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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA
RELAÇÕES INTERPESSOAIS E SAÚDE MENTAL EM
TRABALHADORES
Autora: Vera Lúcia Anzolin Bruch
Orientadora: Janine Kieling Monteiro
São Leopoldo
2009
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2
RELAÇÕES INTERPESSOAIS E SAÚDE MENTAL EM
TRABALHADORES
Vera Lúcia Anzolin Bruch
Orientadora: Janine Kieling Monteiro
Dissertação de Mestrado apresentada no
Programa de Pós Graduação em Psicologia,
Área de concentração Psicologia Clínica, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Psicologia.
São Leopoldo
2009
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3
______________________________________________________________________
B918r Bruch, Vera Lúcia Anzolin
Relações interpessoais e saúde mental em trabalhadores / Vera Lúcia
Anzolin Bruch. – 2009.
127 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São
Leopoldo, 2009.
“Orientação: Janine Kieling Monteiro”.
1. Relações interpessoais 2. Saúde mental – trabalho 3. Sofrimento
I. Título
CDU: 159.9
Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra Milbrath CRB 10/1278
4
Dedico este trabalho ao meu pai, Hélio, que tinha um grande desejo: que sua
filha fosse professora. À minha mãe, ao meu esposo Eduardo, aos meus tesouros Carol e
Dudu, que suportaram minha ausência, mas não deixaram de estar ao meu lado.
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Janine Kieling Monteiro, pelo companheirismo, dedicação,
amizade, sabedoria. Aprendi muito sobre o meu ser, contigo! Agradeço-te eternamente,
foste muito mais que uma orientadora, foste um exemplo para minha vida.
À Universidade Regional Integrada – URI – Campus de Erechim, representada
pelo seu Diretor Acadêmico Professor Arnaldo Nogaro, pelo espaço concedido para
coleta de dados.
Ao coordenador da Faculdade de Administração, Professor e Mestre Júnior Luiz
de Souza pelo apoio, incentivo e acolhimento.
Aos participantes, alunos da Faculdade de Administração, pelo
comprometimento, coragem e disposição para compartilhar suas vivências, opiniões e
sentimentos. Muito obrigada!
Às amigas e colegas Letícia e Lia pelo carinho, amizade e companheirismo.
À amiga Lillian que sempre ofereceu amparo e apoio.
À aluna Carlise, que não mediu esforços para auxiliar na realização dos grupos
focais. Obrigada pela sua dedicação.
A Deus, que desperta em mim fé e crenças de que tudo vale a pena quando
existe amor.
6
SUMÁRIO
Resumo...................................................................................................................
8
Abstract.................................................................................................................. 9
1. Apresentação...................................................................................................... 10
2. Relatório de Investigação................................................................................... 12
2.1 Introdução........................................................................................................ 12
2.2 Justificativa Teórica......................................................................................... 13
2.2.1 Trabalho............................................................................................ 15
2.2.2 Relações Interpessoais no Trabalho.................................................. 16
2.2.3 Saúde Mental no Trabalho................................................................ 18
2.3 Objetivos.......................................................................................................... 20
2.4 Método............................................................................................................. 20
2.4.1 Delineamento.................................................................................... 20
2.4.2 Participantes...................................................................................... 21
2.4.3 Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados.......................... 22
2.4.4 Procedimentos Éticos e de Pesquisa..................................................
25
2.4.5 Procedimentos de Análise dos Dados............................................... 25
2.5 Resultados e Discussão.................................................................................... 26
2.6 Considerações Finais........................................................................................
61
3. Artigo Teórico As relações interpessoais no trabalho e suas implicações na
saúde mental...........................................................................................................
65
4. Artigo Empírico – Relações entre pares no trabalho: fonte de sofrimento ou
de prazer?............................................................................................................... 88
5. Referências......................................................................................................... 113
6. Anexos............................................................................................................... 122
Anexo A – Ofício ao Diretor Acadêmico da URI – Campus de Erechim 122
Anexo B – Ofício ao Coordenador do Curso de Administração................ 123
7
Anexo C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................. 124
Anexo D – Ficha de Inscrição ...................................................................... 126
Anexo E – Comitê de Ética........................................................................... 127
8
RESUMO
Esta pesquisa buscou estudar os relacionamentos interpessoais entre colegas de
trabalho, e a repercussão destes na saúde mental. Como método, utilizou-se de uma
abordagem qualitativa, com a intenção de priorizar os significados que as pessoas
atribuíram às suas vivências e como, as mesmas, compreenderam suas experiências. Os
participantes foram divididos em três grupos, somando 18 trabalhadores universitários
que não exerciam funções de supervisão. Para coleta dos dados, foi empregado o
método dos grupos focais, uma vez que essa técnica valoriza as percepções, sentimentos
e interpretações dos participantes. Para o levantamento e análise dos dados, foram
transcritas as sessões e utilizou-se da análise de conteúdo proposta por Bardin. Através
da análise, evidenciaram-se três grandes temáticas: sofrimento, prazer e enfrentamento
do sofrimento. A apreciação de todo o material coletado revela que as relações de
trabalho construídas entre colegas têm uma participação significante na produção do
sofrimento, que se manifesta através da competição, das relações negativas,
repercutindo na saúde mental. Mas os relacionamentos também podem ser fonte de
prazer e têm sua procedência na ajuda interpessoal e nas relações positivas que
promovem a amizade e a confiança. O modo como o trabalhador enfrentará o
sofrimento pode ocorrer de duas maneiras: fazendo uso das estratégias defensivas ou
transformando as situações desprazerosas (mobilização subjetiva). Quando não houver
uso das defesas ou da mobilização subjetiva, o sofrimento poderá se tornar uma fonte de
adoecimento para o trabalhador. Dessa forma, acredita-se que, com intervenções
adequadas, é possível contribuir para a manutenção de relacionamentos saudáveis entre
trabalhadores, colaborando para a promoção da saúde mental nos ambientes de trabalho.
Palavras chave: relações interpessoais, saúde mental, sofrimento, trabalho
9
ABSTRACT
This research sought to study interpersonal relationship between workmates, and their
repercussion in mental health. As for the method, a qualitative approach was used,
aiming at giving priority to the meanings people give to their lives and how they
comprehended their experiences. The participants were divided into three groups,
totalizing 18 non-supervisor university workers. For data collection, the method of focal
groups was used, since this technique gives value to the participants perceptions,
feelings and interpretations. As for data uprising and analysis, the sessions were
transcribed and analysis of content proposed by Bardin was used. Through the analysis,
three great themes, such as suffering, pleasure and suffering confront, were evidenced.
The analysis of the material collected reveals that work relations built among
workmates have a significant participation on producing suffering, which is manifested
through competition and negative relations that can resound on mental health. But
relationships can also be a pleasure source, and it has its precedence on interpersonal
help and on the positive relations that promote friendship and confidence. The way the
employee will face suffering might occur in two ways: using defensive strategies or
transforming unpleasant situations (subjective mobilization). When there is not the use
of defense or subjective mobilization, suffering can become a source of sickness for the
employee. Thus, it is believed that, through suitable interventions, the maintenance of
healthy relationships among employees is possible, collaborating for the promotion of
mental health at work environments.
Key words: interpersonal relationships, mental health, suffering, work.
10
1. APRESENTAÇÃO
O trabalho é indispensável na vida das pessoas; por esse motivo, muitos
pesquisadores têm focado seu estudo na compreensão das questões relacionadas à saúde
mental, nesse contexto. Muitos são os fatores que podem levar ao sofrimento no
trabalho; outros podem promover saúde; entre eles, estão o ambiente, as condições de
higiene e segurança, a tarefa, os processos, a gestão das pessoas, as relações
interpessoais. O presente trabalho aborda as relações interpessoais entre colegas como
um dos fatores que se relacionam à manifestação de sofrimento, mas que também
podem levar à promoção de bem-estar no ambiente de trabalho. O objeto de estudo foi
definido a partir da experiência profissional da autora, que sempre presenciou, através
da escuta dos funcionários, situações de sofrimento relacionadas aos problemas e
dificuldades encontradas por estes, na convivência com seus colegas. A leitura, tomando
como base a fundamentação teórica e os estudos, sobre o tema saúde mental e trabalho,
ofereceu subsídios para a compreensão de que as relações são parte fundamental na
construção da dinâmica saúde-doença, mas poucas vezes apresentadas na literatura de
forma mais específica, principalmente quando o campo de pesquisa, como neste estudo,
se restringe às relações entre colegas de trabalho, sem mencionar as relações de poder
(chefia–subordinado).
A pesquisa realizada foi desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, resultando nesta dissertação
que abrange um relatório de pesquisa e dois artigos, conforme estabelece o regimento
interno deste programa. A primeira parte refere-se ao Relatório de Investigação em que
constam: uma revisão teórica sobre o trabalho, as relações interpessoais e saúde mental;
uma descrição do método (na qual são apresentados o delineamento da pesquisa, a
descrição dos participantes e instrumentos, os procedimentos e análise dos dados);
11
apresentação e discussão dos resultados, e as respectivas considerações finais. Os
segundo e o terceiro itens correspondem a dois artigos: um teórico (Relações de
trabalho e saúde mental) e outro empírico (Relações interpessoais e saúde mental em
trabalhadores). Este último discorre sobre os resultados obtidos na pesquisa, a análise
dos dados e discussão dos mesmos. Ambos os artigos (teórico e empírico) visam a
contribuir com a temática saúde mental e trabalho, trazendo as relações entre colegas
para serem pensadas, analisadas como fontes de sofrimento e de possibilidades de
intervenções, para transformação do sofrimento em convivências de prazer, de
satisfação e bem-estar.
Ao finalizar a pesquisa, através deste relatório, torna-se evidente a relevância
dos relacionamentos entre colegas, no trabalho, para manutenção da saúde mental.
Destacando-se que os relacionamentos referem-se ao desejo de sentir-se ligado a outros,
amar e cuidar, ser amado e ser cuidado (Deci & Ryan, 2000). Quando esses exercícios
de cuidar e amar estão oprimidos pela organização do trabalho (divisão do trabalho,
conteúdo da tarefa, relações de poder), tem-se como conseqüência, o sofrimento.
12
2. RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO
2.1 Introdução
O trabalho é o meio necessário para a sobrevivência dos seres humanos. Este
promove o desenvolvimento econômico e social, mas também pode ser fonte de
problemas para as pessoas e sociedades. A proposta desta pesquisa foi a de entender
como as relações entre colegas no trabalho podem repercutir sobre a saúde mental dos
trabalhadores. As relações de trabalho representam todas as ligações afetivas entre
hierarquia, chefias, supervisão e outros trabalhadores, e podem se tornar intoleráveis no
dia-a-dia (Dejours,1992). Logo, é possível considerar que, na organização do trabalho,
as relações interpessoais ocupam um espaço relevante ao que diz respeito à
compreensão da relação entre trabalho e saúde mental.
As condições de trabalho e seus impactos na saúde mental dos trabalhadores, de
acordo com Zanelli e Bastos (2004), têm recebido atenção por parte dos psicólogos, de
forma mais marcante no que diz respeito à saúde ocupacional e à ergonomia, mas
também, em pequena proporção, nas questões de acidentes, problemas de ajustamento e
bem-estar, assistência psicossocial. Comentam os autores que, nessa nova realidade, o
psicólogo enfrentará o desafio de buscar uma compreensão mais ampla do que está
ocorrendo no mundo do trabalho.
Cabe ao psicólogo acompanhar as transformações no mundo do trabalho, buscar
novas competências para dispor de intervenções que possibilitem recriar práticas
psicológicas, ampliar o fazer clínico tradicional para a coletividade e priorizar o bem-
estar do homem no seu espaço de vida. Investigar as relações interpessoais dos
trabalhadores contribui e oferece suporte teórico para ações profissionais que visam à
saúde mental no trabalho.
13
Grande parte das referências teóricas, utilizadas na construção deste relatório,
também é apresentada no artigo teórico e no empírico sendo que, na justificativa teórica
que segue, optou-se por descrever uma breve revisão dos assuntos trabalho, relações
interpessoais e saúde mental. Para uma apreciação mais ampla destes temas indica-se a
leitura do artigo teórico.
2.2 Justificativa Teórica
De acordo com Leitão, Fortunato e Freitas (2006), a questão dos
relacionamentos interpessoais e a dimensão emocional são processos interativos, e as
condições em que estes ocorrem definem a forma de convivência entre os seres
humanos. A vida é construída no dia-a-dia: as formas como as pessoas interagem e
como vivem suas emoções fazem a diferença entre produzir sofrimento ou bem-estar.
No que se refere às relações sociais no trabalho, na literatura internacional
estudos com temáticas diversas, mas todos apontando para a importância das relações
interpessoais e das consequências destas, que podem ser positivas ou negativas para o
indivíduo. Muitos autores (Choi, 2006; Venkataramani & Dalal, 2007; Toegel, Anand &
Kilduff 2007; Flynn, Reagans, Amanatullanh & Ames 2006) estudaram a ajuda
emocional, ajuda interpessoal, manifestação de ajuda, apoio por parte do indivíduo para
com os colegas que necessitam. Outros pesquisadores (Sonnemans, Dijk & Winden,
2006; Mao, 2006) investigaram o desenvolvimento de laços sociais, redes de amizade.
Andersen (2006), Jehn e Benderski (2003) analisaram os conflitos interpessoais na
organização. Labianca e Brass (2006) exploraram o papel das relações negativas no
contexto das redes sociais nos trabalhos organizacionais. As emoções intensas
decorrentes das interações com os colegas e/ou supervisores foram mencionadas por
Miller, Considine e Garner (2007), Booth e Mann (2005), e Wandron (2000).
14
Encontram-se pesquisas que examinam o papel da chefia para promoção de um
ambiente em que as relações interpessoais saudáveis diminuam o sofrimento (Skogstad,
Einarsen, Torsheim, Aasland, & Hetland, 2007; Ames & Flynn, 2007).
Leitão et al. (2006) mencionaram que o conhecimento que se tem sobre
relacionamentos interpessoais é inexato e desarmônico para constituir uma teoria
confiável e indicar comportamentos. O tema relações interpessoais aparece de forma
implícita em estudos, como os das emoções, e em diversas teorias (grupos, papéis,
liderança, motivação, conflito, decisão, mudança, etc). Por isso, pretende-se, com esta
pesquisa, contribuir com a produção de conhecimentos nessa área e, mais
especificamente, esta tem como objetivo descrever relações interpessoais no trabalho e
suas repercussões na saúde mental dos trabalhadores.
Na psicologia clínica tradicional, relacionamentos entre pais e filhos, conjugais e
familiares ocupam um espaço significativo e inquestionável, quando considerada a
saúde mental do paciente. No trabalho, as pessoas estão expostas a um tempo de
convivência com colegas, muitas vezes, maior do que aquele em que convivem com um
familiar ou companheiro. Supõe-se que as relações no trabalho merecem um enfoque
clínico, por parte do psicólogo, tanto quanto qualquer outra relação que o sujeito possa
estabelecer. As práticas clínicas dos psicólogos, necessariamente, não se limitam a um
setting de uma clínica particular e de atendimento individualizado; devem abarcar
outros contextos, como o ambiente de trabalho. Se as relações interpessoais no trabalho
podem gerar sofrimento, elas abrangem a clínica. Talvez se possa pensar a clínica na
contemporaneidade como Passos e Barros (2003): objetos, teorias e territórios emergem
juntamente com a invenção de novos problemas e estratégias de intervenção.
15
2.2.1 Trabalho
Na origem da palavra trabalho, estão os termos latinos Tripaliu e Trabicula que
são associados à tortura. Essa associação é questionável, quando o trabalho é
relacionado à atividade essencialmente humana na sua relação com a natureza (Borges
& Yamamoto, 2004). No trabalho, segundo Malvezzi (2004), o homem produz recursos
materiais, mas também constrói seu próprio ambiente, sua cultura e, através das
atividades que desenvolve, busca sua realização como ser humano. Com o Capitalismo,
o trabalho passa a ser visto como central na vida das pessoas, o único meio digno de
ganhar a vida, independente do seu conteúdo. Participantes de uma pesquisa, realizada
por Morin, Tonelli e Pliopas (2007), descrevem o trabalho como essencial nas suas
vidas. O principal sentido, apontado por eles, é o de que o trabalho permite a
sobrevivência. Alguns fatores são identificados como essenciais para que o trabalho
tenha sentido, tais como: variedade na natureza das tarefas, aprendizagem, autonomia,
reconhecimento e segurança.
O trabalho implica, inicialmente, objetivos técnicos ou de produção, submetidos
aos critérios da eficácia. Mas esses objetivos serão alcançados em um mundo social,
pois, além de as pessoas cooperarem, é preciso que consigam viver lado a lado, que se
compreendam. Algumas considerações sobre o trabalho e a construção da saúde são
apresentadas por Dejours (2003, p. 69):
Por fim, o trabalho necessita também de esforços pessoais da parte de cada
trabalhador, um engajamento subjetivo, uma mobilização e uma aceitação de
riscos engajando a saúde física e mental; de expectativas em relação à auto-
realização, à construção da saúde e ao reconhecimento e de defesas contra o
sofrimento.
16
É através do trabalho, no dia-a-dia, que o indivíduo busca obter uma posição, um
espaço e autonomia para exercer seu desejo. A partir dessa dinâmica (desejo/trabalho),
constrói-se uma clínica da relação psíquica do sujeito no trabalho, criando um espaço
para a pesquisa investigar o que, nesse local, está dialeticamente oposto ao desejo
(Dejours & Abdoucheli, 1994a).
O modo como os trabalhadores subjetivam suas vivências, o sentido que dão a
elas originarão novas formas de organização do trabalho, tanto no uso específico das
defesas coletivas, como da cooperação, seja para minimizar o sofrimento como para
buscar o prazer. Essas estratégias são construídas em consenso pelo grupo de
trabalhadores e formam as regras do coletivo de trabalho (Mendes, 2007a). Entende-se,
dessa forma, que o coletivo passa a ter um papel imprescindível para a promoção da
saúde mental nesse contexto. A construção dessa coletividade passa pelas relações
humanas, tornando-se necessário olhar para o interpessoal. O referencial que segue
prioriza estudos que possibilitam pensar a construção dessa interação dialética do “eu”
com o “outro” no trabalho, as emoções e sentimentos de prazer e sofrimento decorrentes
dessa relação.
2.2.2 Relações interpessoais no trabalho
O relacionamento nada mais é do que o desejo de sentir-se ligado a outro, pelo
qual é preciso ir além do amar e envolver-se numa ação de cuidar o outro, como
também de receber amor e ser cuidado (Deci & Ryan, 2000). As relações de trabalho
representam, para Dejours (1992), todos os laços humanos criados pela organização
(hierarquia, chefias, supervisão, outros trabalhadores), sendo que essas são, às vezes,
desagradáveis e insuportáveis.
17
Os entrevistados na pesquisa de Morin et al. (2007) relataram o trabalho como
uma importante fonte de relacionamento entre pessoas. Os relacionamentos
interpessoais foram citados como um fator que dá sentido ao trabalho. As autoras
consideraram que poderá haver perda de significado do trabalho em situações nas quais
essas relações possam ser fonte de frustração.
As relações hierárquicas, a forma como as chefias conduzem a divisão das
tarefas, as repreensões, os favoritismos são fontes de ansiedade. Essas relações podem
gerar frustração, revolta e agressividade e causar efeitos na relação saúde-trabalho
(Dejours,1992).
A importância da dimensão relacional das emoções no trabalho foi enfatizada
por Wandron (2000), argumentando que as relações entre colegas influenciam os
sentimentos mais do que as tarefas profissionais que são realizadas no dia-a-dia. A
dinâmica das relações organizacionais está entre as causas mais frequentemente citadas
de emoção intensa. O medo, o entusiasmo, o orgulho, a simpatia, a raiva, a inveja e
tantas outras foram mencionadas, por Wandron, como emoções comuns no ambiente de
trabalho. As mesmas são tidas como fontes que permitem que as relações sejam
definidas, mantidas e, em alguns casos, violadas. Demonstrações de simpatia e suporte
emocional contribuem para a manutenção dos relacionamentos.
As relações interpessoais no trabalho, quando analisadas a partir da clínica do
trabalho (que propõe, principalmente, a escuta do sofrimento e a reconstrução da
capacidade de pensar e de desenvolver estratégias individuais e coletivas), poderão ser
transformadas a partir da identificação de situações causadoras de danos à saúde mental
e ações capazes de promover vivências de prazer. As relações interpessoais no trabalho
podem ser tão intensas quanto nos relacionamentos familiares, tornando-se fontes de
sofrimento ou prazer, contribuindo para assegurar ou não a saúde mental. Demandas
18
vindas desse contexto fazem parte da prática clínica, como refere Schmidt (2004):
entender as situações que ocorrem no trabalho, as experiências de solidão, desamparo,
desesperança e outras insatisfações são necessárias para a acolhida dessa clientela
quando procuram atendimento psicológico.
2.2.3 Saúde mental no trabalho
Saúde no trabalho tem sido um tópico comum em revistas, jornais e artigos
científicos. Danna e Griffin (1999) mencionaram o quanto é vasta e surpreendente a
literatura que relata, direta ou indiretamente, o tema, reportando-se à saúde e bem-estar
físico, emocional e psicológico. uma variação considerável nos significados e
definições desses termos, o que pode representar uma falta de clareza, mas são
conceitos importantes que merecem atenção, principalmente na pesquisa organizacional
(Danna & Griffin, 1999). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como
um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da
ausência de uma doença ou enfermidade”.
Para Borges e Argolo (2003), é difícil definir e operacionalizar o conceito de
saúde mental. Mas, quando considerada na perspectiva clínica ou epidemiológica, a
doença mental pode ser compreendida pela presença de sintomas que caracterizam uma
situação de mau funcionamento psíquico. Os autores alertam para a exclusão, nesse
modelo, das situações em que há sofrimento psicológico, em que a sintomatologia
psíquica não se aplica. Logo, a ausência de sintomas (mesmo sendo, estes, necessários
para diagnosticar a doença mental), não serve como constatação de saúde mental.
19
Codo, Soratto e Vasques–Menezes (2004), ao referirem à psicanálise freudiana,
procuraram, de uma forma muito simples, transcrever o significado de saúde mental
como a “capacidade de amar e de trabalhar”. Partindo desse ponto, colocaram:
Se é uma proposta da psicologia entender o indivíduo e enfrentar o sofrimento
psicológico, a doença mental, os distúrbios psicológicos, ou qualquer outro
nome que queiramos dar a estes fenômenos, então, o problema da psicologia
estará em entender como os homens amam e como trabalham; em seguida, terá
de propor modos saudáveis de viver, ou seja, de amar e trabalhar. Simples de
dizer, mas complicado de fazer (p.279).
