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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO:
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
RITA APARECIDA PEREIRA DE OLIVEIRA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
SEXUAL: UM ESTUDO COM PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE
ENSINO DE CUIABÁ-MT – 2005-2009
São Paulo
2009
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RITA APARECIDA PEREIRA DE OLIVEIRA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO
SEXUAL: UM ESTUDO COM PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE
ENSINO DE CUIABÁ-MT-2005-2009
Tese apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: Psicologia da Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Psicologia da Educação,
orientação da Professora Doutora Clarilza
Prado de Sousa.
São Paulo
2009
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Banca Examinadora:
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DEDICATÓRIA
A Deus, o autor da sabedoria.
Jaime de Oliveira, meu esposo companheiro,
Yara, minha menina-moça, obrigada por acreditarem que fosse possível.
Ao meu irmão, Paulim, porque continuo vislumbrando o melhor que a escola pública pode
oferecer.
Aos meus pais senhor Felicíssimo e dona Euzébia porque me ensinaram amar o saber.
AGRADECIMENTOS
No decorrer deste percurso, momentos significativos foram compartilhados
com colegas, amigos e familiares. Pessoas que souberam dividir tanto as horas difíceis,
quanto as agradáveis. A todos, sem exceção, muito obrigada, pois o apoio me fez persistir e
continuar a caminhada. Melhor não citar nomes para não correr o risco de esquecer alguém.
Este projeto vai além do acadêmico, é resultado de uma visão de fé.
Aos professores do Programa de Pós-graduação Educação: Psicologia da
Educação desta Universidade, e, em especial, quem caminhou mais próximo de mim. A
estimada Professora Doutora Maria Laura Puglisi Barbosa Franco, pelo carinho e empenho na
leitura inicial das primeiras linhas que tracejaram este Projeto.
À Professora Doutora Bernardete Angelina Gatti, pela preciosa colaboração na
tentativa de clarear conceitos e conhecimentos um tanto ainda nebulosos, incertos e
inconclusos no esforço de querer acertar.
E nada melhor do que ter uma grande companheira, amiga, solidária, que
caminha junto, abriga, acolhe e lança seus alunos como se fossem verdadeiras flechas em
direção ao alvo: Professora Doutora Eugênia Coelho Paredes.
A maneira cuidadosa e atenta da Professora Doutora Vera Maria Nigro de
Souza Placco, sempre será lembrada, muito obrigada.
À Professora Doutora Clarilza Prado de Sousa, minha orientadora, por
acreditar que existe um potencial nascente passível de produzir seivas para nutrir
conhecimentos, e por reconhecer meu crescimento na aprendizagem.
Agradeço a todas as pessoas que leram este trabalho antes que ele tomasse a
forma final. Em especial, à Professora Mestre Fabiula Bento Guth e ao revisor Antônio
Galvão de Paiva, por abraçarem esta causa comigo, no momento mais decisivo deste trabalho.
Agradeço aos diretores e colegas do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia - IFT-MT, por reconhecerem a importância que este título tem para a instituição, e
por acolher e redistribuírem as aulas enquanto estive licenciada para a capacitação.
Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela presteza em
conceder bolsa de estudos CAPES, sem a qual não seria possível continuar o percurso.
Nas pessoas dos professores Doutores Daniela Barros da Silva Freire Andrade,
Sumaya Persona de Carvalho, Ana Rafaela Pécora e Carlos Ralf de Musis, agradeço ao Grupo
de Pesquisa em Educação e Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso UFMT,
pelo compartilhar de conhecimentos.
RESUMO
Nesta pesquisa procuramos verificar quais são os saberes sobre Sexualidade que sustentam as
representações sociais de Educação Sexual no cotidiano de 56 professores de escolas públicas
de Cuiabá-MT, entrevistados no ano de 2006. A dimensão interdisciplinar da Teoria das
Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978; JODELET, 2001) possibilitou uma articulação
com os referenciais de Foucault (2007). Considerando o caráter complexo dos objetos,
selecionamos os materiais discursivos, inicialmente processados pelo software Alceste, e,
posteriormente, servimo-nos da Análise de Conteúdo somente para os dados de Sexualidade.
Os resultados delineados pelas três classes de palavras revelam que a produção dos saberes
de sexualidade acontece em função das dúvidas sexuais dos alunos e curiosidades sobre a
sexualidade dos professores. Estes, ao falar do outro falam de si e manifestam aspectos das
suas práticas e interações sociais nem sempre dialógicas, pois ficam entre pergunta e
resposta. Docentes se auto-avaliam desqualificados e ancoram suas intranqüilidades na
palavra constrangida ao opinarem sobre sua formação compartimentada. Sentimentos, valores
e opiniões circundaram a função simbólica da representação de sexualidade a partir dos
incidentes que medeiam as relações. Cinco classes orientam a análise lexical de Educação
Sexual. Saberes e Preceitos versam sobre ações esporádicas, que dividem o espaço com as
ações de Saúde Sexual. A transversalidade, objetivada em Ciências e Biologia, parece
associar sexualidade aos conhecimentos anátomo-fisiológicos corroborados por outros
resultados. Contrabalançadas por Português, estas disciplinas se mostram com afinidade para
discutir este tema. Docentes analisam que o ensino de sexualidade exige sistematização, mas
os projetos são inexistentes. As RS de Educação Sexual são ancoradas em valores como a
família, que prescreve limites; a mídia, representada pelo caráter negativo, mais incita que
ensina; contrapõe o mundo, a realidade nua e crua objetivada pelas doenças e a precocidade
dos adolescentes. A escola, menos freqüente, aparece com o ideal psicopedagógico de ensinar
valorização do corpo e da vida. No contexto da escola circula a proliferação e disseminação
dos assuntos de sexualidade, em função dos episódios motivadores de diálogo que acontecem
no seu interior. Entretanto, assim como o tema aparece pouco partilhado com os alunos, os
colegas de profissão também nem sempre são chamados para dividir ansiedades que
vivenciam, exceto quando extrapolam casos de gravidez das alunas. Nas ocorrências fortuitas
que envolvem os genitores, estes parecem quebrar as regras sociais do segredo sobre sexo,
que perpetua na escola, e na família. O discurso retorna sobre os educadores envolvidos, que,
às vezes, sentindo-se culpados, surpresos, recebem sobre si o fardo da responsabilidade como
fosse uma transgressão discutir o assunto. Deste modo, em uma tentativa de organizar
elementos que constituem as RS de Educação Sexual diríamos que eles são apreendidos a
partir de três âmbitos: sexualidade e conhecimentos, em que observamos a forma de interação
a partir da comunicação e práticas; sexualidade e formação, que vislumbram aspectos da
identidade profissional, e, sexualidade e meio sociocultural, em que os depoentes se apóiam
para modelar a construção do objeto Educação Sexual contornada pelos aspectos mentais,
sociocognitivos e afetivos.
Palavras-chave: Educação. Professores. Sexualidade. Educação Sexual. Teoria das
Representações Sociais.
ABSTRACT
In this research we try to verify which is the knowledge on Sexuality that sustains the social
representations of Sexual Education in the everyday life of 56 teachers from public schools in
Cuiabá - Mato Grosso, interviewed in year 2006. The interdisciplinary dimension of the
Theory of Social Representations (MOSCOVICI, 1978; JODELET, 2001) has enabled us to
make an articulation with references of Foucault (2007). Considering the complex nature of
the objects, we have sorted out the discursive materials, initially processed by the Alceste
software, and have subsequently used the Content Analysis for Sexuality data only. The
results outlined by the three classes of words reveal that the production of knowledge on
sexuality happens in view of the sexual doubts of students and curiosities on the sexuality of
teachers. These, when talking about the other talk about themselves and manifest aspects of
their social practices and interactions not always dialogical because they remain between
question and answer. Teachers self-assess themselves as unqualified, and anchor their
restlessness on the word embarrassed when expressing their opinion on the compartmented
education. Feelings, values and opinions have surrounded the symbolic role of the
representation of sexuality starting from incidents that mediate the relations. There are five
classes that guide the lexical analysis of Sexual Education. Knowledge and Precepts deal with
sporadic actions that share space with Sexual Health actions.
The transversality objectified in
Science and Biology seems to associate sexuality with anatomical and physiological aspects
corroborated by other results.
These subjects, counterbalanced by the Portuguese Language
discipline, show affinity to discuss this theme. Teachers analyze that the teaching of sexuality
requires systematization, but no projects exist. Social representations of Sexual Education are
anchored on values such as the family, which sets limits; the media, represented by the
negative nature, which stirs up more than teaches; the naked truth confronts the world
objectified in diseases and precocity of adolescents. The school, less frequently, emerges with
the psychopedagogical ideal of teaching to value body and life. Sexuality topics proliferate
and are spread within the school context, in view of dialogue-encouraging episodes that
happen inside it. However, just as the theme is not much shared with students, the co-workers
are also not always called to share the anxieties they experience, save when these extrapolate
cases of student pregnancy. In fortuitous events that involve parents, these seem to break the
social rules of the secret on sex, which is perpetuated in the school and the family. The speech
returns on the educators involved, who sometimes, feeling guilty and surprised, receive the
burden of the responsibility, as if it were a transgression to discuss the subject. Therefore, in
an attempt to organize elements that form the SR of Sexual Education, we would say that they
are seized from three scopes: sexuality and knowledge, where we observe the form of
interaction starting from communication and practices; sexuality and education, which catch a
glimpse of the professional identity aspects, and sexuality and socio-cultural environment,
where deponents support each other to mold the building of the Sexual Education object
circled by mental, socio-cognitive and affective aspects.
Keywords: Education. Teachers. Sexuality. Sexual Education. Theory of the Social
Representations.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Localização da pesquisa .....................................................................................76
Ilustração 2 - Mapa da localização das escolas pesquisadas no perímetro de Cuiabá-MT ......83
Ilustração 3 - Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente do material das
entrevistas sobre a questão 1 - ingresso na profissão .............................................................101
Ilustração 4 - Percentuais estatísticos de aproveitamento do material Sexualidade analisado
pelo software ALCESTE........................................................................................................126
Ilustração 5 - Índice estatístico de partições das classes por níveis de UCE, do corpus
Sexualidade.............................................................................................................................126
Ilustração 6 - Dendrograma das classes formado pelo material textual de Sexualidade........126
Ilustração 7 - Disposição das divisões e ligamentos das classes do material sobre Sexualidade
................................................................................................................................................127
Ilustração 8 - Dendrograma da Classe 1.................................................................................130
Ilustração 9 - Dendrograma da Classe 2.................................................................................143
Ilustração 10 - Dendrograma da Classe 3...............................................................................154
Ilustração 11 - Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente oferecido pelo
software a partir da análise do corpus Educação Sexual........................................................218
Ilustração 12 - Disposição das divisões e ligamentos entre as Classes e respectivas
nomeações. .............................................................................................................................218
Ilustração 13 - Dendrograma de relações entre as classes da análise Educação Sexual ........220
Ilustração 14 - Dendrograma da Classe 1...............................................................................221
Ilustração 15 - Dendrograma da Classe 4...............................................................................233
Ilustração 16 – Dendrograma da Classe 3 ..............................................................................247
Ilustração 17 - Dendrograma da Classe 2...............................................................................268
Ilustração 18 - Dendrograma da Classe 5...............................................................................284
QUADROS
Quadro 1 - Comparativo das análises ALCESTE e de Conteúdo do material Sexualidade...215
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição do total de docentes entrevistados por nível de ensino, dependência
administrativa em relação ao grupo de gênero .........................................................................81
Tabela 2 - Distribuição numérica e percentual dos entrevistados, segundo ao grupo etário....91
Tabela 3 - Cruzamento da variável idade em relação à distribuição de gêneros do total
pesquisado ................................................................................................................................92
Tabela 4 - Distribuição quanto à naturalidade dos entrevistados .............................................92
Tabela 5 - Distribuição das crenças religiosas que os entrevistados professam.......................94
Tabela 6 - Distribuição em percentuais dos professores em relação ao estado civil................94
Tabela 7 - Distribuição numérica e percentual da faixa etária dos professores em relação ao
estado civil................................................................................................................................96
Tabela 8 - Tempo, em anos de trabalho na área de atuação .....................................................96
Tabela 9 - Distribuição da proporção de entrevistados segundo a habilitação.........................97
Tabela 10 - Áreas de formação em pós-graduação lato sensu .................................................98
Tabela 11 - Distribuição das disciplinas em que os professores lecionam...............................99
Tabela 12 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .102
Tabela 13 - Classe 4 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .107
Tabela 14 - Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .113
Tabela 15 - Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .118
Tabela 16 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe ........128
Tabela 17 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .132
Tabela 18 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 2 .....141
Tabela 19 - Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .145
Tabela 20 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 3 .....153
Tabela 21 - Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .156
Tabela 22 - Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias em relação
às fontes de informações.........................................................................................................167
Tabela 23 - Distribuição de fontes de informações em relação à freqüência das aparições...168
Tabela 24 - Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias das fontes
em que os sujeitos se informam..............................................................................................170
Tabela 25 - Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias, segundo a
interação e compartilhamento da temática .............................................................................175
Tabela 26 - Conjunto de professores que negam ter sido informado sobre Sexualidade e
Educação Sexual.....................................................................................................................178
Tabela 27 - Distribuição de atributos por categorias referentes aos incentivos e ou
comprometimentos com a promoção Educação Sexual, por parte da escola ou Secretarias de
Educação.................................................................................................................................186
Tabela 28 - Possíveis fatores restritivos que comprometem o trabalho de Educação Sexual no
conjunto das escolas públicas pesquisadas.............................................................................188
Tabela 29 - Distribuição de atributos por categorias segundo opiniões dos entrevistados sobre
recursos didático-pedagógicos para a Educação Sexual.........................................................190
Tabela 30 - Distribuição dos respondentes quanto às afirmações referentes ao compartilhar
sexualidade com colegas da profissão....................................................................................194
Tabela 31 - Distribuição de categorias por atributos relacionados aos conflitos, frente às aulas
de Sexualidade........................................................................................................................199
Tabela 32 - Distribuição dos atributos quanto aos temas compartilhados entre os professores
................................................................................................................................................205
Tabela 33 - Distribuição de motivos declarados pelos professores que se configuram nos
impedimentos à discussão do assunto Sexualidade................................................................211
Tabela 34 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 1 .....221
Tabela 35 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .224
Tabela 36 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 4 .....232
Tabela 37 - Classe 4 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .235
Tabela 38 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 3 .....246
Tabela 39 - Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .250
Tabela 40 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 2 .....267
Tabela 41 - Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .270
Tabela 42 - Índices dos docentes mais atuantes na formação da Classe 5 .............................283
Tabela 43 - Classe 5 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências .286
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................12
1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ......................................................................................20
1.1. História da Sexualidade: pano de fundo para o estudo das representações sociais
sobre Sexualidade e Educação Sexual..................................................................................20
1.2. Educação sexual: a mediação pelo poder e saber............................................................33
1.3. Teoria das Representações Sociais...........................................................................48
1.3.1. Relações entre representações sociais e comunicação .....................................48
1.3.2 Representações sociais e Educação ......................................................................66
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .........................................71
2.1 Tipo de pesquisa.......................................................................................................71
2.2 Etapas da Pesquisa....................................................................................................73
2.3 O universo ................................................................................................................75
2.3.1 O cenário da pesquisa.......................................................................................75
2.4 Definição do conjunto de professores ......................................................................80
2.5 A entrada em campo.................................................................................................81
2.6 A coleta.....................................................................................................................82
2.6.1 Procedimentos e instrumento de coleta de dados .............................................83
2.6.2 Instrumentos de análises dos dados..................................................................84
2.6.2.1 Análise de conteúdos........................................................................................86
2.7 Caracterização dos sujeitos da pesquisa ...................................................................88
2.7.1 O perfil sociodemográfico dos sujeitos da pesquisa.........................................91
2.7.2 Caracterização do perfil profissional..............................................................100
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SEXUALIDADE - ALCESTE ..................................125
3.1 Classe 1 - Falar do outro é também falar de si. Falar ou não falar de sexo, eis a
questão................................................................................................................................132
3.2 Classe 2 - Introdução ao contexto semântico das palavras.....................................140
3.2.1 Classe 2 – Formação profissional e ações pedagógicas de sexualidade.........145
3.3 Classe 3 - Introdução ao contexto semântico .....................................................152
3.3.1 Classe 3 - Fortuitos e implicações nas RS da Educação Sexual.....................156
3.4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE CONTEÚDO - SEXUALIDADE .......................165
3.4.1 Comunicação e Sexualidade: uma educação contraditória em um contexto
antagônico.......................................................................................................................165
3.4.2 Fontes de informação na construção de representações sociais de Sexualidade e
Educação Sexual.............................................................................................................167
3.4.3 Sexualidade, Educação Sexual e a formação profissional dos docentes ........174
3.4.4 Dialogicidade no universo da escola: a socialização dos saberes de sexualidade
na produção de representações sociais ...........................................................................193
3.4.5 Quadro comparativo das análises dos dados ......................................................215
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL - ALCESTE......................216
4.1 Classe 1 – A realidade da Educação Sexual na escola ...........................................223
4.2 Classe 4 – Introdução ao contexto semântico das palavras....................................232
4.2.1 Classe – Educação Sexual na Escola: transversalidade ou possibilidade?.....234
4.3 Classe 3 – Introdução ao contexto lexical das palavras .........................................245
4.3.1 Classe 3 – Fatores que fundamentam a Educação Sexual..............................249
4.4 Classe 2 – Introdução ao contexto semântico das palavras....................................267
4.4.1 Classe 2 – Percepções sobre Educação Sexual a partir das histórias de vida.270
4.5 Classe 5 – Introdução ao contexto semântico das palavras....................................282
4.5.1 Classe 5 – Episódios motivadores do diálogo no cotidiano escolar...............285
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................299
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................309
APÊNDICES ..........................................................................................................................324
APÊNDICE A - ENTREVISTAS ..........................................................................................324
APÊNDICE B - FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ........................325
APÊNDICE C - Distribuição de discursos segundo justificativas que impedem as discussões
do assunto sexualidade nas aulas............................................................................................326
APÊNDICE D - Alegações dos docentes em relação aos pais, quando se discute Sexualidade
na escola .................................................................................................................................328
ANEXOS................................................................................................................................330
ANEXO A ..............................................................................................................................330
ANEXO B ..............................................................................................................................332
ANEXO C ..............................................................................................................................334
12
INTRODUÇÃO
A inserção do ensino sobre sexualidade em escolas teve início nos princípios
do século XX. Na França, desde o início da implantação, o ensino observava os critérios de
diferenças culturais e sociais da população, dada a ênfase proveniente das idéias liberais
dominantes no país naquela época. Essa proposta destoava em relação ao conservadorismo
mais rígido dos demais países europeus ocidentais (WEREBE, 1977). Por outro lado, em
outros países, como o Canadá, a educação sexual ocorreu devido a fortes influências das
correntes higienistas, que defendiam a participação ativa das famílias como guardiãs de proles
sãs e ‘raças puras’ (BRITZMAN, 2000).
No Brasil, as maiores influências sobre a implantação do ensino sobre
sexualidade foram também as das correntes higienistas, cuja ênfase motivou discussões sobre
o assunto na realidade de algumas escolas no primeiro decênio do referido século, com idéias
provenientes da medicina social segundo Costa, (1999). Essas idéias incorporam técnicas
higiênicas no combate à masturbação, sob o princípio de que esta prática auto-erótica coloca
em risco a sanidade mental do indivíduo e a da família futura. Posteriormente, o combate às
doenças como a sífilis passou a fazer parte do interesse e da luta pela inserção do tema
Sexualidade nas escolas. Desta forma, as preocupações sobre a implantação da Educação
Sexual não vieram somente da parte de pessoas envolvidas com a educação, os médicos
também a defendiam. Esta estratégia é analisada, nas palavras de Barroso e Bruschini, (1982,
p. 32) “[...] como forma de evitar a perversão moral, as psicoses sexuais e a degeneração
física, bem como assegurar a saudável reprodução da espécie”.
Sujeito a influências próprias, no Brasil, as literaturas revisadas revelam que as
primeiras iniciativas do ensino sobre sexualidade sempre foram acompanhadas de polêmicas e
controvérsias, envolvendo até situações como processos jurídicos, julgamentos de professores
e demissões. Por outro lado essas situações de lutas levaram ao surgimento de alguns
segmentos inovadores, como os grupos feministas que reivindicavam a educação sexual e
proteção à infância e à maternidade.
No âmbito das publicações, até os anos 50 do Século XX, época em que a
igreja católica, como instituição oficial do Brasil, ditava com maior força suas normas
13
religiosas, havia certa repressão ao tema; são desconhecidas produções bibliográficas ligadas
à educação sexual naquele período. O tema ressurge apenas na cada de 1960, sobretudo na
cidade de São Paulo, em função das tentativas iniciais de inclusão da educação sexual nos
estabelecimentos escolares brasileiros, embora também tenha deixado apenas sementes
férteis, que fomentaram os movimentos nos anos setenta do século passado. No Brasil, então,
na década de 50, pelo conservadorismo cultural e nos anos 60 e 70 pela repressão política, o
rigor da censura e o puritanismo cerceavam as obras literárias, teatrais, filmes e programas de
televisão. As manifestações de novas idéias eram observadas e cerceadas pelas repressões dos
poderes.
Os educadores que persistiam passaram a temer represálias, receosos, uma vez
que não existia liberdade política, nem de expressão no país (BARROSO; BRUSCHINI,
1982). Entretanto, essas décadas de 1960 e 1970, marcadas pelo contexto social e político
mais rígido, são consideradas como o período balizador da inserção dessa prática nas escolas
em quase todo o mundo, e também do Brasil (WEREBE, 1998); (MATANÓ, 1990);
(FIGUEIRÓ, 1995). As atividades de Educação Sexual que estavam despontando foram
interrompidas nos anos 60, sendo desenvolvidos naquela época apenas alguns trabalhos
isolados. Não havia nenhuma lei ou proibição formal contra a proposta. A interdição era
difusa e o assunto passou a ser tabu, pois não se falava sobre ele. Apesar do clima de tensão
política devido à ditadura militar, é na capital paulista, na rede pública de ensino, que surgem
alguns segmentos inovadores, entre eles os grupos feministas, que reivindicam a educação
sexual associada à proteção à infância e à maternidade. Louro (1997), analisa que a
participação dessas mulheres prende-se à forma de concepção do tema, por reconhecerem esta
prática pedagógica como um campo privilegiado para a construção de sentidos e significados
das discussões sobre questões de gênero. “[...] elas/eles procuram também introduzir nas
propostas de educação sexual a dimensão do prazer, geralmente ignorada nas concepções
mais tradicionais”. (LOURO, 1997, p. 131).
Dentre os trabalhos desenvolvidos e considerados de maior repercussão na
época, que fizeram parte do currículo escolar, encontram-se as atividades do Colégio de
Aplicação da Universidade de São Paulo (USP), experiências criadas dentro do Serviço de
Orientação Educacional, que duraram desde 1963 até o final dos anos 70 (WEREBE, 1977).
Esta autora é reconhecida como referência no âmbito das experiências desenvolvidas nos
moldes da transversalidade. A este respeito Figueiró (2006, p.71) analisa que, “[...]
infelizmente, não temos atitude profissional de buscar conhecer e valorizar nossas próprias
experiências. Denota um descaso para com a história da educação sexual”.
14
Se na década de sessenta encontramos uma realidade favorável às tentativas de
inclusão desta temática em algumas escolas, a coerção político-social do final dessa época
veio dificultar sua continuidade, quando decretado o fim dos trabalhos começados nas
escolas. No ano de 1968, um projeto de lei propondo a inserção da educação sexual nas
escolas primárias e secundárias do país, apesar de receber apoios por parte de deputados, foi
vetado pela Comissão Nacional de Moral e Civismo. Posteriormente, em 1971, a Lei
5.692/71, que reformou o ensino de 1º e 2º graus, admite a educação sexual como um
processo de atendimento individual e pessoal, que deveria ser feito pelo Serviço de
Orientação Educacional e por professores de ciências (WEREBE, 1977).
A implantação da Educação Sexual neste trabalho é analisada, então, em
função do cenário social, pois as ações são entremeadas por idas e vindas, fluxos e refluxos,
tendo sempre a intervenção de algum aparato de Estado. Foucault (2007) analisa esta questão
no contexto das decisões do poder, porque a sexualidade é objeto de investimento
governamental. Matanó (1990), ao ponderar a atitude de gestores públicos por parte da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), afirma que nos extratos dos
depoimentos dos conselheiros se verifica um excessivo moralismo e argumentos
conservadores como justificativas da suspensão dos trabalhos em algumas escolas públicas da
capital de São Paulo, no período entre 1978 a 1982. Conforme Foucault (1992), as verdades
de uma sociedade podem ser produzidas e transmitidas sob o controle, não exclusivo, mas
dominante, de alguns artifícios sociais e econômicos como universidade, exército, leis, meios
de comunicação e outros.
Trazemos à memória, de forma resumida, esta conjuntura na perspectiva em
que delineamos o contexto da Educação Sexual, pois parece difícil distingui-lo em um sistema
cronológico uniforme, que os fatos sociais estão imbricados na inauguração das ações nos
estabelecimentos de ensino. Neste sentido, ao propor a apreciação dos resultados desta
pesquisa apoiando-nos em referenciais da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI,
1978; 2003), consideramos que este arcabouço permite compreender o modo como os saberes
dos sujeitos se constituem e a maneira como concebem os objetos e reproduzem a realidade
social em que vivem.
As representações sociais, enquanto formas de conhecimento socialmente
elaborado, são consideradas como instrumento útil para a construção de uma totalidade e a
condução das práticas dos sujeitos perante a sociedade (JODELET, 2001). No início da
década de 80, quando se encerra o ciclo de um sistema autoritário de cerceamento da mídia e
das produções intelectuais, inicia-se uma outra fase na história brasileira - a Nova República.
15
Este moderno regime reassume o momento social propício para outros dispositivos ocuparem
os espaços, em função da maior participação da sociedade civil nos movimentos sociais. O
foco de atividades das organizações sociais atuantes em 1980 passa a ser reconhecido, tanto
no Brasil quanto em outros países, tornando favorável o investimento em pesquisas
relacionadas a sexualidade, devido à epidemia da AIDS. Forte motivo para que diferentes
instituições pensassem em programas de educação sexual também nos Estados Unidos,
França, China e outros (WEREBE, 1998).
No Brasil, a redemocratização fomenta a participação das Organizações não
Governamentais (ONGs) que se multiplicam, estando mais presentes na década de 1990.
Esses arranjos institucionais mobilizam debates e encaminham trabalhos no âmbito dos
estudos de sexualidade, e a favor da defesa dos direitos sexuais de jovens e adolescentes. Em
meados dessa década acontece a Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento, no Cairo, pelos direitos humanos e reprodutivos das mulheres (NAÇÕES
UNIDAS, 1994). Este contexto se tornou propício para que o Ministério de Educação e
Cultura (MEC) voltasse as atenções para as instituições de ensino e incluísse a sexualidade de
modo interdisciplinar nos currículos em âmbito nacional, oficializando assim o tema
Educação Sexual no currículo das escolas no Brasil. Além de propiciar a divulgação de
informações aos jovens escolares, que visam práticas preventivas, o documento justifica seu
embasamento pela preocupação quanto a incidência da gravidez entre as estudantes. São estas
algumas das condições que mobilizam as ações educativas no interior dos estabelecimentos de
ensino, atualmente.
Como analisa Foucault (2007), na compreensão da História da Sexualidade
precisamos levar em conta os conflitos, que às vezes operam como objeto de debate político e
de confronto social e que enviesam as lutas ideológicas. Tratando-se da Sexualidade,
entendemos que ela contempla a atenção de investimento social dos gestores, tendo como
finalidade a valorização da vida. Deste modo, o social intervém de várias maneiras para
explicar as formas como as pessoas apreendem o funcionamento da sociedade. Conforme
pode ser visto, observamos em alguns resultados analisados nesta pesquisa que as posições
dos sujeitos e suas vivências relacionam-se com os códigos, valores, ideologias e interferem
na elaboração de representações sociais que guiam comportamentos. Reportamos assim à
influência dos saberes do lugar de pertencimento das pessoas.
Jovchelovitch (2008), estudando os saberes na vida cotidiana, analisa que todo
saber não é apenas cognitivo, é expressivo e envolve os aspectos subjetivos, intersubjetivos e
objetivos. Logo, com esta percepção o conhecimento é ligado às pessoas e aos contextos
16
públicos em que o saber é produzido. Ao mesmo tempo procura corresponder uma relação de
ação das pessoas entre si, e o ambiente em que interagem. Desta forma os interlocutores
constroem conhecimentos tanto sobre si mesmo, quanto sobre o mundo social em que vivem.
O somatório desses referenciais de interações sociais despertou o interesse
desta pesquisadora para compreender o modo como os professores
1
pensam sobre a educação
sexual em instituições escolares da capital mato-grossense. No estudo de Oliveira (1994), que
entrevistou estudantes adolescentes, a autora considera que a escola, tão presente no dia-a-dia
de jovens, parece se manter silenciosa e ausente a respeito da corporeidade e sexualidade de
seus alunos. A investigação que envolveu escolas de Cuiabá e de Várzea Grande, realizada
por Carvalho (1997), oportuniza identificar como os professores lidam com as diferentes
expressões da sexualidade de seus alunos no âmbito escolar. Ambos os estudos, analisados
pelo viés antropológico e de micro-análises, respectivamente, podem ser considerados
pioneiros no âmbito de pesquisas sobre sexualidade na área da educação. Dentre outros
resultados, emergiram perguntas que revelam dificuldades pessoais ou profissionais do
professor e indagações sobre fatos sexuais que ocorrem na escola. Evidenciam categorias
analisadas a partir de um grupo de educadores favoráveis à discussão do assunto e outro
daqueles que não concordam debater sobre o tema.
Os resultados das análises parecem corroborar com os dados da pesquisa de
Oliveira (2004), a partir das declarações de aproximadamente oito centenas e meia de pré-
adolescentes e jovens, dentre os inquiridos e entrevistados que, ao relatarem sobre o que
pensam de sexualidade, referem-se à aspectos pedagógicos no trato da questão em sala de
aula. Identificamos que as discussões sobre sexualidade no contexto da escola ainda são
dissimuladas e acobertadas, apesar de o assunto ser considerado como um dos temas
transversais.
Neste trabalho vimos que, além dos intervenientes sociais destacados, que
reprimiram a implantação da Educação Sexual, existem outros aspectos que envolvem a
especificidade do tema em relação aos docentes. Estamos diante de resultados de uma
pesquisa na qual os jovens destacam suas dificuldades em conversar o tema com a família,
bem como enfatizam mal-estar dos seus professores frente ao assunto sexualidade em sala de
aula (OLIVEIRA, 2004). Estas observações salientam o conteúdo da pergunta norteadora
desta pesquisa Quais são os elementos dos saberes de sexualidade que atuam nas
representações sociais de Educação Sexual no cotidiano de professores?
1
A forma pronominal, professor/es, serve para dar mais fluidez ao texto, referindo ao conjunto mais amplo dos
educadores, mas é importante salientar que este estudo não se caracteriza em função de gêneros.
17
Algumas inquietações nos predispõem a ouvir um conjunto de educadores,
como tentativa de apreender informações, práticas e atitudes configuradas pela cultura e
valores no tocante ao que pensam sobre a Educação sexual no contexto da escola. Este foi o
rumo que esta pesquisa tomou, inicialmente. Na trajetória profissional desta pesquisadora, em
caminhada vivenciada como educadora de jovens da educação básica, durante duas décadas e
meia na área, também compartilhava atemorizações sobre o tema. O mestrado tornou-se
desafiador pela busca em aprofundar, conhecer e sistematizar algumas idéias sobre as
concepções que referendam esta prática a partir das representações sociais enquanto guias de
condutas.
Iniciamos a pesquisa com esta temática, tendo como foco identificar e analisar
conteúdos das representações sociais de Educação Sexual no cotidiano de um conjunto de
professores. As primeiras análises provenientes dos dados de um estudo, 2005-2007,
esclarecem que, no contexto da educação, esta temática mantém uma inter-relação com o
tema sexualidade. Esta conexão sustenta evidências de que o estudo das representações
sociais de professores sobre Educação Sexual engloba os elementos dos conhecimentos sobre
vivências e práticas. Desta forma optamos pela seleção e distinção dos temas, pois trata-se de
dois objetos de pesquisa que se encontram articulados. Assim, este resultado implica em uma
revisão nos objetivos anteriormente propostos. Pretende-se identificar e analisar os conteúdos
constitutivos das representações sociais sobre Educação Sexual para um grupo de professores
de escolas públicas municipais e estaduais de Cuiabá, a partir da compreensão dos saberes de
sexualidade que comportam as ações do cotidiano desses sujeitos.
Encaminhados os aspectos das dimensões conceituais que norteiam as análises
desta pesquisa, bem como sua relevância, justificativa, objetivo e problematizações,
apresentamos a forma de organização e disposição do estudo, que se encontra estruturado em
quatro capítulos.
Inicialmente, apresentamos os construtos teóricos que embasam este estudo por
meio da TRS, tendo em vista a tendência crescente para identificar as representações sociais
existentes no universo de escolas brasileiras. A abordagem contextualizada por Menin e
Shimizu (2005) identifica os objetos de representação nesse contexto, do total de 167
trabalhos selecionados para publicação, pouco mais de 40% versam sobre Representações
Sociais e Educação. Além desta relevância, apresentamos os conceitos e processos teóricos
pelo viés da transversalidade, que permite à TRS alinhavar-se com outras ambiências
conceituais. Nesta perspectiva, os referenciais de Foucault (2007) nos dão suporte ao
compreender a Sexualidade pelo prisma do poder das instituições que investem formas
18
disciplinares para dirigir o corpo, a vida. São iniciativas envolvidas por um sistema de micro-
poderes que, às vezes, servem ao efeito indesejado: o incitamento por meio da produção de
conhecimento em torno do objeto criado, a saber, o sexo, e das técnicas de vigilância de
diferentes instituições, dentre elas, o lócus de pertença dos professores.
O Capítulo 2 delineia as etapas, métodos e técnicas da pesquisa. Destaca a
entrevista enquanto instrumento de coletas e o processamento de análise pelo uso de software,
aproximada com a Análise de Conteúdo adaptada em Franco (2003). Posteriormente,
apresentamos os depoentes que contribuíram com este estudo; a partir da primeira parte da
questão quanto a quem sabe, destacamos aspectos que chamamos de sociodemográficos e
profissionais nos quais identificamos os depoentes que contribuem com este estudo. O
conhecimento dessa dimensão nos permite conceber os depoentes deste estudo como um ser
histórico e social, porque estamos tratando de um grupo de educadores definido a partir de um
contexto social em termos de participação, de inserção dentro das relações sociais, e de poder.
A partir da inscrição no meio social educacional, esses sujeitos o construindo sua
intersubjetividade pela relação do diálogo consigo e com os outros e definindo sua identidade
profissional e visão de mundo. Aspectos deveras importantes em um estudo dessa natureza,
pelo viés psicossociológico das representações sociais.
Apresentamos na terceira parte o conjunto de análises do objeto Sexualidade
que se encontram arranjadas em duas formas distintas: a lexical e a análise de conteúdo.
Produção de saberes de Sexualidade e Incidentes que intermedeiam as relações no cotidiano
da sala de aula denominam os blocos que compõem as três classes de palavras. Indicadores
revelam que os saberes do cotidiano do grupo pesquisado são definidos a partir da visão que
os sujeitos têm das manifestações de sexualidade dos alunos. Ao contarem sobre os
questionamentos, acabam falando de si. Pela afinidade com a comunicação, notamos que as
representações sociais são construídas não apenas em função do que os depoentes pensam,
mas em função do que escutam e observam dos alunos na escola, tanto em sala de aula,
quanto sobre os assuntos das relações e interações de sua juventude. Esta aparece mais
contextualizada em torno da formação profissional, conforme categorias capturadas pela
análise de conteúdo.
O Capítulo quatro contém a descrição e a análise lexical sobre a Educação
Sexual. O plano de análise apresenta-se na forma de cinco classes cujos saberes versam acerca
da realidade do ensino de sexualidade na escola. Esta comparece como parte das
preocupações dos educadores, entretanto, as ações são esporádicas e dividem o espaço com as
atividades desenvolvidas pelos profissionais da área de Saúde. Pela compreensão foucaultiana
19
pode ser uma estratégia para o investimento de técnicas discursivas ocuparem o espaço para
propalar sexualidade saudável. Alguns desses elementos presentificam nas representações
sociais pelo aspecto informativo.
Nas considerações finais vislumbramos as análises referenciadas pelos
construtos teóricos de Foucault (2007) articulados com a TRS como uma tentativa possível.
Enquanto Foucault analisa os discursos pela relação com o poder, esta teoria apreende os
saberes que circulam no cotidiano. Os profissionais, como analistas, apreendem as
informações que são veiculadas no meio social e elaboram suas representações sociais de
Educação Sexual a partir das suas visões de mundo, ancoradas nos saberes de sexualidade que
revelam as práticas de ensino e histórias de vida. A interconexão dos objetos ocorre porque se
as pessoas partilham de um conhecimento comum sobre alguma coisa durante suas vidas,
tornam mais difícil raciocinar sobre eles sem que estejam implicadas no processo. Em suma,
o estudo mostra conteúdo fértil e nos evidencia um caminho a percorrer.
20
1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
1.1. História da Sexualidade: pano de fundo para o estudo das representações sociais
sobre Sexualidade e Educação Sexual
Neste Capítulo pretendemos realizar uma aproximação da Teoria das
Representações Sociais (TRS) articulada com outros campos teóricos, visando enriquecer as
análises dos objetos em estudo Sexualidade e Educação Sexual. Compreendemos a
dimensão interdisciplinar desta teoria pelo fato de o conceito de representação ter se alojado
na interface do campo psicológico com o social, torna-se desta forma uma noção que interessa
a todas as Ciências Humanas, conforme analisa Jodelet (2001, p. 25):
[...] é encontrada em Sociologia, Antropologia e História, estudada em suas relações
com a ideologia, os sistemas simbólicos e as atitudes sociais refletidas pelas
mentalidades. [...].
Este aspecto aponta para a existência de uma diversidade de disciplinas afins
que se comunicam e estabelecem uma multiplicidade de relações entre si, possibilitando a
articulação desta teoria com outros campos do conhecimento. Diante disso, apresentamos uma
breve discussão centrada em Foucault (2007), que referencia a Sexualidade em uma
perspectiva histórica, e tem influenciado muitas áreas do âmbito social, mais recentemente a
educação.
Pretendemos, portanto, estabelecer uma aproximação da teoria que fundamenta
este estudo com outras esferas do conhecimento, visando enriquecer as análises sobre
Sexualidade e Educação Sexual. Tratamos de uma pesquisa que busca compreender quais são
as representações sociais (RS) sobre esta temática para um grupo de professores; importa-nos
então verificar como esses sujeitos produzem estas concepções. Para tanto, partimos do
entendimento que elas são elaboradas a partir do resultado de um conjunto de trocas
estabelecidas socialmente e que recebem influência de algum sistema de poder que produz,
apóia e reproduz as informações.
Considerando a interconexão psicossocial característica das representações
sociais, ponderamos que os conhecimentos não são apenas construções cognitivas, mas são
21
ligados a aspectos subjetivos e àqueles do contexto social em que a pessoa está inserida, local
em que o saber é produzido e disseminado. Assim, situando os objetos desta pesquisa, parece-
nos pertinente atentar para a comunicação em um sentido mais amplo, que envolve o teor
informativo dos discursos, bem como sua função de veicular informação. Queremos dizer que
os pensamentos dos professores sobre Sexualidade e Educação Sexual nem sempre provêm
apenas do repertório de si mesmos, mas somam a totalidade do contexto em que esses
profissionais se interagem. Nesse sentido, consideramos os diversos aspectos sociais e
culturais presentes na sociedade.
Nessa direção, Jovchelovitch (2008) observa que as diferentes formas de
enunciação de um mesmo conteúdo revelam tanto o caráter flexível do conhecimento, que
este pode sofrer mudanças, dependendo do meio em que é produzido, de quem o produz e de
como ocorre este resultado. Respeitando sua vinculação aos ambientes naturais e sociais, na
acepção da autora, o saber é um fenômeno plural e plástico.
Esses pressupostos remetem-nos a uma das teses foucaultianas, segundo a qual:
“Em vez de analisar o saber na direção das idéias, analisa-o na direção dos comportamentos,
das lutas, dos conflitos, das decisões e das táticas.” (SÁ, 1998, p. 3). Assim, os saberes não
parecem considerados pela via da teoria do conhecimento em que se prioriza a linguagem,
mas pelo modo como os enunciados existem e desaparecem em relação a sua permanência e
supressão na cultura. No decorrer de nossas leituras, vimos que Foucault utiliza alguns
conceitos como saber, verdade e regimes de verdades.
Ao tentarmos aproximar saberes pela concepção de Jovchelovitch (2008),
notamos que cada qual guarda certas especificidades: assim, enquanto essa pesquisadora
defende que o conhecimento está ligado ao contexto, uma vez que este é construído tanto em
relação às pessoas mesmas quanto ao mundo social em que vivem; aquele estudioso
relaciona-o ao poder.
Partindo dessa acepção verificamos que a questão que comumente se define -
saber é poder, não aparece compreendida desta maneira conforme as próprias palavras do
autor:
Quando leio - e eu sei que ela me tem sido atribuída - a tese de que “saber é poder
ou “poder é saber”, começo a dar risadas, uma vez que estudar sua relação é
precisamente o meu problema. [...]. O próprio fato de que eu coloco a questão de sua
relação prova claramente que eu não os tenho como idênticos. (FOUCAULT, 1983,
p. 210).
22
Por conseguinte, ao nos reportarmos à noção de verdade, ela “[...] está
circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam e a efeitos de poder que
ela induz e que a reproduzem.” (FOUCAULT, 1992, p. 11).
Quanto aos regimes de verdade, eles parecem adquirir sentido consoante às
formas de pensar das pessoas. De outro modo, ousaria ainda afirmar que as diversas maneiras
como as pessoas pensam e representam alguma coisa coexistem não apenas em sociedades
diferentes, mas também dentro de um mesmo grupo social. É o que resumidamente
argumentamos a partir de Jovchelovitch (2008, p. 125): “[...] cada forma de saber das pessoas
corresponde a um conjunto de relações na dinâmica das interações sociais e dos contextos
culturais”.
Verificamos, então, que os saberes fazem parte da produção de conhecimentos
do senso comum. Concepção que foi reabilitada por Moscovici (1978; 2003) e pertencem ao
mundo do universo consensual.
Então, cada sociedade tem sua política geral, ou um regime de verdade,
entendido como tipos de discursos ou códigos pelas quais as sociedades se comunicam e se
representam.
[...]; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos
que são valorizados para a obtenção da verdade; [...]. (FOUCAULT, 1992, p. 10).
A propósito do conceito de discurso, do qual nos apropriamos neste texto,
recorremos a Gore (1995), que, discutindo-o, refere-se ao funcionamento do conjunto de
sentenças e conteúdos no contexto das relações de poder e não aos significados das palavras,
conforme utilizam os lingüistas.
Em Foucault (2007), para quem saber-poder é uma articulação de enunciados,
o discurso é caracterizado como:
[...] segmentos descontínuos cuja função tática não é uniforme nem estável. [...] não
se deve imaginar um mundo do discurso dividido entre o discurso admitido e o
discurso excluído, ou entre discurso dominante e dominado; mas ao contrário, como
uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias
diferentes. [...]. (FOUCAULT, 2007, p. 111).
Diante do exposto, intuímos que saber e poder interligam-se mutuamente
através de práticas sociais contextualmente específicas.
Se o poder e a verdade estão ligados numa ‘relação circular’, se a verdade existe
numa relação de poder e o poder opera em conexões com a verdade, então todos os
discursos podem ser vistos funcionando como regimes de verdade. (GORE, 1995, p.
10).
23
No decorrer desta exposição, verificaremos como esses vieses conceituais vão
se articulando aos de outras esferas sob a forma de instituições legais, prescritivas, científicas,
educativas e religiosas, incluindo a própria Sexualidade enquanto dispositivo.
Foucault (2007) reuniu materiais históricos e procurou analisar as formas
específicas de construção social e cultural dos saberes relacionados à Sexualidade. Seu intuito
foi verificar por que, durante tantos anos, o sexo foi ligado à procura pela verdade. “O sexo
foi aquilo que, nas sociedades cristãs, era preciso examinar, vigiar, confessar, transformar em
discurso.” (FOUCAULT, 1992, p. 230).
Sem pretensão de minimizarmos ou omitir os objetivos do autor, em seu
primeiro estudo sobre a História da Sexualidade, Foucault procurou entender de que maneira
os indivíduos foram levados a exercer sobre si mesmos e sobre os outros uma interpretação do
desejo, partindo do princípio de que, para o indivíduo moderno fazer a experiência dele
mesmo enquanto sujeito de uma sexualidade, deveria, primeiro, distinguir o modo pelo qual,
durante séculos, o ocidente foi levado a se reconhecer como sujeito do desejo. (FOUCAULT,
1994).
Assim, a curiosidade de Foucault levou-o a questionar em que medida o
sujeito, ao se esforçar para compreender sua própria história, pode liberar seu pensamento
daquilo que ele pensa silenciosamente e permitir-lhe pensar de outra maneira.
Existem momentos na vida onde a questão do saber se pode pensar diferentemente
do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para
continuar olhar e refletir. (FOUCAULT, 1994, p. 13-15).
Em seus estudos o autor parte de problemas específicos, acerca da maneira
como as pessoas pensam suas condutas e comportamentos e das práticas sociais que têm
origem na sociedade de seu tempo. Como é que o sexo pôde funcionar no sentido dos
discursos, tendo estatuto e função de discurso científico. (FOUCAULT, 1992).
Giami (2005) afirma que a construção histórica da sexualidade, segundo
Foucault, ocorreu em uma época em que alguns pensadores discutiam e publicavam sobre as
relações entre medicina e sexualidade pelo viés da medicalização.
Se Foucault problematiza tematizações da atualidade, isto nos diz respeito, pois
ao destacar o caráter dinâmico das RS, dentre outras finalidades, elas traduzem o modo pelo
qual as pessoas pensam e simbolicamente explicam os fenômenos sociais contemporâneos
(MOSCOVICI, 2003).
Proibições, recusas, censuras e negações fazem parte de elementos negativos
que se agrupam em torno de uma hipótese repressiva. A partir da noção de sexo proibido
24
existe uma relação entre sexo e poder. Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, à
inexistência e ao mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um
ar de transgressão deliberada (FOUCAULT, 2007).
Segundo o autor para compreendermos a cronologia das técnicas repressoras
utilizadas na contenção da Sexualidade, não podemos esquecer que os dispositivos
institucionais vêm de uma época muito antiga, como é o caso da confissão, que fora buscada
nas práticas de penitência da era da interdição. As técnicas mais novas consideradas pelo
autor, como a vigilância instaurada nas escolas e associada à temática do pecado, escapava da
instituição eclesiástica.
Sinteticamente, se centrarmos a História da Sexualidade nos mecanismos
repressivos, observaremos a ocorrência de duas rupturas: uma, no decorrer do Século XVI, a
era das proibições, da valorização da Sexualidade adulta no matrimônio e da contenção dos
pudores pela decência da linguagem. Contudo, mediante o tempo sinalizado até o final do
século XVIII, as práticas sexuais eram regidas por meio de três grandes códigos, que fixavam,
à sua maneira, o que lhes era cito e ilícito: “[...] o direito canônico, a pastoral cristã, que
usava o procedimento religioso da confissão, e a lei civil.” (FOUCAULT, 2007, p. 44).
A outra ruptura, conforme o autor destaca, seria no Século XX, marcado pelo
afrouxamento dos mecanismos de repressão nas relações pré-nupciais. Passou-se, assim, das
interdições a uma relativa tolerância à sexualidade perversa - toda forma de sexualidade que
não seja heterossexual, contrária à intimidade do casal, que não visasse a reprodução como o
exibicionista, o homossexual, o fetichista, o onanista - e deu início também à redução dos
tabus sobre a sexualidade das crianças.
Segundo Guirado (1997), a Psicanálise e a Confissão na religião católica são os
dois estandartes da difusão e criação da representação da sexualidade perversa. Diante da
proposição de que a sexualidade tenha sido reprimida pela era vitoriana e que seus respingos
tenham chegado até nós, não se consegue explicar por que certas práticas são devassas.
Talvez a explicação esteja implícita na consciência de se estar infringindo uma ordem
estabelecida; porque, quando as pessoas se confessam, revelam entre seus pecados os da carne
e, assim, colocam à margem a transgressão da lei heterossexual.
Foucault (2007) analisa o sexo pela perspectiva expressiva e não repressiva.
Não pretendemos vincular esse referencial à questão da redução e rarefação dos discursos
sobre sexo. Mas, ao contrário, pretendemos buscar as instâncias de produção dos saberes que
podem envolver, como vimos, elementos sobre o que é falado tanto a proliferação dos
25
assuntos sexuais quanto os silêncios, que, por sua vez, também são uma forma de se
comunicar o assunto e contribuem na elaboração de representações sociais.
Sobre a colocação do sexo em discurso numa sociedade em constantes
mudanças em função do desenvolvimento das tecnologias da comunicação, é importante
destacar que, no dia-a-dia, não precisamos ir à cata de leitura para nos informar sobre
Sexualidade. A mídia comumente nos traz filmes e telenovelas com cenas de sexo; programas
televisionados noticiam sobre a prática sexual precoce entre os jovens; reportagens em
revistas e jornais apresentam debates sobre a AIDS, bem como veiculam acontecimentos
envolvendo o preconceito sexual; noticiários na TV
2
têm propalado, ultimamente, casos de
pedofilia na internet, seja para alertar pais e educadores, para banalizar a questão ou com
função prescritiva.
Nesse contexto, a Educação Sexual talvez seja o assunto menos apresentado e
comentado nesses meios de comunicação. Porém, mesmo quando não falamos de sexo, de
uma maneira ou de outra existe um feixe de relações de poder que educa sexualmente pelas
instituições, definidas como:
Todo o comportamento mais ou menos coercitivo, aprendido. Tudo que em uma
sociedade funciona como sistema de coerção, sem ser um enunciado, ou seja, todo o
social não discursivo é a instituição. (FOUCAULT, 1992, p. 247).
São aprendizagens sociais que tendem a se repetir e que, enquanto se
reproduzem, legitimam-se. (GUIRADO, 1997).
As redes de poderes se expressam pela via da propagação do sexo, sendo esta a
preocupação central de Foucault (2007). Logo, se comparados a uma rede, os mecanismos
discursivos comparecem inscritos em um jogo de poder. Através do silêncio, dizemos que
sexo é um tema proibido e que não é discutível em qualquer lugar. Por isso, às vezes, torna-se
motivo de piadas, gracejos, ou é abordado por meio de vocábulos obscenos. Essas atitudes
têm nos inquietado e nos motivam a conhecer quais RS orientam estas ações. É o que
pretendemos elucidar, amparados pelo olhar foucaultiano no qual a Sexualidade, nesta
perspectiva, é concebida como um dispositivo de poder e saber.
Tentaremos esclarecer este ponto de vista, ilustrando a definição de dispositivo
em Foucault (1992, p. 138). Antes, porém, achamos considerável o entendimento daquilo que
a sexualidade não é. Para este autor, a sexualidade não é pensada como os botânicos e ou
2
Referência à matéria intitulada Estatuto da criança faz 18 anos com desafios a serem cumpridos, veiculada no
endereço eletrônico <http://www.g1.globo.com/>, acessado em 13 jul. 2008, às 09h29min, e atualizado em 13
jul. 2008, às 10h09min.
26
biólogos tematizam, nem conforme entende a história pela concepção tradicional das idéias e
dos costumes. A sexualidade também não é prática sexual estudada por meio de métodos e
técnicas de análise. O dispositivo de sexualidade, conforme denomina Foucault, trata-se de
um objeto histórico, pois tem uma função estratégica de responder a uma urgência social, em
determinada época. Entretanto, comparece entremeado por um duplo processo que o autor
chama de preenchimento estratégico.
Certamente o conceito de dispositivo pode aclarar este argumento.
Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente
heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. (FOUCAULT, 1992, p. 138).
O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos
heterogêneos. Visando traçar uma definição de sexualidade, reconhecemos que qualquer
análise sobre sexualidade faz parada em Freud. Grosso modo, a Sexualidade passa a ser
compreendida como uma força inerente à vida de todo ser humano, fazendo-se presente desde
que nascemos até morrermos (GUIRADO, 1997). No entanto, nem sempre foi assim
reconhecida, especulando-se até mesmo quanto ao surgimento do termo apenas no início do
século XIX.
Entretanto, pela perspectiva foucaultiana, a Sexualidade foi originariamente
produzida pelas classes burguesas. “O discurso de sexualidade não se aplicou inicialmente, ao
sexo, mas ao corpo, aos órgãos sexuais, aos prazeres, às relações de aliança, às relações inter-
individuais [...]”. (FOUCAULT, 1992, p. 259). Foi ao corpo dos progenitores e descendentes
da classe social dirigente que se estabeleceu o dispositivo como nova distribuição dos
prazeres, dos discursos, das verdades e dos poderes.
Neste aspecto, na formalização de um conceito em uma compreensão do poder
ligado ao dispositivo de Sexualidade, Foucault conjectura:
Se é verdade que a “sexualidade” é o conjunto dos efeitos produzidos nos corpos,
nos comportamentos, nas relações sociais, por um certo dispositivo, pertencente a
uma tecnologia política complexa, deve-se reconhecer que este dispositivo não
funciona simetricamente e cá, e não produz, portanto, os mesmos efeitos.
(FOUCAULT, 2007, p. 139).
Assim, a Sexualidade pode ser vista pelas lentes do sistema normativo, pois os
conhecimentos a ela referentes passam a ser ligados a instituições, leis e costumes, e pelo
sistema subjetivo, pois as pessoas se reconhecem como sujeitos de sua Sexualidade ao darem
sentido às suas escolhas e práticas sexuais.
27
Um dos pressupostos da TRS refere-se ao efeito da interação social como fator
que modela as representações sociais. Esse entendimento parece aproximar-se da
compreensão sobre as condições de produção das RS - cultura, comunicação, sociedade
segundo o modo pelo qual os indivíduos ou grupos identificam os elementos responsáveis
pelas interpretações que se atribuem ao objeto, como postula Jodelet (2001). Sob essa ótica,
motivada pelas influências recíprocas entre as pessoas, de alguma forma nos tornamos
sujeitos de nossa história à medida que nos envolvemos nas relações sociais como a família, a
escola, a religião. Em cada uma delas, como atores, vamos respondendo às expectativas das
instituições sociais e construindo saberes mais ou menos velados, conscientes ou não, mas de
certo modo nos enredamos neste espaço imaginário ou simbolizado. Pelos discursos, as visões
de mundo se engendram nesse processo interativo. A sexualidade não escapa desse
agenciamento por dispositivos institucionais (GUIRADO, 1997).
Confirmando a tese sobre a proliferação dos discursos do sexo, Foucault enfoca
que os dispositivos criados para reprimir podem produzir efeitos contrários.
[...] penso que é preciso ver como as grandes estratégias de poder se incrustam,
encontram suas condições de exercício em microrrelações de poder. Mas sempre
também movimentos de retorno, que fazem com que as estratégias que coordenam
as relações de poder produzam efeitos novos e avancem sobre domínios que, até o
momento, não estavam concernidos. (FOUCAULT, 1992, p. 249).
As práticas sociais organizadas sob a capa de conter a sexualidade, colocam as
pessoas na condição de confessar a intimidade, e isso acarreta desdobramentos, fazendo vir à
existência aquilo que é renegado.
Na análise de Foucault, desde o Século XVIII o sexo conseguiu provocar uma espécie de
erotismo discursivo. O sexo saiu do estado de retraimento e obrigam-no a uma existência
discursiva pelos múltiplos “[...] mecanismos que, na ordem da economia, da pedagogia, da
medicina, e da justiça incitam, extraem, organizam e institucionalizam o discurso do sexo,
[...]”. (FOUCAULT, 2007, p. 39). Esses elementos desenharam no curso da história um
quadro de afrouxamento nas relações, o qual se estendeu pelo século XX. A preservação da
lei da aliança, que defendia a monogamia heterossexual, ficou mais tênue, e os casais, tratados
com maior discrição, ficaram mais a cargo da medicina, que, segundo Foucault (2007, p. 48):
“[...] inventou toda uma patologia orgânica, funcional ou mental, originada nas práticas
sexuais incompletas”. As discussões ficaram, então, focadas na Sexualidade dos loucos e dos
criminosos, que passaram a compor o grupo de pacientes em tratamento pelos psicanalistas.
Os profissionais extorquiam confissões e confidências sobre sexo, por meio de
perguntas e, dentre as técnicas empíricas empregadas, o exame médico, a investigação
28
psiquiátrica, o relatório pedagógico e o controle familiar podiam ter como objetivo dizer não a
todas as Sexualidades improdutivas. Para se chegar a tais revelações, surtiam efeitos opostos,
na realidade, funcionavam como mecanismos de incitação: prazer e poder.
Prazer em exercer um poder que questiona, que fiscaliza, espreita, espia, investiga,
apalpa, revela; e, por outro lado, prazer que se abrasa por ter que escapar a esse
poder, fugir-lhe, enganá-lo [...]. Poder que se deixa invadir pelo prazer que persegue
e, diante dele, poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar ou de
resistir. (FOUCAULT, 2007, p. 52-53).
Além da medicina, do direito e da pedagogia, outros espaços organizacionais,
como as prisões, os hospitais e as escolas, foram ampliando o domínio e a obrigatoriedade de
incorporação do discurso sobre sexo.
A sexualidade, tornando-se assim um objeto de preocupação e de análise, como alvo
de vigilância e de controle, produzia ao mesmo tempo a intensificação dos desejos
de cada um por seu próprio corpo [...] O corpo se tornou aquilo que está em jogo
numa luta entre os filhos e os pais, entre a criança e as instâncias de controle.
(FOUCAULT, 1992, p. 83).
Prova dessa intensificação discursiva é a pedagogização do sexo da criança,
que se manifestou, sobretudo na guerra contra o onanismo no Ocidente, que durou quase dois
séculos. “[...] os pais, as famílias, os educadores, os médicos, e, mais tarde, os psicólogos,
todos devem encarregar continuamente desse germe sexual precioso e arriscado, perigoso e
em perigo; [...].” (FOUCAULT, 2007, p. 115).
Ao analisar a produção e a transmissão dos conhecimentos sobre sexualidade
sob o controle, não exclusivo, mas dominante de algumas dessas instituições, dentre elas a
educação,além de outras, como sistemas políticos, econômicos, universidades, exércitos e
meios de comunicação, o autor afirma que essas instituições tinham o papel de ditar normas,
porém era em torno da família que todos centravam a atenção.
Com a desestruturação do mundo medieval e ascensão da burguesia, a sexualidade
foi confiscada pela família, encerrada entre as quatro paredes, ocorrendo a
valorização da sexualidade adulta e matrimonial e o sexo, defendido para a função
da reprodução. (FOUCAULT, 2007, p. 11).
Nas sociedades ocidentais modernas houve o enfraquecimento do dispositivo
da aliança - sistema de matrimônio, de fixação e desenvolvimento dos parentescos, de
transmissão dos nomes e dos bens. Conseqüentemente surgiu a necessidade de se inventar um
novo dispositivo: o da Sexualidade, porém, este, não substituiu aquele.
O dispositivo de aliança se estrutura em torno do sistema de regras que define o
permitido, o proibido, prescrito e o ilícito; o dispositivo de sexualidade funciona de
acordo com cnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder. (FOUCAULT,
2007, p. 117).
29
Enquanto o dispositivo de aliança se preocupa em manter a lei, diga-se, do
matrimônio, que o rege, o da sexualidade produz domínios e controles invisíveis e
permanentes, no sentido de se proliferar, de: “[...] penetrar nos corpos, de maneira mais
detalhada e controlar as populações de modo cada vez mais global.” (FOUCAULT, 2007, p.
118).
Para o dispositivo de aliança, o que importa é a dependência entre os parceiros
com status definido; para o dispositivo de Sexualidade, o que de pertinente são as
sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das impressões, por mais tênues ou
imperceptíveis que sejam.
A classe privilegiada e dirigente política, a burguesia, considerava o sexo
importante: frágil, tesouro, segredo, passível de conhecimento. A histerização da mulher
encontrou seu ponto de fixação pela neurose, doença nervosa caracterizada por convulsões e
que, supostamente, se originava no útero.
A personagem investida em primeiro lugar pelo dispositivo de sexualidade, uma das
primeiras a ser “sexualizada” foi, [...] a mulher [...] “ociosa” nos limites do “mundo
- onde sempre deveria figurar como valor - e da família, onde lhe atribuíam novo rol
de obrigações conjugais [...] assim, apareceu a mulher “nervosa”, [...].
(FOUCAULT, 2007, p. 132).
Quanto às preocupações relativas ao adolescente, elas não incidiam sobre o
filho do operário, ao qual se deveriam ensinar as disciplinas do corpo; somente mais tarde,
quando se difundiu o controle judiciário e médico acerca das perversões, com vistas a se
proteger a sociedade, essas preocupações se estenderam à sociedade em geral:
[...] era o colegial, a criança cercada de serviçais, de preceptores e de governantas, e
que corria o risco de comprometer menos uma força física do que capacidades
intelectuais, que tinha o dever moral e a obrigação de conservar, para a família e sua
classe, uma descendência sadia. (FOUCAULT, 2007, p. 132).
Essa perspectiva de análise da produção das representações sociais pela
sociedade, a cultura e a comunicação, nos possibilita a reflexão de como os discursos
provenientes de dispositivos ideológicos como a família e a escola se articulam na construção
do processo de mutismo ou de proliferação do assunto que gira em torno de Sexualidade.
Com este ponto de vista em mente, e diante da tentativa de alinhavar a
discussão, com os elementos que contribuem na circulação das RS, nos aproximamos do
contexto da escola. Discorreremos a análise com a presença dessa instituição na
discursividade de sexualidade. Além das instituições mencionadas, outros organismos sociais
desenvolveram-se ao longo de três eixos:
30
[...] o da pedagogia, tendo como objetivo a sexualidade específica da criança; o da
medicina, com a fisiologia sexual própria das mulheres como objetivo; e, enfim, o
da demografia, com o objetivo da regulação espontânea ou planejada dos
nascimentos. (FOUCAULT, 2007, p. 127).
E, assim, o sexo deixou de ser uma questão leiga e passou a ser considerado
uma questão de utilidade que precisa ser administrada.
Essas incursões inquietaram-nos, e verificamos como a escola produziu os
discursos sobre Sexualidade em seu contexto. É preciso problematizar ou refletir, conforme
indaga Foucault: “[...] por que a sexualidade é objeto de uma preocupação moral?”. Para o
autor, está claro que alguém, alguma instituição ou algum poder necessita que o sexo seja
supervisionado pela moral.
Outras literaturas percorridas nos informam que no plano educacional as
repercussões acontecem no nível pedagógico, em função dos ideários da higiene propalados
pela medicina social, que surgiu na Europa no século XVIII, com a finalidade de manter a
raça pura pela prevenção de doenças. Logo, a escola tornou-se um dos dispositivos de poder,
que utiliza esse discurso para controlar o sexo.
Foucault (2007, p. 35) nos relata como esse discurso era posto em prática no
interior da instituição:
Os médicos se dirigem aos diretores dos estabelecimentos e aos professores, também
dão conselhos às famílias; os pedagogos fazem projetos e os submetem às
autoridades; os professores se voltam para os alunos, fazem-lhes recomendações e
para eles redigem livros de exortação [...]. (FOUCAULT, 2007, p. 35).
A organização interna dos colégios no Brasil para regular o onanismo seguiu o
modelo de outros países como a França e Inglaterra (WEREBE, 1977). No combate à auto-
satisfação, o isolamento dos jovens deveria ser evitado por meio de exercícios físicos
coletivos que os distraíam de pensamentos que os levassem a tal prática. A forma dos bancos
escolares deveria adaptar-se ao porte dos alunos, para evitar que os genitais fossem
pressionados.
O dispositivo antimasturbatório tinha um objetivo social. Acreditava-se que a
criança onanista gerava o adulto débil e, dessa forma, comprometeria a perpetuação do grupo
social e o futuro do país. O colégio foi um meio para auxiliar as famílias, que eram
consideradas omissas nesse aspecto. Esta educação sexual segundo a higiene visava
transformar homens e mulheres em reprodutores e guardiões de proles sãs e raças puras. A
sexualidade das crianças passou a ser combatida pelos médicos e pedagogos que viam a
masturbação como uma epidemia a ser extinta e por isso precisavam vigiar.
31
A relação poder-saber no contexto escolar, pela via do entendimento do
dispositivo de Sexualidade é confirmada também pelos apontamentos examinados em Costa
(1999), que atesta a presença desse discurso higiênico na realidade das escolas brasileiras. No
país, esse movimento apareceu, no início do século XIX, no seio da medicina tropical, que,
devido ao crescimento do índice de mortalidade em decorrência do alastramento de doenças
epidemiológicas, defendia um projeto de higiene pública e de saneamento. O alvo da política
higienista eram as igrejas, as escolas, os portos, os cemitérios, os locais públicos e as
residências.
O autor apresenta as normas e os atos disciplinares impingidos aos colégios,
que, então, deveriam usar formas para regular, prevenir e combater a masturbação. A
aplicação de corretivos influenciou também na alteração da arquitetura dos colégios e dos
mosteiros, que se modificaram em função dos castigos e punições morais. A técnica da
vigilância constante deveria ser aplicada aos estudantes, bem como o uso da camisa de força.
Dentre alguns dos cuidados detalhados por Costa (1999), recomendava-se que
os prédios fossem edificados afastados das residências, devendo arejar e iluminar as salas e
que tivessem tamanhos proporcionais à quantidade de alunos. No entanto, na análise desse
autor, a educação sexual que, segundo a higiene, deveria transformar homens e mulheres em
reprodutores e guardiões de proles sãs e ‘raças puras’ conseguiu, em grande parte, estes
objetivos, na medida em que suas condutas sexuais foram sendo respectivamente reduzidas às
funções sócio-sentimentais da família. Em contrapartida, instigados pela higiene, essa mesma
educação desencadeou uma epidemia de repressão sexual intrafamiliar.
[...], homens passaram a oprimir mulheres com o machismo; mulheres, a tiranizar
homens com o ‘nervosismo’; adultos, a brutalizar crianças que se masturbavam;
casados, a humilhar solteiros que não casavam; heterossexuais, a reprimir
homossexuais etc. O sexo tornou-se o emblema de respeito e poder social. Os
indivíduos passaram a usá-lo como arma de prestígio, vingança e punição. (COSTA,
1999, p.14-15).
Assim, os indivíduos passaram a viver uma Sexualidade regulada pelos
mecanismos do poder social, e nessa parafernália socioeducativa estavam embutidos os
interesses médico-estatais, que, de uma ou de outra forma, contribuíram para produzir a
sociedade urbana dos nossos dias.
A sociedade moderna instituiu a busca pelo prazer. De acordo com Catoné
(1994), instaurou-se uma grande contradição: de um lado, as regras de convívio e, de outro, os
ideais de prazer, que ganharam as ruas pelos outdoors e o ambiente das casas pela televisão, e,
ainda hoje, pela internet. Por um lado a teoria científica relativa ao sexo, a Sexologia, que
32
como ciência objetiva normalizar o orgasmo ideal por meio da combinação do erotismo com a
teoria do sexo, com a arte ou técnica do amor e, de outro lado, os controles.
Nessa perspectiva, o autor analisa que os fundamentos da Sexologia exaltaram
o: “[...] valor da vida e intensificaram as potencialidades do gozo, mas, em troca, o que era
direito se tornou dependência, obrigação de resultados.” (CATONÉ, 1994, p. 90). Sendo
assim, o paraíso do orgasmo passou a ditar suas leis, fazendo com que as pessoas às vezes
ficassem obcecadas pelo prazer e passassem a buscá-lo como uma obrigação e não como algo
natural e possível de se experimentar sem pressão e sem coação.
Os aspectos da Sexologia nos permitem analisar o sexo despido da moralidade,
tornando-se um discurso da racionalidade. Eles seriam uma questão política que visa servir à
felicidade comum, sendo regulada por meio da satisfação de necessidades com proveito
conveniente para a realização de algo, vamos considerar, público; dessa forma não se trata de
considerar simplesmente o discurso pelo rigor de uma proibição. Este mecanismo faz parte de
um conjunto de “[...] procedimentos pelos quais se incita o sujeito a produzir sobre sua
sexualidade um discurso de verdade que é capaz de ter efeitos sobre o próprio sujeito.”
(FOCAULT, 1992, p. 153). No nosso tempo, talvez associemos estes elementos teóricos com
a emergência da busca pela preocupação com o corpo perfeito, esguio, escanelado das moças
e musculoso dos jovens.
Compreendemos, a partir desta leitura que as pessoas se enganam quando
pensam que o silêncio em torno da Sexualidade ocorre somente por se tratar da prática de
sexo. Em função dos processos geradores de RS, diríamos que o sujeito, ao formular um
discurso de desconhecimento sobre o assunto, realmente se refere a sexo, mas ancora-se nas
questões das relações do saber e do poder que vigia, apalpa, observa, prescreve.
Basicamente, todas essas dimensões discorridas em Foucault a partir das
instituições, às quais denominamos espaços de produção de saberes, configuram o campo no
qual os indivíduos adquirem e constroem seus discursos e suas RS de Sexualidade.
De modo geral, as instituições apresentadas detêm seu discurso, ou regimes de
verdades, que aos poucos são impregnados, via conversações, naqueles que ali se inserem e
que também produzem outras representações. Nessa acepção, o que entra em jogo é a relação
circular do poder-saber nesses espaços discursivos, nos quais a produção e a disseminação dos
discursos são regulamentadas por regimes de verdade.
Essas teorizações levam-nos a perceber a importância da conscientização, pois,
por meio dela podemos refletir e desconstruir representações, libertando-nos de nós mesmos,
33
e chegar ao ponto da própria constituição de sermos sujeitos da nossa história e da nossa
Sexualidade.
É na perspectiva da consciência, situada historicamente, que os estudos de
Freire (1987, p. 15) acerca do método de alfabetização de educação dialógica estão centrados:
“As consciências não se encontram no vazio de si mesmas, pois a consciência é sempre,
radicalmente, consciência do mundo.” Nesse sentido, o educador já não é o que apenas
ensina, mas o que, enquanto educa, ensina nas interações comunicativas.
Na História da Sexualidade, notamos que Foucault não desenvolveu a idéia de
poder associando-a especificamente à forma de governo que regia as escolas, pois sua
pretensão era mostrar quais relações de poder nelas se organizavam. Ele verificou, pois, a
existência de um poder difuso, que circulava até mesmo pelas formas arquitetônicas dos
colégios. Nesse sentido, entendemos, a partir de Gore (1995), que nas escolas o poder não está
centrado nas mãos dos docentes, mas de todos aqueles que exercem algum tipo de interação
com o meio escolar, a começar pelos estudantes e seus pais.
Essa compreensão vem ao encontro de uma das teses de Foucault (2007), para
quem o poder está em toda parte, não enquanto necessariamente aquilo que censura, que
interdita, que proíbe, mas acontece de maneira circular pela produção de saberes sobre sexo.
Por isso, quando se pretendeu estudar sobre a História da Sexualidade, a preocupação do autor
convergia para a forma de governo estabelecida no século XVI, mas não enquanto poder
material, soberano ou visível, ou referente às estruturas políticas, analisando, sim, como o
poder conduzia de forma prolixa as condutas dos grupos de crianças, doentes, famílias e
indivíduos.
Partindo do princípio de que o poder circula, ele passa através de toda força a
ele relacionada. Se a Sexualidade faz parte do discurso da racionalidade, parece-nos oportuno
desvendar como funciona esse dispositivo no contexto da escola contemporânea, a partir da
presença de algumas tecnologias e depois analisá-las pelos saberes dos docentes pesquisados.
1.2. Educação sexual: a mediação pelo poder e saber
muito tempo foi dito que um país, para ser rico e poderoso, deveria ser
povoado. Diante disso, surgiu uma novidade nas técnicas de estabelecimento do poder: a
34
população, que passou a ser compreendida como um problema econômico e de disputa. Nesse
sentido, notamos que os dirigentes descobriram que suas preocupações não consistiam
simplesmente em lidar com o povo:
[...], porém, com uma população, com seus fenômenos específicos, suas variáveis
próprias: natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade, estado de saúde,
incidência das doenças, formas de alimentação e de habitat. (FOUCAULT, 2007, p.
31, grifo do autor).
No centro desse problema de ordem pública encontra-se a necessidade da
proliferação do sexo em discurso. Inicia-se, assim, a construção de um conjunto de
observações relacionadas à questão. De certa forma, esse seria um trabalho exclusivo dos
demógrafos, que vêem a importância de se analisar, classificar e contabilizar as taxas de
natalidade, os nascimentos legítimos e ilegítimos, a precocidade e a freqüência das relações
sexuais, os níveis de fecundidade ou esterilidade e de contracepção.
Todavia, de acordo com Foucault (2007), o surgimento daquelas novas técnicas
desfez o caráter leigo do sexo, que passa a pertencer aos negócios de Estado, implicando que
todo o corpo social e praticamente cada um de seus membros fossem convocados a se porem
sob vigilância.
Nesse contexto, para impedir que as crianças entrassem em contato com o sexo
foi-lhes negado o direito de viver sua Sexualidade; procedeu-se a assepsia do meio educativo,
através da vigilância dos professores. Assim, a pedagogia ocupou seu espaço, pois tomou para
si a função de disseminar as informações sobre sexo. Porém, não se constituiu em abertura
moral e social, nem na aceitação da Sexualidade infantil ou do adolescente, mas em uma
estratégia de preservar as crianças dos perigos que ela representa. Desse modo, instala-se uma
verdadeira educação anti-sexual em que a pedagogização do sexo da criança, como concebe
Foucault, não acontece em prol da campanha da saúde futura dos adultos, apenas, mas
também da sociedade e da espécie, sendo o alvo a criança masturbadora.
O surgimento das tecnologias do sexo, entendidas como invenções modernas,
incrementadas pela medicina, pedagogia, economia e demografia, que têm como finalidade
medir, estimar, medicar, vigiar, tornam-se uma maneira de incitar o discurso da Sexualidade.
Para o entendimento que prossegue, não podemos perder de vista que as estratégias de poder,
em condições de microrrelações faz com que, às vezes, as ações pretendidas produzam efeitos
e avancem sobre domínios díspares daquelas almejadas. (FOUCAULT, 1992).
Nesta regulação, a política do sexo acaba dando ênfase às condutas sexuais
através das exortações morais e dos regramentos, obtendo efeitos ao nível de quatro linhas de
ataque definidas por Foucault (2007):
35
A neurose da mulher, histerização pela medicalização do seu corpo e do seu
sexo; a pedagogização do sexo da criança, em prol da campanha da saúde da pureza da raça,
que visa não apenas comprometer a saúde futura dos adultos, mas da sociedade e da espécie, e
cujo alvo foi a criança masturbadora; a socialização das condutas de procriação, em nome da
responsabilidade no que diz respeito à saúde dos filhos, bem como a solidez da família, e a
salvação da sociedade se fixa no casal higiênico. Neste caso, Foucault comenta que ocorreu
uma relação inversa - o controle da natalidade. O último investimento, a psiquiatrização das
perversões pela intervenção da natureza reguladora dos adultos, e que pretendia atingir o
adulto devasso.
No que se refere à instituição escolar, esta lançou e estabeleceu diferentes
pontos de intervenção, contemplando desde os conteúdos das normas disciplinares punitivas,
até a arquitetura dos prédios. O mecanismo da vigilância a partir destas implantações
estimulava o discurso relacionado ao sexo das crianças e dos jovens, de modo que o
abordavam os educadores, os médicos, os administradores, os sanitaristas, os pais e outros.
Em suma, o caráter disciplinador dessas instituições ocorreu pelo adestramento
dos corpos, visando torná-los dóceis por meio do esquadrinhamento dos espaços; pela
instauração da vigilância e de exames permanentes, tudo isso associado a medidas
repressivas, caso os indivíduos não respondessem às normas estabelecidas. A instituição
torna-se, pois, o lugar da disciplina (FOUCAULT, 1991).
É a partir desta perspectiva do surgimento das tecnologias do sexo, conforme
denominou Foucault (2007), que pretendemos encaminhar uma sucinta compreensão de
poder-saber na mediação das ações de Educação Sexual. Sobre esta relação o autor adverte
que cada sociedade tem suas versões de verdade, e que poder e saber não querem dizer a
mesma coisa. Os conhecimentos que circulam no âmbito escolar devem ter alguma afinidade
com o jogo de elementos que circunda a sociedade.
Discutiremos o conceito de poder em Foucault (2007) apresentado pelo que ele
não é; o que o distancia das concepções convencionais. Nesse sentido, o poder não diz
respeito à soberania do Estado e seus aparelhos, aos quais os cidadãos são submetidos. Estas
configurações são formas terminais do poder. O autor comenta que, nas sociedades modernas,
o poder não rege a Sexualidade através da lei e sim por meio de técnicas e formas bem mais
positivas do que o efeito excludente de uma interdição. Por isso, defende a análise da
formação dos saberes sobre o sexo, não em termos da repressão, mas da confissão e do
discurso.
36
“O poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim, porque provém de
todos os lugares.” (FOUCAULT, 2007, p. 103). Sendo o poder onipresente, parece-nos
possível compreendê-lo, primeiro, nas correlações de forças múltiplas e móveis que se
formam e atuam nas formas de produção discursiva. Além da família, outros grupos restritos e
instituições como a escola ainda servem para dar guarida aos mecanismos de poder
disciplinar. Uma vez que não se fundamenta na e pela relação entre dominantes e dominados,
esse poder é invisível e circula nas relações e nunca é totalmente estável.
A esse respeito, a análise que Foucault realiza parece ter a finalidade de
mostrar para seus leitores que os regimes de verdade da Sexualidade, quando inquestionáveis,
podem gerar representações que cerceiam suas vidas por meio de mecanismos sutis. Forma-
se, assim, o sujeito obediente, conforme denuncia Pignatelli (1995):
Na medida em que é também obediente, o corpo é destituído de seu poder para ser
politicamente eficaz, para ser diferente. A consciência não é mais o ponto de origem
ou a posição privilegiada a partir da qual o sujeito pode observar e refletir sobre as
representações que possui a fim de saber e agir. (PIGNATELLI, 1995, p. 130).
No entender desse autor, apesar do uso constante das obras de Foucault no
campo da Educação, nem sempre os profissionais percebem que esta proposta é pautada em
uma visão do sujeito para a liberdade.
Como essas relações de poder vinculam-se umas às outras consoante a lógica
de uma estratégia global e toma ares de política unitária e voluntarista do sexo?
[...] todos os olhares inquietos lançados sobre ele e todas as ocultações em que se
oblitera o conhecimento possível do mesmo, à forma única do Grande Poder, trata-
se de imergir a produção exuberante dos discursos sobre o sexo no campo das
relações de poder, múltiplas e móveis. (FOUCAULT, 2007, p. 108).
Diante do entendimento de que o poder e o saber circulam por meio do
discurso, que práticas pedagógicas são libertadoras? Gore (1995) discute que essa libertação
é discursiva, que evita o dogmatismo, bem como o silêncio da diferença, viabilizando um
debate polarizado, conduzido a uma ou mais direções, temas ou opiniões, sem que seja
sentencioso. Por essa razão, consideramos a importância da Educação Sexual dialógica, que
se pode realizar em favor da libertação do sujeito-consciência.
Com base nas ponderações de Foucault (2007), compreendemos que as
relações históricas entre o poder e o saber a respeito do sexo surgem justamente no discurso.
Portanto, conhecer as Representações Sociais de um grupo de professores sobre Sexualidade e
Educação Sexual permite-nos identificar o que é dito e o que está oculto nas conversações e
37
seus efeitos segundo quem fala, bem como a forma pelas quais esses saberes guiam suas
atividades relativas à prática do ensino de Sexualidade no contexto da escola.
Neste processo de enunciação, as palavras, as sentenças e os silêncios não são
submetidos ao poder, sendo-lhe, antes, opostos; um jogo complexo e instável em que o
discurso pode ser ao mesmo tempo instrumento e efeito do poder e, também, escora,
resistência ou reação’ (FOUCAULT, 2007). Tendo em vista que é por meio da comunicação
que as RS são engendradas e que elas conduzem as ações das pessoas, então teremos na TRS
o arcabouço teórico que nos dará acesso às formas como os saberes de sexualidade se
expressam no cotidiano da escola.
Diante dessas proposições, talvez seja pertinente procurarmos compreender
qual é a perspectiva do poder e do saber no contexto dos conhecimentos que estão gerindo a
Educação Sexual nas escolas. Na conjuntura brasileira, parece haver uma tentativa de se reatar
a ligação do ensino de Sexualidade com a questão reprodutiva do ser humano, associada ao
seu direito de sobrevivência e à promoção do seu bem-estar.
Assim, o Estado tem buscado formas eficazes para envolver a população. Em um momento,
constituem-se em mecanismos que estimulam a reprodução familiar, aumentando o número
de habitantes; em outra ocasião procura-se estancar o crescimento populacional, que, no
passado, deu-se a partir da perspectiva higienista. Pouco mais recentemente, nas duas últimas
décadas do século XX - 1980/1990, a Sexualidade foi inserida na escola, pelos sistemas de
ensino, como uma forma de veicular o sexo pela instância discursiva da sala de aula.
Concebida como Orientação Sexual e denominada por nós, nesta pesquisa, de Educação
Sexual.
Nesse sentido, embora as autoridades reconheçam a Sexualidade como
constituição básica intrínseca do ser humano, não podendo ser isolada de outros aspectos da
vida, conforme prescreve a Organização Mundial de Saúde (OMS), embutido em sua
noção o discurso da necessidade. A pessoa precisa produzir para manter-se como ser
psicológico, biológico, social e espiritual. Dessa forma, criam-se mecanismos de manutenção
e promoção da sexualidade saudável, de modo que os indivíduos não tragam danos ao capital
e ao trabalho. E, para tanto, é a escola que se responsabiliza com a preparação profissional
quase sempre é requisitada, conforme observaremos a seguir.
Com a intenção de diminuir o índice de gravidez na adolescência e expandir as informações
sobre a AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, na década de 1990 o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) normatizou as atividades de Educação Sexual nas escolas por um
documento que estabelecia os parâmetros a serem incorporados pelos estabelecimentos de
38
ensino em âmbito nacional (BRASIL, 1998). Nessa mesma década, os preceitos do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/1990) exigiram ações que viabilizassem a
promoção e a defesa dos direitos dessa população e foi criado o Programa Nacional de
Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (PRONAICA/MEC - Lei 8.642/1993),
recomendando-se: “A inclusão da prática da Educação Preventiva Integral nos conteúdos
curriculares da educação infantil, fundamental e de nível médio.” (BRASIL, 1994, p. 44).
Inserimos nessa perspectiva a busca e a defesa dos direitos sociais, em relação
às grandes lutas que, nos últimos dois séculos, puseram em jogo as questões de poder. Sem
intenção de recobrar os antigos direitos ou trazer de volta a Idade de ouro, as sociedades
não esperam o salvador dos pobres. “[...] o que é reivindicado e serve de objetivo é a vida,
entendida como a necessidade fundamental, a essência concreta do homem, a realização de
suas virtualidades, a plenitude do possível.” (FOUCAULT, 2007, p. 136).
Pouco importa se a defesa da vida, para alguns, pareça utopia, mas na análise
do autor a defesa da vida, enquanto um objeto político, tornou-se motivo de disputas muito
maiores que o próprio direito, ainda que as lutas políticas se formulem através de afirmações
do direito: temos, assim, o direito à higiene da casa, dos alimentos, do corpo; à saúde; à
felicidade; à educação; e, acrescentamos, à Educação Sexual. Quanto a esta última, muitos
movimentos sociais, lutas, conquistas e debates polêmicos aconteceram no Brasil, em alguns
momentos da história, (BARROSO; BRUSCHINI, 1982; MATANÓ, 1990; FIGUEIRÓ,
1995). Notamos uma correlação de forças com vistas a “[...] introdução da temática
sexualidade em programas regulares de rádio e televisão, a promoção de conferências e outros
eventos acadêmicos, o surgimento de críticas e de condenação, etc.” (LOURO, 1997, p. 129).
Trata-se de reivindicações realizadas pela saúde higiênica, pelos grupos
feministas, por associações de professores, por pais, e outros. Foram esses movimentos que
lentamente conseguiram sensibilizar uma ínfima parcela de representantes dos três diferentes
níveis hierárquicos da nossa estrutura político-administrativa, a saber, o federal, o estadual e o
municipal.
Parece factível refletir sobre o que motiva a utilização da escola para abrigar no
seu interior ações educativas na área da Sexualidade. Mecanismos de poder estão em jogo
quando se pretende instituir na escola um saber sobre o sexo. No âmbito desse pensamento,
nas análises dos resultados dos Grupos de Estudos trabalhados por Figueiró (2006), a
pesquisadora levanta e discute algumas questões que acredita serem necessárias a uma
reflexão sobre por que e para que colocar em prática programas de Educação Sexual na
escola. No primeiro caso, o por quê significa que o profissional deve estar ciente dos motivos
39
que justificam um trabalho dessa natureza. Enquanto isso, entender o para quê possibilita
refletir aonde se quer chegar com uma prática desse teor. Então, estas definições podem ser
contempladas pela concepção ou teorizações que embasarão o trabalho de Educação Sexual
em uma dimensão mais ampla, seja de ordem política, emancipada ou pedagógica.
Louro (1997), convocando os educadores a refletirem sobre o tipo de
abordagem que está embutida ao conduzirem o trabalho de Educação Sexual nas escolas,
lembra que, além dos aspectos ligados à reprodução e à saúde, pode-se enunciar outras formas
de envolvimento da pessoa, a exemplo do cultivo do respeito e da valorização de si e do outro.
Em outra obra a autora discute a questão, assim se manifestando:
A sexualidade que “entra” pela escola parece estar sitiada pela doença, pela
violência e pela morte. São evidentes as dificuldades de educadora e educadores,
mães e pais, em associar a sexualidade ao prazer e à vida. Parece mais fácil exercer
uma função de sentinela, sempre atentos/as à ameaça dos perigos, dos abusos, ou
dos problemas. (LOURO, 1997, p. 46).
Aspecto que pode conduzir a apreciação da Sexualidade como algo prazeroso e
indissociado do sinônimo de enfermidades. Nesse viés analisamos, se cada sociedade tem o
seu regime de verdade, consideramos que os conhecimentos, os argumentos ou pontos de
vista que circulam no meio educacional e no âmbito social como um todo contribuem na
elaboração de RS pelos profissionais pesquisados. São conceitos e definições que podem
repercutir na forma de constituição dos saberes dos docentes, com implicações na forma como
guiam suas práticas ao tratarem de Sexualidade e de Educação Sexual na escola.
Elementos que se traduzem em referentes, contribuem para explicar aspectos
da tecnologia e da evolução científica, em especial quando da introdução à Educação Sexual
visando práticas preventivas, tanto das doenças quanto da gravidez precoce entre os jovens
escolares. Diante dessas asserções, concebemos o estudo da Sexualidade uma questão de
direito, porque cabe aos jovens as informações sobre sexo e porque os saberes envolvem a
qualidade de vida deles e de outras pessoas. Dentro dessa visão, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN-BRASIL, 1998) incluem a questão da cidadania como proposta implícita e
artifício regulador da Sexualidade, por meio das orientações de controle da natalidade.
O conceito de cidadania nos PCNs apresenta-se em uma visão dita ampliada,
sendo ela entendida não apenas como participação política, mas também como participação
social em seus mais diversos aspectos. Conforme preconizam esses documentos, a idéia de
construção da cidadania é tarefa da escola, que deve promover estudos sobre o trabalho, os
cuidados com o corpo e com a saúde e a preservação do meio ambiente. Essas questões vão
além da Educação Sexual, porém todas se encontram no mesmo âmbito conceitual.
40
Os PCNs objetivam que os jovens sejam capazes de conquistar e exercer a
cidadania, que eles tenham domínio sobre os saberes ligados ao meio ambiente, à saúde, à
sexualidade, a questões éticas, como a igualdade de direitos entre os homens, a dignidade do
ser humano e a solidariedade.
Neves (2003) considera a relevância da formação de pessoas no espaço
específico da escola. No entanto, a autora analisa que essa compreensão esbarra em outros
fatores, como a infra-estrutura; a ausência, em algumas escolas, de uma cultura escolar
propiciadora de discussões, reflexões acerca da prática pedagógica cotidiana; e a própria
formação do professor, que nem sempre dispõe das condições para que ele seja o construtor
do seu próprio trabalho junto aos alunos.
Neste sentido, como pensar uma Educação Sexual que objetiva a cidadania, se
não um comprometimento com a formação e a valorização dos profissionais que fazem
essa educação. Aliados a esta preocupação estão as técnicas pedagógicas, conforme defende
Rena (2001). Partimos do conceito de cidadania pensado-a como estratégia para a construção
e a transformação social daquela educação que se formula nos aparatos da cultura e da
consciência. A cidadania comunga com a concepção apresentada nos Parâmetros, porém
alguns posicionamentos trazem contradições que emergem da prática.
Na visão de Jovchelovitch (2008) a participação pode ser uma ferramenta
poderosa na promoção da conscientização. Essa categoria de ação se faz pertinente nesta
discussão, tendo em vista a capacidade de os jovens realizarem suas escolhas e responderem
por elas. Através da conscientização, os escolares podem e devem estar imbuídos do interesse
de se envolver na busca de informações sexuais. Na escola, os docentes são aqueles que
desenvolvem atividades que possibilitam ampliar o sentido do ser pessoa dotada de desejos,
de sonhos, de fantasias e envolvida em uma relação por amor e nem sempre pela dor, pela
discriminação à diferença.
Retomamos o aspecto da Sexualidade enquanto uma questão biopolítica,
segundo identifica Foucault (2007), o qual respeita, portanto, os elementos do discurso
biológico que interferem não somente nas decisões políticas, mas também na história. Dessa
maneira, como já enfatizamos, a ambiência social anunciada nesses dois últimos decênios,
marcada pela demanda por atendimentos à prevenção das Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DSTs) e da AIDS, bem como a preocupação com o aumento de casos de
gravidez na adolescência, são intervenientes motivadores da implantação oficial da Educação
Sexual entre os temas transversais: Ética, Saúde, Cidadania, Meio Ambiente, Pluralidade
Cultural, dentro da área Convívio Social e Ética.
