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Gilberto César Lopes Rodrigues
Relação Informacional: uma alternativa ao paradigma
causal na explicação da ação
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Unesp
Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Departamento de Filosofia
Mestrado em Filosofia: Área de concentração em
Filosofia da Mente, Epistemologia e Lógica
Dissertação de Mestrado
Relação Informacional: uma alternativa ao paradigma
causal na explicação da ação
Pesquisador: Gilberto César Lopes Rodrigues
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Maria Eunice Quilici Gonzalez
Marília, primavera de 2009
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Gilberto César Lopes Rodrigues
Relação Informacional: uma alternativa ao paradigma
causal na explicação da ação
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” Campus de Marília área de
concentração em Filosofia da Mente,
Epistemologia e Lógica, para obtenção do título
de mestre.
Comissão examinadora:
Presidente e orientadora: Dr
a
. Maria Eunice Quilici Gonzalez
1º Examinador: Dr. Osvaldo Frota Pessoa Júnior
2º Examinador: Dr. Alfredo Pereira Júnior
3ª Examinadora (1ª Suplente): Dr
a
. Ítala M. L. D’Ottaviano
4ª Examinadora (2ª Suplente): Dr
a
. Mariana Claudia Broens
Marília, julho de 2009
Dedico esta dissertação aos estimados pais, Gilberto Rodrigues Duarte (in memorian) e
Neide Lopes Rodrigues, pela dedicação e esforço incondicionais para que o processo de
aprendizagem de seus filhos fosse sempre o melhor possível.
Dedico esta dissertação à companheira Erika Cristina Pedroso Pingo por ter impulsionado o
início do mestrado e, apesar dos descaminhos, oferecer-me o tempo que poderíamos ocupar
juntos às pesquisas solitárias que a filosofia requer.
Dedico esta dissertação à professora Maria Eunice Quilici Gonzalez pelo seu empenho e
dedicação no percurso deste trabalho que, com certeza, foram imprescindíveis para sua
consolidação e consistência. Gostaria de registrar a gratidão por ter-me apresentado o
caminho informacional.
Agradecimentos
Inegavelmente não teria concluído sozinho esta etapa do processo de
aprendizagem. Muitas são as pessoas e as condições que me propiciaram concluí-la. Neste
sentido, agradeço profundamente à universidade pública que, apesar de todas as dificuldades
por que atravessa, ainda mantém a vanguarda na produção de conhecimento e formação de
pesquisadores. Agradeço a CAPES por ter financiado parte desta pesquisa.
Agradeço ao corpo docente e aos professores colaboradores do Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da UNESP-Marília, pela profundidade das discussões e pela
dedicação na execução de seu trabalho, que torna o programa de pós graduação, além de uma
referência nacional, ambiente frutífero para debates filosóficos-intelectuais de temas
contemporâneos sobre Filosofia da Mente, Epistemologia, Lógica e História da Filosofia. Em
nome dos professores Lauro Frederico Barbosa da Silveira, Mariana Cláudia Broens, Pim
Haselager, Ricardo Tassinari, Hércules Araújo Feitosa, Antonio Trajano, Carmem Beatriz
Milidoni (querida Beth), Alfredo Pereira Júnior e Adrian Montoya, agradeço ao programa.
Gostaria de registrar meus agradecimentos aos professores Osvaldo Frota
Pessoa Júnior e Alfredo Pereira Júnior, pela paciente leitura e pertinentes críticas que muito
contribuíram para dar à dissertação uma estrutura conceitual no patamar consistente que o
mestrado requer. Gostaria de acrescentar meus agradecimentos ao professor Alfredo, por ter
sido meu “primeiro orientador”.
Agradeço a todos os membros do GAEC (Grupo Acadêmico de Estudos
Cognitivos), por propiciarem um ambiente de intensa troca e, assim, facilitarem o caminho
que culminou nesta dissertação. Em especial, agradeço a João Antônio de Moraes, Maria
Amélia, Fernando Pilan, Juliana Moroni, Maria Guiomar Frastore, Alex Fabrício, Tiziana
Cocchieri, Andréa Ariotto, Adelheid Maria e Kátia Camelo.
Agradeço ao professor Alfeu Satu, pela dedicada correção que realizou neste
trabalho, de modo a torná-lo mais legível e “enfrentar” à qualificação mais fortalecido.
Agradeço à professora Yoshie, por ter me ensinado que, ler na língua inglesa não era “tão
difícil assim”.
Agradeço aos amigos e amigas do departamento de filosofia da UNESP de
Marília, por proporcionarem discussões extremamente frutíferas e de grande repercussão para
a produção deste trabalho, em especial a Andréa Chicoli, Herbert, Eloísa Benvenutti, Vicente
Marçal, Lilson, Ramon Capelle e Rodrigo Canal.
Em nome de Edna Bonini e Aline Silva agradeço a todo corpo de
funcionários da Unesp pela paciência, presteza, eficiência e, principalmente, competência ao
executarem suas tarefas administrativas, particularmente referentes à pesquisa que culminou
nesta dissertação.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos que, de uma maneira ou de
outra, contribuíram para que estivesse em condições de menos “tensão mental” para realizar
este trabalho, em especial a Anderson Deo, Luís Barny, Fabiano Paschoal, Rúbia Deo, Giba,
Kelão, Helena Figueiredo e Danilo.
Gostaria, por fim, de destacar os agradecimentos fraternais, e com todo
carinho e apreço disponível, à minha família. Agradeço por sempre estar presente em minha
vida oferecendo seu apoio incondicional aos meus projetos. Agradeço, em especial, aos meus
irmãos Paulo César Rodrigues, Carlos Henrique Lopes Rodrigues, Mary Lídia Lopes
Rodrigues, por terem me propiciado a infância mais rica possível; agradeço aos meus
queridos sobrinhos João e Luís, pelos momentos alegres que passamos juntos e que muito
contribuíram para aliviar a tensão do mestrado; agradeço à estimada Meiry, aos meus tios
Benê e Mada, aos meus avós Joaquim e “Lídia” (in memorian), por fazerem parte de minha
vida.
“all my relations”.
A vida tem um logos que se aumenta a si mesmo
HERÁCLITO 115 D
Sumário:
Resumo
..............................................................................................................................................................pág 09
Abstract............................................................................................................................................................pág 10
Introdução Geral
..........................................................................................................................................pág 11
Capítulo 1: Paradigmas da causalidade: aplicações no domínio da ação
Apresentação.........................................................................................................................................pág 19
1.1. Notas sobre o conceito de Causalidade em Aristóteles..................................................................pág 20
1.2. Notas sobre o conceito de Causalidade em Hume.........................................................................pág 26
1.3. Von Wright e os limites da explicação causal no domínio da ação ..............................................pág 31
Capítulo 2: A hipótese informacional da ação na perspectiva de Dretske e Juarrero
Apresentação........................................................................................................................................pág 36
2.1. O entendimento do conceito de ação segundo Juarrero................................................................pág 37
2.2. Relação causal mecânica x relação informacional na explicação da ação....................................pág 39
2.3. A explicação da ação pautada em termos informacionais segundo Juarrero...............................pág 43
Capítulo 3: A teoria semântica da informação de Fred Dretske
Apresentação.........................................................................................................................................pág 51
3.1. Conhecimento e significado na teoria semântica da informação proposta por Dretske................pág 52
3.2 Dificuldades enfrentadas pela hipótese dretskeana representacional-internalista do significado...pág 61
Capítulo 4: O pragmatismo peirceano e o conceito de informação genuína no domínio da
ação
Apresentação.........................................................................................................................................pág 65
4.1. O conceito de signo na perspectiva pragmatista............................................................................pág 66
4.2. Aspectos da fenomenologia peirceana...........................................................................................pág 71
4.3 O conceito peirceano de informação genuína e seu emprego no domínio ação..............................pág 78
Considerações finais.......................................................................................................................pág 83
Bibliografia
.....................................................................................................................................................pág 90
9
Resumo
Tradicionalmente a ação é explicada na Filosofia por meio de teorias que a consideram como
o efeito de uma ou várias causas (DAVIDSON, 1968, 1980). Embora o princípio da
causalidade mecânica entendida como causa eficiente seja satisfatório para explicar uma
gama de eventos físicos, ele se mostra insuficiente na explicação da ação, conforme
ressaltam filósofos, tais como von Wright (1973), Dretske (1981, 1988, 1995), Juarrero
(1999), Emmeche (2006, 2007), Gonzalez (2005, 2006, 2007) e Üexküll (1982). No âmbito
humano, por exemplo, esses filósofos indicam limites e problemas relativos à tentativa de
explicar a ação como o resultado de uma sequencia de causas eficientes. Neste sentido, o
objetivo da presente dissertação é analisar e discutir problemas centrais da filosofia da ação,
em especial: (i) a distinção entre movimento e ação; (ii) limites da causalidade na explicação
da ação; (iii) alcance da abordagem informacional da ação; (iv) a pertinência da concepção
pragmática de informação genuína na explicação da ação significativa. No que diz respeito
ao problema (i), focalizamos o papel da intenção presente na ação que a distingue de
movimento. No que diz respeito ao problema (ii), examinamos em que medida seria válido o
pressuposto segundo o qual uma teoria é explicativa quando descreve as causas mecânicas
envolvidas na ação. Nossa hipótese central é a de que as explicações da ação não deveriam se
limitar à relação causal mecânica, porque a ação, além do elemento causal, comporta uma
intermediação gnica que não se reduz ao plano diádico da ação-reação. Seguindo as trilhas
de filósofos estudiosos da teoria da informação, argumentamos, na discussão do problema
(iii), que a explicação da ação extrapola o domínio causal diádico e incorpora um patamar
que inclui a manipulação de informação significativa. Em relação ao problema (iv),
consideramos que as explicações apropriadas da ação envolveriam não somente conceitos do
domínio causal, mas também do domínio informacional que comporta a dimensão sígnica.
Finalmente, apresentamos uma concepção sistêmica da ação, inspirada no conceito de
informação genuína proposto por Peirce (1931-58), que considera significado e informação
indissociáveis da ação dos organismos.
Palavras-chave: ação, causalidade, explicação, informação, intenção, mecanicismo,
movimento, pragmatismo, relação informacional, significado, sistêmica.
10
Abstract
Action is traditionally explained in philosophy by means of theories that consider it to be the
effect of one or several causes (DAVIDSON, 1968, 1980). Although the principle of
mechanical causalityunderstood as efficient cause – may be sufficient to explain a range of
physical events, it has been found to be inadequate to explain action, as pointed out by
philosophers including von Wright (1973), Dretske (1981, 1988, 1995), Juarrero (1999),
Emmeche (2006, 2007), Gonzalez (2005, 2006, 2007) and Üexküll (1982). In the human
domain, for example, these philosophers indicate the existence of limits and difficulties
related to the attempt to explain action as the result of a sequence of efficient causes. Hence,
the objective of the present work is to analyze and discuss central problems of the philosophy
of action, especially: (i) the distinction between movement and action; (ii) limits of causality
in the explanation of action; (iii) extent of the informational approach to action; (iv)
relevance of the pragmatic conception of genuine information in explanation of meaning
action. Concerning problem (i), we focus on the role of intention, which is present in action
and distinguishes it from movement. To address problem (ii), we examine the validity of the
presupposition according to which a theory is explanatory when it describes the mechanical
causes involved in action. Our central hypothesis is that explanations of action should not be
limited to the mechanical causal relationship, because action, besides the causal element, also
depends on an intermediation driven by signs that cannot be reduced to the dyadic plane of
action-reaction. Following the line taken by earlier philosophers, in discussion of problem
(iii), we argue that the explanation of action must extend beyond the dyadic causal domain
and incorporate a level that includes the manipulation of meaningful information. In relation
to problem (iv), we consider that appropriate explanations of action must involve concepts
not only from the causal domain, but also from the informational domain wherein lies the
dimension of signs. Finally, we present a systemic conception of action, inspired by the
concept of genuine information proposed by Peirce (1931-58), which considers meaning and
information to be inseparable from the action of organisms.
Keywords: action, causality, explanation, information, intention, meaning, mechanicism,
movement, pragmatism, informational relationship, systemics.
11
Introdução Geral
No âmbito humano, algumas teorias sobre o comportamento como, por
exemplo, o behaviorismo radical (WATSON, 1913; PAVLOV, 1927), em suas tentativas de
explicações da ação, consideram satisfatória uma dada explicação quando ela descreve a
causa (ou as várias causas) que gerou (ou geraram) a ação. Contemporaneamente, a
neurociência, tomada em sua vertente mecanicista, também entende que a ação de levantar um
braço, por exemplo, pode ser concebida da seguinte maneira: o cérebro envia um estímulo aos
músculos, através de um impulso elétrico, que viaja pelo sistema nervoso, até causar o
movimento do braço. Do ponto de vista da causalidade mecânica, esta explicação pode ser
expressa em uma cadeia causal do tipo: o cérebro envia os impulsos elétricos que causam o
movimento do braço (LIBET, 1999). Neste contexto, movimento e ação são praticamente
indistinguíveis.
A explicação da ação através de suas causas é uma forte herança do
pensamento aristotélico. Esta herança resulta do entendimento de Aristóteles (1967: 194b),
segundo o qual “só podemos crer-nos donos do conhecimento de cada ser depois de conhecer
as causas pelas quais existe”. Para o filósofo, as causas eram quatro porque o termo causa se
diz em quatro sentidos: material, formal, eficiente e final; ele julgava ser possível, através da
junção de todas elas, explicar os fenômenos da natureza julgando que elas refletiam as
propriedades essenciais dos entes. Inspirada na concepção das quatro causas aristotélicas,
Juarrero (1999, p.19) propõe uma explicação da ação da seguinte maneira: “o estímulo
recebido causa eficiente atua no organismo causa material que, por meio de suas
disposições internas, causa formal atualiza seus propósitos em determinada ação causa
final”.
No início da modernidade, o mecanicismo dominou fortemente o modo de se
fazer ciência, postulando, por exemplo, que a dinâmica do universo poderia ser entendida
como um gigantesco mecanismo de relógio clockwork. Como resultado, o pensamento
moderno se assentou na suposição segundo a qual a dinâmica do universo é mecânica
(DESCARTES, 1973), e os eventos podem ser explicados encontrando-se as relações causais
eficientes que o produziram. No entanto, a ação humana se diferencia dos demais fenômenos
físicos por compreender uma dimensão intencional direcionando a ação, tornando-a
significativa. Contudo, há concepções filosóficas, como o materialismo mecanicista, que
consideram que esta intencionalidade pode ser reduzida a causas eficientes. Entretanto, como
12
ressalta o professor Pessoa Jr
1
, esta abordagem tem que reconhecer que não na literatura
uma explicação materialista para a consciência. Tal observação corrobora a posição adotada
neste trabalho de que a intencionalidade humana não é redutível, de forma completa, a causas
mecânicas.
Sabidamente, na Modernidade, noções metafísicas-transcendentais relativas à
alma desempenham um papel importante na explicação da intenção. No entanto, na
contemporaneidade, em que a alma deixa de ter importância, surgiu o problema de se
explicar, por meio apenas de relações causais eficientes, a direcionalidade que a ação
pressupõe e que a diferencia do puro movimento, próprio dos corpos físicos (ASCOMBE,
1957; GONZALEZ, 2005). Ou seja, embora o paradigma da causalidade mecânica seja
satisfatório para abordar os eventos do domínio da física, como o movimento dos corpos pelo
espaço, ele encontra dificuldades quando empregado para explicar a ação humana e dos
organismos em geral.
Como procuramos explicitar no capítulo um, segundo von Wright (1973), o
problema da direcionalidade da ação surge para explicações fundamentadas no paradigma
causal diádico, porque tal paradigma procura evitar conceitos teleológicos, focalizando a
causa eficiente em detrimento da causa final. Segundo o filósofo, as explicações através de
causas eficientes apontam para o passado, na medida em que os efeitos das ações realizadas
são retroativamente indicados como resultados de causas específicas. Consequentemente
surgiria o problema de explicar eventos que se processam em direção ao futuro como, por
exemplo, a ação significativa que se desenvolve em direção a uma meta a ser realizada.
A hipótese com a qual trabalhamos
nesta dissertação se baseia na suposição
de que a ação, em contraste com movimento mecânico, comporta uma dimensão sígnica-
informacional, que não é plenamente contemplada através de relação causal diádica. Nesta
perspectiva, a ação de levantar o braço, por exemplo, envolveria um elemento sígnico-
informacional intermediando a intenção e o movimento, tornando-o voluntário. Neste sentido,
argumentamos em defesa da hipótese segundo a qual as ações são intermediadas por signos-
informacionais, de modo triádico, do tipo causa-signo-efeito. Não estamos, com isso,
abandonando o princípio da causalidade, tampouco o rigor que as explicações causais
engendram, mas examinando a possibilidade das explicações de certos domínios (no caso, a
ação intencional) requererem conceitos que extrapolam o universo da causalidade diádica.
Diante desta perspectiva, o presente trabalho examina em que medida os estudos
1
Por ocasião do exame de qualificação.
13
contemporâneos sobre informação realizados por Dretske (1981, 1988 e 1995) e Juarrero
(1999), além dos estudos clássicos de Peirce (1931-58), escritos no final do século XIX, que
empregam aspectos semânticos em suas considerações, podem ser mais frutíferos em relação
ao paradigma causal diádico para explicar a ação.
A pertinência de uma pesquisa sobre as vantagens da inclusão do conceito de
informação para explicar a ação se fundamenta no enriquecimento que esta inclusão teria
produzido nos esquemas explicativos propostos pela filosofia da ação contemporânea. Como
destaca Adams (2003, p.471): “a partir dos escritos de Turing (1950) houve uma virada de
grande monta na filosofia devido à inclusão dos estudos em informação nesta área do saber”.
O autor enfatiza que esta inclusão teria dado novos rumos ao tratamento de questões clássicas
da Filosofia, tais como o problema da relação mente-corpo, a natureza da intencionalidade, do
processo de reconhecimento de padrão, entre outros, de modo a instaurar uma “virada
informacional na filosofia”. No caso desta pesquisa, por exemplo, avaliamos a inclusão dos
conceitos informacionais para a explicação da ação a partir de uma perspectiva filosófica.
Porém, esta inclusão enfrenta uma dificuldade terminológica: embora o
termo “informação” seja empregado com frequência, seu significado é fonte de controvérsias
2
em virtude dos diferentes domínios em que é empregado (GONZALEZ, 2007). Dretske
(1981, 1988, 1995), por exemplo, defende a hipótese da existência objetiva da informação e
fornece uma caracterização naturalista da mente, que serviu de ponto de partida para muitos
estudos da ação. Para o filósofo, a informação é um elemento objetivo, cuja existência
independe de mentes conscientes ou de qualquer fator subjetivo. O mundo físico é
considerado como repleto de relações informacionais que se estabelecem entre conjuntos,
padrões ou estruturas de naturezas diversas: “a informação é justamente aquele indicador de
relações que pode ser objetivamente registrado por um receptor (humano ou não) que esteja
devidamente equipado para tal” (DRETSKE, 1981, p.63, grifo nosso).
Em contraste com o entendimento do conceito de informação por parte dos
trabalhos clássicos da teoria matemática da comunicação (MTC), Dretske (1981, 1988 e
1995) se preocupa com a maneira pela qual a informação adquire significado. Para ele, há nos
agentes um mecanismo de aprendizagem que, em sua dinâmica constante de representação e
correção dos erros, atribui significado às relações informacionais.
2
Essa controvérsia levou Kuppers (1990) a afirmar que nossa situação é similar àquela do homem da era do
ferro que, apesar de manipular instrumentos de ferro e viver cercado por eles, não dispunha de conceitos
apropriados para explicar a natureza química ou física desse elemento. Seria função das gerações posteriores
elaborarem uma teoria que permitisse caracterizar o ferro em nível molecular, com precisão, distinguindo-o do
alumínio, do cobre e de outros metais.
14
Inspirada nas idéias de Dretske (1981, 1988 e 1995) sobre a maneira pela
qual a informação adquire significado, Juarrero (1999) renova as hipóteses dretskeanas sobre
o modo pelo qual a informação se torna significativa, incluindo teorias contemporâneas tais
como aquelas dos sistemas complexos e da termodinâmica longe do equilíbrio. Para ambos
os filósofos, um fluxo de informação adquire significado através de um processo de
aprendizado. De posse de relações informacionais significativas, o agente pode direcionar sua
ação, restringindo seu campo de possibilidades disponíveis. Nesta perspectiva, uma relação
seria informacionalmente significativa quando permitisse dar unidade funcional e coerência à
ação.
No entanto, as tentativas de explicar a ação por parte de Dretske e Juarrero
encontram dificuldades. Argumentamos que uma das dificuldades diz respeito ao uso de
representações internas para explicar o modo pelo qual a informação se torna significativa. Na
tentativa de contornar esta dificuldade, consideramos aspectos da filosofia pragmática
desenvolvida por Charles Sanders Peirce (1931-58) para quem informação e significado são
indissociáveis. Neste sentido, examinamos em que medida o pragmatismo peirceano permite
abandonar o método internalista-representacional, ao qual Dretske e Juarrero se filiam, e
contribuir para o entendimento do conceito de informação em um viés que abarque o
significado sem recair em uma abordagem internalista-representacional.
