramento de
um grande contingente de famílias com origens e experiências diversas ao modelo
de gestão proposto pelo INCRA, ou ainda uma imensa gama de outros problemas
que viria à tona com o projeto em andamento. Estes, ou ignoravam completamente
as verdadeiras intenções que subjaziam a crião do projeto, ou para eles não
importavam os meios, o que valia mesmo era a oportunidade de garantir o acesso
das famílias a um lote de terra e, consequentemente, promover a desconcentração
da propriedade da terra a qualquer custo.
As representações que cada lado do debate criou sobre a questão exigiriam uma
delimitação mais precisa de interesses que só no presente podem ser observadas.
Não se destinou a terra produtiva a desqualificados e nem se carreou para as
famílias todos os benefícios pensados. O efeito mais positivo foi herdado pelos
donos do empreendimento falido, que se recapitalizaram com a compra da terra pelo
governo.
Avaliar discursos e polêmicas sobre essa experiência serve para alertar a sociedade
sobre a existência, em oportunidades de tamanha controvérsia, de cortinas de
fumaça suspeitosamente erigidas no momento que se criam falsos debates e
expectativas ingênuas sobre o que exige um assentamento humano em área rural.
128
4.2.7. Para as famílias candidatas a um lote
Os esperançosos chefes de família, depois de muita luta e sofrimento, ou embaixo
da lona dos acampamentos ao longo das rodovias, ou nas áreas ocupadas, oriundos
da zona rural ou urbana; com experiência ou não de trabalho no campo; sul-mato-
grossenses ou egressos de outros estados brasileiros, e até mesmo do Paraguai;
com ou sem experiência de enfrentamentos nas lutas e conflitos pela posse da terra;
portando ou não alguns recursos; militantes ou não dos movimentos sociais;
conhecedores ou não das agruras a que estão submetidos os trabalhadores rurais
no país; arrebanhados pelos sindicatos de trabalhadores rurais ou simplesmente
cidadãos pobres, cansados, despossuídos e desiludidos que se engajavam como
voluntários em algum sindicado ou movimento social e viam nessa opção uma última
esperança de conseguir um pouco de dignidade, respeito e condições materiais para
suprir as necessidades básicas de suas famílias; aventureiros; enfim, essa enorme
diversidade de brasileiros compunham o quadro dos aspirantes a receberem um lote
no Assentamento Itamarati.
Qualquer que fosse o perfil do candidato, todos tinham em comum o desejo de ser
contemplado com uma pequena porção do território que outrora pertencera à “Meca
Sagrada” do agronegócio brasileiro
26
26
Esta analogia à cidade sagrada de Meca, a qual milhares de peregrinos muçulmanos têm por
obrigação, visitar pelo menos uma vez da vida, remete à ideia de que a fazenda Itamarati era
constantemente visitada por aqueles que desejassem ingressar no ramo da grande lavoura
capitalista, uma vez que acabou por constituir modelo e, ao mesmo tempo, em um laboratório para as
novas experiências do setor.
. Coube-lhes, além de obviamente orar para ser
um dos beneficiados, comprovar estar apto a ser agraciado com tal dádiva, através
de um processo seletivo classificatório. Oficialmente, quem seleciona as famílias de
agricultores é o INCRA, a agência governamental responsável pela instalação do
assentamento, com base em critérios técnicos pré-estabelecidos e após a emissão
de posse da área. No caso do Assentamento Itamarati, em função da parceria entre
o governo federal e o estadual, o processo seletivo foi desenvolvido em conjunto
pelo INCRA e o IDATERRA (atual AGRAER), a partir de uma pré-seleção realizada
pelas organizações dos trabalhadores. Entre outras exigências, era preciso provar
que o candidato era ou havia sido trabalhador rural, não era servidor público, não
possuía empresa ou firma registrada em seu nome ou da esposa e não estar
envolvido em nenhuma ação judicial.
129
Cumprindo tais exigências, agora era esperar, em um futuro próximo, tomar posse
da porção do território a que fazia jus, e começar a transformar em realidade o
sonho acalentado de ter um pedaço de chão, de onde, com o suor do próprio rosto e
com o árduo esforço diário - e não menos compensador e prazeroso - de toda a
família, poderia agora em definitivo, e dignamente, prover o sustento e garantir o
futuro de cada membro familiar. Essa esperança de progresso e desenvolvimento
torna-se mais real quando acrescida da expectativa de, ao ser contemplado com um
lote nessa área, estaria tamm tomando posse da imponente infraestrutura que
pertencera ao grupo capitaneado por Olacyr de Moraes, e garantira-lhe, ao longo
dos últimos trinta anos, um invejável índice de produtividade.
Muitos foram levados a acreditar que em breve, após as primeiras safras, já estariam
recebendo um montante considerável que lhes possibilitaria a aquisição de
automóveis e outros bens materiais, como se observa na fala da senhora Bádia
Cavalheiro
27
O pessoal nos dizia que estaríamos recebendo em cada safra uma
média de R$ 7.000,00 reais, que já na primeira safra nós poderíamos
comprar carros, que plantar soja em baixo do pivô não dá perda, que
o lucro era certo. [...] eu fiquei cheia de esperança e dizia graças a
Deus, chegou a minha vez... (BÁDIA CAVALHEIRO).
, assentada pela FETAGRI:
Outros, com mais experiência, sabiam que não seria nada romântica a luta que
teriam pela frente e que, apesar da esperança que tinham no futuro, ele não seria
assim tão fácil e exitoso, como algumas pessoas queriam lhes fazer acreditar.
Embora soubessem que agora teriam facilidade para acessar muitas coisas com que
jamais ousaram sonhar antes de serem assentados, como por exemplo, linhas de
crédito e financiamentos, não ignoravam as responsabilidades que isso implicava.
Uma amostra dessa consciência é demonstrada no trecho que reproduzimos da fala
do senhor Raimundo Monteiro
28
As promessas eram muitas e absurdas, nunca acreditei naquelas
ilusões, sempre soube que se eu queria conquistar algo na vida, isto
teria que ser com muito sofrimento... até chegar aqui o sofrimento
foi grande, e sabia que a batalha só estava começando... [...] tomei
um susto quando vi que não havia nem uma árvore, onde não era
pastagem era área de lavoura, sabia que para criar meus animais e
plantar o meu arroz e feijão, eu e minha família iríamos passar por
poucas e boas... (RAIMUNDO MONTEIRO).
, assentado pelo MST:
27
Bádia Cavalheiro, 53 anos, assentada pela FETAGRI, no lote 170, do Grupo Flora da Terra 2.
28
Raimundo Monteiro da Silva, 58 anos, assentado pelo MST, no lote 16, do Grupo 13.
130
Antes mesmo de tomarem posse dos seus respectivos lotes, os assentados foram
informados que deveriam se reunir em grupos de aproximadamente vinte famílias,
utilizando como critério único o pouco conhecimento que tinham entre si.
Os grupos familiares que haviam ficado por certo tempo nos acampamentos,
desfrutavam uma convivência maior, e não tiveram muita dificuldade para formarem
seus grupos, porém, para outras famílias não foi tão fácil, sobretudo, aquelas que
foram arrebanhadas de última hora ou integravam organizações de trabalhadores
que não exigem a permanência no acampamento. Mesmo o conhecimento anterior
entre as famílias não era garantia de constituição de grupos sólidos para,
posteriormente, desenvolverem as atividades coletivas que lhes estavam sendo
imposta.
Como asseguramos anteriormente, a opção pela forma de organização e gestão
coletiva do Assentamento havia sido feita pela Superintendência do INCRA sul-
mato-grossense, com a anuência, e até por pressão, do governo estadual, bem
como dos dirigentes de organizações de trabalhadores. Além de ter sido decidida
por essas instâncias, a medida foi tamm referendada pelos técnicos responsáveis
pelos estudos de viabilidade para a implantação do Assentamento, os quais, por
conta das especificidades da área, elegeram esse modelo como o mais adequado,
sem considerar as características das famílias a serem contempladas e a
probabilidade de fracasso.
Portanto, não havia espaço para questionamentos, e aos assentados competia
aceitar a posse nas condições que lhes eram impostas, mesmo contra sua vontade;
ou apostar na sorte e aguardar nova oportunidade para ser instalado em outro
assentamento, nas condições que lhes parecessem mais adequadas.
Enfim, de bom grado ou não, as famílias tiveram que se sujeitar e aceitar o modelo
coletivo. Os encontros e desencontros, os acertos e desacertos, as vitórias e as
derrotas, as realizações e frustrações advindas das opções e/ou imposições feitas
pelos diferentes atores sociais dessa empreitada é o que estaremos identificando e
analisando nas páginas seguintes.
131
4.3. Práticas de recrutamento de famílias e formas de organização dos
acampamentos das diferentes entidades
Acreditamos ser pertinente, neste tópico, (re)lembrar que a dificuldade de
organização do Assentamento Itamarati vai além das dimensões da área, do número
de famílias envolvidas, da infraestrutura herdada da antiga fazenda, da forma de
exploração pretendida pelos agentes responsáveis pela sua implantação e das
pretensões modelares de seus idealizadores. A soma desses fatores, acrescida de
outros, vai compor um cenário muito complexo, no qual as chances de êxito desse
empreendimento passam pela compreensão de que toda e qualquer intervenção das
políticas públicas deve, antes de tudo, levar em consideração que estão sendo
direcionadas a um conjunto de famílias muito amplo e heterogêneo, desde sua
origem. Do contrário, tais ações serão inócuas e ineficientes, como foram as
tentativas de criação de órgãos gestores com autonomia e abrangência,
homogeneizando todo o Assentamento, resultando em perda de tempo, dinheiro e,
sobretudo, frustrando as expectativas de toda uma comunidade que passa a
questionar a competência do poder público na resolução de seus problemas, ou
mesmo se para eles existem soluções.
Por isso, é preciso considerar as diferentes origens das famílias, como tamm suas
características e formas de organização anteriores ao assentamento, uma vez que
são egressas de nichos sociais diversos, com distintas bandeiras político-ideológicas
e organizadas por diferentes e divergentes entidades de luta pela terra, neste caso,
a CUT, a FETAGRI e o MST
29
Dentre essas três entidades, que organizaram as famílias a serem assentadas na
Itamarati, a FETAGRI é a menos rigorosa no controle dos grupos acampados sob
sua bandeira, uma vez que não exige dos trabalhadores experiência de trabalho no
campo e nem exerce qualquer pressão para que as famílias residam em seus
barracos dentro do acampamento. As famílias que buscam os acampamentos da
FETAGRI com o objetivo de tornarem-se assentados, geralmente o fazem por
intermédio de um Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) afiliado a essa entidade,
e não precisam passar por nenhum tipo de seleção ou, quando alguns critérios são
.
29
Para melhor compreensão das diferentes formas e conteúdos que subjazem nessas entidades que
atuam organizando as famílias de sem-terra no Brasil, sugerimos a leitura de ALMEIDA (2003).
132
considerados, não possuem o mesmo rigor de outras entidades que exigem dos
candidatos, por exemplo, comprovar seu vínculo com as atividades ligadas ao
campo. Assim é muito comum encontrar, nos assentamentos organizados pela
FETAGRI, pessoas que só exerceram atividades urbanas.
Talvez essa seja a explicação para que o maior número de famílias assentadas na
Itamarati pertença a essa entidade (395 famílias), assim como também ocorre em
outros assentamentos em Mato Grosso do Sul, o que, segundo seus dirigentes, é
suficiente para pleitear a organização dos assentamentos, como confirma Almeida
(2003):
Em relação à coordenação da luta pela terra no Mato Grosso do Sul,
[...] destaca-se a FETAGRI em termos quantitativos, [...] já que, para
esta, ter famílias filiadas ao STR já configura legitimidade para
atribuir a si a coordenação do assentamento. (ALMEIDA 2003, p.
127).
Ao receberem autorização dos sindicatos para tornarem-se acampadas pela
entidade, as famílias se dirigem ao coordenador do acampamento, a quem deverão
estar subordinados, e que as libera para construírem seus barracos. Essa prática de
recrutamento das famílias nos acampamentos coordenados pela FETAGRI pode ser
avaliada através do depoimento do Sr. Milades Brizoeña
30
Eu recebia no acampamento quem tinha uma ordem do sindicato
para acampar, poderia ser qualquer trabalhador, índio, agregado, e
não era pré-requisito que eles fossem filiados ou contribuintes do
sindicato. (MILCÍADES BRIZOEÑA).
, que foi o coordenador
geral do acampamento onde foram recebidas as famílias que seriam assentadas na
Itamarati:
Observa-se no depoimento de uma ex-liderança de acampamento da FETAGRI,
existe uma relação direta e de subordinação entre o acampamento e o STR, ao qual
o coordenador devia obediência, não havendo nenhuma menção às ordens
recebidas da Federação.
Diferentemente do que narra o Sr. Levino
31
30
O Sr. Milcíades Brizoeña liderou, pela Fetagri, um acampamento constituído de 354 famílias que
objetivavam ser assentadas na Fazenda Itamarati.
, que foi coordenador de um
assentamento no município de Rio Brilhante e assumiu, posteriormente, a
31
Levino Zanata, 39 anos, é assentado no Itamarati pela CUT, no Grupo Segredo; foi acampado e
um dos líderes do acampamento em Rio Brilhante, por quatro anos e meio.
133
coordenação geral do grande acampamento que recebeu todas as famílias ligadas à
CUT, dentro da Itamarati, antes de serem assentados.
No nosso acampamento não aceitávamos pessoas da cidade que
não tinham o hábito, profissão ligada ao campo. Fazíamos uma
avaliação se ele tinha algum vínculo com a agricultura. [...] o
sindicato só fazia o trabalho de base, com o pessoal que era filiado à
agricultura e encaminhava para o acampamento. A seleção inicial era
do sindicato, mas os STRs não podem ser muito criteriosos e ser
levados em consideração porque eles abrangem todas as classes de
trabalho. Daí a seleção dos ligados ao trabalho no campo era no
acampamento, mesmo que ele tivesse passado no sindicato e
tivesse com autorização, poderia ser barrado (LEVINO ZANATA).
Enquanto na FETAGRI a única exigência é que o pretendente ao acampamento
fosse trabalhador, e o coordenador do acampamento obedecia a ordens do
sindicato, na CUT era necessário comprovar o vínculo com as atividades ligadas ao
campo, e os candidatos, mesmo sendo indicados pelo sindicato, poderiam ser
barrados. Tal como na FETAGRI, o MST não exige que a pessoa que pretende
ingressar em seus acampamentos tem ou teve alguma experiência de trabalho no
campo, porém, as semelhanças param por aí. O Movimento é setorizado (setores de
saúde, alimentação, educação, etc), e o setor de frente de massas é quem se
encarrega de recrutar famílias que queiram ingressar na luta pela terra.
Em,virtude da localização geográfica, em Mato Grosso do Sul, os militantes que
fazem parte desse setor, além de percorrer a periferia das cidades, adentram os
municípios localizados na faixa de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, em busca de
brasileiros que estejam passando por dificuldades e queiram retornar ao Brasil com
a possibilidade de terem seu próprio lote de terra usando como via de acesso os
acampamentos do MST.
No caso do Assentamento
Itamarati, não encontramos
nenhuma família oriunda da
Bolívia, mas o número de
brasileiros que residiam no
Paraguai (os brasiguaios) é
muito grande, como podemos
visualizar no Gráfico 4.
Gráfico 4 - Local anterior de moradia das famílias
Fonte: Pesquisa de Campo
Org.: Ademir Terra
134
4.4. Organização e controle das famílias acampadas
Ao estabelecer sua forma de organização, as entidades representativas dos
trabalhadores constroem o seu próprio espaço. E esse espaço social possui
múltiplos significados que podem ser apreendidos por sua dimensionalidade.
De acordo com Fernandes (1999):
O espaço social é produzido pela sociedade, que nele se reproduz,
nos diversos níveis de relações sociais e, assim, se desenvolve por
meio da política, da economia e da cultura etc. [...] e se concretiza
em lugares sociais, construídos/conquistados na interão do
movimento tempo/espaço, em que são geradas as formas de
organização dos movimentos sociais, que se desenvolvem nas ações
reveladas pelas ocupações de terra. São essas ações que levam à
conquista de frações do território (FERNANDES, 1999, p. 22).
Assim, o espaço social é visto como realidade produzida pelas relações sociais
entre as classes e o lugar social, onde se desenvolvem as experiências que
constroem as organizações dos trabalhadores. Esse processo cria e recria a
possibilidade da conquista de uma porção de terra que viabiliza o processo de
territorialização da própria luta (FERNANDES, 1999). Para Raffestin (1993, p.59), “o
território é um trunfo particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao
mesmo tempo. O território é o espaço político por excelência, o campo da ação dos
trunfos.
O assentamento, como um território conquistado, constitui uma nova coletividade
marcada pela confluência tanto das trajetórias individuais dos atores sociais, como
de suas entidades representativas. Os vários grupos que compõem cada
organização de trabalhadores, ao se territorializarem no Assentamento Itamarati,
imprimiram àquele território as características adquiridas em seu processo histórico,
bem como as forjadas na luta pela conquista da terra, consoante ao pensamento de
Haesbaert (2004b, p.235), que define o território ou os processos de territorialização
como “fruto da interação entre relações sociais e controle de/pelo espaço, relações
de poder em sentido amplo, ao mesmo tempo de forma mais concreta (dominação)
e mais simbólica (um tipo de apropriação)”.
Nessa perspectiva, a identidade territorial, para Haesbaert (2004b), deve ser
analisada de forma integradora, ou seja, levando em consideração as dimensões
135
simbólica, cultural, material, econômica, política, social e histórica. Ainda segundo o
autor (p.79), “o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas
relações de poder, do poder mais material das relações econômicopolíticas ao poder
mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural”.
Assim, para que possamos compreender as diferenças na atuação das entidades
organizativas após a sua territorialização no Assentamento Itamarati, é preciso
investigar a formas diversas de organização e controle das famílias, assumidas por
elas.
Os trabalhadores alinhados à FETAGRI não precisam residir no acampamento,
podendo continuar exercendo livremente as atividades com as quais ainda mantêm
vínculos. As únicas exigências são manter alguém responsável por seus barracos e
comparecer nos acampamentos com certa regularidade, para participar das reuniões
que acontecem dentro de uma periodicidade combinada entre as famílias, quando
podem se inteirar dos fatos relacionados à possibilidade de serem assentadas. Os
barracos são, geralmente, identificados com um número, e muitas vezes as famílias
são identificadas apenas pelo número de seus barracos. “Eu tinha a anotação de
354 barracos, cada barraco representava uma família” (MILCÍADES BRIZOEÑA).
Essa organização é confirmada pelo depoimento do senhor José Leovardo, 48 anos,
que por aproximadamente um ano e meio fez parte do acampamento às margens do
Rio Dourados, no qual as famílias aguardavam a realização dos trabalhos
necessários à sua entrada no Assentamento Itamarati.
Eu fiquei acampado desde janeiro de 2001 até o mês de julho,
quando eu recebi meu lote aqui no Assentamento Itamarati. Neste
acampamento não era igual ao do MST, que eu também fiquei
acampado por seis meses em 1998. Aqui nós podíamos trabalhar e
vir de vez em quando dar uma passada no barraco, geralmente nas
reuniões. Tinha umas pessoas que cuidava do barraco dos outros
que iam trabalhar e cuidar da vida (JOSÉ LEOVARDO).
Nos acampamentos da CUT, as famílias tamm não são obrigadas a morar nos
barracos, todavia, há o entendimento de que, se procuram pelo acampamento, é
porque não têm onde morar, então, seria importante que residissem no
acampamento.
Se um trabalhador que ainda possuía vínculo com alguma fazenda
quisesse acampar, ele não precisava morar no acampamento, mas
136
tinha que participar das reuniões. Se ele estivesse empregado era
melhor ainda, porque sabemos que ele tem vontade de trabalhar, ele
não vai abandonar o emprego dele para aventurar num
acampamento, que pode ficar 4, 5, 10 anos embaixo da lona, ele
precisa montar o barraco e participar das reuniões e das decisões
(LEVINO ZANATA).
A despeito dessa semelhança em relação à obrigatoriedade de permanência nos
acampamentos, no que se refere à dinâmica interna desses agrupamentos, as duas
entidades não possuem o mesmo entendimento. Na CUT, as relações são mais
democráticas, as famílias se organizam para que tudo aconteça de forma a garantir
o bem-estar daquela comunidade, colocando sempre em primeiro lugar os
interesses comuns: “em acampamento onde as famílias são mais participativas
cobram-se mais envolvimento dos acampados, tudo depende da organização do
próprio acampamento” (LEVINO ZANATA). Já no caso da FETAGRI, como não há
uma proximidade tão grande entre as famílias, que só se encontram
esporadicamente nas reuniões, em última instância a palavra é sempre do líder que
somente acata ordens do sindicato ao qual é subordinado: “Eu tinha que ser uma
espécie de xerife, tinha que cuidar de tudo, de quem entrava de quem saía... enfim,
de tudo.” (MILCÍADES BRIZOEÑA).
A escolha das lideranças tamm é outro ponto em que as entidades diferem. Na
FETAGRI, os líderes são escolhidos pelo sindicato, sem que haja uma consulta
prévia às famílias acampadas, até porque eles são poucos. Um exemplo do que
afirmamos nos é dado pelo Sr. Milcíades Brizoeña, ao relatar como assumiu a
liderança das famílias que seriam assentadas na Itamarati:
Nós estávamos distribuindo as cestas básicas, quando o antigo líder
recebeu a notícia que havia saído um lote para ele no Assentamento
Nova Era. Ele me deu a prancheta e disse: “Brizoeña, assume aí
que eu agora sou do Nova Era”. Depois o pessoal do sindicato me
perguntou se eu queria assumir a liderança, eu disse que sim, já que
eu estava morando no acampamento mesmo (MILCÍADES
BRIZOEÑA).
Na CUT, a liderança nasce naturalmente entre os que mais se destacam, que têm
facilidade para se comunicar, que estão mais inteirados dos assuntos pertinentes à
vida do acampamento, e essas pessoas são gradativamente preparadas nos
constantes eventos promovidos pela entidade nas suas diferentes instâncias.
137
A sequência apresentada no Gráfico 5 nos permite avaliar a importância dos STRs
para cada organização de trabalhadores. O maior percentual de resposta afirmativa
dadas pelas famílias assentadas pela FETAGRI no quesito que indaga sobre filiação
ao sindicato é uma evidência de que esse era um pré-requisito para que fossem
assentadas através dessa entidade. Já na CUT, como a influência do sindicato é
menor, o índice daqueles que afirmaram fazer parte da entidade tamm é reduzido,
enquanto que no MST, nenhuma família afirmou estar filiada ao sindicato,
justamente pelo fato de que esta não era uma condição para serem assentadas pelo
movimento.
Gráfico 5 - Percentual de famílias pesquisadas filiadas ao sindicato por organização de trabalhadores
Fonte: Pesquisa de Campo
Org.: Ademir Terra
Quando a questão é a participação no sindicato, o Gráfico 6 nos revela que mesmo
na FETAGRI, onde é maior o número de famílias que afirmam estar filiadas aos
sindicatos, os laços que as unem a eles são efêmeros e circunstanciais, isso porque,
tão logo as famílias são assentadas, os vínculos praticamente deixam de existir.
Algumas famílias, quando inquiridas, afirmam estar sindicalizadas, porém quando se
questiona a participação em suas reuniões, afirmam que depois de assentados
nunca mais participaram, tampouco recolhem qualquer tipo de taxa ao sindicato.
No caso do MST, como vimos anteriormente, tudo é mais complexo, pois não
mantém relação com os STRs e apresenta uma organicidade que as demais
organizações de trabalhadores não possuem.
138
Almeida (2003) compara as diferenças no conceito de organização dos
assentamentos da FETAGRI, da CUT e do MST:
[...] Para o MST estar coordenando o assentamento significa estar
presente nele, seja através de núcleos de produção, grupos
coletivos, cooperativas, associações, o mesmo não se aplica a
FETAGRI, já que, para esta, ter famílias filiadas ao STR configura
legitimidade para atribuir a si a coordenação do assentamento,
principalmente se neste o MST e a CUT estiverem ausentes
(ALMEIDA, 2003, p.127).
Nos últimos anos, o MST vem adotando os chamados “acampamentos abertos”, que
guardam muita semelhança com os da FETAGRI e da CUT, nos quais as famílias só
se reúnem nos finais de semana para tratar de assuntos diversos e para
participarem de cursos. Porém este tipo de acampamento tem a rejeição da maioria
dos militantes, sobretudo dos mais tradicionais, baseados nas seguintes
justificativas: o acampamento fica vulnerável, sem condições de oferecer resistência
em caso de ações de despejo; as famílias têm pouca informação sobre o andamento
dos processos de criação de novos assentamentos; não existe a luta e o poder de
pressão para a realização da reforma agrária; o isolamento das famílias,
principalmente aquelas que não possuem vínculos com o trabalho no campo, que
ficam sem rumo quando assentadas; a desvalorização das conquistas por falta de
luta e de convivência. Por tudo isso, segundo nos informou o Sr. Vandionor
Ferreira
32
32
Vandionor Ferreira Bispo, 57 anos, assentado na Itamarati pelo MST, no Grupo 17, Eldorado dos
Carajás, é militante do MST desde 1984.
, em reunião realizada no Município Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul,
Gráfico 6 - Percentual de participação das famílias pesquisadas em reuniões sindicais por organização
de trabalhadores
Fonte: Pesquisa de Campo
Org.: Ademir Terra
139
nos dias 24 e 25 de março de 2009, o MST decidiu pelo fim desses acampamentos
no estado.
A despeito dos ainda existentes e controversos “acampamentos abertos”, os
agrupamentos do MST possuem uma organicidade que permite um controle rigoroso
de suas famílias. São organizados em núcleos que elegem seus coordenadores
para os setores de finanças, saúde, higiene, alimentação e segurança. O conjunto
desses coordenadores forma a comissão de cada setor, que acompanha a
implementação e o desenvolvimento das tarefas definidas pelo coletivo.
Segundo Gohn (1997), na organização do MST observam-se vários pressupostos
clássicos da esquerda tradicional, destacando-se a necessidade de uma estrutura
orgânica com direção, coordenação, comissões, departamentos e núcleos. A direção
deverá ser constituída pelos melhores quadros e selecionados entre os militantes.
Por isso, dado que as massas, sozinhas, mobilizam-se apenas em função do
imediato e não se organizam politicamente, é grande a responsabilidade dos
dirigentes na condução das lutas. Afirma-se, nos documentos do Movimento, que
“quanto mais a massa se apega aos símbolos, aos líderes, e à organização, mais
ela luta, mais se mobiliza e mais se organiza” (Como organizar a massa, MST, 1991
citado por Gohn, 1997).
Assim, uma vez aceitas nos acampamentos, as famílias terão que discutir a
organização, as diretrizes e os rumos do acampamento, compor um grupo, escolher
seu coordenador, fazer parte de um setor. O Movimento fornece os princípios
básicos que acabam funcionando como um padrão, mas adaptado à realidade de
cada acampamento. Existem as normas gerais para cada setor, como por exemplo
explica a Sra. Ana Carla
33
[...] Quem é da saúde tem que estar preocupado primeiramente com
a saúde alternativa, a última instância é o remédio de farmácia,
primeiro tenta um chá, se não resolver, então vamos tomar o
remédio; a educação deve ser mais voltada para o campo, nossas
crianças lá na escola têm que ajudar a discutir horta... (ANA CARLA).
:
Uma vez estando cientes do regimento, as pessoas têm que cumpri-lo e fazer
cumpri-lo, sob pena de serem advertidas e até expulsas do acampamento.
33
Ana Carla Ferrari é filha de militante, foi militante e atuou no setor de formação do MST; participou
de um grupo que discutia os assentamentos coletivos, o qual deu origem ao Grupo Coletivo Eldorado
dos Carajás, no Assentamento Itamarati, onde está assentada hoje.
140
Esse tipo de relação na organização dos acampamentos que, parcialmente se
transfere para os assentamentos, nos remete às analises de Foucault (1979; 1987;
1988) sobre as microrrelações de poder quando afirma que não existe o poder, mas
relações de poder disseminadas por todo o corpo social. Dele ninguém está imune
ou escapa. Somos todos, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos do exercício do poder.
Para os acampados do MST, residir no acampamento é uma obrigatoriedade, a não
ser em casos excepcionais, decididos pelo conjunto das famílias que o compõem.
Sair para o trabalho é essencial para as famílias, porém não é obrigatório.
Recomenda-se apenas uma rotatividade, para que todos possam ter oportunidade
de trabalhar. Geralmente, limita-se em 40% a quantidade diária de pessoas que
saem com essa finalidade, devendo as demais permanecer nos acampamentos
executando suas atividades internas.
A flexibilização dessas normas, no MST sul-mato-grossense, que deu origem aos
“acampamentos abertos”, talvez possa ser explicada pela mudança política no
executivo estadual, com a saída do governador Zeca do PT. Com a distribuição de
cestas básicas, somadas às do Programa “Fome Zero”, dava condições para que as
famílias permanecessem nos barracos sem a necessidade de trabalhar para manter
seu sustento, situação muito diferente da adotada pelo atual governador sul-mato-
grossense, André Puccineli, conforme relata a Sra. Ana Carla:
Na época do Zeca havia distribuição de cestas para as famílias
carentes incluindo famílias da periferia das cidades e também nos
acampamentos de todos os movimentos. Além das bolsas doadas
pelo governo federal, havia a estadual. Nós mesmos, depois de
assentados, recebemos cestas durante quatro meses. Na minha
avaliação, o governo do Zeca socialmente foi ótimo, nós tínhamos
acesso a várias secretarias do governo, eram pessoas que tinham
nculos com o movimento, pessoas de esquerda. Se tivéssemos um
projeto interessante, íamos a Campo Grande e éramos atendidos.
Hoje, no Governo André, isso não existe mais, as cestas que
entregam para os acampados é do Programa “Fome Zero” (ANA
CARLA).
Contudo, há quem afirme que os métodos utilizados pelo Movimento foram muito
eficientes no passado, e que no contexto atual não são mais necessários e nem tão
eficazes, uma vez que não consegue transferir para o assentamento o mesmo tipo
de relação solidária que se estabelecem nos acampamentos, ou seja, a mesma
solidariedade que aglutina as famílias no acampamento parece ser negada no
141
assentamento. A posse da terra nos assentamentos separa os homens. Assim, a
sociedade igualitária e socialista, tão sonhada pelos movimentos sociais, sobretudo,
pelo o MST, perde-se nos assentamentos devido à forma como as famílias
assentadas organizam a sua base material de produção da vida. Enfim, aquilo que é
uma possibilidade nos acampamentos tende a desaparecer nos assentamentos,
esvaziando-se assim os discursos e muitas práticas que justificavam um maior rigor
nos acampamentos.
Na fase de preparação da luta e de acampamento há uma homogeneização de
interesses entre os trabalhadores rurais, quando o papel dos líderes centra-se nos
aspectos questionadores do modo de produção capitalista que promove a
privatização da terra e não permite que esse espaço seja partilhado por quem nele
trabalha. No entanto, o panorama altera-se quando se passa dessa fase, em que as
famílias estão unidas para conquistarem a terra, para o estágio do assentamento,
em que ocorre a posse individual da terra. Nesse período, quando se negocia o
projeto coletivo, os assentados têm se mostrado apáticos e até resistido às ideias
dos líderes do movimento.
Concordamos com Gohn quando diz que o movimento padece por dificuldades
internas e que a rigidez das diretrizes programáticas nem sempre são facilmente
assimiladas pela massa dos agricultores:
Alguns erros básicos da esquerda ainda são repetidos, como o de
desconsiderar o peso da tradição e dos costumes no meio popular e
tentar implantar práticas novas porque são coletivizantes. [...] A
tensão entre o projeto dos líderes do MST e os projetos dos próprios
trabalhadores revela que o processo de vivência em um
assentamento envolve condições objetivas e subjetivas, dadas tanto
pela conjuntura material/econômica e política como pelo universo
cultural das pessoas de uma região (GOHN, 1997:150).
Busca-se tamm compreender essa mudança de postura nos acampamentos do
MST, pela emergência de novas organizações de luta pela terra, oferecendo às
famílias opções menos rígidas e menos desgastantes que aquelas adotadas pelo
Movimento nas rotinas de seus agrupamentos. Contudo, a despeito do surgimento
dessas novas organizações, o MST é a “principal força propulsora dos processos
sociopolíticos que resultaram na constituição dos assentamentos rurais e seus
impactos” (NAVARRO et. al., 1999, p.27).
142
Constatamos, in loco, que na fase inicial do Assentamento Itamarati, as famílias que
se transferiram diretamente para dentro dele sem que houvessem morado nos
acampamentos, ou aquelas que estiveram pouco tempo acampadas, fossem da
FETAGRI ou não, mas desta entidade em especial, apresentavam uma qualidade de
vida um pouco melhor que a daquelas que ficaram muito tempo acampadas e que
tinham restrições quanto à saída do acampamento para se dedicarem ao trabalho,
como é o caso das que vieram dos acampamentos do MST.
A narrativa das famílias que viveram por longo tempo sob a lona dos acampamentos
é o relato de quem viu o muito pouco que tinham ir gradativamente se perdendo,
como, por exemplo, os móveis, que de tanto ser transportados vão se deteriorando
com o tempo, além de animais e outros bens que precisam ser vendidos; e quando
tomam posse do seu lote, às vezes não possuem sequer uma enxada para começar
a capina, tendo que (re)começar do zero.
Não que estejamos nos posicionando contra o acampamento, que consideramos
necessário em muitas situações, porém o que temos visto empiricamente é que, se
por um lado o sofrimento do tempo de acampado pode fazer com que as pessoas
valorizem ainda mais o pedaço de terra conquistado, dedicando-se a ele com afinco
quando da posse do lote, e que as coisas aprendidas embaixo da lona, na
convivência com as demais famílias e também com os cursos e palestras que
receberam, os fizeram crescer, por outro lado tamm é verdade que muitas
pessoas caem no comodismo, passam a se ver como uma eterna vítima que tem
que sensibilizar os outros e ser sempre mantida por programas assistencialistas, ou
seja, incapazes de reagir diante das dificuldades. Felizmente este segundo grupo é
minoritário e, muitas vezes, são aqueles que acabam se desfazendo dos lotes e
voltando para debaixo da lona novamente, no primeiro sinal de dificuldade e de
exigência de um esforço criativo próprio.
Um exemplo de quem não passou pelas agruras dos acampamentos, mas que viveu
situações, em certas circunstâncias até piores, é o caso dos brasiguaios. Brasileiros
forjados na lida do campo que, sem melhores perspectivas em seu próprio país, se
dirigiram ao Paraguai, onde tiveram que viver por longos anos sem proteção e
amparo legal, muitas vezes trabalhando clandestinamente, tendo por isso, que
passar por situações constrangedoras e desumanas, constantemente ameaçados,
143
escorchados até pelas autoridades paraguaias, enfim, casos de cujo relato a
literatura é farta (ALBUQUERQUE, 2005; ALVES, 1990; BATISTA, 1990; LAINO,
1979; SANTA BÁRBARA, 2005; SPRANDEL, 1992 e 2006).
Ao retornarem ao Brasil, para se estabelecerem como assentados, muitas vezes
trazendo na bagagem os paraguaios naturalizados, e não são poucos os casos no
Itamarati, aqueles trabalhadores veem, no Assentamento, uma possibilidade de
ouro, valorizam os seus lotes e se dedicam com muito afinco a eles, seja por causa
do sofrimento que passaram do outro lado da fronteira, seja pela experiência que
trazem por terem se dedicado a vida toda ao trabalho no campo, na maioria das
vezes em terras alheias. Além disso, sua situação é um pouco diferente da dos
demais porque, no momento que assumiram um lote no Assentamento Itamarati,
alguns possuíam sítios no Paraguai ou moravam como agregados em sítios de
parentes, possuindo bens que podiam ser transportados ou vendidos, o que os
proveria de um montante de recursos para,iniciar o trabalho em seus lotes, sem
depender das facilidades às quais têm direito os assentados da reforma agrária no
Brasil.
4.5. A chegada das famílias no Assentamento Itamarati sob a
coordenação das organizações dos trabalhadores
As famílias levadas ao Assentamento Itamarati sob a coordenação da FETAGRI
foram arrebanhadas pelos STRs, ao longo de aproximadamente dois anos, em
vários municípios sul-mato-grossenses, com destaque para aqueles sindicatos
localizados na faixa de fronteira que, em alguns casos, enviavam emissários para
contatar sitiantes que trabalhavam na lavoura em terras paraguaias. Tendo como
objetivo sua instalação no Assentamento, foram reunidas num acampamento, junto
ao Rio Dourados, nas proximidades da antiga fazenda, sob a responsabilidade de
um coordenador que recebia as determinações do STR de Ponta Porã.
Para o sindicato eram encaminhadas as pessoas que precisavam organizar os
documentos necessários para tomar posse de seus lotes, bem como para receber
orientação e assistência jurídica para o caso de o acampado ter qualquer pendência
com a justiça que pudesse impedir sua instalação no assentamento. Este foi um
144
trabalho bastante árduo, uma vez que para muitas famílias, principalmente as que
vinham do Paraguai, faltava documentação necessária para serem assentadas ou,
em muitos casos, não possuíam documento nenhum.
O Sr. José Leovardo nos aponta quão importante foi a contribuição dos sindicatos na
organização das famílias e na sua habilitação para serem assentadas:
Muita gente que estava no acampamento era como eu, brasileiros
que moraram muito tempo no Paraguai. Muitos não tinham sequer os
documentos, então o sindicato vinha e esclarecia quais documentos
eram necessários, eles falavam que sem aqueles documentos
ninguém conseguiria ser assentado. [...] o próprio sindicato se
encarregava de ajudar os acampados a obterem os seus
documentos (JOSÉ LEOVARDO).
De acordo com o Sr. Milcíades Brizoeña, que foi o coordenador desse
acampamento, os acampados equivaliam ao número de famílias que seriam
assentadas pela FETAGRI na Itamarati. “Eu tinha a anotação de 354 barracos, [...]
só não foram assentadas aquelas pessoas que tinham problemas com a justiça”
(MILCÍADES BRIZOEÑA). Se lembrarmos que 395 famílias foram assentadas por
essa organização sindical, podemos inferir que o acampamento já foi projetado
considerando o número de famílias a serem contempladas no Assentamento.
No caso da CUT, em virtude das reuniões mensais ocorridas em Campo Grande
com as lideranças de todos os acampamentos do estado, o projeto foi amplamente
debatido em todos eles e, por isso mesmo, foi difícil trazer um grande número de
famílias de um acampamento , tendo em vista ainda que a maioria não queria ser
assentada em projetos coletivos.
Assim, vieram famílias de vários acampamentos do estado, com seus grupos
praticamente definidos, sendo poucos os que se formaram depois de sua chegada.
Enquanto aguardavam os trâmites legais para a efetivação do assentamento, o
processo de divisão da área e a demarcação dos seus lotes, formaram um grande
acampamento, dentro da fazenda, nas proximidades da área que seria destinada às
famílias pertencentes à entidade. Com a participação de todos os líderes de grupos
e sob a supervisão do departamento da CUT que se dedica aos assuntos agrários, o
Sr. Levino Zanata foi eleito como coordenador geral e foi assessorado por cinco
líderes de grupos. Todos os assuntos referentes a qualquer um dos grupos da CUT
passavam por uma deliberação da coordenação geral do acampamento.
145
Com o MST, os procedimentos de chegada das famílias seguiram praticamente os
mesmos passos da CUT. As famílias oriundas de diferentes acampamentos de todo
o estado, tinham algum conhecimento do projeto, mas, devido a desistências de
última hora, foram trazidas algumas que compunham acampamentos dos quais não
estava prevista a transferência para o Itamarati, portanto, pessoas que ignoravam
completamente o modelo pré-determinado para ele.
Tal como a CUT, o MST tamm formou um grande acampamento no interior da
própria fazenda, sob a supervisão de sua executiva estadual e das lideranças dos
acampamentos, antes da efetivação dos trabalhos necessários à implantação do
assentamento, e muitos dos próprios acampados auxiliaram os técnicos e
engenheiros no processo de demarcação da área.
Os elementos apresentados neste capítulo, em suma: as pretensões dos gestores
do empreendimento; os múltiplos significados e diferentes interesses e expectativas
dos atores sociais; o grau de complexidade para enquadrar teoricamente o projeto
na própria discussão do que se considera um modelo; as distintas origens e
características das famílias a serem assentadas; o número de entidades de
trabalhadores envolvidas, e cada uma delas com posturas políticas e ideológicas
distintas; as práticas e formas de atuação muito diversas no que se refere ao
recrutamento das famílias para seus quadros; a organização dos acampamentos;
as estratégias de luta para o acesso à terra; o controle das famílias assentadas e as
formas de encaminhá-las para o seu assentamento definitivo nas terras que
pertenceram à Fazenda Itamarati Agropecuária Ltda; enfim, toda essa gama de
elementos já são suficientes para caracterizar o Assentamento Itamarati como um
megaempreendimento.
Desvendar a complexa trama que envolve a inter-relação desse conjunto de
aspectos seria já motivo para justificar esta pesquisa, no entanto, o caráter de
megaempreendimento que subjaz a esse assentamento rural nos impõe trazer à luz
uma coleção maior de elementos para compor nossas discussões. Assim sendo, no
próximo capítulo, incorporamos outros indicativos para a análise da intrincada trama
que transpassa a configuração territorial do Assentamento Itamarati.
Capítulo V
5. CARACTERIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DO
ASSENTAMENTO ITAMARATI
A reforma agrária é um processo permeado de contradições e conflitos entre atores
que possuem interesses divergentes. Nesse contexto, os assentamentos rurais
constituem “espaços de relações sociais, onde as características heterogêneas
individuais, homogeneizadas no processo de luta pela terra, ressurgem em novas
bases” (ZIMMERMANN, 1994, p. 205), revelando o desejo de autonomia dos
sujeitos e gerando embates que se expressam no cotidiano, como parte de um
complexo jogo de forças.
De acordo com Esterci (1992), o termo assentamento refere-se às ações que têm
por fim ordenar ou reordenar recursos fundiários com alocações de populações para
a solução de problemas socioeconômicos, reconhecidas sua importância e
necessidade, principalmente pela viabilidade econômica.
Para Leite (2005), o termo assentamento rural parece datar de meados dos anos de
1960, sobretudo como referência dos relatórios de programas agrários oficiais
executados na América Latina, para designar a transferência e a alocação de um
determinado grupo de famílias de trabalhadores rurais sem-terra (ou com recursos
fundiários insuficientes à sua reprodução) em algum imóvel rural específico, visando
à constituição de uma nova unidade produtiva.
Compreendemos os assentamentos rurais como resultados concretos de um tipo de
reforma agrária. Contudo, este nos parece o único caminho utilizado até agora para
a implantação dessa reforma em todo país e, concordando coma opinião Stédile &
Fernandes (1999), de que “fazer assentamentos de famílias sem-terra não significa
necessariamente fazer reforma agrária” a qual, na verdade, tem como objetivo a
democratização da estrutura fundiária. A implementação dos assentamentos se
assemelha a uma política de assistência social que permite à sociedade “se livrar do
147
problema dos sem-terra e não resolver o problema da concentração da propriedade
da terra no Brasil” (STÉDILE & FERNANDES, 1999. p. 159).
Nesse espaço de relações sociais, desenvolvem-se dinâmicas internas geradas pela
convivência de famílias que, apesar de terem passado por períodos de atuação
comunitária (organização da luta pela terra), levaram consigo origem, cultura,
disponibilidade patrimonial, composição familiar, motivações e aspirações bastante
diferentes. Essa trajetória social, amalgamada às relações com os mediadores
34
Instalados os assentamentos, encerra-se, para os trabalhadores rurais sem-terra,
uma fase (o acampamento) em que vivenciavam problemas e situações comuns,
cujo principal objetivo era a conquista da terra, e inicia-se outro estágio, em que a
heterogeneidade de seus participantes emerge. São diferentes expectativas de vida
que se relacionam, favorecendo o surgimento de novos conflitos e de disputas em
seu interior.
,
constitui, portanto, um lócus de reconstrução de saberes, no qual se potencializa a
heterogeneidade cultural que caracterizava as famílias, evidenciando-se assim, o
direito à dessemelhança.
Destarte, acampamentos e assentamentos vivem situações não apenas distintas,
mas extremamente adversas e internamente conflituosas. “A concessão da terra e o
assentamento do supostamente sem-terra apenas encerram um drama e dão início
a outro” (MARTINS, 2003. p. 9).
Nesse sentido, Carvalho (1999) analisa que o assentamento rural constitui uma
“encruzilhada social” que expressa, no momento da sua criação, um ponto de
inflexão histórico entre dois processos políticos e sociais e, portanto, uma transição
histórica mais complexa do que o mero ato administrativo da sua criação. Nessa
ocasião encerra-se um determinado processo político-social no qual o monopólio da
terra e o conflito social pela sua posse são superados e, imediatamente, inicia-se
outro: a constituição, naquela área, de uma nova organização econômica, política,
34
Para Neves (1998), o mediador seria “o agente mobilizador da mudança de comportamento e
visões de mundo... agentes esses que pretendem obter o reconhecimento e a qualificação positiva
das práticas sociais dos agricultores familiares” (NEVES, 1998, p. 149). Acerca da importância da
atuação de mediadores em processos de implementação de assentamentos rurais, apontamos os
trabalhos de BERGAMASCO (1994), D’INCAO e ROY (1995), MARTINS (2004), NOVAES (1994),
PEREIRA (2004), SCHREINER (2002) e ZIMMERMAN (1989).
148
social e ambiental, engendrada por uma heterogeneidade de famílias de
trabalhadores sem-terra.
A transformação de uma grande propriedade como a antiga Fazenda Itamarati em
inúmeros pequenos lotes comporta o princípio de que sujeitos anteriormente
dependentes de emprego, renda e moradia, encontrarão na posse da terra a
oportunidade de reprodução familiar autônoma e digna. Quanto mais fragmentado
estiver o território, quanto maior e mais diverso for o universo dos proprietários, mais
limitadas serão as condições efetivas para o desfrute do monopólio sobre uma dada
área.
Com efeito, a criação do assentamento e a obtenção do status de
produtor rural assentado permitiram o acesso, ainda que pontuado
de dificuldades, desse segmento a benefícios dos quais
anteriormente estavam completamente excluídos. [...] Trata-se de
relacionamento tenso, mas que insere os assentados num universo
de negociações, de reconhecimento e descoberta de direitos antes
distantes de seu universo cotidiano (MEDEIROS, 2004, p. 36).
A criação do assentamento numa área que outrora pertencera à antiga Fazenda
Itamarati, bem como os esforços no sentido de reaproveitar parte dos seus recursos
tecnológicos, é a materialização de uma profunda mudança: de um sistema fundiário
marcado pela posse da terra por um único dono, com disponibilidade de recursos
financeiros, utilização de pouca mão de obra e alta tecnologia, num sistema agrícola
de regime de exploração em escala empresarial, passa-se a outro, completamente
diferente, caracterizado pela subdivisão da terra, com grande disponibilidade de mão
de obra e limitados recursos financeiros e tecnológicos, sob um sistema de produção
misto que integra a agricultura familiar e a permanência do modelo anteriormente
existente, com produção para o mercado.
