34
extremamente submisso às ordens de seu novo mestre: “Como passa tua Honra? Deixa-me
lamber a sola de teus sapatos. Não hei de continuar no serviço dele” (III, ii, p. 70).
Embora Estéfano despreze Caliban com termos pejorativos, ele lhe dá ouvidos quando
o escravo resolve contar-lhe seu plano para livrar-se de Próspero e ser seu súdito e,
consequentemente, torná-lo dono da ilha e de Miranda. Diferentemente de Trínculo – que
zomba e não dá créditos à inteligência de Caliban – Estéfano presta atenção e ainda o defende
das implicâncias do outro: “Trínculo, não enfrentes outro perigo. Se interromperes mais uma
vez o monstro com uma única palavra, por esta mão, mandarei embora a minha misericórdia e
te farei virar bacalhau” (III, ii, p. 72). No folclore europeu, o wild man era considerado besta,
sem inteligência; apesar de chamado de monstro, para arquitetar um plano de morte, o servo
de Próspero deveria ter, no mínimo, capacidade de raciocínio.
Caliban, então, descreve o seu plano:
Ora, como eu te disse, ele tem o hábito de dormir toda tarde. Aí, te fora possível
asfixiá-lo, após o teres privado de seus livros. Ou, munido de um pau, lhe partirás
em dois o crânio, se não, o estriparás com qualquer vara, ou a garganta com faca
lhe seccionas. Mas, primeiro, é preciso que te lembres de lhe tomar os livros, pois,
sem eles, é um palerma como eu, já não dispondo de espírito nenhum sobre que
mande. Todos, como eu, lhe têm ódio entranhado. Basta queimar-lhe os livros.
Utensílios valiosos tem – assim lhes chama – para enfeitar sua futura casa. Mas o
que é sobretudo de estimar-se é a beleza da filha, que ele próprio considera sem par.
[...] Há de enfeitar-te o leito, posso jurar-te, e dar-te bela prole (III, ii, p. 73).
Neste relato, é perceptível o ódio entranhado de Caliban para com Próspero. A morte
parece ser-lhe a vingança mais adequada e a frieza das ações propostas é de espantar qualquer
leitor. Entretanto, Ariel, o espírito-espião, impede a realização de tal projeto, pois se tornara
invisível e escutara o plano, e resolve contar a seu amo sobre o destino cruel que o aguardava.
Percebemos que a relação de Ariel com Caliban é semelhante à de Próspero com
Caliban, já que Ariel executa maldades para com ele, e protege Próspero das intenções do
escravo. Entretanto, Ariel é um escravo assim como o outro, e somente serve a seu dono com
fidelidade e dedicação, pois em troca almeja a sua liberdade.
Quando Próspero toma conhecimento da trapaça arquitetada pelo escravo, logo planeja
um revide. Com a ajuda de Ariel, solta alguns espíritos em forma de cachorros, que
perseguem Caliban, Estéfano e Trínculo. Próspero, nesta cena, revela-se violento e deseja
mostrar com suas ações que quem manda naquela ilha é ele, e que não pretende deixar seu
posto de dono da ilha. “Vai, incumbe os meus duendes de torcer-lhes com secas convulsões
todas as juntas, de com cãibras os nervos repuxar-lhes, com beliscões deixar-lhe mais
manchados que os gatos selvagens e as panteras” (IV, i, p. 91). Neste momento, o pai de