A relação entre organização de trabalho e aparelho mental não é somente de
sofrimento e doença. O trabalho também pode ser favorável ao equilíbrio mental e à
saúde do corpo. O organismo poderá, através deste, adquirir maior resistência, à fadiga
e à doença, contra produtos químicos e condições ambientais adversas. A relação com a
organização do trabalho pode ser adequada ao invés de conflituosa, embora possam não
existir condições e soluções ideais. Como menciona Dejours (1992, p.139):
Considerando o lugar dedicado ao trabalho na existência, a questão é saber que
tipo de homens a sociedade fabrica através da organização do trabalho.
Entretanto, o problema não é, absolutamente, criar novos homens, mas encontrar
soluções que permitiriam pôr fim à desestruturação de um certo número deles
pelo trabalho.
Através das pesquisas e teorias apresentadas nessa justificativa e,
posteriormente, no artigo teórico, procurou-se discorrer sobre as relações interpessoais
no trabalho e a sua importância para a manutenção da saúde mental. Embora, na
literatura, encontrem-se muitas pesquisas realizadas com foco no relacionamento do
20
líder com seus liderados, abordando diferentes aspectos como apoio, ajuda emocional,
conflito e eficácia do líder, pretende-se com a realização deste projeto dar ênfase às
relações entre colegas de trabalho, ou seja, as relações da linha horizontal. A revisão
teórica, até aqui realizada, apresentou contribuições de vários autores para o
entendimento do tema aqui proposto. É importante ressaltar que, de forma específica,
pouco se tem tratado, na literatura, da relação entre colegas de trabalho e suas
consequências para a saúde mental nesse ambiente.
2.3 Objetivos
Objetivo Geral
Examinar as relações interpessoais vivenciadas no trabalho e as suas
repercussões na saúde mental dos trabalhadores.
Objetivos específicos:
Investigar os significados que os trabalhadores atribuem às relações
interpessoais com colegas no trabalho.
Identificar quais dificuldades os trabalhadores referem ter na relação com
colegas de trabalho e suas implicações na manutenção da saúde mental.
Descrever sentimentos de prazer e de sofrimento na convivência grupal, no
ambiente de trabalho.
2.4 Método
2.4.1 Delineamento
21
Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de caráter exploratório descritivo.
Utilizou-se de uma perspectiva qualitativa para o desenvolvimento dos objetivos
propostos. Seu planejamento foi flexível, possibilitando o alcance a questões variadas
da percepção dos trabalhadores sobre as suas relações interpessoais.
A pesquisa qualitativa esrelacionada aos significados que as pessoas atribuem
às suas vivências, e como as mesmas compreendem suas experiências de vida.
Interessa-se pelas falas ou palavras, buscando investigar e interpretar os fenômenos
sociais a partir do sentido dado pelos sujeitos, levando o pesquisador a questionar
questões do senso comum. Uma característica da pesquisa qualitativa é a diversidade de
métodos que podem ser utilizados. Como exemplo, pode-se citar a observação
participante, coleta de documentos, material de áudio e visual, conversas informais,
entrevistas, grupos focais (Pope & Mays, 2005; Creswell, 2007). No caso deste estudo,
foi utilizada para coleta de dados, a técnica do grupo focal.
2.4.2 Participantes
Existe uma variedade de opinião na literatura quanto ao número de participantes
que devem compor o grupo focal. Quando muito pequeno (menos de 6 participantes),
pode ocorrer uma escassa coleta de material. Em grupos muito grandes (mais de 15
participantes), o excesso da fala de alguns pode não oportunizar o espaço necessário
para outros se expressarem, diminuindo a participação de cada membro (Romero,
2000). Considerando-se a literatura apresentada, foram compostos três grupos, cada um
com 6 participantes.
Os participantes, de ambos os sexos, foram selecionados a partir dos seguintes
critérios de inclusão: idade igual ou superior a dezoito anos, com tempo mínimo de 6
meses de trabalho, e que não exerciam funções de supervisão. Não participaram dos
22
grupos pessoas que trabalhavam na mesma empresa. Os critérios para a formação do
grupo seguiram as orientações de Sherraden (1997, citado por, Romero, 2000) em que
os membros tinham, em comum, uma identificação que facilitou o processo de interação
e discussão sobre o tema.
Participaram do estudo 18 estudantes universitários do Curso de Administração
de uma Faculdade Privada, que estavam trabalhando em indústrias da cidade de
Erechim-RS, sendo 12 mulheres e 6 homens, com idade entre 20 e 27 anos e idade
média de 21,94. As informações descritivas de cada sujeito foram reunidas na Tabela I.
Tabela I – Descrição dos participantes
Participante Sexo Idade Profissão atual Curso/Semestre
1 (p1) Feminino 22 Escrituraria Administração/6º
2 (p2) Feminino 20 Aux.Administrativo Administração/6º
3 (p3) Feminino 25 Aux.Administrativo Administração/6º
4 (p4) Feminino 20 Atendimento Administração/6º
5 (p5) Masculino 24 Aux. Depto. De Compras Administração/6º
6 (p6) Masculino 20 Aux. Serviços Gerais Administração/6º
7 (p7) Masculino 20 Programador E Controlador De Produção Administração/6º
8 (p8) Feminino 20 Estagiária Administração/6º
9 (p9) Feminino 22 Assistente Técnico Administração/6º
10(p10)
11(p11)
12(p12)
13(p13)
14(p14)
15(p15)
16(p16)
17(p17)
18(p18)
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
Masculino
20
21
20
25
27
20
20
23
26
Secretária
Suporte Técnico
Estagiária
Aux. Administrativo
Secretária Executiva
Repositora De Mercadorias
Estagiária
Aux. De Almoxarife
Instrutor
Administração/6º
Administração/6º
Administração/6º
Administração/6º
Administração/8º
Administração/6º
Administração/6º
Administração/6º
Administração/6º
2.4.3 Instrumento e procedimentos de coleta de dados
Para coleta dos dados, foi utilizada a técnica do grupo focal, através da qual os
sujeitos do estudo participaram de uma sessão grupal, com o objetivo de discutir
informalmente percepções e expressar sentimentos sobre as relações interpessoais
vivenciadas entre colegas no ambiente de trabalho. Romero (2000) conceituou o grupo
23
focal como uma metodologia qualitativa, realizada através de um grupo de interação
focalizada que possibilita uma discussão profunda e consistente sobre o tema em foco.
Para essa autora, uma característica da cnica é a de valorizar as percepções,
sentimentos e interpretações dos participantes. A utilização de um roteiro pré-elaborado,
não rígido, tem como objetivo possibilitar, ao grupo, sentir-se à vontade para expressar
suas opiniões, obtendo, assim, dados abertos que incluam a observação do pesquisador.
De acordo com Westplhal (1992), é possível provocar um intenso envolvimento
dos participantes, emergindo no campo grupal fenômenos, conflitos e idéias
subconscientes. As pessoas são convidadas a conversar, perguntar, contar suas histórias,
comentar e opinar sobre os diferentes pontos de vista, gerando interação e fornecendo
ao pesquisador tipos distintos de dados (Pope & Mays, 2005). As discussões são
estimuladas a partir de um “foco” determinado por questões previamente elaboradas.
Essa forma de aplicação contribui para aprofundar as pesquisas qualitativas,
possibilitando identificar elementos subjetivos do indivíduo e do grupo (Romero, 2000).
Para Dal Igna (2005), os encontros de grupo focal são “lócus de produção de
informação e aprendizagem, pois, com essa técnica, é possível produzir informações e
efeitos nos participantes.
Os passos para a realização do grupo focal seguiram as seguintes indicações de Romero
(2000):
1. A formulação do foco da pesquisa envolveu as questões de percepções e expressões
dos sentimentos dos trabalhadores sobre as relações interpessoais entre colegas,
vivenciadas no ambiente de trabalho. O debate foi conduzido a partir das seguintes
questões:
Como você percebe os relacionamentos entre colegas no ambiente de trabalho?
24
Baseados nas suas experiências de vida no trabalho, procure lembrar-se do(s)
relacionamento(s) com colega(s). Que lembranças lhe vêm à mente?
Dê exemplos de relacionamentos que você considera positivos.
Dê exemplos de relacionamentos que você considera negativos.
De que forma, você acredita que os relacionamentos entre colegas interferem na
saúde mental dos trabalhadores? Dê exemplos.
Frente às colocações dos membros desse grupo, o que mais lhe chama atenção?
Como está saindo desse encontro?
A última pergunta do roteiro (Como está saindo desse encontro?) teve como objetivo
trabalhar o fechamento do grupo focal.
2. Identificação do moderador e do redator: a pesquisadora foi a moderadora dos
grupos, sendo redatora uma aluna do curso de Psicologia.
3. Recrutamento do grupo: a pesquisadora entrou em contato com a Direção
Acadêmica e Coordenação do Curso de Administração da URI - Campus de
Erechim, apresentou o projeto, seu tema de pesquisa, objetivos e metodologia,
solicitando autorização para a coleta dos dados na Universidade (Anexo A e B).
Após, visitou uma turma de alunos convidando voluntários interessados em
participarem do grupo focal, bem como apresentou informações sobre o número de
participantes, critérios para participarem da pesquisa, horário, local, uso do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo C), garantia de anonimato e sigilo.
Junto à Coordenação do Curso, ficou a ficha de inscrição (Anexo D) que foi
preenchida pelos candidatos interessados, com data do encontro, hora de início e de
término.
25
A condução do grupo realizou-se em uma sala confortável, garantindo o sigilo, e
com espaço adequado para os participantes, redatora e pesquisadora. Foi instalada uma
câmera, montada num tripé, no fundo da sala, para filmar o grupo. A sala foi aberta
quando todos os participantes se fizeram presentes. A moderadora iniciou o grupo com
o rapport, colocando os objetivos da pesquisa, contratando o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (Anexo C) e a garantia do sigilo sobre a discussão e a filmagem. Os
grupos tiveram uma duração de, no mínimo, 1 hora e 6 minutos e no máximo, 1 hora e
15 minutos. Seguiram-se as orientações de Westphal (1992) para que os grupos não se
sentissem desgastados e se mantivessem no foco. De acordo com Romero (2000), a
moderadora-pesquisadora se apresentou de forma a incentivar o grupo a discutir e
participar livremente, evitando intervenções.
2.4.4 Procedimentos éticos e de pesquisa:
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim
(Anexo E). Os participantes receberam explicações de todos os procedimentos da
pesquisa, sobre a manutenção sigilosa da identidade e foram comunicados de que não
haveria risco ou dano a quem participasse. Contratou-se a devolução, em grupo, dos
resultados após conclusão da pesquisa. Entregou-se, aos participantes, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo C). Não houve necessidade de os
participantes serem encaminhados para acompanhamento e/ou tratamento psicológico
ou psiquiátrico.
2.4.5. Procedimentos de análise dos dados
Para o levantamento e análise, foram transcritas na íntegra as sessões,
identificando-se e recortando-se no texto questões relevantes para a pesquisa. Utilizou-
26
se a análise de conteúdo proposta por Bardin (1979), usando-se o conjunto de técnicas
de análise das comunicações para obter os indicadores que permitiram a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens. Bardin
comentou que o analista é “como um arqueólogo” (p.39), que busca, a partir de
vestígios, montar toda a estrutura do objeto encontrado. Para realizar um trabalho de
análise, segundo esse método, Bardin assinalou três etapas básicas que podem ser
subdivididas de acordo com as necessidades: pré-análise, exploração do material, e
tratamento dos resultados.
2.5 Resultados e Discussão
A partir do ponto de vista dos participantes da pesquisa sobre as repercussões
das relações interpessoais, entre colegas de trabalho, na saúde mental, os resultados
apontaram para a definição de três temáticas, assim denominadas: Sofrimento; Prazer; e
Estratégias de Enfrentamento. Cada um desses temas apresentou categorias que são
descritas através de subcategorias, contemplando os objetivos do estudo. Estas são
apresentadas na Tabela II.
27
Tabela II: Descrição dos temas, categorias e subcategorias.
Tema
Categoria Subcategoria
1. Medo de perder o lugar/ ameaça
2. Interferência da chefia
3. Não assumir erros / jogar a culpa
nos outros
4. Intrigas
Competição
5. Dependência e falta de conhecimento
do trabalho do outro
1. Falar mal do outro
2. Expor o colega
3. Não gostar do colega/ antipatia gratuita
4. Trabalho sem sentido
5. Cobranças injustas
6. Problemas pessoais
Relações negativas
7. Dificuldade de adaptação no período
inicial
1. Manifestações do sofrimento
2. Raiva
SOFRIMENTO
Repercussões na saúde
mental
3. Desistência do trabalho
1. Ajudar/ Ensinar
Ajuda Interpessoal
2. Equipe/união
1. Amizade/ Vínculos
PRAZER
Relações positivas
2. Confiança
Estratégias defensivas
individuais
1. Sabotagem
1. Encontros extratrabalho
Estratégias defensivas
coletivas
2. Brincadeiras, piadas e conversas
1. Conquistar o outro
2. Delegar
Relações interpessoais e saúde mental em trabalhadores
ENFRENTAMENTO
DO SOFRIMENTO
Mobilização Subjetiva
3. Conversar/ dialogar/expor o que pensa
28
Temática: Sofrimento
Na visão da psicodinâmica, o sofrimento surge na relação do trabalhador com a
organização de trabalho, que opera no nível do funcionamento psíquico, das relações
entre as pessoas e dos investimentos afetivos: amor, ódio, amizade, solidariedade,
confiança (Dejours & Abdoucheli, 1994b). Quando o sujeito vivencia uma realidade
imposta, inflexível, sem possibilidades de negociação ou de descobrir uma solução, se
depara com o sofrimento, ou seja, não encontra liberdade para usar da sua inteligência,
inventividade e criatividade para transformar as situações que geram descontentamento
(Mendes 2007a).
A temática sofrimento é composta por três categorias: a primeira diz respeito à
competição e está descrita através de cinco subcategorias. A segunda apresenta as
relações negativas entre colegas e abrange nove subcategorias. Na terceira categoria,
estão narradas as manifestações do sofrimento, que são desencadeadas pela
configuração específica das relações dos trabalhadores.
Categoria: Competição
A competição surge em situações do trabalho nas quais o trabalhador teme
perder algo (o emprego, a admiração do chefe, o reconhecimento e elogios por um
trabalho bem feito) por acreditar que o colega possa ser melhor, fazer melhor e ocupar
um espaço que até então lhe pertencia. Quando competição as condutas são
individualistas, as informações são centralizadas e usadas em benefício do indivíduo e
não do coletivo, prevalecendo à desconfiança nos relacionamentos.
Segundo os estudos de Deutsch (1949), citado por Palmieri e Branco (2004), a
competição pode ser caracterizada como a busca de objetivos mutuamente exclusivos,
29
ou seja, quanto mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta
da possibilidade de alcançar o seu. No Checklist de Relações Interpessoais, apresentado
por Couto, Muniz, Vandenberghe e Hattumz (2008), a competição é descrita como um
comportamento em que o sujeito põe seus interesses à frente, disputa, desdenha ou
desafia outras pessoas, e procura fazer o que estiver ao seu alcance para colocar essas
pessoas em condições inferiores.
A seguir, são descritas as subcategorias que compõem a categoria competição:
medo de perder o lugar, interferência da chefia, não assumir erros/jogar a culpa nos
outros, intrigas, dependência do trabalho do outro/não conhecer o trabalho.
Medo de perder o lugar/ameaça.
Para Miller et al. (2007), a dinâmica das relações interpessoais nas organizações
está entre as causas mais frequentemente citadas como desencadeantes de fortes
emoções (medo, entusiasmo, orgulho, simpatia, raiva, inveja), sendo, estas, decorrentes
das interações com os colegas e supervisores. Nas falas dos participantes, identificou-se
o medo de perder o lugar para outra pessoa como um sentimento intenso e frequente,
que gera sofrimento, o que pode ser ilustrado através dos depoimentos dos participantes:
“Porque no começo eu levava xingão dela [colega] e eu ficava pensando: não,
não é possível! E daí, depois, eu comecei a replicar também: porque ela tinha
medo que eu roubasse o lugar dela, né, porque ... não sei porquê (...)” (P1).
“Na verdade, tudo é competitividade, né, porque tu é amigo, é, mas ninguém vai
querer que tome o teu lugar, né, o teu lugar, assim (...). É que a gente é movido
pela competitividade. Hoje é assim. Então a gente é focado naquela história,
30
porque o outro [colega] que se ferre. Infelizmente hoje o mundo é assim, as
pessoas são assim” (P3).
“Agora pode ser complicado porque vai entrar uma nova pessoa comigo... Se
não eu vou acabar fazendo o que as pessoas [colegas] fizeram comigo, até
inconscientemente, vou ficar com medo de perder meu lugar prá outro (...). A
gente tem muito medo da outra pessoa ser melhor e te roubar o espaço (...) Se
na própria faculdade a gente ouve dos nossos professores muito que o que a
gente deixando de aprender, o colega está passando na nossa frente. A gente
escuta muito isso e é uma coisa complicada porque vai entrando na cabeça. E a
gente ouviu muito de professor que não é prá fazer o trabalho do outro, que
ele vai roubar o teu lugar na empresa. Então parece que vai criando que outro
tá querendo te pegar e tu fica com medo” (P4).
A competição, que pode ser originada pelo medo de perder o lugar ou de sentir-
se ameaçado por um colega, traz como consequência um ambiente de desconfiança e
individualismo, no qual se evita ajudar e ensinar o novo funcionário. O relacionamento
na equipe fica prejudicado, pois as pessoas trabalham lado a lado, mas não há diálogo e
nem aproximação, sofrem com uma convivência que se torna ameaçadora, pois
convivem com o medo da perda. Merlo e Lapis (2007) afirmam que o empregado tem
medo de não ser capaz de manter uma performance adequada no trabalho, o que causa
um desgaste do funcionamento mental e do equilíbrio psicoafetivo, originando conflitos
e prejudicando as relações. Essa situação de medo de perder o emprego pode levar ao
aumento da ansiedade e gerar desgastes físicos e psicológicos.
31
Interferência da chefia
A posição que a chefia assume perante seus funcionários pode ser variada,
muitas vezes dando espaço para que um dos seus liderados apresente condutas de quem
assumiu seu lugar; outras vezes, protegendo um funcionário perante os outros ou
estabelecendo um elo de amizade diferenciado com os componentes da equipe. Esses
comportamentos podem gerar ou intensificar problemas de relacionamento no grupo,
prejudicando o clima no ambiente de trabalho, conforme os enunciados abaixo:
“Eles eram bem amigos assim (...) e ele [chefia] sempre defendia ela [colega]
(...) tanto que eu nem tinha entrado na agência ainda, ele nem me conhecia e
levava chumbo de tudo que era lado (...) ninguém podia falar mal dela, ela
era protegida, tipo, um dia eu cheguei lá e ele me xingou, me xingou, me
chamou assim pra um lado que ela falou mal de mim e ele queria melhorar o
clima assim ( ...) Então ela tinha a proteção dele, ela achava que comandava
também, sabe, e quando trocou a gerencia da agência (...) Nossa! É outra coisa
assim, sabe, mudou duzentos por cento” (P1).
Quando existem, por parte da gerência, atitudes de comparação em relação ao
rendimento ou à produção de dois colegas, isso acaba incentivando uma competição na
equipe, de forma a gerar um fator de estresse, em que cada um vai buscar produzir mais
e/ou melhor. A comparação incentiva o trabalho individual, no qual as diferenças e as
limitações de cada um não são respeitadas. Seguem as falas dos participantes que
revelaram a interferência negativa por parte da chefia.
“E infelizmente as pessoas comparam, não m aquela coisa que tu vai render o
quanto tu pode render, tu tem que render mais ou igual à outra pessoa (...)
Depois eu falei pra ele [chefia], cuidado porque nós [colegas] somos diferentes.
32
Não precisa ser igual a mim. E é isso que eu já falei pra ele, que se ele ficar
comparando ele vai afundar as duas, não têm como duas pessoas serem iguais.”
(P4)
“Aí a nossa gerência disse: Não, vocês duas vão aprender juntas e quem se
adaptar melhor fica com a atividade. E eu, não, né, eu não quero aprender
junto, eu quero fazer. Aí gerou um estresse bem grande” (P15).
Para Dejours (1992), as relações hierárquicas são fontes de ansiedade: os chefes
de equipe utilizam-se de repreensões e favoritismos de maneira que à ansiedade, relativa
à produtividade, acrescenta-se a ansiedade resultante da reprovação da chefia. A divisão
desigual das tarefas gera frustração, revolta e agressividade reativa que, ao serem
reprimidas, causam efeitos na relação saúde-trabalho.
Conclui-se que a ansiedade, frustração, revolta e agressividade, resultantes das
atitudes e interferência da chefia, podem ser representativas de um fracasso e
insatisfação na relação com o colega, originando danos para saúde mental.
Não assumir erros/jogar a culpa nos outros
Deixar de assumir os próprios erros e permitir que os colegas arquem com as
consequências desgastam os relacionamentos, causando chateações, desentendimentos e
falta de confiança. Segundo Dejours (2003, 2004), a confiança é a condição que torna
possível a visibilidade, que aparece como elo teórico incontornável de toda concepção
científica do fator humano. Sua inexistência impede a construção do coletivo que, tem
um papel imprescindível para a promoção da saúde mental no contexto do trabalho. Isso
pode ser identificado nos seguintes enunciados dos participantes:
33
“Então acontecia bastante isso de um [colega] fazer os erros depois jogar a
culpa nos outros [colegas]... aquele que foi conferir é que tomava a mijada por
todo o setor, porque não levou o produto certo, porque eu pedi assim e você não
levou o produto certo. Em vez disso, todos fizeram o pedido, que aquele um
que levava o choque na hora” (P6).
“(...) daí ele ficava bravo com isso, os colegas emprestavam muito material,
faziam coisas erradas no serviço e todo o grupo deles levava ferro por causa
disso” (P4).
“(...) a pessoa [colega] faz alguma coisa errada e não assume, né, sobra sempre
prá outra, é uma situação bem complicada de se lidar, a confiança do chefe ou
do gerente... sobra sempre prá pessoa mais fraca, né, por mais que não tenha
feito nada. Eu acho uma situação bem complicada prá se lidar em uma
empresa” (P18).
Intrigas
Relações baseadas em intrigas, como ilustram os relatos a seguir, surgem da
rivalidade frente à busca de fazer a tarefa melhor do que o outro, pela aquisição e
centralização de informações que possam conferir um poder, ou ainda, para se
sobressair aos olhos do chefe. Essa disputa cria um clima de tensão e desmotivação:
“Mas eu acho que a rivalidade existe (...) é aquela rivalidade de voestar
fazendo o teu trabalho e vim te falar que não perfeito, que não é do jeito que
ela [colega] gostaria que estivesse fazendo. Então tem sempre essa rivalidade,
intrigas, às vezes, tu fica quieto, às vezes, eu não agüentava e falava. Tipo,
quando é demais, isso acaba te prejudicando” (P8).
