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JULIANA FONSÊCA DE QUEIROZ
Repercussões da Equoterapia nas Relações Socioafetivas
da Criança com Atraso de Desenvolvimento por Prematuridade
Recife
2004
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JULIANA FONSÊCA DE QUEIROZ
Repercussões da Equoterapia nas Relações Socioafetivas
da Criança com Atraso de Desenvolvimento por Prematuridade
Recife
2004
Dissertação de mestrado em
Psicologia Clínica na linha de pesquisa
construção da subjetividade na família
sob orientação da Profª. Dra. Zélia Melo
apresentada à banca examinadora para
obtenção de nota final.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, Senhor da minha vida, que por Sua grandiosa graça concedeu-me mais
uma oportunidade de crescimento profissional em direção ao título de mestre, bem
como por ter estado comigo em todos os momentos permitindo e dando-me forças
para a construção deste trabalho;
À minha família, e especialmente a meus pais José Carlos e Leide Izabel, pelo apoio
e compreensão, bem como pela educação e carinho propiciados por toda a vida,
fundamentais para a construção da minha história e assim, de tudo que hoje sou;
Ao meu noivo Carlos Alberto (Beto), pelo respeito, cumplicidade, tranqüilidade, amor
e dedicação tão importantes para nossa caminhada em direção aos nossos planos e
sonhos;
À minha orientadora, pela enorme dedicação e empenho, pelo profissionalismo, pelo
carinho e pela pessoa que é. Sinto-me orgulhosa pela oportunidade de ser sua
orientanda;
À equipe de equoterapia do Caxangá Golf & Country Club meus agradecimentos
pela oportunidade e minha admiração pelo envolvimento e paixão pela equoterapia,
pela seriedade do trabalho e respeito para com os pacientes (praticantes);
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a construção deste trabalho,
muito obrigada!
“Fruir da riqueza da atualidade depende de as
subjetividades enfrentarem os vazios de sentido
provocados pelas dissoluções das figuras em que se
reconhecem a cada momento. Só assim poderão
investir a rica densidade de universos que as
povoam, de modo a pensar o impensável e inventar
possibilidades de vida” (ROLNIK, 2002, p.24).
RESUMO
A pesquisa tem como objeto de estudo famílias com crianças com atraso de
desenvolvimento neuropsicomotor devido à prematuridade e que estão em
atendimento interdisciplinar em equoterapia, abordagem terapêutica que tem como
recurso primordial o cavalo e seu ambiente. Ela foi realizada com duas crianças do
Núcleo de Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club, suas respectivas famílias e
profissionais que acompanham as crianças na equoterapia. Os instrumentos
utilizados constaram de observação das crianças nas sessões; entrevista com
terapeutas da instituição, com os pais e, quando necessário, outros “cuidadores”. Foi
constatada a importância do vínculo da criança com o animal para sua maior
participação na terapia e para o investimento familiar, e como este interfere
positivamente no andamento da terapia; a importância da interação entre a criança,
a equipe e outros praticantes no processo de socialização; a adequação dos
estímulos do ambiente equoterápico pela equipe interdisciplinar, bem como as trocas
entre ela e a família; o conhecimento da história da criança para compreensão de
seu comportamento e eventos familiares; a importância do feedback da criança
quanto ao seu desenvolvimento para o sistema familiar permanecer investindo e
acreditando. Percebeu-se melhora da criança no aspecto socioafetivo, facilitando e
sendo facilitado pelas relações familiares. Portanto, através da pesquisa puderam
ser compreendidas as repercussões da equoterapia, bem como seus elementos
intervenientes no desenvolvimento socioafetivo da criança com retardo
neuropsicomotor por prematuridade.
PALAVRAS-CHAVE: Família; Socioafetividade ; Equoterapia; Criança prematura.
ABSTRACT
This research has as objective to study families of children that have a delay
on neuropsicomotor development due to prematurity and that are frequenting an
interdisciplinary therapy called equine therapy, a therapeutical approach that has as
primordial source the horse and its environment. It was carried through with two
children of the Caxangá Golf & Country Club Nucleus of Equine therapy, its
respective families and professionals who accompany the children in the
therapeutical process. The instruments used consisted of comments of the children in
the sessions; interviews with therapists of the institution, with the parents and, when
necessary, with other "carers". The importance of the bond of the child with the
animal was evidenced by its bigger participation in the therapy and by the family
investment, as this intervenes positively to the course of the therapy; the importance
of the interaction between the child, the team and other practitioners in the
socialization process; the adequacy of the stimulations of the equine therapy
environment by the interdisciplinary team, as well as the exchanges between them
and the family; the knowledge of the child’s family history for understanding its
behavior and family events; the importance of the child’s feedback as to its
development in the family to remain investing and believing. An improvement of the
child in the socio-affective aspect was perceived, facilitating and being facilitated by
the family relations. Therefore, through the research we understood the
repercussions of the equine therapy, as well as its intervening elements in the socio-
affective development of the child with neuropsicomotor retardation due to
prematurity.
KEY-WORDS: Family; Socio-effectiveness; Equine therapy; Premature child.
RESUMEN
La investigación tiene como objeto de estudio familias con niños con
retraso de desarrollo neuropsicomotor debido a la prematuridad y que están en
atendimiento interdisciplinar en ecuoterapia, abordaje terapéutica que tiene como
recurso primordial el caballo y su ambiente. Ella fue realizada con dos niños del
Núcleo de Ecuoterapia del Caxangá Golf & Country Club, sus respectivas familias y
profesionales que acompañan a los niños en la ecuoterapia. Los instrumentos
utilizados constaron de observación de los niños en las sesiones; entrevista con
terapeutas de la institución, con los padres y, cuando necesario, otros “cuidadores”.
Fue constatada la importancia del vínculo del niño con el animal para su mayor
participação en la terapia y para la inversión familiar, y como este interfiere
positivamente em el andamiento de la terapia; la importancia de la interactuación
entre el niño, el equipo y otros practicantes em el proceso de socialización; la
adecuación de los estímulos del ambiente ecuoterápico por el equipo
interdisciplinar, así como los cambios entre ella y la familia; el conocimiento de la
historia del niño para comprensión de su comportamiento y eventos familiares; la
importancia del feedback del niño cuanto a su desarrollo para el sistema familiar
permanecer invertiendo y creyendo. Se notó mejora del niño en el aspecto
socioafectivo, facilitando y siendo facilitado por las relaciones familiares. Por lo
tanto,a través de la investigación pudieron ser comprendidas las repercusiones de la
ecuoterapia, bien como sus elementos intervenientes en el desarrollo socioafectivo
del niño con retardo neuropsicomotor por prematuridad.
PALABRAS-CLAVE: Familia; Socioafetividad; Ecuoterapia; Niño prematuro.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADNPM – Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor
ANDE – Associação Nacional de Equoterapia
OMS - Organização Mundial de Saúde
RN – Recém-Nascido
RNPT – Recém-Nascido Pré- Termo
SNC – Sistema Nervoso Central
UTI – Unidade de Tratamento Intensivo
UTIN – Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal
E – Entrevistadora
M – Mãe
P – Pai
MA – Mãe adotiva
A – Avó
FT – Fisioterapeuta
FN – Fonoaudióloga
P – Psicóloga
PPG – Psicopedagoga
TO – Terapeuta Ocupacional
CPAP – Continuous Positive Airway Pressure
SUMÁRIO
Página
1
INTRODUÇÃO
..................................................................................................... 11
2
DESENVOLVIMENTO
2.1 Gestação, nascimento e incertezas no sistema familiar............................. 14
2.1.1 A família enquanto sistema ..........................................................................14
2.1.2 Breve histórico sobre cuidados maternos.................................................... 16
2.1.3 Sentimentos e significados relacionados à gestação e ao nascimento........20
2.1.4 Importância das relações de afeto na família............................................... 24
2.2 A prematuridade e suas conseqüências para o desenvolvimento............. 26
2.2.1 Contextualização ..........................................................................................26
2.2.2 Imaturidade e suas conseqüências para a saúde do bebê prematuro........ 31
2.2.3 Atraso no desenvolvimento ... ..................................................................... 35
2.2.4 Investimento familiar para a evolução da criança prematura....................... 38
2.3 A possibilidade da deficiência e o contexto social ......................................40
2.3.1 Diante do bebê real ..................................................................................... 40
2.3.2 Repercussões da diferença no contexto familiar...........................................43
2.3.3 Frente às dificuldades.................................................................................. 48
2.3.4 A participação da família como possibilidade para a criança .......................51
3 A EQUOTERAPIA E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
3.1 Definição e história ........................................................................................ 55
3.2 A respeito do animal....................................................................................... 57
3.3
Indicações e contra-indicações
..................................................................... 58
3.4 O processo terapêutico: bases e fundamentos .......................................... 60
3.5
Interdisciplinaridade
....................................................................................... 67
3.6 A Relação afetiva com o cavalo................................................................... 69
3.7 Núcleo de Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club: funcionamento. 72
4 OBJETIVOS .......................................................................................................... 75
5
MÉTODO
............................................................................................................... 76
5.1 Participantes ................................................................................................... 76
5.2
Instrumentos
.................................................................................................... 76
5.3 Procedimento de coleta de dados................................................................. 76
5.4
Procedimento de análise dos dados
............................................................ 77
6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ............................................... 78
6.1 Caso Alice........................................................................................................ 79
6.1.1 Entrevista com os responsáveis ................................................................. 79
6.1.1.1 Análise clínica da entrevista com os responsáveis por Alice ............... 106
6.1.2. Entrevista com os profissionais da equoterapia ....................................... 119
6.1.2.1 Análise clínica da entrevista com os profissionais da equoterapia do
caso Alice ............................................................................................ 131
6.1.3. Observações de sessões da equoterapia................................................ 135
6.1.3.1 Análise clínica das observações das sessões .................................... 141
6.2 Caso Larissa.....................................................................................................143
6.2.1 Entrevista com os responsáveis..................................................................143
6.2.1.1 Análise clínica da entrevista com os responsáveis por Larissa............ 162
6.2.2 Entrevista com a babá (cuidadora) .............................................................171
6.2.2.1 Análise clínica da entrevista com a babá do caso Larissa ................... 176
6.2.3. Entrevista com os profissionais da equoterapia ........................................179
6.2.3.1 Análise clínica da entrevista com os profissionais da equoterapia do
caso Larissa ........................................................................................ 188
6.2.4 Observações de sessões da equoterapia ................................................. 197
6.2.4.1 Análise clínica das observações das sessões ..................................... 199
7 CONCLUSÃO...................................................................................................... 202
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 208
ANEXOS
................................................................................................................ 216
11
1 INTRODUÇÃO
A motivação pelo tema surgiu a partir da minha experiência como terapeuta
ocupacional, estimulando o desenvolvimento da criança com atraso de
desenvolvimento neuropsicomotor. Através desta vivência foi observada notória
relação de retroalimentação entre as relações familiares e o desenvolvimento
socioafetivo da criança, intersectados, evidentemente, por outros fatores e dentre
estes, o processo terapêutico.
Na gestação de risco, uma das angústias implicadas, além da possibilidade
da morte real, é a do nascimento de uma criança com necessidades especiais. E
neste caso, também seria vivenciado um luto pela perda do bebê perfeito e uma
situação de conflito pelo estigma social delegado ao diferente, àquele que não se
desenvolve tal qual outras crianças e que não segue o modelo do ideal. Tal situação
tem suas repercussões nas relações familiares e também no desenvolvimento
socioafetivo da criança que depende do “olhar integrador” da família, do estímulo à
sua estruturação como sujeito. A prematuridade, nascimento antecipado da criança,
traz conseqüências ao seu desenvolvimento, que pode ser atrasado de formas
diferentes e em ritmos diversos, de acordo com o tempo gestacional (idade do feto)
e com o investimento familiar, desenvolvido desde a construção do vínculo afetivo,
ainda intra-uterino, até a procura de possibilidades de tratamento para o
desenvolvimento neuropsicomotor da criança.
Essas são observações resultantes de experiência em consultório,
atendimentos domiciliares, também na Associação de Assistência à Criança
Deficiente (AACD) e no Núcleo de Equoterapia. Diferente da tradicional, esta terapia
utiliza o cavalo como recurso terapêutico.
12
A pesquisa pretende contribuir para o conhecimento da equoterapia,
enquanto facilitadora das relações socioafetivas da criança com história de
prematuridade, bem como acrescentar sugestões para os estudos relacionados com
o funcionamento familiar da criança com necessidades especiais.
Por esse motivo, o olhar da pesquisadora dirige-se ao desenvolvimento da
criança e, mais especificamente, à sua interação com o meio e sua participação no
corpo social. A pesquisa de campo constituiu-se de entrevista com os pais e
profissionais que acompanham as crianças no processo equoterápico, além da
observação das mesmas nas sessões de equoterapia. Este trabalho tem como
objetivo compreender as repercussões do tratamento equoterápico e seus
elementos intervenientes no desenvolvimento socioafetivo da criança com atraso
neuropsicomotor por prematuridade.
Esta dissertação constitui-se da revisão teórica sobre os temas envolvidos na
pesquisa, dos objetivos, do método e da apresentação e discussão dos dados. Está
estruturada da seguinte forma: a introdução (1º capítulo) expõe motivação e
interesses pelo desenvolvimento do trabalho; alguns temas serão desenvolvidos no
2º capítulo.
O primeiro tema desenvolvido no 2º capítulo, “Gestação, nascimento e
incertezas no sistema familiar”, aborda a família enquanto sistema, um breve
histórico sobre cuidados maternos, sentimentos e significados relacionados à
gestação e nascimento, bem como a importância das relações de afeto na família. O
segundo tema, “A prematuridade e suas conseqüências para o desenvolvimento”,
aponta a imaturidade do bebê prematuro e as conseqüências para a saúde e o
desenvolvimento, também o investimento familiar para sua evolução. O terceiro
tema, “A possibilidade da deficiência e o contexto social”, mostra a frustração diante
13
do bebê real (diferente do idealizado), repercussões da “diferença” no contexto
familiar relacionadas às dificuldades de uma criança que requer cuidados especiais
e ao estigma social. Ressalta a importância da participação da família como
estruturante para o desenvolvimento da criança.
O 3º capítulo da dissertação tem como título “A equoterapia e o processo de
socialização”. Este destaca a definição e a história da abordagem terapêutica,
características do cavalo, aspectos sobre o processo terapêutico,
interdisciplinaridade, a relação afetiva com o cavalo e o funcionamento do Núcleo de
Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club.
Segue-se o 4º capítulo que corresponde aos objetivos; o 5º capítulo, ao
método utilizado na pesquisa; no 6º capítulo serão apresentados e discutidos os
dados dos dois casos clínicos pesquisados: de Alice e de Larissa (nomes fictícios).
Os dados colhidos constam de entrevista com os responsáveis, entrevista com os
profissionais da equoterapia, observação das sessões de equoterapia e, no caso
Larissa, em especial, entrevista também com a babá por estar presente no cotidiano
da criança. Após os relatos de tais procedimentos, seguem-se as análises clínicas.
O 7º capítulo corresponde à conclusão, como discussão final do trabalho.
14
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Gestação, nascimento e incertezas no sistema familiar
2.1.1 A família enquanto sistema
Carter e McGoldrick (1995) fazem referência à gestação como um evento
presente no ciclo de vida familiar e percebido como acontecimento estressor natural,
previsível. Isto significa que, embora seja programada e esperada, a gestação
acarreta reorganização familiar diante do processo de mudanças. Instaura-se a
“desordem” no sistema familiar, para então, posteriormente, ele ser ordenado diante
da chegada de um novo integrante.
Segundo Maldonado (1997, p. 23), o termo crise foi primeiramente
empregado por Caplan e Lindemann para referir-se às reações de uma pessoa a
eventos traumáticos, tais como a morte súbita de uma pessoa amada, o nascimento
de um filho prematuro
,
desemprego inesperado (crises imprevisíveis). Ela utiliza o
termo crise para o evento estressor e cita a definição de crise dada por Caplan
(1963, grifo nosso):
[...] um período temporário de desorganização no funcionamento de um
sistema aberto
, precipitado por circunstâncias que transitoriamente
ultrapassam as capacidades do sistema para adaptar-se interna e
externamente .
Assim, observamos o conceito de Carter e McGoldrick (1995) que nos fala
sobre o ciclo de vida familiar e que cada mudança de ciclo já é um evento estressor,
como por exemplo o nascimento do filho e principalmente do primeiro filho. Dessa
15
forma, o evento imprevisível soma-se a um momento de mudança já difícil de
administrar. Maldonado (1997) reforça tal visão e cita que o termo crise também foi
usado por Erikson para referir-se às várias etapas do desenvolvimento psicológico
normal, caracterizando-se como crises previsíveis.
O conceito de crise e o de evento estressor relacionam-se, portanto, a
sistemas abertos. De acordo com a Teoria Sistêmica, base da terapia familiar desde
a década de 50, o sistema familiar é um sistema aberto que se comunica com o
meio exterior e por isso influencia o meio e por ele é influenciado (BERTALANFFY,
1993). Os subsistemas influenciam um ao outro. O que acontece com um, repercute
no outro. Maldonado (1997) utiliza o termo “família grávida”, pois enfatiza que o
nascimento de um filho é uma experiência familiar. Então, tal gestação é
compartilhada, não é solitária; a gravidez é uma experiência que pertence à família
como um todo. E como um sistema, as partes são vistas no todo e o todo nas partes.
De acordo com Tondo (1998), o campo da Teoria Sistêmica
concebe os fenômenos
como fatos inter-relacionados e não como acontecimentos isolados: faz relações,
observa a totalidade, seus caminhos e seus movimentos...
Assim, ganha espaço o grupo em detrimento do indivíduo, o que determina
a ênfase posta no grupo familiar e não nos seus componentes como foco de
distúrbios diversos, segundo sua abordagem na terapia familiar sistêmica.
Segundo Carneiro (1983), o sistema é uma estrutura composta por um
conjunto de elementos ou subsistemas que interatua em busca de um resultado
final. Dentro do grupo familiar, cada elemento que o compõe é um subsistema,
assim com as díades marido-mulher, pai-filho, mãe-filho, irmão-irmã.
Portanto, para contribuirmos para a definição da criança, enquanto sujeito, é
fundamental que lancemos um olhar à importância das relações familiares que serão
16
ressignificadas a partir de um novo lugar que a criança venha a ocupar; bem como
este novo lugar resignificará as relações familiares. Segundo Macedo (1995 apud
TONDO, 1998), na teoria sistêmica, a ênfase é colocada no inter-psíquico,
relacional, com atenção especial ao contexto. Nos escritos de Tondo (1998),
comenta-se que a família funciona como grupo intermediário entre sujeito e
macrocontexto, no primeiro momento da vida.
Diante da compreensão da família, enquanto sistema, da susceptibilidade da
família às trocas com o meio ambiente (social) e entre subsistemas (meio interno) -
que por sua vez se afetam e se deixam afetar pelos estímulos externos - , faz-se
necessário abordar a vivência da família relacionada à prole, situando-a num
contexto histórico-social.
2.1.2 Breve histórico sobre cuidados maternos
A mulher da atualidade desempenha diversos papéis sociais: esposa,
amante, dona-de-casa, mãe, amiga, profissional, etc. A sociedade lhe solicita
desdobramentos para desempenhar seus papéis com perfeição. Citamos momentos
diferentes na história da mulher para situar o processo de mudanças necessário à
compreensão de sua situação atual e, assim, de suas cobranças quanto à gestação
e à família.
De acordo com Poster (1979), nos séculos XVI e XVII, no caso da família
aristocrática européia, o homem trabalhava na guerra e a mulher tinha apenas as
funções de ter filhos e organizar a vida social; na família camponesa, as mulheres,
da mesma forma, eram subordinadas aos homens. Porém, pela necessidade
17
econômica, trabalhavam arduamente cozinhando, cuidando dos filhos, dos animais
domésticos e da horta. Em épocas cruciais, juntavam-se ao resto da aldeia para a
colheita. Dentro da visão cultural da época, havia aumento de suas funções, pois ela
também contribuía para o sustento diretamente, porém, subordinada às
necessidades dos homens da aldeia.
Segundo Poster (1979), no início da Revolução Industrial toda a família
trabalhava nas fábricas. Havia dominação masculina no lar e na fábrica. Diante da
sobrecarga de trabalho, dentro e fora de casa, e das péssimas condições de vida
para as mulheres, o cuidado com os filhos era visto como uma sobrecarga a mais e
a amamentação se constituía também numa tarefa árdua. Os filhos proletários eram
criados “pela rua”, não tinham atenção nem fiscalização da mãe. Nas últimas
décadas do séc. XIX, emergiu uma “aristocracia” da classe trabalhadora com o
salário familiar. Então, iniciou-se a diferenciação dos papéis sexuais: as mulheres já
se dedicavam mais à casa. Já começou a surgir uma nova preocupação com o
futuro dos filhos, de um ambiente familiar apropriado, assistência materna,
domesticidade, etc. Na década de 1950, o casal se mudou para os subúrbios,
adotando plenamente o padrão da família burguesa. O homem mais ligado à
domesticidade, a mulher isolada no lar (rompeu laços com a comunidade) e os filhos
como centro prioritário de atenção. A família era o refúgio da sociedade.
O planejamento familiar, em grande escala, começou, primeiro, na família
burguesa - de 1750 até o presente. Quanto aos papéis, o homem além de ser a
autoridade dominante da família, arcava com o seu sustento. A mulher, considerada
menos racional e menos capaz, preocupava-se exclusivamente com o lar
(sobrevivência e treino dos filhos p/ a sociedade). A domesticação da mulher a levou
a aspirações que não puderam ser alcançadas através do casamento e da família.
18
Assim, a crise do casamento começou a se desenvolver no final do século XIX. As
mulheres começaram a preferir uma vida social agitada em troca da realização da
maternidade, conforme o pensamento da classe conservadora. Foi uma fase de
crise. Os especialistas estavam divididos. Uns nem acreditavam na família, outros
criaram programas ambiciosos, como “educação para pais” (POSTER, 1979).
Segundo Ceccarelli (2002), o processo de mudanças a que assistimos,
consideradas “reorganizações” coletivas, dá continuidade a um processo de
mudanças cujas origens remontam ao século XVIII com a Revolução Industrial. Esse
processo foi acentuado após a Primeira Guerra Mundial, pois, quando os
combatentes voltaram dos campos de batalha, encontraram suas esposas
perfeitamente adaptadas ao trabalho fora de casa e decididas a não renunciarem a
esta conquista. A década que se seguiu, apoiada pelos movimentos feministas,
consolidou essa situação, acirrando o debate, já iniciado no século XIX, sobre o
lugar dos homens e o das mulheres nas relações sociais, no trabalho, na
reprodução, nas questões demográficas e outras tantas. Aspectos que levantaram
discussões sobre os “perigos” de separar sexualidade e procriação.
Os avanços da tecnologia e das ciências que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial, trouxeram importantes descobertas, em particular, no campo da medicina.
Além de criarem e popularizarem utensílios domésticos, o que possibilitou mais
tempo livre para as atividades fora do lar. Concomitantemente, a fim de fazer circular
o capital, foi necessário incrementar o consumo. Este exigia um aumento da renda
familiar e com a participação das mulheres. Há, então, um reposicionamento social e
redefinição de papéis. A liberação do aborto, o morar juntos, as separações, tudo
isso passou a integrar a paisagem social. As reações a esta “nova ordem” foram
imediatas: falou-se do fim da família, da decadência dos costumes e da moral.
19
Porém, apesar das novas configurações familiares, a família não deixou de existir,
apenas não se restringiu ao modelo de família nuclear (pai, mãe e filhos). A
importância do cuidado materno permanece, bem como a entrada da figura paterna
para a constituição do sujeito (CECCARELLI, 2002).
É provável que em nenhum outro período da história da humanidade tenham
ocorrido tantas e tão significativas mudanças nas relações familiares, e no
comportamento humano em geral, como em nossa época. Não tem mais de um
século o reconhecimento dos direitos das mulheres e das crianças: as mulheres não
ficarem restritas ao exercício da maternidade na clausura de um matrimônio ao qual,
habitualmente, não chegavam por vontade própria; as crianças não serem meros
objetos das expectativas dos pais. As crianças, tal qual os animais domésticos, eram
maltratadas ou afagadas conforme os humores dos pais (OSÓRIO, 2002).
Segundo Maldonado (1997), a participação do pai na gestação e nascimento
da criança também sofreu modificações no decorrer da história, à medida que foram
surgindo modificações tecnológicas. Vemos, portanto, que os papéis, as funções e
as relações familiares dependem da cultura e da época em que são vivenciados. A
exaltação do amor materno é fato relativamente recente na história da civilização
ocidental. As revisões históricas sobre a maternidade abrem espaço para o
questionamento da existência de um “instinto materno”.
Até o século XVIII predominava uma conduta de indiferença materna. Para
Áries, isso se explica pelo alto índice de mortalidade infantil: se a mãe se
ligasse profundamente aos bebês, sofreria demais, dada a grande
probabilidade de perdê-los. No entanto, Badinter dá outra interpretação para
esse fato: os bebês morriam com tanta freqüência justamente em
decorrência do desinteresse das mães. Daí conclui que o amor materno não
é um instinto, mas um sentimento que, como todos os demais, está sujeito a
imperfeições, oscilações e modificações, podendo manifestar-se só com um
filho ou com todos. Para Badinter, a existência do amor materno depende
não só da história da mãe como também da própria História
(MALDONADO,1997, p. 19).
20
2.1.3 Sentimentos e significados relacionados à gestação e ao nascimento
No decorrer dos tempos, reportando-nos à história, podemos perceber
exigências das mais variadas quanto aos papéis familiares. E embora o discurso
seja diferente, permanece a marca social de que o casamento, na conotação de
união estável, ideal e completo é aquele que gera um filho, que procria e que o faz
com perfeição, com cobranças bem maiores para a mulher. Segundo Maldonado
(1997, p. 16), “Desde muitos séculos a fecundidade é tida como bênção divina, ao
passo que a infertilidade é tida como castigo”.
Além disso, existe a responsabilidade social de procriar, perpetuar a espécie
e dar continuidade à história familiar. De acordo com Brazelton (1988), a chegada do
primeiro bebê é a chance de perpetuação. É uma oportunidade para o crescimento
pessoal e a maturidade, bem como para promover o desenvolvimento e ser
responsável por um outro ser humano.
As modificações na estrutura social, exemplificadas anteriormente, trazem
também a responsabilidade no controle do número de filhos. Brazelton (1988) refere-
se à escolha de ter um filho como um passo complexo: “a capacidade de controlar a
fertilidade através da contracepção trouxe uma responsabilidade adicional...” Isto é,
houve uma redução no número de filhos, aumentando as responsabilidades, pois, de
certa forma, elas eram diluídas. A carga para criar um número menor com mais
qualidade é maior e a perda de um filho é mais assustadora diante de uma
quantidade reduzida. Segundo o autor (1988, p.19), “a contracepção e a escolha
tornaram maior a responsabilidade para fazer com que o bebê seja perfeito em todos
os aspectos.” Percebe-se que neste bebê concentram-se todas as expectativas.
21
Assim, podemos situar o temor relacionado à “perfeição” do bebê. Quando
pensamos em perpetuar nossa família, estão inclusos os desejos relacionados às
possibilidades de crescimento do filho: capacidade de gerar, desenvolvimento
intelectual, ascensão profissional, status social.
De acordo com Rojas e Sternbach (1994), muito antes de sua chegada ao
mundo, alguém dirá à criança quem ela é e formulará os enunciados que darão base
e ponto de partida à sua constituição subjetiva. Sofrerá influências da época, do
lugar, da família e do grupo social. Quem nasce, não é em si. Adquire nome, sentido
e particularidade a partir de um meio social. Este define certas exigências e
expectativas para os indivíduos que nele habitam em cada época e lugar. É desta
forma que cada cultura específica constitui subjetividades e modalidades vinculares
de acordo com seus valores, ideais e significações predominantes.
De acordo com Maldonado (1997), ao nascer, o bebê se constitui num
enigma, pois ao mesmo tempo em que representa esperança de auto-realização
para os pais, ameaça expor suas dificuldades ou deficiências, enquanto contribui
para aumentar a auto-estima dos pais poderá, ao mesmo tempo, ‘denunciá-los’
como maus pais.
Percebemos a carga da possibilidade do nascimento de um filho com
necessidades especiais. Em relação à frustração diante desta situação imprevisível,
que é um problema nos períodos de gestação e nascimento, Maldonado (1997, p.
26) traz uma citação de uma mãe que apresentou um problema na gestação: “o
neném ‘estragou tudo’, desmanchou o sonho do parto perfeito, da maternidade feliz”.
Esta situação de crise precisa ser elaborada para que as relações afetivas,
especialmente a relação mãe-bebê, não sejam comprometidas. De acordo com a
autora (1997), a crise pode ser vista como perigo ou oportunidade. Superá-la implica
22
melhora através de novo nível de integração e amadurecimento de personalidade ou
piora através da desintegração, desorganização e desajustamento da personalidade.
Tal situação intersecta a comunicação familiar que ocorre a partir do momento da
percepção – consciente ou inconsciente – da gravidez. Desde este momento, a
possibilidade da “deficiência” já interfere no sistema familiar.
Naturalmente, mesmo que a gestação esteja se desenvolvendo bem, logo se
instala a vivência básica da gravidez que vai se manifestar sob diversas formas no
decorrer dos dois primeiros trimestres e após o parto: a ambivalência afetiva... Daí
não existe uma gravidez totalmente aceita ou totalmente rejeitada (MALDONADO,
1997). Dessa forma, podemos prever a intensificação dos “sintomas” de uma
gestação, quando esta é de risco.
Quando há uma possibilidade real e próxima da morte do feto ou de seqüelas
após seu nascimento, bem sabemos que essa situação interfere nos pensamentos
da família gestante. Segundo Maldonado (1997), a relação mãe–bebê, o estilo de
vínculo que a mãe forma com seu filho sofre influência das representações mentais
e fantasias formadas, durante a gravidez, relacionadas a ela mesma como mãe e ao
seu futuro bebê.
De acordo com a autora (1997, p. 53):
As fantasias conscientes em relação ao bebê e a si própria como mãe
também são importantes. Freqüentemente expressam o temor de que a
própria hostilidade, componente da ambivalência, destrua o feto. O temor
universal de ter um filho com alguma deficiência física expressa claramente
esse tema.
As fantasias vão permear, em parte, as vivências do ciclo grávido-puerperal.
No nível emocional, ter filhos sadios representa ganhar um prêmio; não ter filhos por
esterilidade ou infertilidade, ter filhos malformados ou doentes representa castigo.
Ainda dando continuidade ao pensamento de Maldonado (1997), quando comenta
23
sobre o “homem grávido”, os homens também têm o temor de ter um filho
malformado ou nascido prematuramente, bem como uma expectativa em relação ao
estado físico da mulher e até mesmo o medo de que ela morra no parto. A gestação
mobiliza e ativa conteúdos psíquicos importantes em grau significativo.
Ainda que sem riscos, o parto, na opinião de Maldonado (1997), se constitui
em momento crítico por ser uma situação irreversível que precisa ser enfrentada de
qualquer forma e sentida como uma situação de passagem de um estado a outro.
Outra peculiaridade que contribui para o aumento da ansiedade e da insegurança
diante da proximidade da data prevista e impossibilidade de controlar o processo é a
incapacidade de saber exatamente como e quando vai se desenrolar o trabalho de
parto. O parto é, portanto, vivido como um ‘salto no escuro’, um momento
imprevisível e desconhecido sobre o qual não se tem controle.
Outro ponto importante a ser discorrido é a respeito da separação entre a
família e o bebê prematuro, de risco, pois este não vai para casa com sua família
após seu nascimento, como planejado, ou melhor, idealizado. Citando Maldonado
(1997, p. 67):
No parto dá-se o primeiro passo decisivo dentro do contínuo simbiose-
separação: dois seres, antes unidos, se separam e uma das tarefas
psicológicas mais importantes da gestante é sentir, desde a gravidez, o filho
como um indivíduo singular, diferenciado dela, de forma que, no momento do
parto, a separação física e a emocional se integrem. Quando essa
diferenciação não é bem elaborada, o parto pode ser sentido como uma
separação dolorosa, em que a mulher ‘perde’ uma parte de si mesma, e a
relação materno-filial fica perturbada, na medida em que a mãe não
consegue perceber as características particulares do seu bebê porque o
considera como uma projeção ou extensão de si própria.
E, ainda, cita a autora (1997) que, diante do nascimento de crianças que
nascem com problemas graves ou com malformações, essa tarefa torna-se
particularmente penosa. Tal colocação pode ser ratificada pelo relato da mãe de
uma criança com necessidades especiais, logo após o nascimento de sua filha: “eu
24
me sentia repleta de amor e queria proteger e amparar minha filha, tê-la sempre no
meu colo por achá-la tão indefesa” (FALKAS,1994, p. 17).
Falkas (1994) também refere-se à dificuldade em lidar com o imprevisto,
antecipação do parto para o qual ela não estava preparada (1994, p. 17, grifo
nosso):
Senti as primeiras contrações prematuramente – faltavam doze dias para a
data prevista.
Eu nem sequer havia arrumado as roupas do bebê para
levar à maternidade.
2.1.4 Importância das relações de afeto na família
Faz-se necessário refletirmos a respeito da importância da relação afetiva
para os pais e o bebê. Segundo Quintas (2000), na família o afeto indica o grau de
harmonia ou de desarmonia que poderá compor a dinâmica daquele grupo. Há que
se ofertar às interações simbólicas afetivas um relevo maior por sua importância
para a estabilidade e duração dos contextos familiares. Estes, por sua vez,
funcionam como mola propulsora para o desenvolvimento dos membros da família.
É fundamental discorrermos, portanto, sobre a formação do vínculo, do apego entre
o bebê e a família, aprofundando o significado do afeto para o contexto familiar.
Para Brazelton (1988), o apego a um feto se inicia muito antes do nascimento.
Há uma relação de interação entre ele e a mãe durante a gravidez, em que ele
responde a músicas, ruídos altos e até à ansiedade da mãe. E, à medida que o be
se move, dá à sua mãe o feedback que lhe diz como ele reage. A mãe depende dos
movimentos do filho e começa a sintonizar-se à freqüência e às respostas dele. É a
interação com o bebê. Atualmente percebe-se o crescimento da interação do pai na
gestação e sua participação maior na relação afetiva.
25
Diz Spitz (2000, p. 140):
O desenvolvimento da percepção afetiva e das trocas afetivas precede todas
as outras funções psíquicas; estas irão subseqüentemente desenvolver-se a
partir dos fundamentos fornecidos pela troca afetiva. Os afetos parecem
manter essa tendência durante o resto do desenvolvimento, pelo menos até o
final do primeiro ano de vida. Em minha opinião, eles a mantêm por muito
mais tempo ainda.
Bowlby (1998) acredita que as formas de comportamento de apego e os
laços afetivos decorrentes deste se perpetuam por toda a vida, não se limitando à
infância. Há, portanto, que se considerar, diante da importância das relações afetivas
para o desenvolvimento intrapsíquico e interpsíquico, como estas se desenvolvem
durante uma gestação marcada de incertezas no sistema familiar.
Diante do exposto, observamos que muitas são as angústias e os temores
presentes nos pensamentos de uma “família gestante de risco”. O termo é
empregado para reflexão, visto que não apenas a gestação é de risco, mas a família
sofre o risco de desintegração, como já foi colocado anteriormente; ou, se atravessar
bem esta fase, poderá ocorrer a intensificação dos laços afetivos. Porém, no caso de
uma criança prematura há grandes riscos de atraso no desenvolvimento, devido à
imaturidade do Sistema Nervoso Central (SNC), a ser explicado posteriormente, e
neste caso, a família precisa reorganizar-se para a etapa posterior ao nascimento.
Esta etapa se constituirá de busca de soluções para o estímulo ao desenvolvimento
global da criança, decorrente de ficits, tais como atrasos na linguagem, atraso
motor, perceptivo e cognitivo.
Assim, é fundamental a preparação da família que, muitas vezes, acha que
após o nascimento tudo estará tranqüilo, mas se depara com a frustração, quando
diante de uma criança com ritmo diferente, e marcadas suas diferenças pelo social.
É importante, portanto, falarmos sobre a prematuridade e suas conseqüências para
a criança e sua família.
26
2.2 A Prematuridade e suas conseqüências para o desenvolvimento
2.2.1 Contextualização
No Brasil, a cada ano, cerca de 11% dos recém-nascidos chegam ao mundo
prematuramente. Dentre estes, muitos morrem logo no início da vida, quando
conseguem sobreviver até o nascimento, devido à idade gestacional e ao baixo peso
no nascimento (BORDIN et al, 2001; MANCINI; CARVALHO; GONTIJO, 2002).
Quando estes bebês sobrevivem após o nascimento, apresentam atraso no
desenvolvimento. O índice elevado relacionado a doenças e à morte se deve, dentre
diversos fatores, à imaturidade dos sistemas respiratório, circulatório e nervoso,
dentre outros (CARVALHO et al, 2001; DOUNIS, 2000; FALCÃO, 1999; MARTINS
FILHO, 1996).
Existem diversas famílias cujos filhos apresentam atraso neuropsicomotor por
prematuridade. Também denominados, segundo Hernandez (1996), recém-nascidos
pré-termo, cuja idade gestacional está abaixo de 37 semanas. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o recém-nascido a termo tem a idade de
nascimento compreendida entre 37 e 42 semanas (BROCK, 1998).
A prematuridade, para Hernandez (1996), aparece, dentre os recém-nascidos
de alto risco, em índices mais elevados na prática quotidiana, com um somatório de
fatores de risco. Este é o grupo no qual se enquadra o bebê prematuro. O termo
recém-nascido de alto risco foi utilizado pela primeira vez em 1950, com o conceito
de Kopelman (apud HERNANDEZ, 1996, p. 46):
O termo recém-nascido de alto risco serve para designar aqueles que por
condições patológicas maternas ou da própria criança estão em risco de
morte ou sobrevivência com seqüela, devendo permanecer no berçário sob
rigoroso controle de enfermagem e de médicos especializados, num local
com aparelhagem apropriada para os cuidados necessários.
27
Diante de tal conceito, sendo inclusa a criança num grupo de risco, há de se
trabalhar a situação emocional familiar. Ao mesmo tempo em que elabora o luto pela
perda do nascimento perfeito, encontra-se numa encruzilhada: preparar-se para a
morte do bebê ou investir e acreditar em sua vitória, principalmente porque vislumbra
tal possibilidade ante os avanços tecnológicos.
Conforme Hernandez (1996), com o avanço da tecnologia médica e
hospitalar, recém-nascidos com 26 semanas de gestação sobrevivem e, desta
forma, precisam e já conseguem se desenvolver em berçários por um período de até
3 meses. Durante esse tempo seu sistema nervoso tem de se desenvolver sob
condições não fisiológicas, ou seja, na dependência de equipamentos externos, e,
assim, freqüentemente exposto a grandes riscos de agressões.
De acordo com Coriat e Jeruzalinsky (1997, p.66, grifo nosso):
O processo de maturação neurológica, ou seja, a conclusão das estruturas
anatomofisiológicas do sistema nervoso e sua capacidade funcional, está
intimamente ligado ao intercâmbio entre organismo e meio. Por isso a
importância de estudarmos a respeito das alterações maturacionais do
recém-nascido pré-termo.
Dentro do grupo da prematuridade, existe uma classificação relacionada à
idade gestacional: a prematuridade extrema corresponde a uma gestação inferior a
30 semanas; a prematuridade moderada a uma gestação de 31 a 34 semanas e a
prematuridade limítrofe a uma gestação de 35 a 36 semanas (LEONE; RAMOS;
VAZ, 2002).
Segundo Brock (1998), os fatores de risco para um parto prematuro estão
relacionados a problemas ambientais; iatrogenia; problemas da placenta; do útero;
estilo de vida da gestante, tais como estresse e fadiga física; tabagismo; concepções
não desejadas; toxicomania e alcoolismo; má nutrição, etc.; problemas relacionados
ao feto, tais como anomalia, infecções congênitas, dentre outros.
28
São inúmeros os fatores de risco para um nascimento prematuro. É
importante conhecermos as possibilidades, pois o fator causal poderá interferir no
comportamento familiar diante do evento estressor. Segundo Buscaglia (1993), a
culpa naturalmente é um dos sentimentos que acompanha a família diante do
nascimento de uma criança com necessidades especiais. Se este fato é associado a
uma causa relacionada à mãe ou ao contexto familiar, isto terá um peso bem maior
na reorganização familiar. De acordo com Brazelton (1988), a causa do nascimento
prematuro pode interferir na culpabilização dos pais e no desenvolvimento do
vínculo.
Quanto às dificuldades que enfrenta a criança prematura, segundo
Hernandez (1996), destacamos: alta sensibilidade à informação sensorial e a
incapacidade de evitar sua entrada, por falta de controle inibitório. Nesse caso, o
que está em questão não é a entrada dos estímulos, mas a reação do bebê. O que
se sobressai no contexto é um desequilíbrio no funcionamento de seus subsistemas
(autônomo, motor, organização de estados, atenção, interação e subsistema
regulador) ante às demandas internas e externas de desenvolvimento. E isto pode
forçar a consolidação distorcida de qualquer subsistema.
Para maior compreensão do desequilíbrio de funções que podem estar
comprometidas pelo nascimento prematuro, explanaremos o assunto de acordo com
Brasil (2002), Holloway (2000), Meyerhof (1997) e Silva (2002). O Subsistema
Autônomo compreende as funções neurovegetativas (funções vitais), tais como
respiração, ritmo cardíaco, cor da pele e sinais viscerais; o Subsistema Motor
compreende o tônus muscular, a postura e os movimentos voluntários e
involuntários; o Subsistema de Organização dos Estados Comportamentais
compreende as mudanças dos estados de consciência, desde o sono profundo ao
29
choro; o Subsistema de Atenção e Interação Social engloba a habilidade do neonato
permanecer no estado de alerta, usando este estado para apreender informações do
meio e responder a estímulos; e, finalmente o Subsistema Regulador compreende
as estratégias que o bebê utiliza para manter ou recuperar o equilíbrio estável e
modulado dos subsistemas em relação às mudanças do ambiente.
Dessa forma, percebemos que a prematuridade interfere significativamente no
desenvolvimento do neonato, pois o equilíbrio desses sistemas é fundamental para
sua relação com o mundo. Isso diz respeito à sua sobrevivência, pois é necessário o
bebê adaptar-se às dificuldades e necessidades fisiológicas, bem como se refere à
qualidade dessa interação com o mundo. Tudo isso irá determinar seu
desenvolvimento global, sua comunicação, seu desempenho funcional, a
constituição de seu modo de ser.
Holloway (2000) afirma que o RN se desenvolve dentro de um contexto social,
sendo capaz de se adaptar ao meio familiar e se auto-organizar em relação ao seu
estado motor, fisiológico e sistemas de interação. Porém, quando o mesmo se
encontra hospitalizado, apresenta habilidade limitada para se adaptar e se ajustar ao
ambiente extra-uterino e suas demandas físicas e sociais. Tal circunstância pode
levá-lo à instabilidade fisiológica, dificultando o ganho de peso, além de poder
repercutir no seu desenvolvimento neuromotor. Somando-se a isto, o ambiente da
UTI neonatal não é adequado para recebê-lo. De acordo com Tamez e Silva (1999),
Ferreira (1997) e Viotti (1995), o ambiente da UTI neonatal apresenta
superestimulação sensorial, além de repetidas avaliações e procedimentos de rotina
como manuseio, barulho, luminosidade intensa, posturas pouco adequadas ao bebê
e mudanças de temperatura. Estes, muitas vezes, acarretam interrupção do ciclo de
sono, dor e desconforto ao RN. São fatores que podem exacerbar a morbidade.
30
O nascimento prematuro é traumático para o bebê diante do choque entre o
ambiente extra-uterino, descrito antes, e o aconchego do útero materno, pois, além
de o ambiente uterino fornecer ao feto condições adequadas para atender às suas
necessidades fisiológicas básicas, os movimentos corporais do feto são facilitados
pelo ambiente líquido, pela falta de gravidade e pela contenção proporcionada pelo
útero. Ambiente este que permite aconchego, maciez e a percepção de estímulos
cutâneos, vestibulares e cinestésicos, relacionados à sensação do corpo. O útero é
freqüentemente escuro, e, recebendo luz, esta é bastante atenuada. Quanto aos
sons internos do ambiente uterino, estes são rítmicos, estruturados, padronizados e
produzidos pela mãe (BRASIL, 2002; GLASS, 1999; TAMEZ; SILVA, 1999).
De forma antecipa e ainda imaturo o bebê precisa separar-se da mãe para um
meio constituído de estímulos bem diferentes aos que até então estava adaptado. É,
então, de grande importância o contato do bebê com a mãe durante sua
hospitalização.