Em contraste com o método internalista-representacional da constituição do
significado, no pragmatismo peirceano o significado é indissociável da informação que
emerge da complexa dinâmica de formação de signos, que se mostrariam informativos na
ação de sistemas situados e incorporados. Como resultado desta dinâmica, se instauram
hábitos cujos significados dizem respeito à coerência da ação e à possibilidade de antecipação
de eventos futuros. Ou seja, do ponto de vista do pragmatismo peirceano, a informação resulta
de um processo semiótico que culmina na geração de hábitos significativos que antecipam e
direcionam a ação. Se tal processo possuir uma âncora no real, seu resultado poderia ser
chamado de informação genuína.
Em síntese, tendo em vista o contexto traçado por esta introdução, a pesquisa
tem como objetivo analisar e discutir os seguintes problemas: (i) a distinção entre movimento
e ação; (ii) limites da causalidade na explicação da ação; (iii) alcance da abordagem
informacional da ação; (iv) a pertinência da concepção pragmática de informação genuína na
explicação da ação significativa. Para realizar este objetivo, o trabalho foi dividido em quatro
capítulos.
15
O capítulo I situa o problema da causalidade no pensamento filosófico,
dando ênfase às considerações de dois autores que bem expressam a problemática: Aristóteles
(1962, 1973, 1988) e Hume (1962). Sem a pretensão de explorar em detalhes a complexa rede
conceitual envolvida no pensamento destes filósofos, apresentamos um recorte temático no
que diz respeito à natureza da causalidade para o propósito de nossa pesquisa. Finalizamos o
capítulo indicando alguns limites que o entendimento de causalidade impõe à explicação da
ação segundo von Wright (1973).
Na tentativa de superar limites do paradigma causal diádico na explicação da
ação, no capítulo II apresentamos as hipóteses de Dretske (1981, 1988, 1995) e Juarrero
(1999) para a explicação da ação em uma perspectiva informacional. Para estes filósofos,
haveria um fluxo informacional direcionando a ação, fator que a distinguiria de movimento
mecânico, atuando como causa formal. Argumentamos que, da perspectiva destes autores, a
ação seria o comportamento observável de um agente resultado de um fluxo informacional
que teria se originado em uma intenção. Consequentemente, poder-se-ia analisar
adequadamente a ação sob o prisma da teoria da informação.
No capítulo III apresentamos as sugestões de Dretske sobre o modo pelo
qual os organismos tornam significativas as informações originalmente sem significado
que captam do ambiente. Para tanto, exploramos a Tese Representacional dretskeana segundo
a qual os organismos desenvolveram sistemas para representar a informação disponível no
mundo, através de um processo evolutivo. Por meio de um mecanismo de aprendizagem,
fundamentado em uma dinâmica constante de representação e correção de erros, os
organismos atribuem significado às informações que captam do ambiente. Como resultado,
emergem indicadores internos, a partir dos quais os organismos direcionam sua ação.
Finalizamos o capítulo três questionando o uso de representações mentais internas nas
explicações da ação.
No capítulo IV examinamos aspectos do pragmatismo peirceano, sobretudo
sua concepção de informação genuína, na tentativa de superar os limites do entendimento
representacional-internalista do significado, descritos aqui por Dretske e Juarrero. De acordo
com a concepção peirceana, significado e informação são indissociáveis e emergem dos
processos de comunicação de formas que o signo veicula nas experiências semióticas que os
organismos realizam em suas ações no mundo. Desta perspectiva, o significado diz respeito
ao ajuste da ação ao ambiente no qual o organismo está imerso e que se mostra ativo na
constituição de hábitos de ação que permitem a direcionalidade, através da possibilidade de
antecipação de eventos.
16
Finalizamos a dissertação realizando um balanço da pesquisa, focalizando os
avanços obtidos e as dificuldades encontradas no que concerne à pertinência do paradigma
informacional da ação.
17
Capítulo 1
PARADIGMAS DA CAUSALIDADE:
APLICAÇÕES NO DOMÍNIO DA AÇÃO
18
“Não se hão de admitir mais causas das coisas naturais
do que as que sejam verdadeiras e, ao mesmo tempo,
bastem para explicar os fenômenos de tudo”.
(ISAAC NEWTON, 1979, p.18)
19
CAPÍTULO 1
Paradigmas da causalidade: aplicações no domínio da ação
Apresentação
O objetivo deste capítulo, dividido em três seções, é discutir aspectos do
conceito de causalidade apoiando-se em dois autores, Aristóteles (1967, 1973, 1988) e Hume
(1973, 1999), através dos quais julgamos ilustrar o surgimento e desenvolvimento histórico-
filosófico deste tema. Sem a pretensão de realizar um estudo historiográfico do pensamento
destes autores, mas tendo em vista um estudo das explicações causais da ação, a seção 1
apresenta os modos pelos quais Aristóteles entendeu o conceito de causalidade: material,
formal, eficiente e final. A seção 2 apresenta considerações sobre a concepção humeana de
causalidade, destacando, sobretudo, o modo pelo qual o filósofo sugere não terem as relações
causais estatuto ontológico seguro, mas se tratarem de conexões habituais entre eventos
devido às regularidades com que os experienciamos. A seção 3 expõe considerações de von
Wright sobre dificuldades que o paradigma causal diádico enfrenta quando aplicado na
explicação da ação, focando, sobretudo, a direcionalidade retrógrada.
20
1.1 − Notas sobre o conceito de causalidade em Aristóteles
A importância que a causalidade assume nas investigações de Aristóteles
sobre a natureza e sua relação com a ciência é capital. no primeiro parágrafo do livro I da
Física (1967:184a), encontramos a afirmação que ilustra essa importância quando argumenta
que para conhecer uma coisa é preciso descobrir suas causas e a ciência consiste em descobrir
essas causas. O filósofo reforça ainda mais a importância da causalidade com a afirmação:
“só podemos crer-nos donos do conhecimento de cada ser depois de conhecer as causas pelas
quais existe” (ARISTÓTELES, 1967:194b).
A concepção aristotélica de causalidade surge como resposta à pergunta “por
que algo é ou existe?”. Como esse “algo” é do domínio da natureza e a natureza se expressa
em quatro sentidos, quatro causas são necessárias para seu entendimento. Para Aristóteles,
tudo que é ou existe se instancia em uma substância, se expressa de uma determinada forma,
sendo produzido por uma força e em direção a um fim. Em suas palavras, “deve-se explicar o
porquê das coisas de uma maneira que se refira a todas as causas: à matéria, à forma, ao motor
e ao fim.” (ARISTÓTELES, 1967:198a). Do seu ponto de vista, explicações são satisfatórias
apenas quando contemplam essas quatro causas.
Pelo termo “natureza”, Aristóteles (1967:192b) entende todas as coisas
existentes, compostas de quatro elementos básicos: terra, fogo, água e ar, estando divididas
em dois grupos, conforme a capacidade de auto-locomoção. O grupo dos inanimados é
formado pelos existentes que não possuem força interna que lhes direciona a mudança, e o
grupo dos animados, que possuem tal força. Como concebe a natureza, tanto animada como
inanimada, expressando-se em quatro sentidos, é levado a concluir que explicações
satisfatórias de qualquer existente natural devem contemplar essas quatro causas. Embora o
conhecimento científico pertença ao âmbito epistêmico, seu poder explicativo é validado por
refletir o que Aristóteles entende ser a realidade no âmbito ontológico.
Fiel às concepções de que a atividade científica consiste na descoberta das
causas e de que a natureza se diz em quatro sentidos, ele postula, no livro II da Física, quatro
definições complementares para o conceito causa.
Posto que o objetivo desta investigação [da Física] é conhecer e não cremos conhecer algo
sem antes termos estabelecido em cada caso o “porquê” (no qual significa captar a causa
primeira), é evidente que teremos que examinar quando se refere à geração e à corrupção de
toda mudança natural, a fim de que, conhecendo seus princípios, possamos referir a eles em
cada uma de nossas investigações. Assim pois, em um primeiro sentido se chama causa a (1)
21
aquilo a partir do qual algo é feito ou produzido de maneira que permanece no ser como
imanente. De outra maneira é causa (2) a forma, o exemplar ou o modelo que algo toma; em
outro sentido é causa (3) aquilo de onde provém o princípio primeiro da mudança e o
repouso. Finalmente, (4) é causa o que tem razão de fim, isto é, aquilo para o qual algo se
faz. (ARISTÓTELES, 1967:194b-195a).
Como se nota no fragmento acima, Aristóteles emprega o conceito de causa
em quatro sentidos conforme resumido no quadro I, abaixo. Ressalta Aristóteles (1967:198a)
que todos estes sentidos são requeridos para uma resposta satisfatória à pergunta “por que
algo é ou existe”:
i) “aquilo a partir do qual algo se faz ou se produz
3
de maneira que
permanece no ser como imanente”;
ii) “a forma ou modelo que algo toma em sua produção”
iii) “aquilo de onde provém o primeiro princípio do movimento e do
repouso” e
iv) “aquilo que tem razão de fim”, propósito.
Quadro I: as quatro maneiras pelas quais Aristóteles define causa. (Física, livro II: 194b).
A partir destes quatro componentes semânticos do termo causa, Aristóteles
constrói sua concepção de causa: do sentido i, extraiu a causa material. O bronze de que uma
estátua é feita exemplifica sua causa material, bem como a madeira e o vidro de que uma
cama e um copo são feitos. Aristóteles entende que a matéria é o substrato que contém em si
todas as potencialidades de que algo possa vir a ser. Destaca Emmeche (2007) que a causa
material é descrita por termos como ‘constituído de’, ‘feito de’.
A causa material mostra a extensão que o conceito causa assume no
pensamento de Aristóteles, não sendo somente um evento antecedente suficiente para a
produção de um efeito ou a consequência de uma dada ação. Neste sentido, também é causa o
substrato de que algo é composto.
A definição ii exprime a causa formal, que corresponde à forma ou ao padrão
no qual as partes componentes de uma dada entidade estão arranjadas. Segundo Emmeche
(2007), a causa formal é descrita por termos como ‘a estrutura de’, ‘o padrão de’, ‘a
configuração de’, entre outros.
3
É importante observar que a produção a que Aristóteles se refere é a de movimento ou mudança.
22
A causa formal ocupa um lugar preponderante em nosso estudo da
concepção aristotélica de causa no domínio da ação porque, sendo a causa formal de um ser
animado inerente ao próprio organismo, ele, em sua forma, deve ter algo que restringe e
identifica o conjunto de suas potencialidades. A forma direciona a realização das
potencialidades, permitindo definir o ser enquanto membro de uma espécie e não de outra.
Nos objetos inanimados, por exemplo, o que os identifica como sendo um tal
objeto e não outro, não é apenas a matéria que o constitui, mas é também a forma como suas
partes estão arranjadas. Por exemplo, diante da pergunta “o que é uma cama?”, a resposta não
pode ser dada apenas em função de sua composição material. Deve-se considerar que o que
faz da cama uma cama é a forma que apresenta. Uma pilha de madeira é uma cama apenas em
potência. A pilha de madeira contém a potencialidade de ser centenas de outros objetos
possíveis. Ou seja, o aspecto definidor da cama não é somente a matéria que a constitui mas
também a forma como suas partes estão arranjadas. Neste sentido, o que faz dela uma cama e
não outra coisa é sua configuração, sua forma, que para ele, é indissociável da matéria,
constituindo parte da natureza. Em suas palavras, “a forma é mais natureza que a matéria,
porque dizemos que uma coisa é o que é quando existe em ato mais do que quando existe tão
somente em potência” (1967:193b6).
Aristóteles exemplifica que um osso somente adquire sua existência como
osso quando está funcionando no contexto em que está organizado enquanto forma de um
organismo vivo e não como simples matéria. Na ausência deste princípio de organização -
forma - um sistema vivo não poderia apresentar as qualidades que tornam possível classificá-
lo como determinado tipo de organismo.
Reconsiderando o quadro I, o sentido iii exprime a causa eficiente. Eficiente,
no sentido de ser a força que impele a transformação das potencialidades em ato. Assim,
como a luz e a umidade são as “forças” que impelem as potencialidades contidas numa
semente, de tal modo a propiciar sua transformação em determinada planta, elas constituem a
causa eficiente desta transformação. No caso de seres inanimados, como uma estátua ou uma
cama, a causa eficiente é o escultor ou o marceneiro. Segundo Emmeche (2007), a causa
eficiente se expressa na linguagem cotidiana, em termos como ‘implica’, ‘efetua’, ‘resulta’,
‘produz’, ‘gera’, entre outros.
A concepção de causa eficiente como aquela que faz o movimento acontecer,
ganhou força na Modernidade, desempenhando um papel central nos estudos realizados por
Galileu. Na medida em que a referência à causa eficiente permite a descrição de aspectos do
movimento dos corpos inanimados, ela impulsionou a concepção de bastava para explicar tais
23
aspectos. Posteriormente, com o sucesso da física clássica newtoniana, esta concepção ganhou
ainda mais força. Contudo, o emprego apenas da noção de causa eficiente no estudo da ação
pode ser problemático. Juarrero (1999, p.8), por exemplo, observa que o emprego da noção de
causa eficiente, em detrimento das demais causas, se fortaleceu com o desenvolvimento da
física clássica, sobretudo com Galileu e Newton. Aos poucos, substituiu-se a causa formal por
noções relativas às qualidades primárias, tais como tamanho, arranjo, número, forma (no
sentido geométrico), e eliminou-se a causa final das estruturas explicativas da ciência. Para a
filósofa, essa restrição pode ser compreendida na medida em que a preocupação da física
clássica era explicar o movimento local a mudança de posição de um corpo com relação a
um referencial – e não a mudança geral que os corpos – incluindo organismos – apresentam.
Assim, o entendimento dado à causa eficiente na física clássica estabelece
que as transformações nos movimentos dos corpos ocorrem em função da presença de
elementos externos que exercem sua influência por meio de relações mecânicas, sejam de
contato choques ou à distância, de tal forma que um fenômeno poderia ser explicado em
termos da causa eficiente que o produziu.
O sentido iv, ilustrado no quadro I, expressa a concepção aristotélica de
causa final. Ela representa o propósito que as substâncias animadas engendram e a finalidade
segundo a qual as coisas inanimadas são construídas. Um oleiro, por exemplo, esculpe um
pote de barro com a finalidade de obter água fria. A caminhada tem como fim tanto a boa
saúde como chegar a um determinado lugar. Segundo Emmeche (2007), a causa final está
lexicalizada na linguagem corrente por termos como ‘meta’, ‘objetivo’, ‘finalidade’,
‘propósito’, dentre outros.
Biólogos contemporâneos, como El-Hani (2000, p. 75), destacam que a
causa final parece desempenhar uma papel importante na ação dos organismos, que
apresentam pelo menos um propósito básico: o de promover sua sobrevivência por meio da
reprodução. El-Hani (idem) ilustra este papel considerando o exemplo aristotélico de uma
aranha construindo sua teia. Toda a atividade de construção da teia pode ser interpretada
como um processo dirigido para o fim de manter a existência da aranha. As partes de seu
corpo estão organizadas para o propósito de operarem de maneira coordenada para atingir o
fim de construir a teia e sobreviver.
A causa final merece, segundo El-Hani & Videira (2001, p.303), uma
discussão cuidadosa em vista da polêmica persistente a respeito da linguagem teleológica. Isto
porque, a linguagem teleológica não implica, necessariamente, a aceitação de uma metafísica
incompatível com a ciência, na qual processos fisiológicos, adaptação ao ambiente e
24
comportamento orientados por propósitos estariam sendo atribuídos a forças vitais imateriais.
Estas noções estariam relacionadas principalmente às restrições impostas pela organização
especifica que faz com que algo se identifique com sua espécie e não com outra. Neste
contexto, a noção de teleologia pode ser concebida, nos sistemas vivos, como o padrão que
organiza o sistema como um todo, que retroage às partes constituintes, operando como fator
de referência para sua própria produção. Assim, os organismos engendrariam uma
circularidade fundamental, no sentido de que a organização que apresentam retroage sobre si
mesma produzindo e alterando sua própria estrutura (EL-HANI & VIDEIRA, 2001, p.305).
Em resumo, Aristóteles sugere o que ficou conhecido, ao longo dos tempos,
como a Teoria das Quatro Causas. O filósofo julgava ser possível, através delas, explicar, no
plano ontológico, a natureza observável, por acreditar que as causas refletem o movimento
real dos existentes. No caso da ação dos organismos, uma combinação das quatro causas
poderia explicá-la. A explicação aristotélica da dinâmica interativa entre as quatro causas foi
retomada na filosofia da ação contemporânea. Juarrero (1999, p.19), por exemplo, resgatando
tal dinâmica, propõe uma caracterização da ação da seguinte maneira: “o estímulo recebido -
causa eficiente atua no organismo causa material que, por meio de suas disposições
internas, – causa formal – atualizam seus propósitos em determinada ação – causa final”.
Todavia, notamos que não um consenso entre os estudiosos que se
debruçam na explicação da ação sobre a plena pertinência da concepção causal aristotélica
nesse domínio. Dentre os motivos que serão apresentados na seção 3 deste capítulo,
ressaltamos que, embora o esquema explicativo pautado na teoria das quatro causas
contemple elementos de teleologia, por meio da causa final, e elementos organizadores, por
meio da causa formal, o paradigma causal aristotélico não parece abarcar o aspecto da
realimentação presente na ação.
Conforme observa Juarrero (1999, p.3 grifo nosso) “a tese de Aristóteles de
que nada move a si mesmo, combinada com o entendimento mecanicista de causa, herdada da
física clássica, trouxe sérias dificuldades para a teoria da ação”. Isto é, sem recorrer a uma
dinâmica de realimentação, além de dificultar o entendimento de como a intenção pode causar
a ação, uma vez que a intenção seria uma espécie de auto-causação, há dificuldades de
explicar os ajustes que o agente realiza sobre os resultados de suas ações. Neste sentido,
julgamos que tais pontos reforçam nossos propósitos de buscar outro paradigma explicativo,
além do aristotélico, para o estudo da ação.
Como veremos na próxima seção, diferentemente de Aristóteles, Hume
expressa uma visão cética sobre o caráter necessário das relações causais. Isto porque, para
25
ele, as relações causais se reduzem as conjunções estabelecidas entre eventos devido a
regularidades instituidoras de hábitos.
26
1.2 − Notas sobre o conceito de causalidade em Hume
A noção de que todo efeito é produto de uma causa parece, aos olhos
desatentos, auto-evidente. Essa evidência se constata no plano da significação do registro
popular do termo “causa
4
”. Mas sua concepção, enquanto algo que se conecta
necessariamente ao efeito, é contestada ao longo da história da filosofia.
Em oposição ao entendimento aristotélico, que considera haver na natureza
elementos suficientes para assegurar que efeitos sejam gerados/produzidos por suas
respectivas causas, Hume (1999/1748) argumenta que não há elementos que garantam a
necessidade lógica das relações causais entre eventos da natureza. Para ele, tais correlações
são resultados de regularidades que habitualmente experienciamos sobre eventos. Uma vez
que os hábitos não nos fornecem garantias da sua repetibilidade, as relações contidas nesses
hábitos são contingentes.
Para defender a concepção acima, Hume (1999/1748, p.43) argumenta que
podemos dividir em dois tipos os objetos da investigação humana, a saber: aqueles que dizem
respeito às relações de idéias e aqueles relativos às questões de fato. Ao primeiro tipo
pertencem os objetos investigados pelas ciências da geometria, álgebra e aritmética, e, em
suma, toda afirmação que é intuitiva ou demonstrativamente certa. Por outro lado, questões de
fato não podem ter suas validades demonstradas da mesma maneira. Isto porque o contrário
de toda questão de fato permanece sendo possível.Que o sol não nascerá amanhã não é uma
proposição menos inteligível nem implica mais contradição que a afirmação de que ele
nascerá e seria vão, portanto, tentar demonstrar sua falsidade” (Idem, p.44, grifo do autor).
Todavia, acrescenta Hume (1748/1999, p.44), “todos os raciocínios
referentes a questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito”, uma vez que é
“somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência de nossa memória e
nossos sentidos” (Idem). Hume ressalta que, “o conhecimento dessa relação não é, em
nenhum caso, alcançado por meio de raciocínios a priori, mas provém inteiramente da
experiência, ao descobrirmos que certos objetos particulares acham-se constantemente
conjugados uns aos outros” (Ibidem, p.45. grifo do autor).
