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e a paz cristãs.[...] A ele, por certo, segundo consta nas atas dos juízes
a quem encomendaram o que haviam conseguido, estes donatistas
elevaram uma súplica em tais termos, que alguns de bom grado
prefeririam talvez prestar culto aos ídolos por temor, antes que adulá-
lo, como fizeram estes. Porque lhe disseram que tudo quanto havia na
sua pessoa era justiça? Que outra coisa afirmaram com isto, senão
que a santidade cristã não é justiça, já que em sua pessoa não cabia
nada de Cristianismo, ou que se é um ato de justiça honrar os
demônios, de que se ocupava em primeiro lugar sua pessoa? (C. ep.
Parm. I,12,19).
Como o próprio adjetivo “apóstata”
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indica, a memória do Imperador Juliano entre os
cristãos, nos dias de Agostinho, era alvo de completa depreciação, por abandonar a
fé cristã e tentar restaurar o Paganismo (SANFILIPPO, 2002, p. 792). Entre os
muitos autores cristãos que se empenharam em construir essa imagem de Juliano
estão Gregório Nazianzeno (329-390), Ambrósio de Milão (340-397) e o próprio
Agostinho (CARVALHO, 2006, p. 268). Logo, associar os donatistas ao imperador
era uma forma clara de estigmatização. Na passagem citada, Agostinho agrava
ainda mais essa associação, lembrando que os donatistas, em sua petição,
elogiaram Juliano ao dizer que “tudo em sua pessoa era justiça”. Tal afirmação,
argumenta Agostinho, implica em dizer que todos os seus atos contra o Cristianismo
e a favor do Paganismo foram justos e que, portanto, o Cristianismo equivale a
injustiça. Dessa maneira, os donatistas são, além de cismáticos, hereges e
criminosos, coniventes com a apostasia.
Agostinho encerra o capítulo lembrando que, ao contrário de Juliano, os demais
imperadores não foram coniventes com a heresia. Entretanto, por causa já referida
mansuetudinem christianam, a severidade foi bem menor do que a merecida. E, se
algum excesso de violência foi cometido “isto é causa de desgosto” para todos os
verdadeiros cristãos (C. Ep. Parm. I,13,20). Como foi dito, existia um nível de
“violência aceitável”, além do qual não se deveria ir. Na prática, entretanto, a
definição desse limite era difícil de se precisar e os “excessos” aos quais Agostinho
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Apóstata vem de apostasia, palavra grega que significa abandono, rebelião. No Novo Testamento é
uma das palavras usadas para denominar o ato de abandonar a fé cristã (BAUDER, 2000, p. 262). Os
cristãos também foram considerados apóstatas, por renegarem a fé judaica e a religião romana. No
Cristianismo antigo, os lapsi e os traditores eram acusados de apostasia, juntamente com todos os
que abandonassem a fé cristã ou abjurassem publicamente do Cristianismo (GROSSI, 2002, p. 136).