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Tais utilizações de fluídos corporais como materiais plásticos que
aparentemente abandonam seu contexto de origem, nos remetem a questões de
convenções sociais, em que se espera, por exemplo, que urina e fezes sejam
compreendidas apenas como excreções do corpo, devendo provocar sensações de
asco.
Não podemos falar facilmente dessas coisas que não são nada por si
mesmas. Elas se manifestam, entretanto, freqüentemente com uma força
sensível, inexistente nas coisas inertes que só nos atingem por suas
qualidades objetivas. Como dizer que não é nada essa coisa fétida? Mas se
protestamos, é porque, humilhados, nos recusamos ver. Acreditamos que
uma dejeção nos enoja pelo mau cheiro. Será que federia se, antes, ela não
tivesse se tornado o objeto de nosso nojo? Parece que esquecemos
depressa o trabalho que é comunicar aos nossos filhos as aversões que
nos constituem, que fizeram de nós seres humanos. Eles podem não gostar
de um alimento que recusam. Mas devemos lhes ensinar por gestos e, se
preciso for, pela violência, a estranha aberração que é o nojo, que nos toca
a ponto mesmo de nos fazer perder o controle e cuja transmissão data dos
primeiros homens, continuando através de inumeráveis gerações de
crianças repreendidas. (BATAILLE, 1987, p. 55)
A citação acima nos leva a compreensão da construção de concepções e
relações que se estabelecem acerca das nossas funções naturais e vitais e de
como, por muito tais concepções internalizadas são repassadas por gerações sem
que nos demos conta de suas origens. Dentro desta perspectiva, compreende-se
com maior clareza as relações dos excrementos do corpo com a ojeriza provocada
sobre as pessoas.
Para o sexo, sua atividade, já cercada por inúmeros interditos, a associação
do prazer sexual por meio de relações com excrementos parece ser ainda mais
incompreensível, posto que se trate de temas que de antemão, já são analisados
sob olhares inquisidores. Deste modo, a obtenção do prazer por meio do contato
com excrementos além da mera incompreensão gerada, ainda parece atingir com
intensidade uma dupla condenação, como se representasse um dos maiores
exemplos de anormalidade.
Patrícia Morrisroe (1996) nos comenta na biografia de Mapplethorpe seu
fascínio pela prática, conhecida como “Chuva Dourada” e cientificamente
denominada Urofilia, que consiste no ato de urinar sobre o parceiro e também sua
predileção pela prática da Coprofilia – excitação pelo contato com as fezes do
parceiro. O que aparentemente foge aos costumes tradicionais da prática sexual,
para Mapplethorpe despontava (apesar da existência destas práticas há muito