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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL E
DIREITO PENAL JUVENIL: POSSIBILIDADE E CONVENIÊNCIA DE
APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO DIREITO
PENAL AOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
MAURO FERRANDIN
Itajaí, 10 de julho de 2008.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL E
DIREITO PENAL JUVENIL: POSSIBILIDADE E CONVENIÊNCIA DE
APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E GARANTIAS DO DIREITO
PENAL AOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
MAURO FERRANDIN
Dissertação submetida ao Programa de
Mestrado em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em
Ciência Jurídica.
Orientador: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa
Itajaí, 10 de julho de 2008.
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AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa,
por ter aceitado o desafio de orientar um trabalho,
cujo tema discrepa de sua posição acadêmica.
Aos Professores do Mestrado, em especial, o
Doutor Paulo Márcio Cruz, e também aos colegas
de docência na graduação, Heloísa Helena Leal
Gonçalves e Geremias Moreto, pelo apoio,
incentivo e colaboração à conclusão do trabalho.
Ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por
propiciar o constante aprimoramento de seus
magistrados.
Aos colegas magistrados e assessores de
gabinete da Comarca de São Francisco do Sul,
pela cooperação no desempenho da jurisdição,
durante os dias letivos.
A todos os amigos, em especial aos da turma de
Mestrado, com os quais compartilhei os
obstáculos da experiência acadêmica, bem como
os frutos de todo afinco despendido.
À estudiosa do Direito, Vanessa Priscila Pereira,
pelo inestimável apoio recebido.
DEDICATÓRIA
À minha família, por compreender que as
ausências, ainda que dolorosas, decorrem da
busca pelos ideais compartilhados.
Especialmente à Giulia, “presentinho que caiu do
céu”, destinatária do amor incondicional e fonte de
inspiração até o fim dos meus dias.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí, 10 de julho de 2008.
Mauro Ferrandin
Mestrando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABMP Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de
Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude
CF Constituição Federal
CP Código Penal
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
JECrim Juizado Especial Criminal
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................ X
SOMMARIO..................................................................................... XIII
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4
HISTÓRICO DO DIREITO INFANTO-JUVENIL ................................. 4
1.1 RESGATE DO DIREITO DA CRIAA E DO ADOLESCENTE NO
PANORAMA MUNDIAL .........................................................................................4
1.1.1
P
ROLUSÃO NECESSÁRIA
...................................................................................4
1.1.2
D
OCUMENTOS PROTETIVOS À INFÂNCIA E À JUVENTUDE RATIFICADOS PELO
B
RASIL
................................................................................................................................7
1.1.2.1 Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto San José da
Costa Rica..............................................................................................................7
1.1.2.2 Convenção sobre os Direitos da Criança ...............................................8
1.1.2.3 Declaração Universal dos Direitos Humanos.........................................9
1.1.2.4 Declaração dos Direitos da Criança ........................................................9
1.1.2.5 Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o
Desenvolvimento das Crianças nos anos 90....................................................10
1.1.2.6 Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência
Juvenil – Diretrizes de Riad................................................................................11
1.1.2.7 Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens
Privados de Liberdade........................................................................................12
1.1.2.8 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ...............................12
1.1.3
D
OCUMENTOS PROTETIVOS À INFÂNCIA E À JUVENTUDE NÃO RATIFICADOS PELO
B
RASIL
...................................................................................................................13
1.1.3.1 Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça
da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing...............................13
1.1.3.2 X Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo –
Declaração do Panamá – “Unidos pela infância e adolescência, base da
justiça e da eqüidade no novo milênio”............................................................14
1.2 MECANISMOS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.........................................................15
1.2.1
O
C
ÓDIGO DE
M
ENORES DE
1927....................................................................20
1.2.2
D
ECRETO
-L
EI Nº
3.799/41
SAM
S
ERVIÇO DE
A
SSISTÊNCIA A
M
ENORES
......24
1.2.3
D
ECRETOS
-L
EI Nº
3.914/41
E Nº
6.026/43
ALTERAÇÕES DO
C
ÓDIGO DE
M
ENORES DE
1927..................................................................................................25
1.2.4
FUNABEM
F
UNDAÇÃO
N
ACIONAL DO
B
EM
-E
STAR DO
M
ENOR
E
C
ÓDIGO DE
M
ENORES DE
1979
(D
OUTRINA DA
S
ITUAÇÃO
I
RREGULAR
) ........................................26
1.2.5
L
EI Nº
8.069/90
E
STATUTO DA
C
RIANÇA E DO
A
DOLESCENTE
.........................28
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 33
DESMISTIFICANDO A ESTRUTURA DO ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE ..................................................................... 33
2.1 O CONCEITO DE ATO INFRACIONAL .........................................................33
2.2 APLICAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA .37
2.3 CRISE HERMENÊUTICA: INTERPRETAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO ..........46
2.3.1
A
PLICAÇÃO
D
ISCRICIONARIEDADE E
S
UBJETIVISMO
.......................................49
2.3.2
C
ONTROLE DO
P
ODER
J
UDICIÁRIO SOBRE OS ATOS DISCRICIONÁRIOS DA
A
DMINISTRAÇÃO
P
ÚBLICA
........................................................................................54
2.4 MODALIDADES DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS .................................62
2.4.1
A
DVERTÊNCIA
................................................................................................62
2.4.2
O
BRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO
....................................................................63
2.4.3
P
RESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
........................................................65
2.4.4
L
IBERDADE
A
SSISTIDA
....................................................................................66
2.4.5
S
EMI
-
LIBERDADE
............................................................................................69
2.4.6
I
NTERNAÇÃO
..................................................................................................69
2.5 EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS.....................................73
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 77
A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O DIREITO PENAL JUVENIL E
O ECA: PARADIGMAS E PARADOXOS......................................... 77
3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E GARANTIAS PROCESSUAIS NO
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .............................................77
3.1.1
P
RINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
..........................................................77
3.1.2
P
RINCÍPIO DA
L
EGALIDADE
(
OU DA
R
ESERVA
L
EGAL
)
E
P
RINCÍPIO DA
C
ULPABILIDADE
......................................................................................................79
3.1.3
P
RINCÍPIO DA
I
NDIVIDUALIZAÇÃO DA
M
EDIDA
S
ÓCIO
-
EDUCATIVA
........................82
3.1.4
D
IREITO À TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
EM SEGREDO DE JUSTIÇA E PRESERVAÇÃO DA IMAGEM E DE VALORES ALUSIVOS À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
...................................................................................83
3.1.5
P
RINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL
..........................................................86
3.1.6
P
RINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA
..............................................................87
3.1.7
P
RINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO ADOLESCENTE
........................................92
3.1.8
P
RINCÍPIO DA
M
UNICIPALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO
...........................................94
3.2 CONSTRUINDO UM VERDADEIRO SISTEMA DE GARANTIAS.................95
3.3 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO COMO GARANTIDOR E AGENTE
MODIFICADOR DA REALIDADE SOCIAL INFANTO-JUVENIL.........................99
CAPÍTULO 4 .................................................................................. 101
A INTERFACE DO ATO INFRACIONAL COM A PSICANÁLISE E A
REALIDADE JURÍDICA NACIONAL DA APLICAÇÃO DA LEI
8.069/90.......................................................................................... 101
4.1 A INSCRIÇÃO DA ADOLESCÊNCIA COMO PRODUTO DA RELAÇÃO
FÁLICA...............................................................................................................101
4.2 O PAPEL DEMOCRÁTICO DO JUIZ NA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE ......................................................................................................112
4.3 CONTROVÉRSIAS NA APLICAÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA...116
4.3.1
A
PLICAÇÃO DO
P
RINCÍPIO DO FAVOR REI
........................................................116
4.3.2
A
NÁLISE DAS CONDIÇÕES DA
A
ÇÃO
I
NFRACIONAL
...........................................118
4.3.3
E
FEITO EXTENSIVO DOS RECURSOS
................................................................120
4.3.4
I
NAPLICABILIDADE DA
L
EI
9.099/95
NAS HIPÓTESES DE ATO INFRACIONAL E DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO VÍTIMAS NA AÇÃO PENAL
................................12222
4.3.5
D
IREITOS INCURSOS NO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO
-
EDUCATIVAS
..........................................................................................................125
4.4 A INOVAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA............................................126
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 134
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS...................................... 138
RESUMO
O presente estudo, produzido sob a Linha de Pesquisa
Hermenêutica e Principiologia Constitucional, no Projeto de Pesquisa do
Garantismo Penal, trata, em suma, da legislação aplicável aos adolescentes em
conflito com a lei, tendo como fundamento a Constituição Federal de 1988, a
Doutrina do Garantismo Jurídico de Luigi Ferrajoli e o Direito Penal Juvenil – este,
como resultado da extensão dos direitos e garantias previstos na legislação
alienígena, no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução
Penal, não apenas porque decorrente da própria autorização específica prevista
no Estatuto da Criança e do Adolescente mas, sobretudo, em face da
necessidade de se colmatarem as frestas jurídicas que impedem a conformação
da Doutrina da Proteção Integral. Principia-se fazendo uma remição histórica aos
direitos da criança e do adolescente, com ênfase às legislações que resultaram
na implantação do paradigma em vigor, notadamente, a partir da vigência do
Estatuto da Criança e do Adolescente. A seguir, analisam-se as divergências
doutrinárias acerca da natureza da medida sócio-educativa, optando-se pela
defesa daquela que a considera tanto pedagógica como punitiva, a fim de
obstaculizar que se imponham tratativas mais gravosas ao adolescente colidente
com a norma do que ao adulto. Também são dissertadas, individualmente, as
modalidades das medidas sócio-educativas, salientando-se suas principais
características e dificuldades de implementação prática. Finalmente, após
arrolados diversos direitos e garantias que devem ser conjugados com o Estatuto,
indica-se qual o papel do Poder Judiciário, principalmente na aplicação das
medidas, ao suscitar o auxílio da psicanálise para a compreensão das atitudes do
adolescente, bem como da premência de que, somente com diálogo e
aquiescência do adolescente na imposição de medida sócio-educativa é que este
estará apto para comprometer-se consigo mesmo e, por conseguinte, com a
sociedade.
SOMMARIO
Lo studio presente tratta, insomma, della legislazione
applicabile agli adolescenti in conflitto con la legge, avendo come
fondamentazione la Costituzione Federale di 1988, la Dottrina del Garantismo
Penale di Luigi Ferrajoli ed il Diritto Penale Giovanile - questo, come derivante
dell'estensione dei diritti e delle garanzie prevedute nella legislazione straniera, nel
Codice Penale, nel Codice della Procedura Criminale e nella Legge
dell'esecuzione Criminale, non solo perché deriva dell'autorizzazione specifica
preveduta nello Statuto dei Bambini e degli Adolescenti ma, soprattutto, dovuto
alla necessità di colmare le aperture legali che ostacolino la conformazione della
Dottrina di Protezione Integrale. Si comincia da una remissione storica ai diritti dei
bambini e degli adolescenti, con enfasi sulla legislazione da cui sono derivate le
paradigme odierne, soprattutto, dalla validità dello statuto dei bambini e degli
adolescenti. Per seguire, si analizzano le divergenze dottrinali in riguardo alle
misure socio-educative, scegliendo la difesa di quella che considera degli aspetti
pedagogici bene come i punitivi, con il fine di ostacolare quelle trattative più
gravose agli adolescenti di quelle imposte agli adulti. Inoltre sono analizzate le
modalità delle misure socio-educative e, principalmente, le sue caratteristiche e
difficoltà dell'esecuzione pratica. Per concludere, dopo aver fatto un riepilogo dei
diritti e garanzie che devono essere coniugati con lo Statuto, è indicato il ruolo del
Potere Giudiziario, pricipalmente nell'applicazione delle misure quando suscita il
sussidio della psicanalisi per la comprensione degli atteggiamenti degli
adolescenti, così come della pressione di che soltanto con il dialogo e
l'approvazione dell'adolescente nell'imposizione della misura socio-educativa è
che lui potrà comprometersi con se stesso e, così con la società.
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objeto o estudo da
Doutrina do Direito Penal Juvenil e os fatos conseqüentes do seu perfilhamento,
na prática das Varas da Infância e da Juventude das comarcas do País.
O seu objetivo institucional é a produção de Dissertação
para a obtenção de título de Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do
Vale do Itajaí - UNIVALI.
O objetivo geral do trabalho é perscrutar como se procede,
no dia-a-dia dos atores jurídicos, a concessão de garantias individuais e
processuais ao adolescente, autor de ato infracional. Os objetivos específicos, por
sua vez, concernem a apontar as fragilidades da atual conjuntura do direito
punitivo infanto-juvenil, suscitando a inserção dos ditames da Constituição
Federal de 1988 e da Doutrina do Garantismo Jurídico de Luigi Ferrajoli e,
precipuamente, a incitar a adoção plena da Doutrina da Proteção Integral,
cumulada a todos os seus pressupostos.
Destarte, os objetivos específicos desta pesquisa estão
diretamente relacionados a uma das principais obliterações da implementação do
Estatuto da Criança e do Adolescente: o embaraço interpretativo do diploma e,
deste aspecto, exsurge a relevância do tema abordado, que corrobora a extensão
dos direitos fundamentais ao adolescente infrator, sob o prisma dos principais
documentos garantistas aderentes nesse ordenamento, bem como de um
inovador viés analítico do ato infracional: a psicanálise, a partir da qual é possível
transmudar a compreensão sobre os fatos ilícitos, desencadeados pelos
indivíduos em estado peculiar de desenvolvimento e, sobretudo, a forma utilizada
judicialmente, para dirimir os conflitos (decorrente da hermenêutica), nos quais
figuram, no pólo passivo, os adolescentes em conflito com a lei.
2
Adotou-se o método qualitativo, operacionalizado com as
técnicas da pesquisa bibliográfica e de fichamentos, fragmentando-se o trabalho
em três partes.
O primeiro capítulo tratará da evolução do direito da criança
e do adolescente no cenário histórico, apresentando os principais documentos
nacionais e internacionais que contribuíram para tanto.
Na segunda parte, será abordada a estrutura do Estatuto da
Criança e do Adolescente, a partir da conceituação de ato infracional; dos
norteamentos da determinação, no caso concreto, das medidas sócio-educativas;
dos principais óbices da obtenção de efetividade da Lei 8.069/90 e do
procedimento (que é inexistente) da execução da medida aplicada, todos eles
observados em consetâneo com a Teoria do Garantismo Jurídico e com o Direito
Penal Mínimo, prezando pela excepcionalidade da restrição da liberdade e pela
maximização dos princípios fundamentais, em sendo o caso de decretá-la.
Já no Capítulo 3, além de definir as finalidades implícitas nos
princípios constantes no Estatuto da Criança e Adolescente, sucedâneos da
Doutrina da Proteção Integral, que, por inúmeras vezes, são inobservadas,
propor-se-á a inclusão de outros, correlatos ao Código Penal e ao Garantismo
Jurídico, no intuito de conferir, definitivamente, a condição de sujeito de direitos, e
também de deveres, ao adolescente em conflito com a lei.
Por fim, o Capítulo 4 retrata a dualidade entre o Direito (e,
nesse caso, especialmente o ECA) e a psicanálise, a qual expressa a tentativa
incessante da mente humana em usufruir o gozo, objeto de retaliação por parte
daquele. Seguidamente, partindo da análise circunstancial da prática do ato
infracional, com base nos estudos de Freud e alguns de seus seguidores, sugerir-
se-ão novos delineamentos na aplicação e na execução das medidas sócio-
educativas, enfaticamente no que se refere ao papel a ser desempenhado pelo
magistrado.
Findando o conteúdo investigatório, nas considerações
finais, serão relatadas as conclusões extraídas da presente pesquisa.
3
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação
1
, foi utilizado o Método Indutivo
2
e as conclusões auferidas são
derivadas da base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente
3
, da Categoria
4
, do Conceito Operacional
5
e da Pesquisa
Bibliográfica.
1
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa
jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
2
“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma
percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e
Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.
3
“[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma
pesquisa.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa
jurídica. p. 62.
4
“[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD,
Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.
5
“[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica
e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DO DIREITO INFANTO-JUVENIL
1.1 RESGATE DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO
PANORAMA MUNDIAL
1.1.1 Prolusão necessária
No decorrer da história, o homem veio procurando tutelar
seus direitos, o que se deu em forma de leis, tratados, convenções, declarações,
cartas, acordos e outras nomenclaturas, os quais, em síntese, buscaram
resguardar direitos individuais ou coletivos, em consonância com o momento
histórico vigente, haja vista que este condicionou, por diversas vezes, a ênfase
remetida a direitos específicos. Verifica-se tal assertiva, quando se toma por base,
verbi gratia, o comparativo entre os valores perseguidos para a confecção do
Código de Hamurabi
6
e aqueles oriundos da Revolução Francesa
7
, que, neste
último caso, resultaram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Enquanto que para o primeiro se enalteceram os direitos sociais, que o
monarca Hamurabi (1728-1688 a.C.) era manifestamente despótico, para a
6
O Código de Hamurabi consiste em consolidação de leis babilônicas, cuja confecção foi
determinada pelo monarca Hamurabi (1728-1688 a.C.). Hamurabi, além de grande guerreiro, foi
notável reformador do Direito e da ordem social de seu país, tendo governado de 1792 a 1750
a.C. O Código encontra-se, hoje, no Museu do Louvre, constando de inscrições cuneiformes
num enorme bloco de basalto, com 2,25m de altura, encontrado numa escavação arqueológica
de 1902. (EYDOUX, Henri-Paul. À Procura dos mundos perdidos As grandes descobertas
arqueológicas. São Paulo: Edições Melhoramentos & editora da Universidade de o Paulo,
1973. p. 53)
7
Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de Maio de
1789 e 9 de Novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França, ou seja, seus
princípios e governo. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do
clero e da nobreza. A Revolução fixou princípios políticos que, em seguida, irradiaram-se para
outros países e se mantêm permanentemente em evidência, quais sejam: liberdade, igualdade e
fraternidade”. (CERQUEIRA, Marcelo. A constituição na história: da Revolução Inglesa de 1960
à crise do Leste Europeu. 2. ed. ver. e ampl. até a EC 52/2006. Rio de Janeiro: Revan, 2006.
p. 132-133)
5
segunda, com base nos pilares da Revolução (liberdade, igualdade e
fraternidade), ganharam destaque os direitos individuais do homem, isso porque,
para a classe burguesa (oprimida e, portanto, desencadeadora da sublevação),
necessários se faziam tais direitos para a desconstituição do absolutismo, até
então em vigor.
Por conseguinte, é possível aduzir que, movida por
interesses, a sociedade se manifesta quando lesada ou na iminência disto, e o
foi díspar com relação aos direitos conferidos à criança.
No Brasil, para Miriam Moreira Leite, somente com o início
do século XIX é que a situação infância passa a ser focalizada, notadamente, à
medida que o trabalho deixa de ser domiciliar e as famílias, ao se deslocarem das
origens, não conseguem, com êxito, acompanhar o desenvolvimento de seus
filhos
89
. A partir disto, segundo a autora, “as crianças transformam-se em
‘menores’, e como tal, rapidamente congregam as características de
abandonadas e delinqüentes”
10
, e daí a premência de proteção estatal
11
.
8
LEITE, Miriam L. Moreira. A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In:
FREITAS, Marcos Cezar de. (org) História social da infância no Brasil. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2003. p. 20.
9
O inglês E. R. P. Edgecumbe registrou suas impressões ao chegar ao Brasil, quanto ao
tratamento dispensado pela sociedade e pelos pais à criança: “Os pais brasileiros vivem com as
crianças ao redor e as estragam a mais não poder. Uma criança brasileira é pior que um
mosquito tonto. As casas brasileiras o têm quarto para elas e, como se considera cruel pôr as
queridinhas na cama durante o dia, tem-se o prazer de sua companhia sem intervalos. [...] No
Brasil não existem crianças no sentido inglês. A menor menina usa colares e pulseiras e
meninos de 8 anos fumam cigarros. Encontrei um bando de meninos voltando da escola, uma
tarde. Um pequeno de aparentemente sete anos tirou do bolso um maço de cigarros e ofereceu
a um de cada vez. Ninguém demonstrou qualquer desaprovação de um menino tão pequeno
fumando. A linguagem desses meninos é terrível, embora eu precise admitir que, como os
cocheiros de Londres, não percebem que estão usando expressões chulas”. (Zephyrus. A
holiday in Brazil and on the River Plate. Londres: Chatto & Windus, 1886. p. 47 e 50)
10
LEITE, Miriam L. Moreira. A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In:
FREITAS, Marcos Cezar de. (org) História social da infância no Brasil. p. 20.
11
Veja-se o retrato da infância do Brasil, durante o século XIX: Algumas famílias mais cultas
enviam seus filhos às universidades na Alemanha, França e Inglaterra, onde habitualmente
progridem muito, pois o brasileiro é dotado de boa inteligência natural e muito talento, que,
quando convenientemente desenvolvido, é capaz de alcançar a mais elevada perfeição. // Os
meninos crescem na vadiagem e na má-criação, como os pais os deixam, desde a infância,
quase sempre entregues à guarda e ao convívio dos negros, tornam-se naturalmente parecidos
com estes, em todos os sentidos, tanto mais que os negros na moral são seus mestres”.
(BELMANN, E. Recordações de minha estadia e minhas viagens no Brasil de 1825 a 1831. Trad.
do Dinamarquês de Gutton Hansen da Biblioteca Particular Paulo Berger. p. 45)
6
A fim de embasar a cronologia da legislação infanto-juvenil,
abordar-se-ão, a seguir, em rápida síntese, os documentos mais recentes e
importantes do cenário mundial que retrataram o tema, concedendo ao infante
melhores condições de desenvolvimento físico e psíquico, que resultaram no atual
paradigma da Doutrina da Proteção Integral, que prima pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, ponto em que não há qualquer discordância
12
.
Cabe aqui, no entanto, de antemão, trazer a lume as
conceituações das nomenclaturas utilizadas nos documentos de tutela da criança
e do adolescente que serão comentados, os quais poderiam ludibriar o leitor, por
aparentam ter o mesmo significado. Para tanto, valendo-se das construções de
Valério de Oliveira Mazzuoli
13
, define-se que o tratado é empregado a ajuste
solenes, cujo objeto, finalidade, número e poder das partes têm maior importância
por criarem situações jurídicas; pacto corresponde à celebração de atos solenes,
utilizados para delimitar o objeto político de um tratado estabelecido;
declaração é o instrumento que contém acordos, que fixam regras ou princípios
jurídicos ou, ainda, que indicam posição política comum (neste caso, se a norma
for de âmbito internacional) e, por último, convenção é sinônimo de tratado,
expressão normalmente usada nos acordos que criam ou fixam normas gerais, no
âmbito de conferências internacionais.
Com Ida Pfeiffer, pode ser explicado o trecho acima, no que tange aos negros: “Não existe escola
para eles, não recebem qualquer instrução; numa palavra, não se faz coisa alguma para
desenvolver suas faculdades intelectuais. São mantidos de propósito numa espécie de infância,
segundo velho hábito dos Estados despóticos, pois o despertar desse povo oprimido poderia ser
terrível.” (PFEIFFER, Ida. Voyage d’une femme autour du monde. Traduit de L’allemand par W.
Suckau. Paris: Librairie de L. Hachette, 1846. p. 29-30)
12
Sobre o Progresso do Direito da Infância e da Juventude, ver: CERQUEIRA, Fernanda D’Aquino
Mafra. Estatuto da Criança e do Adolescente Noções Gerais. Brasília: Fortium, 2005. p. 11-18;
SILVA, Roberto da. A Construção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
<http://www.abmp.org.br/textos/189.htm>; SILVA, Roberto da. Direito do Menor X Direito da
Criança. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/278.htm>; GARCIA MENDEZ, Emílio.
Evolução Histórica do Direito da Infância e da Juventude. In: Justiça Adolescente e Ato
Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São
Paulo: ILANUD, 2006, p. 07-23.
13
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados Internacionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p.
26-31.
7
1.1.2 Documentos protetivos à infância e à juventude ratificados pelo Brasil
1.1.2.1 Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto San José da
Costa Rica
A Convenção foi adotada e aberta à assinatura na
Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José
de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, tendo se dado a ratificação pelo
Brasil, em 06 de novembro de 1992, pelo Decreto nº 678.
Em síntese, o Pacto procurou evidenciar os direitos
humanos, preponderantemente no que concerne a um regime de liberdade
pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do
homem, os quais devem ser obrigatoriamente observados pelos países
ratificantes.
Quanto às origens, segundo infere de seu preâmbulo, os
princípios, por ele tutelados, derivaram da Carta da Organização dos Estados
Americanos, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, tendo sido aqueles, reafirmados e
desenvolvidos também em outros instrumentos internacionais.
Por derradeiro, o objetivo da previsão de tais direitos,
reproduzindo o discurso da Declaração Universal dos Direitos do Homem, é
isentar o homem do temor e da miséria, propiciando condições que permitam a
cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais, culturais, civis e
políticos, pois, apenas deste modo, poder-se-ia materializar o ideal do ser
humano livre.
Pertinente à proteção infantil, discorrem os arts. 4 e 19 do
Pacto, de forma pouco descritiva, respectivamente, que todas as pessoas
merecem proteção da lei desde a concepção e que toda criança terá direito às
medidas de proteção que lhes são inerentes, tanto por parte da sua família,
quanto da sociedade e do Estado”
14
, isso porque muitas das demais disposições
14
Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto San José da Costa Rica. Disponível
em:<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action>.
8
também revelam congruência com os direitos que merecem ser resguardados aos
infantes, na condição de seres humanos.
1.1.2.2 Convenção sobre os Direitos da Criança
A Assembléia das Nações Unidas aprovou por unanimidade,
em 20 de novembro de 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada
pelo Brasil por intermédio do Decreto 99.710, de 21.09.1990, após ratificação
pelo Congresso Nacional, em 14.09.1990, pelo Decreto Legislativo n° 28.
O extenso documento é subdividido em cinco títulos: “Parte
I”, “Parte II”, “Parte III”, “Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos
da Criança sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados” e “Protocolo
Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a venda de
crianças, prostituição e pornografia infantis”, todos estabelecendo ora direitos, ora
incumbências aos países-membros, ou até mesmo disposições acerca da própria
convenção, como, por exemplo, a previsão de regras de interpretação, de
ratificação, de alteração etc.
A Convenção representa, na perspicácia das palavras de
Tânia da Silva Pereira, “um consenso de que existem alguns direitos básicos
universalmente aceitos e que são essenciais para o desenvolvimento completo e
harmonioso da criança. Representa, em definitivo, o instrumento jurídico
internacional mais transcendente para a promoção e o exercício dos Direitos da
Criança”
15
.
Desta maneira, a importância da Convenção consiste em
não ser mera norma programática, o que a distingue de outros tratados, pois “tem
natureza coercitiva e exige de cada Estado-Parte que a subscreve e ratifica um
determinado posicionamento. [...] tem força de lei internacional e, assim, cada
15
PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção e o Estatuto: um ideal comum de proteção ao ser
humano em vias de desenvolvimento. In: PEREIRA, T. S. (coord.). Estatuto da Criança e do
Adolescente. Lei nº 8.069/1990: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 68.
9
estado não poderá violar seus preceitos, como também deverá tomar as medidas
positivas para promovê-los”
16
.
1.1.2.3 Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um dos mais notáveis
documentos que garantiram aos cidadãos, inclusas também as crianças, o direito
à vida e à liberdade, tendo sido ratificado pelo Brasil.
Destacadamente, proporciona tal Declaração: o nascimento
de todas as pessoas como livres e iguais em dignidade e direitos; a capacidade
para gozar os direitos constantes nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição; o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; a vedação à
escravidão e ao tráfico em todas as suas formas; a o submissão à tortura, nem
a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante; o direito à propriedade; o
direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem
estar (inclusos alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis) e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos que ensejem a dificuldade de prover por
sua subsistência
17
.
1.1.2.4 Declaração dos Direitos da Criança
Inspirada na Declaração de Genebra, aprovada em 26 de
setembro de 1924 pela Assembléia da então Liga das Nações, hoje Organização
das Nações Unidas, a Assembléia Geral da ONU, em 20 de novembro de 1959,
aprovou a Declaração dos Direitos da Criança com unanimidade, sendo
signatários setenta e oito países, dentre eles o Brasil.
16
VERONESE, Josiane Rose Petry. Humanismo e infância: a superação do paradigma da
negação do sujeito. In: MEZZAROBA, Orides. (org) Humanismo Latino e estado no Brasil.
Florianópolis: Fundação Boiteux; [Treviso]: Fondazione Cassamarca, 2003. p. 434.
10
Tal instrumento consiste em dez princípios, os quais
garantem: que todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção e sem
distinção ou discriminação, serão credoras dos direitos pela Declaração,
defendidos; que gozarão proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas
oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal
e em condições de liberdade e dignidade; que, após o nascimento, terão direito a
um nome e a uma nacionalidade; que lhes serão proporcionados cuidados e
proteção especiais, inclusive p e s-natais, além de alimentação, habitação,
recreação e assistência médica adequadas; que, acaso forem incapacitadas
física, mental ou socialmente, serão proporcionados o tratamento, a educação e
os cuidados especiais, exigidos pela sua condição peculiar; que deverão ser
criadas num ambiente de afeto e segurança e, sempre que possível, sob os
cuidados e a responsabilidade dos pais; que deverão receber educação; que
figurarão entre os primeiros a receber proteção e socorro; que receberão proteção
contra todas as formas de negligência, crueldade e exploração e, por fim, que
usufruirão de proteção contra todos os atos que possam acarretar discriminação
racial, religiosa ou de qualquer outra natureza
18
.
Saliente-se que o teor destas disposições é considerado
meramente programático, ou seja, não tem o condão de obrigar o Estado à sua
prestação, mas de somente sugerir que tome medidas com tal fito
19
, embora haja
certa divergência sobre a eficácia do conteúdo.
1.1.2.5 Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o
Desenvolvimento das Crianças nos anos 90
O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança foi realizado na
sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, no dia 30 de
17
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>
18
Declaração dos Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm>.
19
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
p. 09.
11
setembro de 1990, tendo como produto a Declaração Mundial sobre a
Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento das Crianças nos anos 90.
O fato de maior relevância, proveniente da reunião dos
chefes de Estado presentes nesta ocasião, baseia-se em terem sido traçados
alguns compromissos para o provimento do bem-estar da criança, bem como na
promessa de ação em cooperação internacional, o que potencializa o pretenso
êxito das medidas.
Dentre os dez propósitos estabelecidos, destacam-se:
promover, o mais rapidamente possível, a ratificação e a implementação da
Convenção sobre os Direitos da Criança; criar meios para a realização do
atendimento pré-natal e para a redução da mortalidade infantil, fornecendo água
limpa a todas as comunidades, para todas as suas crianças, assim como o
acesso universal ao saneamento sico; tomar medidas para a erradicação da
fome, da desnutrição e da inanição; fomentar o planejamento familiar
responsável; valorizar a entidade familiar, apoiando e colocando à disposição
subsídios para auxiliar os pais na difícil tarefa de educar; criar programas de
redução do analfabetismo e de educação profissionalizante e, finalmente,
proteger a criança do sofrimento carreado pela guerra
20
.
1.1.2.6 Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência
Juvenil – Diretrizes de Riad
As Diretrizes de Riad foram estabelecidas no Oitavo
Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinqüente, por meio da Resolução 45/112, de 14 de dezembro de 1990,
visando, precipuamente, o estabelecimento de políticas e medidas progressistas
de prevenção da delinqüência juvenil com a participação dos jovens nos
programas de serviços comunitários, de auto-ajuda juvenil e de indenização e
assistência às vítimas pregando a utilização, somente em último caso, de
mecanismos convencionais de controle social.
20
Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento das Crianças nos
anos 90. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex42.htm>.
12
Tais quais as Regras Mínimas de Beijing, as disposições
contidas nas Diretrizes de Riad, não possuem força normativa no País, mas
serviram de base para a elaboração do ECA, tendo, ainda, um diferencial aos
demais documentos, construídos em prol dos infantes: a previsão de preceitos
específicos em relação ao ambiente familiar, à educação e aos meios de
comunicação, pontos determinantes da formação psíquica da criança.
1.1.2.7 Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens
Privados de Liberdade
O Oitavo Congresso das Nações Unidas estabeleceu, com
relação à Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, por meio da
Resolução 45/113, de 14 de dezembro de 1990, alguns pontos básicos. Dentre
muitos, destaca-se o princípio basilar de considerar a prisão do adolescente
infrator em medida excepcional e no menor espaço de tempo. E, ainda, não
economizar esforços para abolir, na medida do possível, tal ação coercitiva.
O objetivo das Regras é “estabelecer normas mínimas
aceitas pelas Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade
em todas as suas formas, de maneira compatível com os direitos humanos e
liberdades fundamentais, e com vistas a se opor aos efeitos prejudiciais de todo
tipo de detenção e a fomentar a integração na sociedade”
21
.
1.1.2.8 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Adotado pela Resolução 2.200-A da Assembléia Geral
das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, aprovado pelo Decreto
Legislativo 226, de 12.12.1991, ratificado pelo Brasil, em 24 de janeiro de 1992
e, finalmente, promulgado pelo Decreto 592, de 6.7.1992, o Pacto, além de
prever direitos inerentes a todos os seres humanos, também se atentou à tutela
específica das crianças em seu artigo 24.
Declara, o documento, reforçando as garantias propostas
pela Declaração dos Direitos da Criança, que toda criança terá direito, sem
21
Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex46.htm>.
13
qualquer discriminação, às medidas de proteção que a sua condição requer por
parte de sua família, da sociedade e do Estado, bem como a um nome e a uma
nacionalidade
22
.
1.1.3 Documentos protetivos à infância e à juventude não ratificados pelo
Brasil
1.1.3.1 Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça
da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing
A Assembléia Geral das Nações Unidas, por intermédio da
Resolução 40/33, aprovou as Regras Mínimas para a Administração da Justiça da
Infância e da Juventude, em 20 de novembro de 1985, com o desiderato de
enumerar princípios fundamentais de todo homem, inclusive do adolescente
conflitante com a lei.
O documento prescreve norteamento aos Estados quanto a
lidar com os infratores e a conferir-lhes os direitos cabíveis, tendo como escopo
enfatizar o bem-estar destes e garantir que qualquer decisão, em relação a estes,
seja sempre proporcional às circunstâncias do sujeito e da infração.
Ressalte-se que o maior escopo do documento formulado
reside em serem propiciadas pelo Estado, condições durante o período de idade
em que o jovem é mais vulnerável a um comportamento deturpado, promovendo
um “processo de desenvolvimento pessoal e de educação o mais isento possível
do crime e da delinqüência”
23
.
As Regras de Beijing dividem-se em seis partes, a saber: 1)
princípio gerais; 2) investigação e processamento; 3) decisão judicial e medidas;
4) tratamento em meio aberto; 5) tratamento institucional e 6) pesquisa,
planejamento e formulação de políticas e avaliação.
22
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em:
<http://www.aids.gov.br/legislacao/vol1_2.htm>.
23
Regras Mínimas de Beijing. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex47.htm>.
14
Entre suas disposições, vale elucidar que, além das
garantias constitucionais conferidas a todo cidadão, o adolescente infrator ainda
tem algumas garantias acentuadas, constantes na primeira e terceira partes,
valendo destacar: a) o direito de informação às acusações sofridas; b) o direito de
ser assistido por um advogado, podendo, se for o caso, solicitar assistência
judiciária gratuita; c) o direito de ter presentes os pais ou tutores; d) o direito à
confrontação com testemunhas e a interrogá-las; e) o direito de interpor recursos;
f) o direito de ter resguardada sua intimidade, evitando-se a publicidade
indevida
24
.
