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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL
OSVALDO SILVA FELIX JÚNIOR
REPENSANDO A GUERRA
(A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA GUERRA DO PARAGUAI)
1865-1870
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
2009
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OSVALDO SILVA FELIX JÚNIOR
REPENSANDO A GUERRA
(A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA GUERRA DO PARAGUAI)
1865-1870
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História Regional e
Local da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), como parte dos requisitos
necessários à obtenção do tulo de
Mestre.
Orientador:Prof. Dr. Wellington Castellucci
Júnior
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Felix Júnior, Osvaldo Silva
Repensando a guerra : a participação da Bahia na guerra do Paraguai : 1865 –
1870 / Osvaldo Silva Felix Júnior . – Santo Antonio de Jesus, 2008.
186f. ; il.
Orientador : Wellington Castelluci Júnior.
Dissertação (Mestrado) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Ciências Humanas. Campus V. 2008.
Contém referências.
1. Paraguai, Guerra do - Bahia - 1865-1870. 2. Paraguai, Guerra, 1865 – 1870 -
História -
Bahia. I. Castelluci Júnior, Wellington. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento
de Ciências Humanas.
TERMO DE APROVAÇÃO
OSVALDO SILVA FELIX JÚNIOR
REPENSANDO A GUERRA
(A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA GUERRA DO PARAGUAI)
1865-1870
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
História Regional e Local, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.
Aprovada por:
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
Prof. Dr. Wellington Castellucci Júnior - orientador
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
_______________________________________________
Prof. Dr. Erivaldo Fagundes Neves
Universidade Estadual da Feira de Santana - UEFS
________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Fátima Novaes Pires
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Luigi Negro
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Suplente
________________________________________________
Prof. Dr. Charles D’Almeida Santana
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Suplente
FEVEREIRO / 2009
OBSERVAÇÕES:
À
Janir Queiroz, minha mãe, pela luta por minha educação.
Minha esposa e filhos, Altamira, Osvaldo, Gabriel, Vitor e Camila, por suas
presenças em minha vida.
AGRADACIMENTOS
Ao Professor Wellington Castellucci Júnior, orientador, pela atenção, paciência,
orientação primorosa e amizade.
Ao professor Charles D’Almeida Santana, pelo incentivo e orientação para a
realização do Mestrado.
À professora Maria de Fátima Novaes Pires e aos professores Raphael
Rodrigues Vieira Filho e Wilson Roberto de Mattos, pela excelência de suas
aulas, muito aprendi.
Aos colegas da Linha de Pesquisa II, Cleide, Marcus, Alex e Moiséis, pela
atenção, amizade e momentos alegres que me proporcionaram.
A todos aqueles que colaboraram para que este projeto se tornasse realidade
REPENSAR:
Tornar a pensar, reavaliar, reexaminar.
RESUMO
Esta Dissertação buscou apresentar episódios que marcaram a participação da
província da Bahia durante a Guerra do Paraguai, em particular aqueles que
envolveram a mobilização e o envio de homens e mulheres para o conflito.
Para a consecução deste objetivo procurei atingir alguns objetivos específicos,
como o estudo da mobilização e do envio dos corpos de Voluntários da Pátria,
a análise do envio de médicos militares e civis para a guerra e a análise da
participação de mulheres no conflito. A pesquisa desenvolvida, prioritariamente
em fontes escritas (primárias e secundárias), indicou que muitas informações
transmitidas por aqueles pesquisadores que retrataram o conflito ao nível
nacional não correspondem à realidade vivenciada pela província da Bahia, e
que, pelas peculiaridades apresentadas em relação à mobilização das tropas
que seguiram da província para a guerra, a Bahia constituiu-se num diferencial
para que o Império pudesse combater em melhores condições as forças
guaranis.
Palavras-chave: História. Bahia. Guerra do Paraguai.
ABSTRACT
This Dissertation searched to present episodes that had marked the
participation of the province of the Bahia during the War of the Paraguay, in
particularly those that they had involved the mobilization and the sending of
men and women for the conflict. For the achievement of this objective I was
looked to reach some specific objectives, as the study of the mobilization and
the sending of the bodies of Volunteers of the Native land, the analysis of the
sending of military and civil doctors for the war and the analysis of the
participation of women in the conflict. The research developed with priority in
writhen, primary and secondary sources, it indicated that many information
transmitted for those researchers that had portrayed the conflict to the national
level do not correspond to the reality lived deeply for the province of Bahia, and
that, of the peculiarities presented in relation to the mobilization of the troops
who had followed of the province for the war, the Bahia consisted in a
differential so that the Empire could fight in better conditions the guaranis
forces.
Kaywords: History. Bahia. War of Paraguay.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa da Força de um corpo de Voluntários da Pátria da Bahia 52
Figura 2 - Zuavo da Bahia (praça) 80
Figura 3 - Capitão Marcolino José Dias 82
Figura 4 - Hospital de Sangue Brasileiro em Passo de la Pátria, 1866 126
Figura 5 - Imagem dos Filhos de D. Anna Nery 137
LISTA DE QUADRO
Quadro 1 - Situação de escravos alforriados enviados à guerra 72
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Quantidade de guardas nacionais remetidos pelos municípios 45
Tabela 2 - Províncias do Império que remeteram guardas nacionais 47
Tabela 3 - Oficiais da Guarda Nacional da Bahia – voluntários 50
Tabela 4 - Recrutados pelos órgãos policiais provinciais em 1865 59
Tabela 5 - Relação de crioulos recrutados pelos órgãos policiais em 1865 62
Tabela 6 - Companhias de zuavos enviadas entre janeiro e julho de 1865 88
Tabela 7 - Companhias de zuavos enviadas após o mês de julho de 1865 89
Tabela 8 - Percentual de homens enviados nas tropas de zuavos 90
Tabela 9 - Médicos militares enviados da Bahia à guerra do Paraguai 101
Tabela 10 - Médicos e estudantes contratados entre 1865 e 1866 119
Tabela 11 - Professores existentes na Faculdade à época da guerra 120
Tabela 12 - Estudantes de medicina contratados em 1865 121
Tabela 13 - Estudantes matriculados e contratados em 1866 121
Tabela 14 - Relação de itens recebidos pela 4ª companhia de zuavos 142
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 13
2. A FORMAÇÃO E O ENVIO DOS CORPOS DE VOLUNTÁRIOS 34
2.1 OS GUARDAS NACIONAIS DESIGNADOS 36
2.2 O RECRUTAMENTO DE CIVIS 53
2.3 O RECRUTAMENTO DE MENORES 64
2.4 A MOBILIZAÇÃO E O ENVIO DE NEGROS 67
2.4.1 A Incorporação de Escravos 67
2.4.2 As Tropas de Zuavos Baianos 79
3. EMPUNHANDO O LIVRO E A ESPADA 91
3.1 O ENVIO DE MÉDICOS MILITARES 96
3.2 O ENVIO DE MÉDICOS CIVIS, PROFESSORES E ESTUDANTES 101
4. A PARTICIPAÇÃO DE MULHERES DA BAHIA NA GUERRA 133
4.1 A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO CONFLITO 133
4.2 A PARTICIPAÇÃO INDIRETA NO CONFLITO 141
4.3 O APOIO ÀS FAMÍLIAS DOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA 147
4.4 AS RELAÇÕES COM OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA 157
5. CONCLUSÃO 170
FONTES 175
REFERÊNCIAS 181
APRESENTAÇÃO
A Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança foi um conflito, armado,
que ocorreu na América do Sul, entre 1864 e 1870, envolvendo de um lado o
Brasil, a Argentina e o Uruguai e, de outro, o Paraguai. O conflito foi
antecedido de uma série de contendas diplomáticas abrangendo os países
conflitantes e de uma intervenção militar brasileira no Uruguai.
1
A guerra tornou-se iminente quando o governo brasileiro não aceitou a
intermediação de Solano López, presidente do Paraguai, na questão com o
Uruguai. Solano López rompeu relações com o Império, e estabeleceu uma
aliança com os uruguaios. O Brasil invadiu o Uruguai, tornando a guerra
inevitável.
O Paraguai, aliado do governo deposto do Uruguai, em represália, no dia 12
de novembro de 1864, aprisionou o navio brasileiro “Marquês de Olinda”, no
rio Paraguai, que conduzia o presidente da província do Mato Grosso, o
coronel de engenheiros Frederico Carneiro de Campos. Dias depois foi
declarada a guerra. Quatro meses depois, em abril de 1865, a Argentina foi
invadida. Alarmados com a audácia dos paraguaios, Brasil, Uruguai (com o
seu novo governo) e a Argentina formaram a Tríplice Aliança para combater
as Forças Guaranis.
Segundo Duarte (1981, p.199), em 7 de janeiro de 1865, atendendo aos apelos
dos chefes militares e de parlamentares brasileiros, para a complementação
dos efetivos do Exército Nacional, que se vira, inesperadamente, engajado no
conflito com a nação guarani, D. Pedro II, assistido pelo gabinete de 31 de
agosto de 1864, presidido pelo Ministro da Justiça, Senador Francisco José
Furtado, expediu o decreto Imperial de número 3 371, criando os corpos de
Voluntários da Pátria. Pelo decreto, o Imperador apelava para os sentimentos
do povo brasileiro a fim de, voluntariamente, cerrar fileiras em torno do Exército
1
Após tornar-se independente do Brasil, em 1828, o governo, no Uruguai, foi disputado por
duas facções políticas, os Blancos, aliados da Argentina e os Colorados, aliados do Império.
Em 1851, o Blanco Oribe assumiu a presidência do Uruguai. O período do governo de Oribe foi
caracterizado por um bloqueio comercial ao Brasil e por uma série de conflitos fronteiriços entre
o Império e o Uruguai, que culminou com a invasão do território uruguaio. O governo brasileiro
alegou, para tal
invasão, o fato de uruguaios blancos ter invadido suas fronteiras, assassinado vários
estancieiros e roubado milhares de cabeças de gado.
Nacional e dar a resposta às Forças Paraguaias, que atentavam contra a
soberania brasileira. Em conjunto com o decreto, o governo determinou a
convocação de parcela dos batalhões da Guarda Nacional, estabelecendo para
cada província o número de homens que deveria ser enviado.
A participação da Bahia no conflito se caracterizou pelo apoio em pessoal para
a complementação dos efetivos do Exército e da Armada, e foi fundamental
para que o Império pudesse combater, em igualdade de condições, as Forças
Paraguaias. Fruto do decreto 3 371, o governo baiano colocou em execução a
mobilização da província para cumprir e fazer cumprir as orientações do
governo imperial. De início, por determinação do Ministério da Guerra,
mobilizou as tropas do Exército de Linha que estavam sediadas na Bahia e, em
seguida, os batalhões da Guarda Nacional.
Segundo o governo imperial, nos primeiros meses do ano de 1865, mais de
dez mil brasileiros se voluntariaram para complementar as tropas do Exército,
incluindo aí grande parcela de baianos. Informa a historiografia da guerra, que,
dentre recrutados, guardas nacionais designados, voluntários e escravos, a
Bahia enviou para o Exército 15 197 homens, no período de 1865 a 1870.
De acordo com Duarte (1981, p.199), esse foi o segundo maior efetivo enviado
para o Exército, só ultrapassado pelo contingente da província do Rio Grande
do Sul, invadida pelos paraguaios.
Vários foram os pesquisadores e historiadores, brasileiros e estrangeiros,
que retrataram a guerra do Paraguai. Cada um em sua época e com
motivações próprias, procurou expor o conflito enfocando aquilo que lhes
interessava e que julgava ser de interesse da sociedade. No Brasil,
basicamente três linhas historiográficas escreveram sobre a guerra: a
historiografia conservadora, a historiografia revisionista e os
pesquisadores ligados à nova historiografia brasileira.
A historiografia conservadora, da guerra, começa a se delinear a partir do
início da república, mantendo grande influência até os anos 60. Seus
pesquisadores, em sua maioria memorialistas ou pessoas ligadas aos
Voluntários da Pátria, retrataram a guerra dentro de uma visão positivista,
2
exaltando a figura dos vultos militares nacionais, normalmente os
grandes generais do Exército brasileiro, enaltecendo a atuação do
Exército como instituição, que, superando todo o tipo de obstáculos,
inclusive o descaso do Império, modernizou-se, conseguiu vencer o
inimigo e dar ao país uma nova identidade, o Brasil aberto às novas
concepções de ordem e progresso.
Segundo a historiografia conservadora, a eclosão da Guerra do Paraguai
adveio como conseqüência de disputas territoriais, de influências locais
na região do rio da Prata, e da ambição desmedida do caudilho Solano
López, presidente do Paraguai, em formar o “Grande Paraguai”. Como
representantes dessa linha, podemos citar, dentre outros, os generais
Paulo de Queiroz Duarte e Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira.
O general Paulo Duarte escreveu uma obra volumosa denominada Os
Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai, obra que retrata no seu
volume I, a relação do Imperador Pedro II com os Voluntários da Pátria, a
atuação dos chefes militares durante as fases da guerra, os meandros da
mobilização dos Voluntários da Pátria em cada província do Império e
aspectos pertinentes ao Exército brasileiro que lutou no conflito.
Ele afirma (1981, p.199-200) que a convocação dos Voluntários da Pátria
foi fruto da necessidade que tinha o Brasil em complementar os efetivos
do Exército de linha para combater, em melhores condições, as forças
2
Para os positivistas, a história era uma sucessão de acontecimentos isolados relatando,
sobretudo, os feitos poticos de grandes heróis, os problemas dinásticos, as batalhas, os
tratados diplomáticos, etc. Ver BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo:
Brasiliense, 2005.p. 34.
paraguaias. Enfatiza (1981, p.8) que o clima reinante em todo o Brasil,
quando da assinatura do decreto 3 371, que estabelecia os corpos de
Voluntários, era de patriotismo e de apoio àqueles que, voluntariamente,
iam defender a nação. Afirma (1981, p.8) que homens de todas as classes
sociais compuseram os corpos de Voluntários, inclusive na Bahia.
Segundo Duarte (1981, p.203):
à medida que a noticia da convocação dos Voluntários da
Pátria se difundia nas províncias, revalidada pelos
acontecimentos que se desenrolavam no Uruguai e que
logo se alastraram por Mato Grosso, por ordem e graça do
satânico Solano López, o entusiasmo popular extravasou
em transportes patrióticos, enchendo as ruas e praças das
principais cidades do País de considerável multidão,
vibrante de na justiça da causa, pronta a cerrar fileiras
em torno do seu Imperador.
O general conclui sua idéia, afirmando que não só na côrte do Rio de
Janeiro, como em algumas províncias, notadamente na Bahia,
Pernambuco, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão e Rio de Janeiro, os
respectivos presidentes passaram a contar com inúmeros e valiosos
oferecimentos, num verdadeiro torneio de brasilidade. E, referindo-se aos
corpos de Voluntários da Pátria, afirma que (1981, p.205) em curto espaço
de tempo os Voluntários engrossaram as fileiras do então minguado
Exército de linha, com avalanchas humanas que fluíam do Norte, do
Centro e do Sul do País, em decidida resposta aos apelos do Imperador.
Segundo o general (1981, p. 207), referindo-se ao recrutamento colocado
a efeito pelas autoridades provinciais, aparentemente, numa tentativa de
atenuar o impacto do recrutamento executado para a formação dos
corpos de Voluntários e, ao mesmo tempo, manter-se numa postura de
imparcialidade:
em algumas províncias, na chamada geral, por excesso de
zelo no serviço de recrutamento das autoridades
recrutadoras, delegados de polícia e seus prepostos iam
caçar o caboclo no Amazonas e Pará, o tabaréu nordestino
na caatinga, o matuto na sua tapera, o caiçara no litoral,
enfim, brancos, mulatos e os negros que, depois de
reunidos e contados, eram despachados em magotes, sem
uma simples inspeção de saúde sem se indagar de sua
condição de chefe de família, para as capitais provinciais
ou mesmo para a côrte, metidos em calças de brim pardo e
uma blusa da mesma ínfima fazenda.
O general Dionísio Cerqueira, em suas Reminiscências da Campanha do
Paraguai escreveu um texto onde narrou episódios pitorescos, ligados
aos comandantes militares, em particular aos generais Osório, Tibúrcio e
Argôlo, seus chefes imediatos; descreveu cenas das batalhas que
participou; discorreu sobre o ambiente vivido entre os oficiais de
pequenas patentes, universo do qual ele fazia parte como alferes;
descreveu o ambiente vivenciado por doentes que eram conduzidos para
os diversos hospitais de campanha e enfatizou o trabalho em combate
desenvolvido pelos praças em geral e pelos profissionais de apoio, como
médicos e capelães.
3
Segundo Cerqueira (1974, p.46), referindo-se à convocação dos corpos de
Voluntários da Pátria, o governo imperial utilizou sabiamente o “ardor
patriótico” ao chamar os brasileiros às armas, com o decreto de 7 de
janeiro de 1865, e deu aos voluntários o nome glorioso de Voluntários da
Pátria.
De acordo com Cerqueira (1974, p. 47), ao ver os seus amigos em ordem
de marcha, com mochila às costas e todo o equipamento e armamento
utilizados pelos Voluntários, os achou admiráveis, e teve tanta inveja que
3
Ao ser declarada a guerra, o general Dionísio Cerqueira tinha 17 anos e estudava o
ano da Escola Central, no Rio de Janeiro. A 2 Jan 1865, cinco dias antes de o governo
estabelecer o decreto 3 371, alistou-se como soldado a fim de seguir para o combate.
não pode mais abrir um livro. Apoderou-se dele a idéia de assentar praça
e seguir com seus companheiros.
Com relação ao Exército brasileiro que combateu no Paraguai, assim ele
descreve (1974, p. 74):
o nosso pequeno e mal preparado Exército deixava muito
senão tudo a desejar, desde a instrução técnica e o
preparo indispensável para a guerra até o comissariado de
víveres e forragens, o serviço sanitário, o
aprovisionamento de armas, fardamento, equipamento,
meios de transporte etc.
A exceção dos poucos corpos que haviam invadido o
Estado Oriental, era constituído de soldados bisonhos dos
batalhões de linha que viviam nas províncias, dando
guardas e destacamentos pelo sertão e fazendo diligencias
policiais; e de paisanos recentemente alistados
Voluntários da Pátria, que não tinham tido ainda tempo de
passar a prontos do exercício de recrutas.
Em relação às afirmações do general Paulo Duarte, a sua obra retrata, ainda,
um período (década de 1980) de domínio, no Brasil, de governos militares e a
exaltação à história militar brasileira fazia parte de um processo de valorização
das Forças Armadas, em particular do Exército nacional.
Quanto ao general Dionísio Cerqueira, como oficial que vivenciou aquele
período, onde o Exército brasileiro saía da situação incômoda de uma
instituição mau vista e desprezada pelas elites imperiais e conseguia, no pós-
guerra, impor-se como uma instituição vencedora e modernizada, é natural que
ele mantenha em seu texto um discurso onde o patriotismo, o desprendimento,
a coragem e a brasilidade sejam enfatizados como palavras de ordem dos
militares que seguiram nos corpos de Voluntários da Pátria.
A historiografia revisionista é preponderantemente economicista e crítica.
Mantém grande influência entre as décadas de 60 e 80, quando parte dos
países da América Latina estavam em mãos de governos militares (incluindo-
se o Brasil, o Uruguai e a Argentina), e os historiadores viam na reescrita da
história sobre o conflito, uma forma de resistência a esses governos.
Ao retratar a guerra, os grandes vultos militares eram desmitificados, alguns
deixavam à condição de heróis e eram colocados na condição de caudilhos,
assassinos e incompetentes, e Solano López aparece como um grande
estadista, que tem seus planos de conseguir formar um Paraguai forte e
influente destruídos pela cobiça de ingleses, brasileiros e da burguesia
comercial portenha.
O governo brasileiro, segundo os pesquisadores que comungam dessa linha
historiográfica, foi responsável pela morte de milhares de paraguaios (homens,
mulheres e crianças) e a destruição de uma nação que teria grandes
dificuldades para se reerguer economicamente.
Os autores que defendem essa linha enfatizam que o imperialismo inglês foi o
grande responsável por desencadear o conflito, utilizando para isso a vontade
brasileira de dominação dos países do cone Sul da América. Para eles, a
Inglaterra, com a guerra, aumentou o poder econômico na região do rio da
Prata e destruiu o Paraguai, uma ameaça aos seus planos de fortalecimento de
comércio com os países da América do Sul.
Para esses autores, a excelente situação econômica por que passava o
Paraguai, mantendo um comércio interno forte e evitando a dependência
externa, em particular da Inglaterra, despertou no governo inglês uma
preocupação de que, a exemplo dos paraguaios, outras nações sul-americanas
resolvessem aderir àquele modelo econômico, colocando em risco as
pretensões inglesas de dominar o comércio no cone Sul da América.
Autor que bem retrata aqueles que comungam dessa linha é Julio Jo
Chiavenatto. Jornalista, nascido em Pitangueiras - SP, Julio Chiavenatto
escreveu uma rie de textos sobre o grau de dependência da América do Sul
à Inglaterra e aos Estados Unidos da América. Escreveu o livro sobre a guerra
intitulado Genocídio Americano, publicado em 1985.
Produziu um texto extremamente crítico, e fez questão de enfatizar que o
escreveu com a visão de um jornalista, por isso desprovido de um maior
embasamento documental. Destacam-se as idéias por ele levantadas da
relação dos negros com o Exército brasileiro e da mobilização do Império para
enfrentar as forças paraguaias.
Segundo o autor (1985, p.117):
o Exército brasileiro que combateu o Paraguai era composto,
em quase sua totalidade, por negros e mestiços que foram
levados à força para combater e que, por isso, não tinham
compromisso com o patriotismo e com o Império; a criação dos
corpos de Voluntários da Pátria foi outro meio encontrado pelo
Imrio para conseguir soldados, os Voluntários, porém,
formados pela burguesia, se esquivaram do problema
mandando negros escravos em seu lugar, que se tornavam
forros ao incorporarem no Exército.
Ele enfatiza (1985, p.17) que essa foi a razão, inclusive, de tanto negro no
Exército brasileiro que combateu no Paraguai. E conclui sua idéia afirmando
que alguns Voluntários chegaram a oferecer até 10 escravos, tornando-se mais
heróico.
Sobre as contradições do Império em relação à guerra, ele afirma (1985, p.118)
que um regime escravocrata, cuja massa de soldados baseava-se
fundamentalmente em negros escravos, como o Império brasileiro, não poderia
ter um exército que oferecesse coesão moral. Ele refletiria as contradições do
próprio Império e estabeleceria nas suas relações, a mesma postura
hierárquica opressora do sistema que defendia.
Sobre os oficiais do Exército brasileiro ele enfatiza (1985, p.118) que tinha uma
minoria com boa formação militar, mas a “absoluta maioria” era completamente
incompetente, e iria fazer no Paraguai o seu aprendizado da arte da guerra.
Os autores que comungam com a nova historiografia brasileira da guerra m
nítidas influências dos historiadores da Nova História”, francesa, com
diversidade de abordagens e de enfoques. Os autores que escreveram sobre a
guerra procuraram expô-la, desmitificando determinados aspectos, propondo
novos temas e dando outras interpretações a temas pesquisados. Para os
pesquisadores adeptos dessa linha historiográfica, as causas do conflito
estavam nas divergências regionais, a Inglaterra se manteve na neutralidade, e
as causas econômicas não foram preponderantes para o desenrolar da guerra.
Um autor tido como referência para o estudo da Guerra do Paraguai e que,
aparentemente, é alinhado com a nova historiografia brasileira da guerra é
Francisco Fernando Monteoliva Doratioto.
4
Em seu texto intitulado Maldita
guerra, editado em 2002, o historiador apresenta o tema procurando
desmitificar determinados aspectos do conflito, sedimentados, tanto pela
historiografia tradicional, como pela revisionista.
Segundo o autor (2002, p. 18), a historiografia revisionista criou o mito de
Solano López como grande chefe militar e líder antiimperialista e desqualificou
a atuação dos Exércitos aliados, a resistência e o sacrifício demonstrados por
seus homens, lutando durante cinco longos anos, longe de seus países. Ele
afirma que Na verdade, atos de desprendimento pessoal, de bravura, de
covardia ou de crueldade ocorreram em ambos os lados da guerra”.
Em relação às causas da guerra, afirma Doratioto (2002, p.19) que, “tanto a
historiografia conservadora como a revisionista simplificaram as causas e o
4
Francisco Doratioto nasceu em São Paulo em 1956, na cidade de Atibaia. Graduou-se em
história em 1979 e em Ciências Sociais em 1982, pela Universidade de São Paulo. É mestre e
doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.
desenrolar da Guerra do Paraguai, ao ignorar documentos e anestesiar o
senso crítico”.
De acordo com Doratioto (2002, pp.116-117), entre os Voluntários da Pátria,
especificamente na Bahia, existiam voluntários e involuntários e, quando da
assinatura do decreto 3 371, que criava os corpos de Voluntários, houve nessa
província uma situação especial de mobilização, com grande entusiasmo e
uma verdadeira onda de voluntariado popular.
Ele tamm analisa a escravidão nas tropas do Exército, a relação entre Duque
de Caxias (representando a oficialidade superior do Exército) e o Império, e a
falta de estrutura e operacionalidade no Exército de linha. Analisando a
atuação do Duque de Caxias e a reorganização feita nas fileiras do Exército
brasileiro, assim se refere (2002, pp.273-274):
Caxias tinha que reorganizar o Exército brasileiro e por fim às
disputas políticas entre seus chefes de modo a criar condões
para vencer o conflito. Para isso, tornou mais eficientes as
tropas brasileiras na guerra, fortaleceu a posição do Exército e
ampliou sua autonomia em relação ao governo imperial, de
modo a ter agilidade de ação. Foi essa autonomia que permitiu
ao Exército construir uma identidade própria, dissociando-a,
paulatinamente, as a guerra do Paraguai, do Estado
monárquico para associá-la à nação.
Enfatiza, ainda, que a dificuldade em preencher os vazios na tropa levou o
Império a libertar escravos para lutarem no Paraguai e que a presença de
escravos combatentes no Exército resultou na incorporação de alguns de seus
interesses, como a alforria.
Segundo Doratioto (2002, p.274), durante a guerra, os chefes militares
brasileiros viram com restrições a presença de escravos no Exército,
acusando-os de mau desempenho militar. Para Caxias, o comportamento dos
libertos causava, pelo exemplo, indisciplina na tropa, por serem “homens que
não compreendiam o que era pátria, sociedade e família, que se consideravam
ainda escravos, que apenas mudaram de senhor”.
Outro pesquisador, aparentemente alinhado com a nova historiografia brasileira
da guerra é Ricardo Salles.
5
Em 1990, lançou o livro Escravidão e Cidadania
na Formação do Exército. Embora não tenha completado a sua graduação em
História, produziu um texto historiograficamente rico em informações sobre o
tema, certamente fruto de pesquisa minuciosa. É um texto de cunho
predominantemente social, onde ele procura tomar por base para as suas
análises o Exército brasileiro e a forma como a instituição se relacionou com as
classes excluídas (escravos, libertos, homens livres pobres) e as classes
dominantes, para suprir as suas necessidades em pessoal para a guerra.
Suas abordagens sobre a mobilização dos Voluntários da Pátria, ora são
genéricas (ao vel nacional), ora, específicas à província de São Paulo.
Porém, apresentam dados que demonstram ter havido na Bahia uma
mobilização para envio de corpos de Voluntários.
As idéias centrais que norteiam o seu trabalho estão ligadas à figura do negro,
a sua reação ao recrutamento e a oportunidade surgida com a guerra, de se
tornarem cidadãos, ou, pelo menos, de exercerem direitos nunca antes
permitidos.
Aspecto também interessante no seu trabalho o as idéias apresentadas
sobre o emergir das reflexões sobre a liberdade e a fraternidade, que, segundo
o autor, ocorreu no seio do Exército brasileiro, como conseqüência do emprego
conjunto dos corpos de Voluntários da Pátria, constituídos por uma diversidade
étnica de excluídos, inclusive por escravos alforriados, e de uma jovem
oficialidade, que incorporou alguns dos seus interesses, repercutindo, no pós-
guerra, como um ponto de atrito entre a instituição e o próprio Império.
5
Ricardo Salles é paulista. Estudou história na PUC-RJ, sem, no entanto, ter-se graduado. Foi
militante político nos anos 70 e isso manteve viva a paixão pela História. Seu objeto principal
de estudo é a escravidão.
Historiador que também se alinha com as idéias da nova historiografia
brasileira da guerra é Jorge Prata de Souza. Ele escreveu um texto intitulado
Os Escravos Brasileiros na Guerra do Paraguai. Com um viés
predominantemente social, ele procurou analisar o conflito, priorizando a
participação de escravos nas tropas do Exército brasileiro.
Segundo Prata (1996, p. 14):
Os Voluntários da Pátria constituem um mito para a história
militar e republicana, em que todas as diferenças sociais e
étnicas são amalgamadas, por encanto, para forjar a
construção do ethos nacional tão necessário à origem do
Estado Republicano. Por trás do epíteto de Voluntários da
Pátria”, escondem-se indivíduos de diferentes classes sociais,
e as formas pelas quais se fizeram voluntários, em muitos
casos, continuam envoltas na bruma da historiografia ufanista.
Em relação às transformações sociais vivenciadas por aqueles que foram à
guerra, ele enfatiza que (1996, p. 12):
O Brasil, cuja estrutura sócio-ecomica ainda se alicerçava no
trabalho cativo, vivenciou transformações na sua dinâmica
social: negros e brancos, entre si atores tão dessemelhantes
na sociedade, passaram a dividir ombro a ombro a luta pelos
destinos da nação, nos sangrentos campos de batalha.
Porém, o próprio Prata também enfatiza (1996, p.82) que o seu trabalho trás
limitações, pois suas análises foram feitas levando em consideração,
prioritariamente, dados existentes em órgãos localizados no Estado do Rio de
Janeiro, como os registros de libertos existentes em cartórios da cidade do Rio.
Segundo Prata (1996, p. 82): “falta ainda conhecer como se deu o
recrutamento de libertos em províncias que, na época, possuíam volume
expressivo de escravos, como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Maranhão”.
De maneira geral, os autores ligados à nova historiografia da guerra
vivenciaram outro momento da historiografia brasileira, onde as influências
externas, francesa, inglesa e norte-americana, fizeram surgir um novo modo de
se fazer História. Para esses historiadores o compromisso de fazer uma
História menos ideológica, mais social, plural e imparcial se sobrepõe aos
aspectos políticos e econômicos.
Independente de corrente historiográfica, temos que levar em consideração o
momento histórico vivenciado por cada autor, onde as demandas sociais e as
preocupações inerentes à sua geração, influenciaram as suas análises do
conflito. Porém, esses autores m em comum a análise que fizeram da guerra
ao nível nacional, generalizante, pouco se atendo às peculiaridades regionais,
em particular do contexto que envolveu a mobilização colocada a efeito na
província da Bahia.
Já a historiografia baiana que retrata a guerra é pouco numerosa, e limita-se ao
período do pós-guerra aos anos 50 do século passado. Dentre os autores
baianos que de alguma forma retratou a participação da Bahia na guerra,
podemos citar: Manuel Querino, Hermenegildo Braz do Amaral, Oséas Moreira
de Araújo e Pedro Calmon.
6
De maneira geral, a historiografia baiana se alinha com as idéias
conservadoras do retratar a guerra, com exaltação de heróis e heroínas, como
D. Anna Nery, enfermeira que se destacou na assistência aos feridos nos
hospitais de campanha do Exército durante o conflito e de oficiais que
comandaram as tropas, como os coronéis José da Rocha Galvão e Joaquim
Mauricio Ferreira, comandantes de corpos que seguiram da Bahia para a
guerra.
6
Para o historiador Marcelo Santos Rodrigues, a insipiência do tema entre os autores baianos
é, provavelmente, fruto da configuração da Universidade Federal da Bahia como instituição
fomentadora de pesquisas, a partir de 1976, com a fundação do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, comprometido com novas abordagens, produzindo novos temas,
relacionados à História Social e Cultural.
Mesmo entre esses autores, discordância com relação a determinados
aspectos que envolveram a mobilização ocorrida na província. De acordo com
Cerqueira (1974, p.56), o ardor da Bahia nunca arrefeceu e os homens e as
instituições que da província saíram para defender a pátria assim o fizeram
movidos por um “patriotismo” exacerbado e uma vontade muito grande de
acudir ao chamado nacional.
Querino afirma (1946, p.182) que o recrutamento para a guerra não era
inteiramente composto por voluntários, utilizando o governo provincial da força
para recrutar aqueles que eram necessários para complementar o Exército de
linha.
Por outro ângulo, vislumbrava Amaral (1923, p.250) a mobilização ocorrida na
Bahia, citando que “a glória militar é efêmera em toda a parte e na Bahia ainda
o foi mais, porque o grande esforço dos baianos comprometeu o futuro da
província, deixando-a na miséria e no luto”.
Trabalho de pesquisa recente sobre a participação da Bahia na Guerra,
aparentemente alinhado com as idéias da nova historiografia brasileira da
guerra, foi realizado pelo historiador Marcelo Santos Rodrigues. Em sua
Dissertação de Mestrado, intitulada Os (In) Voluntários da Pátria na Guerra do
Paraguai, apresentada em 2001, Marcelo Rodrigues procurou analisar a
mobilização da província para o envio dos corpos de Voluntários. Através de
pesquisa minuciosa, e tomando por base a própria historiografia baiana,
Marcelo Rodrigues nos mostra, através de uma vasta documentação
apresentada, que nos contingentes que partiram da Bahia para a guerra havia
voluntários e involuntários.
Historiador que embora não pesquise especificamente a participação da Bahia
na guerra, mas que trouxe muitas contribuições para esclarecimentos relativos
ao tema, com trabalhos que têm como foco o recrutamento na província
durante o século XIX e a participação do negro na história militar baiana é
Hendrik Kraay.
7
Com textos publicados em diversas revistas brasileiras e estrangeiras, Hendrik
Kraay abordou em seus trabalhos temas como: o recrutamento na Bahia
durante o culo XIX, a participação dos escravos nos combates pela
independência da Bahia, a fuga de escravos para se alistarem nas fileiras do
Exército brasileiro, o posicionamento do Exército em relação à escravidão, o
envio de escravos da Bahia para a guerra do Paraguai, dentre outros.
