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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CCBS
PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO
RELAÇÃO ENTRE O ENCAMINHAMENTO DE CRIANÇAS PARA
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO DOS PAIS
CARLA RENATA LACERDA
São Paulo
2008
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CCBS
PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO
RELAÇÃO ENTRE O ENCAMINHAMENTO DE CRIANÇAS PARA
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO DOS PAIS
CARLA RENATA LACERDA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Geraldo A. Fiamenghi Jr
Linha de Pesquisa: Políticas e formas de atendimento:
campos de atuação, programas, procedimentos, recursos e
intervenções especializadas abrangendo, prioritariamente,
os campos da Educação, Saúde, Seguridade Social e
Trabalho.
São Paulo
2008
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3
Dedico este texto
Às crianças, meus pequenos pacientes, porém
gigantes diante das adversidades que
encontram em seu desenvolvimento, foram
minha principal fonte de inspiração e
motivação para a realização deste trabalho.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus por iluminar meu caminho e guiar meus passos.
Ao Dr. Geraldo, por ter acolhido minha idéia e por ter aceitado orientar-me desde a
elaboração do projeto até o presente relatório de pesquisa, minha eterna gratidão, pois além de
meu orientador é um Ser Humano raro nos dias de hoje, pelo seu caráter ético, íntegro e
digno.
À Dra. Elisabeth Becker um especial agradecimento (já que não pode estar presente na
banca de defesa desta dissertação) que com sua preciosa avaliação trouxe inestimável
contribuição teórica a este trabalho durante o processo de qualificação.
À Dra. Maria Helena que com sua leitura atenta e observações pontuais auxiliou
valiosas reflexões acerca da direção desta pesquisa por ocasião do exame de qualificação.
Ao meu esposo, Gerhart, por compartilhar este sonho, apoiar incondicionalmente a
realização deste mestrado e suportar dividir , com este trabalho, minha disponibilidade, minha
atenção e meu tempo.
Aos meus dedicados pais pelo amor e incentivo constante em todas as minhas
conquistas. Ao meu pai Rubens, pelos valores de respeito e honestidade com os
compromissos assumidos na vida, e, à minha mãe Isabel, por ensinar-me a valorizar as coisas
simples da vida, ter sempre uma palavra de fé e fazer-me crer sempre.
À minha irmã Queli que, junto, com Marcelo fizeram da sua a minha casa durante a
minha estada aqui em São Paulo e presentearam a nossa família com a chegada da Nicolle,
sobrinha e afilhada.
5
Ao setor de Recursos Humanos e à Secretaria Municipal de Saúde, que, gentilmente
receberam a proposta deste estudo e possibilitaram minha coleta de dados.
À coordenação e equipe de profissionais do Ambulatório de Saúde Mental, que
prontamente se colocaram à disposição e colaboraram no livre acesso à localização e consulta
do material utilizado por esta pesquisa.
Às minhas amigas Adriana e Raquel com quem tenho a cumplicidade de dividir meus
sonhos, minhas angústias e, por que não, minhas conquistas. Apesar da distância física, longe
é um lugar que não existe para quem se tem amigos sinceros.
Aos amigos e colegas que compartilharam a experiência de aprendizado do Curso de
Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento.
Meus reconhecidos agradecimentos ao Instituto de Pesquisa MACKPESQUISA pela
possibilidade de utilização da reserva técnica e ao atencioso atendimento sempre que
necessário.
Enfim a todos que direta ou, indiretamente, contribuíram para a concretização deste
trabalho.
6
Fonte: Retratos de Crianças do Êxodo
Sebastião Salgado, 2000
O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade
(Karl Mannheim)
7
RESUMO
LACERDA, C.R. Relação entre o encaminhamento de crianças para atendimento
psicológico e diagnóstico psiquiátrico dos pais. 92 p. Dissertação (Mestrado em Distúrbios
do Desenvolvimento). São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008.
A família, apesar, das transformações sofridas nos últimos tempos quanto à sua formação,
estrutura e função, ainda constitui o principal núcleo para o desenvolvimento psicológico dos
filhos. É no ambiente familiar que a criança adquire um senso de identidade, capacidade e
aceitação próprias, além de fornecer uma série de papéis carregados de valores que auxiliam
no estabelecimento das identidades sociais, num sentido mais amplo. A presença de doença
mental num dos pais pode trazer ao grupo familiar situações adversas e críticas nas relações
estabelecidas, cujos efeitos e conseqüências podem ser perturbadoras tanto para o
desenvolvimento saudável da criança, quanto constituir importante fator de risco para a
ocorrência de situações de abuso e desenvolvimento de futuras psicopatologias. O objetivo
desta pesquisa foi analisar a relação entre o encaminhamento da criança para atendimento
psicológico e a presença de transtorno psiquiátrico em um dos pais, baseada nos dados dos
prontuários de um ambulatório público de Saúde Mental. A partir das informações extraídas
dos registros feitos nos prontuários das crianças encaminhadas e de seus pais, surgiram quatro
categorias de análise: 1-presença de doença mental num dos pais diagnosticada com a CID, 2-
presença de doença mental em algum familiar que reside com a criança ou esta se encontra
sob sua responsabilidade como avós e tios clinicamente diagnosticados com a CID, 3-
referência de doença mental num dos pais, porém não diagnóstico clínico por não constar
abertura de prontuário, 4 - adversidades no ambiente familiar da criança encaminhada,
relacionando as quatro categorias com o motivo de encaminhamento da criança e o tipo de
abuso ocorrido. Pode-se concluir que existe uma relação significativa entre os sintomas
apresentados pelas crianças e as adversidades do ambiente familiar envolvendo doença
mental, situações de crise e conflitos além de ser um fator agravante para a ocorrência de
abuso contra a criança. É nítida a necessidade de uma abordagem de atendimento familiar
nestes casos, incluindo ações preventivas em saúde e educação.
Palavras-chave: Família, Pais, Criança, Transtornos Psiquiátricos, Prontuários.
8
ABSTRACT
LACERDA, C.R. Relationship between children referred to psychological service and
parents’ psychiatric diagnosis. 92 p. Master Thesis (Distúrbios do Desenvolvimento). São
Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008.
The family is still the main basis for children‟s psychological development, despite changes
within its formation, structure and function in the last years. The child acquires within the
family a sense of identity, capacity and own acceptance, as well as receiving a series of values
charged roles that support the establishing of social identity, in a broader sense. The presence
of mental illness in one of the parents may bring to family group adverse and critical
situations to established relationships, with effects and consequences that can disturb the
child‟s healthy development, as well as being a risk factor to abuse and future
psychopathologies. The aim of this research was to analyze the relationship between the
referral of children to psychological service and the presence of psychiatric disabilities in
records of a Mental Health Public Service. Based on the information extracted from the
registry in the children and their parents‟ records, four categories appeared: 1- presence of
mental illness in one of the parents diagnosed with CID; 2- presence of mental illness in any
family member living with the child or responsible for her, such as grandparents and uncles
clinically diagnosed with the CID; 3- reference to mental illness in one of the parents, without
clinical diagnosis because there was not a file opened; 4- problems in family environment of
the referred child, the four categories related with the motive of referral and kind of abuse. It
may be concluded that there is a significant relation between symptoms presented by children
and adverse situations in family environment, involving mental illness, crisis and conflict
situations, as well as being an increased factor for abuse against the child. It‟s evident the
need for a family intervention approach in those cases, including preventive actions in health
and education.
Keywords: Family, Parents, Child, Psychiatric Disabilities, Records.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Diagnóstico psiquiátrico com a respectiva CID num dos
pais ou ambos da criança encaminhada e ocorrência de
abuso....................................................................................
62
Tabela 2
Diagnóstico psiquiátrico com a respectiva CID em algum
integrante da família mais extensa da criança
encaminhada........................................................................
64
Tabela 3
Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID, com
presença de doença mental no pai ou na mãe da criança
encaminhada.......................................................................
66
Tabela 4
Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID contexto
familiar da criança encaminhada enfrenta modificações,
adversidades e conflitos familiares.....................................
67
10
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVAS.....................................
11
2. INTRODUÇÃO ...............................................................................
15
2.1. A FAMÍLIA............................................................................
16
2.2. A FAMÍLIA E O DESENVOLVIMENTO SOCIO-
AFETIVO DA CRIANÇA.....................................................
20
2.3. FAMÍLIA, DOENÇA MENTAL E DESENVOLVIMENTO
DA CRIANÇA........................................................................
27
2.4. A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR.......................................
38
3. UTILIZAÇÃO DE PRONTUÁRIOS EM ESTUDOS SOBRE
ABUSO CONTRA A CRIANÇA EM SITUAÇÕES FAMILIARES
47
4. OBJETIVOS..........................................................................................
55
4.2. OBJETIVO GERAL..............................................................
55
4.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................
55
5. MÉTODO...............................................................................................
56
6. RESULTADOS......................................................................................
62
7. DISCUSSÃO .........................................................................................
69
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................
79
REFERÊNCIAS.............................................................................
81
ANEXOS ........................................................................................
87
11
1. APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVA
A idéia para desenvolver este tipo de estudo surgiu a partir da pergunta que
constantemente brotava quando se tornava evidente que a presença de problemas
psicológicos e até transtornos psiquiátricos graves num dos pais atuava nas dificuldades
afetivas e emocionais apresentadas por seus filhos. Uma vez admitindo que suas
posturas e atitudes de certa forma contribuíam para a queixa apresentada pela criança,
tornava-se necessário que ambos os pais refletissem e revissem seus posicionamentos
diante do quadro, auxiliados por um psicólogo. O interesse em compreender as relações
familiares existentes neste contexto de atendimento esteve presente no trabalho com
crianças e suas famílias em hospital, clínica e ambulatório de saúde mental. Havia
muita dificuldade de os pais aceitarem que seus conflitos pessoais refletiam nas
relações estabelecidas com seus filhos, tanto nas famílias com filhos deficientes, quanto
doentes crônicos, como com distúrbio psicológico.
dois anos, atuei como psicóloga clínica em Ambulatório Público de Saúde
Mental num município do interior do Estado de São Paulo de aproximadamente 12 000
habitantes. No início o que chamou minha atenção foi a presença de dois serviços em
Saúde Mental num município tão pequeno: um ambulatório e a implantação de um
CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Como minha atuação ocorreu somente no
serviço ambulatorial, foi que eu tive contato mais direto com a rotina de
atendimentos que caracterizavam este tipo de serviço público: o pronto atendimento
psicológico ou serviço de triagem, atendimento psicológico destinado a adultos,
adolescentes e crianças. Neste último, incluía-se o trabalho de orientação de pais, pois
12
no atendimento psicológico infantil esta orientação torna-se uma prerrogativa para que
o outro aconteça. Os prontuários de encaminhamentos das crianças basicamente tinham
como queixa comportamento agressivo, comportamento hiperativo, falta de atenção,
dificuldades de relacionamento interpessoal na escola e indisciplina. Ao iniciar o
atendimento psicológico infantil deparei-me com a baixa ou até nula participação
paterna, desde as entrevistas iniciais até as orientações propostas. Quando se tornava
claro que além da queixa manifesta havia uma problemática familiar grave, que
envolvia a presença de alcoolismo, diagnóstico de depressão e até transtornos
psiquiátricos mais graves como psicose, eu visualizava a problemática da criança, na
verdade como um sintoma reativo diante de um quadro familiar patológico, em que,
muitas vezes a criança era vítima de agressões verbais, agressões físicas, negligências
às suas necessidades psicológicas, devido à presença de conflitos existentes na relação
destes pais com a criança. Neste ponto estabelecia-se claramente um impasse, pois em
alguns casos, mediante a melhora do filho e a compreensão de que um dos pais é quem
de fato precisava do serviço de Saúde Mental interrompia-se o atendimento do filho, ou
negava-se completamente a existência da dificuldade em si ou no outro, delegando à
criança a responsabilidade pelas dificuldades apresentadas. Tal recusa os levava a
interromper o atendimento, retirando a criança do serviço. Isto se tornava mais
angustiante quando da constatação de um dos pais apresentarem transtorno psiquiátrico
grave como depressão, alcoolismo e psicose e se negar a tratá-los adequadamente e de
que maneira os filhos seguiriam seu curso de desenvolvimento. Levando em conta a
problemática da criança, seu desenvolvimento, até que ponto este quadro familiar
interfere no sentido de prejudicar seu desenvolvimento psicológico, cognitivo e social?
Será que a maneira de abordar e realizar o atendimento infantil são de fato a mais
adequada? Como trabalhar a criança, quando é na família que se precipitam as
13
dificuldades? A serviço de quem o profissional está: de uma família com desequilíbrio,
que necessita de ajuda para ajudar a criança ou da criança que necessita descobrir
recursos internos para lidar com uma relação familiar patológica ao seu
desenvolvimento? A família precisa de ajuda é claro, mas ela quer? A atuação
profissional, neste contexto, será somente do psicólogo ou tal fenômeno exige uma
abordagem mais ampla envolvendo uma equipe interdisciplinar?
Questionamentos acerca do processo de desenvolvimento psicológico destas
crianças vivendo num ambiente familiar cuja dinâmica inter-relacional caracterizava-se
por agressões verbais, hostilidade, inadequações comportamentais, dissociações afetivas
e outras foram abrindo um campo de interesse em pesquisar e compreender estas
indagações.
Estudos e contribuições da psicanálise (ACKERMAN, 1982; BERENSTEIN,
1976; WINNICOTT, 1999) trazem a importância da dinâmica das relações existentes
entre os membros da família. Esta forma um sistema social em que a criança
experimenta as primeiras trocas e relações interpessoais que, serviram de representação
em pequena escala de algo, que caracterizará posteriormente suas relações
extrafamiliares.
Assim, parece ser relevante ampliar estudos e contribuições neste campo de
conhecimento e, ao mesmo tempo, atuar como agente motivador para a concretização
desta pesquisa. Quando em determinada família existe uma doença orgânica crônica
como diabetes, hepatite, doença cardiovascular, alterações genéticas, incompatibilidades
sanguíneas, histórico de consangüinidade, seus conseqüentes fatores de risco para os
descendentes são alertados e pontuados por profissionais da área da saúde. Já quando
existe o transtorno mental como alcoolismo, depressão, psicose, a gravidade de seus
14
conseqüentes fatores de risco nem sequer são mencionados. Parece haver uma tendência
a enfatizar a influência e determinação do aspecto biológico para os distúrbios do
desenvolvimento infantil como um todo, em detrimento de uma compreensão mais
ampla, que leve em conta as condições de ambiente familiar em que o desenvolvimento
infantil está exposto e do qual é tão dependente em intensidade e temporalidade.
Por estar se tornando, os maus tratos e a violência doméstica, um problema de
Saúde Pública, a inexistência de serviços e programas que atendam aos fatores de risco
presentes nesta população leva os profissionais a adotarem medidas isoladas e
individualizadas de intervenção diante da amplitude do fenômeno. Daí a relevância
social para a pesquisa e estudo desta temática que venha a auxiliar ações efetiva de
políticas públicas em áreas multiprofissionais como Saúde, Educação e afins onde os
profissionais que nelas atuam possam adotar medidas coordenadas e complementares.
15
2. INTRODUÇÃO
Pode-se pensar que um dos maiores problemas que a sociedade contemporânea
enfrenta é a desestrutura dos núcleos familiares e suas conseqüências para o desenvolvimento
das crianças, além de se apresentar como um desafio aos profissionais de saúde mental, que
lidam cotidianamente com o sofrimento e adoecimento da subjetividade, em seus períodos
mais precoces de desenvolvimento, quer dizer, a saúde psicológica da criança.
Muitos teóricos previam tal situação, sobretudo aqueles que se dedicam ao
entendimento da subjetividade humana a partir das primeiras relações estabelecidas no núcleo
familiar e que têm neste os modelos, as fontes, os nutrientes afetivos necessários que
constituem o indivíduo no universo humano, social e cultural. Alguns fatores como a
mudança no comportamento das massas, liberação de costumes, inserção da mulher no
mercado de trabalho, banalização da violência extra e intrafamiliar impactaram bastante na
maneira de se pensar a família enquanto núcleo formador de indivíduos e da sociedade.
Enfim ao analisarmos o papel da família no surgimento dos distúrbios psicológicos da
criança articulando-o aos fatores de risco nela identificados para desenvolvimento de
psicopatologias como doença mental e violência intrafamiliar, não se pretende esgotar o
assunto nem tampouco oferecer respostas explicativas, mas sim contribuir no aprofundamento
de algumas questões e reflexões acerca do tema.