34
“(...) um [colega] quer saber mais que o outro, um sabe mais e mais
informação do que o outro pro cliente. É essa rivalidade, às vezes acaba num
clima meio (...) um clima bem pesado, bem tenso por causa da rivalidade (...)”
(P16).
“E outra coisa é a pessoa [colega] querer se vangloriar pra cima das outras, ah
eu sou o bom, eu faço, tu faz as coisas erradas. Isso eu acho ridículo no
ambiente de trabalho (...). que mesmo assim vão querer deixar o outro pra
baixo, querer aparecer diante dos olhos de um patrão ou da chefia” (P19).
Dependência e falta de conhecimento do trabalho do outro.
A tarefa e o modo como está é distribuída exigem que todos os que fazem parte
do mesmo processo empenhem-se não em realizar suas funções, mas também
busquem conhecer como o seu trabalho reflete no fazer do outro. É como uma corrente:
quando um elo se quebra, não mais prosseguimento, interferindo diretamente no
trabalho de um ou de outro. O sujeito passa a ser cobrado, exigido e pressionado por
algo que não depende dele. A falta de conhecimento sobre a atividade executada por
um colega torna-se um problema, gera estresse, desentendimentos entre colegas. Os
relatos que seguem, valorizam a importância dos profissionais que estão envolvidos no
mesmo processo de conhecerem as funções e atividades desenvolvidas por todos, para
evitar os atritos e situações geradoras de estresse:
“E eu acho assim, um problema muito grande na empresa em geral e que se tem
dificuldade de resolver é um [colega] não conhecer o trabalho do outro (...) o
trabalho do colega. Então tu faz a tua parte, tu te livrou daquilo, o que vai
acontecer se tu deixar de fazer a tua parte, o que isso vai influenciar pros
35
outros, ninguém tá nem aí, (...) o que mais gera atrito é realmente tu não
conhecer a atividade do outro, é tu não conhecer o que o outro faz e o que o teu
trabalho interfere no outro” ( P15).
Não ter a visão do todo, não conhecer o trabalho do outro, preocupar-se com
sua parte são características de uma cultura individualista, de uma comunicação
truncada e distorcida que fomenta a fofoca e que constrói uma rotina pesada, de mal-
estar, desagregando a equipe, fortalecendo o individualismo. O relacionamento difícil
com colegas e a fofoca estão entre os fatores que podem influenciar, prejudicar ou
aumentar o sofrimento e causar adoecimentos mentais ou psicossomáticos, segundo
Vasconcelos e Faria (2008). Os estudos desses autores contribuíram para a compreensão
de que a dinâmica organizacional, ao estimular comportamentos individualistas, torna
cada vez mais raros os momentos de coletividade e cooperação.
Categoria: Relações Negativas
As relações consideradas negativas, segundo Labianca e Brass (2006), se
desenvolvem quando uma pessoa mantém alguma relação de trabalho com a outra e, por
qualquer razão, não gosta desta. São decorrentes de julgamentos, sentimentos e
comportamentos negativos de uma pessoa para com a outra. Relações com essas
características trazem alta insatisfação, tristeza, desgosto, estresse, sentimentos de
frustração, desconfiança, rejeição e perseguição, mudanças na performance,
absenteísmo, turnover e falhas na comunicação.
Falar mal do outro, expor o colega, não gostar do colega e sentir antipatia
gratuita/raiva, não gostar do que faz, fazer cobranças injustas, apresentar diferenças
individuais e problemas pessoais, apresentar dificuldade de adaptação no período
36
inicial/pressão são as subcategorias que constituem a categoria relações negativas que
influenciam e prejudicam as relações no trabalho, causando sofrimento psíquico.
Falar mal do outro
Falar mal de um colega de trabalho tem repercussões negativas no ambiente de
trabalho. Os assuntos relatados, nessa situação, estão relacionados, tanto com questões
voltadas para a tarefa como para a vida pessoal, e ocupam um espaço em que o sujeito é
julgado sem estar presente. As informações circulam distorcidamente, falseando as
relações, causando conflitos e desentendimentos, prevalecendo a desconfiança nos
relacionamentos. Com os discursos que seguem, verificou-se a instalação do conflito
fomentada por essa subcategoria (falar mal do outro):
“(...) eu trabalhava das três da manhã até as três da tarde, o próximo turno
sempre falava mal, (...) havia discussões justamente por causa disso, um
turno chegava lá e falava mal do outro (...)que aconteciam os conflitos, entre
os colegas, entre os setores” (P5).
“E tão dizendo isso porque falam e tu não ta presente, né, não tem como se
defender, né!” (P3).
“Só que tinha uns [colegas] que eram, não vou dizer estranhos, mas na tua
frente eles eram teus amigos, te tratavam bem, que a gente percebe quando
alguém fala mal de ti sabe, então tu virava as costas e eles diziam, ah esse
trabalho ta mal feito, que não sei o que sabe, na tua frente eles elogiavam,
diziam que tava tudo bem e tal. E era bem difícil assim a amizade (...)” (P14).
37
Expor o colega
Existem situações que causam constrangimento, estresse e sofrimento pelo fato
de um colega expor o outro perante outras pessoas. São xingamentos, insultos,
comunicar-se aos gritos. Geralmente, essas atitudes ocorrem quando erros, falhas ou
modos diferentes de realizar uma tarefa. Essas situações puderam ser verificadas através
das falas de alguns membros dos grupos focais:
“(...) me estressava porque também não me deixava fazer nada, tudo que eu
fazia ela [colega] se metia e se metia, me destratava na frente dos clientes (...)”
(P1)
“(...) no começo era horrível, eu também chegava em casa sempre chorando. E
ele [colega] enlouqueceu sabe, me chamou e me chamou de tudo que era
nome porque eu não podia, não era nada dentro, era uma simples estagiária,
eu não podia ter feito aquilo, me xingou, me xingou na frente de todos os
contribuintes (...)” (P16).
“(...) tá ali um monte de clientes e acontece de alguém [colega] fazer uma coisa
errada e alguém [colega] viu e chega e começa a gritar, né, fica chato, fica
ruim porque o cliente vai levar uma imagem ruim, né... se percebeu que tem um
papel no lugar errado, eles gritam pra todo mundo escutar quem que guardou
errado, né!” (P10).
Não gostar do colega/ antipatia gratuita
Construir relações no trabalho, criar vínculos afetivos implicam inicialmente,
gostar do colega. Sentimento que, muitas vezes, se mostra ao contrário: não gostar.
Quando não se gosta de um colega, sem motivo aparente, ou por simples antipatia, as
38
consequências não ficam no distanciamento social que se cria: vão além. A
comunicação sofre barreiras, atos mal intencionados são praticados com o objetivo de
prejudicar o outro. Os comentários dos participantes revelaram e confirmaram o exposto
acima:
“(...) tem as pessoas [colegas] que não te gostam que vão fazer de tudo pra tu ir
mal... acho que outra coisa que se falou e que é bem verdade é quando não
gosta de um colega, ou o colega não gosta de ti, não procuram se comunicar
(...)” (P16).
“Mas eu acredito ainda que mais ela [colega] fez a minha caveira, ela não ia
muito com a minha cara, não era aquela convivência de coleguismo, sempre
parecia que ela tava querendo me apunhalar, sabe, bem complicado” (P18).
“É, e às vezes a gente nem tem um relacionamento, nem tem contato com a
pessoa [colega] e diz, ah não vou com a cara do fulano (...) nem conhece,
nem sabe o que a pessoa fez, nunca conviveu, nunca conversou (...) quando
aquela pessoa precisa de alguma coisa, tu de repente faz de vontade (...) do
fulano eu não gosto, então quando der tempo eu faço. Então gera atrito com a
pessoa que tu nem conhece, nem tem um relacionamento, é só uma antipatia
gratuita (...)” (P15).
Trabalho sem sentido
O fato de o sujeito estar inserido num trabalho em que realiza atividades das
quais não gosta, com as quais não se identifica, e que não geram satisfação, é visto pelos
participantes como um fator que interfere sensivelmente nos relacionamentos
interpessoais, de forma negativa. Essa afirmação foi constatada nas frases que seguem:
39
“Eu acho que trabalhar no que tu gosta, por mais que nos relacionamentos não
tá muito agradável, tu consegue lidá” (P8).
“Então ela [colega] deixou bem claro que ela não gosta daquilo que ela faz, que
ela não nem pra aquilo que ela faz, e daí ela desconta nas pessoas, sabe...
Eu acho muito importante pra ti ter um bom relacionamento com os teus colegas
é tu tar fazendo o que tu gosta, ter comprometimento com a empresa e, sei lá,
auto-estima... não tem como tu ter um bom relacionamento com uma pessoa se
ela tá de mau humor, de mal com a vida, de mal com o que ela faz (...)” (P17).
O não gostar do que faz levaria a um trabalho que não tem significado, nem
comprometimento, e a falta de autoestima e as insatisfações são descontadas nos
colegas. Os relacionamentos interpessoais foram citados por Morin, et al. (2007) como
um fator que dá sentido ao trabalho. Nas falas dos participantes percebeu-se que a perda
do significado do trabalho não deriva de situações em que as relações possam ser fonte
de frustração, como afirmam os autores, mas o trabalho sem sentido dificultará as
relações interpessoais. O não gostar do que faz leva à perda de significado do trabalho, e
esta causa prejuízos nos relacionamentos.
Cobranças injustas
Quando os pesquisados foram questionados se as relações de trabalho
interferiam na saúde mental, um dos fatores mencionados por eles (seguem as falas
abaixo) diz respeito às situações de cobranças que são feitas de forma injusta. A falta de
compreensão por parte de um colega, frente a uma tarefa não feita, e as atitudes que são
tomadas provocam ofensas, pois a pessoa se sente julgada injustamente:
40
“(...) quando te cobram coisas que tu não consegue fazer (...) [resposta dada
por uma participante quando a pesquisadora perguntou se as relações entre
colegas poderiam ter repercussões na saúde mental] (P14).
“(...) eu esqueci, acabei esquecendo de fazer algumas coisas e ele [colega]
pegou um bilhetinho e escreveu “seja mais responsável" e colou no meu
computador. Eu tinha saído da sala e quando cheguei o bilhete tava na frente do
meu computador... fui direto pedir explicação do bilhete. Daí ele disse assim;
não, porque você esqueceu aquilo, aquilo e aquilo, ficou atrasado aquilo e não
sei mais o quê... Mas aquilo me doeu tanto, me ofendeu tanto, que eu não
consegui nem respirar, faltava ar de tão brava que eu fiquei... daí eu fiquei com
aquilo a tarde inteira e daí cheguei em casa de mau- humor. Eu tava mal...
Cheguei no outro dia de manhã e eu não consegui dizer bom dia para ele, não
consegui olhar para cara dele” (P17).
Na psicodinâmica do trabalho, o julgamento é a maneira concreta com que o
sujeito interage com o mundo real do trabalho. Para Dejours (2003), um julgamento
no que diz respeito ao trabalho realizado: são elogios sobre o quanto foi bem feita
aquela construção. Esse proporciona ao ego o sentimento de pertença quando recebe de
volta aquilo que faz do sujeito um ser como o outro. A pronúncia desse julgamento é
feita por aqueles que conhecem bem aquele fazer - talvez melhor do que aquele que fez
– são os pares, os colegas. Dessa forma se dá o reconhecimento que tem grande
significado para o sujeito: é uma forma de retribuição moral-simbólica.
O desenvolvimento da identidade do indivíduo, assim como a transformação do
sofrimento em prazer são decorrentes das relações que ocorrem no trabalho através dos
vários processos de reconhecimento: uma maneira de o trabalhador sentir-se prestigiado
pelo seu fazer. Quando o reconhecimento não ocorre, a desvalorização pode gerar um
41
fator de desgaste e de colapso psíquico do indivíduo. Esses processos de
reconhecimento - ou a falta deles - são fundamentais na transformação do sofrimento
gerado pelo trabalho em prazer (Lancman, Sznelwar, Uchida, & Tuacek, 2007).
Refletindo-se sobre o exposto acima, quando não o reconhecimento por parte
do colega e, sim, um julgamento considerado injusto, quebra-se com o sentimento de
pertença. Os sentimentos são de mágoa e ressentimento e esses podem prevalecer, o que
interfere negativamente na forma como o funcionário interage com o mundo real do
trabalho.
Problemas pessoais
Os problemas pessoais, descritos abaixo, estão diretamente relacionados à vida
familiar e ilustram situações em que a manifestação de comportamentos depressivos,
queixosos, de não aceitar ajuda e ignorar o colega acaba por perturbar e estressar a
pessoa com quem convive no mesmo ambiente de trabalho:
“(...) era uma pessoa [colega] cheia de problemas, estava depressiva... era uma
pessoa perturbada mesmo, e ela passava isso pra mim, não se podia sentar do
lado dela, parecia que vinha uma nuvem negra assim pra cima de mim. Era bem
complicado... Então ela me perturbava muito. Então tinha vezes que eu
simplesmente deixava ela falando, levantava, puxava a cadeira e saía, deixava
ela falando sozinha...” (P4).
“Então existiam conflitos... mas era de tanto você ouvir aquela pessoa [colega]
falar, batendo na mesma tecla, reclamando das mesmas coisas, chega uma hora
que aquilo te estressa... Isso acaba te estressando, né, daí a gente acabava
discutindo, brigando (...)” (P8).
42
“Eu já tive também um conflito com um colega de trabalho meu... Aí ele veio me
falar que ele estava com um problema familiar, que ele podia ter me falado,
né, como é um relacionamento diário eu acho que tem que ter uma conversa
entre os dois. Ou até dizer bom dia, boa tarde, mas não era o que estava
acontecendo, daí ele me ignorava, eu ignorava ele, mas que isso é
complicado, né” (p11).
Dificuldade de adaptação no período inicial
O início de qualquer trabalho passa por um período de experiência necessário
para que o funcionário se adapte ao ambiente, à tarefa e ao grupo. Esse momento pode
ser marcado por experiências desagradáveis, causadas pela pressão e intolerância por
parte de quem conhece a dinâmica das tarefas, e exige do novo funcionário que ele
aprenda dentro de um padrão, podando sua liberdade e autonomia para desempenhar
suas funções. Abaixo os participantes mencionarem suas experiências:
“(...) tu tem que ter um tempo pra se adaptar e aprender, e muitas pessoas
[colegas] não têm essa paciência de esperar pra aprender, pra esperar que tu
resultados e tal, daí elas vão querer te ensinar do jeito delas, vão querer que
tu faça o quanto antes do jeito que elas faziam. E eu acho que não, que cada
pessoa tem o seu tempo (...)” (P7).
“(...) eles [colegas] querem que a pessoa entre sabendo...eles querem que em
uma semana ela saia fazendo tudo (...)” (P8).
“(...) no início era bem complicado porque eles [colegas] tinham o grupo
deles, a equipe deles formada, então pra entrar e se adaptar foi difícil no
início... eu sempre buscava fazer mais rápido, eliminar as tarefas ligeiro pra
43
conseguir fazer da melhor forma possível, pra ser mais eficiente, no caso, do
que as pessoas que já estavam lá, mais prá mostrar interesse e tal (...)”(P14).
As condições necessárias para ensinar e aprender dependem do relacionamento
interpessoal, existente numa organização, e este deve conter atributos de qualidade
como confiança, respeito e solidariedade (Leitão & Kurtz 2005). Logo, a ausência
desses predicados prejudica o processo de aprendizagem. Por outro lado, existe um
contexto apresentado por Merlo e Lapis (2007) em que novos modelos de gestão são
criados com o objetivo de elevar a produtividade, reduzir custos e promover um
controle preciso da qualidade, que causa sofrimento. O trabalhador tem medo de não ser
capaz de manter uma performance adequada no trabalho, o que causa um desgaste do
funcionamento mental e do equilíbrio psicoafetivo, originando conflitos nas relações
entre os colegas e na hierarquia. Entende-se que a pressão, exercida para obtenção de
resultados, afeta tanto quem está, há mais tempo na organização quanto o novo membro,
impedindo o desenvolvimento de uma cultura em que prevaleça a solidariedade entre as
pessoas.
Categoria: Repercussões na saúde mental
A configuração das relações interpessoais no trabalho foi descrita, até aqui,
como geradora de sofrimento. Na categoria repercussões na saúde mental apresentam-se
comportamentos, sentimentos e condutas que denunciam vivências de mal-estar e
sofrimento, elementos que colocam em risco a saúde mental do trabalhador.
A definição de Saúde Mental, para Vasconcelos e Faria (2008), quando do ponto
de vista clínico, se dá pela presença ou não de sintomas que classificam uma situação de
mau funcionamento psíquico, com alterações da personalidade, do pensamento, da
44
percepção, da memória, da inteligência, entre outros aspectos. Para detectar uma doença
mental, é necessário considerar a presença de uma sintomatologia, sabendo-se que sua
ausência não significa a constatação de saúde mental. Esses autores alertam para que se
além da aparência do fenômeno, buscando, na escuta, elementos de mal-estar,
identificando-se o sofrimento no qual ainda não há doença manifesta.
Bertoletti e Cabral (2007) apresentaram o conceito de saúde na perspectiva da teoria
dejouriana:
...a saúde não compreende apenas uma sensação de bem-estar, mas um estado
em constante movimento do qual procuramos nos aproximar, estando
relacionada fundamentalmente ao desejo. Quando perda do desejo,
encontramo-nos diante de uma situação perigosa para o corpo e para a mente,
correndo o risco de adoecimento físico e mental, o último manifestado por meio
de estados de tristeza, apatia ou depressão (p.103).
Manifestações do sofrimento
Cimbalista (2007) comenta sobre as situações que originam sofrimento, sendo
aquelas que exigem aumento do ritmo de trabalho, gerando pressão, e os
constrangimentos que ocorrem com subordinado e chefe e entre os pares. Para Martins
e Pinheiro (2006), o sofrimento do trabalhador nasce das relações de trabalho, a partir
da cultura, que se constrói na organização, e dos próprios colegas trabalhadores, em
suas relações.
O choro é uma manifestação de sofrimento, que tem origem na relação
interpessoal no trabalho, mas ultrapassa os muros da empresa e acompanha o sujeito nos
outros espaços que habita, sendo levado para casa ou sala de aula, afetando a vida social
45
e a familiar. Outras manifestações de sofrimento dizem respeito à falta de vontade de ir
ao trabalho, dificuldade em permanecer no ambiente laboral, falta de ânimo, aumento
no peso, humor instável, momentos de estresse e depressão. Os participantes, ao
comentarem sobre as dificuldades encontradas nos relacionamentos com colegas,
relataram o quanto se sentiam mal, choravam, sem conseguir produzir no trabalho.
Algumas falas que ilustraram a manifestação desse sofrimento:
“(...) eu paguei os pecados com ela [colega], ela fazia de tudo... eu chegava
chorando todo dia na aula... de ir no banheiro. Eu ia e ficava horas
chorando, assim, sozinha no banheiro “(P1).
“Eu não sou a mesma pessoa agora e a que era antes. As gurias sabem, eu
chegava aí, estressada, falava mal do trabalho. Acho que as pessoas queriam
ficar longe de mim assim... Era isso que eu pensava. Despertava, ai, tem que ir
pra aquele inferno... Me sentia sufocada, não conseguia produzir, não
conseguia fazer nada. Me sentia muito mal, muito mal” (P4).
“No meu antigo trabalho, eu até tive depressão e tudo, fiz tratamento e tudo.
Depois que eu saí de parece que eu tirei um fardo das costas. Tenho vontade
de ir trabalhar, de manhã cedo, acordando cedo tenho vontade de ir trabalhar.
[antigo trabalho], quando eu via que tocava o despertador, eu dizia: meu
Deus, tenho que ir pra de novo... Eu também, antes, quando chegava cinco e
meia eu não via a hora pra ir embora, eu ia embora, eu nunca ficava mais que o
expediente (...)” (P2).
“(...) isso [referindo-se aos problemas de relacionamento com colegas] muitas
vezes acaba afetando a vida pessoal, né... tu acaba levando para casa, com
46
problema para resolver tem que resolver e acaba te afetando...chega em casa e
não desliga da tomada, não consegue (...)” (P14).
Raiva
Conforme Booth e Mann (2005), há muitas razões para se sentir raiva no
trabalho, tais como: tratamento injusto, desrespeito, comunicação, falta de suporte,
ausência de reconhecimento, ser ignorado ou não ser ouvido. A raiva é vista como um
problema que causa consequências para a saúde do trabalhador e da organização.
Ela é descrita como um sentimento que afeta a saúde do trabalhador. Nos
exemplos apresentados abaixo, a raiva vem após situações de discussão, bate-bocas,
brigas, diferença de opiniões, divisão de tarefas e materiais, sentimento de impotência
por não poder fazer nada para modificar uma situação:
“(...) discutia, batia boca e (...) depende a pessoa também, porque tem aquelas
[colegas] que depois ficam com raiva e (...)” (P2).
“E dela [colega] começou a ficar com raiva pelo fato de que eu não tava do
lado dela, ela achou que eu ia ficar me metendo, falando mal da chefia com ela
(...) depois tudo era motivo [ri] pra se pegar mesmo (...) Tava bem difícil
(...)” (P4).
“(...) ela [colega] chegou atrás e começou a gritar comigo porque onde é que já
se viu eu tocar no arquivo dela assim, o arquivo era dela só, ninguém podia nem
respirar naquele arquivo... E daí naquele dia eu fale:, quer saber? Engula isso
aqui de uma vez! Tipo, duas semanas de trabalho, então em estágio probatório.
E daí naquela vez eu falei, eu quero acabar aquele estágio, pegar e socar ela na
rua (...)” (P1).
47
Desistência do trabalho
Quando os relacionamentos ficam insuportáveis, causam sofrimento. Uma das
medidas para se defender, é desligar-se do trabalho, demitir-se, mesmo que isso
signifique procurar por um emprego de menor remuneração, mas que ofereça um
ambiente que possibilite uma convivência harmoniosa com o colega de trabalho. Nos
relatos dos trabalhadores, percebeu-se que, muitas vezes, a única saída por eles
encontrada, quando não mais suportavam conviver com o colega, era sair da empresa, às
vezes de forma impulsiva, sem pensar nas consequências que essa decisão poderia
acarretar:
“Aí até que um dia eu perdi a cabeça, levantei, peguei e me demiti por causa
dela [colega] (...) Mas assim, se tu com uma pessoa que não aceita ou tu não
tem coragem de falar, vai guardando, guardando, explode e sai do trabalho,
acaba saindo” (P4).
