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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
Relíquia e Exemplo, Saudade e Esperança: o SPHAN e a Consagração de Ouro
Preto.
Vanuza Moreira Braga
PROFESSORA ORIENTADORA DR
a
. LÚCIA MARIA LIPPI DE OLIVEIRA
Rio de Janeiro, Agosto de 2010
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
Relíquia e Exemplo, Saudade e Esperança: o SPHAN e a Consagração de Ouro
Preto.
Vanuza Moreira Braga
Rio de Janeiro, Agosto de 2010
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO DR
a
LÚCIA MARIA LIPPI DE OLIVEIRA
VANUZA MOREIRA BRAGA
Relíquia e Exemplo, Saudade e Esperança: o SPHAN e a Consagração de Ouro
Preto.
Dissertação de Curso apresentada ao Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em História, Política e Bens Culturais.
Rio de Janeiro, Agosto de 2010
4
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Braga, Vanuza Moreira
Relíquia e exemplo, saudade e esperança: o SPHAN e a consagração de
Ouro Preto / Vanuza Moreira Braga. - 2010. 132 f.
Dissertação (mestrado) Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História,
Política e Bens Culturais.
Orientadora: Lúcia Maria Lippi de Oliveira.
Inclui bibliografia
.
1. Patrimônio cultural – Proteção – Estudo de casos. 2. Patrimônio
histórico – Estudo de casos. 3. Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Brasil). 4. Ouro Preto (MG) – Vida intelectual. I.
Oliveira, Lúcia Lippi, 1945- . II. Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil. Programa de Pós-Graduação em
História, Política e Bens Culturais. III. Título.
CDD – 363.69
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HSTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
Relíquia e Exemplo, Saudade e Esperança: o SPHAN e a Consagração de Ouro
Preto.
DISSERTAÇÃO DE CURSO APRESENTADA POR VANUZA MOREIRA BRAGA
_____________________EM 31/08/2010 PELA BANCA EXAMINADORA
PROFESSOR A ORIENTADOR DR
a
. LÚCIA MARIA LIPPI DE OLIVEIRA
PROFESSORA DR
a
HELENA MARIA BOMENY GARCHET
PROFESSORA DR
a
MARCIA REGINA CHUVA
PROFESSORA DR
a
LUCIANA QUILLET HEYMA
NN
(SUPLENTE)
6
Agradecimentos
A Jonas Marçal de Queiroz e Fábio Faria Mendes, meus eternos professores, minha
profunda gratidão por tudo que me ensinaram, pela amizade, confiança e estímulo constantes.
A Cristina Seabra de Miranda, Antero Reis e Cássio Sales por terem me apresentado a
“Dr. Rodrigo” e “Dr. Sylvio” e pelo aprendizado na Casa Setecentista.
A Luciana Quillet Heymann e Monique Sochaczewski, pelo apoio quando cheguei ao
Rio, minha enorme gratidão.
Aos colegas de curso, Aline Portilho, Cintia Carli, Raimundo Hélio, Wolney Malafaia,
Lucina Matos, Renato Fernandes, Mauro Amoroso, Vitor Chagas e Andrea Ribeiro, que entre
tantos, me ajudaram a suportar a solidão no Rio.
Aos meus grandes amigos, Weder Ferreira da Silva, Letícia Camargos, Luana Cunha e
Juliana Mendonça, que me acompanham há muitos anos e cuja amizade me alegra tanto.
Sou grata também aos professores Mario Grynspan, Angela de Castro Gomes e Paulo
Fontes pelas sugestões oferecidas durante as disciplinas do curso.
A João Marcelo Maia e Helena Bomeny, por me abrirem as portas do Laboratório de
Estudos Brasileiros, além da amizade e confiança.
Aos queridos amigos que conheci no CPDOC, Roberto Souza Leão, Fernanda
Monteiro, Carolina Reginato, Angélica Coutinho, Alan Carneiro e Juliana Gagliardi.
Obrigada pela amizade e companheirismo.
De forma especial, agradeço a Maro Lara Martins, a pessoa que mais acompanhou esse
trabalho, lendo, fazendo críticas e sugestões e me apresentando leituras sempre proveitosas.
A Renato Franco, Daniela Cândido e Marieta Ferreira, pelo convívio, generosidade e
paciência.
À equipe do Arquivo Central do IPHAN, em especial Hilário Pereira Filho,
funcionário que deixaria Dr. Rodrigo orgulhoso pelo empenho e compromisso com que
realiza seu trabalho.
De forma especial agradeço às professoras, Helena Bomeny e Márcia Chuva que
deram valiosas sugestões durante o exame de qualificação e aceitaram avaliar esse trabalho.
Agradeço-lhes profundamente e desculpo-me por não ter conseguido realizar o que planejava.
7
com na garganta, gostaria de agradecer profundamente à minha “queridíssima”
orientadora Lúcia Lippi de Oliveira, que se dispôs a me guiar ao longo dessa jornada, com
excepcional dedicação, paciência e generosidade. Gostaria de ter talento o suficiente para
traduzir em palavras minha admiração.
A minha mãe e irmãos pelo apoio constante.
Por último e de forma especial, agradeço a meu pai, Antônio de Pádua Paiva Braga (in
memorian), cuja lembrança de sua doçura aquece meu coração cheio de saudades. “Saudade
de suas mãos grandes, segurando as minhas ainda pequenas a caminho da escola”. Obrigada
pelos anos que passou comigo, iluminado minha vida.
8
Nada no Brasil se compara a Ouro Preto e, pode-se mesmo dizer que,
concentrada a visão no período da civilização ocidental em que ela se
insere, nenhuma cidade do mundo oferece valores tão representativos
da criatividade cultural da época, tomada indistintamente no seu
conjunto de artes plásticas, poesias, música, urbanismo e ideias
políticas. Ouro Preto é hoje tradição venerável porque foi a seu tempo,
ímpeto, invento e renovação. Da Colônia ao Império à República, a
vida ouro-pretana é uma fonte perene de história, de arte, de
pensamento. Por isto, ela é relíquia e exemplo, saudade e esperança.
Quem sabe o que é Ouro Preto não pode duvidar do Brasil.
(Afonso Arinos, 1980)
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia
(Fernando Pessoa/Alberto Caeiro,1911)
9
SUMÁRIO
I
NTRODUÇÃO
..................................................................................................................11
C
APÍTULO
1
-
R
ELÍQUIA E
E
SPERANÇA
:
O
URO
P
RETO E AS
P
OLÍTICAS DE
P
RESERVAÇÃO
NO
B
RASIL
......................................................................................................................18
1.1 - Introdução.........................................................................................................................18
1.2 -Dialética entre o cosmo e o régio: Afonso Arinos e a
Valorização da Cultura Mineira ...............................................................................................22
1.3 - O Modernismo Mineiro e o Patrimônio............................................................................25
1.4 - Mudança da Capital, Crise e Conciliação no Estado: A Sacralização de Ouro Preto.......26
1.5 – Intelectuais em Ouro Preto e as descobertas do Brasil....................................................31
1.5.1 -Olavo Bilac e a Conversão ao nacional.........................................................................32
1.5.2 - Alceu Amoroso Lima e as Vozes de Minas....................................................................36
1.5.3. Mário de Andrade pela Primeira Vez em Minas.............................................................37
1.5.4 - Os eternos bandeirantes: a viagem de “descoberta do Brasil” em 1924.......................39
1.5.5 - Afonso Arinos e o Roteiro Lírico de Ouro Preto...........................................................45
1.6 – Conclusões.......................................................................................................................48
C
APÍTULO
2
-
O
S HERDEIROS DA
T
RADIÇÃO
:
R
ODRIGO
M
ELO
F
RANCO DE
A
NDRADE
E
S
YLVIO DE
V
ASCONCELLOS
...................................................................
2.1 - Rodrigo Melo Franco de Andrade: “o herói silencioso” ..................................................51
2.1.1- Entre o Direito e o jornalismo ........................................................................................53
2.1.2- O início da vida pública: “Servidor público nº 1 do Brasil”...........................................54
2.1.3 - No Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.............................................57
2.1.4 -Tese de família? A querela em torno de Aleijadinho .....................................................59
2.1.5 - A mediação entre Cultura e Política ..............................................................................64
2.1.6 - A Trilogia dos heróis mineiros: Tiradentes, Aleijadinho e Rodrigo ..............................67
2.2 - Sylvio de Vasconcellos : Síntese de Rodrigo e Lúcio Costa.............................................68
2.2.1 – Diogo de Vasconcellos: o artífice da memória.............................. ...........................69
2.2.2 – A Formação de Sylvio de Vasconcellos...................................................................71
10
2.2.3 - A Escola de Arquitetura de Belo Horizonte...................................................................71
2.2. 4 - Sylvio de Vasconcellos e a Arquitetura Colonial Mineira ...........................................75
C
APÍTULO
3
-
O
SPHAN
E A DEFESA DE
O
URO
P
RETO
3.1 – Introdução .......................................................................................................................82
3.2 - A Inspetoria de Monumentos Nacionais ..........................................................................83
3.3 - A Construção do Grande Hotel de Ouro Preto .................................................................89
3.4 - A SPHAN em Minas - A formação do 3º Distrito ............................................................90
3.5- A Campanha em benefício de Ouro Preto (1949-1950).....................................................94
3.6 - A Atuação do SPHAN em Ouro Preto (1936-1954)........................................................98
3.7 - As comemorações do 250º de Ouro Preto: “A jóia do Brasil”......................................100
C
ONCLUSÃO
.................................................................................................................117
B
IBLIOGRAFIA E
F
ONTES
.............................................................................................121
11
INTRODUÇÃO
Em primeiro lugar, gostaria de ressaltar que a inspiração para essa pesquisa partiu da
minha experiência de trabalho na Casa Setecentista de Mariana, entre 2006 e 2008, órgão que
abriga o escritório técnico do IPHAN e o arquivo histórico referente aos Cartórios do e
ofícios de Mariana, reunindo documentação do período entre 1713 a 1920.
Durante esse período, estive diretamente envolvida em dois projetos
1
que tiveram
como finalidade principal a conservação, organização e disponibilização em meio digital da
série de inventários post-morten, sob guarda desse arquivo. Além de nossas atividades,
auxiliamos a equipe da Casa Setecentista a organizar o seu próprio acervo institucional, que
vinha se constituindo desde 1948, quando a DPHAN comprou a casa situada no número sete
da Rua Direita para abrigar o arquivo, que mais tarde viria acolher o escritório técnico.
Em meio a essa documentação encontramos algumas cartas do diretor geral da
Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN)
2
, Rodrigo Melo Franco de
Andrade, sobre a reunião e organização da documentação que veio a compor o acervo. Nesse
sentido, foi fundamental o contato com o funcionário Cássio Salles que trabalhou no
“Patrimônio” desde 1964 e me apresentou através de suas lembranças as figuras de Dr.
Rodrigo e Dr. Sylvio
3
, até então quase desconhecidos para mim. Além dele, o convívio
constante com os demais funcionários daquela instituição fez com que nascesse uma profunda
admiração e curiosidade em relação a esses dois homens que conforme, inúmeros
depoimentos, foram responsáveis pela proteção e valorização do acervo mineiro, tornando-se
referência para as sucessivas gerações de dirigentes e funcionários dessa instituição, não
em Minas, mas em todo o Brasil.
1
Esses projetos foram frutos de um proveitoso convênio realizado entre a Universidade Federal de Viçosa e o
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN e foram subsidiados pela Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais/FAPEMIG.
2
O atual IPHAN teve diversas denominações ao longo de sua história institucional. A primeira delas foi Serviço
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, conforme a lei 378, de 13/01/1937. A partir de 1946 o antigo
SPHAN foi transformado em Diretoria, DPHAN, sob o governo Dutra, pelo decreto-lei 8534, de
21/01/1946. Este decreto estabeleceu que, além da sede na Capital federal, haveria quatro distritos de atuação do
órgão, sediados, respectivamente, em Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. A Diretoria foi assim
reconhecida até o ano de 1970, quando passou a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. (SORGINE, 2008:9)
3
Rodrigo Melo Franco de Andrade e Sylvio de Vasconcellos.
12
Foi a partir dessa experiência que resolvi no final de 2008, submeter ao CDPOC/FGV
um projeto para elaboração de uma dissertação de mestrado. Desconhecendo a dimensão do
tema e o volume da documentação existente, pretendia neste primeiro projeto, analisar toda a
gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade diante do SPHAN/DPHAN, que compreendia o
período de 1937 a 1967.
À medida que fui adquirindo conhecimento sobre o tema, me defrontei com a
inviabilidade da proposta, dentro dos limites de uma dissertação. Resolvi me ater ao caso
específico de Minas Gerais, pela diferenciação da atuação do Serviço em relação a esse
Estado. Contudo, percebi também que mesmo uma análise que contemplasse a atuação do
Serviço de Patrimônio histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em Minas Gerias, seria
também complicada, em função do número de cidades e monumentos tombados no estado.
Inúmeros e valiosos trabalhos tem se debruçado sobre a atuação do Serviço de
Patrimônio no Brasil, desde sua instituição em 1937 até os dias atuais. O interesse e fascínio
cada vez maior que essa instituição tem exercido sobre os pesquisadores estão ligados, a meu
ver, a três pontos principais. O primeiro diz respeito ao crescente interesse pela compreensão
de como se formou em um país de dimensões continentais e abissais disparidades econômicas
e culturais, uma identidade que foi capaz de oferecer, embora com muitas ressalvas, um
sentido de passado comum a sua população, conseguido, sobretudo, a partir da mobilização de
seus elementos históricos. O segundo ponto é relativo ao reconhecimento unânime em relação
ao monumental trabalho que os integrantes dessa instituição foram capazes de realizar em
poucas décadas, em condições orçamentárias precárias e contextos políticos instáveis. Por
último, atribuo parte desse interesse à capacidade que o “patrimônio" teve, enquanto
instituição de aglutinar em seus quadros a mais fina flor de nossa intelectualidade.
Figuras da envergadura de Rodrigo Melo Franco de Andrade, Lúcio Costa, Carlos
Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Manoel Bandeira, Alcides da Rocha Miranda, Mário
de Andrade, Gilberto Freyre, Renato Soeiro, Luis Saia, Afonso Arinos de Melo Franco, Sérgio
Buarque de Hollanda, Sylvio de Vasconcelos, Portinari, entre tantos, estiveram entre seus
principais colaboradores e foram responsáveis por produzir interpretações sobre o Brasil, a
partir do estudo profundo de nossas manifestações artísticas e estéticas.
4
Alguns desses
homens abriram mão de projetos individuais de sucesso em detrimento de um projeto
4
Sobre os Modernistas na Repartição, Ver: CAVALCANTI, 2000.
13
institucional homérico: salvar do completo desaparecimento um acervo artístico e histórico
que a seus olhos, nos redimiria do fracasso e poderia nos elevar ao patamar das nações
civilizadas.
Todavia, tendo em vista o volume de documentação disponível e as inúmeras
possibilidades de pesquisas, boa parte dessas análises sobre a atuação do Serviço de
Patrimônio em nosso país tem se concentrado numa abordagem que prioriza o topo, isto é, os
principais dirigentes e mentores da instituição, dos quais podemos destacar as atuações de
Rodrigo Melo Franco de Andrade, Renato Soeiro, Lúcio Costa e por último Aloísio de
Magalhães, sem, contudo, termos maior conhecimento de seu funcionamento nos estados. A
própria instituição vem há alguns anos realizando trabalhos sobre sua trajetória institucional e
tem cada vez mais investido na exploração de seu acervo, não como forma de
autoconhecimento, mas também na tentativa de animar os pesquisadores a fazê-lo, publicando
documentos, favorecendo o acesso de diversas formas e produzindo pesquisas pontuais sobre
a atuação do órgão.
Nesse sentido, nos interessamos também nesta primeira investida, em lançar um olhar
para um ponto mais específico e investigar como esse órgão atuou em Ouro Preto, cidade que
se tornou paradigma e laboratório de experiências da instituição ao longo de sua história.
Identificada a importância que essa instituição, criada para salvaguardar o patrimônio
histórico e artístico, teve na construção de uma narrativa histórica sobre o Brasil, portanto
oferecendo bases para a formação de nossa identidade nacional, alguns trabalhos
proporcionaram contribuições importantes para que outros pesquisadores trilhassem esse
caminho e pudessem se amparar.
5
O ponto comum que se ressalta é a ideia de que a partir de
um trabalho de memória eficiente, o SPHAN recortou no passado elementos que
fundamentavam a “tão procurada” especificidade do caso brasileiro com o intuito de produzir
uma interpretação do Brasil, no sentido de elevá-lo ao concerto das nações civilizadas.
Os recortes temporais e tipos de abordagem variam. Silvana Rubino, em As Fachadas
da História, analisou o SPHAN priorizando o recorte temporal de 1937-1967, intervalo que
ficou conhecido como “fase heróica” e no qual Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à
frente da instituição. Sua tese nos brindou com um amplo levantamento sobre as ações do
5
MOTA (1987) RUBINO (1991), OLIVEIRA (2008), CHUVA (2009), GONÇALVES (1996), FONSECA
(1999), SANTOS (1992), entre outros.
14
Patrimônio no Brasil, oferecendo, como a própria autora definiu “um mapa do passado
nacional”, uma vez que foi possível demonstrar através do levantamento dos tombamentos,
Estado a Estado, como essa instituição recortou no passado os elementos constitutivos de uma
identidade nacional que lhes dizia respeito, elegendo o século XVIII em Minas Gerais, como
matriz mais importante da nossa civilização.
Márcia Chuva, em Os arquitetos da Memória, optou por fugir da abordagem mais
usual que prioriza a “fase heróica” e deteve sua análise sobre a atuação do SPHAN no período
que compreendeu o regime político chamado de Estado Novo, de 1937-1945. Para realizar sua
análise, a autora parte dos conceitos de Estado e Sociedade Civil, formulados por Antônio
Gramsci. Sua tese de doutorado, agora publicada em livro, representa um exaustivo trabalho
sobre as diversas esferas de atuação do SPHAN. A autora analisa os principais dirigentes da
instituição e suas posições políticas e ideológicas, a ação nos Estados, a Revista do
Patrimônio e seus autores, o conselho consultivo, seus participantes e atribuições, além de
diversos outros aspectos, visando compreender o processo de construção da memória
brasileira realizada por essa instituição, sintetizada na metáfora arquitetos da memória.
José Reginaldo Gonçalves, em A Retórica da Perda, analisou e comparou os
discursos sobre o patrimônio no Brasil produzidos por Rodrigo Melo Franco e Aloísio
Magalhães identificando o principal componente presente nestes textos ou nestas falas: a
permanência da alusão ao perigo de perda e desaparecimento dos principais vestígios
materiais de nossa civilização, sobre o qual esses discursos se fundaram. A formulação de
Gonçalves nos ajudou profundamente a pensar como o mesmo processo aconteceu em relação
a Ouro Preto, quando perde a posição de capital e fica relegada ao abandono, reinventando-se
a partir da noção de perda.
Mariza Veloso Santos, em sua tese Tecidos da Memória, analisa o surgimento da noção
de patrimônio e das práticas sociais consolidadas a partir desta ideia, no período
compreendido entre 1920 a 1970. O foco da análise se volta para um grupo de intelectuais
ligados de diferentes modos ao movimento modernista e que teria sido o principal articulador
dessas ideias a partir da década de 1920, conseguindo na década seguinte instituir no país um
Serviço de Patrimônio para defender e preservar nosso acervo histórico e cultural. Esse grupo
formaria a partir de 1937, o que a autora muito bem definiu como a “Academia SPHAN”.
15
A história dessa instituição começa em 1936 quando Gustavo Capanema, Ministro da
Educação e Saúde Pública, pede a Mário de Andrade que elabore o anteprojeto para criação de
um serviço que teria como principal objetivo proteger o patrimônio histórico e artístico do
país. Ainda nesse ano esse Serviço começa a funcionar em caráter experimental sob a direção
do jornalista e escritor Rodrigo de Melo Franco de Andrade, convidado por Gustavo
Capanema para o cargo.
A data de batismo oficial da instituição é 13 de janeiro de 1937 quando é promulgada a
lei 378, que nova organização ao Ministério da Educação e Saúde Pública e oficializa a
criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN e do seu conselho
consultivo. Com o golpe de Estado ocorrido em 10 de novembro deste ano o congresso é
dissolvido e a tramitação da lei de proteção ao patrimônio interrompida. Em 30 de novembro
é expedido o famoso decreto-lei 25, que organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico brasileiro.
6
Considerando que a cidade de Ouro Preto sempre se destacou no que tange a atenção
do “Patrimônio” resolvemos investigar o que levou essa cidade, em detrimento das demais
cidades coloniais espalhadas pelo Brasil e mesmo em Minas Gerais, a receber uma atenção
demasiadamente privilegiada por parte da instituição que tinha como competência
salvaguardar o patrimônio histórico e artístico brasileiro.
Nesse sentido, procuramos analisar as intervenções do SPHAN na cidade de Ouro
Preto, à luz da atuação de seus dois dirigentes em âmbito nacional e estadual, Rodrigo Melo
Franco de Andrade e Sylvio de Vasconcellos.
No primeiro capítulo, “Relíquia e Esperança: Ouro Preto e as Políticas de Preservação
no Brasil,” pretendemos discutir em que medida a antiga capital de Minas - vista como
relíquia maior da nação brasileira foi, não somente beneficiada com as ações do SPHAN
Patrimônio, mas, sobretudo, serviu como fonte de inspiração a diversos intelectuais e políticos
na formulação das ideias de preservação no Brasil. Para isso, regressamos ao final do século
XIX, momento em que acontece a transferência da capital de Minas para Belo Horizonte e os
historiadores e políticos locais começam a reinventar a cidade a partir de seu passado
histórico.
6
REVISTA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL nº 22, 1978 . Resumo Cronológico,
p.34. Rio de Janeiro: SPHAN/Fundação Nacional Pró-Memória.
16
Todos os trabalhos a que tive acesso e que trataram dessa questão apontaram como
uma das primeiras manifestações sobre a preocupação com a preservação de Ouro Preto, o
artigo “Pelo Passado nacional”, publicado por Alceu Amoroso Lima na Revista do Brasil em
1916. E posteriormente, a viagem dos modernistas paulistas em 1924. No segundo caso, a
viagem dos paulistas foi tida como o momento crucial do nascimento da preocupação com a
preservação das cidades históricas.
Neste sentido, tentamos apontar como estas questões estavam postas e que a
preocupação com sua proteção e reconhecimento partiu dos próprios mineiros que começaram
a concretizar um profundo trabalho de memória a partir do momento dos debates sobre a
transferência da capital.
No segundo capítulo: “os herdeiros da tradição”, elegemos as figuras de Rodrigo Melo
franco de Andrade e Sylvio de Vasconcellos. Abordamos alguns aspectos das trajetórias
individuais e da formação intelectual, no sentido de entender as semelhanças entre ambos na
relação filial e compromisso com a antiga capital de Minas, estabelecendo uma relação de
suas atuações com o papel que tiveram seus antepassados na defesa da velha cidade.
No terceiro e último capítulo, “O SPHAN e a defesa de Ouro Preto”, realizamos uma
análise sobre a atuação do SPHAN/DPHAN desde sua criação em 1937, conjeturando sobre
algumas das intervenções de restauração e preservação realizadas na cidade, focando nas
figuras de seus dirigentes. Se nos demais estados a tarefa primordial de um distrito era
elaborar inventários com os bens de valor histórico e artístico que poderiam ser tombados, em
Minas, de onde partiu o interesse em preservar os bens culturais, procede-se de imediato o
tombamento das principais cidades e a criação do Museu da Inconfidência com o objetivo de
recuperar e consagrar a memória dos eventos ocorridos no final do século do XVIII.
Ambos, Rodrigo e Sylvio, eram de famílias originárias de Ouro Preto, tinham sólida
formação em história da arte e assumiram papéis que permitiram que a antiga capital,
“vencida e subjugada”, na expressão de Diogo de Vasconcellos, pudesse figurar como a “jóia
do Brasil”, lugar para onde todos os brasileiros deviam olhar com reverência.
Em 1980, Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio
Cultural da Humanidade, concedido pela UNESCO
7
. A justificativa para seu reconhecimento
pautava-se na concepção de que a cidade era um dos mais expressivos conjuntos urbanos de
7
Organização das Nações Unidas para a Ciência, Cultura e Educação.
17
arte barroca do mundo. Para homenagear a “cidade eterna dos mineiros”, um de seus maiores
defensores, Afonso Arinos de Melo Franco, escreveu Saudação a Ouro Preto, no Jornal do
Brasil, no qual prestava sua reverência à cidade.
“Sucessivamente Arraial, Vila, Cidade Imperial, Capital republicana,
Monumento Nacional e agora, Monumento Mundial, Ouro Preto representa a
vitória do engenho contra o meio geográfico, bem como a criatividade do
espírito dominando as resistências do meio social.”(Arinos, 1980)
18
Capítulo I
Relíquia e esperança: Ouro Preto e as Políticas de Preservação do Patrimônio
no Brasil
Para essa elite o mundo revolucionário não está no futuro, mas no passado.
O presente é o caos, a nostalgia é o início da ordem. (Carlos Monsivas, 1976)
1.1 - Introdução
Nostalgia para ordenar o caos do presente e Plano para neutralizar o medo do
futuro”. Assim o argentino Adrian Gorelik definiu o nascimento da cultura de vanguarda
arquitetônica na década de 1930 na América Latina. Centrando sua análise no México,
Argentina e Brasil, Gorelik analisa como, nos anos de 1930, o Estado, promotor privilegiado
desses dois impulsos contraditórios, torna-se ator fundamental na renovação vanguardista
nesses países. A questão central é: “como falar de vanguarda se a principal tarefa que essa
elite se auto-atribui foi a construção de uma tradição?” (GORELIK, 2005: 16)
Valemo-nos dessa pergunta para pensar como a geração responsável pela renovação
arquitetônica e intelectual brasileiras dos anos de 1920 e 1930, concentrados no Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico nacional a partir de 1937, foi capaz de construir narrativas
históricas que dessem sustentação à formação de nossa identidade nacional. Estabelecendo um
elo entre o século XVIII e o século XX, num projeto que priorizava, em primeiro plano, a
tradição política e as manifestações artísticas realizadas em Minas Gerais como símbolo mais
genuíno de uma expressão original e autônoma, esse projeto visava nos redimir da condição
de outsiders no concerto das nações civilizadas e abrir a perspectiva de um futuro passível de
ser redesenhado.
O SPHAN foi criado pela lei 378, de 13 de janeiro de 1937, e regulamentado
pelo decreto-lei 25, de 30 de novembro do mesmo ano, com a finalidade de identificar,
documentar, fiscalizar, preservar e promover o patrimônio cultural brasileiro. Em última
análise, podemos afirmar que sua criação é fruto de demandas de longo prazo pela
preservação dos bens de valor histórico e artístico brasileiros, mas que ganharam visibilidade
19
a partir dos anos de 1920 com o fortalecimento das questões de cunho nacionalista.
8
As narrativas sobre sua criação remontam ao movimento modernista de 1922 e à figura
de Mário de Andrade, redator do anteprojeto que lhe daria origem. Não resta dúvida de que
Mário de Andrade foi um dos mais influentes intelectuais dos anos 1920 e que seu notável
empenho no estudo, reconhecimento, valorização e divulgação da cultura brasileira o coloca,
não sem justiça, no panteão dos grandes construtores da nação. Além disso, sua trajetória,
marcada por uma imensa generosidade intelectual registrada por praticamente todos que
tiveram algum contato com ele o transformou em uma espécie de herói dos intelectuais
brasileiros.
Nesse sentido, qualquer tentativa de repensar os desdobramentos do modernismo em
eventos posteriores, em geral, e na criação do SPHAN em 1937, em particular, torna-se tarefa
muito delicada. É inegável que o movimento modernista de 1922 desempenhou larga
influência sobre os intelectuais ligados ao “Patrimônio” a partir de 1937. Juntamente a esse
fato, a força da figura de Mário de Andrade, associada à tese, reproduzida com eficiência
durante décadas, do papel central de São Paulo na construção do Brasil desde os bandeirantes,
consolidou interpretações que vêem na Semana de Arte Moderna de 1922, e na Viagem dos
Paulistas a Minas em 1924, os momentos cruciais para o surgimento de uma nova consciência
cultural brasileira. Consciência que, entre outras coisas, inaugura a preocupação com a
preservação do patrimônio histórico e artístico.
Essa versão amplamente difundida, principalmente por seus protagonistas, teria criado
um marco zero, apagando tudo o que aconteceu Brasil afora desde a virada do século,
inclusive eventos que poderiam figurar como antecedentes desse movimento. Autores e
acontecimentos fundamentais na compreensão do processo de conhecimento do Brasil e de
sua cultura, fundamentais à formação da nação, foram, assim, esquecidos.
O próprio Mário de Andrade foi autor de um depoimento que fortaleceu
inequivocamente essa versão. Em 1942, por ocasião das comemorações dos 20 anos da
realização da Semana de Arte Moderna, Mário proferiu no Itamaraty, a convite da Casa do
Estudante do Brasil, a conferência O movimento modernista no Brasil. Nela, o autor de
8
Para um aprofundamento deste assunto, sugiro a leitura de A Questão Nacional na Primeira República (1990)
de Lúcia Lippi. A autora analisa as principais versões sobre a nação no Brasil através do pensamento de alguns
intelectuais da Primeira República, apresentando uma gama variada de referências para o entendimento da
questão nacional.
20
Macunaíma assegura o papel central de Paulo Prado
9
e da cidade de São Paulo para o
acontecimento da Semana. “É mesmo uma figura como ele e uma cidade grande, mas
provinciana, como São Paulo poderiam fazer o movimento modernista e objetivá-lo na
Semana”. Na parte inicial da conferência, Mário se dedica a explicar o porquê da Semana ter
acontecido em São Paulo, descartando a possibilidade de o evento ter acontecido no Rio de
Janeiro, a “corte”. Segundo ele, o Rio não era lugar para o modernismo, que este, “no
Brasil, foi uma ruptura, um abandono de princípios e técnicas conseqüentes, foi uma revolta
contra o que era a Inteligência Nacional”. (ANDRADE, 1974 apud BERRIEL, 2000: 81). A
ruptura era claramente com a Academia Brasileira de Letras e, no campo das Artes plásticas,
com a Escola Nacional de Belas Artes. Rompendo com as academias da corte, as modas
passam a ser “importadas diretamente da Europa”, sem intermediação carioca. Mário
prossegue: “socialmente falando, o Modernismo só podia mesmo ser importado por São Paulo
e arrebentar na província. Afinal, São Paulo era espiritualmente muito mais moderna fruto
necessário da economia do café e do industrialismo conseqüente. São Paulo estava ao mesmo
tempo, pela sua atualidade comercial e sua industrialização, em contato mais espiritual e mais
técnico com a atualidade do mundo.” (ANDRADE, 1974 apud BERRIEL, 2000: 82-83).
Mais recentemente, ampliados os campos de visão graças ao distanciamento no tempo,
tem-se chamado a atenção para a importância de se repensar os limites do modernismo de
1922 e buscar outros caminhos, que obviamente não excluem São Paulo, para pensar em
como se instalaram as ideias, ditas modernas, entre nós.
Francisco Foot Hardman, em Antigos Modernistas (1992), analisa o movimento de
intelectuais anteriores a 1922, fundamental no processo de mudança de nossa mentalidade e
de nossos valores estéticos. Quanto à maior bandeira que os modernistas da década de 1920
requereram para si, o autor afirma: “entre projeções futuristas e revalorizações do passado,
escritores do Brasil na passagem do século tentavam fazer o que o modernismo depois
adotaria como programa: ‘redescobrir o Brasil’”.
10
(HARDMAN, 1992: 289)
9
Paulo Prado foi muito influenciado pelas ideias do historiador português Oliveira Martins, que, imbuído pela
noção de raça, considerava a superioridade paulista sobre os demais povos do Brasil. Afirmava: “De São Paulo
pôde sair a raça que faz o Brasil”. (OLIVEIRA MARTINS, 1881 apud BERRIEL, 2000: 57) Trata-se, segundo
Berriel, da tese que tanto cresceria nas décadas subsequentes, de que o Brasil foi obra dos paulistas.
10
Marlyse Meyer, em texto intitulado Um eterno retorno: as descobertas do Brasil, discute a recorrência da ideia
de descoberta do Brasil na cultura brasileira e refaz sua trajetória desde a carta de Pero Vaz de Caminha,
passando pelos letrados da Colônia, a autora chega à independência, onde multiplicam-se as “descobertas”
21
Esboçando uma crítica mais incisiva, afirma Hardman:
Assim como os sentidos de modernidade têm sido, com bastante freqüência,
reduzidos a esquemas ideológicos desenvolvimentistas do estado brasileiro pó-30, os
sentidos de modernismo, como tendência geral, foram também homogeneizados a
partir de valores, temas e linguagens do grupo de intelectuais e artistas que fizeram a
semana de arte moderna, em São Paulo, no ano de 1922. Boa parte da crítica e das
histórias culturais e literárias produzidas, desde então, construíram modelos de
interpretação, periodizaram, releram o passado cultural do país, enfim, com as lentes
do movimento de 1922. Atados em demasia à noção de “vanguarda” (vanguardas
estéticas, vanguardas revolucionárias, vanguardas do pensamento nacional ou
consciência do nacional-popular), tais esquemas, em flagrante anacronismo,
ocultaram processos culturais relevantes que se gestavam na sociedade brasileira, a
rigor, desde a primeira metade do século XIX. (HARDMAN, 1992: 289)
O esforço interpretativo de Hardman é fundamental para o ponto que desejamos tocar.
Como sabemos, durante muitos anos foi lugar comum atribuir ao modernismo de 1922 o
marco da fundação das ideias modernas no país.
11
Contudo, estudos mais recentes têm
compartilhado com Hardman a forma de pensar 1922 no Brasil como uma confluência de
ideias, que vinham sendo esboçadas na dinâmica social. Para o autor, os “sinais de
modernidade” estavam presentes em várias cidades e capitais brasileiras, desde a virada do
século XIX para o XX.
Assim como Hardman (1992), outros autores como Bomeny (1992), Dias (1971),
Gomes (1993) e Velloso (1996), Viana (2007), Sevcenko (1992) e Oliveira (2006), citando
apenas alguns, têm contribuído para um esforço de reconstituição de outras memórias sobre o
modernismo brasileiro, trazendo à tona os movimentos modernistas nos estados e
apresentando autores e obras que foram fundamentais para formação de um caráter nacional
letradas do Brasil, agora jovem nação em busca de identidade própria. Retomando o lugar do português no
primeiro século, do estrangeiro abrindo os olhos para um novo mundo, chegam maciçamente os viajantes,
antepassados dos brasilianistas. A autora destaca então a importância de Fernand Denis, que descobre o Brasil a
partir da modernidade procuradora do exotismo americano do romantismo francês . Ele tenta transmitir sua visão
redefinidora daquilo que para os brasileiros é o cotidiano. Exorta-os a redescobrir sua terra, para construir a nova
literatura nacional. Em Paris, continua a autora, jovens brasileiros lançam no mesmo ano de 1836 a Revista
Nictheroy e regressam todos à pátria para agir, escrever e descrever a nova nação. Destaca o indianismo de
Gonçalves Dias, que viaja pelo país e participa da Comissão Científica de Exploração de 1856, de iniciativa do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que investe no conhecimento do Brasil. A Autora cita ainda Silvio
Romero, Euclides da Cunha, entre outros, que com suas obras ajudaram a desvendar o Brasil, achegar aos
modernistas dos anos 20 e às viagens de descoberta. (MEYER, 1993: 19-46)
11
Essa abordagem que trata a Semana de Arte Moderna de 1922 como uma ruptura e, portanto, carro chefe do
modernismo brasileiro, foi produzida pelos próprios protagonistas do movimento e reiterada pela crítica literária
especializada. Wilson Martins, no artigo A crítica modernista, inserido no livro A Literatura no Brasil,
organizado por Afrânio Coutinho, afirma que o modernismo, entre 1922 e 1928, foi um movimento
exclusivamente paulista, e tão paulista que suscitou modernismos hostis no Rio de Janeiro e no Nordeste.
(MARTINS, apud REIS, 1998:.113).
22
nas letras e na cultura brasileira em geral. Nesse sentido, vejamos um pouco da obra do
escritor Afonso Arinos de Melo Franco (1868-1916) e suas relações com a agenda dos
intelectuais dos anos de 1920.