41
Além desse determinante, iniciado em 2003 e intensificado nos primeiros anos
deste século, com o mesmo objetivo, o enfoque da prevenção das DSTs e da AIDS em escolas
públicas do Brasil, o Governo Federal lançou o programa Saúde e Prevenção nas Escolas
(SPE). Esse projeto, de cunho nacional, é coordenado pelos Ministérios da Saúde e da
Educação, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
De acordo com a coordenadora do Programa (BRASIL, 2007), deu-se início à
formação de jovens como multiplicadores do tema Sexualidade, em questão. Também foram
capacitados os profissionais de saúde e educação para trabalharem conteúdos prioritários. Isso
ocorreu por meio de oficinas regionais oferecidas em diferentes cidades e capitais da
federação.
A participação dos jovens, em geral, ocorre por indicação do Grupo Gestor
Estadual, sendo eles considerados referências para a disseminação das atividades nas escolas,
principalmente aquelas que já desenvolvem o programa de prevenção.
Sendo assim, em âmbito nacional, conforme o relatório, o SPE está implantado
em cerca de 400 municípios do território nacional (BOLETIM, 2008). Em junho de 2008, foi
divulgada a III Mostra Nacional de Saúde e Prevenção nas Escolas, realizada em uma das
capitais do Sul do país. Dentre os temas discutidos, como estigma, discriminação, direitos
sexuais e reprodutivos, a maior ênfase foi dada aos debates sobre a disponibilização de
preservativos nas escolas públicas. Além das esferas governamentais públicas, notamos, a
presença nesta mostra de outras instituições que desenvolvem programas de saúde sexual. É o
caso das Organizações Não-Governamentais (ONGs), que trabalham focalizando essa questão
na tentativa de desenvolverem projetos em parceria com a escola. Sobre o papel dessas
agências nesse contexto, Bonato (1996) realizou algumas análises e concluiu que: “[...] nem a
escola nem a família estão dando conta desta responsabilidade, precisando da ajuda de um
terceiro ‘agente educador’, provavelmente as ONGs. [...] ainda constituem, atualmente, em
mais um dispositivo para falar e fazer falar de sexo, ganhando espaço junto ao Estado.”
(BONATO, 1996, p. 112).
O conjunto desses resultados levou-nos a buscar no nível institucional a
existência de diretrizes que procuram nortear o trabalho de Educação Sexual nas escolas de
Cuiabá. Realizamos uma visita à Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso e
mantivemos contato com um grupo de funcionários envolvidos no Projeto Educação e Saúde,
os quais nos forneceram alguns materiais para leitura, entre eles o Programa Saúde e
Prevenção nas Escolas (SEDUC-MT, 2006), amparado nos mesmos moldes e objetivos
42
delineados em nível federal. Na prática, por ocasião das visitas às escolas pesquisadas, não
obtivemos notícias de como aconteceu o trabalho. Procuramos pessoas envolvidas, mas houve
dificuldades de acesso aos dados. De modo que não possuímos em mãos resultados desta
intervenção.
Temos, então, ações denominadas educativas na forma de projetos
intersetorizados que visam discutir o papel da prevenção nas escolas e sua integração com os
serviços de saúde. Logo, essa perspectiva parece fornecer contribuições para a manutenção
das discussões sobre Sexualidade, a partir da ênfase nas verdades informativas, científicas e
biológicas, apoiando-se nos possíveis mecanismos de contenção de danos e riscos como
elementos que constituem matéria para uma possível prática de Educação Sexual. Porém, a
Sexualidade, se associada a doenças, pode contribuir para criar um clima de medo.
A preocupação dos governantes com a população propiciou a busca pela
compreensão do sexo como um objeto de disputa pública na relação do poder e dos
conhecimentos que dele se emana. Para tanto, lançou-se mão da implantação de técnicas, em
especial, as disciplinares.
Segundo Foucault (2007), foi assim que o dispositivo de Sexualidade passou a
fazer parte do discurso segundo o qual o sexo não deve ser condenado, escondido, carecendo,
sim, de ser administrado, inserido em um sistema de utilidade e regulado para o bem de todos.
Este aspecto de alguma forma influencia a dimensão subjetiva.
É por isso que, no Século XIX, a sexualidade foi esmiuçada em cada existência; [...]
foi desencavada nas condutas, perseguida nos sonhos, suspeitada por trás das
mínimas loucuras, [...] tornou-se a chave da individualidade. (FOUCAULT, 2007, p.
159).
Além da argumentação em defesa da necessidade efetiva de se atrelarem aos
conteúdos das disciplinas escolares questões relacionadas a sexo, a exemplo dos riscos de
contaminação pelo vírus HIV e DSTs, bem como da incidência de gravidez indesejada entre
essa população, outras verdades passaram a ser propaladas como tentativas de dar visibilidade
aos ensinos de sexualidade na escola. Tudo por meio do discurso do sexo no campo das
relações de poder, que legitimaram o meio escolar como espaço de defesa da política da vida.
Perceber a escola enquanto dispositivo de Sexualidade significa pensá-la em
suas implicações com o poder nas múltiplas conexões dele com o saber. Conforme esclarece
Costa (2002, p. 14), ela (a escola) é concebida: “[...] como uma esfera em que estão em jogo
as articulações políticas, sociais e econômicas imbricadas na produção e disseminação dos
códigos culturais hegemônicos”.
43
No contexto em que viemos analisando a escola, nossas ponderações podem
soar muito genéricas, mas arriscamos dizer que ela vem servindo de estratégias de controle de
doenças e de contenção de problemáticas decorrentes do envolvimento sexual precoce.
Intencionados em diluir informações preventivas entre os jovens, não podemos esquecer,
como diz Foucault, que as instituições se revestem, incrustam de microrrelações de poderes
que fazem com que as estratégias formulem efeitos novos que, às vezes, não tinham muita
relação com o objetivo inicial.
Assim, entendemos com Bonato (1996) que a escola se apresenta como um
dispositivo de Sexualidade para atacar um momento histórico determinado. Por outro lado, os
professores, supostamente responsáveis em educar para a conscientização, conduzindo
diálogos e reflexões, legalizam a ação ao atuarem como coadjuvantes no processo de
transmissão dos conhecimentos sobre sexo. Entretanto, além do controle de natalidade, o sexo
é medicado pela distribuição de preservativos, realizados pelos profissionais da saúde.
Apesar de consideramos que o acesso às questões relativas a uma vida saudável
é fundamental, a Educação Sexual que se efetiva não tem sido uma responsabilidade somente
na realidade das escolas brasileiras. A inserção da questão biopolítica que engendra o poder, a
história e o saber é também uma realidade nas escolas francesas. Altmann (2005) sintetiza
algumas verdades por meio de três aspectos: a educação para a saúde tem sido uma
preocupação imposta à escola pelo viés pedagógico, que visa envolver o aluno na gestão de
sua saúde; o científico, que tem por finalidade educar para o bem-estar; e o político, que se
associa a uma visão coletiva de educação - como fosse educação e cidadania. Nesse âmbito,
escamoteiam-se as práticas de ensino de Educação Sexual, com vistas a atingir a pessoa em
sua totalidade; enquanto ser biológico e afetivo, isso não se estabelecerá se a contribuição da
escola consistir apenas no exercício da função cognitiva do indivíduo, conforme nos adverte
Pinto (1997).
Quanto às instituições que normatizam a proposta referida, elas parecem
desconsiderar a condição da escola no tocante à profissionalização dos professores para o
desempenho do trabalho de Educação Sexual, condição ligada à qualificação dos docentes,
conforme expressam resultados de pesquisas em Paredes e Coutinho (2005); Figueiró (2006);
Oliveira (2001). Nesse caso, a implantação de tecnologias que investem sobre o tema
Sexualidade nos currículos, objetivadas na perspectiva da saúde sexual, pode ser uma
estratégia que o poder utiliza para incitar as discussões quanto ao despreparo dos profissionais
a esse respeito, no âmbito das instituições de ensino.
44
Visando efetivar a proliferação dos assuntos da Sexualidade no meio escolar,
argumentos e discursos são veiculados na mídia sobre o surgimento de novas aparelhagens,
como máquinas de preservativos para escolas blicas do país, notícia veiculada no ano de
2008. Máquinas essas produzidas pelo Governo Federal, iniciativa amparada no teor
significativo dos dados da pesquisa de avaliação do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas,
realizada, em 2006, pela UNESCO (2007), os quais indicaram que 90% dos estudantes, 63%
dos pais e 58% dos professores aprovam a disponibilização de preservativos no meio escolar.
Com tais equipamentos, tem-se por finalidade cumprir os mesmos objetivos estabelecidos
para as ações de combate à AIDS e outras enfermidades sexuais, propiciar o acesso à
Educação Sexual nas escolas e incentivar o uso de preservativos.
Compreendendo que os discursos são geradores de representações sociais e que
estas contribuem para guiar as práticas instituídas da e pela realidade social, fazemos alusão a
(1998, p. 3), que diz: “Como materialidade, os discursos criam realidade, transformam e
recriam o mundo constantemente. Eles não são feitos para que se acredite neles, mas para
obedecer e fazer obedecer”. A realidade do discurso propicia o entendimento de que o
essencial é propalar o sexo por meio do dispositivo de Sexualidade, havendo uma crescente
valorização das conversas sobre o tema. Importa pensar, porém, respeitando a proposta de
redução de danos, se somente pela distribuição do látex é possível solucionar o problema da
prevenção das DSTs e da AIDS?
Associada a esta situação pode estar a questão da imaturidade emocional dos jovens
ao dar início às suas práticas sexuais e o despreparo dos docentes para lidar com o
assunto, ainda um tanto envolvido em preconceitos e mesclado de interditos.
(OLIVEIRA; SOUSA, 2008, p. 182).
Nesse norte, convém assinalar que os discursos são blocos táticos no campo da
correlação de forças, conforme analisa Foucault (2007, p. 112):
O discurso veicula e produz poder: reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e
permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão guarida ao poder,
fixam suas interdições; mas também, afrouxam seus laços e dão margem a
tolerâncias mais ou menos obscuras. (FOUCAULT, 2007, p. 112).
No entendimento do autor, o combate à masturbação, realizado no passado, não
tinha a finalidade de proibir e sim de constituir uma rede de poder sobre a infância, através da
Sexualidade infantil, que subitamente ganhou importância e revestiu-se de mistério.
Confrontando-se àquelas práticas pedagógicas alguns resultados de pesquisas
mais recentes versam sobre as dificuldades de compartilhamentos do assunto Sexualidade
entre professores e alunos, já que são cerceados por interditos e preconceitos, conforme
45
analisam Altmann (2005); Paredes, Pagan e Cândido (2006). A questão é saber como o estado
de infortúnio é explicitado: se pela incitação do discurso de Sexualidade que vem de fora -
Faça sexo, mas use camisinha -, se pelo mutismo instaurado entre docentes e discentes
envolvidos e que dão abrigo ao poder do interdito.
Pensar a Educação Sexual em ambiência escolar e na perspectiva da mediação
do poder-saber, pode contribuir para tornar o sujeito autônomo capaz de entender seus valores
pela via da consciência. Ao identificar as RS e as atitudes guiadas por elas, a pessoa adquire
certa liberdade para refletir e desvencilhar-se dos preconceitos, das crenças e das amarras
morais, linhas restritivas que, às vezes, impedem o exercício da sua Sexualidade e ofusca o
seu direito de cidadania.
Nesta linha de análise sobre o sexo, inicialmente, FOUCAULT (1992) o chama
de um objeto imaginário, depois parece pensado como algo produzido pelo dispositivo de
sexualidade.
É pelo sexo, com efeito, ponto imaginário fixado pelo dispositivo da sexualidade,
que cada um deve passar para ter acesso à sua própria inteligibilidade […] à
totalidade de seu corpo […] à sua “identidade.” (FOUCAULT, 1992, p. 141).
Uma Educação Sexual mediada pela construção da subjetividade, a partir de
uma relação inteligível e acessível, pode propiciar aos alunos e professores melhor
convivência consigo mesmos e com os outros, capacitando-os a reconhecerem suas fronteiras
e limitações pelo eixo da comunicação dialógica. Sendo essa a base do relacionamento,
conseqüentemente se viabiliza o exercício de cidadania. Concepção partilhada pelo
pensamento de Nunes (2003, p. 161) que alude à necessidade de uma atitude política que
busque “[...] romper com o pensamento dominante sobre sexualidade, que pretende reduzi-la
a um amontoado de noções biologistas, instintivas ou institucionais morais.”
Para tanto, faz-se necessário que os professores desenvolvam certa coragem
política, pois, estas questões podem não ser tão facilmente aceitas. Nesse sentido, a Educação
Sexual pode apresentar função preponderante, pois parece ligada à capacidade de desenvolver
a consciência para a prática da liberdade (FREIRE, 1983).
Foucault (1971) também preconiza essa libertação, ao assinalar a educação
como um direito, ao tornar-se como um instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma
sociedade como a nossa, de origem pautada nos preceitos da confissão ocidental, pode ter
acesso a qualquer tipo de discurso, entre eles, o direito a informações sobre sexo para ter uma
formação adequada.
46
Esses referenciais levam-nos à reflexão de que não existe receita ou modelo
para a prática da Educação Sexual na escola. Porém, os aspectos teóricos mencionados
permitem concebermos a Sexualidade além de sua função informativa, preventiva e
transversal ou além do corpo disciplinado (NUNES, 2003). Entretanto, precisamos reconhecer
que estamos diante do dispositivo de Sexualidade que investe, modela e constrói corpos
sexuados.
Todo sistema de educação funciona como uma estratégia política por meio da
qual se mantêm ou se modificam os discursos, juntamente com os saberes e os poderes que
estes trazem consigo (FOUCAULT, 1971). Essa idéia conduz-nos a entender a apropriação da
escola como espaço de ritualização da fala, em que se qualifica e se fixa o papel do sujeito
falante.
Historicamente, um dos papéis da escola é conscientizar o sujeito, conduzi-lo a
compreender quais são os saberes que foram construídos e cotejá-los com os valores. Em um
sentido mais amplo, a escola tem a função de disseminar a igualdade, a solidariedade, a
construção de cidadania, segundo os princípios da LDB (1997). Quando observamos as
tecnologias terminais de poder utilizando-se de mecanismos sutis que investem no corpo
tecnologias em prol da defesa da saúde dos cidadãos, tendo a escola como suporte, parece-nos
que essa educação não está realizando o papel de conscientizar os jovens escolares nas
questões fundamentais das relações humanas.
Assim, importa atentar para as estratégias que direcionam a Educação Sexual
para uma perspectiva médica, o que contraria a sua função mais ampla, que seria promover o
desenvolvimento e a formação dos sujeitos para o exercício da cidadania na sociedade.
Se não discutirmos as relações de poder e de igualdade entre homem e mulher,
as possibilidades e os limites, a diversidade e o desenvolvimento, talvez não estaremos
formando cidadãos. A propósito, Freire (1987) compreende que não como falarmos em
cidadão só pelo fato de este ter aprendido a ler, pois a leitura efetivamente libertadora subjaz a
decodificação do mundo.
Pelos PCNs, os professores detêm o espaço para discutir a Sexualidade.
Contudo, é preciso conhecer se eles se consideram profissionais capacitados para educar
sexualmente os alunos. A análise dos discursos adquiridos por meio das entrevistas pode
possibilitar uma compreensão do modo como realizam sua práxis profissional, entendida
como a unidade entre pensamento e ação, em um contexto densamente disputado por outras
demandas, como vimos.
47
Por isso, para examinarmos os saberes referentes à Sexualidade, que atuam no
cotidiano dos professores e que orientam suas ações de Educação Sexual, utilizaremos o
arcabouço da TRS, que nos dará acesso às Representações Sociais.
48
1.3. Teoria das Representações Sociais
1.3.1. Relações entre representações sociais e comunicação
As Representações Sociais (RS) são elaboradas na vida cotidiana, por meio da
linguagem e das interações comunicativas estabelecidas entre os sujeitos, que, inseridos em
determinada realidade social, criam suas próprias teorias para entendê-la. Nesses termos, as
pessoas e os grupos sociais não são receptores passivos; pensam por si mesmos, compartilham
seus pensamentos relacionados à maneira de compreenderem o mundo, em que imagens e
símbolos servem para solucionar algum problema ou para interpretar o meio em que
interagem.
Um dos aspectos distintivos na Teoria das Representações Sociais (TRS) é a
importância atribuída por Moscovici (1978) ao enfatizar osnculos entre a comunicação e as
RS. Na comunicação as palavras mudam de sentido de uso e de freqüências e os conteúdos
adotam outra forma. Nesse processo de partilhar idéias quando os léxicos são transpostos de
um conceito para outro, constituem-se em entidades coletivamente criadas por meio de
hábitos linguísticos.
A esse respeito, Moscovici (2003) observa:
A tendência, pois, em transformar verbos em substantivos, ou o viés pelas categorias
gramaticais de palavras com sentidos semelhantes, é um sinal seguro de que a
gramática está sendo objetivada, de que as palavras não apenas representam coisas,
mas as criam e as investem com suas próprias características.
(MOSCOVICI, 2003,
p. 77).
Nesse processo de interação, dirigimos a atenção para os elementos simbólicos,
as imagens e os vocabulários sociais.
[...] Uma comunicação jamais reduz uma informação de forma inalterada. Ela
diferencia, traduz, [...], combina, assim como os grupos inventam, diferenciam e
interpretam os objetos sociais ou as representações sociais de outros grupos.
(MOSCOVICI, 1978, p. 29).
Jodelet (2001) enfatiza as razões pelas quais o propositor desta teoria insistiu
na ênfase ao papel da comunicação social: primeiro por ser esta considerada objeto de estudo
da Psicologia Social, contribuindo para a abordagem dos fenômenos cognitivos; segundo por
desempenhar um papel importante nas trocas e compartilhamentos, possibilitando a criação de
49
um universo consensual; terceiro por se vincular a fenômenos de influência e de pertenças
sociais relevantes para a elaboração de sistemas intelectuais.
Construindo um entendimento sobre o modo como se formam as RS, Jodelet
(2001) nos apresenta o contexto do surgimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
3
(AIDS) que tem repercutido socialmente no mundo. Inicialmente, nos anos de 1980, quando
apareceu, as pessoas depararam com um tipo de doença que não estava muito esclarecida na
sociedade. Assim como no cotidiano, é uma atitude comum entre as pessoas, diante de um
fenômeno requererem e darem explicações sobre as questões ou catástrofes à sua volta, no
exemplo mencionado, os interlocutores sociais buscam aclarar a enfermidade, partindo dos
elementos do seu universo de conhecimento para entender do que se tratava.
De alguma forma, ao tentarem dar respostas ou significados à novidade por
meio da comunicação, à medida que a AIDS impôs-se à ausência de respostas dentro do
grupo, este buscou formas familiares, conhecimentos preexistentes para entendê-la. As
conversações foram então adquirindo formas que podem ser ditas de diferentes maneiras,
englobando valores, atitudes, opiniões, que, por sua vez, podem envolver crenças, metáforas e
imagens.
Tornando, pois, ao propósito desta pesquisa - conhecer as Representações
Sociais da Sexualidade e da Educação Sexual junto a um grupo de professores de escolas
públicas - os embasamentos teóricos aqui referidos nos possibilitam compreender o que eles
pensam sobre a temática e de que forma esses conhecimentos estão orientando suas
experiências no trato à questão no cotidiano escolar.
Partimos do princípio de que as palavras expressam os significados que lhes
atribuímos. Portanto, daremos atenção ao aspecto simbólico da comunicação, interessando-
nos o conhecimento elaborado e partilhado que se situa no polo de uma dimensão
propriamente psicossocial, que em sua produção combinam-se processos psicológicos e
sociais. É nesta perspectiva que tecemos alguns comentários sobre RS e comunicação,
partindo do entendimento sobre a antinomia da dialogicidade. Pensar em antinomia é uma
forma de fazermos distinções entre as coisas da natureza e do mundo. Significa pensar em e
por oposição, em polaridades e dualidades. Enfim, é a capacidade intelectual de
classificarmos as coisas e estabelecermos diferenças entre termos como direita e esquerda,
claro e escuro, interior e exterior e outros.
3
Acquired Immunity Deficiency Syndrome (AIDS)
50
Dentre outras proposições teóricas, Marková (2006), elabora o conceito de
dialogismo definido como uma epistemologia da cognição humana e da comunicação. Desde
que nascemos fazemos nosso mundo pela linguagem do Outro. O Eu é orientado de acordo
com o mundo do Outro. Aprendemos as palavras dos outros, cujo mundo multifacetado e
ambíguo torna-se parte da nossa própria consciência. Inserimo-nos em sua cultura e, de certa
forma, orientamos nossa vida pela vida dos outros. De outro modo, o Eu não existiria sem o
Outro. Na relação Alter-Ego, ambos são interdependentes, um constitui o outro.
Então, a dialogicidade gera tipos diversos de pensamentos e de comunicação.
Marková (2006) formula o entendimento de dialogicidade e RS, ao afirmar que o diálogo é,
por conseguinte, a forma que os humanos encontram para expressar suas atividades
simbólicas.
[...] a dialogicidade é a capacidade fundamental da mente humana em conceber,
criar e comunicar sobre as realidades sociais em termos do Alter [...]. Somente
quando chegamos à antinomia Alter-Ego é que o nosso argumento a respeito da
natureza universal do pensamento e da comunicação pode ser revertido.
(MARKOVÁ, 2006, p. 128).
Nesse sentido, a dialogicidade ocupa-se com a existência humana e com a
existência comunicativa, e isso nos leva a analisar que os objetos físicos e naturais não estão
em relação interativa com os humanos e, portanto, não se associam ao que é dialógico. O que
constitui esta capacidade é a interação da ordem Eu-Outro que, por sua vez, não são neutras.
Ela acontece estabelecendo-se mediante avaliações, julgamentos, paixões pelo objeto, de
modo que ambos imprimem sua posição na relação.
A dialogicidade é uma comunicação aberta, multifacetada e pode ser
representada por muitas palavras. A exemplo, Marková (2006) nos informa que nas décadas
de 1970 e 1980 acreditava-se que médicos e clientes envolvidos em diferentes tipos de
problemas deveriam receber informações imparciais. Entretanto, na perspectiva em que a
comunicação é dialógica não pode ser reduzida a ação neutra, pois as pessoas têm a
capacidade de ouvir atentamente, interpretar mensagens, ler mensagens de acordo com o que
foi ou não falado. Desse modo, torna-se muito difícil transformar a dialogicidade em campo
de neutralidade.
No sistema de comunicação, para os interlocutores conseguirem transmitir uma
mensagem, um impõe seus próprios significados para o outro, mas isso não significa que a
dialogicidade seja uma fusão. Para realçar essa idéia, Marková (2006) analisa que a
linguagem é o veículo do pensamento, concepção na qual pensar e falar não podem ser vistos
como processos equivalentes. Se o pensamento é comunicável, então, deduz a autora, somos
51
capazes de combinar e usar nossas capacidades intelectuais de diversas maneiras, para
exprimir nossas idéias por meio de palavras, símbolos, gestos.
A capacidade de pensar racionalmente e de comunicar constitui o potencial para o
pensamento de senso comum. Poderíamos dizer então que a racionalidade não é uma
racionalidade individual, mas sim uma racionalidade dialógica. (MARKOVÁ, 2006,
p, 195).
Desta maneira, como se forma o pensamento ou como é que pensamos? Do
ponto de vista filosófico, existem duas formas de conhecer: as idéias do senso comum e as do
conhecimento científico. As primeiras são consideradas conhecimento universal, pois são
provenientes das mentes de todos os indivíduos, e tornam-se assim, um produto do coletivo,
popular e relativista. Enquanto o conhecimento científico representa a razão, este pertence à
cultura comum. As verdades da ciência são consideradas superiores, sendo produzidas por
pessoas educadas de maneira especializada, e os produtos deste saber provêm de pesquisas
feitas em laboratórios ou em campos de pesquisa. A racionalidade segue os princípios de que
os conceitos científicos têm que subscrever as mesmas regras, rejeitam a contradição e devem
levar em conta a lógica do argumento.
Em uma pesquisa social científica, entretanto, o conhecimento de senso comum
contribui para formar uma enorme fonte de idéias e de imaginações. Por isso, Moscovici
(2003) diz que as duas formas de pensar coexistem e se complementam.
Nesta pesquisa, parece-nos fundamental incluir a noção da comunicação,
enfatizando a dialogicidade nos domínios das conversações do dia a dia, pois, de certa forma,
o que as pessoas dizem delineia o que elas pensam. Na medida em que esses pensamentos são
comunicados, compartilhados, produzem RS. Conseqüentemente, estas contribuem na
formação das condutas humanas.
O conhecimento popular oferece-nos um campo privilegiado de exploração,
porém, nem sempre foi assim tão simples de ser reconhecido. Existem questões
epistemológicas e históricas envolvidas e que não aprofundaremos aqui. Por ora,
intencionamos entender que existem relações entre o conhecimento de senso comum e as
representações sociais.
Desde que viemos ao mundo da sociedade e da cultura, adentramos no saber
que nos enreda com as diversas formas de pensamento, de sabedoria, de comunicação e nos
guia em conversações ao longo da vida. A TRS estuda e constrói teorias acerca de fenômenos
sociais que se tornaram alvo de interesse público. “As representações sociais de fenômenos
específicos, [...] estão enraizadas ou inter-relacionadas com várias práticas sociais e com
52
discursos profissionais e científicos [...] e pelo conhecimento de senso comum”.
(MARKOVÁ, 2006, p. 2002).
A importância desta breve resenha sobre o senso comum e o conhecimento
científico respeita à contribuição de Moscovici (1978; 2003) em reabilitar o conhecimento
comum no contexto desta teoria. Tratando-se de produtos do conhecimento, enquanto o de
senso comum existe em todas as partes, no discurso, na linguagem, nos folguedos e são
desenvolvidos a partir das conversações, os regimes de saberes científicos são estudados a
partir das análises das teorias que a ciência examina, experimentando dados relevantes,
revisando bibliografias de pesquisas e outros. A dialogicidade desempenha um papel essencial
nesse processo, contribuindo com o desenvolvimento do conhecimento espontâneo, do saber
comum, acumulado no cotidiano. Como referimos, Moscovici (1978) assegura que esse
conceito é fundamental para a ciência e a filosofia, pois é da sua inocência, de suas ilusões, de
seus arquétipos e pré-concepções que elas extraem seus materiais para a construção de suas
teorias.
Consideramos importante retomar alguns aspectos históricos da construção do
conceito de RS, introduzidos aproximadamente meio século, com a publicação da obra
Psicanálise et son public, de Serge Moscovici (1978). Na época, década de 1960, na França, a
Psicanálise era alvo de interesse público, e o assunto partilhado por meio de trocadilhos e
metáforas empregadas na linguagem diária das pessoas. Em suas investigações, Moscovici
(1978), procura averiguar que imagem o grande público faz de uma disciplina científica e
técnica quando ela sai do domínio dos especialistas e espalha-se no discurso cotidiano das
pessoas comuns. De outra forma, o problema do autor é compreender como o conhecimento
científico é transformado em conhecimento espontâneo, concluindo que, quando integrado ao
conjunto de informações mais familiares e compartilhadas nas conversações, aquele primeiro
é utilizado no cotidiano para explicar, interpretar e guiar condutas humanas.
A Teoria das Representações Sociais (TRS), portanto, situa-se no seio da
Psicologia Social, e uma das contribuições para esse campo do conhecimento refere-se
principalmente à maneira de pensar o homem como um ser social e histórico, cujo
conhecimento nasce da interação e dos processos de troca com o outro e com a natureza.
Então, qualquer fenômeno pode se transformar em objeto de representação
social? A TRS estuda tipos específicos de representações, constrói conhecimentos a respeito
de objetos sociais que se tornaram, sem motivo aparente, alvo de preocupação pública. Em
geral, são fenômenos que causam tensão e provocam ações. Na disseminação dos discursos,
os objetos: “[...] podem se referir a diferentes tipos de Alter-Ego, isto é, a indivíduos, a grupos
53
ou sociedades que ativamente engajam em pensamentos e em comunicação sobre tais
fenômenos.” (MARKOVÁ, 2006, p. 203).
Sobre a finalidade das RS, Moscovici (2003) alerta que uma de suas funções é
tornar a comunicação relativamente não-problemática e reduzir o vago através do
estabelecimento de algum consenso entre seus membros, que, nesse processo, adquirem um
repertório comum para interpretar e explicar a vida cotidiana:
[...] as representações não podem ser conseguidas através do estudo de alguma
crença ou conhecimentos explícitos, nem ser criadas através de alguma deliberação
específica. Ao contrário, elas são formadas através de influências recíprocas, através
de negociações implícitas no curso das conversações, onde as pessoas se orientam
para modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados específicos.
(MOSCOVICI, 2003, p. 208).
Ainda sobre o objetivo, o teórico assegura que as Representações Sociais
buscam “[...] abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordens e percepções, que
reproduzam o mundo de uma forma significativa.”
(MOSCOVICI, 2003, p. 46). A
comparação das RS a uma folha de papel, ainda é um exemplo que se perpetua nas literaturas
originais na tentativa de mostrar as duas faces interdependentes das representações: uma que é
a reprodução nítida da idéia ou objeto e a outra, a face simbólica. Assim, representação é igual
a imagem e significação. Através de mecanismos mentais, o sujeito constrói a figura no
universo de suas percepções e lhes dá significado a partir da sua visão de mundo e da
interação social.
Em suma, um dos motivos que conduzem as pessoas na elaboração de
representações está ligado à tentativa de construírem uma ponte entre o estranho e o familiar.
O grupo social, por meio de um trabalho de memória, tenta solucionar os problemas ou
elucidar as novidades, acomodando-as a características já conhecidas. A partir de seu universo
de conhecimento, as pessoas integram as informações ao que lhes é mais familiar para
compreendê-las, dominá-las.
Desta forma compreendemos que as representações sociais têm dentre suas
funções, guiar as pessoas no modo de nomear, definir e interpretar os diferentes aspectos da
realidade e, às vezes, tomar decisões e posicionar-se frente aos acontecimentos da vida
cotidiana de forma defensiva.
54
1.3.3 Conceituando representações sociais
Anteriormente consideramos este constructo sobre RS como pensamentos em
movimento, pelo seu aspecto dinâmico e aberto, o que suscita, agora, uma reflexão sobre a
transformação e a formalização do seu conceito.
Para construir a base teórica do seu estudo, Moscovici (1978) busca
sustentação nos pensadores das Ciências Humanas e Sociais. Nesse sentido, o conceito de RS
chegou até nós por meio de Durkheim, que o formulou e empregou com o sentido de
representações coletivas. Do ponto de vista desse filósofo, as representações abrangiam uma
classe geral de idéias e crenças, que incluíam a ciência, o mito, a religião.
Na análise de Moscovici (2003) esses conhecimentos pertencem a outras
ordens do saber e cumprem outras funções na vida social. Assim, qualquer tipo de idéia,
emoção ou mística que ocorre dentro de uma comunidade, nela se inclui. O pesquisador
considera essa uma questão problemática, pois a intuição e a experiência têm mostrado que
quando estudamos algum fenômeno torna-se impossível cobrirmos um raio de conhecimento
muito amplo. Por outro lado, conhecimentos e crenças são heterogêneos de modo que as RS
são concebidas com um entendimento diferente.
Ao enfatizar aspectos que o levou à formulação das RS, Moscovici (2003, p.
46, grifo do autor) destaca duas premissas: “[...] as representações sociais devem ser vistas
como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós sabemos”. Desse
modo, um dos objetivos é considerar à parte elementos de uma totalidade e introduzir neles
sentidos e percepções, reproduzindo-os de maneira significativa. Tendo em mente que uma
representação sempre apresenta duas faces, a icônica e a simbólica, diz o autor que “[...] a
representação iguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem”.
Este autor chama a atenção ao uso da linguagem, que é carregada de
representações. A técnica da observação expressa os fatos tais quais existem e a linguagem da
lógica expressa os símbolos abstratos. Antes, no início do século XIX, as idéias - tanto as
coletivas quanto as da pesquisa abstrata - eram iguais para o senso comum e para a ciência.
Hoje, o mundo da nossa experiência e da realidade se rachou em dois: a linguagem não verbal
matemática e lógica se apropriaram da esfera da ciência e substituíram signos por léxicos e
equações por proposições. Em suma, “[...] o objetivo da ciência é tornar familiar o não-
familiar em suas equações matemáticas, como em seus laboratórios”. (MOSCOVICI, 2003, p.
60).
55
Moscovici (2003) apresenta dois universos para mostrar o lugar que as
representações ocupam em uma sociedade pensante. Antes, esse lugar era determinado pela
distinção que se fazia entre o domínio dos conhecimentos sagrados e profanos e, hoje, essa
diferença foi substituída pelo universo da ciência. No primeiro caso, a sociedade é uma
criação visível que se movimenta e tem sentido e finalidade, sendo vista como um grupo de
pessoas semelhantes e livres e que podem falar individualmente em nome da coletividade,
pois cada uma possui competência para atuar em todas as circunstâncias e não lhe é requerida
habilidade específica.
Esses mundos são institucionalizados nos bares, nos clubes, nas associações e
nas academias. O que faz os grupos prosperarem é a conversação, os discursos que criam
significância entre os praticantes. Nesses locais, as pessoas pensam em voz alta, expressam
suas opiniões e seus pontos de vista.
[...] pensamos e vemos por procuração, interpretamos fenômenos sociais e naturais
que não observamos e observamos fenômenos que nos dizem podem ser
interpretados [...] por outros, entenda-se. (MOSCOVICI, 1978, p. 21).
No segundo caso, do universo reificado, a sociedade é transformada em um
sistema de entidades sólidas, básicas, invariáveis, indiferentes à individualidade e não possui
identidade, pois o que predomina é o impessoal. O eu é substituído pelo nós, que se refere às
pessoas com as quais se relaciona. O pronome eles ganha a característica de um grupo do qual
se faz parte. Existe um sistema de diferentes papéis e classes: os brasileiros, os psicólogos, o
sistema político. O grupo de indivíduos é desigual, pois a competência do indivíduo é que
determina o mérito e o habilita a trabalhar como médico, como professor, como psicólogo.
Nesse grupo, trocam-se funções e classes dentro das organizações que estabelecem as normas,
as hierarquias e exercita-se uma linguagem própria.
Moscovici (2003) esclarece que o contraste entre os dois universos cria um
impacto psicológico, o que possibilita explicar que é pelas ciências que se compreende o
universo reificado, enquanto as RS se associam ao universo comum. Presumimos, então, que
as Representações Sociais fazem parte de um tipo de conhecimento menos sistemático, que
utiliza a negociação, o consenso e a aceitação mútua. Todavia, apesar das diferenças entre
ambos os modos de pensar, há algo em comum, pois baseiam-se na razão.
A segunda premissa respeita à crítica de que Durkheim, fiel à tradição
aristotélica e kantiana, possui uma concepção bastante estática dessas representações [...]”
(MOSCOVICI, 2003, p. 47, grifo do autor). Nesta perspectiva as representações agem como
suportes para muitas palavra ou idéias. O autor admite que as representações coletivas
56
referem-se a uma classe geral de idéias e crenças, fenômenos que necessitam ser descritos e
explicados, pois elas estão relacionadas a uma maneira específica de se compreender e
comunicar, a qual difere de uma esfera ou de uma sociedade para outra.
A plasticidade do observador contemporâneo em uma sociedade passível de
constantes mudanças permite ao teórico considerar as estruturas mais dinâmicas das
representações sociais, que se definem pelo seu caráter móvel e circulante, operando um
conjunto de relações e de comportamentos que surgem e desaparecem. Essa conjuntura traz
implicações para as RS que são históricas na sua essência e influenciam o desenvolvimento
dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos.
Moscovici (2003, p. 210) alerta para o fato de, às vezes, as representações
mostrarem seu lado estático, rígido, quando se revelam como teorias, fórmulas, chavões.
Focalizando, porém, as RS sob o ponto de vista da dinamicidade “[...] se apresentam como
uma ‘rede’ de idéias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente, por isso,
mais móveis e fluídas que teorias.”
Em outro momento Moscovici (1978) havia distinguido as representações,
qualificando-as de sociais pelo fato de serem produzidas coletivamente, não bastando definir
apenas quem ou porque são produzidas; indispensável se faz enfatizar suas funções, na
medida em que elas contribuem para a formação de condutas e orientam a comunicação
social.
Por isso Moscovici (2001) defende a necessidade de se reconstituir o senso
comum a partir da compreensão das bases em que as imagens e os sentidos são criados e sem
as quais nenhuma coletividade pode operar. Para tanto, busca definir mecanismos lógicos e
psicológicos que levam em conta uma ordem mental, revisando os estudos de Lévy-Bruhl,
que investigam as mentalidades nas sociedades primitivas e os referenciais de Jean Piaget
sobre a representação de mundo da criança. Ademais, suscitam o interesse do teórico as
proposições de Freud sobre as teorias sexuais infantis.
Moscovici analisa se a realidade das representações é cil de ser capturada,
não é o mesmo que acontece na formulação do conceito. Assim o autor define as
representações sociais:
[...] um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças
às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num
grupo ou numa ligação de trocas e liberam os poderes de sua imaginação.
(MOSCOVICI, 1978, p. 28).
Denise Jodelet (2001), sua colaboradora, afirma que a TRS sinalizou uma nova
etapa na história da Psicologia Social, à medida que possibilitou uma reflexão crítica dos
57
pressupostos positivistas e funcionalistas que explicavam as sociedades a partir das leis
naturais, do que é mensurável e independente da ação do homem.
Com Moscovici, outros teóricos e pesquisadores têm utilizado a teoria em
diferentes áreas de pesquisa das Ciências Humanas e Sociais, e, diante da fecundidade do
tema, Jodelet declara que foram realizados estudos sobre os mais variados objetos sociais,
como infância, economia, doença, profissões, trabalho, saúde e educação. A autora conceitua
RS como:
[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um
objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um
conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber
ingênuo, natural, essa forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do
conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo
quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora
dos processos cognitivos e das interações
sociais.
(JODELET, 2001, p. 22).
Conforme mencionamos anteriormente sobre a transformação da expressão
representações coletivas em Representações Sociais, Marková (2006) esclarece que houve
uma retransformação do conceito, juntamente com a transformação da teoria, que atualmente,
como teoria do conhecimento social, se mantém fortalecida e estruturada na epistemologia
dialógica.
Resumidamente, os contributos teóricos permitem-nos compreender que as RS
apresentam uma característica importante, pelo fato de serem compartilhadas e criadas através
do processo de interação entre as pessoas. Os elementos que envolvem essa relação incluem
dimensões linguísticas, discursivas, emocionais, as quais se destinam à subjetividade, bem
como às práticas e ações dos sujeitos, e ao contexto social em que estão inseridos.
Depreende-se disso que a noção de representações situa-se entre os âmbitos
sociológico e psicológico, razão pela qual a teoria foi formulada e desenvolvida com a
perspectiva de reunir essas concepções:
[...] as representações sociais devem ser estudadas articulando os elementos afetivos,
mentais e sociais e integrando - ao lado da cognição, da linguagem e da
comunicação - a consideração das relações sociais que afetam as representações e a
realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir. (JODELET,
2001, p. 26).
Refletindo sobre as transformações pela quais passaram as Representações
Sociais, vemos que nos anos de 1990 Moscovici (2003) as reconceitua como themata e,
modestamente, afirma que, por ele estar no início da investigação, o se trata de uma
apreciação definitiva e sim de idéias provisórias e discutíveis.
58
Trazemos algumas nuances desta proposição, tendo em vista as ponderações
examinadas em estudos históricos e antropológicos das representações científicas da
sexualidade, que permitiram Giami (1998) perceber a influência das representações
imaginárias como as thematas arcaicas na construção das ciências sexuais. Em outras
palavras, considerar a aproximação da Sexualidade ao aspecto do conhecimento social de
themata significa analisar o seu sentido investido na cultura, excepcionalmente, quando
pensada na Ocidental, caracterizada pelas marcas das questões filosóficas, éticas, morais e
sociais que a envolvem.
Partindo do princípio de que a TRS procura compreender como as pessoas
pensam os fenômenos no contexto da história cultural, tentamos entender themata conforme
Moscovici (2003) como primeiras concepções ou idéias primitivas, que possuem tanto as
características de gênese quanto as imagens arquetípicas, simbólicas do objeto. Ou ainda, pela
compreensão de que a idéia de themata ou conjunto de temas toma sentido no nível de
harmonia, entre os dados e as teorias e, sobretudo, em função de imagens.
Toda representação somente pode ser analisada em termos de uma trajetória icônica
e linguística, ascendendo a uma fonte (‘as idéias-fontes’) e ao mesmo tempo
procurando normatizar na direção descendente na forma de campos semânticos e
esquemas demonstrados, facilmente transmissíveis. (MOSCOVICI, 2003, p. 242,
grifo do autor).
Como conceitos que enfocam a questão das antinomias dialógicas, Marková
(2006) assevera que as antinomias de pensamento themata (plural) determinam o
conhecimento científico. Thema (singular) significa, portanto, as pré-concepções tributárias
da história ou de crenças sociais com status de imagem que muitas vezes permanecem na
temporalidade como a antinomia atomismo e continuum; se pensado em termos de Psicologia,
acomodação e assimilação, consoante especifica Piaget, citado por Marková. “A themata
afeta a capacidade implícita do pensamento científico. Elas são normalmente pressuposições
teóricas que orientam e restringem o pensamento científico de dentro para fora.”
(MARKOVÁ, 2006, p. 250).
A idéia de themata propicia a identificação dos pares antitéticos ou da
antinomia do pensamento de senso comum, podendo ou não gerar RS. Quando é que as
antinomias de pensamento de senso comum, começam a gerar representações sociais?
Termos como a themata, moralidade e imoralidade, nas duas últimas décadas foram
considerados importantes para gerar as representações sociais da AIDS. Em um primeiro
momento esta doença foi relacionada à comunidade dos homossexuais. Entretanto, devido a
comportamentos deste grupo, a thema básica moralidade/imoralidade - entendida como
59
aquela que desenvolve um papel mais duradouro na relação dialógica Alter-Ego acabou
sendo desafiada e problematizada e a idéia inicial da AIDS como castigo para um grupo
específico foi desaparecendo. Posteriormente, a doença e a questão moral que a envolve
passou a ser relativa a outros aspectos como a sexualidade, a promiscuidade de um modo
geral, a discriminação das minorias e outros.
A antinomia da moralidade/imoralidade em si não foi questionada, foi o seu
conteúdo, seu contexto e suas fronteiras que foram thematizadas e re-thematizadas,
no contexto das mudanças das representações sociais. (MARKOVÁ, 2006, p. 264).
De certa forma, compreendemos o que vem à nossa mente e damos sentido às
coisas, ou explicamos uma situação a alguém por meio das representações sociais que
combinam nossa capacidade de percepção e de inferência. Porém, a natureza dos objetos pode
ser mutável quando não se apresenta com algum sentido, ou se mostra como algo de difícil
compreensão, dando lugar aos mitos e às crenças, modificando assim, as maneiras pelas quais
nós comunicamos.
1.3.4 Campo de representação
A maneira como um sujeito ou um grupo de pessoas elabora a representação de
alguma coisa, formula um modo de pensar e de ver como o fenômeno existe ou subsiste.
Essas idéias fixam, assim, o sentido da representação como um conjunto de proposições,
reações ou avaliações que se organizam segundo as classes, as culturas ou grupos,
constituindo-se, então, em universos de opiniões acerca dos quais Moscovici (1978, p. 67)
afirma que “[...] cada universo tem três dimensões: a atitude, a informação e o campo de
representação.”.
A atitude é a mais frequente das três, sendo, de certo modo, primordial. Está
relacionada à tomada de posição, à visão de mundo de um grupo perante um objeto
socialmente valorizado. O autor admite que uma representação comporta as três dimensões e
que isso fornece uma visão do seu conteúdo e do seu sentido, tornando-se possível a
determinação do seu grau de estruturação em cada grupo pesquisado.
Doise (2001) avalia que a concepção tradicional de atitude, entendida como
uma postura assumida pelo sujeito em uma dada realidade, ainda se mantém. Como as RS são
mais que opiniões, o autor explica que elas são sempre tomadas de posição simbólicas e
organizadas de maneiras diferentes: atitudes ou estereótipos, conforme a maneira pela qual
60
são imbricadas, encaixadas ou vinculadas às interações sociais. Chegamos a dizer que as RS
são princípios organizadores dessas relações simbólicas entre atores da sociedade.
A outra dimensão, a informação, abrange o conjunto de conhecimentos que um
grupo possui acerca de um objeto social, no caso deste estudo, Sexualidade e Educação
Sexual. Exemplificando em relação aos sujeitos envolvidos na pesquisa de Moscovici (1978),
este observou que os operários não detinham conhecimentos sobre a Psicanálise, ao contrário
dos estudantes e profissionais liberais, que ofereceram respostas aproximadas sobre essa
ciência. Desse modo, infere o autor: “[...] a presença social de uma ciência é percebida por um
sujeito em função do grupo a que pertence, da informação que ele possui e de sua atitude a
respeito dessa ciência.” (MOSCOVICI, 1978, p. 96).
A terceira dimensão, campo de representação, também é definida como
imagens ou um modelo social referente ao objeto. Em geral, quando se associa à imagem, esta
é concebida como um reflexo de uma realidade externa, uma cópia fiel do real. Tratando-se
de RS, seguimos a premissa de que não existe uma separação entre a realidade (exterior) e o
universo do indivíduo ou do grupo (interior), pois sujeito e objeto não são heterogêneos, não
possuem natureza desigual em seu universo comum. Aquele autor critica aqueles que
compreendem a imagem como cópia da realidade, que se esquecem do poder criador do
gênero humano, de sua capacidade de combinar e criar objetos (MOSCOVICI, 1978). Então,
a imagem depende do contexto dinâmico em que o objeto está inscrito e da atitude dos
sujeitos frente a ele.
Nesse sentido, atentamos para a inter-relação entre o objeto e o indivíduo ou o
grupo que o representa, pois a imagem que se configura não se apresenta isoladamente.
Necessário enfatizar o elo que liga a realidade e o grupo pesquisado, pois, toda representação
é uma representação de alguém e de alguma coisa.
Ao tornar-se próprio e familiar, o objeto é transformado [...]. A bem dizer, ele deixa
de existir como tal para se converter num equivalente das noções a que se sujeitou
pelas relações e os vínculos estabelecidos. (MOSCOVICI, 1978, p. 63).
Sendo assim, o fenômeno, inscrito em um contexto, em uma relação mútua,
combina os elementos do meio e de quem conhece. Este lhes incute sentido, ao mesmo tempo
em que evocam noções a partir das experiências, visões de mundo, individuais e ou sociais em
face do ambiente. Por essa razão, Jodelet (2001) analisa que as RS têm uma relação de
simbolização e interpretação com o seu objeto.
Aprofundamos a noção de campo de representação examinada a partir do
campo de estudo das representações proposto por essa autora. Inicialmente, Jodelet
61
caracteriza a Representação Social como um tipo de saber que pode estar articulado a um
conjunto de elementos e relações, sintetizando o processo a partir de três questões: “Quem
sabe e de onde sabe?”; “O que e como sabe?”; “Sobre o que sabe e com que efeitos?”
(JODELET, 2001, p. 28).
Quem sabe e de onde sabe refere-se às condições de produção e de circulação
dos conhecimentos dos sujeitos. Acerca do assunto, a pesquisadora pondera que a
representação é uma forma de saber que liga um sujeito a um objeto. O sujeito é considerado
do ponto de vista psicológico, mas existe uma particularidade no estudo das RS, pelo fato de
ser possível integrar os aspectos de pertença social.
Assim, a forma de conhecimento está relacionada ao seu contexto de produção
e de circulação, podendo ocorrer na cultura, intercalada de valores, crenças e costumes; na
linguagem, através das comunicações interpessoais, da mídia, dos meios científicos, ou ainda,
através dos meios institucionais; pode ocorrer também nas trocas informais estabelecidas
entre grupos ou comunidades, a exemplo da escola, da família, da sociedade, quando os
conhecimentos acontecem pela partilha e pelo vínculo social ou de afirmação de pertenças dos
grupos.
Conforme destacamos, Jodelet (2001) atribui à comunicação uma função
primordial, por ser ela o vetor de transmissão da linguagem, que é em si mesma portadora de
representações e incide sobre os aspectos do pensamento social pelo processo de interação
social. Dito de outra maneira, as RS elaboram-se por meio das e nas relações de troca que se
efetivam via comunicação.
A segunda indagação apontada pela autora, o que e como sabe, relaciona-se aos
processos e estados das Representações Sociais, os quais as caracterizam à maneira pela qual
os conhecimentos dos investigados estão organizados. É preciso levar em conta os conteúdos
representativos, como linguagem, discursos e práticas. Nesse sentido, para apreender o
conteúdo das representações sociais, segundo Jodelet (2001) devemos observar os processos,
os elementos constituintes das representações, que são as informações, as crenças, os valores,
as opiniões e os elementos culturais e ideológicos, completados pelos princípios estruturantes
dos campos de representação. Conforme apontado pela autora, são organizadores
socioculturais, as atitudes, os modelos normativos ou esquemas cognitivos.
O terceiro questionamento, sobre o que sabe e com que efeito, refere-se ao
estatuto epistemológico das RS. Trata-se daquele saber adaptado pelo sujeito, pela relação
estabelecida entre o pensamento natural e o científico, decorrente da transformação de um
saber em outro, com vistas ao entendimento da realidade. Nestas dimensões dos universos das
62
representações, trazemos algumas considerações sobre crenças e metáforas, que, conforme
concebe Jodelet (2002), também participam desse âmbito. Visando compreender o espaço
simbolizado em que os grupos sociais constroem suas histórias e no interior do qual ordenam
as Representações Sociais, buscamos uma compreensão em Jodelet:
[...] son los processos de simbolización que se encuentran en todas las sociedades
que los permiten a los actores situados en este espacio, elaborar los esquemas
organizadores y las referencias intelectuales que ordenarán la vida social.
(JODELET, 1995, p. 16-17).
Em outra oportunidade, por ocasião de uma entrevista, quando indagada sobre
a diferença entre crenças e RS, Jodelet (2002) respondeu ser esse um aspecto importante, pois
vem ao encontro do problema existente entre a Psicologia Social e as ciências sociais,
particularmente a Antropologia. As crenças possuem aspectos tradicionais e são vistas como
produtos culturais que apresentam uma organização e uma transmissão de caráter social, além
de poderem estar relacionadas, ou aos saberes inscritos no cotidiano, como as crenças da cura
do corpo, ou aos conhecimentos antigos, tradicionais.
Nesta investigação, tratando-se de um objeto que envolve questões morais,
sociais, éticas, isso possibilita examinarmos e descrevermos possíveis crenças e metáforas
encontradas nos discursos dos entrevistados sobre Educação Sexual e Sexualidade. De acordo
com Moscovici (1978) os interlocutores recorrem a analogias quando precisam resolver
determinado problema no qual seus conhecimentos estão além ou aquém do que lhes é
requerido. “[...] Elas também ajudam a transgredir as regras excessivamente rigorosas da
comunicação, indicando simplesmente onde esta última se situa”. (MOSCOVICI, 1978, p.
267).
Notamos, no decorrer desta exposição, dentre outros aspectos, que as
Representações Sociais compõem-se de crenças, mas estas por si não são Representações
Sociais. A este respeito Marková (2006) observa que alguns tipos de RS são
predominantemente baseados em crenças e, outros, em conhecimentos. As crenças são de
origem social, e a fixação no objeto ocorre pela tríade dialógica Alter-Ego-Objeto. No caso
da AIDS, se existe a crença de que a contaminação da doença acontece pelo toque das mãos, o
grupo que crê nisso não busca comprovações.
Se os indivíduos ou grupos buscam por evidências da verdade, em relação a
determinado objeto, as representações sociais resultantes são baseadas em
conhecimento. Se, por outro lado, as representações são formadas e mantidas através
de um consenso com os outros, as representações são baseadas em crenças.
(MARKOVÁ, 2006, p. 230-231).
63
De certa forma, compreendemos o que vem à nossa mente e damos sentido às
coisas, ou explicamos uma situação a alguém, por meio das RS, que combinam nossa
capacidade de percepção e de inferência. Todavia, a natureza dos objetos pode ser mutável,
eventualmente eles não se apresentam com algum sentido, ou se mostram como algo de difícil
compreensão, dando lugar aos mitos, às crenças, modificando, assim, as maneiras de nos
comunicarmos.
1.3.5 Objetivação e ancoragem: processos geradores de representações sociais
Segundo Moscovici, (2003, p. 71), não é fácil transformar palavras não-
familiares em imagens, por meio do pensamento, sendo necessário adaptá-las a um universo
já conhecido. A objetivação é um dos processos responsáveis por esse mecanismo, o outro é a
ancoragem. “[...] a objetivação une a idéia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se a
verdadeira essência da realidade”. No primeiro movimento, objetivar significa transformar o
abstrato em algo que existe no mundo físico. Por meio de um salto do imaginário, as idéias e
as palavras são transformadas em coisas. As pessoas situam o objeto em um domínio
conhecido, e, como um mistério, materializam a abstração.
A objetivação ocorre por meio de duas operações essenciais: a classificação e a
naturalização (MOSCOVICI, 1978). Classificar significa fazer escolhas entre os diversos
sistemas de categorias. A partir de um contexto, os interlocutores definem caracteres comuns
para, daí, estabelecerem diferenças ou semelhanças distintas no objeto. Os grupos incluem e
retiram pessoas, objetos, fatos, aos quais qualificam de acordo com um modelo incluso em
sua rede de significados ao considerarem os diferentes elementos do real. Assim, os
fenômenos ganham nomes, são personificados, às vezes são associados às entidades, enfim, a
realidade toma um ar simbólico.
Na compreensão de Jodelet (2001), o processo da objetivação é decomposto
em três fases: construção seletiva, esquematização estruturante e naturalização. As duas
primeiras manifestam o efeito da comunicação, a maneira pela qual o público se apropria de
um saber teórico-científico, retira para si os elementos, que passam a fazer parte das
conversas cotidianas, e os transformam em nível de senso comum. A terceira fase, a
naturalização, acontece quando o conceito deixa de ser uma idéia e se materializa por meio da
atribuição de novos significados sobre o mundo e sobre os outros.
64
Com a naturalização, o símbolo torna-se real. Aquilo que antes era uma
abstração torna-se palpável. Idéias e noções que pertenciam a um campo específico são
reelaboradas segundo o domínio de conhecimento do sujeito. Antes, apenas as palavras,
depois, as idéias se materializam e ficam acessíveis por meio de uma imagem. Moscovici
(1978) adverte que nem todas as palavras são ligadas a uma coisa, seja porque não existem
imagens suficientes, seja porque elas são lembradas como tabus instituídos pela sociedade.
Na esteira desse pensamento, tomando um exemplo da pesquisa original de
Moscovci (1978), ele relata que, apesar de a sexualidade desempenhar um papel significativo
na Psicanálise e podendo ser carregada de imagens, os pesquisados estudados não
reconheceram a libido como impulsos sexuais, como forças essenciais de personalidade. Por
isso, não existiu uma imagem para a sexualidade que a ligasse àquela ciência que, considerada
objeto de um tabu, permaneceu abstrata.
O processo de objetivação consiste em ligar noções abstratas a objetos
concretos, reproduzidos em uma imagem. Ponderamos que a noção de imagem precisa ser
entendida correlata aos aspectos do conceito de opinião, pois, segundo Moscovici (1978) suas
definições não se afastam muito uma da outra no âmbito das RS. A opinião é entendida como
uma fórmula socialmente valorizada que recebe a adesão dos sujeitos, atentando também para
o contexto social, que é onde surgem as informações sobre o objeto, a forma de organização
mental desses elementos e a atitude dos interlocutores frente a eles.
Quanto à imagem, elas têm a função de manter vivo o passado, que pode ser
evocado pela nossa memória quando necessário. A todo momento estamos construindo
imagens para a reprodução de um dado objeto. A existência da imagem, quando pensada em
termos de Representações Sociais, se realiza pela construção mental daquilo que vem do
exterior e do social. Depende em parte do próprio processo da representação.
Uma imagem não é uma representação, e sim um produto desta (MOLINER,
1996). Esse autor define imagem como o conjunto de características e propriedades que os
indivíduos atribuem para um objeto, podendo corresponder aos aspectos físicos, sociais e
psicológicos, no caso de pessoas. Entendendo que toda imagem é portadora de um sentido,
em uma investigação elas podem ser obtidas quando se pede aos sujeitos que façam uma
descrição do objeto.
O surgimento de uma imagem social depende das informações e experiências
que os indivíduos têm e de como elas são interpretadas. Dessa maneira, as imagens possuem
uma finalidade dúbia: elas constituem a forma sob as quais determinados objetos sociais
65
existem no universo cognitivo dos sujeitos e as características que lhes são atribuídas
permitem aos sujeitos fazer um julgamento sobre esse objeto.
Assim, contornamos aspectos da objetivação. Ambos os elementos deste
processo são formas de lidar com a lembrança. Uma realidade é criada não apenas na
imaginação, mas cria-se uma imagem dela partindo das características do objeto com o qual
os interlocutores se identificam.
O outro processo, portanto, a ancoragem, amarração ou ancrage, conforme
proposto por Moscovici, acontece quando um objeto social é convertido pela sociedade em
um instrumento do qual ela pode dispor.
[...] esse objeto é colocado em uma escala de sua preferência nas relações sociais
existentes, sendo associado a formas conhecidas e reconsiderado através delas. [...]
O que era estranho ao indivíduo lhe parece obra sua [...]. (MOSCOVICI, 1978, p.
173-174).
Ancorar significa aportar o conhecimento em algo anteriormente conhecido.
Contribui para dar nome, pois coisas que não são nominadas parecem ameaçadoras, estranhas
e causam resistências. Esse distanciamento pode ser evitado quando o sujeito consegue se
comunicar, avaliar o mundo que o rodeia. Moscovici (2003) esclarece que aquilo que era
estranho ao sistema particular de categorias dos sujeitos passa a ser reproduzido por meio de
evocações. Eles resgatam da memória aquilo que parece ausente, para explicar o real.
Jodelet (2001, p. 38) observa que a ancoragem pela função de
instrumentalização dos saberes “[...] enraíza a representação e seu objeto em uma rede de
significações que permite situá-los em relação aos valores sociais e dar-lhes coerência”. Nesse
sentido, por meio de um movimento mental muitas vezes implicado em juízos de valor, o
sujeito associa um objeto, uma pessoa ou idéia a formas familiares a fim de compreender a
realidade.
Apenas para efeito didático, visando a um melhor entendimento dos conceitos
de objetivação e ancoragem, procedemos a uma partição na análise desses processos
formadores das RS. Na prática, isso ocorre de modo dinâmico, entremeado e não estanque ou
separado; há uma interdependência entre um e outro.
Tendo em mente que as RS são formadas a partir do processo social de
comunicação e discurso estabelecido entre os sujeitos, Moscovici (2003, p. 209, grifo do
autor), em comentário explicativo sobre o que quer dizer representações compartilhadas,
afirma: “[...] O que lhes esse caráter não é o fato de elas serem autônomas, ou que elas
sejam comuns, mas o fato de seus elementos terem sido construídos através da comunicação e
estarem relacionados pela comunicação”.
66
Com esta explanação, vislumbramos um entendimento acerca de algumas
características das representações sociais que podem ser chamadas de emancipadas, polêmicas
e hegemônicas.
Em um breve entendimento a partir de Wagner (2000), as representações
emancipadas, estão relacionadas à interação social. Esta é considerada um pré-requisito para
que objetos sociais sejam socialmente construídos. Os membros do grupo precisam conhecer
o comportamento de cada um dos seus co-autores, em uma dada realidade. Quando os sujeitos
do estudo não têm consciência dos limites das percepções dos seus colaboradores, estes
perdem seus laços de identificação e a interação fica baseada em tentativas de ensaio e erro.
Os ritos parecem conter elementos dessa característica de representação.
São representações polêmicas aquelas geradas pelos conflitos sociais
transitórios, como por exemplo o aborto, um debate ecológico, uma revolta, um protesto de
estudantes, entre outros. Essas modalidades de representações são mais recentes em
importância histórica e possuem validade limitada. São menos estáveis, geradas e
compartilhadas por grupos menores, e não atingem a sociedade como um todo.
Inseridas no contexto das representações culturais distintas, como aquelas que
estão espalhadas em um grupo social de modo mais ou menos duradouro, destacamos as
representações hegemônicas Sperber (2001). Estas representações se caracterizam como
aquelas cristalizadas, ou mesmo estereotipadas, estando profundamente enraizadas no
pensamento e no comportamento do povo, sendo dominantes nos grandes grupos.
As RS regem nossas relações com o mundo e com os outros, denotando e
articulando as afinidades com a pluralidade dos elementos que circulam no meio social, como
ideologias, crenças e atitudes. Neste sentido, as possíveis Representações Sociais de
Sexualidade e Educação Sexual geradas pelo grupo de educadores podem apresentar
características comuns com algum dos tipos comentados.
Conforme mencionamos, importa à TRS o estudo de diferentes objetos, dentre
eles aqueles relacionados ao contexto educacional, conforme pontuaremos.
1.3.2 Representações sociais e Educação
Tradicionalmente, a escola é concebida pela sociedade como uma instituição
que possibilita ao indivíduo ascender socialmente, uma vez que a ela cabe a tarefa de
67
conduzir, de lidar com a transmissão dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos. A
análise dessas e outras questões suscitam o direcionamento dos apontamentos até aqui
expressos para a ordem das problemáticas enfrentadas no contexto escolar, que vão desde o
sistema de relações ali estabelecidas até o produto final, que é o ensino. Entretanto, este
enfoque destoa do objetivo deste trabalho e nem pretendemos fechar uma resposta sobre essas
discussões.
De modo sucinto, destacaremos alguns estudos e pesquisas sobre RS e
Educação, apreciados como revisão de literatura e que nos fazem perceber que a TRS tem
contribuído para revelar alguns dos dilemas que a escola enfrenta, nos quais se incluem as
questões relativas aos professores, agora mencionados em função de serem partícipes desta
pesquisa. Parece-nos, pois, oportuno situar alguns grupos de pesquisadores que desenvolvem
investigações relacionadas à educação e RS, nas diferentes universidades dos estados e
capitais brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá, Goiânia e em algumas
instituições da região Nordeste do país.
Constatamos que a escola é um espaço de contradições, conforme salienta
Michel Gilly (2001). Ao mesmo tempo em que se acredita que por meio dela se consegue um
futuro promissor, ela é permeada por outras questões que a depreciam e a tornam
desacreditada. O autor é reconhecido como um dos primeiros a considerar as possibilidades
de se utilizar a TRS para a leitura de fatos educativos, pela possibilidade de se verificar o
modo pelo qual as Representações Sociais se constroem, evoluem e se transformam no
interior de grupos sociais; ele é reconhecido também por esclarecer como os docentes
concebem o seu papel e compreendem elementos da comunicação pedagógica na construção
de conhecimentos.
Sobre as contribuições da Teoria das Representações Sociais nessa direção,
Gatti (1998, p. 15) afirma que não ao basta ao educador apenas conhecer os aspectos
cognitivos relacionados aos processos de aprendizagem:
Eles desenvolvem-se através de interações, de relações interpessoais nas quais
valores, emoções, sentimentos e formas de comunicação desempenham papel
essencial. Nessas interações agimos a partir de conceitos socialmente construídos,
veiculados e mantidos como verdades. Nem sempre temos condições de refletir
sobre os preconceitos com os quais atuamos. Os estudos sobre representações
sociais iluminam um pouco essa área sombria [...]. (GATTI, 1998, p. 15).
Silva (2000), ao sistematizar os resultados da análise de teses e dissertações
produzidas em vários países, na área de Educação e RS, a partir dos anos de 1970, percebe
como estudos nessa perspectiva podem revelar os significados produzidos e reproduzidos no
68
universo escolar e evidenciar a prática educativa enquanto atividade concreta e pensada no
cotidiano da escola.
Sobre os referidos trabalhos, a autora chama-nos a atenção para a existência de
algumas fragilidades na aplicação da teoria - e que lhes são inerentes - quanto ao referencial
teórico-metodológico, tendo em vista seu caráter interdisciplinar de natureza sociológica e
psicológica. Nesses termos, ela adverte que trabalhar essa concepção exige muito esforço do
pesquisador, que precisa estabelecer a articulação psicossociológica para dimensionar a
realidade nessa perspectiva.
Em uma abordagem contextualizada Menin e Shimizu (2005) realizaram um
levantamento sobre os estudos em que aplicaram esse referencial teórico. De acordo com as
autoras, no âmbito educacional, no rol de trabalhos selecionados para publicação, os dados
sobre objetos de representação parecem bastante significativos. Analisam o resultado como
uma tendência crescente para identificar as representações existentes no universo das escolas
brasileiras. Desse modo Menin e Shimizu corroboram com Gilly (2001), que em sua análise
da ambiência internacional afirma ser esta uma área singular para pesquisas sustentadas por
este referencial.
As investigações em Educação e RS envolvendo alunos e professores de
escolas públicas e particulares permitiram verificar como se delineia o significado da prática
profissional a partir das diferentes informações, que articulam estereótipos, esperanças,
hábitos e valores desses educadores. Madeira (2000) justifica sua opção pela TRS na área da
Educação pela crença de que a realidade escolar é dinâmica e plural e que nela interagem
sujeitos concebidos como seres que se relacionam pela troca de experiências e convívios, que
constroem e reconstroem seus conhecimentos.
Alves-Mazzotti (2003) ressalta que a TRS, além de oferecer um instrumental
teórico-metodológico importante e útil para o estudo do imaginário social, possibilita a
compreensão de elementos dos sistemas simbólicos que interferem nas interações cotidianas
da escola e que, conseqüentemente, influenciam no fracasso e na exclusão escolar.
Pesquisas sobre RS e Educação têm destacado a influência que as relações
sociais de determinada coletividade podem exercer na construção do conhecimento. Em seu
estudo, Sousa (2005) entende que as interações estabelecidas entre os grupos, incluindo as
dimensões social e histórica de seus membros, faz com que a escola se apresente como uma
instituição pensante, e, nada melhor que essa Teoria para evidenciar elementos que
possibilitam definir como aquela é concebida.
69
Conforme observamos a instituição escolar, considerada a partir de sua missão
de transmitir conhecimentos, é um campo propício para o estudo das representações sociais e
sobre as práticas que se realizam no interior dela. Como palco da vida cotidiana do professor,
que exerce a profissão muitas vezes em instituições públicas, a TRS permite investigar os
reflexos das relações do poder que as gerenciam, pelo aspecto dos investimentos necessários e
as implicações referentes ao aluno, que deixa de contemplar um aprendizado autêntico.
Nesta perspectiva Loureiro (2003, p. 116) reflete que a abordagem propicia um
novo olhar acerca do que os profissionais da educação chamam de dificuldades de
aprendizagem ou fracasso escolar. Ademais, afirma que a promoção de uma aprendizagem de
fato significativa, do ponto de vista dos sistemas de ensino: “[...] não se esgota no interior dos
muros da escola, mas depende de um conhecimento que, por certo, ainda está por construir”.
Esse breve esboço teórico leva-nos a inferir que estudos sobre Representações
Sociais e Educação contribuem em termos teóricos e práticos ou profissionais, na medida em
que se constituem em um conjunto de conhecimentos úteis e auxiliares à compreensão da
dinâmica social desenvolvida no âmbito escolar, bem como à leitura de influências de
elementos externos a esse universo.
Na revisão bibliográfica realizada, encontramos poucas referências sobre
buscas de elementos que melhor esclareçam o objeto Educação Sexual com o aporte teórico
da TRS. No entanto, vimos que a escola tem sido campo para o desenvolvimento de estudos
envolvendo a sexualidade, à luz desse referencial. Pelas análises que fizemos em alguns
estudos, verificamos que as representações sociais são elaboradas sob o enfoque da área de
saúde, razão que talvez justifique poucos estudos na área específica da Educação Sexual.
Quanto aos trabalhos sobre RS de sexualidade, destacamos a investigação de
Oliveira (2001), realizada junto a professores do Ensino Fundamental na cidade de João
Pessoa-PB. O grupo de educadores dessa investigação admite ser importante a discussão de
questões sexuais na escola, no entanto elementos como preconceitos, valores e normas morais
os deixam pouco à vontade e dificultam a abordagem das questões sociais na escola.
Esse mesmo assunto foi focalizado no estudo de Fernandes (2002),
desenvolvido junto a 300 estudantes universitários, sendo 150 do curso de Enfermagem e 150
da Comunicação Social, todos eles alunos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
em Cuiabá. Ao contrário da escassez relativa às investigações sobre Representações Sociais e
Educação Sexual surgiram no Brasil, na década de 1990, muitas pesquisas que referenciaram
o tema, tendo em vista a política sobre práticas preventivas nas escolas.
70
Em São Paulo, seis anos, um grupo de mestrandos, doutorandos e
pesquisadores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da
Educação, Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vem realizando pesquisas sobre RS
da AIDS e outros temas afins. O projeto apresenta características semelhantes às dos trabalhos
desenvolvidos por Lage (1998), na França, que focalizou o mesmo objeto.
Segundo Placco (2005), no estudo do grupo da PUC-SP inicialmente foram
investigados alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) e atualmente o grupo se dedica aos
estudos de outros objetos de representação, além da AIDS: drogas, violência e prevenção. Os
pesquisadores têm dado continuidade ao projeto anterior, porém na perspectiva de envolver
professores das séries do Ensino Médio da rede pública do estado de São Paulo. O alvo dessas
pesquisas é oferecer resultados que venham auxiliar as ações formativas facilitadoras do
trabalho dos docentes com jovens no campo das referidas temáticas.
Foi por meio de contatos com esse Grupo de Pesquisa que o projeto chegou a
Cuiabá, no ano de 2001, e propiciou, entre outros, o desenvolvimento de duas produções
sobre RS de sexualidade, as quais fizeram parte de um plano de trabalho mais abrangente
(PAREDES et al, 2002). Com proposições igualmente parecidas às do projeto de São Paulo,
buscou-se compreender as RS acerca de problemas contemporâneos que envolvem pré-
adolescentes e adolescentes. Os temas AIDS, drogas, violência, perspectiva de futuro e
sexualidade foram examinados pelo Grupo de Pesquisa em Educação e Psicologia (GPEP), do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação (PPGE) da UFMT.
No âmbito da sexualidade, como nos demais temas, este grupo dividiu as
atividades em duas fases. Assim, no primeiro estudo, sob nossa responsabilidade
(OLIVEIRA, 2004), pesquisamos um conjunto de jovens escolares. A segunda parte da
pesquisa foi realizada por Coutinho (2005), que ouviu professores da rede pública de ensino.
Os resultados pontuaram algumas questões sobre educação sexual, porém não nos foi possível
identificar nas escolas uma proposta de trabalho sistematizada ou intencional nessa direção.
Consideremos também que as pesquisas não trataram diretamente dessa questão.
Através dos diversos estudos destacados, procuramos mostrar um pouco do
universo de objetos de representação mais focalizados nas investigações em Educação e suas
relações com as Representações Sociais de Sexualidade. Optamos, porém, por não descrevê-
los, pois seus resultados poderão balizar as análises que faremos no decorrer deste trabalho.
Entendemos a relevância dos resultados para fornecerem conteúdos que auxiliarão nas
políticas de educação.
71
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Este Capítulo apresenta os caminhos e os meios empregados no
desenvolvimento da investigação. Inicialmente, teceremos considerações sobre a pesquisa
eleita como recurso metodológico utilizado neste trabalho. Sucessivamente daremos destaque
às suas etapas, retratando o universo enquanto espaço de pertencimento dos sujeitos.
Enfocamos os dados sobre o local de realização do estudo, tentando dar atenção a alguns
aspectos da educação como campo social e institucional específico de estudo.
Em um terceiro momento, apresentaremos o perfil do grupo pesquisado, pelos
componentes sociodemográficos e profissionais, tendo em vista a importância ressaltada por
Figueiró (2006) no sentido de valorizar elementos das histórias de vida ou as vivências dos
professores na formação de educadores sexuais.
Ainda nesta direção, Madeira (2005) observa.
[...] o estudo de representações sociais de um objeto se, preliminarmente, exige uma
caracterização dos sujeitos, pois é deles a linguagem a ser estudada, o faz para tornar
possível a exploração e a análise da formação e emergências destas representações,
em articulação às condições sociais, históricas, culturais [...]. (MADEIRA, 2005,
461-462).
Pesquisar significa definir encaminhamentos que permitam a aproximação do
objeto e dos sujeitos, pois ambos demandam estratégias; na metodologia qualitativa essas
estratégias são encampadas e possibilita retratar o aspecto do contexto educacional a partir
dos discursos dos entrevistados.
2.1 Tipo de pesquisa
Esta pesquisa pauta-se, então, na abordagem quali-quantitativa, que nos
permite trabalhar os diferentes aspectos da realidade social, sociocultural e psicológica. As
análises permitem apreender as representações sociais a partir do que os depoentes pensam
sobre Sexualidade na forma de conduzirem a Educação Sexual. Apreenderemos as
subjetividades que os professores apresentam quando expressam suas vivências sociais e
experiências profissionais ao tratarem dos temas acerca da suas ocupações.
72
Tratando-se de uma pesquisa em educação, cabe pontuar que ela resguarda
algumas características específicas, conforme enfatiza Gatti (2002). Uma delas respeita ao
controle. No dizer da autora, em uma pesquisa educacional deve-se levar em conta a
diversidade de questões que estão relacionadas a ela, pois estamos trabalhando com pessoas e
isso envolve processo de vida, o próprio corpo e ideologias. Desse modo, a preocupação não
se centra apenas no currículo, na forma de ensinar, nas tecnologias ou nos métodos, mas traz
implicações peculiares em relação às pessoas e ao contexto social em que estão inseridas.
Passa a existir, então, fatores que extrapolam às formas quantitativas; situando-
se, a exemplo, questões que envolvem a subjetividade que engloba o universo de significados,
motivos, aspirações, valores, atitudes e crenças.
Refletindo acerca do emprego dos percursos e recursos metodológicos em
pesquisas científicas, cabe lembrar que nos anos de 1980 muitas discussões geradas em torno
da questão dos métodos qualitativos e quantitativos também fizeram parte do universo de
pesquisadores em outros países.
Jodelet (2003) faz referências sobre algumas argumentações e debates dessa
natureza que envolveu diferentes autores acerca das orientações epistemológicas desse tipo de
método no campo de aplicação das ciências humanas. Destaca que nos dias atuais seu uso é
reconhecido em termos de validade e exigências impostas para se ajustar às áreas de objetos
estudados, principalmente na sociologia e na psicologia.
Nas ponderações de Gatti (2002) a existência desses confrontos no âmbito da
educação brasileira esteve relacionada com o desenvolvimento da pesquisa qualitativa, devido
o contexto emergente. Uma época em que se questionava o poder explicativo sobre os
fenômenos educacionais, bem como os conceitos de objetividade e neutralidade embutidos
nesses modelos. De acordo com a autora, as divergências foram salutares e contribuíram para
os avanços nas produções existentes na década de 1990, em decorrência das preocupações
com a pesquisa em educação, a bem dizer, sintetiza:
Conflitos, entre posturas epistemológicas, diferenciais de métodos e formas
específicas de utilização de cnicas, avanços na explicação do objeto, problemas de
natureza institucional, fazem parte do vivido dos que trabalham com a investigação
científica. (GATTI, 2002, p. 28).
Notamos então, a existência de diversos posicionamentos que se fazem
presentes neste invólucro de tensões que se interpõem entre os tipos de pesquisas e as
políticas educacionais. Neste estudo, consideramos os elementos e aspectos que giram em
torno dos métodos quantitativos, entremeados pelas análises qualitativas, em razão de
entender que este caminho é apropriado para a compreensão dos significados e
73
intencionalidades dos discursos, experiências, valores, percepções e aspirações dos
professores – sujeitos desta investigação sobre Sexualidade e Educação Sexual.
Os dados numéricos adquirem sua importância, neste estudo, na compreensão
da distribuição de variáveis como idade, sexo, gênero, religião e outros. Então, esta pesquisa
valer-se-á dessa forma de leitura para tratamento dos elementos sociodemográficos, ao
caracterizarmos os pesquisados, bem como na leitura dos dados das tabelas oferecidas pelo
uso do software Analyse Lexicale Par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte
4
-
ALCESTE.
2.2 Etapas da Pesquisa
Este a pesquisa se desenvolve pela definição da coleta e das análises dos dados.
Para entender o que se passa e o que acontece na realidade e no mundo e até mesmo o que e
como as pessoas pensam, recorremos aos instrumentos ou técnicas que nos ajudam captar
dados.
A respeito do trabalho de campo, André (1995) adverte sobre a experiência do
pesquisador na realidade estudada, que muitas vezes pode requerer sensibilidade, abertura e
flexibilidade. São situações que agenciam procedimentos, ajustes e estratégias, muitos deles
não aprendidos na academia, mas que podem ser vistos como uma oportunidade para dialogar
com os referenciais teóricos. Neste sentido o pesquisador precisa depositar sua bagagem e
procurar a compreensão por meio de estratégias como negociação, acordos, intermediados
pela comunicação que favorece as relações interpessoais.
Prosseguimos, então, para a etapa dos procedimentos de coleta de dados.
Verificamos em Bogdan (1994) que a entrevista pode ser compreendida como uma conversa
intencional, geralmente entre duas ou mais pessoas que objetiva obter informações sobre
algum aspecto da realidade. Buscando o entendimento dos princípios de coleta de dados
qualitativos os apontamentos de Bauer e Aarts (2002) diferenciam entrevista do tipo semi-
estuturada e individual e entrevista grupal. Nesta pesquisa, dentre as distinções dessas
modalidades, utilizamos a entrevista semi-estruturada que foi acompanhada por um roteiro
com uma série de perguntas predeterminadas. Este tipo difere da entrevista estilo
4
Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto ALCESTE.
74
conversação, que é menos estruturada, sendo mais utilizada juntamente com a observação
participante ou etnográfica, que não é o caso.
Kelle (2002) apresenta uma discussão sobre as análises de entrevistas com o
auxílio do computador em que atentamos para os proveitos metodológicos da análise lexical.
Entre eles, alerta sobre o tamanho da amostra que não implica em que os achados sejam mais
válidos e sim amplifica os objetivos da pesquisa. Porém, quando se utiliza softwares é
necessário precisar este aspecto, respeitando as exigências do mesmo, tanto para não sufocá-
lo pelo excesso de informações quanto pela quantidade de palavras em número inferior que
possam interferir em um bom resultado.
Esta recomendação bem como as experiências compartilhadas nos grupos de
pesquisas, época da realização do mestrado e, posteriormente, do cumprimento dos créditos,
contribuíram para definir a opção pelo instrumento de coleta, a entrevista e a análise
interpretativa de dados textuais por meio da utilização de software para o tratamento dos
dados.
Entretanto, apesar da crença em maior confiabilidade em função da
metodologia computadorizada, leva-se em conta a ressalva declarada pelo autor. “O uso de
computadores na pesquisa qualitativa não pode ser visto como um método único [...]”.
(KELLE, 2002, p. 396-397).
Por isso, buscamos aproximar os dados adaptados pela análise de conteúdos
(FRANCO, 2003) que detalharemos mais adiante.
Demais leituras enriqueceram por meio de referenciais a decisão quanto ao
instrumento de coleta. Conforme concepção de Szymanski, Almeida e Brandini (2004, p. 14)
a entrevista é “[...] como um encontro interpessoal em que inclui a subjetividade dos
protagonistas, podendo-se constituir um momento de um novo conhecimento, nos limites da
representatividade da fala e da busca de uma horizontalidade nas relações de poder, [...]”.
Segundo Paredes (2005, p. 132) a entrevista é muito mais que coleta de dados.
[...] a entrevista é, para muito além da oportunidade de recolher idéias, opiniões,
depoimentos e testemunhos, um contrito e devotado mergulho no outro. É o do
enlace com que o pesquisador se encanta e se entremete, pelo discurso, nas
circunstâncias cifradas nos códigos de percepção, [...] dos depoentes.
De posse destas valiosas e esclarecedoras acepções, compreendemos que a
entrevista é uma conversa intencional que acontece por meio de uma relação de trocas de
palavras, que nem sempre pode ser recíproca, mas se realiza pela interação e entrelaçamento
das emoções e dos saberes. Ao mesmo tempo em que obtemos informações, buscamos
75
entender a visão de mundo ou sobre a vida do outro, do entrevistado. Sendo, esta, portanto, a
maneira de recolha dos dados desta pesquisa.
Há uma troca de saberes, pois o pesquisador também se transforma na tentativa
inteirar da realidade. Tanto, consigo mesmo, quanto, às vezes, confrontada pela percepção do
outro. Como exemplo, destacamos a observação de uma professora ao indagar por que
escrevemos na ficha de identificação dos entrevistados a palavra sujeito. Na sua compreensão,
denota uma pessoa de má índole. Visando coibir outro tipo de interpretação acatamos a
sugestão, substituindo por entrevistado (a), conforme pode ser observado no Apêndice B.
2.3 O universo
No processo de elaboração das representações articulam-se elementos da
dinâmica psíquica e social. Existe, portanto, um sujeito que compartilha, que se relaciona,
interpreta, constrói, reconstrói e sentido ao mundo em que vive. Ao mesmo tempo, essa
realidade deixa marcas estabelecidas pela história de cada um (MADEIRA, 2001). Os
processos psicossociológicos compõem uma das particularidades no estudo de representações
sociais, pelo fato de ser possível integrar estas dimensões.
Observando as perspectivas do panorama social, apresentamos brevemente,
abaixo, aspectos que caracterizam o local em que o estudo foi realizado como alguns dados
sobre a história da cidade, consubstanciado com elementos sociais que permitem uma breve
visão do contexto e, assim, podem auxiliar na interpretação dos dados.
2.3.1 O cenário da pesquisa
Quase três séculos de existência, completos em oito de abril de dois mil e oito,
muito diferente dos idos de 1719, época em que a expedição comandada pelos bandeirantes
Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil, à beira do córrego da Prainha, maravilhados com as
jazidas de ouro, fazia nascer o arraial, primeiramente denominado de Vila Real do Senhor de
Bom Jesus de Cuiabá.
Como bem anota Paredes (2008, p. 37):
76
Nascida no vale desse riacho, desde o sopé do morrote onde se construiu a Igreja do
Rosário até a desembocadura no Cuiabá, a cidade espraiou-se, com suas ruas sempre
estreitas e muitas vezes sinuosas, em todas as direções.
Na primeira década do século vinte a cidade recebe o reconhecimento como
Centro Geodésico da América do Sul, título este que impulsionou a economia da capital
(ROMANCINI, 2005).
No traçar de um desenho da Cuiabá antiga, a cidade transformou-se em uma
metrópole cujos aspectos, reunidos em uma visão sociológica, em uma tentativa de evitar
generalizações ou classificar suas características dentro da mesma categoria, corresponderia
às palavras citadas por Corrêa Filho, (1994, p. 64).
Criação lídima do bandeirismo, em sua fase de transformação da caça ao índio em
assalto a terra, pela mineração, Cuiabá conservou, muitos aspectos, a herança
bandeirante, que outras componentes sociais não teriam força para suplantar.
A capital mato-grossense, nos dias de hoje, faz limite com os municípios de
Acorizal, Dom Aquino, Chapada dos Guimarães, Várzea Grande, Santo Antônio de Leverger
e Barão de Melgaço. A ilustração destaca o Estado de Mato Grosso extraído da região centro-
oeste do Brasil, e, em perspectiva, o município de Cuiabá.
Ilustração 1 - Localização da pesquisa
Fonte: PAGAN, A. A. Um estudo das representações sociais acerca da AIDS manifestadas por pré-adolescentes
e adolescentes de escolas públicas de Cuiabá em 2002 e 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2004.
Formada por migrantes provenientes de vários estados do país, Cuiabá acolhe
muitas pessoas procedentes de diferentes partes do Brasil e do mundo. Antes, em 1940, os
migrantes vinham seduzidos pelo surto do extrativismo, para trabalhar nos garimpos da região
77
leste do estado. Três decênios que se seguiram, após a implantação de rodovias, a população
quase dobrou com a chegada de pessoas de vários estados do país, “[...] atraídos pelas
experiências governamentais de colonização e pela chegada dos capitais provenientes das
zonas mais desenvolvidas do país”. (PAREDES, 1977, p. 35).
Foi naquela cada, portanto, que Cuiabá registrou o maior crescimento
demográfico. De acordo com o censo do IBGE (2006), a capital ostenta a população estimada
acima de meio milhão de habitantes, distribuída, segundo as quatro regiões administrativas
Norte, Sul, Leste e Centro-Oeste. A cidade se compõe pelo encontro das diferentes culturas
em que se misturam hábitos, costumes e crenças, seja na alimentação e nas festas próprias da
terra e dos municípios vizinhos. Aliás, a religiosidade é um traço do povo cuiabano
(ROMANCINI, 2005, p. 167). Esses festejos, hoje em dia, dividem seus espaços com as
tradições gaúchas e os eventos nordestinos.
Romancini (2005) retrata a capital para além do estilo turístico ou descritivo da
geografia, mas analisa a cidade a partir das três grandes avenidas a Tenente Coronel Duarte,
conhecida como Avenida da Prainha, a XV de Novembro e a Historiador Rubens de
Mendonça. Esta maneira de apresentar Cuiabá propiciou ao professor Paul Claval
5
, que
prefaciou a obra citada, visualizar a imagem da capital na forma de um triângulo em que a
cidade se organiza: Centro Velho, Centro Político Administrativo e Universidade Federal.
A referida autora observa que o processo de desenvolvimento da cidade
favoreceu o surgimento de novas opções de lazer. Antes, os bares que motivam os trovadores
de versos e repentistas, agora o entretenimento se divide entre os shopping centers. O último,
inaugurado em 2004 é composto por uma área de compras e diversões segundo os moldes dos
grandes centros.
Morar em Cuiabá significa conviver com dois tipos de estações: verão e
inverno. Entre os meses de dezembro e fevereiro, o clima é tropical úmido; e no inverno o
clima é seco nos meses de junho a agosto.
Nos dias mais quentes, a temperatura máxima pode chegar a 45º e a nima
pode variar de 12º a 14º (IBGE, 2000). Observamos algumas normas internas das Secretarias
de Educação afixadas nos murais sobre a redução do horário de aulas quando registros
meteorológicos da baixa umidade do ar. Nessas circunstâncias, ocorre suspensão dos
intervalos nos períodos, ou substituição das atividades que exigem maior esforço, como as
aulas de Educação Física. Algumas escolas que abrigam alunos menores promovem as
5
Université de Paris - Sorbonne
78
recreações em sala de aula. Entretanto, a atmosfera cuiabana é contrastada pela exuberância
dos rios, chapadas, trilhas, cachoeiras e pântanos em Mato Grosso, pela bondade da própria
natureza.
Cuiabá encontra-se na condição estratégica de pólo na expansão da rede de
entreposto comercial. A cadeia de serviços particulares e oferta pública, assim como as áreas
de Saúde e Educação, destacam a capital na posição de melhor Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH, IBGE, 2006). A Educação em Cuiabá faz parte dos investimentos sociais, sob
responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso (SEDUC) e da
Secretaria Municipal de Educação (SME).
O sistema educacional de Cuiabá é formado por duas modalidades de ensino: a
Educação Básica, constituída pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio e a
Educação Superior. Esta pesquisa, conforme mencionado, envolve a participação de um
conjunto de professores que lecionam no Ensino Fundamental, terceiro ciclo, a séries e
um grupo de docentes do Ensino Médio.
O ensino fundamental ainda é atendido pela rede estadual em 78 escolas e em
66 das municipais. Deste modo, o universo das escolas totaliza 144 escolas. O total de 3767
funções docentes conduz este nível de ensino, sendo 2.361 do ensino fundamental estadual e
1.406 do ensino fundamental municipal.
As escolas da rede pública da área urbana que atendem o Ensino Médio
Regular totalizam 83 instituições na capital. Deste total, 10 são municipais que possuem um
convênio com a rede estadual. No recorte da pesquisa, estas escolas são excluídas do estudo,
pois apresentam característica diferenciada dos objetivos propostos, ficando 73 no universo
dentre as quais 15 foram visitadas conforme Ilustração 2. O ensino médio está sob
responsabilidade da rede pública federal, estadual e privada e funciona de modo diversificado
nos três turnos, cujo atendimento é realizado por 1.496 funções docentes (ANUÁRIO, 2004).
Além da Constituição Federal e da LDB, que garantem espaços participativos
dos professores, em Mato Grosso, existe a Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica
(LOPEB) nº. 50 de 1/10/1998 e Lei Estadual 7.040, do mesmo ano, que dispõe sobre as
instituições de ensino.
Em Cuiabá, a última etapa da Educação Básica, tem a duração mínima de três
anos, sendo atendida nos âmbitos das redes estadual, federal e particular. Porém, a maior parte
das matrículas se concentra no sistema público de ensino. Apesar de deter um indicador
elevado neste índice, em uma análise mais apurada constatamos alguns problemas sociais,
dentre eles, a queda do ingresso de alunos deste grau de ensino.
79
Entretanto, observamos que a exclusão dos alunos em idade deste nível de
ensino não é uma característica apenas da realidade cuiabana, conforme relatórios (BRASIL,
2004). Em Cuiabá, esta realidade está caminhando rumo às mudanças com tentativas de
equalizar, qualificar aqueles que somam a fileira dos suprimidos do mundo das letras; tendo
em vista a implantação dos cursos do Programa em Educação na Modalidade de Jovens e
Adultos (PROEJA, 2007), que tem absorvido esta clientela.
No entanto, entendemos esta proposta como Ribeiro e Darsie (2008, p. 37-48)
ao enfatizar que “A EJA, concebida como uma dívida social não reparada para com os que
não tiveram acesso à escola, precisa [...] ser assumida como compromisso político que garanta
os investimentos necessários a sua efetivação”.
As reformas curriculares fazem parte do quadro nacional. Nestas duas últimas
décadas, o reflexo tem caído sobre Cuiabá, em função do número significativo de reformas.
No campo da educação elas caracterizam a passagem do Século XX para o Século XXI,
conforme analisa Oliveira (2008), ao afirmar que o cenário favorece iniciativas de análises.
Entretanto a educadora pondera que o recorte espacial não é suficiente. Ao analisar textos
sugeridos na política de currículo e o contexto do município de Cuiabá - Escola Sarã, a autora
problematiza sobre o que as mudanças sugerem? Apresenta inferências no sentido dos
resultados das transformações advindas com o tempo, pela análise do texto-contexto.
