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JUÇARA MOREIRA TEIXEIRA
RELAÇÕES (INTER) DISCURSIVAS ENTRE
HIPERTEXTOS: a constituição do arquivo sob uma
perspectiva discursiva e cultural
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Setembro de 2010
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JUÇARA MOREIRA TEIXEIRA
RELAÇÕES (INTER) DISCURSIVAS ENTRE
HIPERTEXTOS: a constituição do arquivo sob uma
perspectiva discursiva e cultural
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Letras da Universidade Federal de
São João del-Rei, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Letras.
Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura
Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social
Orientador: Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção
PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
Setembro de 2010
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JUÇARA MOREIRA TEIXEIRA
Relações (inter) discursivas entre hipertextos: a
constituição do arquivo sob uma perspectiva discursiva
e cultural
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção – DELAC/UFSJ – Orientador
_________________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Jorge de Rezende
– DELAC/ UFSJ
__________________________________________________
Prof. Dra. Nádia Dolores Fernandes Biavati - UNIVALE
__________________________________________________
Profa. Dra. Eliana da Conceição Tolentino
Coordenadora de Programa de Mestrado em Letras
São João del-Rei, 17 de setembro de 2010
4
Dedico
A Deus, que me deu a força necessária
para conquistar essa vitória.
Aos meus pais, pelo apoio
incondicional.
5
Agradecimentos
A Deus, que me deu sabedoria para escolher os caminhos, pela proteção e força
durante essa jornada.
Aos meus pais, pelo amor incondicional, por compreenderem minha ausência e
me apoiarem sempre.
À minha irmã Mara e ao seu esposo José, por me mostrarem os caminhos que eu
deveria trilhar para chegar até aqui, pela força e incentivo constantes.
Ao Lucas, pelo companheirismo e por compartilhar comigo esse sonho.
À minha amiga Danúbia, pela força e conselhos tão enriquecedores.
Ao meu professor e orientador Antônio Luiz Assunção, pelos ricos ensinamentos,
pelas observações críticas e oportunas e pela compreensão em meio às
dificuldades enfrentadas.
Aos professores do Programa de Mestrado em Letras, por tudo que aprendi com
eles e pelas aulas inesquecíveis.
Aos meus colegas do Mestrado, pelo companheirismo, pela amizade e, como não
posso deixar de esquecer, pelas confraternizações inesquecíveis, pelos bate-
papos e risos trocados juntos.
Aos secretários do Programa de Mestrado em Letras, Filó e Odirley, pelo carinho,
atenção e disponibilidade em nos atender.
À cidade de São João del-Rei, que me acolheu com muito carinho.
Aos diretores, professores e funcionários da Escola Municipal Aleijadinho,
sobretudo à Márcia, ao Girley, à Valéria, à Maria e ao André, que muito me
ajudaram nos momentos em que necessitei conciliar o Mestrado com o trabalho.
À Flávia, pelo abstract.
Aos meus amigos que partilharam comigo esse sonho e torceram por minha
vitória.
Obrigada a todos. Essa conquista tem muito de todos vocês.
6
RESUMO
Este trabalho propõe analisar o hipertexto enquanto elemento
representativo das novas formas de leitura surgidas com a internet. Considerando
que os links são elementos que atribuem o aspecto “hiper”, de leitura extensa e
não-linear, ao hipertexto e o fato de apenas um link abrir inúmeras possibilidades
de leitura, propusemo-nos a analisar as relações estabelecidas entre esses
hipertextos conectados através dos links. Partimos da hipótese de que essas
relações entre os hipertextos, e a sua consequente formação de percursos de
leituras, se fazem discursivamente, ou seja, pelo diálogo entre enunciados
manifestos nos hipertextos e que são pertencentes a uma mesma formação
discursiva ou a formações discursivas contíguas. Esse diálogo resulta na
interdiscursividade e deixa à mostra um arquivo discursivo dos objetos de
discurso sobre os quais se enuncia. Atrelamos também uma perspectiva cultural a
essa perspectiva discursiva, objetivando demonstrar que os hipertextos
conectados por links não podem ser vistos apenas como simples artefatos
materiais e uma criação inovadora da tecnologia informática, mas, sobretudo,
como artefatos discursivos e culturais que trazem, em suas marcas discursivas,
elementos relacionados à cultura e à história de uma sociedade, evidenciando
aquilo que de mais profundo a constitui e representa. Assim, para cumprir esses
objetivos, estabelecemos um diálogo entre os estudos sobre internet e hipertexto
(THOMPSON, 1998; LÉVY, 1999, 2000, 2002; BRIGGS & BURKE, 2006;
SANTAELLA, 2004, 2008; FOLTZ, 1993; KOCH, 2009), a Análise de Discurso
(FOUCAULT, 1996, 2008; MAINGUENEAU, 2008; ORLANDI, 2001, 2007) e os
estudos sobre a cultura (BOURDIEU, 2007). Diante da análise realizada,
constatamos, em um nível restrito devido ao recorte feito, que os hipertextos se
ligam discursivamente por meio de enunciados pertencentes a Formações
Discursivas contíguas, não admitindo o diálogo entre discursos que contradizem a
construção discursiva que o locutor objetiva realizar sobre os objetos de discurso
“homem” e “mulher”. Observamos que esses discursos sobre os gêneros
possuem historicidade, constituindo-se em uma cultura específica, cujos
conceitos, visões e representações têm no masculino o princípio basilar. Nesse
7
sentido, pudemos constatar a interdiscursividade manifesta nos percursos abertos
pelos links do hipertexto e a formação do arquivo discursivo, que não se faz
simplesmente pela existência de discursos, mas discursos que são historicamente
e socioculturalmente construídos e instituídos, o que torna o hipertexto um
artefato discursivo e cultural.
8
ABSTRACT
This work proposes to analyze the hypertext as representative element of
new reading forms brought about by the internet. Considering that the links are
elements that give extensive and non linear reading to hypertext, and the fact that
only one link opens many possibilities of reading, it was analyzed the relations
between these hypertexts connected through links. The first hypothesis is that the
relationship between the hypertext and the consequent formation reading ways
occurs discursively, i.e. by the dialogue among statements of hypertexts; and the
second hypothesis that is owned by the same discursive formation or contiguous
discursive formation. This dialogue results in interdiscursivity and shows a
discursive file of speech objects on which it expresses. Through a cultural
perspective hold to a discursive perspective it was intended to demonstrate that
hypertext connected by links cannot be viewed simply as material artifacts or an
innovative creation of computer technology, but mainly as discursive and cultural
artifacts that bring in discursive elements, features related to culture and history of
society, evidencing what constitutes and represents it. Thus, to accomplish these
goals, it was established a dialogue between the studies on the internet and
hypertext (THOMPSON, 1998; LÉVY, 1999, 2000, 2002; BRIGGS & BURKE,
2006; SANTAELLA, 2004, 2008; FOLTZ, 1993; KOCH, 2009), the studies on
Discourse Analysis (FOUCAULT, 1996, 2008; MAINGUENEAU, 2008; ORLANDI,
2001, 2007) and the studies on culture (BOURDIEU, 2007). According to the
analysis, it was found, in a restricted level, that hypertexts are linked discursively
through statements belonging to contiguous Discursive Formation and they do not
admit the dialogue between speeches that contradict the discursive construction
that the speaker intends to perform on the objects of speech “male” and “female”.
It was observed that these speeches about genders have historically constituted in
a particular culture whose visions, concepts and representations are based on
male principles. In the same way, we have seen the interdiscursivity manifested in
the ways opened by the hypertext links and the formation of discursive file that is
not made simply by the existence of speeches, but speeches that are historically
9
and socio-culturally constructed and established that make hypertext of discursive
and cultural artifact.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Os primeiros computadores ..........................................................29
FIGURA 2 – Página inicial do site Terra ............................................................82
FIGURA 3 – Página Terra Mulher ..................................................................... 83
FIGURA 4 – Seção Relacionamento .................................................................83
FIGURA 5 – Hipertexto “A” ............................................................................... 84
FIGURA 6 – Sistema arbóreo hipertextual ....................................................... 88
FIGURA 7 – Hipertexto não-linear ................................................................... 90
FIGURA 8 – Texto linear impresso .................................................................. 91
FIGURA 9 – Quadro comparativo ...................................................................116
11
SUMÁRIO
Resumo ...................................................................................................................6
Abstract ...................................................................................................................8
INTRODUÇÃO ......................................................................................................13
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................ 22
Para uma compreensão da internet e do hipertexto: origens, configurações e
transformações no material de (hiper)leitura
1.1 – Introdução ....................................................................................................23
1.2 Da oralidade às mídias: transformações históricas e socioculturais na
comunicação ..............................................................................................24
1.3 – O surgimento das mídias e a globalização da comunicação........................26
1.4 – As origens e as peculiaridades da internet ..................................................28
1.5 – Hipertexto: origem, configuração e inovações no material de leitura ..........34
1.5.1 – A não-linearidade como traço distintivo do hipertexto ............................. 36
1.6 – Algumas considerações ...............................................................................44
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 47
Do material ao discursivo: âncoras teóricas e metodológicas
2.1 – Considerações iniciais .................................................................................48
2.2 – Os arquivos materiais ..................................................................................48
2.3 – A perspectiva discursiva ..............................................................................52
2.3.1 Enunciado, formação discursiva, discurso e arquivo: a perspectiva
arqueológica de Michel Foucault ......................................................................... 53
2.3.1.1 – O enunciado na perspectiva arqueológica............................................. 54
2.3.1.2 – A formação discursiva: da dispersão à regularidade ............................ 59
2.3.1.3 – O discurso e as relações de poder ....................................................... 61
2.3.1.4 – O arquivo discursivo ..............................................................................65
2.3.2 – As projeções no discurso: locutor, interlocutor e objeto de discurso........ 69
2.3.3 – Perspectivas sobre a interdiscursividade ................................................. 72
2.4 – Algumas considerações .............................................................................. 76
12
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 80
Relações discursivas no sistema arbóreo hipertextual
3.1 – Introdução ....................................................................................................81
3.2 – Apresentando o hipertexto ...........................................................................82
3.2.1 – A não-linearidade do hipertexto ............................................................... 89
3.2.2 Texto impresso versus hipertexto: a não-linearidade como traço distintivo
do hipertexto ........................................................................................................ 90
3.3 – As relações discursivas entre os hipertextos .............................................. 93
3.3.1 Link “A” e suas ramificações em A.1: análise discursiva dos enunciados e
das relações entre hipertextos ............................................................................. 94
3.3.2 - Link “A” e suas ramificações em A.2: análise discursiva dos enunciados e
das relações entre hipertextos ............................................................................102
3.3.3 – Da dispersão dos enunciados à regularidade da FD ............................. 111
3.3.4 – As relações entre hipertextos pela interdiscursividade .......................... 113
3.3.5 Formações discursivas em diálogo no arquivo: a projeção do locutor, do
interlocutor e dos objetos de discurso ................................................................ 117
3.3.6 – Relações entre o hipertexto e o arquivo ................................................ 122
3.4 – Relações discursivas no hipertexto: a perspectiva cultural ....................... 124
3.5 – Algumas considerações ............................................................................ 130
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 141
ANEXOS ............................................................................................................145
13
INTRODUÇÃO
Nos últimos séculos, experimentamos novas formas de ler, de escrever, de
nos comunicarmos, enfim, de lidar com a linguagem em suas mais diversas
formas e manifestações. Dos livros escritos à o, passando pela criação da
prensa por Gutenberg, e séculos depois, o surgimento do telégrafo, do rádio, do
telefone e da televisão, o mundo foi se transformando e se abrindo para as novas
formas de comunicação.
Devido ao surgimento das diversas tecnologias e de sua evolução, a vida
em sociedade alterou-se profundamente. As pessoas mudaram seus hábitos,
seus modos de conviver e de se relacionar, assim como alteraram o modo de
escrever, modificaram suas formas de ler e de circular socialmente, evidenciando
o quanto a tecnologia pode trazer impactos para a vida dos indivíduos em
sociedade.
A internet é uma mídia do final do século XX que trouxe modificações
consideráveis para a vida em sociedade, alterando as formas dos sujeitos sociais
interagirem e se comunicarem. Ela proporcionou novas formas de mediação e de
interação, promoveu uma verdadeira ruptura de fronteiras, diminuiu as distâncias
e proporcionou uma maior inter-relação entre os habitantes do planeta.
O computador com a internet trouxe a informatização para o cotidiano das
pessoas, o que resultou em novas práticas sociais, novos gêneros textuais, novas
formas de interagir com o outro e de dar significado ao que existe no mundo. Dos
diários escritos à mão, guardados a “sete-chaves”, surgiu o blog, uma forma de o
sujeito escrever sobre si, mas sem a reclusão e a necessidade do segredo, ao
contrário, sua característica fundamental é a possibilidade de ser lido por todos e
por estar aberto na rede “www”.
Podemos também falar sobre mutações no ler/escrever com o advento da
internet, pois a necessidade de escrever rapidamente ou de manifestar
sentimentos pela linguagem fez surgir os digos de escrita dos internautas que
participam das salas de bate-papo ou simplesmente escrevem um e-mail.
Decorrentes dessa informatização, surgiram também palavras novas, termos em
14
inglês que foram incorporados ao português, enfim, toda uma mudança na prática
social e linguística dos indivíduos que não pode ser ignorada, demonstrando o
impacto da nova tecnologia na sociedade.
A respeito dessas mudanças culturais propiciadas pela nova mídia,
Santaella (2004) afirma que:
[...] por trás do emprego da expressão ‘novas mídias’ está acontecendo
uma revolução cultural profunda cujos efeitos estamos apenas
começando a registrar. Assim como a prensa manual do século XIV e a
fotografia do século XIX exerceram um impacto revolucionário no
desenvolvimento das sociedades e culturas modernas, hoje estamos no
meio de uma revolução nas mídias e uma virada nas formas de
produção, distribuição e comunicação mediadas por computador que
deverá trazer conseqüências muito mais profundas do que as anteriores.
(p.64).
Observamos essas transformações no modo de produzir, distribuir e ler os
textos. Um grande número de textos, esquemas diferentes de acesso à leitura,
dispositivos e mecanismos diversos, elementos icônicos, vídeo, áudio, todos
unidos em uma mídia e possíveis de serem acessados em questão de
segundos através de “cliques” com o mouse.
De acordo com Xavier (2002), com a internet surgiram novos modos de
organização e de realização da leitura. Segundo ele, a internet inaugurou o que
pode ser designado de modo de enunciação digital:
[...] um novo modo de enunciar/representar informação e conhecimento
baseado na combinação e justaposição simultânea dos modos
enunciativos que, historicamente, precederam-no, como o sonoro, o
verbal e o visual. (XAVIER, 2002, p.202, grifo nosso).
A inovação da internet vai além do exposto até aqui. Ela inaugurou um
novo tipo de leitura, de configuração e suporte desse material de leitura por meio
da criação do hipertexto. Este se caracteriza pelo aspecto virtual, acessível
apenas com um clique com o mouse, pela capacidade de relacionar um número
infinito de hipertextos a um único hipertexto, pela confluência dos três modos
enunciativos, conforme apontado por Xavier (2002), e principalmente por trazer
um mecanismo material que revolucionou as formas de acessar o material de
leitura e de o leitor escolher e se movimentar quando diante de diversas opções:
os links.
15
Segundo Cavalcante (2005, p.163), os links o elementos materiais que
tornam um texto hiper e conferem o aspecto de texto não-linear ao hipertexto
1
.
Essa não-linearidade é marcada pelas diversas opções que um único hipertexto
abre na gina do computador; assim, o leitor clica em um link e este lhe abre
vários caminhos a seguir como opções variadas de leitura, possibilitando-lhe a
realização de uma leitura extensa e não-linear.
Nossa investigação centra-se exatamente sobre a análise desse processo
de escolha de links a partir de um único hipertexto, de abertura de diferentes
percursos de leitura e de formação de um sistema arbóreo
2
repleto de hipertextos
interligados. Acreditamos que essas conexões entre os hipertextos ocorrem
porque existem elementos subjacentes responsáveis por ligar um hipertexto a
outro e por permitirem essa inter-relação.
Para realizarmos esse tipo de análise, delimitamos como objeto um
hipertexto do site Terra, mais precisamente um hipertexto da seção
Relacionamento da página Terra Mulher
3
, que possui o formato de hipertexto com
links que abrem percursos variados. Esse hipertexto selecionado é aberto quando
clicamos no link “É melhor casar ou morar junto?” que nos leva a um hipertexto no
qual se discute o assunto posto no título. Além desse exposto na tela do
computador, três opções de leitura, sinalizadas pelos links que figuram dentro
do hipertexto inicial. Podemos estabelecer diferentes trajetos de leitura a partir
desse link inicial, pois ele abre três links que oferecem mais três e assim
sucessivamente, formando um sistema arbóreo extenso e com caminhos
diferenciados de leitura.
1
A internet oferece dois tipos de texto: textos digitalizados sem links e textos digitalizados com
links em seu interior. Adotamos o conceito de hipertexto para os textos com links, os quais
oferecem uma leitura não-linear.
2
Designamos “sistema arbóreo” o desenho que se forma quando partimos dos links e
prosseguimos os percursos disponibilizados por eles. Fizemos um mapeamento desses percursos
que resultou num desenho semelhante a uma árvore invertida. Por esse motivo, adotamos essa
nomenclatura para distinguir o hipertexto – que é o texto com links disposto na tela do computador
do sistema arbóreo, que é o resultado da junção de todos os hipertextos, originários de um
hipertexto inicial, conectados por links. Esse termo originou-se do termo adotado por Santaella
(2008) ao afirmar que o sistema de relações entre hipertextos pode adquirir o formato arbóreo,
analógico, reticular, etc.
3
A página Terra Mulher é uma revista feminina eletrônica que se assemelha, quanto ao conteúdo
disponibilizado, a uma revista feminina impressa.
16
Selecionamos esse objeto por ele apresentar o aspecto de texto
digitalizado com links, ao qual designam de hipertexto, e por tratar de temas que
nos permitem fazer uma análise discursiva e sociocultural de “discursos de
gênero”
4
.
Diante da infinidade de hipertextos na internet e de leituras possíveis,
delimitamos esse corpus a fim de procedermos a um estudo de caso. Esse corpus
selecionado possui especificidades que nos impedem de alcançar a totalidade da
questão a ser discutida, como o fato de ser pertencente a uma revista feminina
eletrônica – que possui um perfil editorial específico – e por ter um número
limitado de hipertextos conectados a um único hipertexto se comparado a outros
hipertextos circulantes na internet. Desse modo, essa pesquisa é uma tentativa de
refletir sobre a complexidade do hipertexto dentre as iniciativas dessa natureza
que existem, considerando o fato de que a internet e o hipertexto ainda são pouco
explorados da perspectiva discursiva.
A partir dessas delimitações feitas, objetivamos demonstrar que as
relações entre os hipertextos, e a sua consequente formação de percursos de
leituras, se fazem discursivamente, ou seja, pelo diálogo entre enunciados
manifestos nos hipertextos e que são pertencentes a uma mesma formação
discursiva ou a formações discursivas contíguas. Esse diálogo resulta na
interdiscursividade e deixa à mostra um arquivo discursivo dos objetos de
discurso sobre os quais se enuncia.
Além disso, pretendemos demonstrar também, sob essa perspectiva de
análise, que os hipertextos conectados por links o podem ser vistos apenas
como simples artefatos materiais e uma criação inovadora da tecnologia
informática, mas, sobretudo, como artefatos discursivos e culturais que trazem,
em suas marcas discursivas, elementos relacionados à cultura e à história de uma
sociedade, evidenciando aquilo que de mais profundo a constitui e representa.
Esses objetivos exigem que adotemos uma posição interdisciplinar, ou
seja, pautada pela conjugação de teorias diferentes, situadas em dois lugares
distintos, mas a partir das quais objetivamos instituir um terceiro lugar, a fim de
4
Designamos de “discursos de gênero” aqueles que enunciam sobre o homem e a mulher,
significando-os e representando-os discursivamente.
17
estabelecermos uma metodologia que nos permita operacionalizar, no corpus, o
diálogo pretendido.
Para construirmos esse terceiro lugar, estabeleceremos um diálogo entre
os estudos sobre internet e hipertexto e os estudos da Análise de Discurso.
Nos estudos sobre internet, adotamos Thompson (1998), Lévy (1999; 2000;
2002), Briggs & Burke (2006) e Santaella (2004; 2008), para contextualizá-la face
aos demais meios de comunicação, bem como para apresentarmos as origens e
as principais características dela e do hipertexto; no que diz respeito à discussão
das particularidades do hipertexto, das diferenças existentes entre ele e o texto
linear impresso e das características centrais de sua não-linearidade, baseamo-
nos nos estudos de Santaella (2004; 2008), Foltz (1993) e Koch (2009).
No que se refere à análise discursiva, adotamos Foucault (1996
5
; 2008
6
)
para discutirmos os conceitos de enunciado, formação discursiva, discurso,
arquivo e a relação discurso-poder e saber-poder; para abordarmos a
interdiscursividade, baseamo-nos em Maingueneau (2008) e Orlandi (2007) –
segundo a qual também discutiremos o conceito de formações imaginárias no
discurso (ORLANDI, 2001; 2007). E, por fim, para analisarmos a relação entre os
discursos presentes no hipertexto e a cultura nos apoiaremos em Bourdieu
(2007).
Diante do recorte feito, da proposta apresentada, das teorias adotadas e da
pesquisa realizada, organizamos a dissertação em três capítulos.
No primeiro capítulo, fundamentados em Thompson (1998), realizaremos
uma contextualização sócio-histórica sobre os meios de comunicação, desde o
seu surgimento até os dias atuais, a fim de demonstrarmos as transformações
ocorridas na comunicação e a sua influência na sociedade. Buscamos em
Thompson (1998), Lévy (1999; 2000; 2002), Santaella (2004; 2008) e Briggs &
Burke (2006) as fontes sobre o surgimento da internet, as transformações
ocorridas devido ao seu advento, destacando, sobretudo, a criação do hipertexto
e as suas principais características. A partir dos estudos de Santaella (2004;
2008), Foltz (1993) e Koch (2009), discutiremos as diferenças e similaridades
entre o texto linear impresso e o hipertexto não-linear, tanto em suas respectivas
5
Adotamos aqui a 2ª edição da obra A ordem do discurso de Michel Foucault.
6
Adotamos aqui a 7ª edição da obra A arqueologia do saber de Michel Foucault.
18
configurações quanto na forma de lê-los, destacando a não-linearidade do
hipertexto como resultado da presença dos links em sua materialidade.
No segundo capítulo, apresentamos as teorias de discurso que embasarão
nossa análise. Ancorados no conceito de arquivo discursivo proposto por Foucault
e defendendo uma aproximação entre tal conceito e o hipertexto, consideramos
necessário apresentar inicialmente outra perspectiva de arquivo, a de arquivo
material, conforme proposta por Colombo (1991). Essa perspectiva nos mostra
uma das formas de conceber a internet e o hipertexto, ou seja, de vê-los como um
arquivo material onde estão guardados os textos e os signos audiovisuais
elaborados por uma determinada sociedade e que a representam por aquilo que
ela considera relevante arquivar.
Apresentado e discutido esse conceito, passaremos à concepção adotada
para análise do hipertexto e assim discutiremos o arquivo discursivo na
perspectiva de Foucault (2008) a fim de promovermos a relação pretendida. Ao
abordarmos a perspectiva de Foucault (2008), discutiremos os conceitos de
enunciado, formação discursiva e discurso que se constituem em elementos
primordiais do arquivo. Elucidaremos que, para Foucault (2008), os enunciados
que falam sobre determinados objetos de discurso obedecem a regularidades
discursivas que os organizam em determinadas formações discursivas e os
instituem como discursos. Assim, vários textos podem se inter-relacionar e formar
um arquivo discursivo de uma sociedade sobre determinado objeto de discurso
pela recorrência e pelo diálogo de determinadas formações discursivas em sua
superfície discursiva.
Contemplaremos também em nosso estudo as considerações de Foucault
(1996) em A Ordem do Discurso, uma das obras representantes de sua fase
Genealógica, sobre a relação entre “discurso e poder” e “saber e poder”, com o
intuito de, em nossa análise discursiva, evidenciarmos como o poder se manifesta
nos discursos presentes nos hipertextos e se constitui em um meio pelo qual se
seleciona os dizeres socialmente aceitos e partilhados.
Apresentaremos também o conceito de interdiscursividade abordado sob a
perspectiva de Maingueneau (2008) e Orlandi (2007), a partir do qual buscamos
demonstrar como os discursos podem se inter-relacionar, dialogicamente, em um
19
arquivo. Essa perspectiva considera que os discursos sempre se relacionam a
outros, seja por identificação ou por oposição, estando sempre em diálogo uns
com os outros. Defende também que em um discurso podemos ver o “Outro”, sua
parte negada, o seu interdito, que também o constitui e propicia o
estabelecimento dos sentidos. Esse conceito nos permitirá identificar as relações
interdiscursivas manifestas no “sistema arbóreo” onde se forma um arquivo
discursivo com o propósito de evidenciarmos como os hipertextos se
relacionam, nos percursos pré-definidos, pelo diálogo inerente aos discursos que
os constituem.
Além dos estudos foucaultianos, abordaremos também os estudos de
Orlandi (2001; 2007) sobre as formações imaginárias, consideradas uma parte
central dos discursos e um dos elementos pelos quais observamos a
manifestação da interdiscursividade. Acreditamos que os discursos presentes nos
hipertextos constroem imagens do locutor, do interlocutor e dos objetos de
discurso e as colocam em relação dentro do sistema arbóreo através da
interdiscursividade. Dessas relações interdiscursivas manifestas em um percurso
e/ou no sistema arbóreo
7
resultam imagens que se transformam na projeção do
locutor, do interlocutor e do objeto de discurso que o arquivo constitui e institui.
No capítulo três, amparados nos estudos apresentados nos capítulos
antecedentes, realizaremos a análise do corpus selecionado. Inicialmente,
apresentaremos e descreveremos o site Terra e o hipertexto selecionados, e, em
seguida, apresentaremos o sistema arbóreo resultante das escolhas dos links e
dos percursos disponibilizados por ele, a fim de evidenciarmos a complexidade e
a não-linearidade do hipertexto. Analisaremos e compararemos um texto linear
impresso de uma revista feminina e o hipertexto o-linear, com o objetivo de
ressaltar a não-linearidade deste último.
Prosseguindo em nossa análise, percorreremos dois percursos
disponibilizados por dois links dispostos no hipertexto escolhido e, em cada
hipertexto desses percursos, identificaremos enunciados, os agruparemos em
cada formação discursiva a que correspondem e os relacionaremos aos
7
“Sistema arbóreo” se diferencia de “percurso”, sendo que o primeiro representa a junção dos
vários percursos disponibilizados por um hipertexto inicial (ver figura 6, p. 88).
20
discursos, para, de hipertexto a hipertexto, observarmos como se manifesta a
interdiscursividade e, finalmente, chegarmos à constituição do arquivo.
A partir dessas relações interdiscursivas manifestas no sistema arbóreo,
examinaremos como o construídas, ao longo dos percursos e no arquivo em
sua totalidade, as imagens do locutor, do interlocutor e do objeto de discurso
projetados nos discursos, a fim de elucidarmos como elas também cooperam para
o estabelecimento da relação entre hipertextos e a formação do arquivo.
Por fim, trabalharemos o conceito de arquivo, princípio organizador de
tudo. A partir das análises discursivas realizadas, compararemos o sistema
arbóreo – considerado como o conjunto de hipertextos linkados – ao arquivo
discursivo.
Após essas análises dos enunciados presentes no hipertexto, sua
organização em formações discursivas e inter-relação no arquivo discursivo,
discutiremos como eles possuem fundamentos socioculturais e expressam as
concepções instituídas socioculturalmente sobre os objetos de discurso “homem”
e “mulher”. Além disso, destacaremos também os elementos discursivos que nos
permitem caracterizar o hipertexto e o sistema arbóreo como expressão das
relações possíveis como um artefato discursivo e cultural, finalizando assim os
objetivos propostos nessa dissertação.
Nesse estudo, buscamos ultrapassar a materialidade, de elementos
icônicos que ligam um hipertexto a outro, para enfocar aspectos discursivos
subjacentes, relacionados à história e à cultura de uma sociedade, a essa inter-
relação expressa quando escolhemos determinado hipertexto e os seus links
relacionados. Demonstraremos que os hipertextos se relacionam no sistema
arbóreo através de discursos intimamente ligados à cultura de um povo, àquilo
que de mais profundo a constitui, à historicidade que atravessa as coisas ditas por
determinada sociedade.
Enfim, esperamos contribuir com a literatura existente relacionada ao tema
e que essa perspectiva possa abrir novos horizontes de pesquisa que relacionem
os estudos de hipertexto à Análise do Discurso. Desejamos que essa pesquisa
permita-nos lançar um novo olhar sobre as peculiaridades dessa nova mídia e
que nos proporcione compreender o hipertexto não como mero artefato material,
21
mas, sobretudo, como um artefato discursivo e cultural que, muito além de
somente articular hipertextos através de links, articula discursos que representam
e significam a sociedade onde se inscreve.
22
CAPÍTULO 1
PARA UMA COMPREENSÃO DA INTERNET E DO HIPERTEXTO:
ORIGENS, CONFIGURAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES NO
MATERIAL DE (HIPER) LEITURA
23
1.1 – Introdução
Neste capítulo, apresentamos algumas discussões a respeito da
comunicação, abordando as transformações ocorridas na comunicação mediada
8
à medida que foram surgindo novas mídias. A partir dessas discussões, tratamos
da internet, mídia mais recente se comparada às anteriores e que avançou com
grande rapidez na última década do século XX, proporcionando profundas
modificações no modo de produzir, armazenar e difundir a informação, assim
como alterou as formas de interação humana.
Damos ênfase ao hipertexto um dos artefatos comunicativos, linguísticos
e socioculturais nascidos com a internet –, com o qual foi criada uma nova forma
de organização de textos, de estabelecimento de relação entre (hiper)textos e de
interação do leitor com o material de leitura.
Assim, objetivamos analisar o hipertexto em suas particularidades,
apresentando suas origens, discutindo suas inovações no processo de
organização e realização da leitura bem como a sua não-linearidade, a fim de
termos condições de estabelecer, no capítulo dois, a relação entre esses
aspectos e o processo de construção de sentido nos percursos de leitura que ele
possibilita através dos links.
Para abordamos essas peculiaridades do hipertexto, colocamos em
discussão dois pontos que consideramos centrais em sua configuração material: a
não-linearidade e a diferença entre seu aspecto não-linear e a linearidade dos
textos que lhe foram precedentes.
Essa abordagem dos aspectos materiais do hipertexto, responsáveis por
distingui-lo do texto tradicional impresso e por lhe conferirem inovação, nos
conduzirá a uma reflexão sobre as possíveis relações criadas pelo contato de um
hipertexto com outro por meio de links. No entanto, essa é uma discussão que
iniciaremos nesse capítulo pela apresentação e análise dos elementos distintivos
do hipertexto e que aprofundaremos no capítulo dois relacionando-os a uma
perspectiva discursiva.
8
Chamamos de “comunicação mediada” aquela que não se realiza face a face, mas por meio de
alguma tecnologia, como o livro, a revista, o jornal, o rádio, o telefone, a televisão, a internet, por
exemplo.
24
1.2 - Da oralidade às mídias: transformações históricas e socioculturais na
comunicação
Em todas as sociedades, com suas diversidades de línguas, etnias,
costumes e tradições, há a necessidade de comunicação. Da escrita em pedras e
pergaminhos aa escrita digitalizada na internet, o que se é a vontade e a
necessidade humana de se comunicar.
O mundo vivenciou diversas mudanças nas formas de comunicação.
Antes do advento da escrita, predominava a oralidade e os interlocutores
participavam do mesmo contexto cio-comunicativo. Após o seu surgimento, a
prática social e comunicativa dos indivíduos se modificaram, os textos saíram do
âmbito da oralidade e passaram a ter uma permanência e um alcance maiores,
possibilitando o contato com textos escritos que relatavam fatos ocorridos em
outras épocas, em lugares diferentes e com outras pessoas. Desse modo, a
escrita possibilitou uma ampliação das possibilidades de comunicação e foi a
partir daí que as noções de espaço/tempo começaram a se modificar.
De acordo com Dias (1999), conforme os avanços do conhecimento
experimentados em cada época, formas diferenciadas de mediação foram
vivenciadas pela humanidade. Dos ideogramas criados na Mesopotâmia e o
papiro no Egito por volta de 3000 a.C, o surgimento do alfabeto grego em 1000 -
900 a. C e suas inscrições feitas em cerâmicas, cera, argila e peles de animais
até o surgimento do papel no mundo ocidental no culo XII e sua difusão pela
Europa nos séculos XIII e XV, a humanidade deixou de ter uma comunicação
exclusivamente oral e centrada em um único espaço e tempo, para viver a
mediação através de formas simbólicas como a escrita.
Embora essa realidade esteja distante da nossa contemporaneidade, a
partir dela podemos observar que, em todos os momentos da história da
humanidade, o surgimento de novas formas de comunicação trouxe mudanças
sociais, históricas e culturais, alterou a vida dos indivíduos, estabeleceu novas
possibilidades de relacionamento social e instaurou novas práticas sociais.