Conforme Maldonado (1997, p. 114 - 115):
A adaptação ao ambiente extra-uterino é gradual, uma vez consideradas as
diferenças: com o nascimento, instala-se o ciclo satisfação – insatisfação, e o
bebê passará a conhecer os efeitos da privação de oxigênio, da fome, das
oscilações de temperaturas e de várias estimulações luminosas, auditivas e
táteis. Nesse universo tão diferente, o contato epidérmico entre mãe e bebê é
especialmente relevante: é através dele que a criança se relaciona com o
mundo, abrindo-se para novas experiências. É esse contato corporal que
constitui a origem principal do bem-estar, segurança e afetividade, dando ao
bebê a capacidade de procurar novas experiências.
Dando continuidade à exposição das conseqüências do nascimento
prematuro, faz-se necessário discorrermos sobre alguns dos muitos problemas
conseqüentes à imaturidade dos órgãos do recém-nascido. É importante a
compreensão do atraso em seu desenvolvimento com o objetivo de conhecermos a
história de uma família com um bebê prematuro.
31
2.2.2 Imaturidade e suas conseqüências para a saúde do bebê prematuro
O recém-nascido pré-termo apresenta uma pele frágil que pode ser facilmente
lesada, com menor capacidade de regular a temperatura, armazenar gordura,
realizar equilíbrio de água e eletrólitos, bem como de realizar sua função como
barreira contra infecções. A este fator é somada a imaturidade do sistema
imunológico, aumentando a predisposição a infecções. Apresenta musculatura muito
pouco desenvolvida, abdômen pouco distendido e tórax frágil (BROCK, 1998;
MIYAKI, 2001; SEGRE, 1995; TAMEZ; SILVA, 1999).
O bebê apresenta dificuldade de manter a temperatura corporal e apresenta
refluxo gastroesofágico (passagem involuntária do conteúdo gástrico para o
esôfago) devido à imaturidade do esfíncter esofagiano inferior e à presença
prolongada de sonda (BRASIL, 2002; HERNANDEZ, 1996). Apresenta função
respiratória prejudicada, levando a doenças respiratórias, sendo esta uma das
principais intercorrências nesse grupo de crianças (BRASIL, 2002; BROCK, 1998).
De acordo com Brock (1998) e Segre (1995), as patologias freqüentemente
associadas são: icterícia; hemorragias intracranianas e pulmonares e asfixia
perinatal.
Brazelton (1994) fala que todos os padrões motores do lactente prematuro
são sensivelmente diminuídos. O neonato pré-termo caracteriza-se por apresentar
tono postural diminuído com a hipotonia, variando com a idade gestacional. Essa
hipotonia deve-se não somente à imaturidade neurológica, mas também muscular,
por conta da posição do RNPT no ambiente uterino, o que interfere no
desenvolvimento de funções motoras (HERNANDEZ, 1996; SWEENEY; SWANSON,
1995). Para Hernandez (1996) e Proença (1997), o bebê prematuro apresenta
32
dificuldades na motricidade oral, o que interfere no ganho de peso e no aumento do
risco de aspiração pela dificuldade na coordenação da sucção, deglutição e
respiração. Somente entre 34 e 37 semanas de idade gestacional, a sucção pode
estar globalmente coordenada com a respiração e a deglutição (OSOEGAWA, 1996;
SIMÃO et al, 2001).
Quanto aos sistemas sensoriais, começam a se desenvolver na vida intra-
uterina e passam a funcionar antes mesmo de atingirem a maturação completa.
Geralmente, eles se desenvolvem na seguinte ordem: tátil, vestibular, auditivo,
olfativo/gustativo e visual (BRASIL, 2002). Segundo Brasil (2002) e Glass (1999),
esses sistemas estão interrelacionados. Desta forma, uma adequada estimulação
num desses sistemas, induz o funcionamento dos outros de maturação mais tardia,
e, diante da dificuldade em lidar com os estímulos, só reagem a uma modalidade
sensorial de cada vez (BRAZELTON, 1994; HERNANDEZ, 1996).
Após o nascimento precoce, o estímulo tátil é profundamente alterado e o
bebê é submetido a correntes de ar, toque dos pais e da equipe, estresse do frio,
instrumentos e estímulos dolorosos. É importante relembrar que o bebê não
consegue reagir a estes (BRASIL, 2002; GLASS, 1999). Por receber poucos
estímulos vestibulares na UTI neonatal, o bebê, em associação à imaturidade do
sistema motor e à diminuição do tono muscular, combinado com os efeitos da
gravidade, tem reduzida a habilidade para produzir movimentos suaves e mudanças
posturais (HUNTER, 1996).
Lembrando que, como coloca Brazelton (1988), qualquer movimento do bebê
torna-se um grande evento para os pais que o aguardam ansiosamente, pois este é
um dos sinais que esperam para adquirir mais confiança quanto à sobrevivência do
bebê e, assim, investirem em sua relação com o mesmo.
33
Segundo Brasil (2002), respostas ao olfato como sucção, acordar e reação de
fuga podem ser observados entre 29 a 32 semanas de gestação. Porém, de acordo
com Milanez (1998 apud WERNER, 2002), observa-se, na UTI neonatal, que a
capacidade olfativa do bebê está danificada pelo uso de sondas, pelos odores dos
produtos de assepsia e pelas medicações. Como o sistema visual é o último a se
desenvolver, somente após o nascimento, esse sistema vai atingir a maturação
completa, com desenvolvimento considerável nos próximos seis meses, através de
sua interação com o meio. O RN é fotofóbico, sendo sua atenção visual facilitada por
baixa iluminação, o que tem sido incentivado no funcionamento da UTI neonatal
(BRASIL, 2002; GLASS, 1999).
É importante a explanação sobre o período em que normalmente ocorrem as
aquisições para que se possa relacionar tais dados aos casos a serem apresentados
posteriormente, momento em que será constatada a imaturidade das crianças no
nascimento diante da idade gestacional. Observamos também que algumas
aquisições, inclusive nos bebês a termo, ocorrerão através da interação com o meio.
Daí a importância dos cuidados com a ambientação da UTI neonatal e do contato do
bebê com a equipe e os pais.
Quanto à sensação de dor, o recém nascido pré-termo tem dificuldade na
inibição e atenuação da sensação dolorosa. Alguns neonatos pré-termo, quando
expostos à dor, podem apresentar hiperalgia (exacerbação da percepção dolorosa).
Suas repostas podem ser demonstradas por sinais comportamentais e fisiológicos,
como aumento da freqüência cardíaca e freqüência respiratória (BRASIL, 2002;
GUINSBURG, 2002). É importante estar atento ao fato de que, muitas vezes, como
estes bebês têm dificuldades de expressão, a ausência de resposta não implica em
ausência de dor.
34
Portanto, é fundamental que a equipe e a família estejam atentas ao bebê
para conhecer suas reações de desconforto e amenizar sempre os estímulos,
sabendo que estes podem incomodá-lo. Sabe-se que o toque é de grande
importância para o recém-nascido, porém, por conta desta dificuldade apresentada,
este bebê será privado dos benefícios decorrentes dessa ação. Esta falta pode
dificultar sua maturação neurológica e psíquica.
Para Montagu (1971 apud MALDONADO, 1997), a privação do contato
epidérmico resulta em distúrbios físicos e emocionais graves, pois a pele é o órgão
sensorial primário do bebê, e a experiência tátil é fundamental para seu
desenvolvimento. A síndrome de privação materna envolve graves privações táteis.
A pele das crianças privadas de afeto apresenta hipotonicidade e palidez intensa,
nem sempre devidas à redução da hemoglobina.
A manutenção do estado de alerta é importante para a interação com o meio
e desenvolvimento. Esse estado pode ser comprometido pela sonolência
característica do RNPT. Isto pode “irritar” o bebê, pois seu sono é muito interrompido
na UTI neonatal. Esta sonolência também dificulta o ganho de peso, fator de
extrema importância para o bebê nesta fase, bem como para a família que aguarda
ansiosa qualquer aumento de peso (BRASIL, 2002; MEYERHOF, 1997;
OSOEGAWA, 1996).
É importante a reflexão acerca da imagem corporal desta criança diante da
imaturidade do corpo para relacionar-se com o mundo. Sabemos que a imagem
corporal interfere significativamente no surgimento de habilidades e aquisições, pois,
através da apropriação deste corpo, a criança terá domínio sobre ele para usufruir
todo o seu potencial.
35
2.2.3 Atraso no desenvolvimento
O atraso no desenvolvimento inicial repercute nas fases seguintes de
desenvolvimento, pois estas são dependentes das fases anteriores. Segundo Cunha
(1994), no período de zero a dois anos, a criança adquire informações, basicamente
através dos órgãos dos sentidos, fornecendo respostas através de ações motoras. O
desenvolvimento de aquisições ocorre de forma interdependente. O fato de a criança
passar por todas essas alterações explanadas, vai acarretar um atraso no
desenvolvimento global.
O atraso no desenvolvimento da criança é uma preocupação na história da
prematuridade. O termo é utilizado em diversos momentos na dissertação dado o
valor de seu significado. Segundo Coriat e Jerusalinsky (1997), crescimento,
maturação e desenvolvimento referem-se a três perspectivas diferentes no processo
evolutivo da criança. O termo desenvolvimento, no entanto, vem a ser o mais
abrangente, pois remete às transformações globais que incluem o crescimento, a
maturação e os aspectos psicológicos, conduzindo a adaptações.
Segundo Magalhães et al (1999), há uma complexidade de fatores que
podem influenciar o desenvolvimento infantil. Quanto maior o número de fatores de
risco - dentre eles, grau de prematuridade (idade gestacional), baixo peso e
intercorrências clínicas -, mais a criança vai estar vulnerável a problemas no
desenvolvimento. Outros fatores também podem interferir negativamente no
desenvolvimento neuropsicomotor da criança prematura concernentes à relação da
criança com o mundo, como afastamento dos pais e estimulação excessiva no
período neonatal (MARTINS FILHO, 1996; MEYERHOF, 1997). Percebe-se, assim,
36
a importância do acompanhamento dos pais na fase de hospitalização do bebê
recém-nascido pré-termo.
As crianças que, após a saída do aconchego do útero materno, precisaram
ser “isoladas” em incubadoras, têm suas possibilidades de interação e estímulos
reduzidas, do ponto de vista afetivo. Esse fator também gera um atraso no
desenvolvimento, refletindo também, segundo Werner (2002), no desenvolvimento
das primeiras relações afetivas e sociais da criança por causa da separação precoce
entre pais e bebês. Compromete, de acordo com Jerusalinsky (2000), a constituição
do bebê, enquanto sujeito, pois os pais ficam deslocados do exercício dos primeiros
cuidados dirigidos ao neonato.
Hernandez (1996) ressalta que diversos estudos têm apontado a grande
incidência de seqüelas na população de recém-nascidos pré-termo, que incluem
dificuldades de aprendizagem, distúrbios de comportamento e dificuldades
neuromotoras. E isso faz com que, pela qualidade de vida dessas crianças, sejam
necessárias intervenções voltadas ao seu desenvolvimento cada vez mais precoces.
De acordo com Brazelton (1994), o ‘bebê prematuro tende a desenvolver-se
num ritmo mais lento, devido à dificuldade de organizar um sistema nervoso tão
frágil. São crianças que, por terem dificuldades de lidar com os estímulos, não se
envolvem no lúdico, na interação e apresentam dificuldades também no aprendizado
(PIERCE, 2000). O nascimento precoce é o fator de risco mais comum para
alterações no desenvolvimento infantil e a dificuldade de aprendizagem é apontada
como o problema de desenvolvimento mais encontrado nestas crianças (GLASS,
1999).
Vários estudos vêm documentando o aumento do número de casos de
distúrbios de aprendizagem, problemas emocionais e de comportamento,
37
dificuldades perceptuais, visomotoras e de linguagem, entre crianças pré-termo
(MAGALHÃES et al, 1999).
Diante desse quadro “frágil”, de possibilidades de intercorrências e de
“deficiências”, os pais parecem ter dificuldades para lidar com a criança no dia-a-dia.
De acordo com Werner (2002), eles sofrem um nível alto de ansiedade, desejando
saber se serão pais adequados.
De acordo com Brazelton (1994), o nascimento de uma criança prematura é
um choque para seus pais, pois há uma brusca interrupção no trabalho de gravidez
e preparativos para o parto, levando-os a enfrentar uma série de ajustes. A mãe se
sente, muitas vezes, impotente por não ter sido “capaz” de carregar a criança
consigo por mais tempo. Estes pais precisam reorganizar-se quanto à “perda” do
nascimento e desenvolvimento “perfeitos” e, inclusive, diante dos “prognósticos
incertos para estas crianças” que, de acordo com Pierce (2000), são comuns no
atraso quanto ao desenvolvimento. Esses fatores, somados a outros, podem
interferir nas relações familiares, e este contexto também irá interferir no
desenvolvimento da criança.
Muitas vezes a marca social repercute por muito tempo nas relações
familiares. Brazelton (1994) diz que os pais precisam de ajuda para conseguirem
concentrar-se nas aptidões que o bebê está sendo capaz de desenvolvê-las. Não
naquilo que ele poderia ter sido, além do fato de enfrentarem um bebê frágil pela
imaturidade dos seus órgãos vitais. Afora o desenvolvimento neuropsicomotor da
criança, os pais precisam estar atentos também a fatores relacionados à sua
sobrevivência. Portanto, um nascimento prematuro acarreta uma série de
complicações para o bebê e, extensivamente, para o contexto familiar.
38
2.2.4 Investimento familiar para a evolução da criança prematura
É fundamental o conhecimento da vivência dolorosa da criança prematura,
após seu nascimento, para compreendê-la. Mas os pais não devem ficar presos a
isso. O investimento no desenvolvimento deve vislumbrar as possibilidades.
Eu teria de me conscientizar de que não havia nada de que eu devesse me
envergonhar... Comecei a compreender que não é aquilo que você perdeu
que importa, mas o que ainda lhe resta (RUSSELL apud BUSCAGLIA, 1993,
p. 279).
Existem diversas terapias que objetivam o estímulo ao desenvolvimento da
criança prematura, cujo investimento é, grande parte, propiciado pela família.
Magalhães et al (1999) esclarecem que o programa de acompanhamento dessas
crianças deve prosseguir para além dos dois anos de idade. Isso se justifica, porque
o impacto da prematuridade se faz sentir, também, depois desta idade e muitos dos
problemas evidentes aos seis ou oito anos, podem ser evitados, ou pelo menos
minimizados, através da detecção precoce de distúrbios do desenvolvimento e de
uma intervenção individualizada. Segundo Wajnsztejn et al (1998), muitos distúrbios
continuarão a ser revelados durante as várias etapas do desenvolvimento
neuropsicomotor.
De acordo com Brazelton (1988), a adaptação do bebê aos estímulos
favorecerá sua transformação num ser social. A partir de novas experiências após
sua ida para casa, especialmente dos cuidados maternos e, gradualmente, o
desenvolvimento de seus limiares para os estímulos, o bebê terá condições de ver
um rosto, ouvir uma voz e ser pego no colo. Começa então, a partir da volta para
casa, a responsabilidade da família no processo de evolução da criança.
A respeito desta volta para casa, Buscaglia (1993) comenta que existem
atitudes dos pais para com os filhos que o isolam do convívio social e o impedem de
39
explorar e se relacionar com o mundo externo. O isolamento hospitalar ou, podemos
dizer, da incubadora, não é o único tipo de solidão que pode ser incapacitante. Os
pais, com intenção em geral de proteger, guardar dentro de um ambiente limitado e
seguro, às vezes, não proporcionam à criança oportunidades para o seu
crescimento. É preciso que os pais busquem recursos e orientações para inserir a
criança no meio social.
A chave para o processo de crescimento está na oportunidade que a família
oferece à criança de ter um lugar seguro para descobrirem a si mesmas e às
outras pessoas no seu mundo. Em essência, a família é o primeiro campo de
treinamento significativo para o recém-nascido (BUSCAGLIA, 1993, p. 82).
Este capítulo retratou as possíveis dificuldades da criança com atraso de
desenvolvimento por prematuridade, de certa forma apresentada com um modelo
clínico para possibilitar a compreensão do risco de vida e da fragilidade do bebê.
Retratou também como tal situação pode interferir na dinâmica familiar. Embora se
tenha falado sobre as “deficiências”, é preciso agora lançar um olhar sobre a janela
aberta às possibilidades que serão “permitidas” pela família.
Reflete Buscaglia (1993, p. 42 - 43):
É suficiente afirmar que uma criança deficiente é primeiro uma criança e
depois uma criança portadora de uma deficiência... Se lhes permitirem que
sejam crianças – que experimentem, aprendam, sintam e vivam como
crianças – continuarão a caminho de um crescimento e desenvolvimento
mais maduros.
Diante do exposto sobre as vivências da criança prematura recém-nascida e a
possibilidade de apresentar um desenvolvimento “diferente” dos padrões normais,
faz-se necessária uma compreensão de como isto se desenrola no contexto social e
de como a família lida com tal situação.
40
2.3 A possibilidade da deficiência e o contexto social
2.3.1 Diante do bebê real
Segundo Jourard (1971 apud BUSCAGLIA, 1993, p. 97):
O crescimento é a desintegração de uma forma de vivenciar o mundo,
seguida de uma reorganização dessa experiência, reorganização essa que
inclui uma nova descoberta do mundo. Essa desorganização, ou mesmo
fragmentação, de uma forma de vivenciar o mundo é provocada por novas
descobertas da condição mutável do mundo, as quais sempre foram
transmitidas, mas que em geral eram ignoradas.
O nascimento de uma criança com a possibilidade de “deficiência” é um
momento de crescimento para a família que se depara com mudanças e com a
necessidade de reorganizar-se. De acordo com Buscaglia (1993), estes pais não são
mais preparados para isso do que outros pais, eles precisam, sim, passar por um
processo de adaptação frente à nova situação e, no entanto, cobra-se deles, muitas
vezes, que sejam superseres humanos, e que, com pouca ou nenhuma orientação,
enfrentam de súbito sentimentos estranhos e confusos em relação a si mesmos e ao
filho.
Segundo Buscaglia (1993), a possibilidade da deficiência traz consigo o
confronto com uma realidade nova, inesperada, possivelmente devastadora. O
ajustamento a esta realidade pode exigir uma drástica mudança em seu modo de
vida, na profissão, nas esperanças para o futuro e nos planos para alcançar seus
objetivos.
Diante das conseqüências do nascimento prematuro, reportamo-nos à
dificuldade pela qual passam os pais ou a família na educação de uma criança com
Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM). Trata-se de abdicar do
antigo modo de vida por um novo com grandes desafios e incertezas. Enfrentar uma
41
tarefa árdua que requer tempo, atenção, dedicação e condição financeira para as
devidas providências relacionadas ao tratamento da criança objetivando a sua
evolução. São dados reais que trazem consigo, diretamente, os motivos pelos quais
a família passa por uma desorganização decorrente da exigência dos novos papéis.
Ocorrido o nascimento, há um momento intermediário marcado pelo luto do
bebê imaginário e a assimilação do bebê real (BRASIL, 2002; OSOEGAWA, 1996).
Os pais se encontram em uma situação que os coloca frente ao novo, inesperado,
não planejado. Eles idealizam o filho “perfeito”, e tal idealização ocorre desde que se
reconheceram enquanto participantes da sociedade. Algo que, portanto, não é
desconstruído de imediato e, mesmo que durante a gestação de risco já tenham
iniciado um trabalho de preparação, permanece a idealização. De acordo com
Buscaglia (1993), o nascimento de uma criança é motivo de alegria e festa, algo que
deve ser anunciado com orgulho, porém, o nascimento de um filho “deficiente” é
algo para ser comentado em sussurros por parecer algo impróprio, “errado”.
Pensando com Carter e McGoldrick (1995), o nascimento de uma criança
“deficiente”
1
funciona como um estressor que pode romper o processo do ciclo da
vida familiar. Um evento como este, imprevisível, pode, dependendo de outros
estresses coadjuvantes, fazer com que qualquer família pareça disfuncional ou até
criar um grande rompimento do sistema. Após, e concomitante a este sentimento de
frustração, faz-se necessária uma reorganização de papéis familiares, pois, a
criança com atraso no desenvolvimento necessita de cuidados especiais.
Ainda para Carter e McGoldrick (1995), os filhos não têm escolha quanto ao
nascer dentro de um sistema nem os pais podem optar pelas responsabilidades da
1
Embora o uso do termo deficiente seja inadequado, pois designa à pessoa com necessidades especiais um lugar
de “menos valia”, no que ressalta suas diferenças negativamente, esse termo será encontrado algumas vezes na
dissertação, conforme o uso dos autores referendados, que o utilizam conforme o significado da referência à
pessoa com necessidades especiais.
42
paternidade. Podem, sim, optar por negligenciar ou não tais responsabilidades. Tal
comportamento depende de diversos fatores, e, por isso, precisam ser analisados de
forma mais aprofundada.
É fundamental discutirmos o aspecto social, pois, de acordo com Dodge et al
(1994), as dimensões econômicas, culturais e políticas, e as relações estabelecidas
entre os indivíduos interferem sobre o desenvolvimento infantil, sobre o que ocorre
entre a criança e a família, sendo capaz de alterar o investimento dos pais em seu
filho.
Além de ser um evento imprevisível e frustrante para a família, a complicação
no nascimento da criança, dada a idealização que ocorre durante a gestação, pode
gerar atraso no desenvolvimento do novo membro, muitas vezes, com prognóstico
incerto quanto à gravidade, fatores esses que acarretam uma mudança significativa
na organização familiar. Algo que amedronta os pais é ver-se diante de uma criança
com necessidades especiais, num momento futuro. O contexto social contribui para
isso, pois de acordo com Santos (1996), nele predomina o narcisismo, em que cada
um se volta para si, revelando ao outro o que tem de melhor e mais perfeito. Birman
(2001) afirma que a sociedade sofreu modificações nas últimas décadas, e a
fragmentação da subjetividade ocupa lugar fundamental diante de uma configuração
decididamente estetizante.
Neste capítulo abordamos a construção da identidade de pais de uma criança
com necessidades especiais, discussão de grande importância para a compreensão
da dinâmica familiar. Sabe-se que tal construção recebe interferências da sociedade
e, portanto, tem como “modelo” pais de uma criança dita “normal” e desviar-se deste
modelo significa ser diferente e, assim, correr o risco de estar à margem.
Reciprocamente, a família por fazer parte da sociedade participa da construção da
43
identidade sócio-cultural. Pode, então, perpetuar ou não, o estigma relacionado à
diferença.
É necessária uma reflexão sobre os desdobramentos dos padrões
socioculturais no processo de subjetivação da família.
2.3.2 Repercussões da diferença no contexto familiar
A criança “diferente”, diante do quadro de ADNPM, bem como sua família,
são afetados pelo estigma da sociedade, pois,...
O que justamente caracteriza a subjetividade na cultura do narcisismo é a
impossibilidade de poder admirar o outro em sua diferença radical, já que não
consegue se descentrar de si mesma (BIRMAN, 2001, p. 25).
Esse é um erro possível onde cai a sociedade e a própria família da criança
com necessidades especiais ante a “sociedade do espetáculo”. Situação esta, que
irá interferir em seus processos de subjetivação e reforçar a visão da sociedade em
perceber a criança como inferior. Para Touraine (apud LINS, 2002), a questão da
“diferença” não deve se limitar à demanda ou à exigência de “integração” do outro
“minoritário” – o “deficiente”, mas, ao reconhecimento do outro e à possibilidade da
emergência do sujeito no outro, na alteridade, no “diverso”, no de “fora”, na
valorização de seu trabalho para tornar-se sujeito.
A situação familiar que detém um membro com necessidades especiais e
precisa “dar conta disso” parece ainda estar apresentando uma indefinição quanto
ao seu lugar no convívio com a sociedade. Este período de angústia para os pais e
de expectativas quanto ao desenvolvimento da criança é muito indefinido. Reflete
também a ansiedade de passar para o outro lado: o lado dos diferentes. Em nossa
sociedade, ainda há esta demarcação. Muitas vezes, o movimento social determina
44
os espaços (subjetivos e concretos) de circulação, estimulando a pessoa com
necessidades especiais a conviver com seus “iguais”. E quando muito se faz em
direção à inclusão social do “diferente”, o movimento ainda é de tentar trazê-lo para
o mundo dos “normais”, “escondendo” o que há de diferente, e não de adaptar o
mundo às diferenças, respeitando-as.
Segundo Silva (2000), isso reflete a tendência a tomar aquilo que somos
como sendo a norma pela qual descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos,
ou seja, a identidade como norma e, no máximo, o respeito e a tolerância para com
a diversidade e a diferença.
Conforme Rolnik (2002), a globalização da economia e os avanços
tecnológicos, especialmente a mídia eletrônica, aproximam universos de toda
espécie. Estes implicam na produção de kits de perfis-padrão de acordo com cada
órbita do mercado, para serem consumidos pelas subjetividades. A necessidade de
identificação da população diante destes perfis provoca uma desestabilização. Ou,
em contrapartida, a persistência da referência identitária, acenando um perigo de se
virar um nada, caso não se consiga produzir o perfil requerido para gravitar em torno
da órbita do mercado. Desta forma, questiona-se: como se reorganiza a família
diante da possibilidade de “estar à margem”?
Segundo Guattari e Rolnik (1986), as subjetividades são tomadas pela
sensação de ameaça de fracasso, despersonalização e desassossego. Assim ocorre
a produção da subjetividade pela cultura e, ainda, a subjetividade inconsciente.
Buscaglia (1993, p. 22) ratifica:
O modo como os indivíduos definem a beleza física ou a normalidade será
determinado em grande parte pelo que em suas culturas ensinaram-lhe sobre
perfeição e beleza. Assim, estão precondicionados a padrões de perfeição
física desde a infância, muito antes que possam decidir por si mesmos e criar
seus próprios padrões individuais.
45
Continuando o pensamento do autor, este refere que a atitude da sociedade
em relação à deficiência limita bem mais quem é acometido do que a própria
deficiência. O indivíduo sofre as conseqüências da definição dada pela sociedade à
deficiência, isto é, como uma incapacidade.
Segundo Bourdieu (2002), os fatores estruturais da sociedade estão
presentes nos fatores inscritos no seio do grupo familiar. Muitas vezes, a frustração
pelo nascimento da criança com necessidades especiais e o estigma da sociedade
deixam suas marcas por muito tempo na família, interferindo no investimento desta
quanto ao crescimento e à independência da criança. A família parece não acreditar
no possível resgate dos potenciais da criança, visto que, em alguns casos de atraso
no seu desenvolvimento, ela pode melhorar significativamente, mas pode não atingir
o padrão de “normalidade”, a excelência em suas habilidades.
Para ser “alguém”, ou seja, tornar-se sujeito, essa criança precisa obter um
lugar de participação na sociedade. Segundo Figueiredo (2002), assim é definida a
identidade social na atualidade. No período medieval a identidade social era
totalmente definida ou pré-definida pela cultura em função de eventos biográficos,
como o nascimento, a filiação e a idade, independentes do próprio indivíduo. Grande
ou pequeno, fraco ou poderoso o indivíduo era, em grande medida, o que a
comunidade definia. Atualmente ocorre a exclusão do indivíduo por não ter o
potencial adequado para a produção, fechando seus espaços e não permitindo a
participação do sujeito. A sociedade continua a definir os espaços de atuação.
Silva (2000) cita que o social e o simbólico referem-se a dois processos
diferentes. Cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das
identidades. É a marcação simbólica o meio pelo qual damos sentido a práticas e a
relações sociais definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por
46
meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são “vividas” nas
relações sociais. A construção da identidade é tanto simbólica quanto social, pois, é
justamente este conjunto: sistemas simbólicos de representação e exclusão social
que irão marcar a diferença, marcação responsável pela fabricação da identidade.
Podemos perceber a conexão entre a construção da identidade e da subjetividade e
o social, e assim, a importância de, ao lidar com a diferença, ampliarmos nossa
visão em busca de uma intervenção mais efetiva, contextualizando o indivíduo.
É possível constatar avanços (lentos e graduais) na maneira como a
sociedade encarou e manejou a questão da “deficiência”. De forma bastante
sintética, pode-se mapear o percurso dessa viagem, seguindo uma linha mais ou
menos clara: do extermínio à integração.
Amaral (1994) nos traz um pouco desse percurso. A deficiência na
antigüidade oscilou entre dois pólos bastante contraditórios: ou um sinal da presença
dos deuses ou dos demônios; ou algo da esfera do supra-humano ou do âmbito do
infra-humano. Assim, não visto como um ser humano, mas como superior ou inferior
– marcando sua diferença, ou melhor, o indivíduo era a própria diferença. Emergiu o
assistencialismo em que pessoas traziam a mentalidade marcada pela necessidade
de suportar a deficiência, dedicando sua vida à assistência desse segmento da
população, desde que as pessoas “deficientes” ficassem convenientemente
confinadas em instituições ou guetos. Portanto, excluídas, embora “protegidas”.
Ainda que essa fase intermediária não possa ainda ser considerada como
passado, o presente vê crescer e fortalecer-se a mentalidade mais compatível com a
ética moderna: integração e direitos iguais. A pessoa com necessidades especiais
começou a ser olhada e a olhar para si mesma como pessoa: nem herói nem vítima;
nem deus nem demônio; nem melhor nem pior; nem super-homem nem animal. A
47
reavaliação dos direitos humanos não foi suficiente para a inclusão social, mas
fundamental para a conquista gradual do respeito ao outro (AMARAL, 1994).
Amaral (1994) comenta que a segregação apóia-se no tripé: preconceito,
estereótipo e estigma. Existe uma dinâmica entre eles em que um é reforçado pelo
outro. Esses elementos têm um denominador: o desconhecimento que alimenta a
segregação. Mas, desalojando o desconhecimento, a ciência foi dando à sociedade
subsídios para quebrar esse desenho. Criou-se, então, um espaço para o advento
da política contrária à segregação: a integração.
Recursos humanos e materiais foram direcionados para o acolhimento do
diferente em seu seio, mas persistiu por muito tempo a idéia básica de que integrar
seria normalizar, ou seja, neutralizar ao máximo a diferença. A equação era: mais
perto do normal = mais integrado. Ou, inversamente: mais diferente = menos
integrado. Porém, a diferença existe e a discussão atual é: ter o direito de ser
diferente e nem por isto estar à margem. O sentido de entrar na corrente principal
perdeu esse significado original e passou a ser entendido, lastimavelmente, como
normalização que significa: o diferente ser enquadrado nas normas e não as normas
serem para todos. Entrar na corrente e não estar à margem é, basicamente, ter
direito de acesso ao maior número de experiências dentro do universo a que se
pertence sem ter que fazê-lo de uma forma pré-determinada (AMARAL, 1994).
Alguns autores, tais como Rolnik (2002) e Lins (2002), referem haver na
atualidade o movimento contrário: movimentos de “direito à diferença” citados
também por Birman (2001) como uma “Apologia da diferença”. Este é um outro
extremo onde se encontra a diferença. Ela continua sendo marcada, agora, numa
tentativa de compensação, tirando dela os benefícios possíveis.
48
Alguns modelos relacionados ao estigma são colocados por Goffman (1982).
Ele os relaciona ao período da vida do indivíduo e exposição ao social, interferindo
na socialização e identidade. Um deles envolve os que possuem um estigma
congênito. Estes já são socializados dentro de sua situação de “desvantagem”. Seu
desenvolvimento biopsicossocial é extremamente dependente do suporte dos
próximos. Estes podem favorecer independência e autonomia, lançando-o na
sociedade e dando o suporte necessário ou numa situação diferente se constituir
numa cápsula protetora para seu jovem membro. Dentro desta, uma criança
estigmatizada desde o seu nascimento pode ser cuidadosamente protegida pelo
controle de informação. Dessa forma, a criança é privada dos estímulos necessários
à evolução em conseqüência do estigma social.
Para Buscaglia (1993), à medida que derrubarem preconceitos, novas
alternativas surgirão. Isso ocorrerá também com outras pessoas ao redor da criança,
pois, enquanto se envolvem e experimentam, verão seu mundo expandir-se.
2.3.3 Frente às dificuldades
Segundo Telford e Sawrey (1978), o problema básico com que as famílias de
crianças com necessidades especiais se defrontam é, essencialmente, o de todas as
famílias – como enfrentar os problemas da vida de uma forma que estimule, em vez
de dificultar, o crescimento e desenvolvimento dos membros da família. Os
ajustamentos da família de uma criança especial tanto podem limitar e destorcer,
como encorajar e facilitar a potencialidade de desenvolvimento da criança.
Continuando o pensamento a respeito do sistema familiar, em conformidade
com a teoria sistêmica (BERTALANFFY, 1993), na família tudo o que acontece a um
49
membro afeta os subsistemas de que ele faz parte; e tudo o que afetar o subsistema
se reflete como um todo. Inversamente, qualquer acontecimento na família terá
repercussões nos subsistemas e no indivíduo. “O que a criança é individualmente e
o que ela faz afetam todos os membros da família; o comportamento destes, por seu
turno, afeta a criança” (TELFORD; SAWREY, 1978, p. 130).
Da mesma forma, há uma relação entre o sistema familiar e o meio exterior.
Assim como este interfere no olhar da família quanto à criança, também o faz quanto
ao desenvolvimento do infante, positiva ou negativamente. A resposta da criança ao
meio exterior e à família, por sua vez, poderá mobilizá-los a mudar ou dar
continuidade à conduta até então estabelecida.
As famílias, como a maioria dos grupos sociais, desenvolvem padrões
internos de alinhamento e de relações. Porque a mãe tem sido, historicamente, a
figura central da família, é tipicamente considerada o foco dos mais significativos
alinhamentos familiares. Porém, diante de vários estudos, em que se constatou a
importância do clima emocional na família para o desenvolvimento da criança, a
atenção transferiu-se da relação mãe-criança para a família inteira, não se deixando,
no entanto, o estudo dessa relação, que é fundamental para o equilíbrio da
afetividade. Verifica-se, então, uma visão mais voltada para o sistema como um todo
(TELFORD; SAWREY, 1978; BUSCAGLIA, 1993).
Ainda para estes autores, os sentimentos dos pais em relação ao filho que
apresenta um atraso no desenvolvimento, vão depender de até que ponto a
deficiência é visível ou irremediável. Surgem reações comuns à frustração e
conflitos, tais como: encarar o problema de modo realista; negação da realidade;
lamentações e comiseração dos pais com a sua própria sorte; ambivalência em
relação à criança ou sua própria rejeição; projeção; sentimentos de culpa, vergonha
50
e depressão e padrões de mútua dependência. Muitos pais de crianças com ADNPM
não só experimentaram sentimentos de culpa e vergonha, todavia se sentem
culpados e envergonhados por experimentá-los. Essa culpa é uma fonte secundária
de perturbação emocional para os pais que já suportam uma sobrecarga emocional.
Muitos, quando aceitam o diagnóstico, negam suas implicações prognósticas e,
muitas vezes, atribuem o problema à incompetência de médicos e terapeutas.
Como já considerado, a diferença apresentada pela criança com ADNPM por
prematuridade interfere na psique familiar e assim se reverte para sua própria
educação. Algumas famílias conseguem enfrentar de modo salutar e construtivo os
problemas decorrentes dessa situação, porém isso não ocorre em todas as famílias.
Segundo Bertalanffy (1993), este é um dos princípios da teoria sistêmica – a
eqüifinalidade, isto é, um mesmo trauma pode gerar resultados diversos, assim
como diversos traumas podem resultar numa determinada mudança na dinâmica
familiar.
Os sentimentos ambivalentes são muito comuns ... Na visão de Telford,
Sawrey (1978) e Buscaglia (1993), podem gerar reações de culpa que, por sua vez,
resultam freqüentemente em superproteção, excessiva solicitude e uma vida
parental de martírio, espécie de compensação pelos sentimentos dos quais a
pessoa se envergonha. As ambivalências parentais estão, amiúde, envolvidas no
tratamento do filho, pois, é difícil trilhar o caminho entre: impedir os cuidados e a
assistência realmente necessária para estimular a independência da criança e o
cuidar demais, fomentando a impotência e dependência da criança. Na tentativa de
encontrar esse caminho, muitos pais são mais exigentes e menos tolerantes pelas
desculpas do filho com ADNPM, do que no caso dos dito “normais”.
51
As mudanças ocorridas na dinâmica familiar, frente aos cuidados especiais
necessários à criança, são de importância significativa, pois, requerem uma série de
readaptações, de adequação ao novo estilo de vida.
Segundo Shakespeare (1977) e Buscaglia (1993), um fator importante é o
ingresso da criança na escola, a escolha da família pela escola, pelas terapias, pelos
lugares a freqüentar. Para isso é preciso tempo, investimento de altos custos, bem
como é necessário que a família introjete essa rotina. Eles comentam também que
os pais precisam aprender a lidar com as frustrações pelo atraso ou até mesmo pela
ausência de aquisições em relação ao desenvolvimento normal; também devem
reconhecer a importância de valorizar os indícios de progresso da criança.
No trato de uma criança com ADNPM, há também a preocupação quanto à
estimulação adequada que envolve passeios, atividades da vida prática e
assistência no seu cotidiano, orientada por profissionais da área. Não bastando o
“fazer por”, mas o “fazer com” a criança e estimulá-la a participar efetivamente de
suas atividades do dia-a-dia, a criar possibilidades, a cuidar-se; isto é, a assumir o
seu projeto de existência.
2.3.4 A participação da família como possibilidade para a criança
Para a criança tornar-se alguém, a participação da família é fundamental. De
acordo com Rojas e Sternbach (1994), o discurso familiar contém os enunciados
identificatórios que situam a criança no mundo. A família hierarquiza certos aspectos
em sua transmissão, regulando assim a oferta do exterior que chegará ao pequeno
ser que requer entrelaçar-se na trama familiar e sociocultural para constituir-se
humano.
52
Tornar-se alguém é tornar-se sujeito de si, capaz de desenvolver suas
próprias escolhas e não se sujeitar ao outro. Mas, para que isto ocorra, é
fundamental que a criança seja inserida no meio social pela família, que deve
prepará-la para este acontecimento. No caso da criança com necessidades
especiais, mais do que nunca isso é necessário, pois, ela será dependente da
família por um período bem maior e por necessidades maiores, relacionadas não
apenas ao aspecto emocional, mas ao físico e cognitivo. Faz-se necessário,
portanto, o suporte social no que se refere às orientações de profissionais da área
do desenvolvimento infantil, sem desprezar o suporte à família, estimulando-a no
processo de independência e inserção social da criança.
Segundo Heidegger (apud MICHELAZZO, 1999), o ser-no-mundo não é
simplesmente uma descrição dos seus afazeres cotidianos, soltos, dispersos,
desligados de qualquer forma de organização, mas, ao contrário, “é uma estrutura
contínua e total”. As atividades que realiza, em geral, são dotadas do contexto em
que o indivíduo está inserido. O indivíduo é um feixe de possibilidades, “é” apenas,
enquanto se acha prometido ao seu “poder ser”, isto é, vinculado ao “projeto de ser”.
Inicialmente a criança é objeto de desejo dos pais, apenas; porém, estes participam
efetivamente deste processo de mudança: de objeto a sujeito.
Para Winnicott (apud FIGUEIREDO, 1996), a mãe suficientemente boa
propicia ao bebê os cuidados de sustentação e de proteção indispensáveis para que
ele subsista fisicamente e se constitua psiquicamente; mas, ela favorece também, na
medida do incremento das capacidades do infante, uma sucessão de
desadaptações, ou seja, a mãe suficientemente boa, falha e, numa certa medida, ela
deixa a desejar para dar à criança, em desenvolvimento, o espaço para crescer,
adquirir autonomia e para que o outro se faça sujeito de si.
53
De acordo com Buscaglia (1993, p. 34):
O tipo de vida e futuro que as crianças portadoras de necessidades especiais
terão quando crescerem dependerá em grande parte delas mesmas, mas
sofrerá também a influência da sensibilidade, das atitudes, do conhecimento
e da personalidade em geral dos pais e familiares.
Buscaglia (1993) comenta, em relação às conseqüências do comportamento
dos pais para o desenvolvimento da criança, que é vital que eles sejam
conscientizados da importância dos primeiros meses de vida e dos problemas e
ansiedades que podem criar. Devem ser informados de sua responsabilidade, dos
efeitos profundos e duradouros de suas ações na formação do filho. Porém,
segundo esse autor, essa ajuda nos períodos cruciais do nascimento e da infância
quase não existe, sendo, no entanto, esta a fase mais delicada, pois os pais serão a
chave para ajudar o filho a desenvolver a confiança básica; a falta desta
permanecerá com ele pelo resto da vida.
Winnicott (1997) diz que é fundamental a unidade da família para o indivíduo
iniciar-se na vida social. A maturidade emocional do indivíduo só pode ser atingida
num contexto em que a família proporcione um caminho de transição entre o
cuidado dos pais (ou da mãe) e a vida social, sendo esta, em muitos aspectos, uma
extensão das funções da família.
“Um dos papéis da criança é ser membro de família” (BURKE; SCHAAF,
2000, p.67). Ser membro significa ser parte indispensável para o perfeito
funcionamento do conjunto. A concepção de membro sugere-nos interdependência e
cooperação em prol de um mesmo objetivo, uma mesma visão. Isto é, a criança
deve ter participação efetiva no grupo familiar que deve favorecer esse contato. De
acordo com os referidos autores, a família funciona como força primária no
desenvolvimento de uma criança.
54
É nesta relação eu-outro, introduzida pela família, que irá se constituir a
identidade, isto é, a partir do outro, da diferença. Portanto, a constituição da
identidade está relacionada aos grupos de pertencimento. Afirma Rouchy (2001, p.
130):
Do seu nascimento até a morte, o homem vive em grupos familiares,
escolares, profissionais, de amigos. Essa dimensão do ser é essencial para a
estruturação da psique e da identidade que é, ao mesmo tempo, singular e
social. É impensável falar de nossa identidade sem apoiá-la sobre um dos
múltiplos grupos aos quais pertencemos. A referência será diferente,
segundo o momento e o lugar, marcando, dessa forma, a singularidade e a
pluralidade de nossas identidades; o indivíduo não apenas encontra-se em
um grupo, em referência a outros grupos, mas esses grupos eso
internalizados no indivíduo. Em um sistema organizado, o “eu” existe em
relação ao outro e em relação a si mesmo, ocupando um lugar numa rede
grupal.
Assim, compreendemos a importância do convívio social da criança com
ADNPM por prematuridade, de ser inserida em grupos de pertencimento. É preciso
criar as oportunidades para que ela amplie seu campo de relações interpessoais e
passe a pertencer a outros grupos, além do familiar. Desde o nascimento da criança,
é importante que a família seja orientada pela equipe de saúde quanto aos
tratamentos importantes para seu desenvolvimento neuropsicomotor. As terapias
objetivam favorecer o desenvolvimento de aquisições e devem ser indicadas de
acordo com as necessidades e possibilidades da criança, ou seja, devem ocorrer
num ritmo apropriado para não sobrecarregá-la de estímulos. Algumas dessas
intervenções visam ao desenvolvimento socioafetivo da criança voltadas à
importância da inserção social; bem como são oportunidades para o
estabelecimento de relações interpessoais, criando, desta forma, um espaço para a
formação de grupos de pertencimento. A equoterapia, abordagem terapêutica que
utiliza o cavalo como mediador, pode ser assim percebida, como um espaço propício
para a construção de vínculos afetivos.
55
3 A EQUOTERAPIA E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
3.1 Definição e história
A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo
sob uma abordagem interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e
equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas
portadoras de deficiência e/ ou de necessidades especiais
(ANDE, 1999).
Equoterapia é o termo utilizado no Brasil, criado pela Associação Nacional de
Equoterapia (ANDE), em sua fundação, no ano de 1989, em Brasília. Desde então
foi iniciado este trabalho, após uma série de estudos e reflexões desenvolvidos a
partir dos contatos da associação com centros de equoterapia de outros países
(CIRILLO, 1998). Outros termos são utilizados no exterior como, por exemplo, nos
Estados Unidos, “Developmental Riding Therapy” (SPINK, 1993).
Essa abordagem terapêutica vem crescendo em nosso país, embora o uso do
cavalo não seja uma descoberta recente como parece. O pai da medicina ocidental,
o grego Hipócrates de Loo (458-370 a. C), no seu livro “Das Dietas”, já aconselhava
a prática eqüestre para o tratamento da insônia; regenerar a saúde e preservar o
corpo humano de doenças; bem como indicava a prática eqüestre ao ar livre para a
melhora do tônus (MARINS, 1996).
Abandonada por muitos anos, tal prática terapêutica foi retomada pelo médico
Merkurialis (1569) em sua obra “De arte gymnastica”. Merkurialis menciona uma
observação feita por Galeno: a equitação não detém a posição secundária entre os
exercícios e ginástica, pois, além de exercitar o corpo, exercita também os sentidos
(FREIRE, 1999).
