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Deste modo, a vigilância epistemológica, segundo Bourdieu (2005a), auxilia a
perceber que toda operação, por mais rotineira que seja deve ser pensada em função do tema,
das hipóteses e do problema de pesquisa estabelecido.
Assim, para Valle (2008, p. 10) Bourdieu defende a necessidade de cientificidade da
pesquisa sociológica, e, incluo aqui a pesquisa em Estudos Organizacionais, como condição
para romper com a experiência imediata que tende a aprisionar os pesquisadores no presente e
nas impressões primeiras ensejando uma “sociologia espontânea”
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. Para Bourdieu o
pesquisador necessita lançar luz sobre as noções do senso comum que dissimula a verdadeira
lógica das relações sociais. Contudo, Bourdieu (apud VALLE, 2008) argumenta que o
sociólogo (pesquisador) não é profeta e sua tarefa não é um dom e nem uma missão, mas sem
dúvida implica um retorno e um dever à sociedade. Assim, torna-se importante não esquecer
que “o simples fato de mostrar [os mecanismos de dominação] pode funcionar como uma
maneira de mostrar com o dedo, de pôr no índex, de acusar, como uma maneira de fazer ver e
fazer valer” (BOURDIEU apud VALLE, 2008, p. 17).
Essa pesquisa, ademais, parte da idéia cara a Bourdieu de que a construção do objeto
não se dá de uma única vez, como marco teórico inicial ou um plano arquitetado a priori, mas
sim constitui um trabalho de grande fôlego que se realiza pouco a pouco por retoques
sucessivos, correções e paciência. Nesse sentido, a noção de campo contribui para refletir esse
fazer científico, uma vez que, comanda a construção do objeto operando uma espécie de
inventário a ser levado em consideração no ato de investigação (BOURDIEU, 2005a). Isso
significa dizer, nas palavras de Bourdieu (2005a, p. 27), que trabalhar com a noção de campo
“funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objeto em
questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas
propriedades. Por meio dela, torna-se presente o primeiro preceito do método, que impõe que
se lute por todos os meios contra a inclinação primária para pensar o mundo social de maneira
(...) substancialista”.
As reflexões acima sobre o modus operandi
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bourdieusiano demonstram uma visão
de pesquisa distinta daquela relativa à corrente dominante em Administração, que trabalha
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Considerada por Bourdieu como pré-científica, as pesquisas espontâneas mostram-se vulneráveis a ilusão da
evidencia imediata e a tentação à universalização de uma experiência singular, deixando-se se contaminar pelas
pré-noções e pelas “solicitações” dos grupos dominantes (VALLE, 2008).
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“O habitus científico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em
estado prático segundo normas da ciência sem estas normas na sua origem: é esta espécie de sentido do jogo
cientifico que faz com que se fala o que é preciso fazer no momento próprio, sem ter havido necessidade de
tematizar o que havia que fazer, e menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada. O sociólogo que
procura transmitir um habitus científico parece-se mais com um treinador desportivo de alto nível do que com
um professor da Sorbonne” (BOURDIEU, p. 23, 2005a).