A concepção causal de Hume (1710/1999), segundo a qual o nexo causal
entre eventos é alcançado após a conjunção constante entre eventos, decorre, em parte, da
importância que atribui à observação e à experiência. Para ele, os sentidos, que possibilitam a
4
O dicionário Aurélio, por exemplo, traz a seguinte definição para o conceito de causa: “aquilo ou aquele que
faz com que uma coisa exista” e “aquilo que determina um acontecimento” (1993, p.110 grifo nosso)
27
nossa experiência do mundo, são centrais para a validação da percepção da conjunção
constante entre fenômenos, como indica o fragmento abaixo:
Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento humano [...]. Mas
embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, um exame mais
cuidadoso nos mostrará que ele está, na verdade, confinado a limites bastante estreitos, e que
todo esse poder criador da mente consiste meramente na capacidade de compor, transpor,
aumentar ou diminuir os materiais que os sentidos e a experiência nos fornecem. (HUME,
1748, 1999, p.25)
Para defender a hipótese de que os sentidos e a experiência são centrais para
a validação da conjunção entre causa e efeito, Hume (1748/1999, p.26) argumenta que os
pensamentos ou idéias, por mais complexos que sejam se “decompõem em idéias simples
copiadas de alguma sensação ou sentimento precedente”. Um dos motivos que reforça esta
concepção, é que “quando um homem não pode, por algum defeito orgânico, experimentar
sensações de uma certa espécie, sempre verificamos que ele é igualmente incapaz de formar
as idéias correspondentes” (Idem). Para esclarecer esta concepção, é preciso distinguir
impressão e idéia. A impressão é o que extraímos no momento da experiência de um dado
evento. As impressões são o que detectamos do mundo por meio dos órgãos dos sentidos e
que, de alguma forma, servem de alimento à formação das idéias. Estas se diferenciam
daquelas por sua força ou vivacidade: enquanto as impressões são fortes e vívidas, as idéias
seriam fracas e obscuras (Ibidem, p.28).
Em outras palavras, idéia é a impressão que perdeu a vivacidade, e seu
conjunto constitui a “matéria” do pensamento. A idéia de uma cor, ou sabor, ou uma imagem,
depreendida pela visão, ou por outro sentido, é resultado da lembrança das impressões que se
formaram no momento das experiências em questão. Por serem resultado de uma experiência
sensorial, as impressões são mais fortes, mais vivas, enquanto que as idéias, por envolverem
recorrência à impressão correspondente, são mais fracas e apagadas. As impressões estão na
base e constituem os alicerces das idéias que temos a respeito do mundo. Como ressalta
Hume:
Portanto, sempre que alimentarmos alguma suspeita de que um termo filosófico esteja
sendo empregado sem nenhum significado ou idéia associada (como frequência ocorre),
precisamos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta idéia? E se for possível
atribuir-lhe qualquer impressão, isso servirá para confirmar nossa suspeita (HUME,
1748, 1999, p.29. grifo do autor).
28
Porém, se a idéia é complexa, como a de existência, de substância, ou de
causalidade, torna-se difícil ajustá-las às respectivas impressões. Todavia, acrescenta Hume
(1999/1748, p.26) que, “quando analisamos nossos pensamentos ou idéias, por mais
complexos e grandiosos que sejam, sempre verificamos que eles se decompõem em idéias
simples copiadas de alguma sensação ou sentimento precedente”. Diante disto, devemos nos
perguntar: quais são as impressões de que essas idéias complexas procedem? Para ele, aquelas
idéias que os sentidos não nos mostram, por não encontrarem impressão alguma a que
correspondam, resultam da imaginação.
A idéia de existência, por exemplo, é uma construção da imaginação, uma
vez que, quando dizemos que algo existe, poderemos encontrar a impressão correspondente a
esse algo, mas não teremos possibilidade nenhuma de achar impressões que correspondam à
existência. Sabemos o que é existir, mas não temos impressão alguma do existir, os sentidos
não nos causam a impressão do existir. Por exemplo, a idéia de Deus, no sentido de um ser
infinitamente inteligente, bom e sábio,
[...] surge das reflexões que fazemos sobre as operações de nossa mente, aumentando num
grau ilimitado essas qualidades de bondade e sabedoria. Podemos prosseguir este exame a
onde nos aprouver; sempre veremos que todas as idéias que examinamos derivam de uma
impressão semelhante (HUME, 1748/1999, p.26).
Com a idéia de causalidade ocorre o mesmo. A idéia de causa e efeito a que
impressão corresponde? Não se verifica que a essa idéia corresponda alguma impressão. Se
analisarmos a relação de causalidade, encontramos que algo A existe; dele temos a impressão
de algo B; porém não temos nunca a impressão de que de A saia alguma coisa para produzir
B. Assim, pois, a causalidade é outra ficção, como a do eu, como a da existência, ou da
substância. São, em última instância, associações de idéias realizadas pela imaginação.
Entretanto, as noções que construímos classificadas como substância,
existência, causalidade não são meros caprichos da natureza humana. Têm como base a
regularidade, e atuam principalmente em razão da associação de idéias por semelhança. Sobre
os modos de associação de idéias, escreve Hume (1999/1748, p.32) que “quanto a mim, creio
existirem apenas três princípios de conexão entre as idéias, a saber: a semelhança, a
contiguidade de tempo ou lugar e a causa ou efeito” (Idem).
Em outras palavras, Hume sustenta que não nada na natureza que
comprove a conexão necessária entre uma causa e seu possível efeito. Admitindo que tais
29
conexões se instauram a partir de hábitos e de regularidades que os eventos naturais
apresentam, Hume considera a seguinte situação:
Suponha que uma pessoa, embora dotada das mais vigorosas faculdades de razão e reflexão,
seja trazida repentinamente a este mundo. É certo que tal pessoa observaria de imediato uma
sucessão contínua de objetos e um fato sucedendo-se a outro; não seria, porém, capaz de
descobrir nada mais. A princípio não haveria raciocínio que a conduzisse à idéia de causa e
efeito, nem é razoável concluir, simplesmente porque um acontecimento em determinado
caso precede um outro, que o primeiro é a causa e o segundo é o efeito. A conjunção dos
dois pode ser arbitrária e casual. Suponha-se agora que esse homem adquiriu mais
experiência e viveu no mundo tempo suficiente para ter observado uma conjunção entre
objetos ou acontecimentos familiares: qual é o resultado dessa experiência? Ele infere
imediatamente a existência de um objeto do aparecimento do outro (HUME, 1748/1962
p.145).
Hume defende, assim, a hipótese de que os hábitos e as regularidades são os
princípios que permitem o estabelecimento de conjunções causais. Isto porque, após a
percepção da manifestação constante de dois objetos ou eventos – por exemplo, calor e
chama, peso e solidez somos levados tão somente pelo hábito a esperar, após um deles, o
aparecimento do outro. Em suas conclusões, ele ressalta que:
[...] o hábito é, pois, o grande guia da vida humana. É aquele principio único que faz com
que nossa experiência seja útil e nos leve a esperar, no futuro, uma sequencia de
acontecimentos semelhantes às que se verificaram no passado. Sem a ação do hábito,
ignoraríamos completamente toda questão de fato além do que está imediatamente presente
à memória ou aos sentidos (HUME, 1748/1962, p.146).
Após inferirmos que determinados eventos se repetem sucessivamente no
tempo, formamos as idéias correspondentes às regularidades por três tipos possíveis de
conexão: semelhança, contiguidade e causa-efeito.
Desta maneira, duas idéias quando parecidas, quando semelhantes,
costumam se unir, encadear-se, imiscuir-se. A associação por contiguidade, ocorre quando
consideramos uma ideia que surgiu a partiu de uma impressão que se repetiu muitas vezes
unida a outra e inevitavelmente nos surge a idéia de uma outra. Por exemplo, a idéia de
calor que se segue à lembrança da chama de uma vela. Como resultado, a causalidade não
seria mais do que um caso particular de associação de idéias como a semelhança e a
contiguidade produzidas pela força do hábito.
30
Tal e qual o caso do calor e da chama da vela, em que somos levados pelo
hábito a associá-los como uma sequencia temporal de eventos, o mesmo se passa com o
nascer do sol. Ao vermos o sol surgir no firmamento todas as manhãs, somos levados, tão
somente pela regularidade, a inferir que ele nascerá amanhã. Contudo não há nenhuma
garantia ou necessidade de sua repetição.
Conforme resume Pessoa Jr (2006, p.38), “para David Hume, “causação”
seria um nome que se para fenômenos de conjunção constante ou correlação, que
exprimem uma regularidade ou lei”. O ponto de vista de Hume sobre causação é resumido por
Pessoa Jr (idem, p.38) da seguinte forma: “um evento particular c causa um evento particular
e se c ocorre e é seguido pela ocorrência de e, e se houver uma regularidade entre a ocorrência
de eventos da classe C (à qual pertence c) e da classe E (a qual pertence e)”.
Mais tarde, Kant (1983) defende a tese de que a causalidade seria uma das
categorias do entendimento por meio da qual organizamos a experiência perceptiva. Tais
ordenações trazem, subjacente, a idéia de que as relações de causa e efeito entre os fenômenos
seriam uma conjunção epistêmica necessária para dar inteligibilidade as experiências
perceptivas.
Para um dos propósitos de nossa pesquisa, a saber, o de examinar o alcance
das explicações causais da ação, o entendimento de Hume sobre a causalidade acrescenta
mais dificuldades na tentativa de explicar a ação. Isto, porque teríamos que admitir que a
relação entre uma ação e a respectiva intenção, que a levou a cabo, seria uma mera conjunção
extraída de regularidades que se consolidaram na dinâmica dos movimentos geradores de
hábitos. Ou seja, a intenção enquanto causa não estaria necessariamente produzindo a
ação enquanto efeito. Consequentemente, as explicações pautadas neste tipo de causalidade
poderiam ser arbitrárias.
Além da dificuldade imposta à explicação da ação apontada acima,
apresentamos na próxima seção outras dificuldades que a concepção causal humeana enfrenta
quando empregada no domínio da ação. Para tanto, nos apoiamos nas análises sobre a
causalidade apresentadas por Ludwig von Wright na obra Explanation and Understanding
(1973).
31
1.3 − Von Wright e os limites da explicação causal no domínio da ação
Na obra Explanation and Understanding, de von Wright, há dois pontos
centrais para nossos propósitos de apontar as dificuldades que o entendimento da causalidade,
enquanto relação diádica, impõe à explicação da ação. Tais pontos dizem respeito (i) à quebra
de simetria entre a causa e o efeito e (ii) à direcionalidade retroativa da explicação causal.
No que diz respeito à quebra de simetria entre causa e efeito, von Wright
(1973) argumenta que ela atinge frontalmente um dos pilares da física clássica newtoniana,
segundo o qual qualquer corte no tempo entre dois eventos deveria indicar uma simetria entre
o que ficou no passado e o que ficará no futuro. Assim, por exemplo, o congelamento do
movimento de um pêndulo, em qualquer instante, comparado com o congelamento em outro
instante, não permite ao observador afirmar qual deles é a imagem do passado e qual é a do
futuro. Para a física clássica newtoniana, o tempo foi entendido como uma variável das
equações matemáticas (GREENE, 2005). Deste modo, o entendimento
matemático/quantitativo do tempo levou à eliminação, por parte da física clássica newtoniana,
do tempo vivido de sua estrutura conceitual e influenciou diretamente o pensamento moderno.
Para vonWright (1973), o problema da assimetria entre as relações de causa e
efeito pode ser notado, substituindo o conceito de causa pelos conceitos de condição
suficiente e de condição necessária. Neste sentido, as relações causais mais simples poderiam
ser expressas, no domínio da ação, através da proposição genérica: se p então q, de modo que,
sempre que ocorrer p (condição suficiente) ocorrerá q. Ou, em termos de condição necessária,
a ocorrência de q supõe necessariamente a ocorrência de p.
No entanto, da expressão “se a chuva for condição suficiente da umidade do
solo” não se segue que “a umidade do solo seja condição necessária da chuva”. uma
quebra de simetria entre o fator causa “chuva” e o fator efeito “umidade do solo” (von Wright,
1973, p.65). Segundo von Wright (idem), o pressuposto da assimetria, quando aplicado no
domínio da ação, resulta da atribuição de um papel causal a um fator que é somente
necessário, porém não suficiente, com vistas a algo.
A assimetria desnuda outra dificuldade enfrentada pelas explicações causais
diádicas da ação: o problema temporal. Se p e q são termos de relações causais, ocorre que o
fator-causa p deve preceder, no tempo, a ocorrência de seu respectivo fator-efeito q
correlativo. No entanto, nada garante que um fator-efeito q não possa preceder temporalmente
uma outra ocorrência de p. Assim, por exemplo, o desejo de p normalmente produz q (o
desejo de caminhar pode levar ao ato de caminhar). Poderia ocorrer, entretanto que o
32
caminhar levasse ao desejo de caminhar ainda mais. Os primeiros passos de um doente que
perdeu a movimentação produzisse o forte desejo de caminhar.
Por outro lado, se a causa e o efeito duram um certo tempo, temos que
assumir a possibilidade da causa poder sobreviver ao efeito. Mas poderiam a causa e o efeito
ser temporalmente contíguos e simultâneos? O caminhar e o desejo de caminhar, no exemplo
do doente que acaba de se recuperar, poderiam ocorrer simultaneamente? Se a resposta for
afirmativa, causa e efeito devem ser simétricos porque, segundo von Wright (1973, p.66), “as
relações simultâneas são simétricas”. Mas nem toda relação causal é simétrica. Mesmo no
caso do doente que está se recuperando, pode ocorrer que, diante da presença da dor, o
paciente queira, e às vezes não queira caminhar, dependendo do grau de intensidade da dor.
Situações limites como estas, como veremos no próximo capítulo, podem ser melhor
compreendidas frente à relação informacional da ação.
Para que haja simetria entre dois fenômenos, de acordo com a física clássica
newtoniana, eles devem se sobrepor. Neste sentido, teríamos que assumir que, nas relações
causais, o efeito se sobrepõe à causa. No entanto, como visto acima, nem sempre as relações
causais são simétricas. Por exemplo, na física, o fator-efeito umidade do solo não pode ser
sobreposto ao fator-causa chuva porque são temporalmente separados. No caso da ação, a
situação é ainda mais complexa.
O segundo limite que as explicações causais diádicas enfrentam, segundo
von Wright (1973), é o da direcionalidade retroativa. Contrapondo-se às explicações
teleológicas, no caso da ação, as explicações causais apontam para o passado, uma vez que
elas focalizam o que já ocorreu nas suas explicaçoes. Para o autor, a direcionalidade retroativa
está presente em expressões lingüísticas do tipo: “isso teve lugar porque havia ocorrido
aquilo” (Idem, p.107).
Para explicar a direcionalidade retroativa, von Wright (1973) argumenta que
toda ação pode comportar aspectos internos e externos. Os desejos e as motivações
exemplificam o aspecto interno da ação, e o movimento em si, observável publicamente, o
aspecto externo. As relações causais, ainda que não sejam observáveis, se referem aos
aspectos externos de um dado evento, e as explicações fundadas nestas relações focalizam o
passado. Por exemplo, a explicação causal de que a queda de temperatura em uma sala
efeito − resultou de um movimento muscular que girou uma manivela e abriu a janela − causa
−, é tipicamente uma explicação que aponta para o passado. Após a verificação do efeito
‘queda da temperatura’ é que se constrói a cadeia causal: “movimento muscular abrir a
janela – entrada de ar frio – diminuição da temperatura” (1973, p.114).
33
Em resumo, von Wright (1973) aponta dois problemas que as explicações
causais diádicas enfrentam no domínio da ação. O primeiro diz respeito à assimetria entre
causa e efeito, e o segundo diz respeito à direcionalidade retroativa. Para os propósitos desta
dissertação, o segundo problema é mais importante, porque, para explicar a ação, entendemos
que é preciso considerá-la como um evento que ocorre em direção ao futuro. Desse ponto de
vista, seria preciso recorrer a conceitos que comportem uma dimensão teleológica. Como as
explicações causais diádicas enfatizam o passado, o paradigma causal se mostra insatisfatório
para a explicação da ação. É nesse sentido que se desenvolvem trabalhos contemporâneos nas
áreas de Filosofia da Mente e da Ação (DENNET 1997; DRETSKE 1981, 1988 e 1997;
JUARRERO 1999; GONZALEZ 2005, 2006, 2007), que buscam no conceito de informação
uma alternativa às explicações causais no domínio da ação. Como indicaremos no capítulo
seguinte, a proposta dos filósofos Fred Dretske e Alicia Juarrero ilustram esse movimento.
Capítulo 2
A HIPÓTESE INFORMACIONAL DA AÇÃO NA PERSPECTIVA DE
DRETSKE E JUARRERO
Sócrates worried that earlier philosophers made air, ether, and water
the only causes. What about Socrates’s reasons for not escaping from prison?
Are they not the true cause of his behavior?
(JUARRERO, 1999, p.2)
Information may be succinctly defined as any difference
which makes a difference in some later event.
(BATESON, 2002)
36
CAPÍTULO 2
Dretske, Juarrero e a hipótese informacional da ação
Apresentação
Este capítulo tem como objetivo apresentar e discutir os argumentos
elaborados pela filósofa Alicia Juarerro (1999), formulados na obra Dynamics in Action,
segundo os quais o paradigma causal mecânico herdado da física clássica dificulta a
explicação da ação. O segundo objetivo é analisar a hipótese formulada por Dretske (1981,
1988, 1995) e renovada por Juarrero (1999), ao introduzir conceitos dos sistemas dinâmicos
complexos e da termodinâmica longe do equilíbrio, para a explicação da ação pautada no
conceito de informação. Tais objetivos serão realizados em cinco seções. A seção 1 apresenta
o entendimento de Juarrero sobre o conceito de ação, contrastando-o com aquele de
movimento. A seção 2 analisa a hipótese informacional, proposta por Juarrero (1999) e
Dretske (1981) como alternativa a hipótese causal da ão. A seção 3 examina a relevância
que os conceitos de ruído e equívoco teriam para a explicação da ação do ponto de vista
informacional. A seção 4 aprofunda a análise do modo pelo qual a ação poderia ser explicada
do ponto de vista informacional dretskeano. A seção 5 aponta dificuldades encontradas pelo
viés informacional no domínio da ação.
37
2.1 − O entendimento do conceito de ação segundo Juarrero
Na obra Dynamics in Action: Intentional Behavior as a Complex System,
Juarrero tem como um de seus objetivos examinar o conceito de ação. Para ela, ação é, em
linhas gerais, comportamento regido por intenção (1999, p.85)
5
, que pode ser melhor
entendida em contraste com a noção de movimento. Este, por sua vez, pode ser caracterizado
como o deslocamento no espaço produzido por forças físicas, cuja explicação não envolve
conceitos teleológicos. Assim, uma maçã caindo de uma árvore, ou um metal sendo atraído
por um ísão exemplos de movimentos. A causalidade mecânica parece apropriada para
explicar esses movimentos, porque eles se tornam inteligíveis através da descrição das
mesmas condições (causas) que geram os mesmos movimentos (efeitos).
No caso do movimento de um metal atraído por um ímã, observa-se que
sempre que o metal for colocado na presença do ímã, mantendo-se as condições apropriadas e
constantes, ele se movimentará no sentido de aproximar-se do ímã. Nesse sentido, diz-se que
o campo magnético do ímã causou o movimento do metal. No caso da maçã caindo da árvore,
o campo gravitacional faz com que o movimento da maçã seja vertical para baixo
(considerando que outras forças não atuem sobre a maçã). Nesse sentido, diz-se que a
interação gravitacional causou o movimento da maçã.
Em contraste com o movimento dos corpos físicos, a ação está imersa em um
contexto que disponibiliza ao organismo um conjunto de possibilidades de escolha. Desta
maneira, a ação envolve um propósito, uma direcionalidade, uma intenção. Ou seja, um
campo de possibilidades disponíveis ao organismo que decide praticar uma ação, uma vez que
o organismo está situado em um ambiente que lhe é inerentemente significativo. Estas
possibilidades requerem, muitas vezes, uma deliberação intencional que, por sua vez, é um
dos elementos que permitem distinguir ação de movimento. Em suma, o movimento dos
corpos físicos inertes, diferentemente da ação dos organismos, não é direcionado por uma
intenção.
Para Juarrero (1999, p. 85), a ação é um comportamento intencional movido
por desejo, crença, vontade, etc., que apresenta uma finalidade, propósito ou direcionalidade.
Em suas palavras, “ação é o fluxo inequívoco do conteúdo de uma intenção a partir de uma
fonte cognitiva, que termina em um comportamento”. Assim, deste ponto de vista, a intenção
é a causa da ação.
5
I undestand action not as the effects of a special type of efficient cause, but as the unequivocal flow of an
intention’s content from cognitive source to behavioral terminus.
38
No entanto, observa Juarrero (1999, p.22) que o entendimento do conceito de
causa, herdado da física clássica, dificultou a explicação da maneira pela qual a intenção pode
causar a ação. Isto porque a física clássica newtoniana, por um lado, se preocupava com
partículas em movimento no espaço e não com organismos incorporados e situados em um
ambiente e, por outro, eliminou de seu esquema explicativo as causas formal e final
aristotélica.
Conforme vimos na seção 1.2, segundo a concepção aristotélica, todos os
movimentos da natureza, inclusive dos organismos, poderiam ser explicados através da
dinâmica das causas material, formal, eficiente e final. No entanto, a física clássica
newtoniana reduziu a estrutura causal aristotélica à causalidade mecânica
6
. Como resultado, o
esquema explicativo aristotélico foi reduzido à causa material e eficiente. Diante do sucesso
da física clássica newtoniana em explicar os fenômenos do mundo físico, a hipótese segundo
a qual o esquema causal se apóia, predominantemente, em causas eficientes, tornou-se
preponderante para explicar a realidade, apesar das mencionadas dificuldades em sua
aplicação no campo da ação.