Na Itália, Giuseppe Benvenuti, médico das termas dos Banhos de Lucca,
interessou-se pelo assunto e, em 1772, dedicou a Sigismundo Chigi, príncipe de
56
Farneta, com os votos de “restabelecimento da saúde com esta prática”, a obra
“Reflexões acerca dos efeitos do movimento a cavalo”. Esta relata que a equitação,
além de manter o corpo e de promover diferentes funções orgânicas, causa uma
ativa função terapêutica (LERMONTOV, 2004).
Gustavo Zander, sueco, fisiatra e mecanoterapeuta, em 1890, foi o primeiro a
afirmar que as vibrações transmitidas ao cérebro, através de 180 oscilações por
minuto, estimulam o sistema nervoso simpático. Isso ele comprovou, mas sem
associar ao animal. Em 1984, quase cem anos depois, o médico e professor Dr.
Rjeder, chefe da unidade neurológica da Universidade Martin Luther, da Alemanha,
mediu as vibrações sobre o dorso do cavalo ao passo, e constatou que
correspondiam exatamente aos valores que Zander havia recomendado. Antes disto,
em 1917, o Hospital Universitário de Oxford fundou o primeiro grupo de equoterapia
para atender o grande número de feridos da Primeira Guerra Mundial, com a idéia
fundamental de lazer e de quebra de monotonia de tratamento (LERMONTOV,
2004).
Percebe-se que, apesar de a indicação terapêutica com o eqüino ser discutida
desde épocas tão distantes, mais recentemente foi retomado o seu uso como
instrumento cinesioterapêutico na reeducação das seqüelas associadas a
necessidades especiais. Na França, onde o amor pelos cavalos é muito difundido,
nota-se rapidamente como essa reeducação é uma possibilidade para o indivíduo
recuperar-se e valorizar as próprias potencialidades. Em 1965, ainda na França, a
equoterapia torna-se uma matéria didática. Em 1969, teve lugar o primeiro trabalho
científico de reeducação eqüestre num Centro Hospitalar Universitário em Paris. Em
1972, foi feita a primeira tese de doutorado em medicina, em reeducação eqüestre,
na Universidade de Paris (LERMONTOV, 2004).
57
Em 1990, ocorreu na ANDE a primeira sessão de equoterapia com pacientes,
com o apoio de profissionais do Hospital do Aparelho Locomotor – SARAH
(LERMONTOV, 2004).
Segundo Malta (2003), em 1996, foi criado o primeiro Centro de Equoterapia
no Estado de Pernambuco.
De acordo com Dias e Medeiros (2002) e Lermontov (2004), a equoterapia foi
reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 1997, como Método
Terapêutico de Reabilitação Motora, pelo parecer nº 06 / 97.
3.2 A respeito do animal
De acordo com Lermontov (2004), o cavalo é um mamífero, herbívoro, não
agressivo. A locomoção dele, como já citado, é similar à do ser humano, embora
seja quadrúpede. Por viver em manada, sente segurança e permite relacionamento
afetivo. Apresenta o sistema límbico bem desenvolvido e permite o aprendizado e a
comunicação que ocorre mediante sons e linguagem corporal.
Segundo Hontang (1988 apud FREIRE, 1999), o animal é preciso nas
sensações táteis e, através delas o homem consegue submetê-lo à sua vontade.
Portanto, quando acariciado por alguém, pode senti-lo. Os pêlos táteis da
extremidade do nariz são usados para reconhecer objetos. Quanto à percepção dos
objetos paladar e olfato se complementam, bem como audição e visão. Tem a
memória muito desenvolvida e reflete o temperamento da pessoa que lida com ele.
Em muitos momentos, na equoterapia, o cavalo pode assustar-se com
movimentos bruscos como no jogo de bola, por exemplo, e por isto o equitador
precisa adaptá-lo aos materiais utilizados, fazendo-o através do contato com os
58
pêlos do nariz, segundo relato da equipe de equoterapia durante observações
realizadas na pesquisa.
Conforme Lermontov (2004), esse quadrúpede tem seu sistema nervoso e
acuidade dos sentidos bem desenvolvidos, superior à do homem, o que permite
rápida coordenação sensório-motora. A sua conduta, portanto, é modificada pelas
sensações e também por processos de memória, associação de idéias e de um
raciocínio sumário. Segundo Hontang (1988 apud FREIRE, 1999), a sua inteligência
permite-lhe ser educado e se adaptar aos diversos usos a que o homem lhe destina.
Submete-se muito naturalmente aos comandos e através do desenvolvimento da
sua memória, o homem consegue criar uma linguagem convencional inteligível para
o animal.
O cavalo ideal para equoterapia, de acordo com Dias e Medeiros (2002), é: 1)
dócil e de fácil manejo; 2) com aprumos simétricos, isto é, sem alterações
estruturais, pois estas interferem na estimulação que chega ao paciente; 3) macho,
castrado por não sofrer mais influências hormonais ou se for fêmea, deve-se
observar suas oscilações emocionais na fase de cio; 4) altura não ultrapassando 1,
50 m (um metro e cinqüenta centímetros), nem tão baixo, pois o que possui passos
curtos em excesso não beneficiará o praticante. Como podemos perceber, nem todo
cavalo pode ser benéfico para a equoterapia. A seleção do animal para cada
praticante dependerá das características físicas e emocionais deste.
3.3 Indicações e contra-indicações
Em geral, para chegar a um centro de equoterapia o paciente é encaminhado
por diversos profissionais ou muitas vezes procura o serviço espontaneamente.
59
Porém, de acordo com a equipe de equoterapia, para iniciar o tratamento o paciente
precisa apresentar laudo médico e exames diversos para que comprovem se está
apto a tal procedimento. Apesar de inúmeras indicações, há contra-indicações e, se
não analisadas, poderão prejudicar o indivíduo. De acordo com Dias e Medeiros
(2002), são elas:
Indicações:
o
Paralisia cerebral;
o Déficits sensoriais;
o
Atraso maturativo;
o
Síndromes neurológicas;
o
Acidente Vascular Cerebral;
o Traumatismo cranioencefálico;
o
Seqüelas de processos inflamatórios do sistema nervoso central (meningo-
encefalite e encefalite);
o
Lesão raquimedular;
o
Autismo;
o Hiperatividade;
o
Deficiência mental;
o
Dificuldades de aprendizagem;
o
Alterações do comportamento;
o
Psicoses infantis; dentre outros.
Contra-indicações:
Relativas:
o
Alergia ao pêlo do cavalo;
60
o
Hiperlordose;
o Subluxação de quadril;
o
Hipertensão não controlada;
o
Medo excessivo, após tentativas de aproximação com insucesso;
o
Atividade reflexa intensa.
Absolutas:
o
Instabilidade atlantoaxial em crianças com síndrome de Down;
o
Escoliose estrutural acima de 40 graus, por acentuar o grau de deformidade
com a movimentação do cavalo;
o
Osteoporose e osteogênese imperfeita, pelo risco de microfraturas;
o
Hemofilia pelos microtraumas vasculares;
o
Hérnia de disco pela compressão discal (em discussão);
o
Cardiopatia grave.
3.4 O processo terapêutico: bases e fundamentos
Antes de explanarmos o porquê do uso terapêutico do cavalo é importante
trazer ao conhecimento as etapas de tratamento. Ressaltamos que, segundo a
equipe de equoterapia, não obrigatoriamente o praticante passará por todas essas
fases, pois, isto varia de acordo com condições físicas, cognitivas e emocionais, de
acordo com o desempenho funcional, vivências anteriores, adaptação à equoterapia,
etc. De acordo com Dias e Medeiros (2002):
A primeira fase é denominada de hipoterapia. Quando o praticante (como é
chamado o paciente na equoterapia) não tem condições físicas e/ou cognitivas e/ou
61
emocionais de montar sozinho, faz-se necessário realizar montaria dupla, isto é, na
companhia do terapeuta.
A segunda fase é denominada educação/ reeducação eqüestre. O praticante
possui condições de executar alguma atuação sobre o cavalo e conduzi-lo,
dependendo em menor grau do auxiliar-guia (pessoa que conduz o animal no solo).
A terceira fase é denominada pré-esportiva. Quando o praticante possui total
domínio sobre o animal, porém, sendo ainda necessário o acompanhamento lateral
de terapeutas. (ver anexo F – fotografia 4)
A quarta fase é denominada esportiva e traduz-se como o momento da alta,
sendo o paciente inserido na escola de equitação.
Segundo observações realizadas na pesquisa, em geral, o cavalo é guiado
pelo auxiliar-guia e acompanhado lateralmente por dois terapeutas, quando não
necessita de acompanhamento na montaria; ou, se necessitar, tem também
acompanhamento lateral de um ou dois terapeutas.
Para que se conheçam os benefícios relacionadas à andadura do cavalo,
precisamos compreendê-la. De acordo com Dias e Medeiros (2002), ele possui três
andaduras naturais: passo, trote e galope. O trote e o galope são andaduras
saltadas, isto é, entre um lance e outro, seja no trote (um tempo de suspensão) ou
galope (dois tempos de suspensão), o animal não toca com seus membros no solo.
Por conta disso seu esforço é maior, seus movimentos mais rápidos e bruscos,
exigindo do cavaleiro mais força para acompanhá-lo nos movimentos. Em geral,
essas andaduras são indicadas em fases mais avançadas. O trote, na fase pré-
esportiva, esportiva ou num momento da sessão para trabalho de equilíbrio e
retificação postural. O galope, em fase esportiva.
62
O passo, sua andadura natural, se caracteriza por ser ritmada, cadenciada e
em quatro tempos, ou seja, ouvem-se quatro batidas distintas, nítidas e
compassadas que correspondem ao pousar do animal. É a andadura mais freqüente
por conta da riqueza dos movimentos tridimensionais (DIAS; MEDEIROS, 2002).
De acordo com Spink (1993), o movimento causado pelo passo se assemelha
ao da marcha humana, pois o dorso do cavalo realiza um movimento tridimensional:
para frente e para trás; para um lado e para outro; para cima e para baixo. Isto
requer do praticante, reações de equilíbrio e de retificação postural para que possa
se manter sobre ele (ver anexo G -figuras). Esse movimento é transmitido ao
cérebro do praticante pelas inúmeras terminações nervosas aferentes. O cérebro,
por sua vez, manda informações ao corpo para que novos ajustes motores sejam
realizados, através do comportamento adaptativo. Este é resultante também dos
estímulos sensoriais da equoterapia.
Segundo Lallery (1992), em 30 minutos, a ação helicoidal do dorso do cavalo,
no passo, promove 1800 a 2250 ajustes tônicos no praticante. Para Dias e Medeiros
(2003), essa grande quantidade de ajustes tônicos resulta em melhora do equilíbrio,
do tônus, do alinhamento corporal, favorece o desempenho funcional e uma maior
consciência corporal, dentre outros benefícios.
Além dos movimentos durante a marcha, ainda que parado, um eqüino
raramente está totalmente imóvel. Ele troca a pata de apoio, desloca a cabeça para
olhar à direita ou à esquerda, abaixa e alonga o pescoço, etc. Todas essas
modificações de atitude impõem ao cavaleiro um ajuste no seu comportamento
muscular, a fim de responder aos desequilíbrios provocados por esses movimentos
(LALLERY, 1992).
63
Ainda em relação à semelhança entre a marcha do cavalo e a do homem, os
ciclos de movimentos são análogos. Subdividem-se em 4 fases: levantar, que
corresponde ao membro que se ergue, desligando-se do solo; suster, momento da
oscilação; pôr, quando retorna o contato com o solo; e, por fim, apoiar, quando se
firma. Podem ser resumidas em apoio e suspensão (DIAS; MEDEIROS, 2002).
De acordo com Dias e Medeiros (2002), é importante saber que, além da
escolha do tipo de andadura para a sessão de equoterapia, é preciso estar atento à
freqüência do passo, relacionada ao seu comprimento e velocidade.
Tipos de freqüência da andadura do cavalo:
o
Transpistar: apresenta um comprimento de passo longo cuja pegada
ultrapassa a marca da anterior (freqüência baixa);
o
Sobrepistar: possui uma freqüência média, na qual sua pegada coincide com
a marca da anterior;
o
Antepistar: apresenta um comprimento de passo curto cuja pegada antecede
a marca da anterior (freqüência alta).
Dessa forma, o que antepista, apresenta uma marcha mais saltitante por
conta dos curtos passos. E aquele que transpista proporcionará maior rotação da
bacia pélvica, dando mais qualidade aos movimentos tridimensionais e, assim,
exigindo maior retificação postural do praticante.
Diante do exposto, observamos a importância da escolha do cavalo,
adequado para cada caso, pois tais diferenças implicam em diferentes reações do
tônus muscular e emocionais, no tocante ao ritmo do movimento e à segurança.
64
São inúmeros os estímulos relacionados ao cavalo e seu ambiente. De
acordo com Dias e Medeiros (2002) e Queiroz (2003), além dos estímulos
relacionados à postura e movimentos, existem diversos estímulos sensoriais:
Estímulos visuais - As informações através da visão são de grande
importância. A percepção de figura-fundo é bastante explorada. O campo de visão
torna-se mais amplo e, desta forma, o praticante não vê o espaço e os objetos da
mesma forma que o pedestre. Seu olhar vai mais longe e, sobretudo, ele domina,
situação nova, bastante explorada, para quem tem por “norma” submeter-se, como é
o caso da pessoa com necessidades especiais. O porte do cavalo possibilita a
qualquer praticante ter uma visão geral do ambiente, o que o faz sentir-se numa
posição superior.
Estímulos auditivos - Os diversos sons que atingem o ouvido do praticante
provêm dos passos do cavalo, do relinchar, do “estribuchar” e dos sons emitidos por
outros animais encontrados no exterior do picadeiro, como canto dos pássaros;
também escuta a voz dos terapeutas e de outros praticantes. Os movimentos
alternados estimulam o sistema vestibular, favorecendo o desenvolvimento da
capacidade de orientar-se no espaço e fazer movimentos exploratórios adaptativos
de cabeça, membros e olhos.
Estímulos gustativos e olfativos - Mesmo sendo pouco encontrados no
ambiente, há oportunidades para abordá-los, especialmente no exterior do picadeiro,
onde podem ser encontrados flores, frutos e diferentes odores.
De acordo com Lallery (1992), as informações exteroceptivas cutâneas são
de origens diversas. As nádegas do praticante, em contato com a sela ou sobre o
dorso do cavalo, passam um grande número dessas informações; também a face
interna das coxas e as panturrilhas, quando estas estão em contato com os flancos
65
do animal. As mãos, no contato com as rédeas, trazem um continente de
informações que são fornecidas pelas diferentes texturas na pelagem do animal ou
através de materiais diversificados utilizados neste trabalho.
As informações interoceptivas, apesar de serem menos fáceis de perceber,
estão presentes e algumas são de importância capital. Elas são freqüentemente
consideradas exclusivamente sob o aspecto corporal. Essas informações são
conhecidas entre nós no que diz respeito às de origem somática, pelas observações
efetuadas pelos paraplégicos que registram os desníveis do solo por intermédio de
suas vísceras e de seu esqueleto (LALLERY,1992).
Além dessas informações, há as proprioceptivas e cinestésicas, sensações de
posição do corpo e de movimento que se referem àquelas das regiões articulares,
musculares, periarticulares e tendinosas do praticante durante o contato físico com o
animal (LALLERY,1992).
A equoterapia é uma abordagem de tratamento rica em integração sensorial,
decorrente de estímulos táteis, proprioceptivos e vestibulares. De acordo com Ayres
(1989 apud MAGALHÃES, 1997), integração sensorial é o processo pelo qual o SNC
registra, orienta e processa estímulos sensoriais. Pelo aumento das informações
sensoriais, há uma ampliação do processamento de comunicação no SNC, o que
propicia o comportamento adaptativo – melhoria na habilidade para responder ativa
e apropriadamente às demandas do ambiente. A resposta motora,
portanto, é
resultante da integração somatosensorial (tátil e proprioceptiva) e vestibular.
A integração sensorial, de acordo com Ayres (1989 apud MAGALHÃES,
1997), é promovida não apenas pela entrada sensorial harmoniosa, mas também
pela motivação interna. Desta forma, partimos da importância do envolvimento do
66
praticante para facilitar a entrada de estímulos que provocarão suas respostas ao
ambiente e, desta forma, favorecerão seu desenvolvimento.
Essas informações propiciam uma nova imagem do corpo do praticante e,
quando associadas à abordagem dos terapeutas, segundo Lallery (1992), favorecem
o desenvolvimento do EU. Também facilitam aquisições como esquema corporal que
se estabelece pela simultaneidade da propriocepção, exterocepção, lateralização e
noção espaço-temporal, facilitadas através da relação com o outro, regras e normas
existentes no espaço equoterápico.
De acordo com Herzog (1992, p.2), através da manutenção do equilíbrio, o
cavaleiro reconhece a atitude corporal pelo senso postural e deve assim coordenar
seus próprios movimentos e dissociar os gestos dos braços das pernas. Ele é, desta
forma, conduzido a uma melhor compreensão de seu esquema corporal pelo
domínio do próprio corpo. Trabalho que demanda a concentração, a saber “a
possibilidade de se abandonar ao momento presente.”
Segundo Queiroz (2003), são inúmeras as possibilidades de fazer uma
relação entre as atividades do dia-a-dia e as da equoterapia para que a criança
possa associar a terapia ao seu contexto, estimulando a compreensão do cotidiano
e da independência.
Embora esse ambiente não permita trabalhar diretamente a independência da
criança em Atividades da Vida Diária (AVDs), como alimentação, (ver anexo F –
fotografia 6), vestuário e higiene, essas noções são trabalhadas de diversas formas.
A criança pode participar de atividades junto ao cavalo como dar banho, passar
xampu, sabonete, pentear, arrumar e fazer penteados em sua crina, dar comida,
dentre outros. Assim, além de ser trabalhado o contexto diário, pode ser trabalhada
a afetividade, através desses cuidados que não apenas favorecem a aproximação
67
da criança com o cavalo, mas também são importantes para o bem-estar deste,
revigorando suas forças para o “trabalho”. De acordo com Lermontov (2004), a
alimentação do animal deve ser proporcional ao esforço exigido, bem como uma boa
sessão de limpeza desobstrui os poros de gorduras, deixando-o mais vivo e disposto
para a atividade. A criança percebe a ansiedade do animal ao alimentar-se e uma
maior energia durante a sessão, se alimentado no início - importante feedback para
o praticante.
Quando falamos acerca dos benefícios físicos e perceptivos, não nos
limitamos a eles. As aquisições no desenvolvimento da criança estão interligadas.
De acordo com Dias e Medeiros (2003), o movimento é uma das formas mais
significativas de adaptação ao mundo exterior. Através da relação com o meio
exterior, as percepções e os movimentos elaboram a função simbólica que gera a
linguagem e dará origem à representação e ao pensamento.
Foram descritos alguns dos estímulos encontrados no ambiente equoterápico.
É necessário, portanto, trazer ao conhecimento como é composta a equipe,
responsável por apresentar e adequar as inúmeras informações ao praticante.
3.5 Interdisciplinaridade
A Teoria Geral dos Sistemas abriu uma possibilidade de comunicação entre
disciplinas que estavam isoladas, como que encapsuladas, em seus universos
referenciais. A trajetória da ciência contemporânea na direção de uma crescente
especialização trouxe como conseqüência a fragmentação de suas disciplinas em
especialidades cada vez mais dissociadas e isoladas. A Teoria Geral dos Sistemas
vem então preencher a necessidade de princípios básicos interdisciplinares,
68
permitindo a integração dos conhecimentos científicos através das relações de
sentido (BERTALANFFY, 1993).
Nenhum saber é absoluto, mas aberto a complementações. Num trabalho
interdisciplinar, como é o caso da equoterapia, percebemos isso claramente. Na
ausência de um profissional necessário para o desenvolvimento do praticante,
dentre as diversas áreas da equipe, percebe-se uma lacuna na abordagem
terapêutica, uma falta para a criança. Há, então, dificuldades na abordagem integral.
Segundo Cirillo (1998), a equipe mínima para o atendimento na equoterapia
se constitui de um fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional, um psicólogo e um
equitador, porém, o ideal é que a equipe seja a mais ampla possível. De acordo com
Lermontov (2004), os profissionais que podem atuar numa equipe interdisciplinar em
equoterapia são:
Profissionais da área de saúde:
o Fisioterapeuta;
o
Fonoaudiólogo;
o
Psicólogo;
o
Terapeuta ocupacional;
o
Psicomotricista;
o
Médico.
Profissionais da área de educação:
o
Pedagogo;
69
o
Psicopedagogo;
o
Professor de educação física.
Profissionais da área de equitação e do trato animal:
o Instrutor de equitação;
o
Auxiliar-guia;
o
Tratador;
o
Veterinário;
o
Zootecnista.
É de suma importância o trabalho conjunto no que se refere à equipe, à
família, à criança e ao cavalo, e ainda ao contexto em que estamos inseridos. É esse
conjunto que irá favorecer o processo terapêutico. E apesar da importância da
interdisciplinaridade, da intersecção de saberes, o foco desta pesquisa não é a
atuação terapêutica de uma área específica, mas o processo equoterápico, isto é, o
animal em seu ambiente, enquanto meio para formação de vínculos e facilitador do
desenvolvimento socioafetivo.
3.6 A relação afetiva com o cavalo
O cavalo é utilizado com fins terapêuticos devido à sua docilidade, porte,
força. Por se deixar montar estabelece um vínculo importante com o praticante e
este, através do animal, desenvolve, gradualmente, um contato diferenciado com o
70
mundo que o cerca. É nessa troca com o meio que ele encontra possibilidades de
se diferenciar e construir sua auto-imagem.
Conforme Spink (1993), todos os benefícios terapêuticos, incluindo avanços
no desenvolvimento da linguagem, integração sensorial, coordenação motora,
empatia e vínculo estabelecidos entre criança e cavalo, interferem nos aspectos
psicológicos da criança. Esse autor afirma (1993) que nessa relação a criança pode
aprender a controlar suas emoções iniciais, como o medo, enfrentando o desafio de
montar e, sentado numa posição superior, direcioná-lo. Essa postura o faz sentir-se
realizado, capacitado por experimentar a sensação de não sentir-se intimidado pelo
animal, mas, ao contrário, manter uma relação de vínculo com um animal de porte.
Além disso, os movimentos rítmicos da andadura e o calor de seu corpo podem
favorecer o relaxamento da criança e a redução da ansiedade.
De acordo com Dias e Medeiros (2002), essa relação harmoniosa desperta
um sentimento de empatia e afetividade que, aliado a uma atividade física ao ar livre
e em contato com a natureza, gera o prazer.
Só podemos compreender a linguagem do outro, se utilizarmos a mesma
língua ou código. O que ocorre é que na relação criança-cavalo esse código é a
afetividade (LALLERY, 1992).
Para Gavarini (1995 apud FREIRE, 1999), o cavalo, além de sua função
cinesioterápica, produz importante participação no aspecto psíquico, uma vez que o
indivíduo usa o animal para desenvolver e modificar atitudes e comportamentos.
Na opinião de Stadcher (1985 apud FREIRE, 1999), o eqüino é um veículo
que articula movimentação adequada e afetividade. Nesse contato, o indivíduo em
tratamento encontra subsídios para uma reeducação, reabilitação e educação, além
do favorecimento de uma interação afetiva.
71
O movimento contém a sua verdade em si próprio, e implica, em si, um
envolvimento onde se desenvolve. O movimento tem sempre uma orientação
significativa em função da satisfação das necessidades que provoca com o
meio (DIAS; MEDEIROS, 2003, p.3).
Segundo Hubert (apud Marins, 1996), a equoterapia interessa ao indivíduo
em todo seu ser na medida em que beneficia o praticante, através da autonomia
motora e psicológica, permitindo-lhe adaptar-se sozinho às circunstâncias, através
do prazer.
Segundo Dias e Medeiros (2003), os benefícios psicossociais proporcionados
são adquiridos através da motivação que impulsiona o indivíduo pelo desejo e
prazer. Atrai a atenção e aumenta o grau de concentração. Dessa maneira, a criança
tende a participar e interagir mais. Com o progresso de suas conquistas, deixa o
medo e a insegurança de lado, sentindo-se mais confiante e certa de suas
potencialidades. Apresenta melhora da auto-estima e autocontrole, demonstrando
mais iniciativa e independência, o que certamente vai lhe permitir melhor interação
social.
O cavalo é uma figura que evoca poder, força e autoridade. Ele provoca uma
fascinação ambivalente: atração e medo. A fascinação pelo animal é uma
característica já documentada na arte pré-histórica das cavernas, nas lendas e na
mitologia. O indivíduo tem a sensação de controle e domínio. É uma relação de
troca. O cavalo funciona como objeto transicional, referido por Winnicott. É facilitador
de novas condições, novas experiências (ANDE, 1999).
O animal atua não apenas como um espelho, onde são projetadas as
dificuldades, progressos e vitórias, mas também como um novo estímulo que
propicia novas percepções e vivências. Cavalgar um animal dócil, porém de porte
avantajado, leva o praticante a experimentar sentimentos de liberdade,
independência e capacidade; sentimentos estes importantes para a aquisição da
72
auto-confiança, realização e auto-estima. É um vínculo que permite novas
experiências e, portanto, atribuição de novos significados (SPINK, 1993).
Através dos limites estabelecidos nessa relação poderá haver uma distinção
entre o “eu”, e o “outro”, respeitando-o e percebendo-o em sua singularidade. Ou
seja, vendo-o enquanto um ser com seu próprio temperamento, humor e disposição.
De acordo com Lermontov (2004), os princípios da equitação desenvolvem ainda as
capacidades de paciência, perseverança e levam a um maior equilíbrio e harmonia
psíquicos. Assim, o cavalo é espelho de novas conquistas, agente facilitador da
integração física, psíquica e social.
3.7 Núcleo de Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club - funcionamento
Para o desenvolvimento desta abordagem terapêutica, que dispõe de
inúmeros estímulos, é necessário definir em equipe o plano de intervenção, de
acordo com as necessidades do praticante. A equipe interdisciplinar do Núcleo de
Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club é composta por profissionais
especialistas no trato com o animal: veterinário; tratador; auxiliar-guia, responsável
pela condução do animal durante as sessões e equitador, profissional que detém
grande conhecimento sobre o animal e acompanha os praticantes em conjunto com
a equipe durante as sessões. Os terapeutas que constituem a equipe são das
seguintes áreas: Fisioterapia, Psicologia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e
Psicopedagogia. A clientela é formada, no momento, por crianças e adolescentes,
porém, o núcleo pretende iniciar atendimento a adultos.
Quanto aos procedimentos de chegada do praticante, este, em geral, vem
indicado por algum profissional da área de saúde ou educação. No entanto, algumas
73
vezes, seus responsáveis procuram o núcleo por iniciativa própria. Assim que
chegam, a equipe solicita laudo médico, exames necessários relacionados ao
diagnóstico ou possível diagnóstico e autorização médica para constatação da
ausência de contra-indicações à equoterapia. Inicialmente a psicóloga realiza
anamnese com os responsáveis pela criança e, em seguida, a avaliação física é
realizada pela fisioterapeuta. Essas são avaliações básicas para a etapa seguinte.
A etapa posterior é a discussão do caso, em reunião, com a equipe para
escolha dos terapeutas indicados para o acompanhamento inicial, bem como do
cavalo apropriado, de acordo com as necessidades da criança. Em geral, a
psicóloga acompanha a fase inicial de adaptação da criança ao cavalo, ambiente e
equipe. Após a escolha dos terapeutas, estes podem realizar suas avaliações
específicas para elaboração do plano de intervenção. Periodicamente, existem
reavaliações para rever acompanhamento terapêutico, cavalo, procedimentos e uso
de materiais de auxílio, tais como sela e manta (material para assento), estribo (para
apoio de pés), rédea, etc. E se for necessária uma mudança, esta é trabalhada com
a criança antecipadamente.
A criança pode ser acompanhada, em montaria dupla, com um dos terapeutas
e um outro no acompanhamento lateral. Ou, já inicialmente, sozinha, acompanhada
apenas lateralmente.
As sessões ocorrem numa freqüência de 1 ou 2 vezes por semana,
dependendo da disponibilidade e necessidade do praticante, num período de 30
minutos. São realizadas no interior do picadeiro (espaço murado e coberto com solo
em terra batida), e em seu exterior, explorando o ambiente natural do clube, com
espaços como a baia (casa dos cavalos), montes, riachos, árvores, lagoa, etc. (ver
74
anexo F – fotografia 7). Em geral, dentro do mesmo horário são atendidos três
praticantes, e assim, estes podem se relacionar com outros cavalos e profissionais.
Além de reuniões para estudo de caso, são realizados grupos de estudo e
discussões burocráticas.
A equipe também troca informações com as famílias para a compreensão do
contexto do dia-a-dia do praticante, bem como para orientações relacionadas aos
cuidados da família com a criança. Sabemos que a família, como sistema dinâmico,
tem estados de abertura e fechamento em relação às informações do meio. E disso
também depende a relação entre a família e a equipe. Esta estimula trocas, pois,
sabe-se que a relação com o exterior produz crescimento nos membros do sistema.
75
4 OBJETIVOS
Objetivo Geral:
Compreender as repercussões do tratamento equoterápico e seus elementos
intervenientes no desenvolvimento socioafetivo da criança com atraso
neuropsicomotor por prematuridade.
Objetivos Específicos:
Verificar a interação da criança com o cavalo e o grupo envolvido no
ambiente equoterápico;
Compreender a intervenção dos profissionais da equoterapia como
elemento facilitador deste processo;
Investigar as relações socioafetivas da criança na equoterapia através da
percepção dos técnicos envolvidos no processo;
Analisar a percepção da família quanto à possível contribuição da
equoterapia no desenvolvimento da criança;
Analisar a repercussão do processo equoterápico na relação socioafetiva
da criança com a família.
76
5 MÉTODO
5.1. Participantes:
Os participantes desta pesquisa são duas crianças com atraso de
desenvolvimento neuropsicomotor por prematuridade que estão em processo
terapêutico no Núcleo de Equoterapia do Caxangá Golf & Country Club, há mais de
1 ano, com idades, na época, entre 3 e 4 anos. Participaram do processo seus
familiares (dois para cada criança) e/ou outros responsáveis (uma babá, no caso
Larissa) e profissionais da instituição (três para cada criança) envolvidos no
atendimento.
5.2. Instrumentos:
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os profissionais e as
famílias além da observação das crianças e das famílias na instituição (Núcleo de
Equoterapia).
5.3. Procedimento de coleta de dados:
Os dados necessários para a pesquisa foram coletados através de: 1)
observação sistemática da criança durante seu atendimento na equoterapia, durante
um período de 6 meses (duração, em média, da pesquisa de campo), bem como dos
responsáveis, enquanto estes acompanham a criança; 2) entrevistas com os
familiares, a babá de uma das crianças e os profissionais que acompanham o
77
desenvolvimento da criança na equoterapia. Após os procedimentos referidos, os
dados colhidos foram analisados, discutidos e relacionados à literatura consultada.
5.4. Procedimento de análise dos dados:
Foi realizada análise qualitativa dos dados obtidos nas entrevistas e
observações e sistematização de tais informações, relacionando-as com os objetivos
da pesquisa. Foi utilizada uma análise qualitativa, pois esta corresponde melhor aos
objetivos da pesquisa.
De acordo com a compreensão de Bogdan e Biklen a respeito da pesquisa
qualitativa (apud TURATO, 2003, p. 191):
[...] melhor compreender o comportamento e a experiência humanos. Eles
procuram entender o processo pelo qual as pessoas constroem significados
e descrevem o que são aqueles significados. Usam observação empírica
porque é com os eventos concretos do comportamento humano que os
investigadores podem pensar mais clara e profundamente sobre a condição
humana.
78
6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Este capítulo refere-se à apresentação e discussão dos dados referentes aos
casos clínicos. Apresentaremos inicialmente o caso Alice, cuja pesquisa foi realizada
através de entrevista com a mãe adotiva e a avó, principais responsáveis pela
criança e os profissionais que acompanham ou acompanharam a criança;
observações sobre as sessões de equoterapia apresentadas em ordem cronológica.
Cada procedimento será discutido após sua exposição. Em seguida,
apresentaremos o caso Larissa, cuja pesquisa conteve os mesmos procedimentos
do caso Alice, sendo os responsáveis, seus pais biológicos. Neste segundo caso,
houve também a realização da entrevista com a babá, com quem a criança tem um
vínculo significativo por permanecer grande parte do tempo em sua companhia, à
mercê de seus cuidados. Essa presença, seguramente, interfere em seu
desenvolvimento, e, desta forma, é elemento essencial à nossa pesquisa.
79
6.1 Caso Alice
6.1.1 Entrevista com os responsáveis
(ver anexo C)
ENTREVISTADOS: mãe adotiva (tia) e avó materna.
DADOS SOBRE A MÃE ADOTIVA
(principal responsável)
IDADE: trinta e quatro (34)
ESCOLARIDADE: nível superior
RELIGIÃO: não tem religião definida, mas hoje “tende mais” para o espiritismo do
que para o catolicismo.
DADOS SOBRE A CRIANÇA:
NOME: Alice
2
IDADE: 4 anos.
DATA DE NASCIMENTO: 28 de Janeiro de 2000.
LEGENDA:
E: entrevistadora
A: avó
MA: mãe adotiva
A entrevistadora inicia colhendo informações sobre as pessoas que convivem
com Alice. Segundo a mãe adotiva, convivem com a criança parentes maternos,
basicamente. Além dela, que é tia da criança, convivem com elas a avó e o tio,
considerado “excepcional”, ou seja, apresenta necessidades especiais.
2
Os nomes utilizados nas apresentações são fictícios, levando-se em conta a preservação das identidades.
80
Ocasionalmente, mas com muita freqüência, três tias dão sua presença. Além
destes, sempre há uma empregada.
Desde o nascimento da criança até fevereiro de 2003, a avó esteve com a
neta na casa desta, pois, ela (avó) mora no interior de outro Estado. Atualmente,
moram com a criança: mãe adotiva, tio, tia, babá e uma empregada, mas esta dorme
fora.
Neste ano de 2004 um primo de Alice nasceu e esteve na casa dela. Por isso
a avó passou um período na casa da criança, mas logo voltou para o interior com o
tio de Alice, ficando esta com a mãe adotiva, tia e babá. A babá atual está com Alice,
há 15 dias. A anterior estava com ela há 1 ano e 8 meses.
A entrevistadora questionou como foi para a criança a mudança de babá. De
acordo com a mãe adotiva, ela não sentiu porque coincidiu com a chegada da avó,
do tio e o nascimento do primo. Houve uma série de mudanças e uma coisa saiu
compensando a outra. Não houve preparação quanto à saída dessa babá, porque foi
repentina, em duas semanas. A mãe adotiva fala sobre uma brincadeira que faz com
Alice à noite, em que a criança pergunta pelas pessoas de seu convívio e a mãe
adotiva vai respondendo. No final, ela pergunta pela babá e a mãe adotiva responde:
tá na casa dela e não volta mais. Logo em seguida, complementa: como eu não
sabia como seria a reação dela eu deixei para avisar exatamente no dia, pra não
ficar naquela coisa: “oh!, vai embora”, ficar chorosa, aquela coisa; eu preferi que
fosse, como ela folgava a cada 15 dias... “ela vai e não volta mais.” Estranhou, mas
assim, nada de perder o apetite... nem de chorar, nada.
Alice ainda está meio resistente em relação à nova babá, principalmente na
presença da mãe adotiva. Quando ela está ausente, a criança faz tudo com certa
tranqüilidade; quando não, busca refúgio na tia, com quem brinca muito.
81
A entrevistadora perguntou sobre o lugar de ordem de nascimento dessa tia
na sua família. A mãe adotiva comenta sobre toda a família. Ela tem sete irmãos,
sendo quatro homens, seguidos de três mulheres. Dos irmãos, quatro (as três
mulheres e um dos homens) moram em Recife para estudar. Um outro é casado e
mora no interior; um mora com a mãe (o irmão que apresenta necessidades
especiais) e o outro irmão mora na Europa. Eu sou hoje a mais velha de todas. A
mãe de Alice, Bruna, a minha irmã mais velha, era a mais velha. Com o falecimento
dela, eu assumi o posto... (risos) de mais velha da família, mas era ela.
A entrevistadora dirige-se à avó da criança e lhe solicita falar um pouco sobre
a história da família. A mãe adotiva diz que é uma história longa e riem após o
comentário.
A avó apresenta o seguinte discurso: Olhe eu vim de uma família assim... os
pais de minha mãe eram donos de um sítio... minha mãe sempre foi muito racista.
Meu esposo era bem moreninho... e ela não queria, foi um casamento escondido...
mas, graças a Deus, foi um casamento maravilhoso, ele foi um bom esposo. Graças
a Deus era um pai maravilhoso, louco por esses filhos, então infelizmente após
conviver 9 anos, ele foi fazer parte de um sindicato do trabalhador. O cara não
gostou e acabou tirando a vida do meu esposo, aí eu passei a cuidar dos meus
filhos, 13 anos cuidando e educando nas condições que pude fazer ...
Ainda complementa a avó: Meu esposo só tinha uma irmã, aí meu esposo
morreu, morreu a irmã dele e ficou meu concunhado, aí pronto, nos juntamos,
casamos, aí fiquei com os quatro filhos deles (sendo dois homens e duas mulheres
já citados anteriormente). São meus filhos aqui do coração, sabe? De parir não... Aí
pronto. Acho que eu sou uma pessoa muito feliz, somos essa família grande,
maravilhosa, todo mundo unido.
82
A respeito da sua filha mais velha, mãe biológica de Alice: Pronto.... essa
família é maravilhosa... e falta um grande pedaço, porque Bruna pra mim é... É como
você diz, você perde sua mãe, você sente; mas perder um filho é tudo. Pra mim ela
levou a metade, eu não sou, não sei, eu voltei, já tô chegando assim, melhorando,
mas não sou aquela mesma mãe que era, de... Não sei. É tão difícil pra mim ser
assim. Eu adoro meus filhos, mas é diferente ainda, não sabe? Uma mãe perder um
filho é difícil (fica emocionada).
De acordo com a avó de Alice ela foi sua primeira neta. Fala da criança muito
emocionada (ri e chora ao mesmo tempo) e diz que ela é tudo! E que a adora.
Para compreender o investimento afetivo da família nessa criança, vê-se que
é fundamental compreender sua história. A entrevistadora pergunta sobre a
possibilidade de falarem um pouco sobre essa história. E a mãe adotiva da criança
responde: É importantíssimo que a gente fale. A história de Alice começa aí não é?
MA: Bruna era minha irmã mais velha, tínhamos a mesma profissão... 3 anos
mais velha...Passou quase 8 anos casada, tentou ter filhos não conseguiu, separou-
se; passou 1 ano e 1 mês morando no exterior e voltou. Trabalhava no mesmo local
que eu. Organizou-se, profissionalmente estava num momento muito bom. Em
junho, julho de 99 conheceu o pai de Alice que era 9 anos mais novo do que ela, e
começou o namoro. Após uns 2 meses de namoro, ela descobriu-se grávida. Um
mês depois começou a sentir dores nas costas. Descobriu-se grávida, mas... é muito
complicado você querer ter um filho, sem ter... Não ter um casamento, ela não
queria um casamento, ela queria um apoio de um pai... mas, assim, ela sabia que ia
ter todo apoio da família, porque a família é grande, mas na hora ”H” tá todo mundo
lá... E ela sempre foi muito centralizadora, sempre foi uma pessoa muito próxima,
muito ligada aos irmãos. Como mainha morava no interior, ela botava todo mundo
83
debaixo das asas. Sempre foi assim de brigar, proteger, era exatamente esse o perfil
de Bruna. Por ser mais velha sempre teve um pouquinho disso, mãezona mesmo...
...Sobre as dores nas costas a gente dizia que era algo de postura, ela tinha
problema de coluna... E Bruna sempre foi uma pessoa muito ativa, a gente não
concebia que ela ia passar numa cama 9 meses de gestação, não tinha nem perigo
um negócio desse, porque ela sempre foi muito dinâmica, muito dona de si, o que
ela queria, fazia, mas assim... Dirige-se à mãe e, rindo, fala: se eu tiver falando
alguma coisa... me corrija!
...Dois meses depois começou a fazer fisioterapia. A musculatura já toda
trincada, as costas doendo muito. Pra você ter uma idéia, o final do ano ia passar
todo mundo junto, há muito tempo a gente não reunia a família, há mais ou menos 5
anos a gente não conseguia reunir a família. Bruna grávida, todo mundo ia conseguir
ser liberado para o final do ano; lá em casa é mais fácil se reunir para o final do ano
do que para o Natal. É sempre uma data mais marcante. O Natal é importante, mas
a gente gosta mais do Ano Novo, por causa... nova vida, novo ano. Então, nós
fomos para o interior. Bruna foi de carro, foi com o namorado... só sentia dores muito
fortes, muito fortes.. dores nas costas, basicamente dor nas costas, não tinha
absolutamente nada além de dor nas costas.
Segundo a mãe adotiva de Alice, neste período ela estava com uns 4 meses,
quase 5 meses de gestação, e, diante de tantas dores não conseguiu voltar de carro
com o namorado após a festa de fim de ano. Ainda no interior, procurou uma médica
da família e fez umas sessões de acupuntura. Melhorava, mas logo piorava e
começou a apresentar episódios de vômito. Diante disto, ligou para um médico de
Recife, que orientou que voltasse com urgência. Voltou para Recife, com a mãe, de
avião.
84
Um dia depois da chegada em Recife, quarta-feira, conseguiram uma
consulta com um neurocirurgião e ele pediu um ultra-som. O obstetra dela, que é
um médico amigo da família, sugeriu internação pela indefinição do diagnóstico. Na
sexta-feira à noite ela ia fazer uma ressonância exatamente das costas porque não
poderia ser um exame mais invasivo por conta da gravidez; a tomografia estava
descartada por conta das ondas, então as coisas estavam bastante descartadas pra
ela. À noite, comeu algo que não lhe fez bem e começou a sentir muitas dores
abdominais, sintomas novos. No sábado, um ultra-som revelou uma massa tumoral
num órgão. No domingo ela foi vista por um clínico, uma sumidade, e por um
oncologista. Eles pediram que fosse feita uma punção pra saber o tipo de tumor. Na
segunda-feira fez o ultra-som mais específico do órgão e realmente era um tumor;
foram vistas dimensões e tamanho. O médico disse que as características eram de
tumor maligno, mas que não poderia afirmar. A confirmação veio no resultado da
punção. Na mesma hora soube-se, mas eu não soube. Porque assim, as coisas têm
que acontecer no tempo que tem que ser, de imediato era um prognóstico muito
ruim, de retirada imediata de Alice, de fazer uma cirurgia e que não se sabia... uma
série de coisas bem absurdas. (MA)
...Na sexta-feira eu quis falar com o neonatologista pra saber da condição
real de Alice. Na sexta-feira Bruna foi comunicada que tinha um tumor maligno e que
era possível esperar uma semana para a remoção do tumor, que isto não ia interferir
no tratamento, diante do diagnóstico, não faria diferença pra Bruna, mas seria uma
semana imprescindível para Alice. Ele faria a remoção na semana seguinte ao
nascimento de Alice (MA).
...Iriam ser estudados os tratamentos, como quimioterapia e radioterapia,
incompatíveis com a amamentação. Numa conversa sobre amamentação sem
85
engravidar, segundo a mãe adotiva, ela, a avó e a tia disseram a Bruna, em tom de
brincadeira: peito é o que não falta.
Alice nasceu numa sexta-feira de manhã... porém, desde o momento que ela
fez a punção, Bruna começou a tomar remédios muito fortes, morfina... então foi
ficando cada vez mais distante da realidade. (MA)
A criança nasceu com 26 semanas (prematuridade extrema), 905 g.
Conforme a MA, Alice nasceu com 200 g além do que se imaginava. O
neonatologista explicou à família como seria o parto e o nascimento. Bruna foi
transferida para um hospital mais adequado, com melhor UTI neonatal. Assim que
nasceu, Alice chorou e logo foi entubada.
No dia do nascimento, Bruna teve a consciência do nascimento quando ela
ouviu o choro de Alice e foi o único momento de lucidez pra Bruna... porque depois
ela, ainda em função das drogas, das dores, perdeu um pouco da consciência do
que tava acontecendo: ela trocava, não sabia se estava fazendo a cirurgia pro
tumor, não sabia nunca o que era que tava acontecendo. Então, desde a cirurgia,
desde o parto de Alice, Bruna teve uma queda brusca no estado geral, não tendo
condições sequer de fazer uma tomografia com contraste, sendo galopante sua
piora (termo usado pelo médico), sem condições de remoção pra São Paulo.