1.2 – Dialética entre o cosmo e o régio: Afonso Arinos e a Valorização da Cultura
Mineira
[...] o mineiro, mesmo na grande capital, guarda sempre em
si qualquer coisa de arraial (A. Arinos)
Arinos foi um dos escritores mais importantes de sua geração, e em suas obras
destacou em tom de manifesto a valorização da cultura popular, a preservação do passado e a
preocupação com a unidade da Pátria. Portanto, com a formação da nação no Brasil.
Oriundo de uma das mais tradicionais famílias mineiras da época, os Mello Franco,
Arinos nasceu em Paracatu em 1868. Desde pequeno conheceu várias regiões do Brasil
acompanhando o pai que era juiz de direito, fato que seria determinante em sua obra de
escritor regionalista. Cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde foi
contemporâneo de Paulo Prado, de quem mais tarde se tornaria cunhado, ao casar-se com
Antonieta Prado.
Formou-se no final do ano de 1889, às vésperas da proclamação da república, a que
assistiu com desalento, pela crença no regime monárquico. Voltando a Minas, fixou residência
em Ouro Preto, onde atuou como advogado, professor de História do Ginásio Mineiro e ainda
colaborou com Afonso Pena na criação da Faculdade de Direito de Minas, da qual tornou-se
professor, assim como seu pai Virgílio e seu irmão Afrânio de Mello Franco. Participou
também, juntamente com Diogo de Vasconcellos, Xavier da Veiga e outros, da criação do
Arquivo Público Mineiro, cujo papel na fundação de uma narrativa histórica sobre Minas
Gerais foi seminal para a criação de um sentimento de unidade para o Estado.
Durante sua estadia em Ouro Preto, realizou viagens pelo sertão mineiro coletando
causos e cantigas populares, e escreveu os contos que seriam reunidos e publicados sob o
título de Pelo Sertão em 1898, livro que o consagraria como escritor sertanista.
12
A convite de
12
Entre suas principais obras estão Pelo Sertão (1898), Os Jagunços (1898), A Unidade da tria (1900),
Lendas e Tradições brasileiras (1917), O Mestre de Campo (1918), Histórias e Passagens (1921). As três
23
Eduardo Prado, Arinos mudou-se para São Paulo com a missão de dirigir O Comércio de São
Paulo, jornal de orientação monarquista. Acompanhou atentamente o episódio de Canudos ao
longo de 1897 e publicou, em forma de folhetim, partes do romance Os Jagunços, lançado na
íntegra em 1898, com o pseudônimo de Olívio de Barros, e antecedendo portanto em quatro
anos a publicação de Os Sertões de Euclides da Cunha.
13
Em 1900 publica o livro Unidade da Pátria, no qual tenta resolver a questão da
diversidade brasileira. “O Brasil está de tal modo regionalizado que, para as províncias não
ficarem absolutamente estranhas umas às outras, é preciso um grande esforço no sentido de
fortificar-se a unidade moral da pátria.” (ARINOS, 1969, apud VIANA, 2007: 55). Para
Arinos a mistura dessa imensa trama de diversidade cultural é que daria cimento para a
formação da nação. Esse intento do autor de Pelo Sertão nos soa muito familiar às investidas
de Mário de Andrade nos anos 1920, viajando, compilando, descrevendo, analisando a cultura
brasileira, buscando a liga que faria do vasto território um país com cultura autônoma.
Depois de São Paulo, Arinos passa uma temporada no Rio e, desiludido com o regime
republicano, muda-se definitivamente para Paris. Mesmo morando na Europa, viaja
assiduamente ao Brasil, e em todas as oportunidades faz incursões ao sertão mineiro, que
tanto retratou em seus livros. Numa dessas temporadas no Brasil, em 1914, profere a palestra
A unidade da Pátria, em Belo Horizonte. Tristão de Athayde, que analisa a obra de Arinos,
chama a atenção para a contradição latente nesse autor, no que diz respeito ao conflito entre o
“cosmo” e o “régio”, que, segundo ele, seria não só o drama de Arinos, mas de toda a
nacionalidade brasileira (Athayde, 1922 apud Viana, 2007: 53). O próprio Arinos afirmava
“que o mineiro, mesmo na grande capital, guarda sempre em si qualquer coisa de arraial”.
(ARINOS apud CAVALCANTI: 2006: 86)
O interesse na preservação da tradição mineira é um dos pontos fundamentais de sua
obra. Vejamos a fala da personagem “Velhinha” num trecho de seus contos:
Nessa nossa terra, onde as tradições tão depressa se apagam, tão cedo se esquecem
as velhas usanças, o encontro muito raro de algum objeto antigo tem para mim cousa
de delicado e comovente. veis ou telas, papéis ou vestuários, na sua fisionomia
esmaecida, no seu todo de dó, eles me falam no sentido como uma música longínqua
e maviosa, onde se contam longas histórias de amor, ou se referem dramas pungentes
de não sabidas lutas e misérias. (ARINOS, 1898 apud BOSI, 1994: 85)
últimas publicadas postumamente.
13
Um valioso estudo que confronta os livros Os Jagunços de Afonso Arinos e Os Sertões de Euclides da Cunha
pode ser encontrado em GALVÃO, Walnice. Sacos de Gatos. São Paulo: Duas Cidades, 1976.
24
A morte prematura, e a força com a qual a intelectualidade dos anos de 1920 marcou
sua presença no pensamento social brasileiro como precursores de uma nova mentalidade,
fizeram com que a obra e importância intelectual de Arinos, entre outros intelectuais, ficassem
esquecidas. Recentemente, importantes autores têm recuperado sua presença na cena
intelectual do início do século e a influência que desempenhou sobre nomes importantes da
nossa literatura, bem como a antecipação de aspectos importantes da cultura modernista, que
iria se tornar hegemônica a partir dos anos de 1920.
Walnice Galvão, em Mínima Mímica: Ensaios sobre Guimarães Rosa (2008), avalia a
influência de Afonso Arinos em três nomes consagrados na literatura brasileira: Euclides da
Cunha, Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Valendo-nos da análise da autora, nos deteremos
na relação entre a obra de Mário de Andrade e Afonso Arinos.
Entre janeiro e dezembro de 1915, Afonso Arinos proferiu um ciclo de conferências na
Sociedade de Cultura Artística de São Paulo sobre as Lendas e tradições brasileiras. Na
conferência de encerramento, Arinos tratou das festas tradicionais, ilustradas por grupos
genuínos trazidos do interior, que dançaram e cantaram temas do cateretê, reisados, pastoris,
ranchos de reis, chegança, bumba-meu-boi, marujada, congada para a elite paulista. Mário de
Andrade, um dos membros fundadores da Sociedade de Cultura Artística de São Paulo,
acompanhou as palestras e, como fazia com todos os espetáculos que assistia, guardou os
programas.
14
Conforme a autora, as conferências tinham um tom ativista, e já no primeiro dia
Arinos conclamava os expectadores a tomarem consciência do tesouro que o populário
representava e que exigia investigação e resgate. Isso em 1915, sete anos antes da realização
da Semana. (GALVÃO, 2008:289). Galvão afirma que, embora Mário não mencione a
possível influência que as conferências de 1915 tenham desempenhado em sua formação,
aguçando seu interesse pela cultura popular, isso é patente em sua obra e em sua trajetória
intelectual.
Em O Mistério do Samba (2007), Hermano Viana chama a atenção para um dado
desconhecido da trajetória de Arinos, a ligação muito próxima que manteve com os músicos
populares no Rio de Janeiro, entre eles, Donga e Pixinguinha, antes mesmo de fazerem
sucesso com o conjunto Os Oito Batutas. Donga revelaria em depoimento que, no início dos
anos 1910, o autor de Pelo Sertão, à época presidente da Academia Brasileira de Letras, tinha
14
A autora pôde constatar na consulta a seus arquivos no IEB-USP.
25
tanto apreço por eles que os convidava para audições em sua residência na Praia de Botafogo
e em sua fazenda, no Tombadouro, onde Catulo da Paixão Cearense compôs a canção Capim
mais mimoso o veado comeu. Conforme Viana, essa interação com a música popular é um
aspecto pouco explorado da biografia de Afonso Arinos, que mesmo seus principais biógrafos
não mencionaram.
15
(VIANA, 2007: 71).
O Interesse de Arinos pela música popular o levou a escrever em 1905, na Revista
Kosmos, o artigo intitulado A Musica popular.
16
Seu sobrinho Afonso Arinos, em um livro de
1937,
17
conta-nos também que se deve a Afonso Arinos a coleta e a compilação através da
tradição oral mineira a lenda de Chico-Rei,
18
o escravo que era rei no Congo e, transportado
para Vila Rica, compra sua alforria e torna-se dono da mina da Encardideira.
Além das recorrentes viagens ao sertão mineiro, David Mattos nos conta, em O
Espetáculo da Cultura Paulista, que, em 1916, Afonso Arinos fez também uma viagem ao
nordeste, onde colheu vasto material folclórico, do qual resultou a peça Reizada, encenada no
Teatro Municipal em São Paulo no mesmo ano. Nessa peça, Catulo da Paixão teria cantado
pela primeira vez sua canção mais famosa, Luar do Sertão. Nessa época Arinos já tinha pronta
a peça O Contratador de Diamantes, e pretendia encená-la no mesmo ano, mas morreu em
Barcelona, em sua última viagem à Europa. A peça foi encenada três anos mais tarde, por
iniciativa de sua viúva Antonieta Prado Mello Franco, que dirigiu pessoalmente a montagem
(MATTOS, 2002:84). O impacto dessa peça junto à elite paulista, e seus desdobramentos no
fortalecimento das questões nacionalistas
19
, veremos mais adiante.
1.3 - O Modernismo Mineiro e o Patrimônio
Sobre o movimento modernista em Minas Gerais, conforme mostraram Fernando
Correia Dias (1971) e Helena Bomeny (1992), a Semana de Arte Moderna não representou
15
As biografias mencionadas são as de Tristão de Athayde (1922), Antônio de Oliveira Mello (1961) e a
introdução de suas Obras Completas escrita por seu sobrinho Afonso Arinos de Mello Franco (1969).
16
Revista KOSMOS, ano 2, n. 4, abril 1905.
17
Roteiro Lírico de Ouro Preto, 1937
18
Sobre a lenda de Chico Rei, ver o verbete Chico Rei no Dicionário da Escravidão negra no Brasil de Clovis
Moura.
19
Sobre os mitos regionalistas fundadores da nação, consultar o artigo “As raízes da Ordem”, de Lúcia Lippi de
Oliveira, 1980.
26
influência imediata.
20
Carlos Drummond de Andrade alegaria que eles tiveram notícia da
Semana tempos depois. Os escritores mineiros desenvolviam outra vertente do moderno,
ligado a valores mais universais, e que teve como maior representante o ilustre poeta de
Itabira. A partir do encontro dos dois grupos, modernistas mineiros e paulistas em 1924, cria-
se uma fértil interlocução, principalmente entre Mário de Andrade e Carlos Drummond.
21
Esses intelectuais ligados ao movimento modernista mineiro da década de 1920 se
reuniriam, a partir de 1934, em torno do Ministro Gustavo Capanema, formando o que Helena
Bomeny chamou de a constelação Capanema. Seriam responsáveis por implantar e conduzir
políticas pioneiras nas áreas de educação e cultura, como é o caso do SPHAN (BOMENY,
2001). Por esta razão, para entender como foram formulados os discursos em torno da
mineiridade
22
que tanto influenciaram esses intelectuais e, por conseguinte, os
desdobramentos do modernismo mineiro sobre as políticas de preservação no Brasil,
voltaremos aos anos de 1890, em Minas Gerais, e nos concentraremos sobre os
acontecimentos que envolveram a transferência da capital do estado.
1.4 - Mudança da Capital, Crise e Conciliação no Estado: A Sacralização de Ouro Preto
“Ouro Preto, por exemplo, já é por si só um grande museu”
(Cesário Alvim, 1894)
A mudança da capital de Minas Gerais,
23
no século XIX, representa um dos momentos
mais paradigmáticos na constituição do que seria a identidade mineira. Seja no sentido de
modernizar o estado e mostrar a crença na ciência e inevitabilidade do progresso ideias-
força para a República recém criada seja no sentido de recuperar todo o passado histórico e
construir uma narrativa que desse sentido de unidade ao vasto território e utilizá-lo a seu favor
no jogo político nacional.
As pressões para sua mudança surgem a partir de 1890 e têm na imprensa o principal
20
Sobre o modernismo no Rio de Janeiro, ver: VELLOSO (1996) e GOMES (1993).
21
Sobre o contato entre modernistas mineiros e paulistas, ver: ANDRADE & ANDRADE, 1982.
22
Vários trabalhos se dedicaram ao estudo desse conjunto de valores que ficou conhecido como mineiridade em
diferentes abordagens: AMOROSO LIMA (1945); VASCONCELLOS (1968); DULCI (1984); ARRUDA (1990)
E BOMENY (1994).
23
Para um entendimento mais aprofundado sobre a mudança da Capital de Minas Gerais, ver: RESENDE (1974),
BOMENY (1994). VISCARDI (1995), BANDEIRA DE MELLO (1996).
27
palco de debates. O principal porta-voz da campanha pela mudança foi o jornal O Pharol de
Juiz de Fora, enquanto a oposição ficou por conta de O Jornal de Minas, de Ouro Preto, de
propriedade de Diogo de Vasconcelos, historiador e político assumidamente monarquista.
(VISCARDI, 2007: 30). Conforme Cláudia Viscardi, a disputa se tornou cada vez mais
ferrenha e Ouro Preto chegou a ameaçar partir para a luta armada contra ‘os sindicatos de Juiz
de Fora”, que por sua vez, através de seus políticos, ameaçou separar a cidade de Minas,
juntando-se ao Rio de Janeiro ou ao Espírito Santo, garantindo acesso ao mar, desafiando
Ouro Preto a viver às próprias custas e não apenas do dinheiro do café produzido na zona da
mata. (VISCARDI, 2007: 31)
A disputa sintetizava os conflitos políticos que assolavam o estado, no qual grupos
políticos da zona da mata e sul, sentindo-se alijados do poder representado por Ouro Preto,
reivindicavam a mudança com fins de esvaziar o poder concentrado no centro do estado.
Dividindo as Minas em “minas do ouro” e “minas da terra”, José Murilo de Carvalho analisa
como, à medida que o século XIX avançava, o café se expandia pelo Sul de Minas e Zona da
Mata, acentuando o caráter rural dos mineiros. O domínio das “Minas da terra” consolida-se
após a proclamação da República, e o poder político das “Minas do Ouro” diminui
significativamente. (CARVALHO, 2005:61-62).
Em pesquisa recente
24
, em que pretendeu investigar o processo de construção de Ouro
Preto como cidade histórica, Caion Meneguello Natal empreendeu um levantamento
minucioso na imprensa mineira da época dos embates em torno da transferência da capital
mineira, e nos anos posteriores. Suas pesquisas confirmam como esse momento foi seminal
no processo de consagração de Ouro Preto como relíquia
25
da nação, e revela que, a despeito
do que se difundiu a cidade barroca, antiga Vila Rica, permaneceu sob o foco de políticos e
intelectuais mineiros após a transferência, e que estes não se empenharam em recuperar e
valorizar sua importância histórica e artística, como clamaram por sua preservação, mesmo
antes da perda do status da Capital.
No mesmo ano em que se inicia a construção da nova capital de Minas, o governador
24
NATAL (2007)
25
Para K. Pomian, as relíquias ou seja, os objetos que se crê que tenham estado em contacto com um deus ou
com um herói, ou que se pense que sejam vestígios de qualquer grande acontecimento do passado mítico ou
simplesmente longínquo [...]. Ver: POMIAN, K. “Coleção”. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa
Nacional/ Casa da Moeda, 1984, p.59
28
do estado de Minas Cesário Alvim, fundador e diretor do Jornal Opinião Mineira lamenta a
destruição da cidade e critica a modernização das cidades brasileiras.
[...] E a cada construção nova que se levanta, cai uma construção velha, sem que
alguém se tenha dado ao trabalho de estudá-la, fixando a sua recordação numa
página histórica. Nesses escombros sem história, fica soterrada a última lembrança
dos que, bem ou mal, na medida do que puderam, assentaram, suando e penando, na
terra virgem do Brasil os alicerces da nossa nacionalidade. No Rio, a monomania da
modernização inconsiderada sobe de ponto. Arrasam-se construções coloniais, não
para, no seu lugar, se erguerem edifícios em que se não ofendam as leis de higiene e
da arquitetura, mas para substituí-las por trambolhos sem arte, sem solidez, sem
beleza [...]. (“Opinião Mineira”, Ouro Preto, 05/01/1894 apud NATAL, 2007: 80)
Em outra passagem, Alvim reclama para Ouro Preto uma posição de “lugar de
memória” da nação brasileira, atentando para a necessidade do reconhecimento de seu valor
artístico e histórico e para a necessidade urgente de sua preservação:
[...] Minas, que é o único Estado em que as tradições ainda se enraízam, deve dar o
sinal de alarma em prol da nossa nacionalidade ameaçada. E a primeira medida a
tomar para isso é dar o exemplo da regeneração, mostrando como é preciso amar o
passado. Ouro Preto, por exemplo, já é por si só um grande museu. Mas, como tudo
neste museu, anda maltratado e descurado! Nas suas igrejas, as mais belas e curiosas
do Brasil, mãos profanas estragaram, com restaurações ineptas, quadros e esculturas
de um valor inestimável. A cada canto da cidade encontram-se móveis antiqüíssimos,
objetos de arte que se inutilizam à mingua de quem os recolha, verdadeiras
preciosidades que será um crime deixar abandonadas à especulação dos antiquários
espertos ou à ação terrivelmente destruidora do tempo. (“Opinião Mineira”, Ouro
Preto, 05/01/1894, Ano 1, nº 1, p. 1 apud NATAL, 2007: 80).
26
Os não-mudancistas, como ficaram conhecidos os que defendiam a permanência da
capital na antiga Vila Rica, depois de derrotados no Congresso Mineiro passaram a apoiar
uma solução conciliatória, a transferência da nova capital para o Curral Del Rey, em
detrimento de Barbacena e Juiz de Fora. (VISCARDI, 2007: 37). O reordenamento de forças
que acontece nesse período e que, obviamente que guarda íntima relação com a mudança do
regime político, servirá como força motriz para que esse grupo reunido em torno de Diogo de
Vasconcellos, alijado do centro de decisões políticas do país, assuma a missão de recuperar e
legar para as futuras gerações a história das Minas, em sua “idade do ouro”.
Apenas dois meses antes da inauguração da nova capital no Curral del Rey, é
26 As palavras de Alvim são surpreendentes. Os argumentos utilizados em prol de uma preocupação com a
conservação e restauração do casario e das igrejas “as mais belas e curiosas do Brasil”, com o mobiliário e com a
ação do tempo sobre Ouro Preto, seriam largamente reproduzidos por diversos intelectuais ligados às ões do
SPHAN décadas mais tarde, inclusive por seus dirigentes, também filhos da cidade.
29
publicado um artigo no Jornal de Minas, de Diogo de Vasconcellos, no qual é possível
perceber a sensação de perda e ameaça representada pelo esquecimento e abandono da antiga
capital da província, que assolava o espírito dos ouro-pretanos.
O dia 17 de dezembro de 1897 marcará nos fatos históricos da nossa legendária
cidade, cuja riqueza de passado engrandece o nosso estado, uma das datas mais
solenes, mais memoráveis, porque ela representará a separação de um punhado de
filhos que, forçados pelo cumprimento do dever, deixam seus lares, recordações e suas
tradições em busca de novas plagas, que a lei lhes designou. Ouro Preto, essa jóia de
Minas, berço da liberdade pátria (...) vai nesse dia jamais esquecido passar pela
dolorosa provação de ver-se deixado, abandonado e votado ao esquecimento (...)Fica
despojado das regalias de capital do nosso estado, mas ela será o sacrário dos
gloriosos despojos históricos de Minas, que foi grande, tornou-se conhecida
devido à incomparável riqueza da outrora Vila Rica.” (“Jornal Mineiro”, Ouro Preto,
24/10/1897 apud NATAL, 2007: 71)
Mesmo com os incansáveis protestos dos ouropretanos (políticos, historiadores e
moradores), a nova capital de Minas é inaugurada em dezembro de 1897. A partir de então,
sob o comando de Silviano Brandão, político do Sul, foi implantada a hegemonia da nova
política no estado, na qual a nova capital representou a materialização do projeto conciliatório.
Depois de intensos conflitos internos, de diversas facções políticas, o estado consegue “reunir
toda a boiada”, conforme a expressão de John Wirth, sob um só partido, o PRM.
27
No período subsequente à mudança, a “capital vencida” começa a sentir os sinais da
perda de sua função política. A consequência imediata mais notável é o esvaziamento
populacional. Além dos funcionários públicos que se mudaram para Belo Horizonte,
comerciantes e profissionais liberais também migraram para outras regiões mais prósperas do
estado. Estima-se que Ouro Preto tenha perdido cerca de 45% de sua população nesse período.
A impressão de abandono é latente. (NATAL, 2007)
27
A criação do Partido Republicano Mineiro resultou de um acordo de extrema habilidade política para a
unificação das facções em torno de pontos básicos: defesa do federalismo, o que protegia Minas da interferência
federal; reforma do sistema fiscal; fim da sobretaxa na agricultura; garantia da representação da minoria no
legislativo estadual etc. O fundamental, todavia, era marcar o ganho político que adviria da unidade da elite
mineira, poderoso instrumento de barganha para Minas na política nacional, dado o fato de ser a sua maior
bancada política da federação. (BOMENY, 1994: 35). A “conciliação”, realizada em Minas nesse período,
tornou-se a principal marca da cultura política do estado, sendo reapropriada amplamente pelos principais
políticos mineiros ao longo do século XX, tendo grandes exemplos em Benedito Valadares, Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada, Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek.
Sobre a política mineira na Primeira República, ver: MELO FRANCO, (1955); BOMENY, (1994), VISCARDI
(2001); MARTINS (2009). Para uma revisão da produção historiográfica sobre a Primeira República, ver:
GOMES e FERREIRA.(1989).
30
Como vimos, a transferência da capital representou um momento dramático em Ouro
Preto. Temia-se que as velhas tradições fossem perdidas, e com elas a “glória”, representada
pelo passado colonial. Se os republicanos desejavam progresso e modernização, os políticos
de Ouro Preto, fortemente ligados aos ideais monárquicos, iriam se empenhar em manter a
tradição. Imersos no sentimento de perda, os ouropretanos começam então a reclamar a
preservação da cidade,
28
ancorados em discursos que vão reinventar Ouro Preto e sacralizá-la
em função de seu passado histórico de lutas e de seu valor artístico.
29
A mudança de capital de Ouro Preto para Belo Horizonte não representou como
temiam seus contemporâneos uma ruptura novo/velho, moderno/antigo, mas uma
recomposição que resultou em outro binômio, tradição/futuro, uma vez que o passado colonial
representado por Ouro Preto e pela Inconfidência Mineira não são abandonados. Pelo
contrário, são utilizados como uma hábil solução. Se, por um lado, tinha por objetivo
neutralizar disputas políticas que enfraqueciam o poder do estado, por outro, conseguiram
construir um discurso de consagração de Ouro Preto como cidade-relíquia, baseado no
argumento de que fora ali que se forjara o sentimento de liberdade e a luta pela independência
nacional, e onde se fundara um conjunto arquitetônico de notável valor artístico.
30
Sobre essa dupla operação, que de um lado reordena o estado de Minas Gerais para o
moderno e de outro finca as raízes de uma tradição a ser guardada, afirmou Lúcia Lippi sobre
Ouro Preto,
De um lado era preciso consagrar a tradição representada por Ouro Preto, onde
nascera o movimento libertário da Inconfidência Mineira. Esse solo sagrado, berço
dos mártires e precursores da independência e da ideia republicana no Brasil, deveria
se tornar um santuário. De outro lado, era urgente criar o futuro, o espaço do homem
novo, americano. Ouro Preto e Belo Horizonte são assim as duas faces da mesma
moeda. (OLIVEIRA, 2008: 57)
Essa síntese entre tradição e modernidade, presente nos discursos formulados nesse
período, fincaria raízes profundas na memória dos mineiros e seria apropriada pelos jovens
intelectuais da Rua da Bahia, nos anos 1920. (BOMENY, 1994: 56). Carlos Drummond de
Andrade, Afonso Arinos de Melo Franco, Emílio Moura, Martins de Almeida, Pedro Nava,
28
José Reginaldo Santos em A Retórica da Perda analisa os discursos sobre patrimônio no Brasil a partir de
1937 e verifica como eles se fundaram sobre as noções de ausência e perda. A mesma análise pode ser aplicada à
forma como Ouro Preto é ressignificada a partir da perda de sua função de Capital do estado.
29
Sobre o processo de “invenção das tradições”, ver: HOBSBAWN & RANGER (2002).
30
Sobre os debates sobre espaço de experiência e horizonte de expectativa, ver KOSELLECK, 2006.
31
Abgar Renaut, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Gustavo Capanema, Gabriel Passos,
Guilhermino César, Aníbal Machado, Milton Campos, João Alphonsus, Alberto Campos, entre
outros, tornaram-se amigos, alguns via Colégio Arnaldo, outros nas redações do Diário de
Minas, todos unidos, sobretudo, pela boemia e pelo gosto literário, tomando “cerveja ou
média no café estrela” e discutindo as novidades literárias na Livraria Alves, na Rua da Bahia.
Nasce assim, a primeira geração modernista de Minas.
Quase duas décadas depois, essa tradição intelectual de Minas, fortemente ligada à
valorização do passado, teria papel preponderante na criação das políticas de preservação no
país, levadas a cabo por alguns membros desse grupo de intelectuais, “os rapazes de Belo
Horizonte”, como chamou Drummond, que se reuniram no ministério Capanema, durante o
Estado Novo. (BOMENY, 1994).
A valorização de Ouro Preto, iniciada no momento da perda de sua função política no
final do século XIX, foi se consolidando com a ajuda de diversos intelectuais que por
passaram. Como veremos adiante, a impressão deixada pela cidade nos seus viajantes, foi e
continua sendo, a de uma incursão ao passado, tamanha sua capacidade perturbadora de
sensibilizar o expectador. Lúcia Lippi chamou a atenção para essas “viagens ao encontro de
uma herança abandonada, que tiveram o efeito de produzir uma nova consciência em relação à
necessidade de salvar os vestígios do passado”. (OLIVEIRA, 2008: 27)
1.5 – Intelectuais em Ouro Preto e as descobertas do Brasil
“Não se pode dizer que Ouro Preto seja uma cidade morta.
Morta é São João d’El Rei. Ouro Preto é a cidade que não mudou,
e nisso reside o seu incomparável encanto” (BANDEIRA, 1938)
Muito antes de ser reconhecida por seu valor turístico, Ouro Preto foi destino de
muitas viagens. Por lá passaram desde o período colonial, cientistas, naturalistas, literatos,
artistas plásticos, eclesiásticos, funcionários metropolitanos, entre outros. Embora com
objetivos distintos, todos foram responsáveis pela criação de um imaginário sobre a cidade.
31
31
Vários são os trabalhos que analisam como a literatura de viagem foi importante na criação de um imaginário
sobre os lugares narrados. Ver: PRATT(1999), GREENBLATT (1996). Sobre o processo de significação, ver:
32
Por ora, nos deteremos sobre cinco viagens que são importantes no entendimento do
processo de construção da cidade de Ouro Preto como sacrário da nação. Nos relatos dessas
viagens, a antiga capital de Minas aparece como detentora de valores fundamentais à
construção da identidade nacional, como berço da liberdade e guardiã das mais autênticas
tradições brasileiras.
1.5.1. Olavo Bilac e a Conversão ao Nacional
Vir a Minas é vir ao coração do Brasil”
(Olavo Bilac, 1893)
Nossa primeira viagem acontece em 1893. Durante a Revolta da Armada
32
no Rio de
Janeiro, vários artistas e intelectuais perseguidos por Floriano Peixoto exilaram-se em Ouro
Preto, Minas Gerais, que, governada naquele momento por Afonso Pena, que mantinha boas
relações com o governo de Floriano Peixoto, estava suspensa dos efeitos do estado de tio,
mostrando-se como lugar seguro. Lá se refugiaram Olavo Bilac, Magalhães de Azevedo,
Carlos de Laet, Emílio Rouede, Álvares de Azevedo Sobrinho, entre outros anti-florianistas,
transformando a cidade num centro de grande ebulição intelectual.
33
Na capital de Minas, Bilac é recebido pelo escritor Afonso Arinos e, a despeito das
divergências políticas, unem-se pelos interesses literários.
34
Afonso Arinos pertencia a uma
família fortemente ligada à alta política no Império, mas a mudança para o regime republicano
certamente diminuíra-lhe as oportunidades na política
35
no momento imediato à sua
BAUDRILLARD, 1972.
32
A Revolta da Armada foi um movimento de Rebelião promovido por segmentos da marinha contra o governo
de Floriano Peixoto e se insere dentro da turbulenta fase de implantação da República no Brasil. Ver:
CARVALHO (2005), Forças Armadas e Política no Brasil.
33
Sobre a estadia de Bilac na capital mineira, baseio-me na biografia do poeta, escrita por Raymundo
MAGALHÃES (1974).
34
Bilac era republicanista e Afonso Arinos monarquista convicto. A relutância em aceitar a consolidação do novo
regime republicano teria sido o motivo pelo qual, poucos anos depois, “desiludido”, Arinos deixa o Brasil e vai
morar definitivamente em Paris, a exemplo do tio de sua esposa, Eduardo Prado.
35
Seu irmão Afrânio de Mello Franco ingressou na carreira diplomática, e somente anos
mais tarde ingressaria na
política, tornando-se um dos homens mais fortes da primeira república durante o governo de Delfim Moreira
(1918-1919). Sua atuação e de seus filhos marcariam a diplomacia e a política brasileiras ao longo do século
seguinte. Seus filhos, Virgílio e Afonso Arinos de Mello Franco, tiveram papel protagonístico em eventos cruciais
no século XX no Brasil, como Revolução de 30, manifesto dos mineiros, queda e suicídio de Vargas e golpe
civil-militar de 1964. Sobre a relação de Afonso Arinos com o golpe civil-militar de 1964, ver: LATTMAN-
33
formatura, e provavelmente essa é a principal causa de seu retorno a Ouro Preto. Lá dedica-se
à literatura, ao magistério, à pesquisa histórica e se envolve em projetos importantes como a
criação da Faculdade de Direito de Minas e do Arquivo Público Mineiro. Pelas mãos de
Arinos, Bilac foi levado a conhecer profundamente a história e a cultura mineiras, visitando
arquivos, conhecendo a arquitetura barroca e tomando contato com as histórias fixadas na
memória dos ouro-pretanos. Arinos apresentou-lhe também ao historiador Diogo de
Vasconcellos, de quem Bilac ficou muito amigo e com quem teve aulas sobre a história de
Minas.
Em Ouro Preto, Bilac passaria a colaborar com A Opinião Mineira, jornal de Cesário
Alvim e continuaria a colaborar com crônicas para a Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro,
nas quais deixou importantes impressões sobre sua estadia na cidade. A fascinação exercida
pela cidade e pelo passado mineiro é percebida nas crônicas que Bilac escreve de Ouro preto
para o periódico carioca. Nelas, Bilac expressa verdadeira idolatria pela cidade barroca e
reitera a vocação de Ouro Preto como berço da liberdade, fazendo um contraponto com a
situação beligerante vivida no Rio. A cidade que mais tarde inspiraria tantos escritores como
Mário de Andrade, Oliveira Viana, Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos, Pedro
Nava, Cecília Meireles, Murilo Mendes,
36
entre tantos, deixou marcas que redirecionariam a
trajetória intelectual do poeta parnasiano. Ao descrever a pureza de Ouro Preto, o poeta
mobilizava argumentos amplamente usados para interpretar o Brasil, opondo interior e litoral.
Para o poeta, Minas representaria a síntese do Brasil, devido à originalidade nas artes e à aura
genuinamente brasileira, que teria ficado protegida da influência externa, graças a seu
enclausuramento entre as montanhas. Vejamos um trecho de uma de suas crônicas, escrita em
03 de novembro de 1893 em Ouro Preto.
37
Vir a Minas é vir ao coração do Brasil. Ouro Preto amantelada nas suas montanhas
verdes, é como o reduto da nossa nacionalidade... Por São Paulo, pelos Estados do
WELTMAN (2005).
36
Relaciono aqui alguns trabalhos que tiveram Ouro Preto como inspiração. ANDRADE, “A arte religiosa no
Brasil” In: Revista do Brasil (1920); VIANA, “Minas do Lume e do Pão”, In: Pequenos Ensaios de Psicologia
Social (1921); Melo FRANCO, Roteiro Lírico de Ouro Preto (1938), BANDEIRA, Guia de Ouro Preto (1938);
DRUMMOND, “Contemplação de Ouro Preto”, In: Passeios na Ilha (1952); MEIRELES, Romanceiro da
Inconfidência (1953); MENDES, Contemplação de Ouro Preto (1954).
37
As crônicas jornalísticas de Olavo Bilac publicadas entre os anos de 1890 e 1910 na imprensa carioca e paulista
foram reunidas por Antônio Dimas sob forma de livro, oferecendo uma valiosa fonte de pesquisa para os
historiadores, que ali encontrarão o testemunho de fatos importantes dos primeiros anos da República.
34
Sul, pelos Estados do Norte, a corrente estrangeira alaga a terra, desnacionalizando o
povo... Posto assim, num meio que nada lembra, entre homens cujos costumes e cuja
voz apenas falam de países estranhos e apartados, entre as coisas que falam apenas
do presente, o espírito vai perdendo a consciência da nacionalidade, o coração se vai
desapegando das reminiscências do passado. Eu, pelo menos, me sinto
verdadeiramente brasileiro, quando deixo perdida ao longe a vozeria da rua do
Ouvidor, e, abrindo o peito ao ar livre do sertão, caio na vida simples dos campos,
com a alma a espreguiçar-se voluptuosamente no seio verde e fecundo da natureza.
(BILAC apud DIMAS, 2006:48)
Sobre o valor histórico de Minas para a formação de uma identidade nacional, baseada
na sensação de abrasileiramento, Bilac escreveu:
A terra mineira não guarda somente nas entranhas o ouro excelente que a Inglaterra
extrai e amoeda: guarda todo um mundo de tradições e de relíquias históricas, todo
um passado ainda vivo e palpitante nas pedras das suas ruínas e nas recordações dos
seus arquivos. Um filho do Rio, de São Paulo, de Pernambuco ou do Rio Grande do
Sul sente-se mais brasileiro quando respira o ar da mantiqueira. (BILAC apud
DIMAS, 2006: 77, grifos meus)
Em Ouro Preto “o rebelde se convertera”. Assim escreveu Raymundo Magalhães, um
dos biógrafos de Olavo Bilac, referindo-se à mudança operada no poeta depois da temporada
de alguns meses na antiga Vila Rica, entre 1893 e 1894. “O Bilac boêmio, voltado para temas
gregos e romanos interessado por Nero, Marco Antônio, Cleópatra, Xenócrates, encontrara na
velha cidade colonial, outras fontes de interesse, descobria o Brasil, os bandeirantes, os
desbravadores, os povoadores dos sertões distantes”. (MAGALHÃES JR, 1974:160). Anos
mais tarde, Amoroso Lima também mencionaria a força do encontro de Bilac com Arinos,
afirmando que “o homem helênico, o “diletante”, o “poeta erótico”, o “parnasiano”, mais
voltado para a França ou para Grécia do que o seu próprio país, iria conhecer, então, Minas
Gerais e Afonso Arinos.
38
Em suma, abrasileirara seu espírito, sob a poderosa influência do
jovem escritor Afonso Arinos.
39
(MAGALHÃES JR, 1974:186)
Um importante registro dessa amizade e da importância do contato entre os dois está
no discurso com que Bilac recebeu Afonso Arinos, dez anos depois, na Academia brasileira de
Letras.
38
Carlos Laet, exilado em Ouro Preto pelos mesmos motivos, expressaria sentimento idêntico afirmando que
Minas lhe dava vontade de “sabatinar a história do Brasil. (DIMAS, 2006: 78-79).