Outro elemento que dificulta a explicação da ação por parte do esquema
causal herdado da física clássica é a consideração de que as explicações, para serem
satisfatórias, devem ser universais, excluindo o tempo experienciado pelos organismos, bem
como o contexto em que os fenômenos investigados estejam imersos. Um terceiro elemento
que dificulta o emprego do paradigma da causalidade mecânica na explicação da ação é o de
não fazer referências às intenções que poderiam causar a ação. A dificuldade de explicar
como as intenções causam a ação é que, de acordo com von Wright (1973), as relações
causais são relações estabelecidas por redes de observadores que descrevem as ocorrências
externas do evento. Em outras palavras, poderíamos dizer que as relações responsáveis pela
ação, carregam muito daquilo que aparece na perspectiva de redes de observadores. Mas
como descrever tal rede? Uma resposta a essa questão é apresentada na seção seguinte,
através da análise da natureza epistemológica da relação informacional.
6
Ou pelo menos transformou o papel de cada uma destas quatro “causas”, de maneira que, nas explicações
cientificas, predominou o conceito de causa eficiente, conforme nos lembra Pessoa Jr.
39
2.2 Relação causal mecânica x relação informacional na explicação da
ação
A relação causal, no sentido humeano, pode ser representada pelo esquema:
Diagrama 2.1 (DRETSKE, 1981, p.27)
Tal esquema representa uma cadeia linear de eventos. Embora satisfatória
para explicar os eventos do mundo físico, no qual as mesmas causas geram os mesmos
efeitos, como no caso da queda da maçã e da atração do metal pelo ímã, a relação causal
mecânica omite, segundo Dretske (1981, p.28), um fato crucial: o de que o antecedente desta
cadeia pode estar imbricado numa rede de possibilidades. O diagrama 2.2, abaixo, ilustra uma
situação em que uma fonte informacional s, que poderia funcionar como antecedente de uma
cadeia de eventos, estaria imersa em um contexto em que quatro possibilidades se apresentam.
Fonte Receptor
Diagrama 2.2 (DRETSKE, 1981, p.28)
No diagrama 2.1, existiria a possibilidade de se estabelecer um outro valor
para a variável s, além de s
2
, para produzir r
2
? A resposta é negativa do ponto de vista causal
humeano, porque se espera que as mesmas causas não gerem efeitos diferentes. Neste sentido,
se a variável s assumir o valor s
1
ou s
3
ou s
4
, a variável r assumirá, respectivamente, os
valores r
1
, r
3
ou r
4
,conforme representado no diagrama 2.2.
s
2
r
2
s
1
r
1
s
3
r
3
s
4
r
4
s
r
40
No caso da ação, é possível que intenções diferentes (s
1
, s
1
, s
3
) produzam o
mesmo efeito (r
2
). Para contemplar este fato, Dretske (1981, p.28) propõe o diagrama 2.3,
ilustrado abaixo.
Fonte Receptor
Diagrama 2.3 (DRETSKE, 1981, p.28)
O diagrama 2.3, proposto por Dretske, visa contemplar o fato de as ações
estarem imersas em um contexto que disponibiliza uma rede de possibilidades ao organismo.
No caso da ação, tais possibilidades ficam disponíveis ao agente que, ao escolher uma delas,
não exclui a possibilidade de que outra escolha não teria conduzido ao mesmo resultado. Em
outras palavras, no diagrama 2.3, s
2
, s
1
e s
3
podem conduzir a r
2
.
Outra dificuldade do paradigma causal, no âmbito da ação, está em abarcar
situações em que uma mesma causa gera efeitos diferentes. Esta situação está representada no
caso do diagrama 2.3 em que s
4
pode conduzir a r
1
, r
3
, r
4
. Assim, no exame da ação, é
possível encontrar situações em que a mesma intenção gera ações diferentes. Por exemplo,
pode ser o caso em que, em uma sabatina, vários alunos tenham a mesma intenção de tirar
boas notas. No entanto, o resultado dificilmente contemplará igualmente a intenção de todos
os alunos.
Em ntese, a relação informacional não apenas se insere em uma rede de
possibilidades, mas essa mesma rede constitui a sua característica central. Consequentemente,
o grau de incerteza inerente a uma rede informacional estabelece a medida de sua
complexidade.
Neste contexto, Dretske fundamenta suas hipóteses explicativas da ação nos
pressupostos da teoria matemática da comunicação (TMC), de acordo com a qual, a
informação seria uma commodity”, um elemento objetivo, cuja existência independe de
mentes conscientes ou de fatores subjetivos. Isto porque, na TMC, a informação é entendida
s
2
r
2
s
1
r
1
s
3
r
3
s
4
r
4
41
como um fluxo que ocorre entre uma fonte (s) e um receptor (r), de tal forma que, quanto
mais dados sobre o que quer que tenha ocorrido em s estiverem disponíveis em r, mais
informação tal fluxo poderá transportar.
No contexto da TMC, a informação constitui, para Dretske, um indicador de
possibilidades de ocorrência de eventos imbricados em redes de outros eventos. Retomaremos
esta análise no capítulo 3; no momento, o que queremos analisar é a hipótese dretskeana
segundo a qual a intenção, supostamente presente na ação, pode ser entendida como um
elemento de uma fonte, s, e o comportamento observado como o resultado, r, de um fluxo
informacional.
A ação será inicialmente caracterizada por Dretske (1981) sob o prisma da
TMC, que envolve, também, os conceitos de ruído e equívoco. Ruído diz respeito àquele
elemento externo a um fluxo informacional que passa a integrar o próprio fluxo, afetando
parte da informação disponível em uma fonte. Em alguns casos, o ruído destrói a informação
porque pode ocorrer que o receptor, r, não tenha a capacidade de filtrar, e assim diferenciar,
os dados provenientes da fonte, s, daqueles que a ela pertencem. Isto, porque pode ocorrer
que, em um fluxo informacional entre uma fonte e um receptor, toda ou parte da informação
gerada em s não alcance r. Em outras palavras, a informação disponível em, r, que não foi
gerada pela fonte, s, é denominada ruído. O chiado “chiiuuiiichuuiiiikrakkkaaa”, produzido
por um rádio mal sintonizado, por exemplo, é ruído que interfere na comunicação estabelecida
entre s a estação de rádio e r o ouvinte. Deste modo, os chiados que atingiram r, mas
que não foram gerados por s, constituem ruído.
Resgatando o caso dos alunos em sabatina, poderíamos considerar que um
mal estar corporal súbito, por exemplo, foi o ruído que dificultou o fluxo informacional
adequado entre a intenção de tirar uma boa nota e o resultado obtido. Por outro lado, não
houve interferência de ruído no caso dos alunos que obtiveram o resultado esperado.
Quanto ao equívoco, ele se manifesta em uma rede na qual não existe uma
ligação unívoca entre fonte e receptor, de modo que diferentes resultados podem ser obtidos,
no receptor, dessa mesma fonte. Neste caso, estará faltando informação em r sobre s, de tal
forma que os elementos de s ficam indeterminados. A informação que, por alguma razão, não
está claramente especificada em s e que, consequentemente, produz várias possíveis
interpretações em r é chamada de equívoco. No caso de um sinal de trânsito, cuja função seja
informar ‘vire à direita’, por exemplo, que, pelo desgaste do tempo, esteja desconfigurado,
pode chegar ao observador como ‘siga em frente’. A mensagem ‘siga em frente’ constitui
equívoco.
42
Em resumo, a mensagem que chega ao receptor e que, por algum motivo, não
foi gerada pela fonte, é chamada de equívoco. A mensagem disponível no receptor, que o
foi devidamente filtrada no processo de transmissão dos dados, é chamada de ruído.
Dretske (1981) e Juarrero (1999) empregam os conceitos de informação,
ruído e equívoco como alternativa às explicações da ão fundadas no paradigma causal. A
estratégia fundamental destes filósofos consiste em mostrar que, diferentemente das relações
causais diádicas, nas quais supostamente as mesmas causas geram os mesmos efeitos, no
fluxo informacional, pode ocorrer que uma mesma intenção gere diferentes ações e vice-
versa, devido a ruído ou equívoco.
Juarrero (1999), por exemplo, partindo da estrutura causal aristotélica,
propõe uma teoria explicativa da ação que reúne os conceitos de informação, equívoco e
ruído. Essa combinação se mostra promissora porque a informação parece ser o elemento
direcionador da ação que atuaria como causa formal (in-forms), permitindo ao agente escolher
uma conduta dentre as várias opções que se apresentam em situações específicas. Na seção
seguinte, analisamos exemplos de situações explicadas através do paradigma informacional.
43
2.3 A explicação da ação pautada em termos informacionais segundo
Juarrero
Um primeiro passo explicativo da ação em termos informacionais consiste
em considerar a intenção como a fonte inicial da ação, que se manifestará no final de um
fluxo informacional. Assumindo esta hipótese, Juarrero (1999, p.90) argumenta que
poderíamos considerar que “um processo de geração e transmissão de informação ocorre
quando uma ação é realizada”. Primeiro o agente forma uma intenção do ato. A formulação
dessa intenção envolve o estreitamento progressivo de um espaço de possibilidades,
inicialmente amplo, até que um conjunto menor seja escolhido. A partir das opções
disponíveis no meio, o agente considera apenas algumas que direcionarão a sua ação futura.
Uma vez que a escolha é realizada, a informação gerada pela fonte moldará o
movimento, de forma que o comportamento resultante será a atualização do conteúdo da
informação. Conforme Juarrero (1999, p.90), o movimento, em razão de ter sido causado por
uma fonte, que não apenas disparou a intenção, mas conduziu e guiou o comportamento em
direção à sua realização, será qualificado como ação.
Segundo Juarrero (1999, p. 93), o paradigma informacional é frutífero para a
explicação da ação, porque o fluxo informacional pode caracterizar um evento interno aos
sistemas. Ao caracterizar a ação como o resultado de um fluxo informacional que ocorre
internamente ao agente, o paradigma informacional também caracteriza a intenção e a ão
como eventos dependentes. Eles são entendidos como componentes de uma trajetória
relacional mais ampla do que aquela caracterizada pela relação causal diádica. Neste sentido,
as ações expressam o resultado do conteúdo de uma intenção que flui para o comportamento.
Para ilustrar uma aplicação do paradigma informacional, consideremos, por
exemplo, a morte trágica de Joana D’arc. Poder-se-ia explicar sua morte ressaltando que seu
corpo entrou em combustão, como resultado do contato do seu corpo, em alta temperatura,
com o oxigênio presente na atmosfera. Simultaneamente, houve um encontro de linhas
causais com histórias independentes entre a mão do carrasco que portava uma tocha
incandescente com o corpo de Joana D’arc. O problema com estas duas explicações é que
ambas minimizam o papel do contexto histórico na explicação. Neste sentido, julgamos que
considerar a morte de Joana D’arc em termos das relações informacionais estabelecidas entre
ela e seu entorno explicaria sua morte de modo a não ignorar seu contexto histórico. Ou seja,
a sua morte resultou de um contexto informacional em que pessoas, em determinadas
circunstâncias, eram queimadas em praça pública.
44
Uma novidade acrescentada por Juarrero (1999, p.83-4) no estudo da ação,
diz respeito a sua hipótese segundo a qual os conceitos de ruído e de equívoco teriam
aplicação significativa para a explicação da ação. Consideremos um exemplo fornecido pela
filósofa: o sr. X, ao mover seu dedo em direção ao interruptor para acender uma lâmpada,
assusta o sr. Y. Supondo que a intenção do sr. X era apenas a de acender a lâmpada, mas não
a de assustar alguém, o susto do sr. Y, pode não ser explicado como um resultado da cadeia
causal gerada pela intenção do sr. X, uma vez que não era sua intenção assustar o sr. Y. Na
perspectiva da teoria da informação, o susto que o sr. Y toma seria resultado de ruído que
surgiu no fluxo informacional que conduziu a ação do sr. X. Por outro lado, do ponto de vista
do sr. Y, seu susto, resultado de não ter captado a informação disponível na fonte, de que a
intenção do sr. X era acender a lâmpada e não o de assustá-lo, constitui equívoco. Assim, para
explicar o susto do sr. Y, poderíamos introduzir conceitos não apenas decorrentes de
abordagens causais, mas também do plano informacional.
Considerando que o sr. X realmente quis acender a lâmpada com o
movimento do dedo, mas não assustar o sr. Y, é possível dizer que o movimento do dedo, o
acendimento da lâmpada e o susto fazem parte de um “mesmo evento”? Tomados em
conjunto, os três eventos constituem a ação do sr. X? Como vimos, a resposta é
frequentemente dada em termos do papel desempenhado pela causalidade: o sr. X moveu sua
mão, de forma que a intenção de iluminar o ambiente causasse o movimento de sua mão.
Entretanto, a partir da compreensão de causalidade diádica, é difícil explicar a relação entre o
susto do sr. Y e a intenção do sr. X de acender a lâmpada. No entanto, segundo Juarrero
(1999, p.82), “as dificuldades enfrentadas pelas abordagens tradicionais da ação desaparecem
se as ações forem entendidas em termos do fluxo de informação entre a intenção e o
comportamento”
7
.
A diferença entre relação informacional e causal também explica por que os
modelos causais esbarraram em dificuldades quando empregados na explicação da ação.
Consideremos o diagrama 2.2, mostrado anteriormente (p.38) . A linha cheia indica a conexão
causal do que realmente ocorreu em uma determinada situação. As linhas pontilhadas
representam as conexões causais que poderiam ter ocorrido, mas não ocorreram. Do ponto de
vista causal, dado que somente s
2
poderia ter produzido r
2
, não seria possível considerar o
equívoco. Uma vez que somente r
2
poderia ter vindo de s
2
, não seria possível considerar a
7
The received understanding of efficient cause makes a classically causal approach to action vulnerable to the
“wayward causal chain”, “infinite regress”, and “reasons are not causes” objections. Each of these difficulties
disappears if actions are understood in terms of the uninterrupted flow of information from intention into
behavior.
45
presença de ruído. No entanto, a modificação do diagrama 2.2 para o diagrama 2.3 (p.37-8),
em que, por exemplo, quatro possibilidades igualmente prováveis existem na fonte (de s
1
até
s
4
) contemplaria ruídos e equívocos. O diagrama 2.3 indicaria equívoco na produção de r
2
uma vez que r
2
poderia resultar de s
2
, s
1
ou s
3
. Do mesmo modo, haveria ruído no fluxo
informacional que parte de s
4
, uma vez que chegariam ao receptor elementos que não partiram
da fonte.
Considerando o que realmente ocorreu, e as relações causais que realmente
tiveram lugar, os dois diagramas 2.2 e 2.3 não são diferentes. Contudo, em termos
informacionais, são bastante diferentes. A história causal, antes de sabermos o que realmente
ocorreu, não nos mostraria a sequencia causal que ocorreria quando uma rede de
possibilidades similar com quatro possibilidades àquela descrita na figura 2.2 ou 2.3 se
apresentasse. Uma vez que r
1
, r
3
ou r
4
poderiam ocorrer somente como resultado de s
4
, cada
um destes três resultados, diferentemente de r
2,
transporta a quantidade total gerada de
informação por sua fonte. Isto é, cada um transporta informação sobre o procedimento de
decisão em s
4
. Nos casos r
1
, r
3
e r
4
não ruído, mas, como s
4
não identifica unicamente seu
resultado, há equívoco.
Consideremos um outro exemplo proposto por Juarrero (1999, p. 86),
comumente trabalhado na filosofia da ação: o sobrinho do sr. Y, após muita deliberação
enquanto dirigia, resolve matar o sr. X. No entanto, essa decisão deixa-o tão agitado e nervoso
que atropela e mata um pedestre, que ocorre ser o sr. X.
Recorrendo à relação causal, o sobrinho do sr. Y deve ser condenado sem
controvérsias, porque a morte do sr. X pertence à cadeia causal que guia seu comportamento.
No entanto, pelo viés da teoria informacional, tal decisão não seria tão imediata, sem
controvérsia. Isto, porque a rede informacional, que provocou a morte do sr. X, não se resume
à deliberação em si, mas ela inclui a agitação nervosa que a decisão de matar alguém gerou,
entre outros eventos que poderiam ter ocorrido de modo a mudar sua própria intenção durante
o caminho.
Apesar de ser possível relacionar causalmente a intenção do sobrinho do sr.
Y com a morte do sr. X, não é possível sem controvérsia enquadrá-lo como homicida, uma
vez que a agitação nervosa ruído pode também ser tomada como causa do homicídio. O
ruído introduzido pela agitação nervosa do sobrinho modificou o resultado da sua ação.
Consequentemente, a morte do sr. X não pode inequivocamente ser atribuída a uma intenção
do sobrinho.
46
Em síntese, segundo a perspectiva de Juarrero, a ação expressa o
comportamento observável de um agente, comportamento este que resulta de um fluxo
informacional inequívoco, cuja origem é uma intenção. Esta se manifesta na realização da
ação, diferenciando-a de um simples conjunto de movimentos. A abordagem informacional
oferece, assim, uma resposta para o problema (i), mencionado na introdução geral deste
trabalho sobre a distinção entre movimento e ação. Ela aponta também para uma tentativa de
solucionar o problema (ii), sobre os limites da causalidade na explicação da ação. Interessa
considerar agora o problema (iii) alcance da abordagem informacional da ação.
Apesar da abordagem informacional da ação constituir uma alternativa à
abordagem causal mecânica, como ressalta Juarrero, ainda estamos longe de nos ver livres de
dificuldades. Isto porque enquadrar a ação em termos da teoria da informação traz consigo
seus próprios problemas. Um deles diz respeito às alternativas disponíveis à fonte. Para
Juarrero, esse problema pode ser resumido na pergunta: como se forma o conjunto das
alternativas estabelecidas no domínio da ação? Ou ainda, como as alternativas disponíveis à
fonte aumentam?
A hipótese da teoria da informação de “redução de possibilidades” na fonte é
importante para a teoria da ação, porque ela corresponde às nossas intuições sobre a maneira
como os agentes estreitam as possibilidades disponíveis para alcançar uma intenção definida.
Mas no desenvolvimento, bem como na evolução, o conjunto das alternativas, em geral, se
expande na proporção em que ascendemos na escala filogenética. Além disso, na medida em
que as crianças adquirem novas informações e habilidades, alternativas comportamentais,
previamente indisponíveis, se abrem. Neste sentido, observa Juarrero (1999, p.97) que
“qualquer teoria aceitável da ação deve tratar da questão de como novos tipos de atos se
tornam disponíveis para inclusão na lista das alternativas dentre as quais o agente pode
selecionar
8
”.
Outra dificuldade, observada por Juarrero
9
(1999, p.98), diz respeito à
adequação da teoria informacional para explicar por que o espaço de possibilidades disponível
a um agente, em um dado momento, contém as opções que ele contém. Julgamos que esta
dificuldade resulta do entendimento segundo o qual a fonte do movimento deve estar dentro
8
Any acceptable theory of action must address the question of how act-types come to be available for inclusion
in the list of alternatives from which the agent selects.
9
An information-theoretic account is also unable to explain why the space of possibilities available to an agent
at a given moment contains the options it does.
47
do agente. Ela se ampliou, segundo Juarrero
10
(idem), na medida em que a filosofia moderna
minimizou o papel do ambiente na ação, enfatizando os estados mentais internos do agente. O
solipsismo metodológico parece dificultar o entendimento de como as alternativas de
comportamento se expandem. E por quê?
Se, por um lado, o conjunto das alternativas que o agente considera é uma
função da relevância que elas possuem para a ação do organismo, e, por outro, uma
alternativa é selecionada por procedimentos solipsistas, exclusivamente internos, o problema
da dinâmica da tomada de decisão esbarra na questão do significado. Este problema, segundo
Juarrero (1999, p.98), é o mais rio dos problemas enfrentados pelo uso da teoria da
informação pautada na TMC.
O problema decorrente do emprego do entendimento de informação para o
estudo da ação pautado na TMC é que a informação de que trata a TMC é puramente
quantitativa, e não qualitativa. “Um engenheiro de comunicação lida apenas com o número de
“bits” que uma mensagem transporta. Bits, que tomados em si próprios, não significam
nada”
11
(Juarrero 1999, p.98). Deste ponto de vista, qualquer quantidade de informação que
uma mensagem carrega é desprovida de dimensão semântica. Em contraste, a redução das
alternativas que guia e forma (“in-forms”) à ação, distinguindo-a do mero comportamento,
é uma função da significância que as alternativas representam para o agente. Assim, Juarrero
concebe que “no caso do instinto animal e da função biológica, as pressões seletivas da
evolução estabeleceram esta dependência”
12
(1999, p.98).
Em resumo, sem uma teoria da informação que lide com significado, torna-se
difícil explicar a maneira pela qual uma alternativa de ação é selecionada. E também se pode
objetar que o entendimento técnico de “informação” é bastante diferente das idéias cotidianas
que ordinariamente temos em mente quando falamos de “informação”. Conforme Juarrero
(1999, p.99), “se a ão humana é um comportamento significativo, mas a teoria da
informação não envolve significado, o que é isto que flui inequivocamente da intenção para o
comportamento”
13
?