A essa realidade adiciona-se a decisão de assentar um contingente de 1.143
famílias, com origens e características diversas, integrantes de quatro organizações
de trabalhadores que portam bandeiras político-ideológicas muito distintas e, por
vezes, divergentes. Seguramente é uma transformação muito radical tanto nas
características e natureza de um empreendimento que sucede ao outro, como, e
acima de tudo, nas vidas daquelas famílias que para lá se dirigiram e planejam
(re)construir suas vidas. É, de fato, uma metamorfose que exige muita dedicação,
149
compreensão, desprendimento, perseverança, e até certo grau de altruísmo dos
assentados e de todos os setores da sociedade direta ou indiretamente envolvidos.
Bons sentimentos e ações são um grande passo, porém, para que esse
empreendimento se concretize, é fundamental que se invista um significativo
montante de recursos financeiros que deverão ser buscados não só junto às
diversas instâncias do poder público, como tamm na iniciativa privada. É um
dinamismo econômico que se impõe, além de uma criatividade social e certa
reinvenção da sociedade, até mesmo sua reordenação, segundo os pressupostos da
experiência social que acarreta.
Contudo, de nada adiantam sentimentos nobres, ações abnegadas e abundância de
recursos financeiros sem um planejamento sério, criterioso e transparente, com
estratégias e alternativas inteligentes que possam ser empregadas diante dos
imprevistos e das adversidades. Esta nos parece a questão-chave para a
compreensão das muitas dificuldades que as famílias do Assentamento Itamarati
m enfrentando, para que a sociedade possa desencadear um conjunto de ações
com objetivo de minorar o sofrimento daquela parcela da sociedade sul-mato-
grossense que ali se encontra.
Estes são alguns dos temas que estaremos abordando neste capítulo, porém, por
ora, pensamos ser oportuno investir numa caracterização geral do Assentamento,
pois acreditamos que assim se comporá um importante cerio, possibilitando uma
melhor compreensão das questões que nos propomos responder com esta
pesquisa.
5.1. Localização
O Assentamento está localizado a 45 km da sede do município de Ponta Porã, Mato
Grosso do Sul, e a 21 km da faixa de fronteira com o Paraguai (Mapas 8 e 9).
De acordo com o levantamento de recursos naturais realizado pela equipe que
elaborou o Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), a área apresenta um
diagnóstico positivo quanto ao clima, vegetação, uso do solo e, principalmente,
quanto aos recursos hídricos, pois está situada na bacia do rio Paraná, é limitado ao
150
norte, pelo rio Dourados, ao sul, pelos córregos Tajerê e Santa Rita, e ao leste,
pelos rios São João e Dourado (Mapa 10).
Essa localização garante um bom abastecimento de água, o que possibilitou à
antiga Fazenda Itamarati a instalação de 90 unidades de irrigação do tipo pivô
central, seja com unidades de captação direta nos mananciais ou mediante o
represamento dos córregos de menor vazão.
Quanto ao uso da terra, o Assentamento Itamarati, de acordo com o PDA, registra
solos altamente mecanizáveis e com grande capacidade de retenção de cargas,
podendo ser utilizados para culturas anuais ou perenes, com algumas restrições. A
lavoura e a pastagem são os usos potenciais recomendados para o imóvel.
Sua área total de 25.072 hectares está distribuída em 7.232 ha irrigados pelo
sistema de pivôs centrais, 6.568 ha de áreas de sequeiro, onde não há irrigação
artificial, 4.321 ha de reserva legal, 918 ha destinados à área de preservação
permanente e 6.033 ha constituídos de pastagens plantadas
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003).
Nos limites com o Assentamento Itamarati II, conta com a presença dos trilhos da
Ferrovia Novoeste S.A., que se encontram desativados. A expectativa dos
assentados, porém, é que no contexto de uma reestruturação da malha ferroviária
brasileira, essa linha seja reativada, o que potencialmente aumentaria a produção,
barateando os custos de transporte, tanto para os produtos do Assentamento, como
tamm de toda a região.
Quanto ao acesso rodoviário, a localização tamm é privilegiada, pois as estradas
são pavimentadas. As famílias assentadas podem contar ainda com a rodovia MS
164 que, juntamente com a ferrovia Novoeste delimita os Assentamentos Itamarati e
Itamarati II. A referida rodovia se encontra em razoável estado de conservação,
assegurando-lhes acesso rápido e relativamente seguro às sedes dos municípios de
Ponta Porã, Antônio João e Dourados, que são os mais próximos e onde se realizam
as trocas comerciais.
151
Mapa 8 - Localização do Assentamento Itamarati no Município de Ponta Porã em Mato Grosso do Sul
152
Mapa 9 - Assentamento Itamarati
153
Mapa 10 - Rede hidrográfica do Assentamento Itamarati
154
Com essas dimensões e especificidades, quando se aventou a possibilidade da
aquisição da área com vistas à reforma agrária, diversas organizações de
trabalhadores que lutam pelo acesso à terra em território sul-mato-grossense
passaram a reivindicar sua inclusão no projeto.
Diante disso, a Superintendência do INCRA/MS decidiu congregar e estabelecer
parcerias com as principais organizações de trabalhadores objetivando o
assentamento de famílias que compunham suas bases. Como observou Souza et.
al. (2008, p. 8), “o projeto de assentamento forma uma ação de reordenamento
fundiário sobre uma dada área. O espaço, antes concentrado, é dividido propiciando
a construção de novas unidades de produção, com base na economia familiar”.
Na perspectiva de melhor compreender o universo complexo do Assentamento
Itamarati, bem como apreender as relações que se estabelecem após sua crião, é
importante conhecer as organizações de trabalhadores que foram contempladas
com uma porção de seu terririo.
A apropriação do território é um fator gerador de raízes e de identidade cultural de
um grupo social, uma comunidade deve ser compreendida dentro de seu território,
pois a construção da identidade sociocultural das pessoas está ligada ao atributo do
espaço concreto.
5.2. As organizações dos trabalhadores
O terririo, como porção de espaço terrestre sobre o qual um dado grupo,
comunidade ou sociedade se organiza, cria nculos, se identifica e exerce poder ou
controle, envolve não apenas o aspecto físico ou material dessa organização
(ambiente natural e construído), mas tamm o imaterial (representões sociais,
sentimentos de vinculação, valores, códigos, simbologias e organização política).
Outro aspecto fundamental para a compreensão das relações sociais que se
processam no território é conce-lo como “[...] um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder” (SOUZA: 2000, p. 78), não estagnado no tempo,
mas[...] um espaço em movimento, formando e deformando-se sob o fluxo do
movimento das interelações entre os atores e o espaço. O território é uma
155
configuração temporária de um arranjo espacial, sustentado e mantido pelas
interações diferenciadas de poder dos atores sociais envolvidos” (COSTA;
ALMEIDA: 1998, p. 275)
Assim, cada território conquistado por uma determinada organização de
trabalhadores, seja onde for, representa um triunfo dessa entidade, um passo em
direção à desconcentração de terra no país.
Contudo, tomar posse de parte do território que pertencera ao símbolo do
agronegócio nacional tem um significado muito especial e, além de um triunfo,
representa um privilégio para as entidades de trabalhadores que lutam pelo
assentamento e inclusão social das famílias de trabalhadores no campo. Portanto,
todas faziam questão de serem incluídas no projeto e, afinal, diante da diversidade
de organizações que territorializaram em Mato Grosso do Sul, não seria mesmo
justo contemplar apenas uma delas.
As contempladas no Assentamento Itamarati foram: o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra (MST), constituído por 320 famílias; a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), com 280 famílias; a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura (FETAGRI), com 395 famílias; e a Associação dos Moradores e
Funcionários da Fazenda Itamarati (AMFFI), com 150 famílias.
Cada entidade procurou recortar a área que lhe coubera seguindo um conjunto de
fatores, entre outros, as características físicas da área; os anseios das famílias a
serem assentadas; o número de famílias pertencentes aos seus quadros que
aceitaram o modelo de gestão proposto pelo INCRA; a quantidade de pivôs
existentes, que de certa forma definiu a quantidade de grupos, o número de famílias
por grupos e a proporcionalidade da quantidade de área irrigada e de sequeiro que
deveria ser destinada a cada uma delas.
Os aspectos que as entidades tiveram que levar em consideração no momento da
distribuição da área para suas famílias conduziram ao quadro geral que
apresentamos na Figura 1.
156
Figura 1 - Organograma inicial do Assentamento Itamarati
157
5.1. Distribuição espacial das entidades de trabalhadores no território
São muitas as versões que tentam dar conta dos critérios de distribuição e de
localização territorial dessas organizações. O Sr. Milcíades Brizoeña
afirma que
foram dadas as mesmas oportunidades de escolha para cada entidade, inclusive
levando em consideração o número de famílias que tinham para serem assentadas,
e que a definição dos territórios de cada uma foi discutida com os quatro grupos em
conjunto. Já o Sr. João Pedro Soares
35
Corroborando a fala do Sr. João Pedro, o Sr. Levino Zanata afirma que, pelos
mesmos motivos, na reunião para definir a localização de cada organização, foi
dada preferência à AMFFI. Assim, quando o Sr. Miguel, da AMFFI, se manifestou
apontando a área que desejava, nenhum representante das demais organizações
questionou tendo em vista que, “a área escolhida se enquadrava nos critérios
estabelecidos e na lógica que a AMFFI queria, mas, sobretudo, porque a área era a
mais distante e ninguém estava interessado na área mais distante”.
assegurou que a AMFFI teve o privilégio de
escolher primeiro a sua área, uma vez que reunia um número menor de famílias e
que, por terem trabalhado na antiga fazenda, tinham um conhecimento melhor da
localidade.
O Sr. Fermino
36
O Sr. Levino explicou que havia dois critérios para a definição da área: o número de
famílias a ser assentado apresentado pelas organizações, e tamm as
características físicas da área, tendo os rios como limites naturais e, como referência
principal, o Rio Lageado que a corta bem ao meio. Valendo-se de vários mapas e
imagens de satélite, um engenheiro agrônomo da EMPAER teria apresentado uma
proposta de divisão em quatro subáreas, e uma delas, delimitada pelo Rio Lageado
e o Córrego Gabiroba, segundo cálculos prévios, seria suficiente para abrigar 280
discorda e afirma que quem teve o privilégio de escolha foi a CUT,
pois o engenheiro encarregado de discutir a localização e distribuição da área teria
dito: “Como nenhuma entidade ainda escolheu a área, qual é a área que a CUT
escolhe?"
35
Sr. João Pedro Soares é o atual Presidente da AMFFI, este não fez parte das discussões que
visavam à implantação do assentamento.
36
O Sr. Fermino de Almeida Ferreira é assentado e uma das lideranças do Grupo Novo Eldorado da
Organização CUT. Apesar de não fazer parte da diretoria da CUT estadual, participou diretamente
das discussões na qualidade de representante dos assentados.
158
famílias. Como entre as três organizações que ainda não haviam definido sua área,
a CUT era a que tinha uma demanda menor (de 250 a 300 famílias), foi contemplada
com essa porção do território. O debate seguinte para a definição de área ficou entre
o MST e a FETAGRI.
Sendo a FETAGRI a organização que apresentou uma demanda maior de famílias a
serem assentados na Itamarati e que tinha um projeto diferenciado, com um número
razoável de interessados em desenvolver a pecuária, definiu-se que a área
delimitada pelo Rio Lageado, pelos córregos Guariroba e São Pedro e pela divisa
com a Fazenda Santa Virgínia se enquadrava nas demandas da FETAGRI, pois
possuía vários pivôs que poderiam comportar os grupos coletivos irrigados, bem
como um área onde a antiga fazenda já desenvolvia a criação de gado.
O restante da área, entre o Rio Lageado, Rio Dourados e a porção da AMFFI era a
extensão que possuía o maior número de pivôs e, de acordo com a demanda
apresentada pelo MST, era suficiente para implantar seu projeto com maior número
de grupos coletivos irrigados.
Ainda de acordo com o relato do Sr. Fermino, a pessoa que conduziu as discussões
visando à distribuição das áreas às entidades teria sido um engenheiro agrônomo de
nome Ivan, um profundo conhecedor do terreno, pois havia trabalhado na antiga
Fazenda Itamarati e que, no momento da criação do Assentamento, fazia parte dos
quadros da EMPAER. Como encarregado de conduzir as reuniões e de fazer o
intercâmbio entre o governo estadual e as entidades, teria apresentado um relatório
detalhando as principais características e vantagens comparativas não só das
porções em que se dividia a área em questão, como tamm da infraestrutura e da
localização de cada uma.
Acerca dos comentários tecidos pelo engenheiro Ivan, o Sr. Fermino fez o seguinte
relato:
Como já estava definido que seriam quatro as entidades que iriam
compor o assentamento, o engenheiro então nos apresentou um
mapa da fazenda dividido em quatro áreas, e para cada área ele fez
um minucioso relato, apresentou-nos um verdadeiro “raio-X” de cada
área. Para a área que hoje pertence à AMFFI ele disse que a terra
era muito boa e produtiva, que tinha pivôs novos, mas quem a
escolhesse teria dificuldade de acesso; da área que viria a ser da
FETAGRI ele comentou a grande diversidade da qualidade do solo,
159
que algumas partes só seriam recomendadas para lotes individuais
destinados à pecuária, e falou da qualidade dos pivôs; sobre a área
que hoje pertence ao MST ele também comentou dos pivôs, da
qualidade do solo e da disponibilidade de água; do lugar onde está a
CUT ele comentou que havia alguns pivôs velhos, mas que não eram
problemáticos, falou das vantagens de localizar próximo aos trilhos
da linha do trem e das facilidades de acesso que teríamos caso o
governo adquirisse a outra parte da fazenda para implantar outro
assentamento (FERMINO ALMEIDA).
A localização das organizações de trabalhadores dentro do Assentamento Itamarati
só é questionada hoje pelas famílias da AMFFI em virtude das dificuldades que
passaram a ter com o decorrer do tempo. Porém, o Sr. João Pedro Soares, atual
presidente da Associação, argumenta que, quando foi lhes dada a oportunidade de
escolha do local para o grupo, a diretoria da época, representada pelo Sr. José
Miguel de Araújo, fez uma opção consciente, pois conheciam bem as características
sicas e naturais da área, como a elevada fertilidade do solo, a grande
disponibilidade de água e a infraestrutura instalada no local.
“A AMFFI escolheu esta área porque os pivôs eram próximos, agrupados, e a terra é
muito boa, tem bastante água, tanto que a agrovila é fechada por duas nascentes”.
(JOÃO PEDRO).
consenso na fala das lideranças das demais organizações de que a opção pelo
local se deveu obviamente ao conhecimento que as lideranças da AMFFI tinham
sobre as características físicas da área, mas essa escolha também foi movida por
questões político-ideológicas, pois evidenciava, naquele momento, o desejo de seus
coordenadores de se isolarem, não se misturando às demais organizações de
trabalhadores, por não concordarem com suas práticas e formas de luta.
Corrobora essa assertiva, a fala do senhor Sebastião, morador da AMFFI:
Eu fui funcionário da fazenda, e só aceitei ser assentado nesta área
porque sabia que o governo tinha comprado a fazenda, que esta não
era fruto de nenhuma invao, pois não concordo com este tipo de
prática, para mim isso já é baderna, e eu jamais participaria disso.
Porém, os critérios utilizados e as supostas vantagens elencadas pela diretoria da
Associação da época, hoje são amplamente questionados pela maioria das famílias
assentadas pela AMFFI, uma vez que a agrovila foi implantada a aproximadamente
25 quilômetros do núcleo urbano, o que traz uma série de transtornos,como: a
dificuldade de socorro médico aos doentes que precisam de um atendimento de
160
urgência (a despeito de haver posto de atendimento médico dentro da agrovila); o
difícil acesso em época de chuvas, devido à precariedade das estradas, resultando
num custo adicional na hora da comercialização dos produtos e na baixa frequência
dos alunos à escola nesse período do ano; a grande distância entre a agrovila e a
área de produção, que acarreta um significativo deslocamento diário e ainda dificulta
a realização de uma vigilância mais efetiva dos pivôs, que acabam ficando
vulneráveis a constantes saques de peças importantes e de elevado custo de
reposição. No entanto, segundo o sr, Fermino Almeida, “O pessoal da AMFFI hoje
reclama da localização, mas as lideranças deles foram alertadas da dificuldade que
teriam com relação ao acesso. Ninguém comprou gato ensacado, todo mundo
sabia exatamente onde estava sendo assentado”.
A situação dessas famílias com relação à localização, só não é pior por causa da
opção que fizeram pelo modelo de agrovila concentrada e, tamm, porque esta foi
instalada bem no começo de sua área. Se tivessem, ao contrário, optado por um
modelo de habitat no qual as famílias residissem junto à área de produção, muitas
famílias estariam localizadas a mais de 10 quilômetros de distância do núcleo
urbano.
Depois de definida a área que caberia a cada organização social, as lideranças
ficaram encarregadas de discutir com as famílias e, juntamente com os técnicos,
decidir qual seria a melhor forma de distribuição dos lotes individuais, como seriam
as agrovilas, quantas famílias poderia comportar cada área de exploração coletiva,
qual área corresponderia a cada família e a cada subgrupo etc.
Lembramos mais uma vez que, além das áreas destinadas aos movimentos sociais,
mais 420 ha foram colocados à parte, para a formação de um futuro núcleo urbano,
conforme será apresentado mais adiante.
A configuração e composição das organizações bem como dos seus grupos, nos
documentos oficiais ainda é aquela apresentada na Figura 1, porém já não condiz
com a realidade do Assentamento, em virtude dos arranjos praticados pelas famílias
de acordo com sua lógica e conveniência.
Ainda assim, uma das muitas especificidades do Assentamento, que o distingue dos
demais, é a sua composição, que procurou beneficiar quatro organizações de
161
trabalhadores rurais, as quais passaremos agora descrever enumerando suas
particularidades.
5.1.1. Associação dos Moradores da Fazenda Itamarati AMFFI
Essa organização foi concebida por aproximadamente 200 ex-funcionários da antiga
Fazenda Itamarati Agropecuária Ltda., preocupados com os seus destinos após sua
dispensa em função de 50% das terras que pertenceram à fazenda terem sido
entregues para saldar dívidas junto ao Banco Itaú e, posteriormente, adquiridas pelo
governo federal para fins de reforma agrária. Organizados em associação, passaram
a reivindicar para seus membros o direito de tamm serem contemplados e
amparados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária.
Tendo sido atendida em sua reivindicação, a AMFFI definiu que, além de preencher
os requisitos exigidos pelo INCRA, os trabalhadores que pleiteassem ser assentados
na área que lhe coube deveriam comprovar, através do registro em carteira de
trabalho, o vínculo empregatício de qualquer membro da família com a fazenda,
independente da época em que tenha ocorrido. Esta exigência era necessária para
garantir um maior controle das famílias a ser assentadas, evitando assim, que
pessoas que não haviam sido funcionárias da fazenda fossem beneficiadas. Porém,
se a condição exigida era de ter sido funcionário, isso não se aplicava aos que ainda
possuíam vínculos com a empresa
37
Em razão dessa exigência, a maior beneficiada foi a própria fazenda, pois os
trabalhadores que até então possuíam vínculos com a empresa, passaram a
reivindicar o direito de também serem contemplados com um lote. Contudo, para
garantir esse direito, muitos que eram funcionários há vários anos viram-se
obrigados a pedir demissão, isentando assim a empresa de recolher a multa
resultante da rescisão do contrato de trabalho, uma vez que não era a responsável
, pois nessas condições, à luz da legislação, o
trabalhador é inelegível como beneficiário do Programa Nacional de Reforma
Agrária.
37
Lembramos que mesmo com a implantação do Assentamento Itamarati, a fazenda continuou
operando, inclusive realizando parcerias com os assentados ao arrendar os pivôs enquanto a área
não era definitivamente demarcada e entregue às famílias. A fazenda só deixou de existir em 2004,
quando o restante da área foi adquirido para a implantação do Assentamento Itamarati II.
162
pela demissão dos trabalhadores. Em relação a essa decisão, é ilustrativo o relato
do senhor Antônio Pedro:
Tomei a decisão por vários motivos: primeiro porque eu estava vendo
os ex-companheiros de trabalho recebendo um lote e isso era o meu
sonho, queria ter meu cantinho próprio para criar a minha família, eu
sabia que perderia o dinheiro da multa, mas sabia também que o que
eu receberia não daria pra comprar nem um terreno na cidade, e
depois, eu que trabalhava mais de nove anos na fazenda, estava
vendo que as coisas não eram mais as mesmas, eu sabia que
mais dia menos dia tudo aquilo iria acabar [...] então achei que era o
mais correto que eu tinha que fazer.
Esse depoimento, como tamm de muitos outros chefes de famílias assentados
pela AMFFI, mostra que apesar dos prejuízos que possam ter sofrido, muitos ex-
funcionários fizeram uma opção consciente, avaliando os prós e contras de
assinarem o pedido de demissão. Porém há relatos de outros trabalhadores que
simplesmente desconheciam seus direitos e que tomaram sua decisão sem avaliar
as perdas.
Os ex-funcionários que tinham outros valores a receber, como por exemplo,
indenização por insalubridade
38
A área total destinada pelo INCRA ao assentamento dos ex-funcionários da Fazenda
Itamarati é de 3.582,04 ha, distribuídos da seguinte forma: 1.379,76 ha de área
irrigada, 976,49 ha área de sequeiro, 152,53 ha ocupados pela agrovila e área
comunitária, 213 ha Área de Preservação Permanente (APP), 846,87 ha de Reserva
Legal (RL) de, 6,07 ha ocupados pelas estradas, 6,83 ha ocupados por rios e
represas (INCRA/MS) (Mapa 11).
, eram “convidados” e convencidos a aceitar um
acordo (denominado por eles de “cala boca”), com valores calculados e parcelados
pelo próprio departamento de recursos humanos da empresa, sem qualquer
acompanhamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, muito menos do
Ministério do Trabalho, sob o argumento de que o trabalhador que não assinasse o
acordo deveria entrar com ação na Justiça do Trabalho para garantir seus direitos,
sob pena de, por conta da morosidade da justiça, perder o prazo para se candidatar
a receber um lote no Assentamento.
38
Era grande o número de trabalhadores que exerciam atividades consideradas insalubres, por
exemplo, a aplicação de agrotóxicos na lavoura.
163
Mapa 11 - Associação dos Moradores da Fazenda Itamarati AMFFI
164
5.1.1.1. Forma de exploração
Ao decidir sobre a forma de exploração da área,
a AMFFI inicialmente optou por formar um grupo
de 150 famílias, do qual cada família recebera
uma lote de 1 ha na agrovila
39
Essa forma de organização adotada pelo grupo
é creditada às características das famílias cujos
chefes e, mesmo outros membros,
desenvolveram atividades profissionais dentro
da fazenda, sendo que cada um deveria atuar de
acordo com as suas especialidades para, assim
contribuirem para o êxito produtivo da fazenda
ao longo de muitos anos.
, destinada à
moradia, e mais 9,2 ha irrigados e 6,5 ha de
sequeiro, que seriam explorados coletivamente
para a produção, tanto para consumo próprio,
quanto para a comercialização (Figura 2).
Por conseguinte, essa forma de organização
seria fruto da consciência desses profissionais
de que as atividades laborais por eles desenvolvidas, ao longo de vários anos, os
tenham tornado especialistas em determinadas funções, fundamentais no processo
produtivo da lavoura mecanizada. Esse conhecimento e domínio da técnica, no
entanto, são parciais e, consequentemente, insuficientes para que, nessa mesma
área e com parcos recursos, alcançassem a mesma eficiência produtiva em seus
lotes individuais.
Além desse pressuposto que conduziu a formação de um único grupo formado por
150 famílias, havia ainda a determinação do INCRA de que obrigatoriamente o
modelo geral para o Assentamento, não somente de exploração como tamm de
posse da área, seria coletivo.
39
Modelo preconizado pelo MST/CONCRAB como o ideal na implantação de uma CPA.
Figura 2 - Organograma inicial da AMFFI
165
A forma de organização das famílias do grupo da AMFFI, em face das suas
peculiaridades, sobretudo pela existência dos pivôs de irrigação, fora considerada
pelos técnicos responsáveis pela implantação do Assentamento o modelo ideal de
gestão e, sendo assim, partilhavam da ideia de que tal modelo deveria se estender
aos demais grupos que, entretanto, se opuseram a ele, preferindo outras formas de
organização conforme demonstraremos adiante.
De acordo com o Sr. Rogério Franchini
40
Devemos considerar o peso dessas observações feitas por dois atores que
acompanharam toda a implantação do Assentamento Itamarati e tamm
desempenharam funções decisivas no processo, acompanhando de perto e
conhecendo os pressupostos que nortearam as ações da diretoria da AMFFI. O
primeiro, como um dos técnicos responsáveis pela elaboração do PDA do
Assentamento e, posteriormente, pela preparação dos projetos de financiamento dos
assentados; e o segundo, uma importante liderança da organização CUT que em
diversas oportunidades pôde se sentar à mesa com o Sr. Miguel e outros diretores
da AMFFI para, em vários momentos, tomarem decisões importantes para todo o
Assentamento.
, um dos técnicos da AGRAER que
acompanhou todo o processo de implantação do Assentamento, havia o desejo da
AMFFI de se tornar um empreendimento nos moldes da antiga fazenda, a ponto de
quererem investir os recursos do PRONAF A na montagem de um secador de grãos.
Consoante com a opinião do técnico, o Sr. Levino, ao comentar o posicionamento do
Sr. Miguel, presidente da Associação, afirma que tinha um plano de montrar um
gerenciamento onde todos tinham que bater cartão. A ideia era montar uma segunda
Itamarati” (LEVINO ZANATA).
Na opinião do Sr. Levino, o modelo de gestão pensado pelo Sr. Miguel era
empresarial, nos moldes da antiga fazenda, e que todos os parceleiros da AMFFI já
estavam acostumados a obedecer ordens, por isso a ideia de ter que bater cartão
diariamente. “Se todos tivessem levado a sério as ideias do Miguel, trabalhando
como se fosse uma empresa, sabendo que aquilo era seu, que para o crescimento
40
Rogério Guerino Franchini é técnico agropecuário e servidor da AGRAER no Assentamento
Itamarati.
166
de todos, todos deveriam se dedicar, hoje a AMFFI seria um sucesso” (LEVINO
ZANATA).
Eles foram os que melhor investiram o capital de investimento,
tinham todos os pivôs manipulados por uma única associação,
tinham toda a gestão centralizada, não tinha porque dar errado, mas
quem fez dar errado não foi a gestão, foi as famílias que não
ajudaram, se sentiram donos, disseram o, agora não vou acatar o
que diz a direção (LEVINO ZANATA).
Embora o Sr. Levino esteja certo, uma coisa é os funcionários se enquadrarem nas
normas de uma empresa, obedecendo ordens, sob pena de ficarem desempregados
caso não as cumpram de acordo com a conveniência do patrão; outra bem diferente,
porém, é obedecer ordens de outras pessoas, trabalhando naquilo que é seu.
A desconfiança das famílias em relação às atitudes e posturas das lideranças; dos
recursos financeiros escassos; dos problemas atmosféricos; da falta de
conhecimento e de prática de gestão coletiva; o flagrante descompromisso dos
órgãos oficiais (sobretudo, INCRA e AGRAER) abstendo-se de uma presença mais
constante junto a essa comunidade, desenvolvendo ações que pudessem
consubstanciar-se em um conhecimento mais eficaz por parte das famílias,
permitindo-lhes maior autonomia na condução dessa forma de gestão, aliás, imposta
por esses mesmos órgãos; enfim, todas essas dificuldades acrescidas de uma série
de outros fatores conduziram a desavenças entre as famílias, fazendo com que essa
forma de organização, que gozava de uma elevada reputação por parte dos órgãos
oficiais gestores do Assentamento Itamarati, tivesse uma duração efêmera, e assim,
com menos de um ano de sua implantação, já se encontrava completamente
descaracterizada.
O passo mais efetivo no sentido de inviabilizar a gestão coletiva do grupo foi dado
quando as 150 famílias que o compunham inicialmente se dividiram em três grupos
(A, B e C) que, por sua vez, tamm se subdividiram em porções menores, nas
quais as famílias passaram a se agrupar, tendo como critério a posse e o controle de
um pivô por subgrupo.
O grupo A se constituiu por 54 famílias que se subdividam em 5 pequenos grupos,
nos quais o número de famílias é proporcional ao tamanho da área irrigada pelo
pi. Dessa forma, os grupos detentores dos pivôs C9, C10 e C11 foram
constituídos de 12 famílias e, por serem maiores, irrigam uma área média de 115 ha,
167
o que daria a cada família o direito a uma área de aproximadamente 9,6 ha; os
grupos detentores dos pivôs C14 e C15, que irrigam uma área menor (81,05 ha em
média), são constituídos por apenas 9 famílias, o que equivaleria 9,05 ha para cada
uma. (Mapa 11)
Tanto o grupo B quanto o grupo C são divididos em subgrupos, compostos por 12
famílias que controlam um pivô empregado na irrigação de uma área média de 117,5
ha, o que equivale a aproximadamente 9,7 ha por família. O grupo B detém o
controle sobre os pivôs C5, C6, C7 e C8, enquanto que o grupo C controla os pivôs
C1, C2, C3 e C4. (Mapa 11)
Este rearranjo interno do grupo da AMFFI não significa, num primeiro momento, que
a gestão deixou de ser coletiva, apenas demonstra que o grupo passou a adotar um
modelo semelhante ao da CUT, MST e parte da FETAGRI. De qualquer forma, essa
fragmentação abriu um precedente que conduziu a um esfacelamento dos
subgrupos organizados por pivôs, resultando, consequentemente, na
individualização das áreas de sequeiro e no arrendamento dos pivôs.
Segundo informação dos próprios assentados, um único empresário do município de
Dourados estaria arrendando, da AMFFI, uma área irrigada com dimensão
superior a 800 ha.
5.1.1.2. A agrovila da AMFFI
O modelo de agrovilas para assentamentos de reforma agrária foi bastante utilizado
pelo Estado a partir de meados da década de 1980, seguindo as orientações
definidas pela Instrução de Número 17b, de 22 de dezembro de 1980, publicada
pelo INCRA. Constituem espaços planejados, visando primordialmente diminuir os
custos operacionais de implantação dos assentamentos, instalando a infraestrutura
necessária (moradia das famílias, escolas, posto de saúde, entre outros
equipamentos) concentrada junto aos lotes de moradia, e não ao longo das linhas
onde se concentram os lotes de produção. Assim, às famílias seriam
disponibilizadas uma nova estrutura e organização, onde pudessem morar muito
próximo umas das outras, à semelhança do espaço urbano. “Freqüentemente, os
168
assentados associam a agrovila à imposição e decisão de outros... na verdade, a
uma transposição ineficaz para os assentados de um modelo urbano” (FERRANTE,
2001, p. 106).
Para o INCRA, assim como para os movimentos sociais, ainda que por razões
distintas, é mais vantajoso implementar e incentivar a formação de assentamentos
em forma de agrovilas. É inegável que esse modelo traz algumas vantagens para as
famílias assentadas, pois potencializa a socialização e facilita o acesso a um
conjunto de infraestrutura necessário para atender algumas demandas específicas
das famílias. Entretanto, as vantagens maiores são para o Estado, pois ao implantá-
lo, potencializa a aplicação dos recursos, atendendo um número maior de famílias
com um custo menor.
A despeito de facilitar o acesso a uma importante infraestrutura, o modelo impõe um
modo de vida muito diferente daquele a que o trabalhador rural está habituado, e
longe também do imaginário daqueles que habitam a cidade e pensam em retornar
às suas origens, bem como dos que não possuem na sua história pregressa
qualquer vínculo com o campo, mas que sonham migrar para o meio rural adotando
um estilo de vida completamente diferente daquele próprio do meio urbano. Dessa
forma, as agrovilas não representariam a continuidade de um modo de vida para o
trabalhador rural, nem o retorno para aqueles que por qualquer motivo tiveram que
deixar o campo, tampouco uma mudança radical na vida dos ex-citadinos que
pretendem um novo modo de vida.
Não é nosso propósito avaliar as vantagens e desvantagens, a forma de
organização das moradias, da aceitação ou não dessa infraestrutura planejada para
os assentamentos rurais. O que pretendemos é apontar que essa temática, bastante
discutida no âmbito das partes interessadas, está longe de ser consenso entre as
famílias assentadas, apesar de o Estado muitas vezes tentar convencê-los de que o
modelo das agrovilas é o mais adequado às suas necessidades.
As famílias que compunham a AMFFI já estavam habituadas a conviver em
comunidade na sede da antiga fazenda, comunidade essa que grosso modo
lembrava uma colônia, por isso não ofereceram resistência ao modelo proposto pelo
Estado. Morar na agrovila representaria para aquelas famílias a continuidade do
estilo de vida que levavam até então. Além do mais, faltavam-lhes conhecimentos
169
sobre as implicações de que tal modelo é portador, os quais são adquiridos apenas
com o acúmulo de discussões acerca desse tema que as demais organizações de
trabalhadores tão bem conhecem.
Apesar da exigência de comprovação do exercício de atividades na fazenda
Itamarati como pré-requisito para se habilitarem a receber um lote através da AMFFI,
nem todas as famílias assentadas por essa entidade haviam morado na sede da
fazenda porque a empresa empregava muitos trabalhadores que residiam em Ponta
Porã. Ainda assim, há o predomínio daquelas que moraram na referida sede por um
longo período.
Na sede da fazenda havia uma espécie de colônia, cujas moradias eram distribuídas
espacialmente próximas umas das outras, onde as famílias contavam,
gratuitamente, com rede de distribuição de energia elétrica e água e coleta de
esgoto. Contavam tamm com um pequeno comércio, igreja, hospital, escolas,
espaços de lazer (salão de festa, clubes, um ginásio de esportes com grande
capacidade de público, etc), e uma série de outros elementos que proporcionavam
às famílias condições de sociabilidade, conforto e facilidades típicas de uma área
urbana. Se não se tratasse de uma propriedade privada, poderia facilmente ser
caracterizada como um bairro ou mesmo um distrito de Ponta Porã.
Essas peculiaridades e facilidades imprimiram nas famílias oriundas da fazenda, que
seriam assentadas pela AMFFI, características que em nada lembravam um ex-
trabalhador rural. Por estarem acostumados a residir em habitats rurais
aglomerados, pela distância que os separa do núcleo urbano que se constituiu no
local da antiga sede da fazenda, pela origem e composição singular desse grupo
que não lhe possibilita o mesmo acúmulo de conhecimento que os demais grupos
detêm acerca das vantagens e desvantagens em optar por um modelo de habitat,
em suma, esse conjunto de fatores abria o caminho para a implantação da agrovila
concentrada na AMFFI (Figura 3).
Esse modelo de agrovila geralmente é organizado em pequenos lotes, sendo que as
relações entre as famílias são potencializadas por habitarem próximo umas das
outras, mas, sobretudo, tem a simpatia dos técnicos do INCRA pela sua facilidade
de implantação e universalização do atendimento das necessidades básicas das
170
famílias assentadas (escolas, posto de saúde, rede elétrica, água, telefonia, etc)
com custo mais baixo e em curto espaço de tempo.
Assim, em face da pouca ou
nenhuma resistência oferecida
pelas famílias, respaldada pelas
características sociopolíticas do
grupo, e acima de tudo,
legitimada pelo modelo de
gestão coletivo “escolhido” pelos
assentados é que a proposta da
agrovila foi implantada na
AMFFI.
Se por um lado a origem e a composição singular das famílias que integram a
organização AMFFI trazem algumas vantagens pelo fato de estarem mais aptos,
pelo menos em teoria, ao trabalho com as lavouras mecanizadas da soja e do milho
(principais produtos cultivados em todo o Assentamento), por outro lado, além das
dificuldades inerentes às especializações, a que já nos referimos anteriormente,
aqueles aspectos lhes impõem passar por alguns problemas e situações que já
foram, senão superados, pelo menos amplamente discutidos pelas demais
entidades de trabalhadores, que acumulam em maior ou menor grau, algum
conhecimento sobre os problemas inerentes a esse modelo de distribuição e
organização de moradia. Conforme já afirmamos, tais conhecimentos só emergem
da experiência adquirida no convívio diário com os trabalhadores assentados, na
constante troca de informação entre as famílias e dos exaustivos embates que
ocorrem apenas no âmbito das entidades com experiência na organização de
trabalhadores que lutam pelo acesso à terra, e em alguns casos, da militância
política dos seus membros, o que obviamente não é o caso da AMFFI.
Não estamos afiançando a ideia de que os demais grupos não tenham problemas,
nem que todas as famílias que os compõem tenham necessariamente passado por
essa militância. Pelo contrário, a pesquisa empírica nos mostrou que são muitos os
problemas que afligem os trabalhadores pertencentes às entidades, como tamm é
pequeno o número de famílias que possuem tais experiências, diferindo de
Figura 3 - Agrovila da AMFFI
Org.: Ademir Terra
171
organização para organização. Mesmo entre os assentados pelo MST, que possui
uma tradição maior de discussão dos problemas inerentes não só de luta pela terra
como também de luta na terra, esse número não é tão expressivo assim, a ponto de
tor-los imunes a uma série de dificuldades que aparentemente já foram resolvidos
em outros assentamentos.
Todavia, por menor que seja o número de famílias que tenha passado por tais
experiências e participado dessas discussões, sempre existe algum membro com
mais conhecimento, cujos argumentos e ponderações passam a pautar e conduzir
as reuniões, trazendo à luz algumas situações e problematizações que qualificam as
discussões e os ajudam a deliberar sobre o problema de moradia e outros assuntos
de maneira mais consistente e profunda.
As organizações de trabalhadores que lutam pela terra, geralmente refutam esse
tipo de agrovila, exatamente pelos problemas que agora as famílias da AMFFI estão
enfrentando, com ênfase, primeiramente, na distância que separa a moradia e o lote
onde se realiza a produção, isso requer o deslocamento diário dos trabalhadores: no
caso da AMFFI, alguns lotes de produção estão localizados a aproximadamente 15
quilômetros da agrovila. Esta forma de organização ainda é responsável por uma
série de conflitos no relacionamento das famílias, provocados por brigas entre os
filhos, destruição de plantações por animais, etc.
Se a agrovila concentrada se apresentava como o modelo ideal para o grupo social
ao qual estava destinada e que coadunava com os interesses dos técnicos e, ainda,
com o modelo de gestão coletiva, agora, com as mudanças ocorridas na forma de
gestão, em face da fragmentação do grande grupo coletivo, quando as famílias
estão procurando desenvolver suas atividades individualmente, esse modelo se
tornou um problema, uma vez que as dimensões dos lotes de moradia (1 ha para
construção da moradia, horta, pomar, etc), inviabilizam a produção de sobrevivência,
pois são pequenos e insuficientes para o sustento das famílias.
Não obstante as dificuldades que acabamos de relatar, essa forma de organização
dos lotes de moradia permitiu que as famílias que compõem a organização AMFFI
pudessem contar com uma importante infraestrutura e serviços que as demais
entidades não possuem.
172
5.1.1.3. Infraestrutura da AMFFI
Talvez a mais importante infraestrutura de atendimento social que os membros da
entidade detêm seja o posto de atendimento médico que presta serviços, não
somente aos moradores da agrovila da AMFFI, como também para as famílias das
demais organizações de trabalhadores das proximidades. Nele trabalha uma equipe
composta por um médico clínico geral, que atende uma vez por semana (todas as
quintas-feiras), um enfermeiro padrão, que tamm atende a população uma vez por
semana (quartas-feiras), um técnico em enfermagem, disponível diariamente, um
dentista que presta atendimento uma vez por semana e um auxiliar de dentista,
disponível diariamente. Existem ainda 17 agentes comunitários de saúde, em todo o
Assentamento Itamarati, que visitam mensalmente as famílias em seus lotes.
O atendimento se dá para aquelas patologias mais simples, como tosses, viroses,
verminoses, diarréias, controle de pressão, problemas respiratórios, controle de
diabetes, além de suturas, curativos e autorização de exames e encaminhamentos
gerais. O atendimento às crianças e gestantes é feito pelo enfermeiro padrão, uma
vez por semana. No caso de algum paciente necessitar de atendimento médico de
emergência nos dias em que o médico não está disponível, nos finais de semana ou
mesmo à noite, é solicitada a ambulância que fica à disposição, no núcleo urbano,
para encaminhá-lo a Ponta Porã. De acordo com a técnica de enfermagem, é
grande o número de pessoas que procuram atendimento por causa de picadas de
insetos ou animais peçonhentos.
Embora tenha acesso a esse equipamento, a população assentada não se mostra
satisfeita quanto à qualidade do atendimento, ao número de profissionais
disponíveis, às especialidades médicas oferecidas, ao tempo de disponibilidade dos
médicos, ao número de ambulâncias disponível, etc.
Outra importante infraestrutura que a agrovila concentrada viabilizou para as famílias
é o serviço de telefonia fixa, existente apenas na agrovila da AMFFI. São nove
unidades de telefones públicos, popularmente conhecidos como “orelhões”,
distribuídos no interior da agrovila, os quais também são utilizados pelos moradores
dos grupos da FETAGRI e do MST quem seus lotes nas proximidades dessa
173
comunidade. Mesmo podendo contar com o serviço, é grande o número de chefes
de família que possuem telefone celular.
Além do serviço de atendimento à saúde e do serviço de telefonia (Fotos 7 e 8), as
famílias dessa organização de trabalhadores contam também com energia elétrica,
um centro comunitário e igrejas de várias religiões.
5.1.2. Central Única dos Trabalhadores - CUT
Para as famílias organizadas pela CUT, o INCRA disponibilizou uma área total de
6.287 ha, distribuídos da seguinte forma: 1.835 ha de área irrigada, 1.400 ha de área
de sequeiro, 190 ha de Área de Preservação Permanente (APP), 1.184 ha de Área
de Reserva Legal (RL), 1.678 ha de Área de Pastagem Plantada (INCRA/MS).
(Figura 4 e Mapa 12)
Essa parte do Assentamento abriga 280 famílias, oriundas de acampamentos de
diversas regiões de Mato Grosso do Sul, e distribuídas em quatorze grupos.
Foto 7 - Posto de saúde instalado na agrovila da AMFFI
Autor: Ademir Terra
Foto 8 - Telefone público instalado na
AMFFI
Autor: Ademir Terra
174
As famílias que seriam assentadas na Itamarati,
coordenadas pelo departamento de trabalhadores rurais
da CUT sul-mato-grossense, começaram a se deslocar
de seus respectivos acampamentos no final de 2001
(outubro), para montar um grande acampamento dentro
da própria Fazenda Itamarati, onde continuaram
organizadas em subgrupos, liderados pelos
coordenadores do acampamento de origem, os quais
geralmente levavam o nome dos municípios de onde
vieram: Alvorada Brilhante (Nova Alvorada e Rio
Brilhante), Amambai, Caarapó, Deodápolis, Eldorado
Novo Eldorado, Nossa Senhora Aparecida (Campo
Grande), Pantanal (Anastácio e Aquidauana),
Paranhos, Pedro Gomes, Renascer (Juti), Segredo (Rio
Brilhante), Tacuru, União Santa Fé (Angélica, Nova
Andradina e outras). (Mapa 13)
Ao constituírem um grande acampamento, o
departamento de trabalhadores rurais da CUT estadual
organizou uma coordenação geral formada por cinco coordenadores, tendo à frente
o Sr. Levino Zanata, que nos deu a seguinte declaração:
Nós tínhamos 280 vagas para este assentamento, veio a quantidade
de família certa, mas teve alguns que não se adaptaram e foram
substituídos. Viemos com a pré-seleção feita pelo INCRA, que já
tinha os nomes das famílias que seriam assentadas. Discutimos junto
com o INCRA, dentro do departamento, quais famílias que viriam
para cá. (LEVINO ZANATA).
De acordo com diversas lideranças, o projeto para o Assentamento Itamarati foi
exaustivamente discutido entre a CUT estadual e os líderes de acampamento, e
entre estes e as famílias, nos seus respectivos acampamentos. “Chegamos aqui
com o projeto já mastigado” (LEVINO ZANATA).
Figura 4 – Organograma inicial da
CUT
175
Mapa 12 - Central Única dos Trabalhadores
176
O projeto estava todo no papel, eles diziam que a melhor forma de
nós trabalharmos, por sermos pequenos e não termos condições, era
se nos juntássemos todos, poderíamos somar forças e produzir mais,
em quantidade e qualidade, coisas que uma pessoa não ia conseguir
produzir sozinha, quinhentas sacas de soja, mas se nós juntássemos
vinte, nós produzíamos de seis a sete mil sacas (MARIA DANUZA
41
Havia acampamentos que sozinhos preenchiam a quantidade de vagas
disponibilizada pelo INCRA à CUT, para o Assentamento (o acampamento de
Eldorado, por exemplo, era composto por 260 famílias), porém era desejo da
entidade contemplar famílias de diversos acampamentos localizados no estado todo.
Na verdade, o fator mais relevante que explica essa composição heterogênea foi
mesmo o desinteresse pelo modelo coletivo proposto pelo INCRA estadual, como
explica a Sra. Maria Danuza:
)
Foi apresentado o projeto, ele era coletivo, mas a expectativa da
maioria dos acampados era de ser assentado num projeto individual,
por isso, do meu acampamento só vieram quarenta famílias, nós
éramos em 260 famílias, aí quem achou que dava pra ele neste
modelo veio de livre e espontânea vontade e foram assentados.
(MARIA DANUZA).
As famílias que concordavam com o modelo de assentamento que lhes fora
apresentado e discutido pela CUT estadual foram conduzidas e assentadas,
passando cada uma a deter a posse de uma área de aproximadamente 17,5 ha,
distribuídas em três partes: em média, 6 ha de área irrigada coletiva, 7 ha de
sequeiro coletivo e de 4,5 a 5 ha de sequeiro individual (Figura 4), sendo o tamanho
das áreas aproximado em razão das especificidades de cada uma, o que não
permitiram uma padronização. Houve, portanto, a necessidade de realizar alguns
arranjos quando da distribuição dessas três áreas entre as famílias, tendo a
preocupação de que o lote individual não ultrapassasse 5 ha. Nas proximidades de
cada agrovila foi reservado um pequeno terreno destinado à área comunitária, onde
geralmente os grupos constroem pequenos salões para reuniões e tamm cedem
espaço para a construção de igrejas, com predomínio das evangélicas.
Foram destinados 13 pivôs aos grupos que compõem essa organização, sendo um
para cada grupo constituído de 20 famílias, à exceção do Grupo Deodápolis, que
possui áreas de sequeiro. “O Grupo Deodápolis só tem sequeiro porque foi o último
que chegou” (MARIA DANUZA). Lembramos que três pivôs da antiga fazenda, que
41
Maria Danuza da Silva“Preta”, 30 anos Liderança do Grupo Tacuru, foi acampada em Eldorado.
