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DE ONDE VIM, QUANDO ENTREI PARA O ITAMARATY
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trimestre, desfalque que teve de repor, em uma nova conta bancária que foi
aberta exclusivamente para uso da missão.
Ao fim da fiscalização, que para ser rápida abrangeu só o trimestre, o
Cônsul-Geral telegrafou ao Ministro de Estado, informando-o de que eu tinha
carradas de razão, quando não quis assumir a Embaixada sem uma prestação
formal de contas. Fiquei, então, pronto para voltar ao Brasil com passagens
que já comprara com meus parcos recursos.
Logo que repôs o desfalque, apenas do trimestre, o Embaixador
atabalhoadamente embarcou para o Brasil. No Brasil, imediatamente procurou
seu amigo Castello Branco, que o convidou a jantar em palácio. Dias depois,
entre outras promoções feitas, saiu aquela que ele tanto esperava e que o
transformava num “full Ambassador”, como ele dizia, pomposamente. Não
seria mais apropriado considerá-lo um “fool Ambassador”?
Toda esta estória, que é uma peripécia da copa e cozinha do Itamaraty e
não tem nada a ver com política externa, merece aqui tão longo relato, com
todas suas sórdidas minúcias, porque causou uma mudança nos regulamentos
e nos costumes da Casa. Desde a minha rebelião em Argel, nenhum outro
diplomata, em qualquer lugar no exterior, tem de assumir às cegas a
responsabilidade da encarregatura do posto, com uma venda nos olhos, sem
direito a uma verificação prévia das contas do chefe que não lhe mereça
confiança, quando este apressadamente sair removido, ou em férias. Ninguém
pode mais ser obrigado a parecer cúmplice, ou ter seu bom nome envolvido
com erros ou falcatruas alheias, numa transmissão de cargo informal, sem
boas contas prestadas. Assim também, desde então, os chefes de todos os
postos ficaram notificados de que, ao afastar-se do cargo, mesmo
temporariamente, podem ter de prestar contas a um subordinado, ainda que
o considerem antipático ou inimigo. Por todas essas novidades quero acreditar
que todas as contas, em todos os postos, devem, agora, estar sendo
escrituradas com muito mais cuidado, até com algum capricho. Essa novíssima
situação, que eu criei, acabou com uma era de poder absoluto dos chefes de
missão, que antes administravam seus postos como se fossem reis com poder
absoluto, ungidos por direito divino, servidos por cortesões e vassalos
humildes, e com o indiscutível poder de decapitá-los por qualquer deslize de
etiqueta, ou falta de respeito ao sagrado soberano...
Chegando de volta ao Itamaraty, para um novo estágio no Brasil, verifiquei,
com agradável surpresa, que minha atitude desassombrada e firme com o
Embaixador em Argel, e subsidiariamente, com a Administração, tinha sido