O caso dela foi um caso raro de CA (câncer), pois era uma paciente atípica,
mulher, um câncer que geralmente acontece com homem, muito agressivo, pelo
menos foi o que foi nos passado. A gente saiu estudando, investigando. Exatamente
9 dias após o nascimento de Alice, Bruna faleceu. Antes tinha havido a transferência
dela para outro hospital e durante todo o tempo nós estivemos com Bruna no
quarto... Foi tão doloroso todo o processo que a gente não quis investigar o que
havia acontecido, a presença de metástase... ela foi. Conhecendo Bruna como a
86
gente conhecia, a sobrevida dela ia ser mais complicada porque ela tiraria o órgão,
seria uma pessoa com problemas outros, assim, teria algumas limitações físicas
inclusive que talvez não fosse... era o que tinha que ser.
A entrevistadora fez perguntas sobre a evolução da criança e suas vivências
após seu nascimento. Segundo a mãe adotiva, Alice ficou na incubadora por 4
meses e 3 dias e, após esse período, ainda permaneceu no hospital durante 6 dias,
e a família pôde lidar com a criança através de um contato mais direto. A criança
passou por cirurgias, procedimentos diversos. Foram retirados os tubos para
respiração artificial e sua respiração foi evoluindo. Foi uma coisa bem resolvida
(MA). Teve boa evolução desde cedo.
Quanto ao contato com a criança, a mãe adotiva responde: logo na primeira
semana que Bruna, não, que Alice nasceu foi difícil. Só pra você ter uma idéia, no
dia que Bruna faleceu a gente nem lembrava da existência de Alice... é aquela coisa,
você fica tão... a gente não sabia, não tinha ligado, simplesmente tava em outro
hospital.
Segundo a mãe adotiva, no início somente os pais (biológicos) tinham
autorização para tocar na criança e, neste caso, apenas o pai. Ela faz uma crítica ao
pai da criança: o pai de Alice é uma pessoa muito... tímida, vamos dizer. Ele entrava
e só tocava na filha porque ele tinha autorização, como pai, de fazer isso, mas não
conversava... Ela insistia para ter contato com Alice, argumentando que era sua
madrinha, irmã de Bruna. Inicialmente teve autorização pra entrar, mas não para
tocar Alice.
MA: Depois da morte de Bruna, ficou mais ou menos tranqüila a minha
entrada... algumas enfermeiras diziam que tia não poderia, mas eu e mainha
tínhamos autorização, mas, é aquela coisa difícil, é uma dor muito maior do que se
87
possa imaginar e foi indo e assim e começou a virar o objeto de observação nossa,
era exatamente Alice. A primeira e última ligação do dia eram sobre Alice, várias
vezes ao dia, de se perguntar, de se ir lá e de saber como é que estavam as coisas.
Então se criou uma rotina de ir diariamente, de ligar todos os dias, de quando se
acorda até a hora de dormir, de acordar às 3 horas da manhã e ligar e dizerem: vá
dormir, tá tudo tranqüilo, ela tá bem, sem problema.
Após o nascimento de Alice, sua avó precisou voltar para o interior para fazer
o enxoval da neta, não tinha nada pronto. Bruna havia ido para o interior para
discutir com a família sobre o enxoval de Alice. A mãe adotiva comenta: a família é
bem assim: discute com mainha, pede pra mainha bordar, elaborar as coisas todas...
era aquela incerteza né, vai fazer o enxoval, vai dar certo, vai precisar de fato usar
esse enxoval, então era aquela coisa de você ter que fazer, mas, 100 % de certeza
não se tinha...
A mãe adotiva continua com a explicação sobre a preocupação da família:
Alice era uma criança de alto risco, passou por poucas e boas, chegou a pesar 725
g, seu menor peso. Começou a ter espasmos e foi levantada a hipótese de que
poderia ser neurológico, aí tem toda uma gama de coisas que foram feitas em
função da prematuridade e exatamente da incerteza dessa história.
A entrevistadora retomou o assunto sobre o toque. Segundo a mãe adotiva de
Alice, ela conseguiu liberação para tocá-la na semana seguinte. No momento do
toque, o coração da criança dava uma disparada, palpitava.
Apita um bando de
coisas que você não tem noção do que é (MA). Ela relata que perguntava a si
mesma e à equipe se estava fazendo errado, mas diziam que era normal, davam
uma mexidinha nela e voltava ao normal.
88
A entrevistadora pergunta quanto ao momento de pegar a criança nos braços.
De acordo com a mãe adotiva, isso foi possível quando Alice estava com mais ou
menos 2 meses e 1 semana, quando ainda não tinha nem 2 Kg. O risco de pegar
nos braços muito cedo é porque ela poderia perder peso pela mudança de
temperatura. Quaisquer 10 graminhas já era uma diferença considerável (MA).
A família precisava levar na brincadeira algumas situações para reduzir o
estresse. Segundo a mãe adotiva da criança, a avó dizia: Engordou? E respondiam:
Engordou umas 100 gramas. E a avó respondia: Só xixi e cocô, porque tá sem fazer
xixi, mas se fizer xixi, vai perder umas 100 g. Para a mãe adotiva, qualquer 1 grama
já era comemoradíssimo... Era aquela coisa de você fazer a coisa, torcer mesmo...
Você fica com dez braços pra pegar uma coisa mínima que não pesa nem 2 kg.
A mãe adotiva refere que, quando pegou a criança no colo, teve a sensação
de que ela iria cair. E comenta: ai meu Deus... eu acho que enfermeiro por mais que
goste é aquela coisa de não se apegar porque são crianças de risco e que podem
morrer a qualquer momento. E complementa: acho que o objetivo era que desse
certo, que ela era querida e ansiada, que a gente tava torcendo por ela... e se cria
uma rotina, por exemplo, de eu chegar lá, ir no berçário, de bater na bunda, de ficar
cantando, de ninar. Essas coisas são muito importantes. Você vai desenvolvendo ao
longo da necessidade de saber que você tá aquele minutinho, é o momento que a
criança mais precisa porque ela saiu do útero de Bruna toda encolhidinha, toda
direitinha... tá bem acalentada e, de repente, ... não saber mais da existência de
Bruna, porque até o batimento cardíaco era outro, já saber de uma perda tão cedo,
de ter perdas, um dia tava e no outro não tava mais, tava com pessoas estranhas.
Então acho que isso foi importante demais, essa história do bem-querer. A primeira
vez que mainha pegou chorou muito, era aquela coisa de dar certo, de conseguir
89
pegar, porque assim, até pra pegar era uma vitória. Não é mainha? Até pra pegar
dava um passo a mais, era a certeza que tava indo pro caminho certo.
Diz a avó: era aquela ansiedade, aquela vontade assim dela vencer, dela
crescer... eu era muito mais medrosa. Meu Deus, quando eu peguei pela primeira
vez, aquela coisa tão pequena... Ela (refere-se à MA) era mais confiante e me dizia:
“mainha ela vai, ela vai vencer, você vai ver”. Tanto é que tá aí, né? O amor, o
carinho, tudo. Eu sei que precisa de médicos, de cuidados médicos e tudo, mas
acho assim que o carinho, o amor que você tem é como se fosse uma alimentação,
um medicamento, é tudo, graças a Deus.
De acordo com a avó, em sua cidade, Alice é muito querida pois, todos
sempre perguntam por ela. A mãe adotiva e a avó descrevem as atitudes de “carinho
e cuidado” com a criança, quando saiu do hospital, para evitar infecção, tais como
uso de batas, máscaras, álcool toda hora. Só faltava incendiar o apartamento não
era mainha? (MA) (risos...).
Segundo a mãe adotiva, tudo de que a criança precisava era realizado.
Inicialmente era terapia ocupacional, tratamento para estímulo ao desenvolvimento,
depois fonoaudiologia, estimulação visual, materiais para estimular a criança em
casa, adequação do ambiente, etc. A gente não media esforços. Então tudo que se
podia, era estímulo, exercício... Lá em casa virou um verdadeiro consultório, não é
mainha? É aquela coisa assim de você ir acreditando né? (MA).
A entrevistadora se reportou à avó de Alice e questionou sobre seu local de
moradia nessa época. Ela responde que permaneceu em Recife. Esqueceu casa e
marido (MA). Conforme a avó, seu marido compreendia e vinha a Recife. Mãe
adotiva e avó recordam a situação em que ele ia pegar em Alice, todo mundo
passava por ele e dizia: não pode pegar assim, tem que pegar do jeito certo... então
90
toda a família entrava no esquema (MA). Quanto à participação familiar, acrescenta:
além do amor... a gente tinha a consciência do que era possível fazer pra melhorar e
o que podia interferir negativamente...o que precisava, a gente tava fazendo e assim
sem peso, sem nada, prazerosamente porque cada vitória dela era uma vitória geral
que a gente conseguia (MA).
A entrevistadora indaga como foi cada passo, cada conquista, cada aquisição.
Ambas respondem sucessivamente: uma maravilha! E a avó complementa: Olhe
contar a história de Alice, tem a parte triste que foi a falta da mãe dela, tá
entendendo? Mas contar a história de Alice é maravilhoso, é gratificante pra ela, pra
gente porque é bom demais... você vê aquela coisinha assim crescendo ali, se
desenvolvendo, e sempre o pediatra diz assim: “devagar a criança tem muita estrada
pra percorrer.” Quando eu cheguei, aqui, agora a última vez, ele disse: “menina,
Alice tá ótima.” Isso é ótimo! E continua: ela é a vitória, ela é tudo, né? Ela é
medalhão de ouro e é tudo porque a conquista toda é dela, né? E tendo o apoio da
família aí é maravilhoso mesmo. A mãe adotiva ratifica o comentário da avó: é uma
vitória, com certeza.
A entrevistadora abordou o assunto relacionado aos cuidados com a criança e
à superproteção. Ao mesmo tempo em que ela era percebida pelas entrevistadas
como frágil, era também guerreira suficiente para alcançar a vitória. A mãe adotiva
fala que isso é complicado e que hoje ainda sentam nesta corda bamba. A avó fica
com medo, receosa, é mais preocupada, mas a mãe deixa a criança mais solta, mais
livre, e sempre lhe fala: se mandou, temos que fazer (MA). A avó elogia a mãe
adotiva: ela é ótima. Nesse ponto ela vai em frente mesmo. Eu tenho medo de
quebrar, de qualquer coisa, mas ela sempre é mais equilibrada. É tanto que ela foi
91
dar o remédio a Alice, e aí ela se engasgou...eu fiquei louca, eu saí correndo de
escada abaixo e ela dizendo bem calma: “mainha, calma, mainha!”
A mãe adotiva complementa sua resposta dizendo: mas também, na hora que
precisa, ela (avó) faz, ela sabe que faz. Refere-se, principalmente, quanto às
orientações dos terapeutas que acompanham a criança. Lógico, ainda há o temor de
cair. Graças a Deus, com fé em Deus, não vai precisar mais, mas já remendou o
queixo quatrocentas vezes, por perda de equilíbrio, se desequilibrava com
facilidade... em função ainda da tonicidade dela ... ainda tem algumas coisas pra
serem corrigidas, mas assim na hora que se precisa, a gente sempre entrava na sala
das terapias, tem que ficar, fica, tem que sair, sai. Ela chorava, a gente engolia mais
seco, o coração ficava do tamanho de uma cabeça de alfinete, mas deixava ela
fazer porque a gente sabia que era pro bem dela. O choro me comovia. Comover
comovia, mas não nos impulsionava pra tirar da terapia. Uma olhava pra cara da
outra assim meio desesperada, ai meu Deus! é agora que a gente pega, mas nunca,
a gente nunca deixou.
A mãe adotiva cita como exemplo a fase de adaptação na equoterapia, em
que a criança chorava pra sair do seu braço, mas, logo passava e ela brincava. Elas
não se deixaram abater pelo choro de Alice, pois, sabiam que eram momentos
imprescindíveis para sua recuperação. E, hoje, a criança sai do carro de braços
estendidos para se encontrar com o cavalo. A avó cita que sempre conversavam
com a criança sobre as terapias:
a vovó te ama, você vai entrar no cavalo
(na
terapia), é pra seu bem, você vai ficar bonita...
Segundo a mãe adotiva, desta forma proporcionam segurança à criança.
Exemplificam outras atividades do cotidiano, bem aceitas por Alice pela atitude da
família de conversar com ela. A avó da criança aconselhava Bruna para conversar
92
na barriga com o bebê, assim como a filha mais nova para conversar enquanto
amamenta. Eu faço porque eu sempre ouvia dela e a gente sempre faz (MA).
MA: Alice já sabe da história dela de cedo. Sabe que tem a mãe Bruna, que já
não está mais aqui e que tá lá em cima. Você diz: cadê mamãe Bruna e ela aponta
na foto, ela sabe exatamente quem é Bruna. Porque é uma coisa que eu sempre
digo e eu sei que exatamente isso que a gente sente, que Alice vai conhecer Bruna
da melhor forma possível pelas nossas lembranças, da nossa memória, do nosso
amor... “Não deu certo”. Não deu certo pra gente ter Bruna aqui também, mas assim
ela cumpriu a etapa dela, né? Deu certo pra que ela fosse para um outro estágio... a
gente teve outra missão que era tomar conta de Alice, né? E aquela coisa assim de
que cada uma foi fazendo... Alice tem uma vida própria, ela é independente de
Bruna, então desde cedo a gente já vem explicando pra ela como é que foi o
nascimento dela, como é que as coisas funcionam. A gente tem um exemplo de
família: minha mãe é a mãe do mundo... a gente não pode parar nos sinais, senão
ela leva tudo que é “cheira cola” pra criar. A gente já tem exemplo de casa, de ser
mãe do coração, já tem uma em casa, a gente sabe como é que é. Explicando as
coisas pra própria Alice, hoje ela sabe da história dela, desde cedo, pra não ter
confusão mais tarde na cabeça dela.
Após a indagação da entrevistadora sobre a escolha da madrinha, a mãe
adotiva respondeu que havia combinado com Bruna ser madrinha de Alice, algo que
queria muito. MA:
A idéia original era de Alice ficar com mainha por ela ter mais
disponibilidade, e Bruna confiaria... como a gente confiava em mainha, obviamente
confiava mais. Ela fez um quarto pra Alice lá no interior, porque a gente não tinha
noção do que era cuidar de uma prematura, então a gente imaginava assim: com 1
ano de idade ela tava liberada de tudo que é médico, então ela vai pro interior.
93
Segundo a mãe adotiva, antes de sair da maternidade a avó de Alice disse que
queria ficar com ela.
A entrevistadora questiona a guarda do pai. A mãe adotiva fala que eles
tiveram que ir para a justiça brigar pela guarda. Ele disse que queria ficar com ela
(Alice), mas nunca quis de verdade, apenas criar problema pra gente. Refere ainda
que nunca “fala mal” do pai na frente de Alice e a avó aconselha deixar ela descobrir
sozinha, embora tenham suas opiniões a respeito dele. Ele visita a criança,
ocasionalmente, em geral, de 2 em 2 meses ou em datas comemorativas e passa
em média 1 ou 2 horas. Não é uma pessoa do dia-a-dia dela; se você perguntar
mostrando na foto, ela vai saber quem é, não sei nem se ela ver no meio da rua,
talvez ela não reconheça porque é tão fora da realidade dela, não sei se ela
reconheceria, talvez, porque ela tem uma boa memória... (MA)
A entrevistadora questionou se Alice brinca com o pai e se interessa por ele.
Segundo a mãe adotiva, ele não se faz interessante, mantém uma relação distante
com a criança. Não sobe ao apartamento quando vai visitá-la, pede para ela descer,
tirando-a de seu ambiente. Numa fase em que estava muito chorosa, chorou muito
quando teve que descer. Mas, embora a relação entre a família de Alice e seu pai
não seja boa, a mãe fala que fazem festa: eita, papai chegou... Refere que o tratam
bem. Convidaram-no para dormir no “outro” apartamento, quando Alice era muito
pequena, mas ele não o quis. É muito fácil ter o título de pai de uma criança que
venceu a vida.
Na percepção da mãe adotiva, o pai queria mostrar, como um bom
menino, que queria ficar com a filha.
Para a mãe adotiva, o pai atrapalha o processo. Eu acho assim: em alguns
casos, você não tem que ter meio termo: ou você é ou você não é, ou você some de
vez ou você comparece. Eu sou muito extremista... E além do mais tem questões
94
financeiras envolvidas. Como ele é o tutor legal dela, então ele fica responsável
pela pensão e INSS. Nesses 4 anos ele nunca repassou nenhum centavo, sacou o
FGTS de Bruna porque é pai de Alice; até hoje ele tem o carro de Alice que era de
Bruna. Porque no final das contas não é pela questão financeira. Se não dá, não tire
da própria filha. Mainha lutou tanto, trabalhava de manhã, de tarde e de noite pra
educar a gente: “a única coisa que eu posso dar pra vocês, bem, é educação.” A
gente sempre estudou em colégio particular pra se formar, pra se dar bem. Bruna
ralou que só... (MA).
A entrevistadora pontua o resultado desses esforços, demarcando o caráter
estudioso dos filhos. Segundo a mãe adotiva, todos estão na faculdade. Uma de
suas irmãs passou no vestibular para Terapia Ocupacional. Acho que Alice teve um
pouquinho de participação...
A MA retoma o assunto sobre o pai de Alice: Não quer participar, não
participe, mas não fique fazendo balela. Há pouco tempo ele casou com uma pessoa
de posses e para mim foi um golpe do baú. A mãe dele ligou pra saber se
estávamos sabendo. Disse que estava ligando em respeito a nossa família porque
Bruna foi o grande amor da vida dele. Ele só namorou Bruna durante 9 meses,
contando até com o nascimento de Alice, então, não use o nome de uma pessoa
que você nem conhece, que não fez parte da sua vida (fala irritada)... Ele segue, vai
continuar a vida dele, óbvio que ele vai constituir família. Por mim, eu quero que ele
seja muito feliz, que ele tenha uma família, que ele seja um pai, que ele tenha outros
filhos, porque eu sei que pra Alice agora é muito difícil ele reverter, mas se quiser
participar, a gente nunca fechou as portas da casa de jeito nenhum (MA).
A mãe adotiva de Alice demonstra irritar-se porque ele fica a trata como uma
criança doente e problemática: Diz que não leva na sua casa porque ela tem
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problema de imunidade e isso não é verdade, porque essa é a forma de justificar
porque a filha não passa final de semana com ele. Ele é distante da filha. Por que
continua vindo? É isso que não me agrada muito, vai indo, com o jeito dele. Assim,
respeitando a minha família, a filha dele e a mim... Porque eu sei que a vida nos
colocou numa situação bastante difícil, ainda sou bem legal com ele porque eu tento
imaginar: hoje ele tem uma filha com uma mãe que ele não escolheu, bem como eu
tenho uma filha com um pai que eu não escolhi e não escolheria mesmo porque não
faz o meu tipo mesmo, né? Nunca bati muito com o estilo de Bruna. A gente nunca
namoraria com o mesmo (homem) porque o nosso tipo físico nunca foi muito
parecido, enfim ...
Para a mãe adotiva de Alice, ela ficou com a guarda da criança
principalmente pela questão da amamentação. Foi o que sustentou Alice... era mais
o ato de carinho de amor do que o próprio leite. A história da amamentação surgiu
quando Alice estava fazendo 2 meses, por comentário de uma enfermeira. Alice
tinha leite materno de doação, terceirizado, colhido através de campanha de doação.
Desde cedo ela tomou leite materno. A mãe adotiva ligou para o médico pra saber
se valeria a pena, e a resposta do médico foi que estava tranqüilo se ela estivesse
disposta a fazê-lo. Consultou também a mãe e uma enfermeira indicada para
conversar sobre o assunto, saber como era o processo. Ela passou uma dieta, e a
mãe adotiva teve que abdicar da sua dieta e realizar estímulos tais como
massagens, compressas de água morna e exercícios... Assim, na própria semana
começou a sair o colostro.
O médico liberou pra sucção num dia péssimo no trabalho. Assim a
enfermeira acompanhou esta primeira vez, levando seus materiais, sendo realizado
o processo de lactação induzida, no qual é colada próximo ao peito uma seringa de
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injeção com leite materno (terceirizado) ligada a um canudinho. Então, quando Alice
sugava, ela sugava o leite da seringa e através da sucção estimulava o peito. Desta
forma saia um pouco do leite da mãe adotiva e um pouco do leite terceirizado. Desta
forma ela não cansava de sugar sem sair nada, já saindo alguma coisa e fazendo o
estímulo que era importante (MA).
A amamentação já começou na maternidade. Como Alice dormia muito, por
conta da medicação para os espasmos, então a mãe adotiva ia no momento em que
ela estava acordada, muitas vezes no meio da madrugada. Passou por essa fase
até o médico liberar para a amamentação no apartamento, mas, ainda assim, ela
tomava leite de terceiros e o pré-nam, complemento para ganhar peso. A mãe
adotiva refere que nunca teve problemas porque a avó fazia chá para evitar cólicas e
Alice tomava no copinho pra não perder a sucção. A situação melhorou quando a
mãe tirou férias, 1 mês depois.
A mãe adotiva de Alice recorda outros bebês na fase de internação: era ela e
mais outros dois bebês prematuros: Mateus, que graças a Deus ficou bem, saiu e
João Carlos que não resistiu, com 4 meses de UTI, infelizmente, faleceu.
Mateusinho nasceu depois de Alice mas saiu primeiro do que ela, nasceu com 1 kg e
200 mais ou menos, coisa boba em relação a Alice. Carlinhos nasceu com pouco
mais de 800 g, ainda menos do que Alice. Ele tinha problemas respiratórios muito
mais sérios, crônicos inclusive, tinha paralisias respiratórias absurdas...
A entrevistadora questionou como foi a escolha do nome da criança. A mãe
adotiva respondeu que foi uma escolha de Bruna. Uma grande amiga dela tem uma
filha que vai fazer 12 anos e Bruna participou de sua vida desde o dia de seu
nascimento. A família brincava e dizia que o que Bruna fez por essa criança faria por
Alice, pois era tratada como se fosse uma filha. Essa menina, com 5 anos, ficou
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encantada com uma música cantando seu nome. Bruna queria um nome curto, pois
dizia que seria mais fácil falar na hora de brigar e que tivesse uma música. A
escolha, na realidade, foi de uma das irmãs mais novas que tinha lido um romance
recente com uma história de Alice e havia uma música com este nome de um dos
compositores preferidos de Bruna. A música tinha tudo a ver com a história da
família, pois todos são baianos e ela é a primeira neta pernambucana. A escolha,
portanto, foi por conta dessa história, da sonoridade do nome e seu significado, pois
tem uma representação de afeto e premiação.
Segundo a mãe adotiva, Bruna sempre se referia ao bebê já por seu nome;
inicialmente imaginava que seria Artur. E a família brincava, dizendo que se fosse
menina, seria “virada” como a mãe. Quando Bruna descobriu que era Alice, disse:
agora pronto, essa menina toda voluntariosa, vai ter cabelo liso só pra contrariar.
MA: Ela acha, achava bonito cabelo cacheado. Característica comum da família. Os
cabelos de Alice não têm cachos como os de Bruna, mas, segundo a avó, os
cabelos de Bruna, quando pequena, eram semelhantes aos de Alice.
A entrevistadora perguntou sobre a saúde de Alice após seu nascimento. De
acordo com a MA, ela era anêmica e a família seguia as orientações quanto à
alimentação e medicações. Tomava anticonvulsivante pelos espasmos, mas, há 2
anos não tem crise alguma. Mantém medicação por prevenção. A família refere-se
ao desejo de que a criança engorde: fisicamente está bem, fora o peso que mainha
quer que ela engorde pelo menos até 15 (kg) não é mainha? pra ela ficar feliz...
(riem). Atualmente a criança está bem do ponto de vista clínico e nutricional.
Nesse momento a entrevistadora iniciou o assunto sobre a equoterapia,
questionando o interesse inicial da família pelo tratamento.
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Conforme a mãe adotiva, foi uma indicação da terapeuta ocupacional. Depois
viram uma matéria e se informaram quanto à abordagem terapêutica. A indicação
surgiu pela falta de firmeza de Alice, pois a criança estava com dificuldades para
andar e passava por uma fase de resistência às terapias, dificultando o trabalho.
Então ia ser uma confusão não é? Aí ela ficava mais firme, engatinhava, levantava,
mas não esboçava marcha, e já tava com 1 ano e 9 meses quando foi pra
equoterapia. Então a indicação da terapeuta ocupacional foi assim: passar um mês,
pra gente ver como é que fica, depois a gente faz uma avaliação. E desse 1 mês,
está até hoje. Porque há um marco na vida de Alice: antes e depois da equoterapia
mesmo, não só da postura, da parte física, como de interação pras coisas, da
sociabilização dela.
A avó complementa esses comentários: eu sempre digo a ela (refere-se à
mãe adotiva): pra Alice foi a equoterapia... A mãe adotiva diz que a avó de Alice é a
defensora máxima da equoterapia.
MA: E é exatamente isso. Há um marco na vida de Alice nas terapias, entre
antes e depois de equo. Depois de equo foi de evoluções mesmo. E a gente lembra
quando foi levá-la pela primeira vez, se pode ficar, se não pode. Ela era muito nova,
não tinha nem 2 anos ainda. A gente dizia: ai meu Deus do céu tomara que possa
ficar, então foi assim, de ir indo, assim, chorando, aquela coisa toda, mas foi gritante
a evolução dela, da fase que... é aquela coisa Alice parece uma caixinha que ela vai
guardando as coisas, vai guardando, então quando ela vai, ela dispara, aí dá umas
estabilizadas, aí novamente evolui. Quando você menos espera, ela dá um salto
bem grande. Esse salto foi muito motivado pela equoterapia.
A mãe adotiva de Alice fala que ela passou as férias de Julho de 2003 no
interior e, apesar da fonoaudióloga dizer que ela provavelmente iria deslanchar nas
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férias, pois, ela estava pronta para falar, estranhamente, não evoluiu nada. Refere
que sempre trabalharam com Alice assim: é o tempo dela, é o prazo que ela precisa,
se vai demorar mais do que os outros... A gente sempre se condicionou a ser o
tempo da evolução que ela precisa sem apressar, lógico, estimulando pra que
aconteça, mas, pra não haver frustração. Mesmo assim, havia expectativas. O
período de volta das férias coincidiu com o da primeira revisão de Alice com a
neuropediatra, e a primeira pergunta da MA à especialista foi sobre a possibilidade
de a criança falar.
Alice já faz terapias desde que saiu da UTI. No mês seguinte já estava indo
para a terapia ocupacional; no final do ano, para a fonoaudiologia. A mãe adotiva
reconhece esse processo como fundamental, momento em que a família foi
orientada quanto ao que era comportamento patológico ou normal. Ela evoluiu com
todas as terapeutas dela o tempo que ela tinha que evoluir e cansou das coisas
todas. A própria fono já havia referido a necessidade de mudança de terapeuta, pois,
a criança já não estava mais respondendo à terapia. E eu, muito resistente, mais do
que ela, porque eu me sentia mais segura, já conhecia, confiava...
A neuropediatra solicitou intensificar fonoaudiologia, pois explicou que era
uma questão muscular: o cérebro ordenava, mas ela não conseguia falar porque não
conseguia mexer a musculatura e precisava desta mais rígida. Nessa época Alice
estava estudando à tarde, e fazendo fonoaudiologia, terapia ocupacional, natação e
equoterapia. Ela sugeriu priorizar a fono.
A mãe adotiva comentou que a criança ficaria cansada e disse: se é pra tirar
um, tiro o quê? A neuropediatra disse: “tire tudo, menos a equoterapia. Fono e equo
são duas coisas de que Alice vai precisar.” Assim, Alice saiu da TO, pois, naquele
momento, esse procedimento não era prioridade para ela. Saiu também da natação
100
por conta de alergia ao cloro. A idéia é não cansá-la também, porque é uma criança
que precisa ter uma vida normal, apesar das terapias... e equoterapia, disse a
neuropediatra: “dessa ela não sai porque é o que você tem de mais completo.” Era
exatamente isso, porque era o que eu queria ouvir, mas, eu precisava ter o aval de
uma pessoa que tava acompanhando Alice.
A mãe adotiva relata que, apesar da resistência à mudança de fonoaudióloga,
isso foi muito benéfico para a criança, pois, tratamento sendo domiciliar trabalha
conteúdos do dia-a-dia, o que, segundo a mãe, favoreceu a evolução da linguagem.
Nesse contexto, a equoterapia vem favorecendo a linguagem. Segundo a
mãe adotiva: ela vai entendendo que o animal vai comer, de que mastiga com a
boca, que dorme, você vai criando uma realidade pra ela que ela entende, percebe,
entende mesmo como é que funciona.
A entrevistadora pergunta o que mais chamou a atenção da família na
equoterapia. E a mãe adotiva responde que foi o fato de ser um trabalho benéfico e
comprovado cientificamente. Também por ser uma terapia prazerosa, o que a torna
especial. Foi também de grande importância para Alice por ocorrer num momento
em que a criança “foi tirada” da natação, pois adora piscina, adora água. Nesse
momento era essencial uma terapia que é prazerosa pra criança, pra Alice, que
fizesse uma coisa que fosse legal pra ela e que desse resultado e equilíbrio, ela não
tinha equilíbrio, agora já tem e é muito elegante! (MA).
A entrevistadora retomou o assunto sobre o processo de adaptação de Alice
na equoterapia. A mãe adotiva respondeu que passou por altos e baixos, pois
inicialmente a criança chorava; quando estava se adaptando, teve férias, então,
voltou chorando; quando novamente estava se adaptando e quase colocando o
capacete, passou quase 1 mês sem poder ir. Na fase de adaptação, chorava quando
101
saía do braço da mãe adotiva e da avó, mas depois, passava. Ficava no dilema
entre a família e o cavalo. Chorava, mas queria ir, porque queria ver o cavalo...
A MA relembra que outra criança (Larissa, a segunda criança da pesquisa)
só entrava com a mãe. E quando alguém da equipe propôs à mãe adotiva montar
com Alice, no início, ela não aceitou, pois achava um retrocesso. Então ela já tinha
conseguido cortar aquele cordão, que era doloroso naquele momento, mas depois,
ela evoluiu tranqüila; podia não me ver, choramingava, mas continuava do mesmo
jeito... Hoje eu a levo e ela já abre a porta, assim, acho que não foi tão penoso (o
processo de adaptação). Ela já bota o capacete, antes era um transtorno... Essa
semana ela já me perguntou pelo cavalo duas vezes porque ela está de férias, então
eu digo: “olhe, o cavalo tá descansando, quando você voltar pra aula, você vai pro
cavalo.” E ela responde: “tá”. É aquela coisa de sentir falta mesmo.
Dando continuidade às relações sociais na equoterapia, a entrevistadora
questiona sobre a socialização de Alice com a equipe e com os colegas.
Anteriormente, na mudança de terapeuta, Alice estranhava, mas agora, vai com
qualquer pessoa. O importante é ir montada no cavalo. A socialização da criança,
segundo a mãe adotiva, não é muito fácil. Ela não interage com facilidade em
ambientes estranhos e exemplifica uma festa infantil que ocorreu no período. A sua
convivência com crianças ocorre basicamente na escola, pois, pelo costume das
relações do dia-a-dia com adultos, comunica-se bem mais com pessoas de sua faixa
etária. Na equoterapia ela mais observa as crianças do que conversa e brinca.
Ela é
capaz de brincar com os pais das crianças e não com as crianças (MA).
A criança também passou por um processo de adaptação na escola, mas, lá
fez uma melhor amiga, e esta colega, menor que ela, pois está atrasada em relação
à turma, conquistou sua amizade através do ato de defendê-la. No momento em
102
que a professora falou, segundo a mãe: “Alice, eu nem posso falar isso, mas você
tem que empurrar também”, essa colega disse: “eu tomo conta da minha amiga”.
Agora Alice já consegue se defender.
Para a mãe adotiva, a questão da linguagem é uma coisa que é muito
limitadora pra ela, pois ela é percebida como “estranha” pelos meninos da turma por
ter uma idade superior à dos demais e, ainda assim, apresentar atraso na fala e
resistência a participar das brincadeiras.
A entrevistadora indagou se a equoterapia tem oferecido oportunidade de
realizações para Alice.
A mãe adotiva confirma positivamente. Fala um pouco sobre seu irmão que
apresenta necessidades especiais e tem 32 anos. Embora saiba que lutaram muito
por ele, como puderam, relata que não é como ter a orientação de profissionais. Ele
seria uma outra pessoa, a gente sabe que faz diferença, e grande, o estímulo, o
direcionamento, a orientação quanto à forma de você fazer. Foi no taco pra
conseguir as coisas, porque a gente sempre imaginou, nunca ele tinha que se
adaptar à sociedade, a sociedade é que tinha que se adaptar a ele; nunca tínhamos
vergonha de sair com ele pra canto nenhum, nada. Para ela, a falta de uma
orientação fez com que eles não conseguissem evoluir tanto com ele, como Alice
evoluiu. Ela é uma criança que foi bombada depois da barriga, nasceu com 23
semanas e não teve tempo de desenvolver o suficiente. A gente sabe que esse
desenvolvimento veio depois com as terapias.
A mãe adotiva percebe a equoterapia como um dos meios para Alice ter
novas possibilidades de aquisição: a partir daí ela conseguiu, exatamente, ela
evoluiu de uma forma muito melhor, assim foi um efeito mais imediato, tipo assim, a
gente podia conseguir de outra forma muito mais lenta, muito mais desgastante pra
103
ela, pra gente, pra tudo, mas, na época deu um salto considerável, mostrou que era
possível com uma coisa muito simples que, teoricamente, é muito simples: “Alice
monta a cavalo”. “Ela monta a cavalo? ela é jóquei?” “Não, ela faz terapia” (sorri).
Então é aquela coisa de que as pessoas realmente não têm noção da importância,
que realmente há uma série de caminhos pra ela.
A respeito de como a equoterapia poderia ajudar à criança em sua
independência, aspecto abordado pela entrevistadora, a mãe adotiva relata que, em
todas as outras terapias, eles poderiam estar na sala com a criança, o que não
ocorre na equoterapia. Eu acho um divisor de... aquele é um momento dela, é um
corte, é uma coisa que ela pode fazer sozinha, ela não precisa de mãe, ela não
precisa de vó, não precisa do tio, não precisa de ninguém, ela tá lá sozinha, ela
pode fazer só, e com pessoas que são pessoas desconhecidas no meio dela,
entendeu? Eu acho que pra individualidade e pro próprio amadurecimento de Alice é
imprescindível...Então pra ela foi importante exatamente isso, esse amadurecimento
e essa capacidade de desenvolver só, porque é muito complicado você ter sempre
alguém que possa fazer por você, falar por você, fazer com você, mas na ocasião
em que você pode fazer só, você amadurece muito mais, foi exatamente isso que
acabou funcionando mais na cabeça de Alice. E até pra gente, mais; e assim ela
chorava e exatamente não estava nas nossas mãos ela tava nas mãos de outras
pessoas, logicamente que a gente confiava, senão não teria levado, mas, assim
estava sob responsabilidade de outros que a gente não tinha nem acesso a (ela). É
importante esse distanciamento tanto pra Alice quanto pra gente (MA).
A entrevistadora indagou à mãe adotiva da criança quanto à possibilidade da
equoterapia facilitar a relação da criança com a família.
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Ela assim se expressou: eu acho que é nessa capacidade de independência
mesmo, é uma coisa da individualidade... Desse distanciamento que as coisas são.
Que ela precisa aprender a fazer só, sem ter interlocutor, sem ter tradutor. Quem
pode montar por ela, é ela; é um processo que é dela, só dela, então é importante
essa individualidade e também pra que a gente perceba o nosso limite pra não
passar além, não querer ajudar demais e querer fazer por ela, mas mostrar. Ela tem
que tentar. Então, acho que foi essa separação, essa individualidade, pra mim, pelo
menos, ajudou consideravelmente, aquela coisa assim, que ela tem que fazer.
Por entrar no assunto sobre independência e, conseqüentemente, cuidados
com a criança, a entrevistadora solicitou falarem sobre sua rotina.
Segundo a mãe adotiva, nas férias, a criança acorda mais tarde, com exceção
dos dias de fono. Ela gosta de assistir a filme, enquanto toma café; a mãe adotiva
permite, embora saiba que é “condenado” (ri). Neste momento a avó fala: é melhor
ela comer bem, assistindo filme do que não comer! Em geral, as responsabilidades,
tais como dar banho, alimentação e colocar para dormir, são divididas entre a mãe
adotiva, a tia e a empregada. A mãe adotiva comenta que gostaria de estar mais
presente no dia-a-dia da criança, o que não ocorre por conta do trabalho.
Muitas vezes, Alice escolhe quem vai auxiliá-la. Ela escolhe, ela determina e,
muitas vezes, vai sozinha, tenta... e consegue completar a atividade. Em geral,
quando ela quer fazer, ela faz. Na escola ela come sozinha. Em casa ela faz menos.
Na época de aula, passa a tarde na escola. Ela gosta de passear, embora
não saia com muita freqüência. As saídas mais comuns são para o supermercado,
shopping e festas de aniversário.
A entrevistadora indaga sobre a relação de Alice com a família. Para a mãe
adotiva, a criança é o centro das atenções, é muito carinhosa, se envolve nas
105
brincadeiras, é carismática, tranqüila com todos. Por conta disso, ela tem um certo
poder perante todos de casa e está descobrindo isto, especialmente com o tio (com
necessidades especiais), por quem revela um amor incondicional. Toda a família
participa e vibra com seu desenvolvimento. Dão mimo mesmo, pela hisria. Em
alguns momentos, tem de ser mais firme, fala a mãe adotiva, cuja função é dela.
A entrevistadora procura saber como está interligado o desenvolvimento da
criança nas relações sociais com a equoterapia. De acordo com a mãe adotiva, isso
ocorre pela interação da criança. É aquela coisa de que antes, era aquela coisa da
proteção maior, lógico! Mas hoje já tem uma independência que é sentida por toda a
família em várias coisas que você pára pra ver. Toda família percebe a evolução,
aprendendo os novos limites que ela vai mostrando, as capacidades, fazendo com
que as pessoas vão entendendo. Ela exemplifica: as brincadeiras que fazem
atualmente, não podiam fazer há um tempo atrás, pois Alice ainda não alcançava,
não teria essa capacidade de apreensão; bem como algumas pra ela já são
ultrapassadas, já não têm graça. Ela já evolui também através das brincadeiras.
A entrevistadora deixa a família à vontade para complementar a entrevista
com alguma colocação. E a mãe adotiva retoma o assunto sobre o pai, pois, ao citar
a importância e a valorização da família por tudo o que é feito em relação a Alice,
relembra que o pai chamou um dos tratamentos de “frescura”, que não tinha
necessidade para a criança, assustando a família. Você trabalhar com uma pessoa
que não quer investir na sua própria filha... mas a gente investiu e investe o quanto
seja necessário porque, assim, a gente vê quanto é possível fazer.
Conforme a mãe adotiva, o médico de Alice está encantado com seu
desenvolvimento, pois ela oferecia resistência à presença médica, era traumatizada
à vista do uniforme branco; quando foram ao seu consultório, ela estava comendo
106
biscoito e ofereceu a ele: “quer coito? Ele dirigiu-se à mãe e disse: Meu Deus do
céu um pingo de gente que nasceu com 905 g, que eu peguei, não pode ser.” A mãe
adotiva comenta que foi muito importante a postura da família de apostar e acreditar
nas terapias. Alice é uma prova mais do que viva disso, acho que ela nunca foi tão
registrada e fotografada. Quando ela tiver um mulherão, um galalau dando cascudo
em todo mundo, vai ver que ela foi muito pequenininha, passou por isso, isso e isso,
e a gente vai ter provas documentadas. Foi uma coisa formada e com toda um
aparato, né? A gente não fez isso só, fez por amor, por vontade e determinação
mas com todo um embasamento pra que isso fosse possível que foi essencial para o
desenvolvimento dela. Muito bom.
A entrevistadora perguntou à avó da criança se ela queria falar algo. Esta
respondeu: tudo o que ela disse, é isso mesmo.
Ao final da entrevista, a mãe adotiva comenta sobre a evolução de Alice na
socialização e relação com o ambiente. Ela já sai com Alice para tirar foto 3 x 4.
Antes, precisava chamar um fotógrafo para ir à sua casa porque ela não agüentava
ficar em loja, em meio a outras pessoas, ficava agoniada.
6.1.1.1 Análise clínica da entrevista com os responsáveis por Alice
Em alguns momentos da entrevista, observa-se que há um movimento circular
em torno da matriarca, de forma que a opinião da mãe (avó da Alice) é fundamental
na tomada de decisões. Afinal de contas ela é um exemplo para os filhos, pois, com
muita dificuldade os criou. Apesar disso, a mãe adotiva de Alice parece ter assumido
o lugar da irmã mais velha, Bruna, após sua morte. Assumiu o controle das coisas,
107
como ocorreu na entrevista. Na qual a maior parte do tempo ela manteve o controle
das respostas, mas se reportava à sua mãe, pedindo sua confirmação.
Em alguns momentos da entrevista, é perceptível a importância que a família
atribui ao afeto e a preocupação com a criança quanto às perdas vividas. Porém,
parece difícil lidar bem com isso, pois, a família não soube lidar com a perda da
babá. A respeito de sua saída observou-se que a mãe adotiva tentou evitar o
sofrimento da filha, pois, duas semanas é um bom tempo para conversar com a
criança e explicar a saída da babá. Qualquer perda precisa ser bem trabalhada,
principalmente no caso dessa criança que tem uma história de perda.
De acordo com Bowlby (1998), a perda de uma pessoa amada é tão
traumática, psicologicamente falando, quanto um ferimento ou uma queimadura
graves. Assim também podem ser comparados os processos de luto pela perda com
os de cura que podem levar ao restabelecimento completo, incompleto ou
enfraquecimento da função. Ou seja, no caso do luto pela perda, este pode levar à
renovação da capacidade de estabelecer e manter relações de amor; ou pode
seguir um curso que enfraquece essa função em menor ou maior grau.
O que a avó comenta sobre a união da família foi observado no decorrer da
entrevista. Tal integração, nesse caso, parece ter sido firmada pelas dificuldades
atravessadas pela família. Após um evento estressor, desorganizador do sistema, a
família pôde reorganizar-se e intensificar seus laços.
De acordo com a história de união entre os avós maternos de Alice, marcada
pela intensidade dos laços diante das dificuldades enfrentadas para vivenciar essa
relação, Bruna, mãe biológica de Alice, tinha um significado diferente, fora o primeiro
fruto da história de seus pais.
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Enquanto a mãe adotiva fala sobre o nascimento de Alice, troca o nome da
criança pelo nome da sua irmã, mãe biológica da criança. O que parece é que para
a família, Alice é a continuidade de Bruna. Ela veio no lugar de Bruna que, de certa
forma, precisou morrer para que ela nascesse. O fato de estar gestante impediu o
tratamento, sendo necessário esperar. E a família só consegue perceber Alice
quando, definitivamente, Bruna vai embora. Alice chega no lugar de morte. E parece
facilitar a reorganização da família após esta perda dolorosa.
A morte nesse sistema familiar, por suas características, deve ter provocado
um grande impacto, causando o rompimento do sistema. Segundo Brown (1995),
alguns fatores contribuem para a intensificação dos sintomas. São eles:
História de perdas anteriores - como a morte do pai de Bruna, de forma que a
família revive esta perda anterior, pois os movimentos familiares ocorrem ao
longo de um eixo transgeracional;
Timing da morte no ciclo de vida - Bruna estava numa fase de aquisição, de
mudanças com a chegada do filho e precisava começar a se preparar para o
fechamento desse processo. Para a família, perder um membro adulto jovem
representa o corte de uma transição normativa da vida;
Natureza da morte, que, neste caso, foi rápida e a família não se preparou
suficientemente para tal, pois, o período entre o diagnóstico e a morte foi, em
média, 10 dias; ao mesmo tempo a família vivenciou o estresse da indefinição
entre vida e morte, fator este também bastante desgastante.
Posição e função da pessoa no sistema familiar - quanto mais central a
posição da pessoa que está morrendo, maior a reação da família. Bruna era a
irmã mais velha, que tinha uma representação significativa na história familiar,
109
diante da união de seus pais e da morte súbita do pai, bem como pelo
discurso da família de que tomava a frente de tudo.
Diante do relato da família sobre o acompanhamento de Alice no hospital,
podemos contemplar o comportamento da família quanto ao contato com a criança
na fase de internação, após o nascimento prematuro: de contínua preocupação e
necessidade de manter o vínculo com a criança. A recuperação do bebê
hospitalizado depende não apenas dos cuidados médicos, mas também dos
cuidados e do afeto fornecidos por seus genitores (LAMY; GOMES;
CARVALHO,1997). Brazelton (1994), Tamez e Silva (1999) também mencionam a
importância da presença e participação dos pais (neste caso, figuras parentais)
durante o período de internação para eles e para o bebê. A separação precoce entre
progenitores e o bebê reflete no desenvolvimento das primeiras relações afetivas e
sociais.
