44
2.1.1 Língua, sujeito, conjuntura em AD
Embora a AD não se ocupe propriamente da língua como objeto de estudo, e sim do discurso,
acredita que só é possível chegar ao discurso por meio da língua, que, por sua vez, é
concebida como sendo da “ordem material, da opacidade, da possibilidade do equívoco como
fato estruturante, da marca da historicidade” (FERREIRA, 2005, p. 17). Vista, assim, a
linguagem não se reduz à condição de instrumento em que o papel dos participantes da
comunicação seria restrito apenas a codificar e a decodificar informações no próprio texto,
onde tudo já teria sido dito e informado. Concebida desse último modo, é como se a língua
fosse apenas um código para transmissão de informações explicitamente codificadas ou um
sistema de sinais com função informativa, semanticamente autônomo, o que, segundo a AD,
configura uma visão de linguagem extremamente reducionista, pois a compreende apenas em
termos estruturais, não se ocupando dos processos que a constituem. É a língua “da falta, da
falha, do equívoco” (FERREIRA, 2005, p. 217). Conceber a língua como um terreno fértil
para a manifestação do equívoco, conforme propõe a AD, nos permite pensar a relação do real
da língua (descontinuidade, dispersão, incompletude, não-transparência) e do real da história
(sentido/historicidade) sob o olhar do equívoco, conforme propõem Gadet e Pêcheux (1984),
pressuposto retomado por Orlandi (2002), ao discutir a distinção entre o real e o imaginário:
O que temos, em termos de real do discurso, é a descontinuidade, a dispersão, a
incompletude, a falta, o equívoco, a contradição, constitutivas tanto do sujeito como
do sentido. De outro lado, em nível das representações, temos a unidade, a
completude, a coerência, o claro e distinto, a não-contradição, na instância do
imaginário. É por essa articulação necessária e sempre presente entre o real e o
imaginário que o discurso funciona (p.84).
Partindo-se dessa hipótese, pode-se afirmar que a AD não concebe que palavras, estruturas
sintáticas, expressões, por exemplo, possam ter garantia de um sentido a priori, a ser
recuperado, a que se pudesse ter acesso, ou mesmo de uma intenção do autor que pudesse ser
expressa via texto, de uma maneira clara, explícita, conforme propõem os filólogos, por
exemplo. Na verdade, o que interessa à AD é compreender como um texto funciona, produz
sentidos.
Para a AD, a língua é muito mais do que um sistema de estruturas fonológicas, sintáticas e
lexicais com funções instrumentais, conforme propõem os formalistas, pois é, sobretudo, um
fenômeno cultural e histórico, sujeito a falhas, não-transparente. Então, não se pode pensá-la