Desta forma, ainda que não possuam força normativa no
Brasil, ante mera falta de ratificação, a influência das Regras é patente, pois
constituíram embasamento da confecção do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que dispuseram de princípios favorecedores dos direitos
fundamentais de uma parcela da população fragilizada com a sua peculiar
situação de desenvolvimento.
1.1.3.2 X Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo –
Declaração do Panamá – “Unidos pela infância e adolescência, base da
justiça e da eqüidade no novo milênio”
Nos dias 17 e 18 de novembro de 2000, os Chefes de
Estado e de Governo dos 21 países Ibero-americanos, reunidos na Cidade do
Panamá, República do Panamá, formularam a denominada “Declaração do
Panamá”, cujo escopo foi sustentar programas e ações que garantissem o bem-
estar e o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes ibero-americanos,
fazendo uso dos direitos fundamentais que lhes são inerentes.
Entre as inúmeras ações elencadas pela Cúpula, destinadas
exclusivamente às crianças ibero-americanas, para a promoção da eqüidade e da
justiça social, merecem relevo: possibilitar o acesso à educação infantil e ao
ensino fundamental gratuito e obrigatório, até no máximo o ano de 2015; fortificar,
em cada país signatário, os programas de segurança alimentar, com a realização
24
Regras Mínimas de Beijing. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex47.htm>.
15
de campanhas referentes à nutrição, destinadas especialmente a lactantes,
crianças pequenas e mulheres grávidas; dispor ao maior número possível de
famílias os sistemas de previdência social, aumentando o acesso à saúde,
notadamente no que tange às crianças, à mulher grávida e à mãe adolescente;
promover a inserção de programas de educação sexual nas escolas, com o intuito
de admoestar sobre gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis;
criar programas em atenção às crianças e aos adolescentes portadores de
deficiência; erradicar a violência doméstica através de políticas públicas
25
.
Destarte, louvável a iniciativa dos países que formularam a
Declaração do Panamá, não somente, por tutelar os direitos das crianças e dos
adolescentes com políticas promissoras (sem efeito instantâneo e transitório),
mas também, e principalmente, por resguardar o bem-estar socioeconômico das
gerações supervenientes.
1.2 MECANISMOS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O histórico da legislação protetiva da criança e do
adolescente, no Brasil, é recente e iniciou de forma débil, com diminutas
garantias, remetidas ao infante e ao adolescente infrator, as quais variaram sua
amplitude conforme o momento político vivenciado. Contudo, a legislação infanto-
juvenil, independentemente da época, tal qual a legislação penal comum, surgiu,
prefacialmente, como meio utilizado para conter as classes menos favorecidas e
para dilatar ainda mais as disparidades entre os destinatários da norma e seus
criadores.
O objeto da política criminal se traduz nos indivíduos sem
participação (papel) social, consumidores falhos pelo não exercício da liberdade
25
X Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo – Declaração do Panamá.
Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10141.htm>.
16
de comprar e de ser útil para o mercado
26
. Assim é que se justifica a política
adotada pela cidade de Nova York e sua súbita propagação mundial, que
intitulada “Tolerância Zero”
27
, com ostensividade e intolerância, reprime pequenos
delitos de “populações suspeitas” (mendigos, negros, latinos, pichadores e
quebradores de vidraça) sob a falácia da “limpeza social”
28
.
Loic Wacquant afirma que, legitimando tal discurso, as
forças de ordem ganham carta branca para investir repressivamente contra a
pequena violência, entendida como a mera manifestação de pobreza (sem-tetos,
mendigos, etc.), sob o reles argumento de que “quem rouba um ovo, rouba um
boi”
29
.
É de Alexandre Morais da Rosa, entretanto, a assertiva que
incisivamente qualifica o cenário: “O manejo para recompor a ordem é o mote da
proposta que pretende impor ‘valores’ dominantes em jovens que nascem tolhidos
no seu direito básico: a liberdade de escolha. Se alinhamento, libera-se para
viver em sociedade. Resistindo, exclui-se. Nada mais perfeito ideologicamente”
30
.
Em concordância com o pensamento do autor adrede
mencionado, Alessandro Baratta complementa afirmando que:
Criminalizar os pobres é um instrumento indispensável porque
garante materialmente a sua posição subalterna no mercado de
trabalho e a sua crescente exclusão, disciplinando-os, pondo-os
em guetos e, quando necessário, destruindo-os. É também um
instrumento indispensável para encobrir, com a imagem da
26
COSTA, Ana Paula Motta. As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil: como limite na
aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.
37-38.
27
Conjugada com a política de Tolerância Zero”, o Manhattan Institute criou a broken windows
theory, cujos autores, James Q. Wilson e George Kelling, defendem que todo o comportamento
desviado merece ser perseguido e punido, pois quem joga uma pedra e quebra a vidraça, hoje,
amanhã volta para cometer crimes mais graves. (LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao
Processo Penal. p. 14)
28
BATISTA, Vera Malaguti de Souza. Intolerância dez, ou a propaganda é a alma do negócio. In:
Discursos Sediciosos, ano 2, nº 4. Freitas Bastos, 1997. p. 1-2.
29
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001. p. 25.
30
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional: Princípios e Garantias
Constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 201.
17
criminalidade perseguida, isto é, a dos pobres, o grande edifício
de ilegalidade e de violência que reúne em nossa sociedade as
classes detentoras do poder econômico. Este edifício é tanto
maior quanto maior for a desigualdade social
31
.
Outrossim, não suficiente o “etiquetamento” congênito, a
situação atual é ainda mais alarmante, ante “a manipulação discursiva em torno
da sociologia do risco, revitalizando a (falsa) crença de que o Direito Penal pode
restabelecer a (ilusão) de segurança”
32
. Inevitável, portanto, não fazer
correspondência, aqui, entre as medidas sócio-educativas e as penas, pois uma
vez mantida tal idéia, dissiminada pelo “senso comum teórico”, tanto os recursos
persuasivos utilizados para a legitimação social destas, como sua (in) eficácia
propagada são correlatos.
Sobre infância, lei e democracia, importante tomar nota da
concepção de Emílio Garcia Mendez:
[...] as leis de menores foram muito mais do que uma epiderme
ideológica e mero símbolo de criminalização da pobreza. As leis
de menores foram um instrumento determinante no desenho e na
execução da política social para a infância pobre. As leis de
menores foram um instrumento (legal) determinante para legitimar
a atuação coercitiva das políticas públicas assistenciais. A polícia
no cumprimento das leis de menores e simultaneamente na
flagrante violação dos direitos e garantias individuais consagrados
em todas as constituições da região converteu-se de fato no
provedor majoritário e habitual da clientela das chamadas
instituições de “proteção” ou de “bem-estar”
33
.
Logo, a veracidade da assertiva do autor pode ser
contemplada em todo o histórico dos instrumentos normativos que dispuseram
31
BARATTA, Alessandro. Prefácio. In: BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e
juventude pobre no Rio de Janeiro: Revan, 1998. p. 31.
32
LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. p. 18.
33
GARCIA MENDEZ, Emílio. Infância, Lei e Democracia: Uma Questão de Justiça. In: GARCIA
MENDEZ, Emílio; BELOFF, Mary (compiladores). Infância, Lei e Democracia na América Latina.
2. ed. Bogotá-Buenos Aires: Editorial Temis-Ediciones Depalma, 1999. p. 42.
18
sobre os direitos da criança e do adolescente, desde que, no entanto, se atente à
peculiaridade político-social vigente.
De início, as Constituições do Império e da República nada
abordaram acerca do tema. Na primeira, o Império Brasileiro mantinha uma
estrutura ideológica e constitucional repousada, em quase toda sua existência, na
infra-estrutura econômica do monopólio latifundiário e na técnica do trabalho
escravo, tendo como grande característica a presença de um quarto poder o
Moderador cujo o titular (rei) detinha vastas atribuições, exercendo, inclusive, o’
controle sobre os demais poderes. A segunda, “esculpida segundo o estilo da
Constituição norte-americana, com as idéias diretoras do presidencialismo, do
federalismo, do liberalismo político e da democracia burguesa”
34
, aprumou-se,
como uma das mais substanciosas disposições a defender a propriedade e a
liberdade humanas, olvidando-se, no entanto, da proteção juvenil
35
.
Embora as cartas constitucionais supracitadas não tenham
realizado menção à criança e ao adolescente, os Códigos Penais, produzidos na
sua vigência, por sua vez, merecem destaque, pois fizeram as primeiras
referências sobre a responsabilidade penal de menores de 21 anos.
Pelo Código Penal Criminal de 1830, os menores de
quatorze anos eram inimputáveis, salvo se tivessem discernimento de seus atos
criminosos, hipótese em que eram recolhidos às Casas de Correção, podendo
nela permanecer até os dezessete anos. Já, àqueles com faixa etária entre
quatorze e dezessete anos, eram aplicadas as denominadas “penas de
cumplicidade” (com a imposição de 2/3 da pena corresponde ao adulto). Os
34
FERREIRA, Luís Pinto. Princípios gerais de Direito Constitucional Moderno. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 1983. p. 70.
35
A Constituição brasileira se embasou nos princípios liberais da época, com influências da
Constituição americana, a qual procurava definir os direitos do homem em geral, desprezando o
fato de que a criança constitui uma parcela diferenciada da população e não um homem em
miniatura (COELHO, Bernardo Leôncio Moura. A proteção à criança nas constituições
brasileiras: 1824 a 1969. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_139/r139-07.pdf>).
19
maiores de dezessete e menores de vinte e um anos, por fim, desfrutavam da
atenuante da menoridade
36
.
O Código Penal da República de 1890, por seu turno,
conferiu a inimputabilidade somente aos que possuíssem idade inferior a nove
anos e àqueles com idade entre nove e quatorze anos, desprovidos de
discernimento. Ainda com referência aos jovens nesta idade, porém detentores de
plena compreensão das conseqüências de suas atitudes, eram recolhidos, ao
menos na teoria, em “Estabelecimentos Disciplinares Industriais”
37
. A pena de
cumplicidade e a atenuante da menoridade foram mantidas
38
.
Seguidamente ao Código Punitivo Republicano, e com
aspersão da teoria do discernimento, surgiu, na esfera cível, a Lei 3.071 de 1916
(Código Civil), fazendo distinção entre aqueles absolutamente e relativamente
incapazes de exercer direitos, adotando a idade de vinte e um anos como o
término da menoridade civil.
Alguns anos após, foi modificado o Código Penal da
República, por meio da Lei 4.242/1921, no tocante à controvertida teoria do
discernimento, passando a ser isento de responsabilização penal aquele com
idade abaixo de quatorze anos.
Na visão de Marcelo Gantus Jasmin, pertinente à
mencionada teoria do discernimento, a manutenção desta, bem como a de
medidas de cunho repressivo, só demonstravam a escassa complacência do
legislador republicano, o qual resistia às sugestões de aplicação de medidas
educativas no tratamento daqueles que colidiam com a lei
39
.
36
JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral.
Campinas: Servanda, 2006. p. 33-44.
37
A falta de estrutura pública impedia a aplicação da lei. Assim como as casas de correção”
previstas no código de 1830, o estabelecimento disciplinar industrial não saiu do papel.
(CARVALHO, Francisco Pereira Bulhões de. Menores e adultos desajustados e em perigo:
direito recuperativo e preventivo do menor e do adulto. Rio de Janeiro: [s.n], 1974. p. 28)
38
JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei. p. 39-40.
39
JASMIN, Marcelo Gantus. Para uma História da Legislação sobre o Menor. Revista de
Psicologia. Fortaleza, n. 4, p. 81, jul/dez. 1986.
20
Alguns anos após, surgiu instrumento protetivo de suma
importância ao infante e ao jovem, sucedido da criação do primeiro Juízo Privativo
de Menores da América Latina (1924), cujo criador (de ambos) foi José Cândido
Albuquerque Mello Mattos
40
: o Código de Menores, o qual será dissertado em
tópico à parte.
1.2.1 O Código de Menores de 1927
Tal código foi instituído pelo Decreto 17.943-A, de
12.10.1927, também conhecido por “Código Mello Mattos”. Nele, os sujeitos
destinatários da norma foram divididos em dois grupos, o dos abandonados e o
dos delinqüentes (art. 1°).
Os infantes abandonados que possuíam até sete anos de
idade, denominados “expostos” (art. 14), eram recolhidos em abrigos, onde o
sigilo sobre as crianças e as famílias deveria ser mantido (art. 16), sob pena de
multa e de cometer o delito previsto no art. 192 do digo Penal vigente à época
(art. 19); aqueles que possuíam idade inferior a 18 anos, eram chamados de
“abandonados”. Os motivos, para tanto, provinham de um vasto rol, constante no
art. 26
41
, cujas medidas aplicáveis estavam dispostas no art. 55, o qual
40
“Não bastasse Mello Mattos ter sido o primeiro Juiz de Menores do Brasil, foi ele quem ficou à
frente do juizado entre 1924 e 1934, ou seja, o período que compreendia os últimos anos de
debates que culminaram na consolidação do Código e os primeiros de sua aplicação, quando
era necessário explicá-lo e adequá-lo, regulando o grau de abstração da norma para a sua
aplicação concreta e razoável”. (JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei. p.
44)
41
“Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:
I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus paes fallecidos,
desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa sob cuja, guarda vivam;
II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de subsistencia, devido a
indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes. tutor ou pessoa encarregada de sua
guarda;
III, que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente
impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para, com o filho ou pupillo ou protegido;
IV, que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á pratica de actos
contrarios á moral e aos bons costumes;
V, que se encontrem em estado habitual do vadiagem, mendicidade ou libertinagem;< p> VI, que
frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na companhia de gente
viciosa ou de má vida;
VII, que, devido á crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração dos paes, tutor ou
encarregado de sua guarda, sejam:
21
compreendia, além de soluções taxativas (itens “a”, “b”, “c” e “d”)
42
, um “cheque
em branco” para o ator jurídico
43
no item “e”, permitindo-lhe, em caso de grave
motivo ou interesse do menor, agir de maneira diversa da prescrita em lei.
O art. 68 previa ações estatais para com os que possuíssem
menos de quatorze anos, considerados delinqüentes (expressão esta que
significava autoria ou participação em crime ou contravenção), as quais
consistiam em realizar o registro do fato imputado, dos agentes, do estado
psíquico do infrator e da situação social, moral e econômica de seus pais ou
responsáveis, sendo que, a partir de tais dados, era estabelecida a medida
adequada ao caso; o art. 69 dispunha sobre os delinqüentes maiores de catorze
a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados;
b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensaveis á saude;
c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á moral e aos bons
costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude;
d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem;
VIII, que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, condemnado por
sentença irrecorrivel;
a) a mais de dous annos de prisão por qualquer crime;
b) a qualquer pena como co autor, cumplice, encobridor ou receptador de crime commettido por
filho, pupillo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes”. (BRASIL. Decreto n. 17.943 A
de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e proteção a menores. Disponível em:
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76>)
42
“Art 55. A autoridade, a quem incumbir a assistencia e pprotecção aos menores, ordenará a
apprehensão daqulles de que houver noticia, ou lhe forem presentes, como abandonados os
depositará em logar conveniente, o providenciará sobre sua guarda, educação e vigilancia,
podendo, conforme, a idade, instrucção, profissão, saude, abandono ou perversão do menor e a
situação social, moral e economica dos pae ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda,
adoptar uma das seguintes decisões.
a) entregal-o aos pae ou tutor ou pessoa encarregada de sua guarda, sem condição alguma ou
sob as condições qe julgar uteis á saude, segurança e moralidade do menor;;
b) entregal-o a pessoa idonea, ou internal-o em hospital, asylo, instituto de educação, officina
escola do preservação ou de reforma;
c) ordenar as medidas convenientes aos que necessitem de tratamento especial, por soffrerem de
qualquer doença physica ou mental;
d) decretar a suspensão ou a perda do patrio poder ou a destituição da tutela;”. (BRASIL. Decreto
n. 17.943 A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e proteção a menores.
Disponível em: <http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76>).
43
A nomenclatura “ator jurídico” se justifica, consoante entende Alexandre Morais da Rosa, por
dimensionar a idéia de que o intérprete participa nos fatos, ao contrário da denominação
“operador jurídico”, que facilita a objetivação e o distanciamento deste, como se dissociado
estivesse da realidade social, facilitando o descompromisso ético (Dussel) nas decisões. (ROSA,
Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 1)
22
anos e menores de dezoito anos, cujas providências, inicialmente idênticas
àquelas tomadas com os de idade aquém a catorze anos, findavam de forma
mais severa, impondo aos transgressores recolhimento em “escola de reforma”
pelo prazo de um a cinco anos ou de três a sete anos, dependendo da situação
44
.
O art. 76 manteve a atenuante da menoridade, porém com
marcos distintos dos contidos nos antigos códigos penais, resultando nas idades
de 18 a 21 anos, às quais também foi conferido tratamento de execução penal
diferenciado, haja vista que deveriam cumprir a pena separadamente dos demais
apenados (art. 77) e, consoante disposição do art. 146, um Juízo de Menores foi
criado no Distrito Federal, com a incumbência de oferecer assistência, proteção e
defesa aos menores de 18 anos, além de providenciar os seus processamentos e
julgamentos
45
.
Como se vê, o caráter da legislação de menores abordada,
que perdura até a insurgência da Lei 8.069/90, é essencialmente retributivo, isto
é, comparava-se a “castigo”, “pelo ‘mal’ causado à sociedade, sendo seus
agentes colocados em entidades ‘protetoras’, por períodos hoje considerados
inconstitucionais”
46
.
Ressalta-se, embora seja comum na atualidade relacionar o
Código Mello Matos a um atentado à ordem constitucional e à Doutrina da
Proteção Integral, não se pode desvencilhar do fato de que suas
incompatibilidades
47
(a posteriori reformadas com a adoção de um novo vértice
para o instrumento de proteção das crianças e dos adolescentes) condizem ao
44
(BRASIL. Decreto n. 17.943 A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e
proteção a menores. Disponível em:
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76>).
45
BRASIL. Decreto n. 17.943 A de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e
proteção a menores. Disponível em:
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76>.
46
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 59.
47
Segundo Inês Joaquina Sant’ana Santos Agostinho, o Direito da Infância e da Juventude,
representado pelo Código de Menores, “embora usando terminologias que hoje nos soam
estranhas (como expostos’, vadios’, transviados, libertinos’), ou adotando institutos que hoje
repudiamos (guarda ‘mediante soldada’), efetivamente avançava”. (80 anos do Código de
Menores. Mello Mattos: a vida que se fez lei. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10879>)
23
momento histórico do surgimento da Lei, que refletia um cenário internacional
tempestuoso pelas guerras, fascismo e débil Liga das Nações e, portanto, com
pouca aptidão para impor normatividade às declarações de princípios.
Neste pensar, resgatemos Karl Marx, cujo pensamento,
conquanto referido em outro contexto, não atende aos seus seguidores: “Os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
48
.
Inegável é, pois, que à luz de seu tempo, o juiz Jo
Cândido Albuquerque Mello Mattos representou figura memorável ao direito
infanto-juvenil. Primeiro por se entregar à causa que defendia integralmente;
segundo por, ineditamente, criar legislação nacional específica para sedimentá-lo.
Neste sentido, não sem propósito, Alyrio Cavalieri enunciou que “seu espírito
humanístico levou-o a tentar preencher as lacunas existentes nos anos vinte, na
área do amparo às crianças. Criou estabelecimentos para menores e sua esposa,
Dona Chiquinha, foi diretora de asilo. O primeiro juiz menorista, de tal modo se
dedicou ao amparo direto que ganhou o apodo carinhoso de “Mellinho das
crianças”
49
.
Assim, embora se confira ao ECA o mérito de constituir um
marco para a materialização das garantias fundamentais à criança e ao
adolescente, em virtude do caráter humanitário, abstraído de convenções e
tratados internacionais, não se pode desconsiderar o fato de o Código de
Menores ter iniciado um caminho que ainda muito se tem a percorrer. Na
realidade, ocorridas transformações sociais grandiosas ao deslanchar do tempo,
de acordo com o que observou Alyrio Cavalieri, o digo de Mello Mattos
empoeirou-se na estante
50
.
48
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Fon Fon e Seleta, 1968. p. 15.
49
CAVALIERI, Alyrio. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1976. p. 14.
50
CAVALIERI, Alyrio. Direito do Menor. p. 26.
24
1.2.2 Decreto-Lei nº 3.799/41 – SAM – Serviço de Assistência a Menores
Em 1941, dentro do período que ficou conhecido por Estado
Novo, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor - SAM. Tratava-se de um
órgão do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores que funcionava de forma
equivalente a um sistema penitenciário; no entanto, sua orientação, que era
correcional-repressiva, diferia seus tratamentos quanto ao infrator e ao
carente/abandonado, sendo àquele destinados reformatórios, internatos e casas
de correção e, a este, patronatos agrícolas e escolas de apreendizagem
51
.
A finalidade da instituição deste órgão foi expressa no art.
do decreto-lei que a estatuiu, a saber:
a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores
desvalidos e delinqüentes, internados em estabelecimentos
oficiais e particulares; b) proceder à investigação social e ao
exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e
delinqüentes; c) abrigar os menores, à disposição do Juízo de
Menores do Distrito Federal; d) recolher os menores em
estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-lhes educação,
instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento;
e) estudar as causas do abandono e da delinqüência infantil para
a orientação dos poderes públicos; f) promover a publicação
periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas
52
.
Ao derradeiro, cumpre ressaltar importante consideração de
Josiane Rose Petry Veronese, a qual, embora considere a característica
repressiva do SAM, admite que este também “tinha objetivos de natureza
assistencial, quando enfatizava a importância de estudos e pesquisas, bem como
o atendimento psicopedagógico às crianças e adolescentes carentes e com
problemas de conduta, os quais eram denominados desvalidos e delinqüentes
53
.
51
Disponível em: <http://www.risolidaria.org.br/vivalei/ent_eca/linha/brasil.jsp>.
52
BRASIL. Decreto-Lei 3.799/41, de 5 de novembro de 1941. Transforma o Instituto Sete de
Setembro em Serviço de Assistência a Menores e dá outras providências. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=87272>.
53
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTR,
1999. p. 32.
25
1.2.3 Decretos-Lei nº 3.914/41 e nº 6.026/43 – alterações do Código de
Menores de 1927
O Decreto-Lei 3.914, de dezembro de 1941, denominado
também Lei de Introdução ao Código Penal, alterou o art. 71 do Código de
Menores (Decreto-Lei 17.943-A de 1927), o qual preceituava que a criança ou
o adolescente considerado perigoso, ao qual tivesse sido imputado crime grave,
deveria ser remetido a um estabelecimento especial, e, se inexistente este, à
prisão comum, separadamente dos apenados adultos, e por tempo
indeterminado, não podendo, no entanto, exceder o máximo do quantum de pena
previsto para o crime cometido.
A nova redação, disposta no art. 7º da Lei de Introdução do
Código Penal, institui que, nas situações descritas pelo art. 71 do Código de
Menores, o juiz determinaria a internação daquele que delinqüisse em seção
especial de escola de reforma, cujo prazo foi fixado em, no mínimo, três anos. A
importância de tal alteração legislativa consiste no fato de que o lapso temporal
da privação de liberdade daquele deixou de ficar ao alvedrio do juiz, cuja
condicionante era a análise subjetiva da regeneração daquele, e passou a ser
determinada taxativamente.
Ainda se referindo ao art. , outra modificação de suma
relevância foi a inserta no seu parágrafo , o qual determinou a continuidade da
efetivação da medida destinada ao transgressor, desde que o revogada,
mesmo após completar vinte e um anos. Tal mudança intensificou a finalidade de
integral reabilitação do menor antes do reingresso ao convívio social.
O Decreto-Lei 6.026/43, por sua vez, elencou diferenças
entre os procedimentos dos infratores abaixo ou acima de quatorze anos. Para os
primeiros, o procedimento era judicial, cabendo à Autoridade Policial somente
apresentar o agente ao Juízo imediatamente; para os segundos, a apuração do
ato infracional deveria ser realizada pela Autoridade Policial e, em seguida, esta
26
deveria apresentar o detido ao Juízo competente e realizar investigações
necessárias
54
.
Em suma, o Decreto-Lei de 1943 apenas modificou a
regulamentação dos procedimentos e inseriu um critério de análise à situação do
infrator: a periculosidade, se verificada, legitimava o juiz a interná-lo; se possuísse
menos de dezoito anos, seria remetido a um estabelecimento prisional e, se a
periculosidade persistisse além dos vinte e um anos, seria encaminhado a uma
colônia penal agrícola
55
.
1.2.4 FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – e Código de
Menores de 1979 (Doutrina da Situação Irregular)
A Lei 4.513 criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (FUNABEM) em dezembro de 1964, a qual substituiu o SAM, em razão
de este não estar demonstrando resultados eficientes no amparo à criança e ao
adolescente. Para Josiane Rose Petry Veronese,
A PNBEN [Política Nacional do bem-estar do Menor] e, por
conseguinte, a própria FUNABEM, serviram como instrumentos de
controle da sociedade civil. E não só. A política institucional que o
Brasil vinha adotando demonstrava-se [...] além de ineficiente,
também incapaz de reeducá-las, haja vista o estilo metodológico
nelas empregado, no qual a criança era mero sujeito passivo,
cliente de uma pedagogia alienada
56
.
A política de atendimento da FUNABEM era desenvolvida na
esfera federal e ramificava-se por todo País, estando suas diretrizes estampadas
no art. 6° da Lei supra, senão vejamos:
I - Assegurar prioridade aos programas que visem à integração do
menor na comunidade, através de assistência na própria família e
da colocação familiar em lares substitutos;
54
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 65-67.
55
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 67.
56
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p. 36.
27
II - Incrementar a criação de instituições para menores que
possuam características aprimoradas das que informam a vida
familiar, e, bem assim, a adaptação, a êsse objetivo, das
entidades existentes de modo que somente do menor à falta de
instituições dêsse tipo ou por determinação judicial. Nenhum
internacional se fará sem observância rigorosa da escala de
prioridade fixada em preceito regimental do Conselho Nacional;
III - Respeitar no atendimento às necessidades de cada região do
País, as suas peculiaridades, incentivando as iniciativas locais,
públicas ou privadas, e atuando como fator positivo na
dinamização e autopromoção dessas comunidades
57
.
Apesar de ter sido eleita como o principal escopo da
FUNABEM a proteção dos embatentes com a lei, dada a extrema centralização
do órgão, bem como em virtude das disposições normativas do Código Menoril de
1927, o desempenho foi insatisfatório e, por isso, após quinze anos da
implantação da FUNABEM, o Estatuto de Menores foi revogado e, por
conseguinte, foi promulgado, por intermédio da Lei 6.697/79, um novo Código
de Menores.
A inovação mais importante do Código de Menores de 1979
foi a consagração da “doutrina da situação irregular”, pela qual as crianças e os
adolescentes seriam objetos da norma, quando se encontrassem em estado de
“patologia jurídico-social”, esclarecida no art. 2° da citada lei:
Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o
menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência,
saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão
de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b)
manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos
pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-
se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV -
57
BRASIL. Lei nº 4.513 de 1º de dezembro de 1964. Autoriza o Poder Executivo a criar a
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, a ela incorporando o patrimônio e as atribuições do
Serviço de Assistência a Menores, e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4513.htm>.
28
privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual
dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude
de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de
infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável
aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título,
vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o
traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato
judicial
58
.
Em se tratando das medidas aplicáveis aos que estivessem
em situação irregular, todas, com caráter preventivo, conforme dispunha o art. 13
do Código, vieram estampadas no seu art. 14:
São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária: I -
advertência; II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa
idônea, mediante termo de responsabilidade; III - colocação em lar
substituto; IV - imposição do regime de liberdade assistida; V -
colocação em casa de semiliberdade; VI - internação em
estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico,
hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado
59
.
O Código de 1979 constituiu-se, pois, em uma revisão do
Código de Menores de 1927, não rompendo, no entanto, com sua linha principal
de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil.
1.2.5 Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente
O movimento para a democratização, ocorrido no País, na
metade dos anos 80, e a defesa dos direitos humanos, na mesma época,
constituíram terreno fértil para a adoção da Doutrina da Proteção Integral, no que
se refere aos direitos da criança e do adolescente.
58
BRASIL. Lei nº 6.697 de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível em:
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=221>.
59
BRASIL. Lei nº 6.697 de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível em:
<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=221>.
29
A inserção do art. 227
60
na Constituição Federal de 1988
conferiu aos sujeitos, em estado especial de desenvolvimento, uma gama de
direitos, representando conteúdo e enfoque próprios da Doutrina de Proteção
Integral da Organização das Nações Unidas, o que trouxe os avanços da
normativa internacional para a população infanto-juvenil brasileira.
Seguidamente, surgiu o ECA, através da Lei 8.069/90, que,
fundamentado no supramencionado dispositivo constitucional, inaugurou uma
política de atendimento à criança e ao adolescente, regulamentando uma série de
direitos e deveres destes, delineando o traçado geral do “sistema de
responsabilização”.
Acerca das modificações do estatuto de menores, pregam
Munir Cury, Paulo Afonso Garrido de Paula e Jurandir Norberto Maçura que
[...] a proteção integral tem, como fundamento, a concepção de
que as crianças e adolescentes são sujeitos de direito, frente à
família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a idéia de que
sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto,
colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer
pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento
61
.
A maior disparidade entre a novel legislação e as anteriores,
que representa, aliás, o grande avanço no que tange à garantia de direitos, é que
se deixou de imputar aos infratores o rótulo de “portador de patologia social”
62
que
deveriam ser protegidos para receber tratamento. A partir de então, reconheceu-
se que a transgressão da norma penal (crimes ou contravenções) redundaria em
responsabilização, porém com peculiaridades, dado o caráter de pessoa em
60
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988)
61
CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de; MARÇURA, Jurandir Norberto. Estatuto da
criança e do adolescente anotado, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 19.
62
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 97.
30
estágio de desenvolvimento, e sem intervenção arbitrária do Estado, com antes
era comum ocorrer.
Duas justificativas são apresentadas por Maria Cristina
Vicentin para retratar quão imprescindível a adoção da responsabilização do
adolescente conflitante com a lei no ECA. Primeiro “porque é um componente
central de seu direito a uma plena cidadania: ser sujeito de direito também
significa possuir capacidade jurídica e social, o que inscreve o adolescente nos
deveres inerentes à cidadania”; segundo “porque contribuir para associação da
adolescência com a impunidade (de fato ou de direito) é contribuir para todo tipo
de resposta social repressiva, irracional e até genocida em relação aos
adolescentes em conflito com a lei”
63
.
Acerca da definição de pessoa em estado de
desenvolvimento, Martha de Toledo Machado assevera que esta se justifica pelo
reconhecimento de que os menores, além de situarem-se em condição humana
díspar dos adultos, gozam de maior vulnerabilidade
64
. Não discrepa também
Antônio Carlos Gomes da Costa, que vai mais além, ao advertir que
A afirmação da criança e do adolescente como pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento não pode ser definida
apenas a partir que a criança não sabe, não tem condições e não
é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida
como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja,
a criança e o adolescente não são seres inacabados, a caminho
de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto
portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas
plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude,
que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja,
pela família, pela sociedade e pelo Estado
65
.
63
VICENTIN, Maria Cristina. A questão da responsabilidade penal-juvenil: notas para uma
perspectiva ético-política. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e
responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 151.
64
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os
direitos humanos. Barueri, São Paulo: Manole, 2003. p. 123.
65
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogía y justicia. In: GARCIA MENDEZ, Emílio;
BELLOF, Mary (compiladores). Infância, Ley y Democracia em América Latina, 2. ed. Bogotá-
Buenos Aires: Editorial Temis-Ediciones Depalma, 1999. p. 62.
31
Outra mudança crucial, sobrevinda com o ECA, foi a
inserção do princípio da legalidade (ou da reserva legal), delimitando as hipóteses
de aplicação de medida cio-educativa à prática de crimes ou contravenções,
previstos na legislação repressiva, arredando, decisivamente, a desconcertada
prática do Código de Menores de impor medidas aos adolescentes, inclusive de
constrição à liberdade, com fulcro na constatação do “desvio de conduta,
decorrente de grave inadaptação familiar ou social” (art. 2º, V, do CM), cuja
identificação, ante a imprecisão do termo utilizado, resultava na abrangência de
inúmeras situações irrazoáveis.
Assim, em análise sistêmica, para Martha de Toledo
Machado, o ECA “representou radical e democrática ruptura com o sistema
anterior, que se pautava pela mais sombria perspectiva de segurança social
máxima, da criminologia positivista mais autoritária”
66
.
Contudo, nada obstante a expectativa oriunda com a entrada
em vigor do Estatuto e as observações positivas de inúmeros estudiosos referente
à garantia de direitos, o que se percebe, no meio jurídico prático, é que pouco tem
sido aplicado na concretude dos casos e que algumas exegeses garantistas e
“conforme a Constituição” deixam de ser observadas.
Uma das razões para a inoperabilidade é a falta de
cooperação entre os entes federados para a política de atendimento do ECA, que
tem como princípios: descentralização, participação, fiscalização; sustentação;
integração operacional e mobilização
67
.
No entanto, a partir de segunda metade da década de 90,
pouco a pouco, a política nacional do direito da criança e do adolescente vem
ganhando espaço, principalmente com o aperfeiçoamento do CONANDA
68
(Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), com a recente
66
MACHADO, Martha de Toledo. As garantias processuais e o adolescente a que se atribua a
prática de ato infracional. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e
responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 119.
67
COSTA, A. C. G. (coord.). Os regimes de atendimento no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Perspectiva e Desafios. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006. p. 84.
68
O CONANDA foi criado pela Lei Federal nº 8.242, de outubro de 1991.
32
criação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e com o
apoio da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e
Defensores Públicos da Infância e da Juventude) e outras entidades, tema que,
mais adiante, será apresentado.
CAPÍTULO 2
DESMISTIFICANDO A ESTRUTURA DO ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE
2.1 O CONCEITO DE ATO INFRACIONAL
Para Mário Luiz Ramidoff, “o ato infracional em si é o
resultado da operação lógica e racional subsidiária da dogmática jurídico-penal
instrumentalidade da racionalidade que, na seara da infância e da juventude,
identifica as condutas que se postam em conflito perante a lei”
69
.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente trate os
adolescentes infratores como inimputáveis penalmente (art. 104, ECA), tal
inimputabilidade não implica em impunidade, devendo ser estes,
responsabilizados por atitudes colidentes com a legislação penal. Em razão disso,
o ECA estabelece como ato infracional, consoante seu art. 103, “a conduta
descrita como crime ou contravenção penal”, sinal de adesão ao princípio da
legalidade, o que permite vislumbrar um início de correspondências entre o
Diploma Repressivo Comum e o Estatuto Especial, pois os mesmos elementos
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade
70
– são exigíveis, embora se tenha
conhecimento de que, na prática, ainda hoje, ações que não coadunam com a lei
e de caráter estritamente expiatório, são endereçadas aos adolescentes,
desprovidas de qualquer pudor.
69
Ramidoff, Mário Luiz. O ato Infracional: Por Um Compromisso Com O Futuro. In: Espaço
Jurídico. Ano 3, n. 6. São Miguel do Oeste: Arcus, 2002. p. 75.
70
Alexandre Morais da Rosa argumenta que excluir a imputabilidade como uma das possibilidades
da culpabilidade não gera responsabilidade objetiva do adolescente, pois se faz necessária a
observação, caso a caso, da vontade do agente. O autor ainda propõe uma espécie sui generis
de responsabilidade: a “culpabilidade infracional”, que deve ser buscada a partir da
responsabilidade pelo ato e não pelo agente, razão pela qual são aplicáveis excludentes de
culpabilidade e de ilicitude aos infratores. (ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato
Infracional. p. 185.)
