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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
MARIZA CANJIRANO DA COSTA
POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO DOS OSTENSIVOS E NÃO
OSTENSIVOS NO ENSINO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE DUAS
EQUAÇÕES LINEARES E DUAS INCÓGNITAS
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
SAO PAULO
2008
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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
CONSELHO DA PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA
MARIZA CANJIRANO DA COSTA
POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO DOS OSTENSIVOS E NÃO
OSTENSIVOS NO ENSINO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE DUAS
EQUAÇÕES LINEARES E DUAS INCÓGNITAS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Universidade Bandeirante de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação
Matemática, sob a orientação da Profa.Dra.
Marlene Alves Dias.
SAO PAULO
2008
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C874p Costa, Mariza Canjirano
Possibilidades de articulação dos ostensivos e não ostensivos no
ensino da noção de sistemas de duas equações lineares a duas
incógnitas/Mariza Canjirano da Costa – São Paulo: [s.n], 2008.
179; il .; 31 cm
Dissertação de Mestrado – Programa de Pós Graduação em
Educação Matemática, Universidade Bandeirantes de São Paulo.
Orientador: Marlene Alves Dias.
1.Sistemas de equações lineares e duas incógnitas 2. Ostensivos
e não ostensivos 3. Níveis de conhecimento 4.Domínio ou Quadros 5.
Pontos de vista I. Título
CDD: 372.7
MARIZA CANJIRANO DA COSTA
POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO DOS OSTENSIVOS E NÃO OSTENSIVOS NO
ENSINO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE DUAS EQUAÇÕES LINEARES A DUAS
INCÓGNITAS
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À UNIVERSIDADE BANDE3IRANTE DE SÃO
PAULO COMO EXIGÊNCIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Presidente e Orientador
Nome:_________________________________________________________________
Titulação:______________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________________________
2ª Examinador
Nome:_________________________________________________________________
Titulação:______________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________________________
3ª Examinador
Nome:_________________________________________________________________
Titulação:______________________________________________________________
Instituição:_____________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________________________
Nota Final:___________
Biblioteca
Bibliotecário:__________________________________________________________
Assinatura:_____________________________________________Data____/___/___
São Paulo, ____ de _____________________ de 2008.
Ao meu esposo, Val.
Á minha irmã Maurinda e sobrinha Bruna.
Aos meus queridos pais, Mario e Maria.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me concedido esta oportunidade na vida.
A minha orientadora, professora Doutora Marlene Alves Dias, pela extrema
competência, paciência, dedicação e criticas construtivas dessa dissertação e o meu
crescimento com o aprendiz de pesquisador.
À professora Dra.Verilda Speridião Kluth, que participou da minha qualificação dando
sugestões que permitiram melhorar o trabalho aqui apresentado.
Ao professor Dr. Ruy César Pietropaolo e a professora Dra. Tânia Maria Mendonça
Campos pela atenção e compreensão que muito contribuíram para este trabalho.
A minha família pelo apoio e incentivo nas horas que mais precisei.
Agradeço em especial, á minha família. Minha mãe e pai querido, que sempre
acreditaram em meu potencial, apoiando-me em todos os momentos de minha
trajetória. A minha irmã e minha sobrinha pelo estimulo para vencer mais uma batalha e
ao meu esposo Valdete, por compreender minha ausência em alguns momentos, pelo
incentivo, compreensão e estimulo.
Aos colegas e professores do Programa de Mestrado da Uniban, pelo apoio e troca de
experiências.
“Alguns viajaram pelo mundo todo, mas nunca tiveram coragem ou habilidade para
viajar para dentro de si mesmos...”
(Augusto Cury)
RESUMO
COSTA, M. C. Possibilidades de articulação dos ostensivos e não ostensivos no
ensino da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas. 2008.
179f. Programa de Pós Graduação em Educação Matemática, Universidade
Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2008.
O objetivo desse trabalho é mostrar as escolhas para o ensino da noção de sistema de
duas equações lineares a duas incógnitas, para a sétima série do Ensino Fundamental,
nível II, via documentos oficiais e verificar quais os diferentes tipos de tarefas são
propostas nas diferentes épocas, desde a década de 50 ao século XXI. Sendo assim,
para o desenvolvimento da pesquisa, escolhe-se como referencial teórico central a
abordagem antropológica de Chevallard e Bosch (1999) e como referenciais teóricos de
apoio os trabalhos de Robert (1997) sobre os três níveis de conhecimentos esperados
dos estudantes; Douady (1984,1992) sobre articulações de domínios ou quadros;
Rogalski (1995) sobre a noção de pontos de vista e Tavignot (1991) para o
organograma de apresentação geral das obras analisadas. Após um rápido estudo do
trabalho de Chevallard e Bosch (1999) analisa-se, via Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Fundamental (1998) e Proposta Curricular do Estado de São
Paulo (1991), o “toposesperado do professor e do estudante. Na seqüência, constrói-
se uma grade de análise para a noção de sistemas de duas equações lineares a duas
incógnitas levando-se em conta o referencial teórico escolhido. Essa grade, devendo
servir de ferramenta para a análise das escolhas em termos dos ostensivos e não
ostensivos, nas diferentes décadas, através de livros didáticos. Para isso, são
escolhidos, aleatoriamente, oito livros didáticos para a análise institucional existente nas
décadas escolhidas. Na conclusão dessas analises verifica-se a inexistência de um
trabalho que tente mostrar o papel que desempenha a noção de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas, principalmente, quando esse serve apenas para
facilitar o trabalho matemático em jogo.
Palavras-Chave: Sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas. Ostensivos e
não ostensivos. Níveis de conhecimentos. Domínio ou quadros. Pontos de vista.
ABSTRACT
COSTA, M. C.
Ostensive and the not ostensive possibilities of joint of in the
education of the notion of systems of two linear equations two incognito.
2008. 179f. Master’s Dissertation – Graduated Program in Mathematics Education.
University Bandeirante de São Paulo, São Paulo, 2008.
The aim of this paper is to show the choices of two incognitos to the teaching of the
notion of the system of two linear equations, to the seventh series of Brazilian basic
education, level II, through official documents and to verify which of the different types of
tasks are proposed at the different times, since the 50’s to XXI century. Thus, for the
development of this research, the anthropological theory of Chevallard and Bosch
(1999) was chosen as central theoretical reference. As support references were chosen:
Robert (1997) about the three levels of student knowledge; Douady (1984,1992) about
articulation of domains or tables; Rogalski (1995) about the notion of point of view and
Tavignot (1991) for the organization chart of general presentation of the analyzed
reference works. After a fast analysis of the work of Chevallard and Bosch (1999),
according National Curricular Parameters of Brazilian Basic Teaching (1998) and
Curricular Proposal of the State of São Paulo (1991), the summits of the teacher and the
student were done. After this, an analysis scheme was done, regarding the chosen
theoretical reference, about the notion of systems of two linear equations of the two
incognitos. This scheme was used as a tool for the analysis of the choices of ostensive
and the not ostensive terms, in the different decades, through didactic books.
Concerning this, eight didactic books were chosen for the institutional analysis in the
chosen decades. Concluding, there is not a work that tries to show the role that has the
notion of systems of two linear equations of two incognitos, mainly, when this serves
only to make the mathematical work easy.
Keywords: Systems of two linear equations of the two incognitos. Ostensive and not
ostensive. Levels of knowledge. Domain or tables. Points of view.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................1
CAPÍTULO 1.....................................................................................................................6
A abordagem antropológica e sua importância para a análise das articulações possíveis
na introdução de uma noção matemática
1.1 Considerações Iniciais..............................................................................................6
1.2 A abordagem antropológica de Chevallard e Bosch (1999).....................................7
CAPÍTULO 2...................................................................................................................39
O “topos” do aluno e do professor via parâmetros curriculares nacionais e Proposta
Curricular do Estado de São Paulo: a noção de sistemas de equações lineares
2.1 Considerações Iniciais.........................................................................................39
2.2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais................................................................41
2.3 A Proposta Curricular do Estado de São Paulo...................................................53
2.4 Considerações Finais...........................................................................................63
CAPÍTULO 3...................................................................................................................69
Possibilidades de articulação dos ostensivos e não ostensivos no ensino da noção de
sistemas de duas equações lineares a duas incógnitas
3.1 Considerações Iniciais ........................................................................................69
3.2 As noções didáticas utilizadas para construção da grade...................................70
3.3 A grade de análise ..............................................................................................73
3.4 Exemplos de funcionamento da grade ................................................................75
3.5 Considerações Finais ..........................................................................................94
CAPÍTULO 4...................................................................................................................98
A evolução do ensino da noção de sistemas de duas equações lineares a duas
incógnitas via análise de livro didático
4.1 Considerações Iniciais ......................................................................................98
4.2 A análise da obra de Iezzi et al 2005 ...........................................................101
4.3 Comentários e Análise........................................................................................102
4.4 A parte do professor e do aluno.........................................................................105
4.5 A análise da obra de Castrucci et al, 2002................................................109
4.6 Comentários e Análise..................................................................................110
4.7 A parte do professor e do aluno...................................................................114
4.8 A análise da obra de Iezzi et al 2000.........................................................117
4.9 Comentários e Análise..................................................................................118
4.10 A análise da obra Di Pierro Neto 1991....................................................119
4.11 Comentários e Análise...............................................................................120
4.12 A parte do professor e do aluno..................................................................128
4.13 A análise da obra de Scipione Di Pierro Netto 1982..............................130
4.14 Comentários e Análise................................................................................131
4.15 A parte do professor e do aluno..................................................................137
4.16 A análise da obra de Scipione Di Pierro Netto 1971..............................140
4.17 Comentários e Análise................................................................................141
4.18 A parte do professor e do aluno..................................................................148
4.19 A análise da obra de Osvaldo Sangiorgi 1966.......................................149
4.20 Comentários e Análise................................................................................150
4.21 A parte do professor e do aluno..................................................................155
4.22 A análise da obra de Sinésio de Farias, 1959........................................157
4.23 Comentários e Análise................................................................................158
4.24 A parte do professor e do aluno..................................................................167
4.25 Considerações Finais.................................................................................168
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS.............................171
CONSULTAS E REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS..........................................176
1
INTRODUÇÃO
No papel de professora do Ensino Fundamental II, é possível observar que,
quando se introduz a noção de sistemas lineares de duas equações e duas incógnitas
para estudantes da sétima série, as tarefas propostas parecem ser as mesmas que se
propunham há pelo menos 20 anos, quando eu era aluna.
A noção de sistemas de equações lineares é uma ferramenta matemática
importante tanto para os estudantes do ensino médio como para os do ensino superior,
pois além de permitir a modelagem de diversas situações matemáticas das outras
ciências e do cotidiano, ela também possibilita a articulação de outras noções
matemáticas, desde o Ensino Fundamental até o superior. Pode-se citar, como
exemplo, sua aplicação em questões da engenharia, de álgebra linear e de equações
diferenciais.
Certamente, essas aplicações não se reduzem aos sistemas de duas equações
e duas incógnitas, mas a escolha dessa noção particular está relacionada ao fato dela
permitir uma introdução da noção de sistemas lineares que quando bem explorada,
permite discutir as possibilidades de soluções dos sistemas de equações lineares,
assim como algumas de suas aplicações.
Sendo assim, procura-se compreender melhor as escolhas para o tratamento
dessa noção na sétima série do Ensino Fundamental II, a fim de verificar como suas
diferentes possibilidades são exploradas nessa etapa da escolaridade.
Dessa forma, estuda-se neste trabalho, a relação institucional esperada, via
análise dos documentos oficiais: Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e Proposta
Curricular do Estado de São Paulo (1991), e a relação institucional existente em
diferentes décadas, via livros didáticos referentes a essas épocas. Ou seja, o estudo
aqui proposto tenta compreender a ecologia
1
das diferentes tarefas e técnicas
encontradas nas diferentes décadas.
Inicia-se, assim, este estudo, a partir do seguinte questionamento:
1
Ecologia de tarefas e técnicas: as condições e os empecilhos que permitem a produção e utilização nas
instituições.
2
- Como se aborda a noção de sistema de duas equações lineares e duas
incógnitas nas diferentes décadas?
- De que instrumentos os professores dispõem para efetuar suas escolhas?
- Quais são os ostensivos e não ostensivos em jogo nas diferentes
abordagens, conforme definição de Chevallard e Bosch (1999)?
- Em que sistema de tarefas e práticas é possível desenvolver os ostensivos e
não ostensivos escolhidos?
- Quais são as condições e empecilhos que favorecem ou atrapalham sua
utilização?
- Quais são as escolhas institucionais para a sua utilização?
Na tentativa de responder às questões acima, após o estudo bibliográfico das
obras encontradas, observa-se a existência de alguns trabalhos de pesquisa sobre as
noções de equações e inequações, mas não encontramos trabalhos específicos sobre
sistemas de equações lineares, em particular, sobre os sistemas de duas equações
com duas incógnitas, o que aumentou o nosso interesse por desenvolver uma pesquisa
específica sobre essa noção matemática.
O estudo bibliográfico conduziu-nos a escolher a abordagem antropológica de
Chevallard e Bosch (1999) como referencial teórico central para a análise das relações
institucionais esperadas e existentes no o ensino da noção de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas na sétima série do Ensino Fundamental II. Nos
dedicamos, em particular, ao exame dos ostensivos e não ostensivos privilegiados, nas
diferentes décadas para o ensino dessa noção matemática.
Dessa forma, o objetivo do estudo da relação institucional esperada e existente
para o ensino da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas, via
documentos oficiais e, principalmente, livro didático, é verificar quais são os diferentes
tipos de tarefas propostas nas diferentes décadas quais técnicas são privilegiadas e
quais podem ser utilizadas para justificar o trabalho matemático em jogo, isto é, que
discurso tecnológico é empregado para auxiliar o estudante a desenvolver as diferentes
tarefas que lhe são propostas.
Além disso, para compreender melhor que papéis o professor e o estudante
devem desempenhar no processo de ensino e aprendizagem, escolhe-se a noção de
3
“topos” introduzida por Chevallard (1997), que permite analisar o que se espera do
professor e do estudante, tanto em relação aos conhecimentos prévios necessários
quando se introduz um novo conceito matemático, como em relação às atividades e
atitudes necessárias para que se desenvolva o trabalho matemático em jogo nas
tarefas que competem a cada um deles.
Escolhido o referencial teórico da pesquisa, em função dos objetivos propostos
acima, fez-se um estudo das diferentes tarefas de aplicação da noção de sistemas de
duas equações lineares e duas incógnitas possíveis de serem exploradas nessa etapa
da escolaridade. Levantou-se assim, um conjunto de seis tarefas que são analisadas
em função de suas variáveis, dando-se ênfase aos ostensivos e não ostensivos
possíveis para a sua solução, às mudanças de quadro ou domínio, conforme
abordagem teórica de Douady (1984, 1992), e aos pontos de vista, conforme definição
de Rogalski (1995), que podem ser utilizados na sua solução e estão relacionados aos
três níveis de conhecimento esperados dos estudantes, conforme abordagem teórica
de Robert (1997).
Para melhor compreender como as diferentes ferramentas didáticas podem
auxiliar o trabalho matemático em jogo no desenvolvimento das tarefas encontradas,
constrói-se uma grade de análise.
Essa grade serve tanto para examinar as necessidades em termos de ostensivos
e não ostensivos possíveis, quando se introduz a noção de sistemas de duas equações
lineares e duas incógnitas na sétima serie do Ensino Fundamental II, como para a
análise dos oito livros didáticos representantes de diferentes décadas, que foram
escolhidos, aleatoriamente, em função das dificuldades de se encontrar materiais
didáticos antigos. Pretendia-se fazer um estudo utilizando as obras de um mesmo autor,
mas somente para três décadas foi possível manter este critério.
Além disso, a grade serve de ferramenta para a análise dos livros didáticos,
permitindo compreender quais tarefas são supostas a cargo do professor e quais são
destinadas aos estudantes, que níveis de conhecimento se espera desenvolver pela
introdução da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas e qual é
o “topos” esperado do professor e do estudante, para que se atinja o nível de
conhecimento desejado.
4
Desta forma, para a apresentação do trabalho desenvolvido, no capítulo 1 faz-se
um estudo detalhado do artigo “La sensibilité de l´activité mathématique aux ostensifs »
de Chevallard e Bosch (1999), ressaltando a importância da análise antropológica que
permite considerar as noções de ostensivos e não ostensivos presentes na atividade
humana, em particular na Matemática. Tais noções são essenciais para a realização de
tarefas associadas a uma determinada prática institucional e permitem compreender a
importância das técnicas, que, por meio de um discurso tecnológico adequado, podem
ser planejadas, justificadas e controladas no desenvolvimento do trabalho matemático
em jogo, que depende das possíveis abordagens de uma mesma noção, em função dos
ostensivos utilizados e dos não ostensivos que as justificam.
No capítulo 2, para analisar e compreender o papel esperado do professor e do
estudante da sétima serie do Ensino Fundamental II, escolhemos-se analisar dois
documentos oficiais, quais sejam, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo (1991).
Para auxiliar na análise dos documentos acima mencionados, considerou-se a
noção de “topos” introduzida por Chevallard (1997), que permite compreender o papel
esperado do professor e do aluno pelas instituições, tanto em função dos ostensivos e
não ostensivos que devem ser mobilizados para a solução das diferentes tarefas que
lhes são propostas, como para o trabalho pessoal que se espera que cada um deles
seja capaz de desenvolver.
Sendo assim, constrói-se uma grade de análise que é apresentada no capítulo 3
e que serve de instrumento para a análise dos livros didáticos descrita no capítulo 4.
Essa análise é feita com base em um organograma, elaborado conforme
descrição de Tavignot (1991), em que apresentamos uma visão geral do livro didático
analisado, seguida de um comentário e análise do trabalho proposto pelo autor e de
uma tabela em que as seis tarefas propostas são analisadas em função da quantidade
que corresponde ao “topos” do professor - tarefas resolvidas -, e da quantidade que
corresponde ao “topos” dos estudantes - tarefas propostas.
Sendo assim, para a noção de sistemas de equações lineares, objeto
matemático desta pesquisa, considerando as tarefas resolvidas como parte do
professor e as tarefas propostas como parte do aluno, identifica-se, por meio da
5
aplicação da grade de análise, quais são os tipos de tarefas que se supõem
privilegiadas pelo professor, se existe uma coerência entre as tarefas resolvidas e as
tarefas propostas e quais são os ostensivos e não ostensivos em jogo que fazem parte
do “topos” do professor e do estudante.
Para esta análise, escolhem-se oito livros didáticos, que variam em função da
década de sua edição, ou reedição. Os livros analisados são aqueles que encontramos
no decorrer do desenvolvimento da pesquisa.
Na conclusão, é possível observar que houve uma melhor delimitação do estudo
da noção de sistemas de equações lineares, em que a ênfase é dada aos sistemas de
duas equações lineares e duas incógnitas, mas esse estudo o se limita apenas ao
caráter ferramenta de solução de tarefas da própria matemática, de outras ciências ou
do cotidiano. Ou seja, seu caráter objeto também é destacado pela exploração e
discussão das possíveis soluções dos sistemas, possibilitando ainda uma mudança de
quadros que visualizar geometricamente essas possíveis soluções.
Observa-se ainda que entre as décadas analisadas, houve um momento (década
de 50) em que se estudavam os sistemas de equações lineares de m equações e n
incógnitas, mas o nível privilegiado era apenas o nível técnico. Essa época é seguida
por uma abordagem na qual se privilegia o objeto matemático e não se consideram as
situações de aplicação do conhecimento em jogo abordagem característica da época
da Matemática Moderna (década 60).
Pode-se dizer que a partir da década de 70, aqui analisada por meio da obra de
Scipione, se inicia uma articulação entre o caráter ferramenta e o caráter objeto dos
sistemas de duas equações e duas incógnitas, que vem sendo empregado até o
presente.
É importante observar que a articulação considerada é feita por meio de uma
mudança entre os quadros algébrico e geométrico, não exigindo um trabalho
fundamentado nas estruturas de grupo aditivo, multiplicativo, abeliano, anel e corpo,
como se propunha na época da Matemática Moderna.
6
CAPÍTULO I
A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
ANÁLISE DAS ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS NA INTRODUÇÃO DE
UMA NOÇÃO MATEMÁTICA
1.1 Considerações Iniciais
Esta pesquisa visa estudar abordagens diferenciadas da noção de sistemas de
equações lineares apresentadas em livros didáticos indicados para a sétima série do
Ensino Fundamental II, na tentativa de compreender como as escritas, símbolos,
palavras, grafismos e gestos são mobilizados e explorados nas atividades propostas
por diferentes autores. Faz-se também a análise da dialética que se estabelece entre
noções, conceitos e idéias por meio do desenvolvimento desse conteúdo, dos tipos de
tarefas que são propostas e das técnicas que são privilegiadas pelos autores. São
discutidas outras técnicas que poderiam ser utilizadas e/ou acrescentadas para justificar
o desenvolvimento desse conteúdo nessa etapa escolar
2
.
Além disso, tentar-se-á verificar que discurso tecnológico pode ser utilizado para
auxiliar o estudante a desenvolver as diferentes tarefas que lhe são propostas, uma vez
que este discurso está associado às tarefas, técnicas, tecnologias e teorias das
diferentes organizações praxeológicas construídas do saber matemático.
Esta relação entre as características material e perceptível da atividade
matemática e as noções, conceitos e idéias que a compõem é encontrada no trabalho
“A sensibilidade das atividades matemáticas aos ostensivos – objeto de estudo e
problemática” de Chevallard e Bosch (1999) que será o referencial teórico central desta
pesquisa.
A seguir, apresenta-se o referencial teórico que fundamentou o desenvolvimento
desta pesquisa e que servirá como ferramenta para a análise das tarefas encontradas
2
Os significados aqui utilizados para tarefas, técnicas, tecnologias ou discurso tecnológico s são os definidos
por Chevallard e Bosch (1999) e que serão discutidos ainda neste capítulo.
7
nos livros didáticos escolhidos, que, habitualmente, são propostas aos estudantes da
sétima série do Ensino Fundamental.
1. 2 A abordagem antropológica de Chevallard e Bosch (1999)
Para a realização deste estudo, tomou-se como referencial teórico central o
trabalho desenvolvido por Chevallard e Bosch (1999) sob o título “A sensibilidade das
atividades matemáticas aos ostensivos objeto de estudo e problemática”, que trata da
relação entre as características material e perceptível da atividade matemática e das
noções, conceitos e idéias que a compõem. Além disso, os autores discutem sobre o
discurso utilizado na proposta e desenvolvimento de tarefas, as técnicas, as tecnologias
e as teorias das diferentes organizações praxeológicas construídas do saber
matemático.
No artigo anunciado acima, Chevallard e Bosch (1999) iniciam definindo a
didática das matemáticas
3
por meio dos trabalhos de Brousseau (1986, 1994, 1995),
definições que são apresentadas na citação abaixo, pois permitem compreender melhor
como evoluiu o objeto de estudo desta ciência, lhe dando o status atual. Chevallard e
Bosch evidenciam que a “didática das matemáticas” que a princípio estudava as
práticas matemáticas escolares se estende quando se leva em conta as condições de
difusão dos saberes matemáticos úteis para as instituições da humanidade e seus
membros, como é possível observar no texto a seguir:
A teoria das situações situa a didática das matemáticas “no quadro de uma
ciência das condições da produção e da difusão dos saberes úteis para as
sociedades e para os afazeres dos homens" (BROUSSEAU, 1995, p.4, apud
CHEVALLARD e BOSCH, tradução nossa). Um texto anterior deixa mais clara
a definição: Chamamos “Didáticas das matemáticas" a ciência das condições
específicas de difusão (imposta) dos saberes matemáticos úteis aos membros
e às instituições da humanidade” (BROUSSEAU, 1994, apud CHEVALLARD e
3
Didática das matemáticas: A ciência didática das matemáticas é considerada na França como um campo
científico autônomo que estuda os processos de transmissão e aquisição dos diferentes conteúdos da álgebra,
da geometria, da aritmética, da análise, etc. se preocupando particularmente com as especificidades destes
conteúdos. Existem outras concepções da didática das matemáticas francesa que coexistem com a
considerada acima. (ARTIGUE, notas de curso, 1992, tradução nossa).
8
BOSCH, tradução nossa), se lembramos que no início a didática se propunha a
estudar “as atividades que têm por objeto o ensino, evidentemente, no que elas
têm de especifico às matemáticas" (BROUSSEAU, 1986, p.35, apud
CHEVALLARD e BOSCH, tradução nossa), vemos quanto a definição do
objeto de estudo se estendeu progressivamente, além das práticas
matemáticas escolares (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.79, tradução
nossa).
Ao considerar esta evolução Chevallard, Bosch e Gascon definem a didática das
matemáticas como “a ciência do estudo e da ajuda ao estudo das (questões das)
matemáticas” (CHEVALLARD, BOSCH e GASCON, 1997, p.79, apud CHEVALLARD e
BOSCH, tradução nossa).
Além disso, Chevallard e Bosch argumentam que o objeto de estudo que permite
caracterizar a didática das matemáticas como ciência, ressaltando que esta não está
centrada no estudo do aluno, nem do professor, mas do saber matemático que eles
pretendem trabalhar em conjunto, isto é, a partir de uma análise detalhada deste saber,
é possível estabelecer um projeto comum de atividades a realizar, como mostra o texto
abaixo.
Acreditamos que o que fundamenta e caracteriza a didática enquanto ciência
não é o fato de propor um projeto de estudo científico dos problemas de
ensino das matemáticas. Sua singularidade originária consiste em considerar
como objeto primeiro a estudar (e portanto, a questionar, modelar e
problematizar segundo as regras da atividade científica), não o sujeito aluno ou
o sujeito professor, mas o saber matemático que eles pretendem estudar em
conjunto, assim como a atividade matemática que seu projeto comum de
estudo lhes conduzirá a realizar. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.79,
tradução nossa)
Considerando o saber matemático como referência para o estudo da didática das
matemáticas, Chevallard e Bosch situam a matemática como sendo a essência dos
fenômenos didáticos, e a didática das matemáticas como a ciência que explicita os
modelos utilizados e os submete à prova criando o que ele chama de “epistemologia
experimental”.
9
Nesse paradigma anterior
4
antes dominante, podemos considerar que o
projeto, que inaugura a teoria das situações criou uma primeira ruptura
colocando a matemática como a essência dos fenômenos didáticos. A vontade
de elaborar uma ciência desses fenômenos constitui então a segunda ruptura,
que conduz a explicitar os modelos utilizados para submetê-los à prova dos
fatos , isto é, as leis de uma verdadeira "epistemologia experimental
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.80, tradução nossa).
Para exemplificar esta epistemologia experimental, Chevallard e Bosch (1999)
utilizam a teoria das situações de Brousseau (1994) explicitando a relação desta teoria
com o conhecimento matemático.
Chevallard e Bosch esclarecem que a noção de situação fundamental é a
principal ferramenta da teoria das situações para caracterizar os conhecimentos
matemáticos, pois é ela que permite descrever o conhecimento matemático:
[...] Somos, muitas vezes, levados a considerar que, na teoria das situações, a
noção de situação fundamental serve, antes de tudo, para descrever e fabricar
situações de ensino, mesmo de ensino escolar na classe. Esquecemos, então
que essa noção constitui - também e sobretudo - o instrumento chave que
propõe essa teoria para caracterizar os conhecimentos matemáticos [...]. Para
analisar o ensino e a aprendizagem de uma noção matemática, a teoria das
situações coloca primeiro o problema de sua descrição, problema que
devemos responder em termos de situações fundamentais. A hipótese da
existência de uma situação fundamental específica de cada conhecimento
matemático não é, aqui, uma declaração de otimismo que queria a engenharia
didática, mas a própria definição do conhecimento matemático que nos propõe
essa teoria. Descrevemos um conhecimento em termos de situação: um
conhecimento é uma situação. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.80 81,
tradução nossa)”.
Ao explicitar a relação entre a teoria das situações e o conhecimento
matemático, Chevallard e Bosch consideram um principio teórico fundamentado no que
4
Paradigma anterior: estudo das práticas matemáticas escolares. Paradigma atual: estudo das condições de
difusão dos saberes matemáticos para as instituições da humanidade.
10
eles chamam de modelo geral das matemáticas, isto é, os conhecimentos matemáticos,
em geral, podem ser descritos por meio de situações fundamentais que permitem a
construção e a difusão dos conhecimentos associados a um determinado conteúdo
matemático.
Temos aqui um principio teórico fundamentado sobre um modelo geral das
matemáticas, segundo o qual os conhecimentos matemáticos podem ser
descritos com a ajuda de situações fundamentais (definidas como jogos
formais). Esse modelo geral deve, então permitir a construção de modelos
locais dos diferentes conteúdos matemáticos que vamos ensinar a fim de
colocar em evidência as condições de construção e de difusão dos
conhecimentos que lhe são associados. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.81,
tradução nossa).
Em seguida, Chevallard e Bosch resumem a teoria das situações de Brousseau
mostrando sua importância na compreensão da transposição didática que coloca o
saber (“sábio", "ensinado" ou “a ensinar") como a origem de toda problemática didática.
Segundo Chevallard e Bosch a teoria das situações supõe que é possível
aprender os conhecimentos matemáticos por meio de atividades.
Observamos enfim que, em relação ao ponto de vista clássico sobre o saber
matemático, a teoria das situações fornece ainda uma nova ruptura
epistemológica fundamental. Ela supõe, com efeito, que se pode aprender os
conhecimentos matemáticos por meio das atividades que elas permitem
realizar, portanto os problemas que elas permitem resolver. (CHEVALLARD e
BOSCH, 1999, p.81 – 82, tradução nossa).
Para Chevallard e Bosch essas atividades são estruturadas e podem ser
trabalhadas nas diferentes fases propostas pela teoria das situações:
[...] As matemáticas não são simplesmente um sistema conceitual, logicamente
consistente e produtor de demonstrações: elas são em primeiro lugar uma
atividade que se realiza em situação e contra um meio. Trata-se, além disso,
11
de uma atividade estruturada, que podemos retirar diferentes fases - ação
5
,
formulação
6
e validação
7
, às quais se juntam devolução e institucionalização
8
.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.81, tradução nossa)
Após esta breve apresentação da importância da teoria das situações para a
aprendizagem matemática, Chevallard e Bosch mostram como a transposição didática
pode contribuir para a construção do conhecimento e a relevância do saber matemático
(‘sábio”, “ensinado” ou “a ensinar”), pois estes são a origem de toda a problemática da
didática. Segundo eles, esse saber deve ser questionado e as pesquisas em didática
dependem do tipo da teoria ou abordagem da didática da Matemática escolhida, o que
Chevallard e Bosch denominam de modelagem da matemática considerada.
Nesse sentido, a noção de transposição didática deve ser interpretada como a
possibilidade de desenvolver a dupla ruptura epistemológica provocada pela
teoria das situações. Porque sua principal contribuição não é somente
colocar em evidência a distância que separa o saber sábio do saber ensinado,
e portanto as transformações necessárias que deve ser submetido todo objeto
matemático para poder ser ensinado. O que mostra, a noção de transposição
didática, é que o saber matemático (seja “sábio", "ensinado" ou “a ensinar") é a
origem de toda problemática didática. Segue, então, que esse saber não pode
ser tomado como um dado inquestionável e que as pesquisas em didática das
5
Situação de Ação (aquisição de conceitos e procedimentos): São aquelas em que os alunos se engajam em
um processo de ação para resolver um problema, isto é, os alunos se apropriam do problema a partir de seus
conhecimentos anteriores, utilizam procedimentos implícitos, a finalidade do trabalho do aluno é resolver
corretamente a tarefa e a finalidade do trabalho do professor é permitir que os alunos se apropriem de um
procedimento.
6
Situação de formulação (aquisição de vocabulário): São aquelas que conduzem os alunos a formular as
soluções encontradas assim como os teoremas ou regras que regem a situação, isto é, os alunos explicitam
(oral, escrito) os procedimentos e as soluções.
7
Situação de validação (se convencer e convencer os outros): São aquelas em que os enunciados
produzidos anteriormente serão submetidos a uma validação, esta se apóia sobre os “feed-backs” fornecidos
pelo meio ou por meio de argumentos intelectuais que não dependem da autoridade do professor. Brousseau
(1986) observa que mesmo se a validação tem um papel importante na construção dos saberes matemáticos é
difícil identificar situações de validação que respeitam os empecilhos indicados acima, e ainda mais difícil e
administrá-los. Os alunos devem se convencer e convencer os outros que a solução é válida.
8
Situação de institucionalização (professor): São aquelas para as quais os conhecimentos que os alunos
construíram passam ao plano do saber, isto é, ao nível institucional. O professor deve identificar novos saberes
e saber-fazer, estabelecer as convenções de linguagem, homogeneizar os conhecimentos da classe,
estabelecer os saberes construídos, os que devem ser apropriados pelos alunos e suas formas.
Disponível em: <http://icar.univ-lyon2.fr/equipe2/master/data/cours_A3S/Theorie_des_situations_2.pdf>.
Acesso em 02/03/2008 às 17h38min.
12
matemáticas são condicionadas pelo tipo de modelagens da matemática a que
recorremos [...] (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 82, tradução nossa).
Após mostrar a evolução da didática das matemáticas, situar a teoria das
situações e a noção de transposição didática em relação a essa evolução, Chevallard e
Bosch passam a definir as noções que integram o que eles chamam de modelagem
antropológica da matemática. Para eles essas noções são os instrumentos operatórios
para a análise das práticas sociais em matemática.
Em seu artigo “Concepts Fondamentaux de la didactique: perspectives apportées
par une approche anthropologique” Chevallard (1992) havia proposto o início de uma
axiomática teórica da antropologia do conhecimento, introduzindo a noção de objeto.
Em 1999, tomando como ponto de partida, a mesma noção de objeto e introduzindo os
objetos instituição e posição dos indivíduos na instituição, Chevallard e Bosch situam a
didática das matemáticas no terreno da antropologia cognitiva.
Chevallard e Bosch iniciam definindo objeto
9
e, em particular os objetos
instituição
10
, indivíduos
11
e posições dos indivíduos nas instituições
12
como mostra o
texto abaixo.
Os desenvolvimentos anteriores, que inscrevem definitivamente a didática no
terreno da antropologia do conhecimento (ou antropologia cognitiva), afinam a
axiomática de teorização enriquecendo notadamente o domínio de realidade
que essa ambiciona levar em conta. O ponto de partida permanece o mesmo:
tudo é objeto. Mas, distinguimos, apesar disso, os tipos de objetos particulares:
as instituições, os indivíduos e as posições que estes ocupam nas instituições.