[...] resultam mais dos confrontos de interesses políticos e de negociações entre os
diferentes protagonistas da referida política do que de algo inevitável ou definido de
fora. Por isso, seus sentidos não são os únicos ou irreversíveis, são conjunturais e,
sejam quais forem, podem ser empregados, ou não em benefício dos objetivos
iniciais da reforma. (OLIVEIRA, 2008, p. 23, grifo da autora).
Com estas reflexões, trazemos aspectos do cenário em que os docentes que
contribuíram com esta pesquisa desenvolvem suas atividades e investem sua força de
trabalho. É nesta perspectiva que a rede educacional da capital vem discutindo e aprimorando
seu sistema de ensino em conformidade com o crescimento da capital, no sentido de uma
prática pedagógica pensada por meio da promoção, inclusão e permanência do aluno na
escola, alterada pelo reflexo da conjuntura social mais ampla.
Sob este prisma, partindo do entendimento que o conhecimento não é apenas
cognitivo, mas combina os aspectos objetivos e subjetivos de acordo com Jovchelovitch
(2008), no desenvolvimento desta pesquisa, a partir da linguagem dos informantes, sinalizam
marcas da cultura cuiabana integrando as experiências, as vivências e a totalidade das relações
com o simbólico. É assim que esperamos que estes elementos do contexto espaço-temporal
80
contribuam como quinhões de possibilidades para entender as contradições que envolvem
também os sujeitos e objetos desta pesquisa.
2.4 Definição do conjunto de professores
Nesta pesquisa cuidamos da representatividade por características básicas
associadas aos docentes, a saber: sexo, pertinência em nível de ensino fundamental e médio e
institucional rede estadual e municipal.
Optamos pelo período diurno, porque pretendemos equivalência com os
professores do ensino fundamental que trabalham somente no período diurno. Desta forma,
omitimos neste estudo os professores do ensino médio do período noturno. Entretanto,
concebemos que os saberes dos sujeitos se formam a partir dos ambientes que vivenciam
(JOVCHELOVITCH, 2008). Sendo assim, é possível que em algum momento o leitor pode se
deparar com algum depoimento sobre o que o investigado experienciou pela interação com
grupos de colegas da profissão ou de alunos do turno noturno. Mas, durante o período da
coleta dos dados, priorizamos o seu turno de trabalho.
Inicialmente foi definido, para a abordagem com entrevistas, um conjunto de
64 professores, considerando a necessidade de maior volume de discursos como exigência da
análise computadorizada. No entanto, durante a realização do trabalho de campo, acabamos
não atingindo esta quantidade, por motivos diversos, conforme relatamos em seguida. O
grupo estudado foi constituído de 56 professores, sendo 15 do sexo masculino e 16 do sexo
feminino, que lecionam no ensino fundamental municipal e fundamental estadual,
respectivamente, totalizando 31 informantes desse grau de ensino.
No nível médio, entrevistamos 25 professores, sendo uma dúzia do sexo
masculino e treze do sexo feminino. Estes depoentes estão distribuídos em 22 escolas
espalhadas nas quatro regiões da capital. A amplitude dos conteúdos, pelo enriquecimento das
narrativas deste conjunto de pesquisados, completaram a necessidade das análises e a
quantidade de indivíduos foi considerada suficiente.
81
Tabela 1 - Distribuição do total de docentes entrevistados por nível de ensino, dependência administrativa
em relação ao grupo de gênero
Nível de Ensino
Fundamental Médio
Sexo
Municipal
Estadual
Estadual
Masculino 8 7 12
Feminino 8 8 13
Subtotal 16 15 25
Total 56
Destacamos algumas situações imprevisíveis que ocorreram no percurso de
coletas dos dados. A dificuldade para conseguir disponibilidade de horário dos professores,
conseqüentemente, implicou no agendamento prévio com os docentes. Tentamos solucionar
visitando a escola logo no início de cada período, permanecendo ali, muitas vezes até o final
do turno, para conseguir dois ou três voluntários a cada vez.
A nossa permanência na escola resultou na oportunidade de observações que,
posteriormente nos servimos delas, ao contemplar as análises sobre aspectos dos modos de
vida, para traçar o perfil profissional, a partir da questão 1, gostaria que você me contasse
sobre seu processo de escolha profissional, que será apresentada em análise, posteriormente,
na parte sobre identificação profissionais dos entrevistados.
Pelas circunstâncias próprias da realização de entrevistas gravadas, tivemos
que fazer muitas negociações tanto com os coordenadores, quanto com os participantes, pois,
de um modo geral, as escolas não dispõem de um espaço silencioso, específico. Além disso,
muitas escolas estavam em reformas.
As respostas foram gravadas sob prévia autorização dos informantes. O tempo
médio de entrevista que durou aproximadamente, 50 minutos.
2.5 A entrada em campo
Aprovisionadas do instrumento de coletas, previamente elaborado e testado,
realizamos a recolha dos dados que ocorreu entre os meses de agosto a dezembro do ano
mencionado anteriormente. O rol de entrevistas consta de 18 questões, conforme Apêndice A.
Os professores foram esclarecidos, antecipadamente, acerca da gravação
individual, porém, sempre respeitamos a disposição em contribuir com a pesquisa.
82
Prevendo questões éticas, o sigilo das respostas foi mantido e os entrevistados
foram identificados por códigos, visando o anonimato das respostas.
O grupo de professores desta pesquisa foi identificado por meio de um breve
formulário contendo perguntas pré-construídas com questões fechadas quanto ao tempo de
serviço, formação acadêmica, disciplina que ensina, idade, sexo e religião, como pode ser
verificado no Apêndice B.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas e
individuais. Objetivando um discurso mais diversificado e que não se concentrasse em um
lugar, elegemos critérios que abrangessem diferentes regiões da capital.
Esta seria uma tentativa de perceber se havia diferenças nos discursos mediante
a realidade das escolas localizadas no centro da cidade e na periferia. Na totalidade das
análises não aparece disparidade ou centralidade de questões que possam caracterizar
divergências nos depoimentos relatados pelos professores, nestas localidades, pois, os
entrevistados afirmam que nem sempre os estudantes que moram na região do centro são
pertencentes às escolas daquele meio.
Ainda que esta tenha sido uma preocupação das Secretarias de Educação, os
professores observam que os alunos migram de uma região a outra. No entanto, quando os
investigados mencionam envolvimento dos alunos com questões como o uso drogas e ou
violência, os docentes enfatizam a existência de bairros mais problemáticos nestes aspectos,
conseqüentemente, reflete na escola.
2.6 A coleta
A seleção das escolas foi feita a partir de uma listagem fornecida pelas
Secretarias de Educação e após identificação de quais delas oferecem as referidas
modalidades de ensino no período diurno. Nesta escolha não houve um critério
estatisticamente balanceado, porém, atentamos para a diversificação das regiões, de modo que
se obtivesse discursos provenientes de aglomerados diferenciados. Para tanto, partimos das
escolas situadas no centro da cidade e avançamos para as regiões mais afastadas. O mapa a
seguir mostra a localização das escolas, distribuídas em várias regiões de Cuiabá.
83
Ilustração 2 - Mapa da localização das escolas pesquisadas no perímetro de Cuiabá-MT
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá: Perfil sócio-econômico - Educação, 2001, p. 227, com adaptações
Dirigimo-nos às instituições buscando contatar os Coordenadores Pedagógicos.
Informamos sobre os objetivos da pesquisa e obtivemos autorização para realizar as
entrevistas, negociamos o horário com os docentes, considerando a disponibilidade de tempo
vago e o interesse para responder as questões, porém, cuidamos para que não existisse
concentração de docentes das mesmas disciplinas.
2.6.1 Procedimentos e instrumento de coleta de dados
Partimos dos objetivos da pesquisa, dos referenciais teóricos das
representações sociais e do objeto, elaboramos o roteiro das entrevistas organizado em um rol
de 18 questões, conforme Apêndice A. Alguns estudos foram revisados, sugerindo e
propiciando novos conhecimentos na formulação do instrumento, dentre eles: Altman (2005),
Oliveira, (2001), são produções que trabalharam a temática Educação Sexual e Sexualidade
na escola e outras referenciadas pela TRS, como Coutinho (2004). Utilizamos também os
apontamentos sobre entrevistas para iniciantes segundo Paredes (2005).
O instrumento de coleta foi revisado e submetido ao teste preliminar, realizado
em maio de 2006, cujo objetivo foi identificar o nível de compreensão dos sujeitos sobre as
84
perguntas da entrevista. Contamos com a participação de cinco professores de ambos os
sexos, dos mesmos níveis de ensino.
Feitas as alterações necessárias, o roteiro de entrevistas foi aprovado para a
referida aplicação junto ao conjunto de depoentes desta pesquisa.
Conforme mencionamos, amparamos na recolha dos dados por meio de 56
entrevistas semi-estruturadas e individuais coletadas no segundo semestre de 2006. O material
foi gravado em fitas e transcritos e, posteriormente, armazenado em dois blocos - questões
sobre sexualidade e educação sexual, desdobrando, assim, o conjunto de respostas
proveniente das entrevistas, devido as características do objeto, observadas na introdução
deste estudo.
2.6.2 Instrumentos de análises dos dados
Concluído o registro e organização dos dados, preparamos, então, o corpus
para a análise interpretativa dos textos a partir do conjunto de entrevistas, selecionadas em
função das temáticas, visando o processamento pelo uso do referido software. Este
procedimento separou os conteúdos em classes de palavras e segmentos de textos. Esta
técnica foi realizada, tanto com o material de Sexualidade, quanto de Educação Sexual.
Os Anexos A, B e C contém o resumo da etapa C do rapport oferecido pelo
ALCESTE. Os relatórios completos encontram-se disponíveis digitalizados em CD na contra-
capa desta pesquisa.
As questões de entrevistas do material discursivo de Sexualidade foram assim
constituídas:
2. Em geral você considera que as questões que envolvem a sexualidade podem estar entre as preocupações da
vida cotidiana de seus colegas professores?
3. Seus alunos lhe colocam questões sobre sexualidade? Que tipo de questões? Como foi sua explicação sobre o
assunto? Como você se sentiu dando a explicação?
4. Você ou seus colegas professores conversam sobre as questões sexuais de seus alunos?
5. Como você se informa sobre assuntos que envolvem a sexualidade e educação sexual?
7. O tema sexualidade foi discutido durante a sua formação profissional?
9. Como você se posiciona frente às situações em que os jovens se beijam, namoram, tocam em seus órgãos
genitais ou dizem palavrões? Gostaria de falar mais profundamente sobre alguma destas situações?
85
13. Em um estudo sobre sexualidade, os adolescentes responderam que os professores se sentem envergonhados
para tratar dos temas da vida sexual nas aulas. Gostaria que comentasse sobre isso.
18. Nossa entrevista está se encerrando. Gostaria de abordar algum assunto que considera importante e eu
deixei de perguntar?
Conforme esclarecemos, anteriormente, preparamos o corpus do conjunto
discursivo sobre Sexualidade e servimos-nos do processamento dos dados. Seguimos as
exigências previstas para o uso do software. Encontramos algumas dificuldades para montar o
corpus Sexualidade e, conseqüentemente, obtermos um bom aproveitamento, devido a ordem
do discurso dos sujeitos. Os docentes usam a forma dialogada, no sentido de responderem aos
questionamentos de entrevistas como se estivessem conversando com o aluno ou com a
entrevistadora. Este aspecto nos exigia que escrevêssemos utilizando travessões, reticências,
pontuações desprezíveis para a metodologia utilizada, conforme observações em Oliveira;
Gomes; Marques (2005).
Extraímos os vícios de linguagem e encontramos pausas, disjunções de tempo,
de lugar, divagações, fugas, gírias e linguagem coloquial presentes nas falas dos professores.
Assim, tivemos um investimento de tempo para organizar o texto. Entretanto, aproximar dos
dados significou maior familiarização com o seu teor.
A dificuldade para alguns depoentes discorrerem sobre o tema podem ser
notadas a exemplo de um trecho de uma entrevista segundo cópia fiel de gravação.
12. Quais as idéias que você acredita importantes para serem transmitidas em um trabalho
de educação sexual na escola?
[...] se conhecerem, o autoconhecimento. Eu acho... (risos) eu acho que é o principal
né...em cima de um projeto pra trabalhar com isso aí...eu acho que é o... Ah, ah,...
que é parte daí ...a primeira coisa é...se conhecer, né. Se conhecer pra saber até
onde ir, (pausa). É... É... Discernir o que é bom o que não é bom... Aquela
história né, tudo, tudo. Tudo lhe é permitido né... Mas nem tudo é saudável faz
bem realmente né...às vezes a iniciação sexual muito cedo, por curiosidade, às vezes
não, mas na maioria da vezes vem...vem prejudicando né...chega numa certa idade,
até você vê, a pessoa...tem adolescente que fez de tudo em uma idade bem
pouca e chegaram a engravidar [...]. **** *doc_16 *sex_2 *rel_1 *civ_3 *ida_3
*at_7 *ts_1 *nens_2 *adm_1
Buscando uma compreensão metodológica, entendemos que o processo
discursivo tanto oculta quanto revela. Ao mesmo tempo, mostra para ocultar e oculta para
mostrar. “[...] Trata-se de expressar o que se quer ou não dizer, o que se precisa dizer, o que se
diz mesmo no que não se fala, no influxo associativo mobilizado pelo objeto”. (MADEIRA,
2005, p. 463).
Nesta tarefa, dentre as experiências e testes, compreendemos a importância da
presença e persistência constante do pesquisador e a necessidade da fidelidade com os dados,
86
no sentido do respeito com os entrevistados e com a ética que envolve a pesquisa. Feitas
algumas adaptações, o texto tornou-se mais fluente e possibilitou efetuar a análise lexical
apresentado posteriormente, na primeira parte do Capítulo 3.
Dando seqüência aos procedimentos de análises, trabalhamos com o corpus
Educação Sexual, processado no mesmo software cujas unidades de contextos estão
distribuídas em cinco classes de palavras que constitui o Capítulo 4 deste estudo.
As questões de entrevistas do material discursivo sobre Educação Sexual
arroladas como seguem, totalizam uma dezena, visto que, as respostas da 11ª foram agregadas
no rol de respostas da décima, pois, dados de uma são contemplados na outra.
5. Como você se informa sobre assuntos que envolvem a sexualidade e educação sexual?
6. Em algum tempo na sua vida já recebeu algum tipo de educação sexual?
8. Como a escola se posiciona quando se depara com situações em que os jovens se beijam, namoram, tocam em
seus órgãos genitais ou dizem palavrões?
10. Na sua opinião, como as famílias tratam a educação sexual dos seus filhos? O que você falou se aplica às
famílias de seus alunos?
12. Se você participasse de um projeto sobre Educação Sexual, quais idéias você acredita importantes para
serem transmitidas em um trabalho de educação sexual escolar?
14. Como a sua escola trabalha a educação sexual com os alunos? Se não trabalha, você acha que existem
motivos que leva a escola a tomar esta atitude?
15. Na sua percepção, como seus colegas professores pensam sobre a educação sexual enquanto tema
transversal proposto pelos parâmetros curriculares nacionais?
16.Existe algum comprometimento por parte da administração ou coordenação da escola no sentido de
incentivos, restrições à educação sexual ou nem tomam conhecimentos? E por parte da Secretaria de
Educação?
17.Alguma vez tomou contato com algum material didático pedagógico sobre educação sexual? Gostaria que
fizesse comentários.
2.6.2.1 Análise de conteúdo
Tendo em vista algumas características específicas que influenciaram na
construção do conjunto de dados de sexualidade, conforme comentamos e, a redução do
material condensado em três classes, bem como, considerando as observações acerca da
associação de mais uma técnica, decidimos que faríamos uma categorização ampla do texto
discursivo sobre Sexualidade, organizadas no Capítulo 3.
87
Em suma, a decisão soma-se as reflexões obtidas em Madeira (2005); Paredes
(2005); Oliveira; Gomes; Marques (2005). Os dados analisados por outra via metodológica
possibilitam mais uma tentativa de compreender a rede de significados verbalizados pelo
conjunto de depoentes.
Fizemos uma leitura do material discursivo de sexualidade que favoreceu o
levantamento de algumas suposições a partir das mensagens contidas no discurso. Este
momento propiciou reflexões sobre as amarrações da teoria vislumbrando, assim, o possível
tratamento com os mesmos. Sobre este assunto, elucida Bardin (1977, p. 96): “Pouco a pouco
a leitura vai se tornando mais precisa, em função das hipóteses emergentes, da projeção de
teorias adaptadas sobre o material e da possível aplicação de técnicas utilizadas [...]”.
Buscamos alguma compreensão a respeito de algumas como seguem, tendo em
vista resultados de outras pesquisas. Desta forma, esta análise pôde contribuir para confirmar
e esclarecer resultados processados pelo software.
Com este propósito, o estudo guiou-se pelos apontamentos adaptados em
Franco (2003). As diferentes leituras e releituras do material discursivo para a formulação de
categorias, nos levam as seguintes suposições interpretativas:
Existem professores que consideram nunca terem sido informados sobre sexualidade
.
Os professores vivenciam problemas ao tratarem do assunto sexualidade na escola.
Existem professores que tratam o assunto com preconceitos.
Existem professores que entendem sexualidade apenas como prática sexual.
Existem sentimentos que são manifestados quando acontece a abordagem do tema sexualidade em sala de aula.
O fator idade pode ser um determinante para não se sentir bem para discutir sexualidade com os alunos.
A opção pelas proposições de Franco (2003) deve-se a presença de alguns
discursos lacônicos, inviabilizando assim, um procedimento de análise lexical. Ademais,
amparamo-nos no comentário da autora sobre a regra da exaustividade, no sentido de dar
atenção a todas as informações importantes do contexto das entrevistas.
Iniciamos a organização dos procedimentos pela leitura ‘flutuante’.
A primeira atividade da Pré-Análise consiste em estabelecer contatos com os
documentos a serem analisados e conhecer os textos e as mensagens neles contidas,
deixando-se invadir por impressões, representações, emoções, conhecimentos e
expectativas. (FRANCO, 2003, p. 44).
As questões de Sexualidade das entrevistas abaixo relacionadas foram
examinadas lidas e relidas, de modo que, a descrição analítica dos trechos discursivos aos
88
poucos se configura em unidades de registro conforme argumenta Franco (2003). Deste modo
tentamos perseguir a segunda parte da questão Quem sabe e de onde sabe? verificando quais
as fontes em que os docentes se informam sobre o tema.
3.Seus alunos lhe colocam questões sobre sexualidade? Que tipo de questões? Como foi sua explicação sobre o
assunto? Como você se sentiu dando a explicação?
4. Você ou seus colegas professores conversam sobre as questões sexuais de seus alunos?
5.Como você se informa sobre assuntos que envolvem a sexualidade e educação sexual?
7.O tema sexualidade foi discutido durante a sua formação profissional?
13.Em um estudo sobre sexualidade, os adolescentes responderam que os professores se sentem envergonhados
para tratar dos temas da vida sexual nas aulas. Gostaria que comentasse sobre isso.
Organizamos a análise pela definição de categorias computadas por ordem de
indicadores segundo freqüências. O tema explicitado passa ter importância para a análise dos
dados quanto mais mencionado for. As palavras são classificadas segundo seu sentido
semântico, atentando para o emparelhamento dos sinônimos e dos significados próximos. O
conteúdo encontra-se disponibilizado em tabelas construídas pelo programa informático Excel
Na definição de categorias conforme de acordo Franco (2003, p. 55) parece
importante evitar abrir uma categoria para cada resposta. Esta ação pode fragmentar o
discurso e prejudicar a análises. Optamos por classificar “[...] as respostas em categorias de
menor amplitude e, em seguida, sem nos afastar do significado e dos sentidos, atribuídos
pelos respondentes, criamos marcos interpretativos mais amplos para reagrupá-los”.
2.7 Caracterização dos sujeitos da pesquisa
A caracterização dos sujeitos em uma pesquisa científica constitui um
importante eixo de análise, uma vez que auxilia na leitura e apreensão de questões a eles
relacionadas e, conseqüentemente, contribui para a interpretação da amplitude dos elementos
provenientes dos seus discursos.
Conforme mencionamos, este texto é reservado à descrição do perfil dos 56
professores distribuídos em 22 escolas públicas informantes deste estudo. A indagação
proposta por Jodelet (2001, p. 28, grifo da autora), [...] quem sabe e de onde sabe?”, em
referência ao campo de estudos das RS, foi utilizada na construção da abordagem teórico-
89
metodológica, servindo-se, dessa maneira, à caracterização dos entrevistados bem como ao
direcionamento da descrição e análise de conteúdos das fontes de informação sobre Educação
Sexual e Sexualidade, dispostas no Capítulo 4.
Nesta apresentação, porém, focalizamos apenas a primeira parte da questão,
“[...] quem sabe [...]?”, e definimos quem são os docentes sujeitos da pesquisa, o que eles
pensam a respeito de si mesmos e de sua realidade de trabalho.
Na tentativa de caminharmos nessa direção, por ocasião da coleta de dados,
tomamos alguns indicadores demográficos que identificam os professores. Este perfil
censitário, portanto, constitui-se de duas partes: a primeira, como o próprio nome indica,
descreve os respondentes quanto aos quesitos idade, local de nascimento, gênero, distribuição
geográfica, religião, formação acadêmica e disciplina que lecionam.
A segunda traz uma breve apresentação sobre o que os depoentes pensam da
profissão. Este resultado é fruto da análise da questão 1 do rol das perguntas de entrevistas
examinadas. Esse conteúdo, processado pelo software ALCESTE, versão 4.5, encontra-se
organizado segundo as classes de palavras sendo apresentado mais adiante.
Discorremos sobre o ingresso dos professores na profissão, apontando, assim,
considerações que abarcam motivações e frustrações declaradas por eles mesmos. Com isso,
buscamos compreender os contextos sociais e afetivos em que estão envolvidos, sabendo que
suas motivações, percepções, crenças e atitudes definem seu perfil profissional e o modo pelo
qual se envolvem com os alunos e encaminham suas práticas pedagógicas.
Logo, este estudo é um esforço de identificação do significado da docência, a
partir dos elementos representativos que constituem o discurso dos profissionais da área, em
relação à forma pela qual concebem tanto o ingresso na profissão quanto sua trajetória nesse
campo de trabalho. Inicialmente, parece que esse tema não apresenta relação com os objetos
propostos nesta pesquisa, no entanto a abordagem nos possibilita apresentar parte do cenário
em que os investigados interagem, conforme a visão deles próprios. Essa foi uma maneira que
encontramos para trazer à tona aspecto tão visado nas pesquisas e nos estudos de RS.
Por outro prisma de análise respeita à oportunidade de conhecermos um pouco
da vida pessoal e profissional de cada professor. Nessa perspectiva, remetemo-nos a Figueiró
(2006, p. 263), que, tendo desenvolvido uma proposta de construção do saber docente em
educação sexual, defende que essa estratégia de dar vozes aos professores, possibilita a
aquisição de elementos para “[...] uma compreensão mais ampla do professor como pessoa e
de sua atuação profissional.”
90
Dentro dessa opção metodológica, apropriamo-nos da contextualização em
espiral (ARRUDA, 2005), porque esta não se restringir à descrição do lugar de pesquisa,
abarcando a totalidade de significados entrelaçados, no caso deste estudo, na cultura do
trabalhador docente.
Como concebe Jodelet (2001) a representação construída é sempre de alguém e
de alguma coisa. Ademais, a conjuntura produzida pelos entrevistados pode encobrir um
conjunto de elementos de pertenças, de experiências vividas que envolvem Sexualidade e
Educação Sexual e que, porventura não tenham sido aclaradas no momento da entrevista. Não
podemos perder de vista a fluidez e a relação de aproximação existente entre sujeito e objeto.
Como estamos investigando RS de uma temática que apresenta certa complexidade, permeada
por valores e normatizações sociais, parece-nos importante conhecer os docentes além de suas
histórias, seus conflitos, suas alegrias, sua relação consigo mesmos e com o outro, a partir de
alguns traços da sua singularidade e de sua profissão.
Aos professores cabe a escolha de interpretar conhecimentos para repassar aos
alunos. A esse propósito, Arruda (2005) analisa que a contextualização concêntrica pode
propiciar uma compreensão das tensões ou dos conflitos profissionais e facilitar o
entendimento das respostas acerca do objeto, as quais tenham ficado inconclusas nas
entrevistas. Segundo a autora, para retratar essa totalidade, podemos começar do centro para
as pontas, embora o sentido inverso também nos permita decifrar os fios que tecem as teias de
significados. Neste trabalho, tomamos as pontas, por meio da aproximação das idéias e
histórias do grupo, e avançaremos para o objeto e a cultura que lhe são próprias.
Movidos por estas preocupações, ao investigarmos como os professores
escolheram a profissão, atentamos para a imagem que eles possuem de si enquanto
trabalhadores da rede blica, suas motivações, expectativas e frustrações, partindo também
do universo de algumas pesquisas, Gatti (1996); Batista (2007); Cândido e Batista (2007) e
Alves-Mazzotti (2005).
Breves enfoques desses estudos trazem resultados inerentes ao exercício do
magistério e apresentam como pano de fundo a questão da profissionalidade docente. Além
disso, oferecem-nos elementos teóricos que nos auxiliam na leitura e no entendimento do
significado desta atividade, para, então, podermos compreender as concepções inerentes ao
ser professor, em termos pessoais e profissionais. Essas representações interagem na sua
atuação como protagonistas da educação, em especial em relação a educação sexual.
91
2.7.1 O perfil sociodemográfico dos sujeitos da pesquisa
Apresentamos a descrição e análise dos dados a partir do perfil etário do grupo
de sujeitos desta pesquisa. Nesses termos, a faixa de idade predominante é de 31 a 40 anos,
perfazendo um índice de 40% dos investigados. Resultado que corrobora as estatísticas
fornecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO, 2004), ao revelar que esta constitui a média de idade dos docentes brasileiros em
relação ao panorama internacional. Segundo essa entidade, em alguns países como a União
Européia os professores apresentam idade superior a 40 anos.
Tabela 2 - Distribuição numérica e percentual dos entrevistados, segundo ao grupo etário
Professores
Faixa etária, em anos
N %
20-30 12
21,40
31-40 23
41,00
41-50 11
19,60
51-60 9 16,00
Acima de 61 1 1,70
Total 56
100,00
Associando o quesito idade ao tempo de serviço, verificamos que esse grupo
majoritário pertence ao conjunto de professores acima de 21 anos de atuação no magistério,
compondo, assim, um bloco de docentes que começaram a trabalhar ainda jovens no meio
educacional, esta que pode ser uma tendência na educação em Cuiabá, quando observamos a
segunda posição, que soma 41%.
Neste estudo, que envolveu pouco mais de meia centena de entrevistados,
observamos a concentração de mulheres na maior parte das instituições, o que facilitou nosso
acesso ao grupo pretendido de docentes do sexo femininos. Porém, como procurávamos
estabelecer um equilíbrio em relação ao grupo de gênero, implicou em uma quantidade maior
de escolas para conseguir contatar somente docentes do sexo masculino, principalmente
aqueles que atuassem nível médio de ensino, conforme Tabela 3.
Percebemos que o predomínio da feminização no magistério da Educação
Básica em Cuiabá confere com os resultados apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais INEP (2003). Esse quadro vigora também na realidade brasileira,
conforme pesquisa realizada com a participação outras entidades e da UNESCO (2004).
Parece que, em relação à proeminência de professoras na Educação, os
resultados indicados m sendo mantidos. Gatti (1996) mais de uma década, analisou um
92
conjunto de investigações realizadas em seis países da América Latina no início dos anos
noventa. Referindo aos dados brasileiros, foram mencionados os resultados semelhantes sobre
professores que lecionavam na educação básica do antigo primeiro grau dos estados de
Maranhão, de Minas Gerais e de São Paulo.
Procedemos, então, a uma verificação da idade em relação ao sexo, obtendo a
seguinte distribuição, disponibilizada na Tabela 3 como mencionamos.
Tabela 3 - Cruzamento da variável idade em relação à distribuição de gêneros do total pesquisado
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Faixa etária, em anos
N
% N
% N
%
20-30 8 27,50
5 18,50
13
23,20
31-40 7 24,10
12
44,40
19
33,90
41-50 10
34,40
7 25,90
17
30,30
51-60 3 10,30
3 11,10
6 10,70
Acima de 61 1 3,40
0 0
1 1,70
Total 29
100,00
27
100,00
56
100,00
Sobre o quesito local de nascimento, lembramos que a população regional de
Cuiabá constitui-se de migrantes provenientes de vários estados do Brasil.
Apresentamos na Tabela 4, números absolutos e percentuais da distribuição
geográfica de nascimento dos depoentes. Notamos que a maior parte, quase 52%, é natural de
Mato Grosso, proveniente da capital ou dos municípios do interior do Estado. Alguns destes
declararam atuar como docentes por ter sido o magistério a única formação que lhes fora
disponibilizada no lugar onde residiam foi porque eu morava em uma cidade onde havia o
magistério.
Tabela 4 - Distribuição quanto à naturalidade dos entrevistados
Professores
Naturalidade
N %
Mato Grosso 29
51,70
Outros Estados
25
44,60
Sem resposta 2 3,50
Total 56
100,00
Apesar do percentual relativo aos docentes naturais de Mato Grosso, existe
uma proporção elevada, cerca 44,6%, dos que nasceram em outros estados brasileiros, como
São Paulo, Goiás e Minas Gerais. O contexto das entrevistas sobre a pergunta gostaria que
você me contasse sobre seu processo de escolha profissional, que analisaremos
93
posteriormente, parece indicar que a imagem da escolha profissional está relacionada à
história de vida dos entrevistados:
Então, cheguei em Cuiabá em dezembro de 1982 e no dia seguinte estava em uma
escola trabalhando. tenho 23 anos, comecei com a primeira série, mas depois eu
transferi, pois fui convidada pela diretora para assumir a secretaria da escola
também. (Professora, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, Estadual).
De acordo com os dados levantados por Oliveira (2004), talvez nos seja
possível associar o ingresso desse grupo de pesquisados na profissão ao crescimento da cidade
e à conseqüente evolução no quadro de matrículas escolares nas redes estadual e municipal de
ensino da capital, na década de 1980. Levando em conta essa época em relação ao período
compreendido de 1997 a 2000, notamos um aumento de 8,5% no quadro de matrículas na rede
estadual, correspondendo a 4.274 alunos matriculados, e de aproximadamente 21,4% na rede
municipal, equivalendo a 7870 alunos matriculados. Logo, os dados apontam para a evidente
tendência de elevação da contratação de professores na rede pública, como bem nos informa o
trecho da entrevista apresentada anteriormente.
Portanto, parece existir uma homogeneidade quanto às informações sobre o
ingresso dos profissionais no magistério. Em certo sentido, chegaram na capital motivados
por maiores chances de emprego.
Procuramos verificar aspectos de influências culturais na vida do grupo de
docentes estudados, em relação à que professam e ao estado civil em que se encontram.
Entendemos que não somente a família e a escola educam; outras organizações sociais
exercem influências neste papel.
Do universo de professores contatados e entrevistados, verificamos que o
maior grupo, 57%, afirma ser católico. Em seguida, um percentual da ordem de
aproximadamente 20% declara-se praticante de religiões evangélicas, figurando dentre elas as
denominações Batista, Presbiteriana e Universal. Um percentual de 12,5% dos entrevistados
manifestou desinteresse em responder à pergunta. Por outro lado, 5,4% dos educadores
responderam adesão ao Espiritismo e 3,6% alegaram não seguir nenhuma religião. Essas
informações encontram-se reunidas na Tabela 5.
94
Tabela 5 - Distribuição das crenças religiosas que os entrevistados professam
Professores
Crenças
N %
Católica 32
57,00
Evangélica 11
19,60
Espírita 3 5,40
Sem Religião
2 3,60
Sem resposta
7 12,50
Outros 3 5,40
Total 56
100,00
Quanto ao estado civil, podemos observar na Tabela 6, exibida abaixo, a
predominância de professores casados, 51%, seguidos do grupo de solteiros, que marcam
significativa presença, 37%, ocupando uma posição proporcionalmente superior à metade
daqueles que contraíram matrimônio. Por fim, verificamos que um percentual relativamente
inferior que representa o conjunto de docentes que desfizeram a união conjugal judicialmente
ou não.
Tabela 6 - Distribuição em percentuais dos professores em relação ao estado civil
Professores
Estado Civil
N
%
casado 29
51,00
solteiro 21
37,00
divorciado 4 5,00
separado 2 3,00
Total 56
100,00
Tomando por base os dados da pesquisa de Therborn (2006) observamos que o
aspecto referente ao conjunto de coabitantes merece discussão, uma vez que o pesquisador
aponta o forte declínio nas taxas de casamento nas últimas quatro décadas. Segundo
mapeamento que envolveu toda a parte ocidental do continente europeu, tendo também se
estendido através dos oceanos, alcançando o novo mundo americano e o do Pacífico. Na
América Latina, o autor destaca a Argentina e Venezuela, países onde sobressaem a união
informal.
Em relação ao Brasil, na metade do século XX houve uma redução no número
de uniões informais, entretanto, depois de 1950, sobretudo após 1970, a proporção de uniões
consensuais voltou a crescer principalmente no Rio de Janeiro e no Nordeste, regiões nas
quais, analisa Therborn, aconteceu a implantação do sistema colonial de modo mais
95
substancial. Sobre este aspecto, o pesquisador analisa pela perspectiva de estabelecimento de
uma reconexão entre estas ocorrências e os padrões de costumes do passado. Por fim, este
autor constata que no ano 2000, as mulheres passaram a contrair casamentos em idades mais
avançadas, tendo referido 24 anos.
Alguns elementos desse contexto, por sua vez, parecem ter se presentificado
em nossos dados, se levarmos em consideração o alto contingente que se agrupam na variável
solteiros.
Estes indicativos instigam-nos a fazer um cruzamento da variável faixa etária
com o quesito estado civil, examinando como ocorre a distribuição dos docentes em relação
às taxas de casamentos. Os dados encontram-se expostos em percentuais na Tabela 7.
Nesse sentido, observamos que os professores coabitantes enquadram-se no
grupo etário situado entre 20-30 anos, tendência que talvez justifique a proposição de
Therborn. Todavia, quando pensada em termos de categoria docente, essa preferência leva-
nos a apontar outros indicadores. Em relação ao professor que opta por continuar solteiro, isso
talvez se em função dos baixos salários percebidos por eles, ou em razão de se
considerarem ainda bastantes jovens.
O bloco de professores inseridos na faixa de 31-40 anos é majoritário, sendo
que o contingente de solteiros aproxima-se ao do primeiro agrupamento. Isso viabiliza outro
viés de análise, segundo o qual ou as pessoas que convivem em casamento informal talvez
tenham se declarado solteiras, ou ser professor e solteiro não tem relação alguma com a idade,
discussão essa que poderá ser desdobrada em outra oportunidade.
Em última instância, devido à constituição de família, as responsabilidades
podem aumentar, conforme revela a entrevista a seguir, que descreve parte da rotina vivida
por alguns professores:
[...] talvez porque a jornada é grande, ele sai às cinco da manhã e volta às cinco da
tarde, muitas vezes trabalha a tarde e a noite também. Então quando ele chega em
casa não tem mais cabeça para buscar conhecimento. E no caso das mulheres ainda
tem outras coisas para fazer, porque a mulher tem a dupla jornada, as tarefas
domésticas sobram para ela, mesmo que tenha empregada, tem filhos que vão para a
escola. Muitas das vezes, o professor não se informa, não é porque não quer, mas
por falta de tempo [...]. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, área de Educação
Física, Ensino Fundamental, municipal).
96
Tabela 7 - Distribuição numérica e percentual da faixa etária dos professores em relação ao estado civil
Estado civil
Casado Solteiro
Total
Faixa etária, em anos
N
% N
% N
%
20-30 3 8,57
10
47,62
13
23,21
31-40 12
34,29
8 38,10
20
35,71
41-50 13
37,14
3 14,29
16
28,57
51-60 6 17,14
0 0
6 10,71
acima de 61 anos 1 2,86
0 0
1 1,78
Total 35
100,00
21
100,00
56
100,00
Por falar em dia-a-dia de professor, consideramos oportuno explanar neste
momento a análise que realizamos em relação ao tempo de serviço do total dos participantes
da pesquisa. Há um grupo de depoentes em fase de adaptação à profissão, representando cerca
de 20% do conjunto de educadores em início de carreira, entre zero e cinco anos de exercício
do magistério. No geral, esse quadro é composto por profissionais em regime de contrato
temporário, aqueles conhecidos como interinos ou substitutos. Na ocasião da coleta de dados,
eles se mostraram mais disponíveis para participar das entrevistas.
Agora, juntando o grupo de docentes que estão em fase considerada início de
carreira profissional com o percentual de entrevistados situados entre seis e 10 anos de
profissão, o resultado supera aqueles que têm mais de duas décadas de trabalho. Permite dizer
que estamos tratando de um grupo de professores que transitam meados de tempo
profissional. Entretanto, destacamos a presença de docentes que estão prestes a se aposentar,
que chega a quase 30,0% do total de inquiridos, índice que evidencia um somatório de
discursos de professores mais experientes na profissão.
Os valores absolutos e percentuais acerca do tempo de serviço na área da
educação podem ser visualizados na Tabela 8.
Tabela 8 - Tempo, em anos de trabalho na área de atuação
Professores
Experiência profissional, em anos
N %
00-05 11
19,60
06-10 13
23,20
11-15 10
18,00
16-20 6 10,70
Acima de 21 anos 16
28,50
Total 56
100,00
97
Sobre os saberes do professor Tardif; Raymond (2000, p. 219) assinala “[...]
longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande
parte, de preocupações do ensino e da aprendizagem herdados da história escolar”. Ainda que
não pretendamos estudar a questão da carreira, a integração de diferentes elementos como a
disciplina que ensina, a formação que possui e o tempo de serviço, influi sobre eles.
Quanto ao nível de escolarização do grupo entrevistado, verificamos que a
totalidade dos sujeitos apresenta nível superior. Quase metade deles apresenta o título de
especialistas em diferentes áreas de ensino. Entretanto, um docente declarou formação em
nível strictu sensu e outro que, à época estava cursando a pós-graduação. Todas essas
informações são condizentes com os dados exibidos na Tabela 9.
Tabela 9 - Distribuição da proporção de entrevistados segundo a habilitação
Professores
Formação escolar
N %
3º grau completo 28
50,00
3º grau incompleto 1 1,80
Pós-graduação (lato sensu) 25
44,60
Mestrado 1 1,80
Cursando pós-graduação (lato sensu)
1 1,80
Total 56
100,00
Diante do exposto, percebemos que os profissionais contatados têm procurado
se especializar por meio da pós-graduação lato sensu, conforme as áreas expressas no Tabela
10, a seguir. No último item consta apenas a quantidade dos sujeitos, pois não se
pronunciaram a respeito.
98
Tabela 10 - Áreas de formação em pós-graduação lato sensu
Distribuição por áreas de pós-graduação lato sensu N
História 1
Ciências Contábeis 1
Matemática 1
Ciências Biológicas 1
Metodologia do Ensino Superior 1
Psicolingüística 1
Psicopedagogia 1
Psicologia Educacional 1
Educação Física Escolar 1
Didática no Ensino Superior 1
Filosofia 2
Ciências na Educação: Informação e Educação 1
Docência no Ensino Superior 1
Educação Ambiental 1
Lingüística Aplicada à Língua Portuguesa 1
Genética 1
Educação 1
Metodologia do Ensino de História 1
Outros 6
Para Cândido e Batista (2007) a titulação, concentrada na especialização,
sinaliza para uma preocupação com a formação continuada.
Isso pode ser resultado da política pública do trabalho docente que, ao fim de cada
ano, professores são obrigados a comprovar desempenho em qualificação, caso
queiram ter a vantagem de eleger, com certos privilégios, a escola e a turma para
trabalhar no ano seguinte. (CÂNDIDO; BATISTA, 2007, p. 19).
Quanto à distribuição das disciplinas que os sujeitos lecionam, o maior
percentual concentra-se em Língua Portuguesa com habilitação em Inglês ou Espanhol, cujos
professores ministram aulas em quase todos os horários e dias da semana. Este aspecto
favoreceu o contato maior, época da realização das entrevistas. Consideramos significativa a
quantidade de docentes nas áreas de Ciências Biológicas, sendo reconhecidos, de imediato
pelos colegas e, às vezes, pelos coordenadores como os responsáveis ou aqueles que deveriam
abordar a educação sexual na escola.
Diante desta representação, e, cientes da Educação Sexual, enquanto
transversalidade, intervínhamos, solicitando outras áreas, tentando diversificar o discurso.
Assim, conseguimos a realização da entrevista com professores de outras áreas como
Matemática e Física. Alguns colegas avaliam que são áreas mais difíceis para abrir discussões
sobre sexualidade em sala de aula.
99
Os percentuais referentes a esses aspectos somam acima de 100% e envolvem
respostas múltiplas, pois um professor pode lecionar mais de uma disciplina, de acordo com
os dados contidos na Tabela 11.
Tabela 11 - Distribuição das disciplinas em que os professores lecionam
Professores
Disciplina
N %
Português 13 20,00
Inglês 7 10,77
Filosofia 6 9,23
Ciências 5 7,69
Matemática 5 7,69
Física 4 6,15
Geografia 4 6,15
Educação Física
4 6,15
Biologia 4 6,15
Espanhol 3 4,62
História 3 4,62
Química 3 4,62
Religião 3 4,62
Sociologia 1 1,54
Em geral, quando se fala sobre professores da Educação Básica, é como se eles
pertencessem a um mesmo grupo social. No entanto, quanto aos docentes do Ensino
Fundamental, Gatti (1996) analisa que não parece haver tanta homogeneidade; ao contrário,
diferenças significativas: varia o nível socioeconômico, o salário, muitas vezes destinado
integralmente para a manutenção da família. Dentre outras características, muitos deles
pertencem a grupos que buscam a ascensão por meio da instrução.
Nesta pesquisa, realizamos um recorte abrangendo somente o grupo de
pesquisados atuantes nos níveis fundamental e médio de ensino, pois objetivamos conhecer o
universo de RS de educadores lotados em um conjunto de escolas públicas. É possível que
algumas diferenças mais imperativas possam emergir nos seus discursos quando estes
contextualizam a profissão. Pretendemos analisar na seqüência aspectos acerca do que este
grupo pensa sobre a profissão, enquanto sujeitos sócio-culturais.
100
2.7.2 Caracterização do perfil profissional
Conforme referimos anteriormente, em busca de respostas sobre fatores que
contribuem na decisão pela profissão docente, a presente análise partiu da questão 1 Então,
gostaria que você me contasse sobre seu processo de escolha profissional. Como se sente
sendo professor hoje?
A produção do material discursivo que ora passamos a examinar foi processada
por análise com o auxílio do programa computacional ALCESTE, versão 4.5, e com base no
aporte teórico que focaliza a primeira parte da questão proposta por Jodelet (2001), quanto a
quem sabe? Portanto, adentramos na segunda fase da construção dos contornos da profissão,
declarados pelos sujeitos conforme anunciamos no início deste estudo. Elementos do relatório
gerado por esse software permitiram-nos verificar as 56 unidades de contexto inicial (UCI)
que representam a linha de entrada das entrevistas no programa e confirmam o total de
pesquisados. O material original foi dividido em quatro segmentos de texto denominados
classes de palavras.
Inicialmente observamos a prova de associação do quiquadrado em relação à
classe (χ²>2,00) e selecionamos as palavras por ordem decrescente, com freqüência igual
quatro. O programa classificou 337 unidades de contexto elementares (UCEs), das quais 216
correspondem a 64,09% de aproveitamento do material exposto para análise.
Pelo método de Classificações Hierárquicas Descendentes – CHD representado
pelo dendrograma da Ilustração 3, o programa dividiu o material em duas grandes partições
formadas por UCEs com tamanhos diferentes, que chamamos blocos. O primeiro bloco é
denominado de Temporalidade e contexto social da profissão e o segundo de Elementos
intervenientes na escolha e na prática profissional.
Percebemos a presença de quatro classes temáticas. As Classes 1 e 4, que são
mais próximas, embora, em termos de UCEs, a última seja a mais densa. Na partição seguinte
se originaram as Classes 2 e 3. A disposição do conjunto pode ser melhor visualizada a partir
das respectivas nomeações.
Classe 1 - Compreensão da profissão: significações contraditórias
Classe 4 - O contexto socioprofissional e suas implicações na profissão
Classe 2 - Dilemas na escolha da profissão: isto ou aquilo?
Classe 3 - Afetividade e memória: elementos determinantes na escolha
profissional dos docentes
101
Devido à finalidade deste estudo, apresentamos os dendrogramas de classe
apenas como anexos. Porém, descrevemos todos os elementos estatísticos que compõem cada
classe.
Ilustração 3 - Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente do material das entrevistas sobre a
questão 1 - ingresso na profissão
Explicitamos na seqüência as análises das quatro classes referentes ao discurso
ingresso no magistério a partir do conjunto de professores entrevistados. As classes se
encontram disponibilizadas conforme a ordem das ramificações mostradas no dendrograma.
Assim, pretendemos identificar quem são os sujeitos desta pesquisa a partir do que eles
pensam acerca da profissão.
A Classe 1, descrita na Tabela 12 subseqüente, propicia algumas trilhas que
podem fornecer elementos que contribuem para traçar o referido perfil:
102
Classe 1 - Compreensão da profissão: significações contraditórias
Tabela 12 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ² Corpus
N
%
Hora+ Hora, horas 23,41
7 7 100,00
Tempo Tempo 20,93
20 13
65,00
Atividade+ Atividade, atividades 18,80
8 7 87,50
Aula+ Aula, aulas 16,82
33 17
51,52
Mesma+ Mesma, mesmas 16,56
5 5 100,00
Prepar+ Preparação, preparando, preparei, preparo
16,56
5 5 100,00
estr+ Mestrado 15,28
9 7 77,78
Aposentadoria
Aposentadoria 13,19
4 4 100,00
Viv+ Vive, viver 13,19
4 5 100,00
Sair Sair 12,20
6 5 83,33
Pens+ Pensa, pensando, pensar, pensei 10,29
11 7 63,64
Pretend+ Pretendo 10,29
11 7 63,64
Efetiv+ Efetiva, efetivar, efetivo 9,84
3 3 100,00
Remuner+ Remuneração, remunerar 9,84
3 3 100,00
Precis+ Precisa, precisam, precisar, preciso 9,65
9 6 66,67
Deu+ Deus 9,17
7 5 71,43
Ganh+ Ganha, ganhamos, ganhando, ganhar 6,97
8 5 62,50
Continu+ Continuar 6,15
11 6 54,55
Melhor+ Melhorar, melhore, melhoria 5,31
9 5 55,56
Notamos que a Classe 1 contém um discurso basicamente feminino. Dentre a
meia dúzia de docentes que mais contribuíram com as discussões, apenas um é do sexo
masculino. A maior parte do grupo leciona no nível médio da rede estadual de ensino e duas
professoras atuam no Ensino Fundamental. Não há homogeneidade em relação à idade, que se
situa em diferentes faixas etárias. Porém, podemos dizer que esses profissionais constituem o
compósito do grupo etário fixado entre 31 e 50 anos de idade, englobando professores que
vivenciam tanto as primeiras experiências educacionais, de 0 a 5 anos, quanto aqueles em
final de carreira, acima de 21 anos de tempo de serviço.
Discutindo sobre as fases iniciais da carreira e a experiência do trabalho,
Tardif; Raymond (2000) constata que as bases dos saberes profissionais vão se construindo
entre os três e cinco primeiros anos de trabalho. Freqüentemente este é um período em que
pode ocorrer choque com a realidade’ em meio a uma mistura de expectativas, de
sentimentos fortes e, às vezes, contraditórios que acontecem com professores em princípio de
função. Caracteriza-se como uma fase crítica em relação às experiências de ajustamentos às
normas, regras e hierarquia que ocorrem na realidade do trabalho. Ou ainda, pode ter a
103
conotação de decepção, em razão de que talvez o pensado até antes do ingresso na profissão
não corresponde com a vivência.
Em função do perfil dos sujeitos delineados nesta Classe 1, que comporta um
grupo de estreantes no magistério e um grupo prestes a se aposentar, notamos nas entrevistas
elementos que parecem determinar a existência de um movimento de oposição, estabelecido
pelos sentimentos de querer permanecer, continuar na profissão e, do mesmo modo, de sair
dela.
O fator tempo tipifica a classe temática materializada pelas horas-atividades,
percebidas como positivas quando declaradas como um benefício, e como negativas quando
julgam as horas insuficientes para o preparo das aulas. Avaliam também os desencontros
devido aos horários cumpridos em dias alternados ou rotativos. Este aspecto não coopera para
maior interação entre eles.
O período reservado para a preparação das aulas parece ter sanado em parte as
dificuldades relacionadas à falta de tempo, retratada também pelo léxico viver, bastante
reclamada pelo conjunto de docentes. Segundo eles, administrar os horários das aulas com os
encargos e atividades do cotidiano, somando-se a isso o percurso que às vezes precisam fazer
de uma escola a outra para aumentar os rendimentos, são aspectos determinantes de suas
vidas. Conforme exarado na seguinte opinião:
A gente não tem tempo, o professor não tem um tempo pra viver, pra preparar e
outro tempo pra lecionar. Ele tem o tempo todo pra ficar em sala. Fala-se em horas
atividades. Horas atividade é um dia. O que você consegue em um dia? E não é um
dia todo! (Professora, casada, religião indefinida, 31-40 anos, matemática, 11-15
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Dados do perfil, constantes na Tabela oito, mostram que um conjunto de
28% de professores com experiências entre 15 e 20 anos na profissão. Retomamos o léxico
aposentadoria na Classe 1, expresso na Tabela 12. Parece que existem expectativas
vivenciadas com ansiedade por esse grupo de educadores, pelo fato de terem que sair da
profissão à qual sempre se dedicaram e pela oportunidade de poderem enfrentar o desafio de
dar início a uma nova etapa de suas vidas, qual seja, permanecer no campo educacional ou
engajar-se em outro projeto em área distinta.
Eu estou até preocupada, pois a aposentadoria está perto e estou pensando um
monte de atividade no bairro, para trabalhar com adolescentes essa questão da
sexualidade. estou programando toda a minha aposentadoria, porque se eu ficar
longe dos adolescentes, sem poder passar o que eu sei, eu fico louca. Então, se eu
ficar em casa eu morro. (Professora, católica, divorciada, 41-50 anos, Ciências,
acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
104
Os vocábulos remuneração e ganhar foram pronunciados pelos depoentes em
referência aos ganhos financeiros, que às vezes são causa de frustração na profissão. Enquanto
em seus discursos referentes aos demais assuntos os sujeitos utilizaram pronome pessoal na
primeira do plural (nós), ao falarem sobre o assunto em foco usaram a expressão pra mim
mesma (o). Diante disso, a questão salarial adquire um sentido muito próprio, particular de
cada um.
Sobre esse mesmo aspecto, no estudo realizado em Cuiabá por Batista (2006),
o qual reuniu pouco mais de três centenas de professores da rede fundamental de ensino, a
remuneração apresentou-se ligada ao trabalho e inseriu-se no contexto dos motivos decisivos
para a escolha da profissão. Partindo do entendimento de remuneração como forma de
provimento de necessidades, alguns continuam no magistério somente pela sobrevivência,
pois os cursos feitos e os concursos prestados só validam a possibilidade de dar aulas. Aliadas
a essa questão encontram-se as batalhas ou reivindicações por melhores salários, pois: “[...] os
professores sofrem os impactos sociais e econômicos ocorridos nos últimos anos, geradores
de perda salarial e de status.” (BATISTA, 2006, p. 108).
Retomando os dados referentes aos sujeitos deste estudo, além da remuneração
enquanto característica peculiar de cada educador, o aspecto afetivo também os mantém no
exercício do magistério e na profissão.
Eu acho que por amor e porque toda a família do meu pai é profissional nessa área.
Eu gosto de dar aula, apesar de ser mais ou menos mal remunerado, mas eu gosto.
Ás vezes frustra sim, às vezes vontade de sair, às vezes não, às vezes vontade
de continuar. (Professora, espírita, solteiro, 20-30 anos, Química, 0-5 anos de tempo
de serviço, Ensino Médio, estadual).
Apesar dessa constatação, o léxico sair associa-se a depoimentos de um grupo
que, mesmo gostando do que faz, encontra-se decepcionado não somente pela questão
salarial, mas também pelo desprestígio que paulatinamente vem afetando a profissão,
sobretudo por causa da carência de recursos para a realização das suas atividades.
Entendemos que o trabalho é um modo de produção de condições materiais,
porém, além de produzir os meios para garantir a existência física dos professores, é também
um dos modos de realização de suas potencialidades de vida, que os encaminha para a
satisfação pessoal. Não havendo esse contentamento, pode ocorrer uma cisão entre o que
almeja e o que faz, implicando na adoção de uma prática educativa mecânica, em um fazer
desprovido de reflexões acerca da unidade pensamento-ação, o que pode vir a comprometer a
qualidade do ensino, ilustrado por meio deste relato:
105
[...] pois, tendo apoio e material didático adequado, você pode fazer um trabalho
bem melhor. Isso não quer dizer empecilho para fazer um bom trabalho, mas
ajudaria a render muito mais. (Professora, casada, religião indefinida, 31-40 anos de
idade, Biologia, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
A palavra melhora, na Classe 1, é respeitante à maneira pela qual os docentes
enfrentam as dificuldades. Em meio ao conjunto de discursos, parece haver sentimentos de
resignação, de consolo ou de conformação, assim expressos:
Eu acredito muito em tudo, eu sou uma pessoa muito positiva, acho que as coisas
vão sempre melhorar, tem que melhorar. (Professor, espírita, divorciado, 31-40 anos,
Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
[...] e não podemos perder a esperança, a gente vai ter uma sociedade melhor. Pela
educação a gente ainda pode mudar as coisas. (Professora, católico, divorciado, 41-
50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino dio,
estadual).
Em relação aos aspectos negativos da profissão, os professores não se
isentaram de pronunciar aquilo que vivenciam, sendo os aspectos negativos retratados pela
categoria denominada mal-estar, conforme analisam Cândido e Batista (2007, p. 19).
Este elemento se circunscreve em dificuldade, desvalorização e baixo salário que
rondam a profissão. No entanto, este aspecto parece ser o diferencial nas duas redes
de ensino, pois ficou patente como característica dos docentes da rede estadual.
Tendo em vista a metodologia utilizada pelas autoras, o sistema periférico
caracterizou-se por comportar elementos contraditórios reveladores de que as dificuldades
existem, entretanto: “[...] frente à dicotomia o Núcleo Central, parece referendar o fato de ser
professor, de continuar na profissão e fazer isso valer a pena.” (CÂNDIDO; BATISTA, 2007,
p. 19).
Em linhas gerais, esta análise, nos permite verificar que o grupo de professores
investigados parece conviver com uma experiência caracterizada pela instabilidade, por um
vaivém constante entre o sair e o ficar, o qual se corporifica pela utilização dos verbos pensei,
vou parar, continuar, porém, aguardam melhoras.
Estas ações no contexto das entrevistas indicam que os recém contratados
pensaram em mudar de emprego, mas consideram as satisfações inerentes à profissão, como o
salário seguro, que os permite ganhar bem ou mal algum dinheiro. Analisamos, a partir de
Tardif; Raymond (2000), que este movimento entre prosseguir ou deixar a profissão pode ser
marcado pelos questionamentos que acontecem na fase inicial da carreira até ocorrer a
estabilização profissional, conforme exemplifica o seguinte relato:
Hoje em dia, eu não me preocupo tanto quanto antes, quando eu tinha uns cinco,
seis anos, que eu trabalhava na área e até pensei mudar. Então, eu achava que
poderia mudar de profissão, mudar tudo, fazer vestibular, fazer outra coisa, mas eu
106
fui gostando. (Professora, católica, casada, 41-50 anos de idade, Língua Portuguesa,
11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Apesar das dificuldades e dos enfrentamentos que impedem o exercício
prazeroso da profissão, existem recompensas que geram esperança por melhorias e suavizam
os entraves, levando os docentes a persistir, a continuar em sua função.
A análise do léxico Mestrado parece ser representada como algo utópico, além
das suas condições, sejam elas financeiras e ou familiares. A maneira para enfrentarem o
cotidiano e materializarem o projeto sonhado, referindo-se à realização do curso, seria por
meio do apoio em um ser transcendental, ilustrada pela expressão se Deus quiser, ou
buscando algo do além, fora de si, conforme a entrevista seguinte:
Eu pretendo fazer um mestrado e seguir adiante. Acho que o mestrado seria um
sétimo céu para mim. (Professor, católico, solteiro, 20-30 anos, Língua Portuguesa,
0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
O conjunto dos docentes substitutos alega que, antes de entrarem em um curso
nesse vel, precisa se preparar para um concurso público, que lhes garanta fazer parte do
quadro de professores efetivos das escolas da capital. Dentre o conjunto de expectativas
demonstradas, o curso de mestrado comparece relacionado ao verbo pretendo. Todavia, como
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/96) não faz referência à
exigência dessa titulação para se lecionar nos níveis de Ensino Fundamental e Médio, isso
talvez configure uma das razões da escassez do título de mestre entre os profissionais.
Quanto à estabilidade dos professores na carreira, os dados parecem dizer que
pelos léxicos aposentadoria e aperfeiçoamento ou preparação que ela se consolida mediante
a atenção dada a estas expectativas. Em relação à capacitação, sugerem esses educadores que
o aprimoramento poderia acontecer por meio de algum tipo de investimento, na forma de
cursos oferecidos pelas redes municipal e estadual de ensino.
A seguir, a Classe 4, exibida na Tabela 13, expõe elementos que possibilitam a
leitura dos dados acerca do que os docentes pensam sobre o contexto em que se inserem:
107
Classe 4 - O contexto socioeducacional e suas implicações na profissão
Tabela 13 - Classe 4 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ²
Corpus
N
%
Aluno+ Alunos 23,80
51 36
70,59
Pesso+ Pessoa, pessoais, pessoal, pessoas 14,39
18 15
83,33
Famili+ Família, familiar, famílias 13,36
12 11
91,67
Falt+ Falta, faltando, faltas 11,82
11 10
90,91
Pai+ Pai, pais 11,82
11 10
90,91
Escol+ Escola, escolar, escolas, escolinha 11,51
38 25
65,79
Quest+ Questão, questões 10,84
18 14
77,78
Problema+ Problema, problemas 10,76
13 11
84,62
Condic+ Condição, condições 10,32
7 7 100,00
Complicad+
Complicada, complicadíssimo, complicado 8,81
9 8 88,89
Motiv+ Motiva, motivação 8,81
9 8 88,89
Lado+ Lado, lados 7,30
5 5 100,00
Sociedade Sociedade 7,30
5 5 100,00
(a) gente Gente 7,11
38 23
60,53
Frustr+ Frustra, frustração, frustrado, frustram, frustramos, frustrante
6,58
17 12
70,59
Apoio Apoio 5,92
7 6 85,71
Esperanca+ Esperança, esperanças 5,82
4 4 100,00
Governo+ Governo 4,52
6 5 83,33
Esta Classe é a maior em relação ao número de UCEs, reunindo pouco mais de
40% do material, e comparece ligada à Classe 1. Os léxicos que a compõem formam os
discursos de nove docentes, sendo seis homens e três mulheres. Faixa etária característica de
41 a 50 anos de idade, com a média do tempo de serviço entre 16 e 20 anos. O grupo leciona
em diferentes áreas, reunindo os professores de Filosofia e Sociologia do nível médio, que em
geral ministram aulas de Ensino Religioso também no fundamental.
Enquanto na Classe 1, expressa na Tabela 12, os docentes falaram a partir do
pronome pessoal na primeira pessoa do singular, eu, porque reportaram um pouco de suas
experiências na relação com o trabalho, nesta Classe 4 empregam o impessoal, a gente,
porque nesta análise eles destacam o cenário socioeducacional.
Ainda referindo-se às fases constitutivas da profissão, Tardif; Raymond (2000)
observa, sobretudo na terceira delas, o aspecto da socialização, quando acontecem a
estabilização e a consolidação de ser professor. Nesta etapa existe um maior investimento na
carreira, sedimentando a autoconfiança docente pelo domínio dos aspectos pedagógicos e o
alcance de maior equilíbrio profissional. Esse é um tempo marcado pela descoberta dos
108
alunos reais, substituindo a imagem dos alunos desejados, estudiosos, dependentes, sensíveis
às correções ou recompensas.
Se na Classe 1 os docentes fazem referência a alguns elementos que lhes
causam frustrações e os desmotivam profissionalmente, agora na Classe 4 aspectos
referenciados pelo vocábulo condições permitem evidenciar outros elementos do âmbito da
interação social. Assim, os conteúdos semânticos de uma classe enriquecem a outra.
Com vistas à compreensão da Classe 4, verificamos a existência de quatro
personagens que vamos entender como grupos: alunos, família, escola e governo. Assim, o
contexto lexical parece tratar de diferentes problemáticas circunscritas ao âmbito didático-
pedagógico, a saber, as precárias condições de trabalho, a ausência dos pais na educação dos
filhos e os lapsos da política educacional que envolve o gerenciamento das escolas pelos
governos.
Sobre a palavra alunos, maior quiquadrado, os entrevistados destacam o
discrepante nível de aprendizagem entre os educandos que freqüentam uma mesma série,
ressaltando, ademais, que em muitas salas de aulas encontram-se estudantes com
nivelamentos diferenciados. Esse fator, na acepção dos depoentes, traz-lhes dificuldades, uma
vez que se vêem impedidos de prosseguir no mesmo ritmo de ensino, e isso
conseqüentemente interfere no adequado rendimento das aulas. Nessa perspectiva, analisamos
que o aspecto social, segundo os declarantes, parece interferir também na aprendizagem dos
alunos.
Além do problema do desnível apontado pelos entrevistados, a indisciplina em
sala de aula e a carência de recursos materiais para a diversificação didático-pedagógica,
frente às dificuldades financeiras dos alunos exigem que eles, os professores, além de suas
atribuições, se responsabilizem pelos problemas pessoais dos estudantes e seus familiares,
como expresso neste depoimento:
A escola, hoje, não consegue cuidar de todos os problemas do aluno. O professor
tem que ser professor, psicólogo, neurologista, oftalmologista, enfim, faz a área de
médico também. Tem que tratar do aluno e da família. É um problema social e isso
me frustra. (Professora, religião indefinida, solteiro, 31-40 anos, Língua Portuguesa,
6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Sobre este comentário, podemos nos reportar a Alves-Mazzotti et al (2007) na
investigação que realizaram envolvendo 15 escolas públicas da rede municipal de ensino de
três cidades do estado do Rio de Janeiro, com a participação de 248 professores do Ensino
Fundamental. Os resultados daquele estudo mostram diversos aspectos que influenciam as
atividades docentes, dentre eles a desvalorização do magistério, que, segundo a pesquisadora,
109
parece afetar mais profundamente a identidade profissional dos professores que atuam nas 1ª a
séries que a daqueles que lecionam nas a séries. Os que se sentem obrigados a
responder pelas funções da família na educação da criança, entre outras cobranças, são
responsabilizados pelo fracasso escolar, e isso os faz ficar na defensiva.
A insatisfação no trabalho é gerada muitas vezes pelas dificuldades que
envolvem os alunos; nesta pesquisa os entrevistados, apontam como possíveis causas disso, o
excesso de liberdade que lhes tem sido concedido, prejudicando a comunicação e a relação
entre ambas as partes. Nesse sentido, comentaram sobre o papel do Estatuto da Criança e do
Adolescente, um documento criado para atender às exigências da Convenção da ONU sobre
os Direitos da Criança, aprovado em 20 de novembro de 1989 e assinado pelo Governo
brasileiro em 1990, e que tem incentivado a proteção excessiva aos adolescentes. Um grupo
de depoentes acredita que a proposta do Estatuto vem sendo confundida com uma espécie de
cobertura aos comportamentos considerados indesejáveis. É o que apreendemos neste
discurso:
O aluno poder fazer tudo que ele quer e quando você vai falar, não pode por causa
do juizado do menor ou por causa da Secretaria de Educação. O professor
simplesmente vai e volta, ele não vai. O que tem que fazer? Discutir com o aluno?
(Professor, católico, casado, 41-50 anos, Filosofia, Religião e Sociologia, 0-5 anos
de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Para este conjunto de respondentes a violência na escola e o envolvimento dos
alunos com drogas pode ser reflexo da falta de limite. Neste caso, caberia à família
estabelecê-lo, segundo os entrevistados. Analisam, que, às vezes, escola parece incapacitada.
Essas situações têm colaborado para gerar frustrações e estados de impotência nos
professores, que se vêem de mão atadas para agir ou tomar iniciativas. Vejamos o
depoimento:
Para amanhã ou depois, diante de uma situação, por exemplo, ver um aluno
assassinado ou um aluno bandido e você olhar e saber que você, simplesmente
criticou a instituição e, às vezes não tinha um real no seu bolso para resgatar aquela
pessoa. E aí, a frustração talvez seja maior, porque você perdeu e ele passou pela
tua mão. Você não fez o mínimo necessário para resgatar aquela pessoa. (Professor,
religião indefinida, solteiro, 41-50 anos, Filosofia, Religião e Sociologia, 16-20
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Segundo os depoentes o descomprometimento familiar em acompanhar a
educação dos filhos tem sobrecarregado a escola. Esta parece ser uma RS tendenciosa ao
querer imputar à família ou aos próprios alunos as causas do fracasso escolar (GATTI, 1996).
Para os docentes a ausência dos genitores faz com que os filhos, ou sejam educados pelos
avós e até por pessoas sem qualquer vínculo de parentesco, ou vivam sozinhos.
110
Mesmo que hoje a concepção de trabalho dentro de uma escola da rede é o sistema
ciclado, que busca o envolvimento da comunidade, mesmo que tenha esse trabalho
de conscientização com os pais, ainda assim não temos o envolvimento total dos
pais na escola, no acompanhamento do ensino-aprendizagem dos alunos.
(Professora, evangélica, casada, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Os professores, a exemplo de outros profissionais, fazem parte do conjunto de
trabalhadores que vão se constituindo na realidade do trabalho (TARDIF; LESSARD, 2005)
e, como tal, recebem a influência das mudanças do sistema de ensino, como dos outros níveis
políticos, econômicos e sociais. Não estando alheios aos fenômenos que se inscrevem na
cultura, recebem o reflexo em seu trabalho e em suas vidas. Sobre este aspecto, a palavra
questões parece remeter aos cortes de verbas de origem estatal, em especial àquelas
destinadas à educação. Os depoentes acreditam que, se houvesse um sistema educacional
coerente com a valorização da categoria, isso resolveria parte das problemáticas postas no
enfrentamento do dia-a-dia em sala de aula.
Assim, na metáfora -
recursos públicos saindo pelo ralo -, um entrevistado
analisa o apoio dos governantes na área da política educacional.
Você muitas vezes trabalha, esforça e chega a um determinado ano, de uma data
base de uma questão salarial, você os recursos blicos saindo pelo ralo,
enquanto os profissionais que estão neste dia-a-dia, trabalhando com duzentos ou
trezentos alunos por mês, não são valorizados. (Professor, católico, casado, 41-50
anos, Filosofia, Religião e Sociologia, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
No que tange ao aspecto das condições de trabalho, Sampaio e Marin (2004),
analisando algumas facetas que caracterizam a precarização do magistério como a exaustiva
carga horária de trabalho, o excesso de alunos na composição das turmas, a freqüente
rotatividade de professores nas diferentes escolas, compreendem-nas como uma gravidade da
atual situação de crise em que se encontra o sistema de ensino, pela necessidade de se delinear
uma nova organização da prática e do currículo escolar.
No léxico governo, retomamos a discussão referente à deficitária remuneração
salarial vinculada à denúncia de inadequadas políticas públicas de educação. E continuam as
inquietações em face das fragilidades associadas ao exercício da profissão, sobretudo ao que
anteriormente foi denominado precarização do trabalho docente, às quais os pesquisados se
referiram externando profundo pesar e sempre enfatizando o reflexo do aspecto social em sua
qualidade de vida e dos colegas:
Como professora, nossas reclamações são muitas: o perfil do aluno é ruim, vem para
sem o apoio familiar, sem material, sem apoio pedagógico e nossa carreira é
muito desvalorizada, a questão da saúde [dos professores] desanima, eu vejo muitos
profissionais, nossos colegas, doentes. (Professora, religião indefinida, solteira, 31-
111
40 anos, Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Os entrevistados percebem que a escola não está alheia a todas as
circunstâncias que têm frustrado os sonhos iniciais dos profissionais. Porém, entendem que
mudanças nem sempre são possíveis, pois muitas delas exigem responsabilização, em nível
macro, do Estado. É o que podemos confirmar na seguinte narrativa:
Eu tinha uma visão diferente da visão que eu tenho hoje. Achava que eu poderia ser
mais útil e contribuir mais com a sociedade, com as crianças e com os adolescentes.
Com o decorrer do tempo, eu fui perdendo estas esperanças e fui vendo que a
educação foi trilhando um caminho que não era aquilo que eu pensava. Não vejo e
nem tenho condições de reverter isso sozinho. (Professor evangélico, casado, 31-40
anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Para os depoentes, a escola é o lugar de exercício do magistério e o espaço de
circulação de todos aqueles que estão envolvidos com a educação. Os sujeitos da pesquisa
avaliam que tanto uma quanto a outra - escola e educação - são realidades difíceis e
complicadas, e culpabiliza à presença da mídia na vida dos jovens, sobre os quais exerce uma
influência marcada por uma inversão de valores. Ademais, esclarecem que a sociedade tem
mudado e que não interação entre esta e a comunidade escolar. Nesse sentido, fazem
referência às famílias, que podem desempenhar importante papel na definição de práticas
articuladas às normas e aos padrões sociais. Por essa razão, criticam negativamente a dia e
destacam a importância da participação dos pais na vida escolar dos filhos.
Sendo assim, o contexto familiar reorganizado segundo padrões e tendências
da sociedade moderna, industrializada, precisa ser compreendido em suas diferentes acepções.
No entendimento de Sarti (2007), a saída para os tantos problemas da família urbana depende
da compreensão do que lhe é singular quanto aos seus limites e possibilidades.
Retomemos o contexto da Classe 2, o vocábulo motivação parece traduzir
aquilo que anima ou estimula o professor a permanecer na profissão. No estudo de Batista
(2006) satisfação e amor foram citados pelos professores que se identificaram como
profissionais do magistério. A satisfação envolve o gosto e o prazer, e o amor indica as
relações entre discentes e docentes e a certeza destes em poder contribuir com aqueles de
alguma forma. Desse modo, a motivação, para os nossos entrevistados, também apareceu
respaldada pelas ações transformadoras dos professores, por meio da convivência e da
interação com os alunos. A esse respeito, assim se pronuncia um dos depoentes:
[...] é saber que no final do ano o aluno saiu sabendo, pelo menos, o mínimo. Que
ele entrou na minha sala e saiu sabendo algo, que eu contribuí. (Professor, espírita,
divorciado, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
112
Os docentes ancoram a concretização do alcance dos seus objetivos pela
dependência do Estado, objetivada na figura do governo e nas iniciativas de políticas públicas
que promovam condições básicas, necessárias para o desenvolvimento do trabalho na
educação. Bem assim, acreditam que a família precisa entender a necessidade de sua
disposição relacional e dialógica no âmbito da escola.
Não consegui me realizar como professor, até hoje, apesar dos 26 anos de profissão.
[...] a gente entra com aquela idéia que nós podemos salvar o mundo, que nós
podemos realizar ser um companheiro dos pais de família. [...] Nós vemos alunos
com grande potencial indo para outros caminhos, para a criminalidade e você não
pode fazer nada. Então, acho que a educação é uma extensão da família com a escola
[...]. (Professor, católico, solteiro, 41-50 anos, Matemática, acima de 21 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Para os entrevistados, a falta desses dois lados - Estado e família -
impossibilita-lhes alcançar metas, pelo menos em relação à forma como concebem a
Educação. Eles buscam através do apoio do governo o suporte necessário ao desenvolvimento
de seus trabalhos, e da família para acompanhar a vida escolar dos filhos. Essa idéia aparece
relacionada ao léxico esperança.
Observamos que ambas as classes (4 e 2) se referem sobre os léxicos satisfação
e motivação, ligados às questões pessoais ou sociais, enquanto fatores que mobilizam a
permanência ou não na profissão. Para o grupo que colaborou com as discussões da Classe 1,
o contexto socioeducacional foi menos enfatizado quando relacionado ao conteúdo desta
Classe 4, que discorre o universo de elementos que refletem sobre a profissão apoiados em
uma dimensão mais macro do sistema. No entendimento de Tardif; Raymond (2000) a fase de
socialização mais amadurecida garante aos profissionais um processo de auto-afirmação e,
assim, a materialização da satisfação nesse aspecto independe de uma discussão centrada no
salário ou na estabilidade, pois outras problemáticas também estão em jogo.
Vejamos como esses argumentos podem ser aclarados pela relação que estas
duas classes analisadas fazem, ao examinarmos os dados da Classe 2, na Tabela 14.
113
Classe 2 - Dilemas na escolha da profissão: isto ou aquilo?
Tabela 14 - Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ² Corpus
N
%
Curs+ Cursar, cursei, curso 58,79
27 20
74,07
Comec+ Começa, comecei, começo, começou 45,40
29 19
65,52
Dar+ Dar, daria 23,14
20 12
60,00
Letras Letras 21,01
11 8 72,73
Matemat+ Matemática 20,40
9 7 77,78
Vestibular Vestibular 20,28
7 6 85,71
Faz+ Faz, fazer, fazia 18,93
64 24
37,50
Part+ Parte, partir, partisse 18,27
17 10
58,82
Municip Municipal, município 12,48
5 7 71,43
Ensin+ Ensinando, ensinar, ensino 18,09
12 8 66,67
Identifiquei
Identifiquei 16,88
4 4 100,00
Optei Optei 16,88
4 4 100,00
Gost+ Gostando, gostar, gostava, gostei, gosto
16,54
55 21
38,18
UFMT UFMT 8,03
4 3 75,00
Faculdade+
Faculdade 6,25
10 5 50,00
Totalizamos seis contribuintes com as UCEs da Classe 2, sendo o grupo
composto majoritariamente pelo sexo feminino. Grupo este que tem em média de 6 a 15 anos
de serviço. Apenas um professor atua no nível médio da rede estadual de ensino, as demais
componentes do grupo lecionam no Ensino Fundamental. Esta classe pode ser ilustrada pela
palavra Municipal, presente nela. Seu contexto temático tornou-se significativo em relação às
respostas dadas, específicas à questão sobre o modo como ocorreu a entrada na profissão.
Adentrando no contexto da Classe 2, destacamos os vocábulos curso,
vestibular e optei, esclarecedores de que o ingresso no magistério esteve atrelado ao curso que
os docentes fizeram na graduação.
De modo geral, relatam as dificuldades financeiras enfrentadas, obrigando-os,
às vezes, a escolher entre fazer um ou outro curso. Sobre esta escolha a área de conhecimento
foi levada em consideração. Assim, quem cursou Letras, por exemplo, afirmou gostar de
leituras, de teatro, de literatura ou de línguas estrangeiras. Professores que cursaram Física,
Matemática ou Química, justificam pela facilidade em trabalhar com números ou cálculos.
Outros entrevistados, apesar de apresentarem essa mesma aptidão, não quiseram atuar em
áreas afins, como a administrativa e de contabilidade, preferindo a docência, por considerar o
seu perfil relacional para lidar com pessoas.
Relatando sobre o momento de entrada no magistério, os docentes utilizaram o
pronome pessoal na primeira pessoa do singular (eu) e evocaram enfaticamente o pronome
114
possessivo meu(s), para mencionar as pessoas que os influenciaram na profissão, como os
pais, sobretudo a mãe, ex-professora; o esposo; e professores da época em que estudaram.
Mediante os diferentes grupos de disciplinas lecionadas, mencionadas na
Tabela 11 anterior e, tendo em vista as formas verbais dar aula, lecionar e ensinar, presentes
nesta Classe 2, conhecemos as atividades que os docentes desenvolvem no cotidiano de suas
práticas educativas. No entanto, a opção pela profissão parece mais relacionada à formação do
que à finalidade da ação, qual seja, o professor como mediador. O ingresso na faculdade em
busca de conhecimentos faz parte de um campo simbólico que está mais associado às
lembranças e experiências que antecederam a formação.
A propósito, nas falas de muitos entrevistados figuraram as reflexões: “[...] não
pensou que fosse dar aula [...]”; “[...] como surgiu uma oportunidade [...]”, ele começou a
lecionar; e, ainda, porque se identificou com a atividade. Resultados semelhantes àqueles do
estudo desenvolvido por Alves-Mazzotti (2005), em que ambos os grupos estudados afirmam
gostar do trabalho que realizam.
Tardif e Lessard (2005) defendem que ensinar é um trabalho emocional,
aspecto que nos permite afirmar que o sentido da atividade de ensino pode estar carregado de
afeto. Os professores atribuem certa importância para o gostar do que fazem e para o fato de
que o aluno dever gostar do professor para aprender. Esse laço afetivo dos professores com
seu ofício e os alunos pode nos sugerir RS da profissão pensadas pelo grupo de professores do
Ensino Fundamental.
[...] porque eu gosto de ensinar. Gosto do que faço. Eu tentei outras áreas como
contabilidade, administração, eu nunca gostei. Votem que gostar do que faz. Eu
tentei porque sempre gostei da área de exatas e eu sempre escolhi algo para trabalhar
com números. Trabalhei em escritório de contabilidade, tanto no administrativo
como no financeiro, que, realmente eu vi que não era o que eu gostava.
(Professora, evangélica, casada, 20-30 anos, Matemática, 6-10 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Porém, deparamo-nos com depoimentos de professores revelando sua
resistência inicial em dar aula por mera necessidade de manutenção, sentimento esse que foi
se diluindo ao longo do tempo, com a prática. Em outras falas vieram afirmações de que sua
descoberta para a docência veio do prazer de ajudar os filhos em suas tarefas de casa.
Ao estabelecerem relação entre teoria e prática, os docentes revelam que, no
decorrer do exercício da profissão, tiveram que fazer adaptações dos conhecimentos
adquiridos na faculdade para facilitar o entendimento dos conteúdos pelos alunos. Sobre essa
experiência, Jodelet (2005) afirma que ela parece dar sentido ao vivido e que essa noção nos
115
permite passar do coletivo ao singular, do social ao individual, sem perder de vista o lugar e o
funcionamento das Representações Sociais:
Desse modo, [...] a experiência vivida coloca em jogo a economia psíquica do
sujeito e resulta em um caráter criativo. [...] a experiência pode fazer emergir,
eliciar, significações novas. Noutra implicação, a experiência vai motivar, ao lado da
prática, a pertinência dos elementos do mundo vivido e estruturar de maneira
original as informações distribuídas pela comunicação social. (JODELET, 2005, p.
48)
Assim, o sistema de representações, engloba o plano cognitivo em que o sujeito
interpreta aquilo que é experimentado, sem perder de vista a economia psíquica do sujeito
(JODELET, 2005).
Notamos, então, na Classe 2, que os verbos identificar e optar apresentam
aspectos de ordem afetiva. Contudo, ao que nos parece, poucas vezes a aspiração foi
relacionada a lecionar, havendo, sim, uma relação desse trabalho com a disciplina ou área
escolhida pelos docentes em seus cursos de graduação.
[...] eu sempre gostei da língua portuguesa e literatura. Identifiquei-me com a grade
que envolvia o curso de letras e optei por isso. Depois, porque eu estou fazendo
parte do processo educacional de pessoas, auxiliando na formação educacional e,
porque é um trabalho que me prazer. (Professora, evangélica, casada, 20-30 anos,
Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Essa narrativa parece apontar para uma espécie de sacerdócio, traduzido por
uma disposição natural e espontânea que conduziu a depoente ao exercício do magistério.
Sobre esse aspecto, Alves-Mazzotti et al (2007) analisam que as respostas às quais chegou em
seu estudo evidenciaram a predominância de uma não escolha pela docência, ou porque a
vocação geralmente aparece com um sentido vago, ou como algo quase inato, desde
pequenininha; porque resultou de uma influência externa; ou, ainda, porque era o destino
conveniente das mulheres à época.
Verificamos nesta análise que a dedicação para o magistério, segundo as
professoras, também sugere a idéia de algo que nasceu com elas, conforme lemos nos
excertos “[...] desde criança eu tinha inclinação para ensinar [...]” e “[...] eu brincava de
escolinha com minhas bonecas [...]”.
Interessante observar que os homens não declaram
algum tipo de divertimento relacionado à profissão docente, o que nos permite pensar em RS
da profissão relacionadas a conceitos na cultura de gênero, pois os pesquisados associaram a
docência à imagem da mulher, ao representarem a profissão como um dote especificamente
feminino.
116
Nesse sentido, o simbólico pode estar vinculado ao estereotipado ato de cuidar,
ajudar, daí decorrendo o fato - comum em nossas escolas - de os alunos chamarem as
professoras de tia, sobre o que Paulo Freire (1997, p. 18, grifo do autor) esclarece:
Professora, porém, é professora. Tia é tia. É possível ser tia sem amar os sobrinhos,
sem gostar sequer de ser tia, mas não é possível ser professora sem amar os alunos -
mesmo que amar, só, não baste - e sem gostar do que se faz. É mais fácil, porém,
sendo professora, dizer que não gosta de ensinar, do que sendo tia, dizer que não
gosta de ser tia. Reduzir a professora a tia joga um pouco com esse temor embutido -
o de tia recusar ser tia.
Comentamos anteriormente que o ingresso na profissão foi motivado pelas
influências familiares:
Decidi ser professora, pois vim de uma família de professores. minha mãe não
era professora, então ela quis se realizar através de mim. (Professora, religião
indefinida, casada, 31-40 anos, divorciada, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Ou, ainda, pelos exemplos de ex-professores:
[...] me espelhando em outros professores, olhando como eles davam aula e me
identifiquei muito com eles. (Professor, católico, solteiro, 20-30 anos, Química, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Esse quadro de análises parece mostrar que os docentes passam por algum
conflito ao decidir sobre a opção profissional. Assim, de certa forma, poderiam adiantar
elementos de suas vivências e contribuir esclarecendo situações semelhantes, agora
vivenciadas pelos seus alunos. No entanto, pesquisas de Paredes, Pécora e Pizaneschi (2006),
apontam ao investigar o que têm a dizer alunos e professores da rede pública sobre o futuro
de jovens cuiabanos, declararam ter estudado para ser alguém na vida. Todavia, segundo as
autoras, as conversas entre professores e alunos a respeito dos projetos de vida destes ainda
são algo discreto no contexto de sala de aula, acontecendo apenas de modo formal no início
do ano, ou ficam restritas aos diálogos informais entre os jovens.
Em relação ao léxico vestibular, na Classe 2, ele constitui os discursos dos
docentes sobre o aspecto concorrência, remetendo-se ao momento de passagem do segundo
grau para o curso de graduação, que garante a habilitação profissional mediante o diploma de
nível superior. Parece que os sujeitos ancoram na seleção que os asseguram galgar uma outra
etapa ou outro nível importante em suas vidas. Nesse sentido, a Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) destacada na classe pela sigla, foi considerada pelos entrevistados como o
local de estudos para quem apresenta poucos recursos financeiros, ou o espaço para a
realização de planos para aqueles que pretendem ascender à formação acadêmica e
profissional.
117
Criada em 1970, a partir da integração dos institutos de ensino superior
existentes no estado do Mato Grosso, esta universidade estrutura-se em um multi-campi,
favorecendo o acesso ao ensino público e gratuito, diferentemente de outras universidades de
rede privada, situadas na capital e no interior, que viabilizam acesso mediante o pagamento
pelo curso no qual o discente ingresse.
Ao analisarmos a sigla UFMT relacionada à pós-graduação stricto sensu, sobre
o que comentamos, verificamos que são poucos os entrevistados com mais tempo de
serviço que se mostram motivados a ingressar no mestrado. Notamos, porém, que o interesse
desses docentes volta-se para a educação continuada, constituindo-se em um desejo no sentido
da aquisição de novos conhecimentos. Quanto à aquisição do título de mestre, os planos
delineados nessa direção justificam-se pelo reflexo dessa capacitação na melhoria da
qualidade do ensino e também da remuneração salarial. Na citação abaixo, a depoente
expressa sua opinião destacando a dificuldade pela palavra tempo.
Então, eu comecei a fazer os meus projetos de mestrado e quero fazer o mestrado
na área de linguagem. Inclusive eu conversei com a professora da UFMT e fiquei
de apresentar o meu projeto que já está pronto, mas falta tempo. (Professora,
evangélica, casada, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço,
Ensino Fundamental, municipal).
Ainda sobre a palavra vestibular, vimos que o termo comparece, pois,
relacionado à existência de algum contraponto que motivou o ingresso dos docentes na
profissão, tendo algum contraponto para os entrevistados narrarem sobre aspectos negativos
referentes a esse assunto. Assim, identificamos concepções reveladoras de senso comum, no
sentido de que uma coisa é fazer o que se gosta e outra coisa é agarrar-se às conveniências do
momento, conforme elucidam estas falas:
Primeiro, quando eu prestei vestibular foi para odontologia, a segunda opção foi
letras. Passei no vestibular e no momento tinha problemas financeiros. O curso de
odontologia tem um custo altíssimo e então optei por fazer letras. Primeiro por
questões financeiras e também porque gostava mesmo de línguas. (Professor,
espírita, divorciado, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Cândido e Batista (2007) ao analisarem as Representações Sociais de
professores de Cuiabá acerca de suas atividades magisteriais, envolvendo um universo de
docentes do Ensino Médio e do Ensino Fundamental, de a séries, da rede municipal,
revelam uma identificação desses profissionais com as atividades que desempenham, expressa
pelos termos dedicação, paciência, compromisso e responsabilidade.
Assim, se historicamente existiu um consenso em torno das RS da profissão
como um dom, uma vocação, um sonho (de ensinar) ou um objetivo pessoal, hoje essas
118
concepções aparecem mescladas por maiores oportunidades, mercado de trabalho difícil em
outros campos profissionais, mais facilidade para se conciliar a educação dos filhos com o
trabalho, Gatti (1998) circunstâncias essas que se contrastam com a idéia de educação apenas
como missão.
A Classe 3, contemplada na Tabela 15, parece querer anunciar algo mais
característico, que identifica realmente a profissão e é menos associado a um simples
ministério.
Classe 3 - Afetividade e memória: elementos determinantes na escolha profissional
Tabela 15
- Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras
Formas associadas χ² Corpus
N
%
História+ História, historiador 50,27
9 9 100,00
Fiz Fiz 45,75
16 12
75,00
Inici+ Iniciei, início 38,73
7 7 100,00
Acab+ Acabei, acabou 29,84
13 9 69,23
Gradu+ Graduação 27,40
5 5 100,00
Natur+ Natural, natureza 21,82
4 4 100,00
Biolog+ Biologia, biológicas, biólogo 20,05
11 7 63,64
Area+ Área 18,43
24 11
45,83
Pesquisa+
Pesquisa, pesquisador 15,94
5 4 80,00
Escolh+ Escolha, escolhas 15,49
10 6 60,00
Termin+ Terminado, terminar, terminei
9,28
10 5 50,00
A Classe 3 vincula-se à Classe 2 e contém o menor número de UCEs,
representando aproximadamente 16% do material analisado, assim, apresenta conteúdo
semântico um pouco menos denso. Quatro professores e duas professoras das áreas de
Biologia e História que lecionam no Ensino Médio, contribuíram mais efetivamente com a
discussão. O tempo de serviço dos sujeitos é diversificado, mas pela média o grupo apresenta
mais de uma década de experiência na área de ensino.
Ao estabelecermos um paralelo entre a amplitude das duas classes, a de
número 2, exposta anteriormente, apresentou duas noções acerca da escolha profissional,
tendo elas sido analisadas por nós como positivas no caso, a referência ao fato de os
entrevistados terem escolhido a profissão em função da afinidade com a área de ensino; eles
afirmam gostar de lecionar. No entanto, alguns léxicos introduziram idéias contrárias a essa
concepção, momento em que coadunam com a Classe 3, que centra em seu contexto de UCEs
119
informações que enfatizam aspectos negativos. Diríamos, então, que existe uma relação de
oposição à anterior, apesar de pertencer ao mesmo eixo temático.
Como acontece na Classe 2, o conjunto de professores que contribuíram na
formação da Classe 3 associa a opção em função da formação escolar, e poucos relacionaram
a docência com as expectativas da sociedade, como ensinar crianças e jovens. Adentrando,
portanto, no contexto da Classe 3, percebemos que o vocábulo história, foi proferido ora em
referência ao nome do antigo curso de Ciências, denominado História da Natureza, ou à
menção feita em relação ao nome de seu curso de graduação. ou, ainda, para dar início à nossa
interlocução entre pesquisadora e pesquisados. Assim, o sujeito disse “[...] a minha história
[...]”, e o termo também usado como metáfora - perder o bonde - para trazer à baila a
necessidade de capacitação:
Se você já está um pouco atrás do processo, você vai perder o bonde da história.
(Professor, católico, casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21 anos de
serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Em outra publicação, Mazzotti (2003), considera a metáfora como uma
analogia, pois reúne e agrega significados. Destaca que as figuras de linguagem organizam as
Representações Sociais, devendo, por isso, ser examinadas nos discursos dos sujeitos de
modo a expor o esquema de relação ou semelhança utilizado. Desta forma possibilita uma
interpretação mais controlada dos argumentos.
Notamos, também, que os verbos fiz, iniciei, acabei, descobri e terminei
contribuem para os docentes narrarem sobre a dificuldade de adaptação no curso de graduação
pretendida. E houve aqueles que mudaram de curso e justificam a atitude alegando a falta de
identificação com a área ou o alto custo das mensalidades.
A palavra natureza permite-nos identificar a área de atuação dos docentes que
são da área de Ciências Biológicas. Por gostar de trabalhar com o meio ambiente, o conjunto
de educadores resolveu cursar Biologia. Então, do mesmo modo que os professores de Língua
Portuguesa, este grupo afirma que a escolha profissional aconteceu em função daquilo que o
curso significava para eles próprios, estando, pois, vinculada às expectativas pessoais,
conforme atestam os resultados comentados anteriormente.
Enquanto na Classe 2 a palavra usada para justificar essa opção foi lecionar,
nesta classe a ação é explicitada pelo emprego da palavra pesquisa. Com relação a esta, os
depoentes expressam a dificuldade para conseguir inseri-la e desenvolvê-la no contexto de
sala de aula. Quando trabalham com alunos do Ensino Médio, pela falta de incentivos e
120
investimentos por parte da esfera pública, acreditam que, a realização de pesquisas acaba se
tornando possível apenas nos cursos de especialização, mestrado e ou doutorado.