“Eu quando eu saí lá do meu trabalho anterior, eu saí, pedi os trinta e disse: eu
vou sair daqui mesmo que eu for prá um trabalho que ganhe até duzentos reais
a menos, mas eu vou sair daqui e seja um lugar que eu possa trabalhar” (P2).
“Eu conheci pessoas também que trocaram de emprego, que chegaram a trocar
de empresa por esse motivo, uma pessoa que ganhava muito bem, mas que por
ter um relacionamento péssimo prá trabalhar preferiu ganhar menos e estar em
um ambiente melhor pra trabalhar, onde se sentia mais à vontade, podia
conversar, contar como foi o seu dia (...) às vezes, um problema de casa” (P8).
48
Temática: Prazer
A temática prazer refere-se aos comportamentos e atitudes, presentes nas
relações entre os pares no trabalho, que promovem sentimentos positivos e de bem-
estar. Através dos depoimentos dos participantes, identificaram-se situações e ações
capazes de promover vivências de prazer, que contribuem, possivelmente, para
assegurar a saúde mental.
Cabe lembrar Dejours (1992), ao referir que a relação entre organização de
trabalho e aparelho mental não é somente de sofrimento e doença. Pode-se, através das
relações no trabalho, obter-se um ambiente adequado para a promoção da saúde, ao
invés de conflitos geradores de estresse. Para Mendes (2007b), o modo como os
trabalhadores subjetivam suas vivências, o sentido que dão a elas, originarão novas
formas de organização do trabalho, tanto no uso específico das defesas coletivas, como
da cooperação, seja para minimizar o sofrimento como para buscar o prazer.
A temática prazer é composta por duas categorias: uma refere-se à ajuda
interpessoal com as subcategorias: ajudar, dialogar, tolerância ao erro, equipe/união e
comprometimento pessoal. A segunda categoria diz respeito às relações positivas no
trabalho, formada por três subcategorias: amizade, confiança e vínculos.
Categoria: Ajuda Interpessoal
Nessa categoria, estão os conteúdos abordados pelos participantes, referentes à
manifestação de ajuda, apoio por parte de um indivíduo para com os colegas que
necessitam, bem como sentimentos de satisfação e prazer, suscitados por essas
vivências no trabalho. A ajuda interpessoal tem sido referida por Choi (2006) como um
comportamento de cidadania organizacional (organizational citizenship behavior -
49
OCB), tornando-se um elemento significativo para o contexto do trabalho, pois
representa a ajuda e o apoio necessários nas relações de trabalho, em que um indivíduo
preocupa-se com o outro, auxilia-o nas tarefas, fornece informações e sugestões.
Nessa mesma perspectiva, está o estudo de Fonseca e Moura (2008) sobre o apoio
social, definido como manifestações de preocupação de um indivíduo para com o outro,
oferecendo assistência, ajuda e confiança. As autoras verificaram que o apoio social
exerce uma influência significativa sobre a saúde do trabalhador.
Ajudar /Ensinar
Ajudar e ensinar são atitudes similares. Receber essa atenção especial de um
colega, no trabalho, torna a relação mais próxima, mais afetiva, contribui para um clima
de satisfação. Os momentos em que receberam ajuda e apoio de colegas, foram
lembrados pelos participantes de forma significativa para seu bem-estar no trabalho.
“Tanto é que eu tava ansioso, né, como uma pessoa nova quem é que vai me
passar, né, e ele [colega]: não, calma que tu vai aprendendo conforme vai
indo” (P13).
"Eu lembro assim, de uma colega que eu tive, eu lembro que ela se chamava R.,
até hoje eu lembro dela com muito carinho. Ela era a melhor colega de
trabalho, sabe, de ensinar tudo que ela sabia e mais um pouco sem ter medo de
eu tirar o lugar dela... sempre ensinou, sempre apoiou sempre que podia (...) E
até hoje eu lembro dela com muito carinho” (P3).
Para alguns autores (Flynn, Reagans, Amanatullanh & Ames, 2006; Toegel et
al., 2007), a diminuição das emoções negativas e a melhoria do ambiente de trabalho
estão relacionadas à ajuda emocional que um colega pode oferecer ao outro.
50
Equipe/união
Um grupo unido pode ser considerado uma equipe, principalmente por ter
objetivos em comum, pelos quais todos cooperam e se empenham na realização das
tarefas. O comprometimento é visto como resultado da presença de alguns elementos
como: auto–estima, confiança, consciência da importância do papel e da
responsabilidade que deve assumir ao desempenhar sua função, e gostar do que faz. O
fato de os funcionários trabalharem em equipe é percebido como um facilitador. O
resultado é obtido com mais eficácia. Todos o responsáveis e assumem juntos os
erros, compreendendo que se trata de um problema da equipe e não de um sujeito em
separado:
“(...) na verdade, era todo o grupo unido, o trabalho, por mais difícil que ele
seja, tu acaba facilitando (...)”(P1).
“Tem a parte boa também, não ruim. Ali onde eu estou agora tem bastante
união entre os setores (...). Até semana passada deu um erro bem grave na
produção, o pessoal [colegas] assumiu todo mundo junto (...) ninguém levou
sozinho a advertência, todo mundo levou junto (...) a união de todos, né. Foi um
que fez o erro, mas os outros estavam juntos e poderiam ter visto o erro, né”
(P2).
Dejours (2003) apresentou a cooperação como um lugar organizador, ao qual
convergem os diferentes componentes do fator humano. Definiu-a como uma conduta
coordenada que “... supõe um lugar onde, ao mesmo tempo, convergem as contribuições
singulares e cristalizam-se as relações de dependência entre os sujeitos” (p.97). Tal
conceito de cooperação remete ao coletivo, permitindo desempenhos superiores, quando
comparados ao desempenho individual. Não significa que funcione de modo ideal, mas
51
possibilita que os erros e falhas humanas possam ser admitidos e, através do coletivo,
minimizados.
Categoria: Relações Positivas
As relações consideradas positivas caracterizam-se pela manifestação de
sentimentos positivos entre colegas: representam as amizades que se estabelecem no
ambiente de trabalho, que são mantidas através do respeito, da confiança mútua e do
benquerer. Siqueira e Padovam (2008) relacionaram o bem-estar no trabalho com a
existência de diversas fontes de satisfações, sendo que os relacionamentos com as
chefias e com os colegas de trabalho fazem parte dessa lista, entre outras citadas
(salário, oportunidades de promoção ofertadas ela política de gestão da empresa e
satisfações com as tarefas realizadas).
Amizade / Vínculos
O trabalho está entre os contextos (colégio, faculdade, família, vizinhança) nos
quais a amizade tem origem. Segundo Souza e Hutz (2008), o trabalho é um dos
ambientes considerados férteis à formação da amizade e do seu desenvolvimento, com
possibilidades de evoluir de um estado de amizade próximo ao de melhor amizade.
“(...) até amigos que eu tenho hoje, que a gente sai pras festas, são os que eu
conheci lá trabalhando. São meus melhores amigos (...) Dá pra dizer(...)”(P6).)
“(...) quem é amigo no trabalho conhece muito isso, sabe quando a pessoa
[colega] não tá bem e tal e sabe respeitar o espaço” (P7).
52
Confiança
Dejours (2003) destacou-se a confiança como condição essencial para a
construção do coletivo. A análise do fator humano dentro das organizações abrange
tanto as relações com a hierarquia como as relações de paridade entre colegas de
trabalho. Em ambas, a confiança é um elemento fundamental: contribui para a
manutenção de um ambiente positivo.
“(...) aprendi a fazer tudo (...) tinham [colegas] a maior confiança em mim, né.
Eu acho que depois, com o passar do tempo, eu mesma fui ganhando
responsabilidade e tudo, tu vai ganhando a confiança das pessoas. Eu acho que
é isso que muda, e saber se relacionar também (...) quando tu consegue ter
confiança, consegue trabalhar junto, crescer junto... é um relacionamento
positivo (...)”(P16).
“(...) ter confiança nas pessoas [colegas], saber que naquela pessoa tu pode
confiar, sabe, que ela vai fazer um bom trabalho, que ela vai fazer o máximo
que puder. Então eu acho que isso assim é bem importante”(P15).
Temática: Enfrentamento do Sofrimento
A temática enfrentamento do sofrimento refere-se às ações que são mencionadas
pelos participantes da pesquisa, como resposta às situações, que ocorrem ao relacionar-
se com colegas no trabalho, que geram sofrimento. Existem duas formas de enfrentar o
sofrimento: através das estratégias defensivas, ou pela mobilização subjetiva (Mendes,
2007a; Mendes & Morrone, 2002).
53
Categoria: Estratégias Defensivas
As estratégias defensivas são usadas para evitar situações dolorosas, até mesmo
quando o sujeito não tem consciência destas. Segundo a teoria dejouriana essas
representam “... os mecanismos utilizados pelos trabalhadores para negar ou minimizar
a percepção da realidade que faz sofrer” (Mendes & Morrone, 2002, p.33).
As estratégias, frente às situações conflituosas com colegas de trabalho podem
ser tanto individuais como coletivas (subcategorias) e visam à manutenção da saúde. A
definição de Dejours (1994, citado por Mendes & Morrone, 2002), para estratégias
defensivas, diz respeito a atitudes que os trabalhadores assumem para suportar o
sofrimento e não adoecer.
Ao enfrentar as imposições e pressões do trabalho que causam sofrimentos, é
possível criar novos mecanismos que proporcionam vivências prazerosas no trabalho,
sendo estas uma reação considerada saudável (Mendes, 2007a). A autora afirma que o
sofrimento e as defesas exercem uma função significativa para assegurar a saúde dos
trabalhadores, mas alerta que as defesas podem levar à alienação quando se
transformam numa ideologia defensiva. Portanto, as defesas podem ser usadas tanto
para minimizar o sofrimento como para negá-lo; podem trazer benefícios para o sujeito
quando a busca do prazer se torna bem- sucedida, como também podem levar ao
individualismo e passividade.
Estratégias defensivas individuais
Para confrontar as situações geradoras de sofrimento que ocorrem ao se
relacionar com um colega, o sujeito toma iniciativas que podem ser consideradas
extremas, ou agir contrariamente aos princípios da ética, prejudicando e acusando
54
injustamente seu companheiro. Mendes (2007b) explicou que as defesas, quando são
usadas de forma intensa, originam patologias sociais: da sobrecarga, da servidão
voluntária e da violência.
Sabotagem
Frente ao medo de perder o lugar, o cargo, para um colega de trabalho, surgem
condutas, comportamentos que visam a prejudicar o outro, ocasionando, muitas vezes, a
sua demissão. De forma imatura e inadequada, o sujeito, ao sentir-se ameaçado, reage
com atitudes desprovidas de qualquer valor moral, mas que, ilusoriamente, garantem
seu espaço no mundo do trabalho. Essa subcategoria ilustra a prática da patologia da
violência, mencionada por Mendes (2007b), que é caracterizada por diferentes práticas
agressivas como vandalismo, assédio moral, tentativas e/ou suicídio, sabotagem. A
narrativa de alguns trabalhadores revelou que o medo de perder o lugar pode ser tão
aterrorizante, que o sujeito busca se defender de forma a prejudicar o colega, “puxando
o tapete”:
Tu fica pensando nisso... Ao invés de ser um estímulo prá tu correr atrás, tu
pensa, não, ao invés de correr atrás eu vou puxar o tapete (...) Quando uma
pessoa [colega] te causa medo, tu vai se defender... Brigando, puxando o tapete
(...) De várias maneiras que nem sempre são boas, prá se defender. Só que
muitas vezes esse medo é um medo sem fundamento, de coisas que não teria que
ter medo, sabe, e daí por tu não se abrir, tu acaba se defendendo” (P4).
“Mas eu acredito ainda que ela [colega] fez a minha caveira, ela não ia muito
com a minha cara, não era aquela convivência de coleguismo, sempre parecia
que ela tava querendo me apunhalar, sabe, bem complicado. ficou aquele
55
negócio assim: prá que, né, prá que tu [referindo-se a colega] vai puxar o
tapete de uma pessoa que querendo, sei lá, crescer na empresa sem
prejudicar? Eu em nenhum momento eu pensava em tirar o lugar dela, né”
(P18).
A patologia da violência tem sua origem na solidão afetiva, provocada pela
desestruturação dos coletivos de trabalho, levando às práticas desleais e ao
individualismo (Mendes, 2007b).
Estratégias defensivas coletivas
As estratégias defensivas são construídas, em grande parte, pelo grupo de
trabalho, em que, em consenso, estabelecem um acordo tácito de forma a manter a
estratégia grupal, minimizando a percepção do sofrimento (Mendes, 2007a). Segundo
Martins (2007), “as estratégias coletivas de defesas constituem uma forma de
cooperação entre os trabalhadores, para lutarem juntos contra o sofrimento no trabalho”
(p.145). Outra estratégia é criar válvulas de escape para a manutenção de um clima
agradável e menos tenso, em que as pessoas se sintam mais próximas, contam piadas e
brincam no local de trabalho.
Encontros extratrabalho
Nessa categoria, os trabalhadores respondem que o que fortalece os
relacionamentos no trabalho e contribui para um ambiente saudável são os encontros,
reuniões, festas, jantas, jogos. Afirmam a importância de conhecer melhor a pessoa com
quem convivem diariamente para manter a equipe unida.
56
“... semana passada a gente [colegas] saiu junto, fomos numa pizzaria... Bem
bom o ambiente de trabalho lá” [relacionando o fato dos encontros
extratrabalho como um fator que contribui para um bom ambiente no trabalho]
(P2).
“Mas a empresa trabalha também em cima disso, tipo, fazendo
confraternizações e tal pra manter sempre a equipe unida (...) a gente sempre
faz reuniões e tal, então é bem tranqüilo (...) É um ponto positivo né, acaba
tornando o ambiente agradável né, sei lá, acaba desestressando o pessoal,
conversa e tal, eu acho bacana isso” (P18).
“O que eu acho bem importante é fazer coisas fora... em julho a gente fez uma
festa junina... e nossa foi muito bom... como é bom conviver com as pessoas
[colegas] fora do ambiente de trabalho, como é bom poder conversar... como
isso fortalece as nossas relações no trabalho, isso é muito importante. Eu vejo
pelo nosso grupo e vôlei também, fortalece... é muito bom, sai um pouco do
ambiente de trabalho, conhece o outro lado da pessoa e não o profissional...
conhece o pessoal, de saber como ela é, a história (...)” (p15).
Brincadeiras, piadas e conversas
Contar piadas, fazer brincadeiras, falar sobre assuntos extratrabalho (como
futebol) no ambiente de trabalho proporcionam momentos de descontração, de risos e
alegria. Estes são reconhecidos pelos trabalhadores como fatores que contribuem para
integrar a equipe, ajudando a manter um clima agradável e produtivo.
57
“(...) nós éramos em seis, então os seis eram mais ou menos parecidos... de
todos [colegas] estarem sempre dando risada, fazendo brincadeiras e ninguém
ficava brabo, tipo, não tinha nenhum que dizia de pegar bah e se irritar” (P5).
“Olha, entre os homens é tudo tranqüilo, alegria, a gente (colegas) da
risada, brinca, fala de futebol, o serviço anda uma beleza (...). Se é focar no
serviço o existe, a pessoa fica louca. Precisa ter uma válvula de escape, uma
não, várias... Piadas, brincadeiras, de tudo um pouco (...) Ajuda bastante”(P9).
Barros (2007) observou que as brincadeiras parecem ser estratégias utilizadas
para enfrentar o sofrimento que é decorrente das dificuldades no trabalho, ajudando a
evitar a solidão, aliviar a tensão e descontrair.
Categoria: Mobilização subjetiva
A mobilização subjetiva, diferentemente das estratégias defensivas, não nega
nem minimiza o sofrimento, mas busca a ressignificação das situações, geradoras de
sofrimento, em situações que proporcionem alguma forma de prazer. Segundo Mendes
(2007a), é preciso que o trabalhador use de sua subjetividade, de sua inteligência e do
coletivo de trabalho, transformando as circunstâncias tormentosas através de ações que
resultem em prazer.
Ter a iniciativa de aproximar-se dos colegas, conquistando e compreendendo as
razões, os motivos individuais da reação de cada um, promove relacionamentos
satisfatórios. Outra ação individual está associada à tarefa: a iniciativa de delegar
funções e responsabilidades para um colega contribuiria para manter um bom
relacionamento.
58
Conquistar o outro
Conquistar um colega requer empatia, colocar-se no lugar dele, para entendê-lo.
É preciso investir no diálogo, cativá-lo, criar laços de amizade. A conduta mencionada
pela participante representou a mobilização subjetiva. um investimento afetivo na
relação, buscando cativar e conquistar as pessoas com quem necessita se relacionar no
trabalho. Uma forma de enfrentar uma situação desgostosa através de uma estratégia
eficaz e benéfica traz resultados positivos aos relacionamentos.
“A minha mãe, assim, me ajudou bastante porque eu era nova, muito nova,
tinha dezessete anos, e minha mãe sempre me apoiava, dizia: (...) calma, vai
conversando com ela [colega], vai se aproximando dela com calma, vai
procurando entender porque ela é assim, ajudar, que tudo vai ficar bem. E foi o
que eu fiz e deu certo (...), daí eu fui começando conquistar todo mundo, fui
ficando amiga, bem amiga de todo mundo (...)” (P16).
Delegar
A percepção que, ao dividir ou delegar tarefas para um colega obtém espaço
para novos aprendizados e afazeres que resultam em produtividade, satisfação pessoal,
autoconfiança, transforma o medo, de perder espaço, em companheirismo e cooperação.
A participante dividiu sua experiência e os resultados obtidos quando usou como
estratégia delegar tarefas à colega e compreendeu que, daquela forma, produzia mais e
contribuía para um relacionamento satisfatório.
“(...) quanto mais tu delegar as tuas tarefas mais tu aprende (...) mais tempo tu
vai ter pra aprender as coisas novas e se tu faz teu serviço direitinho não tem
porque tu ficar com medo da pessoa [colega] que vindo atrás de ti (...) hoje
59
eu fazendo muito mais coisas do que ela [colega] fazia antes, muito mais
coisas que exigem responsabilidade, mais capacidade, que ela não tinha tempo
pra fazer porque ela ficava se prendendo àquelas coisinhas que ela fazia
diariamente, como eu passei essas coisas pra guria que me ajudando, que
seria o que eu ia fazer quando ela tava ali, mas ela não passava pra mim, eu
aprendo muito mais e cada vez mais e tenho um relacionamento tranqüilo, um
relacionamento bom (...)” (P17).
A dinâmica da mobilização subjetiva compreende o coletivo do trabalho que é
construído através das relações de confiança, solidariedade e cooperação (Mendes,
2007a). A categoria acima citada revela que, para que as relações tenham essas
características, é necessário um investimento afetivo por parte do indivíduo, tanto na
conquista pessoal como na divisão de espaços e tarefas.
Conversar/ dialogar/expor o que pensa
Esta subcategoria apresenta o diálogo aberto, a liberdade para falar sobre os
acontecimentos, expondo os próprios erros, opinando e manifestando percepções
individuais sobre a sua ação, ou a atuação do outro, como um recurso a ser utilizado
para manter relações satisfatórias no trabalho e obter um clima de tranquilidade para a
execução das tarefas diárias. Essa busca por um espaço, onde é possível falar sobre os
sentimentos e acontecimentos vivenciados no trabalho, foi apresentada por Mendes e
Morrone (2002) como uma mobilização subjetiva. Ou seja: quando um grupo consegue,
através da cooperação, da solidariedade e da confiança, discutir situações (tanto
relacionadas à tarefa como também às que dizem respeito às suas relações
socioprofissionais) que levariam ao sofrimento e às possibilidades de modificá-las de
60
forma a gerar prazer. Nos relatos que seguem, os participantes valorizaram o diálogo
aberto e a manutenção de um espaço de conversação com a equipe.
“E quando você está com uma pessoa [colega] que tem liberdade pra fala, que
aconteceu uma coisa errada, chegar, olha, não consegui, tudo bem. Agora
quando, que nem no anterior, eu não conseguia falar com a pessoa, a pessoa
não aceitava, sabe, eu não tinha como (...) Agora nesse local que eu trabalho,
quando eu errava, eu chego e digo olha, a culpa não é minha (...) É uma relação
assim bem aberta, assim como essa pessoa fala pra mim, às vezes: Olha, o que
tu fez não tá legal. Então é bem mais tranqüilo agora” (P4).
“No nosso setor, ali a gente tenta conversar, até a gente faz reuniõezinhas de
vez em quando pra ver se está tudo bem, que se alguém tem alguma reclamação
com alguém que se fale ali na frente de todos prá que não comece, como nós
falamos, fofoquinhas de corredor. Prá que não aconteça isso a gente tenta
deixar bem exposto o que cada um pensa e o que cada um quer fazer, pque
não dê problema de dizer, ah... porque alguém disse isso ou alguém disse
aquilo. A gente tenta deixar bem claro” (P7).
A mobilização subjetiva é um mecanismo usado, em grande parte, por pessoas
saudáveis, aquelas que utilizam os recursos de sua inteligência e de sua personalidade. É
uma atitude espontânea e, por essa razão é também extremamente frágil, pois o sujeito
contribui com o outro voluntariamente, esperando ser retribuído através do
reconhecimento. Caso não receba esse retorno, o indivíduo não obtém a realização
pessoal, o sofrimento não pode mais ser transformado em prazer, o pode mais
encontrar sentido. Instala-se uma dinâmica patogênica de descompensação psíquica ou
somática (Dejours, 2004).
61
2.6 Considerações Finais
O objetivo dessa pesquisa foi o de examinar as relações interpessoais entre
colegas, vivenciadas no trabalho, e as repercussões na saúde mental dos mesmos. Os
resultados obtidos revelaram que essas relações ocupam um espaço significativo para a
compreensão da dinâmica trabalho/saúde mental. É possível pensar, através da análise
dos dados, que as relações sociais construídas através da organização do trabalho são
fontes de sofrimento psíquico, mas também podem ser agentes na promoção de
vivências de prazer. As três temáticas (sofrimento, prazer e estratégias defensivas),
apresentadas nesse estudo, expuseram situações, vivências e estratégias utilizadas pelos
participantes nos relacionamentos com os seus colegas de trabalho, permitindo que se
façam algumas considerações necessárias para compreensão da repercussão dessas
relações na saúde mental dos trabalhadores.