Desde o surgimento da escrita, a comunicação tem passado por profundas
mudanças. Dos tempos mais remotos aos dias atuais, pode-se perceber que o
25
homem tem tentado aperfeiçoar e ampliar a sua forma de se comunicar com os
outros, o que, consequentemente, resultou em uma maior complexidade dos
meios de comunicação que foram surgindo.
Essas formas de mediação, conforme apontadas por Dias (1999), ainda
são limitadas quanto ao alcance social da comunicação se comparadas ao que
sucederia em meados do século XV com a invenção da tipografia e da imprensa
por Gutenberg. A partir desse momento, com a existência do papel e da prensa
tipográfica, a comunicação mediada foi ampliada e alcançou um número maior de
pessoas. A invenção de Gutenberg foi a mola propulsora de todo um processo
que transformaria as sociedades com o passar dos séculos, pois o seu invento
proporcionou uma reprodução maior das formas simbólicas, assim como
acarretou um novo processo de produção, armazenamento e circulação da
informação.
De acordo com Thompson (1998), a partir do século XV até os dias atuais,
várias instituições de comunicação surgiram e se desenvolveram e,
consequentemente, provocaram mudanças nos processos de produção,
armazenamento e distribuição da informação e do conteúdo simbólico.
Essas transformações foram provocadas pelos desenvolvimentos
industriais e tecnológicos, surgidos com a era moderna. Assim, o mundo assistiu
ao surgimento das técnicas de impressão de Gutenberg no último período da
Idade Média, em seguida a energia elétrica, no século XIX e, a partir daí, vieram
outras mídias como o telégrafo, o rádio, o telefone, a televisão e, no final do
século XX, o computador com a internet.
Devido ao surgimento dessas diversas mídias, as formas simbólicas
puderam ser produzidas e reproduzidas em uma escala cada vez maior
(THOMPSON, 1998). As formas de acesso à informação foram aprimoradas e
ampliadas cada vez mais. Do rádio à internet, essas mudanças são perceptíveis:
da emissão de voz à pluralidade formada pela voz, som, imagem e a capacidade
de interagir com o objeto que transporta a comunicação, as pessoas puderam
ampliar sua capacidade de se comunicar com o outro.
O aparecimento de uma nova mídia cada vez mais complexa que a
existente não provocou o enfraquecimento e/ou o desaparecimento de nenhuma
26
forma anterior; entretanto, houve uma hibridização das mídias em que as mídias
antecessoras completaram e proporcionaram o surgimento das multimídias.
Assim, a cada nova mídia foram criadas novas formas de contato e interação dos
indivíduos com os conteúdos simbólicos, bem como se modificaram e ampliaram
as formas de interação entre as pessoas.
1.3 – O surgimento das mídias e a globalização da comunicação
9
A partir do século XV, o mundo iniciou uma nova fase no âmbito da
comunicação decorrente do desenvolvimento das técnicas de impressão por
Gutenberg, o que propiciou ao mundo comunicar-se de outra maneira da que era
possível até então.
Antes da prensa tipográfica, a reprodução dos textos era um trabalho
quase artesanal, o que dificultava sua produção e reprodução em larga escala e,
consequentemente, restringia a sua difusão a um número limitado de pessoas.
Após o seu surgimento, as formas simbólicas deixaram de se associar a um
espaço físico e a uma época restritos e passaram a transitar em diversos meios
sociais e em diferentes momentos históricos, reconfigurando assim a noção de
espaço-tempo.
As formas de impressão possibilitaram a produção, a reprodução e a
difusão maciça do livro, do jornal e da revista, oferecendo novas formas de
comunicação e ampliando o contato entre as pessoas. Thompson afirma que o
desenvolvimento dos meios de comunicação criou novas formas de ação e de
interação e novos tipos de relacionamentos sociais (1998, p. 77), pois eles eram
muito diferentes daquilo que a humanidade conhecera até então. Com a
possibilidade de reproduzir jornais, por exemplo, fatos ou narrativas contadas
pelas pessoas, que se restringiam à oralidade da vida diária, passaram a ter um
novo meio de transmissão. Assim, um mesmo acontecimento poderia ser lido e
conhecido por diversas pessoas de uma só vez.
9
O termo Globalização da comunicação é usado por Thompson (1998) para se referir ao processo
de difusão e inter-relação da informação em uma escala global. Tal conceito será tratado com
mais detalhes ao longo dessa seção.
27
No século XIX, surgiu o telégrafo e, logo em seguida, foi a vez das
agências de notícias. Elas tiveram início na Europa e depois se espalharam pelo
mundo; seus objetivos eram coletar e distribuir notícias sobre extensões
territoriais maiores. As agências desfrutaram da facilidade do telégrafo, o que lhes
propiciou enviar notícias em um ritmo cada vez mais intenso.
Desse modo, foram estabelecidas novas formas de interação, modificaram-
se os relacionamentos sociais e, cada vez mais, as distâncias do globo foram
diminuindo. A cada nova mídia surgida, ocorreram transformações na
comunicação e nos seus meios de transmissão que, inicialmente, tiveram um
alcance local, depois regional, até atingirem uma escala mundial.
A partir daí, instituiu-se a globalização da comunicação que se associou à
globalização da economia, à quebra de fronteiras econômicas e políticas em
processo, formando assim uma rede que trouxe profundas transformações
sociais.
Para Thompson (1998), a globalização faz parte de um conjunto de
processos que transformaram o mundo moderno. Ele define o termo globalização,
de modo mais geral, como uma crescente interconexão entre diferentes partes do
mundo, um processo que deu origem às formas complexas de interação e
interdependência (p.135).
Segundo o autor, a globalização originou-se na Idade Média quando
ocorreu a expansão do comércio. Antes, a fabricação de seda e especiarias, por
exemplo, era restrita apenas ao comércio local. Nos séculos XV e XVI, a Europa
passou a comercializar e a se relacionar com outras partes do globo, tendo seu
comércio ampliado e solidificado nos séculos XVII, XVIII e XIX. Na área da
comunicação, o desenvolvimento da imprensa no século XV propiciou a
confecção de livros, panfletos, jornais e demais impressos que passaram a
circular em diversos ambientes, iniciando no local até, em seu ápice, atingirem o
mundial, como ocorrera no âmbito do comércio.
Entretanto, foi no século XIX que a globalização da comunicação
adquiriu traços próximos aos da que conhecemos atualmente. Embora tenha sido
no século XIX o início da globalização da comunicação, foi no século XX que ela
se solidificou e exerceu maior impacto na sociedade, devido ao surgimento do
28
rádio, da televisão e da internet. Thompson afirma que essas mídias acarretaram
profundas modificações na vida social, contribuindo decisivamente para ampliar o
fenômeno da globalização da comunicação:
[...] o ambiente da mídia que nos foi legado pelos desenvolvimentos dos
séculos XIX e XX ainda sofre hoje contínuas transformações. [...] o
crescimento dos conglomerados da comunicação continuou [...] e os
processos de globalização se aprofundaram, aproximando as partes
mais distantes do globo por meio de teias de interdependência mais
tensas e mais complexas (THOMPSON, 1998, p.76).
Dentre os diversos fatores que contribuíram para essa interdependência
entre as diversas partes do planeta no campo da comunicação, Thompson (1998)
assinala o processo de digitalização da informação, decorrente do surgimento e
aperfeiçoamento da informática. Para ele,
[...] esse desenvolvimento de muitos modos o mais fundamental é o
crescente uso de métodos digitais no processamento, armazenamento e
recuperação da informação. A digitalização da informação, combinada
com o desenvolvimento de tecnologias eletrônicas relacionadas
(microprocessadores, etc), aumentou grandemente a capacidade de
armazenar e transmitir informações e criou a base para a convergência
das tecnologias de informação e comunicação, permitindo que a
informação seja convertida facilmente para diferentes meios de
comunicação (THOMPSON, 1998, p.145).
Com o desenvolvimento da tecnologia, iniciou-se o processo de
digitalização da informação via computador. Seu crescimento e impacto maior
ocorreram na década de 1990 quando a internet se solidificou, influenciando
diretamente as mídias existentes, trazendo modificações na forma de produzir,
armazenar, difundir e ler a informação e alterando substancialmente a vida em
sociedade.
1.4 – As origens e as peculiaridades da internet
A última década do século XX foi marcada pela revolução digital decorrente
do aprimoramento e difusão da informática. Porém, um longo caminho foi
percorrido para chegar ao estágio de informatização que conhecemos atualmente.
29
De acordo com Briggs & Burke (2006), os primeiros computadores foram
produzidos na década de 1940 para atender a objetivos militares de guerra.
Segundo vy (1999, p.31), esses primeiros computadores eram máquinas de
calcular que ficavam em salas refrigeradas, eram alimentadas com cartões
perfurados, emitiam listagens ilegíveis e ocupavam um prédio inteiro (figura 1).
Eles também eram utilizados para cálculos científicos, realização de estatísticas
dos Estados e das grandes empresas ou serviam para realizar tarefas gerenciais,
como emissão de folhas de pagamento.
FIGURA 1. Os primeiros computadores
Colussus, decifrador eletrônico de códigos, foi usado em Bletchley
Park, Buckinghamshire, para ajudar a Grã-Bretanha e seus aliados
a ganhar a Segunda Guerra Mundial. Ele empregava 1.500
válvulas. Enquanto isso, a Universidade da Pensilvânia
desenvolveu o Eniac (Electronic Numerator Integrator and
Computer), entre 1942 e 1946. A União Soviética desenvolveu o
MLSM.
Fonte: BRIGGS; BURKE, 2006, p. 274.
Ancorado no propósito de criar novas tecnologias informáticas e
constituindo-se como parte das políticas de defesa norte-americana durante a
Guerra Fria, o primeiro projeto de unir os computadores em rede foi realizado no
período de 1968-1969. Nessa mesma época, dando prosseguimento ao projeto,
foi criado o primeiro processador de mensagens, precursor da internet, na
Universidade da Califórnia. Surgiu, assim, a ARPAnet, instituição apoiada
30
financeiramente pelo governo norte-americano por meio da Arpa Administração
de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados
Unidos (BRIGGS & BURKE, 2006).
Segundo Briggs & Burke (2006, p. 301), essa rede de conexão entre
computadores ainda era limitada, permitindo o compartilhamento de informações
apenas entre Universidades e Institutos de Pesquisa; em 1975, havia uma média
de dois mil usuários conectados na rede. Esse novo sistema de compartilhamento
de computadores e informações em rede foi o primeiro sistema com
funcionamento semelhante ao que seria a internet no futuro.
Segundo Lévy (1999), os primeiros computadores pessoais foram criados
na década de 1980, o que possibilitou a fusão da informática com as
telecomunicações, a editoração, o cinema e a televisão, deixando de ser
exclusivamente industrial. Foi nessa época que surgiram novas formas interativas,
conforme aponta Lévy (1999): [...] este decênio viu a invasão dos videogames, o
triunfo da informática amigável (interfaces gráficas e interações sensório-motoras)
e o surgimento dos hiperdocumentos (hipertextos, CD-ROM) (p.32).
De acordo com Briggs & Burke (2006), a world wide web uma espécie de
grande arquivo multimídia capaz de abrigar informações digitalizadas de sons,
imagens e textos conectados em uma grande rede interna – foi idealizada por Tim
Berners-Lee, integrante do Instituto Europeu de Pesquisas de Física de
Partículas, em 1989, com o objetivo de conectar os computadores em escala
mundial. Seu objetivo era de que o uso do computador não estivesse apenas
relacionado ao trabalho industrial e ao uso pessoal, mas sim que houvesse a
criação da rede “www” capaz de conectar computadores e criar uma grande
biblioteca virtual e multimídia em escala mundial.
Briggs & Burke (2006) afirmam que foi entre 1993 e 1994 que uma rede até
então dedicada à pesquisa acadêmica se tornou a rede das redes, aberta a todos
(p.300); nascia então a internet que conhecemos hoje. Segundo Santaella (2004),
a partir desse período, o uso da internet se ampliou e as pessoas passaram a se
conectar à rede. A partir daí, foi possível estabelecer relações que antes eram
permitidas por outros meios de comunicação existentes, fronteiras foram
quebradas, distâncias encurtaram e o processo de comunicação acelerou de uma
31
forma como jamais visto. O virtual, portanto, seria o que ligaria as pessoas de
diversas partes do globo, relacionando-as nessa imensa rede “www”.
Com esses avanços da internet, houve a integração de texto, imagem, som
e animações, ou seja, toda forma de comunicação e distribuição da informação
passou a ter a possibilidade de ser digitalizada, visualizada na tela do computador
e acessível através de links elementos responsáveis pela hipertextualidade do
hipertexto. A essa integração das mídias ao hipertexto chamou-se hipermídia. De
acordo com Santaella (2008),
A hipermídia é, portanto, uma extensão do hipertexto. Ela vai além da
informação escrita, permitindo acrescentar aos textos não apenas
grafismos (símbolos matemáticos, notações, diagramas, figuras), mas
também todas as espécies de elementos audiovisuais (voz, música,
sons, imagens fixas e animadas). Em ambos os casos, o termo “hiper” se
reporta à estrutura complexa alinear da informação (p.63).
Dois elementos foram fundamentais para a configuração e o
estabelecimento da hipermídia: o digital e o virtual. A respeito da informação
digital
10
e sua relação com o virtual, Lévy afirma que:
A informação digital (traduzida para 0 e 1) também pode ser qualificada de
virtual na medida em que é inacessível enquanto tal ao ser humano.
podemos tomar conhecimento direto de sua atualização por meio de alguma
forma de exibição. Os códigos de computadores, ilegíveis para nós, atualizam-
se em alguns lugares, agora ou mais tarde, em textos legíveis, imagens visíveis
sobre tela ou papel, sons audíveis na atmosfera (1999, p.48)
Para Lévy (1999), esse movimento de virtualização é algo anterior ao
computador e à internet, pois o virtual tem a ver também com a capacidade de
comunicação que seja recíproca, sincrônica e independente dos lugares
10
De acordo com Lévy (1999), digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Na
escrita, por exemplo, cada número corresponderia a uma letra e assim o texto seria uma
sequência de números; esse procedimento permite que qualquer texto seja digital. Imagem e som
também podem ser digitalizados: Uma imagem pode ser transformada em pontos ou pixels
(picture elements). Cada um destes pontos pode ser descrito por dois números que especificam
sua coordenadas sobre o plano e por outros três números que analisam a intensidade de cada um
dos componentes de sua cor (vermelho, azul e verde por síntese aditiva). Qualquer imagem ou
seqüência de imagens é portanto traduzível em uma série de números. E um som também pode
ser digitalizado se for feita uma amostragem, ou seja, se forem tiradas medidas em intervalos
regulares (mais de 60 mil vezes por segundo, a fim de capturar as altas freqüências). Cada
amostra pode ser codificada por um número que descreve o sinal sonoro no momento da medida.
Qualquer seqüência sonora ou musical pode ser, portanto, representável por uma lista de números
(LÉVY, 1999, p.50).
32
geográficos, possibilidades essas proporcionadas pelo telefone, pelo rádio e pela
televisão. A internet veio para se incorporar a essa rede virtual estabelecida. O
seu diferencial consiste nela convergir toda a mídia já existente, formando assim o
ciberespaço.
O ciberespaço reúne toda a mídia existente até então, sendo considerado o
espaço comunicacional aberto pela interconexão global dos computadores (LÉVY,
2000, p. 93). O termo também diz respeito ao número imenso de informações que
ele abriga, assim como às pessoas que navegam e dão vida a esse universo
(LÉVY, 1999, p.77). Ele permite a interação entre as pessoas de diversas partes
do mundo e amplia suas possibilidades de comunicação pela união de imagem,
som e escrita em uma mesma mídia.
Segundo Lévy (2000), a internet oferece oportunidade e facilidade de
leitura e comunicação como nenhuma outra mídia.
A world wide web pode ser considerada como um único global poliglota
hiperdocumento escrito e lido por virtualmente qualquer um. Esta é a
primeira vez que qualquer texto pode ser virtualmente considerado como
parte de uma real esfera de linguagem. O centro dessa esfera é nenhum
lugar, sua circunferência é todo lugar e cada um dos seus elementos
está relacionado a todos os outros (p.93).
De acordo com Lévy, a internet abriga uma infinidade de textos que estão
acessíveis a diversos tipos de leitor. Esses textos, orais ou escritos, icônicos ou
não, podem ser movimentados pelo leitor, que pode circular na imensa rede
interna na qual se constitui a world wide web.
A internet tem dois elementos principais que conferem certa singularidade
aos textos que a compõem: o caráter digital e o formato em rede. A codificação
digital deu aos textos as seguintes características: plasticidade, fluidez, precisão,
reprodução em tempo real, arquivamento de uma infinidade de textos, caráter
hipertextual, interativo e virtual. O formato reticular possibilita que o usuário circule
na rede, interaja com os textos, tenha uma possibilidade enorme de leituras a
serem feitas, tudo isso com um simples clique do mouse.
Com a digitalização, foi possível fazer transformações no texto escrito que
pôde ser digitalizado e ter como suporte material a tela do computador. Do
mesmo modo ocorreu com as imagens, não mais restritas à televisão, ou o som,
33
não mais exclusivo da TV, do rádio e do telefone. Segundo Santaella (2004), a
união dessas mídias foi designada como convergência das mídias:
Por isso mesmo, um dos aspectos mais significativos da evolução digital
foi o rápido desenvolvimento da multimídia que produziu a convergência
de vários campos midiáticos tradicionais. Foram assim fundidas, em um
único setor do todo digital, as quatro formas principais da comunicação
humana: o documento escrito (imprensa, magazine, livro); o áudio-visual
(televisão, deo, cinema), as telecomunicações (telefone, satélites,
cabo) e a informática (computadores, programas informáticos). É esse
processo que tem sido referido pela expressão “convergência de mídias”
(SANTAELLA, 2004, p.84).
Outro elemento resultante desse processo é a hibridização das tecnologias,
isto é, a mistura de várias mídias em um único aparelho. Assim, um fax, uma
impressora, uma fotocopiadora, uma secretária eletrônica e um scanner podem
funcionar juntos em um computador. Para Santaella, a convergência das mídias e
a hibridização das tecnologias foram os dois elementos principais que
contribuíram para o surgimento da hipermídia.
Nessa hipermídia, com as diversas tecnologias que a integram, vamos
encontrar aquele que é a sua origem e do qual ela é a extensão: o hipertexto.
Este se transforma em uma espécie de grande arquivo de textos que o leitor vai
encontrando a cada link que se abre de acordo com a decisão de prosseguir nos
percursos oferecidos pelos links relacionados ao hipertexto de origem.
Embora essa relação entre hipertextos que apresentamos se limite ao
aspecto textual, ou seja, de relação entre um hipertexto e outro numa rede
intrincada de bifurcações, de links ligando um hipertexto a outro e formando um
sistema arbóreo, podemos encontrar nesse aspecto não-linear um ponto de
contato que relaciona os hipertextos para além da materialidade dos links.
Sendo assim, torna-se relevante apresentarmos as origens do hipertexto,
suas principais características e inovações, para assim compreendermos como
esse novo arquivo de textos cria relações em meio à não-linearidade e como
nessa não-linearidade elementos que permitem a integração de diversos
hipertextos a um hipertexto central do qual eles partem e do qual fazem parte.
34
1.5 – Hipertexto: origem, configuração e inovações no material de leitura
Em 1945, Vannevar Bush anunciou sua idéia de hipertexto em seu artigo
As we may think. Para Bush, no que tange à organização e indexação das
informações, a mente humana funciona através de associações, passando de
uma representação a outra em uma rede intrincada, repleta de bifurcações.
Ele imaginava a criação de um reservatório multimídia de documentos,
baseado nesta concepção da mente humana, para armazenar textos, imagens e
sons. Para cumprir tal intento, seu projeto previa a miniaturização dos
documentos, o uso de uma tela de televisão com alto-falantes e as ligações de
uma informação a outra seriam feitas através de um comando do suposto usuário.
Em 1974, Theodore Nelson, inspirado nos estudos de Bush e ampliando-
os, desejava criar uma grande biblioteca multimídia, formando um universo
documental eletrônico imenso que pudesse abrigar um número infinito de
documentos que seriam acessíveis instantânea e universalmente. Desse projeto,
intitulado Xanadu, originou-se o termo hipertexto, criado para designar o processo
de arquivamento eletrônico de dados e de leitura instantânea e não-linear em um
sistema de informação.
Esse projeto idealizado por Nelson e Bush foi aprimorado após muitas
pesquisas e resultou no primeiro sistema de editoração de texto criado pelo
Stanford Research Institute em 1968. Esse sistema, chamado Augment, colocou
as ideias de Bush e Nelson em prática e a partir dele foi possível estabelecer
ligações entre textos, realizar teleconferências, enviar mensagens eletrônicas,
compartilhar e enviar textos. Evidentemente, essas inovações não possuíam o
aspecto que têm hoje, mas foram o prenúncio do texto eletrônico de caráter
hipertextual que transformaria a forma de escrita/ leitura no final do século XX e
início do XXI.
O hipertexto que hoje conhecemos é resultado desses avanços ocorridos
na informática e embora, em alguns aspectos, possa remeter a modelos
existentes de leitura, ele possui características peculiares que transformaram o
estatuto do autor e do leitor desse texto digital e hiper (textual).
35
Ao falar sobre o hipertexto e suas inovações, Lévy (1999, p.56) afirma que
ele é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, imagens,
seqüências musicais, etc) e por links entre esses nós, referência, notas, ponteiros,
‘botões’ indicando a passagem de um a outro. Suas características são: a
fluidez, a rapidez, várias possibilidades de leitura de textos, capacidade de
armazenar um número infinito de documentos, o princípio da o-linearidade, o
uso do mouse que permite ao usuário interagir com a tela, os “menus” que
mostram ao usuário as opções de caminhos a percorrer e a tela gráfica de alta
resolução (LÉVY, 2002, p.36).
Ele ressalta a dinamicidade do hipertexto e a simplicidade de manipulação
(obedecendo ao dedo e ao olho) diante de tudo o que ele pode oferecer ao
usuário.
O Hipertexto “se redobra e se desdobra à vontade, muda de forma, se
multiplica, se corta e se cola outra vez de outra forma. Não é apenas
uma rede de microtextos, mas sim, um grande metatexto de geometria
variável, com gavetas, com dobras. Um parágrafo pode aparecer ou
desaparecer sob uma palavra, três capítulos sob uma palavra do
parágrafo, um pequeno ensaio sob uma das palavras destes capítulos, e
assim virtualmente sem fim de fundo falso em fundo falso ( LÉVY, 2002,
p.41)”.
Vemos assim que o hipertexto tem a capacidade de concentrar um número
alto de informação que pode estar relacionada a centenas ou milhares de nós,
através de uma rede de nexos. A informação fica armazenada no hiperespaço de
modo virtual e se materializa quando o usuário a acessa. Essas informações
aparecem na tela através de ícones, palavras ou frases inteiras que, com um
clique do mouse, levam o usuário a outras páginas.
No hipertexto, o leitor direciona sua leitura através dos links
disponibilizados pelo autor na tela do computador. Assim, ele tem diante de si
uma variedade de links e pode escolher seguir diversos caminhos, resultando
assim em uma leitura não-linear. Ele pode iniciar uma leitura, percorrê-la ou
interrompê-la, o que influenciará no resultado final do conteúdo apreendido por
ele.
No entanto, suas escolhas não são livres, pois a sequência do que seou
não lido está submetida às opções de leitura disponibilizadas pelo autor do
36
sistema arbóreo, que marca materialmente nos hipertextos os possíveis percursos
de leitura a serem feitos pelo leitor.
Por outro lado, o leitor possui uma liberdade parcial de escolher a sua
leitura e de construir sua própria árvore de hipertextos lidos. Ele tem opções
controladas pelo autor, mas diversos leitores podem fazer percursos
diferenciados, conforme escolham um ou outro link que mais lhes interessar.
Ao analisarmos um hipertexto, digital e não-linear, vemos que a sua
organização e a forma de lê-lo difere, em alguns aspectos, da leitura de um texto
linear e impresso, assim como há aspectos nos quais eles se identificam.
A principal característica do hipertexto, e que desejamos abordar nesse
trabalho, é a sua não-linearidade decorrente da presença de links. Consideramos
que, por meio dos links acionados com o mouse, vão se abrindo inúmeras
possibilidades de leitura e se estabelecendo relações variadas entre hipertextos,
formando inicialmente um conjunto de hipertextos semelhante a uma árvore
invertida.
Desse modo, cumpre-nos discutir inicialmente, a fim de chegarmos à
análise do sistema arbóreo, as principais características da não-linearidade do
hipertexto e como ele pode ser pensado na relação com o texto tradicional, linear
e impresso. Essa discussão nos dará condições de discutirmos, no capítulo dois,
como os links, representantes da não-linearidade, oferecem opções de leitura
direcionadas conforme o propósito do locutor do(s) hipertexto(s) e como, nesses
percursos oferecidos, vai-se formando um sistema arbóreo onde podemos
identificar relações discursivas entre os hipertextos que o integram.
1.5.1 – A não-linearidade como traço distintivo do hipertexto
A internet é constituída por uma diversidade de textos, pertencentes a
várias instituições sociais. Alguns se manifestam da mesma maneira em uma
revista impressa e numa página de internet, enquanto outros diferem de seus
similares na forma impressa. Dentre os fatores que contribuem para essa
37
diferença, estão os links, um dos mecanismos que o hipertexto possui que o
diferencia do texto impresso.
Embora texto e hipertexto possam ter similaridades ou aproximações – pois
as coisas criadas no mundo não são inteiramente novas, ou seja, sempre um
já-dito, um já-feito que as precede , o caráter hipertextual, de leitura direcionada
por links e, portanto, não-linear, é uma característica central que diferencia o texto
linear impresso do hipertexto digital e virtual.
Os links são elementos acionados pelo leitor e que promovem inter-
relações entre os hipertextos. Eles são os responsáveis pela não-linearidade do
hipertexto, por propiciarem novas formas de conexão entre hipertextos e por
oferecerem percursos de leitura diferenciados ao leitor.
A cada link selecionado, abrem-se novos hipertextos e vão se formando
percursos de leitura. O sistema arbóreo resultante da junção dos percursos
não é apenas a exteriorização de caminhos oferecidos pelos links, mas possui,
além da materialidade, elementos discursivos que explicam as possibilidades de
formação de percursos conforme as opções disponibilizadas pelo hipertexto e as
escolhas feitas pelo leitor.
Nessa leitura “linkada”, manifesta-se a não-linearidade, cujas
características centrais são apontadas por Santaella (2008, p. 53)
11
, embasada
nas considerações de Landow (1994)
12
. Santaella (2008) aponta a não-
linearidade como um dos traços definidores do hipertexto, e apresenta, a partir de
Landow (1994), as quatro características da o-linearidade: Topologia,
Multilinearidade, Reticularidade e Manipulação.
a) Topologia: ao navegar no hipertexto, o usuário escolhe uma determinada
página com diversas opções de leitura acessíveis através dos links. O fato de o
usuário acessar algumas e ignorar outras não altera a compreensão daquilo que
ele escolheu, pois o sistema possui uma interdependência entre as partes, não
11
Foi feito o uso de Landow apud Santaella (2008) porque não nos foi possível obter o texto
original.
12
LANDOW, G. P. Hipertext. The Convergence of Contemporary Critical Teory and Technology.
Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1994.
38
havendo necessidade de conhecer um texto para entender o outro. Assim, a
sequência entre os módulos não precisa ser fixa.
b) A multilinearidade diz respeito às opções de navegação que são dadas ao
usuário. Ele pode tanto prosseguir na leitura escolhida, ou não terminá-la e
escolher outro link que o leve à outra informação em um contexto diferente.
Embora o hipertexto apresente-se como um sistema aberto e passível de
inúmeras manipulações e escolhas do usuário, ele possui um sistema de
conexões peculiar. O propósito básico desse sistema é conectar um nó a outro de
acordo com algum desenho lógico, seja este analógico, arbóreo, em rede,
hierárquico, etc. (SANTAELLA, 2008, p. 54). Essas conexões são ativadas pelo
usuário com um mouse que o permite movimentar-se pelo hipertexto através de
“cliques”. A autora ressalta ainda que a estrutura flexível e o acesso não linear do
hipertexto permitem buscas divergentes e caminhos múltiplos no interior do
documento (SANTAELLA, 2008, p.55).
c) Outra característica do hipertexto é a reticularidade, ou seja, a sua estrutura no
formato de uma rede. Nessa estrutura não início, meio e fim. O usuário tem a
liberdade de escolher um ou vários links para navegar.
d) A manipulação tem a ver com a capacidade de o usuário manipular o suporte
onde está o hipertexto através do uso dos links. Ao se conectar, ele envia um
dado ao hipertexto, que responde ao seu comando. Nesse caso, o link é que
estabelece a comunicação entre o leitor e o hipertexto. Ele tem a liberdade de
escolher para onde quer ir e o hipertexto, a partir das opções de que dispõe,
responde aos seus comandos.
Observamos, a partir das características da não-linearidade do hipertexto
apresentadas por Santaella (2008), que nesse processo de interatividade típico do
hipertexto, o usuário também decide, até certo ponto, para onde deseja ir.
Afirmamos que o leitor decide até certo ponto para onde ir ao “navegar” no
hipertexto porque o sistema de organização possibilitado pelos links não é
39
aleatório; eles o organizados nessa rede por um determinado autor que cria
possibilidades de relacionamento de um hipertexto com outro. Assim, o leitor pode
percorrer os caminhos oferecidos, optar por um caminho e excluir outro, fazer
apenas a leitura de alguns hipertextos nesse caminho escolhido e manipular o
hipertexto conforme as possibilidades que ele oferece e a rede da qual ele faz
parte, manifestando, de certo modo, suas escolhas de leitura quando imerso
nessa rede não-linear.
Ao tratar dos aspectos referentes à não-linearidade do hipertexto, Foltz
(1993) ressalta a possibilidade de existirem várias ordens de leitura a partir de um
único hipertexto e que vão aparecendo conforme o caminho escolhido pelo leitor.
Para o autor, esse é um traço que distingue o hipertexto do texto linear, pois neste
último há apenas uma única ordem de leitura fixada pelo autor.
Concordamos com Foltz (1993) quando ele afirma que o texto linear possui
uma única leitura, pois não podemos fazer diversas leituras a partir de um texto
linear, tampouco a partir dele seremos imediatamente levados a outros textos.
no hipertexto, uma mobilidade que lhe é inerente, pois, a partir de um único
hipertexto, o leitor tem várias possibilidades de leitura que lhe são acessíveis por
meio dos links presentes em sua materialidade.
Embora reconheça essa diferença, Foltz (1993) tenta encontrar uma não-
linearidade na leitura de textos lineares e impressos. Ele cita o exemplo de uma
enciclopédia cuja leitura pode ser não-linear, pois não lemos uma grande
quantidade de informação linearmente. Segundo ele, podemos ler uma seção,
olhar algumas coisas no glossário, ou retornar às seções iniciais, como em um
hipertexto.
No entanto, se pensarmos na diferença existente entre uma enciclopédia e
um hipertexto, veremos que a primeira é um suporte de textos, isto é, como tal ela
abriga uma diversidade de textos lineares, sem nenhum outro texto ramificando-
se a partir de cada um deles.
Quanto ao hipertexto, veremos que, assim como o texto linear se associa a
um suporte, ele também se vincula a algum suporte, porém digital. Por exemplo,
nosso corpus é uma revista eletrônica portanto o suporte dos hipertextos com
vários hipertextos e dentre os quais escolhemos um filiado à seção
40
Relacionamento. Cada hipertexto escolhido nessa seção possui diversos
hipertextos relacionados a ele, sendo, portanto, um suporte de textos.
Desse modo, vemos que a enciclopédia possui a possibilidade de leitura
não-linear apenas enquanto suporte de uma diversidade de textos lineares que se
fecham em si mesmos. Por outro lado, a revista eletrônica pode ser similar a uma
enciclopédia devido à diversidade de opções de leitura, mas ela possui em cada
hipertexto outras enciclopédias, ou seja, cada hipertexto seria uma mini-
enciclopédia devido à variedade de hipertextos que ele pode armazenar.
Assim, não podemos colocar a enciclopédia e o hipertexto como totalmente
semelhantes, pois o segundo, antes de armazenar hipertextos, pertence a um
suporte específico de onde partimos para prosseguirmos a leitura e então
chegarmos ao hipertexto que seria a enciclopédia que armazena outros
hipertextos.
Outra característica apontada por Foltz (1993) é a capacidade de o
hipertexto promover conexões entre textos através de links. Essas conexões,
cada qual criada pelo autor ou pelo computador, possibilitam ao leitor mover-se
de um tópico a outro relacionado, conforme o tema de seu interesse e as
possibilidades oferecidas pela rede hipertextual.
No hipertexto, um “hipertexto-base” de onde saem vários hipertextos
conectados por links que se ramificam em uma nova rede e assim
sucessivamente, o que no texto impresso não é possível. Esses hipertextos se
relacionam através de links e nós segundo regularidades específicas, formando
assim um sistema arbóreo repleto de hipertextos.