O professor pesquisador comporta dois outros termos: pesquisa e docência,
conforme considera Gatti (2004, p. 438-439):
[...] nas condições em que a educação superior se estrutura, inúmeras instituições
não se engajariam no oferecimento de ambiente e apoios para a realização dessa
meta. Isso precisa estar nas intenções da instituição, ou seja, de seus gestores e
professores.
Neste caso, analisa a autora, não se trata de subordinar o ensino à pesquisa, ou
vice-versa, mas de criar abordagens didáticas dos conhecimentos que agreguem a
possibilidade de o professor desenvolver investigações também em sua própria prática. Para
os entrevistados, a impossibilidade dessa iniciativa os conduz a optar apenas pela tarefa de
ministrar aulas, pois entende que o pesquisador só consegue reconhecimento profissional
depois de se tornar público. Quiçá se torne referência naquilo que ele se propõe fazer:
Fiz a minha graduação em Biologia, e na graduação trabalhei com pesquisa; só que a
nossa realidade é tão inviável para pesquisador recente, tem que ser muito
conhecido. (Professor, católico, solteiro, 31-40 anos, Ciências, 0-5 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Sobre esta discussão refletimos sobre a tradicional fragmentação dos
conhecimentos associados à docência, saberes da experiência versus saberes científicos.
Segundo João Filho (2004), não há como privilegiar os primeiros em detrimento destes
últimos, ou o contrário, pois ambos são fundamentais no processo de construção da identidade
profissional dos professores.
Ainda sobre as dificuldades relacionadas ao contexto de sala de aula, docentes
da áreas de Ciências comentam sobre a carência de capacitação e de instrumentos necessários
à diversificação das atividades pedagógicas que poderiam quebrar a rotina. Reclamam sobre
os investimentos que precisam fazer para a aquisição de materiais básicos, como CDs,
gravadores, filmes, livros e outros, os quais vêm onerando seus orçamentos. Alguns concluem
com uma indagação: como trabalhar pesquisa se não existem laboratórios?
A disciplina é através de trabalhos, a gente precisa muito de aulas práticas e a gente
não tem. Quando a gente procura convênio que possa levar nossos alunos a um lugar
que tenha um laboratório, assim, que a gente possa trabalhar, tem muita burocracia:
o horário não é certo para os alunos, as dificuldades para levar e trazer esses
alunos... (Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos, Ciências, 11-15 anos
de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
121
Vimos também que aspectos circunstanciais relacionados a fatores externos
contribuem para desvendar sentimentos e condições associados ao ser professor, reiterado
nesta narrativa:
A gente traz influências e as situações nos obrigam no momento. Na cidade onde eu
morava, [...], não tinha o curso que eu queria, na área em que eu queria trabalhar que
era farmácia. Eu queria ser farmacêutica, mas oferecia magistério e
propedêutico. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Analisando o termo escolha, verificamos no grupo pesquisado quantos
professores declaram abertamente ter optado pela profissão simplesmente pelo desejo de dar
aulas, em relação ao que, identificamos quatro indivíduos. Podem existir outros que
apresentem essa mesma opinião, porém não a explicitaram em suas falas. Desse modo, o
vocábulo conseqüência, parece tentar esclarecer esse contexto, conforme realce nos seguintes
excertos:
Acho que não foi uma escolha direta. Foi conseqüência: no início dos anos 80, eu
trabalhei na metalúrgica e depois no comércio. Fiz minha graduação e sempre gostei
da área de História e Filosofia. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Filosofia,
Religião e Sociologia, Ensino Fundamental, municipal).
Bom, na verdade a escolha como professora veio como conseqüência, pois não foi
uma coisa que eu falei: - eu quero ser professora. Então, terminando a minha
graduação, a primeira opção que eu vi, foi a sala de aula. De início havia até uma
resistência, pois eu fazia Biologia e queria trabalhar com pesquisa. (Professora,
religião indefinida, casada, 31-40 anos, Biologia, 6-10 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Trabalhos eventuais também explicam a opção profissional, segundo relata o
docente:
Eu fui trabalhar no Colégio São Gonçalo e certo dia a professora de História saiu
para usufruir licença maternidade e fui chamado para substituí-la. Acabei gostando e
estou a 17 anos na luta. Eu gosto muito da área da educação, apesar de que o salário
é como todo mundo sabe, não é grande coisa, mas eu tenho prazer em dar aulas.
(Professor, católico, solteiro, 41-50 anos de idade, História, 16-20 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, municipal).
Chances e oportunidades também parece que não são desperdiçadas, ainda que
seja com muita afabilidade. Esse posicionamento foi expresso da seguinte maneira:
Olha, a minha escolha profissional não foi muito bem acertada, não. Eu comecei a
trabalhar em uma escola, pois morava em um a cidade do interior e não tinha opção.
Era uma escola que tinha lá e fui parar em uma escola, meio forçada. Eu não
trabalho na escola, assim, com vocação de professora, não. É mais porque eu ainda
não consegui sair, mas o meu objetivo é sair da escola. (Professora, católica, solteira,
31-40 anos, História, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
122
Notamos nessa fala a insatisfação em face da profissão em que atua. É
interessante destacar aqui que a indisposição e a inquietação reveladas não acontecem
somente com os professores que lecionam na educação básica.
Paredes et al (2007) nas pesquisas realizadas sobre o que é ser professor na
UFMT, observam que a categoria mal-estar abrigou a palavra dificuldade, enquanto a
categoria bem-estar incluiu o termo afetividade. Vemos que há contigüidade entre esses
resultados e os dados deste estudo, pois, ao apontarem as dificuldades que envolvem a prática
docente, nossos entrevistados falam sobre algo que os frustram. Ao destacarem aspectos
positivos da escolha, comentam sobre a satisfação que sentem em lecionar. Assim, às palavras
associaram significados de cunho afetivo, como prazer e gostar, integrantes da Classe 2. Ao
que nos parece, as características que traduzem mal-estar fazem parte da realidade dos
professores, ainda que estes exerçam atividades diferenciadas em circunstâncias distintas.
Batista (2006) ao pesquisar RS das atividades docentes em Cuiabá, comprova,
através das categorias bem-estar e apreço, que os docentes inquiridos estão felizes na
profissão. Em contrapartida, constata, por meio das categorias mal-estar e conflitos,
dificuldades ligadas ao desempenho docente, embora, na análise da autora, os investigados
tenham preferido preservar o consenso existente, visando evitar a ocorrência de sanções.
Na pesquisa com professores cuiabanos do ensino fundamental, realizada por
Batista (2007) a categoria bem-estar compareceu ligada à satisfação e afetividade, apontando
para resultados que denotam o prazer de ser professor. A categoria mal-estar se fez presente
pelo vocábulo sofrimento. De acordo com esta pesquisadora os professores se queixam de ser
atribuídos a eles a solução para todos os problemas, que precisariam ser artistas para dar conta
do seu trabalho. Quando associam ser professor ao sofrimento, o fazem por meio de metáforas
e utilizam as palavras mártir, herói e escravo (grifo da autora).
Os resultados aqui apresentados parecem alcançar os objetivos inicialmente
propostos, quanto ao que os docentes pesquisados pensam sobre suas profissões. Um aspecto
nos leva a indagar: quais são os reflexos do mal-estar dos professores na docência? Para
elucidar a questão, deparamo-nos com investigações sobre estresse e saúde do professor que
tiveram destaque na Europa e na América do Norte. No Brasil, Reis et al (2005) advertem que
pouco se tem feito para avaliar as repercussões dos trabalhos sobre esses aspectos. No ano de
2004 esses pesquisadores realizaram um estudo envolvendo todos os professores da rede
municipal de Vitória da Conquista, no estado da Bahia, concluindo que a saúde mental do
professor aparece associada ao tipo de trabalho que desenvolve, e que, às vezes, conduzem à
ocorrência de distúrbios psíquicos.
123
Nascimento, Brancher e Oliveira (2008) apresentam reflexões e analisam
experiências sobre a auto-estima docente. Refletem sobre a importância desse elemento para a
satisfação profissional, pressupondo que a gica da sociedade contemporânea seja um dos
fatores que podem levar o professor aos problemas emocionais. O estudo contou com a
participação de 26 professores da rede estadual de ensino do município de Júlio de Castilhos,
no Rio Grande do Sul, no ano de 2006.
Para os pesquisadores, a organização social e educacional atual, que se pauta
na lógica de mercado, pressiona o educador, que vive com uma sobrecarga de atribuições
geradora de tensão e estresse e que, quando não consegue perceber o que lhe está
acontecendo, pode entrar em um quadro exacerbado de pressão psicológica. Por meio dos
resultados, o grupo concluiu que a auto-estima docente é condição muito importante para a
construção do bem-estar discente, pois o professor que não está bem consigo mesmo não
consegue realizar-se pessoal e profissionalmente.
Sem pretendermos fazer uma análise sofisticada e esgotar os aspectos que
podem gerar insatisfação nesses profissionais, as análises desta Classe 3 nos fazem refletir
sobre outras situações que vimos e vivenciamos na relação com os docentes nas escolas
visitadas. Enquanto aguardávamos a disponibilidade de algum entrevistado, passamos quase
todo o horário de expediente, nos períodos matutino ou vespertino, nas instituições, e alguns
aspectos foram registrados, assim, refletimos sobre eles.
Ouvimos queixas sobre doenças dos professores: algumas reclamações sobre
cansaço, desânimo, furúnculos pelo corpo, problemas na voz, dores de estômago de origem
não identificada, problemas na próstata, de ordem respiratória, casos de câncer e depressão.
Neste momento, apenas relatamos o que observamos, sem nenhum tipo de análise ou
avaliação, porém consideramos válida a observação, devido à ocorrência de algum
comportamento inesperado, como choros, durante as entrevistas.
Outro aspecto que nos chamou a atenção foi a determinação e a persistência
demonstrada pelos docentes em continuar no trabalho, mesmo doentes, como se fossem
insubstituíveis. Eles afirmam que os alunos não podem ficar sem aula, e isso muitas vezes
contribui para que procurem tratamento tardiamente, conforme pudemos observar em vários
casos. Existem comentários sobre relutância de algum colega, que não realiza o exame
preventivo de próstata por vergonha. Curioso notar a presença da desinformação e
preconceitos em relação ao assunto. Esse dado é importante, pois, como exigir que um
professor discuta sobre sexualidade na sala de aula, se ele manifesta dificuldades dessa
natureza?
124
Se somarmos a isso alguns aspectos relacionados ao ambiente de trabalho,
observamos que algumas escolas não dispõem das mínimas condições para que os professores
desenvolvam suas atividades sem pôr em risco a sua saúde. Nos intervalos de algumas
escolas, às vezes, vivenciamos um contraste: enquanto tomávamos parte de um breakfast, em
que eram servidos aos professores picolés, cafezinho, bolachas, arroz doce e arroz com farofa
de soja, ao chegarmos ao cantinho reservado para a água, deparamo-nos com o ponto fraco da
recepção, não há.
Notamos uma dificuldade comum em quase todos os estabelecimentos
pesquisados, quanto à questão da água potável e o uso dos copos descartáveis. Os poucos
vasilhames disponibilizados aos muitos professores não eram de vidro, obrigando-os a dividi-
los entre si, sem sequer poderem lavá-los. Ademais, em outras escolas, quando existia copo,
não havia água, cuja aquisição era feita por meio de arrecadação entre os colegas. Isso gerava
uma situação um pouco constrangedora, pois aqueles que haviam comprado a água advertiam,
caso não contribua, não tem direito a tomá-la. Quando relacionamos essa realidade com o tipo
de clima de Cuiabá - quente, apresentando em algumas épocas níveis de umidade mais baixos
do país -, como privar os educadores desse bem essencial à vida, em um trabalho no qual a
voz é a ferramenta principal?
Diante dessa realidade, e considerando a resiliência demonstrada pelo grupo
estudado em relação a determinação de manter a profissão frente às dificuldades , encerramos
este texto com as palavras de uma entrevistada. Por acreditar na profissão, incentiva todos
aqueles que almejam galgar espaços no magistério. Em uma época de pleno desenvolvimento
tecnológico, a entrevistada tranqüiliza aos futuros interessados de que, façam o que for,
inventem o que quiserem, o lugar do professor jamais desaparecerá.
Eu recomendo esta profissão [...] nada vai substituí-la, nada eletrônico, nada, nada
vai substituir professor em sala de aula. Mas acho que acima de tudo tem que ter
amor, porque pelo dinheiro não compensa. É pouco pelo tanto que você se desgasta.
(Professora, católica, casada, 51-60 anos de idade, Língua Portuguesa, acima de 21
anos de tempo serviço, Ensino Fundamental, rede municipal).
Este é também o nosso ponto de vista. Apesar de reconhecer o avanço e o
investimento na cibernética, ao ponto de recentemente ter sido anunciada a robô professora
6
6
Professora-robô faz chamada e dá bronca em alunos no Japão.
Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI3627691-EI8328,00-
Professorarobo+faz+chamada+e+da+bronca+em+alunos+no+Japao.html> Acesso em: 14 mar. 2009.
125
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE SEXUALIDADE - ALCESTE
Neste Capítulo dispomos a análise do corpus que foi formado a partir das
questões das entrevistas catalogadas sobre Sexualidade. Nesta etapa o material discursivo foi
processado pelo software ALCESTE 4.7. As perguntas que compõem esta análise são aquelas
dispostas na metodologia e distribuídas no conjunto do Apêndice A.
No processamento das análises fornecidas no rapport, verificamos etapas e
procedimentos segundo Oliveira, Gomes e Marques (2005), e fizemos algumas adaptações.
Para tanto, identificamos as unidades de contextos, definimos as formas de palavras
reduzidas, estruturamos as classes de palavras pelo índice de quiquadrado e freqüências e
realizamos a descrição e interpretação das classes.
Etapa A - Identificação das unidades de contexto (UC)
As unidades de contexto inicial (UCI) foram identificadas por 56 linhas
estreladas, compondo assim o total de sujeitos pesquisados. Observamos a prova de
associação do quiquadrado em relação à classe (χ²>2,19) e selecionamos as palavras por
ordem decrescente, e freqüência mínima de uma palavra analisada igual a 4.
O material fornecido no rapport foi dividido em 889 UCEs, das quais 656
foram classificadas, obtendo assim 73,79% de aproveitamento, conforme podemos observar
na ilustração gráfica.
126
Ilustração 4 - Percentuais estatísticos de aproveitamento do material
Sexualidade analisado pelo software ALCESTE
O programa dividiu o texto discursivo em pequenos trechos de entrevistas, que
estão distribuídos em três classes. O peso semântico de cada uma das classes e seus
respectivos percentuais em termos de UCEs pode ser observado na figura abaixo.
Ilustração 5 - Índice estatístico de partições das classes por níveis de UCE, do corpus Sexualidade
Etapa B - Identificação das Classes de palavras
O método de Classificação Hierárquica Descendente (CHD) representado
pelo dendrograma mostra as relações interclasses pelas partições desenhadas, em função de
divisões de sub-corpus do material processado.
Conforme observamos pelo procedimento de classificação, o programa dividiu
o material discursivo em partições que chamamos de blocos. Assim, as três classes originadas
apresentam-se em tamanhos diferentes e encontram-se nomeadas a partir dos respectivos
blocos, como vemos na Ilustração 6.
Ilustração 6 - Dendrograma das classes formado pelo material textual de Sexualidade
127
A figura gráfica abaixo esquematizada apresenta a partir das ramificações e
ligamentos oferecidos pelo programa a maneira como as classes de palavras estão
acomodadas bem como o peso estatístico em termos de UCE no interior de cada uma delas,
conforme observamos na Ilustração 7.
Ilustração 7 - Disposição das divisões e ligamentos das classes do material sobre Sexualidade
Em um primeiro momento, destacamos a Classe 1 associada a 2, que guarda
em seu bojo a maior quantidade das unidades. Ambas formam o bloco denominado de
Produção de Saberes de Sexualidade. A Classe 1 condensa conteúdos dos discursos que os
docentes proferem a partir do que observam em seus alunos. Na Classe 2 os entrevistados
declaram o que pensam ser as práticas de ensino de sexualidade desenvolvidas pelos
professores com os quais convivem no trabalho e sobre sua formação.
Continuando a especificar o perfil das classes, a figura arbórea mostra a
segunda divisão da qual deriva a Classe 3, distanciada das duas outras, porém, existem co-
ocorrências de palavras. Esta porção constitui o bloco que se convencionou chamar de
Incidentes que medeiam a relação professor-aluno; como o próprio nome indica, este
conjunto concentra em seu interior relações que envolvem sentimentos e crenças de
professores e alunos bem como situações conflituosas em função da presença dos pais que
vão à escola indagar por que os professores ensinam sobre sexualidade.
Etapa - C - Descrição e análise das Classes
Falar do outro é falar de si.
Falar ou não falar: eis a
questão.
Sexualidade: Formação e
práticas pedagógicas
Fortuitos e implicações
nas RS de Sexualidade
128
A partir desta etapa, perseguiremos a análise propriamente dita das Classes 1, 2
e 3, conforme descritas nas fases anteriores.
A Classe 1 Falar do outro é falar de si. Falar ou não falar de sexo: eis a
questão, carrega a maior quantidade de vocábulos, 42% do total aproveitado. Guarda em seu
bojo 275 UCEs, com um percentual de contribuição de 23,55% para o total de palavras
analisadas. Encontra-se associada à Classe 2, que comentaremos posteriormente. Ambas
compõem o Bloco chamado de Produção de saberes de Sexualidade.
Os verbos sinto e respondo, detentores de percentuais de freqüência de 100%,
indicam forte aderência nesta classe e parecem revelar que os docentes se reportam sobre
como se sentem diante das questões de sexualidade que são conversadas com os alunos.
A maior parte das UCEs da Classe 1 foi produzida por uma dúzia de docentes
que compartilham o conjunto de variáveis descritas na Tabela 16. Sendo assim, as
características revelam docentes do sexo feminino, que professam a crença espírita. Este
grupo faz parte daquele que detém menos tempo de experiência na profissão, entre 0 e 5 anos,
e que leciona na área de Língua Portuguesa e Formação Geral - Filosofia, Religião,
Sociologia. Pela área administrativa, municipal, notamos que a ênfase discursiva desta classe
parece envolver mais os professores do ensino fundamental.
Tabela 16 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe
Freqüência na Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*rel_3 17,21
43 31 72,09 Espírita
*sex_2 10,45
357 170 47,62 Feminino
*ts_1 2,77 128 62 48,44 0-5 anos
*at_4 2,76 222 103 46,40 Língua Portuguesa
*at_5 2,76 51 27 52,94 Filosofia, Ed. Religiosa, Sociologia
*adm_2 2,09 218 100 45,87 Municipal
O contexto lexical da Classe 1 parece mostrar que as narrativas dos docentes
oscilam entre um movimento de falar e não falar de sexualidade, conforme podemos observar
pelos vocábulos vai e vem, pergunta e respondo, assim e assado, isto e aquilo, fácil e difícil,
eu e outro, muito e pouquinho.
Algumas destas palavras estão ilustradas na referida classe. Outras, porém,
tendo em vista o baixo percentual de quiquadrado, foram consideradas apenas para destacar o
tipo de discurso dos entrevistados é estruturado em pares opostos. Segundo Marková (2006,
p.94) esta é uma forma de mostrar como acontece o pensamento e como toma rotas distintas.
129
“[...]. O pensamento em antinomias constitui uma ferramenta fundamental do
desenvolvimento da teoria do conhecimento social [...]” que, conseqüentemente, importa às
RS.
Gilly (2001, p. 328) afirma que o grupo de professores primários apresenta
tendências para pensar a escola em função dos discursos contrários, como alunos fracos e
fortes - “E sempre em referência ao modelo hierárquico que eles organizam suas práticas”.
O dendrograma apresentado a seguir mostra os blocos que foram compostos
pelo conjunto temático da Classe 1. As palavras conectoras estão articuladas por ramificações
e agrupadas em dois blocos (Bloco A - Dúvidas sexuais dos alunos e Bloco B -
Posicionamento acerca das práticas de ensino de sexualidade).
130
Ilustração 8 - Dendrograma da Classe 1
131
O Bloco A, chamado de Dúvidas sexuais dos alunos, parece se formar a partir
do conjunto de discursos que os docentes dizem acerca das perguntas de seus alunos,
conforme ilustra o pronome pessoal eles. Este agrupamento compreende as palavras que
iniciam no léxico assim e prossegue até os vocábulos qualquer e caso, revelando aspectos da
interação social da sala de aula em função das indagações que os estudantes fazem sobre as
vivências sexuais dos professores.
O estudo desta reunião de vocábulos nos possibilita inferir que, ao observarmos
a postura dos docentes que utilizam respostas ásperas frente ao tema sexualidade, estas
aparecem como estratégias que motivam o silenciamento do assunto. O grupo se preocupa
com a complexidade dos conteúdos de sexualidade e com os tipos de perguntas que os alunos
fazem, na forma de auto-representar a sua própria sexualidade. São indicativos de que a
análise da sexualidade, enquanto dispositivo, funciona a partir das técnicas móveis,
polimorfas e conjunturais de poder, conforme Foucault (2007).
O Bloco B, na parte inferior da figura, foi denominado de Posicionamento
acerca das práticas de ensino de sexualidade; começa no vocábulo vai e engloba os demais
léxicos que se arranjam até o verbo tentam. Notamos que as palavras sinto e responder
caracterizam o modo como os professores se autoavaliam frente ao assunto sexualidade.
um discurso contraditório que se materializa pela palavra respondo. Enquanto um conjunto de
entrevistados afirma se sentir à vontade diante das inquirições dos alunos, e imaginam como
se estivessem ajudando os alunos, o vocábulo televisão nos permite entender que os docentes
realizam uma falsa-identificação de si mesmos, ao dizerem que os alunos sabem mais de sexo
do que eles.
Estes resultados canalizam para a busca do entendimento de como acontece a
interação nas relações entre os atores professor-aluno, partindo da suposição de que a
comunicação pode conter tanto elementos dialógicos, quanto aquela que é centrada em
perguntas e respostas.
132
3.1 Classe 1 - Falar do outro é também falar de si. Falar ou não falar de sexo, eis a
questão
Tabela 17 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas
χ2 Corpus
N
%
Ele+ Eles 35,25
245 139
56,73
Falo Falo 20,78
29 24
82,76
Coisa+ Coisa, coisas 20,51
109 67
61,47
Ficam Ficam 19,59
20 18
90
Vai Vai 19,33
56 39
69,64
Sinto Sinto 17,55
24 20
83,33
Algum+ Algumas 16,01
53 36
67,92
Até Até 13,18
69 43
62,32
Namoro+ Namoros 11,27
14 12
85,71
Respondo Respondo 9,8 7 7 100
Internet Internet 6,98
5 5 100
Costumo Costumo 5,58
4 4 100
Constrangida+
Constrangidas 5,58
4 4 100
Assim Assim 5,9 60 34
56,67
Aquilo Aquilo 5,49
12 9 75
Olhar Olhar 4,18
3 3 100
Conforme referimos, esta classe contém conteúdos sobre Dúvidas sexuais dos
alunos e o Posicionamento das práticas de ensino dos professores.
Adentrando, portanto, na análise da Classe 1, notamos no contexto das UCEs
que os temas discutidos são chamados de coisas. Supomos que o vocábulo namoro poderia se
configurar como um dos assuntos em pauta. Entretanto, observamos que este léxico confirma
esta proposição, conforme o excerto, os docentes esclarecem sobre as regras e normas que
gostariam que fossem respeitadas no início do ano ou semestres. Consideramos que esta pode
ser uma forma de manifestar aspectos da socialização na prática que realizam.
O meu namoro, o meu sexo, eu vou buscar em outro lugar. Vocês {alunos} podem
ficar tranqüilos que aqui é somente o meu local de trabalho e deixo bem claro logo
no começo. (Professor, católico, solteiro, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 16-20 anos
de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Visualizando o verbo falo da Classe 1, indica que os docentes entendem que
cabe a eles aclarar dúvidas sexuais dos alunos. Parece ancorar na complexidade que o tema
sexualidade exige. Ao tecer comentário sobre o ensino da sexualidade, a idéia de ajuda.
133
Por isso, se apóia na necessidade de preparo do profissional para aprofundar os conteúdos. No
modo de pensar da entrevistada, uma má informação pode ser prejudicial aos alunos.
Você pode causar uma seqüela, um trauma na criança. Então tem que saber
exatamente como você vai falar e como você vai agir. Porque quando eu falo para
eles, eu me vejo como se estivesse ouvindo alguém falando para mim. Eu me sinto
bem, como se de alguma forma eu estivesse ajudando para não cometerem o erro
que eu cometi. (Professora, evangélica, casada, 20-30 anos, Língua Portuguesa, 0-5
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Observamos no conjunto das entrevistas que os professores que se preocupam
com os conteúdos que serão transmitidos relacionam-nos à idade dos alunos, em especial
aqueles docentes do ensino fundamental. Este aspecto faz sentido, se comparado com a
variável (*adm_2, Tabela 16) que caracteriza os discursos do conjunto que lecionam neste
nível de ensino.
Neste sentido, observamos que, as concepções de alguns entrevistados, tanto
podem contribuir na formação do conhecimento da criança e da estruturação de sua
personalidade quanto causar os malefícios, o que parece objetivado na seqüela, segundo
entrevista. Esta concepção parece aproximar-se do entendimento de sexualidade por visões
polares:
[...] "aluno muito criança para saber sobre sexo" versus "aluno muito grande para
não saber". Postula-se, em relação à sexualidade, um divisor de águas entre infância
e idade adulta, tendo como corolário uma percepção compartimentada do
desenvolvimento humano. (CARVALHO, 2006, p.8, grifo da autora)
Este aspecto pode ser analisado em função dos melindres com o tema sexo, que
não passa de um aspecto discurso normativo-restritivo da moral, reproduzido pela agência
social escola (FOUCAULT, 2007).
Pelo excerto, parece haver certa inquietação por parte desses professores
quanto ao estágio de desenvolvimento ou etapa de vida em que deve discutir sexualidade com
os alunos, tendo sido tema recorrente também em outros estudos. Notamos estas concepções
de professores no sentido da maturidade necessária que os alunos devem ter para iniciar os
relacionamentos afetivos nas pesquisas de Paredes; Oliveira e Coutinho (2005).
No estudo realizado por Castro (2008) o autor denuncia este aspecto,
indagando o que a maturidade tem a ver com educação sexual? Segundo sua análise, esta é
uma questão polêmica ao considerar que criança não deve ser ensinada sobre sexo. No
entanto, em todo o tempo a escola educa sexualmente seus alunos, ainda que não seja de
forma clara:
[...] o “lugar” da sexualidade parece ser o das piadinhas, das músicas ‘maliciosas’ e
de “duplo sentido” cantadas pelos (as) alunos (as), nas brincadeiras e apelidos, quase
134
sempre despercebidos, muitas vezes “intencionalmente”, pelas (as) professoras (es).
(CASTRO, 2008, p. 4, grifos do autor).
Estes dados podem ser referidos às teorias construídas na vida cotidiana, que
associam a sexualidade aos pensamentos impuros, e a visão dos infantes ligada à idéia de
inocência-pureza. Acerca da vida sexual dos seres humanos, algum tempo atrás, entre
muita dissensão, Freud expôs seu posicionamento que é do conhecimento de médicos,
educadores e pais de família, no que se refere às bases da Psicanálise. Sem aprofundar nos
detalhes que esta proposição mereça, destacamos apenas fragmentos de sua descoberta: a
sexualidade não era como sempre se pensou, como algo latente, que se manifestava somente
em alguma etapa da vida, conforme analisa Guirado (1997, p. 25).
As crianças, desde o nascimento, apresentavam atividades auto-eróticas que, da
sucção à masturbação, passando pelo controle das fezes como estímulo à mucosa
anal, faziam-se acompanhar de fantasias e constituíam assim, a história amorosa
desses supostos anjos. (GUIRADO, 1997, p. 25)
Sobre a relação entre as indagações dos alunos e a postura dos entrevistados,
notamos que outro grupo se sente ameaçado frente ao assunto sexualidade. Existem aqueles
que imaginam que os estudantes estejam testando o professor com suas indagações, como
mostram os verbos ficam e vai, presentes na classe em discussão.
Eles perguntam para ver se você ainda conta de responder. Quer dizer, essas
coisas eles ficam perguntando. Às vezes, eles perguntam: professora, a senhora
transou hoje com quem? [...] vão aprofundando as perguntas e vai embaraçando
ainda mais o professor.
(Professora, espírita, solteira, 20-30 anos, Química, 0-5 anos
de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Os vocábulos sinto e costumo parecem reveladores das atitudes dos professores
que ficam à vontade para discutir o assunto, tendo sido destacados em fragmentos das UCEs
como sinto bem e tranqüila. Aspectos que parecem contrapor ao referido depoimento.
Depreendemos que, quando o grupo pensa que as perguntas dos alunos são
para intimidar, o professor toma a atitude de silenciar o assunto em sala de aula, para evitar
possíveis complicações. Esta concepção parece estruturar-se a partir de elementos de
representações sociais de sexualidade associados às relações pedagógicas (PLACCO, 2002, p.
9). Muitas vezes, as ações pedagógicas e as relações professor-aluno, que se realizam no
cotidiano da escola, são “[...] concretizadas, [...] de forma fragmentada e não-sincrônica”.
Aspectos dessa visão dicotômica podem ser observados nos depoimentos de
escolares pesquisados por Oliveira (2004), quando afirmam que os professores dizem, sobre
conhecimentos de sexualidade, que não lhes interessam, principalmente sobre o
funcionamento dos processos físico-químicos do corpo humano quando usam linguagem
135
técnica. A propósito, podemos notar esta forma de abordagem pela palavra órgão nesta classe
e ressaltada na entrevista:
Além de falar dos órgãos, dos sistemas, você tem que entrar nesta parte sexual. Eu
falo por mim que tenho procurado responder tudo que eu sei quando o aluno me
pergunta. (Professora, indefinida ou sem religião, casada, 31-40 anos, Biologia, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Quando as preocupações dos professores são refletidas na parte da formulação
dos conhecimentos de sexualidade, suas compreensões sobre o tema parecem ancoradas na
complexidade do assunto, que não deve ser comentado de qualquer maneira. Assim, as
representações sociais são modeladas por crenças negativas sobre o ensino da sexualidade.
Sobre este aspecto, Figueiró (2006) salienta a importância de delimitação do porque trabalhar
esses temas na escola e o para quê. De acordo com a autora é preciso levar em conta,
respectivamente, quais os motivos que justificam um trabalho desta natureza e quais metas se
pretende atingir:
[...] Em primeiro lugar está o fato de que é um direito do educando conhecer sobre
seu corpo e sobre sua sexualidade [...]. A educação sexual pode estar comprometida
com diferentes concepções filosóficas, metodológicas e pedagógicas, o que implica
a existência de abordagens variadas. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 81).
Destacamos que nem todo o grupo de entrevistados trata os assuntos da
sexualidade com melindres, porém, mesmo entre os entrevistados que tratam o assunto sem
restrições, transparece certo cuidado que circunda o tema. O pronome algumas, da Classe 1 e
no excerto da entrevista, parece mostrar uma ocasião para avaliar por que discutir sexualidade
com alunos é menos difícil que na família.
Então, eles querem saber alguma coisa, perguntar, nem me lembro de muitas
ocasiões, mas algumas vezes, elas perguntam sim. Eu acho para a gente que é
professora é mais fácil que com os próprios filhos. (Professora, evangélica, casada,
41-50 anos, ngua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Então, o acanhamento declarado ao longo desta exposição pode estar atrelado
ao entendimento da sexualidade enquanto dispositivo de poder. As normas conduzidas por
mecanismos invisíveis de domínio circulam no próprio discurso, parecem querer definir
representações sociais de sexualidade mediadas pelas perspectivas das táticas do ensino da
sexualidade. É preciso saber com quem falar, como discorrer o assunto, que não pode ser de
qualquer jeito, e, quem é o endereçado. Ao ancorar na maturidade dos alunos, entendemos
que é preciso avaliar se o destinatário encontra-se preparado para aprender sobre sexo.
136
Estes resultados, analisados a partir do nascimento da ciência sexual, permitem
verificar que a sexualidade parece entendida enquanto correspondente da prática discursiva
construída pelos conhecimentos científicos do sexo e dos prazeres.
[...] a sexualidade foi definida como sendo, ‘por natureza’ um domínio penetrável
por processos patológicos, solicitando, portanto, intervenções terapêuticas ou de
normalização; um campo de significações a decifrar. (FOUCAULT, 2007, p. 79).
A ‘economia’ dos discursos - as tecnologias, as táticas, o efeito do poder que
sustém e veicula os discursos pela redução, categorização e especificação do sexo, são os
aspectos que determinam as características fundamentais na produção dos conceitos e
verdades pelas diferentes disciplinas científicas, entre elas, Foucault menciona nesta obra, a
Medicina, a Pedagogia e a Economia. A partir de Foucault (2007) compreendemos que a
história da sexualidade deve ser elaborada, antes de tudo, do ponto de vista dos discursos.
Portanto, ao abordar a sexualidade, ora os docentes se referem ao ensino de sexo dos
adolescentes (seus alunos) e, ora, levam em conta o modo como devem repassar os conteúdos,
isso permite vincular a ciência sexual à intensificação dos prazeres, no sentido da
multiplicação discursiva do tema que aconteceu pela imposição do poder-saber.
Foucault analisa que a prolixidade de nossa civilização foi imensa. Cada um
fez da sua sexualidade um discurso permanente por meio de mecanismos da ordem da
economia, da pedagogia, da medicina e da justiça que incitam, extraem, organizam o discurso
do sexo. Para o autor, isso não passa de uma contrapartida:
[...] e, talvez da condição para funcionarem outros discursos, múltiplos,
entrecruzados, sutilmente hierarquizados e todos estreitamente articulados em torno
de um feixe de relações de poder. (FOUCAULT, 2007, p.36).
Ainda sobre o léxico alguma, discutimos pela análise desta difusão dos saberes
e das decisões que coexistem nas instituições.
Muitas vezes se eles têm alguma dúvida que precisa de maiores esclarecimentos, eu
falo para se orientar com o professor de ciências que tem um conhecimento mais
profundo. (Professora, católica, solteira, 31- 40 anos, Língua Portuguesa, 6-10 anos
de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Representações sociais de Sexualidade associadas às ciências biológicas foram
conhecimentos deslocados da medicina do Século XVIII, e isso refletiu na escola, de tal modo
que a sexualidade humana parece ter apenas finalidade de procriação, considerando-a como
fenômeno natural (SOUZA, 1997).
No contexto da escola, estes assuntos têm sido motivos de análises de outros
estudiosos da área da educação, e parece haver argumentos comuns de que nem sempre os
137
profissionais detêm todos os conhecimentos, dentre eles, aqueles da dimensão psicológica,
indispensáveis neste estudo.
[...] inserir a educação sexual nas disciplinas científicas, representaria uma
imposição a todos os que delas se ocupam a realizar um trabalho que muitos deles
não desejam fazer, seja porque não se sentem preparados, seja porque não se sentem
à vontade para tratar questões sexuais com os alunos. (WEREBE, 1998, p. 195).
A escola utiliza de diversas estratégias verbais, sutis, para transmitir
sexualidade normalizadora devido sua função de formadora de conhecimentos e opiniões,
reprodutora de valores na construção dos comportamentos. Enquanto parte do contexto social,
a escola espalha significados:
[...] através dos indivíduos que circulam por ela, ali os sujeitos encontrarão diversos
“modelos” e pontos de apego e renúncia, que contribuirão para a produção e o
entrelaçamento de suas identidades sexuais. (CASTRO, 2008, p. 5).
Neste sentido, esta concepção teórica contribui para desvendar os lugares em
que se alojam os discursos dos docentes. Enquanto subterfúgios emocionais, ancoram na
dificuldade inerente ao tema para não discutirem sobre o mesmo com os alunos. Mas, nem
sempre dividem suas decisões, angústias e anseios pela parceria com o outro, que poderia
favorecer a transformação como observa Placco.
Nesse encontro, ocorrem transformações que constituem ambos os sujeitos da
relação como identidades separadas e ao mesmo tempo imbricadas com o mesmo
ambiente social e cultural de que provêm e no que estão. (PLACCO, 2002, p. 10).
Segundo Placco (2002), na sala de aula os aspectos cognitivos, afetivos e
sociais de cada um dos atores, professores e alunos, estão sincronicamente presentes e
nenhum deles é afetado ou se transforma isoladamente. Os componentes afetivos também são
mecanismos para se defenderem por meio de suposições.
A partir do Posicionamento das práticas de ensino, focalizamos o vocábulo até
na Classe 1, pois, apesar de considerar a complexidade inerente ao tema sexualidade, os
docentes enfatizam que determinadas dúvidas dos alunos parecem estar acima dos seus
próprios conhecimentos.
Para dizer que se sentem desqualificados profissionalmente para tratar do
assunto, modelam seus argumentos sustentados pelas representações sociais do que pensam
ser as concepções de sexualidade dos alunos, ancoradas nos comportamentos observados na
escola, conforme Paredes, Oliveira e Coutinho (2005).
Que é um tema até difícil de trabalhar. Porque hoje você quer explicar alguma coisa
para os alunos, eles já sabem de cor e salteado. Ainda quer saber mais coisas.
(Professora, espírita, solteira, 20-30 anos, Química, 0-5 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
138
Foucault (2007), ao analisar algumas instituições, as define enquanto
dispositivos de sexualidade que investem sobre o corpo dos jovens, às vezes, com medidas
restritivas. Tratando-se da escola, ela é assim compreendida porque mais incita os discursos
sobre sexo do que esclarece, como ilustra o excerto. Desse modo, a censura pode ser um dos
conteúdos de RS de Sexualidade associados à idéia da responsabilidade objetivada no
dinheiro, destaca o extrato. Na Classe 1 o léxico respondo, confirma, entre outras palavras, o
pensamento quando alguém se envolve em relações sexuais, corre o risco de engravidar.
Eles vão até para o lado pessoal e você também tem que levar. Tem meninas que me
pergunta com que idade você perdeu a virgindade? Eu respondo para elas que eu
não vou dizer idade, mas digo que já trabalhava e ganhava dinheiro. (Professora,
católica, 41-50 anos, Ciências, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio).
Foucault (2007) observa que a interdição do sexo não é uma ilusão. O essencial
não é tanto a respeito do que dizer sobre o sexo, mas o ponto importante a identificar são as
formas ou os canais do discurso do poder. De que modo o poder consegue chegar às mais
tênues e mais individuais condutas dos sujeitos. Tal asserção nos faz notar que o conjunto dos
saberes para o autor é analisado na direção dos comportamentos.
Todos esses elementos negativos – proibições, recusas, censuras, negações, - [...] são
somente peças que têm uma função e tática numa colocação discursiva, numa
técnica de poder, numa vontade de saber que estão longe de se reduzirem a isso.
(FOUCAULT, 2007, p. 18).
Na escola, uma das maneiras discursivas do poder-saber acontece pela inserção
do tema Sexualidade, oficializado pouco mais de uma década como parte de um dos
conteúdos dos currículos, conforme prevê os PCNs. No entanto, observamos o seu aspecto
silenciado nas RS dos pesquisados que se configuram pelo aspecto afetivo. Presença de
rodeios, subterfúgios ou recriminação em torno das respostas que são fornecidas aos
discentes.
Baseando-se na compreensão de Placco (2002), as interações repercutem
significativamente na aprendizagem e no desenvolvimento dos sujeitos. Neste processo de
viver junto, a comunicação aparece como mediadora que tanto pode facilitar quanto complicar
as relações.
Verificamos nos resultados que os professores admitem por meio da linguagem
dos alunos que estes parecem conhecer mais do tema Sexualidade que eles próprios.
Procuramos identificar em que os docentes se baseiam para assegurar tal concepção. Foucault
(2007) nos traz a compreensão de que existem dispositivos que incutem formas discursivas
que desvirtuam, escamoteiam, desqualificam a maneira de falar de sexo.
139
Retomamos o contexto da Classe 1 e notamos que o léxico internet comparece
com igual percentual de freqüência do adjetivo constrangida. Inicialmente, parece mostrar
que os docentes falam dos alunos e sobre eles mesmos; tendência verificada desde o início
desta Classe 1. Assim, para os docentes, esta tecnologia de informação, juntamente com a
televisão, tem propiciado o aumento dos conhecimentos de sexualidade dos jovens.
Na televisão eles passam informações desenfreadas e nem sempre é do entendimento
de uma criança de doze ou quatorze anos. Então, eles pensam que o que acontece na
televisão é uma coisa normal que eles podem praticar também. Fazem sem refletir,
fazem muitas vezes, inocentemente. (Professora, espírita, solteira, 20-30 anos,
Química, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Conforme observamos, os veículos da comunicação, de uma maneira geral,
comparecem nas representações sociais dos professores como incentivos que motivam as
práticas sexuais dos escolares. Segundo os pesquisados, as encenações de sexo os fazem agir
sem pensar.
Quanto ao léxico constrangida, por um aspecto trata-se de um conselho de uma
entrevistada para os colegas evitarem este tipo de sentimento diante das perguntas dos alunos.
Enquanto algumas entrevistadas parecem apresentar tranqüilidade para discutir
o assunto em sala de aula, outros educadores se esquivam e utilizam o substantivo coisa
também, para destacar a importância da capacitação. Avaliam que nem sempre as vivências
são suficientes para trabalhar o assunto. A gente tenta pela experiência da gente, mas não
consegue passar muita coisa.
Verificamos que as atitudes dos professores em relação à produção do saber de
sexualidade, conforme o contexto lexical desta classe, se caracteriza pelos aspectos cognitivo-
afetivos e sociais. Vislumbrando esse processo pelo investimento da pessoa inteira
(MAHONEY, 2002), é no ambiente de sala de aula, nas relações do dia-a-dia do professor e
aluno que as experiências de ambos são confrontadas.
Essa interação possibilita ao professor questionar e refletir sobre suas próprias
ações, segundo analisa Placco (2002, p. 14). “Assim, esse processo interno - a sincronicidade
- será mediador na ação pedagógica e na mudança da prática na medida em que for ampliado
e ressignificado em processo consciente e crítico”. Entretanto, observamos que a rotina e a
repetição dos conflitos que ocorrem no cotidiano da prática docente muitas vezes parecem não
permitir que os professores se percebam enquanto formadores de um ser humano crítico, pois
também parecem encontrar em uma posição de não se perceber enquanto um ser sexual de
relações.
140
Continuamos esta análise em função do verbo olhar, da Classe 1. Este verbo,
às vezes, se refere à postura disciplinadora do professor em relação aos questionamentos de
seus alunos. Buscamos no contexto das entrevistas e ilustramos o sentido que a depoente
propõe: basta uma olhada da professora e o aluno entende que não é hora de conversar
determinados assuntos, entre eles, sexualidade, conforme ilustra o excerto. Entretanto, pelo
modo como a docente se sente diante do tema, qualquer outra explicação parece desnecessária
de nossa parte.
Eu tenho meu olhar, igual meus pais olhavam para a gente e a gente entendia. Eu
olho para eles assim, e eles entendem também. Morro de medo de me pegar em uma
situação dessa e eu não saber como agir. (Professora, católica, divorciada, 51-60
anos, ngua Portuguesa, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Esta forma de educar por meio dos códigos dos sinais: poucas palavras,
nenhuma explicação, encontra guarida no mecanismo complexo da disciplina promovida pela
escola mútua, do século XVII, tendo perdurado até o início do século XIX, segundo analisa
Foucault (1991). O tipo de ensino chamado de mútuo deve-se a que os alunos tanto eram
ensinantes, quanto aprendizes. Mas, é a disciplina que queremos ressaltar, pois tem algo
semelhante à postura declarada. O silêncio era interrompido pelo toque dos sinos, palmas,
gestos ou pelo simples olhar do mestre, conforme palavras do próprio autor.
O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um
aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e, onde, em
troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se
aplicam. (FOUCAULT, 1987, p. 143).
Advém daí a tese de que um corpo bem domesticado é a base de um gesto
eficiente. A este tipo de disciplina o autor denomina de vigilância hierárquica, em que aparece
implícita a idéia de individualização dos corpos.
3.2 Classe 2 - Introdução ao contexto semântico das palavras
Analisando o perfil da Classe 2, Sexualidade: formação profissional e práticas
pedagógicas, a partir da tabela que segue observamos as palavras selecionadas por
quiquadrado, freqüências na classe, total e as relações de índices percentuais. Observamos que
esta classe se organiza em torno de 193 UCEs e condensa 23,60% das palavras analisadas por
unidades, sendo portanto menor em relação àquela que está atrelada.
141
Pelo exame do contexto lexical da referida classe, o verbo temos comparece
entre os saberes abordados e partilhados no e pelo grupo. Qualitativamente falando, quando as
pessoas recebem informações e trocam-nas, experiências e teorias sofrem modificações, pois
nem sempre a comunicação transmite a mensagem de origem de forma inalterada. Cada vez
que um saber é gerado e comunicado, ele passa a fazer parte da ideação coletiva, isto nos diz
respeito, ainda mais se esse conhecimento serve para dar explicação a algum fenômeno
(MOSCOVICI, 2001).
Essas proposições contribuem para entender que o discurso desta classe pode
indicar contextos lexicais referentes ao lugar comum em que todos falam, o que nos permite
verificar o princípio de que as RS são elaboradas nesse processo de trocas e interações. Desse
modo, ajuizamos que as possíveis representações sociais de sexualidade investigadas versam
sobre a formação profissional, ao considerarmos o avantajado índice valor de quiquadrado.
O substantivo infelizmente parece contribuir para enfatizar o contraponto desta
questão, devido à fragilidade de conhecimentos que remontam à capacitação que receberam
nas aulas de Psicologia. Essa representação permite que os depoentes discorram sobre o
assunto em relação ao que pensam sobre as ações desenvolvidas e confirmadas pelos léxicos
trabalhar, que ilustra o discurso da possibilidade ilustrado pela disciplina matemática, e
trabalhado, que parece materializar alguma atividade.
Observamos que as UCEs desta Classe são provenientes de um grupo de
pesquisados do sexo masculino, na faixa etária entre 41 a 50 anos, que lecionam nas áreas de
Matemática, Educação Física e História, destacadas na Tabela 18, em ordem decrescente de
quiquadrado. Ainda sobre as características de experiências profissionais, os professores se
enquadram na faixa entre 16 a 20 anos de tempo de serviço com alunos do Ensino Médio na
rede de ensino Estadual.
Tabela 18 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 2
Freqüência na Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*sex_1 30,37
299 120 40,13
Masculino
*at_9 24,58
64 36 56,25
Matemática
*ida_3 16,60
207 83 40,10
41-50 anos
*ts_4 5,99
38 95 40,00
16-20 anos de tempo de serviço
*nens_1 6,08
245 86 35,10
Ensino Médio
*adm_2 3,22
218 74 33,94
Estadual
*at_3 3,05
41 17 41,46
Educação Física
*at_8 2,03
32 13 40,63
História
142
A figura do dendrograma na Ilustração 9 possibilita visualizar dois grandes
blocos a partir das conexões das palavras arroladas na Classe 2.
143
Ilustração 9 - Dendrograma da Classe 2
144
Bloco A - Denominado de Questões sociais que envolvem a Educação Sexual.
Os léxicos conectores deste agrupamento são iniciados pela palavra realmente, e contribuem
para pensar a proposta do ensino de sexualidade na escola, conforme ilustra o maior
quiquadrado Educação Sexual.
Um conjunto de sujeitos discute o assunto a partir das concepções sobre o que
pensam dos seus colegas, sendo definido pela palavra alguns. São aqueles docentes que
trabalham ou desenvolveram alguma atividade em sala de aula, como ilustra a palavra
liberdade. O léxico maioria reúne os profissionais considerados despreocupados diante do
tema, caracterizados pelo léxico postura individual de cada um e da carência da formação. À
medida que reportam sobre as vivências, escapam à lembrança dos poucos conhecimentos
adquiridos na graduação.
Deduzimos que a formação pode ser o impedimento pelo qual os docentes se
escoram para não discutir o assunto. Entretanto, existe certa produção de saberes sobre
sexualidade na escola. A técnica da vigilância contribui para os docentes observarem,
olharem, verificarem, analisarem como o tema é trabalhado na escola pelos colegas da
profissão. Este aspecto faz com que Sexualidade adquira sua conotação envolvida pelo
estatuto de assunto proibido.
Bloco B - Disponibilidade mediante formação. Valores sociais incrustados na
forma de tabu parecem contribuir para dar o significado de sexualidade. Os docentes se vêm
entre as questões culturais e de formação, para trabalhar a sexualidade. Entretanto, a palavra
preocupação permite a reflexão da prática dos professores que tomam para si o ensino da
sexualidade enquanto uma tarefa de sua responsabilidade, pois os jovens aprendem muita
coisa errada. O léxico formado confirma a carência dos docentes para trabalhar o assunto.
Neste caso, apresentam a condição pela locução a partir. Precisam de capacitação para não se
eximir de trabalhar o tema.
Assim, visualizamos dados lexicais disponibilizados na Tabela 19 exposta a
seguir.
145
3.2.1 Classe 2 – Formação profissional e ações pedagógicas de sexualidade
Tabela 19 - Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ2 Corpus
N %
Educação Educação 69,20
40 35 87,55
Formação Formação 40,55
35 27 77,14
Trabalhar Trabalhar 27,70
39 26 66,67
Trabalhado+
Trabalhado, trabalhados
25,26
13 12 92,31
Exist+er Exista, exista 24,86
28 20 71,43
Liberdade Liberdade 18,91
15 12 80,00
Graduação Graduação 17,95
10 9 90,00
Partir Parte, (a) partir 17,05
44 25 56,82
Matemática Matemática 15,54
9 8 88,89
Preocupação
Preocupação 13,79
28 17 60,71
Deveriam Deveriam 12,09
5 5 100,00
Psicologia Psicologia 12,09
5 5 100,00
Temos Temos 11,66
32 18 56,25
Opinião Opinião 9,65
4 4 100,00
fator+ Fator, fatores 9,65
4 4 100,00
Jovens Jovens 6,10
9 6 66,67
Brincadeira+
Brincadeira, brincadeiras
4,23
15 8 53,33
Inicialmente, dentre as palavras da classe mostrada pela tabela identificamos o
termo preocupação, que nos possibilita entender que o tema sexualidade participa da atenção
dos entrevistados. Segundo uma informante, a escola lida com jovens despreparados em
relação ao assunto sexualidade. Isso demanda a necessidade de discutir o tema. Entretanto, o
uso de expressões denunciadoras de possibilidade, como o verbo deveria, parece expressar
que o tema precisa ser ou não é trabalhado.
Às vezes, no contexto das UCEs, os entrevistados utilizam o termo educação
para significar a orientação sexual que consideram necessária aos jovens, referindo àquela
adquirida na família. Mencionam educação no sentido formal, enquanto conhecimentos
produzidos pela escola e para falar a expressão educação sexual, embora pouco enfatizada.
O léxico graduação revela o despontar de alguns professores que trabalham o
tema Sexualidade pela disciplina Educação Física. Entretanto, apesar da faixa de serviço do
docente, ele parece reconhecer fragilidade na sua formação para discutir assuntos de
sexualidade, conforme a palavra parte extraída da entrevista.
Eu passo filmes sobre a gravidez na adolescência que é uma questão que eu posso
abordar. [...] Eu fiz educação física. Então, na graduação foi deficiente também nesta
146
parte. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21 anos
de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Analisamos que a disciplina, Educação Física para trabalhar a sexualidade, foi
destacado no estudo de Altmann (2005) pelo qual professores deste campo realizaram
atividades esportivas femininas em escolas de Belo Horizonte. Em Cuiabá, este dado foi
comprovado também pelos depoentes de Coutinho (2005). Nesta pesquisa, os docentes que a
mencionam relacionam-na pela expressão do corpo.
Entretanto, não parece ser um diferencial recente. Bonato (1996) nos anuncia
que o investimento do dispositivo de sexualidade sobre o Corpo, pela prática da Educação
Física nas escolas, adentrou nas escolas brasileiras desde o Século XIX, seguindo os moldes
europeus. Contratavam-se especialistas em ginástica escolar para contribuir com a educação
do sexo feminino, apoiados no discurso do ‘bem estar da mulher’.
A preocupação de Rui Barbosa em disciplinar o sexo das crianças e das mulheres era
compatível com a visão higiênica que se impunha no Brasil. (BONATO, 1996, p.
47).
Segundo o depoente anterior e ilustrado pelo léxico física, destacado no
fragmento de UCE da classe, esta área de conhecimento maior amplitude e liberdade na
relação professor e aluno. Verificamos que o significado do termo diante do tema sexualidade
na escola apresenta-se próximo da idéia de interação e compartilhamento do professor com os
discentes. A dialogicidade parece compor conteúdos de representações sociais de sexualidade
firmada pelo aspecto da sexualidade que visa a proliferação e falação do assunto de sexo,
conforme apreciamos no depoimento.
E eles começam... Minha namorada e eu não usamos camisinha [...]. Ou então, ela já
está grávida. [...] perguntam sobre doenças... Eu dou muita liberdade para meus
alunos. Eu me sinto bem, talvez eles não tenham esta liberdade em casa. É minha
obrigação. Não é porque eu sou professora de matemática que não posso entrar em
outras áreas. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos, Matemática, 6-10 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Foucault (2007, p. 114) compreende a sexualidade enquanto um dispositivo
histórico de saber que “[...] aparece mais como um ponto de passagem particularmente denso
pelas relações de poder; entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre pais e filhos,
entre educadores e alunos [...]”; neste sentido a sexualidade pode servir de ponto de apoio
para investir na discussão sobre o corpo. A liberdade para falar de sexo pode ser uma das
estratégias apreendidas na superfície da socialização professor-aluno, que estimula as
conversas de sexo visando, talvez, produzir conhecimentos sobre os métodos preventivos.
147
O substantivo formação parece associado à palavra graduação, quando os
entrevistados relacionam o curso em que foram habilitados para lecionar e a academia. Vimos
no excerto anterior a professora de matemática enfatizar a possibilidade de ensinar o tema
sexualidade nesta disciplina, porém, o assunto não foi mencionado na universidade, se nos
detivermos no excerto.
Não porque a minha formação é na área de exatas. Muitos meros. Mas não tive
nenhuma formação na questão de sexualidade não. É possível um professor de
matemática trabalhar educação sexual. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos,
Matemática, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Devido à fala de outros depoentes, e mesmo na experiência compartilhada com
alunos de nível médio, parece comum pensar que as áreas de exatas utilizam apenas uma parte
do corpo: a cabeça. Na análise de Thomé Sayão (2008) boa parte dessas disciplinas tem como
objeto de seu estudo o corpo, compreendido como matéria, como unidade desvinculada do
social.
Nas TRS, a forma de explicar o estranho a partir do familiar é um dos
processos da ancoragem. Assim, notamos em um conjunto discursivo a presença do cogito
cartesiano, que parece ser incorporado ao imaginário daqueles que sinalizam esta forma de
interpretação como simbolização de que a sexualidade não combina com matemática.
Por tais razões, argumenta Thomé Sayão (2008, p. 1), seria preciso
compreender melhor a modernidade, em que o corpo passa a ser estudado de modo mais
compartimentado e especializado. E, ainda que este modelo esteja presente na educação, outra
relação parece exigir sua superação “[...] a de educar e cuidar de professores e professoras
com as crianças”.
Damos continuidade à discussão pelo vocábulo Psicologia, que agrega um
índice relevante de aparição, e pelo verbo recebi nesta Classe 2, que proporciona perceber em
que contexto escolar o tema sexualidade foi estudado conforme verificamos no excerto
Eu recebi na graduação, na psicologia da educação tivemos noções muito rápidas.
Na s-graduação nós tivemos uma disciplina de cognoscibilidade que se tratava do
assunto de conhecimento e nós trabalhamos este tema de sexualidade e outros temas
também. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
O questionamento proposto é se o programa de formação continuada -
Programa de Educação Afetivo Sexual (PEAS) - se constitui como mecanismo de produção
de subjetividades e permite problematizar a formação docente para a abordagem da
sexualidade no ambiente escolar (CASTRO, 2008). Dentre as análises observou-se que o
professor capacitado pelo PEAS é visto com notoriedade no seu grupo. Afinal, pela palavra
148
ele consegue ultrapassar o mundo dos interditos. Entretanto, a perturbação que se caracteriza
nas relações de poder na escola, coloca em jogo a definição de novas identidades, pois ele fica
conhecido como o professor do PEAS -, seguindo uma lógica de que todos os saberes
contidos no programa são repassados aos/às docentes ‘capacitados (as)’.
Na condição do [...] “regime de verdade”, o conteúdo do PEAS pode funcionar
como a “autorização” que faltava para que a sexualidade pudesse adentrar os portões
da escola, como se os ensinamentos do programa se constituíssem na mais nova
“solução” para os problemas que afligem a escola. (CASTRO, 2008, p. 14).
No que respeita à formação continuada, o léxico opinião converge para um
consenso entre os docentes em atribuir importância à questão de se sentirem habilitados pela
Secretaria de Educação.
Então, eu acho que faltam cursos do Estado, no caso que eu trabalho na escola
pública, o Estado deveria propor formação pra gente trabalhar a sexualidade
convenientemente. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 6-
10 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Portanto, a formação de educadores sexuais vai além da necessidade requerida
pelos professores para aperfeiçoarem os trabalhos de sala de aula. Esta suposição, a partir de
Figueiró (2006, p. 275) nos permite compreender que: “[...] muitos necessitam vivenciar a
prática pedagógica supervisionada do ensino de sexualidade para fortalecerem em si próprios,
a atitude de reconhecimento e aceitação de que a educação sexual é função da escola”.
Observamos que o verbo trabalhar está associado à maneira favorável como os
entrevistados consideram o ensino da sexualidade. Pela imagem do aspecto do que é cabível,
seria por meio de profissionais da saúde ou da Psicologia. Este resultado compõe as análises
apreendidas também na pesquisa de Paredes, Oliveira e Coutinho (2006).
A proposta de instalação de técnicas sobre o corpo, quanto ao uso da
camisinha, atualmente incentivada pelos programas dedicados ao controle das enfermidades
sexuais (BRASIL, 2008), não conseguiram adiar o início da vida sexual como prevê sua
política.
[...], embora seja uma prática mais freqüente nos segmentos de brasileiros mais
escolarizados, nos quais encontrou-se proporcionalmente maior freqüência de uso de
preservativo na iniciação e ao longo da vida. (PAIVA; CALAZANS; VENTURI;
DIAS, 2008, p. 51).
Entretanto a idade da iniciação não deve ser ignorada, conforme analisam os
autores:
[...] inclusive o preocupante crescimento da atividade sexual sem preservativo com
parceiros eventuais entre os jovens que começaram a vida sexual antes dos 14 anos
entrevistados em 2005, comparados com o mesmo grupo em 1998. (PAIVA;
CALAZANS; VENTURI; DIAS, 2008, p. 51).
149
Então, em relação à presença dos agentes do sistema de saúde no contexto
escolar, outro grupo de docentes pesquisados observou que não parece surtir o efeito
desejado, que seria a mudança de hábitos que favorecessem condutas ao uso do preservativo.
A dificuldade parece ser sentida também pelos alunos que também reivindicam profissionais
habilitados para tratar do assunto (PAREDES; OLIVEIRA; COUTINHO, 2006). São
elementos que podem conduzir às incitações das discussões, tendo em vista as reclamações
dos depoentes em função do índice de alunas grávidas na escola. Contudo, sem dúvida que
são as estratégias que as instituições investem com o objetivo de preservar a vida.
No entanto, é preciso considerar em que direção esta política é gerida na
escola. As implicações, segundo avaliam os docentes, são no sentido do distanciamento, ou
ausência de envolvimento, na desarticulação do grupo com os mesmos. Ou ainda, para
aqueles que trabalham o tema, a preocupação é com as formas que os espaços de educação
sexual na escola vão adquirindo. Geralmente palestras informativas, que expõem a
sexualidade relacionada às doenças e às prevenções, podem refletir nas representações sociais
da sexualidade pelo aspecto biológico.
No desenrolar destas análises observamos que os profissionais do campo de
Pedagogia não foram destacados pelos pesquisados. A provável omissão desta área permitiu
Figueiró (2006, p. 261) considerar a necessidade de refletir sobre a inserção de conhecimentos
de sexualidade não apenas neste curso na graduação como em vários outros, dentre eles a
autora cita: “[...] Medicina, Enfermagem, Psicologia e Serviço Social. De forma mais
específica, em todos os que abrangem a formação em licenciatura”.
Esses aportes referidos acima aguçam a compreensão de que a sexualidade é
um tema interdisciplinar que envolve as diferentes áreas do saber. Essa concepção desde
Freud faz parte das mudanças significativas que ocorreram na forma de entender a
sexualidade humana pela via do envolvimento de diferentes áreas científicas, o que refuta a
visão determinada pela função biológica, pois envolve também aspectos psíquicos, como as
fantasias e aspectos culturais (LOYOLA, 1997).
O desenvolvimento de ações isoladas pode ser caracterizado em função da
maneira como os docentes recebem a qualificação para tal finalidade. No entanto, os
depoentes ressalvam uma abertura na maneira como se vêem frente às ações que poderiam ser
desenvolvidas sobre sexualidade em suas aulas. Podemos traduzir o pensamento pela idéia de
disponibilidade, ilustrada pela locução a partir na Classe 2 e destacada na entrevista:
Mas a partir do momento que a escola assumir, vamos trabalhar este tema com
maior seriedade, não tenha dúvida que vai se tornar um assunto agradável, longe de
150
preconceitos. Pois, se o professor procurar inserir o tema, eles, os alunos, têm muitos
assuntos para serem discutidos. (Professor, católico, casado, 51-60 anos, Biologia,
acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
São apontamentos que parecem enviesar a necessidade de revisão de
Currículos que formam esses profissionais, conforme observa Figueiró (2006).
A circulação dos saberes por meio do aprimoramento, seja na formação inicial
ou continuada, contribui na melhoria das práticas profissionais dos docentes e,
conseqüentemente, nos resultados de suas aulas. O aspecto deste enriquecimento pode ser
notado no excerto seguinte, em que o docente compara o ensino entre modalidades de
educação - pública e particular. O verbo trabalhar foi usado para mostrar a diferença entre
ambas.
Eu trabalho em uma escola particular e a escola tem uma preocupação muito grande
que estude isso. É uma escola particular e a gente recebe informação constantemente
pela pastoral. Isso me um embasamento maior para trabalhar com os alunos da
escola pública. (Professor, católico, solteiro, 41-50 anos, História, 16-20 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Portanto, de alguma maneira existe uma preocupação entre os docentes das
escolas públicas pesquisadas, que contribuíram com a formação lexical desta Classe 2, em
trabalhar o tema sexualidade na escola. O consenso nas representações sociais ancoradas na
carência da formação profissional foi observado por Paredes, Oliveira e Coutinho (2006) da
seguinte maneira:
[...] a percepção de despreparo descortina uma forma de ancoragem dos professores,
levando-os a aceitar como familiar a dificuldade que enfrentam, como algo que se
impõe, com força própria. (PAREDES; OLIVEIRA; COUTINHO, 2006, p. 213).
Como Placco (2002), entendemos que um dos objetivos da escola transmitir
cultura e conhecimentos construídos historicamente pela relação que se estabelece entre
professores e alunos, enquanto sujeitos desta relação. Então, capacitar os professores para se
sentirem seguros diante do tema, convergiria para a atribuição da educação sexual enquanto
responsabilidade da escola e deixaria de ser repassada para profissionais da área de saúde ou
da religião.
Diante da visão de educar para a cidadania (PCNs, 1996) os alunos têm o
direito de conhecer também sobre as informações da sua sexualidade. O excerto parece
elucidar a idéia da imagem da preparação profissional.
[...] eu penso assim, uma vez que a pessoa tem informação para dar, ela vai saber
orientar, independente da situação em que estiver ou da disciplina que estiver dando.
Agora, se não tiver uma pequena noção, uma formação sobre isso, é claro que ele
vai sentir dificuldade porque é uma coisa dinâmica. (Professor, religião indefinida,
151
solteiro, 41-50 anos, Filosofia, Religião, Sociologia, 16-20 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Retomamos a discussão da Classe 2 ilustrada pelo léxico existe. Observamos o
discurso de outro grupo de docentes que destaca outros fatores que contribuem como
empecilhos para coibir as atividades pedagógicas do ensino da sexualidade. A ancoragem pelo
processo de relação dialética com a objetivação apresenta a função de interpretação da
realidade Jodelet (2001). Os mecanismos sócio-cognitivos dos sujeitos lhes permitem
interpretar o mundo a partir dos códigos simbólicos, dos valores instituídos na sociedade.
Assim, a dificuldade parece ser objetivada pelo fragmento da UCE isto vem como algo
cultural. Componente que aparece nos discursos e nas práticas com vistas à orientação de
condutas.
A sexualidade enquanto tabu centra-se nos não ditos. Na análise de Foucault
(2007) esta concepção social visa escamotear as verdades do sexo por meio das ocultações.
Ao mesmo tempo produz efeito contrário, pois de alguma maneira está dizendo que este
assunto faz parte dos assuntos proibidos. Desta forma, educa-se pelo silêncio e pela repressão.
Este silenciamento foi citado para negar as discussões do assunto na escola
quando os docentes falam dos seus colegas. Esta observação dos respondentes pode ser
materializada, como vimos, pela omissão discutida nos tracejamentos anteriores. A entrevista
revela a inexistência de compartilhamento do assunto até mesmo entre suas conversas
informais, denominadas de bate papo.
Mas, acho que ainda existe certo tabu, por parte dos professores, para fazer este tipo
de trabalho com as crianças. Eu acho até uma omissão por parte dos colegas, que
não trata a respeito da educação sexual em suas aulas. (Professora, evangélica,
casada, 31-40 anos, Matemática, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Entretanto, quando o pesquisado se refere aos alunos, ele explica a Sexualidade
pelo aspecto da banalização ou ela passa a ser entendida como uma questão, léxico arrolado
na referida classe. Logo, a vulgarização da sexualidade também está dentro da escola, pois ela
é o espaço do partilhar da cultura pelos atores que nela interagem.
Para os docentes a sexualidade faz parte de um discurso generalizado, mas nem
todos os professores conseguem conversar o assunto com liberdade com os alunos, devido o
aspecto cultural. Nas representações sociais dos investigados, sexualidade não é um tema fácil
para ser discutido pelos educadores e pais. A metáfora não se e à mesa, ilustrada no
depoimento seguinte, contribui para o que suspeitamos as relações sociais têm suas formas
de trazer o sexo para o discurso. Guirado, (1997, p. 28) analisa que a “[...] A sexualidade não
152
escapa desse agenciamento por dispositivos institucionais. Talvez escape mais de alguns do
que de outros”.
Eu vejo nossos jovens totalmente despreparados para esta questão da sexualidade.
Eles aprendem mesmo é entre eles e aprende muita coisa errada. [...] Quase a
totalidade dos jovens não tem a facilidade de discutir com o professor ou com os
pais a questão da sexualidade. [...] Existem muitos motivos. A própria educação em
si é cheia de falhas. Então, [...] o tema é comentado, mas não se põe à mesa.
(Professor, católico, casado, 51-60 anos, Biologia, acima de 21 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
A colocação do sexo no discurso possibilita que o assunto seja inserido nas
aulas quando os educadores estão ministrando um tema possível de articulação. Desse modo,
a educação sexual teria seu espaço em função da afinidade com o assunto da aula, ou ainda,
respondendo as possíveis perguntas que eles fazem.
Aproveito para entrar com algum tema que eles tenham trazido de casa ou aproveito
o momento para falar sobre sexualidade. A escola não trabalha porque nós temos
professores mal preparados. (Professora, católica, solteira, 41-50 anos, Filosofia
Religião e Sociologia, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Decorre daí também a visão de que a sexualidade é um campo de estudos
interdisciplinar, cabendo a atenção dos diferentes profissionais, além dos professores das
áreas de ciências biológicas. No entanto, parece importante cuidar para que o ensino não se
torne como exercícios de autoajuda, aconselhamentos ou associado às práticas preventivas.
Ao encerrarmos esta análise referida ao ponto de vista da graduação, teríamos
elementos para pensar a educação sexual como um conteúdo buscado, procurado e estudado
pelo esforço de alguns professores que aprendem depois de formado. Entretanto, parece haver
um consenso, entre eles, de que Sexualidade é assunto rodeado pelos tabus de alguns colegas.
Estamos diante de uma questão importante enquanto campo de discussão nas áreas de
graduação, que habilitam professores.
3.3 Classe 3 - Introdução ao contexto semântico
As palavras características da Classe 3, Fortuitos e implicações nas RS de
Educação Sexual, apresentam 188 UCEs, com um índice de contribuição de 23,05% do total
de palavras analisadas por unidades de contexto. Esta partição detém a menor quantidade de
discursos e contribui na formação do bloco que denominamos de Incidentes que medeiam as
153
relações professor-aluno; ela contribui para conhecermos como a sexualidade se manifesta no
contexto da escola e a repercussão do seu ensino no espaço exterior.
Esta classe apresenta um local do discurso bastante delimitado. As discussões
de sexualidade que acontecem na escola são reduzidas ao espaço da sala de aula, sendo
demarcado pelo coloquial só, quer dizer, somente.
O discurso desta classe é formado pela participação de 11 professores,
predominantemente do grupo feminino, na faixa etária entre 31 a 40 anos, que lecionam nas
áreas de Biologia, Ciências e História, e na faixa de tempo de serviço 6 a 10 anos. A religião
não identificada ou sem religião, conforme declinado pelos sujeitos.
Tabela 20 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 3
Freqüência na Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*at_1 20,21
57 31 54,39
Biologia
*adm_1 11,47
438 144 32,88
Estadual
ida_2 6,22
231 80 34,63
31-40 anos
*nens_2 8,38
411 134 32,60
Nível Médio
*ts_2 5,79
151 55 336,42
06-10 anos
*at_2 5,36
69 28 40,58
Ciências
*rel_4 5,51
136 50 36,76
Religião indefinida
sex_2 4,11
357 114 31,93
Feminino
*at_8 5,46
32 15 46,88
História
Observando as palavras arroladas na Tabela 20, verificamos que nesta classe
temática aparecem dois Blocos de discussões que se encontram delineados pela articulação
dos léxicos configurados no dendrograma na Ilustração 10.
154
Ilustração 10 - Dendrograma da Classe 3
155
Bloco A - Confrontos familiares e crenças sexuais, a partir de cujos léxicos
identificamos veio, filhas, conselho e o pronome elas. Relacionam-se às intervenções dos
pais, mais especificamente a mãe, que procuram saber o que motivou a escola a tratar do tema
sexualidade. Neste aglomerado de palavras identificamos outras situações conflituosas, como
os palavrões que envolveram os discentes e professores. Diante da manifestação de
sexualidade, alguns docentes parecem demonstrar dificuldades emocionais para lidar,
situações expressas pelas reações declaradas, como o adjetivo assustada.
Entendemos que esta pode ser uma forma de incitação, proliferação
desordenada do tema na escola, porque os agravantes promovidos pelos burburinhos e
agitações repercutem no clima organizacional, e não parece haver momentos para
compartilhar sobre os incidentes, o que poderia gerar esclarecimentos para os alunos. Ainda
que, às vezes, o professor de Ciências seja solicitado para contribuir, sanando dúvidas, a
mediação é feita pelos coordenadores.
Notamos ainda a palavra primeira, que parece retratar as crenças sexuais sobre
a menstruação, como lavar cabeça e, relacionadas à iniciação sexual das jovens, ilustrada
pelo verbo engravidou ao referir sobre sentimentos das meninas, como o medo da concepção.
Este discurso ressalta a ênfase deste bloco em torno da sexualidade feminina, de acordo com a
palavra elas.
Bloco B - Ancoragem de Sexualidade, ilustrada pelas doenças sexualmente
transmissíveis e a Aids; os docentes abalizam suas observações a partir do que consideram os
riscos para os alunos que iniciam suas práticas sexuais desconhecendo as tecnologias
contraceptivas, como mostram as palavras preservativos e anticoncepcionais. Este ponto de
vista pode ser fundamentado pelos telefonemas que os professores recebem para esclarecer
nomes dos métodos, conforme ilustra o substantivo, dia que identifica o nome da pílula do
Dia seguinte.
O conjunto dos primeiros três verbos era, tinha e estava, da referida classe, é
destacado pelos maiores valores de χ2. Estas palavras estão associadas entre si e contribuem
para revelar o contexto temático. Notamos que estes léxicos indicam a maneira como o tema
sexualidade é partilhado com os alunos e, às vezes, com os colegas da profissão, quase
sempre os coordenadores. Estes vocábulos estão relacionados às experiências vivenciadas na
interação dos pesquisados com os alunos em sala de aula e com os professores nas escolas. O
substantivo aluna possibilita suposição que as conversas envolvem as meninas.
Se na classe anteriormente analisada os professores se colocam nos discursos a
partir do pronome nós, nesta Classe 3 notamos a colocação pelos verbos fiquei e trabalhei
156
que, a partir dos relatos, eles expõem seus sentimentos e contam sobre atividades
desenvolvidas. Mas as elocuções que ganham maior valor de quiquadrado são aquelas pelas
quais os docentes relatam os casos eventuais como era, tinha, estava, falou, por isso o
discurso remete ênfase ao tempo passado.
3.3.1 Classe 3 - Fortuitos e implicações nas RS da Educação Sexual
Tabela 21 - Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas
χ2 Corpus
N
%
Era Era 48,03
33 27
81,82
Ela+ Ela, elas 47,06
97 56
57,73
Tinha Tinha 37,70
33 25
75,76
Estava Estava 34,54
21 18
85,71
Aluna+ Aluna, alunas 28,62
33 23
69,70
Falou Falou 22,19
16 13
81,25
Primeira+ Primeira, primeiras
20,16
8 8
100,00
Sabia Sabia 18,69
10 9
90,00
Dia+ Dia, dias 18,16
28 18
64,29
Trabalhei Trabalhei 17,87
12 10
83,33
Aparelho Aparelho 17,61
7 7
100,00
Engravidou Engravidou 17,61
7 7
100,00
Filha+ Filha, filhas 17,43
14 11
78,57
Aula+ Aula, aulas 15,53
97 44
45,36
Dst+ Dst, dsts 15,46
11 9
81,82
Corre+ Corre+ 13,71
8 7
87,5
Qual Qual 10,02
4 4
100,00
Estudei Estudei 10,02
4 4
100,00
Coordenador
, coordenadora 13,09
10 8
80,00
6,04
56 24
42,86
Considerando as palavras apresentadas, a discussão desta Classe 3 foi dividida
em dois grandes blocos, Confrontos familiares e crenças sexuais, e Ancoragem de
Sexualidade.
Observando as palavras na Tabela 21, os verbos era e tinha complementam o
discurso que os docentes fazem ao comentar sobre os casos fortuitos que acontecem na escola
ou que são conversados com elas as alunas.
Interpretamos nossa realidade cotidiana por meio da atividade mental. O social
intervém de várias maneiras na formação de representações, sendo uma delas a partir do
157
contexto, conforme Jodelet (2001). O espaço escolar se constitui um dos lugares em que
sobressaem as relações que envolvem os professores, coordenadores, alunos e alguns pais.
Podemos observar aspectos do que ocorre neste ambiente, retomando na Classe 3 os verbos
estava e o substantivo filha. Estes vocábulos parecem contribuir para revelar que neste recinto
ecoem as interações que, às vezes são mediadas por conflitos conforme observamos no
excerto.
[...] A mãe veio na escola me procurar dizendo que a professora de ciências estava
ensinando a filha usar camisinha, [...] usar o preservativo, estimulando o ato sexual.
Na minha cabeça nem passou nada disso. Eu fiquei arrasada, até conversei com a
coordenadora: será que estou errada? Eu simplesmente mostrei para ela conhecer.
(Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Ciências, 6-10 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Nesta situação, o burburinho gerado envolve diferentes atores, o que nos faz
aproximar a análise a partir do que Foucault (2007) observa em relação à confissão. Parece
que o assunto na escola torna o discurso de sexualidade visível e verbalizado a partir dos
depoimentos de alguns entrevistados. Alguns pais não entendem porque a escola precisa
discutir sexualidade com os alunos e, neste caso, ocorre divulgação do assunto.
Segundo Doise (2001, 192) as representações sociais são princípios
organizadores das opiniões, estereótipos e atitudes. Mais que opiniões consensuais, elas são
tomadas de posição de natureza diferente, porque se relacionam a “[...] sistemas complexos
dos indivíduos com sistemas de relações simbólicas”. Conforme podemos notar, a atitude da
docente frente à temática foi de culpabilização. Mesmo tendo convicção do conteúdo
ensinado aos alunos, se posiciona procurando se havia cometido algum engano. Tal
perspectiva de análise comporta dizer também a maneira como as representações sociais se
articulam pela intervenção dos processos psicossociológicos.
Ainda sobre o excerto, poderíamos tecer argumentos a partir da imagem que a
figura materna elabora do assunto sexualidade na escola, reunindo outros elementos a partir
da idéia da finalidade do preservativo, destinado a quem se iniciou sexualmente. Tendo a
escola como detentora dos saberes que influenciam na formação dos valores e
comportamentos, quando esta insere em suas aulas as verdades sobre utilização de técnicas de
prevenção, poderiam levar as representações sociais, pelo seu viés imagético, a interpretar que
a escola estaria incentivando os alunos à prática do ato sexual. Este modo de pensar tem suas
raízes nos preceitos religiosos relacionados à proibição, desde o início do Século XIX, quanto
ao uso da contracepção Bonato (1996). Esta é uma discussão que se estende em circulação na
mídia, ainda em nossos dias, quanto ao uso dos preservativos.
158
Foucault (2007, p. 115) analisa este aspecto pela via das estratégias
desenvolvidas no contexto das relações de poder dos professores, inicialmente, “[...] e, mais
tarde, psicólogos [que] devem se encarregar continuamente desse germe sexual precioso e
arriscado, perigoso e em perigo”. No caso, o autor está se referindo sobre o combate a
masturbação. Entretanto, no lastro de duas décadas e meia, notamos ainda como as instâncias
sociopolíticas, por meio da atenção da medicina sobre o corpo têm incrementado medidas de
técnicas terapêuticas visando responder ao combate de enfermidades; outrora, as venéreas,
mais recentemente a AIDS.
Desse modo, a sexualidade deixa de ser pensada enquanto componente
integrante do ser humano, conforme pontua Bonato (1996).
A análise, ainda sobre a palavra aluna, permite observar que nos depoimentos
alguns docentes ficam surpresos tanto com os assuntos que são trazidos pelos escolares,
quanto em relação a alguma resposta que não saibam sobre o tema Sexualidade.
O léxico aparelho, citado na classe, contribui para verificarmos o contexto da
sala de aula. A professora descreve com admiração que nem sempre os alunos correspondem
às suas expectativas de conhecimentos. Assim, o verbo sabia revela a perplexidade da
depoente os equívocos dos estudantes diante do tema sexualidade.
Na sala de aula, trabalhando com o aparelho reprodutor, eu perguntei se alguém
sabia o nome do médico da especialidade que cuidava do aparelho reprodutor
feminino. uma menina sabia, no segundo ano, em uma sala de quarenta alunos!
(Professor, sem religião, solteiro, 31-40 anos, Biologia, 6-10 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Percebemos também que o verbo ficava forma a expressão ficava à vontade e
revela a maneira pela qual os pesquisados se expressam como se sentem diante de alguns
episódios e das inquirições sexuais que circulam em classe. Quanto à sala de aula, Placco
(2002) defende a idéia de que as relações que se estabelecem neste espaço concorrem para
que a interação seja como um processo de desenvolvimento dos sujeitos.
Entretanto, o léxico ficava contribui também para mostrar outras situações, que
exigem posturas que vão além ou que parecem escapar dos seus saberes em função do tema
sexualidade. O fragmento babado feio quer dizer relacionamento difícil, tumultuado, em
relação ao que a entrevistada considerou sobre um incidente que a envolveu, devido aos
palavrões de alunos.
[...] o aluno nos ameaçou dizendo que ia dar um pau na coordenadora e que me
mataria. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Geografia, 16-20 anos de tempo
de serviço, Ensino Médio, estadual).
159
Então, em determinadas circunstâncias, busca a reflexão sobre a prática.
Eu fui e tomei as figuras dele e guardei. Mas pensei que não está correto o que eu
fiz. (Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Retomando a discussão da classe, o verbo falou representa a posição de alguns
entrevistados em relação ao que é observado nas indagações das alunas. Sobre a primeira
relação sexual das jovens, notamos que o diálogo parece ser contornado pelas crenças sobre a
virgindade.
[...] perguntou o que eu achava. Então eu levei um susto muito grande. Ela
perguntou e agora professora, o que eu faço? [...] Expliquei que ela precisava pensar
se não era isso que ele estava querendo dela, porque sabia que ela era virgem. E
isso chama muito a atenção porque é muito raro. (Professora, evangélica, casada, 20-
30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
A partir do diálogo sobre a primeira vez extraímos do excerto a palavra susto,
que mobiliza a compreensão dos valores que podem pairar nas mentalidades acerca do mito
sobre a virgindade, simbolizando pureza e prosperidade no matrimônio.
Furlani (1998) declara que nas aulas de Educação Sexual os jovens sempre
buscam respostas às suas indagações como receitas aos seus próprios comportamentos. “É
preciso questioná-los no sentido de levá-los a descobrirem seus próprios valores
confrontando-os com processo de formação dos mesmos, com as influências familiares e
sociais que tiveram”. (FURLANI, 1998, p. 148).
Esta e outras crenças sexuais são sustentadas pelo universo dos conhecimentos
mais hegemônicos enraizados na cultura de essência religiosa. Sobre este aspecto, oportuno
trazer Flandrin (1988, p. 8) para contribuir com este tipo de leitura. “É uma idéia muito
disseminada entre os ocidentais de hoje, que temos dificuldades particulares no plano sexual,
e que elas são imputáveis à nossa moral tradicional, de essência cristã”.
Neste contexto, em outro viés de análise e parafraseando o autor, indagamos,
será que renegando a moral de nossos pais, tentando adotar aquela dos índios Kamaiurá a
partir dos festejos das Iamaricumã, poderíamos vencer nossas dificuldades? Tomo parte da
descrição de Paredes (2006, p. 20) quando descreve esta celebração.
Trata-se de que? Uma dança; um conjunto de cantigas; uma força oculta; um grupo
de mulheres que usam arco e flecha e não m um seio; um grupo de mulheres
abandonadas pelos maridos que fogem da aldeia; [...].
Afinal, estes são povos considerados próximos à natureza, e não lhes são
transmitidos os regramentos de nossas instituições sociais. Entretanto, eles também lidam
160
com suas diferenças culturais. Flandrin na mesma obra infere que quanto mais negarmos
nossa herança, mais seremos prisioneiros dela.
Ao que confere a menção sobre os silvícolas, concluímos:
Como não acodem deuses para transformar a situação penosa de abandono em que
as mulheres são colocadas pelos homens, elas se posicionam na condição de agentes
de sua própria sorte, artífices de seu fado. (PAREDES, 2006, p. 24).
Retomando o tema que gerou esta discussão, apresentamos o que pensam
jovens escolares sobre virgindade (PAREDES; OLIVEIRA, 2004, p.184). Pelos fragmentos
que seguem, as opiniões se dividem entre aqueles que consideram positiva a abstinência das
relações pré-maritais como virtude até o casamento e aqueles que vislumbram o destino de
maneira incerta, ao avaliarem que “[...] não é bom guardar, pois a gente não sabe o dia de
amanhã, pode aparecer um estuprador e estuprar a gente, perdeu a virgindade, [...]”.
(Aluna, 13 a 15 anos, ensino fundamental).
Continuando com a análise da classe 3, a palavra dia se relaciona também ao
substantivo aluna, conforme observamos tinha uma aluna que faltava muito e batia de
frente comigo. O docente parece referir-se às táticas a que recorre para conquistar as jovens
que apresentam comportamentos difíceis em sala. O que antes parecia um conflito, aparece
sanado pela mudança de atitude do professor por meio de elogios.
Então no dia da entrega de notas eu disse que é muito boa aluna, ótima. Adoro essa
menina ela é muito educada. Na outra aula, ela falou: obrigada, professor, por ter
sido simpático com a minha mãe. [...]. Eu prometo para o senhor que eu nunca mais
[...]. (Professor, espírita, divorciado, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Segundo Pinto (1997) o desenvolvimento pessoal entrecruza inteligência e
afetividade; a sexualidade não pode ficar à margem do desenvolvimento da inteligência.
Partindo desta visão, ao se referir sobre o sentido das relações e trocas entre professor-aluno-
aluno, Placco (2002, p. 12) afirma que, “[...] na sala de aula, os acontecimentos/eventos desse
espaço envolvem as pessoas concretas em sua totalidade, com afetos, desejos, valores e
cognições, e as transmutam em suas essências, [...]”.
Na Classe 2, o verbo fiquei acompanha o adjetivo vermelha citado no excerto e
parece descobrir a reação de uma professora ao relatar seu estado de espanto frente ao
comentário de concubinato de aluna de 14 anos com uma pessoa de mais idade.
Aquele momento foi um pouco informal. Então, um aluno comentou um homem de
vinte e poucos anos tem um negócio {pênis} desse tamanho! Mostrou com gesto.
Ele estuprou! Entendeu? Meu Deus! Fiquei vermelha e arrepiava. Outro dizia que ia
pegar o marido e dar uma surra nele. (Professora, católica, casada, 51-60 anos,
Ciências, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
161
Neste sentido, analisamos o contexto discursivo partindo da perspectiva das
idades mencionadas, observamos que a repercussão na sala parece envolver idéias
preconcebidas, tendo em vista alguma representação entre a relação idade e casamento que as
mulheres contraem matrimônio. Algumas questões que emergiram nesses três últimos séculos
trouxeram grandes mudanças nas sociedades que influenciaram a relação do ser humano
consigo mesmo, com sua sexualidade, com os outros e com o próprio desenvolvimento social.
Partindo para as Ancoragens de Sexualidade e observando o verbo trabalhei na
classe em discussão, ele aparece nos discursos das entrevistadas, ao relatarem experiências
compartilhadas em outras escolas ou atividades de outros professores. Dentre os assuntos,
somado à palavra aula, os docentes trazem à baila comentários sobre o que pensam sobre os
relacionamentos, entendidos como precoces dos alunos.
Diante das suas próprias reflexões, muitos docentes externam sentimentos,
conforme ilustra a metáfora pena, sobre as implicações e adversidades destes envolvimentos
afetivos, ao mencionarem aquelas alunas que deixam a escola.
[...] por isso que eu acho uma pena! Porque o tempo que poderiam estar
aproveitando para estudar, para se conhecer melhor... (Professora, católica, casada,
41-50 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Os docentes observam que os alunos são despreocupados com os meios
contraceptivos, como o preservativo, e ao mesmo tempo analisam os riscos em relação às
doenças, como a Aids, um dos pretextos que na década de 1990 motivou a implantação da
Orientação Sexual na escola, objetivando a contenção da gravidez indesejada e a
contaminação pelo HIV por meio de técnicas preventivas. O Estado, oficializa este trabalho
de modo transversal, por meio dos PCNs.
São as pressões nas quais os movimentos em prol da saúde sexual e dos
processos da história coexistem nos domínios do poder-saber como agentes de transformação
da vida humana. Nessa visão destacamos que há um investimento sobre o corpo, que acontece
por meio de tecnologias voltadas à regulamentação da sexualidade, conforme analisa Foucault
(2007).
Segundo analisam Paredes, Pagan e Cândido (2005, p. 257), trabalhar temas
transversais permitiria desenvolvimento do assunto na escola de forma mais ampla,
entretanto, “[...] os entraves que as escolas encontram são impeditivos ao cumprimento dos
postulados que se encontram nos PCNs”. Dentre os obstáculos, os profissionais entrevistados
destacam a destinação dos recursos financeiros, que nem sempre priorizam os projetos
162
definidos pela escola, os recursos materiais e humanos, tendo sido destacada a necessidade de
capacitação dos educadores para tal finalidade.
As verbalizações que compõem o segundo bloco Sexualidade e Formação se
apresentam a partir do pronome interrogativo qual, que faz parte das inquietações dos jovens,
não apenas das alunas, conforme ilustra o excerto.
[...] um aluno me ligou do interior do estado, desesperado. Professor, você se lembra
daquele seminário que nós apresentamos sobre dsts, sobre vários tipos de
anticoncepcionais e preservativos? Professor, pelo amor de Deus como é o nome
daquela pílula, que é do dia seguinte? (Professor, católico, solteiro, 31-40 anos,
Química, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Então, verificamos que os ensinamentos aprendidos na escola manifestam-se
no espaço extra classe, fora da escola, quiçá, advêm daí às representações sociais dos
professores, que consideram a importância de serem bem preparados para discorrer sobre
sexualidade. Preocupam-se com sua formação para evitar a fragmentação dos conhecimentos
para os alunos, conforme observamos no excerto.
O substantivo engravidou pode servir para análise dos relatos de uma
professora sobre crenças sexuais acerca da gravidez, que a acompanharam em sua época de
adolescência. Cita também as crendices quanto ao que ela observa nos comentários de alunas.
Estes temas são ilustrados pelos fragmentos de entrevistas: engravidou porque se sentou no
vaso sanitário em uma festa; soube que uma amiguinha dela engravidou sem transar.
De acordo com uma das depoentes, suas dúvidas sexuais prosseguiram por
muito tempo sendo esclarecidas somente na universidade. Pode parecer um eufemismo,
querendo salientar que dúvidas não esclarecidas podem prosseguir pela vida à fora e
proporcionar barreiras na expressão da sexualidade dos sujeitos. Como podemos notar, são
estatutos de verdade do conhecimento estabelecidos pela relação entre pensamento natural e
científico (ciência). Segundo Moscovici, (1978) estas noções se complementam pela
convivência. São interpretações individuais, não mais e nem menos importantes, porém com
finalidade de perscrutar, especular, explorar o que se discute tanto na sociedade e que se
repercute no interior da escola.
Conforme mencionado na Classe 2, os entrevistados ancoram suas dificuldades
na ausência de discussão do tema durante a formação e na vida profissional. O verbo estudei e
o advérbio só, mencionados na classe em discussão, confirmam as escusas dos docentes
porque não foram capacitados para discutir o tema.
quando eu estudava o ensino médio. Na faculdade sim e não. É, foi ensinado, foi
passado e as dúvidas foram surgindo... (Professora, evangélica, solteira, 31-40 anos,
Biologia, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
163
Entretanto, notamos também que nesta classe alguns depoentes parecem se
orgulhar de sua formação profissional percorrida nos anos sessenta.
