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socialmente permitido; Raquel, de “Venha ver o pôr do sol”, preocupa-se apenas em agradar seu novo
namorado por quem é sustentada; enquanto que a esposa de “É a alma, não é?”, restringe-se a desempenhar as
tarefasdomésticas intrínsecas a sua função.
As personagens estão submetidas à “força simbólica”, que, segundo Bourdieu, age através de um
trabalho de “inculcação” e “incorporações”, a que tanto os homens quanto as mulheres são submetidos. A
violência simbólica é“suave”, “insensível” e “invisível”; como nos explicita o autor:
A força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e
como que por magia, sem qualquer coação física; mas essa magia só atua com o apoio de
predisposições colocadas, como molas propulsoras, na zona mais profunda dos corpos.
Se ela pode agir como um macaco mecânico, isto é, com um gasto extremamente
pequeno de energia, ela só o consegue porque desencadeia disposições que o trabalho de
inculcação e de incorporação realizou naqueles ou naquelas que, em virtude desse
trabalho se vêem por elas capturados. (BOURDIEU, 2007, p.50).
A mulher adere à dominação, oferecendo condições plenas ao homem para dominá-la. Isto ocorre
graças à submissão doméstica recorrente, alémda estruturação da sociedade como um todo:
O poder simbólico não pode se exercer sem a colaboração dos que são subordinados e
que só se subordinam a ele por que o constroem como poder. (...) Assim se percebe que
essa construção prática, longe de ser um ato intelectual consciente, livre, deliberado de
um “sujeito” isolado, é, ela própria, resultante de um poder, inscrito duradouramente no
corpo dos dominados sob a forma de esquemas de percepção e de disposições (a
admirar, respeitar, amar etc) que o tornam sensível a certas manifestações simbólicas do
poder (BOURDIEU, 2007, p.52-3).
O corpo feminino, desde seu nascimento, disciplina-se através dos ensinamentos sociais e culturais
introjetados pela sociedade patriarcal. Como defende Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se
mulher” (BEAUVOIR, 1967, p.9). Nos contos, as personagens assimilaram a obediência ao homem e, apesar
de perceberem a anormalidade das situações, não possuem forças para reagir ante as figuras masculinas, que
continuam direcionando seus destinos.
As personagens femininas dos contos selecionados representam mulheressubmissas:
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a lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina, que se pode dizer
ser, ao mesmo tempo e sem contradição, espontânea e extorquida, só pode ser
compreendida se nos mantivermos atentos aos efeitos duradouros que a ordem social
exerce sobre as mulheres (e os homens), ou seja, às disposições espontaneamente
harmonizadas com esta ordem as impõe. (BOURDIEU, 2007, p.50).
2.1 SITUAÇÕES DE REPRESSÃO
O conto “O pai”, de Helena Parente Cunha, é emblemático ao ser estudada a submissão
feminina. A autora evidencia a temática a partir da organização dos contos na obra, pois no