177
se localizavam na área hoje ocupada pelas famílias organizadas pela CUT foram
desativados para abrir espaço para as agrovilas. (Mapa 13)
5.1.2.1. Agrovila da CUT
O desmonte de alguns pivôs garantiu uma relativa distância entre os demais,
permitindo que os lotes individuais que compõem as agrovilas pudessem contar com
uma área de aproximadamente 5 ha (retângulos com a coloração de tonalidade mais
escura na Figura 5), considerado pelos estudos técnicos feitos no PDA o tamanho
ideal para garantir a sobrevivência das famílias.
A distância entre os pivôs, além de permitir a construção de estradas bem no centro
das agrovilas, tamm possibilitou a localização destas próximo aos pivôs,
guardando, porém, entre ambos, uma distância maior que aquela presenciada nos
grupos da FETAGRI. Tanto que as famílias da CUT não manifestaram nenhuma
preocupação com relação ao uso de agrotóxicos nas lavouras irrigadas, como
fizeram as famílias da FETAGRI, conforme será apresentado ao analisarmos as
agrovilas daquela entidade.
O tamanho dos lotes individuais nas agrovilas criou condições para que as famílias
nele desenvolvessem uma pecuária leiteira, garantindo assim uma renda mensal
para sua sobrevivência. Visando ampliar a área de pastagem, os parceleiros
recorrem à área coletiva de sequeiro, na qual cada família tem assegurado
aproximadamente 7 ha (área de coloração amarela na Figura 5).
Relembramos também que a forma original da distribuição das áreas só existe nos
documentos oficiais do INCRA, pois devido aos arranjos feitos pelas próprias
famílias, principalmente em virtude do esfacelamento dos grupos coletivos, aquela
configuração inicial encontra-se atualmente completamente descaracterizada. O fim
dos grupos coletivos requereu das famílias, à revelia do INCRA, a contratação de
agrimensores para realizar a divisão da área coletiva e consequentemente a sua
redistribuição em lotes individuais entre as famílias do antigo grupo coletivo.
178
A exploração coletiva da área irrigada, de certa forma, ainda é garantida gras ao
arrendamento dos pivôs, mesmo assim, esta área também sofreu rearranjos, pois é
comum os parceleiros trocarem
áreas entre si e, como resultado
dessas trocas, é muito comum
encontrar famílias detendo o
controle de duas partes no pivô,
enquanto outra possui duas
partes no sequeiro, e bem
delimitadas com cercas, para o
desenvolvimento da pecuária.
5.1.2.2. As divergências internas
Um traço marcante dos grupos organizados pela CUT é a grande divergência
política existente entre suas lideranças, não havendo unidade de ações e práticas
que possa caracterizá-los. Acreditamos que isso possa ser resultante do grande
número de acampamentos envolvidos na implantação do Assentamento Itamarati,
tendo em vista que os agrupamentos já tinham vários anos de existência, e que seus
líderes, pessoas com experiência de luta, mas cada um com um estilo diferente de
encaminhar seus assuntos, não foram capazes de negociar entre si soluções
conjuntas para problemas comuns, gerando tensões desde o início.
A esse problema acrescenta-se ainda outro, revelado pelo Sr. Levino Zanata:
Nós sabemos da necessidade de renovação das ideias e do
surgimento de novos líderes, de certa forma, a CUT procura
incentivar isso no início, mas o problema é que para isso as antigas
lideranças são descartadas, e mesmo estes novos deres quando
passam a ter certa autonomia na forma de pensar, também são
descartados. A CUT poda o crescimento das novas lideranças ao
mesmo tempo em que descarta os antigos líderes (LEVINO
ZANATA).
Pelo depoimento do Sr. Levino pode-se inferir que a CUT se vale da estratégia de
dividir os assentados com o intuito de enfraquecê-los e manter o controle sobre eles,
Figura 5 - Agrovila da CUT
Org.: Ademir Terra
179
mas não temos claro se é isso o que ocorre de fato, nem quais seriam os interesses
em questão, nessa prática da entidade.
Concordamos que a divergência de ponto de vista é saudável, que os debates
devem ser estimulados de maneira positiva para que haja o crescimento e o
amadurecimento das ideias e das pessoas para que, a partir desses pressupostos,
possam lutar por objetivos comuns. Porém, para que isso se efetive, é necessário
que aqueles que se opõem nos embates compreendam a posição dos seus
opositores e flexibilizem suas crenças, a fim de que se construam consensos nos
quais todos possam ser beneficiados.
5.1.3. Federação dos Trabalhadores na Agricultura FETAGRI
As 395 famílias assentadas por esta organização de trabalhadores foram
distribuídas em 28 grupos que passaram a ocupar uma área total de 7.964,08 ha no
Assentamento Itamarati. (Figura 6 e Mapa 13)
É a entidade mais numerosa e heterogênea e, consequentemente, a que ficou com
a área maior e mais diversificada. Possui 15 pivôs, os quais deram origem a 15
grupos de coletivos irrigados, constituídos de nove a doze famílias. A área irrigada
que pertence a cada família desses grupos corresponde a 9,5 ha, e os lotes de
sequeiro individual têm uma área de 3 ha.
Como se observa no Mapa 13, dois pivôs que se localizavam nas proximidades do
núcleo urbano foram desativados
42
com o intuito de abrir espaço para a sua
ampliação
43
42
Além desses dois pivôs, outros três que se localizavam na área da CUT também foram
desativados, como vimos anteriormente.
e também para a demarcação dos lotes do grupo denominado Para-
rurais (designação técnica dos gestores do projeto para moradores urbanos que
vivem de atividades agrícolas no campo) ou chacrinhas, como são internamente
chamados pelos assentados.
43
As peças dos pivôs desmontados deveriam servir para a formação de um estoque de reposição
para os demais equipamentos do assentamento, porém muito pouco foi reaproveitado e existem
muitas especulações sobre que destino teria sido dado a esse material.
180
Mapa 13 - Federação dos Trabalhadores na Agricultura
181
Dois grupos, um formado por 55 famílias contempladas com uma área de 07 ha, e
outro, composto por 11 famílias,
com lotes de 5 ha (Figura 6), em
virtude da sua pequena extensão
e de sua localização próxima ao
núcleo urbano, são denominados
Para-rurais. A ideia inicial era que
essas áreas fossem destinadas a
casais jovens sem filhos, ou com
poucos filhos, e também para
casais idosos que não
necessitassem e nem
conseguissem explorar uma área
maior.
Como os dois pivôs que existiam nas proximidades dessa área foram desmontados,
e consoante com o destino que deveria ser dado às peças oriundas do desmanche,
foi elaborado um projeto que previa utilizar, de um desses equipamentos, a bomba,
o motor e ainda outras partes elétricas e hidráulicas, para implantar um sistema
diferente de irrigação, beneficiando as 66 famílias que integram esses dois grupos. A
proposta é que deveriam se dedicar ao plantio de olerícolas, frutas e à criação de
pequenos animais, visando à sua sobrevivência, bem como à comercialização,
principalmente, para suprir, com esses produtos, o núcleo urbano.
Porém, de acordo com informações fornecidas pelo Sr. Rogério Franchini, o sistema
de irrigação até agora não pôde entrar em funcionamento tendo em vista que o
projeto era composto de duas etapas: a primeira previa a construção da
infraestrutura de recalque de água da represa de captação até a caixa d’água, com
capacidade para um milhão de litros; a segunda, seria a construção da infraestrutura
de distribuição de água dessa caixa até os lotes dos produtores.
A primeira etapa foi concluída e entregue com certo atraso, e a segunda parte do
projeto teve início logo em seguida, mas a empresa contratada entregou a obra
no final de 2008, depois de muitas pressões e ameaças. No longo intervalo entre a
Figura 6 - Organograma inicial da FETAGRI
182
entrega da primeira e da segunda partes, no entanto, foi roubada a infraestrutura
construída na primeira etapa, e ladrões levaram o painel e a bomba. “Nós colocamos
o painel e a bomba para testar, quando ligamos, o transformador explodiu, pois fazia
muito tempo que estava parado, então o grupo ficou sem irrigação por causa do
saque que fizeram da infraestrutura feita na primeira etapa” (ROGÉRIO
FRANCHINI).
A FETAGRI é a única organização do Assentamento Itamarati que possui uma área
de sequeiro, destinada desde o início à prática da pecuária, onde estão 97 famílias
distribuídas em sete grupos, os quais, tal como os Para-Rurais, nunca possuíram a
mesma configuração dos grupos irrigados, tanto desta organização de trabalhadores
quanto das demais. Estes grupos se constituíam apenas para a socialização, pois
acessaram os recursos do PRONAF A individualmente, ou seja, sem a
obrigatoriedade de investir um percentual em áreas coletivas como os demais.
Essa área, pelas suas características físicas, foi originalmente destinada para a
fixação das famílias da organização FETAGRI que pretendiam desenvolver a
pecuária. Mesmo assim, nos primeiros anos, muitas delas resolveram investir em
lavouras, principalmente no cultivo de soja e milho. Devido aos poucos
investimentos na melhoria do solo, em virtude de ser uma área de sequeiro e,
sobretudo, pela estiagem ocorrida durante a safra 2004/2005, os resultados foram
muito ruins. As famílias relatam perda total nesse período. Aqueles que plantaram
com recursos do PRONAF tiveram a cobertura do PROAGRO, mas os que
recorreram a financiamentos privados, não puderam contar com esse seguro
agrícola.
A despeito dos prejuízos e contrariando as previsões feitas no DPA - Os parceleiros
das áreas de Sequeiro e da Pecuária da FETAGRI, por não possuírem irrigação e
ocuparem os lotes de forma individual, certamente terão dificuldades redobradas de
sobrevivência e desenvolvimento” (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 217) -, as
famílias pertencentes a esses grupos, são as menos endividadas e as que passaram
a ter um retorno mais rápido do investimento dos recursos oriundos do PRONAF A.
Isso porque as parcelas desse recurso, que deveriam ser investidas em
infraestrutura nos lotes, não foram aplicadas na aquisição de máquinas, mas na
compra de vacas e na construção de instalações voltadas ao desenvolvimento da
183
pecuária, como cercas e piquetes para o manuseio do gado. Todavia, alguns grupos
ainda sofrem com a dificuldade para obter água para seus rebanhos. Lembramos
que a antiga fazenda já praticava agricultura de sequeiro e a pecuária nessa área,
por causa da sua distância em relação aos cursos d’água (Mapa 13).
5.1.3.1. Agrovila da FETAGRI
Esta entidade, sob vários aspectos, esta entidade é a que possui as características
mais heterogêneas de todo o assentamento, as quais estão presentes também na
diversidade de formas que a organização empregou na distribuição dos lotes entre
os grupos.
As agrovilas dos grupos coletivos irrigados desta organização são as que possuem
uma espacialização bem peculiar. Localizadas ao redor dos pivôs, estão
identificadas, na Figura 7, com uma tonalidade de cor mais escura, enquanto que os
retângulos maiores, de coloração amarela, identificam os lotes de sequeiro que,
apesar de estarem inseridos em comunidades denominadas grupos de pecuária,
nunca constituíram grupos coletivos.
A localização dos grupos
coletivos irrigados ao redor dos
seus respectivos pivôs, além de
facilitar as atividades dos
trabalhadores, que não
necessitam vencer diariamente
grandes distâncias para chegar
aos seus lotes de trabalho, ao
contrário do que acontece com
os assentados pelas
organizações MST e AMFFI, tamm favorece o cuidado com a lavoura permitindo-
lhes detectar quaisquer anormalidades que possam estar ocorrendo com a
plantação em tempo hábil para tomar as devidas provincias, pois estão
diariamente circulando ao redor de sua roça; além disso, a localização proporciona a
Figura 7 - Agrovila da FETAGRI
Org.: Ademir Terra
184
vantagem de poderem vigiar de perto seus pivôs, dificultando assim, os frequentes
saques de partes dessas estruturas.
Se, por um lado, a localização proporciona as vantagens elencadas, é certo, por
outro, que tamm é motivo de controvérsia, pois alguns trabalhadores atribuem a
ela a dificuldade para o cultivo de determinadas lavouras nos lotes individuais como,
por exemplo, a uva e o chuchu, bem como a crião do bicho da seda, em virtude da
exposição aos agrotóxicos, principalmente os dessecantes, que são aplicados na
lavoura coletiva.
Essa reclamação tem sua lógica. No entanto, os agricultores que plantam nas áreas
irrigadas com pivôs e aplicam agrotóxicos nas lavouras defendem-se dizendo que,
como a aplicação dos produtos é feita com a utilização de pulverizadores puxados
por tratores, em horários específicos e em condições de tempo adequadas, é quase
nula a contaminação por efeito da deriva do agrotóxico levado pelo vento. Alegam
tamm que quem pode estar sofrendo com os efeitos dos defensivos são os
agricultores da FETAGRI localizados nas proximidades da Fazenda Santa Virgínia,
onde se aplica os produtos empregando aeronaves e, neste caso, pulverizados em
grandes áreas, eles volatizam com certa facilidade e, com a queda da temperatura à
noite, condensam e descem, causando danos.
Porém, há quem diga que essa explicação é infundada, uma vez que tal deriva é de
apenas duzentos ou trezentos metros no máximo. Além do mais, por uma questão
de economia, não é interessante que a deriva aconteça, e mesmo com a utilização
de aeronaves, tamm se evita a aplicação dos produtos em condições impróprias,
como por exemplo, quando está ventando.
Responsabilidades à parte, o problema é que as famílias alegam estar sofrendo os
efeitos da constante exposição aos agrotóxicos, uma grande preocupação com a
saúde das pessoas que habitam essas agrovilas, tanto por parte de alguns
trabalhadores como de profissionais que atuam no setor de saúde dentro do
Assentamento.
A superexposição a substâncias tóxicas a que essas famílias estão submetidas pode
provocar efeitos imediatos ou de longo prazo. No primeiro caso, mais fácil de ser
detectado, a vítima apresenta os sintomas logo após uma pulverização na lavoura, o
185
que facilita a associação entre a exposição ao produto e o quadro apresentado pelo
intoxicado - há relatos de que nos períodos em que ocorrem as aplicações mais
intensas, é comum pessoas apresentarem cefaléias, pruridos e alergias - porém, a
preocupação maior é com o segundo caso, em virtude da falta de estudos e de
acompanhamento das consequências dessa exposição para a saúde das famílias.
5.1.3.2. Origem das famílias da FETAGRI
A origem das famílias que compõem a organização de trabalhadores da FETAGRI é
bastante heterogênea, sobretudo, por causa da forma de mobilização e de
organização realizada pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais filiados à
Federação dos Trabalhadores na Agricultura em Mato Grosso do Sul.
44
De acordo com Almeida (2003):
Esta
entidade tem grande facilidade para arrebanhar as famílias que queiram ingressar
na luta pela reforma agrária, por isso mesmo, como já afirmamos anteriormente, é a
maior responsável, quantitativamente, pela coordenação da luta pela terra no Mato
Grosso do Sul.
A história do sindicalismo rural representado pela FETAGRI tem
início conjunto com a instalação do Governo de Mato Grosso do Sul,
em 01/01/1979, já que neste período ela possuía, no território do
novo Estado, dez Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), a
maioria concentrados na região da Grande Dourados (ALMEIDA,
2003, p.150).
É importante lembrar que muitas famílias direcionadas para o Assentamento
Itamarati sob a liderança das diferentes organizações de trabalhadores, em especial
da FETAGRI, são as dos chamados brasiguaios, isto é, brasileiros que moraram e
trabalharam na lavoura no Paraguai durante um período da vida, e posteriormente
44
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Mato Grosso do Sul - FETAGRI-MS
foi fundada em 23 de fevereiro de 1979 e reconhecida pelo Ministério do Trabalho em 23 de maio do
mesmo ano. É uma entidade sindical de 2º grau, filiada a CONTAG (Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura) e congrega atualmente 68 Sindicatos de Trabalhadores Rurais filiados.
Representa aproximadamente 15.000 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais instalados em
122 acampamentos, localizados em diversos munipios do interior do estado e coordenados pelos
respectivos Sindicatos de Trabalhadores Rurais filiados à Federação. Fonte:
http://www.fetagrims.org.br acessado em 19 de março de 2009.
186
retornaram para o Brasil. Há inclusive paraguaios, com dupla cidadania, que
tamm foram contemplados com um lote no Assentamento.
5.1.4. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST
Coube ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra coordenar o assentamento de
320 famílias no Itamarati, sendo responsável, portanto, pelo segundo maior número
de famílias assentadas, menor apenas que o da FETAGRI.
A área total destinada aos trabalhadores ligados a
esta organização é de 7.226,5 ha, distribuídos da
seguinte forma: 1.984,62 ha de área irrigada, com 17
pivôs; 793,03 ha de área de sequeiro; 2.589,17 ha,
onde foram construídas as agrovilas e se localizam
os lotes individuais; 1.859,67 ha ocupados com
áreas de Preservação Permanente (PP), Reserva
Legal (RL), estradas, rios e represas (Mapa 14).
As 320 famílias foram distribuídas em 17 grupos,
cada um com 18 ou 19 delas. Cada núcleo familiar
tomou posse de uma área aproximada de 16 ha,
distribuídos assim: 6 ha na área coletiva irrigada, 2
ha na área coletiva de sequeiro e 8 ha de área de
sequeiro, localizados nas agrovilas (Figura 8).
Nessa distribuição encontramos uma contradição,
pois o discurso das lideranças do MST defende
como modelo ideal, a posse coletiva da terra, e que essa escolha seria fruto do
amadurecimento político dos trabalhadores, alcançado nos debates que acontecem
nos seus acampamentos. Porém, poderíamos indagar: Por que esse descompasso
entre a teoria e a prática? Não seria esse o momento ideal para se colocar em
prática o discurso, uma vez que o Assentamento Itamarati foi concebido numa
perspectiva modelar, priorizando a gestão coletiva e, principalmente, em decorrência
das dificuldades que a existência dos pivôs impõe à posse individual da terra?
Figura 8 - Organograma inicial do MST
187
Mapa 14 - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST
188
Uma possível resposta para essa forma de distribuição dos lotes talvez advenha da
coincidência entre o momento de implantação do Assentamento Itamarati e o da
opção do MST pela forma de gestão semicoletiva, enquanto ainda discutia
internamente, reavaliando o modelo das CPAs, diante de seu insucesso nas
tentativas de desenvolver o cooperativismo durante os anos 1990.
Ou seja, a escolha pelo modelo se deu concomitante à época em que o MST
realizava discussões e reavaliações nas quais se propunha uma pausa no processo
de coletivização, até que se instituíssem as “condições subjetivas” necessárias ao
desenvolvimento da tipologia organizacional pretendida pela direção do MST nos
assentamentos rurais.
45
5.1.4.1. A agrovila do MST
Apesar do projeto inicial do Assentamento determinar que ele seria coletivo, o que
se verificou na prática, desde o início, foi a adoção de um modelo semicoletivo.
Mesmo que a maior parte da área tenha sido inicialmente distribuída na forma
coletiva, cada família recebeu um lote para a exploração individual, havendo até,
como vimos na FETAGRI, vários grupos explorando de forma individual a totalidade
de suas áreas no sequeiro.
Como podemos observar na Figura 7, os dezessete grupos do MST são os que, em
todo o Assentamento, possuem uma distribuição mais equitativa das áreas individual
e coletiva, o que não lhes confere um perfil propriamente coletivo, em função do que
preferimos denomi-lo misto.
Cada família assentada pelo MST possui, nas agrovilas, um lote individual com 8 ha.
Isso faz com que, justamente o grupo que tem, pelo menos em tese, o maior
acúmulo de discussões e, consequentemente, teria predisposição para o coletivo,
detenha 50% de sua área na forma de exploração individual, excetuando-se apenas
o Grupo 17, Eldorado dos Carajás, o único, de todo o Assentamento, com área
totalmente coletiva.
45
Acerca deste assunto, ver: STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano (1999, p.101).
189
As famílias que compõem os dezessete grupos do MST têm em comum com as da
AMFFI o problema da distância do lote de moradia em relação ao lote de produção,
impondo-lhes um deslocamento diário. Se para os trabalhadores da AMFFI essa
situação foi decorrência de sua falta de experiência na elaboração da agrovila, da
implantação de um modelo preferido e sugerido pelo INCRA e, principalmente, de
uma escolha consciente de seus líderes que buscavam o isolamento em relação às
demais entidades, no caso da CUT, a opção foi o desejo de equidade do tamanho
dos lotes individual/coletivo.
A busca pela equidade, as características naturais da área e a localização dos pivôs,
muito próximos uns dos outros (colocados assim, pela antiga fazenda, como
estratégia para maximizar e racionalizar a obtenção e distribuição d’água), fez com
que as agrovilas ficassem distantes da área coletiva, seja do sequeiro, seja da
irrigada. Os idealizadores do projeto buscaram minorar o problema encaixando as
agrovilas onde fosse possível, de forma que pudessem ficar mais próximas do
restante da área de cada grupo.
Assim, com algumas exceções, coincidiu de as agrovilas estarem concentradas em
uma área, enquanto que os lotes de produção, coletivos irrigados e sequeiros, estão
agrupados noutra área do Assentamento, como pode ser visualizado nas Figuras 9 e
10.
Por tudo isso, a constituição das agrovilas não é uniforme, do mesmo modo que os
lotes individuais possuem formas e medidas irregulares (Figuras 9 e 10).
Figura 9 - Agrovila do MST
Org.: Ademir Terra
Figura 10 - Proximidade dos Pivôs do MST que
dificultou a localização da Agrovila
Org.: Ademir Terra
190
A Figura 9, além de mostrar a proximidade entre os pivôs, o que dificultou a
instalação das agrovilas nas suas imediações, mostra tamm a localização da
pequena área coletiva de sequeiro (2 ha para cada família) pertencente a cada
grupo ao redor dos seus respectivos pivôs.
O tamanho do lote individual desses grupos já foi motivo de muito debate, inclusive
no momento das discussões para a elaboração do próprio PDA do Assentamento,
considerado muito grande e um fator de desagregação do coletivo:
[...] Considera-se ainda que a área individual dos parceleiros deste
movimento é desproporcionalmente grande e pode ensejar
problemas de atuação nas áreas coletivas (a exemplo do que ocorre
em outros assentamentos do MST no País, onde o parceleiro acaba
se dedicando muito mais a área individual)
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 217).
O fato é que, na prática, o coletivo já não existe mais, nem nos grupos coordenados
pelo MST, tampouco nos demais, porém, não é possível apontar quanto de
responsabilidade tem o tamanho do lote individual na desagregação do modelo
coletivo de exploração. Do nosso ponto de vista, isso teria pouca ou nenhuma
implicação no desmonte dos grupos coletivos. Se essa relação fosse verdadeira, por
certo esse modelo de exploração teria tido êxito na organização AMFFI, tendo em
vista que naquela, o tamanho do lote individual, como vimos anteriormente, é de
apenas 1 ha, e lá, a desagregação do coletivo ocorreu de forma concomitante e até
antes das demais organizações de trabalhadores.
Responsável ou não pela desagregação do coletivo, hoje o tamanho do lote
individual é o grande diferencial dos assentados pelo MST, considerando que o
arrendamento da área irrigada se colocou como imperativo em virtude de uma série
de circunstâncias que serão discutidas mais adiante. Os oito hectares de que as
famílias do MST dispõem lhes dão maior flexibilidade quanto à exploração da área.
Existem aqueles tamm que arrendam o lote de sequeiro ou parte dele, quer para
os arrendatários que se dedicam ao cultivo de soja, quer para outros assentados
cujas áreas de pastagens são muito pequenas e necessitam de espaço maior nos
períodos mais críticos do ano. A dimensão dos lotes permite o cultivo exclusivo de
commodities, lavouras comerciais, de sobrevivência ou, ainda, consorciando e/ou
rotacionando entre essas atividades. Todavia, predomina nessa área a pecuária
leiteira que, por mais rudimentar que seja, é a atividade econômica que tem
191
proporcionado renda permanente e provido o sustento das famílias ao longo do ano,
ficando a renda auferida com o arrendamento da área irrigada/coletiva para
investimentos mais expressivos, em virtude do montante que o trabalhador acessa
de uma só vez.
Aos seis hectares de área irrigada (pivôs) que cada família possui é dado o mesmo
destino dos demais grupos coletivos/irrigados pertencentes às demais organizações
de trabalhadores, ou seja, são arrendados, porém a renda obtida com essa prática
só é menor que a das famílias pertencentes aos grupos de coletivo/irrigado da
FETAGRI, uma vez que naquela, é divida entre 20 famílias e nesta, 17.
Já a área coletiva de sequeiro, devido à sua pequena dimensão, à localização ao
redor do pivô e à distância em relação ao lote de moradia, muitas vezes é ignorada
pela maioria das famílias, podendo ser explorada por um ou outro membro do
próprio grupo ou, por sua localização, arrendada juntamente com o pivô para o
mesmo arrendatário.
5.1.4.2. Grupo Coletivo Eldorado dos Carajás
O Grupo Eldorado dos Carajás pode ser localizado, no Mapa 14, sob o número 17,
no pivô L6. Como os demais grupos do MST, foi formado inicialmente por dezenove
famílias, que têm como diferencial o fato de ser composto por pessoas que foram
lideranças e militantes na época de acampamento e do processo de implantação do
Assentamento Itamarati.
O grupo hoje é constituído por apenas 13 famílias, ou seja, desde que o
Assentamento foi concebido, a comunidade já perdeu seis famílias, vagas essas que
os membros esperam em breve poder preencher para que o grupo volte a ter o
mesmo número que possuía no início.
A ideia de constituir um grupo totalmente coletivo é anterior à implantação do
Assentamento Itamarati, tendo surgido de um pequeno grupo de militantes do MST
sul-mato-grossense que vinha se dedicando ao estudo desse modelo e tinha como
referência algumas experiências positivas realizadas no sul do país. Segundo a Sra.
Ana Carla Ferrari:
192
Nós nos reuníamos na casa do Cleiton, em Novo Horizonte do Sul, e
trazíamos o pessoal da prodão e dizíamos que tínhamos um grupo
que estava fazendo a discussão do coletivo, que estávamos fazendo
reuniões para começar a entender melhor, para ver como funciona
(ANA CARLA).
O desejo do grupo em conhecer melhor a proposta de assentamentos coletivos
surgiu da efervescência do debate acerca do modelo que pautava as discussões do
Movimento em fins da década de 1990.
Nós nhamos como princípio que para nós sermos assentados e
favorecer o MST e continuar na luta, a gente tinha que ser assentado
no coletivo, [...] Então decidimos que quem iria determinar para onde
deveríamos ir, seria o movimento. Procuramos a direção e dissemos
que nós tínhamos um grupo coletivo e que eles deviam decidir onde
nos colocar para que pudéssemos continuar contribuindo com o
movimento (ANA CARLA).
Como a direção do MST sul-mato-grossense tivera participação ativa no projeto do
Assentamento Itamarati desde as primeiras negociações para a aquisição da
fazenda, tinha ciência das dimensões do empreendimento, do modelo de gestão
coletiva proposto pelo INCRA e, consequentemente, da grande quantidade de mão
de obra que demandava. Assim, ponderou que o projeto coadunava com a
reivindicação do grupo e, ao mesmo tempo, avaliou que poderia contar com o seu
auxílio no processo de instalação das demais famílias que pretendia assentar na
área. “Aqui já tinha meio caminho andado, pois a determinação era que aqui seria
coletivo por causa do pivô, esta era a proposta geral do assentamento” (ANA
CARLA).
Este grupo desenvolve todas as atividades coletivamente, e o uso coletivo da terra é
uma nova proposição defendida pelo MST. “Somos totalmente coletivo, terra, capital
e trabalho, o único individual que temos aqui é um lote de 20 por 50, onde está
localizada a nossa casa (CLEITON ALEXANDRE
46
De acordo com a CONCRAB (1998):
).
Os grupos de prodão coletiva representam um passo à frente na
organização da produção, pois já exige um grau de consciência mais
elevado por aglutinar pessoas ou famílias que já estão dispostas a
organizar o processo de produção de forma coletiva. Nessa forma,
não se exige um número nimo ou máximo de participantes porque
trata-se ainda de um grupo informal que pode funcionar sem
necessidade de legalização (CONCRAB, 1998, p.65).
46
Cleiton Alexandre Pereira Valente, coordenador e um dos principais líderes do grupo 17.
193
A defesa do MST para essa proposta de assentamento se dá em função de que o
modelo facilita a permanência das famílias no campo através da implantação de um
planejamento que abrange as questões da organização da produção, da moradia, da
área de lazer, até a dos serviços básicos (saneamento, energia, entre outros). Nele,
as famílias participam das decisões ou permanecem no grupo se estiverem inseridas
no processo produtivo e organizativo. Traz ainda a vantagem de impedir a
comercialização do lote pelo assentado, uma vez que ele detém apenas o usufruto
do bem. Aproximadamente 317 há são coletivos nenhuma família tem direito
privado. Talvez este seja o ponto crucial da rejeição a esse modelo de
assentamento, pois faz parte da cultura do trabalhador do campo pensar na terra
como uma herança para seus filhos e, neste caso, não há nenhum bem material
com valor monetário.
O núcleo habitacional
(Fotos 9 e 10) é composto
aproximadamente por
quatro hectares onde estão
localizados 20 lotes
medindo 20 x 50 metros.
Cada família tem sua
moradia e pode cultivar um
jardim ou uma pequena
horta. Um dos lotes do
núcleo é reservado para o
escritório do grupo. Um hectare está destinado para a praça de lazer e mais um,
para a instalação de barracões, depósitos e campo de futebol.
Os 338 ha pertencentes ao grupo estão assim distribuídos: 170 ha destinados à
bacia leiteira, um sistema de criação simples em que o bezerro é vendido logo após
o desmame, aproveitando-se o leite para a sobrevivência das famílias e para a
comercialização do excedente; 48 ha utilizados para o cultivo de mandioca, milho,
feijão, arroz, entre outros, destinado à sobrevivência das famílias, sendo o
excedente armazenado ou comercializado; 120 ha de área irrigada pelo pivô são
usados no cultivo de grãos, como soja, milho, feijão, entre outros, e sua produção
está voltada ao comércio. Vale lembrar que esta área tamm é cultivada por
Foto 9 - Entrada do núcleo de moradia do Grupo 17 - Eldorado dos Carajás
Autor: Ademir Terra
194
arrendatários, mas as
famílias preferem dizer
que realizam parcerias,
uma vez que a pessoa
que arrenda tem,
obrigatoriamente que
utilizar máquinas e mão
de obra do próprio
grupo.
5.1.4.3. Origem das famílias do MST
De acordo com informações prestadas por pessoas que ocuparam cargos de
coordenação no processo de implantação do Assentamento, a área organizada pelo
MST é denominada Assentamento Conquista na Fronteira, fazendo parte, pela
divisão geográfica do Movimento, da Regional Fronteira que compreende os
municípios de Amambai, Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista, Coronel Sapucaia,
Paranhos e Ponta Porã.
As famílias assentadas pelo MST são oriundas de onze acampamentos localizados
em diferentes regiões do estado e passaram por um período de permanência em
acampamentos que varia de um a seis anos.
Diferentemente dos discursos proferidos por algumas ex-lideranças da época de
acampamento, muitas famílias disseram ter sido informadas que seriam assentadas
no Itamarati em cima da hora, por pessoas que chegavam com caminhões e ônibus,
dizendo que elas teriam que decidir naquele momento se queriam ou não ser
levadas para o Assentamento. Diziam ainda que não possuíam informação sobre a
área para a qual estavam sendo conduzidas, e que os próprios encarregados de
embarcá-las não detinham esse conhecimento.
Foto 10 - Núcleo habitacional do Grupo Coletivo 17 Eldorado dos Carajás
Autor: Ademir Terra
195
Esses dados, fornecidos pelas famílias, corroboram o depoimento prestado por
Rogério Franchini, servidor do extinto IDATERRA, atual AGRAER, que foi designado
pelo governo do estado para locar ônibus e caminhões com o objetivo de embarcar
famílias acampadas pelo MST no cone sul do estado e trazê-las para o
Assentamento Itamarati.
Eu não conhecia o projeto Itamarati, não sabia nem onde ficava,
recebi a incumbência de transportar o pessoal. Eu era responsável
para contratar os ônibus e os caminhões, para transportar tanto
gente, como móveis, barracos, algum animal. Eu tinha que arrumar
caminhão de carroceria e boiadeiro, pois tinha vaca, cavalo que
deveria transportar. Eu estava transportando a vida toda deles para
cá.
Uma coisa que eu presenciei que achei um absurdo, pois quando se
fala na discussão do projeto Itamarati que foi amplamente discutido
com os assentados,
ao chegar a Eldorado, ficou bem claro que não
havia nenhuma discussão de quais famílias viriam, nem estavam
esperando, aí foi aquele atropelo, um “Deus nos acuda”, a decisão
era na hora, as famílias foram jogando as coisas em cima do
caminhão, e vieram para cá. Foi uma coisa marcante (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Como podemos observar, estes depoimentos de certa forma maculam aquela
imagem que muitos simpatizantes e militantes do MST passam de que nos seus
acampamentos as famílias estão sempre bem informadas, e que as decisões são
reflexos das exaustivas e profícuas discussões que precedem a criação dos
chamados “assentamentos modelos”. Não queremos com isso jogá-lo na vala
comum, e não estamos dizendo que o MST não tenha práticas que o distinguem das
demais organizações de luta pela terra; estamos apenas ressaltando que nem tudo
é como se propagandeia.
Além disso, a fala desse senhor desmascara a farsa contida nos discursos
elaborados por aqueles que alardeavam as características especiais do
Assentamento Itamarati como um modelo de participação das famílias em todas as
fases do processo de sua criação e posse. É certo que estamos elencando fatos
ocorridos com as famílias organizadas pelo MST, e que o Assentamento ainda
estava sendo gestado, porém os fatos se repetem nas demais organizações, e
entendemos que se é modelo de participação, ela deve ocorrer desde o primeiro
momento.
196
Uma justificativa para o atropelo de última hora ocorrido com as famílias acampadas
sob a organização do MST nos foi dada pelo Sr. Ronaldo José Pucci
47
As pessoas não ficaram assustadas com o Itamarati, o medo era de
Ponta Porã, da fronteira, nós deveríamos mandar de Novo Horizonte
do Sul, 150 famílias, mas só 49 quiseram vir, as pessoas não
queriam vir também, porque tinham medo do coletivo, de trabalhar
todos juntos sem experiência. Como sobraram vagas de Novo
Horizonte do Sul, e segundo eu soube também aconteceu noutros
acampamentos, dessa forma, tivemos que designar alguém para ir
aos outros acampamentos que não estavam nos planos iniciais do
movimento para arrebanhá-los, assim muitas falias foram pegas
de surpresa (RONALDO JOSÉ PUCCI).
:
Nesta passagem, o entrevistado, ao justificar a estratégia utilizada para compor o
número de famílias a serem assentadas pelo Movimento, traz à luz dois novos
elementos: o medo de morar na faixa de fronteira com o Paraguai, e o desinteresse
pelo modelo de gestão coletiva do Assentamento.
O temor da fronteira é justificado pelo elevado índice de criminalidade que ocorre na
área, em função da dificuldade de punir o criminoso que procura abrigo no país
vizinho, bastando para isso atravessar uma rua e, também, pela falta de atuação
conjunta das polícias dos dois lados.
O desinteresse, ou pouco interesse, pelo modelo de geso coletivo do
assentamento é outro fato que tamm nos faz assimilar com reservas os discursos
das lideranças do MST, que o apregoam como o ideal para seus assentamentos,
uma opção que é fruto do amadurecimento alcançado pelas famílias nas discussões
realizadas no acampamento e nos diferentes fóruns onde o assunto é debatido. De
fato, essa seria uma solução interessante para as famílias do Assentamento
Itamarati, desde que refletisse uma escolha consciente por parte da clientela
interessada. A desistência de dois terços das famílias do acampamento de Novo
Horizonte do Sul é muito significativa, pois demonstra que não existe essa
unanimidade em torno do modelo que o Movimento propaga, nem mesmo que as
discussões sobre essa opção não foram bem trabalhadas pelas lideranças nos
acampamentos no estado.
47
O Sr. Ronaldo José Pucci foi acampado por dois anos, no Município de Novo Horizonte do Sul; foi
coordenador estadual do setor de produção do MST, o encarregado de coordenar o embarque das
famílias daquele município para o Assentamento Itamarati e um dos responsáveis pela organização
das famílias que seriam assentadas. Atualmente, é o presidente da Cooperativa Agroindustrial Ceres
(COOPACERES).
197
Se algumas famílias sequer souberam com antecedência que seriam contempladas
com um lote no Assentamento Itamarati, outras revelaram que, nos tempos de
acampamento, não participaram de nenhum tipo de discussão sobre como seria a
sua gestão. A ausência de discussão foi justificada por algumas ex-
líderanças/coordenadores em função da complexidade organizacional, mas,
segundo eles, foi feito o possível para que tais discussões ocorressem nos
acampamentos previamente selecionados para deles saírem as famílias que iriam
para o Assentamento Itamarati, de maneira que os trabalhadores fossem
esclarecidos sobre os desafios que teriam que enfrentar ao aceitarem as condições
de trabalhar de forma cooperada.
O Sr. Ronaldo José Pucci nos explicitou quais eram as informações que as famílias
por ele coordenadas no Município de Novo Horizonte do Sul detinham, antes de
serem embarcadas para fazer parte do Assentamento Itamarati:
A informação que tínhamos era que na Itamarati tinha pivôs, uma
parte seria destinada à exploração coletiva e outra para a individual.
Sabíamos que no coletivo deveria produzir soja, milho, arroz, feijão e
na área individual cada um iria fazer o quisesse [...] Agora a
discussão do que faríamos na prática no assentamento só aconteceu
no laboratório de 45 dias que aconteceu aqui (RONALDO JO
PUCCI).
Se houve uma discussão prévia para a escolha do modelo, ou mesmo para decidir a
forma de exploração, ela não envolveu os futuros assentados. Levando em
consideração a divisão fundiária e o fato de que muitas famílias ainda não estavam
inteiradas das pretensões do MST para o Assentamento, então, o Movimento
realizou o Laboratório Organizacional de Campo LOC, de que participaram as 320
famílias sob sua coordenação, durante 45 dias, visando melhor organizá-lo.
Conforme Pereira (2000 apud SILVEIRA, 2003, p.99), a utilização da técnica do LOC
em assentamentos do MST tem como objetivo facilitar a organização coletiva, bem
como construir uma “base de ideal socialista”. DAquino (1994, apud SILVEIRA,
2003, p.99) afirma que os LOCs são utilizados em um assentamento para que o
grupo atinja uma forma de organização mais produtiva, mudando o comportamento
ideológico de tipo “individualista” para uma “consciência organizativa empresarial”.
Foi durante a realização do LOC que o MST discutiu com as famílias a organização
do Assentamento Itamarati, a elaboração do PDA e as linhas de produção.
198
Fizemos um laboratório para poder entrar aqui, veio técnico dos
estados de o Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,
para discutir a agroecologia, pecuária, plantio no pivô, época de
plantio, e outras coisas. Fizemos 45 dias de estudo, e como nós
havíamos arrendado os pivôs para a fazenda antes de sermos
assentados, nós também éramos levados na lavoura para ver como
que as coisas estudadas aconteciam na prática. Isso antes de dividir
a área, e também não tinha nada a ver com o PDA (CLEITON
ALEXANDRE).
Mas o Sr. Ronaldo José Pucci tem uma visão mais crítica acerca dos reais motivos
que teriam levado à realização do referido laboratório sob a coordenação do MST:
Aquelas oficinas no início foram muito políticas, por exemplo, veio o
Rolf Hackbart que na época era assessor da Câmara Federal para a
questão agrícola, ficou meio dia explicando o que ele achava da
agricultura, etc., ele só discutia a agricultura patronal, para ele era
importante produzir grãos para garantir o estoque para determinadas
finalidades. Ele nos deu a entender que nós estávamos vindo aqui
para substituir o Olacyr. Esteve aqui o João Pedro Stédile, todo esse
pessoal veio dentro desse pensamento. Não houve uma discussão
pautada na realidade das famílias que estavam sendo assentadas.
Faziam um discurso que ao final o assentado ganharia um monte de
dinheiro, meter o giz no quadro e fazer na teoria é fácil, o duro é na
hora do vamos ver, fazer produzir (RONALDO JOSÉ PUCCI).
Nesse depoimento, o Sr. Ronaldo revela uma característica que prevaleceu no
Assentamento Itamarati desde a sua concepção, isto é, a ideia de que ali nascia um
empreendimento econômico, de cunho meramente produtivista, do qual se espera o
retorno econômico-financeiro dos investimentos públicos. Já os pressupostos sociais
básicos como o de atender as determinações constitucionais de acesso à
propriedade e de garantia da função social da terra, a sobrevivência de cada família
assentada através do emprego de técnicas produtivas compatíveis com o nível de
desenvolvimento do Assentamento e com a habilidade dos assentados, ficaram
relegados a segundo plano.
Outro detalhe que nos chama a atenção nesse depoimento, proferido por alguém
que esteve acompanhando todo o processo de criação do Assentamento não como
um mero expectador, mas como um membro do corpo gestor, é o fato de que o
projeto tenha servido para muitos outros propósitos, como, por exemplo, o de
transformar-se em palanque político para promoção e projeção de alguns
personagens, ou em laboratório de experiências sociais com famílias, como se
fossem hamsters, afastando-se do objetivo primordial de um programa de reforma
agrária que deveria, acima de tudo, proporcionar o acesso à terra para trabalhadores
199
sem-terra, dando-lhes condições para se fixarem no campo e proverem seu próprio
sustento de maneira digna.
Em sua explanação, o Sr. Ronaldo afirma ainda que:
As discussões foram abertas para todas as famílias do MST, e a
grande maioria não compreendia nada do que estava acontecendo, a
gente perguntava para eles o que o cara está falando? Eles
respondiam: ‘Não sei.Os assentados o estavam nem aí para o
que aquelas autoridades estavam falando. As pessoas ficavam lá
batendo papo, tomando tererê. Aquelas oficinas era mais para
justificar o dinheiro, algum recurso que estava vindo para aquele
evento, pela prefeitura através do secretário Bonelli (RONALDO
JOSÉ PUCCI).
A descrição feita pelo entrevistado deixa claro o caráter de palanque político
assumido pelo Assentamento que estava sendo implantado, pois se o objetivo do
laboratório era o de preparar as famílias que seriam assentadas, uma vez que as
discussões não haviam sido realizadas na fase de acampamento, os temas em
pauta teriam que ser pertinentes à realidade do empreendimento voltados para as
características socioeconômicas daquelas famílias a quem o projeto se destinava,
preparando e instrumentalizando os trabalhadores para um melhor desempenho
social e econômico mais adequado e condizente com as características dos seus
lotes individuais e coletivos.
Contudo, segundo a fala do Sr. Ronaldo, aquele espaço não foi utilizado para
oferecer cursos e palestras visando à preparação dos assentados para a realidade
que iriam enfrentar, e sim para discursos visando atingir outros objetivos e outras
camadas da sociedade, por isso, a falta de compreensão dos assuntos abordados
pelos palestrantes e, consequentemente, o completo desinteresse daqueles a quem
o evento deveria de fato ser dirigido.
5.2. Infraestrutura do Assentamento Itamarati
As pretensões dos idealizadores do projeto de constituir um megaempreendimento
modelo deveriam conduzir proporcional e necessariamente à projeção e instalação
de uma megainfraestrutura capaz de proporcionar a consolidação de um modelo de
gestão do Assentamento que permitisse aos atores sociais nele inseridos
200
potencializar os recursos naturais de que dispunham garantindo, dessa forma, uma
melhoria de vida.
Para a elaboração do PDA, foram realizados vários estudos que culminaram na
elaboração de diversos projetos: fundiário, educação, saúde, habitação, segurança
pública, meio ambiente, infraestrutura viária e saneamento. Porém, de tudo o que foi
projetado, muito pouco se materializou, deixando assim, as famílias privadas de
muitos recursos necessários para uma vida digna.
5.2.1. Infraestrutura viária
À época da implantação do Assentamento, a empresa encarregada das questões
ligadas aos transportes, no Mato Grosso do Sul, era a Agência Estadual de
Empreendimentos AGESUL, autarquia responsável pela elaboração do projeto da
infraestrutura viária, que tinha como objetivo a “readequação nas rodovias já
existentes e que atenderiam a nova demanda, bem como tamm a definição de
outras rodovias visando atender as novas necessidades oriundas da implantação do
assentamento”.
Para atingir esses objetivos, decidiu-se que seriam construídas:
Estradas padrão,com suporte compatível para tráfego, leve, médio e
pesado com uso previsto nos assentamentos, obtidas através de
processos construtivos compostos por elevação do greide existente
através de aterros com trator de esteiras “bota dentro” finalizando-se
com revestimento primário encascalhamento
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 243).
Após a realização parcial dessa obra, o Assentamento passou a ser interligado por
uma rede de estradas, as quais, somente depois de muita reivindicação, receberam
encascalhamento. Devido à maneira improvisada e precária
48
48
Segundo o Secretário de Obra e Infraestrutura do Município de Ponta Porã, as estradas foram mal
construídas, pois na tentativa de atender o maior número de famílias e como medida de economia,
encurtou-se a caixa (largura da estrada) em virtude do que as estradas encontram-se encaixadas,
sem caixa de passagem para o escoamento das águas pluviais, e também não foi realizado nenhum
trabalho de micro-bacias.
com que foram
construídas, e pela falta de manutenção regular, essas vias criaram muitas
dificuldades para os assentados, principalmente na época das chuvas,
impossibilitando o escoamento da produção, o acesso à sede do Assentamento, e
201
principalmente à escola, fazendo que as crianças praticamente deixem de frequentar
as aulas nos períodos mais críticos. Por isso, todos os entrevistados foram unânimes
em classificar como péssimo o estado das estradas.
Mesmo diante desse quadro, o transporte das famílias é realizado por empresas
privadas de transporte coletivo que mantêm linhas regulares. Além de empresas
intermunicipais, existe uma companhia privada
49
que liga diariamente, e em
diferentes horários, o Assentamento à sede do município de Ponta Porã, e ainda
realiza o transporte interno, interligando os diversos grupos (Foto 11 e 12). O
transporte diário de alunos até as escolas tamm é realizado por ônibus da
prefeitura de Ponta Porã (Foto 13).
Foto 11 - Ônibus de empresa particular que faz o
transporte municipal e interno do assentamento
Autor: Ademir Terra
Foto 12 - Ônibus de empresa particular que faz transporte
intermunicipal do assentamento
Autor: Ademir Terra
Foto 13 - Ônibus que fazem o transporte escolar no Assentamento
Autor: Paulo Fotografias
49
A empresa de transporte coletivo Medianeira tem linhas regulares para o assentamento partindo de
Ponta Porã, realizando cinco viagens diárias, de segunda a sábado, e três viagens nos domingos,
num percurso total de 97 km de asfalto e 2 km de estrada sem pavimentação. A empresa não
dispõe
das estatísticas de lotação média, que oscila muito em função do período do mês.
202
5.2.2. Educação
De acordo com o projeto de educação para o Assentamento Itamarati, havia no
início do ano letivo de 2003 uma demanda educacional de 1.388 alunos, enquanto a
estrutura educacional tinha capacidade para atender apenas 1.281. O plano
observava que havia uma demanda reprimida no Ensino Fundamental e registrava o
anseio da comunidade de ser atendida na área da Educação Infantil, com a
construção de creches.