39
Brito Broca, entre outros críticos literários, mencionou o contato de Bilac e Arinos em Ouro Preto como ponto
de transformação do primeiro. Ver Broca (1991)
35
Enquanto pelas ruas de Ouro Preto, naquele ano trágico de 1893, os vivos
comentavam com calor os episódios da revolta naval, e os bombardeios, e as prisões,
e as loucuras, nós dois mergulhados no passado, conversávamos com espectros.
Toda a gente do século XVIII, capitães-generais, ouvidores, milicianos de El-Rei,
aventureiros, traficantes de pretos, frades e freiras, tiranos e peralvilhos, fidalgos
brilhantes e pobres bateadores de ouro e catadores de cascalho, garimpeiros,
senhores e escravos, damas da casta orgulhosa e imundas pretas descalças, ricos
proprietários e contrabandistas farroupilhas, toda essa gente acudia ao chamado de
nossa curiosidade e, falando das casas arruinadas do Padre faria e de Antônio Dias,
evadindo do mistério dos arquivos repovoando as ruas cheias de escombros, vinha
ver conosco a sua antiga vida pitoresca.
40
Segundo Magalhães Jr, essa permanência em Ouro Preto se refletiu duplamente em sua
obra. Em prosa escreveu, Marília, O Padre Faria, São João de Ouro fino, Entre ruínas,
Lázaro, São José d'el Rei, Frei João José e o Trunfo Eucarístico foram publicados no livro
Crônicas e Novelas. Na obra poética, essa viagem ao passado resultou O caçador de
Esmeraldas e Tarde.
De volta ao Rio, o “outro Bilac” inicia uma nova fase de sua carreira literária. Imbuído
de novos valores, adquiridos com uma revelação ou descoberta de um Brasil desconhecido,
Bilac passa a se preocupar com os acontecimentos de sua época e com a formação de um povo
brasileiro. Em 1895, aceita o convite de Coelho Neto para entrar no universo da literatura
infantil. A ideia era produzir “um livro de leitura fácil, contendo bons ensinamentos morais e
cívicos”. (MAGALHÃES JR, 1974:186).
O nacionalismo de Bilac o levaria mais tarde a participar ativamente da campanha em
favor do serviço militar obrigatório, voz quase solitária entre intelectuais e sociedade. Em
1910 escreveria com Manoel Bomfim o Livro didático Através do Brasil
41
e seria também
uma das principais lideranças da Liga Nacionalista, criada no final de 1916.
40
Discurso proferido em 18 de setembro de 1903. Disponível em <http:www.academia.org.br>. Acessado em
14/11/2009.
41
Sobre a parceria de Bilac e Bomfim, ver: BOTELHO (2002).
36
1.5.2 - Alceu Amoroso Lima e as Vozes de Minas
A Minas cabe, pois, a missão de preservadora do passado
(Amoroso Lima, 1945)
Em 1916, é a vez de Alceu Amoroso Lima conhecer Ouro Preto. Ele e o jovem
Rodrigo Melo Franco de Andrade foram levados a Ouro Preto pelo velho senador Virgílio
Melo Franco, avô materno de Rodrigo. Sobre essa viagem, Amoroso Lima deixa um
interessante relato:
A Ouro Preto me levou o velho senador Virgílio, pai de Afonso [Arinos], e em nossa
companhia, se me lembro, ia um jovem adolescente, bem mais moço que eu, a quem
Arinos queria como ao filho que a providência lhe negara. Queixava-me
amargamente do abandono em que jaziam as velhas relíquias arquitetônicas daquela
cidade morta. Mal sabia eu, então, que ao jovem adolescente nosso companheiro de
uma dessas nostálgicas peregrinações, estava reservado o papel histórico de vir a ser
o maior defensor do nosso passado estético. (AMOROSO LIMA, 1969)
Impressionado com o abandono e esquecimento das coisas brasileiras, Amoroso Lima
escreve a pedido de Monteiro Lobato o artigo Pelo Passado Nacional e publica na Revista do
Brasil. No artigo, relata a experiência de viagem e descreve o sentimento de nostalgia em
relação ao abandono em que se encontrava a velha cidade barroca. Abre o artigo com a
seguinte frase: “Venho de um grato colóquio com as coisas do nosso passado... É a voz das
mortas gerações que fala por minha voz, a voz dos homens que primeiro desbravaram o
terreno nacional, a dos que primeiro assentaram a pedra angular da pátria. Acorrei, filhos
ingratos desta terra: vinde ouvir as lamentações da ruínas”. A indignação é latente, “um
território heróico” transformado em “cidades mortas”. (AMOROSO LIMA, 1916 apud REIS,
1998:114).
Indicando como a nação a ser construída deveria se pautar pela valorização do passado
e da tradição, Amoroso Lima é mais incisivo: “Tratemos, portanto, de guardar as roupagens do
nosso berço para os obreiros do futuro. Ponhamos um freio à fúria demolidora e restauradora.
Reabilitemos o passado nacional”. (AMOROSO LIMA, 1916 apud REIS, 1998: 114). O
artigo de Amoroso Lima causou grande impacto no espírito dos jovens intelectuais da época,
que estavam ávidos por descobrir o Brasil, reconhecê-lo enquanto nação e possuidor de
cultura singular.
37
O autor de A Voz de Minas possuía íntima relação com os mineiros, iniciada ainda na
infância, como amigo da família Melo Franco. Seu pai era muito amigo de Afonso Arinos (o
sertanista) e na casa deste em Paris, passava férias. Foi na capital francesa nesses períodos que
Alceu ficou amigo de Rodrigo de Melo Franco, que morava na casa do tio. Rodrigo perdeu o
pai muito cedo e teve sua formação ligada ao tio escritor.
Vejamos uma passagem onde Alceu assinala a missão de Minas:
A Minas cabe, pois, a missão de preservadora do passado, de reformadora das
influências cosmopolitas que vão levando o Brasil para o indistinto ou a servidão
moral e finalmente de compensadora de todos os desequilíbrios extremistas. Minas
não é o Brasil. Mas está naturalmente fadada a ser o centro de gravidade do Brasil.
(AMOROSO LIMA, 1945:144)
Assim como no caso do poeta Olavo Bilac, Amoroso Lima teve seu sentimento de
brasilidade despertado por Afonso Arinos amigo de seu pai –, com quem conviveu desde
cedo e a quem definiu como “o mágico de nossa infância”. Alceu registrou em suas memórias
que Arinos foi “o homem que revelou ao menino praieiro e citadino o mistério do outro
Brasil, desse Brasil misterioso que fica para além das serras que azulam no horizonte.”
(AMOROSO LIMA, 1971 apud REIS, 1998: 35) A esse autor dedicou seu primeiro livro, um
estudo crítico publicado em 1922. A profunda ligação de Amoroso Lima com os mineiros,
acarretaria desdobramentos importantes para o futuro da geração de intelectuais mineiros dos
anos 1920, uma vez que é por sua influência que Gustavo Capanema é indicado para o cargo
de Ministro da Educação e Saúde em 1934, cargo que ocuparia até 1945 e o projeto mineiro
chega ao poder. (SCHWARTZMAN, BOMENY, COSTA, 2000: 61-64).
1.5.3. Mário de Andrade pela Primeira Vez em Minas
O jovem Mário de Andrade fez sua primeira viagem a Minas em 1919, com apenas 25
anos. Viajou a Minas para pesquisar sobre a arte religiosa no Brasil, a fim de preparar uma
conferência a ser proferida na Congregação Mariana Santa Efigênia em São Paulo. Em
Mariana conheceu o poeta simbolista Alphonsus de Guimarães, escritor que Mário
considerava um dos maiores sonetistas do Brasil, e que à época vivia praticamente no
38
esquecimento no interior de Minas.
42
A visita, que durou apenas algumas horas, foi muito marcante, tanto para o jovem
escritor paulista quanto para Alphonsus de Guimarães, que deixou suas impressões sobre o
encontro numa carta escrita ao filho João Alphonsus.
cinco esteve aqui o Sr. M. de Moraes Andrade, de São Paulo, que veio apenas
para se conhecerem, conforme disse. É doutor em ciências filosóficas. Leu e copiou
minhas (principalmente as francesas) [...] É um rapaz de boa cultura, sabendo de cor,
em inglês, todo o “Corvo” de Poe [...]. A verdade é que, para quem vive, como eu,
isolado, uma visita dessas deixa profunda impressão. (GUIMARÃES, 1919)
No ano seguinte, em 1920, Mário publica, na Revista do Brasil,
43
um longo estudo
dividido em quatro artigos, intitulado A Arte Religiosa no Brasil.
44
Na parte destinada a
Minas, dava notícias sobre as manifestações artísticas das cidades de São João Del Rey,
Congonhas do Campo, Mariana e Ouro Preto.
Segundo o autor, é na segunda metade do século XVIII que começa a se desenvolver
no Brasil uma arte autêntica e distinta da metrópole, que primava pela originalidade.
Desenvolvida em rápida escala, a arquitetura religiosa ilhou-se em três centros
principais: Bahia, Rio de Janeiro e Minas [...]. Na Bahia, o Barroco atinge uma
expressão menos sincera, a construção é mais erudita; no Rio de Janeiro a
preocupação artística exterior diminui ao passo que a decoração interna atinge o
delírio, produzindo a obra-prima do entalhe que é a Igreja de São Francisco da
Penitência; em Minas, vamos deparar a suprema glorificação da linha curva, o estilo
mais característico duma originalidade excelente. Três escultores dominam nesses
três centros: Chagas, O Cabra, na Bahia, Mestre Valentim, no Rio de Janeiro e
Antônio Francisco Lisboa nas Minas Gerais (ANDRADE, 1993:50).
No que se refere à originalidade do barroco mineiro, Mário repete o argumento de
Bilac e afirma que em Minas teria se desenvolvido uma arte verdadeiramente genuína, graças
ao isolamento e distancia em relação ao litoral e à metrópole. O difícil acesso ajudou para que
nas terras mineiras se desenvolvesse “a mais característica arte religiosa do Brasil”
(ANDRADE, 1993:78). Observou na arquitetura barroca mineira elementos que mais tarde
42
Depois do encontro, Mário e Alphonsus passariam a corresponder-se. As correspondências de Mário para o
poeta simbolista estão ainda hoje guardadas na Casa Alphonsus de Guimarães, localizada na Rua Direita em
Mariana, MG.
43
A Revista do Brasil foi criada pelo grupo de Júlio de Mesquita em São Paulo. Em 1918 é comprada por
Monteiro Lobato. Em sua primeira fase, que vai de 1918 a 1925, seu tema central é a questão nacional. Ver:
LUCCA (1998).
44
Revista do Brasil, vol.14, número 54.
39
iriam criar uma imensa identificação entre os arquitetos modernos e essa arquitetura
produzida no século XIII em Minas.
Ora, na arquitetura religiosa de Minas a orientação barroca que é o amor da linha
curva, dos elementos contorcidos e inesperados passa da decoração para o próprio
plano do edifício. os elementos decorativos não residem na decoração
posterior, mas também no risco e na projeção das fachadas, no perfil das colunas, na
forma das naves. (ANDRADE, 1993: 79-80)
Nesses artigos, o autor de Paulicéia Desvairada aponta Aleijadinho como precursor da
nacionalidade, exemplo primeiro da solução brasileira da colônia, da genialidade do mestiço
que ultrapassaria a herança recebida dos lusitanos. (LIPPI, 2008). Para Mário, “toda Minas
religiosa está tão impregnada da sua genialidade, que se tem a impressão de que tudo nela foi
criado por ele”. É Aleijadinho que funda uma tradição artística brasileira. Assumindo o
caráter de um verdadeiro estilo, o barroco, equiparava-se a seu ver, sob o ponto de vista
histórico, ao egípcio, ao grego, ao gótico. É para nós um motivo de orgulho bem fundado que
isso se tenha dado no Brasil. (ANDRADE, 1993:80)
.
Mais do que qualquer outra expressão artística produzida no Brasil, era ao barroco
mineiro que o escritor atribuía a maior importância na busca de nossas raízes tradicionais. As
ideias-força que permeiam esses artigos são a originalidade da arte barroca mineira e a
genialidade de Aleijadinho. Anos mais tarde, em 1928, Mário publicaria um artigo específico
sobre Aleijadinho, onde delinearia de forma mais apurada essas ideias.
45
A questão da originalidade liga-se à busca de uma expressão artística autenticamente
nacional. A procura de uma especificidade é uma questão para os intelectuais desde o começo
do século. Qual a contribuição do Brasil para o concerto das Nações? É nesse sentido que
Mário classifica o barroco como um movimento estético genuinamente nacional e como um
capítulo da história da arte universal, uma nova corrente estética.
1.5.4 - Os eternos bandeirantes: os intelectuais paulistas e a viagem de “descoberta do
Brasil”
Durante a Semana Santa do ano de 1924 um grupo de paulistas visita Minas Gerais. A
45
O Aleijadinho. In: Aspectos das Artes Plásticas no Brasil (1943)
40
caravana era composta por Mário e Oswald de Andrade, a pintora Tarsila do Amaral, o
jornalista René Thiollier, a fazendeira Olívia Guedes de Penteado, o advogado Godofredo
Telles, Blaise Cendrars, poeta franco-suiço, e o pequeno Nonê, filho de Oswald. A
denominação de Viagem de descoberta do Brasil foi cunhada por Oswald, e a viagem nasce da
proposição de procurar os traços históricos da constituição da civilização brasileira, uma
forma de conhecer o passado brasileiro. (VENTURA, 2000:19)
A repercussão que essa viagem teve e tem, na história do Brasil e na bibliografia
produzida sobre a questão nacional, corroborou a importância que os paulistas atribuíram a si
mesmos no processo de construção de uma identidade nacional,
46
repetindo o evento da
Semana de Arte Moderna. A viagem de 1924 pode ser pensada como uma segunda fase da
Semana, considerando o sentido de ruptura que lhe foi atribuído e, não por acaso, as
demarcações do modernismo no Brasil tiveram esses dois eventos como marcos de inflexão.
Durante a viagem, a presença de D. Olívia Guedes deu muita credibilidade ao grupo, o
que é percebido pelas autoridades mineiras como a possibilidade de valorizar e divulgar o
estado. Em função disso, os viajantes têm condições especiais de viagem e são recebidos com
pompa por onde passam. O Diário de Minas noticiou, no dia 23 de abril de 1924, a viagem da
seguinte forma: “Belo Horizonte desde ontem hospeda um brilhante grupo de intelectuais
paulistas que veio a Minas recolher aspectos, costumes e tradições das nossas cidades
históricas.” (VENTURA, 2000: 25).
Os paulistas partiram de São Paulo no dia 15 de abril. Fizeram uma rápida passagem
pela Zona da Mata mineira, passando pelas cidades de Juiz de Fora e Barbacena, e chegando a
São João Del Rey no dia 16. De partiram para Tiradentes, onde ficaram até o domingo de
Páscoa. De volta a São João Del Rey, partiram então para a capital mineira e, no percurso,
conheceram diversas pequenas cidades do estado. Chegaram a Belo Horizonte no dia 22 de
abril e, estabelecidos na capital, aproveitaram para conhecer cidades próximas como Sabará,
Barreiro, Lagoa Santa e a Serra do Cipó. A partir de Belo Horizonte o grupo fica desfalcado de
Mário de Andrade e Godofredo Telles, que voltam a São Paulo. Thollier já tinha partido antes.
Tarsila, Oswald, Cendrars e Nonê seguem para Ouro Preto, onde permanecem por três dias,
sendo uma tarde dedicada a um passeio a Mariana. O último ponto é Congonhas, de onde
46
Para compreensão dos discursos regionalistas que disputaram espaço para legitimar suas regiões como
autênticas representantes do nacional, ver: OLIVEIRA (2005)..
41
voltam para São Paulo.
47
Como Roma
48
para os viajantes europeus, Ouro Preto é para os viajantes paulistas o
ponto máximo da viagem. A arquitetura grandiosa e os inúmeros monumentos refletem de
imediato o passado de riqueza e glória. A paisagem sufocante da cidade encurralada entre as
montanhas altas, a atmosfera de capital de um tempo passado e os ecos do século XVIII por
todos os cantos, fascinam e intrigam os visitantes.
Em Pau Brasil, Oswald convida:
Vamos visitar São Francisco de Assis
Igreja feita pela gente de Minas
O sacristão que é vizinho de Maria Cana-Verde
Os choferes avançavam nos bolsos dos viajantes
Os púlpitos do Aleijadinho
O teto de Ataíde.
O Jornalista René de Thollier, dois anos depois da viagem, forneceu um relato no
Jornal O Estado de São Paulo que vale a pena reproduzir:
O nosso primeiro pensamento foi em Affonso de Taunay, o ilustre escritor que hoje
dirige o Museu do Ipiranga. Embarcara-se conosco na véspera [...] Estivemos a
relembrar tudo quanto nos dissera acerca dos lugares por onde nos íamos demorar
[...] em 1919, quando levamos à cena, no teatro municipal, “o contratador de
diamantes” de Affonso Arinos, foi Affonso de Taunay quem nos forneceu os dados
para que nós nos imbuíssemos nas usagens da época, e a peça, em nada, dela se
afastasse... (VENTURA, 2000:25-26)
Essa viagem foi responsável pelo encontro do grupo de modernistas paulistas e
mineiros, e pelo germe da amizade entre Mário e Carlos Drummond de Andrade. Ambos
reiteraram diversas vezes a força do encontro e os desdobramentos dessa amizade na trajetória
intelectual de cada um.
49
Vejamos um trecho de Mário:
Em 1924 fiquei conhecendo pessoalmente (já os admirava de longe) os iniciadores
do movimento modernista em Minas, Abgar Renaut, Carlos Drummond de Andrade
e Emilio Moura. Aprecio muitíssimo a literatura atual de Minas [...] quanto aos
poetas Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Emílio Moura, são os dos
grandes poetas brasileiros do Brasil. (Folha de Minas, Belo Horizonte, 14/11/1939,
apud VENTURA, 2000: 34)
47
Para reconstituir o trajeto dos paulistas em Minas, valho-me da dissertação de Alexandre VENTURA (2000).
48
Na literatura de viagem do século XIX, Roma sempre aparece como destino máximo das viagens. O fascínio
por Roma deriva da leitura da cidade como guardiã das relíquias da tradição Greco-romana e da herança cristã.
Portanto, cerne da cultura da Europa ocidental.
49
ANDRADE &ANDRADE, op.cit.
42
Como salientou Ventura, diversos são os trechos em que os paulistas fazem uma
analogia entre eles e seus antepassados bandeirantes na epopéia de conhecer e unificar o
território.
A viagem de descoberta do Brasil, não só alerta para o esquecimento, também
incentivou as atitudes de resgate do passado paulista. Os membros da caravana
investigam um passado construído pelos bandeirantes [...] o resultado desse processo
que reinvindica o passado paulista das regiões auríferas é que Minas transforma-se
em fruta paulista. Mário de Andrade no poema Noturno de Belo Horizonte, obra que
está no Clã do Jabuti, constrói uma imagem na qual o bandeirante aparece como
construtor das Minas, que nasce do esforço paulista-bandeirante. (VENTURA, 2000:
80-82)
Aracy Amaral também atentou para o modo como os paulistas viajando a Minas
buscavam seu próprio passado bandeirante, afirmando que ao longo de toda a viagem Mário
discorria sobre a história destas regiões, sobre as expedições dos paulistas, a quem coube a
glória de terem sido os primeiros a devassarem os sertões de Minas em busca do ouro. A
autora menciona a comoção de Blaise Cendrars quando, passando pelo lugar onde ocorreu o
episódio conhecido como “Capão da traição”, Mário descreveu-lhe o evento com todos os
pormenores. (AMARAL, 1997: 60).
em São Paulo a preocupação com o abandono das cidades históricas, com suas
igrejas e com a dispersão ilegal de seu acervo que significava para eles o aniquilamento do
que mais importante havia no passado nacional motivou D. Olívia Guedes a criar uma
Sociedade de Proteção das cidades históricas, da qual encarregou Blaise Cendrars a escrever o
estatuto. Não se sabe por que a ideia nunca saiu do papel. Atribuiu-se a esse momento o
nascimento de uma preocupação com a preservação do patrimônio histórico e artístico
brasileiro e a proliferação de projetos de leis estaduais para tal.
50
Aracy Amaral atribui a Cendrars o papel de alertar os brasileiros sobre o Brasil em
1924. “O Brasil como matéria-prima, poética, plástica, musical.” A autora afirma que, embora
houvesse terreno propício com o nacionalismo e o nativismo avivados com as
comemorações do Centenário da Independência, em São Paulo, sobretudo, no quadro da
realização da Semana de Arte Moderna, a “descoberta” do Brasil pelos brasileiros pode ter
sido, de fato, assinalada por Cendrars. Para Amaral, havia antes de Cendrars no Brasil uma
50
Sobre os projetos de leis que trataram da proteção do patrimônio no Brasil, ver: FONSECA, (1998).
43
predisposição para o novo, mas o novo emergeria depois. (AMARAL, 1997: 21-22)
Cendrars conheceu Oswald e Tarsila em Paris em 1923. A partir de então o trio torna-
se muito próximo, e desse encontro teria surgido o interesse de Cendrars pelo Brasil. Diversos
autores têm avaliado a influência do poeta franco-suíço sobre os brasileiros, no que diz
respeito às mudanças em suas obras e valores estéticos e na descoberta e valorização da
cultura brasileira. Diante do vimos até aqui, qual teria sido a real importância de Cendrars na
guinada operada em nossos modernistas a partir de então?
No poeta sabemos que o Brasil influenciou fortemente.
51
Cendrars ficou muito tocado
com as cidades mineiras e, em particular, com as festividades da Semana Santa que
presenciara em São João Del Rey. Muito marcou-lhe também um causo contado pelo guia
sobre um “prisioneiro devorador de corações”, que incorporaria em sua obra ficcional. Em
diversas obras tratou do Brasil e acalentou durante anos o desejo de escrever um livro sobre a
vida de Aleijadinho, para o qual pediu ajuda através de correspondências a D. Olívia Guedes,
Tarsila do Amaral, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, entre outros intelectuais
brasileiros que conheceu. Fato é que, por motivos desconhecidos, o livro nunca foi realizado.
Na narrativa de Amaral, com o movimento Pau Brasil, produziu-se pela primeira vez
algo nosso, da terra. (AMARAL, 1997:57). O Manifesto da Poesia Pau Brasil, foi publicado
por Oswald de Andrade no Correio da Manhã em 18 de março de 1924, no Rio de Janeiro. No
prefácio da poesia “pau brasil”, Paulo Prado refere-se a ela como o “ovo de Colombo” e,
prosseguindo, afirma:
Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um ateliê da Place Cliny
umbigo do mundo descobriu deslumbrado a sua própria terra. A volta à Pátria
confirmou, no encantamento das descobertas manuelinas, a revelação surpreendente
de que o Brasil existia. (Prefácio à poesia “pau brasil”, In: Oswald de Andrade,
1976:.7)
A ideia de um Brasil descoberto em Paris já tinha sido antecipada pelo autor de
Retrato do Brasil em um texto de 1922. Em prefácio a uma biografia de Joaquim Nabuco,
Paulo Prado afirma:
Essa cousa que era, uns 30 anos, rara na vida de um brasileiro uma viagem à
Europa, e que marcava uma data no seu espírito, se era inteligente (...) Essa viagem à
51
Sobre a relação do poeta com o Brasil, ver: EULÁLIO (2001).
44
Europa foi para muitos o início de uma grande descoberta e o começo de uma grande
paixão, a descoberta do seu próprio país e a paixão pelas coisas brasileiras.
(PRADO, 1922 apud BERRIEL, 2000: 103-104)
Aracy Amaral, como outros autores, retomou essa interpretação. Segundo a autora, o
preparo psicológico para a eclosão do movimento Pau Brasil na poesia de Oswald, como na
pintura de Tarsila a partir de 1924, se processara em sua estada em Paris em 1923.
(AMARAL, 1997, p. 82). De forma taxativa a autora afirma que “a relação Oswald-Blaise foi,
indiscutivelmente, no diálogo vanguarda-francesa, vanguarda-brasileira, a mais fecunda
ligação na renovação das nossas artes.” (AMARAL, 1997: 85)
A dimensão da influência de Cendrars foi apontada por inúmeros autores. Eduardo
Jardim de Moraes considerou que Aracy Amaral, Benedito Nunes e Antônio Cândido
supervalorizaram a influência do poeta francês. Assim como no caso da Semana, os próprios
integrantes da viagem deixaram registros atribuindo a Cendrars o papel de mentor e guia para
entenderem sua própria cultura. Oswald dedicou-lhe o livro de poemas Pau Brasil, retirando a
dedicatória em edição posterior, quando rompe relações com Paulo Prado e, por conseguinte,
perde os vínculos com Blaise. Mário da Silva Brito, historiador do modernismo brasileiro,
chega a dizer que “os modernistas brasileiros não têm mestres no Brasil. Ou porque estão
mortos ou porque, mesmo vivos, são praticamente inexistentes para eles. (BRITO, 1974 apud
VIANA, 2007: 96)
Os modernistas ao oferecerem os créditos da “abertura de seus olhos” a Cendrars
parecem querer romper com qualquer herança intelectual e artística dentro do próprio país.
Novamente a necessidade de fundar, inaugurar algo novo, deter a paternidade sobre o novo
projeto de arte no Brasil. “Essa versão da história que os modernistas gostam de contar...
cortaria quaisquer laços entre esse novo projeto e as tentativas nacionalistas de um Graça
Aranha, um Lima Barreto, um Afonso Arinos, um Euclides da Cunha, um Silvio Romero, até
mesmo os indianistas e românticos”. (VIANA, 2007: 97)
Como já vimos até aqui, a preocupação com a descoberta do Brasil era pedra
cantada há muito no meio intelectual brasileiro. Nicolau Sevcenko, ao analisar a aproximação
da elite paulista com a cultura popular, aponta como um marco nessa mudança de atitude a
encenação da peça O contratador de Diamantes, de Afonso Arinos, em 1919. Sevcenko
afirma que O contratador surgiu assim, ao mesmo tempo, como cristalização e catalisador de
45
uma fermentação nativista que adquire densidade crescente em direção aos anos 20. Depois do
enorme sucesso da peça, aquilo que era uma corrente intelectual (representada principalmente
pela Revista do Brasil, criada pela Liga Nacionalista em 1916, e pela literatura “caipira” de
Monteiro Lobato, Amadeu Amaral e Valdomiro Silveira, entre outros) transforma-se numa
ampla vigência social (SEVCENKO, 1992: 247). Arinos é alçado à posição de herói nacional
dos novos tempos.
52
(SEVCENKO, 1992: 242)
1.5.5 - Afonso Arinos e o Roteiro Lírico de Ouro Preto
Via o meu avô Melo Franco, de noite, na casa grande da
ladeira do Pilar, antiga dos Caldeireiros [...] Via, nas
tardes calmas, o meu avô Alvim, de calças claras, descer a
cavalo do palácio do governo...” (FRANCO, 1937: 22)
Nossa última viagem nos leva à Semana Santa de 1936, quando Ouro Preto recebeu
pela primeira vez dois mineiros ilustres: Afonso Arinos de Melo Franco (o segundo, sobrinho
do sertanista) e Pedro Nava. A ligação de Afonso Arinos com a cidade é profunda. A trajetória
de seus familiares, tanto os Alvim como os Melo Franco, está ligado à antiga capital da
província.
53
Como relato dessa viagem, Arinos publicou em 1937 o Roteiro Lírico de Ouro Preto,
uma descrição sentimental da cidade, guiada principalmente pelo reencontro com seus
ancestrais e com a história de Minas Gerais, tão conhecida por ele. Sobre o título o autor
confessa: “[...] e esse roteiro que planejei crítico e vagamente erudito, saiu lírico, porque só
liricamente, na expressão etimológica e pura palavra, se poderia traduzir o que foi, para nós,
Ouro Preto, naquela inolvidável Semana Santa” (ARINOS, 1937:19).
Nunca nenhum de nós tinha ido a Ouro Preto, mas desde os vinte anos (e já tínhamos
dobrado os trinta), através de leituras literárias, críticas, histórias, adquiríamos um
conhecimento suficiente e um amor mineiro por aquelas ladeiras, aquelas pontes,
aqueles chafarizes, que só nos faltava, agora, ver. (ARINOS, 1937:18)
52
A Liga Nacionalista foi fundada em fins e 1916 e tinha como principal liderança o poeta Olavo Bilac.
Percebendo o valor cívico e estético da peça, patrocina uma temporada a preços populares, afim de divulgar essa
nova bandeira. Todos os detalhes sobre o roteiro, montagem e repercussão da peça nos meios intelectuais e
políticos podem ser encontrados no livro de Sevcenko (1992).
53
“Via o meu avô Melo Franco, de noite, na casa grande da ladeira do Pilar, antiga dos Caldeireiros [...] Via, nas
tardes calmas, o meu avô Alvim, de calças claras, descer a cavalo do palácio do governo...” (FRANCO, 1937:
22) Afonso Arinos é filho de Afrânio de Mello Franco e Sílvia Alvim.
46
É na imagem de Ouro Preto como terra da liberdade e como berço de manifestações
literárias e artísticas que marcaram a história política e cultural do país, que se localiza um dos
pontos mais importantes da narrativa de Arinos, observado por Berenice Cavalcanti ao
analisar O Roteiro. (CAVALCANTI, 2006:141)
A viagem influenciaria indelevelmente o famoso ensaísta. Em 1938, um ano após a
publicação do Roteiro, Afonso Arinos proferiu a conferência Inconfidência Mineira, origens e
tendências ideológicas, no Instituto Histórico e Artístico Nacional IHGB. O argumento
central de Arinos é que a Inconfidência representaria o momento fundador de nossa tradição
republicana. Num discurso claramente dirigido aos escritores que “a meio século e meio de
distância, se acham aptos a decretar com desdém a desvalia completa...”, Arinos elabora uma
densa defesa sobre a importância do evento que levou Tiradentes à forca.
A Inconfidência Mineira é precisamente, uma destas raras, delicadas e complexas
ocorrências. O fato de não ter se materializado em atos de execução não lhe tira o
caráter nitidamente histórico de movimento condicionado pelas vicissitudes
econômicas, sociais e culturais da nossa civilização, e projetado no futuro próximo e
remoto do Brasil através das conseqüências cujos ecos chegam até nós. (ARINOS,
2007: 204)
Acredito estar Arinos referindo-se principalmente a Capistrano de Abreu, que omitiu
de seus Capítulos da História Colonial o movimento de 1789, causando a mágoa nos
mineiros. Esse sentimento fica claro no livro O Ouro das Gerais e a civilização da capitania,
de João Dornas Filho, escritor da geração de Arinos de Belo Horizonte. Na Introdução do
livro, que o autor intitulou de Motivo deste ensaio, Dornas afirma:
Os historiadores do Norte do país, a começar pelo venerado Capistrano de Abreu,
sempre julgaram desprezíveis os movimentos libertários de Minas, julgando a
própria Inconfidência como um acidente, que nenhuma influência teria exercido nos
fatos culminados em 7 de setembro.” (DORNAS, 1957: 5)
Em seguida, Dornas se volta contra o diplomata pernambucano Oliveira Lima, que ao
ministrar em 1911 na Sorbonne o curso “Formação Histórica da Nacionalidade brasileira”,
54
minimizou a relevância que o ouro de Minas teve na história econômica do Brasil. Como
54
O curso foi publicado no Brasil em 1944, com o mesmo título, pela Editora Leitura.
47
resposta ao “descaso” do escritor pernambucano, Dornas responde em tom de ofensa:
Esses historiadores dão importância que realmente não tem à invasão holandesa, por
exemplo, que nenhuma influência exerceu na nossa formação de povo [...] Dela não
ficou no nordeste senão um ou outro caboclo de olhos azuis e lanugem clara, ou uma
outra palavra de cunho neerlandês. (DORNAS, 1957: 5)
Voltando à conferência de Arinos, ela tem como proposta marcar a posição da
Inconfidência Mineira como evento mais relevante de nossa história política. Conforme o
autor, mesmo não tendo alcançado sucesso, a Inconfidência teria importância e significados
incomparáveis em relação ao processo de Independência de 1822, que, a despeito de firmar
uma separação da Colônia com a metrópole, não fundou uma tradição. A Independência não
teria sido capaz de firmar valores e símbolos sobre os quais, posteriormente, se cultivassem
identidades políticas e culturais.
55
Com a Inconfidência inicia-se o processo de
conscientização nacional
56
e, em seu ponto de vista, é a partir desta experiência histórica que
se pode reconstituir o processo de evolução de ideias políticas no Brasil (CAVALCANTI,
2006: 93).
Sérgio Paulo Rouanet, no artigo As Minas Iluminadas (1992), afirma que, quanto à
Inconfidência, ninguém nega a influência das ideias, mas que, para alguns autores, incluindo
Arinos, as ideias foram tudo, os fatos é que foram marginais, uma vez que, do ponto de vista
da justiça régia, os fatos não tinham existência penal. Tratava-se de visitas em que sujeitos
reuniam-se para conversar e essas conversas, coisa imaterial, é que tinham vida. Os autos das
devassas dão notícias dessas conversas. Para esses autores, Rouanet explica, os fatos são
matéria morta, as ideias as do iluminismo franco-americano sua substância viva.
(ROUANET, 1992:329) Nesse sentido, para Arinos, o espírito revolucionário dos
inconfidentes era nosso “tesouro perdido”, e Vila Rica era ao mesmo tempo a relíquia e a
esperança dos brasileiros. (CAVALCANTI, 2006: 93). Quando, em 1980, Ouro Preto recebeu
da UNESCO o disputado título de cidade patrimônio mundial, Afonso Arinos afirmou: “o
caminho de Ouro Preto, do arraial mineiro à cidade mundial, é a prova da criatividade
brasileira.”
55
No mesmo sentido, seu tio Afonso Arinos afirmaria em 1900, em Notas de um dia, que “aos inconfidentes,
como brasileiros, devemos o reconhecimento de terem sido os pionners na conquista de nossa nacionalidade e de
nossa independência. (ARINOS, 1900, p. 38)
56
Grifo meu.
48
Afonso Arinos faria parte, a partir de 1937, do grupo chamado por Mariza Velozo de
“academia SPHAN”. Foi membro do seu conselho consultivo ao longo de 50 anos e pertenceu
ao grupo de intelectuais mais próximos a Rodrigo Mello Franco de Andrade. Como
historiador, produziu diversos textos nos quais atribuía ao século XVIII mineiro, o ponto mais
alto de nossa civilização e como veremos ao final, em sua atuação como deputado, também
procurou defender os interesses de Minas e de Ouro Preto..
1.6 - Conclusões
A cidade de Ouro Preto passou por ações de restauração ainda na década de 1920, por
parte do governo estadual. Em 1933 é elevada à categoria de Cidade–Monumento no âmbito
da Inspetoria de Bens Nacionais do Museu Histórico Nacional, antes da criação do SPHAN.
Em 1938, dentro das ações do SPHAN, juntamente com outras cidades mineiras, é tombada
em seu conjunto. A partir do tombamento, considerada como obra de arte, a cidade é alvo de
intervenções com fins de recompor-lhe a originalidade, sendo apagados traços ecléticos e até
demolidas edificações do século XIX, para recompor a “boa arquitetura”, no dizer dos
arquitetos modernos.
A atuação do SPHAN durante a conhecida “fase heróica”, compreendida entre 1937-
1967, período em que Rodrigo Mello Franco de Andrade esteve à frente da instituição, tem
como marca preponderante a atenção especial ao patrimônio mineiro. Os intelectuais
identificados com o modernismo e associados ao regime político do Estado Novo, do qual
fazia parte Rodrigo, concebiam a si mesmos como uma elite cultural e política cuja missão era
“modernizar” ou “civilizar” o Brasil, elevando o país ao plano das nações europeias mais
avançadas. Conforme assinala José Reginaldo Gonçalves, tal projeto estava associado ao
reconhecimento da necessidade de produzir uma imagem singularizada do Brasil como cultura
e como parte da moderna civilização ocidental. No fundo, não se tratava simplesmente de
imitar a Europa, mas identificar e afirmar a autenticidade da cultura brasileira. Acreditavam
que, para “identificar” ou “redescobrir” o Brasil, o país teria de retornar aos seus mais
“autênticos” valores nacionais, os quais estavam supostamente fundados no passado
(GONÇALVES, 2002)
49
A impressão que nos fica é que todos esses intelectuais acreditaram estar localizado no
século XVIII, em Minas Gerais, o momento em que o Brasil começava a trilhar caminho
próprio. Com uma cultura insubmissa aos padrões europeus, o país estaria formando então
uma elite pensante, capaz de sozinha escolher os rumos do país e que tem seu ponto máximo
com a Inconfidência. Tudo isso teria sido interrompido no século XIX. Nesse sentido, voltar
ao século XVIII significava voltar do ponto onde nossa civilização começava a dar certo, onde
começávamos a firmar nossa identidade. O escritor pernambucano Gilberto Freyre em
Sobrados e Mocambos, esboça uma análise semelhante, quando pondera que o Brasil no
século XIX vive uma reeuropeização que interrompe o desenvolvimento de uma cultura
autóctone.
