Segundo Oscar Tacca, da relação entre o “como contar” e o “como saber” é que surge
o que na narrativa chamamos de perspectiva (TACCA, 1983, p. 67). Em relação ao narrador
em primeira pessoa em que narrador e personagem coincidem, o saber e o dizer são sempre
limitados, pois o mundo é visto através de um elemento que não chega a compreender de todo
o que narra, ou que compreende de outro modo a experiência que narra. No caso do menino-
narrador, essa relação é ainda mais problemática, pois além de trazer a perspectiva de um
menino, narra implicando-se na história. E, nas narrativas de Antonio Carlos Viana, esta
implicação não passa nem por uma distensão temporal, como é o caso das narrativas Menino
de engenho (1995), de José Lins do Rego, e Infância (1995), de Graciliano Ramos. Em ambas
as narrativas, narradas em primeira pessoa, temos uma distensão temporal entre o evento
narrado e sua enunciação. São narradores-personagens adultos que lançam seu olhar sobre o
universo infantil. Há uma distância temporal entre o eu-narrador e o eu-personagem. Vale
ainda ressaltar que, além de apresentarem fortes traços autobiográficos, as duas narrativas
foram produzidas e são lidas pelo viés do memorialismo, o que supõe que o narrador,
envelhecido, tranquilizado, retornado ao aprisco, debruçará sobre seu passado e porá em
ordem suas lembranças (BUTOR, 1974, p. 50).
Essa questão passa pela relação do narrador e o narrado, que, por sua vez, está ligada à
dupla temporalidade da narrativa
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. Neste caso, o narrador apresenta uma visão retrospectiva,
“pois ele se encontra no presente, enquanto o que narra já é passado” (REMEDIOS, 1986, p.
27). Não negamos o caráter pretérito do narrativa, mas o que veremos nas narrativas
qual se avalia ou de onde se considera alguma coisa”, “maneira articular de se avaliar algo”, atitude mental
baseada na razão, ou opinião, a respeito de alguma coisa”. Na ficção, o termo refere-se às atitudes e idéias do
autor e, mais estritamente ao narrador da história, “à mente através da qual é apresentado o material da
história. Por outro lado, foco, termo oriundo da Física, “é o ponto para onde convergem, ou de onde
divergem, os eixos de ondas sonoras ou luminosas, que se refletem ou refratam”. No caso da ficção, “além
de sugerir o ponto de partida da visão, indica a inevitável marca que deixa o narrador no material de sua
narrativa (CARVALHO, 1981, p.3).
Massaud Moisés , por sua vez, em seu Dicionário de termos literários, apresenta os termos “foco
narrativo”, “foco de narração”, “visão”, “ângulo visual”, “ponto de vista” como sinônimos. Todos dizem
respeito ao prisma adotado pelo narrador. Correspondem à indagação: “quem narra? e de que perspectiva?”
(MOISES, 1997, p. 407).
Raimundo Carrero (2009), diferente do que foi posto pelo dois autores anteriores, afirma que o ponto de
vista é “a visão que o romancista tem do mundo, a maneira como interpreta a condição humana, o modo de
refletir” (CARRERO, 2009, on-line). Neste caso, o noção de ponto de vista de Carrero se aproxima da noção
de “ótica”, de Maria Lúcia Dal Farra, a visão dominante da narrativa.
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Segundo Tzvetan Todorov (1976), o tempo é uma das propriedades características da informação que nos
fazem passam do discurso à ficção (TODOROV, 1976, p. 55). Ainda, segundo ele, duas temporalidades estão
implicadas na narrativa – a do universo representado e a do discurso que o representa (TODOROV, 1976, p.
56). Uma das questões levantadas por Todorov é a da ordem (Grifo nosso), segundo a qual a o tempo da
narração (do discurso) nunca poderá ser perfeitamente paralelo ao tempo narrado (da ficção). “Há
necessariamente intervenções no “antes” e no “depois”. Em resumo, as duas temporalidades são de naturezas
diferentes: o do discurso é unidimensional, a da ficção plural (TODOROV, 1976, p. 57).
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