Dessa forma, estava prevista uma série de ações que deveriam ser executadas a
curto, médio e longo prazos, tais como: a construção de duas escolas com duas
extensões para ofertar o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação de
Jovens e Adultos; construção de creches para oferecer o Ensino Infantil
(competência do município); capacitação inicial e continuada dos educadores do
Ensino Fundamental e Médio, incluindo capacitações pedagógicas; elaboração de
uma proposta político-pedagógica específica para os assentados que contemple
toda a Educação Básica e a Educação de Jovens e Adultos.
Passados seis anos da elaboração do referido projeto, o Assentamento conta com
aproximadamente 3.500 alunos matriculados em três unidades: Escola Nova
Conquista, com 317 alunos de Ensino Fundamental (Secretaria Municipal de
Educação); Escola Nova Itamarati (Foto 15), com 1.700 alunos do Ensino
Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA - Secretaria Estadual de
Educação) e com 80 alunos de Educação Infantil (Secretaria Municipal de
Educação); Escola José Edson, com 1.411 alunos de Ensino Fundamental, Médio e
EJA.
Assim, no que tange à demanda por criação de vagas nas escolas não nos parece
haver problema, porém as famílias ainda reivindicam não só melhores condições de
acesso (escolas mais próximas, ônibus melhores, estradas em condição de tráfego,
etc), como também professores melhor qualificados, implantação de creches, cursos
profissionalizantes, maiores e melhores oportunidades para aqueles que possam
frequentar cursos superiores, entre outras melhorias.
A maioria das críticas e reivindicações é dirigida à Escola José Edson, que apesar
de possuir o maior número de alunos matriculados, funciona em um prédio
203
improvisado, originalmente construído para ser o alojamento dos funcionários da
antiga fazenda, por isso as salas são inadequadas e desconfortáveis, uma vez que
não foram projetadas e tampouco corretamente adaptadas para este fim (Foto 14).
As salas de aula são muito pequenas e mal ventiladas, o que obriga os alunos a
estudarem amontoados e disputando espaço embaixo dos poucos ventiladores que
possuem. Para reduzir o desconforto e melhorar a ventilação, os professores se
veem obrigados a deixar a porta aberta e, às vezes, permitir que alguns alunos
assistam às aulas do lado de fora da sala, situação bastante complicada tanto para
professores, que não têm as condições ideais para o exercício de sua profissão,
quanto para os alunos, que têm seu aprendizado prejudicado, pois acabam se
distraindo com os colegas das outras salas que se encontram na mesma situação.
De acordo com as informações apuradas junto à secretaria da Escola José Edson, é
alto o índice de evasão escolar, particularmente no período noturno, entre os alunos
participantes do EJA.
Foto 14 - Escola José Edson, com salas de aulas
improvisadas, obrigando os alunos a estudarem
amontoados
Autor: Ademir Terra
Foto 15 - Escola Nova Itamarati, localizada no núcleo urbano
Autor: Ademir Terra
204
5.2.3. Saúde
O projeto voltado à saúde no Assentamento Itamarati, evidenciava as inúmeras
dificuldades enfrentadas pelas famílias:
Tanto pela distância entre as agrovilas existentes como pela falta de
estrutura para os serviços de saúde, pois embora o Município esteja
habilitado para a gestão plena da atenção básica de saúde, segundo
Norma Operacional Básica NOB/SUS/96, ainda não possui em
seus serviços estruturas capazes de prestar atendimento satisfatório,
por tratar-se de um movimento social recente porém de grande
impacto na estrutura organizacional do município
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 234).
Atualmente, para atendimento da população local, o Assentamento conta com
quatro Postos de Saúde, localizados estrategicamente nas áreas da CUT, AMFFI,
MST e no núcleo urbano.
De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria de Assistência à Saúde do
Município de Ponta Porã, em todo o Assentamento (incluindo o Itamarati II), o
realizados em média 2.200 atendimentos/mês, sendo mais comuns os casos de
infecções de pele, hipertensão, verminoses, dores nas costas e de cabeça,
problemas dentários e infecções das vias respiratórias, além do registro de doenças
venéreas. Há em média oito internações/mês (3 a 4 dias por paciente),
acompanhamento pré-natal de quase 1.000 gestantes, 80 deslocamentos/mês para
a sede do município e 2 deslocamentos/mês para Campo Grande (distante 400 km).
O grau de satisfação das
famílias em relação ao
atendimento de saúde pode
ser avaliado no Gráfico 7, em
que se percebe que para a
maioria das famílias a
situação piorou comparada ao
período anterior à vinda para
o Assentamento Itamarati.
Gráfico 7 - Grau de satisfação das famílias com o atendimento
de saúde em relação às condições anteriores ao Assentamento
Fonte: Pesquisa de Campo
Org.: Ademir Terra
205
De maneira geral, as reivindicações das famílias em relação à saúde são: reativação
do antigo hospital
50
Outro problema é o acesso da população aos postos de saúde, já que é precária a
estrutura de transporte no interior do Assentamento. Uma ambulância presta
atendimento à população, mas é insuficiente para a demanda, havendo
necessidade, muitas vezes, de auxílio de outros veículos, principalmente da viatura
policial.
da fazenda (Foto 16) para que as famílias possam ser atendidas
a qualquer hora do dia e, na impossibilidade de que tal reivindicação seja atendida,
que pelo menos possam contar com o atendimento de um clínico geral mais vezes
por semana e em período integral; disponibilização de ummero maior de
especialistas, principalmente pediatras e ginecologistas; postos de saúde mais
equipados; instalação de um posto de saúde para o atendimento das famílias da
FETAGRI; capacitação para os atendentes; maior disponibilidade de remédios;
fornecimento de medicamentos para uma gama maior de enfermidades; mais
ambulâncias, etc.
Foto 16 - Antigo hospital, hoje abriga um posto de saúde. Encontra-se em péssimo estado de conservação
Autor: Ademir Terra
A situação da água para consumo humano é preocupante. Em muitas propriedades,
há necessidade de distribuição de água por carros pipa (2 a 3 vezes por semana),
50
A Fazenda Itamarati possuía um hospital que funcionava 24 horas, para o atendimento dos
funcionários. Possa 16 leitos, equipamento necessário para a realização de partos, pequenas
cirurgias e variados tipos de exames, além de transporte para casos mais graves, inclusive para
outras cidades.
206
pois a rocha basáltica é muito superficial, dificultando a perfuração de poços; em
outras, embora a água exista, está contaminada pela proximidade de “mictórios” ou
“casinhas” e por problemas com as águas da chuva.
No combate à desnutrição infantil, a Pastoral da Criança atende, mensalmente,
cerca de 200 crianças, faltando voluntários para o atendimento a todos os grupos.
As religiosas responsáveis pela Pastoral da Criança reclamam da falta de soja sem
contaminação por agrotóxicos para a composição da multimistura que é servida às
crianças. Grande ironia, uma vez que a soja é a principal lavoura em todo o
Assentamento.
Apesar de não haver estatística oficial, de acordo com professores e demais
profissionais que trabalham com adolescentes, é crescente o número de meninas
que engravidam cada vez mais novas (13/14 anos).
O alcoolismo tem se revelado um dos principais problemas no Assentamento, que
não conta com grupos de Alcoólicos Anônimos (AAs). Outras drogas tammm
apresentado consumo crescente entre os assentados, havendo vários pontos de
distribuição no local (especialmente a maconha).
Segundo os dados fornecidos pela Secretaria de Assistência à Saúde do Município
de Ponta Porã, os recursos aplicados no setor somam R$ 2.000.000,00 ao ano,
distribuídos em ações voltadas a saúde bucal, Programa da Saúde Familiar,
campanhas de vacinação, postos de sde, internação hospitalar, transporte
assentamento-hospital regional/hospitais de Campo Grande, Unidade Móvel de
Saúde, medicamentos, etc.
5.2.4. Segurança
No projeto voltado à segurança pública no Assentamento Itamarati havia metas a
serem cumpridas a curto, médio e longo prazos. No entanto, as mais alvissareiras
eram aquelas de longo prazo que previam:
Ampliação do Destacamento Policial Militar, e reaparelhamento
integrado para criação da Base de Segurança Comunitária com a
Polícia Civil, Bombeiro Militar com recursos humanos e materiais
207
proporcionais ao número de habitantes do Assentamento, a princípio
de acordo com as Normas da ONU, e instruídos de acordo com as
Bases Curriculares do Ministério da Justiça e NPCE em vigor na
Polícia e Bombeiro Militares do Estado de Mato Grosso do Sul, da
Polícia Civil e dos Cursos da SEJUSP; Desenvolver tecnologia de
segurança (vigilância eletrônica, substituição da arma de fogo por
equipamentos não letais no Policiamento Comunitário), Trabalhos de
Pesquisa, implementação de todas as variáveis do Policiamento
Ostensivo, com o crescimento populacional e da frota de veículos
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 238).
Atualmente, os assentados contam com um destacamento da Polícia Militar, com um
efetivo de cinco policiais, que além de zelar pela segurança dos Assentamentos
Itamarati e Itamarati II, tamm é responsável pelo policiamento dos assentamentos
Dorcelina Folador e Nova Era. Segundo o seu responsável, o cabo Egídio, o posto
policial está instalado num bom espaço físico, mas o mobiliário é precário, sendo
que vários móveis são emprestados dos próprios agentes.
À época em que entrevistamos o responsável do destacamento, a viatura policial
estava completamente descaracterizada, necessitando de uma reforma geral,
porque vinha apresentando problemas constantemente. De acordo com o que nos
informou, naquele momento, o veículo estaria funcionando graças a uma rifa,
realizada junto à comunidade local para angariar recursos para o seu conserto, sem
falar que o combustível necessário para o trabalho policial estava sendo doado pela
população e, eventualmente, pelo INCRA
51
Além da necessidade de uma nova viatura, as famílias destacaram a importância de
existir uma guarnição da polícia civil, que segundo o Cabo Egídio, poderia utilizar os
espaços ociosos no posto da polícia militar.
.
De acordo com Hélio Peluffo, Secretário Municipal de Obras e Infraestrutura de
Ponta Porã, a construção da ponte ligando o Assentamento a Dourados, via Itahum
(distrito de Dourados), trouxe um sério problema local: o tráfico de entorpecentes,
especialmente o tráfico formiguinha, realizado com bicicletas. Para Peluffo, “a
construção da ponte transformou as estradas internas do Assentamento em um
corredor para o narcotráfico”. Por tudo isso, o reduzido efetivo policial, com sua
51
Na época em que realizamos a entrevista com o responsável do destacamento policial do
Assentamento Itamarati, havia uma empresa que havia sido contratada para realizar a obra de
construção das estradas no Assentamento Itamarati II e que, por conta de acordos realizados com o
INCRA, fornecia 50 litros de combustível por mês para a realização do trabalho de ronda e de
atendimento das ocorrências pelos policiais.
208
parca infraestrutura, não consegue coibir os infratores e, apesar de todos os
esforços, é crescente a quantidade de drogas apreendida a cada ano pela guarnição
dentro de sua área de atuação. É frequente ainda o furto de gado, animais de
pequeno porte, bombas d’água, bicicletas e de pequenos objetos.
Entre as ocorrências mais comuns no local, destaca-se a violência física contra as
mulheres, com registros quase diários e, muitas vezes, associada ao alcoolismo.
Mesmo com a dificuldade de formalização da denúncia através dos boletins de
ocorrência (preenchidos somente na sede do município), a Delegacia de
Atendimento à Mulher de Ponta Porã registrou, em 2006, 70 casos de agressão à
mulher no Assentamento Itamarati (20% do total de casos denunciados e registrados
na delegacia).
A partir de um acordo entre a polícia e os proprietários de bares, esses
estabelecimentos funcionam até a meia noite nos dias de semana, e até à uma hora
da manhã, nos finais de semana, havendo poucos conflitos nesses locais.
Como pudemos constatar nessa sucinta apresentação dos principais projetos para o
Assentamento, as realizações ao longo dos mais de seis anos após a elaboração do
PDA ficaram muito aquém do que foram planejadas e tamm das necessidades
das famílias assentadas (esta observação tamm se aplica aos demais projetos
que constam do PDA do Assentamento).
Como agravante dessa situação, ainda a indefinição quanto à situação
jurisdicional do núcleo urbano do Assentamento, o que provoca nas famílias uma
profunda angústia, quando não sabem a que esfera do poder público devem recorrer
para solucionar os problemas. Contudo, assentam suas expectativas nas palavras
de algumas autoridades que prometem um desfecho para essa situação em pouco
tempo.
Com vistas a um maior aprofundamento neste assunto, passaremos a uma breve
caracterização do referido núcleo urbano.
209
5.2.5. O núcleo urbano
A dimensão do projeto de Assentamento Itamarati faz com que sua existência
influencie e seja influenciada pelo meio local, de maneira mais visível e mais intensa,
se comparado a outros projetos de assentamento. Abriga uma população de
aproximadamente, 4,5 mil habitantes
52
Onde se localizava a sede da antiga Fazenda Itamarati, encontra-se hoje um
pequeno núcleo urbano com aproximadamente 700 imóveis, segundo informações
levantadas na Prefeitura de Ponta Porã, sendo que 416 deles foram construídos
pela antiga empresa e cerca de outros 300 foram erguidos posteriormente à
implantação do Assentamento Itamarati II, uma vez que não faziam parte do
Assentamento Itamarati.
e a fixação dessas pessoas no campo não é
só uma condição sine qua non para a efetiva reforma agrária, como, também,
necessária para que não provoque um inchaço na cidade e, consequentemente,
transtornos de ordem social, ambiental e econômica.
Este local é um importante ponto de apoio a todas as famílias assentadas, é nele
que se estabelecem importantes relações comerciais e onde são tomadas decisões
que influenciam seus destinos, havendo lá dezenas de estabelecimentos comerciais,
posto policial, escola, creche, posto de saúde, agência dos correios, caixas
eletrônicos, posto do INCRA, posto da AGRAER, e muitos outros serviços.
Ressalta-se ainda que além dos imóveis já construídos, uma área de quatrocentos e
vinte hectares foi reservada, quando da elaboração do Assentamento, para o futuro
núcleo urbano. Tendo conhecimento da existência dessa área, os assentados
passaram a reivindicar para cada família o direito de ter um lote ali, onde pudessem
construir uma segunda moradia ou mesmo um salão comercial. Depois de muitas
discussões e mobilizações dos assentados, por solicitação do INCRA, a Prefeitura
de Ponta Porã elaborou um loteamento dividido em 1.513 terrenos (Figura 11, Fotos
13 e 14), cada um possuindo uma área média de 360m
2
em parte dessa área
(aproximadamente 101 ha). Posteriormente, por iniciativa dos próprios assentados e
à revelia do INCRA foi realizado o sorteio dos lotes entre as famílias, destinando
52
Se considerarmos a soma das famílias dos Assentamentos Itamarati e Itamarati II de acordo com
os dados do IBGE, este número é superior a 8,2 mil habitantes.
210
1.147 deles às famílias do Assentamento Itamarati, e 366, para as do Itamarati II. O
restante da área ainda não tem destinação específica.
O desejo das famílias é que a área total seja loteada e entregue a elas, porém o
INCRA só liberou aquela área de 101 ha. Segundo as informações prestadas pelo
Sr. Fermino, a justificativa do INCRA do Município de Dourados para a não liberação
da área total foi que a medida procurou evitar que os assentados do Itamarati II
pegassem lotes urbanos antes que suas situações estivessem completamente
legalizadas, e que abandonassem os lotes rurais para se dedicarem somente ao
comércio no núcleo urbano.
Figura 11 - Loteamento do Núcleo Urbano ainda na fase de projeto
211
A despeito de o loteamento ter sido elaborado pela Prefeitura de Ponta Porã,
segundo Hélio Peluffo
53
, o desejo da Prefeitura era que os loteamentos fossem
realizados de forma gradativa, iniciando com duzentos a trezentos lotes a serem
distribuídos utilizando como critério, principalmente, as condições financeiras do
pretendente para construir no local; a prefeitura iria lá, recolheria a planta, daria o
alvará, daria o habite-se
54
A nossa proposta se deu em função de que se nem o Município de
Ponta Porã constrói cem casas por ano, a Itamarati iria construir
trezentas? Mas o que aconteceu? Exigiram mais de mil e quinhentos
lotes, quem tinha condições de construir, no sorteio ficou lá em baixo
em lugar muito distante e inviável, quem não tinha condições pegou
aqui em cima num lugar melhor, mas por não ter condições para
construir, já vendeu, e quem comprou pegou um terreno que não tem
título (HÉLIO PELUFFO).
, quem construísse receberia o título” (HÉLIO PELUFFO).
Porém, ainda segundo Peluffo, a proposta da prefeitura causou revolta e foi
completamente descartada.
O núcleo urbano, a partir da criação do Assentamento Itamarati II, passou a contar
com 224 casas de alvenaria, 63 de madeira, há ainda 04 refeitórios, 01 garagem, 01
restaurante, 01 supermercado, 01 hangar com pista asfaltada, 08 barracões de
estrutura metálica, 01 posto de combustível, 01 área de lazer com ginásio de
esportes, 03 silos tipo trincheira, 18 silos de alvenaria, 10 secadores, 04 unidades
53
Hélio Peluffo Filho é o atual Secretário Municipal de Obras e Infraestrutura da Prefeitura Municipal
de Ponta Porã.
54
A certidão do habite-se é um documento que atesta que o imóvel foi construído de acordo com as
exigências (legislação local) estabelecidas pela prefeitura para a aprovação de projetos.
Foto 17 -
Funcionários da prefeitura de Ponta Porã
realizando o trabalho de demarcação do "loteamento
urbano"
Autor: Paulo Fotografias
Foto 18 - Primeiras edificações sendo levantadas no
“loteamento urbano”
Autor: Ademir Terra
212
beneficiadoras, e outras tantas edificações
55
. Segundo Peluffo, o INCRA estaria
repassando para a prefeitura 106 casas e um conjunto de outras instalações que,
juntos, totaliza 416 prédios. Observam-se nas Fotos 19, 20, 21 e 22, algumas das
instalações da antiga fazenda que hoje estão sendo entregues para a prefeitura de
Ponta Porã.
Foto 19 -
Antiga residência de Olacyr de Moraes
"casarão"
Autor: Ademir Terra
Foto 20 - Ginásio poliesportivo
Autor: Ademir Terra
Foto 21 -
Conjunto formado por silos, armazéns e
secadores
Autor: Arquivo do INCRA
Foto 22 - Prédios da antiga administração da Fazenda,
que hoje abrigam o posto do INCRA e da AGRAER
Autor: Arquivo do INCRA
Desde a criação do Assentamento Itamarati, novos prédios passaram a ser
construídos, tanto para moradia, quanto para estabelecimentos comerciais, todos
eles clandestinamente, sem a autorização de qualquer autoridade do INCRA, que é
o órgão responsável. Muitas construções foram edificadas em locais impróprios.
Segundo informações dos próprios servidores do INCRA, no centro do núcleo
55
O prédio que era a residência de Olacyr de Morais (construção de concreto armado, com dois
pavimentos, possuindo seis suítes, sala de estar, lavabo, paredes de vidro temperado, etc.) e que não
está localizada no núcleo urbano faz parte de uma lista de imóveis adquiridos pelo INCRA - Anexo 2.
213
urbano, cerca de noventa moradias e mais alguns salões comerciais foram erguidos
ao longo da linha férrea, na área de quarenta metros de cada lado dos trilhos, além
da faixa de segurança, pertencente à União que está sob a responsabilidade da
empresa que recebeu a ferrovia em concessão.
Das casas e alojamentos que antes eram utilizados pelos funcionários da fazenda
(Fotos 23 e 24), hoje, algumas servem de moradia para os funcionários do INCRA e
da AGRAER que prestam serviço no Assentamento; outras são habitadas por ex-
funcionários da antiga fazenda, que já moravam nesse local e fizeram um acordo
com o INCRA que lhes daria a posse dessas casas se aceitassem um lote menor no
Assentamento Itamarati II, na área coordenada pela Federação dos Agricultores dos
Ex-Funcionários da Fazenda Itamarati II (FAFI); o restante das casas e alojamentos
está sendo ocupado por funcionários públicos (policiais, professores, etc), ou foi
apropriado indevidamente por comerciantes do núcleo urbano ou mesmo por
trabalhadores sem-terra.
Foto 23 - Núcleo habitacional que era destinado aos
altos funcionários da fazenda
Autor: Ademir Terra
Foto 24 - Núcleo habitacional que era destinado aos
funcionários menos qualificados da fazenda
Autor: Ademir Terra
Parte dos silos e armazéns está sendo arrendada para uma empresa que compra
grãos produzidos no Assentamento e região, a qual paga aluguel mensal para a
Associação dos Agricultores Familiares da Itamarati II; outra parte está sendo
utilizada pela própria associação; e uma terceira parte é objeto de negociação entre
INCRA, MDA, EMBRAPA e AGRAER que pretendem transformá-la numa Unidade
de Beneficiamento de Sementes (UBS), a ser administrada pela Cooperativa
Agroindustrial Ceres (COOPACERES), pertencente aos assentados da Itamarati e
214
que está começando a produzir sementes certificadas direcionadas para a
agricultura familiar, sob a supervisão da EMBRAPA e distribuição pela CONAB.
5.2.5.1. Entraves da situação jurídica do núcleo urbano
Embora possua características urbanas, com um razoável contingente populacional,
a situação jurídica da vila é bastante complicada, pois legalmente a área é rural e
pertence à União. Por estar sob a jurisdição da União e ser um patrimônio do
INCRA, órgão que não possui autonomia e muito menos recursos disponíveis em
seu orçamento para suprir algumas demandas do núcleo urbano, uma grande parte
do patrimônio adquirido da antiga fazenda encontra-se em estado de abandono e é
vítima da ação de vândalos, pois o Instituto não possui verba específica para
contratar vigilantes patrimoniais.
Por outro lado, embora muitos dos serviços de que a comunidade carece sejam
atribuições exclusivas do município, a prefeitura de Ponta Porã tem suas ações
limitadas visto que se trata de uma área pertencente à União.
Esse entrave jurídico é responsável pela situação caótica, débil e de abandono em
que se encontra o núcleo urbano, cuja população é desprovida de serviços básicos
como: distribuição de água
tratada, coleta de esgoto,
coleta de lixo (Foto 25),
iluminação pública, construção
de novos arruamentos,
manutenção dos arruamentos
já existentes, fiscalização das
ações do comércio, construção
de um cemitério, problemas
relacionados à questão
ambiental, etc.
Já a implicação de ser uma área juridicamente tratada como zona rural se manifesta
principalmente na questão da água e do esgoto, posto que a Empresa de
Foto 25 Particular realiza coleta de lixo que não tem destinação
adequada
Autor: Ademir Terra
215
Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. (SANESUL) não pode desenvolver
nenhum projeto na área, primeiro porque o núcleo juridicamente não pertence ao
Estado de Mato Grosso do Sul e segundo, porque o estatuto da empresa não lhe
permite assumir a administração de uma área juridicamente rural.
A situação de carência e de privação pela qual vêm passando os habitantes do
núcleo urbano já poderia ter sido solucionada há bastante tempo, acreditamos até
que este estado de coisa poderia ter sido evitado desde o começo, bastando para
isso que se estabelecessem diálogo e parcerias entre os órgãos públicos. O INCRA
sabendo que não possuía meios para gerir tal empreendimento, deveria ter
repassado a quem reúne as condições para tal, que, no caso, é a prefeitura de
Ponta Porã. Porém, “o ex-superintendente do INCRA nunca se interessou em
resolver a situação” (HELIO PELUFFO).
A prefeitura de Ponta Porã, ciente de que é uma questão de tempo para que essa
responsabilidade venha a recair sobre si, tem protelado ao máximo assumir os
encargos, uma vez que já tem que arcar com o ônus de estender os serviços
prestados a seus munícipes aos cidadãos paraguaios que atravessam a fronteira em
busca de atendimentos não disponíveis em seu país.
Com a criação do Assentamento, o município de Ponta Porã ganha uma população
adicional, sem, no entanto, num primeiro momento, contar com o aumento dos
repasses provenientes das outras esferas de governo para fornecer os serviços que
a população necessita. Além de o aumento desses recursos ser progressivo e de
geralmente não ocorrer na mesma proporção do crescimento populacional, é
relevante o fato de que o Assentamento foi criado em 2001, portanto, posterior ao
censo demográfico, que ocorreu no ano anterior.
Nesse “jogo de empurra”, cheio de manobras políticas e de interesses escusos,
temos, de um lado, o INCRA, na pessoa do seu ex-superintendente estadual Luis
Carlos Bonelli, que se recusava a reconhecer a indisponibilidade de recursos e
competência para atender as demandas daquela comunidade e ficou protelando o
repasse da área e das edificações nela presentes para a prefeitura de Ponta Porã.
Certamente os interesses que estavam em jogo não eram os mais nobres, pois pesa
sobre o ex-superintendente uma série de denúncias de ações ilegais executadas
dentro do Assentamento Itamarati, as quais ainda estão sob investigação do
216
ministério público. Do outro lado, a prefeitura de Ponta Porã tamm vai protelando
as responsabilidades que inevitavelmente seriam suas, com justificativas plausíveis
ou não.
O fato é que no meio desse jogo está a população, que até hoje, decorridos oito
anos da criação do Assentamento Itamarati e cinco do Itamarati II, ainda sofre com
problemas sem solução e que a rigor nem precisavam existir, caso houvesse por
parte de algumas autoridades a sensibilidade de colocar as necessidades daquela
comunidade acima dos seus interesses pessoais.
O que se evidência, em suma, é um completo descompasso entre o que o PDA
preconiza como pressuposto político para a efetividade do Assentamento e a
realidade:
O ingrediente político é fundamental para o sucesso do Projeto de
Assentamento Itamarati. É traduzido pelo efetivo envolvimento de
três níveis de poder nas implementações das ações. A harmonia
entre as políticas de reforma agrária, as políticas de desenvolvimento
econômico-social do Município, do Estado e da União deve ser a
maior possível. A integração entre os poderes atuantes no
assentamento é muito importante, daí a necessidade de um
conhecimento preciso do que será feito e quem realizará cada etapa
e ações definidas no Plano de Desenvolvimento do Assentamento.
Todos deverão ter a mesma compreensão do objeto, conhecer a
responsabilidade de cada um, contribuindo para que os assentados
também assumam parte da implantão do projeto
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003).
No meio dessa situação, a população vai sobrevivendo e improvisando como pode,
e não pode, uma vez que, buscando saída para suprir suas necessidades, vale-se
até mesmo de recursos ilegais, como, por exemplo, a venda clandestina, na vila e
nos lotes, de combustível contrabandeado do Paraguai.
No núcleo existe um posto de combustível que foi construído nos tempos da fazenda
e hoje se encontra desativado (Foto 26). Para seja reativado, é preciso, além de
passar por uma análise criteriosa das suas reais condições de uso, obter o
licenciamento ambiental junto ao IBAMA, como determina a Resolução CONAMA nº
273 Conselho Nacional do Meio Ambiente e a Resolução SMA nº 5 que, desde
janeiro de 2001, exige esse documento e o cadastro no Instituto Nacional do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
217
O INCRA quer passar o posto de gasolina para a prefeitura, mas nós
não sabemos se aquilo tem passivo ambiental, quem deve ser
responsabilizado por isso, o tanque pode estar lá embaixo com resto
de combustíveis vazando... (HELIO PELUFFO).
Como vimos, o núcleo urbano está localizado a 45 quilômetros do município de
Ponta Porã, o que justifica a necessidade de combustível para o deslocamento diário
da população. Porém, em face de não ter um posto prestando o serviço de
abastecimento de veículos no local, as famílias recorrem abertamente ao comércio
ilegal desse produto, tanto na vila, quanto nos lotes, como pode ser visto nas Fotos
27 e 28. Tão perigoso quanto a venda do produto inflamável, armazenado
irregularmente em galões plásticos e comercializados em garrafas pets, é o seu
transporte, desde os postos de abastecimento de Pedro Juan Caballero, no
Paraguai, até o Assentamento, em veículos improvisados e sem as mínimas
condições de segurança e de tráfego, colocando em risco a vida dos que o
transportam e tamm daqueles que transitam pela rodovia MS 164.
Segundo o responsável pelo posto policial local, a polícia não tem condições de agir
inibindo e proibindo tal comércio, com a prisão dos infratores e apreensão da
mercadoria.
Prender os comerciantes é fácil, mas onde eu acondicionaria aquela
mercadoria perigosa, além do mais, como é fruto de contrabando,
isso envolveria até mesmo outros órgãos como a Receita Federal, a
Foto 26 - Posto de combustíveis desativado
Autor: Ademir Terra
218
solão é fazer vistas grossas e orar para que nada de mais grave
aconteça, porém, os riscos são enormes (CABO EGÍDIO
56
A declaração do policial nos faz compreender que existe uma situação de crime,
inclusive com o agravante de que tanto as pessoas que o comentem, quanto os que
estão ao seu redor estão expostos a graves riscos, pois a qualquer momento, nos
pontos de venda, durante o transporte, ou nos locais em que o produto é
acondicionado de forma inadequada, poderá ocorrer uma tragédia. No entanto,
usando como a justificativa a dificuldade de punir os infratores e de dar destino
seguro aos produtos apreendidos, e ainda, de certa forma, apelando para o
sentimento de que aquelas pessoas estão cometendo um crime, enfrentando riscos
e expondo inocentes ao risco por uma boa causa, uma vez que os órgãos
competentes não tomam qualquer providência, o policial ignora a situação,
atribuindo a culpa a outros, esquecendo-se de que ele próprio faz parte do conjunto
de culpados, é tão culpado quanto o criminoso que acoberta e o denuncia,
omitindo-se da responsabilidade de coibir um crime, situação mais grave ainda,
quando a omissão decorre de quem tem a atribuição de agir evitando que um crime
aconteça e punindo quem o comete.
).
É certo que neste caso existe uma corrente de culpados, começando por quem
comercializa o produto, passando pela polícia, que deveria coibir o crime, e
chegando a outras esferas do poder, que têm por obrigação dar condições para que
56
Egídio Carlos Martins é cabo da Polícia Militar e ocupa o cargo de comandante do posto policial do núcleo urbano,
estando sob seu comando um cabo e dois soldados da PM.
Foto 27 - Ponto de venda de gasolina localizado em um
lote na área rural
Autor: Ademir Terra
Foto 28 - Ponto de venda de gasolina localizado em um
lote no núcleo urbano
Autor: Ademir Terra
219
a polícia possa cumprir com seu dever de maneira eficiente, e tantas outras forças e
elementos do conjunto da sociedade que preferem a omissão ao invés de assumir
suas responsabilidades.
Todavia, caso o poder público resolva punir aqueles que exercem essa atividade
ilegal, estará impondo uma dupla punição. Num plano, o trabalhador já está sendo
punido pela omissão do próprio poderblico que falha com a obrigação de fornecer
produtos e serviços necessários à população que, desprovida, é impelida a
encontrar soluções para seus problemas, mesmo que seja de maneira ilegal. Parte
da culpa, portanto, recai sobre o próprio poder público porque, quando se afasta de
seus deveres, cria condições para que crimes sejam cometidos e, se os reprime,
pune pela segunda vez o trabalhador que infringe as leis.
Relatamos aqui a venda ilegal de combustíveis no Assentamento porque o exemplo
é emblemático para muitas outras situações que vêm acontecendo, relacionadas
à saúde, educação, segurança, transporte e a muitos outros que a população vem
sofrendo, sendo que alguns irão transparecer ao longo deste trabalho, outros,
porém, infelizmente ficarão incógnitos.
Parece agora que uma solução começa se esboçar, pois, para honrar com
compromisso de campanha eleitoral, o atual prefeito de Ponta Porã, Flávio Kayatt,
reeleito em 2008, se compromete a instalar, ainda em 2009, uma subprefeitura no
núcleo urbano dos Assentamentos Itamarati e Itamarati II, visando facilitar o acesso
dos assentados ao poder público municipal. Dessa forma, após a implantação da
subprefeitura, os moradores pelo menos saberão onde reclamar, e não precisarão
se deslocar até a sede do município para ouvir respostas do tipo: “Isso não é
atribuição da prefeitura”; ou ainda, “A prefeitura até poderia resolver seu problema,
porém ela não tem poder de ação dentro do Assentamento uma vez que aquela área
é de domínio da União”.
Ao mesmo tempo em que se planeja instalar a subprefeitura, constitui-se uma
comissão composta por integrantes da prefeitura de Ponta Porã e do INCRA/MS,
com vistas a resolver de vez a questão da jurisdição do núcleo urbano, discutindo a
proposta de o Instituto passar definitivamente para o município a jurisdição da vila,
bem como de todas as instalações e prédios adquiridos da antiga Fazenda Itamarati.
220
Por exigência da prefeitura, deverá ser realizado um inventário de todos os imóveis,
onde deverão constar os compromissos firmados pelo INCRA com pessoas e
empresas que os ocupam, bem como um levantamento socioeconômico das famílias
que neles residem. Esse levantamento é necessário porque a prefeitura pretende
encontrar meios de legalizar a situação jurídica das propriedades ocupadas
irregularmente para transferi-las definitivamente a quem se interessar, dando
prioridade para aqueles que já as ocupam, conforme afirmou o Secretário do
Departamento de Obras e de Infraestrutura do Município de Ponta Porã:
Temos a intenção de repassar todos os imóveis para particulares,
para quem quiser adquiri-los, nós repassaremos tudo para a Caixa
Econômica Federal e esta irá revender num preço subsidiado e com
valor venal (HELIO PELUFFO).
Como a fala do secretário da prefeitura de Ponta Porã sugere, tudo ainda se
encontra no plano das intenções, e enquanto os estudos caminham num ritmo muito
lento, a população sofre as consequências dessa ingerência política.
5.3. A emancipação político-administrativa
Desde o início da implantação do Assentamento, um crescente grupo de assentados
deseja a emancipação do núcleo urbano, defendendo, os mais afoitos, que a
pequena vila seja elevada à categoria de município o mais rápido possível, inclusive
colocando na pauta das discussões, alguns nomes que poderiam vir a compor o
poder executivo e legislativo de um eeventual município de Itamarati. os mais
ponderados tamm desejam que a vila um dia chegue à condição de município,
porém, consideram que para o momento, a melhor solução para os problemas e
necessidades da população que reside no vilarejo seria sua elevação à categoria de
distrito de Ponta Porã.
Os defensores desta proposta acreditam que a emancipação deveria ocorrer de
maneira planejada, tendo em vista o elevado nível de complexidade envolvido, não
só em relação ao aspecto administrativo, mas tamm em função da dificuldade de
se encontrar respaldo político para viabilizar tal projeto, contra o qual a força política
do município de Ponta Porã obviamente se posiciona. Por tudo isso, a segunda
proposta é aquela que tem encontrado ressonância junto à sociedade ponta-
221
poranense, que somente agora começa envidar esforços para que tal anseio se
concretize.
Os próprios assentados e moradores da vila já assimilaram a ideia de que a melhor
solução para seus problemas e necessidades neste momento é a transformação da
vila em distrito de Ponta Porã, pois com essa medida passarão a contar com uma
série de serviços que são atribuições municipais e de que ainda não dispõem. Estão
cientes tamm que, efetivada a proposta, serão mais rigorosamente fiscalizados e
terão que arcar com o pagamento de impostos e taxas, seja para a prefeitura de
Ponta Porã (IPTU, ISSQN), seja para as empresas prestadoras de serviços que têm
como jurisdição o município, como, por exemplo, o recolhimento de alvarás, de
impostos e taxas (iluminação pública, coleta de lixo, esgoto, água), entre outros.
Se os serviços e tributos são os mesmos tanto para o município, quanto para o
distrito, a vantagem que este leva em relação àquele é que o peso da manutenção
da administração pública é menor, ou seja, não tem que arcar sozinho com o
pagamento de salário para prefeito, vereadores, servidores, etc.
A princípio,a primeira proposta parece um tanto esdrúxula, porém se analisarmos as
características da vila e a compararmos com outros povoados e distritos que se
transformaram em município no próprio Estado de Mato Grosso do Sul, veremos que
a ideia não é tão absurda assim, pois o Assentamento Itamarati possui muitos
atributos e recursos que aqueles não possuíam no momento em que passaram por
essa mudança, como, por exemplo: ruas pavimentadas (poucas); prédios que
poderiam comportar a prefeitura, a câmara de vereadores e demais órgãos
municipais; praças; iluminação pública; galeria de esgoto; um pequeno, mas
importante comércio; hospital; agência dos correios; posto de saúde; recursos que
permitiriam ao futuro município não iniciar do ponto zero, como é muito comum no
Brasil.
O mais significativo é que o futuro município contaria com ummero de habitantes
maior que o de muitos outros no estado. De acordo com a contagem realizada em
2007 pelo IBGE, vivem, no Assentamento Itamarati, 8.200 habitantes, uma
população superior à de 20 municípios dos 78 existentes em todo o Mato Grosso do
Sul.
222
Acreditamos que os dados do IBGE indicam um número subestimado, uma vez que
o Assentamento Itamarati II está em fase de implantação e muitas famílias que irão
compor seu quadro populacional ainda não construíram suas casas, não tendo sido,
portanto, contabilizadas. Se levarmos em conta que o Assentamento Itamarati
possui 1.143 famílias e o Itamarati II, 1.692, teríamos um total de 2.835 famílias que,
multiplicado por 3,8 (número médio de pessoas por família no município, de acordo
com agência do IBGE de Ponta Po), resultaria em 10.773 habitantes somente nos
dois assentamentos. Computada ainda a população dos assentamentos Aba da
Serra (75 famílias), Boa Vista (70 famílias), Nova Era (97 famílias) e do distrito de
Cabeceira do Apa
57
Se a criação do município vier a se concretizar, a perda de uma área considerável e
economicamente importante trará prejuízos enormes a Ponta Porã, entre outros, a
diminuição da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e,
com a redução do contingente populacional, o consequente abatimento do repasse
do Fundo de Participação do Município (FPM). Pelos prejuízos que traria ao
Município de Ponta Porã é que a ideia de elevação dos Assentamentos Itamarati à
categoria de município não encontrou respaldo junto à classe política e demais
setores da sociedade ponta-poranense.
, que estariam na área de influência do pretenso município,
seguramente teríamos uma população de aproximadamente 15 mil habitantes.
Assim, segundo o critério populacional, o futuro município já nasceria com uma
população superior à de 41 municípios sul-mato-grossenses, ou seja, apenas 37
teriam mais habitantes que o pretenso futuro município de Itamarati.
5.4. Os pivôs
As unidades de irrigação do tipo pivô central configuram a infraestrutura mais
importante que o Assentamento possui e, seguramente, seu maior diferencial,
tornando-o único no país (Fotos 29, 30 e 31).
57
Cabeceira do Apa é um distrito de Ponta Porã, localizado a 72 quilômetros da sede do município e
a 18 quilômetros da sede de Antônio João. Possui uma população estimada de aproximadamente
dois mil habitantes. Cabeceira representa cerca de 25% na arrecadação de ICMS para Ponta Porã. É
oportuno dizer que desde 1964, quando foi criado, o Município de Antônio João passou a disputar
com Ponta Porã o domínio sobre o território da Cabeceira do Apa. Por isso mesmo, caso se
concretize o município de Itamarati, é pouco provável que a população de Cabeceira do Apa queira
pertencer a Itamarati, preferindo fazer parte do município de Antônio João.
223
A esse aparato tecnológico se atribui a imposição do modelo de produção coletivo
e, contraditoriamente, foi o responsável tanto por muita gente refutar a hipótese de
se transferir para o Assentamento Itamarati, como, ao mesmo tempo, um fator de
atração para outras que viram nele a possibilidade de auferir maiores lucros no
cultivo de commodities, ao ponto de as famílias ignorarem completamente o lote
individual nos primeiros anos de assentadas: “Todos nós viemos para cá com a
cabeça naquele pivô, nós nem ligávamos para o lote sequeiro, nós pensávamos que
o pivô iria nos sustentar” (ANA CARLA).
O pivô central consiste em um sistema de irrigação por aspersão, inteiramente
automatizado e movido a energia elétrica, cuja estrutura metálica suspensa,
medindo aproximadamente 700 metros, é sustentada por torres apoiadas sobre
pneus, com capacidade para lançar a água em movimento giratório, programável, de
360 graus. Cada pivô irriga uma área de aproximadamente 116 hectares (Mapa 15 e
Fotos 29, 30 e 31).
Ao lado de muitos recursos tecnológicos
58
58
Os pivôs foram muito importantes, porém são apenas uma parte dos muitos recursos tecnológicos
empregados pela fazenda, compostos por máquinas e implementos para o preparo do solo, plantio e
colheita; aviões agrícolas; infraestrutura para secagem, armazenamento e transporte, entre outros.
modernos de que a ex-fazenda Itamarati
dispunha, consideramos que esse equipamento constituiu um recurso fundamental
para o alcance dos excepcionais níveis de produtividade que a empresa obteve.
Foto 29 - Pivô central utilizado na safra de verão para o
cultivo consorciado 50% milho e 50% soja
Autor: Ademir Terra
Foto 30 - Pivô central utilizado na safra de inverno para o
cultivo de feijão
Autor: Ademir Terra
224
Foram adquiridos, da antiga Fazenda Itamarati, 90 unidades de irrigação, tendo 27
sido repassados para o Assentamento Itamarati II e 63, para o Assentamento
Itamarati
59
, dos quais cinco foram desmontados
60
Do total de cinquenta e oito
pivôs existentes no
Assentamento, por motivos que
serão apresentados
posteriormente, apenas dois não
estão arrendados: um encontra-
se desativado por causa de
desentendimento entre os
membros do grupo, e sua área
passou a ser cultivada na forma
de sequeiro, parte dela, também por arrendatários; o outro é o único a ser cultivado
pelos próprios membros grupo.
para a criação das agrovilas
(Mapa 15).
Soja e milho, com o predomínio da primeira, são cultivados na safra principal
(verão). Na safrinha (inverno), cultivam-se feijão, milho e, raramente, trigo e aveia,
estes, na maioria das vezes, apenas para fazer a cobertura do solo, evitando-se
assim a sua degradação, principalmente quando a variedade cultivada na safra de
verão possui um ciclo longo que inviabiliza o plantio da safra de inverno.
59
Lembramos que estas 63 unidades de irrigação constituem o único recurso tecnológico que
pertenceu à antiga fazenda e foi repassado para o Assentamento Itamarati. As demais máquinas e
equipamentos foram retirados da fazenda antes de ser negociada, e o que não podia ser sacado, foi
adquirido junto com a área destinada à criação do Assentamento Itamarati II.
60
Os responsáveis pelo desmonte destes cinco pivôs justificavam que a medida, além de dar espaço
para a criação das agrovilas, poderia liberar peças a serem reaproveitadas na manutenção dos
demais equipamentos. Porém, o que se sabe é que apenas um motor/bomba de um deles foi
reaproveitado para a implantação de um projeto de irrigação por gotejamento nos lotes para-rurais da
FETAGRI (projeto este que, até o momento, ainda não entrou em funcionamento), e ninguém sabe
informar que destino teve o restante das peças. Comenta-se que uma pequena parte que se
encontrava armazenada num determinado local no Assentamento foi destruída em um misterioso
incêndio.
Foto 31 - Lavoura irrigada de feijão em estágio inicial
Autor: Ademir Terra
225
Mapa 15 - Unidades de Irrigação - Pivôs Centrais
226
Alguns pivôs são arrendados por empresas produtoras de sementes de milho (Foto
32) e, em razão da necessidade da rotação de culturas, planta-se o milho
consorciado com o feijão, 50% da área para cada cultivo (Foto 33), invertendo as
lavouras na safra seguinte.
Os pivôs passaram a ser constantemente saqueados, alguns por estarem distante
das agrovilas e outros, por não possuírem qualquer vigilância, sendo subtraídas
partes importantes para o seu funcionamento e de elevado custo de reposição,
como as placas de comando, pneus e, principalmente, os cabos elétricos.
Também os transformadores de alta tensão que fornecem energia para a unidade de
motor/bomba, por se localizarem em locais ermos, junto aos mananciais ou
represas, tornaram-se o alvo predileto de assaltantes. Segundo relatos dos
assentados e também dos policiais do destacamento local, os saques visam retirar
os componentes feitos de cobre, que são vendidas para as empresas compradoras
de ferro-velho nas cidades da região.
declarações de que os saques aos pivôs teriam comprometido safras inteiras,
porque quando chegava a época de acioná-los nos períodos de estiagem, seu uso
ficava impossibilitado devido ao fato de os trabalhadores não terem condições
financeiras de colocá-los funcionando em tempo hábil, considerando o alto custo de
reposição das peças saqueadas (Foto 34).
Foto 32 - Máquina colhendo semente de milho em área
de pivô arrendado
Autor: Ademir Terra
Foto 33 - Pivô arrendado para empresa produtora de
sementes empregando o cultivo consorciado de milho e
feijão
Autor: Ademir Terra
227
Foto 34 - Transformadores destruídos pela ação de saqueadores para a obtenção de fios de cobre
Autor: Ademir Terra
Entre as várias medidas que os produtores passaram a empregar para solucionar o
problema dos saques destacam-se: o emprego de vigias que utilizam equipamentos
de comunicação para acionar outros trabalhadores e até mesmo o posto policial; a
instalação de alarmes sonoros e luminosos que são acionados quando ocorre
qualquer corte de luz; a retirada e guarda dos transformadores em local seguro,
durante a entressafra (Foto 35); a construção de guaritas junto aos pivôs (Foto 36)
onde, durante a safra, se instala uma pessoa, vigiando 24 horas, inclusive portando
armas de fogo para afugentar os saqueadores (Foto 37).
São muitas as medidas, umas mais eficazes,
outras nem tanto, e todas elas com custos
bem menores do que a compra de um novo
equipamento para substituir aqueles
destruídos, ainda assim, um custo adicional
para os produtores, haja vista, por exemplo,
a retirada dos transformadores na
entressafra, que demanda trabalho de
profissionais especializados, equipamentos
e até caminhões adequados para a
realização dos serviços.
Foto 35 - Transformador retirado do pivô pelos
assentados, para evitar o saque e guardado em
local seguro
Autor: Ademir Terra
228
Foto 36 - Guarita construída no pé do pivô para abrigar
vigias
Autor: Ademir Terra
Foto 37 -
Cartuchos de munição deflagrados
guardados no interior de uma guarita de vigilância do
pivô
Autor: Ademir Terra
Capítulo VI
6. O MODELO COLETIVO E A GESTÃO ECONÔMICA DO ASSENTAMENTO
ITAMARATI
6.1. O Coletivo
Associando racionalidade administrativa à necessidade de redução nos custos de
investimentos em infraestrutura produtiva e social, o INCRA tem adotado o modelo
de gestão coletiva dos assentamentos, dos serviços e até da produção agrícola,
inclusive nas recentes tentativas de assentamento pelo mercado da terra. Esse
regime, que está sento promovido e institucionalizado, tanto pela atuação do INCRA,
como pelo discurso da principal organização social dos candidatos e beneficiários da
reforma agrária, o MST, exige a organização e aglutinação em grupos de famílias,
reunidas por critérios de proximidade física e/ou semelhança de objetivos, perfil e
interesses.