Como oficial do Exército, tive a oportunidade de participar, durante toda a
minha carreira, de instruções (aulas) sobre a História Militar Brasileira. Na
graduação em Ciências Militares, na Academia Militar das Agulhas Negras, nos
cursos de especialização, na Escola de Aperfeiçoamento para Oficiais ou nos
Programas Anuais de Instruções de Quadros, nos corpos de tropa, tínhamos
oportunidade de assistir a palestras sobre as principais batalhas e conflitos de
que o Exército participou. A idéia dessas instruções era de que as novas
gerações de oficiais analisassem as experiências vividas pelas gerações
passadas que levaram, de alguma forma, ao desenvolvimento da doutrina
militar da Força.
8
A Guerra do Paraguai foi um dos conflitos que mais contribuições trouxe
para a consolidação dessa doutrina. Dela participaram as principais figuras
de chefes militares que até hoje servem de exemplo para os jovens oficiais
(o Duque de Caxias, os generais Osório, Sampaio, Mallet, dentre outros),
patronos das diversas especializações que compõem o Exército, tendo por
isso um significado especial. Entretanto, pela minha própria trajetória de
vida, alguém que conseguiu galgar aos postos de oficiais superiores da
hierarquia militar graças a um grande esforço pessoal e à persistência de
uma mãe dedicada e não conformada com o destino que se apresentava
para os seus filhos, não poderia me satisfazer apenas em contemplar os
feitos heróicos dos chefes militares e os aspectos operacionais do conflito.
7
Hendrik Kraay é professor assistente de História e Ciências Políticas na Universidade de
Calgary, Canadá.
8
A frase “desenvolvimento da doutrina militar da Força” se refere às mudanças evolutivas nas
concepções de emprego tático e estratégico do Exército, inclusive durante a guerra do
Paraguai, um dos conflitos que mais experiências trouxe para o desenvolvimento dessa
doutrina.
Como baiano, sempre tive o desejo de saber como a guerra influenciou a vida
e o cotidiano das pessoas que moravam na província da Bahia. Como afro-
descendente tinha a curiosidade étnica de saber por que aqueles homens que
foram enviados para o conflito eram denominados de Voluntários da Pátria, já
que a própria bibliografia da guerra definia essas pessoas como homens que
foram à guerra forçados por estratégias traçadas pelas autoridades
governamentais e que eram, em sua maioria, negros libertos, mestiços ou
escravos alforriados.
Surgiu, então, a oportunidade de satisfazer as minhas dúvidas, inicialmente
com o Curso de Especialização em História Social e Educação que realizei
na Universidade Católica do Salvador, dando início a esta pesquisa e,
posteriormente, com o Mestrado em História Regional e Local. Com acesso
a textos diversos, pude apropriar conhecimentos que me deram suporte
teórico sobre a História Social. E, somado a isso, a assistência às disciplinas
curriculares do próprio Mestrado me proporcionou um embasamento teórico-
metodológico necessário para que eu pudesse realizar, dentro dos aspectos
metodológicos exigidos, as pesquisas necessárias ao andamento do projeto.
Em parte, a historiografia da guerra retrata a participação e as estratégias dos
chamados “grandes heróis da Pátria”, deixando de lado as experiências de
uma imensa quantidade de pessoas, homens e mulheres, “sem rostos”, cujos
processos de marginalização se deram tanto no âmbito da guerra quanto nos
quadros da historiografia, que silenciou essas pessoas nas suas abordagens
sobre o conflito.
Este trabalho procurou valorizar a história dessas pessoas comuns, que, de
alguma forma, foram levadas a se alistarem ou que foram contratadas,
designadas, recrutadas ou adquiridas para participar de uma guerra, que, na
maioria das vezes, nem sabiam a razão, homens e mulheres que protagonizam
essa história que se depreende nos capítulos que irei abordar.
A minha problemática central era verificar se, na Bahia, as atividades ligadas
à mobilização e ao envio de homens e mulheres para a guerra, tendo em
vista as peculiaridades da província, transcorreram como tentaram nos
passar os autores que retrataram o conflito ao nível nacional. O objetivo
geral é dar conhecimento de episódios que marcaram a participação da
província durante a Guerra do Paraguai, em particular daqueles que
envolveram a mobilização e o envio de homens e mulheres para o conflito.
Para a consecução deste objetivo, procurei atingir alguns objetivos
específicos, como o estudo da mobilização e do envio dos corpos de
Voluntários da Pátria, a análise do envio de médicos militares e civis para a
guerra e a análise da participação de mulheres da Bahia no conflito.
Definido o tema: Guerra do Paraguai; o meu objeto de pesquisa: homens e
mulheres enviados da Bahia para a guerra; o meu recorte temporal: 1865 a
1870; o enfoque que eu queria trabalhar: o “como se deu” a mobilização e o
envio dessas pessoas, procurei, então, reunir as fontes que pudessem me
embasar nas minhas investigações.
Consultei uma vasta e diversificada documentação sobre o tema existente
no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), local que reúne grande
parcela das fontes ainda em condições de ser examinadas. Localizei uma
gama de fontes escritas (impressas e manuscritas): jornais, requerimentos
pessoais, documentos ligados aos governos provincial e imperial,
documentos oriundos das Câmaras Municipais, de autoridades policiais e
judiciárias, da Igreja Católica, documentos cartoriais (testamentos e
inventários), do comércio baiano e de representações populares. Foram
mais de 13 500 documentos examinados.
As fontes localizadas em outros órgãos, como o Arquivo Municipal de
Salvador (AMS), o Arquivo da Faculdade de Medicina da Bahia e o Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), também foram importantes para o
desenvolvimento dos trabalhos de investigação. A partir da análise e do
cruzamento das informações obtidas através da leitura das variadas e
diversificadas fontes, consegui montar um mosaico que me revelou aspectos
importantes do que se passou com a população baiana ante a mobilização
colocada a efeito pelo governo da província.
Nesse sentido, o Arquivo Público do Estado constituiu-se a base para a
minha investigação, em particular os maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672,
existentes na Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais, que guardam os
documentos ligados aos Voluntários da Pátria, e as fontes escritas foram
preponderantes para a consolidação da análise dos fatos.
Encontrei certa dificuldade para aprofundar alguns aspectos da pesquisa,
pela limitação das fontes relativas a esses pontos. Foi o caso do
esclarecimento de episódios que envolveram o envio de escravos, dos
médicos militares e das mulheres enviadas como enfermeiras. Com relação
a esses pontos, por sinal, essenciais ao meu trabalho investigativo, procurei,
dentro do rigor teórico-metodológico necessário no tratamento com as
fontes, extrair o máximo de informações que elas poderiam me proporcionar.
Para a execução da pesquisa, procurei também realizar uma revisão
bibliográfica, consultando autores de todas as linhas que retrataram a
guerra. Isso porque são contraditórias as versões desses pesquisadores
em relação ao conflito e, principalmente, em relação à mobilização que
ocorreu no Brasil para o envio dos Corpos de Voluntários da Pátria.
No primeiro capítulo, procurei realizar um estudo do que se passou na
província para que o governo pudesse mobilizar e enviar os corpos de
Voluntários da Pátria, na capital e no interior. Procurei identificar as estratégias
utilizadas pelas autoridades provinciais, civis e militares, para conseguir o
maior número possível de voluntários, e recrutar o maior contingente de
homens para completar os batalhões da Guarda Nacional, transformados,
posteriormente, em corpos de Voluntários da Pátria. Procurei tamm
identificar as estratégias utilizadas pelos guardas nacionais para não irem à
guerra e as poucas opções que tiveram os civis pobres de resistir ao
recrutamento.
Tive dificuldades em problematizar determinadas atitudes e ações tomadas
pelas autoridades provinciais em relação à mobilização implementada para a
composição dos corpos de Voluntários da Pátria, tendo em vista as restrições
impostas pelas próprias fontes. Os documentos localizados são, em sua
maioria, oriundos de instituições oficiais e as poucas listas que encontrei
relativas àqueles que seguiram para a guerra, traziam apenas relações
nominais incompletas e avulsas. Tentei, inclusive, por meio de fontes cartoriais,
como inventários, testamentos, processos-crimes e processos-cíveis, qualificar
esses homens, mas não obtive sucesso, por serem oriundos de diversos
municípios do interior da Bahia.
No segundo capítulo, de título “Empunhando o livro e a espada”, procurei
expor, através de vasta documentação encontrada, em particular no Arquivo
Público do Estado e no Arquivo da própria Faculdade de Medicina da Bahia, as
estratégias utilizadas pelo governo imperial, em particular pelo Ministério da
Guerra, para conseguir mobilizar e enviar o número de médicos (militares e
civis) e estudantes de Medicina e Farmácia necessários para o atendimento
aos feridos em combate.
Procurei abordar, em particular, as estratégias utilizadas por médicos civis e
estudantes para, dentro de seus interesses pessoais e motivações,
conseguirem junto ao governo imperial as melhores condições possíveis para a
formalização de seus contratos individuais. O envio desses homens marcou
tamm a mobilização que ocorreu na província e se caracterizou por um
contraponto à forma como o governo provincial realizou a mobilização do
cidadão comum, pobre, não pertencente às elites baianas.
No terceiro e último capítulo, trato da participação de mulheres da província no
conflito. Nele, faço abordagem do envio de enfermeiras da Bahia para os
hospitais de campanha e analiso outras participações indiretas de segmentos
femininos, como o apoio oferecido às famílias dos Voluntários da Pátria e as
suas relações com os homens enviados à guerra.
Quanto a todas as questões levantadas, procurei embasar-me naqueles
aspectos e idéias que, independente de linha historiográfica, acreditei ter
melhor interação com a minha linha de pensamento, consolidada após a
consulta a diversos e variados documentos sobre o tema, nas mais variadas
fontes, para chegar à resposta da minha problemática central.
A FORMAÇÃO E O ENVIO DOS CORPOS DE VOLUNTÁRIOS
Em 7 de janeiro de 1865, atendendo a apelos dos chefes militares e de
parlamentares brasileiros, para a complementação dos efetivos do Exército
Nacional, que se vira, inesperadamente, engajado na guerra com o
Paraguai, D. Pedro II, assistido pelo Ministro da Justiça, Senador Francisco
José Furtado, expediu o decreto imperial de número 3 371, criando os
chamados corpos de “Voluntários da Pátria”.
1
Pelo decreto o Imperador apelava para os sentimentos do povo brasileiro a
fim de, voluntariamente, cerrar fileiras em torno do Exército nacional, e dar a
resposta às Forças Paraguaias, que atentavam contra a soberania brasileira.
A idéia do Império era a de formar nas províncias, batalhões constituídos de
voluntários que pudessem complementar os efetivos do Exército imperial,
que se encontrava em inferioridade numérica em relação aos do Exército
paraguaio. Em conjunto com o decreto, o governo imperial determinou a
convocação de parcela dos batalhões da Guarda Nacional, estabelecendo
para cada província o número de homens que deveria ser enviado.
2
1
Pelo decreto 3 371, poderia compor esses corpos todo cidadão entre 18 e 50 anos de idade,
que aceitasse as condições ali estabelecidas. Eram oferecidos como vantagens aos
voluntários, 300 réis por dia, assim como o soldo a que tinham direito os militares do Exército,
de 165 réis; para as famílias dos soldados que morressem em combate, uma peno de meio
soldo, e mais gratificação de 300 mil réis para aqueles que fizessem toda a campanha. Por
último, 22.500 braças de terras em colônias militares ou agrícolas.
2
A Guarda Nacional foi criada em 1831, ainda no período regencial. Tinha a missão de
substituir as extintas Milícias, Ordenanças e Guardas Municipais, e, em último caso, auxiliar o
Exército em questões externas. Foi instituída em todos os municípios do Império, por Lei nº.
602, de 19 de set 1850, quando foi reorganizada. Estava subordinada aos Juizes de Paz,
presidente de províncias e ao Ministro da Justiça.
Quando da chegada da notícia do decreto, encontrava-se como presidente da
província da Bahia o desembargador Luiz Antônio Barbosa de Almeida, que
recebeu do governo imperial a informação a respeito da criação dos corpos de
Voluntários da Pátria e sobre as condições estipuladas. Foi orientado a dirigir
proclamações à população, exortando ao voluntariado, e determinando o envio
à côrte, de toda a força de linha (tropas do Exército nacional) existente na
província.
3
Nos primeiros dias de janeiro, o desembargador promoveu reuniões no palácio
do governo com as principais autoridades provinciais para tratar da execução
dos serviços relativos ao alistamento de civis e a designação dos guardas
nacionais, na capital e no interior, medidas por ele vistas como necessárias
para que a Bahia pudesse cumprir as determinações imperiais. (DUARTE,
1981, p.232).
Entre essas medidas constavam: a remessa de comunicações a homens
influentes das vilas e cidades do interior, em particular do Recôncavo
baiano, para que eles atuassem junto à população de suas localidades, na
missão de alistar o maior número possível de homens; a intensificação, no
jornal Diário da Bahia, de matérias que incitassem os homens das classes
populares ao alistamento para a guerra; a orientação para as câmaras de
Salvador e dos municípios do interior para o apoio no chamamento da
população de seus municípios para o alistamento para o conflito.
4
3
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
4
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Presidência da província. Avisos recebidos
do Ministério da Guerra (originais). Maço 828; Boletim do Diário da Bahia, 1865 e maço 3668;
Arquivo Municipal de Salvador. Atas da Câmara Municipal 1861/1869. N º. 950.
De início, as condições estipuladas no decreto e as medidas adotadas pelo
governo provincial tiveram algum êxito e conseguiram angariar certo número
de voluntários, na capital e no interior. Entre esses voluntários constavam
estudantes, moços de famílias abastadas e oficiais da Guarda Nacional.
Passado esse momento, a Bahia vivenciou um período caracterizado por
uma grande procura por parte das autoridades provinciais, civis e militares,
de homens que pudessem completar os efetivos dos batalhões da Guarda
Nacional, transformados em corpos de Voluntários da Pátria, suprindo,
assim, as crescentes necessidades do Exército em operações.
Segundo kraay (1998), a Guerra do Paraguai esgotou a capacidade brasileira
de mobilização e revelou claramente os conflitos inerentes ao recrutamento.
Apelos ao patriotismo esgotaram-se rapidamente e o alistamento para a guerra
transformou-se em recrutamento forçado em escala nunca vista na Bahia.
2.1 OS GUARDAS NACIONAIS DESIGNADOS
Tão longe da pátria, proscrito, exilado,
Viver desgraçado prefiro morrer!
Mandou-me a desdita, tal é minha sorte,
tenho por morte, penúria e sofrer.
Assim aviltado, assim constrangido,
Votado ao olvido, vou mares transpor!
Talvez que lá mesmo, do abismo no seio,
Se vá meu receio, se extinga essa dor.
Então se, na terra, lembrar-me algum dia,
Aquela em que eu via risonho porvir!...
Se ainda, coitada, tiver-me na mente,
Talvez, ah! Bem crente que eu deva existir.
Que os mares procure, e aí suas queixas,
Em ternas endeixas, confie à solidão;
E as ondas gementes dir-lhe-ão em segredo;
Meu triste degredo, meus males de então.
(QUERINO, 1946, p.173-174).
A poesia procurava traduzir em versos os sentimentos de uma parcela da
população baiana que compôs os corpos de Voluntários da Pátria, os
guardas nacionais. Assim, José Bruno Correia lançou, em 1865, a sua
poesia intitulada “O Proscrito”. Bruno Correia, que vivenciou toda aquela
situação, como guarda nacional designado que foi, procurou colocar no
papel todo o sentimento que nutria, por ter sido enviado para a guerra à
força, proscrito de sua terra, exilado, que partiu, deixando para trás coisas
que lhes eram muito caras.
Para o exilado, o seu maior castigo deve ser não poder ter mais a
oportunidade de convívio com tudo aquilo que lhe é essencial, a sua terra,
os seus entes queridos, os seus amigos, a sua vida. Para Bruno Correia,
assim como para muitos designados que seguiram da Bahia, constrangidos,
aviltados, degredados, a viver aquela situação, era preferível a morte.
As dores e incertezas expressas em versos por Bruno Correia são
desdobramentos de uma Lei. Baseando-se na Lei nº. 3 383, de 21 de
Janeiro de 1865, que designava para a guerra os guardas nacionais, e nos
artigos 117 e 118 da Lei nº. 602, de setembro de 1850, que reorganizava a
própria Guarda, o governo imperial convocou 15 mil militares, estabelecendo
cotas distribuídas entre as províncias, cabendo à Bahia o número de 2 440
homens, o segundo maior contingente marcado pelo Império para ser
designado e apresentado. (DORATIOTO, 2002; RODRIGUES, 2001).
Mediante orientação do presidente da província, os comandantes de
batalhões da Guarda Nacional dos diversos municípios designados para
cederem guardas, iniciaram uma intensa procura aos praças pertencentes
às suas unidades, os quais, não desejando participar do conflito, fugiam.
5
Em relação a essa recusa de os praças se incorporarem às suas unidades, o
comandante superior da Guarda Nacional de Feira de Santana, por exemplo,
em justificativa ao presidente da província, sobre o motivo de ainda não ter
seguido o número de praças que os corpos daquele município deveria ter
enviado, informou que os próprios comandantes executaram expedições,
5
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. 2ª parte. Série militares.
Correspondência recebida do comando superior da Guarda Nacional. Guarda Nacional.
Maço 3603.
pessoalmente, mas tinham encontrado grandes dificuldades em fazer
aquartelar os guardas designados, tendo em vista que eles tinham
abandonado suas residências e ocupações, e se ocultado nas matas.
6
O 2º sargento, Manoel Euzébio da Piedade, foi preso e remetido pelo
tenente-coronel comandante do batalhão nº. 19, da Guarda Nacional da Vila
de Jaguaripe, localizada no Recôncavo baiano. Seu pai, João Paulo da
Piedade, africano, solicitou, através de requerimento ao presidente da
província, a sua soltura, haja vista que ele possuía 65 anos, era viúvo, e
tinha em sua companhia quatro filhas, que, segundo o africano, viviam
honestamente e dependiam do seu filho para sobreviver.
Relatou que a prisão do seu filho foi um ato de abuso de confiança, por ter
se passado da seguinte forma: Manoel foi chamado, como inferior
7
para
comparecer e fazer parte de uma diligência. De imediato compareceu, com
seu uniforme e, depois de efetuada a prisão, quando se achava
acompanhando o preso para a cadeia, recebeu ordem para também entrar
na cela, o que de pronto aconteceu.
8
6
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. 2ª parte. Série militares.
Correspondência recebida do comando superior da Guarda Nacional. Guarda Nacional.
Maço 3603.
7
Graduação que existia na estrutura hierárquica das unidades da Guarda Nacional, situada
logo abaixo dos postos dos oficiais.
8
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
O caso ocorrido com Manuel Euzébio da Piedade mostra como passaram a
agir os comandantes dos batalhões, com a recusa dos praças a se
incorporarem às suas unidades. Temendo que o sargento viesse a se juntar
ao rol daqueles militares que já tinham fugido, o comandante utilizou da
estratégia de convocá-lo para a realização de uma diligencia e,
aproveitando-se da confiança que o sargento depositava nos seus
superiores e na própria instituição, e essa, aparentemente, era a maior
mágoa do seu pai, o seu comandante o prendeu.
Percebe-se, de um lado, o desespero de um pai, que temia pela
sobrevivência de sua família, com a ausência de seu filho, arrimo, e, de
outro lado, um comandante de batalhão, que tentava reunir os homens
necessários para completar o seu efetivo e cumprir a sua missão. Para essa
autoridade, os fins passaram a justificar os meios.
João José Victoriano dos Santos, septuagenário, suplicou ao presidente da
província que se dignasse soltar o seu filho, Manoel Pedro dos Santos, que
foi preso em Nazaré, no Recôncavo e remetido para Salvador quando
estava vendendo uma “carguinha de farinha”, a fim de, com o dinheiro,
comprar carne do sertão e bacalhau para o sustento de sua família. Em
despacho o Comandante das Armas, José Joaquim Rodrigues Lopes,
declarou em tom de “deboche” que tudo o que historiou o peticionário
poderia ser verdadeiro, porém, como ele nada “proseou”, não poderia
conseguir a isenção que pretendia.
9
Também no caso de Manoel Pedro dos Santos, a questão da sobrevivência
falou mais alto, levando o seu pai a suplicar, perante o presidente da
província, a sua soltura. O fato tamm nos mostra o tipo de atividade que
esses praças realizavam quando não estavam a serviço da Guarda, o
trabalho como pequenos comerciantes de gêneros de primeira necessidade,
por exemplo.
João Gabelan dos Santos solicitou ao presidente que fosse solto. Informou
que era militar da Guarda Nacional, do 24º batalhão, que se encontrava em
preparação para seguir para a guerra. Alegou ter sido preso e remetido para
a capital pelo comandante da Guarda Nacional da Vila do Conde, também
no Recôncavo, sem ter tido tempo de apresentar as suas isenções. Anexou
documentos de autoridades municipais, que atestavam que era casado e
que possuía família que dele dependia para sobreviver.
10
9
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
10
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
Província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
Em ofício, o comandante do 24º batalhão, tenente-coronel Francisco
Lourenço de Araújo, informou ao presidente da província que João Gabelan
era realmente praça da sua unidade, e que ele tinha pedido dispensa de
seguir para a guerra por ser casado. Informou, ainda, que João Gabelan
apresentou documentos do vigário e do subdelegado, como provas para sua
isenção.
11
No caso de João Gabelan, o militar solicitou a sua soltura, baseando-se nos
regulamentos internos inerentes à própria Guarda que, a princípio, o
isentavam de seguir para a guerra por ser casado e ter sob sua dependência
esposa e filhos. E, mais uma vez, sobressaiu a questão da sobrevivência
familiar, com a possível ida de João Gabelan para a guerra.
Levando em consideração a difícil situação socieconômica por que passava,
à época da guerra, a população de baixa renda na Bahia, a recusa desses
homens em seguir, demonstrava, apenas, que eles, entre a defesa do
Império e as necessidades de sobrevivência de suas famílias, optaram pela
sobrevivência de seus familiares.
Porém, esses interesses parecem não ter sido levados em consideração
pelas autoridades militares, e a designação de guardas nacionais passou a
ser orientada pelos comandantes, pouco levando em conta os motivos que
pudessem isentar o militar de seguir para o conflito.
11
Idem, maço 3668.
Diante dessa busca desenfreada das autoridades militares aos guardas
nacionais, estes, como formas de resistência a todo esse processo,
lançaram mão de uma série de estratégias legais e regulamentares para não
serem incorporados e seguirem para a guerra.
Em ofício datado de 23 de outubro de 1865, o comandante do 107º batalhão
da Guarda Nacional informou ao presidente da província que o praça José
de Souza dos Anjos pediu que não fosse enviado para a guerra, tendo em
vista ser casado. Segundo o comandante, não procedia tal alegação, porque
ele não tinha documentação que comprovasse essa condição. Informou,
ainda, que o praça não desejava seguir, mas que seguiria de qualquer
forma.
12
Também em requerimento ao presidente da província, o soldado Marculino
Plácido, do 6º batalhão da Guarda Nacional, solicitou não seguir para o Sul,
por ser casado, com duas filhas menores. Informou que foi remetido para o
Forte de São Pedro, na capital, pelo comandante do 1º batalhão de
Infantaria da Guarda Nacional e anexou cópia do certificado de casamento.
13
12
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
Província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
13
Idem, maço 3670.
Em sua estrutura, a Guarda Nacional era organizada por postos e
graduações, divididos em solteiros, casados e casados com filhos,
formando, separadamente, companhias ou batalhões, conforme as
necessidades. Quando os guardas casados alegaram essa situação a fim de
não seguir para a guerra, queriam que as autoridades levassem em conta
que havia, ainda, muitos solteiros para ser enviados antes deles, dentro da
prioridade que deveria ser respeitada. E, assim, tamm fizeram os
casados, com filhos, esperando que o governo priorizasse aos solteiros,
depois os casados, e, posteriormente, eles. (CASTRO, 1977).
No Arquivo Público do Estado, nos maços de documentos onde constam os
requerimentos de guardas nacionais, enviados ao presidente da província da
Bahia, em 1865, pude constatar a existência de 45 requerimentos solicitando
a soltura de praças por diversos motivos, dentre eles: de saúde, por ser
arrimo, por ser casado, etc.
14
O cidadão Antônio Justino de Aragão e Souza solicitou ao presidente da
província, em nome de Felismina Cavalcant, da cidade de Santo Amaro,
localizada no Recôncavo, que seu filho Martinho Cavalcant fosse
dispensado de seguir para a guerra. Informou ser ele soldado da Guarda
Nacional que iria fazer parte do batalhão nº. 24; que ela se comprometia a
14
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
pagar a quantia de 600 mil réis, de acordo com a lei, para que Martinho
Cavalcant não seguisse para o Sul.
15
Nesse caso, Antônio Justino recorreu às Leis 1 220, de 1864, e 264, de
1866, que isentavam o guarda nacional de seguir para a guerra,
condicionando a sua isenção ao pagamento da quantia de 600 mil réis.
16
Essa quantia estabelecida era, para a época, uma soma considerável. Para
que tenhamos uma idéia de valor, os vencimentos de um tenente-coronel,
comandante de um batalhão de Polícia, em 1870, era cerca de 280 mil réis.
(ARAÚJO, 1949, p. 69).
Verificando, no Arquivo Público da Bahia, os mesmos maços relativos aos
requerimentos de guardas nacionais e de seus familiares ao presidente da
província, em 1865, constatei, apenas, a existência de três requerimentos
solicitando a baixa de algum guarda designado, com a promessa de
pagamento dos 600 mil réis.
17
O cidadão Manoel Alves D’Oliveira solicitou ao presidente a substituição do
seu filho Ângelo Custódio D’Oliveira, incorporado ao batalhão da freguesia
15
Idem, maço 3669.
16
Idem, maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
17
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
de São Gonçalo dos Campos, por José Mathias D’Avellar, alegando que
Ângelo Custódio o ajudava como encarregado de uma lavoura.
18
Essa prática foi permitida e, a princípio, ganhou a prioridade daquele que,
não tendo os 600 mil réis para dar como isenção, conseguiu alguém para ir
em seu lugar, pagando uma quantia menor, mas foi pouco explorada. Esse
aspecto da mobilização foi bastante enfatizado por autores que retrataram o
conflito ao nível nacional, dando a entender que muitos guardas utilizaram
desse artifício a fim de não seguir para o conflito, porém, as fontes indicam
que a substituição foi muito pouco requerida pelos baianos.
Doratioto enfatizou (2002, p.113-114) que não foi incomum guardas
nacionais convocados enviarem um substituto no seu lugar. Era uma prática
regulamentar, viável para aqueles que não tinham recursos financeiros. Ele
insere a substituição num contexto de dificuldades apresentadas para a
mobilização dos guardas nacionais, dando a entender que foi algo,
aparentemente, corriqueiro de acontecer, ou seja, foi algo que ocorreu com
uma grande quantidade de guardas.
Segundo Souza (1996, p. 63), o dispositivo da substituição dos guardas
nacionais por libertos teve como objetivo atender a duas demandas.
Primeiramente, à necessidade de enviar novos contingentes à guerra. Em
18
Idem, maço 3670.
segundo lugar, possibilitava a determinadas classes ou segmentos sociais
ausentarem-se da convocação para o recrutamento dos deveres pátrios.
No relatório do Ministério da Guerra, em 1872, consta que apenas 88
pessoas optaram por esse artifício. Consta desse mesmo relatório que a
província da Bahia enviou, durante toda a guerra, 5 312 guardas nacionais
para o conflito. Considerando o total de homens enviados, o percentual de
guardas substituídos foi pouco significativo, em torno de 1,6 % do total.
19
A
pessoa incorporada no lugar do designado era apelidada de “pataqueiro.
20
A tabela 1 mostra a quantidade de guardas nacionais remetidos pelos
diversos municípios da província, até a data de 14 de agosto de 1866.
Embora não englobe o número total de guardas remetidos (5 312 homens),
ela oferece uma boa mostra, cerca de 40%. Analisando-a, podemos
observar que a maioria dos guardas designados, remetidos dos municípios
do interior da província, foi oriunda do Recôncavo e Sertão baianos.
Tabela 1
19
APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra em 1872.
20
Pataca era uma antiga moeda de prata, que valia 320 réis. Pataqueiro foi o apelido dado
pelas classes populares ao homem que substituía o guarda designado, porque além do soldo e
da etapa diária, pagos pelo Exército, o substituto recebia, particularmente, uma quantificação
do substituído. As classes populares assim os chamavam, possivelmente relacionando-os
como “aqueles que gostavam de ganhar pataca a mais”. Manuel Querino, A Bahia de outrora.
Quantidade de guardas nacionais remetidos pelos diversos municípios baianos
Municípios Remetidos Municípios Remetidos
Cachoeira 280 Inhambupe 150
Nazaré 188 Cama 25
Maragojipe 108 Capim Grosso 50
Purificação 80 Monte Santo 50
Jaguaripe 70 Lençóis 100
Mata e
Abrantes
50 Caravelas 50
Vila da Barra 50 Porto Seguro 15
Itaparica 50 Campo Largo 50
Santo Amaro 189 Canavieiras 25
Feira de
Santana
188 Ilhéus 25
Alagoinhas 80
Vila de S.
Francisco
188
Joazeiro 25 Marahú 25
Barra do Rio de
Contas
25
Belmonte
15
Total 2.151
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do
governo da província. 2ª parte. Série Militares. Guarda Nacional. Maço 3604.
No Recôncavo, incluídos os municípios de Nazaré, Maragojipe, Jaguaripe,
Itaparica, Cachoeira, Mata e Abrantes e Santo Amaro; e no Sertão, os
municípios de Camamu, Capim Grosso, Monte Santo e Campo Largo. A
tabela nos indica tamm que os municípios do Sul e extremo Sul da
província foram os que menos enviaram guardas designados, aí incluídos os
municípios de Ilhéus, Porto Seguro e Canavieiras.
Possivelmente, a grande concentração de batalhões da Guarda Nacional
existentes no Recôncavo e a proximidade da capital, onde se concentravam
os órgãos policiais e de recrutamento, contribuíram para que a maioria dos
guardas convocados tivesse origem naquelas áreas. Ao contrário, a
pequena quantidade de batalhões existentes no Sul e extremo Sul da
província e o distanciamento da capital contribuíram para o pouco número
de guardas originários daquelas áreas.
A única relação localizada durante a pesquisa, contendo dados individuais
relativos aos guardas nacionais designados, foi oriunda do município da Vila
da Barra do São Francisco. A relação foi enviada pelo médico Antonio
Mariano do Bonfim ao presidente da província em 1865 e revela alguns
dados relativos a esses homens.
A maioria era natural da própria região, com predomínio de solteiros; os
designados tinham uma média etária de 24 anos e idades que variavam
entre 18 e 46 anos; existia uma variedade de profissões relativas a esses
homens: Jangadeiro, roceiro, artesão, pescador, caixeiro, comerciante,
caldeireiro, ourives, alfaiate, oleiro, barqueiro e lavrador.
Um universo bem diversificado de profissões, algumas típicas das cidades
localizadas às margens do rio São Francisco, como jangadeiro, pescador e
barqueiro, outras típicas de homens pobres livres, como lavrador e roceiro e
outras peculiares a pessoas de certo grau de especialização, como ourives,
alfaiate e artesão.
21
A tabela 2 mostra o número de guardas nacionais enviados pelas províncias
do Império, que contribuíram com efetivos superiores a mil homens.
Tabela 2
Províncias do Império que remeteram contingentes de guardas nacionais
(superiores a mil homens)
Províncias Guardas nacionais remetidos
(*)
Bahia 5.312
21
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
Rio Grande do Sul 3.387
Ceará 3.096
Rio de Janeiro 2.315
Corte 1.851
Mato Grosso 1.843
Maranhão 1.789
Minas Gerais 1.768
Pará 1.440
Paraná 1.296
Piauí 1.134
São Paulo 1.125
Pernambuco 1.104
(*) nesse universo estão computados oficiais e praças
FONTE: APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872.
Os dados constantes da tabela 2 nos indicam que a província da Bahia foi a
que mais enviou guardas para o Exército, com 5 312, seguida pelo Rio
Grande do Sul, com 3 387 homens.
Quanto ao Rio Grande do Sul, não é de se estranhar o efetivo enviado, pois
foi uma das áreas inicialmente invadidas pelos paraguaios. Causa
estranheza a Bahia ter contribuído com um número tão expressivo de
guardas, até superior ao do Rio Grande. Porém, as fontes examinadas não
me permitiram concluir sobre os motivos que levaram o governo imperial a
tal nível de exigência.
De acordo com Souza (1996, p.38-39), as cotas estabelecidas pelo
Ministério da Guerra tiveram como referência uma consulta feita ao comando
do Exército Imperial, que teve na resposta do brigadeiro José Antonio
Pereira do Lago, a definição de quais províncias estavam aptas a abastecer
o recrutamento, indicando Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, por serem
aquelas que mais avultavam em força cívica.
Porém, observando-se a tabela 2, que tem como fonte o relatório do
Ministério dos Negócios da Guerra, nota-se que essa orientação não foi
seguida pelo governo imperial, estabelecendo uma cota para a província da
Bahia bem superior à Minas e Pernambuco. Ainda conforme o relatório, o
efetivo total de guardas utilizados pelo governo imperial foi de 31 200
homens, sendo assim, apenas a Bahia contribuiu com cerca de 20% do total.
22
22
APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872.
Ainda com relação à designação dos guardas nacionais, enquanto parcela
dos praças solicitou não seguir para o conflito, entre os oficiais, ao contrário,
o governo provincial contou com um significativo voluntariado.
Como exemplo, o major Justiniano Ramiro, da Guarda Nacional do
município de São Felix, no Recôncavo, informou ao presidente da província
ser voluntário à seguir para a guerra. Assim tamm o fez o major Antonio
de Paula Monte Negro, comandante do esquadrão de cavalaria da Guarda
Nacional do município de Jacobina, oferecendo-se não só para marchar para
o Sul, como para organizar um Contingente de Voluntários, segundo ele, em
número de 140 pelo menos. Tamm se voluntariaram o capitão do 4º
batalhão da Guarda Nacional, do município de Santo Antônio, Saturnino
Ribeiro da Costa e o alferes José Antônio da Costa Filho, do 22º batalhão,
do município de Itaparica, dentre outros.