Ciente destas dificuldades, porque teria Dretske, entre outros teóricos da
informação, escolhido o conceito matemático de informação, que não abarca o significado
10
Modern philosophy does not allow agents to be embedded in their environment such that the environment can
play a role as the behavior’s final cause.
11
The information of information theory is purely quantitative, not qualitative. The communications enginner
deals only in the number of “bits” a message carries, bits that in themselves mean (refer to) nothing.
12
In the case of animal instinct and biological function, the selective pressures of evolution have established that
dependence.
13
If human actions is meaningful behavior but information theory does not involve meaning, what is it that flows
unequivocally from intention into behavior?
48
para explicar a origem do próprio significado? A tentativa de escapar da circularidade que
se incorreria na explicação da origem do significado, ao assumir um entendimento da
informação contendo significado, constitui o motivo central da escolha de um conceito de
informação que não envolva o significado. No capítulo três, apresentamos as hipóteses
dretskeanas sobre a maneira pela qual a informação, originalmente sem significado, se torna
significativa.
49
Capítulo 3
A TEORIA SEMÂNTICA DA INFORMAÇÃO DE FRED DRETSKE
50
In the beginning there was information. The word came later.
The transition was achieved by the development of organisms
with the capacity for selectively exploiting this information
in order to survive and perpetuate their kind.
(DRETSKE, 1981, p.vii)
Information is information, not matter or energy.
No materialism which does not admit this
can survive at the present day.
(WIENER, 1961, p.132)
51
Capítulo 3
A origem do significado na teoria da informação dretskeana
Apresentação
Procuramos mostrar no capítulo anterior a maneira pela qual Juarrero (1999)
utiliza o conceito de informação para explicar a ação. Finalizamos aquele capítulo apontando
que esta autora, assim como Dretske (1981), utiliza o conceito de informação para explicar a
natureza da ação pautada no entendimento matemático deste conceito. Contudo, este
entendimento concebe a informação como um fluxo de dados destituído de significado. Neste
mesmo contexto, Dretske (1981) propõe, na obra Knowledge and the Flow of Information,
uma hipótese explicativa sobre a origem informacional do significado. O objetivo deste
capítulo é justamente apresentar a teoria semântica da informação formulada por Dretske, que
pretende explicar a maneira pela qual os organismos exploram as informações disponíveis em
seu entorno e constroem seus universos significativos. O capítulo é divido em duas seções. A
seção 1 introduz a teoria semântica dretskeana da informação, através da qual o filósofo
fundamenta sua hipótese do modo como o significado emergiria no plano da ação. A seção 2
examina dificuldades enfrentadas pela teoria dretskeana no que diz respeito ao emprego das
representações internas na explicação do significado.
52
3.1 − Conhecimento e significado na teoria semântica da informação
proposta por Dretske
O problema central que Dretske se propõe a resolver é explicar a origem do
significado, problema este que perpassa reflexões seculares na filosofia. Para tanto, o autor
considera, como ressaltamos, o entendimento quantitativo de informação da teoria
matemática da comunicação, pretendendo escapar da circularidade em que estaria incorrendo
caso a considerasse significativa. Dretske fundamenta sua teoria realçando que o conceito de
informação deve ser distinguido daquele de significado. O autor argumenta que, se
entendemos o modo pelo qual a informação se torna significativa, então compreenderemos
também vários aspectos do processo de aquisição de conhecimento, sem incorrer em
circularidade.
Dretske (1981, p.85)
14
lembra que muita controvérsia na história da
filosofia sobre a definição do conceito de conhecimento e também sobre a possibilidade de
sua justificação. A pergunta “o que é conhecimento?” é respondida tradicionalmente
afirmando que ele é uma crença verdadeira racionalmente justificada. Assim, saber que o céu
é azul envolve a justificativa racional desta crença verdadeira, o que, por sua vez, também
envolve conhecimento.
Conforme Gonzalez (2006, p. 89), Dretske (1981) adiciona aspectos da teoria
da informação para diluir a má circularidade − já indicada por Platão no diálogo Teeteto −, na
definição de conhecimento enquanto crença verdadeira racionalmente justificada. Isto, porque
esta explicação para conhecimento pressupõe o próprio conhecimento. Para desenvolver sua
proposta, o autor propõe uma caracterização do conhecimento enquanto crença fundada em
informação. Nas palavras do autor: “alguém (k) sabe que s é F somente se a crença de k de
que s é F é causada (ou causalmente sustentada) pela informação de que s é F
15
(DRETSKE,
1981, p.86).
Herdeiro da TMC, Dretske (1981, p.vii) caracteriza a informação como uma
mercadoria que existe objetivamente no ambiente, cuja geração, transmissão e recepção não
requerem e nem pressupõem processos interpretativos. O significado emergirá se o receptor
da informação for devidamente equipado com um sistema cognitivo capaz de representar e
corrigir os dados extraídos da informação objetivamente disponível no mundo. Este
14
What is knowledge? A traditional answer is that knowledge is a form of justified true belief. To know that s is
F is to be fully justified in one’s (true) that s is F.
15
K knows that s is F = K’s belief that s is F is caused (or causally sustained) by the information that s is F.
(1981:86)
53
entendimento leva o autor a afirmar que “no começo havia informação; a palavra surgiu
depois. A transição foi alcançada por meio do desenvolvimento de organismos com a
capacidade de explorar significativamente essa informação para sobreviver e perpetuar sua
espécie” (DRETSKE, 1981, p.vii)
16
.
Um dos resultados do processo de representação e correção da informação
por parte de um sistema cognitivo é seu próprio desenvolvimento. Isto, no sentido de
desenvolver mecanismos representativos cada vez mais complexos. Neste contexto, Dretske
(1981, p.86) resume as condições que, de seu ponto de vista, uma teoria semântica da
informação deveria satisfazer. São elas:
(A) O sinal transporta tanta informação sobre s quanto seria
gerado pelo fato que faz s ser F
17
.
(B) s é F
18
.
(C) A quantidade de informação que o sinal transporta sobre s é
a quantidade gerada pelo fato de que s é F (e não pelo fato de
que s é G)
19
.
Considerando as pretensões deste trabalho, o que deve ser destacado é a
dependência que a informação recebida pelo receptor possui em relação à fonte e ao canal de
informação que a transportou. Tal dependência nômica (guiada por leis) é, de um lado,
quantitativa, uma vez que a quantidade de informação transportada da fonte ao receptor não
pode ser maior do que a capacidade de transportar do canal e, de outro lado, qualitativa. É
justamente o aspecto qualitativo que constitui, em nosso entender, a grande contribuição de
Dretske para explicitar a noção de significado presente na ação.
Com efeito, na obra Naturalizing the Mind, Dretske (1995) apresenta uma
teoria naturalista da mente com o propósito de superar alguns dos problemas da abordagem
tradicional da mente e reforçar suas considerações acerca da construção do significado. O
autor nomeia sua teoria de Tese Representacional (TR), por se assentar na concepção da
mente como sendo a face representacional do cérebro.
A premissa que subjaz à TR é a de que um melhor entendimento da mente
não será obtido conhecendo apenas a maquinaria biológica por meio da qual a mente trabalha;
16
In the beginning there was information. The word came later. The transition was achieved by development of
organisms with the capacity for selectively exploiting this information in order to survive and perpetuate their
kind.
17
(A) The signal carries as much information about s as would be generated by s’s being F (1981, p.63).
18
(B) s is F (1981, p.64)
19
(C) The quantity of information the signal carries about s is (or includes) that quantity generated by s’s being F
(and not, say, by s’s being G) (1981, p. 64).
54
será preciso compreender também o seu aspecto representacional. Ele admite que o uso e a
manipulação de representações constituem as operações básicas da mente e, neste sentido,
uma análise sobre a natureza das representações e de sua base naturalista fundamenta a sua
tese representacional do significado. A Tese Representacional se assenta em dois
pressupostos: (i) todo fato mental é um fato representacional, e (ii) os fatos representacionais
são fatos sobre funções informacionais.
Dretske (1995) inicia os argumentos que fundamentam a Tese
Representacional sugerindo que as experiências sensíveis são o locus primário da consciência.
“Ver, ouvir, degustar e sentir as coisas dominam nossa vida mental. Remova essas
capacidades e nos tornamos...o quê? Zumbis”
20
(p.1). Contudo, para adquirir significado, tais
experiências devem ser representadas, sendo que as representações terão que corresponder às
informações objetivamente disponíveis no mundo.
Para que a experiência sensível adquira significado, ela deve satisfazer o
pressuposto (i), ou seja, ela deve corresponder a uma representação sobre funções
informacionais. Ainda que boa parte dos organismos tenha a capacidade de representar o
mundo, nem todos são capazes de corrigir e adequar as representações para controlar as suas
ações, satisfazendo assim a condição (ii), segundo a qual os fatos representacionais são fatos
sobre funções informacionais.
Dretske argumenta que o girassol, por exemplo, poderia em princípio,
representar a posição do sol, assim como os seres unicelulares, como amebas possuem a
capacidade para captar os dados relativos às condições do seu entorno. Isto porque teriam
constituído, ao longo do tempo, um canal de comunicação que permite a elas representar esses
dados. No entanto, poderíamos pensar que as amebas e os girassóis atribuem significado às
representações? Dretske propõe uma resposta negativa a esta pergunta, ressaltando que tais
seres não são dotados de sistemas cognitivos complexos o suficiente.
A complexidade ao qual ele se refere diz respeito à capacidade, não apenas
de representar o mundo, mas também de corrigir as representações em relação aos erros. A
capacidade de equivocar-se e, posteriormente, reconhecer o equívoco, presente nas
representações, constitui a chave para entender a origem do significado na concepção
dretskeana de significado. É através do erro e de sua consequente correção no plano
representacional que os organismos complexos aprendem a controlar seus movimentos
periféricos. Para o filósofo, o movimento da ameba e dos girassóis se assemelha àquele
20
“The look, sound, taste and feel of things dominates our mental lives. Remove it completely and one
becomes...what? A zombie?
55
realizado por tropismo, sem a capacidade de inclusão de erros, ainda que possa incluir
disfunções estritamente físicas no sistema. Do ponto de vista dretskeano, somente seres
evolutivamente complexos, como o homem e os macacos e outros semelhantes, teriam
constituído sistemas cognitivos capazes de errar, corrigir e adequar as representações para
controlar seus movimentos periféricos e, posteriormente, as suas ações no mundo. Segundo
Dretske, o significado emerge desta dinâmica de correção e adequação das representações às
informações, entendidas como indicadores de regularidades, ou funções, objetivamente
disponíveis no mundo.
Voltando ao pressuposto (i) de que todo fato mental é um fato
representacional, a qualidade da experiência como as coisas se mostram para nós no plano
sensível é constituída pelas propriedades que podemos representar das coisas. Deste ponto
de vista, a experiência de um objeto é a totalidade dos modos pelos quais o objeto aparece
para o observador no plano representacional. A maneira como um objeto aparece participa da
construção da representação no sistema perceptual. Nessa dimensão, não ainda a
intermediação dos conceitos de erro e correção na geração das representações, de modo que as
experiências dos órgãos sensoriais envolvem tipos não-conceituais de representação. Essa
hipótese faz com que Dretske compartilhe da idéia segundo a qual dois tipos diferentes de
representações, as naturais e as convencionais.
Para defender tal hipótese Dretske (1995, p.3) considera que um sistema S
representa a propriedade F se e somente se S tem a função de atribuir F para certo domínio de
objetos. Um exemplo ilustrativo dessa situação é considerado através de um velocímetro S, ao
representar a velocidade F de um carro. O trabalho do instrumento, sua função, é indicar,
fornecer informação sobre quão rápido o carro está se movendo (F). Quando o velocímetro
estiver funcionando corretamente, seus diferentes estados (posições do ponteiro “27”, “34”,
etc) corresponderão a diferentes velocidades do carro (27mph, 34mph, etc). Dado que a
função do instrumento é informar a velocidade do carro, cada um dos seus estados carrega
uma parte diferente da informação, por exemplo, do movimento da roda em relação ao solo,
da intensidade de rotação do eixo, entre outros.
Dretske ressalta que o fato de o velocímetro estar conectado ao eixo e medir
sua rotação é um fato sobre o sistema representacional e não um fato sobre representações.
Deste modo, fatos sobre representações e fatos sobre o sistema representacional.
Analogamente, descobrir qual área do cérebro é mais ativada devido a determinada atividade,
é descobrir um fato sobre o sistema representacional e não sobre representações (1995, p.3).
Em contraste, um fato representacional sobre um sistema representacional S é um fato sobre o
56
que S foi desenvolvido para fazer, um fato sobre que informação supõe-se que ele transporta e
não um fato sobre o sistema representacional.
Tendo em vista a distinção entre sistema representacional e fato
representacional, Dretske (1995) sugere que essa distinção também pode ser aplicada à
diferença entre a mente e cérebro e, deste modo, suplantar muitas das dificuldades da
abordagem tradicional da mente. Deste ponto de vista, o cérebro é o sistema representacional,
que possibilita a emergência de representações, e a mente é o conjunto das representações
emergentes. Por esta razão, Dretske argumenta que o significado atribuído à informação não
está no rebro. Ele é um produto emergente do conjunto de representações propiciado pelo
cérebro. Assim, por exemplo, o significado de um conjunto de informações registrado em um
livro, não está no livro, mas, sim, no produto emergente da interação entre o leitor e os sinais
contidos no livro.
Dretske adverte que, para uma melhor compreensão do conceito de
representação, ele deve ser entendido combinando idéias teleológicas com hipóteses da teoria
da informação (1995, p.4). Para o filósofo, o cérebro possibilita a geração de representações
sobre eventos, objetos do mundo, sendo que elas são sinais ou eventos que têm a função de
transportar informação. Acrescenta ainda que, se o conceito de representação deve ser útil
para a filosofia da mente e da ação, iluminando a natureza do pensamento e da experiência,
ele deve ser rico o suficiente para abarcar erros e equívocos, uma vez que nossos pensamentos
e experiências em muitos casos são equivocados. Os equívocos são detectados, por exemplo,
quando projetamos acontecimentos fundados em informação e tais previsões não se verificam.
Argumentando em defesa da importância dos equívocos para a Tese Representacional,
Dretske considera que é a possibilidade de contemplá-los que fortalece o fato de o sistema ser
representacional
21
e, consequentemente, reafirmar a realidade objetiva da informação.
Para ilustrar a hipótese acima, Dretske considera o movimento de uma
coluna de fumaça. O ângulo que ela forma com a superfície horizontal transporta a
informação da velocidade do vento no local, embora essa não seja sua função. E, como a
fumaça não tem a possibilidade de fornecer informação equivocada quanto à velocidade do
vento, pois ela não é um sistema que foi desenvolvido para representar velocidades, ela não
tem a possibilidade de errar.
21
Não é objetivo aqui analisar o erro, mas é importante considerar que há uma longa discussão entre os
‘dretskeanos’ e os ‘gibsonianos sobre a importância do erro para o processo de ajuste entre o agente e o
ambiente, bem como sobre a necessidade de o agente representar o mundo para se ajustar a ele.
57
Mas que tipo de representação é a representação mental? Esta pergunta
direciona a reflexão dretskeana sobre a natureza das representações em geral. Como
indicamos, Dretske divide as representações em dois grupos, natural e convencional. Aquelas
representações que são produzidas por sistemas que foram construídos para realizarem
determinada função como, por exemplo, no caso do velocímetro de indicar a velocidade,
produzem representações convencionais porque foram convencionados a realizar aquela
função. Em contraste, o sistema que adquiriu sua função evolutivamente, produz
representação natural, no sentido de não ter nenhum construtor específico que o tenha
projetado previamente. Para Dretske os sistemas visual, auditivo, olfativo, etc., evoluíram
naturalmente para realizar a função de prover informação ao cérebro. Este, entendido como
um sistema representacional, gera representações naturais a partir das informações que recebe
por meio dos órgãos perceptuais (1995, p.7). Tal hipótese permite ao filósofo desenvolver sua
tese naturalista da mente.
No entanto, haveria diferenças entre as representações naturais, geradas pelo
cérebro, e aquelas geradas pela mente? Tais diferenças existem, segundo Dretske e elas se
devem à função das representações. No caso do cérebro, a função informacional da
representação decorre diretamente das funções biológicas, das quais as representações o
estados. Tais funções foram adquiridas evolutivamente e se encontram no nível filogenético.
As representações que produzem são chamadas, pelo filósofo, de sistêmicas. Em contraste, os
pensamentos e as crenças operam no plano ontogenético, uma vez que são derivadas de
significados “colados” culturalmente às representações sistêmicas. Tais representações são
chamadas de adquiridas; somente elas carregam significados.
Quando um termômetro, por exemplo, aponta a temperatura de 40ºC, é
possível dizer que a função de mostrar a temperatura gera uma representação sistêmica, uma
vez que ela decorre da estrutura física do instrumento. Em contraste, a temperatura que o
termômetro mostra naquela posição, indicando “FEBRE” ou “CALOR EXCESSIVO”, aos
40ºC, é adquirida, uma vez que ali poderia estar qualquer outra indicação. Neste sentido, “[...]
podemos, através do aprendizado, mudar nossa calibração
22
” (DRETSKE, 1995, p.15)
O aprendizado somente se torna possível porque o significado que se “cola”
às representações sistêmicas, que são geradas pelo cérebro através dos órgãos perceptuais, não
podem estar equivocadas, uma vez que são sistêmicas. Em contraste, o pensamento e as
crenças são representações adquiridas, com significados “colados” às sistêmicas por meio, por
22
We can, through learning, change our calibration.
58
exemplo, da inserção do indivíduo em uma cultura etologicamente constituída e, assim, elas
podem apresentar equívocos (misrepresentation).
Em outras palavras, a sugestão de Dretske sobre o processo pelo qual o
significado emerge através da manipulação de informação e a consequente construção de
representações, pode ser resumida no seguinte fragmento: “experiências são aquelas
representações sistêmicas naturais que servem à construção das representações adquiridas
que, por sua vez, são calibradas pelo aprendizado para servir mais efetivamente às
necessidades e desejos do indivíduo
23
” (DRETSKE, 1995, p.19).
Mas qual a relação entre representações e o conceito de informação? Para
Dretske (1995, p.20), a função das representações sistêmicas, que são adquiridas
naturalmente, é a de fornecer informação para a geração das representações adquiridas. Por
exemplo, nós começamos ouvindo (experienciando) sons e, finalmente,
reconhecendo/identificando palavras. Depois, por aprendizado, ocorre um tipo de calibração
que permite aprender uma linguagem. Neste ponto, as experiências ganham outra dimensão, a
representacional adquirida.
Em termos informacionais, ouvir (experienciar) os sons das pessoas falando
ao nosso redor, na infância, funciona como alimento informacional por meio do qual os
conceitos de palavra e linguagem, bem como os seus significados, serão construídos. Outro
exemplo que mostra essa dinâmica de construção do significado: para olhar um calendário e
extrair dele a informação de que hoje é sexta-feira, é preciso passar por um processo de
aprendizagem por meio do qual construímos os conceitos de calendário e dias da semana.
Somente através destes conceitos é que o calendário cumpre sua função informativa. Neste
sentido, o processo de aprendizagem é marcado por erros (misrepresentation) enquanto se
calibram as representações adquiridas em relação às informações que as sustentam.
Outro aspecto, apresentado pelo autor, que exemplifica a dinâmica
informativa das representações sistêmicas, em direção à construção das representações
adquiridas, diz respeito à maneira como pensamos sobre um objeto qualquer. Para pensarmos
sobre uma bola, por exemplo, precisamos ter conceitos formados previamente em nós com os
quais pensaremos a bola. Ou seja, para pensarmos sobre sua cor, seu formato, sua textura,
precisamos ter construído estes conceitos previamente. Assim, quando um objeto é
representado, há sempre aspectos com os quais ele é representado (DRETSKE, 1995, p.31).
23
Experiences are those natural represetations
s
that service the construction of representations
a
, representations
s
that can be calibrated (by learning) to more effectively service na organism’s needs and desires.
59
A construção dos conceitos de esfera, vermelho, etc., que permitem pensar o
objeto se dá, segundo Dretske, por um processo informacional que começa com a experiência
do objeto neste sentido a necessidade objetiva do objeto que, por sua vez, fornecerá
material informativo sobre o qual ocorrerá a calibração. Ocorrida a calibração, a informação
adquire o caráter de representação – representação adquirida - que poderá se sustentar ou não.
Enquanto as representações adquiridas se sustentarem no sentido de serem significativas
servirão de suporte sobre os quais o observador significará seu mundo no plano da ação.
A dinâmica de significação do mundo de um observador se complexifica de
modo que muitos dos conceitos sobre os quais o observador significará seu mundo terão
emergido de objetos não-perceptuais. Por exemplo, ao pensar em emagrecer após medir o
peso em uma balança, o observador não estará pensando sobre o objeto percebido a balança
mas sobre um conceito que precisou ser previamente construído o de peso (DRETSKE,
1995, p.41).