Ocupando essas posições, os indivíduos tornam-se os sujeitos das instituições
- sujeitos ativos que contribuem em fazer viver as instituições pelo fato mesmo
9
Objeto: Em seu artigo “Concepts fondamentaux de la didactique”, Chevallard introduz sua teoria sobre os
conceitos fundamentais da didática considera que os objetos ocupam uma posição privilegiada nesta teoria,
pois eles são o material e a base desta. Observando que para ele tudo é objeto. (CHEVALLARD, 1992, p.86,
tradução nossa)
10
Instituição: As instituições são tipos particulares de objetos. (CHEVALLARD, 1992, p.86, tradução nossa)
11
Individuos: Os individuos também são tipos particulares de objetos. (CHEVALLARD, 1992, p.86, tradução
nossa)
12
Posição dos indivíduos nas instituições: “Um objeto existe no momento em que uma pessoa X ou uma
instituição I reconhece esse objeto como existente (para ela). Mais precisamente, diremos que o objeto O
existe para X (respectivamente, para I) se existe um objeto, que indicarei R(X, O) (resp.R
I
(O)), que
denominarei relação pessoal de X a O (resp. relação institucional de I a O). Em outros termos, o objeto O
existe se existe pelo menos uma pessoa X ou uma instituição I, isto é, pelo menos uma pessoa ou uma
instituição tem uma relação com este objeto.” (CHEVALLARD, 1992, p.86, tradução nossa)
13
de estarem sujeitos a essas instituições. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999,
p.83, tradução nossa).
Em seguida, Chevallard e Bosch (1999) consideram a noção de relação com,
mostrando que esta noção permite analisar as práticas sociais que se realizam em uma
instituição.
O conhecimento
13
- e o saber
14
como uma certa forma de organização dos
conhecimentos - entra, então, em cena com a noção de relação: um objeto
existe, se existe uma relação com esse objeto, isto é, se um sujeito ou uma
instituição o " (re)conhecer" enquanto objeto. Sendo dado um objeto (por
exemplo, um objeto do saber) e uma instituição, a noção de relação com envia
às praticas sociais que se realizam na instituição e que colocam em jogo o
objeto em questão, ou seja, " o que se faz, na instituição, com esse objeto".
Conhecer um objeto é ter o que fazer com - e sempre ter o que fazer com -
esse objeto. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.83, tradução nossa)
Para o caso particular do saber matemático, Chevallard e Bosch consideram que
a atividade matemática pode ser condicionada por instrumentos materiais, visuais,
sonoros e tatuais que ela utiliza, isto é, uma atividade em que se utilizam os diferentes
sentidos.
Para esses autores, o saber matemático, como forma particular de
conhecimento, é fruto das práticas sociais das matemáticas e necessita de um método
que permita estudar e descrever as condições de realização dessas práticas como se
observa no texto abaixo.
O saber matemático, enquanto forma particular de conhecimento, é, portanto,
fruto da ação humana institucional: é qualquer coisa que se produz, se utiliza,
se ensina ou, mais genericamente, se transpõe nas instituições. Mas, a
matemática, é, ainda, um termo primitivo, substância de algumas práticas
institucionais as práticas sociais das matemáticas. O que falta, é a
elaboração de um método de análise das práticas institucionais que permitem
13
Conhecimento: [...] conhecer um objeto O, no sentido da teoria apresentada (e não no sentido das
diversas instituições que ele deve nos permitir estudar), é para uma pessoa como para uma instituição ter
uma relação com O.” (CHEVALLARD, 1992, p.87, tradução nossa)
14
Saber: (explícitos, conscientes, públicos) institucionalizados. (CHEVALLARD, 1992, p.86, tradução nossa )
14
a descrição e o estudo das condições de realização. (CHEVALLARD e
BOSCH, 1999, p.83, tradução nossa)
Dessa forma, Chevallard e Bosch introduzem os primeiros termos da
antropologia cognitiva, isto é, as noções de (tipo de) tarefa, (tipo de) técnica, tecnologia
e teoria, observando que estas noções permitem modelar as práticas sociais, em geral
e, em particular, à atividade matemática.
Para esses pesquisadores o termo técnica é considerado em um sentido amplo,
como uma “maneira particular de fazer”, e não segundo a acepção comum de
procedimento estruturado e metódico, mesmo algorítmico – que é um caso particular da
técnica. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 84, tradução nossa). para as
tecnologias ou discurso tecnológico das tarefas ou das técnicas eles tomam o
seguinte significado: “um discurso descritivo e justificativo das tarefas e técnicas que
denominamos de tecnologia da técnica” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.86,
tradução nossa).
Esses autores consideram as teorias das técnicas como construções por meio
de um discurso descritivo e justificativo das tecnologias. (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.86, tradução nossa). Já as organizações praxeológicas “se associam às
condições que pesam sobre sua construção e sua “vida” normalizada tanto nas
instituições de ensino como nas de produção, utilização ou transposição” (ARTAUD,
1998, apud CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.87, tradução nossa).
Os autores se baseiam na idéia de que toda prática institucional pode ser
analisada de maneiras e pontos de vista distintos, por meio de instrumentos teóricos,
num sistema de tarefas bem definidas. Nesse sentido, se expressam dizendo que:
Os primeiros termos da antropologia cognitiva que nos lembramos acima vem
aqui se juntar às noções de (tipo de) tarefa, (tipo de) técnica, tecnologia e
teoria. Essas noções permitem modelar as práticas sociais em geral e, em
particular, às atividades matemáticas. Partimos para isto de um primeiro
postulado segundo o qual toda prática institucional é possível de ser analisada
de diferentes pontos de vista e de diferentes maneiras, em um sistema de
tarefas relativamente bem circunscritas, que se dividem no fluxo da prática.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.84, tradução).
15
A seguir, os autores mostram a necessidade restringir a noção de tarefa e
introduzir a idéia de técnica, para a qual consideram alguns exemplos em matemática e
não matemáticos, habitualmente utilizados no cotidiano.
Observam também a questão da delimitação das tarefas em uma determinada
prática institucional.
O problema da delimitação das tarefas em uma determinada prática
institucional fica aberto e variará segundo se adota o ponto de vista da
instituição onde se desenvolve a prática ou ainda aquele de uma instituição
exterior para a qual observamos a atividade para descrevê-la com um objetivo
preciso. A semântica da palavra fica, portanto, aberta e engloba atividades
culturalmente diversas como as de tocar uma peça de Mozart no piano,
calcular o produto de dois naturais [...] (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.84,
tradução nossa)
Para Chevallard e Bosch a noção de técnica é ampla e por meio de exemplos
eles mostram que executamos várias técnicas cotidianamente.
Tudo, portanto, não é tarefa, existe em toda instituição atividade não analisada
em tipo de tarefa, e cuja menção por meio de verbos de ação de acepção mais
ampla (por exemplo calcular”, “demonstrar”, etc.) deixa o conteúdo mal
definido falamos então de gênero de tarefa. A noção de tarefa vai se tornar
restrita, com efeito, pelo segundo postulado, que supõe que o cumprimento de
toda tarefa resulta da operacionalização de uma técnica. Aqui, ainda, pode-se
entender o termo técnica no sentido amplo, como uma “maneira particular de
fazer”, e não segundo a acepção comum de procedimento estruturado e
metódico, mesmo algorítmico que é um caso particular da técnica. Existe,
com efeito, técnicas para resolver equações do segundo e do terceiro grau,
mas também para fazer demonstrações por recorrência, para abrir portas, para
se procurar uma informação por telefone (ou na Internet), para ler um jornal,
para escrever um artigo de pesquisa, para rever sua lição, para fazer ficar
quietos os alunos no início das aulas, etc. Colocamos assim em execução,
cotidianamente, um grande número de técnicas, com um sucesso mais ou
menos grande. Pois toda técnica tem uma extensão limitada, uma vez que ela
16
nos permite agir em certos casos e não em outros (tal equação não pode ser
fatorada, a maçaneta desta porta é ao contrário, hoje os alunos estão muito
falantes, etc.) (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.84, tradução nossa).
Após definir tarefa e técnica, os autores observam que existe um amplo conjunto
de tarefas que sobrevivem nas instituições e para as quais, normalmente existem
técnicas que lhes são associadas, como é possível observar no texto que segue.
A vida institucional é feita de um amplo conjunto de tarefas, cumpridas
segundo “maneiras de fazer” institucionalizadas, lei do mínimo que tende a
identificar todo tipo de tarefa à técnica normalmente utilizada na instituição
para cumprir tarefas deste tipo.” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.84,
tradução nossa).
Além da definição de técnica e da apresentação de exemplos, Chevallard e
Bosch estabelecem o que eles denominam relação institucional a um objeto para uma
dada posição institucional, o que lhes permite considerar a noção de relação pessoal a
um objeto, ou seja, essa relação depende do conjunto das tarefas que devem ser
cumpridas e das técnicas que lhes são associadas em uma determinada instituição.
[...] a relação institucional a um objeto, para uma dada posição institucional é
elaborada e (re)elaborada pelo conjunto de tarefas que devem ser cumpridas,
por técnicas determinadas, pelas pessoas ocupando esta posição. É assim que
o cumprimento das diferentes tarefas que a pessoa se conduzida a realizar
ao longo de sua vida nas diferentes instituições, em que ela é o sujeito
sucessivamente ou simultaneamente, conduzirá a fazer emergir a relação
pessoal ao objeto considerado. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.85,
tradução nossa).
Verifica-se assim, que a relação pessoal a um objeto depende da instituição em
que o sujeito se encontra num determinado momento, o que poderá conduzir a várias
relações de um mesmo sujeito com um mesmo objeto ou de diferentes sujeitos com um
mesmo objeto.
Segundo os autores, o par: tarefas e técnicas institucionais gera um fenômeno
de naturalização, pois as tarefas, em geral, são rotineiras e as técnicas utilizadas para
17
cumpri-las, mesmo que um dia tenham sido construídas, terminam também se tornando
rotineiras, não existindo qualquer problema para sua utilização.
Mas, mesmo nesta rotina institucional aparecem tarefas problemáticas, para as
quais não existem técnicas apropriadas. Isto, em geral, ocorre para novos tipos de
tarefas (para o sujeito e para a instituição) ou para aquelas que a técnica habitualmente
empregada não funciona.
Sendo assim, é necessária a construção de uma técnica adequada ou a
adaptação de uma técnica antiga ou ainda a criação de uma técnica inédita, o que
resulta numa evolução ou num progresso imposto pelo fato de se encontrar uma tarefa
problemática.
Segundo Chevallard e Bosch, em geral, a situação antropologicamente mais
freqüente é abandonar a problemática da tarefa ao invés de estudar o problema com o
objetivo de encontrar a técnica que falta. A esse respeito, a proposta dos autores é a de
não abandonar o problema, mas de partir justamente de tarefas problemáticas e tentar
produzir uma técnica que permita resolvê-la como é possível verificar no texto abaixo.
[...] Partimos assim de um tipo de tarefas problemáticas por exemplo Como
resolver uma equação do segundo grau?” , “Como medir o tempo?”, ”Como
contar o número de pessoas em uma multidão?”, Como introduzir a noção de
número decimal?”. Se isto ocorrer, chegamos, após um processo de estudo
mais ou menos longo, a produzir as técnicas que permitem fornecer as
respostas às questões inicialmente colocadas. Um novo “saber-fazer” é
construído, que devemos ainda organizar para lhe assegurar um
funcionamento regular nas instituições. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.85,
tradução nossa).
Com base nessa idéia, os autores consideram o terceiro postulado antropológico
que concerne à ecologia das tarefas e técnicas, isto é, as condições favoráveis e os
empecilhos que permitem a utilização, nas instituições, de novas técnicas que foram
produzidas ou adaptadas para a resolução de tarefas problemáticas. Essas condições e
empecilhos levam à necessidade de se estabelecer um discurso descritivo e justificativo
das tarefas e técnicas ou discurso tecnológico, que Chevallard e Bosch denominam
tecnologia das técnicas.
18
[...] Supomos que, para poder existir em uma instituição, uma técnica deve
aparecer como compreensível, legível e justificável. Trata-se aqui de um
empecilho institucional mínimo para permitir o controle e garantir a eficácia das
tarefas cumpridas, que são geralmente, tarefas cooperativas, supondo a
colaboração de vários atores. Este empecilho ecológico implica então na
existência de um discurso descritivo e justificativo das tarefas e técnicas que
denominamos de tecnologia da técnica. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.86,
tradução nossa)
Ao justificar o postulado acima enunciado, Chevallard e Bosch definem a noção
de teoria ou justificativa das tecnologias, isto é, as teorias são construídas por meio de
um discurso descritivo e justificativo das tecnologias, o que lhes permite ressaltar que a
distinção entre técnica, tecnologia e teoria é funcional e está associada a uma tarefa.
[...] O postulado anunciado implica que toda tecnologia tem necessidade de
uma justificação, que denominamos teoria da técnica e que constitui seu último
fundamento. A distinção técnica/ tecnologia/ teoria é funcional e deve sempre
se referir ao tipo de tarefas que tomamos como ponto de referência.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.86, tradução nossa)
Os exemplos dados, a seguir, por Chevallard e Bosch permitem compreender o
funcionamento da ferramenta (tarefa
, técnica, tecnologia e teoria) e sua dependência
em função da tarefa analisada.
Assim, a determinação do sinal do discriminante de uma equação do segundo
grau pode ser um elemento de uma técnica de resolução deste tipo de
equações, mas ele pode também ser considerado como um ingrediente
tecnológico visando explicar e justificar um tipo de técnica mais elementar
fundamentada na escrita e fatoração de uma diferença de dois quadrados.
Inversamente, o que, num dado momento ou numa dada instituição, aparece
como a justificação de uma certa técnica, pode também ser considerado, em
outro momento, como uma tarefa (a tarefa consistindo em justificar uma
técnica), que supõe execução de uma técnica particular e a elaboração de um
19
ambiente tecnológico-teórico conveniente. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999,
p.86, tradução nossa)
Após definir tarefas, técnicas, tecnologias e teorias, Chevallard e Bosch
explicitam a noção de organização praxeológica (ou praxeologia) pontual, local, regional
ou global que são o conjunto de técnicas, tecnologias e teorias para as praxeologias
pontuais. As praxelogias locais correspondem ao amálgama das praxeologias pontuais
conforme seu elemento amalgamante esteja associado às tecnologias para as locais,
às teorias para as regionais e posição institucional para as globais como definição e
exemplos apresentados no texto a seguir.
Um complexo de técnicas, tecnologias e teorias organizadas em torno de um
tipo de tarefa forma uma organização praxeológica (ou praxeologia) pontual. O
amálgama de várias praxeologias pontuais criará uma praxeologia local, ou
regional ou global, segundo o que o elemento amalgamante é,
respectivamente, a tecnologia, a teoria ou a posição institucional considerada.
Se consideramos, por exemplo, o ensino das matemáticas no “collège
15
(na
França), podemos falar de uma organização praxeológica pontual em torno da
resolução de tal tipo de problema de proporcionalidade organização que
poderia responder à questão “Como resolver um problema deste tipo?”, de
uma organização local em torno da resolução de diferentes tipos de problemas
de proporcionalidade (isto é, do tema da proporcionalidade), enfim de uma
organização regional em torno por exemplo da noção de função numérica (que
corresponde a todo um setor das matemáticas ensinadas no secundário)
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.86, tradução nossa).
Após introduzir estas novas noções Chevallard e Bosch retomam a noção de
saber para associá-la a estes novos termos, ou seja, o saber é considerado como uma
organização praxeológica particular que lhe permite funcionar como um aparelho de
produção de conhecimento, conforme se observa a seguir.
A noção de saber pode agora ser associada a estes novos termos: um saber
reconduz a uma organização praxeológica particular, constituído de uma certa
“generatividade” lhe permitindo funcionar como aparelho de produção de
15
Corresponde ao Ensino Fundamental II no Brasil.
20
conhecimentos, isto é, de novas praxeologias. Esta visão das coisas amplia o
ponto de vista usual que tende a olhar um saber somente como o par
tecnologia / teoria da organização completa, o qual permite, com efeito,
geralmente, gerar (ou reconstruir) o conjunto de técnicas da praxeologia, isto é,
o “saber-fazer” correspondente. Nos lembraremos, apesar disso, que
genericamente, são freqüentemente as necessidades da prática, isto é as
necessidades das técnicas, que estão na origem das praxeologias.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.87, tradução nossa).
Finalmente, Chevallard e Bosch explicitam como a abordagem antropológica
responde à questão de modelagem das práticas sociais, de suas componentes e de
seus produtos para a matemática. A esse respeito, os autores dizem que:
[...] Para as matemáticas, consideradas como atividade humana estruturada
em organizações praxeológicas, podemos dizer que elas nascem da
problematização de certos tipos de tarefas, logo vistas como tipos de
problemas cujo estudo lugar à construção de organizações praxeológicas
locais. A articulação de algumas destas praxeologias em torno de uma
tecnologia comum permite formar organizações regionais que, elas próprias, se
articulam em organizações mais amplas até constituir o que denominaremos,
globalmente, “o saber matemático”. A descrição destas organizações e o
estudo de sua ecologia institucional
16
estão no coração do programa de estudo
da didática das matemáticas. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.87, tradução
nossa).
Após explicitar como a abordagem antropológica modela o saber matemático,
em termos de objetos e relação entre os objetos, Chevallard e Bosch colocam a
seguinte questão: Qual é a natureza” dos objetos matemáticos que chamamos de
noções ou conceitos? E, utilizando a noção de “primitiva de uma função” prosseguem
propondo ainda as questões: Como é constituído este conceito? Do que ele é
composto? Como é possível descrever suas componentes? Esse questionamento
proposto por Chevallard e Bosch (1999, p..88) nos parece importante quando se deseja
analisar a relação institucional de um determinado objeto matemático para as diferentes
16
A ecologia de uma organização praxeologica se associa às condições que pesam sobre sua construção e
sua “vida” normalizada tanto nas instituições de ensino como nas de produção, utilização ou transposição
(ARTAUD, 1998, apud CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.87, tradução nossa).
21
instituições e em diferentes épocas, pois para Chevallard e Bosch, ”a questão da
natureza do objeto conduz ao problema da descrição das práticas institucionais em que
o objeto está engajado [...]” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.88, tradução nossa).
No texto a seguir, Chevallard e Bosch consideram o exemplo de um objeto
matemático e da forma como ele sobrevive nas instituições de ensino. Este exemplo
permite compreender melhor a abordagem proposta pelos autores que, ao
considerar a forma como as noções podem ser trabalhadas nas diferentes
instituições de ensino, assinalam a importância do discurso oral e escrito para sua
sobrevivência, pois é este discurso que auxilia na manipulação dos objetos pelos
diferentes atores.
Se partimos da pesquisa do objeto primitiva de uma função”, o que
encontraremos não será jamais o próprio objeto “em si e por si” mas as
atividades onde serão colocados em jogo outros objetos. Encontraremos, por
exemplo, as declarações sobre o objeto procurado, que organizaremos na
rubrica “definições” ou “teoremas” [...], declarações que por si são atividades
consistindo em dar uma definição ou enunciar um teorema. Encontramos
assim as escrituras deste objeto, como o nome do objeto ou outros objetos
gráficos correlacionados, ou seja as atividades onde escrevemos, lemos,
entendemos ou pronunciamos esses “objetos” (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.88, tradução nossa).
Além disso, os mesmos autores apresentam, como exemplo, o método do pivô
de Gauss, aqui escolhido por se tratar de um método de resolução de sistemas
lineares que, para sistemas com duas equações e duas incógnitas, está associado
ao método da adição.
[....] Da mesma forma, descobriremos que o objeto ’método do pivô de Gauss’
existe por meio da manipulação de certos objetos no quadro de certas
práticas onde encontraremos os atores que manipulam certos grafismos,
fazendo certos gestos e pronunciando certas frases em um discurso oral ou
escrito. Mas não colocaremos jamais as os no próprio objeto. Assim,
quando procuramos o que pode ser um tal objeto, descobrimos que ele se
compõe de outros objetos, de natureza sempre material, em particular sonora
22
(discursiva), gestual, escritural (gráfica) e com muito ’vazio‘ em torno.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.88, tradução nossa).
Desta forma, Chevallard e Bosch prosseguem revendo sua teoria em que
um objeto existe, quando existem instituições ou pessoas que estabelecem uma
relação com esses objetos, e a questão de sua natureza conduz ao problema da
descrição das práticas institucionais em que ele está engajado, e que pode ser
respondido por meio de organizações praxeológicas. Ou seja, ao procurar compreender
o que é um objeto, é preciso buscar que tipos de tarefas e técnicas compõem as
praxeologias institucionais em que ele intervém e que tecnologias e teorias permitem
justificar as práticas existentes por meio de um discurso sobre este objeto.
Chevallard e Bosch (1999, p. 88) justificam que a distinção entre tarefas,
técnicas, tecnologias e teorias permite compreender a organização do saber
matemático, mas não determina a natureza” de suas componentes. Dessa forma, eles
consideram as questões abaixo que permitem uma reflexão sobre a atividade
matemática.
[...] De que são feitos os ingredientes que compõem uma técnica, uma
tecnologia, uma teoria? Como, em que termos podem-se descrever o
funcionamento de uma técnica? Segundo que critérios e quais índices poderão
constatar este funcionamento em uma situação particular? Como distinguir
uma técnica da outra? Haveriam invariantes que seriam de certa forma, trans-
institucionais? (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.88, tradução nossa).
Justificando o primeiro questionamento dessa citação a respeito dos ingredientes
que compõem técnica, tecnologia e teoria, Chevallard e Bosch observam que não se
pode esconder a vertente metodológica, ou seja, estudar as condições de
desenvolvimento da atividade matemática e os entraves que regem seu ensino e
aprendizagem, que, na realidade, é a proposta de estudo da didática.
Partindo ainda da constatação de que a cultura ocidental estabelece para o
conjunto de práticas humanas uma oposição entre as atividades consideradas como
manuais e as atividades intelectuais, que espontaneamente levam à classificação das
matemáticas como atividades intelectuais, em que materiais e representações são
23
apenas suportes ou sinais que se utilizam para representar os objetos, e que desta
forma, não fazem parte da própria atividade, os autores afirmam que
[...] trabalhamos a matemática principalmente ”com a cabeça”, com a ajuda de
ferramentas como noções, raciocínios, idéias, intuições e muito pouco com
elementos materiais. Com efeito, alguns instrumentos materiais utilizados
(papel e lápis, quadro e giz, régua e compasso, calculadoras, computadores)
são geralmente considerados como simples suportes, ajudas muitas vezes
indispensáveis, mas que em nenhum caso fariam parte da própria atividade.
Os outros objetos, se não materiais, pelo menos sensíveis, que o matemático
utiliza (escrituras, formalismos, grafismos, palavras, discurso, etc) podem às
vezes se beneficiar de algumas especificidades: se supõe que eles
intervenham nas atividades apenas como sinais, ocupando o lugar de outros
objetos que eles representariam. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.89,
tradução nossa).
Chevallard e Bosch observam que a atividade matemática tende a desconsiderar
as ferramentas materiais que utiliza, levando em conta apenas os objetos
particularmente sensíveis que são os discursos, escritas e grafismos para se centrar no
sentido que ajudam a construir e não nos próprios objetos e na maneira de manipulá-
los. Ou seja, segundo Chevallard e Bosch (1999, p. 90.), para fazer matemática
necessitamos do discurso, das figuras e dos símbolos, mas o que é importante está
além das palavras e das escrituras, isto é, a atividade matemática concretamente
observável está na sua função significante e produtora de conceitos.
Após essa constatação Chevallard e Bosch propõem que se investigue como a
atividade matemática está condicionada pelos instrumentos materiais, visuais, sonoros
e táteis que ela utiliza, e afirmam que a falta desses instrumentos pode dificultar o
desenvolvimento de uma atividade, da mesma forma que a ausência de um conceito
pode bloquear a evolução do pensamento matemático como se observa no texto
abaixo.
Sabemos que a ausência de um conceito pode bloquear a evolução do
“pensamento” matemático, tanto no nível histórico de uma comunidade como
no nível individual do pesquisador ou do aluno. Poderíamos nos perguntar até
24
que ponto esta ausência seria a ausência de uma idealidade, de uma maneira
de “pensar” ou de “conceber” o mundo, e não aquela de um complexo de
ferramentas de trabalho. A maioria de natureza material, cuja disponibilidade –
ou, ao contrario, a ausência poderia modificar de maneira catastrófica o
desenvolvimento da atividade. Acreditamos que a análise didática do
desenvolvimento do saber matemático – capturada no tempo histórico, na
historia de vida de uma pessoa, ou na vida de uma classe não pode
considerar como secundaria esta dimensão da atividade, lhe atribuindo apenas
uma função instrumental na construção dos conceitos. (CHEVALLARD e
BOSCH, 1999, p. 90, tradução nossa)
Dessa forma, Chevallard e Bosch, explicitando a questão da “natureza” dos
objetos matemáticos e de sua “função” nas atividades matemáticas, são levados a
considerar dois tipos de objetos: os objetos ostensivos e os objetos não ostensivos. A
esse respeito, os autores se expressam da seguinte forma:
[...] Falamos de objetos ostensivos do latim ostenderemostrar, apresentar
com insistência” para nos referir a todo objeto tendo uma natureza sensível,
uma certa materialidade, e que, por esta razão, adquirem para o sujeito
humano uma realidade perceptível. Assim, acontece para qualquer objeto
material e, principalmente, para os objetos materiais particulares como os sons
(entre os quais as palavras da língua), os grafismos (entre os quais os
grafemos permitindo as escrituras das línguas naturais ou constitutivos das
línguas formais) e os gestos. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.90, tradução
nossa).
Sobre os objetos não ostensivos, dizem que:
Os objetos não ostensivos são todos estes objetos que, como as idéias, as
intuições ou os conceitos, existem institucionalmente no sentido em que lhes
atribuímos uma existência – sem que para tanto possam ser vistos, ditos,
entendidos, percebidos ou mostrados por eles mesmos: eles podem apenas
ser evocados ou invocados pela manipulação adequada de certos objetos
ostensivos que lhes são associados (uma palavra, uma frase, um grafismo,
uma escritura, um gesto ou um longo discurso) (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.90, tradução nossa).
25
O exemplo permite compreender a distinção entre ostensivo e não ostensivo,
proposta por Chevallard e Bosch, esclarecendo como se efetua a manipulação dos
ostensivos e como esta é guiada e controlada pelos não ostensivos.
Assim, os objetos “função” e “primitiva de uma função” são objetos não
ostensivos que aprendemos a identificar e a ativar por meio de certas
expressões, escrituras e grafismos particulares utilizados em práticas e
situações também particulares. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.90,
tradução nossa).
Após definir objetos ostensivos e não ostensivos e dar exemplos que permitem
compreender como estes se manifestam nas atividades matemáticas, Chevallard e
Bosch mostram que estes objetos estão unidos por uma dialética que considera os não
ostensivos como emergentes da manipulação
17
dos ostensivos e que são os não
ostensivos que guiam e controlam as manipulações permitidas pelos ostensivos,
ressaltando ainda que estes sejam objetos institucionais cuja existência raramente
depende de uma única pessoa.
[...] os objetos não ostensivos não devem ser entendidos como entidades
“mentais”, pessoais e individuais, que existiriam unicamente “nas nossas
cabeças” ou no nosso espírito. Ostensivos e não ostensivos são sempre
objetos institucionais cuja existência depende raramente de uma única pessoa.
[...] os objetos ostensivos e os objetos não ostensivos estão unidos por uma
dialética que considera os segundos como os emergentes da manipulação dos
primeiros e, ao mesmo tempo, como meios de guiar e controlar esta
manipulação. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 90-91, tradução nossa)
Para ilustrar as definições e permitir uma melhor distinção entre os objetos
denominados por Chevallard e Bosch de ostensivos e não ostensivos e também para
explicitar como se efetua a manipulação dos ostensivos e como estes são guiados
17
Por exemplo, na resolução de um sistema de duas equações lineares e duas incógnitas pelo método da
adição é importante a disposição das incógnitas que serão manipuladas por meio dos o ostensivos que as
guiam e controlam, ou seja, as noções de grupo aditivo e multiplicativo e a noção de espaço vetorial sobre um
corpo K.
26
pelos não ostensivos, os autores consideram o exemplo abaixo sobre a noção de
logaritmo.
É pelo fato de poderem ser concretamente manipulados que os objetos
ostensivos se distinguem dos não ostensivos. A notação log e a palavra
”logaritmo” são objetos ostensivos. Ao contrário, a noção de logaritmo é um
objeto não ostensivo que não é possível manipular no sentido precedente.
Podemos somente “tornar presente” representá-la pela manipulação de
certos objetos ostensivos associados, como a notação log, por exemplo. Na
maioria dos casos, os objetos institucionais se vêem associados a um objeto
ostensivo privilegiado, seu nome, que permitirá uma evocação mínima.
Observamos, aqui, o jogo metafórico pelo qual os atores são freqüentemente
conduzidos a utilizar como se os objetos não ostensivos se mostrassem, e
pudessem ser efetivamente manipulados.” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.
90, tradução nossa).
Utilizando o caso particular de uma equação exponencial os autores mostram
como a noção de logaritmo funciona como uma ferramenta que pode ser
concretamente manipulada, fazendo uma analogia com o martelo cuja função é fixar um
prego.
Diremos, por exemplo, que para resolver a equação 2
x
= 10, utilizamos o
logaritmo”, da mesma forma que utilizamos um martelo para fixar um prego,
isto é, como se o objeto ostensivo que é a noção de logaritmo fosse
concretamente manipulável, mesmo que na realidade o que será efetivamente
manipulado pelo sujeito humano, são as palavras e as notações. Seremos, por
exemplo, conduzidos a pronunciar a palavra logaritmo e escrever: 2
x
= 10
(“tomamos os logaritmos”) x.log2 = log 10 => x=
2log
10log
. Se no lugar de dizer e
escrever, nos limitamos a “pensar” a palavra e a escrita precedente, veríamos
como uma outra forma de manipulação interiorizada dos objetos
ostensivos. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 91, tradução nossa).
Chevallard e Bosch (1999, p. 92.) observam que toda atividade humana se
descreve, aparentemente, por meio da manipulação de objetos ostensivos, mas o
27
operador humano é capaz de efetuar esta manipulação, evocando ou invocando os
objetos não ostensivos que não aparecem como específicos da atividade. O exemplo
abaixo mostra uma forma de como se efetua esta manipulação.
[...] Escrever 2 + 3 = 5 pode ser visto como uma simples manipulação de
objetos ostensivos, mas não se saberia efetuar intencionalmente sem a
intervenção de certos objetos não ostensivos específicos, tal como a noção de
adição (ou, se existe somente cópia de um “modelo” de escritura, a noção de
“reprodução” ou de “cópia”). Mais genericamente, consideramos o principio
que, em toda atividade humana, existe co-ativação de objetos ostensivos e de
objetos não ostensivos (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 92, tradução
nossa).
Após considerar a importância dos ostensivos e não ostensivos nas atividades
humanas, Chevallard e Bosch retomam as noções fundamentais da análise
antropológica e mostram como se opera a presença dos ostensivos e não ostensivos
na realização das tarefas associadas a uma determinada prática institucional e a
importância dos ostensivos, pois são eles que permitem visualizar o trabalho realizado
na solução da tarefa proposta, por sua acessibilidade aos nossos sentidos, mas não
depende unicamente destes, pois quem os guia e controla são os não ostensivos que
lhes são associados e também o produto de uma construção institucional, sendo desta
forma, fruto de uma aprendizagem.
[...] a utilização de uma técnica se traduz por uma manipulação dos ostensivos
regrados por não ostensivos. Os ostensivos constituem a parte perceptível da
atividade, isto é, o que na realização da tarefa, pode ser visto, tanto pelo
observador como pelos próprios atores. Na análise do trabalho matemático, os
elementos ostensivos fazem parte do real empírico, acessível aos sentidos. Ao
contrário, a presença de tal ou tal não ostensivo em uma determinada prática
pode ser induzida ou suposta a partir das manipulações dos ostensivos
institucionais associados. A observação precedente não deve sugerir que
nossa relação com os ostensivos, se dependente da percepção, seja
puramente empírica e, de alguma forma, trans-institucional. Os objetos
ostensivos, mesmo que diretamente acessíveis aos sentidos, não são dados
puros. Como não existe ostensivo sem não ostensivo, tanto os objetos
28
ostensivos como nossa relação com eles (em particular nossa capacidade de
identificá-los, antes mesmo de manipulá-los) são o produto de uma construção
institucional e, portanto, o fruto de uma aprendizagem. (CHEVALLARD e
BOSCH, 1999, p.92, tradução nossa).
Na seqüência, Chevallard e Bosch insistem na importância dos ostensivos e no
fato de que estes objetos devem ser frutos da aprendizagem, mostrando, por meio de
exemplos, a importância da dialética entre ostensivos e não ostensivos
18
e que ambos
precisam ser levados em conta pelo ensino.
O exemplo abaixo sobre “adição de polinômios” deixa evidente como se opera a
dialética entre ostensivos e não ostensivos e que esta depende da ordem em que estes
são considerados.
É conveniente se fixar sobre as relações que unem, na atividade humana,
objetos ostensivos e não ostensivos. A intervenção dos objetos não ostensivos
na práxis manipulativa dos objetos ostensivos pode conduzir a dar aos não
ostensivos ativados o status de condições de uma manipulação adequada dos
instrumentos ostensivos. Assim, a existência, para mim, segundo uma relação
idônea, do objeto não ostensivo “adição de polinômios” pode aparecer como
uma condição para que eu escreva: (x
3
+x +1) + (x
2
+ 4x – 2) = x
3
+ x
2
+5x 1.
Analogamente, pelo fato que, contrariamente ao hábito gerado pelo ensino
secundário, eu escrevo (x
3
+ x +1) + (x
2
+ 4x 2) = 1 +5x + x
2
(1 + x)
levantará a hipótese de que existem para mim certos objetos não ostensivos
que condicionam a tarefa realizada, motivando-a, regrando seu
desenvolvimento e propondo um critério para finalizar a transformação operada
– poderia se tratar, neste caso, do objeto não ostensivo “desenvolvimento
limitado de ordem 1”, por exemplo. A análise do papel de não ostensivos como
condições de manipulação dos ostensivos aparece como ambivalente. Ela
pode conduzir, seja a considerar primeiro os não ostensivos, como se a
“administração ostensiva” devesse necessariamente segui-lo, seja a considerar
primeiro os ostensivos, como se o condicionamento pelos objetos não
ostensivos pudesse ser considerado não essencial. (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.93, tradução nossa).
18
Por exemplo, quando consideramos a noção de sistemas de duas equações lineares a duas incógnitas é
possível verificar, conforme grade de análise apresentada no capítulo 3, a dialética existente entre os
ostensivos e não ostensivos e como os não ostensivos guiam, controlam e justificam as manipulações
efetuadas.