Embora em alguns estudos sobre hipertexto alguns autores defendam que
no texto impresso, principalmente os acadêmicos, essas conexões entre textos
sejam feitas através de notas de rodapé, citações e referências bibliográficas,
vemos que tais remissões a outros textos ocorrem de forma diferente da do
hipertexto.
Para Koch (2009), os textos acadêmicos, repletos de referências, citações,
notas de rodapé ou de final de capítulo, equivalem a um hipertexto, em que as
chamadas para as notas ou as referências feitas no corpo do trabalho funcionam
como links (p.61). Segundo ela, o leitor pode se mover de diversas formas,
41
podendo ler o texto por completo, interromper a leitura e ler só a nota, ou integrar
a nota à leitura que está fazendo, assim como é feito pelo leitor no hipertexto.
Para Koch, a única diferença existente entre o hipertexto e o texto impresso está
apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento (2009, p.61).
Concordamos em parte com a autora quanto à possibilidade de leitura não-
linear aberta pelo texto acadêmico, mas neste as remissões a outros textos são
reduzidas e fecham-se sobre o assunto estudado, enquanto nos hipertextos de
gênero informativo, por exemplo, os textos que os compõem não se fecham em
um único assunto, mas podem abrir possibilidades de abordagem de diversos
assuntos a partir de um único hipertexto. Evidentemente, encontramos hipertextos
cujas ramificações fecham-se sobre um mesmo tema, mas essa não é a regra
geral que controla a criação de relações através de links.
Além disso, o hipertexto abre textos de tamanhos variados, com links no
interior de cada um que oferecem mais hipertextos, com traços muito diferentes
de uma citação ou de uma nota.
Por outro lado, se considerarmos as observações de Orlandi (1996) em
seus estudos sobre as notas de rodapé, identificaremos nelas, por analogia, uma
função no texto linear semelhante à dos links do hipertexto. Em seus estudos
sobre as notas de rodapé em textos do século XVII ao século XIX, a autora
observou que as notas estavam em pontos onde havia chances de fuga dos
sentidos, ou seja, onde a alteridade ameaça a estabilidade dos sentidos, onde a
história trabalha seus equívocos, onde o discurso deriva para outros discursos
possíveis (ORLANDI, 1996, p.12).
As notas eram um sistema de controle dos sentidos produzidos naqueles
textos. Para a autora, as notas são a cicatriz, o traço do outro sentido, a marca
inexorável da incompletude, dos sentidos postos em silêncio (ORLANDI, 1996,
p.13), ou seja, significações que são autorizadas a circular socialmente e a se
institucionalizarem por meio dos textos, mas outras que são silenciadas, pois
não compactuam das visões socialmente aceitas e compartilhadas.
Esse controle do sentido observado por Orlandi (1996) nas notas de
rodapé pode ser identificado também nos links que compõem o hipertexto.
Veremos posteriormente que, assim como as notas, os links silenciam sentidos,
42
são a cicatriz do outro sentido não manifestado. No hipertexto, a ilusão de que
o leitor é livre para ir onde deseja, para escolher os caminhos oferecidos através
do manuseio dos links; no entanto, observamos que os links, assim como as
notas de rodapé, direcionam o sentido, exercem controle sobre a polissemia
13
,
colocam vários sentidos em silêncio. Assim, um ou vários direcionamentos de
leitura são dados, mas eles são limitados e os sentidos são domesticados. Se no
hipertexto é oferecida ao leitor a opção de ler alguns hipertextos – aqueles que
estão ligados pelos links –, apenas alguns enunciados, e consequentemente
discursos, farão parte do processo de significação construído nessa leitura.
Se discordamos parcialmente de algumas considerações de Koch (2009)
sobre a relação texto e hipertexto, compactuamos de seu posicionamento quanto
à diferença existente entre o suporte de textos impressos e o de hipertextos,
que o primeiro limita o número de textos que podem fazer parte dele, ao contrário
do segundo que permite um acúmulo quase infinito de textos relacionados entre
si.
No hipertexto, também maior rapidez no acesso ao material a ser lido,
diferentemente do texto acadêmico no qual ler os textos relacionados demanda
mais tempo e arequer a mobilidade física do leitor para procurar em outro livro
o que é mencionado pelo “texto-base”, objeto de leitura.
No que se refere à relação estabelecida entre textos, Foltz (1993) afirma
que no livro impresso o sumário organizado hierarquicamente que indica os
caminhos, sendo uma espécie de esboço com ponteiros que o leitor segue para
identificar o caminho de leitura que deseja percorrer. Já o hipertexto possui links
relacionados que formam uma espécie de mapa, possibilitando ao leitor ver a
representação da estrutura do texto ao longo da leitura, assim como também
pode ver como as seções se relacionam.
Por outro lado, se pensarmos nessa organização do texto impresso e do
hipertexto, veremos que no primeiro o leitor tem um mapa organizado desde o
início, ou seja, ele sabe onde inicia e onde termina cada possibilidade de leitura,
13
Orlandi define a polissemia como a fonte da linguagem uma vez que ela é a própria condição de
existência dos discursos pois se os sentidos – e os sujeitos – não fossem múltiplos, não pudessem
ser outros, não haveria necessidade de dizer. A polissemia é justamente a simultaneidade de
movimentos distintos de sentido no mesmo objeto simbólico (2007, p.38).
43
pois o sumário possui um fechamento e uma linearidade assim como os textos
impressos. No hipertexto, o leitor o consegue ver o mapa em sua totalidade
desde o início da leitura, pois ele vai se revelando aos poucos, à medida que o
leitor vai “clicando nos links e abrindo novos hipertextos. Tal organização em
forma de mapa seria possível de ser percebida claramente pelo leitor se ele se
dispusesse a mapear por si mesmo o hipertexto do qual ele partiu. Esse mapa é
movediço, pois, se o leitor não observar de onde partiu, pode chegar um momento
da leitura em que ele se perde e para voltar ao início pode tornar-se difícil.
No texto impresso, a organização da leitura é fixa, estável, com início, meio
e fim bem definidos e demarcados; ao contrário do hipertexto, cuja volatilidade
faz com que seu mapa também o seja, de modo que se sabe de onde partiu, mas,
em certo ponto da leitura, o leitor pode não conseguir voltar para todos os
caminhos percorridos na mesma ordem em que iniciou o percurso.
Outro aspecto referente à não-linearidade é o caráter dinâmico do
hipertexto, ou seja, por promover múltiplas conexões, diversos leitores de um
mesmo hipertexto inicial podem não ver as mesmas coisas. Ele pode se
apresentar diferentemente para diferentes pessoas, conforme o conhecimento, a
posição e o interesse do leitor que o levarão a percorrer caminhos diversificados
na rede hipertextual.
Além disso, a partir de um único hipertexto podemos ir para outros; estes
possuem nós que se ramificam em links e assim sucessivamente, formando uma
rede infinita de textos relacionados. Desse modo, o leitor tem diante de si uma
infinidade de caminhos a percorrer que dependerá de escolhas pessoais, ou seja,
ao optar por um link que leva a um e este abre outros links, ele pode escolher
um caminho a seguir e deixar os outros. Assim, ele terá leituras diferenciadas,
conforme o caminho que escolher e as possibilidades oferecidas por esse
percurso escolhido.
Os links desempenham um papel importante nesse direcionamento de
leituras a serem feitas, sendo os responsáveis por ligar os hipertextos e por
direcionar o leitor no processo de leitura. Eles se manifestam em forma de
palavras, imagens e/ou frases colocadas na tela do computador para escolha do
leitor.
44
De acordo com Cavalcante (2005), os links têm um papel relevante na
construção de sentido dos textos virtuais (p.163). Assim, conforme discutimos,
o link pode ser considerado o movimento de construção de sentidos que o
hipertexto possibilita ao leitor. Essa possibilidade de se movimentar cria sentidos
específicos conforme os caminhos escolhidos pelo leitor sempre condicionado
pelo que o autor lhe oferece –, estabelece redes intertextuais e interdiscursivas
que determinam as possibilidades de compreensão e de construção do sentido
dos (hiper) textos.
Quando o leitor se coloca diante de um hipertexto, ele tem a possibilidade
de optar por um link que o levará a determinado hipertexto, que também possui
outros links. Se ele escolhe fazer um “itinerário” pela rede hipertextual,
primeiramente terá de eleger o link do qual partirá e, a partir daí, escolher outros
links relacionados, traçando assim um percurso de leitura. Ao fazer uma opção,
ele rejeita outras e, portanto, faz a construção de sentidos que é possibilitada por
aquele percurso selecionado, diferente de outro.
Ao escolher um determinado caminho e excluir outros, o leitor também tem
contato com alguns discursos que podem ser diferentes dos de outro caminho ou,
ao contrário, que podem se ligar às dos outros percursos através de relações
interdiscursivas. Portanto, nesse trabalho, o nosso objetivo é percorrer esses
caminhos possibilitados pelos links, estabelecer elos nessa rede, a fim de
observarmos as relações discursivas que existem entre os hipertextos de cada
percurso.
1.6 – Algumas considerações
Nesse capítulo, fizemos algumas considerações sobre a comunicação e
sobre a mídia de um modo mais específico. Nessa discussão sobre as mídias,
centramo-nos na internet com o objetivo de compreendê-la e de (re) conhecer
suas inovações para então chegarmos ao nosso foco de análise: o hipertexto.
Analisamos o hipertexto e suas particularidades, bem como suas
diferenças em relação ao texto linear, e observamos que ele possui elementos
45
distintivos em sua configuração material que merecem ser investigados para além
da materialidade.
Os links figuram como o aspecto central do hipertexto, conferindo
complexidade no manuseio do material de leitura, nas escolhas que podem ser
feitas, nas inter-relações construídas nos percursos de leitura. Seu caráter virtual
e digital também é outro fator relevante, por permitir um acúmulo de textos
impossível nos suportes impressos.
Conforme discutimos, o hipertexto pode ser considerado o representante
genuíno da multilinearidade, pois a sua organização do material de leitura
permite-nos constatar uma mudança nas possibilidades de leitura oferecidas ao
leitor. Considerando o sistema arbóreo por completo formado pelos hipertextos
ligados por links , observamos que, ao iniciar sua leitura, o leitor clica em um link
e este lhe abre um hipertexto; no hipertexto aberto, aparecem diversos links que
ele escolhe e a partir dos quais se abrem outros e assim sucessivamente. Nessa
leitura multilinear, com opções variadas, os percursos vão sendo formados e a
árvore hipertextual vai se delineando gradualmente.
Nossa investigação reside justamente nesses percursos formados a partir
de escolhas de determinados links, pois consideramos que eles não se formam
aleatoriamente, mas se organizam segundo determinadas regularidades.
Esse leitor aparentemente livre em suas escolhas, não o é, pois
caminhos pré-determinados pelos próprios links expostos na tela do
computador. Sendo assim, acreditamos que esses percursos criados, hipertextos
inter-relacionados e sistemas arbóreos hipertextuais construídos não se limitam
ao aspecto material, mas se fazem, de uma ou outra maneira, porque
ligações estabelecidas ali que ultrapassam a materialidade do hipertexto e do link.
Diante disso, nossa investigação busca ultrapassar esse aspecto
meramente material e pela discussão dos links, elementos integrantes do
hipertexto e que o tornam “hiper”, buscamos analisar como eles ultrapassam o
papel material de conectar hipertextos e como, em sua marca material, se
manifesta a marca de uma ligação discursiva. Acreditamos que o link, elemento
exclusivo do hipertexto, direciona sentidos, relaciona hipertextos, materializa a
interdiscursividade.
46
Centramo-nos sobre o papel do link no hipertexto, objetivando mostrar que
a inovação tecnológica trouxe novas questões para discutirmos e
compreendermos por que e como elas acontecem, o que nos permitirá lançar um
novo olhar sobre a não-linearidade do texto digitalizado a partir da predominante
linearidade do texto impresso.
Essas questões são apresentadas hoje porque, em um dado momento,
alguém se dispôs a modificar os materiais de leitura existentes e propôs novas
formas de armazenamento e de realização da leitura. A proposta de Vannevar
Bush de fazer um sistema semelhante à mente humana possibilitou-nos hoje ter o
hipertexto, que possui uma manipulação automática dos hipertextos a ele ligados
e que é ativada ao ser manipulado pelo leitor.
Diante disso, resta-nos questionar e entender como essas possibilidades
de leituras, manipuladas pelo autor ou pelo computador, estão sendo
relacionadas e que critérios são utilizados consciente ou inconscientemente para
ligar um hipertexto a outro.
Sendo assim, objetivamos percorrer caminhos de leitura a partir de um
determinado hipertexto, a fim de observarmos as relações estabelecidas por links
entre um hipertexto e outro e as significações resultantes dessa conexão material.
De um hipertexto a outro, conectado por links, manifestam-se relações de
sentido que vão além da materialidade. Além de considerarmos essa conexão
material, consideramos a própria construção de sentidos que se faz nos
percursos, concebendo-a como algo complexo e para a qual concorrem vários
fatores que interferem em seu estabelecimento: o que é dito no texto, quando é
dito, como é dito, para quem, com qual finalidade, onde é dito.
Nessa pesquisa, colocamo-nos como um leitor disposto a escolher
caminhos a seguir através dos links e a formar percursos de leitura, participando
ativamente do processo de leitura para ver o sistema arbóreo hipertextual em sua
totalidade, a fim de identificar e compreender os elementos que lhes são
subjacentes.
47
CAPÍTULO 2
DO MATERIAL AO DISCURSIVO: ÂNCORAS TEÓRICAS E
METODOLÓGICAS
48
2.1 – Considerações iniciais
Neste capítulo, objetivamos discutir como o hipertexto, com sua
complexidade e capacidade de armazenamento de uma infinidade de textos pode
ser considerado um arquivo. Defendemos que o sistema arbóreo hipertextual,
formado à medida que o leitor vai clicando nos links e seguindo os percursos de
leitura, assemelha-se a um arquivo material e a um arquivo discursivo.
Discutimos duas nomenclaturas para o termo “arquivo” para apresentarmos
dois posicionamentos: as considerações de Colombo (1991) em Os arquivos
imperfeitos, segundo o qual a internet e o hipertexto são arquivos surgidos com a
tecnologia digital e virtual, os quais designamos de arquivo material
14
; e a
perspectiva de Foucault (2008) sobre o termo arquivo, que ele trata numa
perspectiva discursiva em A arqueologia do saber, conceituando-o como o lugar
da união e inter-relação dos enunciados, das formações discursivas e dos
discursos elaborados sobre determinados objetos de discurso por determinada
sociedade.
Diante dessas duas perspectivas, embasaremos nossa análise do
hipertexto na perspectiva discursiva, pois acreditamos que, além de ser um
arquivo material, podemos identificar um arquivo discursivo no sistema arbóreo
hipertextual surgido a partir dos links oferecidos por um único hipertexto.
2.2 – Os arquivos materiais
Colombo (1991) em suas reflexões sobre o arquivo em sua obra Os
arquivos imperfeitos, discute os processos de criação de arquivos pelas
sociedades na sua busca pelo arquivamento da memória, observando nessa
prática uma forma de preservar a história e a cultura de um povo.
14
Sabemos que a internet e o hipertexto o se manifestam materialmente, mas sim digital e
virtualmente. Entretanto, adotamos essa perspectiva de arquivo material para opô-la à perspectiva
de arquivo discursivo. Assim, arquivo material está em contraste com arquivo discursivo, sendo
que, no sentido que adotamos nesse trabalho, material, digital e virtual estão no mesmo patamar
de arquivo que está explícito e que, portanto, está em oposição ao conceito de arquivo discursivo,
que está implícito.
49
Segundo o autor, uma filosofia da memória que perpassa a história
cultural do mundo ocidental. Ele considera que há um processo anterior de
transformação dos elementos da vida pessoal ou coletiva em signos e que estes
signos passam a ser valorizados por um determinado grupo social. O elemento
arquivado, porque convertido em memória, transforma-se em passado; um
passado que pode se tornar presente em diversas épocas assim como o presente
de várias épocas pode vir a se transformar em passado.
Segundo o autor, para que houvesse condições de arquivar a memória de
uma sociedade, foram criados diversos sistemas de arquivamento. Antes mesmo
de surgir a prensa, capaz de arquivar signos em um papel e de permitir sua
reprodução, as sociedades já possuíam formas de arquivar o que era considerado
de valor por um determinado grupo e que as identificavam social, cultural e
historicamente.
Ele observa que, desde antes das evoluções tecnológicas, a técnica de
arquivar signos constituía-se em uma forma de conservar a identidade cultural e
histórico-social de vários povos. Escritas em pedras e pergaminhos, livros escritos
à mão e pinturas todos eles conservados como representantes de uma época e
de um povo são formas de arquivar que possuem um valor cultural e histórico-
social enquanto sistemas mnemônicos.
Colombo (1991) considera como arquivos todos os artefatos veiculadores
de conteúdos simbólicos, como o livro, o jornal, a revista, a fotografia, a
enciclopédia, o vídeo e a internet; ele cita também a biblioteca que, embora não
seja um arquivo igual aos mencionados, possui a capacidade de, justamente,
arquivar todos eles em seu interior.
Os arquivos representam uma determinada época e carregam consigo as
lembranças do momento sócio-histórico em que surgiram e as influências que
promoveram na sociedade. Isso nos leva a perceber como eles são
representativos para as sociedades, na medida em que significam a história de
um povo, a lembrança de um momento histórico e criam marcos na cronologia
das sociedades.
A internet é um desses divisores de água, pois sua criação e consolidação
foram significativas para o mundo inteiro. O computador ligado à internet trouxe e
50
representa um período de rapidez na comunicação, de recepção de um grande
volume de informações em um tempo muito curto, de diminuição de distâncias, de
quebra de fronteiras e de transmissão de informações em tempo real.
Colombo (1991) afirma que assim como os grandes arquivos conhecidos
pela humanidade ao longo dos tempos, tais como as bibliotecas, os museus e as
enciclopédias, o computador ligado à internet também se enquadra nessa
categoria de grande arquivo. Evidentemente, cada arquivo possui sua
especificidade e não seria diferente com a internet. Ela é considerada um grande
arquivo virtual e digital, permitindo o acesso virtual a uma grande quantidade de
dados que flutuam no espaço e chegam aos pontos mais distantes do planeta.
A internet constitui-se num imenso arquivo móvel, fluido, com capacidade
de armazenamento quase infinito, guardando consigo as mais diversas
“memórias”: fatos, opiniões, eventos, textos, imagens e sons, tudo acessado
através de um clique com o mouse. Nesse arquivo virtual, acessa-se a memória
por meio de sinais luminosos emitidos por um dispositivo e o leitor tem diante de
si uma diversidade de signos convertidos em memória digital e virtual com um
simples toque, recebendo-os de forma rápida como em nenhum outro arquivo.
A partir disso, podemos afirmar que, atualmente, a internet é um arquivo
digital, virtual, e também material, de extensão quase infinita. Embora uma grande
biblioteca possa ter inúmeras opções de pesquisa, dificilmente ela alcançará a
complexidade e a capacidade de armazenamento do arquivo virtual que é a
internet.
Esse grande arquivo, repleto de diversas “memórias”, possui um elemento
diferenciador dos presentes em outros arquivos: o hipertexto. Ele traz consigo
aquilo que a própria internet significa: a capacidade de armazenar um grande
número de documentos, a leitura não-linear, a fluidez, a mobilidade, a forma de
armazenamento virtual de documentos escritos e audiovisuais, a possibilidade de
acessar vários documentos de uma só vez através das várias “janelas” que
podemos abrir em uma mesma tela e os vários links que se abrem a partir de um
único documento.
Nesse arquivo digital e virtual pela própria característica da internet –,
mas ao mesmo tempo material, observamos os hipertextos se inter-relacionando
51
materialmente através dos links e formando sistemas arbóreos hipertextuais que
também se transformam num arquivo.
Um hipertexto pode apresentar diversos links como opções de percursos a
serem seguidos e arquivos a serem formados. Ao escolher um link, o leitor
encontra outros que lhe oferecem outros percursos e assim, sucessivamente, ele
pode ir escolhendo dentre as opções disponíveis na tela do computador. Nessa
relação entre hipertextos criada por links vai-se formando um arquivo, a princípio,
material, ou seja, que armazena os artefatos criados por uma sociedade,
responsáveis por representá-la e a significá-la como pertencente a uma
determinada cultura e a um momento sócio-histórico específico.
Considerando a perspectiva de Colombo (1991) sobre arquivo, podemos
afirmar que esses hipertextos integrantes da árvore formada pelas ligações entre
hipertextos são representantes das produções simbólicas de determinada
sociedade, trazendo consigo marcas de uma época, de uma sociedade, de um
lugar específico.
O seu formato arbóreo, representativo da leitura não-linear, demonstra
também as novas formas de uma sociedade criar seus arquivos, revelando sua
necessidade de arquivamento quase infinito, de preservar a memória por,
justamente, temer o esquecimento, como aponta Colombo (1991).
Os conteúdos extensos, os volumes de informação, as infinitas relações
possíveis de serem estabelecidas representam uma sociedade envolvida cada
vez mais com os signos, com o desejo de usá-los para se comunicar com o outro,
mas também para se preservar e se instituir no mundo.
Consideramos essa perspectiva que vê a internet e o hipertexto como
arquivos materiais que armazenam os diversos sistemas semióticos como
representativos da sociedade, bem como identificamos na organização do arquivo
a própria forma como a sociedade materializa sua memória.
No entanto, não vemos apenas dessa perspectiva material, mas
identificamos outra complementar a ela que é a visão do arquivo discursivo.
Acreditamos que nesse sistema arbóreo hipertextual manifesta-se um arquivo
discursivo, o qual significa a sociedade pelos enunciados manifestos na superfície
discursiva dos hipertextos que o integram.
52
2.3 – A perspectiva discursiva
Escolhemos a perspectiva da Análise de Discurso francesa para embasar a
análise do hipertexto como um arquivo discursivo. Essa linha teórica de análise
originou-se na França na década de 1960 e tem como seus principais
precursores, responsáveis pelas articulações teóricas que culminaram no método
de Análise do Discurso, Jean Dubois e Michel Pêcheux.
A Análise do Discurso não aborda o discurso apenas na perspectiva
linguística, no sentido de analisar exclusivamente as estruturas lingüísticas, mas
considera-o em uma relação estreita com a história e a ideologia. Ela pode ser
considerada, portanto, uma perspectiva interdisciplinar, pois une os estudos da
linguagem à história, à sociologia e à psicologia.
Os estudos passam, então, a contemplar a relação entre discurso e história
como interdependentes. O discurso é determinado pela história e a história
constitui o discurso. Como Orlandi (2007) também afirma, o social passa a ser
considerado como constitutivo da língua, e a linguagem passa a ser vista como
prática social, não como simples instrumento de comunicação.
Uma das concepções centrais para a análise de discurso é a discutida por
Pêcheux e Foucault, que pressupõe um sujeito social e historicamente construído.
É no e pelo discurso que os sujeitos se posicionam como sujeitos sociais; nas
práticas discursivas e sociais o sujeito marca sua posição e se institui.
Essa vertente da Análise do Discurso estabelece uma relação estreita com
a história e com as instituições de poder das quais emergem textos, práticas e
discursos que as representam e as instituem socialmente. Essa relação entre
práticas discursivas e práticas não-discursivas, ambas sendo formas de construir
e instituir sujeitos sociais, constitui o cerne de análise dos estudos do discurso.
Segundo Orlandi (2007), o objetivo da Análise do Discurso é compreender
a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social
geral, constitutivo do homem e da sua história (p.15). Desse modo, a AD não
enxerga a linguagem como transparente nem busca encontrar o sentido oculto
nos/dos textos, tampouco questiona “o que esse texto quis dizer?”; ao contrário,
ela objetiva compreender como um texto significa, que relações discursivas ele
53
estabelece e que posições de sujeito podem ser atribuídas ou como os sujeitos
sociais são instituídos no discurso. Portanto, não se trata em descobrir um sentido
pré-construído e fixo, significando por si mesmo, mas em ver como esse sentido
se constrói quando em relação com a história, o social, os sujeitos e suas práticas
discursivas.
A Análise do Discurso o considera a literalidade do sentido, ou seja, que
um enunciado terá um sentido primitivo independentemente do contexto ao qual
possa pertencer. Sua perspectiva é de que não um sentido pré-determinado,
mas, sim, a possibilidade de fazer sentido de todo enunciado, a partir das
condições de produção do discurso. O sentido é instituído historicamente na
relação do sujeito com a língua (ORLANDI, 2007, p.52), transformando-se à
medida que muda a relação do sujeito com a história e com o que é dito.
Sob essa perspectiva, há que se considerar também os trabalhos de Michel
Foucault sobre a constituição dos discursos e sua inter-relação no arquivo em A
arqueologia do Saber, bem como a relação do discurso com o poder em A ordem
do discurso.
Consideramos também as perspectivas de Maingueneau (2008) e Orlandi
(2007) sobre o conceito de interdiscursividade, a fim de elucidarmos a inter-
relação dos discursos dentro do arquivo, assim como as discussões de Orlandi
(2001, 2007) sobre as projeções discursivas do locutor, do interlocutor e dos
objetos de discurso na produção dos discursos que constituem o arquivo
discursivo.
É a partir desses conceitos que poderemos evidenciar como o sistema
arbóreo hipertextual pode se constituir num arquivo discursivo.
2.3.1 Enunciado, formação discursiva, discurso e arquivo: a perspectiva
arqueológica de Michel Foucault
A partir da Arqueologia do saber de Michel Foucault, podemos dizer que as
ciências humanas e sociais puderam ter uma nova visão sobre a produção do
saber. Tal método passou a ser de grande relevância para os estudos da
54
linguagem, mais precisamente à Análise do Discurso, trazendo novos padrões
para a análise e compreensão das complexidades inerentes à prática discursiva
dos sujeitos sociais.
A arqueologia apresenta-se como uma descrição dos discursos da
medicina, da psiquiatria, da economia e da gramática, objetivando compreender
as regras que regem seu aparecimento, em ver como, onde e por que surgiram
determinadas cadeias de enunciados, organizadas em discursos, e como eles
constituem o arquivo de saberes dessas ciências.
A arqueologia também é definida como uma descrição do arquivo e de
todos os elementos que o integram. Na descrição e na teorização presente no
método, o filósofo se dedicou a compreender como os enunciados e os discursos
(re) produzem o saber de uma época, se relacionam, constituem e instituem os
sujeitos do discurso, e em evidenciar como esses saberes estão organizados em
enunciados e estes em discursos, segundo relações específicas, compondo
assim o arquivo de uma sociedade sobre determinados objetos de discurso.
Os estudos de Foucault (2008) se centram em descrever e interpretar os
enunciados, os discursos, as formações discursivas e o arquivo para
compreender o modo de constituição e o regime de determinados discursos,
conforme apontado. A partir desse ponto de vista, pretendemos analisar as
práticas discursivas da sociedade contemporânea, especialmente as produzidas
pela internet, buscando uma compreensão do modo como os fenômenos da
linguagem em discurso nos permitem conhecer a sociedade, a cultura, a história e
os sujeitos que emergem delas.
Para tanto, parece-nos necessário discutirmos alguns conceitos de
fundamental importância para construirmos e estabelecermos nossas bases
teórico-metodológicas.
2.3.1.1 – Os enunciados na perspectiva arqueológica
O método arqueológico possui um conceito que lhe é central: o enunciado.
É a partir dele que Foucault (2008) desenvolve os conceitos de formação
55
discursiva, discurso e arquivo, que são primordiais na análise arqueológica. Essa
relação hierárquica, do nível restrito ao amplo, ou seja, do enunciado ao arquivo,
torna-se relevante para a compreensão do papel do arquivo nas sociedades
humanas. que se considerar que o que falamos são enunciados com uma
origem definida e um lugar específico para se manifestarem, organizados em uma
rede de relações discursivas que precisam ser compreendidas e analisadas em
sua importância discursiva, sociocultural e histórica.
Para o autor, os enunciados possuem uma dispersão inerente que pode
ser abordada a partir do método arqueológico cujo objetivo consiste em reuni-los
em sua dispersão, agrupá-los, relacioná-los segundo suas regularidades e
especificidades, individualizá-los. Com isso, pode-se encontrar sua singularidade
enquanto elementos dos discursos, assim como situar esses enunciados, filiando-
os a seus discursos, para identificá-los como elementos do arquivo de
determinada época organizado em condições histórico-sociais específicas.
Foucault afirma que os enunciados não existem no sentido em que uma
língua existe (2008, p.96). Para ele, a língua tem existência própria e comporta
uma diversidade de usos, e os enunciados não lhe preexistem, mas dependem
dela para se manifestarem. Ao relacionar língua e enunciado, ele afirma:
A língua existe a título de sistema de construção para enunciados
possíveis, mas, por outro lado, ela existe a título de descrição (mais
ou menos exaustiva) obtida a partir de um conjunto de enunciados reais.
Língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência; e não
podemos dizer que enunciados como línguas (FOUCAULT, 2008,
p.96).
Para Foucault, o enunciado é uma função que se exerce verticalmente
(2008, p.96), ou seja, que atravessa os textos, as frases, as proposições, os atos
de linguagem. Sua descrição ocorre de modo vertical, ou seja, tenta-se encontrar,
em diversos textos, enunciados que não aparecem ao acaso, mas que pertençam
a diversos conjuntos significantes, com regras de existência e aparecimento
específicas, cujas relações ocorram no plano do interdiscurso
15
.
O enunciado assume como suporte material uma estruturação formal, seja
como frases, proposições ou atos de linguagem organizados em textos, para se
15
Esse é um posicionamento conceitual que será discutido posteriormente.
56
manifestar materialmente. É a existência da função enunciativa que transformará
esses elementos linguísticos em enunciados. A função enunciativa caracteriza-se
por:
1) instituir um referente, ou seja, ser/objeto do qual se fala que o autor
chama de princípio de diferenciação, e sobre o qual se desenvolvem os
discursos.
2) atribuir posições de sujeito ao enunciado. Para existir um enunciado, é
necessário haver um sujeito que o enuncia de determinado lugar
institucional. Esse lugar o está marcado na frase por ou pessoa,
tampouco é o autor
16
de uma formulação ou de um texto. A posição de
sujeito é um “lugar vazio” que pode ser ocupado por indivíduos
indiferentes.
3) conferir historicidade ao enunciado, ou seja, fazê-lo pertencer a um
campo de coexistência com outros enunciados, que ele chama de domínio.
Esse domínio possui uma historicidade, um lugar institucional, posições de
sujeito que o possibilitam ser o local de origem dos enunciados. Isso
significa que, para ser um enunciado, uma frase precisa estar relacionada
a outras construídas e instituídas historicamente e socioculturalmente. É
a associação a um domínio que faz com que um enunciado tenha sempre
margens povoadas de outros enunciados.
17
(FOUCAULT, 2008, p.110). A
relação existente entre os textos produzidos por uma sociedade deve-se a
essas vozes que os habitam. Não é simplesmente o texto em si e por si
mesmo que dialoga com outro, mas os enunciados que o compõem, as
vozes presentes nele.
4) permitir ao enunciado ter uma materialidade repetível, isto é, para que
uma seqüência de elementos linguísticos possa ser considerada e
16
Para Foucault (2008), sujeito e autor não são a mesma coisa. Um autor pode reunir em um
único texto uma diversidade de enunciados com posições diferentes de sujeito, pois os sujeitos
enunciadores correspondem às posições adotadas e reconhecidas em determinados enunciados
presentes nos textos.
17
Esse conceito remete-nos ao conceito de dialogismo de Bakhtin. Bakhtin conceitua dialogismo
como a diversidade de vozes que “habitam” um texto, que são as diversas posições de sujeito que
podemos lhe atribuir; ele defende também que um enunciado está sempre em diálogo com outros,
possui ecos, lembranças de outros.
57
analisada como um enunciado, ela precisa ter uma existência material
(FOUCAULT, 2008, p.112-113). O enunciado tem uma materialidade que
lhe é constitutiva: que se ter um local para ser registrado, uma voz para
enunciá-lo, uma época para aparecer, para assim marcar sua existência no
mundo. Foucault assim explica:
[...] a materialidade desempenha, no enunciado, um papel muito mais
importante: [...]. Ela é constitutiva do próprio enunciado: o enunciado
precisa ter uma substância, um suporte, um lugar e uma data. Quando
esses requisitos se modificam, ele próprio muda de identidade. (2008,
p.114).
A integração e inter-relação de todos esses elementos constitutivos da
função enunciativa é que permite ao enunciado estabelecer relações que
atravessam o tempo, como aponta Foucault:
[...] o enunciado ao mesmo tempo que surge em sua materialidade,
aparece como um status, entra em redes, se coloca em campos de
utilização, se oferece a transferências e a modificações possíveis, se
integra em operações e em estratégias onde sua identidade se mantém
ou se apaga. Assim, o enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou
impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra
na ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de apropriação ou
de rivalidade. (2008, p.118 – 119).
Foucault acrescenta ainda em sua análise enunciativa três características
centrais dos enunciados: a raridade, a exterioridade e o acúmulo.