Segundo Dretske, conceitos construídos, como o de peso, por exemplo,
requerem crenças. A importância destes conceitos é que, por meio deles, o observador
expande seu poder observacional, uma vez que o objeto sobre o qual eles foram construídos
não precisa mais estar presente. Quando o indivíduo atinge esse patamar, ele adquire a
capacidade de conhecer introspectivamente (DRETSKE, 1995, p.42).
De acordo com a Teoria Representacional da Mente, o conhecimento
introspectivo é um conhecimento da mente, de fatos mentais. E, uma vez que fatos mentais
são, para Dretske, fatos representacionais, os conhecimentos que emergem da introspecção
são representações de representações. Para o autor, a experiência que permite a construção de
uma representação a partir de outra é chamada de metarepresentação (1995, p.44).
Do ponto de vista de Dretske, instrumentos, animais e crianças pequenas não
criam conhecimento a partir de suas próprias representações. Eles não têm o poder de
metarepresentar (1995, p.58) porque, para adquirir esta capacidade, é preciso antes adquirir
recursos conceituais que permitam formular crenças apropriadas sobre as quais a experiência
de metarepresentar se dará. Em outras palavras, para metarepresentar, é preciso acumular
informação suficiente sobre os objetos, de modo que a informação acerca deles possa estar
disponível quando eles não estiverem presentes.
Em síntese, procuramos mostrar neste capítulo que Dretske parte do
pressuposto shannoniano da existência de informação objetiva disponível no mundo,
independente de qualquer mente que a represente. Distinguindo informação de significado, ele
propõe uma explicação para o processo de construção de informação significativa através do
60
pressuposto de um mecanismo representacional (e meta-representacional). Tal mecanismo
surge evolutivamente possibilitando, para alguns organismos complexos, conhecer o mundo,
no sentido clássico. Esse conhecimento não mais seria crença verdadeira justificada, que
como indicamos ao comentar o problema do Teeteto, envolve uma má circularidade. A grande
novidade proposta por Dretske, para resolver o problema do Teeteto, consiste em definir
conhecimento como crença fundada em informação.
O problema do Teeteto e a solução a ele apresentada por Dretske mereceria
uma análise mais detalhada. Contudo, o nosso objetivo se restringiu principalmente à
explicação da proposta dretskeana de explicitar a origem do significado no plano da ação.
Apesar da profundidade alcançada e do esforço empregado por Dretske, para sugerir uma
hipótese sobre o modo pelo qual a informação se torna significativa, apresentaremos, na seção
seguinte, algumas dificuldades que sua hipótese enfrenta no domínio da ação.
61
3.2 Dificuldades enfrentadas pela hipótese representacional-internalista
do significado
Julgamos que as dificuldades enfrentadas pela teoria representacional
apresentada por Dretske são decorrentes do emprego das representações internas para elaborar
o modo pelo qual o significado emerge.
Uma das dificuldades diz respeito à impossibilidade de explicar a quebra de
expectativa, e sua consequente correção, que um erro engendra por meio do emprego de
representações internas como única fonte do significado. Ou seja, como um organismo
poderia saber que a sua representação (ou a metarepresentaçao) não se ajusta a sua ação no
mundo? Este problema surge porque, para o autor, por um lado, significamos o mundo por
meio de representações e, por outro, as ações significativas resultam dos caminhos escolhidos
por um agente no domínio de suas crenças. As crenças, por sua vez, são representações
internas constituídas ao longo do percurso de ajuste do agente com seu ambiente. Sendo
assim, para saber que está errando um agente teria que ter uma representação de referência
uma metarepresentaçao sobre a qual ele inferiria que um erro na representação que está
usando para significar sua ação.
Para “sair” do erro, o agente teria que recorrer a uma espécie de
representação interna, de ordem superior, para escapar de um movimento randômico que
encontramos nos sistemas artificiais quando se deparam com caminhos imprevistos pelo
programador. Isto, porque eles não possuem um critério de relevância próprio que lhes auxilie
na escolha de uma representação correta que se ajuste ao seu percurso no ambiente. Se
existisse uma referência em relação a qual o sistema pudesse se apoiar para escapar do erro, a
pergunta que se colocaria é: por que tal sistema não acessa diretamente a referência de suas
representações no plano da ação?
Diante desta dificuldade, surge a questão da necessidade das representações
internas para explicar a ação. Ou seja, por que o estudo da ação precisa recorrer às
representações internas? Dretske responderia que, sem elas, a ação se identificaria ao puro
movimento, como o da fumaça, do girassol e da ameba. Contudo, ao se questionar sobre a
origem da capacidade de representação e correção de erros, via introspecção, Dretske
reconhece os limites do alcance de sua abordagem informacional: simplesmente não sabemos
como adquirimos tal capacidade. A sua sugestão, incompleta, é a de que possivelmente tal
capacidade seja um produto evolutivo.
62
Diante das dificuldades de explicitar o modo pelo qual o uso de
representações internas, acessadas introspectivamente, como única fonte do significado,
permitiria ao organismo corrigir os erros nas quais suas ações poderiam incorrer, no capítulo
seguinte apresentamos uma proposta de estudo da ação que não envolva, necessariamente,
representações internas acessíveis via introspecção. Tal proposta nos remete ao problema (iv),
apresentado na introdução, sobre a pertinência da concepção pragmática de informação
genuína na explicação da ação significativa.
63
Capítulo 4
O PRAGMATISMO PEIRCEANO E O CONCEITO DE INFORMAÇÃO
GENUÍNA NO DOMÍNIO DA AÇÃO
64
“Accordingly, just as we say that a body is in motion, and not that motion is in a body we
ought to say that we are in thought and not that thoughts are in us”.
(PEIRCE, CP, 5.289)
“[…] the highest grade of reality is only reached by signs”.
(PEIRCE, CP, 8.327)
65
Capítulo 4
O pragmatismo peirceano e o conceito de informação genuína no
domínio da ação
Apresentação
Argumentamos até aqui que o paradigma da causalidade mecânica é
insuficiente para explicar a ação significativa dos organismos e que, apesar de suas
dificuldades, o estudo do conceito de informação pode contribuir para superar os limites do
paradigma causal na explicação da ação. Como vimos, embora seja razoável o entendimento
objetivista de informação realizado por Dretske (1981, 1988, 1997) e Juarrero (1999), a
abordagem proposta por estes autores apresenta lacunas. Tais lacunas se devem a que, para
eles, o significado, que os sistemas cognitivos associam à informação, é tomado como uma
construção interna via representação mental, acessada introspectivamente. Neste sentido, o
objetivo deste capítulo é investigar em que medida o conceito de informação genuína,
proposto no âmbito do pragmatismo de Charles Sanders Peirce (1931-58), pode contribuir
para um entendimento do conceito de informação que abarque o significado, sem recair em
uma abordagem internalista-representacional.
Para realizar este objetivo, o capítulo compõe-se de três seções. A seção 1
apresenta o conceito de signo, com base nos trabalhos de Peirce (1931-58), Silveira (2007),
Ibri (1991) e Santaella (1995), o qual está imbricado na fenomenologia peirceana. Esta, por
sua vez, perpassa grande extensão da obra do autor. Sendo assim, a seção 2 analisa aspectos
da fenomenologia peirceana que julgamos necessários para o entendimento do conceito de
signo. Estes apontamentos se justificam, uma vez que examinaremos o papel que a
experiência significativa desempenha na elaboração das categorias fenomenológicas
propostas por Peirce (1931-58). A seção 3 apresenta análises sobre o modo pelo qual os
conceitos de informação e informação genuína aparecem na obra de Peirce (1931-58),
análises essas realizada por de Tienne (2005) e Silveira (2008). Em seguida, destacamos a
relação entre informação genuína e informação significativa, proposta por de Tienne (2005), e
examinamos sua relevância para o problema de avaliar em que medida uma abordagem não
internalista do conceito de informação, que lide com significado, é mais frutífera para
explicar a ação do que as fundamentadas em abordagens internalistas, cujo significado é
acessado via introspecção.
66
4.1 − O conceito de Signo na perspectiva pragmatista peirceana
Segundo Peirce (1972, p. 51), o pragmatismo é um método para tornar
claras as nossas idéias. Esta maneira de conceber o pragmatismo se reflete no título do ensaio
“Como tornar claras as nossas idéias”. Neste ensaio, encontramos a exposição dos princípios
sobre os quais o método do pragmatismo se alicerça, a saber: o pensamento é um processo
que se inicia quando uma dúvida se apresenta e termina com o alcance da crença que aplaca a
dúvida que lhe deu causa. A crença, assim alcançada, se torna um hábito para a ação.
Nos termos de Peirce (1972, p.53), “a ação do pensamento é excitada pela
incitação da dúvida e cessa com o atingir de uma crença; e assim, atingir uma crença é a
função única do pensamento”. Consequentemente, “o pensamento em ação tem por único
motivo possível levar ao repouso do pensamento e tudo que não se refere à crença não é parte
do pensamento mesmo” (Idem, p.56). Ou seja, “a essência da crença é a criação de um hábito
e diferentes crenças se distinguem pelos diferentes tipos de ação a que dão lugar” (Ibidem, p.
56), com o intuito de aplacar a dúvida.
Peirce (1972, p. 53) ressalta que os termos 'dúvida' e 'crença' são tomados no
sentido de indicarem respectivamente o início de qualquer indagação e a sua solução. Assim,
“crença é algo de que estamos cientes; aplaca a irritação da dúvida e envolve o surgimento de
uma regra de ação, ou, digamos, o surgimento de um hábito” (Idem, p.56). Atingido o hábito,
o pensamento põe-se em repouso.
O pressuposto peirceano segundo o qual o pensamento é entendido como
um processo que se inicia com o surgimento de uma dúvida, e termina com o estabelecimento
de uma crença, aplica-se, não só em circunstâncias complexas, como nas considerações
científicas abstratas. Antes, a dúvida se apresenta em situações simples do cotidiano como,
por exemplo, no caso de abrirmos nossa carteira para comprar algo que custa cinco reais e
encontrarmos cinco notas de um real e uma nota de cinco reais. A dinâmica do pensamento é
posta em movimento, através da dúvida gerada sobre a melhor maneira de pagar a vida
realizada pela compra. Cessa, quando se estabelece a crença de que pagar tal dívida com a
nota de cinco reais é mais favorável, porque nos deixaria livre para pagar, com valores
menores, por exemplo, a gorjeta do manobrista que cuidou do carro durante a compra.
O método pragmatista proposto por Peirce (1931-58), para explicar a
dinâmica do pensamento no plano da ação, pode ser descrito, segundo ele mesmo, como:
[...] a tentativa de um físico de conjeturar sobre a constituição do universo do modo como
os métodos científicos podem permitir, com a ajuda que vem sendo feita pelos filósofos que
67
o precederam. Sustentarei minhas proposições nos argumentos dos quais puder dispor. o
se deve pensar em prova demonstrativa, as demonstrações são meras aparências. O melhor
que pode ser feito é produzir uma hipótese não destituída de toda similitude, na linha geral
do desenvolver-se das idéias científicas, capaz de ser verificada ou refutada por futuros
observadores (1972, p. 45).
A postura metodológica peirceana contrasta com a proposta introspectiva,
segundo a qual o significado de uma concepção é entendido como resultado de uma operação
que tem lugar dentro do sujeito e é acessado via introspecção. Sabidamente, na filosofia
cartesiana, o conceito de intuição desempenha um papel importante na construção do
conhecimento. No entanto, a concepção cartesiana enfrenta a dificuldade de postular um
mundo mental que não é diretamente acessível a outra pessoa que não seja o próprio
indivíduo. Em contraste, o método pragmático assume que todo conhecimento, bem como o
significado a ele atrelado, tem como ponto de partida a experiência situada e incorporada.
Assim, do ponto de vista do pragmatismo, somos levados a crer que é por meio da
experiência, compartilhada coletivamente, que podemos desenvolver o conhecimento
filosófico, científico e do cotidiano.
Nesta dissertação, posicionamo-nos ao lado da suposição de que a instância
da experiência situada e incorporada é central para a compreensão do significado e buscamos
estabelecer uma definição para o significado que contemple o plano da experiência. Neste
sentido, partimos do entendimento pragmático que ficou conhecido como a “máxima
pragmática”. De acordo com ela, “considerem-se quais efeitos efeitos que possam
concebivelmente ter consequências práticas imaginamos possua o objeto de nossa
concepção. Neste caso, nossa concepção de tais efeitos constitui a totalidade de nossa
concepção do objeto” (1972, p.59).
No caso de pesquisas científicas, por exemplo, a validade das
idéias/hipóteses é determinada pelas consequências que possam ter para o prosseguimento da
investigação. Para ilustrar essa máxima pragmática com um exemplo simples, Peirce afirma
(1972, p.59) que não como conceber as diferenças entre uma coisa dura e uma coisa mole,
enquanto não as submetermos a experiência. Ou seja, podemos formular a definição de
duro como 'aquilo que não é riscado por muitas outras substâncias', depois de termos a
experiência com algo mole e algo duro e constatarmos empiricamente a diferença entre eles.
Outro exemplo pode ser extraído da idéia de força. De acordo com Peirce (idem, p.61), o que
entendemos por força está inteiramente contido em seus efeitos sensíveis observáveis.
68
No campo do comportamento humano, certa idéia nos afeta sempre que,
tomada como base para uma ação, tal idéia possa provocar o surgimento de procedimentos
diferentes. No âmbito do pragmatismo peirceano, não existe diferença discernível entre duas
idéias, a não ser sob o prisma de uma concebível diferença que elas possam ter sobre a ação.
Neste sentido, a experiência é central para que a formação do significado, imanente às
crenças, possibilite a antecipação de hábitos de ação.
Atrelar o significado de nossas concepções aos seus efeitos práticos é, para
Peirce (1972, p. 59), resultado de “acentuar a impossibilidade de abrigarmos uma idéia
relacionada com alguma coisa que extrapole os seus efeitos sensíveis imagináveis”. Nesse
sentido ele ressalta que,
[...] nossa idéia a respeito de algo é nossa idéia acerca de seus efeitos sensíveis; e, se
imaginarmos ser coisa diversa, estaremos incidindo em enganos e tomando erradamente
uma sensação que acompanha o pensamento como parte integrante do próprio pensamento
(idem, p.59).
No contexto do pragmatismo peirceano, o significado é inerente à
experiência e implica alguma forma de signo. Como argumentaremos, o entendimento do
conceito de signo possibilita uma abordagem alternativa do significado em relação à
abordagem representacional-internalista dretskeana. Mas o que é um signo? Nas palavras de
Peirce,
[...] um signo, ou representamem, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo,
representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa
um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo, assim criado,
denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto.
Coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas com referência a um tipo
de idéia que tenho, por vezes, denominado o fundamento do representamem
24
. (CP, 2.228)
Em outra passagem, sobre a definição de signo, Peirce (1931-58) salienta:
Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado é assim determinado por um Objeto
e, de outro, assim determina uma idéia na mente de uma pessoa. Esta última determinação,
que denomino o Interpretante do signo, é, deste modo, mediatamente determinada por
24
A sign, or representamen, is something which stands to somebody for something in some respect or capacity.
It addresses somebody, that is, creates in the mind of that person an equivalent sign, or perhaps a more
developed sign. That sign which it creates I call the interpretant of the first sign. The sign stands for something,
its object. It stands for that object, not in all respects, but in reference to a sort of idea, which I have sometimes
called the ground of the representamen. (CP, 2.228)
69
aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu
Interpretante
25
.(CP, 8.343)
Os conceitos de objeto e interpretante são importantes para a compreensão
adequada do entendimento de signo. Objeto é aquilo a que o signo se refere, que representa,
que ocupa o lugar. Já o interpretante expressa as possibilidades semânticas que o signo
veicula (SANTAELLA, 1995, p.25). No entanto, como os conceitos de objeto e interpretante
aparecem com frequência na definição peirceana de signo, e esta definição está atrelada à
fenomenologia, é necessário resgatarmos algumas considerações sobre a fenomenologia
peirceana para um melhor entendimento do significado destes conceitos.
Antes, porém, é preciso salientar que o significado que a noção de
representação suporta não é tomado na perspectiva pragmática peirceana, no sentido
internalista, acessado via introspecção, como postulou Dretske. Diferentemente, a noção de
representação pode ser substituída, no contexto do pragmatismo peirceano, pela de
apresentação. Ao invés de a apresentação ser um efeito diádico, produzido internamente,
causado por um estímulo externo, ela resulta de uma relação triádica entre objeto, signo e
interpretante. Desta maneira, a interpretação que o agente formula e o signo que apresenta o
objeto são partes de um mesmo evento, não sendo, portanto, resultado de um movimento
introspectivo, mas antes, apenas uma das possíveis interpretações que o signo veicula. Neste
contexto, Emmeche (2007, p.461) sugere que, para Peirce,
[...] representar significa ‘relacionar o signo naquele modo triádico especifico no qual o
sinal se relaciona com seu objeto e seu interpretante’. Aqui, um signo é algo que pode
representar alguma coisa (um objeto) para algum sistema interpretante (e.g., uma célula, um
animal, um tribunal), no qual ‘representar’ significa ‘mediar um efeito significante’
(chamado interpretante) sobre aquele sistema. Assim, semiose, ou a ação do signo, sempre
envolve um processo triádico irredutível entre o signo, o objeto e o interpretante
26
.
25
I define a Sign as anything which on the one hand is so determined by an Object and on the other hand so
determines an idea in a person's mind, that this latter determination, which I term the Interpretant of the sign, is
thereby mediately determined by that Object. A sign, therefore, has a triadic relation to its Object and to its
Interpretant (CP, 8.343)
26
In a Peircean semiotcs (cf Peirce 1931 [1958]) to represents means ‘to relate to something in that specifc
triadic way in which a sign relates to its object and its interpretant’. Here, a sign is anything that can stand for
something (an object) to some interpreting system (e.g., a cell, an animal, a legal court), where standing for’
means ‘mediating a significant effect’ (called the interpretant) upon that system. Thus, semiosis, or sign action,
always involves an irreducibly triadic process between sign, object and interpretant.
70
Para ilustrar a relação entre signo e interpretação, Santaella (1983, p.78),
argumenta que a palavra casa, a pintura de uma casa, o desenho de uma casa, o esboço de uma
casa, são todos signos do objeto casa. Não são a própria casa, nem a idéia geral que temos de
casa. Cada um destes signos apenas substitui o objeto casa. O signo, ao substituir o objeto
casa, cria na mente uma apresentação. Esta interpretação não será aleatória, uma vez que
estará veiculada às possibilidades interpretativas que o signo permite. Isto porque o signo tem
uma âncora no real, ou seja, uma referência objetiva sobre a qual ele se fundamenta.
A interpretação que o signo veicula, embora esteja fundamentada no objeto
que lhe deu origem, não se restringe a ele. Por possuir uma fundamentação no real, a
interpretação e, consequentemente, o significado que o signo veicula para um organismo
possui uma dimensão que se encontra exterior ao organismo. No entanto, como ressaltamos
anteriormente, para um entendimento mais profícuo do conceito de signo, é preciso considerar
aspectos da fenomenologia peirceana. Para cumprir este propósito, na seção seguinte, faremos
apontamentos
27
que consideramos importantes para examinar a relação entre signo e
informação e, desta maneira, apresentar uma concepção alternativa de significado que não
recaia em uma abordagem internalista-introspectiva.
27
Referimos-nos a apontamentos porque julgamos que uma análise extensiva da fenomenologia peirceana não
seria possível de ser realizada no período destinado ao mestrado porque (cf. Silveira, 2007, p.35) sua
fenomenologia perpassa quase todas as mais de dez mil páginas do Collected Papers of Charles Sanders Peirce.
71
4.2 − Aspectos da fenomenologia peirceana
A Fenomenologia ou Faneroscopia derivada de phaneron
28
ou
Ideoscopia − no sentido de indicar a ciência das idéias −, é o estudo que “consiste em
descrever e classificar as idéias que pertencem à experiência ordinária ou que naturalmente
surgem com relação à vida ordinária”
29
(CP, 8.327). Como entidade experienciável
(fenômeno ou phaneron), Peirce (CP, 3.284) se refere a “[...] tudo aquilo que de algum modo
se apresenta à mente, sem cuidar se corresponde a algo real ou não”
30
(CP, 3.284).
Entendo por faneroscopia o estudo que, apoiado na observação direta dos phanerons e
generalizando estas observações, indica as várias classes de fenômenos; descreve as
características de cada uma delas; mostra que, embora elas sejam inextrincavelmente
misturadas de maneira a nenhuma poder ser isolado, contudo manifesta caracteres que são
bastante discrepantes; então prova, sem dúvida, que uma pequena lista que inclui todas
as categorias dos phanerons; e, finalmente, procede à tarefa laboriosa e difícil de enumerar
as subdivisões principais dessas categorias.
31
(CP, 3.284).
Para Peirce (1931-58), fenômeno é o conjunto dos componentes que
preenchem o universo da experiência ou, alternativamente, o que quer que esteja presente em
nosso espírito em algum sentido. A esses componentes, denomina categorias
32
. Sobre as
categorias, Peirce postula que elas são “os três tipos de elementos que uma percepção atenta
pode decifrar de um fenômeno”
33
(CP, 2.265). Em uma das cartas a lady Welby intitulada
Sobre os signos e as categorias
34
, encontramos um fragmento que resume o entendimento do
28
Por phaneron eu entendo o total coletivo de tudo aquilo que está de qualquer modo presente na mente, sem
qualquer consideração se isto corresponde a qualquer coisa real ou não (CP, 1.284)
29
Ideoscopy consists in describing and classifying the ideas that belong to ordinary experience or that naturally
arise in connection with ordinary life (CP, 8.327).
