50
espiritual e moral e que só reconhecem acima de sua própria autoridade a dos orixás
42
(deuses
na linguagem yoruba). Situa a origem africana do termo candomblé, com o significado de
“festas anuais das religiões dos negros, que se realizam em certas épocas do ano”
43
. Ele
próprio admite que “hoje significa a casa dedicada às festas e o conjunto da religião”. Esse
autor mostra que em todos os candomblés constata-se a presença de deuses da mitologia
yoruba e ewê
44
. Associa os candomblés às várias “nações” africanas e os distingue pelos
“traços de cultura, particularidades de dança, música, canto, organização de festas, que os
identificam com a região de origem”. Por outro lado, esse mesmo autor, embora faça uma
tentativa de classificar os candomblés (de Angola, do Congo, muçurumin, “de caboclo”)
45
,
mostra a dificuldade de determinar com precisão a origem dos candomblés, a exceção os de
origem jeje-nagô
46
.
Nesse sentido Motta (2005a:323-325) chama a atenção para o fato de Carneiro ter
consagrado o “rito nagô”
47
como o único merecedor do rótulo de autêntico na religião afro-
brasileira e, em contraposição, incluído todo o resto, principalmente os “bantos” na categoria
de “degeneração”, com propensão ao charlatanismo
48
. Sublinha, ainda, que esse autor
influenciou de tal forma Roger Bastide – outro que se envolveu com o rito nagô e fez a
apologia desses terreiros – que este absorveu “a noção de ‘pureza’ ou de ‘autenticidade”
42
Os Orixás yorubanos são assim caracterizados por Rodrigues (2006:355), outro estudioso do tema: concepção
politeísta, constituem mitologia, têm representação material fetichista, são fenômenos meteorológicos
divinizados, originam-se de criações eveméricas (deuses como personagens humanas, extraídos de relatos
tradicionais e acontecimentos históricos, divinizados pelo próprio homem), e por enquanto representados por
objetos inanimados como água, pedra, conchas, ferro, chumbo etc., ou por árvores, frutos, sem que
necessariamente tenham semelhança com um ser humano.
43
Em estudo bem mais recente (MOTTA 2001:4) registra como o acontecimento mais importante na história da
religião afro-brasileira no último quartel do século XX, o processo de decomunalização, ou seja, a separação do
“artigo religioso afro-brasileiro de sua base social e étnica originária e dirigindo-o, graças à atuação de religiosos
que, guardadas as proporções, não deixam também de ser homens de empresa representativas de certo espírito do
capitalismo, a um público ou a um mercado anônimo e abstrato”. Esse autor confirma que esse afastamento da
comunidade de origem provoca mudanças nos aspectos teológicos, rituais e institucionais.
44
Povos yoruba e ewês, habitantes da Costa dos Escravos, na África (CARNEIRO 2006:343).
45
De 67 candomblés examinados pelo autor, conseguiu identificar 17 “nações” diferentes (CARNEIRO
2006:344).
46
Para Motta (1976:58), a contribuição de Carneiro aos estudos dos cultos afro-brasileiros resume-se a: “1)
Novos desenvolvimentos da pesquisa etnográfica dos candomblés, de Salvador; 2) Ênfase excessiva colocada
nos elementos nagôs dos cultos; 3) Tentativa pioneira, mas fracassada, de definição e elastificação gerais dos
cultos de origem africana no Brasil”.
47
Ritos: “nagô” (mais tradicionais) e “não-nagô” (MOTTA 1976:62). Nestes últimos incluem-se os bantos.
48
Carneiro admite que o charlatanismo possa acontecer, mas em “certos terreiros bantos ou candomblés de
caboclo”, os quais considera seitas em processo de desagregação, sendo rejeitados veementemente pelos
“verdadeiros africanos” (MOTTA 2005a:326). O próprio Motta (1976:60) faz críticas a Carneiro por fazer
convergir tudo o que for positivo na religião africana no Brasil para o povo nagô, e o contrário aos bantus.
Lembra que Landes aderiu a essas idéias exaltando as virtudes de seriedade religiosa das mães nagôs, expondo
os chefes do culto caboclo ou banto colocando-os em contraste, em todos os sentidos, às mães nagôs além de
classificar as casas do culto caboclo ou banto apenas como “cismáticas”. Realmente Landes (2006:361-363) faz
a apologia das mães-de-santo nagôs.