34
Define Cláudio Brandão, que a legalidade é o princípio dos
princípios e é nela que o Direito Penal moderno encontra sua legitimidade, esta
representada na norma constitucional: “Não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX, da CF)
71
.
No contexto em exame, Alexandre Morais da Rosa sugere,
por sua vez, que seja feita uma releitura do princípio da legalidade, para que este
não seja constatável somente através da edição da norma jurídica (mera
legalidade), mas, notadamente, pelo preenchimento dos dez axiomas garantistas
(estrita legalidade). Para tanto, o autor rememora Ferrajoli, que propunha a
diferenciação do princípio da legalidade em: a) Princípio de mera legalidade, “o
qual obriga o Judiciário a aplicar as leis editadas, ser caráter cogente reserva
legal” e b) Princípio de estrita legalidade, “dirigido ao Poder Legislativo, balizando
a eleição dos tipos penais em formulações empiricamente comprováveis,
excluindo, portanto, o caráter subjetivo ‘constitutivo’ dos tipos penais”
72
.
Dentro destas balizas, no caso de a criança praticar um ato
infracional, poderão ser-lhes aplicadas tão-somente medidas protetivas, que vêm
expostas no art. 101 do Estatuto, quais sejam: encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e
acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário
ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de
tratamento dico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade e colocação em
família substituta (art. 105 do ECA)
73
.
71
BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal: análise do sistema penal à luz do princípio da
legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1-11.
72
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo, Psicanálise e Movimento Anti Terror. Florianópolis:
Habitus, 2005. p. 153.
73
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
35
No entanto, se o ato infracional for praticado por
adolescente, a decisão a ser tomada ganha nova textura - apesar de
doutrinadores defenderem, tal qual na hipótese retro, apenas o caráter educativo
de qualquer das medidas
74
, podendo ser-lhes aplicadas: advertência; obrigação
de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida;
inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelecimento
educacional e qualquer uma das previstas no art. 101 do ECA, acima referidas.
As disparidades sobressaltam aos olhos do mais desavisado
ator jurídico quanto aos tratamentos dispensados às crianças com idade de a
doze anos e aos adolescentes de doze a dezoito anos. Como esclarece Carlos
Nicodemos, as medidas de proteção visam o interesse dos infanto-juvenis e o
representadas por um controle informal das condutas colidentes com a lei, no qual
participam escola, família, comunidade, médicos, tudo por critério de política
criminal. Por outro lado, aos adolescentes que praticarem condutas anti-sociais, o
legislador relativizou a universalidade protetiva, característica do ECA, ofertando,
além da finalidade pedagógica, a sancionatória, à medida sócio-educativa
aplicável ao caso
75
, esta última, como dito alhures, muito repudiada por alguns
doutrinadores
76
.
74
Mário Luiz Ramidoff é um dos mais notáveis defensores de que a medida sócio-educativa é
eminentemente de caráter pedagógico, vejamos: “[...] torna-se necessário dizer o que não é uma
medida socioeducativa. Por isso, considerando-se o caráter educativo-pedagógico, pode-se
legitimamente afirmar que a medida socioeducativa não se constitui numa sanção, vale dizer
não possui caráter, essência ou mesmo conteúdo sancionatório, ainda, que, apenas
declarativamente normativo art. , da proposta lei de diretrizes socioeducativas enquanto
forma normativa que busque uma maior vinculação dos operadores jurídicos e demais
construtores sociais. A medida socioeducativa é preliminarmente a estipulação de uma relação
conceitual normativa – art. 103, do Estatuto da Criança e do Adolescente – estimativa e limitativa
da intervenção estatal diferenciada, em dimensão pragmática, que se utiliza da construção
tipológica penal para assemelhar aquelas situações e circunstâncias que permitem e exigem a
intervenção do Estado”. (Lições de direito da criança e do adolescente. 2. tir. Curitiba: Juruá,
2006. p. 80)
75
NICODEMOS, Carlos. A natureza do sistema de responsabilização do adolescente autor de ato
infracional. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização.
ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 74-75.
76
“Aliás, é curioso o que acontece com os defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente,
entre os quais nos incluímos. Muitos se recusam a falar em penas para jovens menores de 18
anos, porque, no vocabulário do ECA, as sentenças judiciais não ditam penas, apenas
determinam medidas socioeducativas, que são cumpridas em instituições socioeducativas. o
haveria, segundos esses militantes, penas privativas de liberdade, mas internações com fins
socioeducativos. Entendo os motivos e as boas intenções. Mas as conseqüências desse
purismo conceitual são paradoxais: a opinião pública acredita no que ouve, compra gato por
36
Pactua do mesmo entendimento Antonio García Pablos de
Molina, para quem, na versão contemporânea da criminologia, toda sociedade
dispõe de dois grandes grupos de mecanismos de controle social: o dos agentes
informais e o dos formais:
Toda sociedade ou grupo social necessita de uma disciplina que
assegure a coerência interna de seus membros, razão pela qual
se obrigada a criar uma rica gama de mecanismos que
assegurem a conformidade daqueles com suas normas e pautas
de conduta. [...] Agentes informais do controle social são: a
família, a escola, a profissão, a opinião pública, etc. Agentes
formais são: a polícia, a Justiça, a administração penitenciária,
etc
77
.
Oportuno registrar, outrossim, que mesmo tendo sido
praticado o ato infracional, às vésperas da maioridade penal, já está assentado na
jurisprudência
78
, o entendimento de que as medidas sócio-educativas poderão ser
lebre e acabam convencidas de que os jovens infratores ficam impunes, divertindo-se com aulas
de boas maneiras. Resultado: cobram punições. Na verdade, quem freqüentou uma dessas
instituições ‘socioeducativas’ logo compreenderá o que são as tais medidas ‘socioeducativas’.
Elas nada têm de minimamente parecido com o sentido elevado da expressão que os
legisladores cunharam, sonhando outros brasis. A garotada fica mesmo enjaulada,
freqüentemente em condições subumanas, muito pouco diferente daquelas em que se
encontram os presídios estes estágios superiores para os quais a prepara e empurra o inferno
das Febens e Degases. Seria mais racional chamar prisão pelo nome, defender a verdadeira
aplicação do ECA e mostrar que, se a meta é castigar e vingar, a violência institucional está
de bom tamanho, mas se o objetivo é afastar o jovem do crime, seria preciso: (1) oferecer
oportunidade para a mudança; (2) estimular o jovem a se desenvolver, como pessoa; (3)
fortalecer sua auto-estima; e (4) separar o futuro do passado, ao invés de amarrá-lo um no outro,
que é o que acontece quando as chamadas instituições socioeducativas esmeram-se em treinar
os jovens para que realizem, na prática, a profecia pessimista que sobre eles faz a sociedade”.
(SOARES, Luiz Eduardo. Violência na primeira pessoa. In: ATHAYDE, Celso et al. Cabeça de
porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 144-145)
77
GARCÍA, Antonio Pablos de Molina e GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 97.
78
“HABEAS CORPUS. ECA. CESSAÇÃO COMPULSÓRIA DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
APLICADA. LIMITE DE 21 ANOS. PROMULGAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. REDUÇÃO DA
MAIORIDADE CIVIL PARA 18 ANOS. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO. O art. do Novo
Código Civil, que reduziu para 18 anos a maioridade civil, o revogou os arts. , parágrafo
único, e 121, § 5º, da Lei 8.069/90, eis que o ECA é lei especial, a qual prevalece sobre a geral.
Dessa forma, o limite para a cessação compulsória de medida sócio-educativa aplicada ao
menor infrator continua sendo a idade de 21 anos. Procedente. Ordem denegada”. (BRASIL,
STJ. HC 31540/RJ. HC 2003/0199415-4, Rel. Min. Jorge Scartezzini. Turma, DJ 17 maio.
2004, p. 254)
37
aplicadas até os vinte e um anos, ainda que após a vigência do digo Civil de
2002, o qual estipulou nova idade indicativa da maioridade civil.
Nesta seara, vale conferir as palavras de Luiz Flávio Gomes:
Em nossa opinião todo processo em andamento ou findo deve
continuar tramitando normalmente, até que o agente cumpra os 21
anos. Não se deu a perda de objeto da atividade Estatal. O Estado
pode e deve fazer cumprir as medidas impostas aos ex-menores
(jovens-adultos). Isso é e será feito em nome da prevenção
especial (recuperação) e da prevenção geral (confirmação da
norma violada; intimidação dos potenciais infratores etc.). O fato
de o ex-menor ter alcançado a maioridade civil (18 anos) em nada
impede que o Estado continue exercendo ser direito de executar
as medidas aplicadas. Ao contrário, com maior razão, deve
mesmo torná-las efetivas
79
.
Apesar do amplo questionamento da comunidade jurídica, a
não revogação do dispositivo do ECA prosperou, principalmente, sob argumento
de que, caso reconhecida, adolescentes, às vésperas da maioridade civil,
cometeriam atos infracionais conscientes de que não seriam responsabilizados e
nem arcariam com qualquer ação estatal.
2.2 APLICAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
Apurada a prática de ato infracional, o adolescente deverá
ser encaminhado à autoridade competente, esta, após propiciar-lhe o devido
processo legal
80
, deverá impor as medidas sócio-educativas enumeradas pelo art.
112 do ECA.
79
GOMES, Luiz Flávio. Maioridade civil e as medidas do ECA. Disponível em:
<http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/infancia/artigos/maioridade.asp>.
80
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
(BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
38
Registre-se, de plano, que a expressão “autoridade
competente”, por um certo período, foi controversa, posicionando-se a maior parte
da doutrina pela prerrogativa de aplicação da medida ser tanto do Juiz, quanto do
Promotor de Justiça.
No entanto, o impasse se assentou com a edição da Súmula
108 do Superior Tribunal de Justiça, a qual definiu que “a aplicação de medidas
sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência
exclusiva do juiz”
81
.
Por outro lado, remanescem ao Ministério blico, as
competências, para promover o arquivamento, a representação ou a concessão
de remissão
82
ao adolescente, esta última condicionada à presença de defensor,
pois, em que pese a omissão
83
do art. 126
84
do ECA, com fulcro nas garantias
processuais indicadas no art. 111, III, do próprio Estatuto
85
, é inconcebível
consentir que o infrator, desconhecendo as conseqüências
86
da aceitação ou
81
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 108. Disponível em: <http:www.stj.gov.br>.
82
A remissão pode ocorrer em dois instantes: precedente ao recebimento da representação contra
o adolescente, quando terá o propósito de excluir o procedimento de apuração do ato infracional
e no deslanchar da relação processual, quando excluirá ou suspenderá o procedimento iniciado
a partir da representação.
83
O argumento de que a proposta de remissão dispensa a presença de defensor é dogmático e de
uma pobreza hermenêutica estarrecedora, que a interpretação de qualquer dispositivo legal
deve se dar com apoio nos demais dispositivos legais e, principalmente, na Constituição Federal
(Streck e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho). (ROSA, Alexandre Morais da. Ato Infracional,
Remissão, Advogado e Garantismo. Disponível em:
<http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_rosa_remiss.pdf>.
84
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional,o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do
processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à
personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. (BRASIL.
Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
85
Art. 111, III: Serão asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: [...] III
defesa técnica por advogado. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
86
Apesar do disposto do art. 122, III, do ECA, a jurisprudência é unânime em obstaculizar a
regressão da medida imposta em sede de remissão concedida pelo Ministério Público sem o
devido processo legal. No entanto, há aqueles que consentem a conversão em internação
quando, após o injustificado descumprimento, o jovem for advertido em audiência de
admoestação e, logo em seguida, representado, iniciando o procedimento judicial. Neste último
pensar, a crítica se dirige ao conteúdo do art. 126 do ECA, o qual confere à remissão
extrajudicial somente a exclusão do processo, e não sua suspensão nica hipótese que
39
recusa da proposta, fique desamparado e, via de conseqüência, indefeso no
sentido processual.
Quanto ao argumento de que seria desnecessário um
defensor na ocasião da proposta de remissão ofertada pelo Ministério Público, por
ser meramente fase pré-processual que é anterior ao procedimento de
apuração de ato infracional -, além de considerarmos a principiologia do ECA
quanto à premência da assistência de advogado, podemos, no mínimo, equipará-
lo ao que ocorre com o instituto da transação penal. Nesta, faz-se imprescindível
o advogado na audiência preliminar, restando, portanto, incongruente impor ao
adolescente gravame pelo qual nem mesmo os adultos são submetidos.
Comentando o impasse, João Batista Saraiva pronuncia:
Evidentemente que se na remissão concertada pelo Ministério
Público, de caráter meramente pré-processual, vier proposta a
aplicação de alguma medida sócio educativa, em nome do
contraditório, haverá de o adolescente estar acompanhado de
Defensor na audiência pré-processual realizada junto ao Ministério
Público onde se operou a transação expressa na remissão.
Reitera-se essa afirmativa porque evidentemente quando resultar
a remissão de decisão do juiz, no curso do processo, estará o
adolescente representado por defensor, eis que não se admite em
juízo adolescente representado pela prática de ato infracional sem
o respectivo defensor. Embora esta exigência na audiência prévia
com o Ministério Público não esteja expressamente prevista no
Estatuto, decorre de uma interpretação sistêmica das garantias
constitucionais asseguradas a todos. Não é possível que se
pretenda reviver nesta etapa pré-processual, porém decisiva,
onde pode vir a ser concertado cumprimento de uma medida sócio
educativa, um novo Juizado de Menores, sem possibilidade de
defesa do adolescente, posto que, evidentemente, frente ao
Ministério Público estão os pais ou responsáveis do adolescente
em flagrante desvantagem. Visando à previsão legal expressa da
presença de defensor nesta audiência, já houve tentativa de
legitimaria a representação pela inobservância das condições da medida), correspondente
apenas à remissão judicial, de acordo como o § único do dispositivo indicado. (CERQUEIRA,
Fernanda D’Aquino Mafra. Estatuto da Criança e do Adolescente Noções Gerais. Brasília:
Fortium, 2005. p. 118-119 e p. 143)
40
aperfeiçoamento do Estatuto no Congresso através de projeto de
Lei
87
.
Vale anotar aqui, que a remissão tanto pode ser concedida
ao adolescente infrator na fase extraprocessual, como posteriormente à
instauração da ação infracional, razão pela qual inexiste nulidade a ser
argumentada na hipótese de a oitiva informal de que trata o art. 179
88
do ECA não
ser implementada.
Norberto Jurandir Maçura defende que a oitiva informal
“destina-se, fundamentalmente, a fornecer elementos de convicção ao
representante do Ministério Público, em substituição à sindicância ou inquérito
policial, de sorte a imprimir celeridade à fase investigatória, permitindo a rápida
solução a casos de somenos importância, mormente quando a família e a
sociedade já tenham reagido de forma eficaz”
89
.
Tal procedimento se mostra vantajoso à medida que evita
eventual propositura de ação que, em momento posterior, poderia redundar em
extinção pela remissão. No entanto, mesmo instaurado o procedimento de
apuração de ato infracional, contanto que preenchidos os requisitos, o
adolescente não será prejudicado pela não concessão do instituto em análise
haja vista que, em Juízo, poderão ser aplicadas as medidas constantes no art.
180, incisos I e II, do ECA –, motivo pelo qual a oitiva informal não adquire caráter
87
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil Adolescente e Ato
Infracional Garantias Processuais e Medidas Socioeducativas. 2. ed. revista e ampliada. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 138-139.
88
Reza o artigo 179 do ECA: “Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público,
no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial,
devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do
adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus
pais ou responsável, vítima e testemunhas. Parágrafo único: Em caso de não-apresentação, o
representante do Ministério blico notificará os pais ou responsável para apresentação do
adolescente, podendo requisitar o concurso das Polícias Civil e Militar”. (BRASIL. Lei 8.069 de
13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
89
MAÇURA, Norberto Jurandir. Comentário ao art. 179. In: CURY, Munir. Estatuto da Criança e do
Adolescente anotado comentários jurídicos sociais (org). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
543.
41
de condição de procedibilidade para a ação e, portanto, sua ausência não
acarreta nulidade.
Acerca da prescindibilidade da oitiva informal, Fernanda
D’Arquino Mafra Cerqueira enunciou:
[...] o intérprete da lei e os aplicadores do direito devem proceder
à interpretação que conduza ao lógico, e a interpretação do
dispositivo citado, que leva a conclusão de que a oitiva é
prescindível à validade da ação infracional, conduziria a uma
interpretação absurda, já que o próprio adolescente teria em mãos
o destino do processo, o que efetivamente não pode ser
admitido
90
.
No mesmo norte, está o pensamento do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal:
Reclamação. Representação não recebida. Art. 179 do ECA.
Ausência de oitiva do adolescente Infrator prescindibilidade. A
oitiva informal do menor infrator, que não foi preso em flagrante,
prevista no art. 179 do Estatuto Menorista, não se caracteriza
como providência obrigatória para a propositura da medida sócio-
educativa
91
.
Retomando o tema das medidas sócio-educativas, sua
natureza, há tempos vem sendo alvo de discussões infindáveis. Parte da doutrina,
notadamente, a defensora do Direito Infracional
92
, afirma seu caráter pedagógico,
ao passo que a outra ponta, os signatários do Direito Penal Juvenil, consideram
uma dúplice natureza: pedagógica e retributiva (ainda que se possa discutir lato
sensu a natureza das penas no sistema como um todo
93
. Como resultado desta
90
CERQUEIRA, Fernanda D’Aquino Mafra. Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 140.
91
DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça. Reclamação 20040020018492, Rel. Des. Romão de
Oliveira, DJ 25 ago. 2004.
92
Dentre os defensores do Direito Infracional, estão: Alexandre Morais da Rosa, Paulo Afonso
Garrido de Paula e Mário Luiz Ramidoff. Em suma, pretendem os doutrinadores do Direito
Infracional demonstrar que o Direito Penal Juvenil em nada contribuirá para reenquadrar a
distorcida visão sobre a política de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, vez
que o que merece ser sopesado são as medidas que visem coibir arbitrariedades por parte do
Estado.
93
Alexandre Morais da Rosa revela que a medida sócio-educativa não melhora, nem piora o
adolescente: é agnóstica, tendo em vista ser avessa a de qualquer fundamentação jurídica,
42
polarização, os primeiros, em razão de repudiarem a utilização das normas do
Código Penal, acabam, por vezes, suprimindo o gozo de garantias constitucionais
e de princípios do Diploma Repressivo por parte dos adolescentes
94
e os
segundos
95
, adversamente, defendem a disponibilização ao adolescente infrator
do “garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal
enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal
Mínimo
96
97
.
satisfazendo-se em refletir mero ato de força estatal (Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 15
e 202). No mesmo norte, com o mérito da Teoria Agnóstica da Pena, Salo de Carvalho aduz que
“entendida como fenômeno da política, a pena, assim como a guerra, não encontra sustentação
no direito, pelo contrário, simboliza a própria negação do jurídico. Ambas (pena e guerra) se
constituem através da potencialização da violência e da imposição incontrolada de dor e
sofrimento” (Teoria Agnóstica da Pena. O modelo garantista da limitação do poder punitivo. In:
CARVALHO, Salo de. Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 36).
94
Artigos sobre o Direito Infracional: DEL-CAMPO, Eduardo R. Prescrição cio-educativa “A
súmula 338 do STJ”. In: Carta Forense. ed. n. 57. fev/08. p. 42-43; PAULA, Paulo Afonso
Garrido de. Ato Infracional e Natureza do Sistema de Responsabilização. In: Justiça Adolescente
e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs).
São Paulo: ILANUD, 2006. p. 25-48; ROSA, Alexandre Morais da. Imposição de Medidas
Socioeducativas: O Adolescente como uma das Faces do Homo Sacer (Agamben). In: Justiça
Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH;
UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 277-302; NASCIMENTO, Adilson de Oliveira.
Impossibilidade de Prescrição da Medida Sócio-Educativa: Solução Jurídica. Disponível em: <
http://www.abmp.org.br/textos/2508.htm>.
95
Podem citados alguns partidários do Direito Penal Juvenil, como: João Batista da Costa Saraiva,
Antônio Fernando do Amaral e Silva, Wilson Donizete Liberati, Karyna Batista Sposato e Ana
Paula Motta Costa. Nesse sentido, ver: AMARAL e SILVA, Antônio Fernando do. O Estatuto da
Criança e do Adolescente e Sistema de Responsabilidade Penal Juvenil ou o Mito da
Inimputabilidade Penal. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e
responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 49-59;
SARAIVA, João Batista Costa. As Garantias Processuais e o Adolescente a que se Atribua a
Prática de Ato Infracional. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e
responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 175-
205; SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o Mito da Impunidade: Um ensaio do Direito
(Penal) Juvenil. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/2542>.
96
O Direito Penal Mínimo reconhece a necessidade de prisão para determinadas situações e
propõe a construção de penas alternativas, reservando a privação de liberdade para casos de
risco efetivo social. Busca nortear a privação de liberdade por princípios como o da brevidade e
o da excepcionalidade, havendo clareza que existem circunstâncias em que a prisão se constitui
em uma necessidade de retribuição e educação que o Estado deve impor a seus cidadãos que
infringirem certas regras de conduta (SARAIVA, João Batista Costa. As garantias processuais e
o adolescente a que se atribua a prática de ato infracional. In: Justiça Adolescente e Ato
Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São
Paulo: ILANUD, 2006. p. 177).
97
SARAIVA, João Batista Costa. Desconstruindo o mito da impunidade. Brasília: Saraiva, 2002. p.
48.
43
Dentre os defensores do Direito Penal Juvenil, cita-se Mário
Volpi
98
, o qual certifica que as medidas sócio-educativas “comportam aspectos de
natureza coercitiva, vez que o punitivas aos infratores, e aspectos educativos
no sentido da proteção integral e oportunização e do acesso à formação e
informação, sendo que, em cada medida, esses elementos apresentam
graduação, de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração”.
Outra importante lição é a de João Batista Costa Saraiva,
aduzindo não se poder
[...] ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu
no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal
Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter
pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente
retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do
garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema
penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios
do Direito Penal Mínimo. Quando se afirma tal questão, não se
está a inventar um Direito Penal Juvenil. Este está ínsito ao
sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente, e seu
aclaramento decorre de uma efetiva operação hermenêutica,
incorporando as conquistas do garantismo penal e a condição de
cidadania que se reconhece no adolescente em conflito com a Lei.
Aliás, importante anotar que a edição da Súmula 338 do
Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que “a prescrição penal é aplicável nas
medidas sócio-educativas”
99
, foi acontecimento importantíssimo para a
solidificação do Direito Penal Juvenil. Tal assertiva desnudou não somente o
caráter penal da medida, como deu substrato a pretensão desta corrente que
procura, com vantagens, promover a incidência de outros institutos do Direito
Punitivo no Estatuto.
Gize-se, por oportuno, que a declaração de prescritibilidade
das medidas desde o princípio foi acolhida no Tribunal de Justiça de Santa
98
VOLPI, Mário. O adolescente o ato infracional (org). São Paulo: Cortez, 1997. p. 20.
99
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 338. Disponível em: <http:www.stj.gov.br>.
44
Catarina, acentuadamente influenciado pelo pensamento do Desembargador
Antônio Fernando do Amaral e Silva, e hoje se irradia a outros Tribunais do País,
dentre os quais o próprio STJ e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Ressalta-se, no entanto, não havendo parâmetro legal para
balizar a adoção da causa, pertinente ao prazo a ser estabelecido de prescrição,
que a tendência jurisprudencial conduz à utilização da regra do art. 109, cumulada
com a do art. 115, ambos do Estatuto Infanto-Juvenil, que diminui à metade o
prazo por conta da idade inferior a vinte e um anos do agente na data do fato
criminoso (ato infracional). Negar tal benesse ao adolescente significa,
indubitavelmente, além de irrazoabilidade pois remete ao adolescente
tratamento mais severo do que o dispensado ao adulto –, perceptível
inconstitucionalidade, decorrente de violação a tratado internacional
100
, haja vista
que “o expresso na Regra 54 das Diretrizes de Riad, da qual nosso País é
signatário, de forma induvidosa afirma que deve ser garantido que todo ato que
não seja considerado delito, nem seja punido quando cometido por adulto,
também não deverá ser considerado um delito, nem ser objeto de punição quando
for cometido por um jovem”
101
.
Neste passo, elucidativas são as ponderações do Ministro
Félix Fischer:
Não vislumbro a alegada ofensa ao art. 226 do ECA. Os que
repudiam a aplicação da prescrição em sede de ato infracional
justificam o posicionamento ao fundamento de que as medidas
sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente não têm a mesma natureza jurídica das penas
estabelecidas no ordenamento jurídico-penal. Entretanto, uma
análise contextual e teleológica de tais medidas leva
inevitavelmente a conclusão diversa. De ver-se que os infratores
são submetidos às normas configuradoras de injustos para a
caracterização do denominado ato infracional (art. 103 do ECA),
100
Art. , § , da CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição
da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988)
101
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal: adolescente e ato infracional. 3.
ed., rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 84.
45
sujeitando-se, pois, a medidas restritivas de direitos e privativas
de liberdade, às vezes, na prática, até mais gravosas que as
impostas aos imputáveis. Portanto, não se pode negar que as
medidas sócio-educativas têm, na realidade, uma certa conotação
repressiva, ainda que formalmente sejam preventivas
102
.
Na mesma senda, caráter e efeitos assemelhados também
podem ser extraídos da Súmula nº 342
103
, igualmente editada pelo STJ, a qual
dispôs que “no procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a
desistência de outras provas em face da confissão do adolescente”
104
.
Tal enunciado vazão ao fato de que, no procedimento de
apuração de ato infracional, de forma alguma poderão ser suprimidos os
princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que o menor confesse a
prática delitiva. Conseqüentemente, forçoso oportunizar-lhe o devido processo
legal, o que converge com o art. 110 do ECA e com a mais contemporânea
doutrina do Direito Repressivo que considera a confissão como prova
relativizada, refutando seu anterior status de “rainha das provas”, que
representava um descalabro jurídico o que, mais uma vez, se compraz com a
corrente que admite a incidência de regras do Direito Penal Comum no ECA.
Para encerrar o debate com a segurança de que as medidas
sócio-educativas possuem, também, caráter sancionatório, basta analisarmos as
suas modalidades. Trata-se, na verdade, de sanções equivalente às penas
restritivas de direito e de privativas de liberdade, haja vista que a prestação de
serviços à comunidade tem, praticamente, o mesmo perfil daquelas e que a
internação, querendo ou não, restringe o acesso do adolescente infrator à
liberdade, sem embargo de assegurar-lhe, em tese, educação e outras medidas
de cunho pedagógico.
102
BRASIL. STJ. Recurso Especial nº 341.591, Rel. Min. Félix Fischer, j. 24 fev. 2003.
103
A jurisprudência foi firmada com base nos julgamentos dos Habeas Corpus 39.548-SP, 32.324-
RJ, 42.747-SP, 42.384-SP, 42.382 SP, 43.392-SP, 40.342-SP, 43.644-SP, 43.657-SP, 44.275-
SP e RHC 15.258-SP, entre outros processos. A súmula também teve como referência o artigo
, IV, da Constituição Federal de 1988 e os artigos 110 e 186 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
104
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 342. Disponível em: <http:www.stj.gov.br>.
46
Interessante reflexão sobre o tema fez Afonso Armando
Konzen apud João Batista Costa Saraiva:
As considerações sobre os significados material e instrumental da
medida socioeducativa permitem, à guisa de conclusão, identificar
a sua natureza jurídica. Ou seja, em solução à questão geral, no
sentido de se saber o que é a medida socioeducativa, percebe-se
a presença de uma resposta estatal de cunho aflitivo para o
destinatário, ao mesmo tempo em que se pretende, com a
incidência familiar do autor e do ato infracional. Assim, se a
medida socioeducativa tem características essenciais não
uniformes, pode-se concluir pela complexidade de sua natureza
jurídica. A substância é penal. A finalidade de ser pedagógica
105
.
A despeito da discussão doutrinária suscitada, ainda
longínqua do fim, “o que não se pode permitir é que, minimizada a natureza
retributiva/preventiva da medida sócio-educativa (e nesse caso penal),
minimizem-se as garantias processuais e constitucionais, dando azo a um
perverso discurso que permite a realização das mais bárbaras injustiças em nome
do amor”
106
.
Outrossim, reconhecendo uma ou outra vertente, o que
jamais se poderá consentir é que a medida sócio-educativa acarrete prejuízo à
auto-estima do jovem, pois aquela, segundo Mário Luiz Ramidoff, “enquanto
resposta apta, adequada e própria à prática do ato infracional, enquanto tal deve
oferecer a emancipação do jovem, possibilitando-lhe muito mais do que uma
sadia formação da sua personalidade, mas, verdadeiramente, um projeto de vida
responsável, ou seja, pelo qual se comprometa e responsabilize”
107
.
105
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal. p. 69.
106
SARAIVA, João Batista Costa. As garantias processuais e o adolescente a que se atribua a
prática de ato infracional. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional. p. 182.
107
RAMIDOFF, Mário Luiz. O ato Infracional: Por Um Compromisso Com O Futuro. In: Espaço
Jurídico. p. 77.
47
2.3 CRISE HERMENÊUTICA: INTERPRETAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO
Emílio Garcia Mendez imputava a inadequação da
aplicação das medidas sócio-educativas no País a uma crise dupla que incide
sobre o ECA: a de implementação e a de interpretação
108
. A primeira, segundo o
autor, concerne à incompatibilidade entre a estrutura das políticas públicas,
almejada pela lei, e a realidade política e social brasileira, extremamente débil
pela inefetividade das garantias e direitos e pela ausência de meios hábeis para
neutralizar os fatores exógenos
109
sociais que ensejam a delinqüência juvenil. A
segunda, tão ou mais agravante que aquela, resulta das incertezas dos
operadores jurídicos na aplicação do Estatuto, a iniciar pela incógnita de existir ou
não imputabilidade penal aos adolescentes de dezoito anos, exsurgindo, por
conseguinte, inúmeras outras divergências derivadas, tais como aquelas relativas
à natureza da medida sócio-educativa e à aplicação de institutos do Direito Penal.
Pertinente à segunda crise, complementa o autor suso
mencionado que “a crise de interpretação configura-se, então, como a releitura
subjetiva discricional e corporativa das disposições garantistas do ECA e da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Dito de outra forma, a crise de
interpretação configura-se no uso do código “tutelar” de uma lei como o ECA,
claramente baseada no modelo de responsabilidade”
110
.
A assertiva do mestre argentino conduz à aplicação da lei
vigente com olhar da antiga, isto é, de forma indiscriminada, descriteriosa, tal
como ocorria com o Código de Menores, no qual, em virtude da não subserviência
a princípios, precipuamente o da legalidade, tratava-se com paridade ‘menores’
abandonados e conflitantes com a lei.
108
GARCIA MENDEZ, Emílio. Adolescentes e Responsabilidade Penal: um debate latino-
americano. In: Por uma reflexão sobre o Arbítrio e o Garantismo na Jurisdição Socioeducativa.
Porto Alegre: AJURIS, Escola Superior do Ministério Público, FESDEP, 2000. p. 11.
109
LEAL, César Barros. A Delinqüência Juvenil Seus Fatores Exógenos e Prevenção. Aide
Editora, Rio, 1983. p. 14.
110
GARCIA MENDEZ, Emílio. Adolescentes e Responsabilidade Penal: um debate latino-
americano. In: Por uma reflexão sobre o Arbítrio e o Garantismo na Jurisdição Socioeducativa. p.
16.
48
A situação revela-se como um choque cultural entre o
paradigma sugerido, na nova legislação, e o modelo tradicional de Justiça, até
então adotado, especialmente no que se refere às medidas de restrição de
liberdade dos jovens infratores
111
; isso sem mencionar a complexidade do modelo
processual do ECA, em virtude de ser referenciado nos princípios constitucionais
de orientação acusatória e, no entanto, demonstrar índole do sistema inquisitório.
E como produto de tal interrogação jurídica, a sociedade adquire visão distorcida
dos fatos, pois a mídia tende à supervalorização da delinqüência juvenil,
sugerindo medidas inapropriadas, que aparentam, e aparentam
perfunctoriamente, soluções milagrosas e instantâneas, contribuindo para a
proliferação de idéias populistas, dentre as quais, a minoração da idade penal,
cujo fulcro são “reducionismos simplistas como, por exemplo, o de que ‘se aos 16
anos pode votar, logo, também pode ir pra cadeia’”
112
.
Ainda hoje, aliás, a deficiência expressada pelo binômio
implementação vs. interpretação, continua a acarretar máculas desde as medidas
preventivas até a efetivação das garantias previstas no ECA. Isto que reforça o
abismo postulado por Luigi Ferrajoli quanto à normatividade e a efetividade
113
,
paralelamente ao que ocorre também com o Direito Penal, o qual, recepcionado
pela Constituição Federal de 1988, de cunho garantista, “encontra-se
paradoxalmente distante e alheio daqueles valores fundantes”
114
.
Recrudescida a crise, vislumbra-se um ciclo vicioso entre
seus dois condicionantes, tendo em vista que o pleno desenvolvimento do
sistema de responsabilização de adolescentes depende, necessariamente, da
ação combinada entre políticas estatais preventivas e medidas repressivas ou,
aos que preferem, pedagógicas, contanto que eficientes. Ausente qualquer uma
destas, dar-se-á ensejo à manutenção da criminalidade, balizada pela “sedução
111
BRANCHER, Leoberto. Juventude, Crime & Justiça: uma promessa impagável? In Justiça
Adolescente e Ato Infracional. p. 472.
112
BRANCHER, Leoberto. Juventude, Crime & Justiça: uma promessa impagável? In Justiça
adolescente e Ato Infracional. p. 472.
113
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: teoría del garantismo penal. 4. ed. Madrid: Editorial
Trotta, 2000. p. 698.
114
PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: Uma
abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 33.
49
de mercado”, predicada por Zigmunt Bauman
115
como, simultaneamente, “a
grande igualadora e a grande divisora”
116
.
2.3.1 Aplicação – Discricionariedade e Subjetivismo
Aspectos de extrema importância, na operacionalização do
ECA, são a discricionariedade e o subjetivismo, conferidos ao juiz, em razão da
insuficiência normativa, que pode ser entendida como legislativa, doutrinária e
jurisprudencial, oriunda da crise de interpretação, a priori elencada.
Tanta pessoalidade, na efetivação das medidas sócio-
educativas, fundamenta-se no fato de o ECA representar uma fonte de direito
material, que pugna urgentemente, por exemplo, por um substrato processual, in
casu, uma lei de execução das medidas sócio-educativas.
O Estatuto da Infância e da Adolescência, embora defina o
que seja ato infracional, quedou silente quanto à delimitação da sanção a ser
aplicada nas medidas constantes no art. 112 do ECA, permeando o livre arbítrio
do juiz para a escolha destas, da forma de cumprimento e da duração quanto a
esta, em observância, por óbvio, dos limites temporais estabelecidos no próprio
ECA –, em todos os casos, partindo-se da análise minuciosa do caso.
Tangente ao assunto, Martha Toledo Machado, com
brilhantismo peculiar, declarou:
[...] as sanções cominadas ao adolescente autor de crime ou
contravenção, além de possuírem natureza jurídica diversa da
pena criminal, são aplicadas através de sistemática totalmente
diversa. Não fixação rígida de parâmetro de apenação,
baseado tão-somente no critério objetivo da gravidade da infração
como no sistema de penas nimas e máximas do Código Penal.
Ao contrário, ao julgador se confere a possibilidade de escolha de
qualquer das medidas socioeducativas previstas no art. 112 da lei
especial, consideradas as circunstâncias objetivas e subjetivas do
115
BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 55.