A respeito das incertezas quanto à sobrevivência de Alice, pontuada pela mãe
adotiva, observa-se que eles optaram por investir e acreditar na sobrevivência,
simbolizada pela confecção do enxoval. A família também aborda as dúvidas quanto
ao desenvolvimento da criança em decorrência da prematuridade. Houve, portanto,
preocupação com o futuro.
Constatamos uma pergunta que os pais sempre se fazem: se terão condições
de cuidar daquele bebê tão frágil, principalmente na fase de adaptação, o que
demonstra insegurança quanto ao saber lidar com ela, precisando, portanto, nestes
momentos, de apoio e orientações. De acordo com Brazelton (1988), os pais
experimentam ansiedade, à medida que tentam encarar as crescentes
110
responsabilidades. Não importa o quanto tenham aprendido sobre o bebê, ainda
assim estão angustiados e assustados.
O comentário da mãe adotiva sobre a resistência ao apego refere-se aos
enfermeiros e isso nos fez questionar se não era a ela própria. Ela fala sobre isso
quando relata o momento em que pegou a criança nos braços. Observa-se o medo
de se apegar à criança diante do risco de morte. Surgem, portanto, sentimentos
ambivalentes nesse período. Principalmente, nesse caso em que houve uma perda
recente e essa criança vem para “substituir” a pessoa perdida.
Segundo Brazelton (1988), a relação de apego depende das possibilidades de
sobrevivência do bebê, havendo inclusive uma variação cultural em relação ao afeto
entre pais e filhos, de acordo com a mortalidade infantil. De forma que a família cria
mecanismos de defesa relacionados ao apego.
A reação da avó quanto a uma intercorrência com a criança, demonstra a
preocupação com a possibilidade de morte ainda muito presente. Não deve ser fácil
para a família reconstruir sua percepção em relação à criança. Segundo Brazelton
(1988, p. 171):
Não existe um modo realista de superar estes medos de perder o bebê. O
stress causado por vê-lo passar por todo aquele sofrimento é tão grande que
provavelmente deixará suas marcas.
A respeito dos estímulos iniciais ao desenvolvimento de Alice, a mãe
comenta: “é aquela coisa de você ir acreditando, né?” A mãe adotiva confirma quão
grande precisa ser o investimento para cuidar de uma criança prematura, e que é
mais difícil do que imaginavam.
É preciso acreditar na criança para que se possa investir, inclusive para que
possa investir nela própria. Para Brazelton (1988), quando os pais apresentam
expectativas de fracasso, isto é, não acreditam no potencial da criança, com o
111
passar do tempo ela também espera sua derrota; passam então a falhar e a não
valorizar o que podem fazer. É fundamental, portanto, para o sucesso, que a família
acredite na criança.
Paralelamente, a evolução da criança interfere no investimento familiar. Ela é
um feedback para o crédito dado pela família. “Assim, cada estágio de seu
desenvolvimento permite que criem um pouco mais de esperança” (BRAZELTON,
1988, p. 171). De acordo com a compreensão da família enquanto sistema, a
mudança que ocorre em um de seus membros interfere nos demais. Há uma
interdependência entre todos os elementos de um sistema relacionados aos
conceitos de feedback ou retroalimentação. Por conta da evolução da criança que
funciona como um output, a família, que já acreditava e investia (input), tem um
feedback positivo. Tem a certeza de que este é o caminho a ser percorrido e sente-
se motivada a continuar o percurso em prol do desenvolvimento da criança
(VASCONCELLOS, 2003).
Percebemos que, na percepção da avó, a criança é responsável pela própria
vitória, necessitando de sua participação, de seu desejo quanto ao desenvolvimento,
sem dispensar a participação da família que é muito importante no processo. Esta
visão é primordial para o crescimento familiar.
A superproteção pode interferir negativamente na evolução da criança.
Percebe-se que mãe e avó se trabalham para não superproteger a criança, embora
esta seja a tendência. De acordo com Bowlby (1990), em decorrência do apego, a
reação imediata da mãe, após o choro da criança, é entrar em ação por conta do
comportamento de recuperação, também chamado de “cuidados maternos” que têm
como objetivo manter a proximidade do bebê, conservar o vínculo.
112
Na passagem da entrevista em que elas falam um pouco sobre o dilema entre
fazer a vontade da criança e fazer o que acham que é o melhor, percebe-se a
importância da unidade da família. Decidem juntos os passos a seguir, bem como a
importância da compreensão e do esclarecimento de todos quanto ao quadro da
criança e suas possibilidades de evolução. A integração entre os componentes da
família é fundamental, pois, no momento em que um fraqueja, o outro reforça o
ânimo e, assim, se mantém as metas para alcançar os objetivos.
Percebemos a importância da religião para lidar com as dificuldades,
interferindo na forma de enxergar o evento (a missão de cuidar de Alice e a
convicção de que pela crença deve-se cumpri-la e aceitá-la de bom grado); o
discurso da família quanto à identidade de Alice (que independe de Bruna),
provavelmente algo que, em nível consciente ou inconsciente, tentam se trabalhar,
pois, como inicialmente citado, a impressão diante do discurso familiar e da própria
história é de substituição de lugar que esta criança ocupa na família. Nessa
passagem, também se vê a repetição na história familiar: ser “mãe do coração”,
papel da mãe (avó da criança) admirado pela filha.
Quanto à “ausência” do pai biológico, observa-se um tom de ironia, durante a
entrevista, demonstrando que a relação entre eles não é boa. A mãe adotiva de
Alice parecia ter a necessidade de falar sobre o assunto. A entrevista mudou um
pouco de percurso, mas logo ela retomou.
Ela fala que não é só uma questão financeira. De fato não é. É uma questão
de valorização da história familiar marcada de batalhas e que ela faz questão de não
esquecer. Parece-nos que esse pai representa alguém que vem destruir um
pedacinho dessa história. Não sabemos ao certo o que o leva a tamanha distância e
nem podemos acusá-lo simplesmente. Segundo Brown (1995), é muito difícil
113
vivenciar a morte do cônjuge num momento como esse, de espera de um filho, de
construção de uma vida a dois. Conforme a avó paterna de Alice, Bruna foi o grande
amor da vida de seu filho. E não sabemos como ocorreu a elaboração do luto. Brown
(1995, p. 400) refere esse problema como um fator que interfere no ajustamento
entre pais e filhos e exemplifica através de uma citação de um progenitor
vivenciando seu luto pelo cônjuge: “todos os dias sou confrontado com a realidade
de jamais ver meus filhos crescerem. É difícil até olhar para eles, quanto mais fazer
planos para o seu futuro.”
Dentre as passagens citadas que se referem ao lugar de Bruna, assumido
pela mãe adotiva de Alice, há uma passagem que demonstra o sentimento da figura
protetora, guardiã...e repetindo, de certa forma, a história da mãe que se casa com
seu cunhado após uma morte trágica... Vale compreendermos um pouco a história
familiar, pois esta interfere na sua relação com o pai de Alice e, conseqüentemente,
na relação entre pai e filha.
Quanto aos eventos da família, observa-se também contradição da herança.
Relata a avó de Alice que seus pais eram rigorosos e ela, liberal e deixa escapar
muito respeito à opinião dos filhos.
A expressão “valeria a pena”, relacionada à amamentação, implica na relação
custo-benefício, ou seja, diante do sacrifício, se realmente haveria resultados, pois
havia incertezas quanto ao sucesso do procedimento. Quando a mãe fala sobre o
trabalho, revela que conciliar os afazeres cotidianos com a situação não é fácil, é
preciso adaptar-se à nova rotina. São momentos marcados de indefinição e
angústia.
Segundo Maldonado (1997), o primeiro evento social – e talvez o mais crítico
da vida de uma criança - ocorre entre mãe e filho na situação de alimentação. E
114
ainda: a amamentação propicia oportunidade de maior envolvimento afetivo. Spitz
(2000) diz que o amor e a afeição da mãe tornam o bebê um objeto de contínuo
interesse para a mãe. Ela lhe oferece uma gama sempre renovada, rica e variada de
experiências vitais. A percepção afetiva do bebê nos primeiros meses predomina
sobre outros modos de percepção, portanto, os afetos desse momento vão conferir
qualidade às experiências do bebê, interferindo na sua formação. O autor
exemplifica como uma das ricas experiências o ato da alimentação e, mais
especificamente, a amamentação.
Há ansiedade frente às incertezas. Falkas (1994, p. 22) cita que cada
aquisição da criança que acontece dentro do prazo de normalidade é um alívio para
os pais. Os momentos de expectativa pelas aquisições e o cumprimento das etapas
são tomados de tensão e ansiedade. A autora, enquanto mãe de uma criança com
necessidades especiais, cita: “cada vez que Sheila superava uma etapa, eu
acreditava que sua normalidade seria alcançada lentamente, que finalmente viria.”
O comentário da neurologista acerca da equoterapia ratifica o referencial
teórico explanado anteriormente, relacionado à riqueza de estímulos presentes
nesta abordagem terapêutica. Mãe e avó dão depoimento quanto à importância
desta para o crescimento de Alice. Terapia acreditada desde o início por elas
mediante a indicação de profissionais que conquistaram seu respeito e lhe
despertaram expectativas pelo novo tipo de abordagem até então desconhecido. É
muito importante a família acreditar no tratamento, pois, disso decorre o investimento
e a confiança, de forma a favorecer o andamento do processo.
Observa-se que, na fase inicial, o vínculo formado com os terapeutas é muito
forte diante das necessidades de apoio à família, pois, esta se sente meio que
“perdida” ante às incertezas. Também se acha despreparada para “dar conta” de
115
tudo sozinha, gerando certa dependência do profissional. Fato evidenciado na
possibilidade de perda da fonoaudióloga.
Quanto à organização do tempo de Alice, sua MA percebe a importância de
equilibrar os estímulos é fundamental para o desenvolvimento saudável. Este sofre,
muitas vezes, interferências negativas pela sobrecarga de “compromissos” a que a
criança com necessidades especiais é submetida.
A respeito do processo de adaptação de Alice à equoterapia, segundo
Queiroz (2003), esta, naturalmente, já se compõe de um ambiente rico em estímulos
e, se associada a outros procedimentos, pode ser desorganizador. É preciso
equilibrar a quantidade de materiais dispostos no picadeiro, bem como os oferecidos
durante as atividades realizadas. É importante que os estímulos sejam graduais,
priorizando a interação da criança com o cavalo e o ambiente, bem como é
necessário o suporte da equipe na fase de adaptação.
A adaptação da criança a um lugar estranho ao seio familiar tem relação com
a vivência do apego e desapego, relacionados também à segurança. A criança, num
lugar estranho, distancia-se das figuras de apego, o que pode provocar
insegurança. Porém, o momento precisa ser bem mediado, de modo a fornecer
suporte à angústia, pois, segundo Winnnicott (1997, p. 45), nas circunstâncias mais
satisfatórias da vivência do apego, isto é, na segurança de um cuidado
suficientemente bom, a criança começa a viver uma vida pessoal e individual. “É o
ambiente circundante que torna possível o crescimento de cada criança; sem uma
confiabilidade ambiental mínima, o crescimento da criança não pode se desenrolar,
ou desenrola-se com distorções.”
A mãe adotiva fala sobre a evolução da relação entre a criança e o cavalo. O
vínculo da criança com os terapeutas parece estar condicionado à ligação com o
116
animal, pois, o importante é estar com alguém que lhe proporcione contato
prazeroso com ele. Alice mantém uma boa relação com os terapeutas, mesmo com
aqueles que não a atendem diretamente, mas estão em contato no picadeiro e vão
se tornando familiares a ela. Apresenta evolução no comportamento de defesa,
aspecto comentado pela mãe adotiva. Podemos considerar tal aquisição como um
grande passo, se recordarmos a revisão teórica sobre as conseqüências da
prematuridade. Em decorrência da imaturidade dos órgãos e sistemas, a criança
prematura não consegue se expressar ou reagir aos estímulos que lhe são
desagradáveis. Alice já reage às provocações de colegas da escola, o que
representa um ganho da criança na interação social. Por conseguir reagir, sente
segurança em realizar trocas com o meio.
Nota-se a presença do estigma dos colegas da escola que acham seu atraso
de linguagem “meio estranho”. O olhar dos colegas, por sua vez, tem repercussões
no comportamento da criança que se intimida ainda mais pelas reações deles. A
mãe adotiva fala sobre seu irmão que tem necessidades especiais, e é observada
uma boa visão da família, pois, discutem o estigma social e a necessidade de a
sociedade adaptar-se ao sujeito considerado diferente.
A mãe adotiva usa o termo “bombada” para os estímulos externos
relacionados às terapias, na idéia de que todos os estímulos possíveis foram
aplicados. Utiliza a expressão “evoluir com ele”, dando idéia de integração familiar,
de unidade. Não foi o seu irmão que não evoluiu, mas a família não evoluiu com ele.
Nos comentários sobre equoterapia observa-se que, para a família da criança,
o andar a cavalo significava nova possibilidade, principalmente por relacionar-se
com um esporte que possui um certo status.
117
O momento de separação na sessão de equoterapia, comentado pela mãe
adotiva como importante para o desenvolvimento da criança é justificável:
O mais puro sinal de apego é a capacidade de enfrentar a separação, nos
estágios apropriados do desenvolvimento da criança. Isto é muito importante
para sua capacidade de agir por si mesmo e de aprender sobre a excitação
da autonomia. As aquisições autônomas são a base para a confiança do
bebê em si mesmo – e forma os ingredientes de seu ego. Qualquer coisa que
o bebê aprenda por si mesmo tende a ser mais gratificante para ele do que
se os pais lhe dessem todo o aprendizado (BRAZELTON,1988, p. 183 - 184).
Durante a entrevista a mãe adotiva pára e briga com Alice que entra na sala.
Coloca limite, pois Alice estava circulando pela sala e, para chamar sua atenção,
bate em seu pé. Mãe diz: Alice, oh! passe, vá, você machucou meu pé e tá doendo;
vá, saia, não estou brincando com você, vá pra lá, mainha está ocupada, com
licença, não volte...
O limite é dado pela mãe adotiva. A disciplina é organizadora.
Através dela a criança aprende que existem regras, normas que precisam ser
seguidas. Isto prepara a criança para conviver na sociedade.
Pelo relato da mãe adotiva, nota-se que o tio é uma figura de apego muito
importante para a criança, e é a figura masculina mais próxima a ela. Enquanto que
a lei, na ausência do pai, parece ser representada pela própria mãe.
De acordo com Winnicott (1997), para dar continuidade à tarefa da mãe, a
família da criança e o pai são as únicas entidades que podem atender às
necessidades do indivíduo, que incluem tanto a dependência como seu caminhar em
direção à independência.
E toda a proteção da família é bem compreendida ante à fragilidade física e
afetiva da criança. A evolução da criança e seu caminho para a independência dão
um retorno à família sobre suas possibilidades, gerando um aprendizado para esta.
Ainda para Winnicott (1999), os vários membros da família desempenham
papéis diferentes, sendo estes utilizados pelas crianças para ampliar o campo de
experiências na qualidade das idas e vindas, referentes ao apego e desapego.
118
Dessa forma Winnicott (1999, p. 134) coloca que “o jogo familiar é um preparo
perfeito para a vida”.
Observou-se que a família de Alice faz questão de deixar claro que fazia tudo
de que ela precisava, além de demonstrar o vínculo com a criança como uma forma
de desculpabilizar-se diante da missão decorrente daquela morte.
119
6.1.2 Entrevista com os profissionais da equoterapia
(ver anexo E)
LEGENDA:
P: Psicóloga
PPG: Psicopedagoga
FN: Fonoaudióloga
E: Entrevistadora
Na entrevista estavam presentes a
psicóloga, a psicopedagoga e a
fonoaudióloga. Logo que entrou na equoterapia, a criança foi acompanhada pela
psicóloga e fonoaudióloga. Psicóloga para favorecer a adaptação da criança ao
processo terapêutico; fonoaudióloga pelo atraso de linguagem apresentado por ela.
Segundo a psicóloga, a criança começou equoterapia com 1 ano e 10 meses. Cerca
de 2 anos de tratamento após, quando a criança estava mais madura, houve uma
mudança de atendimento. Entrou a psicopedagoga. A fonoaudióloga está com Alice
desde o início.
Conforme a psicóloga, essa passagem de terapeutas, de psicóloga para
psicopedagoga foi muito tranqüila. E ocorreu em decorrência de seu
amadurecimento e a necessidade de trabalhar outras aquisições na área do
aprendizado. Pra mim foi surpreendente... a PPG se aproximou, ela aceitou bem e
quando eu saí, na primeira sessão, ela simplesmente me ignorou, muito tranqüila, foi
resolvidíssima, né? Aquelas coisas que você fica esperando pelo menos que ela
olhe pra trás, mas ela montou e foi em frente.
A psicopedagoga complementa: um pouco frustrante para a psicóloga... Mas
bastante saudável para o praticante (risos). E relata que a passagem não foi
dolorosa porque já existia uma aproximação de longe, então ela brincava, ela falava.
As terapeutas faziam um trabalho de grupo com a criança que a PPG atendia no
120
mesmo horário, o que facilitou esse processo. A psicóloga coloca que a PPG, por
conta disso, era uma pessoa familiar à criança.
O que favoreceu a tranqüilidade da mudança, segundo a fono, também foi
sua permanência que já era uma referência, bem como a manutenção do cavalo
com quem a criança já tinha um vínculo. De acordo com a PPG, a fonoaudióloga
era a profissional que, desde o início, atendia Alice, então era a grande referência.
Realmente ela não se sentiu solta.
A PPG justifica a escolha do momento para a transição profissional. A criança
já havia atingido certa maturidade e a psicopedagogia pôde iniciar o trabalho, pois,
para a psicopedagogia inicial é preciso que a criança esteja num processo de
simbolização, de construção. De acordo com a fono o comportamento da menina já
demonstrou bastante maturidade.
A entrevistadora pede à equipe para explicar melhor o motivo da escolha das
terapeutas dada a existência de outras áreas profissionais na equipe.
A PPG pretende favorecer a alfabetização e a aquisição de uma linguagem, a
partir do momento em que a criança tiver uma relação simbólica; e linguagem não
apenas oral, mas a nível de compreensão, de contextualização. A psicóloga, pela
importância da construção do vínculo, de todo esse apoio por conta de uma história
singular. No caso da fonoaudiologia, para trabalhar a linguagem.
De acordo com a FN, Alice apresenta evolução na comunicação: não só ela
não se comunicava oralmente, mas era também inexpressiva, tinha algumas
expressões básicas e era inexpressiva em termos gestuais também. Tinha um déficit
tanto de linguagem oral, como verbal e não verbal.
121
A PPG fala sobre a coadjuvância da equoterapia, ressaltando a importância
das terapias tradicionais e como o trabalho conjunto é importante para as
modificações relacionadas à imaturidade na linguagem.
A entrevistadora solicita à psicopedagoga que fale um pouco mais sobre o
processo de simbolização e a importância para o seu trabalho na equoterapia. Ela
responde: a aprendizagem formal só se inicia a partir do momento em que a criança
simboliza. A criança assume a aquisição simbólica quando ela passa a se nomear,
assumir a condição de singularidade como sujeito; até então, ela era um ser
indiferente a isso. Hoje, Alice se conhece, Alice se nomeia, Alice se comunica e
interage. Então, ela está realmente numa construção simbólica. Ela conta estória,
ela consegue dar significados a objetos, o objeto estando presente ou não, isso faz
parte do simbólico. A partir deste momento, entra a questão da aprendizagem
formal, aprendizagem sistemática que é a aprendizagem escolar.
P: Alice é uma criança que tem uma história de vida singular, triste e dolorosa. E ela
chegou aqui trazendo essa carga toda, uma carga muito pesada. A psicóloga
concorda com o que a fonoaudióloga havia comentado anteriormente: ela não tinha
expressão facial condizente com o que se supunha que ela estivesse sentindo, não
respondia aos estímulos. Quando ela chorava era muito chocante de ver, ela não
chorava, as lágrimas desciam dos olhos, mas não expressava sentimentos, não
expressava movimento de negação. Então, ela sentava sobre o cavalo, praticamente
imóvel, as lágrimas desciam e a gente deduzia que a situação, por algum motivo,
estava desagradável, desconfortável e se tinha sempre esse cuidado, essa atenção
de amenizar a situação. E isso, coincidentemente, nós observamos numa criança
que tinha uma história de UTI semelhante à de Alice (caso Larissa). Ela negava,
122
uma negação do mundo... a impressão que eu tinha era de que ela estava
transferindo essa aprendizagem de UTI, onde ela era manuseada e impotente.
Segundo a equipe, era um comportamento passivo, de conformismo. A
criança não tomava iniciativa em nenhuma atividade. Ela não expressava os
sentimentos de dor, de alegria, ela não passava isso para as pessoas que a
atendiam. Comentam que a evolução da criança tem sido significativa. De acordo
com a PPG, ela é outra criança, ela brinca, ela conta uma história, ela dança, ela
interage, ela escolhe, ela é um ser desejante... ela aceita, ela rejeita, enfim, ela é
ela. A FN complementa: ela mantém um diálogo, relata fatos passados.
De acordo com a psicóloga, Alice apresentou em duas ocasiões regressão,
fato compreendido e aceito pela equipe. Ela começou a desejar a mãe mais perto e
demonstrou insegurança. Com todo esse processo de pós-maturidade, é como se
tivesse regredido, por fatos, situações que aconteceram em casa, mudanças,
afastamento da avó, etc. E foi uma coisa maravilhosa porque significava que ela
estava sentindo, ela estava vivenciando. Isso se refletiu na equoterapia, pois na
insegurança em deixar a mãe, não se permitia afastar-se dela; também ficava
dividida entre abandonar a mãe e se aproximar do cavalo, com quem ela tinha uma
relação de afeto. Viveu essa dicotomia.
Chegava ao cavalo, a equipe facilitava, lógico! Montava, mas durante as
sessões, precisava da referência da mãe, passar por perto de onde a mãe estava
(P). De acordo com a FN, a criança segurava a alça com muita força, com muita
insegurança, sem fazer alteração ou mudança de postura, sempre naquela mesma
postura e tensa.
Mas, o sucesso, de acordo com a psicóloga, não se deve apenas à equipe e à
mãe. Hoje a criança consegue resolver as dificuldades rapidamente. Atualmente
123
aconteceu o afastamento do tio, figura parental, e ela lidou de uma forma bem mais
amena, assim como a morte de um peixe de estimação, oportunidade em que a mãe
lhe falou sobre a vida e a morte.
A FN complementa que, além desses fatos, houve o nascimento de uma outra
criança na família. Acontecimento importante, pois Alice era a única criança da
família para quem se dirigiam todas as atenções. A FN: um sobrinho que nasceu
agora ela já soube lidar de forma melhor, mais madura, e ela relata isso verbalmente
pra gente, com gestos. Ela já brinca com objetos concretos e não concretos, ela já
responde de forma mais abstrata, então ela teve um crescimento não só emocional,
mas também de linguagem, um crescimento bastante completo.
A entrevistadora indagou sobre a presença dos diferentes profissionais numa
sessão de equoterapia. Segundo a psicóloga, eles compõem uma equipe
interdisciplinar, somando-se ao ambiente e ao cavalo. E a equoterapia é justamente
esse conjunto. De acordo com a FN, em cada momento, existem as prioridades
dentro da equipe. Exemplificando fala que podem estar a fonoaudióloga e a
psicóloga, mas, se naquele momento houve uma regressão, a psicologia vai atuar
mais. Dentro da equipe há um respeito e principalmente o olhar voltado para a
criança, de forma que o objetivo do trabalho será de acordo com o que ela está
trazendo.
A psicopedagoga refere que a equipe trabalha com o conteúdo latente, ou
seja, o potencial que a criança tem, mas que por falta de estímulos ainda não
desenvolveu. O material que Alice solicita será explorado pela equipe de variadas
formas, cada um dentro de sua especificidade. A abordagem dos profissionais
ocorrerá de acordo com as carências da criança, o que há de aquisições que
precisam ser estimuladas e as necessidades emergentes.
124
A entrevistadora solicita ao grupo que fale um pouco mais de como percebem
a evolução de Alice na equoterapia.
PPG: Talvez seja mais fácil para eu falar porque eu estou há menos tempo com ela,
então eu tive uma boa observação de fora. Eu acho que Alice foi uma criança que
nos deu mais uma vez a certeza da importância do trabalho da equoterapia. Quando
Alice chegou, não interagia, era um bebê, extremamente imaturo, um bebê até
largado, e em período relativamente curto, praticamente 2 anos, é outra criança.
Uma criança que adquiriu um crescimento maturacional muito grande diante da
história de vida e que adquiriu conquistas que, talvez, num outro momento não
conseguisse. Eu não estou querendo colocar a equoterapia como uma varinha de
condão, nem como um milagre, mas sim como possibilidades, mais uma
possibilidade que surgiu pra Alice e que a família compreendeu...
...É muito importante a gente destacar aqui o papel da família, porque quando
a família participa, aceita e interage com o profissional, o crescimento é maior, o
peso da família é muito grande, e acho que a equoterapia pra Alice tem dado
excelentes resultados e a tendência é essa. A gente ainda tem muito mais a fazer,
eu acho que agora é que ela vai realmente no grande pique dela (PPG).
A psicóloga ratifica o comentário da PPG: agora, a criança está
desabrochando, aberta pra receber. Antes, iam ao lado dela, conduzindo pra que ela
chegasse o momento de poder, enfim, receber o que a equipe tinha a oferecer.
A PPG diz que a postura da equipe foi importante:
a gente ter oferecido a
oportunidade de entender esses momentos dela, dar essa devida contenção,
entender essa evolução... a gente não pode estar ligada no cronológico, mas no
tempo subjetivo e eu acho que é esta a grande importância, a gente ver Alice dentro
125
do tempo dela, dentro do ritmo dela... E nessa perspectiva eu acho que nós, como
profissionais estamos muito gratificadas.
A entrevistadora perguntou o que a equipe observou durante as sessões de
equoterapia, quanto às relações socioafetivas de Alice.
A psicóloga refere como fundamental a relação dela com o cavalo. Ela o leva
para casa, onde fala sobre ele, veste a camisa do cavalo. No desenvolvimento da
noção espaço-temporal, está aprendendo com prazer qual o dia do cavalo. Num dos
contatos com a mãe de Alice, na mudança de terapeutas, a psicóloga relata que,
comentando sobre sua evolução, a mãe ficou temerosa quanto à possibilidade de
alta da criança, falando que o problema será quando ela perder o animal. A
psicóloga entendeu que ela se referia especificamente a Princesa, a égua da
criança. Explicou-lhe que só a perderia, se ela morresse, mas que seria substituída
por outro cavalo. Porém, a mãe explica que se referiu à relação dela com a
equoterapia: “uma relação muito forte.” E a partir daí, com o cavalo, com a as
pessoas, com os brinquedos, com tudo ela se relaciona e vivencia. Ela vivencia cada
coisa aqui (P).
A fonoaudióloga cita que Alice leva seus pertences ao picadeiro para mostrar
ao cavalo: como óculos novos, a bolsa nova... E uma das primeiras vocalizações
que ela fez na sessão foi o som do cavalo, o estribuchar.
De acordo com a PPG: o cavalo para Alice é um objeto transicional que tem
toda uma representação pra ela. Ele é um amigo que ela não só mantém aqui no
espaço Caxangá, mas transcende, vai pra todos os espaços onde ela convive. A
terapeuta comenta sobre um episódio em que a encontrou num supermercado, num
ambiente diferente e com uma roupa diferente, sem a farda, o que dificultaria o
reconhecimento e na época em que ainda não a atendia. Nos braços da mãe, antes
126
de a mãe vê-la, Alice tenta mostrá-la, fazendo o movimento do cavalo.
Comunicando, ela fez a associação... visualizou. Exemplo de simbolização: ela
conseguiu ver uma figura e, imediatamente, simbolizou o ambiente da equoterapia.
Segundo a FN, a equipe busca fazer um trabalho de socialização com outras
crianças e Alice interage bem, busca e gosta dessa interação, ela busca outros
cavalos da equoterapia... ela conta, busca outros animais, aponta, chama (ver anexo
F – fotografia 3).
PPG: tudo que a cerca, ela observa tudo, ela critica e quando ela não quer mais, ela
solicita a troca, porque num outro momento isso não acontecia. Agora quando ela
não quer mais interagir com outra criança ela pede outra coisa e deixa de lado. Ela
saiu daquela condição de um ser passivo e hoje ela é uma pessoa extremamente
ativa. Ativa e participativa, cada vez mais.
A entrevistadora questiona de que forma a equoterapia pode favorecer o
desenvolvimento socioafetivo. De acordo com a psicopedagoga, primeiro o cavalo
faz o papel de mediador na equoterapia, ele já introduz a criança num espaço
inclusivo. Ela vem pra cá numa condição de defasagens, por conta de sua
singularidade e, através do processo equoterápico, encontra um ambiente propício
para fazer novas amizades e construir conhecimento... existe todo um ambiente
propício para a socialização e a aprendizagem, seja esta através dos objetos ou
através de atitudes e trocas com pessoas. Pois, ela está interagindo com pessoas
mais velhas, com pessoas da idade dela, com outros animais. É um espaço muito
aberto e livre, de forma que numa atividade no exterior do picadeiro, ela tem contato
com um cachorro, percebendo que é um animal diferente do que ela está montada...
127
A fonoaudióloga refere-se ao ambiente equoterápico como prazeroso,
diferenciado, pois, de forma lúdica, começa a interagir e a socializar, facilitando o
processo.
Segundo a psicopedagoga, Alice vai à sessão com o intuito de brincar com o
cavalo. É através desse lúdico que o processo equoterápico propicia toda essa
construção socioafetiva.
Para a psicóloga e a psicopedagoga, por ser um animal de grande porte, o
campo visual é diferenciado, e a criança é colocada acima dos demais. Em cima do
animal, controla-o e, nessa condição, a auto-estima é elevada. Trabalha
inseguranças, angústias e medos e aprende a superá-los. Sobre o cavalo ela não
está só, está acompanhada de um amigo íntimo que tem uma aceitação
incondicional, então, nessa condição ela vai interagir com o mundo, brincar numa
condição favorecida.
PPG: Dominando e se deixando dominar. Essa relação da dialética das diferenças é
que é importante pra ela... e uma coisa que eu acho importante colocar é o estar
num princípio de realidade também, porque a gente sabe que nesta idade o
princípio do prazer tem mais peso. Ela não aceita bem as regras, as normas, ela
está ainda nesse processo de aceitação, mas o processo equoterápico faz com que
ela tenha um horário fixo com regras, ela tem que chegar na hora, sair na hora, ela
tem que se despedir, ela tem que saber a hora de montar, a hora de descer, enfim,
está lidando ali com regras e procedimentos.
Segundo a equipe, a sessão tem começo, meio e final, toda uma seqüência.
A criança precisa se sujeitar ao tempo do cavalo que pára pra fazer cocô, xixi, se
balança pra tanger inseto, muitas vezes assustando quem está em cima. Essas são
128
diferenças que Alice vai ter que conviver e dominar, superar a insegurança nessa
condição.
A FN fala sobre o respeito ao momento do outro como facilitador da
socialização, tanto entre os terapeutas como entre eles e a criança: cada um tem o
seu tempo de fala, então ela aguarda a vez da gente, mas a gente também respeita
muito o tempo dela... mesmo que a resposta dela não seja verbal, seja um gesto, um
olhar... E quando aguardamos uma resposta, faz com que ela saiba que vai ser
ouvida, então ela busca trazer mais respostas, busca evoluir mais nessa fala porque
ela sabe que ali vai ter um ‘feedback’, vai ter um retorno... isso está ajudando sua
socialização.
A entrevistadora indaga sobre o envolvimento familiar no processo
equoterápico. De acordo com a equipe, em geral quem acompanha a criança é a
mãe. A avó e o tio já acompanharam algumas, mas a grande presença é da mãe
(PPG). A família se envolve, participa, não procura atrapalhar em nada, mas está
sempre pronta para contribuir na relação com os profissionais. A interação com os
profissionais é muito boa, de forma que sempre responde às perguntas dos
terapeutas, coloca a equipe a par, traz fotos para compartilhar os bons momentos da
criança, o que, segundo a FN, facilita seu trabalho para exploração dos
acontecimentos de fora no diálogo. É uma relação saudável entre profissionais e
família... há uma relação de confiança, fundamental pra qualquer processo
terapêutico
(PPG). Qualquer mudança no procedimento, como por exemplo, usar o
capacete, colocar uma sela, dentre outros, que algumas vezes gera tensão na
criança, a equipe conta com toda a colaboração da família.
Além disso, segundo a equipe, a mãe adotiva sente muito prazer em ver a
filha realizada. Alice entra rindo e sai rindo, mas não é uma risada sem sentido, mas
129
dentro de um contexto, de prazer, de satisfação, algo gratificante para a mãe que
reconhece e investe no processo.
Segundo a psicóloga e a psicopedagoga, a mãe é muito madura e consciente.
É uma pessoa esclarecida que lida com muita diversidade. Não apenas lida, mas
relaciona-se bem com a diversidade. Não é aquela aceitação racional, é uma
aceitação real, o que facilita qualquer relação. Uma mãe muito presente. Pontuam
também a participação da família inteira nas atividades de Alice.
A PPG relata a atuação da criança no São João. Alice escolheu amarela a cor
do vestido de matuta. Honrando sua capacidade de escolha, a mãe procurou muito e
o encontrou. Alice dançou a festa com o vestido amarelo, sendo essa a primeira
coisa que fez referência ao chegar.
A entrevistadora indagou como a família se envolveu no processo de
adaptação da criança na equoterapia.
A PPG iniciou a resposta da equipe, falando sobre a entrada da criança. A
mãe de Alice recebeu indicação de outra pessoa que já estava com o filho na
equoterapia e havia elogiado bastante o tratamento, de forma que a mãe chegou
com um olhar muito receptivo. Ela já veio transferencialmente com um vínculo
construído. Tudo faz parte de um processo transferencial. Se você constrói um
vínculo positivo, a tendência das relações é dar certo, e isso tudo ajudou o processo
de entrada de Alice, porque ela veio com bons olhos, querendo ajudar em todos os
sentidos, não se negou a nenhum tipo de questionamento, de avaliação, aceitou
todas as avaliações que foram necessárias. Porque a gente sabe que, às vezes, a
família boicota, boicota dados importantes.
Quanto à adaptação ao processo terapêutico, a fonoaudióloga cita que foi
respeitado o tempo da criança: o momento que ela permitia subir no cavalo, quanto
130
tempo ela permitiria ficar. Não era o tempo da sessão, era o tempo dela, menor,
maior. A mãe tamm transmitia muita segurança, tranqüilidade, isso tudo foi muito
importante, não só a gente, mas a mãe também passar essa segurança do animal, o
que era desconhecido pra ela.
Inicialmente, foram realizadas atividades relacionadas à aproximação da
criança com o cavalo para comer a cenoura, o toque, a sensibilização. Tudo isso
ajudou muito nesse entrosamento, pois, quando chegou, ela era assustada com o
animal. E aí houve toda uma preocupação da equipe em dar tempo a ela, conviver
com a situação e, aos poucos, ir construindo o vínculo, já que este não surge de
imediato, precisa de tempo. E de pessoa para pessoa esse tempo difere.
A equipe se refere à atitude assustada da criança em relação ao cavalo por
ser algo desconhecido. Além disso, o fato da prematuridade, da imaturidade dela.
Eu percebo Alice como um desafio para a equoterapia, porque ela veio muito
imatura, muito pequenininha em todos os sentidos e foi realmente um desafio (PPG).
P: E era assustador, de fato, porque ela, muito pequenininha, leve, em cima de um
cavalo pequeno, mas ela ficava muito alta, longe do chão, embora se procurasse
sempre manter o contato físico, mas quando o cavalo se balançava para afastar os
insetos, sacolejava muito, era realmente muito assustador e hoje ela ri dessa
situação, mas foi um caminho até chegar aí.
Segundo a PPG, outro fator difícil na adaptação foi a questão da relação do
toque, devido à história de vida pretérita de Alice que ficou algum tempo numa UTI.
Não se sabe como foi esse manuseio, essa aproximação, como foram esses
primeiros toques inscritos no seu interior. Eu acho que aqui ela fez todo um
processo, ela reviveu, vamos dizer assim, porque há estudos que comprovam que o
movimento do cavalo propicia uma porção de coisas relacionadas à função materna.
131
Realmente foram muitos momentos até dolorosos pra ela. Foi de grande ajuda a
equipe ter respeitado esse tempo dela, sua relação com o dócil cavalo... Tudo isso
contribuiu no processo.
A psicóloga complementa o comentário da PPG sobre a passagem de Alice
pela UTI, designando o ritmo como enlouquecedor: o toque, estímulo,
prematuridade, a perda da mãe biológica, a substituição pela mãe adotiva, o
manuseio, os maus tratos de UTI... A perda da mãe biológica vai ser reelaborada e
o afeto da mãe adotiva vai amenizar. A forma como ela vai conduzir isso, como ela
vai viver com esse trauma vai depender das relações que ela vai desenvolver ao
longo da vida. Nisso o ritmo do cavalo ao passo associa-se ao ritmo do útero, o
calor, a temperatura...
Foi dada a oportunidade, mas Alice teve esse contato quando ela achou que
era o momento. A equipe oferecia, dava condição. Ela podia ir ou não. A
psicopedagoga ressalta que o resgate foi construído pela criança. Vem sendo feito
por ela.
6.1.2.1 Análise clínica da entrevista com os profissionais da equoterapia do caso
Alice
Percebeu-se que o funcionamento do Núcleo de Equoterapia favorece a
socialização. Numa sessão, além de a criança manter contato com seus terapeutas,
tem a possibilidade de fazê-lo também com outras crianças e outros terapeutas,
ampliando seu círculo social. Dessa forma, Alice recebeu bem a psicopedagoga que
lhe era “familiar”. O termo “familiar”, utilizado pela psicóloga, traz a idéia de
132
cotidiano, continuidade, aproximação e vínculo. A equoterapia, portanto, propiciou a
oportunidade de desenvolvimento de relações afetivas.
Observa-se que a equipe valoriza o vínculo afetivo, percebendo-o como
facilitador do processo terapêutico, no momento em que cita a preocupação com a
troca de terapeutas e de cavalo, bem como em outros momentos (ver anexo F –
fotografia 5) .
A passagem a respeito da coadjuvância da equoterapia, isto é, enquanto
terapia complementar aos tratamentos tradicionais, ratifica o discurso da mãe de
Alice que atribui a evolução da criança a todas as terapias. Na revisão teórica
encontramos tal reflexão: a equoterapia não substitui os tratamentos tradicionais,
mas é coadjuvante no processo de evolução do praticante.
Inicialmente, segundo a equipe, Alice não conseguia chorar. De acordo com
Brazelton (1988), o choro, para o bebê frágil ou prematuro é um sinal excelente de
força. O choro exige muito do bebê. Os bebês prematuros não somente podem não
conseguir reunir forças para chorar, até que estejam razoavelmente bem
organizados; também não conseguem manter este esforço por muito tempo.
A equipe relata que a criança demonstrou necessidade de ver a mãe adotiva
durante a sessão. Revela o comportamento de apego. De acordo com Bowlby (1998,
p. 38 - 40):
O comportamento de apego é interpretado como qualquer forma de
comportamento que resulta na consecução ou conservação, por uma pessoa,
da proximidade de alguma outra diferenciada e preferida...a manutenção
inquestionada de um laço é experienciada como uma fonte de segurança, e a
sua renovação, como uma fonte de alegria...a ameaça de perda provoca
ansiedade.
Segundo o autor, o choro e o agarramento são características desse
comportamento e o laço com a figura de apego (mãe) é restabelecido quando essas
ações são bem-sucedidas, de forma que os estados de tensão e aflição são
133
aliviados. Segundo relato da equipe, em conjunto com a mãe adotiva, buscam todos
uma ação bem-sucedida, oferecem à criança uma relação de confiança. Ela sabe
que, embora se descole da mãe, esta permanece lá, ao voltar. Durante a sessão a
equipe dá suporte à angústia da criança, enquanto propicia a visibilidade da mãe.
Precisamos estar atentos à inscrição do lugar de Alice na família, conforme
discussão na análise de entrevista com os pais. No comentário da FN, nasceu um
sobrinho de Alice, porém, de acordo com a entrevista com os responsáveis pela
criança, o parentesco da criança é um primo. Sobrinho seria se ela estivesse se
referindo à Bruna ou à mãe adotiva.
A fala da equipe condiz com a discussão realizada na entrevista com os
responsáveis, quanto à importância de a família acreditar na abordagem terapêutica
para a eficácia do tratamento. Apresenta um discurso igual ao da mãe adotiva em
sua entrevista, quando se refere ao respeito pelo tempo da criança. Isso é muito
importante e a criança não se sente pressionada, é respeitada.
A respeito da interação de Alice e o cavalo, observamos que ela o percebe
como um ser animado. A relação de afeto é construída e firmada pela continuidade
do tratamento que, por sua vez, é facilitada pelo investimento dos familiares.
Quanto ao temor da mãe adotiva em face de alta da criança, relembramos
seu comentário na entrevista com os responsáveis, quando fala sobre sua
resistência à mudança de fonoaudióloga. Da mesma forma, a mãe poderia estar
mantendo uma relação de dependência a esse tratamento que tem facilitado várias
conquistas e desempenha um papel significativo quanto às suas vitórias.
A respeito da construção do vínculo da criança com o cavalo, tão importante
para a participação da criança na equoterapia, de acordo com Lermontov (2004), a
relação cavalo/ praticante pode ser de bem-estar ou de mal-estar. A relação pode
134
ser negativa, se o praticante sente medo e angústia em relação ao animal. Para que
ela seja positiva, proporcionando prazer tanto à criança quanto ao cavalo, os
terapeutas precisam fazer com que o praticante não tenha medo do animal,
aproximando-os gradualmente.
A motivação de Alice é de extrema importância para seu desenvolvimento.
Manifesta-se aberta aos estímulos provenientes do ambiente e participa mais
ativamente das sessões terapêuticas. Por ser uma terapia tão prazerosa, em
especial pelo vínculo com o animal, a criança e a família investem afetivamente. Isso
proporciona um grande aprendizado.
135
6.1.3 Observações de sessões da equoterapia
1ª observação
A criança desce do carro com olhos “brilhantes”, olhando para a psicóloga e o
picadeiro. Não se dirigiu espontaneamente para o cavalo no início da sessão.
Quando monta, segura bem as rédeas. Interage bem com a terapeuta, olha para ela
enquanto ela fala, responde através de alguns sons e algumas palavras. Falou pela
1ª vez na sessão “cavalo”. Quando passa pela mãe adotiva, enquanto percorre o
picadeiro, olha em sua direção. Tem noção de perigo, mantém-se segurando a alça.
A terapeuta chama a atenção da criança para contar os cavalos que estão fora da
área do picadeiro e o faz com ela. A menina imita o gesto de contar com os dedos. A
terapeuta pergunta pelo seu cavalo e ela aponta. Em seguida, pede para olhar para
ele e ela o faz.
A égua (Princesa) parou para defecar e a terapeuta aproveitou para falarem
sobre isso. A criança olhou e falou: cocô. A terapeuta pergunta-lhe se ele terminou e
ela lhe responde: não, tanto verbalmente como gestualmente (com a cabeça).
Quando Princesa concluiu, a criança olhou para a terapeuta num gesto sinalizador.
Posteriormente a terapeuta leva a criança até o som e a incentiva a bater palmas. A
criança corresponde sem resistência. Olha para o som, interage com a terapeuta
(bate as palmas das mãos nas palmas das mãos dela). Compreende bem o
momento musical. Sorri ao ouvir a música. Enquanto o cavalo está se distanciando,
olha para o som e para a outra praticante. A terapeuta lhe diz que sua colega ficou
atrás e a criança balança a cabeça confirmando.
136
No momento de saída, a terapeuta sugere: Vamos dar tchau? A criança dá
tchau aos outros cavalos e à observadora (pesquisadora). Para descer, a criança
contribui com sua ajuda, mas carece da ajuda do terapeuta. Olha para o animal e se
despede. Não o abraça, nem faz carinho no momento da despedida.
Nessa sessão, demonstra boa comunicação e desenvoltura na linguagem
verbal. Isso se constitui uma boa resposta para as terapeutas.
2ª observação
A criança espera na rampa, junto com as terapeutas, o auxiliar-guia trazer o
cavalo a quem observa, acompanhando-o e quando ele chega, olha pra sua cabeça.
Atenta à sua reação, cautelosa, sonda se realmente pode montá-lo. Durante o
passeio, percebe a presença da observadora por perto. Segura a alça, expressando
noção de perigo. Inicialmente está atenta às terapeutas, mas logo depois dirige sua
atenção ao ambiente e a tudo o que há em sua volta. Inicialmente olha para a
observadora e não parece estar muito atenta ao que as terapeutas falam. No
momento da realização de uma determinada atividade, antes da terapeuta entregar
o brinquedo à criança, coloca-o primeiro para a égua cheirar, conhecer ou
reconhecer o material e não se assustar. E a criança acompanha essa ação.