[...] estudei com os grandes nomes da UNICAMP, da USP, fora você ter sido
alguém que viveu na década de sessenta. (Professor, religião indefinida, casado, 51-
60 anos, História, acima de 21 anos de tempo de serviço Ensino Médio, estadual).
Viver nessa década significa certo saudosismo. Ela pareceu destacada na classe
pelos entrevistados que referiram a conjuntura social e política que viveu a América do Sul
em relação aos apuros propiciados pela Ditadura Militar em alguns destes países, dentre eles,
o Brasil. Mas o que querem rememorar parece serem aspectos da Revolução Sexual, que
representou maior abertura no âmbito de discussão da sexualidade pelos movimentos
feministas e pela inserção dos métodos contraceptivos, conforme a experiência
contextualizada pelo depoente:
[...] conto para eles {para os alunos} dos anos sessenta, eu tinha doze anos! A jovem
guarda, s nos vestíamos com roupa de cor cinza, preta, azul, marrom, nunca e
nada colorido. Falo para eles dos carros, [...]. Veja, chega a jovem guarda, chega a
pílula anticoncepcional. Nisso a mulher se torna dona do seu corpo e do seu prazer.
Então, esta geração [...] foi marcada pelo sexo, drogas e roque. (Professor, sem
religião, casado, 51-60 anos, História, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Entretanto, assistimos muitos falatórios sobre a revolução sexual, com
implicações consideradas positivas em termos culturais como a secularização da sexualidade
que se libertou de regras ou normas pecaminosas, conforme nos aponta Foucault (2007), e as
inovações tecnológicas pelos dispositivos contraceptivos. Temos ainda a descaracterização da
homossexualidade como tabu, que é outra manifestação de mudança em relação ao prazer sem
procriação.
A revolução real foi, [...] a prática em si mesma. Ela se manifestou claramente em
mais iniciações sexuais pré-maritais, em idades mais jovens. Ao passo que a idade
do casamento aumentou, a idade da primeira relação sexual diminui. A prática de
sexo pré-marital ampliou-se de forma significativa. (THERBORN, 2006, p. 307).
Pelos resultados constatados a partir dos depoimentos, um grupo de docentes
também apresenta esta compreensão e critica a postura dos pais, que parecem negligenciar as
conversas sobre o assunto, transferindo-as para a escola. Entretanto, parece existir certa
fragilidade em relação à transmissão dos valores familiares, o que implica certa urgência em
se trabalhar a sexualidade na escola.
Os indicadores analisados contribuem para depreender que esta forma de
abordagem contém elementos de representações sociais de sexualidade segundo o grupo
pesquisado que são elaboradas a partir da visão que eles têm das manifestações de
164
Sexualidade feminina, ao contarem sobre os fatos, acabam falando de si. Pela afinidade com a
comunicação, notamos que as estórias são construídas, não apenas em função do que os
depoentes vêem, mas em relação aos casos que escutam das alunas na escola tanto em sala de
aula, quanto aos assuntos externos ao ambiente escolar. São comportamentos que parecem vir
ao encontro da vigilância hierarquizada.
165
3.4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE CONTEÚDO - SEXUALIDADE
Do total das 18 questões que compuseram o roteiro de entrevistas, sete
perguntas contribuíram na composição desta Análise de Conteúdo, que é feita conforme
Franco (2003). As categorias obtidas estão distribuídas da seguinte maneira:
1 - O que os professores pesquisados conhecem sobre o assunto Sexualidade.
2 - Universo de compartilhamento dos assuntos de Sexualidade e Educação Sexual.
3 - Formação profissional: apoio institucional, recursos humanos e didáticos.
4 – Atribuem, o fato de não se falar de sexo, aos pais dos alunos.
5 - Incidentes que motivam as conversas de sexualidade com os colegas de profissão.
3.4.1 Comunicação e Sexualidade: uma educação contraditória em um contexto
antagônico
Destacamos no referencial teórico a importância das Representações Sociais
como um tipo de conhecimento que engloba as dimensões psicossociológicas. Nesse conceito,
um dos princípios forjados a partir da idéia do social é a incidência da comunicação no
processo de elaboração das representações.
Em uma parte do capítulo sobre a metodologia traçamos uma discussão focada
nos dados censitários referentes ao universo de 56 professores contatados, cuja interpretação
pautou-se em uma das indagações propostas por Jodelet (2001, p. 33): “Quem sabe e de onde
sabe?” Este procedimento propiciou-nos conhecer e, então, apresentar aspectos identitários e
profissionais do grupo consultado.
Neste Capítulo, procuramos, com base na segunda parte dessa mesma
pergunta, “[...] de onde sabe?”, entender de que lugar os entrevistados falam. Logo,
pretendemos apreender aspectos do contexto social em que os saberes de Sexualidade e
Educação Sexual dos pesquisados são construídos e veiculados.
Para tanto, faz-se necessário identificar as fontes de informação das quais os
entrevistados extraem os referidos conhecimentos, visando assim compreender o modo pelo
qual os docentes partilham o tema no ambiente escolar. É possível que os saberes sejam
provenientes da família, da escola, formação profissional, enfim, do meio sociocultural. Desta
forma, a posição multidimensional em que se encontra a noção de representação social tratada
166
pela perspectiva de relações com conceitos psicológicos e sociológicos, admite que se leve em
conta o funcionamento do aparelho psíquico e os elementos do sistema social, como enfatiza
Jodelet (2001, p. 26) “[...] dos grupos e das interações, na medida em que afetam a gênese, a
estrutura e a evolução das representações que são afetadas por sua intervenção”.
A autora observa que as Representações Sociais são formas de conhecimentos
elaboradas mediante as trocas estabelecidas entre os integrantes de um grupo inserido em uma
sociedade, tendo como finalidade prática a construção de uma realidade. Desse modo, esse
agrupamento humano sofre influências da cultura, do contexto ideológico e histórico, bem
como da instituição a que se ligam. A maneira pela qual o sujeito capta e transforma as
informações no momento em que estas são geradas e comunicadas, serve para solucionar
algum problema ou dar uma explicação sobre algum evento ou fenômeno, haja vista que as
RS elaboradas guiam as ações do indivíduo.
Antes de nos atermos às análises propriamente ditas, cremos ser necessário,
neste primeiro momento, relembrar algumas precisões de ordem metodológica, relacionadas à
análise dos conteúdos das entrevistas sobre questões Sexualidade. A preocupação em dar
atenção às análises por meio desse enfoque encontra amparo na recomendação de Franco de
que é preciso considerar todas as informações importantes do material discursivo, ainda que
existam dificuldades em fazê-lo. A propósito: “[...] sempre será necessário direcionar todos os
esforços para buscá-las, com o objetivo de configurar e esclarecer o contexto e as condições
sociais e políticas presentes, e, historicamente contidas nas mensagens emitidas.” (FRANCO,
2003, p. 45).
As categorias de análises estão dispostas em tabelas ilustrativas apresentadas
no decorrer deste estudo. Esta forma de registros possibilita esclarecer aspectos, que, às vezes,
possam ter escapado na análise computadorizada, conforme anunciamos anteriormente.
Embrenhamos nas falas dos entrevistados pelas idas e vindas às narrativas, e de
alguma forma essa perspectiva de exame dos dados garante-nos uma maior aproximação do
material coletado. Feitas tais considerações, exibimos a análise do conteúdo baseada em
Franco (2003).
Diante dos princípios sobre a importância do acesso aos meios de comunicação
e da relação dialógica instaurada entre os informantes desta pesquisa no processo de
elaboração das RS, esta análise busca compreender até que ponto assuntos relativos à
Sexualidade têm penetrado nas relações interpessoais dos docentes e como esses profissionais
se sentem quando discutem a temática com os alunos.
167
Identificamos se os conhecimentos acerca dessa questão conduzem à
compreensão de Educação Sexual. Investigamos como os sujeitos adquirem esses saberes,
atentando para a contribuição da formação profissional nesse processo e nas relações sociais.
3.4.2 Fontes de informação na construção de representações sociais de Sexualidade e
Educação Sexual
Os sujeitos cognoscentes reúnem as idéias que circulam no meio social para
formar suas próprias RS. É nessa perspectiva que, de posse das entrevistas, nos propomos
identificar as fontes pelas quais os professores procuram inteirar-se das questões referentes à
Sexualidade e se elas constituem as RS sobre Educação Sexual. Ressaltamos que não nos
interessa analisar o teor das informações destacadas pelos entrevistados, pois isso demandaria
um estudo empírico de catalogação e averiguação dos materiais informativos, e não é esse o
objetivo deste trabalho.
A Tabela 22, que segue, evidencia o grupo temático sobre os meios pelos quais
os docentes se apropriam dos conhecimentos. Ordenamos os itens por freqüência das
evocações; os índices são compostos por respostas múltiplas. As variáveis marcadas com um
asterisco (*) estão discriminadas na Tabela 23, subseqüente. As percentagens são calculadas
em função do total de respostas e não a partir do número de inquiridos.
Tabela 22
-
Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias em relação às fontes de
informações
Categoria Atributos N %
Revistas e jornais* 36 28,34
Livros didáticos * 28 22,04
Internet 20 15,74
Televisão * 19 14,96
Conversas com outras pessoas 13 10,23
Capacitação e vídeos educativos 6 4,72
Leituras especializadas e acadêmicas, como pesquisas
de mestrado e monografias, artigos e trabalhos
relacionados com a disciplina e com a área de saúde
3 2,36
Outros 2 1,57
O que conhecem sobre o
tema Sexualidade e
Educação Sexual
Total 127 100,0
168
A Tabela 23 complementa a apresentação dos registros referentes às fontes e
seus quantitativos recorrentes nas respostas, conforme visualizamos a seguir. Destacamos que
nem todos os informantes declinaram os nomes das revistas e dos programas televisivos,
sendo contabilizados apenas os veículos de comunicação.
Tabela 23 - Distribuição de fontes de informações em relação à freqüência das aparições
Revistas/ Jornais N Novelas N Outros Programas de TV N Livros N
Veja 10 Rebelde 01 Fantástico 8 Didáticos ou paradidáticos
22
Nova escola 07 Malhação 02 Globo Repórter 4 Auto-ajuda 02
Isto É 04 Floribela 02 Altas Horas 4 Enciclopédias 02
Mundo Jovem 04 - - - - O dia-a-dia do professor 01
Ciência Hoje 02 - - - - - -
Exame 02 - - - - - -
Medicina e Saúde 02 - - - - - -
Planeta 02 - - - - - -
Pais e Filhos 02 - - - - - -
Medicina de A Z 01 - - - - - -
Os dados apresentados propiciam a observação da variedade de fontes das
quais os sujeitos se servem para se manterem informados. Cada grupo, de acordo com o grau
de instrução, a idade e o nível social de seus componentes, adota um tipo de comunicação
dominante. Enquanto no estudo realizado por Oliveira (2004), de um modo geral, novelas e
filmes fizeram parte do repertório de buscas de informações sobre Sexualidade de um grupo
de adolescentes escolares cuiabanos, nesta pesquisa alertamos que são as leituras de revistas e
livros que se constituem na principal fonte de informação dos docentes, no que respeita ao
tema em foco.
Nesse sentido, além dos textos impressos os professores destacam fazer uso da
Internet, conforme referimos na Tabela 22. Em relação a esta utilização, alguns dos
entrevistados indicam carecer de uma fonte confiável de informações e questionam a
fidedignidade dos dados em alguns sites. Outros declinam dificuldades de acesso a essa
tecnologia, declarando que não dispõem de computadores em suas residências e que a maior
parte das escolas não possui equipamentos de informática.
Tecendo uma apreciação sobre essas deficiências de estrutura tecnológica pelas
unidades escolares, os sujeitos reclamam da quantidade insuficiente de computadores, em face
do número excessivo de alunos em cada turma. Analisam que esta estratégia, para
diversificação das aulas, demanda investimento de tempo, nem sempre disponível por parte
dos educadores. Isso pode ser evidenciado no seguinte depoimento:
Você tem que ficar acessando para saber. Não pode mandar um aluno pesquisar num
site sem você primeiro ter tido acesso. Precisa investir um tempo enorme. Você tem
que acessar, ler, procurar, preparar material para aqueles que ficam na sala sozinhos,
enquanto você vai lá! É complicado, nem sempre o professor tem tempo.
169
(Professora, católica, 41-50 anos, Ciências, acima de 21 anos de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Vimos que o rádio não foi citado, apesar de ser um meio de comunicação
popular e que, às vezes, noticia sobre campanhas públicas de educação preventiva. Em
relação à mídia escrita, os jornais de circulação na capital são apontados timidamente, o
destaque vai para o Mundo Jovem, jornal sob coordenação e publicação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Esse periódico apresenta textos,
alguns de teor religioso e outros sobre os mais diferentes temas, dentre eles sexo, sexualidade
e adolescência, nos quais se encaminham propostas para discussão, sobretudo para disciplinas
da área de Humanas do Ensino Médio.
Os docentes que mencionaram esse meio informativo, disseram utilizá-lo para
subsidiar os debates e reflexões suscitadas nas aulas de Ensino Religioso e nas discussões
sobre Sexualidade em sala de aula. Destacamos que os conteúdos veiculados nesse tipo de
material foram mais enfatizados que aqueles propostos pelos PCNs. Tal aspecto pode
caracterizar um distanciamento da aplicação dos documentos oficiais.
Esses aspectos parecem revelar os efeitos das informações sexuais
provenientes dos meios culturais tradicionais de comunicação nas sociedades modernas, as
quais podem abranger: “[...] conteúdos representativos que anunciam a consistência das
representações mais hegemônicas, definidas pelos valores familiar e religioso, que, em vias de
regras, embutem a moralização da sexualidade.” (OLIVEIRA; GATTI, 2007, p. 10).
Outro aspecto ressaltado na Tabela 22 reside no fato de que são as revistas - e
não a televisão que normalmente desempenham um importante papel no processamento de
informações impregnadas de valores culturais dos grandes centros urbanos, como o Rio de
Janeiro e São Paulo. Em relação às revistas, destaca-se a Revista Veja, entretanto, mais
especificamente a Ciência Hoje, que divulga conteúdos sobre AIDS e sexualidade. Para Silva
e Camargo (2004) as revistas enfocam aspectos estruturais e formais do pensamento social,
que na maioria das vezes são pertinentes para a vida prática dos leitores.
Procuramos, então, conhecer qual o interesse dos docentes pelas revistas. Uma
entrevistada comenta sua opção:
Eu sou mais de ler mesmo, não sou muito de internet {risos}, computador, estas
coisas, não tenho paciência. Quando são temas muito atuais, novidades {pausa
longa}. Assim, a gente tenta conhecer, saber, informar, mas eu não sou muito
chegada em material científico. Eu gosto da coisa mais mastigada, como revistas que
traz a coisa um pouco mais {pausa} contextualizada. (Professora, católica,
divorciada, 41-50 anos, Geografia, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
170
Esses resultados propiciam-nos o entendimento de que a Sexualidade faz parte
de um assunto pouco socializado, e pode refletir o que foi explicado por (BAUER, 1995, p.
244) sobre a ciência da comunicação:
[...] quando se trata de determinados assuntos, a comunicação aparece primeiro no
canal especializado, e somente no estágio posterior ela será tomada em consideração
com canais populares, tais como jornais ou televisão.
Tal aspecto acontece, comumente, porque as teorias científicas são validadas
dentro dos círculos especializados antes de chegarem ao público.
Conforme verificamos nos dados anunciados pelo grupo de entrevistados, os
cursos também não configuram fontes de informação sobre Sexualidade, considerando a
ínfima quantidade de respostas verificadas na Tabela 22. Esse aspecto será aprofundado
quando abordarmos o incentivo das instituições educativas às ações em prol da Educação
Sexual nas escolas.
Em termos de freqüência e de índices percentuais, notamos que o rol de
atributos em discussão favorece o desmembramento de uma subcategoria, conforme expressa
a Tabela 24.
Tabela 24 - Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias das
fontes em que os sujeitos se informam
Subcategoria Atributos N %
Mídia impressa 89 70,07
Mídia televisiva 19 14,96
Universo compartilhado
14 11,02
Capacitação 5 3,93
O que conhecem sobre o tema
Sexualidade e Educação Sexual
Total 127 100,00
Na Tabela 24, classificamos como mídia impressa aqueles materiais
provenientes tanto de leituras menos formais, a exemplo de revistas e jornais, quanto de
produções científicas; estas últimas avaliadas como sendo de difícil acesso, devido a
burocracias existentes nas bibliotecas universitárias, para as quais os investigados sugerem
que as Secretarias de Educação firmem convênios para a viabilização de empréstimos desses
materiais.
Com base nos elementos analisados, arriscamos dizer que a busca por notícias
acerca do que acontece no cotidiano, nas revistas, pode ser uma forma de os professores se
afastarem do dia-a-dia do ambiente escolar, o que exige um saber mais acadêmico e mais
rigoroso. Ao se informarem por meio desses periódicos, deparam-se com um conteúdo
apresentado de maneira mais fluente, de modo mais prático, e que garantem uma absorção
171
imediata por parte desses leitores. Consideramos ainda o pouco tempo de que eles dispõem na
sua rotina, como explicitado nos dados relacionado ao perfil profissional.
Entendemos que essas leituras concorrem para a elaboração de Representações
Sociais, pois os docentes lêem o que ocorre na dia e compartilham as discussões sobre
Sexualidade. Notamos que são conversas discretas, ora transmitidas na forma de piadas que
contam na sala dos professores, ora por discussões que circulam seja sobre as questões que os
alunos lhes fazem no ambiente escolar, seja por assuntos relacionados com as próprias
famílias dos docentes, ou dos alunos.
Ainda que indiretamente, as informações são socializadas na escola e emergem
a partir dos episódios e dos fatos que fazem vir à tona os diálogos sobre Sexualidade, como as
DSTs. Estas são motivos de pesquisas na Internet, como declaram acontecer. Ademais, nas
palavras de Moscovici (2003, p. 40): “Todas as interações humanas, surjam elas entre duas
pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações.”
Dentro de enfoque de buscas dos docentes por assuntos da mídia, observamos
que nas escolas também circulam informações sobre variados temas. Elas pertencem a um
universo complexo que agrega no seu interior diferentes questões e problemáticas sociais: de
um modo geral elas acolhem, abrigam flagelados acometidos por calamidades; sediam
campanhas de vacinação, de prevenção de doenças, são palco de apresentações culturais do
bairro, além de outros eventos. Os professores buscam conhecimenos nas notícias rotineiras,
na tentativa de encontrar respostas a uma série de questões e eventualmente extrapolam os
conteúdos de sala de aula. Supõe-se que eles se mantenham sempre bem-informados, pois a
qualquer momento terão que responder a alguma interpelação sobre assunto da mídia, mas os
assuntos das escolas pertencem mais diretamente ao meio social de seus alunos. a
universalidade do conhecimento e a realidade social.
Por outro lado, as leituras podem ser consideradas uma forma de lazer para os
professores. Conduzindo esse dado a uma realidade mais ampla, a UNESCO (2004) realizou
estudos focalizando os docentes e questões ligadas à Educação, na tentativa de compreender
situações e comportamentos que envolvem esses profissionais. De posse dos resultados, esta
organização publicou um capítulo que retrata o perfil deles na realidade brasileira, tendo sido
investigados em 27 Estados da federação. Quando indagados acerca de suas preferências
culturais, os docentes destacaram as leituras como a opção principal para preenchimento do
tempo livre. Do universo de 5.000 inquiridos, o material de pedagogia e educação
representou quase 50% daqueles que afirmaram ser esse o tipo mais interessante de literatura,
enquanto as leituras de revistas e de livros científicos configuraram 28,3% das indicações,
172
ocupando a segunda colocação no ranking de respostas. De acordo com a referida agência,
esses resultados, somados, sugerem que os professores ocupam seu tempo de lazer com
leituras relacionadas a seu trabalho e à área profissional.
O universo dos demais canais de informação, como programas de rádio e os
folhetos explicativos, pareceu pouco enfatizado pelos docentes como fonte de informação
diária, o que reforça a importância dada à comunicação escrita, segundo analisam Oliveira e
Sousa (2007). Incluímos nesse bloco também a influência da leitura eletrônica na Internet,
tendo alcançado maior ênfase que os programas televisivos. Os indicadores da subcategoria
confirmam, em termos proporcionais, os índices de utilização dos meios de comunicação
através dos quais os docentes se informam sobre Sexualidade, destacando-se as leituras e,
depois, a televisiva.
Mediante o que pudemos visualizar na Tabela 22, a mídia televisiva ocupa o
segundo campo de importância. Na realidade brasileira, a televisão tem atuado como uma
grande formadora de opiniões; divulga cenas gratuitas de sexo em novelas, além de explorar a
sensualidade das personagens nos mais variados tipos de programações de entretenimento.
Dentre outros, na área da educação, promove alguns debates no canal Televisão Educativa
(TVE), através do Projeto Salto para o Futuro, que faz parte de uma proposta do MEC
destinada a professores. Referem conhecer também as campanhas, por meio de propagandas
humorísticas, divulgadas no período de carnaval, quanto ao incentivo do Governo Federal em
relação ao uso dos preservativos.
No universo compartilhado exibido pela mesma tabela, notamos que a
dialogicidade sobre Sexualidade na escola emerge dos problemas que ali acontecem. Assim,
esse assunto não faz parte das discussões do dia-a-dia, nem é validado pela integração
interdisciplinar de diferentes matérias, exceto pelo campo de Ciências.
Neste terceiro item, portanto, o assunto em apreço parece pouco partilhado,
porém o percentual apresenta-se ainda maior se comparado com aquele referente a técnicas de
formação continuada, que soma menos de 5% do total das respostas expressas na aludida
tabela.
Atentamos para o aspecto de que as fontes informativas declaradas
desempenham papel circular, em que informações são provenientes de um e outro campo.
Este entendimento nos conduz à análise de que não é possível conhecermos as RS de um dado
objeto apenas por meio das verbalizações, temos que apreender e identificar as idéias
transmitidas pelos demais veículos sociais, os efeitos que produzem e as práticas que
orientam.
173
Moscovici (2003, p. 35), ao discorrer sobre a função das RS em
convencionalizar os objetos, afirma que: “[...], nenhuma mente está livre de efeitos de
condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações, linguagens ou
cultura”.
Vimos no decorrer deste estudo que o grupo estudado admite que o assunto
Sexualidade comparece pouco socializado entre os entrevistados. Assim, as partilhas não se
apresentam fortemente consideradas pelos entrevistados enquanto fontes de informações
sobre o tema. Jodelet (2001, p. 35) explicita que o compartilhar de um assunto preenche certas
funções, quais sejam: “[...] manutenção da identidade social e do equilíbrio sociocognitivo.
[...] função de proteção e de legitimação. [...] orientações das condutas e comunicações, [...]”.
Sendo Sexualidade um assunto pouco discutido, no universo dos professores, nem por isso
deixa de cumprir algumas destas atividades.
Quando um grupo está diante de uma novidade incontornável, por um trabalho
de ancoragem, procura um meio para torná-la familiar e integrá-la no universo de pensamento
preexistente; esta é tarefa da função cognitiva da representação. Segundo Moscovici (1978),
em torno da sexualidade gira o veto social da libido. Neste sentido e tendo em vista a parca
adesão do conjunto de entrevistados em partilhar o assunto, os docentes constroem um
sistema de representação da Sexualidade centrado nos referentes afetivos. Este aspecto pôde
ser verificado no estudo de Oliveira e Sousa (2007) pela existência de um esforço para que a
temática Sexualidade e Educação Sexual façam parte do universo de trocas interpessoais a
partir dos vínculos estabelecidos por meio de diálogos com esposas, filhos, médicos
ginecologistas, colegas mais chegados da profissão, como, por exemplo, os professores das
áreas de Ciências Biológicas.
Em ntese, pelo fato da representação ser uma reconstrução expressiva dos
sujeitos, pode provocar uma defasagem em relação à imagem do objeto. Este aspecto faz com
que a Sexualidade se constitua em uma forma de conhecimento que agrega elementos
diversificados em seus conteúdos, de acordo Jodelet, “Esta defasagem pode ser devida
igualmente à intervenção especificadora dos valores e códigos coletivos, das implicações
pessoais e dos engajamentos sociais dos indivíduos”. (JODELET, 2001, p. 36).
Este resultado nos permite considerar que, em torno dessa negativa à
abordagem do tema, existe a relação com a divisão de trabalho. Estamos diante de um grupo
de profissionais que se dedicam à difusão de conhecimentos. Moscovici (2001) faz um alerta
e afirma que algumas categorias de especialistas têm como ofício criar representações sociais.
174
É certo acrescentar que, se nossas representações são sociais, não é apenas por causa
do seu objeto comum ou pelo fato de que são compartilhadas. Isso se deve também
ao fato de ser o produto de uma divisão de trabalho que as distingue com alguma
autonomia. (MOSCOVICI, 2001, p. 63).
Apesar da propagação do assunto por outros meios de comunicação, ainda
persistem RS no meio socioeducacional que são decorrentes da associação do tema à
vergonha, impedindo sua discussão. São aspectos que podem integrar elementos da totalidade
das RS de Sexualidade associada à moral sexual, as quais se encontram sedimentadas na
sociedade e ainda imperam e convivem até mesmo na constituição da linguagem e dos
pensamentos daqueles considerados intelectualizados, os professores.
São perspectivas que contribuem para pensar a escola pela visão da
complexidade com implicações no entendimento da docência como uma prática contornada
por uma dimensão de totalidade, conforme analisa Souza (2006, p. 154). “[...] compõem-se de
múltiplos saberes, que para serem compreendidos em suas relações, exigem uma preparação
especial, bem como condições particulares para seu exercício”.
Os resultados evidenciados no decorrer desta análise em relação ao desprezível
nível de percentual da capacitação da tabela em discussão, motivam a necessidade de
identificarmos a maneira como acontecem os investimentos na formação dos educadores no
campo da Sexualidade e Educação Sexual, de modo que possamos compreender como esses
profissionais se preparam para trabalhar a temática.
3.4.3 Sexualidade, Educação Sexual e a formação profissional dos docentes
Neste texto pretendemos discorrer sobre a incidência dos fatores
comunicacionais na dimensão da profissão, analisados a partir dos discursos dos
entrevistados, a fim de identificarmos a existência de saberes que orientam as RS de Educação
Sexual.
De acordo com Figueiró (2006), uma das condições para auxiliar o professor
em seu processo de construção da identidade pessoal e profissional diz respeito à atenção a ser
voltada para a história de vida dos docentes, uma vez que o desenvolvimento pessoal e o
profissional caminham juntos. Conforme experiência dessa autora, a abertura de diálogos gera
uma predisposição para o profissional engajar-se em uma formação continuada e obter
sucesso como educador sexual.
175
Nessa perspectiva, procuramos verificar buscando a compreender quais
conhecimentos de Sexualidade concebem as RS de Educação Sexual. Por meio de questões,
tentamos provocar reflexões nos entrevistados para que opinassem se a temática foi discutida
alguma vez na vida, em especial durante sua época de estudante. Desse modo, pretendemos
averiguar o universo de partilhas e como este contexto se manifesta na elaboração de
representações sociais de Educação Sexual quando se relaciona à profissão.
Inicialmente verificamos de quais maneiras os assuntos referentes à
Sexualidade e Educação sexual foram compartilhados, computando as respostas pelo sistema
de presença e ausência e baseando-se nos meios declarados. Em seguida, categorizamos as
respostas, identificando, assim, o conjunto de atributos designativos pelas diferentes maneiras
de aquisição de informações declaradas pelos entrevistados, conforme observamos na Tabela
25.
Tabela 25 - Distribuição de freqüências e porcentagens de atributos por categorias, segundo a interação e
compartilhamento da temática
Categoria Atributos N %
Na família 21 30,43
Na escola 17 24,63
Na adolescência 11 15,94
Sozinhos lendo livros 9 13,04
Nas experiências da vida 6 8,69
Outros 5 7,24
Universo de compartilhamento
dos assuntos de Sexualidade
e Educação Sexual
Total 69 100,00
Do total de declarações, especificamos o universo de fontes informativas sobre
Sexualidade recebidas pelos docentes. Notamos que este tema foi discutido na família,
conforme atestam duas dezenas de sujeitos. Em relação a esse atributo, dentre aqueles
professores que receberam orientações dos pais - a mãe e ou o pai -, a maior referência
destacada é a materna. Quanto aos diálogos, o conjunto feminino foi mais enfático no
destaque a comentários avaliativos, como pouca abertura e muitas restrições para a
abordagem da Sexualidade nesse contexto. Atentando para os queixumes declarados,
observamos que as dificuldades ainda parecem latentes. Segundo Foucault (2007, p. 77): “A
verdade cura quando dita a tempo, quando dita a quem é devido e por quem é, ao mesmo
tempo, seu detentor e responsável.”
O momento das entrevistas às vezes teve o significado correspondente a tempo
para balanço, para compartilhar e elaborar a dor, evocando detalhes, como o exposto a seguir:
176
Quando eu tive minha primeira menstruação, eu fiquei apurada, não tive coragem de
contar pra minha mãe e eu peguei um pano macio, tipo uma fralda, dobrei e preguei
com durex na minha calcinha. Fui pra escola com aquilo machucando minha perna,
lembro disso e me dá até vontade de chorar. (Professora, 51-60 anos, católica,
Ciências, acima de 21 anos de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Quando aconteciam as discussões na família, elas se constituíam em
recomendações às moças solteiras para não trazer [em] vergonha para os pais, ou seja, não
engravidarem, pois a educação familiar exigia que se casassem virgens. Enquanto isso, alguns
docentes do sexo masculino fizeram menção aos incentivos que recebiam, tanto de irmãos
mais velhos quanto dos pais para se lançarem às experiências pré-maritais. Verificamos em
Louro (2007, p. 210) que a dinâmica do poder entre gênero e Sexualidade é carreada de
sutilezas:
Para compreender como se constituem identidades e práticas sexuais e de gênero,
bem como para perceber a ‘força’ e eficiência de pedagogias culturais,
provavelmente, será mais adequado pensar o poder como disseminado,
multifacetado e produtivo, em vez de lidar com uma noção de poder centralizado,
unidirecional ou meramente repressivo.
Continuando com a análise da Tabela 25, observamos dentre a totalidade de
entrevistados que quase 50% deles afirmaram ter se informado na escola. Em geral, destacam
as aulas de Programas de Saúde, no antigo 1º Grau e de Biologia, no 2º Grau.
Pelos discursos, esses depoentes compunham o grupo de professores que
estudaram no final da década de 1970, principalmente aqueles provenientes do estado de São
Paulo. Reportaram sobre o sistema repressor, a ditadura militar que na época imperava no país
e em razão da qual as escolas se viram impedidas de abordar questões de Sexualidade. Esse
aspecto foi observado por Werebe (1977) ao discorrer sobre a perseguição a professores, caso
estes trabalhassem o tema no recinto escolar. Segundo a autora, entre aqueles que insistiram
em fazê-lo, as discussões aconteciam clandestinamente.
Ainda no que se refere à variável escola, destacada na Tabela 25 em discussão,
encontram-se os pesquisados que declinaram os conhecimentos de sexualidade adquiridos na
Universidade. São professores que exercem suas atividades nas áreas de Ciências Biológicas e
de Pedagogia. Neste conjunto encontram-se também os professores que fizeram pós-
graduações lato sensu em Psicopedagogia. Apesar de o assunto ter sido discutido nesses
campos do saber, quando indagados como consideram a densidade desses conhecimentos para
capacitá-los ao trabalho com alunos, um grupo avaliou por meio de algumas noções e pouco.
São elementos que podem refletir a necessidade de aprofundamento dos conteúdos de
Sexualidade na graduação.
177
A metáfora tocam do extrato, expressa por um dos depoentes, sinaliza a
superficialidade da discussão:
O que eles tocam é alguma coisa muito superficial, a preocupação que eles [na
graduação] tinham é de como o professor se portar com seus alunos. Dizem que
alguns professores têm certa liberdade com seus alunos e eles ultrapassam essa
liberdade e acabam recebendo processo por assédio. Então, a questão se pautou
nisso, como se portar na sala de aula. (Professor, 20-30 anos, religião indefinida,
Ciências, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Os professores que cursaram Pedagogia destacaram ter recebido algumas
informações sobre corpo e Sexualidade nas aulas de Psicologia da Educação. Dentre aqueles
que se especializaram em Psicopedagogia, incluem-se os docentes que afirmam ter recebido
noções teóricas sobre Sexualidade infantil. Porém, essa abordagem não se deu no sentido de
prepará-los para o trabalho do assunto com os alunos, conforme explicitado nesta narrativa:
Também não. Não abordou esse tema, foi mais falando sobre Freud, sobre Piaget.
Não abordou como lidar com a parte da Sexualidade. (Professor, 31-40 anos,
católico, Física, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Identificamos um discurso incongruente que parece persistir neste estudo,
conforme discutimos anteriormente. À medida que o informante explicita o discurso da
escola, parece não ouvir e nega a sexualidade. Aponta Freud como se este nada tivesse a ver
com o tema ou ignora que a libido seja o centro de sua teoria.
Em síntese, a partir dos dados apresentados na Tabela 25, um grupo considera
ter sido informado pelas abordagens provenientes dos genitores e outro parece negar o que
fora ministrado pelo sistema educacional. Assim, fica a dúvida: o conjunto de docentes não
ouviu ou se recusa a aceitar o que escutaram na escola sobre sexualidade?
Sendo a escola um local em que os saberes das diferentes ciências são
sistematizados, parece haver certa dificuldade quanto à transmissão e organização do
conhecimento sobre Sexualidade.
Figueiró (2006) analisa que a criação de cursos de especialização, e de
disciplinas, tanto na graduação quanto na pós-graduação, que viabilizem estudos teóricos,
reflexões, debates sobre o assunto pode parecer um caminho promissor na formação de
professores, como também favorecer um processo de re-Educação Sexual.
Ainda com relação à Tabela 25, um grupo de docentes disse que compartilhava
os assuntos na adolescência com os amigos, havendo destaque dos assuntos que envolvem as
mulheres, em geral, as dúvidas que surgiam com a chegada da primeira menstruação.
Menores percentuais presentes na tabela em discussão destacam outros
entrevistados que admitiram ter buscado informações sobre Sexualidade e Educação Sexual
178
sozinhos, lendo livros sobre o assunto, às vezes escondido dos pais e dos professores, entre
aqueles que estudaram em escolas confessionais.
Notamos que o último atributo, relativo às experiências de vida, aproxima-se
muito dos conteúdos expressos pelos depoentes ao afirmarem que não tiveram nenhum tipo
de conhecimento de Sexualidade ao longo de suas vidas e, conseqüentemente, também na
época escolar.
Realizamos o cruzamento em função da variável sexo e evidenciamos quase
três dezenas de docentes, um pouco mais da metade do total de 56 pesquisados, que
afirmaram nunca terem sido informados sobre sexualidade ao longo de suas vivências.
Observamos ainda que três depoentes não emitem respostas sobre a questão. Tais dados estão
dispostos na Tabela 26.
Tabela 26 - Conjunto de professores que negam ter sido informado sobre Sexualidade e Educação Sexual
Sexo
Masculino
Feminino
Informação sobre sexualidade
N %
N % N %
não
29 54,70 15 51,70 14 48,20
Sem resposta
03 5,60 02 6,80 01 3,40
A Tabela 26 reúne dados numéricos relativamente maiores quanto ao nível de
desinformação destacado pelo grupo do sexo masculino, que respondeu nunca ter sido
informado sobre o tema. Observamos nos discursos uma quantidade um pouco maior desse
segmento, comparando-a ao feminino, que contaram suas intimidades as amigas. Pelos
depoimentos, alguns deles afirmam ter abandonado a família à procura de liberdade e
qualificaram a educação que receberam no ambiente familiar de tradicional e autoritária.
Ambos os grupos admitiram que as conversas sobre Sexualidade são classificadas como
silenciadas. Razão pela qual os conhecimentos adquiridos em torno do assunto tenham
recebido estas indicações: com o mundo, por si só, sozinhos ou nas experiências de vida.
De posse desses dados e comparando-os a partir da variável sexo, notamos um
contraste no total de respostas, na medida em que esse quesito não se constitui em um
elemento permissivo ou impeditivo para o estabelecimento de diálogo sobre Sexualidade.
Apesar de verificarmos certa discrepância entre as opiniões pronunciadas por homens e
aquelas manifestas por mulheres. Dito de outra maneira parece que eles, em relação a elas,
procuram compartilhar menos o assunto. No entanto, restrições comuns para ambos os
sexos, conforme analisaremos em seguida.
179
Esclarecemos que, apesar de terem se informados com os pais, tanto os
professores quanto as professoras avaliaram a educação tradicional recebida pela família.
Exemplificamos pela fala de uma depoente, que comparou essa educação com a metáfora
doses homeopáticas:
Eu recebi aquela antiga, tradicional. Aquela que não é muito aberta que é tudo muito
fechado. Vofica sabendo aos poucos, sabe, em doses homeopáticas. (Professora
evangélica, casada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
A educação tradicional também foi mencionada pelas docentes do estudo de
Figueiró (2006, p. 268). A autora a analisou nos seguintes termos:
[...] uma educação marcada por repressão sexual, especialmente, por ser mulher e
marcada, também, por autoritarismo paterno e/ou materno permeado de idéias
machistas, nas quais a mulher tem menos direitos que o homem, seja quanto aos
estudos e à carreira profissional, seja quanto à possibilidade de viver uma
Sexualidade humanizadora.
A visão do grupo masculino é ilustrada no excerto pelo relato de um
entrevistado que atribui as suas dificuldades para abordar o tema Sexualidade, seja em casa ou
na escola, ao conjunto de influências socioculturais vivenciadas em sua época:
Nada. [...] regime militar, época da abertura do Geisel se preparava para abertura,
mas se existisse mais de duas pessoas conversando na esquina, já começava a
circular. A gente pegou esta formação militarista e a gente, queira ou não, isso fica
na gente. A minha filha cobra aproximação, mas eu fui criado nesta linha dura e a
gente fica meio resistente. Eu estou mudando, mas isso é aos poucos. (Professor,
católico, casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Quanto à idéia da repressão sexual, Foucault (2007, p. 15) indaga: “A questão
que gostaria de colocar não é por que somos reprimidos, mas por que dizemos, com tanta
paixão, tanto rancor contra nosso passado mais próximo, contra nosso presente e contra nós
mesmos, que somos reprimidos”. Segundo analisa o autor, a repressão sobre o sexo está
firmada e possui raízes e razões sólidas que apenas uma única denúncia não seria capaz de
produzir efeitos de liberação. Como observamos no excerto transcrito, o inquirido admite a
dificuldade do diálogo e reconhece a possibilidade de mudança, porém entende que essa
acontece aos poucos.
É nesses termos que Foucault (2007) compreende que o processo de abertura
dos discursos acontece dentro de um processo longo por existirem mecanismos intrínsecos ao
poder. E, em sociedades como as ocidentais, o poder é mais tolerante que repressivo, porque
ele circula de maneira difusa. Dque o aspecto essencial não é saber o que dizer do sexo,
mas considerar os canais, os lugares e os pontos de vista de quem e de que se fala.
180
Ainda sobre a Tabela 26, o total de freqüências que agregou a variável sexo
feminino obteve uma porção aproximada de 50% de respondentes que declaram não ter sido
informadas sexualmente ao longo de suas vidas. Nesse grupo, algumas reclamam ou
demonstram sentimentos de vergonha, principalmente entre aquelas professoras que
revelaram ter contraído matrimônio grávidas. Para algumas, estas experiências foram
relatadas com palavras carregadas de emoções, pois, em suas análises, consideram as
experiências traumáticas. Avaliam como importantes as informações que devem ser
transmitidas aos jovens. Acreditam que, se as tivessem, não teriam cometido seus erros.
No caso da menarca, por exemplo, as amigas tornavam-se confidentes umas
das outras ou se escondia a novidade da família, como explicita a depoente:
Quando veio a menstruação para mim, eu escondi no banheiro, aquele banheiro
do fundo, não saía do banheiro, ficava com medo, escondia. (Professora, católica,
41-50 anos, Filosofia, Religião e Sociologia, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Nessa perspectiva, os docentes ancoram na ausência de informações como
responsável pela ocultação do medo e da ansiedade ao relembrar o passado. A geração da
época em que os entrevistados viveram sua adolescência e juventude parece ser culpabilizada
pelo silêncio disseminado e perpetuado pelos educadores e instituições daquele tempo.
Esta parte da análise se constitui em função dos entrevistados que afirmam não
ter recebido informações sobre Sexualidade. Depreendemos que as representações sociais da
Educação Sexual parecem ser objetivadas como algo formal. Dessa maneira, ao que nos
parece, seus conteúdos contemplam conhecimento adquirido em algum lugar ou com alguém,
pois foram desconsideradas as informações que indiretamente lhes foram repassadas de
alguma maneira ao longo da vida.
Como Werebe (1998), nós também consideramos que o silêncio é uma forma
de educar e contém elementos às vezes muito mais impositivos e arbitrários do que quando se
realiza uma educação dialógica. Esses resultados vêm de encontro ao que foi constatado
anteriormente, por ocasião da análise das fontes de informação, em que as conversas parecem
ser desconsideradas como estratégias de abordagem da temática Educação Sexual e
Sexualidade.
Indicativos que favorecem o entendimento de que as RS de Educação Sexual,
como as concebem os entrevistados, são construídas a partir da partilha do assunto
Sexualidade, em que se supõe a presença de um que ensina e de outro que aprende,
possivelmente repetindo parte dos padrões e regras da educação formal, idealizadora, vigente
na nossa cultura educacional. Entretanto, quando associamos as leituras das quais os
181
pesquisados lançaram mão para adquirir conhecimento, o processo de descobertas das
informações parece ancorar-se nos saberes que eles adquiriram sozinhos.
Esses elementos conduziram-nos à percepção de um consenso estabelecido nos
discursos dos entrevistados. Ao falarem de suas vivências eles refletem também sobre a
veiculação do assunto sexualidade na atualidade e comparam com o que ocorria naqueles
anos. Em suas análises, os alunos vivem uma realidade em que os meios de comunicação
propagam o assunto Sexualidade com mais rapidez, facilitando o acesso às informações dessa
natureza. No entanto, talvez motivados pelo contexto de suas rotinas de trabalho partilhadas
com os alunos, os professores buscam para si próprios uma resposta quanto ao fato de que
ainda persistem muitos casos de gravidez precoce na escola, além de não entenderem por que
os jovens insistem em se relacionar sexualmente sem camisinha.
Esses dias eu estava discutindo com a minha coordenadora [...] o que eu faço? Onde
está o erro? Será que a falha está na gente? É incrível! Eles {os alunos} sabem dessa
informação e não têm como negar. No entanto, continuam as práticas sem
preservativo e a preocupação maior é o índice de DST. Isso é preocupante [...].
(Professor, religião indefinida, 31-40 anos, Biologia, 6-10 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Então, os professores se interrogam, mas parece que não conseguem analisar a
questão por uma dimensão mais crítica, considerando os dispositivos sociais como a família.
Nas relações familiares é entre pais e filhos que ainda se estabelece o vínculo mais forte, no
qual as obrigações morais atuam de forma mais significativa. Segundo Sarti (2007, p. 31)
“[...] se na perspectiva dos pais, os filhos são essenciais para dar sentido ao projeto casamento
- [...], dos filhos espera-se o compromisso moral da retribuição dos cuidados”.
Uma visão mostra o entendimento de que é o dispositivo escolar que normaliza
a Sexualidade enquanto disciplinador do corpo, a exemplo do que ilustra a fala:
Eu acho que tem que esperar esta fase de você se casar e constituir a família, para ter
este relacionamento a dois. Eu tento passar isso pra eles. Eu sei que é um pouco,
arcaico. É arcaico, na cabeça deles {dos alunos} é ultrapassado. (Professora, religião
indefinida, casada, 31-40 anos, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Analisamos que fazer a leitura da Sexualidade em uma perspectiva
multifacetada implica o reconhecimento das determinações históricas que envolvem o ser
humano no mundo. Não se trata de uma tarefa fácil compreender a questão dentro da
dinâmica da sociedade e da cultura, porém pode ser um exercício para que os professores
deixem de se sentir os responsáveis pelas situações negativas associadas ao assunto e aos
alunos e que no dia-a-dia não dão conta de resolver. Na visão de Figueiró (2006), diminuir a
182
expectativa em torno de si como um reformador do mundo pode ser a primeira lição para um
educador que atua na área.
Pensando sobre o momento de catalogação das entrevistas, compreendemos
juntamente com Frison (2000), que toda expressão de sentimento contém uma mensagem nem
sempre apreendida por quem a recebe, uma vez que ela é impregnada de múltiplos
significados. Sendo assim, essa oportunidade não nos propiciou elucidar algumas indagações,
mas nos permitiu conduzir as entrevistas pela perspectiva do ouvir reflexivo; com vistas a
perceber como o outro se sentia, verificamos que mecanismos sutis provenientes de diversas
fontes educacionais contribuem para encobrir a verdade dos discursos. Lentamente, parece
que as informações adquirem materialidade e se internalizam como modelos disciplinadores.
O momento da entrevista também configurou um processo de re-educação da vivência pelo
viés da aceitação de si e do outro.
Nessa busca pelo entendimento da Sexualidade a partir da indagação acerca do
sentido e do direcionamento da vida humana, Nunes (2003, p. 182) adverte: “Só é possível
empreender tal estudo se tivermos claro que não educação sexual sem um reexame crítico
da própria sexualidade [...]”.
Conforme observamos anteriormente, a variável sexo masculino ou feminino
não se caracterizou como um aspecto que influencia nas dificuldades ou facilidades para
conversar assuntos de sexualidade. O embaraço pode existir tanto para um grupo quanto para
o outro. Questionamos se o fator idade pode influenciar no trato dessa questão com os alunos.
Para tanto, partimos dos dados de pesquisa desenvolvida junto a um grupo de escolares
cuiabanos sobre as RS de Sexualidade, cujos resultados evidenciaram esse questionamento
(OLIVEIRA, 2004). A partir disso, consideramos que o constrangimento declarado pelos
docentes para discutir o assunto com os estudantes pode constituir-se num entrave para a
promoção da Educação Sexual no ambiente escolar. Informamos que a idade comparece
expressa nas características das variáveis que descrevem os sujeitos.
Em outro trabalho de pesquisa, Oliveira (2001), debruçando-se sobre a
realidade de escolas paraibanas, discute relações da Sexualidade com a prática pedagógica e
verifica que o despreparo dos professores para atuarem na área da Educação Sexual gera
apreensão diante das discussões. Conseqüentemente, isso faz com que os educadores não se
sintam à vontade em abordar o tema. Dessa forma, tentamos verificar a existência de
sentimentos declarados pelos respondentes desta pesquisa e que pudesse justificar não se
sentir bem e relacionamos com a idade. Assim, identificamos nos discursos uma dezena de
183
professores que afirmam não se sentir à vontade para compartilhar o tema sexualidade com os
alunos.
Os vocábulos identificados nos discursos em razão dos sentimentos destacados
de alguns docentes, são: receio, constrangido (o último aparece também presente na análise
de sexualidade na Classe 2), e despreparo – este vocábulo comum com resultados de pesquisa
apresentados por Oliveira (2001). Os extratos de entrevistas mostram como essas palavras se
relacionam no contexto em que são empregadas. Vejamos o que diz o docente sobre receio:
Temos um receio de saber o que falar e a hora de falar [...]. (Professor, religião
indefinida, solteiro, 20-30 anos, área de Ciências, 0-5 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Pelo emprego do verbo ter na primeira pessoa do plural, o entrevistado relata a
partir do que observa no grupo e não fala de si mesmo. Esse é um aspecto interessante no
estudo das RS quando se busca compreender o objeto partindo do processo de construção
pelos quais os sujeitos vão se apropriando dele, pelas informações a que têm acesso nas
experiências, vivências e relações, segundo enfatiza Madeira (2005).
Outro investigado relaciona o receio em função do despreparo. Neste caso, o
temor de decepcionar os alunos na abordagem do assunto o faz se sentir inseguro. Observando
a variável descritiva do perfil que caracteriza o entrevistado, parece que a preocupação em
discutir a questão pode estar relacionada à idade do profissional, mas a falta de domínio do
conteúdo parece ser o aspecto culminante:
Este receio, eu vejo como uma forma de despreparo, e segundo com o medo do que
o adolescente quer saber além daquilo que eu já sei. (Professor, casado, 41-50 anos,
área de Filosofia, Religião e Sociologia, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Acerca do item constrangimento, um depoente comenta que nem sempre o
longo tempo de experiência na profissão é suficiente para o professor modificar o mal-estar
em abordar questões de Sexualidade. Entretanto a idade do entrevistado parece favorecer o
acanhamento:
Eu me sinto um pouquinho constrangido, apesar da experiência como profissional.
(Professor, casado, 51-60 anos, Geografia, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Notamos, então, que o tempo de serviço não parece ser fator impeditivo para
discutir os temas sexuais com os alunos. A idade, às vezes, sim, mas a ausência de
capacitação do professor, objetivada pelo despreparo profissional, o deixa embaraçado.
Entendemos que todos esses aspectos estão inter-relacionados e geram dúvidas e mal-estar
184
nos educadores, podendo se configurar como RS de si mesmos quando lecionam estes
conteúdos em sala de aula.
O despreparo profissional pode ser apreendido no sentido da formação
recebida, pois muitos docentes não tiveram qualificação na área, o que os deixa atemorizados
diante do quê e do como fazer:
Assim, se, por um lado, os docentes afirmam a importância e a necessidade de
condições de discussão na escola, por outro lado, demonstram, em suas falas, a
insuficiência de condições para tal intento. (OLIVEIRA, 2001, p. 123).
Essa colocação vem ao encontro do que observamos no decorrer desta análise.
Notamos que alguns professores mencionam a ausência de discussões sobre Sexualidade e
Educação Sexual na graduação e na formação continuada. Sinalizam desde os mais comuns
como cursos, palestras, seminários e outros eventos, como especializações na área de
formação de educadores sexuais. Dessa forma, na acepção dos informantes, a escola pouco
contribui para o enriquecimento dos conhecimentos a esse respeito e para o aperfeiçoamento
ou a fomentação da prática docente nessa direção. Entretanto, a capacitação dos docentes
contempla uma das metas observadas pelos PCNs.
Uma prática do professor pensada pelo prisma da complexidade traz como
conseqüência mudanças pedagógicas e didáticas profundas. Supõe a compreensão da prática
compartilhada, enriquecida com os participantes do contexto da escola em que a
aprendizagem se constrói de maneira cooperativa. Essa perspectiva parece destoar da
concepção de escola submetida a um sistema hierárquico, autoritário e excludente, conforme
analisa Souza (2007). Esse aspecto nos instigou a buscar conhecimentos sobre a existência de
apoios institucionais na formação do educador da área na realidade das escolas pesquisadas.
Perguntados sobre o comprometimento por parte da administração e
coordenação da escola, bem como pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, no
que se refere à promoção de aperfeiçoamento e preparo dos professores para lidarem com o
tema Sexualidade na instituição escolar, deparamos com alguns depoimentos que expressam
incentivos, e com outros que apontam para a existência de restrições nesse aspecto. Dessa
maneira, pretendemos identificar o nível de apoio, subvenção e abertura da direção das
escolas e das Secretarias de Educação quanto às propostas de Educação Sexual no conjunto
das escolas públicas cuiabanas estudadas, tendo como foco as percepções do grupo de
docentes.
Observamos na Tabela 27 que a categoria Formação profissional e apoio
institucional conduz os atributos que parecem abarcar desde a parte de infra-estrutura das
185
unidades escolares, até formação continuada e gerenciamentos administrativos mais amplos
que escapam à alçada da direção e dos professores:
186
Tabela 27 - Distribuição de atributos por categorias referentes aos incentivos e ou comprometimentos com
a promoção Educação Sexual, por parte da escola ou Secretarias de Educação
Categoria Atributos N
%
Desenvolvimento de projeto apoiado pelas Secretarias de
Educação do Estado
5 22,73
A preocupação é maior por parte dos coordenadores 3 13,64
Apoio em trabalhos eventuais por parte da escola 3 13,64
A formação continuada nem sempre contempla o professor 2 9,09
A direção dá apoio, mas muitos professores não realizam o
trabalho porque falta formação
2 9,09
Vendedores de livros contribuem com palestras 2 9,09
Participação em curso DST/AIDS oferecido pela SEDUC na
década de 1990
2 9,09
Política de Educação em Saúde: os Postos 1 4,55
Realização de Cursos no CEFAPRO em outras áreas, por
exemplo, matemática
1 4,55
Formação Profissional e apoio
institucional
A forma ineficiente dos repasses dos cursos 1 4,55
Total 22
100,00
Apesar da presença de atributos que indicam indisposições de atenção com o
atendimento à Educação Sexual por parte de instâncias superiores, tanto aos professores
quanto à parte física das escolas, encontramos nos discurso dos respondentes épocas em que
aconteceu algum evento apoiado pela da Secretaria de Educação Estadual SEDUCMT.
Nessa questão, deparamo-nos com respostas evasivas ou lacônicas, uma vez
que alguns dos inquiridos se negaram a posicionar sobre o assunto. Aqueles que declararam a
participação em cursos, destacaram o Centro de Formação de Professores (CEFAPRO),
coordenado pela Superintendência de Formação Continuada, e pela SEDUCMT, com vistas
ao fortalecimento das políticas pedagógicas do Estado para melhorar os índices de
desenvolvimento educacional. Porém, os respondentes não mencionam temas referentes à
Sexualidade e Educação Sexual ou alegam dificuldades para participar dos cursos.
Outros depoentes pronunciaram conhecimentos sobre a diversidade sexual,
pela participação em eventos esporádicos, como distribuição de preservativos em algumas
escolas estaduais, por ocasião de campanhas sobre prevenção promovidas pela Secretaria
Estadual de Saúde (SES) e pelo Programa Educação e Saúde para um Adolescer Saudável
(EDUCAIDS).
As campanhas são uma iniciativa geradas pelo intercâmbio de experiências
entre as áreas da Saúde e da Educação na prevenção da AIDS. Os eventos são fruto de uma
parceria entre o Ministério da Saúde (MS), as Secretarias de Estado de Educação e Saúde
(SES), as Secretarias Municipais de Saúde e Educação de Cuiabá e de Várzea Grande e a
187
Associação de Prevenção e Tratamento da AIDS (APTA), uma organização não
governamental formada por profissionais da área de Saúde.
Em um desses encontros citados, que aconteceu pela terceira vez no ano 2006,
procedeu-se a uma mostra de projetos e pesquisas científicas desenvolvidas na área de
prevenção e combate à AIDS, concentrada na promoção de trocas de informação entre os
profissionais da saúde e da educação, constituindo-se em espaço para divulgação dos
resultados. Apesar de tê-lo mencionado, o grupo pesquisado demonstrou pouca familiaridade
com o acontecimento, que na proposta envolveria algumas das escolas objeto desta pesquisa.
De igual maneira, mostraram desconhecimento do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas
(SPE), proposto pelo Governo Federal e implantado desde o ano de 2006, envolvendo a
Secretaria Estadual de Saúde e Educação, conforme detalhamos no referencial teórico desta
investigação.
Dados da tabela em discussão mostram que os docentes mencionam os Postos
de Saúde como o lugar em que os alunos comumente vão buscar conhecimentos a respeito do
assunto. Este aspecto é corroborado pelos profissionais pesquisados por Coutinho (2005), que
apontaram ser esse o local em que os alunos costumam obter informações sobre métodos
contraceptivos.
Os professores entrevistados rememoram a década de 1990, período em que
houve treinamentos para a implantação de campanhas preventivas nas escolas. Entretanto,
segundo os declarantes, esses eventos também não conseguiram fixar-se nos estabelecimentos
de ensino, pois não havia acompanhamento das atividades nas instituições.
Outros respondentes procuraram estabelecer um paralelo entre os diferentes
trabalhos esporadicamente realizados pelas Secretarias de Educação Estadual e Municipal.
Contudo, quando solicitamos maiores detalhes sobre a questão, as respostas praticamente o
trouxeram esclarecimentos quanto à natureza das atividades desenvolvidas. Verificamos,
porém, que a Matriz Curricular do Ensino Fundamental prevê um trabalho de orientação
sexual que se processa de modo difuso, inserido na questão de Gênero, conforme estabelece a
proposta dos PCNs. Esse aspecto pode ser captado nesta fala:
Olha! O que eu percebi é que a rede municipal dá todo o suporte pro professor, no
sentido dos cursos preparatórios. O professor está trabalhando essa questão da
Sexualidade no tema gerador. Já na rede estadual eu não percebi isso daí, não vi
nenhum tipo de projeto, nada, nada. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos,
Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Observamos que desde a década de 1990, em Cuiabá, persistem tentativas e
preocupações no tocante à discussão da Sexualidade nas escolas. Há informações sobre a
188
participação de diferentes instituições tanto da área da saúde quanto da educação, apesar de se
constituírem em atividades descontínuas, isoladas e episódicas, não se caracterizando, pois,
como um trabalho sistematizado de Educação Sexual na escola.
Matanó (1990) e Werebe (1998) são algumas das autoras a considerar que uma
proposta nesse nível, para ter êxito, requer continuidade, acompanhamento das gestões
superiores e da direção das escolas, além da reestruturação do enfoque pedagógico. Os
professores não se sentem habilitados nas instituições de ensino, mais especificamente nas
universidades para trabalhar com o tema, conforme entendimento de Souza:
Nas instituições de ensino de todos os graus o conhecimento continua a ser visto de
formas divida em assuntos, em especialidades, sub-especialidades, fragmentando o
todo em partes, separando o corpo da mente, entre razão e a sensibilidade, sem se
preocupar com as interações, as sínteses, as continuidades. (SOUZA, 2006, p. 154).
Nesta mesma categoria Formação Profissional, foi possível identificar outros
aspectos abordados pelo grupo e sendo entendidos como impasses, que parecem
impossibilitar a inserção da Educação Sexual nas escolas. Razão pela qual esta unidade
temática foi subdividida, em função dos atributos específicos ao corpo docente e aos recursos
didáticos investidos nas atividades práticas do ensino da Sexualidade. A Tabela 28 mostra os
dados computados acerca do que pensam os respondentes sobre a relação das Instituições
Educacionais na figura das Escolas e Secretarias, nesse processo de ensino-aprendizagem do
tema sexualidade.
Tabela 28 - Possíveis fatores restritivos que comprometem o trabalho de Educação Sexual no conjunto das
escolas públicas pesquisadas
Restrições Atributos N %
Ausência de visitação e envolvimento por parte das
Secretarias de Educação distanciamento SEDUC e
professores.
14 31,82
Inexistência de uma política de capacitação que contemple
a formação do educador sexual nas escolas.
13 29,55
Devido a questões socioculturais que envolvem a educação
e a formação pessoal dos professores.
5 11,36
A Educação Sexual torna-se secundária. 4 9,09
Não sabem. 3 6,82
Os professores são excluídos das decisões. 2 4,55
Reavaliar a proposta vigente: por que trabalhar apenas a
prevenção de doenças?
2 4,55
Formação profissional e
recursos humanos
Dificuldades burocráticas para ser liberado das aulas para
participar de algum curso.
1 2,27
Total 44 100,00
Notamos que os atributos arrolados na Tabela 29 mostram resultados que
corroboram os dados explorados no estudo piloto que realizamos (OLIVEIRA; GATTI,
189
2006). Esta parte da pesquisa contou com a participação de uma quantidade menor de
docentes, mas oportunizou conhecer elementos sobre o parco envolvimento das Secretarias de
Educação Estadual e Municipal de Cuiabá com as escolas, conforme item destacado na tabela.
Notamos que a Educação Sexual na realidade dos estabelecimentos públicos de ensino de
Cuiabá ainda é um assunto tratado com discrição e restrições, inclusive devido à ausência de
políticas públicas educacionais para regerem ações educativas para as instituições.
Conforme comentamos anteriormente, Figueiró (2006) defende a necessidade e
a importância de os gerenciadores da Educação se comprometerem com o estabelecimento de
um trabalho de Educação Sexual na escola. Como pudemos notar, as concepções do conjunto
de docentes estudados comportam elementos de RS de Educação Sexual fundamentados em
suportes tanto de formação e de envolvimento dos dirigentes do ensino nas esferas municipais
e estaduais, quanto de materiais pedagógicos ou audiovisuais que dinamizem suas aulas.
Nos fragmentos de entrevistas coletadas, os depoentes opinam sobre os
materiais pedagógicos e os recursos audiovisuais de que se servem para ministrar suas aulas.
Detectamos nos atributos alegações desde o nível de gerenciamento, burocracias, políticas e
dificuldades inerentes ao despreparo de um conjunto de professores que não se sentem
qualificados para trabalhar o tema Sexualidade.
Uma professora relata as complicações institucionais que precisam ser
dribladas para se capacitar em alguma área por meio de um curso:
Porque esses cursos, quando são dados pela Secretaria, o professor pra participar, ele
tem que deixar substituto. Ele não pode faltar e, se faltar, vai levar a falta, que no
Estado é descontado. Aí, no ano seguinte ele tem contagem de pontos, então ele
pode ser prejudicado. No município você tem que pagar substituto, então os
professores não fazem muitos cursos por causa disso. Porque não oferece, quando
oferece pra todos, tudo bem, nós vamos. (Professora, católica, casada, 51-60 anos,
Língua Portuguesa, acima de 21 anos de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Situação semelhante foi destacada pelos docentes pesquisados por Figueiró
(2006), em relação ao que a autora destaca a importância do comprometimento das
instituições com políticas de formação de educadores sexuais, pois muitas vezes o professor é
despido de autonomia para tomar decisões. Assim, nas RS do grupo estudado, a Educação
Sexual é avaliada como uma questão política que deve ser construída com a participação dos
educadores, sendo necessário a negociação entre as partes - dirigentes das escolas e
fomentadores de políticas educacionais para que tomem parte da capacitação e da definição
dos programas de Educação Sexual na escola pública.
Diante desse aspecto, parecem pertinentes as observações dos professores,
quanto ao fato de a escola receber a demanda das ações dos Programas e Políticas Sociais de
190
Prevenção do Ministério da Saúde. Afirmam que nem sempre são convidados a participar.
Suas atitudes são avaliativas. A esse respeito, uma entrevistada criticou a proposta da
educação em saúde, que visa educar para a prevenção de doenças:
Quando você ensina para usar a camisinha, você está dizendo que pode transar à
vontade [...]. (Professora, evangélica, casada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima
de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Para os docentes os conhecimentos transmitidos nos trabalhos da proposta de
Saúde e Prevenção ficam fraturados e não atingem a consciência crítica dos alunos. Como as
atividades são descontínuas, dúvidas sexuais ficam sem esclarecimentos. Desta forma essas
transmissões não parecem levar em conta o contexto do desenvolvimento da escola e dos
currículos e as práticas dos atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem.
Entendemos que a educação sexual é uma questão de direito, pois ela faz parte
do processo de formação dos jovens. O direito aos conhecimentos sexuais envolve qualidade
de vida das pessoas. Dentro desta visão, ela deve fazer parte das estratégias e táticas políticas
dos órgãos governamentais. Neste sentido, como observamos que o poder está no discurso,
logo no contexto da escolarização deve-se considerar as micro-práticas do poder nas
instituições educacionais. A quem interessa o ensino da sexualidade na escola?
A Tabela 29 versa sobre recursos didático-pedagógicos cujos atributos estão
organizados em função dos maiores percentuais apresentados.
Tabela 29 - Distribuição de atributos por categorias segundo opiniões dos entrevistados sobre recursos
didático-pedagógicos para a Educação Sexual
Categoria Atributos N %
Desconhece 14
27,45
Nunca viu 11
21,57
Não sabe 4 7,84
Material adquirido nos cursos em 1998 4 7,84
Não existe nada sobre Sexualidade 4 7,84
Insuficiente 3 5,88
Adquirido individualmente 3 5,88
Existem alguns recursos materiais 3 5,88
Não se lembra 2 3,92
Deixa muito a desejar 1 1,96
Muito mal o livro didático 1 1,96
Formação profissional e Recursos Didáticos
Existem materiais por iniciativa da escola
1 1,96
Total 51
100,00
Com exceção de alguns professores das áreas de Ciências e Biologia, que
disseram ter adquirido alguns materiais didático-pedagógicos, como próteses dos órgãos
191
sexuais, que foram doadas por médicos ginecologistas, a maior parte dos docentes que
responderam à questão ajuízam atributos como desconhece, nunca viu e não sabe - que
atingiram os maiores índices destacados na tabela.
Novamente a década de 90 foi enfatizada por alguns educadores como a época
em que granjearam alguns auxílios didáticos para suas aulas. Outros os compraram com
recursos próprios ou a escola adquiriu por meio de campanhas com a comunidade. Demais
declarações apontam para a inexistência desses materiais na escola. Ainda, se existem, não
contemplam a demanda ou apresentam-se danificados, como relata a entrevistada.
Mas tem escola que tem sim material didático. Assim, o esqueleto do corpo humano
para mostrar, mas muito superficial, vem faltando peça, já perdeu algumas... Então
não pra trabalhar completo. (Professora, católica, Língua Portuguesa, 20-31 anos,
católica, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Segundo os informantes, a carência desses materiais como recursos que
poderiam refletir na motivação dos alunos e diversificação da rotina da sala de aula, geram
dificuldades no desenvolvimento das aulas de Sexualidade, restando-lhes como alternativa
apenas do livro didático. Apesar disso, depoentes de algumas escolas declaram que
aparelhos de som, tem DVD, tem vídeo cassete, tem tudo, mas sobre Educação Sexual, não
temos nada. Sobre o livro didático, uma entrevistada observa:
Eu aproveito os textos que o nosso livro traz. Aliás, têm alguns teóricos e gramáticos
que falam de uma forma muito negativa do livro didático. Que o professor tem que
trabalhar outras coisas, outras coisas? Mas como eu estava falando, o nosso recurso
ainda é só o livro didático. Como você não vai trabalhar com ele se é o único recurso
que você tem? (Professora, católica, divorciada, 41-50 anos, área de Geografia, 0-5
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Em geral, no contexto educativo são privilegiados o domínio dos conteúdos-
saberes e a tendência de se desenvolverem as aulas pelos aspectos verbal e escrito. Porém,
segundo Rena (2001), quando se trata do discurso sobre sexo e sexualidade, uma estratégia
indispensável à ampliação das possibilidades de expressão na ação educativa é incorporar à
metodologia outros canais de comunicação:
Assim, faz-se necessário aprofundar a parceria com as artes plásticas e dramáticas,
incorporando técnicas simples de desenho, escultura, dramatizações etc, que, muitas
vezes, cumprem com maior eficácia a tarefa de comunicar a realidade subjetiva.
(RENA, 2001, p. 57).
Desse modo, para os docentes a falta de recursos pedagógicos foi mencionada
juntamente com a ausência de capacitação no processo da formação profissional, como
verificamos nos dados arrolados nesta análise. As possíveis interlocuções entre sexualidade,
educação sexual e escola, parecem incluir como vimos o silenciamento e a negação. Este
192
aspecto é explicado por Castro em função da falta. De certa forma exige-se o profissional bem
preparado para falar do assunto.
Pode haver ainda a alternativa da busca pelo que está '“faltando”, ou seja, se os (as)
profissionais da Educação não têm “domínio” das questões relativas à sexualidade
deverão buscá-las em algum lugar, corrigindo essa “falha”, preenchendo a lacuna do
que “falta”. (CASTRO, 2008, p.3, grifo do autor)
Ao examinar os dados constantes nas tabelas que versam sobre a categoria
formação profissional, exibida anteriormente, notamos que os docentes manifestaram suas
opiniões acerca de todo o contexto social e prático das instituições que gerenciam o ensino na
rede pública.
Com base na Teoria das Representações Sociais, as opiniões são tomadas de
posição que levam em conta o processo de elaboração mental e social dos atores envolvidos.
Assim como as atitudes, elas são passíveis de mudanças. Essa realidade pode ser modificada
mediante as influências das comunicações dos docentes, dentro da época em que talvez
tenham sido observadas por outros atores. Entretanto, as atitudes organizam as representações
sociais que conduzem as condutas dos sujeitos.
Tendo em vista o objetivo mais amplo desta pesquisa, qual seja, identificar as
RS de Sexualidade e Educação Sexual, consideramos importante destacar a finalidade dessas
discussões como um diagnóstico institucional em um estudo deste nível. Este aspecto parece
contribuir para aqueles que traçam as pretensas políticas e programas sociais, no sentido de
levar em conta os conhecimentos que os usuários detêm ao perceberem a realidade sobre a
qual eles atuam.
Sobre esses resultados, uma leitura referida por Marková (2006, p. 203) nos
chamou a atenção: “[...] as representações sociais estão preocupadas com fenômenos
especificamente definidos que precisam ser analiticamente descobertos”. Nessa direção, a
autora também afirma que nem ‘todas as coisas’ constituem uma Representação Social. Tal
análise está em consonância com o que pensa Gilly (2001), ao afirmar que as investigações
referenciadas pela TRS permitem analisar a forma pela qual os fenômenos sociais atuam
sobre os fenômenos educativos e influenciam seus resultados.
Desse modo, embasados por essas considerações, nosso entendimento
corrobora o de Sousa (2000, p. 129), que estabelece:
[...] investigar representaciones sociales en educación no es solo elegir al profesor
o alumno como sujeto da investigación, sino que comprende un compromiso con la
transformación de la acción educativa, comenzando desde la comprensión del
contexto socio historico e cultural en que esta educación se realiza.
193
Esses referenciais possibilitaram-nos a proposição de que, em termos objetivos,
os discursos, os conhecimentos e os resultados apresentados sobre apoios institucionais
podem nos ajudar na compreensão da maneira como os professores ambicionam trabalhar
temas da Sexualidade e ou a Educação Sexual. Suas representações sociais parecem conter
elementos supridores da falta de, que teriam que ser superadas em uma ‘boa escola’. Esta
satisfaria as condições que não estão oferecidas, conforme analisa (SOUSA, 2005).
Conseqüentemente, esta necessidade precisa ser provida com maior aproximação dos
dirigentes institucionais das escolas, aulas bem equipadas, além de um quadro de professores
bem preparados.
Ao mesmo tempo, conforme analisa Souza, (2006) estes aspectos podem ser
pistas para construção de caminhos que precisam ser construídos visando promover o resgate
do potencial humano.
De certa forma, o grupo entrevistado reivindica as tecnologias que fiscalizam
que coordenam e que fornecem suporte, como afirma Foucault (2007). São dados que
refletem, no conjunto, o pensamento dos professores pesquisados acerca da macro-estrutura
ou do contexto da profissão e do trabalho docente pela sua complexidade, com implicações
nos níveis político, econômico e pedagógico que podem desencadear influências na realidade
escolar.
3.4.4 Dialogicidade no universo da escola: a socialização dos saberes de sexualidade na
produção de representações sociais
Jodelet (2001) defende que a comunicação configura um meio de transmissão
da linguagem, portadora em si mesma de representações, uma vez que estas podem ser
observadas em múltiplas situações: se movimentam nos discursos e são transportadas pelas
palavras propagadas em mensagens e imagens midiáticas e traduzidas em condutas e práticas.
Notamos que as respostas proferidas pelos professores pesquisados, articuladas
às proposições de Jodelet (2001, p. 28) quanto à pergunta “[...] de onde sabe?”, possibilitam
um entrelaçamento de significados que revelam, além do contexto, as circunstâncias nas quais
as informações de Sexualidade são processadas e veiculadas. As discussões estabelecidas
entre os sujeitos permitem reflexões voltadas para o que os docentes conversam entre si, sobre
o que discutem e sobre como se sentem mediante as trocas referentes à temática, quando
194
efetuadas na escola. Assim, vislumbramos de que maneira a comunicação cumpre o seu papel
na produção de Representações Sociais.
Nas entrevistas, em função das pausas, das fugas e da tendência em substituir o
substantivo sexualidade pelo pronome isso por ocasião da formulação das respostas,
chegamos a pensar que os professores não se sentem à vontade para abordar o tema
Sexualidade em sala de aula, conforme também apontam estudos mais antigos, como o de
Oliveira (1994) e de Carvalho (1997), e outros mais recentes, como Paredes, Oliveira e
Coutinho (2006).
Com base nesses dados, buscamos compreender como os professores se auto-
representam ao discutirem sexualidade, visando assim apreender as atitudes e as imagens das
facilidades ou dificuldades relacionadas às conversações estabelecidas entre os profissionais e
os jovens a respeito da questão.
Traduzindo as respostas em quantitativos numéricos, temos resultados
apresentados na Tabela 30.
Tabela 30 - Distribuição dos respondentes quanto às afirmações referentes ao compartilhar sexualidade
com colegas da profissão
Professores
Variáveis
N %
Sim 36 64,80
Não 15 26,70
Em branco 5 8,50
Total 56 100,00
Aproximadamente 65% dos 56 entrevistados afirmam conversar sobre
Sexualidade com os alunos. Portanto, em função da maior freqüência do atributo Sim, os
pesquisados declaram partilhar assuntos de sexualidade em algum momento no ambiente
escolar.
Contudo, parece que esses dados apontam para um paradoxo, se comparados
com os dados exibidos na Tabela 26 – apesar de existirem ocasiões que propiciam a discussão
do assunto, eles assumem-se desinformados em relação a ministrar conteúdos sobre
Sexualidade. Os inquiridos assumem-se despreparados conforme destacado nesta análise.
Dentre os temas, confessam deparar com dificuldades para trabalhar, por exemplo, a
homossexualidade.
Acho que são despreparados e são muito presos aos conteúdos. Quando tem alguma
coisa que possa sair, {da disciplina} vem sempre a estória: - e o que eu tenho que
ensinar? (Professor, 41-50 anos, católico, Educação Física, acima de 21 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
195
Neste caso, o entrevistado parece atribuir seu despreparo a outros professores,
uma vez que ele não se inclui nesse grupo, conforme evidenciado pelo emprego do verbo ser
na terceira pessoa do plural, eles são. Será que com essa fala esse docente se inclui no bloco
daqueles que estão qualificados?
Em outros casos, eles alegam carência tanto em relação à formação geral
obtida na graduação, quanto à continuada, uma vez que esta, segundo os depoentes, pouco
lhes é disponibilizada sob forma de cursos de capacitação pelas Secretarias de Educação do
Estado e do Município. O posicionamento a seguir ilustra tal preocupação:
A gente não foi treinada para isso, não foi orientada para isso. Então, ficamos com
receio de como falar, de que modo falar com os alunos, mesmo estando escancarado
nas novelas. Quando eles trazem o assunto [pausa] eles não usam termos cnicos,
[pausa] falam vulgarmente. É meio complicado. (Professor, religião indefinida,
solteiro, 20-30 anos, Ciências, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Esse depoimento sinaliza que o silêncio impera em torno das discussões de
Sexualidade. Os sujeitos tanto responsabilizam o Estado, que não parece priorizar a formação,
quanto atribuem a tarefa para outro professor, parecendo se isentarem do encargo. Assim,
enquanto o outro discute o tema, este se protege da exposição.
Aspectos que podem contribuir com RS da Sexualidade enquanto assunto
difícil e a falta de domínio de alguns temas, faz com que se sintam inseguros frente aos
alunos:
Acho que por falta de bagagem para conversar. Estes alunos são tão espertos que
afinal, estou com o Ensino Médio, preciso de muito conhecimento, não posso falar
como se fala numa quinta série. (Professor, católico, 31-40 anos, Geografia, 16- 20
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
A provável insegurança pode também ser traduzida nas próprias palavras de
outros depoentes, ao comentarem o que pensam sobre seus colegas em relação ao assunto.
Entretanto, o substantivo descomprometimento fez-se presente nos relatos:
Além da formação, eu acho que é o próprio professor que não quer se comprometer
mesmo, né? Comprometimento frente aos alunos. Não é um assunto que [pausa],
melhor deixar pra lá, e {pausa}, eu aqui, deixa quieto como está [pausa], não vou me
envolver porque não quero me incomodar com isso. Eu acho que talvez seja
comodismo, né? (Professor, católico, casado, 31-40 anos, Química, 6-10 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Entretanto, não parece possível descartar as opiniões de alguns depoentes
quando se apóiam em sentimentos que denotam estados de mal-estar, como receios,
constrangimentos, embaraços, anteriormente observados.
196
Pelo extrato a entrevistada recorre à metáfora - [...] eu sinto que estou no
caminho errado; ou, então, buscam um conhecimento de origem sobrenatural frente as
indagações dos jovens:
Mesmo que o professor tenha certa dificuldade, igual eu teria, que naquela hora
parece que a gente tem uma inspiração de cima {Deus} e a gente consegue falar,
né? Nem que seja para dizer, graças a Deus eu dei conta. (Professora, católica,
divorciada, 51-60 anos, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Nesse excerto, vemos que a crença e a em um ser supremo propiciam para a
entrevistada certo conforto e segurança, pois ela acredita que assim se torna capaz e conta
de responder às dúvidas sobre Sexualidade apresentadas pelos alunos. A esse propósito,
Moscovici (1978) esclarece que conteúdos de RS podem envolver conhecimentos e crenças,
que normalmente estão incrustadas, embutidas na cultura, na tradição, na linguagem, como
forma de ajudar o interlocutor, no curso das conversações, a se orientar por modelos
simbólicos, imagens e valores. O sujeito precisa encontrar maneiras para explicar determinada
realidade, ainda que seja recorrendo aos deuses.
Nesse grupo de respostas encontram-se os depoentes que afirmam nunca terem
passado por alguma situação em que fosse necessário expor o assunto para ser discutido em
sala de aula. Porém, quando falam da indisciplina dos alunos, ajuízam circunstâncias que
caracterizam exibicionismo de alunas com uma Sexualidade desregrada.
Outras ações educativas dos professores referentes à Sexualidade no contexto
escolar são acompanhadas por temores:
Não é trabalhado, existe muita resistência por parte dos próprios professores. Medo
de se falar algo que chega a comunidade e os pais não gostam. Falta de preparo,
capacitação, despreparo, preconceitos. (Professor, católico, solteiro, 41-50 anos,
Educação Física, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Nesse sentido, quando um docente considera sua opção sexual, como exposto
no trecho da entrevista a seguir, a preocupação quanto ao risco de demissão do trabalho faz
com que não se sinta à vontade para conversar o assunto com a classe:
No meu caso, é mais curiosidade. Pelo tipo de pergunta que eles {os alunos} fazem,
é mais por curiosidade. Daí eu receio estar tocando nesse assunto pra não me
prejudicar profissionalmente. (Professor, 31-40 anos, católico, área de Química, 6-
10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Acerca da orientação sexual Sebastião Junior (2002, p. 108) adverte que esta
opção parece interferir nas relações intra-escolares, produzindo contradições. Em sua
pesquisa, o autor identificou uma escola em Cuiabá na qual os professores que se declaram
homossexuais consideraram esta dificuldade no espaço profissional. Em suas análises,
197
observou a necessidade de reflexão crítica sobre o tema, como forma de superação do
homofobismo e que possa contribuir com a: “[...] desconstrução de processos reguladores de
identidades que convertem diferentes em desiguais em nossas escolas”. Apesar de alguns
movimentos sociais promoverem abertura com vistas à democratização dos direitos humanos,
dentre eles o direito à diferença, o assunto homossexualidade, ainda mantém-se obscuro no
contexto da cultura escolar.
Prosseguindo com a análise a respeito do modo como acontecem as conversas
ou os debates de Sexualidade sobre as questões abordadas pelos alunos no ambiente escolar,
observamos que os relatos dos docentes entrevistados nos levaram a refletir sobre a vivência
da sua sexualidade (individual) no contexto (social), pelo aspecto do contexto da educação de
sua geração, que parece implicar na formação de sua auto-imagem.
Para o grupo estudado, o passado condiciona o presente e os ensinos culturais e
sociais adquiridos na educação familiar influenciam os valores identitários-sexuais:
Minha geração foi muito pouco trabalhada para lidar com certas situações que
acontecem hoje, pois são totalmente diferentes da minha época. Mais repressora,
não pode isso, [...] aquela criação dos pais, mais da década de 1960. Nós não
tivemos com nossos pais alguma abertura. Eram mais fechados, sem muito diálogo.
Acho que tudo isto que está acontecendo na nossa sociedade moderna. Acho que
esse tema tem que obrigatoriamente, uma importância muito maior hoje. (Professor,
41-50 anos, católico, Matemática, 21 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
As questões sobre o relacionamento individual e social têm sido histórica e
contemporaneamente conceituadas e justificadas através do entendimento de que o eu e o
outro são dois elementos em interação. Parece existir um processo comunicativo no qual os
atores são partes interdependentes, um constituindo o outro (MARKOVÁ, 2006). Assim os
pares de antinomia, o individual e o social, podem fazer parte do aspecto psicossocial das
Representações Sociais. Nesse sentido, o contexto pode influenciar na história dos sujeitos e
este pode ser modificado por aquele.
Essas discussões ajudam-nos esclarecer porque, em face das dificuldades de
conversarem sobre os temas de Sexualidade, mesmo sobre o namoro na escola,
relacionamentos comuns entre os jovens, algumas vezes os professores se rotulam como
antiquados e preferem não se manifestar. Algumas das adjetivações parecem ligadas às RS de
si mesmos conduzidas pelas concepções e valores em que se apóiam, quando comparam o
ambiente escolar e os relacionamentos afetivos de alguns alunos.
{Pausa} É... Eu acho que eu sou um pouquinho, {risos}, não muito moderna. Acho
assim que nós não devemos confundir as coisas, nós estamos dentro de um
estabelecimento de ensino, e {pausa} nós devemos seguir as regras, se existem as
198
regras nós devemos obedecer. (Professora, religião indefinida, 31-40 anos,
Matemática, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Diante de sua desqualificação, os docentes sentem-se inibidos e tentam se
defender:
Eu acho interessante trabalhar estas questões na escola. Só que a pessoa precisa estar
preparada para isso. Eu não trabalho, não é porque eu sou uma pessoa fechada. Falta
preparação. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Geografia, 16-20 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Nas situações em que avaliam os bons modos esperados pelo social, referindo-
se à sexualidade das alunas, os docentes se auto-representam moralistas:
Até tem esse perfil do professor para não estar fazendo a apologia da sexualidade
na série, porque esta série é de adolescentes em que esta questão está aflorada
neles. Eu procuro ser até meio tradicional. Eu falo para as meninas: “procurem vir
com saias mais comportadas, tenham amizades com os meninos, mas não precisam
avançar tanto.” (Professora, 31-40 anos, religião indefinida, Língua Portuguesa, 6-10
anos de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
A idéia de Sexualidade como segredo proveio do regime vitoriano, século
XVII, quando se passou a recobrir o assunto sexo por meio de melindre, referido com uma
linguagem pudica, sobretudo em função do confisco empreendido pela família burguesa.
Assim, dados indicam que as dificuldades que envolvem os docentes no estabelecimento de
diálogos sobre Sexualidade com os alunos se assentam em uma imagem cujos princípios
estejam estruturados desde muito tempo na sociedade. Entretanto, notamos que as
representações sociais dos entrevistados comparecem associadas a idéias de que o sexo deve
ser discutido na família.
Percebo que tem pessoas {professores} que não conseguem falar sobre a
sexualidade. Pensam que não é papel. Este não é meu papel, quem instrui é o pai e a
mãe. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Ciências, 6-10 anos de serviço, nível
de Ensino Médio, estadual).
Em outro contexto discursivo, outro conjunto de professores justifica não
dialogar questões de sexualidade na escola por problemas relacionados aos pais. Constatamos
pelas entrevistas que alguns progenitores foram apontados como opositores às discussões
sobre o assunto. Do conjunto de pouco mais de meia centena de depoentes, 20 se
defrontaram com algum tipo de dificuldade, conforme dados da Tabela exibida.
Registramos as declarações dos informantes sobre os tipos de conflitos
encontrados nestes relacionamentos, disponibilizados conforme Apêndice C.
199
Tabela 31 - Distribuição de categorias por atributos relacionados aos conflitos, frente às aulas de
Sexualidade
Categoria Atributos N %
Os pais vão à escola tomar satisfação. 9 45,00
Pensam que os pais não aceitam. 6 30,00
Influência devido a opção religiosa. 2 10,00
Aluno agrediu professora com palavrões. 1 5,00
Os colegas da profissão perseguem. 1 5,00
Atribuem o fato de não
falar de sexualidade aos
pais dos alunos
Acha que a criança pode distorcer tudo. 1 5,00
Total 20 100,00
Do total de respostas computadas, estima-se que a metade delas indica
situações conflituosas com alguns genitores, em função das referidas aulas. Eles comparecem
em busca de explicações de por que ensinar Sexualidade na escola. Assim, temos uma
situação que, segundo os docentes, se sentem impedidos de discutir o assunto nas aulas.
Este resultado analisado pela perspectiva foucaultiana, em relação à instituição
familiar, parece que ainda se apresenta como um dos principais agentes de um dispositivo de
sexualidade. Nem sempre discutem o assunto com os filhos, pois pensam fazer parte do
discurso da escola, entretanto, quando esta se propõe, analisam como se a escola estivesse
incentivando a prática sexual.
De acordo com Moscovici (2003, p. 31): “As formas como reagimos aos
acontecimentos estão relacionadas à definição comum a todos os membros de uma
comunidade à qual pertencemos”. As representações tanto nos orientam em direção ao que é
visível, quanto ao que se relaciona com a aparência de coisa real. Assim, uma coisa é o que é,
e outra respeita ao que se pensa sobre ela.
Outro conjunto de respostas, cerca de 30% como mostra a tabela em discussão,
diz respeito às imagens que os respondentes fazem dos pais acreditando que estes não
concordam e se preocupam com o que dirão a respeito. Receiam também que os genitores não
estejam preparados para dar continuidade ao assunto no ambiente doméstico, caso sejam
interrogados pelos filhos. Em decorrência, os professores têm uma imagem idealizada dos
pais ao supor que alguns destes possam ficar insatisfeitos com a abordagem de Sexualidade
em sala de aula. Ou seja, eles imaginam e se preocupam com o que a comunidade pensará
dessas aulas.
Dentre os investigados há os que acreditam na existência de pais que não
aceitam a discussão sobre Sexualidade em sala de aula e, outros que se preocupam com o que
os pais dirão do professor e da escola, no entanto todos optam por não ministrar aulas que
200
focalizem o assunto. Ademais, alegam sentir medo das repercussões por considerarem o tema
perigoso, como comprova a fala seguinte:
A criança pode distorcer tudo, chega em casa e conta coisa distorcida, pode criar até
um problema entre o professor e o aluno. (Professora, católica, 51-60 anos, Língua
Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
A imagem real ou ideal que os docentes fazem dos pais dos alunos conduz-nos
a atitudes que envolvem a decisão de se discutir ou não a Sexualidade na escola. Tal aspecto
pode estar relacionado à preocupação dos professores diante do que os pais vão dizer ou à
capacitação profissional. Apóiam-se em falta bagagem para abordar o tema, como dizem
metaforicamente. Ficam imaginando, portanto, a repercussão do assunto ao ser compartilhado
na família pelo estudante.
[...] e se algum pai ou alguma mãe levar para outro lado e achar que você está
querendo {pausa}, então, vo fica meio receoso de trabalhar isso
.
(Professor,
católico, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Ainda sobre a Tabela 31, outros atributos variam e, apesar de pouco
representativos, adquirem alguma repercussão no contexto escolar. Nesse conjunto, encontra-
se a agressão verbal pelo aluno, gerando uma relação conflituosa na escola, conforme depõe a
docente.
Aluno me agrediu com palavrões. A mãe levou o caso ao juizado da infância e
adolescência e contou o fato da forma como ela bem quis. (Professora, católica,
solteira, 31-40 anos, Geografia, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Conforme dizem os entrevistados, as palavras de baixo calão são comumente
mais dirigidas às professoras. Várias outras situações acontecem no ambiente escolar e,
embora pouco freqüentes, rendem-lhes algum reflexo negativo. Referimo-nos aos casos em
que professores são denunciados pelos próprios colegas por assediarem alunos, sobretudo os
profissionais do sexo masculino.
Diante da acusação, aqueles se defendem dizendo que os colegas não entendem
por que o assunto Sexualidade está sendo trabalhado nas aulas. Nesse caso, o denunciado
sente-se mal interpretado e prefere não comentar mais o assunto.
Não é com as crianças! Se o aluno chega conversando com você, eles {os
professores} levam isso para o patamar diferente. Você está cantando aquele lá.
Você já está ficando com não sei quem. O próprio professor critica o colega.
(Professor, religião indefinida, casado, 51-60 anos, Geografia, Ensino Médio,
estadual).
201
Ainda com relação aos atributos da tabela sob análise, notamos pela leitura dos
dados que a crença religiosa foi apontada por alguns entrevistados como sendo um aspecto
que interfere na abordagem do tema Sexualidade na escola. Entretanto, tal influência não diz
respeito apenas à formação religiosa dos pais, mas também dos educadores, como
apreendemos deste excerto:
Porque a nossa formação, pelo menos a minha, pode-se dizer é, proveniente da
educação católica, essa coisa que você vem trazendo desde a idade média, que você
tem que esconder o corpo, tudo é vergonha. (Professor, católico, 20-30 anos, Física,
0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Além deste, uma professora afirmou conhecer colegas que professam alguma
crença e que por isso não ensinam sobre assuntos relativos à Sexualidade. Assim, com esse
universo nocional previamente identificado, pressupomos que as situações constrangedoras
podem estar associadas a fatores religiosos.
Em termos qualitativos, essa parece ser uma das variáveis que favorecem as
implicações quanto aos problemas de relacionamentos envolvendo pais e escola, em razão das
aulas de Sexualidade. Todavia, conforme observamos no estudo realizado por Paredes,
Oliveira e Coutinho (2006), professores que ministram aulas de Ensino Religioso são
chamados para inserir no planejamento de suas aulas discussões que envolvem o assunto.
Autores mostram que, de maneira geral, as atitudes de pessoas ou de grupos
sociais são afetadas ao sustentarem conjunto de normas religiosas em relação à sexualidade.
Destacam que a inter-relação entre religião e comportamento sexual, ainda parece pouco
explorado nas literaturas científicas brasileiras. (PAIVA; ARANHA; BASTOS, 2008).
Segundo esses pesquisadores, em geral os cristãos escolheram alternativas de respostas mais
coerentes com os valores tradicionais da sua crença, sendo favoráveis ao uso do preservativo.
Igualmente, os entrevistados católicos, pesquisados em 2005, apresentaram apoio majoritário
quanto ao uso deste método, se comparados com os dados de 1998. Os kardecistas, os filiados
à tradição afro-brasileira e os que declaram não ter religião foram mais tolerantes com relação
às práticas menos tradicionais
.
