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O COLONIZADO
O que é verdadeiramente o colonizado importa pouco ao colonizador. Longe de querer
apreender o colonizado na sua realidade, preocupa-se em submetê-lo a essa indispensável
transformação. E o mecanismo dessa remodelagem do colonizado é, ele próprio, esclarecedor.
Consiste, inicialmente, em uma série de negações. O colonizado não é isso, não é aquilo. Jamais é
considerado positivamente; ou se o é, a qualidade concedida procede de uma lacuna psicológica ou
ética. Assim, no que se refere à hospitalidade árabe que dificilmente pode passar por um traço
negativo. Se observarmos bem, verificaremos que o louvor é feito por turistas, europeus de
passagem, e não pelos colonizadores, quer dizer europeus instalados nas colônias. Tão logo
instalado, o europeu não desfruta mais dessa hospitalidade, interrompe as trocas, contribui para
erguer barreiras. Rapidamente muda de palheta para pintar o colonizado, que se torna ciumento,
ensimesmado, exclusivista, fanático. Que é feito da famosa hospitalidade? Já que não pode negá-la,
o colonizador ressalta, então, suas sombras, e suas desastrosas consequências.
Decorre da irresponsabilidade, da prodigalidade do colonizado, que não tem o senso da
previsão, da economia. Do importante ao felá, as festas são belas e generosas, com efeito, mas
vejamos o que se segue. O colonizado se arruína, pede dinheiro emprestado e finalmente paga com
o dinheiro dos outros! Fala-se, ao contrário, da modéstia da vida do colonizado? Da tão famosa
ausência de necessidades? Isso é menos uma prova de prudência que de estupidez. Como se,
enfim, todo traço reconhecido ou inventado devesse ser o índice de uma negatividade.
Assim se destroem uma após outra, todas as qualidades que fazem do colonizado um
homem. E a humanidade do colonizado, recusada pelo colonizador, torna-se para ele, com efeito,
opaca. É inútil, pretende ele, procurar, prever as atitudes do colonizado (“Eles são imprevisíveis”...)
(“Com eles nunca se sabe!”). Uma estranha e inquietante impulsividade parece-lhe comandar o
colonizado.
É preciso que o colonizado seja bem estranho, em verdade, para que permaneça tão
misterioso após tantos anos de convivência, ou então, devemos pensar que o colonizador tem boas
razões para agarrar-se a essa impenetrabilidade.
Outro sinal dessa despersonalização do colonizador: o que se poderia chamar a marca do plural. O
colonizado jamais é caracterizado de maneira diferencial: só tem direito ao afogamento no coletivo
anônimo. (“Eles são isso... Eles são todos os mesmos”). Se a doméstica colonizada não vem certa
manhã, o colonizador não dirá que ela está doente, ou que ela engana, ou que ela está tentada a não
respeitar um contrato abusivo. (Sete dias em sete: as domésticas colonizadas raramente se
beneficiam do descanso hebdomadário concedido às outras.) Afirmará que “não se pode contar com
eles”. Isso não é uma cláusula de estilo. Recusa-se a encarar os acontecimentos pessoais,
particulares, da vida de sua doméstica não existe como indivíduo.
Enfim, o colonizador nega ao colonizado o direito mais precioso reconhecido à maioria dos
homens: a liberdade. As condições de vida, dadas ao colonizado pela colonização, não a levam em
conta, nem mesmo a supõem. O colonizado não dispõe de saída alguma para deixar seu estado de
infelicidade: nem jurídica (a naturalização) nem mística (a conversão religiosa): o colonizado não é
livre de escolher-se colonizado ou não colonizado.