101
prática interpretativa dos dispositivos da Carta
166
, avoluma a apreensão de parte dos
países que podem tornar-se objeto de tais interferências.
A história comparada das três principais resoluções (ver Tabela 2.2), que
estruturam as bases para a prática da “ingerência humanitária”, permite observar uma
profunda modificação dos seus pressupostos iniciais.
Tabela 2.2 Histórico comparado das resoluções sobre ingerência humanitária
Ingerência humanitária
(dever de ingerência
humanitária), direito de
assistência humanitária,
intervenção humanitária
Espécie de proteção Agentes autorizados Forma de exercício
“Assistência humanitária às
vítimas de catástrofes
naturais” Res. AG. 43/131 de
1988: razão exclusiva de
assistência em caso de
catástrofes naturais e casos de
urgência de mesma ordem.
Vida e saúde Organizações não-
governamentais de caráter
humanitário
Afirma a soberania do Estado
e reserva a este o papel
primeiro no socorro das
vítimas de catástrofe e outras
situações de urgência.
Sublinha a importância da
colaboração das organizações
humanitárias.
“Assistência humanitária às
vítimas de catástrofes
naturais” + “corredores
humanitários” e limite de
exercício. Res. AG 45/100 de
1990: resulta da adoção de
princípios da prática
humanitária internacional.
Vida e saúde,
especificamente:
medicamentos, materiais
cirúrgicos, alimentos, etc.
Organizações não-
governamentais de caráter
humanitário; Governos e
organizações governamentais,
intergovernamentais e não-
governamentais afetados e
interessados em colaborar
com o socorro das vítimas.
Afirma a soberania do Estado
e reserva a este o papel
primeiro no socorro das
vítimas de catástrofe e outras
situações de urgência. Para
facilitar o acesso para a
assistência humanitária, que
deverá ser neutra, imparcial e
com finalidade estrita,
poderão ser utilizados
“corredores humanitários”.
“catástrofe política” +
“corredor humanitário”
Res. CS 688/1991 c. Iraque
Vida e saúde, mais opressão
política ensejando fluxo
maciço de refugiados para
países de mesma região de
fronteira, colocando em
perigo a paz e a segurança
internacionais (art. 39
CONU)
Organizações não-
governamentais de caráter
humanitários. Qualquer
Estado da comunidade
internacional que colabore
com o socorro das vítimas.
Afirma a soberania do Estado,
exige a eliminação dos atos
de repressão e o
consentimento para o acesso
das organizações
humanitárias. Vincula a
manifestação do Secretário-
Geral à necessidade de se
estabelecer outra missão na
região.
Fonte: BETTATI, 1991b, p. 639-669; KOOIJMANS, 1993, p. 111-121 ; SOREL, 1995, p.05-54; SPIRY, 1998, p. 407-433.
egípcio. Neste contexto, cabe observar a evolução dos termos genéricos e pouco definitivos, destacando-
se “situação inquietante”, “séria inquietação” “caso continue a situação há risco de colocar em perigo a
paz mundial”. Esse exemplo demonstra claramente a postura do CS, frente às disputas políticas no
período da Guerra Fria em que a instituição era freqüentemente “bloqueada” pelos Estados Unidos ou
pela ex-União Soviética. (BETTATI, 1991b, p. 639-669; KOOIJMANS, 1993,p. 111-121; SOREL, 1995,
p.05-54; SPIRY, 1998 , p. 407-433) Atualmente, quando confrontados os interesses políticos no
Conselho, a alternativa do grupo de potências dissidentes é a mobilização de forças no quadro de uma
organização regional (como a Organização do Tratado do Atlântico Norte no Kosovo em 1999) ou sob a
forma de uma Coalizão (no Iraque desde 2003).
165
A maior parte das situações de “ameaça à paz e à segurança internacionais” é determinada depois que
o fato já foi desencadeado, à exceção dos casos de “prevenção” contra Líbia (Resolução n. 748/1992) e
Rodésia do Sul (Resolução n. 232/1966). Em ambos os casos existiram pressões políticas para que assim
o fosse, seja pelos Estados Unidos, seja pela Grã-Bretanha. (KOOIJMANS, 1992, p.120)
166
Para E. Spiry a evolução do direito internacional pode se dar de maneira formal, através de tratados, ou
de modo informal, através dos costumes ou interpretações dos instrumentos. (SPIRY, 1998, p.418)