29
Tendo mostrado a necessidade da dialética entre ostensivos e não ostensivos
para a solução de uma tarefa, os autores explicitam como a escolha de um trabalho
centrado primeiramente sobre os não ostensivos seguidos dos ostensivos prioriza a
compreensão, deixando a atividade em segundo plano e um outro trabalho em que se
considera os ostensivos, que permitem realizar a tarefa, seguidos dos não ostensivos,
pode empobrecer os aspectos “conceituais”, que permitem controlar a tarefa realizada.
Sendo assim, os autores concluem que não é possível dissociar os ostensivos e os não
ostensivos, não importando a escolha.
O primeiro caso corresponde em matéria de ensino, a colocar na frente a
“compreensão” em detrimento da própria atividade; o segundo caso, a colocar
na frente os elementos ostensivos que permitem “fazer” com um
empobrecimento correlativo dos aspectos “conceituais” que supostamente
permitem compreender e controlar o que se faz. Observamos, em oposição,
que a co-ativação de ostensivos e não ostensivos é sempre presente e
aparece em todos os níveis da atividade, tanto no plano técnico como em seu
meio tecnológico teórico (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.93, tradução
nossa).
Assim, observando que não existem ostensivos sem os não ostensivos e que a
ordem em que eles são considerados depende das escolhas, que podem ser realizadas
quando se deseja ensinar uma determinada noção matemática, os autores apresentam
um exemplo que permite separar os ostensivos escritos, orais e gestuais, assim como
os não ostensivos que os guiam e controlam e que permitem justificar e explicar as
ações, isto é, o que os autores denominam tecnologia das técnicas.
A técnica que conduz a escrever (x
3
+x +1) + (x
2
+ 4x – 2) =1 +5x + x
2
(1 + x)
supõe uma manipulação de ostensivos escritos (parênteses, letras, algarismos,
etc.), orais (pequeno discurso do tipo “x mais 4x, 5x...”) e gestuais (por
exemplo, para agrupar os termos de mesmo grau e verificar que não
esquecemos nenhum). Esta manipulação é guiada pelos não ostensivos, entre
os quais a noção de organização dos termos em ordem decrescente dos
expoentes, a noção de termos (ou monômios) de mesmo grau, a de “fatoração
por x
2
”, ou ainda a noção de “resto de ordem 2”, etc. Essa evocação de não
30
ostensivos nos aproxima, culturalmente, dos ingredientes supostos
necessários, não para agir, mas para justificar e explicar as ações, da
tecnologia da técnica.” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.94, tradução nossa).
A partir da noção de tecnologia da técnica, os autores situam os conceitos e
noções que permitem compreender e controlar as atividades matemáticas, mostrando a
necessidade de um discurso tecnológico que acompanhe estas técnicas de forma a
explicitá-las e justificá-las. Os autores vão além, mostrando a importância tanto do
discurso oral quanto do escrito, pois são eles que permitem materializar as explicações
e as justificativas utilizadas no desenvolvimento de uma determinada tarefa. Eles
observam ainda que, sendo as teorias um discurso sobre as tecnologias, estas também
estão condicionadas a uma materialização por meio de um discurso oral e escrito.
É, com efeito, no nível tecnológico que podemos ser tentados a situar os
conceitos e noções permitindo compreender e controlar a atividade
matemática. Todo discurso tecnológico se realiza concretamente pela
manipulação de objetos ostensivos, em particular, discursivos e escritos, que
permitem materializar as explicações e justificações necessárias para ao
desenvolvimento de uma tarefa, e isto é análogo no nível teórico, [...] A
distinção ostensivo e não ostensivo se refere aos próprios objetos e não ao
papel que eles desempenham nas práticas. Uns e outros servem tanto para
fazer como para justificar o que se faz. [...] isto é, uma manipulação ostensiva
supõe o não ostensivo e, inversamente, o não ostensivo pode viver por
meio do ostensivo, restando apenas que esta necessidade se realize de uma
maneira arbitrária nas instituições e em um determinado tempo de sua história,
para dar lugar a uma grande variabilidade de formas de associação.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.94, tradução nossa).
Dessa forma, Chevallard e Bosch partem do princípio de que toda atividade
supõe uma co-ativação de ostensivos e não ostensivos, mostrando como é concebida a
análise da atividade matemática segundo a dialética ostensivo/não ostensivo e a
importância da função semiótica dos ostensivos, isto é, estes objetos são para os
autores, os sinais que dão significado aos não ostensivos. Além disso, os autores
comparam os ostensivos da matemática com os de lingüística e, por analogia, mostram
a tendência a privilegiar a dimensão não ostensiva da atividade.
31
Na análise da atividade matemática, a dialética ostensivo e não ostensivo é
geralmente concebida em termos de sinais de significação: os objetos
ostensivos são os sinais dos objetos não ostensivos que lhes constituem o
sentido ou significação. Os ostensivos utilizados em matemática são muito
parecidos, materialmente, com os ostensivos utilizados na atividade lingüística.
E, se acreditamos, quando falamos, não são as palavras que importam, mas o
que elas permitem comunicar, somos da mesma forma conduzidos a desprezar
o papel dos ostensivos na prática matemática, fazendo prevalecer a dimensão
não ostensiva da atividade (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.95, tradução
nossa).
Na seqüência, os autores justificam que as técnicas são consideradas com os
primeiros ingredientes, ou ainda, as ferramentas materiais da atividade matemática,
assim, que a função semiótica dos ostensivos não está separada de sua função
instrumental, ou seja, o sinal que permite integrar e manipular técnicas, tecnologias e
teorias.
Quando, ao contrário, consideramos como nós o fazemos, que os objetos
ostensivos são os constituintes praxeológicos matemáticos, os primeiros
ingredientes (e primários) as técnicas, as tecnologias e as teorias, podemos
olhá-los em primeiro lugar como os instrumentos da atividade matemática, as
ferramentas materiais sem as quais a ação não pode se realizar. A função
semiótica dos ostensivos, sua capacidade de produzir o sentido, o pode
estar separada de sua função instrumental, de sua capacidade de se integrar
nas manipulações técnicas, tecnológicas e teóricas (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.95, tradução nossa).
Antes de mostrar a dupla função dos ostensivos, isto é, servem como
instrumento de produção de sentido e como ferramenta de manipulação das técnicas,
tecnologias e teorias em função do registro a que eles pertencem, Chevallard e Bosch
caracterizam os diferentes objetos ostensivos, dizendo:
[...] caracterizamos os diferentes objetos ostensivos pelo registro (oral, escrito,
gráfico, gestual, material) ao qual eles pertencem, distinção motivada pelo fato
32
de que a função atribuída espontaneamente aos objetos ostensivos depende
da “maneira” como eles se compõem (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.95,
tradução nossa).
Após caracterizar os objetos ostensivos Chevallard e Bosch consideram a
pluralidade dos registros ostensivos existentes na cultura ocidental, observando que
estes são articulados de maneira complexa. Para a melhor compreensão desta
complexidade, os autores apresentam diversos exemplos para mostrar sua importância
no desenvolvimento da atividade matemática.
Colocamos na frente a espessura ostensiva do trabalho matemático que
evolui sempre entre diferentes registros articulados de maneira complexa. E
mostramos, também, que no caso particular do discurso oral e escrito, que a
função culturalmente associada aos diferentes objetos ostensivos está muito
influenciada pelos registros aos quais ela pertence. Existe uma axiologia
cultural que nos conduz a desprezar gestos e objetos materiais que não
pertencem ao campo das matemáticas, assim como a reduzir as manipulações
das escritas a uma atividade mecânica regrada unicamente por regras da
sintaxe estrita. É na produção de figuras e, principalmente, no discurso oral,
que o olhar logocêntrico i procurar a prova de que a atividade escrita é
“significante”, “provida de sentido”. A evolução da atividade matemática, tanto
no plano individual como institucional ou histórico, irá encontrar esta visão das
coisas e do sistema de valores que ela promete (CHEVALLARD e BOSCH,
1999, p.103, tradução nossa).
Referindo-se à evolução histórica da matemática, Chevallard e Bosch mostram
como a atividade matemática tende a abandonar os diversos registros, privilegiando o
registro escrito. Para isto, eles consideram como marco os trabalhos de Viète
19
, que é
considerado como criador da álgebra por alguns historiadores.
Se as primeiras atividades de contagem deviam recorrer a uma ampla
variedade de objetos materiais, gráficos e gestuais, se os primeiros raciocínios
19
Viète: Considerado como o matemático que introduz a álgebra, por alguns historiadores, pois é ele que
efetua a passagem do conceito de “arithmos” (faz referência imediata às coisas e as unidades enquanto que
os símbolos (letras) [...] enviam ao conceito de “número em geral” ), ao de símbolo genérico. (PIAGET E
GARCIA, 1983, p.171, tradução nossa)
33
dedutivos da geometria euclidiana se realizam sobre objetos gráficos traçados
sobre a areia e por meio de discursos e manipulações materiais com a ajuda
de instrumentos diversos de traçados (efetivamente realizados ou evocados
pela linguagem), não podem ignorar que, pelo menos após Viète, os
matemáticos progrediram pelas vias do simbolismo escrito, de tal forma que
podemos quase que seguir toda a história deste progresso ficando apenas
sobre o registro escrito. As tendências formalistas nascidas da crise de
fundamentação do fim do século XIX levaram esta evolução ao seu extremo,
como se a escrita simbólica pudesse substituir todos os outros registros, seria
somente para a formulação e demonstração das verdades matemáticas
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.103, tradução nossa).
Para mostrar a importância dos registros ostensivos no desenvolvimento de uma
atividade que envolve noções de álgebra, os autores discutem os exemplos sobre o
produto de matrizes, soluções de uma equação e desenvolvimento de uma expressão
algébrica.
Toda matematização, mais genérica, supõe uma redução ostensiva dos
instrumentos do trabalho matemático, que ”projeta“ os diferentes registros
inicialmente ativados sobre aqueles que podem ser escritos. Consideremos
assim, os gestos necessários quando do produto de duas matrizes, da solução
de uma equação ou do desenvolvimento de uma expressão algébrica. Estes
gestos são visíveis sob forma de grafismos, sem dúvida provisórios e um
pouco ilegítimos, que indicam sobre o papel as associações dos termos ou as ”
transposições a efetuar (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.104, tradução
nossa).
Na seqüência os autores mostram a importância do registro escrito sobre o oral,
pois é a escrita que permite a manipulação e a projeção do registro gestual sobre o
papel, que, segundo os autores, é um processo que faz aparecer novos ostensivos
orais para explicar os gestos.
[...] Contrariamente ao discurso oral, a escrita imobiliza os objetos sobre o
papel e permite manipulá-los, da mesma forma que o medieval que utilizava o
ábaco manipulava os cálculos sobre a tábua de contar. Estes exemplos
simples são suficientes para ilustrar as possíveis formas de ”projeção“ do
34
registro gestual sobre a folha de papel, processo que é sempre completado
pela aparição de novos ostensivos orais para designar estes gestos (“fazemos
passar o termo 3x para o outro lado”, “multiplicamos as linhas pelas colunas”,
etc.) ou para indicar os objetos sobre os quais efetuamos estes gestos (“o
termo da direita”, “os extremos”, “as linhas”, “o fator comum”, etc.)
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.104, tradução nossa).
Continuando o raciocínio, Chevallard e Bosch justificam como os ostensivos
provisórios terminam integrando o formalismo algébrico dando lugar a novos objetos
matemáticos que podem ser representados pelo registro escrito, eliminando todos os
traços gestuais. Como exemplo os autores utilizam o produto de duas matrizes.
Se seguirmos esta evolução, veremos estes ostensivos provisórios se integrar
no próprio formalismo algébrico para dar lugar a novos objetos matemáticos
que, poderão ser inteiramente escritos sobre a folha de papel. Assim, a
definição usual de produto de matrizes terminará por eliminar todos os traços
da atividade gestual graças à utilização do formalismo escrito como o seguinte:
(a
ij
)
mxn
X (b
ij
)
nxp
= (c
ij
)
nxp
com c
ij
=
=
n
r
rjir
ba
1
. A “leitura” desta escrita não
consiste mais numa simples oralidade: deve-se poder recompor, a partir destas
escrituras, a pluralidade de ostensivos que constituem a técnica de
multiplicação. Observamos, aqui, somente que esta evolução supõe a criação
de novos ostensivos escritos que, como o sinal de ou os sub-índices,
apareceram mais tarde no conjunto de ferramentas matemáticas e continuam a
ser objeto de pequenas re-elaborações para facilitar a manipulação.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.104, tradução nossa).
Os autores observam também que a gênese
20
de uma técnica para resolver um
determinado problema é constituída de uma grande quantidade de ostensivos, ou seja,
os registros discursivo, gestual, gráfico, escrito até que se torne estável, reduzindo as
necessidades de alguns ostensivos que permitiram a construção da técnica.
Podemos mostrar, mais genericamente, que a “microgenese” individual de uma
técnica para resolver um dado tipo de problema supõe, em um primeiro
20
Gênese: Conjunto de formas e/ou elementos que contribuíram na produção de alguma coisa.
35
momento, uma proliferação ostensiva importante: a técnica se constrói sobre
uma base de objetos emprestados de universos diversos da atividade humana
e recorrendo a numerosos pontos de apoio ostensivo discursivo, gestual,
gráfico, escrito. Mas a evolução da atividade que terminará em uma técnica
estável – conduz em seguida a uma redução ostensiva mais e mais evidente, a
utilização da técnica tende a colocar como detrito todo aquecimento ostensivo
que permitiu a construção (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.106, tradução
nossa).
Em analogia com a gênese de uma técnica os autores utilizam as praxelogias
matemáticas normalizadas as quais irão desaparecer assim como os múltiplos
ostensivos iniciais. Esta redução se efetua por um processo no qual os objetos e
materiais se transferem para o registro oral e escrito, que podem ser transcritos na folha
de papel.
Acontece o mesmo quando o processo de criação observado afeta uma
praxeologia matemática, por exemplo, aquilo que o professor tenta recriar em
sua classe ou um autor de livro didático, com a suposta colaboração dos
alunos ou dos leitores. O desenvolvimento da atividade matemática seja na
utilização normalizada das praxeologias disponíveis ou na criação de novas
organizações de objetos irá desaparecer tão rápido quanto a pluralidade dos
ostensivos que caracterizam seu estado inicial, por um fenômeno geral de
redução xilográfica (do grego kheir, “mão”) dos registros ostensivos ativados,
processo pelo qual os objetos e materiais se “transferem” aos registros da
oralidade e do grafismo, isto é, aos registros que a mão pode transcrever no
espaço da folha de papel. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.106, tradução
nossa).
A partir da análise da evolução dos ostensivos, os autores discutem como na
mobilização desses objetos na atividade matemática é possível identificar os que estão
associados ao registro escrito, oral e gráfico, considerando ainda que os gestos,
desenhos e outros grafismos não são, em geral, levados em conta, pois se supõe que
estes fazem parte da própria atividade.
36
É conveniente então distinguir, na análise dos objetos ostensivos mobilizados
em uma atividade matemática concreta, aqueles que, como as notações, os
simbolismos e certas expressões verbais adquirem um status matemático claro
e têm o papel de instrumentos da atividade, daqueles que, mesmo funcionando
como meios indispensáveis do trabalho matemático, são considerados como
um acompanhamento quase contingente da atividade. Os desenvolvimentos
anteriores podem se traduzir dizendo que a matematização conduz a relegar
os objetos materiais, os gestos e certos grafismos ao simples status de meios
do trabalho matemático, dando o status de instrumentos somente aos
ostensivos pertencentes ao registro escrito e, de forma menos clara, aos
registros gráfico e oral.” (CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.105, tradução
nossa).
Após observar a importância dada ao registro escrito em função de seu papel na
apresentação dos resultados dos trabalhos dos matemáticos, os autores consideram
que os objetos ostensivos dependem do registro a que pertencem e que, além disso, o
status do registro escrito está associado ao fato de que este integra os outros registros,
o que faz com que seja visto como o verdadeiro instrumento da atividade,
principalmente quando se considera o formalismo da matemática.
O status variável atribuído aos objetos ostensivos em função de sua
pertinência a tal ou tal registro conduz a uma situação paradoxal. De um lado,
o registro da escrita, aquele que integra ao mesmo tempo o discurso escrito e
o formalismo matemático, não somente como o mais constantemente
solicitado, mas como aquele, aonde virá se integrar os diferentes meios
ostensivos pertencentes aos outros registros quando eles serão objetos de
uma matematização lhes atribuindo o status de verdadeiros instrumentos da
atividade. A matematização que induz sempre, na etapa final, a uma
formalização reduz as palavras em escritas, os gestos em índices, as figuras
em equações, as manipulações gráficas em manipulações algébricas, etc.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p. 105 – 106, tradução nossa).
A diferenciação do status atribuído aos objetos ostensivos leva os autores a
considerar o discurso verbal e os grafismos como uma relação do matemático com a
matemática, isto é, estes são atividades que cada um pode fazer funcionar de
diferentes formas, em função de suas necessidades, e que não precisam aparecer
37
quando se apresentam os resultados. Isto conduz Chevallard e Bosch a considerar o
paradoxo entre a redução ostensiva e a necessidade da utilização dos registros oral e
gráfico para restituir o sentido dessa redução.
Nesse processo, o discurso verbal e os grafismos, mesmo que fazendo parte
dos registros xilográficos, são considerados em um grau intermediário da
matematização, como se eles se revelassem quase que inteiramente da
componente privada da relação do matemático com a matemática. Ao mesmo
tempo – a coisa pode parecer paradoxal – esses registros não ou pouco
matematizados são freqüentemente vistos como emblemáticos do trabalho
matemático “autêntico”. Com efeito, mais o processo de algebrização avança e
mais o trabalho matemático torna-se “puro cálculo e pura sintaxe”: o discurso,
mais e mais se afasta da escrita, terminando por parecer como a única prova
de raciocínio, ajudado pelos modelos gráficos (ou a componente gráfica).
Parece, então, quando os ostensivos discursivos e gráficos perdem seu status
de instrumentos para o privilégio dos ostensivos escritos, eles tendem a
parecer, para a cultura corrente (matemática ou não matemática) como os
meios mais significativos do trabalho matemático, pois eles permitem restituir o
“sentido” perdido quando da redução ostensiva. Este paradoxo tem sem dúvida
sua funcionalidade ecológica: a pejoração cultural do escrito aproveita dos
registros oral e do grafismo contribuindo para restituir à atividade matemática a
espessura ostensiva mínima necessária para sua gestão e sua realização.
(CHEVALLARD e BOSCH, 1999, p.106, tradução nossa).
Chevallard e Bosch apresentam diversos exemplos que mostram a importância
dos ostensivos para a formalização e generalização em matemática, assim como a
descoberta de novos objetos e consideram ainda a instrumentalidade dos ostensivos
21
observando que os mesmos possuem duas valências, uma valência instrumental
22
e
uma valência semiótica
23
21
Instrumentalidade dos ostensivos: Um objeto ostensivo é considerado como um instrumento possível da
atividade humana, isto é, como uma entidade que permite, associando com outras, dar conformidade às
técnicas que possibilitam cumprir certas tarefas, de conduzir bem um certo trabalho. (CHEVALLARD e
BOSCH, 1999, p.107, tradução nossa).
22
Valência instrumental ou instrumentalidade: Valência que existe tanto nos símbolos escritos (em
matemática, por exemplo) como nas palavras que pronunciamos ou nos gestos que fazemos. [...] Podemos
dizer, por exemplo, que na sua utilização algébrica usual, a notação por um lado, e a notação de expoente
fracionário ½ por outro lado, têm um rendimento vizinho quando as utilizamos para efetuar o seguinte trabalho:
38
Chevallard e Bosch observam ainda que a redução dos ostensivos na atividade
matemática e sua valorização cultural, que os considera indispensáveis, não podem ser
resolvidas por meio dos contratos didáticos
24
habituais, mas necessita de certa
“desmatematização” da atividade.
Para compreender melhor as mudanças propostas para o ensino de matemática
e, mais particularmente, para o ensino da noção de sistemas de duas equações
lineares e duas incógnitas, bem como o comportamento esperado dos professores e
alunos do Ensino Fundamental II, buscaram-se os documentos oficiais disponíveis, que
foram analisados por meio da noção de “topos” introduzida por Chevallard (1997). Essa
análise será apresentada no capítulo que segue, dedicado aos Parâmetros Curriculares
Nacionais e à proposta Curricular do Estado de São Paulo.
32x
=
2
x
3
;
( )
2
1
32
x
=
( )
2
1
2
x
( )
2
1
3
. Inversamente, para calcular a derivada da função a segunda
notação se revela instrumentalmente superior, pois ela permite efetuar um trabalho que não podemos
reproduzir formalmente com a ajuda da primeira:
x
xxxx
2
1
2
1
2
1
)'()'(
2/112/12/1
====
. Diremos que
em relação à cnica de derivação empregada (e vale o mesmo em relação ao cálculo da primitiva da função),
a notação exponencial tem uma maior instrumentalidade que a notação : ela permite a utilização de uma
técnica que não pode se realizar por meio da notação . A instrumentalidade de um ostensivo depende
também do número de técnicas nas quais ele pode intervir e ela temaior importância quanto mais estas
técnicas se mostrarem robustas e confiáveis para o cumprimento da tarefa. (CHEVALLARD e BOSCH, 1999,
p.109, tradução nossa)
23
Valência semiótica: [...] A ostensividade de um objeto lhe permite funcionar como sinal, ou de preferência
como significante de outros objetos: a notação , a expressão “raiz quadrada” e uma representação gráfica
em um sistema cartesiano podem enviar a este objeto não ostensivo que é a raiz quadrada (ou a função raiz
quadrada), a escrita “130” km/h evoca uma grandeza ou uma determinada limitação de velocidade, etc. Mais
genericamente, os objetos ostensivos, quando são utilizados em práticas institucionais determinadas, têm o
poder de evocar objetos ostensivos e não ostensivos complexos, com os quais eles entram em interação.
Como os objetos, no sentido antropológico, são indissociáveis das relações com estes objetos, podemos dizer
que o que evocamos (ou podemos evocar em uma determinada situação) os objetos ostensivos é todo
conjunto de praxeologias institucionais nas quais eles participam como instrumentos. (Chevallard e Bosch,
1999, p.109). Chevallard e Bosch observam ainda que este conjunto de praxeologias corresponda ao que
Godino e Batanero (1994) denominam “significado” de um objeto matemático.
24
Contrato didático: agrupa o conjunto de comportamentos específicos que o aluno espera do professor e o
conjunto dos comportamentos específicos que o professor espera do aluno. O contrato didático aparece quase
que inteiramente implícito, e ele deve ser implícito, sem o que o ensino não pode funcionar (BROUSSEAU,
1983, p.48, tradução nossa)
39
CAPÍTULO 2
O “TOPOS” DO ALUNO E DO PROFESSOR VIA PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS E PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO: A NOÇÃO
DE SISTEMAS DE DUAS EQUAÇÕES LINEARES E DUAS INCÓGNITAS
2.1 Considerações Iniciais
Para compreender o que é esperado do professor e dos alunos do Ensino
Fundamental quando se introduz a noção de sistemas de equações lineares, isto é,
para identificar as praxeologias existentes e os objetos ostensivos e não ostensivos
privilegiados, considera-se neste capítulo a análise institucional do que é esperado
como “topos”
25
(CHEVALLARD e GRENIER, 1997) dos alunos e do professor, à luz dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e da Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
A escolha desses documentos se deve ao fato de serem indicações construídas
com a intenção de orientar o professor em sua prática diária e ajudá-lo a efetuar
escolhas que sejam mais adequadas às realidades das classes e das regiões em que
trabalham, isto é, desenvolver as técnicas culturalmente possíveis.
Dessa forma, a análise foi estruturada levando-se em conta o seguinte
questionamento:
1) Como é proposta a abordagem da Matemática para os alunos do Ensino
Fundamental, a séries, nos documentos oficiais, isto é, Parâmetros
Curriculares Nacionais e Proposta Curricular do Estado de São Paulo?
2) Como é estruturado o ensino e como se organiza sua progressão quando se
propõe uma primeira abordagem da noção de sistemas de equações lineares
para os estudantes do Ensino Fundamental?
25
Topos: palavra grega que significa “lugar”. O “topos” do aluno é o lugar onde ele opera com relativa autonomia em
relação ao professor o papel que lhe é próprio na realização de uma tarefa didática. Este trabalho que reúne professor e
aluno exige uma ação orquestrada, em que ambos são chamados a desempenhar seu papel em fases cooperativas.
(CHEVALLARD e GRENIER, 1997, p.186, tradução nossa)
40
3) Como é proposta a introdução das noções associadas a esta abordagem?
4) Que desempenho se espera do professor e do aluno no desenvolvimento desta
abordagem?
5) Qual é o nível de conhecimento, conforme abordagem de Robert (1997),
esperado dos professores e dos alunos quando do desenvolvimento da noção de
sistemas de equações lineares?
Para responder a essas questões, escolheu-se proceder da seguinte maneira,
para a análise de cada documento:
a. Primeiro apresenta-se o panorama geral dos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Matemática ressaltando o “topos” esperado dos
professores e dos alunos.
b. Em seguida, consideram-se as propostas que estão associadas à
introdução do objeto matemático de estudo deste trabalho, isto é, a
noção de sistemas de equações lineares, nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, observando quais objetos ostensivos e não ostensivos são
privilegiados.
c. Analisam-se em primeiro lugar os Parâmetros Curriculares Nacionais
observando os conhecimentos prévios esperados dos alunos, quando
se introduz a noção de sistemas de equações lineares. Essa análise
deverá revelar a relação pessoal esperada dos alunos em função da
relação institucional proposta, isto é, para uma organização
praxeológica prevista.
d. O mesmo procedimento é utilizado para a análise da Proposta
Curricular do Estado de São Paulo, isto é, apresenta-se o panorama
geral ressaltando o “topos” dos alunos e do professor, seguido das
propostas para o ensino da noção de sistemas de equações lineares,
na tentativa de verificar que objetos ostensivos e não ostensivos são
privilegiados. A seguir, são feitas observações sobre os conhecimentos
prévios esperados dos alunos, quando se introduz a noção de sistemas
41
de equações lineares, para verificar as organizações praxeológicas
previstas.
e. Finalmente, faz-se um comentário sobre as regularidades e diferenças
existentes nestes dois documentos.
2.2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da Matemática de a
séries (PCN) foram elaborados no ano de 1998, não sofrendo nenhuma modificação até
a data atual, portanto correspondem, até hoje, às expectativas nacionais para o ensino
desta disciplina, isto é, pode-se considerar que, neste documento, se encontram os
conhecimentos esperados como disponíveis, conforme definição de Robert (1997), ao
final de cada uma destas séries do Ensino Fundamental, ou seja, as praxeologias
pontuais, locais, regionais ou globais que se consideram importantes para serem
desenvolvidas, nas diferentes etapas da escolaridade, com os alunos.
A obra é iniciada com uma apresentação de sua finalidade que é a de ampliar o
debate nacional sobre o ensino da Matemática e socializar informações e resultados de
pesquisas brasileiras da área de educação, em particular, de educação matemática,
sempre preocupada com o educando e com sua formação, pretendo-se que os mesmos
tenham acesso a um conhecimento matemático que lhes permita participar de forma
consciente no mundo do trabalho, sendo capazes de estabelecer relações sociais e
culturais utilizando a Matemática como objeto de leitura e avaliação responsável destas
relações, o que supõe uma utilização dos objetos ostensivos associados aos objetos
matemáticos, de forma a efetuar essas atividades de leitura e avaliação.
Sendo assim, os Parâmetros devem auxiliar na orientação da formação inicial e
continuada do professor, isto é, a estabelecer o “toposesperado do professor após
estas formações, dando-lhe subsídios para o trabalho em sala de aula.
Em seguida, é apresentada uma breve análise das reformas curriculares que,
para este trabalho serão melhor evidenciadas por meio da análise dos livros didáticos
das décadas de 50 até o século XXI, com a análise de uma obra de cada época, cuja
escolha está associada à sua preservação até o momento, sendo que estas obras
42
mostram de forma mais eficaz as regularidades e diferenças associadas às diferentes
escolhas curriculares.
Na seqüência, é traçado o quadro atual do ensino da Matemática no Brasil,
destacando que entre os obstáculos enfrentados em relação a este trabalho, os que
parecem ser consenso entre educadores e pesquisadores da área são: a falta de uma
formação profissional qualificada, as restrições associadas às condições de trabalho, a
ausência de políticas educacionais e as interpretações equivocadas de concepções
pedagógicas.
Vale ressaltar que na obra se observa a existência de projetos educativos que
tentam minimizar estes problemas, alguns com muito sucesso. O objetivo desse
documento é ampliar o debate sobre o ensino da Matemática e socializar informações e
resultados de algumas pesquisas existentes em educação e educação matemática.
Os autores tecem considerações a respeito da natureza do conhecimento
matemático, identificando suas principais características e métodos particulares e
propondo uma reflexão a respeito de seu papel na formação da cidadania.
Apesar de deixar evidente a preocupação com a formação do cidadão, o
documento coloca em evidência a importância da Matemática, tanto do ponto de vista
de sua aplicação, como do seu desenvolvimento, no seio do próprio conhecimento
matemático, o que pode ser considerado como a necessidade dos objetos ostensivos e
não ostensivos presentes nas tarefas em que a Matemática é o instrumento para sua
solução, como é possível identificar no texto abaixo.
Duas forças indissociáveis estão sempre a impulsionar o trabalho em
Matemática. De um lado, o permanente apelo das aplicações às mais variadas
atividades humanas, das mais simples na vida cotidiana, às mais complexas
elaborações de outras ciências. De outro lado, a especulação pura, a busca de
respostas a questões no próprio edifício da Matemática. A indissociabilidade
desses dois aspectos fica evidenciada pelos inúmeros exemplos de belas
construções abstratas originadas em problemas aplicados e, por outro lado, de
surpreendentes aplicações encontradas para as mais puras especulações
(BRASIL, 1998, p. 24 – 25).
43
Ao tratar da Matemática e da construção da cidadania, o documento inicia
discutindo o que se entende por cidadania e associando a Matemática à formação da
capacidade de enfrentar as situações de sobrevivência, de inserção no mundo do
trabalho, das relações sociais e da cultura, e do desenvolvimento crítico para um
posicionamento em relação às questões do mundo que nos cerca. A esse respeito, os
autores se expressam, dizendo que:
Falar em formação básica para a cidadania significa refletir sobre as condições
humanas de sobrevivência, sobre a inserção das pessoas no mundo do
trabalho, das relações sociais e da cultura e sobre o desenvolvimento da crítica
e do posicionamento diante das questões sociais. Assim, é importante refletir a
respeito da colaboração que a Matemática tem a oferecer com vistas à
formação da cidadania. A sobrevivência na sociedade depende cada vez mais
de conhecimento, pois diante da complexidade da organização social, a falta
de recursos para obter e interpretar informações impede a participação efetiva
e a tomada de decisões em relação aos problemas sociais. Impede, ainda, o
acesso ao conhecimento mais elaborado e dificulta o acesso às posições de
trabalho. Em função do desenvolvimento das tecnologias, uma característica
contemporânea marcante no mundo do trabalho, exige-se trabalhadores mais
criativos e versáteis, capazes de entender o processo de trabalho como um
todo, dotados de autonomia e iniciativa para resolver problemas em equipe e
para utilizar diferentes tecnologias e linguagens (que vão além da comunicação
oral e escrita). Isso faz com que os profissionais tenham de estar num contínuo
processo de formação e, portanto, aprender a aprender toma-se cada vez mais
fundamental “ (BRASIL, 1998, p. 26 – 27).
Os autores evidenciam a importância de haver um trabalho interdisciplinar e
transdisciplinar, no desenvolvimento do conhecimento matemático. Apresentam, como
sugestão de trabalho, alguns temas transversais como: ética, orientação sexual, meio
ambiente, saúde, pluralidade cultural, trabalho e consumo, dizendo que:
A proposta de trabalhar com questões de urgência social numa perspectiva de
transversalidade aponta para o compromisso a ser partilhado pelos
professores das áreas, uma vez que é o tratamento dado aos conteúdos de
44
todas as áreas que possibilita ao aluno a compreensão de tais questões, o que
inclui a aprendizagem de conceitos, procedimentos e o desenvolvimento de
atitudes. Assim, ela traz aos professores de cada área a necessidade de um
estudo sobre tais questões, o que pode ser feito inicialmente por meio da
leitura dos documentos de Temas Transversais, que fazem parte dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, e de sua discussão no âmbito da escola. O
trabalho educativo que ocorre na escola é sempre marcado por concepções,
valores e atitudes, mesmo que não-explicitados e, muitas vezes, contraditórios.
Desse modo, é fundamental que os professores planejem não apenas como as
questões sociais vão ser abordadas em diferentes contextos de aprendizagem
das várias áreas, mas também como elas serão tratadas no convívio escolar.
Em termos de operacionalização dos temas em cada área, é preciso levar em
conta que eles precisam se articular à própria concepção da área, o que
significa que isso vai ocorrer de diferentes maneiras de acordo com a natureza
de cada tema e de cada área. Também é importante destacar que a
perspectiva da transversalidade não pressupõe o tratamento simultâneo, e
num único período, de um mesmo tema por todas as áreas, mas o que se faz
necessário é que esses temas integrem o planejamento dos professores das
diferentes áreas, de forma articulada aos objetivos e conteúdos delas.
(BRASIL, 1998, p. 28 – 29)
Quanto às questões associadas ao ensino e aprendizagem de Matemática, o
documento coloca em evidência que o professor deve ter as seguintes relações com a
Matemática e com os alunos:
Identificar as principais características dessa ciência, de seus métodos, de
suas ramificações e aplicações; conhecer a história de vida dos alunos, seus
conhecimentos informais sobre um dado assunto, suas condições sociológicas,
psicológicas e culturais; ter clareza de suas próprias concepções sobre a
Matemática, uma vez que a prática em sala de aula, as escolhas pedagógicas,
a definição de objetivos e conteúdos de ensino e as formas de avaliação estão
intima mente ligadas a essas concepções. (BRASIL, 1998,p-36)
Pode-se dizer que o “topos” esperado, institucionalmente, do professor em
relação ao saber matemático, é explicitado nos Parâmetros Curriculares Nacionais por:
45
Ter sólidos conhecimentos dos conceitos e procedimentos matemáticos,
considerando a Matemática como uma ciência dinâmica para a qual sempre é
possível associar novos conhecimentos; ser capaz de transpor o saber
matemático para um saber escolar de forma que possa ser compreendido por
seus alunos; conhecer os obstáculos encontrados na construção dos conceitos
e procedimentos matemáticos; ser capaz de propor situações que sejam
passíveis de ser transferidas e generalizadas possibilitando que os alunos
possam mobilizar e dispor dos conhecimentos desenvolvidos por meio destas
situações em outros momentos e contextos. (Brasil, 1998, p.37)
Em termos da teoria antropológica proposta por Chevallard e Bosch (1999),
pode-se considerar que o “topos” esperado, institucionalmente, do professor em relação
ao saber matemático, é:
- Trabalhar com os objetos ostensivos reconhecendo os não ostensivos que lhes
são associados.