116
Sobre o tema, interessantíssimo o artigo recentemente publicado por André Fernandes
Indalencio sob o título: Globalização, Positivismo e Direito Penal Mínimo. In: Revista Jurídica do
Ministério Público, v. 5, n. 11, p. 173, jan./abr. 2007.
50
fato e a condição pessoal do autor, nos termos do caput e
parágrafo primeiro do referido artigo. Mais do que isso, em
respeito à Constituição Federal, foram fixadas no artigo 122 as
hipóteses excepcionais de aplicação da sanção privativa de
liberdade, estabelecendo-se que a internação tão-somente é
possível nos casos de fato cometido com violência ou grave
ameaça a pessoa ou na reiteração no cometimento de outras
infrações penais graves
117
.
Malgrado a inexistência de norteamentos para a execução
das medidas – sobreleve-se que a disposição de princípios que devem imperar no
decorrer das fases cognitiva e executória das medidas sócio-educativas, ainda
que fomentadora de um processamento digno, não oferece subsídios objetivos
para a formatação da culpa do autor de ato infracional –, internacionalmente,
foram lançadas sugestões para a autoridade competente, dentre elas, que a
sanção seja sempre proporcional, não somente às circunstâncias e à gravidade
do ato ilícito praticado, mas também às necessidades do jovem e da sociedade;
que a imposição de medida privativa de liberdade se em casos excepcionais
(em não havendo outra medida apropriada e desde que seja em razão de ato
grave, praticado com violência contra a pessoa ou por reincidência de atos
delitivos sérios), cujas particularidades tenham sido averiguadas cautelosamente
e que a medida escolhida seja a que melhor proverá pelo bem-estar do menor
118
.
Conveniente acrescentar que o enunciado de princípios
postulado alhures incita a utilização de um artifício eficaz (se adequadamente
utilizado), de pressupostos complexos, e recomendado especialmente pela
Suprema Corte do País, figurando na Constituição Federal de 1988 como
princípio implícito, o princípio da proporcionalidade. Este, no caso de omissão
legislativa, é uma válida opção, embora, na prática, seja extremamente dificultoso
identificar seus limites, ainda mais quando sua aplicação está condicionada ao
grau de comprometimento dos atores na senda infracional.
117
MACHADO, Marta de Toledo apud ASSUMPÇÃO, André Del Grossi. Processo de aplicação da
medida socioeducativa. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/2524.htm>.
118
ASSUMPÇÃO, André Del Grossi. Processo de aplicação da medida socioeducativa. Disponível
em: <http://www.abmp.org.br/textos/2524.htm>.
51
De acordo com o que aponta Luiz Francisco Torquato
Avolio, a concepção atual da teoria da proporcionalidade
[...] é, pois, dotada de um sentido técnico no direito público a
teoria do direito germânico, correspondente a uma limitação do
poder estatal em benecio da garantia de integridade física e
moral dos que lhe estão sub-rogados [...] Para que o Estado, em
sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os
direitos individuais fundamentais, se faz necessário não a
existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos
casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar
(Estado de Direito), como também de se reconhecer e lançar
mão de um princípio regulativo para se ponderar até que ponto se
vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da
Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo
limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência
humana digna de ser chamada assim
119
.
Suzana de Toledo Barros, por sua vez, triparte o princípio da
proporcionalidade em subprincípios: adequação (Geeignetheit), necessidade
(Enforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit),
cuja combinação propicia ao intérprete da lei o alcance da funcionalidade,
pretendida pelo princípio em comento
120
.
O primeiro subprincípio consiste na adequação dos meios
aos fins, isto significa dizer que o meio escolhido deve ser propício à consecução
do resultado aspirado. O conseguinte, da necessidade, preceitua que a medida
seja indispensável e não exista meio menos gravoso que logre idêntico resultado.
O último, complementando os antecedentes, sinaliza para a razoabilidade entre o
meio e o fim, o que retrata o intento de tornar o ônus imposto pela norma inferior
ao benefício por ela engendrado.
Como visto, inegável que também no ECA, poderemos
lançar mão do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que os fundamentos
119
AVOLIO, Luiz Torquato. Provas ilícitas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 53.
120
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica,
2003. p. 77.
52
deste, compõem valor elucidativo na íngreme missão de aplicar medidas sócio-
educativas sem parâmetros legais suficientes.
Outrossim, a importância das três ramificações do princípio
em análise é tamanha que, sem pender a quaisquer das doutrinas combatentes
da natureza das medidas sócio-educativas Direito Infracional e Direito Penal
Juvenil exprimem tanto solução subsidiária como é o caso do ECA como
têm aplicação em situações devidamente regulamentadas, em diversos ramos do
direito (tributário
121
, penal
122
, administrativo
123
, entre outros).
121
“TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO GUIA DE IMPORTAÇÃO ERRO DE PREENCHIMENTO E
POSTERIOR CORREÇÃO – MULTA INDEVIDA.
1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo
multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria. 2. A par da
legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430⁄96 e art. 526, II, do Decreto 91.030⁄85), a própria
receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco,
estando a mercadoria corretamente descrita, com o equívoco de sua classificação (Atos
Declaratórios Normativos 10 e 12 de 1997).3. Recurso especial improvido”. (BRASIL, STJ.
Recurso Especial nº 660682⁄PE, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 10 maio. 2006)
122
“HABEAS CORPUS – LATROCÍNIO E QUADRILHA. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA
PENA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DESOBEDECIDO. ORDEM PARCIALMENTE
CONCEDIDA.
A exata motivação do quantum da pena aplicada é um elemento de garantia do condenado, e da
acusação, que devem conhecer os caminhos pelos quais trilhou o Juiz para chegar à punição
determinada. A individualização da pena é também estabelecida para evitar que o Magistrado se
transforme numa máquina, distanciando-se da realidade dos autos. Fixar a pena em seus limites
máximos, sem fazer uma criteriosa análise das circunstâncias judiciais, limitando-se a citá-las,
não é proceder à individualização prevista constitucionalmente. É possível examinar em habeas
corpus a dosimetria da pena, desde que a própria decisão guerreada forneça elementos para se
fazê-lo, independente do aprofundamento das provas. Ordem concedida parcialmente para
cassar o acórdão e a decisão de primeiro grau, no que diz respeito à dosimetria da punição, para
que ela seja feita consoante os ditames constitucionais e da lei penal”. (BRASIL, STJ. HC 82297
/ RJ 2007/0099307-8, Rel. Min. Jane Silva, j. 08 nov. 2007)
123
“DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO. DIÁRIAS
INDEVIDAMENTE PERCEBIDAS E SOMENTE RESTITUÍDAS APÓS O INÍCIO DO
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Na aplicação de
penalidade, deve a Administração observar o princípio da proporcionalidade em sentido amplo:
‘exigência de adequação da medida restritiva ao fim ditado pela própria lei; necessidade da
restrição para garantir a efetividade do direito e a proporcionalidade em sentido estrito, pela qual
se pondera a relação entre a carga de restrição e o resultado’ (Suzana de Toledo Barros). 2.
Hipótese em que se mostra desproporcional a aplicação da pena de demissão à parte recorrida,
servidora pública com mais de vinte e um anos de serviço e sem antecedentes disciplinares, por
ter, indevidamente, recebido cerca de mil e duzentos reais a título de diárias sem ter feito a
correspondente viagem a serviço, tendo em vista que efetuou a restituição da referida quantia
após o início do processo administrativo disciplinar. 3. Recurso especial conhecido e improvido”.
(BRASIL, STJ. Recurso Especial nº 866612/PE 2006/0148970-3, Rel. Min. Arnoldo Esteves
Lima, j. 25 out. 2007)
53
Vale registrar também a solução apontada por Antônio
Fernando do Amaral e Silva para a ausência de lei de execução sócio-educativa.
Segundo o autor, “seria interessante disciplinar as cautelas do encaminhamento
de menores”, pois tal medida propiciaria que a autoridade administrativa
responsável individualizasse e, como resultado, humanizasse o tratamento
despendido aos jovens infratores. Também propõe que as medidas sejam
caracterizadas pela brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do
adolescente como pessoa em estágio de desenvolvimento, resguardando a
privação de liberdade como a última alternativa
124
.
Por último, compete lembrar que, conquanto os subterfúgios
sugeridos para superar a crise de interpretação do ECA provenham da aversão
de muitos autores para com a arbitrariedade, dentre eles João Batista Costa
Saraiva
125
- defensor de que o arbítrio deve ser combatido pelo garantismo, sob
pena de o autoritarismo, decorrente da ausência de normatização estar a um
passo –, a discricionariedade, neste contexto, também pode ser vista como
medida justificável, sob o “nível abstrato” dentro do ordenamento jurídico, sobre a
qual esclarece Luiz Henrique Urquhart Cademartori:
Num primeiro nível, considera-se a discricionariedade em
abstrato, a qual não pode deixar de ser plenamente aceita no
ordenamento. Isto porque, dentro do sistema normativo, a lei em
tese faculta muitas vezes ao agente público a adoção de medidas
em uma ou outra direção, ou de uma ou outra forma, transferindo-
lhe a competência para interpretar o sentido da lei que ordena a
adoção da providência administrativa mais adequada ao interesse
social conforme a situação apresentada. Justifica-se tal âmbito da
discricionariedade, em função de que se encontra superado o
antigo modelo burocrático descrito por Weber, no qual o agente
público era concebido como simples autômato, executor de
regulamentos detalhistas e precisos, caracterizando a função
administrativa como simples execução direta da lei. Tal visão,
hoje, é substituída pelo modelo descentralizado de gestão
administrativa, o qual confere às diversas unidades da
124
AMARAL e SILVA, Antônio Fernando do. O Controle Judicial da Execução das Medidas Sócio-
Educativas. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/11.htm>.
125
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal. p. 82.
54
Administração Pública, uma ampla autonomia no desempenho de
funções da sua competência a qual se baseia na possibilidade de
adoção de medidas autônomas dentro de parâmetros gerais
fixados pela lei
126
.
Embora a referência diga respeito ao agente público da
Administração Direta, é possível fazer analogia ao que ocorre com o magistrado,
ao qual cumpre, no exercício da subsunção, adicionar valores extrajurídicos, que
não redundam, indispensavelmente, em um processo arbitrário ou irracional, pois
incumbe ao julgador a concretização das valorações, encontráveis, notadamente,
na Constituição e nos princípios por ela consagrados. Isto porque é humanamente
impossível construir um ordenamento jurídico supremo e hermético, afastando
quaisquer centelhas de subjetivismo. Tanto é verdade que, além de mitigada a
máxima do juiz como a bouche de la loi, assim definido por Montesquieu
127
, o art.
da Lei de Introdução ao Código Civil de 2002 expõe a explícita permissão legal
para o uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do Direito, quando o
julgador entender conveniente ao caso concreto.
2.3.2 Controle do Poder Judiciário sobre os atos discricionários da
Administração Pública
A outra face da crise enunciada que recai sobre o ECA,
como dito, é a da implementação, que atina à ausência de políticas blicas
necessárias ao cumprimento do princípio constitucional da prioridade absoluta no
que tange à preferência na formulação e execução, assim como à destinação
privilegiada de recursos para a área, em conformidade ao estatuído no art. do
Estatuto.
Sobre tais políticas públicas, Alessandro Baratta, imbuído na
classificação de Emílio Garcia Mendez (In: Derecho de la infancia-adolescencia
em América Latina: de la situación irregular a la proteción integral, 2. ed., Santa
Fé de Bogotá: Forum Paris, 1997, p. 241 e ss) adverte:
126
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa. Curitiba: Juruá,
2001. p. 180.
127
Cf. MONTESQUIEU, Charles Louis de Montesquieu. O espírito das leis. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
55
[...] as políticas de proteção das crianças no marco da Convenção
se distribuem em quatro níveis. Estes se apresentam [...] na forma
de uma pirâmide, cuja área diminui quanto mais nos afastamos da
base até o topo. A parte mais larga está representada pelas
políticas sociais básicas (escola, saúde). No segundo nível
encontramos as políticas de ajuda social (medidas de proteção em
sentido estrito); mais acima as políticas correcionais (medidas
socioeducativas de resposta à delinqüência juvenil), e, finalmente,
as políticas institucionais que se referem à organização
administrativa e judicial, quer dizer, os direitos processuais
fundamentais das crianças e adolescentes; verti livremente do
espanhol
128
.
Analisando cada foco proposto pelo autor, verifica-se a
ineficiente atuação do Estado nas escolas (primeiro nível), nos conselhos
tutelares (segundo nível), nos programas de medidas sócio-educativas (terceiro
nível) e no Procedimento de Apuração de Ato Infracional (quarto nível). Ora, nada
obstante existir previsão para o aprimoramento de todos os setores apontados,
quando não são insuficientes, sequer são destinados recursos monetários para
prover pelo prioritário direito em comento e, por conseguinte, a concepção de
Estado Mínimo perde sua razão de ser, pois em um País como o nosso,
subdesenvolvido e com disparidades gritantes, o que mais pode atemorizar a
população é a declaração expressa de intervenção estatal comedida.
Bem ou mal, não se pode desmentir que o constituinte de
1988, ainda que por meio de compilação no art. 227, inseriu no ordenamento, o
princípio da prioridade absoluta, determinando ser dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
Conformando a Constituição Federal, o ECA, no parágrafo
único do art. , estabeleceu que “a garantia de prioridade compreende: a)
primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b)
128
BARATTA, Alessandro. Infância y Democracia. In: GARCIA MENDEZ, Emílio; BELLOF, Mary
(compiladores). Infância, Ley y Democracia em América Latina. 2. ed. Bogotá-Buenos Aires.
Temis-Ediciones Depalma, 1999. p. 32.
56
precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;c)
preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d)
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção à infância e à juventude”.
Assim, partindo da premissa de que a norma do art. 227 é
de eficácia plena (e não de conteúdo meramente programático) e de que deve ser
acatada incondicionalmente pelo Poder Executivo, patente se torna o
reconhecimento de que a limitação do campo de atuação discricionária do
administrador público é pertinente.
Leciona o mestre germânico Konrad Hesse que a vontade
da Constituição deve se alinhar à vontade de poder, pois
aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser
honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de
renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas.
Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da
preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à
Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência
do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao
contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a
pouco, um capital que significa muito mais do que todas as
vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será
recuperado
129
.
Imergindo na suso conjectura de que o cumprimento literal
das disposições constitucionais deve imperar em todas as circunstâncias, forçosa
a conclusão de que, embora esteja o dever discricionário do administrador
público, cingido por diversos princípios, trazidos a lume pela Constituição de
1988, está, o Poder Judiciário, legitimado a intervir o somente na análise da
legalidade tacanha dos atos praticados por aquele, mas também, considerando o
Direito como um todo, nos critérios de conveniência que ensejaram o ato do
agente.
129
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 22.
57
É que os valores implícitos na Constituição Federal de 1988
conduzem, de todos os prismas, à efetivação das garantias fundamentais nela
inscritas
130
, que preponderarão com o desvanecimento de valores retrógrados
incorporados, pertencentes a outras culturas e vigentes em momentos históricos
díspares. Um destes valores é a discricionariedade
131
, considerada como
intocável faculdade do administrador
132
, que é argüida, na grande parte das
vezes, com esteio na clássica teoria da separação de poderes de Montesquieu,
cuja base teórica remonta aos séculos XVII e XVIII. Naquele período,
reconhecidamente, constatava-se a hipertrofia do Executivo sobre as demais
130
Ana Maria Moreira Marchesan, com perspicácia, aborda o tema sobre a mudança de postura
da Constituição Federal de 1988: “[...] nossos constituintes de 1988 engendraram e inscreveram
no texto Constitucional diversos mecanismos de participação popular nos atos de governo, em
perfeita consonância com o princípio gravado no parágrafo único do art. 1º da CF: Todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição’”.
Sabedores de que a mobilização popular, máxime em um país de dimensões continentais como o
Brasil, é de difícil ou impraticável influência direta junto aos governantes, nossos legisladores (a
nível Constitucional e Infraconstitucional), acolhendo soluções do Direito alienígena e criando
algumas genuinamente brasileiras, outorgaram legitimação a certas entidades ou instituições,
reconhecendo-lhes representatividade para levar à análise de um outro segmento do PODER, o
Judiciário, anseios e pretensões que transcendem à esfera individual. Essa multiplicidade de
remédios processuais alinhados na CF de 1988 (‘habeas data’; mandado de injunção; ação
popular; mandado de segurança individual e coletivo; ação direta de inconstitucionalidade; ação
declaratória de inconstitucionalidade por omissão e quejandos) aliada aos inúmeros
legitimados ativos para suas proposituras, consubstanciaria verdadeira letra-morta se
mantido o dogma da inatacabilidade do mérito do ato administrativo. (grifo acrescido) (O
Princípio da Prioridade Absoluta aos Direitos da Criança e do Adolescente e a
Discricionariedade Administrativa. Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/211.htm>)
131
“Discricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger,
segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos,
cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais
adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou
da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução
unívoca para a situação vertente”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito
Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 761
)
132
Exemplo desse tipo de decisão retrógrada encontra-se em acórdão prolatado pela Turma do
Superior Tribunal de Justiça, oriundo de uma ação civil pública promovida com o fito de obrigar o
Governo goiano a construir um centro de recuperação e triagem para adolescentes infratores,
onde encontramos afirmações como as que seguem: "A Constituição Federal e em suas águas a
Constituição do Estado de Goiás são dirigentes e programáticas. Têm, no particular, preceitos
impositivos para o Legislativo (elaborar leis infraconstitucionais de acordo com as tarefas e
programas pré-estabelecidos) e para o Judiciário (atualização constitucional). Mas, no caso dos
autos, as normas invocadas não estabelecem, de modo concreto, a obrigação do Executivo de
construir, no momento, o Centro. Assim, haveria uma intromissão indébita do Poder Judiciário no
Executivo, único em condições de escolher o momento oportuno e conveniente para a execução
da obra reclamada". (BRASIL, STJ. Recurso Especial63.128, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 11
mar. 1996)
58
expressões de poder, razão pela qual é compreensível o estado de inanição do
Poder Judiciário.
Decorridos os anos, todavia, a idéia do Judiciário, como
poder decorativo, passou a ser revista com a limitação da soberania do Executivo,
e, gradualmente, o juiz passou a exercer a imperatividade através das leis,
configurando, ao final, como afirma Cândido Rangel Dinamarco, “um legítimo
canal de comunicação entre o mundo axiológico da sociedade e os casos que é
chamado a julgar”
133
.
Cuida-se, a partir de então, da visão da discricionariedade
sob um “segundo nível”, de acordo com que aduz Luiz Henrique Urquhart
Cademartori, a saber:
[...] considerando um segundo nível da discricionariedade, ou seja,
no seu campo de aplicação concreta, entende-se que,
implementada a medida, caso seu destinatário alegue lesão a
direito, o ato administrativo será levado à via judicial devendo ser
aqui amplamente analisado pelo julgador. Portanto, o juiz não
somente pode como deve apreciar não se confunda com
substituição de decisões na sua inteireza, quaisquer atos
oriundos do Poder Público, tendo como parâmetros as garantias
constitucionais e os direitos fundamentais cuja diretriz política
estará referida à primazia do administrado frente à Administração.
Para efetuar tal controle, deverá o órgão judiciário considerar os
pressupostos de validade do ato em questão (motivo, finalidade e
causa), verificando se foi observada uma relação de adequação
axiológico-constitucional, do ato administrativo, com aquilo que, no
caso concreto possa ser o razoável, proporcional, moral, de
interesses do cidadão e demais exigências principiológicas.
Portanto, sob o parâmetro garantista de validade, deverão ser
observados todos os aspectos substanciais das medidas do Poder
Público, discricionárias ou não, em consonância com os direitos
fundamentais do ponto de vista axiológico
134
.
133
DINAMARCO, Cândido Rangel. O Poder Judiciário e o Meio Ambiente. RT 631/28.
134
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa. p. 181.
59
Logo, transladada a fase de sucumbência ao poder arbitrário
de um soberano, deve ser repudiada a inviolabilidade da discricionariedade
administrativa, resgatada, equivocadamente, de primórdios jurídicos, por
representar obstáculo à concretização dos princípios fundamentais, ante a prática
contumaz de desvio de poder, o qual, rememore-se, segundo Celso Antônio
Bandeira de Mello, diz respeito à manipulação de um plexo de poderes
135
,
discrepando-se do escopo que lhe é inerente, isto é, extraviando-se da finalidade
cabível, em face da regra que legitima seu ato.
Nesta senda, aliás, proveitoso mencionar que tanto na
análise da finalidade (que pode culminar em abuso de poder), quanto no exame
de motivos, poderá o Poder Judiciário se manifestar. Quanto ao último caso, o
STF, através do Recurso Extraordinário 17.126, exprimiu, em resumo modelar,
“que cabe ao Poder Judiciário apreciar a realidade e a legitimidade dos motivos
em que se inspira o ato discricionário da Administração”
136
. Ora, “negar ao juiz a
verificação objetiva da matéria de fato, quando influente na formação do ato
administrativo, será converter o Poder Judiciário em mero endossante da
autoridade administrativa, substituir o controle da legalidade por um processo de
referenda extrínseco”
137
.
A propósito, a interveniência do Poder Judiciário em
decisões da Administração Pública que desafiam os ditames constitucionais,
como é o caso do princípio da prioridade absoluta, vem sendo aclamada em
muitos julgados de nosso País.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal proferiu um dos
primeiros acórdãos a cerca do princípio em análise:
Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais,
dessume-se que não é facultado à Administração alegar falta de
recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos
aludidos, uma vez que a Lei Maior exige PRIORIDADE
135
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. p. 768.
136
Administração e Controle de Legalidade. RDA 37/8.
137
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. p. 763.
60
ABSOLUTA - art. 227 - e determina a inclusão de recursos no
orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência,
consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais
precitados encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227
138
.
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça também
se manifestou sobre o assunto
139
:
1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do
Judiciário, autorizam que se examinem, inclusive, as razões de
conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do
Ministério Público para exigir do Município a execução de política
específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3.
Tutela específica para que seja incluída verba no próximo
orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e
determinadas. 4. Recurso especial provido
140
.
Observe-se, ainda, o brilhantismo do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul em julgado que declara a relativização do princípio da separação
em poderes, em face da necessidade de se assegurar garantias fundamentais à
criança e ao adolescente:
138
DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 62, j. 16 abr. 1993.
139
A Ministra Eliana Calmon, ao fundamentar o seu voto, destacou que “[...] não é mais possível
dizer, como no passado foi dito, inclusive por mim mesma, que o Judiciário não pode imiscuir-se
na conveniência e oportunidade do ato administrativo, adentrando-se na discricionariedade do
administrador. E as atividades estatais, impostas por lei, passam a ser fiscalizadas pela
sociedade, através do Ministério Público, que, no desempenho de sua atividades precípuas, a
representa. Dentre as numerosas funções, estão as constantes do Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 8.069/90, especificadamente, de interesse nestes autos a de zelar pelo efetivo
respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes. Daí a
legitimidade do Ministério Público e a irrecusável competência do Poder Judiciário, porquanto
estabelecida a responsabilidade estatal na Resolução Normativa 4/97, baixada pelo Conselho
Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, seguimento social em destaque para agir em
parceria com o Estado, nos ternos do art. 88, II, do ECA. Conseqüentemente, tenha se presente
que o pleiteado pelo Ministério Público não foi fruto de sua ingerência. O pedido foi a
implementação de um programa adredemente estabelecido por um órgão do próprio município,
o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com função normativa fixada
em conjugação com o Estado (Município) e a sociedade civil”. (Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/jurisprudencia>)
140
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 493811, Rel. Ministra Eliana
Calmon, j. 15 mar. 2004.
61
ECA. MEDIDA DE PROTEÇÃO. DIREITO À SAÚDE
ASSEGURADO COM ABSOLUTA PRIORIDADE À CRIANÇA E
AO ADOLESCENTE. EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE
IMEDIATA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA.
LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA PRIORIDADE DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS
PODERES. INOCORRÊNCIA. O direito à saúde, superdireito de
matriz constitucional, de ser assegurado, com absoluta
prioridade às crianças e aos adolescentes e é dever do Estado
(União, Estados e Município) como corolário do direito à vida e do
princípio da dignidade humana. Direito fundamental que é, tem
eficácia plena e aplicabilidade imediata, como se infere do § do
art. da Constituição Federal. O Ministério Público tem dever
institucional de promover ações que visem assegurar direitos das
crianças e adolescentes, o que lhe confere legitimidade para
figurar no pólo ativo da demanda. [...] Conjugando-se a
sedimentada idéia de dever discricionário e função
jurisdicional com a principiologia vertida na Constituição
Federal, dando prioridade absoluta aos direitos da criança e
do adolescente, estou em afirmar que não
discricionariedade quando se trata de direito fundamental da
criança e do adolescente (vida, saúde, dignidade). Está o
poder público necessariamente vinculado à promoção, com
absoluta prioridade, da saúde da população infanto-juvenil.
Negaram provimento a ambos os apelos e, em reexame
necessário, conformaram a sentença
141
. (grifos acrescidos)
Dessarte, o entendimento jurídico contemporâneo e
contextualizado nos direitos humanos e na supremacia constitucional é de que,
além de ser inafastável a atuação do Poder Judiciário na análise do mérito do ato
administrativo – único instrumento, por ora vislumbrado, de garantia à consecução
dos fins constitucionais –, é imperiosa a provocação dos legitimados,
notadamente, pelo órgão do Ministério Público. Este, por meio de ação civil
pública, poderá prover pela proteção dos interesses individuais, coletivos e
difusos próprios da infância e da adolescência ou, através de ação mandamental,
fulminar atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do poder público, que lesem direito líquido e
certo previsto no ECA.
141
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Ap. Cível e Reexame Necessário 70009046574,
62
2.4 MODALIDADES DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
Consoante já mencionado, as espécies de medida sócio-
educativas são seis: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-
liberdade, internação em estabelecimento educacional, todas previstas no art. 112
do ECA. Além destas, ao adolescente poderão ser aplicadas as medidas
protetivas do art. 101, incisos I a VI. Avançar no tema requer a análise, ainda que
superficial, sobre cada uma das primeiras.
2.4.1 Advertência
Prevista no art. 115 do ECA, a advertência representa uma
admonição verbal, realizada pela autoridade judiciária, dirigida ao adolescente
transgressor. Seu intento é promover a reflexão do menor sobre a reprovabilidade
de seu comportamento e de suas conseqüências, na hipótese de reiterar tal
conduta (sem, contudo, empregar meio vexatório), e alertar os pais sobre seu
papel na educação e formação de caráter dos filhos.
Durante a vigência do Código de Menores de 1979, a
medida de advertência prevista no seu art. 14, era aplicada sem formalidades e,
somente se o ato praticado fosse grave, é que seria reduzida a termo, com a
assinatura do adolescente, de seus pais ou responsáveis e do Ministério Público.
Com o advento do ECA, no entanto, a medida passou a ser
realizada através de ato solene, audiência, ante a analogia feita com o art. 698
142
do CPP, e sempre reduzida a termo.
Para Wilson Donizete Liberati, inexiste diferença substancial
entre as medidas de mesma denominação, previstas tanto no digo de Menores
quanto no ECA, porém a advertência prevista neste, possuiria mais tecnicismo
Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 22 dez. 2004.
142
Art. 698. Concedida a suspensão, o juiz especificará as condições a que fica sujeito o
condenado, pelo prazo previsto, começando este a correr da audiência em que se der
conhecimento da sentença ao beneficiário e Ihe for entregue documento similar ao descrito no
art. 724. (BRASIL. Decreto-Lei 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>)
63
lingüístico e maior caráter sancionatório, que está condicionada à prova de
materialidade e indícios contundentes de autoria, de acordo com o art. 114 do
ECA
143
, o que concordamos parcialmente, haja vista que, tal qual as demais
medidas, a advertência necessita de prova indubitável de materialidade e autoria,
mesmo porque, sequer existe hierarquia entre as medidas do novel Estatuto.
Por outro lado, o ECA silenciou sobre a necessidade da
presença de defensor durante a audiência, o que também entendemos ser
indispensável à aplicação de quaisquer medidas cio-educativas (incluídas aí
aquelas perante o Ministério Público), como sinal de complacência à garantia
processual estatuída no art. 111, III, do próprio Estatuto. Neste diapasão,
Alexandre Morais da Rosa ironiza o fato, alegando que se mantida uma
interpretação anêmica de que não precisa de defensor porque a lei não exige,
“nem mesmo a assinatura do adolescente e seu responsável seria necessária,
porque o ECA não faz referência [....]”
144
.
2.4.2 Obrigação de reparar o dano
O art. 116 do ECA dispõe que “em se tratando de ato
infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o
caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou,
por outra forma, compense o prejuízo da vítima”.
Trata-se de medida que visa a responsabilização psíquica
do autor do ato infracional durante o cumprimento, o que legitima seu caráter
repressivo-retributivo, com base educativa.
Para alguns, a reparação do dano é ato personalíssimo,
indistintamente, em qualquer situação; no entanto deve-se fazer ressalva à
hipótese dos menores de dezesseis anos (para o Código Civil de 2002 menores
143
LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 81.
144
ROSA, Alexandre Morais da. Ato Infracional, Remissão, Advogado e Garantismo. Disponível
em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_rosa_remiss.pdf>.
64
absolutamente incapazes
145
), pois, fazendo alusão a tal conteúdo, impossível
coibir o adolescente, na faixa etária de doze a dezesseis anos de idade, a reparar
dano por ele causado, que a legislação vigente reputa a responsabilidade dos
atos ilícitos, praticados por menores de dezesseis anos aos pais, responsáveis ou
tutores. De outro vértice, no caso de contar o adolescente com mais de dezesseis
anos, quem defenda a responsabilização solidária deste, com seus
representantes.
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais do Estado de São Paulo, no ano 2000, sobre as medidas reparatórias
de dano, concluiu:
Como esta medida envolve recursos financeiros que, na maioria
dos casos, provêm da família do jovem, os operadores
consideram sua aplicação pouco recomendável, uma vez que a
punição recai especialmente sobre os pais do jovem. Foi
destacado que esta medida se torna muitas vezes inviável em
virtude da situação sócio econômica de grande número das
famílias cujos filhos são processados pelas Varas Especiais da
Infância e Juventude. Isto é indicativo de que a pobreza presente
na sociedade brasileira interfere no próprio processo de
distribuição da justiça, na medida em que algo previsto na lei nem
sempre pode ser aplicado em virtude da situação social
146
.
De qualquer sorte, o que prega o ECA é que,
preferencialmente, cumpra, o adolescente, com exclusividade, a ação proposta
pelo juiz. Também por isso, se propuseram soluções alternativas de cumprimento
no art. 116 do mesmo e, ainda (e mais uma vez), subjetivismo judicial, quando as
três opções se mostrarem inadequadas ao caso concreto, no parágrafo único do
referido dispositivo.
145
Art. 3
o
São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os
menores de dezesseis anos; [...]. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>)
146
PIETROCOLLA, Luci Gati; SINHORETTO, Jacqueline; CASTRO, Rosa. O Judiciário e a
comunidade: prós e contras das medidas sócio-educativas em meio aberto. São Paulo:
IBCCRIM, 2000. p. 39.
65
Com o escopo de elucidar as finalidades das três sugestões
legais, tem-se que: restituir a coisa consiste na sua devolução ao proprietário, o
que, logo, pressupõe a existência do objeto malfadado pela apuração de ato
infracional; ressarcir o dano significa suprir a dor moral ou material da vítima, por
meio de valor pecuniário, acordo este, frise-se, submetido à homologação judicial;
e, por último, a compensação do prejuízo ganha lugar, quando incabíveis as
primeiras soluções propostas, caindo, como todo o Estatuto, na vala da
discricionariedade.
2.4.3 Prestação de serviços à comunidade
A prestação de serviços à comunidade, elencada no art. 117
e no parágrafo único deste, ambos do ECA, manifestamente é restritiva de
direitos. Isso porque, além da essência da atividade a ser desenvolvida pelo
adolescente, seus parâmetros de aplicação são idênticos ao Direito Penal, ou
seja, “aptidões do adolescente, [...] jornada máxima de oito horas semanais, aos
sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a
freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho”
147
.
Além do benefício logrado pelo adolescente (ou, ao menos,
aspirado), de experiência de vida comunitária e de percepção de valores sociais,
também a sociedade ganha: uma, pelos serviços prestados a título gratuito e
duas, por participar no processo de reeducação do adolescente, sujeito que se
voltará contra ela própria, em caso de arritmia de valores internos.
Esta, bem como as demais medidas alternativas à privação
de liberdade, como presumível, é brindada por defensores do Direito Penal
Mínimo e ganha magnitude pelo fato de o cerceamento de liberdade ser,
especialmente quando a parte passiva é adolescente infrator, medida
excepcionalíssima. E, salientando as vantagens de prestação de serviços à
147
Art. 117, § único, do ECA. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>).
66
comunidade, René Ariel Dotti afirma que a pena revela “o sentido retributivo tanto
sob o plano coletivo como individual, relacionada à vítima”
148
.
2.4.4 Liberdade Assistida
Conforme definição dada pelo art. 118 e seguintes do ECA,
a liberdade assistida “será adotada sempre que se afigurar a medida mais
adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”, sendo
designada pelo Juízo pessoa para que efetue tal supervisão.
A medida consiste no acompanhamento do infrator em todas
as suas esferas sociais, quais sejam, escola, família e trabalho, o último se
houver. Para Wilson Donizete Liberati, “os técnicos ou as entidades deverão
desempenhar sua missão, através de estudo de caso, de métodos de abordagem,
organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz,
sempre sob a supervisão do Juiz”
149
.
Ao orientador designado, competirão os ditames do art. 119
do ECA, a saber:
I - promover socialmente o adolescente e sua família,
fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em
programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II -
supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do
adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III - diligenciar
no sentido da profissionalização do adolescente e de sua
inserção no mercado de trabalho; IV - apresentar relatório do
caso
150
.
A liberdade assistida pretende não provocar abstenção do
adolescente conflitante com a lei quanto à realização de qualquer atividade do
seu dia-a-dia, tornando-se o orientador (recomenda-se que seja membro do poder
148
DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas.
São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p. 487.
149
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 110.
150
BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>.
67
público
151
ou de entidades não-governamentais, apesar de a lei não traçar
diretrizes) um auxílio para a reorganização de sua vida. Dentre as providências
que devem ser tomadas pelo orientador, Luiz Antonio Miguel Ferreira cita a
inserção do adolescente no sistema de ensino regular, em programas culturais,
esportivos e de lazer e em cursos profissionalizantes; o contato com a escola
(devendo ser registrado); o fortalecimento dos vínculos familiares e a garantia de
assistência médica, odontológica, psicológica e/ou psiquiátrica
152
.
Enfim, a função do orientador é prezar pela efetivação dos
direitos fundamentais constantes na CF/88 (art. 227) e no ECA (art. ), missão
reconhecidamente árdua
153
ante o reduzido número de profissionais e sua exígua
capacitação.
Convém lembrar, também, que o art. 118, § , do ECA,
destaca que o prazo mínimo de sua fixação é de 6 (seis) meses, podendo, a
qualquer tempo ser revogada, substituída ou provocada, desde que ouvidos o
defensor do adolescente e o promotor de justiça, o que ressalta a importância do
relatório do orientador acerca do caso e denota o subjetivismo conferido ao juiz, o
qual utilizará as circunstâncias fáticas e as soluções a priori apontadas, querendo,
para balizar sua decisão.