Nossa intenção ao refazer esse percurso que começa com a transferência da capital de
Minas, passando pelas viagens a Ouro Preto, chegando até o SPHAN, perpassa dois pontos
principais. O primeiro diz respeito à proposta de repensar a importância atribuída ao
modernismo paulista sobre a valorização das cidades históricas mineiras e a necessidade de
preservá-las, que foi, em grande medida, entendida como fruto da famosa viagem de
“redescoberta do Brasil”, realizada em 1924, pelos paulistas e pelo poeta francês Blaise
Cendrars. O segundo, e mais intrigante, diz respeito a uma genealogia do patrimônio,
encontrada entre os defensores históricos de Ouro Preto: Afonso Arinos, Diogo de
Vasconcelos e Cesário Alvim e seus descendentes diretos, Rodrigo Melo Franco de Andrade,
Sylvio de Vasconcelos e Afonso Arinos (o autor do Roteiro).
Rodrigo e Sylvio foram, respectivamente, diretor e representante regional do SPHAN
em Minas, e durante cerca de trinta anos responsáveis pelo planejamento e execução das
políticas de preservação nacional e estadual. A preferência é por Ouro Preto nessas ações.
Afonso Arinos, como dissemos, seria membro de seu conselho consultivo por mais de 50
anos, e um dos mais importantes ideólogos do papel de Minas como modelo de civilização
que deveria ser incorporado pela nação.
No caso da atuação direta no Serviço de Patrimônio em Minas, Rodrigo Melo Franco
de Andrade e Sylvio de Vasconcellos são os dois nomes mais importantes. Em primeiro lugar,
pelo longo tempo em que estiveram à frente do Serviço e, em segundo, pela já mencionada
genealogia familiar, no que tange ao interesse e compromisso com a preservação do legado
50
histórico e arquitetônico do estado e, mais especificamente, de Ouro Preto. Além do
compromisso público com o Serviço, nota-se claramente o elo afetivo que os liga à antiga
capital de Minas e os vemos como herdeiros de seus antepassados, antigos defensores da
cidade e da história mineira.
51
Capítulo II
“Os herdeiros da Tradição”: Rodrigo Melo Franco de Andrade e Sylvio de
Vasconcellos
Quem diz Patrimônio, diz herança
(Oliveira, 2008:114)
Na definição do dicionarista Rafael Bluteau (1712-1728),
57
herança se refere “aos
bens que se tem herdado”. Entre os exemplos oferecidos estão: “Coisa que vem por herança
ou tomar posse de uma herança.” O herdeiro, receptor da herança, é aquele “que a tem por
direito de parentesco ou por virtude de testamento”.
Ao investigar a atuação de Rodrigo Melo Franco de Andrade e Sylvio de Vasconcellos
em suas diferentes atribuições no Serviço de Patrimônio Histórico Artístico Nacional
(SPHAN), observei que, além de representar uma ocupação que lhes conferia prestígio, ou
uma missão “patriótica”, o cuidado especial dedicado a Ouro Preto ao longo de décadas
representava uma profunda ligação afetiva com a cidade, que envolvia um “compromisso”
herdado de seus familiares. O Patrimônio como herança.
Desde o momento em que a Imperial cidade de Ouro Preto,
58
perdeu a posição de
capital política do estado de Minas, intelectuais e políticos empenharam-se em recuperar e
preservar sua história, chamando a atenção não somente para a importância dos vestígios
materiais deixados na arquitetura e nas artes plásticas em geral, mas, sobretudo, para o valor
simbólico que ela detinha. Desde os primeiros discursos, que reclamaram para a antiga Vila
Rica um lugar diferenciado na memória da nação, o argumento seminal teve como núcleo a
referência aos eventos políticos que marcaram a cidade ao longo de todo o século XVIII,
como a Revolta de Felipe dos Santos em 1720 e a Inconfidência Mineira em 1789.
57
BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Português e Latino: áulico, anatômico, arquitetônico. Coimbra: Colégio das
Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728, 8v., pp. 20-21. Consultei a versão digitalizada, disponível no portal do
Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Para facilitar a leitura, optei por atualizar a grafia.
Disponível em <http://www.ieb.usp>. Acesso em 12/01/2009.
58
Título outorgado à cidade por D. Pedro I, em 1823.
52
Entre os principais “artífices” da história e da memória de Minas, forjada neste
período, estão José Pedro Xavier da Veiga,
59
Diogo de Vasconcellos e Afonso Arinos de Melo
Franco, que se empenharam em resgatar a tradição da cidade e marcar o lugar de Ouro Preto
na formação de uma história nacional.
O que esses homens tiveram em comum? Em primeiro lugar, foram monarquistas
convictos e assistiram com desalento a mudança do regime. Resistiram à mudança da capital
mineira e estão diretamente ligados aos esforços para criação do Arquivo Público Mineiro em
1895. Mais do que isso, produziram obras cujos argumentos principais tornaram-se basilares
para a historiografia mineira, propondo um sentido de unidade e identidade para o estado,
especialmente na formulação de mbolos que os enquadrassem na nova ordem republicana,
assentados sobre duas ideias mestras: a luta pela liberdade e a criatividade artística
incomparável.
Entre os três, nos interessa de forma particular Arinos e Vasconcellos, não somente
pela relevância e abrangência da atuação, mas principalmente pela ligação de parentesco
60
com Rodrigo Melo Franco de Andrade, Sylvio de Vasconcellos e Afonso Arinos de Melo
Franco (sobrinho), que, décadas mais tarde, assumiriam papéis importantes na interpretação e
valorização da história de Minas. Se os primeiros foram importantes para a criação de uma
consciência sobre a importância histórica de Minas, seus herdeiros teriam como compromisso
consolidá-la e imprimi-la na memória nacional.
59
Tornou-se o primeiro diretor do Arquivo Público Mineiro (APM). Sobre seu papel na organização do APM e a
importância de suas obras, consultar: SILVA, Marisa Ribeiro “O artífice da Memória”. In: Revista do Arquivo
Público Mineiro, Ano 43, Vol.1, 2007. Sobre a criação do Arquivo Público Mineiro e a formação de uma
identidade regional, ver: Antunes & Silveira. “Memória e Identidade Regional: historiografia, arquivos e museus
em Minas Gerais”. In: Cadernos de História. Mariana: Universidade Federal de Ouro Preto, Ano II, 1, março
de 2007. Disponível em <http://www.ichs.ufop.br/cadernosdehistoria>. Acesso em 12/05/2009.
60
O historiador Diogo de Vasconcellos era tio em segundo grau de Sylvio, mas ocupava posição de avô, já que
seu pai, o também historiador Salomão de Vasconcellos ficou órfão ainda criança e teve a criação delegada ao
tio. Afonso Arinos Melo Franco era tio em primeiro grau de Afonso Arinos e de Rodrigo Melo Franco, e foi
responsável pela educação do último, que perdeu o pai aos três anos de idade.
53
2.1 - Rodrigo Melo Franco de Andrade: “o herói silencioso”
“Se queres ser universal, começas por pintar tua aldeia”
(Leon Tostoi)
Para entendermos a relevância desse personagem é fundamental percorrermos um
pouco de sua trajetória pessoal, ligando-a as influências familiares e, sobretudo, a seu lugar de
origem, Minas Gerais.
Rodrigo Melo Franco de Andrade nasceu em Belo Horizonte em 17 de agosto de 1898,
apenas um ano após a inauguração da nova capital de Minas Gerais. Filho mais velho de
Rodrigo Bretas de Andrade, professor da Faculdade de Direito de Minas, e de Dália Melo
Franco de Andrade. Do lado paterno, descende de uma família de Ouro Preto, sendo bisneto
de Rodrigo José Ferreira Bretas, o primeiro biógrafo de Aleijadinho e membro do Instituto
Histórico e Geográfico brasileiro. Do lado materno, da tradicional família de intelectuais e
políticos oriundos de Paracatu, os Melo Franco, que ocupam posição de destaque nas letras e
na política desde o Império. Seu tio Afonso Arinos (1868-1916) foi um importante escritor
sertanista e figura de destaque na intelectualidade brasileira em sua época, como já vimos.
Afonso Arinos exerceria grande importância na formação de Rodrigo, que com a perda
do pai aos três anos de idade teve sua criação ligada à família materna. Começou seus estudos
no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte, e aos 12 anos foi morar em Paris com o tio que o
matriculou no Colégio Lycée Janson de Sailly
61
para dar continuidade ao curso secundário.
Arinos, que não tinha nenhum filho homem, acalentava um carinho especial pelo sobrinho,
preocupando-se em oferecer a ele uma formação sólida e erudita, que o habilitasse a ocupar
postos importantes no Brasil, como qualquer membro da diminuta elite da época.
Durante sua estadia na França trocava correspondências semanais com a mãe, Dália
Melo Franco, que acompanhava o filho à distância. Em uma carta enviada a ele em 29 de
fevereiro de 1913, a mãe manifesta satisfação com as atividades que o filho vem
desenvolvendo na capital francesa, como esgrima, equitação e natação e faz algumas
recomendações: “Desejo que tomes lição de dança para perderes tua “gancherie” e adquiras
maneira de salão. (...) Peço que estudes muito, meu filhinho. Pois além de todas as outras
61
Importante Liceu parisiense que mais tarde teria como professores Jean Paul Sartre e Levi-Strauss.
54
razões, Vera e eu só contamos com você no futuro.”
62
No Liceu Janson de Sailly em Paris, Rodrigo foi contemporâneo de Flavio de Carvalho
e de Pierre Verger.
63
A estadia na capital francesa foi extremamente rica para o menino Dodô,
como era chamado pela mãe e pela irmã, pois nesse período teve a oportunidade de conviver
com grandes figuras das letras e da vida brasileira, entre eles Paulo Prado, Gastão da Cunha,
Graça Aranha, Tobias Barreto, Alceu Amoroso Lima, e diversos outros intelectuais que
frequentavam a prestigiosa residência de Arinos. Com a morte prematura do tio em 1916, o
jovem Rodrigo retorna ao Brasil e, em seguida, inicia o curso de direito na extinta Faculdade
de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, onde cursou o primeiro e quinto anos.
Nesse primeiro período vivido na capital, tornou-se amigo de Olegário Mariano,
Álvaro Moreira e Raul de Leoni. Transferências constantes de moradia fizeram com que
realizasse etapas do curso em Belo Horizonte e São Paulo, na Faculdade do Largo de São
Francisco, onde haviam se formado seu pai, tios, assim como significativa parcela da elite
política e intelectual brasileira desde sua criação em 1827.
64
Vale destacar que nessa estadia na
cidade estabeleceu contatos com os escritores modernistas, como Oswald e Mário de Andrade,
Alcântara Machado e Ribeiro Couto. Em Belo Horizonte ficou amigo de Milton Campos e
João Alphonsus. Através do primeiro conheceu os escritores Carlos Drummond de Andrade,
Pedro Nava e Abgar Renaut, ícones do modernismo mineiro. As amizades travadas em sua
juventude perdurariam por toda a vida e teriam desdobramentos fundamentais posteriormente,
na medida em que essa densa rede formada por Rodrigo possibilitaria condições de realizar
mais tarde diversos empreendimentos.
65
2.1.1- Entre o Direito e o jornalismo
Foi no escritório de seus tios Afrânio e João de Melo Franco que Rodrigo iniciou a
carreira de advogado, chegando a possuir depois escritório próprio em sociedade com o amigo
62
Arquivo Rodrigo Melo Franco de Andrade/Cartas a mãe/Casa de Rui Barbosa.
63
Décadas mais tarde, Rodrigo e Verger se reencontrariam no Brasil, e o fotógrafo prestaria inúmeros trabalhos
ao SPHAN.
64
Vejamos alguns de seus familiares que estudaram no Largo de São Francisco e o ano de colação de grau.
Virgílio de Mello Franco (avô), 1866; Afonso Arinos (tio), 1889; Rodrigo Bretas de Andrade (pai) e Afrânio de
Mello Franco (tio), 1891.
65
Minc/Fundação Pró-Memória. Rodrigo e seus tempos (1986).
55
Prudente de Moraes Neto. Sua formação de advogado, embora amplamente citada, ainda não
foi explorada pelos trabalhos que aludem à sua atuação pública. O direito o ajudaria de forma
determinante no exercício de suas tarefas à frente do “Patrimônio”. O conhecimento da
legislação e a experiência na advocacia certamente contribuíram para seu trabalho, tendo em
vista as dificuldades impostas pela necessidade inevitável em lidar com as resistências de
proprietários, instituições religiosas e uso indevido de bens tombados. Afinal, a primeira e
mais importante ação desse órgão diz respeito ao tombamento, que é um instrumento jurídico,
e o “Patrimônio” esteve ao longo de toda sua existência institucional envolvido em longas
disputas judiciais para fazer uso desse dispositivo legal.
Como a maioria dos bacharéis da época, Rodrigo conciliou a advocacia com a
atividade jornalística, que, como observou Nicolau Sevcenko, “foi a grande força que
absorveu quase toda atividade intelectual do período”. (SEVCENKO, 2003:125). Seu
primeiro emprego na área foi no jornal O Dia, do qual eram diretores Virgílio Melo Franco
(seu primo), Azevedo Amaral e Gastão da Cunha. Em 1924, detentor de prestígio no
ambiente político, Rodrigo participa de um consórcio de intelectuais e políticos que angariam
fundos para que Assis Chateubriand comprasse seu primeiro periódico, O Jornal, no Rio de
Janeiro. Alguns anos depois, quando Chateaubriand resolve estender seus negócios para São
Paulo e comprar o Diário da Noite, Rodrigo consegue levantar em Minas parte significativa
dos recursos necessários, através de vendas de ações do jornal. (MORAES, 1994:139-153).
Com isso, o jovem Rodrigo ganhou a gratidão de Chateaubriand,
66
que mais tarde diria que
Minas era seu “vaticano do crédito”, e que “o dinheiro era sempre pródigo e quando a vida
o compelia ao pecado mortal no pagamento de uma letra, o perdão acabava vindo.”
(MORAES, 1994: 77).
Fato foi que o jornal paulista deu a Chateaubriand tantos lucros, que permitiram que
ele adquirisse em 1926 a Revista do Brasil, de Monteiro Lobato, dando então a Rodrigo, que
era um dos diretores do matutino carioca O Jornal, a chefia de redação. Embora a direção
oficial coubesse a Plínio Barreto, Afrânio Peixoto, Alfredo Pujol e Pandiá Calógeras, que
emprestavam o prestígio de seus nomes à publicação, os responsáveis de fato eram o redator-
chefe Rodrigo e o secretário Prudente de Morais Neto, que trataram de modernizar a
linguagem do periódico e dar espaço aos escritores modernistas.
66
Sobre a relação entre Rodrigo e Chateaubriand, consultar também MELO FRANCO, 1961: 229.
56
No entanto, para publicar os jovens autores, com os quais Rodrigo e Prudente tinham
identificação estética, precisaram ceder às sugestões feitas por Chateuabriand e Calógeras,
publicando também textos de vertente considerada conservadora. (LUCCA, 2006: 319-320).
Sobre essa conciliação, Prudente de Moraes Neto deixou o seguinte registro:
Havia a parte Chateubriand/Calógeras e a havia a parte Rodrigo/Prudente. Nós nos
sujeitamos, acabamos nos adaptando a esse esquema porque tínhamos liberdade de
publicar o Oswald, o Manuel, o Mário, o Alcântara e fomos publicando e isso já nos
satisfazia um pouco e a revista não deixou de ter uma influencia também no
movimento cultural literário modernista pelo fato de publicar também (...) outros
que eram levados pelo Calógeras e pelo Chateaubriand. (MORAES NETO apud
LUCCA, 320)
Não obstante as circunstâncias, o espaço aberto por Rodrigo na Revista do Brasil aos
autores modernistas possibilitou maior divulgação de seus textos e a consolidação deste estilo
nas letras e no gosto brasileiro.
Em 1928, ainda na direção de O Jornal, cargo que ocupou até 1930, Rodrigo dedica
um número especial a Minas Gerais, para o qual encomenda artigos a Mário de Andrade,
Manuel Bandeira, Lúcio Costa, Carlos Drummond, entre outros. Abre a edição o artigo de
Mário de Andrade, Aleijadinho: Posição histórica. É também desse número o conhecido
artigo de Bandeira: Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos estudantes, que reproduziu
anos mais tarde no Guia de Ouro Preto (1938). Aleijadinho é o grande protagonista da
publicação. Drummond o define como “criador simples, forte e desabusado”, enquanto
Bandeira afirma: “Antônio Lisboa tratou o barroco, renovando-o com um espírito
verdadeiramente genial”. (GOMES JR., 1998: 60-61) Esboça-se nesse momento, no jovem
editor de apenas 30 anos, qual seria seu principal compromisso ao longo da vida.
Na carreira jornalística, colaborou ainda com diversos periódicos como: Estado de
Minas, A Manhã, Diário da Noite, O Estado de São Paulo, O Cruzeiro, Diário Carioca e
Módulo. No Rio de Janeiro, juntamente com Sérgio Buarque de Hollanda e Prudente de
Morais Neto, foi um dos fundadores da Revista Estética.
57
2.1.2- O início da vida pública: “Servidor público nº 1 do Brasil”
Em 1930, já casado com Graciema Prates, mineira de Montes Claros, Rodrigo é
convidado por Francisco Campos para ser seu chefe de Gabinete no Ministério da Educação e
Saúde. Inicia-se ai a vida pública. O Ministério da Educação e Saúde era um dos principais
instrumentos políticos e burocráticos usados para realizar as mudanças propostas nas áreas de
cultura e educação após a Revolução de 1930. No mesmo ano indica o nome do jovem
arquiteto Lúcio Costa para assumir a direção da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes).
Sobre esse fato, Lúcio Costa deixou registrado o seguinte testemunho:
Com a Revolução de 1930, um dos primeiros atos do governo foi a nomeação de
novos diretores na área de Educação e Cultura: a de Rodolfo Garcia para o Museu
Histórico ou biblioteca, a de Luciano Gallet para o Instituto de Música e a minha
para as Belas Artes. Colhido de surpresa, recebi em Correias um recado de Rodrigo
M. F. de Andrade, que eu ainda não conhecia, pedindo o favor do meu
comparecimento ao Ministério (...) Vi-me assim, da noite para o dia, diante da
tarefa de reorganizar o ensino da chamada Belas Artes no país. (COSTA, 1995:16)
A passagem de Lúcio Costa pela ENBA, embora curta, tornou-se um marco na
renovação das artes plásticas no Brasil.
67
O Ministério da Educação e Saúde, do qual Rodrigo tornou-se o primeiro chefe de
gabinete, veio a ser dirigido a partir de 1934 por Gustavo Capanema, político associado à elite
intelectual mineira que desempenhou um papel crucial na criação de instituições culturais e
educacionais até o fim do Estado Novo, em 1945, e foi responsável pela ascensão de Rodrigo
e seu grupo ao poder.
68
2.1.3 - No Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
“O zelo, a honradez e a proficiência de D. Pedro II no trato da coisa pública
estavam encarnados na pessoa do servidor nº 1 do Brasil, o diretor do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Melo Franco de
Andrade.” (COSTA, 1995:473)
67
Lúcio Costa pretendia modernizar a forma de ensino da ENBA e empreendeu várias mudanças, como
renovação do quadro de professores, organização de exposições e viagens. No entanto, sua permanência foi
curta. É demitido em setembro de 1931, mesma época em que realiza o Famoso Salão Revolucionário, como
ficou conhecida a 3Exposição Nacional de Belas Artes. Para maior compreensão sobre a passagem de Lúcio
Costa pela ENBA, ver: CAVALCANTI (1995) e (2006).
68
Ver: BOMENY& SCHWARTZMAN (2000) e BOMENY (2001)
58
Em 1936, por indicação de Mário de Andrade e Manoel Bandeira, o ministro Gustavo
Capanema convida Rodrigo para organizar e dirigir o SPHAN, função que exerceria
ininterruptamente até se aposentar em 1967.
Acreditando ser o desconhecimento de nossas tradições culturais um dos maiores
obstáculos à edificação e consolidação de um serviço de defesa do patrimônio eficiente,
Rodrigo empreende como uma de suas primeiras ações, a encomenda de pesquisas sobre
diversos monumentos. O SPHAN irá realizar um trabalho de base, no sentido de dar à
reflexão sobre a arte brasileira uma maior consistência (SIMÕES JR., 1998: 65). A criação da
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é, nesse sentido, um veículo para
registrar e divulgar os valores de nossa cultura.
No primeiro número da Revista do Patrimônio, Rodrigo afirma: “ninguém contestará
que necessidade de uma ação sistemática e continuada com o objetivo de dilatar e tornar
mais seguro e apurado o conhecimento dos valores de arte e de história de nosso país. (...) A
criação da Revista do Patrimônio visa contribuir para esse efeito.“ (ANDRADE, 1937:3-4).
São publicados neste primeiro número trabalhos de cunho monográfico, sobre monumentos
que haviam sobrevivido da época colonial. Gilberto Freyre publica Sugestões para o Estudo
da Arte brasileira em relação com Portugal e as Colônias; Godofredo Filho escreve sobre O
Seminário de Belém da Cachoeira; Mário de Andrade escreve sobre A Capela de Santo
Antônio, em São Roque; Alberto Lamego sobre O Solar do Colégio, no Rio de Janeiro.
(GOMES JR., 1998:65) O objetivo de Rodrigo é afirmar e defender a existência de uma
genuína cultura nacional brasileira.
Conforme assinalou Mariza Veloso Santos, Rodrigo criou no novo órgão um ambiente
de produção, discussão e troca de conhecimentos, que se assemelhava a uma academia, e que
a autora batizou de Academia SPHAN. (SANTOS, 1996). Em um depoimento que confirma
essa leitura, Lúcio Costa afirmou: “Com Rodrigo, o clima no patrimônio era universitário. Ele
orientava, atraía os colaboradores mais qualificados, editava revistas, estimulava vocações. As
portas estavam sempre abertas, acolhia a todos, era o reitor.” (COSTA, 1986: 7-8)
A principal marca da gestão de Rodrigo, e que nos interessa particularmente neste
trabalho, é a atenção, dedicação e compromisso com a salvaguarda e divulgação de seu estado
natal, demonstrados em inúmeras ações, entre as quais o tombamento em 1938 de seis cidades
59
coloniais mineiras em sua totalidade: Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Serro, São João Del
Rei e Tiradentes. No mesmo sentido, Rodrigo se empenhou na valorização, comprovação e
consagração da obra do escultor mineiro, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
2.1.4 -Tese de família? A querela em torno de Aleijadinho
No segundo número da Revista do Patrimônio, Rodrigo publicou o artigo
Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho, cuja intenção inequívoca era por fim ao
“mistério de Aleijadinho”, como ficou conhecida a querela que envolveu a biografia sobre o
artista mineiro, escrita por seu bisavô paterno, Rodrigo Bretas, cuja publicação completava
oitenta anos.
Neste primeiro estudo biográfico sobre Antônio Francisco Lisboa,
69
além de oferecer
os primeiros dados biográficos e informações sobre a doença que o acometeu, deixando-o
deformado, Bretas atribuía a Antônio Francisco Lisboa a autoria de diversas obras espalhadas
por Ouro Preto e região. Baseado em relatos de contemporâneos e de uma nora do artista,
Bretas o descreve da seguinte forma:
Antônio Francisco era pardo escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada e o gênio
agastado; a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça
redondos, e esta volumosa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a
testa larga, o nariz regular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas
grandes e o pescoço curto. Até cerca de 40 anos teve boa saúde, tanto que cuidava
sempre em ter mesa farta e era visto muitas vezes tomando parte de danças vulgares
(...) Depois, com o corpo chagado, amargurado e só, jazeu por quase dois anos num
estrado de tábuas sobre dois cepos em pequena alcova onde conservava, no dizer de
Joana Francisca, sua nora, a imagem do Senhor, implorando na sua lenta agonia que
sobre ele pusesse os seus divinos pés. (BRETAS, 1858, apud COSTA, 1995:521)
Todas essas informações que compõem o imaginário sobre o mestre mineiro foram
lançadas pelo texto de Bretas, que entre outras coisas teve o crédito inegável de ter cunhado o
apelido que tornaria célebre o artífice do século XVIII: o Aleijadinho (GRAMMONT, 2008:
110). Deve-se a este texto também o convite para que Bretas se tornasse membro sócio-
correspondente, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Boa parte do que
69
Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa foi publicado inicialmente no Correio Oficial
de Minas, em 1858 e, posteriormente, na Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano II, Vol. 1, pp. 161-174, 1896,
como o título Aleijadinho: esboço biográfico.
60
Bretas escreveu foi referendado, meio século depois, pelo respeitado historiador Diogo de
Vasconcellos, em 1911, no célebre texto A arte em Ouro Preto, publicado pela Imprensa
Oficial de Minas por ocasião do bicentenário de Ouro Preto.
70
A querela se armou em 1934 quando o historiador e diretor do Arquivo Público
Mineiro, Teófilo Feu de Carvalho,
71
publicou um texto no qual negava quase todos os dados
contidos na biografia escrita por Bretas. As principais críticas de Carvalho devem-se ao fato
de Bretas não ter apresentado nenhuma fonte documental para comprovar a autoria de
Aleijadinho sobre as obras, além da periodização da vida do artista, alegando que nem mesmo
sua certidão de nascimento foi encontrada. “Todos os negócios do Aleijadinho eram aleijados,
desde o assento de batismo ao de óbito, inclusive!”, ironizou o diretor do Arquivo Público
Mineiro. (CARVALHO, 1934 apud GRAMMONT, 2008:127).
Desde os primeiros dias na função de diretor do SPHAN, Rodrigo encomendou
pesquisas objetivando comprovar a autoria das obras atribuídas ao mestre mineiro. Em suas
correspondências
72
encontramos volumosa documentação sobre esses pesquisadores
contratados pelo SPHAN em Ouro Preto e região. Foram orientados pessoalmente por
Rodrigo para vasculhar arquivos civis e eclesiásticos atrás de recibos de pagamentos e outros
documentos comprobatórios dos serviços prestados pelo escultor mineiro. Não tardaram a
surgir os primeiros resultados.
No citado Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho, publicado em 1938,
Rodrigo apresentava 24 documentos levantados por seus funcionários, comprovando a autoria
de Aleijadinho a obras na Igreja do Carmo de Sabará, Carmo e São Francisco em Ouro Preto,
Congonhas, entre outras. Ao final do texto, afirma:
Esperamos que o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional concorra um
pouco, nas pegadas dos doutos, para a solução sucessiva desses problemas, cuja
importância é maior do que se poderá parecer para a história da arte brasileira.
(ANDRADE, 1938:112)
70
Imprensa Oficial, 1911.
71
Foi diretor do APM em três ocasiões. 1920-1922, 1926-1927, 1933-1936. Ver: “Diretores efetivos e interinos
do Arquivo Público Mineiro”. In: Revista do APM, ano XXVII, 1976, pp.7-8.
72
IPHAN/Arquivo Técnico Administrativo/Série Personalidades/RM/Correspondência nominal. Ver : Hermínio
Barbosa e Manuel de Paiva.
61
Na esteira da polêmica proposta por Feu de Carvalho, outros historiadores, como José
Mariano Filho e Augusto de Lima Jr., escreveram livros nos quais tentaram invalidar a
biografia de Bretas. Lima Jr., em Aleijadinho e arte colonial (1942) vai mais longe que os
anteriores, negando que o Aleijadinho de Bretas tenha sequer existido e afirmando que as
obras apresentadas em seu texto haviam sido realizadas por um outro artista aleijado de nome
Joaquim José da Silva, da região de Sabará. (GRAMMONT, 2008:107)
Em resposta, Rodrigo publica um artigo em 1943 no Jornal A Manhã, no qual afirma
que um grande número de especialistas vem não confirmando, por meio de profusa prova
documental, a procedência da atribuição ao Aleijadinho de quase todos os trabalhos que lhe
eram creditados em Ouro Preto, Congonhas do Campo, Sabará, São João de Rei, como
apontando outras ainda desconhecidas. (ANDRADE, 1986: 113). Anos mais tarde, referindo-
se à atuação do SPHAN no sentido de referendar a biografia de Bretas, Lima Junior afirmou:
“essas lendas ingênuas foram, em nossos dias, intensamente alimentadas pelas verbas
copiosas do Ministério da Educação, derramadas para manter viva uma ‘tese de família’. Mas
testemunho nulo é testemunho nulo”. (LIMA JR., 1966: 56)
Além dos dois artigos mencionados, Rodrigo publicou mais de uma dezena de
artigos, através dos quais prosseguia divulgando os resultados das pesquisas em curso sobre o
artífice.
73
Conforme afirmou Guiomar de Grammont, que realizou uma minuciosa pesquisa
sobre a construção do mito de Aleijadinho, uma das tarefas que mais ocuparam o SPHAN foi
a pesquisa e a reunião de documentos que pudessem corroborar a biografia de Bretas.
Segundo a autora, o Patrimônio reuniu um acervo documental tão completo que suas
descobertas tornaram-se a principal fonte para o estudo do artista. (GRAMMONT, 2008:159)
Além de pesquisar, escrever e publicar sobre Aleijadinho, o diretor do Patrimônio
tinha absoluto controle dos pesquisadores e pesquisas que eram realizadas sobre o barroco
mineiro, tratando de estimulá-las e acompanhá-las. Ciceroneou diversas vezes o famoso
historiador de arte Germain Bazin, curador do Museu do Louvre em Paris,
74
colocando à sua
disposição toda a infra-estrutura que o DPHAN
75
dispunha nas cidades onde passava,
73
Esses artigos publicados em diversos veículos foram reunidos no livro Rodrigo e seus tempos, Minc/Pró-
Memória, 1986.
74
A partir de 1951.
75
A partir de 1946, passa-se a se denominar diretoria.
62
realizando sua pesquisa sobre Aleijadinho e a arquitetura colonial.
76
Sem dúvida, pelo lugar
que ocupava no cenário artístico internacional, Bazin foi o maior responsável pela divulgação
do artista mineiro no exterior, tendo publicado em 1963 o livro Aleijadinho e a escultura
barroca no Brasil, no qual retomou o debate em torno da biografia de Bretas, e embora
também tenha discutido alguns aspectos controversos, de uma maneira geral, aliou-se aos
esforços da DPHAN e de seu diretor, reforçando a veracidade documental do texto de 1858.
(GRAMMONT, 2008:105).
Se os historiadores conseguiram colocar Tiradentes no lugar mais alto do panteão dos
heróis brasileiros, Rodrigo Melo Franco de Andrade conseguiu a mesma façanha com
Aleijadinho, que chegou aos nossos dias com um prestígio colossal. O interesse pelo artista
extrapolou os círculos de colecionadores, curadores e estudiosos de arte e caiu no gosto dos
pesquisadores acadêmicos e jornalistas, e não param de ser produzidos trabalhos sobre o
escultor mineiro.
Herança passada de geração em geração, seu filho, o cineasta Joaquim Pedro de
Andrade, também dedicou dois filmes às “duas grandes sombras de Ouro Preto”,
77
Os
Inconfidentes (1972) e O Aleijadinho (1978).
Sobre Os Inconfidentes, Eduardo Escorel, amigo de Joaquim e membro do grupo de
jovens cineastas identificados com o “cinema novo”, deixou em seu livro Adivinhadores de
Água (2005),um registro importante.
Os Inconfidentes, em certo sentido, pode ser visto como um filme de despedida. Ele
ainda guarda uma relação estreita com a figura de seu pai (...). Os termos da
dedicatória incluída no final dos créditos de apresentação são inequívocos: “A
Rodrigo M.F. de Andrade, com muito amor”. Além de Tiradentes ter sido um herói
para o pai de Joaquim, o filme se passa, em grande parte, em Ouro Preto, por cuja
preservação Dr. Rodrigo empenhou toda sua vida. (ESCOREL, 2005: 90. Grifo
meu)
Ao apontar Os Inconfidentes como filme de despedida, Escorel refere-se à impressão
de que Joaquim estava intimamente atrelado às expectativas do pai. O jovem diretor havia
estreado em 1959 com os dois belíssimos filmes sobre Manoel Bandeira (seu padrinho) e
76
O diretor do SPHAN e o historiador trocaram longa correspondência (1951-1966), disponível no Arquivo do
IPHAN/Personalidades/RM/Correspondência nominal/Germain Bazin.
77
Expressão utilizada por Manoel Bandeira, no Guia de Ouro Preto (1938), para se referir a Tiradentes e
Aleijadinho.
63
Gilberto Freyre, O Poeta do Castelo (1959) e Mestre de Apipucos (1959), fazendo clara
reverência à influência do pai sobre sua formação. No entanto, com O Padre e a Moça (1965)
e Brasília: Contradições de uma cidade nova (1967), a história foi outra. No caso do
primeiro, Escorel conta que “Dr. Rodrigo” saiu da exibição do filme “com impressão de
desalento”, pela tênue relação que o filme guardava com o poema que o inspirou (ESCOREL,
2005:89). No caso do filme seguinte, por mostrar os rumos que a jovem capital do Brasil
havia tomado apenas sete anos após sua inauguração, o desagrado do pai estendeu-se também
a seus amigos de geração, os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, autor do plano piloto e
responsável pela construção, respectivamente.
Nesse sentido, a redenção poderia vir com Macunaíma (1969), o qual Rodrigo
acompanhou pessoalmente a elaboração do roteiro. No entanto, segundo Escorel, que foi
montador do longa-metragem, toda a equipe foi surpreendida com a morte de Rodrigo antes
da finalização do filme, o que “frustrou a oportunidade que se anunciava para uma
reconciliação entre o cinema do filho e o gosto do pai” (ESCOREL, 2005:88). De fato, a
impressão de Escorel que Os Inconfidentes teria sido um filme de despedida ou de prestação
de contas, nos parece plausível, uma vez que os dois filmes seguintes ao Os Inconfidentes,
Guerra Conjugal (1975) e Vereda Tropical, (1977), possuíam um caráter bem distinto dos
anteriores.
Contudo, a inspiração e a reverência ao ambiente intelectual do pai sobre Joaquim
eram indubitáveis e não se esgotaram com o longa de 1972. Dos quatorze filmes que dirigiu,
entre curtas e longa-metragem, oito fizeram referência direta ao universo dentro do qual
Rodrigo se formou e viveu. São eles: O Poeta do Castelo (1959) sobre Manoel Bandeira,
Mestre de Apipucos (1959), sobre Gilberto Freyre, O Padre e a Moça (1965), baseado no
poema de Carlos Drummond de Andrade, Brasília: Contradições de Uma cidade Nova
(1967), Os Inconfidentes (1972), O Aleijadinho (1978), O Homem do pau Brasil (1981),
inspirado na obra de Oswald de Andrade, sem contar o inacabado, Casa Grande e Senzala
(1988), interrompido com sua morte em 1988.
64
2.1.5 - A mediação entre Cultura e Política
As contribuições de Rodrigo Melo Franco de Andrade não se reduzem ao escopo de
sua ação administrativa no Patrimônio. Além de profundo conhecedor de arte e hábil
burocrata, o autor de Velórios (1936) era detentor de enorme prestígio e credibilidade no meio
político e intelectual, posição através da qual se utilizou para intermediar parcerias que
mudariam indelevelmente os rumos da arte e da vida pública e intelectual brasileira.
Foi a partir de uma indicação sua que o jovem poeta Carlos Drummond de Andrade
ingressou na vida pública em 1928. Recém casado e precisando complementar o salário que
ganhava no Diário de Minas, Rodrigo ajudou-o a conseguir um emprego com Francisco
Campos, que exercia o cargo de secretário do interior do governo de Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada. Vejamos a carta de agradecimento que o poeta escreveu ao amigo, em 27 de
dezembro de 1928.