23
Observando no Arquivo Público da Bahia os requerimentos recebidos pela
presidência da província, originados por militares da Guarda Nacional ou
seus familiares, contabilizei 48 requerimentos pessoais de oficiais solicitando
seguir para a guerra. A tabela 3 mostra a distribuição dessas solicitações por
patentes.
23
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
Tabela 3
Oficiais da Guarda Nacional da Bahia
(voluntários para a guerra, em 1865)
Patente Efetivo
Coronel 01
Tenente-Coronel 03
Major 03
Capitão 11
Tenente 11
Alferes 19
Total 48
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do
governo da província. Maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
De acordo com o relatório provincial, em 1869, seguiram para o conflito, até
1º de janeiro daquele ano, como Voluntários da Pátria, 300 oficiais.
Considerando-se que eles poderiam ser oriundos da Guarda Nacional ou
mesmo civis nomeados pela presidência, o percentual de oficiais voluntários,
em 1865, foi de pelo menos 16 % desse total.
24
Segundo Doratioto (2002, p.116), na realidade, enquanto a elite,
representada pela Guarda Nacional, resistiu em ir à guerra, no setor popular
houve entusiasmo patriótico para preencher os corpos de Voluntários da
Pátria.
Segundo Chiavenatto (1985, p. 117), a nobreza ia para a guerra
comandando. Os nobres formavam a maioria dos oficiais. No comando,
quem não era nobre por origem, logo recebia um titulo nobiliárquico.
Segundo o autor, outra maneira encontrada pelo Império para conseguir
soldados foi a criação dos corpos de Voluntários, porém a burguesia,
aspirando à nobreza ou chegando a ela através da compra de títulos,
encontrou uma maneira de livrar-se da ida para o conflito, mandando negros
escravos em seu lugar.
Na Bahia, ao contrário do que afirmou Doratioto, as fontes nos revelaram
que a elite, representada pelos oficiais da Guarda Nacional, não se furtou ao
papel de apoiar o governo, inclusive apresentando um número considerável
de oficiais se voluntariando a seguir para o combate. Ao contrário, no setor
popular, não houve apoio ao governo provincial, muito menos, “entusiasmo
24
APEB. Biblioteca. Relatório do presidente da província da Bahia em 1869.
patriótico”. Como revelaram as fontes, os praças fugiam e iam se esconder
nas matas.
Também as afirmações de Chiavenatto não coadunam com o que revelaram
as fontes localizadas. O autor afirma que a maioria dos oficiais era composta
por nobres (viscondes, barões, etc), porém, analisando a estrutura básica
dos corpos que seguiram da Bahia, pude constatar que um batalhão de
Voluntários da Pátria era, normalmente, constituído de 18 oficiais: sendo um
oficial superior, o comandante; quatro capitães e 13 oficiais inferiores
(tenentes e alferes). Sendo assim, a maioria dos oficiais que compunham um
corpo de Voluntários era de oficiais inferiores, logo, a maioria dos oficiais
que seguiram da Bahia para a guerra se situava no rol dos inferiores, que
tinham na burguesia a sua origem.
Segundo Chiavenatto, em outra afirmativa, a burguesia, aspirante à nobreza,
procurou-se esquivar da ida para a guerra. Tamm essa afirmação não
coaduna com o que nos revelaram as fontes em relação à província. Na
Bahia, a burguesia, representada pelos oficiais inferiores (de pequenas
patentes), não se furtou a esse papel, voluntariando-se em bom mero
para seguir como alferes em comissão ou mesmo tenente.
Independente de linha historiográfica, as afirmações estabelecidas por esses
autores, que analisaram a guerra ao nível nacional, não exprimem o que
revelaram as fontes sobre os acontecimentos verificados na província da
Bahia.
Figura 1
Mapa da força de um corpo de Voluntários da Pátria da Bahia.
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do
governo da província. 2ª parte. Série militares. Maço 3668.
2.2 O RECRUTAMENTO DE CIVIS
À propoão que vinham chegando os inválidos, mutilados,
narrando os incidentes, fadigas e privações por que passaram,
não produzia esse fato, bom efeito no espírito dos que, longe
do teatro dos acontecimentos, se limitavam às aclamações das
vitórias. Como natural, manifestou-se o retraimento; ninguém
mais queria seguir.
Começou o recrutamento desordenado, com tons de
barbaridade. Os homens válidos foram procurados como feras;
parecia que a Bahia tomara a peito fornecer o pessoal
necessário às funções da guerra. Varejavam-se casas,
arrancavam-se rapazes ocultos nos armários e outros móveis
domésticos. (QUERINO, 1946, p.182).
Visando completar os efetivos dos batalhões da Guarda Nacional, que
ficaram incompletos pela recusa dos guardas em se incorporarem às suas
unidades, o governo provincial iniciou o recrutamento de civis. Uma das
estratégias a que recorreu foi à utilização da estrutura policial e judiciária. O
apoio aos recrutadores oferecido por autoridades como juízes, delegados e
subdelegados foi muito significativo para que o governo pudesse conseguir o
número de recrutados necessários para as crescentes necessidades do
Exército e da Armada.
Exemplo dessa estratégia pode-se verificar na comunicação feita por Ramiro
da Silva Firmino ao presidente da província. Ramiro Firmino, um recrutador,
informou ter chegado das Comarcas do Sul da Bahia, de onde tinha trazido
33 voluntários, especificando que havia conseguido oito, por intermédio do
delegado de Caravelas; seis, pelo comandante superior de Caravelas; três,
pelo delegado de Alcobaça; três, pelo subdelegado de Canavieira; e 13, por
intermédio do juiz de direito de Porto Seguro.
25
Pelo rol de autoridades que realizaram a intermediação para o recrutamento
desses voluntários, constituído por policiais e autoridades judiciárias, esses
homens praticaram algum tipo de delito e estavam sob a custódia legal
dessas autoridades, que aproveitaram a oportunidade e os entregaram ao
recrutador, como meio de aquela comunidade se livrar deles.
25
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
O historiador Hendrik kraay afirma que esse tipo de procedimento era
comum durante o Império, enfatizando que o recrutamento era competência
das autoridades civis; Segundo Kraay (1998), o Exército desempenhou um
papel bastante restrito no processo; se, como era normal, um número
insuficiente de voluntários se apresentasse, as Forças Armadas contavam
com os aparatos policial, judicial e de administração civil para efetuar o
recrutamento.
Também o argumento de recrutar em nome da moral e dos bons costumes
foi utilizado como instrumento para o recrutamento de civis. João Batista do
Sacramento solicitou, ao presidente da província, ser posto em liberdade por
ter sido preso indevidamente pelo subdelegado do 2º Distrito de Santo
Antonio, no Recôncavo, a fim de seguir para a guerra.
Em relatório ao presidente, o subdelegado informou o motivo da prisão,
alegando que, no dia 16 de agosto de 1865, foi procurado por uma crioula de
nome Maria Eugênia, que disse ser mãe de Leopoldina Maria do Bonfim.
Informou tamm que, segundo Dona Maria Eugênia, a sua filha foi
deflorada por João Batista, que, receoso do recrutamento, refugiou-se na
sua casa, por ela morar em lugar retirado, e que o indivíduo prometeu
casamento e até aquele dia nada tinha resolvido.
26
Mais uma vez estava posta em questão a prisão de um recrutado realizada
por uma autoridade policial. Dessa vez, para satisfazer aos anseios de uma
mãe, que lamentou a sorte de sua filha, segundo ela, vítima de uma relação
amorosa mal resolvida. Por outro lado, nota-se o dilema que acompanhou
João Batista, entre a possibilidade de ser recrutado para a guerra e o
casamento com Leopoldina do Bonfim, que aparentemente não lhe
interessava. Para ele, possivelmente, qualquer que fosse a decisão tomada,
ia perder a sua liberdade.
No meio desses casos, homens pobres livres, que a muito custo tentavam
sobreviver àquela época de tantas dificuldades, vagando pelas ruas das
cidades e vilas, como nômades”, à procura de pequenas oportunidades para
conseguir o seu sustento ou de suas famílias, foram presos e incorporados aos
Corpos de Voluntários que foram se formando.
27
26
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. 1ª parte. Série Polícia. Correspondências expedidas por subdelegados. Maço 2959.
27
Sobre a itinerância e as atividades de sobrevivência dos homens pobres livres, ver os textos
de: Maria Odila Leite da Silva Dias, Forros e Brancos Pobres na Sociedade Colonial do
Brasil. In. História General de América Latina. Unesco. V.3. Cap. 14; Hebe Maria de Mattos,
Das Cores do Silêncio e Kátia de Queiroz Mattoso, Bahia Século XIX. Sobre a Bahia, ver,
Em relação aos aspectos expostos, relativos ao recrutamento ocorrido na
Bahia, Kraay corrobora as minhas afirmações enfatizando que embora
nenhuma proporção exata possa ser estabelecida, a maioria dos soldados
brasileiros era forçada a entrar no serviço militar através do sistema judicial,
como punição por pequenos delitos (ou até grandes crimes), por vadiagem, ou
por violação de padrões morais (KRAAY, 1996, p.38-39).
José dos Reis Portacio, filho de Dona Rita Maria da Conceição, residente na
Freguesia e Vila de Tapera, informou sustentar a sua mãe, viúva, e suas
seis irmãs, donzelas, que levavam uma vida pacata e próxima da miséria,
quando foi recrutado e remetido pela delegacia daquela Freguesia com
destino ao serviço do Exército, em Salvador. Que possuía, ainda, um irmão
aleijado, e que todos dependiam do fruto do seu trabalho para a
sobrevivência.
Desesperada, sua mãe escreveu ao presidente da província explicando sua
condição de vida e o resultado que teria tal arbitrariedade. Explicou a mãe,
que a retirada de seu filho deixou sua família abandonada e que, em pouco
tempo, viria a esmolar da caridade pública, quando não trocaria sua vida
honesta pela desonra que, cedo ou tarde, bateria à sua porta como forma de
aliviar suas fadigas. (RODRIGUES, 2001, p. 43).
Dona Rosa Maria de Jesus, viúva, com 50 anos de idade e quatro filhas
menores, informou ter visto o seu filho maior, João Evangelista Rodrigues,
que a amparava e as suas irmãs, ser forçosamente alistado como voluntário
na Vila de Chique-Chique, no Sertão de São Francisco, e colocado como
adido ao contingente da Guarda Nacional, no Forte de São Pedro, em
FRAGA FILHO, Walter da Silva. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São
Paulo, SP / Salvador,Ba; Edufba, 1996.
Salvador, a fim de seguir para a guerra, sem nada poder fazer além de
suplicar às autoridades provinciais a sua soltura.
28
Também Dona Maria Joaquina da Encarnação, crioula, com mais de 50
anos de idade, viúva, pobre, analfabeta, com seis filhos, informou ter
assistido a seu filho mais velho, Ricardo da Silva, ser preso e incorporado ao
contingente da Guarda Nacional, deixando a família sem qualquer notícia e
sem recursos para o seu sustento, caindo na mendicância.
29
Esses três casos trazem algumas singularidades. Os homens recrutados
eram pobres, livres e sustentavam famílias numerosas, e suas ausências
significavam para essas famílias a perda de suas subsistências. Porém, foi
através de suas mães, idosas, viúvas, pobres, sem o conhecimento dos
códigos letrados, que eles puderam ter a oportunidade de ser ouvidos.
No Arquivo Público do Estado da Bahia existe uma gama de requerimentos
de mães, esposas e irmãs, solicitando ao presidente da província a soltura
de seus filhos, maridos ou irmãos, recrutados como Voluntários da Pátria,
verdadeiro vestígio da guerra. Verificando a documentação, pude constatar
28
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
29
Idem, maço 3669.
42 requerimentos solicitando ao presidente da província a soltura de
Voluntários da Pátria presos e recrutados indevidamente.
30
No meio daquela documentação consta, por exemplo, o requerimento de D.
Thereza Maria de Jesus. Em 25 de outubro de 1865, D. Thereza solicitou a
soltura do seu filho, Lucio da Rocha Oliveira, recrutado e incorporado ao
batalhão de Voluntários “Princesa Isabel”. Informou ser viúva e que o seu
filho era tamm seu arrimo. Anexou como prova o testemunho de várias
pessoas idôneas da sociedade baiana, e solicitou a soltura de Lúcio Oliveira
baseando-se na circular de 24 de julho de 1865, do próprio presidente da
província, que eximia de seguir para a guerra o indivíduo cuja situação de
arrimo fosse comprovada.
31
Em ofício do comandante do batalhão ao presidente, como resposta à
consulta feita sobre a real situação do recrutado, o comandante informou
que, sobre o que alegou D. Thereza, que se dizia mãe de Lúcio Oliveira,
nada teria a dizer, senão que, para ser procedente a razão da “dita” viúva,
ela precisaria apresentar um documento comprobatório de sua viuvez, e de
ser também verdadeira mãe, o que só pela certidão de casamento e de
30
Idem, maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
31
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
batismo de Lúcio poderia provar, assim como tamm de não ter nenhum
outro filho.
32
Constam, ainda, requerimentos como o de D. Maria Júlia Leite, viúva, que
solicitou a soltura do seu filho Francisco José Leite, por ser o único filho com
ela, e de quem provinha a sua sobrevivência; de D. Gertrudes Maria da
Gama, que solicitou a substituição do seu filho mais velho, Manoel de Santa
Rita, por já ter os seus dois filhos menores como Voluntários e ela não poder
ficar sozinha, pois se achava enferma;
33
e o de Marcolino, que solicitou não
ser enviado para o Sul, por ser casado, com dois filhos menores. Ele
informou que foi remetido para o Forte de São Pedro, em Salvador, pelo
comandante do 1º batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, e anexou
cópia do seu certificado de casamento.
34
Das correspondências remetidas, em 1865, pelo delegado de polícia da
capital, 119 foram de comunicações expedidas ao comandante das armas,
encaminhando pessoas presas por órgãos policiais, na capital e no interior,
32
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
33
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668 e 3669.
34
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3668 e 3669.
para serem incorporadas ao Exército, e 26, para o capitão dos portos,
enviando pessoas para serem incorporadas à Armada. Diversos foram os
motivos das prisões desses homens e diversos foram os seus locais de
origem. Entre os motivos constavam a rebeldia ao serviço da Guarda
Nacional, recrutados por delegados, recrutados por subdelegados, suspeitos
de deserção, e apresentados por recrutador. Quanto aos locais de origem
desses homens constavam, entre termos, freguesias e distritos, mais de 50
localidades.
Tabela 4
Recrutados pelos órgãos policiais provinciais, em 1865.
(por localidades ou origem)
LOCALIDADES – ORIGEM
RECRUTADOS PARA:
Exército Armada Total
Termo de Abrantes - (hoje Camaçari) 14 00 14
Termo de Alcobaça 01 00 01
Termo de Alagoinhas 12 05 17
Termo de Cachoeira 36 04 40
Termo de Caetité 00 08 08
Termo de Camisão - (hoje Ipirá) 00 01 01
Termo de Camamu 01 00 01
Termo de Caravelas 01 00 01
Termo de Canavieiras 03 00 03
Termo de Conde 01 00 01
Termo de Feira de Santana 08 00 08
Termo de Geremoabo 03 00 03
Termo de Ilhéus 12 00 12
Termo de Itapicuru 01 00 01
Termo de Itaparica 03 04 07
Termo de Inhambupe 03 00 03
Termo de Jacobina 07 04 11
Termo de Jaguaripe 05 00 05
Termo de Jequié 00 01 01
Termo de Jequiriçá 01 00 01
Termo de Maracás 05 01 06
Termo de Maragojipe 05 10 15
Termo de Mata de São João 03 01 04
Termo de Monte Santo 00 05 05
Termo de Nazaré 14 01 15
Termo de Porto Seguro 01 01 02
Termo da Purificação dos Campos - (hoje
Irará)
17 04 21
Termo de Santo Amaro 04 03 07
Termo de Santa Isabel do Paraguaçu -
(hoje Macugê)
12 00 12
Termo da Tapera 01 00 01
Termo da Taperoá 04 05 09
Termo de Tucano 01 03 04
Termo de Valença 24 02 26
Termo da Vila Nova da Rainha - (hoje
Senhor Bonfim)
14 02 16
Termo da Vila de Santo Antonio da Barra 06 00 06
Termo da Vila do Capim Grosso 02 00 02
Freguesia de Brotas (Salvador) 02 00 02
Freguesia de Cotegipe (Salvador) 01 01 01
Freguesia da Penha (Salvador) 04 01 05
Freguesia de Pirajá (Salvador) 02 00 02
Freguesia da Rua do Paço (Salvador) 00 01 01
Freguesia de Santana (Salvador) 04 00 04
Freguesia de São Pedro (Salvador) 03 02 05
Freguesia de Santo Antonio (Salvador) 15 08 23
1º Distrito da Capital (Salvador) 10 00 10
1º Distrito da Vila do Pombal 01 00 01
1º Distrito de Santana do Catu - (hoje
catu)
05 02 07
2º Distrito da Capital (Salvador) 02 00 02
Distrito de Jequ 00 01 01
Distrito do Pilar (Salvador) 03 00 03
Distrito da Prainha do Termo de
Jaguaripe
01 00 01
Distrito de Santo Amaro do Ipitanga -
(hoje Lauro de Freitas)
00 01 01
Distrito de São Felix 01 00 01
Distrito da Vitória (Salvador) 05 04 09
Distrito da Vila de São Francisco - (hoje
Barra)
00 01 01
Entregue pelo Recrutador da Capital
(Thomaz José de Oliveira Lobo) –
Salvador
06 00 06
Recrutado pela Chefia de Polícia da
Capital – Salvador
37 46 83
Total 331 133 464
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Série Polícia. Livro de
Correspondências expedidas em 1865. Maço 5785.
A tabela 4 nos indica que, em 1865, primeiro ano da mobilização da
província para o envio dos corpos de Voluntários da Pátria, ano em que
segundo o relatório de embarque de tropas do governo provincial foi enviada
a maioria dos corpos que seguiram da Bahia para a guerra, os recrutados
entregues ao Comando das Armas e à capitania dos portos, através dos
órgãos policiais, originaram-se de diversas localidades, em várias áreas da
província.
Destacam-se como localidades com maior número de recrutados a capital e
os termos de Cachoeira e Valença, no Recôncavo. Em Salvador esses
homens foram, em sua maioria, recrutados pela própria chefia de polícia e
pelos órgãos policiais da freguesia de Santo Antonio, no 1º distrito da capital,
centro da cidade, e no distrito da Vitória.
Destacam-se também, pelo baixo número de recrutados, as localidades do
extremo Sul da província, incluídos os termos de Alcobaça, Caravelas, Porto
Seguro e Canavieiras.
Possivelmente, a grande concentração populacional e a proximidade da
capital, onde se concentravam os órgãos de policiamento e recrutamento,
contribuiu para que grande número dos recrutados tivessem origem no
Recôncavo. Ao contrário, os municípios do Sul e extremo Sul, pelo
distanciamento da capital, e, conseqüentemente da maioria dos órgãos de
policiamento e recrutamento, pouco sofreram com essas atividades.
Do universo de recrutados, foram registrados pelos órgãos policiais como
crioulos, 16 homens, cerca de 4% do total. Esses homens foram oriundos de
diversas localidades, em áreas distintas na capital e no interior da província,
e tiveram como destino comum a 8ª companhia de zuavos, organizada por
José Carlos Ferreira. A tabela 5 mostra a relação nominal e o local de
origem desses homens.
Tabela 5
Relação de crioulos recrutados pelos órgãos policiais, em 1865.
NOME LOCALIDADE
Antonio Felix Termo de Valença
Antonio Francisco dos Santos Termo de Nazaré
Aprígio Luciano Termo de Valença
Bernardo Amâncio dos Passos Termo de Jaguaripe
Francisco José de Salles Júnior Termo de Porto Seguro
Jerônimo Leandro de Oliveira Termo de Cachoeira
Joaquim Theodomiro Pereira de
Lacerda
Termo de Santo Antônio
João da Matta Pereira Termo de Inhambupe
José Pires Termo de Valença
José Ramiro de Souza Termo de Cachoeira
Lázaro José Telles 1º Distrito da Capital (Salvador)
Luduvico da Silva Freguesia de Itapoan (Salvador)
Manoel Crispim dos Santos Termo de Nazaré
Pedro Guinto Leandro Termo de Jaguaripe
Silvestre dos Anjos Distrito da Vitória (Salvador)
Themóteo Nunes Termo de Valença
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Série Polícia. Livro de
Correspondências expedidas em 1865. Maço 5785.
A documentação existente no Arquivo Público do Estado indica, dentre
outras coisas, que assim como os soldados da Guarda Nacional, que não
queriam seguir para a guerra e alegaram vários motivos, muitos deles,
provavelmente, que não expressavam a real situação em que se
encontravam, muitos dos requerimentos referentes a civis recrutados,
poderiam apenas expressar algum tipo de estratégia de resistência.
O importante, porém, é que, qualquer que tenha sido o motivo alegado,
aquele homem ou aquela mulher que escreveu ao presidente da província
tinha como objetivo não seguir para a guerra ou não deixar que o seu
familiar seguisse. Mas, assim como aconteceu aos guardas nacionais, as
autoridades provinciais não se sensibilizaram com seus argumentos,
recrutando homens em diversas áreas da província, em particular na capital
e no Recôncavo, levando, com essas medidas, famílias ao desespero e à
revolta.
Em relação à postura tomada pelo presidente da província, Kraay mostra por
meio de uma fala do próprio Desembargador Manoel Pinto de Souza Dantas, a
sua disposição de a nada levar em consideração. Segundo revela o historiador,
em conversa com o Ministro da Guerra, o presidente se expressou dizendo que
tinha “se tornado insensível, inexorável, e surdo a pedidos” e se preocupou,
pois já tinha “ido além no seu rigor”. (KRAAY, 1998).
De acordo com o relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872,
seguiram para o conflito, incorporados ao Exército, 7 764 civis, de um total
de 15.297 homens, um percentual de 51%.
35
2.3 O RECRUTAMENTO DE MENORES
Em relação ao recrutamento de civis, uma situação marcou profundamente a
mobilização ocorrida na província da Bahia: o recrutamento de menores.
Contrariando o que dizia o decreto 3 371, que estabeleceu os corpos de
35
APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872.
Voluntários, em seu artigo 1º, cujo texto estabelecia como idade mínima
para alistamento, 18 anos, e máxima de 50, os recrutadores realizaram
tamm o alistamento forçado de menores de 18 anos.
Joaquim Lucas de Araújo, com apenas 13 anos de idade, foi recrutado e
preso no Forte de São Pedro. Sua mãe, D. Perpétua Maria de Jesus, de
idade avançada, implorou ao presidente da província a sua soltura e
apresentou documentação do vigário Francisco Lino de Santana, atestando
ser de fato sua paroquiana maior de idade, surda, pobre e desamparada,
tendo apenas um único filho que lhe servia de arrimo, e que possuía a
suplicante boa conduta.
36
Apresentou, ainda, certidão, onde comprovava ter Joaquim Lucas nascido
no mês de maio de 1851, tendo como padrinhos Porfírio Muniz e Virgínia.
Mesmo munida dos documentos solicitados, que garantia a isenção de seu
filho, D. Perpétua de Jesus se viu às voltas com a incorporação do rapaz a
um dos Corpos de Voluntários.
37
Também o menor Francisco M. de Pinho, filho de Dona Maria da Conceição
foi incorporado à companhia de encouraçados, apesar de ter apenas 14
anos. Sua mãe, desesperada, também escreveu ao presidente da província
36
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondência recebida do comandante das armas.
Recrutamento. Maço 3491.
37
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondência recebida do comandante das armas.
Recrutamento. Maço 3491.
implorando a sua soltura. Em despacho do comandante da companhia para
o presidente, ele disse ter Francisco se alistado, voluntariamente, em 3 de
setembro, e ter passado a cabo em 7 do mesmo mês, pelas suas
qualidades, e enfatizou que o “garoto”, aparentemente, parecia ter um porte
físico maior do que apresentava a sua documentação, permanecendo
Francisco incorporado.
38
Esse caso é singular à medida que nos leva a pensar, como um garoto de
14 anos de idade poderia, em apenas quatro dias de treinamentos, obter
conhecimentos militares suficientes para passar da condição de soldado à
de cabo. Eu, como oficial do Exército, que tive a oportunidade de estudar, a
miúde, o desenvolvimento da doutrina militar da Força,
39
inclusive durante a
guerra do Paraguai, coloco em dúvida se as alegações do comandante da
companhia, expostas ao presidente da província foram procedentes, ou se a
necessidade de pessoal fez incorporar “garotos” como Francisco de Pinho,
aparentemente com estatura avantajada, inclusive mantendo-os em
comando de pequenas frações, mesmo sem ter as habilitações necessárias,
uma vez que sobre o cabo já eram postas determinadas responsabilidades
táticas.
38
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
39
A frase “desenvolvimento da doutrina militar da Força se refere às mudanças evolutivas na
concepção de emprego tático e estratégico do Exército, inclusive durante a guerra do Paraguai,
um dos conflitos que mais experiências trouxe para o desenvolvimento dessa doutrina.
Garotos como Joaquim Lucas Alves, de 13 anos; Alvino, Filho de Dona
Maria Joaquina da Encarnação, de 13 anos; João Anastácio dos Santos, de
16 anos; Francisco Alves da Guerra, de 16 anos; Roberto de Oliveira Bastos,
de 16 anos; Antônio Romão Francisco de Souza, de 15 anos; Francisco de
Pinho, de 14 anos, dentre outros, foram recrutados, incorporados aos corpos
de Voluntários da Pátria e enviados para a guerra no Sul do Império.
40
Observando, ainda, a documentação existente no Arquivo Público da Bahia,
localizei 23 requerimentos de familiares, em particular de mães, solicitando
ao governo a baixa de seus filhos, por terem sido incorporados aos diversos
corpos sem ter a idade devida.
41
As idades desses garotos variavam entre
13 e 17 anos.
Segundo a própria análise do governo imperial, a maioria desses “meninos”,
pelas parcas compleições físicas, não suportaram as agruras dos combates,
aumentando o número de baixados aos hospitais de campanha.
A situação chegou a tal ponto que o Ministério da Guerra, reconhecendo
suas deficiências, expediu um aviso ao governo provincial recomendando
que houvesse uma rigorosa inspeção de saúde antes da partida dos
Contingentes, mandando excluir os “Voluntários” que não tivessem saúde e
compleição forte, bem como os de idade menor de 18 anos. Observava que
40
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3669 e 3670.
41
Idem, maços 3668, 3669, 3670, 3671 e 3672.
tais praças não poderiam suportar as fadigas de uma campanha, não
convindo que eles ficassem nos hospitais ou que, por incapacidade do
serviço militar, tivessem que retornar.
42
A incorporação de menores às tropas brasileiras é algo não retratado pelos
autores que analisaram o conflito ao nível nacional, possivelmente por não
terem priorizado suas atenções aos aspectos regionais da mobilização
ocorrida na Bahia. Porém, Chiavenatto fez grande alarde quanto à presença
de garotos nas tropas paraguaias que combateram contra o Exército
brasileiro. Chiavenatto chegou ao ponto de dedicar um capítulo de seu livro
Genocídio Americano ao tema.
Segundo Chiavenatto (1985, p. 157), referindo-se à batalha de Acosta Ñu
Acosta Ñu foi uma das mais terríveis batalhas da história militar
do mundo. De um lado, estavam os brasileiros com 20 mil
homens. De outro, no meio de um circulo, os paraguaios com
três mil e quinhentos soldados de nove a quinze anos, não
faltando garotos de seis, sete e oito anos!
2.4 A MOBILIZAÇÃO E O ENVIO DE NEGROS
42
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 830.
2.4.1 A Incorporação de Escravos
Outra estratégia utilizada pelo Império para complementar os efetivos do
Exército e da Armada foi a de mobilizar escravos que pudessem ser
aproveitados nos serviços para a guerra.
43
Segundo indicam as fontes, a
idéia das autoridades imperiais era de sensibilizar pessoas de posses e
determinadas instituições a libertarem seus escravos como um “empenho
patriótico” em favor da nação. Caso não conseguissem esse intento, outra
estratégia seria de comprar os escravos e alforriá-los, mandando-os para a
guerra.
Na Bahia, uma das instituições que se alinhou ao Império no compromisso
de libertar escravos e enviá-los para o conflito foi a Igreja Católica.
Possivelmente, esse apoio tenha sido motivado pelo padroado e/ou
beneplácito.
44
Como exemplo, em janeiro de 1867, a abadessa do Imperial
Convento de Santa Clara do Desterro, em Salvador, passou carta de
liberdade ao escravo de nome Lourenço, a fim de ele seguir para o conflito,
e o abade de São Bento, tamm em Salvador, apresentou dez forros para
servirem no Exército. Em resposta, o governo Imperial informou que
43
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
44
Instrumentos juridicamente instituídos que submetiam a Igreja ao Estado e transformavam os
membros do clero em funcionários dependentes do governo.
esperava que a “solicitude paternal” do reverendo fizesse com que muitos
outros forros fossem apresentados para o mesmo fim.
45
Ao contrário da Igreja, o pensamento dos donos de escravos não estava
sincronizado com o objetivo que o Ministério da Guerra pensava alcançar, de
conseguir o maior número possível de escravos que pudessem combater ao
lado das tropas imperiais e, aproveitando a oportunidade e a falta de
compromisso das autoridades provinciais baianas, esses proprietários
venderam ao governo escravos em péssimas condições físicas.
Em abril de 1867, o Ministro da Guerra devolveu ao governo provincial 12
escravos enviados para a Corte a fim de serem empregados nas atividades
de guerra. O Ministro informou que eles foram inspecionados e julgados
incapazes para o serviço do Exército. Orientou para que os escravos fossem
inspecionados, com rigor, antes de serem enviados.
46
Anexa ao documento, havia uma relação onde constavam os dados
pessoais relativos a esses homens, o nome, a naturalidade e o motivo da
incapacidade: Olímpio Gomes de Carvalho, 18 anos, natural da Bahia, com
epilepsia; Lino Cardoso, 35 anos, natural da Bahia, com hipoesmia incurável;
45
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
46
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
Segisnando, 30 anos, natural da Bahia, com perda da unocular; Donato, 22
anos, natural da Bahia, com fístula no maxilar inferior; Manuel Sabino
Pereira, 18 anos, natural do Piauí, com luxação indutível da clavícula direita;
Geraldo Ferreira Motta, 24 anos, natural do Piauí, com cárie na 3ª vertebral
dorsal; Amancio Jozé, 23 anos, natural do Piauí, com cegueira do olho
esquerdo; Luiz da França, 22 anos, natural do Piauí, com edemacia dos
membros inferiores; Rufino Pereira, 24 anos, natural do Piauí, com falta de
dentes; Vicente Jozé Ferreira, 55 anos, natural do Piauí, com falta quase
total de dentes e idade avançada, e Francisco Ferreira do Ramo, 24 anos,
natural do Piauí, com tubercular pulmonares.
47
O Ministério da Guerra, através de ofício “circular”, determinou aos
governos provinciais que remetessem, com urgência, relação dos libertos
que tendo ido para a côrte, voltaram por terem sido declarados incapazes
para o serviço militar, informando a quem pertencia, por quem foram
oferecidos, ou se foram comprados por conta do Estado.
48
Era uma forma de
o Império descobrir se estava havendo realmente dolo por parte dos
proprietários ou se as autoridades provinciais não estavam dando a
importância devida para a inspeção desses homens, e com isso penalizar os
responsáveis.
47
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
48
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 830.
O caráter “circular” do documento indicava que não só da Bahia seguiram
negros alforriados para a guerra e que muitos escravos voltaram para as
suas províncias de origem por não satisfazerem as condições físicas
exigidas pelo Exército.
Embora o governo imperial esperasse conseguir um bom número de
escravos, o Exército, aparentemente, não teve preocupação em priorizar a
incorporação de alforriados às suas fileiras; ao contrário, manteve nas suas
juntas de inspeção de saúde uma postura de resistência a essa política, só
recebendo aqueles homens que realmente tinham plenas condições físicas.
As informações apresentadas pelo presidente da província à Assembléia
Legislativa da Bahia, em abril de 1869, mostram que, para o governo
provincial, seguiram para a guerra 1 647 escravos (o somatório dos escravos
enviados para o Exército e para a Armada), sendo 1 376 especificamente
para a Armada.
49
Ou seja, para o Exército seguiu, apenas, 271 escravos, o
que corrobora as informações encontradas nos documentos comentados
acima, de que o Exército não priorizou a incorporação de alforriados. Ao
contrário, a Armada, aparentemente não teve o mesmo posicionamento,
absorvendo grande quantidade de escravos em suas fileiras.
49
APEB. Biblioteca. Relatório do presidente da província, em 11 abr 1869.
No relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872, consta que na
Bahia foram libertados, a fim de seguirem para a guerra, 12 escravos por
autoridades eclesiásticas e 12 por particulares, e que foram comprados e
libertados pelo governo provincial e enviados para o Exército, 248 escravos,
dando um total de 272 homens.
50
Embora não plenamente concordantes, os
dados dos dois relatórios corroboram-se.
Em relação a esse aspecto da mobilização dos corpos de Voluntários da
Pátria, Chiavenatto, na tentativa de mostrar o porquê da superioridade física
do Exército paraguaio em relação às tropas da Tríplice Aliança, em particular
do Exército imperial, afirmou que entre os aliados, brasileiros, argentinos e
uruguaios, para cada soldado branco havia 25 mulatos ou negros. Essa
proporção racial aumentava quando era confrontada com o Exército
brasileiro. No Exército do Império do Brasil, para cada soldado branco havia
nada menos que 45 negros. (CHIAVENATTO, 1985, p.111).
Segundo Chiavenatto (1985, p.111), esse fato foi determinante para a
superioridade física dos paraguaios, pois sendo os exércitos aliados
formados em seu maior contingente por tropas brasileiras, que na sua
configuração eram compostas de africanos escravos e mulatos, indicava sua
origem nas classes mais oprimidas e, consequentemente, pior alimentadas
da população.