Além dessa predisposição do INCRA, poderíamos levantar um conjunto de aspectos
que, isolados ou conjugados, teriam influenciado na adoção desse modelo para o
Assentamento Itamarati, tais como, entre outros: a pressão exercida pelas
organizações de trabalhadores, sobretudo o MST, que tem feito algumas
experiências coletivas em diversas partes do país; o fato de o executivo sul-mato-
grossense ser comandado, à época, por um governo petista que possuía fortes
laços com os movimentos sociais; as especificidades da infraestrutura presente na
propriedade, principalmente as unidades de irrigação do tipo pi central, que
inviabiliza a implantação de lotes individuais
61
61
A menos que se fizesse a opção pouco racional de entregar uma unidade de irrigação que
compreende uma área média 116 ha a uma única família, ou mesmo a desativação dos pivôs, o que
seria uma contradição, pois foi exatamente estas unidades de irrigação o elemento diferencial que
justificou a aquisição como também o montante de recursos empregado na aquisição da propriedade.
uma vez que não permite a
construção de cercas delimitando os lotes.
230
Para além das condicionantes físicas e técnicas da área, a hipótese que nos parece
mais plausível é a de que o critério que norteou tal escolha deve ter sido mesmo a
visão economicista dos mentores do projeto, visando tão somente aos aspectos
tecnológicos e econômicos. Dentro dessa visão, certamente, o modelo ideal seria
aquele implantado na AMFFI, que previa uma área individual de apenas 1 ha para
cada família e a exploração coletiva de todo o restante de seu espaço, ressaltando
se o poder de negociação que o grupo teria, não somente no momento da
comercialização da produção, como também no da compra dos insumos
necessários para a produção em uma área superior a 2.300 ha; e, por fim, mas não
menos importante, a vantagem de dificultar a venda dos lotes pelos assentados.
Não resta dúvida que o aspecto econômico de um assentamento rural deve ser
evidenciado, contudo, ao realçar apenas essa perspectiva, o INCRA ignorou que a
reforma agrária possui dois aspectos que se complementam: 1) a sua dimensão
social, realizada a partir da distribuição de terras como forma de absorção de
trabalhadores do campo à estrutura de produção, o que vislumbra um processo de
reintegração social de parcelas de trabalhadores excluídos, com o objetivo de
minimizar a miséria e proporcionar condições de reprodução de vida digna às
famílias do campo, como analisado por Martins (1984); 2) sua viabilização
econômica, a partir da criação de mecanismos que incidam diretamente na gestão
da produção e da circulação de bens materiais e simbólicos das famílias em todo o
contexto no qual estão relacionadas, de modo que se garanta não só a reprodução
do empreendimento, como também a promoção da qualidade de vida dos
assentados e a dinamização do desenvolvimento local, nas multifacetadas nuances
da convivência social (cultura, educação, organização política autogestionária e
solidária, lazer, etc).
É certo que a determinação da gestão coletiva como o modelo de exploração ideal
para o Assentamento partiu da Superintendência Regional do INCRA/MS, que tinha
à sua frente o Sr. Celso Cestari Pinheiro. As lideranças das entidades de
trabalhadores assentados negam veementemente que suas entidades tenham
exercido qualquer influência nessa opção e que tal decisão já houvera sido feita
previamente, antes mesmo de participarem das discussões iniciais do projeto. Os
líderes dos movimentos tamm são unânimes em atribuir uma forte influência, na
231
referida escolha, ao engenheiro agrônomo Luis Carlos Bonelli
62
Pouco mais de um ano após a criação do Assentamento Itamarati, o engenheiro
Bonelli viria a assumir a Superintendência Regional do INCRA/MS, em substituição
ao Sr. Celso Cestari Pinheiro, num momento decisivo para o empreendimento,
quando ainda se discutia o PDA e, obviamente, as famílias assentadas ainda não
tinham acessado os recursos do PRONAF. Todavia, mesmo sendo-lhe imputada a
responsabilidade pela escolha do modelo implantado no Assentamento Itamarati,
quanto questionado, durante sua gestão como superintendente, sobre os problemas
vivenciados pelas famílias, advindos da imposição do modelo, Luis Carlos Bonelli se
esquivava e recorria a declarações do tipo: “O Itamarati não funcionou porque não
fui eu que fiz... Quando assumi este projeto já havia sido implantado pelo Celso
Cestari... Meu compromisso é com o Itamarati II”.
que, à época,
ocupava o cargo de diretor do Terrasul (Departamento de Terras de Mato Grosso do
Sul), um homem com um histórico de militante político de partido de esquerda de
ideologias socialistas, e conhecedor de algumas experiências coletivas levadas a
cabo no Brasil e em diversos lugares no mundo.
Responsabilidades à parte, o fato é que as organizações de trabalhadores tiveram
que se mobilizar para enquadrar as famílias que se encontravam sob sua
coordenação, adequando-as às exigências para compor o Assentamento.
Dessa forma, as famílias que se candidataram a receber um lote no Itamarati
souberam de antemão, através das entidades das quais faziam parte, que naquele
projeto, a forma de distribuição dos lotes e sua gestão seriam do tipo coletivo, e as
famílias que quisessem ser assentadas lá teriam que aceitar a ideia de compartilhar
com outras a área que lhes coubesse. Contudo, os parâmetros que norteariam essa
gestão coletiva
63
62
O engenheiro agrônomo Luis Carlos Bonelli ocupou o cargo de Superintendente Regional do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em Mato Grosso do Sul de 26 de fevereiro de
2003 a 17 de março de 2008, quando, então foi substitdo por Flodoaldo Alves de Alencar, Médico
Veterinário, mestre em Ciência dos Alimentos e professor dos cursos de Zootecnia e Medicina
Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
não lhes foram explicitados e, somente quando da elaboração do
PDA, é que tal discussão entrou em pauta.
63
De acordo com Göergen & Stédile (1991), uma Associação é uma entidade civil sem fins
lucrativos; presta serviço aos associados; o dinheiro que sobra, ao final do ano, deve ser reinvestido;
não paga imposto para o Estado; tem estatuto e CGC; não tem capital e possui bens. Cooperativa
tem fins lucrativos; cada sócio poderá receber os dividendos sempre que houver sobra; paga imposto
232
Na prática, com exceção do Grupo Eldorado dos Carajás, formado por militantes e
ex-lideranças do MST, e tamm das famílias coordenadas pela AMFFI, o que se
verificou de fato, em todo o Assentamento, foi a implantação de uma forma de
gestão semicoletiva, uma vez que as famílias, além de possuir uma área coletiva,
passaram a deter tamm um lote individual que deveria ser destinado à garantia de
sua sobrevivência, como demonstramos na seção que trata da distribuição do
território por entidade de trabalhadores e por grupos de família.
Em face dessa determinação e tamm em função da megadimensão do
Assentamento, as entidades encontraram muita dificuldade para arregimentar o
número necessário de famílias para compor o projeto, o que justifica a multiplicidade
de origem dos grupos familiares e também a quantidade de organizações de
trabalhadores envolvidas. A grande rejeição a essa forma de distribuição dos lotes e
de gestão dos assentamentos rurais é explicada, de acordo com Fabrini (2003),
porque:
[...] a ordem capitalista tem valorizado cada vez mais as práticas
individuais, aumentando o descrédito nas práticas coletivas,
principalmente aquelas voltadas para organização econômica e
produtiva. A sociedade capitalista, assentada na concorrência e na
livre iniciativa, faz com que os princípios de solidariedade e da
cooperação se tornem um meio pouco eficiente de organização
social. Portanto, numa sociedade onde os valores individuais
assumem cada vez mais importância, os ideais de trabalho
comunitário e coletivo, participão e cooperão tornam-se cada
vez mais difíceis de serem colocados em prática (FABRINI, 2003, p.
80).
Mesmo assim, 1.143 famílias acataram o projeto, concordando com as regras, uma
vez que sua anuência era condição para serem assentadas. No entanto, o que se
verifica é que foi uma aceitação funcional, revelando-se uma mera estratégia das
famílias para acabar com os longos anos de espera nos acampamentos, pois caso
não fossem assentadas, enfrentariam as mesmas condições relatadas pela Sra. Ana
Carla Ferrari, do Grupo Eldorado dos Carajás do MST:
Temos pessoas que antes de serem assentadas aqui ficaram de 7 a
8 anos acampadas, no acampamento Santo Antônio em Itaquiraí.
ao Estado; o estatuto deve seguir um modelo padrão INCRA; tem capital; para ser sócio, o
trabalhador precisa entrar com uma quota (estipulada pela assembleia); a cooperativa está vinculada
ao INCRA; pode exercer atividades comerciais, conforme suas condições. Grupo Coletivo é a forma
de cooperação mais simples; não precisa de Estatuto; organiza-se comissões; elaboram-se o
regimento interno e o plano de produção.
233
Alguns que não aceitaram o modelo coletivo, só foram assentados
em 2008. Tem gente que estava acampada desde 1997, levaram
quase 12 anos para serem assentadas (ANA CARLA)
Para Haesbaert (2004b, p. 96), cada grupo social, classe ou instituição pode
“territorializar-se”, através de processos de caráter mais funcional (econômico-
político) ou mais simbólico (político-cultural), na relação que desenvolvem com os
“seus” espaços, dependendo da dinâmica de poder e das estratégias que estão em
jogo”. O autor destaca ainda que “enquanto alguns grupos se territorializam numa
razoável integração entre dominação e apropriação, outros podem estar
territorializados basicamente pelo viés da dominação, num sentido mais funcional,
não apropriativo”
A postura do INCRA, ao impor o modelo para o Assentamento Itamarati, sem uma
discussão prévia com o público alvo ou seus representantes, reflete uma prática
levado a cabo pelo órgão em todo o país, que negligencia um aspecto importante,
talvez por ser considerado óbvio: o fato de que o assentamento é na realidade um
processo político, social e cultural que passa necessariamente por diferentes fases,
nas quais os diversos elementos e manifestações culturais metamorfoseiam-se
devido à transformação do ambiente, das relações sociais e de vizinhança, e das
técnicas produtivas.
A consciência dessa negligência nos impõe refletir sobre as tensões e os limites da
ação dos indivíduos no interior desses projetos, e perceber em que sentido as
estratégias coletivas, inspiradas na luta pela terra ou nos programas do Estado,
podem conflitar com outras formas que atendem aos interesses dos trabalhadores.
Assim, implantação de um assentamento de reforma agrária invariavelmente
constitui fator de redefinição territorial, uma vez que sua concretização altera as
relações de poder que emanam da propriedade privada da terra, por menor que seja
a quantidade transferida para os trabalhadores.
É imperativo ponderar sobre a possibilidade de as famílias optarem por outras
estratégias e de surgirem novas formas de organização e de cooperação, a partir da
inserção individual num novo contexto.
Em estudo sobre a construção da cidadania no cotidiano de trabalhadores rurais, em
um assentamento rural do estado de São Paulo, D’Incao & Roy (1995) concluíram
234
que “... a aprendizagem da democracia no quotidiano dessas populações é o
caminho mais seguro para levá-las a transformarem-se em atores de seu próprio
desenvolvimento ou de sua própria história” (D’INCAO & ROY, 1995, p.24). Ao
contrário do que apregoam os autores, o que ocorreu no Assentamento Itamarati foi
uma imposição velada de um modelo, uma vez que o INCRA, desde o princípio,
apresentou um projeto pronto e teve a preocupação em divulgá-lo amplamente,
enfatizando os pontos negativos caso ele não fosse aceito.
Para as famílias que para lá se dirigiram, não foram dadas as oportunidades
relatadas por Silva (1987), segundo o qual, no Brasil, a lei explicita que no
assentamento dos beneficiários da reforma agrária podem-se adotar diferentes
formas de posse e exploração da terra, desde a divisão em lotes individuais de
propriedade privada, até a de apropriação coletiva, com atividade comunitária,
passando ainda por soluções mistas.
Concordamos com Silva (1987) que “o INCRA faz opção prévia e não discutida,
especialmente com os próprios beneficiários, e que no caso do Itamarati, não se
pautou pela “solução de dividir o imóvel em parcelas individuais iguais, com área
estimada a partir da definição de módulo regional”, mas impôs às famílias um
assentamento coletivo.
Até porque, esse tipo de organização, como observam D’Incao & Roy (1995):
Pressupõe a existência de relações sociais de igualdade ou
democráticas. Isto é, de relações sociais mediadas por uma lei
comum, sem a qual inexiste a possibilidade da livre decisão de
pertencer a esse ou àquele coletivo. Ou, num outro ângulo, a
possibilidade do compromisso com esse mesmo coletivo (D’INCAO &
ROY, 1995, p. 05).
Não é nosso intento tomarmos posição contra a implantação dos assentamentos
coletivos, mas sim aos métodos empregados pelo INCRA, quando impõe um modelo
sem ouvir os principais interessados, neste caso as famílias, que posteriormente
acabam praticamente sozinhas para viabilizar o seu desenvolvimento.
Salvo exceções, quando os mediadores se propuseram a organizar os trabalhadores
assentados no Itamarati, apesar da retórica de que nesse empreendimento a
condução das atividades seria feita com a participação da comunidade e respeitando
seus anseios, o que se verificou é que os encontros e reuniões serviam muito mais
235
para descaracterizar os projetos dos trabalhadores que não coadunavam com os
interesses dos mediadores e para dar respaldo a seus próprios projetos, agora
supostamente referendados em discussões com os trabalhadores, por terem sido
“amplamente discutidos” pela coletividade.
Na realização dos estudos do PDA, das pesquisas de mercado, do levantamento
dos anseios dos grupos, das discussões acerca da quantidade de terra e dos
produtos necessários para os trabalhadores alcançarem uma determinada quantia
de calorias necessária a uma vida saudável, etc, é evidente que os técnicos ouviram
os assentados, porém com intuito de aplicar um “verniz democrático” nas suas
decisões, ou seja, ouviram os trabalhadores para dizer que ouviram, porém o que
prevaleceu foram as contrapropostas trazidas pelos próprios funcionários, impondo
assim, as medidas que já estavam por eles pré-determinadas.
A consequência dessa imposição é que, uma vez estabelecidas em seus lotes, as
famílias se percebem com diferentes posturas a respeito de projetos de vida e de
estratégias para alcançá-los, gerando contradições que resultariam no
fracionamento dos coletivos.
A primeira contradição a emergir se refere à autonomia. Para o cidadão com um
histórico de dependência e subalternidade (ao pai, ao patrão ou ao chefe), a
conquista do lote passa a ser vista como o ponto de partida para outra conquista, a
da sua autonomia. No entanto, o que se evidencia é o início de uma nova tutela
(movimento sindical, INCRA, agências bancárias, assistência técnica, prefeitura,
associação, etc.), potencializada pela imposição do modelo de gestão coletivo
(MARTINS, 2003a, 2004).
O excesso de procedimentos coletivos chega até a fazer da
associação comunitária que deveria ser a continuidade natural da
solidariedade praticada durante a fase de acampamento, um novo
intermediário, um poder externo, uma obrigação, em vez de ser a
expressão da união dos assentados (SABOURIN, OLIVEIRA e
XAVIER, 2007, p. 27).
Outra contradição está relacionada às aspirações dos trabalhadores assentados. Em
sendo oriundos do meio rural, trazem consigo o espírito individualista do camponês
em torno da propriedade, do patrimônio familiar e do trabalho personalizado
(WANDERLEY, 1996; MENDRAS, 1976). Caso seja um ex-assalariado urbano,
tende a imitar o ex-patrão e criar um empreendimento individual (Sabourin, 2006).
236
Assim, o assentamento passa a ser o interregno de um processo entre o velho, ou
seja, hábitos, rituais, lembranças, saberes acumulados (esses saberes acumulados
não são justapostos, mas em processo de contradição durante suas apropriões), e
o novo, que está sendo gestado nas práticas sociais e estratégias de luta.
Depreende-se então, que a tentativa de indução dos agricultores à forma coletiva de
organização da produção no Assentamento Itamarati acabou por recriar entre eles
as relações de dominação que sempre existiram, frustrando as expectativas desses
atores sociais.
O que se assistiu foi o fracasso dessa estratégia produtiva, levando o Assentamento
a um quadro de crise evidenciado pela venda dos lotes, pela evasão e
inadimplência, uma prova inequívoca de que os critérios traçados pelo Estado para
os projetos de assentamentos rurais são pautados por irrealizações. (NEVES, 1997).
O fracasso da tentativa de construção de um coletivo forçado no Assentamento
Itamarati pode ser dimensionado quando observamos que, a despeito da distribuição
das áreas irrigadas e de pequenas porções de sequeiro de maneira coletiva, o
desenvolvimento de atividades laborais que envolvessem todos os integrantes dos
grupos, salvo exceções, teve duração efêmera. Perdurou por apenas duas safras,
em face da inexistência de uma base sólida construída no esforço consciente dos
seus membros para o estabelecimento de uma sociedade solidária, caracterizada
pela uniformidade de oportunidades de participação e de decisão sobre o acesso
comum à totalidade dos recursos.
Devido ao despreparo das famílias para empreenderem uma gestão coletiva de suas
áreas, são muitos os relatos de situações de desentendimento entre os membros
dos grupos do Assentamento Itamarati, independentemente da organização de
trabalhadores da qual fizessem parte, seja pela diferença de pontos de vista, que os
envolviam em intermináveis disputas e os faziam esquecer-se de cuidar da lavoura,
seja pelo comodismo de alguns que passavam a transferir responsabilidades para
os outros. Enquanto uns membros do grupo ficavam esperando que os demais
assumissem responsabilidades que competiam a todos, apenas aguardando os
resultados, outros acabavam sobrecarregados e, nesse ínterim, as pragas atacavam
a lavoura acarretando prejuízos irreparáveis.
237
Esse quadro de desentendimento generalizado reflete a inexistência da referida
base sólida que estamos advogando. Ausência esta que fez com que o projeto não
resistisse às primeiras adversidades advindas das dívidas geradas pelo fracasso de
duas safras seguidas, provocado por problemas climáticos, e que os grupos, ao
invés de buscar uma solução conjunta, mergulhassem em um profundo quadro de
desavença e de troca de acusações.
A falta de entendimento entre os membros dos grupos impediu-os de pensar em
outra possibilidade que não fosse a da entrega dos maquinários aos seus credores.
Essa decisão desencadeou outros problemas, uma vez que ficaram inadimplentes
junto ao Banco do Brasil e, assim, além de ficarem sem as máquinas necessárias
para o desenvolvimento de suas lavouras, os grupos perderam tamm o crédito.
Mesmo repassando seus equipamentos, os trabalhadores não conseguiram saldar
suas dívidas, e a saída encontrada foi o arrendamento das áreas coletivas.
Dessa forma, a única prática coletiva existente ainda entre os assentados do
Itamarati é a discussão acerca de como, para quem e por quanto arrendar as áreas
que deveriam ser exploradas coletivamente pelos próprios grupos.
Depreende-se então que tão grave quanto à imposição de um modelo sem a
participação dos principais interessados é impor, sem a devida capacitação, uma
ficção de coletivo a um conjunto de atores sociais com características e origens
diversas, inseridos em organizações de trabalhadores com posições político-
ideológicas divergentes, e com o agravante de que muitos dos beneficiados sequer
tiveram em seu histórico de vida uma experiência no exercício de atividades ligadas
ao campo. Essa justaposição arbitrária de atores sociais, com características e
interesses divergentes e sem preparo prévio, ao desenvolvimento de práticas
coletivas acabou tendo como consequência a própria inviabilização do projeto,
confirmando o pensamento de Freire (2005), segundo o qual, em maior, ou menor
grau, o INCRA corroborou propostas coletivistas que, não raras vezes, acabaram
por promover justamente o contrário do que previa, ou seja, uma desagregação
social.
238
6.1.1. São viáveis os projetos de assentamentos coletivos?
Defendemos a ideia de que um assentamento rural é um universo simbólico em que,
no conflito das representações do território em elaboração pelos sujeitos envolvidos,
no processo de sua organização e construção do espaço, por meio dos vários
projetos propostos pelos representantes em confronto com os dos assentados,
surgem perturbações e inquietações. É na produção do espaço que o conflito
emerge como resultado das práticas e estratégias coletivas cotidianas, nas
assembleias, nas reuniões, na formação da associação, na divisão de lotes; práticas
que trazem, no seu interior, questionamentos da vida pregressa desses sujeitos e
que lhes permitem um novo olhar sobre seu próprio universo cultural.
Os conflitos que insurgem nesses espaços resultam das relações políticas de poder,
de controle social, e da emergência de relações democráticas, sob a ótica dos
agentes representantes, das lideranças e dos assentados, que, por sua vez,
(re)produzem valores e informam identidades individuais e coletivas, construindo-se,
nesse processo, sujeitos sociais. Não devemos atribuir a estes a responsabilidade
pelo fracasso de um ou de outro assentamento. Tudo isso faz parte do jogo
democrático que os impelem à busca de soluções que acabam por consolidar suas
instituições.
Os sujeitos sociais vivem sob tais dramas, agonias e incertezas, com uma trajetória
de vida/trabalho fragmentada, contínua e descontínua, vivenciando as contradições
do campo e da cidade, que unificam o processo soldado por dentro das relações de
produção capitalistas as quais engendram a cooperação do trabalho como processo
social avançado.
De início, predominavam, em todo o país, os assentamentos rurais com distribuição
de lotes individuais. Como a posse de um lote, por si só, não garante a permanência
dos agricultores nos territórios conquistados, tendo em vista os diversos obstáculos
com que se deparam para se manter, surgiu, nas comunidades, a necessidade de
buscar formas alternativas de organização, tanto para produzir, quanto para
comercializar os seus produtos no mercado consumidor. Assim, esse imperativo os
impulsiona a criar condições favoráveis ao seu desenvolvimento, muitas vezes de
maneira conjunta, a exemplo da própria luta coletiva pela terra, numa ação
239
unificadora dos diversos indivíduos, provenientes de múltiplas realidades e valores
culturais, em torno de um objetivo comum.
Evidencia-se, portanto, que o estabelecimento de diferentes arranjos interpessoais,
surgidos a partir da evolução dos interesses dos assentados, propiciou uma
alteração nas formas de trabalho e tamm na base técnica predominante, criando
situação propícia à adoção de novas formas de combinação dos recursos
disponíveis. Aparentemente, é dessa combinação de respostas individuais e
problemas comuns que emergem as formas de organização mais estáveis.
Assim, apoiadas em núcleos de famílias espontaneamente organizados (por
proximidade, vizinhança ou parentesco), as comunidades passam a desenvolver
ligações de parceria, incomuns em outras áreas de minifúndio, por meio de reuniões
frequentes, investimentos solidários e construção de uma perspectiva “comunitária”
a respeito de questões abrangentes, inclusive de natureza político-partidária.
Para além dessas formas espontâneas de sociabilidade, os movimentos sociais de
luta pela terra, com destaque para o MST, deram início a uma discussão, já nos
acampamentos, sobre a importância de se viabilizar esse tipo de organização dos
assentamentos rurais desde a sua gênese e, a partir desse debate, construíram-se
diferentes formas de sociabilidades entre os beneficiários da reforma agrária.
A despeito das várias experiências realizadas, só recentemente o INCRA passou a
adotar preponderantemente essa forma de organização para o assentamento de
trabalhadores rurais, porém com objetivos e princípios muito diferentes daqueles
defendidos pelos movimentos sociais e, tamm, longe de representar as
aspirações das famílias a serem assentadas. Apesar dessa realidade e de que, ao
longo da história recente, essas experiências coletivas nos assentamentos rurais
tenham colecionado mais fracassos que êxitos, acreditamos ser essa forma de
organização perfeitamente viável.
Fracassos e insucessos dela decorrentes acabam tendo seu lado positivo, pois
demandam a predisposição dos órgãos e de pessoas, a quem compete a
implantação desses projetos, para rever suas práticas, buscando alternativas mais
condizentes com a realidade, tendo em vista estar comprovado que o modelo
cartesiano, até aqui predominante, encontra-se superado. Certamente, errar tamm
240
faz parte do aprendizado, porém, isso não é um pressuposto para que tais
instituições transformem em cobaias as inúmeras famílias que tão somente buscam
formas dignas de sobrevivência, vítimas de experimentos realizados por instâncias e
pessoas despreparadas e dotadas de uma intencionalidade que muitas vezes não
correspondem aos verdadeiros preceitos de uma verdadeira reforma agrária.
A implantação de assentamentos rurais coletivos, com critérios e seriedade, constitui
um viés promissor na busca por formas e alternativas viáveis para a manutenção
dos assentados em seus lotes de maneira satisfatória e digna. E essas são
condições fundamentais para esta parcela da sociedade que se predispõe à
conquista desses novos territórios para sua (re)produção como sujeitos atuantes na
sociedade em que se inserem.
Na busca por um objetivo comum, o trabalho coletivo fortalece o grupo,
possibilitando que as atividades produtivas e sua posterior comercialização, com
base na realização conjunta, ganhem eficácia competitiva, que resulta em maior
produtividade e competitividade mercadológicas locais, condizentes com as
aspirações do grupo envolvido.
As dificuldades vividas pelos assentados são muitas e precisam ser superadas para
que o processo coletivo tenha continuidade e seja consolidado, de forma a poder
levar ao sucesso o assentamento. Daí, ser imperativa a participação dos integrantes
da comunidade, uma vez que o trabalho coletivo leva ao fortalecimento do grupo e,
consequentemente de cada assentado, e representa a sustentação da união de
forças e objetivos comuns, além da base estrutural e estruturante de um grupo
estabilizado e fortalecido frente aos problemas cotidianos.
Para alcançar esses objetivos, os projetos de assentamentos devem ser pautados
não só nas condicionantes físicas da área e no interesse de otimizar a aplicação de
recursos, como também nos interesses e na participação efetiva de todos os
membros. Além disso, é preciso buscar amparo em modelos de gestão que sejam
compatíveis com as necessidades da comunidade. Acreditamos que o aparato
241
teórico-metodológico baseado nos princípios da economia solidária
64
Se o processo de implantação de um programa baseado na cooperação e no
trabalho comunitário por si só é muito complexo, o grau de complexidade foi
agravado no Assentamento Itamarati pela imposição de um modelo que propõe
convivência associativa e exige dos assentados atitudes políticas e coparticipação
na gestão de todo o Assentamento, tornando-os corresponsáveis pelos acertos e
erros, sejam internos ou externos, sem que lhes ofereçam as condições necessárias
para gerirem racionalmente seus projetos. Seguramente, a grande maioria dos
assentados nunca desenvolveu práticas empresariais, nem vislumbrou a perspectiva
de se capacitar e de trabalhar num processo empresarial individual ou coletivo, mas,
mesmo assim, os técnicos os inseriram num processo que exige pensar
empresarialmente a exploração da terra.
seja um
importante instrumento na condução de tais projetos coletivos.
Na falta de mecanismos racionais de gestão e de organização dos trabalhadores, a
nova sociabilidade vai, durante o processo, gerar conflitos de múltiplos contornos,
pois, no assentamento, as relações concretas impõem uma vivência por inteiro.
Assim sendo, o modelo implantado no Assentamento Itamarati teve duração
efêmera, deixando um rastro de discórdia entre as famílias, que impossibilita a
reconstituição dos antigos grupos originalmente constituídos. Diante da derrocada
do modelo que se pressupunha ser ideal, pois concebido dentro de uma
racionalidade acadêmica e fundamentado em técnicas e teorias científicas,
atualmente começam a ser gestadas atividades coletivas em moldes tradicionais, ou
seja, pela agregação espontânea das famílias por afinidade, proximidade, vizinhança
ou parentesco.
A retomada da antiga fórmula de sociabilidade entre as famílias vem se
processando, ou porque algumas se recapitalizaram, ou encontraram alguém que as
financiem, considerando tamm que ao longo desses anos os assentados já se
apoderaram empiricamente de alguns conhecimentos, como por exemplo, a maneira
de lidar com os pivôs; o reconhecimento das doenças e pragas mais comuns que
64
Este conceito se refere a organizações de produtores, consumidores, poupadores, etc., que se
distinguem por duas especificidades: (a) estimulam a solidariedade entre os membros mediante a
prática da autogestão e (b) praticam a solidariedade para com a população trabalhadora em geral,
com ênfase na ajuda aos mais desfavorecidos (SINGER, 2003, p. 116).
242
atacam as lavouras (de certa forma passaram a dominar os tratos culturais das
lavouras de soja, milho e feijão só de observar os trabalhos dos arrendatários); as
especificidades dos canais de comercialização e dos custos de produção; e acima
de tudo, descobriram também que a renda com a exploração da área pode ser maior
do que a que obteriam com o arrendamento. É importante lembrar que mesmo sem
condições ideais, os técnicos da AGRAER têm prestado assistência a todos que a
eles recorrem, viabilizando assim a produção pelos próprios assentados.
Acreditamos que essa forma de sociabilidade só não é mais expressiva no
Assentamento por força das imposições burocráticas, sobretudo do Banco do Brasil,
que só libera recursos para serem empregados no próprio lote do assentado. Como
a maior parte da área é de exploração coletiva, as famílias são obrigadas a
recompor os antigos grupos para viabilizar o acesso a um montante suficiente para
desenvolverem seus projetos, operação não muito fácil de concretizar, diante dos
desgastes e das profundas sequelas resultantes das divergências anteriores.
Destarte, a imposição de um modelo equivocado que não representava os anseios
do público alvo, não pode ser considerada apenas uma das causas das agruras
pelas quais vêm passando as famílias instaladas no Assentamento Itamarati, mas é,
seguramente, o maior problema enfrentado por aquela comunidade, uma dificuldade
que resulta na geração de muitos outros problemas como, por exemplo, a questão
do arrendamento das áreas coletivas que analisaremos ainda neste capítulo.
6.2. O projeto econômico do Assentamento Itamarati
O sucesso da reforma agrária depende não apenas do acesso à terra, mas tamm
das condições dadas para que o beneficiado possa permanecer no campo e
consolidar as relações de trabalho e do seu cotidiano, o que significa efetivar ações
coordenadas tanto da eficiência do trabalho com a terra, quanto de crédito
financeiro, de forma que os assentados tenham segurança para a permanência em
seus lotes e respaldo produtivo, premissas básicas para o êxito da reforma.
As necessidades e aspirações dos assentados do Itamarati atravessam, na maioria
das vezes, problemas e requisitos inerentes ao próprio sistema econômico
243
capitalista, tais como a escassez de crédito que possibilitariam uma maior solidez
das relações produtivas e, em consequência, a permanência dos assentados.
No conjunto de análise do sistema produtivo e dentro do plano de produção do PDA,
os técnicos elaboraram um levantamento da carteira agrícola comercial considerada
ideal para o Assentamento Itamarati, elegendo as melhores opções a partir de três
dimensões analíticas: as aspirações dos produtores, discutidas em uma série de
reuniões; pareceres técnicos e produtivos, envolvendo as entidades parceiras
(EMBRAPA, IDATERRA e UFMS), em que se avaliaram as limitações e os
potenciais de produção da carteira agrícola elaborada pelos assentados; e a
avaliação dos componentes mercadológicos, pelo IDATERRA, com base nos dados
levantados pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Com esse levantamento, elaborou-se o perfil da Carteira de Projetos que apontava
para a diversificação da produção, com vistas a mudanças na base tecnológica para
produtos diferenciados e promotores de renda, ganhos de escala e agregação de
valor aos produtos. Assim, de acordo com os dados técnicos, a exploração racional
da área passaria por uma diversificação e uma diferenciação dos produtos que
envolveriam a produção de grãos (commodities), hortaliças, frutas e a criação de
animais.
Em síntese, a estratégia proposta sugeria uma integração da produção de
commodities em larga escala, com produtos de maior capacidade de gerar renda
(hortaliças, frutas e pequenos animais), e a produção de leite, buscando, sempre
que possível, uma base tecnológica diferenciada, inserindo a produção em
agroindústrias e organizando a distribuição do produto com o menor grau de
intermediação possível, criando canais diretos de acesso ao mercado.
A produção de commodities continuou presente no plano, primeiro, pela facilidade
de contar com infraestrutura específica para essa produção e, também em função de
os assentados terem manifestado, quando do levantamento de suas aspirações de
carteira agrícola, a preferência de trabalhar, em maior escala, com plantio de grãos
(além da criação de gado). E os técnicos já alertavam que, apesar da “boa visão” e
da disposição de avançar para uma nova direção, “o parceleiro do Projeto de
Assentamento Itamarati não está ainda rompido com o sistema de agricultura
praticada pela Fazenda Itamarati...” (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 188).
244
Diante dessas constatações, a sugestão era que a produção de grãos
permanecesse, mas como forma de transição para outras atividades mais rentáveis,
ou até mesmo, que essa escolha considerasse a possibilidade de agregar valor à
produção, como por exemplo, a preparação de sementes, de produtos orgânicos,
etc.
A introdução de hortaliças e frutas no plano visava, além de ocupar o mercado
estadual ainda inexplorado (de acordo com os dados levantados, mais de 70% do
abastecimento se dava com produtos oriundos de outros estados), aproveitar a
infraestrutura de irrigação para sua produção, uma vez que os resultados
alcançados na olericultura e na fruticultura irrigada “podem superar os cereais em
até 10 (dez) vezes” (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p.188).
Já o investimento na pecuária leiteira era fundamental, com vistas à garantia de um
rendimento mensal para as famílias, agregando-lhe valor com a produção de
derivados, mas, sobretudo, a utilizar plenamente o seu potencial para a criação de
uma bacia leiteria no Assentamento.
Tendo a irrigação como vantagem diferencial em relação aos demais assentamentos
do país e sempre que possível contando com base tecnológica diferenciada, os
assentados teriam a oportunidade de produzir com “diferenças qualitativas”,
captando interesses do mercado e abrindo novos canais de comercialização.
Porém, a questão agora seria: como inserir as famílias de maneira segura no
projeto, de forma que assumam compromissos com a reestruturação de um novo
arranjo de produção, tendo em vista suas características socioeconômicas? Ainda
que a grande maioria tivesse atuação pretérita no setor agropecuário, sua
experiência se dera numa cultura fortemente arraigada em modelos de produção
tradicionais, sem citar a baixa formação escolar e o pequeno ou nenhum
conhecimento sobre gestão e formas de organização. Não obstante muitos
trouxessem a experiência dos movimentos sociais de luta pela terra, ela não seria
suficiente para promover a organização visando à produção proposta pelos gestores
do projeto.
D’Incao & Roy (1995), em um estudo sobre assentamentos rurais no Estado de São
Paulo, quando tratam das experiências pretéritas das famílias assentadas, afirmam
245
que o argumento de que os trabalhadores já vivenciaram experiências coletivas na
organização para a conquista da terra não é convincente. Os autores comentam
que, no momento da luta, o objetivo e a aspiração são os mesmos, porém, na terra
conquistada, as singularidades e o desejo de autonomia tornam-se mais vivos,
fazendo emergir as diferenças entre as famílias. Tal argumento
(experiência coletiva
anterior) torna-se autoritário, à medida que procura induzir as pessoas a caminhos
que elas de fato não almejavam.
A implantação de um assentamento rural é, sem dúvida, um tremendo desafio, tanto
para as famílias que lá foram instaladas, como também para os órgãos executores,
pois:
Trata-se de construir uma realidade totalmente diferente da anterior com
recursos escassos, em condições de carência, tanto do ponto material
quanto do ponto de vista humano. Os órgãos públicos não possuem
estrutura nem tradição a oferecer às famílias que ali se instalam,
atendimento satisfatório em infra-estrutura (água, energia, estradas,
habitação), saúde, educação, segurança, assistência técnica, etc. Por sua
vez, os assentados o estão preparados, regra geral, para o desafio de
se tornarem produtores rurais, agricultores familiares, fato absolutamente
natural, pois tratam-se de excluídos. (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003,
p.203)
Na caracterização feita no PDA, os técnicos explicitam que os “órgãos públicos não
possuem estrutura nem tradição” para atender às necessidades mínimas das
famílias para que se estabeleçam e comecem a desenvolver suas atividades. Como
agravante, acrescentam-se as pretensões dos idealizadores de transformar esse
empreendimento em um megaprojeto de assentamento, onde estão envolvidas
diretamente quatro diferentes organizações de trabalhadores, com distintos e até
conflitantes perfis político-ideológicos, entre as quais sequer existe um esboço de
consenso acerca das formas de encaminhamento das lutas pelo acesso à terra, e
que congregam 1.143 famílias, caracterizadas pelos técnicos como despreparadas
“para se tornarem produtores rurais”.
Além de analisar a falta de estrutura dos órgãos públicos e do despreparo das
famílias assentadas, os técnicos que elaboraram o PDA poderiam proceder tamm
a uma autoanálise, uma vez que eles próprios não estavam preparados para a
elaboração de um projeto que envolve tal grau de complexidade. À primeira vista, o
projeto produtivo proposto parece irretocável, porém, não resiste a uma análise mais
246
apurada, uma vez que são muitas as pistas a demonstrar a falta de experiências
concretas e de pesquisa dos técnicos, na área que estavam gerindo.
Não estamos aqui afirmando que ignorassem a temática, mas são profissionais que
embora detenham muita discussão teórica no interior das universidades, carecem de
prática para lidar com um projeto de tal magnitude. Apegando-se ao discurso
tecnocrático que tem caracterizado grande parte das pessoas com formação
superior em todo o país, acreditam que a razão técnica, emblema da modernidade, é
capaz de resolver problemas sociais. Essa crença profunda na razão e nas ciências
logo transpassa para o gerencial, produtivo, administrativo, organizativo, ou seja e
que só poderá ter resultados certos e positivos, adequado ou flexível para dar certo,
então o discurso tecnocrático, fatalista, autoritário, que tem uma fé na razão e nos
processos racionais de administração muito intensos, ao ponto de desejarem que
todos estejam nivelados e objetivos para que o empreendimento dê certo.
Algumas pistas que corroboram o que afirmamos podem ser identificadas na parte
do PDA que procura delinear um sistema de gestão para o Assentamento, onde se
agrupam os tipos das principais causas geradoras dos conflitos: os diferentes
interesses individuais ou de grupos; liderança e capacidade gerencial; e
oportunismo. Os argumentos usados pelos técnicos para justificar cada um desses
elementos revelam sua formação estatizante e tecnocrática, que não lhes permite
conceber a possibilidade de que haja abstrações do ponto de vista das pessoas que
têm objetivos diferentes. Desconsideram as divergências e, se elas aparecem, são
vistas como vetores de risco para a organização do empreendimento, ao ponto de
serem qualificadas como oportunistas, devendo ser repreendidas através de
mecanismos de coerção, como podemos observar:
Esta falta de mecanismos de controle social (mecanismos de
reconhecimento e de punição caso necessário) permite a emergência
do oportunismo, que se traduz na possibilidade de que pessoas
agindo de forma individualista acabem levando vantagem dentro dos
grupos (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003. p. 209).
Outro exemplo da intolerância à divergência é explicitado quando dois grupos da
CUT se recusaram a participar das discussões referentes às possíveis formas de
cooperação a serem adotadas no Assentamento:
247
Sugere-se ao INCRA tomar providências cabíveis em relação a estes
grupos, pois foram convidados para participar de todas as reuniões e
os objetivos da discuses (sic) foram claramente explicitadas aos
membros dos mesmos. Acredita-se que a falta de participação
destes grupos tem o intuito de solapar a forma de organização
coletiva dos grupos visando a individualização dos lotes. A equipe do
IDATERRA acredita que pela falta de participação no PDA tais
grupos deveriam sofrer restrições no acesso ao PRONAF,
obviamente por critérios a serem definidos pelo INCRA
(INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003, p. 217).
Isso nos leva a imaginar que, na concepção dos técnicos, o Assentamento só seria
gerenciável sob um regime autoritário, em que qualquer um que discorde, em
princípio, é chamado de oportunista. Sabemos que esse tipo de pessoa pode ser
encontrado em qualquer segmento e que, numa experiência como essa, há pessoas
e interesses de toda espécie. Talvez o oportunista seja até admissível, desde que se
submeta a regras.
Teófilo Filho (1994), estudando o processo de gestão de um assentamento no
Ceará, afirma:
Todas as vezes que se falava em organizar os trabalhadores,
embora a palavra tivesse conotações distintas conforme o mediador,
seja o sindicato, a igreja ou o Estado, em geral, partiam do
pressuposto da incapacidade do camponês de gestar sua
organização. A palavra mágica ‘organização’ sempre serviu a
distintos interesses e a distintos senhores, raramente aos próprios
trabalhadores (TEÓFILO FILHO, 1994, p.112).
Outra demonstração de que o projeto não coaduna com a realidade daquela
comunidade fica evidente quando observamos, a despeito de algumas discussões
acerca das formas de gestão, que a maior preocupação dos técnicos não era
essencialmente com a organização das pessoas. Independente dos dilemas dessa
tarefa, todos os propósitos, até os analíticos, referiam-se ao retorno financeiro do
empreendimento técnico e econômico. A preocupação não estava centrada nos
oportunistas, nem nas diferenças, ou na forma de coordenação, mas principalmente
na garantia de restituição dos recursos aplicados.
248
Ao enfatizar somente a perspectiva econômica
65
A análise do discurso dos técnicos nos remete à compreensão de que apesar de
fazerem questão de frisar a importância dos aspectos sociais, na prática,
objetivamente, não se percebe a preocupação com as diversidades da origem e da
experiência das famílias. O que se considera em relação a elas é se terão
competência para amortizar os recursos que nelas foram investidos.
, negligenciaram-se aspectos
relevantes como o social e o cultural. Em geral, as políticas de reforma agrária no
Brasil têm sido pensadas quase que exclusivamente pelo viés econômico. Não há
dúvida que a questão financeira seja fundamental, pois as famílias têm que atingir
um grau de autonomia econômica que lhes permita depender, cada vez menos, de
políticas assistencialistas. Acreditamos, porém que os aspectos econômico, social e
cultural formam um importante tripé que sustenta qualquer projeto de reforma
agrária, e que, na ausência de qualquer um deles, as chances de fracasso
certamente são maiores.
O projeto de assentamento deve evidenciar o cunho produtivo, o
retorno econômico-financeiro dos investimentos públicos realizados e
dos esforços laborais de cada um dos assentados. Ao lado do
aspecto social, importante componente de todo o projeto de
assentamento, o fator econômico tem sua relevância e necessita ser
evidenciado. E a forma de se caracterizar a viabilidade econômica é
efetivação de atividades produtivas viáveis, tanto sob o ponto de
vista técnico como mercadológico. Ou seja, produzir aquilo que o
mercado demanda e com custos adequados a proporcionar retorno
econômico (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003. p. 33).
A comprovação desta assertiva advém da própria justificativa dada pelas antigas
lideranças dos grupos da CUT que se recusaram a participar das discussões sobre
as formas de cooperação anteriormente mencionadas. Segundo o senhor Levino
Zanata:
65
Um maior interesse pelos aspectos da vida econômica dos assentamentos rurais passa a ocorrer
após 1994, quando da divulgação de um relatório publicado pela FAO (Palmeira, 1994) como
resultado de uma pesquisa financiada pela ONU, em 1992, sobre uma amostra de assentamentos em
todo o país. De acordo com os argumentos dos autores da pesquisa, o baixo nível tecnológico e de
mecanização empregado neste modelo produtivo impunha um grande acúmulo de trabalho vivo e
obrigava a inserção de todos os membros da família no processo produtivo; mesmo com o baixo nível
de produtividade e do lento ritmo de capitalização, ainda assim, os assentamentos já seriam uma
conquista pelo fato de terem inserido os produtores no mercado. Os autores da pesquisa
argumentavam ainda que, por força das diversas estratégias implementadas, os assentamentos
rurais seriam viáveis economicamente porque a renda média de uma família assentada seria mais
alta que a de uma família de trabalhadores rurais na mesma região.
249
Nós nos recusamos a participar daquelas discussões porque quando
se tratou de discutir a infraestrutura, saúde e educação discutiram à
parte. Os técnicos e as coordenações das entidades vieram aqui e
pegaram meia dúzia de lideranças novas da comunidade, ou seja,
pegaram as menos experientes em relação ao que deve ser um
PDA, e levaram para o Hotel Barcelona em Ponta Porã onde
discutiram os temas relacionados à questão da saúde, educação e
infraestrutura, depois registraram numa ata. Aqui só se discutiu
produção e a comercialização. Discutiram o básico da produção
porque tinha pegado o investimento. Acho que deveriam ter realizado
as discussões referentes a estes temas com toda a comunidade
como fizeram com a questão da produção e comercialização. Eu
acredito que nós do Grupo Segredo e as famílias do Grupo Santa
estávamos certos, porque a saúde, a educação e infraestrutura é a
parte mais carente do assentamento até hoje (LEVINO ZANATA).
A fala do senhor Levino corrobora a nossa assertiva de que o projeto do
Assentamento Itamarati teve na sua proposição um viés econômico, ou seja, os
técnicos centraram esforços numa possibilidade de retorno e esqueceram que um
assentamento rural é, antes de tudo, um processo social que precisa se desenvolver
concomitante ao econômico, ou antes.
Tanto as preocupações dos técnicos estão centradas no retorno do dinheiro e do
esforço empregado, e de tal maneira, que são capazes de realizar uma radiografia
na qual sugerem a constituição de uma cooperativa como solução simples para
dirimir problemas decorrentes do elevado grau de complexidade.
A visualização de uma organizão gestora que associe os
benefícios sociais e comunitários de uma associação e os benefícios
econômicos de uma empresa conduzem necessariamente ao modelo
cooperativista. [...] Sugere-se que o Governo do Estado incentive
fortemente a criação da Cooperativa Única dos Assentados (Central
ou Singular) (INCRA/SEPROD/IDATERRA, 2003. p. 218).
A ideia da criação de uma cooperativa tamm é defendida na dissertação
Avaliação do Plano de Desenvolvimento do Assentamento Itamarati (PDA): Um
Estudo de Caso, de autoria de Sandro Moroso Bones, um dos técnicos que esteve
envolvido no processo de elaboração do PDA. A nosso ver, o cooperativismo, como
solução, é sempre discutido quando nas normas gerais do capitalismo não há saída
para a livre iniciativa.
Propor o cooperativismo como solução já é um determinismo do ponto de vista
desses técnicos que estão equivocados. E Bones trouxe para sua pesquisa as
250
determinações do PDA do qual ele fez parte, impondo uma mistura de coletivismo
ao qual, na compreensão dos técnicos, o cooperativismo era o que mais se
aproximava.
É certo que o cooperativismo traz uma série de vantagens, porém as famílias
estavam apenas iniciando um processo de assentamento, organizando-se ainda
individualmente. E essa forma de gestão implica a formação de uma nova
mentalidade, de uma nova ética no trabalho (BERGAMASCO & NORDER, 1996). O
surgimento do cooperativismo está assim ligado à busca de uma
Economia imbricada com o social, a recusa do economicismo e da
autonomização do econômico face à sociedade, bem como tem uma
forte conotação política: expressa um modo de transformação do
capitalismo a partir da auto-organização dos produtores e
consumidores (LISBOA, 2003, p.2).