Caríssimo Rodrigo,
No dia seguinte em que falou com o Campos [Francisco] a meu respeito, ele mandou
chamar-me para trabalhar em seu gabinete. Creio ser desnecessário acrescentar que é a
v. que eu devo tudo ido, a v. tão delicado e tão bom, e, sobretudo, tão amigo.
coisas na vida que não se esquecem.
78
Deve-se a ele, como vimos a indicação de Lúcio Costa para a ENBA, cujos
desdobramentos são amplamente conhecidos. E foi também por seu intermédio que se
realizou uma das mais célebres parcerias entre política e cultura no Brasil: o encontro entre
Juscelino Kubistchek e Oscar Niemeyer. (COUTO, 2001:78) e (CAVALCANTI, 2006: 120)
Em 1940, JK assumiu a prefeitura de Belo Horizonte disposto a empreender um amplo
projeto de modernização na cidade, que ainda possuía o aspecto de cidade de funcionários.
Pretendia transformar a capital dos mineiros em uma metrópole moderna e cosmopolita, capaz
de manter intercâmbio com os principais centros culturais do país. Seu programa visava uma
ampla expansão urbana, com a abertura de novas avenidas e criação de novos bairros. Uma
nova área se destinaria ao entretenimento dos belo-horizontinos com a intenção de lhes retirar
o ranço provinciano, o Complexo da Pampulha.
Depois de um frustrado concurso que resultou em projetos de “estilos convencionais,
78
Carta de CDA a RMFA. Arquivo Rodrigo Melo Franco de Andrade/Arquivos Pessoais/Casa de Rui Barbosa.
65
seguindo os padrões de prédios públicos”, JK foi apresentado a Oscar Niemeyer por Rodrigo
de Melo Franco de Andrade, com a recomendação de que era o arquiteto certo para o que
Juscelino planejava. Àquela altura Niemeyer tinha colaborado na elaboração do projeto do
MES (Ministério da Educação e Saúde) no Rio de Janeiro (1936-1943), além de ter elaborado
sozinho os projetos da Obra do berço (1937), da residência de Oswald de Andrade (1938), do
Grande Hotel de Ouro Preto (1938), e do Pavilhão do Brasil (1939) na exposição de Nova
York.
A pedido de Niemeyer, Juscelino convidou os mais ilustres paisagistas e artistas
plásticos modernos da época para participarem do projeto. Nomes como Burle Marx,
Portinari, Ceschiatti, José Pedrosa, August Zamoisky e Paulo Osir Rossi transformaram o
Complexo da Pampulha numa verdadeira obra de arte a céu aberto. Sem dúvida, a Pampulha,
inaugurada em 1943, foi a obra mais importante de JK como prefeito de Belo Horizonte e sua
construção representou, ao mesmo tempo, a consagração do gênio de Niemeyer e a projeção
desejada por JK para a concretização de suas ambições políticas. Não obstante, foi
responsável por implantar de forma definitiva a arquitetura moderna em Belo Horizonte e
consolidá-la no cenário nacional.
Decidido a inovar o campo artístico e intelectual e colocar em evidência a pacata
capital de Minas, Juscelino patrocinou também a Exposição de Arte Moderna em Belo
Horizonte, em 1944, reunindo os principais artistas da época. Pelas obras arrojadas e a
recepção polêmica que obteve do público, esse evento ficou conhecido como a “Segunda
Semana de Arte Moderna”.
A Exposiçãofoi articulada pela recém-criada Escola de Belas Artes de Guignard e
patrocinada pela prefeitura, com o objetivo de ensinar o público mineiro a “ver diferente” e se
familiarizar com os códigos da arte moderna. Para tanto, estiveram presentes ao evento os
grandes nomes do modernismo nacional, incluindo nomes ligados à semana de 22, como
Tarsila do Amaral, Portinari, Anita Malfati, Oswald de Andrade e Sérgio Milliet. O evento
marcaria em grande estilo a chegada de Guignard ao campo das artes em Minas Gerais.
79
Para viabilizar a montagem da exposição, que consistia em reunir em Belo Horizonte
grande parte do acervo de arte moderna brasileira, foi necessária a colaboração decisiva do
ministro Gustavo Capanema e de Rodrigo de Melo Franco de Andrade, que serviram como
79
Para um maior detalhamento sobre essa exposição, consultar VIEIRA (1988).
66
uma espécie de “fiadores” para que as obras fossem liberadas para a exposição, além de
preparar em Minas o ambiente necessário para recebê-las.
Como pode ser observado pela análise do imenso volume de correspondências
guardadas no arquivo do IPHAN no Rio de Janeiro, Rodrigo possuía uma densa rede de
relações com pesquisadores e autoridades do meio cultural dos mais diferentes países. Tornou-
se uma espécie de guardião da cultura brasileira, de modo que todos os pesquisadores que
vieram ao Brasil durante essa época o procuravam e recebiam generosas orientações. Ajudou
na edição e publicação de diversas enciclopédias e livros sobre História da Arte. Da mesma
forma, estabeleceu o intercâmbio com organismos internacionais como Unesco, Icom, Icomoc
e OEA,
80
o que facilitou a troca de experiências entre técnicos do Brasil e do exterior. Através
de seu prestígio conseguiu ampliar as ações do Patrimônio, que teve em sua gestão uma
importância semelhante à de um Ministério. Além de atuar no tombamento, conservação e
restauração dos bens de pedra e cal, como ficou marcado, Rodrigo fomentou e viabilizou
projetos importantíssimos para a cultura brasileira.
Um exemplo disso se em 1962 quando, através de uma parceria entre a Diretoria
de Patrimônio e o Itamaraty, a UNESCO promove no Brasil um curso com o premiado
cineasta sueco Arne Sucksdorff
81
, visando suprir as necessidades do grupo “cinemanovista” e
aperfeiçoar as técnicas do cinema nacional. Alguns de seus alunos foram Joaquim Pedro de
Andrade, Eduardo Escorel, Vladimir Herzog, José Wilker e Arnaldo Jabor, que serviu também
de tradutor. Junto com Arne Sucksdorff chegaram ao Brasil as câmeras de 35 mm e 16 mm, o
revolucionário éclair, a mesa de montagem Steenbeck, o primeiro gravador Nagra a ser usado
no país, além de outros equipamentos sofisticados. As câmeras e o Nagra foram adquiridos
com recursos da Diretoria de Patrimônio.
82
Rodrigo também participou de congressos nacionais e internacionais sobre
patrimônio e história da arte, além de contribuir para publicação de livros e enciclopédias. Sua
atuação em prol da cultura brasileira foi amplamente reconhecida em vida, tendo recebido
80
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura; Conselho Internacional de Museus;
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios e Organização dos Estados Americanos.
81
Ganhador de dois Oscars e uma palma de Ouro em Cannes.
82
Um detalhamento dos desdobramentos gerados pelo curso de Arne Sucksdorff patrocinado pela Unesco e do
papel de Rodrigo Melo Franco de Andrade nesse processo, estão presentes em diversos livros, entre eles:
SARACENI (1993). Devo o conhecimento sobre a participação de Rodrigo nesse evento a Wolney Malafaia, que
desenvolve tese de doutorado no CPDOC/FGV sobre a obra de Joaquim Pedro de Andrade.
67
títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por diversas universidades brasileiras e foi
membro de institutos históricos e geográficos de diversos estados.
2.1.6 - A Trilogia dos heróis mineiros: Tiradentes, Aleijadinho e Rodrigo
A atuação de Rodrigo Melo Franco de Andrade no serviço público ficou fortemente
marcada nos inúmeros registros deixados por seus funcionários, amigos e admiradores, pela
ideia de “causa”. Tanto a “causa” por ele apresentada como sendo aquela que deveria
interessar a todos os brasileiros, a de proteger seu patrimônio cultural, por se tratar do pilar
fundamental de nossa identidade, como a sua própria atuação no órgão, identificada sempre
pelas ideias de “renúncia” e “exemplo”, como tão bem assinalou José Reginaldo Gonçalves
(1996).
Sobre sua contribuição na mudança da mentalidade brasileira em relação a seu passado
e sua cultura, deixou-nos seu amigo Drummond esse depoimento:
“Se hoje temos alguns museus de categoria, se podemos mostrar ao turista
a maravilha de Ouro Preto, integral e oitocentista; se hoje você pode
confiar a um técnico de restauração o quadro mais precioso de sua casa; se
a gente moça modela o espírito na compreensão dos valores de arte
tradicional, ligando-as às formas modernas; se uma velha arca ximbó com
losangos é guardada com amor numa sala de estar de classe média, e não
jogada no lixo, isto se deve à ação criadora, renovadora ou orientadora do
Departamento de Patrimônio, chefiado por Rodrigo, que educou e formou o
gosto e mentalidade”. (ANDRADE, Carlos Drummond, 1969)
Em torno da figura de Rodrigo estabeleceu-se o mito do homem abnegado, que abrira
mão da carreira literária e da vida particular em detrimento da coisa pública, enfrentando a
“ignorância” e a “indiferença” da população e de suas elites, e oferecendo uma total dedicação
à proteção e à preservação do patrimônio.
83
Assim como Tiradentes e Aleijadinho, mitos que
ajudou a consolidar, Rodrigo teve uma memória criada a partir de elementos que o constituem
como um herói, e não por acaso sua gestão dentro do SPHAN ficou conhecida como “fase
heróica”. A construção de uma vida heróica, como bem sintetizou Lúcia Lippi de Oliveira,
83
Em 1969, por ocasião de sua morte, Ayrton de Carvalho, chefe do distrito da DPHAN em Pernambuco,
organizou uma coletânea de textos para homenagear o chefe que acabara de falecer. Nesse livro escreveram,
Drummond, Capanema, Pedro Nava, Amoroso Lima, entre vários amigos e ex-funcionários. Todos os artigos são
permeados pela ideia de “renúncia” e “exemplo”. (DPHAN, 1969)
68
“implica a vitória sobre alguma adversidade. Demanda algum sacrifico. Desde a mitologia
grega, passando pelo universo da igreja católica, com a vida e morte de Cristo e dos santos,
até os dias de hoje, os heróis e seus feitos devem oferecer exemplos, conforto e esperança ao
comum dos mortais”. (OLIVEIRA, 2001: 44 In: BOMENY, 2001)
2.3 - Sylvio de Vasconcellos: A síntese de Rodrigo Melo Franco e Lúcio Costa
A seu modo, Sylvio foi em Minas, o que no Brasil foi seu/nosso amigo
Rodrigo Melo Franco de Andrade (...) contribuiu decisivamente para
iluminar o passado de Minas (Otto Lara Resende, 1979)
Sylvio de Vasconcellos nasceu no dia 14 de outubro de 1916 em Belo Horizonte.
“Descendia de uma família que se confunde com a história de Minas, na medida em que
contribuiu para escrevê-la e interpretá-la (RESENDE, 1979, Prefácio). Era o quarto dos sete
filhos do casal Salomão e Branca, vindos originalmente da tradicional cidade de Mariana.
Seus pais foram funcionários públicos: a mãe, violinista e pianista, era professora de música
da Escola Normal; o pai, taquígrafo da Câmara Estadual e historiador, embora graduado em
Direito e Medicina. Sylvio, como muitos dos principais intelectuais que vieram a atuar no
campo do patrimônio cultural no Brasil, veio de uma família de políticos e homens de letras.
Descendente do importante político mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos (1795-1850),
seu tio Diogo de Vasconcellos e seu pai, Salomão (1877-1965),
84
foram importantes
historiadores mineiros. Seu pai escreveu vários livros, destacando-se O Fico: Minas e os
Mineiros na Independência, pela Companhia Editora Nacional, em 1937, Mariana e seus
templos (1938), Breviário Histórico e Turístico da Cidade de Mariana (1947), além de ter
publicado seis artigos na Revista do Patrimônio, sobre Mariana, Vila Rica e Sabará.
84
Salomão de Vasconcelos nasceu na Fazenda do Gualaxo em Mariana, Minas Gerais, no dia 02 de janeiro de
1877. Formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1914) e Direito. Ensaísta,
historiador, advogado, médico. Membro da Academia Mineira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais, do qual foi presidente entre 1955-1958. É autor dos livros: O Fico: Minas e os Mineiros na
Independência (1937), Bandeirismo (1944), História de Mariana (1945), Solares e Vultos do Passado (1950),
Breviário Histórico e Turístico da Cidade de Mariana, Um Brasileiro Esquecido: Bernardo de Vasconcelos e sua
obra, O Palácio de Assumar, Retiro da Água Limpa (sem data de publicação). Publicou também O Destino do
Corpo de Fernão Dias, Cem anos de Estenografia no Brasil, Estenografia na Educação Popular, Curso Prático
de Estenografia, Memória de Uma República de Estudantes, A Escravatura em Minas Gerais,Os Vasconcellos
de São Paulo e Minas Gerais, Os Sinos na Simbologia e na História, Como Nasceu Sabará, Matrizes Mineiras e
Como Nasceu Ouro Preto, alem de Retiro dos Intelectuais e Verdades Históricas. Publicou vários artigos na
Revista do SPHAN e foi o primeiro representante do SPHAN em Minas Gerais.
69
Salomão, que se tornou mais tarde o primeiro representante do SPHAN em Minas,
teve sua formação ligada ao apadrinhamento do tio, Diogo de Vasconcellos,
85
senador do
Império e um dos principais historiadores mineiros da virada do século XIX para o XX, tendo
escrito obras clássicas, como História Antiga e História Média de Minas Gerais, que até hoje
são fontes primordiais para quem se aventura pela história de Minas do período colonial e do
Império.
2.2.1 – Diogo de Vasconcellos: o artífice da memória
Vasconcellos, juntamente com outros, como mostramos anteriormente, lutou até o
último momento para que a Ouro Preto não perdesse “o diadema”
86
de capital de Minas. No
intuito de reunir e legar às gerações futuras a história gloriosa da cidade começou a escrever
seu primeiro livro História Antiga de Minas, no ano seguinte à mudança da capital. Na
publicação em 1900, Vasconcellos confessa o que motivou sua escrita.
Em 1898, no dia de São João, tendo na forma do antigo costume, ouvido a missa na capela do
morro, por aí me conservei algumas horas em meditação depois que o povo se retirou. Fazia no
ato dois séculos que a bandeira de Antônio Dias ali chegou para descobrir Ouro Preto. Concebi
então o projeto de reunir as memórias, que tinha, dos fatos sucedidos nessa época remota,
pouco estudada, e muito mal dirigida pelos escritores até hoje aceitos, como depositários da
tradição. O meu projeto apenas começado, vi que não era o simples como supus. A história
não pode se discernir aos pedaços. Assim o que aqui apresento não está bem nas condições
como o desejei e apenas poderá despertar algum gosto pelas coisas antigas, a quem quiser
coligir com elementos melhores de sucesso. (...) Inspirado no dia do centenário de Ouro
Preto, bem é que o ponha sob os auspícios de tantos corações, que prezam a esta nossa amada
cidade. Procerum generosa propago; armorum legumque paren. Àgua Limpa, 31 de dezembro
de 1900. (VASCONCELLOS, [1900]1999: 39)
Foi um dos primeiros pesquisadores a explorar a documentação da Seção Colonial do
Arquivo Público Mineiro, bem como os arquivos eclesiásticos e jurídicos de Mariana e Ouro
Preto, no intuito de registrar o passado de Minas Gerais, sobretudo, da cidade de Ouro Preto.
Além dos arquivos brasileiros, Diogo fez longas pesquisas em arquivos de Portugal, em
especial na Torre do Tombo. Foi também, em seu texto, A Arte em Ouro Preto, publicado em
85
Diogo Luís de Almeida Pereira de Vasconcellos (Mariana-1843-1927) foi historiador e político mineiro.
Pertencia à antiga e tradicional família luso-brasileira, os Pereira de Vasconcellos. Estudou sucessivamente no
Seminário de Mariana, no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro e na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, na cidade de São Paulo, onde se graduou em 1867.
86
Expressão utilizada por ele em “Arte em Ouro Preto”, 1911.
70
1911, que apareceu pela primeira vez a referência a Ouro Preto, como “obra de arte”, como
veremos.
Em seu discurso no dia 08 de julho de 1911, durante as comemorações do bicentenário
de Ouro Preto, fica patente o ressentimento em relação ao tratamento que foi dado à “velha
heroína” e a construção de uma narrativa na qual a própria cidade é personificada a partir de
sua trajetória heróica. Além disso, Vasconcellos “profetiza” que serão as cidades antigas e seus
monumentos que farão com que Minas reencontre com seu destino.
Invocando o progresso de Minas, ela que para todos os progressos havia iniciado o povo
mineiro, foi sacrificada e lhe tiraram da fronte o diadema de capital. Contentando-se porém,
com sua sorte de irmã, entre as mais cidades e forte na consciência de nunca ter embaraçado as
aspirações do povo, nem poluído as insígnias de sua primazia, compraz-se agora em ver
florescer e prosperar o estado, pelo qual já deu no passado a vida de mártires, não recusaria,
nem recusará dar a sua própria (...) Se perdeu seu diadema, não pode perder em caso algum,
nem debaixo de ruínas, a auréola imperecível de sua missão histórica (...) Minas de sua parte,
como naqueles tempos, achará nas suas cidades antigas os monumentos e ruínas para reaver
também os modelos e os pergaminhos pelos quais renasçam as artes e os esplendores da
civilização.(VASCONCELLOS, 1911:355. Grifos meus)
O citado livro A Arte em Ouro Preto, no qual Vasconcellos reafirmaria a missão da
antiga Vila, se tornaria a principal fonte de inspiração dos intelectuais mineiros que o
sucederam na tarefa de manter Ouro Preto viva.
Cidade que foi o cérebro organizado da casa mineira, oficina das leis e da ordem, é o maior
monumento dos monumentos. Quando mesmo a fatalidade das circunstâncias fizer um dia
eclipsar a civilização, bastará o testemunho mudo de nossas ruínas para se reatar o passado ao
futuro e o povo mineiro achar o segredo perdido de suas energias (VASCONCELLOS, 1911:
184. Grifos meus)
Como podemos observar nesses excertos, encontra-se na narrativa de Vasconcellos o
núcleo de um discurso que seria inteiramente reapropriado pelos intelectuais mineiros quanto
ao significado e à missão de Ouro Preto. A idéia de Ouro Preto como o monumento dos
monumentos, sua capacidade de reatar passado e futuro (relíquia e esperança, diria Arinos, 70
anos depois) e, sobretudo, a idéia de Ouro Preto como manancial de energias de onde Minas
buscaria referências sempre que estivesse em circunstâncias difíceis. Foi de fato, sobre esses
pilares que os mineiros ao longo de todo o século passado e ainda hoje justificam e reclamam
uma importância privilegiada no cenário nacional.
71
2.2.2 – A Formação de Sylvio de Vasconcellos
Tomados como referências os exemplos de Diogo e Salomão de Vasconcellos, dois
historiadores, cuja trajetória foi marcada pelo compromisso com a restauração da honra de
Minas e de Ouro Preto, podemos imaginar como a educação e valorização do passado foi algo
fundamental na formação do futuro representante do SPHAN em Minas.
Ele realizou seus estudos de primário e ginasial em Minas, tendo estudando em Belo
Horizonte, Barbacena e São João Del Rey. Essas transferências devem-se à procura de
Salomão de boas escolas para o filho, uma vez que, embora pertencesse a uma família
tradicional e tivesse adquirido uma boa formação graças ao tio, não possuía bens que lhe
possibilitassem ter uma vida folgada ou mesmo enviar o filho para estudar em centros mais
avançados. Na escolha da profissão, Sylvio de Vasconcellos optou pela arquitetura e ingressou
em 1940 na Faculdade de Arquitetura de Belo Horizonte, criada em 1930.
2.2.3 - A Escola de Arquitetura de Belo Horizonte
A Escola de Arquitetura de Belo Horizonte (EABH), foi criada em 05 de agosto de
1930, e teve sua primeira turma em 1931, sendo a primeira escola da América do Sul
desvinculada das Escolas Politécnicas e de Belas Artes. No Brasil, os cursos de arquitetura se
desmembraram das Politécnicas e Belas Artes somente no final dos anos 40. Alguns
historiadores atribuíram equivocadamente a data de criação da EABH ao ano de 1944, ano
em que na verdade esta foi reconhecida pelo Governo Federal, como veremos adiante.
Sua proposta parte de um grupo desvinculado da Universidade. Segundo Patrícia
Ribeiro, sua criação foi imbuída de um desejo que estava presente na população e nos
intelectuais da cidade, valorizando o profissional arquiteto e a arquitetura como geradora de
uma qualidade técnica e estética.(RIBEIRO, 1999:2)
O resgate da trajetória dessa pioneira instituição torna-se importante em nosso trabalho
por diversas questões. A primeira delas é que, a partir de sua criação, se catalisam diversas
manifestações culturais, artísticas e intelectuais que ocorriam em Belo Horizonte desde a
última década. Não é por acaso que um dos nomes mais importantes na vida artística de Belo
72
Horizonte, Aníbal Matos, esteja entre seus criadores e primeiros professores. Havia um
interesse em formar profissionais arquitetos que traduzissem tendências de vanguarda, assim
como as conquistas tecnológicas, em forma de construções e organizações espaciais, uma vez
que a arquitetura residencial da cidade estava envolta na execução repetitiva dos projetos
baseados nos modelos e padronizações tipológicas defendidas pela Comissão Construtora.
A criação da Escola de Arquitetura aconteceu em torno de Luiz Signorelli, um dos
arquitetos mais atuantes no cenário belo-horizontino da época, onde se agruparam arquitetos,
engenheiros, artistas, advogados e médicos. Seus principais fundadores foram: Luiz Signorelli
(arquiteto formado pela ENBA em 1925); Martim Francisco Ribeiro de Andrada; Leon F.
Clerot; Aníbal de Matos (artista, escritor, historiador da arte, estudou no Liceu de Artes e
Ofícios do Rio de Janeiro e na ENBA); Alberto Pires Amarante; Laborne Tavares; João
Kubitschek; Benedicto Quintino dos Santos; Paulo Kruger Mourão; Dario Renault; Saul
Macedo e Simão Woodes Lacerda. .(RIBEIRO, 1999:2)
O ponto chave da importância dessa instituição é que ela será responsável por
inaugurar o modernismo arquitetônico vanguardista em Belo Horizonte, formando em seus
quadros nomes que atuarão no Serviço de Patrimônio em Minas, entre eles Sylvio de
Vasconcellos, que ingressou na escola em 1940, um ano depois em que começou a trabalhar
junto com seu pai Salomão de Vasconcellos no 3º distrito do SPHAN, a regional de Minas.
Sylvio tem uma interessante trajetória ligada à Escola de Arquitetura de Belo
Horizonte. Poucos anos depois de formado se tornaria um importante professor e pesquisador
da casa, ultrapassando os ensinamentos de seus mestres, avançando na reelaboração dos
currículos e nos métodos de ensino, atuando ativamente na implementação da infraestrutura
para o desenvolvimento de pesquisas na instituição. Todas essas iniciativas propostas por
Vasconcellos, além de sua própria produção intelectual tiveram desdobramentos não na
arquitetura produzida e ensinada em Belo Horizonte, como em todo país, onde teve durante
quase três décadas papel fundamental para a formação do campo da arquitetura, sobretudo na
promoção de uma profunda reflexão quanto ao papel do arquiteto na sociedade. Tornou-se um
dos maiores especialistas em arquitetura barroca do país, tendo publicados livros e artigos
clássicos sobre o assunto.
Deteremo-nos mais um pouco na Escola de Arquitetura.
73
Até a década de 1930, Belo Horizonte contava com pouquíssimos profissionais de
arquitetura, ficando os projetos a cargo dos desenhistas ou copistas, que se baseavam nos
modelos e padronizações tipológicas defendidas pela Comissão Construtora da Nova Capital.
Em pesquisa sobre a história dessa instituição, Cléo Oliveira e Maini Perpétuo
levantaram uma notícia publicada no Estado de Minas em 1934, que nos oferece uma mostra
da situação em Belo Horizonte na época:
Na construção de seus edifícios notáveis, um “que” de falta de gosto e de educação
artística. A sua arquitetura não corresponde às suas necessidades de cidade
moderna, falta-lhe a modelagem artística do arquiteto, os seus prédios não
satisfazem em seu conjunto, ressentem-se de falta de harmonia estética dando a
impressão de que predominou a vontade exclusiva do proprietário leigo do que a
arte de quem projetou. falta de luz e falta de linhas harmônicas e muita sobra de
aberrações artísticas e amontoados de ornamentações sem nenhuma finalidade.
87
Os cursos de nível superior existentes na cidade (Medicina, Odontologia, Direito e
Engenharia) tinham sido congregados na criação da Universidade de Minas Gerais, em 1927.
Diante disso, a nova capital carecia de profissionais de diversas áreas. Aproveitando um
cenário que dava mostras de florescimento cultural e motivado em colocar Belo Horizonte no
caminho para que fora projetada, ser uma cidade moderna e cosmopolita, esse grupo liderado
por Luiz Signorelli se reuniu com o objetivo de organizar uma escola de formação de técnicos
da arquitetura e profissionais das artes auxiliares, como decoradores, escultores e pintores.
A criação da instituição foi concretizada com grande dose de voluntarismo por parte de
seus idealizadores, que não contava com recursos públicos. As despesas com aluguel de
sede, salários e aquisição de material didático eram feitas com recursos dos próprios
fundadores e professores, conforme lembra em depoimento Victor Signorelli, filho do
Professor Luiz Signorelli: “eles lutavam com muita dificuldade porque a Escola não tinha
verba. Papai vendia os móveis em casa para comprar pranchetas e cadeiras para os alunos, e
acho que os outros professores faziam o mesmo”.
88
Segundo João Kubitschek de Figueiredo, um de seus fundadores, existia uma
preocupação constante em formar arquitetos com uma cultura técnica, científica e artística
“ampla e arejada”. Desde o início, se adotou a organização didática da seção de arquitetura da
87
OLIVEIRA & PERPÉTUO. Setenta e Cinco anos da primeira Escola de Arquitetura do Brasil. Disponível
em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos>. Acesso em 22-05-2009.
88
Victor Signorelli é filho de Luiz Signorelli e seu depoimento foi dado às autoras referenciadas na nota anterior.
74
Escola Nacional de Belas Artes, condição necessária para o seu reconhecimento pelo Governo
da União, procurando, entretanto, estabelecer na nova escola uma atmosfera em que todas as
correntes da arquitetura, tradicionalistas ou modernas, tivessem livre curso e franco estímulo.
(FIGUEIREDO, 1946:8). Cabe lembrar que no mesmo ano da criação da Escola de
Arquitetura de Belo Horizonte, Lúcio Costa foi empossado como diretor da Escola Nacional
de Belas Artes (ENBA).
A EABH funcionou de forma autônoma até 1944, quando Juscelino Kubitschek
instituiu através do Decreto Municipal 151, de 28 de fevereiro, o Instituto de Belas Artes
(IBA), que reuniu o curso de Arquitetura existente e o curso de Belas Artes. Esse último,
criado pelo artista plástico Alberto da Veiga Guignard, trazido por JK dentro de seu projeto de
modernização da capital. O Instituto previa a autonomia didática para os dois cursos.
Enquanto o currículo da Escola de Arquitetura tinha correspondência com o da Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a Escola de Belas Artes, dirigida por Guignard,
não aceitou se enquadrar em qualquer estatuto ou regimento que equivalesse ao da ENBA.
Nesse sentido, enquanto a primeira escola se subordinava ao sistema nacional de educação, a
outra se insurgia contra ele, dificultando a manutenção do instituto. (FIGUEIREDO, 1946:8)
Ainda em 1944, a Escola de Arquitetura obteve o reconhecimento pelo Governo
Federal e teve seus diplomas aceitos em todo o território nacional. No entanto, em 1946 o IBA
foi extinto, mas a Escola de Arquitetura foi incorporada à UMG, passando a denominar-se
Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais.
Mais um passo importante dessa instituição foi a criação, em 1950, do Curso de
Especialização em Urbanismo, com base no Decreto Federal 7.198, de 31 de agosto de
1945. O curso tinha duração de dois anos e seu objetivo era “a formação de especialistas na
moderna e complexa ciência do urbanismo, aperfeiçoando os conhecimentos dos portadores
de diploma de arquiteto, engenheiro arquiteto e engenheiro civil”.
89
O curso atraiu a atenção
de outras escolas de arquitetura do país, inclusive da Universidade do Brasil, que enviou para
Belo Horizonte professores com a missão de estudar o seu funcionamento. Sylvio de
Vasconcelos, que tinha obtido seu diploma de arquiteto em 1944, cursaria também
Urbanismo, obtendo o título em 1952.
89
ESPECIALISTAS em urbanismo. Belo Horizonte: Estado de Minas, 21 de Abril de 1959. Citado por
OLIVEIRA & PERPETUO, 2005.
75
2.2. 4 - Sylvio de Vasconcellos e a Arquitetura Colonial Mineira
Como mencionamos, Sylvio de Vasconcellos se formou na Escola de Arquitetura de
Belo Horizonte em 1944. A partir de 1948 ocupa na mesma Escola, como professor assistente,
a cadeira de Arquitetura no Brasil, da qual se tornaria titular quatro anos depois, com a tese
Arquitetura Particular em Vila Rica. Considerado um dos mais competentes professores da
época, suas aulas tinham um enfoque diferenciado em relação aos antigos professores, que
segundo queixas de muitos alunos, ensinavam utilizando-se de recursos de cópias e
repetições, anulando a criatividade dos alunos. Com Sylvio, os alunos eram incentivados a ler,
pesquisar e debater não só os assuntos diretamente ligados ao tema da disciplina, mas também
quaisquer outros que se relacionassem a esses. (OLIVEIRA E PERPETUO, 2005)
Segundo Ronaldo Masotti, ex-aluno de Vasconcellos, “a cadeira de Arquitetura no
Brasil abria um painel amplo e livre aos fundamentos da arquitetura e, não raro, era a
oportunidade de os alunos questionarem toda a ortodoxia acadêmica ministrada nas demais
disciplinas”. (OLIVEIRA E PERPETUO, 2005)
Entusiasta da construção do conhecimento pela pesquisa e inovação, Sylvio criou em
1954 o Laboratório de Foto-Documentação dentro da Escola de Arquitetura, com o objetivo
inicial de montar uma base de documentação fotográfica do acervo arquitetônico e artístico de
Minas Gerais. A criação desse acervo é umas das iniciativas mais importantes desse professor
e hoje leva seu nome. Em 1959, Sylvio mais um passo no fortalecimento das condições de
pesquisa da Escola, participando da criação de um núcleo de assessoramento à pesquisa sob
sua supervisão. As atividades desse núcleo, inicialmente voltadas para pesquisas
bibliográficas, se transformaram em apoio didático, na medida em que passaram a constar dos
serviços do Laboratório de Foto-Documentação e da Gráfica.
Havia na Escola falta de material didático e livros-textos para serem utilizados nas
disciplinas. Nesse sentido, as atividades do Serviço de Foto-Documentação e a Gráfica,
impulsionados pela Seção de Pesquisas, passaram a dar um novo rumo à Escola. Somente
entre 1961 e 1963 editaram cerca de sessenta e sete tulos, cujos autores, em sua maioria
professores da Escola, tinham competência reconhecida nacionalmente. A publicação destes
trabalhos auxiliou na divulgação do conhecimento produzido na instituição.(MELLO, 1979:
76
18-22) A Seção de Pesquisa e a Gráfica funcionaram ativamente até o seu fechamento em
1964, quando o professor Sylvio de Vasconcellos foi afastado por ocasião do Golpe Militar.
Analisando a trajetória de Sylvio percebemos que se trata de um pesquisador com
obsessão em estimular e fomentar novas pesquisas sobre a arquitetura tradicional brasileira,
um professor obstinado em criar novas formas de diálogo para reprodução do conhecimento e
um técnico comprometido com a atuação nas práticas de preservação em Minas Gerais, tendo
como grande objeto o barroco mineiro. As características que encontramos em Sylvio o
enquadram perfeitamente como membro típico da academia SPHAN, com todas as
características apontadas por Mariza Velloso (1996).
Desde o início da carreira procedeu interruptas pesquisas sobre a arquitetura colonial
mineira. Em um de seus primeiros estudos, Contribuição para o estudo da arquitetura civil
em Minas Gerais, publicado em quatro partes na Revista Arquitetura e Engenharia, de Belo
Horizonte em 1946, Sylvio demonstra uma crítica ácida ao ecletismo e uma postura
vanguardista. Para Vasconcellos, a arquitetura de Belo Horizonte era caracterizada como uma
enxurrada de elementos e estilemas retirados do passado, muitas vezes conjugados
aleatoriamente, segundo o saber popular. O autor classificava o ecletismo presente na capital
desde sua criação como “uma avalanche de influências exóticas” ou a “loucura desenfreada”.
(BRASILEIRO, 2008:93)
Quanto a presença do neocolonial em Belo Horizonte, Sylvio também não pouparia
críticas:
Transplantando para a casa formas de monumentos, chafarizes, principalmente
detalhes de igrejas etc. e decorando-a com elementos também retirados de lugares
muito diferentes daqueles onde foram aplicados, nada pior se poderia conseguir e nada
mais deprimente para a nossa arquitetura colonial de fato (...). Estava o
“neocolonial” que se esparramou pelas cidades (Belo Horizonte, coitada!) e outras,
antecipando o missões, o californiano, o mi casita.
(BRASILEIRO, 2008:93)
Para Sylvio, assim como para os demais modernistas, a arquitetura praticada durante o
século XIX e início do século XX, representava um hiato entre o estilo colonial e o
modernismo. Nesse sentido, sua geração era responsável por trazer de volta a “boa
arquitetura”. Na quarta parte da Contribuição, publicado em 1947, Sylvio demonstrava uma
77
satisfação com relação aos rumos que a arquitetura tomava na capital.
Estamos no limiar de um novo estilo que vem reatar a evolução interrompida.
Temos agora a casa do Doutor Pedro Aleixo, o Iate, o Cassino, a Casa do Baile, a
querida Igreja de São Francisco da Pampulha, a casa do Doutor João Pádua, temos
Niemeyer conosco. Temos outros arquitetos de pulso, temos o início da
compreensão pública, a arte respira de novo e continua seu caminho após a grande
sufocação que sofreu. A arquitetura renasce!
(BRASILEIRO, 2008:97)
Ao descrever a arquitetura colonial civil mineira comparando-a com a estética
modernista, Sylvio assinalaria:
A construção lembra o concreto armado: o barro armado! Inicialmente se colocam
os quatro esteios dos cantos e, apoiados neles, os frechais fechando o cubo em
cima. Penetrando no próprio chão e nos frechais se colocam verticalmente os “paus-
a-pique” que vêm depois dar nome à construção. Em sentido horizontal, as varas
amarradas com cipós aos paus-a-pique. A armação está pronta e agora é encher
esta rede de paus trançados com o barro já amassado e depois, às vezes, colocar o
revestimento. A armação do telhado também é simples, uma cumeeira e os caibros
apoiados nela e nos frechais. Algumas gramíneas – o sapé, a folha de palmeira – são
as coberturas preferidas, em carreiras superpostas. As madeiras são ligeiramente
desbastadas nos esteios e frechais. O resto são paus roliços com casca e tudo.
Talvez como construção rústica, não possamos ainda considerar estas casinhas
como arquitetura propriamente dita, a não ser pelas indicações construtivas que
possam sugerir. (BRASILEIRO, 2008:97)
Ao associar o pau-a-pique/barro armado ao concreto armado, Sylvio classificava o que
era para ele a verdadeira arquitetura. “Estes tipos com seus esteios de pouca secção, os cheios
jogando bem com os vazios, fazem lembrar perfeitamente as soluções de nossa arquitetura
moderna. A pureza, a franqueza das soluções são as mesmas, o mesmo espírito!” Segundo
Vanessa Brasileiro, Sylvio legitimaria o modelo tipológico tradicional mineiro, a casa apoiada
sobre esteios, com paredes vedadas por barro, como arquitetura verdadeira para os
modernistas integrantes do SPHAN capitaneados por Lúcio Costa. Ou seja, o entendimento do
que seria a arquitetura para a modernidade passava pela relação entre espaço, técnica e função,
descartando os ornamentos. (BRASILEIRO, 2008:100)
Para Vanessa Brasileiro, Sylvio interpretou, construiu e revisou os conceitos de
modernidade postos em seu tempo. A arquitetura modernista de Vasconcellos foi arrazoada e
traduzida levando em consideração as condições culturais locais.