50
APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872.
Ainda segundo Chiavenatto (1985, p.117), a Guerra do Paraguai foi até uma
espécie de “arianização” do Brasil, pois em 1850 havia uma população de
cinco milhões e meio de habitantes livres brancos para dois milhões e meio
de negros escravos, e essa situação permaneceu até a guerra. Segundo o
que o jornalista dá a entender, dolosamente, os negros escravos foram
enviados à guerra para morrerem pelo império e, como conseqüência, em
1872, logo após a guerra, o Império do Brasil não tinha sequer 18% de
negros na sua população, afirmando, ainda, que a população de brancos
tinha aumentado 70%.
E Chiavenatto afirma ainda que (1985, p.118), um regime escravocrata, cuja
massa de soldados baseava-se fundamentalmente em negros escravos para
defendê-lo, como o Império do Brasil, não poderia mesmo ter um exército
que oferecesse coesão moral.
De um lado, as fontes nos indicam que o número de escravos que seguiu da
Bahia para a guerra (1 647 homens), em relação ao número total de homens
enviados ao combate (17 922 homens) foi pouco significativo, de outro,
Chiavenatto, tenta nos passar a idéia de que seguiu do Brasil um mero
muito grande de negros, em particular de escravos.
No Quadro 1, pontuo algumas situações identificadas na documentação
existente no Arquivo Público da Bahia, relativas a esses homens.
Quadro 1
Situação de escravos alforriados enviados à guerra
NOME SITUAÇÃO
Antonio Alforriado para seguir para a guerra pelo Barão de Taripe.
Dionísio Alforriado para seguir para a guerra pelo tenente-coronel da
Guarda Nacional Pedro Alves de Campos.
Epifânio Alforriado para seguir para a guerra por Manoel Lopes da Costa
Pinto, em 23 de setembro de 1865.
Fiel Dias
Vendido ao Estado pelo Barão de Matuim, em 1867. Foi
destinado para prestar serviços na Companhia de Operários ou
nas Fortalezas, tendo em vista ter sido dado como incapaz, após
a compra.
Firmino Alforriado para seguir para a guerra pelo Barão de Matuim, em
1867.
Irinéo Alforriado para seguir para a guerra por Galdino José de Souza
Barreto, em 7 de janeiro de 1867.
Lourenço Alforriado pela Abadessa do Convento de Santa Clara do
Desterro, em Salvador, em 1867.
Manoel Alforriado para seguir para a guerra por Antonio José Teixeira.
Manoel José
de Aguiar
Alforriado pelo médico Antonio Mariano do Bonfim. Seguiu para a
guerra no Corpo de Voluntários Princesa Imperial.
Martiniano
Alves
Libertado pelo governo provincial. Seguiu para a guerra no vapor
Paraná, em 4 de novembro de 1867.
Ricardo
Alforriado para ir para a guerra pelo Major da Guarda Nacional de
Lençóis José Mendes de Carvalho, em junho de 1867.
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do
governo da província. 2ª parte. Série militares. Maços 3669, 3671 e 3672; 1ª parte. Série
Administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra. Originais. Maço 830 e
Judiciário. Inventário. E 03 Cx. 1160 M1629 D 14; E 05 Cx. 1844 M2315 D 17 Fl. 07; E03
Cx. 1383 M1852 D24.
Caso interessante ocorreu com o escravo de nome Modesto, pertencente a
Joaquim Anselmo de Barros Bittencourt. O escravo, em novembro de 1867,
foi condenado por júri popular à pena de 500 açoites, e trazer um ferro preso
ao pescoço por espaço de dois anos. Porém, em fevereiro de 1868, o Jornal
da Bahia noticiou que um escravo de nome Modesto, condenado por crime,
tinha seguido para a guerra, incorporado à Armada. De imediato, o
presidente da província determinou ao juiz de direito da 3ª Vara, Pedro
Caetano da Costa, na qual correu o processo contra Modesto, que
verificasse a veracidade ou não dos fatos informados pelo jornal.
51
Após realizar uma sindicância, em que ouviu todos os envolvidos, o juiz
informou ao presidente que o escravo realmente pertencia a Joaquim
Anselmo; que logo depois de açoitado, foi vendido a Domingos Fernandes
Moreno, negociante na praça de Salvador, com armazém de “molhados” na
rua Nova do Comércio, por um conto de réis; que a venda foi efetuada sem
ter-se cumprido a pena de condução de ferro ao pescoço, e que, mesmo
sabendo da pendência, o comerciante Domingos Moreno passou carta de
liberdade a Modesto, com a condição de que ele servisse na Armada, e que
ele recebeu pela venda a quantia de um conto e 750 mil réis.
O juiz esclareceu que, assim como foi noticiado pelo jornal, o escravo
seguiu para a guerra. Ele sugeriu ao presidente que trouxesse Modesto de
volta, pois, não tinham sido cumpridas as penas legais e a transação entre
Joaquim e Moreno não tinha validade. O juiz enfatizou, ainda, que
estranhava que o escravo tivesse sofrido quinhentos açoites em novembro e
fosse considerado apto pela inspeção médica da Armada em fevereiro.
52
51
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. 1ª parte. Série Justiça. Correspondência recebida de Juízes. Juízes Municipais da 3ª
Vara. Maço 2672.
52
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. 1ª parte. Série Justiça. Correspondência recebida de Juízes. Juízes Municipais da 3ª
Vara. Maço 2672.
Esse caso mostra outra face da incorporação de negros alforriados na
Bahia, que não consta nos relatórios oficiais do governo: o comércio desses
homens. O caso de Modesto indica que a venda de alforriados foi muito
lucrativa para comerciantes e donos de escravos, como Anselmo Bittencourt
e Domingos Moreno, que viram, nessa atividade, uma maneira de ganhar
dinheiro fácil e rápido ou de se livrarem de escravos tidos como
problemáticos.
Outro ponto que marcou a incorporação de negros alforriados na Bahia, e
que não foi levado em conta nos documentos oficiais do governo foi o
reclamo, por parte de proprietários, de escravos que foram enviados para o
Sul do império sem a devida autorização.
Pedro Alves Campos reclamou a posse de um escravo de nome Dionísio,
que assentou praça voluntariamente e seguiu para a guerra com o nome de
Jorge Alexandre. O governo solicitou que ele provasse ser realmente o
proprietário do escravo e enfatizou que Dionísio permaneceria como praça
enquanto Pedro Campos não apresentasse as provas exigidas.
53
Também o chefe de polícia da capital reclamou a posse de um escravo que
se alistou com o nome de José Bonfim, na 2ª companhia de zuavos baianos,
mas que era, na realidade, escravo do comendador Manuel de Lima e se
53
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
chamava Agostinho.
54
E até o padre Juvenal Fernandes da Silveira,
residente em Salvador, pediu, por meio do seu procurador, o bacharel
Joaquim Baptista Rodrigues da Silva, que mandasse dar baixa do serviço
militar ao escravo Passiano, de propriedade de sua irmã, D. Rosa Oliveira da
Silveira, que foi para a côrte, tendo assentado praça na 1ª companhia de
zuavos baianos com o nome de João Francisco de Souza.
55
Esses casos revelam que a estratégia de fugir e se alistar nas tropas do
Exército, em particular nas companhias de zuavos, foi uma opção explorada
pelos escravos, que viram na ida para a guerra uma maneira de conquistar
suas liberdades.
56
Kraay (1996, p.29) analisa a fuga e a incorporação de escravos nas tropas
do Exército imperial, afirmando que no Brasil do século XIX, os escravos
fugiam cotidianamente para se alistar no Exército como voluntários,
enquanto outros eram recrutados à força para desespero de seus donos, os
54
Idem, Ibidem.
55
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
56
As tropas de zuavos eram compostas apenas por negros. Embora, na Bahia, durante os
períodos colonial e imperial, tenham existido tropas constituídas por negros e mestiços,
segundo o general Paulo de Queiroz Duarte, as tropas denominadas de zuavos baianos
tiveram como referência os “zuagos”, tropas de guerreiros negros que viveram na África, na
região fronteiriça da Argélia. Com a invasão francesa, tornaram-se soldados dos Corpos de
Infantaria, criados em 1831.
quais eram obrigados, muitas vezes, a enfrentar longos e maçantes
procedimentos legais e administrativos para reclamar suas propriedades.
Segundo Kraay (1996, p.30-31), que estudou mais de 200 casos de
escravos que fugiram para se alistar como soldado nas tropas imperiais no
século XIX, o Exército nas suas relações com os escravos fugidos exibiu
uma atitude muito complexa e até contraditória. Até a década de 1880, o
governo brasileiro e o Exército preservaram o direito de propriedade,
todavia, a obstinação legalista da burocracia do Exército, frequentemente
invalidava esta intenção e produzia conseqüências inesperadas em beneficio
dos fugitivos, alguns dos quais realmente ganharam a liberdade através do
alistamento.
Ainda segundo Kraay (1996, p. 35-36), o processo estabelecido para que o
reclamante conseguisse provar a posse do escravo era muito longo e incluía
entre outros procedimentos: justificativas, depoimentos diante de um juiz e
três a cinco testemunhas que afirmassem que o recruta em questão era, de
fato, o escravo desaparecido reclamado. Tudo isso era feito, pois as
autoridades militares reconheciam a gravidade de devolver um soldado,
homem livre por definição, à escravidão.
Kraay enfatiza (1996, p.39) que os pobres livres era uma categoria social
com a qual a classe escrava se misturava, às vezes imperceptivelmente. E,
para os escravos, numa época anterior à fotografia, a simples mudança de
nome estabelecia uma nova identidade, desde que evitasse o contato com
pessoas que o conhecesse como escravo. Isso explica, inclusive, o porquê
de muitos negros que seguiram da Bahia para a guerra ter optado em
permanecer no Rio de Janeiro quando do retorno.
Porém, uma situação é bem enfatizada pelo historiador (1996, p.50): entrar
no Exército para o escravo representava deixar para trás os amigos, família
e pessoas queridas. Com isso, pode-se concluir que para o escravo que
fugiu e se escondeu nas tropas de zuavos, o abrigo da farda foi,
possivelmente, uma cobertura provisória.
Situação que tamm fez incorporar escravos às Forças Brasileiras foi a
“substituição”. De acordo com o artigo 126 da Lei nº. 602, de 19 de setembro
de 1850, e o Decreto nº. 3 513, de 12 de setembro de 1865, o guarda
nacional que apresentasse um escravo para seguir em seu lugar ficaria
dispensado do compromisso de seguir para a guerra. Poucos foram os
casos de substituição, já que o custo do escravo era alto e de mais valia
pagar a alguém para ir no lugar daquele designado, porém casos
aconteceram, e não deixou de ser uma situação que fez aumentar o número
de negros enviados à guerra.
No relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, em 1872, consta como
substitutos de guardas nacionais 88 pessoas, não discriminando se escravos
ou livres. Em particular aos libertos, consta no mesmo relatório que não
houve casos de substituição, na Bahia, de libertos por escravos.
57
O relatório do governo provincial, em 1869, mostra que seguiram da Bahia
para a guerra 1 647 escravos
58
porém, como nos indicam as fontes, essas
informações possivelmente não exprimam, com veracidade, a totalidade de
escravos que seguiram da Bahia, pois muitos foram comercializados,
diretamente com as autoridades militares provinciais, não entrando nos
relatórios oficiais, como o caso do escravo Modesto.
O pensamento dos autores que retrataram a guerra ao nível nacional é
“plural”, quando se trata de realizar considerações referentes ao emprego de
negros para combater no Paraguai. Como pontuou Salles (1990), determinar
o número de escravos que combateram na guerra e qual a contribuição
relativa em termos de manancial humano é algo bastante difícil, seja devido
às peculiaridades estatísticas da época, seja devido ao desejo de se ocultar
o quanto uma sociedade escravocrata dependeu de escravos para
responder ao chamado de defesa da pátria.
Segundo Chiavenatto (1985, p.110-117), o Exército brasileiro que combateu no
Paraguai era composto em quase sua totalidade por negros e mestiços, que
57
APEB. Biblioteca. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra em 1872.
58
APEB. Biblioteca. Relatório do presidente da província em 11 de abril de 1869.
foram levados à força para combater e que, por isso, não tinham compromisso
com o patriotismo e com o Império Brasileiro.
Independente do pensamento do autor que retratou o conflito ao nível
nacional, as fontes indicaram que, na Bahia, o emprego de negros, em
particular, de escravos, tendo em vista as peculiaridades locais, ocorreu de
forma diferenciada, ou em relação ao efetivo enviado para a guerra ou em
relação à maneira como se deu a incorporação.
2.4.2 As Tropas de Zuavos Baianos
Em suas reminiscências, o general Dionísio Cerqueira (1974, p.104) afirma
haver entre os voluntários uma tropa trajando uniforme estranho e diferente,
com largas bombachas vermelhas presas por polainas que chegavam à
curva da perna, jaqueta azul, aberta, com bordas de trança amarela, guarda-
peito do mesmo pano, o pescoço limpo, sem colarinho nem gravata e um
“fez” na cabeça. Afirma que eram todos negros e chamavam-se – zuavos
baianos. Que os oficiais tamm eram negros.
O próprio Conde D’EU, em determinado momento da guerra faz referências
às companhias de zuavos, como sendo tropas lindas, com militares de boa
postura. (SILVA In MENEZES, 1995, p.75).
Figura 2
Zuavo da Bahia (praça)
FONTE: SOUZA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra
do Paraguai, 1996 (capa).
Parcela da população baiana, provavelmente constituída em sua maioria de
libertos, contribuiu para que essas companhias tivessem seguido bem
uniformizadas. O periódico político O Liberal organizou uma subscrição, em
1865, com o apoio da população, especificamente para angariar fundos para
o fardamento de militares das companhias de zuavos. Segundo Cyrillo Eloy
Pessoa de Barros, responsável pelo jornal, tão logo abriu a subscrição
houve uma grande procura para realizar doações, que, de imediato,
chegaram à quantia de um conto e 27 mil réis.
59
Além dessa subscrição, em 7 de março de 1865, o jornal Diário da Bahia
acusava a arrecadação da quantia de 655 mil réis, como fundos para o
fardamento dos zuavos. E o governo arrecadou também uma quantia vultosa,
fruto de doações diretas à presidência da província, que, em março do mesmo
ano, já somava um conto, 824 mil e 80 réis.
E a preocupação de mostrar-se bem apresentado parece ter sido algo que
norteou, em particular, o pensamento dos oficiais comandantes das
companhias de zuavos. Em requerimento datado de 20 de julho de 1865, o
tenente André Fernandes Palmeira, comandante da companhia de zuavos,
solicitou ao governo provincial a indenização da quantia de 176 mil réis, que ele
havia gasto com o fardamento “rico”, uniforme para apresentações sociais,
anexando ao documento notas referentes aos gastos por ele realizados. Assim
procedeu também Balbino Nunes Pereira, comandante da Companhia de
zuavos, solicitando a indenização da quantia de 209 mil réis.
O então alferes Marcolino José Dias informou ao governo provincial, em 5 de
abril de 1865, que necessitava de uma quantia para que ele pudesse mandar
confeccionar o seu fardamento, e que estava sem recursos para fazer tal
despesa. Ele recorreu ao exemplo do tenente Quirino Antonio do Espírito Santo
que, segundo ele, teve o seu uniforme fornecido a custos do Estado ou da
subscrição tirada em favor dos zuavos.
60
59
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
60
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
As fontes indicam que, a princípio, a boa apresentação dos militares que
compuseram as companhias de zuavos foi fruto da vontade de parcela da
população baiana em vê-los bem uniformizados e do orgulho pessoal dos
comandantes em apresentar-se bem.
Figura 3
Capitão Marcolino José Dias
Comandante da 2ª companhia de zuavos.
FONTE: ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século
XIX, 2004.
Um jovem zuavo baiano ficou muito conhecido, chamava-se Cândido da
Fonseca Galvão, “Dom Obá II D’África”.
61
Cândido Galvão era descendente
de escravos e nasceu em vila dos Lençóis, no sertão baiano. Era filho de
africanos, brasileiro de primeira geração, por direito de sangue, príncipe
africano, provavelmente neto do poderoso Alá àfin Abiodum, o último rei a
manter unido o grande império Iorubá de Oyó, na 2ª metade do século XVIII.
(SILVA In MENEZES, 1995, p. 67).
61
Obá quer dizer rei em Iorubá.
No início do ano de 1865, Cândido Galvão se alistou como voluntário da
pátria e seguiu para a guerra na 3ª companhia de zuavos. Segundo Silva,
Cândido Galvão participou de diversas batalhas, entre elas as de Tuiuti, em
maio de 1866 e de Isla Capará, em agosto do mesmo ano, onde teve a sua
mão direita inutilizada, sendo obrigado a retirar-se da luta prematuramente.
Ainda segundo Silva, que procurou retratar o conflito ao nível nacional,
relacionando episódios ocorridos no contexto da mobilização e emprego dos
corpos de Voluntários da Pátria com a trajetória de vida do próprio alferes
Galvão, ele gozava de bom conceito entre as autoridades militares, e o seu
desempenho em combate o credenciou a ser promovido a oficial honorário,
por bravura. (SILVA In MENEZES, 1995, p.67, 74 e 75).
Porém a fonte a que tive acesso no Arquivo Público da Bahia não expressa
essa realidade e coloca em “xeque” as afirmações de Eduardo Silva. Ao
observar a Ordem do Dia nº. 54, de 13 de janeiro de 1866, do Comandante
em Chefe do Exército Brasileiro em Operações na província de São Pedro
do Sul, averbada pelo tenente-coronel José Antonio da Silva Lopes,
Deputado do Ajudante General, constatei que Cândido da Fonseca Galvão
foi “demitido”, ainda como alferes, em 12 de janeiro de 1866, segundo a
autoridade que emitiu o documento, por mau comportamento “habitual” e
desordeiro.
Fica a dúvida, como Cândido Galvão poderia estar combatendo em Tuiuti,
em maio de 1866 e em Isla Capará, em agosto do mesmo ano, já que ele
tinha sido “demitido” em janeiro, e essas ordens, normalmente, tinham
cumprimento imediato.
62
Também ficam dúvidas quanto ao seu
relacionamento com as autoridades militares e a sua promoção a oficial por
bravura, pois quando de sua demissão, em janeiro de 1866, por mau
comportamento, ele já era alferes em comissão, primeiro posto da hierarquia
dos oficiais.
Silva afirma que ao retornar da guerra, Cândido Galvão permaneceu algum
tempo no Rio de Janeiro, onde era reverenciado pelos outros negros como
príncipe, e onde conseguiu uma eminência muito grande ao defender o
direito dos negros à liberdade e a uma vida melhor, chegando a ser
convidado a freqüentar o palácio e travar uma amizade pessoal com o
Imperador. (SILVA In MENEZES, 1995, p. 69).
62
APEB. Biblioteca. Ordens do Dia. Guerra do Paraguai. Marques de Souza 50 - 103.1866-
1867. p. 33.
Uma de suas frases nos revela traços da sua personalidade: “O Brasil deve
desistir da questão da cor, pois que a questão é de valor e, quando o varão
tiver valor, não se olhará a cor”. Talvez esse seu comportamento
contestatório, para a época, tenha sido a razão para a sua demissão do
Exército. (SILVA In MENEZES, 1995, p.69).
Muito tempo depois, na tentativa de um reconhecimento popular por seus
feitos, baseando-se, possivelmente, no livro de Eduardo Silva, a Escola de
Samba Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro, no ano de 2000,
desfilou com o enredo “Dom Obá II – Rei dos esfarrapados, príncipe do
povo”, e assim o representou:
Vim da corte do sertão
Pra defender nossa pátria
Mãe gentil
Sou Dom Obá, o príncipe do povo
Rei da ralé
Nos meus delírios, um mundo novo
Eu tenho fé.
63
A Mangueira buscou, nos vestígios da guerra, elementos para retratar a
trajetória de vida de Cândido Galvão, o príncipe da ralé, dos escravos, dos
negros forros e libertos, que no pós-guerra já representavam grande parcela
da população urbana no Rio de Janeiro, e cujo sonho de liberdade começou
a ser delineado através da intensificação dos debates da questão da
abolição na sociedade carioca. (SILVA In MENEZES, 1995. p. 67-75).
A poesia intitulada O canto do zuavo baiano, de autoria de Domingos de
Faria Machado, procurou retratar, em 1865, a situação dos zuavos. Assim,
ele se expressou:
Sou soldado, na pátria aguerrida,
Muito embora nascido na paz,
63
Samba-Enredo apresentado pelos compositores da Escola de Samba Estação Primeira de
Mangueira, D’aguiã e Veneno em 2000.
Nasci livre, qual águia no ninho,
Ser escravo, outra vez não me apraz.
Ao bramir do gigante que acorda,
A princesa do monte se ergueu!
Minha terra foi lá a primeira,
Da vanguarda o soldado sou eu.
(CALMOM, 1973, p. 228).
Analisando as estrofes da poesia, verifica-se que Domingos Machado
enfatiza alguns pontos tidos como importantes para ele, naquele momento.
O ser soldado, a condição de liberto, a condição de pertencimento a uma
pátria e a repulsa à escravidão são aspectos que Domingos Machado faz
questão de externar. Ressalta, ainda, a grandeza do território brasileiro e o
pioneirismo baiano na defesa do Império.
O ser soldado representava para o liberto a oportunidade de ascendência
social e uma colocação como cidadão na sociedade baiana, tal qual o
capitão Marcolino José Dias ou o alferes Cândido Galvão.
64
A condição de
liberto significava estar “vivendo de si”, ou seja, não ter qualquer vínculo com
a ordem escravista, onde os laços de paternalismo e mando prendiam o
escravo ao senhor.
65
64
Sobre o “ser soldado”, ver o texto de Eduardo Silva, D. Obá II.
65
Sobre a expressão “vivendo de si”, ver o texto de Hebe Maria Mattos, Das Cores do
Silêncio.
Fica a dúvida se assim como Domingos Machado enfatiza em sua poesia, os
soldados das companhias de zuavos tinham o perfeito entendimento da
noção de “pátria”, ou se, simplesmente, assimilaram o discurso criado pelas
autoridades imperiais no sentido de mobilizar as classes menos favorecidas
a lutar em defesa de Império.
Um caso que talvez mostre a motivação que tinha parcela dos homens que
compuseram as tropas de zuavos, em particular aqueles escravos que
fugiam e iam se alistar nessas tropas, ocorreu com o escravo de nome
Thomaz de Aquino.
66
Em 1869, Thomaz de Aquino foi preso, pronunciado e sentenciado a levar
200 açoites, depois ser vendido e o dinheiro ser depositado nos cofres
públicos. Logo depois da sua sentença, suplicou ao presidente da província
para mandá-lo para a guerra, pois segundo ele, “já há muito tinha vocação
para as contendas bélicas”. Solicitou ir à presença do presidente, alegando
que ao examiná-lo certamente o mandaria para o combate, provavelmente
por ter bom porte físico. Alegou que lá seria de muita utilidade, e onde
estava ficaria inutilizado, precisando o governo de homens para defender a
66
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3671.
nação brasileira. Em despacho, o presidente respondeu, em 16 de fevereiro
de 1869, que não tinha lugar o que ele requeria.
67
O pedido de Thomaz de Aquino mostra que, para aquele homem, a ida para
a guerra representava a sua sobrevivência temporária e a sua liberdade.
Não existiria qualquer compromisso daquele escravo com a nação brasileira.
Ao contrário, o seu único compromisso seria consigo mesmo. É possível
que, para parcela dos soldados das companhias de zuavos, a motivação
fosse a mesma.
Artigo publicado pela Fundação Cultural Palmares, com o título “os zuavos
baianos”, afirma que a Bahia enviou para a guerra quatro companhias de
zuavos, enfatizando que: o comandante da 1ª companhia foi o capio
Joaquim José de Sant’Ana Gomes; que a 2ª companhia de zuavos foi
comandada pelo sargento Marcolino José Dias, nomeado alferes em
comissão, e possuía oito oficiais e 150 praças. O artigo afirma, ainda, que a
4ª companhia foi organizada por iniciativa do Barão de Porto Alegre, em
dezembro de 1866.
Contudo, as fontes localizadas no Arquivo Público do Estado da Bahia me
revelaram outra realidade. A Bahia enviou para a guerra 11 companhias de
zuavos, perfazendo um total de 611 homens. Essas tropas foram enviadas
67
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3671.
para a guerra durante o ano de 1865 e foram constituídas com efetivos que
variavam entre 12 a 94 homens.
68
Conforme pode ser verificado nas tabelas
a seguir.
Tabela 6
Efetivo das companhias de zuavos enviadas entre janeiro e julho de 1865
Tropa Comandante Efetivo
1ª Companhia de Zuavos Tenente Quirino Antonio do Espírito
Santo
71
2ª Companhia de Zuavos Tenente Marcolino José Dias 82
3ª Companhia de Zuavos Tenente João Francisco Barboza de
Oliveira
48
4ª Companhia de Zuavos Tenente André Fernandes Palmeira 56
5ª Companhia de Zuavos Tenente Militão de Jesus Pires 94
Total 351
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Maço 3668. Relatório de embarque
de tropas.
68
Idem, maço 3668 (relatório de embarque de tropas).
Tabela 7
Efetivo das companhias de zuavos enviadas em 1865
(após o mês de julho)
Tropa Comandante Efetivo
6ª Companhia de Zuavos Tenente Francisco Higino Carneiro 56
7ª Companhia de Zuavos Tenente Balbino Nunes Pereira 12
8ª Companhia de Zuavos Alferes Nicolau Beraldo Ribeiro
Navarro
53
9ª Companhia de Zuavos Alferes Manoel do Nascimento e
Almeida
56
10ª Companhia de Zuavos Alferes Eugenio José Morris 54
11ª Companhia de Zuavos Alferes Nicolau da Silveira 29
Total 260
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Maço 3668. Relatório de embarque
de tropas.
Tabela 8
Percentual de homens enviados pela Bahia nas tropas de zuavos, em
relação ao efetivo enviado pela província durante toda a guerra.
Efetivo total enviado
Efetivo enviado pela Bahia
nas companhias de zuavos
% em relação
ao total
17.922 homens 611 homens 3.4 %
FONTE: APEB. Biblioteca. Relatório do presidente da província da Bahia, 11 abr de 1869;
Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Maço 3668. Relatório de embarque de tropas.
Os dados das tabelas 6, 7 e 8 permitem concluir que a maioria dos militares
que compuseram as tropas de zuavos seguiu para o Sul do Imrio nos
primeiros meses de 1865 e que a Bahia enviou para a guerra, em tropas
constituídas apenas por negros, um percentual muito pequeno, 3.4 % do
total.
EMPUNHANDO O LIVRO E A ESPADA:
MÉDICOS DA BAHIA ENVIADOS PARA A GUERRA DO PARAGUAI
Quando do início deste trabalho, não tinha a intenção de pesquisar sobre
este assunto, e fui levado a me inteirar sobre o envio de médicos para a
guerra do Paraguai após uma casual indicação bibliográfica. Estava no
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), dando prosseguimento à
pesquisa sobre o envio dos Corpos de Voluntários da Pátria, quando uma
funcionária daquele órgão, que, de algum tempo, acompanhava meu
trabalho, me indicou a leitura de um texto intitulado “Baianos Ilustres”.
1
Segundo ela, algumas das personalidades citadas naquela obra tinham
1
O texto foi escrito por Antônio Loureiro de Souza, em 1950.
participado da guerra, e as experiências por elas vividas poderiam me servir
como fontes.
Não fiquei muito entusiasmado com a indicação, mas, por atenção, resolvi
examinar o texto. Entre as personalidades expostas, o autor trazia um
apanhado da vida de cinco médicos, que também tinham, em comum, terem
sido condecorados como heróis pelos serviços prestados ao Brasil durante
aquele conflito. Eram eles: Augusto Novis, César Zama, Sátiro Dias,
Rodrigues Lima e Artur Rios. (SOUZA, 1950, p. 131-166).
A maneira como me foram aparecendo as fontes relativas a esse assunto
me faz lembrar os escritos do historiador italiano Guinzburg (1989)
descrevendo o perfil de um bom caçador e os atributos que deve ter esse
homem para obter sucesso na sua empreitada de conseguir acompanhar,
com atenção, as pistas deixadas pela caça, e pegá-la. Segundo ele, ‘o
caçador teria sido o primeiro a narrar uma história’ porque era o único capaz
de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma
série coerente de eventos.
No meu caso, embora longe de ser, ainda, um bom caçador, aquele texto
me chamou a atenção e aguçou a minha curiosidade em relação a quantos
outros médicos tinham seguido da Bahia para a guerra e como se deu a
mobilização e o envio desses profissionais, já que a bibliografia baiana nada
comentava sobre como foram enviados esses homens para o conflito. Senti,
claramente, que ali se abrira uma longa trilha de pegadas deixadas em
relação a algo maior, que poderia estar relacionado ao envio desses homens
para a guerra do Paraguai.
Comecei, então, a realizar uma pesquisa específica sobre o assunto no
Arquivo Público do Estado da Bahia. Inicialmente, localizei muitos
requerimentos de estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia,
solicitando, em 1865, diretamente ao presidente da província, Manoel Pinto
de Souza Dantas, a sua incorporação ao Exército para servir nos hospitais
de campanha, e isso me levou a crer, de início, que muitos seriam os
médicos e estudantes que teriam seguido junto aos Corpos de Voluntários.
Assim, pude ter em minhas mãos, por exemplo, o requerimento de três
estudantes do 4º ano da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB): Artur
César Rios, Francisco dos Santos Silva e Francisco Lino de Andrade, que
solicitavam ao presidente da província, em 10 de agosto de 1865, se dignar
aquela autoridade a aceitar a oferta dos três como voluntários para a
guerra.
2
E, assim, tamm o fizera o estudante do 6º ano de medicina,
Isidoro Antônio Nery, filho da enfermeira Anna Nery, baiana que se destacou
no atendimento nos hospitais do Exército durante toda a guerra, enviando
em 6 de agosto, o seu requerimento pessoal ao Desembargador Manuel
Pinto de Souza Dantas.
3
Chamou a atenção à maneira como outros nove
estudantes do 4º, 5º e 6º anos solicitaram, em requerimento conjunto, ao
presidente da província, ser enviados como voluntários para a guerra, assim
expondo:
‘quando a pátria geme’; quando sua dignidade, sua
independência, e seus brios são feridos pelas mãos selvagens
de um tirano, quando sua majestade o Imperador, o primeiro
cidadão do Império, ardendo no fogo sagrado do patriotismo,
corre ao campo do combate para destruir os inimigos da nação:
todo cidadão tem o dever, por honra, imitando o exemplo
augusto do monarca brasileiro, concorrer com a sua pessoa ou
bens para esta guerra de honra, da civilização contra a
barbárie e do despotismo contra a liberdade.
Nós abaixo assinados, estudantes da Faculdade de Medicina
da Bahia, cheios de entusiasmo, vimos oferecer ao patriótico
governo imperial, nossas pessoas para nos entregarmos no
serviço dos hospitais, onde gemem nossos irmãos, onde se
curam suas honrosas feridas.
4
Aqueles requerimentos me levaram a refletir sobre qual era o espírito que
reinava entre os estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia quando da
mobilização da província para a guerra, e a constatar que, embora fossem
muitos os estudantes que se voluntariaram, poucos foram os médicos que
tomaram essa decisão, pois encontrara, até então, poucos médicos como
voluntários.
Deixei de lado, por algum tempo, esses documentos, pois resolvi pesquisar
os jornais da época, na tentativa de encontrar alguma coisa que me falasse
sobre o porquê do não voluntariamento desses médicos. Os jornais,
normalmente, trazem muitas informações importantes, principalmente para
quem pesquisa assuntos relativos às elites, já que a cultura letrada era um
privilégio das classes dominantes. Como pontuou Cruz (2000, p.17), fazendo
2
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
3
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
4
Idem, maço 3669.
uma análise do desenvolvimento da cultura letrada no Brasil e da sua
influência na vida urbana das grandes cidades brasileiras, inclusive no
Império, “o domínio dos códigos letrados, habilidade fornecida pelos bancos
acadêmicos, permeia o discurso competente das elites e articula argumentos
preconceituosos de desqualificação de lideranças populares”.
No caso particular dos médicos baianos, que foram à guerra, os jornais
utilizaram, para a época, um discurso bastante convincente em relação à
atuação humanitária e patriótica desses profissionais. Destaca-se a
circulação de um periódico que tratava de matérias específicas da classe
médica, “A Gazeta Médica da Bahia”.
5
Através desse periódico, comecei a
ter contato com muitas matérias que diziam respeito aos médicos e à
maneira como essa classe de profissionais tinha encarado o conflito.
Segundo a Gazeta, os médicos baianos estavam conscientes que deveriam,
naquele momento em que a sociedade clamava por ajuda, e em que
moribundos contavam com o apoio para atenuar os seus sofrimentos, se
mostrar capazes de exercer, a qualquer custo, inclusive com risco de morte,
a tão nobre missão de curar. As matérias editadas lançavam idéias de que a
plenitude da classe médica baiana tinha se colocado à disposição das
Forças Brasileiras.
Continuei na pesquisa desse periódico por algum tempo, mas ainda não me
sentia satisfeito. Acredito que era pelo fato de o jornal tanto enaltecer a
figura do médico e de seus atos heróicos. Resolvi, então, pesquisar os
arquivos da própria Faculdade. Acredito que era “o faro” que eu começava a
desenvolver, como “aprendiz de caçador”. Eu queria saber quem era cada
um dos médicos e estudantes que foram à guerra, por qual parte da
medicina eles se interessavam e o que motivou cada profissional a seguir
para o conflito.
Iniciei a pesquisa no Arquivo da Faculdade de Medicina da Bahia e, para
minha surpresa, pouca coisa ainda existia que pudesse me ajudar a
reconstituir a trajetória dos estudantes e professores que tinham ido à
guerra. Já estava desanimando, quando uma funcionária me falou de um
livro que existia relatando todas as atividades realizadas pela Faculdade
naquele período. Acho que, naquela oportunidade, enxerguei claramente as
pegadas que tinham se deixado apagar por algum tempo, e retomei à trilha.
