que estavam tentando ancapuçar o Bonilha, que, em luta com apenas um, conseguiu safar-se e
entrar numa casa próxima, mesmo mancando de uma perna que havia sido quebrada em Foz do
Iguaçu. Já no final da luta corporal, apareceu um policial uruguaio que por ali passava e viu o
escarcéu, reagindo com um tiro. Os raptores, desnorteados, despareceram e, na fuga, deixaram
os capuzes e outros objetos. O policial levou Burmann e os materiais para uma chefatura de
polícia. Bonilha saiu do esconderijo, foi a casa do delegado Chaves, lá exilado, saindo em
seguida à procura do advogado Adan Renê Fajardo, em casa de quem encontrou o
companheiro Plínio Petersen, também perseguido. Foram os dois para a delegacia fazer a
denúncia de brasileiros entrando no vizinho país para raptar. Bonilha estava certo de que o
Burmann havia sido seqüestrado, mas ao chegar na delegacia lá o encontrou.
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César Burmann, filho de Beno, vivia em Porto Alegre na ocasião da tentativa de
seqüestro, e lembra dos fatos com a ótica e o detalhe do envolvimento familiar. Ele
recorda da casa da família como uma base de suporte logístico para os interesses de
Jango e Brizola na fronteira, além da ponte que o pai exercia entre os que iam ou
vinham, incógnitos, aos países do Prata.
[...] era isso que o pai fazia. E a partir daí, isso era uma atividade que acaba sendo conhecida
pela repressão, e os caras tinham uma sede muito grande dele. Queriam o fígado dele. Quando
a ditadura começou a ficar mais pesada, eu vim morar em Porto Alegre em julho de 1969, e
vim morar aqui com um primo meu que já participava do movimento estudantil. E acabou
também naquele ano de 68 em que a coisa ficou mais pesada e terminou com o movimento
estudantil e alguns foram para o movimento armado. E esse meu primo foi para a VAR-
Palmares, junto com o Bona, Garcia, e com outros aí. E eu quando vim pra cá acabei morando
com essa gente. Até nós moramos e alugamos um apartamento, que era um aparelho que
chamavam, era só gente do movimento armado. Eu era o único que não participava, mas era
simpatizante da coisa. Eu estou te contando isso para fazer a ligação. Depois, fazendo um
tempo, esse meu primo foi preso. E eu fiquei uma noite só. Mas esse meu primo ficou lá,
torturado, no DOPS. E ali, o meu pai tava lá um dia e um cara ligou dizendo que queria falar
com ele e que tinha notícias desse meu primo. Então ele ficou de se encontrar com o cara, ali
perto da igreja, ali perto da chefatura de polícia, uma rua pra baixo ali, naquela rua da igreja,
mas mais pra baixo. E marcou um encontro ali à noite. Ali na igreja, só que mais pra baixo da
praça Artigas. Que ele estava preso a gente sabia, ele esteve um tempo na Ilha..Isso foi em
1970, no meu primeiro ano da faculdade. E o pai articulava toda a coisa, todo mundo que
entrava lá né, entrava através dele e saía através dele. Aí então o cara fez essa história,
conversou com ele rapidamente, ele disse depois que ficou desconfiado do cara, mas o cara se
despediu, e ele saiu para um lado caminhando, aí veio uma camionete, uma veraneio, isso já
era noite, era inverno, escuro, não tinha ninguém na rua, o cara parou com a camionete,
aproximou dele na beira da calçada, perguntando uma informação. Quando ele foi se
aproximar do carro para dar a informação, saltaram quatro pessoas da camionete e agarraram
ele. Quando foram agarrar, ele fugiu, e derrubaram ele, e deram uma gravata e começaram a
empurrar para botar ele dentro da camionete essa. Aí ele botou os pés na porta, flexionou,
empurrou os quatro. Nessa época ele tinha um bom preparo físico, ele era um cara de porte,
tinha um metro e oitenta e pico... Aí a primeira vez os caras tentaram, ele derrubou os caras.
Aí ele caiu e veio um guardinha, o guardinha foi interpelar os caras. "O que que está
acontecendo?" Um guardinha de Rivera. E os caras disseram, "não, é um amigo nosso que tá
borracho e nós estamos levando para casa". E o pai foi falar e eles não deixaram, gravatearam,
tentaram botar novamente, aí foi que ele empurrou novamente, caiu nos caras e o guarda viu
que não era, que aquele cara ali não tava borracho, um cara borracho não faria aquilo, não teria
aquela força. Aí soltaram ele, o guarda foi pra cima, entraram na camionete e o guarda quis
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SILVA, José Wilson da. O Tenente Vermelho. Op. Cit., p.198.
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