30
By the phaneron I mean the collective total of all that is in any way or in any sense present to the mind, quite
regardless of whether it corresponds to any real thing or not. (CP, 3.284)
31
What I term phaneroscopy is that study which, supported by the direct observation of phanerons and
generalizing its observations, signalizes several very broad classes of phanerons; describes the features of each;
shows that although they are so inextricably mixed together that no one can be isolated, yet it is manifest that
their characters are quite disparate; then proves, beyond question, that a certain very short list comprises all of
these broadest categories of phanerons there are; and finally proceeds to the laborious and difficult task of
enumerating the principal subdivisions of those categories.
32
Segundo Silveira (2007, p.38) estas designações (fenomenologia, categoria) indicam o respeito que Peirce
atribuía a toda tradição do pensamento ocidental, desde Aristóteles, passando pela escolástica, chegando em
Kant e continuando em Hegel.
33
The three categories are supposed to be the three kinds of elements that attentive perception can make out in
the phenomenon
34
On signs an the categories
72
autor sobre esses três tipos de elementos − categorias − presentes na percepção de um
fenômeno. De acordo com este fragmento:
Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a
nenhuma outra coisa.
Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo, mas
independente de qualquer terceiro.
Terceiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, colocando em relação recíproca um
segundo e um terceiro
35
. (CP, 8.328)
Para Santaella (1995, p.7), as três categorias da fenomenologia de Peirce
resultam do “[...] mais atento e microscópico exame do modo como os fenômenos se
apresentam à experiência”. O objetivo deste exame é o de “detectar os elementos mais gerais
presentes neles, para agrupar estes elementos em classes, as mais vastas e universais
categorias que pudessem estar presentes em todos os fenômenos. Por fim, traçar seus modos
de combinação” (Idem).
Alternativamente, Ibri (1992, p.5) resume seu entendimento sobre as
categorias da fenomenologia peirceana da seguinte maneira: “embora haja uma infinidade de
modalidades de categorias particulares habitando todos os fenômenos há, no entanto, somente
três elementos formais, ou categorias, universalmente presentes neles”. Consequentemente,
“qualquer fenômeno teria como característica universal os seguintes atributos: ser percebido
como pura qualidade de sentimento primeiridade. Ser confrontando com outro na tentativa
de receber uma forma – secundidade. Ser universalizado – terceiridade”.
A categoria da primeiridade, segundo Peirce (CP, 5.42), está presente na
situação em que alguém “vê o que está diante dos olhos, tal como se apresenta sem qualquer
interpretação, sem qualquer sofisticação provocada por esta ou aquela circunstância
supostamente modificadora”. Ou ainda, “esta é a faculdade do artista que vê, por exemplo, as
cores aparentes da natureza como elas se apresentam”
36
. A primeiridade diz respeito às
qualidades que, no fenômeno, são o que são sem referência ou relação com qualquer outra
coisa. Isto, porque:
35
Firstness is the mode of being of that which is such as it is, positively and without reference to anything else.
Secondness is the mode of being of that which is such as it is, with respect to a second but regardless of any
third. Thirdness is the mode of being of that which is such as it is, in bringing a second and third into relation to
each other.
36
The first and foremost is that rare faculty, the faculty of seeing what stares one in the face, just as it presents
itself, unreplaced by any interpretation, unsophisticated by any allowance for this or for that supposed modifying
circumstance. This is the faculty of the artist who sees for example the apparent colors of nature as they appear
(CP, 5.42).
73
Entre os phanerons, há certas qualidades de sentimentos tais como a cor da magenta, o odor
da rosa, o som do silvo de um trem, o sabor do quinino, a qualidade da emoção ao
contemplar uma bela demonstração matemática, a qualidade de sentimento do amor, etc. Eu
não identifico o sentido de experiência real, seja primariamente ou de qualquer memória ou
imaginação destes sentimentos. [Estes sentimentos] envolvem qualidades que o
elementos delas próprias
37
. (CP, 1.304)
A categoria da primeiridade está associada, de acordo com Ibri (1992, p.6),
a idéia de acaso, indeterminação, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade,
presentidade, imediaticidade, etc. Assim, a primeiridade está presente quando sentimos o
mundo sem intermediação de qualquer natureza. Experienciar o elemento primeiro em sua
completa primeiridade caracteriza-se por aquele lapso de tempo em que não colocamos o
objeto da experiência em relação a qualquer outro, não o comparamos, discriminamos ou
mesmo definimo-lo.
Para se tentar dar forma/significado, de qualquer natureza, aos phanerons da
primeiridade, eles são confrontados, comparados, objetados com formas construídas
previamente, decorrentes de experiências passadas. Este processo reativo diádico é a
secundidade. Sobre a concepção de secundidade, Peirce salienta:
[...] esta noção, de sermos tal qual as coisas nos tornam, é uma parte tão proeminente de
nossa vida que nós também concebemos as outras coisas existentes em virtude delas
estarem em reações contra outras. A idéia de outro, de não, se torna um mesmo pivô de
pensamento. A este elemento eu dou o nome de Secundidade
38
(CP, 2.324)
A categoria da secundidade está associada, no entendimento de Santaella
(1995, p.8), à noção de força bruta, ação e reação, conflito, aqui e agora, esforço, resistência,
etc. Em função de a categoria da secundidade estar associada a estas noções que, por sua vez,
requerem a relação entre dois ou mais elementos, Ibri (1992, p.7) ressalta que formulamos a
idéia de uma realidade exterior a nós. Esta idéia se constrói na medida em que o transcurso do
mundo contraria a idéia que dele fazemos. “Por haver na secundidade uma consciência de
37
Among phanerons there are certain qualities of feeling, such as the color of magenta, the odor of attar, the
sound of a railway whistle, the taste of quinine, the quality of the emotion upon contemplating a fine
mathematical demonstration, the quality of feeling of love, etc. I do not mean the sense of actually experiencing
these feelings, whether primarily or in any memory or imagination. That is something that involves these
qualities as an element of it (CP, 1.304).
38
[…] and this notion, of being such as other things make us, is such a prominent part of our life that we
conceive other things also to exist by virtue of their reactions against each other. The idea of other, of not,
becomes a very pivot of thought. To this element I give the name of Secondness (CP, 2.324).
74
dualidade entre duas coisas, uma que age e outra que reage, surge à idéia de outro, de
alteridade” (idem); de objeto (enquanto algo que objeta, que resiste). Consequentemente
“aparece a idéia de negação, a partir da idéia elementar de que as coisas não são o que
queremos que sejam nem, tampouco, são estatuídas pelas nossas concepções” (Ibidem).
A experiência de reação envolve, na concepção de Ibri (1992, p.7) “de modo
direto, a força de um segundo, caracterizado por ser esta coisa e não aquela”. E ainda “a
experiência direta com isto que não é aquilo se num recorte do espaço e do tempo,
traçando os contornos deste objeto, que é forçado e reage contra a consciência como algo
individual” (Idem). Assim, na secundidade o mundo assume sua exterioridade e
independência em relação a um sujeito, na medida em que o fato bruto o objeta, o enfrenta.
A terceira categoria, chamada por Peirce de terceiridade, é o meio pelo qual
o segundo será posto em relação ao primeiro. “É a idéia daquilo que é tal qual é por ser um
Terceiro ou Meio entre um Segundo e seu Primeiro
39
(CP, 1.66). Ou ainda, a terceiridade é
a relação triádica existente entre um signo, seu objeto e o pensamento interpretante
40
(CP,
2.332).
A terceiridade está associada, segundo Santaella (1995, p.14), à idéia de
generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, etc. Esta categoria se
traduz na experiência de síntese que ocorre quando phanerons da primeiridade são
confrontados com a secundidade. A categoria da terceiridade se apresenta, no caso da
consciência que experimenta uma qualidade de sentimento, quando surge uma dúvida que
requeira uma mediação solucionadora (idem).
As três categorias da fenomenologia peirceana poderiam ser ilustradas de
modo sintético, segundo Silveira (2007, p.41), com um auxílio de um diagrama, composto de
traços e pontos. Deste modo, eles teriam os seguintes aspectos:
A primeiridade seria representada por um ponto ligado a um traço, do seguinte modo:
._
A secundidade seria representada por dois pontos dotados de dois traços, unidos, um no
outro, pelos traços:
_ . _ _ . _
Diagramas que ilustram as categorias da primeiridade e da secundidade.
(SILVEIRA, 2007, p.41).
39
Category the Third is the Idea of that which is such as it is as being a Third, or Medium, between a Second and
its First (CP, 1.66).
40
Thirdness is the triadic relation existing between a sign, its object, and the interpreting thought, itself a sign,
considered as constituting the mode of being of a sign (CP, 2.332).
75
Quanto ao diagrama acima, que ilustra a secundidade, Silveira (2007, p.42)
observa que ele “está caracterizado pela ligação de dois elementos, não enquanto meros
potenciais, mas enquanto mutuamente se confrontam, se negam e se limitam”. Assim, “existir
é, para a teoria peirceana, impor-se aos demais, num teatro de múltiplas reações” (Idem).
Quanto a este mesmo diagrama, Silveira (Ibidem) acrescenta que “por sua repetição, torna-se
possível a constituição de cadeias, repetindo indefinidamente a mesma relação”. Assim, o
conjunto de relações resultante poderia ser ilustrado pela figura:
..._ . _ _ . _ _ . _...
Diagrama que ilustra um conjunto de relações diádicas
(SILVEIRA, 2007, p.41).
O diagrama ilustrativo da terceiridade, de acordo com Silveira (2007, p.42)
poderia ser construído por “pontos dotados de três traços, articulando entre si outros dois
pontos igualmente dotados de traços”. Assim, teria o seguinte aspecto:
Diagrama que ilustra a categoria da terceiridade
(SILVEIRA, 2007, p.42).
O conjunto das relações informativas se tomadas enquanto pertencentes
ao domínio da terceiridade que um organismo poderia estabelecer com seu entorno,
apresentaria a forma do diagrama abaixo:
Diagrama que ilustra um conjunto de relações triádicas.
(SILVEIRA, 2007, p.42).
Comparando o aspecto do diagrama acima com o quadro categorial
peirceano, Silveira (2007, p.42) observa que:
76
A rede assim formada permite representar desde as meras qualidades de sentimentos que
não chegaram a se impor na existência até os mais complexos processos evolutivos,
decorrente que é da própria capacidade que tem o fenômeno (ou aparência) de se
manifestar, embora se dirija a uma mente que interprete, não decorrendo ou se reduzindo a
algum ato de síntese da mente. Esta última a reconhece e a interpreta na medida mesma que
se reconhece constituída, ela mesma, nesta trama fenomênica. Com este novo quadro
categorial, a realidade se manifesta e se reconhece como genuinamente auto-organizada. A
realidade, toda ela, é irredutivelmente Pensamento e, deste modo, realiza plenamente o
domínio da Terceiridade.
Para nossos propósitos de apresentar um entendimento do conceito de
informação que abarque o significado, sem recair em uma abordagem internalista-
introspectiva, o diagrama que ilustra a terceiridade é importante porque reforça nosso
entendimento segundo o qual o significado subjacente à informação está indissociavelmente
imbricado na rede de relações que um organismo estabelece com o mundo. Ou seja, desta
perspectiva, o significado não seria resultado de um acesso interno aos estados mentais do
organismo, mas estaria diluído em uma rede, compartilhada coletivamente, que se constituiu
ancorada no real.
O significado, ancorado em um real que se apresenta relativamente estável,
no âmbito da terceiridade, permitirá antecipar possíveis eventos. Deste modo há, neste
âmbito, uma presença importante da noção de tempo
41
que se mostra na dinâmica requerida
pela noção de antecipação. Ou seja, a antecipação coloca no presente algo que temporalmente
está no futuro. Pensar em dormir cedo, por ter que levantar no amanhecer, é um exemplo que
ilustra a antecipação. Todavia, como já acrescentamos, tal antecipação requer um entorno que
se apresente relativamente regular e que, deste modo, possibilite a instauração de um hábito
para a ação.
O processo de construção do significado que ocorre no tempo,
fundamentado no real, e permite o estabelecimento de hábitos direcionadores da ação, é o que
entendemos constituir o sentido pragmático de informação.
Em síntese, procuramos ressaltar nesta seção que a dinâmica de formação de
um signo incorpora inextrincavelmente as três categorias fenomenológicas peirceanas. O
signo incorpora um hábito terceiridade resultante de uma sensação primeiridade −, que
ganhou estabilidade no confronto − secundidade − com os outros elementos reativos do
41
Conforme observa Ibri (1992, p. 14) embora Peirce seja grande admirador de Kant, a noção de tempo não se
refere a uma capacidade transcendental de síntese, apenas a constatação de que a regularidade objetiva de um
evento permite sua antecipação.
77
mundo. Por meio do signo, o organismo acessa as regularidades do ambiente. Como resultado
instauram-se hábitos que, consequentemente, direcionam a ação. É neste processo triádico de
formação de um signo que se situa a informação e que permite concebê-la como antecipadora
de eventos possíveis e direcionadora da ação.
Neste contexto, De Tienne (2005, p. 150) acrescenta que a teoria
informacional proposta por Peirce está conectada indissoluvelmente à sua teoria semiótica por
meio da concepção de signo como ‘processo de comunicação de formas’. De Tienne (Idem)
salienta que, se tal processo possuir uma âncora no real, seu resultado poderia ser chamado de
informação genuína. Assim, na próxima seção, examinaremos a conexão entre os conceitos
de signo e informação genuína elaborada por de De Tienne (2005) a partir dos estudos
peirceanos sobre informação.
78
4.3 O conceito peirceano de informação genuína e seu emprego no
domínio da ação
O que pretendemos analisar nesta seção é a possibilidade de conceber a ação
como o resultante do desdobramento da informação genuína captada pelo organismo nos
processos semióticos prévios. Para tanto, nos apoiaremos em duas concepções propostas por
De Tienne (2005, p.161): na concepção de signo como ‘meio para comunicação de uma
forma’ e no entendimento peirceano de informação resultante de seus estudos sobre a natureza
das proposições
42
. No que diz respeito à importância deste entendimento de signo, De Tienne
(2005, p.162) argumenta que “uma discussão da concepção peirceana de informação não pode
omitir a definição de signo como um “meio para a comunicação de uma forma”
43
. Para o
autor, “tal formulação lança importante luz sobre a natureza teleológica da informação como a
que forma a uma forma a fim de determinar que algum outro signo tome essa mesma
forma”
44
(Idem).
Considerando o caso em que um organismo age em um ambiente cujas
regularidades enquanto formas lhe é acessível por meio de signos, ele poderá antecipar
ocorrências futuras e estabelecer novos hábitos para a ação através destas formas. Enquanto o
entorno se apresentar regular, as formas poderão cumprir o papel de significar o ambiente e
direcionar a ação. A totalidade das formas que um signo transporta, que efetivamente
poderiam antecipar ocorrências futuras, constitui informação e, cada nova informação, será
premissa sobre a qual o organismo fundamentará futuros hábitos de ação. Ao permitir esta
antecipação, o processo será informativo.
De Tienne (2005, p. 163) acrescenta que, embora não haja uma definição
explicita do conceito de informação nos escritos de Peirce, suas considerações acerca deste
conceito estão quase sempre atreladas aos estudos acerca da natureza da formação de
proposições. Segundo De Tienne (idem), as análises de Peirce sobre a formação de proposição
mostraram que:
[...] uma proposição consistiria em um tripé ordenado de referências: uma referência direta
ao seu objeto (a coisa real que [a proposição] representa), uma referência indireta aos
42
Não é objeto deste trabalho discutir o que seja proposição. Assim, tomaremos o termo “proposição” no sentido
de indicar qualquer sentença que formulamos para lidar com o real.
43
A discussion of Peirce’s conception of information cannot omit his 1906 definiton of the sign as a medium
for the communication of a form”.
44
Such a formulation sheds significant light upon the telic nature of information as that which gives a form to a
form in order to determine some other sign to take that same form
79
caracteres comuns desta coisa real, e uma referência indireta para um interpretante definido
como a totalidade dos fatos conhecidos sobre seu objeto
45
(DE TIENNE, 2005, p.161).
Estas análises permitiram a Peirce, segundo De Tienne (2005, p. 161),
concluir que a primeira referência (objeto) aponta para a ‘extensão informada’ da proposição,
a segunda (os caracteres comuns desse objeto) para a ‘profundidade informada’ da proposição
e a terceira (referência indireta a um interpretante definido como a totalidade dos fatos
conhecidos sobre seu objeto), que é o objeto de nossa atenção nesta seção, para a
‘informação’ concernente à proposição. Quando formulamos a sentença 'o dia está para
chuva', por exemplo, ela possui um tripé de referências. Ela se refere ao objeto 'clima do dia';
as características possíveis deste objeto, no caso, 'chuvoso', ‘úmido’, etc.; a um interpretante
que, ao conectar a expressão ‘dia chuvoso’ no contexto específico, com a ocorrência objetiva
que a solicita, pode direcionar sua ação, digamos, de pegar um guarda-chuva. Se
efetivamente orientar uma possível ação, a formulação da proposição foi informativa. Aos
objetos reais que a proposição se refere, Peirce chamou de extensão. A profundidade se refere
às características reais do objeto que o signo pode predicar. No exemplo acima, o 'clima do
dia' seria a extensão e 'chuvoso’, ‘úmido’, etc., a profundidade; a informação será justamente
a direcionalidade que tal processo produz na ação do organismo.
A formação de uma proposição seria o resultado da multiplicação entre
elementos pertencentes ao conjunto da extensão e elementos pertencentes ao conjunto da
profundidade. Resultado de um produto, a proposição estaria em um outro domínio que não se
reduziria aos domínios da extensão e da profundidade. Uma vez formulada a proposição, ela
operaria como premissa para a formação de uma nova proposição. O processo que transforma
proposição em premissa, e que permite ao organismo extrair regularidades de seu entorno e
estabelecer hábitos de conduta, é o processo informacional. Sobre o caráter processual da
informação, De Tienne (2005, p.158) ressalta que:
Informação é inerentemente processual não em sentido mecânico, mas em um sentido
semiótico – precisamente porque ela deve ser antecipatória. Ela não é por si mesma
antecipação no processo, mas uma boa razãoou um bom fundamento para antecipar o
futuro e assim fornecer direção e consistência a inferências subseqüentes. Informação é um
processo cumulativo guiado por um senso de que necessita ser expressa a seguir em vista
de um propósito mais amplo.
45
That analysis showed trat any proposition consistied of an ordered triplet of references: a direct reference to its
object (the real things trat it represent), an indirect reference to the characters common to these real things, and
an indirect reference to an interpretant defined as the totality of facts known about its object.
80
Quanto ao propósito mais amplo, Gonzalez & Moroni (2009, no prelo)
observam que: “a atribuição de um predicado a um sujeito não é um procedimento arbitrário.
uma demanda lógica de aquisição de conhecimento ou de experiência nestes processos”.
Ou seja, o chamado processo informacional resulta, para um organismo situado e incorporado,
do propósito mais amplo de atribuir predicado a um sujeito capaz de direcionar sua ação e
instaurar hábitos de ação, no âmbito da experiência com o entorno. Como resultado, pode
haver uma ampliação na rede de informações disponível ao organismo, possibilitando
instaurar novos hábitos para a ação.
A capacidade da informação de direcionar a ação, no entendimento de De
Tienne (2005, p. 155), decorreria da definição de informação proposta por Peirce (1931-58)
como resultado da multiplicação, e não da soma de dois elementos. Segundo De Tienne
(Idem), Peirce “estava reconhecendo que a informação é um novo tipo de entidade lógica da
mais alta dimensão”. Isto, por ela não se reduzir nem ao multiplicando nem ao multiplicado
(extensão e profundidade). Nesta dimensão, “a nova entidade lógica traz imanente a
capacidade de dirigir e antecipar sua própria ocorrência futura” (Ibidem). Assim, os processos
semióticos comportam uma dimensão teleológica.
A dimensão teleológica caracterizada pela antecipação, segundo De Tienne
(2005, p. 157), se reflete no entendimento segundo o qual “todo símbolo estaria ocupado com
seu próprio desenvolvimento em direção a futuros interpretantes
46
”. Os símbolos assumiriam,
assim, uma forma condicional que os orientariam em direção ao futuro. Como resultado, cada
nova instanciação funcionaria como premissa para uma futura proposição. Ao ser capaz de
antecipar ocorrências do ambiente (ancoradas no real), e instaurar hábitos de ação, o signo se
caracterizaria como informação genuína.
Para que o signo seja informativo e se caracterize como informação
genuína, ele terá que apresentar algumas características. Primeiro, ele deve estar conectado à
realidade que é, em certa medida, independente do pensamento subjetivo de um indivíduo.