Um dos aspectos que causam sofrimento psíquico no trabalho está diretamente
ligado à competição entre os colegas. O medo de perder o lugar (cargo, função) por um
colega é um dos fatores mais relevantes desse estudo, por se apresentar de forma
intensa, gerando ansiedade, estresse, causando um desequilíbrio psicoafetivo para o
indivíduo. No trabalho, quando a realização da tarefa passa pelo individualismo, perde-
se a noção de solidariedade e cooperação. Os erros não são assumidos, mesmo quando
isso pode trazer consequências negativas para um colega. Intrigas derivadas pelo
domínio e centralização da informação, com o objetivo de se sobressair e mostrar o
quanto se é melhor ou mais competente. Não preocupação ou interesse pelo outro, o
colega: é cada um por si, como dizia a participante 1, na primeira fala do primeiro grupo
focal: “É um pega pra capar (...)”. Outras manifestações desse sofrimento estão
relacionadas à interferência negativa da chefia, seja sob a forma de proteção a um
subordinado em relação ao outro, ou pela comparação desmedida, sem considerar as
62
diferenças e limitações individuais. Nesse contexto, é visível a falta de confiança que se
instala nas relações entre colegas. A confiança é um elemento, segundo Dejours (2003,
2004), extremamente necessário para a promoção e manutenção da saúde mental. É
evidente que, quando o sujeito se depara com uma cultura social e uma dinâmica
organizacional que estimulam o individualismo e a competição, as relações ficam
ameaçadas, instalando-se no ambiente de trabalho a insegurança e o sofrimento.
Mas o sofrimento também é derivado das relações negativas, que se
caracterizam pelo não gostar do colega por diversas razões (apresentadas nas
subcategorias das relações negativas), causando uma série de insatisfações, tristezas,
frustrações, influenciando no desenvolvimento profissional. As relações negativas
impendem o reconhecimento, ou seja, que um colega possa receber de outro elogio pelo
trabalho bem feito. Reconhecimento, este, que segundo a teoria dejouriana, tem grande
significado para o sujeito: proporciona o sentimento de pertença e é uma forma de
retribuição moral-simbólica. É o elemento que permite a construção da identidade que
pode se efetivar através de vivências de prazer e de realização de si mesmo (Mendes,
2008). A probabilidade dessas vivências se torna possível quando há o encontro com
o outro, contrariamente ao exposto nessa categoria, em que prevalecem o afastamento, a
rejeição por motivos aparentemente banais, mas fortemente presentes nas relações de
trabalho.
Com todo o exposto acima, é possível afirmar, de forma consistente, que as
relações interpessoais no trabalho afetam a saúde mental e causam sofrimento psíquico,
manifestos por choro intenso, sentimentos de raiva e mal-estar no local de trabalho,
baixa produtividade, falta de vontade de ir ao trabalho, falta de ânimo, aumento no peso,
humor instável, momentos de estresse e depressão. Para Martins e Pinheiro (2006,
p.84): “A cada dia o tema sofrimento psíquico nas relações de trabalho, tem ganhado
63
ressonância, em virtude de o trabalhador necessitar de saúde psíquica, para exercer suas
atividades”.
Mas trabalho não é só sofrimento: há prazer no trabalho, e as relações de
trabalho podem contribuir imensamente para a promoção e manutenção da saúde
mental. Na pesquisa, os depoimentos apontaram para a ajuda interpessoal e as relações
positivas como fontes de prazer. A ajuda interpessoal representa o auxílio, apoio que um
funcionário pode oferecer a outro, preocupando-se em dividir conhecimentos,
ensinando, investindo na comunicação, no diálogo aberto, expondo opiniões e
percepções. Pessoas com esse perfil no trabalho, são vistas como comprometidas, não
com a empresa, mas também com seus colegas: são solidárias e cooperativas,
características indispensáveis para minimizar e/ou transformar situações, que levariam
ao sofrimento, em vivências prazerosas.
As relações positivas são marcadas pela amizade, cooperação, respeito e
confiança mútua. Essas características, quando presentes nos relacionamentos de
trabalho, contribuem com a elevação de sentimentos de satisfação e bem-estar no
ambiente de trabalho. A confiança, a cooperação, a solidariedade, são componentes
essenciais para construção do coletivo que, de acordo com Mendes (2007a), tem uma
função imprescindível para a promoção da saúde mental nesse contexto.
Para lidar com as situações conflituosas que ocorrem, ao relacionarem-se com
colegas no trabalho, os entrevistados revelaram o uso de estratégias defensivas tanto
individuais como coletivas. Nos depoimentos dos trabalhadores, dessa pesquisa,
identificou-se a sabotagem no uso das estratégias individuais. Frente à ameaça de que o
colega ocupe seu espaço profissional, a reação é de prejudicar o outro, o que parece ser
um comportamento que se enquadra no conceito da prática da patologia da violência,
descrita por Mendes (2007b). As estratégias defensivas coletivas, nesse estudo, surgem
64
da necessidade de os trabalhadores criarem um clima agradável, alegre e divertido, para
enfrentar as tensões do dia-a-dia de trabalho. O grupo pesquisado afirmou que, contar
piadas, fazer brincadeiras durante o expediente ajuda a descontrair, as pessoas ficam
mais próximas nesses momentos. Fortalecer as relações de trabalho, através de
encontros e confraternizações fora do local de trabalho, é outra estratégia coletiva que
traz resultados positivos: as pessoas passam a se conhecer melhor, estreitam seus
vínculos e percebem este fator como um aspecto positivo para manter unida a equipe de
trabalho.
Outra maneira de enfrentar o sofrimento é através da mobilização subjetiva, para
transformar uma situação geradora de sofrimento os participantes mencionaram o uso
da conquista do outro visando se aproximar e criar laços de amizade com o colega. Ou
ainda, quando percebem que o colega pode auxiliá-lo na realização das tarefas,
procuram trabalhar em conjunto, cooperativamente.
As atitudes descritas pelos trabalhadores levam a refletir o quanto as ações são
decorrentes de uma cultura em que imperam o individualismo e a violência, e só cabe ao
sujeito se defender, não importando como, versus a crença de cada indivíduo, de acordo
com seus recursos e estrutura, pode, a partir de seus valores éticos e morais, buscar
estratégias criativas, transformando o medo de perder espaço em companheirismo e
cooperação.
65
3. Artigo Teórico- As relações interpessoais no trabalho e suas implicações na saúde
mental
Este artigo será submetido à Revista Estudos de Psicologia visando sua
publicação. As normas encontram-se disponíveis no endereço eletrônico abaixo e
seguem as orientações do Manual da American Psychological Association – APA – :
http://www.epsic.psicologia.ufrn.br
Resumo
O trabalho ocupa um espaço importante na vida das pessoas; por essa razão, muitos
pesquisadores buscam compreender questões relacionadas à saúde mental nesse
contexto. Fatores diversos podem levar ao sofrimento ou à promoção da saúde, estes
estão associados tanto às condições ambientais, sicas e operacionais (tarefa), quanto à
forma como ocorrem as relações interpessoais. Este artigo é o resultado de uma revisão
de literatura que buscou identificar situações decorrentes das relações entre funcionários
e chefias, como também entre os pares, que poderiam levar ao sofrimento psíquico ou
ao bem-estar no trabalho. Quando prevalecem no ambiente de trabalho as relações
negativas, as rivalidades, as competições e o individualismo, os conflitos entre os pares
e hierarquia, o uso indevido do poder de uma chefia para com os funcionários,
certamente aumentam as possibilidades de sofrimento. Constatou-se que, para manter
um ambiente de bem-estar no trabalho, é necessária a existência de comportamentos de
ajuda, apoio, amizade, confiança, reconhecimento e cooperação.
Palavras chave: Trabalho, relações interpessoais, sofrimento psíquico, saúde mental.
66
Interpersonal relations at work and their implications on mental health
Abstract
Work has an important space in people’s life; thus, many researchers try to understand
the issues related to mental health in this context. Several factors can lead to suffering or
to health promotion; these factors are associated both to environmental, physical and
operational conditions, and to the way how interpersonal relations take place. This
article is the result of a review of literature that aimed to identify situations deriving
from the relationship between employees and leaderships and between the workmates,
which could lead to psychic suffering or to well-being at work. When negative relations,
rivalry, competitions and individualism, conflicts between employees and their leaders,
the undue use of power from a leader over the employee prevail at work, certainly there
is an increasing of suffering possibilities. In order to keep a welfare environment at
work, it is necessary the existence of behaviors, such as help, support, friendship, trust,
recognition and cooperation.
Key words: Work, interpersonal relations, psychic suffering, mental health.
67
3.1 Introdução:
A palavra trabalho origina-se do latim (tripaliu e trabicula), e seu significado
está associado à tortura (Malvezzi, 2004). Essa concepção, embora seja antiga, ainda
pode ser considerada contemporânea, pois tem sua representatividade nos estudos e
pesquisas que abordam a saúde mental e o sofrimento no contexto do trabalho. Muitos
autores (Dejours, 1992; Zanelli & Bastos, 2004; Heloani & Capitão, 2003; Mendes,
2007b; Vasconcelos & Faria, 2008) afirmaram que as condições de trabalho podem ser
desestabilizadoras e causadoras de danos na saúde mental do trabalhador. Para Jacques
(2007), existe uma variedade de fatores que contribuem para alterações da saúde mental,
que vão desde a exposição a agentes tóxicos até a complexa articulação de fatores
relativos à organização do trabalho. As formas de organização de trabalho que geram
sofrimento, segundo Mendes e Morrone (2002), estão relacionadas à divisão e
padronização de tarefas, subutilização do potencial técnico e da criatividade, rigidez
hierárquica, falta de participação nas decisões, centralização de informações, falta de
reconhecimento, pouca perspectiva de crescimento, individualismo de colegas e
precárias condições físicas de trabalho.
A organização do trabalho compreende dois lados: um que diz respeito à divisão
de tarefas, repartição, cadência, modo operatório escrito, e processos técnicos. De outro
lado, está a divisão de homens, que envolve a repartição das responsabilidades,
hierarquia, comando e controle. As condições de trabalho têm por alvo, principalmente,
o corpo e a divisão das tarefas, enquanto que a organização do trabalho atua ao nível do
funcionamento psíquico, das relações entre as pessoas e dos investimentos afetivos
como amor, ódio, amizade, solidariedade, confiança (Dejours & Abdoucheli, 1994b).
68
Para a realização de qualquer tarefa, é necessário que as pessoas se relacionem
umas com as outras. A forma como ocorrem essas interações estão diretamente
relacionadas às causas de adoecimento, fator que, segundo (Dejours, 1994a), merece
atenção dos pesquisadores dessa área. Neste artigo procura-se apresentar referenciais
teóricos que abordem as relações interpessoais no trabalho e suas implicações na saúde
mental, seja na manifestação do sofrimento psíquico ou na promoção do bem-estar
nesse meio.
3.2 O trabalho
No contexto atual, o trabalho é marcado pela pressão por produtividade
crescente, num ambiente extremamente competitivo, exigindo do trabalhador uma
posição flexível frente às mudanças, bem como capacidade para adaptar-se
constantemente às demandas do mercado. Dessa forma, a organização do trabalho
contribui para a fragilização mental do indivíduo, devendo assumir sua responsabilidade
frente à saúde mental dos mesmos (Vasconcelos & Farias, 2008).
O trabalho é uma atividade social que se dá num espaço que é construído
coletivamente, onde as relações se caracterizam pelo uso do poder, da dominação, mas
também pela cooperação e reconhecimento. É dessa forma que o trabalho ocupa um
papel muito importante na vida das pessoas: é um modo de existir, de ser reconhecido e
de obter gratificação, satisfação e prazer e, por outro lado, as condições adversas do
trabalho podem acarretar alienação e adoecimento. Isso significa que o mundo do
trabalho pode levar tanto ao enriquecimento (autonomia, criatividade, liberdade,
emancipação) como ao empobrecimento (um ser isento de necessidades e desejos)
(Mendes, 2008).
69
Borges e Yamamoto (2004) conceituam organizações como criações ou
ferramentas sociais, produtos de ações individuais e coletivas; uma construção
entrelaçada com processos e dinâmicas de indivíduos e grupos, em determinados espaço
e tempo, que delimitam e circunscrevem suas interações. Mencionam que muitos
pesquisadores se preocupam em produzir conhecimentos e estudos das características e
dinâmicas das organizações, sendo que eles entendem que, para compreender as
organizações, é necessária uma teoria sobre o homem e sua ação social.
O trabalho implica, inicialmente, objetivos técnicos ou de produção, submetidos
aos critérios da eficácia. Mas essas metas serão alcançadas em um mundo social,
pois, além de as pessoas cooperarem, é preciso que consigam viver lado a lado, que se
compreendam. No dia-a-dia de uma organização, os fenômenos corriqueiros são
fundamentais para funcionamento da mesma. Bastos (2004), ao descrever como o
trabalhador vive e age, menciona que as pessoas, ao se comunicarem, apresentam
falhas, necessitam do pensamento e do raciocínio na tomada de decisões e na busca de
soluções; precisam analisar informações, julgar e opinar sobre a ação dos outros. Nesse
meio, enfrentam problemas, calculam perdas e ganhos, aprendem coisas novas e
esquecem outras, assumem pontos de vista, acusam, atacam e se defendem.
O trabalho permite o cotejo entre mundo externo e mundo interno do
trabalhador. O mundo objetivo entra em conflito com a singularidade de cada individuo,
fazendo com que o confronto entre relações e organização do trabalho, mundo interno e
subjetivo do trabalhador, seja gerador de sofrimento psíquico (Heloani & Lancman,
2004).
Outra demanda de análise para compreensão de fatores, relacionados à saúde e
bem-estar, surge da dinâmica das relações entre os profissionais. Para Dejours (1994a),
as pesquisas realizadas revelam um distanciamento importante entre a organização do
70
trabalho prescrito e a organização do trabalho real. Por organização prescrita,
compreende-se um serviço de métodos especializados em manutenção: uma espécie de
manual de procedimentos para cada operação a ser efetuada, com uma sequência
detalhada das tarefas a serem realizadas, e que se mostra inaplicável na prática. Frente a
essa prescrição, os operadores tendem a transgredir os procedimentos. Essa prática ficou
conhecida como “quebra-galho” e compõe o trabalho real, aquilo que, realmente, é
possível fazer e que foge da legalidade prescrita (Dejours, 1994a). A organização real é,
basicamente, técnica e passa por uma integração humana que a modifica e dá a esta uma
forma concreta (Dejours & Abdoucheli, 1994b). O quebra-galho não pode ser prescrito:
é visto como uma transgressão que, se tiver certa transparência, torna-se necessária para
o ajuste da organização do trabalho. Mas, quando o empregado frente a uma situação
em que não é possível aplicar as recomendações precisa improvisar, corre o risco de ser
punido e, se não o fizer, pode ser acusado de falta de iniciativa. Essa junção paradoxal é
causa de sofrimento, mal-entendidos, falta de comunicação, desconfiança, sentimento
de injustiça e conflitos, entre equipes (Dejours & Jayet ,1994).
A psicodinâmica do trabalho define trabalho como uma atividade demonstrada
por homens e mulheres, para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do
trabalho (Dejours, 2004). Aborda as questões relacionadas ao sofrimento e ao prazer,
voltando-se para o homem, o trabalho, a organização e as situações envolvidas nos
detalhes de sua dinâmica interna. A psicodinâmica do trabalho é uma práxis, não apenas
como uma modalidade de intervenção, mas também uma disciplina produtora de
conhecimentos no que se refere ao trabalho prescrito e ao real. Afirma que a
organização real do trabalho não é a organização prescrita. A organização real do
trabalho é um produto das relações sociais (Dessors & Schram, 1992, citados por
Dejours, 2004).
71
Para Gondim e Siqueira (2004), todos os dias o ser humano experimenta estados
emocionais diversificados (amor, tristeza, medo, ciúme, ansiedade, culpa, raiva, etc.)
que podem estar relacionados aos pensamentos, como também ao ambiente externo
(família, grupos sociais, local de trabalho). Os mesmos autores mencionam que os
estudos sobre comportamento organizacional avançaram muito nas últimas décadas, e
questões ligadas a emoções e afetos no trabalho passaram a ocupar um espaço nesse
contexto. Na literatura atual, conforme Miller, Considine e Garner (2007), existe um
crescimento dos estudos da emoção e comunicação no trabalho. Entre as emoções
mencionadas, estão aquelas decorrentes das interações com os colegas e com os
supervisores. Entende-se que a origem de fortes emoções (alegria, tristeza, raiva, etc),
no local de trabalho, são advindas desses relacionamentos.
Ao estudar as emoções e os afetos, tem-se a possibilidade de compreender temas
como a gestão organizacional, as diversidades culturais, conflitos de papéis. Entender
ações e motivações das pessoas, que ajudem a gerenciar as frustrações e estresses
inevitáveis ao ambiente e às interações no trabalho, é de vital importância para Toegel,
Anand, e Kilduff (2007).
A organização do trabalho compreende o conteúdo da tarefa e as relações
humanas de trabalho, determinando não somente a divisão das tarefas, mas também a
divisão dos homens. As relações entre funcionários, chefes e outros que fazem parte
desse ambiente engajam processos de identificação, de rivalidade, de exibicionismo, de
voyeurismo, em que se pode exercer e realizar desejo e prazer. Em todas as situações
desse contexto devem-se considerar as relações humanas, pois estas representam uma
parte importante da carga psíquica de trabalho, sendo tão relevantes quanto à relação do
homem com o conteúdo do trabalho (Dejours, 1994b).
72
3.3 Relações Interpessoais no trabalho
Os estudos de Hawthorne, iniciados em 1924, deram início a uma corrente que
veio a ser chamada de Relações Humanas, mencionando que os fatores humanos
influenciavam a produção. Eles consideraram a existência de uma organização formal,
que é estruturada pelas técnicas tayloristas de prescrição da execução do trabalho, tanto
quanto a existência da organização informal, baseada nas relações de grupo, capazes de
alterar os resultados da produção (Sampaio, 1998).
A escola de Relações Humanas teve sua origem, conforme Goulart (2002), a
partir de uma pesquisa realizada por Elton Mayo. Ele investigava a influência de alguns
fatores do ambiente sobre a produtividade. Os resultados do trabalho realizado por
Mayo apresentaram o relacionamento interpessoal como importante fator para a
produtividade. A partir de então, surgiram estudos sobre motivação, liderança, coesão
grupal e seus efeitos sobre o trabalho nas organizações. Nessa mesma época, os
trabalhos de Moreno (sociometria e sociodrama), Kurt Lewin (clima social, liderança,
dinâmica de grupo) e as teorias de Maslow, Herzberg e McClelland (motivação
humana) ganharam aceitação. Como resultado, os especialistas em Administração
passaram a preocupar-se não com a tarefa, mas também com o homem. Essa escola
apresentou a organização informal como uma estrutura que nem sempre se mostra de
forma clara e consciente para seus componentes, mas que está baseada na relação entre
as pessoas, originando-se das necessidades pessoais dos membros do grupo.
A Teoria das Relações Humanas tinha como foco de estudo a interação social,
introduzindo o termo “relações humanas para as ações e atitudes desenvolvidas a partir
dos contatos entre as pessoas e grupos” (Chiavenatto, 2000). Esse termo, de acordo com
73
Minicucci (1992), tem sido empregado para referir-se a relações interpessoais. Segundo
o mesmo autor, a palavra “interpessoal” significa “entre as pessoas”. o conceito de
grupo no contexto organizacional, para Lawrence (2006), refere-se a um conjunto de
pessoas que é percebido pelo indivíduo como pertencente ao seu ambiente, e isso define
o mundo social do trabalho em que ele está inserido.
Todos os laços humanos criados pela organização (hierarquia, chefias,
supervisão, outros trabalhadores), representam as relações de trabalho, que, muitas
vezes, se tornam desagradáveis e insuportáveis (Dejours, 1992). Percebem-se duas
posições distintas nas relações de trabalho: uma na linha vertical, ou seja, a relação dos
funcionários com suas chefias, gerências ou líderes. A outra, na linha horizontal, que é o
relacionamento entre colegas sem a interferência das variáveis advindas do poder
formal que uma pessoa (chefe) tem e pode exercer sobre a outra (subordinado). Ambas
as configurações de relacionamento podem trazer situações de gratificação ou de
frustração para os funcionários de uma organização, podendo contribuir para um clima
de bem-estar, satisfação e prazer, como também podem gerar conflitos,
desentendimentos, estresse, causando sofrimento psíquico. Através dos estudos de
diversos autores, discorre-se a seguir sobre as situações que causam sofrimento no
trabalho e que têm como fonte, as relações entre os funcionários e chefias, como
também a relação entre os pares.
3.4 As relações hierárquicas
As relações hierárquicas, segundo Dejours (1992), são fontes de ansiedade, que
se superpõem àquelas que são originadas pelo ritmo do trabalho, às cotas de produção,
de rendimento, aos prêmios e bonificações. Os chefes de equipe utilizam de repreensões
e favoritismos de maneira que a ansiedade, relativa à produtividade, acrescenta-se ainda
a ansiedade resultante da “cara feia” do chefe. Os supervisores dividem as tarefas de
74
forma desigual, gerando frustração, revolta e agressividade reativa que o reprimidas
pelo sujeito, causando efeitos na relação saúde-trabalho. Dejours (1992) colocou na
forma de gestão a possibilidade de tomar conhecimento dos segredos dos trabalhadores
e utilizá-los como alavancas de manipulação psicológica, gerando vergonha e culpa.
Para o autor, essa atmosfera “envenena” as relações entre empregados, criando
suspeitas, rivalidades e perversidades entre colegas de trabalho. A origem desses
conflitos estaria ligada à chefia, mas o que acontece na prática é que o conflito de poder
fica deslocado, ou seja, o que iniciaria a partir de um conflito vertical, passa a acontecer
num plano horizontal. Seriam os chefes que levariam os empregados a falarem de seus
colegas, extorquindo informações dos mal-intencionados. Cria-se um sistema de
relações de suspeitas e de espionagem. Como consequência, surge a falta de interesse
pelo trabalho, somada a uma ansiedade resultante das relações humanas.
3.5 As relações negativas no contexto das redes sociais no trabalho
Labianca e Brass (2006) exploraram o papel das relações negativas no contexto
das redes sociais nos trabalhos organizacionais. Examinaram as disponibilidades sociais
que podiam resultar das relações negativas e propuseram que essas têm maior poder do
que as relações positivas para explicar as interações no ambiente de trabalho. As
relações consideradas negativas se desenvolvem quando uma pessoa mantém alguma
relação de trabalho com a outra e, por qualquer razão, desgosta desta. O não gostar pode
ser suave ou severo. Baseado em associações pessoais, representa um setting que é
resultante de julgamentos, sentimentos e intenções comportamentais negativas de uma
pessoa para com a outra. Pelo menos uma das pessoas tem que adotar um
comportamento de discordar e se opor à outra, com o objetivo de romper a relação. Tal
situação pode ocorrer tanto horizontal como verticalmente, dentro de qualquer grupo,
75
sendo indiferente ao status ou poder. É um processo rápido: o sujeito tende a tomar o
outro como rival ou inimigo. Isso traz, como consequências para os indivíduos e às
organizações, alta insatisfação, tristeza, desconforto, desgosto, estresse, sentimentos de
frustração, desconfiança, rejeição e perseguição, mudanças na performance,
absenteísmo, turnover e falhas na comunicação. Esse estudo, ao abordar as relações
negativas, considerou o lado do desconforto social presente nas organizações. O
trabalho oferece um ambiente onde o grau de interação de um indivíduo, dentro de uma
relação negativa, pode ser bem maior do que em qualquer outro lugar, pois exige que o
trabalhador se relacione mesmo com quem não goste, gerando consequências negativas.