Foucault (2007, p. 11), analisando a influência da era vitoriana, que impôs
regras em relação à sexualidade do Ocidente, considera que algo da ordem da revolta, da
aproximação e da chegada de uma nova lei sobre as velhas tradições passa sobre o discurso da
opressão ao sexo: “Esse discurso sobre a repressão moderna do sexo se sustenta. Sem dúvida
porque é fácil de ser dominado. Uma grave caução histórica e política o protege; pondo a
origem da Idade da Repressão no século XVII [...]”.
202
Portanto, ao verificarmos a atitude dos professores, associadas ao aspecto
religioso e ao desentendimento de pais de alunos e professores em relação ao assunto
Sexualidade na escola, depreendemos que estamos diante de duas situações: um grupo de
docentes que se apresentam reticentes para discutir o assunto para evitar conflitos com a
comunidade; outro conjunto que fala dele de uma forma velada por temer a reação dos
genitores, caso o aluno compartilhe o assunto na família. Os componentes representativos
desse conjunto de entrevistados em relação aos pais constituem-se de imagens negativas em
face do que imaginam que esses últimos dirão a respeito: sexualidade o é assunto para ser
ensinado na escola.
Ao relatar sobre sexualidade, os docentes discorrem acerca do que pensam
sobre os comportamentos de alguns pais que visitam a escola quando se discute o assunto.
Assim, o aspecto mental das RS refere-se ao modo como os pais são imaginados. Outra forma
de análise, respeita aos fatos reais, concretos que acontecem no ambiente escolar, conforme
trechos dos discursos que seguem .
Perquirir o conteúdo das RS de Sexualidade implica uma análise do campo da
representação no qual as metáforas e as crenças do senso comum parecem objetivadas.
Alguns docentes utilizam essas figuras de retórica ao expressar sobre o enfurecimento dos
pais quando tomam conhecimento das aulas em que se discutiu sexualidade.
O pai veio bravo como uma fera. (Professora, religião indefinida, 31-40 anos,
Matemática, 11-15 anos de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Conforme Mazzotti (2003) as metáforas são centrais em toda argumentação.
Conforme observamos, apreendemos as formas simbólicas configuradas pelas atitudes dos
pais em alguns extratos de discursos.
O pai veio com sete pedras. (Professora, católica, 20-30 anos, Língua Portuguesa, 6-
10 anos de serviço, Ensino Médio, estadual).
Pai vem soltando fumaça pelo nariz. (Professora, espírita, solteira, 20-30 anos,
Química, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Notamos, a partir de Foucault (2007), que essas irrupções, incursões e
loquacidades em torno do tema Sexualidade, sustentadas por RS que denotam elementos de
profanação ou transgressão de regras, parecem ser uma forma de escancaramento do discurso
sobre sexo a partir de algum dispositivo, a exemplo do religioso e do familiar estabelecidos no
contexto da escola.
Mencionamos anteriormente que alguns pais que se vêem ofendidos procuram
os coordenadores ou os professores e acusam-nos de estarem incentivando os filhos ao ato
203
sexual. Nos depoimentos e nas aulas ou por ocasião das conversas sobre Sexualidade no meio
escolar, os genitores consideram que a professora que está ensinando sobre sexo, está falando
besteira e que é horrível ensinar este assunto na aula.
Esta forma de se esquivar diante do assunto, impedindo sua discussão ou
mascarando-o, configura-se como tática para não querer admitir a importância de abordar o
tema Sexualidade com os alunos. Afinal, “[...] Não querer reconhecer ainda é uma peripécia
da vontade de verdade.” (FOUCAULT, 2007, p. 64).
Quando o professor é solicitado a dar explicações por ter procedido a esse
ensino, justifica tratar-se de um tema constante do livro de Ciências adotado na escola. Porém,
alguns docentes reagem ou tomam certas atitudes, como, por exemplo, não mais trabalham o
conteúdo ou comentam-no com reservas, limitações e, inibidos, passam apenas a responder
alguma indagação do aluno.
Conforme os relatos, deixam de ensinar, ou pulam somente a parte referente à
reprodução humana, atitude que também foi observada por Matanó (1990), em pesquisas
realizadas com professores das escolas paulistanas. Esse conjunto de dados conduz ao
entendimento de atitude tomada enquanto posição simbólica, que, para Doise (2001, p. 193),
são atitudes organizadas a partir de um processo diferente daqueles pelos quais se engendram
as opiniões ou os estereótipos; nestes casos as RS são consideradas: “[...] princípios
organizadores dessas relações simbólicas entre atores sociais.”
É possível que nos conteúdos das representações dos docentes, diante da
necessidade de discutirem os questionamentos dos alunos, eles englobem elementos que
sinalizem receio, temor e fugas, retratados no conjunto dos sentimentos, como comentado
anteriormente.
Percebemos que a escola também se posiciona buscando alternativas e
estratégias para sanar os constrangimentos existentes no seu interior.
Fizeram reunião para saber se os pais aprovavam as aulas de Educação Sexual.
Como solução, a escola trabalhou os dois grupos separados e depois convidou os
pais para assistirem. Um grupo concordou, mas acharam que não deveriam dar
continuidade àquelas aulas e outros acharam que não, pois o tema é muito
vergonhoso. (Professora, espírita, 20-30 anos, Química, 0-5 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Nesta exposição percebemos que os professores avaliam que, antes de defender
um projeto pedagógico tematizando a sexualidade, a escola deve trabalhar com os genitores,
pois muitos não compreendem que esta seja também uma atribuição da instituição de ensino.
204
Segundo Doise (2001, p. 200) os julgamentos que as pessoas emitem sobre
condutas, verdades ou crenças são sempre atos sociais que se inscrevem na dinâmica de um
campo social “[...] os julgamentos são no nível do indivíduo, instâncias pelas quais suas
atitudes atualizam relações sociais e organizam-se em representações sociais”. Embasado
neste referencial e tomando o somatório dos atos sociais discorridos nesta análise, notamos
que no plano individual as repercussões negativas do assunto sexualidade resultam no
desprestígio do docente porventura envolvido nos incidentes; no aspecto coletivo, uma
atmosfera de desconforto instala-se no ambiente de trabalho. Pelo que pudemos observar, nas
aulas não houve evidências da existência de uma proposta organizada e planejada de
Educação Sexual, havendo, porém, problemas associados a essa área do saber, que parece
carecer da intervenção da escola.
Em suma, nos discursos parecem existir elementos que ligam a sexualidade à
repressão, ancorada no temor de ser denunciado, uma vez que falar de sexo significa, para
muitos, transgredirem leis da ordem do sagrado, pelo prisma da religião ou da natureza, e
pela procriação, legitimada pela família. A escola, impregnada de seus valores, nem sempre
comparece desprendida dessas normas, pois ainda se utilizam das proibições, das recusas e
negações quando se discute Sexualidade. Foucault (2007) nos auxilia a entender que, ao
colocar o sexo em foco, a sociedade, em vez de manter-se restrita ao assunto, torna-se um
mecanismo de crescente incitação. Assim, além da escola, a mídia e outros meios, como o
sistema de saúde, relacionam os saberes da Sexualidade às técnicas de poder.
Considerando os dez anos de inserção da proposta dos PCNs (1998), pela via
interdisciplinar, propondo que a Sexualidade seja trabalhada em todas as disciplinas do
Ensino Fundamental e Ensino Médio da Educação Básica, o tema aludido ainda figura em
fase de iniciativas, apesar de ser abordado por outras maneiras, diferentes do que é prescrita
nesses documentos oficiais. No âmbito escolar, notamos que essas discussões ainda
desencadeiam os atritos eventuais entre pais e mestres, levando-nos a considerar que o
assunto ainda se apresenta mesclado pelo falar e o não falar de sexo na escola.
De posse desses resultados, pudemos verificar de que maneira os professores
partilham entre si questões de sexualidade no cotidiano da escola. Conjeturamos a
possibilidade de identificar quais são os aspectos do tema postos em discussão e o que poderia
justificar a decisão de não se discuti-lo. Balizamos as análises pela indagação proposta por
Jodelet (2001, p. 28) o que sabe e com que efeito, na tentativa de configurarmos o papel
fundamental da comunicação nas trocas e interações que concorrem para a criação de
representações sociais enquanto um saber prático.
205
Classificamos nas entrevistas as respostas em categorias menos amplas e
agrupamos por freqüências de pertinência os assuntos que motivam as conversações. Com
esse fim, observamos as recomendações de Franco (2003) quanto à intensidade das
conversações, classificada em três níveis: sempre, pouco e às vezes. O conjunto de dados
encontra-se disponibilizado no Apêndice D.
Veremos que os atributos expressos na Tabela 32, seguinte, representam os
fatos, episódios ou casos que acontecem em sala de aula e na escola e que justificam as
conversas entre os professores. Ressaltamos que os quantitativos percentuais são apresentados
em função do total das justificativas explicitadas e não a partir do número de entrevistados.
Tabela 32 - Distribuição dos atributos quanto aos temas compartilhados entre os professores
Categoria Atributos N %
Gravidez na adolescência 13 26,00
Queda no rendimento escolar 10 20,00
Sexualidade na adolescência 10 20,00
Sexualidade dos professores 5 10,00
Iniciativas em desenvolver projetos 4 8,00
Temas eventuais como violência e
drogas e sexualidade
4 8,00
Namoro entre discentes 4 8,00
Conversas de sexualidade com os colegas da profissão,
somente relatos de incidentes críticos.
Total 50 100,00
Notamos que a maior parte dos temas que fazem parte das conversações entre
os docentes engloba assuntos decorrentes da Sexualidade dos alunos e ocorre em função de
acontecimentos de diversas ordens, sendo os mais destacados, a gravidez e suas implicações,
como as faltas das alunas às aulas ou casos de abortos.
Nessa perspectiva, os professores demonstram preocupações sobre a gravidez
precoce e os fatos disso decorrentes, considerando que ser mãe na adolescência acarreta à
jovem uma grande responsabilidade: interrompe os estudos para assumir o bebê, muitas vezes
sozinha, haja vista que nem sempre o pai, em geral um adolescente, adota a mesma postura.
Nesse âmbito também se incluem as conversas sobre a precocidade com que os jovens
iniciam suas práticas sexuais. Nesse sentido, as RS de Sexualidade, a partir do que os
informantes pensam sobre a ocorrência de gravidez entre as alunas, configuram-se pelo
aspecto prejudicial, restritivo, entendidas como empecilho à realização do projeto de vida
dessas futuras mulheres.
Resultados semelhantes foram apresentados e discutidos em Altmann (2005),
que analisa a gravidez na adolescência como algo além do aspecto individual. Não se trata
206
apenas de impedimento à consecução desse projeto, mas também como um problema social
grave que demanda respostas efetivas por parte das políticas traçadas para a saúde pública. Na
acepção da autora, a gravidez entre adolescentes não deve ser vista como uma realidade
biológica e sim como resultado de um processo social e cultural. Esse fato tem feito parte das
mudanças que têm acompanhado o contexto familiar desde a metade do último século, tendo
em vista as modificações de costumes e hábitos promovidos a partir da revolução sexual,
conforme Luz (1999). A mídia impressa e eletrônica tem contribuído para veicular matéria de
sexualidade e prevenção, por exemplo. Dentre outros temas apresenta idéias que possibilitam
ao jovem fazer distinção entre relacionamento sexual e procriação e que vêm influenciando a
vida dos jovens.
No decorrer das entrevistas, verificamos certa dificuldade por parte dos
docentes em adjetivar a gravidez na adolescência, hoje considerada antecipada ou precoce.
Notamos também que a televisão emprega termos diferentes. De alguma forma, a literatura da
área tem apontado uma série de controvérsias quanto a essa nomenclatura. Altmann apresenta
uma discussão específica sobre o tema Ensinando a prevenir a gravidez precoce, a partir da
alusão feita por uma informante de sua pesquisa, para a qual uma gravidez nessa faixa etária é
frequentemente e de alguma forma desejada:
O termo “não-planejada” [...] implica uma capacidade de projetar o futuro, o que é
uma disposição socialmente adquirida, nem sempre presente. Semelhantemente, o
termo precoce, indica que esta faixa etária não é considerada ideal para uma
gravidez, a qual deve ser postergada. Desse modo, o termo atualmente utilizado tem
sido gravidez não prevista [...]. (ALTMANN, 2005, p. 22).
Quanto à postura omissa da paternidade adolescente, os docentes consideraram
a causa que a impulsiona o machismo que impera na sociedade brasileira, no qual os pais, por
comum se apóiam e dão cobertura ao homem. De alguma maneira, esse comportamento
ancora-se nas diferenças entre os papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher, os quais
garantem a proteção social para o jovem pai e o direito de procriar e cuidar da cria para a
fêmea. Sobre a questão, vejamos um juízo crítico de uma entrevistada que parece retratar
idéias externas que circulam no espaço público.
[...] Não..., ele ainda é um garoto, não tem condições de assumir, mas a menina
pode! Ela também é menina, mas ela pode gerar, ela tem que dar à luz, ela tem que
passar a noite acordada ... (Professora, católica, solteira, 41-50 anos, Língua
Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Bourdieu (1999) aplica o conceito de habitus ao analisar o processo de
dominação masculina pelo prisma do processo de subordinação do gênero feminino. No
entendimento do autor, a dominação masculina exercida sobre as mulheres é apoiada na
207
violência simbólica e estabelecida a partir do compartilhamento entre quem domina e quem é
dominado.
Segundo Silva (2003, p. 3) “Isto não ocorre a partir de mecanismos
conscientemente elaborados pelos homens para exercer sobre as mulheres, mas a um
gradativo processo gradativo de naturalização”. Esta impregnação recebe o respaldo da mídia,
em especial nas propagandas que veiculam sobre o papel feminino associá-la à publicidade de
vendas de produtos de limpeza, por exemplo. Referindo ao distanciamento da paternidade por
parte do jovem, ele pode tentar se apoiar no entendimento de maternidade, no princípio em
que cabe à mulher a responsabilização pelos cuidados dos filhos.
O atributo seguinte da Tabela 33 queda no rendimento escolar reúne quase a
metade do total de respostas relacionadas. Nesse item incluem-se as faltas dos alunos à escola,
que, na maioria das vezes, são acompanhadas ou requerem maior atenção quando se referem
às meninas, pois, na acepção dos depoentes, quase sempre essa ausência está relacionada à
gravidez.
Outro aspecto observado nessa categoria respeita ao acompanhamento dos
processos de licença gestantes. No entendimento daquilo que chamamos de ritual da licença,
esse aparato legal, na visão de Foucault (2007), pode ser entendido como uma tecnologia do
sexo, uma maneira de que a escola se utiliza para incrementar a proliferação e divulgação do
assunto Sexualidade em seu interior, por meio de alguma norma.
O atributo Sexualidade na adolescência, com a mesma freqüência que o
anterior, trata das manifestações da sexualidade através dos comportamentos observados pelos
docentes em relação aos alunos e das dúvidas que estes compartilham com os professores.
Uma das características da adolescência é a maturidade sexual, responsável por
desencadear a acentuada atividade dos hormônios e das glândulas, dotando os jovens na faixa
de idade entre onze e quinze anos de capacidade reprodutiva. A esse propósito, Zagury (2001)
nos informa que as meninas amadurecem sexualmente mais cedo do que os meninos,
entretanto as mudanças corporais tanto físicas quanto biológicas e psíquicas são notórias em
ambos os sexos.
Pelo que disseram os entrevistados, nessa fase despertam-se nos jovens de
ambos os sexos as curiosidades naturais, como a primeira relação sexual, a excitação do corpo
diante das imagens televisadas e ou fotografadas e os comportamentos eróticos, a busca de
identidade, a descoberta de si e do outro. Entretanto, o que inquieta os pesquisados é a
precocidade com que essa população se envolve nos relacionamentos, aspecto atribuído ao
208
distanciamento dos pais e à influência da televisão. Nas RS desses profissionais, parece haver
uma confusão entre as necessidades de sociabilidade e as necessidades afetivas dos jovens.
Diante disso, os professores, como analisam Paredes, Oliveira e Coutinho
(2006, p. 217), avaliam que: “[...] o tema, para seus alunos parecem objetivados na relação
sexual, pois, segundo eles, os conhecimentos e as dúvidas dos adolescentes estão relacionados
à prática de sexo.”
Ainda em relação à Tabela 33, temas referentes à sexualidade dos entrevistados
também foram declarados e fizeram parte do conjunto das histórias de vida de algumas
professoras que passaram pela experiência de uma gravidez não planejada. Entretanto,
afirmam que os assuntos mais íntimos são confidenciados apenas com os colegas mais
próximos. Afirmam que, pelas suas experiências e vivências orientam os alunos, alertando-os
para os aspectos impresumíveis; confere a depoente,
Porque quando eu falo para eles eu me vejo como se estivesse ouvindo alguém
falando isso para mim. Eu me sinto bem, como se de alguma forma eu estivesse
ajudando aos alunos, para não cometer o erro que eu cometi. (Professora, católica,
casada, 20-30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Em relação ao conjunto de entrevistados do sexo masculino, estes se limitam a
admitir que se envolvem com os assuntos, mas não quando se trata da análise de licença
gestante. Porém, houve aqueles que apresentam uma visão dita mais ampliada quanto à
questão da diversidade sexual e declaram participar de movimentos sociais ou de grupos de
discussão de assuntos da Sexualidade com os amigos e outras pessoas que constituem seu
círculo de convivência fora da escola.
Prosseguindo com a análise da Tabela 33, observamos que no item Iniciativas
e Projetos faz parte dos comentários a dificuldade para a escola em envolver outras áreas do
conhecimento no trato a sexualidade pela via da transversalidade. Esse foi um aspecto
analisado também por Coutinho (2005). Os professores reconhecem a necessidade de inclusão
da sexualidade nas aulas, mas consideram indispensável serem preparados para isso, assim
capacitando-se para que, distanciados de seus valores, conduzam um processo de ensino-
aprendizagem que inclua os tabus, os preconceitos e as crenças existentes na realidade social.
Em relação ao atributo Temas eventuais, um grupo de docentes declarou
entender que a Sexualidade comparece nas discussões relacionadas a drogas e à violência
externa, que, segundo um depoimento, culminou com o falecimento e a prisão de alunos.
Outros depoentes consideraram outro tipo de violência, a interna, que ocorre quando os alunos
falam mal, ameaçam e agridem verbal e ou fisicamente algum professor.
209
Quanto aos alunos que apelidam os colegas que apresentam comportamentos
afeminados, alguns docentes consideram como brincadeiras. Destarte, se é uma brincadeira,
não se configura como algo agressivo porque o aspecto da violência simbólica que aparece
objetivado pelos xingamentos toma a forma de divertimento para os colegas, analisa Sebastião
Junior (2002). Quanto às jovens, no trabalho realizado por Oliveira e Sousa (2008) os
informantes naturalizam os comportamentos delas pelo aspecto afetivo: sentar no colo, pegar
na mão é normal entre as alunas. Dessa maneira, depreendemos que os depoentes ancoram
seus conhecimentos no padrão de condutas ditas de desviantes, em relação ao que socialmente
se atribui como sendo de ordem normal no sexo masculino ou feminino.
Em relação à tendência do grupo em arriscar naturalizar os comportamentos
das meninas, “[...] a escola enrijece as identidades, delimita os espaços, fabrica os corpos,
esculpe as sexualidades e não problematiza essas situações. Não lugar para a alteridade”,
conforme argumenta Ribeiro (2008, p. 12).
Com base nesses dados, constatamos que a ênfase aos estereótipos parece
refletir a influência hegemônica dos conhecimentos associados aos saberes da sexualidade
heterossexual.
Em síntese, conforme previmos, nossa análise seria norteada pelo pensamento
de Jodelet (2001) quanto à pergunta Sobre o que sabe e com que efeito? Depreendemos que as
categorias descritas na tabela em foco contemplam a compreensão do caráter social da
Representação Social. O social não é unidimensional, o que dificulta que o reportemos em
todas as suas especificidades. As categorias apresentadas na tabela evidenciam e descrevem
essa dimensão a partir do cotidiano educacional construído pelo prisma da linguagem
interindividual e envolvem os discursos sobre as práticas, os códigos e os valores dos
docentes em relação aos fatos que partilham entre si.
Notamos que esses conteúdos traspassam termos como gravidez,
exibicionistas; comportamentos homossexuais denominados diferenciados; beijar apaixonado
e agarros exigem tomadas de decisões que solicitam a participação de instâncias superiores,
como as coordenações, os conselhos deliberativos e os pais, junto aos professores. Assim, as
RS de Sexualidade, no contexto escolar, parecem se revelar como elementos de práticas que
não são consideradas comuns no ambiente escolar, necessitando, assim, de intervenção de
outros agentes da educação.
São esses indicativos que fazem com que a construção e a reconstrução de um
objeto pela linguagem provoquem uma defasagem em seus componentes, pois existe a
210
participação expressiva dos envolvidos com suas implicações pessoais e regidos pelas
relações simbólicas que eles estabelecem entre si.
A defasagem, entendida como alguma diferença ao contornar o objeto,
mencionada por Jodelet (2001, p. 37), aponta três tipos de conseqüências: distorções,
suplementações e subtrações. Focalizaremos apenas o último aspecto. A subtração “[...]
corresponde à supressão de atributos pertencentes ao objeto: na maior parte dos casos, resulta
do efeito repressivo das normas sociais.” Observamos que os dados presentes na Tabela 33,
acerca dos assuntos que os professores compartilham entre si, giram em torno das
manifestações da sexualidade e da afetividade dos alunos no âmbito escolar. Porém, a
discussão parece centrar-se naquilo que mais chama a atenção dos envolvidos que é a
gravidez da adolescente. Porém, pouco foi mencionado “o jovem grávido”.
Ao suprimir alguns aspectos, os elementos das RS de Sexualidade se ancoram
no veto social da libido (MOSCOVICI, 1978). Observamos que a escola entra com o
investimento de controle materializado pelo Processo Maternidade, em torno do qual se
reúnem todas as regras e normas. Tudo visando cumprir o ritual legal que o artifício
processual exige como convocar reuniões, requisitar o comparecimento dos pais, conversarem
com os outros professores, informar a aluna sobre direitos e deveres. Uma tática que a escola
usa para propagar o assunto em prol da defesa da vida. Afinal, como vimos, a população
saudável faz parte da preocupação dos governos. E a gravidez precoce está entre os problemas
sociais que envolvem a família, a escola e a vida do nascituro. Razão da preocupação é a
presença constante do Ministério da Saúde dentro das escolas, com as campanhas sobre os
métodos contraceptivos, em nome da saúde pública.
As RS de Sexualidade objetivadas nas implicações negativas da gravidez
podem ser uma forma de se constituir o sexo como segredo. A gestação torna-se o símbolo
que materializa a transgressão da lei da aliança e o motivo confesso do assunto na escola.
Enquanto o desenvolvimento de propostas e trabalhos interdisciplinares não acontece, os
saberes ancorados em valores despertam a atenção da unidade de ensino, na forma de
aconselhamentos à jovem gestante para que não seja excluída do ambiente escolar e familiar.
Dessa forma, a escola de alguma maneira apóia-se em sua proposta de
educação inclusiva, recorrendo a formas de verdades que advêm do cuidado de si.
A equipe de professores coordenadores por meio de linhas invisíveis e móveis
percorrem a escola e utilizam de estratégias, segundo Foucault (2007, p. 113), que são “[...]
interrogatório, confissão, interpretação e entrevistas”.
211
Como vimos o poder não está ligado à autoridade, mas circula nas relações que
produz conhecimentos que se apóiam no discurso, nos argumentos, nos alertas que os
professores fazem sobre os danos dos comportamentos sexuais precoces entre os jovens. A
licença maternidade acaba sendo, portanto, o meio de concretizar as discussões da
Sexualidade na escola demonstrando assim, sua forma difusa de se apresentar por meio das
tecnologias curriculares.
Em face do contingente de respostas verificadas na Tabela 33, temos evidência
de um grupo de docentes que parece silenciar frente às discussões do assunto entre si.
Instigadas, conforme enunciamos, verificamos motivos que justificam essa postura.
Os índices percentuais mostrados na Tabela 33, na seqüência, referem-se ao
total de justificativas explicitadas e não ao número de professores entrevistados.
Tabela 33 - Distribuição de motivos declarados pelos professores que se configuram nos impedimentos à
discussão do assunto Sexualidade
Entraves que dificultam o partilhar do assunto Sexualidade N %
RESISTÊNCIA
Nunca surgiu oportunidade
Não existe conversa
Não quer se comprometer
Conversa somente com os alunos
6 31,58
O TEMPO É CURTO
Indisponibilidade de Horário
Pouco tempo livres juntos
Pouco tempo de ingresso na escola
6 31,58
NA SALA DOS PROFESSORES
Às vezes risadas sobre algum assunto
Depende da inspiração do dia
3 15,79
NECESSIDADE DE PESSOAL ESPECIALIZADO NA ÁREA
Não tem uma pessoa encarregada para encaminhar as discussões
2 10,53
PREOCUPAÇÕES COM SUA ÁREA
Cada qual se preocupa com a disciplina que leciona
2 10,53
Total 19 100,00
Observamos na tabela que a maioria (31,57%) dos impedimentos declarados
parece estar relacionada ao segundo item, indisponibilidade de tempo, referindo-se à
dificuldade de interação entre os profissionais. No entanto, o índice elevado de respostas ao
que chamamos de resistência denota a dificuldade dos docentes em compartilhar o assunto
entre si, sendo justificado do seguinte modo:
Porque durante o dia, muitos colegas trabalham muitas vezes, em duas ou três
escolas. Não temos uma integração. Quando conversamos é mais a área pessoal, mas
não sobre Educação Sexual. (Professora, religião indefinida, 31-40 anos, Biologia,
6-10 anos de serviço, Ensino Médio, estadual).
212
Um terceiro aspecto verificado reserva-se à sala dos professores, em cujo
espaço se encontram no horário de intervalo entre uma e outra aula, pois às vezes a recreação
ocorre na própria sala de aula com os alunos. Os docentes dizem conversar sobre Sexualidade
e a inibição aparece disfarçada pelas risadas. Porém, para muitos, ficar à vontade diante das
piadas significa corar:
[...] muitas pessoas sentem vergonha. Têm pessoas que em falar a palavra sexo
fica toda vermelha, toda inibida. Têm professores aqui, quando estamos em sala dos
professores, surge alguma brincadeirinha, normalmente, abaixa a cabeça, morre de
vergonha e fica toda vermelha. (Professora, católica, 20-30 anos, Matemática, 6-
10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Temos, assim, indicadores que apontam para a relutância, a timidez ou as
idéias preconcebidas, impedindo a abordagem do tema pelos docentes, conforme ilustra a
metáfora Não abriu a cabeça e da crítica do colega Contam piadas horrorosas e não
conseguem falar de sexo! O que está em jogo é o problema das relações entre o poder e o
saber que circulam no discurso sobre sexo. Se o poder dita a lei, o sexo estaria reduzido a ele
por meio de um regime de discursos hierarquizados entre lícito, ilícito, permitido e proibido.
“O domínio de poder sobre o sexo seria efetuado através da linguagem, ou melhor, por um ato
de discurso [...]” (FOUCAULT, 2007, p. 94).
Em relação ao item pessoas especializadas estudos desenvolvidos em outras
realidades e apresentados no referencial teórico desta pesquisa mostram que os docentes de
Ciências e Biologia assumem a discussão do tema. Torna interessante apreciarmos no excerto
ponderações de uma profissional dessa área que parece defender a proposta interdisciplinar:
Sempre que vem alguma coisa sobre meio ambiente, os colegas acham que deve ser
dado para o professor de Biologia ou de Ciências. Eu sempre falo gente, isso não é
um tema do professor de Biologia, todos nós temos que trabalhar. Acho que
mesmo assim, respeita ao tema Educação Sexual. Todos devem trabalhar, pois é
uma obrigação de todos [...]. (Professora, religião indefinida, 31-40 anos, Biologia,
6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Sentimos a necessidade de proceder a algumas amarrações dos objetivos
propostos no início deste texto. Para tanto, as questões que guiaram esta investigação
debruçando sobre o campo de estudos das Representações Sociais, são as questões de Jodelet
(2001) quanto a quem sabe e de onde sabe. Em decorrência, damos atenção aos pesquisados
deste estudo enquanto sujeito epistêmico, psicológico e social, considerando-o produtor de
conhecimentos que afirmam a sua identidade e pertença social.
Sintetizamos informações encontradas ao longo deste percurso na tentativa de
compreendermos os resultados iluminados por tal questionamento. Os resultados e os dados
verificados até este momento levam-nos a avaliar que existe no desenrolar dos discursos dos
213
docentes argumentos de oposição que, ora afirmam, ora negam o compartilhar do assunto.
Indagamos, então: quais são as RS que eles constroem para dar conta dessa contradição?
Para garantir o equilíbrio discursivo, parece que esses profissionais se fixam
em uma auto-imagem negativa, depreciativa, desestimuladora, acreditando que necessitam de
um profissional de bagagem para discutir Sexualidade. Por outro lado, defendem-se
justificando ausência de capacitação e por isso se sentem despreparados. Um aspecto
importante nessa contradição é o dever: ser professor da educação básica requer habilidade e
preparo para se trabalhar a Educação sexual na escola. Outro ponto significativo associa-se ao
querer se mostrar de maneira diferente, implicando o modo como essa abordagem se daria.
Parece uma representação construída com base no desejo, na vontade de saber lidar e poder
discutir Sexualidade com os alunos como um profissional suprido de informações.
Em relação à socialização das conversas, vimos que não envolvimento, não
existem trocas; ocorrem conversas isoladas ou outras que são frutos de algum acontecimento.
Os docentes partilham o assunto se houver algum incidente na rotina da escola. O contexto
também parece contraditório. Os educadores aqui e ali apresentam preocupações acerca dos
comportamentos dos pais, que nem sempre são comprovadas, pois às vezes as narrativas são
baseadas nas imagens que os professores fazem dos genitores dos alunos. Ademais,
reconhecem a necessidade da inserção do conteúdo no dia-a-dia da escola, devido às
concepções preconcebidas ancoradas nas RS de Sexualidade que se configuram nas
concepções de práticas sexuais e sexo desenfreado entre os adolescentes; no entanto lançam
mão do aspecto valorativo, como a religião, e escondem a contradição omitindo-se quando
falam sobre o assunto nas salas de aula.
Os sistemas representacionais dos objetos Sexualidade e Educação Sexual
engendram uma forma de conhecimento elaborado na e pela comunicação entre os pares. Isso
porque o objeto está inscrito em um contexto, então, parcialmente concebido pelas pessoas
pesquisadas. Através da interação podemos capturar elementos que se transitam no
pensamento social dos sujeitos inquiridos. Dessa maneira, reconhecemos essas representações
sociais como conjuntos dinâmicos, têm a função de conduzir e não de reproduzir
comportamentos nas relações processadas com o meio e com o outro. Razão pela qual,
elementos dos saberes de Sexualidade parecem se configurar na forma de uma imagem
contornada pelo silêncio das discussões em sala de aula. Não se envolve com o tema para que
este não faça parte da disciplina que leciona. Diante disso, aludem à necessidade de se
recorrer a um profissional habilitado, que se responsabilize por esta atribuição. Ao se sentir
214
desqualificado, o docente busca responsabilizar o outro, às vezes, um colega que tenha
formação na área.
Na perspectiva da ancoragem, as formas cotidianas de saberes que ligam o
objeto à representação se constituem, quanto ao sentido e significado do estranho, em algo
familiar. Desde muito tempo, comumente se acredita que os conteúdos das ciências biológicas
são mais próximos da Sexualidade do que os ensinos formulados pelas ciências físicas e
matemáticas.
Jovchelovitch (2008) esclarece que a própria noção do saber é uma estratégia
que homens e mulheres utilizam como para dar conta de explicar o cotidiano e as tradições
que os sustentam. A esse respeito, as histórias pessoais e profissionais dos entrevistados
foram abordadas pela linguagem e moldadas pela cultura de uma sociedade da qual esses
sujeitos fazem parte e na qual expressam seu modo de vida.
Quanto à verificação da existência de saberes de Sexualidade que orientam as
RS de Educação Sexual, observamos que aquelas envolvem dados configurados através de
elementos que englobam o mistério, o oculto, o segredo. Sexualidade pertence, pois, ao
conhecimento que se aprende sozinho, mediante leituras. Esse entendimento pode traçar
indicativos da Educação Sexual pautada como um meio de controle regido mediante
prescrições aparentemente modeladas pela economia e pela rarefação dos discursos.
Paulatinamente, notamos que os profissionais entrevistados vêm repetindo
ações e práticas submersas por uma relação de poder que circula culturalmente e cuja palavra
de ordem parece ser: “[...] não toques, não consumas, não tenhas prazer, não fales, o
apareça [...]” (FOUCAULT, 2007, p. 95). Entretanto, este autor adverte que todo esse ciclo de
interdição nada mais é do que uma estratégia empregada pela sociedade ocidental para colocar
o sexo em discurso. É como se o objetivo do poder determinasse que o sexo renunciasse a si
mesmo sob pena de ser suprimido.
Essa comparação metafórica aproxima-nos da forma de conhecimento traçado
segundo os apontamentos de Jovchelovitch (2008, p. 277) para quem o saber produzido pelas
pessoas relaciona-se com os ambientes naturais e sociais nos quais se inserem, por isso
mesmo reconhecidos como mundos subjetivos, intersubjetivos e objetivos. De acordo com a
autora, esse talvez seja um: “[...] aspecto fundamental para os estudos da maneira como os
sujeitos comuns, em uma variedade de situações, constroem saberes tanto sobre si mesmos
como sobre o mundo social em que estão situados.”
Sendo assim, vislumbrando o viés pedagógico, argumentamos que o diálogo
contribui para que os aspectos da educação centrada na dicotomia cedam espaço para que
215
desponte a educação da autonomia, como afirma Freire (1987). A análise desse bloco por essa
via aponta para duas direções que nos conduzem a pensar as RS de Sexualidade como parte
de um processo que depende do encontro dialógico entre o Eu e o Outro. Como revelam os
investigados, eles priorizam o estabelecimento de um processo de interação no ambiente
escolar, ainda que esse não se efetive, como pudemos observar.
3.4.5 Quadro comparativo das análises dos dados
No Quadro 1 são disponibilizados os dados da maneira como realizamos a
aproximação das análises Alceste e de Conteúdo sobre o texto discursivo de Sexualidade.
Notamos que há nos resultados, assuntos que coincidem.
CLASSES DO ALCESTE CATEGORIAS COINCIDENTES
Classe 1 - Falar do outro é também
falar de si. Falar e não falar: eis a questão
Conversam Sexualidade com os colegas de profissões
quando há casos como gravidez das alunas.
Classe 2 - Formação profissional e
Sexualidade.
Formação Profissional: apoio institucional, recursos
humanos e didáticos.
Classe 3 - Fortuitos e implicações nas RS de
sexualidade (confrontos com os pais).
Atribuem o fato de não falar de sexo aos pais dos
alunos.
Quadro 1 - Comparativo das análises ALCESTE e de Conteúdo do material Sexualidade
Os dados evidenciam três categorias comuns: a) quando os docentes discutem
sobre sexualidade, discutem-na a partir do que observam ser as manifestações de sexualidade
dos seus alunos; ou a partir da sua própria vivência e práticas b) ancoram na carência da
formação profissional c) os episódios eventuais para não discutir o tema sexualidade
declarado nas relações sociais com os pais se apresentam enquanto focos que incitam as
conversações sobre o assunto.
Desse modo, no Capítulo 4, seguinte, partindo das entrevistadas processadas
pelo software ALCESTE, verificaremos como as classes de palavras poderão elucidar ou
infirmar aspectos das categorias ora analisadas, tendo em vista os resultados acerca das
averiguações sobre Educação Sexual. Será oportuno identificar como os elementos mentais,
sociais, cognitivos e afetivos (JODELET, 2001), presentes na forma de conceber a
Sexualidade poderão conduzir representações sociais de Educação Sexual segundo o que
pensam os professores entrevistados.
216
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL - ALCESTE
Apresentamos neste Capítulo a análise do corpus Educação Sexual, formado
pelo conjunto de sete questões extraídas do total de dezoito perguntas dispostas no Apêndice
A, respondidas pelos docentes entrevistados no ano de 2006.
Daremos prosseguimento nas análises fornecidas pelo ALCESTE, seguindo as
etapas e procedimentos realizados na exposição das classes sobre sexualidade, apresentadas
no Capítulo 3.
Esclarecemos que as informações e descrições são cumulativas, podendo os
dados de uma fase aclarar e contribuir com a seguinte, conforme observamos anteriormente.
Etapa A - Identificação das Unidades de Contexto (UC)
Inicialmente, identificamos as Unidades de Contexto Inicial (UCI),
reconhecidas como linhas de comando na inserção de entrada das entrevistas. De modo geral,
elas são distinguidas mediante o uso de linhas estreladas, por serem precedidas de asteriscos.
Elas são identificadas por variáveis que qualificam os 56 sujeitos pesquisados.
Em seguida, verificamos a distribuição dos vocábulos e os percentuais
resultantes do índice de material aproveitado e descartado em termos de Unidades de
Contexto Elementar (UCE). O processamento realizado indicou que, de todo o material
submetido à codificação informática, o programa selecionou 867 unidades, tendo sido
escolhidas 100,00% das UCEs. Desse total, 651 foram classificadas, correspondendo a
75,09% do nível de aproveitamento do corpus, conforme ilustra o Gráfico 1.
Gráfico 1 - Índice estatístico de níveis de aproveitamento oferecido pelo software do corpus Educação
Sexual
217
Nesta etapa, observamos também a prova de associação do quiquadrado em
relação à Classe (χ²>2,17) e desta selecionamos as palavras por ordem decrescente e cuja
freqüência mínima é igual ou superior a três. Esses elementos estatísticos ajudam-nos na
definição das palavras.
A distribuição de UCEs pode ser expressa pela exibição no Gráfico 2, a seguir,
que evidencia com maior nitidez o índice percentual de cada Classe. Conforme verificamos,
as Classes 1 e 4 agregam a menor quantidade de UCEs, menos de 20%, em relação aos
conteúdos das Classes 2 e 5, em torno de 25%. Enquanto isso, a Classe 3 reserva no seu
contexto o maior volume de recorte dos segmentos, 32%. Além disso, visualizamos o
percentual do material descartado pelo software, porém, existe equilíbrio na divisão das
classes:
Gráfico 2 - Distribuição de UCEs e respectivos aproveitamentos por classes - corpus Educação Sexual
Etapa B - Identificação das Classes de Palavras
O método de Classificação Hierárquica Descendente (CHD) representado pelo
dendrograma que segue, oferece-nos a análise e a estrutura das classes de palavras, formadas
a partir de pequenos recortes das Unidades de Contextos, organizadas em figura arbórea,
como mostra a Ilustração 11. Utilizando esse procedimento, o programa divide o material
discursivo em partes, originando, desse modo, cinco classes, alojadas em dois blocos,
conforme segue:
218
Ilustração 11 - Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente oferecido pelo software a partir da
análise do corpus Educação Sexual
Apresentamos na seqüência um panorama do conjunto das operações
realizadas pelo ALCESTE. Visualizamos na Ilustração 12 a disposição hierarquizada das
classes que aparecem encaixadas umas às outras, segundo suas respectivas nomeações. O
perfil da análise é destacado pelo peso estatístico de UCEs em cada uma delas, em função dos
percentuais de palavras analisáveis.
Pela extensão dos ligamentos e articulações das classes, observamos na
esquematização as possíveis aproximações e separações a partir das partições denominadas de
Blocos, que comentaremos posteriormente. Da direita para a esquerda, criou-se as Classes 2 e
5. A segunda divisão gerou a Classe 3 da qual procedem as Classes 1 e 4.
Ilustração 12 - Disposição das divisões e ligamentos entre as Classes e respectivas nomeações.
Episódios
motivadores
do diálogo no
cotidiano
escolar
Percepções
sobre
Educação
Sexual a
partir da
história de
vida
Fatores que
fundamentam
a Educação
Sexual
Educação
Sexual:
transversalidade
ou
possibilidade?
A realidade
da Educação
Sexual na
escola
219
Todas as classes são nomeadas em função do seu conteúdo e respectivas
relações que serão apresentadas ao longo da análise, na mesma ordem em que aparecem no
dendrograma da Ilustração 13, seguinte.
As amarrações entre as classes formam blocos. Separamos o conjunto de
classes a partir deles. Observamos, na Ilustração 12, portanto, que a Classe 1 encontra-se na
mesma ramificação da Classe 4 e recebe a associação da Classe 3, compondo, assim, o Bloco
1, denominado de Saberes e Preceitos norteadores da Educação Sexual.
Como o próprio nome revela, elas apresentam léxicos comuns, associados em seus contextos,
o que parece revelar a percepção dos investigados acerca da realidade do ensino da Educação
Sexual nas escolas.
Conforme mostraremos adiante, a Classe 1 concentra em seu interior elementos
da prática cotidiana, enquanto a Classe 4 depõe sobre a visão dos depoentes a partir de um
discurso simulado sobre a educação sexual transversal. Dados deste discurso convergem para
a sua imagem idealizada. A Classe 3 apresenta conteúdos considerados como preceitos que
embasam uma propensa prática de educação sexual.
O segundo Bloco, chamado de Produção e Circulação das RS de Sexualidade,
contém elementos sobre as histórias de vida dos entrevistados a partir das trajetórias pessoais
e interações sociais entre os docentes e alunos. Elaboram conteúdos de RS de Educação
Sexual, a partir dos conteúdos presentificados na Classe 2. A Classe 5, que condensa a maior
quantidade de UCEs em relação a anterior, e que contribui na formação do segundo bloco,
retrata os acontecimentos que incitam as conversações sobre Sexualidade no contexto escolar.
As análises lexicais de cada uma das classes serão apresentadas separadamente
e disponibilizadas sob a forma de tabelas, respeitando os percentuais de maior quiquadrado e
freqüência no corpus e na própria classe.
220
Ilustração 13 - Dendrograma de relações entre as classes da análise Educação Sexual
Etapa - C - Descrição e análise das Classes
Nesta fase, apresentamos as descrições e análises de cada uma das classes apresentadas,
seguindo a disposição do dendrograma, conforme mencionado. Desse modo, adentramos no
contexto de discussão da Classe 1, A realidade da Educação Sexual na escola é composta por
81 UCEs, corresponde a 12,44% das palavras analisáveis.
Observamos na Tabela as variáveis descritivas, em ordem de quiquadrado, que
caracterizam as narrativas de 10 docentes, com destaque para o discurso do grupo masculino
da área de Língua Portuguesa, cujo tempo de serviço varia de 10 a 15 anos. Valores inferiores
em relação aos demais, sobressaem um conjunto de professores que professam o credo
religioso evangélico.
221
Tabela 34 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 1
Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*sex_1 10,76 315 53 16,83 Sexo masculino
*at_4 4,73 183 31 16,94 Língua Portuguesa
*ts_3 4,15 116 21 18,1 10 a 15 anos
*rel_2 2,25 100 17 17,0 Religião evangélica
Uma visão do conjunto palavras em conexões que compõem a Classe 1, pode ser
visualizada no dendrograma. A figura expressa se divide em dois grandes blocos. O Bloco A -
Disputa de saberes e Bloco B - Preocupações e Perspectivas.
Ilustração 14 - Dendrograma da Classe 1
O dendrograma explicita o conteúdo da Classe 1 a partir dos blocos analíticos
nomeados. O Bloco A - Disputa de saberes revela a maneira como os docentes dizem sobre o
ensino de sexualidade na escola. Parece haver uma circulação de poderes entre os saberes dos
professores e de outros profissionais. Este agrupamento de palavras se subdivide em dois
subconjuntos de palavras, nomeados como segue.
Bloco A1 - Promoção de saúde sexual apresenta aspectos do ensino de
sexualidade desenvolvido pelos professores e pela propagação de alguma prática interventiva
realizada por agentes do campo da saúde pública que vêm aqui na escola e realizam palestras
na área de prevenção de doenças sexuais.
222
Bloco A2 - Saberes da escola, exibe conjunto de vocábulos que atestam os
trabalhos que são realizados, contudo, os depoentes ressaltam pelos léxicos em destaque que
cada um realiza em sala de aula. Duas palavras de maior quiquadrado neste conjunto
esclarecem que não existe projeto que possa integrar os profissionais em alguma atividade
planejada e organizada de Educação Sexual.
Bloco B - Preocupações e Perspectivas, indicam que os professores
reconhecem a necessidade de discutir sexualidade, devido as DSTs. Relatam que as atividades
esporádicas realizadas são provenientes das verdades que vêm de fora da escola: de suas
experiências em outras instituições ou de colegas de outros estados.
Bloco B1 - Intervenientes sociais, revelam a efervescência sexual dos
adolescentes, que é o motivo de preocupações dos educadores em justificar a necessidade de
implantação da Educação Sexual na escola. Alguns profissionais de universidades são
convidados para fazer palestras, como meio de prevenção das enfermidades sexualmente
transmissíveis.
Bloco B2 - A educação sexual ideal reúne verbos como poderia e seria e o
substantivo curso e parece acompanhar as reivindicações dos docentes por capacitações para
atuarem como educadores sexuais. Quando acontece algum curso, trazem a idéia para ser
trabalhada na escola com os alunos. Aqueles que trabalham o tema esperam contar com o
envolvimento maior dos colegas da profissão e da escola na realização de projetos
interdisciplinares.
Em suma, esta classe parece mostrar pela figura bipartida em Bloco A, que, de
alguma maneira existem ações eventuais na escola, embora os docentes reconheçam que não
se trata de atenção à Sexualidade pela via transversal, conforme discurso oficial. O Bloco B
parece enfatizar as buscas realizadas pelos educadores. Eles trazem idéias de outras escolas
que realizam algum trabalho e orientam seus alunos sobre práticas preventivas, a partir das
informações adquiridas fora do ambiente escolar.
Qual o papel dos discursos e de onde eles vêm e como a escola convive com os
saberes que são produzidas no contexto educacional, talvez seja uma indagação a percorrer.
Dando seqüência à análise da Classe 1, vemos em Oliveira, Gomes; Marques
(2005) que o processo de interpretação dos dados consiste na decisão em considerar os
elementos consensuais da classe, que são aqueles que se manifestam no decorrer do texto, e os
elementos típicos, que são os que introduzem aspectos distintivos no conteúdo analisado. Esta
operação requer dois movimentos: o conhecimento do que é observável na classe, articulado
ao que se sabe do objeto em estudo.
223
Nesta oportunidade, esclarecemos que os segmentos representativos de UCEs,
recortes de falas, foram extraídos para ilustrar as análises de todas as classes mencionadas, os
quais são identificados por códigos a fim de se preservar o anonimato dos entrevistados.
Portanto, em face dessas delimitações, detemos-nos a partir de agora na
apresentação das palavras da Classe 1.
4.1 Classe 1 – A realidade da Educação Sexual na escola
Conforme anunciamos, a lista de vocábulos disponíveis para análise foi
escolhida por ordem decrescente de quiquadrado e freqüência, bem como considerando
algumas conexões entre os termos, configuradas no dendrograma apresentado anteriormente.
A Classe 1 encontra-se na mesma ramificação da Classe 4 e recebe a
associação da Classe 3. Observando seus conteúdos, as duas primeiras se assemelham, em
função dos termos coocorrentes, em razão da temática. Porém, o distintivo surge em função
dos discursos. Enquanto a Classe 1 discute as práticas a partir do que os entrevistados
consideram que seja um trabalho de Educação Sexual, a Classe 4 apresenta o rol de palavras
compatíveis com a maneira como os investigados concebem o tema perante as propostas dos
PCNs. Pretendemos, assim, identificar os conteúdos das RS de Educação Sexual segundo as
concebem os docentes pesquisados.
224
Tabela 35 - Classe 1 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ²
Corpus
N
N
%
Existe
Existem, existem
50,87
29 16
55,17
Praticam+
Praticamente, praticam
35,76
9 7 77,78
Projeto+
Projetos
34,77
33 15
45,45
Sala+
Sala, salas
32,36
46 18
39,13
Escola+
Escolas
27,41
173 41
23,7
Dst+
Dsts
24,63
9 6 66,67
Aula+ Aulas 23,05
64 20
31,25
Traje+ Trajes 21,21
3 3 100
Debate+ Debates 21,11
5 4 80
Trabalho+ Trabalhos 18,48
46 15
32,61
Cada Cada 16,94
22 9 40,91
Preocupaç+ Preocupações 15,83
12 6 50
Geralmente Geralmente 15,81
19 8 42,11
Curso Cursos 15,56
9 5 55,56
Poderia Poderia 13,84
13 6 46,15
Depois Depois 12,79
39 12
30,77
Vem Vem 11,73
31 10
32,26
Palestr+ Palestras 10,42
28 9 32,14
Isto Isto 9,64 20 7 35
Preservativo+
Preservativos 8,58 9 4 44
Idéia Idéia 7,84 6 3 50
Disputa de Saberes e Preocupações e Perspectivas são os dois maiores blocos
notados dentro da Classe 1. Conforme podemos observar a partir dos quatro primeiros
vocábulos - existe, praticamente, projeto e salas -, e as ligações entre essas palavras, os
entrevistados aludem à existência de atividades voltadas para temas da Sexualidade nas
escolas pesquisadas, entretanto, enfatizam que não há a Educação Sexual planejada.
Os docentes opinam que não há um projeto que sistematize o trabalho em torno
dessa questão e afirmam que as poucas ações efetivadas nessa direção ocorrem de maneira
individualizada, como ressalta a palavra sala na referida classe.
Na forma de projeto não existe. É um trabalho individual, cada um com sua turma.
Todos trabalhamos o tema gerador, mas cada um em sua sala. Mas na forma de
projeto, que tem uma equipe exclusivamente para trabalhar o projeto, palestrante que
desenvolva o ano todo, ainda não vi aqui. (Professora, evangélica, casada, 31-40
anos, ngua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Esclarecemos a expressão tema gerador, da entrevista, a partir da compreensão
de Oliveira (2008). O primeiro projeto que deu origem à Escola Sarã, no município de
Cuiabá, encampou em suas concepções de educação, de conhecimento e de relações
pedagógicas, alguns fundamentos teóricos que se orientaram do conhecimento curricular a
225
partir de temas geradores conforme proposto por Paulo Freire, segundo analisa a referida
autora.
Sobre o advérbio praticamente, na classe em discussão ele é usado para a
tessitura de comentários e avaliações sobre as tentativas de desenvolver algum trabalho no
ambiente da escola. Parece uma tentativa de amenizar a inexistência da educação sexual na
realidade da escola.
No entendimento dos sujeitos, não parece haver um interesse comum entre
todos os profissionais em compartilhar as tarefas que realizam; muito embora seja esse um
assunto que faça parte de suas preocupações, a maior parte deles não defende a causa,
alegando ser o maior impedimento à efetivação dessa iniciativa a escassez de tempo
disponível para que os profissionais possam se encontrar e realizar as trocas de experiências.
A entrevista ilustra esta compreensão a partir do léxico projeto:
Para o projeto andar é preciso estar avaliando o tempo inteiro. Vamos fazer e
posteriormente, vamos ver. Deu certo isso? Então vamos continuar. O que não deu
certo, então, retira! Tem professor que trabalha em três escolas, como reunir com os
demais? [...] essa correria de se conseguir ganhar um pouco mais, pelo salário ser tão
baixo acaba atrapalhando muito. (Professora, católica, 41-50 anos, Ciências, acima
de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Ao avaliar o empenho de algumas escolas em tentar implantar alguma idéia em
relação ao assunto, um grupo de professores comenta que os projetos que se iniciam e não são
levados adiante sucumbem no curto espaço de tempo. Quando indagados acerca da
interrupção dos mesmos, abordam a individualização dos profissionais, sendo essa opinião
confirmada pela palavra cada escola tem a sua forma de desenvolver suas atividades e,
portanto, cada docente responde apenas pela sua sala de aula.
É pouca coisa. Cada professor faz o trabalho individual em sua turma. Não tem um
projeto interdisciplinar contínuo que envolva a escola. (Professor, católico, solteiro,
20-30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Diante disso, sentimos-nos instigadas a conhecer quais preocupações levam os
professores a reconhecer a necessidade da implantação de projetos de Educação Sexual na
escola e verificamos que são as enfermidades sexuais, representadas na classe em discussão,
pela sigla DSTs. Nesse sentido, o conjunto de docentes centra suas considerações nas
conseqüências negativas dessas doenças, objetivadas na AIDS, que consideram mortal, como
revela o excerto seguinte:
[...] você entender que isso é uma coisa perigosíssima, que você pode morrer por
causa disso. E que uma doença que se alastra como a AIDS, hoje, se você não se
prevenir, deve ter consciência que se pegar uma AIDS, qual é o final disso tudo? É a
226
morte! (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21 de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Vemos que o depoente enfatiza a necessidade de os alunos tomarem
consciência sobre os perigos de contraírem o vírus, com o que reforça a idéia de que as
informações lhes sejam transmitidas sem rodeios e com base em dados cientificamente
comprovados, para que tenham medo. Indagados se o desenvolvimento do receio ou temor
pode funcionar como uma estratégia de prevenção, os professores admitem que sim,
justificando que os adolescentes, com a Sexualidade à flor da pele, precisam se prevenir. Por
isso, destacam a necessidade dessas discussões nas aulas.
A demanda por uma educação destinada à prevenção da AIDS e das DSTs e a
contensão do aumento do índice de gravidez na adolescência foram fatores decisivos para o
MEC, no ano de 1997, elaborar os PCNs, documento de orientação curricular destinado à
implantação nas escolas em âmbito nacional. As propostas contidas nos Parâmetros
Curriculares agregam a denominada orientação sexual e abrangem os temas transversais:
Ética, Saúde, Cidadania, Meio Ambiente e Pluralidade Cultural, constituindo a área Convívio
Social e Ética.
Apesar da compreensão da sexualidade enquanto tema interdisciplinar, alguns
professores criticam os idealizadores dos parâmetros, tendo em mente a realidade da escola.
Não existe um trabalho integrado. Acho que muitas pessoas que elaboraram os
PCNs não estão dentro de uma sala de aula. Não sabem o que acontece em sala de
aula. (Professor católico, casado, 41-50 anos, Matemática, acima de 21 anos, no
nível de ensino fundamental, municipal).
Desta maneira, o entrevistado parece mostrar alguma dificuldade para inserir o
assunto, sendo os debates e os trabalhos, as estratégias mais comuns, conforme ilustra a
classe em discussão. Quanto aos debates, fazem parte das discussões realizadas em sala de
aula entre os professores e alunos, vistas pela docente como exercício para que todos os
alunos possam participar das discussões.
Nós fizemos debates, porque eu gosto de trabalhar assim. Discutimos em grupos,
depois abrimos a roda para debater. Como o debate fica coletivo, você o
individualiza questões e muitas vezes, no debate, alguma questão vai fundo em
alguém que está naquele grupo. (Professor, Indefinida ou sem religião, casado, 41-
50 anos, Filosofia Religião Sociologia, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Os trabalhos citados são as apresentações que os alunos realizam nas salas de
aulas.
Então houve um trabalho bacana, com cartazes e a gente está com um projeto para
ser desenvolvido mais pra frente um pouquinho. (Professor, católico, solteiro, 20-
227
30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Ainda neste contexto de estratégias metodológicas do ensino de sexualidade,
com baixo índice de freqüências em relação aos demais, apresentamos a palavra palestra,
sendo mais destacada nas UCEs o léxico palestrante. Ela serve para conduzir e confirmar que
a Educação Sexual oscila entre tentativas e experimentos, conforme avalia a depoente
referindo-se aos eventos na escola.
Ainda não vi palestrante que desenvolva {educação sexual} o ano todo, ainda não vi
aqui. (Professora, evangélica, casada, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Dando continuidade à análise da Classe 1, vimos que as palavras depois e vem,
no contexto das entrevistas, estão associadas à essa atividade, passando-nos a idéia de
movimentação de outros profissionais no ambiente escolar. Em relação a esse fato, os
docentes utilizam o advérbio geralmente. Conforme observamos na análise do capítulo 3, os
docentes destacaram algum médico, equipes da área de saúde pública, estudantes
universitários ou vendedores de livros, que adentram os espaços da escola e levam
informações de sexualidade. Entretanto, os léxicos citados acima contribuem para um
contraponto desta discussão.
Os docentes que contam com alguma experiência para discutir assuntos de
sexualidade analisam que o envolvimento de pessoas externas na escola para ministrar esse
ensino parece desvantajoso, pois os alunos não compartilham suas dúvidas, nem sempre são
esclarecidos e o processo de aprendizagem fica fragmentado. Como não uma retomada do
assunto, por meio de novas discussões em sala de aula, os depoentes analisam que as
iniciativas esporádicas não trazem resultados positivos, conforme ilustra esta fala:
Tem algumas escolas que às vezes me convidam para dar palestras. Eu acho quem
tem que falar são pessoas da escola. É aquela pessoa que está ali todos os dias, é
nessa pessoa que eles vão confiar e vão ouvir melhor, não é quem vem de fora.
Quem vem de fora muitas vezes fala de uma realidade que não é a deles [dos
alunos]. (Professora, católica, divorciada, 31-40 anos, Ciências, acima de 20 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Outros entrevistados relatam a importância em reforçar conhecimentos sobre o
Corpo e sua relação com a Sexualidade. Uma professora descreve como esse tema é abordado
por aqueles profissionais nas discussões com os alunos:
Reunimos turmas de duas em duas na sala de vídeos e depois também sumia.
Geralmente, pessoas de fora, não integradas na comunidade escolar. (Professora,
católica, solteira, 31-40 anos, Geografia, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
228
Nesta perspectiva de inserção de recursos audiovisuais uma entrevistada
aborda que, às vezes, o assunto é tratado a partir dos conteúdos que os alunos levam para sala
de aulas por outras pessoas.
Então, você vai trabalhar com o que eles trazem de casa, e você complementa por
meio de filmes, trazendo pessoa de fora para fazer uma palestra e eu trabalho muito
com o corpo. Acho que o tema sobre a valorização do corpo. Eu trabalho muito com
o corpo. (Professora, católica, solteira, 41-50 anos, Filosofia, Religião e Sociologia,
acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Este conjunto de ações possibilita verificar que existe um discurso da escola,
que são aqueles realizados em sala de aula. Este conjunto parece aproximar-se também das
intervenções da proposta de Saúde e Prevenção realizadas pelas Secretarias de Saúde.
Entretanto, notamos que existe um conjunto de informações que não são destes profissionais
e, sim, de outros que também movimentam as discussões sobre sexualidade.
A proliferação discursiva com o tema sexualidade é capaz de engendrar novas
significações. Quais são os regimes de verdades que são estabelecidos a partir destes
discursos? Consideramos importante esclarecer, na tentativa de alguma inferência, o que
entendemos por discursos que penetram na escola.
Por ‘discursos de fora’ se entende aqui os discursos que entram para dentro da
escola, e não são nela produzidos, mas que têm um estatuto de verdade e se
inscrevem num campo de saber legitimado. (EIZIRIK, 2008, p.2).
No excerto, o professor parece conceber que uma proposta de educação sexual
ideal, pode ser influenciada pelas idéias de docentes migrantes, algum professor que vem de
outros estados para Cuiabá.
Não tem um projeto interdisciplinar contínuo que envolve a escola. Esse projeto que
eu estava falando poderia envolver mais professores, porque de repente vem
professora de outros lugares, então trazem as novidades para Cuiabá. (Professor,
católico, solteiro, 20-30 anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço,
Ensino Fundamental, municipal).
Ainda neste contexto sobre atividades de sexualidade que são desenvolvidas,
os professores orientam seus alunos pela via informal, visando sanar dúvidas que eles levam
para a escola, vemos nesta Classe 1, o vocábulo preservativo.
São vendidos em farmácias, supermercados, doados em postos de saúde. Fez a
inscrição lá, recebe. Então o muita dificuldade em se conseguir preservativo,
que possa inibir. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Os investigados representam a Educação Sexual a partir das atividades que
acontecem nas salas de aula e na escola, que constam de trabalhos de pesquisa dos alunos,
debates dos professores e palestras realizadas por outros profissionais que geralmente
229
comparecem à escola. Porém, notamos que não há um envolvimento do grupo de docentes no
sentido de compartilhar suas atividades. A prática rotineira de outras atividades escolares faz
com que a inserção da sexualidade na escola fique em segundo plano, conforme analisa esta
entrevistada:
Acho que faltam projetos da escola, que não está envolvida nestas questões. Às
vezes tem tantas outras coisas que se perde, se esquecem desta área. (Professora,
católica, solteira, 31-40 anos, Geografia, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Entre as dificuldades apontadas pelo grupo de docentes que responderam não
realizar algum ensino nesta área, destaca-se a necessidade de recursos didáticos para a
motivação das aulas.
Eles {os alunos} querem se envolver, tem que ter um material concreto, teatro, isso
eles querem. Eles têm potencial e, às vezes, a gente não sabe descobrir onde está
isso. (Professor católico, casado, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Retornando à discussão da Classe 1, observamos outros vocábulos
mencionados, quais sejam cursos e poderia. O primeiro refere-se a alguma participação de
professores, na tentativa de ficarem informados sobre sexualidade. Neste caso os conteúdos
são, de alguma forma, trabalhados com os alunos.
Nós pegamos a idéia de lá, mas fizemos um outro projeto aqui na escola. A gente
trabalhou de uma maneira que pudesse atingir como um ser que se valoriza e que
valoriza o outro, associando com os conhecimentos biológicos e científicos.
(Professora, evangélica, casada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos,
Ensino Médio, estadual).
O verbo poderia faz parte da educação sexual ideal, que se coaduna com a
formação do educador para trabalhar o tema. Nesse caso, os docentes empregam o verbo
poderia para sugerir a importância de capacitá-los, tornando-os aptos à implantação e
efetivação de propostas de ensino sobre Sexualidade no meio escolar.
Conforme comentado na análise de conteúdo no Capítulo 3, duas datas foram
destacadas: o ano de 1990, em que houve a preocupação de instituições em divulgar as ações
do plano nacional de combate a transmissão das doenças sexualmente transmissíveis e da
AIDS. Naquela primeira ocasião, o projeto constava da participação dos professores em um
curso de saúde e prevenção oferecido pela SEDUCMT, na tentativa de posteriormente
envolver a comunidade docente como multiplicadora dos conhecimentos. Apesar dessas
iniciativas, torna-se raro encontrar propostas de trabalhos de Educação Sexual nas escolas em
que visitamos, mas deparamos com duas experiências, a partir de iniciadas por professores,
230
um da área de Ciências e um de Ensino Religioso e Educação Física, ambos os depoimentos
justificados pelo índice de estudantes grávidas na escola.
No segundo momento, em 2001, uma organização não governamental propôs
às escolas o Programa EDUCAIDS, cujo objetivo era disseminar, em Cuiabá, os projetos
desenvolvidos nessa área. Entretanto, poucos depoentes se referem a esses trabalhos em seus
depoimentos. E, entre aqueles que mencionam algum trabalho, como as campanhas de
distribuição de preservativos não parece tomar como base conhecimentos que, recentemente
circulam na proposta nacional previsto no programa Saúde e Prevenção nas Escolas (MEC,
2007).
Notamos na Classe 1 que o artigo demonstrativo isto, foi pronunciado por um
grupo de depoentes como substituto da palavra sexo. A esse propósito, remetemo-nos a
Foucault (2007), que comenta o uso do pronome disso, empregado em um contexto
semelhante. Mediante a circunstância, o autor defende que o sexo deve fazer parte do discurso
da racionalidade. Porém, analisa como fazer para encarar essa questão, se em torno do sexo
existe um discurso margeado pela hipocrisia ou pelos falsos moralismos. Como podemos
notar, as dificuldades em dialogar o assunto parece que se repetem e se mantêm. Entretanto, o
importante não é somente identificarmos esses escrúpulos, mas também reconhecermos a
necessidade de superá-los.
O termo, traje, apresenta percentuais característicos como sendo associado aos
discursos desta classe. Com 100% de freqüência sobressai nesta Classe 1. No contexto das
entrevistas, o léxico liga-se a preocupações que envolvem, mais notadamente, as observações
de professores de educação física referindo a alguns pais que qualificam de indecorosos os
uniformes usados pelas filhas durante essas aulas, conforme elas próprias relatam aos
professores em momentos de conversas descontraídas.
Parecem se destacar nessa abordagem elementos dos saberes de Sexualidade
fundamentadas nos princípios morais de algumas famílias religiosas, conforme analisa o
docente. Todavia, o docente solicita a presença dos pais na escola.
Elas {as alunas} vêm com o atestado. Existe uma lei federal que ampara para a não
prática da educação física. A prática, a teórica não. [...] Os pais precisam vir para o
debate junto a escola. Eu sou o primeiro a não aceitar trajes indecorosos. (Professor,
católico, casado, 41-50 anos, área de educação Física, acima de 21 anos de serviço,
Ensino Fundamental, municipal).
Os entrevistados que mencionam essa disciplina consideram-na espaço
propício para os professores da área promoverem discussões de assuntos de Sexualidade,
231
devido à proximidade física entre os alunos e à movimentação mais livre dos corpos,
situações suscitadas pelas atividades propostas.
Observamos ainda que são nessas aulas que professores e alunos compartilham
algumas crenças ligadas à Sexualidade, a partir dos comentários de alunas que se recusam a
participar das aulas por estarem menstruadas ou grávidas. A essa altura da análise, parece-nos
válido destacar que, durante as entrevistas, em determinados momentos, os professores
reclamam dos comportamentos incontidos dos alunos, aspectos do erotismo, como analisa o
autor Nunes.
Ao denunciar este erotismo discursivo generalizado, o qual abriu saberes, desvendou
segredos e iluminou com a racionalidade técnica os campos da sacralidade erótica
indomável, a sociedade perdeu-se de si e ampliou uma rede de poder e controle que
nem tem mais consciência de onde se inicia e onde termina. (NUNES, 2003, p. 189).
Notamos, porém, que nas aulas em que os docentes dão atenção às discussões
sobre Sexualidade com a turma o resultado parece plenamente satisfatório. Este ajuizamento
pode ser notado pela palavra trabalho.
Um tempo aqui na escola, [...], aconteceu um trabalho de educação sexual nas aulas
de ciências. A professora que dava a disciplina dizia que não precisava chamar a
atenção de ninguém, pois, os alunos ficavam totalmente atentos à aula. (Professor,
católico, casado, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço,
Ensino Fundamental, estadual).
Essa observação positiva foi feita também pelos estudantes entrevistados por
Oliveira (2004). Para estes jovens, inicialmente, a conversa sobre sexualidade é recebida com
algazarra e alvoroço, entretanto, para alguns é o tipo de assunto que atrai os colegas depois
dos primeiros momentos de discussão do tema.
Portanto, os depoentes reconhecem a boa receptividade que o tema
Sexualidade tem para os alunos. Diante das interrupções dos projetos que são começados nas
escolas, opinam sobre a ausência de adesão por parte dos colegas e de algumas escolas e o
distanciamento das Secretarias de Educação. Assim, a unidade escolar parece ceder espaço no
desenvolvimento de atividades educativas na área da Sexualidade para [o] pessoal da
Secretaria de Saúde que apareceu aqui, não este ano, mas no ano anterior.
232
4.2 Classe 4 – Introdução ao contexto semântico das palavras
As palavras selecionadas da Classe 4 estão organizadas em ordem de
quiquadrado e freqüência, com base na análise dos discursos dos sujeitos da pesquisa e pela
relação entre elas. Elas contribuem na composição do Bloco Saberes e Preceitos norteadores
Educação Sexual. Conforme observamos, esta classe está apensada à anterior por ter sido
gerada pela ligação do mesmo eixo.
Percebemos que os inquiridos pensam a Educação Sexual por meio de
simulações. Nas suposições os investigados relacionam diferentes disciplinas, como Ciências,
Português e Biologia que compõem o currículo da Educação Básica, que pela afinidade dos
conteúdos eles associam à sexualidade. A esse respeito Moscovici (1978, p. 287) cada vez que
indivíduos ou grupos são solicitados para enfrentar e resolver problemas cada vez mais
complexos, diz que “[...] a variabilidade dos instrumentos mentais adotados é uma
conseqüência inevitável”.
Portanto, a Classe 4 engloba o discurso de 11 docentes, cujas variáveis,
enquanto elementos característicos do grupo que contribui mais significativamente com a
produção dos léxicos que compuseram esta classe, estão apresentadas na Tabela 36. Sendo
assim, a maior participação coube aos depoentes que se encontram na fase do primeiro
qüinqüênio de tempo de serviço e que atuam na área de Biologia. O grupo se compõe também
dos integrantes da faixa etária entre 31-40 anos de idade e professam a religião católica.
Podemos observar a partir da disciplina Biologia que o contexto lexical parece ser orientado
mais prontamente pela presença discursiva dos docentes do Ensino Médio.
Tabela 36 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 4
Freqüência na Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*ts_2 12,27
141 28 19,86
0-5 anos de tempo de
serviço
*at_1 10,92
56 14 25 Biologia
*ida_2 4,63
199 31 15,58 31-40 anos de idade
*rel_1 2,23
382 50 13,09 Religião católica
Nesse nível de análise passamos a descrever os possíveis conteúdos contidos
nas combinações lexicais. Observamos que as ligações das palavras desenham o dendrograma
e se agrupam em blocos, conforme mostra a Ilustração 15.
233
Ilustração 15 - Dendrograma da Classe 4
O dendrograma gerado pela (CHD) oferecido pelo ALCESTE permite
visualizar as conexões lexicais que formam os blocos conforme apresentamos. Na dimensão
da figura, reconhecemos dois maiores blocos, A e B, que se subdividem de acordo com
especificações e nomeações, como segue.
O referido agrupamento de palavras é apresentado por meio de breves
comentários. A figura contém léxicos e respectivos quiquadrados e estão distribuídos de
acordo com o peso estatístico presente na Classe 4. Conforme mencionamos, esta classe
parece formada por elementos que revelam indícios sobre a maneira como os entrevistados
concebem a Educação Sexual, segundo os parâmetros. O Bloco A Transversalidade ou
possibilidade? Por um processo mental, entendido por simulação, os docentes buscam entre
as disciplinas aquelas que se assemelham ou que tenham afinidade com sexualidade, como
podemos observar pelos léxicos trabalhar, e pela ligação das palavras fica e meio.
O Bloco A1 Avaliações do discurso oficial. Este bloco é identificado pelas
palavras disciplina e possível que parecem indicar uma confissão do ensejo de inserção de
234
temas da sexualidade para que sejam trabalhados em todas as matérias. Parece que as
concepções abrigam-se em torno do cumprimento do dever. No caso, como existe uma
determinação legal, PCNs, o discurso sobre o tema aparece como fosse real.
O Bloco A2 Poder de decisão. A imagem do ator que realizaria as atividades
é identificada pelo léxico professor. Neste caso, cabe aos educadores passar por um funil,
significa coar as informações, que, traduzido pela palavra trabalhar indica a necessidade de
que sejam feitas avaliações, filtragens de alguns elementos contidos nos PCNs, observando a
viabilidade do assunto em torno da interdisciplinaridade.
O Bloco B Espaço da afinidade. É representado pelos vocábulos Ciências,
Português, texto, Biologia e matemática, o que parece sugerir que os conteúdos de
sexualidade sejam estudados nestas disciplinas. Reportando as situações práticas reais, a
menção à última delas, inicialmente, causa certa resistência entre os docentes deste grupo,
devido à necessidade de recursos didáticos. um consenso na maneira como os docentes
analisam criticamente que os conhecimentos são compartimentados, fragmentados. Por isso, a
imagem da Educação Sexual não parece coadunar com transversalidade, a alternativa é tem
que sair da disciplina ou então, que ela seja uma disciplina própria.
O Bloco B1 - Recursos materiais. È formado pela relação de sexualidade com
algumas matérias [...] tem disciplina que realmente não dá. Ou então, comparece associada à
carência dos recursos pedagógicos.
O Bloco B2 - Imagem real – O léxico Ciências carrega a força do discurso pelo
maior quiquadrado, e as duas outras disciplinas Biologia e Português evidenciam a dimensão
da possibilidade trabalhar Sexualidade. São conteúdos que permitem que sejam trabalhados
textos relacionados à saliência da sexualidade dos estudantes. Um aspecto das representações
sociais dos docentes retrata o que está sendo imaginado como possível e o outro, pelo que está
sendo vivenciado pelos docentes, chamado de uma questão complicada.
4.2.1 Classe – Educação Sexual na Escola: transversalidade ou possibilidade?
A partir da Tabela 37, exibida adiante, analisamos o perfil da classe pelas
palavras selecionadas e ordenadas por quiquadrado e freqüência. Conforme mencionamos
anteriormente, verificamos que no interior desta classe alojam-se blocos formados por
ajuntamentos de palavras. O Bloco A - Transversalidade ou possibilidade e o Bloco B
Espaço de afinidade, cujos conteúdos possibilitam uma discussão sobre a maneira como os
235
docentes pensam sobre a Educação Sexual nos currículos das escolas, tendo a sexualidade
enquanto tema transversal.
Portanto, ao visualizarmos os três primeiros vocábulos Ciências, Português e
Biologia, disciplinas com percentuais elevados, que apontam para as matérias concebidas
favoráveis à aplicação prática da Educação Sexual nos currículos, na proposta pedagógica da
escola, sob a perspectiva dos PCNs, segundo os depoentes. Assim, apresentamos a Classe 4 e
seu conteúdo, e continuamos com a discussão como segue.
Tabela 37 - Classe 4 – Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas associadas χ² Corpus
N
%
Ciência+ Ciências 108,13
32 22
68,75
Português+ Português, portuguesa
77,04 12 11
91,67
Biologia Biologia 70,63 15 12
80,00
Disciplin+ Disciplina 57,15 32 17
53,13
Texto+ Textos 50,38 14 10
71,43
Trabalhar Trabalhar 50,06 66 25
37,88
Fica Fica 44,95 27 14
51,85
Matemática Matemática 36,47 12 8 66,67
Professor+ Professor, professores
34,23 124 33
26,31
Possível Possível 32,02 8 6 75,00
Acho Acho 25,1 147 34
23,13
Órgão+ Órgãos 23,15 3 3 100,00
Recurso+ Recursos 23,15 3 3 100,00
Física Física 20,65 8 5 62,50
Deveria Deveria 16,71 16 7 43,75
Comum Comum 15,91 4 3 75,00
Geografia Geografia 15,91 4 3 75,00
Complicado
Complicado 14,45 7 4 57,14
Bem Bem 14,38 35 11
31,43
Falta+ Falta, faltas 14,17 26 9 34,62
Sexualidade
Sexualidade 9,55 77 17
22,08
Pcn Pcn 8,99 3 2 66,67
Meio+ Meios 7,87 34 9 26,47
História História 6,82 7 3 42,82
Prosseguindo com a análise da Classe 4, destacamos a palavra Ciências, que
foi repetida 22 vezes no total de trinta e duas desta classe. Na seqüência, Português e
Biologia. Notamos que estas matérias são declaradas pelos entrevistados como aquelas que
possibilitam discussões do assunto sexualidade nas respectivas aulas. Logo, parece que
estamos diante de um discurso daquilo que é provável que aconteça na escola.
Discutiremos, inicialmente, as duas primeiras disciplinas Ciências e Biologia,
que aderem os maiores percentuais nesta Classe 4. Verificamos que esses indicadores dão a
idéia de possibilidade. Desta forma, parece haver um consenso no discurso do grupo, no
236
sentido de que existe uma correlação entre os conteúdos destas disciplinas que envolvem a
sexualidade.
Procuramos saber o que os professores da área pensam dessa suposição dos
colegas; para tanto, tomaremos por base a palavra órgãos neste depoimento:
Acho porque a biologia e ciências estudam o corpo humano, os órgãos, então são
eles que precisam trabalhar, não pensam na questão filosófica, sociológica. A
responsabilidade é da biologia. (Professora, católica, 41-50 anos, Ciências, acima de
21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Conforme observamos, ao relacionar atividades da educação sexual com o
corpo humano, os docentes defendem que cabe aos professores daquelas áreas trabalharem a
questão, pois consideram que estes detêm o conhecimento anátomo-fisiológico. Nesses
termos, somos conduzidos a pensar que nas RS de Educação Sexual os conhecimentos de
sexualidade reduzem-se às terminologias do sistema de reprodução humana.
Antes de Freud, a sexualidade, vinculava-se ao sexo pela analogia que os
pensadores faziam com a função reprodutora e as formações anatômicas dos órgãos sexuais
(FOUCAULT, 2007).
Então, o sexo […] pôde marcar a linha de contato entre um saber sobre a
sexualidade humana e as ciências biológicas da reprodução; desse modo aquele
saber, […] ganhou, por privilégio de vizinhança, uma garantia de quase
cientificidade; mas através desta mesma vizinhança, certos conteúdos da biologia e
da fisiologia puderam servir de princípio de normalidade à sexualidade humana.
(FOUCAULT, 2007, p. 169).
Assim, a sexualidade fica mais restrita, portanto, ao nível biológico. O autor
adverte, com isso não significa que esteja suprimindo o investimento do poder sobre o corpo e
sim, a proposta discursiva na qual o sexo é concebido parte de uma análise complexa dos
procedimentos modernos de poder, em atenção a aspectos da sexualidade que tomam como
alvo a preservação da vida. Na definição do filósofo, é o dispositivo de Sexualidade que
instaura a idéia do sexo, que, por meio de diferentes estratégias, tem sua noção associada à
histeria, ao onanismo, ao fetichismo e ao coito interrompido. Forma-se, assim, uma teoria
geral do sexo, que apresenta certas funções naquele dispositivo, sobretudo por permitir que a
temática seja contornada pelas noções de elementos anatômicos, funções biológicas, condutas,
sensações e prazeres.
Diante dessa unidade chamada sexo, que o autor caracteriza de artificial e
fictícia e que, ao mesmo tempo, adquire sentido de onipresença e de segredo, como algo a ser
descoberto em todas as partes, ela passa a funcionar como princípio causal, instância que
parece dominar os seres humanos.
237
Observamos que alguns professores do campo de Ciências Biológicas
discordam do fato de o ensino de Sexualidade ser atribuição somente de sua área, acreditando
ser essa uma responsabilidade de todos. Alguns deste grupo buscam uma metáfora para dizer
que professor é um artista, tem que assobiar e chupar cana - que significa fazer de tudo.
Passando à apreciação da relação entre a Educação Sexual e a disciplina de
Língua Portuguesa, ancoramo-nos em dois vocábulos de maior significância para esse
contexto: texto e comum.
Eu acho mais comum, Ciências por ter estudado esta área, ter mais contato com o
conhecimento sobre o corpo humano. E Língua Portuguesa, pode dar mais ênfase
nos textos. (Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos, Matemática, 11-15
anos, Ensino Fundamental, municipal).
O léxico comum parece naturalizar o conceito. “A naturalização das idéias
assume aqui todo o seu significado, pois confere uma realidade plena ao que era uma
abstração”. (MOSCOVICI, 1978, p. 127). Desta maneira, as disciplinas, não são apenas
noções, mas tornam-se concretas, quase físicas.
O excerto evidencia, em um primeiro momento, que em suas representações
sociais os depoentes tendem a atribuir a tarefa da Educação Sexual para as áreas de Ciências e
Biologia, nas quais se concentram os saberes sobre o corpo humano. Em seguida, apontam
que os conteúdos dessas matérias, como os assuntos sobre a adolescência, por exemplo,
devem ser estudados através de textos, momento em que entraria em cena a Língua
Portuguesa. Porém, não mencionam a relação da linguagem vinculada ao estudo da
Sexualidade pela constituição histórica das palavras; pelo seu teor erótico, poético, ou a
formação da própria linguagem popular do sexo recheada de diferentes denominações, como
ocorre em nossa cultura (PARKER, 1991).
Como demonstramos, os professores tecem reclamações quando falam dos
palavrões dos alunos, pronunciados em sala de aula, aspecto que, entretanto, não foi
considerado importante para ser discutido através dos textos nas aulas de Língua Portuguesa.
Sobre isso, Saul (2005) avalia que os xingamentos provocam uma reação de idêntico teor
agressivo e, no geral, perpetuam a violência.
Procuramos identificar alguma idéia de Educação Sexual quando relacionam a
Sexualidade com conteúdos de Ciências. Explicam-na em função do que avaliam ser a
necessidade dos alunos:
[...] a disciplina de ciências, a sexualidade, porque nós temos muitos adolescentes
que os hormônios estão bem aflorados. (Professora, católica, casada, 51-60 anos,
Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
238
Conteúdos confirmados nestas representações sociais dos investigados se
sustentam em concepções de que Educação Sexual estuda aspectos do desenvolvimento
psicossexual do ser humano adolescente, conforme consta desta fala.
Então, nós vivemos em uma sociedade que se trabalha por áreas sedimentadas. A
questão do corpo humano é trabalhada especificamente em disciplinas de ciências:
desenvolvimento, maturação, puberdade e vai trabalhar a sexualidade. (Professor
evangélico, casado, 20-30 anos, áreas Filosofia, Religião e Sociologia, 6-10 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Em vários momentos, pelo vocábulo acho, os docentes admitem a dificuldade
ensinar a questão da Sexualidade pela via da transversalidade, pois acreditam ser uma
proposta distanciada da formação, vindo esbarrar e culminar com dificuldades inerentes à
prática profissional. Nesse sentido, pela consciência social e política, criticam a estrutura
educacional no nível da graduação, em especial as licenciaturas, em relação ao modo de
organização e adaptação das disciplinas na grade curricular.
Paredes, Oliveira e Coutinho (2006), analisam que esses fatores podem
acarretar o distanciamento entre a formação docente e a realidade que os profissionais
enfrentam no cotidiano, bem como fornecer indícios da estagnação do sistema público de
ensino.
Observamos que os conteúdos de representações sociais que dão idéia da
Educação Sexual na escola, enquanto possibilidade, apresentam certa ambigüidade que pode
abranger para elementos de exclusão. Por um lado, ao se delegar a responsabilidade do
desenvolvimento de um assunto a determinadas disciplinas, isenta-se as demais. Ainda,
entendemos que os conteúdos de RS contêm elementos que se apóiam nas concepções de
sexualidade biológica, referindo à natureza do sexo na espécie humana LVARO JUNIOR,
1997). Pelo aspecto discursivo as preocupações são que a Sexualidade dos jovens, como
evidencia este estudo, é aflorada. Assim, indiretamente, excluir-se-ia o que chamamos de
outras sexualidades, como a da velhice, em que não mais ocorre a reprodução. Estamos
verificando, como afirma Foucault (1992), que a produção dos saberes de sexualidade por se
materializar pela relação de micropráticas, escapa ao seu objetivo previsto, podendo conduzir
para caminhos não planejados e, sim, enviesados.
Retomamos a análise da classe a partir dos verbos trabalhar, fica e do
substantivo Matemática, notamos no contexto das UCEs que eles comparecem interligados.
Por meio do exercício mental de simulação, ao citar esta disciplina as opiniões se dividem.
Enquanto um grupo de entrevistados admite a possibilidade em trabalhar a sexualidade sendo
caracterizado pelo léxico possível, outros tentam mostrar a inviabilidade em articular estas
239
disciplinas com as aulas de Educação Sexual, ilustrada pela linguagem metafórica o verbo
fica bem solto, conforme observamos na frase.
Mas, fica bem solto, é um caso ali, outro lá, não é uma coisa bem elaborada,
planejada como seria o ideal. (Professora, católica, 41-50 anos, Ciência, acima de 21
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Segundo Jodelet (2001) o processo de ancoragem permite integrar a imagem
do objeto a um sistema de pensamento preexistente. Trata-se da função cognitiva do objeto
representado, associada a algo novo.
Como no estudo de Paredes, Oliveira e Coutinho (2006), os pesquisados
amparam-se no despreparo dos profissionais para discutir a Sexualidade com os alunos. A
depoente, diante do impasse de relacionar o tema com o ensino de matemática, comenta sobre
a afinidade entre ambas as áreas em termos de conteúdos. Então, começa por configurar suas
RS de aula como algo planejado, permitindo-lhe assegurar que entre Sexualidade e
Matemática não sintonia. Assim, ao tentar associar seus conteúdos, estes ficariam soltos,
desordenados, espalhados, e o ensino, a aula perderia sua sistematicidade.
O substantivo professor é mencionado nesta Classe 4 quando os docentes
procuram estabelecer a viabilidade ou a impossibilidade de se discutir a Sexualidade em uma
perspectiva transversal, conforme expressa o depoimento logo abaixo. Observamos que o
termo traspassa todo esse contexto, porém o reconhecimento do poder em torno do saber que
lhe parece ter sido devotado precisa ser reavaliado:
Para nós professores, já é difícil! Agora voimagina! Vou trabalhar a auto-estima,
mas você não tem {formação}, você não fez nada, não buscou em nada, pra você ter
esse aperfeiçoamento. Você tem dificuldade para falar sobre sexo e sexualidade.
(Professora, evangélica, casada, 31-40 anos, Educação Física, 6-10 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Nas avaliações dos entrevistados em relação à questão posta acima, ou seja, a
Educação Sexual pela via da transversalidade, o professor ocupa lugar de sujeito. Pelo que
observamos em Mellouki e Gauthier (2004), é esse profissional que desempenha papéis
distintos entre aqueles que desempenham funções semelhantes às dele. Entretanto, é um
profissional não totalmente livre em suas ações, nem completamente submisso às autoridades
que o regem.
No estudo de Paredes, Trindade, Lima e Vicente (2007, p. 146) esta
característica pode ser notada em relação às palavras autonomia, presente no Núcleo Central
das representações sociais, e da flexibilidade que os professores têm no seu trabalho. “[...] Isto
240
leva a idéia de que o professor sustenta para si a tomada de decisão acerca de suas formas de
ensinar na Instituição, ao que alia a possibilidade de negociar [...]”.
Com base nesse reconhecimento social dirigido ao profissional da educação,
como verificado nos dados desta pesquisa, faz-nos sentido o fato de a figura do professor ser
modelada como mediadora do processo decisório quanto à inserção ou não da sexualidade em
todas as disciplinas.
Os pesquisados ajuízam ponderações sobre os profissionais que elaboraram os
parâmetros, que parecem desconhecer a realidade da sala de aula.
A gente tem que passar as coisas dos PCNs por um funil. No discurso, no papel,
tudo é muito fácil e possível, mas na realidade não é. [...]. (Professora, católica,
divorciada, 41-50 anos, Geografia, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Assim, os educadores encontrariam entre o fazer e o dever. O poder de decisão
em meio a uma disciplina e outra, quanto à inserção do tema sexualidade, parece estar nas
mãos dos docentes. Nas representações sociais dos investigados, cabe aos professores o papel
de mediador nas relações sociais para trabalhar o tema na realidade cotidiana da sala de aula -
a sexualidade dos estudantes. Ao projetarem esta imagem de si mesmos, os professores
posicionam-se como intelectuais na transmissão de idéias e de conhecimentos. Como aquele
que vai além da realidade e o campo dos saberes. (MELHOUKI; GHAUTHIER, 2004).
Esta postura pode ser constatada na discussão sobre o conjunto das disciplinas
mencionadas na referida Classe 4, em que algumas delas admitem a introdução do tema
sexualidade, enfatizando esta integração, como ilustram as palavras acho e possível. Porém,
outras parecem não encontrar acolhida, sendo confirmadas pela expressão fica complicado.
Prosseguindo em nossas análises, passamos ao exame da palavra acho, que
obteve significativa expressividade nesta Classe 4, em termos de aderência à classe. No
contexto em que figura, o termo ou adquire carga semântica negativa, ou expressa uma
tentativa de se explicar algo inconsistente, incerto, ou, ainda, revela as impressões do grupo
em relação a algo, conforme verificamos no extrato de entrevista que segue.
Pelo fato de os docentes se fundamentarem nas prescrições dos PCNs para
manifestar quanto à inserção ou não da Educação Sexual em todas as disciplinas, a utilização
da expressão acho que pode ser uma forma de se resguardarem de algum envolvimento ou
comprometimento nesse sentido. Observamos que os conhecimentos que integram essa área
nem sempre fazem parte das atividades pedagógicas cotidianas de todos os professores,
exceto o que lhes fora repassado ao longo da formação profissional, conforme alguns
observam.
241
Ademais, o emprego do verbo acho é uma forma de o depoente se esquivar da
assunção explícita de determinado ponto de vista. Também, pode ser uma forma de abrir
espaço para se pôr em discussão as dificuldades implicadas no trabalho da Educação Sexual
na perspectiva transversal, conforme ilustra a palavra recurso no excerto da entrevista.
Agora, acho que é possível, mas infelizmente as escolas públicas não oferecem
muito recurso pra gente. (Professora católica, casada, 51-60 anos, Língua
Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Outra palavra que ocorre de modo significativo no discurso dos depoentes em
torno dessa mesma questão é recurso, que aparece associada à disciplina Física, conjunto que
pode materializar a falta de entendimento dos inquiridos acerca de como podem estabelecer a
relação entre a Educação Sexual e essa disciplina.
Quanto aos processos que contribuem na elaboração das RS, verificamos que a
imagem do grupo sobre o objeto constitui-se a partir de algo concreto, pois, conforme
analisamos, a viabilidade da inserção da sexualidade parece ancorada nas disciplinas, ou sob a
crença de que as aulas sobre o assunto carecem de recursos pedagógicos para serem
efetivadas.
Por este meio, a imagem que o grupo tem do objeto é materializada pela
matéria que lecionam. Conforme analisamos, os impedimentos parecem ancorados nas
desinformações do domínio do assunto sexualidade ou porque acreditam que estas aulas
precisam de recursos pedagógicos destacado no fragmento mostrado na entrevista.
Jodelet (2001) afirma que uma segunda função da ancoragem estaria ligada à
interpretação da realidade. Desse modo, um grupo de indivíduos, ao se deparar com algo
desconhecido, busca explicação naquilo que lhe é familiar. Esse aspecto pode ser observado
pela presença, na Classe 4, das palavras fica, possível e complicado pronunciadas em um
contexto em que os depoentes procuram aliviar, suavizar a tensão decorrente da receptividade
negativa em relação à idéia de disciplinas como Matemática e Física trabalharem a Educação
Sexual.
Observamos na fala abaixo a maneira encontrada pelo professor para
interpretar essa realidade, trazendo o tema para o contexto vivenciado em sala de aula,
embora, nesse caso especificamente, a conjunção, mas introduz uma ressalva que contraria a
possibilidade de se inserirem questões de Sexualidade no ensino de Matemática e, ao mesmo
tempo, conduz essa prática ao plano da incerteza.
Matemática pode fazer gráficos de quantos adolescentes tiveram gravidez precoce.
Mas eu não sei se fazem isto. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos, Biologia, 0-
5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
242
Segundo Moscovici (1978), no campo das representações, deve-se levar em
conta os elementos psíquicos, como as reações do sujeito em face do objeto representado.