Após a introdução do objeto (fantoche do sapo), ela passa a ouvir mais as
terapeutas, a interagir melhor. A criança pega o fantoche, a terapeuta o coloca em
sua mão, e ela atende aos “comandos” das terapeutas, como, por exemplo, levando
o sapo a abraçar Princesa. Em seguida, conduz o fantoche ao encontro das
terapeutas. Brinca com dois fantoches em mãos diferentes (vaca e sapo) e os faz se
137
encontrarem. Quando as terapeutas perguntam se podem guardar os animais, ela os
entrega e emite um som, balançando a cabeça, concordando.
No momento de descer da égua, a criança olha para sua cabeça, mas não lhe
faz carinho. Ajuda a descer do animal, fazendo movimento com o corpo e membros
inferiores e, logo que vê a mãe adotiva, dirige-se a ela. Vão de mãos dadas e não
olha para trás, apenas quando ouve o tchau.
3ª observação
Esta é a sessão de retorno das férias. A criança desce do carro atenta às
pessoas, sorridente e logo procura a égua. Monta com ajuda, olha o animal, tenta
interagir. Quando entra no picadeiro, montada sozinha, mas com acompanhamento
lateral da psicóloga e da fonoaudióloga, dirige o olhar para os outros cavalos do
picadeiro, sorrindo com expressão de satisfação. Segura a alça e imita a égua,
balançando a cabeça quando ela estribucha. Durante a sessão, faz carinho em sua
crina.
A criança permanece atenta ao ambiente, observa as pessoas no picadeiro,
os outros cavalos e os terapeutas. Suas terapeutas orientam o auxiliar-guia a parar
para ver outra criança que estava com outro cavalo, no solo (não montada). Ela
tchau a esta colega, saudando-a e permanece atenta a ela que estava tocando o
“pé” de seu cavalo com o auxílio do equitador. Alice olhou para os pés da sua égua,
comparando-os com os pés do cavalo de sua colega, mostrando-os (apontando). As
terapeutas perguntaram o nome de seu cavalo e Alice disse: Rubinho (o cavalo
anterior), mas aí estas lhe explicaram que Rubinho era o cavalo que tinham visto há
pouco. O seu cavalo é Prin... (terapeutas deixaram a criança complementar) e a
138
criança correspondeu: cesa, embora com dificuldade. Depois, os cavalos foram
pareados (agora já a colega montada). Alice olha atentamente para a terapeuta da
colega que, no momento, estava cantando, fica atenta aos sons de sua boca, e,
tenta imitá-la.
A mudança de cavalo ocorreu por doença de Princesa, quando então Rubinho
foi o substituto. Segundo a equipe, existe um cuidado quanto a essas trocas,
respeitando o vínculo afetivo entre a criança e o animal.
4ª observação
Assim que chegou, a criança falou o nome de sua égua: “Princesinha”. Um
apelido carinhoso, expressão de afeto pelo desenvolvimento do vínculo. Vai com a
FN ao encontro de sua égua, alisa-lhe a face juntamente com a FN, fitando-lhe os
olhos. Antes de montar, imita a terapeuta e faz carinho na crina de Princesa. Após
montar, com o estímulo da FN, solta-lhe “beijinho”, estimulando-a a andar.
Quando entra, a criança observa o picadeiro e, quando a égua pára, a FN
fala: vamos colocar o... e a criança complementa adequadamente: estribo. Palavra
que não é de seu dia-a-dia, mas linguagem própria da equoterapia. A criança segura
na alça com segurança. Num determinado momento da sessão, o cavalo fica parado
e a FN brinca de esconde-esconde com a mão nos olhos. A criança fica atenta à
brincadeira, mas não quer levar as mãos aos olhos para se esconder. Responde:
não, mas sorri à brincadeira. FN leva um livro e a criança solta a alça e abre o livro.
Enquanto a FN conta a estória, a criança passa as páginas com a mão
esquerda, esperando o momento adequado para fazê-lo, de acordo com o
andamento da estória. Ajuda a contar, utilizando já um vocabulário rico de palavras:
139
rato, galinha, dormir... Permanece atenta às figuras do livro, ao enredo. Quando
acaba, a FN pergunta se ela quer mais, apontando para o livro, e ela responde: não.
FN pergunta: quer outro? E ela reponde: outro. A terapeuta lhe pediu escolher
entre duas estórias: galinha e coelho. Ela aponta e diz: coelho. Quando quis
guardar essa estória disse: guardou. Nesse momento da sessão o cavalo estava
parado.
Após voltar a andar, conversam sobre a escola e a massinha. A criança faz o
gesto de amassar com a mão direita. Emparelham seu cavalo com o da colega, ela a
olha atentamente e brincam de bola. Alice sorri, recebe a bola adequadamente, e a
manda de volta. Utiliza as duas mãos e apresenta bom equilíbrio de tronco. Observa
sua colega que parece ser “diferente” para ela, pois é uma criança com um déficit de
interação. A psicóloga, terapeuta desta, pergunta se Alice aceita sentar-se na
garupa, junto com sua colega. Ela responde não, movimentando a cabeça.
A seguir a criança chama a psicóloga para passearem, num gesto com o
corpo. E assim saíram do picadeiro para ver a casa de Princesa, a baia. Observa o
ambiente, mas quando se distancia do picadeiro, logo pergunta: mainha? A
psicóloga lhe disse que sua mãe iria ficar lhe esperando e ela se tranqüilizou. Na
baia, a criança olha atentamente os cavalos, cada casa, tchau para eles, aponta-
os e fica curiosa ao relinchar de alguns. Para descer do cavalo, a FN a estimula a
tirar o pé, e ela tira sozinha e, espontaneamente, alisa sua crina com carinho e diz:
tchau,
estimulada pela fonoaudióloga; depois dá
tchau
a todos. No término da
sessão foi ao encontro da “mainha” e lhe deu um grande abraço.
140
5ª observação
A criança desce do carro sorrindo, de mãos dadas com a mãe adotiva.
Quando a FN se aproxima, pede a Alice dizer por que não compareceu à sessão na
semana passada e ela diz: dodói. MA: doente de quê? Gripe, responde. Alice
demonstra não querer se separar da mãe adotiva que então lhe diz: mainha vai ficar
aqui lendo jornal, vá. A menina lhe dá um forte abraço e sai com a FN. Dentro do
picadeiro usa o termo “gripada”. Antes de entrar no picadeiro, a mãe adotiva conta
que ela dissera estar “triste”, pois estava gripada, ao que ela lhe perguntou: por quê?
Porque eu tô chorando, respondeu enfática. A criança associou as lágrimas da gripe
com o sentimento de tristeza.
Nessa sessão já havia sido realizada a mudança de terapeutas. Tanto pelas
necessidades do caso, como pelo movimento transferencial com a psicopedagoga
que estava constantemente presente no picadeiro no horário de sua sessão, em
atendimento a outra criança. Assim Alice passou a ser atendida por FN e
psicopedagoga. Estas lhe falam sobre aquário e peixes. A menina diz os nomes dos
peixes e a parte da casa onde eles ficam: quarto. Perguntam o que tem no quarto e
onde guarda as roupas, e ela responde: cama, guarda-roupa. A psicopedagoga
trabalha noções de forte/ fraco, grande/ pequeno. Alice acompanha, apreende,
segundo a terapeuta. Faz gesto de forte.
Num momento, as terapeutas param e iniciam jogo de bola para a criança
jogá-la dentro da cesta e ela participa bem, demonstrando boa coordenação motora.
Sorri e se diverte. A psicopedagoga joga forte e ela não segura a bola. Brinca, diz
que comeu feijão e está com o bucho cheio; fala: cheio e aponta para a barriga,
141
depois levanta a blusa e enche o “bucho”. Na despedida a FN canta a música do
tchau, tchau”, e Alice complementa. Participa da despedida.
6.1.3.1 Análise clínica das observações das sessões
É interessante observar a evolução da criança quanto ao vínculo e à
linguagem, num período de 6 meses. Sua evolução socioafetiva é percebida através
de diversas aquisições. Houve um aumento de palavras no vocabulário, com o
desenvolvimento da linguagem oral, o que tem favorecido sua comunicação. Já
pode ser mais bem compreendida nas trocas com a equipe, havendo com isso
estimulação cognitiva, como no diálogo entre a psicopedagoga e a criança sobre
seu quarto e diversos conceitos.
Alice interagiu com outra praticante da sessão num jogo de bola, bem como
demonstrou saudades no retorno das férias, mas demonstrou resistência a montar
com ela. Tal interação exige uma relação de confiança, e, de certa forma, intimidade,
pois ocorre um contato corpo a corpo. Para quem tem uma história difícil em relação
ao toque, esse procedimento pode se tornar, de certa forma, invasivo. Observou-se
que sua reposta de negação foi respeitada pela equipe.
Sua relação com a equipe parece ser muito boa e, embora a criança tenha
contato com outras pessoas durante a sessão, como terapeutas e praticantes, é
respeitado o limite que a criança coloca quanto a suas relações afetivas. Notou-se
também importância dessas trocas para sua socialização, benefício que pode ser
exemplificado pela troca da psicóloga pela psicopedagoga, que foi ocorrendo
naturalmente, dentro do processo transferencial. A criança teve opções para realizar
142
sua escolha. A capacidade de escolha da criança é um grande passo na sua
constituição como sujeito, como citado anteriormente pela psicopedagoga.
Percebeu-se, igualmente, fortalecimento do seu vínculo afetivo com o cavalo
3
,
pois, no início, ela percebia o animal, mas ainda não demonstrava afeto
espontaneamente. Alice, no decorrer dos atendimentos, passa a chamar a égua com
um apelido, demonstrando seu carinho. Os momentos inicial e final, de chegada da
criança e montaria, bem como despedida, traduzem a melhora na confiança da
criança em relação ao seu cavalo. Tudo isso é estimulado pela equipe e todo o
processo entre “estar sobre o cavalo” e “estar com o cavalo”, não apenas o
percebendo como um instrumento, mas como seu aliado. A visita à casa do animal
fez a criança conhecê-lo um pouco mais, pois teve acesso à sua “morada” tornando-
se mais íntima e se pôde constatar o amadurecimento do comportamento de apego
ao suportar o distanciamento da mãe adotiva.
Esse é apenas um recorte do tratamento realizado há cerca de 2 anos e meio.
Se compararmos os dados das observações com a descrição dos terapeutas e
responsáveis sobre a fase inicial da relação de Alice e o cavalo, percebemos o grau
de evolução.
Observou-se também que o desenvolvimento percepto-motor favorece o
desenvolvimento socioafetivo, a partir do momento em que, associado à confiança
no animal, lhe fornece segurança de que poderá soltar a alça do cavalo, usar as
duas mãos para jogar bola, para bater palmas, para explorar os brinquedos e o
ambiente com mais confiança em si mesma. Alice apresenta mais mobilidade. E
parece sentir-se, no decorrer das sessões, mais livre para decidir se vai subir ou
descer do cavalo. Tem, portanto, maior autonomia e independência.
3
O termo “cavalo”, nesta discussão, não se refere ao masculino, mas ao animal de uma forma geral, pois houve
uma mudança de cavalo para égua, no decorrer do tratamento, e o vínculo da criança parece ter se estendido, o
significado parece estar em sua relação com o animal. Tal troca foi trabalhada pela equipe.
143
6.2 Caso Larissa
6.2.1 Entrevista com os responsáveis
(ver anexo C)
ENTREVISTADOS: pai e mãe biológicos.
DADOS SOBRE A CRIANÇA:
NOME NA PESQUISA: Larissa
IDADE: 3 anos e meio.
DATA DE NASCIMENTO: 23 de junho de 2000.
DADOS SOBRE OS PAIS:
FAIXA ETÁRIA: entre 30 e 35 anos.
ESCOLARIDADE: nível superior.
RELIGIÃO: Evangélicos.
LEGENDA:
M: Mãe
P: Pai
E: Entrevistadora
Conversando sobre a pesquisa e seu objetivo, a mãe interrompeu colocando-
se da seguinte forma: a gente não tem nenhuma restrição quanto a isso, porque pra
gente a prematuridade de Larissa aconteceu, então ela tem algumas deficiências?
Tem, mas a gente dá graças a Deus que são só essas. Então pra gente tem em
Larissa as coisas que são mais doídas da gente lidar, as limitações dela e o quanto
144
isso faz falta pra ela, mas assim, a gente quer mais é que isso sirva pra outras
pessoas. Pra outras mães que estão passando pelo que a gente passou, ver que é
possível ter o que Larissa teve e estar como ela está. Então a gente não tem
nenhum constrangimento em relação a isso.
A entrevistadora pergunta sobre o contexto familiar, com quem Larissa
convive e que atividades ela faz. A mãe responde que a criança convive mais com
os pais, a babá que é quem fica maior parte do tempo com ela e a outra pessoa que
trabalha na casa, há mais ou menos 1 mês, mas com quem já se entrosou. Refere
que a criança tem facilidade pra se adaptar, pois, basta brincar um pouquinho com
ela e ela já se encanta. Cita também os avós maternos, a tia, esposo e filhos que
convivem mais com a criança do que parentes paternos, pois estes moram num
bairro mais distante. Mãe refere que ela já chama os nomes dos primos maternos e
que sempre estão juntos nos finais de semana. Pai interfere e diz: digamos que ela
vê meus pais uma vez por mês, e todo o final de semana, os outros. Segundo a
mãe, o avô materno também vê a criança quando vai buscá-la na escola.
Falando sobre a história familiar, os pais de Larissa contaram como se
conheceram e como resolveram ter filhos. Eles são da cidade do Recife e se
conheceram num São João, no interior de Pernambuco. Começaram a namorar e,
após 1 ano e meio, se casaram. Decidiram ter filho, após 3 anos de casados e
passaram 1 ano e meio tentando.
M:
Minha gravidez foi muito difícil, realmente um período muito difícil da vida da
gente. A gente sempre foi muito ligado; minha família, meus pais, minha irmã, tudo
muito afetivo, aquela coisa de tá sempre muito grudado, ta sempre ligado. Já a
família de...(esposo), eles já são mais... todo europeu, meus sogros são
145
portugueses, já tem uma afetividade... minha sogra já é mais discreta, eles gostam,
eles vem, eles agradam, tudo, mas não é como é na minha família,né?
Segundo os pais de Larissa, o avô paterno é mais afetivo do que a avó, seria
exceção à regra: por isso Larissa fica agarrada com ele, normalmente, diz o pai, cuja
irmã é solteira e tem o temperamento semelhante ao da mãe que é mais
introspectiva.
Nesse momento, a mãe de Larissa fala sobre a família paterna, porém
somente o pai dá continuidade. A mãe fala com certo tom de crítica, mas parece ter
cuidado com as expressões que utiliza, relacionadas à família do esposo.
M: Já minha irmã não, o meu cunhado vem, se preocupa e agarra, pega Larissa e
leva, fica lá com ela, essa coisa assim muito próxima.
A entrevistadora retoma o assunto comentado pela mãe sobre a gestação.
Mãe e pai contam a história, de forma que um complementa o outro, tiram dúvidas
entre si. Com 1 semana que soube estar grávida, 3 meses de gestação, teve um
sangramento e ficou 1 mês de cama. Voltou a trabalhar por mais ou menos 1 mês e
meio. Teve contração e ficou mais 1 semana de cama. Novamente voltou a trabalhar
por mais ou menos 15 dias, fez uma herniação de bolsa e precisou ficar por 36 horas
de cabeça pra baixo literalmente (mãe), para a bolsa voltar ao lugar. Fez uma
cerclagem... ficou de repouso, só levantava para ir ao banheiro. Tomava banho uma
vez por dia, sentada.
Segundo a mãe de Larissa, nessa época eles não tinham empregada e o
marido lhe dava café, ligava a televisão e o ar-condicionado, deixava tudo
organizado e saía para o trabalho, afirma ele mesmo. Voltava com o almoço: eu
comia, ele ia embora, chegava de noite com meu jantar e eu deitada lá, estirada
(mãe fala e sorri)... mae tava com minha ir que também tava com uma
146
gravidez de alto risco e tinha duas filhas pequenas; tava grávida do terceiro, então
ajudando pra cima e pra baixo (sua mãe também lhe deu um suporte), comenta ela.
Os pais relatam que do período de gestação, mais ou menos 1 mês foi no
hospital. Os pais parecem confundir o tempo da gestação, visto que quando se
somam os períodos por eles citados, ultrapassa o tempo gestacional. Parecem ficar
meio confusos.
M: Mesmo assim eu fiz outra herniação pior do que a primeira, aí fui pro hospital,
fiquei 3 semanas internada, de novo de cabeça pra baixo, só que aí já não era tão
íngreme. Eu não me levantava pra mais nada, nem banho, nem banheiro, nem nada,
comia de cabeça pra baixo, dormia, tudo. Após as 3 semanas no hospital, nasceu
Larissa, com 5 meses e meio, ou seja, cerca de 25 semanas, sendo, portanto
classificada como prematuridade extrema. Ela nasceu numa sexta-feira e a mãe
recebeu alta na segunda-feira após.
A entrevistadora indaga quanto tempo Larissa ficou na incubadora. Ela ficou
inicialmente na UTI, depois em berço aquecido para ir para a incubadora, passando
nesta apenas 24 horas.
Pai e mãe ficam confusos diante do tempo e assistência até chegarem a uma
conclusão juntos: no início, quando ela nasceu, era muito pequena, pesava 595 g e
media 28 cm. A gente não tinha nem acesso a ela (P). Segundo a mãe, logo ao
nascer, Larissa ficou entubada por 24 horas; no decorrer de um procedimento
médico, ao dissecarem uma
veinha
(M), ela fez uma parada cardíaca de, mais ou
menos, meia hora. Ela nada respondia. Chamaram o cardiologista que conseguiu
reverter a situação e ela voltou. A criança foi novamente entubada, por mais umas
48 horas. Continuou com auxílio para a respiração. Foi para o halo
4
, um envoltório
4
Halo é mais um instrumento utilizado para auxiliar a respiração do recém-nascido. Tal denominação tem
relação com seu formato. Segundo o Aurélio, o termo halo significa: auréola; que tem forma esférica e envolve.
147
fechado que envolve a cabeça e favorece a entrada de oxigênio; depois precisou de
uma técnica mais intensa, o CPAP, respirador colocado no nariz que joga o oxigênio
direto com pressão. Após um tempo, retornou para o halo e daí foi para a
incubadora (ver anexo F – fotografia 1). Larissa ficou no hospital durante 4 meses.
Nessa ocasião, relembrando os momentos que passaram no hospital, contam
sobre uma criança, companheira de UTI de Larissa, que faleceu. Referem-se ao
nome da criança com carinho, em seu diminutivo. Depois Larissa foi para UTI 2,
onde se encontrava um menino, há 6 ou 7 meses. Na mesma semana que Larissa
fez 1 mês de nascida, ele morreu, diz a mãe. Os pais falam que após esse fato,
mudaram Larissa de UTI sem avisá-los, por conta da desinfecção do ambiente. Os
pais falam um pouco sobre o susto que o pai tomou. De acordo com a mãe, a sorte
foi ele (pai) que chegou lá, pois eu acho que eu teria caído durinha. O pai é muito
tranqüilo, aí foi procurar... e achou.
A entrevista questiona qual era o contato que os pais tinham com Larissa
nesse período. Responde a mãe: de início, a gente entrava, podia entrar, um de
cada vez, o pai ou a mãe, a gente só conversava com ela, a gente orava muito com
ela... Segurava na mãozinha dela. A gente tocava só na mãozinha, porque como a
pele dela era muito fininha, então qualquer coisa que você fazia nela sangrava.
Segurava no dedinho só, era só pra ela sentir que a gente tava ali.
A entrevistadora perguntou com que freqüência os pais visitavam a criança no
hospital. O pai logo responde:
todos os dias.
E a mãe:
em todos os momentos
vagos. Tinha dia, de madrugada, que a gente levantava, a gente olhava um para a
cara do outro e dizia: “tô com uma saudade tão grande dela, vamos lá.”
O pai ia com mais freqüência porque trabalhava lá perto, na época. A mãe
ligava para saber notícias da criança: ao acordar, quando chegava ao trabalho, entre
148
uma tarefa e outra. Trabalhava em diversos lugares e quando estava num local
próximo ao que a criança estava internada, ia vê-la, ficava um tempo com ela e
voltava ao trabalho. Ou no percurso entre um lugar e outro. Após chegarem do
trabalho, os pais de Larissa logo se organizavam e voltavam ao hospital para dar
boa noite à criança.
A respeito da volta da criança para casa, assunto abordado pela
entrevistadora, explica o pai: teve duas voltas, teve a volta sem ela no começo. E a
mãe comenta: essa foi a pior sensação que eu já senti na minha vida, foi sair com
um filho da barriga e chegar em casa de braços vazios. Eu acho que essa é a pior
sensação que uma mulher pode passar na vida... Quando Larissa veio, foi
maravilhoso. Com quase 4 meses de vida, a criança foi para casa. Após a mãe
permanecer com ela por 24 horas no hospital, período em que estava na
incubadora, o médico disse que ela já sabia cuidar bem da filha, que não precisava
ficar lá fazendo estágio. Liberou a criança para ir para casa.
Segundo o pai, Larissa nasceu em 23 de junho. Pra completar esse aperreio
todinho, ela nasceu em véspera de São João. Saiu do hospital dia 19 de outubro: dia
do aniversário da avó dela, minha mãe, o dia que ela saiu. Tais datas parecem ser
bem significativas para o pai, ele tem total domínio sobre o assunto.
A mãe complementa: aí ela veio, foi maravilhoso. O primeiro lugar que eu
levei minha filha, nós levamos nossa filha foi na igreja, do hospital fomos direto na
igreja, agradecemos ao Senhor, e aí viemos pra casa.
À chegada da criança, já tinha empregada em casa. A mãe passou o último
mês em que a criança estava no hospital, com ela, e 1 mês com ela em casa direto
após sua volta. Logo precisou voltar a trabalhar. A babá atual está com Larissa
desde dezembro do ano em que ela nasceu.
149
Quanto aos cuidados com Larissa, a entrevistadora pergunta se os pais
receberam muitas recomendações da equipe do hospital, ao que respondem não.
Talvez devido às experiências por que passaram e aos 4 meses de convivência.
A entrevistadora retoma o assunto sobre o contato dos pais com a criança. Os
pais se confundem quanto à variação de peso, mas concluem juntos: Larissa nasceu
com 595 g, perdeu para 450 g e atingiu 500 g em 1 mês e demorou um bom tempo
pra ganhar peso. Mãe diz que brincava com o pediatra: eu tô doida pra ter meio kg
de filha de novo, pelo amor de Deus!
Segundo os pais, somente puderam pegar a criança nos braços quando ela
estava com quase 800 g, com quase 3 meses. Diz a mãe: ela tava com 800 g, aí nós
começamos a pegar, foi que a gente botou ela no colo a primeira vez e assim... ai
que coisa maravilhosa! Mãe relata que estava junto da incubadora, brincando com
Larissa quando o médico entrou e então ela lhe disse: é tão ruim a gente ter uma
filha e nem poder botar ela no braço. Ele lhe respondeu: você pode, peraí. E a
seguir, diz ela, pegou-a, empacotou, arrumou, pois a criança ainda estava no
oxigênio. Aquele pacotinho de nada, mas foi a melhor coisa do mundo, aí depois eu
liguei pro pai, ele ficou doidinho, “ah! eu quero também.” A gente tem as fotos, ele
todo desajeitado com ela assim, bem pequenininha, comenta a mãe.
O pai revela que tinha medo e mãe complementa: no início, depois a gente
pegava ela numa boa, aquela coisa bem miudinha, bem pequena.
A entrevistadora questiona a indicação dos tratamentos para estímulo ao
desenvolvimento da criança. Inicialmente o pediatra pediu uma avaliação para a TO
e FN que achava que a criança não precisava naquela ocasião por sugar e deglutir
bem. O pediatra também fez indicação para a oftalmologista por conta da retinopatia
da prematuridade. Foi feito um laser duas vezes no olho esquerdo. Começou
150
tratamento terapêutico ocupacional, uma vez a cada 15 dias, depois, semanalmente,
às vezes, diariamente. Aos 9 meses, entrou na fonoaudiologia, por conta da pouca
diversidade de sons; com 1 ano e 9 meses, mais ou menos, entrou na equoterapia.
Segundo a mãe, o interesse pela equoterapia partiu dela, pois tinha visto uma
reportagem na televisão e, acompanhada da TO foi à neurologista, uma
neuropediatra conceituada no Recife. Questionando-a, a médica concordou e
indicou esse tratamento. De acordo com o pai, a única dúvida da médica foi em
relação à idade mínima para o início. A TO indicou o Núcleo de Equoterapia do
Caxangá Golf & Country Club.
Conforme a mãe, o que os levou a procurar a equoterapia foi correr atrás de
tudo que pudesse somar, desenvolver, tudo que pudesse somar, pudesse não, tudo
que possa somar, nós estamos investindo.
Após um período de 6 meses a 1 ano, foi realizada uma reunião entre os
profissionais que atendiam a criança na equoterapia e profissionais dos consultórios.
Resolveram introduzir a fisioterapia. No período da entrevista, a criança estava
entrando na hidroterapia. Por semana, fazia duas sessões de hidroterapia, duas de
fisioterapia motora, duas de terapia ocupacional, duas de fonoaudiologia e uma de
equoterapia.
A entrevistadora pede para que os pais falem sobre a interferência da
equoterapia no desenvolvimento da criança. Os pais pontuam, inicialmente, dois
aspectos: mãe cita o equilíbrio; o pai, o relacionamento. Ele refere-se a um colega,
“o companheiro dela”, um menino do mesmo horário, o Bosco.
P: Sempre conversam, sempre interagem, ele pergunta por ela, ela sempre fala
sobre ele, aponta, tal...eu acho que, enfim, toda aquela história, a relação com o
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cavalo também, que no começo ela não subia no cavalo de jeito nenhum...eu acho
que uma socialização também.
A mãe relata que na fase de adaptação, tinham que montar com ela, e o pai,
que tinha medo de cavalo, teve que passar por cima disso e montar com ela. Como
a mãe não podia ir às sessões, tinha que ser o pai. Este tem um horário de trabalho
mais flexível. A mãe brinca e diz: ah! meu filho, não tem jeito. É bom que trata os
dois: pai e filha (ri).
Mãe admite que Larissa demorou a se adaptar, ocorreu tal qual na
hidroterapia. A primeira vez, aceitou bem, mas depois rejeitou. A equipe esteve
aberta a sugestões quanto às preferências da criança para facilitar o trabalho.
Os pais fazem referência à mudança de horário, duas vezes, o que pôde ter
dificultado um pouco o processo de adaptação. Iniciou pela manhã, num horário em
que a mãe poderia levar, mas por conta da entrada na escola, mudou para um
horário de final de tarde, o qual ainda foi trocado para o início.
P: O que me chamou mais a atenção foi esse relacionamento dela com... realmente,
ela ficou mais independente. No começo, mesmo depois que eu desci do cavalo, eu
tinha que ficar de lado durante um bom tempo, eu tinha que andar ali do lado... eu
era obrigado a subir com ela no cavalo, levar ela até a porta, entrar um pouquinho e
depois descer. Agora, chego lá, ela vai já sozinha, às vezes vai com o pessoal da
equo mesmo e ela sai andando... já sobe.
Ainda sobre as repercussões da equoterapia no desenvolvimento de Larissa,
o pai aborda a evolução motora: evolução no equilíbrio, claro que teve, a gente
percebe como todo mundo fala. Mas eu acharia que ela já estaria andando,
entendeu? E ainda não tá, mas todo mundo que passa por ela diz: como ela tá bem,
a qualquer momento ela anda, só que esse a qualquer momento é um tempão pra
152
gente. Então o que chamou mais atenção de evolução em relação a ela foi mais a
parte social realmente. Eu acho que, com certeza, tem aquela parte da postura, que
ela hoje já tem uma postura no cavalo que ela não tinha no começo, dá pra
perceber, os exercícios paralelos que são feitos eu acho que ela ainda não interage,
interage mais, mas ela não interage como talvez eu esperasse também...
E continua... Eu acho que junta também a vontade... talvez a gente quisesse
que ela já estivesse andando. E a mãe complementa: talvez não, a gente com
certeza... O pai retoma: a gente quer.
Quando o pai fala sobre os “exercícios paralelos”, referindo-se às atividades
realizadas durante a sessão, questiona a diferença de idade existente entre Larissa
e seu colega de horário: talvez também seja porque a diferença é muito grande;
Bosco tem 8 anos e ela, 3 anos e meio.
P: Nesta última sexta-feira mesmo botaram a música pra dançar, ainda em cima dos
cavalos. Aí Bosco começou a fazer a coreografia que as meninas tavam fazendo e
Larissa não conseguia. Como Bosco estava chamando o avô e fazendo coreografia
para mostrá-lo, Larissa ficou olhando pra mim. Quando eu fiquei em pé, ela começou
a tentar fazer a coreografia, eu não precisei nem fazer nada, ela começou a levantar
a mão, quer dizer... Ajuda e também impõe a diferença da idade...
O pai também percebe os benefícios de o colega estar numa fase mais
avançada. Comenta que ele a chama para entrar no picadeiro e, a partir daí quando
ela chega primeiro, também o chama para entrar. Conclui, então, que ela está
aprendendo com ele.
A mãe complementa falando sobre a importância da escolha dos praticantes
presentes no mesmo horário, pois Larissa, inicialmente, montava no horário de Alice
153
(o primeiro caso da pesquisa) e quando esta teve uma regressão, chorando, Larissa
também voltou a apresentar resistência para montar no cavalo.
A entrevistadora reabre discussão sobre a preparação dos pais quanto à volta
da criança para casa.
Os pais comentam que se prepararam bem. Conversaram muito, na época
em que ela estava na UTI, que não poderiam superprotegê-la, independente de
orientações profissionais, por uma questão de bom senso. A mãe refere que
conversou sobre isso com o esposo e seus pais, apesar de ser difícil convencer os
avós da criança. Os pais falam que há superproteção dos avós e, se dependesse da
avó materna, Larissa estaria numa redoma de vidro, numa bolha, até hoje.
Segundo a mãe, quando Larissa era bebezinho, vivia no bercinho na sala. Foi
criada dormindo no barulho de televisão ligada, de luz acesa, não queria aquilo de
todo silêncio do mundo. É fresquinho, ventilado, portanto não precisa de ar-
condicionado o dia inteiro. Tomaram esta postura para que a criança não
estranhasse em ambiente externo e assim pudesse sair com seus pais. Ainda
comenta: desde o começo a gente conversou muito, desde a época da UTI. Dissera
ao marido: meu filho, a gente não pode superproteger Larissa, porque o mundo não
vai querer saber se nasceu de 5, de 7 de 9 (meses), vai ser tão duro pra ela quanto
é pra todo mundo, essa fase vai passar e ninguém vai querer saber de nada não, a
gente não pode fazer dela uma criança frágil, a gente tem que trabalhar isso, claro
que às vezes é difícil, às vezes você quer mais é proteger, principalmente quando
ela pede socorro, quando ela tá na deficiência e que ela pede socorro, né? Dá
vontade de amparar.
154
O pai dá continuidade ao pensamento: Mas eu acho que esse socorro que, às
vezes, a gente dá intuitivamente é o que faz ela ainda não se arriscar a andar. A
mãe questiona:Você acha isso, né?
P: Eu acho que ela não anda hoje, na minha opinião como leigo, não é por isso, mas
por não ter coragem de se arriscar a levar uma queda, eu acho que tá por aí...
De acordo com a mãe, quem fragiliza muito Larissa é a super babá...é
maravilhosa, mas tudo é: “minha pequenininha”; eu digo pra ela: “minha
pequenininha não, é minha mocinha, tem nada de pequenininha.” A mãe comenta
que é difícil lidar com esse comportamento da babá. O pai deu uma palmada em
Larissa que voltou chorando e a babá contou o fato à mãe da criança, indignada. Os
pais batem em Larissa para colocar limites, pois a criança tem apresentado
comportamento de birra, como morder as pessoas, por exemplo. Sempre que
acontece algo assim a criança chora e vai ao encontro da babá que a consola.
A entrevistadora indaga ser a educação familiar que os pais tiveram um dos
motivos dessa visão em relação à importância dos limites. A mãe relata que, em
casa, sempre o limite esteve presente. Já o pai diz que em sua casa sempre foi um
pouco mais flexível.
M: O limite era mais amplo. Na minha, não, era mais pão pão, queijo queijo. Mas os
meus pais sempre foram muito amigos, muito próximos (na do pai, não). Sempre a
gente conversava todo tipo de assunto, tudo, mas, tinha regras e que não deveriam
ser quebradas.
De acordo com o pai, na sua casa, também havia regras, mas eram mais
fáceis. Que comparadas com todo mundo, as minhas eram muito flexíveis, mas...
A mãe exemplifica, dizendo que na casa do pai podia escrever em parede.
155
P: Podia, mas eram regras... Porque se achava que aquele era o local, podia. Podia
brincar dentro da casa, não tinha vidro na casa pra gente poder brincar à vontade;
eram regras da casa, tinha nada de errado.
A mãe comenta que tem muito vidro em casa, mas nunca tirou e sempre
ensinou a Larissa que não era pra pegar, não era pra mexer. Segundo o pai, teve
uma fase em que ela tentava mexer e de acordo com a mãe, após ensiná-la: não
pode filha, não pode, atualmente ela não mexe.
A entrevistadora pergunta sobre a saúde de Larissa. Aos 9 meses ela teve a
primeira gripe, fazendo uma otite quando o tímpano rompeu por conta da secreção.
A partir daí, teve uma seqüência de otites em intervalos pequenos, por conta de
hipertrofia de adenóide. Isso se complicava porque ela rejeitava a medicação e
vomitava. Foi levantada a hipótese de cirurgia, quando os pais levaram a criança a
fazer tratamento homeopático. Com o tratamento, nos últimos 6 meses, a criança
melhorou, nunca mais gripou, nem teve otite.
Segundo a mãe, assim foi melhor, pois o otorrino cirurgião não queria operar
Larissa por conta de broncoespasmos severos que ela tinha quando gripava,
fazendo um chiado no peito, com tosse seca e vômito, aquela agonia.
Diante da colocação dos pais em relação ao quadro clínico de Larissa, a
entrevistadora indagou o que eles pensavam a respeito de sua sobrevivência.
Segundo o pai, eles tinham certeza de que ela iria superar. Parte de seus
amigos, os mais leigos no assunto, acreditavam que estava tudo bem, era mais fácil
aceitar, mas alguns outros se preocupavam com a mãe de Larissa e falavam com
sua família para prepará-la para a morte da criança. Mãe diz que, quando a criança
estava com 1 mês de nascida, começaram a fazer o quarto dela, o que aumentava a
angústia das pessoas que não achavam que ela sobreviveria. Os amigos mais
156
próximos se preocupavam opinando que, se Larissa não sobrevivesse, a mãe não
se recuperaria.
E a mãe comenta: porque aí foi não pela medicina, mas por uma questão de
fé cristã, a gente sabia que a nossa filha tinha vindo pra ficar, porque a gente tinha
tido alguns sinais de que a coisa não seria fácil. Quando eu tava grávida e tive
sangramento grande, teve oração aqui em casa e na ocasião uma das pessoas que
vinha orar aqui, ela revelou: olha... enquanto a gente orava aqui, o Senhor me
mostrou que ia colocar essa criança nos braços de vocês, Ele vai testar muito a fé
de vocês. Então, tudo o que eu passei na minha gravidez eu me lembrava disso, e
na véspera dela nascer, eu recebi um telefonema a cobrar no meu celular, de
Maceió e essa ligação nunca foi cobrada. Essa pessoa pedia pra falar comigo e ela
perguntou se eu conhecia alguma igreja evangélica. Era uma pessoa que não me
conhecia, e eu disse: eu sou evangélica, e ela disse: glória a Deus por isso, então eu
vou deixar só uma passagem pra você ler. Leia Isaías 60:1. Eu perguntei seu nome,
ela disse... e desligou... No dia seguinte, de manhã, Larissa nasceu... Naquele
momento, eu tive certeza que o Senhor tava falando ao nosso coração que a filha da
gente vinha pra ficar...
A passagem bíblica: “Levanta-te Jerusalém que o teu rosto brilhe de alegria,
pois já chegou a tua luz e a glória do Senhor já resplandece sobre ti”.
A mãe relata que as pessoas que não compartilhavam esta fé, achavam que
eles estavam malucos. Eles oravam e cantavam com ela na UTI, agradeciam,
sempre acreditaram que Deus tinha um propósito na vida de Larissa.
Para a mãe, além de toda a situação de Larissa nascer de parto normal, ela
teve que tirar a placenta que não saiu, correndo o risco de tirar seu útero, senão
poderia morrer sangrando e a médica conseguiu tirar só a placenta, não precisou
157
esterectomizá-la. Nesse momento estava completamente acordada na sala e seu
esposo assistiu ao parto. Ressalta que a cada má notícia que recebia, em vez de
entrar em desespero, ao contrário, Deus lhe dava mais paz e tranqüilidade. Eu
comecei a cantar e louvar ao Senhor dentro da sala, e o pessoal operando e eu
cantando e louvando ao Senhor até que terminou.
A mãe começa então a falar das dificuldades enfrentadas. Lembra-se da luta
ao nascimento da criança, a perspectiva da prematuridade. A respeito da
amamentação, fez de tudo, e apesar de toda estimulação, não tinha leite e
precisaram conseguir mães de leite logo após a primeira semana. Arregaçar as
mangas e correr atrás de leite ... o que diziam que era bom eu fazia... a gente foi cair
em campo... O pai refere que se ocupavam muito para conseguir leite para Larissa.
A rotina era coletar os leites, por longas distâncias, de muitas doadoras, levar para
casa, etiquetar, levar pro IMIP (Instituto Materno-infantil de Pernambuco) no outro
dia pra pasteurizar, levar de volta pra casa e esterilizar os vidros novos pra levar
para as mães. A criança tomou leite materno exclusivamente durante 5 meses e
meio.
Os pais também falam da necessidade de doação de sangue de 15 em 15
dias. Inicialmente, toda semana. Tinham que escolher os doadores, pois queriam
pessoas idôneas, que conhecessem a história, por causa dos riscos. E tinham que
dar conta de tudo isto, trabalhando. O pai diz que estava trabalhando normalmente;
a mãe ainda parou um momento.
Comentam que foi difícil, principalmente na primeira semana. Segundo a mãe,
cada vez que o telefone tocava... a parte emocional, a parte humana, o coração
disparava... Mesmo diante das dificuldades, pra eles era mais fácil do que para
outros pais que eles viam desesperados... Claro, foi difícil, era doído tudo, mas pra
158
gente foi mais fácil porque a gente se apoiava no Senhor, então o fardo ficou bem
mais leve.
A escolha dos padrinhos também esteve relacionada com a religião. A irmã e
o cunhado da mãe são muito ligados à criança, e ela a eles. Sua irmã era
evangélica, mas seu cunhado ainda não. Relatam que o aguardaram converter-se à
religião para então batizarem a criança, pois, queriam padrinhos que professassem a
mesma fé.
Ocorreu uma situação em que os pais contam em tom de comédia, pois, no
dia no nascimento, depois do estresse enfrentado, foi colhido sangue do cordão. E
após muita demora, o resultado chegou errado, pois para esse tipo de sangue
classificado, a criança seria filha da mãe com outro pai. Brincaram com a situação
até que classificaram o sangue da criança adequadamente. Nesse nascimento de
Larissa aconteceu de tudo, do risco, do trágico até o cômico, diz mãe. a O pai fala
muito orgulhoso: ela tem o meu sangue.
A entrevistadora questiona se os pais de Larissa pensam em ter outros filhos.
Segundo a mãe, cerca de 11 miomas aceleraram a prematuridade da criança e por
isso fez, após seu nascimento, uma miomectomia, o que causou obstrução nas duas
trompas por aderência. Fez uma cirurgia pra liberar e agora estão investindo para ter
outro filho. Mãe refere que está estimulando ovulação, mas apresenta incompetência
istmo cervical, problema que só se descobre na primeira gravidez. Submeteu-se à
cerclagem na gestação, porém, com a gestação adiantada não houve uma
sustentação boa, mas quando se faz ainda com o colo mais fechado, aí se consegue
levar até o fim da gravidez uma gestação direitinha, eu tenho esperança.
A entrevistadora perguntou sobre a rotina de Larissa, assim descrita:
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Acorda, toma banho, toma mamadeira ainda, às vezes acompanha os pais
comendo um sanduíche. Arruma-se, troca de roupa e vai à escola com o pai. Volta
da escola com o avô materno, na maioria das vezes. Em geral, essa
responsabilidade é dividida entre ele e os pais da criança. A criança almoça, brinca
com os amiguinhos do prédio e depois se arruma para ir às terapias. O pai faz
referência à agenda muito cheia de Larissa.
O percurso até as terapias é dividido. Segundo a mãe, no início, ela e o pai a
levavam. A gente fazia um esforço muito grande pra levar; eu levava, ele ia buscar.
Quebrava o dia da gente inteiro, era uma loucura. Começou a ficar muito difícil pra
mim e eu comecei a ficar muito angustiada, porque eu vivia atrasada, eu estava
sempre atrasada pra alguma coisa e ele também. A gente fazia isso pra mostrar que
tava sendo difícil pra ela, era um sacrifício (pra ela fazer as terapias) mas, a gente
tava ali do lado, a gente tava participando, a gente tava fazendo o sacrifício também,
só que depois dos 2 anos...ficou impossível...aumentou a atividade da gente, de
trabalho, a coisa tava ficando neurotizante... Tinha dia que eu só tinha vontade de
chorar, tava sempre em débito com alguém. Então, hoje em dia, eu sempre apelo o
“disk vovô”, “SOS vovô”, desabafa a mãe.
O pai fala que geralmente reveza com o avô materno as viagens para as
terapias. Fala com um certo orgulho que leva a criança à equoterapia. Revezou
apenas durante alguns meses com sua mãe (avó paterna de Larissa). Quando
ninguém pode, o motorista da sua irmã ajuda.
A respeito da relação da criança com a família, tema abordado pela
entrevistadora, a mãe fala que houve uma fase papai, papai, papai, a primeira
palavra que ela disse foi papai...tudo dela era com o pai... Eu chamava ela de filhote
de chocadeira (ri). E o pai complementa: mas hoje sai muito mais mamãe, hoje ela
160
tá na fase da mamãe. Mãe: mas agora ela exagerou, exagerou na fase mamãe, tem
hora que eu tô em tempo de pular daqui (ri). O pai acha que a fase mamãe é melhor
que a fase papai, porque na fase papai ela nem ligava pra mãe, tudo era o pai; hoje,
pelo menos, ela ainda tem o pai, ela ainda brinca com o pai, fala papai.
A entrevistadora indagou-os sobre a interação social e a relação afetiva da
criança com os pais. A mãe responde que a relação sempre foi muito forte e eles
sempre estiveram muito juntos. Sempre sentiram resposta da criança: no olhar, no
sorrir, ela sempre reagiu. O pai comenta que Larissa sabe o que quer e sempre
reage, consegue exprimir e agora está ficando temperamental e geniosa. E a mãe
comenta: quem herda não furta (ri).
O pai conta o fato de quando a criança não quis fazer a hidroterapia (segunda
sessão - fase de adaptação). Chegando em casa, para explicar o motivo ao pai, a
criança tossiu (ela já associou que, gripada não pode entrar na piscina). Então o pai
pergunta a ela: tá dodói? Ela responde: tá. O pai diz a ela que dodói não pode mais
descer para brincar. E ela na mesma hora respondeu: boa. Assim o pai pede que ela
diga a verdade para ele: você não queria era ficar hoje lá, não é? E ela balançou a
cabeça concordando. O pai já tinha descoberto seu segredo. Porém, para a mãe,
Larissa disse que estava doente; logo que a mãe chegou em casa, ela tossiu.
Ainda quanto à interação social, a mãe coloca que a criança é muito querida e
conhecida na escola. Na festa de São João três meninos a estavam disputando para
dançar. A mãe
não esperava por isso
, pois a criança precisa de ajuda, não tem um
bom equilíbrio. Disse que lá na escola eles são “os pais de Larissa”. Tal colocação é
bem significativa pois quer dizer que sua filha já tem uma identidade. Não são A
(mãe) e B (pai) os atores principais, o foco é a criança e eles são coadjuvantes. Eles
não são os pais de qualquer criança, observa a mãe, mas de uma criança muito
161
conhecida na escola, muito querida, e, por conta disso, eles também são conhecidos
– mãe demonstra muita satisfação. A mãe também reconhece que a escola favorece
muito essa interação.
