subjetivar-se, marcando uma presença singular no coletivo. Ou, como diz Guattari,
a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social.
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Uma singularidade produzindo-se no coletivo: é dessa maneira que se pode girar
em um sentido e rodar para outro, reconhecendo um pertencimento ao grupo e, ao
mesmo tempo, nele instaurando uma diferença. Assim vemos a possibilidade de
construção da memória no tratamento de alcoolistas e toxicômanos. Iremos
através de alguns pontos que julgamos importantes na dinâmica desses sujeitos
discutir a importância terapêutica dessa construção.
Pensamos que alcoolistas e toxicômanos são sujeitos que encontram
dificuldade no processo de construção de sua subjetividade e de sua memória.
Entendemos o processo de construção de memória enquanto abertura e
ampliação de um espaço subjetivo, com suas formas de querer, sentir, agir e
pensar. É como se estes pacientes não suportassem o intervalo de
indeterminação que o diálogo com o outro, com o mundo, propicia. O diálogo
suscita indagações, dúvidas, permite incluir outros pontos de vista, outros desejos.
Viver essa cadência e os obstáculos que lhe são inerentes se configura como algo
assustador. A repetição do mesmo ato, beber ou se drogar, parece servir também
para assegurar uma ilusão: a de que a vida pode se repetir inexoravelmente.
Esses sujeitos tentam manter a ilusão de que o imponderável, a novidade, poderia
ser aprisionada em um único ato. Esta operação impossível - não há como
repetirmos integralmente nossa vida, mesmo que o passado se presentifique
ininterruptamente no presente fornecendo consistência ao futuro – parece
assegurada a cada gole, a cada carreira de cocaína. Todavia, a repetição do
mesmo não existe. Como nos adverte Bergson, o mundo gira e nós nos
encontramos sempre em um novo ponto:
“Sem dúvida, pensamos apenas com uma pequena parte de nosso passado; mas
é com o nosso passado inteiro, inclusive nossa curvatura de alma original, que
desejamos, queremos, agimos. Nosso passado, portanto, manifesta-se-nos
integralmente por seu impulso e na forma de tendência, ainda que apenas uma
diminuta parte se torne representação.
Dessa sobrevivência do passado resulta a impossibilidade de uma consciência
passar duas vezes pelo mesmo estado. Por mais que as circunstâncias sejam as
mesmas, não é mais sobre a mesma pessoa que agem, uma vez que a tomam em
um novo momento de sua história.
Nossa personalidade, que se edifica a cada
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GUATTARI, F, ROLNIK, S. Cartografias do desejo. RJ: Ed. Vozes, 1986, 2ª ed, P.31.
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