151
“É no Município que se desenvolvem e estão implantadas as necessárias redes de atendimento
que servem de suporte para as medidas sócio-educativas em meio aberto. É também no
Município, com as suas estruturas e recursos locais, costumes e tradições, que se pode avaliar a
maior e melhor adequação dos hospitais, escolas e outros estabelecimento congêneres, às
exigências pedagógicas do adolescente autor de infração penal, submetido à medida sócio-
educativa de prestação de serviços à comunidade. Da mesma forma, é somente no Município,
dotado do perfil próprio de condições de escolaridade e cultura, família, socialidade e trabalho,
que poderá surgir a figura ideal do orientador prevista e exigida para o êxito da medida sócio-
educativa de liberdade assistida”. (CURY, Munir. A responsabilidade dos municípios pela
aplicação das medidas sócio-educativas em meio aberto: Febem-SP. Governo do Estado de São
Paulo, 2002. p. 16-17)
152
FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Execução das medidas socioeducativas em meio aberto:
prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. In Justiça Adolescente e Ato
Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São
Paulo: ILANUD, 2006. p. 410.
153
Levantamento realizado no Estado de São Paulo demonstrou, no ano de 2000, que a relação
orientador/reeducando é um para cada cem, quando, na verdade, seriam necessários trinta para
cada cem. (PIETROCOLLA, Luci Gati; SINHORETTO, Jacqueline; CASTRO, Rosa. O Judiciário
e a comunidade. p. 41)
68
Sobre a periodicidade do relatório, Luiz Antonio Miguel
Ferreira sugere que seja apresentado relatório no início, no decorrer e no fim da
medida, no caso de liberdade assistida, e de somente dois (no início e no fim), em
medidas fixadas em apenas um mês. Também incluiu a confecção de relatório,
quando ocorrer situação de anormalidade entendida como toda aquela que
discrepa do planejamento da medida verificada pelo orientador. Pertinente ao
conteúdo do relatório, defende o autor que este deve abranger o andamento da
execução, as dificuldades na implementação e a posição familiar.
Atinente à execução da liberdade assistida, de inegável
utilidade para a compreensão é o esboço feito por Wilson Donizeti Liberati, com
suas fases:
a) guia de execução em que constarão todos os dados do
processo de conhecimento; b) indicação pela autoridade judiciária
ou por entidade de atendimento de pessoa capacitada para
acompanhar e orientar o adolescente; c) realização do Plano
Individual de Atendimento com a presença do adolescente e de
seus pais e com perfeita identificação das tarefas a serem
realizadas e prazo para seu cumprimento (ECA, art. 118, § ); d)
início do acompanhamento; e) emissão periódica de relatórios do
orientador sobre o desenvolvimento da execução; f) substituição,
prorrogação, revogação, ou extinção da medida conforme
deliberação da autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público e
o adolescente; g) Relatório Final de conclusão do Plano Individual
de Atendimento
154
.
Além de proficiente (ao menos na teoria) a proposta acima
aventada, serve para auxiliar o aplicador na fixação da medida, minimizando,
ainda que parcialmente, a total escuridão proveniente do silêncio da lei no que
tange à forma de execução.
154
LIBERATI, Wilson Donizeti. Execução de medida socioeducativa em meio aberto: Prestação de
Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida. In: Justiça Adolescente e Ato Infracional:
socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo:
ILANUD, 2006. p. 384.
69
2.4.5 Semi-liberdade
O artigo 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente
contempla a medida de semi-liberdade, que é caracterizada pela privação parcial
da liberdade. Poderá ela ser determinada pela autoridade judicial como medida
inicial, proveniente de sentença condenatória transitada em julgado (garantido o
devido processo legal) ou como uma forma de transição para o meio aberto, isto
é, como progressão do regime de internação.
Diante do conteúdo do art. 120, §2º, do ECA, a medida não
comporta prazo determinado e, tal como a internação, é subordinada aos
princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento.
O espaço físico destinado ao programa é caracterizado pela
semelhança que deve apresentar a uma moradia, pois nele o adolescente terá
liberdade para se expressar individualmente, não deixando, no entanto, de impor
limitações; serão desenvolvidas regras convivência, compromisso comunitário e
respeito às normas sociais; haverá participação em atividades grupais, visando
sua preparação para exercer com responsabilidade o direito à liberdade irrestrita
e serão facilitados, obrigatoriamente, a escolarização e a profissionalização
155
.
2.4.6 Internação
A medida sócio-educativa de internação se divide em quatro
espécies: provisória; em função de doença ou deficiência mental; por
descumprimento de outra medida sócio-educativa aplicada e decorrente de
sentença condenatória. Esta última espécie, que será abordada, é prevista pelo
art. 121 e seguintes do ECA e, diferentemente das demais medidas do rol do art.
112 do Estatuto, houve maior preocupação do legislador ordinário em desvelar
suas nuances e delimitar sua aplicação, certamente devido à sua gravidade e
complexidade.
155
PARANÁ, Secretaria de Estado da Criança e da Juventude. Disponível em:
<http://www.secj.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4#semliberdade>.
70
A supradita Lei menciona que a internação se trata de
medida privativa de liberdade, submetida aos princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em estado de
desenvolvimento.
O princípio da brevidade pode ser traduzido pela
necessidade de que se apraze a medida, isto é, o mínimo é de seis meses (em
alusão à necessidade de reavaliação da situação do menor a cada seis meses,
ante a omissão da lei, e sob pena de violação do princípio da legalidade, caso
aplicada a pena sem fixação mínima
156
) e o máximo de três anos (art. 121, §§ 1º e
, do ECA), ressalvado o caso de descumprimento reiterado e injustificado da
medida imposta (ar. 122, III, do ECA), quando o tempo máximo é fixado em três
meses, restando ao alvedrio do juiz determinar o tempo mínimo trata-se da
hipótese de internação-sanção, a qual, sobreleve-se, não pode ser decretada pelo
“descumprimento de medida socioeducativa decorrente de remissão excludente
do processo, [...] dado que não houve o devido processo legal. O adolescente não
pode renunciar ao seu Direito Fundamental, ou seja, não pode reconhecer a
imputação”
157
.
O segundo, da excepcionalidade, é tangente ao fato de
constituir a medida privativa de liberdade uma medida excepcional, que deve ser
tomada somente quando outra medida não for compatível (art. 122, § , do ECA)
e cumulado ao fato de o ato infracional constituir crime grave, isto é, cometido
com grave ameaça ou violência contra pessoa; de haver reiteração no
cometimento de outras infrações graves ou de ocorrer descumprimento reiterado
e injustificável da medida anteriormente imposta (art. 122, I, II e III, do ECA).
Ressalve-se que ato infracional cometido mediante violência
à pessoa é entendido como sendo estritamente o desenvolvimento de força física
para conter resistência real ou suposta de outrem, que ensejará lesões corporais
ou morte
158
, daí porque ser inadmissível, para muitos autores e tribunais, a
156
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 115.
157
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 167.
158
LIBERATI. Wilson Donizete. Adolescente e Ato Infracional. p. 117.
71
aplicação da internação ao adolescente que comete o crime de tráfico de
entorpecentes. Todavia, entendimento de que, nestes casos, tal medida
gravosa estaria autorizada, quando o adolescente reitera a prática criminosa de
tráfico ou descumpre a medida originária imposta
159
.
O último princípio, da observância ao peculiar estado de
desenvolvimento do adolescente, significa que o ente estatal tem o dever de
resguardar a integridade física e mental do mesmo, em consonância com o
disposto no art. 125 do ECA.
Outrossim, em virtude principalmente do último princípio, se
justifica a conseguinte disposição de que, no máximo, a cada seis meses, deverá
ser reavaliada a manutenção da internação (porque o tempo para o cumprimento
nunca será determinado) sempre por meio de decisão fundamentada, o que
corrobora para o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais,
insurgido quando da Emenda Constitucional nº 45
160
.
Outro aspecto que merece realce é o conteúdo do art. 123
do ECA, que representa um dos determinantes para a ressocialização do
adolescente, tendo em vista que dispõe requisitos (os mais simplistas, talvez)
para as condições do estabelecimento de internação, a saber, separação por
faixa etária, compleição física e gravidade da infração.
A observância de tais determinações, embora
aparentemente simples, na prática, mostra-se excepcional, pois as escassas
instituições, destinadas à internação, na maioria das vezes, assim como ocorre
159
“HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL
ANÁLOGO AO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO, ESTABELECIDA EM RAZÃO DA
REITERAÇÃO NA INFRAÇÃO GRAVE. ART. 122, INCISO II, DO ECA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES DO STJ. 1. O menor que reiteradamente
comete infração grave, equivalente ao tráfico de drogas, incide na hipótese de art. 122, inciso II,
da Lei 8.069/90, não havendo constrangimento ilegal em sua internação. Precedentes do
STJ. 2. Writ denegado”. (BRASIL, STJ. HC/SP 36883, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29 nov. 2004)
160
At. 93, IX, da CF/88: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação”. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988)
72
nas penitenciárias – ora por falta de espaço físico, ora por ausência de boa
vontade (decorrente da falta de fiscalização) , se furtam de realizar tal
seletividade, o que, por si só, e sem mencionar as diversas outras medidas
pedagógicas necessárias (como receber escolarização e profissionalização;
realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; ter acesso aos meios de
comunicação social e receber assistência religiosa, segundo a sua crença, se o
desejar art. 124, XI, XII, XIII, XIV, do ECA), ainda que sejam indagáveis seus
efeitos, compromete em demasia o estado psíquico dos adolescentes em
dispersão na sociedade, a quem se procurava reeducar durante a privação de
liberdade.
No caso de Santa Catarina, uma inspeção realizada por
diversas entidades defensoras dos direitos humanos e da criança e do
adolescente, no dia 15 de março de 2006, no Centro Educacional São Lucas, um
dos principais centros de internamento provisório do Estado (ação que,
simultaneamente, ocorreu em mais 21 Estados e no Distrito Federal), detectou
inúmeras irregularidades.
O relatório
161
expedido denota existirem quarenta vagas,
havendo, contudo, cinqüenta e dois adolescentes instalados individualmente em
alojamentos precários, similares a celas, contendo uma entrada de ar
aclimatizada (sem proteção do frio e da chuva), portas de ferro e falta de
higienização (não existe vaso sanitário e relatos de convívio com insetos e
roedores) – características dissonantes do padrão internacional exigido pela ONU.
Outro dado importante coletado foi o número de profissionais
da saúde integrante da unidade. A equipe, conforme relatado, é visivelmente
insuficiente para atender às demandas, pois conta com uma psicóloga, uma
assistente social, um médico, um dentista, uma agente de saúde, uma enfermeira,
que não trabalham em escalas de plantão.
161
INSPEÇÃO Nacional às unidades de internação de adolescente em conflito com a lei. CD-ROM
Psicologia e Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Conselho Regional de Psicologia
SP.
73
As atividades de lazer restringem-se a jogar cartas e a
assistir TV; o esporte praticado é o futebol, em horários reservados, e a única
atividade profissional existente é a do Projeto Ceja, consistente em aulas de
marcenaria.
As principais queixas dos adolescentes, na área da saúde,
referem-se à falta de ginecologista (no caso de sexo feminino), coceiras e sarnas,
estas em função de colchões velhos, encardidos e sem roupas de cama e, para
encerrar, há, ainda, a declaração da diretora do centro de internação de que
porcentagem maciça dos jovens, cerca de 60% (sessenta por cento) a 70%
(setenta por cento), retornam para a própria unidade. A vultuosidade do índice de
reincidência revela quão ineficiente é a internação nas circunstâncias
denunciadas, que pode ser comparada com qualquer estabelecimento prisional
destinados a adultos.
Diante do exposto, o que se pode concluir é que,
inócua a escolha ponderada da medida sócio-educativa pelo magistrado, bem
como a fixação por este das peculiaridades da implementação, se as entidades
responsáveis pela tarefa mais dificultosa (de contato direito com o adolescente)
não desempenharem corretamente suas funções ou, em razão da omissão
estatal, não disponibilizarem de recursos para tal efetivação o que vivifica a
idéia de crise de implementação do ECA, patrocinada por Emílio Garcia Mendez,
entre outros, há mais de uma década.
2.5 EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
Como reiteradamente afirmado, o ECA necessita de uma
norma processual para que seus anseios sejam integralmente atingidos, pois,
sem esta, a execução das medidas sócio-educativas, além de ficar jungida às
ações desnorteadas (em sua maioria) das entidades responsáveis pelo
cumprimento, concede ao juiz uma ampla faculdade que, dentre os males
menores, gera extrema insegurança jurídica.
74
Afonso Armando Konzen reforça a expectativa pela
promulgação de uma lei executória afirmando que:
No vazio da norma, as respostas pertencem à lei daquele com
mais poder. Ou àquele com opinião mais estruturada. Se muda a
pessoa, o risco é de mudança de opinião. Se muda a opinião,
muda a execução. E nem sempre o interesse principiologicamente
prevalente, o interesse do adolescente, faz parte dos fundamentos
da mudança. por isso, para minimizar o improviso e permitir
um mínimo de estabilidade, um regramento específico poderia
contribuir positivamente. Por isso a necessidade imperiosa,
indispensável, urgente, por demais protelada, uma falta
incompatível com o estado democrático de direito, da norma na
execução das medidas
162
.
Não são recentes as tentativas de criação de uma legislação
específica
163
, porém, dentre os mais promissores projetos, está o que institui o
Sinase (PL 1627/07), que se encontra, atualmente, tramitando em regime de
prioridade, aguardando manifestação da Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado. Tal Projeto regulamenta a execução das medidas
sócio-educativas, com a proposição de criação de um plano individual de
cumprimento destas tanto em meio aberto quanto em situação de privação de
liberdade –, fornecendo requisitos específicos para cada espécie de medida; e
transfere ao Executivo os programas sócio-educativos, atualmente sob
responsabilidade do Judiciário
164
.
162
KONZEN, Afonso Armando. Reflexões sobre a MEDIDA e sua EXECUÇÃO (ou sobre o
nascimento de um modelo de convivência do jurídico e do pedagógico na socioeducação). In:
Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO;
SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 347.
163
“A maior parte dos projetos de lei apresentados no Congresso Nacional sobre crianças e
adolescentes visa diminuir os direitos dessa parcela da população. Análise de 488 proposições
feita por especialistas revela que apenas 82 (16,8%) são favoráveis a esse público. ‘Um número
muito grande de projetos vai contra o que é garantido na lei. Mesmo aqueles que não modificam
diretamente o ECA demonstram que os parlamentares sequer conhecem o que existe na
legislação da infância e adolescência. São propostas sobre questões superadas, que ainda
constavam do antigo Código de Menores’, explica a socióloga Jussara de Goiás, militante do
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que participou da classificação dos PLs.”
AMBP, Projetos a favor da infância são minoria no Congresso. Disponível em:
<http://www.abmp.org.br/noticias.php?n=4>.
164
Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>.
75
Ousa-se apontar, dentre todas as proposições do projeto de
execução, o plano individual de cumprimento das medidas sócio-educativas
165
como a mais relevante inserção legislativa para monitoramento da situação dos
adolescentes e satisfação dos fins galgados pelo ECA, embora muitos autores,
com freqüência, já o tenham mencionado na informalidade.
Retrato disso pode ser constatado através nas lições de
Wilson Donizeti Liberati, que, tempos, asseverara que o Plano Individual de
Atendimento deve ser instaurado em todas as modalidades de medida sócio-
educativa, bem como deve consistir na elaboração de um plano de propostas
pedagógicas e terapêuticas ao adolescente infrator, realizada por um profissional.
Para o mesmo, tal plano deve, ainda, necessariamente, conter descrição
minuciosa das etapas da medida determinada; ser discutido com o infrator, seus
pais ou responsáveis, freqüentemente; ser finalizado em sete dias, em caso de
medida em meio aberto e, em quinze dias, quando a medida for privativa de
liberdade e conter objetivos sócio-pedagógicos, diagnósticos de demandas de
atendimento e proposta de inserção social
166
.
O Plano, estreme de dúvidas, é o instrumento de maior
importância da execução da medida sócio-educativa, tendo em vista que tem por
finalidade expor as experiências profissionais vivenciadas pelo adolescente, seu
grau de escolaridade, as atividades esportivas e de lazer desenvolvidas, seu
estado físico e psíquico, sua relação com familiares e com a sociedade (grupos
de amigos, instituições) e aspectos jurídicos de sua vida (existência de processos)
todos parâmetros a serem atentados pelo juiz para a substituição da medida
inicialmente imposta ou, amesmo, para a regressão ou progressão de regime,
estas duas como forma de assegurar o princípio constitucional da individualização
da pena (art. , XLVI, da CF/88) e a ressocialização do adolescente, por meio de
165
O Projeto de Lei 1627/07 reservou um capítulo específico para a abordagem do Plano
Individual (IV), o qual, em seu art. 23, dispõe que: “O cumprimento das medidas
socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
semiliberdade ou internação, dependerá de plano individual, instrumento de previsão, registro e
gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente”. Câmara dos Deputados.
Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/483743.pdf>.
166
LIBERATI, Wilson Donizeti. Execução de medida socioeducativa em meio aberto: Prestação de
Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida. In Justiça Adolescente e Ato Infracional. p. 384.
76
passagem gradativa em ambientes que visam a educação e a prevenção em
relação ao ato ilícito cometido.
Afora tais aspectos externos, importante deslocar atenção à
interiorização do adolescente, enquanto sujeito de direito, no processo de
execução da ação estatal, manifestada em resposta ao seu ato reprovado. Neste
caso, cominatoriamente às medidas de aliança entre comunidade, família e entes
públicos, deve-se diligenciar em prol da autonomia do sujeito, fulminando a
normatização e conclamando como pedagogia (sincreticamente) a rejeição do
padrão pedagógico em nome da democracia e do diálogo formas de intensificar
a Lei-do-Pai e, ao mesmo tempo, de preservar a constituição do sujeito,
reservando uma margem de indeterminação
167
.
167
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 234-235.
CAPÍTULO 3
A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O DIREITO PENAL JUVENIL E
O ECA: PARADIGMAS E PARADOXOS
3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E GARANTIAS PROCESSUAIS NO
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Além de consignar expressamente diversos direitos e
garantias insculpidos na Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao atribuir ao adolescente conflitante com a lei a condição de sujeito
de direitos (art. 15), conferiu-lhe, instantaneamente, toda a gama de preceitos
observados no art. 5º daquela, possibilitando-lhe o gozo de todos os direitos
compatíveis com sua peculiar situação de desenvolvimento.
Destacam-se, dentre eles, os princípios do devido processo
legal, da excepcionalidade da restrição de liberdade, da presunção do estado de
inocência, do contraditório, da ampla defesa, da reserva legal, da culpabilidade,
da individualização da medida sócio-educativa e os direitos de ter conhecimento
pleno da imputação de ato infracional, de possuir defensor, de solicitar a presença
dos pais ou responsáveis, de os atos referentes ao inquérito ou ao procedimento
de apuração de ato infracional tramitarem em segredo de justiça e de desfrutar de
celeridade processual.
3.1.1 Princípio do devido processo legal
Previsto, simultaneamente, no art. 110 do ECA e no art. ,
LIV, da CF/88, o princípio do devido processo legal invoca a estrita observância
do procedimento especial da Lei 8.069/90, incluindo aos princípios desta, um
resgate garantista de direitos, devido à aplicação subsidiária do Diploma de
Processo Penal, mencionado no art. 152 do ECA, in verbis: “Aos procedimentos
78
regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na
legislação processual pertinente
168
.
As repercussões deste preceito constitucional são
imprescindíveis para um deslinde processual digno e abrangem diversos outros
princípios que, isoladamente, não poderiam ser mencionados.
Preambularmente, o adolescente, em hipótese alguma,
poderá ser privado de sua liberdade sem que esteja em situação de flagrância ou
mediante ordem judicial escrita e motivada (art. 106, ECA; art. , LXI, CF/88; art.
302, CPP). A seguir, em caso de prisão, deverão ser-lhes informados seus
direitos (art. 106, § único, ECA) inclusive o de permanecer em silêncio (art. ,
LXII, CF/88) e de estar acompanhado pelos pais ou responsáveis
169
(art. 111, VI,
ECA; art. , LXII, CF/88) –, bem como deverá ser realizada, imediatamente,
comunicação à autoridade competente (art. 107, ECA).
Feito isso, somente em situações excepcionais e com
decisão fundamentada (exigida devido ao princípio da presunção do estado de
inocência – art. 5º, LXII, CF/88), poderá ser decretada a internação do infrator; em
caso de ausência de materialidade e de indícios de autoria e em não sendo
vislumbradas as hipóteses de internação (como, por exemplo, maior gravidade do
crime), o odolescente será liberado com a vinda dos pais ou responsáveis, sob
termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante
do Ministério Público, ocasião em que este averiguará o cabimento da remissão
(arts. 107, § único, e 174, ECA; art. 227, § 3º, V, CF/88).
Em não sendo caso de remissão, ou se esta não for aceita,
o procedimento de apuração de ato infracional contará, mais enfaticamente, com
168
BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>.
169
“Se a todos os cidadãos está assegurado o direito de avistar-se com familiar em caso de
imputação de ato criminoso [...], no caso do adolescente a quem se atribua a autoria de ato
infracional esta garantia se faz ampliada pelo caráter de apoio efetivo e necessário a ser
alcançado ao jovem, em qualquer fase do procedimento, tanto que para a audiência de
apresentação em juízo (art. 186) a cientificação dos pais ou responsáveis faz-se imperativa”.
(SARAIVA, João Batista Costa. As garantias processuais e o adolescente a que se atribua a
prática de ato infracional. In Justiça Adolescente e Ato Infracional. p. 194)
79
a presença dos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. , LV, CF/88),
que garantem: a) a citação como meio de informação ao infrator da acusação
sobre a pretensa prática delitiva, sob pena de nulidade insanável, devendo a
representação possuir todos os requisitos da denúncia, de acordo com o art. 41
170
do CPP, para que o réu e seu defensor possam, com eficácia, prover pela defesa
deste (art. 111, I, ECA); b) o direito de ser assistido por defensor em todas as
fases pré e pós-processuais, diante da lição dos arts. 133 da CF/88 e 207 do
ECA, suscitando a inconstitucionalidade do art. 186, § , do ECA, que restringe a
presença do advogado aos casos de cometimento de atos infracionais graves; c)
o direito à produção de prova testemunhal, bem como o de ser pessoalmente
ouvido (meio de prova e de defesa), a fim de promover paridade de armas entre
acusação e defesa (art. 111, II e V, ECA); d) o direito ao juiz natural, pois somente
a autoridade competente poderá se manifestar nos processos em que figuram
adolescentes infratores, devendo, previamente à realização do ato, haver
individualização do órgão investido de poder jurisdicional que decidirá a causa
(vedação aos tribunais de exceção) e garantia de justiça material, isto é,
independência e imparcialidade dos juízes (art. , XXXVII, CF/88) e o direito de
interpor recursos, quando houver insatisfação no resultado da prestação
jurisdicional (princípio do duplo grau de jurisdição – art. 5º, LV, CF/88).
Veja-se que, embora o art. 111 do ECA enumere um
inexpressivo número de garantias processuais, tal referência não é numerus
clausus, podendo, por isso, ser acrescentadas outras que sejam convenientes,
desde que não discrepem dos fundamentos da criação da Lei Especial, entre os
quais ganha realce o estado peculiar de desenvolvimento.
3.1.2 Princípio da Legalidade (ou da Reserva Legal) e Princípio da
Culpabilidade
O princípio da legalidade estreita a possibilidade de
aplicação de medida cio-educativa apenas aos casos explicitados por lei que
170
Art. 41: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo,
a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (BRASIL. Decreto-Lei
3.689 de 3 de outubro de 1941. digo de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>)
80
constituam crime ou contravenção penal (comprovada a ilicitude, antijuridicidade e
culpabilidade), e está explícito tanto na Constituição Federal (art. , XXXIX),
quanto no ECA (art. 103).
Em razão de ter, a priori, sido conceituado, resta trazer à
colação conseqüências da adesão deste princípio na legislação juvenil, que
remetem, aliás, a um princípio acessório e à Doutrina do Direito Penal Juvenil.
Considerando que a condenação não atinge o maior,
imputável à luz do Código Penal, em caso de incidência de excludentes de
antijuridicidade (estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento do
dever legal ou exercício regular do direito) e de dirimentes de culpabilidade
(inimputabilidade, ausência de potencial consciência da ilicitude e inexigibilidade
de conduta diversa), não cabe, igualmente, dar azo ao édito condenatório em
sede de aplicação de medida sócio-educativa.
A medida se justifica em razão do princípio da culpabilidade,
nada obstante muitos alegarem que o adolescente infrator, em virtude de ser
inimputável, não possui culpabilidade. Tal assertiva é extremamente pífia e se
restringe à mera análise de um único aspecto do princípio em comento, quando,
no entanto, a culpabilidade deveria ser compreendida como a exigência de que a
pena (e, por que não, a medida cio-educativa) não seja infligida, senão quando
a conduta do sujeito explicite reprovabilidade
171
.
Nesta mesma linha, se manifesta João Batista Costa
Saraiva, para quem “o garantismo penal impregna a normativa relativa ao
adolescente infrator como forma de proteção deste à ação do Estado. A ação do
Estado, autorizando-o a sancionar o adolescente e infligir-lhe uma medida
socioeducativa, fica condicionada à apuração, dentro do devido processo legal,
que este agir típico se faz antijurídico e reprovável – daí culpável”
172
.
171
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.
103.
172
SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil. p. 32.
81
Acontece, porém, que a imputabilidade, para muitos, está
atrelada à capacidade de culpabilidade e, por esta razão, esta sequer é analisada,
quando da prática de ato infracional. Atualmente, no entanto, o que não se quer
admitir é que a justificativa de o adolescente infrator ser inimputável às agruras do
Código Penal, gozando de sistema diferenciado de responsabilização, não
corresponde à mera ausência de discernimento, mas a uma questão de política
criminal.
Se considerada a culpabilidade, na análise do ato ilícito e
antijurídico, cometido pelo adolescente, assim como ocorre com um adulto,
bastaria analisar suas condições pessoais e, neste caso, ainda, a sua idade
esta porque, em que pese a prejudicada compreensão que eventualmente possa
ter da ilicitude, o jovem é capaz de reconhecer, quando sua atitude se revela
adversa às regras de boa convivência com a sociedade. Ademais, reconhecida a
culpabilidade, obrigatória se tornaria a fundamentação mais aprofundada para a
aplicação de qualquer medida sócio-educativa e isto, por óbvio, aniquilaria
arbitrariedades judiciais e arredaria internações desnecessárias, surgindo como
resposta ao Direito Penal Juvenil Mínimo.
Mais impetuosa, de outra sorte, é a proposta de Juan J.
Bustos Ramírez e Hérnan Hormazábal Malarée, segundo os quais, não há que se
falar em imputáveis ou inimputáveis, senão em mensurar o que pode ser exigível
a determinados grupos de indivíduos, observadas suas condições e tendo como
fundamento de agir a tolerância em repúdio à discriminação, sendo esta,
proveniente do desrespeito às diferenças, que parte da dicotomia entre pessoas
aceitáveis ou não, do ponto de vista de sua dignidade e autonomia ética
173
.
Partindo de tal premissa, os autores concluem o
pensamento, asseverando que “toda persona tiene un ámbito de responsabilidad,
esto es, que se le pueden exigir respuestas determinadas”
174
. E, no trecho que se
referem aos adolescentes, encerram afirmando que “también sería posible,
173
BUSTOS RAMÍREZ, Juan J.; MALARÉE, Hérnan Hormazábal. Nuevo Sistema de Derecho
Penal. Madrid: Trotta, 2004. p. 127-128.
174
BUSTOS RAMÍREZ, Juan J.; MALARÉE, Hérnan Hormazábal. Nuevo Sistema de Derecho
Penal. p. 128.
82
teniendo en cuenta el marco de las necesidades de su desarrollo y por
conseguiente del principio del interés superior de éste, consagrado en la
Convención de los Derechos del Niño, establecer una responsabilidad de carácter
penal dentro de determinadas edades”
175
.
A conjectura apresentada pelos autores tem significantes
relevantes e, portanto, acatáveis. Aliás, podemos afirmar que tal idéia de
responsabilização, implicitamente, se encontra inserida, se considerarmos que
a medida de segurança representa a resposta estatal àqueles cuja coerência de
conduta é inexigível, o que difere dos adolescentes, apesar de também
qualificados de inimputáveis, conforme o Código Penal. A órbita do problema se
prorroga, desta maneira, na simples ausência de reconhecimento de que a todos,
salvo os inimputáveis, mencionados nos artigos 26 e 27 do Diploma Repressivo, o
Estado imputa responsabilidades, alternando, contudo, sua forma de atuação,
cuja referência congrega nas condições do sujeito.
3.1.3 Princípio da Individualização da Medida Sócio-educativa
Levando em consideração que não existe nenhuma relação
de correspondência entre os atos infracionais e as medidas sócio-educativas
constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente, tal qual ocorre na legislação
penal, é ainda mais premente do que nesta, a individualização da medida a ser
aplicada, em observância ao disposto no art. 5º, XLVI, da CF e, embora
implicitamente, nos artigos 112, §1º; 99; 100 e 113.
Logo, deverá o juiz, quando da aplicação da medida sócio-
educativa, observar nuances específicas, norteadas na situação peculiar dos
adolescentes e que não se fazem presentes nos parâmetros de expiação de pena
aos adultos, tais como: a) a possibilidade de cumprimento da medida (art. 112, §
, primeira parte, da Lei 8.069/90), o que significa dizer que o adolescente deve
demonstrar, através de análise de sua personalidade, que possui preparo
emocional para o desempenho da atividade escolhida, a qual, gize-se, não poderá
ocasionar ônus ao mesmo; b) as circunstâncias em que foi cometida a infração
175
BUSTOS RAMÍREZ, Juan J.; MALARÉE, Hérnan Hormazábal. Nuevo Sistema de Derecho
Penal. p. 128.
83
(art. 112, § , segunda parte, da Lei 8.069/90), o que sugere atenção especial
aos fatores que ensejaram no adolescente o ímpeto criminoso, os quais podem
subsidiar sobremaneira na escolha da medida adequada; c) a gravidade da
infração (art. 112, § , terceira parte, da Lei 8.069/90), que é, aliás, determinante
na aplicação da medida sócio-educativa mais severa (internação), exprimindo
critérios de razoabilidade em tal determinação; d) necessidades pedagógicas
específicas (arts. 100, primeira parte, da Lei 8.069/90 e 113), que consistem em
diagnosticar os problemas que atormentam o menor e, partindo disto, determinar
a solução propícia ao caso; e d) imposição preferencial de medidas a serem
cumpridas em meio aberto, com o intento de favorecer o contato com a família e
sociedade (arts. 100, segunda parte; 113; 121, caput e 122, § , todos da Lei
8.069/90 e 227, § , V, da CF/88) , o que instiga, em razão do princípio da
excepcionalidade da medida privativa de liberdade, a facilitação da reeducação do
adolescente, ao não ser retirado do meio em que vive.
3.1.4 Direito à tramitação do procedimento de apuração de ato infracional
em segredo de justiça e preservação da imagem e de valores alusivos à
criança e ao adolescente
O art. 143 do ECA deixa expressa a vedação à divulgação
de quaisquer atos processuais referentes à prática de atos infracionais e coaduna
perfeitamente com o art. 17 do mesmo diploma, que preceitua a preservação da
imagem, da identidade, de valores e de qualquer coisa a que possa ser feita
alusão à criança ou ao adolescente
176
.
O sigilo é proveniente da adoção da Doutrina da Proteção
Integral e da regra . 08 das Regras de Beijing
177
, que trata da proteção da
intimidade das crianças e adolescentes, autores de ato infracional.
176
Para Frederico Palomba, a proibição de publicação e de divulgação de notícias idôneas que
identifiquem o menor tem como objetivo preservar a percepção social positiva do infrator, pois,
evitando que se tome conhecimento de quem foi o autor da delito, será facilitado seu processo
educativo. (PALOMBA, Frederico. Il sistema del nuovo processo penale minorile. Milano: Giuffrè,
1991. p. 105)
177
Regra nº. 08: Proteção à intimidade:
8.1. Para evitar que a publicidade indevida ou o processo de difamação prejudiquem os jovens,
respeitar-se-á, em todas as etapas, seu direito à intimidade.
84
Tal tratativa se fundamenta, mais uma vez, no relativizado
discernimento que possui o sujeito destinatário do ECA, pois todas as cautelas
possíveis devem ser tomadas para prezar por sua inviolabilidade física e moral,
haja vista que o desprezo daquela situação pode ensejar, devido à
vulnerabilidade comumente observada, conseqüências graves na formação da
personalidade tanto do infante, quanto do jovem, sem contar os prejuízos
advindos na reintegração social.
Com efeito, conforme aduz María Teresa Martín López, se a
simples presença do adolescente perante o órgão jurisdicional conduz a uma
experiência indigesta, muito mais traumática seria a exposição daquele a toda
sociedade no contexto de prática infracional, aporque a finalidade precípua do
procedimento, a readaptação, estaria em risco
178
.
Não por menos que, a fim de coibir tal divulgação indevida, o
ECA prevê multa de três a vinte salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso
de reincidência, aos que divulgarem, “total ou parcialmente, sem autorização
devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de
procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a
que se atribua ato infracional” (art. 247).
Tratamento mais gravoso, contudo, foi endereçado ao órgão
da imprensa ou emissora de rádio ou de televisão, praticantes de atos defesos
pelo ECA, os quais, conforme o § do dispositivo mencionado, além do ônus do
caput, poderão ser submetidos à apreensão da publicação ou à suspensão da
programação, a por dois dias, bem como da publicação do periódico até por
dois números.
Esta última previsão, todavia, por não demonstrar
harmonização com o disposto no art. 220, parágrafo único, da CF/88, que
8.2. Em princípio, não se publicará nenhuma informação que possa dar lugar à identificação de um
jovem infrator.
178
LÓPEZ, María Teresa Martín. Criminalidad, medios de comunicación y protección de menores.
In: SANTOS, Marino Barbero; DÍAZ-SANTOS, Maria Rosario Diego. (Coord). Criminalidad,
medios de comunicación y proceso penal. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca,
2000. p. 164.
85
consagra que a lei não pode criar embaraço à plena liberdade de informação, foi
declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso
179
, em sede de julgamento de
Ação Direita de Inconstitucionalidade, pois o princípio da plena liberdade de
expressão somente poderá ser atenuado, em situações que não comportem outra
medida senão sua supressão, o que não se revela na circunstância do dispositivo
do ECA impugnado.
Analogamente, o art. 257 da Lei 8.069/90 não coaduna com
a garantia à livre iniciativa privada, princípio da ordem econômica do País, que
impõe àquele que publica material inapropriado a crianças e adolescentes, sem
embalagem lacrada e com advertência de conteúdo (art. 78 do ECA), além de
multa de três a vinte salários mínimos (não afastada a duplicação em caso de
reincidência), a apreensão da revista ou publicação.
Em situação similar, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
proferiu o seguinte enunciado:
Ação Civil Pública. Preceito Cominatório. Obrigação de fazer.
Publicação jornalística. Arts. 78 e 257 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Ação civil pública, com preceito cominatório de
obrigação de fazer. Deferimento de liminar, com fixação de multa
diária, equivalente a uma Uferj, por cada exemplar publicado sem
a vedação determinada, o que afinal restou ratificado e mantido
com a prolação da sentença. Se as notícias, dizeres e fotografias
estampadas na primeira página do jornal editado pela ré são
inadequadas e prejudiciais à formação e desenvolvimento moral
dos menores de dezoito anos, devem ser comercializados na
forma prevista no art. 78 do ECA. Exigência que não importa em
cerceamento à liberdade de imprensa e nem de livre exercício de
atividade econômica. Pena de multa aplicada e que deve no seu
quantitativo adequar-se aos limites previstos no art. 257 do ECA,
179
O Supremo Tribunal Federal assim se manifestou no julgamento da ADI 869.2, de 04.08.1999,
cujo relator foi o Ministro Ilmar Galvão: “Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por
unanimidade, julgou procedente a ação direta e declarou a inconstitucionalidade, no § do art.