- Justificar as diferentes passagens no desenvolvimento de uma técnica por meio
de um discurso tecnológico, ou seja, adaptar os não ostensivos de forma a
justificar os ostensivos utilizados na introdução e desenvolvimento de um
determinado saber escolar.
- Reconhecer os ostensivos e não ostensivos de forma a produzir um discurso
tecnológico que auxilie os alunos a ultrapassar as dificuldades e os obstáculos
encontrados na solução das tarefas que lhes são propostas.
- Mostrar, por meio de um discurso tecnológico, a diferença entre os ostensivos e
sua relação com os não ostensivos e a necessidade de escolhas adequadas que
permitem resolver outras situações em diferentes momentos e contextos.
Quando se considera o “topos” esperado institucionalmente do aluno, em relação
ao saber matemático, pode-se dizer que este é explicitado nos Parâmetros Curriculares
Nacionais por:
46
Ser capaz de reconhecer problemas, buscar e solucionar informações e tomar
decisões; relacionar temas matemáticos na própria Matemática, com as outras
disciplinas e com as situações cotidianas. (BRASIL, 1998, p.38)
Pode-se considerar que se espera que, ao final do processo de ensino e
aprendizagem, os alunos sejam capazes de reconhecer os ostensivos e os não
ostensivos nas tarefas que lhes são propostas e aplicá-los na solução de situações e
problemas matemáticos, de outras ciências e do cotidiano.
Em relação ao “topos” esperado do professor, no trabalho com os alunos, são
apontados como elementos fundamentais:
Reconhecer os conhecimentos prévios dos alunos com os quais irão trabalhar;
propor situações para os alunos que permitam que os mesmos sejam capazes
de solucioná-las utilizando seus conhecimentos prévios para a formação de
novos conhecimentos; auxiliar os alunos no desenvolvimento destas situações
propondo as ajudas necessárias em função do estado de desenvolvimento real
destes alunos; avaliar o desenvolvimento destes mesmos alunos, verificando
se ao final do trabalho proposto eles são capazes de pelo menos mobilizar os
conhecimentos desenvolvidos em outras situações e em novos contextos;
mediar a relação entre os alunos, o que é fundamental quando se deseja que o
próprio aluno seja responsável pela construção de seu conhecimento.
(BRASIL, 1998, p. 39)
Dessa forma, o professor é visto como avaliador das possibilidades de
desenvolvimento dos alunos e orientador na construção do conhecimento dos mesmos,
devendo levar em conta a relação pessoal desenvolvida até o momento da introdução
de novas noções, para utilizá-las como meios de auxiliá-los na construção do
conhecimento.
Levando em conta o “topos” esperado do aluno, em relação ao seu próprio
trabalho e ao relacionamento com os outros estudantes, os autores esclarecem que o
aluno deve ser capaz de:
47
Construir seu conhecimento utilizando seus conhecimentos prévios a partir da
solução de situações propostas pelo professor; explicitar seu trabalho e o de
seus pares na solução das situações que lhe são propostas; persistir e
estimular seus colegas quando dificuldades se apresentarem. (BRASIL, 1998,
p. 40)
Observa-se assim, a expectativa de que o aluno seja capaz de, não construir
seu conhecimento, mas de explicitá-lo de forma coerente e auxiliar seus pares quando
apresentarem dificuldades. Ou seja, o aluno deve estar consciente de seu papel e
reconhecer os objetos ostensivos e não ostensivos que permitem resolver as situações
matemáticas propostas pelo professor, de forma a ser capaz de utilizar um discurso
tecnológico que explicite o planejamento, a execução, o controle e a justificativa do
trabalho a ser efetuado para a solução de uma determinada situação.
Continuando a análise proposta, observa-se que os Parâmetros Curriculares
Nacionais apresentam a metodologia de resolução de problemas como uma alternativa
para o desenvolvimento do “topos” dos alunos, sendo esta adequada, uma vez que o
próprio aluno deve construir seu conhecimento, auxiliado pelo professor cujo papel é
organizar e mediar este trabalho.
Os autores indicam, como caminhos para fazer Matemática, em sala de aula, o
emprego de estratégias que utilizem a História da Matemática, as tecnologias da
informação e comunicação e os jogos. Verifica-se aqui, a importância dos cursos de
formação de professores que podem auxiliar no desenvolvimento das estratégias
propostas que exigem um tratamento mais específico em relação aos ostensivos e não
ostensivos que devem ser considerados quando se introduz uma nova noção.
Após apresentar o que se espera do trabalho do professor e do aluno, no
desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem de Matemática, encontram-se
no documento as finalidades do ensino da Matemática para o desenvolvimento da
cidadania nos alunos desta etapa da escolaridade, apresentadas na seqüência.
48
Identificar os conhecimentos matemáticos, como meio para compreender e
transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de jogo intelectual,
característico da Matemática, como aspecto que estimula o interesse, a
curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para
resolver problemas.
Fazer observações sistemáticas de aspectos quantitativos e qualitativos da
realidade, estabelecendo inter-relações entre eles, utilizando o conhecimento
matemático (aritmético, geométrico, métrico, algébrico, estatístico, combinatório,
probabilístico).
Selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para interpretá-las e
avaliá-las criticamente.
Resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados,
desenvolvendo formas de raciocínio e processos, como intuição, indução,
dedução, analogia, estimativa, e utilizando conceitos e procedimentos
matemáticos, bem como instrumentos tecnológicos disponíveis.
Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar
resultados com precisão e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da
linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações
matemáticas.
Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos e entre
esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares.
Sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos,
desenvolvendo a auto-estima e a perseverança na busca de soluções.
Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente na
busca de soluções para problemas propostos, identificando aspectos
consensuais ou não na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar
dos colegas e aprendendo com eles. (BRASIL, 1998, p.47 – 48)
Em seguida, o documento apresenta a seleção dos conteúdos de Matemática
que estão organizados em quatro grandes blocos: Números e Operações, Espaço e
Forma, Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação.
O objeto de estudo desta pesquisa, isto é, a noção de sistemas de equações
lineares faz parte do bloco Números e Operações. A respeito dos conteúdos que
compõem esse bloco, os autores explicitam o que se espera do trabalho com as noções
49
de números e operações e como se deseja que seja trabalhada a álgebra nesta etapa
da escolaridade, dizendo que:
Embora nas séries iniciais se possa desenvolver alguns aspectos da
álgebra, é especialmente nas séries finais do Ensino Fundamental que as
atividades algébricas serão ampliadas. Pela exploração de situações-
problema, o aluno reconhecerá diferentes funções da Álgebra (generalizar
padrões aritméticos, estabelecer relação entre duas grandezas, modelizar,
resolver problemas aritmeticamente difíceis), representará problemas por meio
de equações e inequações (diferenciando parâmetros, variáveis, incógnitas,
tomando contato com fórmulas), compreenderá a sintaxe” (regras para
resolução) de uma equação. [...] Esse encaminhamento dado à Álgebra, a
partir de generalização de padrões, bem como o estudo da variação de
grandezas possibilita a exploração da noção de função nos terceiro e quarto
ciclos. Entretanto, a abordagem formal desse conceito deverá ser objeto de
estudo do ensino médio. (BRASIL, 1998, p.50 – 51)
Uma vez discutido o papel do desenvolvimento das noções de álgebra no Ensino
Fundamental, o documento sugere a análise dos pontos abaixo, para a organização
dos conteúdos.
A variedade de conexões que podem ser estabelecidas entre os diferentes
blocos, ou seja, ao planejar suas atividades, o professor procurará articular
múltiplos aspectos dos diferentes conteúdos, visando a possibilitar a
compreensão mais ampla que o aluno possa atingir a respeito dos princípios e
métodos básicos do corpo de conhecimentos matemáticos (proporcionalidade,
equivalência, indução, dedução etc.); além disso, buscará estabelecer ligações
entre a Matemática, as situações cotidianas dos alunos e as outras áreas do
conhecimento;
As possibilidades de seqüenciar os conteúdos são ltiplas e decorrem mais
das conexões que se estabelecem e dos conhecimentos construídos pelos
alunos do que da idéia de pré-requisito ou de uma sucessão de tópicos
estabelecida a priori. Embora existam conhecimentos que precedam outros, a
hierarquização entre eles não é tão rígida como tradicionalmente é
apresentada;
50
Os conteúdos organizados em função de uma conexão não precisam ser
esgotados necessariamente de uma única vez, embora deva-se chegar a
algum nível de sistematização para que possam ser aplicados em novas
situações. Alguns desses conteúdos serão aprofundados, posteriormente em
outras conexões, ampliando dessa forma a compreensão dos conceitos e
procedimentos envolvidos;
Os níveis de aprofundamento dos conteúdos em função das possibilidades de
compreensão dos alunos, isto é, levando em conta que um mesmo tema será
explorado em diferentes momentos da aprendizagem e que sua consolidação
se dará pelo número cada vez maior de relações estabelecidas;
A ênfase maior ou menor que deve ser dada a cada item, ou seja, que pontos
merecem mais atenção e que pontos não são tão essenciais; assim, por
exemplo, o estudo da representação decimal dos números racionais é
fundamental devido à disseminação das calculadoras e de outros instrumentos
que a utilizam. (BRASIL, 1998, p.53-54)
A proposta acima pode ser identificada como a organização praxeológica
esperada, onde é possível identificar que diversas praxeologias podem ser
organizadas, uma vez que o professor tem a possibilidade de tratar as diferentes
noções a serem introduzidas, considerando os conhecimentos prévios dos alunos,
assim como os objetos ostensivos e não ostensivos que serão privilegiados.
A noção de sistemas de equações lineares aparece, implicitamente, no quadro
sobre conceitos e procedimentos, no bloco Números e Operações, a ser trabalhado nas
séries finais do Ensino Fundamental, sem orientações e exemplos mais específicos de
como trabalhar esta noção, pois nem mesmo o conceito de equações e inequações é
explicitado nesta proposta. As indicações dos conteúdos envolvendo os conceitos de
equação, inequação e sistema de equações lineares estão destacadas em negrito a
seguir.
Constatação que existem situações-problema, em particular algumas
vinculadas à Geometria e Medidas, cujas soluções não são dadas por números
racionais (caso do p, da
2
,
3
etc.).
Identificação de um número irracional como um número de representação
decimal infinita, e não-periódica, e localização de alguns deles na reta
numérica, com régua e compasso.
51
Análise, interpretação, formulação e resolução de situações-problema,
compreendendo diferentes significados das operações, envolvendo números
naturais, inteiros, racionais e irracionais aproximados por racionais.
Resolução de situações-problema de contagem, que envolvem o princípio
multiplicativo, por meio de estratégias variadas, como a construção de
diagramas, tabelas e esquemas sem a aplicação de fórmulas.
Construção de procedimentos para calcular o número de diagonais de um
polígono pela observação de regularidades existentes entre o número de lados
e o de diagonais.
Identificação da natureza da variação de duas grandezas diretamente
proporcionais, inversamente proporcionais ou não-proporcionais (afim
ou quadrática), expressando a relação existente por meio de uma
sentença algébrica e representando-a no plano cartesiano.
Resolução de problemas que envolvem grandezas diretamente
proporcionais ou inversamente proporcionais por meio de estratégias
variadas, incluindo a regra de três.
Resolução de situações-problema que envolvem juros simples e alguns
casos de juros compostos, construindo estratégias variadas,
particularmente as que fazem uso de calculadora.
Tradução de situações-problema por equações ou inequações do
primeiro grau, utilizando as propriedades da igualdade ou desigualdade,
na construção de procedimentos para resolvê-las, discutindo o
significado das raízes encontradas em confronto com a situação
proposta.
Resolução de situações-problema por meio de um sistema de
equações do primeiro grau, construindo diferentes procedimentos para
resolvê-lo, inclusive o da representação das equações no plano
cartesiano, discutindo o significado das raízes encontradas em confronto
com a situação proposta.
Construção de procedimentos para calcular o valor numérico e efetuar
operações com expressões algébricas, utilizando as propriedades
conhecidas.
Obtenção de expressões equivalentes a uma expressão algébrica por
meio de fatorações e simplificações.
Resolução de situações-problema que podem ser resolvidas por uma equação
do segundo grau cujas raízes sejam obtidas pela fatoração, discutindo o
52
significado dessas raízes em confronto com a situação proposta. (BRASIL,
1998, p. 87 – 88)
Levando em conta essas orientações, cabe ao professor (ou o professor deve ter
autonomia para) analisar os conhecimentos prévios de seus alunos e propor a
organização praxeológica, em função desses conhecimentos, escolhendo os objetos
ostensivos e não ostensivos que irá privilegiar.
Verifica-se que nos Parâmetros Curriculares Nacionais existe uma intenção de
se levar em conta as diferentes organizações praxeológicas, embora este termo não
apareça no documento, pois transparece no texto o incentivo à reflexão sobre as
diversas possibilidades de tratamento de uma noção matemática, em função do grupo
de alunos com os quais se está trabalhando. Esta possibilidade de diferentes
organizações praxeológicas precisa ser melhor explicitada, por meio de exemplos que
auxiliem o professor no desenvolvimento das tarefas que fazem parte de seu “topos”, e
na escolha dos objetos ostensivos e não ostensivos mais adequados às diferentes
turmas com as quais está trabalhando, possibilitando assim um tratamento diferenciado.
Vale ressaltar que a existência de diversas relações institucionais, dificulta a
avaliação institucional das relações pessoais desenvolvidas pelos alunos por meio de
provas internacionais, nacionais, estaduais, municipais e entre diferentes escolas. Esta
questão da avaliação das relações pessoais em função das relações institucionais
existentes parece interessante, mas será deixada como um objeto de uma nova
pesquisa.
Tendo em vista que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados com
base na Proposta Curricular de Matemática do estado de São Paulo (1987), considera-
se que a análise dessa Proposta poderá trazer mais elementos para este estudo.
2.3 A Proposta Curricular do Estado de São Paulo
No prefácio da proposta curricular os autores identificam a existência de
problemas com o ensino da Matemática nas escolas públicas com base no relato de
alguns professores.
53
Preocupação excessiva com o treino de habilidades com a mecanização de
algoritmos, com a memorização de regras e esquemas de resolução de
problemas, com a repetição e a imitação e não com uma aprendizagem que se
dê, inicialmente, pela compreensão de conceitos e de propriedades, pela
exploração de situações-problema nas quais o aluno é levado a exercitar sua
criatividade, sua intuição. A priorização dos temas algébricos e a redução ou,
muitas vezes, eliminação de um trabalho envolvendo tópicos de Geometria. A
tentativa de se exigir do aluno uma formalização precoce e um nível de
abstração em desacordo com seu amadurecimento. (Proposta Curricular
Estado São Paulo, ano 1991, p-7)
Numa tentativa de mudar este panorama, que segundo os professores eram
priorizados pelos livros didáticos, constitui-se uma equipe técnica e elabora-se uma
1
a
versão da proposta, que após discussão nas delegacias de ensino permite a
elaboração de uma 2
a
versão do documento apresentado pela equipe técnica. Esta
versão tendo a participação de alguns professores que trabalhavam nas escolas
públicas em 1987.
Nesta versão optou-se pela apresentação dos conteúdos em diferentes níveis
de abordagens, ou seja, cabe ao professor efetuar a organização praxeológica e
escolher os ostensivos e não ostensivos possíveis de serem trabalhados com os
diferentes grupos de alunos.
Neste momento, é importante observar que a Proposta deveria ser utilizada
como referência do trabalho a ser apresentado aos professores, pelos livros
didáticos, e estes corresponderiam a uma determinada organização praxeológica
que supõe que os alunos disponham de determinados objetos ostensivos e não
ostensivos que sustentam este trabalho, não levando em conta os diferentes casos,
como propõe o texto a seguir, extraído da Proposta:
Desse modo, uma mesma noção deverá ser retomada em diferentes ocasiões,
que sejam convenientes, de modo a permitir sua elaboração e reelaboração
por parte do estudante, desde um primeiro contato, onde ele capta
intuitivamente as idéias básicas e as aplica em situações-problema, até a fase
54
em que é utilizado o pensamento lógico-dedutivo, permitindo uma progressiva
formalização e sistematização do conceito enfocado. (Proposta Curricular
Estado São Paulo, 1991, p-8)”.
Dessa forma, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo considera duas
vertentes básicas, para justificar o ensino da Matemática no Ensino Fundamental
nível II: uma associada a um trabalho centrado nos objetos ostensivos que
sustentam as diferentes noções matemáticas e a outra que trata mais
especificamente dos não ostensivos que justificam os ostensivos utilizados, como
mostra o texto abaixo:
Ela [a Matemática] é necessária em atividades práticas que envolvem aspectos
quantitativos da realidade, como são as que lidam com grandezas, contagens,
medidas técnicas de cálculo etc. Ela desenvolve o raciocínio lógico, a
capacidade de abstrair, generalizar, projetar, transcender o que é
imediatamente sensível. (Proposta Curricular Estado São Paulo, ano 1991, p-
9).
Nessa Proposta, verifica-se que existe a preocupação com a organização do
currículo de forma a atingir as metas existentes nestas duas vertentes, isto é, coloca-
se, ainda em evidência que essas duas funções da Matemática, isto é, a função de
aplicação prática e desenvolvimento do raciocínio lógico são mais simples de serem
aceitas, mas a organização do currículo para atingir tais metas é que apresenta
maior resistência.
Não é difícil entrar em acordo quanto a esta dupla função da MATEMÁTICA: as
aplicações práticas e o desenvolvimento do raciocínio. não é tão simples,
no entanto, um acordo sobre o modo como um currículo deve ser organizado
para que tais metas sejam atingidas. (Proposta Curricular Estado São Paulo,
ano 1991, p-9)
Esta dificuldade pode estar associada à falta de exemplos que possam auxiliar o
professor a compreender melhor a possibilidade de existência de diversas
55
organizações praxeológicas e de escolha dos ostensivos e não ostensivos que serão
privilegiados, uma vez que esta escolha depende não das possíveis
organizações, mas dos conhecimentos prévios dos diferentes grupos de alunos.
Além disso, pode-se supor ainda que essa resistência esassociada ao fato de
que para atingir essa meta, tanto o professor como o aluno devem desempenhar seu
papel no processo de ensino e aprendizagem, ou seja, existe aqui uma indicação do
“topos” do aluno e do professor do Ensino Fundamental, que pode ser associado à
responsabilidade de cada um em relação às noções que devem ser disponíveis
(Robert, 1997) para que se estabeleça o processo de ensino e aprendizagem, isto é,
que ostensivos e não ostensivos privilegiar em função dos conhecimentos prévios
dos diferentes grupos de alunos.
Deve-se observar ainda, que para que, mesmo que o professor das diferentes
séries tenha a capacidade de retomar conteúdos ainda não disponíveis, que foram
trabalhados em séries anteriores, é preciso que o aluno também seja consciente de
que uma boa parte desse trabalho deve ser executado por ele, que poderá procurar
seus próprios meios de preencher as lacunas de sua formação.
Sendo assim, verifica-se na citação acima, que se espera que os alunos do
Ensino Fundamental sejam capazes de utilizar as noções matemáticas
desenvolvidas em sala de aula de forma autônoma, podendo planejar, desenvolver,
controlar e justificar o trabalho matemático em jogo nas diversas situações-problema
que podem encontrar na sua vida escolar e profissional.
Ainda no prefácio, observa-se que para que o aluno possa representar seu papel
de forma autônoma, contribuindo para o seu desenvolvimento cognitivo, não é
apenas a Matemática que precisa ser repensada, mas as outras disciplinas em que
professores e alunos precisam assumir seu papel como agentes de transformação
do processo de ensino e aprendizagem.
Além disso, é preciso que os professores conheçam os diferentes objetos
ostensivos associados a um determinado não ostensivo, para que possam propor
situações em que é possível articulá-los de forma a conduzir seus alunos à
compreensão das diferentes formas de tratamento de um mesmo objeto matemático.
56
Para um trabalho mais especifico sobre a Matemática, os autores da Proposta
escolhem os conteúdos e suas respectivas abordagens apenas para dois assuntos:
Números e Geometria, mostrando a importância de trabalhar esses assuntos, de
diferentes formas, articulando assim os diferentes conhecimentos matemáticos em
jogo. Nas sugestões apresentadas, considera-se primeiro uma abordagem intuitiva,
isto é, utilizando os possíveis ostensivos para o desenvolvimento do trabalho
matemático proposto, levando a uma sistematização do conhecimento que se deseja
construir, o que de certa forma, para a introdução das noções de número e de
geometria corresponde a um trabalho que pode ser mais bem compreendido quando
considera uma análise epistemológica da gênese desses conhecimentos, onde
diversos ostensivos são utilizados para se chegar aos não ostensivos que permitem
definí-los e justificá-los.
Pode-se estudar os NÚMEROS a partir de sua organização em conjuntos
numéricos, passando-se dos Naturais aos Inteiros, aos Racionais, aos Reais,
tendo como fio condutor as propriedades estruturais que caracterizam tais
conjuntos, ou pode-se estudá-los acompanhando a evolução da noção de
número a partir tanto de contagens como de medidas, sem ter ainda as
propriedades estruturais claramente divisadas, deixando-se guiar pelo fio
condutor que a Historia propicia e trocando assim uma sistematização
prematura por uma abordagem mais rica em significados. Nessa proposta,
optou-se por essa última abordagem, conforme será visto adiante. Pode-se
estudar Geometria tendo como meta primordialmente a aprendizagem da
lógica, da organização do conhecimento, partindo-se de pontos, retas e planos
para somente ao final do percurso tratar de objetos tridimensionais. Pode-se
ainda considerar o eixo para o ensino da Geometria o estudo de certas classes
de transformações e das propriedades que elas preservam, desde as mais
gerais que são as topológicas até as mais específicas que são as métricas,
passando pelas propriedades projetivas; ou pode-se partir da manipulação dos
objetos, do reconhecimento das formas mais freqüentes, da sua caracterização
através das propriedades, da passagem dos relacionamentos entre os objetos
para o encadeamento de propriedades, para somente ao final do percurso
aproximar-se de uma sistematização. Aqui a opção pelo último percurso citado
57
se evidencia desde os primeiros contatos. (Proposta Curricular Estado São
Paulo, ano 1991, p-11).
Nessa proposta, observa-se mais de uma possibilidade de abordagem, para
justificar a escolha feita pelo grupo (equipe de professores), ou seja, implicitamente é
considerada a possibilidade de diferentes organizações praxeológicas e a escolha
dos ostensivos e não ostensivos mais adequados às turmas com as quais se está
trabalhando. Sente-se falta de exemplos que poderiam auxiliar o professor a
compreender melhor estas possibilidades.
Justifica-se que a Matemática deve ser um instrumento para a vida, e o
desenvolvimento do raciocínio, permitindo a participação do aluno na construção do
conhecimento e na identificação das idéias fundamentais que permitem a utilização
de forma articulada dos conhecimentos matemáticos desenvolvidos nesta etapa da
escolaridade.
De modo geral, em MATEMÁTICA, o conteúdo a ser ensinado é um veiculo
para o desenvolvimento de uma série de idéias fundamentais,
convenientemente articuladas, tendo em vista as grandes metas que são a
instrumentação para a vida e o desenvolvimento do raciocínio. Tais idéias
fundamentais, como são , por exemplo, as de proporcionalidade, equivalência,
semelhanças, têm como suporte, muitas vezes, mais de um assunto da lista de
conteúdos. Elas, no entanto, é que são fundamentais e não os assuntos em si.
Essa distinção é essencial, sendo um fato patente a possibilidade de
constituição de propostas significativamente distintas a partir da mesma lista de
conteúdos. No que se refere à abordagem, nesta Proposta ressalta-se ainda
que o trabalho do professor junto aos alunos deve observar não apenas a
seqüência dos temas e sua interdependência, mas também a participação
ativa dos alunos na descoberta e assimilação de idéias matemáticas. O
recurso à resolução de situações-problema, em que o aluno é desafiado a
refletir, discutir com o grupo, elaborar hipóteses e procedimentos, extrapolar as
aplicações e enfrentar situações novas, não se restringindo apenas àqueles
problemas que conduzem a uma única solução ou que tenham caráter
58
repetitivo de aplicação de conceito, é possibilidade de raciocínio e ação.
(Proposta Curricular Estado São Paulo , ano 199, p. 11-12).
Além disso, considera-se a Matemática como uma linguagem que, junto com a
linguagem natural permite interpretar, planejar, executar, controlar e justificar, com
argumentos lógicos, as diferentes situações que o aluno irá encontrar na vida escolar
ou profissional.
“Evidentemente, estamos considerando que aprender a língua natural é mais
do que aprender a descrever o mundo; é também interpretar, criar significados,
construir esquemas conceituais, desenvolver o raciocínio Iógico, a capacidade
de compreender, imaginar, extrapolar.” (Proposta Curricular Estado São Paulo,
ano 1991, p-13).
Apesar de levar em conta, implicitamente, a questão das diferentes
representações, não na Proposta indicações de trabalho para estudo e pesquisa
do professor o que dificulta a possibilidade de se encontrar outros meios para
desenvolver os respectivos temas com os alunos.
Após a apresentação do papel que deve desempenhar a Matemática no
processo de ensino e aprendizagem, considera-se a questão da avaliação, que deve
levar em conta os conhecimentos prévios dos alunos para incentivá-los a buscar
novos conhecimentos para o seu próprio desenvolvimento cognitivo.
Sendo assim, na estrutura da proposta, ao
longo das oito séries consideram-se os
três temas: Números, Geometria e Medidas, que devem permitir avançar no
desenvolvimento da formação em função das duas vertentes estabelecidas
inicialmente.
“[...] No ciclo básico, as atividades preparatórias, envolvendo classificações,
seqüências e simbolizações em sentido amplo, deverão conduzir a uma noção
inicial de número e de sistema de numeração. Pretende-se uma introdução
aos números naturais, através da contagem e das operações básicas. A partir
59
de seu significado concreto, sem ter ainda preocupações com a formalização
de propriedades” (Proposta Curricular Estado São Paulo, ano 1991, p.19).
Ao tratar, por exemplo, a Geometria é considerado importante a exploração
sensorial, que pode ser lida aqui como os ostensivos associados ao trabalho a ser
realizado, e a articulação entre os conhecimentos prévios associados às medidas e
ao sistema métrico decimal levando em conta as propriedades numéricas e
geométricas, passando assim do cálculo literal para o estudo, por exemplo, das
equações e inequações sem a preocupação de sistematização e formalismo, mas
que possibilitem as generalizações possíveis, isto é, mesmo não utilizando estes
termos, o que se propõe é um trabalho sobre os ostensivos de forma a estabelecer
apenas um discurso tecnológico que os justifique sem desenvolver os não ostensivos
que os sustentam.
Dessa forma, para auxiliar o professor no desenvolvimento do seu trabalho,
levando em conta a abordagem articulada proposta acima e os conhecimentos
prévios dos alunos, são dadas tabelas com o objetivo de desenvolver diferentes
noções nas diferentes séries e discutem-se as possibilidades de trabalhar estas
noções.
Para a noção de sistema de equações lineares, que é objeto de estudo desta
pesquisa, observa-se que ela integra o tema “números” para o item noção de
equações e inequações do 1º grau com uma incógnita.
60
Fonte: Proposta Curricular do Estado de São Paulo, 1991, p. 129
A sugestão de abordagem da noção de sistemas de equações lineares proposta
ao professor segue a seguinte estrutura:
Inicia-se com a proposta de uma abordagem intuitiva das noções de equação e
inequação do grau com uma incógnita envolvendo as operações de adição,
subtração, multiplicação, divisão e potenciação associadas à resolução de problemas
simples, em que diferentes objetos ostensivos podem ser utilizados, passando a
61
situações-problema que possam ser traduzidas por equações com mais de uma
incógnita e cujo grau seja maior ou igual a 1. Essas situações devem levar o aluno a
perceber a necessidade de uma técnica para a resolução de equações. Na Proposta
são encontrados alguns exemplos para ilustrar a abordagem acima sugerida.
Após este trabalho de introdução da noção de equação a partir de situações-
problema, passa-se ao tratamento formal desta noção matemática pela proposta de
classificação das equações quanto ao número de incógnitas e quanto ao grau,
estudo das propriedades de uma igualdade numérica, o estudo das técnicas de
resolução de equações do primeiro grau com uma incógnita, o estudo de problemas
para os quais a noção de equação é necessária para a sua solução, o conceito de
inequação do grau com uma incógnita, as propriedades das desigualdades
numéricas, as técnicas de resolução de inequações do grau com uma incógnita,
isto é, a partir da representação da situação por meio de uma equação, são
considerados os ostensivos e não ostensivos em jogo, que por meio de um discurso
tecnológico permitem planejar, executar, controlar e justificar a solução proposta.
Após a introdução das noções de equação e inequação do grau com uma
incógnita é proposta a introdução da noção de sistemas de equações do grau
(lineares) com duas incógnitas.
Sendo assim, verifica-se que o aluno, ao passar para o estudo da noção de
sistemas de equações lineares, dispõe de conhecimentos sobre equações e
inequações do grau com uma incógnita, ou seja, o não ostensivo - equação e
inequação do grau com uma incógnita - e os osten sivos que lhe são associados,
assim como o discurso tecnológico desenvolvido para justificar as diferentes etapas
de solução de equações devem fazer parte dos conhecimentos prévios dos alunos.
Consideram-se, ainda, alguns exemplos de situações-problema, em que é
possível verificar a necessidade de um discurso tecnológico que justifica a escolha
dos ostensivos e não ostensivos necessários para a solução das mesmas:
Um menino quer cortar um pedaço de barbante de 30 cm de comprimento, em
duas partes não necessariamente iguais. Quanto deverá medir cada parte? Um
62
menino quer cortar um pedaço de barbante de 30 cm de comprimento em duas
partes, de forma que uma dessas partes meça o dobro da outra. Quanto
deverá medir cada parte? Um menino quer dividir um pedaço de barbante de
36 cm de comprimento em quatro partes de modo que uma dessas partes seja
igual ao triplo de uma das outras três. Quanto deverá medir cada parte? A
soma de um número com o seu quadrado é igual a 30. Qual é esse número?
De um quadrado feito em papel-cartão, com 10 cm de lado, um menino quer
recortar três outros quadrados iguais de forma que as áreas restantes do
quadrado maior sejam de 88 cm
2
. Quanto deve medir o lado de cada um dos
três quadrados recortados?” (Proposta Curricular Estado São Paulo, 1992,
p.129 - 130,).
Certamente, alguns exemplos não necessitam de sua tradução por meio de
equações, podendo ser resolvidos até mentalmente, mas, de acordo com o texto,
espera-se que o professor crie seus próprios exemplos de forma a favorecer a
utilização de outros ostensivos para a introdução da noção de sistemas de equações
lineares.
Observa-se ainda que na situação-problema encontrada na proposta “Um
menino quer cortar um pedaço de barbante de 30 cm de comprimento em duas
partes, de forma que uma dessas partes seja o dobro da outra. Quanto deverá medir
cada parte?” (Proposta do Estado de São Paulo, 1992, p. 130) o aluno não necessita
utilizar a noção de sistemas de equações lineares, pois o exemplo dado exige
apenas a tradução da situação do registro da língua natural para uma representação
em forma de tabela, podendo ser resolvido mentalmente utilizando apenas o registro
oral. Para os alunos que necessitam do registro escrito, pode-se fazê-lo por meio de
uma tabela que permite um discurso tecnológico que justifica o trabalho desenvolvido
e que pode auxiliar na passagem para a representação por meio de uma equação da
situação proposta.
Na seqüência, apresenta-se uma possível forma de construir essa tabela que
poderá ser traduzida por meio de um sistema de equação lineares com duas
incógnitas.
63
Parte 1
Parte 2
Soma
Total
Barbante
2 4 2 + 4 6 cm
5 10 5 + 10 15 cm
10 20 10 + 20
30 cm
x y = x y + x X + y = 30
2 4 2 + 4 6 cm
5 10 5 + 10 15 cm
10 20 10 + 20
30 cm
Na realidade, o exemplo é simples e pode ser resolvido por meio do cálculo
mental, o que torna a transformação em equações um estudo que poderá ser
considerado como desnecessário, para aqueles que dispõem da habilidade de
cálculo mental.
É importante explicitar este papel didático da tarefa para os alunos e o professor
deve estar consciente de que, nas avaliações, o cálculo mental também poderá ser
utilizado para valorizar todos os ostensivos possíveis de trabalho nas tarefas
propostas.
2.4 Considerações Finais
Tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) como a Proposta Curricular
do Estado de São Paulo são documentos que colocam em evidência a existência de
uma grande possibilidade de organizações praxeológicas que devem estar
associadas aos conhecimentos prévios dos alunos e que deixam a cargo do
professor privilegiar diferentes formas de tratamento de uma noção matemática,
escolhendo os ostensivos e não ostensivos que deseja desenvolver com seus
alunos.
64
Apesar desta possibilidade de escolhas, existem poucos exemplos e indicações
de trabalhos de educação e de educação matemática que auxiliem os professores na
reflexão sobre o que se está propondo. Certamente, este trabalho é deixado,
propositalmente, como uma sugestão de pesquisa para o professor.
Verifica-se, ainda, que tanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) como
na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (1991) a noção de sistemas de
equações lineares está centrada numa abordagem que privilegia a representação
algébrica do sistema, mesmo para os casos em que o ostensivo oral permite a
solução da tarefa proposta.
A estrutura de ensino da noção de sistemas de equações lineares nos
Parâmetros Curriculares Nacionais é delineada no bloco Números e Operações, em
que são explicitadas as passagens do quadro ou domínio numérico para o quadro
algébrico, embora estes termos não sejam utilizados no documento.
Em relação à Proposta Curricular do Estado de São Paulo, esta estrutura é
definida no bloco Números, em que, da mesma forma, o desenvolvimento da noção
de números e operações permite a passagem do quadro numérico para o quadro
algébrico, não sendo estes termos utilizados, explicitamente, pelos autores.
Verifica-se, na Proposta Curricular, que a abordagem sugerida é seguida de
alguns exemplos de ilustração para o professor, mas não se encontram referências
de outros trabalhos que poderiam auxiliar a compreensão, por exemplo, das noções
matemáticas em jogo e de suas possibilidades de articulação tanto na própria
Matemática como com as outras ciências.