Pela raridade deseja-se encontrar o princípio que rege o aparecimento dos
enunciados, ou seja, busca-se compreender por que apenas alguns enunciados
surgiram e se institucionalizaram social, cultural e historicamente. Para analisar a
raridade dos enunciados, deve-se partir do princípio de que nem tudo é sempre
dito (FOUCAULT, 2008, p.135), ou seja, um dizer, aquele instituído, e um não-
dizer, a parte negada, o interdito do discurso, aquilo que se quer silenciar.
Segundo Foucault, o princípio da raridade explica que os enunciados são
[...] coisas que se transmitem e se conservam, que têm um valor, e das
quais procuramos nos apropriar; que repetimos, reproduzimos e
transformamos; para as quais preparamos circuitos preestabelecidos e
às quais damos uma posição dentro da instituição; coisas que são
desdobradas não apenas pela cópia ou pela tradução, mas pela
exegese, pelo comentário e pela proliferação interna do sentido. Por
serem raros os enunciados, recolhemo-los em totalidades que os
58
unificam e multiplicamos os sentidos que habitam cada um deles.
(FOUCAULT, 2008, p.136)
Analisar a exterioridade consiste em restituir os enunciados à sua pura
dispersão, apreender sua própria irrupção no lugar e no momento em que se
produziu e reencontrar sua incidência de acontecimento (FOUCAULT, 2008,
p.137-138). Esse ponto de vista considera que o enunciado não existe apenas por
sua interioridade, mas, sobretudo, pela exterioridade que o constitui e o identifica
em meio à dispersão, ou seja, pelo seu pertencimento a um campo associativo
comum, pelas posições de sujeito, por pertencer a um momento sócio-histórico
específico. Considera também que o enunciado não se constitui por si mesmo,
mas insere-se numa continuidade que o precede, o que o torna um acontecimento
situado em relação a um determinado domínio.
Analisar o enunciado em sua exterioridade é considerar
as relações, as regularidades e as transformações que podem ser
observadas, o domínio do qual certas figuras e certos entrecruzamentos
indicam o lugar singular de um sujeito falante e podem receber o nome
de um autor (FOUCAULT, 2008, p.139).
Relacionada às noções de raridade e exterioridade está a noção de
acúmulo. Esse conceito diz respeito à investigação de como os enunciados se
mantiveram ao longo do tempo, como foram conservados e como o reativados
e utilizados ainda hoje. Institui-se, assim, uma relação entre acúmulo e
temporalidade, que, segundo Foucault (2008), para ser elucidada, torna-se
necessário considerar três aspectos que compõem a noção de acúmulo: a
remanência, a aditividade e a recorrência.
a) Remanência: os enunciados são remanentes porque um número de
suportes e de técnicas de armazenamento (como livros, revistas, jornais e
hoje a internet) e algumas instituições (a biblioteca, a igreja, a mídia), que
possibilitam seu arquivamento, sem as quais eles teriam se perdido e não
se projetariam do passado ao futuro.
b) Aditividade: os enunciados se agrupam, coexistem e se identificam
segundo certas regularidades. Esses agrupamentos modificam-se ao longo
do tempo e adquirem um aspecto singular. Um enunciado não se manifesta
59
sozinho, ao contrário, eles estabelecem relações uns com os outros, que
exclui e inclui, anula, completa, criando relações de natureza vária.
c) Recorrência: os enunciados pertencem a determinado campo de
elementos antecedentes, com os quais ele deve se relacionar e se situar
para existir. Nenhum enunciado existe sozinho, mas “recorre” a outros
ditos para estabelecer ligações, se reorganizar e redistribuir de modos
diferentes e assim criar sua identidade.
Analisar a raridade, as relações de exterioridade e buscar a origem dos
enunciados através da análise do acúmulo é tentar encontrar a positividade do
discurso, ou seja, encontrar sua unidade, compreender como e por que diversos
enunciados o compõem, qual a positividade que une esses enunciados e os
integram em determinadas formações discursivas, as quais são a base e o
princípio de formação e individualização dos discursos.
2.3.1.2 – A formação discursiva: da dispersão à regularidade
Um ponto central do método arqueológico é a constatação de que os
enunciados estão em sua dispersão original. O seu agrupamento ocorre a partir
da identificação de regularidades discursivas que possibilitam reuni-los em
determinadas formações discursivas a partir dos seguintes critérios, conforme
apresentados por Foucault:
Descrever enunciados, descrever a função enunciativa de que são
portadores, analisar as condições nas quais se exerce essa função,
percorrer os diferentes domínios que ela pressupõe e a maneira pela
qual se articulam é tentar revelar o que se poderá individualizar como
formação discursiva. (2008, p.131)
É a regularidade nesses aspectos que os integrará em determinada
formação discursiva, bem como os diferenciará de enunciados pertencentes a
outras formações discursivas. Para Foucault (2008), assim como a frase pertence
ao texto e a proposição ao conjunto dedutivo, o enunciado pertence a uma
formação discursiva e a sua regularidade é estabelecida por ela.
60
Foucault apresenta determinados critérios para identificarmos uma
formação discursiva:
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre
os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas,
se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2008, p.43)
São as regularidades quanto ao modo de designar seus objetos, posições
enunciativas semelhantes, origens comuns e mesmo sistema de relações que
integram um conjunto de enunciados em uma formação discursiva.
Sendo assim, os objetos de discurso não significam por si mesmos, mas é
o seu pertencimento a determinada formação discursiva que delimita seu sentido
e os diferencia em relação a outros. Sobre essa relevância da formação
discursiva para o estabelecimento dos sentidos, Orlandi afirma que as palavras
recebem, pois, seu sentido da formação discursiva na qual são produzidas (2006,
p.58).
Sobre essa discussão, Orlandi (2007) ainda destaca que:
Os sentidos não estão assim predeterminados por propriedades da
língua. Dependem de relações constituídas nas/pelas formações
discursivas. No entanto, é preciso não pensar as formações discursivas
como blocos homogêneos funcionando automaticamente. Elas são
constituídas pela contradição, são heterogêneas nelas mesmas e suas
fronteiras são fluidas, configurando-se e reconfigurando-se
continuamente em suas relações (p.44).
Diante disso, observamos que os enunciados podem ser agrupados por
determinadas similaridades em uma dada formação discursiva, mas não são
homogêneos nem integram um conjunto fechado e acabado; ao contrário, os
enunciados integram um conjunto sempre em constante transformação,
atualização e influência dos outros existentes, como a própria linguagem pela qual
eles se manifestam.
Mesmo diante da heterogeneidade inerente aos enunciados e à própria
formação discursiva, é possível observamos nas diversas formações discursivas a
constituição dos discursos. As palavras se inscrevem em determinadas formações
61
discursivas e por isso o discurso adquire um ou outro sentido, distintos, conforme
a formação discursiva a que se relacionam.
Orlandi (2007) afirma que é pela referência à formação discursiva que
podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos (p.
44). Isso significa que as palavras não têm sentido nelas mesmas”, mas “derivam
seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem (p.43).
É a partir dessa perspectiva de enunciados agrupados em determinadas
formações discursivas, segundo regularidades discursivas, que chegamos ao
discurso, forma de materialização dos sentidos de determinada formação
discursiva, à qual ele pertence e de onde se origina.
2.3.1.3 – O discurso e as relações de poder
Sabemos que os enunciados, em sua natural dispersão, possuem
regularidades discursivas que os integram em determinadas formações
discursivas, que são a base de formação dos discursos. Desse modo, os
discursos se constituem e se instituem a partir da formação discursiva a que se
relacionam.
Segundo Foucault (2008), o termo discurso pode ser definido como um
conjunto de enunciados que se apóia em um mesmo sistema de formação
(p.122), ou seja, um discurso possui um conjunto de enunciados que se filiam a
um campo enunciativo, possuem historicidade, posições de sujeito específicas e
uma materialidade repetível –, e estes são agrupados, segundo regularidades
específicas, em formações discursivas que lhes dão identidade.
Foucault define discurso, considerando este um sentido pleno que
podemos lhe atribuir:
Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em
que se apóiem na mesma formação discursiva; ele o forma uma
unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo
aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o
caso) na história; é constituído de um número limitado de enunciados
para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência.
(2008, p.132-133).
62
Como o discurso se constitui a partir da dispersão dos enunciados,
diríamos que a mesma função enunciativa responsável por lhes conferir
identidade atribui identidade aos discursos. Dos elementos da função enunciativa,
podemos destacar um que é central para a constituição dos discursos: a posição
de sujeito. De acordo com Orlandi (2007), o lugar a partir do qual fala o sujeito é
constitutivo do que ele diz (p.39), ou seja, o sentido se constitui
diferenciadamente, conforme a posição daquele que enuncia.
Para Foucault, o posicionamento do sujeito no discurso e,
consequentemente, as construções que ele faz dos objetos de discurso em
decorrência desse posicionamento está relacionado ao poder. Os discursos
caracterizam-se pela forma como designam, formam e apresentam seus objetos,
sendo considerados, portanto, práticas que formam os objetos de que falam,
dando-lhes identidade e colocando-os em relação com outros objetos em uma
rede de discursos.
A relação entre “discurso-poder” e “saber-poder”, é uma questão central
dos estudos de Foucault em seu Método Genealógico
18
. Na Arqueologia, ele
descreveu os discursos, buscou suas origens, objetivou encontrar suas
regularidades e especificidades. Na Genealogia, ele buscou compreender os
discursos legitimados socialmente e objetivou revelar os mecanismos de poder
nos quais estão envoltos e que perpetuam, revelando assim a relação entre o
discurso e a autoridade dada pelas instituições aos sujeitos para que se tornem
senhores de seu discurso e exerçam poderes por meio das práticas discursivas e
não-discursivas.
Em A ordem do discurso, Foucault (1996) afirma que o poder determina a
construção dos objetos de discurso, pois por meio dos discursos instituem-se
algumas visões sobre os objetos como verdadeiras, que não são a realidade, mas
uma construção discursiva.
Esse poder no discurso advém de instituições que autorizam o sujeito a
enunciar de determinado lugar, ou seja, elas controlam os dizeres dos sujeitos e
definem o que eles podem e devem falar e a posição de sujeito da qual devem
enunciar algo para que seu discurso seja digno de credibilidade e tenha
18
Para abordarmos a relação entre saber-poder” e “discurso e poder”, consideramos a obra A
ordem do discurso (FOUCAULT, 1996).
63
autoridade. De acordo com Foucault, as instituições determinam quem pode dizer
o quê, quando e para quem, haja vista que não se tem o direito de dizer tudo, que
não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa (1996, p.9).
É nessa relação de poder que se exerce o controle do discurso, ou seja,
nela se define quais discursos podem ser consolidados socialmente e quais
enunciados podem integrá-los. Para Foucault (1996), esse controle no (do)
discurso oculta os mecanismos de poder que o sujeito enunciador dispõe para
alcançar o objetivo desejado ao emitir um enunciado e se posicionar de
determinado lugar do discurso.
Essas relações de poder estabelecidas no/pelo discurso devem ser
consideradas também quando nos referimos à produção de saber e à vontade de
verdade como observa Foucault (1996). Para o autor, o saber se constitui sob as
tramas do poder e é o poder quem elege determinados saberes em detrimento de
outros. Segundo Foucault (1996), aquilo que é considerado como verdadeiro ou
falso em uma determinada época está relacionado ao sistema de poder, pois é
ele que assim determina.
Quem possui esse saber eleito como o verdadeiro, adquire, pelo poder
atribuído, condições para falar e produzir sentido, pois está de acordo com uma
instituição maior que o controla. Por outro lado, aquele que não detém o saber
eleito sob um regime de poder, em que aquele que não adquire condições de
dizer surge categorizado, separado e excluído da possibilidade de fazer sentido,
fica, portanto, segregado do sistema. Essa divisão e segregação constituem os
procedimentos de exclusão, a que Foucault (1996) se referiu como interdição:
Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância,
direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala (p.9).
Foucault (1996) reconhece que é necessário ser autorizado para falar, ou
seja, qualquer um não pode falar qualquer coisa, pois é um direito privilegiado do
sujeito que fala. É privilegiado porque o sujeito que fala possui um saber que lhe
dá poder para falar, e esse saber-poder lhe é concedido por uma instituição
específica que o capacitou para ocupar tal posição.
64
Quando determinados discursos são tomados como visões socialmente
aceitas, que se reconhecer o trabalho exercido de inclusão e exclusão de
verdades discursivamente construídas e intimamente relacionadas a instituições
de poder que as estabelecem como verdades socialmente aceitas e partilhadas.
Observamos que esses mecanismos de poder, dos quais muitas pessoas
não têm consciência, manifestam-se nos textos por meio dos discursos que os
integram
19
. Nesses textos, observamos inter-relações que se fazem pela
positividade
20
de seus discursos, ou seja, um conjunto de textos pertencentes a
uma mesma formação discursiva se relaciona por meio da positividade de seus
discursos. Para Foucault (2008), a positividade de um discurso [...] caracteriza-lhe
a unidade através do tempo e muito além das obras individuais, dos livros e dos
textos (p.143).
É por meio da positividade que observamos a recorrência dos discursos e
sabemos que adquire voz e o status de verdade aquilo que é recorrente. É,
portanto, a recorrência dos discursos nas práticas discursivas dos sujeitos sociais
que marca seu poder e influência na sociedade.
Essa recorrência se constitui, interdiscursivamente, a partir da relação
por similaridades ou por oposiçãoentre os discursos socialmente estabelecidos.
Nesse sistema de relações constitui-se o arquivo discursivo, o qual pode ser
designado como o local de inter-relação de discursos sobre determinado(s)
objeto(s) de discurso.
19
Veremos, no capítulo 3, a manifestação do poder no discurso por meio dos enunciados que
constituem os (hiper)textos, uma vez que o poder determina o que pode ser dito e que verdade
deve ser propagada sobre os objetos de discurso. Acreditamos também que o poder no/do
discurso define e limita o hipertexto que pode ou não ser relacionado pelos links.
20
De acordo com Foucault (2008, p.144), a positividade desempenha o papel do que se poderia
chamar de um ‘a priori histórico’. Esse ‘a priori’ seria a condição de realidade para enunciados
que, nesses termos, serão definidos pelas suas condições de emergência, pela lei que rege sua
coexistência com outros enunciados, a sua singularidade e os princípios pelos quais subsistem, se
transformam e desaparecem (FOUCAULT, 2008, p.144). Segundo ele, o ‘a priori’ [...] define-se
como o conjunto das regras que caracterizam uma prática discursiva (FOUCAULT, 2008, p.145)
que é definida por Foucault como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada
área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa
(FOUCAULT, 2008, p.133).
65
2.3.1.4 – O arquivo discursivo
Na Arqueologia, Foucault objetivava estudar como algumas áreas do saber
possuíam determinados enunciados organizados em formações discursivas e
instituídos como discursos; evidenciou que, em meio à dispersão, esses
enunciados, materializados em textos, possuíam regularidades que os integravam
em formações discursivas, os filiavam a um discurso, e que, por fim, os
relacionavam em um arquivo.
Desse modo, ele identificou em cada domínio do saber o seu próprio
arquivo, composto por textos, veiculadores de enunciados e discursos
específicos, capazes de evidenciar as práticas discursivas que constituíam e
representavam o(s) saber (es) de determinada(s) ciência (s).
A Análise de Discurso, em seu exame do arquivo, não se restringiu
exclusivamente aos estudos sobre a constituição dos discursos das ciências,
conforme fez Foucault, mas buscou identificar e analisar como os enunciados
sobre determinados objetos de discurso possuem regularidades discursivas que
os filiam a formações discursivas, os instituem como discursos e, por fim, os
relacionam dentro do arquivo, visando compreender como determinada sociedade
constrói discursivamente os seus objetos de discurso.
De acordo com Guilhaumou & Maldidier (1994), o arquivo era concebido
pela Análise do Discurso clássica como um conjunto de séries textuais impressas,
que haviam sido analisadas pelos historiadores, e a sua materialidade já
apresentava claramente os elementos discursivos, apenas à espera de serem
analisados.
Segundo o ponto de vista introduzido pelos estudos arqueológicos de
Michel Foucault, o arquivo nunca é dado a priori, e em uma primeira leitura, seu
funcionamento é opaco (GUILHAUMOU & MALDIDIER, 1994, p.163-164).
Assim, ao invés de investigar um arquivo como o lugar de onde podemos
identificar questões como uma data, uma filiação a instituições, um lugar em uma
série e os fatos históricos que ele apresenta para daí extrair as significações, é
necessário ir além a fim de analisar os sentidos que emergem do arquivo e buscar
66
demonstrar como, em meio à dispersão dos enunciados, ele constrói os objetos
dos quais fala, que enunciados falam sobre o objeto, quais discursos são
construídos e como eles se relacionam dentro do arquivo.
Portanto, nessa perspectiva de análise, não é considerada a visão do
arquivo em seu aspecto material, como bem demonstra Foucault:
Não entendo por esse termo a soma de todos os textos que uma cultura
guardou em seu poder, como documentos de seu próprio passado, ou
como testemunho de sua identidade mantida; não entendo, tampouco,
as instituições que, em determinada sociedade, permitem registrar e
conservar os discursos de que se quer ter lembrança e manter a livre
disposição (2008, p.146).
Ele assim define o termo arquivo, numa perspectiva discursiva:
Trata-se antes, [...], do que faz com que tantas coisas ditas por tantos
homens, tantos milênios, [...], tenham aparecido graças a todo um
jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo:
que em lugar de serem figuras adventícias e como que inseridas, um
pouco ao acaso em processos mudos, nasçam segundo regularidades
específicas; [...] que se há coisas ditas e somente estas –, não é
preciso perguntar sua razão imediata às coisas que se encontram
ditas ou aos homens que as disseram, mas ao sistema de
discursividade, às possibilidades e às impossibilidades enunciativas que
ele conduz. O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema
que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos
singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas coisas
ditas [...] se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as
outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem
segundo regularidades específicas (FOUCAULT, 2008, p.146-147)
Diante do exposto, podemos perceber que o arquivo é o sistema amplo
onde os conceitos de enunciado, formação discursiva e discurso se relacionam.
Foucault considera o arquivo um sistema de discursividade que organiza as
coisas ditas pelos homens, como o sistema regulador dos enunciados, definindo,
portanto, seu aparecimento, sua manutenção e/ou seu desaparecimento da
constituição de determinadas práticas discursivas dos sujeitos.
Os enunciados possuem suas regularidades, suas origens, filiam-se a
determinados conjuntos, assemelham-se ou diferenciam-se uns dos outros
conforme pertençam a um ou outro discurso. O que possibilita isso é o fato de
existir o arquivo sistema de discursividade que organiza as coisas ditas pelos
67
homens, que rege o que pode ser dito, que exclui ou inclui enunciados,
agrupando-os, relacionando-os, diferenciando-os.
O arquivo faz com que os dizeres sejam organizados, tenham forma
definida e lugar garantido. Eles possuem história e linearidade, não se perdem no
tempo sem motivos definidos.
Foucault reconhece a impossibilidade de descrever o arquivo de uma
humanidade, mas afirma ser possível analisar a soma de discursos produzidos
por uma sociedade, em um determinado momento sócio-histórico, sobre um
objeto.
O que define um arquivo não é a similaridade nem a materialidade dos
gêneros textuais que lhe pertencem, mas a regularidade dos discursos sobre os
objetos de discurso apresentados nesses gêneros. Os gêneros relacionados
discursivamente não precisam ser idênticos em aspectos formais, pois basta que
possuam as singularidades necessárias para se unirem em meio à dispersão.
De acordo com Sargentini (2004), Foucault considera o valor do arquivo
não em sua unificação, mas na especificidade de cada texto, na
representatividade que este sinaliza no arquivo (p.88). Para existirem, os
enunciados precisam se materializar em textos; por isso, há que se considerar a
importância de cada texto, enquanto veiculador de enunciados, dentro do arquivo.
A identidade do arquivo de uma época será marcada pelos enunciados,
materializados em textos, que o compõem.
Foucault considera esse sistema organizador de enunciados como o
definidor dos enunciados como acontecimentos, isto é, suas condições e seu
domínio de aparecimento, e os vê também como coisas, ou seja, compreendendo
sua possibilidade e seu campo de utilização (2008, p.146).
Os enunciados se constituem como acontecimento e coisa na medida em
que eles não aparecem em qualquer lugar nem se filiam a qualquer prática
discursiva, pois há regras no seu interior que definem quando, onde e como
podem “acontecer”, bem como quais relações eles podem estabelecer. Segundo
Foucault (2008, p.146), são todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos
de um lado, coisas de outro) que se denominam arquivo.
68
Nesse sentido, o arquivo é responsável por definir as regras de
inclusão/exclusão, definir espaços, estabelecer relações, agrupar e reagrupar os
enunciados, por diferenciar os discursos, por dar-lhes singularidade e, ao mesmo
tempo, promover uma inter-relação entre eles, bem como definir a identidade das
formações discursivas e da organização dos enunciados em discursos.
Os enunciados não podem ser ditos por qualquer um, nem aparecerem em
qualquer lugar, tampouco se agruparem sem regras definidas. O dizer não está
organizado a partir de regras perceptíveis materialmente, no nível da palavra, mas
substancialmente, no nível do discurso. Os textos seriam formas de materializar o
substancial, de dar vida ao sistema já pré-definido dos enunciados.
Assim como o discurso possui a positividade que une os enunciados em
meio à dispersão, o arquivo também obedece a uma positividade, responsável por
estabelecer uma relação entre todos os seus elementos: enunciado, formação
discursiva e discurso. Essa positividade promove a coexistência entre discursos
dentro de um arquivo, permitindo que os enunciados de cada discurso se
relacionem uns com os outros em uma relação interdiscursiva.
Não é possível fazer uma descrição do arquivo de uma sociedade,
conforme salienta Foucault, mas podemos analisar pequenas partes dele e, a
partir daí, conhecermos a sociedade, a cultura de um povo, seu modo de ver, sua
forma de pensar a realidade, suas experiências e suas relações sociais. De
acordo com Sargentini,
a noção de arquivo torna-se muito produtiva nos estudos da análise do
discurso. Não se trata de considerar tal noção como (sic) enunciados
conservados por uma via arquivística -, mas como um modo de
acompanhar as práticas discursivas de uma sociedade. (2008, p.4)
É por meio dos enunciados organizados em discursos e integrantes de um
arquivo que podemos refletir sobre o modo como os sentidos são produzidos nas
práticas discursivas correntes em determinada sociedade.
Estudar os enunciados e os discursos como elementos do arquivo coloca-
nos diante da totalidade, do princípio organizador de tudo, pois evidencia o
sistema de poder vigente em uma sociedade que determina as práticas
discursivas dos sujeitos.
69
2.3.2 – As projeções no discurso: locutor, interlocutor e objetos de discurso
Apresentamos e discutimos os conceitos centrais do Método Arqueológico
que são um dos pilares de nossa análise. Abordamos desde o nível mais restrito,
o enunciado, até o mais amplo, o arquivo, e nessa discussão deparamo-nos com
o discurso, lugar onde os sentidos se constroem e se instituem socialmente. Indo
além, podemos afirmar que esses discursos se materializam em textos e se
tornam o elemento fundamental de construção dos sentidos dos textos que
circulam na sociedade.
Orlandi (2007) afirma que as produções de sentido devem-se às condições
de produção dos discursos, as quais funcionam conforme três fatores: a relação
de forças, a antecipação e a relação de sentidos
21
. Eles são considerados
mecanismos de funcionamento dos discursos, ou seja, a partir dos quais os
discursos são construídos, significam e se instituem. Segundo a autora, esses
mecanismos repousam no que chamamos de formações imaginárias (ORLANDI,
2007, p. 40).
A autora conceitua as formações imaginárias como as imagens resultantes
do processo de projeção no discurso, ou seja, os sujeitos construídos no discurso
não são os sujeitos empíricos, situados socialmente e apresentados como são na
realidade, mas sujeitos projetados no discurso conforme a posição daquele que
enuncia.
A relação de forças diz respeito ao lugar do discurso de onde o sujeito fala;
para Orlandi (2007), o lugar do discurso de onde o sujeito fala determina a
construção de sua imagem de locutor e está intimamente relacionada àquilo que
ele julga ser para dizer o que diz.
A antecipação diz respeito às imagens que o locutor faz de seu
interlocutor, ou seja, o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que
pensa produzir em seu ouvinte (ORLANDI, 2007, p.39).
21
Discutiremos nessa seção apenas a relação de forças e a antecipação, pois consideramos que
o conceito de relação de sentidos está mais relacionado à interdiscursividade, que trataremos na
próxima seção.
70
Unindo os dois fatores a relação de forças e a antecipação temos a
elaboração do mecanismo imaginário dos discursos, nos quais são produzidas
imagens dos sujeitos e dos objetos do discurso. De acordo com Orlandi, na
relação discursiva, são as imagens que constituem as diferentes posições, ou
seja, o sujeito se posicionará no discurso conforme a imagem que ele tem de si
(locutor), do outro (interlocutor) e do seu objeto (assunto).
Considerando esses fatores das condições de produção do discurso e
transpondo-os para o nível do texto, na medida em que este materializa os
discursos, podemos caminhar para as discussões de Orlandi (2001) sobre a
produção do texto e da leitura numa perspectiva discursiva, para compreender
como esses processos de produção de sentido se manifestam no texto enquanto
discursos dotados de projeções.
De acordo com Orlandi (2001), todo texto é produzido por um determinado
autor, para um leitor específico, em uma época e em determinada situação.
Assim, os sentidos serão construídos a partir desses elementos que, unidos,
conferem identidade ao texto, ao autor e ao leitor.
Ao construir um texto, o autor leva em consideração as suas projeções
discursivas sobre si mesmo, sobre o seu suposto leitor e o referente (objeto de
discurso) do qual se fala, utilizando enunciados que transmitem sua visão sobre
eles e instituindo determinados discursos em seu texto.
Desse modo, devemos considerar que os textos possuem enunciados que
se filiam a determinados discursos. É no/pelo discurso que as formações
imaginárias são criadas e que os sentidos dos textos se constroem. Esses
elementos constitutivos das formações imaginárias são o princípio da elaboração
dos discursos e de atribuição de sentidos durante a leitura.
Segundo Orlandi (2001), em um discurso, são construídas imagens:
a) do locutor (quem fala?): essa imagem diz respeito às perguntas “quem sou eu
para lhe falar assim?”, feitas pelo locutor, ou “quem é ele para que me fale
assim?”, da parte do interlocutor. Essa imagem diz respeito às posições do
discurso das quais o locutor fala e que são responsáveis por constituir sua
identidade.
71
b) do referente/objeto de discurso (sobre o que se fala?): essa pergunta diz
respeito à imagem que se faz do referente, ou seja, como é construído
discursivamente e apresentado textualmente o objeto de discurso. Nessa
construção, estão envolvidas perguntas como “do que estou falando?”, da parte
do locutor, ou “do que ele me fala” (da parte do interlocutor).
c) do interlocutor (para quem se fala?): esse questionamento diz respeito à
imagem que o locutor faz de seu interlocutor. A imagem é construída a partir das
perguntas “quem é ele para que eu lhe fale assim?” e “quem é ele para me falar
assim?”.
A imagem do interlocutor é aquela idealizada pelo locutor sobre o leitor
virtual
22
– interlocutor que é constituído no próprio ato da escrita (ORLANDI, 2001,
p.185) –, podendo ou não haver relação dessa projeção com a subjetividade do
leitor real; ou seja, o locutor faz escolhas discursivas que identificam o leitor
(interlocutor) projetado por ele. Assim, conforme a imagem construída, o sujeito
institui-se a partir de determinada posição discursiva, seleciona-se determinado
assunto, dirige-se discursivamente ao interlocutor de uma ou outra maneira,
construindo sentidos no texto.
Além desses três elementos centrais na elaboração e atribuição de
sentidos ao texto, deve-se considerar também, sob a ótica discursiva, a instituição
que autoriza o locutor a enunciar de determinada posição do discurso. O “onde se
diz”, ou seja, o aparelho ideológico que ampara a enunciação é muito importante,
pois ele também influencia a construção das imagens do locutor, do interlocutor e
do referente.
Considerando essas formulações sobre os elementos constitutivos do
percurso de comunicação, conforme apresentado por Orlandi (2001) e Orlandi
(2007), envolvendo as formações imaginárias, adaptamos o esquema dessa
autora sobre as formações imaginárias presentes no discurso pedagógico
22
O leitor virtual citado não se relaciona às questões da internet, mas à definição de Orlandi
(2001) sobre os dois tipos de leitor: o leitor virtual é aquele inscrito no texto, ou seja, projetado pelo
locutor; o leitor real é aquele situado socioculturalmente e historicamente em um determinado
lugar, que lê o texto e se depara com essas projeções, às quais ele pode se identificar ou não.
72
(ORLANDI, 2001, p. 16), para aplicarmos de modo geral ao processo de produção
do discurso, e mais precisamente, dos discursos apresentados em forma de texto.
A discute (fala) sobre R a B em X
A – Quem (locutor)
R – O quê (referente/objeto de discurso)
B – Para quem (interlocutor)
X – Onde (aparelho ideológico, instituição)
A partir da apresentação dos elementos discursivos que envolvem o
discurso e que concorrem para a produção de sentido nos textos, observamos
que as imagens das três pessoas do discurso o construídas a partir de
condições de produção socioculturais e históricas e que a mudança dessas
condições altera os sentidos elaborados em A, R, B e X.
Considerando essas formações imaginárias no(s) discurso(s) manifesto(s)
em textos, analisaremos o corpus selecionado para observamos como são
elaboradas e instituídas nos discursos a imagem do locutor, do interlocutor e do(s)
objeto(s) de discurso e como esses posicionamentos discursivos são relacionados
pela interdiscursividade presente no sistema arbóreo hipertextual, estabelecendo
no arquivo discursivo as imagens do locutor, do interlocutor e dos objetos de
discurso projetados discursivamente.
2.3.3 – Perspectivas sobre a interdiscursividade
A partir dos objetivos propostos nesse trabalho, consideramos relevante,
por fim, trazer algumas discussões sobre as relações de sentido estabelecidas
entre os discursos, objetivando uma visão das relações instituídas no arquivo
discursivo.
Como observa Maingueneau (2008), os discursos trazem consigo a
presença do “Outro”, ou seja, as vozes com as quais ele dialoga, seja para se
73
opor ou se apoiar, para então se constituir. Para ele, duas formas de o “Outro”
se manifestar em um discurso: pela heterogeneidade mostrada, a qual é possível
chegar pela presença de elementos linguísticos materializados na superfície
textual (palavras entre aspas, citações etc.), ou pela heterogeneidade constitutiva,
na qual a presença do “Outro” se faz na inter-relação que se estabelece no
interior do discurso, de uma voz com outra no plano das formações discursivas,
não podendo, portanto, ser identificada pela materialidade linguística.
A heterogeneidade constitutiva é a responsável pela historicidade inerente
ao discurso, ou seja, os discursos encontram-se repletos de vozes, ou seja, estão
em constante diálogo com a alteridade a partir da qual eles se constituem, bem
como se tornam elementos de amparo para novos dizeres. A heterogeneidade
constitutiva é designada como a interdiscursividade, significando a relação de um
discurso com outros discursos.
Para Orlandi (2006, p.18), os discursos têm suas origens definidas a partir
de outros que são sua “matéria-prima”, bem como abrem possibilidades para o
surgimento de outros discursos. Desse modo, não discursos inéditos, mas
sempre em uma relação de continuum, ou seja, eles estarão sempre retomando já
ditos e serão a base para futuros dizeres.
Para Maingueneau (2001, p.24), o termo interdiscursividade designa uma
relação de um discurso com outros discursos, visando sustentar o que é dito. O
que é enunciado tem valor e efeito porque ele se encontra relacionado a outros
dizeres, a outros discursos já ditos. Segundo ele, o discurso só adquire sentido no
interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu
caminho (MAINGUENEAU, 2001, p.55).
Ao falar sobre o modo como os discursos se relacionam com outros,
Maingueneau (2008) estabelece alguns conceitos para especificar a manifestação
da interdiscursividade. Assim, ele elabora os conceitos de universo discursivo,
campo discursivo e espaço discursivo. Por universo discursivo, ele entende o
conjunto de formações discursivas de todos os tipos que interagem numa
conjuntura dada. (MAINGUENEAU, 2008, p.33). Esse conjunto é finito, mas não
nos é possível apreender sua totalidade. Esse conceito é considerado por ele de
pouca utilidade para o analista e pode ser visto mais como uma base para a
74
construção dos campos discursivos, os quais o definidos como um conjunto de
formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitam-se
reciprocamente em uma região determinada no universo discursivo
(MAINGUENEAU, 2008, p. 34).
Essa concorrência entre formações discursivas diz respeito ao diálogo
existente entre discursosseja de confronto, de apoio, de neutralidade –, e que é
responsável por marcar sua identidade. Esses discursos em relação de
concorrência podem não figurar no mesmo plano, pois hierarquias que opõem
discursos dominantes a dominados. Sendo assim, o autor considera necessário
isolar os espaços discursivos, ou seja, subconjuntos de formações discursivas
que o analista, diante de seu propósito, julga pôr em relação (MAINGUENEAU,
2008, p.35).