16
2.1. A FAMÍLIA
A partir dos escritos teóricos de Philippe Ariès (1981) Casey (1992) e Roudinesco
(2003) pode-se dizer que a família passou por, basicamente, três fases que de certa forma
trouxeram mudanças nas suas características e estabeleceram diferentes relações com seus
descendentes. A chamada família tradicional que figurou na sociedade ocidental do século
XVI até o final do século XVIII, tinha como principal função a manutenção e transmissão do
patrimônio e a prática comum de um ofício, passado através das gerações, não tendo função
afetiva (ARIÈS, 1981). Baseada na teoria monarquista do Direito Divino, o homem era a
autoridade máxima no lar, pois a família deveria agir em obediência à palavra de Deus, que
ordenara o mundo de forma imutável e dogmática. A família assim estruturada perpetuava o
poder do homem incontestavelmente (ROUDINESCO, 2003). A soberania masculina se
encontrava atuante em todas as instâncias sociais vigentes: na moral religiosa de um Deus
criador do homem e da mulher, no poder absoluto e divino do monarca sobre seus súditos, no
poder do pai sobre a família e os bens. Neste universo familiar, os filhos, na verdade
representavam a garantia do nome e manutenção da riqueza e do poder.
Na segunda fase que se situa entre o século XVIII até meados do século XX, a
chamada família moderna começa a se estruturar sob a lógica afetiva, a divisão de poderes
entre o Estado e os pais. Suas relações passam a ser pautadas nos sentimentos e na
sexualidade, sendo legitimadas pelo matrimônio, iniciando um lento processo de
dessacralização da instituição familiar. Com isso, a educação dos filhos passa a ser também
obrigação do governo e o poder patriarcal absoluto inicia sua decadência. “Nesta perspectiva,
o casamento mudou de natureza. Longe de ser um pacto indissolúvel e garantido pela
17
presença divina, ele se torna um contrato livremente consentido entre um homem e uma
mulher” (ROUDINESCO, 2003, p 39).
O casamento, nesta nova fase, é sustentado pela afetividade e duraapenas enquanto
esta existir, possibilitando a entrada em cena do divórcio, adotado oficialmente na França a
partir de 1884.
Ainda que o modelo de família tradicional tenha entrado em decadência no final do
século XVIII, ela resistiu reafirmando à paternidade sua função autoritária, “a ordem familiar
econômico-burguesa repousa, portanto, em três fundamentos: a autoridade do marido, a
subordinação das mulheres, a dependência dos filhos” (ROUDINESCO, 2003, p 38), que não
perderam seu lugar até o fim do século XIX, tendo sobrevivido inclusive às profundas
mudanças sociais que a revoluções Francesa e Industrial impuseram à Europa.
A criança foi investida de reconhecimento, afeto e preocupação moral, surge então
para ser amada e educada e é em torno da criança que a família moderna passa a gravitar e
dirigir sua atenção e interesse, constituindo-se como célula base da sociedade. O filho passa a
ser visto pela família burguesa como um ser desejado pelo casal constituído e um ser apto de
investimento na transmissão do patrimônio familiar (ROUDINESCO, 2003).
Casey (1992) examina o ponto de vista econômico da sociedade industrial
considerando que,
[...] quando o dinheiro se tornava o regulador das relações sociais, a
acumulação de riqueza criava divisões sociais muito maiores do que
no passado, e o Estado se arrogava um poder excepcional, à medida
que as outras instituições intermediárias se desvaneciam. (CASEY,
1992, p33)
18
Surge, na segunda metade do século XX, a família contemporânea, ou pós-moderna,
defensora da vida privada e das liberdades individuais. A sexualidade começava a não estar
ligada necessariamente à reprodução, principalmente depois da invenção da pílula
anticoncepcional, o que resultou no distanciamento cada vez maior do prazer sexual em
relação à procriação abrindo as portas para arranjos familiares os mais diversos, entre eles, o
homossexual.
Os divórcios aumentam, a autoridade paterna é questionada em todos os seus aspectos.
A emancipação da sexualidade da mulher e o casamento passam a ter sentido somente na
medida em que uma busca pelo prazer e pela completude em ambos os sexos, se
desfazendo quando estas buscas não mais existirem. Nesta óptica, a relação mãe filho tornou-
se primordial, à medida que a ascensão do divórcio afrouxava cada vez mais os laços
conjugais. Assistiu-se, portanto à consolidação cada vez mais crescente da soberania maternal
da família.
Com o passar dos anos pode-se perceber que a família restrita, nuclear perpetua-se
mediante uma desconstrução que a afasta da instituição do casamento (ROUDINESCO,
2003). Daí o surgimento na contemporaneidade “da noção de família “recomposta” que
remete a um duplo movimento de dessacralização do casamento e de humanização dos laços
de parentesco” (ROUDINESCO, 2003, p 153). Isto resulta na alteração da forma e
constituição da família: em que observamos o aumento de casamentos com famílias aonde os
cônjuges vêm de outros casamentos, já com filhos, de transmissão cada vez mais problemática
com rupturas e recomposições conjugais, imagens destituídas de pai heróico ou guerreiro e a
desconstrução do modelo ideal de família nuclear. Assim o próprio termo família recomposta
expõe a sua constituição frágil, neurótica, conhecedora da desordem, mas ainda preocupada
em resgatar o equilíbrio que a relação entre o homem e a mulher lhe confere.
19
A retrospectiva até aqui apresentada permite refletir as repercussões que o contexto
histórico, social e econômico teve sobre a constituição do grupo familiar alterando sua
formação, estrutura e função. Também é possível notar que a família se transforma
profundamente na medida em que modifica suas relações internas com a criança. Inicialmente
vimos a criança representando a garantia da manutenção do patrimônio familiar, em seguida
ela passa a ser investida de afeto tendo a família interessada em fornecer-lhe instrução e
formação para seu projeto de vida futuro (ARIÈS, 1981; CASEY, 1992).
Hoje, na contemporaneidade, tendo em vista as repercussões das fortes críticas que os
valores da família patriarcal sofreram nos movimentos estudantis e feministas da cada de
1960-75, renegando os modelos tradicionais anteriores, observa-se que esta família se
assemelha a uma tribo insólita, a uma rede assexuada, fraterna, sem hierarquia nem
autoridade, e na qual cada um se sente autônomo ou funcionalizado” (ROUDINESCO, 2003,
p 155). Então, a criança defronta-se com uma família inventada pelo individualismo atual,
onde cada qual busca garantir o seu espaço, a sua liberdade individual. Ao perderem as
referências tradicionais, sem colocar algo melhor que as substituíssem, os atuais pais, que
foram os filhos da geração dos anos 70 e 80, mostram-se completamente desorientados.
Ainda assim, não se pode negar que a família continua exercendo um importante papel
no desenvolvimento da criança, na formação do indivíduo e da sociedade. Neste sentido é no
núcleo familiar que a criança vive as primeiras etapas de seu crescimento e desenvolvimento,
portanto, para efeitos deste estudo trabalharemos com a definição de família nuclear, a qual
enfatiza a família como unidade biológica (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).
20
2.2. A FAMÍLIA E O DESENVOLVIMENTO SÓCIO AFETIVO DA CRIANÇA.
Desde suas primeiras publicações, Freud sustentou a estrita necessidade da família
como suporte para o desenvolvimento emocional dos filhos e como o núcleo organizador das
civilizações do mundo. A família é uma designação para uma instituição que é a mais antiga
que a própria espécie humana” (ACKERMAN, 1982, p.154).
E através dos séculos o grupo familiar existiu em todas as civilizações onde a história
pode alcançar algum tipo de conhecimento. Dando continuidade a esta idéia Winnicott aponta
que:
Não haveria nada de novo em afirmar que a família é um dado essencial da
nossa civilização. O modo pelo qual organizamos nossas famílias demonstra
na prática o que é a nossa cultura, assim como uma imagem do rosto é
suficiente para retratar um indivíduo (WINNICOTT, 2005, p.59).
A cada sucessiva civilização, a estrutura e função da unidade familiar submeteram-se a
alguma importante mudança que foi sendo gradualmente alterada com o passar do tempo e
com as mudanças sociais e culturais como anteriormente descrito neste trabalho. A família de
ontem, não é a mesma de hoje, que não será a mesma de amanhã, pois a História mostra que
a constituição do grupo familiar tem sido afetada grandemente pela ordem econômica e social
vigente e pelas estradas da vida em geral” (ACKERMAN, 1982, p. 154).
Atentos às transformações que o grupo familiar vinha sofrendo no início dos tempos
modernos, teóricos da psicanálise de uma maneira geral ao estudar o desenvolvimento infantil
destacaram a importância de se examinar a complexidade das relações que se estabelecem na
esfera familiar.
21
Ackerman (1982) não pretende desprezar a importância do grupo familiar para a
formação de um indivíduo e da sociedade na qual se insere, mas entendê-lo de uma forma
dinâmica comportando-se como uma unidade flexível que se adapta sutilmente às influências
agindo sobre elas tanto de fora como de dentro. Nos dias de hoje pode-se arriscar dizer que a
sociedade molda a forma e função da família de acordo com sua maior eficiência econômica.
Para Ackerman (1982), a família é essencial para o desenvolvimento pessoal e para a
adaptação à vida; ela é entendida por este autor como uma unidade social e emocional,
constituindo um grupo de pessoas unidas com o propósito de eficiente regulação ou direção
social. Desta forma, as experiências de vida familiar deixam uma profunda e duradoura
impressão em todos nós.
Ainda segundo este autor, quando a família é entendida como uma unidade social, o
grupo familiar parece apoiar-se sob os laços de parentesco, originalmente significando o pai, a
mãe e os filhos. No entanto, Ackerman (1982) vai além e argumenta que a família representa
também um funcionamento doméstico como uma unidade que agrega todos àqueles que
residem sob um mesmo teto ou submetem-se a autoridade de alguém superior envolvendo
numerosas pessoas.
Berenstein (1976) ao complementar tais nuances, admite a dificuldade em se definir a
unidade denominada grupo familiar, sendo óbvio que os limites afetivos do grupo familiar
não coincidem com seus limites descritivos. Segundo ele, pode-se considerar inicialmente
dois tipos de relações familiares, a família de origem percebida de forma clara e distinta e a
família com características imaginárias de nossa consciência, num limite mais ou menos
aberto e difuso do ponto de vista dos vínculos intra-psíquicos.
22
A família nuclear composta pelo marido a mulher e os filhos corresponde a um corte
que passa por alguns aspectos da nossa cultura, sendo, portanto uma definição meramente
descritiva (BERENSTEIN, 1976)
A definição da família nuclear ênfase à família como unidade biológica;
esta contém o biológico como limite enquanto sistema, mas a sua
particularidade enquanto sistema social é a relação através do seu
representante com o representante do outro grupo familiar. (BERENSTEIN,
1976, p. 29)
Isto significa que em tal formação que se ter a diferença sexual como condição de
procriação; no entanto a qualidade dos vínculos é definida a partir da relação entre os grupos
familiares e não só pelo aspecto biológico entre eles.
Internamente, a esfera familiar são os relacionamentos do pai e da mãe, dos pais e
filhos e finalmente entre os filhos. As correntes dos sentimentos as quais movem entre os
membros da família são diversos em tipos e em todos os níveis de intensidade. Em cada uma
destas correntes emocionais podem, sob circunstâncias alteradas, provocar uma corrente
antagônica. O tom emocional o qual governa os relacionamentos entre as pessoas de uma
família tem um desenvolvimento peculiarmente próprio, mas é continuamente influenciado
pelo relacionamento emocional das demais pessoas na família (ACKERMAN, 1982).
Esta múltipla mudança de correntes emocionais e contra correntes determinam a
atmosfera predominante na família. Em outras palavras, os processos pelos quais a criança
absorve ou rejeita em parte ou completamente sua atmosfera familiar determina seu caráter.
A tarefa da família é socializar a criança e favorecer o desenvolvimento de sua
identidade e Ackerman salienta dois processos centrais do desenvolvimento emocional, sobre
os quais os demais dependem:
23
O primeiro é aquele o qual conduz de uma posição de conforto e
dependência infantil para uma auto-orientação adulta com seus benefícios e
responsabilidades. O segundo processo é aquele no qual uma criança
gradualmente movimenta-se de uma posição de importância primária no
interior da família a uma posição de relativa importância, culminando
finalmente no desenvolvimento da auto-estima da criança em relação ao
resto da sociedade. (ACKERMAN, 1982, p.157)
Um processo compõe de um movimento de dependência para independência; o outro
processo significa um movimento do centro para a periferia no campo da importância pessoal
relativa e envolve uma adequada orientação de si mesmo para o mundo externo.
Ambos os processos são funções psicológicas da família como uma unidade. Para a
preservação do bem-estar emocional e da saúde mental é essencial que eles sejam
imperceptivelmente graduais. Em conjunção com este desenvolvimento a unidade familiar
torna-se menos forte (ACKERMAN, 1982).
Winnicott (1999) atribui a importância do grupo familiar em dois momentos do
desenvolvimento da criança: inicialmente como sendo um espaço de proteção e segurança em
relação ao mundo, e em seguida como um espaço de transição entre o cuidado dos pais e a
vida social mais ampla com a inserção da criança em outros grupos sociais como escola,
vizinhos, comunidade religiosa e na sociedade em geral.
Assim como a criança defronta-se com períodos críticos em seu desenvolvimento
também, o grupo familiar experimenta, na nossa cultura diversas reorganizações depois de
mortes, divórcios, novos casamentos, que determinam mudanças estruturais e ampliações ou
modificações no tamanho e forma do grupo familiar” (BERENSTEIN, 1976, p. 29).
Existe, portanto, uma idéia de que o grupo familiar e a criança se deparam com
situações e mudanças ao longo de suas vidas. Sendo uma delas entendida como o
24
desenvolvimento do grupo familiar e sua passagem por crises e momentos críticos e a outra
própria do desenvolvimento da criança com os seus períodos críticos.
Carter e Mc Goldrick (1995) oferecem uma visão de ciclo de vida levando em conta o
relacionamento intergeracional na família, sendo ela um sistema movendo-se e modificando-
se através do tempo. Em cada época, a família precisa reorganizar-se já que existe uma
complexa modificação de papéis para cada um dos membros da família bem como de uns em
relação aos outros (CARTER e MC GOLDRICK, 1995).
Discutem as famílias, de um ponto de vista desenvolvimental, onde situações vividas
no ambiente familiar como o divórcio, recasamento e doença crônica são fatores de transição
de um estágio para outro no processo de vida familiar. E é nestes momentos de mudanças que
o estresse familiar manifesta-se e intensifica-se (CARTER e MC GOLDRICK, 1995)
Nesta perspectiva, alguns sintomas, distúrbios ou disfunções apresentados eram vistos
em relação ao funcionamento normal ao longo do tempo. Porém, estes mesmos autores
admitem a dificuldade de se determinar quais seriam os padrões normais de mudanças
ocorridas no ciclo de vida familiar devido, de um lado, à atual alteração de valores e costumes
e de outro, à carência de modelos e referências com os quais se identificarem (CARTER e
MC GOLDRICK, 1995).
A criança, ao crescer em determinado grupo familiar, terá o seu ciclo de vida
individual acontecendo dentro do ciclo de vida familiar, que é entendido como o contexto
primário do desenvolvimento humano por permitir o relacionamento intergeracional de seus
membros (CARTER e MC GOLDRICK, 1995). Desta forma, a noção de ciclo está implícita
na família da seguinte forma: crescemos numa família, deixamos esta família, formamos
outra, na qual nossos filhos crescem e eles deixam para formar outra. Isto assume certa
25
continuidade. Se em alguma época da vida não estamos vivendo numa família nuclear, esta é
uma forma sempre recorrente, à qual sempre retomamos e que possui uma influência
fundamental em nossas vidas.
Outro aspecto importante é o desenvolvimento da identidade sexual da criança com a
figura parental do mesmo sexo. Sob esta abordagem, Ackerman deixa claro que a
personalidade é nascida e criada na matriz social da família; somente neste
enquadre experimental pode o indivíduo amadurecer e encontrar
estabilidade. Os determinantes biológicos e sociais do comportamento são
vistos como fases de um processo individual dinâmico, ao invés de uma
dicotomia. As funções da personalidade estão orientadas por ambas através
dos processos internos do organismo e por meio do seu ambiente.