Depois de muito procurar, ela o encontrou junto a um armário antigo, onde
ficavam os livros considerados de grande valor histórico. O texto é uma
memória sobre a medicina na Bahia e foi escrito pelo médico Antônio
5
A Gazeta Médica da Bahia foi um periódico técnico, publicado a partir de 10 jul 1866. Era
coordenado por uma associação de facultativos, inicialmente sob a direção do médico Virgílio
Clímaco Damázio.
Pacífico Pereira, para o centenário da Independência, em 1923. Trazia,
dentre outras informações, a de que os professores e estudantes da
Faculdade tinham seguido para o conflito mediante a assinatura de contrato
estabelecido diretamente com o Ministério da Guerra, para servirem nos
hospitais de campanha, inclusive apontando, nominalmente, alguns
daqueles que efetivamente seguiram para o conflito.
A partir daí, a minha pesquisa tomou outro impulso, pois ali estavam muitas
informações que me ajudaram a construir o mosaico de que precisava para
analisar o “como se deu” o envio desses homens. Voltei ao Arquivo Público,
agora já direcionado a trabalhar com os documentos enviados da
presidência da província para o Ministério da Guerra, e com aqueles
recebidos pela presidência da província, oriundos daquele Ministério.
Esta pesquisa visava analisar o envio de homens que compuseram os
Corpos de Voluntários baianos, mas vou tratar, agora, de uma outra face da
mobilização que ocorreu na Bahia, e que também marcou a participação da
província durante o conflito, o envio para a guerra de homens oriundos, em
sua maioria, das elites baianas, que se caracterizou por um contraponto ao
contexto que envolveu a mobilização para a guerra dos corpos de
Voluntários da Pátria e que, por isso, vale a pena ser historicizado.
3.1 O ENVIO DE MÉDICOS MILITARES
Para suprir as necessidades do corpo de saúde do Exército e da Armada,
que combatia contra Forças Paraguaias na região da foz do rio da Prata, o
governo provincial, orientado pelo Ministério dos Negócios da Guerra,
realizou, entre os anos de 1865 e 1866, a mobilização de duas classes de
médicos: os médicos militares, aqueles que já estavam incorporados nas
unidades militares existentes na Bahia e os médicos civis, aí incluídos os
que clinicavam particularmente, os professores (Lentes e Opositores) da
Faculdade de Medicina da Bahia
6
e os estudantes de Medicina e de
Farmácia daquela Faculdade.
A mobilização dos médicos militares precedeu a dos civis e foi realizada,
segundo o que indicam as fontes, mediante a força dos regulamentos
militares a que eles, como oficiais, estavam subordinados. Isso porque esses
homens resistiram em seguir para a guerra. Talvez essa resistência tenha
6
Os Lentes foram professores titulares das diversas cadeiras da Faculdade, e os Opositores,
seus substitutos.
sido fruto do quanto sabiam dos acontecimentos ocorridos com os médicos
baianos que estavam presentes no Mato Grosso quando da invasão daquela
província pelos paraguaios, em 1864.
Na época em que eclodiu a guerra, as ligações entre as províncias da Bahia
e do Mato Grosso eram muito fortes, em relação aos homens que
compunham o serviço de saúde do Exército. Dos 10 cirurgiões que existiam
em Mato Grosso, quando da invasão paraguaia, oito eram baianos,
formados pela Faculdade de Medicina da Bahia; além disso, seguindo a
estrutura hierárquica do próprio serviço de saúde, a maior autoridade médica
militar naquela província era o delegado do cirurgião mor do Exército, o
baiano José Antônio Murtinho, a quem competia a direção, inspeção e
fiscalização de todo o serviço militar de saúde nos hospitais e enfermarias
de corpos e estabelecimentos militares.
Possivelmente, com a invasão da província do Mato Grosso, e a morte em
circunstâncias trágicas de alguns médicos que lá serviam, a notícia de suas
mortes tenha chegado com maior intensidade na Bahia, causando nos
médicos militares que prestavam serviços nas unidades do Exército
existentes em Salvador, e que tinham laços profissionais ou de amizade com
aqueles homens, um sentimento de resistência em relação à ida para a
guerra. Talvez por se sentirem inseguros em relação à atuação operacional
da Força, desgastada dos combates contra o Uruguai e modesta em relação
ao potente Exército paraguaio.
Em 9 de janeiro de 1865, o Ministro da Guerra expediu um ofício ao
presidente da província, advertindo que convinha aos cirurgiões do corpo de
saúde do Exército, o recolhimento para a côrte à proporção que a força de
linha (unidades de tropa do Exército Nacional) se retirasse para o Rio de
Janeiro. Autorizou a contratação de médicos civis que fossem
indispensáveis para o serviço da guarnição.
7
Pouco depois, em 3 de março, o Ministro enfatizou, com rigor, ao governo
provincial, a necessidade de os médicos seguirem para a côrte, dessa vez
determinando que todos os cirurgiões militares existentes na Bahia deveriam
seguir para o Rio de Janeiro, com exceção do delegado do cirurgião mor e
do 1º cirurgião,
8
doutor Antônio da Silva Deiró, que deveria ficar como
encarregado do hospital militar, devendo o presidente “fazer prender aqueles
7
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
8
Postos que existiam na hierarquia do serviço de saúde do Exército e da Armada.
médicos que se opusessem ao embarque”, e remeter juntamente os que
dessem parte de doentes, a fim de serem inspecionados, salvo em caso de
perigo de vida.
9
E em 11 de março, o Ministro expediu mais um ofício, agora
orientando o presidente da província a fazer prender, de imediato, o 2º
cirurgião do Corpo de Saúde do Exército, Antônio José Pinheiro Tupinambá,
que deveria ter seguido para a côrte com o 5º batalhão de infantaria, e
enviá-lo para o Rio de Janeiro.
10
Dois outros expedientes remetidos em abril dão conta da extrema
preocupação do Ministério da Guerra com o envio desses profissionais para
a côrte. O primeiro reiterava a ordem de que seguissem o quanto antes os
oficiais arregimentados, incluindo aí os do corpo de saúde, que não
deveriam ficar na Bahia sob qualquer pretexto, salvo o caso de mostia em
que corresse risco de vida. O segundo determinava que o hospital militar
fosse desativado e que, em seu lugar, permanecesse uma enfermaria fixa;
que os médicos do corpo de saúde do Exército fossem remetidos para a
côrte, só ficando os necessários, e que fossem demitidos os médicos
contratados. Explicava o ministro que tudo isso se dava tendo em vista que a
tropa de linha tinha sido enviada para a guerra, não havendo necessidade
de se manter aquela estrutura que oneraria em muito o Estado.
11
Com a expedição desses documentos, o Ministério da Guerra dava a
entender que o governo imperial contava com a presença de todos os
médicos militares na campanha que se desenrolava no Sul do Brasil e que,
se fosse necessário, utilizaria das prerrogativas que tinha diante dos
regulamentos militares para que seus planejamentos fossem cumpridos.
9
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
10
Idem, Ibidem.
11
Idem, Ibidem.
Dava a entender, ainda, a extrema necessidade que se fazia da presença
desses profissionais para o apoio médico à tropa.
Em contrapartida, a resistência que estabeleceram os médicos parecia,
como indicam as fontes, expressar a falta de confiança que esses homens
tinham nas tropas do Exército Imperial e a falta de um real compromisso
desses médicos para com o Império. E essa resistência se fez através da
única estratégia que lhes era legalmente possível, a alegação de doença
grave, que os impediria de se deslocar de Salvador para o Rio de Janeiro. A
outra estratégia seria a recusa de seguir para o conflito, como o fez o
cirurgião Antônio Tupinambá, mas isso implicaria em ser preso e mandado à
força para o teatro de operações, além de sofrer as conseqüências
disciplinares ou judiciais.
Todavia, essa última estratégia parece ter sido utilizada por boa parcela dos
médicos militares, não só na Bahia como em outras guarnições, e deixa
transparecer que o Ministro da Guerra temia que houvesse, até, algum tipo
de movimento contestatório por parte desses homens, procurando inibir,
com rigor, qualquer resistência.
Apesar da truculência da mobilização e das estratégias utilizadas pelos
médicos para não seguirem, esses militares foram mobilizados e enviados
para o Sul do Império, chegando o governo provincial, inclusive, a desativar
o hospital militar, reduzindo-o a uma enfermaria, cumprindo, assim, a
determinação ministerial.
12
Ou seja, mesmo para esses militares,
profissionais da medicina, que não faziam parte das classes excluídas da
sociedade baiana, valeu tamm a frase dita pelos “moços” pertencentes às
elites, quando, debochadamente, se referiam aos homens que compunham
os corpos de Voluntários, que passavam garbosamente por eles: foram
pegos “a pau e corda”. (SILVA In MENEZES, 1995, p.69).
E essa recusa em seguir para o conflito não foi exteriorizada apenas pelos
médicos pertencentes ao Exército de Linha. O médico do corpo de Polícia da
Capital tamm assim procedeu. Dias antes da partida daquele contingente,
o doutor Manuel Maria Pires Caldas solicitou, mediante requerimento ao
governo provincial, a sua exoneração do cargo de cirurgião do corpo. Dia 21
de janeiro de 1865, dois dias antes da partida do corpo policial, o presidente
da província assinou Ato onde exonerava o doutor Manuel Caldas e, no dia
22, assinou outro Ato, indicando para o seu lugar o cirurgião José Carlos
Mariani.
13
O caso do doutor Manuel Caldas é interessante, pois consta, na
historiografia baiana, que “todos” os integrantes do contingente policial se
apresentaram voluntariamente para seguir para a guerra, e que esse ato
marcou a mobilização daquele corpo, porém a recusa externada pelo Dr.
12
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 828.
13
APEB. Seção Colonial e Provincial. Atos do presidente da província, 1865. Maço 976.
Manuel Caldas, sendo substituído um dia antes da partida, mostra que nem
todos tiveram essa intenção, descaracterizando tal afirmativa e
“desmitificando” essa página da história da Bahia. (ARAÚJO, 1949;
RODRIGUES, 2001).
Ainda com relação aos médicos militares, podemos calcular, entre aqueles
que seguiram para a guerra com as unidades do Exército de linha, com o
corpo de Polícia da Capital e com os batalhões da Guarda Nacional,
transformados em corpos de Voluntários da Pátria, o efetivo de 18 médicos.
A tabela 7 mostra a distribuição desses profissionais, de acordo com a Força
de que faziam parte.
Tabela 9
Efetivo de médicos militares enviados da Bahia à guerra do Paraguai
Corporação Militar Efetivo
Exército de Linha 03
Corpo de Polícia 01
Corpos de Voluntários
(com base nos batalhões da Guarda
Nacional)
14
Total 18
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Atos do presidente da
província, 1865. Maço 976 e documentos recebidos de voluntários da Guerra do
Paraguai. Maço 3668. Cx. 1319. Relatório de Embarque de Tropas.
3.2 O ENVIO DE MÉDICOS CIVIS, PROFESSORES E ESTUDANTES
A mobilização dos médicos civis, dos professores e dos estudantes de
Medicina e Farmácia da Faculdade de Medicina da Bahia, se deu tamm
para complementar as necessidades do Serviço de Saúde do Exército e da
Armada. A mobilização desses profissionais foi diferenciada em relação aos
voluntários da pátria, e até mesmo em relação aos médicos militares,
agindo, o governo, segundo o que indicam as fontes, com “dois pesos e
duas medidas”.
Os médicos civis, assim como os professores e os estudantes, foram
incorporados ao Exército mediante solicitação, através de requerimento
pessoal e assinatura de contrato, e toda a política que envolveu a
contratação desses profissionais ficou centralizada no Ministério dos
Negócios da Guerra, no Rio de Janeiro. Cabia apenas à presidência da
província fazer os contatos com os voluntários e solicitar ao Ministério a
autorização para contratar o profissional. Essa situação parece ter sido
estabelecida como forma de o governo imperial proteger esses homens das
interferências pessoais e desmandos dos governos provinciais. Já os
Voluntários da Pátria, foram alistados, convocados ou recrutados pelo
próprio governo provincial, ficando a mercê do governo.
O porquê da diferença de tratamento na mobilização dos médicos civis
estava expresso nas entrelinhas dos decretos lançados para a realização
das contratações e nas vantagens pecuniárias estabelecidas para esses
profissionais.
Essas condições foram repassadas para o governo provincial em documento
que, em seu bojo, expressava que o Serviço Sanitário do Exército
necessitava com urgência de médicos operadores e estudantes de medicina
dos últimos anos de matrícula ou estudos; que era preciso todos os esforços
para contratá-los e mandá-los imediatamente; que as bases dos contratos
dos médicos deveriam ser de 600 mil réis mensais, sem outra vantagem, e
mais um mês de vencimentos como ajuda de custo, e passagem gratuita e a
graduação de capitão (de comissão), salvo igualmente para algum operador
hábil, que poderia ser a de major, e que os estudantes perceberiam 200 mil
réis mensais, sendo 100 mil réis de ordenado e 100 mil réis de gratificação,
e teriam a graduação de Alferes (de comissão) do Corpo de Saúde, a ajuda
de custo de 300 mil réis e passagem gratuita nos vapores.
14
As fontes indicam que a necessidade de o governo imperial em contar com a
participação desses homens era urgente, e essa urgência deu amplas
oportunidades ao médico civil de negociar com o governo plenas regalias
para a sua contratação. Para termos uma idéia de como se deram essas
oportunidades, as vantagens pecuniárias oferecidas pelo governo imperial a
esses profissionais foram concebidas em bases definidas por eles próprios,
em particular pelo doutor Antônio Mariano do Bonfim, que assessorou o
Ministro da Guerra sobre o assunto, e que para esse assessoramento ouviu
as reivindicações dos médicos das Faculdades da Bahia e do Rio de
Janeiro.
15
Aparentemente, havia também uma confiança do Exército na boa formação
desses profissionais, priorizando as contratações de estudantes e médicos
formados pela Faculdade de Medicina da Bahia, e por serem esses homens
ligados, em sua maioria, às elites que dominavam política, social e
economicamente a província, conseguiram fazer com que o governo se
“curvasse” diante das reivindicações por eles feitas para as suas
contratações.
Em relação a vencimentos, os médicos e estudantes de medicina receberam
amplas vantagens. Como já vimos, o médico recebeu 600 mil réis mensais,
um salário do mês, a título de ajuda de custo e mais passagem gratuita. Os
estudantes receberam 200 mil réis mensais, sendo 100 mil réis de ordenado
e 100 mil réis de gratificação, ajuda de custo de 300 mil réis e mais
passagem gratuita nos vapores.
Para um melhor entendimento da grandeza dessas vantagens, em 1870,
ano em que teve fim o conflito, um tenente médico cirurgião da Polícia Militar
da Bahia recebia 90 mil réis mensais, e o governo estabeleceu a quantia de
600 mil réis para que um cidadão pudesse ficar isento de seguir para a
guerra. (ARAÚJO, 1949; RODRIGUES, 2001).
14
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
15
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
Além disso, os médicos não seguiram para a guerra junto com os Corpos de
Voluntários, pois receberam passagens individuais e foram incorporados ao
Serviço de Saúde do Exército como capitães ou majores, ao contrário dos
“Voluntários” que foram normalmente incorporados como meros soldados.
16
Outras propostas feitas pelos médicos e aceitas pelo governo foram de
servir como médicos e cirurgiões civis nos hospitais, de ser responsáveis
somente perante os diretores dos hospitais, os chefes das forças militares e
o chefe do Serviço de Saúde. Não servindo bem, ter rescindidos os
contratos por parte do governo imperial, mas em nenhum caso estarem
sujeitos à prisão, nem penas correcionais por pretendidas faltas no serviço.
17
Essas propostas nos levam a ponderar sobre duas questões inseridas nesse
contexto: a primeira que, a princípio, os médicos não queriam submissão
aos oficiais de patentes intermediárias do Exército, tenentes e capitães, em
sua maioria oriunda das classes populares, talvez por temer alguma atitude
hostil por parte dessa oficialidade, que era tratada com desprezo pelas elites
do Império, das quais eles, em sua maioria, eram oriundos e a segunda, que
eles não tinham confiança na aplicação judiciosa dos regulamentos
disciplinares. Nesse sentido, deve ter pesado nas suas avaliações a falta de
experiência que tinham no trato “das coisas da caserna” e a própria
insegurança com relação ao desempenho como profissional de saúde.
Por que havia diferença de tratamento por parte do governo entre os
médicos militares e os médicos civis? A única resposta que me foi possível
“conjecturar” foi a que o Exército, durante o período do Brasil – Império foi
uma instituição desvalorizada e desprezada pelo governo imperial e pelas
elites. Isso quer dizer que, quando um médico se sujeitava a incorporar-se
às fileiras do Exército, realmente necessitava de recursos para o seu
sustento ou de sua família, ou seja, esse homem, a princípio, não tinha
posses e dependia do seu trabalho para o seu sustento. Ao contrário, os
médicos civis que foram mobilizados para a guerra eram, em sua maioria,
oriundos de famílias ricas e/ou das elites intelectuais (professores da
Faculdade de Medicina), e isso deve ter feito a diferença.
A província da Bahia realizou duas grandes mobilizações relativas a esses
homens, uma em agosto de 1865 e outra em agosto de 1866. A primeira
ocorreu, aparentemente, sem grandes dificuldades para obtenção do efetivo
de contratados que o Exército e a Armada necessitavam.
16
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
17
Idem, Ibidem.
Já para a mobilização do segundo contingente de médicos e estudantes, em
agosto de 1866, o governo teve dificuldades para a contratação, chegando a
fazer retornar à capital o médico Antonio Mariano do Bonfim, professor
catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia, homem de prestígio e
reconhecimento acadêmico, para tentar convencer os seus colegas e
discípulos para a extrema necessidade que se fazia da presença de médicos
no apoio aos moribundos da guerra.
18
O doutor Mariano do Bonfim era natural da Vila da Barra do São Francisco.
Foi casado com D. Maria Adelaide de Almeida, dela se separando, segundo
ele, “por motivos poderosos”, não os explicitando. Foi um dos médicos que,
aparentemente, não tinha motivos outros para seguir para a guerra que não
o incentivo à jubilação antecipada como professor da Faculdade de
Medicina, pois era sozinho, possuía uma condição profissional estável e uma
colocação de expressão na sociedade baiana. No pós-guerra permaneceu
vivendo em Salvador, exercendo a profissão e lecionando, como lente
catedrático, na Faculdade de Medicina. Veio a falecer em 1875, cinco anos
após o término da guerra, não conseguindo o intuito de se aposentar, talvez
vítima do contágio de alguma doença infecto-contagiosa contraída durante o
conflito. Como não tinha herdeiro direto, deixou os seus bens para a sua
irmã e sobrinhas.
Possuía uma coleção de livros muito grande, diversificada e valiosa, avaliada
em dois contos, 118 mil e 940 réis. Entre essas obras, constavam: 11 volumes
sobre a flora fluminense, bibliografia sobre a hidrografia do rio São Francisco,
Atlas de mineralogia, obras sobre a literatura francesa, obras sobre direito
criminal e muitos textos sobre medicina. Consta do seu testamento uma
afirmativa pessoal: “tudo que consegui na vida foi fruto direto do meu trabalho
como médico”.
19
Com relação ao governo imperial, numa atitude ambígua à tomada em
relação aos homens das classes menos favorecidas, quando precisou com
urgência complementar os efetivos dos batalhões da Guarda Nacional, para
compor os corpos de Voluntários da Pátria e desenfreadamente os recrutou
à força, ofereceu outras vantagens para aqueles que se voluntariassem, em
especial aos estudantes e aos professores das Faculdades de Medicina.
18
APEB. Seção de Microfilmagem. Periódico A Gazeta Médica da Bahia, filme
nº. 01. Exemplar nº. 02.
19
APEB. Judiciário. Inventário. E 07 Cx. 2921 D 03
Dentre essas vantagens, constavam: a dispensa dos estudantes das
Faculdades do Império, que serviram na guerra contra o Paraguai, das faltas
dadas durante o tempo em que eles estivessem na guerra e a concessão da
matrícula no ano seguinte, depois de prestado o exame do procedente;
poderiam pertencer, se o requeressem, ao Corpo de Saúde do Exército ou
da Armada, os estudantes do 5º e 6º anos, empregados no serviço do
Exército em operações e designados de preferência para as sedes das
Faculdades de Medicina para completarem seus estudos e obterem os
respectivos títulos; os professores (lentes e opositores) ficavam com direito à
jubilação com seus ordenados e gratificações, logo que contassem 20 anos
de magistério.
20
Os médicos e estudantes contratados permaneceram durante o conflito
trabalhando nos hospitais temporários (fixos) do Exército. Esses hospitais
eram localizados longe das frentes de combate, bem à retaguarda. O mais
importante e que recebeu o maior número de estropiados foi o de Corrientes,
que ficava localizado em território argentino.
21
Aqueles que lá trabalhavam
praticamente nenhum risco de morte corriam, a não ser pelas doenças
infecto-contagiosas que poderiam ser transmitidas pelos combatentes
adoentados.
Na Ordem do Dia nº. 527, documento onde eram lançadas as suas
determinações para toda a Força, o Ministro da Guerra, tratando das
instruções para o serviço médico dos hospitais de campanha, expressou em
seu artigo primeiro que os oficiais efetivos do Corpo de Saúde do Exército
que se achavam em operações, e nos hospitais e enfermarias provisórias de
Buenos Aires e Corrientes, seriam todos empregados nas ambulâncias,
postos de atendimento imediato a feridos em combate, e o artigo segundo
dizia que ficava expressamente proibido o emprego dos oficiais efetivos nos
hospitais temporários.
22
Com isso, o Exército retirou todos os médicos efetivos dos hospitais fixos e
os enviou para atuarem diretamente nas frentes de combate, deixando
apenas os médicos e os estudantes contratados trabalhando nesses
hospitais. Essas medidas adotadas pelo Exército, possivelmente, levaram os
estudantes a refletir entre ficar em Salvador, contando com as poucas aulas
teóricas na Faculdade, pois muitos foram os professores que se
20
APEB. Seção de Microfilmagem. Periódico A Gazeta Médica da Bahia, filme
nº. 01. Exemplar nº. 06
21
Idem, Ibidem.
22
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
voluntariaram para a guerra, ou ir para o Sul, onde poderiam praticar a
medicina, abonar as faltas e ter a promessa de boas gratificações.
“Dois pesos, duas medidas?” Enquanto os Voluntários da Pátria foram
pegos, em sua maioria, à força, receberam gratificações irrisórias, passaram
por todo o tipo de dificuldades para serem incorporados às fileiras do
Exército e da Armada, e ficaram expostos a todo o tipo de perigo de morte,
os médicos civis, negociaram seus contratos, receberam excelentes
gratificações pecuniárias, viajaram em vapores diferenciados e trabalharam,
em sua maioria, em hospitais longe das frentes de combate, pouco expondo
as suas vidas.
Em exemplar publicado em maio de 1867, a Gazeta Médica apresenta uma
matéria que expõe diferenças no tratamento dos médicos contratados com
os oficiais do Exército. Segundo o texto, os médicos contratados estavam
sendo acusados de estar fora de todos os riscos de morte. Essa situação
estava levando os médicos militares, efetivos, a se revoltar contra as
regalias dispensadas a esses profissionais.
23
Na tentativa de defesa dos contratados, o jornal colocou uma estatística
realizada pelo doutor Francisco Bonifácio de Abreu sobre os médicos
falecidos na campanha até aquela data. Como justificativa, o doutor
Francisco Bonifácio lança uma relação composta de 17 nomes de médicos
que faleceram em campanha e mais 09 que faleceram em conseqüência de
enfermidades adquiridas na guerra, pouco depois de chegarem ao Brasil.
Com isso, o doutor Francisco Bonifácio tentava justificar que houve também
entre os médicos e estudantes contratados significativa parcela de
mortalidade e que eles não tinham regalias em relação aos demais
combatentes.
24
Verifiquei a lista dos falecidos e constatei que talvez por engano ou mesmo
na tentativa de engrossar o rol dos mortos, valorizando a participação dos
civis contratados, o doutor Francisco Bonifácio incluiu médicos militares que
faleceram durante a invasão do Mato Grosso, nada tendo a ver com os
combates no Sul do Império. Consta que morreram em função de moléstias
adquiridas na guerra ou como conseqüências do emprego nos conflitos no
Sul do Império os estudantes Guimarães Alves Marinho, Manoel de Aguiar
Freire, Jesuíno Borges, Ulysses da Silveira Bastos Varella e o médico militar
Cícero Álvares dos Santos. O conteúdo da ordem do dia do Ministro da
Guerra, por si, já deixa claro que a intenção do governo era de poupar os
23
APEB. Seção de Microfilmagem. Periódico A Gazeta Médica da Bahia, filme nº. 01. Exemplar
nº. 45.
24
APEB. Seção de Microfilmagem. Periódico A Gazeta Médica da Bahia, filme nº. 01. Exemplar
nº. 45.
médicos contratados das perigosas intempestividades das frentes de
combate.
Aprofundando um pouco mais sobre os médicos e estudantes baianos que
faleceram durante o conflito, constatei que o estudante de medicina Ulysses da
Silveira Bastos Varella não era oriundo de família de posses, ao contrário, o
seu pai era funcionário público do Estado da Bahia, conferente da Alfândega.
Ao falecer, seu pai deixou viúva D. Joanna Amélia Tourinho Varella com seis
filhos, incluindo Ulysses Varela, que na época tinha 20 anos.
Sua mãe, em 1886, entrou com uma petição na justiça, reclamando uma
pensão do Estado, tendo em vista que o seu marido nenhum bem tinha
deixado e, quando em vida, tinha se inscrito no montepio do Estado e, segundo
ela, teria direito a pensão de 800 mil réis anuais. As fontes nos indicam que
para o estudante Ulysses Varela a ida para a guerra pode ter significado uma
oportunidade para ganhar dinheiro e possibilitar uma vida melhor para os seus
familiares.
25
O médico Cícero Álvares dos Santos faleceu no Paraguai em 1869. Seus
herdeiros fizeram a partilha amigável da quantia de dois contos, 606 mil e 895
réis, deixada por ele na Caixa Econômica da rte. Quando da sua morte, seu
irmão, Joaquim Ferreira Álvares dos Santos era cadete do então extinto 45º
corpo de Voluntários da Pátria e estava em operações no Paraguai. Na
oportunidade, fez procuração ao médico João Ferreira de Bittencourt para
que recebesse sua parte na herança. Eles também o eram oriundos de
família de posses e, aparentemente, apostavam na carreira militar como meio
de sobrevivência e de projeção na sociedade.
26
Até esse momento da pesquisa eu tinha informações que davam conta de
muitas das questões levantadas no início da investigação, porém duas
questões fundamentais ainda precisavam ser esclarecidas para que eu
pudesse formar um melhor juízo quanto a toda essa mobilização. A primeira
25
APEB. Judiciário. Inventário. E 07 Cx. 3151 D 10.
26
APEB. Judiciário. Inventário. E 03 Cx. 982 M 451 D 10.
dizia respeito à lista nominativa dos médicos e estudantes, e a segunda,
como era o perfil profissional desses homens.
Para elucidar a primeira pergunta, procurei verificar, inicialmente, a relação
nominal desses profissionais. Busquei, mais uma vez, agora
direcionadamente, os jornais da época, os anais da Faculdade de Medicina,
o “dito” livro histórico da Faculdade, a documentação existente no Arquivo
Público do Estado, que citasse de alguma forma esses homens e a
bibliografia existente.
Fazendo o cruzamento dessas fontes consegui montar uma lista.
27
Foram contratados em 1865:
Estudantes de medicina: 4º ano – Artur César Rios, Francisco dos Santos
Silva, Francisco Lino de Andrade, José de Teive Argollo e Eutychio
Soledade; estudantes do 5º ano – Geraldo Francisco da Cunha, José
Theodoro de Souza Dantas, Jesuíno Borges, Manuel de Aguiar Freire,
Antônio Celestino Sampaio, Augusto César Torres Barrense, Raymundo
Caetano da Cunha, Francisco Joaquino de Oliveira Santos e Ulysses da
Silveira Bastos Varella; estudantes do 6º ano – Isidoro Antônio Nery, Pedro
Affonso de Carvalho, Manoel Ignácio Lisboa e Aprígio Marques; estudantes
de farmácia – Joaquim da Silva Cajueiro de Campos, Augusto Alves de
Abreu, Ignácio M. A’lmeida Chastinet e Silvio Flávio Lopes de Aguiar;
professores – Drs. Luiz Álvares dos Santos e Joaquim Botelho;
médicos: Drs. Manoel Monteiro de Vasconcelos Prates e Henrique Alves dos
Santos.
Em 1866:
27
Para a consecução das listas referentes aos dois grupamentos, observei: No APEB: Seção
de Microfilmagem. Filme nº. 01. Periódico A Gazeta Médica da Bahia; Seção de Arquivos
Coloniais e Provinciais, Maços: 3668, 3669, 3670, 3671, 828, 829, 830, 831 e 976; na
Faculdade de Medicina da Bahia: a obra Esboço Histórico dos Acontecimentos mais
Importantes da Vida da Faculdade de Medicina da Bahia, 1808 1946, escrito por Octavio
Torres, professor da Faculdade; o Livro Memória Sobre a Medicina na Bahia, escrito pelo
doutor Antonio Pacífico Pereira. Elaborado para o centenário de independência da Bahia, 1823
– 1923. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1923; a obra Memória da Faculdade de Medicina
da Bahia, anos de 1865, 1866, 1867, 1868, 1869 e 1870, apresentada pelos Lentes daquela
entidade à respectiva congregação, existente no Arquivo da própria Faculdade, e a obra
Memória Histórica dos Acontecimentos Notáveis Ocorridos no ano de 1870, na
Faculdade de Medicina da Bahia, apresentada à Faculdade pelo doutor Demétrio Tourinho,
Opositor da Seção Médica, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905.
Lentes: Conselheiro Manoel Ladistão Aranha Dantas, Drs. Jerônimo Sodré
Pereira, Domingos Rodrigues Seixas, Antonio Mariano do Bonfim, Rodrigues
da Silva, José Antônio de Freitas e Antônio Januário de Faria; Opositores:
Drs. Rosendo Aprígio Pereira Guimarães, Domingos Carlos da Silva,
Augusto Gonçalves Martins, José Ignácio de Barros Pimentel e Pedro
Ribeiro de Araújo; estudantes do 6º ano: Manoel Ignácio Lisboa e Aprígio
Martins de Menezes; estudantes do 5º ano: Archimino José Corrêa, Joaquim
Januário dos Santos Pereira, Paulino Pires da Costa Chastinet, Arsênio de
Souza Marques, José Porfírio de Mello Matos, José Mariano Barroso, José
Pinto da Silva, Francisco Luiz Soares de Andrade, Joaquim Manoel de
Almeida Vieira, Joaquim Manoel Rodrigues Lima Júnior, Ladislao Ribeiro de
Novaes, Francisco dos Santos Silva e Elpídio Joaquim Baraúna; estudantes
do 4º ano: Cyro da Silveira Bastos Varella, Guimarães Alves Marinho,
Aristides Felinto Alpedri, Terencio Silva Castro, Francisco João Fernandes,
João José de Faria, Pedro Borges Leitão, Satyro de Oliveira Dias, Juvêncio
de Oliveira Dias, Rosendo Muniz Barreto e João Sérgio Celestino; médicos:
Drs. Francisco Ignácio Salvador Cardim, José Teotônio Martins, Francisco
Romano de Souza, Francisco Baptista de Moraes Leone, Militão Barbosa
Lisboa, Francisco Sidonio Bandeira Chaga, Cezar Zama, Deocleciano
Teixeira, Trajano Pinto da Silva, Eloy Martins de Souza, José Teixeira da
Matta Bacellar, José Carlos Marianni e Alexandre Marcellino Bayma.
Não tenho a pretensão de afirmar que nessa relação encontram-se todos os
médicos, professores e estudantes que foram à guerra, porém acredito estar
muito próximo da totalidade. Com base nessa relação nominal tive
condições de realizar uma pesquisa aprofundada e direcionada para cada
um deles.
Explorando, agora, as fontes cartoriais: inventários, testamentos, processos-
crime e processos cíveis, referentes a eles e a seus parentes mais próximos,
pude obter, de 50 dos pesquisados, cerca de 70% do total da relação
nominal, informações que me deram uma mostra expressiva referente às
suas origens, suas intenções quanto à ida para a guerra, suas atividades no
pós-guerra e seus relacionamentos familiares.
Com relação às suas origens, fiquei surpreso, pois pensava que poucos
seriam aqueles não pertencentes às elites baianas, mas a documentação
cartorial examinada mostrou que uma parcela significativa desses homens
não tinha tal origem. Do universo constante da relação (77 médicos e
estudantes), as fontes indicam que, pelo menos, nove deles não pertenciam
às elites da província, perfazendo um percentual de 11.7% do total. Eram
eles: Aristides Felinto de Alpendriz, Ulisses da Silveira Bastos Varela, Elpídio
Joaquim Baraúna, Francisco Lino Soares de Andrade, Militão Barbosa
Lisboa, Manoel Ignácio Lisboa, José da Matta Bacelar, Luís Álvares dos
Santos e José Teotônio Martins.
Como exemplo, cito o caso do estudante Elpídio Joaquim Baraúna, cujo pai era
funcionário público do Estado e ganhava em torno de 50 mil réis mensais, o
que o colocava como um funcionário de baixa ascendência no governo. Em
1870, o seu pai vem a falecer, deixando Elpídio Baraúna como o homem que
sustentaria a família, composta por ele e suas duas irmãs, Rita Amância
Baraúna e Isabel Ursula Baraúna. Deixou também uma pequena herança,
limitada ao salário do mês e alguns móveis, somando cerca de 190 mil réis.
28
Talvez, para Elpídio Baraúna, o ir para a guerra tenha sido um meio de
conseguir recursos necessários para dar uma condição de vida melhor para
suas irmãs, que, em 1866, quando ele se voluntariou para seguir para o
conflito, o governo pagava ao estudante 200 mil réis mensais, cinco vezes o
que seu pai ganhava de salário.
29
História de vida que tamm caracteriza a origem humilde de alguns desses
homens é a de Francisco Lino Soares de Andrade. Também era filho de um
funcionário público, que vivia com dificuldades para sustentar sua esposa e os
seus sete filhos. Seu pai faleceu em 1874, não deixando qualquer bem a ser
partilhado, ficando sobre seus auspícios o sustento de toda a família. Ele
residia à Ladeira da Soledade, freguesia de Santo Antonio Além do Carmo,
bairro popular e periférico da cidade de Salvador.