Sendo assim, espanto e admiração também se constituem como conteúdos das RS de nossos
depoentes:
Como matemática vai dar uma aula sobre sexualidade? (Professora, católica, casada,
41-50 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
O depoimento a seguir parece solucionar o impasse diante do qual se encontra
o depoente acima, além de revelar o que subjaz à atitude de se deixar para um ou outro
professor o que pode se feito por todos eles. No final, expressa sua preocupação em relação à
Sexualidade dos alunos:
pra se trabalhar, sim, que a gente [...] deixa pro professor de ciências e
biologia, fazer isso fica mais modo pra gente. Agora, é pegar os números que
existem sobre doenças sexualmente transmissíveis, trabalhar com as estatísticas,
levar pra sala de aula e a gente talvez desperta os alunos sobre os riscos que eles
correm fora. (Professor, católico, casado, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de
tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Ainda na Classe 4, verificamos que o substantivo Geografia apresenta o
mesmo valor do quiquadrado do adjetivo comum e, em termos percentuais, ocupa posição
inferior relativamente às demais disciplinas evocadas. Entretanto, são os próprios professores
de Geografia que abordam aspectos culturais da Sexualidade, a partir das biodiversidades
regionais nas quais as pessoas se inserem. Por exemplo, na parte da geografia política, aludem
aos perfis da população do país, Estado e ou município, tais como índices de mortalidade
causada pela AIDS e outras doenças, de natalidade e de migração, analisados estes aspectos
por meio de gráficos.
Um entrevistado diz que essas aulas aguçam a curiosidade dos alunos e
incitam-nos a fazer perguntas muitas das quais reveladoras dos valores, das percepções deles
em relação a questões de Sexualidade, conforme ilustra o relato:
Os alunos perguntam qual é o índice de veado, de homossexuais? a gente
aproveita para a aula uns cinco minutos e comenta um pouco, mas sempre com um
atrás. (Professor, religião indefinida, casado, 51-60 anos, Geografia, acima de 21
anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Verificamos a presença de uma linguagem estereotipada em relação aos
homossexuais, aspecto que aprofundaremos em outro momento de nossas análises. Notamos,
também, que o depoente afirma precisar parar a aula para poder dar alguma explicação sobre
assuntos relativos a sexo.
243
Procurando entender um pouco sobre a atitude, apoiamo-nos em Oliveira
(2001), cujo estudo traz dados referentes a situações semelhantes a essa. Então, será preciso
fazer cerimônias, como interromper a aula, para falar de sexo? Fazer essa pergunta leva-nos a
supor que, metaforicamente, o corpo fala para a mente ficar quieta, pois a hora é de se
conhecer sobre sexo.
Em artigo no qual analisa a superação da concepção dualista nas ciências,
segundo a qual haveria uma separação entre corpo e mente ou corpo e cabeça, Thomé Sayão
(2008) tece algumas considerações sobre o corpo. Observa que, geralmente, uma
diversidade de vocábulos que expressam ou estão associados ao que advém da cabeça, como
se o que deriva da mente fosse considerado nobre, ocupasse um status de superioridade.
Quanto ao corpo, porém, não uma variedade de termos para designá-lo; quando muito,
recorrendo a uma concepção de natureza mais teológica, nomeamos a matéria em
contraposição ao espírito.
Em sua investigação, a autora mostra-se contrária à idéia de separação entre
mente e corpo e parece acreditar na necessidade de se criar um conhecimento para adultos e
crianças como protagonistas de uma nova Pedagogia.
Essa outra Pedagogia precisa resistir bravamente a todas as formas de hierarquia,
dominação e poder para que conquistemos o estatuto de cidadãos. Por intermédio
dela, chegaremos ao significado de relações nas quais todos (adultos e crianças)
aprendem e ensinam de maneira que não faz nenhum sentido parar os corpos para
engrandecer a mente. (THOMÉ SAYÃO, 2008, p. 5).
Desse modo, a interrupção de uma aula para a inserção de discussões sobre
Sexualidade pode ser compreendida pelo aspecto das RS enquanto orientação das condutas e
das relações sociais.
A propósito, as entrevistas propiciaram aos entrevistados oportunidades para
posicionar outros juízos e críticas, como a questão da relação entre teoria e prática na
educação via interdisciplinaridade.
A transversalidade é muito falada nos livros e nas palestras, mas na prática ela não
acontece. Quando a gente tenta sentar com um colega para dividir com ele o trabalho
que está fazendo e conhecer em que ele poderia envolver o aluno naquele assunto, às
vezes tem gente que concorda, mas a maioria não concorda. (Professora, evangélica,
casada, 31-40 anos, Ciências, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
estadual).
Acerca de outras disciplinas que não atingiram um coeficiente estatístico de
excelência nesta Classe, destacamos o substantivo História, que parece confirmar a parca
participação desse campo nas discussões relacionadas a sexo, ainda que, como explicita o
244
trecho de depoimento abaixo, a entrevistada concorde que essa é uma atribuição também da
área de humanas, incluindo a Educação Física:
Então, aqui, sinceramente, eu acho que nem todos trabalham. É mais a parte de
humanas. A área de exatas fica ali naquela matéria e pronto. Não é comentado nada.
Eu percebi que geografia e história sempre abrangem, e biologia principalmente, e
educação física também, é discutida. (Professora católica, solteira, 20-30 anos,
Geografia, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Conforme concebe Moscovici (1978, p. 69) a idéia de imagem ou de modelo
social, ocorre conforme os juízos que o grupo faz ou pelas classificações atinentes ao aspecto
objeto de representação. “A armadura simbólica da representação adquire um conjunto de
valores”. Em relação às demais matérias que não obtiveram pesos estatísticos para serem
destacadas na classe em discussão, apresentamos, por meio do extrato, o Ensino Religioso.
Em função da crença do depoente, a Educação Sexual passa a fazer parte de seu universo de
importância.
Eu vejo que é uma responsabilidade do professor de religião ou ciências, mas é uma
questão de informação. Nem todos os professores, de todas as áreas, têm um
conhecimento sobre isto. (Professor, evangélico, casado, 31-40 anos, Matemática,
11-15 anos de tempo de tempo de serviço, Ensino médio, estadual).
Nessa mesma linha de análise, em que a Sexualidade tem sua imagem ligada a
algum valor, dados do estudo de Paredes, Oliveira e Coutinho (2006) apontam que os
docentes reivindicam profissionais habilitados para trabalhar o tema com eles. No fragmento
de entrevista que segue, o informante considera que a Educação Sexual precisa buscar e
ocupar o seu espaço enquanto disciplina prevista no currículo escolar, a exemplo de outras
matérias que conseguiram esse feito, entre elas o Ensino Religioso. Considerações dessa
natureza podem se constituir em diagnósticos para desencadear possíveis intervenções
políticas:
Acho que deveria ter a disciplina à parte, como ensino religioso. Foi uma briga,
como a própria educação física que teve relação com as outras disciplinas.
(Professor evangélico, casado, 20-30 anos, Filosofia, Religião e Sociologia, 6-10
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Em suma, as discussões desta Classe 4 contemplam os objetivos estabelecidos
em que tentamos identificar como os docentes pensam a inserção da Educação Sexual nas
escolas enquanto tema transversal. Conforme discorremos, as Representações Sociais da
temática, segundo proposta curricular dos PCNs, parecem ser modeladas pela análise que os
docentes vivenciam no ambiente escolar. Nesses termos, o emprego do verbo deveria é
indicativo de que suas percepções são fruto de um exercício mental incongruente com a
245
prática efetiva de sala de aula, sendo, antes, uma suposição que circula nos pensamentos em
relação ao que seja uma prática da educação sexual idealizada.
4.3 Classe 3 – Introdução ao contexto lexical das palavras
A Classe 3, expressa na Tabela 39, reúne 278 UCEs e perfaz 42,70% do total
do material analisado, sendo, portanto, a mais volumosa em termos de vocábulos, conforme
podemos observar no dendrograma da Ilustração 16, a ser exibido posteriormente. Ademais, a
partir das ramificações estabelecidas nesta Classe, verificamos que ela aparece articulada às
Classes 1 e 4 e mais afastada das duas últimas, 2 e 5.
Iniciemos a análise desta classe focalizando as palavras vamos, abrir e
valorização, que apresentam um índice de 100% de freqüência nas respostas dos depoentes.
Partindo da verificação das UCEs, notamos que o substantivo valor destaca-se em termos
percentuais, podendo ser associado principalmente ao verbo vai e ao pronome pessoal
masculino plural eles, bem como a outros vocábulos, como orientação, sexo, limites e família.
Desse modo, talvez possamos levar em conta que o termo valor se relaciona com quase todos
os itens que compõem a Classe.
O conjunto destas palavras parece evidenciar aspectos das percepções dos
investigados acerca do modo como consideram ser as bases que fundamentam uma própria
prática educativa em torno da Sexualidade na escola. Para obtermos o entendimento aqui
pretendido, precisamos nos aproximar dos conhecimentos que os educadores possuem acerca
do tema, pois esses saberes estão interligados com a prática pedagógica desses profissionais,
influenciando-a, senão definindo-a. A propósito, Moscovici (1978) adverte que sabemos se
uma ciência é dominada a partir dos conhecimentos que o indivíduo possui sobre ela e da
postura que assume ao se apossar desses conhecimentos.
Procuramos, então, conhecer os elementos mais significativos na construção
das RS de Educação Sexual em âmbito escolar, observando, para tanto, as recomendações de
Moscovici (2003, p. 43): “Quando estudamos representações sociais nós estudamos o ser
humano, enquanto ele faz perguntas e procura respostas ou pensa e não enquanto ele processa
informação, ou se comporta”.
Dessa forma, supomos que nesta análise estejam presentes os conhecimentos,
informações, opiniões, idéias pretensamente projetadas, criadas pelos professores ao
idealizarem quais são as bases desse ensino.
246
Na tentativa de identificarmos os docentes que mais contribuíram com seus
discursos para a constituição da Classe 3, as variáveis descritivas que foram expressas na
Tabela 39 permitem-nos caracterizá-los como um grupo de uma dúzia de informantes com
perfis diferenciados em vários aspectos. Nos índices de maiores quiquadrados agrega-se um
grupo de professores divorciados e em outro um conjunto que professa seguir a religião
evangélica. A idade dos sujeitos concentra-se em duas faixas, de 41 a 50 anos e aqueles com
mais de 60. Sobre os qualificadores profissionais, os percentuais mais destacados identificam
um conjunto de investigados com tempo de serviço superior a 15 anos, atuando nas áreas de
Educação Física e História. É o que podemos conferir Tabela 38.
Tabela 38 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 3
Freqüência na Classe
Variáveis
χ²
Total
N
N %
Codificação
*civ_3 9,88
54 34 62,96 Divorciados
*rel_2 5,12
100
53 53 Religião Evangélica
*at_3 3,98
54 30 55,56 Educação Física
*ts_4 3,11
79 41 51,9 16-20 anos de serviço
*ida_5 2,87
12 8 66,67 Acima de 60 anos de idade
*ida_3 2,46
217
102 47 41-50 anos de idade
*at_8 2,11
39 21 53,85 História
A Ilustração 16, a seguir, apresenta o Dendrograma de Classificação
Descendente, concebido a partir das ligações estabelecidas entre os vocábulos da Classe 3.
247
Ilustração 16 – Dendrograma da Classe 3
248
Observamos que as palavras delineadas no dendrograma encontram-se
interligadas e parecem compor um rol de conteúdos em que identificamos o substantivo
valores, tendo em vista o maior quiquadrado que incide sobre esse vocábulo.
Da leitura propiciada pelos termos conectores, vemos que sobressaem nessa
figura dois grandes blocos: A, na parte superior, e B, na inferior.
Bloco A - Dispositivos institucionais. Agrupamento liderado pelos vocábulos
valor, parece e família. Reúne outras palavras como diálogo, limites que apontam para a
existência de uma relação discursiva associada à ausência das prescrições oriundas da
educação familiar dos estudantes com quem trabalham. Ao mesmo tempo, o suposto
distanciamento dos pais, caracterizado pelo léxico orientação, parece trazer implicações como
observamos pelos vocábulos sexo, doença e bairro. Parece ser responsabilidade do grupo
familiar abrir diálogo e ensinar limites aos jovens, conforme termos destacados na referida
figura
Bloco A1 - Pressões sociais e o jovem. Este bloco compreende as palavras que
começam com o substantivo valorização, AIDS e parece discutir as práticas que envolvem
questões da sexualidade e do dia-a-dia dos jovens. A necessidade de orientação parece
defendida com base nos valores advindos da família, reforçam a idéia de que esses
ensinamentos auxiliam os jovens em suas reflexões e escolhas que os conduzirão ao longo da
vida. E, desta forma ficarão distanciados dos riscos do meio social.
Bloco A2 - Discursos hierarquizados. Tem início com o verbo vai, passa pelo
substantivo tempo e termina com o verbo for. Avaliações em torno do que venha a ser a hora
certa parecem determinar aspectos dos discursos dos depoentes em relação à iniciação sexual
dos adolescentes. Outros termos, a exemplo de vamos, certo e bom, parecem indicar a
necessidade de o professor formar, passar, transmitir aos adolescentes conhecimentos
fundamentados no autoconhecimento e na valorização do corpo. Com isso, acreditam que
estariam preparando-os para o momento certo, objetivado na idéia do bom sexo. O substantivo
valorização comparece associado à auto-estima, formando um conjunto de elementos que
constituem a abordagem psicopedagógica das RS de Educação Sexual dos docentes.
Bloco B - Realidade nua e crua. Muita informação associada à sensualização e
a pouca formação sexual do jovem leva-o a experimentar de tudo e não o capacita a fazer boas
escolhas. Para os docentes o jovem se mostra despreparado no que tange aos envolvimentos
afetivos. Os entrevistados ancoram suas concepções no fato de as informações serem
divulgadas pela mídia de forma natural, em relação às quais muitos jovens não conseguem
249
fazer uma análise crítica e começam a adotar os comportamentos apreendidos como se fossem
reais, verdadeiros, - e o que talvez seja o mais grave - únicos.
Bloco B1 - O sexo no discurso. Apresentam elementos que contornam as
percepções dos professores sobre os adolescentes, seus alunos, à mercê de um conjunto de
informações que mais incitam do que informam sobre sexualidade. Constitui-se a partir do
adjetivo bom e prossegue englobando os demais léxicos até a palavra mundo. Os docentes
salientam a necessidade do autoconhecimento como recurso para os jovens saber discernir o
que é bom e o que não é: aquela história, tudo, lhe é permitido, mas nem tudo é saudável e
nem faz bem realmente.
Bloco B2 - Ancoradouro de Prevenção. Configuram-se como alternativas de
métodos preventivos. Nas concepções dos docentes os jovens conhecem as formas de
prevenção e não as utilizam. Admitem também que a religião seria uma alternativa para
conter a impulsividade sexual dos estudantes.
4.3.1 Classe 3
Fatores que fundamentam a Educação Sexual
Conforme visualizamos, a Classe 3 apresenta certa densidade em termos de
vocábulos e está associada às Classes 1 e 4, sendo, portanto, a última classe analisada entre
aquelas que compõem o bloco Saberes e Preceitos norteadores da Educação Sexual.
Oliveira, Gomes e Marques (2005) recomendam que, em uma análise por meio
do recurso informático ALCESTE, é preciso levar em conta a estrutura lingüística dos
vocábulos, deixando de lado a relação sintática estabelecida entre eles. Os autores priorizam
as conhecidas palavras-chave ou plenas, identificadas em cada Classe como verbos,
substantivos, adjetivos e advérbios. Esses vocábulos são considerados como aquelas
portadoras de sentido e caracterizadoras das Unidades de Contexto.
No entanto, na apreciação desta Classe 3, optamos por incluir o pronome ele e
suas flexões de gênero e número, pois essa categoria gramatical oferece-nos a compreensão
do modo como o grupo comunica seus pensamentos. Entendemos que, ao imaginarem a
Educação Sexual, os docentes direcionam-na a alguém, no caso, aos alunos, sob a forma de
um convite ou uma chamada (MARKOVÁ, 2006).
Feitas essas considerações preliminares, entremos na discussão propriamente
dita da Classe 3, que se encontra exposta a seguir, evidenciando as palavras que a constituem:
250
Tabela 39 - Classe 3 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas reduzidas χ² Corpus
N %
Valor+
Valor, valores
28,75
24 23 95,83
Vai Vai 24,01
81 55 67,9
Ele+
Ele, eles
23,63
231 128
55,41
Tem+
Tem, tema, temas, teme
20,32
258 138
53,49
Orientação Orientação 17,5 19 17 89,47
Sexo Sexo 17,39
44 32 72,73
Ser
Ser
14,78
74 47 63,51
Certo+ Certo, certos 14,24
22 18 81,82
Doença Doença 13,78
19 16 84,21
Bom Bom 12,97
21 17 80,95
Família+ Família, famílias 11,97
81 49 60,49
Criança+ Criança, crianças 11,14
36 25 69,44
Vamos Vamos 10,87
8 8 100
Jovem
Jovem, jovens
10,82
14 12 85,71
Hoje Hoje 9,8 56 35 62,5
Tratar Tratar 9,4 7 7 100
Valorização Valorização 8,1 6 6 100
Abrir Abrir 8,13 6 6 100
Limite+ Limites 7,96 9 8 88,89
Violência Violência 6,76 5 5 100
Sexualmente Sexualmente 6,76 5 5 100
Baixa Baixa 5,4 4 4 100
Despreparado+
Despreparados 5,4 4 4 100
Partindo das nomeações dos dois maiores blocos identificados no dendrograma
desta Classe 3, Dispositivos institucionais e Realidade nua e crua, verificamos que o
substantivo valor destaca-se em termos percentuais. Em função do substantivo valorização
que apresenta índice 100% aderente ao discurso desta classe, consideramos que seu sentido se
relaciona com as demais palavras.
Analisar o termo valor pelo prisma da Filosofia permite-nos compreender que
sua definição é ampla e controversa, tratando-se, pois, de um termo problemático por carregar
diferentes sentidos. Vimos, por exemplo, que a noção de valor pode suscitar, posteriormente,
a antinomia entre relativo e absoluto. Conforme Georgen (2005, p.7): “[...] Os valores,
portanto, não constituem uma realidade ontológica à parte, mas é uma qualificação categorial
que pode referir-se a qualquer objeto”. Nesse sentido, não existem valores absolutos, havendo
somente aqueles que os humanos reconhecem em determinadas circunstâncias.
Em uma análise superficial nesta perspectiva, consideramos que valor pode se
constituir em um thema de base, pois figura no pensamento social como um dos aspectos
essenciais para a sobrevivência e o bem-estar dos seres humanos. Essa palavra traz implícita a
noção de uma ade em oposição: valorizado e desvalorizado. Tais elementos podem
251
configurar como aqueles que caracterizam as RS de Educação Sexual em função dos
conhecimentos hegemônicos, dos pensamentos mais enraizados e estruturados nos conceitos
apreciados socialmente.
No contexto das antinomias, vemos que Themata, ou thema, no singular, é um
conceito recente na TRS e enfoca a questão das dualidades dialógicas ao reforçar o
compromisso dessa teoria com a linguagem e com a comunicação. Para Marková (2006),
thema faz parte das preconcepções científicas, e normalmente envolve díades ou tríades.
Visando não sobrecarregar esta exposição com outras perspectivas de
compreensão da palavra valor, tomaremos por base estas informações e o material fornecido
pelo ALCESTE, nas UCEs que compõem a Classe 3.
Assim, começamos por investigar em que sentido os docentes relacionam o
vocábulo em discussão, quando tentam imaginar o trabalho da Educação Sexual na escola.
Partimos, para tanto, da análise desta fala:
É... , através dos valores a gente vai ficar sabendo, conhecendo como é o aluno,
como é a cultura dele ali, o que sabe ou não sobre aquilo. E nós trabalhamos muito a
questão de valores aqui na filosofia e ensino religioso. Trabalha muito sobre
solidariedade e respeito. (Professora, católica, casada, 51-60 anos, Ciências, acima
de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, municipal).
Em um primeiro momento, a educadora esclarece o caráter fundamental dos
valores para configurar o ambiente no qual o aluno vive a sua Sexualidade, que parece
associado à idéia de contexto cultural. Notamos que ela destaca em seu discurso os
substantivos solidariedade e respeito, o primeiro denotando a importância de os alunos
compartilharem entre si as informações relativas a sexo.
Tomando como base as idéias na proposta do Jovem Protagonista (MEC,
2007), parece que as idéias discorridas aproximam-se de um dos conceitos em que se
determina ao grupo de alunos a tarefa de disseminar o assunto Sexualidade entre os colegas.
Esta metodologia pode, ainda, envolver toda a comunidade escolar em prol de ações que
favoreçam o reconhecimento das informações sobre as práticas preventivas, sob o enfoque do
uso do preservativo.
Essa é uma proposta que parece necessitar de reflexão pelas instituições, tendo
em vista que os professores das escolas investigadas mostraram desconhecimento desta
investida governamental. É importante considerar também o fato de que poucos alunos detêm
informações significativas sobre o assunto. Pagan (2004) ressalta que nem sempre os
escolares possuem conhecimentos esclarecedores relacionados à forma de contágio da AIDS,
dentre outros temas.
252
Quanto ao segundo item, respeito, mencionado pela depoente, nesse contexto
de análise do léxico valor, percebemos no conjunto das UCEs que seu uso é relacionado aos
alunos que usam xingamentos contra os colegas, como podemos verificar neste trecho de
entrevista.
Aqui na escola nós trabalhamos valores, mas a gente não muito efeito na prática.
Principalmente na questão do respeito com o outro, porque o respeito envolve tudo.
Se ele respeita o colega ele não vai agir com determinadas provocações,
determinadas frases... (Professora, católica, casada, 51-60 anos, Ciências, acima de
21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, Estadual).
Nas ponderações da professora, apesar das tentativas das discussões
estabelecidas na escola com os estudantes, parece que os conhecimentos que resultam desses
debates não influenciam a mudança de atitudes. Vejamos o contexto do léxico valorização.
A gente o ensino religioso, fala da autovalorização do corpo e acho que isso não
está acontecendo. Acho que eles m que se autovalorizar. (Professora, católica,
solteira, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Nesse caso, os docentes analisam que nem as aulas que enfocam o corpo como
algo do sagrado têm surtido efeito quanto ao seu uso racional.
Conforme Pinto (1997) o estabelecimento de um nculo interpessoal entre
professores e alunos adolescentes no processo de ensino-aprendizagem é inevitável.
Entretanto, a escola precisa se inserir como espaço da sexualidade, pois, o componente
intimidade se faz presente, basta circularmos pelo interior dela, conforme observa um dos
entrevistados, mas às vezes, não se faz notado.
Pelo que eu pude observar nestes últimos tempos, a sexualidade anda mais exposta,
mais explícita. A sexualidade está tornando algo banal: todo mundo fala de sexo,
mas fala de uma maneira torpe, vulgar, não tem uma experiência. (Professor,
evangélico, casado, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
A Educação Sexual adquire um caráter efetivo quando deixa de exercer apenas
o papel de repassadora de informações e prescritora de regras e busca a questão do
envolvimento afetivo pelo vínculo eu e o outro, começando pelos professores.
Este substantivo em discussão, agregado ao verbo vai, parece revelar certa
dificuldade dos docentes em conceituá-lo. Na tentativa de chegar a uma explicação
aproximada, uma das entrevistadas chega a repetir o termo por quatro vezes, como
observamos no extrato adiante, ao associar o valor à Sexualidade e à cultura de um grupo,
defende também a necessidade de uma prática educativa reflexiva:
Para trabalhar sexualidade, primeiro você tem que trabalhar valores mesmo. Ele
deve conhecer que valores que ele deve levar adiante, até para se dar conta do que
253
eles estão levando adiante. o os valores que ele realmente acredita ou está sendo
fruto de valores meramente reproduzidos? (Professora, católica, divorciada, 41-50
anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Essa análise do vocábulo valor articulado ao verbo tem contribui na formação
da expressão tem que, à qual os docentes recorrem sempre que acham necessário reforçar ou
enfatizar a necessidade de os jovens cuidarem do próprio corpo e de os pais darem atenção
aos filhos, de acordo com fragmentos de UCEs: a família tem que ser trabalhada; a família
pobre porque tem que comer; a mãe tem que ir trabalhar; mesmo que for desestruturada
[família] tem que dar atenção [aos alunos].
Em relação ao léxico seguinte na classe em discussão, o substantivo
orientação, aparece associado à palavra sexo, talvez para reforçar a necessidade de os
professores manterem os jovens informados sobre as questões que envolvem a Sexualidade ou
para indicar os princípios educativos que podem ser transmitidos pela família, por outra
pessoa qualquer e pela mídia. Nesse aspecto, o conjunto formado pelos termos orientação
adquire o significado de instrução, ensinamento, acompanhamento sob a forma de prescrição
de condutas. Esses aspectos podem caracterizar as RS de Educação Sexual como
aconselhamentos. Podemos ilustrar tal pensamento com o verbo tratar.
A questão de ele conhecer a si mesmo e conhecer o outro. Tratar o namoro como
algo natural que acontece na adolescência. E que deve acontecer, mas destacar a
questão da maturidade. Então, estas coisas são importantes para o adolescente saber
e fazer as escolhas na hora certa e de forma certa. (Professor, católico, casado, 41-
50 anos, Educação Física, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Os respondentes utilizam o léxico orientação referindo ao que é divulgado pela
mídia televisiva e pela internet. Nas suas RS estes veículos realizam o trabalho de informar
negativamente os jovens e a aludem à ausência dos pais. Neste caso, a metáfora o despertar
do sexo
para o adolescente contribui no entendimento de que os envolvimentos sexuais,
segundo os docentes, aconteça mais por curiosidade, que às vezes, pelo próprio desejo sexual.
[...] ela {a mídia} mostra o modelo de sexualidade explícita, mas e para um jovem
como adulto despreparado. Ou seja, é bom dar, pode dar {ato sexual} à vontade, fica
com um hoje, outro amanhã e este jovem, inseguro ele vai experimentando e o
resultado disso, nem sempre a gente sabe se vai ser bom. (Professora, católica,
divorciada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
No excerto seguinte o substantivo orientação dá idéia dos conteúdos discutidos
nas aulas que ensinam sobre Sexualidade.
Eu sempre trabalho os órgãos, as funções e as conseqüências, por exemplo, gosto de
trabalhar a gravidez na adolescência, o aborto, as conseqüências, como evitar as
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DSTs e os contraceptivos. (Professora, credo indefinido ou sem religião, casada, 31-
40 anos, Biologia, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Nessa perspectiva, parece possível notar que as RS de Educação Sexual na
escola relacionam-se ao ensino da sexualidade humana, com vistas à prevenção de DSTs e
questões da gravidez na adolescência. A propagação desses conteúdos tem sido recorrente na
mídia, nos PCNs e nas universidades, comprovando que a comunicação pode contribuir no
modo como os indivíduos circunscrevem determinado fenômeno ou objeto.
Notamos ainda que orientação é a palavra mais empregada pelos docentes para
se referirem à Educação Sexual, pelo que somos conduzidos a tecer alguns comentários
acerca de sua significação. Na visão de Figueiró (2006), a definição de Educação Sexual
extrapola as discussões sobre que termo utilizar. A definição desta temática vai além da
decisão pela palavra, pois neste significado ficam implícitas as perspectivas teóricas e os
saberes que embasam a proposta no trabalho de educação sexual que se pretende implantar.
Nesse sentido, definimos pelo olhar foucaultiano, pois de uma parte ele nos
permite captar o caráter disciplinador da instituição educacional, que adestra os indivíduos ao
ponto de torná-los dóceis. Por outro, permite-nos verificar as estratégias utilizadas, seja por
meio de táticas como a vigília dos professores sobre as ações e comportamentos dos alunos,
ou sob a sanção normalizadora - punição - quando não se adequam às normas estabelecidas.
Resta saber que, neste meandro, o que está em jogo são as relações do poder
que operam de modo circular, entre os saberes dos professores, dos profissionais da saúde no
contexto da escola, na tentativa de atender as exigências de quem precisa disseminar de
alguma maneira a valorização da vida por meio de mecanismos sutis, como a incitação
discursiva acerca das medidas preventivas.
Nesta pesquisa, optamos pela terminologia Educação Sexual porque
entendemos a expressão orientação sexual associada ao direito de escolha pela opção sexual,
tal como estabelecem alguns pesquisadores e educadores clássicos, dentre os quais Werebe
(1998); Bonato (1996); Matanó (1990), e contemporâneos, como Altmann (2005) e Figueiró
(2006).
O conceito de Educação Sexual, ainda em construção, pode ser apreendido a
partir do seu sentido amplo, entendendo-se que, quando os jovens chegam à escola, trazem
consigo ensinamentos, valores que precisam ser considerados. Em um sentido restrito,
comparece como proposta intencional, ordenada e projetada que visa compartilhar
conhecimentos sobre aspectos relativos à vida sexual, por meio de uma prática educativa que
255
viabilize a discussões, que compatibilize com os direitos do aluno em conhecer sobre sua
sexualidade e vivenciá-la, considerando os direitos do outro.
Daí entendermos o sexo como elemento de disputa de saberes construído na
rede de domínios dos dispositivos de Sexualidade. Enquanto estratégias, os argumentos
circulam nas relações sociais e culturais das instituições estabelecidas, dentre demais espaços,
no âmbito escolar. Essa perspectiva converge para uma concepção do corpo como expressão
da Sexualidade, que denota a consciência de si e do outro.
Na seqüência da análise da Classe 3, continuamos com o vocábulo sexo, refere-
se a fazer sexo, a manter relações sexuais ou ao ato sexual, expressões cotidianamente
utilizadas pelas pessoas em conversas corriqueiras e em diversos ambientes. Nas narrativas,
sexo deixa de ter um sentido biológico para tomar a forma de intercurso sexual. As pessoas
trocam as palavras conferindo-lhes novos sentidos, aquele que melhor se apropria à sua
linguagem (MOSCOVICI, 2003).
Retornando ao contexto das entrevistas, examinamos que a palavra sexo
também é pronunciada em relação à importância que os docentes atribuem à valorização do
corpo dos alunos.
Primeiro, acho que poderíamos começar com o autoconhecimento do corpo dos
jovens. Se você conhece o seu corpo, vai começar a valorizar o seu corpo. Percebo
que eles não se valorizam como um todo. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos
Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Esses vocábulos em discussão, estão relacionados à idéia de momento certo,
inserindo assim, em um mesmo contexto discursivo, compõe argumentos que modelam as RS
dos professores em relação aos alunos como um ser indefeso. Afirmam, caso os jovens não
sejam orientados para a hora certa do sexo, podem ser acometidos por doenças, que, segundo
visualizamos no mesmo dendrograma, referem-se à AIDS. O discurso se concentra na
perspectiva de futuro, portanto da incerteza.
Nas suas RS, os relacionamentos pré-maritais podem conduzir os projetos de
vida do jovem ao fracasso, uma vez que isso geralmente implica em abandonar a escola e na
alteração dos seus planos para o futuro. Essa concepção, por um lado, pode ser analisada a
partir do vocábulo despreparado, destacado nesta classe.
Moscovici (1978) salienta que pelo processo de ancoragem o grupo converte o
objeto de conhecimento em um instrumento do qual ele pode dispor, integrando-o a uma
escala de valores existentes nas relações sociais.
Ainda nesta discussão, notamos que a díade certo e certa construída por meio
de um pensamento antitético constitui-se em uma forma de os docentes dizerem que existe
256
uma hora certa, havendo conseqüentemente uma hora errada para a iniciação sexual dos
alunos. O substantivo doença, materializado pela AIDS, pode estabelecer-se como uma
antinomia dialógica ancorada na visão de sexualidade saudável. Figueiró (1995) analisa que
tal sentido fundamenta-se nas concepções de saúde e doença, ao enfatizar a ação terapêutica
para o tratamento dos desajustes e das ansiedades sexuais. Valoriza o compartilhamento de
informações nesse contexto ou no âmbito de programas preventivos de saúde pública, como
medidas de garantia da saúde sexual do indivíduo e da coletividade.
A ancoragem integra os conhecimentos de um objeto representado a partir de
um sistema de pensamentos preexistente segundo Jodelet (2001). Esta perspectiva relaciona-
se à função cognitiva, ao interpretar a realidade e orientar condutas e práticas. Do mesmo
modo, recordemos que esta autora faz menção às condições de produção e circulação das
representações que influem sobre os saberes dos sujeitos. Assim, o contexto da escola pode
contribuir para engendrar as RS de Educação Sexual pelos conhecimentos provenientes da
educação em saúde. Pois, no cenário escolar circulam os agentes sociais de saúde, que têm
discutido sobre as técnicas de prevenção e distribuição de camisinhas, prevendo, assim, o
repasse de informações aos jovens escolares, como discorremos nos excertos da Classe 4.
Ademais, a importância dada ao corpo parece objetivada pelo cuidado de si e
ancorada pela auto-estima. Na classe, esta última é adjetivada pelo léxico baixa. Os docentes
baseiam suas concepções nos conhecimentos que devem ser repassados para os alunos e
metaforicamente analisam: se os jovens não forem munidos de informações seguras, eles vão
usar e se deixar usar conforme fragmento do excerto. Estas concepções permitiram qualificar
os alunos como aqueles que realizam atos mecânicos, agem sem pensar.
Além de ele conhecer esses valores e definir quais seria melhor para si, trabalhar no
adolescente, a auto-estima, que é imprescindível. Um jovem que não gosta de si, vai
fazer da vida dele, um mecânico, um artificial. Ele vai usar e se deixar usar.
(Professora, católica, divorciada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos,
Ensino Médio, estadual).
Desse modo, os educandos são considerados um ser em potencial. Ademais, os
depoentes ancoram-se na crença de que os jovens não estão prontos para iniciarem-se nas
práticas sexuais, conforme observamos no dendrograma da Ilustração 16, em que o
substantivo namoro aparece associado ao substantivo criança.
Segundo Dayrell (2007, p. 156-157), essa concepção está muito presente na
escola, mas com um entendimento que parece negar o presente em nome do vir a ser do
aluno: “[...] traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende-se a negar o
257
presente vivido do jovem como espaço válido de formação, assim como as questões
existenciais que eles expõem, bem mais ampla do que apenas o futuro”.
Continuando a análise, o adjetivo bom, mencionado na classe, converge para a
avaliação dos professores acerca das experiências sexuais dos alunos. Parece que se
estabelece certa polaridade, fundada na e pela antinomia em função do par bom e mau, a qual
pode ser constitutiva dos conteúdos das RS do bom sexo e do mau sexo, segundo Giami
(1997). Nesta compreensão a partir do contexto da AIDS, o primeiro parece ligado ao alcance
do prazer, e o mau sexo, ao risco de contrair enfermidades sexuais.
Menin (2005) esclarece que a ética é que nos permite escolher critérios ou
traçar metas a partir do que é ser bom e correto. Dentre outros elementos, esta leitura
significou compreender como a autora anuncia e discute sobre valores morais e éticos e como
a escola se situa em relação a eles. Notamos que, em uma formação moral de alunos e ou, a
formação de professores nesta visão, passa obrigatoriamente, pelo exercício da construção de
valores, regras e normas estabelecidas por estes próprios sujeitos.
O sentido de uma moralidade na educação implica duas concepções. Educa-se
pela autonomia, como uma adoção consentida de valores isentos de coação e repressão, mas
privilegia discussão e reconstrução de regras entre os atores envolvidos. Em contrapartida, na
heteronomia as regras são fixadas pelas autoridades como pais, professores, irmãos mais
velhos e são obedecidas, às vezes, por medo ou por castigos.
Além do exposto, verificamos nas UCEs que o bom sexo associa-se à
expressão momento certo. Segundo os entrevistados, os relacionamentos fora do tempo
significam empecilhos para o alcance de metas e objetivos, o que pode refletir na
incompletude da pessoa. Nessa perspectiva, nas RS dos depoentes, a iniciação sexual
antecipada parece figurar como um impedimento à efetivação do projeto de vida dos alunos.
As representações do mau sexo associam-se à questão dos relacionamentos
dessa natureza e suas conseqüências, como as doenças e a gravidez. Altmann (2005) informa
que esta última envolve um aspecto social que reflete a gica do interesse da economia
capitalista, em que o Estado assegura a importância de os jovens permanecerem mais tempo
solteiros, visando ao melhor rendimento na produção. Lembra a autora que, em tempos
passados, essa população casava-se e tinha filhos na faixa de idade, hoje, considerada precoce,
porém tal fato atingia mais o grupo feminino, pois entre os rapazes não houve alterações
significativas em seus projetos, analisa a autora.
Entre os jovens homens não há mudanças significativas, pois os estratos médios não
interrompem seus projetos e percursos educacionais, enquanto os dos grupos
258
populares ingressam precocemente no mercado de trabalho, independentemente da
experiência de paternidade. (ALTMANN, 2005, p. 150).
Temos então indicativos de que as RS de Educação Sexual, segundo os
docentes, parecem estar enraizadas em abordagens médicas pelo viés da saúde-doença.
Elaboram conceitos de sexualidade enquanto valor social e lhes permite construir
pensamentos antinômicos como respeito e desrespeito, valorizado e desvalorizado e certo e
errado parece ancoradouro do caráter dos conhecimentos hegemônicos Wagner (2000).
Representações dessa natureza têm um caráter duradouro e demoram em ser transformadas,
principalmente quando se trata de ensinamentos morais provenientes da escola e ou da
família, próximo vocábulo da Classe 3 a ser analisado.
Examinando a importância da família nesse contexto verificamos que os
docentes amparam suas percepções nos conceitos tradicionais desta instituição ao considerá-la
a base da sociedade, conforme ilustra a entrevista.
A família que é a base de tudo pra mim. Sempre é a base, porque ali é o nosso
primeiro berço, os nossos primeiros ensinamentos, os nossos primeiros passos.
(Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de
tempo de serviço, nível de Ensino Fundamental, municipal).
Nessa definição os saberes de caráter afetivo comparecem embutidos, a
exemplo do psicossexual, contribuindo para a formação do indivíduo. No entanto, para os
investigados, a família não parece cumprir a tarefa de tratar dos assuntos de sexualidade com
os filhos.
Na família, os valores que podem contribuir para fazer escolhas responsáveis são
mínimos. Por isso a escola tem que fazer este papel. (Professor, evangélico, casado,
20-30 anos, Filosofia Religião e Sociologia, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Os depoentes parecem modelar a imagem da Educação Sexual apoiando-se em
seus conceitos valorativos e em suas implicações, a partir do que consideram como
relacionamentos da pessoa consigo mesma e com os outros. Para tanto, buscam respaldo nos
elementos culturais mais sedimentados da sociedade, como o modelo nuclear de família, e
avaliam de modo negativo o padrão familiar que vem se constituindo na realidade brasileira,
constituído na forma de rede de interações.
Sarti (2007), ao discutir sobre famílias enredadas, afirma que, nos casos de
instabilidade familiar, devido a separações ou mortes de um dos cônjuges, aliados à situação
econômica, o cuidado com os filhos deixa de ser uma responsabilidade exclusiva da mãe ou
do pai, passando a ser de toda a rede de sociabilidade em que a família está inserida. Nesta
pesquisa, confirmamos nuances desse dado ao observarmos a palavra avós no dendrograma da
259
Ilustração 16, frente às considerações dos depoentes com quem alguns alunos residem. Esse
aspecto parece respaldar a tendência de um perfil de família que se configura pelo fato de os
filhos deixarem de residir com ambos os pais, no caso de separação do casal.
Entretanto, na realidade cuiabana os pré-adolescentes e adolescentes na faixa
de idade de 11 a 15 anos afirmam morar com pai e mãe, apesar de um grupo deles habitar
somente com a genitora e outros com os avós, como apontam dados da pesquisa realizada por
Paredes et al (2003). Em relação aos docentes pesquisados, entretanto, seus discursos parecem
não querer se restringir ao modelo de família tradicional, pois, em alguns trechos de
entrevistas citam a expressão famílias desestruturadas, em oposição ao padrão imaginário de
família ideal.
O léxico limite e o verbo abrir são mencionados quando os docentes se referem
à necessidade de os pais dialogarem sobre Sexualidade com os filhos. Esta dificuldade, no
entanto, não parece ser somente em relação aos genitores, mas também de alguns professores,
conforme observamos pela gíria blefando no excerto. Não parece haver sintonia entre o que os
docentes comunicam e o que os alunos querem saber (PAREDES; OLIVEIRA; COUTINHO,
2006). Assim, o sexo é ainda assunto para ser guardado como segredo ou como coisa, veja o
excerto.
Às vezes, você {professor} fala, e, aquilo não é o que estão pensando. Eles acham
que você está blefando. Os pais demoram a falar, não sabem talvez a fase que devem
começar a tratar dessa coisa com a criança. (Professor, católico, casado, 41-50 anos,
Educação Física, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
estadual).
Quando os docentes se referem aos temas sobre relacionamentos afetivos dos
seus alunos, destacam a ausência dos pais também no sentido de não se preocuparem para as
companhias com quem as crianças andam.
Analisamos as dificuldades dos professores retratadas nos excertos de
entrevistas pela perspectiva da escola enquanto dispositivo de sexualidade (FOUCAULT,
2007). O silêncio é o mecanismo em que a escola se apóia para não discutir com os alunos
sobre os relacionamentos amorosos, entretanto, ela busca estratégias que circulam no discurso
ao comentar aspectos moralizadores dos comportamentos. Os docentes lançam mão de táticas
que se caracterizam como linhas flexíveis para perscrutar, explorar pelos olhares, pela
vigilância, pela falação, ao traçar regras definidoras de que na escola não é local que se
permita ficar ou namorar.
É difícil você falar como a escola se posiciona, porque cada escola você tem uma
coordenação, uma diretora diferente e eu não sei como seria o estatuto referente a
isso. O que acontece é que, se você os alunos se beijando: - Oh! Meu filho pare
260
com isso. Aqui não é lugar, pro motel. (Professor, espírita, casado, 31-40 anos,
Física, acima de 21 anos, Ensino Médio, estadual).
Por isso Foucault analisa que o silêncio e o segredo dão sustentação ao poder,
que fixa suas interdições, mas também afrouxa seus laços, permitindo certa tolerância,
escamoteado por novos pudores. É neste contexto dialógico que discutimos a Classe 3, a
partir do léxico abrir. Refere-se ao diálogo como elemento para manutenção da relação
interpessoal necessária entre docentes e alunos, família e filhos. Em especial, os educadores
citam a necessidade de conversas sobre as questões que envolvem a manifestação da
sexualidade precoce dos alunos hoje em dia e sobre o uso da camisinha ou preservativo.
Estas discussões parecem necessárias, em função dos comportamentos
desenfreados demonstrados pelos alunos, segundo observam os depoentes, e que são
geradores de indisciplinas na sala de aula, sendo mais comentado o desrespeito com os
professores. Acerca disso, criticam a postura, às vezes passiva, da escola em relação à falta de
limites dos jovens, que segundo os depoentes precisam ser adquiridos em casa.
Eu acredito que a escola tem que ter mais disciplina, ser mais rígida. Estamos
perdendo limites. Eu acho que as famílias ainda não se despertaram para isso. Por
exemplo, tanto o pai quanto a mãe deveriam estar juntos. (Professora, evangélica,
casada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Buscamos no contexto das entrevistas outras possibilidades de entendimento
dos elementos, que justificariam a ênfase no discurso da família em torno das concepções da
Educação Sexual. Verificamos que a família se constitui como instituição que incita à
sexualidade, conforme explica Foucault (2007)
Os pais, os cônjuges, tornam-se, na família, os principais agentes de um dispositivo
de sexualidade que no exterior se apóia nos médicos e pedagogos, mais tarde nos
psiquiatras, e que, no interior, vem duplicar e logo “psiciologizar” [...] as relações de
aliança. (FOUCAULT, 2007, p. 123).
Nessa perspectiva, a família desencadeia discussões sobre sexo no ambiente
escolar quando a mãe, preocupada com os ensinamentos que são proporcionados aos filhos
em relação ao assunto, dirige-se à escola para solicitar esclarecimentos, dar sugestões. Igual
medida toma a genitora que se sente ansiosa por causa da filha precoce, que precisa tomar
anticoncepcional e ou o pai, às voltas com o filho homossexual.
De outra maneira, entendemos que as RS de Educação Sexual, nas quais se
priorizam valores como a solidariedade e o respeito, parecem envolver uma preocupação com
a dignidade do ser humano. Os PCNs estabelecem que o substantivo respeito integre as
discussões sobre ética no Ensino Fundamental, focado no conceito de diversidade cultural e
261
com ênfase no preconceito sexual. Entretanto, a questão de gênero, pouco mencionada pelo
grupo, foi defendida para fazer parte das discussões sobre a diversidade sexual na perspectiva
da transversalidade.
Os elementos constantes sobre a família conduzem análises de que a presença
desta instituição social em um contexto de idéias que fundamentam uma proposta de
Educação Sexual deve-se ao aspecto de que ela também perdeu seus valores, segundo os
depoentes. Então, para a escola inserir o ensino de sexualidade nas aulas, necessário
conscientizá-la, antes.
Eu acho que isso não deveria ser trabalhado só com os alunos, deveria ser trabalhado
com a família, com os pais também. Não existe um trabalho organizado, não.
(Professora, evangélica, solteira, 31-40 anos, Biologia, 16-20 anos, Ensino Médio,
estadual).
Assim, o recorte da UCE a família é a primeira que tem que ser resgatada
permite-nos supor que nos conteúdos das RS de Educação Sexual elementos que adquirem
o contorno de uma proposta baseada em princípios mantenedores do matrimônio, conforme
analisa o grupo de religiosos. No excerto, a depoente ancora em seus próprios valores, tendo
em vista que a variável religião subjaz à sua fala.
Hoje, você pode fazer sexo com o marido da outra, com o namorado da outra, pois
os valores se perderam, entendeu? Estes valores que a gente tem que resgatar para
daí entrar com Sexualidade feliz e verdadeira que realmente vai traçar um rumo para
retomar o valor da família (Professora, evangélica, casada, 41-50 anos, Língua
Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Na análise de Foucault (2007), essas personagens são consideradas figuras
mistas da aliança desviada ou da Sexualidade antinatural - entendida, aquela sexualidade que
foge da norma natural, que inviabiliza a finalidade reprodutiva.
É, pois nesse campo de correlação de forças que tentamos analisar os
mecanismos dos micro-poderes. Os embates entre os princípios moralizadores envolvendo a
sociedade por meio dos discursos sobre a diversidade sexual, associados aos outros
movimentos do gênero, abrem novos caminhos no âmbito da sexualidade, com reflexos no
contexto de família, em função das mudanças socioculturais. Neste sentido, nasce, então, uma
demanda por parte desta instituição, criando a expectativa de que a escola a ajude a resolver
as interferências infelizes, os infortúnios entre a Sexualidade e a aliança. Tomando por base a
análise de um conjunto de investigados, depreendemos que esta tem perdido seu papel de
conservadora, pois, atualmente, outras formas de união de casais têm buscado a adoção de
filhos.
262
Outro entendimento do léxico valor é a visão a partir da análise de Georgen
(2005); em uma concepção moderna, o autor menciona que a noção de valor não é absoluta,
pois depende da necessidade de um juízo, donde se formou a expressão juízo de valor. Então,
o termo valor pode ser reconhecido como um objeto ligado ao sentimento de cada um ou de
um grupo social.
Queremos dizer que, de certa forma, a Educação Sexual parece apoiada em
modelos instituídos, no caso, na família, os quais são convertidos em uma fórmula que
viabiliza a resolução de problemas, como, por exemplo, a dissolução da família, a ser
trabalhada nos jovens segundo o que convém ao grupo de cristãos. Este entendimento pode
ser analisado pela perspectiva psicossocial das RS, que integra elementos contidos tanto no
campo das suas produções, o meio social do grupo, como em relação aos aspectos psíquicos
das pessoas, que influem nos conhecimentos associados ao objeto (MOSCOVICI, 1978).
Contudo, entre os professores considerados tradicionais ou laicos, verificamos a prática de um
discurso que critica a hipocrisia da família.
[...] nós vemos que os pais não estão sendo. Não estão dando nada. Acho que o
indivíduo deve saber tudo. [...] A menina, agora, coitada, agora grávida! O menino?
[...] A família dele vai chamá-lo de otário. Como é que você comeu e engravidou?
(Professor, católico, casado, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Os dados contracenam os processos formadores das RS, a objetivação e
ancoragem. Notamos que parece ser difícil representar a Educação Sexual a partir de
conceitos. Conforme analisamos, os docentes reportam sobre o assunto fundamentando seus
discursos em normas e valores em consonância com os domínios por parte de diferentes
grupos. No caso em que analisamos o discurso sobre a família, parece existir a Educação
Sexual dos cristãos e a dos leigos. Esta última parece pôr à mostra a sociedade escondida em
sua máscara, conforme nos leva a crer a metáfora monstro neste excerto:
Eu acredito que as pessoas {referindo a família} fazem os seus monstros e elas não
têm coragem de matá-los. Eu sou pai, sou avô e trato o sexo, tanto na minha vida
como na escola, como uma conseqüência natural do ser. (Professor, católico,
solteiro, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Assim, na concepção dos entrevistados, a Educação Sexual pode se configurar
objetivada na figura da família. Esta se esconde em verdades dissimuladas ao tratar de
determinados aspectos, como a precocidade dos filhos, por exemplo. Ancoradas em valores
religiosos, suas representações sociais conduzem as ações do ensino de sexualidade ancoradas
em idéias sustentadas em valores sociais mais conservadores. A constituição da Sexualidade
263
dentro de um modelo valorativo originou-se do sistema de relações e significações datadas do
início da era cristã (NUNES, 1997).
Cruz (2007), afirma que essas concepções conduzem à reprodução e
estabelecimento de conceitos científicos e sociais que são assumidos pelos professores como
verdades absolutas. Tratar a Educação Sexual dessa maneira, ainda que o implique grandes
repressões, pode contribuir pouco para fazer dos alunos adultos conscientes e felizes, analisa a
autora.
Observamos, ainda que as RS de Educação Sexual parecem contextualizadas
em função de regimes de verdades provenientes da visão de sexualidade fundamentada em
uma abordagem higiênica, baseando-se no binômio saúde e doença. Os investigados nesta
pesquisa apóiam suas considerações em conhecimentos observados nos relacionamentos e nas
manifestações de comportamentos sexuais dos jovens. Para tanto, eles enfatizam a
necessidade de inserção de ensinamentos psicopedagógicos que levem os jovens ao
autoconhecimento, conseqüentemente, autovalorização. O que está em jogo é a preservação
do corpo saturado de sexualidade que precisa ser preparado para o momento certo das
práticas sexuais.
Notamos, portanto, a presença de conteúdos discursivos religiosos que parecem
fortalecer os moldes dos dispositivos de Sexualidade na tentativa de perpetuar a manutenção
dos casamentos e das uniões matrimoniais pela preservação do nculo família. A Educação
Sexual se materializa a partir dos valores da Sexualidade da aliança, que parecem coadunar
com os princípios hegemônicos. Para contornar o que antes parecia imaginário e simbólico,
ancoram-se em elementos conhecidos e que estão em conformidade com as perspectivas da
educação familiar, as quais parecem guiar as condutas e práticas da sociedade.
Por outro lado, um grupo polemiza a verdadeira face da Sexualidade no âmbito
de uma sociedade na qual se considera que o tema é tratado entre meias verdades como afirma
Louro (2007).
É a partir deste entendimento, no qual ocorrem as tentativas de exame dos
mecanismos do poder, que trazemos à apreciação o próximo xico. O verbo vamos parece
associado ao pronome pessoal nosso, que, por seu caráter intrinsecamente consensual, aponta
para um discurso que é apropriado por todos os professores, embora, na realidade, não seja de
ninguém.
Os discursos são elementos ou blocos táticos no campo das correlações de forças;
podem existir verdades diferentes e mesmo contraditórias dentro de uma mesma
estratégia [...] (FOUCAULT, 2007, p. 113).
264
Apesar de que, aparentemente, todos os docentes aderem a uma mesma opinião
acerca do que vem a ser proposta de Educação Sexual, seu uso nada mais é que uma estratégia
de impessoalidade, por meio do que ninguém assume sozinho, individualmente a
responsabilidade e autoridade discursiva.
Correlata a essas observações anteriores, no depoimento a seguir a figura do
professor aparece investida de autoridade, decorrente do vínculo estabelecido entre o poder e
o saber, quando entende que a responsabilidade pela Educação Sexual dos jovens tem sido
delegada à escola:
Pelo diálogo, o professor tem poder de mudar a vida de jovens e adolescentes em
todos os sentidos. Por este diálogo, ele pode levar conhecimentos que os pais muitas
vezes não oferecem em casa. (Professora, evangélica, casada, 31-40 anos,
Matemática, 16-20 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
A relação entre o papel de formador de atitudes e os saberes dos professores
parece assentada em conceitos pedagógicos que reforçam as RS de ser professor, que trazem
as percepções dos entrevistados sobre si mesmos enquanto agentes educacionais. Como
atestamos em Batista (2007), e se corrobora a análise dos dados associados ao perfil
profissional dos docentes entrevistados, nesta investigação, eles declaram ter escolhido a
profissão porque desejavam transformar a realidade, mudar o mundo e construir uma
sociedade mais justa e democrática.
Figueiró (2006), avaliando a postura do educador sexual, adverte que o
componente afetivo menos impetuoso qualificaria os professores aptos a ministrar as aulas
sobre Sexualidade.
[...] primeiramente, teria que tentar separar seu envolvimento emocional das demais
questões e dos problemas da escola e diminuir suas expectativas e ansiedade de
querer “concertar o mundo” resolvendo os problemas psicológicos e familiares de
cada aluno. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 180, grifo da autora).
Conforme mencionamos anteriormente, assuntos que envolvem Educação
Sexual e Sexualidade circulam na sociedade e no contexto escolar, sendo instrumento de
grupos de interesses, família, sociedade, dentre os quais, além dos mecanismos propostos pelo
Estado em prol da problematização da sexualidade e maximização da vida, predomina o
conjunto dos saberes e atitudes dos professores.
Por essa via de entendimento, conforme observamos, o discurso dos docentes
foi remetido a alguém. Ora os estudantes são chamados de criança, ora de jovem, léxicos
presentes na Classe em discussão. Nesta análise, eles são os receptores dos discursos dos
depoentes. Desse modo, parece importante buscar o contexto em que os alunos são tratados
265
como infantes e quando são adolescentes. Nas UCEs a criança comparece próximo ao
discurso que os depoentes fazem sobre a presença e a ausência dos pais em relação ao namoro
e os programas de televisão. No dendrograma mostrado pela ilustração 16, o léxico jovem se
conecta com um contexto vinculado à mídia e às medidas preventivas. Nas RS dos docentes
os jovens são despreocupados com o uso de métodos preventivos.
Para remeter a estes aspectos os depoentes consideram a conjuntura social em
que os jovens estão inseridos. O excesso de novidades eletrônicas diante do mercado de
inovações tecnológicas como telefone celular, msn,{mensagens} orkut tem consumido o
tempo dos jovens. Por outro lado, pela necessidade de consumo e rotina de trabalho os pais
quase não educam os filhos no dia-a-dia para o uso do dinheiro, e se vêem carreados de
despesas e gastos na tentativa de compensar a ausência e saciar os impulsos dos filhos.
Ainda mais neste mundo de consumismo que a gente vive, a pessoa está naquela
classe, às vezes, nem pode ter o que todo mundo tem, mais quer. Enfiam-se em
trabalho, em dívidas e vai enfiando os pés pelas mãos pra manter certo padrão.
(Professora, católica, divorciada, 41-50 anos, Geografia, 0-5 anos, Ensino Médio,
estadual).
Retomamos a análise sobre os léxicos mencionados, criança e jovem. Sobre o
primeiro, lembramos que este conjunto de docentes trabalha com pré-adolescentes e
adolescentes e não crianças. Uma rápida leitura sobre a constituição da infância no contexto
moderno, segundo Narodowski (2002), permite-nos entender que essas idéias no contexto da
história das concepções pedagógicas constituem expressões táticas, locais, específicas que não
deixam de conter a força de um paradigma transdiscursivo que as faz únicas. Por outro lado,
possibilitam compreender as relações entre a Pedagogia moderna e outras formas de leituras.
Ao comparar os alunos como crianças, os docentes mobilizam conhecimentos pedagógicos
que delimitam a concepção de infância a partir da dependência de outro que se encontra na
fase da vida adulta. Sendo assim, reforçam a idéia de que a criança deve obediência aos pais,
aos professores, para que estes, em contrapartida, a protejam diante das circunstâncias que ela
não pode resolver sozinha. Além da relação afetiva que o grupo de docentes mantém com os
alunos, ele se mostra tendente a infantilizá-los, ao apoiar-se nas RS da criança carente que
necessita de um adulto para, mediante a educação, transformá-la em um ser autônomo.
Observa-se que esse fato não é recente e nem parece novidade.
Lembremo-nos do pensador francês Jean Jacques Rousseau, que idealizou o
educando Emílio, e por meio desse personagem defendeu que o homem é bom por natureza,
pervertendo-se através do contato com a civilização e a cultura. Logo, o instrutor de Emílio
tomaria para si a tarefa de livrá-lo da influência nociva da sociedade, resguardando seu
266
protegido, até que, aos poucos, desenvolvesse sua natureza e aprendesse os códigos morais
que, posteriormente, passariam a inspirar e orientar o seu comportamento.
Voltando ao ponto de nossas análises, vimos que o ensino da Sexualidade é
remetido para crianças e jovens que trazem de casa informações sexuais inadequadas e
distorcidas, as quais muitas vezes adquirem na mídia, uma vez que os pais são ausentes,
conforme evidenciaram os depoentes nas entrevistas, e ilustra este trecho de entrevista:
Eu percebo que as crianças estão bem adiantadas nesse assunto, não do lado
correto, do lado educativo que deveria aprender. A criança precisa ser orientada.
Elas estão vendo do lado erotizado e não do lado educativo. [...] Então você que
os pais não conversam com os alunos. O adolescente tem uma concepção muito
errada. (Professora, evangélica, casada, 31-40 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos
de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Assim, é possível que esse discurso sobre a criança represente a maneira pela
qual os professores do Ensino Fundamental percebem a vivência dos alunos, conferida pelo
extrato.
Quanto ao substantivo jovem, sua ocorrência se intensifica quando os sujeitos
da pesquisa abordam a desatenção dos pais em relação às perguntas que são endereçadas
pelos filhos sobre relações sexuais, idéia que encontra sustentação na expressão abrir diálogo.
Deparamo-nos, com conteúdos ligados a valores associados ao pensamento dos
professores quanto aos contatos dos estudantes com a mídia, a Internet e as altas tecnologias,
hight tec, como afirmam: Ela [a mídia] mostra o modelo de Sexualidade explícita. Mas, e para
um jovem ou um adulto despreparado? (Professora, católica, divorciada, 41-50 anos, Língua
Portuguesa, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Se, por um lado, os entrevistados apontam em seus discursos a necessidade de
protegerem os alunos, até então rotulados de indefesos e despreparados, apresentam, por
outro, outras noções que parecem se contrapor àquela, quando se referem às iniciativas
sexuais prematuras dos jovens.
[...] que hoje a gente não pode ficar com um discurso de achar que um adolescente
ou menina de quinze anos não está fazendo sexo. Vai fazer e, se fizer, que faça de
uma forma orientada. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Educação Física,
acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Os professores formam uma imagem de que os educandos são a própria libido
em movimento pelo ambiente escolar, apesar de esta ter sido negada quando fazem a relação
entre o namoro dos adolescentes e a escola.
267
4.4 Classe 2 – Introdução ao contexto semântico das palavras
As Classes 2 e 5 estão inscritas no último bloco, denominado a Produção e
Circulação das RS de Sexualidade. Ambas reúnem 217 UCEs classificadas, totalizando pouco
mais de 33% do material selecionado para análise.
A Classe 2, expressa na Tabela 42, exibida a seguir, representa
aproximadamente 15% das UCEs analisáveis. Nela, os docentes discursam sobre as fontes
informativas de Sexualidade, a partir das próprias vivências, tendo se referido à família,
representada pelos vocábulos mãe e irmã, que contribuem para traçar aspectos do contexto da
Educação Sexual que lhes foram repassados no ambiente familiar.
Assim, vislumbramos que os informantes reportam-se à educação formal
referindo-se a escola, identificada pelo substantivo faculdade e pelo verbo estudei. A forma
verbal aprendendo, também citada, aparece relacionada às amigas e apresenta o contexto da
educação informal, enquanto fontes de informações apontadas pelos depoentes. Esses
elementos são importantes na nomeação da Classe Percepções sobre Educação sexual a
partir das histórias de vida, que ora passamos a analisar.
As variáveis descritivas da Classe 2 permitem-nos caracterizar o grupo mais
atuante em função dos discursos de cinco depoentes. Identificamos docentes que lecionam nas
áreas de formação geral em Filosofia, Religião e Sociologia, aos quais se soma um conjunto
de professores que ministram Física. Notamos que as variantes pessoais não comparecem
enquanto elementos característicos importantes na constituição dos discursos constitutivos
desta Classe e sim os aspectos profissionais, conforme observamos na Tabela 40:
Tabela 40 - Índices qualificadores dos docentes mais atuantes na formação da Classe 2
Classe
Variáveis
χ²
Total
f
N %
Codificação
*doc_18 12,09
50,00 6 12 Filosofia, Religião e Sociologia.
*at_5 7,10 24,45 14 51 Filosofia, Religião e Sociologia.
*doc_1 7,05 41,67 5 12 Física
*doc_3 5,99 50,0 3 6 Geografia
*doc_11 3,98 50,0 2 4 Geografia
*doc_34 2,56 40,0 2 5 Língua Portuguesa
*at_6 2,13 24,14 7 29 Física
Observamos na Ilustração 17 o dendrograma representativo do modo como as
palavras constitutivas da Classe 2 se apresentam, a partir das conexões que estabelecem umas
com as outras.
268
Ilustração 17 - Dendrograma da Classe 2
Verificamos no dendrograma os termos conectores articulados por
ramificações e agrupamentos. No conjunto, observamos uma bipartição em blocos A e B
conforme conferimos pelos comentários.
Bloco A - Percepções sociais de gênero. Compreendem o grupo de palavras
reunidas na parte superior da figura demarcada pelos vocábulos de maiores índices de
quiquadrados: tive, foi, era, e pelo menor valor representado pelo advérbio atrás na base deste
bloco. Apontam aspectos vivenciados pelo grupo masculino no contexto de interação social
familiar em que os docentes aludem à época de sua adolescência.
269
Apesar de o verbo conversava representar a relação dialógica que se
estabelecia em torno do tema Sexualidade, o adjetivo proibido, parece ressaltar a ausência de
discussões acerca do assunto como sendo preponderante.
Bloco A1 - Experiências e vivências na juventude. Traz ao nosso conhecimento
relatos do tempo vivido e deixam escapar da memória o que aprenderam na escola,
rememorando com clareza o que faziam às escondidas, como as leituras de livros. As
percepções ao que consideram ser homem e ser mulher são construídas pelos docentes ao
tentarem romper a barreira da educação sexual repressora que receberam na família, e
comparadas à educação moderna. Esta, caracterizada no dendrograma pelo adjetivo aberta.
Bloco A2 - Sexualidade feminina. Explicitam valores e símbolos como marcos
de divisa das características que constituem a passagem da menina para mulher, pela chegada
da menarca.
Bloco B - Socialização e afetividade. Este bloco parece construído pela força
do índice de quiquadrado do pronome minha, em que identificamos a comunicação silenciada
na família sendo incitada pelas recomendações que as mães fazem em relação ao tomar
cuidado com a sexualidade precoce. Quando não se discute em casa, conseqüentemente a
busca pelos saberes parece ser mediada pela socialização informal.
Bloco B1 - Relações familiares. O contexto do convívio com os pais pela
dimensão do silêncio em torno do assunto sexualidade, caracteriza-se pelo conjunto de
palavras que despontam, como podemos notar em meu pai nunca conversava comigo em
casa.
Bloco B2 - Influência do meio social. Este bloco é identificado pelo destaque
de algumas palavras como, coisas, que traduzem aspectos da socialização do assunto com os
colegas, conforme ilustramos pela frase aprendendo alguma coisa, que pode significar: quem
não aprende em casa, aprende com o mundo.
Verificamos, então, a partir dos contextos lexicais da Classe 2, que os docentes
denunciam aspectos da Educação Sexual pela maneira como adquiriram conhecimentos
afetivo-sexuais, apoiando-se na interação social que tiveram ao longo de suas vidas. Para
tanto, discursam a partir das experiências vivenciadas no grupo familiar e menos na escola.
270
4.4.1 Classe 2
Percepções sobre Educação Sexual a partir das histórias de vida
Observando as palavras apresentadas na Classe 2, disponibilizadas e ordenadas
na Tabela 41, percebemos que os sujeitos narram suas histórias a partir da primeira pessoa do
singular, haja vista o emprego dos pronomes minha, meu e comigo e dos verbos fui, estudei e
lembro. Esses itens lexicais parecem contribuir para caracterizar o contexto no qual foram
informados sobre Sexualidade.
Portanto, as fontes de informação relatadas pelos professores, permitem-nos
identificar opiniões e atitudes nas Percepções sociais de gênero, bem como imagens e
símbolos, relativos às suas concepções de Educação Sexual vivenciadas, associadas à
Socialização e afetividade.
Tabela 41 – Classe 2 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas reduzidas χ²
Corpus
N
%
Minha+
Minha, minhas
140,48
80 47
58,75
Fui Fui 94,8 28 22
78,57
Tive + tive+ Tive, tivesse 90,5 52 31
59,62
Foi Foi 89,96 61 34
55,74
Era Era 79,85 34 23
67,65
Meu Meu 59,05 30 19
63,33
Nunca Nunca 47,37 16 12
75,00
Mãe+ Mãe 43,98 82 32
39,02
Estudei
Estudei
34,1 8 7 87,5
Irmã + Irmã, irmãs 29,13 5 5 100
Lembro
Lembro
29,13 5 5 100
Aprendendo
Aprendendo
29,13 5 5 100
Menstruação
Menstruação
28,84 9 7 77,78
Livro+
Livro, livros
26,98 17 10
58,82
Amiga+
Amiga, amigas
23,27 4 4 100
Faculdade+
Faculdade, faculdades
23,27 4 4 100
Sempre
Sempre
20,38 49 18
36,73
Mulher+
Mulher, mulheres
18,47 12 7 58,33
Aberto+ Aberto, abertos 16,54 10 6 60,0
Homem Homem 14,69 8 5 62,5
Pai Pai, pais 8,94 52 15
28,85
Adolescência
Adolescência 7,6 19 7 36,84
Pouco+ Pouco, poucos 7,29 32 10
31,25
Os primeiros cinco vocábulos da Classe 2 parecem se relacionar com o âmbito
familiar no qual os docentes adquiriram informações sobre Sexualidade. O verbo teve faz
parte do discurso masculino, conforme ilustramos pela fala de um dos depoentes ao descrever
271
como aconteciam as interlocuções, destacando a participação da mãe nesses momentos, a
qual, apesar de pouco culta, como observa, mantinha um nível significativo de interação com
ele, servindo-lhe de generosa fonte informativa:
Eu tive uma formação em que meu pai não tratava isso comigo, nunca. Minha mãe
que era mais aberta, não tinha um grau de instrução legal, mas ela procurava assistir
televisão, conversava com os médicos, lia as revistas com entrevistas de médicos
obstetras e ginecologistas. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Física, acima de
21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Quando ocorria algum diálogo, a figura materna era quem intermediava as
conversas de sexo, entretanto, notamos que, apesar desta comprovação, nem todos a citaram,
porém, destaca-se a maior incidência desse substantivo (mãe), se comparado ao vocábulo pai.
Em outro momento da análise, evidenciamos na figura do dendrograma que este vocábulo
está conectado à palavra nunca.
Opiniões mais recentes, Oliveira (2004), diz que analisando as respostas de um
grupo de escolares pesquisados, encontrou quase 50% do total de aproximadamente oito
centenas de jovens inquiridos que assinalam informar-se sobre Sexualidade pela televisão.
Quanto às conversações, os amigos são destacados em primeiro lugar, seguidos das mães, e,
enquanto isso, os genitores são mencionados depois da variável ninguém. Em uma escala de
seis itens, os professores aparecem na quinta posição, referente à discussão do tema com os
alunos. São resultados que parecem confirmar a ausência dos pais na vida sexual dos filhos,
conforme reclamam os depoentes da Classe 3, bem como a ínfima participação dos
professores na educação sexual dos alunos.
Na classe em discussão, o verbo foi ajuda-nos a perceber que os depoentes
avaliam os ensinamentos recebidos, tendo sido o termo nunca que revela o modo como os
pais tratavam de sexualidade no ambiente da família. Alguns professores parecem buscar
meios de explicar que o silêncio paterno é ancorado em princípios coercivos da geração em
que o pai viveu, provavelmente a adolescência.
Com base na faixa etária declarada pelo entrevistado no extrato de entrevista a
seguir, cremos que ele parece estar se referindo às décadas de 60 e 70 do século passado.
Minha geração, eu tenho quarenta e oito anos, minha geração foi muito repressora,
mas graças a Deus, eu tive o privilégio de entrar um pouco cedo na faculdade.
(Professor, católico, casado, 41-50 anos, Matemática, acima de 21 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Abramo (1997), ao analisar a juventude que viveu na década de 50, em toda a
Europa, e na de 60, no Brasil, caracteriza-a pela transgressão, pela rebeldia e pela
delinqüência, tendo a idéia de jovem turbulento e perturbador, intensificado com o advento do
272
rock’n roll. Lembramos, nesse contexto, os movimentos pela liberação sexual e
comercialização da pílula anticoncepcional, consignando às mulheres os direitos e o domínio
sobre seu corpo, e, conseqüentemente, fundando o planejamento familiar e abrindo espaço
para ambos os sexos repensarem seus papéis sexuais tradicionais, aspectos que se fizeram
presentes, também, no movimento que se chamou Revolução Sexual.
A esse respeito, Anna Luz (1999) observa que muitos associam o caráter
impulsivo que marcou esse período à introdução da pílula anticoncepcional, na década de
1960.
[...] A partir daí, o relacionamento sexual muda radicalmente: pode-se separar sexo
da reprodução. Antes do advento dos anticoncepcionais orais, o relacionamento
sexual prévio ao casamento poderia significar gravidez indesejada. (ANNA LUZ,
1999, p. 118).
Esse breve recuo na história permite-nos rememorar que a educação repressora
referida pelo depoente, pode ter sido ancorada também no autoritarismo político, na América
Latina e no Brasil, tendo seus reflexos sido transferidos para a realidade social. Sobre esse
período, Barroso e Bruschini (1982) constatam que havia nas escolas um clima de tensão em
relação aos profissionais que ministravam a Educação Sexual, embora não houvesse nenhuma
lei ou qualquer outra formalidade contra a proposta, e pouco se discutia o assunto
sexualidade, uma vez que não existia liberdade política. É possível que este seja um dos
motivos pelos quais os depoentes vêem o assunto apenas como lembranças, quando relatam as
escolas em que estudaram, como ilustra a palavra lembro.
De acordo com Jodelet (2005), um dos desafios dos estudos qualitativos é a
exigência de um exame minucioso dos processos de produção das representações, o que
implica na aproximação da complexidade do fenômeno pelo pesquisador, em relação tanto às
próprias representações quanto às situações nas quais elas nascem. Essa apreciação conduz-
nos a abordar o processo de ancoragem. Na tentativa de tornar o novo em algo familiar,
compreensível, por meio da memória, as pessoas buscam explicações de diversas formas:
categorizam, rotulam, denominam. Nesse caso, a geração repressora, como referida no
excerto, foi adotada para evidenciar o contexto de suas vivências e, de alguma forma, sendo
culpabilizados pela ausência de informações sobre sexualidade. Dessa forma, ancoram-se, no
tipo de educação que receberam.
Observamos que o verbo foi também contribui para as professoras justificarem
os motivos pelos quais a temática não foi discutida na família. Semelhante aos discursos dos
docentes há pouco expressos, a fala da entrevistada, apresentada a seguir, apóia-se no nível de
273
formação cultural da mãe, à qual designa ignorância sobre o assunto. No final da entrevista,
afirma que a mãe foi lhe passando o que sabia do tema.
Meus pais, principalmente minha mãe, foi uma pessoa muita aberta. Ela fala que na
criação dela não sabia de nada e tudo que soube foi assim. Quando aconteceu ela
não tinha conhecimento sobre menstruação, período fértil, tudo foi acontecendo e ela
foi aprendendo com a vida. [...]. (Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos,
Ciências, 11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Ao fecharmos esta idéia a partir das relações familiares, temos Foucault
(2007), quando analisa que a história da Sexualidade é a história dos discursos expressos por
mecanismos de poder. Nessa perspectiva, os conteúdos supostamente silenciados na família
pareciam encontrar guarida nos princípios da educação pela maternidade, segundo os quais a
identidade feminina prende-se aos valores ligados à pureza da mulher, também esposa
virtuosa e mãe devotada.
A premissa da TRS segundo a qual um indivíduo ou grupo representa algum
fenômeno a partir da relação que estabelece com ele, nos permite observar que o aspecto
cultural das famílias tornou-se uma preocupação destacada pelos entrevistados. Dentre outras,
a categoria de professores é reconhecida como disseminadora de cultura. Assim, notamos que
este aspecto passa a ser valorizado quando os depoentes fazem menção ao contexto
doméstico. Ao selecionar uma imagem do objeto, os sujeitos elegem características próximas
do seu universo de familiaridade, que, por sua vez, parece estar ligado ao campo profissional.
Nessas interações agimos a partir de conceitos socialmente construídos, veiculados e
mantidos como verdades. Nem sempre temos condições de refletir sobre
preconceitos com os quais atuamos. (GATTI, 1998).
De outro modo, as trocas culturais podem incidir sobre os modelos de
pensamento e de conduta, e modificar as experiências conduzidas pelas Representações
(JODELET, 2005). Assim, analisamos que os depoentes, ao relatarem aspectos de suas vidas,
relacionados à maneira pela qual se informaram sobre Sexualidade, tenham formado RS que
os habilitam a tomar atitudes em face das questões vividas e que repercutem em suas práticas
educativas.
Partindo do princípio de que a experiência é diretamente associada ao vivido,
verificamos qual o sentido daquela na relação com as representações sociais. Podemos pensar
em uma ligação entre os conceitos ao compreendermos que: “[...] a experiência é social e
socialmente construída.” (JODELET, 2005, p. 32). Por essa via, tentamos entender o sentido
do que foi vivenciado pelos docentes quando afirmam ter recebido uma Educação Sexual
274
castradora, e captar se essas representações contribuem para influenciar suas práticas
educativas.
Ilustremos essa situação por meio de um exemplo, e a partir do léxico era e da
palavra proibido exarada no excerto logo abaixo, complementado pelo substantivo livro,
destacado no depoimento do entrevistado. Conforme mencionamos, a experiência concretiza a
noção do vivido e sua relação com o mundo.
Foi interessante, pois eu comecei a estudar com vinte anos. Eu morava na fazenda e
semi-analfabeto. quarenta anos atrás, fui para o seminário. Durante esta época
era proibido ler livros sobre formação sexual. Eu comprei um livro de um padre
sobre a vida sexual dos solteiros e casados e guardei o livro embaixo do colchão.
(Professor, católico, casado, acima de 61 anos, Geografia, 11-15 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Ao tomar consciência de que fora privado da dimensão do conhecimento, o
docente sentiu-se instigado a buscá-lo pela alternativa mais viável à época: o meio
eclesiástico. Foi nesse ambiente de ensino que se informou sobre questões de Sexualidade,
ainda que na clandestinidade, conforme alusão às leituras escondidas que fazia de alguns
volumes.
Embora estejamos cientes da amplitude do investimento teórico que os
assuntos vivência e experiência demandam, tecemos uma análise sucinta. Isto entretanto,
possibilitou compreender que um aspecto da dimensão da experiência parece relacionado ao
conhecimento e ao modo como a pessoa se sente diante da situação a que se apresenta: o foro
íntimo.
A noção de experiência vivida foi definida [...] como o modo através do qual as
pessoas sentem uma situação, em seu foro intimo, e, o modo como elas elaboram,
através de um trabalho psíquico e cognitivo, as ressonâncias positivas ou negativas
dessa situação e das relações e ações que elas desenvolveram naquela situação.
(JODELET, 2005, p. 29).
Apoiando-nos na idéia de que as relações entre a experiência e as
representações estariam subjacentes ao que foi vivido e compartilhado com os outros, Jodelet
(2005, 31) explica: “[...] o estado sentido pela pessoa corresponde a uma invasão pela
emoção, mas, também, a um momento onde ela toma consciência de sua subjetividade, e de
sua identidade.” Esse estado, segundo a autora, passa a existir na medida em que a
experiência é compartilhada, confirmada pelos outros, sendo, por isso, social. Assim, a
experiência vivida comporta uma dimensão cognitiva na medida em que favorece um
alargamento da relação do indivíduo com o mundo, dependendo do sentido que o sujeito
atribui aos acontecimentos.
275
As vivências socialmente construídas podem se manifestar, também, pela
expressão de sentimentos e emoções. De uma maneira ou de outra, afetos são demonstrados
ao se discutir o tema. Na Classe 2, o pronome meu sinaliza que o silenciamento das
discussões no meio familiar propiciou ao depoente associar sua dificuldade para compartilhar
o assunto, como observado no encerramento de sua fala.
Eu fui criado pela minha mãe, meu pai faleceu eu ainda era pequeno, e meus irmãos
mais velhos {cinco irmãos}, não tinham essa abertura. A gente acaba aprendendo
estas coisas na rua [...]. Sempre tive uma visão muito fechada em relação a isso.
(Professor católico, casado, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
As categorias que circulam no espaço social servem para explicar as
experiências do próprio sujeito e, as experiências dos outros, para “[...] construir um novo
conhecimento por meio das vivências sociais (JODELET, 2005 p. 31)”.
[...] a nossa formação sexual é machista e, assim que o garoto completa dezesseis
anos, ele tem que ir para o cabaré, para sua primeira transa. Eu fui parte desta
educação. Meu pai foi um reprodutor. [...]. Meu pai e minha mãe são separados.
(Professor, religião indefinida, casado, 41-50 anos, Filosofia Religião, Sociologia,
11-15 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
O excerto permite-nos compreender que a experiência vivida pelo professor
significou um processo de reconstrução de sua realidade. Em relação à sua atitude frente às
experiências negativas presenciadas na família, afirma, em outra parte da entrevista, se sentir
à vontade em relação às dúvidas dos alunos que são compartidas em aulas, visando esclarecê-
los para que vivam bem sua sexualidade.
Ao pensar a relação da experiência com as Representações Sociais, no plano
em que elas emergem, notamos que alguns termos são emprestados dos saberes comuns para
dar forma aos conteúdos da experiência. É o caso dos vocábulos irmãs e amigas, que fazem
parte de um discurso feminino que relata enfaticamente a emoção ao se lembrar da menarca,
raramente compartilhada com os pais, sequer a gravidez antecipada conforme denuncia a
entrevistada.
Durante minha vida escolar, não, na minha família também não, pois minha família
é muito assim, rígida, tradicionalista, nunca falou comigo sobre menstruação,
também fui mãe precoce, aos quatorze anos. (Professora, evangélica, casada, 20-30
anos, Língua Portuguesa, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Foucault (2004) analisa que o sangue, quando pensado em termos de linhagem,
é um elemento simbólico, como o sangue real, por exemplo. No sentido aqui destacado, ele
igualmente tem valor peculiar ao significar uma alegoria de rito de passagem. Para as
entrevistadas, com a chegada da menstruação, a menina deixa de ser criança, como fica
276
explícito no comentário pronunciado por uma mãe ao ser comunicada pela filha, no caso, uma
das entrevistadas, que havia menstruado. Agora você é moça!
As transformações biológicas normais do corpo conduzem a jovem a uma nova
fase de socialização, que delimita o fim da infância. Ademais, constituem o marco inicial da
fase reprodutiva e de mudanças no comportamento (ALMEIDA, 1999). É o que nos revela a
resposta de outra e à filha, outra entrevistada, diante da chegada do ciclo menstrual. Agora
você pode ser mãe! Estas observações permitem analisar que estes valores ainda continuam
arraigados nas concepções das depoentes, pois estão relacionadas ao universo de valores
afetivos. Tecem considerações de que os pais de hoje também não dialogam esses assuntos
com as suas alunas.
Essas análises disponibilizaram dados de caráter negativo acerca das RS dos
docentes em relação à ausência dos pais em sua formação sexual. Todavia, no relato expresso
a seguir, as lembranças da partilha dos assuntos relacionados a sexo com os pais permitiram à
entrevistada avaliar o cunho positivo sobre suas experiências.
Eu tenho informação sexual desde que fui novinha. Meus pais sentaram comigo.
Deveria ser assim com todos, mas nem sempre os pais são abertos assim. Meu pai e
minha mãe sentavam comigo e escancarava sabe, é assim, assim [...]. (Professora
católica, solteira, 20-30 anos, Geografia, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Observamos que o aspecto favorável do relacionamento foi realizado por meio
da comparação expressa pela frase que todos fossem assim. Na tentativa de configurar a
imagem da Educação Sexual, os docentes apóiam-se em ponderações e julgamentos sobre
suas famílias, relacionando-as com objetos da Sexualidade socialmente valorizados, como a
menstruação. Além desse aspecto, outros temas da Sexualidade ganham o contorno afetivo no
contexto discursivo referente ao distanciamento familiar. Depoentes que conversaram o
assunto com as mães parecem considerar terem sido submetidas a ensinamentos impregnados
de preconceitos e medos, como, por exemplo, a desmoralização da família perante amigos e
familiares. Caso acontecesse uma gravidez precoce, a moça ficava conhecida como e
solteira e era dirigida para fora de casa, uma vez que se tornara a vergonha da família. A
tensão em torno do assunto pode ser captada neste depoimento.
Na minha adolescência, a minha mãe não conversava muito assim, mas pelo menos
explicava, diria, para ela era uma obsessão ficar falando, não fique grávida, nunca
fique grávida, não vá fazer isso comigo! Era uma vergonha pra ela. (Professora
religião indefinida, casada, 31-40 anos, Matemática, 11-15 anos, Ensino
Fundamental, municipal).
277
Segundo Anna Luz (1999, p. 92): “A responsabilidade moral que pesa sobre as
mulheres, no passado, tem dupla conseqüência. [...] a sociedade concorda em santificar a
mulher ‘honesta’, e está pronta para apontar a transgressora.”
No início do Século IX, a sociedade, orientada por valores morais e religiosos,
deu ao corpo um valor de santificação. A gravidez representava um misto de sagrado e
profano. O sagrado, a maternidade, vinculada à experiência profana no mundo, o
relacionamento sexual, considerado um tabu.
No excerto revela-se a razão da vergonha da família em relação a uma suposta
gravidez da filha, estado que no decorrer de muito tempo não podia ser comentado nem
mesmo no âmbito da relação da aliança familiar. As pessoas até ficavam sabendo do
acontecido, mas não o comentavam publicamente: não se infringia o tabu do silêncio em torno
do problema. “[...] Coisas sagradas devem ser protegidas da profanação.” (ANNA LUZ, 1999,
p. 92).
O sistema de elaboração das RS proporciona sinais de que, por meio da
ancoragem se permite que o grupo social faça comparação, juízo de valor, categorização,
sendo que, nesta última, a forma de classificação de um objeto nunca é neutra (JODELET,
2001). Os recortes de UCEs desta Classe anunciam que os sujeitos, quando falam da educação
do passado, caracterizam-na pela conexão do verbo era com o adjetivo proibido. Com esse
pensamento, os docentes simbolizam a Educação Sexual do seu tempo de juventude, tendo
como limite dessa época o vocábulo aberta, que define a abordagem sexual no presente.
Supomos que Foucault (2007) esteja de acordo com a existência de um grande
cuidado em torno das questões sexuais, constante em torno delas, cujo objetivo é: “[...] proibir
o uso do sexo.” Todavia, o autor, questionando se o sexo é sempre proibido, julga ser
necessário considerar o que significa essa proibição. Por acaso, não se trata de uma armadilha
no interior de uma estratégia mais complexa do que aparenta? Na acepção do autor, não
podemos realizar o percurso intelectual em busca da compreensão sobre a história da
Sexualidade se não analisamos as questões que envolvem o poder, mas não aquele poder que
coage, na forma de lei ou de uma interdição e sim um poder-saber.
[...] escrever uma história da Sexualidade que não fosse ordenada pela idéia de um
poder-repressão, de um poder-censura, mas por uma idéia de um poder-incitação, de
um poder-saber; seria preciso desprender o regime de coerção, de prazer e de
discurso que é não inibidor, mas construtivo deste domínio complexo que é a
Sexualidade. (SÁ, 1998, p. 13).
Segundo Jodelet (1993) o social intervém na forma de conhecimento de várias
maneiras, sendo um deles o contexto concreto em que se situam os indivíduos e os grupos. Os
278
docentes afirmam terem sido informados sobre assuntos de Sexualidade, no ambiente
familiar. Vemos que eles adotam como referência, dentre outros elementos, os aspectos
histórico-culturais da sociedade, resultantes das tensões entre os preceitos da educação
tradicional e aqueles da educação moderna. Em decorrência disso, ao caracterizarem a
Educação Sexual que receberam, acentuam seu caráter proibitivo, mesclado ao silêncio difuso
na família, na escola, em suas próprias RS. Porém, entremeiam a essas impressões, marcadas
pela negatividade, fragmentos avaliativos, juízos reveladores de abordagens afetivas no
ambiente familiar, por ocasião das discussões sobre o tema. Os juízos de valores permitem
acessar as ideologias subjacentes (MOSCOVICI, 1978).
Talvez essa constatação possa ser esclarecida da mesma maneira como Jodelet
(2001, p. 21) tece explicações sobre as RS da AIDS.
Estão ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos, ideológicos ou culturais,
a um estado dos conhecimentos científicos, quanto à condição social e à esfera da
experiência privada e afetiva dos indivíduos.
Analisamos que esse processo faz parte do modo de funcionamento do
pensamento. Nos discursos, as respostas que dão acesso às Representações, juntamente com
esses outros elementos que intervêm na formação discursiva, são como organizadores de
conteúdos e operadores de sentido (JODELET, 2005). Com isso, temos um pensamento em
ação, no qual se destaca a função da linguagem, que, em uma situação comunicativa,
desempenha o papel de (de) codificar a realidade.
No processo de ancoragem, em relação à modalidade do enraizamento da
representação em uma rede de significados, Jodelet (1993) destaca que as RS não surgem do
nada. O contato do novo no sistema de percepções preexistente pode ser estimulado pelo seu
caráter criativo e autônomo e permite introduzir no pensamento outros aspectos do fenômeno
observado.
Na metade dos anos 70 do século passado, Jodelet (2005) realizou um estudo
sobre as RS do corpo e suas relações com a cultura. Quinze anos depois, desenvolveu outra
pesquisa sobre o mesmo tema, com a finalidade de estabelecer uma comparação diacrônica
entre os dados coletados nas duas situações. Para tanto, tomou na investigação mais recente
amostras parecidas àquelas do estudo produzido anteriormente, observando que em ambos os
casos as percepções do corpo, traduzidas pelos sujeitos em seus discursos, ocorreram através
dos signos que são codificados pela sociedade. Além disso, verificou que a mudança cultural
desencadeada em função dos movimentos sociais de liberação sexual e feminista e a difusão
das ciências igualmente influenciaram tais concepções.
279
Passamos de uma apreensão do próprio corpo centrada no sofrimento e na doença
[...] a uma abordagem mais aberta às dimensões da vida corporal ligada à irrupção
dos prazeres do hedonismo e a um declínio de interesse por conhecimentos
biológicos em benefício de uma leitura do corpo à luz das ciências psicológicas e
sociais. (JODELET, 2005, p. 45).
Referindo-se ao discurso sobre o sexo, Foucault (2007) indaga por que as
sociedades ocidentais têm procurado tantos saberes sobre este objeto fictício e, ao mesmo
tempo, têm exigido que teorias sejam formuladas sobre elas próprias. Na concepção do autor,
existe uma crença de que o Ocidente estabeleceu conhecimentos sobre o sexo, organizados
em torno de técnicas religiosas, médicas e sociais.
Os sujeitos desta investigação ajuízam o que consideram ter sido a Educação
Sexual do seu tempo e, com seus pensamentos transitando pela cotidianidade da sociedade
moderna, transmitem o que pensam ser a Educação Sexual na perspectiva dos seus alunos,
identificada na Classe 2 pela palavra aberta. Nesse sentido, procuramos um entrevistado mais
jovem para nos passar suas impressões.
Começou com minha família. Graças a Deus minha educação foi muito boa. Eu
tenho uma liberdade muito grande. Eu ainda moro com meus pais e tive uma
educação super-legal. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos, Biologia, 0- 5 anos
de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Um grupo de professores considera que a liberação sexual, iniciada na década
de 70, levou a mocidade de hoje a não se respeitar. Com uma sátira, um dos depoentes analisa
que, se os jovens do passado precisavam visitar locais, como o cabaré, para serem iniciados
sexualmente, “[hoje] em todos os cantos vemos cenas pornô por [...]”. Nas esquinas das
ruas ou nas casas dos pais, completam os colegas. O relacionamento sexual antes do
casamento tornou-se aceitável, e essa posição alterou e afetou a vida dos adolescentes.
De acordo com Chauí (1988), sociedades que o ao sexo valor de procriação
condenam as relações sexuais extramaritais, que não cumprem essa função. A educação
familiar do século XX viu-se em uma encruzilhada, pois, enquanto precisava preservar e
defender a virgindade das meninas púberes, também necessitava resolver as frustrações
sexuais dos jovens e dos homens casados insatisfeitos. Daí a criação do bordel ou do cabaré
nas cidades, segundo a autora, tão indispensável quanto a igreja, o cemitério, a cadeia e a
escola, para realizar a repressão tanto por meio de idéias quanto por instituições.
Essas ponderações nos levam a pensar que, tendo transcorrido uma década da
oficialização na instituição da Educação Sexual nas escolas brasileiras, por meio dos PCNs,
essas instituições de ensino pouco têm se aproveitado dessa abertura para disseminar
280
conhecimentos de Sexualidade e desenvolver práticas que envolvam esse processo, que ainda
comparece em caráter de tentativa.