Os autores Dejours e Jayet (1994), referiram muitas formas de sofrimento no
trabalho; entre elas, estão aquelas diretamente relacionadas aos relacionamentos entre
colegas de trabalho: atitudes agressivas, comportamentos violentos; medo de boatos e
desconfiança em relação aos outros; tensões entre equipes que desencadeiam conflitos
abertos, considerados muito dolorosos para serem vividos de forma psicológica e
afetiva; crises no interior de equipes e equipes rivais; destruição da confiança recíproca
e da solidariedade e desenvolvimento do individualismo. Frente ao sofrimento,
instalam-se defesas que vão desde o silêncio perante à hierarquia superior e os próprios
colegas, ocasionando a ideologia de “cada um para si”; desconfiança por interpretar
tudo como hostilidade dos outros contra si próprio; recusa em cumprimentar os colegas;
denunciar o outro ou equipe como incompetentes e até como inimigos jurados (Dejours
& Jayet, 1994).
Um estudo qualitativo, realizado por Booth e Mann (2005), sobre a raiva no
ambiente de trabalho apontou episódios frequentes desta, sendo que muitos
participantes diziam sentir raiva diariamente, tendo dificuldade para suprimir essa
emoção. muitas razões para se sentir raiva no trabalho, tais como: um tratamento
76
injusto, desrespeito, comunicação, falta de suporte, ausência de reconhecimento, ser
ignorado, ou não ser ouvido. A raiva é vista como um problema que causa
consequências para a saúde do trabalhador e da organização.
Morin, Tonelli e Pliopas (2007) realizaram uma pesquisa com objetivo de
apresentar dados qualitativos sobre os sentidos do trabalho para jovens executivos
brasileiros. Os entrevistados referiram o trabalho como uma importante fonte de
relacionamento entre pessoas. Os relacionamentos interpessoais foram citados como um
fator que sentido ao trabalho. As autoras consideraram que poderá haver perda de
significado do trabalho em situações nas quais essas relações possam ser motivo de
frustração. Logo, as relações interpessoais podem ser fonte de apoio como também de
conflitos (Silva & Costa, 2008).
Dependendo de como são dirigidos os relacionamentos, os conflitos podem gerar
uma força de forma a facilitar a mudança, mas também podem causar frustrações que
são dirigidas ao exterior, afetando colegas e dirigentes (Andersen, 2006). Algumas
circunstâncias que levariam a dificuldades nas relações interpessoais dizem respeito à
intolerância com colega, à exigência no sentido de que o colega tenha os mesmos
comprometimentos, conhecimentos e responsabilizações, e o não acolhimento dos
colegas que se mostram pouco produtivos (Silva, & Costa, 2008).
3.6 Apoio, amizade, reconhecimento, confiança e cooperação nas relações de trabalho
Mas não sofrimento no trabalho. Esse meio também pode proporionar,
para as pessoas, momentos de satisfação, gratificação e prazer. Para que um ambiente de
bem-estar no trabalho seja mantido, algumas considerações devem ser feitas; entre elas,
77
estão o apoio ou ajuda ao colega, a amizade, o reconhecimento, a confiança e a
cooperação.
Quanto ao apoio que um colega pode oferecer a outro, o estudo de Fonseca e
Moura (2008) revelou que este exerce uma influência significativa sobre a saúde do
trabalhador, minimiza os níveis de estresse e promove o bem-estar. Questões de ajuda
aos funcionários que sofrem de ansiedade e dor emocional nas organizações foram
apresentadas por Toegel et al. (2007). O tema revelou o quanto o ambiente de trabalho
pode causar sofrimento, e a necessidade de existirem, nesse meio, pessoas com
comportamentos de alto automonitoramento (quando o indivíduo se preocupa e controla
a forma como se apresenta socialmente, procurando agir dentro do esperado em
situações específicas) e alta afetividade positiva que está relacionada à ajuda emocional
que é oferecida aos colegas. Embora os autores refiram os gerentes e coloquem neles o
papel de quem pode melhorar as emoções negativas dos outros, no ambiente de
trabalho, infere-se que essa capacidade pode pertencer a qualquer pessoa desse
contexto. Sendo assim, tanto quanto a chefia, os próprios colegas podem oferecer apoio
e ajudar quem necessita. Para Toegel et al.(2007), pessoas com baixo
automonitoramento e baixa afetividade positiva não são muito espontâneas em ajudar os
outros. Flynn, Reagans, Amanatullanh e Ames (2006), apresentaram as mesmas
conclusões quanto ao automonitoramento, influenciando na melhoria do ambiente de
trabalho e diminuindo as emoções negativas. As pesquisas ajudaram a entender que os
cargos de chefia são importantes para promover um ambiente em que as relações
interpessoais saudáveis diminuam o sofrimento (Skogstad, Einarsen, Torsheim,
Aasland, & Hetland, 2007; Ames & Flynn, 2007; Silva &Costa, 2008), mas esse
ambiente não depende só das relações verticais: ajuda e amizade podem ter sua origem
nas relações horizontais (Toegel et al., 2007).
78
As relações interpessoais, segundo Mao (2006), dizem respeito aos efeitos do
nível organizacional e da amizade. Uma pesquisa abrangendo 288 empregados revelou
que indivíduos com níveis organizacionais altos têm menos amizade no trabalho. Essa
descoberta não suporte ao argumento de que os líderes ou gerentes seriam os únicos
responsáveis por promoverem as redes de amizade (Mao, 2006). Pelo contrário, sugeriu
que os nculos de amizades podem ser incentivados também pelos próprios colegas.
Quando há amizade, existe a possibilidade de receber elogios e de ser reconhecido pelos
colegas por um trabalho bem feito, proporcionando um sentimento de bem-estar.
Na psicodinâmica do trabalho, o julgamento é a maneira concreta com que o
sujeito interage com o mundo real do trabalho. Há dois tipos de julgamento, sendo um
deles o de utilidade técnica, social ou econômica. Quem profere esse exame são aqueles
que ocupam uma posição de hierarquia: o chefe, o líder, o superior e o próprio sujeito,
que pode dar-se conta da utilidade do seu próprio trabalho. Outro julgamento é o de
beleza (ou estética), que diz respeito à conformidade do trabalho, da produção, das artes
do ofício. Sempre um julgamento do trabalho realizado: são elogios sobre o quanto
foi bem feita determinada construção. Este proporciona ao ego o sentimento de
pertença, quando recebe de volta aquilo que faz dele um ser como o outro. Esta
avaliação é feita por aqueles que conhecem bem aquele fazer (que são os pares, os
colegas, o outro na linha horizontal de paridade) talvez melhor do que quem o fez.
Mesmo que este possa ser visto como um julgamento mais comum, é o que tem mais
valor por dar, ao ego, o reconhecimento de sua identidade, sua originalidade (Dejours,
2003). Ou seja: quando o trabalhador tem o reconhecimento da qualidade do trabalho
realizado, ganha uma representação ao nível de identidade para o sujeito (retribuição
simbólica). Frente ao realizar uma tarefa, existem expectativas do quanto se é capaz. A
certeza dessa capacidade é conferida, reafirmada pelo outro, que o reconhece
79
socialmente, promovendo no indivíduo um sentimento de gratificação (Dejours, 2004).
Através do reconhecimento, é possível transformar o sofrimento em prazer (Lancman,
Sznelwar, Uchida & Tuacek, 2007).
Entende-se que o reconhecimento implica o julgamento dos pares, que se
realiza quando existe um coletivo. Ao se considerar o coletivo, Dejours (2003),
destacou a confiança como condição essencial para a construção do mesmo. A
confiança é que torna possível a visibilidade que aparece como elo teórico incontornável
de toda concepção científica do fator humano. A análise da visibilidade compreende
dois níveis: visibilidade ao olhar do outro, nas relações de paridade entre colegas de
trabalho, e visibilidade ao olhar da hierarquia. Avaliar ou caracterizar o fator humano
nas organizações é, necessariamente, explicitar as relações de confiança no coletivo de
trabalho.
A cooperação é a vontade das pessoas de trabalharem juntas e de superarem
coletivamente as incoerências que surgem da própria dinâmica da organização do
trabalho. Para que a cooperação ocorra, é preciso que existam relações de confiança
entre os colegas e na relação dos funcionários com suas chefias. A confiança é um
elemento sutil que nem sempre está presente e que existe fragilmente, ou seja, pode
ser quebrada a qualquer momento. Envolve a construção de acordos, normas e regras
que enquadrem a maneira como se executa o trabalho. Talvez, acreditar na confiança
como um bem maior, para o bem-estar no trabalho, pode ser uma utopia, sabendo que,
muitas vezes, ao ser mencionada, pode ser motivo de deboche e ironias. É possível
confiar nas pessoas com quem se trabalha? Pode ser que não, mas, sem confiança, é
preciso enfrentar a desconfiança e a suspeita. Se for difícil manter relações de confiança
no trabalho, também é complicado trabalhar com desconfiança. Confiança e
80
desconfiança são alternativas que descrevem a forma de viver, que fazem parte da
organização do trabalho real (Dejours, 2004).
3.7 Saúde mental e trabalho
O tema saúde no trabalho é amplo. Danna & Griffin (1999) o relacionam ao
bem-estar físico, emocional e psicológico. Para a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o conceito é definido como um “estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade”.
Pesquisadores das mais diversas áreas (psicologia, psiquiatria, antropologia,
sociologia, administração, entre outras) estudam a relação entre trabalho e saúde mental.
Vasconcelos e Faria (2008) citam autores como Guillant (1954) e Sivadon (1952,
1957) que na década de 50, abordavam as afecções mentais que poderiam ser
ocasionadas pelo trabalho. Já em 1980, Christophe Dejours estudou as dinâmicas da
relação do sujeito com a organização do trabalho que poderiam gerar fragilizações
mentais (Vasconcelos & Faria, 2008).
De acordo com o Ministério da Saúde (2001), os transtornos mentais e do
comportamento, relacionados ao trabalho, são resultados de contextos de trabalho em
interação com o corpo e o aparato psíquico dos trabalhadores. Os sintomas são
indicação para diagnosticar uma doença mental. Mas, quando estes estão ausentes, não é
possível afirmar, nem constatar saúde mental. Para averiguar que doença, é
necessário uma leitura mais sutil do que está acontecendo com o sujeito; buscar no
manifesto indícios do que pode estar latente. Seja um mal-estar ou sofrimento, é preciso
ir além da aparência do fenômeno (Vasconcelos & Faria, 2008; Borges & Argolo,
81
2003). Como exemplos citam-se: os acessos de raiva habituais, as atitudes hostis em
relação a um colega de trabalho, o choro frequente e falta de vontade de ir ao trabalho.
A saúde mental é definida por Ferrara, Acebal e Paganini (1976) como a
capacidade de lutar, que o ser humano tem, diante dos seus conflitos, enfrentando-os e
buscando novas formas de dialogar com os mesmos. Já em 2000, Yoshida e Giglio
referem a saúde mental como um estado interno de bem-estar, sentido na interação do
indivíduo com o meio social. Uma busca pela satisfação das necessidades e pelo
desenvolvimento pessoal, associado a contribuições que o sujeito oferece ao bem-estar
de outros.
Baierle, e Merlo (2008) citam Dejours (1986) para apresentarem a saúde mental
como o resultado de uma forma de viver em que há espaço e permissão para a esperança
de que os desejos pessoais possam ser alcançados. Essa concepção Dejouriana tem o
desejo como fonte de vida e, quando este não é mais possível ou ausente, representa um
perigo para a saúde mental.
Barfknech, Merlo e Nardi (2006) buscaram entender a dinâmica da organização
do trabalho quanto aos aspectos que favorecem ou desfavorecem a saúde mental. A
pesquisa foi realizada com nove trabalhadores de uma cooperativa. Através de
entrevistas semi-estruturadas e da metodologia da psicodinâmica do trabalho, os dados
coletados e analisados apontaram as seguintes categorias: divisão do trabalho e divisão
dos trabalhadores; relação entre os trabalhadores e o cotidiano do trabalho; tempo e
ritmo de trabalho; sentidos e afetos relacionados ao fato de serem cooperativados. Os
resultados, obtidos na categoria relações entre os trabalhadores e o cotidiano do
trabalho, revelaram que as trocas sociais e afetivas são mencionadas como parte das
relações cotidianas. A convivência com os colegas leva ao aprendizado. As pessoas
passam a dar sua opinião e resolvem seus problemas de forma coletiva. Denominaram
82
de solidariedade, na aprendizagem e na gestão coletiva, o aprender a ouvir o outro e
adquirir novos modos de trabalhar, organizando o próprio jeito de exercer a atividade.
Esses novos modos de viver o trabalho favorecem a saúde mental: transformam o
sofrimento em prazer.
Vasconcelos e Faria (2008) buscaram identificar e analisar, as contradições
existentes acerca das estratégias organizacionais adotadas sobre saúde mental no
trabalho, tendo como referência a percepção dos trabalhadores. A pesquisa foi realizada
em uma das maiores instituições educacionais privadas nacionais. Os métodos
utilizados para a obtenção dos dados foram observação não participante e entrevistas
semi-estruturadas com 30 funcionários das áreas cnico-administrativas, gestão
administrativa e gestão acadêmica. Os participantes relacionaram o trabalho a um fator
que pode influenciar, prejudicar ou aumentar o sofrimento e possíveis adoecimentos
mentais ou psicossomáticos. As fontes apresentadas, como geradoras/potencializadoras
de sofrimento e de adoecimentos, foram: estresse; fofocas; condições físicas de trabalho
inadequadas; relacionamento difícil com a chefia, com subordinados, colegas, clientes;
insatisfação com o trabalho; falta de reconhecimento; pressão; responsabilidades;
sensação de ser vigiado; e orientações contraditórias para a execução da tarefa. Os
pesquisadores mencionarem que as dificuldades de relacionamento, entre níveis
hierárquicos e com os clientes , foi o fator mais citado pelos participantes.
3.8 Sofrimento psíquico
Dejours e Abdoucheli (1994b) explorou as relações entre trabalho e a vida
psíquica tendo como objeto de estudo o sofrimento no trabalho, que o autor definiu
como um estado de luta do sujeito contra forças que o direcionam para a doença mental.
83
É possível identificar dois tipos de sofrimento: o sofrimento patogênico e o sofrimento
criador. O primeiro surge quando as possibilidades de adaptação, entre as demandas da
organização do trabalho e os desejos do trabalhador, não são passíveis de conciliação.
Quando a pessoa usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de
aprendizagem e de adaptação e atingiu um nível de insatisfação que não pode mais
reduzir, surge o início do sofrimento. O sofrimento criador é quando as condições
psicoafetivas permitem a transformação do sofrimento em criatividade, aumenta a
resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática. Esta é uma
realidade que não é estática, é dinâmica; os sujeitos criam estratégias defensivas para se
protegerem. Mas, quando o sofrimento no trabalho não produz uma mobilização criativa
e provoca uma acomodação e ou alienação, como forma de defesa para paralisar o
sofrimento, acaba também por neutralizar os sentimentos de indignação, confiança e
solidariedade (Baierle & Merlo, 2008).
Dois elementos da organização de trabalho que contribuem para o sofrimento
psíquico foram apresentados por Mendes e Morrone (2002). Um corresponde à
atividade denominada como tarefa prescrita e real; o outro fator diz respeito às relações
sócio-profissionais que são de natureza ética e profissional. O segundo elemento citado
envolve os diferentes níveis hierárquicos de uma organização, compondo uma dinâmica
própria entre chefias versus subordinados, e entre colegas, sendo, esta, um dos
elementos centrais que define as vivências de prazer ou de sofrimento. Além da falta de
separação entre planejamento e execução das tarefas, as causas de sofrimento dizem
respeito à falta de cooperação e de confiança, ao não compartilhamento de regras e à
desestruturação das relações psicoafetivas com o coletivo de trabalho.
O sofrimento nem sempre é identificado pelo sujeito como sendo de ordem
psíquica. E mais difícil, ainda, é associar essa dor a situações de trabalho. Os problemas
84
reconhecidos como pessoais são percebidos como se pudessem ser expressos fora da
situação de trabalho. Os trabalhadores, além de não identificarem, no trabalho, as causas
do sofrimento, geralmente não buscam ajuda necessária (Borsoi, 2007).
Martins e Pinheiro (2006) fizeram referência à teoria freudiana para abordarem o
sofrimento psíquico no trabalho. Apresentaram as três fontes que podem determinar o
sofrimento como uma ameaça constante para o homem. A primeira fonte diz respeito ao
próprio corpo por estar condenado à decadência e à dissolução, e nem mesmo pode
dispensar o sofrimento e ansiedade como sinais de advertência. O mundo externo,
segundo item relacionado ao sofrimento, pode lançar sobre o sujeito forças destrutivas,
esmagadoras e impiedosas. A terceira e última fonte: os relacionamentos que se
estabelecem com os outros e que, talvez, seja a mais árdua do que qualquer outra.
O trabalho pode desencadear, influenciar ou piorar uma doença mental ou
psicossomática. O sofrimento se apresentaria através dos quadros de insônia, ansiedade
crônica, fadiga, estresse, depressão, sensação de estar esgotado, dores nas articulações e
dores de cabeça. Entre os fatores (condições físicas de trabalho inadequadas, os clientes,
a insatisfação com o trabalho, a falta de reconhecimento, a pressão no trabalho, o
excesso de responsabilidades, a sensação de ser vigiado) estão o relacionamento difícil
com a chefia e com subordinados, as fofocas e as orientações contraditórias para a
execução da tarefa (Vasconcelos & Faria, 2008).
Depoimentos obtidos, na pesquisa de Martins e Pinheiro, (2006) revelaram que
as origens e os sintomas do sofrimento psíquico surgem a partir das relações com os
superiores e com os colegas de trabalho. O sofrimento nasce das elaborações edificadas
nas relações de trabalho, a partir da organização (cultura) e de seus próprios colegas
trabalhadores (relações). Nem sempre a organização apresenta as condições adequadas
para que os trabalhadores executem suas funções e obtenham êxito na tarefa realizada.
85
Frente às possíveis falhas que podem ocorrer, existe uma cobrança que se muitas
vezes de forma hostil, criando uma concepção, por parte do trabalhador, de que ele é
responsável por esse fracasso ou ineficácia, gerando uma relação de sofrimento consigo
mesmo e com a organização. Esses autores afirmaram que o conhecimento desses fatos
possibilitaria intervenções profiláticas que abrangessem atividades que vão desde o
sistema de recrutamento e seleção de pessoal, como a promoção de um ambiente
produtor de satisfação e saúde, gerando uma cultura organizacional compatível com a
de seu trabalhador, uma vez que existe uma melhor adaptação quando os dois lados
criam uma equivalência de seus valores.
3.9 Considerações Finais
Sempre que se busca estudar a sociedade humana, é necessário considerar o ser
humano na matriz de seus relacionamentos interpessoais (Yalom & Leszcz, 2006). As
pessoas sempre viveram agrupadas, relacionando-se de forma intensa e sentindo a
necessidade de fazer parte do grupo em que convivem. Os mesmos autores mencionam
a importância de estudos que investiguem os processos que ocorrem entre as pessoas
nas pesquisas sobre saúde mental.
Na revisão teórica dos textos e artigos nacionais e internacionais, verificou-se
alguns estudos sobre as emoções que se apresentam de forma intensa no trabalho e que,
muitas vezes, são desencadeadas pela forma como ocorrem os relacionamentos. Estudar
as emoções tem como objetivo compreender as frustrações e situações geradoras de
estresse, que são inevitáveis nesse contexto.
Entre tantos fatores (físicos, químicos, ambientais, administrativos, processuais)
que levam ao adoecimento no trabalho, identifica-se nas relações interpessoais uma
fonte importante e ambígua que pode gerar sofrimento, mas também pode promover o
86
bem-estar e a saúde mental. É importante destacar que as relações da linha vertical
(chefia-funcionário) se caracterizam pela apropriação do poder formal, sendo que
muitas pesquisas estudam o papel do líder na promoção e na sustentação das amizades e
do bem-estar no ambiente de trabalho, colocando na chefia essa responsabilidade.
Considerando-se a literatura apresentada até aqui, torna-se visível que muitos
fatores que causam prejuízos para a saúde do trabalhador têm como fonte direta os
relacionamentos entre os pares. É dos pares que se obtém o reconhecimento, elemento
que segundo Dejours (2004) é indispensável para a transformação do sofrimento em
prazer. Daqui surge a necessidade de compreender a construção do coletivo, como
ponto sensível da dinâmica intersubjetiva da identidade no trabalho e como força na
construção de estratégias defensivas, para evitar a doença mental. Cabe ressaltar que a
psicodinâmica do trabalho, como referencial teórico, impulsiona a repensar as causas do
sofrimento, permitindo identificar (entre tantos outros fatores, presentes nas
organizações) nos “laços humanos” (chefias, supervisão, outros trabalhadores) muitos
dos agentes que interferem, positivamente ou negativamente, no processo saúde
mental/doença mental.
As relações negativas, os conflitos entre os pares com a hierarquia, o uso
indevido do poder de uma chefia para com os funcionários, rivalidades, competições e
individualismo, são algumas das muitas situações resultantes das relações sociais que
causam estresse, tristeza e sofrimento. Mas, constatou-se que os relacionamentos não
contribuem somente para o sofrimento do trabalhador. Estudos revelam que a existência
de comportamentos de ajuda, apoio, amizade, confiança, reconhecimento e cooperação
são imprescindíveis para que prevaleça nos indivíduos a capacidade de criação e de luta
contra o sofrimento. Essa, talvez, seja uma forma de manter e promover o bem-estar no
87
trabalho, auxiliando na transformação de circunstâncias que levariam ao sofrimento em
situações que possam gerar satisfação e prazer.
Observou-se na literatura utilizada que as relações interpessoais sempre são
citadas quando o tema envolve a saúde mental no trabalho, mas uma carência de
produções que verifiquem como os trabalhadores estabelecem seus relacionamentos e o
quanto essa forma de conviver poderá contribuir para promoção e manutenção da saúde
mental. Por essas razões, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas e estudos
sobre as relações interpessoais no trabalho com foco na saúde mental, tendo como
objetivo oferecer recursos que possibilitem manejos e intervenções apropriadas para que
profissionais de gestão em RH possam interceder a favor da manutenção dos
relacionamentos e da saúde mental.