30
Foram diversos os motivos que podem ter levado esses homens a se
voluntariar para o conflito: motivos financeiros; motivos ligados à
aposentadoria, especificamente para os professores das Faculdades de
Medicina, já que o governo concedeu como vantagem a jubilação com seus
vencimentos, após completarem 20 anos de magistério; motivos
profissionais, já que os estudantes do 5º e 6º anos poderiam permanecer
como médicos do Exército e da Armada, caso optassem; e a visualização da
guerra como uma futura plataforma política, como foi o caso de alguns
desses médicos e estudantes, que, no pós-guerra, entraram para a política;
e até mesmo por mera aventura.
28
APEB. Judiciário. Inventário. E 05 Cx. 2047 M 2518 D 23.
29
Idem, Ibidem.
30
APEB. Judiciário. Inventário. E03 Cx. 1068 M1537 D03.
Com relação a essas motivações, a história de vida de alguns desses homens
parece nos indicar as suas intenções quanto à ida para a guerra. Uma dessas
histórias se passou com o estudante Manoel Ignácio Lisboa. Ele seguiu para o
conflito como estudante do ano e veio a falecer, ainda durante os combates,
em 1870, como médico da Armada Imperial.
A exigüidade das fontes não permite afirmar, mas acredito que ele retornou a
Salvador, terminou o seu curso de medicina, defendeu tese de doutoramento e
optou por permanecer como oficial médico da Armada, aproveitando a
concessão estabelecida pelo governo imperial aos estudantes que estavam no
último ano da Faculdade, de poderem optar em permanecer como oficiais,
após o doutoramento, retornando para a guerra e vindo a falecer em combate.
Quando do seu falecimento, deixou viúva, D. Júlia Amália Devoto Valente e
uma filha, ainda pequena, Amália Lisboa. Não deixou bens que pudessem ser
partilhados, porém o Estado tinha a dever a sua esposa os soldos e
vencimentos a que ele fazia jus como médico da Armada, no valor de 573 mil e
200 réis.
A viúva foi à justiça para receber a quantia a que achava ter direito. Como parte
do processo, a justiça determinou que o Sr. Arthemio de Castro Valente,
aparentemente pai de D. Júlia Valente, ficasse como tutor da menor. Nos autos
constava que existia em conta na Caixa Econômica uma soma em dinheiro no
valor de três contos e 513 mil réis, depositada em favor da menor Amália.
Pelo que expôs sua mãe nos autos, essa quantia vinha sendo depositada pelos
seus pais para o futuro arrimo da menor. Isso nos leva a crer que,
possivelmente, o doutor Manoel Lisboa possa ter ido para a guerra pensando
em obter os recursos necessários para dar a sua filha uma situação futura de
vida melhor, ou seja, para ele, a ida para a guerra pode ter significado tamm
uma forma de ganhar dinheiro e garantir um futuro tranqüilo para quem estava
iniciando uma nova carreira e uma vida conjugal.
A documentação cartorial não deixa claro se, quando ele foi para a guerra, a
menor Amália era nascida, mas certamente o seu nascimento, antes ou
durante o conflito, foi muito importante para os seus planos de combater os
paraguaios.
31
Outra história de vida que vale a pena ser citada foi a do estudante Paulino
Pires da Costa Chastinet. Era filho do coronel da Guarda Nacional Francisco
Maria da Costa Chastinet. Embora fosse oriundo de uma família de prestígio e
bem posicionada na sociedade baiana, não tinha posses, e seu pai lutava com
dificuldades financeiras para manter o padrão de vida exigido pela posição de
sua família na sociedade, pois tinha muitas dívidas.
Ao falecer, seu pai deixou como herança apenas três escravos e a mobília de
uso, avaliados em um conto e 450 mil réis, penhorados a negociantes por dois
débitos, na importância de seis contos e 500 mil réis, como dívida, que,
segundo os negociantes, se arrastava de algum tempo. Ou seja, para
Paulino Chastinet a ida para a guerra pode ter significado uma forma de
alcançar, assim como o seu pai, uma projeção na sociedade baiana e tamm
uma maneira de obter recursos financeiros, ajudando a família a manter o
status social.
32
Também curioso e que mostra que não por interesses financeiros, de
jubilação ou de projeção na sociedade podem ter seguido esses profissionais
para a guerra, é o caso do estudante José Bernardino de Teive e Argollo, que
era solteiro, oriundo de família pertencente às elites da província e possuía
muitos bens, herdados pelo falecimento de seus pais. Entre esses bens
constavam: fazenda de gado, localizada no sertão baiano, engenhos, sobrado
em área nobre de Salvador e muitos escravos.
Seu testamento foi escrito em 1859 e aberto em 1862, por iniciativa própria,
antes mesmo de ele ter seguido para a guerra. Pelas informações constantes
31
APEB. Judiciário. Inventário. E 03 Cx. 1071 M 1540 D 09
32
APEB. Judiciário. Inventário. Arrolamento. E 07 Cx. 3046 D 01.
no documento, Jo Bernardino deixou sua fortuna para seu sobrinho, o Barão
de Pirajá; doou alguns de seus escravos para a sua madrinha, D. Norberta
Maria da Conceição e deixou forros mais de 25 escravos.
Estabeleceu como cláusula do testamento, a obrigação do herdeiro em
proteger os seus escravos, após alforriados, e ceder-lhes terras para que
pudessem continuar morando nas suas propriedades e cultivando essas terras
para as suas sobrevivências. Ele residia em Salvador, na freguesia da rua do
Paço, na Ladeira do Rosário da Baixa dos Sapateiros, área onde, naquela
época, residiam as famílias pertencentes às elites da Bahia.
33
As fontes cartoriais indicam, a princípio, que Jo Bernardino Argollo o
seguiu para a guerra pensando em ganhar dinheiro ou qualquer outro tipo de
vantagem pecuniária. Temos, porém, de levar em consideração que entre
1862, ano em que foi redigido o seu testamento, e 1865, ano em que ele
seguiu para a guerra, muita coisa pode ter acontecido, inclusive ele ter, por
algum motivo, perdido parte ou mesmo toda a sua fortuna, e ter visto na ida
para a guerra uma forma também de conseguir algum recurso.
Também não parece ter seguido pensando em obter algum tipo de projeção na
sociedade baiana, pois sua família era tradicional e bem situada ante essa
sociedade.
Alguns aspectos relativos ao seu testamento nos levam a reflexões. Por que
ele teria alforriado os seus escravos após a sua morte? Por que determinava
ao herdeiro que cedesse terras para os alforriados? Será que não era
escravista e permaneceu com os escravos por tê-los ganho como herança?
Será que tinham outros interesses por trás dessas atitudes, aparentemente, de
bom mocismo?
33
APEB. Judiciário. Testamento. Livro 41, pág. 95.
A historiadora Kátia Mattoso (1982, p.177-213) relata uma diversidade de
situações envolvendo a alforria de escravos e as condicionantes que eram
colocadas pelos senhores para as suas liberdades. Embora não tenha
observado qualquer tipo de condicionante neste caso, a doação de terras para
que os escravos pudessem delas viver, explica a historiadora, foi uma
estratégia utilizada por determinados senhores, de fazer os libertos
permanecerem em suas terras, agora trabalhando para seus descendentes ou
herdeiros.
No caso específico do estudante José Bernardino Argollo, ele deixou seus bens
como herança para o seu sobrinho, o Barão de Pirajá, e pode ter se utilizado
desse artifício para que os seus escravos, depois de alforriados,
permanecessem nas suas terras, agora “trabalhando” para o Barão.
Com relação à origem étnica e religiosa desses profissionais, não identifiquei
nenhum que fosse negro ou afro-descendente. Todos os pesquisados se
confessavam, de acordo com os seus testamentos, católicos.
Para alguns desses médicos o conflito, provavelmente, serviu como uma
plataforma para o seu alavancar na política no pós-guerra. Foi o caso de César
Zama, Sátiro Dias, Rodrigues Lima e Artur César Rios. Esses estudantes, no
retorno à Bahia se dedicaram à política, ganhando, alguns deles, projeção ao
nível provincial e nacional.
César Zama foi eleito Deputado à Assembléia Provincial da Bahia em várias
legislaturas, revelando-se como grande orador e apresentando diversos
trabalhos de interesse do Estado. (SOUZA, 1950, p.133-166).
Sátiro Dias foi diretor da Instrução Pública, Secretário do Interior da Bahia,
Deputado Provincial e presidente das províncias do Ceará, Rio Grande do
Norte e Amazonas. Com o advento da República, foi Deputado Federal pela
província da Bahia. (SOUZA, 1950, p.133-166).
Rodrigues Lima foi eleito, em 1872, Deputado à Assembléia Provincial, sendo
reeleito. Com a proclamação da República foi eleito Senador. Em 1892 foi
eleito Governador do Estado da Bahia. (SOUZA, 1950, p.133-166).
Artur sar Rios foi atraído para a política, ingressando, em 1872, no Partido
Conservador, tendo sido eleito Deputado Provincial para as legislaturas de
1872, 1874 e 1878. Proclamada a República, fez parte da Assembléia
Constituinte. Permaneceu no Parlamento, sendo reeleito em todas as
legislaturas, chegando a ser presidente da mara dos Deputados. (SOUZA,
1950, p.133-166).
Para esses homens, a guerra contra o Paraguai serviu de instrumento para que
eles ganhassem prestígio e destaque na sociedade, am de certo grau de
confiança por parte das elites, que os viam como defensores dos interesses
nacionais.
Ainda, tomando por base a relação dos médicos e estudantes, pude
estabelecer dados numéricos necessários para a confecção de tabelas que
pudessem dar melhor visibilidade ao “como se deu” o envio desses
profissionais.
Tabela 10
Médicos e estudantes contratados entre 1865 e 1866:
Ano Médicos Estudantes de
medicina
Estudante de
farmácia
Soma % do
total
186
5
04 18 04 26 37.7 %
186
6
25 26 00 51 62.3 %
Tota
l 29 44 04 77 100 %
FONTE: PEREIRA, 1923 e APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 1.
Periódico A Gazeta Médica da Bahia.
Tabela 11
Relação entre professores existentes na Faculdade e aqueles que foram à
guerra:
Professores existentes na
faculdade durante a guerra
Professores que foram
à guerra
% dos que
foram à
guerra /
existentes
Lentes 18 09 50.0 %
Opositores 15 06 40.0 %
Total 33 15 45.5 %
FONTE: PEREIRA, 1923 e APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 1.
Periódico A Gazeta Médica da Bahia.
Tabela 12
Estudantes de medicina contratados em 1865, de acordo com o ano de
estudo:
Ano de Estudo Número de Contratados
4º ano 05 estudantes
5º ano 09 estudantes
6º ano 04 estudantes
Total 18 estudantes
FONTE: PEREIRA, 1923 e APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 1.
Periódico A Gazeta Médica da Bahia.
Tabela 13
Relação entre estudantes matriculados e contratados em 1866:
Ano de
estudo
Matriculados na
Faculdade
(curso de medicina)
Contratados
pelo Ministério
da
Guerra
(entre janeiro a outubro)
%
15 estudantes 11 estudantes 73.3 %
18 estudantes 13 estudantes 72.2 %
08 estudantes 02 estudantes 25.0 %
Total
41 estudantes 26 estudantes 63.4 %
FONTE: PEREIRA, 1923 e APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 1.
Periódico A Gazeta Médica da Bahia.
Embora reconheça que serei repetitivo em relação à abordagem de
determinadas informações, necessito fazer uma leitura dos dados expostos
nessas tabelas, para que o leitor possa acompanhar o meu raciocínio, e
tenha uma visão, a mais ampla possível, do que esses dados nos indicam.
De imediato, sobressai aos nossos olhos que seguiram para a guerra, como
médicos e estudantes contratados, 77 profissionais. Que desse efetivo 48
eram estudantes, em sua maioria do curso de medicina (com 44), e em
particular, dos 4° e 5º anos (com 38). Talvez, visualizando a pouca
experiência profissional desses estudantes, em sua maioria do 4º e 5º anos,
como expus, o governo tenha determinado que eles trabalhassem nos
hospitais fixos, aqueles hospitais que ficavam longe das frentes de combate
e que, a princípio, cuidavam de doentes com ferimentos menos graves ou
que estavam em processo de recuperação, e colocou, com eles, os médicos
contratados, pois boa parte deles eram professores das Faculdades de
Medicina (15 da Faculdade de Medicina da Bahia), que tinham experiência
profissional e já estavam familiarizados com o trato em relação a esses
estudantes.
A tabela 10 nos indica que o número de médicos e estudantes contratados
em 1866 foi bem superior àqueles contratados em 1865, chegando o número
de médicos a ser mais de seis vezes maior. Interessante que, mesmo diante
de uma onda de voluntariado que se deu nos primeiros meses de 1865, de
acordo com as informações oficiais do governo imperial, o número de
médicos que se propuseram a ser contratados para seguir para a guerra foi
muito pequeno. (DORATIOTO, 2002, p.116).
Talvez isso tenha ocorrido, em virtude desses homens já terem uma
situação financeira estável e uma posição social já consolidada na
sociedade baiana, não se deixando levar pelas idéias lançadas pelo governo
para a consecução do seu objetivo de mobilizar a população e conseguir o
maior número possível de voluntários. Já em 1866, o número é maior, talvez
por ser a maioria desses médicos, professores titulares das diversas
cadeiras da Faculdade de Medicina, que podem ter seguido seduzidos pelas
vantagens oferecidas para as suas jubilações.
Já em relação aos estudantes, os dados expostos na tabela 8 nos indicam
que talvez alguns tenham se deixado levar pelo espírito aventureiro que
norteou parcela dos jovens em 1865, mas que, possivelmente, a maioria
tenha sido seduzida pelas vantagens oferecidas pelo governo.
A tabela 11 indica que praticamente a metade dos professores que
lecionavam na Faculdade de Medicina da Bahia (45.5 %), durante o período
da guerra, seguiu para o conflito. Mostra-nos, ainda, que metade dos Lentes
seguiu para a guerra entre esses profissionais. E nos deixa uma reflexão:
Será que essa situação fez cair o nível de formação profissional dos médicos
formados pela Faculdade de Medicina da Bahia durante a guerra?
Por outro lado, a tabela 13 nos indica que apenas dois estudantes do 6º ano
(25 % do total), em 1866, seguiram para o conflito. Talvez, mesmo com
todas as vantagens oferecidas pelo governo, para aqueles estudantes que
terminavam o seu curso, a prioridade ainda tenha sido a sua formação como
médico. E isso pode significar, entre outras coisas, que eles estavam
estimulados, e que a Faculdade lhes deu as condições necessárias para a
sua diplomação.
Com relação à elucidação daquela segunda pergunta que dizia respeito ao
perfil profissional desses homens, vou pontuar algumas questões. Pela sua
importância na formação do perfil profissional desses médicos e estudantes,
cabe-me apontar, inicialmente, algumas considerações sobre a Faculdade
de Medicina. Em 1808, quando da estada da família real na Bahia, o ainda
príncipe D. João fundou uma escola ligada às atividades da área de saúde,
denominada de Escola Médico Cirúrgica. Essa Escola deu origem, após
alguns anos, à Faculdade de Medicina da Bahia. Durante algum tempo a
Faculdade de Medicina foi a única instituição de formação de profissionais
da área médica, na Bahia e no Brasil. Com essa situação de pioneirismo,
atraiu os jovens baianos interessados numa formação superior e que,
embora fossem de famílias de posses, não possuíam recursos suficientes
para estudar na Europa, mesmo não sendo a medicina, para alguns, a
profissão de escolha pessoal. (RIBEIRO, 1997).
O currículo da Faculdade era muito vasto, com matérias que hoje estariam
em outros campos do saber, como a psicologia. Como pioneira no Brasil, a
faculdade não tinha referência para a apropriação de conhecimentos,
tomando como parâmetro as faculdades européias, em particular a de Paris,
na França. Essa condição dava aos alunos da Faculdade de Medicina, uma
grande diversidade de temas de estudo e uma excelente formação
profissional (RIBEIRO, 1997).
Dentre as matérias curriculares previstas para o ano de 1867, constavam:
Medicina Operatória, Anatomia, Clinica Cirúrgica, Medicina Legal, Botânica,
Fisiologia, Anatomia Patológica, Física, Química Mineral, Farmácia, entre
outras, num total de 19 matérias.
34
Como destaquei anteriormente, os médicos e os estudantes de medicina foram
empregados nos chamados hospitais temporários. Esses hospitais foram
instalados, normalmente, aproveitando-se construções existentes. Possuíam
certa estrutura, com enfermarias e leitos. Foram montados, entre outros
lugares, em Corrientes, na Argentina, e em Humaitá, em território paraguaio.
Viviam lotados de feridos e não possuíam as mínimas condições de
observância dos princípios de assepsia, mesmo para com os materiais
utilizados no tratamento dos doentes.
As considerações que fiz anteriormente, relativas aos os médicos civis, tiveram
como referências, entre outras fontes, o periódico A Gazeta Médica da Bahia.
Esse periódico não primava pela isenção, quando se tratava de falar desses
profissionais, pois servia como instrumento que possuía a classe médica
baiana para a defesa de seus posicionamentos e interesses.
Agora vou utilizar como fonte o depoimento de um baiano que participou dos
combates, feriu-se, e dependeu da habilidade e do companheirismo desses
médicos para a sua sobrevivência, o general Dionísio Cerqueira.
Sobre os hospitais de sangue, ele destaca (1974, p.284) o de Vileta, pequeno
povoado paraguaio, às margens do rio Paraguai:
Cheguei ao Hospital de Sangue, pobre rancho paraguaio,
coberto de palha, junto ao laranjal. Estava cheio atopetado de
feridos. Sentei-me fora, sobre uma pedra. Chegavam oficiais e
soldados, estropeados, ensangüentados, em doloroso
34
APEB. Seção de Microfilmagem. Periódico A Gazeta Médica da Bahia, filme nº. 01. Exemplar
nº. 18.
desalinho, uns sozinhos; outros apoiando-se em camaradas
com ferimentos menos graves... [sic].
Figura 4
Hospital de Sangue Brasileiro em Passo de la Pátria, 17 de julho de 1866.
FONTE: CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai,
1974.
Com relação ao hospital de Corrientes, onde permaneceu a maioria dos
médicos e estudantes baianos, pontua Cerqueira (1974, p. 236), O nosso
hospital em Corrientes fora instalado num saladero,
35
que o primava,
naturalmente, pelo bom odor nem pela limpeza. E havia, ao lado de médicos
“hábeis e caridosos”, alguns que causavam “arrepios”.
Para exemplificar seus comentários, Dionísio Cerqueira tece considerações
sobre o então estudante baiano Artur sar Rios, que o atendeu numa
situação em que ele tinha se ferido e procurava alguém, que lhe transmitisse
segurança, para atendê-lo. Assim Cerqueira narra a passagem com Rios
(1974, p. 236):
35
Saladero - local onde se abatiam os animais.
em Vileta, estava um rapaz de quem fora colega e amigo, o
Artur Rios, ainda estudante de medicina [...]
Saí à procura dele e encontrei-o cheio de caridade, dirigindo
uma enfermaria.
[...] vim pedir-te que me trates [...]
Abraçou-me afetuoso e fiquei. Veio água fanicada muito clara,
numa bacia muito limpa. Os fios eram longos e alvos.
Descobriu-me a ferida; lavou-a cuidadosamente; cortou em
redor o cabelo, de que fiz uma trança [...]
[...] o Artur, depois desse trabalho preliminar, abriu o estojo,
abriu a chaga, cortando à tesoura os pedaços de carne
corrompida; lavou tudo com clorato de potássio, que a princípio
não me doeu, e a ferida ficou enorme, descoberto o crânio num
círculo de oito centímetros de diâmetro. Toda aquela carne
corrompida caiu; o osso ficou limpo como uma caveira de
museu [...]
O Artur tratou-me com inexcedível desvelo e carinho até o mês
de abril, em que me deu alta. [sic]
Ele tamm faz referências a outros dois profissionais, um médico e um
estudante, existentes no hospital de Corrientes. Embora não cite os nomes,
deixa claro, pelo menos em relação ao estudante, que era baiano. Sobre o
primeiro, expõe que era contratado e tinha horror a sua enfermaria, por casos
de moléstias contagiosas que lá apareceram.
Segundo Cerqueira (1974, p.236), todos os dias esse médico chegava à porta,
pedia ao enfermeiro notícias dos doentes e receitava verbalmente: para os do
lado direito, purgantes; para os do lado esquerdo, vomitórios. No dia seguinte,
os do lado direito tomavam vomitórios e os do esquerdo, purgantes; alternando
sempre.
Com relação ao estudante, o depoimento é ainda mais contundente. Segundo
Cerqueira (1974, p.236-237), esse estudante estava de plantão e foi chamado
para atender a um ferido, recolhido ao hospital:
O estudante acercou-se do infeliz, que tinha o ventre aberto e
os intestinos de fora, palpitantes. Deixou o cigarro, cheio de
sarro, na barra ensangüentada; e, sem lavar as os, tentou
debalde reduzir a hérnia rebelde e obstinada. Desanimou,
abrindo uma caixa de amputação, retirando uma faca fina e
enferrujada, agarrando com a mão esquerda o intestino do
ferido, com a direita fazendo menção de cortá-lo. Nesse
momento o cabo enfermeiro interveio dizendo, não, senhor
doutor. A que o estudante respondeu: Então, arranja-te. O
enfermeiro, mais prático que ele, introduziu os intestinos e
coseu o ventre do infeliz.
Por outro lado, interessante é o relato que faz A Gazeta Médica da Bahia em
seu exemplar nº.19, de 10 de abril de 1867, sobre o posicionamento
profissional do médico baiano Luiz Álvares dos Santos, que era professor da
Faculdade de Medicina da Bahia, 1º cirurgião do hospital de Corrientes, e
que chefiou, a partir de 15 de setembro de 1866, aquela unidade médica.
O jornal destaca os atributos do doutor Luis Álvares como sendo uma
referência de conduta e de perfil de todos os médicos baianos que foram
para o conflito. Segundo o periódico, o doutor Luiz Álvares tomou diversas
medidas, que melhoraram a higiene e o atendimento naquele nosocômio.
Dividiu o hospital em 19 enfermarias, de acordo com os tipos de
enfermidades e fechou outras, por não ter a higiene necessária ao
atendimento dos soldados, baixou circulares para os facultativos, com
advertências e representações a alguns farmacêuticos e demitiu enfermeiros
que insistiam em trabalhar mal.
36
Também segundo o periódico, o doutor Luiz Álvares verificava,
pessoalmente, se os medicamentos eram bem preparados, se havia
prontidão em sua aplicação, se os gêneros de que se compunham as dietas
eram de boa qualidade, se estas eram bem preparadas, se havia asseio nas
camas, limpeza e ventilação nas enfermarias e em todas as demais partes
do edifício destinado a elas.
37
Ainda segundo a Gazeta, em relatório enviado ao cirurgião-mor do Exército,
maior autoridade dentro da hierarquia do Serviço de Saúde, referindo-se ao
cemitério existente em Corrientes, próximo ao hospital, ele assim colocou:
para outro ponto chamarei a atenção de V EX. é o cemitério –
sinto dize-lo, mas é verdade dolorosa.
Cadáveres são enterrados em um vasto espaço, não fechado,
um pasto imenso, onde comem a seu gosto cavalos, bois,
animais de toda espécie, pisando, com as patas sujas e
grosseiras, as sepulturas de nossos bravos, que deram a vida
em defesa do Brasil [sic].
38
36
APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 01. Exemplar nº. 19.
37
APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 01. Exemplar nº. 19.
38
Idem, Ibidem.
Segundo o jornal, ele enfatizou ao cirurgião-mor que a condição em que se
encontravam os restos mortais dos combatentes naquele cemitério era muito
prejudicial à imagem do povo brasileiro perante os argentinos. Que ele
lançou para a reflexão do cirurgião-mor algumas perguntas: que espetáculo
dá o Império a essas repúblicas que não o amam, nem o estimam, tratando
assim a seus filhos depois de mortos? Como poderiam essas repúblicas
tumultuosas respeitar o povo brasileiro no futuro, se deixar o Brasil assim
abandonados e desprezados os cadáveres de seus filhos na vizinhança de
uma cidade da república argentina?
39
E ainda, segundo a Gazeta, ele exigiu uma providência para que fosse salva
a honra brasileira, sugerindo que o Império poupasse outras despesas
inúteis, porém que destinasse algum recurso para a construção de um muro
ao redor dos jazigos dos filhos do Brasil, mortos longe da pátria, em defesa
do Império e da honra do Imperador.
40
Visando saber um pouco mais sobre o doutor Luiz Álvares, bebi, mais uma
vez, das fontes cartoriais, examinando os seus testamento e inventário. O
doutor Luiz Álvares permaneceu como professor da Faculdade de Medicina
até a sua morte, em 1886. Além de professor na Faculdade, ensinava no
Liceu, entidade preparatória para o curso superior e era Inspetor de Saúde
Pública do Estado.
39
Idem, Ibidem.
40
APEB. Seção de Microfilmagem. Filme nº. 01. Exemplar nº. 19.
Pelo número de compromissos profissionais, nota-se que ele era um homem
envolvido com a sua profissão e dinâmico. Ao falecer, deixou poucos bens
para serem repartidos entre sua mulher e seus dois filhos. Possuía uma rica
biblioteca, e não constava entre seus bens algum escravo, indicando, a
princípio, alguns pontos para reflexão. Será que ele não era escravocrata?
Será que era simpatizante da causa abolicionista, já que veio a falecer num
período de intensivos embates sociais relativos à abolição? Ou será que
simplesmente não possuía escravos porque as suas atividades profissionais
eram intensas e não deixava espaço para a administração desse tipo de
empreendimento, preferindo utilizar os chamados “escravos de aluguel”, e
não ter esse peso gerencial em seu cotidiano? Infelizmente, as fontes
cartoriais não deram conta de responder a esses questionamentos.
41
Se levarmos em consideração que o periódico reproduziu fielmente as
atitudes, ações e idéias colocadas pelo doutor Luiz Álvares, ele demonstrou
ser um médico preocupado com os seus pacientes, consciente do seu dever
como profissional da saúde, que tem a responsabilidade de oferecer aos
doentes melhores condições para a sua recuperação, e também estar
imbuído de um alto espírito de humanidade.
Sobre o hospital, as medidas por ele tomadas nos levam à reflexão de que
as condições de atendimento aos feridos eram as piores possíveis, tendo
ele, inclusive, de tomar medidas extremas para melhorar essas condições,
onde feridos com diferentes tipos de enfermidades eram atendidos num
41
APEB. Judiciário. Inventário. E 03 Cx. 331 M 692 D 04.
mesmo local, e onde o atendimento de pessoal era da pior qualidade
possível, tendo ele próprio de examinar e fiscalizar, pessoalmente, as
atividades rotineiras a um hospital.
O general Dionísio Cerqueira, ao referir-se ao hospital de Corrientes,
observou que ficava próximo de um “saladero”, e por isso não primava por
boas condições de higiene. Em relação ao perfil do doutor Luis Álvares,
pontuou Cerqueira (1974, p.111):
lembro-me que uma vez foi mandado inspecionar, já perto da
cidade de Corrientes, o nosso hospital ambulante, o ilustre
doutor Luís Álvares dos Santos, professor da Faculdade de
Medicina da Bahia. No relatório que enviou ao chefe, lia-se o
seguinte trecho, portador de acusações gravíssimas: “E nesse
zigue-zague de desculpas, morre o soldado brasileiro, vitima da
incúria do médico e da relaxação do enfermeiro”. O médico
baiano sôbre ser um poeta de altos vôos, era um grande e
compassivo coração. Condoeu-se dos pobres soldados e foi
demasiado severo para com os seus colegas, dos quais a
maior parte bem mereceram da pátria.
Também interessantes foram as observações feitas pelo doutor Luiz Álvares
em relação ao cemitério, pois demonstraram, a princípio, uma falta de zelo e
de consideração do Império, para com os combatentes que ali permaneciam
enterrados, e aos feridos que assistiam àquele descaso. Ainda com relação
aos médicos, vale lembrar que boa parcela dos profissionais que seguiram
da Bahia, trabalharam com o doutor Luiz Álvares naquele hospital.
As fontes nos sugerem concluir que os médicos militares enviados da Bahia
para a guerra seguiram, aparentemente, por força dos regulamentos que os
enquadravam, e a documentação analisada indicou que não havia, pelo
menos de parcela dos médicos militares, uma real vontade de defender o
Império e de participar do conflito.
Revelam-nos também que a mobilização dos médicos civis foi diferenciada,
mesmo em relação aos médicos militares e favoreceu aos seus interesses
profissionais e pecuniários. Indicam-nos que parcela desses profissionais
seguiu para a guerra motivada pelo objetivo de angariar recursos financeiros
necessários para dar às suas famílias uma condição de vida melhor. Outra,
pela intenção de conseguir aposentar-se mais cedo. Outra, por ver na guerra
uma condição futura de projeção junto à sociedade baiana e outra,
provavelmente, por idealismo profissional ou por aventura.
As fontes revelam, ainda, que a contratação desses homens marcou a
participação baiana no conflito e serviu para, de alguma forma, minorar os
sofrimentos daqueles que, voluntariamente ou à força, seguiram para a
guerra e se viram como o então alferes Dionísio Cerqueira e outros
Voluntários da Pátria, necessitados de apoio médico.
A PARTICIPAÇÃO DE MULHERES DA BAHIA NA GUERRA
4.1 A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO CONFLITO
Oficialmente, as mulheres que partiram da província da Bahia para a guerra
seguiram com o objetivo de complementar os efetivos de profissionais da
área de saúde, nos hospitais de campanha. Elas foram contratadas e
empregadas como enfermeiras nos hospitais de sangue do Exército.
Durante o mês de agosto de 1865, mulheres da província se voluntariaram
perante o governo provincial baiano para seguir para a guerra. Elas assim o
fizeram, colocando-se à disposição, através da única forma que imaginavam
poder ser utilizadas em combate, como enfermeiras nos hospitais de
campanha.
Provavelmente, o grande fator motivador para os seus voluntariados tenha sido
a vontade de acompanhar os seus entes queridos que partiam para a guerra,
como filhos, pais, irmãos e maridos. Além disso, a mobilização do primeiro
contingente de médicos e estudantes de medicina e farmácia que se formou
em agosto daquele ano, a fim de seguir para os hospitais do Exército foi
bastante enfatizada por periódicos como a Gazeta Médica da Bahia.
E quantas foram essas mulheres? Qual o perfil dessas voluntárias? Não foram
muitas, que o governo imperial limitou as suas necessidades a 30
profissionais de enfermagem. Durante a pesquisa, localizei seis requerimentos
de mulheres solicitando ao governo provincial a sua ida para a guerra como
enfermeira, cerca de 20% dessas necessidades.
De acordo com esses requerimentos, tratava-se de mulheres originárias de
diferentes locais da província, na capital e no interior, com idades e estados
civis distintos, algumas oriundas de famílias de posses e outras de famílias de
oficiais da Guarda Nacional.
A jovem Anna Eulilia de Alencar Autran, de 21 anos, natural de Pernambuco, e
residente na Bahia, enviou ao governo provincial requerimento onde assim se
expressou:
Não podendo a suplicante em razão de seu sexo prestar
serviços com as armas no campo da batalha entende, contudo,
que não deve eximir-se de vir oferecer-se a V. Exa. para o
serviço dos hospitais de sangue em qualquer ponto que
possam eles ser aproveitados.
1
Através de requerimento pessoal, datado de 2 de agosto de 1865, D. Joanna
Francisca Leal colocou-se à disposição do governo para os serviços, segundo
ela, compatíveis com o seu sexo e com a sua boa vontade. Reconheceu que
na guerra, em que se achava a honra nacional, havia muitos de seus patrícios
feridos e doentes, que precisavam dos cuidados de “hospitaleiras e
enfermeiras”, solicitando ao governo que aceitasse o seu pedido, abonando o
transporte e o que mais fosse necessário para sua subsistência, e que a
destinasse o mais rápido possível.
2
D. Joanna Francisca Leal era solteira, com 25 anos de idade, filha legitima de
Thomas Leal Cardoso, senhor de engenho e homem de muitas posses, que
incluía, em 1867, quando de sua morte: roça, localizada na freguesia do Pilar,
engenho na freguesia de Pirajá, com casas, senzalas, fábrica, muitos animais,
uma grande quantidade de escravos, e uma fazenda arrendada ao doutor
Balthazar Bulcão.
3
A família de D. Francisca era numerosa e, aparentemente, bem estruturada.
Era composta por seus pais e mais cinco irmãos, sendo duas mulheres e três
homens. Possivelmente, para D. Joanna Francisca, além da notícia da
1
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670.
2
Idem, Ibidem.
3
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Livro registro de testamento da capital, nº.
46. p. 102.
formação do contingente de médicos, o seu grande incentivo para se
voluntariar para a guerra foi a partida para o Sul de seu irmão mais velho
Manoel Leal Cardoso, que seguiu em um dos corpos de Voluntários da Pátria.
4
A viúva Maria Pereira de Menezes solicitou ao governo provincial que se
dignasse enviá-la para prestar serviços nos hospitais de campanha. Segundo
ela, desejava prestar algum serviço a seus co-irmãos que se achavam na
guerra do Sul do Império, solicitando ser enviada junto com o primeiro corpo de
Voluntários que seguisse para o Sul.
5
a senhora Maria dos Passos Roiz Campello França teve outro estímulo para
se oferecer. O seu marido, o alferes Francisco Gonçalves Rodrigues França,
após ser ferido em combate, retornou a Salvador, como parte de seu
tratamento. Nesse ínterim, foi agraciado pelo Imperador com a comenda da
Ordem da Rosa, ofertada pelo governo àqueles que prestavam serviços
relevantes ao Império. Após sua recuperação foi novamente enviado para o
Sul, e foi nessa oportunidade que ela endereçou requerimento à presidência da
província oferecendo-se para prestar serviços nos hospitais de campanha.