Na realidade, é proposta uma introdução em que se consideram exemplos muito
simples que não necessitam da representação algébrica do sistema em jogo, mas é
esta que é considerada, pois se espera que o aluno, após traduzir o problema por
meio de duas sentenças, seja capaz de levantar as soluções para cada condição,
discutindo a simultaneidade das soluções e efetuando sua representação
geométrica, ou seja, os quadros algébrico e geométrico são privilegiados, mesmo
para as questões que poderiam ser trabalhadas reportando-se apenas ao quadro
65
numérico. Percebe-se, desse modo, que o ostensivo escrito é privilegiado pelos
autores, fato já observado por Chevallard (1999).
Assim, quando se consideram exemplos simples, que não necessitam apenas
do quadro algébrico, as tarefas funcionam como exemplos didáticos que podem se
tornar um obstáculo didático
26
para o desenvolvimento da noção de sistemas de
equações lineares, pois os estudantes podem considerar que esta noção é uma
ferramenta que se aplica somente para o estudo de tarefas matemáticas não
podendo ser utilizada em outros domínios ou mesmo para solução de situações
cotidianas.
Sendo assim, espera-se, sobretudo, que professor e aluno efetuem apenas um
trabalho de tradução do registro da língua natural para o registro de representação
algébrico e disponha de um método de solução de sistemas de duas equações e
duas incógnitas para encontrar as soluções. As atividades de interpretação e
tratamento das tarefas propostas são privilegiadas, mas não existe uma orientação
mais específica para a justificativa e controle dos resultados.
Dessa forma, as tarefas também privilegiam um trabalho centrado nos ostensivos
e nem mesmo o professor necessitará de conhecimentos mais específicos sobre
alguns dos não ostensivos em jogo nas tarefas propostas.
Sendo assim, é possível inferir que, talvez, os professores que trabalham apenas
no Ensino Fundamental, não percebam a importância dos conhecimentos de álgebra
e álgebra linear para agrupar as tecnologias em jogo, isto é, os não ostensivos que
justificam os métodos empregados para o desenvolvimento das tarefas propostas
nesta etapa da escolaridade. Ou seja, o trabalho proposto aos estudantes fica quase
que exclusivamente centrado na manipulação dos ostensivos considerados, que, em
geral, estão associados ao cálculo literal, pois são tratados como um conjunto de
métodos e leis que permitem executar a tarefa proposta e que podem ser justificados
26
Obstáculo didático: (associado à transposição didática) eles aparecem como conhecimentos resultantes de
uma transposição didática antiga ou recente, mas que não é suscetível de uma renegociação pelo professor,
pelo menos no quadro restrito de uma classe, que evitaria ter que considerá-las. (BROUSSEAU, 1983, p.45,
tradução nossa)
66
por meio de um discurso tecnológico adequado sem que para isto seja necessário
recorrer à teoria que os sustenta.
Sendo assim, é importante que o professor disponha de um discurso tecnológico
que justifique as técnicas empregadas, o que torna este trabalho ainda mais difícil
quando a questão pode ser resolvida utilizando apenas o cálculo mental, pois este
exige a tradução da tarefa do registro da língua natural para o registro numérico que
pode ser efetuada por meio da lógica dos alunos.
Dessa forma, pode-se dizer que o nível de conhecimento esperado dos alunos
do Ensino Fundamental quanto à noção de sistemas de equações lineares é o
disponível quando se considera a interpretação da tarefa e a conversão do registro
da língua natural para o registro de representação numérico ou algébrico e o nível
técnico para a solução das equações encontradas, pois se o aluno é capaz de aplicar
qualquer uma das técnicas desenvolvidas poderá encontrar a solução da questão.
Considerando que a noção de sistemas de equações lineares é introduzida no
Ensino Fundamental e que a escolha de sua abordagem está associada à solução
de situações-problema contextualizadas e para um tipo de sistema mais restrito, isto
é, o sistema de duas equações e duas incógnitas, esta abordagem que privilegia um
trabalho sobre os ostensivos e o nível técnico para o desenvolvimento das tarefas
propostas, nos parece que tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais como a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo apresentam uma orientação correta aos
professores, faltando apenas uma melhor explicitação do trabalho esperado, que
poderia ser feita por meio de referências de trabalhos de Educação e Educação
Matemática existentes, e que tratam mais especificamente da noção de sistemas de
equações lineares, pois o número de exemplos dados parece insuficiente para
considerar as possibilidades em termos de ostensivos possíveis para o tratamento
das possíveis tarefas encontradas nesta etapa da escolaridade assim como da
diversidade de organizações praxeológicas possíveis.
O texto a seguir mostra os exemplos apresentados nos Parâmetros Curriculares
Nacionais, como orientação para os professores no sentido de incentivar a utilização
da álgebra e que ilustra as considerações acima apresentadas.
67
Fonte: BRASIL, 1998, p.121
Estes exemplos são gerais e não tratam especificamente da noção de sistemas
de equações lineares, colocando somente em evidência a importância da álgebra e
dos ostensivos em jogo quando se deseja fazer a mudança do quadro numérico para
o quadro algébrico.
68
Verifica-se nos exemplos que os ostensivos construção de tabela, manipulação
de tabela, leitura de tabela, visualização de tabela, representação em língua natural,
representação algébrica, registro oral, registro escrito são utilizados como meios para
justificar a passagem ao quadro algébrico como uma forma de simplificar e
generalizar a tarefa proposta. Além disso, os exemplos apresentados propõem que o
professor discuta com seus alunos as noções de variável e incógnita presentes no
trabalho algébrico.
Seria interessante, que tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais como a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo apresentassem sugestões de leituras ao
professor que poderia compreender melhor o que se espera de seu trabalho em sala
de aula, uma vez que existem trabalhos que tratam especificamente das questões
levantadas nesses documentos oficiais como, por exemplo, a articulação entre os
conhecimentos matemáticos e os de outros domínios da ciência, como por exemplo:
Física, Química, Biologia, Economia, etc.
69
CAPÍTULO 3
POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO DOS OSTENSIVOS E NÃO
OSTENSIVOS NO ENSINO DA NOÇÃO DE SISTEMAS DE DUAS
EQUAÇÕES LINEARES E DUAS INCÓGNITAS
3.1 Considerações Iniciais
Neste capítulo se estuda as possibilidades de articulação dos ostensivos e não
ostensivos quando se introduz a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas no Ensino Fundamental II. Pretende-se com este estudo mostrar a existência
de determinados tipos de tarefas típicas desta etapa da escolaridade, que podem ser
trabalhadas de diferentes formas, em função dos ostensivos escolhidos e que
permitem, ou não, a abordagem dos não ostensivos que lhes são associados. Além
disso, pretende-se identificar um discurso tecnológico que justifique técnicas,
tecnologias ou teorias que sustentam essas tarefas.
Para cada tarefa serão colocados em evidência os quadros ou domínios em jogo,
os ostensivos e não ostensivos que permitem as diferentes abordagens para a sua
solução, deixando claro quando o não ostensivo deve integrar os conhecimentos
prévios dos alunos ou quando faz parte apenas do “topos” do professor.
Para os diferentes níveis de solução da tarefa, isto é, nas abordagens
associadas aos não ostensivos necessários para a sua solução, serão levantados os
conhecimentos prévios dos alunos e o nível de conhecimento esperado para propor
uma ou outra abordagem. Neste caso, os exemplos serão apresentados para justificar
estas abordagens, deixando evidente quando a noção de sistema de duas equações
lineares e duas incógnitas é realmente necessária para a solução da questão proposta.
Finalmente, mostram-se os diferentes pontos de vista em jogo na solução das
tarefas que, em geral, são propostas para a introdução da noção de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas no Ensino Fundamental nível II.
70
Além disso, o estudo das possibilidades de articulação dos ostensivos e não
ostensivos no ensino da noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas deve auxiliar na compreensão das regularidades e diferenças que ocorrem
no ensino desta noção em diferentes décadas, cuja análise será realizada, neste
trabalho, via livros didáticos. Para a análise destes livros constrói-se uma grade e, na
seqüência, são apresentadas algumas das noções de didática da matemática utilizadas
na sua construção e que servem de referencial de apoio.
3.2 As noções didáticas utilizadas para a construção da grade
Inicia-se considerando os possíveis quadros ou domínios
27
em que a tarefa pode
ser desenvolvida, a saber:
Quadro numérico: que para o caso dos sistemas de duas equações lineares e
duas incógnitas exige apenas que o aluno disponha de conhecimentos sobre as
noções intuitivas de números naturais, inteiros e racionais, suas operações e as
regras de cálculo associadas a estes conjuntos numéricos.
Quadro algébrico: que, no caso dos sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, em geral, é proposto no Ensino Fundamental nível II, associado ao
cálculo literal, pois exige que o aluno represente o problema por meio de letras e
utilize as regras associadas aos métodos que podem ser desenvolvidos para a
solução desse tipo de sistema (método da eliminação, método da substituição,
método da comparação, método da adição, Bezout, artifício).
Quadro geométrico: que possibilita a mudança do ostensivo representação
algébrica do sistema de duas equações lineares dado para o ostensivo
representação gráfica de equações no sistema cartesiano ortogonal, permitindo
discutir as possibilidades de solução do sistema e exigindo uma mudança entre
os quadros algébrico e geométrico.
27
Quadro ou domínio: [..] constituído de objetos de um ramo das matemáticas, das relações entre os objetos,
de suas formulações eventualmente diversas e das imagens mentais associadas a essas relações. Essas
imagens têm um papel essencial e funcionam como ferramentas dos objetos do domínio. Dois quadros podem
conter os mesmos objetos e diferir pelas imagens mentais e problemáticas desenvolvidas (DOUADY, 1992,
p.135, apud ANDRADE, 2006, p.14).
71
Consideram-se ainda, os possíveis não ostensivos e ostensivos que podem ser
trabalhados com os alunos nesta etapa da escolaridade.
Não ostensivos
- Operações de adição e multiplicação, subtração e divisão para os conjuntos
dos naturais, racionais, inteiros e irracionais;
- Um método de resolução de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas;
- Noções de cálculo literal (representação dos elementos por uma letra) e as
regras que lhes são associadas;
- Noções de cálculo algébrico e suas propriedades;
- Propriedades de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano para as
operações de adição e multiplicação em IR (para resolver o sistema pelo método da
substituição);
- Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição, que em
sistemas de m equações e n incógnitas será trabalhado pelo método do escalonamento
ou método de Gauss).
- Noção de sistemas de equações lineares;
- Noção de equações lineares;
- Noção de representação geométrica de equações lineares em IR
2
;
- Noção de retas no plano e suas propriedades;
- Noção de porcentagem;
- Noção de regra de três e frações algébricas.
Ostensivos
- Construção da tabela;
- Manipulação da tabela;
- Leitura da tabela;
- Visualização da tabela;
- Representação em língua natural;
- Discurso oral;
72
- Representação escrita;
- Representação algébrica de equações lineares e de sistemas de equações
lineares;
- Representação funcional ou representação implícita de equação linear;
- Representação gráfica de equações no sistema cartesiano ortogonal.
Em seguida, por meio de exemplos, estudam-se as possibilidades de solução da
tarefa em função dos níveis de conhecimento esperados dos alunos
28
conforme
definição de Robert (1997).
Para levar em conta os diferentes pontos de vista
29
, conforme definição de
Rogalski (1995), que podem ser utilizados no desenvolvimento das tarefas possíveis
para esta etapa da escolaridade distinguiu-se os pontos de vista abaixo relacionados:
Ponto de vista das equações lineares: quando a tarefa exige que o aluno
disponha de conhecimentos sobre a mudança da representação de equações
lineares em língua natural para a representação algébrica, na elaboração de uma
equação que representa o enunciado proposto, e também de conhecimentos
28
veis de conhecimento esperados dos alunos: níveis técnico, mobilizável e disponível conforme
definição de Robert (1997) a saber:
O nível técnico corresponde a um trabalho isolado, local e concreto. Está relacionado, principalmente, às
ferramentas e definições necessárias à realização de uma determinada tarefa. Por exemplo: No caso dos
sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas pode-se considerar uma tarefa de nível técnico quando
se apresenta o sistema, com a indicação explícita do método a ser utilizado em sua solução.
O vel mobilizável corresponde a um inicio de justaposição de saberes de um certo domínio, podendo até
corresponder a uma organização, em que vários métodos podem se mobilizados. O caráter ferramenta e
objeto do conceito estão em jogo, mas o que se questiona é explicitamente pedido. Se um saber é identificado,
ele é considerado mobilizado se ele é acessível, isto é, se o aluno o utiliza corretamente. Por exemplo: Para o
exemplo acima, cabe ao aluno escolher o método mais adequado para a solução do sistema proposto.
O vel disponível corresponde a saber responder corretamente ao que é proposto sem indicações, de poder,
por exemplo, saber dar contra-exemplos, encontrar ou criar, mudar de quadro, fazer relações, aplicar métodos
não previstos. Este nível de conhecimento está associado à familiaridade, ao conhecimento de situações de
referência variadas que o aluno conhece (servem de terreno de experimentação); está ligado ao fato de dispor
de referências, de questionamentos, de uma organização. Podendo funcionar para um único problema ou
possibilitando fazer resumos. Por exemplo: Para a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, pode-se considerar a tarefa clássica em que são dados carros e motos, levando em conta que a
partir do número total de carros e motos e das rodas dos mesmos, é possível descrevê-la e resolvê-la, quando
se dispõe de conhecimentos associados à noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas.
29
Pontos de vista segundo Rogalski (1995): Dois pontos de vista diferentes sobre um objeto matemático
são outras maneiras de observá-los, de fazê-los funcionar, eventualmente de defini-los. Nesse sentido,
observar um objeto em diferentes domínios, é considerar diferentes pontos de vista. Mas, podem-se considerar
vários pontos de vista em um mesmo domínio.” (ROGALSKI. 1995, notas do seminário de São Paulo, PUC-SP,
Brasil, apud ANDRADE, 2006, p.25).
73
associados à solução de uma equação do primeiro grau que, teoricamente, estão
associados à noção de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano.
Ponto de vista das tentativas: quando a tarefa é resolvida pela mobilização de
conhecimentos relacionados apenas ao quadro numérico e cujo ostensivo em
jogo é a tabela, exigindo que o aluno construa uma tabela, escolha diferentes
valores para os elementos propostos na situação e efetue as operações
indicadas, chegando ao resultado esperado.
Ponto de vista dos sistemas de equações lineares: exige que o aluno
disponha de conhecimentos sobre a mudança do ostensivo representação em
língua natural para a representação algébrica de sistemas de equações lineares,
para escrever o sistema que representa a tarefa proposta, e também domine um
método de resolução de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas,
que teoricamente está associado à noção de estrutura de espaço vetorial.
Para melhor compreender as possibilidades de articulação, em termos de
quadros ou domínios em jogo nas tarefas que, em geral, são propostas no Ensino
Fundamental nível II, assim como os ostensivos, não ostensivos e níveis de
conhecimentos necessários em função dos diferentes pontos de vista que as mesmas
permitem levar em conta, constrói-se a grade de análise a seguir. Essa grade tem como
objetivo chamar a atenção sobre a importância de se considerar estas diferentes formas
de tratamento das tarefas propostas, uma vez que, dependendo do caminho escolhido,
são necessários diferentes níveis de conhecimento em relação à noções matemáticas
distintas.
Tentar-se-á mostrar ainda quando o conhecimento deve fazer parte do “topos” do
aluno e/ou do professor.
3.3 A grade de análise
Para examinar as diferentes tarefas que podem ser propostas quando se
introduz a noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas no Ensino
Fundamental nível II, os quadros ou domínios em jogo, os ostensivos e não ostensivos
74
necessários para o desenvolvimento das os veis de conhecimento, assim como os
pontos de vista sob os quais as mesmas podem ser tratadas, é construída a seguinte
grade de análise, cujo propósito é servir de instrumento que permite estudar, mais
particularmente, os ostensivos e não ostensivos possíveis para a introdução dessa
noção, destacando
as tarefas associadas à noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, em geral, trabalhadas no Ensino Fundamental nível II;
as variáveis destas tarefas, para as quais se deu ênfase aos ostensivos e não
ostensivos possíveis para a sua solução e também às necessidades de mudança
de quadro ou domínio em função dos níveis de conhecimentos esperados dos
professores e alunos e em relação ao ponto de vista escolhido para sua solução.
Para especificar as tarefas em relação ao estudo dos ostensivos e não
ostensivos possíveis para a sua solução consideram-se as seguintes variáveis das
tarefas:
O tipo de situação dada no enunciado da tarefa;
Os quadros ou domínios em que a tarefa é enunciada;
Os não ostensivos possíveis para o seu desenvolvimento, colocando em
evidência aqueles que devem fazer parte do “topos” do aluno e/ou do professor;
Os ostensivos possíveis para o desenvolvimento das tarefas;
Os quadros ou domínios que podem ser utilizados para a solução da tarefa;
Os níveis de conhecimento esperados para a solução da tarefa, em função do
ponto de vista escolhido;
Os pontos de vista sob os quais a tarefa pode ser trabalhada, colocando em
evidência aquele que lhe é mais adequado.
Esta grade permite analisar os ostensivos e não ostensivos possíveis de serem
desenvolvidos quando se introduz a noção de sistemas de duas equações lineares e
duas incógnitas no Ensino Fundamental II. Além disso, também serve para analisar os
quadros ou domínios e as mudanças de quadro necessárias em função do ponto de
75
vista escolhido, assim como o conhecimento prévio esperado dos alunos e professores
em função do “topos” e do nível de conhecimento esperado de cada um deles para as
diferentes noções em questão.
3.4 Exemplos de funcionamento da grade
Na seqüência, a fim de explicitar o funcionamento da grade de análise,
considera-se a tarefa geral e, em seguida, apresenta-se um ou mais exemplos. Estes
exemplos são os casos particulares que permitirão a análise da relação institucional
existente, via estudo das tarefas encontradas nos livros didáticos para as décadas
escolhidas.
Tentar-se-á compreender melhor as possíveis mudanças em relação ao ensino
proposto, isto é, qual a relação institucional existente nas diferentes décadas e quais as
regularidades e diferenças entre elas, em estudo que está descrito no capítulo 4.
Tarefa 1: Situação matemática enunciada no quadro numérico.
Tipo de situação dada no enunciado da tarefa:
Exemplo 1 :
1) Dois números têm a soma 111 e diferença 33. Quais são eles? (IEZZI et al, 2000,
p.259).
Trata-se de situação matemática em que a operação de adição é enunciada por
seu resultado soma (resultado da adição de dois meros) e diferença (adição de um
número ao oposto de outro número).
Quadro ou domínio em que a tarefa é enunciada
Numérico
Não ostensivos
- Operações de adição e multiplicação, subtração e divisão para o conjunto dos
números naturais (“topos” do aluno e professor);
- Um método de resolução de sistemas lineares (“topos” do aluno e do
professor);
76
- Noções de cálculo literal (representação dos elementos por uma letra) (“topos”
do aluno e do professor);
- Noções de cálculo algébrico (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo, abeliano e estrutura
de corpo (para resolver o sistema pelo método da substituição) (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição que em
sistemas de m equações e n incógnitas será trabalhado pelo método do escalonamento
ou método de Gauss) (“topos” do professor);
- Noção de sistemas de equações lineares (“topos” do aluno e do professor);
- Noção de equações lineares (“topos” do aluno e do professor).
Ostensivos
- Construção da tabela;
- Manipulação da tabela;
- Leitura da tabela;
- Visualização da tabela
- Representação em língua natural;
- Discurso oral;
- Representação escrita;
- Representação algébrica de equações e de sistemas.
Quadros ou domínios que podem ser utilizados para a solução da tarefa
Numérico ou algébrico.
Níveis de Conhecimento esperados para a solução da tarefa
A tarefa pode ser trabalhada em diferentes níveis dependendo dos
conhecimentos disponíveis dos alunos.
Se os alunos dispõem apenas de conhecimentos sobre as quatro operações
para os conjuntos dos números naturais, inteiros e racionais é possível resolver a tarefa
proposta utilizando uma tabela que indique os cálculos efetuados e o ostensivo
representação em língua natural como mostra o exemplo abaixo:
77
1º número
2º número
soma Diferença
61 50 111 11
65 46 111 19
70 41 111 29
71 40 111 31
72 39 111 33
Nesse exemplo, verifica-se que é possível resolver a tarefa apenas por
tentativas, isto é, escolhe-se um número e identifica-se o outro pela soma. Em seguida,
calcula-se a diferença entre esses dois números, e, se for necessário, repete-se o
processo até encontrar o resultado proposto na tarefa.
Para alunos que dispõem da noção de equação e têm alguma habilidade com o
cálculo algébrico, pode-se mostrar a possibilidade de trabalhar no quadro algébrico
,
evidenciando a economia do trabalho efetuado, como mostra o exemplo que segue:
1º número : x
2º número : 111 – x
Equação: x – (111 – x) = 33
x – 111 + x = 33
2x = 144
x =
2
144
x = 72
Portanto, o primeiro número é x = 72 e o segundo número é 111 – x = 111 – 72 =
39, isto é, 39.
É evidente, que esse trabalho exige conhecimentos associados à solução de
uma equação do primeiro grau, isto é, às propriedades de estrutura de grupo aditivo,
multiplicativo e abeliano, que, no Ensino Fundamental II podem ser trabalhadas por
meio de um discurso tecnológico que justifique apenas as diferentes etapas da solução
da equação por meio das leis e regras do cálculo literal, sem especificar propriedades
de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano, ou ainda, de estrutura de corpo
dos racionais e dos reais.
78
Ainda no quadro algébrico é possível resolver a tarefa utilizando a noção de
sistemas de equações lineares, que, para esse caso particular, representam apenas
uma economia de trabalho, como mostra o exemplo abaixo:
1º número : x
2º número : y
=
=+
33
111
yx
yx
~
=
=+
782
111
y
yx
Logo, o primeiro número x = 72 e o segundo número y = 39.
Por meio do exemplo verifica-se que as economias de cálculo exigem o
conhecimento de um método de resolução de sistemas de equações lineares.
Pontos de vista:
A tarefa permite trabalhar diferentes pontos de vista, pois é possível resolvê-la
tanto no quadro numérico, utilizando o ponto de vista ou método das tentativas, como
no quadro algébrico utilizando o ponto de vista das equações lineares ou dos sistemas
de equações lineares. Esse último permite a aplicação de diferentes métodos para a
sua solução, que correspondem ao não ostensivo sistemas de duas equações lineares
e duas incógnitas - noção que se deseja introduzir quando se propõem questões desse
tipo no Ensino Fundamental II.
Observa-se que, dos três pontos de vista considerados para a solução desta
tarefa, o ponto de vista equação linear parece ser o que deve apresentar mais
dificuldade em função dos não-ostensivos necessários para a sua solução.
O ponto de vista tentativa parece ser o mais adequado para a tarefa proposta,
mesmo não sendo, em geral, utilizado no ensino, cujo objetivo é introduzir noções de
álgebra. Dessa forma, exemplos deste tipo de tarefa para a introdução da álgebra
terminam criando uma dificuldade, pois o aluno muitas vezes é capaz de vislumbrar
uma solução sem ter construído conhecimentos relacionados às leis e regras que
justificam os cálculos algébricos efetuados, como pode ser verificado nos exemplos a
seguir.
Exemplo 2:
79
A soma de dois números é 110. O maior deles é igual ao triplo do menor mais 18
unidades. Quais são os dois números? (CASTRUCCI et al, 2002, p.170).
Situação matemática enunciada no quadro numérico utilizando apenas as
operações de adição e multiplicação cujos resultados são enunciados, explicitamente,
como soma e identificação de um número e seu triplo. Esta tarefa pode ser trabalhada
sob o ponto de vista das tentativas, embora os pontos de vista de equações lineares e
sistemas de equações lineares são mais econômicos e facilitam o trabalho proposto.
Exemplo 3:
A soma de dois números é 169 e a diferença entre eles é 31. Quais são os dois
números? (CASTRUCCI et al, 2002, p.170).
Trata-se de situação matemática em que a operação de adição é enunciada por
seu resultado soma (resultado da adição de dois meros) e diferença (adição de um
desses números ao oposto do outro). Da mesma forma, que para as tarefas anteriores,
basta construir uma tabela e determinar o resultado por tentativas. Neste caso, a
introdução dos pontos de vista de equações lineares e sistemas de equações lineares
são apenas facilitadores dos cálculos a efetuar. Este caráter puramente facilitador da
álgebra deve ser justificado pelo professor, para que o aluno compreenda que as
estratégias numéricas são tão válidas quanto as algébricas, servindo muitas vezes
como um meio de controle do trabalho algébrico efetuado.
Tarefa 2 : Situação matemática numérica transformada em um contexto cotidiano.
Tipo de situação dada no enunciado:
Exemplo 1:
Na série C 32 alunos. Subtraindo o número de meninas do dobro do
número de meninos o resultado é 7. Quantos são os meninos? E as meninas? (IEZZI et
al, 2000, p.259)
Situação matemática transformada no contexto dos alunos, pois trata do número
de meninos e meninas que compõem uma classe. A situação é do mesmo tipo da tarefa
80
1, que foi apenas enunciada num contexto cotidiano para mostrar as possibilidades de
aplicação da noção de sistemas de equações lineares. Apesar da diferença entre os
contextos, a grade se aplica da mesma forma que para a tarefa 1.
Exemplo 2:
Em um estacionamento, 14 veículos, entre carros e motos. Sabe-se que o
número total de rodas é 48. Quantos carros e quantas motos nesse
estacionamento?
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.153
Trata-se de situação matemática na qual a operação de adição é dada pelo
resultado que é a soma dos carros e motos e a quantidade total de rodas.
Vale ressaltar que esse tipo de tarefa era enunciado por meio de uma situação
com animais e que, para a vida moderna, foi reconstituído utilizando carros e motos,
pois nos grandes centros, em geral, os alunos têm pouco contato com situações que
envolvem inclusive os animais que servem para o seu consumo diário.
81
Exemplo 3 :
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.169
Em qualquer torneio de voleibol, o regulamento manda marcar 2 pontos por
vitória e 1 ponto por derrota. Disputando um torneio, uma equipe realizou 9 partidas e
acumulou 15 pontos. Quantas partidas a equipe venceu e quantas partidas ela perdeu
nesse torneio?
Situação matemática numérica transformada em um contexto cotidiano, que
pode ser trabalhada por meio dos pontos de vista de estimativa, equações lineares e
sistemas de equações lineares da mesma forma, que os exemplos anteriores.
Tarefa 3: Situação matemática algébrica transformada em um contexto cotidiano.
Tipo de situação dada no enunciado da tarefa:
82
Exemplo 1:
Fonte:IEZZI et al,2000, p.259
Exemplo 2:
Fonte:IEZZI et al,2000, p.262.
Situação matemática algébrica transformada em um contexto cotidiano que exige
a mudança do enunciado do ostensivo representação em ngua natural para o
ostensivo representação algébrica de equações lineares e de sistemas de equações
lineares, uma vez que as duas equações são enunciadas por relações entre a
quantidade de elementos dos dois grupos considerados.
Quadro ou domínio em que a tarefa é enunciada
Algébrico
Não ostensivos
- Operações de adição e multiplicação, subtração e divisão para os números
naturais (“topos” do aluno e do professor);
83
- Um método de resolução de sistemas lineares (“topos” do aluno e do
professor);
- Noções de cálculo literal (representação dos elementos por uma letra) (“topos”
do aluno e do professor);
- Noções de cálculo algébrico (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano para as
operações de adição e multiplicação em R (para resolver o sistema pelo método da
substituição) (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição que,
para sistemas de m equações e n incógnitas, será trabalhado pelo método do
escalonamento ou método de Gauss) (“topos” do professor);
- Noção de sistemas de equações lineares (“topos” do aluno e do professor);
- Noção de equações lineares (“topos” do aluno e do professor).
Ostensivos
- Representação algébrica de equações lineares e de sistemas de equações
lineares.
- Representação em língua natural.
- Discurso oral.
- Representação escrita.
Quadros ou domínios que possam ser utilizadas para a solução da tarefa
Algébrico
Níveis de Conhecimento esperados para a solução da tarefa
A tarefa exige o quadro ou domínio algébrico associado à mudança do
enunciado do ostensivo representação em língua natural para a representação
algébrica de sistemas de equações lineares e também um método de resolução de
sistemas lineares, como mostram os exemplos abaixo:
Exemplo 1:
Número de Garçons : x
Número de Garçonetes: y
Método da substituição
84
=
=
x
y
yx
2
2
23
~
=
=
2
2
23
y
x
yx
Portanto:
x
x
=
2
2
23
. Logo
6
263
=
=
x
xx
e
16
218
2)6(3
=
=
=
y
y
y
Donde se conclui que o número de garçons é x = 6 e o número de garçonetes é y
= 16 .
Método da adição
=
=
42
23
yx
yx
~
=
=
6
23
x
yx
~
=
=
=
16
412
4)6(2
y
y
y
Donde se conclui que o número de garçons x = 6 e o número de garçonetes é y
= 16.
Exemplo 2:
Número de Macacos : x
Número de Galhos : y
=
+=
2
2
1
y
x
yx
~
=
=
42
1
yx
yx
~
=
=
5
1
y
yx
Portanto, o número de macacos é x = 6 e o número de galhos é y = 5.
Nesse caso, é importante observar o caráter puramente algébrico da tarefa
proposta, que exige também a articulação entre noções de equação linear e sistema de
equações lineares antes da aplicação de um método de resolução de sistemas de
equações lineares.
Pontos de vista
Observa-se aqui que o caráter puramente algébrico da tarefa, reduz as
possibilidades de diferentes formas de tratamento.
85
O interesse dessa tarefa está na necessidade de utilização de sistemas de
equações lineares e na articulação com a noção de equação linear. Ou seja, ainda que
todo o trabalho seja desenvolvido apenas por meio de um sistema de equações
lineares, é preciso utilizar a noção de equação e efetuar as transformações necessárias
para representar o sistema por meio do ostensivo representação algébrica explícita de
sistemas de equações lineares
=
=
42
23
yx
yx
o que corresponde a uma mudança de
pontos de vista, isto é, a passagem do ponto de vista de equações lineares para o
ponto de vista de sistemas de equações lineares.
No caso em que se mantém o ostensivo representação funcional ou
representação implícita de equação (x = y + 1) pode-se utilizar diretamente o método da
substituição. Caso se represente o sistema pelo ostensivo representação algébrica de
equações lineares e sistemas de equações lineares, o método da adição se mostra
mais adequado.
Mesmo se a tarefa apresenta no enunciado todos os elementos para a sua
solução, pode-se considerá-la no nível disponível, pois exige que os alunos a
relacionem com a noção de sistema de equações lineares e, para sua solução,
articulem essa noção com a noção de equações lineares.
Exemplo 3:
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.172.
86
Situação matemática algébrica transformada em um contexto cotidiano que exige
a mudança do enunciado do ostensivo representação em ngua natural para o
ostensivo representação algébrica de equações e de sistemas de equações lineares.
Exemplo 4:
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.172.
Situação matemática algébrica transformada em um contexto cotidiano que exige
a mudança do enunciado do ostensivo representação em ngua natural para o
ostensivo representação algébrica de equações lineares e sistemas de equações
lineares.
Exemplo 5:
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.171.
de cada cor ficará igual. Quantas bolas de cada
cor há nessa caixa?
87
Situação matemática algébrica transformada para um contexto cotidiano que,
como a tarefa anterior, exige a mudança do enunciado do ostensivo representação em
língua natural para o ostensivo representação algébrica de equações lineares e
sistemas de equações lineares.
Tarefa 4 : Sistema de equações lineares algébrico explícito, indicando, ou não, o
método a ser aplicado.
Exemplo 1 :
Tipo de situação dada no enunciado
Fonte: IEZZI et al,2000, p.259.
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.171.
Um sistema de equações lineares enunciado por meio do ostensivo
representação algébrica de equações lineares e sistemas de equações lineares, para o
qual é preciso aplicar um dos métodos de solução de sistemas que pode, ou não, ser
pedido explicitamente na tarefa.
Quadro ou domínio
Algébrico
Não ostensivos
- Noção de sistema de equações lineares (“topos” do aluno e do professor);
88
- Regra de três e frações algébricas (“topos” do aluno e do professor);
- Método de resolução de sistemas de equações lineares (“toposdo aluno e do
professor).
Ostensivos
- Representação algébrica de equações lineares e sistemas de equações
lineares.
- Discurso oral;
- Representação escrita.
Quadros ou domínios que possam ser utilizados para a solução da tarefa
Algébrico
Níveis de conhecimento esperados para a solução da tarefa
Nesse caso, basta o aluno dominar a técnica de resolução de sistemas de
equações lineares e, quando o método é pedido explicitamente, o aluno deve utilizar a
técnica pedida no enunciado.
É importante lembrar que, se o que se espera do aluno é o nível de
conhecimento técnico, a tarefa deve indicar, explicitamente, o método de resolução a
ser aplicado. Por outro lado, se espera um nível de conhecimento mobilizável, não se
especifica o método a ser empregado, deixando a cargo do aluno a escolha da
estratégia que julgar mais adequada à solução da tarefa proposta.
Pontos de vista
Por se tratar de tarefa que exige a aplicação de um método para a solução do
sistema proposto, poderá haver mudança de ponto de vista em relação a esse método,
sendo necessária a articulação entre a noção de sistema de equações lineares e
equação linear.
Tarefa 5: Articulação entre a noção de sistema
de duas equações lineares e duas
incógnitas e a noção de retas no plano IR
2
.
89
Fonte: IEZZI et al,2000, p.271
Tarefas desse tipo preparam o aluno para o estudo dos sistemas de duas
equações lineares no quadro ou domínio algébrico, em que o sistema não está
associado a uma situação contextualizada. Sua solução depende da articulação entre
os quadros algébrico e geométrico, isto é, a passagem ao quadro geométrico permite
visualizar as diferentes possibilidades de solução para os sistemas de duas equações
lineares e duas incógnitas. A representação do sistema no quadro geométrico permite
associar um sistema de duas equações lineares e duas incógnitas, que tem uma única
solução, isto é, um ponto de IR
2
, a um par de retas concorrentes. Por outro lado, um
sistema de infinitas soluções é aquele em que, uma das equações é um múltiplo
escalar da outra e as retas que representam essas equações são coincidentes.
Finalmente, o sistema que não tem soluções, isto é, quando as equações não são
proporcionais, terá sua representação no quadro geométrico, por meio de duas retas
paralelas em IR
2
. No exemplo dado acima, a solução do sistema no quadro geométrico
corresponde a duas retas concorrentes que se intersectam em um ponto.
