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estratégias variadas, sua territorialização rural, mesmo num contexto capitalista adverso. Isto
induz a pensar que existem componentes, para além das forças do mercado, que explicam a
permanência do agricultor familiar no meio rural, ainda que estejam esgotadas,
aparentemente, as possibilidades para sua reprodução social.
Os primeiros grandes debates em torno da viabilidade e/ou da preservação do
campesinato
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no contexto da modernidade vão acontecer na Europa, na época da Revolução
Russa, no primeiro quartel do século XX. Lênin será um dos primeiros a tecer considerações
importantes acerca da sobrevivência do camponês. A análise de Lênin em torno do
campesinato tem eminentemente cunho político. Ele esforçava-se para mostrar que os
camponeses não passavam de deserdados e famintos, que o crescimento de pequenas
propriedades era ilusório e que essas propriedades estariam prestes a serem engolidas pelo
empreendimento capitalista (ABRAMOVAY, 1998). Estabeleceu-se, portanto, uma convicção
na corrente marxista, baseada no viés econômico ou economicista: o campesinato passou a ser
considerado inviável dentro de uma conjuntura capitalista. O camponês ou ascenderia
socialmente à classe burguesa ou se proletarisaria (AMIM; VERGOPOULOS,1986).
Outros autores, fundamentados na realidade existente no mundo rural dos países da
Europa do início do século XX, notadamente da Rússia e da Alemanha, deram ênfase em suas
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No Brasil, de modo geral, tanto nos meios acadêmicos quanto nos círculos oficiais ou governamentais, a ideia
da existência de um campesinato foi negada por muito tempo (SABOURIN, 2009). Quando admitida, o
campesinato foi associado à ideia de tradicional, o que remete à pobreza, atraso, isolamento e, por conseguinte, à
subserviência do agricultor à ganância de latifundiários e à usura de comerciantes e/ou atravessadores locais. A
produção do camponês destinar-se-ia basicamente à subsistência, ocorrendo a comercialização de apenas parte
da produção, o excedente. Portanto, numa concepção modernista, o mundo do camponês sempre foi
estigmatizado como sendo o lugar da vida social e do ambiente cultural que representa o arcaico e que, numa
perspectiva teleológica neopositivista, deveria desaparecer para dar lugar ao “progresso”. Numa perspectiva
economicista, nos anos de 1960, autores da corrente neomarxista discutiam o conceito de camponês colocado em
contraposição ao de proletário rural. Para estes, a penetração do capitalismo no campo brasileiro estaria levando
à proletarização rural. Assim, a maioria dos trabalhadores rurais brasileiros seriam proletários rurais e não
camponeses (VELHO, 2009). Por outro lado, desde os anos de 1980 existe uma corrente político-ideológica,
atrelada aos movimentos sociais agrários, sobretudo, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
e ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que utiliza o termo campesinato como categoria política,
sem que seja apresentado por essas organizações um modelo científico de economia camponesa, como reconhece
Sabourin (2009). Por fim, há que se ressaltar o fato de que, nos últimos tempos, tem se fortalecido no meio
acadêmico o debate sobre o assunto, envolvendo, sobretudo, os campos da sociologia e da antropologia, para os
quais o camponês incorporaria um ethos que se relaciona com o mundo do trabalho, da vida social, da família e
com a terra (TEDESCO, 1999; WORTMANN, 1990). No entanto, deve-se admitir que ainda há controvérsias
entre os cientistas sociais contemporâneos sobre se seria o camponês um tipo ideal que se aplicaria à realidade
rural contemporânea brasileira e sobre uma suposta dicotomia camponês versus agricultor familiar moderno.
Para alguns teóricos, na agricultura familiar, diferentemente do campezinato, o agricultor se insere no contexto
do mercado e do capital, necessitando para tanto passar por um processo de profissionalização (ABRAMOVAY,
1998). Porém, alguns autores consideram que, no contexto da agricultora familiar contemporânea, existe uma
multiplicidade de tipos ou estilos, só identificáveis empiricamente (PLOEG,1994; SCHNEIDER, 1999). Sem a
pretensão de polemizar a esse respeito, nesta tese, trabalha-se com a ideia da existência de uma “condição
camponesa” na agricultura familiar que inexiste na agricultura empresarial. Essa condição se expressa,
sobretudo, no trabalho familiar, na dupla finalidade da produção (mercado e produção para autosubsistência),
nos vínculos comunitários e na reciprocidade. Denominou-se essa condição de “campesinidade”.