Uma segunda característica é que a informação deve trazer alguma novidade para o agente,
para ser caracterizada como genuína. A redundância, embora confirme prévias constatações,
não é informativa. Isto, porque o conteúdo transportado pela informação deve, de algum
modo, afetar o organismo. Nos termos de De Tienne (2005, p. 159), “para que isso seja
possível, a informação transportada deve notadamente interferir nos hábitos estabelecidos da
46
Every symbol is teleological in the sense that, being preoccupied with its own development into new
interpretants.
81
mente do ouvinte, caso contrário ela simplesmente recairia em ouvidos surdos
47
”. Ou seja, é
preciso haver um aspecto inédito, para que a informação seja considerada informação
genuína
48
. O aspecto inédito pode resultar da ampliação dos eventos possíveis sobre os quais
a informação permite antecipar.
Como terceira característica, a informação necessita, em alguma medida, se
relacionar com o universo do agente. “Caso contrário, ela simplesmente recairia em ouvidos
surdos” (De TIENNE, 2005, p. 159). Isto implica que a informação significa do futuro para
um agente possível. Assim, a informação é genuína quando, por dizer respeito ao universo do
agente, permite a antecipação de possíveis inferências futuras.
O termo “antecipação” tem uma estreita relação com a temporalidade (que,
como indicado anteriormente, é característica da terceiridade), uma vez que antecipar é um
processo que ocorre quando concebemos no presente algo que supostamente estaria no futuro.
Esta característica teleológica está presente na própria dinâmica dos signos, uma vez que:
Os signos transportam o futuro (intenções, desejos, necessidades, ideais, etc., todos de uma
natureza diferente do que é dada, i.e., todos na escala de uma causa final) em direção ao
presente e assim permitindo-nos derivar uma imagem coerente do universo. Na realidade,
uma semiose é constituída de ambas as direções: do passado para o futuro e do futuro para
o presente, e retornando para o passado. As duas direções da semiose estão em correlação:
no primeiro caso constituímos os entendimentos baseados em processos semióticos prévios.
No segundo, nós realmente compomos o mundo nos constituindo como parte dele. Isto
significa que a noção de signo tem de se refletir nas duas direções. (DE TIENNE, 2005,
p.163)
49
Em outros termos, nos processos semióticos, o tempo metaforicamente
correria em duas direções. Do passado para o futuro, através do presente, por meio do
histórico do repertório de signos que foram veiculados e se adicionaram ao estoque de
informação. Do futuro para o presente, por meio das intenções, desejos, ideais, etc., operando
como causa final da ação. Assim, deste ponto de vista, a direcionalidade presente nas ações
47
For that to be possible, the conveyed information should noticeably interfere with the listening mind's settled
habits, otherwise it would simply fall on deaf ears.
48
Neste contexto poderíamos conceber o entendimento de Bateson (2002) sobre informação como sendo a
diferença que faz diferença.
49
Signs carry the future (intentions, desires, needs, ideals, etc., all of a nature different from what is given, i.e.,
all in the range of a final case) into the present and thus allow us to derive a coherent image of the universe.
Actually, a semiosis is constituted in both directions: from the past into the future, and from the future into the
present, and forward into the past. The two directions of semiosis are in co-relation. In the first case, we
constitute understandings based on previous semiotic processes. In the second, we actually make up the world as
we constitute ourselves as part of it. This means that the notion of sign has to reflect the two arrows.
82
significativas resultaria dos hábitos instaurados, nos processos semióticos prévios que
permitem a antecipação da ação.
Em resumo, para a informação ser considerada informação genuína ela terá
que apresentar as seguintes características: estar intrinsecamente conectada à realidade; trazer
alguma novidade para o agente; concernir ao universo de um agente possível e permitir
antecipação de eventos futuros. De posse das informações genuínas, o agente direciona sua
ação, uma vez que ela está amparada nos processos semióticos prévios. Estes processos
possibilitam a emergência de uma rede de relações imanentemente significativas ao universo
do agente, as quais se tornam informativas através da possibilidade de antecipação de eventos.
Neste contexto, embora a temporalidade seja característica da terceiridade, a informação é
resultado de um processo triádico que não pode ser reduzido à secundidade.
O aspecto da novidade primeiridade desencadeia um processo de
embate com o repertório informacional do organismo secundidade −, que se estabiliza com
a crença geradora de um hábito terceiridade. Desta perspectiva, o significado não resulta de
um acesso às representações mentais internas, via introspecção, como supõe Dretske.
Diferentemente, o significado estaria, por um lado, na complexa dinâmica de formação de
signos que se mostra informativa na ação do organismo, possibilitando antecipar eventos e,
consequentemente, instaurar hábitos de ação. Por outro, o significado estaria diluído em uma
rede conceitual compartilhada coletivamente, que se constitui sobre o real. Como resultado,
hábitos se instauram cujos significados dizem respeito à coerência da ação: ações coerentes
pressupõem um critério de relevância na escolha de hábitos. Isto posto, é na dinâmica
inextrincavelmente triádica de formação de signos que emerge a informação significativa.
Essa suposição permite conceber a informação como antecipadora de eventos possíveis e,
consequentemente, direcionadora da ação; se tal processo possuir uma âncora no real, seu
resultado constitui informação genuína. Uma ação guiada por informação genuína seria uma
conseqüência natural do que permite seu significado. Este emerge do processo de
comunicação de formas que o signo engendra nas experiências semióticas de um organismo
situado e incorporado em um ambiente com o qual co-evoluiu.
Entendemos que, diferentemente das relações estritamente causais, as
relações semióticas permitem compreender o desenvolvimento do signo que, como vimos,
extrapola o domínio da secundidade; quando incorporadas à ação, elas possibilitam descrever
a emergência do significado no âmbito da ação guiada por informação genuína.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Construímos esta dissertação tendo como base a análise e a discussão dos
seguintes temas da filosofia da ação: (i) a distinção entre movimento e ação; (ii) limites da
causalidade na explicação da ação; (iii) alcance da abordagem informacional da ação; (iv) a
pertinência da concepção pragmática de informação genuína na explicação da ação
significativa. O que nos impulsionou nesta construção foi a concepção segundo a qual os
paradigmas que fundamentam as explicações dos fenômenos do domínio dos seres vivos
poderiam não ser os mesmos utilizados pelas ciências naturais. No caso da explicação da
ação, argumentamos que ela extrapola o domínio das relações diádicas, do tipo estímulo-
resposta ou ação-reação, e inclui um outro patamar, o significativo, que não é contemplado
pelo paradigma causal mecânico de ão e reação. Isto porque, dentre outros motivos, a ação
não se reduz necessariamente ao movimento ou ao simples tropismo.
Inicialmente apresentamos um pressuposto da tradição científico-filosófica,
que considera a causalidade o paradigma natural para explicar os fenômenos observados na
natureza. Isto porque teríamos herdado de Aristóteles (1967: 194b) a concepção de que “só
podemos crer-nos donos do conhecimento de cada ser depois de conhecer as causas pelas
quais existe”. Procuramos indicar que um dos pontos importantes da teoria aristotélica das
quatro causas material, formal, eficiente e final −, para os propósitos de nosso trabalho, é a
suposição de que, por meio da descoberta destas, causas explicar-se-ia necessariamente a
produção e a geração dos fenômenos observáveis da natureza e, assim, teríamos critérios para
assegurar a validade das explicações fundamentadas no paradigma da causalidade. No
entanto, o emprego da concepção causal aristotélica na explicação da ação apresenta certa
insatisfação. Isto porque, dentre outros motivos, a pressuposição de que nada pode mover a si
mesmo dificulta a explicação da ação.
Em seguida, discutimos a concepção causal humeana segundo a qual a
descoberta de relações causais não garante o conhecimento das questões de fato. Procuramos
explicitar que, segundo Hume, a validade das questões de fato se fundamenta nas
regularidades e nos hábitos. Acrescentamos que, do ponto de vista humeano, as relações
causais não possuem o estatuto de necessidade, mas de conjunções contingentes resultantes
das experiências habituais.
Tendo em vista um dos propósitos de nossa pesquisa, a saber, o de examinar
os limites das explicações causais da ação, argumentamos que a concepção causal humeana
acrescenta mais dificuldades. Por quê? A resposta é que o problema sobre o qual Hume se
84
detém é de natureza lógica, e não psicológica, uma vez que ele se preocupou com a questão da
(não) existência de garantias lógicas necessárias que assegurariam a validade do
conhecimento sobre questões de fato.
No caso da explicação da ação, tomando-a como o comportamento regido
por uma intenção, teríamos que admitir, a partir da perspectiva humeana, que a relação entre a
ação e a respectiva intenção, que a levou a cabo, seria uma conjunção extraída da experiência
de regularidades. Ou seja, a intenção enquanto causa não estaria necessariamente
produzindo a ação enquanto efeito. Nesta perspectiva, abandona-se a pretensão de
fundamentação gica da relação entre intenção e ação o que, para Hume, não seria
problemático, uma vez que, como ressaltamos, sua preocupação é de natureza gica.
Contudo, nosso trabalho não é encontrar fundamentação lógica para a explicação da ação.
Antes, é de ordem psicológica.
Entretanto, se abrirmos mão da perspectiva gica em favor da psicológica,
qual seria o problema da explicação causal humeana da ação? Procuramos explicitar, com o
auxilio de Von Wright (1973), que uma das dificuldades da explicação causal da ação diz
respeito à direcionalidade retrógrada deste tipo de explicação. Isto porque, é contra-intuitiva a
concepção de que o futuro possa controlar o presente, que será visto como passado (o plano
futuro do Sr X, de visitar a China em 2010, causa a sua ação de estudar Mandarim no
presente, em 2009). A dificuldade reside em compreender que intenções ou planos ainda não
executados causalmente afetem o presente. Deste ponto de vista, surgiria também o problema
de explicar o direcionamento da ação. Porém, as explicações dos fenômenos são, obviamente,
posteriores às ocorrências dos mesmos. Por que, então, haveria o problema da direcionalidade
retrógrada na explicação da ação? Argumentamos que este problema surge para explicações
fundamentadas no paradigma causal humeano, porque tal paradigma focaliza a causa eficiente
em detrimento da causa final e, consequentemente, procura não fazer uso de conceitos
teleológicos.
Mesmo quando nos limitamos às explicações do domínio da física, que
entende que o papel dos agentes está em segundo plano, como explicar o funcionamento de
um termostato, por exemplo, sem recorrer a uma linguagem teleológica? Ainda que pareça
contra-intuitivo o futuro direcionar o passado, o movimento do termostato será determinado
pelo estado térmico futuro do ambiente. De nosso ponto de vista, a estranheza pode ser
minimizada quando consideramos o ajuste deste aparelho ao ambiente a partir da noção de
causa final. Isto, porque seu funcionamento é inseparável do ambiente no qual está imerso, de
modo que termostato e ambiente, formam uma totalidade sistêmica.
85
No caso da direcionalidade da ação dos organismos, em que o grau de
complexidade aumenta em relação ao funcionamento do termostato, ela pode ser concebida
enquanto ajuste do organismo ao contexto no qual está imerso. No entanto, será que
estaríamos resgatando o esquema causal aristotélico com o pressuposto de que o ajuste ao
ambiente poderia operar como causa final da ação? Conforme procuramos mostrar no
decorrer deste trabalho, julgamos que a resposta a esta questão é negativa. Dentre outros
fatores, procuramos ressaltar a concepção de Juarrero (1999, p.18), segundo a qual o esquema
causal aristotélico dificulta a explicação da ação devido ao pressuposto de que nada pode
mover a si mesmo. Sendo assim, as intenções e as volições não podem ser a causa de suas
respectivas ações, porque representariam uma espécie de ‘causa de si mesmo’.
Para superar tal dificuldade, argumentamos, por um lado, que, com a
inclusão da abordagem sistêmica, abandonamos o pressuposto diádico de ação e reação e
incorporamos uma abordagem mais plural, cujos fenômenos podem emergir da confluência de
vários fatores. Por outro lado, a hipótese da existência de relação informacional entre eventos
poderia indicar uma saída à explicação causal diádica da ação.
Apesar dos argumentos que procuramos levantar sobre as dificuldades da
abordagem causal na explicação da ação, a hipótese central com a qual trabalhamos nesta
pesquisa se fundamentou na suposição de que a ação dos organismos, em contraste com o
movimento dos corpos físicos regidos por leis, incorpora uma dimensão significativa que não
é contemplada no domínio da causalidade diádica. Assim, procuramos explicitar em que
medida estudos contemporâneos sobre informação, que contenham elementos semânticos em
sua fundamentação, poderiam contribuir para explicar a ação de modo mais frutífero do que o
paradigma causal diádico. Neste sentido, exploramos os trabalhos de Dretske (1981, 1988,
1995) e Juarrero (1999) sobre a abordagem informacional da ação.
Argumentamos que Dretske (1981, 1988, 1997), além de defender a hipótese
da existência objetiva da informação, sugere uma maneira pela qual a informação adquire
significado. Procuramos mostrar que, para ele, nos agentes um mecanismo de
aprendizagem que, em sua dinâmica constante de correção de erros, atribui significado às
relações que estabelecem com o ambiente, dirigindo a ação dos mesmos. Deste modo, as
experiências do organismo com seu ambiente resultariam em um conjunto de relações não
apenas informativas, mas também significativas, na medida em que tais relações otimizassem
a eficiência da ação. De posse dessas relações informacionais significativas, o agente pode
direcionar sua ação restringindo seu campo de possibilidades disponíveis no domínio do
comportamento significativo. Todavia, procuramos argumentar que a abordagem dretskeana
86
sobre o modo pelo qual a informação se torna significativa apresenta problemas.
Argumentamos que um dos problemas diz respeito ao uso de representações internas.
Indicamos que um dos problemas com o uso de representações internas para
a construção do significado e acesso aos dados do ambiente dificulta, por exemplo,
compreender o papel que o erro pode engendrar. Esta dificuldade surge porque, para corrigir
um erro, o organismo teria que ter uma representação de referência de ordem superior, sobre a
qual ele inferiria que um erro na representação que está usando para significar os dados do
ambiente e assim sucessivamente levando a uma regressão ao infinito. A interrupção desta
regressão parece envolver uma escolha arbitrária de uma representação última. Sendo assim,
por que não acessar a referência da representação diretamente? Diante destas dificuldades,
surgiu a questão da necessidade das representações internas para explicar a ação. Ou seja, por
que o estudo da ação precisa, necessariamente, recorrer às representações internas?
No mesmo contexto representacionista, procuramos explicitar que Juarrero
(1999) renova a hipótese informacional da ação proposta por Dretske ao incorporar os
avanços da física contemporânea, no que diz respeito ao estudo dos sistemas dinâmicos
complexos, para fundamentar a explicação do modo pelo qual a informação que o organismo
manipula se torna significativa no domínio da conduta. A autora traz para o domínio da ação
conceitos da física, sobretudo dos sistemas dinâmicos complexos e da termodinâmica longe
do equilíbrio. No entanto, procuramos argumentar que, embora os esforços de Juarrero
representem avanços na explicação da ação em relação à Dretske, ela ainda se apoia no uso de
representações internas para fundamentar sua hipótese.
Frente às dificuldades expostas acima, consideramos uma concepção
alternativa de informação que a concebe como indissociável do significado e considera central
o papel do ambiente na ação significativa do organismo. Neste sentido, investigamos em que
medida o pragmatismo peirceano permite abandonar o método representacional-introspectivo
ao inserir o organismo no ambiente e contribuir para o entendimento do conceito de
informação que abarque o significado sem recair em uma abordagem internalista-
representacional.
Embora não seja tarefa fácil acessar a metafísica peirceana, dado sua
abrangência, procuramos sinalizar que sua grande contribuição para nossos propósitos é
deslocar o significado do sujeito introspectivo para a complexa dinâmica de formação de
signos que se mostraria informativa na ação do sujeito. Para tanto, argumentamos que a
concepção peirceana de informação, ao fundamentar-se num processo triádico, extrapola o
domínio da secundidade e abarca o domínio da terceiridade. Isto porque o conceito peirceano
87
de informação resulta da concepção de signo como processo de comunicação de formas, a
qual, por sua vez, envolve as três categorias fenomenológicas. Com Peirce, ressaltamos que o
signo incorpora um hábito, expresso através da terceiridade. Como vimos, tal hábito
resultaria, por exemplo, da estabilidade que uma sensação adquire no confronto com outros
elementos reativos do mundo. No entanto, se o conceito de informação é deslocado para a
dinâmica de formação do signo, qual seria o papel da ação nesta dinâmica?
Tendo em vista a questão acima, consideramos o pragmatismo peirceano no
sentido que ficou conhecido como a máxima pragmática, segundo a qual, a totalidade do
significado de uma concepção se constitui na totalidade de suas consequências práticas
concebíveis. Isto porque tal máxima sugere que o significado que emerge do processo
semiótico está indissociavelmente conectado ao plano da ação. Argumentamos que a
semiótica peirceana, ao empregar a máxima pragmática, e a noção de signo como processo de
comunicação de forma no domínio da ação, considera que um agente é quem acessa as
regularidades do ambiente por meio de signo. Nesta perspectiva, julgamos que se instauram
hábitos cujos significados dizem respeito à coerência da ação em contextos específicos. Isto
posto, sinalizamos no sentido de indicar que é na dinâmica inextrincavelmente triádica de
formação de signos que emerge a informação significativa. Tal suposição permite conceber a
informação como antecipadora de eventos possíveis e, consequentemente, direcionadora da
ação. Seguindo as trilhas de De Tienne (2005), argumentamos que, se tal processo possuir
uma âncora no real, seu resultado poderia ser chamado de informação genuína.
Em síntese, procuramos indicar até aqui que, do ponto de vista do pragmatismo
peirceano, informação e significado são indissociáveis e intrinsecamente conectados à ação.
Deste modo, organismos ajustam suas ações de modo a suprir suas necessidades não apenas
colocadas pelo ambiente, mas para mantê-las coerentes. No plano da ação, eles não
necessitam corrigir representações internas, via introspecção, quando uma novidade se
apresenta. Isto, porque informação e significado, além de serem indissociáveis, estão
intrinsecamente conectados aos hábitos que possibilitam a antecipação da ação. Nesse sentido,
julgamos que uma contribuição deste trabalho consiste em explicitar que:
(i) O significado e a direcionalidade da ação são indissociáveis da informação
genuína;
(ii) A informação significativa emerge do processo de comunicação de formas que
o signo veicula nas experiências semióticas de organismos situados e
incorporados.
88
Para finalizar, apresentaremos um balanço da pesquisa enfatizando os avanços
obtidos e as dificuldades encontradas durante sua execução no que diz respeito à pertinência
do paradigma informacional da ação ao qual procuramos filiar nosso trabalho.
Em primeiro lugar, se é que compreendemos bem a metafísica peirceana, o
processo semiótico procura deslocar o significado do agente para o signo. Consequentemente,
a ação significativa passaria a extrapolar o domínio subjetivo dos organismos, ainda que
situados e incorporados, para compreender também os sistemas artificiais que manipulam
signos. Embora não tenha sido objeto de nossa pesquisa avaliar em que medida sistemas
artificiais manipulam informação com significado, na perspectiva peirceana, teríamos que
conceber a possibilidade de tais sistemas manipularem significado, uma vez que o significado
estaria no processo semiótico. Embora esta concepção conduza a uma
“desantropocentrização” do significado, uma vez que o significado é estendido a todos os
seres que realizam semiose, julgamos que a beleza da concepção peirceana de signo é
conceber a dinâmica de organização dos fenômenos como um processo aberto e inacabado.
Ao homem, colocado em seu devido lugar, caberia a importante tarefa de compreender a
dinâmica de organização e evolução do cosmos.
Um segundo ponto que poderíamos ter avançado, mas apenas sinalizamos,
dado os limites que um trabalho de dissertação de mestrado requer, diz respeito à
possibilidade de aproximar as concepções dretskeanas, sobre o modo pelo qual organismos
tornam significativas as informações que manipulam, e a concepção peirceana, segundo a
qual o significado emerge dos processos semióticos. Julgamos que, dentre outras, uma das
vantagens desta aproximação seria trazer para a contemporaneidade, representada aqui pelos
trabalhos de Dretske na filosofia da mente, as contribuições de Peirce. Entendemos que uma
das vantagens desta aproximação seria a valorização do papel do ambiente na constituição do
significado.
Um terceiro ponto que se mostrou problemático diz respeito à dificuldade na
obtenção de um consenso sobre o que é informação. Por exemplo, no âmbito epistêmico
divergências quanto à definição do conceito de informação. Ou seja, como definir de modo
consensual o que é isto com que lidamos no dia a dia para direcionar nossas ações? Adotando
a concepção semiótica, procuramos delimitar o nosso campo de investigação através da noção
informação genuína.
Finalmente, apesar das dificuldades apresentadas acima, o avanço mais
significativo que julgamos ter ocorrido diz respeito à compreensão da importância do conceito
de informação para a filosofia contemporânea. Esperamos ter indicado que, com a inclusão
89
dos estudos em informação, novos rumos investigativos têm sido dados no tratamento de
questões clássicas da filosofia, dentre as quais a explicação da ação. Deste modo, esperamos
ter contribuído para esclarecer a hipótese de Adams (2003) segundo a qual estudos sobre a
natureza da informação produziram uma ‘virada informacional na filosofia’.
90
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