Segundo Vanessa Brasileiro, para Sylvio de Vasconcellos:
A definição de uma arquitetura para uma cultura local, brasileira ou mineira, não passa
78
pela unicidade e homogeneidade pretendida pelo conceito de nação. Antes, deve
considerar a mistura, numa relação explícita e cotidiana, que exige a re-elaboração
(contínua) das “fontes” externas (exógenas) e internas (tradição). Em Vasconcellos, o
que aparentemente poderia sugerir ambigüidade – a adoção de modelos estéticos
vanguardistas em oposição a uma ação/investigação ligada ao patrimônio histórico,
por exemplo traduz-se em ambivalência: “pesos” ou fontes” diversas se equiparam
e conformam o projeto a partir de uma nova elaboração.
(BRASILEIRO,
2008:46-47)
Ao analisar algumas obras de Sylvio de Vasconcellos, a autora identificou a filiação
direta do arquiteto com o modernismo carioca e francês, em especial com os arquitetos Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer e Le Corbusier. Contudo, à medida que a pesquisa avançou, ela se
deparou com uma complexidade bem maior nas diversas perspectivas abertas pelo arquiteto
mineiro, como os espaços significativos da casa, a modernização através dos transportes
públicos, o tema da memória, as vanguardas artísticas, o mineiro. (BRASILEIRO, 2008:51)
Seguindo a tradição familiar de interesse pela história e memória de Minas, e em
última análise, o esforço por interpretar esse tipo social aprisionado pelas montanhas, Sylvio
escreveu em 1969 o livro Mineiridade: Ensaio de Caracterização, que teve prefácio de
Afonso Arinos de Melo Franco. Entre os anos de 1965 e 1970 foi bolsista da Fundação
Calouste Gulbenkian em Portugal, onde pesquisou as origens da arquitetura colonial mineira,
se detendo na investigação da arquitetura da região do Minho, norte de Portugal, de onde
emigrou a maior parte da população que povoou a região aurífera de Minas no século XVIII.
A tentativa de entender o mineiro esteve presente em vários de seus textos. No artigo
De Como Minas se deixa amar, Vasconcellos descreve a relação que os mineiros
estabeleceriam com sua terra.
O amor que cada terra inspira a seu povo é vário e singular. Um se exalta de glórias pregressas,
outro se sustenta de exuberâncias; esse de vaidades se alimenta, aquele de riquezas se influi.
Amor é coisa de dois, e sua constituição de dois caracteres se forma o chão e o homem. O amor
dos mineiros por seu berço é por princípio, discreto e pudonoroso. Entretanto, profundo.
Nasce de uma intimidade respeitosa que não admite prepotência e extroversão gratuita. Um
jamais se coloca à disposição do outro, em desfrute. Completam-se. (...) O mineiro se põe a
planejar e se entrega inteiro à sua terra. É violenta e áspera, sim, inconquistável. Contudo é ela
a bem amada. (...) Não há, no mineiro, razões de amor por sua terra (...). Seu coração tem
razões próprias, irreveláveis, que a razão desnecessita aceitar. Jamais canta encantos de sua
terra amada. Antes os negaceia, renega, protegendo-lhe os méritos. Não pretende que sejam por
outros captados. É coisa sua, intransferível (...). Quando o mineiro zomba de sua terra não é,
pois, por desprezá-la. Muito ao contrário, é por amarão desespero o chão que lhe pertence.
Deixa-o com freqüência, por necessidade insuperável e, fora, adapta-se integralmente ao
novo ambiente. Todavia conserva-se para sempre amante insatisfeito, e sua personalidade
decorre dessa insatisfação contida. Transforma-a em maneira de ser particular. Imprime ao
79
comportamento e à ação os traços indeléveis de seu amor. Transforma-o em símbolos, abstrai-o,
transmuda-o em presença invisível que se afirma em cada gesto ou palavra. Como à mãe, não a
ama por ser bela ou notável. Ama-a simplesmente por -la como mãe e jamais se convida a
justificar tal amor. Existe, simplesmente, como atributo intrínseco do próprio ser. A despeito de
erros, equívocos e desrazões. (BRASILEIRO, 2008:319-320)
Em relação à questão do patrimônio, Sylvio entendia o monumento e o entorno como
algo único, que deveria ser tratado de forma coesa. O estudo da arquitetura particular de Ouro
Preto em sua tese de cátedra nos parece a busca por um entendimento mais amplo através da
arquitetura civil do ser mineiro, do homem comum, objeto que o perseguia e que resultaria
anos mais tarde na publicação do seu ensaio sobre a mineiridade.
Para Vanessa Brasileiro,
Falar de patrimônio significa falar da produção humana, e em um sentido mais ampliado do
próprio homem este ser coletivo –, da reversão do olhar para objetos menos significativos
sob o ponto de vista da expressão plástica, carentes de uma investigação mais apurada que
permitisse neles reconhecer o produto de uma coletividade. A reflexão de Sylvio se dirige
também à composição da paisagem como um todo, em que as pequenas partes se conjugam, e
não sobre os objetos excepcionais, alvo da salvaguarda do IPHAN. A leitura da paisagem
coaduna-se com a perspectiva contemporânea em que a cidade é, a rigor, um somatório,
delineada pela alternância entre casario e monumentos. (BRASILEIRO, 2008:345)
Quando compara a arquitetura barroca mineira e baiana, Sylvio argumentava:
Quanto a Ouro Preto e Bahia, eu deveria dizer que os estilos não podem ser comparados em
termos de riqueza. A Bahia é mais rica. Entretanto, Ouro Preto tem um estilo barroco singular e
típico que eventualmente tornou-se a arquitetura representativa do Brasil. (VASCONCELLOS
apud BRASILEIRO, 2008:274)
A obra intelectual de Sylvio de Vasconcellos é numerosa e ainda hoje se apresenta
como importante referência no estudo da arquitetura brasileira, sobretudo no que diz respeito
à arquitetura barroca no Brasil. Sylvio publicou diversos livros sobre arquitetura e cultura
brasileira, cerca de 30 artigos em Revistas, incluindo a Revista do Patrimônio e dezenas de
artigos em jornais. Seu objeto privilegiado eram as cidades coloniais mineiras, com destaque
para Ouro Preto.
O autor de Mineiridade escreveu também um importante livro sobre Aleijadinho, Vida
e obra e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho(1979), publicado pela Coleção Brasiliana.
90
A intenção do autor foi fazer um livro onde retratasse o homem e o artista, destituindo-lhes as
inverdades que circundaram sua história, conforme explica na introdução. No livro,
90
Tive acesso à 2ª edição.
80
Vasconcellos, apóia-se na biografia de Bretas e nas pesquisas realizadas sob a direção de
Rodrigo Melo Franco de Andrade, com colaboração de vários pesquisadores, inclusive seu
pai, Salomão de Vasconcellos. Além de inventariar as obras do mestre, o livro oferece os
desenhos, feitos pelo próprio autor. No final, Sylvio transcreve a biografia redigida por Bretas
em 1858.
Vale ressaltar que sua atuação acadêmica em diversas universidades brasileiras e
estrangeiras se insere na história da construção do campo da arquitetura no Brasil. Teve
significativa atuação em entidades de classe, como o Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção
Minas Gerais (IAB/MG), do qual foi presidente em 1955, e o Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais (IHG/MG). Também foi membro do conselho e atuou como curador do
Museu de Arte de São Paulo (MASP) e na IV Bienal de Arte de São Paulo, em 1957, seção
Arquitetura, juntamente com Marcel Breuer (1902-1981) e Philip Johnson (1906-2005), dois
referenciais para a arquitetura modernista. Era membro da Associação Brasileira de Críticos
de Arte (ABCA) e da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA). No caso do Museu
de Arte da Pampulha (MAP), criado em 1956, Sylvio, além de ter participado ativamente dos
esforços para a fundação, atuou também como diretor. A mesma atividade foi exercida junto
ao Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos (ICBEU), em Belo Horizonte, entidade para a qual
Vasconcellos projetou o edifício-sede na Rua da Bahia.
Exilado em Washington, prosseguiu suas atividades de pesquisa, que não haviam sido
limitadas às fronteiras do país, mesmo antes dos episódios políticos de março de 1964.
Vasconcellos era membro da Fundação John Simon Guggenheim e da Fundação Calouste
Gulbenkian. Entre 1964 e 1965, foi arquiteto-associado ao Serviço de Planejamento Territorial
da França, quando atuou no escritório de Bernard Granet (1925-1981) em projeto para a
cidade industrial de Dreux, parte integrante do programa de descentralização de Paris. Em
1966, exerceu no Chile o cargo de Chefe da Unidade de Urbanismo do Centro de
Desenvolvimento Econômico e Social para a América Latina (DESAL). Entre os anos de 1970
e 1973, radicado nos Estados Unidos, foi o Coordenador da Região II, Divisão de
Desenvolvimento Urbano, Departamento de Assuntos Sociais e Institucionais da Organização
dos Estados Americanos (OEA), o que denota seu envolvimento com a questão urbana, em
81
especial nos países latino-americanos.
91
Faleceu em 14 de março de 1979, em Washington.
Pediu em carta para ser cremado e ter suas cinzas depositadas junto ao jazigo do pai, em
Mariana.
Como vimos, Sylvio atuou como arquiteto, pesquisador e produtor de conhecimento
sobre a arquitetura colonial mineira. Além dessas funções exerceu a chefia do distrito,
acompanhando e executando ações no Estado durante quase três décadas. Nesse sentido, nos
parece que as funções exercidas por Rodrigo Melo Franco e Lúcio Costa na direção do
SPHAN, foram em Minas, sintetizadas nessa figura.
Como podemos observar, o diretor geral do SPHAN e o chefe do distrito de Minas
tem muitos pontos em comum. São originários de tradicionais famílias de Ouro Preto, cujas
trajetórias estão ligadas à defesa e construção de uma memória sobre a cidade, seja
produzindo obras de caráter historiográfico, memorialístico ou militando pela preservação e
valorização da antiga Vila Rica. Nesse sentido, ambos, em diferentes esferas da instituição na
qual atuaram ao longo de trinta anos tiveram em comum a missão de salvar o barroco mineiro
e consagrá-lo como a maior manifestação do gênio nacional e, sobretudo, direcionaram suas
ações no sentido de proteger e restabelecer a honra da “jóia de Minas”, Ouro Preto,
continuando o trabalho de seus ascendentes.
91
Esses dados sobre sua atuação em diversos órgãos foram retirados da tese já citada de Vanessa Brasileiro.
82
CAPITULO III
O SPHAN e a defesa de Ouro Preto
“Estamos presos a Minas como a um cordão umbilical, embora, eu ache que s
exageramos um pouco o lado mineiro dos mineiros. Minas, de fato, é um estado
com peculiaridades muito marcadas, mas há, assim, um pouco de mito em torno
de Minas. Nós criamos uma Minas meio estranha, como se Minas fosse um país
diferente do Brasil. Eu acho que nós criamos um pouco de rocambole em torno
de Minas. A ligação é evidente, constante no homem, uma espécie de fixação
sentimental com sua terra de origem.” (DRUMMOND, 1972. Grifo meu)
92
3.1 - Introdução
Desde o primeiro momento de vida institucional é para Minas Gerais, em geral e Ouro
Preto, em particular que se voltaram os olhos dos homens do Patrimônio. Durante o intervalo
que vai de 1897, data de inauguração de Belo Horizonte, até 1937, data de criação do SPHAN,
que se tornaria seu grande porta-voz e defensor, a antiga Vila Rica, embora despojada de sua
importância política, havia alcançado uma dimensão simbólica que permitiu que em 1933
se tornasse a primeira cidade do Brasil a ostentar o título de Monumento Nacional.
Através de alguns momentos especiais de intervenção na cidade, “menina dos olhos”
do diretor Rodrigo, tentaremos observar como as diferentes esferas da instituição, o distrito e
seu chefe Sylvio de Vasconcellos, e a área central da instituição, representada pela Diretoria
geral no Rio de Janeiro, na pessoa de Rodrigo Melo Franco atuaram na cidade. Como
vimos, os dois representantes - nacional e estadual - são filhos da cidade e herdaram de seus
familiares junto com o sobrenome e os álbuns de retrato a tarefa de redimir a “cidade eterna
dos mineiros” do abandono e do esquecimento.
92
Esse trecho foi retirado de depoimento de Carlos Drummond de Andrade para o filme O fazendeiro do Ar,
realizado por Fernando Sabino e David Neves, 1972. In: Encontro Marcado com o Cinema de Fernando Sabino,
Biscoito Fino, 2006.
83
Antes de tratar da atuação do SPHAN, em 1937, acreditamos ser relevante, mencionar
ao menos de forma superficial parte das políticas de preservação realizadas na cidade,
anteriores a esse marco.
93
3.2 - A Inspetoria de Monumentos Nacionais
Concebida como um dos departamentos do Museu Histórico Nacional, criado em
1922 e dirigido por Gustavo Barroso, a Inspetoria de Monumentos Nacionais, foi criada pelo
decreto 24.735 de 14 de julho de 1934, com a finalidade de “exercer a inspeção dos
Monumentos Nacionais e do comércio de objetos artísticos históricos”
94
, com competência
para atuar em todos os centros históricos do país, Olinda, Salvador e Ouro Preto. Sua vida
institucional foi curta, apenas três anos de funcionamento entre 1934 e 1938, nos quais
concentrou sua atuação na cidade barroca mineira, que em 1933 havia sido elevada à categoria
de Monumento Nacional pelo decreto 22.928 de 12 de julho, título que a diferenciava dos
demais centros históricos.
Antes mesmo da criação da Inspetoria, Gustavo Barroso, já havia realizado trabalhos
em Ouro Preto. Entre 1928 e 1929 foi consultor em obras de restauração na cidade, contratado
por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, governador do estado. Nessa época publicou no
Correio da Manhã um artigo no qual chamava Ouro Preto de “Cidade sagrada”.
“Esse amor de nossas coisas fez-me voltar várias vezes a Ouro Preto e pregar
sempre a necessidade de tornar aquela cidade uma como cidade sagrada do Brasil,
defendendo dos insultos do tempo e protegendo das tolices dos homens e da
soberba floração de seus monumentos” (BARROSO, 1928 apud MAGALHÃES,
2004: 89)
Sua primeira viagem a Ouro Preto havia acontecido em 1926 e o estado de abandono
das edificações o deixou muito impressionado. Foi dessa visita que surgiu o interesse de
Barroso em empreender projetos de restauração na cidade. Com esse intuito o diretor do
93
Optei por não explorar neste trabalho as iniciativas legais no sentido de criar órgãos estaduais e federais para
proteção do patrimônio anteriores à criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais, em 1933 e do Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937. Para esse assunto sugiro a consulta a dois excelentes livros:
FONSECA (1995) e SOUZA FILHO (2006)
94
Decreto nº 24.735, de 14 de julho de 1934, artigo 1º (Anais do Museu Histórico Nacional, n.5,1948), citado
por CHUVA, 2009:126.
84
Museu Histórico Nacional procurou o governador Antônio Carlos e ofereceu seus serviços
para fiscalizar as obras de restauração dos monumentos da cidade em 1928. Anteriormente, o
governo de Melo Viana havia realizado alguns reparos e tentado coibir a saída de
antiguidades do estado.
Nas obras realizadas entre 1928 e 1929, Barroso já contou com a ajuda do engenheiro
Epaminondas Macedo que depois trabalharia na Inspetoria. O relatório referente às obras do
ano de 1928 relaciona as obras realizadas nos chafarizes da Glória, dos Contos, do largo de
Dirceu, de Cláudio Manoel da Costa e do alto da Cruz. Nas igrejas do Rosário, São Francisco
de Assis, do Carmo, Capela de São João e matriz do Pilar. Nos chafarizes houve muitos
reparos reconstituindo partes danificadas e tirando-lhes as sujeiras. As obras foram encerradas
em 1930 com a saída de Antônio Carlos do governo. (MAGALHÃES, 2004: 91-92)
Com a criação da Inspetoria em 1934, Barroso tem a chance de realizar seu projeto,
interrompido anos atrás. Em 1935 apresenta o “Plano de Restauração” de Ouro Preto, que foi
o primeiro no Brasil e que contemplava a restauração de edificações singulares, igrejas, pontes
e chafarizes a ser executado em três anos. (MENICONI, 1999: 84)
Sobre a escolha de Barroso do que deveria merecer atenção prioritária nas ações da
Inspetoria, Aline Montenegro Magalhães afirma:
Os templos marcam a presença da religião católica como instrumento de integração
social e formadora da nacionalidade, por meio da imposição dos referenciais da
cultura europeia. As pontes e os chafarizes são identificados com a interferência de
uma ação do estado na ordenação da sociedade colonial, pois foram obras públicas
realizadas no período em que a metrópole aumentava o controle sobre a colônia. Não
havia um Estado nacional, mas sim, um proto-Estado, dando origem ao que viria a ser
o Brasil após a Independência: a continuação das tradições portuguesas nos trópicos.
(MAGALHÃES, 2004: 91)
Desta forma, é colocado em prática um programa sistemático de obras de restauro,
sob a responsabilidade direta de Epaminondas Macedo, engenheiro formado na Escola de
Minas. Vejamos a relação das obras executadas.
Chafarizes:
de Marília: restauração completa e novo encanamento de água;
de Ouro Preto: restauração completa e novo encanamento de água;
85
da Glória: restauração completa, recomposição das carrancas, conserto do gradil e
novo encanamento de água;
da Penitenciária: restauração completa e novo encanamento de água;
dos Contos: retirada do calçamento que escondia a parte interior, colocação de novo
tanque, restauração total e novo encanamento de água;
de Antônio Dias: restauração completa, colocação de gradil e novo encanamento de
água;
do Rosário: restauração da cruz, limpeza e consertos;
Pontes:
dos Contos: restauração completa com retirada do gradil moderno e colocação dos
bancos de cantaria e nova cruz, restabelecendo o aspecto colonial e melhorando o
tráfego da cidade;
de Antônio Dias: restauração total;
de Henrique Lopes: conserto;
do Rosário: restauração total;
da Barra: desentupimento e conserto;
do Padre Faria: conserto.
Templos:
Igreja de Nossa Senhora do Carmo: recomposição dos ornatos danificados, nova
platibanda, restauração do telhado, das janelas, dos tetos, dos entablamentos, das
fachadas, do frontispício, das torres e das sacadas, pintura, reboco e caiação;
Igreja de Nossa Senhora do Rosário: colocação de portas faltantes, conserto e feitura
de 40 bancos, em estilo antigo para a nave;
Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Antônio Dias): restauração da escadaria, de
todo o assoalho e do altar-mor e consertos no telhado;
Igreja de São Francisco de Assis: substituição dos ladrilhos modernos das paredes por
lambris em estilo igual aos da capela-mor, recomposição dos ornatos do pórtico,
limpeza das fachadas e beirais, retirada do cemitério moderno lateral que enfeiava o
conjunto arquitetônico, conclusão do muro do adro, retirada da pintura sobreposta nos
retábulos, caiação, etc;
86
Capela do Padre Faria: restauração do assoalho, da pintura e do ouro dos altares,
recomposição do telhado e do forro, muramento do adro e limpeza completa;
Capela de Sant’ana: restauração completa;
Capela da Piedade: restauração completa;
Igreja de Mercês de baixo: consertos;
Igreja da Matriz do Pilar: projeto de restauração do teto.
Nas palavras de Gustavo Barroso, com esses trabalhos, afinal, os olhos
maravilhados do Brasil todo descobriram essa relíquia preciosa (Barroso, 1948 apud
Meniconi, 1999: 87)
Ao serem realizadas essas obras procedia-se um estudo e quando identificadas
descaracterizações nos edifícios, buscava-se recompor a sua unidade de estilo e de estética. Na
ausência de plantas ou outros documentos nos quais pudessem se buscar a forma original,
adotavam soluções encontradas em monumentos semelhantes, com critérios análogos, como
aconteceu na restauração da Ponte dos Contos, na Rua São José, onde se retiraram grades de
ferro e fizeram as muradas de cantaria, forma que mantém-se até hoje. (MENICONI,1999:85)
Com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a
Inspetoria foi extinta
95
e o novo órgão assume suas atribuições. O grupo de intelectuais e
técnicos chamados a formar os quadros da nova instituição vinha de outra corrente estética,
eram arquitetos e engenheiros que participaram da criação da arquitetura moderna no Brasil,
em grande parte e intelectuais signatários dos preceitos lançados pelo movimento modernista
dos anos de 1920. Esse grupo lançaria novas bases para pensar as políticas de preservação no
país e não se furtariam em tentar apagar a memória das realizações anteriores à sua existência
enquanto instituição.
Conforme observou Aline Magalhães, desde o início de sua gestão, O SPHAN
procurou atrair para si o pioneirismo das ações de preservação no Brasil. As narrativas
produzidas na instituição trataram a Inspetoria como um empreendimento de pouca ou
nenhuma validade. No livro Proteção e Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: Uma
trajetória, publicação do SPHAN/Pró-Memória, o ano de 1937 aparece como marco para o
95
Sobre a disputa entre neocoloniais e modernos na gestão das políticas de preservação no Brasil, consultar:
MAGALHÃES (2004); KESSEL (2008).
87
nascimento das preocupações com a preservação no Brasil e as realizações da Inspetoria não
foram sequer mencionadas.
(MAGALHÃES, 2004:25).
Enquanto Gustavo Barroso cultivava a “tradição com saudade” e assim via o passado
como essência para as coisas do presente, virando-lhe as costas, os arquitetos modernos e os
intelectuais herdeiros da tradição modernista, cultivavam a “modernidade com tradição”
aliando o novo ao antigo de forma muito particular.
(MAGALHÃES, 2004:25 e CHUVA, 2009:124).
Não obstante as posições estéticas de Barroso não se alinharem com os novos tempos, suas
posições políticas também o deixavam em larga desvantagem em relação ao grupo que
emergia com Gustavo Capanema, escolhidos para criar os símbolos de uma nova época. O
Brasil deveria ser a partir de então um país “novo, moderno e civilizado”, através de “uma
imagem singularizada enquanto cultura e como parte da moderna civilização ocidental”.
(GONÇALVES: 1996:41).
Nesse novo quadro, o ideário do patrimônio assume um papel importante na
construção da nação pelo Estado Novo.
Formando os primeiros distritos, promovendo viagens investigatórias, financiando
pesquisas em arquivos, criando museus, publicando estudos, promovendo cursos, tombando,
conservando e restaurando monumentos, o SPHAN começa sua caminhada com fôlego de
atleta. Como afirmou Lúcio Costa: “Cabe-nos agora recuperar todo esse tempo perdido,
estendendo a mão ao mestre-de-obra sempre tão achincalhado, ao velho portuga de 1910,
porque, digam o que quiserem, foi ele quem guardou sozinha a boa tradição.”
(COSTA, 1962
apud MENICONI, 1995:99).
A missão assumida por Rodrigo e seu grupo é monumental. Nada menos que:
Redimir o Brasil. Retirar-lhe a alcunha de “sem memória e sem passado”, de nação menor,
sem identidade própria que lhe dê sentido de existência e credibilidade junto às nações
civilizadas. Mudar-lhe a rota. A busca das origens históricas da nação está com os faróis
apontados para o futuro.
Em relação ao trato da cidade, a partir do SPHAN essa é pensada em seu conjunto.
Ouro Preto é integralmente tombada e inscrita no livro de Belas-Artes, sob inscrição 39,
folha 8, 20/04/1938. A partir de então qualquer intervenção deve ser submetida à aprovação do
SPHAN. O grande volume de obras a serem executadas em Ouro Preto pela concentração de
monumentos e pelo tombamento integral se impõe como desafio à equipe do patrimônio.
88
Para justificar a predileção por Ouro Preto, o SPHAN não poupa esforços. no ano
do tombamento, Rodrigo encomenda a Manoel Bandeira, a redação do Guia de Ouro Preto
(1938), escrito em colaboração com outros estudiosos do SPHAN como Sylvio de
Vasconcellos, o engenheiro Epaminondas Macedo e o próprio Rodrigo. Para Bandeira “Ouro
Preto não é uma cidade morta, é apenas uma cidade que não mudou e nisso reside seu
inigualável encanto.” Nele está um relato histórico de Ouro Preto desde sua fundação,
priorizando seus momentos gloriosos, a formação da “belíssima” arquitetura e dos seus nomes
mais importantes as duas sombras de Ouro Preto Tiradentes e Aleijadinho.
(BANDEIRA,
1938)
O gosto pela liberdade e a criatividade, duas qualidades amplamente utilizadas pelos
mineiros em sua construção discursiva e que destacaria o estado como fundamentais a uma
nação em construção são realçadas. Bandeira, afinado com seus colegas do Patrimônio
desgosta das construções novas, que são “feias e destoam do “velho estilo” ou no dizer de
Lúcio Costa, da “boa arquitetura”.
A cidade como “obra de arte”, conceito elaborado no início do século por Diogo de
Vasconcellos (1911) é recuperado pelos arquitetos modernos. As residências particulares
também são levadas em consideração, diferindo das ações da Inspetoria que considerava
relevante guardar obras que simbolizassem a ação do Estado e da Igreja. O SPHAN, por sua
vez, valoriza a arquitetura civil, que inclusive foi tema prioritário dos estudos de Sylvio de
Vasconcellos. Vale lembrar, que se deve a seus estudos um importante norteador das atuações
do SPHAN em Ouro Preto, considerando o grande conhecimento histórico e arquitetônico que
possuía da cidade. Sua tese sobre arquitetura residencial, métodos construtivos e evolução
urbana ainda hoje são utilizados como referência para ações locais.
Logo a seu tombamento, Ouro Preto iria sofrer sua primeira e mais ousada
intervenção, cujos debates fundaram parâmetros para a atuação na cidade. Estamos falando da
construção do Grande Hotel de Oscar Niemeyer.
89
3.3 - A Construção do Grande Hotel de Ouro Preto
Numa tentativa de atrair o turismo para a cidade considerada Monumento
Nacional, o governo de Minas Gerais em colaboração com o SPHAN decide construir um
grande hotel em Ouro Preto. Rodrigo Melo Franco confia inicialmente o projeto ao arquiteto
Carlos Leão, arquiteto do Ministério da Educação que elabora um projeto de feições coloniais.
Depois de muitos debates, o projeto de Carlos Leão foi rejeitado e então foi encomendado um
novo ao arquiteto Oscar Niemeyer que propõe um prédio seguindo os padrões da arquitetura
moderna. Niemeyer a essa altura figurava como um dos principais nomes do campo, além
de ser signatário da confiança e amizade de Rodrigo Melo Franco e Lúcio Costa. O nome
indicado por Rodrigo foi apoiado por Lúcio Costa que se encontrava fora do Brasil na época e
deixou importante depoimento sobre o caso em carta a Rodrigo Melo Franco.
Na qualidade de arquiteto incumbido pelos CIAM (Conselho Internacional de
Arquitetura Moderna) de organizar o grupo do Rio e na de técnico especialista
encarregado pelo SPHAN de estudar a nossa arquitetura antiga, devo informar a você,
como referência á construção em Ouro Preto do hotel projeto pelo O.N.S [Oscar
Niemeyer Soares], o seguinte: Sei, por experiência própria, que a reprodução do estilo
das casas de Ouro Preto, só é possível, hoje em dia, à custa de muito artifício.
Admitindo-se que o caso especial dessa cidade justificasse, excepcionalmente, a
adoção de tais processos, teríamos, depois de concluída a obra, ou uma imitação
perfeita, e o turista desprevenido, correria o risco de, à primeira vista, tomar por um
dos principais monumentos da cidade uma contrafação, ou então, fracassada a
tentativa, teríamos um arremedo “neocolonial” sem nada de comum com o verdadeiro
espírito das velhas construções. Ora, o projeto do O.N.S tem pelos menos duas coisas
de comum com elas: beleza e verdade. Composto de maneira clara, direta, sem
compromissos resolve com uma técnica atualíssima e da melhor forma possível, um
problema atual, como os construtores de Ouro Preto resolveram da melhor maneira
possível, os seus problemas. De excepcional pureza de linhas, e de muito equilíbrio
plástico, é na verdade, uma obra de arte e, como tal, não deverá estranhar a vizinhança
de outras obras de arte, embora diferentes, porque a boa arquitetura de um
determinado período vai sempre bem com a de qualquer período anterior que não
combina com coisa nenhuma é falta de arquitetura.(...) (Carta de Lúcio Costa a RMFA
citada por Mota (1987).
Assim como no texto Documentação Necessária, publicado na primeira Revista do
Patrimônio em 1937
96
, em outro trecho dessa extensa carta, Lúcio Costa reafirma a
comparação entre a arquitetura moderna e a colonial ao afirmar que “dadas as semelhanças
tantas vezes observada entre a técnica moderna- metálica ou de concreto armado- e a
96
REVISTA DO PATRIMÔNIO, Ano I, 1937.
90
tradicional do pau-a-pique”, o projeto de Niemeyer deve ser aceito sem restrições, sob o
argumento de que duas obras de arte podem conviver pacificamente lado a lado, sem que haja
prejuízo de qualquer uma delas.
O projeto de Niemeyer para o grande Hotel apresentava na fachada uma estrutura
independente com composição ritmada à semelhança das construções de pau-a-pique. Essa
referência à técnica construtiva tornou-se exemplar para os novos projetos em sítios
tombados. Uma deferência ao passado colonial, conjugada com as novas tecnologias do
presente. (CAVALCANTI, 1995 apud SORGINE, 2008:14)
Para Lúcio Costa, as casas populares, menores e novas deveriam se neutralizar na
paisagem da cidade, enquanto que a arquitetura excepcional nova deveria ser moderna e de
“boa qualidade”, bem ao gosto das orientações dos congressos internacionais de arquitetura
moderna que frequentava então. (SORGINE, 2008:14)
A construção do grande hotel em moldes modernistas, não foi apoiado por todos,
mesmo dentro da instituição e implicou em mais um capítulo na disputa entre modernistas e
neocoloniais. Mesmo Renato Soeiro e Paulo Thedim que faziam parte do grupo, procuraram
outras soluções, e embora com algumas conciliações prevaleceu o projeto de Niemeyer
chancelado por Lúcio Costa.
97
3.4 - A SPHAN em Minas - A formação do 3º Distrito
Pouco se sabe ainda sobre o funcionamento do SPHAN nos estados em seus primeiros
anos. A divisão em distritos, como eram chamadas as diretorias regionais, aconteceu em
1946, com o decreto 8.534, quando o Serviço se transforma em diretoria, assumindo a sigla
DPHAN. Nesse momento são estruturados 4 distritos: distrito: Pernambuco, distrito:
Bahia, distrito: Minas Gerais e distrito: São Paulo. Sabe-se, portanto, através da
documentação que antes dessa organização, existia uma divisão por região e que desde o
primeiro ano, Rodrigo Melo Franco já começou a contratar técnicos responsáveis para
proceder inventários sobre os monumentos principais.
97
Sobre esses dois arquitetos, ver: CAVALCANTI (2006)
91
Sabemos que o historiador Salomão de Vasconcellos ocupou o posto de representante
em Minas de 1938 a 1945, quando passou o cargo ao filho, o jovem arquiteto Sylvio de
Vasconcellos, que trabalhava ao lado do pai desde 1939. (CHUVA, 2008:198). Vale
lembrar, que foi também em 1937, como umas das primeiras iniciativas do SPHAN, que
Lúcio Costa foi enviado ao Rio Grande do Sul para proceder um levantamento do estado das
ruínas dos “Sete Povos das Missões”, como medida urgente para seu tombamento, que
ocorreu no seguinte.
98
Em 1940 foi criado o Museu das Missões que foi instalado num
construção projetada pelo próprio Lúcio Costa.
99
Embora não tenhamos encontrado correspondências entre Rodrigo Melo Franco de
Andrade e Salomão de Vasconcellos que nos permitisse conhecer melhor o processo de
organização e rotinização das atividades em sua fase inicial, sabemos através da pesquisa de
Laura Xavier sobre Rodrigo Melo Franco e Augusto Meyer, que já no início de 1937, o diretor
começou a formar os quadros regionais da instituição. Vejamos um trecho dessa carta enviada
por Rodrigo a Meyer, datada de 09 de março de 1937: “Peço permissão para dirigir-me ao
senhor, a fim de solicitar sua valiosa colaboração na tarefa que o Serviço do patrimônio
Histórico e Artístico Nacional tem a realizar no Rio Grande do Sul”. (Andrade, 1937 apud
Xavier, 2008, p. 32).
Na carta seguinte, Rodrigo informa que o Presidente da República autorizara o
contrato de um assistente técnico para ocupar as funções de delegado da região
(compreendendo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande, cuja sede seria Porto Alegre) e reitera o
convite:
Peço-lhe permissão para encarecer a extrema necessidade que tem o Serviço de
contar com seu concurso, por uma série de circunstâncias dentre as quais destaco
apenas a minha profunda confiança na sua aptidão especial para a missão de que
desejaria incumbi-lo. (Andrade, 1937 apud Xavier, 2008: 32)
Aceito o convite, Augusto Meyer assumiu a função de “delegado”
100
da região do
SPHAN em 1º de maio de 1937. Apenas 15 dias depois recebeu uma carta do chefe orientando
98
O arquiteto, em texto escrito em 1938, afirma que “embora pertencendo à província jesuítica do Paraguai,
ficou definitivamente encravada em território nacional, constituindo assim um setor autônomo no conjunto dos
monumentos coloniais brasileiros, verdadeira “minora” a única, uma vez que os holandeses apesar das alvenarias
e carpintarias vistosas de Boa Vista e de Freiburg, pouco ou quase nada deixaram, neste particular, em troca do
muito que destruíram ou impediram que se concluísse”. (COSTA, 1995: 488)
99
Criado pelo decreto-lei nº 2077 de 1940.
100
Estamos utilizando a terminologia presente na carta.
92
sobre as primeiras atividades a serem desenvolvidas. Rodrigo pede que seja realizado um
inventário dos bens do estado, que deve compreender tanto as obras de arquitetura urbana,
quanto rural, devendo conter ainda um pequeno histórico de cada monumento com indicação
da situação e da época em que foi edificado, a respectiva autoria, os materiais empregados na
construção, as reformas que tiver sofrido, seu estado atual de conservação, os reparos mais
urgentes e por fim, as referências bibliográficas que existirem a respeito. (Andrade, 1937
apud Xavier, 2008: 34) A partir do exemplo do Rio Grande do Sul, podemos inferir que
procedimentos semelhantes tenham sido realizados nas demais regiões, num esforço inicial de
promover um mapeamento e inventário de todos os monumentos que haviam, para em seguida
estabelecer os critérios de prioridade para tombamento e ações de restauração.
Para o caso de Minas Gerais a ausência de uma correspondência que demonstre
com tanta clareza, as ões iniciais no sentido de organização e rotinização das atividades, no
nosso entendimento, pode ser explicada, por dois motivos. O primeiro deles refere-se à
existência pregressa de ações ligadas à Inspetoria de Monumentos Nacionais, mesmo que essa
tenha atuado em Ouro Preto, visto que, foi também nessa cidade que o SPHAN concentrou
suas ações prioritariamente, no primeiro momento.
Após a dissolução da Inspetoria, além do aproveitamento de seus levantamentos, o
SPHAN incorporou também seus funcionários, Epaminondas de Macedo e Wash Rodrigues.
Isso implicou em uma continuação nas atividades, distintamente das demais regiões, onde
precisaram ser implantadas. Uma demonstração dessa diferença é o fato de Ouro Preto,
diferindo do resto das demais cidades, possuir escritório local do SPHAN desde os primeiros
anos, tendo como seus primeiros responsáveis os engenheiros, Epaminondas Macedo,
Francisco Lopes, Washington de Andrade e Ivo Porto de Menezes, nessa ordem
101
.
O segundo e mais importante motivo pelo qual, nos parece não ter havido uma
preocupação imediata em organizar uma burocracia em Minas, ou delegar a responsabilidade
das ações no estado, está dado em um depoimento de Lúcio Costa sobre a formação das
representações regionais.
101
Essa informação foi dada a mim por Ivo Porto de Menezes que chefiou o escritório de Ouro Preto entre 1956-
1959. Não possuímos, portanto, as datas exatas de ocupação dos cargos pelos demais.
93
No Norte, através do veterano e dedicadíssimo Aírton Carvalho e de Godofredo Filho, morgado
de Salvador; no Sul, através de Mário de Andrade, desde cedo, assessorado por Luis Saia e Jo
Bento, cuidando pessoalmente de Minas sua terra, assistido por Salomão de Vasconcelos e seu
filho Silvio, ainda estudante.