Segundo D. Maria Roiz, sua oferta tinha como motivo a gratidão pelo fato de o
Imperador ter nomeado o seu marido cavalheiro da Ordem da Rosa, e, para ter
a oportunidade de seguir, junto com ele, para o teatro de operações.
6
Oferecimento marcante fez D. Anna Justina Ferreira Nery, viúva, residente na
cidade de Cachoeira, com 51 anos de idade, oriunda de uma família de oficiais
da Guarda Nacional, que, em 8 de agosto de 1865, solicitou seguir para a
guerra. Para D. Anna Nery, a formação do primeiro contingente de médicos e
4
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Livro registro de testamento da capital, nº.
46. p. 103.
5
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3672.
6
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3671.
estudantes lhe proporcionou uma motivação especial, pois o seu filho Isidoro
Nery estava incluído nessa “leva”.
Em seu requerimento, D. Anna Nery comentou ao presidente da província
sobre os seus anseios:
tendo já marchado para o Exército dois de meus filhos, além de
um irmão e outros parentes, e havendo se oferecido o que me
restava nessa cidade, aluno no ano de medicina, para
também seguir a sorte de seus irmãos e parentes, oferecendo
seus serviços médicos, - como brasileira, não podendo ser
indiferente aos sofrimentos dos meus compatriotas, e, como
mãe, não podendo resistir à separação dos objetos que me são
caros, e por uma tão longa distância, desejava acompanha-los
por toda a parte, mesmo no teatro da guerra, si isso me fosse
permitido... (OTT, 2007, p. 10).
Figura 5
Imagem dos Filhos de D. Anna Nery.
Da esquerda para a direita: Isidoro, Pedro e Justiniano.
FONTE: ARAÚJO, Oséas Moreira de. Notícias sobre a polícia militar da
Bahia no século XIX, 1949.
Existiu uma singularidade a respeito da ida de D. Anna Nery para o
conflito, pelo que indicam as fontes, algo inédito na historiografia referente à
sua ida para a guerra. Logo que souberam da notícia da chegada do
documento, expondo as necessidades do Império, de médicos e enfermeiros,
D. Anna Nery e outras mulheres, imediatamente, se voluntariaram para fazer
parte desse universo de profissionais. Como exemplo, enquanto o
requerimento de Isidoro Nery é datado de 6 de agosto, o de D. Anna Nery é de
8 de agosto.
No documento, o Ministério da Guerra solicitou que fosse contratado o maior
número possível de médicos e, dentro de certas orientações, o número de 30
enfermeiros.
7
Entre as orientações constantes do documento estavam algumas pontuadas
pelo assessor do Ministro da Guerra, Mariano Carlos de Senna Corrêa, que
assim se expressa em relação à contratação de enfermeiros para os hospitais
de campanha:
7
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
no teatro da guerra grande falta de enfermeiros habilitados;
além disto, os que se obtém são tirados do Exército, onde
fazem grande falta. Por estas razões seria de muita utilidade
que se buscassem contratar aqui e na Bahia pessoas
habilitadas, e, sobretudo irmãs de caridade para tal serviço.
Tenho observado que as enfermarias dos hospitais da Bahia
são dirigidas com muito mais regularidade, depois que são
servidas por irmãs de caridade.
8
O ofício do senhor Mariano Corrêa foi escrito na côrte e encaminhado ao
Ministro da Guerra. Em função dessas orientações, o Ministro enviou ao
presidente da província da Bahia o expediente informando das necessidades
que tinha o Exército em operações, mas solicitou que se observassem as
orientações especificadas sobre o assunto pelo seu assessor.
9
Provavelmente, por não conseguir o número de enfermeiros necessários, e
observando as orientações de Mariano Carlos de Senna Corrêa, a presidência
da província tenha resolvido lançar mão, pela primeira vez, das mulheres que
se voluntariaram, e, nesse universo, estava D. Anna Nery. Provavelmente, D.
Anna Nery e as demais mulheres que seguiram da Bahia para a guerra, em
agosto de 1865, foram enviadas por uma falta de opção do governo
provincial em conseguir o número de enfermeiros necessários para atender ao
pedido do Império.
Em resposta, o presidente da província lhe enviou uma carta que, dentre outras
palavras, dizia:
Aceito, pois, tão espontâneo oferecimento, rasgo de patriotismo
e abnegação, e vão ser expedidas ordens ao Conselho
Comandante das Armas, para ser contratada como primeira
8
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
9
Idem, Ibidem.
enfermeira e brevemente seguir para o Rio de Janeiro. (OTT,
2007, p.10).
Contrariando os “rasgos de elogios expostos pelo presidente da província à D.
Anna Nery pelo seu voluntariamento, a urgência para a contratação de
enfermeiros e as orientações do senhor Mariano de Senna Corrêa, e aí está a
coincidência, foram os pontos que, provavelmente, mais pesaram para a sua
ida para a guerra, embora a sua condição de mãe, que pretendia acompanhar
os seus filhos, e a sua condição de pertencimento à família de oficiais da
Guarda Nacional, possivelmente tenham sido aspectos levados em
consideração para que ela fosse a primeira a ser escolhida para seguir, que
outras senhoras enviaram requerimentos se voluntariando antes dela.
A premência de tempo era tal que em apenas cinco dias, D. Anna Nery
consegue enviar o requerimento, obter uma resposta favorável, passar por
exames de saúde e embarcar para o Sul do Império.
Tudo leva a crer que a frase “para ser contratada como primeira enfermeira” foi
colocada no texto da carta-resposta dada pelo presidente da província à D.
Anna Nery, pois a idéia da presidência era de fazer seguir, junto com ela,
outras mulheres para trabalharem nos hospitais de campanha.
Estava satisfeita a sua pretensão, e, em 13 de agosto 1865, D. Anna Nery
zarpou no navio “Princesa de Joinville” em direção ao Paraguai. Ofereceu-se
como voluntária de caridade para emprego nos hospitais de sangue, sendo,
anos mais tarde, considerada precursora da Cruz Vermelha no Brasil, como
primeira enfermeira voluntária. (OTT, 2007, p.10).
A historiografia da guerra é omissa em relação à trajetória de emprego das
mulheres que provavelmente seguiram da Bahia junto com D. Anna Nery, e a
documentação existente sobre o assunto tamm poucas informações nos
revela sobre a participação dessas mulheres nos hospitais.
Na Bahia, durante o século XIX, motivadas por Idéias, sentimentos ou crenças,
mulheres como Maria Quitéria de Jesus, que se vestiu de homem para
combater ao lado dos soldados baianos contra as tropas do general Madeira de
Melo, como D. Anna Nery e as demais mulheres que provavelmente seguiram
voluntariamente para trabalhar nos hospitais de campanha, ultrapassaram o
espaço doméstico, colocando-se ombro a ombro com os homens nas
atividades relativas aos combates.
É possível que a falta de documentação relativa ao emprego de mulheres da
Bahia nos hospitais de campanha tenha a ver com o descaso masculino em
relatar os feitos dessas mulheres no “espaço público de combate”. No caso de
D. Anna Nery, em particular, o relato de seus feitos foi documentado, tendo em
vista que, aparentemente, o seu pendor natural para as atividades relativas à
enfermagem lhe deu uma grande notoriedade.
Porém, segundo argumentou Prado (2004, p.51), concluindo sobre o que os
biógrafos do século XIX fizeram com as mulheres que se destacaram por seus
feitos heróicos nos espaços públicos de combate: “os biógrafos retiraram-nas
do espaço público, onde efetivamente se deu sua atuação política, e
recolheram-nas ao espaço privado, já consagrado como ‘o lugar da mulher”.
Com relação a D. Anna Nery, a historiografia tradicional, que retratou o conflito
ao nível nacional, fez questão de explorar a sua condição de mãe extremosa,
que partiu para a guerra por uma concessão do governo provincial baiano, para
que ela pudesse acompanhar os seus filhos queridos, vindo a receber
posteriormente o título de “mãe dos brasileiros”.
4.2 A PARTICIPAÇÃO INDIRETA NO CONFLITO
A participação de mulheres da Bahia não se limitou ao emprego nos hospitais
de campanha. O envio de enfermeiras foi importante e marcou o apoio da
Bahia aos moribundos da guerra. Porém outras formas de atuação marcaram a
participação de mulheres da província durante o período em que se
desenvolveu o conflito. A confecção de uniformes e de materiais de uso em
enfermarias e hospitais, por exemplo, foram atividades desenvolvidas por
mulheres de diferentes condições sociais, na capital e no interior da província,
e importantes para que as tropas baianas pudessem, dentro da urgência que
era exigida pelo andamento dos combates, seguir em melhores condições.
Com relação à confecção de fardamentos e utensílios para a tropa, as fontes
indicam que o governo provincial se viu obrigado, por força das circunstâncias,
a negociar com mulheres de diferentes locais da província, a execução desses
serviços, e que essa necessidade provavelmente adveio da premência de
tempo e da pouca disponibilidade para encontrar costureiras para a realização
dessas tarefas.
As fontes nos revelaram tamm que comerciantes locais se aproveitaram da
oportunidade para intermediar os serviços dessas mulheres ante o governo
provincial.
Em abril de 1865, ainda no início da mobilização dos corpos que seguiram para
a guerra, o comerciante Malaquias José dos Reis apresentou ao presidente da
província uma relação nominal de mais de dez senhoras que, até aquela data,
já tinham costurado cerca de 300 peças de uniformes, por intermediação de
diversas pessoas. Segundo a relação, apenas uma delas, Fausta Joaquina
Rodrigues Reis, sozinha, tinha costurado 100 peças, no valor de 16 mil réis.
O senhor Malaquias informou ao presidente da província sobre a atuação
dessas senhoras e solicitou do governo que pagasse pelo trabalho dessas
mulheres.
10
Em outra oportunidade, ele solicitou que o presidente da província o
autorizasse a pegar na Tesouraria Provincial recursos a que ele acusou ter
direito, pela intermediação que fez na confecção de outras peças de uniformes
realizadas por senhoras da capital, e deu ciência ao presidente, de um
relatório, exigido pelo próprio governo, sobre o fornecimento de fardamentos e
10
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668. Idem, Ibidem.
utensílios que fez para os corpos de Voluntários da Pátria, de março a julho de
1865.
11
Outro relatório endereçado ao governo provincial, enviado pelo capitão
Felisberto Augusto de Souza, secretário interino da companhia de zuavos,
corroborou a idéia de que o senhor Malaquias era fornecedor de peças e
utensílios de fardamento para as tropas baianas. Segundo o documento, a
companhia recebeu de suas mãos, em março daquele ano, os seguintes itens:
Tabela 14
Relação de itens de fardamento e utensílios recebidos em março de
1865 pela 4ª companhia de zuavos
ITEM QUANTIDADE VALOR
(em mil réis)
Fardas de pano azul 50 345
Calças de pano encarnado 50 240
Coletes de pano verde 50 95
Pares de polainas 50 45
Camisas de algodão 50 75
Calças de brim 50 85
Pares de sapatos 50 185
Barretes de pano 50 45
Bornais 50 45
Blusas de ganzú 60 162
Cordões de 10 -
Livro em branco 01 04
Fardas de pano azul 30 208
Camisas de algodão 30 45
Total 581 1.579
11
Idem, maço 3672.
FONTE: APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do
governo da província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da
guerra do Paraguai. Maço 3668.
Levando em consideração que apenas essa relação de material tinha o custo
total das peças em um conto e 579 mil réis, e que esse fardamento foi entregue
apenas para uma companhia de zuavos, e que a Bahia enviou para o Sul mais
de 14 corpos de Voluntários da Pátria, cada um com oito companhias, e que
esse relatório dizia respeito apenas ao mês de março de 1865, chega-se à
conclusão que a confecção de utensílios e peças de fardamentos para as
tropas baianas foi uma atividade bastante dispendiosa e que, aparentemente,
envolveu grandes somas em dinheiro.
Vários outros documentos encaminhados à presidência da província pelo
senhor Malaquias José dos Reis, requerendo o pagamento pela Tesouraria
Provincial por fardamentos entregues para batalhões e companhias avulsas,
revelam quantias que variavam entre um conto e 513 contos de is,
corroborando essa idéia.
12
Ainda em março de 1865, D. Maria Antonia de Freitas Souza solicitou ao
presidente da província que mandasse alguém pegar no colégio Piedade, em
Salvador, 180 camisas por ela feitas, de 20 peças de algodão a ela entregue
pelo próprio governo.
Também mulheres do Recôncavo baiano negociaram com o governo os
trabalhos de confecção de fardamentos. Em 14 de março de 1865, D. Eulália
Antunes de Alencar da Cruz, da cidade de Nazaré, por exemplo, ofereceu-se
para costurar 100 camisas. Segundo ela, era a maneira como poderia apoiar o
seu país, empenhado na séria luta que travava contra a república do Paraguai,
mas enfatizou que o governo deveria mandar entregar “o que fosse preciso”
12
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3671 e 3672.
para a confecção do material, ao capitão Mauricio Nunes Leal, na própria
cidade de Nazaré.
13
Fica a dúvida sobre a intenção que teve D. Eulália ao enfatizar a expressão “o
que fosse preciso”. Será que o governo deveria fazer entrega de peças de
algodão, necessárias para a confecção dos fardamentos, como o fez para D.
Maria Antonia ou será que ela se referiu aos recursos para a compra de
materiais e para cobrir os custos de sua mão-de-obra? As fontes indicam que,
pelo menos, haveria algum tipo de acerto ou contrato entre as partes.
Caso interessante, e que nos dá um perfeito entendimento sobre as intenções
das senhoras ao negociarem com o governo a confecção de peças de
fardamento, se passou com a família de D. Roza da Trindade e Silva. Em
requerimento datado de 13 de fevereiro de 1865, D. Roza e sua nora, Emília
Roza do Sacramento Guimarães, moradoras à rua do Alvo, nº. 86, freguesia de
Santana, em Salvador, ofereceram-se para costurar 600 camisas para o
Exército ou a Armada.
14
Visando saber qual foi a motivação que as levou a negociarem com o governo
a costura de peças de uniformes, procurei verificar a situação financeira da
família, bebendo” nas fontes cartoriais. As fontes me revelaram que a família
de D. Roza passava, na época, por situação financeira difícil, chegando a
sofrer ação de despejo por parte de D. Emilia Carolina da Rocha, proprietária
da casa onde moravam como inquilinos, por dívidas acumuladas com o aluguel
mensal de 25 mil réis.
15
13
Idem, maço 3668.
14
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3671 e 3672.
15
APEB. Judiciário. Inventário. E25 Cx. 898 D 22 F 13 e E25 Cx. 889 D 10 F
18.
Tudo leva a crer, então, que D. Roza e sua nora visaram conseguir, com a
costura das peças, recursos que permitissem minorar a situação financeira por
que passavam. Provavelmente para as senhoras que se ofereceram para
costurar peças de fardamento, a oferta visou outros interesses que não o de
ajudar o governo na missão de bem fardar os corpos de Voluntários.
Participações significativas tiveram algumas mulheres de famílias abastadas,
através do oferecimento de quantidades de fios, necessários à confecção de
ataduras para utilização nos feridos. As fontes não nos revelaram se esses
oferecimentos se deram por iniciativa própria ou se o governo provincial usou
de algum artifício junto a essa parcela feminina da população baiana
solicitando o apoio.
D. Anna Emilia Paraíso, natural de Salvador, católica, branca e moradora à
Ladeira da Conceição, Distrito de Santo Antonio, ofereceu grande quantidade
de fios, enfatizando que, para não ficar indiferente ao alvoroço nacional na luta
de honra em que se achava o país empenhado, oferecia para que fossem
utilizadas no socorro aos doentes existentes nos hospitais de sangue, porções
de fios, tirados por suas próprias mãos.
16
Assim também o fizeram, dentre
outras, as senhoras Eduwiges Pelagio Alves, Anna Joaquina da Silveira e
Maria Emília Reis Belens.
17
D. Eduwiges Pelagio Alves era filha legítima de Maximiano Marcolino Alves e
de Maria Constança Antunes de Abreu. Residia na rua do Gabriel, distrito de
São Pedro, em Salvador, onde residiam, à época, as pessoas de famílias de
posses; D. Anna Joaquina da Silveira era esposa de Relequias Alves dos
Santos, e residia em São Sebastião, na comarca de Caetité, no sertão da
16
APEB. Judiciário. Inventário. E25 Cx. 898 D 22 F 13 e E25 Cx. 889 D 10 F
18.
17
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos
documentos do governo da província. parte. Série administração.
Correspondência recebida do Ministério da Guerra. Originais. Maço 829 e
Judiciário. Inventário. E6 Cx. 2688 D3.
Bahia. A família possuía muitos bens que incluía casas, fazendas, etc; e D.
Maria Emília Reis Belens era casada com o Comendador Manoel Belens de
Lima, ilustre cidadão da sociedade baiana.
18
As religiosas, professoras do convento de Santa Clara do Desterro, na capital,
tamm participaram dessas atividades, colocando à disposição dos feridos de
guerra, um caixão contendo fios destinados aos hospitais do Exército em
operações.
19
Aparentemente, foram grandes as quantidades de fios oferecidas por essas
senhoras. Para termos noção de quantidade, em 7 de junho de 1865, D. Anna
Theodora Gomes de Farias ofereceu meia arroba
20
de fios de linhas para que
fossem enviados para as ambulâncias do Exército em operações no Sul do
Império.
21
Com relação a essas atividades, o governo Imperial enviou ao presidente da
província um ofício, datado de 6 de agosto de 1866, em que o Ministro da
Guerra orientava o presidente para que, em nome do Império, louvasse e
agradecesse a D. Emília Amália do Valle, por ter oferecido fios para o
tratamento dos doentes nos hospitais do Exército, segundo o governo imperial,
demonstrando com aquele ato, uma prova de humanidade e patriotismo.
22
4.3 O APOIO ÀS FAMÍLIAS DOS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA
18
APEB. Judiciário. Inventário. E5 Cx. 2036 M2507 D 18; E6 Cx. 2705 D5; E1
Cx. 316 M603 D 12; E8 Cx. 3525 D14 e E5 Cx. 2218 M2718 D1.
19
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maços 829.
20
Arroba – Peso de 15 quilos.
21
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
22
Idem, Ibidem.
Artifício encontrado por algumas mulheres para ajudar as famílias dos
Voluntários da Pátria, e ganhar algum dinheiro, foi através do oferecimento
de vagas em seus educandários para a educação de filhas daqueles que
seguiam para o combate. D. Rosalina Joanna de Carvalho Matta, diretora do
Colégio Interno de Educação Primária Nossa Senhora da Palma, em
Salvador, ofereceu, vagas para admissão das filhas de soldados que tinham
seguido ou iriam seguir para o conflito. Ela enfatizou que, para aqueles que
viessem a falecer em combate, suas filhas continuariam a receber a
educação primária, até que se achassem habilitadas.
23
Também seguindo esse raciocínio D. Semiana Rosa da Silva Gomes se
ofereceu como proprietária de uma escola de primeiras letras, localizada à
ladeira do Coqueiro, nº. 39, em Salvador, para ensinar, não a educação
formal, como também todos os trabalhos de agulhas às filhas daqueles que
partiram para a guerra.
24
Algumas senhoras, no afã de conseguirem recursos extras, ofereceram ao
mesmo tempo a sua escola, para apoiar na educação das filhas dos militares, e
tamm seus serviços para realizar trabalhos relativos à confecção de
fardamentos para a tropa. Assim o fez D. Maria Anita de Freitas Silva, diretora
do Colégio Piedade, localizado à rua do Maciel de Baixo, em Salvador, que, em
fevereiro de 1865, ofereceu algumas vagas, como internas, às filhas dos
oficiais que partissem para a guerra, oferecendo-se, ainda, para coser 200
camisas para a tropa.
25
23
Idem, maço 3669.
24
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
25
Idem, Ibidem.
E esse apoio estendido à educação das filhas de Voluntários da Pátria
aparentemente levou a aquisição de recursos significativos às proprietárias de
colégios. Como exemplo, podemos expor o caso vivido pelo capitão Pompílio
Alves de Freitas, do batalhão Pedro II.
O capitão, ao seguir para a guerra, fez pedido ao governo provincial visando
conseguir três vagas para que suas filhas pudessem freqüentar uma entidade
de educação mantida pela Associação de Senhoras de Caridade, em Rio das
Contas. O governo, em contato com a Associação, encaminhou a solicitação
do capitão.
Em resposta, a presidente da Associação, Maria Janaína da Rocha Lima,
responde, em ofício datado de 21 de setembro de 1866, que seria atendido o
pedido, mas que era necessário, como suprimento de fundos para as despesas
com a alimentação das meninas, que fosse deixado pelo capitão uma
procuração, onde a entidade pudesse todos os meses recolher a pensão de 40
mil réis.
Por outro lado, independente de ação do governo provincial, senhoras das
classes populares doaram percentuais de seus ordenados, e mulheres de
posses doaram quantias em dinheiro para a subscrição criada pelo comércio
baiano em apoio às famílias dos Voluntários pobres.
D. Maria José de Barros Vieira Aranha ofereceu percentual dos seus
vencimentos, como preceptora (instrutora) de meninas na vila de Caeti, no
sertão da Bahia, enquanto durasse a guerra, para apoio às famílias dos
Voluntários da Pátria
26
e assim tamm o fez D. Cassiana Joaquina de Sales,
professora pública na cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, segundo
ela, “desejosa de contribuir para o apoio às famílias dos Voluntários”, ofereceu
26
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
para a subscrição capitaneada pelo comércio baiano, o percentual de 5% do
seu ordenado.
27
Em relatório sobre os cidadãos que ofereceram quantias para a guerra,
realizado pelo secretário do governo provincial, em 27 de novembro de 1868,
consta que D. Rosa Maria Ferreira ofereceu ao governo imperial, em 14 de
janeiro, para as despesas da guerra, a quantia de quatro contos de réis, que foi
recolhida à tesouraria da fazenda, e ao governo provincial a quantia de três
contos de réis para as despesas da província em apoio às famílias dos
Voluntários pobres, quantia essa recolhida à junta diretora da Associação
Comercial.
28
Observando o relatório do governo provincial, pude verificar que D. Rosa Maria
Ferreira foi uma das pessoas que mais contribuiu, individualmente, para o
apoio às famílias dos Voluntários. D. Rosa Ferreira era muito rica. Residia à rua
Democrata, próximo ao hospício, na freguesia de São Pedro,
29
em Salvador.
Veio a falecer em 1883. Seu inventário constituiu-se de 276 páginas onde
constou, entre outras providências, a partilha dos seus bens, avaliados em 239
contos, 68 mil e 190 réis, distribuídos entre casas, sobrados, terrenos, roças,
dinheiro em espécie, ouro, jóias, móveis, livros, ações do Banco da Bahia, da
Caixa Econômica, do Banco do Brasil, etc.
30
27
Idem, Ibidem.
28
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
Província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
29
As famílias abastadas, grandes comerciantes, grandes proprietários rurais e alguns liberais
privilegiados habitavam sobrados de vários andares, e as suas famílias ocupavam todos os
pavimentos. As freguesias de São Pedro e da Vitória eram lugares de sua predileção.Kátia de
Queirós Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, 1978.
30
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 829.
Muitas foram as famílias que se socorreram dessa subscrição, em particular
aquelas cujos maridos ou arrimos vieram a falecer em combate. Dentre os
auxílios distribuídos sob a coordenação da Casa de Comércio de Salvador
estão relacionadas senhoras de militares dos mais diversos postos e
graduações: D. Cândida Olímpia Galvão, viúva do tenente coronel José da
Rocha Galvão, organizador do corpo de Voluntários da Pátria, falecido em
maio de 1866, em combate, recebeu 500 mil réis; D. Maria Francisca Gomes,
viúva do capitão Irineu Gentil Gomes, falecido em um dos hospitais de
campanha, recebeu 200 mil réis; D. Josefa Ferreira de Jesus Sales, viúva do
tenente Alexandrino Gonçalves de Sales, recebeu 70 mil réis, D. Maria
Euzébia, viúva do tenente Francisco José Barbosa, do batalhão de
Voluntários da Pátria, recebeu 80 mil réis; D. Maria Cerqueira de São Pedro,
por ter perdido dois filhos, o alferes de cavalaria Pedro Pereira de Magalhães e
o sargento José Pedro da Silva, recebeu 50 mil réis; D. Antonia Doria, mãe do
sargento Antonio Belarmino Ribeiro Sanches, 20 mil réis; D. Maria Cassiana
de Jesus, mãe do Voluntário Romão Bispo de São João, recebeu 25 mil réis; D.
Umbelina Maria da Costa Ramos, viúva, mãe do Voluntário João da Costa
Ramos, recebeu 20 mil réis; e assim segue uma imensa lista de mulheres.
(MATTOS, 1950, p.224-226).
A documentação não apresenta os critérios utilizados para a distribuição dos
auxílios, mas nota-se que receberam maiores somas as viúvas dos oficiais de
maiores patentes, seguidas pelas viúvas dos graduados, e, por fim, viúvas e
mães dos soldados falecidos em combate.
Porém nem todas as senhoras das classes abastadas apoiaram as famílias dos
Voluntários da Pátria. D. Feliciana Maria de Brito Lopes Alves, por exemplo,
protagonizou um episódio curioso. Atendendo ao apelo da Viscondessa de
Tamandaré, feito através do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, para que
as senhoras doassem de suas jóias, ao menos uma pedra, para adornar a
espada do Imperador Pedro II, que iria visitar o teatro de operações no Sul do
Império, demonstrando todo o respeito e a admiração do povo brasileiro pela
sua abnegação em relação à causa da guerra, fez oferecimento ao governo
provincial, da melhor pedra que possuía, da sua melhor pulseira, para que
chegasse às mãos da Viscondessa.
31
Essa jóia deveria ser muito valiosa, pois D. Feliciana Alves era muito rica.
Ela era casada com o Comendador Manoel Joaquim Alves e possuía muitos
bens, herdados do seu primeiro casamento. Veio a falecer em 1882, doze
anos após o término da guerra, deixando para seus herdeiros, muitas casas,
sobrados, terrenos, jóias, escravos e uma verdadeira fortuna em dinheiro.
32
Observando a relação de pessoas que contribuíram com a subscrição
mantida pelo comércio baiano para o apoio às famílias dos Voluntários
pobres, não consta o nome de D. Feliciana Maria de Brito Lopes Alves.
Singular foi o apoio realizado à família dos Voluntários da Pátria pelas artistas
Maria Joaquina da Rocha Lima e Clara Luiza Vianna Bastos Bandeira, que em
maio de 1868, se expressaram em nome dos artistas da Companhia Lyrica que
realizou uma recita em benefício das famílias dos militares pobres, solicitando
ao governo provincial que parte do dinheiro arrecadado fosse entregue à Casa
da Providência, onde 18 meninas precisavam daquele apoio.
De acordo com as artistas, a direção da Casa esperava contar com a
compreensão do presidente da província no socorro e amparo àquelas garotas,
para que pudesse continuar os benefícios que aquelas e outras meninas
pobres eram merecedoras.
33
O pedido foi feito ao presidente da província, pois
o governo passou a realizar o controle das doações, centralizando os recursos
e aplicando-os à sua vontade.
A pesada burocracia do governo imperial fez com que muitas mulheres se
socorressem das subscrições que se estabeleceram pela província, como um
31
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
32
APEB. Judiciário. Inventário. E05 Cx. 2185 M2654 D 27 Fl. 4
33
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
recurso para a sua sobrevivência e de seus filhos. Com a morte de seus
maridos, filhos ou pais, as viúvas” davam entrada, através do governo
provincial, do pedido de pensão ao Imperador, e a que viessem a receber o
benefício, que demorava muito tempo, se viam às voltas com grandes
dificuldades financeiras.
34
D. Maria Rosa do Espírito Santo requereu à presidência da província intervir,
junto ao governo imperial, para que ela passasse a receber pensão pela morte
do seu marido, o tenente de artilharia a pé, Ignácio Ferreira da Silva, falecido
na guerra. Alegou que ficou com duas filhas, e teve ainda um filho que foi para
a guerra com o Corpo de Polícia, vindo também a falecer em combate. Alegou
ainda que ficou sozinha, com a responsabilidade de sustento das suas filhas.
35
Em despacho, o presidente determinou que se informasse ao chefe de polícia
da capital, as circunstâncias por que passava a D. Maria Rosa e oficiou à Caixa
Econômica, onde ficavam os recursos destinados ao apoio às famílias dos
Voluntários, que se fizesse entrega à D. Maria da quantia de 30 mil réis.
36
D. Leopoldina de Freitas, viúva, pobre, possuindo família numerosa, com 12
filhos, entre os quais, uma viúva com três filhos, e privada dos recursos que
lhes poderiam proporcionar seus três filhos de maior idade, por terem seguido
para a guerra com os batalhões da Guarda Nacional, solicitou ao presidente da
província, em 27 de maio de 1865, que encaminhasse seu pedido de pensão a
fim de que pudesse, segundo ela, viver honestamente. Em despacho, o
presidente da província determinou que lhe fosse entregue a quantia de 40 mil
réis.
37
34
Idem, maços 3670, 3671 e 3672.
35
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
36
Idem, Ibidem.
37
Idem, maço 3670.
As quantias oferecidas para essas famílias, pelo governo provincial, foram
ínfimas diante das necessidades e das perdas sofridas.
Foram muitas as mulheres que solicitaram ao governo ou mesmo diretamente
ao Imperador, a pensão a que faziam jus pela morte de seu marido, pai ou
irmão, em combate, ou por moléstia adquirida em operações no Sul do Império.
Mulheres como D. Clara Efigênia Falcão, viúva do Voluntário Feliciano José
Falcão e mãe do Alferes Arnaldo Américo Falcão, que marcharam no batalhão
de Voluntários de Cachoeira, mortos em combate, como D. Joaquina Josefa de
Bittencourt Reis, viúva do capitão do batalhão nº. 40 de Voluntários da Pátria,
João da Silva Reis, também morto em operações. Das senhoras Anna Delfina
da Cunha Barbosa e Maria Leonor da Cunha Barbosa, irmãs do alferes Alonso
da Cunha Barbosa, morto em campanha, ou tamm da infeliz”, Felicidade
Maria dos Santos, mãe de Manoel da Silva, soldado da companhia de
zuavos, sobre o qual pairava a suspeita de estar morto nos campos do Sul,
deixando-a na incerteza e na indigência.
38
Para verificar o quanto foi nociva a burocracia estabelecida pelo Império para
que as pessoas pudessem perceber pensão do governo, vou me valer do caso
relacionado com a trajetória de vida da família do tenente Cornélio Borges de
Barros, que vale a pena ser exposta, pois, possivelmente, tenha sido parecida
com a de muitos dos Voluntários da Pátria que seguiram da Bahia para a
guerra.
O tenente Cornélio enviou requerimento ao governo provincial, em janeiro de
1865, solicitando seguir para a guerra em um dos corpos que estavam em
preparação. Sua proposta foi aceita pela presidência, e ele seguiu para o
conflito naquele mesmo ano.
39
38
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. 2ª parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3670, 3671 e 3672.
39
Idem, maço 3669.
Em trechos do seu requerimento, assim se expressa o tenente:
A circunstancia precária em que atualmente me acho será, sem
dúvida, o motivo julgado motor da resolução que ora tomo.
Certamente não é; porque o honesto meio de vida em que me
ocupo, por outro não achar com maiores garantias para o meu
futuro, chega, de certo, para que eu passe mais ou menos feliz
com minha família; e, por tanto, se vê que somente um motivo
grandioso assaz quer que eu deixe minha mulher e filhas pelos
vaivens de uma guerra! Que eu vá, que eu corra sem demora,
em defesa, em desafronta aos brios da minha Pátria, tão
vilipendiada por um punhado de selvagens e rbaros egoístas
desconhecedores do mais pequenino dever de nacionalidade.
[sic]
40
Analisando o documento, alguns pontos nos chamam a atenção: a disposição
com que ele encarava, ao lado de sua família, a situação financeira difícil por
que passava; a sua vontade incondicional de defender o Brasil e o seu espírito
de cooperação. Mas um ponto sobressai diante de todos esses atributos, o
amor à sua família. E, para o tenente, aparentemente o seu maior sacrifício
perante o Império não era o fato de seguir para defendê-lo em combate, mas a
condição de deixar para trás aqueles que lhes eram tão caros e que lhes
davam tanta felicidade.
E, prosseguindo em sua trajetória, fui encontrar os vestígios de sua ida para a
guerra em uma comunicação do governo provincial, do ano de 1865, onde
constava que ele tinha seguido com o 40º corpo de Voluntários, e um jornal da
cidade de Cachoeira, chamado “A Grinalda”, noticiava que o tenente veio a
falecer em combate, em maio de 1866. Segundo o jornal, o tenente Cornélio
40
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. 2ª parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
deixou viúva, D. Escholastica Christina D’almeida Borges, e duas filhas, Laura
e Cora, ainda pequenas.
41
Em 22 de novembro de 1867, cerca de um ano e meio após a morte do
tenente, D. Escholastica endereçou requerimento ao presidente da província
solicitando que ele interviesse junto ao governo imperial para que fosse
agilizado o seu processo para recebimento de pensão. Ficou ainda por algum
tempo passando por necessidades e aguardando, para passar a receber uma
pensão do Estado no valor de 42 mil réis. Veio a falecer pouco tempo depois,
talvez se ressentindo da ausência do seu ente querido e das privações pelas
quais tinha passado. As filhas, sob orientação de parentes, requereram do
governo imperial a sucessão do percebimento de pensão, sendo o pedido
indeferido.
42
Em relação a esse indeferimento, o jornal faz duras críticas ao governo, assim
se posicionando:
É assim que se paga às filhas órfãs daquele que morreu no
Paraguai, defendendo a Pátria. É assim que se manda em
nome da Lei, que Laura e Cora dêem-se a prostituição...
Senhores do poder, sede mais benignos... Si vós e vossos
afilhados precisais de meios de subsistência, como não
precisarão as inocentes meninas que perderam o único arrimo
que tinham sobre a terra?
43
Em ofício datado de 12 de dezembro de 1868, mais de dois anos após a morte
do tenente Cornélio, o Ministério da Guerra, tendo à frente o Barão de Muritiba,
informou ao presidente da província que as menores Laura e Cora, filhas
41
APEB. Seção Colonial e Provincial. Presidência da província. Militares. Maços 3668 e 3671;
Seção de Microfilmagem. Filme 06. Flash 21. Periódico A Grinalda.