(ACKERMAN, 1982, p.174-175)
Apesar de Winnicott (1999) também admitir a importância do grupo familiar e sua
relação com o desenvolvimento da personalidade individual, para ele a valorização dos pais
na constituição psíquica do filho se dá à medida que estes propiciem a ele um ambiente
facilitador para que ele se constitua de maneira saudável. Neste sentido, o ambiente deve ser
caracterizado de uma forma essencialmente humana:
O ambiente facilitador requer uma qualidade humana, e não uma perfeição
mecânica, de tal modo que a expressão “mãe satisfatória” me parece atender
às necessidades de uma descrição daquilo que a criança precisa, se os
processos de crescimento herdados se tornarem uma realidade no
desenvolvimento dessa criança específica. (WINNICOTT, 1999, p.139)
É importante observar que criança é parte da família e a família como parte da criança.
Sem a família, a criança está incompleta; sem a criança, a família está incompleta. As relações
entre os dois são interdependentes e interpenetrantes. A troca de afetos e influência é algo
circular; e movimenta-se de ambas as formas, da família à criança e da criança à família.
26
Alguma mudança no comportamento da família traz uma mudança no comportamento da
criança e vice-versa. Esta mudança pode ser determinada diferentemente por cada estágio da
evolução do grupo familiar, por cada estágio do surgimento da personalidade da criança. O
ambiente familiar é a essência do surgimento na criança dos padrões de adaptação; criança e
família são indivisíveis e o autor define os efeitos dos fatores genéticos e constitucionais
dentro de uma matriz de desenvolvimento de adaptação mútua da criança e grupo familiar
(ACKERMAN, 1982).
Ackerman (1982) nos chama a atenção para o fato da psicanálise de certa forma
negligenciar o estudo sistemático da interação familiar ao enfatizar os processos inconscientes
do indivíduo em detrimento do conhecimento da realidade do ambiente social.
Em algum ponto estudos psicanalíticos debruçaram ao estudo e ao entendimento das
individualidades parentais, ou seja, da função paterna e da função materna que têm seu
merecido valor na área de compreensão dos papéis parentais. Porém, a unidade familiar como
um todo foi perdendo sua força num campo teórico mais abrangente da saúde mental do
indivíduo. No entanto, até o momento os teóricos, principalmente no campo da psicanálise,
concordam que a relação familiar é um dos senão o principal poder estruturante da
subjetividade individual e constituinte da condição humana. E, portanto, na aquisição da
identidade sob as seguintes formas:
1. Por ser um local que oferece apoio emocional e estabilidade social: é um local
onde se adquire um senso de identidade, capacidade e aceitação próprias.
Embora não seja o único local, é muito importante, como fonte contínua de
identidade.
27
2. Fornece uma série de papéis, os quais nos localizam dentro da ordem social
como maridos, esposas, filhos. Tais papéis carregam valores, os quais
preparam os adultos a demarcar e reconhecer seu próprio estado adulto.
3. A experiência de vida familiar auxilia-nos a estabelecer as identidades sociais,
num sentido mais amplo dentro de um gênero, classe ou grupo étnico.
Porém quando ela sucumbe em proporcionar a criança esta rica experiência de
relacionamentos intergeracional e um ambiente propiciador de desenvolvimento da criança, é
que pode aparecer o seu potencial de desintegração. Para entender de que forma as
experiências familiares podem contribuir e influenciar efetivamente um curso de
desenvolvimento emocional patológico é preciso considerar algumas posições teóricas mais
específicas.
2.3. FAMÍLIA, DOENÇA MENTAL E DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
Primeiramente, Berenstein (1976) auxilia-nos a partir de uma abordagem sistêmica por
ele proposta como se dá o funcionamento na família que possui um doente mental.
No grupo familiar, enquanto sistema entende-se que existe um conjunto de relações
recíprocas às quais o comportamento de um indivíduo está vinculado, isto é, o seu
comportamento é determinado e determinante.
Pensar que a família determina o distúrbio mental de um de seus integrantes
ou que o paciente determina por meio da sua doença “natural” a organização
familiar, supõe pensar em termos de causalidade linear. Estudar a relação
supõe a passagem a uma causalidade circular ou estrutural (BERENSTEIN,
1976, p. 71)
28
Isto quer dizer que não basta caracterizar isoladamente as atitudes e comportamentos
de cada membro da família, como uma somatória de indivíduos, mas sim agrupar os
integrantes num sistema de relações interligadas que lhe conferem sentido e significado. As
relações estabelecidas no meio familiar são recíprocas, tal grau de reciprocidade pode
aparecer de forma clara e objetiva, quanto adquirir uma conotação subjetiva não sendo
totalmente consciente para seus membros. Isto significa dizer que os sintomas do doente
mental não estão totalmente imunes e não relacionado ao contexto familiar no qual se
manifesta.
Berenstein (1976) ao tratar da família e o doente mental define-a como uma
organização cindida, embora busque enfatizar o caráter relacional entre estes termos e não
causal e determinante entre tais condições. Considerar o doente mental isoladamente, segundo
ele, é receber e induzir as mesmas respostas, fixas e repetitivas; podemos considerar que elas
são resultado do isolamento do doente mental do seu grupo psicossocial, do qual faz parte e
com quem se relaciona tanto na saúde quanto na doença.
Neste tipo de organização dualista os indivíduos encontram-se definidos uns em
relação aos outros por pertencerem ou não à mesma metade, cada uma das quais adota uma
posição diferente. Em termos familiares, uma das partes é formada pelo doente e adota tal
denominação e a outra parte formada pelos sadios, que adotam efetivamente esta
denominação. Quando esta divisão entre sadios e doentes existe, se estabelece uma
organização duradoura, determinada e determinante da organização familiar levando o grupo
a buscar no contexto social o marco para legitimar esta organização. Com este movimento
atuando no grupo familiar, o exame psicológico e psiquiátrico pode ser procurado para tal
finalidade e o profissional sem aperceber-se de tal organização pode enquadrar e fixar esta
organização dualista (BERENSTEIN, 1976).
29
Isto significa dizer que mesmo sob condições inadequadas e patológicas, o grupo
familiar encontra uma maneira de se constituir e se organizar. Pois isto atende e contempla a
dualidade de sua organização.
A contribuição de Berenstein (1976) se na medida em que ele proporciona uma
visão de como o grupo familiar se estabelece tendo, a doença mental presente em seu meio e
esta adquire uma função específica dentro do sistema familiar podendo cristalizar-se por anos.
Embora ele não entre diretamente na discussão do desenvolvimento da criança, salienta a
necessidade desvincular a abordagem individualizada do doente mental, mas compreendê-la
em sua relação com o contexto familiar no qual e insere.
Ackerman (1982), de forma similar, destaca uma revisão crítica dos conceitos
existentes da causa dos distúrbios de personalidade. Isto torna possível o entendimento da
patologia do membro individual no contexto de vida do grupo familiar. Isto esclarece o
equilíbrio entre as forças integradoras e desintegradoras da vida familiar.
Mesmo com diferenças ao considerar a relação da família com o desenvolvimento
infantil, tanto Ackerman (1982) quanto Winnicott (2005) compartilham da idéia de que a
família pode favorecer e contribuir para o desenvolvimento saudável como ser uma poderosa
força de desintegração das interações do grupo familiar e do desenvolvimento de distúrbios
psicológicos e psicopatologias.
Ackerman (1982) tece as seguintes considerações ao avaliar o papel do ambiente
familiar nos distúrbios psicológicos da criança:
1. O surgimento do distúrbio psicológico na criança é regularmente precedido pelo
conflito familiar. uma relação demonstrável entre o conflito na criança e o conflito
na família. O distúrbio psicológico em uma criança é uma expressão funcional da
30
deturpação emocional da família toda; uma vez que a desordem familiar está
internalizada, o progresso interativo da criança e da família afetará o futuro da doença
da criança.
2. A psicopatologia da criança é uma resposta não simplesmente à caracterização
individual de cada pai ou mãe, mas também uma distorção no desenvolvimento das
representações de identidade incorporadas do casal conjugal e parental. Desordens
específicas no desenvolvimento da relação parental e conjugal são seguidas por um
processo sutil de mudança e divisão destas tendências patogênicas entre os
descendentes; cada criança absorve e reflete de uma forma altamente seletiva, as
qualidades doentes de cada pai/mãe como indivíduo e dos pais como um casal unido.
3. Se a criança é tratada e a desordem familiar ignorada, a criança de novo cai doente.
4. Se a criança melhora, outros membros da família podem adquirir alguma melhora ou
piora.
5. Conflitos e ansiedade em outro membro da família podem bloquear o progresso da
terapia da criança. Isto é tão particularmente se uma criança é o fantoche dos conflitos
não resolvidos entre os pais.
6. Se o grupo familiar é tratado assim como a criança, torna-se possível combinar os
objetivos da terapia com aqueles de prevenção de doença mental
O papel da família na indução do distúrbio da criança repousa nas lesões infligidas
sobre a criança, o tempo destas agressões e a duração delas. O resultado eventual é
determinado pela condição maturacional da criança como organismo, a vulnerabilidade da
personalidade da criança, e o poder curativo que pode ser mobilizado pela criança e família
juntas. O prejuízo emocional infligido na criança pode resultar em (ACKERMAN, 1982):
31
1. Uma ameaça fundamental para a sobrevivência da criança, em termos do prejuízo do
corpo, negligência, inanição, físicas ou emocionais, ou ambas;
2. Uma simbiose patogênica da criança e um dos pais com uma fixação no crescimento
da criança;
3. Alguma suscetibilidade maior ou menor para doença mental.
A criança pode reagir às ameaças no ambiente familiar em alguma das seguintes
formas (ACKERMAN, 1982):
1. Ela pode agredir sua família e tentar desse modo coagir a gratificação de necessidade.
Nessa categoria entram os distúrbios de comportamento agressivo e as formas
sociopáticas de distúrbio de comportamento.
2. A criança pode retirar-se do contato com sua família, nessa categoria entra o
desenvolvimento recessivo da personalidade e tende em direção a uma preocupação
excessiva consigo próprio e o corpo.
3. A criança pode reagir com excessiva ansiedade, internalização de conflitos e com a
produção de uma ou outra forma estruturada de psicopatologia:
Vitolo et al (2005) buscaram levantar quais práticas educativas adotadas pelos pais
avaliadas através de um Inventário de Estilos Parentais poderiam ser preditoras de
comportamentos listados por um instrumento padronizado, com a participação de trinta
crianças com idade entre onze e treze anos, da rede pública de ensino e um de seus pais. Os
resultados obtidos sugerem que determinadas práticas educativas podem predizer,
significativamente, o comportamento da criança. Ou seja, as práticas caracterizadas por
interesse, acompanhamento positivo e comportamento moral são variáveis preditoras de
32
comportamentos pró-sociais, na sua ausência e aliada a práticas negativas como negligência,
descaso, falta de atenção e omissão são preditoras de distúrbio de comportamento.
Salvo et al (2005), em um estudo de corte transversal realizado em Taubaté São Paulo,
investigaram a prevalência e os fatores de risco para saúde mental em escolares e sua possível
relação com crenças e atitudes educativas dos pais, mostraram que a prevalência dos casos
clínicos limítrofes para saúde mental foi de 35,2%: os sintomas de ansiedade/depressão foram
os mais freqüentes, seguido dos problemas de conduta, hiperatividade/déficit de atenção e
problemas de relacionamento com colegas, sendo a maioria do sexo masculino. Os pais que
acreditavam na punição física como método educativo agrediam os seus filhos com maior
freqüência. As crianças cujos pais batiam com o cinto, quando comparadas às que não sofriam
este tipo de agressão mostraram maior taxa de hiperatividade e problemas de conduta.
Quando os pais tinham problemas de saúde mental, as crianças apresentaram mais problemas
de conduta, problemas emocionais e dificuldades de relacionamento com colegas. Embora
neste estudo a associação entre a crença dos pais de que apanhar é educativo e problemas de
saúde mental nos escolares não tenha se apresentado, os pesquisadores ponderam que a
análise deste tipo de variável esteve prejudicada pela não objetividade nas respostas dos
informantes.
A pesquisa conduzida por Ferreira e Marturano (2002) teve como objetivo investigar a
associação entre o ambiente familiar e problemas de comportamento apresentados por
crianças com baixo desempenho escolar encaminhadas a um serviço público de Psicologia. Os
resultados mostraram que o ambiente familiar do grupo de crianças com problema de
comportamento externalizante apresenta menos recursos e maior adversidade: problemas nas
relações interpessoais, falhas parentais quanto à supervisão, monitoramento e suporte, indícios
de menor investimento dos pais no desenvolvimento da criança, práticas punitivas e modelos
33
adultos agressivos. Uma das implicações destes resultados salientadas pelos pesquisadores é
que nesta população há um segmento de alto risco para distúrbio psicossocial na adolescência,
por apresentar problemas externalizantes com componentes anti-sociais, em ambientes
caracterizados por adversidade múltipla, desta forma o atendimento não pode se restringir às
questões escolares, mas abranger o sistema familiar com intervenções preventivas.
Em Pelotas, Rio Grande do Sul um estudo longitudinal desenvolvido com crianças
buscou identificar os fatores de risco que possam estar associados à qualidade do ambiente e a
algumas características das crianças expostas e constatou que 15,40% viviam em ambiente
negativo. Entre os fatores de risco associados encontram-se: baixa renda familiar mensal,
baixa escolaridade materna, sexo masculino, casas com mais de 7 residentes, número de
irmãos maior ou igual a quatro, uso de tabaco na gestação, crianças que dormem na cama dos
pais aos 4 anos e mães com presença de transtornos psiquiátricos. Com relação a este último
fator os pesquisadores destacam que houve uma significativa relação entre a presença de
transtornos psiquiátricos menores na mãe e a qualidade do ambiente. Com isso eles discutem
que as mães cujos indicadores de suspeita de transtorno mental foram menores apresentaram
ambientes positivos. Embora neste estudo o consumo de bebida alcoólica não esteve
associado à ambientes negativos, eles argumentam que as mães sabendo dos malefícios deste
uso durante a gestação não declararam este tipo de informação, outro resultado diferente
poder-se-ia esperar também se esta variável tivesse sido adequadamente coletada durante a
fase de avaliação do ambiente, uma vez que nos alcoolistas existem evidências de
desorganização familiar (MARTINS ET AL, 2004).
Outro estudo descritivo sobre a influência do ambiente familiar em crianças com
comportamento agressivo concluiu que em famílias cuja presença de alcoolismo,
34
manifestações de agressividade, transtornos nervosos entre outros predominaram a
manifestação de comportamento agressivo na criança (NOROÑO ET AL, 2002).
outro ponto estudado por Winnicott, refere-se aos efeitos dos distúrbios
psicológicos presentes nos pais sobre o ambiente familiar, observando que “o distúrbio
psiconeurótico do pai ou da mãe acarreta certas complicações para a criança; a psicose de um
dos pais, porém suscita perigos mais sutis para o desenvolvimento sadio.” (WINNICOTT,
2005, p.74)
Uma pesquisa epidemiológica recente realizada na Alemanha objetivou examinar as
diferenças de gêneros sob influência do alcoolismo paterno, no desenvolvimento sócio-
emocional de crianças e determinar se o alcoolismo paterno está associado com um grande
número de sintomas exteriorizados nos filhos do sexo masculino. Este estudo concluiu que
crianças de pais alcoolistas estão em alto risco para psicopatologia. Particularmente, ser um
filho ou uma filha de um pai alcoolista foi associado com um elevado risco para o
desenvolvimento de comportamento agressivo e delinqüente. Enquanto na infância precoce,
meninos e meninas filhos de pais alcoolistas apresentaram padrões parecidos de
comportamento exteriorizado, na fase pré-pubere as meninas tiveram uma significativa
tendência a apresentar comportamentos internalizados como queixas somáticas, fobias,
ansiedade generalizada, depressão, quando comparadas ao grupo controle, cujos pais não
tinham diagnóstico de alcoolismo (FURTADO, LAUCHT, SCHMIDT, 2006).
estudos realizados com filhas de alcoolistas mostraram que elas apresentam mais
problemas emocionais e comportamentais que filhas de não-alcoolistas (SOUZA ET AL
2005). Figlie et al (2004) desenvolveram um estudo num bairro da periferia de São Paulo
objetivando investigar o perfil de crianças, adolescentes e familiares atendidos em um serviço
de prevenção seletiva para dependentes químicos; os resultados mostram que com relação ao
35
perfil familiar, 67% pertencem à categoria sócio-econômica baixa; na maioria das famílias o
pai é o dependente químico, tendo como substância de escolha o álcool. Detectou-se também
que em 59% dos cônjuges que não apresentavam dependência química havia o risco de
distúrbios em saúde mental. Nas crianças foram observados timidez e sentimento de
inferioridade, depressão, conflito familiar, carência afetiva e bom nível de energia. Em
relação aos estressores familiares destacaram-se as agressões físicas, em que a criança é
vítima indireta de agressões físicas que ocorrem no lar, seja no âmbito físico e/ou emocional.
nos adolescentes foram observados problemas nas seguintes áreas: desordens psiquiátricas,
sociabilidade, sistema familiar, lazer e recreação.