É importante observar que esta tarefa permite que o aluno visualize as diferentes
possibilidades de solução do sistema e articule os conhecimentos algébricos que estão
sendo introduzidos por meio da noção de sistemas de equações lineares com seus
conhecimentos geométricos sobre a posição relativa de retas no plano.
Outros casos:
90
- Se a solução algébrica do sistema reduz-se a uma única equação, conclui-se
que o sistema tem infinitas soluções, o que, geometricamente, corresponde a concluir
que as retas são coincidentes.
- Se, após a solução algébrica do sistema, encontra-se uma igualdade do tipo a =
0, sendo a um número qualquer diferente de zero, o sistema não tem solução, o que,
geometricamente, corresponde a concluir que as retas são paralelas.
- Se, após a solução algébrica do sistema, encontra-se uma única solução, isto
é, o par (x, y) que representa um ponto de IR
2
, o que, geometricamente, corresponde a
concluir que as retas representadas pelas equações que definem o sistema são
concorrentes.
Quadro ou domínio em que a tarefa é enunciada
Algébrico
Não ostensivos
- Operações de adição e multiplicação, subtração e divisão. (“topos” do aluno e
professor);
- Um método de resolução de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas (“topos” do aluno e do professor);
- Noções de cálculo literal (representação dos elementos por uma letra) (“topos”
do aluno e do professor);
- Noções de cálculo algébrico (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de grupo para as operações de adição e
multiplicação em IR (para resolver o sistema pelo método da substituição) (“topos” do
professor);
- Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição que, em
sistemas de m equações e n incógnitas, será trabalhado pelo método do
escalonamento ou método de Gauss) (“topos” do professor);
- Noção de sistemas de equações lineares (“topos” do aluno e do professor);
- Noção de retas no plano e suas propriedades (“topos” do aluno e do professor);
- Noção de representação geométrica de equações lineares em IR
2
(“topos” do
aluno e do professor).
Ostensivos
91
- Representação algébrica de equações lineares e de sistemas de equações
lineares;
- Representação gráfica de equações no sistema cartesiano ortogonal;
- Discurso oral;
- Representação escrita.
Quadros ou domínios que podem ser utilizados para a solução da tarefa
Algébrico e geométrico.
Níveis de Conhecimento esperados para a solução da tarefa
O aluno deve dispor de conhecimentos sobre representação gráfica de equações
no sistema cartesiano ortogonal e de um método de resolução de sistemas de
equações lineares.
Pontos de vista
Passagem do quadro algébrico para o quadro geométrico, que supõe que o aluno
disponha de conhecimentos sobre a representação de uma equação no sistema
cartesiano ortogonal.
Tarefa 6: Situação envolvendo a articulação de diferentes noções matemáticas e
que exige a passagem do ostensivo representação em língua natural para os
ostensivos tabela e representação algébrica de equações lineares e sistema de
equações lineares.
Tipo de situação dada no enunciado da tarefa:
Fonte:CASTRUCCI et al, 2002, p.168.
92
Trata-se de situação matemática transformada em contexto cotidiano, cuja
solução exige que o aluno disponha de conhecimentos de geometria e porcentagem.
Para resolver a questão o aluno precisa aplicar seus conhecimentos de
porcentagem, podendo desenvolver a tarefa segundo um dos três pontos de vista
considerados - tentativas, equações lineares ou sistemas de equações lineares. A
dificuldade da questão poderá estar associada aos conhecimentos prévios necessários.
Quadro ou domínio em que a tarefa é enunciada
Numérico e geométrico.
Não ostensivos
- Um método de resolução de sistemas lineares (“topos” do aluno e do
professor);
- Noções de cálculo literal (representação dos elementos por uma letra) (“topos”
do aluno e do professor);
- Noções de cálculo algébrico (“topos” do professor);
- Propriedades de estrutura de grupo para as operações de adições e
multiplicação em IR (para resolver o sistema pelo método da substituição) (“topos” do
professor);
- Propriedades de estrutura de espaço vetorial (para o método da adição que, em
sistemas de m equações e n incógnitas, será trabalhado pelo método do
escalonamento ou método de Gauss) (“topos” do professor);
- porcentagem;
- Regra de três e frações algébricas.
Ostensivos
- Construção da tabela;
- Manipulação da tabela;
- Leitura da tabela;
- Visualização da tabela;
- Discurso oral;
- Representação escrita;
- Representação em língua natural;
- Representação algébrica de equações e de sistemas de equações lineares.
93
Quadros ou domínios para a solução da tarefa
Numérico ou algébrico.
Níveis de Conhecimento esperados para a solução da tarefa
A tarefa pode ser trabalhada em diferentes níveis dependendo dos
conhecimentos disponíveis dos alunos.
Se os alunos dispõem apenas de conhecimentos sobre as quatro operações e
noção de porcentagem é possível resolver a tarefa proposta utilizando uma tabela que
indique os cálculos efetuados para algumas tentativas, como mostra o exemplo abaixo:
Terreno Casa Jardim Porcentagem
1050m
2
550 500 90,96%
650 400 61,53%
700 350 50%
750 300 40%
Nesse exemplo, verifica-se que é possível resolver a tarefa apenas por tentativas
e que esta escolha pode facilitar a compreensão da tarefa proposta.
Para alunos que dispõem da noção de equação e têm alguma habilidade com o
cálculo algébrico pode-se mostrar a possibilidade de trabalhar no quadro ou domínio
algébrico evidenciando a economia do trabalho efetuado, como mostra o exemplo que
segue:
=
=
=+
5
2
%40
1050
x
y
xy
yx
~
=
=
=
=+
=+
750
7
5250
52507
525025
1050
5
2
x
x
x
xx
x
x
casa
=
=
=
300
5
1500
750.
5
2
y
y
y
jardim
Portanto, a área de terreno reservada para a construção da casa é x = 750 m
2
e
a área reservada para o jardim é y = 300 m
2
.
94
Verifica-se aqui que a solução algébrica, apesar de facilitar o trabalho
matemático, precisa de um discurso tecnológico que justifique sua relação com a tarefa
proposta. Ou seja, essa questão poderia ser trabalhada, inicialmente, por tentativas,
para em seguida, ser discutida a importância do cálculo algébrico que acaba
amalgamando todas as informações e dificultando as interpretações.
Pontos de vista
Observa-se que existe a possibilidade de obter a solução por tentativas, mas, em
geral, o quadro algébrico é visto como um facilitador do trabalho matemático. É
importante, porém, destacar que a noção de sistema de equações lineares como
ferramenta para a solução de tarefas deste tipo pode se tornar um obstáculo para a
compreensão da tarefa e para a sua futura aplicação em outras situações pelos alunos.
Embora o enunciado da tarefa apresente todos os elementos para a sua solução,
pode-se considerá-la no nível disponível, pois exige que os alunos disponham de outros
conhecimentos que devem ser articulados com a noção de sistemas de equações
lineares.
3.5 Considerações Finais
O estudo dos ostensivos e não ostensivos possíveis e/ou necessários para a
noção de sistemas de equações lineares, quando se considera uma primeira introdução
desta noção no Ensino Fundamental vel II, permitiu estabelecer um grupo, mesmo
que pequeno, de tarefas usuais que são introduzidas em livros didáticos de Matemática,
destinados à sétima série do Ensino Fundamental nível II, que para esta pesquisa são
considerados como a relação institucional existente, em função da noção que está
sendo considerada, ou seja, a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas.
Foi possível distinguir seis tarefas que exigem a aplicação de diferentes
ostensivos e não ostensivos e que permitem um trabalho diferenciado em função das
diferentes escolhas institucionais.
Verificou-se que as tarefas 1, 2 e 6 podem ser resolvidas por um dos três pontos
de vista considerados nesta pesquisa (ponto de vista de tentativas, ponto de vista de
95
equações lineares e ponto de vista de sistemas de equações lineares) dependendo dos
conhecimentos prévios dos alunos.
As três tarefas são enunciadas no quadro numérico e a distinção entre elas está
no fato de que a tarefa 1 é enunciada num contexto intramatemático
30
, exigindo que os
alunos utilizem apenas conhecimentos matemáticos e além disso, para qualquer ponto
de vista escolhido pode-se considerar que o nível de conhecimento esperado dos
alunos é o nível mobilizável. O ponto de vista que facilita seu desenvolvimento é o das
tentativas - ainda que este não seja muito explorado - e pode-se supor que o ponto de
vista de equações é o que deve apresentar maior dificuldade para os alunos. Dessa
forma, uma vez apresentados os ostensivos e não ostensivos que permitem justificar o
trabalho matemático efetuado verifica-se que os ostensivos teóricos são destinados ao
professor enquanto que existem ostensivos destinados ao professor e aos alunos, que
estão associados ao discurso que se deve estabelecer para que se possa compreender
as leis e regras do cálculo literal empregadas quando se escolhe desenvolver a tarefa
utilizando os pontos de vista de equações e sistemas de equações lineares.
As tarefas 2 e 6 são enunciadas num contexto extramatemático
31
, exigindo que
os alunos disponham de conhecimentos associados a esse contexto, isto é, pode-se
dizer que o nível de conhecimento esperado dos alunos para a solução dessas tarefas
é o nível disponível em relação aos conhecimentos matemáticos em jogo e ao seu
caráter extramatemático. Tanto para a tarefa 2 quanto para a tarefa 6 é possível aplicar
um dos três pontos de vista considerados nesta pesquisa. A tarefa 6 pode apresentar
maior dificuldade em função da necessidade de articulação das diferentes noções
matemáticas em jogo.
As tarefas 3, 4 e 5 são consideradas puramente algébricas pois exigem a
utilização dos pontos de vista equações lineares ou sistemas de equações lineares.
Considerando os níveis de conhecimentos necessários para a sua solução pode-
se dizer que para a tarefa 4 é exigido apenas o nível técnico quando se pede o método
30
Intramatemático: quando os conhecimentos em jogo no enunciado e na solução da tarefa são apenas
matemáticos.
31
Extramatemático: quando os conhecimentos em jogo no enunciado são tanto matemáticos quanto
associados às outras ciências ou a situações cotidianas.
96
de solução do sistema e o nível mobilizável quando esse não é pedido e cabe ao aluno
escolher o mais adequado.
As tarefas 3 e 5 são consideradas no nível disponível pois na tarefa 5 é exigida a
articulação entre os quadros algébrico e geométrico o que supõe uma mudança de
representações, ou seja, a escolha dos ostensivos adequados e a utilização de um
discurso tecnológico que justifique essas escolhas.
A tarefa 3 deve apresentar mais dificuldade para os alunos pois é enunciada num
contexto extramatemático exigindo a interpretação do enunciado que deve ser
representado por meio de equações lineares para que se possa utilizar o ponto de vista
de equações lineares ou sistemas de equações lineares. Nesse caso, o nível de
conhecimento esperado dos alunos é o disponível e esses devem ser capazes de
utilizar os diferentes ostensivos em jogo e justificar o trabalho matemático por meio dos
não ostensivos que fazem parte de seus “topos” e que para os professores estão
associados às noções de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano e à noção
de estrutura de espaço vetorial.
Verifica-se assim, que, em geral, existe pouca possibilidade de articulação entre
os quadros geométrico e algébrico quando se introduz a noção de sistemas de
equações lineares, pois a tarefa 5 parece ser a única utilizada com essa intenção.
Das três tarefas (3, 4 e 5) aqui consideradas como algébricas observa-se que 4 e
5 estão diretamente associadas ao estudo da noção de sistemas de equações lineares
e que a tarefa 3, mesmo exigindo a utilização do quadro algébrico, não es
diretamente associada ao objeto sistemas de equações lineares, mas à aplicação
dessa noção como ferramenta explícita de trabalho para a solução de uma situação
contextualizada, ou seja, não existe uma articulação entre o objeto matemático em jogo
e seu papel de ferramenta explícita para o trabalho matemático a ser desenvolvido.
Observou-se ainda que as tarefas 1, 2 e 6 não exigem a utilização da noção de
sistemas de equações lineares, podendo ser trabalhadas apenas por meio do ponto de
vista das tentativas. Nestes casos, a noção de sistemas de equações lineares deve ser
explicitada como uma forma econômica de realizar o trabalho matemático pelo
professor.
97
Dessa forma, as diferenças em relação às possibilidades de abordagens para o
ensino da noção de sistemas de equações lineares vão depender da quantidade de
tarefas desenvolvidas pelos professores e propostas aos alunos e das explicitações
consideradas acima.
Além disso, verifica-se que as tarefas propostas são mais adequadas para
desenvolver a mudança do ostensivo representação em língua natural para a
representação algébrica explícita de equações lineares (as equações são apresentadas
com seus coeficientes) e os métodos de resolução destas equações e sistemas de
equações, que neste caso são trabalhados exigindo apenas que os alunos utilizem as
regras e leis do cálculo literal, uma vez que os não ostensivos teóricos, isto é, as
noções de estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano e estrutura de espaço
vetorial que lhes são associados, não são possíveis de serem trabalhados nesta etapa
da escolaridade.
Neste momento, uma questão que se coloca e que exige um estudo mais
detalhado para ser compreendida é a seguinte: Qual é o “topos” esperado do professor,
quando este introduz a noção de sistemas de equações lineares nesta etapa da
escolaridade?
Esta questão pode ser traduzida por: Quais são os conhecimentos esperados
como disponíveis (estrutura de grupo aditivo, multiplicativo e abeliano e estrutura de
espaço vetorial) dos professores que introduzem a noção de sistemas de equações
lineares na sétima série do Ensino Fundamental nível II?
É importante observar que esta pesquisa mostra que embora esses o
ostensivos não sejam necessários aos alunos, é preciso que o professor disponha de
meios para estabelecer um discurso tecnológico que justifique as regras e leis utilizadas
na solução das tarefas que exigem a aplicação dos pontos de vista de equações
lineares e sistemas de equações lineares.
Observa-se ainda que o ponto de vista das tentativas parece representar um
meio importante para mostrar aos alunos a importância da álgebra como ferramenta
facilitadora do trabalho matemático em jogo.
98
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DAS ESCOLHAS PARA O ENSINO DA NOÇÃO DE
SISTEMAS DE DUAS EQUAÇÕES LINEARES E DUAS INCÓGNITAS
VIA LIVRO DIDÁTICO
4.1
Considerações Iniciais
Para analisar as escolhas para o ensino da noção de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas entre 1950 a 2005, procuram-se alguns livros
didáticos que contém capítulos destinados à introdução dessa noção no Ensino
Fundamental II, pois esses livros dão uma visão aproximada da relação institucional
existente na época. Certamente, existem outras formas de análise dessa relação, mas
tendo em vista a dificuldade de reunir documentos, optamos por analisar livros
didáticos, embora tenham sido escolhidos sem um critério específico.
Os livros antigos analisados foram aqueles que alguns professores haviam
preservado em suas bibliotecas particulares e, dentre os atuais, foram escolhidos
aqueles que vêm sendo utilizados na escola onde trabalho. Dessa forma, a escolha dos
livros antigos foi aleatória, pois existe uma grande dificuldade em encontrar material
mais antigo, em estado de preservação que permita uma análise global do ensino de
matemática nas diferentes décadas. Analisa-se assim um total de oito obras que serão
apresentadas em ordem decrescente em relação ao ano de sua publicação, conforme a
tabela abaixo.
99
Livro Ano Século Década
PNLD
32
1º Matemática e Realidade
Iezzi et al., 7ª série 2005 XXI 2008
2º A conquista da Matemática
Castrucci et al., 7ªsérie 2002 XXI 2005
3º Matemática e Realidade
Iezzi et al., 7ª série 2000 XXI 2006
4º Matemática Scipione
Scipione, 7ª série 1991 90
5º Matemática Conceitos Operações
Scipione, 7ªsérie 1982 80
6º Matemática na Escola Renovada
Scipione, 3º volume 1971 70
7º Matemática Curso Moderno
Sangioge, 3º volume 1966 60
8º Curso de Álgebra
De Farias, programas de admissão à
Escola Militar e à Escola de
Aeronáutica. 1959 50
Para a análise dos livros encontrados, constrói-se um organograma que permite
a descrição global da obra, conforme modelo proposto por Tavignot (1991) em sua tese
sobre a análise do processo de transposição didática para o caso da simetria no
“collège”
33
. Esse organograma auxilia a compreensão geral da obra assim como a
articulação entre as diferentes noções desenvolvidas na sétima série do Ensino
Fundamental nível II quando se introduz a noção de sistemas de duas equações
lineares e duas incógnitas.
Além desse organograma, faz-se um comentário sobre as articulações entre
noções trabalhadas em conjunto com a noção de sistemas de duas equações lineares e
duas incógnitas, conforme propostas dos autores.
Após esse comentário, considerando como parte do professor (“topos” do
professor) a introdução teórica da noção e os exercícios resolvidos e parte do estudante
(“topos” do estudante) os exercícios propostos, são analisadas as necessidades em
termos de ostensivos e não ostensivos e da própria aplicação da noção de sistemas de
32
PNDL: Programa Nacional do Livro Didático
33
“collège” – corresponde ao Ensino Fundamental nível II brasileiro.
100
duas equações lineares e duas incógnitas, tanto para o trabalho suposto como do
professor quanto para o do estudante.
Além disso, verifica-se que tipos de tarefas são privilegiados quando se
consideram as propostas de aplicações das noções desenvolvidas no curso, pelos
estudantes, em função da grade construída.
Uma vez delineada a forma como será apresentada a análise, as questões que a
orientam são:
1) Quais são os conhecimentos prévios necessários ao aluno, para que se
faça a introdução da noção de sistemas de equações lineares?
2) Como se articulam os conhecimentos prévios com os novos
conhecimentos quando se introduz a noção de sistemas de equações
lineares?
3) Que ostensivos e não ostensivos são privilegiados nas décadas
consideradas?
4) Quais são os quadros ou domínios (numérico, algébrico e geométrico)
necessários para o desenvolvimento do trabalho proposto?
5) Quais são as necessidades de articulação em termos de quadros ou
domínios e os níveis de conhecimentos esperados dos estudantes
quando se introduz a noção de sistemas de equações lineares?
6) As tarefas propostas aos estudantes necessitam da noção de sistemas
de equações lineares para a sua solução?
101
4.2 A ANÁLISE DA OBRA DE IEZZI ET AL 2005.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra “Matemática e
Realidade” 7ª série.
Generalizar
Números
introduzir
- Noção intuitiva de números naturais
- Noção intuitiva de números inteiros
- Noção intuitiva de números racionais
(representação fracionária, decimal exata, dízima periódica)
Observação: utiliza a noção de equação para calcular a fração geratriz de
uma dízima.
- Noção intuitiva de número real por meio de sua representação na reta
numérica utilizando a seqüência: números inteiros, números racionais não
inteiros, números irracionais (representação geométrica - lado do quadrado).
- Valor absoluto e relação de ordem (as desigualdades).
- Operações em R e suas propriedades.
- Erros de aproximação.
Segmentos, ângulos e triângulos. Definir e construir
- Segmentos (régua e compasso)
- Ângulos (régua e compasso, transferidor)
- Retas coplanares (concorrentes e paralelas)
- Retas perpendiculares
- Ângulos de duas retas com uma transversal (Teorema de
Thales).
- Triângulos (classificação, construção e propriedades)
- Congruência de triângulos (propriedades e construção).
Estatística definir
- Médias: aritmética, ponderada e geométrica.
- Representação gráfica e representação tabela de dados.
-
Moda e mediana
Cálculo algébrico
Introduzir
Produtos notáveis e
fatoração
aplicar
Quadriláteros
Equações e
sistemas lineares
Sistemas de
equações
definir
- Expressões algébricas (exemplos algébricos e geométricos)
- Valores numéricos
- Polinômios
- Operações com polinômios
definir
definir -Representação algébrica e geométrica (áreas)
definir
-Quadriláteros
-Perímetros
-
Quadriláteros notáveis e propriedades
introduzir
- Introduzir equação
- Equações impossíveis e indeterminadas
- Equações Literais
-
Equações Fracionárias
Interpretar,
resolver e
analisar
-Situações-problema com duas incógnitas para introduzir sistemas.
-Método de adição
-Método de Substituição
-Representação Gráfica
-Sistemas Impossíveis e Indeterminados
Aplicar
102
4.3 Comentários e análise
Os autores iniciam fazendo uma revisão sobre a noção de “número”, articulando,
para isso, o quadro ou domínio geométrico com o numérico e, na seqüência,
apresentam uma definição sucinta de números naturais a partir do processo de
contagem e sua representação (numeral), números inteiros (subtração que resulta em
um número negativo), números racionais distinguindo as representações fracionárias
explícitas (por exemplo: 2/3), as representações decimais exatas (0,3) ou dízimas
periódicas (0,33333....) e as possibilidades de passagem de uma representação a
outra, embora esse termo representação não seja utilizado pelos autores. Nesse
momento, os autores utilizam a noção de equação para determinar a fração geratriz
de uma dízima periódica.
Na seqüência, para introduzir os números reais, os autores consideram o
ostensivo reta numérica, isto é, utilizam o quadro geométrico para representar esses
números, ou seja, articulam o quadro numérico com o quadro geométrico.
Após o estudo dos números reais por meio dos ostensivos que os representam,
os autores introduzem noções de segmento, ângulo e por meio dos ostensivos
materiais régua, compasso, transferidor e esquadro fazem as construções e
apresentam suas propriedades, isto é, trata-se de uma introdução centrada em
ostensivos materiais que permitem a manipulação e a visualização dos novos conceitos
que se deseja introduzir.
Após introduzir as noções de segmento e ângulo, os autores definem retas
coplanares, suas posições relativas e propriedades. Ainda para essas noções que
estão sendo introduzidas, é possível observar a preocupação dos autores em
representar as propriedades por meio da construção com régua e compasso, o que
possibilita a manipulação e a visualização das noções que estão sendo trabalhadas e a
utilização de um discurso para justificar o procedimento que se está realizando. Ou
seja, a abordagem utilizada pelos autores é centrada na introdução dos ostensivos de
representação da noção em jogo, que necessita de um discurso tecnológico para
justificar os procedimentos adotados nas construções e que permite conjecturar sobre
as propriedades utilizadas nessa construção. Na seqüência, essas propriedades são
demonstradas, por meio de teoremas que representam as teorias dessas tecnologias.
103
Em seguida, após definir triângulos, os autores os classificam quanto aos lados e
apresentam as possibilidades de representação dos mesmos por meio da construção
com régua e compasso. São introduzidas as propriedades e a classificação de
triângulos quanto aos ângulos. Os exemplos e exercícios propostos exigem que os
estudantes disponham de conhecimentos sobre equação do 1
o
grau, que se supõe
tenha sido trabalhada nas séries anteriores, pois está sendo novamente considerada
como um conhecimento disponível e é o seu caráter ferramenta explícita do
conhecimento matemático que está em jogo. O capítulo exclusivo para seu tratamento
aparece posteriormente, mas como todo o texto é centrado nos ostensivos que
representam as noções em jogo, o trabalho desenvolvido no livro torna-se mais simples,
pois é possível estabelecer um discurso que justifique a aplicação da noção de equação
ainda que esta não tenha sido desenvolvida, tendo em vista todas as possibilidades do
tratamento de suas representações.
Após a introdução dos números reais e de conceitos geométricos e suas
propriedades os autores introduzem noções básicas de estatística, ou melhor, os
ostensivos que permitem representar essas noções, mas não é possível identificar um
trabalho de articulação com os supostos conhecimentos prévios dos estudantes. A
estatística aparece como um capítulo sem conexão com os demais.
Na seqüência do livro, onde se pode considerar a introdução do cálculo
algébrico, os autores apresentam as expressões algébricas, os polinômios com suas
operações e propriedades e, sempre que possível, eles articulam os quadros
numéricos, algébricos e geométricos, apresentando ainda exemplos de aplicações no
cotidiano e nas outras ciências, ou seja, embora seja dada maior ênfase aos ostensivos
que representam as noções em jogo, os autores procuram articular essas noções com
os supostos conhecimentos prévios dos estudantes.
Ao introduzir produtos notáveis e fatoração verifica-se que os autores articulam
somente os quadros algébrico e geométrico, o que é compreensível, uma vez que estas
noções são ferramentas importantes para o estudo de outros conceitos matemáticos,
mas dificilmente são aplicadas diretamente para a solução de problemas cotidianos, ou
seja, nessa etapa da escolaridade o trabalho sobre os ostensivos que as representam
parece ser uma forma adequada de trabalho.
104
Voltando à geometria, os autores definem quadriláteros e suas propriedades,
passando aos quadriláteros notáveis, para os quais, as propriedades são apresentadas
e demonstradas, o que representa um salto qualitativo, pois para justificar a aplicação
da definição e a utilização dos ostensivos que as representam, os autores utilizam um
discurso tecnológico como é possível verificar no exemplo abaixo.
Fonte: IEZZI et al, 2005, p.235
O capítulo que segue é destinado ao estudo das equações do primeiro grau e é
nele que se apresenta a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, objeto de estudo desta pesquisa. Sendo a noção de equação do primeiro
grau um dos pontos de vista que permitem a solução desses sistemas, ela merece uma
análise mais detalhada que as noções anteriores, quando se considera sua articulação
com as demais noções em jogo, pois ela pode ser um dos pontos de apoio para a
introdução da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas para a
sétima série do Ensino Fundamental II.
Observa-se assim, que a noção de equação é introduzida via situações
cotidianas que são descritas por meio do ostensivo escrita na língua natural e que
105
necessitam de uma passagem para o ostensivo representação algébrica oral e escrita
da equação correspondente. Nesta etapa, as noções introduzidas anteriormente nos
quadros algébrico, numérico e geométrico são utilizadas como ferramentas para a
solução das tarefas propostas e devem estar disponíveis para permitir o
desenvolvimento das tarefas propostas ao estudante. É importante ressaltar que os
ostensivos oral e escrito considerados acima necessitam de um discurso tecnológico
que permite utilizá-los, e que é fundamental para a articulação com outras noções
matemáticas que aparecem nas tarefas apresentadas e propostas aos estudantes.
Passando à noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas, os
autores fazem uma abordagem semelhante àquela feita para as equações, o que
também exige que as noções anteriores, descritas no organograma, estejam
disponíveis para que se possam utilizar os ostensivos necessários para a solução das
tarefas e que se disponha de um discurso tecnológico que justifique as articulações
com as diferentes noções em jogo.
Os autores seguem introduzindo as noções de inequação, circunferência, arcos e
ângulos sempre preocupados em articular novos conhecimentos com os conhecimentos
desenvolvidos anteriormente.
Para a noção de sistema de duas equações lineares e duas incógnitas, objeto de
estudo desta pesquisa, apresenta-se abaixo uma análise mais detalhada das tarefas
que correspondem à parte do professor e à do estudante, em função da grade
construída para esse fim.
4.4 A parte do professor e do estudante nas tarefas apresentadas
Considerando a grade de análise e as tarefas nela classificadas de acordo com
suas possibilidades, apresenta-se a relação entre o que é parte do trabalho do
professor (“topos” do professor), isto é, as tarefas resolvidas que envolvem a noção de
sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas, e o que representa a parte do
estudante (“topos” do estudante), isto é, as tarefas propostas no capítulo.
106
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidade
% Tarefas Quantidade
%
Tarefa 1 2 22 Tarefa 1
14 14
Tarefa 2 1 11 Tarefa 2
6 06
Tarefa 3 0 0 Tarefa 3
4 04
Tarefa 4 1 11 Tarefa 4
34 34
Tarefa 5 2 22 Tarefa 5
1 01
Tarefa 6 3 34 Tarefa 6
41 41
Total 9 100 Total 100 100
Segundo a escolha anunciada acima, o número de tarefas resolvidas, que
representam o “topos” do professor, permite dizer que, no caso deste livro didático, os
autores privilegiam a tarefa de número 6 (34% das tarefas resolvidas) que corresponde
ao nível disponível, pois exige que os estudantes disponham de conhecimentos prévios
sobre outras noções matemáticas e sejam capazes de compreender seu caráter extra
matemático
34
. Da mesma forma, verifica-se que o maior número de tarefas propostas
para os estudantes são as de tipo 6 (41%), o que é coerente com a escolha de tarefas
para o professor o que poderia ser identificado como preocupação dos autores no
sentido de articular conhecimentos matemáticos desenvolvidos durante as etapas
escolares anteriores, assim como conhecimentos de outras ciências e do cotidiano.
As tarefas 1 e 5 são consideradas como necessárias pelos autores, pois representam
22% das tarefas resolvidas, mas para o trabalho individual do estudante verifica-se que
a ênfase é dada à tarefa do tipo 1 que corresponde a situações matemáticas
enunciadas no quadro numérico e que não exigem a noção de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas para serem resolvidas. A tarefa de tipo 5 fica a
cargo do professor uma vez que exige um discurso tecnológico que justifique a
articulação entre os quadros algébrico e geométrico quando esses são, efetivamente,
parte dos conhecimentos prévios dos estudantes. Compreende-se a escolha, uma vez
que se está introduzindo a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, pois a tarefa de tipo 5 exige o nível disponível para os conhecimentos
34
Extra matemático: Quando se trabalha com noções de outras ciências ou do cotidiano e que se supõem
conhecidas dos estudantes.
107
algébricos e geométricos que precisam ser articulados quando se deseja estudar as
possibilidades de solução desses sistemas.
As tarefas 2 e 4 aparecem como sendo da mesma importância para o professor,
mas quando se observa o trabalho proposto aos estudantes verifica-se que a tarefa 4,
que corresponde aos níveis técnico e mobilizável (resolver o sistema com ou sem
indicação do método) é bastante valorizada (34%), em comparação com a tarefa 2 que
representa 6% das tarefas propostas aos alunos.
A tarefa 3 que necessita da interpretação de uma situação extra matemática e
que deve ser resolvida sob o ponto de vista de equações lineares ou sistemas de
equações lineares, isto é, trata-se de uma situação puramente algébrica que exige que
os estudantes disponham de conhecimentos sobre as noções de equações e sistemas
de duas equações lineares e duas incógnitas é deixada a cargo dos estudantes, pois
não indicações para o professor resolver esse tipo de tarefa, cabendo ao estudante
esse trabalho.
Resumindo, verificou-se que nesta obra 41% (tarefa 6) das tarefas propostas aos
estudantes poderiam ser resolvidas sem a necessidade de trabalho no quadro algébrico
e sua dificuldade pode estar associada à interpretação ou à falta de conhecimentos
prévios por parte dos estudantes. Outros 20% (tarefas 1 e 2) também não exigem a
utilização do quadro algébrico podendo ser trabalhadas apenas no quadro numérico por
meio do ostensivo tabela e sua dificuldade pode estar associada à passagem do
ostensivo representação em língua natural para o ostensivo tabela.
As tarefas 3 e 5 que exigem a utilização do quadro algébrico representam
apenas 5% do trabalho proposto aos estudantes, sendo que a maior parte do tipo 5 fica
a cargo do professor, enquanto que as do tipo 3 ficam totalmente a cargo dos
estudantes.
A tarefa 4 que corresponde ao nível técnico parece ser trabalhada de forma
bastante coerente, pois a utilização de um método para a solução de um sistema
proposto é deixada a cargo dos estudantes por tratar-se de um trabalho de fixação das
técnicas de resolução de sistemas de equações lineares.
Existe assim um equilíbrio tanto no trabalho esperado do professor como do
estudante, mas é importante observar que o ponto de vista das tentativas, que, em
108
alguns casos, poderia auxiliar na compreensão da noção de sistemas de equações
lineares, não recebeu destaque neste livro didático.
Pode-se considerar que neste livro os autores esperam desenvolver a
capacidade de interpretação de enunciados de tarefas em que a noção de sistemas de
equações lineares funciona como ferramenta implícita de trabalho uma vez que os
estudantes não dispõem de conhecimentos sobre este objeto, mas apenas de alguns
métodos para a sua solução. Ou seja, os não ostensivos em jogo são as operações
sobre os números reais, os métodos de resolução de sistemas de duas equações e
duas incógnitas, as noções de cálculo literal e suas leis e regras, cálculo algébrico e
suas propriedades, sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas,
representação geométrica de equações lineares em IR
2
, equações do primeiro grau,
retas no plano e suas propriedades, regra de três e frações algébricas.
Observa-se assim que o trabalho desenvolvido nesta obra é centrado nos
ostensivos representação em língua natural, discurso oral, representação escrita,
representação algébrica de equações lineares e de sistemas de equações lineares e
representação gráfica de equações no sistema cartesiano ortogonal e que os autores,
mesmo não utilizando explicitamente essas denominações, fazem apelo a um discurso
tecnológico para justificar as representações utilizadas, as conversões de
representações necessárias e a articulação das diferentes noções em jogo nas tarefas
resolvidas e propostas aos estudantes.
109
4.5 A ANÁLISE DA OBRA DE CASTRUCCI ET AL, 2002.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra “A
Conquista da Matemática” 7ª série.
definir
definir
Polinômios definir
Números reais introduzir
Determinar
Calculo algébrico introduzir
- O uso de letras para representar números
- Expressões algébricas ou literais
- Valor numérico de uma expressão
algébrica.
- Uma consideração importante (o que
aprendeu)
- Monômio ou termo algébrico.
- Polinômios.
- Os produtos notáveis
- Raiz quadrada exata de um número racional.
- Raiz quadrada aproximada de um número racional.
- Noção intuitiva dos números racionais e sua
representação decimal.
- Noção intuitiva de números irracionais
- Noção intuitiva de números reais.
- Operação em IR e suas propriedades.
Frações algébricas
aplicar
Equações
- Fatorando polinômios
- Cálculo M.M.C. de polinômios.
- Polinômios
- Operações com polinômios
definir
- Fração algébrica
- Simplificação da fração algébrica.
- Adição e subtração de frações algébricas.
- Multiplicação e divisão de frações
algébricas.
definir
- Equações de 1º grau com uma incógnita.
- Equação fracionária de 1º grau com uma incógnita.
- Equações literais de 1º grau na incógnita x.
Equações e Sistemas lineares introduzir
- Equações de 1º grau com duas incógnitas.
-Sistemas de equações de 1º grau com duas
incógnitas.
- Resolução de um sistema de duas equações
de 1º grau com duas incógnitas.
Introduzir
110
4.6 Comentários e análise
Os autores introduzem a obra procurando enfatizar a importância da Matemática
em nossas vidas e acrescentando que, atualmente, a falta de conhecimento das noções
dessa ciência tende a dificultar o convívio social dos indivíduos como mostra o texto:
“Ficar de fora desse processo, ficar a parte do conhecimento matemático é, hoje, estar
à margem das mudanças do mundo” (Castrucci et al, 2002, p.3).
Nesse texto, os autores declaram que o objetivo é apresentar as linhas mestras
por meio de uma linguagem simples, mas respeitando o rigor matemático.