No cooperativismo, as pessoas entram com quotas, com certo tipo de participação,
têm um processo histórico, uma identidade. A criação de uma cooperativa
pressupõe como um dos principais elementos a associação livre ou espontânea de
membros que escolhem trabalhar juntos, e não porque seja essa uma forma
economicamente mais viável do que qualquer outra organização. Assim tem sido
desde 1844, quando do início da história do cooperativismo, em Rochdale na
Inglaterra
66
Não pode ser possível que os técnicos que elaboraram o PDA fossem ingênuos ao
ponto de acreditar que introduzindo o cooperativismo entre pessoas com essa
heterogeneidade de história de vida e de política, iriam resolver problemas de
objetivo empresarial. Cremos que tal fato resulta da imposição de instâncias
superiores que os pressionavam a implantar nesses assentamentos a ideia de que
ali houvesse uma objetividade econômica.
, ou seja, o cooperativismo depende da vontade das pessoas e não pode
ser imposto como modelo visando resolver o problema da pouca experiência
administrativa das famílias, muitas das quais sequer detinham experiência na
produção agrícola.
66
Desde o princípio, o cooperativismo esteve associado aos ideais socialistas. Os pioneiros de
Rochdale, ao formar a primeira cooperativa, inspiraram-se nas ideias de um socialista utópico, Robert
Owen (1771-1858), que concebia o cooperativismo como uma estratégia para se chegar a uma
sociedade mais igualitária e justa.
251
Não teriam os resultados sido diferentes se, desde o começo, os mediadores
tivessem estimulado e procurado formas de viabilizar a união das famílias em torno
de associações por interesses? Tudo nos leva a crer que já havia a pretensão do
próprio INCRA, e de outros órgãos gestores da parte econômica, de impor o que
consideravam melhor para organizar o processo, ou seja, um modelo que já deveria
estar pré-determinado. Dessa forma, ouviram de fato os anseios da comunidade, e
consideraram aquilo que se encaixava no modelo proposto.
Temos que concordar com Teófilo Filho (1994, op.cit) para quem, invariavelmente,
os mediadores partem do pressuposto de que os trabalhadores são incapazes de
gestar sua organização, assim o termo “organização” dificilmente serve aos
interesses dos trabalhadores.
Um exemplo da orientação que privilegiava o sistema de cooperativa é a decisão
dos órgãos gestores de que apenas 30% dos recursos do PRONAF A poderiam ser
investidos nos projetos individuais, enquanto 70% tinham que ser destinados aos
projetos coletivos. Fizeram o que achavam que tinha que ser feito, acreditando que
como se tratava de exploração de extensão, os 70% dos recursos seriam aplicados
numa megaprodução e que, obviamente, por isso mesmo, todos tinham que estar
endividados com um grande potencial de recursos. O propósito inicial era de inserir
as famílias num processo extensivo de produção, o que é manifestado na
destinação do montante de recursos para a área coletiva.
Assim, não consideraram a pouca compreensão que as pessoas tinham do processo
administrativo, da dívida imensa que o coletivo assumia para aquela experiência,
mas que iria retornar para cada um individualmente, ainda que uns tivessem mais
sucesso que outros.
Entendemos que por colocar em primeiro plano os aspectos econômicos, os
técnicos queriam que o processo de assentamento fosse autofinanciável já de
partida, e acreditaram que o cooperativismo era o que se adequava àquela situação
complexa em que estavam envolvidos. O problema levantado pelo PDA e,
posteriormente, por Bones, é gerencial e administrativo, de como os assentados vão
pagar o financiamento, e não considera as relações de desenvolvimento humano
que existem no Assentamento.
252
Essa forma de atuação dos grupos de mediação chamou a atenção de Martins
(1993):
A crise principal, hoje, não está nos movimentos populares: está nos
grupos de mediação, os grupos de apoio. Os grupos de mediação
têm entendido mal a luta no campo. Reduziram-na ao econômico e a
uma luta estritamente econômica pela terra (MARTINS, 1993, p.9).
Diante dessa caracterização dos sujeitos, órgãos públicos e entidades envolvidas, a
questão que se coloca é: como operacionalizar o projeto econômico? Como tor-lo
exequível, se sua viabilização requer, além de uma elevada inversão de capitais e
do envolvimento de uma gama diversificada de mediadores das diferentes escalas
do governo, profissionais especializados e trabalhadores com visão empreendedora,
capacitados para trabalhar com uma base tecnológica moderna para o padrão da
agricultura familiar e, acima de tudo “imbuídos” do desejo e do compromisso de gerir
o empreendimento de maneira coletiva?
É evidente que cada projeto de assentamento possui demandas específicas,
contudo, as deste em particular, já deveriam estar previstas desde o instante em que
se definiu seu caráter de megaempreendimento e, como tal, não poderia receber o
mesmo tratamento dos outros quanto à destinação de recursos, à forma de atuação
dos órgãos públicos, ao perfil dos profissionais que estariam atuando diretamente
com as famílias, etc.
Até mesmo os trabalhadores não poderiam ter as mesmas características de um
assentado comum. Tendo em vista que o que se busca com um assentamento de
trabalhadores rurais é a inclusão social, e diante da dificuldade ou inviabilidade da
realização de uma seleção prévia, competiria aos órgãos gestores investir na
capacitação das famílias para que pudessem se enquadrar na proposta de tal
projeto.
Isso não quer dizer que estejamos defendendo privilégios para as famílias que foram
contempladas com um lote no Assentamento Itamarati. Apenas partimos da
premissa que o modelo proposto, pelas suas especificidades, sugere um tratamento
diferenciado, dado que as pretensões eram que esse empreendimento constituísse
o maior projeto de inclusão social do mundo (este é o conceito a que muitos se
referiam quando o assunto em pauta era o Assentamento Itamarati).
253
Contudo, a proposta de megaempreendimento e de assentamento rural modelo, em
todas as dimensões, não passou de retórica. A não ser pela presença dos pivôs,
pelo tamanho da área e pelo número de famílias envolvidas, o Itamarati em nada se
diferencia dos demais criados por todo o país no que se refere ao tratamento
dispensado pelos órgãos oficiais. Essa realidade comprova a nossa tese de que a
aquisição da antiga Fazenda Itamarati para transformação em assentamento rural se
deu muito mais para atender outros interesses e outros sujeitos sociais, que
propriamente fazer parte de um projeto que representasse a um passo à frente no
sentido de corrigir injustiças sociais e, acima de tudo, um avanço na resolução da
aguda questão fundiária e agrária deste país.
Devemos reconhecer que na escala estadual (gestão Zeca do PT) houve uma
abertura maior para reconhecer a necessidade de um tratamento diferenciado para o
Assentamento Itamarati, e isso se evidencia com a criação de um crédito rotativo
para viabilizar o início das atividades agrícolas no momento em que, formalmente,
os trabalhadores não poderiam ainda contar com os recursos do PRONAF, auxílio
para a construção das casas, reformas nas unidades de irrigação, instalação de um
posto do IDATERRA, atual AGRAER, dentro do Assentamento para viabilizar a
assistência técnica, etc. Contudo, ainda assim, sua atuação ficou muito aquém do
necessário.
Não obstante a falta de sensibilidade, jogos de interesses e a omissão dos órgãos
públicos, os trabalhadores que para lá foram conduzidos têm que dar continuidade
às suas vidas, criando arranjos e improvisações que lhes permitam driblar as
adversidades e garantir o provento necessário para o sustento de seus familiares,
seja atuando em seu lote individual ou na área coletiva.
6.3. A gestão do território
“A criatividade demonstrada por muitos assentados, homens e mulheres que ‘se
fazem’ enquanto constroem o assentamento, enriquece de especificidades o
caleidoscópio de situações particulares” (FERRANTE, 2007, p. 64). Em face da
diversidade de aspectos econômicos, culturais e políticos, no Assentamento
254
Itamarati há singularidades por toda a parte, e as trajetórias dos sujeitos ora os
individualizam, ora os aproximam.
Acerca das relações de poder na gestão do território, Haesbaert (2004b) afirma que:
[...] toda relação de poder espacialmente mediada é também
produtora de identidade, pois controla, distingue, separa e, ao
separar, de alguma forma nomeia e classifica os indivíduos e os
grupos sociais. E vice-versa: todo processo de identificação social é
também uma relação política, acionada como estratégia em
momentos de conflito e/ou negociação (HAESBAERT, 2004b, p.89).
Assim sendo, há nuances significativas a estabelecer diferentes formas de atuação
seja coletiva ou individualmente. Nos lotes individuais, como veremos mais adiante,
as atividades econômicas predominantes são a pecuária leiteira, a criação de
animais de pequeno porte e a lavoura de sobrevivência (Foto 38). Cada família
assentada desenvolve, portanto, a agricultura familiar, modelo historicamente
utilizado pelos pequenos produtores da região, semelhante ao que observou
Brenneisen (2002) ao estudar um conjunto de assentamentos rurais no Estado do
Paraná:
Na verdade, a reorganização de suas vidas não está sendo feita
sobre “novas bases”, mas sobre as “antigas bases”, ou seja, os
agricultores têm procurado reorganizar suas vidas, tanto no que se
refere à organização da produção como no que se refere à
organização da vida cotidiana baseados nas suas histórias culturais
e de acordo com seus reais anseios quando engajaram-se na luta
pela terra: o de reconstruírem suas vidas sobre as mesmas bases
que outrora eles mesmo ou seus antepassados, pais e avós, tiveram.
A busca da reconstrução de suas vidas esbarra nos conflitos e cisões
que ocorreram durante esses anos de imposição de um modelo
alheio às suas raízes culturais, que constitui um equívoco [...]
(BRENNEISEN, 2002, p. 168).
As áreas de sequeiro de domínio coletivo foram fracionadas pelos próprios membros
dos grupos e, à revelia do INCRA, foram distribuídas proporcionalmente para cada
família, e daí por diante passaram a realizar vários arranjos, trocando áreas entre si,
de acordo com seus interesses imediatos. Existem aqueles que querem
desenvolver apenas a pecuária, mas, por não estar essa atividade ainda
devidamente organizada para ocorrer nas áreas irrigadas, algumas famílias
procedem a troca de sua área irrigada por uma área de sequeiro de outra família,
255
passando assim algumas a deterem posse apenas de áreas irrigadas enquanto que
outras, apenas áreas de sequeiro.
A atividade produtiva com exploração coletiva
da área pelos próprios assentados é mínima.
Como veremos mais adiante, dos cinquenta e
oito grupos constituídos em razão da existência
dos pivôs, apenas um continua explorando sua
área diretamente, sendo os demais explorados
por arrendatários.
Independentemente de quem as explora, se
assentados ou arrendatários, nas áreas
coletivas, especialmente nas irrigadas, na safra
principal (verão) continua o predomínio do
cultivo da soja e do milho. Concebíamos
inicialmente que a permanência das lavouras
de soja e milho no assentamento, condicionada
pela existência de uma tecnologia (os pivôs)
pensada por/para a grande lavoura capitalista, constitui uma rugosidade, conceito
descrito por Santos (1978):
As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se
transformou em paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades
nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão
de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações
particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizados
(SANTOS, 1978,
p.138).
Complementando a reflexão: “as rugosidades não podem ser apenas encaradas
como heranças físico-territoriais, mas também como heranças socioterritoriais ou
sociogeográficas” (SANTOS, 1997, p.36).
Sob essa perspectiva, toda aquela infraestrutura herdada da antiga fazenda era uma
rugosidade que deveria ser gradativamente removida, para que o projeto se
transformasse num modelo diferente, compatível com o perfil da agricultura familiar,
agregando valor à produção, introduzindo novos produtos conforme a proposição
dos técnicos.
Foto 38 -
Assentado plantando feijão na
lavoura de sobrevivência
Autor: Ademir Terra
256
Hoje, porém, após analisarmos o desenrolar dos acontecimentos no Assentamento,
não obstante a sugestão feita no projeto de gestão econômico do PDA, o cultivo de
commodities não se deu de forma a garantir uma transição para outras formas de
exploração, ou seja, não houve qualquer esforço no sentido de introduzir outras
lavouras, até porque as opções propostas no referido projeto não são tão vantajosas
como seus idealizadores fizeram crer, pelo menos não a curto e médio prazo, em
função dos custos de produção e de sua introdução no mercado não ter as mesmas
facilidades que possuem as commodities.
Por outro lado, a sugestão de produzir commodities de maneira diferenciada,
agregando-lhes valor, como por exemplo, o cultivo de produtos orgânicos, poderia
até ser uma opção interessante, porém, dadas as condições das famílias
assentadas, essa hipótese seria economicamente inviável. Por força da legislação
que regula a produção de produtos orgânicos, sua introdução no mercado, com essa
rubrica, só pode se dar quando comprovada a completa descontaminação da área
de plantio o que, no caso específico do Assentamento, demandaria um tempo
demasiadamente longo em função do extenso período em que a área ficou exposta
aos agrotóxicos. Além do mais, a despeito da crescente tendência à procura pelos
orgânicos, ela ainda se dá por pequenos volumes, e os custos são altos e grandes
as exigências.
Dessa forma, refutamos a ideia inicial (não uma hipótese) de que a permanência do
cultivo das commodities constituía uma rugosidade, pois na verdade, todo o projeto
foi montado contando com a continuidade de tal atividade econômica, mesmo que
na teoria apostava-se na sua substituição.
6.3.1. O início das atividades produtivas
O início da implantação do Assentamento ocorreu no primeiro semestre de 2002.
Diante das boas condições técnicas que a área reunia (até pouco tempo os pivôs
haviam sido utilizados pela fazenda e, recentemente, submetidos a uma reforma
patrocinada pelo governo de Mato Grosso do Sul), da grande quantidade de mão de
obra ociosa representada pelas famílias que aguardavam os trabalhos de
demarcação e entrega dos lotes e tamm pela expectativa que elas detinham para
257
começarem a produzir na área, os técnicos responsáveis pela implantação do
conseguiram viabilizar a produção agrícola ainda na safra 2002/2003 (verão).
Todavia, como o projeto ainda estava na fase de implantação, havia necessidade de
cumprir algumas etapas legais exigidas pelo governo federal como pré-requisitos
para a liberação dos primeiros recursos destinados ao custeio da produção agrícola
no Assentamento, e uma das exigências era a construção da moradia das famílias
nos seus lotes.
Até então, haviam acessado apenas o recurso destinado à implantação de
infraestrutura e fomento: a primeira resumindo-se basicamente à casa, e o segundo,
à parte destinada à compra de ferramentas e de alimentação das famílias por um
período equivalente a quatro ou cinco meses. Na concepção do INCRA, nesse
período o trabalhador deveria estar envolvido com a construção da moradia e a
organização do lote, não podendo, assim, estar ainda se dedicando à produção.
Somente após o INCRA comprovar a aplicação correta desse primeiro recurso
acessado pelo trabalhador é que ocorre a entrega oficial da casa, condição
necessária para a emissão da primeira Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP),
documento obrigatório para liberação do PRONAF A.
Como essa etapa ainda não havia sido cumprida, e face às necessidades e
pressões exercidas pelas famílias, o governo de Mato Grosso do Sul, que era
parceiro do governo federal no projeto Itamarati, resolveu intervir, disponibilizando
R$ 40.000,00 para cada um dos 58 grupos que possuem pivô, para o custeio do
plantio da safra 2002/2003, com recurso proveniente do Fundo de Inclusão Social
(FIS) do estado, através da criação de um Fundo Rotativo, o qual permitiria a
viabilização não só dessa safra, como também das subsequentes.
Rogério Franchini comenta os desdobramentos dessa medida:
Inicialmente o recurso era voltado apenas para os grupos que
possuíam pivôs, porém como havia apenas um grupo da CUT que
não possuía pivô, foi repassado para este a mesma quantia a qual foi
destinada para a compra de máquinas e perfuração de poço. Já no
caso da FETAGRI que possui vários grupos cujos lotes só tem área
de sequeiro, os grupos que tinham pivô deveriam repassar parte do
montante recebido do Fundo Rotativo para estes, alguns grupos de
pivô não repassaram a parte do recurso gerando uma grande
polêmica (ROGÉRIO FRANCHINI).
258
Como o nome sugere, o crédito deveria ser depositado numa conta corrente em
nome de cada um dos grupos ao término de cada safra, estando disponível para
financiar a safras subsequentes. Ainda de acordo com Rogério Franchini, “houve
inclusive um acordo com os Movimentos Sociais de que este valor fosse corrigido
pelo índice de inflação anual”.
Em valores da época, para plantar em um pivô de 120 ha, seria necessário um
montante em torno de 60 a 70 mil reais, de forma que os 40 mil disponibilizados pelo
governo estadual não seriam suficientes. Para Rogério Franchini, “este recurso foi
uma espécie de incentivo para que os grupos pudessem buscar recursos
complementares na iniciativa privada”.
Os empresários, que nunca haviam trabalhado com assentamentos rurais,
mostraram-se naturalmente reticentes, pois a imagem que tinham dos trabalhadores
rurais sem-terra é aquela estigmatizada e veiculada pela imprensa, associada a
invasões e depredações promovidas por um grupo de pessoas violentas que
semeiam intolerância e desordem, sem qualquer respeito à propriedade privada. Por
conta dessa imagem pré-concebida, muitos empresários recusavam-se até mesmo a
receber os técnicos do IDATERRA, ou ouvir o que tinham a propor. “Ficamos quase
60 dias fazendo um trabalho junto às empresas e não conseguíamos sair do lugar”
(ROGÉRIO FRANCHINI).
Aventamos a hipótese de que se os técnicos tivessem levado primeiramente a
proposta do grupo AMFFI, uma organização social dos assentados formada por ex-
funcionários da antiga fazenda, talvez a rejeição não tivesse sido tão grande.
Mesmo aqueles que se dispuseram a ouvir as propostas tinham medo de
estabelecer parcerias sem a segurança de retorno do investimento, mesmo sabendo
que a garantia seria o recurso alocado pelo governo estadual com que cada grupo
podia contar em caso de uma safra frustrada. O técnico agrícola da AGRAER,
Rogério Franchini, explica como essa resistência foi quebrada:
Teve um empresário que nós fomos visitar, que nem quis nos
receber, não quis saber de nada, depois que ele viu os outros
empresários aceitando a proposta, ele veio atrás e financiou metade
do assentamento. Na mesma safra ele pegou todos os grupos do
MST e toda a AMFFI (ROGÉRIO FRANCHINI).
259
A parceria com os empresários foi uma prática legal e necessária para dar o impulso
inicial às atividades produtivas das famílias assentadas, complementando o recurso
do Fundo Rotativo de que os grupos já dispunham, utilizado para bancar parte dos
insumos que obrigatoriamente tem que ser pagos à vista como, por exemplo, adubo,
óleo diesel, energia elétrica, etc. Não devemos confundir essa parceria com a prática
do arrendamento dos pivôs, que se generalizou no Assentamento pouco tempo
depois.
Os resultados alcançados pelos assentados e seus parceiros na primeira safra pode
ser avaliado na Tabela 3 que, sucintamente, mostra uma produção de mais de 770
mil sacas de grãos (milho e soja), colhidos numa área de mais de 13 mil hectares.
Tabela 3 - Plantio safra de verão no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2002/2003
Cultura Área plantada (ha) Tecnologia
Média Produtividade
(sacas/ha)
Produção (Sacas)
Soja
6.739
Irrigado / Sequeiro
45
303.255
Milho
6.555
Irrigado / Sequeiro
72
471.960
Totais
13.294
---
---
775.215
Fonte: AGRAER Levantamento de safra
Org. Ademir Terra
O plantio dessa safra foi custeado com verbas provenientes do FIS, do governo do
Estado do Mato Grosso do Sul, através da implementação de um Fundo Rotativo,
assim como de empresas agropecuárias, por meio de Carta de Crédito de Produtor
Rural (CPR), e dos recursos próprios dos trabalhadores assentados. Sob as
mesmas condições ocorreu a safra de inverno (safrinha) 2003, praticamente com os
mesmos parceiros, com o auxílio do Fundo Rotativo e com recursos próprios dos
trabalhadores, agora ampliados pelos resultados obtidos na safra de verão.
Como se verifica na Tabela 4, a área cultivada na safra de inverno de 2003 foi de
aproximadamente 6.500 ha. A utilização de uma área menor possibilitou uma maior
diversificação de lavouras, tendo produzido, por ordem decrescente de área
plantada, o trigo, o feijão, o milho e o girassol.
A safra de verão do ano agrícola de 2003/2004 já poderia ser custeada com
recursos provenientes do PRONAF A, além dos já existentes do FIS, de empresas
agropecuárias e dos próprios trabalhadores. Porém não foi isso que aconteceu.
260
Tabela 4 - Plantio safra de inverno no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2003
Cultura Área plantada (ha) Tecnologia
Média Produtividade
(sacas/ha)
Produção (Sacas)
Milho
850,00
Irrigado / Sequeiro
80,00
68.000,00
Feijão
1.790,00
Irrigado / Sequeiro
31,58
56528,20
Trigo
3.782,00
Irrigado / Sequeiro
38,78
146.665,96
Girassol
100,00
Irrigado / Sequeiro
25,00
2.500,00
Totais
6.522,00
---
---
273.694,16
Fonte: AGRAER Levantamento de safra
Org. Ademir Terra
6.3.2. Acesso e destinação do PRONAF
O PRONAF A começou a ser liberado a partir de agosto de 2003, disponibilizando
para cada família o valor correspondente a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Em
consonância com a legislação, desse montante foram separados R$ 1.500,00 (um
mil e quinhentos reais) destinados à assistência técnica, devendo ser repassados
em parcelas de R$ 187,50 por família, a cada seis meses, durante o período de
quatro anos.
Por ser um assentamento que possui áreas de exploração coletiva e individual, o
INCRA determinou a cada organização dos trabalhadores, um limite de investimento
para cada uma dessas formas de exploração, baseado em um cálculo que levou em
consideração a quantidade de área de cada tipo sob a responsabilidade dos grupos.
Para uma melhor compreensão, tomemos como exemplo as famílias que compõem
os grupos do MST, que detêm 8 ha de área coletiva e 8 ha de exploração individual.
Dos R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), do PRONAF A, que cada família
recebeu, 50% deveriam ser destinados à exploração coletiva e 50% para a
individual, ou seja, um valor correspondente a R$ 6.750,00 (seis mil e setecentos e
cinqüenta reais) para cada uma. Essa divisão não era tão rígida e às famílias era
permitido destinar um percentual maior para o coletivo, só não podendo ocorrer o
contrário, tendo em vista a prioridade para a forma de exploração coletiva. Houve
caso em que famílias organizadas pela MST investiram 70% do recurso no coletivo e
30% no individual. Já no caso da organização social AMFFI, quase a totalidade do
recurso foi destinado ao coletivo, pois as famílias sob sua coordenação praticamente
não detêm (pelo menos não formalmente) área individual.
261
Além dessa, uma segunda divisão do recurso, que valeria tanto para a forma de
exploração coletiva quanto para a individual, deveria ser procedida. Foi determinado
que o teto máximo para o custeio da lavoura seria de 35% e o restante, 65%,
deveria ser empregado em investimento, como por exemplo, na compra de
máquinas e equipamentos.
Na verdade foram abertos quatro projetos, primeiro o foco era
coletivo/individual, depois em cima disso ainda tinha 35% de custeio
e 65% investimento. Nós estabelecemos que no coletivo o montante
todo tivesse que ser no máximo 35% para custeio e 65% para
investimento. Se abríssemos isso com outros valores, a soma do
custeio do coletivo poderia passar do valor estipulado (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Tomemos como exemplo uma família que destinou 70% do PRONAF A para o
coletivo, ficando, portanto, com apenas 30% do recurso para aplicação no seu lote
individual, ou seja, dos R$ 4.050,00 (quatro mil e cinquenta reais) que teria à sua
disposição, poderia, no máximo, aplicar 35%, algo em torno de R$ 1.417,50 (um mil
quatrocentos e dezessete reais e cinquenta centavos) na sua roça individual, para
sua subsistência, e o restante, cerca de R$ 2.632,50 (dois mil seiscentos e trinta e
dois reais e cinquenta centavos), teria que ser destinado ao investimento no lote,
para, por exemplo, fazer cercas, comprar vacas, etc.
A mesma sistemática tamm valeria para o grupo a que essa família pertencia.
Imaginemos que este grupo fosse formado por vinte famílias, como no caso da CUT.
Tendo recebido o repasse de 70% do valor do PRONAF A de cada família - R$
9.450,00 (nove mil quatrocentos e cinquenta reais) - totalizando R$ 189.000,00
(cento e oitenta e nove mil reais), o grupo deveria separar no mínimo 65%, cerca de
R$ 122.850,00 (cento e vinte e dois mil e oitocentos e cinquenta reais), para investir
na compra de máquinas, implementos, etc. Os outros 35% do recurso poderiam ser
aplicados para custear a lavoura coletiva, aproximadamente R$ 66.150,00 (sessenta
e seis mil e cento e cinquenta reais), valor este que, de acordo com Rogério
Franchini, seria suficiente, na safra do ano agrícola 2003/2004, para custear a
produção em um pivô que irriga uma área de aproximadamente 120 ha.
Porém, como a aplicação do recurso do PRONAF A no custeio da safra não era
obrigatório, e também porque a preparação para o início do plantio já estava sendo
encaminhada por meio de outros financiamentos apesar do recurso já estar sendo
262
liberado a partir de agosto de 2003, com algumas exceções, a safra foi viabilizada
através do financiamento de empresas privadas. O PRONAF A foi empregado na
sua quase totalidade em investimento, tanto no coletivo, quanto no individual. A essa
altura, muitos grupos, contrariando o combinado, já haviam dado destino diferente
ao Fundo Rotativo, depositado ao término da comercialização de cada colheita,
acrescido de juros com base na inflação anual.
Fizemos os projetos e eles custearam com o Fundo Rotativo a safra
de verão 2002/2003 e a safrinha de 2003, daí então, eles não
depositaram mais o fundo, eles resolveram pegar o dinheiro e rachar
entre eles e acabando com este recurso. [...] A CUT, por exemplo,
que tem vinte famílias em cada grupo, tocou cerca de R$ 2.000,00
para cada família. Isso foi um grande erro que eles cometeram, esse
dinheiro deveria custear cada safra dali em diante, esse dinheiro era
coletivo e jamais poderia entrar no caixa particular (ROGÉRIO
FRANCHINI).
O imponderável aconteceu e, nessa safra, todo o Centro-Oeste foi atingido pela
maior estiagem dos últimos anos, o que ocasionou grandes perdas, principalmente
na produção de grãos. No Assentamento Itamarati, apesar dos pivôs, os agricultores
tiveram muitos prejuízos, uma vez que dos 25.000 ha que compõem a área total do
assentamento, apenas um pouco mais de 7.000 ha constitui-se em área irrigada.
Além do mais, o pivô evita uma frustração total da lavoura pela escassez de chuva,
mas não impede que ocorram perdas significativas de produtividade, como
evidenciam as Tabelas 5 e 6, que demonstram os resultados alcançados,
respectivamente, na produção de soja e milho, as duas principais culturas
comerciais plantadas nas safras de verão.
Tabela 5 - Demonstrativo da produção de soja da safra 2003/2004 (Verão) no Assentamento Itamarati por
Organização Social
Organização
Social
Área Plantada
(ha)
Estimativa de Produção
(sacas)
Produção Real
(sacas)
Perdas
(%)
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
1
Sequeiro
2
FETAGRI
1.517,50
692,00
75.875,00
27.680,00
65.421,00
7.543,76
-14%
-73%
CUT
1.337,00
1.651,50
66.850,00
66.060,00
40.915,00
11.666,50
-39%
-82%
MST
1.332,00
897,50
66.600,00
35.900,00
46.995,40
9.422,00
-29%
-74%
AMFFI
696,00
958,00
34.800,00
38.320,00
23.954,00
15.074,10
-31%
-61%
Total
4.882,50
4.199,00
244.125,00
167.960,00
177.285,40
43.706,36
Total da Produção (Sacas)
412.085,00
220.991,76
Total de Perda (Sacas)
191.093,24
(
1
) Estimativa de produção de 3000 Kg/ha
(
2
) Estimativa de produção em torno de 2400 Kg/ha
Fonte: AGRAER Levantamento de safra - Org.: Ademir Terra
263
Apesar da queda de produtividade, caso tivessem plantado apenas nas áreas
irrigadas, os agricultores não teriam tido um prejuízo tão expressivo, pois os parcos
lucros obtidos com a produção nos pivôs foram insuficientes para cobrir as perdas
nas áreas de sequeiro.
Tabela 6 - Demonstrativo da produção de milho da safra 2003/2004 (Verão) no Assentamento Itamarati
por Organização Social
Organização
Social
Área Plantada
(ha)
Estimativa de Produção
(sacas)
Produção Real
(sacas)
Perdas
(%)
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
Sequeiro
Irrigada
1
Sequeiro
2
FETAGRI
0,00
162,50
0,00
11.375,00
0,00
1.379,50
0,00%
-88%
CUT
0,00
283,00
0,00
19.810,00
0,00
1.977,00
0,00%
-90%
MST
528,00
453,50
61.248,00
31.745,00
53.239,00
2.278,00
-13,08%
-93%
AMFFI
858,00
127,00
99.528,00
8.890,00
99.066,00
762,00
-0,46%
-91%
Total
1.386,00
1.026,00
160.776,00
71.820,00
152.305,00
6.396,50
Total da Produção (Sacas)
232.596,00
158.701,50
Total de Perda (Sacas)
73.894,50
(
1
) Estimativa de produção em torno de 7000 Kg/ha
(
2
) Estimativa de produção em torno de 4200 Kg/ha
Fonte: AGRAER Levantamento de safra
Org.: Ademir Terra
O Gráfico 8 nos mostra quão baixos foram os índices pluviométricos em três safras
seguidas na região de Dourados, onde está localizado o Assentamento Itamarati,
nos meses de janeiro e fevereiro, nas safras dos anos agrícolas 2003/2004 e
2005/2006, e no mês de fevereiro, da safra do ano agrícola 2004/2005. Realmente
houve um período de estiagem no momento em que a lavoura mais necessitava de
água para se desenvolver, fato que refletiu diretamente nos resultados negativos
auferidos na safra principal de 2003/2004.
Porém, não devemos atribuir toda a culpa da frustração da safra ao fenômeno
climático. Outros elementos atuaram como fatores adicionais que tiveram
ressonância no quadro de perdas, dentre os quais podemos citar a inexperiência dos
agricultores no cultivo de lavouras em grande escala e em relação ao trabalho
coletivo, o desinteresse de alguns assentados e, principalmente, a insuficiência da
assistência técnica.
Se não por uma questão de interesse por parte do estado em garantir as condições
mínimas de produção aos assentados, pelo menos pelo direito adquirido por eles ao
terem sofrido um desconto de 10% dos recursos do PRONAF A, destinado à
assistência técnica, este serviço deveria ter sido mais efetivo. Se o valor é
insuficiente, isso é outro assunto, o fato é que a quantidade de técnicos para garantir
264
tal assistência fica muito aquém do necessário. Apesar disso, devemos ressaltar que
o governo estadual montou um escritório do IDATERRA dentro do Assentamento.
Gráfico 8 - Índices pluviométricos mensais dos anos agrícolas de 2001 a 2008 na Região de Dourados
Mato Grosso do Sul
Fonte: Embrapa Agropecuária do Oeste
Org.: Ademir Terra
Nesse período, o órgão não atendia a totalidade das famílias - uma outra empresa, a
CRESCER, trabalhava com 146 famílias da FETAGRI - mas atuava junto ao maior
número delas, num total de 997, e para atendê-las contava apenas com dois
engenheiros agrônomos e três técnicos em agropecuária, uma gestora
sociorganizacional rural, uma técnica sociorganizacional rural, um pedagogo e um
servidor administrativo. De acordo com esses dados, a relação é de
aproximadamente 229 famílias por técnico da área de produção, e 381 famílias por
técnico da área social, muito aquém das necessidades do Assentamento, pois
segundo Rogério Franchini, “o ideal seria uma média de no máximo 80 famílias por
técnico”.
A situação ainda era agravada porque os técnicos, além de seu trabalho de campo
ao lado dos assentados, têm que dar conta tamm da parte administrativa, o que
lhes toma um tempo que poderia ser dedicado à extensão e à pesquisa, que são
tamm suas atribuições, e que obviamente são deixadas em segundo plano, tendo
só recentemente sido introduzidas no Assentamento Itamarati. O quadro atual de
servidores da AGRAER é bem maior, contudo houve um aumento do número de
0
25
50
75
100
125
150
175
200
225
250
275
300
325
350
375
400
Outubro Novembro Dezembro Janeiro Fevereiro Março
Indices Pluviométricos Mensais
2001/2002
2002/2003
2003/2004
2004/2005
2005/2006
2006/2007
2007/2008
Safras
265
famílias para receberem assistência com a implantação do Assentamento Itamarati
II.
De acordo com o Ronaldo José Pucci
67
Não dá pra fazer um assentamento e colocar um técnico para cuidar
de 300, 400 pessoas, ele não dá conta, um técnico teria que ter 90
famílias no máximo para ele conseguir acompanhar o dia a dia
destas famílias, mostrando como produzir, explicando, dizendo o que
o trabalhador está fazendo de certo e de errado. (RONALDO JOSÉ
PUCCI).
, nos Assentamentos Itamarati e Itamarati II a
necessidade mais premente é de assistência técnica, pois:
A insuficiência de assistência técnica oficial fez com que os assentados passem a
receber auxílio de técnicos vinculados à venda de insumos, os quais muitas vezes
recebem comissões pela comercialização desses produtos. Aproveitando-se da
inexperiência dos assentados no manejo de lavouras em grande escala, sem
qualquer escrúpulo receitam quantidades além do necessário e para a situação, os
preços são superfaturados. É de conhecimento geral que as revendas de insumos
agrícolas, após a implantação do Assentamento Itamarati, passaram a ter duas
planilhas de valores, uma delas especialmente elaborada com preços majorados
visando explorar os trabalhadores assentados. Vejamos o relato do Sr. Milcíades
Brizoeña:
A mídia fez um barulho muito grande em cima da Itamarati, diziam
que estávamos nadando em dinheiro, as lojas de insumos de Ponta
Porã resolveram se aproveitar e aumentar os preços, [...] elas tinham
tabelas diferenciadas com preços mais altos para os assentados, [...]
como não havia muitas opções a gente tinha que se submeter. Hoje
existem muitas lojas e você pode escolher onde vende mais barato...
(MILCÍADES BRIZOEÑA).
Como apontou Brizoeña, ao veicular as supostas vantagens dadas aos assentados
do Itamarati, a mídia acabou despertando o interesse de muitos aproveitadores.
Assim, apesar de Ponta Porã ter na agricultura um dos seus pilares econômicos, o
número de agricultores/compradores não era tão expressivo como passou a ser
após a implantação do Assentamento, que ampliou a potencialidade dos negócios, e
com pessoas sem muita experiência. Como não havia muitas opções para a compra
de insumos, a manipulação dos preços ficou facilitada. O conjunto dessas práticas
67
Ronaldo José Pucci é assentado na Itamarati I pelo MST e o atual presidente Cooperativa
Agroindustrial Ceres (COOPACERES).
266
tem como resultado um custo de produção muito elevado, provocando enormes
prejuízos aos agricultores neófitos.
São muitos os relatos de assentados que foram convencidos pelos técnicos de
empresas privadas a aplicar agrotóxicos em suas lavouras sem que houvesse
necessidade. Pior ainda é o relato de casos em que, sem qualquer pudor, levaram
os assentados a usar produtos em lavouras que já estavam completamente
comprometidas, seja pelo ataque de pragas, seja pelo manejo inadequado,
resultante do completo desconhecimento dos agricultores em relação à lavoura, o
que dificultava a detecção do problema em tempo hábil para tomar as medidas
apropriadas. Assim, aproveitando-se da completa ignorância e da falta de
organização dos trabalhadores, esses técnicos impunham-lhes a compra
desnecessária de produtos (a rigor com preços superfaturados), o que implica
tamm em custos de aplicação, com o emprego de máquinas e o pagamento de
profissionais para a realização do serviço.
O caos financeiro só não foi maior em função das coberturas das perdas pelo
PROAGRO, porém, além de a área financiada representar menos de 50% da área
plantada, os trabalhadores compraram os produtos necessários ao custeio da
produção diretamente nas revendas e, obviamente, não fizeram um seguro
particular, problemas esses agravados pelo fato de terem assinado, na cédula de
contrato de financiamento, que o plantio seria em área irrigada, o que, por norma
jurídica, não tem cobertura do PROAGRO.
Mesmo endividados, alguns grupos ainda investiram na safra de inverno de 2004
contando com a parceria das empresas agropecuárias, outros, porém, ficaram
impossibilitados de investir nessa safra, em função de terem cultivado variedades
com ciclo mais longo na safra principal, o que não permite a colheita em tempo hábil
para o plantio da safrinha, ou por falta de crédito junto às empresas agropecuárias
que não quiseram manter a parceria, condicionando sua continuidade à quitação
total do débito.
Abre-se nesse momento um período de difícil negociação entre os assentados e as
empresas fornecedoras de insumos, visando ao pagamento das dívidas, com a
aplicação de juros exorbitantes nos débitos dos assentados.
267
A Tabela 7 demonstra os resultados alcançados no cultivo dos principais produtos
na safra de inverno de 2004 pelos assentados do Itamarati.
Os resultados obtidos na safrinha de 2004 não foram suficientes para cobrir os
débitos com as empresas, até porque, como demonstramos anteriormente, não
foram todos os grupos que puderam investir nessa safra, mas alguns obtiveram
resultados que amenizaram um pouco a sua situação econômica.
Tabela 7 - Plantio da safra de inverno no Assentamento Itamarati no ano agrícola de 2004
Cultura Área plantada (ha) Tecnologia
Média Produtividade
(sacas/ha)
Produção (Sacas)
Soja
836,00
Irrigado
35,00
29.260,00
Milho
1.732,00
Irrigado / Sequeiro
65,00
112.580,00
Feijão
718,00
Irrigado / Sequeiro
23,40
16.801,20
Mandioca
700,00
Sequeiro
0,00
0,00
Aveia
1
200,00
Sequeiro
0,00
0,00
Totais
4.186,00
---
---
158.641,20
(
1
) Aveia para cobertura
Fonte: AGRAER Levantamento de safra
Org. Ademir Terra
Sem ter outra saída, os trabalhadores depositaram suas esperanças em poder
saldar suas dívidas com os resultados que esperavam alcançar na safra de verão
2004/2005, que fora plantada com os recursos oriundos do PRONAF A/C liberado
no segundo semestre de 2004.
A partir do momento que a fiscalização constatava que o assentado aplicara o
PRONAF A de maneira correta, ele estava apto a pleitear essa modalidade de
crédito que, no entanto, era destinada apenas ao custeio da lavoura, não podendo
ser aplicada em infraestrutura no lote.
De acordo com os dados da AGRAER, das 997 famílias atendidas pelo órgão, 768
se candidataram ao PRONAF A/C. “Só não acessaram aqueles que não quiseram e
os que tinham problemas por não aplicar corretamente o PRONAF A” (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Apesar dos baixos índices pluviométricos nos meses de janeiro, fevereiro e março,
como pudemos constatar no Gráfico 8, os índices de produção e produtividade
foram razoáveis, podendo ser comparados com os da safra 2002/2003, considerada
muito boa, como podemos averiguar na Tabela 8. Contudo, em função dos preços
dos insumos superfaturados, dos custos com energia elétrica, dos juros elevados
cobrados pelos credores e, ainda, por causa do acúmulo das dívidas de duas safras,
268
os lucros obtidos não foram suficientes para cobrir todos os débitos. As negociações
das dívidas contraídas pelas famílias junto às empresas de insumos chegaram ao
seu limite, e seus representantes começaram a recorrer à justiça para garantir o
recebimento de seus créditos. Não tendo outra solução, os grupos passaram a
entregar o maquinário aos seus credores.
Tabela 8 - Plantio da safra de verão no Assentamento Itamarati no ano agrícola 2004/2005
Cultura Área plantada (ha) Tecnologia
Média Produtividade
(sacas/ha)
Produção (Sacas)
Soja
5.068,00
Irrigado / Sequeiro
44,20
224.005,60
Milho
7.185,00
Irrigado / Sequeiro
88,70
637.309,50
Feijão
703,00
Irrigado / Sequeiro
23,20
16.309,60
Mandioca
820,00
Sequeiro
0,00
0,00
Algodão
77,00
Sequeiro
0,00
0,00
Totais
13.853,00
877.624,70
Algodão produção de 6083 Kg
Fonte: AGRAER Levantamento de safra
Org. Ademir Terra
Algumas empresas sequer esperaram o término da safra para retirar o maquinário
dos assentados, como podemos averiguar no relato de Rogério Franchini.
Os primeiros maquinários que foram retirados foram os da AMFFI, os
donos de uma loja de insumos de Ponta Porã vieram com oficiais de
justiça e levaram quase todos os maquinários, a partir daí outras
vieram e fizeram o mesmo. A AMFFI tinha plantado quase toda a sua
área de sequeiro e irrigada, foi um desespero (ROGÉRIO
FRANCHINI).
A retirada das máquinas antes mesmo do término da safra acarretou em um custo
adicional, pois os assentados tiveram que contratar máquinas e pagar pelos serviços
relativos aos tratos culturais e com a colheita.
A solução de quitar débitos com o repasse de equipamentos foi motivo de muita
discussão e divergência entre os membros do grupo, pois parte acreditava que seria
possível preservar as máquinas tendo em vista que eram necessárias para dar
continuidade às atividades nas safras futuras. Como consequência, muitos grupos
se dividiram, levando também parte dos maquinários. Aqueles que conseguiram
manter algumas máquinas evitaram dificuldades para acessar novos créditos junto
ao Banco do Brasil, pois a “entrega” das máquinas objetivando quitar dívidas tornou
a grande maioria dos assentados inadimplentes por desvio de crédito, impedindo-os
de pleitear outros financiamentos.
269
Inicialmente pensávamos que se o grupo rachasse e dividindo as
máquinas, aqueles grupos que não vendessem as máquinas se
safavam e não teriam qualquer problema, mas para o banco não foi
assim, se parte das máquinas não está mais nas mãos do grupo,
todos os 150 da AMFFI ficaram inadimplentes, não adiantava um
pequeno grupo apresentar uma máquina que pudesse corresponder
a sua dívida. Foi isso que rebentou todos da AMFFI (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Para os grupos menores, sendo a quantidade de máquinas e seus valores tamm
menores, bastava cada família pagar sua parte correspondente à máquina vendida
para voltarem a ser adimplentes e poder acessar os recursos do PRONAF
normalmente. Por exemplo, se um grupo formado por vinte famílias desviou um
trator no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a parte que competia a cada
família pagar era de apenas R$ 3.000,00 (três mil reais).
Para os membros da AMFFI, a situação foi a mais crítica de todas as quatro
organizações de trabalhadores que compõem o Assentamento, uma vez que era
formada por um só grupo
constituído de 150 famílias.
Como quase não possuíam
área individual, e
praticamente todo o
montante do PRONAF A
fora aplicado na compra de
maquinários e em
infraestrutura para o seu
grupo (Foto 39), o débito
correspondente ao desvio de
crédito que correspondia a
cada família era muito alto. Ainda hoje a organização AMFFI é proporcionalmente o
grupo com o maior número de inadimplentes.
O acúmulo de dívidas provocado principalmente por causa do longo período de
estiagem, seguido da entrega das máquinas visando à quitação de débito, teve
várias consequências, dentre as quais destacamos duas em especial: o fim das
práticas coletivas de produção nos pivôs e o início do arrendamento dos lotes.
Foto 39 - Parte de infraestrutura da AMFFI adquirida com o Pronaf A
Autor: Ademir Terra
270
Com o desvio de crédito, mesmo que estejam pagando em dia as parcelas do
PRONAF, os assentados não puderam acessar novos créditos. Embora não estejam
em débito nem tenham o nome inscrito no SERASA, por força das normas jurídicas,
eles não têm crédito junto ao Banco do Brasil. Situação mais complicada é a
daqueles que estão inadimplentes pelo não pagamento de dívidas ou parcelas de
dívidas, pois, além não terem crédito, ainda têm seu nome inscrito junto às
organizações de proteção ao crédito.
De acordo com informações prestadas pelos técnicos da AGRAER, cerca de 70%
das famílias do Assentamento Itamarati estão inadimplentes. E de acordo com a
agência do Banco do Brasil de Ponta Porã, o índice de inadimplência em todo o
município é de aproximadamente 26%.
Cláudio de Oliveira
68
Nós temos uns trinta que financiaram na safra passada, os que
plantam são uns cento de cinquenta mais ou menos. Os outros que
plantam, mas não financiam, porque entraram num processo de
inadimplência, por desvio de crédito. [...] O custeio de 2006/2007 que
venceu no ano passado, não teve problemas, eles mesmos que
tiveram alguma perda, pagaram o banco, agora eles já têm uma
estrutura melhor, todos quitam seus débitos para o ficar sem
crédito junto ao banco para a safra do próximo ano, e o Banco do
Brasil está ficando cada vez mais rigoroso. (CLÁUDIO DE
OLIVEIRA).
faz um resumo da situação atual quanto ao acesso ao crédito e
à inadimplência das famílias:
Conforme os dados da AGRAER, principal empresa responsável pela assistência
técnica no Assentamento e, portanto, pela elaboração dos projetos e pela emissão
da DAP, na safra 2008/2009 apenas 30 projetos de financiamento de custeio foram
elaborados. Isso não quer dizer que apenas essas trinta famílias estejam aptas a
acessar o recurso. Algumas, mesmo podendo, não quiseram recorrer ao
financiamento oficial, ainda assim, o índice de de assentados inadimplentes é muito
grande. Por outro lado tamm não se justificaria o acesso ao crédito uma vez que a
maioria dos pivôs está arrendada.
Até a safra 2004/2005, as famílias já haviam acessado o PRONAF A, no valor de R$
15.000,00 (quinze mil reais), e um PRONAF A/C, com valor entre R$ 3.000,00 (três
68
Cláudio de Oliveira Dantas é técnico agropecuário e presta serviço para a AGRAER através de
convênios com as empresas privadas que atuam no Assentamento.
271
mil reais) e R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais). Tal como o primeiro, este não
exige dos trabalhadores qualquer garantia ou fiador, uma vez que o risco é todo do
governo federal, podendo o assentado acessá-lo por três safras consecutivas.
Entretanto, tendo em vista seu pequeno valor, os trabalhadores só o acessaram uma
vez, e no ano seguinte preferiram passar para a modalidade C, que oferecia um
valor maior (R$ 6.000,00). Além disso, foi colocado pela primeira vez à disposição
dos assentados em todo o país o PRONAF MULHER, que dentro da categoria C ou
D, disponibilizava um valor também de R$ 6.000,00 para as famílias cujas mulheres
não fossem titulares dos lotes.