88
4. Artigo Empírico - Relações entre pares no trabalho: fonte de sofrimento ou de prazer?
Este artigo seenviado à Revista Cadernos de Psicologia Social do Trabalho visando
sua publicação.
Resumo
Este estudo buscou compreender como os relacionamentos interpessoais entre colegas
de trabalho interferem e repercutem na saúde mental de trabalhadores. Utilizou-se de
uma abordagem qualitativa, tendo como técnica o grupo focal, visando a valorizar
percepções, sentimentos e interpretações dos participantes. Para o levantamento e
análise dos dados, foram transcritas as sessões e utilizou-se da análise de conteúdo
proposta por Bardin. Através da análise, evidenciaram-se três grandes temáticas:
sofrimento, prazer e enfrentamento do sofrimento. Conclui-se que as relações entre
colegas no trabalho têm uma participação significativa na produção do sofrimento, que
se manifesta através da competição e das relações negativas, repercutindo na saúde
mental. O uso de estratégias defensivas e mobilizações subjetivas são formas de
enfrentar esse sofrimento. Mas, os relacionamentos também podem ser fonte de prazer e
têm sua procedência na ajuda interpessoal e nas relações positivas que promovem a
amizade e a confiança. Acredita-se que este estudo possa auxiliar na reflexão e
construção de novas intervenções que visem contribuir para a manutenção de
relacionamentos saudáveis entre trabalhadores, colaborando para a promoção da saúde
mental nos ambientes de trabalho.
Palavras chave: Relações interpessoais, saúde mental, sofrimento, trabalho
89
Relations among co-partners at work: source of suffering or of pleasure?
Abstract
This study aimed to understand how interpersonal relationships among workmates
interfere and reverberate on the employees’ mental health. A qualitative approach and a
group focal technique were used, aiming at appraising the participants’ perceptions,
feelings and interpretations. As for the data uprising and analysis, the sessions were
transcribed and the analysis of content, proposed by Bardin, was used. Through the
analysis, three great themes were evidenced: suffering, pleasure and suffering confront.
The relations among workmates have a significant participation on the production of
suffering, which is manifested through competition and negative relations, reverberating
on mental health. The use of defensive strategies and subjective mobilization are forms
of facing suffering. But, relationships can also be a source of pleasure and they have
their precedence on interpersonal help and on positive relations that promote friendship
and confidence. It is believed that this study might help on the reflection and
construction of new interventions that aim to contribute for the maintenance of healthy
relationships among employees, collaborating for the promotion on mental health at
work environments.
Key words: Interpersonal relationships, mental health, suffering, work.
90
Introdução
O mundo do trabalho é um espaço de relações sociais. A realização de qualquer
serviço ou produto é possível a partir da ação humana que, geralmente ocorre com a
participação de duas ou mais pessoas. É no encontro com o outro que o indivíduo
produz matéria, novas tecnologias e serviços, mas também se constitui como sujeito,
cidadão, profissional. Nesse meio de produção material, também são produzidos modos
de viver, que podem resultar em reconhecimento, satisfação e prazer, como podem gerar
dor, frustração, sofrimento. A relação trabalho/saúde mental é um tema amplo,
pesquisado por diversas áreas (ergonomia, medicina do trabalho, administração,
psicologia), exatamente, por abranger variáveis que envolvem tanto aspectos técnicos
(processos, produção, condições físicas e mecânicas) como comportamentais (relações
sociais).
Este estudo apresenta as relações entre colegas de trabalho, também denominada
relação entre pares, como fonte de duas consequências inevitáveis no contexto de
trabalho: prazer ou sofrimento. A organização do trabalho ganha novas formas a partir
do modo como os trabalhadores subjetivam suas vivências, do uso das defesas coletivas,
como da cooperação, seja para minimizar o sofrimento como para buscar o prazer.
Essas estratégias são construídas em consenso pelo grupo de trabalhadores e formam as
regras do coletivo de trabalho (Mendes, 2007b).
Os conflitos, o sofrimento e o prazer que emergem em situação de trabalho estão
relacionados à organização do trabalho e às dificuldades que surgem entre os indivíduos
e/ou membros de um grupo. Para a compreensão da dinâmica das relações entre os
pares e as questões de saúde mental no trabalho, inicialmente se faz necessário a
91
apresentação de alguns conceitos que serão trabalhados na perspectiva da psicodinâmica
do trabalho e de outros estudos que abordam as relações interpessoais, a saúde mental e
o sofrimento psíquico.
O trabalho e as relações sociais
O contexto do trabalho contemporâneo apresenta mudanças significativas como
a globalização dos mercados, o aumento da competitividade, a reestruturação produtiva,
as novas tecnologias, a flexibilização das relações de trabalho, dentre outras (Tolfo &
Piccinini, 2007). Com o surgimento do capitalismo o trabalho passa a ser concebido
como ponto central na vida das pessoas, “o único meio digno de ganhar a vida” (Borges
& Yamoto, 2004, p. 58). As inovações tecnológicas e as transformações que ocorrem
resultam num novo perfil para as organizações, nas suas formas de gestão e nas
competências esperadas dos trabalhadores. A reestruturação produtiva tem causado
efeitos nocivos sobre a saúde dos trabalhadores. Quando o trabalho está inserido numa
realidade baseada nos princípios da flexibilidade e do consumo, o trabalhador atua sem
poder participar dos processos decisórios, os problemas são banalizados e produzem
conseqüências sobre as atitudes, valores e estado de saúde (Ferreira, 2008).
A psicodinâmica do trabalho tem como campo de estudo o homem, a
organização do trabalho, as situações de trabalho nos detalhes de sua dinâmica interna,
buscando a compreensão das questões relacionadas ao sofrimento, e ao prazer neste
contexto. É uma disciplina produtora de conhecimentos no que se refere ao trabalho
prescrito e o real (Dessors & Schram, 1992, citado por Dejours 2004). O trabalho
prescrito diz respeito às normas, regras e processos pré-definidos que determinam como
deveria ser a ação do sujeito nesse meio de produção (material ou de serviços). Se fosse
92
possível apenas existir atividade prescrita, seria desumanizada, maquinal. Por isso se
define o trabalho como essencialmente humano, precisando da ação, do movimento do
trabalhador, para o que só a ordem tecnológica-maquinal é insuficiente. O saber-fazer
compõe o trabalho real (Dejours, 2004).
O trabalho prescrito passa pela interpretação, que é feita por um indivíduo que
tem percepções próprias e que, de forma singular, faz sua leitura do que foi determinado
(tarefa) e transforma numa ação própria (trabalho real) que é, de fato, seu compromisso
com a organização. Mas essa ação se dará no coletivo e encontrará, no jeito de cada
trabalhador, várias interpretações, gerando conflitos. Para Dejours (2004, p. 19): “A
organização real do trabalho é um produto das relações sociais”.
O trabalho é essencial na vida das pessoas: permite a sobrevivência e ganha
sentido quando possibilita novas aprendizagens, autonomia, reconhecimento e
segurança ao trabalhador. Outro fator que dá sentido ao trabalho são os relacionamentos
interpessoais, sendo que as frustrações decorrentes destes contribuem para a perda do
significado do trabalho (Morin, Tonelli & Pliopas, 2007). Para Dejours (1992), essas
relações, além de gerarem frustração, causam revoltas e agressividade prejudicando a
relação saúde-trabalho.
Uma distinta demanda de análise para compreensão de fatores, relacionados à
saúde e bem-estar, surge da dinâmica das relações entre os profissionais. As relações
entre colegas, segundo Wandron (2000), provocam emoções intensas como a raiva, a
inveja, medo e até entusiasmo. Estas podem interferir mais no ambiente de trabalho do
que as tarefas profissionais que são realizadas no dia-a-dia. No ambiente de trabalho, se
estabelecem nculos significativos pelos quais uma pessoa pode influenciar atitudes e
comportamentos de outras, possibilitando situações de convivência e probabilidades de
93
apoio social, influenciando, significativamente, sobre a saúde do trabalhador (Fonseca
& Moura, 2008).
Embora com temáticas diversas, as relações sociais no trabalho têm ocupado um
espaço na literatura internacional. Os estudos tratam sobre a ajuda emocional; ajuda
interpessoal; manifestação de ajuda; apoio por parte do indivíduo, para com os colegas
que necessitam (Choi, 2006; Venkataramani & Dalal, 2007; Toegel, Anand & Kilduff
2007; Flynn, Reagans, Amanatullanh & Ames 2006), assim como há interesse na
investigação do desenvolvimento de laços sociais e redes de amizade (Sonnemans, Dijk
& Winden, 2006; Mao, 2006). As relações negativas (Labianca & Brass, 2006) e os
conflitos interpessoais (Andersen, 2006; Jehn & Benderski, 2003) na organização
também são objetos de estudo, assim como as emoções intensas decorrentes das
interações com os colegas e/ou supervisores (Miller, Considine & Garner, 2007; Booth
& Mann, 2005; Wandron, 2000). Outras pesquisas examinaram o papel da chefia para
promoção de um ambiente em que as relações interpessoais saudáveis diminuam o
sofrimento (Skogstad, Einarsen, Torsheim, Aasland, & Hetland, 2007; Ames & Flynn,
2007). Na literatura nacional, Fonseca e Moura (2008) pesquisaram sobre o apoio social
(definido como a existência ou disponibilidade das pessoas em confiar, demonstrar
preocupação com o outro, valorizar, comunicar-se, ajudar, assistir) exercendo uma
influência significativa sobre a saúde do trabalhador. As autoras averiguaram que, no
Brasil, ainda poucas publicações, e a maior parte dos artigos encontrados são
internacionais, sendo relevante a necessidade de pesquisa nessa área, a fim de se
compreender a relação entre apoio social, saúde e trabalho.
Saúde mental e sofrimento psíquico
94
Bertoletti e Cabral (2007) apresentaram o conceito de saúde proposto pela teoria
dejouriana:
...a saúde não compreende apenas uma sensação de bem-estar, mas um estado
em constante movimento do qual procuramos nos aproximar, estando
relacionada fundamentalmente ao desejo. Quando perda do desejo,
encontramo-nos diante de uma situação perigosa para o corpo e para a mente,
correndo o risco de adoecimento físico e mental, o último manifestado por meio
de estados de tristeza, apatia ou depressão (p.103).
Segundo Sampaio e Messias (2002), uma variação de significados para
definir saúde mental de acordo com o campo de profissões que esse termo é empregado.
Mas independentemente da área, esse conceito certamente abrange um estado do ser
humano que inclui as ordens do sofrimento, da satisfação, do prazer, da paixão e da
felicidade.
Quando situações impostas, e que geram pressão, são enfrentadas pelo
trabalhador e transformadas de modo a proporcionar satisfação ou prazer, obtém-se um
resultado de promoção e manutenção da saúde. Mas, quando falha nesses modos de
enfrentamento, o sofrimento torna-se insuportável, levando ao adoecimento (Mendes,
2007a).
Para Dejours (2004), o sofrimento pode ser transformado em prazer pela
dinâmica do reconhecimento, ou seja, quando o trabalhador realiza uma tarefa possui
expectativas do quanto ele é capaz. A certeza dessa capacidade se dá pelo colega que
reconhece socialmente seu feito, promovendo no indivíduo um sentimento de
gratificação. Se a dinâmica do reconhecimento não ocorrer, não é possível a
95
transformação do sofrimento em prazer: este não encontra sentido e, como
conseqüência, pode o indivíduo sofrer uma descompensação psíquica ou somática.
Desse modo, entende-se que as relações entre colegas ocupam uma parcela
importante para a compreensão da relação saúde mental-sofrimento psíquico. Neste
estudo buscou-se examinar as relações interpessoais vivenciadas no trabalho e as suas
repercussões na saúde mental dos trabalhadores. Ainda, buscou-se investigar os
significados atribuídos às relações interpessoais com colegas no trabalho, bem como
descrever as dificuldades, os sentimentos de prazer/sofrimento e o uso de mecanismos
para o enfrentamento do sofrimento na convivência grupal.
Método
Delineamento
Esta pesquisa é um estudo de caráter exploratório-descritivo. Utilizou-se de uma
perspectiva qualitativa para o desenvolvimento dos objetivos propostos. Seu
planejamento foi flexível, possibilitando o alcance a questões variadas da percepção dos
trabalhadores sobre as suas relações interpessoais.
Participantes
Participaram do estudo 18 estudantes universitários do e semestre do curso
de Administração de uma Faculdade privada, sendo 12 mulheres e 6 homens, com idade
entre 20 e 27 anos e idade média de 21,94. Os participantes estavam trabalhando em
indústrias da cidade de Erechim-RS. Neste município aproximadamente 600
indústrias sendo elas de pequeno, médio e grande porte, atuando nos mais diversos
segmentos (metalúrgico; artefatos de cimento, ferro, plástico; vestuário; alimentício;
embalagens; esquadrias metálicas, máquinas e equipamentos industriais; móveis, peças
96
e assessórios de veículos). Os trabalhadores desta pesquisa exerciam funções em cargos
variados: escriturária, auxiliar administrativo, atendimento, auxiliar do departamento de
compras, auxiliar de serviços gerais, auxiliar de almoxarife, programador e controlador
Procedimentos Éticos
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética de uma
universidade do Alto Uruguai, RS. Os participantes receberam explicações de todos os
procedimentos da pesquisa, contratou-se a devolução, em grupo, dos resultados após
conclusão da pesquisa. Entregou-se aos participantes o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
Instrumento e Procedimentos de coleta de dados
Para coleta dos dados, os sujeitos do estudo participaram de uma sessão grupal,
com o objetivo de discutir, informalmente, percepções e expressar sentimentos sobre as
relações interpessoais vivenciadas entre colegas no ambiente de trabalho. A utilização
de um roteiro pré-elaborado, não rígido, teve como objetivo possibilitar, ao grupo,
sentir-se à vontade para expressar suas opiniões sobre as suas experiências de
relacionamentos considerados positivos e negativos e como estas relações interferem na
saúde, obtendo, assim, dados abertos que incluíam a observação do pesquisador.
Os passos para a realização do grupo focal seguiram as indicações de Romero
(2000): formulação do foco (envolveu questões de percepções e expressões dos
sentimentos dos trabalhadores sobre as relações interpessoais entre colegas),
identificação do moderador e redator (a pesquisadora foi a moderadora dos grupos,
sendo redatora uma aluna do curso de Psicologia), recrutamento do grupo (solicitou-se
autorização para a coleta dos dados em uma Universidade da região do Alto Uruguai-
RS e visitou-se uma turma de alunos, convidando voluntários interessados em
97
participarem do grupo focal). Foram realizados três grupos, cada um composto por 6
participantes. As sessões foram gravadas e tiveram uma duração de, no mínimo, 1 hora
e 6 minutos; no máximo, 1 hora e 15 minutos.
Procedimentos de análise dos dados
Para o levantamento e análise, foram transcritas na íntegra as sessões,
identificando-se e recortando-se no texto questões relevantes para a pesquisa. Utilizou-
se a análise de conteúdo proposta por Bardin (1979), usando-se do conjunto de técnicas
de análise das comunicações, para obter os indicadores que permitiram a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens.
Resultados e Discussão
A partir do discurso dos participantes da pesquisa, identificaram-se três
temáticas, denominadas: Sofrimento, Prazer e Enfrentamento do Sofrimento. Cada um
desses temas apresentou categorias que são descritas através de subcategorias
(apresentadas na Tabela II), contemplando os objetivos do estudo. Após, segue a
descrição, a discussão e análise de cada temática.
Tabela II: Descrição dos temas, categorias e subcategorias
98
Tema
Categoria
Subcategoria
1. Medo de perder o lugar/ ameaça
2. Interferência da chefia
3. Não assumir erros / jogar a culpa
nos outros
4. Intrigas
Competição
5. Dependência e falta de conhecimento
do trabalho do outro
1. Falar mal do outro
2. Expor o colega
3. Não gostar do colega/ antipatia gratuita
4. Trabalho sem sentido
5. Cobranças injustas
6. Problemas pessoais
Relações negativas
7. Dificuldade de adaptação no período
Inicial
1. Manifestações do sofrimento
2. Raiva
SOFRIMENTO
Repercussões na saúde
mental
3. Desistência do trabalho
1. Ajudar/ Ensinar
Ajuda Interpessoal
2. Equipe/união
1. Amizade/ Vínculos
PRAZER
Relações positivas
2. Confiança
Estratégias defensivas
individuais
1. Sabotagem
1. Encontros extratrabalho
Estratégias defensivas
coletivas
2. Brincadeiras, piadas e conversas
1. Conquistar o outro
2. Delegar
Relações entre pares no trabalho: fonte de sofrimento ou de prazer?
ENFRENTAMENTO
DO SOFRIMENTO
Mobilização Subjetiva
3. Conversar/ dialogar/expor o que pensa
99
Sofrimento
Nesta temática, encontram-se os conteúdos revelados pelos participantes,
expressando vivências de sofrimento resultante das relações interpessoais com seus
colegas. Para Dejours & Abdoucheli (1994b), o sofrimento pode ser decorrente da
relação do trabalhador com a organização de trabalho, que age a nível do funcionamento
psíquico, das relações entre as pessoas e dos investimentos afetivos: amor, ódio,
amizade, solidariedade, confiança.
O conteúdo analisado elenca três categorias: competição, relações negativas
entre colegas, e as manifestações do sofrimento que são desencadeadas pela
configuração específica das relações dos trabalhadores. A competição ocorre quando o
sujeito põe seus interesses à frente, disputa, desdenha ou desafia outras pessoas, e
procura fazer o que estiver ao seu alcance para colocar essas pessoas em condições
inferiores (Couto, Muniz, Vandenberghe, & Hattum, 2008). Neste estudo, a competição
tem sua origem no medo de perder o lugar, na interferência da chefia, no não assumir
erros e jogar a culpa nos outros, nas intrigas, na dependência e no não conhecer o
trabalho do outro. O medo de perder o lugar para outra pessoa é um sentimento intenso
e frequente:
“(...) A gente tem muito medo da outra pessoa [colega] ser melhor e te roubar o
espaço (...)” (P4).
A ameaça de que um colega possa tomar o lugar do outro traz como
consequência um ambiente de desconfiança e de individualismo, no qual um
funcionário evita ajudar o outro. O relacionamento na equipe fica prejudicado, pois as
pessoas trabalham lado a lado, mas não diálogo e nem aproximação; sofrem com
uma convivência que se torna ameaçadora, pois convivem com o medo da perda. Merlo
100
e Lapis (2007) afirmam que o empregado tem medo de não ser capaz de manter uma
performance adequada no trabalho, o que causa um desgaste do funcionamento mental e
do equilíbrio psicoafetivo, originando conflitos e prejudicando as relações. Essa
situação pode levar ao aumento da ansiedade e gerar desgastes físicos e psicológicos.
Outro fator relacionado à dinâmica da competição é a posição que a chefia
assume perante seus funcionários, ao proporcionar privilégios, proteção, amizade
somente para um ou alguns membros da equipe. Para Dejours (1992), as relações
hierárquicas são fontes de ansiedade. As repreensões, favoritismos, pressão por
produtividade, divisão desigual das tarefas, geram frustração, revolta e agressividade
reativa que, ao serem reprimidas, causam efeitos na relação saúde-trabalho.
Deixar de assumir os próprios erros e permitir que os colegas arquem com as
conseqüências desgastam os relacionamentos, causando chateações, desentendimentos e
falta de confiança. Segundo Dejours (2003, 2004), a falta de confiança impede a
construção do coletivo que, tem um papel imprescindível para a promoção da saúde
mental no contexto do trabalho.
As intrigas entre colegas de trabalho surgem da rivalidade frente à busca de fazer
a tarefa melhor do que o outro, pela aquisição e centralização de informações que
possam conferir um poder, ou ainda, para se sobressair aos olhos do chefe. Essa disputa
cria um clima de tensão e desmotivação. A fala da participante trouxe uma ilustração
dessa situação no trabalho:
“Mas eu acho que a rivalidade existe (...) é aquela rivalidade de voestar
fazendo o teu trabalho e vim te falar que não perfeito, que não é do jeito que
ela [colega] gostaria que estivesse fazendo. Então tem sempre essa rivalidade,
101
intrigas, às vezes, tu fica quieto, às vezes, eu não agüentava e falava. Tipo,
quando é demais, isso acaba te prejudicando” (P8).
A dependência e a falta de conhecimento do trabalho do outro podem ser um
problema, gerando estresse, desentendimentos entre colegas. Não ter a visão do todo,
não conhecer o trabalho do outro, preocupar-se com sua tarefa são características de
uma cultura individualista. Segundo Vasconcelos e Faria (2008), a dinâmica
organizacional, ao estimular comportamentos individualistas, torna cada vez mais raros
os momentos de coletividade e cooperação.
Outra categoria da temática sofrimento apresenta as relações negativas no
trabalho. Segundo Labianca e Brass (2006), estas se desenvolvem quando uma pessoa
mantém alguma relação de trabalho com a outra e, por qualquer razão, desgosta desta.
São decorrentes de julgamentos, sentimentos e comportamentos negativos de uma
pessoa para com a outra. Relações com essas características trazem alta insatisfação,
tristeza, desgosto, estresse, sentimentos de frustração, desconfiança, rejeição e
perseguição, mudanças na performance, absenteísmo, turnover e falhas na
comunicação. Falar mal do outro, expor o colega, não gostar do colega, antipatia
gratuita, não gostar de realizar as tarefas, cobranças injustas, problemas pessoais e as
dificuldades de adaptação, no período inicial, são as subcategorias que constituem a
categoria relações negativas.
Situações como falar mal e expor um colega em situações do trabalho, o não
gostar do colega, sem um motivo aparente ou por simples antipatia, trazem
consequências que não ficam somente no distanciamento social que se cria: vão além. A
comunicação sofre barreiras, atos mal-intencionados são praticados com o objetivo de
prejudicar o outro. O comentário do participante revelou e confirmou o exposto acima:
102
“(...) tem as pessoas [colegas] que não te gostam, que vão fazer de tudo pra tu
ir mal... acho que outra coisa que se falou e que é bem verdade é quando não
gosta de um colega, ou o colega não gosta de ti, não procuram se comunicar
(...)” (P16).
O trabalho sem sentido se caracteriza quando o sujeito realiza atividades das
quais não gosta e com as quais não se identifica, resultando em insatisfação, perda de
significado do trabalho e prejuízos nos relacionamentos. Essa afirmação foi constatada
na frase que segue:
“Então ela [colega] deixou bem claro que ela não gosta daquilo que ela faz (...)
e daí ela desconta nas pessoas, sabe (...)” (P17).