Ao analisar os diálogos entre discursos, observa-se que eles se fazem pela
presença do “Outro”, ou seja, um discurso dialoga com o outro pela parte negada,
pelo interdito que o constitui. De acordo com Maingueneau (2008), no espaço
discursivo, o Outro é aquele que faz sistematicamente falta a um discurso e lhe
permite encerrar-se em um todo. É aquela parte de sentido que foi necessário o
discurso sacrificar para constituir a própria identidade (p.37). Desse modo, ao
analisar a interdiscursividade, observamos a relação com o não-dito a partir do
qual o discurso nasceu.
Para Maingueneau (2008), os enunciados possuem um “direito” e um
“avesso”. O enunciado possui um “direito”, que é a relação estabelecida com a
formação discursiva da qual faz parte, e um “avesso”, que é a rejeição do
enunciado de seu “Outro”, a parte negada. Desse modo, na análise
interdiscursiva, deve-se observar o diálogo dos enunciados com o “direitoe o
“avesso”, para observarmos o modo de constituição dos discursos.
Ao analisarmos um texto na perspectiva da interdiscursividade, veremos
um entrecruzamento de discursos, em uma relação inclusiva, ou seja, de eleição
de determinados discursos, bem como observaremos a não-presença, em uma
relação de exclusão de outros discursos. O mesmo raciocínio é possível de ser
feito se pensarmos na presença ou ausência de enunciados em uma formação
75
discursiva, ou seja, determinados enunciados são rejeitados e outros são
selecionados para integrá-la.
Se pensarmos nas reflexões de Foucault sobre o poder nos/dos discursos,
veremos que as coisas ditas pelos homens não surgem ao acaso, mas sim
segundo relações interdiscursivas que manifestam o poder vigente em
determinada sociedade. Assim, dizeres instituídos socialmente e que são
considerados pelos sujeitos sociais como verdades que se diz sobre as coisas do
mundo, as pessoas e suas relações sociais. também um não-dizer nesses
dizeres, pois, para se afirmar algo como verdadeiro e estabelecê-lo como padrão
de crença, é necessário interditar determinados dizeres, ocultar outras “verdades
que não seriam “verdades consolidadas” para determinada sociedade.
No plano da interdiscursividade, considerada como o diálogo entre
formações discursivas, observamos que cada formação discursiva possui seus
enunciados instituídos, socialmente aceitos, assim como possui aqueles que são
rejeitados. Observamos aí o trabalho de uma memória discursiva atuante que
seleciona o que pode ou não ser dito, o que deve ou não ser considerado padrão
de crença e integrar uma formação discursiva.
Brandão (1988) observa na interdiscursividade, que ela chama de
intertextualidade interna, o trabalho da memória discursiva. Segundo ela, toda
formação discursiva se associar uma memória discursiva (p.224), pois a
memória discursiva permite, na rede de formulações que constitui o intradiscurso
de uma FD, o aparecimento, a rejeição ou a transformação de enunciados
pertencentes a formações discursivas historicamente contíguas (BRANDÃO,
1988, p.224).
Pela memória discursiva seleciona-se o que pode ou não ser dito, o que
será negado e o que será afirmado. Ela determina o que pode ou não fazer parte
das formações discursivas, evidenciando o sistema de seleção de enunciados
socioculturalmente instituídos e aceitos. Além disso, ativar um ou outro elemento,
uma ou outra verdade em uma formação discursiva revela o poder que atua sobre
o discurso e que se manifesta pela memória.
Portanto, sentidos que podem se manifestar em uma formação
discursiva e que não o permitidos de se manifestarem em outras; há
76
significações que são autorizadas a circular socialmente e a se
institucionalizarem, mas outras que são interditadas, pois não compactuam
das visões socialmente aceitas e compartilhadas. Esses princípios de controle do
discurso são perceptíveis pela memória discursiva que nos possibilita ver essas
seleções dos dizeres autorizados e aceitos socialmente e os coloca em relação
por meio da interdiscursividade.
2.4 – Algumas considerações
Ao longo deste capítulo, apresentamos e discutimos dois conceitos de
arquivo, o material e o discursivo. Procuramos mostrar que o hipertexto pode ser
pensado na materialidade que possui, mas, sobretudo, na discursividade que o
constitui.
Para cumprir o nosso objetivo de demonstrar como o sistema arbóreo
hipertextual pode ser pensado como um arquivo discursivo, apresentamos os
conceitos elaborados por Foucault (2008) em seu Método Arqueológico, a fim de
discutirmos os pilares de nossa análise: o enunciado, a formação discursiva, o
discurso e o arquivo. Tratamos também das projeções do locutor, do interlocutor e
do objeto de discurso envolvidas no processo de construção dos discursos, bem
como abordamos o conceito de interdiscursividade, que acreditamos ser de
importância fundamental na análise das relações discursivas dentro do sistema
arbóreo hipertextual na condição de arquivo discursivo.
Acreditamos que os hipertextos que integram o sistema arbóreo
hipertextual, formado a partir de inter-relações promovidas por links, não estão
relacionados aleatoriamente; ao contrário, há relações discursivas presentes
nessas ligações, as quais se fazem pela inter-relação existente entre os
enunciados, representativos de determinado(s) discurso(s), manifestos em cada
hipertexto.
Defendemos que os links desempenham funções importantes no processo
de estabelecimento de relações entre hipertextos, pois essas relações não são
ocasionais nem aleatórias. Elas ocorrem segundo procedimentos discursivos e
77
textuais que possibilitam a um hipertexto se relacionar com outro. Os links, então,
tornam-se o ponto de contato entre um hipertexto e outro, promovendo
materialmente essas relações textuais e/ou discursivas já expressas no nível
textual, mas também, em nosso entendimento, no nível discursivo.
Sendo assim, atribuímos ao link duas funções, enquanto mecanismo de
expressão e inter-relação material de elementos intrínsecos ao hipertexto que são
realmente os promotores de relações. Esses elementos que relacionam um
hipertexto a outro podem se manifestar de duas formas e conferirem ao link duas
funções distintas:
a) Essa relação entre hipertextos pode ocorrer e se manifestar por meio de
elementos coesivos, referenciais, lexicais, isto é, exclusivamente textuais,
conferindo ao link uma função exclusivamente material por expressar
somente relações textuais, de relacionar um hipertexto a outro.
b) Essa relação entre hipertextos pode ocorrer e se manifestar discursivamente
pela recorrência de enunciados, pertencentes a determinadas formações
discursivas, que ligam um hipertexto a outro dentro do sistema arbóreo
hipertextual do qual todos os hipertextos fazem parte, constituindo assim um
arquivo discursivo, no sentido de arquivo apresentado por Foucault (2008) em
A arqueologia do saber. Sendo assim, atribuímos aos links uma outra função,
a qual é o cerne desse trabalho, a “função discursiva”, ou seja, que vai além
do aspecto material, mas que, contraditoriamente, se situa no limite do
material. Isso significa que o material, o link, é uma expressão de uma inter-
relação mais profunda e complexa que se realiza no nível discursivo.
Essa perspectiva adotada para analisar o sistema arbóreo hipertextual
busca encontrar as regularidades discursivas manifestas nele e que são
responsáveis por constituir um arquivo discursivo.
Para Foucault (2008), o arquivo é o lugar de agrupamento de textos que
têm uma relação dialógica entre si devido ao fato de falarem sobre um mesmo
objeto, de apresentarem posições de sujeito inter-relacionadas, de pertencerem a
um mesmo momento sócio-histórico, enfim, de possuírem enunciados filiados a
78
formações discursivas, e destas instituídas como discursos, que estabelecem
relações entre esses textos.
Considerando essas características do arquivo, observamos que, do ponto
de vista discursivo, o sistema arbóreo hipertextual se assemelha a ele. Para que
o(s) percurso(s) de leitura seja(m) estabelecido(s), não basta que os hipertextos
estejam ligados por links. Essas relações entre um hipertexto e outro são
estabelecidas por meio de enunciados, pertencentes a determinadas formações
discursivas e instituídos como discursos, que se materializam nos hipertextos que
integram cada percurso do sistema arbóreo.
Sendo assim, acreditamos que um link somente relacionará um hipertexto
a outro com o qual possa ser estabelecido um diálogo, ou seja, com o qual se
manifeste a interdiscursividade.
Assim, para haver a interdiscursividade na árvore hipertextual, é necessário
que se manifestem no discurso posições enunciativas que dialoguem entre si, em
uma relação de concorrência, seja se opondo ou se apoiando. Nesse sentido, as
projeções discursivas também são de extrema importância para identificarmos os
posicionamentos discursivos, pois também podemos observar a
interdiscursividade no sistema arbóreo, enquanto arquivo discursivo, a partir do
diálogo existente entre as projeções do locutor, do interlocutor e dos objetos de
discurso presentes nos discursos manifestos nos hipertextos do sistema arbóreo.
Além disso, dessas relações interdiscursivas manifestas em um percurso e/ou no
sistema arbóreo hipertextual resultam imagens que se transformam na projeção
do locutor, do interlocutor e do(s) objeto(s) de discurso que o arquivo constitui e
institui.
Diante disso, é nosso objetivo analisar os enunciados presentes nos
hipertextos do sistema arbóreo, atentar para sua filiação a formações discursivas
e sua manifestação como discursos instituídos socioculturalmente, para
observarmos como essas formações discursivas concorrem no espaço discursivo
pela interdiscursividade, como relações para a constituição do arquivo.
No arquivo proposto por Foucault, os textos com os enunciados em comum
não aparecem a priori, pois são encontrados em meio à dispersão de textos
produzidos por uma sociedade em uma determinada época. No sistema arbóreo
79
hipertextual, os (hiper) textos estão apresentados, mas as relações discursivas
existentes entre eles, responsáveis por formar o arquivo sobre determinado objeto
de discurso, não são transparentes, não estão evidenciadas.
Para encontrarmos o sistema de discursividade que possibilitou relacionar
vários hipertextos a partir de um único hipertexto, identificaremos essas
categorias fundamentais de análise de um arquivo conforme propostas por
Foucault (2008), para assim compreendermos como cada elemento discursivo
constitutivo desses hipertextos se relaciona e dialoga entre si, formando assim o
arquivo.
Esse arquivo é construído segundo relações de poder instituídas
socioculturalmente; sua constituição revela posições de sujeito que interditam
outras, direcionamentos de leitura que ocultam outras leituras possíveis,
construções de sentido que não são livres, mas direcionadas pelos links e pelos
elementos discursivos manifestados nos hipertextos.
Assim, esse arquivo possui posições de sujeito, visões estabelecidas e
verdades a serem instituídas por meio dos enunciados, filiados a formações
discursivas e instituídos como discursos, que o integram e se relacionam dentro
dele. Percorrer, por meio dos links, os hipertextos que compõem o sistema
arbóreo hipertextual nos possibilita identificar esses elementos e ver como a
linguagem em discurso constrói sentidos, direciona posições, institui os sujeitos
do discurso e (re) significa os objetos de discurso. É a partir dessa perspectiva
discursiva, sob a ótica Arqueológica, que analisaremos o sistema arbóreo
hipertextual no próximo capítulo.
80
CAPÍTULO 3
RELAÇÕES DISCURSIVAS NO SISTEMA ARBÓREO
HIPERTEXTUAL
81
3.1 – Introdução
Nesse capítulo, faremos a análise do corpus escolhido, para elucidarmos
as questões levantadas nos capítulos 1 e 2. Inicialmente, apresentaremos o
corpus, destacando a não-linearidade do hipertexto como sua principal
característica a partir de uma análise descritiva e da comparação com o texto
linear impresso.
Essa apresentação e descrição do corpus têm como objetivo ressaltar um
dos aspectos centrais do hipertexto de onde nossa análise partiu: os links.
Considerando que eles são mecanismos de ligação entre hipertextos, objetivamos
analisar como se essa relação e quais elementos contribuem para a conexão
dos hipertextos para além da materialidade dos links.
Objetivamos demonstrar que os hipertextos se ligam e formam um sistema
arbóreo devido às relações discursivas existentes entre eles. Diante disso,
propomos ver esse sistema não como simples resultado material de agrupamento
de hipertextos, mas como expressão de relações interdiscursivas que o
assemelham a um arquivo discursivo.
Nas análises discursivas realizadas nesse capítulo, identificaremos
enunciados, filiados a formações discursivas e instituídos como discursos, e
assim evidenciaremos como o sistema arbóreo hipertextual, formado pela inter-
relação entre hipertextos de um percurso e de percursos diferentes, constitui um
arquivo discursivo em que podemos observar a inter-relação de todos esses
conceitos discursivos.
Nessas inter-relações discursivas, analisaremos as projeções do locutor,
do interlocutor e do(s) objeto(s) de discurso expressas nos discursos manifestos
nos hipertextos, observando como elas também expressam a interdiscursividade
no arquivo discursivo.
A partir das análises discursivas, apresentaremos algumas considerações
sobre a relação entre os discursos manifestos nos hipertextos e a cultura, visando
evidenciar como o hipertexto pode ser considerado um artefato cultural e
discursivo.
82
3.2. – Apresentando o hipertexto
O corpus escolhido para análise é uma revista eletrônica feminina,
pertencente ao site Terra. Nesse site, a página principal cujo endereço
eletrônico é http://www.terra.com.br (figura 2). Durante a leitura, podemos
permanecer nessa página principal e ler os textos disponibilizados ou
escolhermos um link dentre os vários disponíveis.
Vários links são apresentados na página inicial do site como Notícias,
Economia, Esportes, Diversão, Vida e Estilo, Terra TV, Sonora, Ofertas, Dia-a-dia,
Curiosidades, Chat, Vc Repórter, dentre tantos outros, e cada um possui outros
links interiores que nos levam a páginas independentes.
Optamos por escolher o link Vida e estilo e, diante dos links
disponibilizados por ele como Beleza, Carro, Crianças, Culinária, Esotérico, Gay,
Homem, Moda, Mulher, Saúde, Sexo, Turismo, decidimos clicar no link
correspondente à seção Mulher. Fomos direcionados para a página
http://mulher.terra.com.br/, cuja formatação e organização o independentes das
páginas que a precederam; não precisamos ler os hipertextos das páginas
antecedentes do site para compreendermos os da seção escolhida.
FIGURA 2 – Página inicial do site Terra
Fonte: http://www.terra.com.br/portal/ (Houve alteração na ilustração com
acréscimo de setas, para fins explicativos).
83
FIGURA 3 – Página Terra Mulher
Fonte: http://mulher.terra.com.br/.
FIGURA 4 – Seção Relacionamento
Fonte: http://mulher.terra.com.br/capa/.
84
A página “Mulher” (figura 3) se assemelha a uma revista feminina, tendo
como diferencial, inicialmente, o fato de ser eletrônica. Ela é composta por
diversas seções, que acessamos pelos links dispostos na tela, tais como Beleza,
Casa e Cia, Culinária, Horóscopo, Moda, Noivas, Pais e Filhos, Relacionamento,
Saúde, Sexo, Vida Profissional, Correções, Fotos, Testes, dentre tantas outras,
além de vários links no centro da página inicial que abrem hipertextos com
reportagens sobre determinados assuntos considerados de interesse do público
feminino. Esses links não abrem apenas um hipertexto, mas levam o leitor à outra
página com uma infinidade de opções de leitura de hipertextos.
Diante de tantos caminhos, resolvemos estreitar o percurso de leitura e
escolhemos o link da seção Relacionamento, que nos abre várias opções de
leitura, conforme exposto na figura 4.
Dos diversos links ramificados do link “Relacionamento”, escolhemos um: É
melhor casar ou morar junto?. Assim, ficou estabelecido um percurso de leitura
dentre tantos caminhos à disposição do leitor. O link selecionado, a partir do qual
iniciaremos nossa análise, nos abre um hipertexto que, por sua vez, nos oferece
diversos links como opções de leitura a ser feita (veja seta indicativa na figura 5).
FIGURA 5 – Hipertexto “A”
Fonte: site Terra http://mulher.terra.com.br/ (Houve alteração na ilustração
com acréscimo de setas, para fins explicativos).
85
O hipertexto “A” (figura 5) abre várias possibilidades de leitura, conforme o
leitor decida seguir por um link ou outro. Desse modo, ele pode decidir ler por
completo o hipertexto É melhor casar ou morar junto? ou pulá-lo e escolher o
primeiro link intitulado O que as mulheres mais valorizam em um homem?. Caso
ele opte pelo segundo link, se deparará com outra possibilidade de leitura Veja 10
atitudes que ele adota para que você termine com ele e, caso não queira nenhum
dos dois, poderá clicar no terceiro link e ser direcionado para um Chat sobre o
tema.
Esse material selecionado demonstra claramente a não-linearidade do
hipertexto, expressa pelo fato de em cada link haver outros links “escondidos” que
vão aparecendo à medida que o leitor vai clicando e, a partir deles, estabelecendo
percursos de leitura.
Por exemplo, no hipertexto “A” apenas um link abre, inicialmente, três links
com hipertextos ligados a cada um deles, representando opções diferentes de
percursos de leitura. Assim, essas três opções se ramificam em diversas
possibilidades de leitura a cada clique com o mouse (veja na figura 5 a exposição
das opções de leitura disponibilizadas pelo hipertexto selecionado). Conforme se
poderá ver na figura 5, a leitura do hipertexto é uma leitura ramificada, que vai
abrindo várias possibilidades de leitura a partir de um único hipertexto e formando
diferentes percursos.
Desse modo, se o leitor escolher o link É melhor casar ou morar junto? e, a
partir desse link, selecionar o primeiro O que as mulheres mais valorizam em um
homem?, ele terá à disposição duas opções de percurso: Gestos masculinos
podem revelar se ele está caidinho por você e Quais características mais
desejadas pelo sexo feminino?. Se ele escolher o link Gestos masculinos podem
revelar se ele está caidinho por vo, terá algumas possibilidades de leitura de
hipertextos e também de participação em chats. Percorrerá os links aonde o
percurso se fecha, restando-lhe retornar para os anteriores pela seta de retorno
disponibilizada pela internet ou encerrar sua leitura ali. Caso escolha o link Quais
características mais desejadas pelo sexo feminino?, ele será direcionado para um
fórum de discussão sobre o assunto.
86
Se ele optar pelo segundo link intitulado Veja dez atitudes que ele adota
para que votermine com ele, ramificado de É melhor casar ou morar junto?,
terá à disposição uma diversidade de hipertextos ramificados e também a
possibilidade de participar de fóruns ou chats.
Os links que abrem os hipertextos que nos dispomos a analisar e que
instauram os dois percursos diferentes possuem um lugar onde se fecham. Sendo
assim, posicionamo-nos metodologicamente como um leitor hipotético disposto a
percorrer esses caminhos até o local do fechamento de cada um, a fim de
observarmos as diferentes relações discursivas manifestas nesses percursos
selecionados pelo leitor.
Observamos que se o leitor escolher o primeiro link ramificado do
hipertexto “A”, por exemplo, ele percorrerá caminhos diferentes do leitor que optar
pelo segundo link desse mesmo hipertexto. No entanto, essa diferença não é total
e podem existir “pontos de contato discursivos” relevantes que permitem a filiação
dos dois links ramificados e seus respectivos percursos ao link “A” de onde
partiram. O mesmo podemos afirmar sobre os Chats e Fóruns em que, mesmo
havendo um direcionamento do leitor para ambientes virtuais de discussão de
determinado assunto, podem ser estabelecidas relações entre os enunciados
presentes nos hipertextos ramificados de “A” e os enunciados manifestos nos
textos produzidos pelos internautas participantes desses canais de discussão.
Podemos observar pelo exposto na figura 6 (p.88), representativa de
ramificações dos dois links selecionados, que o hipertexto possui uma
complexidade no armazenamento e na leitura de hipertextos que em muitos
aspectos se diferencia do texto linear. Seu formato não-linear lhe confere um
aspecto de árvore invertida, pelas diversas ramificações que vão nascendo e
crescendo em várias direções, mas que estão presas a um tronco de onde se
originaram.
Assim, nos hipertextos componentes desse sistema arbóreo, buscamos
identificar enunciados, filiados a determinadas formações discursivas e instituídos
como discursos, que promovem uma inter-relação discursiva entre os hipertextos
e nos possibilitam vê-lo não como um simples arquivo de textos produzidos por
uma sociedade, mas como um arquivo discursivo onde se inter-relacionam os
87
discursos instituídos socioculturalmente sobre determinado(s) objeto(s) de
discurso. É pela interdiscursividade que buscamos evidenciar também como o
diálogo estabelecido entre as projeções discursivas feitas sobre o locutor, o
interlocutor e o(s) objeto(s) de discurso nos hipertextos cooperam para o
estabelecimento de relações interdiscursivas dentro desse sistema arbóreo.
88
Site Terra
Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5 Seção 6 Seção 7 Seção 8 Seção 9 Seção 10
Vida e estilo
Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5 Seção 6 Seção 7 Seção 8 Seção 9 Seção 10
Mulher
Seção 1 Seção 2 Seção 3 Seção 4 Seção 5 Seção 6 Seção 7 Seção 8 Seção 9 Seção 10
Relacionamento
Texto1 Texto2 Texto3 texto 4 Texto5 Texto6 Texto7 Texto8 Texto9 Texto10 Texto 11
É melhor casar ou morar junto?
O que as mulheres ... Veja dez atitudes ... Chat: tecle
Gestos Quais Por que ... Chat...
masculinos ... características ...
Por que os h. Chat...
casados...
Confira... Chat
O que fazer... Chat
10 dicas... Quais ... Chat ... O q, f. se ele ... Qual ... Chat....
Saiba ... Como você ... Chat...
Dez coisas .... Opine .... Chat ...
15 perguntas ... O que acaba.... Chat ...
Segredos .... Opine ... Chat ....
FIGURA 6 – Sistema arbóreo hipertextual
89
3.2.1 – A não-linearidade do hipertexto
No item anterior, apresentamos o corpus de análise e fizemos algumas
considerações a respeito de sua configuração, da organização do material de
leitura bem como das opções de leitura disponibilizadas por um único hipertexto.
Conforme descrito nas seções anteriores e apresentado no sistema
arbóreo hipertextual (figura 6), vimos que um único link selecionado em uma
página nos levou a páginas distintas da qual partíramos. Pelo caminho percorrido
para chegarmos ao hipertexto de análise, observamos que várias opções de
leitura a partir de um único link, que diz respeito à multilinearidade
23
do hipertexto.
Observamos que o hipertexto selecionado, multilinear em sua construção,
oferece várias opções de leitura e o leitor tem a liberdade de ler por completo o
hipertexto oferecido pelo link inicial ou de interromper a leitura e ler outro
hipertexto. Por outro lado, essa liberdade é limitada, pois os links dispostos no
hipertexto são direcionamentos dados por um sujeito que objetiva que o leitor faça
uma leitura e não outra, e siga percursos que o levem aos lugares pré-
determinados nesse sistema de conexões do hipertexto.
Nesse sistema de conexões, que não é tão livre quanto se possa imaginar,
o leitor tem a liberdade de escolher um texto e lê-lo, ou não concluir a leitura e
passar para outro. No plano da topologia, observamos que o leitor não precisa
acessar um texto para entender o outro, devido à independência que eles
possuem. Entretanto, se observamos essa independência no plano da leitura, não
podemos afirmar o mesmo quanto ao plano do sentido, onde pode haver relações
de dependência discursiva entre os hipertextos, conforme mostraremos na análise
discursiva.
Pela reticularidade, constatamos que o hipertexto selecionado apresenta
uma estrutura que possibilita a escolha de diversos links, sem ter início, meio e
fim determinados rigidamente. Essa estrutura e organização do material de leitura
permitem ao leitor escolher se aprofunda a leitura e finaliza os percursos
apresentados ou se a interrompe em um determinado ponto do trajeto.
23
Consideramos a multilinearidade uma das principais expressões da não-linearidade do
hipertexto.
90
Nesse sentido, podemos finalizar essa primeira discussão sobre a não-
linearidade ao analisarmos a manipulação, última característica da não-
linearidade do hipertexto, que trata da possibilidade de conexão do usuário ao
hipertexto. Ele clica no link, envia um dado ao hipertexto e este responde
enviando o dado solicitado. Esses dados solicitados pelo leitor e enviados pelo
sistema informático não são quaisquer dados, mas somente aqueles oferecidos
pelo sistema arbóreo, dentre os quais o leitor deve fazer suas escolhas.
Diante dessa análise, constatamos a não-linearidade do hipertexto e, a
partir disso, objetivamos compará-lo ao texto linear impresso, para assim
diferenciá-los quanto à configuração material e às possibilidades de leitura.
3.2.2 Texto impresso versus hipertexto: a não-linearidade como traço
distintivo do hipertexto
Com o propósito de apresentarmos a não-linearidade do hipertexto
selecionado e de contrapô-lo a um texto linear impresso, selecionamos um texto
de uma revista impressa feminina, para compará-los e assim (re) confirmarmos a
não-linearidade do hipertexto.
FIGURA 7 – Hipertexto não-linear
Fonte: site Terra http://mulher.terra.com.br/ (Houve alteração na ilustração
com o acréscimo de setas, para fins explicativos.).
91
FIGURA 8 – Texto linear impresso
Fonte: CLÁUDIA, 2008, p. 120.
No hipertexto (fig.7), há a reportagem, mas, dentro do espaço que lhe foi
reservado, mais três opções de leitura, marcadas pela presença dos links
(indicados pela seta), sendo que cada link abriga vários hipertextos com mais
links, representando assim mais opções de leitura para o leitor. Por outro lado, a
reportagem
24
(fig. 8) apresenta um único texto que se fecha em si mesmo, não
apresentando outras possibilidades de leitura, pois elas estão na revista impressa
e não no texto linear.
Conforme podemos observar, o leitor do hipertexto pode realizar uma
leitura linear ou pode interrompê-la e escolher um dos links disponíveis no
hipertexto e iniciar outra leitura, sem que se altere a compreensão daquilo que
24
Selecionamos o texto da revista Cláudia devido ao fato de ela ser uma revista feminina de
circulação nacional e por se assemelhar à página Mulher do site Terra. O mesmo critério de
semelhança foi usado quanto ao gênero textual escolhido, pois tanto nesse gênero da revista
impressa quanto no dos hipertextos do corpus predomina o tipo textual exortativo.
92
será lido. Diante dessas várias opções, conforme demonstramos na seção
anterior, o leitor do hipertexto pode construir, a partir das escolhas que lhe são
permitidas, diversos trajetos de leitura a partir de um único hipertexto.
No texto impresso, a leitura é fixa e estável. Lemos o texto do início ao fim,
sem possibilidade de outras leituras dentro dele. No hipertexto, uma
dinamicidade que lhe é intrínseca, resultando assim em leituras diferenciadas, à
medida que se altera o leitor. Assim, diversos leitores podem fazer leituras
diferenciadas em um hipertexto selecionado: um pode ler o hipertexto por
completo, outro pode interromper a leitura e clicar no primeiro link, ou no segundo
ou no terceiro.
O texto linear impresso apresenta uma discussão sobre um único tema,
sem abrir outros textos como opções de leitura, ao passo que no hipertexto a
possibilidade de leitura de vários assuntos a partir de um único hipertexto. Pode
haver uma inter-relação entre os hipertextos, mas relacionada a enunciados em
comum e não por ser o mesmo assunto, o que demonstra também a sua
capacidade de armazenar e relacionar uma infinidade de hipertextos.
Desse modo, em um único hipertexto podem acontecer leituras
diferenciadas, o que o distingue do texto linear impresso. Não desconsideramos a
possibilidade de o leitor vir a fazer uma leitura não-linear no texto linear, ou seja,
na qual ele o final, depois o início e por fim o meio do texto, sendo uma espécie
de leitura em fragmentos. Um editorial de uma revista impressa também pode
fazer alusões a textos que estão na revista e o leitor ser levado a interromper a
leitura e procurar dentro dela o texto indicado que o interessou, mas esse é
apenas um caso isolado e não uma regra geral do texto impresso. Além disso, o
leitor será conduzido a textos lineares e não a textos não-lineares que abrirão
mais textos não-lineares e assim sucessivamente, como no hipertexto.
A partir dessas comparações, vemos que a não-linearidade do texto
impresso não é semelhante à do hipertexto, pois neste o caráter não-linear refere-
se ao contato com outros hipertextos não-lineares e não com partes de um único
texto ou com episódios isolados que possam ocorrer em um hipertexto; a não-
linearidade é, portanto, uma das características centrais do hipertexto.
93
Diante dessa diversidade de opções de leituras a serem feitas pelos links
dispostos na tela, o leitor do hipertexto pode construir diversos percursos de
leitura; são nesses trajetos diferenciados, mas ligados a um hipertexto de origem,
que acreditamos haver relações discursivas. Embora exista uma diversidade de
hipertextos, eles não estão ligados por links de modo aleatório, mas segundo
regularidades que os conectam, todos, uns aos outros e ao hipertexto do qual se
ramificaram.
Baseando-nos nessas constatações, objetivamos encontrar na não-
linearidade do hipertexto, representada pelas conexões por links, os elementos
discursivos que relacionam todos eles em percursos e estes no sistema arbóreo,
propiciando a existência de uma unidade discursiva em meio à não-linearidade.
3.3 – As relações discursivas entre os hipertextos
Nesse item, realizaremos a análise do corpus segundo o procedimento
teórico-metodólogico adotado nesta pesquisa. Conforme apontamos, essa
análise visa ultrapassar as barreiras das ramificações materiais que formam o
sistema arbóreo a cada link selecionado para encontrar as particularidades
discursivas que promovem relações entre os hipertextos.
Para isso, analisaremos os enunciados manifestos em cada hipertexto
pertencente ao(s) percurso(s) disponibilizado(s) pelos links, filiando-os a
formações discursivas, observando como eles se relacionam no percurso por
meio da interdiscursividade e juntos formam um arquivo.
Observaremos como essa interdiscursividade também se realiza a partir do
diálogo entre as projeções discursivas sobre o locutor, o interlocutor e os objetos
de discurso, elucidando como elas também cooperam para estabelecer a relação
entre hipertextos e formar o arquivo.
94
3.3.1 Link A e suas ramificações em A.1: análise discursiva dos
enunciados e das relações entre hipertextos
Selecionamos o link cujo hipertexto inicial é intitulado É melhor casar ou
morar junto?. Decidimos por nomeá-lo de link A para facilitar a identificação
durante a análise. Esse link nos abre três possibilidades, a saber:
A É melhor casar ou morar junto?
A.1 – O que as mulheres mais valorizam em um homem?
A.2 – Veja dez atitudes que ele adota para que você termine com ele.
A.3 – Chat: tecle sobre o assunto.
Desses três links, apenas A.1 e A.2 nos abrem possibilidades de leitura de
hipertextos produzidos pela equipe do site Terra Mulher, pois A.3 leva o leitor a
um Chat. Como nosso objetivo é percorrer os hipertextos do gênero “reportagem”,
nos centraremos apenas nos dois primeiros links.
Antes de analisarmos os links ramificados, nos deteremos sobre o
hipertexto que se abre sobre o tema “É melhor casar ou morar junto?”. Esse texto
nos possibilitou identificar os seguintes enunciados:
E1) Segundo a terapeuta sexual Cláudya Toledo, a mulher tende a se
sentir menos amada quando o um marco que sele a união. “A
mulher se sente amada quando é pedida em casamento e isso faz com
que ela tenha mais facilidade para engravidar e para se sentir à vontade
com a relação. Ela fica mais segura”, conta.
E2) Cláudya comenta ainda que a mulher pode sentir dúvida sobre as
intenções do homem quando não há um marco de início da relação.
E3) Segundo Cláudya, quando as duas partes não se sentem
verdadeiramente entregues na relação alguns probleminhas podem
surgir. O homem, por exemplo, tende a não planejar sua vida com
aquela parceira o que resulta em uma não tão bem sucedida carreira
profissional, que ele o se como o “o homem da casa”. “Já a
mulher não consegue investir tanta energia nesse parceiro. Ela pode se
negar a ir a uma festa da empresa dele, por exemplo, por não se sentir a
esposa”, complementa.
E4) Adepta do estilo mais tradicional, a fisioterapeuta Mônica Medeiros
Silva Reina, 30 anos, achou que o melhor seria se o casamento fosse
oficializado e as alianças trocadas. Quando não compromisso
oficializado, o casal se separa com mais facilidade, em momentos de
briga. É mais fácil abrir mão e voltar para a casa dos pais”, explica.
95
E5) Morar juntos ou casar? Nos dias de hoje, a dúvida pode soar um
tanto quanto careta, mas entender bem a diferença entre as situações
pode ajudar você a não cair em uma enrascada.
E6) “Na prática, não há diferença entre estar casado e morar junto”.
E7) A publicitária Juliana Gontad, 26 anos, mora com o namorado
Rogério Mendes, 33 anos, a pouco mais de um ano. O casal, que está
junto seis anos, resolveu unir as trouxas depois de uma conversa a
dois. “Tudo melhorou. A cumplicidade aumenta muito, o que torna a
relação mais intensa”, comenta Juliana. Para ela, não há diferença de
comprometimento entre morar junto e casamento. “Talvez um dia a
gente efetive a união por motivos burocráticos, dizem que em algumas
situações é vantagem estar casado no papel. Mas seria por isso”,
completa. (TERRA MULHER, 2009)
Nos enunciados de E1
25
a E7, identificamos duas formações discursivas
26
:
uma FD Tradicional e uma FD Moderna, predominando os enunciados da FD
Tradicional
27
, os quais mantêm a concepção tradicional de união oficializada. Por
outro lado, um número menor de enunciados, somente E6 e E7, filiados à FD
Moderna.