Ao ingressarem na categoria C, a DAP deixa de ser emitida pelo INCRA e passa a
ser de competência das assistências técnicas, sendo a AGRAER, no caso do
Assentamento Itamarati, a empresa de assistência responsável pelo maior número
de famílias. Os riscos, que antes eram assumidos pelo governo federal, agora
passam a ser do Banco do Brasil, que exige certas garantias para a liberação do
crédito: R$ 20.000,00 é o limite de crédito sem necessidade de garantia; a partir
desse valor, o interessado deve oferecer uma garantia real de dois por um, ou seja,
para obter R$ 5.000,00 precisa garantir algo cujo valor seja de R$ 10.000,00. Como
a maioria das famílias já havia acessado o PRONAF A e um PRONAF A/C, sua
capacidade de crédito sem necessidade de garantia real já estava quase no limite,
ou seja, detinha uma dívida acima de R$ 18.000,00. Para conseguir o PRONAF C
ou o PRONAF MULHER, no valor de R$ 5.000,00, teria que apresentar uma garantia
real, palpável, de R$ 6.000,00, tendo ainda a opção de pagar um valor de R$
3.000,00 de sua dívida para ter um limite de crédito de R$ 5.000,00, sem a
necessidade de garantias, que poderiam ser uma máquina ou algumas cabeças de
gado.
Muitos assentados utilizaram esse artifício e acessaram o PRONAF MULHER, que
possibilitou a mudança do modelo produtivo de grãos para o leite, uma vez que esta
modalidade de crédito se destinava ao investimento em alguma atividade que ainda
não estava sendo desenvolvida pelos assentados em seus lotes. Essa medida
chegou em momento oportuno, pois sua orientação de investimento coadunava com
os interesses dos assentados e também com as necessidades de se resolver o
imbróglio criado pelo fim dos grupos coletivos. “A maioria das vacas que existem no
272
assentamento foram compradas com o recurso do PRONAF MULHER” (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Com o elevado número de inadimplentes e o completo esfacelamento dos grupos,
as atenções dos técnicos voltaram-se para projetos individuais viabilizados através
do PRONAF MULHER. A pecuária leiteira passa a ser uma opção interessante para
as famílias uma vez que, além de ser uma alternativa ao modelo produtivo de grãos,
proporciona uma renda mensal e permite agregar valor à produção, com a
fabricação dos derivados do leite, como o queijo, por exemplo.
6.3.3. Energia elétrica
Como podemos ver, a escassez de chuva, associada à inexperiência dos
assentados na condução de atividades coletivas, provocou a frustração da safra
2003/2004. Mas o alto custo da energia elétrica tamm pode ser considerado um
dos aspectos que contribuiu para aumentar a despesa de produção das lavouras e,
consequentemente, para o prejuízo dos produtores, com reflexo direto no montante
das dívidas acumulado pelas famílias, levando os grupos à falência e ao
endividamento generalizado.
Se por um lado a utilização do pivô evita uma frustração total da lavoura, por outro, o
seu uso intensivo exige um consumo elevado de energia, trazendo um custo
adicional para os agricultores, sobretudo em um período de estiagem prolongada,
mormente por se tratar de uma tecnologia com certo grau de obsolescência (à qual
se atribui parte da responsabilidade por ter o ex-proprietário decidido vender a antiga
fazenda), principalmente no aspecto do consumo de eletricidade.
O elevado custo da energia elétrica, que teve um significativo peso na safra
2003/2004, embora não seja um fator relacionado às perdas de produção, repercute
diretamente nos resultados econômicos do Assentamento Itamarati, constituindo
motivo de muitas reclamações por parte das famílias.
Na safra anterior, aproveitando-se das facilidades de já existir um sistema todo
integrado de distribuição de energia, o fornecedor foi a antiga Fazenda Itamarati,
para quem o custo da energia era muito baixo, pois se tratava de um comprador
273
diferenciado, que adquiria a energia na alta tensão
69
Porém, na safra 2003/2004, cada grupo já possuía seu medidor de energia individual
e o fornecedor passou a ser uma empresa concessionária, com oferta de energia
tamm de alta tensão
e fazia o rebaixamento em uma
subestação própria. Em virtude de ainda não ter sido providenciado um medidor
individual para cada grupo, ficou difícil quantificar o valor exato que cada um
consumia. Por isso, o governo de Mato Grosso do Sul decidiu bancar a conta total
de energia elétrica utilizada em todos os pivôs naquela safra. Por conta desses
fatos, o custo da energia, então, foi um aspecto completamente ignorado pelos
assentados.
70
, só que agora numa categoria diferenciada e muito mais
cara daquela em que se enquadrava a antiga fazenda. A essa nova situação
acrescia-se como agravante a cobrança de uma taxa de demanda
71
Se não bastasse o alto custo da energia, muitos grupos desconheciam as vantagens
de sua utilização fora do “horário de ponta”
cujo valor
depende da quantidade de energia, estipulada em contrato, que a empresa se
compromete a colocar à disposição do consumidor, mesmo que o consumo seja
inferior ao previsto no documento. Esta taxa é mensal e seu valor atual é de cerca
de R$ 3.000,00 (três mil reais), mas na primeira safra em que os grupos compraram
energia da concessionária (safra 20003/2004), houve grupos que pagaram quantias
muito maiores, pois haviam assinado contratos em que a empresa se comprometia a
fornecer-lhes uma quantidade de energia maior do que a dos demais grupos.
Lembramos que além do pagamento dessa taxa, os agricultores teriam que pagar
tamm pela quantidade de energia consumida.
72
69
Consumidor do Grupo A (Alta Tensão) Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a
230 kV, assim, se enquadrava na categoria de grandes consumidores, alimentados em alta tensão, e
normalmente com demanda acima de 300 KW (para alguns consumidores, o enquadramento ou não
à Tarifação Horo-Sazonal é facultativo). (Resolução ANEEL nº 456/2000)
, e utilizavam os pivôs sem muito
70
Consumidores Também do Grupo A (Alta Tensão) Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30
kV a 44 kV Nesta categoria, os consumidores pagam pelo consumo, pela demanda e por baixo fator
de potência, mediante ts tipos de tarifação: convencional, horo-sazonal azul e horo-sazonal verde.
(Resolução ANEEL nº 456/2000)
71
Demanda Contratada - demanda de potência ativa a ser obrigatória e continuamente
disponibilizada pela concessionária, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência
fixados no contrato de fornecimento e que deverá ser integralmente paga, seja ou não utilizada
durante o período de faturamento, expressa em quilowatts (kW). (ANEEL, 2000).
72
Corresponde ao intervalo de 3 horas consecutivas, definido por cada concessionária fornecedora
de energia local, compreendido entre as 17 e 22 horas, de segunda à sexta-feira. As combinações
dos intervalos de ponta e fora de ponta com os períodos seco e úmido definem os denominados
Segmentos Horo-Sazonais. (ANEEL, 2000).
274
critério, a qualquer hora do dia, o que repercutiu diretamente no alto custo de
produção naquela safra.
6.3.4. A agricultura comercial
A falta de um tratamento diferenciado, necessário ao aproveitamento da
infraestrutura de irrigação visando adaptá-la para a nova realidade e forma de
exploração conforme preconizava o PDA, impediu a consecução desse objetivo e a
introdução de novos arranjos produtivos, ou seja, na falta de algo novo, e como a
estrutura já estava montada, a permanência do cultivo das commodities foi uma
decorrência. Essa lavoura, porém, requer altos investimentos, e como os recursos
de cada família são limitados, a exploração coletiva da área era uma condição sine
qua non para se obter resultados.
Como relatamos anteriormente, no início, a falta de experiência dos assentados, o
oportunismo das lojas revendedoras de insumos, o preço da energia elétrica, etc,
fizeram com que os custos de produção das primeiras lavouras de soja fossem
altíssimos, havendo relatos que o custo total de produção da soja em um pivô de
aproximadamente 120 ha, no Assentamento, tenha ficado em torno de R$
200.000,00 (duzentos mil reais). Na safra 2008/2009, não mais produzida pelos
assentados, mas pelos arrendatários, que possuem experiência e têm acesso aos
canais de compra e venda, esse valor, de acordo com o senhor José Leovardo (líder
do único grupo coletivo que explora diretamente a área), caiu para aproximadamente
R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), ou seja, quantia muito menor do que a empregada
pelos assentados nas primeiras safras.
Tomemos como exemplo os grupos coletivos irrigados da FETAGRI que possuem
em média 11 (onze) famílias. Mesmo que a forma de exploração seja coletiva, o
financiamento para o custeio da lavoura é liberado por família e, nas primeiras safras
cada uma recebeu R$ 3.000,00 (três mil reais) que, somados, alcançariam o valor
de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais), muito aquém do necessário para o custeio
da lavoura, o que obrigou o grupo a recorrer ao mercado, com taxas de juros muito
maiores do que aquelas cobradas pelo crédito oficial.
275
Essa imposição, adicionada às consequencias da estiagem nas safras 2003/2004 e
2004/2005, levou ao completo endividamento das famílias, e a única saída foi a
entrega das máquinas que haviam sido compradas com os recursos do PRONAF,
provocando a inadimplência junto ao Banco do Brasil por desvio de bens
financiados. O desdobramento dessa situação é o arrendamento dos pivôs, pois os
grupos que já não possuíam recursos para custear a sua produção, agora estão
completamente endividados, sem crédito e sem os maquinários necessários para
tocar a lavoura.
Por tudo isso, com algumas exceções, quem produz soja e milho no Assentamento,
hoje, são os arrendatários, que além de possuirem recursos financeiros, créditos e
máquinas, têm o benefício de poder produzir sem correr os mesmos riscos que os
seus concorrentes da região.
De acordo com os dados dos técnicos que atuam no Assentamento, a produtividade
média da soja é de 55 (cinquenta e cinco) sacas por hectare, de forma que a
produção estimada em um pivô de 120 ha é de 6.600 sacas. Desse total, o
arrendatário entrega, como renda para os assentados, uma quantidade que varia de
1.800 a 2.000 sacas. Em se tratando de um grupo da FETAGRI, composto de 11
famílias, caberiam aproximadamente 180 sacas por família, já no caso da CUT, em
que os grupos são constituídos por 20 famílias, cada uma teria direito a
aproximadamente 100 sacas. Tendo como referência a safra 2008/2009, em que a
soja foi vendida na região a um valor médio de R$ 38,00 (trinta e oito) reais a saca,
as famílias da FETAGRI embolsariam um valor aproximado de R$ 6.800,00 (seis mil
e oitocentos reais) e as da CUT, 3.800,00 (três mil e oitocentos reais) enquanto o
arrendatário receberia aproximadamente R$ 167.000,00 (cento e sessenta e sete mil
reais) dos quais, descontados cerca de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)
correspondentes ao custo de produção, restaria um lucro líquido de R$ 87.000,00
(oitenta e sete mil reais). Sem contar que no contrato de arrendamento o valor da
renda corresponde não apenas à safra de verão, mas inclui tamm a de inverno, o
que significa dizer que nesta safra, a única despesa do arrendatário é com os custos
de produção.
276
Para comercializar a produção, o arrendatário usa a nota de produtor dos
assentados e isso lhe permite vender seu produto à empresa Granol Ind. Com.
Exportação S/A, que é portadora do Selo Combustível Social.
A criação do Selo Combustível Social é uma iniciativa do governo que visa forçar as
indústrias produtoras de biodiesel a adquirirem matérias-primas oriundas da
agricultura familiar, oferecendo em contrapartida a concessão de benefícios que se
transformam em vantagens competitivas para as empresas que aderirem ao
programa. De acordo com o Decreto Nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004, os
participantes podem gozar de descontos das alíquotas de PIS/PASEP e COFINS
com coeficientes de redução diferenciados, têm acesso a melhores condições de
financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNDES e suas Instituições Financeiras Credenciadas, ao Banco da Amazônia S/A
BASA, ao Banco do Nordeste do Brasil BNB, ao Banco do Brasil S/A ou outras
instituições que possuam condições especiais de financiamento para projetos com
esse diferencial. As empresas têm a ainda a vantagem de poder usar o Selo para
fins de promoção comercial de sua produção.
A Instrução Normativa Nº 01, de 05 de julho de 2005, que dispõe sobre os critérios e
procedimentos relativos à concessão de uso do Selo Combustível Social, estabelece
que para que possa fazer uso dessa certificação e usufruir os benefícios dela
decorrentes, o produtor de biodiesel na Região Centro-Oeste
73
Esse programa social, existente no Brasil inteiro, teve início quando se começou a
pensar na questão do biodiesel no país. Comentou-se muito que o combustível seria
feito a partir do processamento da mamona, porém isso foi mais uma questão de
marketing, sobretudo, porque o óleo da mamona é considerado um produto nobre e
com elevado custo de produção.
deverá adquirir do
agricultor familiar no mínimo 10% (dez por cento) da matéria-prima que utiliza.
Em função de o Brasil ser um grande produtor e exportador de soja na forma de
grãos e de farelo, e o mercado interno usar preferencialmente o óleo comestível, há
73
Os percentuais mínimos de aquisições de matéria-prima do agricultor familiar, feitas pelo produtor
de biodiesel para concessão de uso do selo combustível social, foram estabelecidos em 50%
(cinqüenta por cento) para a região Nordeste e semi-árido, 30% (trinta por cento) para as regiões
Sudeste e Sul e 10% (dez por cento) para as regiões Norte e Centro-Oeste.
277
um excedente do óleo vegetal, como um subproduto, cujo aproveitamento agora
passa a ser considerado na produção do biodiesel brasileiro.
A Granol Ind. Com. Exportação S/A, empresa portadora do referido selo que adquire
a soja produzida no Assentamento Itamarati, decidiu pagar um bônus de R$ 1,00
(um real) por saca, como forma de incentivar os produtores a lhe venderem sua
produção. Além disso, proporciona um custo menor de transporte do produto uma
vez que empresa está instalada dentro do Assentamento, utilizando parte da
infraestrutura (silos, armazéns, secadores, etc.) que pertenceu à antiga Fazenda
Itamarati.
Contudo, a empresa não consegue adquirir a totalidade da produção do
Assentamento, tampouco dos agricultores familiares instalados em suas
proximidades, porque os produtores entregam parte da produção às lojas
fornecedoras de insumos como parte de seus débitos. De acordo com informações
do gerente, a empresa compra aproximadamente 60% de toda a produção de soja
do Assentamento. Como sabemos, a quase totalidade da soja lá produzida, embora
colhida pelos arrendatários, no balanço final, é creditada aos assentados. Dessa
forma, os benefícios proporcionados pelo programa, destinados originalmente aos
trabalhadores, são apropriados pelos arrendatários e pela empresa.
Os arrendatários são beneficiados porque conseguem vender sua produção como
se fosse dos assentados, recebendo as vantagens do bônus oferecido pela empresa
e da redução do custo de transporte, pelo fato de estarem ambos instalados no
Assentamento.
Por seu lado, a empresa é a maior beneficiada com o esquema, pois a concentração
da produção no Assentamento não requer uma logística de aquisição de uma
produção dispersa, como é característica da produção familiar. Além disso, recebe
os benefícios de comprar um produto supostamente produzido pelos assentados e
tem ainda a vantagem de alugar as instalações (silos, armazéns, secadores,
estrutura de embarque, etc.), pagando um valor irrisório para uma associação dos
assentados do Itamarati II, com o assentimento do INCRA.
278
6.3.5. A safra de inverno
A safra de inverno, tamm denominada safrinha, tem sua produção condicionada
pelo ciclo e variedade da lavoura cultivada na safra de verão. Geralmente, quanto
mais precoce for a variedade plantada no verão, mais cedo ocorre sua colheita e a
antecipação do plantio de inverno. Os produtores recorrem a esse artifício visando
aproveitar as chuvas de verão e fugir das perdas decorrentes das geadas, muito
comuns na região. Quando a variedade da lavoura cultivada no verão é de ciclo
muito longo, é frequente o plantio de aveia apenas para fazer a cobertura do solo.
As principais lavouras de inverno cultivadas no Assentamento Itamarati são feijão e
milho, sendo este a prioridade, pois apesar dos elevados custos de produção e do
preço inferior ao alcançado pelo feijão, por se tratar de uma commoditie, tem
mercado certo. O feijão é uma boa opção para os pequenos produtores, pois o seu
cultivo na época de inverno faz com que apareçam menos pragas e doenças na
lavoura, obtendo-se, consequentemente, grãos de melhor qualidade. Porém, apenas
uma pequena parcela da produção familiar é adquirida pelo governo federal através
do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA)
74
Apesar do predomínio do cultivo do milho e do feijão, vários experimentos estão
sendo realizados com lavouras de inverno. A própria Granol está introduzindo, em
caráter experimental, o nabo forrageiro, que é uma cultura típica de inverno e que se
caracteriza pela rusticidade e fácil manejo.
, e para
vender o restante, sem as mesmas facilidades de comercialização das commodities,
o agricultor é impelido a buscar compradores no mercado, o que muitas vezes os faz
refém de toda sorte de atravessadores. São comuns os relatos de produtores que
entregaram toda a sua colheita e foram pagos com cheques sem fundos.
74
O PAA foi concebido para estimular e fortalecer a agricultura familiar brasileira, compreendendo um
conjunto de ações relativas à aquisição da produção agropecuária e sua distribuição para grupos de
pessoas que se encontram em estado de insegurança alimentar, além de contribuir para a formação
dos estoques estratégicos de alimentos do país. Deste modo, destina-se à aquisição de produtos
agropecuários fornecidos pelos agricultores familiares, sendo dispensada a licitação, desde que os
preços dos produtos adquiridos não ultrapassem o valor dos praticados nos mercados locais e
regionais.
279
Uma cooperativa dos assentados, a Cooperativa Agroindustrial Ceres
(COOPACERES), vem tamm desenvolvendo experiências com várias lavouras de
inverno, dentre as quais se destacam a do crambe
75
, do cártamo
76
e da canola
77
.
6.3.6. A pecuária leiteira
A pecuária leiteira foi introduzida no Assentamento desde a sua criação, sobretudo,
na organização FETAGRI, que possui sete grupos denominados Pecuária Sequeiro,
constituídos de onze a trinta e duas famílias cada, totalizando 97. Além desses,
existem os grupos Para-Rurais, com 66 famílias, em áreas entre 4 e 7 ha, e ainda
quatro grupos de sequeiro, com área média de 17 ha. Aos grupos da FETAGRI, que
se dedicam quase que exclusivamente à pecuária, acrescentam-se os lotes
individuais de 8 ha de todas as demais organizações, em especial do MST, nos
quais essa é tamm a principal atividade econômica.
A pecuária leiteira, no entanto, só foi potencializada depois do fracasso do projeto de
cultivo de grãos no coletivo, sobretudo com a criação do PRONAF MULHER,
75
Crambe abyssinica, planta da família das brassicaceae, tem a vantagem de ser tolerante à seca.
Ela floresce em 35 dias e a colheita pode ser em até 90 dias. O crambe pode ser plantado até o início
de abril no Centro-Oeste, época em que a soja já foi colhida. Por ser uma cultura de inverno se torna
uma alternativa para a safrinha. O crambe melhorado pela Fundação MS tem 38% de óleo na
semente, bem superior que a soja, que possui de 18% a 20%. É uma planta promissora para
fabricação de biodiesel em grande escala.
76
O cártamo é uma planta natural das regiões áridas da Índia, e poderá ser a nova opção para o
verão e o inverno, quebrando o ciclo tradicional de soja e milho no Assentamento. Por ser originário
de regiões secas, o cártamo demonstrou suportar bem as condições severas de estiagem. A planta
vem sendo avaliada pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), na Estação Experimental de
Palotina/PR. Além da resistência à seca, a espécie também apresenta outras vantagens, que estão
sendo avaliadas pelo IAPAR, como a ausência de pragas, não havendo, portanto, a necessidade de
inseticidas. A densidade da planta é praticamente igual à da soja. Na colheita mecânica utiliza-se a
mesma plataforma para a soja, o trigo e a aveia. O ciclo da espécie é de aproximadamente 140 dias,
do plantio até a colheita. Entre as variedades, buscam-se as alternativas mais rústicas e de fácil
produção que possam ser inseridas nos sistemas produtivos. As sementes do cártamo têm elevado
teor de óleo, de 35% a 45%, portanto, tamm muito superior ao da soja.
77
Brassica napus uma espécie oleaginosa da família das crucíferas, destaca-se como uma excelente
alternativa econômica para uso em esquemas de rotação de culturas, oportunizando a produção de
óleos vegetais no inverno (grãos colhidos no Brasil apresentam em torno de 38% de óleo). Traz
benefícios para as leguminosas, como a soja (não é hospedeira de nematóide de cisto, por exemplo),
feijão e gramíneas. Além de produção de óleo para consumo humano, a canola também se presta
para a produção de biodiesel. No Brasil, hoje, se cultiva apenas canola de primavera, que foi
desenvolvida por melhoramento genético convencional da colza.
280
quando então as famílias, sob a orientação dos técnicos da AGRAER, passaram a
desenvolver projetos individuais voltados especificamente para essa atividade,
conforme nos informou Rogério Franchini:
Quando houve a liberação do PRONAF A, a ideia era a plantação de
milho, soja e feijão, ou seja, grandes culturas, o pivô era o carro-
chefe. Após a perda da safra 2004/2005, houve uma correção nos
rumos do Assentamento, a visão de produção virou para o lote
individual. Hoje se trabalha no sentido de reestruturação do lote
individual, passando a ter como carro-chefe o leite (ROGÉRIO
FRANCHINI).
Esse projeto recebeu um impulso, principalmente após a chegada de 10
resfriadores, com capacidade para dois mil litros cada, adquiridos com recurso
oriundo de uma emenda parlamentar. Com eles, as famílias passaram a ter mais
poder de barganha, começaram a negociar em bloco com os laticínios, tiveram a
possibilidade de aumentar seus rendimentos, pois até então, sem esse
equipamento, ficavam a mercê de um pequeno número de empresas que o
possuíam. Após receberem seus próprios resfriadores, conquistaram a liberdade de
poder vender seu produto a quem oferecesse melhores preços e maior pontualidade
nos pagamentos (Foto 40 e 41).
A chegada dos resfriadores atraiu tamm uma empresa paranaense (CONFEPAR)
que prioriza a compra do leite das famílias que já possuem o equipamento, além
disso, a empresa paga dois centavos a mais pelo litro de leite que as empresas
concorrentes, passando para três ou quatro centavos após um ano de entrega,
Foto 40 -
Funcionário de laticínio coletando o leite
acondicionado em resfriador
Autor: Ademir Terra
Foto 41 - Caminhão tanque de um laticínio coletando
leite no assentamento
Autor: Ademir Terra
281
incentivando assim a fidelidade e a qualidade do produto. Além disso, a empresa
fornece assistência técnica às famílias e ainda está trazendo para os assentados,
sejam eles seus fornecedores ou não, um projeto de desenvolvimento e de manejo
do rebanho.
De acordo com os técnicos da AGRAER, a produção diária de leite do
Assentamento atualmente gira em torno de 30 a 40 mil litros. Como não
conseguimos apurar o efetivo total do rebanho, calculamos a produção de leite diária
dividindo a produção estimada pelo número de famílias (1.143 famílias),
chegaríamos a uma produção média de 35 litros por família, o que não expressa a
realidade, uma vez que nem todas se dedicam à pecuária leiteira. Porém como nos
assegurou o Sr. Rogério Franchini:
O carro-chefe da economia do assentamento hoje é o leite, é uma
atividade de fácil implantação e o produtoro precisa de tanta
tecnologia para iniciar, é a atividade mais fácil de introduzir além de
ser ala que gera uma renda mensal para poder se manter
(ROGÉRIO FRANCHINI).
A fala do técnico da AGRAER nos faz compreender que, apesar de a economia do
Assentamento estar pautada no cultivo de grãos, há uma tendência dos agricultores
em estabelecer a base de seus sistemas na pecuária, porém dificilmente esta
atividade irá suplantar o cultivo de grãos nas áreas irrigadas, embora já se fale em lá
introduzir a criação de gado também.
O cultivo de qualquer produto agrícola, como no caso da soja, principal cereal
produzido no Assentamento Itamarati, pode até gerar uma renda anual maior e
permitir ao assentado o acesso a um montante de recursos de uma única vez, o que
o leite não permite, porém, se as famílias souberem se organizar e programar seu
rebanho, poderão garantir uma renda mensal, apesar do valor menor.
E do conjunto de fatores que favorecem a pecuária, essa é a principal razão para as
famílias adotarem a atividade pois representa a garantia de entradas monetárias
mínimas a cada mês, possibilitando-lhes assumir compromissos de despesas no
período com certa segurança. De forma complementar, porém não menos
importante, é a possibilidade de vender os bezerros a cada ciclo produtivo. Além
disso, é uma atividade de baixo risco, não há perda total, a comercialização é
garantida e mesmo as oscilões de preços apresentam certa previsibilidade
282
quando comparada, por exemplo, com as culturas anuais. Depreende-se então que
o potencial da atividade leiteira para manter o homem no campo é maior do que o da
pecuária de corte e da produção de grãos, pois pode ser desenvolvida em pequenas
áreas e com mão de obra familiar.
Todos os sistemas de produção que incluem a pecuária apresentam uma situação
socioeconômica mais estável, muitas vezes representando a oportunidade para a
sustentabilidade econômica das famílias. Se os projetos de produção dos
agricultores reagem em função das oportunidades de mercado, a facilidade de
comercialização e a independência de sazonalidade são os maiores trunfos para a
realização dessa atividade. Além disso, verifica-se que o objetivo dos agricultores é
o aumento do rebanho para acúmulo de capital, garantindo segurança financeira
para os momentos de maior necessidade.
De acordo com os dados apurados na pesquisa de campo, no que diz respeito ao
desempenho da pecuária de leite, a produtividade é baixa, em torno de 6,5 litros de
por vaca/dia, possivelmente ocasionada pela pouca qualidade e quantidade de
alimentos, já que a alimentação dos bovinos se resume a gramíneas, com baixa
complementação nutricional. Além das variedades de grama como a Tifton 85 e a
Brizantha MG5, entre outras, o capim predominante nos pastos do Assentamento é
o braquiara, pois de acordo com os agricultores, é uma planta rústica, resistente ao
pisoteio e de fácil renovação.
Como os recursos são
escassos, o projeto da pecuária
leiteira precisa se desenvolver
por etapas. É fundamental que
se melhore a pastagem, porém,
tal medida deve ser precedida
ou acontecer
concomitantemente com a
melhoria da qualidade genética
do rebanho, pois utilizar
alimentação de boa qualidade
em animais com baixa aptidão
Foto 42 -
O rebanho do assentamento gradativamente vai
incorporando melhorias genéticas
Autor: Ademir Terra
283
para a atividade não é uma estratégia correta. Assim, a prioridade é alterar o padrão
racial do gado para animais especializados na produção de leite, uma vez que o
rebanho se constitui de exemplares mestiços, resultantes do cruzamento de gado
holandês com nelore (Foto 42), sem aptidão para a produção de leite.
Contudo, alguns assentados já possuem gado de raça pura, como o girolando e o
holandês. Rogério Franchini cita o exemplo de dois irmãos que têm duas chacrinhas
de 4 ha cada um e tiram 250 litros de leite em um hectare. Possuem animais de boa
qualidade e já estão descartando vacas que produzem só 14 litros, porque algumas
estão produzindo de 20 a 22 litros por dia.
Rogério Franchini ainda nos relata que a melhoria genética do rebanho vem
acontecendo com a substituição dos touros:
Aqueles que têm dez vacas compram um touro razoável, assim, você
tem 50% da sua genética razoável, com a introdução de um animal
você consegue ir melhorando seu rebanho. Existem muitos touros
para serem substituídos, mas já estão começando fazer isso,
introduzindo touros GIR e HOLANDÊS, pois já perceberam que
precisam de uma genética melhor (ROGÉRIO FRANCHINI).
A declaração da Sra. Maria Danuza é um retrato da pecuária que se pratica no
Assentamento Itamarati:
Possuo vinte e cinco vacas leiteiras, tenho uma produção de 60 a 80
litros de leite por dia. A produção varia de 5 a 10 litros por vaca. Uso
apenas braquiária, meu custo é o verfugo e o sal. Minhas raças
são misturadas, para aguentar, pois vacas de leite eu já tentei criar,
mas aqui elas não aguentam, o pasto é fraco, o clima não ajuda. No
frio, as vacas morrem por falta de pasto e de alimentação adequada;
as vacas holandesas precisam de um manejo muito diferente do que
nós podemos oferecer para elas, no frio elas morrem porque a geada
mata todo o pasto, assim, temos que tratar elas na ração, mais aqui,
nem todo mundo se prepara para tratar essa vaca no inverno, elas
enfraquecem e morrem (MARIA DANUZA).
Como podemos ver, apesar da pecuária ser uma atividade relativamente simples, as
famílias ainda carecem de muita informação, a começar pela conscientização da
necessidade de se prepararem para os rigores do inverno na região, investindo em
silagem, que pode garantir a mesma quantidade de leite nesse período e até a vida
do rebanho. Outro problema cuja solução depende de medidas simples é a falta de
sombra para o gado. Embora a plantação de algumas árvores frondosas no pasto
não seja tão difícil, praticamente nenhum assentado tomou essa iniciativa. Na Foto
284
43, observamos algumas improvisações na tentativa de resolver essa dificuldade.
No que se refere à ordenha, o problema é que são poucos tamm os lotes em que
ela é feita em um barracão. Em geral é realizada no relento, nas piores condições
possíveis, e agravadas nos dias de chuva. (Foto 44)
Visando à melhoria da pecuária leiteira no Assentamento, o governo estadual,
através da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do
Comércio e do Turismo (SEPROTUR), juntamente com a AGRAER, está
implantando o Programa “Balde Cheio”, resultado da transferência de tecnologia e
assistência técnica idealizadas pela EMBRAPA, e cujas características principais
são a melhoria da pastagem, com adubação e irrigação, a rotação de animais na
área e a melhoria genética. A qualidade da alimentação, essencial para a
produtividade do animal, tamm ganha atenção especial nesse projeto.
6.3.7. O arrendamento
O modelo misto adotado no Assentamento Itamarati, com uma parte de área de
exploração individual e outra coletiva, bem como as peculiaridades advindas dos
desdobramentos posteriores criaram a condição para a existência de um sujeito
híbrido.
Foto 43 - Improvisação de sombra para o rebanho
Autor: Ademir Terra
Foto 44 - Atividade de ordenha sendo realizada ao
relento e no meio da lama
Autor: Ademir Terra
285
Na porção individual do lote sobressai um sujeito típico dos demais assentamentos
espalhados por todo o país, ou seja, o pequeno produtor familiar, com baixa renda e
pequeno capital não lhe permitem tornar-se proprietário da terra, mas criam
condições para extrair o seu excedente econômico quando assume dívidas junto aos
bancos, sobretudo para o custeio de sua lavoura, nos moldes como observou
Martins (1980):
Onde o capital não pode tornar-se proprietário real da terra para
extrair juntos o lucro e a renda, ele se assegura o direito de extrair a
renda [...]. Por isso, começa estabelecendo a dependência do
produtor em relação ao crédito bancário, em relão aos
intermediários, etc. (MARTINS, 1980, p. 176).
Por outro lado, na parte coletiva da área que pressupunha uma exploração tamm
coletiva, por uma série de dificuldades apontada anteriormente, essa prática não se
efetivou, o que impôs aos trabalhadores entregar seus lotes coletivos para
arrendamento, uma das formas clássicas de organização da produção agropecuária
capitalista, invertendo, a lógica da discussão sobre o desenvolvimento da agricultura
nesse modo de produção.
Marx, referindo-se em grande medida à experiência histórica do capitalismo
originário inglês, afirma que a premissa básica do modo capitalista de produção é
que os agricultores efetivos são trabalhadores agrícolas empregados por um
capitalista, o arrendatário, que explora a agricultura como campo particular de
aplicação de capital, como investimento numa esfera particular de produção. Esse
capitalista arrendatário paga ao proprietário das terras, ao dono do solo que explora,
em prazos fixados, uma quantia contratualmente estipulada que lhe consente
empregar seu capital nesse campo especial de produção. Esse pagamento,
chamado de renda fundiária, se efetua durante todo o período em que o proprietário
contratualmente emprestou, alugou o solo ao arrendatário, e tanto faz que seja paga
por terra lavradia, ou por terreno de construção, mina, pesca, florestas, etc. Assim, a
renda fundiária é a forma em que se realiza economicamente, se valoriza a
propriedade fundiária. Ademais, temos aí reunidas e em confronto as três classes
que constituem o quadro da sociedade moderna o trabalhador assalariado, o
capitalista industrial e o proprietário da terra.
Na forma clássica do desenvolvimento da agricultura, no modo de produção
capitalista, não era raro que na busca da apropriação da mais-valia produzida pelos
286
trabalhadores houvesse a unificação do proprietário de terra e do proprietário do
capital em uma única figura. O arrendamento de terra por parte dos assentados
inaugura uma conversão, ou seja, o trabalhador, que historicamente teve seu
trabalho subjugado pelas demais classes do capitalismo, agora se converte em
rentista, sem que seja de fato o proprietário da terra, principalmente no caso do
Assentamento Itamarati em que, a exemplo da maioria dos assentamentos rurais do
país, o INCRA é, juridicamente, o proprietário da terra, pois os assentados ainda não
possuem o título de propriedade. Diferentemente da forma clássica de
arrendamento, nesta, a figura do rentista não imobilizou nenhuma quantia de
dinheiro na compra da terra, ou seja, não empregou capital para convertê-lo em
renda capitalizada.
O conceito de renda diferencial
78
Por outro lado, para os assentados essas vantagens tamm se aplicam em
comparação aos demais assentamentos da região.
é útil para compreendermos as vantagens
pretendidas pelos grandes e médios produtores rurais da região que buscam o
arrendamento de áreas no Assentamento Itamarati. Além dos fatores característicos
da renda diferencial, como a localização da área, as características físicas
naturalmente favoráveis e ainda melhoradas pelos investimentos feitos pelo antigo
proprietário, há ainda a presença dos pivôs que garantem a produtividade por área
cultivada e um grau bastante alto de autonomia em relação aos fatores climáticos,
especialmente as chuvas, proporcionando vantagem e estabilidade para a
continuidade do cultivo das commodites soja e milho. Ao contrário dos produtores
das fazendas do entorno, que não possuem a mesma infraestrutura, que por uma
total dependência das chuvas veem sua produção e produtividade caírem
verticalmente quando as chuvas se escasseiam.
78
A renda diferencial é proveniente de características intrínsecas à terra, como topografia, fertilidade
e localização. Pode ser classificada em renda diferencial I e renda diferencial II. A renda diferencial I
se manifesta quando aplicações idênticas de capital e de trabalho resultam em ganhos diferentes.
Trata-se, portanto, de uma modalidade de renda em que as condições de produtividade,
determinadas pela fertilidade do terreno, pela disponibilidade de água, pela topografia e demais
fatores que interferem na produção, bem como a distância e as condições de acesso ao mercado
consumidor, necessariamente são diferentes de um terreno para outro, resultando em ganhos
igualmente diferentes. Já a renda diferencial II deriva exclusivamente das intervenções feitas no
sentido de corrigir deficiências de fertilidade e demais condições necessárias à produção, bem como
de seu transporte até os mercados consumidores. Supõe, enfim, trabalho e investimento de capital
correspondente ao aumento da produção, o que implica aumento de custos.
287
Desta forma, conforme asseverou Martins (2003b):
A reforma agrária não freia o processo de diferenciação social e de
desconcentração da produção que ela supostamente deveria
interromper. A via do arrendamento da terra dos assentados [...]
acaba incorporando à produção agropecuária concentrada a terra
desconcentrada. o há, propriamente, nenhuma incompatibilidade
entre desconcentrar a propriedade e concentrar a produção. Ao
contrário, a produção, que era dependente da renda fundiária do rico,
transfigurou-se no contrário: a renda fundiária do pobre torna-se
dependente da produção, uma inversão do parasitismo social. Nessa
perspectiva, a luta pela reforma agrária reduz-se, para muitos, a uma
luta pelo butim da renda da terra, algo tão iníquo quanto o latifúndio.
A resistência que há nos assentamentos ao assentado que arrenda
terra vem do fato de que, ao negar os valores próprios do trabalho,
ele se torna um parasita social duplamente: do Estado, do qual
recebe a terra; da produção, da qual cobra renda, contraditoriamente
perdendo para quem arrenda sua terra parte dos ganhos dela obtido
(MARTINS, 2003b, p. 109).
O arrendamento de áreas dentro dos assentamentos rurais criados pelo INCRA é
uma prática ilegal, porém não falta quem a defenda, como por exemplo Ramos
(2006), que a justifica afirmando que o principal objetivo de um programa de
assentamento de trabalhadores rurais pode ser definido como a busca de elevação
do nível de vida dos que se tornam assentados. De acordo com o autor, “é
amplamente sabido que dificilmente uma produção agropecuária em um lote pode
satisfazer todas as necessidades de consumo familiar, impondo-se a busca de
obtenção de excedentes ou de rendas em dinheiro”. Ramos argumenta ainda que
para complementar sua renda, muitas vezes as famílias recorrem ao trabalho
temporário fora do lote, e como seus membros não desenvolvem essa atividade em
tempo integral, o objetivo do programa de assentamento não se perde, por isso o
autor acha perfeitamente justificável que as famílias arrendem parte do seu lote
como forma de obtenção de renda monetária, “principalmente quando se trata de
bens que têm mercados efetivos que apresentem remunerações líquidas, quaisquer
que sejam eles, mas para cuja produção o assentado e sua família não possuam
recursos (insumos, máquinas, capacidade de trabalho, etc) ou condições de obtê-
los”.
Afinal, um programa de reforma agrária ou de assentamentos de
trabalhadores rurais implica o aproveitamento conjunto da
capacidade produtiva da terra ou do solo e do trabalho familiar para a
consecução do objetivo acima sintetizado. Assim, parece que apenas
no caso de um arrendamento de toda a área do lote, continue ou não
a família morando nele, pode-se falar de um rentismo que igualmente
288
distorce o objetivo do programa de assentamento (RAMOS, 2006.
p.3)
Justificável ou não, o arrendamento total ou parcial de um lote num assentamento
rural implantado pelo INCRA, à luz da legislação brasileira atual, é ilegal e, como
observou Martins (2003b), uma prática que contraria os objetivos da reforma agrária,
quando trata:
A terra como meio de obtenção de um tributo que contraria
completamente a ideologia de valorização do trabalho enquanto meio
legítimo de inserção e participação social, que é a ideologia dos que
combatem a exclusão social e se batem pela reforma agrária
(MARTINS, 2003b, p.109).
Como vimos, o arrendamento de terra no Assentamento Itamarati é justificado por
todos aqueles que conhecem a realidade do projeto: a quebra de safra provocada
pela estiagem no ano agrícola 2004/2005, os baixos preços pagos pela soja na safra
2005/2006, o endividamento geral das famílias, a entrega dos maquinários para
saldar dívidas junto às lojas fornecedoras de insumos, o profundo quadro de
inadimplência em que as famílias mergulharam, a impossibilidade de continuar
contando com crédito oficial para o custeio de sua produção, a carência de
máquinas e implementos necessários à produção pelos próprios assentados, a onda
de saques aos equipamentos dos pivôs que varreu o Assentamento, principalmente
dos seus transformadores; todos esses são elementos que compõem a situação em
que as famílias se encontravam a partir de 2005. Sem créditos, sem máquinas, com
pivôs sucateados, e ainda vivendo um clima de desconfiança geral entre os
membros dos grupos que haviam se esfacelado, a única saída encontrada pelos
assentados foi o arrendamento
79
, principalmente da área irrigada.
79
Para Marx (1968) a penetração do capital na agricultura encontra sérios obstáculos, na medida em
que uma classe, por razões históricas (antigo modo de produção), dispõe do monopólio da terra.
Essa classe, embora não participe do processo produtivo, impõe, pela sua condição de proprietário,
certas exigências para que o capital seja investido na agricultura. Ademais, pelo fato de possuir
direito sobre a terra, essa classe detém parcela da mais-valia produzida durante o processo
produtivo. A essa parcela de mais-valia advogada ao proprietário da terra, Marx chama de renda
fundiária capitalista.
289
6.3.7.1. O arrendatário
A princípio os arrendatários do Assentamento Itamarati foram os donos das
revendas de insumos que viram, nessa forma de uso da terra, a chance de receber
pelos produtos que forneceram nas safras 2004/2005 e 2005/2006. Diante do
atordoamento geral dos trabalhadores e do clima generalizado de desentendimento
entre os membros dos grupos, os donos dessas empresas procuraram se aproveitar
da situação, firmando contratos para dois ou três anos, período em que passavam a
explorar a área irrigada, tanto na safra de verão quanto na de inverno, como forma
de receber seus créditos, sem que as famílias recebessem nada mais por isso.
Porém, como são muitos os pivôs, e não tendo as empresas credoras, mesmo
podendo adquirir os insumos para o plantio nas áreas irrigadas a preço de custo, o
aporte financeiro para assumir todas as despesas necessárias para a produção e
controle de todos os pivôs, elas abriram a oportunidade para empresários rurais da
região e até de outras regiões do país. Estes, por sua vez, assumiram as dívidas dos
assentados junto às empresas credoras, passando a explorar as áreas irrigadas e
de sequeiro, também por duas ou três safras, sem repassar qualquer quantia para
as famílias.
A partir daí, passamos a presenciar em diversos setores da mídia e da política, por
todo o país, a divulgação da informação sobre os arrendamentos e a proliferação de
notas de protestos, repudiando e condenando a prática no Assentamento Itamarati.
Com razão, os representantes desses setores condenam esta prática ilegal e
antiética cuja ocorrência não se pode negar. Porém, devidamente informados ou, ao
contrário, ignorando a realidade da situação, atribuem pesos diferentes às
informações, carregando-as de intencionalidades diversas, obviamente, de acordo
com os seus próprios interesses.
Contudo, não se pode apenas repudiar tal fato, acreditamos que é preciso explicitar
por que e em quais condições isso vem ocorrendo. É com esse intuito que
desenvolveremos este tópico da pesquisa.
Tanto as áreas de sequeiro quanto as irrigadas estão sendo arrendadas, todavia é
nestas que a situação é mais grave. Dos 58 pivôs repassados para os assentados,
290
apenas dois não estão sendo explorados sob a forma de arrendamento. Um por
causa dos desentendimentos entre as famílias que compunham o antigo grupo, os
quais as levaram a explorar a área em forma de sequeiro e, mesmo assim,
arrendada. Apenas um, graças à persistência do grupo e, sobretudo pela
capacidade de articulação, da perspicácia e da resistência às pressões (que não são
poucas) de sua liderança, ainda é tocado pelos assentados, de maneira coletiva,
pelo mesmo grupo constituído desde o início do Assentamento.
O depoimento do senhor José Leovardo, que foi líder do grupo desde o início do
processo até a safra de verão 2007/2008, elucida como é difícil manter uma prática
diferente da assumida pelos outros grupos:
Os próprios membros do grupo faziam muita pressão para que nós
fizéssemos igual os outros e arrendássemos nosso pivô,
principalmente, depois da safra de 2006, quando fizemos opção por
outra variedade de soja que nós vimos que era muito produtiva no
Paraná, nós trouxemos para cá e ela não se desenvolveu, d
tivemos um grande prejuízo, mas nós relutamos e não quisemos
arrendar o pivô (JOSÉ LEOVARDO).
Se não bastasse a pressão interna, o grupo passou a ser alvo dos outros grupos e
tamm dos arrendatários, conforme relata o Sr. José Leovardo:
Nós passamos a ser considerado “dedo-duros” eles acham que
porque nós não arrendamos nosso pivô, que somos contra eles e
que estamos entregando eles e os arrendatários para o INCRA, o
pessoal dos outros grupos diz que nós somos mau exemplo, eles
reclamam que nós não estamos arrendando e daí o INCRA os
pressiona pra tocar igual a nós. Já os arrendatários não gostam da
gente porque quando o pessoal dos outros grupos sabe quanto
lucramos na safra, eles pressionam os arrendatários para aumentar o
valor do arrendamento (JOSÉ LEOVARDO).
A situação é mesmo absurda: as pessoas que procuram agir de maneira correta
passam a ser patrulhadas e submetidas a constrangimento por aqueles que agem
de forma ilícita, tentando induzi-los também ao erro. Como podemos constatar
empiricamente, o arrendamento de parte do lote é uma realidade no Itamarati, e a
situação é mais grave quando sabemos que o posto avançado do INCRA, instalado
dentro do Assentamento, muitas vezes alega ignorar tal realidade.
291
6.3.7.2. As formas e os valores do arrendamento
Em função da natureza “mega” do Assentamento, não existe um padrão tamm no
que se refere aos arrendamentos, pois independentemente da entidade a qual
pertença, cada grupo, dentro de suas particularidades, adota formas diferentes de
efetivar esse expediente em suas áreas.
Quando se fala do arrendamento dos lotes no Assentamento Itamarati, é preciso
qualificar melhor a prática, pois a primeira ideia que se têm é a de que todos os
assentados agora vão cuidar da sua vida, desenvolvendo suas atividades diárias
dentro do seu lote individual, alguns praticando a pecuária leiteira ou desenvolvendo
outras atividades, e outros tantos indo embora para a cidade, enfim, todos apenas
aguardando o fim da safra para receber o valor que lhes cabe correspondente ao
arrendamento dos pivôs, ou seja, a noção geral é que os assentados tornaram-se
rentistas.
A situação descrita no parágrafo anterior talvez possa ser mais comum nos grupos
da AMFFI, porém não é uma regra geral e nem reflete a realidade de todo o
Assentamento. Nos demais grupos, e mesmo em alguns da própria AMFFI, os pivôs
foram arrendados em média por um período de três anos e até agora toda a renda
dele oriunda foi destinada ao pagamento das dívidas contraídas junto às empresas
fornecedoras de insumos que, como mencionamos, foram os primeiros
arrendatários. No geral, somente nas duas últimas safras é que as famílias puderam
se livrar das dívidas e passaram a receber a renda, e muitos afirmam, constrangidos,
que pretendem arrendar seus lotes por mais uma ou duas safras para amealhar um
pequeno capital e tentar novamente tocar o pivô sem a presença dos arrendatários.
Na AMFFI, a situação é justificada em função da pequena área destinada à
subsistência (1 ha para a construção da moradia, pomar, currais, etc.). Por isso é
muito comum as famílias arrendarem seus lotes de trabalho e permanecerem na
moradia, saindo diariamente para trabalhar fora, como cortadores de cana-de-
açúcar, tratoristas, motoristas e muitas outras atividades, geralmente ligadas às
profissões que exerciam na antiga Fazenda Itamarati. Outros arrendam os lotes de
trabalho e a pequena área de subsistência, abandonam a moradia (Foto 45) e vão
residir e trabalhar em Ponta Porã, nas cidades vizinhas ou mesmo em outros
292
estados, deixando uma pessoa responsável (de regra um vizinho) para cuidar do
lote e dos seus interesses junto aos arrendatários.
De inicio, o mais comum era que
cada pivô fosse tocado por
apenas um arrendatário, sendo
difícil encontrar alguém que se
predispusesse a arrendar
apenas parte de um pivô.
À medida que os assentados
foram se livrando das dívidas,
algumas famílias se propuseram
a reassumir seus pivôs, mas
como esse não era o desejo dos
demais membros do grupo, e
tamm em função das profundas marcas deixadas pelos conflitos internos que
dificultam sua recomposição para viabilizar a exploração coletiva, passou a existir,
em todo o Assentamento, o arrendamento de apenas partes dos pivôs. Hoje é
comum o arrendamento de metade e de até um quarto de um deles, podendo
ocorrer situações em que porções da mesma área estejam em mãos de mais de um
arrendatário ou, num outro arranjo, uma parte é explorada pelo arrendatário e outra,
por um ou mais assentados do grupo. Existem casos em que o arrendatário é um
dos membros do próprio grupo, se não de todo o pivô, pelo menos de parte dele.
