segredo para sua província. Descoberto o plano, cresceu ainda mais a fúria anterior
dos senadores contra Flamínio: não era somente, diziam os senadores, ao senado, era
também aos deuses imortais que Flamínio declarara guerra. Cônsul outrora sem
auspícios favoráveis no próprio campo de batalha, não dera ouvidos a deuses e
homens, fugindo agora do Capitólio e da investidura solene dos votos, para não ter
de comparecer diante do templo de Júpiter Bom no dia de assumir o cargo. Não
queria nem consultar o senado, que só ele detestava; anunciar as férias latinas e nem
sacrificar solenemente a Júpiter Latiar, sobre a montanha [...] (TITO LÍVIO, Ab Urb
Condita, Livro 21, Cap. 63)
96
.
Como ressaltado nesse estudo, mais do que um cargo conferido por meio de uma
eleição nos comícios centuriatos, a investidura da magistratura consular exigia a execução de
um ritual solene, empreendido por um augure mediante aval senatorial. Ao não ser
devidamente investido pelos nobres, Flamínio não atentara somente contra os costumes, mas
também contra os deuses. Mais adiante na narrativa, Lívio declara que o novo cônsul “não
temia nem a majestade das leis, nem a do senado, desafiando os patres, as tradições e os
próprios deuses” (TITO LÍVIO, Ab Urb Condita, Livro 22, Cap. 3). Tais atitudes teriam
levado Flamínio à fatídica batalha contra Aníbal à beira do lago Trasimeno, desconsiderando
quaisquer prodígios negativos ou proibições dos senadores quanto ao prosseguimento de suas
ações militares.
Como em tudo, exortando, ele (Flamínio) ordenara que se levantassem prontamente
as insígnias, e havendo saltado para a sela de seu cavalo, sua montaria guinou para
baixo, fazendo tombar seu cavaleiro. Os que estavam por perto estancaram com
medo, pois seria aquele um mau presságio antes de uma batalha. A todo o desastre
vieram ainda anunciar que o porta-estandarte não conseguia arrancar o mastro do
chão, apesar de todos os esforços. Então, o cônsul, voltando-se para um mensageiro,
desafiou: “E por acaso, me trazes do senado uma carta que me impeça de agir? Ora,
vai dizer-lhes que usem uma pá, se a tal ponto o medo impede de arrancar as
insígnias com as mãos”. (TITO LÍVIO, Ab Urb Condita, Livro 22, Cap. 3)
97
.
Em razão da discórdia entre Flamínio e senado, não foram cumpridos os rituais de
investidura e a conseqüente ratificação da magistratura consular, uma falta de piedade filial
para com os deuses (pietas) e um atentado aos costumes ancestrais. Mediante tal falta
ocorreram prodígios negativos antes da batalha decisiva, não sendo realizados também os
devidos rituais expiatórios. A narrativa liviana deixa transparecer que os motivos do fracasso
96
Ob haec ratus auspiciis ementiendis, Latinarumque feriarum mora, et consularibus aliis impedimentis
retenturos se in urbe, simulato itinere, privatus clam in provinciam abiit. Ea res ubi palam facta est, novam
insuper iram infestis jam ante patribus movit: nom cum senatu modo, sed jam cum diis immortalibus Caius
Flaminium bellum gerere. Consulem ante inauspicato factum, revocantibus ex ipsa acie diis atque hominibus
non paruisse; nunc, conscientia spretorum, et Capitolium et sollemnem votorum nuncupationem fugisse, NE, die
initi magistratus, Jovis optmi maximi templum adiret, ne senatum, invisus ipse et sibi uni invisum, videret
consulerctque, ne Latinas indiceret Jovique Latiari sollemne sacrum in monte faceret [...].
97
Haec simul increpans cum ocius signa convelli juberet et ipse in equum insiluisset, equus repente corruit,
consulemque lapsum super caput effudit. Territis omnibus qui circa erant, velut foedo omine incipiendae rei,
insuper nuntiatur signum, omni vi moliente signifero, convelli nequire. Conversus ad nuntium: “Num litteras
quoque”, inquit, “a senatu adfers, quae me rem gerere vetent? Abi, nuntia affodiant signum, si ad convellendum
manus prae metu obtorpuerint”.