247, da Lei 8.069, de 13/07/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), da expressão ou a
suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como de publicação do
periódico até por dois números”.
86
passando a ser devida desde quando houve o descumprimento da
obrigação. Apelo provido em parte
180
.
Logo se vê que inatacável é a eficácia dos instrumentos
previstos pelo ECA para a tutela do infante e do jovem no que tange à
preservação de sua identidade e de valores lhes remetidos, porém, grife-se, não
impera a hierarquia entre os princípios constitucionais, devendo ser
administrados, quando da definição de qual se sobreporá, parâmetros de
razoabilidade e proporcionalidade que somente o caso concreto
181
apontará.
3.1.5 Princípio da celeridade processual
Ainda que a celeridade processual consista em direito
público subjetivo a todos os indivíduos, com afirmação na Emenda Constitucional
45 de 2004, maior intensidade ganha tal prerrogativa com a expressão
“prioridade absoluta”, mencionada no art. 4º do ECA e no art. 227 da Constituição
Federal de 1988, no que tange à atenção que deve ser empregada, quando estão
envolvidos crianças e adolescentes.
A brevidade exigida pode ser observada através dos prazos
curtos, estipulados pelo ECA de internação provisória, designação de audiência,
apresentação do apreendido à Autoridade Competente, reavaliação da medida
sócio-educativa imposta etc., bem como pelas punições às inobservâncias de tais
prazos, retratatas, por exemplo, no art. 235, o qual prevê pena de detenção de
seis meses a dois anos.
Inovadoramente, Paulo Afonso Garrido de Paula denominou
tal prerrogativa como “tutela jurisdicional de urgência”, esclarecendo a importância
da realização hábil do processamento judicial do adolescente:
180
RIO DE JANEIRO, Conselho da Magistratura. Processo nº. 580/92. Rel. Des. Darcy Lizardo de
Lima, j. 29 jan. 1993.
181
“Estatuto da Criança e do Adolescente Agente que noticia prática de crimes por menor
Anotação do apelido e das iniciais do nome do adolescente Violação do art. 247 do ECA
Inocorrência Inocorre violação do art. 247 do ECA se o agente noticiar a prática de crimes por
um menor, não menciona o nome do adolescente, limitando-se a anotar as iniciais
correspondentes a esse nome, além do apelido, de tal sorte que não há como identificar o
infrator” (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. HC 244.572, Rel. Des. Carlos Bueno, j. 22 jun.
1993).
87
Aplicar a lei sob o pálio da garantia da prioridade importa
tempestividade, de modo que a tutela jurisdicional sirva, no tempo,
como alicerce do desenvolvimento saudável e como garantia da
integridade [...] A urgência reside no fato de que a criança e o
adolescente têm pressa na efetivação de seus direitos. A tutela
intempestiva importa desconsiderar a condição peculiar de
pessoas em processo de desenvolvimento, levando, quando da
proteção fora do tempo próprio, à inocuidade ou redução de sua
ineficácia
182
.
Consigne-se, por fim, que, embora seja necessário o
provimento célere da tutela jurisdicional nos casos de ato infracional, tal fato, de
forma alguma, poderá ser expediente para a prática da injustiça rápida,
caracterizada pela supressão de garantias e pela reduzida dilação probatória
183
.
Neste pensar, também imperativa é a menção a Aury Lopes
Júnior, para quem “o processo no prazo razoável o é o processo em sua
celeridade máxima. Para se respeitar o direito ao processo no prazo razoável, a
busca de celeridade não pode violar outras garantias processuais como a ampla
defesa e o direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício
adequado”
184
.
Assim, é admissível que o processo num prazo razoável
tenha duração (que deverá variar a cada caso particular), porém esta não poderá
ocasionar prorrogação indevida e exagerada que enseje prejuízos ao
adolescente.
3.1.6 Princípio da prioridade absoluta
Trata-se de princípio duplamente insculpido no
ordenamento, que está estabelecido no art. 227 da Constituição Federal e no art.
do ECA.
182
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional
diferenciada. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. p. 161.
183
SARAIVA, João Batista Costa. As garantias processuais e o adolescente a que se atribua a
prática de ato infracional. In Justiça Adolescente e Ato Infracional. p. 200.
88
Preconiza a primazia em favor das crianças e dos
adolescentes, seja na esfera judicial, extrajudicial, familiar, social ou
administrativa, inafastável e inderrogável, tendo em vista a imposição pelo
constituinte originário.
Wilson Donizete Liberati, especialista na área dos direitos da
criança, esclare que
Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o
adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de
preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro,
devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e
adolescentes [...] Por absoluta prioridade entende-se que, na área
administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos
de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes,
dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir
praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida,
a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que
as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do
governante
185
.
A previsão deste princípio, que, num passar de olhos, pode
aparentar desconcerto e irrazoabilidade, nada mais é do que a expressão de um
lema nacional, décadas difundido: “o país do futuro”. E este, por sua vez,
condiciona seu progresso ao sadio desenvolvimento físico e mental das crianças.
Há, ainda, duas outras razões para a adoção do princípio. A
primeira se relaciona à tentativa de ver assegurada a proteção integral, que
compreende os direitos fundamentais do art. 227, caput, da CF/88 e do art. do
ECA. A segunda sopesa o estado psíquico em desenvolvimento dos tutelados
pela lei, considerando que se encontram em desvantagem com os demais
indivíduos, em virtude da prejudicialidade no discernimento das coisas.
184
BADARÓ, Gustavo Henrique; LOPES, Aury Jr. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 44.
185
LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. p. 04-05.
89
A imposição da lei é de que todos desempenhem seu papel
com eficiência. A família com o dever de apoio psicológico, de formação moral, de
facilitação e provimento do exercício de direitos e de priorização do menor em sua
esfera de ação (o que significa renunciar coisas que a auto-beneficiariam em prol
da criança e do adolescente que de algo essencial necessitarem). A sociedade,
com a obrigação de reivindicar medidas dos entes públicos e de tomar
providências, se próxima à criança e ao adolescente, observar comportamento
incongruente com o bem-estar da comunidade e situações de risco. Ao poder
público, por sua vez, que abrange o judiciário, o legislativo e o executivo, compete
despender atenção prioritária aos assuntos relacionados à infância e à juventude
e ter como escopo a garantia da gama de direitos que, na teoria, é assegurada.
Não se olvide, pois, que parcela significativa do Poder
Judiciário vem desempenhando seu papel garantidor com destreza no que
concerne à tutela infanto-juvenil, prolatando decisões incisivas a fim acautelar a
subserviência do Poder Executivo aos ditames da Constituição Federal,
compelindo-o a utilizar verba pública em programas de atendimento, fiscalização
do cumprimento de medidas sócio-educativas e ações preventivas. No que se
refere ao Poder Legislativo, constata-se, notadamente nos últimos meses, que
vem sendo movido, basicamente, pela catarse social, promovida pelo terrorismo
midiático, à medida que propõe projetos de leis de ocasião
186
, movidos pelo
pânico
187
e por casos tópicos, que consistem em mera procrastinação de um mal
186
LEAL, João José. Crimes Hediondos e Leis de Ocasião: Uma Análise Crítica da Lei 8.072/90.
III Semana de Estudos Jurídicos do Curso de Direito da UNC. Proferiu palestra em 20 ago. 2004.
187
Sobre as leis de pânico, extrai-se da Carta do Movimento AntiTerror: “[...] o Movimento não é
uma reação limitada a essas propostas pontuais, embora elas, por si sós, o justificassem. Ele
surgiu e se expande em proporção geométrica, face à ausência de uma política pública
adequada ao controle da violência e da criminalidade e pelo fenômeno da legislação de
conjuntura que procura suprir a omissão dos governos quanto aos programas de prevenção e
controle dos fatos anti-sociais. [...] Alguns parlamentares, reagindo emocionalmente a tragédias
recentes, que lamentavelmente ceifaram a vida de juízes, estimulam e direcionam o cenário do
medo com a pretensão de aumentar o rol dos crimes hediondos quando a vítima for magistrado,
membro do Ministério Público ou Delegado de Polícia. E, traindo o juramento de cumprir a
Constituição, estimulam os cidadãos a reivindicar a aplicação das penas de morte e de prisão
perpétua, provocando um debate estéril frente à natureza pétrea das cláusulas que proíbem tais
penas cruéis. [...] A população brasileira o pode mais ser enganada com medidas paliativas e
mentiras legislativas que, além de ofenderem o espírito da Constituição, retardem ainda mais as
reformas sérias e indispensáveis. De tudo quanto já foi dito e o mais que será objeto de
reflexões do presente e do futuro, pode-se concluir afirmando que: O Estado não cumpre as leis
criminais que promulga; O Estado não oferece um sistema carcerário minimamente eficiente
para manter, tratar e recuperar o preso; O Estado não tem política criminal, educacional, de
90
maior a ser colhido. Expressão disto pode ser exemplificada através do Projeto de
Lei 938/2007
188
, proposto pelo deputado Márcio França do PSB/SP, que propõe a
obrigatoriedade de consideração dos antecedentes infracionais do adolescente,
quando da fixação da pena-base, disciplinada no art. 59 do Código Penal, em
crime cometido posteriormente à maioridade penal.
Mas o assunto em evidência na atualidade, no entanto, é a
redução da maioridade penal para dezesseis anos ou menos, cujo projeto de lei
aguarda novo fato instigante de clamor social para que seja aprovado
definitivamente, vez que teve sua votação na Câmara dos Deputados,
encerrada de forma positiva.
Dentre os principais argumentos, que fulminam tal
modificação, podem ser citados dois incontroversos: o fato de que a colocação de
adolescentes nos presídios (na forma como hoje se encontram) promoveria sua
integração com organizações criminosas, o que é plausível, ao considerar-se que
o Comando Vermelho (RJ) e o PCC (SP) surgiram dentro dos próprios
estabelecimentos prisionais e de que os dados da Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo, por exemplo, um dos Estados com maiores índices de
delinqüência juvenil, demonstram que, de janeiro a outubro de 2003, os
saúde pública ou de assistência aos excluídos; O Estado permite que os seus agentes integrem
o crime organizado ou por ele sejam corrompidos; O Estado é negligente ao desconsiderar a
realidade nacional e os dados científicos e estatísticas das ciências penais e sociais para
elaborar uma competente Política Criminal e Penitenciária de médio e longo prazo; O Estado,
em nenhuma de suas instâncias (Legislativa, Executiva ou Judiciária), pode tributar ainda mais o
cidadão para confiscar-lhe, agora, não mais os valores pecuniários, porém os mais elementares
direitos para uma vida digna de ser vivida. O Movimento Antiterror não defende a impunidade ou
a lassidão legal; não protege e nem representa uma determinada classe ou grupo social ou
econômico; não tem interesses eleitoreiros e não está ao serviço de objetivos que comprometam
o conceito das pessoas físicas e jurídicas que o representam. O Movimento Antiterror pretende,
com a sensibilidade e a consciência de cidadãos que muitos anos se dedicam ao estudo dos
problemas da violência e da criminalidade e também com o entusiasmo e o coração dos
estudantes que sempre advogam a causa da dignidade do ser humano, proporcionar ao país e à
nação um material de reflexão para a adoção de novos caminhos em favor da segurança
popular e da eficiência na administração da justiça”. (Disponível em:
<http://www.movimentoantiterror.com.br/>)
188
Tal projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, no dia 21/05/2008, foi remetido para
votação no Senado Federal. (Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>)
91
adolescentes participaram de apenas 1% dos homicídios dolosos, 1,5% do total
dos roubos e 2,6% dos latrocínios
189
.
O que se denota, desta forma, é que os casos graves de
violência, desencadeada por adolescentes, o escassos, porém ganham
proporções estratosféricas quando patrocinados pelo estardalhaço da “crônica
judiciária”
190
, que, na maioria das vezes, entorpece
191
o senso comum e promove,
como conseqüente, a afoiteza legislativa. A verdade é que, não raras vezes, as
notícias veiculadas pela mídia saem distorcidas, incompletas e nada
esclarecedoras
192
, motivo pelo qual podem ser consideradas “armas de dois
gumes: benéfica, quando vela a expressão da verdade e maléfica, quando ainda
189
GOMES, Luís Flávio. Reflexões sobre a maioridade penal. Carta Forense. 60. ed. São Paulo, p.
44, mai. 2008.
190
A crônica judiciária diferencia-se da crônica em geral pela particularidade de seu objeto, ou
seja, não concerne a fenômenos sociais, políticos ou culturais, mas é específica a fatos
relacionados com atos judiciais. Através dela, a população toma conhecimento da criminalidade,
valora as causas desta, controla a reação do poder estatal contra transgressores da norma e,
principalmente, toma conhecimento das leis. Aliás, esta é uma das razões pelas quais, segundo
Alberto Binder, a crônica judiciária colabora com a prevenção da criminalidade, que é
impensável se fosse restrita à edição do Código Penal. (VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo
Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 104-105)
191
Os profissionais da imprensa, além de carecem de noções elementares sobre a Justiça,
compilando em um único vocábulo (Justiça) as funções da polícia, do Ministério Público e do
Poder Judiciário, inserem entre o processo judicial e a população sua lente de cronista, expondo
sua visão sobre os fatos transmitidos, sua reinterpretação e seu julgamento. Por fim, em razão
de desrespeitarem os limites da publicidade, dando novas significações do que presenciaram,
leram ou ouviram, ao revés de informar, deformam os atos procedimentais. Ora, não é incomum
a imprensa noticiar prisão cautelar ou temporária com ânimo de provimento jurisdicional
definitivo e, em desaparecendo os pressupostos para tal modalidade de prisão, resultando na
concessão de liberdade, ocorrer retaliação pela opinião pública, seguida pela descrença na
atuação da Justiça. E daí surgirem clichês, tais como, “a polícia prende a Justiça solta”, “o crime
compensa”, “só pobre vai pra cadeia”, entre outros tantos. (VIEIRA, Ana Lúcia Menezes.
Processo Penal e Mídia. p. 108-109)
192
Exemplo de deturpação de notícia via publicidade é a seguinte matéria publicada pelo Jornal O
Estado de São Paulo, em 1982, que leva o leitor leigo à conclusão de que a substância
entorpecente denominada lança-perfume (composta pelo cloreto de etila) tem venda livre,
quando, no entanto, desde 1974, existia vedação para o comércio do cloreto de etila (Lista I
da Portaria 26, de 26.07.1974) e, em 1966, a Lei 5.062 já proibia a fabricação e o uso desta
droga: “‘Lança-perfume pode ser considerado entorpecente. Lança-perfume dará cadeia no
próximo carnaval...’ (O Estado de S.Paulo, 8 dez. 1982, p. 15); ‘Para Saúde lança-perfume é
entorpecente. A Secretaria da Saúde é favorável à inclusão do lança-perfume na lista dos
entorpecentes...’ (O Estado de S. Paulo, 15 dez. 1982, p. 15)”. (GOMES, Geraldo. Tóxicos. A
comunicação de massa. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. São Paulo, v. 86, p. 30, jan.-fev. 1984)
92
que sutilmente se preste a meio de propaganda daquilo que não serve ou que
seja nocivo à sociedade”
193
.
Há, ainda, embora não assente, um terceiro empecilho para
a minoração da idade penal: a inconstitucionalidade vislumbrada a partir da
disposição do art. 228
194
da CF/88. Enquanto que para Jayme Weingarther Neto,
a mudança não resulta inconstitucionalidade, porque a norma expressa no artigo
mencionado teria conteúdo infraconstitucional, tendo sido adotada segundo a
experiência da legislação comparada
195
, para Luiz Flávio Gomes
196
, a
inconstitucionalidade se fulcraria pela vedação de qualquer emenda constitucional
supressora de direito ou garantia individual (art. 60, § 4º, da CF/88
197
).
Conquanto se adote a segunda das posições, as duas
justificativas precedentes, aliadas ao escopo de reeducação do adolescente
infrator disseminado pelo ECA, já são mais do que suficientes para repudiar
decisão pouco refletida, embasada em causas superficiais, que, por não se
atentar ao efetivo foco do problema (crise de implementação e interpretação),
somente agravará o cenário de crimes cometidos por adolescentes.
3.1.7 Princípio do melhor interesse do adolescente
O princípio do melhor interesse é originário do direito anglo-
saxônico, do instituto denominado parens patrie, através do qual o Estado
realizava a proteção dos menores e dos loucos. Tal instituto teria sido cindido no
século XVIII e, em 1836, o princípio foi oficializado pelo ordenamento jurídico
inglês.
193
GOMES, Geraldo. Tóxicos. A comunicação de massa. Revista de Jurisprudência do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. p. 82.
194
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial”.
195
WEINGARTHER NETO, Jayme. Maioridade penal aos 16 anos, podemos discutir? Carta
Forense. 60. ed. São Paulo, p. 45, mai. 2008.
196
GOMES, Luís Flávio. Reflexões sobre a maioridade penal. Carta Forense. p. 44.
197
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV os direitos e
garantias individuais”. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988)
93
A seguir, foi previsto pela Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança, no art. , declarando que: “Todas as ações relativas às
crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar
social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem
considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
Também foi incluído, em diversos dispositivos, nas Regras
de Beijing, a qual, no item 1.17, alínea “d”, vincula a autoridade competente à sua
observância na medida em que determina que: “O interesse e o bem-estar do
jovem será sempre preponderante no exame dos casos”.
Diante do exposto, vê-se que o princípio do melhor interesse
do adolescente se revela mais densamente no locus de imposição da medida
sócio-educativa, no qual o juiz deve cautelosamente restringir a liberdade e os
direitos, além de impedir que a finalidade daquela se converta em atemorização e
excessos refutáveis para lograr um resultado que poderia ser obtido de outra
maneira. Do contrário, a medida será prejudicial à ressocialização do infrator, ante
o desprendimento do cunho também pedagógico que preconiza o Estatuto,
inserindo-o novamente inapto ao meio social.
Dialetizando a problemática, nota-se que a ausência de uma
eficaz política jurídica e social, voltada à proteção e facilitação do exercício de
direitos das crianças e adolescentes, culmina em hipertrofia dos sistemas de
controle e reação à delinqüência juvenil e esta, por sua vez, promove ainda mais
criminalidade. Diante do quadro, como uma das possíveis soluções para a
simbiose infracional, surgem elucubrações penalista-juvenis acerca de medidas
descriminalizantes e do uso, verbi gratia, do princípio da culpabilidade,
anteriormente abordado.
Outros desígnios do princípio do melhor interesse do
adolescente, além da proporcionalidade na escolha da medida sócio-educativa,
são a adequação objetiva desta, com as condições do destinatário o que vem
estampado no art. 112, § , do ECA, ao estabelecer que a medida aplicada ao
94
adolescente, deve se nortear pela capacidade deste, cumpri-la e a incidência, já
sacramentada pela jurisprudência, nos litígios de natureza familiar
198
.
3.1.8 Princípio da Municipalização do atendimento
O princípio da municipalização do atendimento vem
expresso no art. 88, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente e traça a diretriz
de que as medidas sócio-educativas devem ser aplicadas no limite geográfico do
município que sedia o domicilio do adolescente infrator, com o intento de
aproximar a comunidade, o adolescente e sua família, visando viabilizar com
maior facilidade a reeducação do infrator.
Tal princípio não se confunde com a descentralização
administrativa, preconizada pelo art. 88, III, do Estatuto (inspirado no art. 227, §
, da Constituição Federal), a partir do qual se determina que, ao Município,
compete coordenar e executar programas de atendimento no âmbito de sua
competência, obedecidas as regras gerais emanadas da União.
A participação do Poder Executivo na formulação de
políticas públicas locais, na criação
199
e manutenção dos Conselhos Tutelares e
na proteção dos direitos fundamentais, inseridos no ECA, resultará em eficiência
da tutela estatal, considerando que o município é um ente federativo e em
simetria com os vértices da Doutrina da Proteção Integral.
Formalmente, a Doutrina da Proteção Integral encontra-se
consagrada na legislação, haja vista existir uma redoma jurídica para que as
garantias fundamentais da criança e do adolescente sejam executadas sem
embaraços. Todavia a realidade demonstra de modo inverso, a letra (morta) da lei
198
ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos de
crianças, devem ser considerados primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da
moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princípio da prioridade absoluta à infância,
insculpido no art. 227 da Constituição Federal. Apelo provido”. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal
de Justiça. Apelação Cível nº 70008140303, Rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 14 abr. 2004).
199
Sobre a iniciativa de lei que institui os Conselhos Tutelares, leia-se o seguinte julgado do
Colendo Tribunal de Justiça Gaúcho que deixa incontroversa a legitimidade do Poder Executivo:
“CONSELHO TUTELAR CRIAÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE É inconstitucional a Lei
municipal que disciplina sobre matérias que são de iniciativa do Tribunal de Justiça e do Prefeito
Municipal e relativa ao Estatuto da Criança e do Adolescente.” (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal
de Justiça. ADIN nº 591.044.870 , Des. Rel. Lio Cezar Schmitt, j. 13 abr. 1992)
95
e, nesta vereda, louvável é a atuação do Ministério Público, o qual é
constitucionalmente legitimado para postular pelos direitos da sociedade e, no
aspecto abordado, para fiscalizar o andamento dos Conselhos Tutelares e fazer
cumprir o disposto no art. 59 do ECA, o qual estipula que o Município, apoiado por
seu respectivo Estado e pela União, deverá estimular e facilitar a destinação de
recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer, voltadas
para a infância e a juventude ações que se mostram tanto preventivas, como
pedagógicas ao ato infracional –, além do expresso mandamento do art. 260, § 4º,
do ECA, que enuncia a fiscalização de tal órgão nas verbas constantes do Fundo
Municipal das Crianças e Adolescentes.
3.2 CONSTRUINDO UM VERDADEIRO SISTEMA DE GARANTIAS
Nada obstante os inúmeros princípios conferidos aos
adolescentes e às crianças, seja por determinação expressa do ECA, ou por
previsão constitucional (genérica ou específica), autores, dentre os quais
Alexandre Morais da Rosa, sugerem a inserção de muitas outras garantias
procedimentais, valendo destacar as seguintes: a) direito de recorrer em
liberdade, devendo a cerceamento da liberdade pela medida de internação ser
fundamentado; b) extensão da vedação da reformatio in pejus que é
estabelecida no art. 617 do Código de Processo Penal da seguinte maneira: "O
tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383,
386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,
quando somente o réu houver apelado da sentença"; c) proibição do uso de
provas ilícitas, exceto a pro reo entendimento razoavelmente assentado nos
tribunais; d) vedação do non bis in idem processual, que é derivado do princípio
da dignidade da pessoa humana e dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito; e) inutilização de prova emprestada, produzida sem o devido contraditório
e f) aplicação do instituto da prescrição
200
nas medidas sócio-educativas
201
.
200
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 338, que afirma a aplicação
da prescrição nas medidas sócio-educativas. Sobre a aplicação dos prazos, leia-se: DEL-
96
As garantias suso elencadas, muitas inerentes ao Código
Penal, representam, curiosamente, tanto argumentos para os defensores do
Direito Penal Juvenil, quanto para os do Direito Infracional (embora estes
demonstrem resistência à utilização dos institutos do Direito Penal no ECA), dada
a interseção daquelas com o Garantismo Jurídico (o qual, por ambas as
correntes, é difundido), tornando incompatível, desta forma, o argumento do
último de que a medida sócio-educativa não expressaria cunho punitivo.
Para José Francisco Hoepers, no entanto, a questão seria
apenas relativa à nomenclatura, o que discordamos:
Nossa principal divergência ocorre com relação ao nome proposto
para a disciplina ou para a ciência que trata do ato infracional
juvenil. Penso que designá-la de direito penal juvenil, se deve
muito mais ao desejo de demonstrar à sociedade - em geral muito
repressiva, e que anda querendo a redução da maioridade penal -
que o ECA prevê, sim, punições para o adolescente que infringe
tipos penais, do que, por outro lado, a qualquer necessidade real
de promover tal alteração na legislação específica para poder lidar
adequadamente com o adolescente infrator.
O desejo ou a necessidade de trasladar, expressamente, no
interesse do adolescente, para o âmbito do Direito da Juventude,
mais institutos garantistas do Direito Penal , poderá ser satisfeito
via legislativa - até com a elaboração de uma Lei Infracional
Juvenil, se for o caso - mas sem qualquer necessidade de usar a
denominação de direito penal juvenil para este novo ramo do
direito [conjunto de idéias e normas a respeito do ato infracional,
sua apuração, julgamento, aplicação e execução da(s)
medida(s)]
202
. (grifos do original)
Aderindo, contudo, a uma ou outra vertente, o que o juiz não
pode refutar são os direitos plenos do autor de ato infracional, extraídos a partir
CAMPO, Eduardo R.A. Prescrição sócio-educativa “Súmula 338 do STJ”. In Carta Forense. Fev.
2008. p. 42-43.
201
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo, Psicanálise e Movimento Anti Terror. p. 149.
202
HOEPERS, José Francisco. Aspectos penais das medidas sócio-educativas. Disponível em:
<http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2512&conteudo=fixo_d
etalhe>.
97
de um denso conhecimento de Direito Constitucional e de uma visão panorâmica
do ordenamento jurídico (do qual deverá incluir o Direito Penal e seu respectivo
diploma processual), a qual, como por osmose, se subordinará ao princípio da
legalidade (pedra angular do sistema jurídico) e mitigará, em parte, o subjetivismo
correlato à sua atuação intelectual no âmbito do direito da infância e da
juventude.
Não por menos, Francesco Carnelutti, com sapiciência, ao
fomentar que a impessoalidade é utopia nas decisões prolatadas pelos juízes,
admoesta: “Somente a consciência de sua indignidade pode ajudar o juiz a ser
menos indigno [...] A justiça humana não é mais do que parcial. A sua
humanidade não pode deixar de resolver-se na sua parcialidade. O que se pode
fazer é diminuir esta parcialidade”
203
.
O mestre Luigi Ferrajoli, por sua vez, aduzindo a utilidade da
motivação das decisões para o controle da racionalidade destas, leciona:
Al mismo tiempo, en cuanto asegura el control de la legalidad y
del nexo entre convicción y pruebas, la motivación tiene también
el valor ‘endo procesal’ de garantía de defesa y el valor ‘extra-
procesal’ de garantia de publicidad. Y pude ser considerada como
el principal parámetro tanto de la legitimacion interna o jurídica
como de la externa o democrática de la función judicial
204
.
Ao derradeiro, importa elucidar que todos os pressupostos,
até aqui mencionados, m inegável convergência com a Teoria do Garantismo
Jurídico, a qual designa um modelo normativo de direito que, sob o plano
epistemológico, se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo;
sob o plano político, como técnica de minimização da violência e maximização da
liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função
punitiva do Estado em garantia dos cidadãos, revelando, ainda, uma teoria
203
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. Trad. Luis Fernando Lobão de
Moraes. Campinas: Edicamp, 2002. p. 33-34.
204
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. p. 623.
98
jurídica da validade e da efetividade, distinguindo o “ser” o “dever ser” no direito e,
como último sentido, cinde o direito da moral
205
.
Logo, aplicada a teoria garantista, notadamente no que
tange à repulsa às arbitrariedades cometidas por alguns aplicadores do direito, e
redefinida a norma infraconstitucional aos seus moldes, sem se distanciar da
hermenêutica da Constituição da República de 1988, possível será exterminar a
crise de interpretação assolada e, via de conseqüência, institucionalizar, de uma
vez por todas, a Doutrina da Proteção Integral.
Aliás, acerca dos abusos cometidos contra o adolescente
conflitante com a lei, Murilo Digácomo, reforçando toda a exposição amealhada
prefacialmente, elucida que, “seja quando da instrução do procedimento, seja
quando da aplicação e execução das medidas sócio-educativas, não são
decorrentes da falta de uma adequada regulamentação da matéria, mas sim da
falta de uma adequada compreensão acerca de suas especificidades e dos
princípios que a regem e da correta aplicação da lei”
206
.
Em arremate, importa mencionar a inserção do princípio da
intervenção mínima no Estatuto da Criança e do Adolescente (expresso no item
17.1, alínea “b”, das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça e Juventude
207
) a fim de desencadear a renovação almejada, pois,
aderindo à teoria do garantismo jurídico, também se incorporam os princípios do
Direito Penal Mínimo, bifurcado nos pilares da subsidiariedade e
fragmentariedade, que no ECA se revelam com o Direito Penal Juvenil,
desempenhando a ultima ratio do sistema de direitos da infância e da juventude,
com aplicação somente na defesa de determinados bens jurídicos violados, e
205
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica;
Fauzi Hassan Choukr; Juarez Estevam Xavier Tavares; Luiz Flávio Gomes. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 684-685.
206
DIGÁCOMO, Murilo. Garantias Processuais do Adolescente autor de ato infracional o
procedimento para a apuração de ato infracional à luz do direito da criança e do adolescente. In
Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO;
SEDH; UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 241.
207
“As restrições à liberdade pessoal do jovem serão impostas somente após estudo cuidadoso e
se reduzirão ao mínimo possível”. (Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/comissoes/cdhm/instrumentos/regras.html>)
99
como prática complementar ao uso de políticas sociais e protetivas que não
tenham surtido efeitos.
3.3 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO COMO GARANTIDOR E AGENTE
MODIFICADOR DA REALIDADE SOCIAL INFANTO-JUVENIL
Não compete mais ao Poder Judiciário, como antes
preconizava o digo de Menores, a função de “abrigar os órfãos e recolher os
indesejáveis”, denominada “camburão social” mas, de acordo com a nova ordem
jurídico-constitucional, a condição de agente transformador da lamentável
realidade que se constata na seara infanto-juvenil.
Ab initio, convém ressaltar que a mudança de postura do
Judiciário, em relação a todo ordenamento, deve ocorrer a partir de uma leitura
atenta, notadamente, ao princípio da legalidade, que, subdividido em estrita
legalidade e mera legalidade, de acordo com as propostas de Luigi Ferrajoli,
propicia o arredamento do subjetivismo da subsunção praticada pelo juiz,
restringindo sua atuação ao explicitamente exposto, buscando (ou tentando), a
seguir, perfectibilizar os “axiomas garantistas”. O segmento do direito da infância
e da juventude, por sua vez, não difere, tendo em vista que a insurgência do
posicionamento garantidor se iniciou com a promulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, quando, então, passou a se exigir a rigorosa observância de
seus pressupostos e também dos da Constituição Federal nas medidas
destinadas aos adolescentes (protetivas e sócio-educativas), abandonando o
criticado Código de Menores.
A exigência de tomada de novas atitudes pelos funcionários
públicos é tamanha que, além de o ECA prever garantias e medidas destinadas
às crianças e aos adolescentes, preocupou-se em reprimir, em caráter especial,
não afastando as disposições do Código Penal, as condutas omissas e
100
comissivas do funcionalismo público contra aqueles (constantes na seção II, com
o título “dos crimes em espécie”
208
, no ECA).
O que é inevitável constatar, desta maneira, é que à margem
de atuação do Poder Judiciário, atribui-se também um valor político, o que
instaura a premência de este prover pela extirpação das deficiências da
comunidade, na condição de maior defensor da concretização da constituição
como força normativa e válida.
Mais do que isso, como amplamente demonstrado a priori
(capítulo 2.3.2), ao Poder Judiciário, resta a incumbência de materializar os
direitos formalmente estatuídos na Constituição Federal, ainda que se aniquilem
(até então) intocáveis pilares da formação do Estado, dentre eles a vedação à
interferência no mérito do ato administrativo, acerca da qual revela o tempo que
não deve mais constituir empecilho à assistência aos clamores sociais.
208
Dentre os delitos previstos, veja-se o inserto no art. 231 do ECA: “Deixar a autoridade policial
responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à
autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada: Pena -
detenção de seis meses a dois anos”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
CAPÍTULO 4
A INTERFACE DO ATO INFRACIONAL COM A PSICANÁLISE E A
REALIDADE JURÍDICA NACIONAL DA APLICAÇÃO DA LEI
8.069/90
4.1 A INSCRIÇÃO DA ADOLESCÊNCIA COMO PRODUTO DA RELAÇÃO
FÁLICA
Quando eu tiver setenta anos / então vai acabar esta adolescência
/ vou largar da vida louca / e terminar minha livre docência / vou
fazer o que meu pai quer / começar a vida com passo perfeito /
vou fazer o que minha mãe deseja / aproveitar as oportunidades /
de virar um pilar da sociedade / e terminar meu curso de direito /
então ver tudo em são consciência / quando acabar esta
adolescência.
Paulo Leminski
muito tempo vem se tentando definir e limitar,
cronologicamente, o que é adolescência. Em 1980, um grupo de psicólogos e
pesquisadores da Universidade de Roma realizou uma pesquisa com jovens
italianos, que ensejou a publicação da obra “A condição juvenil: crítica à
Psicologia do adolescente e do jovem”, concluindo que as palavras “adolescência”
e “juventude” não possuem definição precisa
209
.
Atualmente, a maior parte dos pesquisadores afirma que a
adolescência compreende fase posterior à infância e anterior à juventude e
considera como marco de início a idade de doze anos e, como término, a de
dezoito anos.
209
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. reform.
e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 291.
102
Em que pese a tentativa de organizar idéias, o critério etário
não pode ser isoladamente utilizado para predicar a adolescência, a qual,
sobressalte-se, não constitui fase natural do desenvolvimento humano, mas um
derivado da estrutura socioeconômica, à medida que sua existência e
prolongamento no tempo, moldam-se às peculiaridades de determinado grupo
social.
Embasando-se no estudo italiano realizado, é possível
analisar que nem todas as culturas possuem as fases de desenvolvimento da
nossa sociedade, consistentes em pré-natal, neonatal, infância, pré-adolescência,
adolescência, vida adulta e senilidade. A cultura dos nativos trobriandeses, que
habitam ilhas do noroeste da Nova Guiné, na Oceania, por exemplo, abstrai o
período da adolescência, passando, ininterruptamente, da pré-adolescência para
a fase adulta. Nesta sociedade, o menino (que para o mundo ocidental seria) pré-
adolescente vai gradativamente realizando as atividades econômicas da tribo, até
que, no final da puberdade, estará apto para casar, contrair obrigações e adquirir
status de adulto no grupo a que pertence
210
.
Os autores italianos explicam a conjectura defendida,
afirmando que
[...] para evitar qualquer equívoco é necessário esclarecer que
evidentemente não se nega a existência, em qualquer cultura, da
puberdade e da passagem da pré-adolescência para a idade
adulta. O que se afirma é que não existe necessariamente uma
fase de desenvolvimento entre a pré-adolescência e a idade
adulta que tenha uma duração mais ou menos longa e tenha o
status psicossocial diverso da pré-adolescência e da idade
adulta
211
.
No Brasil, algumas tribos indígenas fazem rituais de
passagem para que os índios tornem-se adultos, consistindo na separação
210
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias. p. 292.
211
LUTTE, G et alii. Adolescenza e gioventu: fasi naturali dello sviluppo umano o istituzioni socio-
economiche di emarginazione e sfrutamento? In: LUTTE, G et alii. La condizione giovanile.
Pistoia: Cooperativa Centro Documentazione, 1980. p. 15.
103
daqueles do resto da aldeia (separação); em um período de apreendizagem sobre
o comportamento adulto (transição) e, por fim, na sua reinserção, com novo status
(incorporação). A idade para tal processo, no entanto, apresenta variações. Os
índios “Xavante”, que vivem no cerrado do Mato Grosso, realizam seus ritos de
puberdade a cada cinco anos, quando os meninos (de sete a doze anos) saem da
casa de seus pais e passam a viver todos juntos, em uma casa comunitária, até
serem considerados adultos. Os índios “Apinajé”, do norte do Tocantins, são
separados do convívio familiar com quinze anos, aproximadamente. com os
Tupinambás, que habitavam a costa do Brasil, quando da chegada dos europeus,
os rituais aconteciam quando o índio possuía, em média, vinte e cinco anos.