102
(Costa, 1986: 8)
Esse depoimento do diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do SPHAN não
deixa clara a importância e distinção de Minas Gerais no quadro geral de prioridades do
SPHAN, como confirma nossas suposições de que o diretor do SPHAN fazia questão de
acompanhar pessoalmente as atividades em Minas, não se preocupando em organizar uma
diretoria regional no primeiro momento.
103
.
De fato, Rodrigo, enquanto dirigiu o SPHAN, acompanhou diretamente as ações em
Ouro Preto, demonstrando estar ciente de tudo que acontecia naquela cidade, bem como
indicando nomes para realizar serviços, os mais simples, como pode ser observado na
correspondência abaixo, enviada ao arquiteto responsável pelo escritório local Ivo Porto de
Menezes.
Muito obrigado pelas informações transmitidas do edifício do Museu da
Inconfidência. Tive grande satisfação de se ter conseguido acertar as contas com o
Juvenal e espero que a iniciativa de confiar os serviços ao Manoel Casemiro bom
resultado. Ele conhece o edifício melhor que ninguém (...)O problema principal,
porém, consiste na substituição das calhas, cujas falhas o senhor informa que enviara
de Belo Horizonte. Terá encontrado em Ouro Preto bombeiro idôneo para assentá-las?
Que eu saiba, não nem um notoriamente capaz naquela cidade (...) Em sua carta o
senhor menciona as calhas que já foram retiradas e cuja recolocação deverá ser
providenciada inicialmente. De que lugares da cobertura terão sido retiradas?
104
Acrescente-se a isso tudo, o fato de que os principais monumentos de Minas Gerais,
localizados nas cidades coloniais, eram conhecidos por Rodrigo e em alguma medida,
também pelo diretor da divisão de Estudos e Tombamentos, Lúcio Costa, que havia estado
em Diamantina, 15 anos antes da criação do Serviço, financiado pela Sociedade Brasileira de
Belas Artes.
105
Vale ressaltar que já em 1938, como já mencionamos, seis cidades mineiras são
tombadas em sua integralidade e é criado o Museu da Inconfidência.
106
.
102
COSTA, 1985:.8.
103
Primeiro as regionais eram chamadas de diretorias e a partir de 1946 de distritos.
104
IPHAN/Arquivo Técnico Administrativo/Coleção Rodrigo/Personalidades/RM/Correspondência nominal/ Ivo
Porto de Menezes
105
“Lá chegando caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que
eu ignorava, um passado que era novo em folha para mim. Foi uma revelação: casas, igrejas, pousada dos
tropeiros, era tudo de pau-a-pique, ou seja, fortes arcabouços de madeira –esteios, baldrames, frechais
enquadrando paredes de trama barreada, a chamada taipa de mão, ou de sebe, ao contrario de São Paulo onde a
94
3.5 - A Campanha em benefício de Ouro Preto 1949-1950
Em estudo publicado recentemente pela COPEDOC (Coordenação de Pesquisa e
documentação) do IPHAN, Juliana Sorgine realizou um importante trabalho sobre a
Campanha em benefício de Ouro Preto, realizada em 1949 pela DPHAN.
107
O projeto consistia em uma angariação de fundos particulares em benefício do casario
da cidade; um estudo da situação do conjunto urbano tombado, feito pelos técnicos da
DPHAN, Sylvio de Vasconcellos e Paulo Thedim Barreto e, por fim, uma série de
intervenções para a recuperação de exemplares selecionados do conjunto arquitetônico.
Em prol da campanha Manoel Bandeira fez os versos:
Meus amigos, meus inimigos
Salvemos Ouro Preto
Homens ricos do Brasil
Que dais quinhentos contos por um puro-sangue de corridas,
Está certo,
Mas dai também dinheiro para Ouro Preto.
(Bandeira, Correio da Manhã, 1949)
Além de Bandeira, outros intelectuais de peso se engajaram nessa iniciativa, como
Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, que
escreveram crônicas, textos e notas na imprensa, articulando expressões como “ação
patriótica”, “cidade-memória”, “cidade-monumento”, “cidade ilustre”, “manual de história”,
“fotografia do passado”, entre outros. (SORGINE, 2008:28) Chefiada, pessoalmente pelo
diretor da DPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade e sua esposa, Graciema Melo Franco de
Andrade, a campanha mobilizou os altos círculos da sociedade carioca e mineira, ao qual o
casal tinha livre trânsito. A iniciativa de arrecadar fundos particulares em benefício de Ouro
Preto estava amparada legalmente pelo decreto-lei 2.089, de 23 de novembro de 1940, que
taipa de pilão imperava.(...) No último dia, tarde, subi ao campanário para me despedir da cidade e fiquei
olhando os telhados, até escurecer. E mal sabia que, 30 anos depois, iria projetar nossa capital para um rapaz da
minha idade nascido ali.” (COSTA, 1995: 27)
106
Decreto-lei nº 965, de 1938 (Chuva, 2008, p. 193). Sobre as políticas que o SPHAN empreendeu em relação
aos museus em Minas, consultar a tese de JULIÃO (2008).
107
O atual IPHAN teve diversas denominações ao longo de sua história institucional. A primeira delas foi
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, conforme a lei 378, de 13/01/1937. A partir de 1946 o
antigo SPHAN foi transformado em Diretoria, DPHAN, sob o governo Dutra, pelo decreto-lei 8534, de
21/01/1946. Este decreto estabeleceu que, além da sede na Capital federal, haveria quatro distritos de atuação do
órgão, sediados, respectivamente, em Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. A Diretoria foi assim
reconhecida até o ano de 1970, quando passou a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. (SORGINE, 2008:9)
95
dispunha sobre a aceitação e aplicação de donativos particulares pelo, então, SPHAN.
(SORGINE, 2008:20)
O argumento para a busca de financiamento privado era de que não havia como
conseguir do governo, naquele momento verbas públicas para as reformas necessárias na
cidade, uma vez que haviam sido liberados pelo Congresso Nacional nesse mesmo ano cerca
de Cr$ 20 milhões de cruzeiros destinados à recuperação da capital baiana por ocasião do seu
400º aniversário. Nesse sentido, Rodrigo e sua esposa não hesitaram em lançar mão de uma
campanha que contava com a enorme credibilidade de seu diretor e com a missão das elites
mineiras em relação à antiga capital do estado, para eles, materialização da nação.
“Rodrigo Melo Franco de Andrade não se colocava somente no lugar de dirigente e
personalidade pública associada à preservação do patrimônio cultural, mas de
personificação dessa causa, responsável por convencer e trazer o restante da
sociedade para o que compreendia como uma missão” (SORGINE, 2008:19)
Essa ambivalência entre atuação pública e interesse pessoal no socorro a Ouro
Preto, não passou despercebida à época, e o intento recebeu duríssimas críticas, como mostrou
SORGINE. Se de um lado, a campanha teve grande adesão de políticos, empresários e
intelectuais que fizeram doações e apoiaram de diversas formas, de outro houve protestos
quanto ao caráter da campanha. No dia 11/09/1949 o Correio da Manhã publicou um artigo
sob o título “Não basta capinar Ouro Preto”, no qual ironizava o fato do ministro da Educação
e Saúde, Clemente Mariani, ter aderido à campanha atendendo a um grupo de “senhoras da
sociedade interessadas em manter Ouro Preto embalsamado.”
Segundo o artigo, a campanha era uma “ação de um grupo de vozes mais ou
menos prestigiosas” postas a “choramingar”, apropriando-se de uma cidade de todos, à qual se
referiam como uma “coisa sua”. Em outro trecho refere-se a Ouro Preto como “álbum
querido” para algumas pessoas, e acusa ainda que o “afeto exacerbado” de alguns indivíduos
por Ouro Preto tivesse causado essa atitude de desobrigação do governo federal em relação a
seu patrimônio colonial, (SORGINE, 2008:25) numa clara referência aos mineiros envolvidos
na campanha e na direção do serviço.
96
Além das doações em dinheiro foi também organizado um leilão de obras raras
para o qual o próprio Rodrigo doou um exemplar da edição da obra História do Brasil, de
Francisco Adolfo de Varnahgen, o poeta e chefe da seção de história da DPHAN, Carlos
Drummond de Andrade doou um pergaminho italiano do século XVII, o pintor Cândido
Portinari doou um retrato de sua autoria, a senhora Paulo Santos doou uma litografia de
Debret e ainda houve outras dezenas de doadores. (SORGINE, 2008:30)
Paralelamente à arrecadação das doações, era preparado o diagnóstico sobre a
situação do sítio histórico para definição de prioridades para a aplicação dos recursos. A
pedido do diretor, Sylvio de Vasconcelos, chefe do distrito da DPHAN em Minas Gerais e
Paulo Thedim Barreto, chefe da Seção de Obras da Divisão de Conservação e Restauração,
realizaram em conjunto um minucioso estudo para subsidiar a decisão da escolha dos imóveis
a serem recuperados e as estratégias de intervenção a serem adotadas. Conforme nos informa
Sorgine, o estudo foi realizado in loco, na cidade de Ouro Preto, que nessa época, em caso
excepcional, possuía “dependência da Diretoria do Patrimônio”, que exercia “atividade
ininterrupta na cidade”. O processo de decisões sobre a aplicação do dinheiro envolveu a
“área central” da DPHAN, que englobava a direção geral, a divisão de conservação e
restauração (DCR) e a divisão de estudos e tombamentos (DET), assim como o Distrito da
DPHAN em Minas Gerais, sediado em Belo Horizonte. Embora envolvesse vários níveis
hierárquicos a ação era submetida diretamente ao diretor geral, Rodrigo Melo Franco de
Andrade. (SORGINE, 2008:33)
No estudo inicial elaborado por Sylvio de Vasconcellos e enviado ao Rio de
Janeiro, no dia 29 de setembro de 1949, à Diretoria da DPHAN, constaram um levantamento
que contemplava fichas com fotografias de fachadas de 963 casas inventariadas e dados de
conservação sobre as mesmas, mapas, além de um relatório informativo sobre o trabalho
realizado, que hoje pode ser consultado na íntegra, em versão fac-similar no Livro Salvemos
Ouro Preto de Juliana Sorgine (2008). Para o estudo, as ruas da cidade foram divididas em
onze zonas: Cabeças, Rosário, Centro, Pilar, Carmo, Palácio, Antônio Dias, São Francisco,
Lages, Dores e Alto da Cruz. Os imóveis foram classificados no Estudo, quanto ao estado de
conservação em grupos: “casas novas”, “casas em bom estado”, “casas em regular estado”,
“casas em pior estado” e “casas de reconstrução urgente”.
97
Ao analisar o estudo apresentado por Sylvio de Vasconcellos, Sorgine nos oferece
os seguintes dados: Das 963 casas inventariadas, 75 são classificadas como “casas novas”, ou
seja, as edificações que apresentavam elementos formais característicos do ecletismo, como
platibamba, medalhões, mísulas e acrotérios. Os chalés encontrados, (que segundo estudo do
próprio Vasconcellos sobre as fases do desenvolvimento da arquitetura civil mineira, remonta
à segunda metade do século XIX, em que a influência portuguesa cedeu lugar à influência
francesa remonta), embora novos, foram classificados como em “bom” ou “regular” estado de
conservação, sem deixar pistas do por que.
Foram consideradas em “bom estado” as casas estáveis e de boa feição, 257
casas, que necessitavam apenas de limpeza e pintura. Em “estado regular” foram classificadas
396 casas, que eram aquelas mais ou menos estáveis em seus conjuntos, porém com partes
que exigiam reparos e pintura geral. Em “pior estado”, ficaram classificadas 153 casas do total
de 963 imóveis que exigiam obras emergenciais de estabilização, principalmente nas
estruturas e coberturas. Em “estado de urgência”, foram classificados 82 imóveis, que se
encontravam em ameaça de ruína ou com partes já arruinadas.
Lúcio Costa, diretor da DET, ao avaliar o estudo, emitiu parecer reafirmando que
o objetivo da campanha eram contribuir para o socorro do casario de Ouro Preto que estivesse
em estado urgente. Depois de observado esse critério inicial, Costa sugere que sejam
procurados os imóveis que representam maior interesse arquitetônico ou urbanístico e entre
esses, selecionasse os mais centrais e próximos a monumentos de relevo na cidade. Deviam
ser excluídos também imóveis pertencentes a proprietários que possuíssem recursos para
executar tais reparos. Feitas essas recomendações para elaboração dos critérios nas escolhas
dos imóveis, e pequenas sugestões quanto a pintura e indicação de conjuntos que deveriam
obter atenção, o chefe do DET aprovou o levantamento, deixando as demais escolhas sob
competência de Sylvio de Vasconcelos. Renato Soeiro, diretor da DCR, endossou o parecer de
Lúcio Costa, aprovando as propostas contidas no estudo realizado pelo chefe do 3º distrito.
Finalizada essa etapa, Sylvio elaborou o plano de obras no qual elegeu 26 casas
para reforma, cujos aspectos de seleção não foram possíveis de localizar por Sorgine no
conjunto de documentação sobre o Estudo, visto que os imóveis listados inicialmente por
Sylvio de Vasconcellos e Lúcio Costa não foram em sua totalidade, os mesmos executados. As
98
obras foram executadas no período de novembro de 1949 a setembro de 1950, sendo
efetivamente restauradas 24 casas.
Como observou Sorgine, a identificação de problemas e a formulação de
conceitos e métodos relativos à preservação urbana elementos formadores do campo da
preservação no Brasil a partir de 1930 tiveram Ouro Preto como laboratório. Foi o lugar das
experiências do IPHAN, constantemente em evidência. (Sorgine, 2008:12)
Esse volumoso levantamento realizado em 1949, iniciativa pioneira no sentido de
produzir um diagnóstico sistemático de todo o conjunto urbano, teria sido levado em conta na
realização das obras para as comemorações dos 250 anos, executadas entre os anos de 1958 e
1961, uma vez que alguns imóveis, indicados para serem recuperados em 1949, foram
contemplados com os recursos dessa nova verba extraordinária.( SORGINE, 2008:15). Em
seguida, analisaremos o Plano Especial de Ouro Preto, conjunto de obras realizadas para
preparar a cidade para as comemorações de seu 250º aniversário a ser realizar em 1961.
3.6 - A Atuação do SPHAN em Ouro Preto (1936-1954) por Sylvio de Vasconcellos
Em um ofício do chefe do distrito a Washington Andrade, representante da DPHAN
em Ouro Preto, em 1954
108
, encontramos um valioso registro das atividades realizadas na
cidade entre os anos de 1936 a 1954.
Com a finalidade de preparar uma conferência, Washington Andrade solicitou ao chefe
um apanhado das atividades do Patrimônio em Ouro Preto desde seu início. Em resposta,
Sylvio envia o detalhado resumo, que pelo valor das informações contidas, julgamos relevante
reproduzir grande parte.
Sr. Dr. Washington de Andrade,
Representante da DPHAN em Ouro Preto
Atendendo ao seu ofício 131/54 (...) Alinhando apenas os fatos históricos, poderíamos dizer que a
ação do Governo da República, em Ouro Preto, teve início com a criação da Inspetoria dos Monumentos
Nacionais, sob a direção do Dr. Gustavo Barroso com os serviços em Ouro Preto, dirigidos pelo Dr.
Epaminondas Macedo. Isto, antes de 1937 quando foram executadas obras na Ponte dos Contos (retiradas das
grades da Casa dos Contos) na Casa dos Contos e na Capela de Padre Faria. Em fins de 1936, já sob a direção de
Dr. Rodrigo foram feitas obras de vulto na Matriz do Pilar e em quase todos os chafarizes locais. Em novembro
de 1936 foi criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sob a direção do dr. Rodrigo. Em
seguida, afora outras pequenas obras, teve início a reforma da penitenciária, antiga casa de Câmara e Cadeia, sob
108
Ofício 634/Arquivo 13ª Superintendência o IPHAN/MG/Conjunto Urbano de Ouro Preto.
99
a direção, ainda, do Dr. Epaminondas em Belo Horizonte e Francisco Lopes em Ouro Preto. Posteriormente, com
transferência desses auxiliares passam as obras de Ouro Preto a serem dirigidas pelo Dr. Eduardo Tecles, ocasião
em que se reconstrói a Casa da Baronesa (...) Em 1944, começamos a assumir o controle das obras em Ouro
Preto, onde foram feitos alguns serviços em casas particulares, na Capela de São Francisco de Assis, Igreja de N.
S. do Carmo, Chafariz da Barra, construção do novo açougue, demolição do velho, fatura da praça nova e Museu
da Independência. Nestas obras, gastou-se a quantia de C$ 123,235, 20. Foram despachados 21 requerimentos de
construções particulares. Em 1947, foram realizadas obras em várias casas particulares (Cr$ 18.974,50), na Casa
dos Contos, Capela de Santa Efigênia. S. Francisco de Assis e São José, nos quais se gastou Cr$ 87.506,30.
Foram despachados 30 requerimentos de construções particulares em 1948 e foram realizadas obras em
6 casas particulares, na Capela de São Francisco de Paula, Sta Efigênia, S. José, Mercês, Casa dos Contos,
Fazenda do Manso e Museu, nas quais se gastou Cr$ 105.626,10.
Em 1949 foram feitas obras em 7 casas particulares (Cr$ 62.709,20), na casa dos Contos, Capela da
Piedade, Mercês, Matriz da Conceição e Santa Efigênia onde foi gasta a importância de Cr$ 181.857,60. Foram
despachados 71 requerimentos de obras particulares.
Em 1950 foram feitas obras em casas particulares com recursos alferidos de particulares no Rio, S.
Paulo e Belo Horizonte (Cr$ 335.692,20) e na Matriz de Antônio Dias (Cr$ 110.156,90), com o gasto total de
Cr$ 445.849,10. Foram repassados 55 requerimentos de obras particulares. Em 1951 foram feitas, no plano
acima, obras em sete casas particulares (Cr$ 56.517,00), na Matriz do Pilar e na de Cachoeira, com gasto total de
Cr$ 173.750,50. Foram despachados 44 requerimentos de obras particulares.
Em 1952 foram feitas obras em várias casas particulares (Cr$ 36.251,50), Matriz de Cachoeira, Capela
de Sant’Anna, Matriz de Itatiaia, asilo de Ouro Preto, S. Francisco de Assis, S. Francisco de Paula e Capela do
Padre Faria, gastando-se a quantia total de Cr$ 253.060,30. Foram despachados 77 requerimentos de obras
particulares.
Em 1953 foram feitas obras em 24 casas particulares, (Cr$ 213.722,20), Matriz de Cachoeira, Capela de
Sant’Anna, Matriz de Itatiaia e Fórum de Ouro Preto (Cr$93.228, 50) no total de Cr$ 410.334,40. Foram
despachados 65 requerimentos de obras particulares.
Releva acrescentar aos serviços da DPHAN, em Ouro Preto, a construção do Grande Hotel, a atuação
pela permanência da Escola de Minas e do Batalhão na Cidade, o auxílio à construção da capela Metodista e a
obtenção de recursos particulares para o conjunto arquitetônico da cidade. Convém ainda salientar que a1951,
de nossas verbas gerais para todo o Estado, 1/3 foi sempre reservado apenas para Ouro Preto, que se tem
beneficiado, como nenhum outro local do Brasil, salvo Salvador em seu quarto centenário, pela ação incansável
e constante desta repartição. Atenciosamente, Sylvio de Vasconcellos/Chefe do Distrito . (Grifos meus)
A partir do documento acima, ficamos informados que as ações realizadas em Ouro
Preto pelo SPHAN foram iniciadas ainda em 1936, antes da promulgação do decreto-lei,
confirmando que houve uma continuidade em relação às ações da Inspetoria. Outro dado
importante refere-se à informação de que um terço dos recursos destinados a Minas Gerais
eram dedicados exclusivamente a Ouro Preto, demonstrando com inegável clareza a
predileção pela cidade, no planejamento geral do órgão estadual e nacionalmente.
100
3.7 - As comemorações do 250º de Ouro Preto: “A mais preciosa cidade do Brasil”
109
“Em Ouro Preto conquistou o Brasil moderno sua consciência histórica"
(CARPEAUX, Otto Maria, 08/07/1961)
“A comemoração pretende exorcizar o esquecimento”
(OLIVEIRA, 1989)
Cientes do poder que as datas comemorativas têm de reinventar e consolidar eventos
ou lugares na memória coletiva, os mineiros começaram a gestar as comemorações dos 250
anos de Ouro Preto, a se realizar em 1961, cinco anos antes, em 1956. Nesse ano, o deputado
Afonso Arinos
110
, primo do diretor da DPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade e membro
do conselho consultivo da mesma instituição, submeteu ao Congresso Nacional o projeto nº.
2.417, solicitando a liberação de “verbas extraordinárias” para a restauração do Conjunto
Arquitetônico de Ouro Preto para as comemorações do 250º aniversário da cidade que ser
realizaria no dia 08 de julho de 1961. Para tão importante efeméride a “cidade eterna dos
mineiros”, deveria estar viva e pomposa, de modo a não “causar vexame aos brasileiros.”
111
Nenhum outro momento poderia ser mais propício. No posto mais alto da nação estava
Juscelino Kubistchek, político sequioso em marcar o lugar de Minas e o seu próprio na
história nacional. Com a chave do cofre, estava José Maria Alkmin, importante figura do PSD
mineiro e titular da Pasta da Fazenda. À frente do Ministério da Educação estava Clovis
Salgado, mineiro que ascendeu com JK. Na Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (DPHAN), estava Rodrigo Melo Franco, que há exatos 20 anos ocupava a direção do
órgão. E para finalizar, no Congresso Nacional circulava uma bancada mineira robusta, que
pouco havia arrancado do Rio de Janeiro a primazia de Capital
112
em detrimento da nova
cidade a ser construída no Planalto Central a partir do ano seguinte e que tinha data de
nascimento marcada para 21 de abril de 1960, dia de Tiradentes.
Duas estirpes de elites de Minas Gerais. De um lado membros de um grupo que
possuía desde o império amplo prestígio e trânsito livre nos altos círculos do poder,
109
Assim se referiu a Ouro Preto uma notícia publicada pelo Jornal, O Diário, de Minas Gerais, sobre o projeto
de Afonso Arinos para as comemorações dos 250 anos de Ouro Preto. IPHAN/OBRAS/Plano Especial de Ouro
Preto/recortes
.
110
Deputado pela UDN (União Democrática Nacional)
111
Frase de Rodrigo Melo Franco ao agradecer a iniciativa de Arinos.
112
Sobre a atuação da bancada mineira na definição da mudança da capital para Brasília, consultar a tese de
doutorado de Marly Motta (1977).
101
representado por Rodrigo e Arinos, herdeiros dos Melo Franco e Alvim. De outro, membros
de uma nova elite política mineira que emerge com as condições propiciadas pelo pós-30,
representada por JK. Adversários ferrenhos no jogo político, posicionados por trás das
legendas da UDN e do PSD, mas unidos “pela fixação com a terra de origem.”
113
O projeto de Arinos foi aprovado no dia 17 de novembro de 1956 e transformado em
lei nº.3.184 de 24 de junho de 1957, assinada por três mineiros: Juscelino Kubitschek, Clovis
Salgado e José Maria Alckmim. Seu objetivo principal era a “recomposição possível da cidade
para as comemorações de seu ducentésimo quinquagésimo aniversário.”
Como se lê nos anais da Câmara dos deputados:
O Congresso nacional decreta:
Art. 1º. A União contribuirá, para a comemoração do 250.º aniversário da municipalidade de Ouro
Preto, a transcorrer no dia oito de julho de 1961, com o empreendimento de um plano especial de obras
em proveito da cidade erigida em Monumento nacional pelo Decreto n.º 22.928, de 12 de julho de 1953
[1933].
Art. 2.º O plano mencionado no art.1º atenderá á conservação, reparação e restauração do acervo
artístico, histórico e paisagístico de Ouro Preto, tendo em vista o papel que compete à cidade como
centro de civismo, de cultura e de atração turística.
114
Art. 3.º Para atender às despesas com a execução dos serviços determinados nesta lei, fica o Poder
Executivo autorizado a abrir no exercício financeiro de 1957, pelo Ministério da Educação e Cultura, o
crédito de Cr$ 6.000.00,00 (seis milhões de cruzeiros), incluindo-se nos exercícios subsequentes de
1958, 1959, 1960 e 1961 dotações de importância idêntica para a mesma finalidade, no orçamento do
referido Ministério.
Art. 4.º À diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional incumbirá elaborar o plano de serviços
determinado nesta lei, que deverá ser submetido à aprovação do Ministro da Educação e Cultura, com
audiência prévia do Conselho Consultivo da aludida Diretoria.
Art. 5º As importâncias correspondentes ao crédito especial e as orçamentários a que refere o art. ,
depois de registradas pelo Tribunal de Contas, serão automaticamente distribuídas ao tesouro Nacional e
depositadas no Banco do Brasil em conta especial à disposição da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
Parágrafo único A comprovação das despesas realizadas à conta dos referidos créditos será feita ao
Tribunal de Contas pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro de três meses a
partir do encerramento de cada exercício financeiro.
113
Frase de Carlos de Drummond de Andrade ao falar da ligação dos mineiros com sua terra de origem. In: O
Fazendeiro do Ar, documentário de Fernando Sabino e David Neves (1970).
114
G
rifos meus
.
102
Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário
Afonso Arinos
O Projeto de Afonso Arinos reclamava para Ouro Preto uma atenção excepcional do
poder público, diferenciada até a que foi dada à Bahia por ocasião das comemorações de seu
400ªº aniversário ocorridas em 1949, que contou também com verbas especiais concedidas
pelo congresso.
Pela argúcia e capacidade retórica do proponente, e, sobretudo, pela síntese dos
elementos discursivos presentes nos discursos produzidos pelos mineiros desde o momento
em que a antiga capital começa a ser reinventada no final do século XIX, e sobre os quais
falamos em outros momentos deste trabalho, julgamos relevante transcrever toda a
justificativa que chancelou o projeto:
A significação extraordinária do papel que Ouro Preto representou na história nacional impõe aos
poderes federais participar de forma expressiva e memorável da comemoração do 250aniversário da
criação da respectiva municipalidade, e transcorrer a 8 de julho de 1961. Erigida em Monumento
Nacional desde 1933, pelo decreto 22.928 de 12 de julho, a cidade faz jus, por seus fatos gloriosos,
seus monumentos arquitetônicos, seu riquíssimo acervo de obras de arte e a severa beleza de sua
paisagem, a uma solicitude excepcional da União.
115
Não lhe tem faltado, é certo, nos últimos anos, a
assistência permanente da administração federal. Mas, por motivo de serem muito onerosos os serviços
reclamados para a proteção efetiva e satisfatória do conjunto artístico, histórico e paisagístico de Ouro
Preto, o desgaste do tempo e circunstâncias desfavoráveis contribuem para despojá-la progressivamente
de elementos valiosos e característicos, em prejuízo do patrimônio tradicional de nosso país. Torna-se,
pois, de indubitável interesse nacional aproveitar a oportunidade do transcurso do 250aniversário da
ereção da Vila Rica pelo intemerato governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a fim de
ser estudado e posto em execução um plano de serviços suficiente a beneficiar o acervo monumental da
cidade em condições que lhe permitam, depois de concluído, manter sua preciosa integridade com as
modestas dotações ordinárias que lhe são destinadas no orçamento anual da República.
Iniciativa semelhante foi tomada pelo Congresso Nacional por ocasião de ser comemorado o 4º
Centenário da fundação da Cidade do Salvador e da instituição do Governo Geral no Brasil, quando
autorizou, por meio da Lei 874 de 18 de outubro de 1949, o Poder Executivo a abrir um crédito de
Cr$ 20.000,000,00 destinado a maior parte à reparação e restauração de monumentos históricos e
artísticos da capital da Bahia, como contribuição adequada da União federal para as comemorações
daquele centenário. Desta vez, porém, para reparar e restaurar o conjunto arquitetônico e paisagístico de
115
Grifos meus.
103
Ouro Preto, cumpre considerar não que a extensão e a diversidade dos serviços a empreender serão
bem mais consideráveis que os executados na Bahia, visto que Ouro Preto é monumento nacional em
seu conjunto e, praticamente todos os aspectos, obras públicas e edifícios particulares da cidade se
inscrevem no acervo dos melhores valores históricos e artísticos do país. Releva, também observar que a
mão de obra e o curso dos materiais se tornaram incomparavelmente mais onerosos de 1949 a esta parte.
O Montante do crédito que o projeto visa a autorizar foi baseada em estudo consciensioso feito pelo
órgão competente da administração federal e representante como estimativa modesta do que se tornou
realmente indispensável à salvação da cidade que é conjunto único, não no Brasil, mas em todo o
mundo, da arquitetura e da arte barrocas do século XVIII. Funda-se o cálculo no custo aproximado dos
seguintes serviços:
1) Reparação e restauração de monumentos religiosos (13 igrejas, 6 capelas e 8 passos e oratórios)
2) Reparação e restauração de monumentos civis (13 edificações)
3) Reparação e restauração de pontes históricas (8 pontes)
4) Reparação e restauração de chafarizes históricos (19 chafarizes e fontes públicas)
5) Reparação e restauração de logradouros e jardins (15 unidades)
6)Reparação e restauração do conjunto arquitetônico (50% dos prédios existentes, ou sejam 400
edificações)
7) Proteção e beneficiamento de sítios históricos (o morro de Pascoal da Silva ou da Queimada e 2 sítios
extensos)
8) Substituição da rede aérea de energia elétrica por canalização subterrânea nos trechos em que a fiação
e posteação mais prejudicam o aspecto tradicional de logradouros e monumentos. (grifos meus)
Com a aprovação do projeto, coube novamente a Sylvio de Vasconcellos, (que ainda
ocupava o posto de chefe do distrito de Minas Gerais, e era tido como o maior conhecedor
da cidade) a elaboração da proposta de ação a ser beneficiada com a verba especial. Sylvio,
desde que se formara em 1944, havia publicado dezenas de artigos sobre estética e história
da arquitetura das cidades coloniais mineiras. Já era professor da cadeira de História da
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e havia defendido a tese de
doutorado em 1953, Arquitetura Civil em Vila Rica, na qual mesclava história e arquitetura,
tornando-se o maior especialista em barroco mineiro.
Além da formação de teórico da arquitetura colonial, o arquiteto já havia acumulado a
experiência de quase 20 anos atuando no Patrimônio, visto que começou em 1939, como
auxiliar de seu pai. Todos esses fatores faziam como que “dr. Rodrigo” conferisse a ele essa
onerosa tarefa de elaborar um Plano de Obras para reformar “praticamente“ toda a cidade de
104
Ouro Preto em quatro anos. Com uma missão de vulto nas mãos, o chefe do distrito, como
em outros momentos, não se furtou à responsabilidade. Em um dos primeiros contatos
116
sobre
o Plano Especial a ser executado, Vasconcellos relacionou as obras que deveriam ser
programadas para serem beneficiadas dentro das dotações especiais.
A proposta de Sylvio foi submetida à avaliação de Lúcio Costa que fez pequenas
sugestões e aprovada por Renato Soeiro, diretor da Divisão de Conservação e Restauração
117
.
Em 02 de junho de 1958, Renato Soeiro encaminhou a Rodrigo de Melo Franco um
ofício
118
no qual relacionava os monumentos que deveriam ser beneficiados na cidade de Ouro
Preto, de acordo com a proposta apresentada por Sylvio de Vasconcellos, levando em conta a
verba destinada para os exercícios referentes aos anos de 1958 e 1959, equivalentes a Cr$
12.000,000,00( doze milhões de cruzeiros).
Quadro 1 – Plano Especial de Ouro Preto - Primeira Fase (Exercício 1958)
Arquitetura Civil
Tipo de Construção Descrição da Construção Preço (em Cr$)
Chafarizes
Coluna Alto das Cabeças 25.000
Chafariz Bom Jesus 25.000
Chafariz Rua Bernardo
Guimarães,13
25.000
Chafariz do Adro do Rosário 40.000
Chafariz da Rua Antônio
Albuquerque
50.000
Chafariz da Praça Américo
Lopes
40.000
Total 205.000
Pontes
Ponte do Rosário 25.000
Ponte do Pilar 150.000
Ponte dos Contos 100.000
Ponte Seca 150.000
Total 425.000
Edifícios
Teatro Municipal 300.000
Casa de Cláudio Manoel 250.000
Casa de Tomás Antonio
Gonzaga
250.000
116
Ofício nº 799, de 21/12/1957. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
117
Conforme documento sem número, emitido por Renato Soeiro em 02/06/1958. IPHAN/Obras/Plano Especial
de Ouro Preto.
118
Ofício sem numeração. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
105
Casa dos Contos 400.000
Edifício do Fórum 500.000
Total 1.700.000
Moradias
40 moradias 20.000
Total 800.000
Arquitetura Religiosa
Igrejas
Igreja Matriz do Pilar 500.000
Capela de São José 350.000
Capela Nossa Senhora do
Carmo
350.000
Capela Nossa Senhora das
Mercês e Misericórdia
500.000
Total 1.700.000
Paços
Paços da Rua Bernardo
Guimarães
50.000
Paços da Rua São José 50.000
Paços da Rua Antônio
Albuquerque
50.000
Total 150.000
Outros
Recuperação de Obras de
Pinturas
250.000
Pessoal técnico
extraordinário
420.000
Imprevistos 350.000
Total 870.000
Valor Total 6.000.000
Quadro 2 – Plano Especial de Ouro Preto - Primeira Fase (Exercício em 1959)
Arquitetura Civil
Tipo de Construção Descrição da Construção Preço (em Cr$)
Chafarizes
Coluna Alto das Cabeças 50.000
Chafariz Bom Jesus 25.000
Chafariz Rua Bernardo
Guimarães,13
25.000
Chafariz do Adro do Rosário 40.000
Chafariz da Rua Antônio
Albuquerque
50.000
Chafariz da Praça Américo
Lopes
40.000
Total 230.000
Pontes
106
Ponte do Rosário 100.000
Ponte do Pilar 50.000
Ponte dos Contos 100.000
Ponte Seca 150.000
Total 400.000
Edifícios
Teatro Municipal 300.000
Casa de Cláudio Manoel 250.000
Casa de Tomás Antonio
Gonzaga
250.000
Casa dos Contos 400.000
Edifício do Fórum 500.000
Agenciamento do Cinema à
Praça Reinaldo de Brito
150.000
Total 1.850.000
Moradias
40 moradias 20.000 cada
Total 800.000
Arquitetura Religiosa
Igrejas
Igreja Matriz do Pilar 500.000
Capela de São José 350.000
Capela Nossa Senhora do
Carmo
350.000
Capela Nossa Senhora das
Mercês e Misericórdia
500.000
Total 1.700.000
Paços
Paços da Rua Bernardo
Guimarães
50.000
Paços da Rua São José 50.000
Paços da Rua Antônio
Albuquerque
50.000
Total 150.000
Outros
Recuperação de Obras de
Pinturas
100.000
Pessoal técnico
extraordinário
420.000
Imprevistos 350.000
Total 870.000
Valor Total 6.000.000,00
A primeira remessa da dotação especial foi efetivamente depositada na conta do
Ministério da Educação no final de setembro de 1958, e obrigou a DPHAN a acelerar as
107
obras, com vistas a não inviabilizar o plano especial, conforme se observa na
correspondência
119
enviada ao Presidente da República por Rodrigo Melo Franco de Andrade,
em 28 de novembro do mesmo ano.
Sr Presidente:
Por motivo de nos últimos dias de setembro último ter sido posta no banco do Brasil, á
disposição da DPHAN, a primeira parcela dos recursos destinados ao Plano Especial de obras
em proveito de Ouro Preto (...) os respectivos serviços tiveram de ser atacados com a maior
intensidade possível. Simultaneamente, foram assim iniciadas obras de estabilização, reparação
e restauração de quase todas as pontes e chafarizes da cidade, assim como em grande número
de suas igrejas, edifícios públicos civis e residências particulares coloniais, organizando-se as
tarefas com o objetivo de ultimá-las até o fim do atual exercício.