No inicio da obra os autores introduzem a noção de “números reais” por meio de
exemplos do cotidiano, as noções de raiz exata e quadrado perfeito, articulando o
quadro numérico com o geométrico e propondo a utilização da calculadora como
ferramenta para facilitar os cálculos, a fim de favorecer o estudo da raiz aproximada e
introduzir a noção de número irracional.
Verifica-se a preocupação no sentido de utilizar metodologias e estratégias
propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998), embora estas não
sejam articuladas de forma satisfatória, como é o caso do texto apenas descritivo
que trata das contribuições dos grandes matemáticos, apresentado no capítulo sobre
números reais, conforme mostra a figura abaixo.
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.27
111
Na passagem ao cálculo algébrico os autores utilizam o exemplo do Índice de
Massa Corpórea (IMC), mostrando a importância da fórmula que permite calcular o
índice, conhecendo-se a massa em quilogramas e a altura em metros.
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.33
Neste exemplo propõe-se a articulação entre o quadro algébrico e o quadro
numérico, que exige, como conhecimentos prévios, noções associadas a números e
grandezas, desenvolvidas nas séries anteriores.
Para introduzir o cálculo algébrico, os autores apresentam tarefas que envolvem
o cálculo do valor de números desconhecidos e, para auxiliar a compreensão, articulam
o quadro algébrico com os quadros geométrico e numérico, o que supõe que os
estudantes disponham de conhecimentos prévios associados a esses dois quadros e
que possam aplicá-los de forma disponível.
Passando ao estudo dos polinômios, os autores introduzem a noção de termo
algébrico, propondo tarefas que envolvem situações do cotidiano. Da mesma forma,
são introduzidas as noções de monômios e polinômios, generalizando propriedades e
operações, pela articulação dos quadros algébrico e geométrico, sempre que possível.
Essa abordagem pode ser observada no exemplo que segue.
112
Fonte: CASTRUCCI el al, 2002, p.74
Fonte: CASTRUCCI et al,2002,p.75
Além disso, é possível verificar nesse exemplo, que os autores utilizam o
ostensivo língua natural para justificar o desenvolvimento da técnica apresentada e a
articulação considerada, isto é, eles mostram que a representação da área do retângulo
113
considerado é algebricamente igual a multiplicação de um polinômio por outro por meio
de um discurso tecnológico.
Para as noções de produtos notáveis e fatoração os autores seguem o mesmo
tipo de abordagem, justificando por meio de um discurso tecnológico as mudanças de
quadro e as articulações de diferentes noções.
O estudo das frações algébricas segue a mesma lógica, assim como a
introdução da noção de equação do grau. São resolvidos alguns casos particulares
de equações cujas etapas são justificadas por meio de um discurso tecnológico, uma
vez que essas etapas estão associadas a noções construídas anteriormente, como é o
caso de redução de frações ao mesmo denominador ou das noções relacionadas a
grupos aditivo, multiplicativo e abeliano que são tratadas como princípios para os
estudantes do Ensino Fundamental (“topos” do estudante), mas que devem ser
disponíveis para o professor (“topos” do professor), podendo este utilizar seus próprios
meios para justificar as diferentes passagens como mostra a figura abaixo.
Fonte: CASTRUCCI et al, 2002, p.137
É importante observar que faz parte, tanto do “topos do estudante como do
“topos” do professor, a justificativa das diferentes etapas da solução das tarefas, por
meio de um discurso tecnológico que explicita a técnica empregada. No caso do
114
estudante, o discurso justifica a técnica e no caso do professor o discurso seria outro,
pois se trata da teoria que sustenta este discurso, que inclui as noções de grupo aditivo,
multiplicativo e abeliano.
Nesta obra, após introduzir as equações do grau com duas incógnitas, os
autores passam aos métodos de solução de sistemas - substituição e adição -
utilizando um discurso tecnológico para justificar as técnicas empregadas.
Esse discurso está relacionado aos ostensivos necessários à solução das tarefas
(“topos” do estudante), mas para ser melhor compreendido pelo professor exige que
este disponha de conhecimentos sobre os não ostensivos implícitos nessa justificativa
(“topos” do professor) que estão associados às noções de grupo aditivo, multiplicativo e
abeliano para o método da substituição e à noção de espaço vetorial para o método da
adição.
Os autores finalizam a obra introduzindo as noções geométricas de retas,
ângulos e suas propriedades, polígonos, triângulos, quadriláteros, circunferência e
círculo e suas propriedades. Observa-se que o texto foi construído com o cuidado de
oferecer aos alunos oportunidades de estabelecer a relação entre os novos
conhecimentos e as noções de álgebra construídas anteriormente.
4.7 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
Levando em conta a grade de análise, o exame das tarefas que compõem o
“topos” do professor e o “topos” do aluno foi realizado com base nos dados registrados
na seguinte tabela:
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidade
% Tarefas Quantidade
%
Tarefa 1 5 34 Tarefa 1
40 49
Tarefa 2 2 13 Tarefa 2
18 22
Tarefa 3 2 13 Tarefa 3
15 19
Tarefa 4 3 20 Tarefa 4
5 6
Tarefa 5 0 0 Tarefa 5
0 0
Tarefa 6 3 20 Tarefa 6
3 4
Total 15 100 Total 81 100
115
Neste livro os autores privilegiam a tarefa 1, que representa situações cotidianas
e para resolver esse tipo de tarefa o estudante pode trabalhar em diferentes níveis
dependendo de seus conhecimentos prévios. Se os estudantes dispõem apenas de
conhecimentos sobre as quatro operações, é possível resolver a tarefa proposta
utilizando uma tabela, isto é, o ponto de vista das tentativas.
As tarefas 2 e 3 aparecem na mesma quantidade para o trabalho do professor e
muito próximas para o trabalho proposto ao estudante. Porém na tarefa 2, as situações
matemáticas são transformadas em contextos cotidianos, podendo ser resolvidos por
meio do ponto de vista das tentativas, mas essa proposta não é apresentada na obra.
Observa-se que existe uma proposta equilibrada para o trabalho do professor e
do estudante, na tarefa 3 - situações matemáticas algébricas transformadas em
contextos cotidianos -, que exigem o domínio algébrico associado à conversão do
enunciado em um sistema de duas equações lineares com duas incógnitas e um
método para a sua solução, isto é, trata-se do caso mais adequado para o tratamento
algébrico.
As tarefas 4 e 6, aparecem na mesma quantidade para o professor, sendo que a
tarefa 4, exige apenas o trabalho técnico, isto é, um método de resolução de sistemas
enquanto que a tarefa 6 está mais centrada na proposta de situações de referência em
que não é necessário utilizar a noção de sistemas de duas equações lineares com duas
incógnitas, embora esta facilite a resolução das tarefas.
A tarefa do tipo 5 que exige uma articulação dos quadros algébrico e geométrico
não é contemplada nessa obra.
Pode-se dizer que o trabalho a ser desenvolvido pelo professor é equilibrado e
está de acordo com as exigências encontradas nas propostas para os estudantes. Das
tarefas propostas aos estudantes, 49% são do tipo 1 e 22% do tipo 2, cujas soluções
podem ser obtidas por tentativas, com o auxílio de uma tabela ou do cálculo mental,
antes de passar a equações lineares e sistemas de equações lineares. Dessa forma,
enfatiza-se o caráter facilitador do ponto de vista do ponto de vista de sistemas de
equações lineares.
É importante observar que pouca ênfase é dada ao trabalho sobre as técnicas de
resolução de sistemas, podendo dificultar a fixação desta ferramenta para aplicações
116
futuras. Essa escolha não é compreensível pois o objetivo para a introdução da noção
de sistema de duas equações com duas incógnitas é seu caráter de ferramenta
facilitadora para a solução de tarefas desse tipo.
Sendo assim, é importante observar que, os estudantes, além de dispor das
situações de referência propostas, precisam desenvolver as técnicas de solução desses
sistemas o que pode exigir uma atenção maior ao nível de conhecimento técnico.
117
4.8 A ANÁLISE DA OBRA DE IEZZI ET AL 2000.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra
“Matemática e Realidade”, 7ª série.
Aplicar
Determinar
Cálculo algébrico introduzir
- O uso de letras para representar números
- Expressões algébricas ou literais
- Valor numérico de uma expressão
algébrica.
Polinômios definir
- Monômio ou termo algébrico.
- Polinômios.
- Os produtos notáveis
Números reais introduzir
- Raiz quadrada exata de um número racional.
- Raiz quadrada aproximada de um número racional.
- Noção intuitiva dos números racionais e sua representação decimal.
- Noção intuitiva de números irracionais
- Noção intuitiva de números reais.
- Operações em IR e suas propriedades.
Introduzir
Frações algébricas
aplicar
Equações
definir
- Fatoração de polinômios
- Cálculo M.M.C. de polinômios.
- Operações com polinômios
definir
- Fração algébrica
- Simplificação da fração algébrica.
- Adição e subtração de frações algébricas.
- Multiplicação e divisão de frações
algébricas.
definir
- Equações de 1º grau com uma incógnita.
- Equação fracionaria de 1º grau com uma incógnita.
- Equações literais de 1º grau na incógnita x.
Equações e Sistemas lineares introduzir
- Equações de 1º grau com duas incógnitas.
- Sistemas de equações de 1º grau com duas
incógnitas.
- Resolução de um sistema de duas equações
de 1º grau com duas incógnitas.
definir
118
4.9 Comentários e análise
A obra dos mesmos autores cuja análise foi apresentada anteriormente segue a
mesma forma, como é possível verificar pela comparação dos organogramas e poucas
mudanças foram feitas em relação ao seu desenvolvimento, o que permite manter os
comentários e análise já efetuados.
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades
% Tarefas Quantidades
%
Tarefa 1 2 22 Tarefa 1
14 14
Tarefa 2 1 11 Tarefa 2
6 06
Tarefa 3 0 0 Tarefa 3
4 04
Tarefa 4 1 11 Tarefa 4
34 34
Tarefa 5 2 22 Tarefa 5
1 01
Tarefa 6 3 34 Tarefa 6
41 41
Total 9 100 Total 100 100
As tarefas resolvidas e propostas aos estudantes são as mesmas da edição já
apresentada com pequenas mudanças no layout.
119
4.10 A Análise da Obra de Scipione Di Pierro Netto, 1991.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra
“Matemática Scipione” 7ª série.
Introduzir
Os Conjuntos Numéricos
introduzir
- Noção intuitiva de números naturais
- Noção intuitiva de números inteiros relativos
- Noção intuitiva de números racionais (representação fracionária,
decimal exata, dízima periódica)
- Noção intuitiva de número real através de sua representação na
reta numérica pela seqüência: números inteiros, números racionais
não inteiros, números irracionais.
- Valor absoluto e relação de ordem.
- Operações em IR e suas propriedades.
Expressões
Algébricas e
Polinômios
Definir
- Expressões algébricas
- Valor numérico de uma expressão algébrica
- Polinômios
- Operações com polinômios
.
Definir
-
Representação algébrica e geométrica (área)
Produtos Notáveis
e Fatoração
Equações e Inequações
Introduzir
Sistemas de equações
do 1º grau
definir
-Equação fracionária.
-Equações literais
-Inequações do 1º grau
-Resolução de inequações.
Definir e
construir
- Plano cartesiano RXR.
- Sistemas do 1º grau.
- Problemas do 1º grau.
- Sistemas de equações fracionarias.
- Sistemas de equações literais
Introduzir
Aplicar
120
4.11 Comentários e análise
O autor inicia fazendo uma revisão sobre os conjuntos numéricos e explora os
conceitos de números naturais, inteiros relativos, números racionais, números
irracionais e as noções intuitivas de conjuntos numéricos para ilustrar esses conjuntos
por meio do diagrama de Venn, ostensivo (gráfico) que permite uma melhor
visualização de noções que estão sendo abordadas.
Cada tópico é seguido de exercícios e no final desse primeiro capítulo o autor
utiliza o jogo de damas para apresentar os números naturais, suas operações e
propriedades. Nesse caso, para justificar cada procedimento ele faz apelo a um
discurso tecnológico que justifica a utilização dos diferentes ostensivos: escritas
(representação por número de peças distribuídas nos tabuleiros) e sua relação com o
processo de contagem e as possibilidades de operações entre os elementos
representados, como mostra a figura abaixo. É importante observar que, no discurso
empregado, o autor articula os quadros numérico e geométrico supondo que o
estudante disponha de conhecimentos geométricos, o que lhe permite articular
números, operações e formas geométricas como mostra o extrato abaixo.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.18
Na seqüência, para introduzir as noções de álgebra, o autor utiliza uma tabela
para discutir e representar as "expressões algébricas" que foram definidas
121
anteriormente. Essa discussão é feita a partir da simulação de uma aula em que ocorre
um possível diálogo entre professor e estudante, conforme ilustração a seguir. Nesse
desenvolvimento, o autor utiliza um discurso tecnológico para definir novas noções
matemáticas.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.21
O tópico seguinte, que trata do cálculo do valor numérico de uma expressão
algébrica, é introduzido pela proposta de uma situação-problema (figura abaixo), cuja
discussão mostra a preocupação dos autores no sentido de justificar a introdução de
um novo conhecimento por meio de um contexto cotidiano. Essa abordagem é seguida
de uma série de exercícios de identificação de expressões algébricas e cálculo do valor
numérico destinados à fixação das técnicas possíveis de trabalho com a nova noção
que foi introduzida.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.22
Dando continuidade o autor introduz as noções de termos semelhantes,
122
operações com monômios, grau de um polinômio e operações com polinômios.
Em seguida, introduzindo a operação denominada pelo autor como "bolinha", é
apresentado um discurso tecnológico que justifica as propriedades, mostrando alguns
exemplos numéricos como ilustra o exemplo abaixo.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.42
A abordagem das noções de produtos notáveis e fatoração também é feita pela
articulação dos quadros algébrico e geométrico, permeada de um discurso tecnológico
que justifica cada procedimento.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.45
No caso da fatoração o autor apresenta um ostensivo (esquema) para facilitar o
123
discurso tecnológico que o acompanha, como é possível verificar na figura abaixo:
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.54
No final de cada tópico o autor propõe ao estudante uma série de exercícios e
testes. Como foi feito nos capítulos anteriores, o autor termina o capítulo com o
exemplo de uma situação da natureza. Neste caso, por meio do exemplo, é possível
reconhecer os números de Fibonacci, o que permite que o autor desenvolva uma breve
discussão sobre a produção matemática na Idade Média, articulando assim, as noções
que estão sendo introduzidas com seu desenvolvimento histórico e com possibilidades
de aplicações no cotidiano, como mostra o extrato abaixo.
124
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.60
Na seqüência são introduzidas as noções de Maximo Divisor Comum e Mínimo
Múltiplo Comum de polinômios e frações algébricas, supondo que essa noção tenha
sido construída para os números. Ao final desse tópico também é sugerida uma série
de exercícios de fixação. No final do capítulo o autor introduz uma nova aplicação da
série de Fibonacci em situações cotidianas que podem servir de exemplos de referência
para o desenvolvimento de outros conhecimentos, nas séries posteriores.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.74
125
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.75
O exemplo acima deixa evidente que, para articular conhecimentos matemáticos
com situações cotidianas, é preciso dispor de conhecimentos sobre Matemática e sobre
outras ciências para que se possa utilizar um discurso tecnológico adequado que
justifique sua aplicação e permita compreender o raciocínio empregado.
Finalmente, são introduzidas noções de equações e inequações do primeiro
grau, que darão subsídios para o estudo das equações fracionárias.
Na abordagem das noções relativas a equações literais, o discurso tecnológico
utilizado pelo autor, para justificar cada passagem, está presente no diálogo fictício
entre um professor e um estudante, conforme se observa no excerto a seguir.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.80
A abordagem das inequações do 1º grau é feita a partir da noção de intervalo em
126
IR representado na reta numérica e da expressão algébrica correspondente,
favorecendo ao estudante o trânsito entre os quadros numérico e algébrico. No final do
capítulo, o autor propõe uma série de exercícios de aplicação e introduz uma
curiosidade para incentivar os estudantes e mostrar a importância da Matemática.
Neste caso, trata-se de um jogo cujas regras são definidas por meio de conceitos
matemáticos.
Na seqüência, o autor introduz sistemas de equações do 1º grau com duas
incógnitas, iniciando pela representação, no sistema cartesiano ortogonal, das retas
correspondentes às equações que compõem os sistemas.
Assim, o autor apresenta estratégias de solução de um sistema de duas
equações e duas incógnitas, articulando os quadros numérico, algébrico e geométrico,
considerando as três possibilidades:
- sistema possível e determinado, em que a solução gráfica é um ponto, ou
ainda, quando as retas que o representam são concorrentes;
- sistema impossível, em que a solução gráfica é composta de duas retas
paralelas;
- sistema possível e indeterminado representado por uma única reta no sistema
cartesiano ortogonal.
Para essa discussão, o autor apresenta exemplos como os que foram indicados
para a Tarefa 4, introduzindo os métodos de substituição e adição, cujo planejamento,
execução e controle são justificados por meio de um discurso tecnológico. A figura que
segue mostra esse desenvolvimento.
127
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.99
Finalizando, o autor introduz os sistemas de equações literais, fazendo distinção
entre as noções de incógnitas e parâmetros, por meio de um discurso tecnológico,
como mostra o exemplo abaixo.
Fonte: SCIPIONE, 1991, p.103
128
Verifica-se que o autor, faz apelo a um discurso tecnológico para justificar as
diferentes técnicas introduzidas assim como as definições e propriedades utilizadas.
Quanto aos exercícios resolvidos, o discurso utilizado pelo autor permite
compreender como a solução da tarefa foi planejada, executada, controlada e
justificada. Quando possível, faz-se a articulação entre quadros ou domínios distintos e
pontos de vista, utilizando os ostensivos adequados.
Para a noção de sistema de duas equações lineares com duas incógnitas, o
ostensivo escrito utilizado é a representação gráfica das retas que representam as
equações e dessa forma o autor introduz o conjunto solução, estudando as
possibilidades de intersecção dessas retas.
Dessa forma, o autor faz a discussão dos sistemas, quanto ao número de
soluções, antecipando a construção de conhecimentos que posteriormente serão
desenvolvidos em séries posteriores.
4.12 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
A seguir, é feita a análise do “topos” do professor e do estudante, levando em
conta as tarefas resolvidas e propostas na obra analisada.
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades % Tarefas Quantidades %
Tarefa 1 2 14 Tarefa 1
22 25
Tarefa 2 2 14 Tarefa 2
20 22
Tarefa 3 4 26 Tarefa 3
6 07
Tarefa 4 2 14 Tarefa 4
13 14
Tarefa 5 4 26 Tarefa 5
10 12
Tarefa 6 1 06 Tarefa 6
17 20
Total 15 100 Total 88 100
Verifica-se que a tarefa 1 - situação matemática enunciada no quadro numérico,
que pode ser trabalhada em diferentes níveis dependendo dos conhecimentos prévios
dos estudantes - representa 14% do trabalho esperado do professor e 25% do trabalho
esperado dos estudantes.
Para a tarefa 2 - situação matemática transformada em contexto cotidiano, que
favorece a discussão a respeito da facilidade dos pontos de vista equações lineares e
129
sistemas de equações lineares -, a distribuição das tarefas é a mesma observada para
a tarefa 1. Observa-se que para essa tarefa os trabalhos do professor e do estudante
estão “equilibrados”
As tarefas do tipo 4, que exigem a aplicação de um método para a solução de
sistemas, estão bem distribuídas entre professor e estudante.
O autor privilegia as tarefas 3 e 5. A tarefa 3, que tem um caráter puramente
algébrico e reduz as diferentes formas de tratamento consideradas nesse trabalho,
permitindo mostrar a importância dos pontos de vista de equações lineares e sistemas
de equações lineares. Embora as tarefas deste tipo apresentem, no enunciado, todos
os elementos para a sua solução, podem ser consideradas de nível disponível, pois
exigem que os estudantes as relacionem com a noção de sistemas de equações
lineares e disponham de um método para resolvê-las. A tarefa 5, que exige a
passagem do quadro algébrico para o quadro geométrico, possibilita a articulação entre
esses quadros.
Para a tarefa 6, o autor apresenta apenas uma situação, o que pode dificultar o
trabalho do estudante, pois embora não exija conhecimentos específicos sobre as
noções de equações e sistemas de equações lineares, pois pode ser solucionada por
tentativas, observa-se que neste tipo de tarefa, a interpretação do enunciado e a
articulação entre outros conhecimentos matemáticos são habilidades fundamentais.
Verifica-se que o autor propõe ao aluno 25% de tarefas do tipo 1 e 22% de
tarefas do tipo 2, que não exigem a utilização das noções de equações lineares e
sistemas de equações lineares.
O autor é coerente na proposta de tarefas para os estudantes, pois privilegia o
trabalho que se supõe realizado pelo professor.
As tarefas dos tipos 3 e 6, que podem ser solucionadas por tentativas ou por
sistemas de equações lineares, permitem que os estudantes disponham de situações
de referência para aplicações futuras. Elas são tratadas de forma equilibrada pelo autor,
mostrando a intenção de desenvolver um trabalho de pesquisa de soluções de
situações que ultrapassam a simples aplicação direita das noções matemáticas em
jogo.
130
4.13 A ANÁLISE DA OBRA DE SCIPIONE DI PIERRO NETTO 1982
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra
“Matemática Conceitos e Operações” 7ª série.
Definir
Números reais
introduzir
- Noção intuitiva do conjunto dos Naturais e suas propriedades.
- Noção intuitiva do conjunto dos inteiros e suas propriedades;
- Noção intuitiva do conjunto dos racionais e suas propriedades;
- Noção intuitiva do conjunto dos reais e suas propriedades.
- Expressões algébricas.
- Monômios e polinômios.
- Operação com monômios e polinômios
.
Produtos Notáveis Definir e articular
- Articulação algébrica e geométrica
- Fator comum
- Agrupamento ou decomposição em grupo
- Trinômio
- Máximo divisor comum e Mínimo múltiplo
comum.
Frações
algébricas
- Propriedade fundamental das frações.
-
Operações algébricas.
Polinômios
Fatoração
Equações
Introduzir
Sistemas do 1º grau com
Duas variáveis
Aplicar
Problemas do 1º grau com
duas variáveis
- Equação fracionaria.
- Equações Literais
- Inequações do 1º grau numa variável em R (Intervalo sobre R)
Introduzir
e
Discutir
- Processo de substituição.
- Processo de comparação.
- Processo de adição.
- Sistema impossível e indeterminado.
- Interpretação gráfica de um sistema de duas
equações do 1º
grau com
duas variáveis. (articulação álgebra e geometria)
- Sistema de equações fracionaria.
- Sistemas de equações literais.
Definir
- Triângulo e propriedades
- Congruência de triângulos
- Perpendicularismo de retas, simetria, translação, paralelismo de retas;
- Axiomas e propriedades.
- Polígonos convexos e propriedades.
- Quadriláteros
- Circunferência e circulo.
-Justificar os métodos de resolução de sistemas por meio da articulação
algébrico e geométrico.
Aplicar
Aplicar
Geometria
Definir, construir
e demonstrar
Apêndice
Articular
Definir
Definir
131
4.14 Comentários e análise
O autor apresente o objetivo e o desenvolvimento de sua obra, considerando
cinco etapas, a saber:
A primeira parte se refere à exposição dos conceitos, operações e propriedades
que são introduzidos por meio de exemplos e situações concretas simples.
A segunda parte se refere aos primeiros exercícios a serem trabalhados em
classe e na terceira os exercícios de fixação, que são propostos como atividades extra-
classe.
A quarta parte corresponde a uma revisão para melhorar o conhecimento médio
dos estudantes, isto é, para os estudantes que desejam ir além.
Na quinta parte, propõem-se questões objetivas para preparar o estudante para
concursos, que, em geral, utilizam esse tipo de questões.
A primeira noção introduzida pelo autor é o conceito de números reais,
retomando as noções intuitivas de números naturais, inteiros, racionais e suas
propriedades e por extensão introduzindo os números reais e suas propriedades, isto é,
mesmo não utilizando esse termo, o autor considera a estrutura de corpo dos números
reais, conforme mostra a figura abaixo.
Fonte: SCIPIONE, 1982, p. 8
Finalizando o capítulo, o autor introduz a noção de intervalo em IR, por meio de
suas representações, supondo que os estudantes tenham construído a noção de
desigualdade em IR.
132
Na seqüência, o autor aborda a noção de polinômios, identificando e definindo
expressões algébricas por meio de exemplos e apresentando a seguinte classificação
para essas expressões:
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.1 8
Segue calculando o valor numérico das expressões algébricas e define
monômios e polinômios e suas operações. Sempre que possível, o autor apresenta um
discurso tecnológico para justificar a nova técnica que está sendo introduzida, como
mostra o exemplo abaixo:
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.31
133
A introdução de cada nova noção é sempre seguida de uma série de exercícios
de fixação, sendo que a maior parte requer a aplicação das técnicas introduzidas.
A abordagem de produtos notáveis é feita pela articulação entre os quadros
algébrico e geométrico, permitindo uma melhor visualização e compreensão da
igualdade algébrica. Um discurso tecnológico serve de sustentação para a articulação
considerada, conforme pode ser visto no excerto a seguir.
Fonte: SCIPIONE, 1982, p. 45
Ao introduzir as noções de máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum de
polinômios, o autor articula o quadro numérico com o quadro algébrico e mais uma vez
utiliza um discurso tecnológico para justificar esta articulação e mostrar que as mesmas
técnicas se aplicam aos dois casos.
134
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.69
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.70
Após definir frações algébricas, são identificadas as suas propriedades e
apresentadas as operações acompanhadas de suas técnicas, por meio de um discurso
tecnológico que justifica as etapas e permite articular este conhecimento com noções
desenvolvidas anteriormente.
Para o estudo de equações do grau, o autor relaciona sua solução à noção
intuitiva de número real introduzida no primeiro capítulo, discutindo as diferentes
135
técnicas que podem ser utilizadas para determinar o conjunto solução de equações
fracionárias, literais e inequações do 1º grau com uma incógnita.
O exemplo abaixo para as inequações mostra a articulação entre as noções
introduzidas anteriormente e o discurso utilizado pelo autor para justificar os
procedimentos com base nas propriedades e leis estudadas anteriormente.
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.91
Finalizando, o autor introduz a noção de sistemas de equações do 1
o
grau com
duas incógnitas, apresentando o método da determinação de dois pontos par cada
equação, o método gráfico e o método do escalonamento de Gauss, denominado
resolução algébrica, para a sua solução dos sistemas propostos. Essa abordagem
exige a articulação entre os quadros algébrico e geométrico e propicia a solução de
problemas que envolvem equações do 1
o
grau com duas incógnitas. Os extratos
apresentados a seguir mostram a presença do discurso tecnológico utilizado pelo autor,
para justificar cada passo dessa abordagem.
136
Fonte: SCIPIONE,1982, p. 108
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.109
No final do livro, são introduzidas as noções de geometria articuladas às noções
anteriormente apresentadas, mostrando a importância das equações na resolução das
situações geométricas propostas.
A apresentação dos conteúdos neste livro didático está coerente com a proposta
inicial do autor, permitindo articular diferentes quadros da própria Matemática para
137
desenvolver e justificar as técnicas necessárias ao trabalho matemático que será
desenvolvido nas séries subseqüentes.
Fonte: SCIPIONE, 1982, p.118
Fonte: SCIPIONE, 1982, p. 119
4.15 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
Conforme as tarefas da grade de análise, o ”topos” do professor e o “topos” do
estudante foram examinados por meio da tabela abaixo:
138
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades
% Tarefas Quantidades
%
Tarefa 1 9 40 Tarefa 1
35 35
Tarefa 2 4 18 Tarefa 2
32 32
Tarefa 3 4 18 Tarefa 3
11 11
Tarefa 4 2 10 Tarefa 4
17 18
Tarefa 5 3 14 Tarefa 5
4 04
Tarefa 6 0 0 Tarefa 6
0 0
Total 22 100 Total 99 100
Na década de 80, observa-se que o autor privilegia as tarefas do tipo 1, em que a
noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas funciona como
ferramenta matemática para facilitar a resolução, mas é importante observar que essa
tarefa pode ser resolvida sem esse recurso.
Quanto às tarefas do tipo 2: “situação matemática numérica transformada em um
contexto cotidiano” e do tipo 3: “Situação matemática algébrica transformada em um
contexto cotidiano”, que exigem níveis de conhecimentos diferentes, pois a primeira
pode ser trabalhada apenas sob o ponto de vista das tentativas enquanto que a
segunda exige pontos de vista de equações lineares e sistemas de equações lineares,
permitindo que o professor mostre a importância desses dois últimos pontos de vista,
pois em conjunto elas representam 36% do trabalho suposto como do professor e 43%
da parte considerada como a ser trabalhada pelos estudantes.
Antes de propor tarefas do tipo 4, o autor apresenta as técnicas de resolução de
sistemas, por meio de dois exemplos. Quanto à tarefa 5 é apresentado um exemplo
para justificar a passagem do quadro algébrico para o quadro geométrico e mostrar a
importância de se trabalhar esta passagem quando deseja dar um significado
matemático para as noções de equações e sistemas de equações
Observa-se que o autor é coerente, pois exige dos estudantes o que supõe que
tenha sido desenvolvido pelo professor, isto é, contempla a proposta de análise em que
os exemplos são considerados como a parte do professor e as tarefas propostas como
a parte dos estudantes. Certamente essa classificação é utilizada como recurso para
encaminhar o trabalho de pesquisa.
139
Verifica-se ainda, que o autor não trata as tarefas de tipo 6 cuja dificuldade maior
está associada à sua interpretação e aos conhecimentos prévios dos estudantes.
140
4.16 A ANÁLISE DA OBRA DE SCIPIONE DI PIERRO NETTO, 1971.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra
“Matemática na Escola Renovada” 3º volume.
Operações algébricas
fundamentais
Primeiras idéias sobre
números reais
introduzir
- Os números racionais e a reta numerada.
- Os polinômios, adição e subtração;
- Valor numérico dos polinômios;
- Multiplicação e divisão de polinômios;
- Fatoração algébrica;
- Frações algébricas.
- Equações racionais fracionárias redutíveis ao 1º grau;
- Equações literais do 1º grau;
- Sistemas de duas equações redutíveis ao 1º grau em x e y;
- Problemas redutíveis ao 1º grau;
- Sistemas de inequações.
- Noção intuitiva de conjuntos, operações e relações.
Triângulos, paralelismo,
quadriláteros.
Enunciar e demonstrar
- O ponto, a reta, o plano;
- Os subconjuntos do plano.
- Regiões convexas e côncavas;
- Congruência de triângulos;
- Ângulos formados por retas coplanares e uma
transversal;
- O postulado de Euclides;
- Paralelogramos e trapézios
.
Lugares
geométricos e
circunferência
Enunciar e
demonstrar
- Lugares geométricos planos;
- Retas concorrentes nos triângulos;
- Primeiras definições, propriedade das cordas;
- Posições relativas de uma reta e uma circunferência e de duas
circunferências;
- medidas dos ângulos de uma circunferência ou círculo.
Introduzir
Equações e Sistemas de
Equações
-
Inequações
Definir
Introdução aos
conjuntos
Definir
Os entes fundamentais da
Geometria
Introduzir
141
4.17
Comentários e análise
O livro Matemática na Escola Renovada, de Scipione Di Pierro Netto, para o
curso ginasial (atual Ensino Fundamental II), datado de 1971, é dividido em duas partes
consideradas, pelo autor, como fundamentais para a série a que se destina, a saber: os
elementos do cálculo algébrico até as equações e os sistemas do 1º grau e a geometria
elementar desde os entes fundamentais até o estudo da circunferência.
O autor faz algumas considerações sobre as notações para reta:
AB
, semi-
reta:
AB
, para segmento:
AB
e para indicar medida do segmento:AB, dando
uniformidade à notação geométrica e considerando, implicitamente, a noção de vetor
por meio das representações apresentadas.
Esclarece ainda que a seriação dos exercícios pretende estabelecer uma ordem
crescente de conhecimento e de dificuldades.
No capítulo 1, o autor introduz os quantificadores universal e existencial por meio
de exemplos da vida e utiliza as representações de conjuntos, suas propriedades,
operações e relações. Em seguida, utilizando a reta numérica, o autor retoma a noção
de números racionais para introduzir os números irracionais, demonstra as
propriedades desses números por meio da articulação entre os ostensivos de
representação, isto é, representação em língua natural, representação lógica
(quantificadores) e representação algébrica, relacionadas às propriedades dos números
racionais como mostra o exemplo abaixo.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.5
142
Verifica-se que, nesta obra, o autor utiliza um discurso bastante diferente dos
anteriores, pois se trata da época da Matemática Moderna em que a proposta era
desenvolver os conhecimentos matemáticos articulando com a lógica e a teoria de
conjuntos.
No capítulo 2, o autor introduz a noção de polinômios segundo a mesma lógica
dos livros atuais, isto é, definição de monômios, polinômios e expressões algébricas,
valor numérico e operações.
A abordagem de produtos notáveis é feita, inicialmente, com o auxílio do quadro
algébrico. A seguir, utilizando um esquema (ostensivo), o autor estabelece a relação
entre quadro algébrico e quadro geométrico, justificando cada etapa por meio de um
discurso tecnológico.
Fonte: SCIPIONE, 1971,p.55
143
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.56
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.57
144
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.58
No capítulo 3, são introduzidas as noções relativas a equações fracionárias e
equações literais redutíveis a uma equação do grau. São também discutidos
métodos de solução dessas equações, por meio de um discurso tecnológico que
justifica as noções e técnicas empregadas e analisa os resultados obtidos, como é
possível observar no texto que segue.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.83
145
Nesse mesmo capítulo o autor introduz a noção de sistemas de duas equações
redutíveis ao primeiro grau em x e y.
Partindo de duas equações, o autor mostra que existem infinitos pares
ordenados (x,y) que satisfazem às duas equações ao mesmo tempo, isto é, utilizando
um ostensivo diferente do ostensivo tabela considerado nesse trabalho, ele introduz a
noção de sistema de duas equações lineares e duas incógnitas por meio do ponto de
vista das tentativas como mostra a texto abaixo
.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.87
Fonte: SCIPIONE, 1971,p.88
146
Uma vez introduzida a noção de sistema de duas equações do 1º grau com duas
incógnitas, o autor apresenta os métodos de resolução desses sistemas utilizando um
discurso tecnológico que justifica as estratégias utilizadas nessa resolução.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.88
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.89
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.90
147
Para estudar as possibilidades de solução dos sistemas de duas equações
lineares com duas incógnitas, o autor permanece apenas no quadro algébrico, e por
meio de um discurso tecnológico justifica a existência de sistemas indeterminados e
impossíveis, dando recursos para o professor e para os estudantes para justificar o
estudo algébrico desses sistemas como é possível observar no texto que segue.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.93
As situações matemáticas e cotidianas são tratadas como problemas redutíveis
ao grau” e para esse caso, o autor mostra que pela interpretação do enunciado, é
possível planejar (armar), resolver (executar) o problema e verificar (controlar) o
resultado encontrado como mostra o excerto a seguir.