Ao abordar os efeitos da psicose sobre a vida familiar mediante a discussão de casos
clínicos, Winnicott nos lembra que muitas famílias se desfazem devido à carga da psicose
sobre um de seus membros. A partir de casos em que as crianças a ele encaminhadas
apresentam sintomas psicóticos, alguns deles revelam com o passar do tempo e com o
resultado positivo do tratamento que “a psicose latente do adulto, que aentão se mantivera
oculta e adormecida, reaparece pela profunda transformação positiva operada na criança e
passa exigir sua cota de atenção e aceitação” (WINNICOTT, 2005, p. 93).
Por outro lado, situações em que os pais não conseguem dar continuidade ao
tratamento o filho, expõem a fragilidade de adesão e colaboração visto que o pai ou a mãe
acometido pela doença se encontra limitado em suas possibilidades afetivas de auxílio ao
filho.
Quanto às conseqüências da psicose parental para o desenvolvimento emocional da
criança, pode ocorrer a seguinte situação em que um dos pais assume o papel do outro a fim
de compensar os limites e impossibilidades de relação afetiva satisfatória que a psicose do
outro acarreta, podendo este ser um fator de desintegração da família. A conseqüência é de
36
que “os pais dotados dessas características fracassam, de muitos modos, no cuidado de seus
filhos” (WINNICOTT, 2005, p. 107) e salienta, com base em sua prática, a necessidade de se
afastar a criança de um dos pais, especialmente se este é psicótico ou severamente neurótico.
Segundo ele tais características psicóticas nos progenitores afetam de muitos modos o
desenvolvimento das crianças. Porém ele argumenta que a psicose dos pais não produz
psicose nos filhos como numa equação direta, linear.
Para Winnicott (2005), em pais depressivos a repercussão da doença recai sobre o
afeto que um deles tem disponível para dar aos filhos; por exemplo, quando uma criança
encontra-se num estágio em que o cuidado materno é imprescindível, pode ser muito
perturbador ver a mãe preocupada com alguma outra coisa.
no caso de alguns pais são as oscilações de humor de caráter maníaco-depressivo
que mais afetam as crianças. Estas desde muito cedo aprendem a avaliar o estado e espírito
dos pais, observando-os cuidadosamente; é a imprevisibilidade de alguns pais que pode ser
traumática. Ultrapassados os primeiros estágios de dependência máxima, a criança encontra
melhores condições de lidar com as adversidades presentes ou previstas. Crianças com melhor
capacidade intelectual levam vantagem sobre as demais no que toca à previsibilidade; no
entanto, às vezes por serem muito exigidas, sua inteligência torna-se refém das oscilações
emocionais de seus pais, voltando-se apenas à tarefa de predizer os humores maternos e
paternos (WINNICOTT, 2005).
Um estudo epidemiológico conduzido por Caraveo et al (1994) buscou avaliar se a
depressão presente no adulto seria um fator de risco para a saúde mental dos filhos. Os
resultados obtidos apontaram que os filhos de pessoas deprimidas têm maior risco para
apresentar diferentes transtornos, como irritabilidade, sentimentos de desesperança,
37
expressados através de idéias de morte demonstrando uma significativa associação. As es
com depressão tendem a serem mais críticas com seus filhos do que aquelas não
diagnosticadas, apesar das crianças terem comportamento similar; neste sentido existem
conseqüências para o comportamento adaptativo dos filhos. Já, evidências mostram que os
filhos cujo pai tem depressão possuem maior risco para apresentar transtorno de ansiedade e
déficit de atenção.
Hallak, Hallak e Golfeto (1999) desenvolveram uma pesquisa objetivando avaliar um
grupo de mães de crianças com distúrbios emocionais e de aprendizagem em relação a
algumas variáveis pré e peri natais, correlacionando esses dados com o nível de estresse
materno. Seus resultados apontaram que existe uma correlação positiva como sendo um dos
fatores relacionados aos problemas dos filhos.
Winnicott (2005), portanto, considera relevante o estágio de desenvolvimento em que
se encontra a criança quando da ocorrência de um fator traumático: se sua dependência é
completa, ordinária adquirindo aos poucos sua independência, ou ter se tornado
independente. O poder judiciário deve intervir naqueles casos em que os maus tratos ou a
negligência são flagrantes.
Embora não haja uma referência explícita à experiência de abuso e violência
intrafamiliar, tanto Ackerman (1982), quanto Winnicott (2005) sugerem que, nos ambientes
familiares onde se constata fatores de desintegração e presença de doença psicopatológica
possa haver uma maior suscetibilidade a ocorrências desta natureza.
38
2.4. A VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
Esta pesquisa não pretende explicar o fenômeno da violência intrafamiliar, mesmo
porque a violência por si é um tema complexo, profundo, envolvendo diversos fatores e
que acomete a sociedade mais ampla e não se restringe ao âmbito familiar exclusivamente.
O que nos interessa neste trabalho é entender a ocorrência de situações de abuso e
maus tratos na população infantil em conseqüência de situações familiares adversas,
envolvendo doença mental e conflitos nas relações familiares. Como Ackerman (1982) sugere
ao analisar os prejuízos emocionais decorrentes das vivências familiares desintegradoras,
estes podem expor a saúde mental da criança tanto em termos físicos quanto psicológicos.
Uma breve reflexão sobre a violência perpassa os escritos de Hannah Arendt (1994)
que nos alertava para a falta de grandes estudos sobre a violência e a conseqüente
banalização do conceito. Em seus ensaios ela nos proporciona uma macro-análise filosófico
política sobre a violência a partir dos principais acontecimentos mundiais do século XX.
Segundo a autora, é a desintegração do poder que enseja a violência, pois quando a autoridade
não é mais acatada pela falta de consenso e coesão. A violência, para ela, caracteriza-se por
sua instrumentalidade, distinguindo-se do poder, do vigor, da força e mesmo da autoridade. A
violência contrapõe-se ao poder: a presença absoluta de um significa a ausência do outro
(ARENDT, 1994).
Na sociedade ocidental, e mais propriamente no Brasil, foi na década de 1980 que o
tema da violência começou a entrar no debate social e político e ter sua participação no campo
da saúde. Assim, a sensibilização em relação ao tema teve início com os problemas de
violência contra a criança (MINAYO, 2006)
39
Na literatura nacional, as contribuições de estudiosos no assunto da violência
intrafamiliar tendem a enfatizar uma abordagem sócio histórica como será examinada a
seguir. De certa forma, isto esclarece que conceitos como: poder, violência, força e autoridade
estabelecem-se de maneira bastante equivocada quando falamos de um país como o nosso,
cuja formação e construção esteve enraizada numa cultura de dominação, exploração e por
que não de violência por parte de um movimento imperialista e colonialista.
Guerra (2005) sustenta que é difícil precisar na história da infância se este ou aquele
período trouxe mais ou menos violência física no relacionamento pais-filhos, o que se pode
dizer é que se chegou ao final do século XX defrontando-se com este fenômeno e em números
alarmantes.
Enquanto descoberta científica, a violência física doméstica foi descrita em 1860 na
França por um médico chamado Ambroise Tardieu ao publicar um trabalho descrevendo as
lesões sofridas por trinta e duas crianças com idade inferior a cinco anos, chamando a atenção
para as discordâncias por ele encontradas entre as explicações dadas pelos pais agressores e as
características das lesões apresentadas. Guerra (2005) ainda destaca que na época tal trabalho
não teve tanta repercussão no meio intelectual, no entanto, sua contribuição refletia uma
realidade presente na época em jornais, diários e autobiografias.
No século XX, nos Estados Unidos, o fenômeno da violência doméstica volta a
transitar no plano científico, época de muitos movimentos sociais que combinados
alimentavam as questões críticas a respeito da família, da autoridade e da violência como, por
exemplo, a militar. Segundo Guerra (2005), é neste contexto que os americanos descobrem
em 1962 a violência física doméstica, através da publicação de um trabalho feito por F.
Silverman e H. Kempe no qual apresentam 749 casos de crianças vítimas da chamada
Síndrome da Criança Espancada, nomenclatura esta formulada por eles próprios. Em seus
40
registros eles encontram uma freqüência maior desta síndrome nas crianças menores de três
anos de idade e reafirmam com base em exames clínicos e radiológicos a discordância entre
as informações dadas pelos pais e os achados clínicos. Ou seja, os sinais clínicos concluíam a
ocorrência de violência física contra a criança por parte dos seus pais e não oriundas das ações
comportamentais da criança.
As repercussões deste trabalho na sociedade americana e no meio científico da época
contribuíram para a utilização de um modelo psicopatológico centrando o problema da
violência doméstica nos pais e não responsabilizá-los legalmente, ao atribuir-lhes a condição
de portadores de distúrbios emocionais. Por outro lado, o trabalho encorajou a notificação de
casos suspeitos ou confirmados de violência doméstica nos serviços de proteção à criança em
alguns estados americanos entre 1963 e 1967. Este aspecto é observado por Minayo,
Nos anos 60, por meio de textos e debates os profissionais da saúde
começaram a fazer denúncias sistemáticas sobre as várias modalidades de
violência contra crianças e adolescentes e sua influência negativa para o
crescimento e o desenvolvimento das vítimas. (MINAYO, 2006, p. 47)
Se o tratamento jurídico do problema trouxe uma resposta mais efetiva para a opinião
pública que assistia ao aumento significativo nas estatísticas de crianças vitimizadas, o mesmo
não se observou quanto à eficácia das políticas públicas de atendimento aos pais agressores,
cujos resultados mostraram-se pouco expressivos.
Em se falando de realidade brasileira, seja do Brasil Colônia, Império e República,
nossas crianças sejam elas brancas, negras, ricas, pobres, de sexo masculino ou feminino são
disciplinadas mediante a aplicação de castigos físicos. Tal disciplinamento é entendido como
educação para a obediência à lei do adulto. Do ponto de vista jurídico este tipo de
disciplinamento é de certa forma, aceito por nossa sociedade, pois o nosso atual Código Penal
41
que data da década de 1940 descreve que são passíveis de punição os chamados castigos
imoderados. Com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente é que a situação se
modifica no sentido de se propugnar a notificação obrigatória deste tipo de violência,
propondo medidas de intervenção na família do agressor bem como alertando para a
prevenção do fenômeno (Guerra, 2005).
Ou seja, ainda persistem hoje em nosso meio as idéias educacionais vigentes no
mundo europeu nos séculos XVII e XVIII. Infelizmente, os princípios trazidos pelos
colonialistas ainda vigoram fortemente em todas as camadas e grupos sociais de nosso país.
Ao analisar as produções científicas publicadas a partir da reabertura política no país
Guerra (2005) conclui que se trata de uma produção marginal que enfoca basicamente a
opinião que pais e filhos possuem acerca da punição corporal, o que se permite afirmar que a
compreensão do fenômeno na cultura brasileira atual é lacunar que se assenta em trabalhos
de restrito alcance público bem como profissional ou silenciam sobre a problemática,
contribuindo para um processo de banalização cada vez mais crescente.
Minayo entende que se deva ir além dos aspectos sócio-culturais presentes na prática
de violência contra a criança e esclarece
que o setor saúde quando assume a violência como um dos mais importantes
agravos à saúde da população mundial o faz num tom diferente da lógica
com que trabalham os cientistas políticos e as forças de segurança pública. A
saúde pública está preocupada com as vítimas e não com a repressão, não no
sentido de inocentar ninguém, mas de atuar na promoção da vida e na
qualidade de vida. (Minayo, 2006, p. 48)
Scodelário (2002) ao falar de famílias que incluem em sua dinâmica a violência física,
sexual ou psicológica explica que freqüentemente há uma cristalização em relação aos
lugares de quem foi vitimizado e o agente da agressão” (SCODELÁRIO, 2002, p 98). A
42
permanência destes lugares pode ficar inalterada durante anos, porém dependendo da situação
elas podem apresentar-se compartilhadas, confundindo o observador em relação a quem é o
agressor e quem é a vítima. Também se pode pensar que a família alcançou um equilíbrio ao
funcionar desta forma, ainda que precariamente e sofrida para todos.
Tal disfuncionalidade familiar, ainda segundo Scodelário (2002), é evidenciada por
alguns aspectos. Primeiro trata-se da imensa dificuldade de comunicação entre os seus
membros, principalmente em relação às vivências emocionais, ou seja, um gesto, uma ação
forte ou violenta acompanhada ou não por uma palavra substitui a comunicação verbal nas
relações interpessoais. Quando isto ocorre pode-se considerar que o(s) agente(s) das agressões
são grandes atuadores que carecem dos meios verbais de comunicação para expressarem o
que sentem. Opinião semelhante é descrita por Minayo (2005) ao analisar a violência
intrafamiliar.
Um segundo aspecto analisado é o estabelecimento por Scodelário (2002) chamado
complô do silêncio o que favorece a continuidade e a (re) produção da violência dentro da
mesma família: tanto por parte do agressor como por parte da vítima.
Mesmo em casos em que haja a separação conjugal, Guerra (2005) pontua que o
parceiro não agressor dificilmente toma as medidas de proteção necessárias referentes à
vítima.
Um terceiro aspecto encontrado é a utilização intensa de mecanismos psicológicos de
defesa como a negação da violência vivida e a auto-estima da vítima rebaixada.
Um quarto aspecto mostra que a família abusiva apresenta sérias dificuldades em
reconhecer, aceitar e respeitar os limites. Nela encontra-se o abuso do poder, que é exercido
de forma arbitrária com excesso de transgressão e ausência de interdição imposta pela cultura.
43
Conseqüente omissão da função interditora que age em conivência com o agressor. A falta de
limites entre as gerações, onde não há a discriminação de papéis (SCODELÁRIO, 2002).
Quanto às conseqüências associadas à ocorrência de situações de maus-tratos e abuso
na vítima, Assis (2002), Guerra (2005) e Minayo (2006) apontam os agravos orgânicos
caracterizados por lesões físicas, traumatismos, hematomas, queimaduras, fraturas e outros
em decorrência geralmente do abuso físico e/ou sexual. Do ponto de vista emocional existe
uma variedade de sintomas associados e, em geral, as autoras apontam na criança sentimentos
de raiva, de medo quanto ao agressor, dificuldade de aprendizagem, desconfiança, têm
sentimentos de estranhamento, distúrbios de comportamento (dispersão, fobias e terror
noturno, agressividade, passividade, comportamentos autodestrutivos, isolamento social),
atitudes erotizadas precoces, com interesse por brincadeiras sexuais, dificuldade de
socialização, reduzida auto-estima e depressão. A presença de um ou mais destes sintomas
dependem da idade, das condições psicológicas das vítimas, histórico anterior, grau de
parentesco com o abusador, tempo e freqüência do ato. E com freqüência o abuso psicológico
está associado a distúrbios do crescimento e do desenvolvimento psicomotor, intelectual e
social (MINAYO, 2006).
Salomon (2002), ao discutir o impacto patogênico da violência sobre as crianças que o
sofrem considera primeiramente o aspecto de desenvolvimento da infância e o quanto a
criança depende de seus pais para sua sobrevivência. Neste sentido, quando uma criança
pequena é maltratada por aqueles de quem ela espera cuidado e proteção, ela torna-se refém
daquelas mesmas pessoas que infligem dor e sofrimento. A autora ainda descreve que estas
crianças tendem a ser profundamente confusas e ambivalentes e em geral podem reagir de
duas formas diferentes ou oscilar entre elas: ora refugiando-se em si mesmas, com freqüência
tornam-se deprimidas, amedrontadas, ansiosas e com reduzida auto-estima, sem confiança em
44
si mesma, dificuldades em lidar com a vida; ora a violência passa a ser tratada como modo de
vida, pois como aprenderam que confiar no outro significa expor-se à dor e ao perigo, a
criança desenvolve um medo de que o outro a prejudique evitando o envolvimento, sua
habilidade de relacionamento interpessoal e mais tarde a escolha de seu parceiro amoroso.