Como se vê, as diversas formas de arrendamento dependem do tipo de negociação
que o arrendatário estabelece com os grupos e até com cada família e, como
consequência, os valores e a forma de pagamento variam tamm de acordo com o
tamanho da área irrigada.
Em geral, os valores, que incluem a safra de verão e a safra de inverno, oscilam de
mil e oitocentos a duas mil sacas de soja por ano: “inicialmente o valor era mil sacas,
depois foi inflacionando, passou para mil e duzentas, mil e quinhentas, hoje atinge
este patamar” (ROGÉRIO FRANCHINI). Porém, existem casos como o do Grupo
Tacuru, pertencente à CUT, que na concepção de sua líder, a Sra. Maria Danuza,
Foto 45 Residência com toda infraestrutura abandonada por
assentado da AMFFI
Autor: Ademir Terra
293
não realiza um arrendamento e sim uma parceria, o que lhes permite um rendimento
maior.
Nosso pivô é o que recebe mais renda em todo o assentamento, nós
não fizemos um arrendamento, nós temos uma porcentagem, tiramos
uma faixa de duas a duas mil e quinhentas sacas de soja por ano,
depende da produção temos 40% na safra de verão e 50% na
safrinha (MARIA DANUZA).
A líder do grupo justifica essa forma de exploração em face da ausência de recursos
para que o grupo possa tocar a lavoura sem a necessidade de parcerias”, mas
tamm por estarem cientes de que os riscos são poucos, principalmente para a
safra de verão. Preferem estipular um percentual uma vez que o grupo entra com a
área dotada de pie se responsabiliza por sua vigilância para evitar os saques,
enquanto que o arrendatário entra com as máquinas, sementes e os insumos
necessários para a produção.
Aqueles que arrendam o pivô com um valor de sacas estipulado, faz
isso porque tem medo de acontecer algum problema e não conseguir
nem isso. Estamos correndo o risco se der um problema nós vamos
ficar sem nada. Mas a lavoura é assim mesmo temos que correr
riscos (MARIA DANUZA).
Situação diversa também é a do Grupo Coletivo 17, Eldorado dos Carajás,
pertencente ao MST, por ter sido constituído de pessoas com um nível diferenciado
de formação e concebido de forma sui generis dentro do Assentamento. Apesar de
ter sofrido significativas baixas no seu quadro de membros e passado por muitas
dificuldades, o grupo conseguiu preservar suas máquinas e implementos, mas
mesmo assim, sendo contra o arrendamento e tendo resistido a ele, não
conseguiram evitar tal forma de exploração em parte de sua área por muito tempo.
O ultimo pivô a ser arrendado foi o nosso, nós éramos contra, mas
quando nos demos conta que havíamos perdido três anos insistindo
em produzir no pivô, tivemos que arrendar. Para pagar nossas
vidas, ficamos três anos sem pegar dinheiro do pivô. Só não
passamos fome porque temos nossa lavoura de subsistência e
porque com o nosso PRONAF compramos 85 cabeças de gado, a
pecuária leiteira é que nos manteve neste período (ANA CARLA).
O Grupo Tacuru, da CUT, inicialmente se negava a assumir o termo “arrendamento”
e insistia em afirmar que realizava “parcerias”. Hoje já assume sem qualquer
constrangimento que a prática que desenvolve é mesmo um arrendamento de área,
294
contudo, a diferença em relação aos demais está na exigência de que o arrendatário
utilize máquinas, implementos e mão de obra dos membros do grupo.
Agora que o nosso pivô está arrendado, o que é pra um é pra todo
mundo. O único grupo que é diferente no jeito de receber o dinheiro é
o nosso, pois recebemos por hora/trabalho, nós ajudamos no plantio
com nossa mão de obra, nossas máquinas. Quem pegar nosso pi
tem que pegar tercerizando nossos maquinários, e paga por
hora/máquina, além disso, recebemos uma quantidade de soja por
ano,o 12 sacas de soja por hectare, nossa quantidade é menor
que a de qualquer outro grupo, porque recebemos a hora/máquina. A
nossa parceria acaba em 2010, na safra de verão (ANA CARLA).
Como podemos observar, são diversas as formas de arrendamento empregadas
pelos grupos em suas áreas, ainda que em todos os casos as famílias tenham
resistido a adotar essa prática, mesmo porque não haveria uma justificativa plausível
para a medida, uma vez que o desenvolvimento da lavoura irrigada demanda mais
conhecimento e zelo com a lavoura do que mão de obra, além de que, a
lucratividade seria maior se a área fosse cultivada pelo próprio grupo. Assim sendo,
o arrendamento da área irrigada não constituiu uma opção baseada no comodismo,
e sim uma imposição das circunstâncias, como o volume de dívidas assumidas, não
somente em decorrência das vicissitudes climáticas como também pelas atitudes
equivocadas dos grupos na tentativa de desenvolver uma atividade que demanda a
aplicação de recursos e de técnicas de que as famílias não dispõem, onde os riscos
são muitos e a tolerância à claudicação é muito pequena.
Dessa forma, sob pena de sermos considerados ingênuos, incautos, ou
merecedores de qualquer outro adjetivo, acreditamos que seria uma leviandade
caracterizar a maioria dos assentados como rentistas, situação a que, no máximo,
foram levados, mais por força das circunstâncias do que pelo comodismo do lucro
sem trabalho.
6.3.7.3. A responsabilidade pelo arrendamento
Apontar os assentados como os únicos responsáveis pela introdução da prática de
arrendamento é uma grande injustiça, e potencializa o preconceito (que não é
pequeno) em relação à reforma agrária, reforçando os argumentos e engrossando
os discursos daqueles que a ela se opõem. Ainda que tenham sua parcela de culpa,
295
se quisermos levantar culpados, muita gente que até agora estava incógnita nessa
história poderão ser comprometidas.
Sabemos que o arrendamento é uma prática disseminada nos assentamentos por
todo o país, em especial nas áreas de plantio de soja no centro-oeste, de cana-de-
açúcar no interior paulista e de produção de arroz no sul do País. Porém, isso não
serve de justificativa para que a aceitemos de bom grado, pois foge completamente
dos objetivos da reforma agrária e é condenada pelos próprios assentados,
conforme podemos observar na fala do Sr. Ronaldo José Pucci:
A questão do arrendamento pra gente é muito triste, porque esse não
é o objetivo da reforma agrária, sabemos que arrendar é crime, nós
achamos que tem que acabar com o arrendamento, o arrendamento
é uma desmoralização muito grande para nossas famílias
(RONALDO JOSÉ PUCCI).
Ainda que nem todos tenham o mesmo grau de consciência, esse desabafo
demonstra quão constrangedor é o arrendamento para uma parcela dos assentados.
E nós, que visitamos, conversamos, colhemos depoimentos, etc, tivemos a
oportunidade de ver que o Sr. Ronaldo não é uma voz dissonante, que seu discurso
não é demagógico, tampouco se trata de retórica com argumentos prontos para
convencer as pessoas.
Na continuação de sua fala, o Sr. Ronaldo expressa o grau de consciência que tem
sobre a impossibilidade de evitar a implantação da prática ou acabar com ela:
Eu sei quanto é errado o arrendamento, mas ao mesmo tempo, eu
não vejo em curto prazo uma forma de a gente acabar com isso, a
não ser que alguém tenha um projeto muito especial. Mas como
acabar? Você tira o arrendatário daqui e faz o quê? O governo do
estado vai reinvestir dinheiro aqui? De que forma? Teria que ser
pensado nisto. O que fazer com estes pivôs? Acabando com o
arrendamento, a maioria dos pivôs com certeza volta a ser sucateado
e se acaba, pois os assentados não têm recursos e nem condições
de tocá-los (RONALDO JOSÉ PUCCI).
Suas indagações são pertinentes e reveladoras, pois para que os pivôs voltem a ser
tocados pelos próprios assentados, com chance de êxito, seria necessário um
projeto pautado na realidade dos grupos, com a previsão de uma linha de crédito
especial, de capacitação dos assentados para lidar com aquela infraestrutura e,
acima de tudo, que se investisse em assistência técnica adequada. Do contrário, se
os assentados assumirem a exploração das áreas com pivôs sem que sejam dadas
296
as condições para que eles dominem as tecnologias necessárias para o
desenvolvimento da agricultura moderna a situação voltará aos mesmos patamares
atuais, com risco da situação se agravar ainda mais, posto que não possam mais
recorrer à prática ilegal, porém funcional do arrendamento dos pivôs.
Atualmente todos os pivôs estão funcionando (um ou outro que não está sendo
utilizado por opção dos trabalhadores), os saques diminuíram, pois estão sob os
cuidados dos arrendatários, estes têm pago vigilantes para fazer a segurança dos
pivôs, todavia a situação pode não permanecer caso a prática do arrendamento seja
eliminada do assentamento.
Não estamos aqui, de forma alguma, defendendo ou fazendo apologia do
arrendamento. Acreditamos que existam alternativas mais dignas e dentro dos
parâmetros legais para solucionar o verdadeiro caos econômico e social que foi
impingido aos assentados, conduzindo-os à prática espúria do arrendamento de
suas áreas.
Quem tem a competência, a obrigação e os instrumentos jurídicos para colocar um
fim nos arrendamentos no Assentamento é o INCRA. De certa forma, o órgão deu
um primeiro passo ao publicar a Instrução Normativa nº 47, em 16 de setembro de
2008, na qual estabelece diretrizes para a supervisão da situação ocupacional em
projetos de reforma agrária, a retomada de parcelas ocupadas irregularmente e sua
destinação para assentamento de agricultores.
Resta saber, no entanto, se o órgão tem interesse, condições econômicas e
recursos humanos para implementá-la. Não nos parece que haja realmente a
disposição de resolver definitivamente tal questão, pelo contrário, a prática vem
sendo ignorada, ainda que, como afirmamos anteriormente, o órgão mantenha um
escritório e pelo menos uma dezena de servidores trabalhando dentro do
Assentamento. Segundo informações prestadas pelas famílias, elas foram
orientadas, sob pena de sofrer as consequências, a negar a prática do
arrendamento de seus lotes, quando fossem questionadas sobre o assunto, e
assumirem que estão realizando “parcerias” com empresas e agricultores de fora do
Assentamento. Todavia, esse cuidado todo em abordar o assunto só se manteve no
início, e hoje é tratado abertamente, sem qualquer constrangimento, até mesmo nas
dependências do INCRA.
297
A questão do arrendamento de terras dentro do Assentamento Itamarati foi objeto de
muito debate na imprensa sul-mato-grossense e até de apreciação na Câmara
Federal em 2006, no entanto, tudo continua como antes.
A retomada do lote do assentado poderia ser uma medida punitiva visando eliminar
essa prática, porém esse procedimento significaria punir duplamente os
trabalhadores. Primeiro, porque foram submetidos a um projeto para o qual nem
mesmo os órgãos gestores estavam preparados, quanto mais os agricultores, que
acabaram servindo como cobaias de um programa idealizado para se tornar um
modelo de reforma agrária. Segundo, porque foram tantos os desencontros, desvios
de percursos e desmandos por parte daqueles que deveriam tornar o projeto viável
que, ele naufragou, não havia a quem responsabilizar. Por não ter como apontar e
punir os verdadeiros culpados pela má aplicação das verbas oficiais, aponta-se na
direção dos trabalhadores, quando na verdade eles “são mais vítimas do que vilões”
nessa situação complicada. Da farra que fizeram com os recursos públicos,
sobraram para os trabalhadores as migalhas, dor de cabeça e o ônus por uma conta
que de fato não foi contraída por eles.
Quando se assinala o montante de recursos acessados pelos trabalhadores,
esquece-se que mesmo tendo desconto, prazo de carência ou não, é uma dívida
que as famílias assumiram e algumas já começaram a pagar. Difícil mesmo é cobrar
a conta, infinitamente maior, contraída pelos desmandos daqueles que tinham por
obrigação viabilizar o projeto.
Apesar de ilegal, o arrendamento tem sido uma válvula de escape, aliviando o peso
e a responsabilidade de muita gente. Não acreditamos numa teoria da conspiração,
mas tudo nos leva a crer que o arrendamento tem seu lado “despotista esclarecido”,
nos moldes do laissez faire, laissez passer, pois, se para os trabalhadores foi a
forma encontrada para pôr fim aos desentendimentos provocados por um coletivo
forçado e às dívidas que os assombravam, ao ponto de muitos pensarem em desistir
dos seus lotes, para os órgãos oficiais, responsáveis por encontrar soluções para o
imbróglio a que submeteram os trabalhadores, é uma forma cômoda de se omitirem
sem sofrer pressões por parte dos assentados que, por sua vez, tamm acham
melhor que a situação passe desapercebida pela sociedade em geral.
298
Norder (2004), nos seus estudos no Assentamento Promissão, no Estado de São
Paulo observou que:
Um conjunto de embates levou a uma mudança na conceão dos
técnicos governamentais e assentados sobre o arrendamento de
terras. De atividade a ser proibida e combatida, passível de graves
punições, os arrendamentos passaram a ser vistos, levando-se em
conta a conjuntura macropolítica e as condições locais, como algo
justificável, racional e, em muitos casos, recomendável (NORDER,
2004, p. 179).
O autor afirma que essa redefinição valorativa ocorreu em função de “uma certa
perda de eficácia e legitimidade das ações e sanções da agência estatal no
assentamento” e, simultaneamente, da ampliação das formas de resistência-
desobediência dos assentados: “O arrendamento de terras tornou-se uma espécie
de direito constituído: ‘achado na roça’”.
Para vários órgãos federais, estaduais e municipais, a situação é muito cômoda: a
AGRAER, com seu quadro técnico reduzido e as poucas condições de atender
plenamente a todas as famílias, agora tem o trabalho de seus servidores reduzido
(ainda que tenham começado a prestar assistência também às famílias do
Assentamento Itamarati II), pois os arrendatários contam com seus próprios
técnicos.
Os funcionários do Banco do Brasil (agência de Ponta Porã) não têm mais que
aturar aquela quantidade enorme de famílias buscando atendimento, abarrotando
suas escrivaninhas de trabalho e pressionando para que seus projetos sejam
aprovados e os recursos liberados em tempo hábil para o plantio.
O INCRA agora pode dar continuidade à elaboração e implantação de outros
projetos, sem ter que atender os trabalhadores do Assentamento Itamarati batendo
às suas portas quase que diariamente, fazendo novas reivindicações e protestos.
A prefeitura de Ponta Porã e o governo do estado não precisam mais se preocupar,
pelo menos com parte das 1.143 famílias assentadas, pois não existem mais
protestos pela recuperação das estradas do Assentamento na época do escoamento
da safra, nem pela falta de recursos ou pela demora para a liberação de
financiamento, tendo cessado tamm os movimentos de ocupações de prédios
públicos ou fechamento de rodovias; enfim, a prática do arrendamento colocou um
ponto final numa série de dificuldades.
299
Isso não quer dizer que os problemas fundiários em Mato Grosso do Sul estejam
todos resolvidos e que as manifestações dos trabalhadores deixaram de existir, mas
o fato é que esses órgãos têm 1.143 famílias, ligadas a quatro organizações de
trabalhadores com ideologias e práticas diferenciadas, a menos para se preocupar.
Conclui-se, portanto, que o arrendamento de terras, mais que uma mera fonte
adicional de renda familiar, é decorrência do tipo de políticas públicas aplicado à
produção agropecuária e da implantação de um modelo equivocado de gestão que
não levou em conta as especificidades dos atores sociais a quem se destinava.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São muitos os sentimentos e sensações que sobreveem ao pesquisador no
momento da conclusão dessa pesquisa. Há o sentimento da missão cumprida, a
certeza de ter vencido mais uma etapa da nossa existência e que o trabalho
concluído promoveu um enriquecimento em todos os aspectos da vida,
principalmente no profissional. Ainda assim, por mais que tenhamos empreendido
esforços e dedicação, sempre fica a sensação de que poderíamos ter avançado
mais.
Em face da complexidade do objeto; das limitações financeiras e principalmente da
distância entre a moradia do pesquisado e o objeto de pesquisa e deste em relação
à capital do Mato Grosso do Sul para qual os deslocamentos foram constantes em
busca de informações; das restrições impostas pela obrigatoriedade do pesquisador
bolsista ter que residir nas proximidades da Universidade; e de outros entraves que
tiveram que ser superados ao longo da pesquisa.
Contudo, fica a certeza da contribuição dos resultados aqui alcançados para futuros
trabalhos que envolvam não somente o Assentamento Itamarati como tamm
qualquer outra realidade que o conjunto de temáticas aqui elencadas possa suscitar.
Em face da referida complexidade do objeto de pesquisa, tivemos que recorrer a um
conjunto de procedimentos metodológicos (exposto na introdução) e esta
flexibilidade foi responsável por uma dinâmica que nos permitiu alcançar plenamente
os objetivos propostos.
Apesar de tratar de alguns temas como a insuficiência da infraestrutura básica
(educação, saúde, transporte, segurança, meio ambiente, etc.) implantada no
assentamento, ou mesmo a diferença entre aquilo que se projetou e o que foi
implantado de fato, a escassez de recursos, entre outros que são recorrentes nos
estudos sobre os assentamentos rurais, relevantes e merecedores de maior
aprofundamento, alguns importantes temas que inicialmente faziam parte do rol de
301
nossas preocupações, ao longo da pesquisa foram saindo do foco da nossa
investigação
80
Dentre eles, destacamos a comparação do posicionamento e das diferentes
estratégias de relacionamento/enfrentamento desenvolvidas pelas quatro diferentes
entidades de trabalhadores rurais na gestão do território, diante da problemática da
persistência da territorialidade do agronegócio, agora sob a lógica da agricultura
familiar. Essa mudança na perspectiva da análise se deu porque, a despeito das
diferenças político-ideológicas e das diferentes formas de organização e de
enfrentamento dos problemas na fase de acampamento, o que constatamos é que,
com pequenas variações, houve uma grande homogeneização de postura e de
práticas das famílias após a posse dos lotes, independentemente da entidade que
as organizaram para o assentamento.
.
Por mais paradoxal que possa parecer, esta homogeneidade de práticas adotada
pelo conjunto heterogêneo de famílias que compõem o Assentamento Itamarati não
conduziu até o momento à elaboração de uma territorialidade
81
Ainda assim, acreditamos que mesmo sem o devido aprofundamento, esses temas
servirão como pressupostos para futuras pesquisas que certamente advirão
intrínseca ao
Assentamento, tema sobre o qual tamm pretendíamos empreender uma análise
mais incisiva. Contudo, em face do pouco tempo de existência do Assentamento,
das múltiplas dimensões potencializadas pela imposição de um modelo com que as
famílias não se identificavam, além dos desdobramentos (dívidas,
desentendimentos, implosão dos coletivos, arrendamento de áreas, etc.) oriundos da
aceitação funcional das famílias ao modelo, da mudança dos projetos coletivos de
cultivo de commodities para projetos individuais com base na pecuária leiteira, todos
esses fatores de certa forma impossibilitaram a obtenção de dados mais concretos e
consolidados acerca de tais temáticas. Correríamos o risco de incorrer em uma
análise precipitada, sem o devido respaldo para a verdade dos fenômenos
apresentados.
80
Acreditamos que tais ausências são minimizadas, posto que o fascínio proporcionado pelas
especificidades deste Assentamento faz com que tais abordagens sejam recorrentes nos diversos
trabalhos acadêmicos de conclusão de curso das várias instituições de ensino da região.
81
Entendendo territorialidade como sendo um conjunto de relações entre um indivíduo ou grupo
social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas e expressando um
sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico.
302
(corroborando ou não nosso posicionamento), voltadas para a demonstração da
precariedade a que as famílias foram submetidas no Assentamento, o que não o faz
diferente dos demais existentes no país, porém, tendo como agravante o fato de que
muitas dessas dificuldades são potencializadas como reflexo de um conjunto de
pressupostos que foram imputados às famílias pelos idealizadores do projeto.
E é nesses pressupostos que focamos nossa análise do Assentamento Itamarati, ou
seja, a partir de uma dimensão pouco explorada nos estudos relacionados aos
assentamentos rurais implantados no Brasil.
Dentre esses pressupostos destacamos: empreendimentos superdimensionados em
muitos aspectos; preocupações modelares; e principalmente, projetos supostamente
elaborados para atender os interesses da classe trabalhadora que, na verdade, têm
como motivação o benefício a uma pequena elite da qual ascende a maioria dos
representantes políticos. Esses elementos, como vimos, marcaram esta porção do
território sul-mato-grossense, sempre presentes em projetos privados como na
implantação da Companhia Mate Laranjeira e na Fazenda Itamarati, e tamm nos
públicos, como na criação da CAND e, atualmente, na implantação do
Assentamento Itamarati, os quais foram apresentados às famílias como condição
sine qua non para que fossem assentadas.
Ao longo da pesquisa, e mais intensamente no último ano, pudemos conviver com
as famílias e presenciar as dificuldades, angústias e dilemas que vivenciam no seu
cotidiano, problemas que, temos convicção, poderiam ser minorados e em alguns
casos até evitados, caso os órgãos responsáveis pela implantação do
Assentamento, principalmente o INCRA, tivessem balizado suas ações no perfil e
nos desejos das famílias assentadas.
Ao não considerar as características e as aspirações do público alvo, essas
entidades banalizaram a criação do Assentamento, colocando-o na vala comum, ou
seja, agiram como se fosse apenas mais um assentamento entre tantos outros
criados em todo o país. Tal como os demais, o Assentamento Itamarati possui
muitas carências, entretanto, estas são superdimensionadas em função das
especificidades anteriormente relatadas.
303
Partindo do pressuposto que a pretensão era a de criar um mega-assentamento
modelo, mesmo que essa qualificação se aplicasse mais às dimensões quantitativas
e menos às qualitativas, todas as ações também deveriam remeter à escala mega.
Isso, desde a planificação até a materialização de uma infraestrutura básica
condizente com as demandas da comunidade no que diz respeito a economia,
educação, saúde, segurança, saneamento, transporte, meio ambiente e, sobretudo,
as questões relacionadas à organização social das famílias, tendo como princípio
norteador a garantia da participação democrática de toda a comunidade.
Além dessas dimensões, a opção pelo megaempreendimento remete
necessariamente a um esforço maior no sentido de proporcionar às famílias o
acesso a dois outros fatores diferenciados que reputamos como fundamentais para
o êxito do Assentamento, quais sejam: o volume de recursos financeiros envolvidos
e também a demanda por ummero adequado de profissionais qualificados para
atuar no projeto.
No Assentamento Itamarati, o tipo de lavoura desenvolvida é condicionada e
determinada pelos recursos tecnológicos de que a área é portadora, e isso impõe,
às famílias, demandas específicas que acreditamos não ser possível atender com o
mesmo montante de recursos destinados aos demais assentamentos do país, sendo
necessária uma inversão maior de capital para viabilizar minimamente o projeto.
Contudo, isso inflige aos mediadores a elaboração de projetos que primem por
rigorosos critérios de destinação e controle desses fundos.
Careceria também da mobilização de um número maior de técnicos e especialistas,
não apenas para a elaboração do PDA, como também para dar suporte ao projeto
pelo menos até que as famílias adquirissem o know-how do cultivo de commodities,
uma vez que a persistência dessa lavoura era previsível, ou mesmo até que as
famílias, dentro das especificidades do território bem como dos recursos
tecnológicos remanescentes da antiga fazenda, desenvolvessem uma territorialidade
condizente com as características da agricultura familiar.
Não sabemos se por inexperiência dos técnicos na condução de um projeto com tal
grau de complexidade, ou se por falta de condições necessárias para lhe dar outro
rumo, o que caracteriza este empreendimento é o apelo maior para os aspectos
quantitativos.
304
A hipótese de que as preocupações quantitativas se sobrepuseram às qualitativas
no processo de implantação do Assentamento Itamarati fica evidente quando
observamos, nos trabalhos que relatam o acompanhamento da fase inicial dos
assentamentos rurais no Brasil, que é quase um consenso de que são necessários,
geralmente, pelo menos cinco anos para que as famílias se adaptem à nova
realidade socioeconômica.
Assim, quando análisamos o Assentamento Itamarati, com as pretensões de que foi
revestido, que envolvem processos sociais complexos (SANTOS, 1991) resultantes
daquele conjunto específico de características enumeradas anteriormente, pode-se
afirmar que seguramente demandaria um período maior da atenção e atuação dos
chamados “grupos de mediação
82
” que deveriam recorrer à sensibilidade que emana
de suas “visões mediadoras
83
No entanto, o que constatamos é que antes mesmo que o Assentamento Itamarati
tivesse completado o ciclo inicial de implantação através da liberação de créditos e a
consolidação dos projetos produtivos e de suas organizações sociais, e em meio à
crise econômica e financeira gerada pela frustração da safra 2003/2004, com os
desdobramentos anteriormente mencionados, começaram as articulações para a
aquisição da parte restante da antiga fazenda visando à implantação do
Assentamento Itamarati II.
”, para o auxilio das famílias, subsidiando-as na
conquista da autonomia necessária para doravante gerirem seu próprio destino.
A partir de então as atenções do INCRA e das demais entidades mediadoras
voltaram-se para o novo assentamento, se não exclusivamente, pelo menos
prioritariamente. Assim, se a atuação das entidades já ficava aquém do necessário,
daí por diante a situação das famílias se agravou.
Se as condições das famílias do Assentamento Itamarati são difíceis, as das
assentadas no Itamarati II são muito piores, pois apesar de possuir uma área com
dimensões semelhantes às do primeiro, (aproximadamente 25.000 ha) e um mero
menor de unidades de irrigação (apenas 27 pivôs), envolveu uma quantidade maior
82
Compreendendo que a ação dos mediadores possui um tempo determinado de existência,
conforme Neves (1997), o exercício da mediação corresponde ao período em que cada instituição
portadora de recursos materiais ou simbólicos se disponha a oferecê-los. A ação da mediação neste
caso é limitada e provisória.
83
Considera-se como “visões mediadoras” modelos ideológicos de organização social que orientam
as intervenções dos “grupos de mediação” em assentamentos rurais.
305
de famílias (1.692), agrupadas em cinco organizações de trabalhadores, e está
envolvido em um processo de implantação que vem se arrastando desde 2004.
O lado positivo da criação do Assentamento Itamarati II é o grande número de
famílias que foram contempladas com um lote e, consequentemente, garantiram as
condições de acesso aos recursos destinados aos beneficiários da reforma agrária.
Contudo, vieram se somar às outras 1.143 incluídas do Assentamento Itamarati.
O valor pago pela propriedade (mais de R$ 165 milhões) diretamente a Olacyr de
Moraes é justificado em função das benfeitorias existentes (Anexo 2). Porém, com
exceção dos silos, armazéns e secadores, que estão arrendados por valor irrisório e
em troca de alguns favores para empresas privadas, muitas das instalações não têm
nenhuma utilidade para as famílias assentadas e estão sendo sucateadas ou por
ação de vândalos ou pela falta de conservação, sem que o INCRA esboce tome
qualquer atitude, sob a alegação de que não tem dotação orçamentária para esse
fim.
O montante pago pela fazenda, desnecessariamente contabilizado em favor da
reforma agrária brasileira, vem se somar aos R$ 27,6 milhões pagos ao Banco Itaú
pela área do Assentamento Itamarati (comumente denominado Itamarati I),
totalizando aproximadamente R$ 200 milhões. Um valor bem menor que os R$ 300
milhões exigidos por Olacyr ao governo Fernando Henrique Cardoso, em meados da
década de 1990 para que sua propriedade se transformasse em objeto de reforma
agrária.
Apesar do valor menor, a fazenda teve o destino almejado e até previsto pelo
empresário. Não que ele fosse um visionário, mas um profundo conhecedor dos
bastidores da política nacional e dos meandros a serem seguidos e assim,
sorrateiramente, tirar proveito dos recursos públicos.
Voltamos aqui à afirmação que fizemos no final do tópico 2.3 do segundo capítulo,
no qual asseveramos que a decadência do modelo implantado na Fazenda Itamarati
não foi um efeito colateral, mas parte da concepção daquele modelo, pois a fazenda
sequestrou recursos públicos, científicos e humanos e estabeleceu um tipo de
empreendimento que só seria efetivado com um montante de capital não disponível
no setor privado naquela época.
306
Assim que tivesse sua viabilidade econômica garantida, o modelo perderia sentido e
não estaria mais nos compromissos pagar as dívidas contraídas. Serviu para
aparelhar o capital do agronegócio com a estruturação de um sistema que iria, cedo
ou tarde, abandonar a obrigação do retorno de recursos públicos. O ganho foi
transferido propositadamente para o setor privado e, mais uma vez, o prejuízo foi
socializado.
Transformar essa enorme máquina enferrujada em assentamento foi uma estratégia
de novamente se apropriar de verbas públicas e sair pela porta da frente e no
apagar das luzes, sem restituir os recursos que nunca intencionou retornar aos
cofres do Estado. Faz parte do modelo apropriar-se do capital público, embora isso
nunca tenha sido proferido.
A modernização, o agronegócio, o aperfeiçoamento da luta pela terra e a inserção
do Estado na economia global são fatos históricos não lineares, mas a condição de
uma economia sempre em busca de uma vantagem para uma elite é um processo
permanente que vai se moldando de acordo com esses aspectos intervenientes. No
caso Itamarati, não houve um projeto inicial para chegar aonde chegou, mas várias
conjunções oportunas: a posição da ditadura militar, as políticas neoliberais, a
política pela democratização da terra e pela internacionalização da economia, etc.
De um modo ou de outro, há um movimento que não permite ver claramente a
intencionalidade e os efeitos negativos das ações dos capitalistas. Na outra face
dessa história, os sujeitos populares são colocados em evidência clara e
severamente criticados e avaliados evidenciando os exemplos negativos, para o que
se convocam intelectuais alinhados política e ideologicamente aos seus projetos.
Um exemplo disso é o texto referente ao Assentamento Itamarati, publicado por
Graziano Neto, denominado Ilusão Produtiva
84
84
O Globo, 12/09/2006, Opinião, p. 7
, no qual o autor denuncia a venda de
lotes, o arrendamento das áreas coletivas, o baixo nível de produção e de qualidade
de vida das famílias, a prostituição, o pagamento de propina, enfim, todo tipo de
ilegalidade e de corrupção que assola o Assentamento. Chama as lideranças dos
grupos de chefetes”, afirmando: “Nada funciona, porém, sem a comissão do chefe.
Sendo tudo irregular, a propina corre solta”. Aponta na direção das organizações de
307
trabalhadores, responsabilizando-as pela situação em que o Assentamento se
encontra: “Pior é a subserviência. Quase 11 mil pessoas se encontram subordinadas
a três fortes organizações políticas: MST, CUT e Fetagri. Satiriza o fato de o
presidente Lula ter pilotado uma colheitadeira que supostamente pertencia a
arrendatários.
O quadro é mesmo aterrador, como o descrito pelo intelectual, político do PSDB e
ex-presidente do INCRA, que claramente imputa responsabilidade às organizações
de trabalhadores e ao atual governo. As organizações têm mesmo sua parcela de
culpa, pois tiram proveito e até fomentam a situação deplorável que se estabeleceu
no Assentamento, assim como também o atual governo, pois tem ignorado a
situação em que aquelas famílias se encontram.
Contudo, faltou ao autor dizer que o projeto teve início no apagar das luzes do
governo do seu partido, em resposta às críticas e pressões, internas e externas, à
forma de conduzir a questão fundiária no país e, sobretudo, em função dos trágicos
desfechos dos confrontos ocorridos em Eldorado dos Carajás e Corumbiara.
Não é estranho que o governo que teve oito anos para efetivar uma reforma agrária
modelar, como foi propalada quando da criação do Assentamento Itamarati, -lo
feito somente no último ano de seu mandato? Tal postura nos impõe acreditar que
foi uma tentativa de evocar para si a paternidade do projeto caso fosse exitoso, ou
de se eximir de responsabilidade caso redundasse em fracasso.
Por tudo isso, a análise do processo ocorrido com a Fazenda Itamarati nos fornece
essa evidência de uma desconstrução permanente de um projeto verdadeiro de
desenvolvimento humano, pondo sempre no lugar os acertos dos grandes
empreendimentos. O que se adiciona a isso é que esse modelo para a unção do
agronegócio é exemplo nacional para toda a reforma agrária, a qual nunca previu,
nem se colocou a favor dos moldes como atualmente se implanta o Assentamento
Itamarati, mas serve para desautorizar toda a luta social em todas as partes.
Porém, maior que as dificuldades, são a fé e a esperança daquela comunidade que,
com garra, têm buscado contornar todos os problemas através do trabalho, não
coletivo como quiseram os idealizadores do projeto, mas com a solidariedade, que é
uma característica intrínseca aos trabalhadores rurais. É esse trabalho, animado
308
pela solidariedade, que os faz vencer todos os obstáculos, e que nos faz ter a
convicção de que, mesmo com a maneira irresponsável e perniciosa com que as
questões agrária e fundiária têm sido tratadas neste país, e neste caso em
particular, a reforma agrária é necessária e que valeu a pena a criação do
Assentamento Itamarati.
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ANEXOS
Anexo I Relação dos assentamentos rurais criados em Mato Grosso do Sul entre 1984 e 2008
Denominação do Projeto Área (ha)
N.º de
Famílias
Ano Município de Localização
1 Tamarineiro 3.812,17 134 1984 Corumbá
2 Retirada da Laguna 2.163,97 90 1985 Guia Lopes da Laguna
3 Sucuriú 15.978,34 239 1985 Chapadão do Sul
4 Nioaque 10.587,45 371 1985 Nioaque
5 Urucum 1.962,46 87 1986 Corumbá
6 Guaicurus 2.772,32 129 1986 Bonito
7 Novo Horizonte 16.580,38 757 1986 Novo Horizonte do Sul
8 Nova Esperança 2.757,01 113 1986 Jat
9 Itá 1.503,91 47 1987 Bela Vista
10 São José do Jatobá 2.530,91 136 1987 Paranhos
11 Marcos Freire 5.269,94 187 1987
Dois Irmãos do
Buriti/Anastácio
12 Campo Verde 1.918,55 60 1987 Terenos
13 Mato Grande 1.264,35 50 1987 Corumbá
14 Colônia Nova 1.314,15 88 1987 Nioaque
15 Casa Verde 29.859,99 471 1987 Nova Andradina
16 Pedreira 87,9214 10 1988 Ribas do Rio Pardo
17 Monjolinho 9.525,22 285 1988 Anastácio
18 Capão Bonito 2.585,40 133 1989 Sidrolândia
19 Indaiá 7.340,67 633 1989 Itaquirai
20 Taquaral 10.013,97 394 1989 Corumbá
21 Sumatra 4.719,81 149 1991 Bodoquena
22 São Manoel 4.321,03 147 1992 Anastácio
23 São Luiz 1.599,61 114 1994 Batayporã
24 Tamarineiro II 10.621,08 319 1995 Corum
25 Paiolzinho 1.196,75 70 1996 Corumbá
26 São João 856,1606 58 1996 Batayporã
27 Mutum 15.831,69 340 1996
Ribas do R. Pardo/S. Rita do
Pardo/Brasilândia
28 Mercedina 803,2433 56 1996 Batayporã
29 Andalucia 4.815,11 166 1996 Nioaque
30 Sul Bonito 6.375,94 421 1996 Itaquirai
31 Tupanceretan 2.546,44 82 1996 Bela Vista
32 Patagônia 3.502,89 128 1997 Terenos
33 Nova Alvorada 3.000,83 86 1997 Nova Alvorada do Sul
34 Corona 1.095,86 58 1997 Ponta Porã
35 Campina 2.408,83 76 1997 Bodoquena
36 Capão Bonito II 8.231,50 308 1997 Sidrolândia
37 Floresta Branca 4.980,99 185 1997 Eldorado
38 Lagoa Grande 4.071,44 151 1997 Dourados
39 Primavera 2.535,15 71 1997 Jaraguari
40 Campanário 2.851,75 132 1997 São Gabriel D’Oeste
41 Nova Querência 3.864,61 158 1997 Terenos
322
42 Santa Clara 4.353,33 156 1997 Bataguassu
43 Serra 2.986,11 116 1997 Paranaíba
44 Triângulo 927,1312 50 1997 Rio Brilhante
45 Santa Guilhermina 7.994,73 224 1997 Maracaju/Nioaque
46 Amparo 1.126,89 67 1997 Dourados
47 Paraíso 3.308,40 98 1997 Terenos
48 Rancho Tupambaê 1.869,68 130 1997 Miranda
49 Guaçu 2.678,98 134 1997 Itaquirai
50 Santa Rosa 4.048,16 200 1997 Itaquirai
51 Palmeira 4.172,72 112 1998 Nioaque
52 Córrego Dourado 1.399,97 49 1998 Santa Rita do Pardo
53 Montana 1.567,77 70 1998 Bataguassú
54 Taquara 1.550,28 67 1998 Rio Brilhante
55 Caracol 6.326,58 152 1998 Bela vista
56 Fortuna 2.383,20 108 1998 Rio Brilhante
57 Aldeia 10.718,23 217 1998 Bataguassu
58 Santa Amélia 2.029,89 74 1998 Dois Irmãos do Buriti
59 Rio Feio 2.344,77 72 1998 Guia Lopes da Laguna
60 São Judas 4.155,37 187 1998 Rio Brilhante
61 72 2.343,41 85 1998 Ladário
62 Santa Paula (1) 590 89 1998 Bataguassu
63 Santa Catarina 1.958,60 78 1998 Aral Moreira
64 Tamakavi 3.383,57 120 1998 Itaquirai
65 Santa Lucia 1.026,74 36 1998 Bonito
66 Bandeirante 2.033,45 63 1998 Miranda
67 Pam 5.029,92 115 1998 Nova Alvorada do Sul
68 Savana 5.674,77 212 1998 Japorã
69 Boa Sorte 1.498,03 65 1998 Itaquirai
70 Boa Esperança 3.945,51 126 1998 Nioaque
71 Uirapuru 7.067,88 285 1998 Nioaque
72 São Pedro 8.592,23 295 1998 Sidrolândia
73 N. S. Auxiliadora 8.707,58 252 1998 Iguatemi
74 São Sebastião 2.967,67 100 1998 Ivinhema
75 São Cristóvão 941,8198 34 1999 Paranhos
76 Conquista 1.557,91 67 1999 Campo Grande
77 Bonsucesso 664,7972 27 1999 Rio Brilhante
78 Fortaleza 384,9028 14 1999 Rio Brilhante
79 Vista Alegre 1.030,82 50 1999 Sidrolândia
80 Boa Vista 2.050,37 70 2000 Ponta Porã
81 Vacaria 1.049,15 48 2000 Sidrolândia
82 Santa Irene 2.473,26 72 2000 Anaurilândia
83 Santa Renata 1.117,42 35 2000 Tacuru
84 Gibóia 7.218,70 238 2000 Sidrolândia
323
85 Cantagalo 1.256,61 50 2000 Maracajú
86 Guardinha 989,4907 30 2000 Jardim
87 Indianópolis 1.758,45 55 2000 Japorã
88 Pedro Ramalho (2) 1.948,60 83 2000 Mundo Novo
89 Nova Era 2.848,11 97 2000 Ponta Porã
90 N. S. do Carmo 1.193,00 41 2000 Caarapó
91 Dorcelina Folador 8.118,31 270 2000 Ponta Porã
92 Capão Bonito III 600 23 2000 Sidrolândia
93 Sebastião Rosa da Paz 1.427,78 51 2000 Amambai
94 Aroeira 1.855,61 59 2000 Chapadão do Sul
95 Aliança 1.101,69 38 2000 Itaquir
96 Margarida Alves 3.429,19 120 2000 Rio Brilhante
97 Itamarati 25.508,00 1.145 2000 Ponta Porã
98 Geraldo Garcia 5.775,21 182 2000 Sidrolândia
99 Pontal do Faia 1.485,00 45 2000 Três Lagoas
100 Lua Branca 2.425,40 124 2001 Itaquir
101 Santa Terezinha 1.537,91 64 2001 Sidrolândia
102 Rancho Loma 2.512,38 107 2001 Iguatemi
103 Juncal 2.605,89 113 2001 Naviraí
104 Vicente de P. Silva (2) 1.129,13 40 2001 Paranhos
105 Silvio Rodrigues 3.182,33 120 2001 Rio Brilhante
106 Guanabara 2.660,23 98 2001 Amambai
107 Valinhos 2.033,81 86 2001 Maracaju
108 Ressaca (2) 1.549,82 28 2001 Bela Vista
109 Recanto do Rio Miranda (3) 998,3921 80 2002 Jardim
110 Teijin 28.497,82 1.126 2002 Nova Andradina
111 São João 4.011,90 180 2004 Nova Alvorada do Sul
112 Bebedouro (4) 1.429,33 103 2004 Nova Alvorada do Sul
113 Santa Olga (4) 1.488,30 170 2004 Nova Andradina
114 Colorado (4) 1.349,13 76 2004 Iguatemi
115 Esperança 4.074,56 270 2004 Anaurilândia
116 Itamarati II (4) 24.619,91 1.692 2004 Ponta Porã
117 Novo Panambizinho (4) 1.681,82 52 2004 Juti
118 Pe. Adriano Van de Vem (4) 1.241,63 80 2004 Juti
119 Nery Ramos Volpatto (4) 2.348,46 160 2004 Bela Vista
120 Eldorado 9.968,22 620 2005 Sidrolândia
121 3 Corações - Morro Bonito 2.257,23 163 2005 Campo Grande
122 Mateira 4.110,03 151 2005 Chapadão do Sul
123 Ranildo da Silva (Mutum I) 2.842,15 176 2005 Nova Alvorada do Sul
124 São Gabriel 4.724,15 292 2005 Corum
125 Bela Manhã 1.862,36 80 2005 Taquarussú
126 Santa Mônica 7.960,25 715 2005 Terenos
127 Angélica 1.824,00 150 2005 Angélica
324
128 Altemir Tortelli (Estrela) 1.490,00 115 2005 Sidrolândia
129 Barra Nova 3.940,43 306 2005 Sidrolândia
130 Alambari 8.206,70 558 2005 Sidrolândia
131 Ava 7.001,33 419 2005
Ribas do Rio Pardo/Santa Rita
do Pardo
132 Lagoa Azul 1.507,07 123 2005 Rio Brilhante
133 Eldorado II 9.608,60 786 2005 Sidrolândia
134 Serra Alegre 1.751,26 130 2006 Bodoquena
135 Barreiro 3.570,71 280 2006 Anaurilândia
136 Água Viva 3.441,27 268 2006 Tacuru
137 Alecrim 1.530,06 126 2006 Selvíria
138 Tacuru da Fronteira 2.734,68 220 2006 Tacuru
139 Aimoré 441,0775 45 2006 Glória de Dourados
140 Santa Lucia 1.322,91 100 2007 Sidrolandia
141 Santo Antonio 9.527,02 813 2007 Itaquirai
142 Itaquir 3.029,59 258 2007 Itaquirai
143 Caburey 1.799,96 163 2007 Itaquirai
144 Foz do Rio Amambaí 2.394,61 216 2007 Itaquirai
145 Sucesso 968,9356 90 2007 Nova Alvorada do Sul
146 Santa Luzia 1.168,74 90 2007 Nova Alvorada do Sul
147 Volta Redonda CUT 1.573,25 120 2007 Nova Alvorada do Sul
148 Aba da Serra 1.072,50 75 2007 Ponta Porã
149 Areias 1.600,00 95 2007 Nioaque
150 Eldorado Parte 818,7501 68 2007 Sidrolandia
151 Estrela Campo Grande 672 42 2007 Jaraguari
152 Estrela Jaraguari 2.009,00 204 2007 Jaraguari
153 Piuva V 1.419,28 109 2007 Dois Irmãos do Buriti
154 Cabeceira do Rio Iguatemi 1.640,13 86 2007 Paranhos
155 Reassentamento Beira Rio 988,6629 45 2007 Paranhos
156 Volta Redonda FAF 393,3 30 2007 Nova Alvorada do Sul
157 Corguinho 3.633,60 220 2007 Corguinho
158 Jacob Carlos Franciozi 4.485,00 307 2007 Japorã
159 Canoas 5.149,00 330 2007 Selvíria
160 Indaiá I CUT 1.605,63 100 2007 Aquidauana
161 Indaiá II FAF 1.605,63 100 2007 Aquidauana
162 Indaiá IIIFETAGRI 1.605,63 100 2007 Aquidauana
163 Indaiá IVMST 1.605,63 100 2007 Aquidauana
164 São Joaquim 2.641,38 240 2008 Selviria
165 Reassentamento Piaba 764,582 14 2008 Três Lagoas
166 Reassentamento Aruanda 3.857,65 67 2008 Bataguassu
167 Reassentamento Pedra Bonita 3.344,13 85 2008 Brasilândia
168 Reassentamento Santa Ana 2.894,77 72 2008 Anaurilândia
Total 168 assentamentos 708.435,31 33.567
Fonte: INCRA - Dados atualizados em 11 de novembro de 2008
325
Anexo 2 - Estrutura existente no P.A Itamarati II
01 residência principal, de alvenaria, construída com tijolo à vista e estrutura de concreto
armado, com 02 pavimentos, com pintura em látex, cobertura com telhas de fibrocimento, piso
assoalhado de madeira de lei envernizada, forro em laje de gesso, parte inferior frontal com
paredes de vidro temperado, possui 06 suítes, sala de estar, lavabo, varanda. Em estado de
conservação bom a regular. Possui 06 suítes, sala de estar, lavabo, varanda. Em estado de
conservação bom e regular.
224 casas de alvenarias
63 casas de madeiras
06 guaritas de alvenarias
04 refeitórios
01 lavanderia
01 garagem
01 estacionamento
02 salas para equipamentos
02 torres metálicas
01 carril de alvenaria
01 caixa d’água
01 hangar, pista com asfalto
01 lavador de aviões
01 central de radio e farol
03 escritórios de alvenaria
01 restaurante
01 supermercado
01 hospital
02 escolas
03 oficinas de alvenaria
08 barracões de estrutura metálica
02 almoxarifados de alvenaria
02 galpões
01 posto de combustível
01 área de laser com ginásio
18 alojamentos
02 depósitos de madeira
03 silos, tipo trincheira
18 silos de alvenaria
05 currais de madeira
02 rodas d’água
06 reservatórios
02 depósitos de alvenaria
01 salão para abate
08 poços artesianos
08 casas de alvenaria (germinadas)
06 módulos de alvenaria para confinamento
02 templos ecumênicos de madeira
02 poços semi artesiano
02 pavilhões
01 avícola
01 suinocultura de madeira
02 barracões para ovelha de madeira
01 paiol de madeira
06 armazéns de alvenaria
01 graneleiro de alvenaria
02 balanças ferroviárias
10 secadores de alvenaria
04 unidades beneficiadoras
27 pivôs
26 tanques para diluição
26 casas de bamba
01 fabrica de alvenaria e adubo liquido
16 represas
08 passagens construídas
Fonte: INCRA/FCR, 2006, p. 109
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