42
APEB. Seção Colonial e Provincial. Presidência da província. Militares. Maços 3668 e 3671;
Seção de Microfilmagem. Filme 06. Flash 21. Periódico A Grinalda.
43
Idem.
legítimas do tenente, tinham direito a pensão deixada por sua mãe, de 42 mil
réis, porém a solicitação feita, de transferência de pensão, seria possível
depois que fosse feito novo requerimento, assinado por pessoa habilitada a
assinar por elas.
44
Em 1870, quatro anos após a morte do tenente, o jornal A Grinalda, noticiava
que Laura e Cora ainda não tinham recebido o benefício.
O caso vivenciado pela família do tenente Cornélio nos leva a algumas
reflexões: valeu a pena para o tenente e para a sua família, a sua tão nobre
disposição para a defesa do Império? O Imrio agiu para com a família do
tenente Cornélio com a mesma consideração que ele teve para com a defesa
dos interesses imperiais? As autoridades imperiais pensaram em como ficariam
as filhas do tenente com a ausência dos seus pais e sem os recursos
necessários para o seu sustento?
Assim como ficaram as filhas do tenente Cornélio, à espera “interminável” de
uma solução que as tirasse da miséria, também ficaram diversas mulheres que
viam, na pensão prometida pelo governo, um possível meio de subsistência.
Nos documentos examinados no Arquivo Público do Estado, constatei a
existência de mais de 50 requerimentos de mulheres solicitando apoio
financeiro do governo por ter perdido os seus entes na guerra.
4.4 AS RELAÇÕES COM OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA
As relações entre as mulheres da Bahia e os homens que seguiram nos
corpos de Voluntários da Pátria foram muito fortes e intensas. Nesse
aspecto, sobressaiu a persistência e o empenho das mulheres na defesa
dos direitos dos filhos, pais e maridos, de não seguirem para uma guerra
que a eles não interessava ou que era contrária aos interesses de
44
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série administração. Correspondência recebida do Ministério da Guerra.
Originais. Maço 831.
sobrevivência de suas famílias. Nesse sentido, as relações entre as
mulheres e os Voluntários foram extremamente sofridas.
Para termos noção da intensidade dessas relações e das dificuldades por que
passaram as mulheres dos Voluntários da Pátria, analisemos o teor de uma
carta escrita em maio de 1866, da cidade de Corrientes, na Argentina, onde o
Exército Brasileiro instalou um hospital de campanha, pelo Voluntário da Pátria
Pedro Emmanuel, cidadão inglês, companheiro da brasileira Leopoldina Maria
da Conceição, que se alistou e seguiu para a guerra incorporado como soldado
no corpo de Voluntários da Pátria, comandado pelo tenente-coronel Jo da
Rocha Galvão.
Em trecho inicial da carta, assim se expressa Pedro Emmanuel:
Corrientes, 28 de maio de 1866.
Senhora Leopoldina
Sua última carta recebi no dia 10 de abril, a que me deu
notícias suas e nossas filhas Marrequinha e Damiana. Eu sinto
muito que V. ainda não tenha recebido os nove mil réis que eu
deixei para V. e meus filhos porque eu tem mandado um
atestado, que V. me tem pedido, de meu Comandante, em que
outra vez foi declarado V. tinha de receber todos os meses do
mês fevereiro a diante, nove mil réis na Tesouraria da Bahia, e
o mesmo atestado foi mandado pelo meu Comandante, para o
Inspetor da Tesouraria para Bahia.
45
Analisando a situação de Pedro Emmanuel, podemos fazer uma comparação
entre as suas motivações para seguir para o conflito e as motivações que
levaram muitos dos baianos a seguir para a guerra. Pedro Emmanuel veio para
o novo mundo, como tantos outros europeus, na esperança de conseguir uma
condição de vida melhor, ou até mesmo enriquecer. Na Bahia, conheceu D.
45
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maços 3668.
Leopoldina Maria, tendo com ela duas filhas. A sua condição de estrangeiro,
pobre, provavelmente não lhe tenha facilitando a vida, pois a disputa por
oportunidades de trabalho com os homens pobres livres não devia ser fácil.
Estourou a guerra, e Pedro Emmanuel viu no desencadear do conflito uma
oportunidade para adquirir algum recurso que pudesse melhorar as condições
de vida de sua família, e uma forma de legitimar, perante a comunidade, a sua
condição de “brasileiro”, indo lutar pelo Império como Voluntário.
Muitos homens que seguiram da Bahia nos corpos de Voluntários da Pátria
tamm tiveram motivações parecidas, pois eram negros ou mestiços pobres e
pretendiam aproveitar a oportunidade para dar às suas famílias uma condição
de vida melhor e legitimar, perante a comunidade e o Estado, a sua situação de
cidadão brasileiro.
Observando a documentação referente a Pedro Emmanuel, pude constatar
que, em 8 de março de 1865, ele registrou em cartório uma procuração em
favor de Leopoldina Maria da Conceição, no valor de nove mil réis, porém nem
o próprio Pedro Emmanuel, pela pouca desenvoltura que possuía com a escrita
do português, soube explicar com clareza o que D. Leopoldina teria que fazer
para passar a receber da Tesouraria Provincial a quantia mensal a ser
descontada do seu soldo, que ele averbou a seu favor.
46
Em outro trecho da carta, Pedro Emmanuel enfatiza à D. Leopoldina Maria que,
ao receber os nove mil réis, lhe informe. Pede que ela envie notícias do amigo
Carlos e lhe deixa a par da sua saúde e de seu companheiro Gustavo.
46
Os militares ao seguirem para a guerra deixavam averbados, perante a tesouraria provincial,
um percentual do seu soldo ou uma quantia específica para ser descontada mensalmente em
favor de uma pessoa designada, através procuração assinada em cartório. APEB. Seção de
Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da província. Maço
3668.
Senhora Leopoldina, eu lhe peço escreve-me quando receber
os nove mil réis, porque eu quero saber se V. recebeu ou não,
e quando escrever, escreve-me todas as coisas que tem
acontecido com Senhor Carlos e com V. Eu e Gustavo somos
até hoje com perfeita saúde como eu espero V. todos ainda
são.
47
A carta foi escrita no momento em que as mulheres, que de algum modo,
estavam ligadas aos Voluntários da Pátria, na Bahia, enfrentavam uma
diversidade de problemas para a sua sobrevivência e de seus filhos. O
documento trata, entre outros assuntos, das relações de família e de
solidariedade, e revela a preocupação daqueles que estavam nas frentes de
combate com os seus familiares. No caso de Pedro Emmanuel, a sua grande
preocupação parecia ser a de que a sua família não passasse necessidades,
pois a idéia de que isso pudesse ocorrer, aparentemente o incomodava
bastante.
No último trecho da carta, assim se expressa Pedro Emmanuel:
Neste combate do dia 24 eu não estava no campo, eu saí do
campo com um Major do meu batalhão no dia 8 de maio, para
Corrientes, porque ele estava doente, já está melhor, e quando
ele ficar bom nós vamos outra vez para o campo do inimigo e
se Deus quiser eu volto para a Bahia outra vez com saúde,
para educar nossos filhos.
Lembranças e um abraço para nossos Filhos, V. Marrequinha e
Damiana.
Lembranças a todos conhecidos.
falei com Senhor Rapozo e ele mandou muitas Lembranças
a V. todos.
47
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
Pedro Emmel.
48
É possível que tenha sido através dos laços de família e de solidariedade que
Voluntários, como Pedro Emmanuel, tenha conseguido forças para enfrentar os
perigos dos combates, na esperança de acabar logo com a guerra, poderem
retornar à Bahia e darem continuidade às suas vidas e às de seus familiares.
É possível, também, que a falta de recursos, oriunda da própria ausência
dos homens, tenha nivelado, na pobreza e na capacidade de encontrar
estratégias para contornar as dificuldades, mulheres que tinham no trabalho
dos soldados da Guarda Nacional, dos recrutados civis, dos oficiais de
baixas patentes do Exército ou da Armada, o seu ponto de sustento.
As dificuldades que constatamos na situação que vivenciaram Pedro
Emmanuel e D. Leopoldina Maria, provavelmente, foram muito parecidas
com aquelas por que passou parcela das famílias dos Voluntários da Pátria,
principalmente daqueles pegos à força, que não tiveram a oportunidade de
deixar um suporte financeiro suficiente para a sobrevivência de seus
familiares, e que tinham dificuldade em se comunicar com seus entes, não
pelo pouco domínio do português, mas por serem analfabetos, ficando nas
mãos das mães, filhas e esposas, a responsabilidade desse papel.
Para essas mulheres, a guerra marcou um período de muito sacrifício e dor.
Sacrifício para conseguir a todo custo manter-se e a seus filhos, sem a
presença do pai, irmão ou marido, e ainda, com a incerteza se contariam ou
não com o seu retorno. Dor pela ausência dos entes queridos e pelas
dificuldades que a própria guerra apresentava para a manutenção dos laços
familiares.
Como imaginarmos as dificuldades por que passou D. Leopoldina Maria? Para
tentar esclarecer essa pergunta, vou me valer do requerimento em que ela
solicitou ao presidente da província, em 14 de setembro de 1866, que
interviesse junto à tesouraria provincial a fim de que passasse a receber a
quantia averbada por seu companheiro. É interessante constatar que a carta de
Pedro Emmanuel foi escrita em maio de 1866, e, somente em setembro
48
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
daquele ano, D. Leopoldina Maria conseguiu endereçar requerimento ao
presidente da província.
49
No requerimento, D. Leopoldina Maria informou ser domiciliada em Salvador, e
estrategicamente recorreu à proteção do presidente para fazer justiça às suas
duas filhas menores de sete anos, Maria e Damiana. Informou que Pedro
Emmanuel, cidadão inglês a serviço do Império na guerra contra o Paraguai,
assentou praça como voluntário no batalhão, comandado pelo tenente
coronel José da Rocha Galvão, falecido em combate. Que ele partiu para o Sul
onde ainda estava servindo na qualidade de soldado, voluntário, que ele era
cidadão inglês e não poderia ser recrutado.
Enfatizou que antes de partir, ele, como pai de suas filhas, passou procuração
dando-lhe poderes para receber, em nome das garotas, a quantia de nove mil
réis, mensal, destinada à alimentação das meninas. Enfatizou tamm que
provava a sua alegação através da procuração passada em cartório a que fez
juntada, e solicitou receber da tesouraria os meses que não tinha recebido até
aquela data.
Salientou que as suas filhas estavam em tal estado de pobreza que
mendigavam esmolas pelas ruas de Salvador, e que ela era muito pobre,
encontrava-se doente e sem recursos nem meio algum de subsistência. Que
pelo conteúdo das cartas escritas pelo seu companheiro, o presidente
constataria a sua preocupação e sua agonia em ver suas filhas naquele estado.
Que isso contrariava as intenções de Pedro Emmanuel, principalmente porque
ele era um estrangeiro que estava prestando rigoroso serviço ao Brasil. E
terminou enfatizando que confiava no discernimento e na justiça do presidente
em atender o seu pedido.
49
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
Província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
As fontes não me revelaram se D. Leopoldina conseguiu receber o que
pleiteou, mas o teor dos documentos referentes ao caso nos indica que ela e
suas filhas passaram por grandes dificuldades.
50
Situação parecida vivenciou Dona Joaquina Pinheiro de Lemos, esposa do
sargento ajudante do 3º batalhão de Voluntários, Licurgo Tito Livio Pinheiro
de Lemos, enviado à guerra como enfermeiro, que conseguiu sensibilizar o
comandante do batalhão a interceder junto ao presidente da província para
que lhe fosse concedida uma ajuda em dinheiro, uma mensalidade, para que
ela e seus cinco filhos pudessem sobreviver à situação de miséria a que
ficou submetida com a partida do seu marido.
51
Dificuldade também enfrentou D. Maria Amália Marques de Souza, viúva do
tenente coronel da Guarda Nacional José Thomas de Souza, do batalhão
“Princesa Leopoldina”, náufrago do vapor Powerfull, que afundou nas costas do
Rio Grande do Sul, que achando-se na miséria, pois seu marido era funcionário
público e pouco tinha deixado para o seu sustento, apelou para os sentimentos
do presidente da província para que se dignasse a ajudá-la, a sua mãe e ao
seu filho menor (que passavam necessidades), com alguma quantia que se
achava recolhida à Tesouraria do governo para o apoio às famílias dos
militares pobres. O presidente determinou que lhe fosse entregue a quantia de
150 mil réis.
52
50
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Guerra do Paraguai. Maço 3668.
51
Idem, Ibidem.
52
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Guerra do Paraguai. Maço 3668.
E não menos complicada foi a situação vivenciada por D. Alexandrina Maria de
Menezes Trinchão, viúva do capitão João Alexandrino Trinchão, que, após
muita persistência, passou a receber a pensão de dez mil réis mensais, relativa
à morte de seu marido, e que vendo o estado de miséria e nudez a que seus
nove filhos estavam submetidos, implorou ao presidente da província que lhe
concedesse o adiantamento de dez mensalidades da pensão, somando 100 mil
réis, para que ela pudesse comprar o que de mais necessário fosse para que
seus filhos pudessem sair daquele estado de pobreza.
53
Foram muitos os casos como os vivenciados por D. Alexandrina, D. Maria
Eulália, D. Leopoldina Maria e D. Joaquina Pinheiro. Para essas mulheres, a
responsabilidade de passar a chefiar as suas famílias foi algo de inusitado e
que certamente exigiu uma grande capacidade de gerir os problemas.
54
Situação singular vivenciou D. Adelina Francisca Pereira da Silva, que tendo
passado pela experiência de ver partir para a guerra dois dos seus irmãos, nos
batalhões de Voluntários, passou a sofrer, também, com a grave moléstia
adquirida por um outro que estava num hospital no Rio de Janeiro. O irmão
doente implorava a sua presença à sua cabeceira, e D. Adelina, numa atitude
de extrema dedicação, se propôs a tudo largar e seguir para a côrte em seu
apoio, porém, sem recursos para seguir até o Rio, implorou ao governo a
concessão de uma passagem num dos vapores que faziam essa linha. O
governo lhe forneceu, então, a passagem solicitada, em um dos vapores
destinados ao transporte das tropas que seguiriam para a côrte.
55
53
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
54
Idem, Ibidem.
55
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3669.
As fontes não me permitiram apurar se D. Adelina conseguiu realizar o seu
intuito de ajudar na recuperação de seu irmão, mas o episódio nos mostra todo
o envolvimento e solidariedade das mulheres em relação à mobilização que
ocorreu na Bahia para o envio dos Voluntários da Pátria.
Também singular foi o caso das “Marias de Cachoeira”. Em requerimento
conjunto ao presidente da província, realizado em abril de 1867, cinco
mulheres de guardas nacionais designados, da cidade de Cachoeira, Maria
Angélica de Jesus, Joanna Maria do Sacramento, Francisca Maria de Salles,
Maria Juliana das Virgens e Maria Leopoldina das Virgens, em solidariedade
aos seus maridos, que estavam designados a seguir para o Sul, e que foram
transferidos de Cachoeira para Salvador, resolveram acompanhá-los, e se
viram em apuros por falta de recursos para voltarem. Sem outras opções,
imploraram ao governo vagas em um dos vapores da Companhia Baiana de
Navegação, que faziam o trajeto Salvador Recôncavo. Em despacho, o
presidente determinou a concessão das ditas passagens.
Prado (2004, p.43), analisando a participação das mulheres da América Latina
no espaço público de combate no culo XIX, enfatiza que quando se fala em
Exército, nesse período, imaginamos sempre homens marchando a ou a
cavalo. Esquecemo-nos de que as mulheres, muitas vezes com filhos,
acompanhavam seus maridos”.
Nesse caso, as fontes indicam que as “Marias” tudo largaram, na tentativa de
se solidarizarem aos seus maridos, acompanhando-os para o combate, porém,
não conseguindo o apoio das autoridades militares baianas, conforme
imaginavam, por isso tendo seguido para a capital apenas com os poucos
recursos que possuíam, obrigaram-se a voltar para Cachoeira. A concessão
feita pelo governo, liberando as passagens de retorno, indica, apenas, que a
intenção com esse ato foi de mandá-las de volta ao espaço privado do lar, de
onde não deveriam ter saído, evitando problemas.
56
Importante foi o posicionamento das mulheres na busca pelo direito de serem
acolhidos, perante o governo, os seus pedidos em defesa de diversas
situações que envolveram os Voluntários da Pátria. Em alguns casos, a
iniciativa e a obstinação de mulheres como as de D. Francisca Romana de
Jesus foi fundamental para que o governo observasse determinadas situações
por que passavam os Voluntários da Pátria, que, impossibilitados de exercer
qualquer atitude, tinham apenas nas suas companheiras (mães, irmãs e
esposas) um meio de reivindicar determinados direitos.
Assim aconteceu com Felix Francisco da Conceição. Acometido por uma
doença tida como muito grave, a tubérculos Pulmonares, se viu adido à
Companhia de Inválidos, julgado incapaz para o serviço do Exército e colocado
em um hospital, junto com doentes comuns. Sua mãe, D. Francisca Romana,
obstinada em tirá-lo do hospital e levá-lo para tratar-se em casa, requereu ao
presidente da província a sua licença e, depois de muito insistir, conseguiu um
laudo do cirurgião-mór de brigada, Antonio José da F. Lessa, informando que
era conveniente que o militar fosse realmente tratado em sua residência, tendo
em vista que a moléstia requeria cuidados especiais de higiene e mudança de
ares.
57
As fontes não me permitiram saber se ela conseguiu a requerida licença, mas
os fatos nos mostram que a sua iniciativa e obstinação foram fundamentais
para que as autoridades pudessem tomar conhecimento do mal que acometia
56
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3671.
57
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Guerra do Paraguai. Maço 3669.
seu filho. Sem a sua intervenção, provavelmente ele viria a falecer no hospital
por falta de um tratamento específico.
Situação parecida vivenciou D. Maria Rosa da Conceição, que solicitou ao
presidente da província, em 11 de novembro de 1865, que seu filho único,
Inocêncio Bispo dos Santos, fosse mandado à inspeção de saúde pela junta
militar da guarnição. Ela alegou que seu filho sofria de “gota” e não tinha
condições de prestar serviços ao Exército. D. Maria da Conceição sabia que
era a única voz que teria o seu filho, que ele dera baixa ao hospital militar e
não tinha a quem apelar.
58
Uma das poucas vezes em que o governo voltou atrás e desincorporou um
militar que seguiria para a guerra foi em relação ao menor Manoel do
Nascimento, que, graças à ação de sua mãe, D. Maria Francisca do
Nascimento, teve o seu destino mudado. Manoel foi pego à força, e se
preparava para seguir com o contingente do batalhão de Ilhéus, no Sul da
Bahia, quando, depois de satisfazer a uma série de exigências documentais
estabelecidas pelo presidente da província, D. Maria conseguiu obter o
despacho do presidente em seu requerimento, que dizia: “com a ordem
expedida foi a suplicante atendida”, e assim, teve o seu filho Manoel, menor de
13 anos, de volta ao seu convívio.
59
A guerra do Paraguai mexeu com a estrutura das famílias das pessoas
enviadas ao conflito, com as comunidades locais de onde foram retiradas e
com o Estado, que se viu envolvido em um conflito inesperado, ficando
sujeito a dependência da população, em particular das classes menos
58
Idem, Ibidem.
59
APEB. Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Inventário dos documentos do governo da
província. parte. Série militares. Correspondências recebidas de voluntários da guerra do
Paraguai. Maço 3668.
favorecidas, para conseguir fazer frente à ameaça que colocava em risco o
próprio Império.
O período em que se desenvolveu a guerra talvez tenha sido o momento na
história da Bahia onde maior número de mulheres tenha exercido, com maior
intensidade, os seus “poderes” em relação à família. A exemplo de D.
Leopoldina Maria, esposa do voluntário Pedro Emmanuel, elas passaram,
pela ausência dos homens, enviados ao conflito, a acumular as figuras de
donas de casa e chefes de família, exercendo, efetivamente, todos os
poderes relativos ao “clã”.
As fontes evidenciam que não houve compromisso das mulheres das
classes menos favorecidas em apoiar o governo provincial na mobilização
dos corpos de Voluntários da Pátria, e que muitas delas, sim, aproveitaram a
oportunidade para conseguir algum recurso, que pudesse melhorar a sua
situação financeira.
Porém, foi por meio do trabalho desenvolvido na confecção de fardamentos
e de utensílios de combate, que o governo conseguiu mobilizar em melhores
condições os homens que seguiram da província para o Sul do Império.
As fontes evidenciam, tamm, que o governo provincial não priorizou a ajuda
às famílias daqueles que foram recrutados e enviados, à força, procurando sim,
cumprir as missões impostas pelo Império, norteando as suas ações no sentido
de mostrar que a província da Bahia comungava com as idéias do Imperador,
porém apoiou com bastante generosidade” as famílias dos oficiais de altas
patentes.
As fontes evidenciam, ainda, que a sociedade civil, tendo à frente comerciantes
e mulheres das classes abastadas, apoiou as famílias dos Voluntários pobres
através de subscrições, e que essa atitude minorou o sofrimento de muitas
famílias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Guerra do Paraguai foi um marco na história do Brasil, e uma página escrita
com muita dor na história da província da Bahia. O conflito mexeu com o
cotidiano de milhares de famílias baianas, da capital e do interior, que
assistiram, comovidas, à partida de seus entes queridos, deixando para os que
ficavam a dolorosa incerteza do retorno.
A província da Bahia teve papel fundamental dentro do planejamento do
governo imperial, como grande fornecedora de homens para complementar os
corpos de Voluntários e combater, em melhores condições, as forças
paraguaias e na contratação de profissionais da área de saúde, em particular
de médicos, para o apoio àqueles que necessitavam de socorro imediato.
As fontes nos revelaram que, em relação à mobilização e ao envio dos corpos
de Voluntários da Pátria, a Bahia, tendo em vista as peculiaridades da
província, foi marcada por um contexto que a tornou um diferencial no Império.
Em relação ao inicio da mobilização colocada a efeito pelo governo imperial
para o envio dos corpos de Voluntários, a historiografia conservadora enfatizou
que todos os militares que compuseram as tropas que saíram da Bahia
estavam contagiados por um espírito de patriotismo, e que foi necessário que o
governo interviesse, “dizendo” que não mais necessitava de voluntários.
Os autores ligados à historiografia tida como revisionista”, enfatizaram que
todos os que seguiram, foram obrigados a incorporar-se às tropas, ou pela
truculência do recrutamento, ou mesmo por força das leis militares que os
enquadravam.
Porém, as fontes nos mostraram que, na Bahia, embora tenha havido certo
número de voluntários no período inicial da mobilização (meses iniciais do ano
de 1865), nos períodos subseqüentes da mobilização baiana, a província
vivenciou momentos de recrutamento nunca visto na história da Bahia.
Segundo nos revelaram as fontes, os corpos de Voluntários eram compostos,
em sua maioria, por civis recrutados e por militares convocados da Guarda
Nacional.
Embora não explorado pela historiografia que retratou o conflito ao nível
nacional, o envio de menores da Bahia para a guerra foi algo que constrangeu
parcela da população diretamente envolvida na mobilização daqueles garotos.
As fontes revelaram que o Exército manteve, aparentemente, uma atitude de
reprovação a essa prática, por entender que aqueles meninos não tinham
capacidade física de suportar as agruras dos combates.
Aspecto bastante enfatizado pela historiografia referente à guerra foi o envio de
escravos nos corpos de Voluntários. As fontes localizadas mostraram que, na
Bahia, contrariando afirmações de autores como Julio José Chiavenatto, de
que a maioria dos homens que seguiram nas tropas brasileiras era constituída
de negros escravos, verifica-se que pequeno foi o percentual de escravos
incorporados, em relação ao número total de homens enviados para a guerra.
Na Bahia, escravos se alistaram como livres e seguiram nas tropas que
partiram para a guerra, em particular nas companhias de zuavos. Essas
companhias se caracterizaram por ser constituídas apenas por negros, pela
boa postura de seus integrantes e pela beleza de seu fardamento.
Contrariando afirmações do historiador Eduardo Silva, que também procurou
retratar o conflito ao nível nacional, tomando como referência o zuavo baiano
Cândido da Fonseca Galvão, retratando-o como um exemplo de militar e de
combatente e enfatizando o seu bom relacionamento com as autoridades
militares do Exército, procurando mostrar que no pós-guerra essas qualidades
e relações favoreceram a criação de uma imagem de líder negro que o
evidenciou no Rio de Janeiro, as fontes localizadas mostraram que o alferes
Cândido Galvão foi expulso das tropas de zuavos por mau comportamento
“habitual” e desordem e que as relações do alferes com o Exército Nacional foi,
no mínimo, conflituosa.
Em relação à mobilização dos médicos, as fontes nos mostraram que tal
atividade se deu por necessidade de complementação dos quadros do serviço
de saúde do Exército e da Armada e que a Bahia foi um diferencial entre as
províncias do Império, no apoio médico necessário aos moribundos da guerra.
As fontes nos revelaram tamm que os médicos militares enviados da Bahia
para a guerra seguiram, aparentemente, por força dos regulamentos que os
enquadravam. A documentação analisada indicou que não havia, pelo menos
por parte de parcela desses profissionais, uma real vontade de defender o
Império e de participar do conflito.
As fontes nos mostraram ainda que a mobilização dos médicos civis foi
diferenciada, mesmo em relação aos médicos militares, e favoreceu os seus
interesses profissionais e pecuniários. Que embora pertencentes a uma elite
intelectual, parcela significativa dos estudantes da Faculdade de Medicina
não tinha origem nobre e não pertencia a famílias de posses.
As fontes ainda nos revelaram que parcela dos médicos civis seguiu para a
guerra motivada pelo objetivo de angariar recursos financeiros necessários
para dar às suas famílias uma condição de vida melhor. Outra, pela intenção
de conseguir aposentar-se mais cedo. Outra, por ver na guerra uma
condição futura de projeção junto à sociedade baiana e, outra,
provavelmente, por idealismo profissional.
Embora tenham incorporado o título de Voluntários da Pátria, os médicos civis
que seguiram da Bahia para a guerra não se enquadram nesse grupamento de
militares, por não terem sido incorporados a esses corpos.
Em relação ao envio de mulheres da Bahia para a guerra, as fontes nos
revelaram que as senhoras que seguiram para o conflito foram contratadas
pelo Ministério da Guerra e, assim como os médicos civis, seguiram numa
situação diferenciada.
Os fatores motivadores para o voluntariado dessas mulheres, possivelmente,
foram à ida para a guerra de seus pais, filhos, maridos ou irmãos e a
mobilização do primeiro contingente de médicos e estudantes de medicina e
farmácia que se formou em agosto de 1865, a fim de seguir para os hospitais
do Exército.
As fontes nos revelaram que existiu todo um imbricamento entre a mobilização
dos médicos, das enfermeiras que seguiram da província para a guerra e dos
Voluntários da Pátria. Como exemplo, podemos citar o caso de D. Ana Nery,
que seguiu como enfermeira e teve dois de seus filhos incorporados como
Voluntários da Pátria e um terceiro como médico do Exército. As fontes nos
revelaram que esse relacionamento ocorreu, corriqueiramente, entre as
diversas classes de pessoas que seguiram nas tropas baianas.
As fontes nos revelaram também que a dificuldade em conseguir enfermeiros
fez com que o governo provincial lançasse mão de mulheres para
complementar o efetivo de profissionais solicitado pelo Ministério da Guerra, e
que essa condição criou oportunidade para que D. Ana Nery e outras senhoras
seguissem para o conflito.
As fontes nos revelaram ainda que a burocracia exigida pelo governo imperial
para a concessão das pensões e vantagens pecuniárias estabelecidas antes
da partida para a guerra aos Voluntários da Pátria foi extremamente frustrante
para as mulheres que permaneceram chefiando suas famílias. Porém,
independente da ação do governo, o apoio financeiro estabelecido pela
sociedade civil organizada, tendo a frente os comerciantes baianos, foi
fundamental para a sobrevivência de muitas famílias.
Pelas peculiaridades apresentadas em relação à mobilização das tropas que
seguiram da Bahia para a guerra, verifica-se que a participação da província na
guerra constituiu-se num diferencial para que o Império pudesse combater em
melhores condições as forças guaranis.
Verifica-se também que muitas informações transmitidas por aqueles
pesquisadores que retrataram o conflito ao nível nacional não espelharam a
realidade vivenciada pela província da Bahia, e que a não observância do
contexto regional baiano, cuja importância foi decisiva dentro dos planos do
Império de combater em igualdade de condições as forças paraguaias,
comprometeu as análises feitas por esses pesquisadores em relação à própria
participação do Brasil na Guerra do Paraguai.
Finalizo esta pesquisa consciente de que muitas questões relativas à
mobilização e ao envio de homens e mulheres da Bahia para a Guerra
deixaram de ser abordadas, por extrapolar os meus objetivos de pesquisa
imediatos. Tenho a consciência também que esse tema é amplo e que muito
ainda para ser explorado. Entendo que a discussão em torno do assunto é
fundamental para a melhor compreensão do que se passou com o Império, em
relação à guerra. Entendo também, que tais discussões devem transcender o
universo acadêmico e ganhar espaço junto às comunidades de interesse e,
com isso, desmitificar esta página da história baiana.
FONTES
1. FONTES MANUSCRITAS
Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB
Seção Colonial e Provincial
Correspondências dirigidas ao Imperador pela presidência da província:
Maço 647
Maço 649
Maço 649-1
Maço 650
Correspondências para o governo Imperial – Registros
Maço 706
Maço 707
Maço 708
Maço 716
Maço 731
Correspondências recebidas dos ministérios imperiais – Originais
Maço 761
Maço 762
Maço 763
Maço 764
Maço 765
Maço 766
Correspondências recebidas do Ministério dos Negócios da Guerra – Originais
Maço 827
Maço 828
Maço 829
Maço 830
Maço 831
Maço 832
Maço 865
Maço 866
Maço 867
Maço 868
Maço 869
Maço 870
Atos do governo da província
Maço 976
Maço 978
Maço 979
Maço 980
Maço 981
Maço 982
Maço 983
Maço 984
Maço 985
Maço 986
Maço 987
Maço 988
Maço 990
Maço 992
Maço 994
Correspondência recebida da Câmara de Salvador
Maço 1407
Comendas e privilégios
Maço 1514 – Ordem de Cristo
Maço 1515 – Ordem da Rosa
Ofícios sobre compra de escravos
Maço 2868
Compra e venda de escravos para a guerra do Paraguai
Maço 2870
Polícia – Minutas de propostas
Maço 2947
Correspondências recebidas dos chefes de polícia
Maço 2965
Maço 2966
Maço 2967
Maço 2968
Maço 2970
Maço 2971
Maço 2972
Maço 2973
Maço 2974
Maço 2975
Maço 2976
Maço 2977
Maço 2978
Maço 2979
Maço 2980
Maço 2981
Maço 2982
Maço 2983
Maço 2984
Maço 2985
Maço 2986
Maço 2887
Maço 2988
Quartel general do comando das armas
Maço 3413
Maço 3414
Maço 3415
Maço 3416
Maço 3417
Maço 3418
Maço 3419
Maço 3420
Maço 3421
Recrutamento
Maço 3490
Maço 3494
Maço 3495
Guarda Nacional
Maço 3605
Maço 3613
Maço 3620
Maço 3621
Maço 3622
Correspondências recebidas de voluntários da guerra do Paraguai
Maço 3668
Maço 3669
Maço 3670
Maço 3671
Maço 3672
Maço 3673
Maço 3674
Maço 3675
Registro de donativos para a guerra do Paraguai
Maço 3675 – 1
Companhia de Sapadores
Maço 3678
Batalhão de Caçadores
Maço 3679
Guia do Império – Série Instrução – Ensino Superior
M aço 4046-1
Polícia Registro de correspondências expedidas para a presidência da
província
Maço 5785
Maço 5790
Outros ( processos crimes, processos cíveis, etc)
Maço 647
Maço 672
Maço 870
Maço 908
Maço 909
Maço 941
Maço 2870
Maço 2876
Maço 2886
Maço 3364
Maço 3422
Maço 3423
Maço 3424
Maço 3494
Maço 3497
Maço 3503
Maço 3504
Maço 3505
Maço 3676
Maço 3682
Maço 3812
Maço 3957
Maço 3958
Maço 5313
Maço 6494
Maço 8037
Arquivo Municipal de Salvador
Atas da Câmara Municipal 1861/1869. N º. 950.
2. FONTES IMPRESSAS
Arquivo Público do Estado da Bahia – APEB
Biblioteca:
Falas, relatórios e mensagens dos presidentes de província, compreendidos
entre os anos de 1864 e 1870.
Ordens do Dia – Guerra do Paraguai – Marques de Souza – 1866 / 1867.
Seção de microfilmagem:
Periódicos:
Gazeta Médica da Bahia
O Abolicionista
Jornais:
O Alabama
Diário de notícias
Jornal da Bahia
A Grinalda – Cachoeira – 1870
O Prenúncio - 1870
Carril - 1870
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB
Livro de Antonio Loureiro de Souza, Baianos ilustres, 1973 – (R0087).
Obra da Academia Brasileira de Medicina Militar A medicina na guerra do
Paraguai, 1972 – (R2972).
Biblioteca Central
Jornal “Brasil Histórico” - 1864
Biblioteca do Colégio Militar do Salvador - CMS
Escola de Comando e Estado Maior do Exército. A história do Brasil as
lutas externas no século XIX os antagonismos platinos H17 Rio de
Janeiro, 1997.
Edição especial do Estado Maior do Exército, História do exército brasileiro:
perfil militar de um povo, Rio de Janeiro, 1972.
REFERÊNCIAS
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Exército do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1870-
1872.
AMARAL, Hermenegildo Braz do. História da Bahia. Do império a república.
Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1923.
ARAÚJO, Oséas Moreira de. Notícias sobre a polícia militar da Bahia no
século XIX (obra aprovada pelo 1º Congresso de História da Bahia) – 1949.
BARIEKMAN, B.J. O contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e
escravidão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
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política. 7ª ed. São Paulo: ANPUH, V.10, 1991.
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______________ Genocídio americano: guerra do Paraguai. São Paulo:
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Mônica Nogueira de Sá.
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