Mais tarde ao serem pais, evidências empíricas, segundo ela, demonstra que muitos deles,
especialmente do sexo masculino tendem a maltratar seus próprios filhos. As do sexo
feminino em geral se casam com homens que cometem abusos contra elas.
Cecconello, De Antoni e Koller (2003) ao fazer uma revisão sobre práticas
educativas e estilos parentais no contexto familiar, apontam uma série de indicadores
como fatores potenciais de proteção ou risco para o abuso físico, na perspectiva pessoal,
são citados como causadores do abuso físico as características ou transtornos de
personalidade, tanto do abusador quanto do abusado, como impulsividade, agressividade,
transtornos de humor, doença mental ou física e deficiência física, entre outros. Além
disso, o risco de maus tratos contra crianças ocasionadas pela depressão pós-parto e
pelo uso de drogas, incluindo bebidas alcoólicas. A experiência dos pais é outro aspecto
que contribui na medida em que o abuso sofrido pelos pais em sua infância tende a
repetir esta experiência com seus próprios filhos. E na perspectiva familiar prevalece a
crença nos valores autoritários e na asserção de poder dos pais sobre os filhos e o abuso
físico é justificado e compreendido pelos familiares como uma prática disciplinar.
Um estudo que teve como objetivo mapear os fatores de risco para abuso sexual
intrafamiliar identificados em 71 processos jurídicos demonstrou que o ambiente familiar
constituiu o principal contexto no qual as crianças e adolescentes foram vitimizados
sexualmente. Com relação ao perfil do agressor em sua maioria era do sexo masculino,
em 57% dos casos o abusador era o pai, seguido de padrasto ou pai adotivo. Os fatores
45
de risco significativos identificados neles foram agressividade, problemas com álcool e
outras drogas, transtornos mentais, rigidez, fanatismo religioso e possessividade. Outro
aspecto importante da dinâmica familiar foi a presença de outros tipos de violência, tais
como, violência física ou psicológica, negligência dos pais e uso de drogas. A violência
apresentou-se como estratégia predominante nas práticas educativas dos pais. As reações
da família, principalmente da mãe, frente à revelação da vítima são um importante fator
para o desenvolvimento de sintomatologias psiquiátricas e alterações de comportamento
na vítima. Quando a família demonstra credibilidade ao relato da criança e assume
estratégias para protegê-la, esta se sente fortalecida e apresenta maiores recursos para
enfrentar a experiência abusiva. Contudo, quando a reação da família é negativa e esta
não oferece apoio social e afetivo, a vítima apresenta-se em situação de vulnerabilidade,
podendo desenvolver problemas tais como isolamento social, depressão, pensamentos e
tentativas de suicídio, ansiedade, entre outros. Os resultados apontaram ainda que o
desemprego, as famílias reconstituídas, o abuso de álcool e drogas, as dificuldades
econômicas e a presença de outras formas de violência constituíram os principais fatores
de risco associados ao abuso sexual (HABIGZANG ET AL 2005).
Um estudo desenvolvido por Maldonado e Williams (2005) buscou estudar o
comportamento de crianças do sexo masculino e sua relação com a violência doméstica.
Foram avaliadas 28 crianças do sexo masculino e suas respectivas mães, 14
apresentavam comportamento agressivo na escola e 14 não apresentavam tais
comportamentos. Embora a ocorrência de violência apontasse para ambos os grupos,
houve maior incidência e severidade na ocorrência de violência doméstica no grupo de
crianças agressivas. Além disso, constatou-se nas famílias participantes de ambos os
grupos problemas de saúde relacionados ao uso de álcool, drogas e depressão; porém no
grupo de crianças com comportamento agressivo este dado adicional à ocorrência de
46
violência doméstica prevaleceu. no outro grupo o problema de saúde não veio
associado à ocorrência de violência doméstica. As autoras discutem considerando que a
presença destes problemas de saúde pode ser tida como fatores de risco para a situação
de violência doméstica.
Harada e Carmo (2006) realizaram um estudo cujo objetivo foi pesquisar a
violência doméstica a partir da violência física como prática educativa. Mais da metade
das crianças apanham quando os pais impõem limites. Os poucos estudos mostram as
conseqüências e prejuízos vividos por estas crianças num ambiente nocivo à sua
integridade física e mental, tornando-se um problema não só judicial, mas principalmente
de saúde pública.
47
3. UTILIZAÇÃO DE PRONTUÁRIOS EM ESTUDOS SOBRE ABUSO CONTRA A
CRIANÇA EM SITUAÇÕES FAMILIARES
A utilização de prontuários em estudos e pesquisas realizados na área da Saúde tem
auxiliado os pesquisadores a conhecer de forma contextualizada a realidade em que ocorre o
seu estudo, compreender as características sociais, ambientais, econômicas, familiares e
culturais que sua clientela está inserida.
Embora os estudos que proporcionam ao pesquisador na área da saúde trabalhar nos
princípios e características da pesquisa social, podem num primeiro momento não estabelecer
parâmetros universais de precisão e solução prática imediata, eles permitem ao pesquisador
aprofundar o conhecimento dos aspectos e fatores envolvidos, ampliando para além dos
números os seus dados, conferindo a eles sentido e significado (MINAYO, 2004).
Considerando, ainda, que o campo da saúde é um fenômeno social significativo, as principais
tendências de interpretação são o positivismo, a fenomenologia e a dialética marxista. Minayo
(2004) destaca que isto representa não distintas possibilidades de análise, mas estão dentro
de uma disputa mais ampla, tanto de caráter ideológico quanto político.
O serviço público de Saúde Mental dentro do contexto de trabalho do SUS (Sistema
Único de Saúde) é algo bastante recente, do ponto de vista histórico. Dentre outras
modalidades de atendimento, destina-se ao atendimento psicológico infantil, sendo que
contexto de trabalho o SUS não preconiza ões da Psicologia na atenção primária e também
não dispõe de uma proposta objetiva para a saúde mental das crianças e adolescentes, exceto
para transtornos mentais graves através da implantação dos CAPSi (Centro de Atenção
Psicossocial Infantil). Sendo, portanto, uma especialidade, a Psicologia tem seu atendimento,
48
em geral, solicitado mediante encaminhamentos realizados por profissionais da saúde dos PSF
(Posto de Saúde da Família) e UBS (Unidade Básica de Saúde). Desta forma, cada serviço se
organiza bem ou mal ao seu contexto e à sua realidade social.
Em geral, é do prontuário médico que se extraem as primeiras informações relativas
à criança: de onde é encaminhada, quem é a pessoa ou serviço solicitante do atendimento, se
existem intervenções de outros profissionais médicos e para- médicos, registro diagnóstico
através da CID (Classificação Internacional das Doenças) entre outras.
Alguns estudos utilizando prontuários serão examinados a seguir como forma de
justificativa e clarificação de sua importância enquanto instrumento para análise de situações
que, de outra forma, seriam impossíveis de se atingir.
Estudo objetivando conhecer as características e queixas da clientela atendida por um
serviço de Psicologia Infantil (SANTOS, 2006), mostrou que predominou o sexo masculino e
a queixa de agressividade (tanto a forma física quanto a verbal, quando a intenção da criança,
descrita pelo responsável, era atacar, ofender ou ferir o outro) foi a mais freqüente seguida das
dificuldades de aprendizagem. Além disso, existem diferenças significativas entre os sexos
em relação a esta segunda queixa, pois as mais freqüentes foram do sexo feminino. Apesar
deste estudo, não investigar o ambiente familiar desta clientela estudada, seus resultados
apontam para a necessidade de se repensar em termos de políticas públicas para a saúde
mental na infância e na adolescência, pois muitas das condições identificadas podem
representar um risco para a saúde mental futura.
Outro estudo, que investigou o tipo de relação dos pais com a criança atendida em
psicodiagnóstico analisou os dados de anamnese de 108 prontuários e verificou de acordo
com o problema da criança havia um tipo específico de vínculo pais-filhos: nos distúrbios de
49
conduta predominam o abandono e negligência educacional; nos distúrbios de socialização;
além do abandono e negligência, exigência e divergência educacional. Estes indicadores
possibilitam nortear, portanto, as intervenções necessárias na orientação de pais (AFFONSO e
MOTA, 2002).
Estudo realizado no Brasil (COLLI ET AL, 1997) analisou os prontuários de 3468
pacientes com traumatismo crânio-encefálico (TCE), objetivando estabelecer perfil e
características dos mesmos. Predominaram pacientes do sexo masculino, na faixa etária entre
0-10 anos seguida da faixa dos 21-30 anos, cuja causa mais freqüente, nas crianças, foi
atribuída à queda acidental e nos adultos aos acidentes de trânsito. Outro fator que chama à
atenção neste estudo é que o número dos atendimentos aumentou nos finais de semana,
mantendo-se constante de terça a sexta, atingindo seu pico no final da tarde do domingo. Os
pesquisadores discutem que este significativo predomínio nas crianças de 0-10 anos deve-se
ao fato de ser o único pronto-socorro infantil presente na cidade, quanto ao aspecto sexo e
motivo eles argumentam que por razões culturais existe maior permissividade a brincadeiras e
esportes mais violentos praticados por crianças do sexo masculino.
Ainda abordando os acidentes e violências sofridos por crianças hospitalizadas,
destacam-se dois estudos epidemiológicos realizados nas regiões sudeste e sul do Brasil
respectivamente. O primeiro deles conduzido por Harada e colaboradores (2000) avaliou os
indicadores epidemiológicos a partir da análise de prontuários de 218 crianças internadas em
decorrência de acidentes, concluindo uma prevalência do sexo masculino, na faixa etária entre
7 e 12 anos, e acidentes do tipo quedas, com incidência de 44,9% seguida dos acidentes
automobilísticos, com 24% . Neste estudo as lesões intencionais tiveram uma incidência baixa
de 5,9%, porém os autores argumentam a dificuldade, no presente estudo, de se precisar este
tipo de ocorrência de maus tratos por motivo de medo, vergonha, etc. Baseados em outros
50
estudos eles estimam que 10% da totalidade destes casos foram em conseqüência de maus
tratos.
O segundo estudo, realizado por Martins e Andrade (2005), na cidade de Londrina,
analisou as características epidemiológicas dos acidentes e violências a partir dos dados de
morbidade obtidos em prontuários de 8854 crianças representando uma incidência de
74,8/1000 crianças com taxas de internação de 4,2% e de letalidade de 0,2%. Como em outros
estudos aqui mencionados predominou o sexo masculino e a idade de um a três anos foi a que
demonstrou elevado risco de acidentes ou de violência. Neste trabalho prevaleceram os
traumatismos acidentais, seguidos dos eventos de intenção indeterminada. Quanto às
agressões, os autores identificaram apenas 53 casos; no entanto, eles também ressaltam a alta
subnotificação deste tipo de causa externa, geralmente camuflada entre os chamados eventos
de intenção indeterminada ou „acidentes‟ praticados por familiares ou pessoas próximas.
O estudo de Santos (2002) que pesquisou as percepções que as escolas têm a respeito
dos alunos vítimas de violência doméstica encaminhados ao Conselho Tutelar e a atuação
deste diante das solicitações feitas; a partir dos dados coletados nos relatórios escolares e nos
prontuários do Conselho, constatou que as escolas motivadas pelos problemas
comportamentais apresentados por estes alunos efetivaram solicitações ao Conselho, sem a
utilização de recursos dentro da própria instituição escolar. Já as atuações do Conselho
basearam-se em orientações e encaminhamentos sem acompanhamento posterior, além disso,
relatórios escolares continham indicadores de violência doméstica contra crianças e
adolescentes citados no estudo, porém desconsiderados pela escola e sem um trabalho
específico do Conselho Tutelar. Isto mostra um fator ainda mais grave apontado pela autora
onde a criança e o adolescente são re vitimizados por aqueles a quem lhe coube oferecer um
trabalho efetivo quando da falência dos recursos daquela família incumbida de lhe dar
51
proteção, caso não haja a capacitação de profissionais para trabalhar em parceria diante desta
situação.
Costa e colaboradores (2007), num estudo desenvolvido no município de Feira de
Santana (Bahia) utilizando-se de registros nos Conselhos Tutelares, por meio de dados
coletados dos prontuários, estimaram a prevalência das formas de violência associando-as a
faixas etárias das vítimas e o vínculo com agressores; totalizando 1293 registros de violência,
com equivalência entre os gêneros e a maioria destes (78,1%) originados no domicílio. O
perfil de violência mais freqüente foi negligência, por omissão de cuidados básicos e
abandono. Quanto aos agressores, apareceram os pais (negligência), a madrasta e “outros
agressores” (violência física), o padrasto, “outros familiares/agressores” (violência sexual); a
violência psicológica foi prevalente em todas as categorias de agressores. Apesar da maior
parte das ocorrências serem anonimamente denunciadas, ainda esbarram na situação de
subnotificação dos casos de violência contra a criança e o adolescente, relacionados à própria
dinâmica interna familiar, incrementada por questões externas (por exemplo, horário de
funcionamento dos Conselhos); o domicílio como local privilegiado para ocorrência de todas
as formas de violência contra crianças e adolescentes; a violência física acometendo todas as
faixas etárias, inclusive significativamente bebês de até um ano. Os autores fazem referência à
„síndrome do bebê sacudido‟ e da „criança espancada‟ podem gerar conseqüências orgânicas
graves.
O trabalho desenvolvido por Salcedo e Carvalho (2005) fez uma revisão retrospectiva,
via prontuários médicos, da história clínica de crianças hospitalizadas no período de 2000 a
2003, num hospital infantil da Bolívia e encontrou que do total de internações, 0,62%
referiam-se a casos de maus tratos; destes, 57,9% envolviam o agressor usuário abusivo de
álcool. Aproximadamente 12,9% das crianças morrem em decorrência de traumatismo crânio-
52
encefálico. A caracterização dos agressores mostrou que são bebedores abusivos sem
dependência, situam-se na faixa etária de 20 a 30 anos, são familiares da criança, têm
escolaridade primária/fundamental, não tem emprego fixo e consomem outras drogas. Embora
em pequena porcentagem de ocorrência, tais casos revelam a necessidade de atenção seja pelo
ângulo de proteção à criança, sejam pela atenção ao adulto que também vivencia condições de
tensão como desemprego, dificuldades econômicas. que se considerar que essas
conclusões não querem demonstrar que o desemprego e, conseqüentemente a dificuldade
financeira é o motivo da ocorrência da violência contra a criança, mas que além de
dificuldades e conflitos existentes no ambiente familiar, isto pode aumentar e até elevar o
nível de tensão nas relações estabelecidas.
É importante pontuar aqui que a porcentagem baixa de ocorrência de abuso físico
encontrada em alguns trabalhos não quer dizer que existam poucos casos, mas deve-se a
alguns fatores a inexistência de políticas públicas que ofereçam programas de caráter
preventivo como interventivo; outra dificuldade encontrada por especialistas e pesquisadores
é o não registro oficial que dimensione a real amplitude e profundidade do problema. Outro
fator levantado em alguns trabalhos é a camuflagem deste tipo de ocorrência sob o pretexto de
que quedas, acidentes domésticos, curiosidade da criança tenham provocado determinadas
lesões e traumatismos.
Camargo e colaboradores (2002) fizeram um estudo, cujo objetivo foi investigar
possíveis atos violentos sofridos por crianças e adolescentes através de lesões de queimaduras.
Ao confrontar dados sob queimaduras com possível ato violento, encontrou-se um percentual
de 11,5% de violência física, 48% de negligência e 40,4% de acidentes. No entanto, os
pesquisadores salientam que nas entrevistas preliminares realizadas com pais e/ou
responsáveis pelas crianças e adolescentes, os verdadeiros motivos da violência são omitidos,
53
justificando-as como acidentes. Porém, eles argumentam que as evidências destes atos
violentos podem ser constatadas pelas características da lesão, local da queimadura, estatura
da criança, os quais não condizem com os fatos relatados pelos acompanhantes. Neste mesmo
estudo, o lar foi apontado como o principal local de ocorrência das queimaduras e ao analisar
a estrutura familiar, é no ambiente de família nuclear que ocorre a maioria dos casos de
queimaduras, ou seja, 53,8% dos casos.