No dia 02 de junho de 1958, Rodrigo Melo Franco de Andrade, apresentava ao
conselho consultivo da DPHAN as propostas correspondentes às 1ª e 2ª fases do Plano
Especial de Obras em proveito de Ouro Preto para aprovação.O valor da verba liberada pelo
Congresso Nacional previa a quantia de Cr$ 6.000.000,00 para cada exercício a partir de 1957
e como a parte inicial prevista para as obras da fase que deveriam ser liberadas ainda em
1957, não foram, Rodrigo informa que essa mesma será incluída no orçamento de 1958,
totalizando o valor de Cr$ 12.000,00 para o referido ano.
Juntamente à apresentação da proposta, Rodrigo informou
120
aos conselheiros que
havia indicado dois de seus membros mais qualificados que examinassem in loco, as
condições atuais da cidade, a fim de sugerirem aos arquitetos e ao diretor o que lhes parecesse
conveniente ao fim almejado. Tratava-se de Miriam Latif e Paulo Santos. O primeiro por
motivos de saúde não pode realizar a visita, mas o segundo acompanhou Rodrigo numa
excursão a Ouro Preto, para examinar de perto os estudos e também para discutir pormenores
com o chefe do distrito os diversos aspectos da proposta. Rodrigo finaliza o documento
agradecendo ao conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco pela iniciativa, que proporciona a
este órgão executar em “proveito do acervo histórico e artístico de Ouro Preto grande parte
119
Of. 654. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
120
Documento sem número, anexo à Informação número 46 de Lúcio Costa, 27/03/1958. IPHAN/Obras/Plano
Especial de Ouro Preto.
108
dos serviços adequados para que, ao transcorrer o 250º aniversário da fundação de Vila Rica, o
conjunto monumental da cidade possa ser visitado sem vexame para o povo brasileiro.”
Ao se posicionar a respeito do Plano
121
, Lúcio Costa sugeriu que depois de realizada a
etapa inicial proposta por Sylvio de Vasconcellos (pontes, chafarizes, etc) e “das
indispensáveis providências no sentido de corrigirem umas tantas deficiências facilmente
localizáveis para o turista qualificado”, deveriam ser atacadas obras de maior vulto
relacionadas com a restauração da cidade propriamente dita. Essas obras teriam o seguinte
caráter: demolição, recomposição, restauro, remoção ou transferência. Vejamos um trecho das
orientações do arquiteto, que registra de forma inequívoca suas posições sobre como deveriam
ser realizadas as intervenções na cidade.
No primeiro caso (demolição), avulta a necessidade de ser desapropriado e demolido o
prédio do banco contíguo ao chafariz dos Contos, plantando-se no local arborização adequada.
Como exemplo do segundo item (recomposição), urge recompor de algum modo o cinema
recentemente construído a fim de amortecer o impacto insólito do extenso oitão e da cobertura
metálica na paisagem. Assim, além de supressão prevista da platibanda e criação de beiral sobre a
cornija do prédio aproveitado, convirá revestir o oitão da parte nova com telhas á moda tradicional.
(...) Outro caso necessário [referente a] de recomposição é o do grupo escolar visível de ponte de
Antônio Dias e do chafariz do largo de Dirceu, vizinhança aquela tanto mais grotesca por
pretender ser de “estilo colonial”. Bastará, para esse efeito, suprimir os frontões e prolongar a
água do telhado além da frente atual, criando-se um apendrado ao longo de toda fachada.
122
(Grifos meus)
Na avaliação do criador de Brasília, deveriam ser apagados os elementos ecléticos
presentes em meio às edificações coloniais. A presença dessa arquitetura “bastarda”, como
chamava, saltaria “aos olhos do turista qualificado", enfeiando a cidade.
O Plano Especial de Ouro Preto, como foi chamado, deveria se realizar em três etapas.
A liberação das dotações dava-se da seguinte maneira: Sylvio de Vasconcellos elaborava o
plano de obras referente a cada etapa, e esse plano era submetido ao diretor da DCR, Renato
Soeiro e após a aprovação era encaminhado ao diretor geral. Em seguida, a DCR preparava
uma exposição ao conselho consultivo para aprovação e depois era solicitada a liberação
dos recursos. Cada etapa tinha um orçamento previsto de Cr$ 6.000,00. Inicialmente as obras
se estenderiam de 1958 a 1960, mas acabou se estendendo até 1961, contando com
suplementação, além das verbas previstas.
121
Informação número 46 de Lúcio Costa, 27/03/1958. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
122
Lúcio Costa, Informação nº 46. IPHAN/Obras/Arquivo Central/IPHAN.
109
Para colaborar na execução das obras, foram contratados mais dois arquitetos que
ficaram chefiando diretamente as ações em Ouro Preto, visto que o corpo técnico da DPHAN
no estado era reduzido e a esse distrito restavam outras cinco cidades tombadas para assistir.
Os nomes vieram da indicação de Rodrigo, como pode se observar na correspondência abaixo,
datada de 4 de julho de 1958:
Prezado dr. Sílvio,
Empenhados desde muito tempo em escolher arquitetos idôneos para assumir a incumbência da
chefia direta dos serviços que deverão ser realizados em Ouro Preto (...) lembramo-nos logo de
recorrer aos arquitetos Maurício Dias da Silva e Noel Saldanha Marinho, aos quais temos confiado
diversos trabalhos no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Estado do Rio e, ultimamente no Museu de
São João del Rei, sempre com resultados satisfatórios. Um e outro se achavam incorporados à
equipe constituída por nosso amigo Lúcio Costa, para o desenvolvimento do plano piloto de
Brasília, tornando-se, portanto, muito difícil obter-lhes a colaboração desejada. Não obstante,
tínhamos tomado a iniciativa de consultá-los a respeito (...) Por fim, há pouco, vieram participar-nos
que de fato tinham decidido aceitá-lo, embora a deliberação definitiva dependia de alguns
entendimentos (...)
Desde logo, entretanto, achei necessário levar a seu conhecimento o ocorrido, não só com o
objetivo de obter sua anuência à nossa iniciativa, como também para consultá-lo sobre a
possibilidade de, no caso provável de aceitação dos arquitetos se consumar, você empreender uma
rápida viagem ao Rio, destinada a combinar detidamente com eles, com o Soeiro e comigo o
processo de colaboração que deverão prestar e, bem assim, as relações de subordinação a manter
com sua chefia.
123
A comunicação de Rodrigo demonstra a habilidade do diretor em submeter arquitetos
de outros estados na obra em Minas e o respeito que conferia à autoridade de Vasconcellos em
Minas. Apenas sete dias depois, no mesmo tom de cordialidade, Sylvio responde ao chefe,
agradecendo a contratação dos colaboradores e tranquilizando-o quanto a possíveis problemas
de hierarquia:
Prezado dr. Rodrigo.
Causou-me satisfação a notícia contida em sua carta de 4 corrente, relativa à possibilidade de ser
obtida a colaboração dos arquitetos Maurício Dias e Noel Saldanha para a execução dos
serviços programados para a cidade de Ouro Preto e, assim sendo, apresso-me a manifestar-lhe
essa satisfação, em virtude dos bons resultados que auguro para a iniciativa. Quanto ao
entrosamento dos colaboradores com o distrito, nenhuma sugestão tenho a apresentar, no sentido
de subordiná-los a esta chefia, pois quer-me parecer que, tratando-se de profissionais habilitados
em anteriores experiências, a liberdade que lhe for conferida, sob a orientação dessa diretoria,
poderá contribuir para o êxito das funções que lhe forem atribuídas.
124
123
IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
124
11/07/1958. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
110
Em Ouro Preto, o trabalho dos dois arquitetos era acompanhado também por Roberto
de Lacerda, funcionário do distrito, que substituiu Ivo Porto de Menezes. A
correspondência entre as instâncias se dava da seguinte maneira: De Ouro Preto eram
enviados a Belo Horizonte relatórios semanais sobre andamento das obras, bem como toda a
documentação administrativa produzida no escritório local relativa a gastos, pagamentos,
negociações com proprietários, contratação e pagamento de pessoal. De posse desse material
Sylvio elaborava e enviava boletins mensais de informação (BMI) ao Rio de Janeiro. Esses
boletins continham uma descrição minuciosa de gastos com pessoal, material de construção e
andamento das obras, além de vasto material fotográfico através do qual a equipe do Rio
acompanhava as obras, na impossibilidade de estar periodicamente em Ouro Preto.
Com intuito de manter a direção geral informada sobre o andamento das obras, Sylvio
enviava também relatórios
125
, nos quais detalhava minuciosamente as intervenções realizadas
nos monumentos, conforme podemos observar abaixo.
Chafariz da Rua Bernardo Guimarães:
Desenterrado o chafariz e colocado água no mesmo. Composição da praça
em frente, com calçamento das ruas, serviços esses realizados em
colaboração com a municipalidade
Ponte dos Contos
Recuperação do Horto Florestal vizinho. Limpeza da ponte,
início de
revestimento interrompida -
reparo de arrimo no Horto Florestal e nos
canteiros, recuperação das muretas.
Casa de Gonzaga
Limpeza. Demolição e reconstrução total da cobertura.
Cinema
Obras de substituição da platibanda por beiral. Fatura dos b
eirais (com
seus cachorros), calhas interiores e entelhamento de corpo principal e
elevação de mais um pavimento na casa vizinha.
A partir dos documentos enviados por “Dr. Sylvio”, a equipe que compunha a área
central da DPHAN no Rio de Janeiro, “Dr. Rodrigo”, “Dr. Soeiro” e “Dr. Lúcio”, avaliava o
andamento dos trabalhos e enviava as recomendações à chefia do distrito para que fossem
repassadas aos arquitetos em Ouro Preto. Vejamos o ofício 336, de 06/05/59
126
, enviado aos
arquitetos Maurício Dias e Noel Saldanha, no qual Sylvio adverte para que tenham maior
atenção e cuidado no cumprimento das orientações vindas de Lúcio Costa.
Senhores arquitetos:
125
Documento sem data. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
126
IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
111
Para conhecimento dos senhores e consequentes providências, transcrevo abaixo trechos de
instruções recebidas da Diretoria Geral, sobre as obras em Ouro Preto:
1) Certos pequenos detalhes de acabamento, principalmente no que se refere à pintura, deverão ser
mais apurados: nas igrejas de São José e Pilar, a cor dos elementos em relevo, de massa, deverá
entonar com a pedra. No museu, o verde das esquadrias externas está muito amarelado.
Internamente muito suja a caiação dos elementos de massa nos vãos e muito brilhante a pintura a
óleo dos tetos.
2)O Fórum, antes da pintura atual, branca e cinza, contava menos no conjunto da Praça. Creio que
a recomendação do arquiteto Lúcio Costa era no sentido de pintá-lo de cinza, mas não de cor cinza
clara e sim aguada de cimento, em tom muito mais escuro do que está (...) A experiência que o
arquiteto Maurício Dias vai tentar no prédio também recomposto do atual cinema, procurando
manter os tons antigos da pintura existente, talvez indique proceder da mesma maneira no Fórum.
Apesar de acumular as funções de professor universitário, pesquisador
127
, arquiteto e
ter ainda sob sua responsabilidade as demais cidades tombadas e os monumentos isolados
em outras tantas espalhadas pelo estado, Sylvio era minucioso no acompanhamento das
obras, como podemos observar a partir de um bilhete anexo a uma carta enviada aos
arquitetos de Ouro Preto. Nele, o chefe do distrito faz questionamentos em relação ao
consumo excessivo de cimento, observado nas planilhas de custos.
Lacerda, Noel e Maurício,
Como o cimento não existia no século XVIII convém restringir seu uso ao estritamente
indispensável em razão da segurança. A nota é porque tenho verificado gasto grande de cimento,
embora não tenha elementos para discutir seu emprego.
A supervisão do chefe do distrito era constante e rigorosa. Em um dos ofícios
encontrados, Sylvio escreve
128
ao arquiteto Roberto de Lacerda, responsável pela diretoria
[escritório] local em Ouro Preto e elenca pontos de observação para a equipe. Entre as
principais reclamações estão: a demora do serviço em algumas obras e a distribuição de
operários por obra. Requer também a contratação de mais mestres para acompanhamento de
obras mais distantes e ênfase para a necessidade “urgente” de começar as obras nas casas
de Cláudio Manuel e Tomaz Antônio Gonzaga.
A revelação e valorização de Ouro Preto era tarefa assumida por todos os intelectuais
ligados ao grupo próximo ao “Patrimônio”, que mesmo trabalhando em diferentes campos,
tratavam de ensinar às novas gerações de brasileiros o valor das cidades coloniais mineiras e,
sobretudo, o que, para eles, significava Ouro Preto em nossa formação identitária. Como
127
Conforme pudemos consultar em LEMOS (2004), durante o período de execução do Plano, 1958-1962, o
arquiteto publicou quatro livros sobre arquitetura colonial e uma série de artigos para revistas especializadas.
128
Ofício nº 44 de 15/01/1959. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
112
exemplo disso, encontramos meio à documentação do Plano Especial, uma
correspondência
129
, na qual Sylvio de Vasconcellos pede a seus colaboradores que recebam
uma excursão de alunos da Faculdade de Letras de Assis, recomendada pelo Professor
Antônio Cândido, “nosso dileto amigo”. Cândido informa que seus alunos estarão em visita
pelas cidades mineiras e pede que funcionários do Patrimônio acompanhem os excursionistas
em visitas à cidade, mostrando-lhes os aspectos mais interessantes.
Voltando ao Plano Especial, em relatório de 10 de julho de 1959, Renato Soeiro,
diretor da DCR, enviou ao diretor geral o programa organizado pelo 3º distrito dando conta do
andamento das obras da 1ª e 2ª fase.
Até o momento, como se no relatório, foram concluídos os serviços de sete chafarizes, quatro
pontes, vinte casas no Conjunto das Cabeças, seis no conjunto do Alto da Cruz, além do início dos
trabalhos programados para o Conjunto do Rosário. As obras nos edifícios do Museu da
Inconfidência, do Teatro e do Fórum foram beneficiadas com obras extensas foram terminadas.
Concluiu-se a fachada do cinema da rua São José e iniciaram-se as obras nas casas de Cláudio
Manoel da Costa e de Gonzaga foram iniciadas.Quanto aos monumento religiosos, foram
concluídos: os serviços na Igreja de São Jorge, Igreja de N. S. das Mercês e Misericórdia e Igreja
N.S. do Carmo, bem como os da Igreja Matriz do Pilar, onde foram também recuperadas as
pinturas antigas de toda a capela mor.
Lembramos que todas essas obras foram realizadas em pouco mais de um ano, embora
o programa e as verbas sejam referentes a dois exercícios. Conforme o relatório estava
previsto para o atual exercício referente a 1959: serviços em quatro chafarizes, três pontes,
dois edifícios de arquitetura civil, trecho da rua Santa Efigênia e trecho entre o Alto das
Cabeças e Ponte do Rosário, além de serviços de conservação e restauração nas Igrejas de
Mercês e Perdoes, São Francisco de Assis e em mais 2 Paços, além da recuperação de diversas
pinturas antigas.
Após mais de um ano de trabalho, em julho de 1959, Sylvio de Vasconcelos escreve
130
para Roberto Lacerda, Noel Saldanha e Maurício Dias, avisando que as obras encontravam-se
em fase final.
Tenho o prazer de informar que o Plano de Obras de Ouro Preto, em execução, está atingindo
sua fase final. Assim sendo, torna-se recomendável, no momento, providenciar a execução e
conclusão das seguintes obras, não se iniciando nenhuma outra além das abaixo relacionadas:
a) Chafarizes: Bernardo Guimarães 13, adro do Rosário e Pilar;
b) Pontes: do Pilar e dos Contos;
c) Casas: de Cláudio, de Gonzaga e dos Contos;
129
Ofício nº 262 de 22/10/1959.IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto
130
Ofício nº 575, de 27/07/1959. IPHAN/OBRAS/Plano Especial de Ouro Preto.
113
d) Passos: da rua Bernardo Guimarães.
Deve ser, assim, providenciada a conclusão das obras em andamento e a execução das acima
enumeradas.
Embora as correspondências apontem para a finalização das obras, a documentação
referente ao Plano Especial apresenta documentos relativos à sua continuação, bem como
pedidos para suplementação de verbas por mais de dois anos.
No dia 17 de março de 1960, o diretor geral da DPHAN submete ao Ministro Clóvis
Salgado, a aprovação do plano de obras para o exercício de 1960, como veremos.
Senhor Ministro,
Ao submeter à sua alta consideração o plano elaborado pelos órgãos cometentes desta
diretoria, correspondente às obras de proteção a serem executadas em proveito do
acervo artístico, histórico e paisagístico de Ouro Preto, durante o exercício de 1960,
tenho a honra de comunicar-lhe que o Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, em sessão ontem realizada, sob a minha presidência, com a
presença dos Srs. Alfredo Galvão, Manoel Bandeira, José Cândido Melo Carvalho,
Paulo Santos, Gilberto Ferres, Pedro Calmon, Afonso Arinos e Josué Montelo
deliberou por unanimidade de votos recomendar o referido plano de serviço a
aprovação de V. Exa. para o fim estabelecido do artigo da Lei nº 3.184, de junho de
1957, com as seguintes especificações.
Enfrentando dificuldades para obter a liberação dos recursos, no final de 1960, Rodrigo
Melo Franco escreve ao Ministro da educação Clóvis Salgado pedindo que ele intervenha,
junto ao Ministério da Fazenda para a liberação do restante da verba para a finalização das
obras em Ouro Preto.
131
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1960
Meu caro Ministro,
Peço permissão para consultá-lo sobre a possibilidade de, por seu prestigioso
intermédio, fazer chegar ás mãos do ministro Pais de Almeida a representação anexa,
assinada por representantes mineiros de vários partidos na Câmara dos deputados,
pleiteando a entrega a esta repartição da quantia de Cr$ 8.000.000,00, destinada a
execução do plano de beneficiamento do conjunto arquitetônico de Ouro Preto
(Processo 207021/60, M.F., remetido à Diretoria Geral da Fazenda em Brasília,
com relação nº 58.777, de 18/08/60).
O deputado José Raimundo, espontaneamente, tomou a iniciativa dessa démarche e
mandou entregar-me o respectivo original, que não tenho meio de encaminhar com
segurança ao destinatário.
Recorro, pois isso, aos preciosos préstimos do eminente amigo e chefe.
. Antecipadamente grato, subscrevo-me, com grande apreço de sempre,
Rodrigo M. F. de Andrade
131
IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto
114
Poucos dias depois, o diretor escreve ao chefe do distrito, Sylvio de Vasconcellos,
informando que a liberação das verbas no valor de Cr$ 8.000.000,00 dependem unicamente de
um ofício do Sr. Ministro da Fazenda ao Presidente do Banco do Brasil, para liberação. No
entanto, adverte que, a despeito de os representantes mineiros na Câmara dos deputados terem
feito uma representação ao mesmo Ministério, pleiteando o empenho para liberação dos
recursos, esta diretoria não tem como ajuizar o recebimento até o fim do ano corrente. “Em
tais circunstâncias, haverá necessidade de paralisação das obras, logo que se esgote o saldo da
dotação de 1959 de que ainda dispõe essa chefia.”
132
Vejamos o planejamento para a terceira fase das obras.
Quadro 3 – Plano Especial de Ouro Preto - Primeira Fase (Exercício em 1960)
Tipo de Construção Localidade Realizações Em Cr$ (,00)
Moradias Trecho entre o Alto
das Cabeças e Ponte
do Rosário
Em prosseguimento 1.500.000
Trecho entre a Capela
Nossa Senhora do
Rosário do Alto da
Cruz e Ponte Antônio
Dias
Em prosseguimento 1.500.000
Estação Rodoviária 1.000.000
Total 3.100.000
Pontes Da Barra Serviços
complementares
300.000
Do Palácio Velho Serviços
complementares junto
à Encardideira
200.000
Total 500.000
Chafarizes Da Rua Bernardo
Vasconcelos
200.000
Da Rua Quintiliano
Silva
200.000
Total 400.000
Arquitetura Religiosa Matriz de Nossa
Senhora da Conceição
de Antônio Dias
1.500.000
Passo do Alto da Cruz 300.000
Total 1.800.00
Diversos Recuperação de
Pinturas antigas
500.000
Serviços técnicos
especializados
400.000
132
Ofício 651. IPHAN/Obras/Plano Especial de Ouro Preto
115
Obras imprevistas ou
de exceção
400.000
Total 1.300.000
Total Geral das Obras 8.000.000
Documentos detalhados sobre a descrição e acompanhamento passo a passo das obras
foram encontradas somente para os três anos. Com referência ao exercício de 1961 em diante,
encontramos documentos fiscais, como notas de pagamentos a fornecedor e pessoal
técnico. Pelo que pudemos constatar as obras ultrapassaram o ano de 1961, pois encontramos
recibos até o ano de 1962.
Em relação às festividades realizadas em 1961, não encontramos sua programação em
meio à documentação referente ao Plano Especial de Ouro Preto. Encontramos apenas a carta
enviada pelo Prefeito de Ouro Preto, Benedito Xavier, data de 30 de junho de 1961, convidado
do diretor da DPHAN para o evento.
Muito respeitosamente tenho a honra de convidar V. Ex.a e Ex.ma família, para assistir as
solenidades de 08 de julho próximo, data em que, a cidade de Ouro Preto comemorará os
duzentos e cinquenta anos de fundação.”
133
No dia seis de julho, Rodrigo responde ao convite, desculpando-se por estar
impossibilitado de comparecer e, congratulando-o pelo “transcurso da gloriosa data de 08 de
julho, extensiva a todos os conterrâneos de Ouro e lamentando estar impedido de
participar.
134
Quanto à relação entre as esferas da instituição, diferentemente da hipótese que tínhamos
inicialmente, não foi possível observar na documentação indícios de que tenha havido casos
de ingerência ou problemas hierárquicos entre Sylvio e a área central da instituição. Fica clara
a relação de respeito e confiança creditada a Sylvio de Vasconcelos na condução do Serviço de
Patrimônio em Minas por parte da direção geral da instituição e da mais alta cúpula, composta
por Soeiro e Lúcio Costa. Em diferentes momentos, como na Campanha de 1949 ou no Plano
Especial para a comemoração dos 250 anos, bem como em casos cotidianos, pudemos
133
IPHAN/Arquivo Técnico Administrativo/Coleção Rodrigo/Personalidades/RM/Correspondência nominal/ nº
120.
134
Ofício nº 234, de 06/07/1961.IPHAN/ Obras/Plano Especial de Ouro Preto
116
observar que é conferido ao arquiteto mineiro autoridade para elaborar e executar as ações,
que foram sempre referendadas pela direção. Se a palavra final era dada na sala do diretor, as
propostas partiam da experiência e conhecimento que o chefe do distrito tinha de Ouro
Preto e em momento algum contestado em outra instância.
Acreditamos que a dedicação e filiação de ambos em relação a Ouro Preto diluíam, em
certa medida, as diferenças hierárquicas entre Rodrigo e Sylvio, pois em nenhum momento da
documentação consultada foi possível observar que as posições ocupadas por ambos, tenham
causado algum desconforto.
117
CONCLUSÃO
Nossa intenção ao realizar essa pesquisa não foi proceder uma análise exaustiva sobre
a atuação do Serviço de Patrimônio em Ouro Preto em suas primeiras décadas, no sentido de
um levantamento e avaliação de suas intervenções. O que norteou nosso interesse principal foi
a tentativa de entendimento de como Ouro Preto tornou-se uma cidade relíquia, símbolo
maior de nossa nacionalidade, e, portanto, alvo privilegiado das ações de preservação do
patrimônio no Brasil, levadas a cabo a partir do Estado Novo.
Conforme vimos no primeiro capítulo, ao perder seu status de capital do Estado de
Minas Gerais, Ouro Preto começa a se afirmar no imaginário social pelo seu valor histórico e
simbólico a partir dos discursos formulados por seus defensores. Neste processo construtivo,
atribuíram a ela o ponto de referência fundamental na constituição de nossa tradição
republicana. Assim sendo, se aprofunda a valorização do passado referente à inconfidência
mineira e as manifestações artísticas ocorridas no século XVIII em Minas. Antecipando os
debates sobre a preservação das cidades históricas mineiras, em 1894, o político Cesário
Alvim já alertava para a necessidade de preservação da cidade como sinônimo de resguardar o
passado nacional.
[...] Minas, que é o único Estado em que as tradições ainda se enraízam, deve dar o sinal de alarma em
prol da nossa nacionalidade ameaçada. E a primeira medida a tomar para isso é dar o exemplo da
regeneração, mostrando como é preciso amar o passado. (ALVIM, 1989, op. cit)
Para percorrer essa trajetória, foi fundamental em minha abordagem o livro Guardiães
da Razão de Helena Bomeny. Interessada nos escritores mineiros dos anos de 1920 e na forma
como impuseram um projeto pioneiro para as áreas de educação e cultura no pós-30, localizou
no final do século XIX, o germe da formulação dos discursos que constituíram a “suposta
identidade de Minas”, conhecida como mineiridade.
Retomando esse ponto, deparei-me com as figuras de Afonso Arinos e Diogo de
Vasconcellos, ascendentes diretos daqueles que décadas mais tarde, ocupariam posições
definidoras do que seria representativo de nosso passado nacional. A partir da criação do
SPHAN, retomariam a missão iniciada por seus antepassados, estendendo o discurso, a
118
princípio regional, para o âmbito da nação. Trariam consigo os elementos de uma tradição
forjada em Minas no final do século XIX, reinventando-o e acomodando-o pelo deslocamento
e ampliação dos argumentos.
Nessa linha de análise, ao investigar a dedicação e compromisso de Rodrigo Melo
Franco de Andrade, Sylvio de Vasconcellos e Afonso Arinos e o empenho na valorização do
passado de Minas, no intento de consolidar uma interpretação segundo a qual, a antiga Vila
Rica deveria figurar como nossa maior referência histórica, nos deparamos com a
coincidência de terem sido seus antepassados, que juntos, foram os pioneiros na defesa e
valorização da cidade de Ouro Preto e os primeiros a clamarem por sua preservação.
Rodrigo é bisneto do primeiro biógrafo de Aleijadinho, o historiador e membro do
IHGB, Rodrigo Bretas, e sobrinho por parte materna de Afonso Arinos, que como vimos foi
um dos principais divulgadores da história e cultura mineira, inclusive junto à intelectualidade
paulista, através da relação de amizade e parentesco com Paulo Prado. Afonso Arinos, primo
de Rodrigo, é também sobrinho do autor de Pelo Sertão e neto do político Cesário Alvim,
liderança representativa dos interesses de Ouro Preto.
Sylvio é filho do historiador Salomão de Vasconcellos, primeiro representante do
SPHAN em Minas e sobrinho de Diogo de Vasconcellos, incansável defensor de Ouro Preto e
um dos principais responsáveis pela fundação de uma historiografia, na qual Ouro Preto e os
eventos que ali se passaram deveriam servir de exemplo para o Brasil. Até sua morte em 1927,
não deixou de escrever e militar a favor do reconhecimento do passado “glorioso” de Minas.
Esses três homens estão ligados por laços de sangue à antiga Vila Rica. Em função de
termos eleito o Serviço de Patrimônio para pensar a construção de uma história, hoje
vitoriosa, sobre o passado nacional, concentramos nossa análise mais detidamente nas figuras
de Rodrigo e Sylvio que se dedicaram durante três décadas na consolidação desse discurso.
Arinos foi um dos mais importantes ideólogos dessa interpretação, mas apesar de manter
longa relação com o Patrimônio através de seu conselho consultivo, dedicou-se a partir de
1947, quase que exclusivamente à política, através da qual também não deixou de representar
os interesses da cidade natal de seus familiares
135
.
Responsáveis pela consagração de Ouro Preto, como cidade mais importante do
135
A família paterna é oriunda de Paracatu, mas em função da atuação central na política, concentram-se em
Ouro Preto.
119
Brasil, esses homens imprimiram na memória nacional a ideia de que foram suas
manifestações estéticas e históricas que constituíram a ponto mais alto da cultura brasileira.
No fundo, procuraram construir a idéia de nação em torno da idéia de patrimônio, de herança.
É essa conexão que os diferenciava das gerações anteriores. O grupo se distinguiu da maneira
com que interpretou a historia brasileira pautado em suas próprias origens.
Como vimos a partir da mudança de regime em 1889, os políticos e historiadores
locais, temorosos que sua fase gloriosa fosse esquecida, trataram de formular discursos que
reinventassem sua importância, criando símbolos para a república, que tanto procuraram
evitar. Além disso, a antiga capital de Minas, muito antes de ser visitada pelos paulistas na
década de 1920, recebeu e impressionou intelectuais, como Olavo Bilac e Amoroso Lima, que
trataram de atribuir a ela, um lugar de berço da nossa consciência nacional.
Nesse sentido, podemos afirmar que os discursos sobre a preservação do patrimônio
no Brasil, tiveram como inspiração a cidade de Ouro Preto e foram formulados pelos próprios
mineiros, que tomados pelo sentimento de perda do poder político, trataram de transformar a
antiga capital em símbolo maior de nossa nacionalidade, mobilizando argumentos em favor de
sua preservação e valorização.
Rodrigo de Mello Franco ficou a frente da “academia SPHAN” de 1937 a 1967 e sua
gestão é responsável pelo tombamento, em todo território nacional, de cerca de 716
monumentos e obras, 28 conjuntos arquitetônicos parciais e 12 conjuntos arquitetônicos de
cidades. Realizando tombamentos de forma marcadamente desigual, Minas Gerais é o lugar
por excelência da prática do SPHAN. Foram tombados neste período 165 bens, o que
corresponde a 23.9% dos tombamentos totais. Em seguida vem Rio de Janeiro com 140 bens,
Pernambuco com 56 e São Paulo com 41 bens tombados. (RUBINO, 1991:128)
Na atuação direta do Patrimônio em Ouro Preto pudemos identificar claramente que
seus dirigentes deram a ela exclusividade e primazia no tratamento, destinando parcelas
maiores de recursos, mantendo representação local na cidade e legitimando através de obras e
estudos os eventos políticos e as manifestações artísticas que tiveram como palco a cidade.
Tiradentes e Aleijadinho foram utilizados para distinguir Ouro Preto das demais cidades
coloniais.
Esses argumentos inventariados ao longo da dissertação foram sintetizados por Afonso
120
Arinos, quando afirmou que Ouro Preto era ao mesmo tempo, relíquia e exemplo, saudade e
esperança. Por fim, através da análise dessa interpretação feita pelos mineiros sobre seu
passado, pudemos observar que esses homens, com enorme eficiência e trabalho, conseguiram
imprimir nas páginas da história nacional, uma cidade com a qual mantinham laços familiares
e afetivos, como um bem comum a todos os brasileiros.
121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
1 - FONTES PRIMÁRIAS
1.1 - DOCUMENTOS
Arquivo Central do IPHAN / Seção Rio de Janeiro
Fundo Arquivo Técnico Administrativo
Série Personalidades: Rodrigo Melo Franco de Andrade e Afonso Arinos de Melo Franco
Série Representantes: Sylvio de Vasconcellos e Salomão de Vasconcelos
Série Obras/Plano Especial de Ouro Preto.
Arquivo da 13ª Superintendência: Conjunto urbano de Ouro Preto
1.2 - LEGISLAÇÃO
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monumento nacional. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em:
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Nacional. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em:
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histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em:
www6.senado.gov.br/legislação. Acessado em 30/03/2010.
________. Decreto-lei n 93, de 21 de dezembro de 1937. Diário Oficial da União, Rio de
Janeiro. Disponível em: www6.senado.gov.br/legislação. Acessado em 30/03/2010.
________. Decreto-lei n 965, de 20 de dezembro de 1938. Diário Oficial da União, Rio de
Janeiro. Disponível em: www6.senado.gov.br/legislação. Acessado em 30/03/2010.
________. Decreto-lei n 2077, de 8 de março de 1940. Cria o Museu das Missões. Diário
Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em: www6.senado.gov.br/legislação. Acessado
em 30/03/2010.
________. Decreto-lei n 8534, de 21 de janeiro de 1946. Transformação do SPHAN em
DPHAN. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em:
www6.senado.gov.br/legislação. Acesado em 30/03/2010.
________. Projeto de lei n 2417, de 29 de março de 1957. Concede dotação federal para a
comemoração do ducentésimo quinquagésimo aniversario da fundação de Ouro Preto. Diário
122
Oficial da União. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/sileg. Acessado em
30/03/2010.
________. Lei n 378, de 13 de janeiro de 1937. Diretrizes para organização do Ministério da
Educação e Saúde Pública. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro. Disponível em:
www6.senado.gov.br/legislação. Acessado em 30/03/2010.
________. Lei n 3184/57, de 24 de junho de 1957. Referenda o projeto de lei 2417 proposta
por Afonso Arinos. Diário Oficial da União. Disponível em:
www.camara.gov.br/internet/sileg. Acessado em 30/03/2010.
1.3 - FILMES E DOCUMENTÁRIOS
ANDRADE, Joaquim Pedro de. O Mestre de Apipucos. Curta-metragem, 35mm, P&B, 8 min,
1959 (Remasterização e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. O Poeta do Castelo. Curta-metragem, 35mm, P&B, 10 min, 1959 (Remasterização
e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Couro de Gato. Curta-metragem, 35mm, P&B, 12 min, 1960 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Garrincha, Alegria do Povo. Longa-metragem, 35mm, P&B, 58 min, 1963
(Remasterização e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. O Padre e a Moça. Longa-metragem, 35mm, P&B, 90 min, 1965 (Remasterização
e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Cinema Novo. Curta-metragem, 16mm, P&B, 30 min, 1967 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Brasília, Contradições de Uma Cidade Nova. Média-metragem, 35mm, cor, 23
min, 1967 (Remasterização e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Macunaíma. Longa-metragem, 35mm, cor, 108 min, 1969 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. A Linguagem da Persuasão. Curta-metragem, 35mm, cor, 9 min, 1970
(Remasterização e Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Os Inconfidentes. Longa-metragem, 35mm, cor, 100 min, 1972 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. Guerra Conjugal. Longa-metragem, 35mm, cor, 90 min, 1975 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
123
________. Vereda Tropical. Curta-metragem, 35mm, cor, 18 min, 1977 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. O Aleijadinho. Curta-metragem, 35mm, cor, 22 min, 1978 (Remasterização e
Digitalização: Filmes do Serro/Petrobrás, 2004)
________. O Homem do Pau Brasil. Longa-metragem, 35mm, cor, 112 min, 1981
SABINO, Fernando & NEVES, David. Encontro marcado com o cinema de Fernando Sabino.
DVD (NTSC), 4 ¾, Dolby Digital 5, 121 min, Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2006. [Incluindo
os curtas-metragens: Manoel Bandeira (O Habitante Pasárgada), João Guimarães Rosa
(Veredas de Minas), Afonso Arinos de Mello Franco (O Escritor na Vida Pública), João Cabral
de Melo Neto (O Curso do Poeta), José Américo de Almeida (Romancista ao Norte),Carlos
Drummond de Andrade (O Fazendeiro do Ar), Vinicius de Moraes (Poesia, Música e Amor),
Jorge Amado (Na Casa de Rio Vermelho), Pedro Nava (Em Tempo de Nava), Érico Veríssimo
(Um Contador de Histórias)].
LIVROS, ARTIGOS, TESES E DISSERTAÇÕES
AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os Modernistas. São Paulo: Editora, 34, 1997.
AMOROSO LIMA, Alceu. Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Vozes, Educam, 2000.
________. Companheiros de Viagem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971.
________. Voz de Minas. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
ANDRADE, Carlos Drummond. A Lição de Rodrigo. Recife: [s/n], 1969
________. Passeios na Ilha. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
________ & ANDRADE, Mário. A Lição do Amigo: Cartas de Mário de Andrade a Carlos
Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1982.
ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil: crônicas publicadas na Revista do Brasil
em 1920. São Paulo: Experimento, Giordano, 1993.
________. Aspectos das artes plásticas no Brasil. 3.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. “Contribuições para o estudo de Aleijadinho”. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, SPHAN, Ano 2, Número 2,
1938.
________. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: Pró-Memória, 1986.
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________. Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de Textos sobre o Patrimônio Cultural. Rio de
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________. Velórios. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2004.
ANDRADE, Rodrigo Vivas de. Os Salões Municipais de Belas Artes e a Emergência da Arte
Contemporânea em Belo Horizonte, 1960-1969. Tese de doutorado, Universidade Estadual de
Campinas, UNICAMP, 2008.
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Rio de Janeiro: Editora Globo, 2ª. edição, 5ª. reimpressão, 2009.
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