Instantâneo concluir, portanto, que a adolescência é fase
acessória do desenvolvimento do ser humano, que somente as sociedades
mais modernas normalmente reservam espaço para período de aprendizagem de
conhecimentos necessários para a inserção do adolescente no mundo adulto,
ressaltando-se, ainda, que o tempo também terá como fator determinante de tal
aperfeiçoamento de saberes (científicos ou empíricos) a condição econômica do
indivíduo e de sua família, motivo pelo qual uma pessoa de vinte e cinco anos,
pertencente à classe média, pode ser considerada adolescente (há quem use a
expressão “adultescente”) e uma outra, de quinze anos e integrante de classe
operária, pode ser vista como adulta
212
.
Nesta vereda, razoável se defrontar com conformismo em
relação à conceituação preambular de adolescência de que corresponderia à
fase precedente da vida adulta e posterior à infância e à impossibilidade de
inocular habilidades comuns como sinalizantes do estágio de adolescência,
insubordinada, portanto, ao “Complexo do Prazo de Validade”
213
.
212
Disponível em: <http://www.iande.art.br/boletim007.htm>.
213
“O positivista ferrenho vai ao supermercado e conferena forma da lei – os prazos de validade
e somente consome o produto até o dia fatídico, ou seja, se o prazo de validade é hoje, somente
pode consumir até as 24:00 horas; às 00.01 o produto está fora do prazo de validade e, portanto,
inservível ao consumo. Para este, no exato minuto que se transpôs ao dia, as bactérias, em
Assembléia Geral Ordinária adrede convocada decidiram, à unanimidade, avançar (estragar)
sobre o produto. O prazo fatal é 24:00h. Somente rindo! E o pior é que essa ingenuidade
mesclada com astúcia é reproduzida pelo senso comum teórico dos juristas.” (ROSA, Alexandre
Morais da. Amante Virtual. In: Conseqüências no Direito de Família e Penal. Florianópolis:
Habitus, 2001. p. 73-74)
104
Com efeito, como definição mais adequada à adolescência,
porque correspondente com aspectos mais contemporâneos, menciona-se a
proposta pelo Seminário Latino-americano sobre Saúde do Adolescente, segundo
o qual o adolescente é o indivíduo que se encontra em fase peculiar de transição
biopsicossocial, período este composto por transformações biológicas, que
procura um papel social, balizado pelos padrões sociais de seu meio
214
.
Por conseguinte, embora enquanto fenômeno biológico a
adolescência ocorra para todos
215
, o processo psicológico se restringe à parcela
“dos que podem adolescer”
216
, cumprindo admitir aqui, que ela é essencialmente
fruto de seu meio social.
Recrudescendo a afirmativa e traçando sua extensão, no
que confere ao comportamento delinqüente, Maurício Neves de Jesus lembra que
se a adolescência é naturalmente um período turbulento, não se
pode negar que, se marcada pela violência estatal, social ou
familiar, pouco terá de transição. Se individual e internamente ela
é o período das transformações provocadas pelo início da
produção hormonal, culturalmente ela é a fase de adaptação ao
processo de inserção social. Porém, quando da falta dos meios de
controle social informal, não ocorre a socialização da classe
média, mas a marginalidade social direta. Ambas são formas de
normalidade. Para uma classe social mais abastada, pode parecer
que o adolescente marginalizado, dado aos pequenos delitos,
desempenhando os papéis secundários do tráfico de
entorpecentes, não tem na adolescência um processo de
humanização, mas de brutalização. Ao contrário, humaniza-se de
acordo com os meios disponíveis. A ausência dos direitos
fundamentais assegurados pelo Estado não impedirá o
214
FERNANDES, Vera Regina; FISCHER JÚNIOR, Remato. (Org.) Crescimento e
desenvolvimento físico na adolescência. In: Manual de terapêutica pediátrica. Florianópolis:
Associação Catarinense de Medicina, 1997. p. 413.
215
“A adolescência, enquanto etapa de desenvolvimento físico e psíquico, deflagrada pela
puberdade, é adolescência para todos, dos bairros nobres à periferia, submetidos às mesmas
aflições próprias desta época, alcançados todos pelos mesmos apelos da mídia, todos
destilando hormônios, todos desejantes, todos fascinados pelo mesmo tênis importado.”
(SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil. p. 35)
216
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil. p. 34.
105
adolescente de buscar sua identidade, ao largo dos modelos e do
paradigma social da classe média
217
.
O que acontece com o adolescente é a busca por um senso
psicossexual de identidade do ego, que será determinado pela “fase lica”
(Freud) do indivíduo a partir do trilhamento do “Complexo de Édipo e da
descoberta de que possui ou não falo, objeto que, quando descoberto como não
comum a todos, revela medo no menino, ante a iminência de castração e, na
menina, inveja.
O “Complexo de Édipo” pode ser explicado, segundo
Jacques Lacan, como a resposta das pulsões genitais que a criança
precocemente desenvolve, cujo apogeu foi indicado pela psicanálise como sendo
durante a idade de quatro anos. Neste período, o desejo sexual da criança se
volta para o objeto mais próximo, o progenitor do sexo oposto, e o obstáculo para
a realização de tal satisfação é o genitor do mesmo sexo, que frustrará as pulsões
com repressão educativa
218
.
Apesar de negado pelos adultos, o “Complexo de Édipo”
existe, porém fica compartimentado no id, e daí não ser lembrado. O id é primitivo
e desorganizado, o que o torna imutável à medida que crescemos e adquirimos
experiências, que não tem contato com o mundo externo, tarefa esta incumbida
ao ego - atuante como um conselheiro de confiança de um rei cego com poderes
absolutos, dizendo onde e como utilizar tais poderes. Os objetivos do id o
incisivos: reduzir as pulsões
219
, aumentar o prazer e minimizar o desconforto.
Superado o período de consciência das diferenças sexuais
em que o menino na mãe seu objeto de desejo e no pai um rival, e menina o
217
JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei. p. 30-31.
218
LACAN, Jacques. Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma
função em psicologia. Trad. Marco Antônio Coutinho Jorge, Potiguara Mendes da Silveira Júnior.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 42-43.
219
Pulsões representam pressões para que o indivíduo aja aleatoriamente ao pensamento
consciente. Tais pulsões são a causa fundamental de toda atividade” (Freud, 1940, p. 5).
(FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Personalidade e crescimento pessoal. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2004. p. 34)
106
contrário, ocasionando uma dicotomia de amar e odiar (“amoródio”) os pais –, a
criança, a partir dos cinco ou seis anos de idade, aos poucos se afasta dos pais e
descobre o “Outro” (isto se houver submetimento à “Lei-do-Pai”), permanecendo
em fase latente dos desejos insolúveis da fase fálica até o início da “fase genital”
(adolescência), em razão da atuação exitosa do superego, uma espécie de
censor sobre a atividade e o pensamento do ego (expressão do id) que,
absorvendo regras de conduta e moralidade, funcionará como inibidor da
personalidade
220
. Isto quer dizer, consoante as palavras de Alexandre Morais da
Rosa, que a renúncia ao desejo incestuoso, por parte do filho, origina a sua
inserção social e o mesmo, em razão da castração, alterna seu eixo da família
para sua constituição como sujeito – a criança assume a posição do 3
221
.
James Fadiman e Robert Frager explicam o processo ao
citar Freud:
A partir de então, até a puberdade, [...] a sexualidade não se
desenvolve; pelo contrário, os esforços sexuais diminuem de
força, e grande parte do que a criança praticou ou conheceu
anteriormente é abandonado e esquecido. Neste período, depois
que os primeiros florescimentos da vida sexual murcharam,
formam-se as atitudes do ego como a vergonha, a repugnância e
a moralidade, para fazer frente às tempestades posteriores da
puberdade e orientar os caminhos dos desejos sexuais recém-
despertados. (1926, p. 216)
222
Na “moratória da infância”
223
(Erickson), o adolescente
experimenta alguns papéis, tarefa que pode ser dificultada pelas pressões, aos
220
O indivíduo é um animal de nascimento prematuro e que possui carências, sendo, portanto,
inapto ao convívio isolado, o que justifica sua necessidade de inclusão no meio social. Sua
dependência é notada em três fases: inicialmente é capturado pela imagem da mãe (imago
materna representada pelo complexo do desmame), depois por intrusos (o sujeito observa
outros participando de suas relações domésticas) e, por fim, pela sua própria imagem vista no
espelho. (LACAN, Jacques. Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.
96-103)
221
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 61-62.
222
FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Personalidade e crescimento pessoal. p. 40.
223
Erick Erickson, psicanalista pós-freudiano muito aclamado por seus estudos sobre o ciclo de
vida humano, explica que a adolescência, por ser um período transitório da infância para a idade
adulta é crucial e, por isso, muitas vezes tal momento pede uma “moratória”, haja vista que o
107
quais acarretam, se o adolescente sofrer algum tipo de confusão de papéis, em
virtude da não superação do “Complexo de Édipo”, dúvidas sobre a atratividade e
identidade sexual, inseguranças e, até mesmo, idolatrizações a ponto de perder a
identidade
224
.
No seguinte excerto, Erickson descreve a identidade na
transição da infância para a idade adulta:
Como um trapezista, o jovem em meio a vigoroso movimento
precisa abandonar a segurança da infância e agarre-se
firmemente à idade adulta, dependendo, durante um intervalo
ofegante, de uma conexão entre o passado e o futuro, e da
confiabilidade daqueles dos quais precisa se soltar e daqueles
que o irão “receber”. Qualquer que seja a mistura de impulsos e
defesas, de sublimações e capacidades, oriunda da infância do
jovem indivíduo, precisa agora fazer sentido em relação às
oportunidades concretas de trabalho e amor [...], [e] ele precisa
identificar alguma semelhança significativa entre o que ele veio a
ver em si mesmo e o que sua consciência aguçada lhe diz que os
outros julgam e esperam que ele seja
225
.
A adolescência, assim como as fases seguintes do
desenvolvimento biopsicossocial, modula-se pelas primeiras relações
experimentadas pela infância e, a partir disto, todas as escolhas de vida (amores,
chefes, inimigos etc.) são derivadas dos laços entre pais e filhos, estrangulando a
idéia de acidentes psicológicos – não raramente, escolhem-se parceiros que
reinvocam em si aspectos não resolvidos do passado, seja de forma consciente
ou não.
A parte que mais nos interessa sobre o desenvolvimento
psicossexual do indivíduo é o processo de retaliação ao sujeito do inconsciente
adolescente precisa “tirar um tempo” para a experimentação de papéis. (FADIMAN, James;
FRAGER, Robert. Personalidade e crescimento pessoa. p. 204)
224
“[...] a adolescência é a fase dos ídolos, de se tornar fã. Buscar um deslizar imaginário para dar
conta da realidade atormentadora em relação ao futuro. Procura identificações fora do círculo
familiar na pretensão de autonomia.” (CARDOSO, Marta Rezende (org.). Adolescência:
reflexões psicanalíticas apud ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional.
p. 98)
225
ERICKSON, Erick. Insight and responsibility. New York: Norton, 1964. p. 90.
108
movido pelo desejo desenvolvido pelo ego que representa reflexo da mais
pura coercibilidade social, sendo sua principal manifestação o Direito, o que
Jacques Lacan, aliás, profetizava, ao dizer: “lembrarei ao jurista que, no fundo,
o direito fala do que vou lhes falar – o gozo”
226
.
Também Sigmud Freud, em outro contexto, contribuiu para a
explicação da funcionalidade do ordenamento jurídico penal, baseada na vedação
do que é inclinação humana, ainda que não sabida, a saber: “Visto que os tabus
se expressam principalmente em proibições, a presença subjacente de uma
corrente positiva de desejo pode ocorrer-nos como algo de bastante óbvio e que
não exige provas exaustivas baseadas na analogia das neuroses, porque, afinal
de contas, não há necessidade de se proibir algo que ninguém deseja fazer e
uma coisa que é proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado”
227
.
Trata-se da lei como instrumento de abstenção do gozo
(porque as pulsões são fora do controle do eu), assim como também o é o
“Nome-do-Pai” (Lacan) no percurso do “Complexo de Édipo”, sendo, contudo, à
“Lei-do-Pai” reservada a inscrição como condicionante à posterior submissão do
indivíduo à lei jurídica, o que quer dizer que “sua posição subjetiva diante da
metáfora paterna será decisiva para suas relações com o Simbólico, com a lei e a
cultura”
228
.
A criança, ao reconhecer a “Lei-do-Pai” como obstáculo ao
gozo, aquiesce a castração pelos pais operada e, a seguir, num recurso simbólico
de deslocamento, passa a se submeter às leis e a obedecer às autoridades de
agora (a partir da relação edipiana), tornando-se cidadã e seguidora da
Constituição pela transmissão de linguagem
229
.
226
LACAN, Jacques. O seminário: mais, ainda. Trad. M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985. p. 10.
227
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In: Obras Psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1997, v. IX. p. 81-82.
228
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 79.
229
BARROS, Fernanda Otoni de. Do Direito ao Pai. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 96.
109
Tudo muda de eixo, no entanto, se a “Lei-do-Pai” é avessa à
autoridade
230
(“foraclusão do Nome-do-Pai”) ou se, por outro lado, é autoritária
demais, obliterando a necessária conjugação entre proibição e justificativa
(castração dialogada). Isto porque, se aquela existir sem esta, o Real retratará o
Simbólico mal interiorizado de forma agressiva e esta, não raras vezes, será
exprimida de maneira repudiada pela sociedade, através da transgressão da
norma
231
.
Sobre o tema, adverte Maria da Graça dos Santos Dias que
a transmissão da lei do bem-estar (entendida, a partir da ótica de Philippe Julien,
como uma das leis que deve ser perpassada à geração sucessora) pode ter
riscos, pois se os pais, a qualquer preço, desejarem o bem dos filhos, poderão se
tornar despóticos e gerar a passividade destes, quando, no entanto, a inclinação
da Modernidade é para a conformação dos pais de que o detêm todo o
conhecimento sobre o melhor para eles. Para a autora, somente tal dúvida
poderia superar a relação despotismo e passividade
232
.
Aos pais cumpre, desta maneira, sob pena de gerar
perversão na criança, não reprimir o Imaginário (que é saudável), senão controlar
os atos, o Real, por meio de esclarecimentos hábeis a não reiteração de
determinado ato censurado como sinal de insatisfação. Em sendo tal ato falho, o
descontentamento manifestado na adolescência resultará em violência contra os
pais e à sociedade, o que se traduz na hipótese de que o ato infracional é
230
Suprimindo-se o limite, o lugar do inconsciente (e do sujeito) desaparece também o desejo e,
assim, o sujeito se rende à ordem geral ao perder o lugar de onde podia fazer oposição, de
onde podia dizer Não! não quero”. (MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a
qualquer preço. Entrevistas por Jean Pierre Lebrun. Tradução: Sandra Regina Felgueiras. Rio de
Janeiro: Companhia de Fredu, 2003. p. 31)
231
Somente a maturidade psíquica, emocional e social do ser humano permite-lhe utilizar o
pulsional sem desmedida ou violência, sem coisificar o ser do outro e seu próprio ser”. (DIAS,
Maria da Graça dos Santos. Refletindo sobre a criança e do adolescente: um desafio ao direito
neste trânsito para a pós-modernidade. Novos Estudos Jurídicos. Itajaí, SC, vol. 12, n. 2, p. 315.
jul-dez. 2007)
232
DIAS, Maria da Graça dos Santos. Refletindo sobre a criança e do adolescente: um desafio ao
direito neste trânsito para a pós-modernidade. Novos Estudos Jurídicos. p. 312-313.
110
indicativo de que algo o vai bem
233
e, mais do que isso, em alguns casos, é
súplica de sobrevivência
234
.
Neste ínterim, impõe assinalar que o ato embatente à lei,
protagonizado pelo adolescente, nem sempre incita imposição de medida
coercitiva estatal, ou está inseparavelmente atrelado à delinqüência juvenil. Cirino
dos Santos enobrece a suposição ao disseminar que
[...] em oposição à ideologia oficial, a criminologia contemporânea
define o comportamento desviante do adolescente como
fenômeno social (com exceção da grave violência pessoal,
patrimonial ou sexual), que desaparece com o amadurecimento:
infrações de bagatela e de conflito do adolescente seriam
expressão de comportamento experimental, e transitório dentro de
um mundo múltiplo e complexo, e, não uma epidemia em
alastramento, cuja ameaça exigiria estratégias de cerco e
aniquilamento. As ações anti-sociais características da juventude
não constituem, isoladamente e por si sós, raiz da criminalidade,
como homicídios, roubos e estupros, por exemplo: o caráter
específico do comportamento desviante da juventude, segundo
várias pesquisas, explica sua extinção espontânea durante a fase
da chamada “Peack-age” e, em regra, não apresenta sintoma
justificante da necessidade de intervenção do Estado para
compensar defeitos de educação
235
.
Somada à desnecessidade de aplicar medidas sócio-
educativas em atitudes resultantes do compreensível ímpeto
236
do adolescente
em alcançar seus desejos, está a desenfreada atuação do Estado (leia-se Varas
da Infância e da Juventude) que, na grande parte das vezes, desconsidera a
233
“O ato infracional é uma resposta do sujeito, um modo de se apresentar, evidenciando a
cunhagem sobre a subjetividade que um contexto sociológico pode vir a produzir. Dizem não à
condição de objeto, emergência do sujeito, fazem a revolução, ainda que para isso matem ou
morram... e como morrem...”. (BARROS, Fernanda Otoni. fora: o adolescente fora da lei o
retorno da segregação. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. xii e xiii)
234
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 87-90.
235
SANTOS, Juarez Cirino dos. O adolescente infrator e os direitos humanos. In: ANDRADE, Vera
Regina Pereira de Andrade. Verso e Reverso do Controle Penal (Des)Aprisionando a
Sociedade da Cultura Punitiva. Florianópolis: Fundação José Boiteux, 2002. p. 122.
236
Extrai-se da obra Raízes do Brasil: “Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar que
nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível,
recrutável e responsável, ante as leis da Cidade”. (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 141)
111
existência da demanda e da autonomia do sujeito, a fim de propagar a
normatização a qualquer custo, incluindo, aqui, a desconsideração do sujeito e a
indiferença em fazê-lo compreender que a plenitude do gozo é impossível
237
.
Seguindo este encadeamento, a “Lei-do-Pai”, negligenciada
pelo substituto paterno, porque não compreendida, surtirá como efeito a
reiteração dos atos vedados desafiá-la passa a ser, então, a meta do
adolescente. A seguir, adentra em cena uma outra agravante, quiçá mais cruel: a
aplicação da medida sócio-educativa que, explicada por Alessandro Baratta, da
forma como se organiza, traduz um mecanismo de manutenção do status das
classes na pirâmide social:
A espiral criminológica posta em ação pelas instâncias oficiais
responde a uma lei geral do sistema penal: os efeitos da
intervenção das instâncias oficiais são tão significativos para o
prosseguimento do processo de criminalização, que aqueles que
foram surpreendidos revelam uma mais alta criminalidade
secundária do que aqueles que puderam se subtrair a esta
intervenção (com igualdade de criminalidade antecedente entre os
dois grupos). Se os efeitos diretos ou indiretos da condenação
têm, geralmente, uma função marginalizadora, ainda mais
decididamente prejudiciais aos fins de reinserção, que a nova
legislação persegue, são os efeitos da execução das penas (ou
das medidas de segurança) detentivas sobre a vida do
condenado
238
.
237
A limitação do gozo é explicada por Marie-Jean Sauret: “O gozo perdido, eis aí um antecedente
freudiano desse objeto a que causa o desejo. A psicanálise retirou daí uma tese forte: a
incompatibilidade entre o laço social e o gozo. Precisamente, o laço social se faz ao preço da
subtração do gozo, que ele regula ao reconstituir em torno de um tipo de gozo permitido. Mas
nós podemos mostrar como o laço social contemporâneo sabe explorar o fato de que os sujeitos
são desejantes, quer dizer, faltantes, lhes fazendo crer que a ciência fabricará o que lhes falta e
que o mercado capitalista o porá à sua disposição. Caso eles faltem, isso é culpa de um gozador
que se serve às suas custas: o pai primordial não está morto, ele toma a figura do Outro, o
estrangeiro, a mulher (Argélia, Afeganistão), o juiz, o homossexual, até a criança (agitada,
assassina, etc.)”. (SAURET, Marie-Jean. A criança, o amor, o sintoma. In: Revista Marraio:
Formações Clínicas do Campo Lacaniano, Rio de Janeiro, n. 1, 2002. p. 21)
238
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal: introdução à sociologia
do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca
de Criminologia, 2002. p. 186.
112
O golpe fatal, portanto, é o desencadeamento da exclusão
social do adolescente, que, imbuído em condições desumanas de vida e sem a
imposição da “Lei-do-Pai”, o dimensiona outra opção senão manter a
identidade até então desempenhada. E é neste interregno que deve atuar o Poder
Judiciário, impedindo que a situação alcance as últimas conseqüências, ao
abandonar a idéia de coisificação do sujeito para que o traga para o laço social,
por mais embaraçoso que isso possa ser, pois não fórmula pronta e o juiz
deverá, na singularidade do caso, identificar a “melhor” postura, que pode ser
democrática.
4.2 O PAPEL DEMOCRÁTICO DO JUIZ NA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE
Por meio da Psicanálise, como demonstrado (título 4.1), é
possível compreender que o sujeito tem o id como correspondente de suas
manifestações (internas e externas), sejam seus aspectos conhecidos ou não. Tal
tema ganha realce à medida que suas nuances igualmente ocorrem com o juiz ao
prolatar decisões, não por menos denominadas “bricolage de significantes”
239
,
como sinalizantes do fenecimento do “juiz ph 7” e, conseqüentemente, das
clássicas lições de hermenêutica jurídica
240
.
Bem por isso, Martin Heidegger aduz que
239
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006.
240
“A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis
para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. As leis positivas são
formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em
linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor
a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato
social, isto é, aplicar o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o
Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido
verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, extrair da norma tudo o que na mesma se contém: é
o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.
(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.
1)
113
A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente,
numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A
interpretação nunca é apreensão de um dado preliminar, isenta de
pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da
interpretação textual exata, se compraz em se basear nisto que
“está” no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando
no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e
supostamente evidente, do intérprete. Em todo princípio de
interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a
interpretação necessariamente “põe”, ou seja, que é
preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção
prévia
241
.
Embora reconhecido por alguns que imparcialidade é
pressuposto nulo na atuação do julgador
242
, em razão das prévias concepções,
inerentes ao sujeito, outros tantos, piegas, persistem que a decisão judicial é
meramente derivação do ego (consciência) e que, desta forma, o juiz estaria
propenso somente a influências visualizadas e sabidas. Equiparáveis a estes ou,
quem sabe, mais graves são os casos dos juízes adeptos do cartesianismo
jurídico que dispensam a fundamentação
243
das decisões, especialmente quando
se trata das prolatadas na vara da infância e da juventude – legado certamente do
Código de Menores, no qual o juiz, justificadamente ou não, porque via em si um
detentor nato do melhor interesse do “menor”, se pronunciava com ou sem
demanda.
241
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Marcia Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrópolis:
Vozes, 2005. p. 207.
242
Conforme afirma Jacinto Nelson Miranda Coutinho, os juízes não são neutros em suas
intervenções e decisões, pois estão vinculados ao contexto em que se encontram inseridos e, ao
mesmo tempo, constroem a realidade, na medida em que suas decisões modificam as
condições dessa mesma realidade. O autor ainda complementa pugnando pelo reconhecimento
do caráter ideológico do Direito e pela desmitificação da neutralidade, forma em que as regras
do jogo ficariam às claras. (COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda. Introdução aos Princípios
Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro. In: Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre:
Nota Dez Editora, n. 01, p. 26-51, 2001. p. 32-34)
243
“A observação acerca da prática processual permite constatar que é freqüente decisões que
decretam a medida privativa de liberdade e justificam sua decisão como uma medida privativa
de liberdade e justificam sua decisão como uma medida de proteção ao adolescente, como
forma de tratamento à drogadição ou mesmo necessidade do jovem ser contido para sua própria
segurança. Esta visão, além de expressão do pensamento positivista criminológico, manifesta a
concepção dos magistrados a cerca da natureza jurídica das medidas socioeducativas por eles
114
Detalha, com precisão, Alexandre Morais da Rosa de que
maneira são formatados os julgamentos:
Vista bem de perto, a teoria da decisão manejada pelo senso
comum teórico é a maneira pela qual, ‘como se’ um juiz decidiria –
se porventura decidisse -, coisa que, todavia, não o faz. Enfim,
tudo é organizado de forma lógico-dedutiva, como se o simples
caminhar processual concedesse a ‘Verdade Real’, livrando os
atores jurídicos de qualquer indagação sobre si próprios, sobre
seu ‘ser-aí-no-mundo’, ‘como se’ desprovidos de inconsciente,
bem como sobre os próprios limites do processo. A leitura dos
Manuais expressa a sensação de que a ‘receita para uma decisão’
está previamente dada e que se ocorrerem erros, estes são do
operador que não soube misturar, conforme a receita, os
ingredientes. Puro embuste
244
.
Malgrado os optantes pelos métodos de interpretação como
atalho para a busca da Verdade Real, sabe-se, com a leitura de Heidegger por
Lenio Luiz Streck
245
, que compreender não corresponde à forma de conhecer,
mas de ser, dada a substituição da epistemologia pela ontologia e o fato de a
verdade não ser traduzida por método, senão pela manifestação do ser.
Assim, tanto a busca incessante pelo sentido da norma (foco
do senso comum teórico), como a aderência por vertentes jurisprudenciais,
devem ceder lugar ao papel de compreender (ser) do juiz, que, na decisão, e
somente nela pois antes, será mero expectador imparcial, voltado para a
garantia do contraditório, resultante da paridade de armas entre as partes, a fim
de que o melhor argumento possa ser apurado, na via intersubjetiva, sem
renunciar o critério ético material (Dussel) , deve se deixar guiar por seus
aplicadas”. (COSTA, Ana Paula Motta. As Garantias Processuais e o Direito Penal Juvenil. p.
155)
244
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 128.
245
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 186.
115
condicionantes ideológicos e inconscientes, contanto que de maneira
fundamentada
246
.
Aroldo Plínio Gonçalves esclarece o real sentido do
contraditório no processo:
A conotação citada como uma aproximação do conceito atual de
contraditório explica-se, pois ele exige mais do que a audiência da
parte, mais do que o direito das partes de se fazerem ouvir. Hoje,
seu conceito evoluiu para o de garantia de participação das
partes, no sentido em que falava VON JHERING, em simétrica
paridade de armas, no sentido de justiça interna no processo, de
justiça no processo, quando as mesmas oportunidades são
distribuídas com igualdade às partes
247
.
De tal sorte, o Processo Infracional, assim denominado a
partir das ensinanças de Elio Fazzalari
248
cuja explanação denota que processo
é o procedimento em contraditório –, para ser democrático, deve,
necessariamente, combinar o contraditório (e seus dois momentos
249
) com as
matrizes garantistas, com o Código de Processo Penal e, finalmente, com a
Constituição Federal. Imiscuir tais preceitos e utilizá-los sem hipocrisia remontam
à concessão de autonomia ao sujeito autor de ato infracional, desvencilhando-se
do despotismo que impera(va) em razão do Código de Menores.
Entenda-se autonomia sob o olhar de Alexandre Morais
Rosa
250
, para quem, somente se houver demanda por parte do adolescente, é
que estará autorizado o juiz a apresentar saídas (educação, tratamento
terapêutico, atividades etc.), o que não significa, contudo, inexistência de
limitação ao gozo. O que se propõe é abandonar o ideal de que o adolescente
246
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 134-149.
247
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: Aide
Editora, 2001. p. 120.
248
FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: CEDAM, 1994. p. 85-86.
249
O primeiro momento do contraditório, de que fala Fazzalari, consiste na inteiração das partes
sobre o exercício de suas posições jurídicas congruentes com a norma processual
(informazione); o segundo revela a faculdade de movimentação processual das partes
(reazione). (GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. p. 126-127)
250
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional. p. 227-234.
116
deverá ser fiel cumpridor das orientações paternas, das normas jurídicas e das
autoridades sociais (todas pouco compreendidas) e levar em consideração a
estrutura psíquica em questionamento do adolescente, deixando de aplicar
medidas sócio-educativas que agravem as questões subliminares que pelo
superego são inibidas
251
.
Para encerrar, o que pode ser sugerido é que de forma
alguma seja o adolescente compelido a realizar as atividades determinadas pelo
Estado-Juiz, o que, sem reflexão, diálogo e, novamente, submetimento à Lei-do-
Pai com permissividade à constituição do sujeito, deriva incompreensão e
afastamento, praticamente inconvertível do laço social.
De outra face, em havendo demanda, está legitimada a
aplicação da medida sócio-educativa, seguindo no próximo título algumas
modificações prementes no cotidiano das Varas da Infância e da Juventude.
4.3 CONTROVÉRSIAS NA APLICAÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
Direcionando ao Estatuto da Criança e do Adolescente,
ditames constitucionais e garantistas, impossível não criticar diversas posturas
adotadas contra o adolescente protagonista de ato infracional, em razão da
supressão de princípios (muitos abordados) e da inobservância de regras que,
no processo penal comum, são inafastáveis ante os benefícios auferidos pelos
réus. Em tópicos individualizados, pode-se analisar as modificações sugeridas
quando da prática de ato infracional, as quais, em razão de mencionarem, na
grande maioria, institutos garantidos na Legislação Penal Comum, enaltecem a
aderência à vertente defensora do Direito Penal Juvenil:
251
“O adulto foi uma criança e um jovem. Ele jamais os será novamente; mas ele tampouco
ficará sem a herança destas condições pregressas”. (ERICKSON, Erick. A way of looking at
things: Selected papers from 1930 to 1980. New York: Norton, 1987. p. 332)
117
4.3.1 Aplicação do Princípio do favor rei
O princípio do favor rei, também denominado in dubio pro
reo
252
ou favor libertatis, tem por fundamento a presunção de inocência
253
do
pretenso responsável por prática criminosa. No entanto, enquanto o princípio da
presunção de inocência informa genericamente o processo, aquele incide no
momento decisório, no qual o juiz, verificando debilidade probatória, declarará a
absolvição do réu.
Adverte-se sobre o mesmo, ademais, que, a fim de evitar
uma interpretação reiteradamente restritiva da punibilidade, convém afirmá-lo não
como regra de interpretação, mas como um critério de valoração da prova
254
.
Na seara infanto-juvenil, porquanto tal princípio é
indistanciável no processo penal, sua atuação deve se manter intacta pelos
mesmos motivos que vigem para o adulto e, ainda (aí vem o principal fator),
porque a falácia da proteção do adolescente infrator não pode ser encoberta pela
pseudopedagogia da medida sócio-educativa, inofensiva para quem a prescreve
nos contornos do Código de Menores.
Neste passo, ao juiz, descabe rejeitar o princípio in dubio pro
reo sob o argumento de que, ao impor uma medida sócio-educativa, estaria
provendo pelo bem-estar do adolescente. Compete-lhe, então, com o propósito de
descartar a incidência do princípio em análise, o submetimento aos artigos 93
255
,
252
“O princípio in dubio pro reo nos indica a atitude que necessariamente devemos adotar para
entender uma expressão legal que tem sentido duplo ou múltiplo, mas pode se descartado ante
a contradição da lei assim entendida como o resto do sistema”. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl;
PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 176)
253
O princípio da presunção do estado de inocência pode ser vislumbrado sob três aspectos. É
utilizado durante a instrução processual, ao passo que promove a inversão do ônus da prova; na
avaliação da prova, que será favorável ao réu em havendo dúvida e, ainda, constitui
sustentáculo para as análises de segregações cautelares.
254
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. p.
175.
255
Art. 93, XI: Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, [...]”. (BRASIL. Constituição (1988).
Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988).
118
inciso XI, da CF/88 e 189
256
do ECA, que preconizam a fundamentação das
decisões, consecutivamente à proposta de Aury Lopez Junior
257
de que a única
verdade admissível é a processual, derivada no âmago da dialética do processo
penal, com base nas garantias ao contraditório e à defesa.
4.3.2 Análise das condições da Ação Infracional
Assim como a propositura da ação penal está vinculada a
condições, analogicamente e em razão do risco de constrangimento ilegal, contra
o qual é possível a interposição de remédio constitucional (Habeas Corpus), tal
exigência deve, com urgência, ser dilatada à ação infracional.
Condicionar o recebimento da representação contra o
adolescente aos requisitos de possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de
parte, interesse de agir e justa causa, agrega maior valor do que a prática forense
costuma mensurar.
O primeiro dos requisitos significa inviabilizar qualquer
pretensão que esteja dissonante à regra de direito material, ou seja, “é preciso
que haja um dispositivo de lei determinando que a conduta descrita pelo acusador
e imputada ao acusado constitua delito de natureza penal (crime ou
contravenção)”
258
. Consolidá-lo implica, por exemplo, ainda que ocorra demanda,
renunciar a aplicação de medida sócio-educativa, antes disso, da própria ação
infracional, na hipótese de furto cometido contra ascendente, crime trivial nas
Varas da Infância e da Juventude, que tem como deslinde a imposição de
medida, em que pese a expressa isenção de pena ao adulto que comete delito
em condições similares (art. 181, II, do CP).
256
“Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na
sentença: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III -
não constituir o fato ato infracional; IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o
ato infracional”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
257
LOPES Jr. Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade
Constitucional. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 257.
258
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev., aum. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 141.
119
Quanto ao interesse de agir, manifestado pelo trinômio
adequação/necessidade/utilidade, se levado em conta este último, no
recebimento da representação, poderá ser, por exemplo, obstado o surgimento da
ação infracional em razão de se prever que incidirá a prescrição da pretensão
punitiva ao fim do processo, sendo inviável instrução probatória que deságüe em
causa extintiva da punibilidade. Neste caso, estar-se-ia adotando o novel
entendimento do STJ que admite a prescrição nas medidas sócio-educativas.
Tangente à legitimidade de parte, imperiosa se faz uma
modificação de grande monta. Com vistas às regras do digo Penal que são
notoriamente processuais, devem ser respeitadas todas as disposições atinentes
à ação penal pública e à ação penal privada, inclusive aquelas que constituem
condições específicas ou de procedibilidade, neste caso, podendo ser citada a
necessidade de representação do ofendido quando a lei exigir
259
(ação penal
pública condicionada). Tão logo, por explícita menção do ECA no art. 152
260
,
incompreensível impedir a fruição dos adolescentes a tal extensão garantista,
embora algumas doutrinas e jurisprudências persistam em denegá-la.
Confirmando a inclinação garantista, afirma Flávio Américo Frasseto:
Se o direito é outorgado ao adulto, deve ser outorgado ao
adolescente. Permitir-se a um adolescente tratamento mais
severo do que receberia o maior imputável autor da mesma
transgressão é algo que assombra os ministros do Superior
Tribunal de Justiça, para quem os rigores na aplicação de uma
medida, sobretudo a restritiva de liberdade, devem ser ainda
maiores em se tratando de pessoa em desenvolvimento
261
.
259
Art. 100, § 1º, do CP: “A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo,
quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”.
(BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>)
260
Art. 152: Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas
gerais previstas na legislação processual pertinente”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de
1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
261
FRASSETO, Flávio Américo. Discursos Sediciosos crime, direito e sociedade. Ano 7. número
12. 2º semestre. Rio de Janeiro: Editora Revan. 2002. p. 168.