Fonte: SCIPIONE, 1971, p.100
148
Verifica-se, no texto apresentado acima, que o autor utiliza um discurso escrito
que justifica suas escolhas e permite controlar o resultado encontrado. Essa
característica não se encontra nos textos do mesmo autor analisados anteriormente.
Em seguida, o autor introduz a noção de sistemas de inequações, passando ao
capítulo 4, trata da noção de conjuntos, propriedades, operações e relações. No
capítulo 5, o autor introduz o quadro geométrico e após considerar as noções de ponto,
reta, plano, ângulos e suas propriedades ele considera os subconjuntos das retas e dos
planos articulando a noção de conjunto com essas noções de geometria.
Na seqüência o autor introduz as noções de triângulo, polígonos, quadriláteros,
lugares geométricos, circunferência e círculo e suas propriedades.
4.18 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
Considerando a grade de análise e as tarefas indicadas no capítulo 3, relaciona-
se abaixo cada tipo de tarefa com o número delas encontrado no livro didático da
década de 70.
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades
% Tarefas Quantidades
%
Tarefa 1 4 17 Tarefa 1
18 19
Tarefa 2 2 08 Tarefa 2
6 06
Tarefa 3 2 08 Tarefa 3
9 09
Tarefa 4 6 25 Tarefa 4
36 38
Tarefa 5 0 0 Tarefa 5
0 0
Tarefa 6 10 42 Tarefa 6
27 28
Total 24 100 Total 96 100
Verifica-se que as tarefas do tipo 1, 4 e 6 são privilegiadas pelo autor e que a
tarefa do tipo 5 não é tratada neste livro.
Existe uma coerência entre o trabalho suposto do professor e o proposto para o
estudante. Tanto no desenvolvimento das técnicas de solução de sistemas como para
as possíveis aplicações e situações matemáticas, das outras ciências e do cotidiano.
149
4.19 A ANÁLISE DA OBRA DE OSVALDO SANGIORGI 1966
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra
“Matemática Curso Moderno” 3º volume.
Cálculo algébrico
Números reais
introduzir
- Os números racionais, irracionais, reais;
- Reta real;
- Operações no conjunto IR;
- Adição e multiplicação, estrutura de corpo.
- Potenciação e radiciação.
- Expressões literais, operações em IR;
- Expressões equivalentes, uso do quantificador;
- Termos semelhantes, expressões literais;
- Cálculo com termos semelhantes, reduções;
- Técnica para o cálculo algébrico;.
- Técnicas usuais na multiplicação, produtos notáveis;
- Técnica de fatorações e expressões.
- Equações, inequações e sistemas do primeiro grau;
- Equações e inequações com uma variável, redutíveis ao primeiro
grau;
- Sistemas de duas equações simultâneas;
- Elemento moderno dos polinômios;
- Conceito de polinômio e variável, igualdade de polinômios e
operações com polinômios.
- Os conjuntos.
Estudo das figuras geométricas
Definir e construir
- Objetivo da geometria;
-Figuras geométricas planas, curva fechada simples;
- Relações e operações com conjuntos de pontos no
plano;
- Semi-reta, segmento de reta, semiplano;
- Medida de segmentos, segmentos congruentes;
- Conceito de ângulo, medidas de ângulos;
- Ângulos complementares, ângulos suplementares
- Ângulos formados por duas retas coplanares e uma
transversal.
- Ângulos formados por retas coplanares e uma
transversal;
- O postulado de Euclides;
- Paralelogramos e trapézios.
Estudo dos polígonos
e da circunferência
Definir
-Conceito de polígonos, diagonais;
-Estudo dos triângulos;
-Construção lógica da geometria, postulados e teoremas da geometria;
-Quadriláteros, Paralelogramos, Trapézio e teoremas fundamentais;
-Circunferência, circulo, posição relativa da reta e circunferência
.
Primeira parte
Cálculo algébrico
Segunda parte
Cálculo algébrico
Terceira parte
Cálculo algébrico Quarta parte
150
4.20 Comentários e análise
Na obra Matemática Curso Moderno, de Osvaldo Sangiorgi, 1966, destinada à
série do ginásio (atual 7ª série do Ensino Fundamental II), o autor inicia descrevendo as
três etapas a cumprir
:
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.xv
Aborda a noção de números reais, considerando a representação decimal dos
racionais e introduzindo os irracionais. Mostra a diferença entre eles, para concluir que
a união de todos esses números constitui o conjunto dos números reais, passando
assim para o estudo das operações sobre esses números e suas propriedades. Em
seguida, considera a representação de um número real na reta numérica e, articulando
os quadros algébrico e geométrico, representa um número irracional sobre a reta
numérica, como mostra o texto abaixo.
Fonte: SANGIORGI,1966, p.19
151
No capítulo 2, o autor introduz o cálculo literal, isto é, o trabalho com as letras e
as leis que regem esse trabalho, explorando, em seguida, as possibilidades de
aplicação do cálculo literal no quadro geométrico, com mostra a tarefa abaixo.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.51
Ainda neste capítulo o autor apresenta a estrutura algébrica de corpo dos
números reais, mas da forma como é enunciado parece mais um lembrete dirigido ao
professor e ao estudante que deseja se aprofundar, pois não interfere diretamente no
trabalho proposto.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.54
Para apresentar as técnicas utilizadas no cálculo algébrico, em especial,
em operações com polinômios, o autor utiliza um novo ostensivo “esquema” (figura com
152
bolinhas) indicando como dispor os elementos após a operação. Um exemplo da
multiplicação de polinômios é apresentado na figura abaixo.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.58
Em seguida, introduzindo os produtos notáveis o autor articula os quadros
algébrico, geométrico e numérico, utilizando um discurso tecnológico para justificar o
trabalho efetuado e mostra também a importância dessa noção para o cálculo mental.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.66
Após desenvolver noções relativas à fatoração de expressões algébricas, cuja
abordagem inclui a proposta de uma seqüência de exercícios de fixação, o autor
introduz equações e inequações, com uma variável, redutíveis ao primeiro grau.
153
Na seqüência, o autor introduz os sistemas de duas equações do primeiro grau
com duas incógnitas, bem como as técnicas de solução desses sistemas. . Para
desenvolver um discurso tecnológico adequado, que justifique essas técnicas, o autor
necessita de uma linguagem matemática que envolva noções como par ordenado,
variável, coeficientes, membro de uma equação ou inequação.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.85
O autor introduz também o que ele denomina de sistemas de três equações
simultâneas do primeiro grau com três incógnitas e utiliza a técnica da substituição para
a sua solução.
As noções de polinômios, operações e propriedades são discutidas, com o
objetivo de mostrar que o conjunto dos números reais é um anel comutativo o que
permite analisar outros conjuntos conhecidos dos estudantes que têm a mesma
estrutura.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.103
154
Finalmente, passa-se ao estudo das figuras geométricas, introduzindo as noções
de ponto, reta e plano e suas propriedades, por meio de abordagem que o autor
denomina construção lógica da Geometria, que lhe recursos para utilizar o ostensivo
organograma representado abaixo.
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.251
Para completar esse trabalho, o autor propõe um apêndice que trata dos grupos
de transformações planas, para as quais são apresentadas as estruturas
correspondentes, pela articulação do quadro geométrico com o algébrico, mostrando
que o conjunto das translações no plano, munido da operação de adição tem uma
estrutura de grupo comutativo ou abeliano, assim como o conjunto das rotações no
plano em torno de um ponto, munido da operação de adição de rotações no plano tem
essa mesma estrutura e, dessa forma, concluindo que essas duas transformações
pertencem ao grupo de transformações geométricas planas.
155
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.305
Fonte: SANGIORGI, 1966, p.309
4.21 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
Verifica-se que o autor trabalha apenas com tarefas do tipo 4 dando ênfase às
técnicas de resolução de sistemas de equações lineares. Esta escolha é coerente, pois
na época considerada, a proposta era trabalhar apenas as questões matemáticas de
forma a desenvolver as ferramentas necessárias para aplicações futuras.
Sendo assim, as tarefas que exigem a aplicação de outras noções matemáticas,
em contextos do cotidiano ou retirados de outras áreas do conhecimento são deixadas
a cargo dos estudantes ou dos professores de outras disciplinas que necessitam dessa
ferramenta.
156
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades
% Tarefas Quantidades
%
Tarefa 1 0 0 Tarefa 1
0 0
Tarefa 2 0 0 Tarefa 2
0 0
Tarefa 3 0 0 Tarefa 3
0 0
Tarefa 4 8 8 Tarefa 4
36 36
Tarefa 5 0 0 Tarefa 5
0 0
Tarefa 6 0 0 Tarefa 6
0 0
Total 8 1 Total 36 1
Dessa forma, o autor propõe apenas tarefas para fixação dos métodos de
solução dos sistemas de equações lineares considerados.
157
4.22 A ANÁLISE DA OBRA DE SINÉSIO DE FARIAS, ANO 1959.
O organograma abaixo apresenta uma visão geral da obra “Curso de
Álgebra”, programas de admissão à Escola Militar e à Escola de
Aeronáutica.
Idé
ias Gerais
Identidade e
Equação
Sistema de
equações
Classificação das
equações
Classificação dos
sistemas
Transformação das
equações
Transformações
dos sistemas
Equação linear a uma
incógnita Ax =B
Sistemas lineares
Condições de solução dos
sistemas de n+p, equações a n
incógnitas.
- Método de substituição (2x2; 3x3; 4x3) generalizar para
n
equações e 3 incógnitas.
- Método da comparação (2x2; 3x3; 4x3; generalizar) para n equações e 3 incógnitas.
- Método da adição (2x2; 3x3; 4x4, generalizar para n equações) n incógnitas.
- Método de Bezout ou dos multiplicadores (2x2; 3x3; 4x4, generalizar para n equações e n incógnitas).
- Método de Gergogne (2x2; 3x3; 4x4 generalizar para n equações e n incógnitas).
- Reflexão para aplicação dos métodos.
- Método de Cramer (2x2; 3x3 generalizar para n equações e 2 incógnitas).
Definir
Classificar
Transformar
Classificar
Transformar
Resolver
Resolver
Generalizar
Introduzir
Resolver
Definir
158
4.23 Comentários e análise
O livro Curso de Álgebra, de Sinésio de Farias, 1959, foi escrito de acordo com
os programas de admissão à escola militar e à escola da aeronáutica. A obra foi
lançada em 1946 e sua edição, analisada nesta pesquisa, data de 1959. O objetivo
central do autor era apresentar uma obra que servisse de guia para professores e
estudantes.
O autor inicia com a noção de “números qualificados”
35
e distingue números
aritméticos ou absolutos
36
utilizando exemplos como, altitude, tempo, temperatura,
posição de um ponto sobre uma reta, descrevendo-os por meio do ostensivo
representação em língua natural para justificar o emprego do sinal negativo que
representa o sentido oposto. O autor introduz as operações e propriedades dos
números inteiros relativos sempre justificando, por meio de um discurso tecnológico as
técnicas utilizadas.
Essa abordagem é complementada por “noções sobre os números complexos”,
apresentando definições para esses números e suas propriedades, seguidas de séries
extensas de exercícios de aplicação.
Na seqüência, o autor introduz “notações algébricas” definindo como sendo o
conjunto dos sinais empregados na álgebra e, por meio de um discurso tecnológico,
considera sinais de quantidade, ou seja, quantidades conhecidas e desconhecidas ou
incógnitas, que se dividem em constantes e variáveis. Além disso, o autor tem o
cuidado de especificar as letras que serão utilizadas para representá-las, deixando
clara a função de cada letra, como representante de uma constante ou variável,
levando em conta a questão dos índices que permitem representar várias quantidades.
35
Número qualificado é um número aritmético precedido do sinal + ou do sinal -. Assim, 7 ,
5
3
, 2
9
4
e
5
,
são números aritméticos; + 7, +
5
3
, + 2
9
4
, +
5
, -7 , -
5
3
, - 2
9
4
e -
5
, são números qualificados
(De Farias, 1959, p.29).
36
Valor absoluto de um número qualificado é o valor que ele possui independentemente do sinal. Assim o
valor absoluto de + 5 é 5 e o valor absoluto de -
6
é
6
(De Farias, 1959, p.30).
159
O mesmo discurso é utilizado para o sinal das operações, como mostra o
exemplo.
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.54
Em seguida, são introduzidos os sinais das relações de igualdade, desigualdade,
congruência e o que ele denomina sinais auxiliares que são parênteses, colchetes e
chaves.
A partir dessa explicitação das diferentes representações de quantidade,
operações e relações, o autor introduz as expressões algébricas que são classificadas
em algébricas e transcendentes, racionais e irracionais, inteiras e fracionárias e
expressões com mais de uma variável. São introduzidos os monômios e polinômios, em
que cada elemento é explicitado por um discurso que justifica sua representação.
O discurso empregado para justificar a representação permite que o autor
defina as variáveis livres ou independentes e as variáveis dependentes, introduzindo a
noção de função. Nesse momento, o autor faz apelo a um discurso que justifica as
diferentes representações em função dos não ostensivos em jogo, como mostra o texto
abaixo:
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.66
16
0
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.68
No capítulo sobre produtos notáveis observa-se que o autor introduz a noção de
potência e suas propriedades, e a partir desses conhecimentos faz a introdução das
potências de monômios, produto de polinômios, produtos notáveis e fatoração. Nesses
casos, o autor introduz a técnica e a justifica por meio de um discurso, que na realidade
é a leitura do resultado obtido após a multiplicação. O mesmo raciocínio e a mesma
justificativa são utilizados para a divisão. Em ambos os casos, o autor descreve os
procedimentos da técnica empregada, estudando caso a caso.
O estudo das potências e raízes permite introduzir as frações irracionais e as
técnicas de cálculo com estas frações. Após o desenvolvimento das técnicas de cálculo
com os polinômios são introduzidas as equações e inequações do primeiro grau.
Os sistemas de equações lineares são definidos por meio de um discurso
tecnológico fundamentado em noções previamente trabalhadas, como mostra o texto
abaixo.
161
Fonte: DE FARIAS, 1959, p 326
Na seqüência, é apresentado um método de resolução de equações lineares
com uma incógnita (Ax = B) - o método da eliminação para sistemas lineares - em que
as equações são representadas por uma forma linear que necessita de um discurso
tecnológico que justifique a articulação entre a noção de equações e formas lineares e
a passagem do conceito genérico de um sistema de n equações e n incógnitas para o
caso particular de 4 equações e 4 incógnitas e 3 equações e 3 incógnitas, como mostra
o texto abaixo.
Fonte: DE FARIAS, 1959, p. 351
162
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.352
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.353
163
Outros métodos são apresentados, por meio de casos particulares e com
sistemas de duas ou mais equações e duas ou mais incógnitas como o método da
substituição, método da adição, método de Bezout, método de Gergogne.
No final, o autor faz um discurso que orienta professor e estudante na escolha do
método mais adequado como mostra o texto abaixo.
Observações sobre os métodos. Os métodos mais simples são o de
substituição e o de adição, principalmente o de adição, quando o sistema é
literal. Quando incógnita com coeficiente unidade, é vantajosa a aplicação
do método de substituição. Quando os coeficientes da incógnita a eliminar são
iguais, impõe-se o método de adição. Quando há incógnita com todos os
coeficientes iguais à unidade, o emprego do método de comparação torna-se
fácil, porém muito mais cômodo se torna a aplicação do método de adição. Nos
sistemas de equações incompletas, o método de substituição é muito
vantajoso, porque torna mais simples e isenta de dúvidas a fase da resolução
propriamente dita. O método de Bezout é muito cômodo em alguns casos,
principalmente quando o número de equações é grande e basta obter o valor
de uma das incógnitas, sendo os outros deduzidos por analogia. O bito de
cálculo e a sagacidade do operador, permitem escolher, em cada caso
particular, o método de eliminação mais vantajoso. O gosto do operador
também influi na escolha do método. Na eliminação sucessiva das incógnitas,
pode-se empregar mais de um método, segundo as vantagens peculiares a
cada um. A escolha depende da natureza dos sistemas que vão surgindo
durante a eliminação. Por questão de uniformidade, que é importante,
aconselho sempre a aplicar o mesmo método na eliminação de todas as
incógnitas (De Farias, 1959, p.376,377).
São propostos ainda sistemas gerais e o método de Cramer, com discussão das
possibilidades de solução.
164
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.382
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.383
165
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.384
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.385
Para finalizar a introdução de noções de sistemas lineares são considerados os
sistemas de n+p equações e n incógnitas com suas possibilidades de solução
discutidas por meio de um discurso tecnológico sobre as tecnologias possíveis que
representam uma teoria sobre essas técnicas. É importante observar que se trata de
um livro específico, em que são trabalhados vários métodos para a solução de sistemas
mxn e todas as possibilidades de solução desses sistemas. Nesse caso a noção de
sistemas de equações lineares é considerada apenas no quadro algébrico sem levar
166
em conta as possíveis articulações com outros quadros ou com outras noções
matemáticas.
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.403
Fonte: DE FARIAS, 1959, p.404
Em seguida, o autor introduz a noção de desigualdade do primeiro grau,
equações do segundo grau com uma incógnita, trinômio do segundo grau, equações
biquadradas, sistemas do segundo grau, equações irracionais, equações recíprocas,
equações binômias, equações trinômias, e as idéias gerais sobre problemas do primeiro
e segundo graus, análise combinatória, permutações simples, arranjos simples,
combinações simples, permutações com repetições, arranjos com repetições,
combinações com repetições, binômio de Newton, potenciação dos polinômios, raiz
quadrada dos polinômios, determinantes, frações contínuas, progressões aritméticas,
progressões geométricas, conceito aritmético de logarítmo, conceitos algébricos e
167
propriedades gerais dos logarítmos, cologarítmos, mudança de sistema, sistema
neperiano, sistema decimal, equações exponenciais e logarítmicas, sistemas de
equações exponenciais, limites, derivadas, estudo elementar das séries, caracteres de
convergência, números complexos e teorema de Rouché.
Verifica-se que o autor, apesar de propor tarefas para desenvolver apenas as
técnicas de resolução de sistemas, necessita de um discurso tecnológico que permite
introduzir as teorias associadas a essas técnicas. O teorema de Rouché, apresentado
no apêndice, representa a teoria sobre as técnicas para a solução de sistemas lineares
consideradas no capítulo que trata dessa noção.
Finalmente, é feita a avaliação do trabalho do professor e do estudante quando
desenvolvido por meio dessa obra.
4.24 A parte do professor e do aluno nas tarefas apresentadas
Neste livro da década de 50 o autor focaliza o trabalho sobre sistemas lineares
nas técnicas para sua solução, isto é, seu objetivo era desenvolver as ferramentas
matemáticas para a aplicação na própria Matemática e em outras ciências, uma vez
que o livro era destinado a preparar o estudante para as escolas técnicas da época.
Tarefas
Resolvidas
Tarefas
Propostas
Tarefas Quantidades
% Tarefas Quantidades
%
Tarefa 1 0 0 Tarefa 1
0 0
Tarefa 2 0 0 Tarefa 2
0 0
Tarefa 3 0 0 Tarefa 3
0 0
Tarefa 4 44 100 Tarefa 4
80 100
Tarefa 5 0 0 Tarefa 5
0 0
Tarefa 6 0 0 Tarefa 6
0 0
Total 44 100 Total 80 100
O ensino da noção de sistemas de equações lineares para a década de 50 era
centrado no desenvolvimento dos diferentes métodos de resolução de sistemas de
equações lineares, isto é, privilegiava-se o nível técnico e o quadro algébrico que
permite o desenvolvimento de uma ferramenta explícita para o trabalho em Matemática
e nas outras ciências
.
168
Sendo assim, o autor propõe apenas tarefas de fixação para os métodos
apresentados, o que é compreensível uma vez que seu objetivo é desenvolver apenas
ferramentas matemáticas para o trabalho na própria Matemática e nas outras ciências.
4.25 Considerações Finais
Ao iniciar a obra Matemática e Realidade, Iezzi et al (2005) introduzem os
conjuntos numéricos por meio de seus ostensivos de representação e o discurso
tecnológico por eles utilizado permite observar que a noção de equação do primeiro
grau é considerada como conhecimento já construído.
Além disso, fica evidente a preocupação dos autores em articular os quadros
numéricos, geométrico e algébrico ainda que as noções sejam introduzidas por meio
dos ostensivos que as representam, o que exige que os autores apresentem um
discurso tecnológico que justifique as passagens de uma representação para a outra,
assim como a aplicação dos conhecimentos prévios necessários para o
desenvolvimento das tarefas.
Nessa obra é evidente a importância da noção de equações do primeiro grau que
funcionam como uma ferramenta explícita de trabalho para a introdução de novas
noções, em particular, a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas, que podem ser resolvidos por meio do ponto de vista de equações.
Para a noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas verificou-
se que os autores privilegiam as tarefas 6,1 e 5 sendo que a ênfase para o trabalho dos
estudantes é dada para as tarefas 6 e 1, para as quais é necessária uma articulação
com as noções matemáticas introduzidas na série ou anteriormente e que aqui são
consideradas disponíveis, ou seja, se espera que os estudantes às utilizem sem que
para isso seja necessário fazer nenhuma menção ou mesmo revisões.
Existe também uma valorização dos trabalhos dos estudantes sobre os métodos
de solução dos sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas; por exemplo, há
34 tarefas do tipo 4 destinadas aos estudantes e 1 destinada ao professor. Quanto às
tarefas do tipo 3 que são consideradas puramente algébricas e exigem que os
estudantes dominem as noções de equações e de sistemas de duas equações lineares
169
e duas incógnitas servindo como situações de referência para aplicações futuras, são
deixadas a cargo dos estudantes, o que pode dificultar a possibilidade de aplicação
desse conhecimento em outros contextos, no futuro.
Ao contrário da obra de Iezzi et al (2005, 2000), que mesmo sendo da mesma
época e avaliada pelo Programa Nacional do Livro Didático, observa-se que o livro “A
Conquista da Matemática” de Castrucci et al (2002), embora coerente com a proposta
do autor, parece não considerar a necessidade da fixação das técnicas de solução de
sistemas lineares, pois apresenta um número reduzido de tarefas de fixação dessas
técnicas.
Além disso, a obra focaliza a resolução de sistemas de duas equações lineares e
duas incógnitas com uma única solução, dando ênfase ao seu caráter ferramenta para
a solução de problemas cotidianos e de outras ciências. Não favorece a discussão
sobre suas possibilidades de solução, isto é, não explora o caráter de objeto do
conhecimento matemático.
Quando se considera as obras de Scipione (1991, 1982, 1971) é possível
verificar que tanto o caráter ferramenta quanto o caráter objeto para a noção de
sistemas de duas equações lineares são considerados pelo autor. Na obra de 1971,
embora o autor ênfase ao nível técnico, é possível verificar que se considera as
tarefas de aplicação em situações do cotidiano, da própria matemática e de outras
ciências. Esse trabalho fica mais evidente na obra de 1991, em que todas as tarefas
são levadas em conta de forma equilibrada, ou seja, tanto para o trabalho suposto do
professor como para o do aluno encontram-se tarefas dos diferentes tipos propostos no
capítulo 3..
É importante observar as diferenças, mesmo que sutis, nas três obras do mesmo
autor, o que permite verificar que existe uma adequação que respeita tanto as
propostas institucionais das diferentes épocas em que essas obras foram editadas,
como a necessidade de manter o rigor e a coerência com a teoria matemática que as
sustenta. Essa adequação é melhor compreendida por meio dos ostensivos utilizados
pelo autor e pelo discurso tecnológico que os acompanha e permite associar as
técnicas empregadas às teorias que as sustentam.
170
Examinando a obra de Sangiorgi (1966) que corresponde à época do Movimento
da Matemática Moderna no Brasil e comparando com a obra de Scipione (1971) é
possível compreender a grande diferença entre essas duas épocas, pois enquanto em
1966 era proposta apenas a tarefa 4, que envolve a aplicação de um método de
resolução para um sistema de duas equações, em 1971 verifica-se que se propunha
aos estudantes um trabalho de aplicação de sistemas de duas equações lineares e
duas incógnitas, o que supõe a articulação entre os níveis técnico, mobilizável e
disponível e que exige que os estudantes disponham de conhecimentos prévios
associados às noções em jogo nas tarefas que lhes são propostas, como é possível
identificar por meio dos exemplos apresentados no capítulo 3 para os diferentes tipos
de tarefas.
Na realidade, observa-se que entre 1959, que corresponde à obra de De Farias,
e 1966 que corresponde à obra de Sangiorgi, ambas analisadas neste trabalho, a maior
diferença está no caráter objeto da noção de sistemas de equações lineares utilizado
para sua definição e propriedades. Esse trabalho ficava apenas a cargo do professor e
o que se tinha como objetivo era apenas o domínio dos métodos de resolução de
sistemas de equações lineares e a escolha dos métodos adequados.
Pode-se dizer que para as diferentes obras analisadas existe uma preocupação
em desenvolver tanto o caráter ferramenta quanto o caráter objeto da noção de
sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas, mas que esse trabalho não
depende apenas do professor exigindo um trabalho conjunto entre professor e
estudantes.
Pode-se também considerar que as escolhas estão associadas ao “topos” do
professor e do estudante, uma vez que variam em função do tipo e da quantidade de
tarefas que ficam a cargo de cada um deles.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS
Ao iniciar a pesquisa, foram consideradas as questões abaixo que serviram como
orientação para a escolha do referencial teórico e da metodologia adotada na pesquisa.
1) Como se aborda a noção de sistema de equações lineares nas diferentes
décadas?
2) De que instrumentos os professores dispõem para efetuar suas escolhas?
3) Quais são os ostensivos e não ostensivos em jogo nas diferentes abordagens,
conforme definição de Chevallard e Bosch (1999)?
4) Em que sistema de tarefas e práticas podem se desenvolver os ostensivos e não
ostensivos escolhidos?
5) Quais são as condições e empecilhos que favorecem ou prejudicam sua
utilização?
6) Quais são as escolhas institucionais para a sua utilização?
Sendo assim, verificou-se que a abordagem teórica de Chevallard e Bosch
(1999) escolhida para a análise da ecologia dos ostensivos e não ostensivos presentes
no ensino da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas para a
sétima série do Ensino Fundamental II mostrou-se um instrumento muito eficaz para a
análise do saber e do conhecimento matemático esperado de professores e de
estudantes, nessa etapa da escolaridade. No entanto, foi necessário introduzir outras
teorias para auxiliar na compreensão das diferentes abordagens desse conteúdo nas
épocas consideradas e na análise dos instrumentos que os professores dispõem para
efetuar suas escolhas.
Dentre elas, a noção de “topos”, introduzida por Chevallard (1997), permitiu
identificar as possibilidades de escolhas do professor em função dos conhecimentos
prévios dos estudantes.
Dessa forma, no capitulo II é analisado o “toposdo estudante e do professor,
quando se introduz a noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas
na sétima série do Ensino Fundamental II, com base nos Parâmetros Curriculares
172
Nacionais (1998) e na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (1987). Para essa
análise é considerado o seguinte questionamento:
1) Como é proposta a abordagem da Matemática para os alunos do Ensino
Fundamental, a séries, nos documentos oficiais, isto é, Parâmetros Curriculares
Nacionais e Proposta Curricular do Estado de São Paulo?
2) Como é estruturado o ensino e como se organiza sua progressão quando se
propõe uma primeira abordagem da noção de sistemas de equações lineares para os
estudantes do Ensino Fundamental?
3) Como é proposta a introdução das noções associadas a esta abordagem?
4) Qual é o papel esperado para o desempenho do professor e do estudante, no
desenvolvimento desta abordagem?
5) Qual é o nível de conhecimento, conforme abordagem de Robert (1997),
esperado dos professores e dos alunos quando do desenvolvimento da noção de
sistema de equações lineares?
Verifica-se que, para a noção de sistemas de equações lineares no Ensino
Fundamental II, a abordagem proposta está associada à solução de situações-
problema cotidianas e para um tipo de sistema mais restrito, isto é, o sistema de duas
equações e duas incógnitas.
Essa abordagem considera importante o trabalho sobre os ostensivos e o nível
técnico para o desenvolvimento das tarefas propostas e es de acordo com as
orientações e sugestões propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na
Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
Apesar dessa orientação ser considerada adequada, observa-se que falta uma
melhor explicitação do trabalho esperado, que poderia ser feita por meio da indicação
de trabalhos de pesquisa sobre a noção de sistemas de duas equações lineares e duas
incógnitas para o Ensino Fundamental, pois o número de exemplos dados parece
insuficiente para explorar as possibilidades de ostensivos no tratamento das diferentes
tarefas encontradas nesta etapa da escolaridade.
Pode-se dizer ainda que o nível de conhecimento esperado dos estudantes da
sétima série do Ensino Fundamental II, em relação à noção de sistemas de equações
lineares, é o disponível quando se considera a interpretação da tarefa e a passagem do
173
ostensivo de representação escrita em língua natural para o ostensivo escrito numérico
ou algébrico e o nível técnico para a solução das equações encontradas, pois, se o
estudante é capaz de aplicar qualquer uma das técnicas desenvolvidas poderá
encontrar a solução da tarefa proposta.
Sendo o ensino da noção de sistemas de equações lineares considerado apenas
para o caso específico dos sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas na
sétima série do Ensino Fundamental II, verificou-se que existe um número reduzido de
tarefas que permitem a introdução dessa noção matemática, e as escolhas em função
dos quadros ou domínios que se desejam articular, dos pontos de vista que se desejam
levar em conta e do nível de conhecimento que lhes são associados.
Em função dessas tarefas e da grade de análise construída, foi possível
observar, por meio da análise dos livros didáticos escolhidos, que nas obras atuais
como Matemática e Realidade de Iezzi et al (2005), Iezzi et al (2000) e “A Conquista da
Matemática” de Castrucci et al (2002), que foram avaliadas como satisfatórias pelo
Progama Nacional do Livro Didático (PNLD), considera-se a noção de equação do
grau, como conhecimento construído quando se introduz a noção de sistemas de
duas equações lineares e duas incógnitas. Essa escolha pode justificar o fato de não se
utilizar o ponto de vista das tentativas na sétima série do Ensino Fundamental II.
É evidente, também, a preocupação dos autores das três obras em articular os
quadros numérico, geométrico e algébrico, mesmo quando as noções são introduzidas
por meio dos ostensivos que as representam, o que exige a utilização de um discurso
tecnológico para justificar as passagens de uma representação à outra, ou a aplicação
de conhecimentos prévios, no desenvolvimento das tarefas propostas.
Nessas obras é evidente a importância da noção de equações do primeiro grau,
que funciona como uma ferramenta explícita na resolução de sistemas de duas
equações lineares e duas incógnitas.
A maior diferença entre as obras de Iezzi et al (2205, 2000) e Castrucci et al
(2002) é que esta última, embora seja coerente com a proposta do autor, parece não
considerar a necessidade de fixação das técnicas de solução de sistemas lineares, pois
apresenta um número reduzido de tarefas com esse objetivo. Além disso, nesta obra
privilegia-se a resolução de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas com
174
uma única solução dando ênfase ao seu caráter ferramenta para a solução de
problemas cotidianos e de outras ciências. Ou seja, esta obra não favorece a discussão
de sistemas lineares, em relação ao número de soluções, e assim, não enfatiza o
caráter objeto desse conteúdo.
Para as obras de Scipione (1991, 1982, 1971) é possível verificar que tanto o
caráter ferramenta quanto o caráter objeto da noção de sistemas de duas equações
lineares são considerados pelo autor. Na obra de 1971, embora o autor ênfase ao
nível técnico, é possível verificar que explora também as tarefas de aplicação em
situações da própria Matemática, de outras ciências e cotidianas.
É importante observar as diferenças, mesmo que sutis, nas três obras do mesmo
autor, o que permite verificar que existe uma adequação às propostas institucionais das
diferentes épocas em que essas obras foram editadas e a preocupação no sentido de
manter o rigor e a coerência em relação à teoria matemática que as sustenta. Essa
adequação é melhor compreendida por meio dos ostensivos utilizados pelos autores e
pelo discurso tecnológico que os acompanha, associando as técnicas às teorias
correspondentes.
Comparando a obra de Sangiorgi (1966) que corresponde à época do Movimento
da Matemática Moderna no Brasil com a obra de Scipione (1971), é possível
compreender a grande diferença entre essas duas épocas, pois enquanto em 1966 era
proposta apenas a tarefa 4, que envolve a aplicação de métodos de resolução de
sistemas de duas equações, em 1971 verifica-se que se propunha aos estudantes a
aplicação da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas na
resolução de problemas, o que supõe a articulação entre os níveis técnico, mobilizável
e disponível, e que exige que os estudantes disponham de conhecimentos prévios
associados às noções em jogo nas tarefas que lhes são propostas.
Na realidade, observa-se que entre 1959, que corresponde à obra de De Farias e
1966 que corresponde à obra de Sangiorgi, ambas analisadas neste trabalho de
pesquisa, a maior diferença esno caráter objeto da noção de sistemas de equações
lineares utilizado para sua definição e propriedades. Esse trabalho ficava apenas a
cargo do professor e o que se esperava dos alunos era apenas o domínio de métodos
de resolução de sistemas de equações lineares e a escolha dos sistemas adequados.
175
Pode-se dizer que nas obras de Iezzi et al. (2005, 2000), Scipione (1991, 1982)
existe uma preocupação em desenvolver tanto o caráter ferramenta quanto o caráter
objeto da noção de sistemas de duas equações lineares e duas incógnitas, mas que
esse trabalho não depende apenas do professor, exigindo um trabalho conjunto entre
professor e estudantes.
Consideramos que as escolhas estão associadas ao “topos” do professor e do
estudante, uma vez que variam em função do tipo e da quantidade de tarefas que ficam
a cargo de cada um deles. Dessa forma, parece que nas obras atuais analisadas existe
a preocupação de se levar em conta os seis tipos de tarefas consideradas nesta
pesquisa.
Tendo em vista o fato de que pouca ênfase é dada ao estudo da noção de
sistemas de equações lineares, nas diferentes etapas da escolaridade, embora seja
conhecimento fundamental para a articulação de diferentes domínios da própria
Matemática, de outras ciências e também para a modelagem de situações do cotidiano,
consideramos que este estudo poderia servir como ponto de partida para o
desenvolvimento de outras pesquisas que proponham seqüências didáticas a fim de
favorecer a construção desse conhecimento.
176
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