Assim, de E1 a E5, prevalecem enunciados da FD Tradicional que preza a
união oficializada, o papel do homem como o “homem da casa”, a representação
da união como símbolo de amor e
com
o objetivo de formar uma família (E1), a
associação que se faz do sucesso profissional masculino com o seu compromisso
com a família (E3),
o papel da mulher como aquela que acompanha o marido em
25
Usaremos a sigla E para o termo enunciado. Conforme a posição do enunciado nas citações, a
sigla virá acompanhada do número correspondente.
26
Usaremos a partir de agora a sigla FD para o termo formação discursiva.
27
Para designarmos as duas FDs como Tradicional e Moderna, baseamo-nos nas considerações
de Bourdieu (2007) sobre as divisões instituídas histórica e socioculturalmente entre o masculino e
o feminino. Segundo ele, por meio do simbólico, são construídas visões e divisões sexualizantes
sobre o homem e a mulher, segundo as quais o princípio masculino é tomado como medida de
todas as coisas (BOURDIEU, 2007, p.23). Nesse discurso tradicional identificado pelo autor, as
representações do masculino caracterizam o homem como o melhor, de maior poder, não-
marcado, ao qual se atribuem características como virilidade, força, proteção, excelência, ligado
ao domínio da rua, sendo-lhe destinado o papel de provedor, o forte, a parte dominante da
relação, incumbido de ser o melhor, sendo considerado a norma e o que é superior, portanto, com
características preferidas em detrimento dos atributos femininos. Por outro lado, as
representações do feminino atribuem às mulheres características como de “ser” menos capaz,
sexo frágil que precisa de um protetor, sensível, sentimental, passiva, ligada ao espaço da casa,
dependente do homem, relegada ao seu papel de reprodutora, relacionada, portanto, a domínios
inferiores. A partir da discussão de Bourdieu (2007) sobre o discurso tradicional, que tem o
masculino como princípio, observamos que o discurso moderno entra em conflito com o
tradicional, constituindo-se a partir da negação de dizeres do discurso tradicional, sobretudo nos
enunciados relacionados às mulheres. Por outro lado, no que se refere ao homem, o discurso
moderno mantém muitos enunciados tradicionais, opondo-se ao discurso tradicional apenas em
alguns temas.
96
seus compromissos profissionais e não o contrário ( E3), o homem líder (o
“homem da casa”) (E3), a segurança que o compromisso oficializado proporciona
(E4), o lado emotivo, a fragilidade e a passividade da mulher versus a imagem do
homem como o ativo da relação (E1).
Entretanto, há enunciados pertencentes à FD Moderna cuja concepção
abandona a obrigatoriedade de oficializar o relacionamento (E6 e E7) e
estabelece a relação de igualdade entre homem e mulher quanto a tomar
decisões no relacionamento (E7).
Podemos afirmar que nesse hipertexto duas formações discursivas em
diálogo, sendo que ocorre a predominância da FD Tradicional, com um número
maior de enunciados
28
. O nosso objetivo será analisar, a partir da leitura dos
próximos hipertextos desse percurso, se enunciados pertencentes a essas
duas formações discursivas e como durante o percurso eles dialogam entre si,
promovendo a relação dos hipertextos precedentes com os subsequentes.
Assim, diante das duas opções de hipertextos disponibilizadas pelo link A,
selecionamos e analisamos o link A.1 O que as mulheres mais valorizam em um
homem? e os demais hipertextos que ele oferece ao leitor nesse percurso A.1.
Podemos ler o hipertexto A.1 ou interromper a leitura e escolher o link A.4
disponibilizado por ele. Decidimos ler primeiro o A.1 e excluímos A.5 por ele nos
direcionar a um fórum de discussão, o que não é nosso propósito de análise.
A.1 – O que as mulheres mais valorizam em um homem?
A.4 Gestos masculinos podem revelar se ele está caidinho por você.
A.5 – Quais características mais desejadas pelo sexo feminino?
Do hipertexto A.1 O que as mulheres mais valorizam em um homem?
foram selecionados alguns enunciados, a saber:
28
Observe na figura referente ao hipertexto inicial É melhor casar ou morar junto?” (figuras 5 e 7)
a confirmação, por meio dos elementos icônicos, da preponderância da Formação Discursiva
Tradicional. O tom rosa da página índice de delicadeza, emotividade e fragilidade remete a
representações tradicionais sobre a mulher. A foto dos noivos felizes e da mulher vestida de
branco antecipa a resposta à pergunta “É melhor casar ou morar junto?”, (re) confirmando, assim,
o posicionamento tradicional dos enunciados manifestos nesse hipertexto.
97
E8) Segundo a psicóloga Kelen Pizol, as mulheres procuram por
segurança, [...].
E9) A mulher admira ainda o homem seguro, próspero e trabalhador,
que tenha projetos e um foco na vida”, completa Eliete.
E10) Outras atitudes apreciadas por elas são o cavalheirismo, carinho e
atenção.
E11) [...] as mulheres não abrem mão de escolher bem seu
companheiro.
E12) “A mulher procura um homem que cuida da sua saúde, que faça
algum esporte, de preferência. Pois se ele não cuida nem do próprio
corpo, imagine da relação”, explica a terapeuta.
E13) “Elas gostam do galinha só para ficar, porque ele é popular. Mas
para um relacionamento sério nem homens e nem mulheres querem um
parceiro desse tipo”, afirma.
E14) Antes elas queriam uma relação mais segura. Hoje a mulher não
quer que o marido interfira na sua vida,” explica Eliete.
E15) De acordo com a terapeuta, esse comportamento explica o
surgimento dos “namoridos”: casais que vivem juntos sem o casamento
oficial. “Com esse tipo de união, não há a posse comprovada no papel”.
E16) “O casamento deixou de ser um negócio, pois ele nem sempre é
para a vida toda. Portanto, a mulher tem que se garantir”, completa a
profissional.
E17) Segundo a psicóloga Kelen Pizol, as mulheres procuram por [...],
fidelidade e companheirismo. “O homem tem que ser carinhoso e
presente sexualmente”, diz Kelen. (TERRA MULHER, 2009)
Os enunciados de 8 a 10 filiam-se à FD Tradicional que o homem como
aquele que oferece segurança por ser o lado forte da relação, é bem-sucedido e
trabalhador para que a própria segurança da união estável se realize, é
cavalheiro, oferece carinho e atenção à mulher; esta preserva características
tradicionais como o desejo de receber carinho uma tendência a valorizar o lado
emotivo, e a necessidade de segurança, por ser considerada o sexo frágil da
relação. Essas visões tradicionais sobre o homem e a mulher dentro da relação
se relacionam aos enunciados de E1 a E4 do hipertexto anterior.
Por outro lado, os enunciados de 11 a 17 filiam-se à FD Moderna, por
conceberem a posição do homem e da mulher na relação de modo diferente do
tradicional em alguns aspectos: a mulher é representada como um sujeito ativo na
escolha do parceiro (E11 e E12), bem como valoriza o sexo (E17). O homem
moderno deve se preocupar com o lado estético, valorizar a fidelidade, não
interferir na vida da mulher nem considerá-la um objeto de posse, deve manifestar
seus sentimentos e ser presente sexualmente. A relação de igualdade entre os
sexos nas decisões da relação e a opção de não oficializar a união também filia
os enunciados E13 e E15 à FD Moderna e os relaciona ao E6 e ao E7 do
hipertexto anterior. Por outro lado, os hipertextos A e A.1 se relacionam à FD
98
Tradicional por expressarem em seus enunciados a valorização da união
monogâmica entre homem e mulher.
Após a leitura de A.1, selecionamos o link ramificado A.4 Gestos
masculinos podem revelar se ele está caidinho por você que passa a ser o ponto
de origem que abrirá outros dois links
29
, conforme podemos ver abaixo.
A.4 – Gestos masculinos podem revelar se ele está caidinho por você.
A. 6 – Confira dicas para decifrar sinais de sedução
A.7 – Chat: tecle sobre o assunto.
Abrimos primeiro o link A.4 Gestos masculinos podem revelar se ele
está caidinho por você que apresenta os seguintes enunciados:
E18) Você está em uma mesa de bar com amigos e repara na presença
de um homem mais adiante. Pronto, o alvo da paquera da noite já foi
achado e você começa a mandar sinais de que está a fim.
E19) Alguns sinais bem simples podem indicar se ele foi fisgado e está
caidinho por você.
E20) Mas não se iluda, pequenos detalhes pesam, e muito, durante a
paquera. Repare, por exemplo, no jeito que você brinca ou segura o
canudo da bebida. A autora uma dica: “Nunca os mastigue!”, isso
pode cortar o tesão na hora. O melhor seria acariciar os lábios com o
canudinho, não acha? Detalhes como alisar uma taça ou uma garrafa
podem ainda indicar que você está sonhando acordada e com
pensamentos bem quentes.
E21) Ele alisa ou levanta o cabelo para ficar mais atraente.
E22) Ele estica todos os músculos para exibir o corpo e mantém-se
sempre em sua frente.
E23) Ele vai deixar que você perceba que ele está examinando seu
corpo todo.
E24) Enquanto estiver sentado a (sic) sua frente, ele vai abrir as pernas
para que você tenha uma visão da área peniana.
E25) Em pé, ele mantém as mãos no quadril enquanto conversa com
você. Isso indica que ele esbem com o próprio corpo e ainda aponta
para as próprias genitais.
E26) Vai tocar o rosto muitas vezes enquanto conversa com você. A
combinação de excitação, vaidade e auto-erotismo denunciam o
interesse dele por você.
E27) Ele vai começar a apertar e girar o copo ou a lata que estiver
segurando, em um ato inconsciente que denunciam (sic) no que ele está
pensando: sexo.
29
Observe que um link que antes era ramificação, em seguida passa a ser a base, o nó, de onde
saem outros links. É essa alternância de centralidade que torna o hipertexto complexo, pois não
o domínio de apenas um link durante todo o percurso, exceto o primeiro link selecionado, mas
esses domínios vão sendo repassados durante o trajeto da leitura.
99
E28) Vai lhe emprestar o paletó, caso você sinta frio. Em outras
palavras, vai marcar o território que considera dele. (TERRA MULHER,
2009).
Do E18 ao E20, um discurso sobre as possíveis atitudes femininas em
uma situação de conquista. Nesses enunciados, filiados à FD Moderna, valoriza-
se a iniciativa feminina, a qual se realiza pela capacidade de conquistar das
mulheres e por viverem livremente sua sexualidade. Esses enunciados se
relacionam ao E11, E12 e E17 do hipertexto anterior. No entanto, a FD Moderna
que valoriza o papel ativo da mulher volta-se para visões tradicionais. A mulher
que seduz em E20 não faz para seu próprio prazer, mas tem, nos seus atos, a
intenção de agradar ao homem, retornando ao princípio de predominância do
masculino, o que associa esse enunciado tanto à FD Moderna, pela iniciativa
feminina, quanto à FD Tradicional, por manter o foco no masculino.
Os enunciados de 21 a 28 falam sobre as atitudes masculinas durante a
conquista. Eles dizem respeito aos sinais que os homens emitem quando estão
interessados em uma mulher. Prevalecem enunciados filiados à FD Tradicional
quanto à discussão sobre a sexualidade masculina, sendo concedido ao homem o
status de conquistador
,
ligado ao sexo, à força, ao desejo de se impor e de
demonstrar poder, sujeito que preza a exclusividade como sinônimo de
masculinidade. Esses enunciados dialogam com os enunciados E1, E2 e E8 dos
hipertextos anteriores, que relacionam a masculinidade à força e à iniciativa do
homem que, consequentemente, se ligam à virilidade masculina destacada nos
enunciados de 21 a 28.
Continuamos o percurso e escolhemos o hipertexto aberto pelo link A.6
Confira dicas para decifrar sinais de sedução. o analisamos o link A.7 Chat:
tecle sobre o assunto por nos direcionar para um Chat.
A.6 – Confira dicas para decifrar sinais de sedução
A.8 – 10 dicas para seduzir com a roupa
A.9 – Quais outros sinais indicam sedução?
A.10 – Chat: tecle sobre o assunto.
100
No hipertexto A.6 Confira dicas para decifrar sinais de sedução, estão
presentes os seguintes enunciados:
E29) Quando, por exemplo, você está em um bar, ou no trabalho, ou até
mesmo na rua, os olhares, gestos e sorrisos que você recebe ou
podem, em questão de segundos, estar carregados do que se pode
chamar de “sinais chaves de sedução”.
E30) Se você conseguir decifrar tais sinais, vai se adiantar na hora da
conquista. Sabendo o que o gesto de um homem realmente quer dizer,
você ficará melhor preparada para suas atitudes futuras.
E31) Para se demonstrar que se tem muita vontade de estar com
alguém, deve-se ficar a pelve (parte do abdome em que ficam os órgãos
genitais) voltada para frente da pessoa, como uma forma inconsciente de
dizer “Estou aqui, olhe para mim”. A maioria dos homens faz isso e não
se dá conta dessa atitude.
E32) Um homem que busca algo mais sempre terá a tendência de
invadir seu espaço pessoal, assim como as mulheres com seu “alvo de
interesse”. É uma interação normal, em que a pessoa costuma ficar a
uma distância de mais ou menos um metro da outra, mas é normal que
se tente ficar ainda mais próximo da outra pessoa. (TERRA MULHER,
2009).
Nesse hipertexto, há uma discussão sobre como decifrar os sinais de
sedução emitidos pelos homens e como agir na hora da sedução. Os enunciados
filiados à FD Moderna (E29, E30 e E32) consideram uma mulher autônoma, que
seduz e se deixa seduzir, com iniciativa e responsável por sua própria
sexualidade, igualando-a, portanto, ao homem. os enunciados sobre o homem,
ligados à FD Tradicional, veem-no como um sujeito fortemente ligado ao sexo e
que ocupa o seu lugar tradicional de “ser-conquistador” (E31). Por outro lado,
concepções modernas, da FD Moderna, que reconhecem o lado “conquistador” e
ativo da mulher, fazendo com que o homem deixe de ser exclusivamente aquele
que conquista para se tornar, também, objeto de conquista feminino.
Os enunciados sobre a mulher filiados à FD Moderna se relacionam ao
E18, E19 e E20 do hipertexto anterior; assim como os enunciados sobre o homem
filiados à FD Tradicional se ligam aos enunciados de E21 a E28 do hipertexto
anterior.
Encerrando o percurso A.1, selecionamos o link A.8 – 10 dicas para seduzir
com a roupa, ramificado de A.6 Confira dicas para decifrar sinais de sedução, e
lemos o hipertexto que discute o assunto proposto no título. Não lemos os
hipertextos dos links A.9 Quais outros sinais indicam sedução? e A.10 Chat:
101
tecle sobre o assunto, já que o primeiro leva a um rum de discussão e o
segundo a Chats. Foram identificados os seguintes enunciados:
E33) Transparências, fendas, peças, justas, camisas e jeans
apertadíssimos [...] qualquer peça pode ser um elemento de sedução.
E34) Então, explore sua sensualidade e deixe seu parceiro
enlouquecido. Experimente seguir as dicas abaixo para acender ao
máximo a paixão!
E35) Diga a ele que vocês vão jantar fora. Ponha uma saia com fenda,
ou curta e justa, ou calças bem agarradinhas ao corpo a intenção é
deixá-la atraente e, mais do que isso, sugestiva.
E36) No restaurante, toque-o por baixo da mesa enquanto tomam um
aperitivo e mantenha-o em alerta durante todo o jantar. Ao sair, no carro,
beije-o como se fosse a primeira vez.
E37) Seduza-o tirando a roupa (a sua, não a dele). Faça o striptease
bem devagar, já que cada movimento pode provocar a alta ou a baixa no
entusiasmo dele.
E38) Nada melhor do que vendar os olhos dele ou amarrá-lo para deixá-
lo louco por você. Não saber qual será o próximo passo vai intensificar
ao máximo os sentidos do seu amado. Para vendá-lo, use a gravata
dele. E a camisa dele pode ser usada para amarrar as mãos do sortudo.
Não ter o controle da situação é uma fantasia que agrada aos homens e
eles a desejam de vez em quando. (TERRA MULHER, 2009).
Em A.8 10 dicas para seduzir com a roupa enunciados ligados à FD
Moderna que posicionam a mulher como aquela que conquista o homem, “ser
conquistado”, e que valoriza o sexo. Esses enunciados dialogam com o E29, E30
e E32 do hipertexto A.6 e com os enunciados precedentes a esse hipertexto que
adotam esse mesmo posicionamento discursivo.
Os enunciados sobre o homem se relacionam a duas FDs, pois, por um
lado, o Discurso Tradicional sobre o homem, projetando-o como aquele que
tem o poder e o controle no sexo (E38), mas que, por outro lado, partilha
temporariamente desse poder com a mulher (E33 ao E38), que também valoriza o
sexo. Entretanto, ainda se mantém a visão tradicional da mulher como o ser-
percebido (BOURDIEU, 2007, p. 85), ou seja, é aquela que deve se vestir, se
portar, se apresentar esteticamente de acordo com um modelo de beleza
dominante, colocando-se como um ser atraente e disponível para os homens,
conforme observamos no E33, E34, E35 e E37. A posição ativa da mulher no
sexo revela um posicionamento moderno, mas, muito além dele, coloca o
masculino como o centro de tudo. Assim, essa mulher moderna tem traços
latentes da tradicional que busca colocar-se como ser-percebido ou ativa no sexo
102
para satisfazer o homem. De E33 a E38 é possível perceber esse hibridismo do
moderno e do tradicional quando se refere à mulher.
Os enunciados da FD Moderna relacionados à mulher se relacionam aos
enunciados 29, 30 e 32 do hipertexto anterior. os enunciados da FD
Tradicional que falam sobre o homem dialogam com o enunciado 31.
A partir dessa análise, observamos que os hipertextos se relacionam
através do diálogo entre os enunciados pertencentes a duas formações
discursivas, que ora se incluem ora se excluem. Os enunciados de cada FD
manifestam-se em maior ou menor número, conforme o assunto relacionado ao
homem e à mulher, e assim vão estabelecendo suas relações a partir das
similaridades existentes na forma de conceituar seus objetos discursivos.
3.3.2 Link A e suas ramificações em A.2: análise discursiva dos
enunciados e da relação entre hipertextos
No item anterior, analisamos o hipertexto inicial É melhor casar ou morar
junto? e o seu primeiro link A.1 O que as mulheres mais valorizam em um
homem?. Nesse item, analisaremos o link A.2 Veja dez atitudes que ele adota
para que você termine com ele, a fim de analisarmos os enunciados e de filiá-los
a determinadas formações discursivas, para assim observarmos se ocorrem
relações discursivas entre os hipertextos desse percurso.
Consideraremos nessa análise do percurso aberto pelo link A.2 as relações
estabelecidas com o link A de onde partiu, o qual analisamos no item anterior
como o link central de onde partem os dois percursos.
Ao clicarmos em A.2 Veja dez atitudes que ele adota para que você
termine com ele, temos à nossa disposição um hipertexto para leitura e mais duas
opções de “navegação”. Escolhemos primeiro A.2 e identificamos os seguintes
enunciados de 1 a 6.
103
A.2 – Veja dez atitudes que ele adota para que você termine com ele.
A.9 – Por que os homens somem?
A.10 – Chat: tecle sobre o assunto.
E1) O desinteresse chega a tal ponto que ele não quer nem saber se você saiu
mesmo com suas amigas ou se foi com outro homem.
E2) Ele se faz de surdo e nem sequer nota a sua presença, ainda que esteja
completamente nua.
E3) Se um homem não tem vontade de ter relações sexuais com sua parceira é
sinal de que a situação realmente é grave.
E4) Antes ele era um dengo só, agora os carinhos se foram junto com as
palavras ternas que ele lhe dizia.
E5) Mesmo que ele o tenha outra, faz questão de agir para que você pense
isso. Marcas de batom na camisa, mensagens equivocadas com o nome de
outra para o seu celular. Tudo para que você tome a iniciativa e o mande
embora da sua vida.
E6) Quando uma mulher pergunta se engordou, se o cabelo perdeu o corte ou
outras coisas desse tipo, mesmo que o homem note e concorde, ele jamais
revela sua opinião. A menos que ele queira deixá-la furiosa. Então, se for essa
a intenção, pode se preparar para a avalanche de respostas “sinceras” para
essas perguntas aterrorizantes. (TERRA MULHER, 2009).
Observamos que esses enunciados citados se relacionam à FD Tradicional
a qual se filiam também os enunciados do hipertexto A É melhor casar ou morar
junto?. No E2 e no E3, o homem é considerado como um sujeito com uma
sexualidade latente e como infiel por natureza (E5). Por outro lado, o E1, filiado à
FD Moderna, considera que o homem não se importa com a traição feminina
quando indiferente à mulher.
Os enunciados 4 e 6 pertencem à FD Tradicional, pois consideram o lado
emotivo da mulher e ressaltam valores femininos como a preocupação com a
estética, fazendo disso uma questão ligada ao lado emocional.
Desse modo, os enunciados da FD tradicional se ligam aos enunciados da
mesma FD do hipertexto A, assim como o enunciado ligado à FD Moderna se
relaciona aos enunciados E5, E6 e E7 do hipertexto A.
Após a leitura desse hipertexto, escolhemos ler o primeiro link A.9 Por
que os homens somem? que nos oferece mais duas possibilidades de leitura.
Decidimos ler primeiro A.9 e identificamos os enunciados de 7 a 12.
104
A.9 – Por que os homens somem?
A.11 – Por que os homens casados traem?
A.12 – Chat: tecle sobre o assunto.
E7) Depois de um encontro legal, um papo agradável e alguns beijos
quentes (sic) você tem certeza (sic) que ele vai ligar para repetir a dose.
E8) Para a psicóloga Olga Inês Tessari, muitas vezes o homem “some
do mapa” por conta de não ter que dar explicações, para não ver a
mulher chorar, por receio de voltar atrás ou mesmo por pena do
sofrimento dela e voltar a se relacionar com ela a contragosto.
E9) Na opinião de Olga, mudanças no comportamento, ausências e
desculpas de que o homem não pode encontrar com sua parceira são os
grandes sinais de que ele está prestes a desaparecer. “É importante o
confundir esse comportamento com o de um homem muito ocupado por
conta de seu trabalho”, declara a psicóloga.
E10) Rosângela Ojuara enumera em seu livro algumas atitudes que os
homens odeiam nas mulheres como, por exemplo, chantagem
emocional, indiretas em vez de desejos claramente explicados,
fingimentos, mulheres que falam compulsivamente ou desleixadas.
E11) Ela queria me dominar: “Acredito que um dos principais motivos
que me levou a sumir ou a não querer saber mais de uma mulher foi o
fato de, muitas vezes, ela (sic) acharem que são donas da gente,
querendo nos dominar. Não gostam que saimos (sic) com os amigos,
têm excesso de ciúmes e muitas vezes acham que os homens têm
obrigação de fazer tudo por elas”. Gabriel*, 24 anos, gerente de
negócios.
E12) Ela não era boa de cama: Isso pode chocar muitas mulheres,
mas é o que passa na cabeça de 90% dos homens, na minha opinião.
Uma vez sumi do mapa porque a garota parecia estar distante na hora
da transa. Não teve atração que resistisse” Alexandre*, 29, publicitário.
(TERRA MULHER, 2009)
Os enunciados 7, 8, 9 e 12 filiam-se à FD tradicional, segundo a qual o
homem é o sujeito ativo, ou seja, aquele que toma a iniciativa no relacionamento,
o líder que decide o destino da relação, importa-se com a aparência da mulher,
gosta de ser o dominador, e por isso não aceita ser dominado como enunciado
em 11, e supervaloriza o sexo. Esses enunciados dialogam com os enunciados 2,
3 e 5 do hipertexto anterior. o E12 filia-se à FD Moderna, por considerar que o
homem valoriza o sexo, mas não deseja qualquer mulher, dialogando com o E1.
Os enunciados 8, 10 e 11 ligam-se à FD Tradicional, considerando a
fragilidade, o lado emotivo, a dependência emocional da mulher; afirma-se que
elas falam muito e é reforçado o cuidado feminino com o corpo e a beleza. Eles
se relacionam aos enunciados 4 e 6 do hipertexto anterior. Entretanto,
enunciados que se associam à FD Moderna como em 7, onde a mulher é
105
representada como aquela que mantém relações sem compromisso, e em 11,
onde ela é apresentada como aquela que deseja dominar o homem, dialogando
com os enunciados da FD Moderna do hipertexto A.
Após a leitura de A.9, abrimos o link A.11 Por que os homens casados
traem? que nos abre duas opções de leitura. Decidimos ler A.11 e só depois A.13.
A.11 – Por que os homens casados traem?
A.13 – O que fazer se a relação está em crise?
A.14 – Chat: tecle sobre o assunto.
E13) Eis que um belo dia o príncipe encantado se transforma em sapo e
arruma outra mulher fora de casa.
E14) Quando não se está satisfeito com alguma coisa dentro de casa,
as janelas para a rua se abrem”, comenta a psicóloga Eliete de
Medeiros. Segundo a psicóloga, as reclamações masculinas, em sua
maioria, são referentes a uma desmotivação sexual com a parceira.
“Eles costumam se queixar de uma falta de criatividade da mulher”,
conta.
E15) O tradutor João, 26 anos, que não quis ter seu sobrenome
identificado, conta que durante o primeiro ano de seu casamento ele
nunca imaginaria que um dia pudesse vir a trair sua mulher. “Mas com o
tempo, o sexo foi se tornando monótono. Por mais que eu gostasse e
não conseguisse me imaginar separado de minha mulher, eu ainda
sentia necessidade em procurar outra”, explica.
E16) Segundo a também psicóloga Suzi Marlene Farrão, geralmente são
as fantasias sexuais masculinas os fatores que levam o homem a trair
sua esposa. “Em alguns casos, o homem enxerga a mulher como a
esposa ideal que ele quer ter ao lado, mas, ao mesmo tempo, ela não
pode suprir certas fantasias sexuais por questões culturais”, afirma.
(TERRA MULHER, 2009).
Os enunciados de 13 a 16 apresentam um posicionamento discursivo que
os inscrevem na FD Tradicional. Nesses enunciados, são apresentados
posicionamentos sobre a infidelidade masculina, colocando a mulher ou outro
fator externo, como questões culturais, como justificativas pelo ocorrido. No E13,
é usada a imagem dos contos de fada, segundo os quais a mulher é vista
tradicionalmente como pura, ligada à família e ao casamento e que está
relacionada ao espaço doméstico.
Os enunciados de 14 a 16 reafirmam o homem tradicional que preza
primeiramente o sexo e que tem justificativas para ser infiel devido à sua
necessidade (E15). Esse homem tradicional diferencia a mulher para formar
106
família e ser esposa da mulher para viver suas fantasias sexuais, conforme
podemos perceber no E16.
O E13 dialoga com os enunciados 8, 10 e 11 do hipertexto anterior, assim
como os enunciados 14, 15 e 16 se relacionam aos enunciados 2, 3 e12.
Após essa leitura, selecionamos o link A.13 – O que fazer se a relação está
em crise? e este nos abre três opções de leitura. Escolhemos A.13 e encontramos
os enunciados 17 e 18.
A.13 – O que fazer se a relação está em crise?
A.15 – O que fazer se ele te deixou?
A.16 - Qual a melhor forma de sair de uma crise no relacionamento?
A.17 – Chat: tecle sobre o assunto.
E17) Para Márcia Corrêa, que também é psicóloga, os relacionamentos
passam por crises porque basicamente todas as pessoas mudam todos
os dias. “Ninguém é a mesma pessoa do dia anterior e nem sempre as
mudanças são melhores para ambas as partes. Daí, começam as
divergências”, afirma. [...] Para o psicoterapeuta sexual Oswaldo
Rodrigues Júnior, a crise permite uma nova construção, um novo projeto
de vida conjunta para o futuro do casal. “É uma possibilidade de os
parceiros se casarem novamente e desta vez ser um casamento que
sirva para ambos e sobre o qual os dois tenham poder de dirigir”, conta
Rodrigues. [...] Segundo ele, é preciso ter consciência de que as crises
não serão evitadas e por isso, as mudanças devem ser vistas como um
novo ânimo para o casal.
E18) Adriana Falcão Duarte ainda ressalta que se não houver respeito,
confiança, companheirismo, verdade e sentimento, não existe mais
relação. “Às vezes conversar não basta para sair da crise e, nestes
casos, procurar ajuda profissional para resolver o impasse”, declara.
(TERRA MULHER, 2009)
Esse hipertexto discute a crise no relacionamento, fornecendo dicas de
como o casal deve se comportar para sair de uma crise. Ele manifesta um
posicionamento discursivo a favor da união estável, filiando os enunciados à FD
Tradicional e aos enunciados do hipertexto A que reforçam esse discurso.
Prosseguindo o percurso escolhido, selecionamos o link A.15 – O que fazer
se ele te deixou? que nos oferece três links. Optamos primeiro por A.15 e
encontramos os enunciados de 19 a 23.
107
A.15 – O que fazer se ele te deixou?
A.18 – Saiba como superar o fim de uma relação.
A.19 – Como você age quando é “deixada” pelo parceiro?
A.20 – Chat: tecle sobre o assunto.
E19) Você o amava, mas não teve jeito, ele não correspondeu a suas
expectativas e a relação chegou ao fim da pior forma possível: ele te
deixou.
E20) Música: Toda vez que escutar uma música que a faça recordar
dele, escute, cante, grite, chore, desabafe com uma amiga. Depois você
vai rir de tudo isso.
E21) Presenteie-se mais do que nunca: Por favor, não descuide de
sua aparência física. Compre muitos presentes, fique linda, eleve a sua
auto-estima.
E22) Fale sobre o que acontece: Desabafe com suas amigas, chore,
fale sobre o que aconteceu até que essa história não tenha mais sentido.
Mas cuidado, pois isso não é o tipo de coisa que se conta para todas as
pessoas do mundo, somente para as mais confiáveis. Esse cuidado deve
ser tomado para que você não passe por ridícula e, principalmente, para
que não chegue rumores até seu ex.
E23) casos piores: Nessa situação, é sempre bom pensar que há
casos mais dramáticos. Imagine ficar louca por causa de um homem?
Ou então, ser deixada no altar? Isso sim é que dói. Para que isso lhe
sirva de consolo. (TERRA MULHER, 2009)
O E19 reforça o discurso tradicional sobre o homem, como aquele que tem
o poder de decisão, estando sempre no controle da situação, relacionando-se aos
enunciados do hipertexto A.11. Dos enunciados 20 a 23, prevalece o discurso
tradicional que conceitua a mulher como emocional, sentimental, que exterioriza
os sentimentos, consumista, preocupa-se com a beleza e que tem o casamento
como um dos planos mais importantes de sua vida, relacionando-se, portanto, aos
enunciados da FD Tradicional dos hipertextos anteriores.
Após essa leitura, escolhemos o link do hipertexto A.18 que nos abre três
opções de leitura. Lemos A.18 que apresenta os enunciados de 24 a 27.
A.18 – Saiba como superar o fim de uma relação.
A.21 – Dez coisas que podem fazer sua relação ir por água abaixo.
A.22 – Opine sobre o assunto.
A.23 – Chat: tecle sobre o assunto.
108
E24) Quando se vive um amor, a última coisa que vem à cabeça é o fim
da relação. Entretanto, o dia do término pode chegar porque, assim
como a vida, o relacionamento apresenta seu ciclo natural com começo,
meio e fim. E se este momento acontecer, não razão para se
desesperar.
E25) E se ele decidiu tomar a iniciativa do término não motivos para
acreditar que seu mundo desabou. É claro que, em um primeiro
momento, é aconselhável afogar as mágoas e chorar para amenizar a
angústia.
E26) Passada a fase da fossa, é hora de contabilizar os ganhos e perdas
de tudo isso. O ideal é não levar como uma ferida por muito tempo e
não encarar como uma tragédia. O mais importante é refletir para
analisar as responsabilidades de cada um na relação.”, diz Mara.
E27) Apesar de o namoro ter se tornado águas passadas, ele lhe trouxe
uma lição de vida. Cresci achando que homem não prestava, até que
passei a acreditar cegamente nele. Hoje, não acredito mais nas
pessoas; acho que ele tirou esta minha inocência”, diz Hérika. Ela não
guarda mágoas e até reconhece o valor da relação. “Tenho certeza de
que foi amor e de que jamais outro namoro chegará perto da intensidade
desse”, afirma. (TERRA MULHER, 2009)
Todos os enunciados filiam-se à FD Tradicional por ressaltarem a
sensibilidade e a emotividade feminina, a posição da mulher como vítima da
maldade masculina (E27), o que os relaciona aos enunciados do hipertexto A15.
Prosseguimos no percurso e abrimos o link A.21 Dez coisas que podem
fazer sua relação ir por água abaixo que nos oferece três opções de leitura.
Lemos A.21 e identificamos os enunciados de 28 a 31.
A.21 – Dez coisas que podem fazer sua relação ir por água abaixo.