120
Desta maneira, não se pode convalidar procedimento
criminal consecutivo à desistência da vítima em manifestar seu direito de
representação contra adulto e adolescente co-autores ou à sua omissão, quanto
ao desejo de ver este processado. Neste caso, o Ministério Público não possui
legitimidade para ingressar com ação infracional pelos motivos de ordem
processual expostos. Além do mais, considerando que, na ação penal privada,
vige o princípio da indivisibilidade, é possível equipará-la à ação penal pública
condicionada, na qual entendemos que tão menos poderá a vítima escolher,
dentre dois ou mais autores, contra qual(is) irá representar, sob pena de extinção
da punibilidade pela renúncia tácita que se comunica entre todos os participantes
do delito
262
.
Finalizando, a justa causa
263
, quarto elemento da ação
penal, por alguns autores acolhido, incita a exigência de prova de materialidade e
de indícios razoáveis de autoria no momento do ajuizamento da ação penal.
Transmutando o requisito para o âmbito do Direito Penal Juvenil, não poderá, o
juiz, receber a representação, se dos documentos carreados for impossível
asseverar que fato criminoso realmente sucedeu e que fundadas suspeitas de
autoria, do contrário estar-se-ia fortificando a lógica totalitária de que a medida
sócio-educativa faz sempre um “bem” ao adolescente.
4.3.3 Efeito extensivo dos recursos
No Estatuto da Criança e do Adolescente, as disposições
concernentes aos recursos cabíveis contra decisões proferidas pelo Juízo
competente pelas questões referentes a crianças e adolescentes são sucintas.
262
Art. 48 do CPP: “A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos,
e o Ministério Público valerá pela sua indivisibilidade”. (BRASIL. Decreto-Lei 3.689 de 3 de
outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>)
263
“Sem que fumus boni iuris ampare a imputação, dando-lhe os contornos da razoabilidade, pela
existência de justa causa, ou pretensão viável, a denúncia ou queixa não pode ser recebida ou
admitida. Para que seja possível o exercício do direito de ação penal é indispensável haja, nos
autos do inquérito ou nas peças de informação ou representação, elementos rios, idôneos, a
mostrar que houve uma infração penal, e indícios, mais ou menos razoáveis, de que se autor foi
a pessoa apontada no procedimento informativo ou nos elementos de convicção” (RT, 643/299).
121
Restringem-se a estipular prazo de interposição e efeitos
264
(devolutivo,
regressivo
265
e, excepcionalmente, suspensivo).
Conforme o art. 198, caput, do ECA, o sistema recursal
adotado foi o do Código de Processo Civil, todavia, no mesmo Estatuto, existe
disposição, dando conta de que toda a regra constante no Código de Processo
Penal poderá ser-lhe aplicada, desde que inocorram colidências.
O CPC não incluiu entre os efeitos de seus recursos o
extensivo, obviamente pelo bem jurídico tutelado, no entanto o CPP, no art. 580,
dispõe que o co-réu, que não interpôs recurso, pode ser beneficiado pelo recurso
do co-autor, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente
pessoal.
Diante do impasse legal, a solução que nos parece mais
razoável é a de adesão ao efeito extensivo, aliás, não poderia ser díspar. Além de
os tribunais, majoritariamente, preconizarem uma interpretação sempre mais
favorável ao réu em casos de colidências de dispositivos legais
266
, o que já
264
Art. 198, inciso VI, do ECA: “a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também
conferido efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção por
estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou
de difícil reparação”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
265
Art. 198, inciso VII, do ECA: “antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no
caso de apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá
despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco dias”. (BRASIL.
Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
266
REVELIA. SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL. DÚVIDA.
INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO REO. PRESCRIÃO DA AÇÃO PENAL. A doutrina brasileira,
em sua quase totalidade, reconhece que, em matéria de interpretação da lei penal, rege o
princípio do in dubio pro reo, quando irredutível dúvida entre o espírito e a letra da lei. Ou
seja, desde que não seja possível descobrir-se a vontade do legislador. A lei penal, este é o
conceito, deve ser interpretada restritamente quando prejudicial ao réu e extensivamente no
caso contrário. O mesmo vale para as decisões judiciais. Se existe uma dúvida invencível sobre
a intenção do julgador, tem-se que optar pela interpretação mais favorável ao acusado. É o que
ocorre na situação. O Magistrado não determinou, expressamente, a suspensão do
procedimento na forma do artigo 366 do Código de Processo Penal. Deste modo, estabelece-se
a dúvida, se também o curso do prazo prescricional foi interrompido. A Justiça Gaúcha era
dividida a respeito da retroação desta parte do citado artigo. Aplica-se, assim, a interpretação
mais favorável, ou seja, a de que não houve a suspensão da prescrição. E, assim sendo, a ação
penal está extinta face à pena aplicada na sentença. O apelante foi condenado às penas de dois
anos de prisão e multa, que prescrevem em quatro anos, pois não integra, no cálculo, o
acréscimo pela continuidade delitiva. Este prazo transcorreu entre as datas do recebimento
122
poderia servir de embasamento, a Lei Especial (ECA)
267
propõe que sua
interpretação se afeiçoe a partir da sua finalidade social implícita, dos direitos
individuais e coletivos e do princípio do estado peculiar de desenvolvimento da
criança e do adolescente.
Em vista disso, cercear ao adolescente o efeito extensivo
dos recursos (interpostos por outro adolescente ou por adulto), culminaria em
relativizar todos as garantias contidas no ECA e na Constituição Federal de 1988
e desprezar a Doutrina do Garantismo Jurídico que se pretende brindar com a da
Proteção Integral.
4.3.4 Inaplicabilidade da Lei 9.099/95 nas hipóteses de ato infracional e de
crianças e adolescentes como vítimas na ação penal
Somos defensores de que jamais poderá ser imposta ao
adolescente medida mais gravosa do que a remetida ao adulto, em circunstâncias
semelhantes. Aliás, este é o fundamento pelo qual muitos sugerem a aplicação
dos institutos da Lei 9.099/95, referente aos aspectos dos Juizados Especiais
Criminais, para os delitos de menor potencial ofensivo, cuja pena não transcenda
dois anos.
Elucida João Batista da Costa Saraiva que,
[...] se a Lei 9.099 estabelece certas condições de procedibilidade
que implicam que certas condutas não serão punidas se
praticadas por adulto (a reconciliação, em uma construção
restaurativa, ou a ausência de interesse em processar o agente
causador do dano, vg.), evidentemente que tais preceitos devem
da denúncia, 2 de dezembro de 1999, e da publicação da sentença condenatória, 29 de março
de 2006. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº. 70015686140, Rel.
Des. Sylvio Baptista Neto, j. 28 set. 2006)
267
“Art. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de
julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
123
ser estendidos ao adolescente, sob pena de se o tratar de forma
mais desfavorável que o adulto
268
.
A despeito do forte argumento, do qual é possível perfilhar-
se em outras situações, entende-se que a aplicação dos institutos da lei em
apreço no ECA é completamente incoerente. Tanto a transação penal como a
suspensão condicional do processo (sursis processual), longe de constituírem
benefícios, desafiam a constitucionalidade, à medida que antecipam uma medida
punitiva sem o devido processo legal
269
, não se podendo consentir, como o quer
Cezar Roberto Bitencourt, que o princípio da presunção de inocência ceda à
manifestação livre e consciente do autor do fato
270
. Com o surgimento deles, o
Estado reconheceu sua ineficiência na prestação jurisdicional e, como paliativo,
criou os Juizados Especiais Criminais, símbolos da celeridade processual sem
limites, cujos eufemismos, nas nomenclaturas de suas inovações, tentam (e
conseguem) ludibriar quanto à inexistência de pena e à promoção da in(justiça)
célere.
Não se defende, pois, no caso de infrações de pequeno
potencial ofensivo, cometidas por adolescentes, que se aplique medida mais
severa a estes do que aos adultos, mas também não são entendidos como
adequados os institutos de uma lei cujas finalidades em nada coincidem com as
do ECA. A solução proposta é a utilização dos instrumentos que possuímos: o
uso da razoabilidade, na determinação das medidas sócio-educativas, sanaria o
problema aventado quanto à discrepância da gravidade da medida imposta para
um e outro e quanto à suspensão, o instituto da remissão, tal qual o sursis
processual, também pode adquirir tal caráter, se ocorrer no curso do processo
infracional.
Desta maneira, seria ilógica a incidência da Lei 9.099 na
seara da infância e da juventude, que, enquanto aquela visa a despenalização
268
SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de direito penal juvenil. p. 54
269
Sobre o tema: KARAN, Maria Lúcia Pereira. A Concretização Antecipada do Poder de Punir.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
270
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral, v. 7. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 582.
124
com os olhos cerrados, desprezando garantias constitucionalmente asseguradas,
esta objetiva a reeducação do adolescente.
Outro aspecto que merece ser analisado é o da aplicação da
lei instituidora dos Juizados Especiais Criminais quando a vítima é criança ou
adolescente.
Não obstante o preenchimento do critério formal exigido,
qual seja, pena máxima não excedente a dois anos (art. 61 da Lei 9.099/95), em
razão dos preceitos sobrevindos com o ECA, que dizem respeito à prioridade
absoluta da proteção e dos interesses das crianças e dos adolescentes, não
razão plausível para que o Estado conceda ao autor do fato a faculdade quanto à
propositura ou não da ação penal contra si.
Neste sentido, é o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul:
Conflito de competência. Juizados Especiais criminais e vara
comum. Lei 10.259/01. Concurso de crimes. Causas de aumento.
Súmula 243 STJ crime contra criança. Incidência art. 77, § , e
66 parágrafo único da lei 9.099/95.
1 Havendo possibilidade de crime continuado cuja pena é
superior ao estabelecido no art. , § , da Lei 10.259, a
competência é da vara comum, e não dos juizados. Súmula 243
STJ.
2 Considerar crime de menor potencial ofensivo, agressão,
espancamento contra pequena vítima afronta as leis de proteção à
infância. O ECA insere-se, independente da pena cominada, na
exceção do art. 77, § 2º, referida no parágrafo único. Procedente o
conflito, por maioria, competente a 4ª vara criminal de Pelotas
271
.
271
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Conflito de competência 70004221040, Rel.
Des. José Antônio Hirt Preiss, j. 16 maio. 2002.
125
Suscitar a exceção constante no art. 77, §2º
272
, da Lei dos
JECrim’s como subterfúgio à aplicação desta Lei aos casos de violência infantil e
juvenil é imperativo devido à extrema censurabilidade da conduta contra sujeito
psíquico e fisicamente mais frágil. Logo, afora os delitos abrangidos pela recente
Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que retratam violência no âmbito familiar,
todas as demais deverão ser julgadas no Juízo Penal Comum.
4.3.5 Direitos incursos no procedimento de execução das medidas sócio-
educativas
São gritantes os prejuízos decorrentes da ausência de
legislação de execução da medida sócio-educativa. Tal fato, não bastasse
macular a segurança jurídica na determinação de medidas, retira do infrator uma
série de direitos subjetivos (e, portanto, invioláveis), tais como a progressão de
regime e a possibilidade de conversão da medida privativa de liberdade em
restritiva de direitos, o que torna a execução da medida mais gravosa a um
adolescente do que uma pena imposta a um adulto.
Ora, se para um adulto é possibilitada a atenuação do
cumprimento de pena, tendo em vista as condições pessoais do apenado e as
temporais da reprimenda, seria incoerente não estender tal benesse ao
adolescente conflitante com a lei que, como sujeito de direitos, também faz jus ao
princípio da progressividade
273
das medidas, que, adversamente, em sendo
descumprida a medida, poderá sofrer espécie de regressão (ainda que a Lei
272
Art. 77, § : “Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da
denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao juiz verificar o encaminhamento das peças
existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei”. (BRASIL. Lei 9.099 de 26 de
setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>)
273
“Criminal. HC. ECA. Suspensão de progressão de medida socioeducativa. 1. Decisão com
fundamentação deficiente. Afronta ao objetivo do sistema. Ordem concedida. Deficientemente
fundamentada a decisão para impedir progressão de medida socioeducativa, deferida pelo julgado
de 1º grau e com base em laudos técnicos, reconhece-se a ocorrência de constrangimento ilegal.
2. O sistema implantado pelo ECA visa à reintegração do menor ao convívio social, sendo que a
progressão é da sua natureza, sendo descabida a sua sustentação se não demonstrado risco de
lesão irreparável. 3. Ordem concedida para que o paciente aguarde em liberdade assistida o
julgamento do recurso ministerial”. (BRASIL, STJ. HC 8717/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 31 maio.
1999)
126
assim não lhe queira fazer entender) por meio da internação-sanção (art. 122, §
, do ECA).
Deste modo, imposta na decisão medida de prestação de
serviços à comunidade, se as circunstâncias assim recomendarem, possível
convertê-la durante a execução (tal como ocorre no procedimento previsto pelo
art. 180 da LEP) por liberdade assistida, reparação de danos ou, ainda,
advertência.
Quanto à progressão de regime de cumprimento de medida,
flagrante a inconstitucionalidade em refutá-la, pois é manifesto que a manutenção
do adolescente (assim como a do adulto no processo comum) permanentemente
em um único regime desafia o princípio da individualização da pena (art. , inc.
XLVI, 1ª parte, da Constituição Federal), o qual se perpetua através dos princípios
da necessidade e da dignidade humana, tendo em vista que “toda pena qualitativa
ou quantitativamente (supérflua porque) maior que a suficiente para reprimir
reações informais mais aflitivas para o réu pode ser considerada lesiva para a
dignidade da pessoa”
274
.
Importante acrescentar, ao final, quão relevante se mostra o
Direito Penal Juvenil especialmente neste tópico, ao passo que propicia, à
contrariedade do Direito Infracional, garantias que deveriam ser consideradas
inarredáveis aos adolescentes (referentes à correlação estabelecida com a
progressão e a conversão de pena), embora, acerca das regras de execução,
tenha o ECA silenciado.
4.4 A INOVAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Embora haja divisão de competências quanto aos assuntos
relevantes para o progresso de um ente estatal, o poder é uno e, como tal,
também o Poder Judiciário o é, com suas prerrogativas disciplinadas
constitucionalmente. No entanto, não podem ser descartadas as disparidades na
274
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 319.
127
implementação de medidas realizadas pelos Tribunais do País e exemplo disto é
a utilização dos fundamentos da Justiça Restaurativa, não explícita na legislação,
mas recomendada pela Organização das Nações Unidas a todos os países do
mundo.
A Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas, de 13 de Agosto de 2002, enunciou os principais preceitos da Justiça
Restaurativa:
1 Programa Restaurativo - se entende qualquer programa que
utilize processos restaurativos voltados para resultados
restaurativos.
2 Processo Restaurativo - significa que a vítima e o infrator, e,
quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade
afetados pelo crime, participam coletiva e ativamente na resolução
dos problemas causados pelo crime, geralmente com a ajuda de
um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação,
conciliação, audiências e círculos de sentença.
3 Resultado Restaurativo - significa um acordo alcançado devido a
um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e
programas, tais como reparação, restituição, prestação de
serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades
individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da
vítima e do infrator
275
.
Os precursores da Justiça Restaurativa, Paul Maccold e Ted
Wachtel, propõem uma teoria conceitual de Justiça que parte de três questões-
chave: “Quem foi prejudicado? Quais as suas necessidades? Como atender a
essas necessidades?”
276
.
275
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa: É possível no Brasil?. Disponível em:
<http://www.idcb.org.br/documentos/artigos3001/art_justicarestau.doc#footnote8>.
276
McCOLD, Paul; WACHTEL; Ted. Em busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça
Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 15 de agosto de
2003, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.iirp.org/library/paradigm_port.html>.
128
Por intermédio dos três pilares, pretendem, os autores,
imiscuir a Justiça Restaurativa no Direito Penal não como ação meramente
expiatória, mas como um processo que, com a contribuição das partes
interessadas (incluindo a vítima), proporcionará a reparação do dano causado
pela transgressão normativa. Isto porque, segundo o entendimento dos mesmos,
a mera punição, por desconsiderar os fatores emocionais e sociais da pessoa
ofendida, embora possa, em tese, efetivar a função retributiva e preventiva da
pena, não suprime o trauma emocional desencadeado à vítima, fator que julgam
imprescindível para a consecução da pacificação social.
Portanto, a estratégia utilizada é visar à boa convivência
entre as pessoas, isolando o fato pretérito e abandonando a antiga concepção de
que o sujeito adquire dívida com o Estado, à medida que delinqüir. A distinção
entre a Justiça Retributiva e a Justiça Restaurativa é simples: enquanto aquela
aponta o ato do transgressor e almeja vê-lo sendo castigado, esta se intera de
soluções para reparar o dano causado, com fulcro, como se pode constatar na
doutrina do Direito Alternativo apesar da sustentação do juiz Leoberto Narciso
Brancher de que consistiria apenas em uma forma de solução paralela à justiça
convencional
277
-, que tem como um dos seus adeptos o desembargador gaúcho
Amilton Bueno de Carvalho, para quem “com o advento da nova CF vive-se época
de riqueza interpretativo-jurídica. Apesar de ela apresentar alguns recuos, na
verdade o momento é precioso para que sejam revistos institutos consagrados
pela velha ordem”
278
.
Para os autores Paul McCould e Ted Wachtel:
[...] a abordagem restaurativa, com alto controle e alto apoio,
confronta a desaprova as transgressões enquanto afirmando o
valor intrínseco do agressor. A essência da justiça restaurativa é a
resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas
restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por
277
BRACHER, Leoberto Narciso. Justiça Restaurativa: a Cultura de Paz na Prática da Justiça.
Disponível em:
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_0.HTM>.
278
CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris. 2005. p. 105.
129
um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus
sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um
plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A
abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o
transgressor repare danos e não seja mais visto como o tal
279
.
Como dito, não menção legal ao instituto da Justiça
Restaurativa em nosso ordenamento, todavia alguns procedimentos específicos
dão ensejo à sua adesão, ainda que intrinsecamente. São eles: os crimes de
menor potencial ofensivo (Juizados Especiais Criminais – Lei 9.099/95), os crimes
abrangidos pelo Estatuto do Idoso em que suas respectivas penas não excedam
a quatro anos (art. 94 da Lei 10.741/03
280
) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Imperioso aqui mencionar que é impossível não correlacionar a
Justiça Restaurativa com a idéia de Direito Penal Mínimo, haja vista que as
qualidades dos delitos previstos pelos dois primeiros e as características de
algumas das medidas sócio-educativas do último permitiriam a substituição, até
mesmo, de penas/medidas restritivas de direitos, pois a técnica restaurativa seria
suficiente para solucionar o conflito com a integração e satisfação das partes
(Estado, vítima, autor do fato) nesta senda, segundo seus criadores, a Justiça
Restaurativa “é uma nova maneira de abordar a justiça penal, que enfoca a
reparação dos danos causados às pessoas e relacionamentos, ao invés de punir
os transgressores” (grifo acrescido)
281
.
A conceituação exposta representa a construção originária
do projeto, que em nosso País, em razão de algumas circunstâncias, discrepa da
forma de execução e, portanto, torna prejudicados alguns resultados. Nos
Juizados Especiais Criminais, na maioria das vezes, é proposta transação penal
ao autor do fato, pois o afinco em tornar exitosa a composição de danos
279
McCOLD, Paul; WACHTEL; Ted. Em busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça
Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 15 de agosto de
2003, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.iirp.org/library/paradigm_port.html>.
280
Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4
(quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei n
o
9.099, de 26 de setembro de 1995, e,
subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo
Penal.
281
McCOLD, Paul; WACHTEL; Ted. Em busca de um Paradigma: Uma Teoria de Justiça
Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 15 de agosto de
2003, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.iirp.org/library/paradigm_port.html>.
130
civis (quiçá pela inaptidão de conciliadores), invalidando a única fonte de onde
poderia emergir a Justiça Restaurativa.
No ECA, por seu turno, a experiência mostra, através da
Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre, que o
sistema restaurativo jamais é aplicado como medida autônoma, pois a
participação da vítima é cumulada com a medida sócio-educativa aplicada
282
.
Dando ênfase ao ECA, embora a técnica não seja aplicada
isoladamente, constata-se que os resultados estão sendo extremamente
satisfatórios e, a fim de demonstrar tal êxito, leiam-se as seguintes declarações:
Falei sobre tudo, falei sobre o meu arrependimento de ter feito
isso com ele, que não era minha atenção ter feito isso com ele,
que não era minha intenção ter batido o carro dele, que não era
ter tirado esse carro dele. (Adolescente, autor de roubo de
automóvel falando sobre sua experiência no círculo
restaurativo).
282
Embasando a afirmação de que a técnica empregada pela Justiça Restaurativa, no ECA, é
cumulada com medida sócio-educativa, leia-se acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul que abrange a questão e, ainda, expressa a satisfatividade da inovação:
O Caso: JOSUÉ es internado desde março de 2006 tendo sido julgado procedente a
representação por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Na última audiência de
avaliação, os técnicos opinaram favoravelmente à extinção da medida socioeducativa (fls.
10/20). No entanto, o juízo, entendendo que a evolução deve ocorrer de forma gradual,
progrediu a medida socioeducativa de internação para possibilitar as atividades externas. A
peculiaridade do caso está baseada em dois aspectos. Suporte da família e da comunidade:
Durante a audiência, narrou a psicóloga a realização de um encontro restaurativo com familiares
e amigos do adolescente. Nesta ocasião, estavam presentes 16 pessoas, e “todas falaram muito
bem do Josué; cada uma que se apresentava mencionava a sua relação com ele e o seu afeto
por ele” (fl. 13). [...] Ao que parece, o adolescente tem o respaldo suficiente (da família e da sua
comunidade) para iniciar um novo projeto de vida e fazer do ato infracional algo que pertence tão
somente ao passados. Concordância do Ministério Público em contra-razões: Vale a pena
notar que o Ministério Público, em contra-razões, também é favorável à extinção da medida,
baseado na conduta do adolescente na unidade de internação, no laudo psicológico positivo e
no fato que o adolescente não tem antecedentes infracionais. Destaco aqui o que disse o
Ministério Público (fl. 69): Neste contexto, a manutenção de qualquer medida impediria a
implementação de todo o trabalho desenvolvido pela equipe técnica e familiares, inclusive
tornando improducente o trabalho desenvolvido na Justiça Restaurativa que firmou os planos
traçados por todos os participantes do projeto de desenvolvimento educacional e profissional do
adolescente. Ademais, o cumprimento da medida, até o presente momento, atende à
proporcionalidade exigida no sopesamento do tempo de internação com a gravidade do ato
infracional cometido, vez que a conseqüência modelar do ato infracional foi capaz de responder
adequadamente às necessidades pedagógicas reveladas pela infração e pelo estudo das
condições pessoais do adolescente”. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agravo de
Instrumento nº 70017252008, Rel. Des. Rui Portanova, j. 14 dez. 2006)
131
Eu tive um conjunto de coisas que até me fez bem sabe! Já
pensou alguém te um tapa e tu não sabe quem foi, vai embora
e tu não vê, tu vai ficar com aquele negócio, de quem te fez
alguma coisa; foi bom, foi ótimo (...) (Vítima de roubo, sobre sua
possibilidade de elaborar melhor seu processo de vitimização a
partir do encontro com o adolescente).
A forma que a gente trata e que está fazendo os encontros
restaurativos dentro da instituição hoje, (...), eles já estavam no
Estatuto, de garantir o protagonismo, que a rede pudesse ser
envolvida, que o meio aberto estivesse assumindo a sua
responsabilidade ao término da internação. Mas como que a gente
ficava tão fechada dentro da internação que achava bom
bem, eu fiz isto aqui, o que me cabe é isto! – Mas, e ai? E aí que a
gente vem vendo que o índice de reincidência é altíssimo. Por
quê? Porque é um momento que a gente não consegue com que
as pessoas se responsabilizem pelo ato infracional e que a própria
instituição não se responsabilize por esta mudança de
comportamento por este suporte que deve ser dado para que ele
possa efetivamente achar outra forma de resolver os conflitos dele
que não seja estratégias que vinha usando até então
(Coordenadora de Círculo, designada pelo Executivo Estadual
para o Projeto, refletindo sobre os limites da intervenção das
instituições do Sistema de Atendimento Sócio-Educativo a luz do
paradigma retributivo)
283
.
As colações retro expostas dizem respeito a um dos quatro
projetos pilotos de aplicação experimental da Justiça Restaurativa no Brasil (de
que, aesta data, se tem notícia), cuja iniciativa foi do Ministério da Justiça, no
ano de 2005, através da Secretaria da Reforma do Judiciário, tendo sido os outros
três instalados nas Varas da Infância e da Juventude de São Caetano do Sul e de
Joinville e nos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal.
O que se percebe, portanto, dando enfoque à instalação da
Justiça Restaurativa em Porto Alegre, é que, embora as finalidades relativas à
integração social estejam sendo, paulatinamente, alcançadas (muito em virtude
283
BRANCHER, Leoberto. Juventude, Crime & Justiça: uma promessa impagável? In: Justiça
Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. ILANUD; ABMO; SEDH;
UNFPA (orgs). São Paulo: ILANUD, 2006. p. 485-487.
132
de se transcender a fase da estigmatização social do autor do fato, posterior e
decorrente da natural aversão demonstrada pela vítima), não compatibilidade
desse proceder com todas as modalidades de ato infracional e, deste modo, de
crimes, pois, em diversas situações, o confrontamento entre o autor do fato e a
vítima, pode acarretar efeitos perniciosos a esta última, nada obstante a
aquiescência da prática deva ser, primeiramente, daquele (com o escopo de se
resguardar possível suscitação de prejuízo) e, em seguida, desta.
Na Comarca de Joinville, por sua vez, através da Portaria nº
05/2003, editada pelo Juiz Doutor Alexandre Morais da Rosa, foi instituído um
programa de mediação com adolescentes autores de ato infracional, constituído
por duas fases: a pré-mediação e a mediação, descritas a seguir conforme Juan
Carlos Vezzula
284
, proponente do projeto no Brasil, com fulcro nas positivas
experiências auferidas na Espanha.
Na primeira etapa, presentes o adolescente, seus pais ou
responsáveis, seu advogado, um representante da Vara da Infância e da
Juventude e o mediador, este perscrutará a possibilidade de inclusão do
adolescente no programa, explicando a todos o funcionamento e os objetivos
deste. O termo de adesão somente será assinado com o comprometimento do
adolescente em cumprir o acordo proposto, sendo este enviado ao Juízo
competente para ser anexado ao processo.
A seguir, na fase de mediação, participarão o adolescente e
o representante da Vara da Infância e da Juventude a fim de identificar quais são
as necessidades daquele (permitindo sua livre expressão) e quais mediações com
pessoas e/ou instituições ser-lhes-ão significativas para transformar a tormentosa
experiência do ato infracional em crescimento – podem ser partes da mediação, o
adolescente e sua família, o adolescente e a vítima (se houver) e o adolescente e
grupos de pessoas importantes em sua vida, tais como a escola, a academia, ou
qualquer outro. A mediação tanto pode ocorrer antes da propositura da ação
infracional como, no curso desta, antes do proferimento de decisão judicial e,
284
VEZZULA, Juan Carlos. A Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infracional.
Florianópolis: Habitus, 2006. p. 123-129.
133
caso haja reiteração de conduta colidente com a lei, juiz e promotor serão
informados para dar prosseguimento ao processo.
Deste modo, sendo suficiente a mediação para atender as
necessidades do adolescente e fornecer-lhe consciência dos seus atos,
redundando no reconhecimento espontâneo do dano causado, na sua reparação
(se possível for) com a tima e no seu comprometimento de seguir as atividades
educativas propostas pela Equipe Interprofissional (referida no art. 151
285
do
ECA), poderá ser aplicada, nos termos do art. da portaria adrede citada, a
remissão suspensiva ou definitiva.
Como se pode concluir, as diferenças entre as técnicas
utilizadas com adolescentes autores de atos infracionais nas Comarcas de Porto
Alegre e de Joinville são evidentes. Enquanto a primeira adotou modelo
genuinamente da Justiça Penal Comum (Justiça Restaurativa), conciliando as
inovações do projeto com as medidas sócio-educativas, a segunda propõe
método que evita a aplicação de qualquer medida constritiva, resultando na
suspensão ou mesmo na extinção do processo infracional. O que importa
salientar, contudo, é que ambos os projetos merecem congratulações, pois,
apesar das disparidades do seu desenvolvimento, o intuito é um só: reeducar o
adolescente por intermédio da compreensão sobre a repercussão de seus atos,
desiderato que ambas as Comarcas têm logrado com louvor.
285
“Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem
reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou
verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação,
encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária,
assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico”. (BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho
de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizada a presente pesquisa, é possível observar que o
encadeamento histórico dos documentos que tutelaram os direitos da criança e do
adolescente foi gradual e teve seu clímax a partir da adoção da Doutrina da
Proteção Integral tanto no cenário mundial, quanto no nacional –, a qual
extirpou, ao menos na teoria, tratamentos degradantes, determinações de
medidas baseadas em parâmetros irrazoáveis, bem como nomenclaturas
pejorativas aos adolescentes conflitantes com a lei.
A Doutrina da Proteção Integral aliou-se à “oxigenante” novel
ordem constitucional, sobrevindo, por conseqüência, um vasto rol de garantias
individuais, beneficiador tanto das crianças quanto dos adolescentes infratores.
Em que pese o louvável progresso, o maior óbice do
renovado instrumento de defesa das crianças e dos adolescentes Estatuto da
Criança e do Adolescente –, concerne à incidente crise de interpretação e de
implementação, sendo a primeira referente, notadamente, aos atores jurídicos e a
segunda à administração pública.
No primeiro caso, o principal foco do problema consiste na
não uniformização doutrinária quanto à natureza jurídica da medida sócio-
educativa, o que pode redundar a concessão ou não de inúmeros direitos aos
infratores e, em sendo assim, chegando ao término do trabalho, não poderíamos
aderir outra corrente senão a do Direito Penal Juvenil, que defende a inserção de
institutos do Direito Penal no ECA e, logo, da Doutrina do Garantismo Jurídico,
haja vista o nos ludibriarmos com o caráter estritamente pedagógico das
medidas aplicadas.
Constata-se, pois, o mais puro sincretismo, ao revés do que
replicam os adeptos do Direito Infracional, conferir determinadas garantias
(principalmente as processuais) aos adolescentes cujas condutas colidam com a
normatização, se não for considerado o caráter retributivo da medida sócio-
educativa. É relativamente compreensível que os vícios das informações
135
jornalísticas maculem a suscetível opinião pública, notadamente no tocante aos
atos procedimentais da Justiça, todavia é plausivelmente exigível o conhecimento
daqueles que percebem as tratativas, na prática forense, endereçadas aos
adolescentes (tanto na fase instrutória, quanto na executória da medida) e daí
nossa irresignação quanto à relutância em conferir os direitos expressos no
Diploma Punitivo Legal.
Vale ressaltar, aliás, que se a recalcitrância se funda
somente em tentar abster o ECA das mazelas do Direito Comum, tal argumento é
vil, quando se trata de garantias. Ademais, é hipócrita o argumento de que se
pretende resguardar o adolescente dos estigmas de punição, segregação e
dominação social, conseqüentes do Direito Penal, cerrando-se os olhos para o
fato de que isto, com ou sem a adesão do Direito Penal Juvenil, ocorre há
tempo, tanto quando os adolescentes eram rotulados de “portadores de patologia
social”, como quando passaram a ser considerados seres em peculiar estado de
desenvolvimento.
Ora, é preciso sim corrigir os erros do Direito Penal, contudo
estes não podem se tornar empecilhos para a extensão de direitos aos
adolescentes, até porque haveria colidência com a Regra 54 das Diretrizes de
Riad, da qual nosso País é signatário, que veda, seja destinado ao infrator,
tratamento mais severo do que ao adulto transgressor.
Outrossim, nada obstante principiologicamente o ECA
constituir uma legislação garantista, tais disposições não podem ser interpretadas
isoladamente, pois isto redundaria em demasiado apego à lei, sem mencionar que
algumas situações sequer foram previstas. Necessário, desta forma, buscar
subsídios na Legislação Retributiva Comum, bem como na doutrina do célebre
autor Luigi Ferrajoli, a partir do viés de que a realidade jurídica em nada retrata o
fantasioso ideal de que o adolescente, em razão de a lei conferir-lhe tratamento
diferenciado, goza efetivamente das benesses constantes no Estatuto.
Portanto, somente adotando o Direito Penal Juvenil como
base para a aplicação do ECA (no aspecto atinente à prática de ato infracional) e
considerando que a medida sócio-educativa possui também desiderato retributivo
136
é que será possível, de fato, atingir as reais finalidades insculpidas na Doutrina da
Proteção Integral, estando, dentre os seguidores deste entendimento, os insignes
ministros do Superior Tribunal de Justiça, que não hesitam em registrar o caráter
repressivo das medidas infligidas aos adolescentes e que, com a edição da
súmula 338, conclamaram a incidência do Direito Penal Juvenil na Legislação
Infanto-juvenil pátria.
Pertinente à crise de implementação, decorrente da
inoperância das políticas públicas, defende-se a mitigação do princípio da
separação dos poderes e a intervenção contínua do Poder Judiciário, tendo em
vista que a margem discricionária do agente público é reduzida, se considerarmos
as disposições constitucionais referentes ao modo e à ordem de prioridade da
aplicação das verbas públicas, explícitas em se tratando de crianças e
adolescentes.
Conclui-se, ainda, que o ECA clama por uma renovação
profunda na ideologia dos atores jurídicos, precipuamente quando se trata da
atuação dos magistrados, os quais devem assumir seu papel de garantidores no
que concerne aos direitos dos adolescentes em colidência com a lei, incluindo
aceitar sua posição de sujeito social (passível de influências de toda sorte e de,
portanto, ter parcialidade) e conceber a verdade real como derivação do ser e não
da episteme.
A influência da psicanálise, na constatação do que pode ser
considerado ato infracional e na forma e hipótese de quando deve ser aplicada a
medida sócio-educativa, desta forma, torna-se imensurável, pois, considerando
que o sujeito é produto da relação fálica e que a adolescência constitui uma
delicada fase de aprimoramento biopsicossocial e, logo, de determinação de
papéis -, o juiz deve, com as peculiaridades do caso que lhe for apresentado, não
somente perscrutar a modalidade de medida adequada, mas também a sua
conveniência e, agindo democraticamente, com respeito à autonomia do
adolescente, impor-lhe a medida.
O que se pretende com tal atitude é resgatar papel que pela
estrutura familiar o foi desempenhado com êxito (Lei-do-Pai), pressupondo que
137
com diálogo e compreensão, exprimindo ao adolescente os limites do gozo,
impostos pelo o ordenamento jurídico (castração dialogada), o Simbólico seja
atingido e retrate o Real da forma concebida positivamente pela sociedade.
Destarte, a partir da pesquisa realizada, pode-se apontar
como um início de melhoramentos, dentre as diversas mudanças prementes que
requer a concepção jurídica nacional sobre o ECA, a consolidação, de forma
definitiva, de que a medida sócio-educativa possui caráter punitivo e que,
portanto, ao adolescente não pode ser suprimido qualquer direito constante no
Código Penal. Cumulado a isto, em consonância com os ditames da Constituição
Federal, sugere-se que não se olvide de seu estado peculiar de desenvolvimento
e, por conseguinte, dos efeitos deste (dissertados pela psicanálise), devendo, em
razão disto, haver comprometimento de todos (Estado, família, defensores,
promotores de justiça, magistrados e sociedade de forma geral) para que o
adolescente se sinta amparado, sendo ou não autor de ato infracional, pois
somente desta forma poder-se-á vislumbrar a pacificação social.
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