Entretanto, temos notícias de que o movimento feminista da década de 1960 foi
precursor da implantação da Educação Sexual no Brasil. Louro (1997, p. 131) analisa que a
participação desse grupo reflete a concepção do tema pelo próprio grupo: “[...] é um campo
privilegiado para a construção de sentidos, para a significação do ser homem do ser mulher
[...] elas/eles procuram também introduzir nas propostas de educação sexual a dimensão do
prazer, geralmente ignorada nas concepções mais tradicionais.”
Como observa Coutinho (2005), os conteúdos das RS dos professores sobre
aquelas que consideram ser as representações dos seus alunos parecem apontar que os jovens
de hoje precisam, sim, usufruir da liberdade de expressão sexual, porém, com
responsabilidade e dentro de certos limites.
Retomemos, agora, a análise das palavras da Classe 2 que apresenta uma
freqüência de 100% em termos de ocorrência por parte dos entrevistados. Conforme
mencionamos, tais vocábulos denunciam aspectos do contexto nos quais os docentes declaram
ter se informado sobre Sexualidade. Nesse sentido, de acordo com a discussão inicial, a
rememoração dos professores é ilustrada pelo léxico lembra, e o substantivo irmã identifica a
participação do grupo familiar na aquisição dos conhecimentos sobre sexo.
Estes resultados testificam a escassa veiculação do assunto compartilhado na
escola; de acordo com os depoimentos, notamos na classe o verbo estudei e o substantivo
faculdade, que revela a universidade enquanto mito social. Destacaram a instituição pela
importância em termo cultural. Entretanto, o conhecimento do assunto adquirido nesta
instituição foi mais enfatizado pelo grupo de docentes que conseguiu freqüentar um curso
superior, geralmente depois de adultos.
Tratando-se de uma investigação em que concebemos o ato de representação
como um ato de pensamento, por meio do qual o sujeito ou grupo se relaciona com o objeto,
também são valorizados os códigos, os valores e ideologias relacionadas com as pertenças
sociais específicas (JODELET, 1993). O excerto apresenta aspectos próprios de
pertencimento das famílias de alguns professores.
Na minha adolescência aprendi tudo com amigos. Vim de pessoas de família
humilde, de fazenda, dona de casa, e a gente estudou porque quis estudar, não foi
porque o pai mandou a gente pra escola. (Professor, religião indefinida, casado, 51-
60 anos, Geografia, acima de 21 anos, Ensino Médio, estadual).
Se atualmente uma preocupação e incentivos, como as bolsas escolas, para
que os pais se comprometam com a educação dos filhos, nem sempre foi assim. O
281
distanciamento dos pais em relação à educação dos filhos encontra amparo na configuração
das duas primeiras décadas do Século IX, principalmente nas zonas de colonização, em que as
mulheres eram preparadas para educar e cuidar do lar e da família. Não havia preocupação
com o investimento intelectual ou acadêmico das jovens.
As palavras de Paredes (2008,
p. 143-144) confirmam aspectos da relação entre
mulher e trabalho em Cuiabá, sobretudo na classe social de profissionais liberais, visto que a
primeira profissional requisitada para oferecer seus serviços à sociedade foi uma odontóloga.
[...]. Isso não significa que, anteriormente em outros campos, de trabalho a mulher já
não houvesse assumido algumas posições que eram, entretanto, ligadas aos afazeres
tradicionalmente considerados como femininos: doceira, modista, professora, a
exemplo do que acontecia no território nacional. (PAREDES, 2008, p. 143-144).
Ainda no contexto da Classe 2, o verbo estudei, revela o grupo de docentes que
procurou se informar sobre Sexualidade nas escolas do antigo 2.º grau, hoje Ensino Médio do
nível de educação básica, tendo apontado o papel das disciplinas de Programa de Saúde e
Educação Moral e Cívica e Ciências em seu processo formativo, conforme comentado na
análise de conteúdos.
Conforme nomeamos no bloco B2, influências do meio social, para outro
conjunto de professores a aquisição de conhecimentos sobre sexo foi representada pelo verbo
aprendendo. Observamos no contexto das entrevistas que essa declaração significa conhecer
algo por meio de experiências que o próprio mundo se incumbe de proporcionar no cotidiano
da vida. Diríamos aquela aprendizagem compartilhada entre colegas. Assim, as
representações sociais se revelam como guia para a ação e leitura da realidade.
Não tive porque a gente quase não tinha esse tipo de liberdade, nem com meu pai e
nem com minha mãe. Vovai aprendendo no mundo, o mundo vai ensinando, [...].
(Professor católico, solteiro, 31-40 anos, Física, 6-10 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Neste contexto, ainda que a palavra conversa aparecesse no contexto da Classe
2, o discurso ressalta a marca do silêncio, imperioso. Emudecido, por força da educação que o
regula, guarda e preserva, o sujeito deleita-se nas vicissitudes do dia-a-dia fora da escola e da
família: [Quiçá, ele vai] aprendendo as coisas na rua, pelos outros; aprendendo com a vida;
aprendendo no mundo, o mundo vai ensinando, a gente aprende com colegas. (Professor,
solteiro, 20-30 anos, Ciências, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Na medida em que se alarga o espaço do saber, experiências são
compartilhadas pelas informações que advêm do contexto vivido. São elementos informativos
complexos, diferentes e desiguais, que traçam a história de cada um expressa nas frases
282
incompletas, imagens, emoções e silêncios. Conta-se uma história de quem acredita superar as
intempéries e percalços por entender que o aprender específico da escola contrapõe-se ao
aprender da vida (MADEIRA, 2000, p. 242).
Notamos elementos que ressaltam o valor da escola na vida dos depoentes,
bem como o destaque quanto à instrução dos pais. Observam que os impedimentos à
conclusão dos estudos em tempo hábil foram motivados pelo descaso dos pais e, digamos, às
vezes, do Estado. Alguns reconhecem que aprender sexualidade fora do contexto escolar e do
familiar também é uma forma de educação.
Resultados reveladores da maneira como a sociedade produz e faz circular
discursos de Sexualidade como verdades em que se misturam prazer e poder. Falas e
discursos detêm poderes específicos, conforme podemos observar na última análise, Classe 5.
4.5 Classe 5 – Introdução ao contexto semântico das palavras
A Classe 5 encontra-se articulada à Classe 2 e reúne em seu contexto lexical
121 UCEs, comparecendo com um índice de 18% de repetição no total das 165 palavras
selecionadas. Os vocábulos arrolados por quiquadrado e freqüência no geral e na classe,
mostrados na Tabela 44, exibida a seguir, permitem-nos analisar o seu perfil vocabular.
Nesta Classe, os docentes atraem alguns personagens para os seus discursos, e
essa tem sido a maneira pela qual os pesquisados exprimem verbalmente seus pensamentos,
conforme já mencionamos. Pelas desinências de gênero, ora empregam elas, aluna e menina,
ora eles, aluno, menino e senhor, esta última forma de tratamento repetida pelos educadores,
direcionada aos professores e professoras, e aos coordenadores e coordenadoras. No
conjunto desses termos, são aqueles educadores em quem, às vezes, os estudantes chegam
para partilhar algum assunto ou, em relação ao último profissional, ele chama a mãe para
comparecer no ambiente escolar.
O contexto lexical parece contribuir para conhecermos de que maneira os
assuntos referentes a sexualidade circulam no contexto escolar, conforme o verbo conversas.
Este verbo aponta para a existência dos casos que envolvem as alunas, podendo ser definido
pela gravidez.
283
Uma análise dessa natureza, com foco nas conversas sobre temas de
Sexualidade no meio escolar implica no exame das interações, possibilitando, assim, buscar
compreender as atitudes da escola e dos docentes frente aos assuntos, e quais são os efeitos
dos saberes na elaboração de RS sobre Educação Sexual.
Dados estatísticos da Tabela 42 relacionam o conjunto de características
pessoais dos depoentes que mais contribuíram na formação da Classe em apreço, em termos
percentuais de quiquadrados e freqüências. Trata-se, pois, de 10 professores com o seguinte
perfil: áreas de ensino de Ciências e História, credo religioso não declarado, solteiros, na faixa
etária de 51-60, e 20-30 anos de idade. Logo, há um conjunto de profissionais em início de
carreira e outro que talvez se encontre na iminência de se aposentar.
Tabela 42 - Índices dos docentes mais atuantes na formação da Classe 5
Freqüência na Classe
Variáveis
χ² Corpus
N %
Codificação
*rel_4 27,79
142 48 33,80 Credo indefinido
*at_2 17,39
86 30 34,88 Ciências
*civ_2 14,99
19 10 52,63 Solteiro
*ida_4 10,62
78 25 32,05 51-60 anos de idade
*at_8 5,96
39 13 33,33 História
*ida_1 4,80
145 36 24,83 20-30 anos
*sex_2 2,32
336 70 20,83 Feminino
*ts_1 2,19
120 28 23,33 0-5 anos de tempo de serviço
Apresentamos na Ilustração 18 o dendrograma resultante da classificação
hierárquica ascendente dos vocábulos constitutivos da Classe 5, que se encontram agrupados
em dois blocos temáticos: o Bloco A, ao qual convencionamos chamar Relações de poder e
gênero e o Bloco B, Educação Sexual e atitudes.
284
Ilustração 18 - Dendrograma da Classe 5
Bloco A - Relações de poder e gênero. Pelo dendrograma, verificamos que este
bloco é compreendido pelos substantivos casos, alunas, alunos e pelo verbo conversas que
parece assumir o significado da discussão do assunto sexualidade na escola. Na parte superior
da ilustração, pela conexão do vocábulo tomar e cuidado, possivelmente nos encaminhem
para as recomendações dos professores às alunas. Elementos desse grupo de palavras parecem
convergir para aspectos da análise referente à construção da vulnerabilidade de gênero para a
gravidez e a circulação das verdades hierarquizadas em relação à opção sexual dos alunos.
285
Desta forma, tentaremos entender a atitude dos professores e a posição da escola no que diz
respeito às RS de Educação Sexual.
Bloco A1 - Vulnerabilidade para a gravidez. Este agrupamento inicia com o
substantivo cuidado e finda com o verbo tivemos, descrevendo, a partir de outros léxicos os
casos acontecidos no ano passado, relatados pelos educadores, que envolveram alunas de
treze anos. Observamos que as discussões em sala de aula acontecem pelo que as alunas
conversam e o que os professores ouvem contar.
Bloco A2 - Práticas e preconceitos. Revelam certa dificuldade em discutir a
questão da opção sexual na escola. Assunto que, tanto faz parte das preocupações dos
depoentes, quanto dos alunos. Consideramos que as versões resultantes do compartilhamento
do assunto homossexualidade se apóiam em discursos considerados ainda em tom de
brincadeiras sendo necessário que os alunos peçam aos docentes que o abordem.
Bloco B - Educação Sexual e atitudes. O verbo estava conduz o contexto no
qual se insere o agrupamento de palavras que acenam para a possibilidade de os
coordenadores da escola serem os agentes intermediários nas discussões dos assuntos
referentes à gravidez das alunas, conforme evidenciamos pelo emprego do verbo aconteceu e
do pronome ela. Entretanto, conversei, falou e perguntei parecem indicar a forma de diálogo
que se realiza entre professores e discentes.
Na acepção de Freire (1982), tal forma de abordagem pode dificultar o
desenvolvimento da consciência crítica dos envolvidos, uma vez que perguntas e respostas
nem sempre favorecem o estabelecimento de um processo educativo fundado na e pela
educação dialógica.
4.5.1 Classe 5 – Episódios motivadores do diálogo no cotidiano escolar
A Classe 5 é constituída por vocábulos que parecem apontar para a existência
de situações comunicativas de sexualidade no meio escolar, como mostra o substantivo
conversas e os verbos dizem e perguntei, dentre os quais o primeiro atinge o maior
quiquadrado, 41%. Essa constatação pode ser confirmada pela presença de outras formas
verbais, tocam e chegam, associadas ao contexto desta classe, haja vista terem atingido o
índice de 100% de freqüência. O verbo tocam se refere sobre a masturbação, manipular nos
órgãos sexuais, conhecimentos prévios em Carvalho (2006) sobre a manifestação da
sexualidade entre os alunos das séries iniciais do ensino fundamental. Parece que os docentes
procuram dar visibilidade à sexualidade na escola a partir do que lhes salta aos olhos e do que
286
escutam nas conversas; estas, quando ditas por meio de poucas palavras, também são
expressas pelos depoentes por meio do verbo tocar. O verbo chegam ilustra a atitude de
alunos diante da necessidade de se informar, no caso, um aproximar-se discretamente dos
professores, referenciado pela palavra senhor (a).
Em função de outros léxicos como gravidez, presente nesta classe, seus
conteúdos parecem ser formados a partir dos resultados da indagação aos entrevistados acerca
do que pensam sobre os relacionamentos afetivos na escola.
Feitas essas considerações preliminares, entremos na discussão específica da
Classe 5, exibida a seguir, evidenciando as palavras que a constituem:
Tabela 43 – Classe 5 - Distribuição de palavras por índices de quiquadrados e freqüências
Classe
Palavras Formas reduzidas χ²
Corpus
N
%
Estava Estava 43,40
20 15
75,00
Ela+ Ela, elas 41,38
105 43
40,95
Convers+er Conversa, conversas 40,95
23 16
69,57
Falou Falou 38,65
17 13
76,47
Aluna+ Aluna, alunas 28,28
18 12
66,67
Tomar Tomar 25,42
8 7 87,50
Dizem Dizem 25,42
8 7 87,50
passado Passado 25,42
8 7 87,50
ficou Ficou 25,31
8 7 80,00
Caso+ Caso, casos 24,91
33 17
51,52
Gravid+ Grávida, gravidez 23,47
53 23
43,4
senhor+ senhor, senhora 22,07
5 5 100
Menina+ Menina, meninas 21,36
45 20
44,44
Aluno+ Aluno, aluna, alunas, alunos
19,19
107 36
33,64
Tocam Tocam 17,63
4 4 100
Chegam Chegam 17,63
4 4 100
Aconteceu Aconteceu 16,17
13 8 61,54
Banheiro Banheiro 12,56
5 4 80
Chama Chama 10,9 13 7 53,85
Preconceito+
Preconceito, preconceitos 6,62 10 5 50,00
Observamos que o verbo estava, relaciona-se a outras UCEs, desse modo, será
analisado no contexto. Notamos, mediante a ocorrência dos substantivos aluna e conversas,
que eles tanto se referem às intervenções dos docentes quanto ao que se ouve na escola;
quanto ao posicionamento da instituição e de si próprios frente aos casos associados às
mudanças biopsicossociais, que envolvem vulnerabilidade, a gravidez marca o dia-a-dia das
jovens no ambiente escolar.
Para Doise (2001, p. 193), as RS são sempre tomadas de posição simbólica:
“[...] opiniões, atitudes ou estereótipos, segundo sua imbricação em relações sociais
287
diferentes. [...] E as representações sociais são os princípios organizadores dessas relações
simbólicas entre atores sociais.”
O conceito de vulnerabilidade, segundo Ayres (1996), é entendido como a
dimensão social e comportamental de homens e mulheres associada à suscetibilidade dos
adolescentes à gravidez, ao considerar que estes são dotados de características individuais de
masculinidade e feminilidade adquiridas pelas relações sociais de gênero.
Disso, segundo Almeida, (1999) decorre o que é vivido pelos jovens a partir
das concepções socioculturais do que seja ser homem ou mulher.
[...] a vivência sexual masculina desprovida de qualquer preocupação com
paternidade, posto que é motivada unicamente para o próprio prazer e uma vivência
sexual feminina que assume inteiramente a contracepção ou a maternidade como
atributo inerente e ‘naturalizados’ a sua condição sexual. (ALMEIDA, 1999, p. 61).
A palavra aluna destacada na classe em discussão e no contexto do excerto
revela que os entrevistados deste estudo depõem sobre a realidade da escola.
No ano passado nós tivemos entre quatro a cinco casos de gravidez entre dez a
quinze anos, a maioria de doze anos. Nesses casos, a escola chama a aluna e
conversa. (Professor, católico, casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21
anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Pelo que podemos notar no excerto, a média de idade das alunas que se
relacionam sexualmente oscila entre 10 e 15 anos, sendo que aos doze elas engravidam. Esses
dados são corroborados pelo estudo desenvolvido por Oliveira (2004), de acordo com o qual a
iniciação sexual dos jovens se dá entre os 12 e 13 anos.
Em uma investigação de maior amplitude, a Unesco (2004) averigua junto ao
corpo técnico-pedagógico de escolas distribuídas em 13 capitais brasileiras a ocorrência de
casos de gravidez em alunas menores de 18 anos. As respostas afirmativas guardam as
referidas proporções, destacando-se, em primeiro lugar, a cidade de Manaus, com 60,7%; em
segundo, Cuiabá, com mais de 54%; e em terceira posição, o Rio de Janeiro, com 41,4%.
Dados que retratam aspectos importantes de atenção em razão do aspecto social da realidade
escolar.
Em relação à posição dos docentes, eles também ensinam por meio das
conversas com as alunas grávidas. Ainda neste contexto, o termo passado, que se destaca
nesta Classe, converge para a época do acontecimento dos fatos focalizados. Os discursos
revelam a preocupação de todos os professores, porém, ao referir sobre a postura do grupo
diante do fato, eles empregam os termos a gente e não nós como se se eximissem de maior
cumplicidade.
288
A gente sempre coloca isso para eles. No ano passado nós tivemos muitos casos de
gravidez. A gente conversa com as meninas para saber se realmente elas estão
grávidas. (Professora, religião indefinida, casada, 31-40 anos, Ciências, 11-15 anos
de tempo de serviço, Ensino Fundamental, estadual).
Este aspecto parece indicar que não há algum tipo de intervenção planejada por
parte dos docentes, além das recomendações relacionadas às conversações esporádicas que
acontecem, às vezes, fora da sala de aula, nas quais orientam as jovens a tomar certos
cuidados.
Trecho do final depoimento anterior a gente conversa com as meninas para
saber se elas realmente estão grávidas -, indicam uma situação que envolve suspeita.
Segundo Foucault (2007, p. 37) esta é uma técnica que permite “[...] a intensificação dos
poderes à multiplicação do discurso”. Por esta via os professores analisam as estudantes pelas
muitas saídas ao banheiro, indagam sobre o atraso menstrual, observam as mudanças no
corpo das jovens, ou ainda quando acontece a ausência da aluna, procuram a coordenação
julgando tratar-se de gravidez ou questões que envolvem o aborto.
Embora sejam os relacionamentos sexuais das alunas o assunto central das
discussões, segundo os informantes também escutam outros temas que envolvem alunos do
Ensino Fundamental e são compartilhados na sala dos professores:
Eu vejo as frustrações, as lamentações... Eu ouvi as conversas que meninos estavam
puxando as meninas para o banheiro, menino beijando menina na boca.
Conversamos com a coordenadora e estamos querendo que trouxessem essa
enfermeira para trabalhar com eles. (Professora, religião indefinida, 31-40 anos,
Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Neste caso, a ação dos docentes passa a ser mobilizada pela busca de ajuda
proveniente de outro profissional. Como observamos, recorre à coordenadora para requisitar a
enfermeira. E, assim, a sexualidade ancorada na infância passa a fazer parte do discurso de
sexo compondo o jogo da presença e da ausência, do manifesto e do oculto.
Destacamos o léxico banheiro, pois além dos comportamentos dos
mencionados no excerto, é no seu interior que acontecem os romances às escondidas dos
alunos maiores e que são desvendados pelos coordenadores.
Andrade (2007, p. 204), referindo-se à dimensão simbólica desse lugar, aponta
aspectos por meio de seu potencial narrativo: “[...] território de intensa interação social, cujo
conteúdo oscila entre práticas transgressoras, sigilosas, corporativas, competitivas, sobretudo,
imaginárias.”
Nos depoimentos, a confissão constitui uma das estratégias por meio da qual se
coloca o sexo em discussão: no primeiro momento, as faltas das alunas às aulas geram
289
desconfiança por parte dos docentes; isso levanta suspeita e alguém, o poder, passa a vigiar;
posteriormente, instaura-se o inquérito, sendo materializado pela exclusão escolar. Esta é
objetivada pela transgressão, pois, a adolescente nem sempre se prepara para tornar pública
uma conduta clandestina (ALMEIDA, 1999).
Os professores chamam para conversar, os coordenadores conversam e quando
existem casos de gravidez e a aluna quererem desistir, a escola chama e conversa,
pois às vezes elas ficam com vergonha da turma, ficam por um tempo, depois
desistem. (Professor, católico, solteiro, 41-50 anos, História, 16-20 anos de tempo de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Foucault (2007) compreende que nesse processo de investigação o prazer e o
poder são dimensões bem próximas uma da outra: prazer em averiguar, buscar, fiscalizar e,
por meio de perguntas, extorquir a confissão; poder de perseguir, prazerosamente, mostrar,
revelar e produzir verdades sobre as sexualidades periféricas, improdutivas, distantes dos
propósitos da aliança e em defesa da relação heterossexual.
Se, por um lado, esses documentos objetivam dizer não às sexualidades
improdutivas, por outro, ao mostrar o sexo adolescente, funcionam como uma forma de
vigília e controle recompensada por uma emoção que reforça o prazer (FOUCAULT, 2007).
Os pronomes senhor e senhora, presentes na Classe 5, permitem-nos verificar que os docentes
vêem reproduzida aquela questão do poder e do prazer em torno da Sexualidade dos
estudantes a partir das perguntas que estes fazem quanto a suas dúvidas mais comuns, as
práticas de prevenção, e nas avaliações que os próprios professores apresentam nos relatórios
pedagógicos.
Principalmente sobre o uso dos preservativos e a gravidez na adolescência, para
essas crianças que já estão começando essa vida sexual, alguns, são até ativos...
(Professora, católica, casada, 41-50 anos, Língua Portuguesa, 11-15 anos de tempo
de serviço, Ensino Médio, estadual).
Nesse extrato, o substantivo crianças confirma a tendência de alguns depoentes
assim denominarem os alunos, tal como apontam os dados expressos na Classe 3. [...]
sexualidade, por visões polares: ‘aluno muito criança para saber sobre sexo’ versus ‘aluno
muito grande para não saber’. (CARVALHO, 2006, p. 10).
Diante dos comentários sobre as posturas dos docentes sobre os episódios
sexuais que acontecem na escola, destacam-se os ambientes como o substantivo banheiro,
mencionado anteriormente. O verbo ficou contribui para verificar o que os depoentes dizem e
pensam do auto-erotismo.
Conforme apresentamos, o dispositivo de Sexualidade na escola estabelece-se
por meio da vigilância, estratégia mais moderna que a confissão, empregada pela medicina
290
social desde o início do Século XVIII no combate à masturbação nas escolas e conjugada aos
demais mecanismos coercitivos: “[...] interrogatório [...] interpretação e entrevistas.”
(FOUCAULT, 2007, p. 113).
Esta vivência sexual, segundo os inquiridos, e constatada no extrato de
entrevistas raramente acontece, sendo mais comum entre os alunos do Ensino Fundamental. A
depoente destaca com minúcias os locais apropriados para o ato ao relatar o que ouviu de
uma colega de profissão.
[...] então ela disse: isso você pode fazer em sua casa, no banheiro, sozinho, mas
aqui {escola} não é lugar. Então guarda... {o pênis}. Ele ficou todo constrangido e
sem graça. Ela foi para frente e começou a conversar com os outros alunos e parecia
que nada havia acontecido. (Professora, católica, solteira, 20-30 anos, Língua
Português, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Entretanto, os escolares inquiridos por Oliveira e Paredes (2004b, p.9)
destacam a algazarra dos colegas pela circulação de revista pornográfica em sala de aula.
Afirmam: “[...] Os meninos falam que na hora, eles pegam uma revista pornô e não estão nem
aí [...]”. (Sexo masculino, 13 anos).
No contexto da multiplicação de sexualidades disparatadas, os docentes
incorrem na representação social de sexualidade contendo elementos ambíguos, quando se
trata dos pais, o alerta é para que estes não se dirijam aos filhos através de crenças. Ao mesmo
tempo em que consideram os alunos infantis, os docentes comentam que, às vezes, os pais,
pensando nos filhos como pessoas inocentes, ressaltam que eles precisam saber desde cedo
sobre a Sexualidade.
A propósito, os depoentes observam que, enquanto os pais passam para os
filhos o mito da cegonha, como tentativa de encobrir a verdade que envolve o processo de
concepção de um filho, bloqueando a abordagem do assunto no ambiente familiar, as
informações que adquirem, via Internet, desmentem a estória da ave que traz o nenê envolto
no bico, do tempo em que colocavam açúcar na janela (ANNA LUZ, 1999):
Então ficam com mentiras como a da cegonha e quando eles entram na Internet não
tem nada disso. Eu acho que tem que começar com um modelo de palestras que
envolvesse os pais, porque a partir do momento em que os pais começam a ter um
conhecimento da coisa, facilita aqui na escola para o professor. (Professor, católico,
casado, 41-50 anos, Educação Física, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino
Fundamental, estadual).
Quando se trata dos alunos e a escola, os entrevistados consideram que esta
precisa ensinar as verdades científicas da sexualidade em relação às doenças, para que os
alunos tenham medo e se responsabilizem a favor da prevenção.
291
A partir dessas breves teorizações, captamos a razão de Moscovici (2003) ao
afirmar que nos entendimentos acerca da realidade cotidiana podem coexistir diferentes tipos
de pensamentos. Temos no depoimento acima aspectos do pensamento comum, objetivado na
figura do pássaro-cegonha, convivendo com o saber científico, inserido no contexto da
comunicação tecnológica mediada pela Internet. São discursos produzidos em nossa cultura e
que atravessam a escola e normalizam o modo ser viver a sexualidade.
A análise do verbo tocam remete-nos à Classe 2, quando os docentes
descrevem a expressão de sentimentos afetivos entre os alunos:
Aqui, eles se beijam se abraçam, se tocam que é da própria carência porque os pais
não falam. Quando tocamos no assunto eles ficam todos alvoroçados querendo saber
mais e dão a entender que não tocam no assunto. (Professora, religião indefinida, 31-
40 anos, Língua Portuguesa, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Esse verbo propicia também a compreensão da avaliação dos professores
quanto aos tratamentos dispensados pelos pais aos filhos sobre temas de Sexualidade,
resumida pela frase nem tocam, metaforicamente referindo-se ao fato de que sequer
mencionam o assunto. Mesmo assim, ou seja, ainda que lacônicas, os depoentes consideram
essas conversas importantes.
Os meus alunos de onze e doze anos não conversam com os pais. Eles não tocam no
assunto. (Professor, religião indefinida, solteiro, 20-30 anos de tempo de serviço,
Ciências, 0-5 anos de tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
Nas RS elaboradas pelo conjunto de entrevistados, quando maior
participação dos pais na educação dos alunos o namoro pode ser postergado e o trabalho da
escola é facilitado. Assim, os docentes acreditam que a Educação Sexual na escola deve ser
pensada de modo a envolver os genitores em discussões que tratem de valores quiçá ainda não
adotados pelos jovens.
Todavia, os pais são acanhados e mostram-se preconceituosos nessas situações,
pois, sob a ótica dos inquiridos de Paredes; Oliveira; Coutinho (2006), no recinto doméstico
há uma cisão nas relações entre os membros da família, conforme observamos neste trecho de
entrevista:
Teria que sair da boca da mãe, conversando com a filha. Do pai conversando com o
filho sobre prevenção, doenças transmissíveis, mas não falam. Eu perguntei para os
alunos: Escutem, vocês vão chegar em casa e vão perguntar: mamãe, você beijou
na boca de papai? Uma aluna falou: mas ela bate em mim, professora. (Professora,
católica, solteira, 41-50 anos, Biologia, acima de 21 anos de tempo de serviço,
Ensino Médio, estadual).
292
Nesses termos, na metáfora sair da boca o pensamento aparece materializado
pela idéia comunicada. O poder do discurso é delegado para alguém, no caso, a figura
materna, que nesse momento é a dona da verdade. Metaforicamente, a linguagem consolida a
abstração e traduz o significado por meio do aspecto afetivo, ao investir sobre a mãe a
competência para conversar no assunto. Entretanto, notamos, pela via das análises dos
micropoderes, que algumas discussões sobre sexo contribuem para produzir efeito contrário:
mais incitam que informam, como podemos observar na entrevista.
[...] Orientei dizendo que você já tem namorado precisa se cuidar, então ela disse
minha mãe me leva para tomar injeção para não pegar filho, mas eu não transo todo
mês, não sei para que essa injeção! (Professora católica, casada, 51-60 anos,
Ciências, acima de 21 anos de tempo de serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Marková (2006) avalia que pensar significa tentar caminhos diferentes e adotar
desvios. As conversas estabelecidas entre a escola e a família e, conseqüentemente, os alunos-
filhos, podem ser definidas pela dialogicidade, enquanto capacidade dos seres humanos em
criar e comunicar a realidade. É o diálogo que permite que os encontros aconteçam, sejam
interrompidos, mas voltem a existir.
O verbo chegam é outro vocábulo analisado nesta classe, indicando que não
parece fácil para os discentes compartilharem suas preocupações sobre Sexualidade. Tanto
que, às vezes, esse momento adquire o caráter de um ritual de confissão, implicando o
discurso que envolve alguém que confessa e exige a presença de um interlocutor.
Na escola, esses atores são identificados pelos professores como aqueles que
são mais chegados e se aproximam mais dos alunos. No entanto, os coordenadores lançam
indagações e decodificam os casos de namoro na escola e aprovisionam as reuniões de
conselhos dos professores sobre a deliberação dos processos gestacionais.
Na Classe 5 desponta ainda o verbo aconteceu, referindo-se à maneira pela
qual os docentes quase sempre são comunicados pelas alunas sobre a comprovação da
gravidez. E manifestar-se tão laconicamente, mediante a enunciação de uma única palavra, é
uma opção: “[...] quanto menor a quantidade de informações contida em uma mensagem,
menor a possibilidade do interlocutor se envolver em problemas políticos.” (MARKOVÁ,
2006, p. 145).
As RS dos inquiridos sobre os relacionamentos afetivos que envolvem as
alunas parecem ancoradas em um motim, fazendo borbulhar as incitações do tema
Sexualidade na escola, pois poucas são as atitudes positivas dos docentes em relação a elas, as
meninas. Nesse caso, Noronha, Assunção e Oliveira (2008) afirmam que, às vezes, diante das
situações difíceis que acometem os alunos, as professoras reagem com indiferença para
293
minorar o próprio sofrimento. A forma como ignoram os fatos parece configurar uma
estratégia para resistir ao cansaço e seus efeitos decorrentes da labuta diária. Além deste
aspecto, a fermentação do assunto, como falar com a aluna em particular, observar suas
reações, chamar a mãe, pode significar que a rede de poder que transpassa a sexualidade vai
além do mutismo, do silêncio ou da repressão, ela se realiza pela trama de produção
discursiva e dos comportamentos (FOUCAULT, 2007).
Deduzimos que as dificuldades sentidas pelos professores podem gravitar em
torno daquelas que emergem no trato as intervenções preventivas de drogas, como apontam
Placco et al. (2005, p. 106). Os autores analisam que o problema em lidar com a questão
figura como um aspecto central das próprias RS dos educadores: “[...] parece estar na origem
das suas percepções, atitudes e pensamentos subjacentes.”
Diante da impotência confirmada pelos docentes em propor soluções, a escola
toma algumas providências, como estender convites a profissionais de postos de saúde, em
especial, enfermeiras, para trabalhar com os alunos. Essa atitude é destacada pelos professores
entrevistados por Coutinho (2006), que também pesquisou a questão da Sexualidade na
escola. Esta prática pode ser uma busca de alternativas para desenvolver a Educação Sexual
em seus domínios. Sendo assim, é por meio das tecnologias de informação que ligam o sexo à
saúde e à doença que a escola intervém.
A OMS (1999) define saúde como o estado de bem-estar físico, mental e
social, baseando-se em princípios segundo os quais ser saudável implica usufruir direitos
imprescindíveis, como educação e saneamento básico. Contudo, parece importante diferenciar
as iniciativas que estão sendo implementadas na escola, que envolvem ações educativas em
saúde, para que não sejam confundidas com Educação Sexual. Quando nos referimos a esta, a
perspectiva que adotamos se assemelha com o pensamento de Figueiró (2006) ao conceber
que:
[...] a educação sexual como um caminho para preparar o educando para viver a sua
sexualidade de forma positiva, saudável e feliz, sobretudo, para formá-lo como
cidadão consciente, crítico e engajado nas transformações de todas as questões
ligadas, direta ou indiretamente, à sexualidade. (FIGUEIRÓ, 2006, p. 31).
Nesse sentido, oportunizar ao educando o direito de conhecer sobre sua
sexualidade por meio do desenvolvimento de uma consciência crítica possibilita desconstruir
representações sociais e analisá-las segundo algumas estratégias na correlação de forças nas
relações das táticas, dos conflitos, das decisões dos saberes com o poder.
Sá (1998) pondera que, por trás de todo conhecimento, está em jogo a luta pelo
poder. Sendo assim, os dois sistemas institucionais - Saúde e Educação - têm investido na
294
esfera do direito à prevenção de doenças sexuais no âmbito do protagonismo juvenil,
especialmente através do Programa Nacional de DST/AIDS (BRASIL, 2006), buscando
formas de proporcionar ensinamentos que garantam aos jovens a vivência de uma
Sexualidade saudável.
Nos programas governamentais propostos, parece existir uma tentativa de
união dessas instituições em torno de um único propósito. Entretanto, conforme prevêem
algumas diretrizes da Lei Orgânica da Saúde nº. 8.080/1990, no que tange à formação
biopsicossexual dos jovens, as atividades ainda parecem estanques.
O Estado busca formas eficazes para envolver a população, de modo que a
Educação Sexual passa a ser tratada pelos órgãos públicos. E, na tentativa de incluir nesse
processo a questão reprodutiva, o direito às informações sobre métodos de contracepção,
destaca-se o uso de preservativos, pela abordagem de caráter não restritivo à sexualidade, ao
qual se associa o direito de sobrevivência e de promoção do bem-estar.
Resta-nos saber se as formas de investimento do poder público, por meio da
sexualidade irrestrita, mediante o estímulo ao uso de preservativos ou à ingestão de
medicamentos, resultam no desenvolvimento de uma consciência crítico-reflexiva do jovem,
que culmine com a mudança de atitudes. Nesta forma de análise das práticas sexuais dos
jovens está implícita a idéia de alguns depoentes que analisam: pode praticar sexo livremente
a qualquer momento, independente da orientação sexual, desde que seja seguro e que tenha o
consentimento do parceiro.
Dados preliminares de Paiva, Aranha e Bastos (2008), anunciam que o
conjunto de adolescentes inquiridos opina pela maior valorização da fidelidade e do
casamento como contexto para o início da vida sexual. Refutam assim, a sexualidade-
irrestrita. Por isso, consideramos a necessidade de compartilhamento do assunto com os
jovens para que tomem a iniciação sexual de modo consciente e responsável.
Segundo Foucault (2007) os ocultamentos e as barreiras não devem ser
subestimadas. Talvez seja preciso, antes, considerar quais efeitos decorrem da vontade de
saber que atravessa toda a relação com o sexo. Às vezes, o poder precisa lidar com certos
resultados que não estavam previstos em seus objetivos.
Tomando como base a vulnerabilidade enquanto fator ao qual os adolescentes
podem estar suscetíveis a correr riscos em relação à construção social de gênero, indagamos-
nos como os ensinos de sexualidade ou o teor discursivo produzem comportamentos?
Retomamos ao conjunto lexical da Classe 5, ao nos reportarmos sobre os alunos, segundo
grupo de personagens citadas pelos entrevistados. Enquanto a técnica da vigilância aplicada
295
aos casos envolvendo sexo recai sobre as meninas, este vocábulo associado ao substantivo
preconceito parece contribuir para ressaltar a atitude de alguns docentes em face do que
presenciam sobre a homossexualidade.
Quando os professores discorrem sobre o tema nas entrevistas, reportam-se às
brincadeirinhas, piadinhas feitas, sobretudo pelos alunos mais jovens, que apelidam os
colegas e eles não gostam. Então, ao serem indagados sobre o que pensam dessas
brincadeiras, um depoente parece enfatizar o aspecto da segregação:
Aqui na escola nós temos uma sala que os garotos ficam, assim, brincando, mas não
chega a ser uma discriminação. Mas nós temos casos, assim que são homossexuais.
Muitos se afastam deles. Mais os meninos que se afastam. (Professora, evangélica,
casada, 31-40 anos, Educação Física, 6-10 anos de tempo de serviço, Ensino Médio,
estadual).
Porém, enquanto um conjunto de docentes acredita que as manifestações dos
alunos não passam de tagarelices, não chegando, pois, a excluir, outros relatam que o
comportamento cria certo mal-estar, principalmente quando dirigido a alunos do Ensino
Médio que apresentam algum trejeito dito homossexual. Quanto a isso, os entrevistados
reconhecem e comentam discretamente a existência de professores que também manifestam
alguns comportamentos dessa natureza. No final, os sujeitos desta pesquisa admitem ser essa
uma questão complicada e sobre a qual pairam muitas dúvidas:
Eu tenho receio de chegar e falar. Qual é minha postura como professora? Eu tenho
uma opinião formada, mas mesmo assim, o que eu devo fazer? O que é o certo ou o
errado? Qual que é o meio termo? Então, eu acho complicada essa parte da
homossexualidade. A gente precisaria de mais atenção para saber, porque hoje em
dia, está normal. (Professora, católica, solteira, 31-40 anos, Ciência, 6-10 anos de
tempo de serviço, Ensino Médio, estadual).
O segredo em torno do assunto Sexualidade guarida ao poder que o
interdita. Porém, ao mesmo tempo, permite a constituição de um discurso de tolerância.
[...] a homossexualidade s-se a falar por si mesma, a reivindicar sua legitimidade
ou sua ‘naturalidade e muitas vezes, dentro do vocabulário e com as categorias
pelas quais era desqualificada do ponto de vista médico. (FOUCAULT, 1992, p.
112).
Percebemos que a dificuldade para conversar sobre o assunto pode ser
decorrente de algumas crenças que envolvem a questão desde os mais remotos tempos,
quando se pensava que os homossexuais eram libertinos, delinqüentes e assemelhavam-se aos
loucos (FOUCAULT, 1992). Atualmente, as sociedades de várias regiões do mundo e do
Brasil têm discutido por meio dos movimentos políticos e civis em defesa dos direitos à
orientação sexual. A mídia tem divulgado manifestações sociais que veiculam essas questões
296
com maior visibilidade, porém, nas escolas pesquisadas, parece que o tema ainda faz parte do
interdito, como observamos nos excertos declarados.
De outro modo, consideramos que, quando se busca uma educação para a
cidadania, direitos e deveres merecem ser observados. A este respeito, a educadora Furlani
(1998, p. 192) contribui para pensar a forma de superação dos preconceitos, que “[...] passa
pela possibilidade da convivência mútua entre heteros e homossexuais”.
Ademais, como educadores, precisamos discutir os tipos de valores que cada
sociedade atribui ao sexo.
E isso implica aceitar a idéia de que cada cultura estabelece, em diferentes tempos,
quais são as formas aceitáveis e permitidas de se obter prazer sexual, a quem esse
prazer está facultado e o que ou quem pode ser colocado como foco de nossos
desejos eróticos e afetivos ‘normais’. (MEYER, 2007, p.8).
Resultados preliminares de uma investigação realizada em âmbito nacional por
Paiva, Aranha e Bastos (2008), comparados com dados provenientes de outra pesquisa
desenvolvida um década antes, revelam o crescimento da tolerância ao sexo homossexual e da
prática da masturbação. Os autores ponderam que, embora tenha aumentado o índice de
aceitação da homossexualidade, o espaço para se discutir esse aspecto nas situações
destinadas à orientação sexual ainda é restrito, e acrescentam que, no processo de
sociabilidade, os amigos são mais liberais que a família.
Ainda em relação ao vocábulo alunos, alguns professores reclamam que jovens
do Ensino Médio protagonizam cenas exibicionistas muitas vezes na sala de aula mesmo,
fotografando partes do próprio corpo, ou de mulheres nuas, e exibindo as imagens aos
colegas, gerando algazarra.
O tema Educação Sexual apresenta controvérsias, principalmente quando se
refere à resposta à questão: a quem cabe o papel da Educação Sexual? A esse respeito, as
opiniões se dividem: alguns pensam que cabe à escola, pelo fato de se tratar de um local
propício ao desenvolvimento da educação, haja vista o seu papel de transmitir conhecimentos.
Por outro lado, dados pesquisados por Paredes, Oliveira e Coutinho (2006, p.
170) focalizam a importância do diálogo sobre sexualidade na família para propiciar ao jovem
a segurança e a capacidade necessárias às tomadas de decisões importantes ao longo da vida.
Entretanto, avaliam que nesse contexto a família deveria refletir sobre sua postura repressora
carregada de mitos e preconceitos. Analisam as autoras: [...] “Os jovens preferem-na como
agente de educação sexual, mas referem enormes dificuldades de comunicação sobre a
sexualidade.”
297
Baseando-se nas discussões anteriores, retomamos a análise do substantivo
mãe, que apresenta índice de quiquadrado próximo ao valor conquistado pelo verbo chama:
Um dia chamamos a mãe para conversar sobre as faltas que estavam prejudicando
esta aluna. A mãe se abriu. Falou que ela não era mais virgem e a coordenadora
falou que isso é muito perigoso, ela teria que tomar cuidado para não ficar grávida.
(Professora, católica, casada, 51-60 anos, Ciências, acima de 21 anos de tempo de
serviço, Ensino Médio, municipal).
Segundo afirmam, os pais ficam a par de determinados envolvimentos das
filhas, dependendo do nível de compreensão daqueles. São chamados à escola pelos
coordenadores, quase sempre com o pretexto de conhecer as causas da ausência das jovens às
aulas. No excerto, verificamos o julgamento perigoso, significando que os cuidados,
mencionados em função do léxico tomar estejam relacionados com a gravidez.
Assim, nesta análise em que buscamos compreender como os professores
conduzem suas práticas de ensino no contexto da sexualidade, notamos pelo olhar
foucaultiano que eles adotam técnicas de vigilância, interrogatórias e suspeição, entendidas
como forma de saber e estratégias de conhecimento que poderiam ser chamadas de ‘focos
locais’, sendo caracterizadas pelas relações estabelecidas no poder que circula entre
professores e as alunas e alunos, famílias e coordenadores. Para tanto, lançam mão de
diferentes decisões discursivas, todos atentos às mínimas manifestações do sexo dos jovens.
Ressalvamos que esta forma referencial coincide em que os saberes para Foucault (2007) são
analisados na direção dos comportamentos.
Enquanto alguns professores se mostram disponíveis, outros respondem apenas
o que lhes fora perguntado, escamoteando alguns aspectos, como por exemplo, as questões
sobre a homossexualidade feminina. Chegam a tecer superficialmente alguns comentários -
meninas geralmente ficam com meninas -, sendo esse relacionamento entendido como
amizade. Estranham quando os meninos procuram vínculos amistosos com as alunas, o que
ocorre entre aqueles que apresentam comportamentos mais afeminados.
No entanto, segundo Meyer (2007, p. 19), devemos começar a intrigar-nos com
o que é natural, como forma de compreender e [...] re-criar estratégias didático pedagógicas
no sentido de pluralizar os meios de resolução e enfrentamento das questões que envolvem a
relação entre gênero, sexualidade, corpo e prazer”. Esta análise impossibilitou verificar tais
procedimentos, pois são aqueles alunos mais assumidos, que transgridem a quebra do
segredo, que, sentindo-se marginalizados, solicitam aos educadores que discutam sobre o
tema homossexualidade.
298
Na forma em que compreendemos as representações sociais enquanto
princípios que organizam as relações simbólicas dos grupos sociais, os saberes de sexualidade
parecem revelados pelos conteúdos firmados em opiniões, atitudes e estereótipos dos
profissionais. Seus conhecimentos, ancorados pelas dimensões afetivas da sexualidade
compreendida no contexto dos diferentes valores culturais e morais, permitem que em suas
práticas adotem decisões próprias, nem sempre aprendidas nos saberes da escola, mas
adaptadas com as experiências profissionais e pessoais. Este aspecto nos assegura analisar
sobre as limitações dos conhecimentos dos educadores frente à Educação Sexual. Ainda que
às vezes tenham que responder por questões que impliquem maior domínio científico de
sexualidade, estes conhecimentos poderão ser construídos com os alunos. Desse modo, é
importante que os discentes saibam que os professores não são enciclopédias do sexo. Estas
oportunidades podem redimensionar a relação pela perspectiva da interação dialógica, aspecto
salientado e valorizado em uma prática de Educação sexual na escola.
299
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas aproximações finais deste estudo em que procuramos conhecer e analisar
os saberes do cotidiano sobre Sexualidade, que modelam as representações sociais de
Educação Sexual, segundo um conjunto de 56 professores de escolas públicas, os resultados
permitem mostrar como o ser humano indaga e procura respostas ou, ainda, como as pessoas
pensam e descrevem o mundo e sua existência, e orientam o seu comportamento, Moscovici
(2003). A produção das RS parece ligada a um contexto e, neste sentido, afirma-se que elas
manifestam características peculiares do seu grupo e da sua época.
Esta pesquisa iniciou procurando analisar como professores do ensino
fundamental e médio pensam sobre a educação sexual. Partimos dos argumentos de pré-
adolescentes e adolescentes deste cenário, que, afirmam que alguns educadores, às vezes,
discutem sexualidade como aquilo que eles não querem saber (OLIVEIRA, 2004). No
entanto, ao perceber também o que professores dizem sobre suas práticas frente ao tema
sexualidade não é fácil, precisa estudar mais , levantamos a hipótese interpretativa de que
os alunos se ressentem da incompetência ou da incapacidade dos mestres, que se ancorarem
na necessidade de pessoas habilitadas para discutir com os discentes a sexualidade
(PAREDES; OLIVEIRA; COUTINHO, 2006).
O aprofundamento do estudo indicou que o despreparo parece recorrente e
citado em diferentes fontes bibliográficas, o que sugere uma característica que envolve não
apenas a realidade dos educadores desta pesquisa, mas também de outros Estados apenas
citamos alguns como São Paulo, Paraná, Pernambuco (MATANÓ, 1990; FIGUEIRÓ, 2006;
OLIVEIRA, 2001).
Pela compreensão da Educação Sexual enquanto transversalidade, entendemos
que existe um espaço para inserir assuntos de sexualidade no universo pesquisado. Intentamos
identificar quais são os saberes dos profissionais deste contexto frente à necessidade de
discuti-la no âmbito em que o Ministério de Educação prevê, por meio dos PCNs, ou seja, que
a mesma seja propagada, divulgada e comunicada aos discentes em todas as diferentes
disciplinas e diversas áreas de ensino. Há, portanto, um claro investimento do governo em
ações voltadas para a Sexualidade, com o objetivo de atender um fim específico. Conforme
observamos são as informações preventivas quanto a esclarecimento aos jovens sobre
300
métodos preventivos, mais específico, o uso da camisinha e a redução da gravidez na
adolescência, visando conter a evasão escolar das estudantes.
A característica multidimensional da TRS, a partir da noção de
transversalidade que interessa a todas as Ciências Humanas, é uma perspectiva que
possibilitou articulação dessa teoria com as contribuições de Foucault (2007). Este autor
favorece a compreensão do jogo que envolve a construção de saberes e verdades sobre o a
sexualidade, mesclados em subterfúgios e esquivas que construíram em torno dela e a
propósito dela.
Jodelet nos assegura que, em função da afinidade que essa teoria mantém com
disciplinas próximas, confere-se ao tratamento psicossociológico das representações um
estatuto transverso que “[...] articula diversos campos de pesquisa, reclamando não uma
justaposição, mas uma real coordenação de seus pontos de vista. (JODELET, 2001, p.26)”.
Para tanto, lançamos âncoras para aportar o entendimento de Sexualidade enquanto um
dispositivo, como um conjunto heterogêneo de discursos, o que nos pareceu um tanto
desafiador, tendo em vista a relação incipiente dos fundamentos foucaultiano com a TRS.
Assim, problematizamos quais são os elementos dos saberes do cotidiano de professores e
como eles conduzem as representações sociais de Educação Social?
Resolvemos trilhar este caminho por meio de uma compreensão dos saberes, e
por isso relembramos que eles são expressivos, pois admitem o discurso. Este parece
envolvido por motivações, afetos e emoções, conscientes ou não, e comportam aspectos
objetivos e intersubjetivos. Dimensões que nos permitem entender que os saberes são plurais,
pois as pessoas e grupos dominam tipos distintos como ciência, crença, mito, ideologia e
outros. Diferentes entre si, porém uma afinidade comum, qual seja, a maneira como as
pessoas expressam o conhecimento sobre o mundo. Então, os saberes envolvem uma tríade de
informações pela relação do eu, do outro e do objeto. Todavia, devido o referencial adotado,
concebemos o saber na relação com o poder.
A sexualidade a partir dessa compreensão nos permite construir uma visão
analítica do poder enquanto estratégias complexas de investimento discursivo que circulam a
partir das relações históricas entre o poder e o discurso sobre sexo. Em outras palavras, a
sexualidade toma corpo na medida em que o sujeito interage com as instituições como
família, escola, relações religiosas e governo, que modelam seus conhecimentos e, estes, de
alguma forma, contribuem para a elaboração de representações sociais em função da
comunicação recorrente nesses espaços organizados. É desta maneira que esta pesquisa
pretendeu identificar e analisar os aspectos constitutivos dos conhecimentos do dia-a-dia de
301
um grupo de professores, sobre Sexualidade, e compreender quais os conteúdos que modelam
as representações sociais sobre Educação Sexual neste grupo. Para alcançarmos esta intenção,
passamos a perseguir o que professores sabem sobre a temática, guiados pelas questões
propostas por Jodelet (2001, p.28). “Quem sabe e de onde sabe?”; “O que e como sabe?”;
“Sobre o que sabe e com que efeitos?”.
Então, é em função do campo representacional que envolve quem sabe e de
onde sabe que ponderamos as RS como uma forma de conhecimento de indivíduos ou grupos
de sujeitos sobre determinado objeto situado em um contexto social onde as informações
circulam e são comunicadas englobando, portanto, a interface psicossocial.
Os depoentes são professores, considerados como um grupo histórico social
que constrói suas experiências na profissão e recebe influência do contexto em que vivencia
sua sexualidade. Seus saberes são embasados em técnicas e meios silenciosos, parecendo
reproduzir a educação que receberam, bem como compartilhar das informações do cotidiano
apreendidas e reproduzidas, lendo livros e revistas. Pelas análises, esses profissionais
dependem do apoio logístico e institucional para realizar as atividades de Educação Sexual na
escola. Conforme observamos, estas ações caracterizam-se por tentativas esporádicas,
trabalhos isolados, por se sentirem à margem dos processos de implantação da temática.
Atentamos às ponderações de Jodelet (2001), ao afirmar que existe uma
particularidade no estudo das representações sociais, que reside no fato de integrar na análise
desses processos a pertença e a participação social ou cultural dos sujeitos. O lugar, a inserção
social que os indivíduos ocupam é que determina os conteúdos representacionais a partir da
maneira como os sujeitos sabem acerca dos fenômenos. É também no âmbito psíquico e social
na qual a noção de representações sociais se acha ancorada que os conflitos e os processos
específicos são evidenciados.
No cenário em que o grupo de professores e alunos se interage, vimos como
elementos afetivos e mentais se articulam no dia-a-dia, a partir das falas dos depoentes. O
referencial geral da pesquisa nos permite compreender a possibilidade de tratar o campo de
representação, relacionando-o às formas de saberes dos sujeitos. Por conseguinte, ao
buscarmos quais aspectos constituem os saberes de sexualidade e analisá-los como o conjunto
de docentes representa a Educação Sexual, constatamos nos estudos preliminares que, no
contexto da educação, esses temas estão imbricados. Quando se trata da Sexualidade, os
professores se reportam ao universo das práticas e saberes comuns do contexto em que vivem
ou em que trabalham, enfim, em que se relacionam. Assim, deduzimos que os conteúdos das
RS de Educação Sexual são apreendidos subordinados às experiências e vivências subjetivas
302
forjadas nos moldes das concepções de educação que os profissionais receberam ao longo de
suas vidas.
Ao vislumbrar o modo como os pesquisados conhecem sobre sexualidade,
percebemos que os elementos constituintes dos saberes são amparados em uma dimensão
mais ampla, envolvida pelos aspectos culturais e ideológicos. Os componentes aparecem
modelando a função simbólica da representação pelas imagens, crenças, valores, opiniões, que
emergem nos discursos configurados, a partir das instituições sociais, entre elas, a escola.
Ao tentarmos compreender o discurso produzido a partir dessa instituição, a
escola, em função de sua especificidade, ela reproduz também os efeitos ao ensinar e
aprender. Parece que os saberes de sexualidade são analisados na direção das condutas dos
professores, sendo regidos pelo aspecto da sexualidade reprimida. Nesta perspectiva a coerção
liga prazer e verdade na forma de um espiral que circula de maneira difusa (FOUCAULT,
2007).
Nesse sentido, observamos que as dúvidas sexuais dos alunos propiciam a
manifestação das práticas disciplinares por meio da vigilância e por meio de fazer falar. O
olhar do professor em relação às perguntas dos jovens e as suspeitas sobre a
homossexualidade, a confissão da intimidade das alunas sobre sua sexualidade, também foram
evidenciados. Notamos que não se comenta sobre o aluno grávido. Apesar da análise crítica
de alguns docentes, este saber aparece legitimado, conforme afirmam: ele não assume. Este
aspecto parece ancorar elementos de condutas de raízes machistas que reduzem a mulher ao
papel de mãe e os pais a um conformismo social, como se as questões de vida da mulher nada
tivessem a ver com as origens da família (COSTA, 1999).
É pela idéia comunicada nos discursos e na interação social que a
representação é modelada. A inserção do tema nas escolas, analisada pela relação dos micro-
poderes que circulam, e pela discursividade sobre sexualidade, podem suscitar efeitos sobre o
próprio sujeito. A insegurança de alguns mestres em relação à forma de compartilhar o tema
os faz incorrer em julgamentos. Nesta perspectiva, as perguntas dos alunos são como se
tivessem o objetivo de testar e amedrontar os professores.
Como verificamos, as interrogações que os alunos lhes fazem são baseadas nas
curiosidades acerca das vivências da sexualidade dos educadores ou sobre as dúvidas das
alunas acerca de virgindade, permitindo desvelar constrangimento. Entretanto, notamos que as
conversas de sexo passam mais pela incitação do assunto. Não havendo interação ou
dialogicidade, conseqüentemente não se sanam as dúvidas, e alimenta-se o poder do tema
interdito, inviabilizando a reflexão que conduziria a uma consciência crítica.
303
Foucault (1992) analisa que os dispositivos criados para reprimir podem
adquirir efeitos contrários ao que se propõe. Em nome da contensão as pessoas são postas na
condição de confessar suas intimidades e seus erros e, assim, tornam presente o que está
sendo renegado. Esta perspectiva, somada à compreensão do efeito dos saberes, tornou
possível perceber que a sexualidade, nas vozes dos educadores, parece ser representada em
função da produção discursiva, objetivada pelos episódios que acontecem na escola e pelas
atividades que vêm de fora dela. Ao mencionarem sobre a distribuição de preservativos nas
escolas, realizada pela equipe de saúde pública, manifesta-se o aspecto contrário das idéias da
sexualidade irrestrita - jovens protegidos podem se iniciar sexualmente. Razão pela qual
refletem se não haveria outra forma para educar. (OLIVEIRA; SOUSA, 2008).
Entretanto, os depoentes também enfatizam a transmissão de informações aos
alunos pelo aspecto de saúde preventiva. Ao referirem sobre a importância e o
reconhecimento da Educação Sexual na escola, notamos que a sexualidade como parte das
preocupações dos docentes é assunto do cotidiano. Apóiam-se sobre o que pensam ser as
manifestações dos relacionamentos afetivo-sexuais de seus alunos, como eles definem
sexualidade precoce, ou exacerbada. De certa forma, seus discursos parecem reproduzir a
veiculação social da adolescência feita pela mídia, avaliada pelo aspecto negativo, contudo a
escola ainda aparece contida. Sobre a forma de interação e os efeitos dos saberes, informam
que são os incidentes movidos pelos confrontos com os pais, ao referirem assuntos de
sexualidade, que estimulam as práticas sexuais antecipadas dos filhos. também a
manifestação de perplexidade dos professores frente aos equívocos dos alunos nos assuntos
sobre sexo, bem como os sentimentos manifestados diante da iniciação sexual dos jovens,
somados aos aspectos que envolvem a minimização da projeção de futuro dos alunos, mais
especificamente das meninas, em função da vulnerabilidade pelo engravidamento.
Enquanto os docentes comentam sobre as inquietações dos alunos, dissertam
algumas experiências que, de alguma maneira, fizeram parte do seu conteúdo de crendices
sobre o assunto. O contexto em que os professores vivenciam suas práticas de ensino, as suas
histórias de vida e as dos discentes, bem como o sistema social no qual estão inseridos e a
natureza dos vínculos que mantêm com os atores que ali circulam, permitem perceber que
seus saberes se organizam em torno de elementos sociocognitivos e afetivos que acontecem
na relação com o conhecimento. Tendo em vista esta forma de organização, parece possível
que os elementos dos saberes se comportem em função da tridimensionalidade das RS: a
atitude, a informação e a imagem (MOSCOVICI, 1978).
304
Em relação às atitudes, as recusas para falar do assunto e as proibições por
meio do olhar do mestre são práticas negativas provenientes da relação poder-saber que incita
a vontade de conhecer por meio dos códigos de sinais (FOUCAULT, 2007). Este aspecto
tornou possível observar, pois ao falar sobre seus alunos os professores dizem sobre suas
práticas de ensino, que repercutem na visão de relacionar-se com os mesmos, ao tratarem do
tema sexualidade. Levando em conta as informações que circulam no meio social e os saberes
que a escola produz, parece que estamos diante de um discurso contraditório, pois ao mesmo
tempo existe uma análise negativa dos docentes frente às fontes em que seus alunos saciam
suas dúvidas, conforme pudemos observar sobre a televisão. Em suas falas salientam a
necessidade de medidas restritivas e normativas.
Ao admitir que as informações devam ser bem esclarecidas para não trazerem
implicações negativas aos jovens, os docentes ancoram no despreparo para discutir o assunto
e objetivam no reconhecimento de sexualidade enquanto tema difícil. Neste caso, ação e
prática, que poderiam ser geradas pela reciprocidade de informações mediadas pela
comunicação entre os pares, dão lugar a atitudes auto-depreciativas em função da falsa
identificação de que os alunos saibam mais que os professores.
Ao analisarmos a utilização de práticas pedagógicas invisíveis e imperceptíveis
como os silêncios ou as suspeitas, parece que a escola não contempla o desenvolvimento da
aprendizagem por meio das interações entre alunos e professores. Se levarmos em conta a
premissa de que o saber sobre a sexualidade é um direito, entendemos que ela não pode ficar à
margem do conhecimento. Sabemos que a comunicação e a interação social contribuem nas
relações afetivas que mobilizam as ações dos atores no contexto da sala de aula. Porém,
apesar de ser este o espaço das indagações, consideramos importante destacar as
características desta partilha. Notamos que há pouca sociabilidade na relação professor-aluno,
pois a comunicação não parece canalizada pela dialogicidade, enquanto investimento afetivo-
cognitivo-social da pessoa, porque o compartilhamento é intermediado pela pergunta e
resposta. Placco (2002) contribui na compreensão de que não parece haver sincronicidade
nestas relações interpessoais, neste tipo de aprendizagem.
Desse modo, vemo-nos diante de um grupo de docentes que compreende a
importância das discussões do assunto Sexualidade na escola e que, indiretamente, se
manifesta contrário ao desenvolvimento de atividades esporádicas e descontínuas; porém,
considera que as tentativas se esbarram na dificuldade de incorporar em toda a equipe a
importância de se implantar e efetivar um projeto interdisciplinar na escola. Investigar os
saberes de sexualidade na condução de representações sociais de Educação Sexual na escola
305
vislumbra interpretar os discursos a partir de como os educadores a concebem enquanto
realidade na escola. Interessa notar que o espaço de visibilidade desse ensino é partilhado
pelas atividades do Sistema de Saúde, a partir das políticas públicas de saúde e prevenção.
Esse cenário social contribui para que as intervenções esporádicas que os professores realizam
também pareçam relacionadas com as práticas preventivas. Tais conteúdos nesse contexto
parecem objetivados na sexualidade higiênica e saudável.
O modo como reagimos aos acontecimentos estão relacionados à intervenção
de representações comuns a todos os membros de uma comunidade à qual pertencemos. As
representações tanto nos orientam em direção ao que é visível, enquanto àquilo que nós temos
de responder, quanto ao que se relaciona com a aparência de coisa real. Assim, uma coisa é o
que é, e outra respeita ao que pensa sobre ela, conforme Moscovici (2003).
Tratando-se da imagem, a figura da Educação Sexual real parece contribuir
para legitimar as atividades desenvolvidas pela proposta de Saúde e Prevenção de doenças.
Outros estudos também corroboram esses resultados, conforme assinala Oliveira (2001), que
analisa os conteúdos das representações sociais de professores sobre Sexualidade pelos
elementos informativos e preventivos. Ao abordar esse ensino utilizam de estratégias de
contensão aos riscos e danos à preservação da vida. Segundo Foucault (2007) são mecanismos
de bio-poder que articulam mecanismos de sexualidade saudável que interessam às instâncias
dos organismos institucionais de governo.
Nos depoimentos percebemos a imagem ideal da Educação Sexual construída
por meio de simulações que identificam o modo como o grupo pensa. Os depoentes buscam
disciplinas que, em suas representações sociais, tratam do tema. Nesta perspectiva, Moscovici
lança uma indagação que nos permite refletir: “[...] Como pode um informante justificar
objetivamente sua opinião de que a psicanálise é de preferência aplicável em tal situação e
não numa outra”? (MOSCOVICI, 1978, p. 154). Ainda que esta interrogação respeite a um
outro objeto e realidade, compreendemos que é tarefa própria da representação, como da
sociedade, produzir um excesso de lógica a fim de se obter um excesso de realidade. Porém,
saberes que justificam a Educação Sexual com algumas áreas que possuem afinidade de
conteúdos e outras não, podem contribuir para representações sociais que podem levar as
práticas excludentes. Isenta-se umas matérias, em detrimento de outras, conseqüentemente, as
atividades de educação sexual não se operacionalizam pela interdisciplinaridade, continuando
na clandestinidade, ou por tentativas. Esta é mais uma maneira de incitamento do tema, que
aguça o prazer pela curiosidade de saber quem fala e quem não fala de sexo, reforçando ainda
mais a vontade de saber.
306
Os docentes relacionam seus saberes de sexualidade adquiridos na formação
com as vivências de seus alunos, e, essas informações parecem objetivadas nos meios como a
internet. Dessa forma, inferem a partir de uma falsa imagem que os seus conhecimentos são
inferiores aos dos alunos. De um lado, o plano de existência concreta se relaciona com a
ausência de capacitação ancorada nos aspectos profissionais. A suposta fragilidade lhes
permite supor no plano do imaginário que sexualidade é assunto que exige um profissional
preparado.
Este aspecto parece aliado à necessidade de recursos didáticos e audiovisuais
para essas aulas, pois, esses elementos fazem parte do universo do dia-a-dia dos alunos e a
escola não os tem atualizados. Ambos encontram guarida na relação de poder que pode
incapacitar a ação dos depoentes.
Na análise de conteúdos nesta pesquisa indagamos por que os docentes
consideram necessário saber profundamente sobre Sexualidade para poderem discuti-la?
Verificamos que ela faz parte de um tema que não é nomeado. Sendo comparada a uma coisa,
detém certo poder de coação sobre quem a ensina. Pela perspectiva simbólica, o tema liga a
imagem dela a um conhecimento que precisa ser conhecido. O que o é familiar causa
perplexidade, temor, assusta. Eis porque as representações sociais são importantes na vida
cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear, definir, interpretar e tomar decisões frente aos
fenômenos, de acordo com Jodelet (2001).
Esta é uma maneira para compreendermos como os docentes falam. Os saberes
produzidos pelos profissionais incorporam mais o aspecto das suas dificuldades em tratar do
assunto do que o próprio desconhecimento dos alunos. Razão pela qual quando se referem a
Educação Sexual, buscam elementos da sua convivência comum. Em geral, é mais fácil
associar sexualidade à fisiologia do corpo humano, conforme Foucault esclarece. Então, o
sexo, como elemento especulativo conseguiu marcar a linha de contato entre seu saber
específico e as ciências biológicas da reprodução, de modo que a sexualidade ganhou, por
privilégio de vizinhança, uma garantia de quase cientificidade; mas através desta aproximação
“[...] certos conteúdos da biologia e da fisiologia puderam servir de princípio de normalidade
à sexualidade humana”. (FOUCAULT, 2007, p. 169).
Ao longo da discussão, verificamos a contribuição dos processos geradores das
representações sociais na objetivação e ancoragem que participam nessa elaboração. A
propósito, a ancoragem acontece quando um objeto social é convertido pela sociedade em um
instrumento do qual ela pode dispor e, a objetivação, significa a materialização das idéias.
Dentre outros aspectos, evidenciamos:
307
a) Interpretação da realidade. O grupo investigado se depara com o tema
sexualidade pela característica formal do discurso oficial, que precisa ser discutido conforme
a transversalidade. Quando confrontados para se posicionar sobre a questão, os entrevistados
buscam a explicação naquilo que é familiar; pela compreensão objetivada nas ciências
biológicas adquirem formas concretas para viabilizar a dimensão da possibilidade para
trabalharem o tema.
b) A ancoragem permite integrar a imagem do objeto dentro de um sistema de
pensamento preexistente. Trata-se da função cognitiva do objeto representado associada a
algo novo. As dificuldades relacionadas às esquivas, para não trabalhar o tema, não parecem
atreladas apenas a questões pessoais ou devido à formação dos docentes e, sim, porque desde
muito tempo articular o sexo em discurso e formulá-lo em verdades não parece tarefa fácil,
devido à representação que foi associada pelo dispositivo de sexualidade modelada pela
anatomia do corpo humano.
c) Ancoragem, enquanto orientação das condutas e das relações sociais. Uma
das formas possíveis que parece estar orientando as relações entre o professor e seus alunos é
baseada em atitudes de parar a aula ou sair da disciplina. Assim, discutem o assunto de
maneira sutil e com excesso de zelo nas palavras para referir aos conhecimentos que não
podem ser discutidos de qualquer maneira.
Ao analisarmos saberes de sexualidade que configuram as representações
sociais dos professores sobre a Educação Sexual, observamos que os sujeitos reportam sobre
o universo das práticas em que vivenciaram suas juventudes, os lugares que relacionam e
partilham com seus alunos – os saberes da sala de aula, da escola e fora dela. O pano de fundo
da dimensão da formação profissional parece delineada pela consciência crítica, ao analisarem
a visão dualista compartimentada reproduzida nos currículos.
Nesta busca de sistematizar os saberes que sustentam as representações sociais
de professores sobre a Educação Sexual, verificamos que existem elementos de sexualidade
de senso comum que engendram nos dois objetos e comparecem ligados a representações. Isto
é, “[...] idéias, expressões lingüísticas, explicações de diversas origens são agregadas,
combinadas e regulamentadas, mais ou menos como ciências diferentes, em uma única
ciência híbrida”. (MOSCOVICI, 2003, p. 203).
A articulação e a interconexão dos objetos Sexualidade e Educação Sexual
ocorrem porque os professores partilham de um conhecimento durante suas vidas e
mergulham em um cotidiano comum de ações e pensamentos. Por causa dessa imersão, às
vezes não se dão conta de alguns aspectos referentes às informações e aos conteúdos
308
partilhados, impossibilitando com isso a dimensão e a compreensão dos mesmos. Isso se
justifica pela dificuldade de se posicionarem, a certa distância, como observadores e analistas
desses conteúdos, por se encontrarem implicados diretamente com eles.
Segundo Moscovici (2003) o conhecimento popular oferece acesso direto às
representações pela combinação da nossa mente em perceber, compreender, dar sentido às
coisas à nossa volta. Assim, os aspectos que constituem estes objetos parecem que se
aproxima do que esse autor chama de representações híbridas. São aquelas formadas por um
conjunto de conhecimentos mais ou menos interligados uns aos outros em função do
sentimento, da experiência, do sentido e das características com as quais os interlocutores se
identificam.
Consideramos que uma das formas pelas quais os professores poderiam se
apropriar da Educação Sexual seria a partir do momento em pudessem atentar profundamente
para os seus conteúdos, participar na implantação da mesma nos espaços educacionais,
identificando suas finalidades e compreendendo os mecanismos de poder que envolvem os
saberes da sexualidade.
Desse modo, em uma tentativa de organizar elementos que constituem as RS
de Educação Sexual diríamos que eles são apreendidos a partir de três âmbitos: sexualidade e
conhecimentos em que observamos a forma de interação a partir da comunicação e práticas;
sexualidade e formação vislumbram aspectos da identidade profissional, e, sexualidade e meio
sociocultural em que os depoentes se apóiam para modelar a construção do objeto Educação
Sexual contornada pelos aspectos mentais, sociocognitivos e afetivos. Ancorados nas histórias
de sua juventude e nas vivências sexuais dos alunos, seu vocabulário disparatado permite
discorrer sobre casos, fatos que acontecem na escola, com potencial semântico que não se
exaurem por nenhum uso específico, mas refinam-se com a ajuda do contexto. (MOSCOVICI,
2003).
Portanto, discutir Educação Sexual na escola exige dos professores um
conhecimento sobre sexualidade. Mais ainda, em função do caráter afetivo do tema é
necessário que se conheça sobre sua própria sexualidade e sobre os valores que orientam sua
conduta neste aspecto.
309
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324
APÊNDICES
APÊNDICE A - ENTREVISTAS
Rol de questões que foram aplicadas nas entrevistas realizadas com 56 sujeitos no período de agosto a dezembro
de 2006 nas escolas municipais e estaduais de Cuiabá
1.Então, eu gostaria que me contasse sobre o seu processo de escolha profissional. Como se sente sendo
professor (a) hoje? (motivações, frustrações, expectativas).
2.Em geral você considera que as questões que envolvem a sexualidade podem estar entre as preocupações da
vida cotidiana de seus colegas professores?
3.Seus alunos lhe colocam questões sobre sexualidade? Que tipo de questões? Como foi sua explicação sobre o
assunto? Como você se sentiu dando a explicação?
4.Com quem você ou seus colegas professores conversam sobre as questões sexuais de seus alunos?
5.Como você se informa sobre assuntos que envolvem a sexualidade e educação sexual?
6.Em algum tempo na sua vida já recebeu algum tipo de educação sexual?
7.O tema sexualidade foi discutido durante a sua formação profissional?
8.Como a escola se posiciona quando se depara com situações em que os jovens se beijam, namoram, tocam em
seus órgãos genitais ou dizem palavrões?
9.Como você se posiciona frente às situações em que os jovens se beijam, namoram, tocam em seus órgãos
genitais ou dizem palavrões? Gostaria de falar mais profundamente sobre alguma destas situações?
10.Em sua opinião, como as famílias tratam a educação sexual dos seus filhos?
11.O que você falou se aplica às famílias de seus alunos?
12.Quais as idéias que você acredita importantes para serem transmitidas em um trabalho de educação sexual
escolar?
13.Em um estudo sobre sexualidade, os adolescentes responderam que os professores sentem envergonhados
para tratar dos temas da vida sexual nas aulas. Gostaria que comentasse sobre isso.
14.Como a sua escola trabalha a educação sexual com os alunos? Se não trabalha, você acha que existem
motivos que leva a escola tomar esta posição?
15.Na sua percepção, o que seus colegas professores pensam sobre a educação sexual enquanto tema transversal?
16.Você percebe que existe algum comprometimento por parte da administração ou coordenação da escola no
sentido de incentivos, restrições à educação sexual ou nem tomam conhecimentos? E por parte da Secretaria de
Educação?
17.Alguma vez tomou contato com algum material didático pedagógico sobre educação sexual? Gostaria que
fizesse comentários.
18. Nossa entrevista está se encerrando. Gostaria de abordar algum assunto que considera importante e eu deixei
de perguntar?
325
APÊNDICE B - FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
IDENTIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Data : ____/____/2006 Entrevistado nº ______ fita nº ____________lado
Início da entrevista: ______
Término: _________
Nome da escola: __________________________________________ fone:____
Nome do coordenador (a): _______________________________
Nome do entrevistado: __________________________
A. Nível de ensino: 1.Fundamental ( ) 2.Médio ( )
B. Dependência administrativa 1. Estadual ( ) 2.Municipal ( )
C. Disciplina que ensina:___________________
D. Escolaridade:___________________________
E. Local de nascimento:_______________________
N. Tempo de experiência profissional:
00-05 anos ( )
05-10 anos ( )
11-15 anos ( )
16-20 anos ( )
Acima de 21 anos ( )
G. Estado civil:__________H. Sexo: 1. Masculino ( ) 2.Feminino ( ) I. Religião:______
J. Faixa etária:
20-30 ( )
31-40 ( )
41-50 ( )
51-60 ( )
Acima de 61 anos ( )
326
APÊNDICE C - Distribuição de discursos segundo justificativas que impedem as discussões do assunto
sexualidade nas aulas
Ordem Incidentes Jogo
argumentativo
Reações ou
atitudes
01 A mãe veio na escola. (Professora, 31-40 anos,
católica, Ciências, 06-10 anos de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Professor estaria
estimulando a filha
ao ato sexual.
Professor justifica
que na 7ª série
estuda-se o corpo
humano.
02 Eu penso que tem pai que não aceita.
(Professora, 51-60 anos, católica, Língua
Portuguesa, 16-20 anos de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Porque lhes falta
conhecimento do
assunto.
Não discute o
assunto.
03 Aluno me agrediu com palavrões. A mãe
levou o caso ao juizado da infância e
adolescência e contou o fato da forma como
ela bem quis. (Professora, 31-40 anos,
católica, Geografia, 16-20 anos de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Escola foi
responder no
Conselho Tutelar.
Transferiu o aluno
da escola.
04 O pai veio bravo como uma fera. (Professora,
31-40 anos, credo indefinido ou sem religião,
Matemática, 11-15 anos de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Pai é evangélico. Disse que não
discute mais o
assunto em classe.
05 Eu não sei se a escola quiser trabalhar este
tema o que os pais vão pensar [...]
(Professora, 41-50anos, católica, Ciências,
acima de 21 anos de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Professora acusa os
pais,
principalmente os
evangélicos.
Discute com
reservas.
06 Mãe veio na escola. (Professora, 31-40 anos,
indefinida ou sem religião, Ciências, 11-15
anos de serviço, Ensino Fundamental,
estadual).
Verificar por que a
professora está
ensinando sobre
sexo.
Retirou o aluno da
escola.
07 Mãe veio na escola. (Professora, 20-31 anos,
evangélica, ngua Portuguesa, Inglês e
Espanhol, 005 anos de serviço, Ensino
Médio).
A filha é religiosa e
a professora estava
ensinando sobre
sexo antes do
casamento.
Professora foi
tímida.
08 Gente, não é no explicar, mas como é que os
pais vão entender! (Professora, 31-40 anos,
credo indefinido ou sem religião, Língua
Portuguesa, Inglês e Espanhol, 06-10 anos de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Imagina como o
assunto será
compartido na
comunidade e se
ela está preparada
para isso.
Não discute.
09 Pai veio na escola. (Professora, sem religião,
20-30 anos, Biologia, 005 anos de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Pai é evangélico. Retirou a filha da
escola.
10 O pai veio com sete pedras. (Professora, 20-30
anos, católica, Língua Portuguesa, Inglês e
Espanhol, 06-10 anos de serviço, Ensino
Médio, estadual).
Diz que estava
influenciando a
filha ao ato sexual.
Não deu
continuidade às
aulas.
11 Os colegas da profissão perseguem.
(Professor, 51-60 anos, credo indefinido ou
sem religião, Geografia, acima de 21 anos de
serviço, Ensino Médio, estadual).
Pensam que o
professor está
assediando os
alunos.
Foi mal
interpretado pelos
colegas.
12 Mãe veio na escola. (Professor, 20-30 anos
católico, Física, 005 anos de serviço, Ensino
Disse que a
professora está
Professor de
Ciências ensina
327
Médio, estadual). falando besteira. sobre prevenção.
13 Me preocupo com o que os pais vão pensar.
(Professor, 31-40 anos, católico, Química, 06-
10 anos de serviço, Ensino Médio, estadual).
Não tem interesse
em dar aula de
Educação Sexual.
14 Pai vem soltando fumaça pelo nariz.
(Professora, 20-30 anos, espírita, Química,
005 anos de serviço, Ensino Médio, estadual).
Acusa a escola de
não avisá-lo que o
filho namorou ali.
Acha que Educação
Sexual não é papel
dos professores.
15 A criança pode distorcer tudo, chega a casa e
conta coisa distorcida, pode criar a um
problema entre o professor e o aluno.
(Professora, 51-60 anos, católica, Língua
Portuguesa, Inglês e Espanhol, acima de 21
anos de serviço, Ensino Fundamental,
municipal).
Muitas vezes os
professores falam
alguma coisa e é
mal interpretado
pelos pais.
Encontra-se
limitada para
discutir a
Sexualidade em
aula.
16 Muitos pais vieram e comentou que aquilo
não era coisa para um professor falar em sala
de aula. Nessa parte, eles achavam horrível
professor comentar isso em sala de aula.
(Professora, 41-50 anos, credo indefinido ou
sem religião, História, acima de 21 anos de
serviço, Ensino Fundamental, municipal).
Não é assunto para
ser abordado em
sala de aula.
Conversa com
limitações.
17 Temos que tomar cuidado, pois os pais não
tocam nestes assuntos com os filhos.
(Professor, 41-50 anos, credo indefinido ou
sem religião, Filosofia, Religião e Sociologia,
16-20 anos de serviço, Ensino Fundamental,
municipal)
Acusam o professor
como se este
estivesse
incentivando o
filho ou a filha a
manter relação
sexual.
Tenta falar de
forma cuidadosa.
18 [Comentário apresentado por uma colega:] Ela
falava que a religião dela não permitia e que
ela não ficava a vontade para falar do assunto
[...] (Professora, católica, solteira, 41-50,
Língua Portuguesa, 11-15 anos de serviço,
Ensino Médio, estadual).
Princípios
religiosos da
professora impede
que ela discuta o
tema.
Pula o assunto
sobre o aparelho
reprodutor
19 Fico pensando o que os pais vão pensar do
professor. (Professor, 31-40 anos, católico,
Matemática, 11-15 anos de serviço, Ensino
Fundamental, municipal).
Fica meio receoso
de trabalhar o tema,
pois os pais podem
querer levar o
assunto para outro
lado.
Sente medo e
considera o tema
perigoso.
20 A questão religiosa é problema, tenho
problemas com os pais, cito dentro de minha
área. (Professor, católico, casado, 41-50 anos,
Educação Física, acima de 21 anos de serviço,
Ensino Fundamental, municipal).
Eles colocam que
os trajes de Ed.
Física não são
adequados para
aquela aluna que
freqüenta tal igreja.
São oportunidades
para as discussões
sobre aspectos que
envolvem a
Sexualidade:
menstruação,
gravidez,
vestimentas.
328
APÊNDICE D - Alegações dos docentes em relação aos pais, quando se discute Sexualidade na escola
Incidentes declarados e
temas relacionados
As repercussões
Com que
intensidade
conversam?
N %
GRAVIDEZ NA
ADOLESCÊNCIA
Medo de engravidar
Alunas grávidas
Falecimento de aluna gestante
Alguns casos de aborto
Às vezes conversa com os pais para
deixá-los cientes
Conversa com a aluna para não desistir
das aulas.
Sempre que tomam
conhecimentos do
caso.
13 24,52
QUEDA NO RENDIMENTO
ESCOLAR/ INTERVENÇÃO
Casos das alunas faltosas
Acompanhamento de processos
de licença gestante
Aluna que se ausenta da escola
sem comunicar
Alunas que sentam no colo de
meninos
Alunos que visitam o banheiro de
meninas e vice-versa
Preocupações com o rendimento dos
alunos.
Professores devem tomar ciência de
procedimentos e regras sobre faltas e
namoro na escola.
Em caso de licença maternidade, os
professores ficam cientes dos atestados
e encaminham as atividades para serem
realizadas durante o período.
Reuniões
Comunicam aos pais
Conselho Deliberativo
Coordenação
Sempre que
acontece.
10 18,86
SEXUALIDADE NA
ADOLESCÊNCIA
Primeira relação sexual (as
jovens)
Excitação de pré-adolescentes em
face das novelas
Desenhos de órgãos sexuais nas
carteiras
Revistas pornográficas na sala de
aula (sites)
Comportamentos exibicionistas
de alunos (fotos) e sensuais de
alunas
Comportamentos eróticos
Despertar a atenção dos colegas sobre
manifestações de sexualidade em pré-
adolescentes.
Trocas de informações comentadas em
algum curso.
Percebem que o tema não é trabalhado
pelos colegas.
Existem apenas comentários.
Comentam sobre as mudanças ocorridas
na adolescência.
Propor o envolvimento de alunos na
realização de um teatro.
Quando as alunas
perguntam.
Sempre que
acontece.
10 18,86
SEXUALIDADE DOS
PROFESSORES
Assédios
Prazer
A relação entre trabalho e
Sexualidade
Para professores das turmas tomarem
conhecimentos.
Trocas de informações e experiências
Pouco
Quando envolvem
os professores.
Quando saem
juntos.
5 9,43
INICIATIVAS E PROJETOS
(PREVENÇÃO)
Professores de Biologia ou de
Ciências solicitam parcerias com
outros colegas para discutirem
Sexualidade e DSTs
Interdisciplinaridade
Envolver outras áreas para discutirem
temas sobre Sexualidade.
Trocar idéias para encontrar solução.
Às vezes 4 7,54
VIOLÊNCIA (agressão)
Física: do aluno para a aluna
Verbal: dos alunos(as) para os
professores (palavrões)
Ameaça física do aluno ao
professor
Piadas são verbalizadas na sala
Discutiu-se em reuniões de professores.
Conversou com os pais.
Conselho de Classe
Transferência do aluno
No caso da ameaça, o professor pediu
para ser removido da escola.
Quando o fato
acontece.
4 7,54
NAMORO ENTRE ALUNOS
Agarros no intervalo
Respeito com o ambiente escolar. Às
vezes conversa com os envolvidos.
Geralmente 4 7,54
329
Beijar apaixonado
Beijar leve
Aluno distraído
Preocupam com a Sexualidade precoce.
Não permitir namoro na escola
3 5,66 TEMAS QUE CONSIDERAM
IMPORTANTES PARA A
CLASSE
Drogas
Textos sobre Sexualidade e
adolescência
Quando há necessidade de discussões,
principalmente quando os alunos
comentam em sala.
Sempre que
necessário
53 100,0
330
ANEXOS
ANEXO A
------------------------------------
* Logiciel ALCESTE (4.5 - 01/10/99) *
-------------------------------------
Plan de l'analyse :qds.pl ; Date : 26/ 6/2007; Heure : 15:45:52
C1: intersection des classes
----------------------------
Nom du dossier traité C:\WINDOWS\Desktop\jirs\&&_0\
Suffixe de l'analyse :121
Date de l'analyse :26/ 6/**
Intersection des classes RCDH1 et RCDH2
Nombre minimum d'uce par classe : 17
DONN.1 Nombre de mots par uc : 13
Nombre d'uc : 258
DONN.2 Nombre de mots par uc : 15
Nombre d'uc : 235
216 u.c.e classées sur 337 soit 64.09 %
Nombre d'u.c.e. distribuées: 265
Tableau croisant les deux partitions :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3 4
poids * 63 56 49 97
1 69 * 51 3 7 8
2 48 * 0 42 6 0
3 43 * 0 9 34 0
4 105 * 12 2 2 89
Tableau des chi2 (signés) :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3 4
poids * 63 56 49 97
1 69 * 129 -15 -4 -25
2 48 * -18 154 -1 -33
3 43 * -16 0 124 -29
4 105 * -14 -38 -31 173
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh1) :
331
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 51uce) |------------------------------+
18 |----------------+
Cl. 4 ( 89uce) |------------------------------+ |
19 |+
Cl. 2 ( 42uce) |----------------+ |
13 |------------------------------+
Cl. 3 ( 34uce) |----------------+
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh2) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 51uce) |------------------------------+
18 |----------------+
Cl. 4 ( 89uce) |------------------------------+ |
19 |+
Cl. 2 ( 42uce) |----------------+ |
16 |------------------------------+
Cl. 3 ( 34uce) |----------------+
----------------------
C2: profil des classes
----------------------
Chi2 minimum pour la sélection d'un mot : 2.00
Nombre de mots (formes réduites) : 485
Nombre de mots analysés : 328
Nombre de mots "hors-corpus" : 90
Nombre de classes : 4
216 u.c.e. classées soit 64.094960%
Nombre de "1" analysés : 2761
Nombre de "1" suppl. ("r") : 3078
Distribution des u.c.e. par classe...
1eme classe : 51. u.c.e. 625. "1" analysés ; 744. "1" suppl..
2eme classe : 42. u.c.e. 589. "1" analysés ; 609. "1" suppl..
3eme classe : 34. u.c.e. 446. "1" analysés ; 470. "1" suppl..
4eme classe : 89. u.c.e. 1101. "1" analysés ; 1255. "1" suppl..
332
ANEXO B
Sexualidade
-------------------------------------
* Logiciel ALCESTE (4.7 - 01/12/02) *
-------------------------------------
Plan de l'analyse :sem.pl ; Date : 9/12/**; Heure : 09:34:58
----------------------------
C1: intersection des classes
----------------------------
Nom du dossier traité C:\Documents and Settings\Desktop\dez
\&&_0\
Suffixe de l'analyse :121
Date de l'analyse : 9/12/**
Intersection des classes RCDH1 et RCDH2
Nombre minimum d'uce par classe : 45
DONN.1 Nombre de mots par uc : 24
Nombre d'uc : 655
DONN.2 Nombre de mots par uc : 27
Nombre d'uc : 608
656 u.c.e classées sur 889 soit 73.79 %
Nombre d'u.c.e. distribuées: 866
Tableau croisant les deux partitions :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3
poids * 326 298 242
1 389 * 275 96 18
2 263 * 34 193 36
3 214 * 17 9 188
Tableau des chi2 (signés) :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3
poids * 326 298 242
1 389 * 328 -29 -190
2 263 * -98 254 -38
3 214 * -106 -114 506
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh1) :
333
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 275uce) |---------------------------------+
18 |--------------+
Cl. 2 ( 193uce) |---------------------------------+ |
19 +
Cl. 3 ( 188uce) |------------------------------------------------+
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh2) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 275uce) |--------------------------+
18 |---------------------+
Cl. 2 ( 193uce) |--------------------------+ |
19 +
Cl. 3 ( 188uce) |------------------------------------------------+
----------------------
C2: profil des classes
----------------------
Chi2 minimum pour la sélection d'un mot : 2.19
Nombre de mots (formes réduites) : 937
Nombre de mots analysés : 908
Nombre de mots "hors-corpus" : 90
Nombre de classes : 3
656 u.c.e. classées soit 73.790780%
Nombre de "1" analysés : 15364
Nombre de "1" suppl. ("r") : 3248
Distribution des u.c.e. par classe...
1eme classe : 275. u.c.e. 6476. "1" analysés ; 1378. "1" suppl..
2eme classe : 193. u.c.e. 4555. "1" analysés ; 927. "1" suppl..
3eme classe : 188. u.c.e. 4333. "1" analysés ; 943. "1" suppl..
334
ANEXO C
EDUCAÇÃO SEXUAL
-------------------------------------
* Logiciel ALCESTE (4.7 - 01/12/02) *
-------------------------------------
Plan de l'analyse :eds.pl ; Date : 19/10/**; Heure : 15:14:47
----------------------------
C1: intersection des classes
----------------------------
Nom du dossier traité C:\Arquivos de programas\ADT-
Image\ritap\&&_0
\
Suffixe de l'analyse :121
Date de l'analyse :19/10/**
Intersection des classes RCDH1 et RCDH2
Nombre minimum d'uce par classe : 44
DONN.1 Nombre de mots par uc : 25
Nombre d'uc : 651
DONN.2 Nombre de mots par uc : 28
Nombre d'uc : 600
651 u.c.e classées sur 867 soit 75.09 %
Nombre d'u.c.e. distribuées: 816
Tableau croisant les deux partitions :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3 4 5
poids * 121 111 318 115 151
1 120 * 81 1 15 20 3
2 117 * 0 96 2 0 19
3 326 * 25 1 278 14 8
4 99 * 10 1 13 75 0
5 154 * 5 12 10 6 121
Tableau des chi2 (signés) :
RCDH1 * RCDH2
classe * 1 2 3 4 5
poids * 121 111 318 115 151
1 120 * 309 -19 -41 0 -23
335
2 117 * -23 544 -79 -22 0
3 326 * -22 -81 489 -43 -92
4 99 * -1 -15 -31 353 -25
5 154 * -20 -5 -84 -16 454
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh1) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 81uce) |----------+
14 |--------------------+
Cl. 4 ( 75uce) |----------+ |
15 |----------------+
Cl. 3 ( 278uce) |-------------------------------+ |
18 +
Cl. 2 ( 96uce) |---------------+ |
16 |--------------------------------+
Cl. 5 ( 121uce) |---------------+
Classification Descendante Hiérarchique...
Dendrogramme des classes stables (à partir de B3_rcdh2) :
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
Cl. 1 ( 81uce) |---------------+
15 |---------+
Cl. 4 ( 75uce) |---------------+ |
18 |---------------------+
Cl. 3 ( 278uce) |-------------------------+ |
19 |+
Cl. 2 ( 96uce) |---------------------+ |
16 |-------------------------+
Cl. 5 ( 121uce) |---------------------+
----------------------
C2: profil des classes
----------------------
Chi2 minimum pour la sélection d'un mot : 2.17
Nombre de mots (formes réduites) : 903
Nombre de mots analysés : 872
Nombre de mots "hors-corpus" : 91
Nombre de classes : 5
651 u.c.e. classées soit 75.086500%
Nombre de "1" analysés : 15532
Nombre de "1" suppl. ("r") : 3270
Distribution des u.c.e. par classe...
1eme classe : 81. u.c.e. 1953. "1" analysés ; 417. "1" suppl..
2eme classe : 96. u.c.e. 2369. "1" analysés ; 459. "1" suppl..
3eme classe : 278. u.c.e. 6559. "1" analysés ; 1423. "1" suppl..
4eme classe : 75. u.c.e. 1714. "1" analysés ; 364. "1" suppl..
5eme classe : 121. u.c.e. 2937. "1" analysés ; 607. "1" suppl..
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