Quando os pesquisados foram questionados se as relações de trabalho
interferiam na saúde mental, um dos fatores mencionados por eles diz respeito às
situações de cobranças que são feitas de forma injusta. A participante P17 relatou a
situação vivenciada por ela:
“(...) eu esqueci, acabei esquecendo de fazer algumas coisas e ele [colega]
pegou um bilhetinho e escreveu “seja mais responsável" e colou no meu
computador. (...) quando cheguei o bilhete tava na frente do meu computador...
fui direto pedir explicação do bilhete. Daí ele [colega] disse assim; não, porque
você esqueceu aquilo...ficou atrasado aquilo e não sei mais o quê... Mas aquilo
me doeu tanto, me ofendeu tanto, que eu não consegui nem respirar, faltava ar
de tão brava que eu fiquei... daí eu fiquei com aquilo a tarde inteira e daí
cheguei em casa de mau- humor. Eu tava mal... Cheguei no outro dia de manhã
e eu não consegui dizer bom dia para ele [colega], não consegui olhar para
cara dele” (P17).
103
Na psicodinâmica do trabalho, o julgamento é a maneira concreta com que o
sujeito interage com o mundo real do trabalho. Para Dejours (2003), o julgamento são
elogios dos colegas sobre o quanto foi bem feita uma tarefa. Esse proporciona ao ego o
sentimento de pertença, quando recebe de volta aquilo que faz do sujeito um ser como o
outro. Dessa forma se dá o reconhecimento, que tem grande significado para o sujeito:
é uma forma de retribuição moral-simbólica.
O desenvolvimento da identidade do indivíduo, assim como a transformação do
sofrimento em prazer são decorrentes das relações que ocorrem no trabalho através dos
vários processos de reconhecimento, uma forma de o trabalhador sentir-se prestigiado
pelo seu fazer. Esses processos de reconhecimento - ou a falta deles - são fundamentais
na transformação do sofrimento, gerado pelo trabalho, em prazer (Lancman, Sznelwar,
Uchida & Tuacek, 2007).
Os problemas relacionados à vida pessoal são manifestados por comportamentos
depressivos, queixosos, e acabam por perturbar, estressar a pessoa que convive no
mesmo ambiente de trabalho. A participante P4 contou do quanto se sentia perturbada
pela colega:
“(...) era uma pessoa [colega] cheia de problemas, estava depressiva... era uma
pessoa perturbada mesmo, e ela passava isso pra mim, não se podia sentar do
lado dela, parecia que vinha uma nuvem negra assim pra cima de mim. Era bem
complicado... Então ela me perturbava muito...” (P4)
A dificuldade de adaptação no período inicial pode ser marcada pela pressão e
intolerância por parte de colegas, exigindo do novo funcionário que ele aprenda dentro
de um modelo, podando sua liberdade e autonomia para desempenhar suas funções.
Quando o sujeito passa por uma situação em que as regras, as normas são impostas, e
104
não probabilidades de negociação, nem de liberdade para usar da sua inteligência,
inventividade e criatividade, é bem provável que se depare com o sofrimento (Mendes
2007a).
A configuração das relações interpessoais no trabalho foi descrita, até aqui,
como geradora de sofrimento. Dando continuidade à discussão dos resultados da
pesquisa, apresenta-se a categoria repercussões na saúde mental, composta por:
manifestações de sofrimento, raiva, desistência do trabalho.
A definição de Saúde Mental, para Vasconcelos e Faria (2008), quando do ponto
de vista clínico, se dá pela presença ou não de sintomas que classificam uma situação de
mau funcionamento psíquico, com alterações da personalidade, do pensamento, da
percepção, da memória, da inteligência, entre outras. Para detectar uma doença mental,
é necessário considerar a presença de uma sintomatologia, sabendo-se que sua ausência
não significa a constatação de Saúde Mental. Esses autores alertaram para que se
além da aparência do fenômeno, buscando, na escuta, elementos de mal-estar,
identificando-se o sofrimento no qual ainda não há doença manifesta.
As manifestações do sofrimento podem se apresentar através do choro causado
por situações vividas na relação com colegas de trabalho, mas que ultrapassa os muros
da empresa e acompanha o sujeito nos outros espaços que habita, sendo levado para
casa ou sala de aula, afetando a vida social e a familiar. Outras manifestações de
sofrimento dizem respeito à falta de vontade de ir ao trabalho, dificuldade em
permanecer no ambiente laboral, falta de ânimo, aumento no peso, humor instável,
momentos de estresse e depressão.
Conforme Booth e Mann (2005) muitas razões para se sentir raiva no
trabalho, tais como: tratamento injusto, desrespeito, comunicação, falta de suporte,
105
ausência de reconhecimento, ser ignorado ou não ser ouvido. Nos relatos obtidos dos
participantes, pode-se dizer que a raiva vem após situações de discussão, bate-bocas,
brigas, diferença de opiniões, divisão de tarefas e materiais, sentimento de impotência
por não poder fazer nada para modificar uma situação. Ela é descrita como um
sentimento que afeta a saúde do trabalhador.
Quando os relacionamentos ficam insuportáveis, uma das medidas para se
defender é desligar-se do trabalho, demitir-se, mesmo que isso signifique procurar por
um emprego de menor remuneração, mas que ofereça um ambiente que possibilite uma
convivência harmoniosa com o colega de trabalho. Entre outros relatos no grupo, estava
a fala de P4, mencionando que a única saída encontrada quando não suportava mais
conviver com a colega, foi sair da empresa:
“Aí até que um dia eu perdi a cabeça, levantei, peguei e me demiti por causa
dela [colega] (...). Mas assim, se tu com uma pessoa que não aceita ou tu não
tem coragem de falar, vai guardando, guardando, explode e sai do trabalho,
acaba saindo” (P4).
Prazer
A temática prazer refere-se aos comportamentos e atitudes, presentes nas
relações entre os pares no trabalho, que promovem sentimentos positivos e de bem-
estar. É composta por duas categorias: uma refere-se à ajuda interpessoal (ajudar,
equipe/união e comprometimento pessoal); a segunda diz respeito às relações positivas
no trabalho (amizade, confiança e vínculos).
Cabe lembrar Dejours (1992), ao referir que a relação entre organização de
trabalho e aparelho mental não é somente de sofrimento e doença. Podem-se, através
106
das relações no trabalho, obter ambientes adequados para a promoção da saúde, ao invés
de conflitos geradores de estresse.
Na categoria ajuda interpessoal, estão os comportamentos referentes à
manifestação de ajuda, apoio por parte de um indivíduo para com os colegas que
necessitam, bem como os sentimentos de satisfação e prazer suscitados por essas
vivências no trabalho. A ajuda interpessoal tem sido referida por Choi (2006) como um
comportamento de cidadania organizacional (organizational citizenship behavior -
OCB), e representa a ajuda e o apoio necessários nas relações de trabalho, em que um
indivíduo preocupa-se com o outro, auxilia-o nas tarefas, fornece informações e dá
sugestões. Nessa mesma perspectiva, está o estudo de Fonseca e Moura (2008) sobre o
apoio social, definido como manifestações de preocupação de um indivíduo com o
outro, oferecendo assistência, ajuda e confiança. As autoras verificaram que o apoio
social exerce uma influência significativa sobre a saúde do trabalhador. Os momentos
em que receberam ajuda e apoio de colegas foram lembrados pelos participantes de
forma significativa para seu bem-estar no trabalho. O apoio recebido da colega está
sempre na lembrança de P3:
“Eu lembro assim, de uma colega que eu tive, eu lembro que ela se chamava R.,
até hoje eu lembro dela com muito carinho. Ela era a melhor colega de
trabalho, sabe, de ensinar tudo que ela sabia e mais um pouco sem ter medo de
eu tirar o lugar dela... sempre ensinou, sempre apoiou sempre que podia (...). E
até hoje eu lembro dela com muito carinho” (P3).
Um grupo unido pode ser considerado uma equipe, principalmente por ter
objetivos em comum, pelos quais todos se comprometem e se empenham na realização
das tarefas. O comprometimento é visto como resultado da presença de alguns
elementos como autoestima, confiança, gostar do que faz.
107
O fato de os funcionários trabalharem em equipe é percebido como um
facilitador. Os resultados são obtidos com mais eficácia, todos são responsáveis e
assumem junto os erros, compreendendo que se trata de um problema da equipe e não
de um sujeito em separado:
“(...) Até semana passada deu um erro bem grave na produção, o pessoal
assumiu todo mundo junto (...) ninguém levou sozinho a advertência, todo
mundo levou junto (...). Foi um que fez o erro, mas os outros estavam juntos e
poderiam ter visto o erro, né” (P2).
A categoria relações positivas caracteriza-se pela manifestação de sentimentos
positivos entre colegas; representa as amizades que se estabelecem no ambiente de
trabalho, que são mantidas através do respeito, da confiança mútua e do benquerer.
Segundo Souza e Hutz (2008), o trabalho é um dos ambientes considerado fértil à
formação da amizade e do seu desenvolvimento, com possibilidades de evoluir de um
estado de amizade próximo ao de melhor amizade.
Dejours (2003) destaca a confiança como condição essencial para a construção
do coletivo, contribuindo para a manutenção de um ambiente positivo. Os depoimentos
obtidos no grupo conferem com o exposto acima: são falas semelhantes ao que foi
colocado pelo participante P16:
“(...) aprendi a fazer tudo (...) tinham [colegas] a maior confiança em mim, né.
Eu acho que depois, com o passar do tempo, eu mesma fui ganhando
responsabilidade e tudo, tu vai ganhando a confiança das pessoas. (...) quando
tu consegue ter confiança, consegue trabalhar junto, crescer junto... é um
relacionamento positivo (...)”(P16).
108
Enfrentamento do sofrimento
A temática enfrentamento do sofrimento refere-se às ações que foram
mencionadas, pelos participantes da pesquisa, como resposta às situações que ocorrem
ao relacionar-se com colegas no trabalho, e que geram sofrimento. O enfrentamento
pode ocorrer através da mobilização subjetiva, ou ainda, pelas estratégias defensivas
que podem ser tanto individuais como coletivas e visam à manutenção da saúde.
A definição de Dejours (1994, citado por, Mendes 2007a) para estratégias
defensivas, diz respeito a atitudes que os trabalhadores assumem para suportar o
sofrimento e não adoecer. Mas as defesas podem levar à alienação quando se
transformam em uma ideologia defensiva. Portanto, as defesas podem ser usadas tanto
para minimizar o sofrimento como para negá-lo. Estas trazem benefícios para o sujeito
quando a busca do prazer se torna bem- sucedida; caso contrário, podem levar ao
individualismo e passividade (Mendes 2007a).
Uma estratégia defensiva individual, identificada na pesquisa, diz respeito à
sabotagem. Nessa situação, o sujeito age contrariamente aos princípios da ética,
prejudicando e acusando injustamente seu companheiro. Tal circunstância ilustra a
prática da patologia da violência, que, segundo Mendes (2007b), tem sua origem na
solidão afetiva provoada pela desestruturação dos coletivos de trabalho, levando às
práticas desleais e ao individualismo. A narrativa do trabalhador P18 revelou que o
medo de perder o lugar pode ser tão aterrorizante, que o sujeito busca se defender de
forma a prejudicar o colega, “puxando o tapete”:
“Mas eu acredito ainda que ela [colega] fez a minha caveira, ela não ia muito
com a minha cara, não era aquela convivência de coleguismo, sempre parecia
que ela tava querendo me apunhalar, sabe, bem complicado. ficou aquele
109
negócio assim: prá que, né, prá que tu vai puxar o tapete de uma pessoa que
querendo, sei lá, crescer na empresa sem prejudicar? Eu em nenhum momento
eu pensava em tirar o lugar dela, né” (P18).
Segundo Martins (2007, p.145), “as estratégias coletivas de defesas constituem
uma forma de cooperação entre os trabalhadores, para lutarem juntos contra o
sofrimento no trabalho”. Umas das estratégias, identificadas nesta pesquisa, são as
“válvulas de escape” para a manutenção de um clima agradável e menos tenso, em que
as pessoas contam piadas e brincam no local de trabalho. Os encontros extratrabalho
(reuniões, festas, jantas, jogos), também fortalecem os relacionamentos no trabalho e
contribuem para um ambiente saudável.
A mobilização subjetiva, diferentemente das estratégias defensivas, não nega
nem minimiza o sofrimento, mas busca a ressignificação das situações geradoras de
sofrimento em situações que proporcionam alguma forma de prazer. Segundo Mendes
(2007a), é preciso que o trabalhador use de sua subjetividade, da sua inteligência e do
coletivo de trabalho, transformando as circunstâncias tormentosas através de ações que
resultem em prazer. Condutas como cativar e conquistar as pessoas, com quem se
trabalha, para ressignificar relações pouco amigáveis, evidencia o uso de uma tática
eficaz e benéfica que traz resultados positivos aos relacionamentos. Outra ação
mencionada pelos pesquisados, é dividir ou delegar tarefas a um colega. Esse
movimento pode resultar em novos aprendizados e afazeres, em produtividade,
satisfação pessoal, autoconfiança, transformando o medo de perder espaço em
companheirismo e cooperação. A participante analisou sua experiência e os resultados
obtidos quando decidiu delegar tarefas:
“(...) quanto mais tu delegar as tuas tarefas mais tu aprende (...) mais tempo tu
vai ter pra aprender as coisas novas e se tu faz teu serviço direitinho não tem
110
porque tu ficar com medo da pessoa [colega] que vindo atrás de ti (...) hoje
eu fazendo muito mais coisas..., muito mais coisas que exigem
responsabilidade, mais capacidade (...) eu passei essas coisas pra guria que
me ajudando (...) eu aprendo muito mais e cada vez mais eu tenho um
relacionamento tranqüilo, um relacionamento bom (...)” (P17).
Outro recurso a ser utilizado, para manter relações satisfatórias no trabalho e
obter um clima de tranquilidade para a execução das tarefas diárias, é investir na
comunicação: conversar, dialogar, expor opiniões e percepções individuais com
liberdade para falar sobre os acontecimentos e os próprios erros. Essa busca por um
espaço onde é possível falar sobre os sentimentos e acontecimentos vivenciados no
trabalho é apresentada por Mendes e Morrone (2002) como uma mobilização subjetiva.
Ou seja, quando um grupo consegue, através da cooperação, da solidariedade e da
confiança, discutir situações (tanto relacionadas à tarefa como também às que dizem
respeito as suas relações socioprofissionais) que levariam ao sofrimento e às
possibilidades de modificá-las de forma a gerar prazer.
Considerações finais
Os resultados obtidos nessa pesquisa revelam que as relações ocupam um espaço
significativo para a compreensão da dinâmica trabalho/saúde mental. É possível pensar,
através da análise dos dados, que as relações sociais, construídas através da organização
do trabalho, são fontes de sofrimento psíquico, mas também podem ser agentes na
promoção de vivências de prazer. As três temáticas (sofrimento, prazer e enfretamento
do sofrimento) apresentadas nesse estudo, expõem situações, vivências e estratégias
utilizadas pelos participantes nos relacionamentos com os seus colegas de trabalho,
111
permitindo que se façam algumas considerações necessárias para compreensão da
repercussão dessas relações na saúde mental dos trabalhadores.
Um dos aspectos que causam sofrimento psíquico no trabalho está diretamente
ligado à competição entre os colegas. O medo de perder o lugar (cargo, função) por um
colega é um dos fatores mais relevantes desse estudo, por se apresentar de forma
intensa, gerando ansiedade, estresse, causando um desequilíbrio psicoafetivo para o
indivíduo. Nesse contexto, é visível a falta de confiança que se instala nas relações entre
colegas, prejudicando a construção do coletivo de trabalho necessário para a promoção
e manutenção da saúde mental. É evidente que, quando o sujeito se depara com uma
cultura social e uma dinâmica organizacional que estimulam o individualismo e a
competição, as relações ficam ameaçadas, instalando-se no ambiente de trabalho a
insegurança e o sofrimento. O sofrimento também é derivado das relações negativas que
impendem o reconhecimento, que, segundo a teoria dejouriana tem grande significado
para o sujeito, pois este influencia na construção da identidade.
Mas trabalho não é só sofrimento: há prazer no trabalho, e as relações de
trabalho podem contribuir imensamente para a promoção e manutenção da saúde
mental. Nessa pesquisa, os depoimentos apontaram para a ajuda interpessoal e as
relações positivas como fontes de prazer.
Os entrevistados revelaram enfrentar o sofrimento que surge das situações
conflituosas que ocorrem ao relacionar-se com colegas no trabalho, fazendo uso tanto
das estratégias defensivas quanto da mobilização subjetiva. As atitudes descritas pelos
trabalhadores levam a refletir o quanto as ações são decorrentes de uma cultura em que
imperam o individualismo e a violência e, só cabe ao sujeito se defender, não
importando como, versus a crença de que cada indivíduo, de acordo com seus recursos e
112
estrutura, pode, a partir de seus valores éticos e morais, buscar estratégias criativas,
transformando o medo de perder espaço em companheirismo e cooperação.
Acredita-se que as temáticas apresentadas nessa pesquisa poderão servir de
suporte na criação de novas intervenções que visem a relações saudáveis no trabalho.
Investir em ações que levem os grupos, as equipes de trabalho a praticarem a reflexão e
o diálogo aberto sobre como convivem e se relacionam, ao exercerem suas atividades
profissionais, certamente trará benefícios para promoção do bem-estar e saúde mental.
Esta pesquisa foi realizada com trabalhadores com idade entre 20 e 27 anos,
sendo doze mulheres e seis homens, estudantes do curso de administração de uma
cidade do interior do Rio Grande do Sul, todos com uma experiência mínima de seis
meses de trabalho, mas que exerciam funções diversas. Considerando esta
particularidade é importante ressaltar que os resultados obtidos fazem parte desta
amostragem e que se faz necessário outros estudos envolvendo outras realidades para
que se possa comparar os dados e abrir espaço para novos questionamentos.
Por fim, cabe ressaltar que o tema saúde mental no trabalho é amplo. Muitos são
os fatores que podem interferir no processo saúde/doença, sendo que, nesse estudo,
apresentam-se as relações interpessoais entre colegas como mais uma variável a ser
considerada nesse campo. Obviamente, a presente pesquisa não responde a todos os
questionamentos que surgem, quando se propõem os relacionamentos entre colegas
como possíveis fontes de prazer ou de sofrimento. Mas os resultados analisados
permitem descrever que elementos como confiança, cooperação, ajuda, apoio, amizade
e reconhecimento são essenciais para a manutenção do coletivo de trabalho, responsável
pela minimização do sofrimento e pela busca do prazer.
113
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São Paulo: Casa do Psicólogo.
122
Anexos
Anexo A – Ofício ao Diretor Acadêmico da URI – Campus de Erechim
Erechim, 11 de junho de 2008.
Ilmo. Sr.
Diretor Acadêmico Prof. Dr. Arnaldo Nogaro
Na oportunidade que cumprimento Vossa Senhoria venho por meio deste, ver
da possibilidade de contatar com alunos do curso de Administração da URI Campus de
Erechim, com objetivo de realizar coleta de dados referente a pesquisa Relações
Interpessoais e Saúde Mental em Trabalhadores. O método a ser utilizado para
coleta de dados é do grupo focal, sendo necessário uma sala da instituição que esteja
disponível para realização dos encontros. O estudo está sob a responsabilidade da
pesquisadora, psicóloga e aluna do mestrado em psicologia da Unisinos.
Certa de sua costumeira atenção, desde já agradeço e aguardo parecer.
Atenciosamente,
____________________
Vera Lúcia Anzolin Bruch
123
Anexo B – Ofício ao Coordenador do Curso de Aministração da URI – Campus de Erechim
Erechim, 11 de junho de 2008.
Ilmo. Sr.
Prof. Ms. Júnior Luiz de Souza
Na oportunidade que cumprimento Vossa Senhoria, venho através do presente
solicitar a possibilidade de contatar com alunos do curso de Administração da URI
Campus de Erechim, com objetivo de realizar coleta de dados referente a pesquisa
Relações Interpessoais e Saúde Mental em Trabalhadores, estudo que está sob
minha responsabilidade como psicóloga e aluna do mestrado em psicologia da Unisinos.
Certa de sua costumeira atenção, desde já agradeço e aguardo parecer.
Atenciosamente,
____________________
Vera Lúcia Anzolin Bruch
124
Anexo C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
As formas como as pessoas interagem e como vivem seus relacionamentos
podem produzir sofrimento ou bem-estar. Com a pretensão de contribuir para o
desenvolvimento de ambientes de trabalho mais saudáveis, este estudo tem como
objetivo analisar os relacionamentos interpessoais entre colegas de trabalho. A
metodologia a ser utilizada consiste numa técnica grupal (grupo focal), a ser realizada
em uma sala confortável, garantindo o sigilo, e com espaço adequado para os
participantes, redatora e pesquisadora. Para coleta dos dados será instalada uma câmera,
montada num tripé, no fundo da sala para filmar o grupo. O estudo está sob
responsabilidade da psicóloga e mestranda Vera Lúcia Anzolin Bruch.
Eu.............................................................................................................(nome do
participante), declaro ter recebido uma explicação clara e completa sobre a pesquisa
acima mencionada e o procedimento que será utilizado, sabendo que as informações que
fornecerei para a pesquisa serão confidenciais e não serei identificado (a). Estou ciente
de que poderei interromper a minha participação na pesquisa assim que desejar, assim
como não sou obrigado a responder todas as questões. Compreendo que a pesquisa não
me trará qualquer despesa pessoal. Caso venha a sentir algum possível desconforto
nesta pesquisa, poderei, se assim desejar, ser encaminhado para a rede blica de saúde
para acompanhamento.
A minha assinatura neste documento autoriza a pesquisadora utilizar os dados
obtidos somente para os objetivos da pesquisa. Caso necessite de algum esclarecimento
sobre minha participação nesta pesquisa, poderei entrar em contato com a pesquisadora
125
responsável, Psicóloga Vera Lúcia Anzolin Bruch (CRP 07/05355), pelo telefone 54-
99753547, com o Comitê de Ética em Pesquisa - URI - Campus de Erechim pelo
telefone 54-3520-9000 (ramal 9191).
Este documento está sendo apresentado em duas vias, sendo uma delas para o
entrevistado e outra para a pesquisadora.
Erechim, ____de _________________de 200__.
_________________________ __________________________
Assinatura do entrevistado Assinatura da Pesquisadora
126
Anexo D – Ficha de Inscrição
Ficha de Inscrição para participação da pesquisa Relações Interpessoais e Saúde
Mental em Trabalhadores
Dados de Identificação:
Nome: ____________________________________________________
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Data de Nascimento: _________________________________________
Nome da empresa em que trabalha: _____________________________
Cargo: ____________________________________________________
Tempo de serviço na respectiva empresa: ________________________
Curso: ____________________________________________________
Semestre: __________________________________________________
127
Anexo E – Comitê de Ética
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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