Para o pai, a criança só passou do infantil I para o Infantil II por causa do
entrosamento com as crianças o que muito lhe beneficiou.
Diante do tema relação e interação, a entrevistadora pergunta o que os pais
acham que Larissa sente no contato com o cavalo. Mãe responde: não sei te dizer. E
o pai responde que o contato com o animal para ela hoje é um lazer; por ela duraria
mais tempo. Mas, como todo lazer, às vezes, ela não está com vontade de ir, está
cansada e chega lá quase dormindo. Então, nesse dia, ela não faz nem questão de
sair do cavalo, ou seja, de terminar a sessão.
Quando está mais alerta, a criança já conhece a entrada do Clube e quando
vê a grama, já grita no carro. A babá diz que é a casa de Rubinho, pois este foi o
primeiro cavalo com o qual ela teve um vínculo maior. Embora ela esteja andando
em Princesa, já que Rubinho está descansando (como lhe explica o pai), a criança
ainda associa cavalo a Rubinho. O pai refere: 80 % das vezes a equoterapia é um
grande divertimento e 20 % não é ruim, mas indiferente.
A entrevistadora pergunta aos pais como eles percebem a interferência da
equoterapia na independência da criança. O pai diz que, no começo, quando Larissa
andava no cavalo precisava ser segurada por duas pessoas (terapeutas), uma de
cada lado. Com o passar do tempo ela foi ganhando segurança em si e no cavalo,
até ficando mais forte das pernas. Ela, hoje, tem força realmente, ela segura, porque
faz parte do movimento.
Apesar de elogiar a evolução da criança, o pai a compara com seu colega de
horário, Bosco: ela ainda não está livre... é fácil comparar com Bosco porque tá lá do
162
lado... Bosco já anda solto com o pessoal, caminhando do lado. Ela ainda anda com
uma pessoa, normalmente, só segurando de um lado só, ou às vezes até apoiando
atrás, quer dizer eu acho que ela tá ganhando uma certa independência, limitada
ainda, mas... Não, eu nunca imaginei que ela fosse estar mais independente em
cima do cavalo. Agora, fora do cavalo sim, porque muito pequenininha nunca
imaginei ela sair andando só de cavalo com 3 anos de idade passeando por lá não.
Num momento posterior, a mãe comenta que o sobrinho, filho de sua irmã
(madrinha de Larissa), nasceu 1 dia antes de Larissa e que era inevitável comparar
seu desenvolvimento com o dela. Admite que a menina está bem, mas dizer que não
dói ao ver que ela tem algumas limitações é mentira.
6.2.1.1 Análise clínica da entrevista com os responsáveis por Larissa
As expectativas em relação a um filho com necessidades especiais geram
ansiedade na família. Ao mesmo tempo em que o pai cita a expectativa de que a
criança estivesse mais independente sobre o cavalo, diz nunca ter imaginado a
criança num estágio mais avançado. Portanto, reconhece a evolução da criança,
mas ao mesmo tempo, diante das expectativas, a evolução está aquém.
O pai compara o desenvolvimento de Larissa com o de Bosco, mas Bosco
tem uma patologia diferente. Ele tem síndrome de Down com retardo leve, bem
como é bem mais velho. O pai não percebe, neste final da entrevista, que essa
criança até cronologicamente está distante de Larissa, sendo esta diferença citada
por ele mesmo anteriormente, não cabendo portanto a comparação. A comparação
com outras crianças, em geral, faz parte do comportamento dos pais quanto ao
163
desenvolvimento da criança. A mãe também relatou comparação da filha com sua
sobrinha.
De acordo com Brazelton (1988, p. 173):
As mães de prematuros passam muito tempo comparando o progresso mais
lento e menos visível de seus filhos com o das crianças normais, e esta
comparação arrasa-as.
No início da entrevista, a mãe relata que os dois encaram bem tudo o que
aconteceu, todavia confessam perceber a diferença da criança de forma doída.
Diante das comparações, tentam encontrar a “normalidade” da criança,
neutralizando suas diferenças o máximo possível.
É importante discutirmos que o atraso no desenvolvimento da aquisição
motora, tão ansiada pelos pais de Larissa, não depende apenas da integridade dos
aspectos físicos. Segundo Mahler (1993), o corpo permite a inferência do que
acontece no interior da criança, sendo os fenômenos motores correlatos aos eventos
intrapsíquicos.
Quanto à criação de filhos, foi afirmado que os pais de crianças com
necessidades especiais auferem menos benefícios, isto é, são recompensados
menos vezes pelas realizações da criança. Isso não implica que inexistam
satisfações na criação de um filho com necessidades especiais; de fato, um sinal de
progresso numa criança cujo desenvolvimento é muito lento pode ser saudado de
um modo proporcionalmente mais entusiástico do que se o mesmo progresso fosse
de uma criança normal; mas é preciso que ocorra uma redução proporcional de
valores e expectativas (SHAKESPEARE, 1977).
“O perigo se encontra na possibilidade de que não aceitemos a pessoa como
ela é, mas tentemos transformá-la naquilo que esperamos” (ROOSEVELT apud
BUSCAGLIA, 1993, p. 19). Quando refletimos acerca do estímulo ao
164
desenvolvimento, estamos nos referindo propiciar a essa criança o desenvolvimento
de todo o seu potencial, a partir da aceitação de suas dificuldades. A frustração que
se dá pela não aceitação das dificuldades da criança pode angustiá-la por querer
corresponder ao desejo da família.
Quanto à fase de hospitalização de Larissa, observou-se que, no momento
em que os pais pegam a criança no colo pela primeira vez, encontraram dificuldade
diante da sua fragilidade. Além do ambiente atemorizante, Osoegawa (1996) e
Xavier (1996) afirmam que os pais podem ficar chocados com a aparência
assustadora do RN, por conta dos fios e aparelhos conectados ao seu corpo,
dificultando o primeiro olhar e manuseio do bebê.
Apesar do impacto inicial, os pais se referem a esse momento como algo
maravilhoso para eles. De acordo com Xavier (1996), as mães de recém-nascido
pré-termo (RNPT), na sua maioria, apresentam toque inseguro e demoram mais a
pegar seus bebês. Entretanto, somente após tocarem seus filhos pela primeira vez
elas se sentem mães.
É provável que tenha sido de muita importância para a mãe de Larissa ter
recebido, em certa ocasião, feedback do médico: de que ela sabia cuidar da filha.
Sabe-se que é uma situação em que é comum a insegurança diante do “novo” e das
expectativas decorrentes da espera. Apesar disso, por conta dos 4 meses de
convivência durante a hospitalização, sentiam-se preparados para levar a criança
para casa. Início do convívio dos pais com a criança e a adaptação dos pais à nova
realidade.
Brazelton (1988) refere que a volta para casa com o bebê, apesar de todo o
convívio no hospital, da experiência, pode ser visto como um período de estresse.
Porém, diante da crise, um período de desorganização na família pode levar a uma
165
organização desenvolvida a partir dos sistemas totalmente abertos dos três
participantes, todos em contato uns com os outros, impulsionados por sua vontade
de estabelecer um novo conjunto de relacionamentos que dêem certo.
Percebe-se, em algumas passagens, que os pais, principalmente a mãe, fala
sobre as situações de estresse de forma leve, levando até na brincadeira. Pai
parece mais tenso durante a exposição sobre os momentos difíceis da gestação.
Mãe demonstra certa angústia, mas parece “forte” e sorri, demonstrando alívio por
falar de algo do passado. O pai fica emocionado, segurando o choro quando fala
sobre a criança recém-nascida, fase de internação-separação: a gente não tinha
nem acesso a ela.
De acordo com Tamez e Silva (1999), a fase de luto pelo bebê idealizado,
para pais de RNPT, é bem mais difícil já que os mesmos precisam assimilar um
bebê real muito pequeno, frágil e esquelético, bem diferente daquele fantasiado
pelos pais.
Há de se considerar que os pais vivenciaram a linha tênue entre a vida e a
morte de Larissa. Isso é percebido em diversas passagens da entrevista: quando a
mãe fala que, na primeira semana, a cada toque do telefone, o coração disparava;
quando conta a história do colega de UTI de Larissa, também prematura, que
passou meses no hospital e faleceu. Crianças prematuras são de alguma forma
inscritas no lugar de morte. Há possibilidade eminente de morte.
Os avanços no cuidado intensivo neonatal vêm proporcionando um aumento
na sobrevivência de crianças pré-termo nascidas com idades gestacionais cada vez
menores... (LOPES; LOPES, 1999; MEYERHOF, 1997). Apesar do avanço
tecnológico, muitas vezes o bebê não resiste. Conforme comentamos, no caso Alice,
há um medo dos pais de se apegarem à criança e esta vir a falecer; talvez por isso,
166
no caso Larissa, observamos tanta intensidade nas colocações que os pais fazem
sobre o crédito que deram à sobrevivência da criança. Provavelmente há uma luta
para não cair no desinvestimento e afastamento do bebê.
Brazelton (1988, p. 74-76), fazendo um relato de um nascimento prematuro e
a situação emocional dos pais, comenta a dificuldade de manutenção do vínculo
com o bebê, pois, a tendência é defender-se das dúvidas terríveis acerca da
sobrevivência de seu bebê. A primeira visão que se tem de um berçário... “faz com
que imaginemos como um bebezinho tão frágil pode ter tamanha resistência para
sobreviver ligado a toda aquela incrível rede de maquinas.
Além da fase de internação ser difícil para os pais, eles precisam lidar com as
intercorrências na saúde da criança após voltar para casa.
As respostas da criança para os pais são muito importantes. Eles expressam
que sempre tiveram resposta da criança: no olhar, no sorrir, ela sempre reagiu. Num
período mais avançado de desenvolvimento, os pais falam muito orgulhosos de
episódios relacionados à evolução da linguagem, comunicação e cognição.
De acordo com Brazelton (1988), não existe nada tão eficiente para a redução
da ansiedade e medo naturais dos pais sobre um bebê de desenvolvimento lento,
como a demonstração daquilo que o bebê pode fazer... A capacidade do bebê para
lidar com suas aquisições e suas respostas aos estímulos dos pais ajudam a família
a iniciar melhor a jornada.
A resposta dos pais para a criança também é importante. O comportamento
dos pais pode interferir no comportamento dos filhos, pois o descrédito pode inibir
um bom desempenho da criança. Portanto, é importante que os pais se trabalhem
quanto à tolerância às atuais frustrações para que sua postura não interfira no
desenvolvimento da criança. A ansiedade do pai de Larissa em relação às atividades
167
com seu companheiro de horário na equoterapia pode ser percebida por ela.
Portanto, é preciso que os pais saibam administrar suas ansiedades diante de
situações em que se marca “a diferença”.
É importante avaliarmos também, através desse mesmo exemplo, a
importância da socialização, da interação com o outro, aspectos comentados
inclusive pela mãe quanto à importância da escolha dos praticantes do mesmo
horário.
A separação da criança dos seus pais e a interação com outros são muito
importantes, pois, relacionam-se ao desapego que é favorecido pela socialização na
equoterapia, já comentado no caso Alice. De acordo com Winnicott (1997, p. 132):
O êxito da descoberta de uma solução pessoal depende em grande medida
da existência da família e dos cuidados dos pais. Vendo a coisa pelo lado
inverso é muito difícil para a criança elaborar os conflitos inerentes ao sair e
voltar sem um apoio satisfatório da família.
Dessa forma, o autor coloca que a família contribui para a maturidade
emocional da criança, permite-lhe trocar os pais por uma família mais ampla em
direção ao círculo social e, ao mesmo tempo, dá-lhe a oportunidade de voltar a ser
dependente a qualquer momento.
Ainda falando sobre a importância das atitudes dos pais, o limite é necessário,
tanto quanto o cuidado para não superproteger. No diálogo, durante a entrevista,
parece-nos que pai e mãe nunca discutiram que o atraso no desenvolvimento da
marcha pode ser decorrente do excesso de cuidados, reflexão esta trazida pelo pai.
A mãe ratifica esse pensamento quando relembra que a criança não anda agarrada
nas paredes, nos móveis, não explora a casa, mas só anda agarrada no dedo dos
pais. Assim ela vai pra todo canto, ela agarra pronto... é uma questão de segurança.
Talvez, nessa colocação, o pai se culpe por esse atraso. Eles demonstram
contradição em relação à superproteção: entre o discurso e a atitude. Pois, como
168
falaram, é difícil para a família administrar, principalmente no caso da criança “frágil
e indefesa.”
É fundamental a investigação da história da família para se compreender a
transgeracionalidade, os eventos que passam de uma geração para outra. Cada
membro do casal tem sua história, suas raízes, seus costumes e não é fácil lidar
com essas diferenças. No momento em que iniciamos com o casal uma discussão
sobre os diferentes costumes relacionados a regras na educação dos filhos, surge
uma certa tensão entre eles. A mãe cita a diferença cultural européia quanto às
demonstrações de afeto.
Um dos ciclos de vida familiar que naturalmente já provoca situações de
estresse é a fase de pais com filhos pequenos. Segundo Bradt (1995, p. 206):
Tornar-se progenitor é o evento que identifica este estágio. Mas ser um
progenitor é o resultado psicológico e social e é mais do que um vínculo entre
duas gerações. Isso modifica o equilíbrio entre trabalho, amigos, irmãos e
pais.
Além disso, há pensamentos e opiniões em colisão entre as crenças e
atitudes adotadas pelos homens e pelas mulheres, característicos do sexo, cultura,
vida profissional, etc. A esses estressores horizontais, denominados assim por
Carter e McGoldrick (1995), soma-se a prematuridade como outro estressor
horizontal, como evento impredizível. E além desses, existem os estressores
verticais, constituídos por padrões, mitos, segredos e legados familiares, inerentes
às histórias pessoais de cada indivíduo. É necessário, para tanto, sobreviver ao
momento de crise.
A família de Larissa parece ter seus laços fortalecidos. Pai e mãe, juntos,
batalham pela criança e se agregam a outras pessoas da família.
169
Observa-se certa cumplicidade entre os pais de Larissa, o que pode favorecer
seu desenvolvimento, pois este depende da unidade familiar. Complementam-se
durante a entrevista e, quando há discordância quanto ao acontecimento dos fatos,
tentam entrar em concordância, buscam uma resposta comum, dentro do respeito de
um para com o outro. Os dois dominam os assuntos relacionados à criança, porém,
nas respostas sobre equoterapia, há domínio do pai por conta de sua constante
presença nas sessões. Quando comenta sobre o primeiro lugar onde levou a filha,
após sair do hospital, a mãe faz questão de retificar o pronome pessoal “eu” para
“nós”, demonstrando decisão e atitude conjunta entre marido e mulher.
De acordo com Winnicott (1997, p. 130), “o cuidado materno transforma-se
num cuidado oferecido por ambos os pais, que juntos assumem a responsabilidade
por seu bebê...”
Esse autor ainda refere (1999, p. 126 - 127):
Nos últimos cinqüenta anos, tem havido neste país uma mudança na
orientação, de tal modo que os pais se tornaram muito mais reais para seus
filhos no papel de duplicações da mãe do que eles eram, parece, décadas
atrás... o modo de ser do pai naturalmente determina a maneira como a
criança usa ou não esse pai, na formação da família dessa criança particular.
É claro que, de qualquer modo, o pai pode estar ausente ou muito em
evidência, e tais detalhes fazem uma diferença enorme no significado da
palavra ‘família’ para a criança específica da qual estejamos falando.
Quando a mãe de Larissa começa a falar sobre a dificuldade de sua
gestação, logo se reporta às relações familiares. Parece relembrar a importância do
apoio propiciado por uma família unida no momento difícil. Além da efetiva
participação do pai, existe uma mobilização da família diante dos cuidados com a
criança, diante das responsabilidades quanto ao seu crescimento.
De acordo com Winnicott (1997, p. 130):
O cuidado proporcionado pelos pais evolui para a família e esta palavra
começa a ter seu significado ampliado e passa a incluir avós, primos e outros
indivíduos que adquirem o status de parentes devido à sua grande
proximidade ou a seu significado especial...
170
Como no caso Alice, a família de Larissa enfrenta sacrifícios diante das
necessidades de uma criança com atraso no desenvolvimento. Um deles está
relacionado à dificuldade entre conciliar trabalho e mudança de rotina. A mãe de
Larissa descreve essa situação como “neurotizante”. Também há o comentário da
família quanto ao excesso de “compromissos da criança” relacionados às terapias, o
que pode se tornar estressante para os pais e para a criança, se mal administrado.
Assim como no caso Alice, os pais reconhecem a importância do contato
afetivo com o bebê, fundamental para seu desenvolvimento, ainda na fase de
internação.
Foi observada a importância da religião para a reorganização familiar face ao
ocorrido. A fé dos pais interfere também no investimento afetivo da filha pelo fato de
acreditarem que ela iria nascer e se desenvolver.
A mãe parece se orgulhar em perceber na criança componentes seus, como
temperamento, quando cita, com satisfação: quem herda, não furta. Parece
reconhecer-se nela. É importante para os pais perceber uma identificação com os
filhos.
Na hipótese de outro filho, a mãe demonstra preocupação quanto a uma nova
gestação. Fala ter “esperanças”. Falkas (1994) relata que, após uma história de
prematuridade, há um grande temor de não poder mais engravidar ou,
engravidando, de perdê-lo, dada a experiência do primeiro parto.
Através de fotos de Larissa mostradas pelos pais à entrevistadora, ao final da
entrevista, pôde-se perceber, tal como foi relatado por eles, uma expressão de
tranqüilidade durante a hospitalização. Não havia excesso de zelo, pois a criança
recém-nascida tem fotos no colo de parentes, em passeios, etc. Os pais mostram as
fotos com satisfação, expressando a sensação de vitória diante de um quadro
171
inicialmente tão “grave”, de um bebê desacreditado por muitos, mas que sobreviveu.
Isso foi expresso pela mãe logo no início da entrevista: pra outras mães que estão
passando pelo que a gente passou, ver que é possível; ter o que Larissa teve e estar
como ela está.
6.2.2 Entrevista com a babá (cuidadora)
(ver anexo D)
IDADE: 42 anos.
LEGENDA:
E: Entrevistadora
B: Babá
A entrevistadora explica que a conversa abordará o percurso da babá com
Larissa e seu dia-a-dia. Questiona a idade de Larissa quando ela chegou em sua
casa.
A babá refere-se a Larissa chamando-o de Mima. Quando foi contratada, a
criança havia chegado do hospital há mais ou menos 1 mês. Fez um contrato de 3
meses por conta do funcionamento da agência onde é registrada. O tempo passou,
a mãe de Larissa pediu para ela ficar e já faz 3 anos. Sempre trabalhou como babá,
já tinha experiência e exerce a profissão há quase 20 anos.
A babá conta como percebia a criança:
vou falar a verdade. Eu olhei pra
Mima, assim, eu disse: meu Deus! Eu pensei que ela não ia sobreviver. Eu que
virava ela. Era muito pequenininha, sei não, eu olhava assim: meu Deus, eu queria
que essa menina não morresse na minha mão.
172
A babá refere que vivia com medo, pois, apesar de toda sua experiência, ela
era muito diferente dos meninos que ela havia cuidado. Aí eu fiquei com ela pra ver
até onde ela ia chegar, né? Aí tô até agora, acrescenta.
A entrevistadora questiona sobre as aquisições da criança e como ela reagiu.
A babá conta de sua surpresa. Quando ela começou a ficar em pé, assustou-
se, pois ela se arrastava com a barriguinha como uma cobrinha, depois foi se
arrastando rápido, pegando nas coisas... eu achei, assim, uma mudança muito
grande, eu não esperava não. Pra lhe ser franca mesmo eu não esperava que ela ia
sobreviver, completa.
Toda essa admiração por conta do tamanho, do jeito dela. Eu ficava olhando,
assim, ela não vai se criar não. E, às vezes, eu tinha medo de dormir com ela. Eu
dormia assustada, assim, pra ver se ela tava respirando. Eu demorei muito a dormir
à noite, assim tranqüila, o tempo passando eu fui me acostumando com ela...diz a
babá.
Logo quando chegou na casa de Larissa, a mãe lhe dizia: “se você visse ela
no hospital...” E comenta com a entrevistadora que não queria tê-la visto antes, pois
vendo fora do hospital já ficava agoniada. Ela fala que, agora, ela estádando
mordida a troco de banana (descreve a babá).
A entrevistadora indaga se o fato de ter visto Larissa tão pequenininha, tão
novinha e achar que ela não iria sobreviver mudou sua forma de criar.
A babá diz que Larissa pode até ficar maior do que ela, mas sempre diz que
ela é pequenininha: eu acho assim, ela é especial, né? E os outros não podem...
Agora é que eu tô aprendendo que ela é pra dividir os brinquedos que ela não tá
dividindo; tô botando ela de castigo, que antes eu não botava, porque agora ela tá
crescendo, tá ficando mais arengueira, mais...
173
A babá conta que, às vezes, Larissa a morde, mas ela esconde da mãe e do
pai, porque não gosta quando batem nela. Os pais descobrem quando a mordida é
grande, pois a babá não se contém e grita ou quando seus braços estão com
hematomas.
A babá explica que não tem motivos para a mordida. Às vezes, se deitam no
chão para brincar, a criança a beija e, de repente, agarra, morde e depois ri. A babá
reclama e ela fica pedindo desculpas através do ato de soltar beijos. Coloca -a de
castigo e disso se esquece. Comenta: eu acho que eu não tô sabendo criar (ri).
A babá diz que Larissa é diferente de outras crianças de quem já cuidou, pois,
com as outras, só era o contrato mesmo. Não passava de 6 meses. Mas com
Larissa quis ficar porque se apaixonou por ela. Daí seus filhos dela têm ciúmes, pois,
em casa, ela não consegue desviar o pensamento da criança. Vai para casa a cada
15 dias, bairro próximo ao de Larissa.
A entrevistadora pergunta se desta forma ela acredita estar protegendo Larissa.
A babá responde que não, mas, agora, acha que está errando. Pois Larissa
não a respeita, não tem moral para a criança. Reclama, porém ela não está nem aí,
não está lhe obedecendo. Acha que precisa ser um pouco mais enérgica, mas não
tem coragem de ser. Relata que a terapeuta ocupacional orienta para deixá-la andar
e, se não quiser, deixar a criança chorar. Mas a babá diz que não agüenta ver isso e
logo pega nos braços, pois fica desorientada, mas já sabe que os pais da criança
reprovam sua conduta.
A babá ainda conta que quando desce no prédio para a criança brincar, leva
vários brinquedos. As crianças sentam, mas Larissa, não, não sai de seus braços.
Ela só quer sentar no meu colo, diz. Com a outra babá que a substitui na folga,
Larissa fica sentadinha, não aperreia.
174
A babá da folga também reclama das mordidas. O motorista chama a babá
diarista de demente por agüentar as mordidas, mas ela lhe responde: demente,
menino? eu tô tomando conta de uma pessoa especial, não é desses meninos bons
não.
A entrevistadora iniciou o assunto sobre a equoterapia, perguntando à babá
se ela acompanha a criança no tratamento e como ela percebeu o início.
A babá relata que, no começo, a criança teve medo, vomitava tudo e todo
mundo, inclusive o cavalo, mas agora ela gosta dele. Observa o seguinte: eu acho
assim, que por causa da equoterapia, ela tá melhorando mais, até o jeito dela ficar
em pé...ela vai agarrada andando, que ela não fazia isso, ela nem sentava, aí
começou a sentar. Ela era molinha. Antes eu pensava assim, meu Deus, será que
essa menina vai sentar, vai ficar sentada? E depois que ela começou a andar no
cavalo, ela progrediu muito, eu acho.
A babá ainda acrescenta que, no início da equoterapia, achava que não ia dar
resultados pelo fato da mãe montar junto ou mesmo, posteriormente, a
fisioterapeuta. Ela acredita que a evolução ocorreu mais quando ela ficou sozinha
sobre o cavalo.
A entrevistadora questiona se a babá percebeu evolução em outros aspectos,
além do aspecto motor.
B: Eu acho que ela melhorou muito, até a cabecinha dela, o jeito de pensar e
ser...porque antes ela era muito bobinha, eu achava, no meio das crianças. Depois
dessa equoterapia, ela desenvolveu muita coisa, até a inteligência dela é bem
melhor. Antigamente os meninos arengavam com ela lá em baixo, ela não reagia;
ela agora reage, ela agora nem precisa que os meninos vão arengar, ela vai lá, e
175
antes ela era bobinha demais. Pra idade dela, era pra ser mais ativa, né? aí ela foi
melhorando e muito...
A babá também comenta sobre o colega de sessão de Larissa, o Bosco.
Relata que ele conversa, não pára de falar, e ela é apaixonada por ele. Quando eles
dois se encontram é um amor danado (ri).
A entrevistadora pergunta sobre a relação da criança com os profissionais.
A babá diz que, na equoterapia, depois de entregar a criança, não presta atenção.
Mas, fala que, no início, quando a criança ia à terapia ocupacional, chorava e, duas
vezes, ela tentou tomar Larissa do braço da terapeuta. Mas, os pais da criança
orientaram que ela deixasse. A mãe de Larissa precisou assustá-la e disse, segundo
a babá: olhe, ou você evita de tomar a menina do braço da médica ou a bichinha
assim não vai pra lugar nenhum, senão ela vai ficar assim feito um alface... aí foi que
eu fui deixando e a menina...
A babá lembra que, na fase de adaptação na equoterapia, ela só faltava
chorar quando a criança vomitava e dizia que aquilo não iria dar certo, mas que,
agora, Larissa chora quando termina a sessão, pois não quer sair do cavalo.
Também se refere ao cavalo da criança, Rubinho, por ter sido seu primeiro
cavalo. Larissa gosta “demais” dele. Às vezes ela tá em casa aperreando, eu digo:
eita! vou dizer a Rubinho que não deixe você subir mais nele não, fala. E, segundo a
babá, quando usa o nome do cavalo, a criança lhe obedece.
Ela acredita que a criança se sente feliz na companhia do animal e se este for
tirado dela, sentirá muita falta. Essa ligação ajuda sua participação na sessão de
equoterapia, pois ela fica à vontade. Com o cavalo andando ou parado, ela está
gostando. Faz uma terapia de forma prazerosa.
176
A entrevistadora pergunta se o fato de Larissa andar sozinha na equoterapia
a fez refletir sobre seu desenvolvimento.
A babá retoma o assunto sobre sua superproteção. Assume que está errada,
que vai prejudicar Larissa, mas que não sabe ser dura com ela e teme que a mãe
acabe botando pra fora, porque ela não está servindo. E ainda diz que não esperava
ela desenvolver rápido, esperava dela outra coisa. O fato de Larissa estar quase
andando a surpreendeu. Ela dá uns três passozinhos, acho que ela não vai por
medo, por alguma coisa, porque ela anda agarrada nos cantos, frisa.
A babá conclui a entrevista, falando que tem certeza de que a equoterapia
ainda vai ajudar muito Larissa. Diz que não entende sobre o assunto, mas que acha
pouca a freqüência de uma vez por semana por ser um lugar que a ajuda muito a se
desenvolver.
6.2.2.1 Análise clínica da entrevista com a babá do caso Larissa
Através do relato da babá, no início da entrevista, percebe-se, mesmo após a
saída do hospital, que a criança ainda era desacreditada, ainda era esperada sua
morte. E a sobrevivência e aquisições da criança surpreendem a babá.
O discurso da babá a respeito da aliança que faz com a menina “contra” os
pais confirma o discurso da mãe sobre esse fato. No momento em que a babá
esconde dos pais dados que dizem respeito à educação da criança, alia-se a ela
para não “vê-la sofrer”, superprotegendo-a. Sem o perceber, prejudica a educação
de Larissa. Talvez admita, pois recebe orientações dos pais e terapeutas, mas,
talvez não consiga colocar o limite por não ter desfeito a imagem do primeiro registro
que tem da criança: a da fragilidade. Percebemos, pelo relato da babá, que sua
177
superproteção pode estar dificultando o desenrolar da marcha. Questionamos,
também, a que ponto chega o protecionismo, pois a cuidadora se deixa machucar, e
ainda tenta conter sua reação para que os pais não descubram!
Através da entrevista percebemos que o laço afetivo da babá com a criança é
muito forte, de forma que ela não consegue se desligar de Larissa. Fez-nos refletir
sobre a possibilidade de uma relação simbiótica, pois, quando “fazem mal” à criança
a babá sente como se fosse a ela.
A babá percebe a criança como “especial”, tratando-a de forma diferente.
Revela isso em diversas passagens da entrevista, como na resposta que dá ao
motorista a respeito das mordidas. A superproteção também tem seus fundamentos
no estigma; ou, talvez, ela usa a “diferença” da criança para justificar seu modo de
tratá-la. Segundo Buscaglia (1993), a permissividade é um fenômeno gerador de
crescimento, mas em excesso, pode criar uma permanente sensação de confusão e
desorientação na criança.
A babá ressalta que, a partir da equoterapia, a criança apresentou evolução
na postura e no tônus muscular que são fundamentais para a evolução da marcha. A
babá vê a evolução da criança de forma diferente dos pais e valoriza o que houve de
ganhos. Já os pais vêem como poucos os ganhos pelo fato de a criança ainda não
ter atingido a independência na marcha. Tais diferenças no modo de perceber a
evolução de Larissa estão relacionadas com as expectativas, pois, a babá não tinha
tantas expectativas em relação à criança.
A respeito do comentário da babá quanto à criança ficar sozinha sobre o
cavalo e isso ser mais eficaz, os estudos apontam que, mesmo acompanhado, o
praticante receberá os estímulos provenientes do mesmo. Porém, com uma
qualidade menor, pois, o peso do acompanhante sobre o animal interfere na
178
intensidade dos estímulos. Além do que, para a independência da criança, o fato de
ela estar sozinha é importante, pois a sensação é de que ela está dominando e não
precisa de alguém. Portanto, a indicação de acompanhamento deve restringir-se à
fase inicial, de adaptação, e em casos de seqüelas motoras graves. Casos em que
se torna impossível assegurar a segurança do praticante, apenas acompanhando-o
lateralmente.
Nesta entrevista, assim como em todas as outras da pesquisa, percebe-se
como é importante para a criança, no processo equoterápico, o momento da
“separação” da família em caminho à independência.
Atualmente a babá confia na equipe da equoterapia e não se preocupa
enquanto a criança está com os terapeutas. Isso foi conquistado no decorrer do
tratamento e por experiência em outras terapias. Na terapia ocupacional aprendeu
que os tratamentos são importantes para a criança e ela não pode dificultá-los. A
atitude desta babá nos leva a refletir o que ocorre muitas vezes: a família boicota as
terapias, impedindo o desenvolvimento da criança e afastando-a do meio social. De
certa forma, isso está ocorrendo, pois a babá está bem mais presente na vida de
Larissa do que os pais.
Sobre o vínculo afetivo da criança com o cavalo, vê-se que é muito forte.
Embora o discurso da babá sobre a perda do animal seja irreal, Larissa compreende
a ameaça e, através de seu comportamento age para que isso não lhe aconteça, por
ser para ela uma figura de apego, e então, o medo de perdê-lo. Sua relação com o
cavalo é também organizadora, na medida em que impõe limite.
Um dos diferenciais da equoterapia, enquanto abordagem terapêutica no
estímulo ao desenvolvimento neuropsicomotor, é o fato de ser uma terapia
prazerosa e vista pelas crianças, em geral, como lazer. Isso foi constatado nos
179
relatos de responsáveis e terapeutas, nas observações das sessões, bem como
respaldado teoricamente.
Vale ressaltar que esta entrevista ocorreu cerca de 3 meses após a com os
pais, quando então a criança ainda não estava explorando o ambiente de casa,
andando agarrada pelos cantos. Assim como os pais, a babá acredita que a criança
ainda não esteja andando por “medo”.
6.2.3 Entrevista com os profissionais da equoterapia
(ver anexo E)
LEGENDA
:
E: Entrevistadora
FT: Fisioterapeuta
TO: Terapeuta Ocupacional
P: Psicóloga
A entrevistadora iniciou perguntando sobre as formações profissionais e há
quanto tempo acompanhavam Larissa na equoterapia.
A fisioterapeuta tem pós-graduação em fisioterapia neurofuncional e
especialização em neurologia infantil. A criança entrou na equoterapia, em maio de
2002, acompanhada inicialmente pela fisioterapeuta por conta das dificuldades
motoras; pelo psicólogo dada a dificuldade que ela teve de se adaptar. A
fisioterapeuta que a acompanhou inicialmente era outra que já saiu da equipe.
A terapeuta ocupacional tem especialização em neurologia infantil e está
acompanhando Larissa, há 1 ano mais ou menos, e a psicóloga, desde sua entrada
no tratamento.
Larissa iniciou pela manhã porque era melhor para a mãe, mas ela não
conseguiu se adaptar, apresentando muitos episódios de vômito e choro. A mãe
180
solicitou mudança de horário, tendo passado pouco mais de 1 mês no turno da
manhã.
Inicialmente, ela não chegava nem a montar no cavalo, permanecia nos
braços de um dos profissionais. Aos poucos foi havendo aproximação. Foram
utilizados brinquedos colocados sobre o cavalo, tipo argola, bola; tocar na crina e no
pêlo do cavalo. Só depois com o animal parado colocar a criança sobre ele. Porém,
quando ela começou a se sentir ameaçada, vomitava. Inicialmente, pensou-se que
podia ser a mamadeira, excesso de alimento, etc. A mãe disse que se tensa, ela
vomitava, inclusive no dia-a-dia.
A fisioterapeuta relata que não acontece mais isso. Todavia, a equipe sabe
que há episódios em que quando ela quer alguma coisa que não lhe é dada, fica
brava, com raiva e provoca o vômito.
A psicóloga relata que havia uma flexibilidade na sessão para facilitar a
adaptação da criança. Primeiro, ela montava junto com a FT, em montaria dupla; às
vezes descia e ficava no braço, no picadeiro; depois a FT sugeriu que o pai
montasse com Larissa, para aproximá-la do animal e ver se ela sentia mais
segurança. O pai tinha medo de cavalo, o que foi visto como mais um agravante,
pois a psicóloga ficava com receio dos batimentos cardíacos do pai passando pra
ela. Porém, segundo a FT, a partir da montaria com o pai, Larissa se acalmou e
parou de vomitar.
A equipe precisou dar um apoio ao pai, e enquanto os acompanhava
lateralmente, seguravam-no e ele aceitava e relaxava. A partir daí, Larissa começou
a evoluir.
A equipe relata que houve uma outra questão em relação à mudança de
horário, pois, um dos componentes da equipe da manhã solicitava que a mãe não
181
desse comida à criança, antes de ir à equoterapia para evitar que a criança
vomitasse, acreditando que este poderia ser o motivo. Orientação esta que a mãe
não seguia, sentia-se mal por conta da história que vivenciou com a filha que
precisava estar nutrida e teve uma série de problemas relacionados à alimentação.
Portanto não era fácil ouvir alguém dizer para não alimentá-la. A mãe também não
avisou que Larissa tinha o hábito de reagir através do vômito. Porque independente
de estar como a barriga cheia ou não, ela iria vomitar.
Houve um entrave relacionado aos movimentos de transferência e
contratransferência, o que também pode ter dificultado o processo de adaptação no
período da manhã. Ciente da importância da equoterapia para a melhora de Larissa,
a mãe quis tentar e insistiu pelo turno da tarde, pois acreditava naquele tratamento.
A entrevistadora perguntou quem acompanha a criança atualmente e por
quais motivos.
Hoje ela está sendo acompanhada pela fisioterapeuta e terapeuta
ocupacional. Logo que passou para a tarde, continuou sendo acompanhada pela
psicóloga e pela fisioterapeuta. Quando se adaptou, a psicóloga e fisioterapeuta
iniciaram trabalhos mais específicos de acordo com as necessidades da criança. A
psicóloga saiu do atendimento e entrou a fonoaudióloga que passou uns 6 meses
aproximadamente, com o objetivo de trabalhar linguagem e comunicação. A criança
tem uma compreensão muito boa, mas a linguagem é não verbal, então a FN entrou
e ficou FT e FN até abril de 2003, quando a fonoaudióloga teve que se afastar e
entrou a terapeuta ocupacional.
O objetivo da fisioterapia era melhorar os movimentos involuntários,
proporcionando mais estabilidade, pois, Larissa era totalmente instável. Quando a
182
criança ia pegar um brinquedo, se jogava toda e não tinha controle nenhum nem
tinha noção de perigo.
De acordo com a fisioterapeuta, Larissa tinha controle de cabeça, mas não
tinha bom controle de tronco, e, conseqüentemente, não tinha controle de quadril
nem de membros inferiores. Manipulava objetos de uma forma muito grosseira,
caíam os objetos da mão, não conseguia jogar bola. Por conta disso, entrou o
terapeuta ocupacional para trabalhar a coordenação motora ampla e a fina, com o
objetivo de facilitar o desempenho funcional da criança.
A equipe comenta que a criança não tinha noção de manutenção do objeto na
mão, aspecto que evoluiu. Soltava a bola e, agora, consegue jogar. Se ela levasse o
braço acima da cabeça com a bola, esta cairia para trás sem que pudesse perceber.
Segundo a fisioterapeuta, a propriocepção ao nível do quadril, estímulo
presente na equoterapia pelo movimento do cavalo, melhorou o tronco e lhe deu
mais estabilidade, também ao quadril. Melhorando o controle de tronco, obteve
maior funcionalidade dos membros superiores. Um trabalho que estão retomando,
agora, feito no início, após a adaptação, foi de Larissa ficar de pé no cavalo com
montaria dupla (ver anexo F – fotografia 2).
A criança está sem montaria dupla desde a saída da fonoaudióloga, abril de
2003, isto é, há mais de um ano, monta sozinha somente com acompanhamento
lateral.
A entrevistadora introduz o assunto sobre as questões socioafetivas.
A psicóloga fala um pouco sobre a relação da mãe com a criança. Na fase de
adaptação, quando Larissa ainda não ficava só com os profissionais, não tinha o
uniforme da equoterapia e, mãe e filha iam com as roupas iguais, charmosas, mas
inadequadas para o calor. Era uma forma de elas estarem sempre iguais, uma
183
necessidade de identificação da mãe. No momento, Larissa está com os cabelos
grandes (tal como os da mãe) e faz questão de mostrá-los, e a mãe disso se
orgulha. Essa necessidade de identificação ocorre, de acordo com a psicóloga, pelo
prazer de mostrar que é filha, uma filha desejada, conquistada e sobrevivida.
A fisioterapeuta comenta que, quanto à relação da criança com pessoas do
ambiente equoterápico, algo que chama atenção é que Larissa se despede dos
auxiliares-guia
5
. Algo de que nem sempre as crianças se lembram, mas ela os
percebe. Não apenas se despede, mas inclui o condutor de seu cavalo nas
brincadeiras, pergunta se ele quer brincar de bola, chama para participar da
brincadeira e toma iniciativa na socialização.
A psicóloga comenta que a criança está numa fase de gostar de ser cercada
por muitas pessoas. Sente-se observada por todos, é o centro das atenções.
A equipe fala sobre Bosco, criança já citada pelos pais e pela babá, com o
qual a Larissa tem uma excelente relação. Por conta da diferença de necessidades e
possibilidades características de cada quadro, e até mesmo pela diferença de
idade, a equipe trabalha em conjunto apenas uma parte da sessão visando à
socialização. Na outra parte da sessão são realizadas atividades individuais, pois, o
objetivo com Larissa é um; com Bosco é outro. Como exemplo, a terapeuta
ocupacional cita que quer trabalhar com Larissa atividades mais específicas como
coordenação motora fina, não havendo necessidade de trabalharem este aspecto
com Bosco.
A terapeuta ocupacional, falando sobre as diferenças existentes entre Larissa
e Bosco, comenta que, algumas vezes, em trabalho conjunto, Larissa consegue algo
não conseguido por Bosco. E isso é difícil para ele, daí ser preciso trabalhar sua
5
Relembrando: auxiliar–guia é a função da pessoa que conduz o cavalo durante a sessão.
184
frustração, pois Larissa, tão pequena, conseguiu e ele, não. É algo percebido pela
psicopedagoga que está presente no atendimento a Bosco.
Já a psicóloga comenta que, às vezes, o ritmo dele é diferente do ritmo dela,
isto é, ela é mais lenta, mas os dois compartilham da mesma brincadeira. É preciso
que eles aprendam, portanto, a respeitar os ritmos. Portanto, as brincadeiras em
comum são bem pensadas pela equipe para não haver grandes frustrações diante
de grandes exigências ou, pelo contrário, a demanda da atividade ser aquém do
potencial da criança. Por exemplo: numa brincadeira de bola, ela demora mais
tempo com a bola na mão do que ele. Não seria justo que ele demorasse tanto
esperando essa bola. Nesse caso, às vezes, as terapeutas incluem duas bolas.
A entrevistadora pergunta à equipe como ela acha que a família percebe essa
relação entre Larissa e Bosco, bem como a diferença de aquisições.
A psicóloga responde que acha que a família está mais preocupada com a
relação afetiva, pois Bosco é muito carinhoso: pega Larissa pelo braço no final
sessão e já teve ocasião de dar beijo na boca. A equipe, então, orienta dar um
beijinho no rosto... O pai ficava mais preocupado, mas agora está mais relaxado.
Bosco adora uma foto e pega Larissa pelo pescoço, pois é muito afetuoso, porém
um pouquinho desajeitado ainda. Percebem que ele tem noção de que ela é menor
do que ele e por isso quer protegê-la.
De acordo com a psicóloga, agora ele está trotando (trote-andadura mais
adiantada do que o passo) e quer mostrar para Larissa que está correndo no cavalo.
A TO relata que, durante a sessão, a equipe aproveita esse vínculo que eles
têm para estimularem um ao outro quanto às aquisições.
A equipe observa que Larissa ainda fica apreensiva quando aumentam o
ritmo do cavalo, importante para trabalhar o equilíbrio de tronco, pois, o centro de
185
gravidade muda nessa hora, e a sensação que se tem é que ela fica desordenada,
descoordenada e daí maior atenção às suas reações para reduzir o ritmo. A
psicóloga diz que a sensação é de pedaço de corpo pra todo lado. A fisioterapeuta
comenta: ela não consegue ficar bem.
A entrevistadora perguntou à equipe de que forma a equoterapia favorece o
desenvolvimento socioafetivo.
P: Primeiro, o contato com o cavalo, depois a quantidade de pessoas que a criança
tem que lidar... Ela lida com profissionais diferentes, com os que estão diretamente
ligados a ela, outro praticante que está no mesmo horário e os profissionais que o
acompanham, os condutores (auxiliar-guia), a família dela, a família do outro
praticante...
A terapeuta ocupacional cita como importante para o desenvolvimento
socioafetivo a presença de normas. Montar, entrar no picadeiro, esperar aquele
momento de colocar o estribo, dar uma volta, parar próximo aos brinquedos para
escolher um deles. São muitas normas que geram um aprendizado muito grande.
São etapas que vão sendo repetidas.
A psicóloga fala que o cavalo funciona como um outro, através do qual se
percebe a diferença e, neste processo de diferenciação, a criança se reconhece
enquanto sujeito. O animal funciona inclusive como um ser que a aceita
incondicionalmente. É a grande vantagem do cavalo, e, principalmente, para as
crianças maiores que têm consciência dos preconceitos sociais...
A partir da relação
com o cavalo a criança transfere para os outros contatos sociais...
A fisioterapeuta complementa falando da importância do limite imposto por
essa relação com o cavalo: o meu corpo termina e o do cavalo começa... porque
você tá muito próximo, o toque, o calor que você sente.
186
E a psicóloga comenta que existe o limite e a continuidade. É paradoxal, uma
coisa que é maravilhosa, termina e começa uma relação, mas ao mesmo tempo, a
partir daí, cria uma afetividade... É uma terapia prazerosa.
A terapeuta ocupacional relata que a relação afetiva é muito estimulada.
Chamam o cavalo de amigo, incentivam a criança a agradá-lo quando termina, a
abraçá-lo e a pronunciar o seu nome.
A fisioterapeuta fala um pouco sobre o aprendizado das crianças no convívio
social e comenta: a gente tem uma mania de dizer Larissinha, Larissinha, então num
dos momentos que Bosco viu a gente falando Larissinha, ele falou pra mim: “ei,
Larissinha não, ela é Larissa.” Foi forte, porque na hora a gente brinca, mas depois,
refletindo, ele quis mostrar que ela era Larissa, não era a Larissinha, a menininha,
aquele bebezinho, porém um sujeito com sua identidade. A psicóloga explicou a
Bosco que ela poderia ser chamada de várias formas, dependendo do momento, e
que deviam perguntar a ela como gostaria de ser chamada. Após relutar muito, pois
o colega Bosco tem um comportamento autoritário, começou a aceitar que poderia
ser Larissa ou Larissinha. A um certo momento, a equipe perguntou a ela que
balançou a cabeça, dizendo que gostava de Larissinha, então podia ser... Foi uma
sessão muito rica.