Lopes e colaboradores (2004) conduziram um estudo descritivo em Teresina (Piauí),
cujo objetivo foi caracterizar a violência sexual contra mulheres, a partir das informações de
102 prontuários das vítimas. Entre outros resultados revelou-se que as maiores vítimas foram
crianças e adolescentes. Enquanto que nas adolescentes, o perpetrador era desconhecido e o
estupro foi o crime mais freqüente, as crianças menores de 10 anos foram vítimas de homens
conhecidos, em seus domicílios e o crime foi o atentado violento ao pudor associado a
traumas genitais e corporais. Os pesquisadores sugerem que os responsáveis por estas
crianças, por motivos de trabalho, as tenham deixado sozinhas em seus domicílios expondo-as
a este tipo de violência, o que não deixa de caracterizar uma atitude de negligência dos pais.
o estudo de Gomes e colaboradores (2006) na cidade de Recife (Pernambuco)
analisou o perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes de um serviço de apoio à
mulher em Recife, a partir de um estudo utilizando 170 prontuários de vítimas de violência. A
maior prevalência de violência foi contra vítimas entre 10 e 19 anos, sendo duas vezes maior
do que entre 0 e 9 anos; a agressão sexual representou 64,7% das vítimas. Os agressores em
um terço dos casos eram desconhecidos de suas vítimas. Este aspecto segundo os
pesquisadores discutem, pode seguir as conclusões de outros, ao observarem que na violência
sexual sofrida por adolescentes, o agressor, em geral é desconhecido da vítima, ao contrário
do que ocorre com crianças, em que o agressor é familiar ou conhecido. Todavia, eles levam
54
em conta que estes dados podem estar subestimados que este tipo de violência cometido
dentro dos lares tende a ser omitido por motivos de vergonha, medo e reincidência da
agressão. Outro dado discutido por eles foi que em 34,2% dos casos o agressor demonstrava
sinais de consumo de álcool.
Embora estes estudos não tenham estabelecido uma significativa relação entre o abuso
sofrido pela criança no ambiente doméstico e a presença de doença mental ou demais
adversidades presentes no contexto familiar, porém dois deles (SALCEDO e CARVALHO,
2005; GOMES ET AL, 2006) identificaram a presença de alcoolismo. Por outro lado eles
indicaram que:
1. Crianças do sexo masculino prevalecem em todos os estudos, com exceção do abuso
sexual, que atinge o sexo feminino em sua maioria.
2. O domicílio e ambiente familiar como principal e privilegiado local de ocorrência de
„acidentes‟, agressões, maus tratos, violência contra a criança de todas as faixas
etárias.
3. A dinâmica familiar caracterizada pela omissão, negligência, camuflagem da violência
contra a criança sob o pretexto de que agente externo como acidente, brincadeiras
agressivas, esportes violentos, curiosidade da criança são os causadores de tais danos.
4. Apesar do predomínio da classe sócio-econômica baixa, que é a que mais recorre aos
serviços de saúde públicos, os estudos salientam que a carência financeira e o
desemprego por si só não levam diretamente a prática da violência doméstica. Mas tais
fatores podem elevar o nível de tensão e intolerância nas relações estabelecidas entre
pais e filhos.
5. Presença de uso abusivo de bebida alcoólica no ambiente familiar.
55
4. OBJETIVOS
4.1. Objetivo Geral
Analisar a relação entre o encaminhamento da criança para atendimento
psicológico e a presença de transtorno psiquiátrico em um dos pais,
presentes nos prontuários de um ambulatório de Saúde Pública.
4.2. Objetivos Específicos
Identificar os tipos mais freqüentes de transtornos psiquiátricos dos pais;
Identificar as queixas para encaminhamento das crianças;
Identificar as ocorrências e tipos de abuso;
Identificar os procedimentos de atendimento;
Identificar os motivos de encerramento do atendimento.
56
5. MÉTODO
Coleta de Informações
Foi realizado um levantamento nos prontuários das crianças encaminhadas para
o serviço de psicologia com os seguintes critérios de inclusão ou categorias previamente
definidas:
Idade das crianças compreendidas entre 5 e 14 anos completos;
Não ter concluído o atendimento psicológico devido ao abandono deste;
Presença de doença mental num dos pais.
Local
Trata-se de um município do interior de São Paulo, de pequeno porte com
aproximadamente 12 000 habitantes, que obteve sua emancipação em de janeiro de
1993, cuja principal atividade econômica e que absorve grande parte da mão-de-obra da
população local é a agroindústria canavieira, onde se encontram, no momento,
instaladas duas usinas de açúcar e álcool.
A pesquisa foi realizada no Ambulatório de Saúde Mental do SUS (Sistema
Único de Saúde) deste município, que tem por finalidade “realizar ações e serviços para
a promoção e recuperação da saúde, integração psicossocial e melhorias da qualidade de
vida”
1
.
1
Texto retirado do folheto informativo à população referente ao papel de cada setor da Secretaria de Saúde do
Município.
57
Entre outras modalidades de atendimento, destina-se ao atendimento psicológico
infantil. Dentro deste contexto de trabalho, o SUS (Sistema Único de Saúde) não preconiza
ações de Psicologia na atenção primária e também não tem uma proposta para a saúde mental
das crianças e adolescentes, exceto para transtornos mentais graves através da implantação
dos CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infantil).
No serviço público de saúde, a Psicologia é uma especialidade sendo, portanto, a ela
encaminhados, ou solicitados, os atendimentos mediante guia de referência preenchida pelo
médico pediatra ou clínico do PSF (Posto de Saúde da Família), enfermeiros ou agentes de
saúde da família das UBS (Unidade Básica de Saúde). Também aqui se podem incluir os
encaminhamentos via Conselho Tutelar do Município e das escolas da rede pública de ensino.
Assim cada serviço se adéqua bem ou mal ao seu contexto e à sua realidade.
São os profissionais do ambulatório, especificamente psicólogos, que realizam todas
as triagens e direcionam os casos para um dos serviços de Saúde Mental existentes no
município CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e ambulatório de acordo com a demanda
identificada e o atendimento mais adequado. Em geral, o percurso de todos os usuários até o
serviço de Saúde Mental está documentado em seu prontuário médico. Neste tipo de
documento se encontra a triagem, histórico clínico, anamnese, atendimentos realizados,
exames feitos, condutas médicas e paramédicas, guias de referência, relatórios de outros
profissionais, CID (Classificação Internacional das Doenças), informações que são registradas
e anexadas.
O fato dos dois serviços de Saúde Mental estar fisicamente próximos e, de certa
forma, integrados facilitou bastante o acesso às informações e aos prontuários das crianças,
dos pais e do familiar que possui antecedente de doença mental.
58
Instrumentos
1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresentado ao setor de
Recursos Humanos da Prefeitura do município e a Carta de Intenções
apresentada ao setor de Recursos Humanos da Prefeitura do município
(Anexo A).
2. Prontuários.
Procedimentos
Após a apresentação e leitura da Carta de Intenções, ressaltando a
confidencialidade quanto à identificação do colaborador e dos locais, a analista de
Recursos Humanos da Prefeitura assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Os dias para consulta aos prontuários foram previamente estabelecidos com o
Coordenador de Saúde Mental e com a equipe de profissionais do Ambulatório de
Saúde Mental, de forma a não interferir na rotina de atendimentos do serviço.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, através do parecer técnico CEP/UPM 1034/03/2008 e
CAAE nº 0011.0.272.000-08 (Anexo B).
59
Tratamento e análise dos dados coletados
A partir do critério de inclusão previamente estabelecido foi analisado o motivo
do encaminhamento de cada criança, sua idade à época do atendimento e a CID
(Classificação Internacional das Doenças) que constava no prontuário de um dos pais
aberto no serviço de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou
Ambulatório para tratamento.
Estas informações constam na folha de Triagem de Saúde Mental (Anexo C) que
é realizada com todos os casos encaminhados para serviço de Saúde Mental, tanto
CAPS, quanto ambulatório.
Isto possibilitou a identificação de doença mental num dos pais devidamente
diagnosticada com sua respectiva CID, além de se observar as seguintes situações
pertinentes a esta pesquisa: presença de doença mental em algum familiar que reside
com a criança, ou esta se encontra sob sua responsabilidade como avós e tios
clinicamente diagnosticados com a CID; referência de doença mental num dos pais,
porém não diagnóstico clínico por não ter prontuário aberto no serviço; adversidades
no ambiente familiar da criança encaminhada. Tais informações, do nosso ponto de
vista não podiam ser desprezadas, pois se referiam a mais de um caso e nos remetiam à
uma análise mais abrangente do ambiente familiar da criança.
A CID trata da compilação de todas as doenças e condições médicas conhecidas,
elaborada pela Organização Mundial de Saúde. O capítulo V é dedicado à psiquiatria,
oferecendo uma classificação exclusiva das doenças mentais e estabelecendo uma
linguagem técnica dos diagnósticos clínicos em Saúde Mental. Os diagnósticos clínicos
60
do serviço de Saúde Mental são feitos com base nesta classificação em sua mais recente
edição que é a CID-10.
Para efeitos deste trabalho o diagnóstico de doença mental citado através da
nomenclatura utilizada na CID-10 se encontra disponibilizados no Anexo D. As
informações extraídas dos registros feitos nos prontuários permitiram a construção das
seguintes categorias de análise:
1. Presença de diagnóstico psiquiátrico com a respectiva CID num dos pais ou
ambos da criança encaminhada;
2. Presença de diagnóstico psiquiátrico com a respectiva CID em algum
integrante da família mais extensa da criança encaminhada, aqui se inclui
avô e avó, tios maternos e paternos, que em geral residem no mesmo
ambiente doméstico da criança ou a criança encontra-se sob os cuidados da
referida pessoa;
3. Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID, porém refere presença de
doença mental no pai ou na mãe da criança encaminhada, ou seja, o serviço
de saúde mental não foi procurado, pois não constava abertura de prontuário
no serviço de Saúde Mental;
4. Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID, porém o contexto familiar da
criança encaminhada enfrenta modificações, adversidades e conflitos
familiares: adoção, morte de um dos pais, separação dos pais, nascimento de
irmão, disputa judicial, abuso físico e abuso sexual;
Nas categorias construídas também foram indicadas a ocorrência e o tipo de
abuso identificado na análise feita a partir das seguintes modalidades propostas por
Minayo (2006):
61
O termo abuso físico significa o uso da força para produzir injúrias,
feridas, dor ou incapacidade em outrem.
A categoria abuso psicológico nomeia agressões verbais ou gestuais
com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir a
liberdade ou ainda, isolá-la do convívio social.
A classificação abuso sexual diz respeito ao ato ou ao jogo sexual que
ocorre nas relações hetero ou homossexual e visa estimular a vítima ou
utilizá-la para obter excitação sexual e práticas eróticas, pornográficas e
sexuais impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.
Negligencia ou abandono inclui a ausência, a recusa ou a deserção de
cuidados necessários a alguém que deveria receber atenção e cuidados.
(MINAYO, 2006, p. 82)
62
6. RESULTADOS
Para melhor visualização dos casos apresentados, estes foram divididos em tabelas,
que expõem as principais relações observadas nos prontuários da criança e dos
pais/responsáveis.
A Tabela 1 permite relacionar os motivos de encaminhamento das crianças com o
diagnóstico psiquiátrico dos pais, além do tipo de abuso sofrido.
TABELA 1
Diagnóstico psiquiátrico com a respectiva CID num dos pais ou ambos da criança encaminhada e
ocorrência de abuso.
MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO/
IDADE DA CRIANÇA
PAIS/
DIAGNÓSTICO
PSIQUIÁTRICO
TIPO DE ABUSO
IDENTIFICADO
1. CAPS encaminha filha de paciente internada./14 anos
Mãe / F 20
Negligência dos Pais
2. Enurese, gagueira, agitado, dificuldade de
relacionamento interpessoal e dificuldade de
aprendizagem./ 11 anos
Pai / F 20
Abuso Psicológico
3. Sente-se sozinha, ansiedade, nervosismo, auto-agressão,
alucinação auditiva./ 14 anos
Mãe / F 41.2
________
4. Ansiedade, nervosismo, chorosa, encaminhamento
médico./ 9 anos
Mãe / F 32
________
5. Nervosismo, ansiedade, agressiva, bate nos colegas./ 5
anos
Mãe F 40
Abuso Físico e Psicológico
6. Depressão encaminhada pelo neurologista./ 10 anos
Mãe / F 40
Suspeita de Abuso Sexual
7. Hiperatividade, encaminhado pelo clínico./ 6 anos
Mãe / F41
Abuso Físico e Psicológico
8. Tiques constantes, ansiedade, nervosismo,
irritabilidade./ 8 anos
Mãe / F 60
Abuso Psicológico
9. Agitado, furto, encaminhado pelo Conselho Tutelar./ 9
anos
Mãe / F 41.2;
Pai / F 10;
Avó materna / F13
Negligência dos Pais
10. Nervosismo, agressividade, ansiedade./ 9 anos
Pai / F34
________
11. Indisciplina, agressividade, problemas na escola./ 11
anos
Mãe F25
Negligência Paterna
12. Irritação, nervosismo, agressividade./ 3 anos
Mãe / F31
Negligência
63
A visualização destes dados permite verificar a presença de doença mental em mais
mães (10) de crianças do que nos pais (2). Os diagnósticos são bastante variados e estão
relacionados aos seguintes tipos de transtornos: transtornos neuróticos (F40; F41; F 41.2),
transtornos afetivos (F31; F32; F34) transtornos psicóticos (F20; F25) e transtornos por
substâncias psicoativas (F10; F13)
Quanto aos motivos dos encaminhamentos, também grande diversificação, porém,
houve maior queixa quanto à ansiedade, nervosismo e agressividade nas crianças
encaminhadas. E os tipos de abuso identificados cujas ocorrências estão mais presentes foram
negligência, abuso psicológico e físico. A idade das crianças compreendidas no intervalo
entre 5 e 11 anos também predomina. Um dado que nos chama a atenção e é digno de registro
é a criança cujo pai faz uso de substância psicoativa, no caso álcool, a mãe possui um quadro
de psiconeurose e a avó é dependente de substância sedativa.
O segundo tipo de informação obtida (Tabela 2) relaciona os motivos de
encaminhamento da criança, mas com algum membro da família extensa da criança, que era
responsável por ela, além de identificar o tipo de abuso sofrido.
Aqui é possível observar um aspecto interessante em que a presença de doença
mental num familiar que convive e é responsável pela criança, foi mais evidente na figura da
avó materna, seguido dos tios maternos. Os diagnósticos referem-se aos seguintes tipos de
transtornos: transtornos psicóticos (F20, F20.5, F29), transtornos de humor (F32, F33, F33.3),
transtornos neuróticos (F41.2) e transtornos por substâncias psicoativas (F10, F13). Vale
destacar que os transtornos de humor aqui identificados estão relacionados a quadros
depressivos.
64
Os motivos do encaminhamento aqui também são bastante variados e predominam as
queixas de agressividade, ansiedade e nervosismo. O tipo de abuso mais recorrente foi o
abuso físico e o psicológico. É oportuno pontuar que, num dos casos, o abuso sexual
configurou a queixa para o encaminhamento. A idade das crianças compreendeu o intervalo
entre 5 a 12 anos. Um dado importante a ser registrado é que no primeiro caso aqui descrito,
cujos tios possuem doença mental, há referência de que o pai é alcoolista também. Outro dado
que nos chama à atenção é o da criança cuja avó e tios maternos estão clinicamente
diagnosticados e a criança está sob responsabilidade destas pessoas.
TABELA 2
Diagnóstico psiquiátrico com o respectivo CID em algum integrante da família mais extensa da
criança encaminhada
MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO/
IDADE DA CRIANÇA
FAMILIAR/
DIAGNÓSTICO
PSIQUIÁTRICO
TIPO DE ABUSO
IDENTIFICADO
1. Encoprese, medo, sono agitado./ 6 anos
Tio materno / F 20.5
Tio paterno / F 10
Abuso Físico e Psicológico
2. Agressividade, nervosismo./ 11 anos
Avó materna / F 32
_____________
3. Abuso sexual, ansiedade, nervosismo./ 12 anos
Avó materna / F 41.2
Abuso Sexual
4. Agressividade, comportamento auto-agressivo./ 8
anos
Avó materna / F 33
_____________
5. Ansiedade, nervosismo, fuga domiciliar e escolar./
11 anos
Tia materna / F20
Abuso Físico
6. Ansiedade, nervosismo, irritabilidade./ 11 anos
Avô paterno / F 33.3
Negligência
7. Nervosismo, agressividade, ansiedade, alucinações
visuais./ 7 anos
Avó materna / F 41.2
Abuso Físico e Psicológico
8. Tia busca o serviço, agitado, confabulação./ 9 anos
Tia materna / F 29
Avó materna / F13
Tios maternos / F20; F20
Abuso Físico
9. Hiperatividade, agressividade, nervosismo./ 5 anos
Avó materna / F41.2
_____________
65
O terceiro tipo de dados obtidos diz respeito a uma ausência de diagnóstico
psiquiátrico dos pais, mas com referência a transtornos emocionais nas crianças e presença de
doença mental na família (Tabela 3).
