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Lispector, já que seu projeto de vida e intelectual, nos últimos anos, estava ligado às crianças
e animais e não mais aos problemas da vida adulta.
No entanto, a amizade mais singular e próxima de Clarice foi, sem dúvida, Olga
Borelli. Embora esta amizade não esteja diretamente envolvida com a literatura, as duas
amigas criaram formas de relacionamentos voltados ao espaço público social e cultural. Elas
respeitavam suas singularidades e sabiam conviver com as diferenças, aceitando-as como
condição de sociabilidade.
Olga Borelli foi, provavelmente, a melhor amiga de Clarice nos últimos dez anos de
sua vida. Essa amizade foi adquirida em um momento no qual Clarice encontrava-se afastada
do mundo e solitária. Entretanto, com o início dessa relação, Clarice tem a possibilidade de
mais uma vez experimentar a amizade.
Mesmo não havendo nessa amizade o aparente envolvimento com a literatura, ainda
assim Clarice não deixava de pedir opinião de Olga a respeito de sua escrita, como é possível
observar no seguinte trecho: ―Tenho, Olga, que arranjar de escrever. Bem perto da verdade
(qual?), mas não pessoal‖.
106
Essa relação apesar de próxima também é marcada pelo
exercício epistolar, já que Clarice solicita a amizade de Olga por meio de uma carta, e pede
ainda que a amiga permaneça ao seu lado até o momento de sua morte.
Olga, datilografo esta carta porque minha letra anda péssima. Eu achei, sim, uma
nova amiga. Mas você sai perdendo. Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo
na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo. Sou uma
pessoa muito medrosa. Tenho problemas reais gravíssimos que depois te contarei. E
outros problemas esse de personalidade. Você me quer como amiga mesmo assim?
Se quer, não me diga que não lhe avisei. Não tenho qualidades, só tenho
fragilidades. Mas às vezes (não repare na acentuação, quem acentua para mim é
tipógrafo) mas às vezes tenho esperança. A passagem da vida para a morte me
assusta: é igual como passar do ódio que tem um objetivo e é limitado, para o amor
que é ilimitado. Quando eu morrer (modo de dizer) espero que você esteja perto.
Você me parece uma pessoa de enorme sensibilidade, mas forte.
Você foi meu melhor presente de aniversário. Porque no dia10 Quinta-feira era meu
aniversário e ganhei de você o Menino Jesus que parece uma criança brincando no
seu berço tosco. Apesar de, sem saber, ter me dado um presente de aniversário,
continuo achando que meu presente de aniversário foi você mesma aparecer, numa
hora difícil de grande solidão.
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LISPECTOR, apud MANZO. Era uma vez: eu – a não ficção na obra de Clarice Lispector, p. 143.