A.24 – 15 perguntas que você deve responder antes de casar.
A.25 – O que acaba com uma relação?
A.26 – Chat: tecle sobre o assunto.
E28) Não compartilhar as tarefas domésticas: Es é uma das
queixas mais comuns entre as mulheres. [...] o caia no erro de fazer
tudo sozinha porque não suporta a sujeira. E jamais coloque a limpeza
do lar acima do sexo e do descanso.
E29) Cair na rotina: A rotina se instalou em sua vida? Não suporta estar
sempre com sua família ou metida em casa? [...] Combater a rotina
necessita de um esforço permanente por parte de ambos. A saída de
emergência é não fazerem tudo juntos. Gaste mais tempo com seus
amigos, façam coisas separadamente, busquem ocupações que façam
com que vocês saíam (sic) de casa.
E30) Ciúme: Conviver com uma pessoa ciumenta pode se tornar um
inferno. O mais triste é que homens ciumentos costumam ser machistas
e possessivos de uma forma insuportável.
E31) Ter um trabalho melhor que o dele: Você jamais pensaria que ele
é um desses homens que se sentem diminuídos porque a mulher ganha
109
mais do que ele. No entanto, tem percebido que nos últimos dias ele se
sente mal-humorado e que seu desejo sexual diminuiu. Solução: Fale
claramente com ele sobre o que pensa. Tente racionalizar a situação.
Não permita que ele lhe tire seus méritos. Se ele não mudar de idéia e
continuar com essas atitudes machistas, pense melhor se vale a pena
continuar o relacionamento. (TERRA MULHER, 2009)
Os enunciados 28 e 29 apresentam um discurso tradicional sobre a mulher,
ao reconhecer a importância dada por ela aos cuidados com a casa e a família.
No que se refere à vida profissional da mulher, prevalece o discurso moderno que
valoriza a carreira. Os enunciados sobre o homem (E30 e E31) ainda o
caracterizam nos moldes tradicionais, colocando o lado sexual como um dos mais
importantes para ele, sendo a parte afetada em uma situação difícil. Esse homem
fragiliza-se quando se encontra em uma situação profissional inferior, uma vez
que, tradicionalmente, o êxito profissional cabe ao homem e não à mulher.
Por outro lado, um discurso moderno, defendido pelo locutor, que
valoriza a independência feminina, prezando menos as obrigações domésticas e
valorizando mais o relacionamento e o sexo. Busca a igualdade entre os sexos no
âmbito do trabalho e sugere à mulher que deixe um pouco os cuidados
excessivos com a família para olhar um pouco para si mesma. Observamos
nesses enunciados um conflito entre aquilo que a mulher é socialmente e aquilo
que desejam que ela seja, o que resulta num diálogo entre discursos e liga os
enunciados 28 a 31 aos presentes nos hipertextos anteriores.
Após a leitura desse hipertexto, abrimos o hipertexto A.24 15 perguntas
que você deve responder antes de casar que nos oferece três opções de leitura.
Destacamos os enunciados numerados de 32 a 36.
A.24 – 15 perguntas que você deve responder antes de casar.
A.27 – Segredos para manter a paixão no casamento.
A.28 – Opine sobre o assunto
A.29 – Chat: tecle sobre o assunto
E32) Vocês já discutiram se pretendem ter filhos? Em caso afirmativo,
quem estará mais disponível para tomar conta do bebê nos primeiros
meses de seu desenvolvimento?
E33) clareza na divisão das obrigações financeiras e os objetivos de
cada um?
110
E34) foi discutido como, quem, e com que freqüência a casa será
limpa? E quem será o responsável por gerenciar os funcionários da
residência?
E35) As preferências sexuais de cada um foram discutidas abertamente?
Os medos e fantasias dos parceiros são conhecidos?
E36) Ambos estão preparados para mudar de cidade em caso de uma
oferta de trabalho? (TERRA MULHER, 2009).
Esse hipertexto apresenta algumas perguntas elaboradas por especialistas
em relacionamento e que foram publicadas em um artigo no The New York Times.
São questionamentos que envolvem a vida diária do futuro casal, consideradas
como importantes de serem respondidas afirmativamente para que o casal seja
bem-sucedido no casamento.
Esses enunciados filiam-se à FD Moderna, por valorizar a igualdade entre
os sexos em questões do casamento como filhos, vida financeira, tarefas
domésticas, sexo e trabalho que no discurso tradicional são bem demarcados
conforme seja homem ou mulher. Eles se relacionam ao posicionamento do
locutor nos enunciados 28, 29 e 31 do hipertexto anterior e também aos do
percurso no que se refere a essas questões.
Para fechar o percurso de leitura, selecionamos o link A.27 Segredos
para manter a paixão no casamento, que encerra o percurso por não apresentar
nenhum link ramificado a partir dele. E nesse hipertexto foram selecionados os
enunciados:
E37) Cláudio, casado 20 anos, conta que depois de seguir algumas
dicas, ele e a mulher se reaproximaram e descobriram novas formas de
compartilhar o tempo juntos.
“As dicas de Cláudya deram uma ‘polida’ no nosso relacionamento.
Passamos a compartilhar mais nossas atividades. Pequenas mudanças
resgataram o carinho que sentíamos um pelo outro e a vida sexual
também melhorou”, diz ele.
E38) Suzi passou dos 20 anos de casamento com sua auto-estima em
baixa. As divergências conjugais acabaram esfriando o relacionamento.
Foi quando resolveu seguir as dicas da terapeuta e conta que, a partir
daí, a vida se transformou.
“O relacionamento com o meu marido, filhos, família e trabalho
melhorou. O grau de entendimento na relação aumentou e eu e meu
marido voltamos a nos conquistar”, afirma Suzi. (TERRA MULHER,
2009).
Os enunciados 37 e 38 filiam-se à FD Tradicional por serem favoráveis ao
casamento. O homem é mais ligado ao sexo (E37) e a mulher valoriza o
111
relacionamento, mas também os filhos, a família (E38). O reconhecimento de que
homem e mulher se conquistam, valorizando a igualdade entre os sexos nessa
questão, promove o diálogo desses enunciados com a FD Moderna. Assim, esse
hipertexto se relaciona aos seus anteriores, por manifestar esses
posicionamentos discursivos similares nesses aspectos, e ao hipertexto A de
onde partiu, pela presença de enunciados pertencentes à FD Tradicional e à FD
Moderna.
Nesse link, encerra-se o percurso de leitura e fica estabelecida a relação
dos dois percursos A.1 e A.2 ao percurso A de onde se ramificaram. Eles se ligam
entre si e ao link A pela relação discursiva entre os enunciados pertencentes à FD
Tradicional e à FD Moderna, o que comprova a relação discursiva dentro do
sistema arbóreo.
3.3.3 – Da dispersão dos enunciados à regularidade da formação discursiva
Na análise realizada, identificamos enunciados que, por suas regularidades
discursivas se filiam à FD Tradicional ou à FD Moderna. É pela função enunciativa
que os constitui que nos foi possível agrupá-los em FDs, ou seja, encontrar sua
unidade em meio à dispersão.
Esses enunciados possuem uma voz para enunciá-los, um local para
serem registrados, uma época para aparecerem. Considerando os enunciados
identificados no corpus, podemos afirmar que a voz que os enuncia é do locutor
institucional, ou seja, representante da instituição que é a empresa de
comunicação Terra, o local onde eles aparecem é a página Terra Mulher do site
Terra e, mais especificamente, o(s) hipertexto(s) exposto(s) na tela do
computador, e a época é o ano de 2009.
Pela raridade, observamos que os enunciados presentes nos hipertextos e
que os relacionam são dizeres instituídos social, cultural e historicamente. Ao
apresentar alguns enunciados, interditam-se outros dizeres. Desse modo,
112
enunciados sobre o homem e a mulher, instituídos socioculturalmente, que se
repetem nas enunciações devido à raridade que lhes é constitutiva.
Por esse princípio, observamos que apenas alguns enunciados se mantêm
e se inter-relacionam, porque um poder dominante que assim determina.
Esses enunciados são repetidos, reproduzidos e transformados nas enunciações,
conservando determinados posicionamentos e pertencendo a domínios que os
singularizam e os tornam raros.
Pela exterioridade, observamos as relações estabelecidas entre os
enunciados, bem como encontramos as regularidades discursivas que os filiam,
pelo posicionamento discursivo que lhes é intrínseco, à FD Tradicional e/ou à FD
Moderna.
Observamos que os enunciados não nasceram naquela enunciação, mas
trazem em sua constituição elementos externos que dão uma origem, uma
identidade já construída e instituída por determinada FD. Constatamos, pela
exterioridade, que o enunciado entra numa continuidade que o precede, a qual
é instituída e possui historicidade, tornando-se, portanto, um acontecimento em
meio aos dizeres que lhe precedem e que são a base do seu dizer.
A última característica dos enunciados que observamos é a noção de
acúmulo, subdividida em remanência, aditividade e recorrência.
Pela remanência, observamos a conservação dos enunciados, devido à
existência do suporte (o hipertexto) e a instituição (mídia) que os armazenam,
projetando-os do passado ao futuro, permitindo-lhes serem arquivados e
mantendo determinados discursos como verdades instituídas.
A aditividade permitiu-nos ver como os enunciados se agrupam, coexistem,
se identificam segundo certas regularidades e se relacionam, seja por oposição
ou por combinação. Em nossas análises, evidenciamos esse aspecto ao
relacionarmos os enunciados da formação discursiva tradicional por serem
semelhantes, ou ao agrupar alguns na formação discursiva moderna por se
distinguirem da tradicional, ou pela existência de enunciados semelhantes em
ambas as FDs.
Pela recorrência, notamos como os enunciados têm sua origem em dizeres
instituídos socioculturalmente. Eles não nascem arbitrariamente, mas
113
amparados em práticas discursivas existentes em nossa sociedade sobre os
objetos a respeito dos quais eles enunciam. Observamos que eles o existem
sozinhos, mas recorrem a dizeres e a conceitos já estabelecidos. Assim, por
exemplo, os enunciados sobre a mulher pertencentes à FD Moderna recorrem
aos da FD Tradicional para se constituírem, opondo-se e selecionando os não-
ditos da FD Tradicional para instituí-los como seus dizeres ou apropriando-se dos
dizeres da FD Tradicional.
Esses elementos enunciativos nos permitiram encontrar a positividade que
une os enunciados e os agrupam em determinada formação discursiva.
Considerando esse conceito de agrupamento dos enunciados em FDs,
apresentamos na figura 6 do item 3.4.4 um quadro com as características das
FDs identificadas no corpus para discutirmos como os enunciados se relacionam
interdiscursivamente e, quando materializados discursivamente nos hipertextos do
sistema arbóreo, contribuem para estabelecer a relação entre hipertextos.
3.3.4 – As relações entre hipertextos pela interdiscursividade
Demonstramos em nossa análise que os hipertextos se relacionam
discursivamente pela presença de enunciados que, pela positividade, se filiam a
determinada(s) formação (ões) discursiva (s). Assim, de modo geral, observamos
que em um hipertexto um enunciado da FD Tradicional que dialoga com o
enunciado da mesma FD no hipertexto seguinte, ou um enunciado da FD
Moderna que dialoga com outro da FD Moderna no próximo hipertexto.
Nos hipertextos analisados, há duas FDs que, em sua constituição, se
opõem em alguns aspectos quanto à forma de significar seus objetos. Assim, a
FD Moderna tem enunciados que se constituíram a partir dos não-ditos da FD
Tradicional e traz consigo o “Outro” do discurso tradicional, aquela parte de
sentido que foi necessário o discurso sacrificar para constituir a própria identidade
(MAINGUENEAU, 2008, p.37), colocando-o como dizer instituído; o oposto
também pode ser considerado, ao percebermos que alguns dizeres afirmados
114
pela FD Tradicional são justamente os negados pela FD Moderna. Além disso,
embora aparentem ser distintas ao enunciar sobre os objetos de discurso, as FDs
possuem particularidades que as unem a um mesmo princípio ideológico cujos
enunciados prezam os valores masculinos.
Desse modo, podemos afirmar que as duas FDs o são completamente
antagônicas, por admitirem em seu interior enunciados que lhes são comuns,
havendo, portanto, uma relação de aliança entre as duas FDs. Pelas análises,
observamos que a FD Moderna, em seus enunciados construídos a partir de não-
ditos da FD Tradicional, situa-se no limite entre o tradicional e o moderno, pois
alguns discursos modernos sobre a mulher, por exemplo, tentam igualá-la ao
homem e, assim, têm, no discurso tradicional sobre o homem, o padrão para se
igualar. Observamos assim que não FDs puras, pois a moderna traz o
tradicional em sua constituição.
Sendo assim, podemos afirmar que as FDs Moderna e Tradicional se
encontram numa relação de concorrência nesse campo discursivo, delimitando-se
reciprocamente (MAINGUENEAU, 2008, p.34) e estabelecendo relações tanto de
confronto quanto de aliança.
Apesar de algumas oposições, os enunciados dessas FDs, quando
manifestados nos hipertextos, não se contradizem, mas estabelecem uma relação
de complementaridade, sendo que, em alguns temas predomina uma visão
tradicional sobre os objetos de discursos e em outros prevalece a visão moderna.
Por exemplo, apresenta-se um posicionamento discursivo sobre a mulher
caracterizando-a como frágil emocionalmente, conforme a FD Tradicional; por
outro lado, apresenta-se um posicionamento que a caracteriza como
independente e forte financeiramente, na perspectiva da FD Moderna. Embora
sejam duas posições discursivas diferentes, em que assumir um dizer em uma FD
significa interditar o outro da FD oposta, esses posicionamentos se
complementam e se constituem na visão construída sobre o objeto de discurso,
resultando numa perspectiva híbrida. Assim, podemos afirmar que um
hipertexto pode se ligar a outro pelo diálogo entre enunciados de uma mesma FD
ou pelo diálogo entre FDs diferentes, evidenciando aquilo que negam, isto é, o
interdito de cada uma delas que se constitui no dizer instituído da outra. Por outro
115
lado, as duas formações discursivas podem manter uma interdiscursividade que
reflete a relação de inclusão, de apoio, ou seja, o enunciado aceito na FD
Moderna é também o dizer instituído na FD Tradicional.
Sendo assim, podemos perceber que as formações discursivas o são
fixas, estáveis, homogêneas, ao contrário, são heterogêneas e flexíveis,
admitindo combinações, inter-relações para além da simples negação ou
aceitação de algum dizer. Isso confirma o que Orlandi (2007) diz sobre a
interdiscursividade e sua relação com a memória:
As palavras falam com as outras palavras. Toda palavra é sempre parte
de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com outros:
dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória. As formações
discursivas podem ser vistas como regionalizações do interdiscurso,
configurações específicas dos discursos em suas relações. O
interdiscurso disponibiliza dizeres, determinando, pelo já-dito, aquilo que
constitui uma formação discursiva em relação a outra. Dizer que a
palavra significa em relação a outras, é afirmar essa articulação de
formações discursivas dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade
material contraditória.
(p.43).
Essa relação observada entre os enunciados de FDs contíguas se dá
devido ao trabalho da memória discursiva que permite o aparecimento, a rejeição
ou a transformação de enunciados nas FDs. Esses enunciados que as compõem
aparecem devido a sistemas de poder que os permitem ou os interditam, os
coloca em relação, determinam o que pode ou não ser dito, o que deve se fazer
presente e o que será interditado pela memória daquele discurso. Pela memória,
observamos o sistema de seleção de enunciados socioculturalmente aceitos e
instituídos, e a interdição daqueles que podem trazer desequilíbrio, que
representam um risco para as “verdades” que se deseja estabelecer.
No quadro a seguir (figura 9), elucidamos como as FDs Tradicional e
Moderna apresentam seus posicionamentos discursivos sobre os objetos de
discurso “homem” e “mulher”, a fim de evidenciarmos como elas possuem o seu
lado oposto, percebido pelo não-dito, mas também a sua parte convergente, que
abriga em duas formações discursivas distintas um mesmo posicionamento
discursivo.
Consideramos que é pela relação entre esses posicionamentos
discursivos, seja pela relação do dito ou do não-dito, que os hipertextos se ligam
116
no sistema arbóreo, que deixa de ser mero arquivo de textos para se constituir em
um arquivo de discursos. Acreditamos também que é na totalidade do sistema,
enquanto arquivo discursivo, formado pela inter-relação entre a FD Tradicional e a
FD Moderna, que se constrói a imagem do locutor, do interlocutor e do objeto de
discurso.
Objeto de discurso:
Homem
Posicionamentos discursivos
Objeto de discurso:
Mulher
Posicionamentos discursivos
Temas
FD
Tradicional
FD Moderna
FD
Tradicional
FD Moderna
Vida sentimental
Forte, seguro,
cavalheiro,
dominador,
individualista
Cavalheiro,
fragiliza-se
emocionalmente
Emotiva, frágil,
dependente do
homem,
insegura,
valoriza o amor.
Forte,
independente
do homem,
segura,
valoriza
o amor.
Sexo
Desejo sexual
forte, viril, ativo
Desejo sexual
forte, viril, ativo
e passivo
Passiva,
sexualidade
negada, desejo
sexual
reprimido.
Ativa e passiva,
sexualidade
livre, sedutora.
Conquista
Conquistador
Conquista e
deixa-se
conquistar
“Ser”
conquistado,
“ser-percebido”,
cuida da
aparência
Conquistadora,
“ser-percebido”,
cuida da
aparência
Vida profissional
Bem-sucedido
Bem-sucedido Dependente
financeiramente
do homem
Bem-sucedida,
não depende
financeiramente
do homem
Fidelidade
Infiel Fiel Fiel Fiel
Família
Monogâmico,
não participa da
educação dos
filhos
Monogâmico,
participa da
educação dos
filhos
Monogâmica,
altruísta,
maternal
Monogâmica,
preserva a
individualidade,
maternal.
Tarefas domésticas
Não divide as
tarefas
domésticas
Divide as
tarefas
domésticas
Realiza as
tarefas
domésticas e
familiares
sozinha
Não realiza as
tarefas
domésticas e
familiares
sozinha
FIGURA 9: Quadro comparativo
FD Tradicional versus FD Moderna.
117
3.3.5 – Formações discursivas em diálogo no arquivo: a projeção do locutor,
do interlocutor e dos objetos de discurso
Ao observarmos a relação discursiva entre os hipertextos dos dois
percursos e de ambos no sistema arbóreo, identificamos a presença da FD
Tradicional e da FD Moderna, em relação de concorrência.
Entretanto, conforme explicitamos, essa relação de concorrência o se
manifesta nos hipertextos opondo-os, mas sim inter-relacionado-os pela
positividade de seus enunciados ou seja, pelos elementos que os identificam e
os agrupam em FDs e pela interdiscursividade que possibilita o diálogo entre
enunciados de uma mesma FD e entre enunciados de FDs diferentes, seja se
apoiando ou se opondo.
Nesses diálogos interdiscursivos no arquivo no qual se constituiu o sistema
arbóreo, foram construídas, nos discursos, as imagens do locutor, do interlocutor
e do objeto de discurso, colocando-as em relação dentro do arquivo. Desse modo,
não identificamos imagens divergentes e incoerentes nos percursos, mas uma
unidade discursiva no modo de projetar discursivamente o locutor, o interlocutor e
o objeto de discurso, resultando na projeção decorrente dos diálogos entre os
discursos presentes no arquivo.
A partir das análises feitas, observamos que uma unidade discursiva no
modo de apresentar: a) o (s) posicionamento (s) discursivo(s) do locutor (quem
ele julga ser para dizer o que diz); b)a imagem do homem e da mulher, enquanto
objetos de discurso (quem é esse sobre o qual estou falando?); c)a imagem da
mulher, leitora projetada pelo locutor (quem é ela para que eu lhe fale assim?).
A – O(s) posicionamento(s) discursivo(s) do locutor
O locutor institucional
30
apresenta dois posicionamentos discursivos que
podemos atribuir a dois enunciadores distintos: um pertencente ao discurso
tradicional e outro ao discurso moderno. Assim, por exemplo, no que diz respeito
30
Designamos de “locutor institucional” o sujeito que fala nos hipertextos do sistema arbóreo. Esse
sujeito pode manifestar no hipertexto várias vozes, que são os vários posicionamentos discursivos
adotados.
118
ao modo de se posicionar sobre a decisão de se casar ou não, ele apresenta um
posicionamento tradicional que valoriza a união oficializada, monogâmica; porém,
quando diz respeito à convivência do casal, ele apresenta um discurso moderno
que preza a igualdade entre os sexos no que tange às divisões das obrigações
familiares.
O locutor, enquanto aquele que fala no texto e se posiciona de determinado
lugar do discurso, apresenta-se como um sujeito tradicional ao conservar
posicionamentos discursivos tradicionais sobre a sexualidade masculina e o lado
emocional feminino, mas se posiciona como um enunciador moderno ao tratar a
mulher em situação de igualdade com o homem em questões como a vivência da
sexualidade e a posição profissional no mercado de trabalho. Essas oscilações de
posicionamentos e que indicam quem é o locutor por aquilo que ele enuncia serão
aprofundadas na análise da projeção sobre a mulher, interlocutora imaginária e
objeto de discurso, e do homem, objeto de discurso.
Observamos que os posicionamentos discursivos do locutor e as projeções
realizadas no discurso manifestam-se de diversas formas: por discurso direto
através do discurso de autoridade –, pela interdição de outros dizeres e por
exemplos de situações hipotéticas ou vividas por alguém.
Desse modo, observamos que, ao enunciar, o locutor utiliza-se desses
mecanismos discursivos para dar credibilidade àquilo que afirma. A atribuição de
determinados dizeres a psicólogos, terapeutas, pessoas que passaram por
determinadas experiências, escritores de livros relacionados ao tema discutido,
por exemplo, confere aos enunciados o caráter de verdade.
Se pensarmos nas considerações de Foucault (1996) sobre a relação entre
o saber e o poder, podemos afirmar que o fato de essas pessoas estarem
associadas a alguma instituição de saber, que as autorizam e as capacitam a
dizer, é que confere credibilidade aos seus discursos e convence o interlocutor da
verdade defendida, bem como atribui o caráter de verdade às próprias projeções
realizadas no discurso.
Como o autor observa, é o poder que determina quem pode dizer o que,
quando e para quem, pois qualquer um o pode falar de qualquer coisa
(FOUCAULT, 1996, p.9). Desse modo, as projeções discursivas são construídas e
119
consideradas verdadeiras porque não são ditas por qualquer pessoa, mas por
indivíduos autorizados, seja pela instituição seja pela própria experiência de vida.
B - A imagem do homem (objeto de discurso)
Ao percorrer os dois percursos oferecidos pelo link “É melhor casar ou
morar junto?”, observamos projeções do homem que oscilam entre a FD
Tradicional e a FD Moderna, manifestando o posicionamento discursivo de um
locutor que constrói o objeto de discurso a partir de dois posicionamentos, mas
que ainda preserva uma imagem tradicional do homem pela ocorrência maior de
enunciados pertencentes à FD Tradicional.
Observamos durante o percurso A.1 a construção da imagem do homem,
enquanto “ser falado” no discurso, que se assemelha à que é feita no percurso
A.2. Os enunciados que constroem a imagem do objeto de discurso se relacionam
tanto pela similaridade daquilo que dizem quanto pelo interdito que os constituem.
Esse diálogo possibilita uma relação discursiva tanto entre os hipertextos do
percurso A.1 ou A.2 quanto entre os dois percursos, havendo uma regularidade
no modo de construir discursivamente a imagem do homem.
Esse homem, objeto de discurso, é representado tradicionalmente como
um homem ativo, forte, racional, sendo aquele que oferece segurança à mulher,
devendo ser bem-sucedido profissionalmente, mas que se fragiliza quando a
mulher é a parte mais bem-sucedida, refletindo tal fragilidade naquilo que é o
símbolo de seu poder: o sexo.
No que se refere à vivência da sexualidade, é aquele que gosta de dominar
a relação sexual, podendo ceder à mulher, apenas temporariamente, o domínio
da situação. O homem dominador é também, por natureza, infiel, pois, diante da
“necessidade” sexual, ele pode vir a trair sua parceira. No entanto, não se envolve
com qualquer mulher para satisfazer sua necessidade sexual, mas seleciona
aquela com a qual se envolverá – o que lhe dá características modernas.
Moderna também é a perspectiva de acordo com a qual se considera a
relação sexual: o homem deve satisfazer sexualmente a mulher e não apenas ser
a parte mais interessada no sexo como na visão tradicional. Por outro lado, esse
120
homem distingue, ao modo tradicional, a mulher para o sexo, com a qual ele pode
realizar suas fantasias sexuais, e a mulher para ser a esposa, a mãe, sendo
considerada a pura, com a qual a relação é mais comedida.
Diferente das representações tradicionais, quando indiferente à mulher, o
homem moderno não se importa com uma possível traição. Ele ainda preserva
seu lugar de conquistador, conforme a imagem tradicional, mas é um lugar
ocupado também pela mulher, havendo assim uma conquista mútua, conforme o
discurso moderno.
Observamos ao longo da análise que os posicionamentos do locutor sobre
o homem (objeto de discurso) apresentam relações dialógicas tanto entre uma
mesma FD quanto entre FDs diferentes, o que demonstra que pela
interdiscursividade observamos o dizer e o não-dizer constitutivo dos discursos; o
que é interdito de um discurso é aceito pelo outro, mas dizeres semelhantes
também podem unir duas FDs.
Desse modo, podemos afirmar que é nesse diálogo entre posicionamentos
discursivos iguais ou diferentes sobre os objetos que podemos observar também
quem é o locutor, ou seja, pelos enunciados identificamos a imagem daquele que
enuncia a partir do objeto sobre o qual enuncia.
C – A imagem da mulher, objeto de discurso e leitora projetada pelo locutor
O último aspecto que apontamos como resultante da relação discursiva
entre os hipertextos dos percursos A.1 e A.2, e também indicativos dessa inter-
relação é a construção da imagem da mulher, leitora projetada pelo locutor e
objeto de discurso.
A imagem construída no discurso sobre o interlocutor não representa o
sujeito empírico inscrito socialmente, mas sim projeções sobre quem pode ser
esse sujeito, o que ele deseja ouvir, quais são os discursos aceitáveis que não
ferem a imagem socioculturalmente construída do grupo a que pertence.
Ao projetar a mulher como provável interlocutora e também como objeto de
discurso nos hipertextos do sistema arbóreo, o locutor considera um determinado
público feminino que, enquanto sujeito constituído socioculturalmente no/pelo
121
discurso, oscila entre o discurso moderno e o tradicional. Assim, ao se dirigir à
provável leitora da página Mulher, o locutor se posiciona em alguns momentos
como um sujeito tradicional e em outros como um sujeito moderno, o que resulta
na projeção de um sujeito feminino híbrido.
Desse modo, segundo o discurso tradicional, a mulher é representada
como emotiva, aquela que fala muito, o sexo frágil que necessita da segurança
oferecida pelo homem, na maioria das vezes passiva – pois em alguns momentos
ela é representada como ativa, como no sexo e na vida profissional –, valoriza
aspectos relacionados à estética, à aparência, colocando-se como ser-percebido,
ou seja, devendo se mostrar sempre atraente e bonita para seduzir e agradar o
homem. Por ser aquela que deve se cuidar e ficar sempre bonita, ela é
caracterizada também como consumista, sendo esse um dos modos que ela
encontra para esquecer seus problemas interiores.
Essa mulher tradicional também é dependente emocionalmente do homem,
sendo considerada a passiva no relacionamento, pois o homem é o ativo que
toma a iniciativa de romper o relacionamento e a mulher é aquela que sofre, chora
e se desespera com o abandono do ser amado. Ela valoriza o casamento, a
família e os filhos, tendo como um dos sonhos principais “subir ao altar”.
Por outro lado, conforme o discurso moderno, ela é projetada em posição
de igualdade com o homem em questões relativas à vida sexual, em que o sexo
não é apenas um desejo e uma exigência masculina, mas também feminina.
Assim, essa mulher moderna vive sua sexualidade, seleciona seu parceiro, deseja
ser satisfeita sexualmente, diferentemente da mulher tradicional cuja sexualidade
é apagada pelas regras sociais.
Nessas condições de mulher moderna, ela pode ser ativa na relação, nem
que seja por alguns momentos, seduzir e demonstrar ao homem aquilo que ela
deseja. Ela mantém relações íntimas sem compromisso, mostrando-se moderna,
mas ainda conserva o desejo de ter um relacionamento rio e espera a iniciativa
masculina para iniciar o relacionamento, nos moldes tradicionais.
O locutor apresenta enunciados modernos, em forma de conselhos à
mulher, que reafirmam a importância de homem e mulher distribuírem igualmente
as tarefas da casa, as obrigações financeiras e os cuidados com os filhos, sendo
122
responsáveis pela harmonia do casamento, reafirmando a igualdade entre os
sexos, típica do discurso moderno. Quando o locutor faz essas afirmações, ele
considera uma mulher tradicional que se encarrega de cuidar sozinha dos filhos,
da casa e que deixa as obrigações financeiras nas mãos do homem, conforme
vimos nos enunciados que afirmam o desejo feminino de encontrar um homem
que dê segurança e que seja o “homem da casa”.
Sendo assim, observamos que o locutor se posiciona no discurso como
dois sujeitos enunciadores distintos ao projetar a sua possível interlocutora.
Representa-a como um sujeito tradicional em questões que envolvem a vida
sentimental, mas como um sujeito moderno em questões práticas da vida
cotidiana como aspectos referentes ao trabalho, e a representa como um sujeito
híbrido entre o tradicional e o moderno ao tratar de questões relacionadas à
vida sexual.
A partir dessa imagem construída, observamos que uma linearidade
discursiva em meio à não-linearidade material do hipertexto. Os posicionamentos
discursivos manifestos no sistema arbóreo se inter-relacionam de modo que se
constrói uma imagem específica do locutor, do interlocutor e dos objetos de
discurso, o que demonstra a interdiscursividade manifesta no sistema arbóreo
hipertextual.
3.3.6 – Relações entre o hipertexto e o arquivo
Quando propusemos a análise do hipertexto segundo uma perspectiva
discursiva, objetivávamos mostrar como as ligações entre hipertextos promovidas
por links não pertenciam apenas ao nível material, mas que havia elementos
discursivos responsáveis por realizá-las.
Diante disso, propusemos um novo olhar sobre essas relações entre
hipertextos: tomamos como hipótese que havia enunciados, filiados a
determinadas FDs e instituídos como discursos, responsáveis por relacionar um
hipertexto ao outro nos percursos estabelecidos pelos links e no sistema arbóreo
123
em sua totalidade. Desse diálogo entre enunciados, FDs e discursos resultaria o
arquivo, lugar onde todos esses conceitos se relacionavam e se materializavam.
Pela análise realizada, observamos que os hipertextos possuem
enunciados filiados a duas FDs: a FD Tradicional e a FD Moderna. Ao clicarmos
nos links, somos conduzidos a hipertextos que possuem enunciados pertencentes
a uma ou outra FD, ou a ambas, e assim, de hipertexto a hipertexto, vão sendo
estabelecidos diálogos entre os enunciados. Evidenciamos na análise que esses
enunciados podem dialogar por pertencerem a uma mesma FD ou por se filiarem
a uma FD oposta; observamos também que um único enunciado pode pertencer a
ambas as FDs, havendo um diálogo entre FDs distintas que se identificam, de
alguma forma, pela similaridade de seus enunciados.
Para que esse diálogo seja possível, são necessárias outras relações como
pertencerem a um mesmo momento sócio-histórico, falarem sobre um mesmo
objeto de discurso, existir relação entre as posições de sujeito seja por
complementaridade ou por oposição e terem uma materialidade, elementos
responsáveis por estabelecer a positividade.
Para Foucault (2008), o arquivo obedece a uma positividade responsável
por estabelecer uma relação entre todos os seus elementos: enunciado, formação
discursiva e discurso. É essa positividade que promove a coexistência entre
discursos dentro de um arquivo, permitindo que seus enunciados dialoguem uns
com os outros em uma relação interdiscursiva.
Ao promover ligações discursivas entre os hipertextos, os enunciados
deixam à mostra um sistema muito mais complexo que é o arquivo. Ali, naquele
sistema arbóreo hipertextual, os enunciados se filiam a formações discursivas,
essas formações discursivas dialogam entre si e o arquivo então se apresenta.
Arquivo de discursos, de modos de construir discursivamente os objetos de
discurso de determinada sociedade.
Observamos que a totalidade discursiva, marcada pelo diálogo entre
discursos, na qual se constitui o sistema arbóreo evidencia o funcionamento do
arquivo. Os hipertextos que constituem o sistema arbóreo hipertextual são
representativos, pois possuem enunciados específicos filiados a FDs que mantêm
124
relações interdiscursivas, permitindo-nos ver um arquivo de discursos sobre
determinado(s) objeto(s) de discurso.
O regime do arquivo é a existência de enunciados, filiados a FDs e
instituídos como discursos, que falam sobre determinado(s) objetos(s) de
discurso. Esses objetos possuem discursos diferentes que os significam, mas
que, em sua diferença, mantêm um diálogo. O arquivo, então, coloca-os em
concorrência, numa relação interdiscursiva, a partir da qual vemos as diversas
formas de conceber um objeto.