Quando há referência de doença mental, podemos perceber que esteve presente no pai,
quanto na mãe (por exemplo, caso 5). Os quadros psicopatológicos registrados em prontuários
dizem respeito à dependência química de álcool ou drogas e depressão. E em geral o
dependente químico é o pai. Os motivos do encaminhamento destas crianças são variados,
porém a agressividade, o nervosismo e ansiedade estiveram novamente mais presentes.
No caso 1 há histórico de depressão recorrente nesta mãe, embora se recuse a tratar
inclusive episódio deste quadro após o parto da criança encaminhada, com longa duração,
sendo que o cuidado do filho coube a uma sobrinha. A entrada da criança na escola coincidiu
com o período de depressão de sua mãe, que utilizava dos remédios prescritos para dormir o
dia todo, sendo que o próprio filho era quem a acordava para fazer as atividades diárias.
Soube aos 14 anos que era filha adotiva, sua mãe biológica era prostituta, que tentou abortar
por diversas vezes, nasceu muito doente com sífilis transmitida pela mãe, davam banho de
creolina nela para cuidar das feridas. Foi entregue à sua madrinha e esta a entregou para uma
família adotá-la.
O tipo de abuso mais freqüente nestes casos foram o abuso físico e o psicológico. Uma
informação que merece ser pontuada sobre o caso 8, que refere suspeita de abuso sexual, tal
suspeita recai sobre o ada criança que mencionam ser alcoolista. A mãe revela ter sido
abusada por ele quando criança o que reforça suas atuais suspeitas sobre isto estar se
repetindo com seu filho e outros netos desta família. Usuária de drogas sofria violência
doméstica por parte do marido falecido e o filho presenciava com relativa freqüência o
66
casal se agredir fisicamente. Estas agressões também ocorriam durante o período gestacional
da criança, por suspeitar da real paternidade.
TABELA 3
Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID, com presença de doença mental no pai ou na mãe da
criança encaminhada
MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO/
IDADE
REFERÊNCIA DE
DOENÇA MENTAL
TIPO DE ABUSO
IDENTIFICADO
1. Nervosismo, dor de barriga, impulsivo, furto,
agitado.
10 anos
Mãe: Depressão
Abuso Físico e Psicológico
2. Humor oscilante, crise de nervoso;
11 anos
Mãe: Depressão
Abuso Físico e Psicológico
3. Irritabilidade, nervosismo.
10 anos
Pai: Alcoolismo
_____________
4. Encoprese, enurese, ansioso.
7 anos
Pai: Ansiedade
Negligência
5. Irritado, nervoso, auto-agressão, verbaliza que quer
morrer.
6 anos
Mãe: Depressão
Pai: Tentativa de suicídio
Abuso Físico e Psicológico
6. Transtorno comportamental.
11 anos
Pai: Alcoolismo
Avô paterno: Alcoolismo
Negligência
7. Agressividade, sintomas somáticos;
5 anos
Pai: Alcoolismo e
Drogadição
Abuso Físico e Psicológico
8. Disritmia, nervosismo, agressividade, irritabilidade.
8 anos
Mãe: Drogadição
Pai (falecido): Drogadição
Avós maternos: Alcoolismo
Abuso Físico e Psicológico
Suspeita de Abuso Sexual
9. Desobediente, desmotivada, nervosismo, ansiedade.
8 anos
Mãe: Psicose, esteve
internada
_____________
Finalmente, no quarto tipo de dados, aparecem dificuldades na família, que levaram a
transtornos emocionais nas crianças (Tabela 4).
Os dados aqui descritos permitem observar que o encaminhamento da criança é
concomitante algum tipo de situação familiar adversa, com a presença de conflitos e crises
dos mais variados tipos e de alguma maneira relaciona-se com ele. O motivo do
encaminhamento mostra-se bastante variado, porém a queixa mais referida foi de nervosismo.
Quanto à ocorrência de abuso, os tipos aqui estão mais explícitos são o abuso psicológico e o
abuso físico que se encontram associados em muitos casos. É importante salientar que em
67
dois casos, o abuso psicológico e o abuso físico foram a queixa trazida pelo encaminhamento.
O abuso psicológico refere-se ao caso 2, pois se trata da disputa judicial pela guarda da
criança entre a mãe a avó materna. Esta última faz ameaças e chantagens verbais à criança de
que caso, ela fique com a mãe, a avó se mata.
TABELA 4
Ausência de diagnóstico psiquiátrico sem CID contexto familiar da criança encaminhada enfrenta
modificações, adversidades e conflitos familiares
MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO/
IDADE DA CRIANÇA
SITUAÇÃO FAMILIAR
TIPO DE ABUSO
IDENTIFICADO
1. Taquicardia; nervosismo; encoprese./ 12 anos
Questão religiosa
Abuso Físico
2. Nervosismo, angústia./ 9 anos
Disputa judicial pela guarda da
criança
Abuso Psicológico
3. Encaminhada pelo Conselho Tutelar; recusa
ir à escola./ 8 anos
Criança reside com avós e não
com os pais
Negligência dos Pais
4. Nervosismo, auto-agressão./ 8 anos
Não é filho biológico do pai
Abuso Psicológico
5. Angústia, nervosismo./ 9 anos
Separação dos pais; falecimento
da mãe
_____________
6. Agitada, nervosa./ 9 anos
2º casamento do pai; abuso físico
Abuso Físico e Psicológico
7. Agressivo, abuso sexual./ 8 anos
Pais separados
Abuso Sexual
8. Hiperatividade, encaminhado pelo
neurologista./ 6 anos
Questão religiosa
Negligência dos Pais
9. Enurese, bruxismo, irritabilidade./ 7 anos
Adoção
Abandono
10. Confabulação, furto./ 9 anos
Divergência e inadequação
parental
Negligência dos Pais
11. Ansiedade./ 9 anos
Falecimento do pai
_____________
12. Irritado, nervoso, fala que quer morrer./ 8
anos
Divergência e inadequação
parental
Abuso Psicológico
13. Nervosismo, preocupação, medo, ameaça
matar-se./ 11 anos
Separação dos pais
_____________
14. Nervosismo, medo, timidez./ 5 anos
Separação dos pais; criança mora
com avó
Suspeita de Abuso Físico
15. Episódios de auto-agressão, angústia,
nervosismo./ 13 anos
Falecimento da mãe
_____________
16. Nervosismo, mágoa dos pais e da madrasta./
13 anos
Abuso físico e psicológico de sua
madrasta
Abuso Físico e Psicológico
17. Perda de interesse, desmotivada, perda de
apetite./ 11 anos
Pais separados; reside com mãe e
padrasto
_____________
No caso 13, referente ao abuso físico, a madrasta infligiu abuso físico e psicológico
contra a criança. Nos dois casos em que a situação familiar é sobre questão religiosa, cabe
68
fazer alguns esclarecimentos. No caso 1, a criança é ridicularizada na escola pelos colegas que
a chamam de crente do rabo quente (sic), para o pai o problema que a criança tem se resolve
batendo, de acordo com o relato da mãe. No caso 8, a criança não tem acesso a brinquedos em
sua casa, pois segundo a religião da família esta é uma forma de cultivar idolatria; também
não é permitido que a criança participe de eventos escolares em que as crianças dançam, por
exemplo, festa junina.
Em termos gerais a análise realizada nos prontuários permitiu verificar que, com
exceção de dois casos do total, a participação do pai desde a triagem, entrevistas de anamnese,
orientações propostas foi nitidamente reduzida. Na ausência da mãe, quem acompanhava a
criança para o atendimento era a avó materna ou tia materna.
A interrupção do atendimento também se deu em diversos momentos do processo de
atendimento psicológico, alguns após a triagem feita não compareciam para o início do
atendimento. Outros até concluíam a etapa de psicodiagnóstico, porém interrompiam em
seguida. Em alguns casos, a mãe deixou claro que não concordava com o encaminhamento,
mas vinha por insistência da escola, ou do médico, ou para não sofrer represálias do Conselho
Tutelar.
69
7. DISCUSSÃO
Nos resultados, o primeiro dado que nos chama a atenção devido à sua relevância é o
número de prontuários encontrados, levando em conta que se trata de crianças encaminhadas
para o atendimento psicológico e que não tiveram o seu tratamento concluído. Outra análise
inicial, quando se olha para esses casos é pensar que eles representam famílias, compondo
grupos de pessoas e familiares mais extensos e podem atingir até oito ou mais componentes,
que compartilham com a criança o mesmo ambiente doméstico.
Com base nos dados gerais aqui apresentados podemos afirmar apoiados nas
considerações teóricas que embasaram este estudo (Ackerman, 1982; Berenstein, 1976;
Winnicott, 2005) que existe uma correlação significativa entre os sintomas apresentados pelas
crianças e as adversidades do ambiente familiar envolvendo doença mental, situações de crise
e conflitos. Este aspecto foi enfatizado por Ackerman (1982) ao considerar o papel do
ambiente familiar no surgimento de distúrbios na criança, reiterando que o surgimento do
distúrbio psicológico na criança é regularmente precedido pelo conflito familiar. uma
relação demonstrável entre o conflito na criança e o conflito na família. O distúrbio
psicológico em uma criança seria, então, entendido como uma expressão funcional da
deturpação emocional da família como um todo; uma vez que a desordem familiar está
internalizada, o progresso interativo da criança e da família afetará o futuro da doença da
criança.
Se agruparmos o sintoma da criança, que é o membro de um grupo familiar com a
presença de doença mental e analisá-lo a partir desta formação, pode-se, claramente perceber
que se estabelece uma relação não de uma perspectiva de causa e efeito, mas sim como
70
elementos ativos num sistema de relações interligadas que lhe conferem sentido e significado,
como assinala e sugere Berenstein (1976).
Neste estudo, portanto, procurou-se passar de uma abordagem causal para uma
abordagem relacional de doença mental quando se olha para a criança e seu contexto familiar.
Por este ponto de vista estrutural e relacional, a vida sentimental e afetiva da família é
mobilizada, segundo Ackerman (1982), pelas correntes dos sentimentos que se movem entre
os membros da família em todos os tipos e níveis de intensidade. Cada uma destas correntes
emocionais pode, sob circunstâncias alteradas, provocar uma corrente antagônica. O tom
emocional que governa os relacionamentos entre as pessoas de uma família tem um
desenvolvimento peculiarmente próprio, mas é continuamente influenciado pelo
relacionamento emocional das demais pessoas na família (ACKERMAN, 1982).
Ao analisar os tipos de transtornos que mais apareceram nos pais (Tabelas 1 e 3)
encontramos os quadros de psicose em geral, os transtornos de humor, relativos aos quadros
depressivos e fóbico-ansiosos e os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de
álcool e drogas. Isto quer dizer que, como a teoria nos aponta, os transtornos isoladamente
não irão determinar um quadro específico de distúrbio na criança, mas afetarão o seu
desenvolvimento (WINNICOTT, 2005), dependendo da característica e padrão de sua reação
(ACKERMAN, 1982), que determinará o quadro psicopatológico instalado. Assim, pode-se
retomar as observações feitas por Winnicott de que o distúrbio psiconeurótico do pai ou da
mãe acarreta certas complicações para a criança; a psicose de um dos pais, porém suscita
perigos mais sutis para o desenvolvimento sadio” (WINNICOTT, 2005 p.74).
Neste estudo ficou objetivamente demonstrado, que existe uma repercussão da
presença de doença mental para o desenvolvimento da criança, no sentido de se constituir um
fator de risco para o surgimento de distúrbios psicológicos e o desenvolvimento de
71
psicopatologia no futuro. Isto vem a se confirmar considerando os estudos de Ferreira e
Marturano (2002), ao concluírem que as crianças apresentavam comportamento externalizante
dentro de um ambiente familiar adverso, como fator de alto risco para distúrbio psicossocial
na adolescência. Martins et al (2004) também discutem que além de outros fatores, a presença
de transtornos psiquiátricos no ambiente e casas com mais de sete residentes têm uma relação
significativa ao se associar e caracterizar um ambiente negativo. Ainda, vale lembrar o estudo
de Caraveo e colaboradores (1994), cujos resultados demonstraram que os filhos de pessoas
deprimidas têm maior risco para apresentar diferentes transtornos.
Neste estudo, foi possível identificar também que houve uma variação na queixa
apresentada, porém a agressividade, o nervosismo, irritabilidade e a ansiedade presentes nas
crianças foram explicitamente marcantes. Ainda, o quadro depressivo mostrou-se mais
evidente na tabela 2 relacionando-se às avós que convivem com a criança e na tabela 3
quando se referiam à mãe possuir este tipo de quadro. Sendo mãe, avó ou pai, apresentando
quadro depressivo, o que se pode concretamente ver e não se pode negar é sua relação com os
sintomas apresentados pela criança. Winnicott (2005), ao abordar a depressão nas mães
observa que estas oscilam entre os sentimentos de preocupação e desespero com seus filhos, e
muitas vezes, na ocasião em que buscam por um auxílio médico elas estão, na verdade,
agindo muito mais por esta preocupação do que por alguma manifestação mais grave na
criança. Pode-se com base nisso pensar na condição destas avós, se não estariam de alguma
maneira comportando-se de modo semelhante, pois assumem a responsabilidade e cuidado da
criança no lugar da mãe tendo que corresponder a tal expectativa. Ou seja, assumem um papel
que na verdade não cabe a elas e frustram-se nesta tarefa que tentam cumprir sem o resultado
devido.
72
Não se pode esquecer o estudo de Hallak, Hallak e Golfeto (1999), que estabeleceu
uma correlação entre crianças com distúrbios emocionais e de aprendizagem em relação a
algumas variáveis pré e peri natais, correlacionando positivamente esses dados com o nível de
estresse materno.
Ackerman (1982) nos alerta e chama à atenção que os sintomas apresentados pela
criança podem ocorrer como uma reação às ameaças vividas no ambiente familiar. Ou seja, de
acordo com a reação da criança, o tempo de duração destes conflitos e adversidades, o nível
de ansiedade que ela possa suportar, é praticamente factível o desenvolvimento de processo
psicopatológico.
Embora, na literatura consultada, não existam considerações específicas dos
transtornos psiquiátricos devido ao uso de álcool e drogas, no entanto pesquisas realizadas
com crianças filhos e filhas de alcoolistas (NOROÑO ET AL, 2002; FIGLIE ET AL, 2004;
SOUZA ET AL 2005; FURTADO, LAUCHT, SCHMIDT, 2006) trazem contribuições
importantes. Em geral, o dependente de álcool é o pai, o que pode ser observado na tabela 3.
na tabela 2, existe o diagnóstico de alcoolismo no tio paterno de uma das crianças, cujo pai
também era alcoolista. E na tabela 1 num dos casos analisados, o pai é alcoolista e a avó
materna depende de sedativos, porém histórico de ser ex-alcoolista, ou seja, trocou a
substância utilizada, persistindo o quadro de dependência. Os estudos acima citados
demonstram que os filhos de alcoolistas apresentam um elevado risco para o desenvolvimento
de comportamento agressivo e delinqüente. Além disso, filhas de alcoolistas têm mais
problemas emocionais. Em algumas crianças também foi observada timidez e sentimento de
inferioridade, depressão, conflito familiar e carência afetiva. em nosso estudo as queixas
com relação às crianças foram agressividade, nervosismo, irritabilidade e queixas somáticas.
73
É oportuno discutir aqui os casos em que tivemos a presença de doença mental em
mais de um membro da família da criança. Na tabela I aparece um caso (9) com a mãe, o pai e
a avó materna, ou seja, dois dependentes químicos e a mãe com transtorno de humor. Na
tabela 2 foram dois; um deles (1) com os tios e a referência de alcoolismo no pai e o outro (8)
os tios maternos com transtornos psicóticos e a avó dependente química. Na tabela 3 foram
três casos: o primeiro (5) com pais depressivos e tentativa de suicídio do pai; o segundo (6)
pai e avô paterno alcoolistas e o terceiro (8) pais usuários de drogas e avós maternos usuários
de álcool. O que nos chama a atenção é a constatação de duas gerações com ocorrência de
doença mental e, sobretudo, a dependência química como um aspecto preponderante diante
dos demais quadros mencionados neste estudo. Por outro lado, ao se considerar o ponto de
vista sistêmico proposto por Bernstein (1976), a família do doente mental é uma organização
cindida em doentes e sadios, de forma a uma complementar a outra, sendo que este tipo de
organização pode se cristalizar por anos.