Segundo a fisioterapeuta, que trabalha com equoterapia há cerca de 7 anos,
esse é que é o diferencial da equoterapia, pois há acontecimentos ricos no dia-a-dia
da sessão, então termina sendo trabalhado o que você jamais esperaria. Por mais
roteiro que você tenha, sempre acontecem coisas inusitadas, você termina trazendo
questões, sociais, afetivas ou físicas que vão ser abordadas.
A entrevistadora questionou se a família se envolveu ou se envolve no
processo equoterápico.
187
A resposta da equipe é que ela se envolve inteiramente. Desde o primeiro
momento em que Larissa teve muita dificuldade, muita resistência, a família estava
sempre presente, até chegar ao ponto de a mãe acompanhar como lateral e o pai
montar com ela, mesmo não gostando de cavalo
FT: E a gente vê a importância dessa família no processo de crescimento da criança,
na adaptação dela lá na equoterapia; no fato deles acreditarem o quanto aquele
trabalho é importante pra ela, pois, em nenhum momento, eles vacilaram. Levavam-
na ela sabendo que, a qualquer momento, poderia acontecer aquele choro, aquele
vômito, aquele sofrimento, e lá estavam participando sim com ela, sempre. Acredito
que, mesmo tendo um setting terapêutico diferenciado, a gente não está com a porta
fechada entre quatro paredes; a gente está num ambiente aberto, mesmo a gente
dentro do picadeiro com a criança a sensação que eu tinha é que existia um
prolongamento deles dentro do picadeiro, mesmo eles fora do portão, a sensação
que eu tinha pelos olhares é que eles estavam ali com ela sempre.
... A cada movimento dela, a psicóloga complementa.
A equipe fala que, agora, que eles já estão mais tranqüilos... dão as costas,
entregam a criança à equipe, mas estão lá presentes e isso interfere até no processo
de amadurecimento de Larissa, porque ela se entrega também nesse processo
terapêutico, já não procura mais o pai, a sensação que ela tem de segurança plena
porque ela sabe que quando acabar a sessão eles vão estar ali (FT).
Conforme a equipe, quando a família dá o suporte, permite que o terapeuta
trabalhe, a criança desenvolve bem, porque o pai permitiu, autorizou. Quando a
família não apóia, não autoriza, as coisas não funcionam, não caminham. O
processo é facilitado pela união do casal, pois existe uma participação ativa dos dois
e eles estão sempre unidos, embora não estejam juntos no momento da sessão.
188
Existe uma cumplicidade, existe uma presença; em reuniões, participam, se
colocam e a gente vê realmente que estão presentes no crescimento, em todo esse
amadurecimento e nessa melhora de Larissa (FT).
Comenta também a equipe a respeito da dedicação da babá. Ela se entrega à
criança. Atualmente quem acompanha Larissa à equoterapia é o pai e a babá e, às
vezes, a avó e a babá. O avô foi uma vez para tirar foto, portanto, há um
envolvimento da família em torno de Larissa. A mãe não comparece porque trabalha
em outra cidade.
A equipe conclui a entrevista dizendo que percebe a evolução da criança e
reconhece a participação da equoterapia. E lembra que ela, literalmente não entrava
no picadeiro, o cavalo ficava na porta, no muro, na fronteira entre o portão e a parte
interna do picadeiro, depois é que passou a entrar, gradualmente. A fisioterapeuta
comenta que também é de grande importância o caráter interdisciplinar da
equoterapia em que as barreiras são quebradas e vistos os ganhos de uma forma
global, como um todo, uma pessoa, um sujeito que está tendo um ganho social de
forma mais amadurecida e a gente tá colaborando pra esse ganho, então não é só o
físico que a gente tá melhorando. É um todo, então, realmente isso é muito
gratificante.
6.2.3.1 Análise clínica da entrevista com os profissionais da equoterapia do caso
Larissa
Em semelhança ao relato dos pais, os profissionais citam a presença de
choro e vômito. A criança ainda não expressava seus sentimentos através da
linguagem, sentindo-se ameaçada pelos estímulos, tal como Alice, no início do
189
tratamento. Portanto, essa era a forma que tinha de rejeitar as novas informações.
Ainda nos dias de hoje, segundo a equipe, a criança parece tentar manipular os pais
através do vômito.
Diante dos traumas de UTI e dificuldades da criança em lidar com os
estímulos, não foi fácil para ela, para a família e para a equipe o momento de
adaptação. Essa foi uma preocupação da equipe, que fez a aproximação da criança
de forma gradual e modificações na rotina de atendimentos, como a inclusão dos
pais na sessão. Isso pôde acontecer, porque a equipe estava aberta às
singularidades do caso clínico. A eqüifinalidade, um princípio da Teoria Sistêmica,
explica esse movimento da equipe. Diante do caráter dinâmico de um sistema, este
“não pode se basear em estruturas ou mecanismos predeterminados, mas sim numa
interação dinâmica entre múltiplas variáveis”. Assim, diferentes trajetos e diferentes
condições iniciais podem resultar no mesmo estado final ou mesma meta
(VASCONCELLOS, 2003).
Diante dos relatos relacionados aos movimentos de transferência e
contratransferência, é importante pontuar que a família estava determinada a
prosseguir no tratamento visto como algo benéfico para a criança. Eles não
desistiram diante das dificuldades.
Como no caso Alice, as necessidades eram condizentes com as dificuldades
referidas pela família; linguagem e cognição, no caso Larissa, sintoniza o relato da
família com o da equipe, sendo as dificuldades maiores da área motora e de
linguagem.
Quanto à questão da identificação entre mãe e filha, comentada pela
psicóloga, segundo Mannoni (1995), a criança que apresenta um retardo no
desenvolvimento, forma, em certos momentos, um só corpo com a mãe em que o
190
desejo de uma confunde-se tanto com o desejo da outra. As duas parecem viver
uma única história.
Percebemos, através dos comentários da equipe sobre a relação entre
Larissa e Bosco, que não ocorre bem do jeito que o pai havia comentado em sua
entrevista. Sob o olhar da equipe, o lidar com a frustração é mais difícil para Bosco
do que para Larissa que, talvez, ainda não tenha noção de competição. Portanto, o
pai de Larissa parece não perceber que, em alguns momentos, ela superava Bosco
e parece que sua preocupação é maior na possível diferença que sua filha venha a
externar.
O fato comentado pela terapeuta ocupacional, de que na relação entre
Larissa e Bosco um estimula o outro a se desenvolver, ratifica o que foi dito pelo pai,
algo que percebeu como positivo.
A respeito do comentário da equipe quanto à insegurança da criança quando
altera o ritmo do cavalo, reportamo-nos às vivências da hospitalização e à agressão
ao corpo por estímulos externos. Questionamos, assim, como foi ou está sendo
constituída a imagem corporal desta criança. Pois, certamente os registros de
vivências anteriores irão interferir em toda sua estruturação. Mannoni (1995, p. 39)
cita a fala de uma criança na explanação sobre o comprometimento da imagem
corporal, percebendo seu corpo como doente, numa interrupção de seu
desenvolvimento: “um corpo nunca é um corpo, mas pedaços que se entendem ou
não se entendem”.
Em algumas passagens da entrevista, que não entraram no texto, foram
utilizados pela equipe os termos fragilzinha e prematurazinha. A colocação de
Bosco, sobre o apelido de Larissa dado pela equipe, remete-nos ao fato de que o
apelido da criança, no diminutivo, pode estar significando sua fragilidade,
191
característica do caso de prematuridade, de imaturidade. E mesmo a equipe que é
preparada para isto pode, inconscientemente, em alguns momentos, dirigir-se a ela
como frágil. Há também a conotação afetiva que o diminutivo pode acrescentar à
palavra.
No comentário da fisioterapeuta fica clara a relação de lealdade e confiança
entre a criança e os pais. Larissa está na fase de afastamento dos pais, sem
angústia, pois, sabe que pode retornar a eles que estarão esperando por ela.
Segundo Winnicott (1999) as crianças que passam por idas e vindas de forma
satisfatória, experimentam lealdades cruzadas, em que se afastam mas têm a
“palavra de retorno, de aconchego” de ambas as partes. Ao mesmo tempo vivenciam
a deslealdade no sentido denominado por Winnicott: “se alguém tem de ser ele
mesmo será desleal a tudo aquilo que não for ele mesmo.” No pensamento do
autor, essas crianças estão em melhores condições de assumir um lugar no mundo.
O jogo familiar e a oportunidade de vivenciá-lo de forma adequada é de extrema
importância para o desenvolvimento socioafetivo da criança.
O comentário da equipe acerca da união dos pais de Larissa e da importância
disso para seu desenvolvimento confirma a reflexão da entrevistadora referindo-se à
conversa com os pais.
A entrevista com a babá de Larissa foi de grande importância, pois é a pessoa
que passa grande parte do tempo, ou poderíamos dizer, quase todo o tempo com a
criança, e, portanto, suas atitudes interferem significativamente do desenvolvimento
da criança.
192
6.2.4 Observações de sessões da equoterapia
1ª observação
Na ocasião a criança é acompanhada pela fisioterapeuta e terapeuta
ocupacional, monta Rubinho, o cavalo, e por conta disso inicia a sessão ansiosa.
Há um momento de interação após a montaria. A criança sorri depois da saída do
cavalo, percebe a presença da observadora (pesquisadora), olha todos os
terapeutas ao seu redor. Durante o momento da atividade, após uma volta sobre o
cavalo, concentra-se nos brinquedos e realiza preensão voluntária para explorá-los,
aspecto que vem melhorando, segundo a terapeuta ocupacional.
tchau no momento da saída, após comando da terapeuta. Só interage com
o cavalo e o abraça, “sob comando”, não interage por iniciativa própria. Observa
constantemente as pessoas e objetos. Segura-se na alça, percebe o perigo, mas
ainda não por completo; às vezes solta uma mão e, mesmo sem equilíbrio, não se
segura. No momento da saída, imita a terapeuta ocupacional que direciona a
sessão, soltando beijo (ou devolve). Quando é “retirada” do cavalo, faz toda a
expressão corporal para retornar. Foi levada à sessão pelo pai que a observa, de
vez em quando, durante esta.
2ª observação
A criança se aproxima do picadeiro. O Rubinho está dentro do picadeiro e ela
sorri quando o vê. A terapeuta estimula a criança a chamá-lo e ela faz o movimento
com a mão: “vem cá”. Quando o cavalo se aproxima, guiado pelo auxiliar-guia, ela
193
emite um som, eufórica, olhando para ele, acompanhando-o com o olhar e monta
com auxílio, pois o animal é alto para ela, mas faz todo o movimento do corpo para
montá-lo. A partir desse momento, interage mais com os terapeutas do que com o
cavalo e quando este começa a andar, ela percebe o seu movimento e o fita. Larissa
olha o ambiente a sua volta...
Após circular a criança percebe o relógio da terapeuta e o toca. Ela vê a
entrada de outro praticante, chama-o, movimentando sua mão: “vem cá”, sem emitir
sons. Durante a atividade, realiza troca de objetos com a T.O., espontaneamente.
Demonstra boa compreensão quanto ao que as terapeutas falam e/ou demonstram.
Ex.: cheiram o cavalo... e, após demonstração, ela também. Percebe os sons, pois
procura o avião que passa no momento. Ao passar gel na crina do cavalo, atividade
mediada pelas terapeutas, a criança o faz espontaneamente e percebe suas mãos,
observando-as, movimentando seus dedos. Quando a terapeuta que está com outra
criança se aproxima, ela solta beijo.
A atividade desenvolvida nesse dia é referente aos cuidados com o cavalo:
escovar o “cabelo” (crina), passar gel, amarrar “xuxinhas”. A menina demonstra
satisfação, mantém sua atenção. Quando lhe são oferecidos objetos, pega-os,
entregando-os de volta após explorá-los (brinca com a outra criança do horário:
Bosco). Pede outro objeto, estendendo o braço. A brincadeira entre as duas crianças
é trocar objetos. Geralmente a criança explora com as mãos. Às vezes, cheira e
outras, tenta dar função. Novamente, no término da sessão, faz movimento com o
corpo para voltar a montar, mesmo após todo o ritual de encerramento da sessão.
194
3ª observação
Nesta sessão a criança montou o cavalo em situação especial. Estava
chovendo e ela precisou montar dentro do picadeiro. Demonstrou admiração diante
do fato, através do olhar. Sempre olha para a observadora (pesquisadora). Estendeu
a mão para terapeutas que a acompanham (FT e TO) e olhou para o cavalo,
solicitando montá-lo. Quando montada, estende a mão para pegar a alça. Olha para
a parte inferior do cavalo quando ele pára para urinar, pois o reconhece pelo
movimento do corpo e pelo som. Tenta ver e quando ele termina, ela sorri para as
terapeutas.
A primeira atividade desenvolvida neste dia é passar o gel na crina (cabelo do
dorso do cavalo). A criança fica atenta à sensação do gel em sua mão. Quando é
solicitada para cheirar o cavalo, após passar o gel, mesmo após demonstração, não
o faz. Nesta sessão a criança olha muito em direção ao pai que a espera no carro e
o chama com a mão, emitindo um som como um grito suave (em baixo volume).
Uma segunda atividade é o jogo de bola. Ela sorri, abre os braços para receber a
bola e a empurra para soltá-la, direcionando-a a um dos terapeutas. Interage bem
com as pessoas durante o jogo e, quando se separam,tchau com a mão.
Quando pára de chover, o pai observa um pouco o atendimento. No momento da
saída vê o pai e dá um grito de alegria. Dá tchau para todos.
4ª observação
Esta é uma sessão de retorno das férias. Acompanhada pelo pai e pela babá,
Larissa chegou chorando, pois havia acordado naquele momento, ainda sonolenta.
195
O pai pegara congestionamento no trânsito e a criança vinha dormindo no carro. Ao
ver a fonoaudióloga (terapeuta
que a acompanhava anteriormente e voltara de
licença-maternidade), voltou-se para a babá e se agarrou a ela. No entanto, quando
avistou o cavalo foi desfazendo, aos poucos, a expressão de choro. Babá e
terapeutas aproximaram a criança do cavalo e ela demonstrou satisfação ao
reencontrá-lo, já elevando os braços e pernas, fazendo movimento para montá-lo.
Ficou bem mais tranqüila, segurando a alça.
Após duas voltas no picadeiro em que a criança esteve atenta a outros
cavalos e a seu colega, os cavalos foram colocados lado a lado conforme orientação
dos terapeutas. A criança sorriu alegremente para o amigo, demonstrando satisfação
ao revê-lo. Tenta tocá-lo e dá tchau. Enquanto a terapeuta que acompanha o colega
lhe conta história, ao seu lado, ela os observa e fica atenta às terapeutas ao seu
redor. A TO apresenta um boneco (de pano, com espelho no rosto) para ela que se
olha e sorri. Depois, estende a mão, pedindo um espelho que a terapeuta tem em
mãos. Ela se olha, aproximando-o e afastando-o. Terapeuta coloca o boneco atrás
da criança, deitada na garupa de seu cavalo (neste dia é a égua Princesa, pois
Rubinho estava doente) e ela olha e sorri.
Larissa demonstra muita satisfação e tranqüilidade durante o “passeio”,
parece já ter desenvolvido maior noção de perigo, pois se segura bem na alça.
Permanece atenta aos estímulos auditivos e visuais do ambiente. Parece estar
“matando as saudades”. Param para ouvir os sapos e ela os procura. Nesta sessão
emite muitos sons, oralizando, usa os sons para se expressar.
Na saída, ao descer, a criança faz o movimento de retorno ao cavalo,
estendendo as mãos. Terapeuta leva suas mãos a alisar a égua e se despedir, fazer
196
“carinho”. Ela permite e observa o animal. Demonstra tristeza ao sair e seu pai lhe
diz que voltará outro dia.
5ª observação
Larissa chega ao Núcleo e desce do carro, chorando, pois, segundo o pai
estava “trelando no carro”, mas, logo que vê uma terapeuta do grupo que a recebe
(a que acompanha seu colega de sessão, Bosco), sorri e pára de chorar. Vai ao seu
colo sem resistência. Não quis colocar o capacete, mas aceitou montar (vale
ressaltar que nesta semana a criança estava em fase de adaptação na hidroterapia,
negando-se participar de tal terapia e da fisioterapia).
A sessão foi iniciada em montaria dupla da criança com a TO e
acompanhamento lateral do equitador. Inicialmente, os terapeutas emparelham seu
cavalo ao de Bosco e ela o observa muito. Prosseguiram, o cavalo de seu colega à
frente e o seu, atrás. A criança segura o capacete. As terapeutas tentaram seduzi-la
a colocá-lo: fica elegante, semana passada colocou... Ainda assim não aceitou. A
criança sorri, neste momento, diante da chegada da FT à sessão.
Na segunda volta ao picadeiro, FT e TO colocam a criança em pé sobre o
cavalo e a incentivam dizendo que ela está grande. Inicialmente ela não demonstra
resistência a essa postura, mas depois, “desaba”. Terapeutas a colocam novamente
e ela aceita bem. Imita o avião que passa (gesto de abrir os braços e levantá-los),
após demonstração da FT e mostra ao seu colega o avião quando ele passa por ela.
Senta espontaneamente. Os cavalos de competição, que nesta sessão estão no
outro lado do picadeiro, chamam sua atenção e ela lhes dá tchau,
espontaneamente. O pai fica todo o tempo assistindo à sessão, mostrando-lhe que
197
está lá para vê-la e ela parece sentir-se estimulada por isso. Olha-o de vez em
quando.
No meio da sessão, a TO desce do cavalo e, nesse momento, a criança a
olha e bate na garupa do cavalo, chamando-a a subir novamente. TO explica que
agora ela vai ficar só sobre o cavalo. Terapeutas lhe colocam o capacete, mas a
criança chora, tenta tirar; depois, ao lado de seu colega, este tenta incentivá-la, diz
que colocou o capacete e não chorou. Ela presta atenção e se acalma. As
terapeutas mostram-lhe o espelho. Ela se olha com o chapéu e sorri, ensaia tirá-lo
novamente. Quando chora, o pai levanta-se para vê-la. Depois, aumentam o ritmo
do cavalo, alongam seu passo e a criança, que já havia parado de chorar, chora de
novo. Parecia um pouco irritada nesta sessão.
A criança toca a parte posterior do dorso de Rubinho e as terapeutas sugerem
virá-la de costas. Ela aceita. Seu colega pára em frente ao som, pede uma música
específica e faz a coreografia. Ela olha o colega dançar, mas não o imita. A criança
sai do picadeiro deitada no cavalo para o término da sessão, mas não quer descer.
Tenta subir novamente e quase chora. Seu pai foi buscá-la na saída e ajudá-la a
descer.
6ª observação
Larissa chega sorridente, dirige-se logo ao carro de seu colega de sessão,
entra e senta no colo de seu pai que está no banco do motorista. A criança segura o
volante e sorri como se fosse dirigir (brinca de faz-de-conta). Ao montar, não quer
capacete. As terapeutas tentam, mas ela recusa, entrega o chapéu à observadora.
Rubinho começa a fazer xixi e ela sente o movimento de seu dorso e logo olha para
198
baixo, sorrindo. Durante o passeio, o cavalo de seu colega fica atrás e ele lhe diz:
estou aqui. Ela o olha sorrindo, observa-o ao seu lado, enquanto ele a ultrapassa.
Neste dia a criança está sendo acompanhada pela TO e pelo equitador, na
ausência da fisioterapeuta. A TO dirige-se aos materiais com ela que estende as
mãos para os brinquedos. Inicia o jogo de bola e tenta acertar no cesto quando o
colega chega ao seu lado. Larissa abre os braços para receber a bola, mas nem
sempre consegue jogá-la na direção da cesta, parece não conseguir medir ainda a
força a ser empregada nem como coordenar movimentos amplos. Joga também todo
o corpo (compensa com o tronco).
Num momento posterior, a TO fica entre as duas crianças e utiliza bolas de
gude (ximbra). A brincadeira é encher um recipiente (de boca pequena) com as
bolas, com o objetivo de trabalhar a coordenação motora fina, segundo a TO. A
criança compreende a regra relacionada ao momento de cada um tentar, esperar a
vez. Quando o colega termina de encaixar, ela, atenta, dirige-se ao saco de bolas,
pois sabe que é sua vez. A criança consegue encaixar, mas ainda não tem pinça
fina. A TO lhe sugere chamarem Rubinho para correr e ela não o faz, mas entende e
segura na alça, mantendo-se firme, antes de começarem a trotar.
A TO estimula a criança e ela dá tchau para todos que se encontram no
picadeiro. Ela não queria descer e, por isso, depois voltou ao cavalo, subiu e brincou
com os estribos. Depois, a TO retira a criança, que se dirige ao pai, puxando-o para
o portão com o qual brinca de abrir e fechar. E o pai coloca limite. Ela deixa a
brincadeira bem, solta um beijo para a observadora e para a TO ao ir embora.
199
6.2.4.1 Análise clínica das observações das sessões
Foi observada, no decorrer das sessões, a evolução de Larissa na percepção
e na exploração do ambiente. Isso significa que ela mantém maior interação com o
mundo, dificuldade primordial em casos de prematuridade, bem como de sua
história. Ela aceita bem, explora com satisfação os estímulos oferecidos pela
terapeuta ocupacional relacionados à percepção tátil, como, por exemplo, o gel,
material que causa, muitas vezes, aversão às crianças por sua consistência e
temperatura, principalmente em associação à crina do cavalo.
Larissa apresenta resistência ao trote do cavalo conforme o comentário da
psicóloga. Isso é respeitado pela equipe que, apesar de incentivar a criança a
ultrapassar seus limites, preocupa-se com seu bem-estar. Nas sessões observadas,
a criança não demonstrou angústia na posição de pé sobre o cavalo, postura que,
apesar de amedrontadora pela distância do solo, permite à criança ter uma visão
ainda mais ampla do ambiente. Percebeu-se que, quando “cansada”, Larissa
demonstra sua inquietação pela posição e senta-se. Consegue com essa atitude
reagir às demandas dos terapeutas.
A equipe tenta associar diversos objetivos para a realização da atividade
escolhida. Por exemplo, no momento em que Larissa foi convidada a fazer o avião,
objetivou-se trabalhar, primordialmente, o equilíbrio, mas também estimular o “faz-
de-conta” e a interação da criança com seu colega de sessão. Também através da
brincadeira com Bosco a equipe estimula Larissa a participar das atividades.
Nas observações deste caso, também percebemos o comportamento de
apego. O pai, inicialmente, como relatado pela equipe, não desviava seu olhar da
criança. No período de observação ele se desligou bem mais, demonstrando maior
200
tranqüilidade quanto à relação da criança com o meio social. Mas, como figura de
apego parece estar sempre pronto a socorrê-la. Da mesma forma a filha precisava
estar sob seu olhar e encontrá-lo após este desaparecer de seu campo de visão.
Numa sessão em que a criança não percebeu a atenção do pai para com ela, pois,
estava chovendo e ele não poderia observá-la, não fez questão de retornar à
montaria, logo foi embora com o pai. Esse fato nos faz relembrar a citação de
Bowlby (1998, p. 38) na teoria do apego:
O comportamento do apego é interpretado como qualquer forma de
comportamento que resulta na consecução ou conservação, por uma
pessoa, da proximidade de alguma outra diferenciada e preferida.
Enquanto a figura de apego continua acessível e receptiva, o
comportamento pode consistir em pouco mais do que uma verificação,
visual ou auditiva, da localização da figura, em troca de olhares e
cumprimentos ocasionais. Em certas circunstâncias, porém, pode ocorrer o
acompanhamento ou agarramento à figura de apego, e também os
chamamentos e o choro, capazes de provocar a sua atenção.
E ainda é citado por Bowlby (1998, p.41): “Como o comportamento de apego
é manter um laço afetivo, qualquer situação que parece colocar em risco esse laço
provoca ação destinada a preservá-lo.”
O desenvolvimento da socialização, da “auto-permissão” para criar novos
laços afetivos é favorecida pelo vínculo com o cavalo. Numa das sessões
decorridas, este é, para a criança um ser mais significativo do que terapeutas ou
outras pessoas da equoterapia. Podemos dizer que tal relação a mobilizou mais a
participar da terapia. Percebe-se bem em diversos momentos, como, por exemplo,
quando a criança chega irritada da viagem de casa até o Núcleo, mas quando avista
os cavalos, muda seu humor.
Na sessão de retorno das férias, como no caso Alice, é notória a satisfação
de Larissa no reencontro com o cavalo, com os terapeutas e com seu colega Bosco
com quem interage bem durante as sessões.
201
Ao retornar para o seu cavalo, no final das sessões, a criança não apenas
demonstra querer estar com ele, mas sobre ele, o que significa o desejo de voltar a
sentir seus movimentos. Estes, portanto, lhe são agradáveis. E, como comentado
pela psicóloga, parece remetê-la aos movimentos tão aconchegantes do útero
materno.
202
5 CONCLUSÃO
Através da realização deste trabalho, pudemos perceber as dificuldades que a
família enfrenta diante da prematuridade e da necessidade de lidar com a
possibilidade de morte e atraso no desenvolvimento, marcando diferenças em
relação ao padrão “normal” e assim, social. Observou-se que o sistema familiar
precisou reorganizar-se em conseqüência da problemática existente.
De acordo com Vasconcellos (2003), pela perspectiva sistêmica, um
comportamento adaptativo às variações do meio exibe uma auto-regulação
importante para garantir a estabilização do sistema. As famílias dos casos em
estudo utilizaram diversos meios para que isto pudesse ocorrer: 1) inclusão de toda
a família no processo terapêutico das crianças; 2) crença religiosa como alicerce; 3)
intensificação dos laços afetivos entre os membros; 4) suporte de profissionais
diversos para orientações de como proceder; 5) expectativas quanto ao
desenvolvimento das crianças; 6) própria evolução das crianças; 7) Outros.
A respeito da evolução dessas crianças através da equoterapia, percebemos
que esta funciona como um feedback positivo para a família em relação ao seu
investimento. Este, representado pelas atitudes familiares, funciona como output do
sistema e o desenvolvimento da criança funciona como input. Esse “balanço” mostra
à família, que as mudanças ocorridas no sistema familiar, frente às conseqüências
da prematuridade, “valeram a pena”. Foram mudanças qualitativas em seu
funcionamento. A relação entre inputs e outputs promove a auto-regulação. Através
das informações sobre a conduta familiar passada o sistema se torna capaz de
ajustar sua conduta futura.
203
Conforme Vasconcellos (2003), a retroalimentação ou feedback é negativo
quando a família tenta minimizar os desvios do sistema, ou seja, quando percebe
que está conduzindo erroneamente. Isso é comum quando a família tenta “acertar”
quanto à educação das crianças. Por exemplo, quando é introduzido o assunto
sobre regras e limites, a babá de Larissa diz perceber que precisa modificar sua
conduta de superproteção por ser prejudicial à criança, algo já referido pelos pais.
Através das observações de algumas sessões das crianças, Alice e Larissa,
bem como através das entrevistas, percebeu-se a evolução destas quanto à
interação com o cavalo e o grupo envolvido no ambiente equoterápico. Inicialmente
demonstravam angústia no contato com o cavalo e com os estímulos decorrentes de
sua marcha. Atualmente, elas sentem prazer em estar nesse espaço e anseiam pelo
momento da terapia. Segundo relatos dos responsáveis, as crianças falam sobre os
cavalos em casa, sentem saudade e ao chegarem na equoterapia, expressam
alegria ao vê-los. São comportamentos que nos fazem acreditar que existe um laço
afetivo entre a criança e o animal, construído no decorrer do tratamento. A equipe
favoreceu esse desenvolvimento pelo respeito ao momento das crianças através da
graduação dos estímulos; inclusão dos pais na sessão como elemento facilitador no
processo de adaptação; aproximação com o cavalo e incentivo à socialização por
meio das atividades com outros praticantes e terapeutas.
As características relacionadas à socioafetividade e arroladas pela equipe que
acompanha Larissa, foram as mesmas referenciadas pelo grupo que acompanha
Alice: equoterapia, enquanto espaço de exploração e descoberta; a relação com
pessoas nas sessões; a presença de regras sociais na equoterapia que favorece o
desenvolvimento do comportamento da criança no meio social; a relação com o
cavalo; aceitação incondicional; o jogo entre limite e continuidade entre o corpo da
204
criança e o do cavalo. Enquanto encerra seu corpo e inicia o do cavalo, a criança
tem a sensação de que a marcha do cavalo, que tem semelhança com a marcha
humana, é também a sua marcha. Há uma sintonia nessa ritmação. Esse momento
faz-nos lembrar da sensação simbiótica mãe–bebê durante a gestação e
nascimento.
Segundo relato da psicóloga entrevistada, a equoterapia surge como uma
oportunidade de reviver os traumas de UTI, dadas algumas semelhanças: separação
física da mãe e oferta de estímulos. Apesar das possíveis semelhanças, a criança
encontra-se num outro momento de vida, mais amadurecida e mais preparada para
lidar com os estímulos. Além disso, como espaço terapêutico, a equoterapia é
realizada por uma equipe, cujo objetivo é organizar as informações que chegam à
criança. É, portanto, oferecida ao praticante a oportunidade de reelaborar os
traumas da UTI e ressignificar os estímulos do ambiente. As crianças em foco têm
desenvolvido a capacidade de aceitar ou negar informações que lhe são oferecidas,
ou seja, de realizar escolhas, o que é bastante significativo.
Através dos relatos dos técnicos envolvidos, observamos que eles também
percebem que as crianças apresentaram evolução nas relações socioafetivas,
quando comentam o relacionamento de Larissa com seu amigo Bosco, e a alegria
pela chegada da terapeuta. São demonstrações do vínculo que já se estabeleceu.
No caso Alice, a equipe refere melhora na linguagem oral e cognição, o que
favoreceu a comunicação e expressão. Sua relação com a equipe é muito boa, de
forma que a criança compartilha fatos do dia-a-dia, dividindo-os também com seu
cavalo. Através da melhora da linguagem, a criança está se relacionando melhor na
escola, pois o atraso de linguagem, segundo a mãe adotiva, de certa forma “excluía”
a criança.
205
Observamos que as duas famílias conseguem perceber que a equoterapia
favoreceu o desenvolvimento das crianças, porém, suas expectativas interferem
nesse olhar. A babá de Larissa percebe bem mais benefícios à criança do que seus
pais que esperavam que a criança já estivesse independente na marcha. Todavia, o
investimento desses pais na equoterapia, no decorrer de cerca de 2 anos,
demonstra a valorização dessa abordagem. E, embora seus discursos quanto aos
benefícios sejam relacionados à área motora, por conta das expectativas, fazem
referência à relação de Larissa com Bosco diversas vezes.
A mãe adotiva de Alice menciona a entrada da criança na equoterapia como
um marco no seu desenvolvimento e teme sua alta, demonstrando também
reconhecer os benefícios da abordagem terapêutica.
Foi comum nos relatos dos responsáveis o comentário sobre o prazer, a
motivação das crianças pela freqüência à equoterapia, o que facilita esse processo,
bem como o aprendizado relacionado ao afastamento entre criança e família no
momento da sessão. Observando-se as fases relacionadas ao comportamento de
apego e desapego, pois, inicialmente as crianças ofereciam resistência para se
afastarem da família, verifica-se que, através do vínculo afetivo com o cavalo, foi
“superada” a distância da família, embora ainda fosse necessário vê-la
constantemente. Atualmente conseguem afastar-se sem angústia. Aspecto
favorecido pela família e pela equipe que trabalhou as relações de lealdade e
confiança necessárias para um afastamento sossegado.
Portanto, a equoterapia funciona também como espaço social que permite
idas e vindas, instalando, por vezes, “angústia” para a criança e sua família,
sentimento esse que, no contexto, é fundamental para o amadurecimento emocional
da criança. Segundo Vasconcellos (2003), os graus de “permeabilidade” das
206
fronteiras do sistema aberto tornam este mais ou menos susceptível às influências
de seu ambiente. As trocas permitidas pelas famílias participantes da pesquisa
favoreceram, portanto, o desenvolvimento de Alice e Larissa, bem como o
crescimento de cada família como um todo.
Através da melhora na socioafetividade, essas famílias podem se fazer
compreender e serem compreendidas pelas crianças. Claro exemplo é o do pai de
Larissa sobre a tosse da criança como desculpa para não ir à hidroterapia. No caso
de Alice, quando esta associa o choro da gripe ao sentimento de tristeza. A família,
que percebia a criança como um ser frágil e indefeso, passa a percebê-la de forma
diferente, pois dado o seu desenvolvimento como sujeito, a criança está a caminho
da independência do círculo familiar, em direção à ampliação do círculo social.
São inúmeras as respostas para o objetivo desta pesquisa, isto é, de como
podemos compreender as repercussões do tratamento equoterápico e seus
elementos intervenientes no desenvolvimento socioafetivo da criança com atraso
neuropsicomotor por prematuridade. Para isso foi necessário percebermos a
angústia implicada numa gestação de risco, e, de certa forma, os temores diante de
uma nova situação marcada por incertezas.
Porém, um dos pontos mais significativos deste trabalho, ou talvez o mais
significativo, relaciona-se com a possibilidade de conhecermos as singularidades
dos casos clínicos. A equoterapia poderia beneficiar seus praticantes de diferentes
formas, tal como encontramos na revisão teórica, porém, nunca saberíamos quão
profundas podem ser estas mudanças para a criança e para o contexto familiar, se
antes não conhecêssemos um pouco de sua história. Bem como, também, não
poderíamos compreender a relação entre essas famílias e a equoterapia. Isto faz
com que o estudo qualitativo seja diferenciado, na medida em que podemos
207
aprofundar nossos conhecimentos acerca dos eventos ocorridos. A equoterapia
beneficia cada praticante de forma singular, de acordo com sua história, que é única.
A realização deste trabalho foi de grande importância para minha vida
profissional. Como terapeuta ocupacional pude realizar um estudo na área de
Psicologia Clínica e, especialmente, sobre a construção da subjetividade na família.
Dessa forma, tive a oportunidade de adentrar em outros saberes, e de adquirir um
olhar mais crítico e mais amplo a respeito do sujeito que se apresenta na clínica. A
percepção sobre a importância da troca entre diferentes áreas do conhecimento, fez-
me repensar sobre a “perda” da ciência pelo isolamento de disciplinas e seu caráter
fragmentador. Assim, a transdisciplinaridade toma um novo sentido. É preciso que
ela não seja apenas um discurso, mas uma vivência, visando aos avanços no campo
do conhecimento e à melhoria da assistência clínica ao indivíduo.
No decorrer da pesquisa teórica e de campo, principalmente nas análises
clínicas e organização dos dados, pude também perceber a relevância deste
trabalho para minha vida pessoal. Oportunidade de conhecer a possibilidade de
crescimento do ser humano e a riqueza da busca pela melhora, bem como me fez
refletir sobre a importância das relações familiares para a constituição do sujeito.
Desta forma, concluímos expressando a necessidade de dar continuidade a
este tema que traz consigo a intersecção entre a equoterapia, a prematuridade e os
eventos familiares e, em especial, ao desenvolvimento da socioafetividade nesse
contexto. A relação entre uma criança dita “frágil” com um animal, como o cavalo -
símbolo de força e virilidade – se nos apresenta como mediadora de ganhos
significativos para a criança e sua família. É necessário que este estudo, portanto,
seja aprofundado, ante a riqueza do tema.
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Developmental Riding Therapy:
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treatment. Texas: Therapy Skill Builders, 1993.
SPITZ, R. A.
O primeiro ano de vida
. 2. ed. Tradução Erothildes Millan Barros da
Rocha. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SWEENEY, J. K.; SWANSON, M. W. Neonatos e Bebês de Risco: Manejo em UTIN
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recém-nascido de alto risco. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.
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Tradução Álvaro
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TONDO, C.T. Teoria sistêmica. In: SOUZA, Y. S.; NUNES, M. L. T. (Org.).
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: ensaios temáticos em psicologia. Instituto de
Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Prefeitura de
Juracy Cunnegato Marques. Porto Alegre: PUCRS, 1998.
TURATO, E. R.
Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa
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construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas de
saúde e humanas. Petrópolis: Vozes, 2003.
VASCONCELLOS, M.J.E. de.
Pensamento sistêmico
: o novo paradigma da
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crianças nascidas pré-termo e de baixo peso. In: BASSETO, M. et al.
Neonatologia:
um convite à atuação fonoaudiológica. São Paulo: Lovise, 1998. cap.32, p.238-245.
WERNER, M.C.M. A influência do nascimento pré-termo no desenvolvimento das
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XAVIER, C. Atuação Fonoaudiológica em Berçário: Aspectos teóricos e Práticos da
Relação Mãe-Bebê. In:
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cap. 4, p. 99-127.
216
ANEXOS
ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos responsáveis
ANEXO B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos profissionais da
equoterapia
ANEXO C - Roteiro de entrevista com os responsáveis
ANEXO D – Roteiro de entrevista com a babá (cuidadora)
ANEXO E – Roteiro de entrevista com os profissionais da equoterapia
ANEXO F – Fotografias
ANEXO G – Figuras
217
Anexo A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(responsáveis)
TÍTULO DA PESQUISA: “Repercussões da Equoterapia nas Relações Socioafetivas
da Criança com Atraso de Desenvolvimento por Prematuridade”.
Eu, ______________________________________________, abaixo assinado, dou
meu consentimento livre esclarecido para participar como voluntário do projeto de
pesquisa supra-citado, sob a responsabilidade da pesquisadora Zélia Maria de Melo,
membro da Universidade Católica de Pernambuco, com endereço Rua do Príncipe,
nº 526, Boa Vista. Recife – PE.
Assinado este Termo de Consentimento estou ciente de que:
1. O objetivo da pesquisa é Compreender os desdobramentos (ou as
repercussões) do processo equoterápico e seus elementos intervenientes no
desenvolvimento socioafetivo da criança com atraso neuropsicomotor por
prematuridade.
2. Durante o estudo, enquanto responsável pela criança, participarei de
entrevista, permitirei observação da criança pela qual sou responsável
durante sessões da equoterapia e de observação da rotina da criança em
casa.
3. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente
sobre a minha participação na referida pesquisa;
4. Estou livre para interromper a qualquer momento minha participação na
pesquisa, a não ser que esta interrupção seja contra-indicada por motivo
médico;
5. Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos
através da pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do
trabalho, expostos acima, incluída sua publicação na literatura científica
especializada;
6. Poderei contatar o Comitê de Ética da UPE para apresentar recursos ou
reclamações em relação à pesquisa ou ensaio clínico através do telefone:
(081) 3416 4000.
Recife, de de 2004.
____________________________________________ RG: ________________
(Voluntário)
____________________________________________
(Pesquisador)
218
Anexo B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(profissionais)
TÍTULO DA PESQUISA: “Repercussões da Equoterapia nas Relações Socioafetivas
da Criança com Atraso de Desenvolvimento por Prematuridade”.
Eu, ______________________________________________, abaixo assinado, dou
meu consentimento livre esclarecido para participar como voluntário do projeto de
pesquisa supra-citado, sob a responsabilidade da pesquisadora Zélia Maria de Melo,
membro da Universidade Católica de Pernambuco, com endereço Rua do Príncipe,
nº 526, Boa Vista. Recife – PE.
Assinado este Termo de Consentimento estou ciente de que:
1. O objetivo da pesquisa é Compreender os desdobramentos (ou as
repercussões) do processo equoterápico e seus elementos intervenientes no
desenvolvimento socioafetivo da criança com atraso neuropsicomotor por
prematuridade.
2. Durante o estudo, enquanto profissional responsável pelo atendimento da
criança na equoterapia, participarei de entrevista e permitirei observação da
criança durante atendimentos na equoterapia.
3. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente
sobre a minha participação na referida pesquisa;
4. Estou livre para interromper a qualquer momento minha participação na
pesquisa, a não ser que esta interrupção seja contra-indicada por motivo
médico;
5. Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos
através da pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do
trabalho, expostos acima, incluída sua publicação na literatura científica
especializada;
6. Poderei contatar o Comitê de Ética da UPE para apresentar recursos ou
reclamações em relação à pesquisa ou ensaio clínico através do telefone:
(081) 3416 4000.
Recife, de de 2004.
____________________________________________ RG: ________________
(Voluntário)
____________________________________________
(Pesquisador)
219
Anexo C
ENTREVISTA COM OS RESPONSÁVEIS
1. Identificação
1.1. Preservação da identidade da criança e de sua família.
A identificação aqui contida não será utilizada no trabalho, servirá apenas para
facilitar a fase do contato para coleta de dados.
1.2. Quais as pessoas que convivem com a criança? (Nomes e relação de
parentesco)
1.3. Dados familiares: idade, profissão, religião, história familiar.
2. História da concepção e nascimento da criança
2.1. Contexto familiar. Como começou a história da família, isto é, como o casal se
conheceu, resolveu ter filhos?
2.2. Como foi a gestação, o planejamento e nascimento dos filhos?
2.3. Diante da prematuridade, quais as expectativas que vocês e seus familiares
tinham, na época, a respeito do desenvolvimento da criança?
2.4. Como foi a escolha do nome da criança?
3. O desenvolvimento da criança
3.1. Como esteve a saúde da criança após seu nascimento?
3.2. Durante a fase da incubadora, quem e como manteve contato com a criança?
3.2. Qual foi o percurso da criança nos cuidados clínicos?
3.3. Como foi encaminhada a terapias para o estímulo ao seu desenvolvimento.
3.3. Como vocês têm percebido este desenvolvimento? Está ocorrendo de acordo
com suas expectativas?
220
4. A equoterapia
4.1. Porque vocês procuraram a equoterapia? E o que ela tem de diferente de outras
terapias?
4.2. Vocês acham que a equoterapia tem favorecido o desenvolvimento da criança?
O que lhes chama mais a atenção neste processo terapêutico?
4.3. O que vocês sentiram ao ver sua filha sobre o cavalo?
4.4. Como vocês percebem esta diferença: estar com
o cavalo e estar sobre o
cavalo?
4.5. O que vocês acham que ela sente no contato com o cavalo?
4.6. Como foi o processo de adaptação da criança na equoterapia, vocês
conseguem se lembrar?
4.7. O que vocês acham da socialização da criança com outras crianças da
equoterapia e com a equipe?
4.8. Vocês acham que, de alguma forma, a equoterapia fez vocês perceberem algo
na criança que ainda não haviam percebido, em termos de possibilidades?
4.9. Vocês acham que a equoterapia pode favorecer, mesmo que indiretamente, a
relação da criança com a família?
5. A rotina da criança
5.1. Quem cuida da criança no dia-a-dia?
5.2. Como é a rotina da criança?
5.3. Como é sua interação com pessoas: em casa, na escola, num momento de
lazer, e como se comunica, i. é. se faz entender, compreende as pessoas? Participa
nas atividades sociais?
5.4. Vocês percebem a influência da equoterapia sobre as relações sociais da
criança? Como?
5.4. Falem-me um pouco sobre a relação da criança com a família.
5.5. Permissão para visitar a criança em casa para observar um pouco de sua
interação no cotidiano.
¾ Vocês sentem necessidade de fazer alguma colocação além destas repostas
às perguntas formuladas?
221
Anexo D
ENTREVISTA COM A BABÁ
(cuidadora)
1. Qual a idade de Larissa quando você começou a acompanhá-la? Fale um pouco
sobre este período.
2. Você tem filhos? fale um pouco de sua história.
3. Quando você chegou, como você percebia Larissa?
4. Como é seu relacionamento com a criança?
5. Fale um pouco sobre o desenvolvimento dela.
6. Você acompanha Larissa à equoterapia? Como percebeu a adaptação da
criança?
7. Como é a relação de Larissa com os profissionais?
8. A equoterapia ajudou em seu desenvolvimento? De que forma?
222
Anexo E
ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS DA EQUOTERAPIA
1. Quais são as suas formações e há quanto tempo vocês estão acompanhando a
criança X?
2. Porque vocês acompanham a criança e não outros profissionais ?
3. Qual a diferença que faz a presença de vocês numa sessão de equoterapia?
4. Como vocês percebem a evolução da criança X desde que entrou na
equoterapia?
5. Durante as sessões de equoterapia, o que vocês observam quanto às relações
socioafetivas da criança ?
6. De que forma a equoterapia favorece o desenvolvimento socioafetivo?
7. A família se envolveu ou se envolve no processo equoterápico? De que forma?
223
Anexo F - FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 (acima): Larissa na incubadora
Fotografia 2 (ao lado):
Larissa na equoterapia
224
Fotografia 3 (acima):
Alice na equoterapia – atividade de socialização
Fotografia 4 (acima): fase pré-esportiva
225
Fotografia 5 (acima): contato inicial com o cavalo
Fotografia 6 (acima):
cuidando do cavalo- alimentação
226
Fotografia 7 (acima):
exploração do ambiente – atividade no exterior
227
Anexo G - FIGURAS
MOVIMENTO TRIDIMENSIONAL PROPICADO PELO CAVALO
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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