Esses posicionamentos discursivos em diálogo no arquivo não são
possíveis de serem vistos apenas pelo dito, mas também pelo o-dito. O
interdito que constitui cada dizer permite-nos ver a relação interdiscursiva
existente entre a parte negada e a parte afirmada, assim como entre os
enunciados que constituem o não-dito, que também são formas implícitas de
relação estabelecida no arquivo.
Portanto, o sistema arbóreo não é apenas um arquivo material, mas,
também, uma construção discursiva, um arquivo discursivo, onde os elementos
discursivos são colocados em relação quando os hipertextos são conectados por
meio dos links.
Dessa relação entre hipertextos por meio de enunciados resulta o arquivo,
lugar que os abriga, os coloca em diálogo, os agrupa em formações discursivas e
os institui como discursos, para relacioná-los interdiscursivamente e assim se
constituir.
3.4 – Relações discursivas no hipertexto: a perspectiva cultural
Quando propusemos a análise discursiva do hipertexto, tínhamos também
o objetivo de elucidar que os hipertextos componentes do sistema arbóreo, e
relacionados discursivamente, poderiam ser considerados artefatos discursivos e
culturais.
Nesse sentido, essa perspectiva partiu do princípio de que um hipertexto
apresenta várias possibilidades de leitura e as relaciona, materialmente, por meio
125
de links, mas também por discursos. Assim, visando confirmar essa hipótese,
realizamos uma análise discursiva dos hipertextos relacionados por links e
identificamos, nesse sistema arbóreo hipertextual, enunciados filiados à FD
Tradicional e à FD Moderna.
A partir da análise desses enunciados, identificamos os posicionamentos
discursivos adotados pela mídia para significar o homem e a mulher. Conforme
observamos pelas análises apresentadas anteriormente, estabelecem-se divisões
entre homem e mulher segundo a FD Tradicional nos campos relacionados à
vida sentimental, ao sexo, à conquista e à vida familiar, bem como observamos
algumas aproximações nos campos do sexo, da conquista e da vida profissional –
conforme a FD Moderna.
Diante disso, constatamos que, embora a FD Moderna objetive representar
o homem e a mulher em posição de igualdade, ainda prevalecem os princípios de
visão e divisão sexualizantes (BOURDIEU, 2007, p.18), conforme apontados por
Bourdieu (2007) em A dominação masculina, manifestos na FD Tradicional. Além
disso, observamos que ambas as FDs baseiam-se numa visão androcêntrica, ou
seja, segundo a qual o princípio masculino é tomado como medida de todas as
coisas (BOURDIEU, 2007, p.23).
Desse modo, embora a FD Moderna busque apresentar a mulher em
posição de igualdade com o homem em alguns aspectos, esse desejo de
igualdade considera como padrão ideal a ser atingido as características
masculinas, o que comprova a filiação de ambas as FDs a um mesmo sistema de
crença e de valores que têm no masculino o modelo a ser seguido.
Em sua obra A dominação masculina, Pierre Bourdieu (2007) analisa o
processo de dominação masculina presente na sociedade Cabila para elucidar
como são feitas as divisões entre os sexos em tal sociedade, bem como amplia
tal análise, verificando como essas divisões são representadas na sociedade
ocidental. Adotamos essas considerações com o objetivo de analisarmos, sob
uma perspectiva cultural, os posicionamentos discursivos apresentados nos
enunciados manifestos nos hipertextos do sistema arbóreo.
Nesse sentido, observamos que os enunciados manifestos nesses
hipertextos constroem imagens do homem e da mulher ancoradas no princípio
126
masculino, no sentido adotado por Bourdieu (2207). Assim, percebemos que são
traçadas, nesses enunciados, divisões entre o homem e a mulher, atribuindo ao
homem o status do poder, que, socioculturalmente, sempre lhe pertenceu.
Ao direcionar-se à mulher como interlocutora ou ao referir-se a ela como
objeto de discurso, o locutor constrói uma imagem tradicional da mulher como um
“ser” frágil, passivo, emotivo, ligada à família, dependente emocionalmente do
homem, com instinto maternal aguçado, que se posiciona como ser-percebido
ou seja, dedica-se a agradar o homem e a se mostrar atraente para satisfazê-lo –,
que necessita da segurança oferecida pelo homem. Por outro lado, ela é
representada, conforme o discurso moderno, como aquela que também exerce o
poder na conquista, preocupa-se com a vida profissional e vive sua sexualidade,
buscando igualar-se ao homem; entretanto, nesse desejo feminino de colocar-se
em situação de igualdade com o homem, observamos a preponderância do
masculino.
Ao falar do homem como objeto de discurso, o locutor constrói a imagem
tradicional de um “ser” forte, viril, dominador, ativo, bem-sucedido, conquistador,
infiel por natureza, “o homem da casa”, que diferencia a mulher para casar
daquela destinada à satisfação das fantasias sexuais. Por outro lado, esse
homem apresenta características modernas ao se tornar frágil diante uma
possível superioridade profissional da mulher, assim como também aceita,
temporariamente, ser dominado no sexo e perder o controle da conquista; no
entanto, observamos que essas características modernas estão intimamente
ligadas ao tradicional, uma vez que o homem torna-se frágil por perder o lugar de
poder que sempre lhe pertenceu o que demonstra sua necessidade de ter o
poder , assim como no sexo não admite ceder totalmente o lugar de poder que
lhe é seu por direito, segundo os princípios socioculturais instituídos.
A partir dessa análise sobre como o masculino e o feminino são
construídos discursivamente pela mídia, constatamos que nessas imagens
construídas, sejam elas tradicionais ou modernas, o predomínio do princípio
masculino, exercendo uma dominação simbólica por meio dos discursos
instituídos social, cultural e historicamente em nossa sociedade.
127
Bourdieu (2007) afirma que na sociedade Cabila e por extensão, de modo
velado, na ocidental, são construídas visões e divisões sexualizantes sobre o
homem e a mulher, em que predomina a dominação do sexo masculino.
Segundo o autor, há determinadas instituições que contribuem para as
definições e divisões de papéis sociais a serem desempenhados por homens e
mulheres. Ele destaca que essas divisões não são nem se realizam por meio da
força física, mas por meio de discursos e de práticas que constituem a sociedade
e são difundidos por instituições como a escola, a família, a igreja e a mídia,
sendo uma espécie de dominação simbólica. Para ele, a força simbólica é uma
forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e como que por
magia, sem qualquer coação física (BOURDIEU, 2007, p.50).
Essa dominação simbólica atua sobre os sujeitos, estabelecendo
separações entre os sexos, sem que eles tomem consciência dessas divisões
estabelecidas. Desse modo, os dominados aplicam categorias do ponto de vista
dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim ser vistas como
naturais (BOURDIEU, 2007, p.46). Essa concepção é adotada por Bourdieu
(2007), na qual ele fala que as estruturas de dominação simbólica, bem como
seus efeitos, não se exercem conscientemente, mas por meio de esquemas de
percepção, de avaliação e de ação que o constitutivos do modo de vida e da
constituição sociocultural dos sujeitos sociais.
Segundo o autor, ao longo do tempo, padrões culturais específicos foram
criados para homens e mulheres, assim como campos de atuação que seriam
destinados a cada sexo, demonstrando relações de poder e domínio presentes na
sociedade.
Bourdieu (2007) afirma que a sociedade estabelece diferenças entre
homens e mulheres e determina domínios a que cada um deve se ligar usando o
argumento de que tais divisões são biológicas e inerentes à constituição psíquica
dos indivíduos. Ele questiona tais argumentos, afirmando que essas diferenças
não são biológicas, mas construções arbitrárias, baseadas em discursos social,
cultural e historicamente propagados e instituídos, que se inscrevem nas
subjetividades dos sujeitos e influenciam suas práticas discursivas e sociais.
128
Em seu estudo, ele evidencia os mecanismos pelos quais a dominação é
produzida, se inscreve nas subjetividades das pessoas de modo naturalizado e
como ela se relaciona à esfera social, que esta é marcada pelas relações de
poder entre os gêneros.
Ao estudar as divisões sexuais na sociedade Cabila, Bourdieu (2007)
observou que nela havia separações entre homens e mulheres, sendo que as
representações do masculino caracterizavam o homem como o melhor, de maior
poder, não-marcado, ao qual se atribuíam características como virilidade, força,
proteção, excelência, ligado ao domínio da rua, da diversão, e incumbido a ser o
melhor, sendo considerado a norma, o que é superior, portanto, preferidas em
detrimento dos atributos femininos.
Se à mulher é destinado o papel de dependente do homem, a ele cabe o
papel de provedor, o forte, a parte dominante da relação. Sobre essa dicotomia
estabelecida entre os sexos e o imaginário que a envolve, Bourdieu afirma que a
sociedade exige que o homem seja dominador e faz com que as mulheres
também desejem esse modelo masculino:
[as mulheres desejam que] o homem ocupe, pelo menos aparentemente,
e com relação ao exterior, a posição dominante no casal, é por ele, pela
dignidade que nele reconhecem a priori e querem ver universalmente
reconhecida, mas também por elas próprias, para sua própria dignidade,
que elas só podem querer e amar um homem cuja dignidade esteja
claramente afirmada e atestada no fato, e pelo fato, de que “ele as
supera” visivelmente. (2007, p.48)
Por outro lado, se ao homem são atribuídas características que lhes dão
poder, as representações sociais do feminino atribuíam-lhe características como a
de ser menos capaz, sexo frágil que precisa de um protetor, sensível, passiva,
ligada ao espaço da casa, relegada ao seu papel de reprodutora, relacionada,
portanto, a domínios inferiores.
Sobre a caracterização da mulher e os domínios que lhe o atribuídos,
Bourdieu (2007) afirma que
[as mulheres] estão inscritas na fisionomia do ambiente familiar, sob a forma
de oposição entre o universo público, masculino, e os mundos privados,
femininos, entre a praça pública (ou a rua, lugar de todos os perigos) e a casa
(já foi inúmeras vezes observado que, na publicidade ou nos desenhos
humorísticos, as mulheres estão, na maior parte do tempo, inseridas no
129
espaço doméstico, à diferença dos homens, que raramente se vêem
associados à casa e são quase sempre representados em lugares exóticos)
(p.72).
Ele destaca que o corpo feminino sempre esteve numa posição de
disponibilidade simbólica (BOURDIEU, 2007, p.40), colocando as mulheres numa
situação de dependência do homem, seja ela afetiva, sexual, ou, como ele
destaca, de estética, ou seja, a mulher preocupa-se com a aparência não para
satisfazer a si mesma, mas para agradar o olhar masculino, para ser objeto de
desejo do homem. Sobre isso, Bourdieu (2007) afirma:
A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos,
cujo ser (esse) é um ser percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em
permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência
simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja,
enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis. (p.82)
E acrescenta que
O mundo social funciona (em graus diferentes, segundo as áreas) como um
mercado de bens simbólicos dominado pela visão masculina: ser, quando se
trata de mulheres, é, como vimos, ser-percebido, e percebido pelo olhar
masculino, ou por um olhar marcado pelas categorias masculinas.
(BOURDIEU, 2007, p.118)
O autor ainda destaca a diferença marcada entre homens e mulheres, pelo
que é “ser feminina”, pois segundo esses padrões de divisão sexualizante [...] Ser
“feminina” é essencialmente evitar todas as propriedades e práticas que podem
funcionar como sinais de virilidade; (BOURDIEU, 2007, p.118), portanto, é ser o
oposto do masculino, conforme vimos manifestado nos enunciados da FD
Tradicional.
Considerando os estudos de Bourdieu (2007) ora apresentados, podemos
confirmar que os posicionamentos discursivos sobre o homem e a mulher nos
hipertextos mostram a dominação simbólica que se propaga na mídia, em
particular na internet. Além disso, esses enunciados, filiados as duas FDs,
revelam sistemas de pensamento próprios de uma sociedade, revelando suas
concepções a respeito dos papéis sociais a serem desempenhados por homens e
mulheres e muitas vezes atribuindo divisões valorativas, nas quais os homens são
o centro e exercem a posição de poder.
130
Pela análise realizada, podemos confirmar as considerações de Bourdieu
(2007) quando ele afirma haver uma dominação simbólica que perpassa as
relações sociais e que são reforçadas por instituições sociais. A mídia é uma
dessas instituições que representam o masculino e o feminino, reforçando visões
sobre os sexos e estabelecendo divisões sexualizantes. Por meio do simbólico,
eles se perpetuam e representam homens e mulheres, criando assim padrões
culturais do que é “ser homem” e “ser mulher” na sociedade brasileira e
influenciando as práticas discursivas e não-discursivas dos sujeitos sociais.
3.5 – Algumas considerações
Nesse capítulo, realizamos a análise do hipertexto veiculado no site Terra,
para investigarmos se a ligação entre os hipertextos ultrapassa a materialidade
dos links e se realiza no nível discursivo.
Inicialmente, apresentamos o corpus e analisamos os elementos
constitutivos de sua materialidade, dando ênfase aos links e à característica não-
linear que eles conferem ao hipertexto. É a partir dessas duas características da
configuração material do hipertexto que partimos para a análise do aspecto
discursivo.
Observamos que o hipertexto oferece uma variedade de links com diversos
percursos de leitura a ser feita. Assim, escolhemos um link e, a partir dele,
selecionamos dois que ele oferecia como possíveis percursos de leitura a serem
iniciados. Clicamos em um link e iniciamos um percurso de leitura, lendo os
hipertextos que ele colocou em relação até o final do percurso; em seguida,
fizemos o mesmo com o segundo link oferecido e, ao final dos dois trajetos,
observamos que se formou um sistema arbóreo repleto de hipertextos ligados por
links.
Foi nesses dois trajetos de leitura que realizamos nossa análise discursiva.
Analisamos cada hipertexto de cada percurso, identificando os seus enunciados e
os filiando pelas suas regularidades discursivas à formação discursiva
131
correspondente que os institui como discursos. Com isso, constatamos que os
hipertextos de cada percurso não se relacionam apenas pelos links, mas,
sobretudo, por esses enunciados em comum, pertencentes a duas formações
discursivas distintas que dialogam entre si durante todo o percurso e também no
sistema arbóreo em sua totalidade.
Nesses percursos, manifestam-se relações interdiscursivas, às quais dizem
respeito ao diálogo entre enunciados de uma mesma FD e entre enunciados de
FDs diferentes. Essa interdiscursividade que permite ligar os hipertextos por links
se manifesta tanto pelo diálogo entre o que é dito quanto pelo diálogo entre os
não-ditos constitutivos dos discursos.
Constatamos também que dessa interdiscursividade identificada nos
percursos resultam as imagens do locutor, do interlocutor e do objeto de discurso
instituídas pelo arquivo discursivo.
É, justamente, pela existência de discursos distintos para falar sobre um
mesmo objeto de discurso que observamos, no sistema arbóreo hipertextual, a
constituição do arquivo discursivo. Nesse arquivo, são colocadas em diálogo duas
FDs que designamos de FD Tradicional e FD Moderna, as quais “concorrem”
tanto pelo que se opõem quanto por aquilo que se identificam.
Através dessas relações entre enunciados da FD Tradicional e da FD
Moderna, podemos observar, pelo dito e pelo não-dito constitutivo de cada uma,
os diversos modos de se conceituar um objeto discursivamente. Dessas duas FDs
em diálogo no arquivo, constatamos a origem em um discurso específico, para o
qual se voltam os enunciados de ambas as FDs: o discurso que se baseia no
princípio masculino. Essa interdiscursividade demonstra haver uma aparente
transição de um discurso tradicional para o moderno, mas, em seus fundamentos
discursivos, o discurso moderno está ancorado e sempre remete aos dizeres
instituídos do discurso tradicional.
A partir dessas análises, foi-nos possível confirmar a hipótese de que os
hipertextos se relacionam discursivamente e que dessas relações discursivas
evidenciadas nos percursos e no sistema arbóreo hipertextual resulta um arquivo.
Arquivo de discursos em diálogo, de formas distintas de conceber um mesmo
132
objeto, as quais, nessas inter-relações, retornam a uma mesma formação
ideológica.
Diante disso, certificamo-nos que o hipertexto não se resume a um arquivo
material que guarda os hipertextos elaborados por uma sociedade, mas,
sobretudo, constitui-se num arquivo discursivo que (re) significa as práticas
discursivas de uma sociedade sobre determinados objetos ao relacionar os
hipertextos entre si e estabelecer relações discursivas no sistema arbóreo
hipertextual.
Constatamos as relações discursivas entre os hipertextos e a formação do
arquivo discursivo e, por meio dessa análise discursiva, realizamos uma segunda
análise, na qual evidenciamos, sob a perspectiva cultural, que os enunciados,
bem como as FDs, possuem fundamentos socioculturais que estão intimamente
relacionados ao modo de uma sociedade pensar, viver e de construir
simbolicamente os objetos de discurso “homem” e “mulher”.
Quando propusemos essa ótica discursiva para as relações entre os
hipertextos, buscávamos demonstrar também que eles não eram simples
artefatos tecnológicos, mas artefatos discursivos e culturais que significam a
sociedade onde estão inscritos.
Pela análise, vimos que as relações discursivas entre hipertextos se
fizeram entre discursos relacionados a uma mesma formação ideológica, cujas
categorias tinham no masculino a medida de todas as coisas.
Com isso, observamos ainda que os links levam o leitor a hipertextos
que reforçam essa crença no princípio masculino e nas representações instituídas
sobre o homem e a mulher, conforme apresentadas nas análises. Buscando em
Orlandi (1996) a explicação para esse processo, em seus estudos sobre as notas
de rodapé como controladores de sentido, podemos afirmar que os links
funcionam como controladores de sentido, pois direcionam o leitor a hipertextos e
a percursos que instituem uma leitura parafrástica, ou seja, que visa reproduzir o
mesmo sentido, os mesmo discursos, de um modo diferente, mas
contraditoriamente ancorado no mesmo, no já instituído como verdade
31
.
31
No sentido Foucaultiano.
133
Desse modo, podemos ver que o hipertexto não abre qualquer
possibilidade de leitura e não direciona para qualquer lugar, pois há princípios
discursivos e culturais que determinam para onde se deve ir, onde o sentido
encontrará o mesmo que o reforce e que o institua como verdade.
Assim, podemos dizer que o hipertexto o é mera tecnologia, mas um
artefato cultural e discursivo, pois traz em seu interior mecanismos discursivos,
como os enunciados, de manutenção de verdades, de instituição dos discursos e
de seleção dos dizeres que vão além da materialidade.
Além disso, observamos pelas análises que o hipertexto possui
características inovadoras se comparado aos textos impressos. Desse ponto de
vista, considerando como ele relaciona o material de leitura, a capacidade de
armazenamento, a forma diferenciada de leitura, os links que figuram na tela
orientando a leitura, constatamos que tudo isso é inovação, decorrente das
particularidades da internet conforme projetada por seus idealizadores.
No entanto, verificamos que não é inovação, pois a historicidade
marcada nos discursos que relacionam os hipertextos. Isso faz do hipertexto não
um objeto tecnológico, mas o torna dependente das questões culturais, na
medida em que, pelos links componentes de sua materialidade, movimentamos
hipertextos, hipertextos com discursos, discursos pertencentes a uma cultura
específica. Tanto é desse modo que se compararmos as ligações discursivas
feitas num hipertexto do Brasil e/ou da cultura ocidental e quais discursos os
integram, veremos que, se comparadas às conexões feitas entre hipertextos de
outro país de cultura distinta da nossa, os discursos poderão ser outros, ou terão
traços distintos; além disso, é possível estabelecer ligações entre discursos
semelhantes ou que tenham alguma relação entre si, o que confirma essa
asserção.
Diante disso, constatamos outro aspecto do hipertexto: ele é universal em
sua constituição tecnológica, nos seus modos de armazenar e relacionar
hipertextos, nas particularidades que lhes são constitutivas devido à própria mídia
que ele pertence. Por outro lado, ele é cultural e manifesta construções simbólicas
de uma sociedade específica, com seus modos particulares de construção
134
simbólica dos objetos de discurso, devido aos discursos que se manifestam nos
hipertextos que ele relaciona por links.
Desse modo, podemos concluir que o hipertexto é uma inovação
tecnológica, refletindo em seu formato e em suas funcionalidades a cultura da
rapidez, de um grande volume de informação e da globalização, mas, pelo seu
conteúdo discursivo, ele apresenta-se como um arquivo discursivo, relacionando
discursos e através deles demonstrando que possui bases firmadas em uma
cultura específica e que servem para identificá-lo como pertencente a um
momento e a um meio histórico e sociocultural específico, tornando-se, portanto,
um artefato discursivo e cultural.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando propusemos um estudo que discutisse a internet como um meio de
comunicação inovador surgido na contemporaneidade, buscávamos analisar
como os elementos materiais e comunicacionais originados dela poderiam ser
pensados em sua complexidade derivada do próprio meio de comunicação no
qual se inscrevem.
Diante desse propósito, dedicamo-nos a investigar o hipertexto, artefato
inovador e representativo da complexidade da internet. Ele foi projetado para ser
um grande arquivo de textos capaz de conectar uma diversidade de informações,
nos moldes do que se imaginava ser a mente humana.
Atualmente, o hipertexto configura-se como um artefato digital e virtual que
armazena um número quase infinito de informações que se abrigam na
virtualidade materializada na tela do computador por meio dos linkspossíveis de
serem acessadas através de um clique com o mouse. Essa variedade de
informação disposta na tela através de links possibilita ao leitor percorrer trajetos
de leitura diferenciados que são oferecidos pelo próprio link que ele seleciona.
Essas ligações entre hipertextos promovidas por links e a constituição de
percursos diferenciados de leitura nos fez questionar por que essas ligações eram
feitas, por que era permitido selecionar um hipertexto e não outro para compor o
trajeto de leitura, e quais relações de sentido eram estabelecidas nessas
conexões. Diante desses questionamentos, levantamos a hipótese de que haveria
relações discursivas instituídas nesses percursos, os quais não se formariam sem
que houvesse diálogo entre os enunciados manifestos naqueles hipertextos.
Atrelamos também a essa perspectiva a consideração de que o hipertexto não
poderia ser visto exclusivamente como um artefato virtual, digital e material, pois
essa visão seria reducionista, mas deveria ser considerado como um artefato
discursivo e cultural, que carrega em sua constituição discursiva as marcas da
cultura a que pertence.
Essa perspectiva discursiva e cultural que conferimos ao estudo do
hipertexto nos fez perceber que seria impossível alcançarmos essa totalidade do
objeto ambicionada em nossa pesquisa através de uma única teoria. Diante disso,
136
fizemos o que é de praxe nos Estudos Culturais: realizar uma análise que busca
apreender a complexidade de um objeto, considerado como objeto cultural, a
partir da interdisciplinaridade, conforme afirma Johnson (2002):
Nenhuma disciplina acadêmica é capaz de apreender a plena
complexidade (ou seriedade) da análise. Os Estudos Culturais devem
ser interdisciplinares (e alguma vezes antidisciplinares) em sua
tendência. (p.22)
O objeto selecionado para estudo, tomado em sua perspectiva discursiva e
cultural, demandou-nos selecionar teorias distintas e assim estabelecer um
diálogo entre elas. Um diálogo muitas vezes difícil de ser feito, porque, a princípio,
unia áreas do saber muito distintas e que alguns poderiam pensar “como unir
estudos sobre internet e hipertexto aos estudos do discurso?”. Entretanto, no
decorrer da pesquisa, procuramos mostrar que esse posicionamento seria
possível e, nesse caso em particular, muito necessário, pois somente teorias
aparentemente díspares, mas complementares para o objeto em estudo,
poderiam nos conceder uma melhor visão do objeto.
E foi com essa visão de diluição de fronteiras entre áreas do saber que nos
debruçamos sobre o hipertexto para discutirmos como as ligações estabelecidas
por links não se pautavam apenas em elementos materiais, mas que havia
enunciados, filiados a formações discursivas e instituídos como discursos, que
propiciavam essa conexão.
Adotamos esses posicionamentos teórico-metodológicos para analisarmos
um link selecionado da página “Mulher” do site Terra. Percorremos os trajetos
disponibilizados pelo link e os demais links ramificados, analisamos
individualmente os hipertextos de cada percurso e observamos que cada
hipertexto se relacionava com o subsequente ou, inversamente, que o
subsequente se relacionava com os precedentes. Com isso, vimos que cada
percurso e o sistema arbóreo formado pelos percursos abertos pelos links
possuem uma unidade discursiva devido à presença de enunciados, pertencentes
à FD Tradicional e à FD Moderna, que estabelecem diálogo entre si.
Observamos que a historicidade possibilita a esses enunciados filiarem-se
a FDs, dialogarem com outros da mesma FD ou da FD oposta e assim
137
constituírem um arquivo discursivo, ou seja, como um lugar onde dialogam os
enunciados, as FDs e os discursos sobre determinado objeto de discurso.
E é justamente essa historicidade que possibilita a constituição do sistema
arbóreo hipertextual e lhe confere o aspecto de arquivo discursivo, pois os
hipertextos o integram por manifestarem posicionamentos discursivos que
dialogam entre si, ou seja, que estão em uma relação interdiscursiva.
Observamos que os hipertextos se relacionam a hipertextos com os
quais exista um diálogo entre enunciados. Essa interdiscursividade é possível
devido à historicidade constitutiva dos discursos, que pressupõe o fato de um
discurso estar sempre amparado em outros, de um dizer não ser totalmente novo,
mas por se constituir a partir de já-ditos.
Confirmada a hipótese das relações discursivas entre os hipertextos de um
percurso e do sistema arbóreo, chegamos à perspectiva cultural. Sabemos que
cada sociedade possui discursos que ela conserva e institui como forma de
significar, separar, estabelecer poder, atribuir autoridade, bem como são formas
de representá-la. Esses discursos o surgem ao acaso, mas amparados em já-
ditos, a partir do qual se constituem.
Observamos que os links direcionam um hipertexto a outro porque há a
historicidade permitindo o diálogo entre enunciados elaborados por uma
determinada sociedade, com sua história e cultura específicas.
De modo mais restrito, nos hipertextos analisados, identificamos duas FDs
em diálogo que constroem a imagem do homem e da mulher, enquanto objetos
de discurso, e da mulher, como interlocutora, instituindo-as como imagens
socioculturalmente aceitas e partilhadas. Pelo dito de cada enunciado
identificamos um interdito que é justamente outro posicionamento não aceito
socioculturalmente e, portanto, não propagado por aquela instituição midiática que
é o site “Terra”.
Nessa conexão, manifesta-se a historicidade, revelam-se o dito e o
interdito, instituem-se determinadas verdades, silenciam-se outras, constrói-se o
objeto de discurso de uma perspectiva que abandona outra não aceita
socioculturalmente; enfim, o hipertexto que seria a princípio um simples arquivo
material e um artefato virtual e digital –, que abriga uma infinidade de textos
138
produzidos por uma sociedade, passa a ser visto como um objeto discursivo e
cultural que traz nos discursos que o constituem a marca da cultura a que
pertence.
Por meio dessa análise ainda restrita, se comparada às inúmeras possíveis
de serem feitas, constatamos que o sistema arbóreo hipertextual, enquanto objeto
cultural, coloca em relação discursos que instituem dizeres socialmente aceitos e
partilhados como verdades que se diz sobre os objetos de discurso ou que negam
esses dizeres socioculturalmente instituídos.
O fato é que o hipertexto não promoverá conexões entre hipertextos com
enunciados que se contradizem e que diluem a construção do objeto de discurso
que se objetiva realizar nos textos ali produzidos. Eles sempre relacionarão
hipertextos com enunciados que reafirmam posições partilhadas por quase toda
uma sociedade ou com enunciados que se colocam contra os posicionamentos
instituídos socioculturalmente na sociedade.
Nos hipertextos analisados, identificamos enunciados do discurso
tradicional e do discurso moderno que são, a princípio, opostos. No entanto, eles
não se apresentam contraditórios nesses hipertextos, mas como complementares
para a construção discursiva que se objetivou realizar. Assim, por exemplo, para
significar o homem em um assunto como o lado emocional, foram elaborados
enunciados tradicionais em todos os hipertextos, e, para construir a imagem da
vida sexual feminina, foram elaborados enunciados modernos. Embora os
enunciados de ambas as FDs sejam aparentemente opostos, eles se unem a uma
mesma formação ideológica, o que os liga discursivamente.
Observamos que, durante os percursos e no sistema arbóreo, tanto os
posicionamentos modernos quanto os tradicionais se mantêm, pois se referem a
temas
32
distintos; assim, por exemplo, os enunciados tradicionais sobre o homem
e a mulher conservam uma linearidade discursiva nos temas discutidos,
demonstrando que os hipertextos só se conectam àqueles que possuem o mesmo
posicionamento discursivo.
Observamos com isso que dois discursos diferentes podem conviver, mas
eles manterão sua unidade discursiva no modo de significar o objeto, sem incorrer
32
Falamos de “tema” no sentido de assuntos discutidos sobre o homem e a mulher, como vida
sexual, vida sentimental, profissional, etc. Ver figura 9, p. 116, para maiores esclarecimentos.
139
na possibilidade de dizer x em um tema e depois afirmar o oposto de x naquele
mesmo tema no próximo hipertexto relacionado.
Desse modo, podemos dizer, amparados em Orlandi (1996) ao falar sobre
as notas de rodapé como elementos materiais silenciadores de sentidos que se
deseja ocultar, que os links no hipertexto representam a cicatriz do “outro”, da
parte negada, do interdito. Eles expressam o poder de uma sociedade, com sua
cultura, sua história e seus valores, ao permitir direcionar um hipertexto a outro
com posicionamentos discursivos convergentes e ao impossibilitar a relação entre
posicionamentos contrários.
A partir dessas relações discursivas identificadas no hipertexto,
constatamos também um aspecto que simboliza a contemporaneidade, marcada
pela quebra de fronteiras e em função da evolução dos meios de comunicação: a
junção do novo com o instituído, resultando num elemento híbrido, a união de
opostos que se complementam – como bem observamos nos dois discursos
opostos que se complementam nos hipertextos e se ligam a um mesmo princípio
–, enfim, a junção de diferentes para conferir nova roupagem aquilo que existe
e ao que foi criado recentemente.
Essa união entre diferentes, mas convergentes para criar o novo, pode ser
observada no hipertexto: ele traz o elemento novo os links que direcionam a
leitura e ligam hipertextos que se ampara no existente, ou seja, na
historicidade das coisas ditas. Isso significa que o link,mbolo da inovação,
depende da historicidade dos discursos para relacionar os hipertextos, pois,
conforme demonstramos, as ligações entre hipertextos não são apenas
materiais, mas dependem da existência de enunciados que se relacionam
interdiscursivamente, promovendo relações que contribuem para significar os
objetos de discurso conforme as concepções socioculturalmente instituídas e
partilhadas.
A partir da pesquisa realizada, das hipóteses levantadas e das conclusões
a que chegamos, cumpre ressaltar que essas considerações sobre o hipertexto
foram feitas a partir de um estudo de caso em um corpus específico, sendo
necessárias outras pesquisas, em contextos mais amplos, de hipertextos
diferenciados que falem de outros objetos de discurso. Ampliar a abordagem
140
adotada nesse trabalho para outros hipertextos permitirá sair do particular para o
geral, a fim de (re) confirmar se essa hipótese pode ser aplicada a qualquer
hipertexto bem como explicar o próprio sistema de seleção e de relação colocado
pela internet e pelo hipertexto através dos links que figuram na tela do
computador. Uma outra consequência seria considerar o estudo comparativo
entre a revista eletrônica e a revista impressa, objetivando compreender em que
medida elas se assemelham, divergem ou reproduzem o mesmo.
Enfim, esperamos que a perspectiva adotada nesse trabalho possa
proporcionar a abertura de novos horizontes de pesquisa e contribuir para os
estudos que se objetivam interdisciplinares, com o propósito de compreenderem a
cultura fazendo sentido na e pela linguagem em discurso, bem como de
pesquisas que relacionem os estudos sobre internet e hipertexto à Análise de
Discurso.
141
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144
SARGENTINI, Vanice Maria Oliveira. A descontinuidade da história: a emergência
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SITE TERRA. Desenvolvido pela equipe do portal TERRA. Acesso em: 07 nov.
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TERRA MULHER. É melhor casar ou morar junto?. Desenvolvido pela equipe do
portal TERRA. Acesso em: 18 jun. 2009. Disponível em:
<http://mulher.terra.com.br/interna/0,,OI2302163-EI4788,00-
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de Juiz de Fora. v.4, n. 1, jan./jun. 2000. p. 51 – 58.
145
ANEXOS
1 Site “Terra”
33
33
http://www.terra.com.br/portal/
146
147
2 PÁGINA “MULHER”
34
34
http://mulher.terra.com.br/
148
149
3 SEÇÃO “RELACIONAMENTO”
35
35
http://mulher.terra.com.br/capa/0,,EI4788-SUM,00.html
150
151
152
4 LINK “É MELHOR CASAR OU MORAR JUNTO?”
36
E SUAS RAMIFICAÇÕES
36
http://mulher.terra.com.br/interna/0,,OI2302163-EI4788,00 E+melhor+casar+ou+morar+junto.html
153
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