É importante lembrar também que esta cisão pode ser observada nos demais casos
apresentados e, muitas vezes, a parte doente é ocupada pela criança. Este aspecto fica bem
ilustrado no caso (1) da tabela 3, em que a depressão indevidamente tratada da mãe tem
polarizado e direcionado os conflitos vividos para as dificuldades encontradas pelo filho em
seu desenvolvimento, demonstrando o que pontua Winnicott (2005), a repercussão da doença
no sentido do afeto disponível a ser dado ao filho, principalmente se o período de
desenvolvimento o qual se encontra demanda mais investimento afetivo por parte da mãe ou
pai que se encontra doente.
Outro aspecto a ser discutido aqui é com relação ao caso (12) na tabela1, de três anos
de idade, cuja mãe possui transtorno bipolar. Embora a idade dessa criança ainda não seja
adequada para o atendimento psicológico, no entanto, o seu encaminhamento auxilia-nos a
74
pensar, pela sua precocidade, no argumento de Winnicott (2005), que por ser muito
dependente dos pais, a criança não dispõe de meios para lidar com as oscilações de humor
habituais neste tipo de transtorno, podendo ser traumático.
A tabela 4 demonstra aqueles casos em que o desenvolvimento do grupo familiar,
enfrenta períodos críticos, por exemplo, situações de morte, separação, entrada de um novo
membro (que na ocasião desta pesquisa, esteve presente nos casos de adoção) e as famílias
recompostas após divórcio e novo casamento, confirmando as posições defendidas por vários
teóricos (BERENSTEIN, 1976; ACKERMAN, 1982; CARTER e MC GOLDRICK, 1995).
Quanto à ocorrência de abuso contra a criança, é perceptível que os casos aqui
examinados estão sujeitos a este tipo de ocorrência. Embora Ackerman (1982) e Winnicott
(2005) não abordem em seus trabalhos este tipo de situação vivida, ambos sugerem que o
dano emocional infligido à criança pode resultar em ameaça essencial à sua sobrevivência, em
termos do prejuízo do corpo, negligência, inanição física e emocional (ou ambas)
necessitando intervenção judiciária nos casos explícitos de maus tratos. Assis (2002), Guerra
(2005) e Minayo (2006) tratando exclusivamente do tema sobre violência doméstica e abuso
contra a criança avaliam as conseqüências orgânicas e físicas e Salomon (2002), Guerra
(2005) e Minayo (2006) discutem o impacto psicopatogênico para o desenvolvimento infantil
como conseqüência a estas experiências. Apesar da tendência destes teóricos seja no sentido
de se evitar uma associação entre abuso contra a criança e doença mental, as pesquisas
consultadas (CECCONELLO, DE ANTONI e KOLLER, 2003; HABIGZANG, KOLLER,
AZEVEDO et al, 2005; MALDONADO e WILLIAMS, 2005; SALCEDO e CARVALHO,
2005) demonstraram que as crianças vitimizadas eram provenientes de ambientes familiares
nos quais, dentre outros fatores de risco para a situação de abuso, havia a presença de
transtornos psiquiátricos. Seguindo a linha de estudos que vinculam a ocorrência de situações
75
de abuso com determinados padrões ou crenças educativas dos pais (SALVO ET AL, 2005;
VITOLO ET AL, 2005; HARADA e CARMO, 2006) existe o agravante da idéia de que por
meio da agressão física, isto é, batendo está-se disciplinando e educando. Em nosso estudo,
pode-se dizer que a ocorrência de abuso foi constatada na maioria dos casos apresentados
relacionadas às situações de abuso físico, psicológico e negligência. Houve três casos em que
a identificação da situação de abuso foi o motivo do encaminhamento da criança para o
serviço de psicologia pelo Conselho Tutelar. Não é possível afirmar se os pais destas crianças
compartilham deste tipo de crença e padrão de educação dos seus filhos, no entanto, como foi
possível examinar na literatura, esta atitude sofre a influência de uma visão sócio-cultural, de
que o bater educa e disciplina a criança. Mesmo em nossa legislação é possível ler nas
entrelinhas “é que o chamado castigo moderado, por exemplo, o famoso tapinha no bumbum,
consiste numa prática defendida e legitimada, sob a alegação de que é feita em termos do
próprio bem da criança” (Guerra, 2005, p 80). Ao que parece, diante dos resultados aqui
apresentados é nítido que o ambiente familiar que enfrenta adversidades envolvendo doença
mental, conflitos e crises, mostra-se vulnerável e suscetível à ocorrência de tipos variados de
abuso. As conseqüências disto, seja caracterizando a prática de agressão física como método
de disciplina, seja como forma declarada de violência contra a criança, são o prejuízo para as
relações entre pais e filhos e os efeitos negativos para o seu desenvolvimento, uma vez que
nestas famílias, segundo Scodelário (2002), a disfuncionalidade aparece justamente na
dificuldade de comunicação verbal dos sentimentos e conflitos vividos, que são substituídos
por ações fortes e violentas. Quer dizer, se nós pensarmos em termos de saúde mental, que
levando em conta estes pais encontra-se, indubitavelmente, comprometida, parece elevar-se o
nível de tensão nas relações estabelecidas pelos integrantes do grupo familiar. Outro aspecto
salientado por Scodelário (2002) nestas famílias é o complô do silêncio, que favorece a
continuidade e a (re) produção da violência na mesma família, além da cristalização em
76
relação aos lugares de quem foi agredido e do agressor. Isto fica explícito no caso (8) da
tabela 3, em que o avô abusou da filha e agora se suspeita de que os netos também sofram este
tipo de abuso. Além disso, a filha também escolhe um parceiro que a trata violentamente, não
se interrompendo este ciclo. Tendo em vista este complô em que a família se silencia em
torno dos episódios de abuso, vale discutir que os abusos aqui identificados foram expressos
pelos pais ou acompanhantes da criança como estratégia para resolução de conflitos, ou seja,
se defeca na calça, se desobedece, se urina na cama, se briga na escola, a criança apanha.
Busca-se uma resolução dos conflitos de uma maneira agressiva e violenta. Forma-se um
ciclo vicioso e cristalizado nestas relações, e a violência inerente a elas é banalizada. Arendt
(1994) nos alerta para uma banalização da violência num contexto sócio-político mais amplo
e, ao que parece, isto se reproduz e repercute num contexto mais restrito, que é a família.
Quando se discute o que contribuiu para estas famílias não concluírem seus
atendimentos, a própria situação de atendimento pode constituir um dos fatores, pois ao se
identificar tais ocorrências o profissional apresentaria notificação junto ao Conselho Tutelar,
comprometendo a situação dos pais abusivos perante a lei.
Ainda, é oportuno registrar que observamos nestes casos que, além de vítima dos
abusos a ela infligidos, por não obter proteção e cuidado da família incumbida de lhes
oferecer, sua retirada do atendimento demonstra que ela é de novo revitimizada por um
tratamento que não foi concluído, como Santos (2002) abordou em seu trabalho.
Outra explicação para a não continuidade ao atendimento pode estar relacionada a dois
aspectos discutidos por Ackerman (1982): o primeiro quanto ao papel do ambiente familiar
nos distúrbios psicológicos da criança ao considerar que:
1. Se a criança é tratada e a desordem familiar ignorada, a criança de novo cai doente.
77
2. Se a criança melhora, outros membros da família podem adquirir alguma melhora
ou piora.
3. Se o grupo familiar é tratado assim como a criança, torna-se possível combinar os
objetivos da terapia com aqueles de prevenção de doença mental.
Segundo, o atendimento da criança foi de psicoterapia individual para a criança e
orientação aos pais. Contudo, alguns casos nem chegaram a concluir as etapas iniciais de
psicodiagnóstico. Ou seja, o grupo familiar não foi tratado enquanto tal. O próprio
procedimento psicoterápico assim proposto, como Berenstein (1976) argumenta, parece
reforçar a organização cindida que se estabelece do ponto de vista funcional ao se
diagnosticar a criança como o membro doente. Com este movimento atuando no grupo
familiar, o exame psicológico e psiquiátrico pode ser procurado para tal finalidade e o
profissional sem aperceber-se de tal organização, pode enquadrar e legitimar com o
diagnóstico de doença mental esta organização dualista. Portanto, contribui-se mais para a
manutenção de algo desintegrado, do que na busca por uma integração, isto é, a família se
encontra doente e não somente um de seus componentes, a criança. Em suma, nas palavras de
Ackerman (1982) a desordem familiar está sendo ignorada.
Nos casos das crianças que apresentaram alguma melhora, mediante a necessidade
compreendida de que o pai ou a mãe é quem necessitava do atendimento, houve a interrupção
do atendimento do filho e a recusa dos pais tratarem-se. Mesmo quando os pais ou mães
encontram-se em tratamento psiquiátrico ou psicoterápico, trata-se de um enfoque
individualizado, que não abrange o grupo familiar. Além disso, não programas de
prevenção em doença mental no município onde se desenvolveu este estudo.
O modelo de atendimento ainda é caracterizado por uma visão individual de doença
mental, seguindo um enfoque predominantemente médico, desvinculando o problema do seu
78
aspecto relacional e familiar, diagnosticando a criança e não a família. A própria literatura
psicanalítica como destaca Ackerman (1982) apesar de conceber a importância da família
tanto no desenvolvimento sadio, quanto no desenvolvimento patológico, foi estabelecendo um
percurso e um discurso que, de certa forma, negligenciou o estudo sistemático da interação
familiar ao se enfatizar os processos inconscientes do indivíduo em detrimento do
conhecimento da realidade do ambiente social da criança. A aparente maternalização da
família neste estudo foi percebida pela reduzida participação paterna nas diversas etapas de
atendimento realizado, em que a presença da mãe, a presença de avós maternas e até tias
predominaram. Não há, portanto, como negar este movimento interno nas hierarquias
familiares e observar um aspecto discutido por Roudinesco (2003) que, ao analisar as famílias
contemporâneas, percebe-se o desaparecimento, cada vez mais, da presença paterna, ou seja,
na ausência da mãe quem assume é a avó materna; na ausência desta, é a tia materna. Desta
maneira, também estaríamos lidando com uma organização parental cindida, na medida em
que o aspecto paterno se encontra excluído, inclusive, do processo de atendimento
psicológico. Em geral, o tratamento assim proposto parece contribuir mais para a manutenção
da desordem estabelecida nestas famílias, nas palavras de Ackerman (1982), tratando a
criança e ignorando esta questão do que para sua efetiva recuperação.
Para finalizar, este estudo demonstra que não é mais possível atribuir única e
exclusivamente uma explicação orgânica, bioquímica, para os distúrbios psicológicos na
infância sem abordá-los do ponto de vista relacional com seu ambiente familiar. E nem
atribuir às situações de abuso a uma compreensão materialista-histórica somente: a presença
de doença mental pode sim agravar este tipo de ocorrência.
79
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas considerações com relação a este estudo necessitam ser aqui registradas.
Primeiramente, com relação ao método de trabalho utilizado, que foi efetivo, na medida em
que permitiu agrupar os dados e informações disponíveis nos prontuários de atendimento, de
forma a correlacioná-los numa análise mais abrangente em relação ao grupo familiar.
Outro aspecto que contribuiu para isto foi a proximidade física dos serviços de Saúde
Mental, possibilitando o livre acesso aos prontuários, tanto da criança quanto de seus
familiares.
Talvez, complementando as informações extraídas dos prontuários com entrevistas
direcionadas aos pais questionando as ocorrências de abuso, pudessem ser verificadas com
mais precisão quais crenças permeiam tais práticas. Um futuro estudo de alcance
epidemiológico ofereceria elementos e dados com uma consistência e abrangência mais
ampla, aprofundando os resultados aqui encontrados.
Com relação ao encaminhamento das crianças, é considerável que estas, ao
enfrentarem em seu ambiente familiar, situações de adversidades envolvendo doença mental,
crises, rupturas, constituem, sem sombra de dúvidas, um grupo de alto risco para o surgimento
de distúrbios em seu desenvolvimento, formação de psicopatologias futuras e ocorrência de
abuso. Isto indica a necessidade urgente de implantação de programas preventivos em saúde e
educação, que visem capacitar profissionais a lidarem e intervirem nestas situações. O aspecto
diagnóstico e o conseqüente tratamento psicoterapêutico devem abranger e privilegiar o grupo
familiar e não somente a criança.
80
Existe, também, a necessidade de mais estudos e pesquisas que aprofundem estas
questões, visto que as situações de abuso ganharam uma abordagem científica muito
recentemente.
Longe de querer dar uma conotação médica para tais casos de violência contra a
criança, foi possível perceber, pelo menos, neste estudo, que os profissionais da saúde, em
particular, psicólogos, são acionados para o tratamento das conseqüências deste fenômeno
tendo casos encaminhados pelo próprio Conselho Tutelar.
Ainda nestes casos de encaminhamento pelo Conselho Tutelar observa-se que os pais
utilizam-se deste órgão quando prevêem algum tipo de represália ou advertência, procurando-
o antecipadamente pedindo suposta ajuda diante das dificuldades encontradas, para não serem
notificados. Esta ajuda significa encaminhá-los para o serviço de psicologia na grande maioria
dos casos, visto que o Conselho Tutelar não conta com este tipo de profissional em sua
atuação.
Quer dizer, um órgão que tem por função zelar pela proteção da criança e fiscalizar o
cumprimento do Estatuto, ou seja, um representante da lei e da autoridade tem sua real função
claramente boicotada, ao ser utilizado pelos pais para não serem punidos, preservando-os
mais que aos seus filhos, a quem têm o dever de zelar. Transfere de certa forma, sua
responsabilidade como representante da lei ao fazer o encaminhamento para o serviço de
Psicologia e espera que este assuma o tratamento de uma situação que merece uma ação legal
mais severa. Não se afirma aqui que a criança não necessite do atendimento, pois está muito
claro o quanto essas crianças precisam deste tipo de intervenção. Mas, este tipo de manobra
facilita amparar os pais e delegar à criança as dificuldades vividas.
81
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87
ANEXOS
88
ANEXO A
CARTA DE INTENÇÕES À INSTITUIÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo estabelecer uma correlação entre os encaminhamentos de crianças feitos ao
ambulatório de saúde mental e os transtornos psiquiátricos dos pais, a partir dos prontuários registrados neste
ambulatório.
O projeto foi desenvolvido como dissertação de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, de Carla
Renata Lacerda, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob orientação do Prof. Dr. Geraldo A. Fiamenghi Jr.
Será preservada a confidencialidade quanto à identificação do colaborador e dos locais. A pesquisa não
oferece risco aos participantes e os resultados serão utilizados apenas para fins científicos.
Quaisquer dúvidas que existirem agora ou depois poderão ser livremente esclarecidas, bastando entrar em
contato conosco no telefone abaixo mencionado.
Se estiver de acordo em permitir a realização da pesquisa, por favor assine o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido abaixo
_________________ ______________________________________
Carla Renata Lacerda Prof. Dr. Geraldo A. Fiamenghi Jr
Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Tel: (11) 2114 8707
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento que atende às exigências legais,o (a) senhor(a),
___________________________________________________________________, RG _______________,
representante da Instituição, após leitura da CARTA DE INFORMAÇÕES AOS PARTICIPANTES DA
PESQUISA, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido, não restando quaisquer dúvidas a
respeito do lido e do explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância em
permitir a realização da pesquisa proposta.
Fica claro que o participante de pesquisa ou seu representante legal podem, a qualquer momento, retirar seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente
que todo trabalho realizado torna-se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
Nome do Município,.........de..............................de................
____________________________________________
Assinatura do representante da Instituição
89
ANEXO B
90
ANEXO C
91
92
ANEXO D
CID
Transtornos por Substâncias Psicoativas
F10. Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool
F13. Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de sedativos
e hipnóticos
Transtornos Psicóticos
F20. Esquizofrenia
F20.5 Esquizofrenia residual
F25. Transtornos esquizoafetivos
F29. Psicose não-orgânica não especificada
Transtornos de Humor (Afetivo)
F31. Transtorno afetivo bipolar
F32. Episódios depressivos
F33. Transtorno depressivo recorrente
F33.3 Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos
F34. Transtornos de humor [afetivos] persistentes
Transtornos Neuróticos
F40. Transtornos fóbico-ansiosos
F41.2 Transtorno misto ansioso e depressivo
Transtornos de Personalidade
F 60 Transtornos específicos da personalidade
93
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo