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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE TEATRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
MARIA CRISTINA VIEIRA RODRIGUES
PONTE DE PALAVRAS – DIDASCÁLIAS:
A DRAMATICIDADE DAS INDICAÇÕES CÊNICAS NO TEATRO
DE DIAS GOMES
Salvador
2008
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MARIA CRISTINA VIEIRA RODRIGUES
PONTE DE PALAVRAS – DIDASCÁLIAS:
A DRAMATICIDADE DAS INDICAÇÕES CÊNICAS NO TEATRO
DE DIAS GOMES
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes
Cênicas, Escola de Teatro, Universidade Federal da Bahia,como
requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Artes
Cênicas.
Orientadora: Profa. Dra. Eliene Benício Amâncio Costa
Salvador
2008
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Rodrigues, Maria Cristina Vieira
Ponte de Palavras – Didascálias:
A dramaticidade das Indicações Cênicas no Teatro de Dias Gomes.
Salvador, 2008.
617 f. :il
Orientadora: Professora Doutora Eliene Benício Amâncio Costa
Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia,
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas, 2008.
1.Dramaturgia 2.Didascálias 3.Dias Gomes 4.Crítica Teatral 5.Intertextualidade.
CDU:
CDD:
26
MARIA
CRISTINA
VIEIRA
RODRIGUES
27
28
Aos que eu Amo,
aos que me Amam,
aos que me Permitiram Viver,
aos que Acreditam em mim,
aos que me Abriram as mãos, os olhos, os braços e as portas,
aos que me Acolheram o pranto,
aos que me Irritaram,
aos que me Desafiaram,
aos que Crêem na Dramaturgia,
aos que Sabem do PODER do TEATRO.
29
AGRADECIMENTOS
Ao Criador por me criar,
a Cid e Ecy por se escolherem,
a Paulo Sergio por se apaixonar,
a Virgínia, Clarice e Pedro por me amarem,
a Maria Eduarda por me confortar,
a Eliene por me acolher,
a Hackler por me conduzir,
a Catarina por me lapidar,
a Dias Gomes por escrever.
30
E mais:
Arquivo Nacional; Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; CAL - Casa de Artes das
Laranjeiras; CCBB Centro Cultural do Banco do Brasil R.J.; CCLA Casa de Cultura
Lauro Alvin; Central Globo de Jornalismo; CIN Capital Intelectual; Companhia de Teatro
Finos Trapos; FUNARTE – Fundação Nacional de Artes – Centro Técnico das Artes Cênicas;
Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa; Fundação Getúlio Vargas; Fundação Roberto
Marinho; Jornal do Brasil; Jornal O Globo; Júlio Adrião Produções Artísticas Ltda.; Leões de
Circo Pequenos Empreendimentos; LS Lemos Advocacia; MAM Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro; MC7 Marketing Promocional; Ministério das Relações Exteriores
Embaixada da Grécia; Museu da Imagem e do Som; Museu da República; Ministério das
Relações Exteriores Embaixada da Grécia; Museu do Carnaval da Cidade do Samba; Najar
Advogados Associados; Orquestra Sinfônica de Nova Jersey; PIDA Eventos; Pouso da
Palavra – Espaço Cultural; PUC Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro;
RADIOBRÁS Rádio Nacional do Rio de Janeiro; Salvador Produções; Teatro Fernanda
Montenegro; Universidade de São Paulo; Adonios Nicolaidis; Adriana Garcez; Alain Félix
dos Santos Moreira; Alberto Luiz da Silva Santos; Alda Maria Alves; Alessandro
Suyama;Alexandre Melo; Alfredo Dias Gomes; Alice Maltez; Aline Cunha; Aline Oliveira
da Silva; Allan Cruz; Almir Neri Junior; Almiro Andrade; Aloísio Short Sobrinho; Álvaro
Lemos; Álvaro Ricardo Palharini; Amanda Lisboa; Amarilio Sales; Amélia Dias; Amós
Heber; Ana CaAna Isabela Feitosa; Ana Karine Jansen de Amorim; Ana Laura Coelho;
Analice Sodré; Ana Lúcia de Carvalho Ribeiro; Ana Luiza Caribé; Ana Manoela Silva; Ana
Paula Antar; Ana Paula Baltazar; Ana Paula Feitosa; Ana Sofia Heimer; Ana Thereza Araújo;
Anderson Souza; André Luiz Dinis Gonçalves Soares; André Rosa; Ângela de Castro Reis;
Anna Magdala; Antônia Bezerra Pereira; Antônio Marques; Antônio Rodrigues Pereira;
Aparecida Reis; Ariane Souza; Arlinda Lima; Artur Sombra; Aurora Dias; Bárbara Araújo;
Bárbara rolina Oliveira; Heliodora; Bárbara Pereira; Bianca Câncio; Bruna Câncio; Bruna
Rabelo; Bruno Abreu; Bruno Ribeiro; Caio Rodrigo; Camila Baleeiro; Camila Correia;
Camila Fernandez Lopez; Camila Paes; Camila Short; Carlos Romeu Silva; Carmen Rivera
Owens; Carolina Falcão; Caroline Brandão; Carol Lira; Catarina Veiga; Catharina Libório;
Cátia Rodrigues; Celso Junior; Cícero Alves Filho; Cintia Freitas de Oliveira; Clara Melo;
Clarissa Carrilho Rosa; Cláudia Göhringer; Cláudia Ramos; Cláudio Simões; Constantino
Comninos; Cristina Chiara; Cristina Dantas; Cristiana Yumie Watanabe; Cristiane Ferreira;
Cláudio Simões; Daiseane Andrade; Daiza Maria Chastinet Pinheiro; Damine Cruz; Daniel
Caliban; Daniel Cunha; Daniel Guerra; Daniel Queiroz; Danielle Pimenta; Danielle Rosa;
Daniel Marques da Silva; Danilo Bracchi; Danilo Cairo; Dayany Luchini; Débora Adorno;
Débora Luisiana; Débora Paes Landim; Débora Santiago; Deise de Brito; Denise Emmer Dias
Gomes Gehardt; Diana Razera; Dill Costa Costa; Diogo Baleeiro; Diogo Laércio Reis de
Andrade Melo; Diana Santana; Domingos de Oliveira; Eduardo Tudella; Elaine Cardin; Elisa
Maria da Silva Santos; Elisete Gramacho; Epifânio Ferreira; Érica Barduke; Fabiana Silva;
Fábio Soares de Miranda Carvalho; Fábio Sabag; Fábio Vidal; Fabrício Torres; Felipe Dias;
Felipe Torres, Fernanda Cohin; Fernanda Freire Beltrão; Fernanda Júlia Barbosa; Fernanda
Libório; Fernando Maltez;
Filomena Yoshie Hirata;
Flávia Galdêncio Silva; Flávia Leyro;
Flávio Souza; Francine Costa de Oliveira; Francinete Mangabeira; Gabriela Sady; Gabriela
Smith; Gel Arraes; Gerry Barbuda; Gideon Rosa; Gilson Garcia dos Santos; Giovana Santos
Dantas da Silva; Giovanni Muniz; Gláucio Tavora Themotheo; Gordo Neto; Guilherme Dias
Gomes; Guilherme Gentil; Gusavo Daier; Gustavo Maia; Guza Rezê; Harildo Deda; Heloísa
Barbosa; Helena Marfuz; Heloísa Helena Campos Leone; Heloísa hringer; Henrique
Pimentel; Hebe Alves da Silva; Horácio Costa; Iara Villaça; Igor Sobreira; Ilona Wirth; Ingrid
31
Milazzo; Ingrid Teixeira; Irma Vidal; Isabela Poidomani; Isadora Alencar; Isadora Dantas da
Gama; Israel Menezes; Ismael Maia Júnior; Ivan Espinheira Filho; Janaina da Silva; João
AurélioVillas Boas Viana; João Pinto; Joice Aglae Brondani; Jonathan Gael Wirth; Jonilson
Berlink; Jorge Amaral; Jorge Fernando de Medeiros Rebello; José Augusto Vasconcelos; José
Dantas Neto; José de Abreu; José Mayer; José Roberto Silva; José Ricardo Leida de
Carvalho; Jousi Sobreira; Juliana Cohin; Júlio Adrião; Júlio César Leida de Carvalho; Judilita
Matta; Jussilene Santana; Karina Leiro; Karina Machado; Katharine Guimarães; Kin
Rodrigues; Lais Barduque; Laíse Marques; Lara Chagas; Lara Couto; Lara Garcia; Lara
Moore; Lara Tupinambá; Larissa Latif Plácido Saré; Lavnzk Couto de Novaes; Laura Franco;
Laura Haydée; Leandro Silva; Léia Leida de Carvalho; Leonardo Cabus; Leonardo Drehmer;
Leonardo Mineiro; Leonardo Villar; Lícia Maria Freire Beltrão; Lilian Barbuda; Lilith
Marques; Lívia Nery; Lorena Cabus; Lorena Campos Leone; Louise Tiúba; Lucas Sousa;
Lúcia Carmo; Luciana de Carvalho Leite; Luciana Guerra; Luciana Hortélio; Luciana
Pugliese; Luciana Teixeira; Luciano Bahia; Lúcius Gabriel Barbuda; Luísa Calado; Luísa
Odone; Luísa Prosérpio; Luiz Gomes; Luma Moore; Luna Kruschesvsky; Lydia Nogueira;
Maick Barreto; Makarios Maia Barbosa; Malu Rodrigues; Manuela Martinez; Marcelo Sousa
Brito; Marcelle Pomponet; Marcellus Leone; Márcia Liguori; Marco Feitosa; Marco Leone;
Marco Nanine; Marcos Barbosa de Albuquerque; Marcos Oliveira; Maria Augusta do
Nascimento Araújo; Maria Augusta Silva; Maria Cecília Barbosa; Maria Coelho; Maria
Cristina Lima; Maria das Graças Cruz; Maria das Graças de Castro Sampaio; Maria Eugênia
Simões Farias; Maria Gabriela Castro; Maria Helena Rodrigues; Maria Odila Vieira de Sá;
Maria Perpétua Dantas de Menezes; Maria Suelma Costa; Mariana Freire; Mariana Plubis;
Mariana Queirós Bezerra; Marília Prazeres; Marina Maia; Marina Rodrigues; Maristela
Rangel; Marli Sousa; Marta Garcia de Miranda Carvalho; Michel Telles; Miguel Nader; Mila
Milosevic; Milena Flick; Mirela Leal; Mitchel Diniz, Mônada Moura; Mônica Mello; Monica
Quentin; Maurício Pedrosa; Nadir Nóbrega; Naiane Farias; Naiara Gomes; Nalile Castro;
Nathália Garcez; Nathalie Machado; Nayana Vaz; Neila Alcântara; Nélson Montenegro;
Nelson Nirenberg; Neuza Paim; Neyde Veneziano; Nilza Török; Noêmia Carvalho Vieira;
Olinda Margareth Charone; Oman Abreu; Orlandino Martins; Osvanilton Conceição;
Oswaldo Rosa; Paula Loureiro; Patrícia Mattos Guerra; Patrícia Sanches; Paulo Rios; Pedro
Benevides; Pedro Garcia; Pedro Piropo; Priscila Hortélio; Raimunda Souza Vianna;
Raimundo Aragão Neto; Raimundo Matos de Leão; Rafaela Rodrigues: Rafael Beckel;
Raquel Dias; Raquel Lopes; Rejane Célia de Souza Santos; Renata Chiara; Renata Palottine;
Renata Vieira; René Fonseca Carvalho; Ricardo Cal; Ricardo Carísio; Ricardo Cravo Albin;
Ricardo Goes; Rita Magno; Roberto de Abreu; Roberto Santos Salles; Roberval Geraldo
Pimenta Ribeiro; Roberto Reis; Robson Cedraz Ramos; Ronaldo Magalhães Oliveira; Rose
Vermelho; Salin Salomão Hadad Aziz; Sandra Maria Miranda Villas; Sebastião Cardoso;
Serenela Piazza; Sérgio Coelho Borges de Farias; Silvana Sanches; Silvia Sanches; Suzana
Maria Coelho Martins; Sônia Lima; Sônia Lúcia Rangel; Sônia Thenório da Silva; Tainá
Andrade; Taís Amorim; Tâmara Nogueira; Tânia Regina Santos Silva; Tarcisio Almeida;
Tarcicio Neto; Tatiana Milosevic; Thamine Lessa; Thiago Hoffman; Tereza Costalima;
Thereza Cristina Figueiredo; Ubirajara Fagundes; Ubiratãn Trindade; Valtemir Mendes Costa;
Vera Dantas Motta; Verena Carvalho; Victor de Lemos Alexandre; Victor Hugo Valois;
Victor Kibe; Victoria Libório; Victorio Emanuel; Vinicio Oliveira Oliveira; Vinicius Alves;
Vinícius Ferragutti; Vitor Rios; Viviane Silva Abreu; Wagner Cordeiro; Wagner Maniçoba de
Moura; Wladilene Souza Lima; Wilma Török; Wilton Santos Silva; Yasmin Barbuda; Yoshi
Aguiar; Zahra Hedjazi Ribeiro e Zânea Duarte.
32
Cada artista tem o direito de ter sua visão do mundo e eu respeito a visão dos outros.
Mas toda arte é política e todo artista é um político, porque sua obra transmite sua visão de
mundo. Consigo pilotar meu barco ao sabor dos ventos, mas sei que muito mar pela
frente. Talvez nunca chegue ao porto. Tomara mesmo que não, pois o melhor da viagem é
estar nela. Não existe uma posição neutra em relação à vida. Dispenso colaborações.
Alfredo de Freitas Dias Gomes, 1982.
33
RODRIGUES, Maria Cristina Vieira. Ponte de Palavras Didascálias: A Dramaticidade das
Indicações Cênicas no Teatro de Dias Gomes. 628 f. il. 2008. Tese (Doutorado) Escola de
Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
RESUMO
Esta tese é o resultado de uma pesquisa sobre as Didascálias presentes nos dramas de Alfredo
de Freitas Dias Gomes, dramaturgo brasileiro contemporâneo, concentrando-se
especificamente nas obras “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”, textos que
pertencem à segunda fase do acervo do escritor e que foram adaptados para mais de duas
linguagens. O foco principal desse trabalho é a análise das didascálias, a influência que elas
exercem na composição da dramaturgia e a sustentação que elas possibilitam para o trânsito
dos textos pelas linguagens do teatro, do rádio, da televisão, do cinema e da ópera. A tese
“Ponte de Palavras Didascálias: A dramaticidade das Indicações Cênicas no Teatro de Dias
Gomes” foi dividida em seis capítulos. Os três primeiros enfatizam aspectos históricos das
didascálias, a vida, obra, ideologia e temáticas de Dias Gomes, assim como a importância do
rádio em sua formação quanto dramaturgo; e os três últimos desenvolvem a análise das peças,
com relevância às didascálias e o trânsito das mesmas pelas diferentes linguagens. Esta
pesquisa histórico-crítica de cunho descritivo enfatiza a importância de se pensar o
dramaturgo como agente de um texto criado para ser concretizado na cena e para interagir
com um público. É o próprio Dias Gomes que afirma em um depoimento ao Serviço Nacional
de Teatro em 1981: “O autor do nosso tempo deve ser um homem que vive o seu tempo,
participa dele, deve ser atuante, sofrer as influências reais que o tempo, o seu tempo, lhe
possibilita, pois só assim pode interpretá-lo e levá-lo à cena.”
Palavras-chave: Dramaturgia; Didascálias; Dias Gomes; Crítica Teatral; Intertextualidade.
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RODRIGUES, Maria Cristina Vieira. Bridge of Words Didascalie: The Dramatic Bias of
Stage Directions in the Theatre of Dias Gomes. 628 pp. ill. 2008. Doctorate Thesis School
of Theatre, Federal University of Bahia, Salvador.
ABSTRACT
This doctorate thesis results from a research project on the didascalie (stage directions) that
appear in the theater dramas of contemporary brazilian dramatist Alfredo de Freitas Dias
Gomes, and are specifically focused on his plays "O Pagador de Promessas" (The Payer of
Promises) and "O Rei de Ramos" (The King of Ramos) that belong to the second phase of his
complete works and that have been adapted into more than two other dramatic forms. The
main focus of this paper is the analysis of the didascalie, their influence on the structure of the
dramatic plots, and the basis they provide to the transit of the theater text to radio, television,
cinema and opera. The work "Bridge of Words Didascalie: The Dramatic Bias of Stage
Directions in the Theatre of Dias Gomes" is divided in six chapters. The first three chapters
emphasize the historical aspects of the didascalie; the life, work, ideology and main themes of
Dias Gomes; and the importance of the radio in his formation as a dramatist. The last three
chapters analyse the above mentioned stage plays particularly in reference to the didascalie
and how they transition through the different media adaptations. This historical-critical
research has a descriptive scope and emphasizes the importance of considering the playwriter
as an agent directly responsible in the materialization of a text on stage, and in its interaction
with the audience. That is what Dias Gomes says in a statement to the Nacional Service of
Theater in 1981: "The author of our time must be someone that lives this time, takes part in it,
plays an active role, and is affected by the influences of this time because only then one could
interpret it and take it to the stage".
Keywords: Dramaturgy; Didascalie; Dias Gomes; Criticism; Inter-textual characteristics.
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RODRIGUES, Maria Cristina Vieira. Un pont de mots Didascalies. La dramaticité des
indications scèniques dans le théâtre de Dias Gomes. 628 pages avec illustrations. 2008.
Thèse de Doctorat en Arts de la Scène. École de Théâtre. Université Fédérale de Bahia,
Salvador.
RÉSUMÉ
Cette thèse est le résultat d’une recherche sur les didascalies constitutives des drames du
dramaturge brésilien contemporain Alfredo de Freitas Dias Gomes, notamment celles des
textes La Parole Donnéeet Le Roi de Ramos”, qui appartiennent à la deuxième phase de
son oeuvre et ont fait l’objet d’adaptions pour plusieurs langages. La thèse est centrée sur
l’analyse des didascalies, dans la perspective de leur influence sur la composition
dramaturgique des textes et de leur soutien qui rend possible le transit de ces textes par les
langages du théâtre, de la radio, de la télévision, du cinéma et de l’opéra. Pour cet effet, la
thèse se trouve divisée en six chapitres. Les chapitres 1, 2 et 3 mettent en relief des aspects
historiques des didascalies, des aspects de la vie, l’oeuvre, de l’idéologie et les thématiques
abordées par Dias Gomes, aussi que l’importance de la radio pour la formation de l’auteur
comme dramaturge. Les chapitres 4, 5 et 6 présentent l’analyse des pièces citées, en y
soulignant le rôle important des didascalies lors du transit des dits textes par des différents
langages. Cette recherche historique et critique, au caractère descriptif, met l’emphase sur
l’importance de penser le dramaturge comme l’agent d’un texte créé pour ne devenir concret
que sur la scène et en intéraction avec le publique. C’est Dias Gomes lui-même qui affirme
dans un interwiew pour le Service National du Théâtre en 1981: “L’auteur de notre temps doit
être un homme qui vit dans son temps, y participe, doit être actif, subir les influences elles
que le temps, son temps, lui rend possibles, puisque seulement ainsi il pourra l’interpréter et le
mettre sur scène”.
Mots clés: Dramaturgie; Didascalies; Dias Gomes; Critique; Intertextualité.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 Lápide egípcia encontrada nos bancos do Rio Nilo 39
Figura 02 Manuscrito de Menander 43
Figura 03 Manuscrito de Menander 2 44
Quadro 01 Tradução do Manuscrito de Menander 45
Figura 04 Texto Romano 47
Figura 05 Texto Romano 2 48
Figura 06 Texto Romano 3 49
Figura 07 Programa da Peça “O Bem Amado” 51
Figura 08 Texto de Terêncio 54
Figura 09 Missal Malbery. Manuscrito Medieval 55
Figura10 Missal Beneditino. Século XVIII 57
Figura 11 Trecho da partitura de Camile Saint-Saens 57
Figura 12 Manual de Palco 64
Figura 13 Prompt da peça Hamlet 65
Figura 14 Atriz Margarida Xirgu 75
Figura 15 Atriz Margarida Xirgu 75
Figura 16 Mariana Pindela en capilla de Juan Calvo 76
Figura 17 Mariana Pindela, de Lorca 76
Figura 18 Perspectiva Urbana, com auto-retrato de Lorca 76
Figura 19 Merienda de Lorca 76
Quadro 02 Ações propostas pelas didascálias, do texto Gustav III, de
Strindberg
82
Figura 20 A flor do Mouro de Strindberg 85
Figura 21 A Avenida, de Strindberg 85
Figura 22 Montagem de “A Sonata Fantasma” 86
Figura 23 Montagem de “A Sonata Fantasma” 2 86
Quadro 03 Composição de cena, em “A Sonata Fantasma”, através das
didascálias
87
Figura 24 “A Ilha da Morte”, 1880, de Böcklin 89
Figura 25 Dias Gomes, em 1941 116
Figura 26 Casa da Rua Dom Bosco 117
37
Figura 27 Dr. Plínio, pai de Dias Gomes 117
Figura 28 Sr
a.
Alice, mãe de Dias Gomes 117
Figura 29 Escola de Teatro, UFBA, antiga casa do tio de Dias Gomes 117
Figura 30 Escola de Teatro, UFBA 117
Figura 31 Bairro Garcia, Salvador, residência de Dias Gomes 118
Figura 32 Colégio Nossa Senhora das Vitórias 118
Figura 33 Turma escolar de Dias Gomes, Colégio Nossa Senhora das
Vitória, atual Colégio Marista de Salvador
120
Figura 34 Casarão do tio de Dias Gomes, Alfredo Soares da Cunha, na Av.
Princesa Leopoldina, 25
122
Figura 35 Sala de refeições do casarão da Av. Princesa Leopoldina, 25 122
Figura 36 Fragmento do libreto da ópera Yara 126
Figura 37 Janete Clair e Dias Gomes 134
Figura 38 Dias Gomes em Moscou 137
Figura 39 Norma Blum e Zilka Salaberry no Teatrinho Kibon da TV Tupi 139
Figura 40 Neide Aparecida, no Teatrinho Trol, da TV Tupi 139
Figura 41 Reunião dos alunos de arquitetura da UFRJ, 1967 149
Figura 42 Passeata dos 100 mil, 1968 152
Figura 43 Eva Tudor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e
Norma Blum, Passeata dos 100 mil, 1968
152
Figura 44 Dias Gomes em produção 159
Figura 45 Dias Gomes em produção 2 159
Figura 46 Guilherme Dias Gomes 160
Figura 47 Alfredo Dias Gomes 160
Figura 48 Denise Emmer Gomes 160
Figura 49 Dias Gomes e Maíra Gomes 161
Figura 50 Dias Gomes, Maíra e Luanda Gomes 161
Figura 51 Sepultamento de Dias Gomes 163
Quadro 04 Relação entre a vida e a obra de Dias Gomes 164
Figura 52 Procópio Ferreira, como Odorico Paraguaçu 170
Figura 53 Rolando Boldrin, como Odorico Paraguaçu 170
Figura 54 Paulo Gracindo, como Odorico Paraguaçu 171
Figura 55 Marco Nanine, como Odorico Paraguaçu 171
38
Quadro 05 Estrutura dos folhetins 174
Figura 56 Paulo Gracindo, Floriano Faisal, Olga Nobre, Ísis de Oliveira e
Elza Gomes: elenco da Rádio Nacional do Rio de Janeiro
192
Figura 57 Capa – O Direito de Nascer 192
Figura 58 Capa – O Direito de Nascer 2 192
Figura 59 Capa – O Direito de Nascer 3 193
Figura 60 Revista do Rádio-Teatro n
o
41 193
Figura 61 Artigo da Revista do Rádio: “O Direito de Nascer” 193
Figura 62 Encarte da Revista do Rádio 193
Figura 63 Capa da Revista do Rádio 194
Figura 64 Transmissão da radionovela com os radioatores Aurélio de
Andrade, Lúcia Helena, Celso Guimarães, Saint Clair Lopes e
Floriano Faissal
196
Figura 65 Revista Santista Flama, com os atores Walter Forster, Rosália
Ferraro e demais componentes do elenco de “Cinco Dias de
Felicidade”
205
Figura 66 Transmissão da Radionovela “O Homem Demônio”, com os
atores Abimar Lopes, Hermes Lima e Áurea Domingues
206
Figura 67 Companhia Abigail Maia & Oduvaldo Viana 214
Figura 68 Fernanda Montenegro, radioatriz 214
Figura 69 Capas das edições de “Jerônimo – O Herói do Sertão” 215
Figura 70 Propaganda do Sabonete Eucalol 220
Figura 71 Arquivos da Rádio Nacional 221
Figura 72 Setor de Pesquisa, Rádio Nacional do RJ 221
Figura 73 Mesa de sonoplastia da Rádio Nacional do Rio de Janeiro
228
Figura 74 Transmissão da radionovela-piloto “Marcelino, Pão e Vinho” 233
Figura 75 Norma Benguel, TV Rio, 1958 234
Quadro 06 Trânsito da dramaturgia de Dias Gomes pelo rádio e televisão 238
Figura 76 Dias Gomes, em trabalho de composição 240
Quadro 07 Dramaturgia televisiva de Dias Gomes 241
Figura 77 A família diante da televisão 242
39
Figura 78 Leonardo Vilar e Dionísio de Azevedo, em “O Pagador de
Promessas”, adaptação para o cinema
251
Figura 79 Paulo Gracindo, na Telenovela “Bandeira 2” 251
Figura 80 Um anônimo pagador de promessas no Círio de Nazaré, em
Belém do Pará
255
Figura 81
Figura 82
Cerimônia da Irmandade da Boa Morte na cidade de Cachoeira
Peça “O Pagador de Promessas”
255
256
Figura 83 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, no TNC 258
Figura 84 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, direção de Graça Melo,
Teatro Santa Isabel, Recife
259
Figura 85 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, montagem da
Fundação Gregório de Matos, Salvador
259
Figura 86 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, pelo Teatro de
Amadores de Pernambuco
260
Figura 87 Sincretismo religioso na Procissão de Santa Bárbara 268
Figura 88 Iansã 269
Figura 89 Santa Bárbara 269
Figura 90 Oferendas à Iansã 270
Figura 91 Procissão de Santa Bárbara 270
Figura 92 Oyá de Mãe Rosa, Alagoinhas, BA 270
Figura 93 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, montagem no
Berkshire Playhouse, Massachusetts
274
Figura 94 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, com Maurício Nabuco
e Natália Timberg. Montagem do TBC
276
Figura 95 Peça “O Pagador de Promessas” com Luiz Linhares, Beatriz
Veiga e Sebastião Vasconcelos. Montagem do TNC
278
Figura 96 Peça “O Pagador de Promessas” com José Renato. Montagem do
TNC
278
Figura 97 Cena da peça “O Pagador de Promessas”, na montagem cubana 279
Figura 98 Leonardo Vilar, na adaptação para o cinema de “O Pagador de
Promessas”
279
Figura 99 Dias Gomes, na estréia da versão para cinema de “O Pagador de
Promessas”
280
40
Quadro 08 Esquema analítico da dramaturgia de “O Pagador de Promessas” 283
Figura 100 Diploma de premiação do filme “O Pagador de Promessas”, com
a Palma de Ouro em Cannes
285
Figura 101 Filme “O Pagador de Promessas” 286
Figura 102 Juri dos Longas Metragens do 15
o
Festival de Cannes 287
Figura 103 Leonardo Vilar, em “O Pagador de Promessas” 288
Figura 104 Leonardo Vilar, em cena do filme “O Pagador de Promessas” 293
Figura 105 Henri Doublier, Eduardo Escalante, Dias Gomes e Marie Jeanne
Calasans, em reunião para a criação da ópera “O Pagador de
Promessas”
295
Figura 106 José Mayer e Denise Milfont, na adaptação de “O Pagador de
Promessas” para a televisão
302
Figura 107 José Mayer: “O Pagador de Promessas” na TV 304
Figura 108 Acesso às capelas de Monte Santo, BA 305
Figura 109 Capela da Paixão de Cristo, Monte Santo, BA 305
Figura 110 José Mayer e Denise Milfont: adaptação de “O Pagador de
Promessas” à TV
306
Figura 111 José Mayer, na adaptação de “O Pagador de Promessas” para a
televisão
308
Figura 112 Capa do LP, com a trilha sonora da adaptação de “O Pagador de
Promessas” para a televisão
308
Figura 113 Cenas de abertura da adaptação de “O Pagador de Promessas”
para a televisão
309
Figura 114 “Banner” da montagem da ópera “O Pagador de Promessas”, no
Teatro João Caetano, Rio de Janeiro
315
Figura 115 Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, Teatro João Caetano,
Rio de Janeiro
317
Figura 116 Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, Teatro João Caetano,
Rio de Janeiro 2
317
Figura 117 “O Pagador de Promessas”, Ária da Minha Tia, Teatro João
Caetano, RJ
317
Figura 118 Ópera “O Pagador de Promessas”, A beata, Teatro João Caetano,
Rio de Janeiro
318
41
Figura 119 Ópera “O Pagador de Promessas”, Ária do Padre Olavo, Teatro
João Caetano, Rio de Janeiro
318
Figura 120 Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João
Caetano, Rio de Janeiro
319
Figura 121 Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João
Caetano – Rio de Janeiro 2
320
Figura 122 Cartaz da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João
Caetano – Rio de Janeiro
321
Figura 123 Cartaz de “O Pagador de Promessas”, montagem em Nova York 321
Figura 124 Mapa da divisão política dos bairros do Rio de Janeiro 337
Figura 125 Dina Sfat e Mário Lago 344
Figura 126 Osmar Prado, Djenane Machado e Carlos Vereza
345
Figura 127 Paulo Gracindo 346
Figura 128 Paulo Gracindo 2 346
Figura 129 “O Bem Amado” 348
Figura 130 “O Espigão” 348
Figura 131 Lima Duarte e Beth Faria
349
Figura 132 Raphael de Carvalho 351
Figura 133 Juca de Oliveira 351
Figura 134 Telenovela “Sinal de Alerta” 353
Figura 135 Dias Gomes e Ferreira Gullar 354
Figura 136 Lima Duarte e Regina Duarte 355
Figura 137 Paulo Gracindo e Marília Pêra 357
Figura 138 José Wilker e Paulo Gracindo 357
Figura 139 Cenas de “Bandeira 2” 360
Figura 140 Cenas de “Bandeira 2” 360
Figura 141 “Jovelino Sabonete” 361
Figura 142 Elisângela, Stepan Necerssian, Míriam Pires, Felipe Carone,
Paulo Gracindo e Ilka Soares
362
Figura 143 José Wilker e Marília Pêra 362
Figura 144 Milton Moraes e Paulo Gracindo 362
42
Quadro 09 Atores e personagens da telenovela “Bandeira 2” 363
Figura 145 Paulo Gracindo e Dias Gomes
365
Figura 146 Paulo Gracindo e Carlos Koppa, “O Rei de Ramos”, Teatro João
Caetano, RJ
366
Figura 147 Roleta do Jogo do Bicho 371
Figura 148 Caixa com roleta portátil 371
Figura 149 Boleto de apostas – 1940 371
Figura 150
Figura 151
Apresentação de Revista no Teatro Recreio
Companhia Tró – ló – ló, espetáculo “Meia noite”
373
374
Quadro 10 Análise dos quadros da peça “O Rei de Ramos” e os focos
abordados
376
Quadro 11 Esquema analítico da dramaturgia de “O Rei de Ramos” 380
Figura 152 Boleto de apostas do Bicho 381
Figura 153 Desfile da Escola de Samba Beija Flor, em 1976 384
Figura 154 Estampas de Ângelo Agostini sobre o Jogo do Bicho 385
Figura 155 Barão de Drummond 385
Figura 156 Boulevard 28 de setembro, RJ 386
Figura 157 Jardim Zoológico, RJ 386
Figura 158 Cartum do Jogo do Bicho 393
Figura 159 Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, 2005 394
Figura 160 Carnaval no Rio Antigo – 1915 395
Figura 161 Pierrot, Arlequim e Colombina 395
Figura 162 Corso na Av. Rio Branco, RJ 396
Figura 163 Desfile no Rio de Janeiro 396
Figura 164 Ranchos na Av. Rio Branco, RJ 396
Figura 165 Carnaval de rua, Av. Rio Banco, RJ 396
Figura 166 Tia Ciata 398
Figura 167 Casa de Tia Ciata, onde nasceu o samba carioca 398
Figura 168 Ismael Silva, no ensaio da 1
a.
Escola de Samba, “Deixa Falar” 400
Figura 169 Mapa do Rio de Janeiro dividido por zonas 401
Figura 170 Fazenda do Coronel Ramos 402
Figura 171 Mapa do Rio, com a localização da antiga Vila Gérson 403
43
Figura 172 Nuno Leal Maia e Nelson Xavier 407
Quadro 12 Construção de “Scripts” 409
Figura 173 “O Rei do Rio” 410
Figura 174 Cartaz d’ “O Pagador de Promessas”, França 419
Figura 175 Igreja do Santo Sacramento do Passo, em Salvador – Bahia 422
Figura 176 Cena da adaptação para televisão d’ “O Pagador de Promessas” 425
Quadro 13 Análise da “Ária de Marli”, da ópera “O Pagador de Promessas” 433
Quadro 14 Análise da frase melódica da “Ária de Marli”, da ópera “O
Pagador de Promessas”
434
Figura 177 Partitura da “Ária de Marli”, da ópera “O Pagador de Promessas” 435
Figura 178 Partitura da “Ária de Marli”, ópera “O Pagador de Promessas” 436
Quadro 15 Atores/cantores e personagens da ópera “O Pagador de
Promessas”
438
Figura 179 Logomarca de “Bandeira 2” 459
Figura 180 Dias Gomes 461
Figura 181 Subúrbio de Ramos, no passado 464
Figura 182 Cenas do subúrbio de Ramos, nos dias atuais 465
Figura 183 Taxímetro usado até os anos 1990 466
Figura 184 Marília Pêra, personagem Noeli 467
Figura 185 Imperatriz Leopoldinense, ensaio 469
Figura 186 Olaria Atlético Clube 469
Figura 187 Elisângela, em “Bandeira 2” 470
Figura 188 Paulo Gracindo em “Bandeira 2” 471
Quadro 16 Relações entre as personagens de “Bandeira 2” 472
Figura 189 O bicheiro Natal na avenida durante o desfile de sua Escola de
Samba Portela
474
Figura 190 O bicheiro Natal 474
Figura 191 Paulo Gracindo, dando vida à personagem Tucão da telenovela
“Bandeira 2”
474
Figura 192 Felipe Carone, dando vida à personagem Sabonete da telenovela
“Bandeira 2”
474
Quadro 17 Trecho da dramaturgia de “Bandeira 2” 475
Figura 193 Plínio Marcos e Milton Moraes em “Bandeira 2” 476
44
Figura 194 Felipe Carone e Ziembinski 476
Figura 195 Flávio Rangel 478
Quadro 18 Comparativo entre as personagens de “Bandeira 2” e “O Rei de
Ramos”
479
Quadro 19 Trecho da telenovela “Bandeira 2” 482
Figura 196 Paulo Gracindo 483
Figura 197 Carlos Koppa 486
Figura 198 Carlos Accioly 489
Figura 199 Felipe Carone 490
Figura 200 Marília Barbosa 491
Figura 201 Márcio Augusto 492
Figura 202 Leina Krespi 493
Figura 203 Roberto Azevedo 495
Figura 204 Jorge Chaia 495
Figura 205 Atores do elenco de “O Rei de Ramos” – Carlos Koppa,
Marilena Bibas, Cláudio Baltar, Cláudia Toller, Lili Mayer,
Cecília Badasi e C. Machado
505
Figura 206 Cena da Canção final de “O Rei de Ramos” 506
Figura 207 Gianni Rato, Cenógrafo de “O Rei de Ramos” 506
Figura 208 Kalma Murtinho, Figurinista de “O Rei de Ramos” 506
Figura 209 Fernando Azevedo, Coreógrafo de “O Rei de Ramos” 506
Figura 210 Francis Hime, Compositor de “O Rei de Ramos” 506
Quadro 20 Comparativo entre as personagens de “O Rei de Ramos”,
“Bandeira 2” e “O Rei do Rio”
511
Figura 211 Milton Gonçalves
512
Figura 212 Cena do filme “O Rei do Rio” 513
Figura 213 “Zé Malandro” 514
Figura 214 São Jorge 516
Figura 215 Ogum 516
Figura 216 Cena do filme “O Rei do Rio” 517
Figura 217 Nuno Leal Maia e Andréa Beltrão, em “O Rei do Rio” 519
Figura 218 Nuno Leal Maia e Nelson Xavier, em “O Rei do Rio” 520
45
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
23
29
CAPÍTULO
1
-
DO VERBO AO SILÊNCIO: ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS
DIDASCÁLIAS
39
1.1
CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO
39
1.2
ORGANICIDADE
96
CAPÍTULO
2
-
DO VERBO À AÇÃO: DIAS GOMES 116
2.1
O HOMEM, O TEMPO, O CIDADÃO
116
2.2
O HOMEM, A OBRA
2.3 A OBRA, OS TEMAS, OS FOCOS
163
171
CAPÍTULO
3
- DA AÇÃO À PALAVRA: A VOZ DE DIAS GOMES NAS
ONDAS DO RÁDIO
189
3.1
A DRAMATURGIA RADIOFÔNICA
189
3.2
A CENA NO IMAGINÁRIO
202
3.3
ALICERCE DAS DIDASCÁLIAS
221
3.4
A DRAMATURGIA HÍBRIDA
233
CAPÍTULO
4
-
O PRIMEIRO VERBO ESCOLHIDO DE DIAS GOMES
4.1 A ESCOLHA DAS OBRAS
250
250
4.2
O PAGADOR DE PROMESSAS
252
4.3
A PRIMEIRA APARIÇÃO
255
4.4
ZÉ-DO-BURRO, BRASILEIRO UNIVERSAL
258
4.5
SINCRETISMO RELIGIOSO BRASILEIRO
263
4.6
O ALICERCE DA CONSTRUÇÃO
270
4.7
O PAGADOR NO CINEMA
284
4.8
O PAGADOR NO RÁDIO
293
4.9
O PAGADOR NA TELEVISÃO
4.10 O PAGADOR NA ÓPERA
299
309
CAPÍTULO
5
-
O SEGUNDO VERBO ESCOLHIDO DE DIAS GOMES 328
5.1
A PRIMEIRA APARIÇÃO DO REI BICHEIRO
337
5.2
TUCÃO OU MIRANDÃO, UM BRASILEIRO COM CERTEZA
364
5.3
O ALICERCE DE CONSTRUÇÃO
369
5.4
O BICHO QUE DEU
380
5.5
VALE O QUE ESTÁ ESCRITO: O CUMPRIMENTO ÉTICO COM OS
CLIENTES
388
5.6
MECENAS DO MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA
393
46
5.7
RAMOS, TERRA DE CAPITÃO PARA BICHEIRO: NASCIMENTO E
DECENDÊNCIA DO TERRITÓRIO DO REI
400
5.8
O BICHEIRO REI NO CINEMA
404
CAPÍTULO
6
-
PALAVRAÇÃO
DOS
VERBOS
O
TRÂNSITO
417
6.1
A
MANUTENÇÃO
DO
DRAMA
ATRAVÉS
DAS
DIDASCÁLIAS
NO
TRÂNSITO
PELAS
DIFERENTES
DRAMATURGIAS
TRILHADAS
PELA
OBRA
“O
PAGADOR
DE
PROMESSAS”
417
6.2
A
MANUTENÇÃO
DO
DRAMA
ATRAVÉS
DAS
DIDASCÁLIAS
NO
TRÂNSITO
PELAS
DIFERENTES
DRAMATURGIAS
TRILHADAS
PELA
OBRA
“O
REI
DE
RAMOS”
6.3
TRÂNSITO
PELA
PONTE
DE
PALAVRAS
459
522
CONCLUSÃO 548
REFERÊNCIAS 556
ANEXOS 573
47
APRESENTAÇÃO
Olho-me no espelho e me vejo como era (ou sonhava ser) em minha
juventude um escritor afinado com seu povo, nada mais do que isso
1
.
34
Dias Gomes
A primeira vez que a dramaturgia de Dias Gomes chegou às minhas os e ao
meu espírito foi em 1971, através de minha professora de Literatura Myrian Cervo, no
ensino médio, e, por coincincia, meses depois o mesmo texto tornou-se foco de estudo e
refencia nas aulas de Maria Clara Machado, no Teatro Tablado.
O segundo momento aconteceu em 1990, quando morava em Salvador, já
passados vinte anos, e a peça “Meu Reino por um Cavalo foi apresentada, no extinto
Teatro Maria Bethânia, seguida de um debate, dirigido por Dias Gomes e com a
participação dos atores Paulo Goulart e Nicette Bruno, sobre o Teatro Brasileiro
Contemporâneo. Foi um momento ímpar, em que o dramaturgo apresentou-se à platéia
como um apaixonado pelo teatro, discorrendo sobre a força da dramaturgia e,
principalmente, reafirmando o seu compromisso com o povo brasileiro.
Deste segundo encontro até a fascinação pela obra de Dias transcorreram nove
anos, pontuada exatamente quando a notícia do falecimento do autor foi estampada na
mídia nacional e na internacional. Redescobri Dias Gomes e mergulhei com doçura e
encantamento em sua dramaturgia, numa pesquisa com um certo toque de remorso, por ter
me afastado tanto tempo dela; então, me dediquei arduamente a esse trabalho e consegui
montar um espetáculo.
Finalmente eu levava Dias Gomes à cena. Nessa época, eu dirigia um grupo de
teatro composto por adolescentes, Os Caricaturetas, um grupo de alunos-atores do
Colégio Marista de Salvador, com quatorze anos de palco sob minha direção. Levei à
trupe a proposta da montagem do texto Um defunto à baiana, de Dias Gomes, que iria
representar a Bahia no Festival de Arte e Cultura da Proncia Marista do Brasil-Norte, na
cidade de João Pessoa.
Durante o processo de pesquisa para a montagem do espetáculo, desenvolvi,
junto aos alunos-atores, um trabalho criterioso sobre a obra de Dias Gomes, como as
diversas linguagens arsticas foram utilizadas por ele, o momento histórico e estético de
seu processo criativo, as características do seu estilo, os tipos marcantes por ele criados, a
opção por fazer rádio e televisão, quando afirmava que só gostava mesmo de fazer teatro,
as experiências que o dramaturgo realizou pelo cinema.
Inseridos neste procedimento, três atores do grupo Luís Gomes, Clarice
Rodrigues e Silvana Sanches , na época vestibulandos, trouxeram para material de
34
discuses o texto que estavam estudando, O Manifesto Antropofágico”, de Oswald de
Andrade. Fiquei profundamente instigada em saber o porquê daquele material ter sido
abraçado por todo o elenco, ter sido acoplado à montagem das personagens do texto de
Dias Gomes, à composão corporal e vocal dos atores, à composição nica, que recebeu
o nome de “O
B
EM
A
MARGO
”. O trabalho funcionou e rendeu prêmios ao grupo, tanto em
Jo Pessoa, quanto em Salvador.
As experiências adquiridas neste espetáculo somaram-se à postura que eu já
havia assumido desde 1996, quando regressei de Lisboa, após um curso promovido pela
Cia Absurda, de Portugal, em convênio com o Clube de Artes e Idéias e a Fundação
Calouste Gulbenkian, a de perseguir, através da pesquisa acadêmica, o aprofundamento de
meus conhecimentos. Assim, em 2001, ingressei no Programa de s-Graduão em Artes
Cênicas (PPGAC) da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e, em outubro de
2002, obtive o grau de Mestre em Artes Cênicas, através da Dissertão “O REI AMADO:
A Antropofagia e o Teatro de Dias Gomes, sob a orientação da Professora Doutora
Catarina SantAnna.
A pesquisa acamica fez com que o mergulho na análise da obra de Dias
Gomes com bases científicas, cada vez mais, aumentasse o meu interesse sobre o
dramaturgo e sua vasta composição artística. Um fato foi primordial para que o
aprofundamento de meus estudos se desdobrasse em nova pesquisa, aconteceu exatamente
no dia 08 de outubro de 2002, no Salão Nobre da Escola de Belas Artes, durante a defesa
da minha dissertão. A banca examinadora foi composta por minha orientadora e as
professoras doutoras Suzana Martins, da UFBA, e Neyde Veneziano, da Unicamp. As ts
apresentaram inquirições, mas foi exatamente um questionamento da convidada paulista
que me fez partir, mais tarde, para a construção de minha tese de doutorado.
Neyde Veneziano solicitou que eu apresentasse a razão de Dias Gomes escrever
didaslias tão elaboradas e, em especial, ela destacou o seguinte trecho da obra “O Rei de
Ramos:
Balé. Na loja de Pai Joaquim, entre imagens de oris africanos, entre
zios, velas e patuás, o Boca-de-Alpercata instalou seu ponto. Diante
dele, alguns jogadores fazem seu jogo. Boca-de-Alpercata escreve as
apostas num talão. Os homens de Pedroca entram, cautelosos, um após
outro, evoluem em torno do bicheiro carregando enormes imagens de
orixás. A música e a coreografia criam o clima: preparação para o assalto.
(...) Os homens de Pedroca evoluem pelo cerio e começam a destruir a
loja. (...) Todos se voltam para Pedroca, que surge de repente, de revólver
34
em punho. (...) Os bailarinos prosseguem na coreografia que traduz a
destruição da loja e do ponto. Os jogadores em pânico fogem. Pedroca
avaa para Boca-de-Alpercata, que se encolhe apavorado.
5
Rapidamente passei minha dissertação como um filme pela cabeça e cheguei à
história do dramaturgo, precisamente ao tempo da Rádio Nacional e de imediato respondi
que o período em que Dias trabalhou no rádio lhe obrigava a escrever as indicões
minuciosas para suprir as dificuldades de se chegar ao público só através da audição e que
acabou por tornar-se um hábito.
A partir daquele dia tive a certeza de que eu mesma precisava sair em campo
para fazer perguntas e buscar respostas a respeito da obra de um dramaturgo baiano, que
praticamente não tem suas criações montadas na Bahia, um brasileiro que como a grande
maioria teve que “engolir cobras e lagartose dar nó em pingo d’água para manter-se
vivo e que escreveu para o teatro, para o rádio, para a televisão e para o cinema, tendo
sempre uma meta, a manutenção de seus princípios ideológicos, inseridos numa realidade
brasileira para dialogar com questões universais.
Eu quero pesquisar Dias Gomes. Com essa determinação, elaborei o meu
primeiro projeto e consegui matricular-me como aluna especial do curso de doutorado do
PPGAC, durante os dois semestres de 2003, período em que fui aluna de minha atual
orientadora, a Professora Doutora Eliene Benício Amâncio Costa. Em 2004, entrei no
programa como aluna regular, já com o segundo projeto, com um recorte bem mais
definido, eu queria pesquisar as didascálias de Dias Gomes, e, já inserida no turbilhão, me
dei conta das grandes barreiras que teria que superar até a chegar à produção final da
pesquisa.
Ponte de Palavras Didaslias: A dramaticidade das indicões nicas no
Teatro de Dias Gomes. Esta é a minha pesquisa e para ela doei toda a minha foa de
trabalho, toda a minha impertinência, toda a minha teimosia.
Em primeiro lugar, a bibliografia histórica e técnica a respeito das didaslias é
bastante escassa, mesmo assim, tive um forte aliado neste primeiro momento tão
importante, o Professor Doutor Ewald Hackler, que colocou à minha disposição a sua
experiência, o seu conhecimento e seu extenso acervo.
Entretanto, o obstáculo maior estava por vir e esse não seria de cil solução.
Dias Gomes viveu dois casamentos, o primeiro com a radioatriz e escritora Janete
Clair, com quem teve cinco filhos, infelizmente dois não sobreviveram, uma união que durou
33 anos; o segundo, com Maria Bernadeth Lyzio, com quem teve duas filhas, união que durou
34
12 anos. O fato de se abordar estas questões matrimoniais neste trabalho é devido ao episódio
que ocorreu após a morte de Dias e que inviabilizou o acesso ao acervo do dramaturgo,
dificultando o meu processo de pesquisa.
Dias confirmou seu segundo casamento com 67 anos, assim, com separação total de
bens. Pela lei, os cinco filhos têm que receber os direitos autorais sobre todo e qualquer texto
do escritor usado em qualquer linguagem, seja para o teatro, cinema, rádio ou televisão. Como
uma das filhas do segundo casamento irá atingir a maioridade em 2012, quando então o
juiz decidirá sobre a partilha; até essa data, o espólio do dramaturgo está inviolável sob
custódia judicial. Desta forma, o trabalho de pesquisa tornou-se muito mais árduo e sem a
possibilidade de ter acesso direto ao acervo.
Diante da situação, eu e minha orientadora, Eliene Benício, articulamos estratégias
para chegarmos o mais próximo possível dos documentos que poderiam formar um espelho
desse acervo. A linha mestra foi a autobiografia de Dias Gomes “Apenas um Subversivo”, e o
ponto de partida uma frase do livro: “Fiz mais de 500 adaptações para o rádio-teatro.”
6
Estabeleci os contatos, tomei as providências necessárias e parti para o Rio de
Janeiro. No Centro de Pesquisa da Rádio Nacional, ultrapassando uma série de acidentes de
percurso, consegui ter acesso aos arquivos fechadíssimos da rádio, onde recolhi um vasto
material que foi vital para a composição da minha pesquisa.
Ainda no Rio, seguindo o mapa traçado pela Professora Doutora Ângela Reis e
procurando os contatos indicados por ela, consegui nos Arquivos da Funarte documentos
substanciais para a sustentação dos objetivos do meu trabalho.
Antes de retornar a Salvador, deixei encontros para pesquisa firmados com a
Fundação Getúlio Vargas, com a Casa de Cultura Lauro Alvim, com a Fundação Roberto
Marinho, com a Central Globo de Produções e, através de amigos comuns, estabeleci contatos
com atores que participaram das montagens de obras de Dias Gomes e que possuíam em seus
documentos particulares, textos usados em seu trabalho, como o ator Leonardo Villar. Então,
retornei várias vezes para dar continuidade à pesquisa. Ao todo foram oito viagens ao Rio de
Janeiro, numa “garimpagem de doses homeopáticas”. Torna-se importante ressaltar que a
utilização desses “atalhos” merece uma nota de esclarecimento, uma vez que, esses
documentos foram capturados, em sua maioria, sem portarem as informações necessárias para
a identificação e localização precisas, como número das páginas de periódicos, fontes
bibliográficas e identificação precisa de autoria.
34
A cada leitura, a cada nova abordagem, a cada notícia, a obra de Dias Gomes
descortina uma ação forte e minuciosa de uma dramaturgia que está sempre atual, porque trata
da natureza humana, das suas dores, das suas fraquezas e da sua alegria de viver.
INTRODUÇÃO
O Teatro está no meu sangue, é uma compulsão, é uma necessidade
7
.
34
Ao se considerar as didascálias como objeto de análise, inseridas num estudo que
tem como ponto de partida o texto dramático, deve-se levar em conta, em primeira instância, a
composição desta obra formada por dois núcleos de discurso: o dialógico e o didascálico, que
em igualdade de importância se intercambiam; e, em segunda instância, que a união dos
diálogos e das didascálias constitui a possibilidade da encenação.
Entende-se que o escritor, ao optar por um texto dramático, tem em mente a
montagem cênica de sua obra, e – sendo as didascálias, na estrutura teatral, a zona de
interseção entre o espaço literário e o espaço nico –, são exatamente elas que marcam a
presença do autor durante a materialização do espetáculo.
Deve-se levar em conta, também, que toda leitura de um texto dramático pressupõe
uma ação consciente da duplicidade que ele possui: texto e espetáculo. O leitor diante da
dramaturgia torna-se “encenador” de um espetáculo exclusivo, “virtual” e único. Portanto,
para a dramaturgia, a literariedade é tão importante quanto a funcionalidade cênica. A
dramaturgia deve ter uma ação enérgica e ser capaz de levantar um campo de imagens
materializáveis pela mente do leitor ou pelo olhar do encenador.
A idéia de criar indicações cênicas, instruções para montagens, nasceu na Grécia,
na prática dos tragediógrafos, que repassavam aos atores e ao coro a forma e as condições de
apresentarem o drama. Quando escritas, inicialmente, não passavam de pequenos traços à
esquerda do texto, marcações de entrada e saída de atores; mais tarde registravam, no
máximo, o nome das personagens antes das plicas. Ressalta-se que este comportamento foi
desenvolvido, ao longo dos anos, pelos copistas, não pelos poetas, no desejo de resgatar as
orientações repassadas através da oralidade.
As didascálias marcam a presença do dramaturgo como primeiro encenador de um
espetáculo, pois se trata de um registro literário, de uma específica “poética cênica”, que o
autor projeta ao então leitor/espectador. Sobre esta colocação, Luís Fernando Ramos, em “O
Parto de Godot” propõe: “(...) é a forma literária da cena na cabeça do autor, este encenador
conceitual, e como tal se torna vital para o leitor que encena imaginariamente, sem ter o
espetáculo para se referir.”
v
Sabe-se que um texto, do latim “textum” – tecido, entrelaçamento –, é uma unidade
de organização e transmissão de idéias, conceitos, informações, construída através do ato de
tecer idéias. Para a lingüística, o texto é uma unidade de estudos acima das frases e períodos,
dotada de fenômenos próprios e inexplicáveis pelas teorias gramaticais. Pode-se, então, inferir
34
que o espetáculo no palco demanda de uma produção textual, tenha sido ela escrita ou não,
verbalizada ou não. Porém é necessário entender que os teóricos atestam diferença entre a
dramaturgia e o texto cênico. Patrice Pavis
vi
define a dramaturgia e o texto cênico da seguinte
forma:
A dramaturgia, no seu sentido mais genérico, é a técnica da arte dramática
que procura estabelecer os princípios da construção da obra, seja
indutivamente a partir de exemplos concretos, seja dedutivamente a partir de
um sistema de princípios abstratos. Esta noção pressupõe um conjunto de
regras especificamente teatrais, cujo conhecimento é indispensável para
escrever uma peça e analisá-la corretamente.
vii
O texto cênico ou texto espetacular é a relação de todos os sistemas
significantes usados na representação e cujo arranjo e interação formam a
encenação. O texto cênico é uma noção abstrata e teórica e não empírica e
prática.
viii
Atualmente pode-se constatar que a dramaturgia contemporânea é marcada pela
diversidade, “construída segundo as regras do “playtime” ou do “storyboard”, estruturada em
padrões de ação e diálogo, (...) ela desafia generalizações.”
ix
Como também, por outro
aspecto, muitos diretores queixam-se de que as didascálias afastam a mágica de ilusão e
retiram deles a possibilidade de usar a imaginação para recriar as partes camufladas da cena;
portanto, muitas vezes, a dramaturgia é de tal forma transformada que se torna impossível
identificá-la em cena, tem-se uma nova dramaturgia, uma releitura do texto original.
Inseridos no universo da dramaturgia estão o leitor, o encenador, o ator e o público,
prontos a vivê-la, seja através da leitura solitária ou inclusos na doação global à trama e às
personagens, inseridos em suas vidas e em suas histórias, junto a eles estão as didascálias.
Pode-se também afirmar que as didascálias funcionam como pontes entre o
segmento dialógico da dramaturgia e a sua encenação ou, simplesmente, a sua leitura.
Enquanto texto escrito, elas podem ser detectadas no nível literário, pois, quando o drama
torna-se espetáculo, as didascálias desaparecem no nível lingüístico, assumindo outros
códigos, a não ser que sua exposição seja intencionalmente utilizada pelo encenador
x
. O
material que constitui as didascálias tem sua força no imaginário, seja como ficção literária,
como indicação de ações para atores ou como propostas cênicas para uma encenação. Quando
um pesquisador procura um ponto de contato com uma encenação passada ou futura, ele
recorre às didascálias, porque ali se encontram as primeiras visões do dramaturgo em relação
“à encenação de seu texto”, não nada de concreto, mas se pode visualizar a cena pelos
olhos do autor. Luiz Fernando Ramos afirma quanto às didascálias:
34
(...) como literatura, um gênero muito específico. Tem o espetáculo como
tema e finalidade e está a meio caminho entre o romance e a poesia lírica,
entre a prosa do livro técnico e o texto narrativo e descritivo do jornal. Como
diário de bordo que descreve o naufrágio, o caderno de anotações que narra a
batalha perdida ou a caixa preta que informa sobre o desastre aéreo, ela (a
didascália) é o único resquício confiável de uma viagem transcorrida.
xi
Na contemporaneidade, a maioria dos textos dramáticos apresenta diálogos
completos acompanhados de didascálias, onde estão expostos conflitos entre personagens e
são apresentadas as relações estabelecidas em determinadas circunstâncias, além de
indicações espaciais, referências técnicas com relação à iluminação, figurino, cenário,
distribuição dos atores na cena, tipo de palco, ou seja, as indicações necessárias para
transformar um texto em um espetáculo.
Através das didascálias, o dramaturgo propõe suas colocações, anuncia sua visão
subjetiva da encenação, com o objetivo de facilitar a projeção da intenção das ações
desenvolvidas pelas personagens, clarifica os focos que ele sente como importantes para a
melhor compreensão do processo de comunicação entre as personagens que serão
representadas pelos atores. Durante o processo de criação da dramaturgia, o escritor imagina
que as ações acontecerão em determinado espaço, pode ser uma rua, uma praça, um
laboratório, um espaço virtual. Ele projeta as suas personagens nesse seu cenário mental,
diante de um público que ele cria em sua imaginação, e nesse público o dramaturgo se insere.
As didascálias permitem que o público leitor penetre nesse cenário mental, no qual
o dramaturgo criou toda a trama. Se as observações são esclarecedoras, profusas, muito
detalhadas, pode-se conjecturar que o dramaturgo propõe uma possível encenação
subordinada à sua própria direção, então, afirma-se que essa colocação esteja associada a uma
previsão do autor para a execução de quaisquer das ações.
A Tese “Ponte de Palavras Didascálias: A Dramaticidade das Indicações Cênicas
no Teatro de Dias Gomes” foi desenvolvida pelo PPGAC Programa de Pós-Graduação em
Artes Cênicas da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, centrada na Linha IV de
Pesquisa: Dramaturgia, História e Crítica do Teatro. Esta pesquisa levantou a composição de
104 obras dramáticas. Entretanto, sem ter tido acesso para registro às mais de 500 adaptações
escritas para o radioteatro, como também aos textos escritos para a televisão que não foram
assinados pelo autor devido aos seus comprometimentos políticos avessos ao regime vigente.
A dramaturgia de Dias Gomes caracteriza-se por uma linguagem simples, coloquial
e revolucionária
xii
; a leitura de seus textos revela que o autor mantém uma crítica incisiva à
realidade brasileira, tipos carregados de sátira, humor e verdade. Dias projeta um olhar no
34
palco ao escrever seus textos, a começar pela configuração espacial e as propostas de
cenografia, sem contar a presença contundente das didascálias, que inferem as conotações
desejadas pelo autor à sua obra, no que diz respeito às propostas de sua dramaturgia para a
encenação. Anatol Rosenfeld ao referir-se à dramaturgia de Dias Gomes atesta:
A dramaturgia de Dias Gomes apresenta e analisa, em todas as peças,
um mundo de condições, atitudes e tradições cerceadoras, de forças
mancomunadas com a inércia, a estreiteza ou a hipocrisia; mundo
carregado de pressões e conflitos que tende a suscitar a luta, franca ou
dúbia, coerente ou não, pela liberdade e pela emancipação, pela
dignidade e pela valorização humanas.
xiii
Dias Gomes transitou pelas dramaturgias para o teatro, o rádio, o cinema, a
televisão e a ópera, num trabalho construído a partir de um estudo profundo da dramaturgia
universal, especialmente quando desenvolveu adaptações de grandes obras para o rádio,
veículo que demanda do escritor o domínio da técnica de conceber as didascálias que
produzirão cenas para serem apenas ouvidas. Esse treinamento forneceu-lhe o domínio do
câmbio pelas linguagens da representação, mantendo uma mesma linha de composição, que se
sustentou através das didascálias.
A criação artística de Dias Gomes, num país de opostos, que oscila entre a pobreza
absoluta e a exacerbada concentração de renda, é repleta de personagens dotadas de grande
força, obtida através da absorção e modificação das várias culturas formadoras do povo
brasileiro, ao longo dos séculos, que o dramaturgo bem soube captar.
A obra de Dias Gomes apresenta uma clara intenção em inverter as relações:
colonizador/colonizado ou dominador/dominado, que ele considerava “ridículas”.
xiv
A
experiência pessoal absorvida por Dias, durante toda a vida, desde a infância à idade adulta,
tornou-se o alicerce da construção do homem. Soube manter-se de pé, mesmo quando
submetido à estrutura política dominante, à sociedade corrompida e de aparências e à
conjuntura econômica que beneficia aos poderosos. Tudo que ele viveu constituiu-se no
material para a construção de sua obra dramática.
O percurso do escritor foi sua grande arma na aquisição do domínio da construção
de uma dramaturgia que refletisse seus ideais. Em sua autobiografia, que lançou em maio de
1998, Dias Gomes escreveu:
Deus é um bom dramaturgo, não se pode negar, sabe jogar com suas
personagens, sabe torná-las verossímeis dentro da inverossimilhança total da
vida, essa tragédia farsesca. Consegue fazer com que seus intérpretes lutem
34
por seus papéis desesperadamente na ilusão de poder melhorá-los com uma
contribuição pessoal, quando Ele, cioso de sua obra, não admite cacos,
atitude que apóio integralmente. Só um reparo: repete-se muito, pois todas as
suas peças têm sempre o mesmo e previsível desfecho a morte. Sei que é
antiético falar mal de um colega, mas Deus sofre de milenar falta de
imaginação.
xv
O crítico e historiador Sábato Magaldi
xvi
afirma, em sua obra Moderna Dramaturgia
Brasileira, que a seqüência de peças que, na cada de cinqüenta, vinha trazendo acréscimos
temáticos à dramaturgia brasileira foi engrandecida pelas obras de Dias Gomes, que têm
bastante lucidez ao tratar de conflitos sociais. Todo texto é uma atividade política, porque
exige uma tomada de posição e um comprometimento com aquilo que é pensado e vivido. A
dramaturgia de Dias Gomes – seja ela expressa em suas tragédias, farsas ou comédias,
trazendo temáticas populares e sátiras políticas contra os abusos do capitalismo –, traz como
protagonistas personagens que se revelam à margem do sistema, mostrando, exatamente, o
conservadorismo decadente da Sociedade e do Estado.
Uma das características de Dias Gomes é que era um homem ciumento de suas
obras. Detestava que os atores acrescentassem improvisos e, quando isso acontecia, mandava
um recado desaforado: “Dispenso colaborações”.
xvii
Radical em suas decisões, criticava
colegas comunistas da área teatral que queriam falar para o povo, mas falavam mal da
televisão, que ele também não gostava, mas reconhecia o valor enquanto meio de veiculação
de idéias e obras, e, em particular para ele, meio de sobrevivência quando a política cerrou as
portas do teatro para seu trabalho. O zelo do dramaturgo por sua obra fica expresso na forma
como escrevia as didascálias detalhadas, minuciosas e de valia para o desenrolar da trama.
Os textos “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos” foram escolhidos como
objetos de análise nesta tese por pertencerem à segunda fase da produção de Dias Gomes
xviii
e
serem composições que transitaram por diversas linguagens, marcos na carreira do
dramaturgo. “O Pagador de Promessas” foi o primeiro fruto dessa sua fase e “O Rei de
Ramos” a estréia do autor no teatro musical. Ferreira Gullar afirma que “A ação do Pagador
que se deflagra já nos primeiros momentos da peça, é conduzida com intensidade e economia,
a cada quadro, arrastando-se de maneira irresistível até o desfecho final”.
xix
Luís Carlos
Maciel declara que “O Rei de Ramos” traz a visão do seu postulado básico que é
ideologicamente tido: a organização econômica é o fator determinante do comportamento
humano, na vida em sociedade, agente decisivo dos conflitos dramáticos.
xx
O caminho percorrido desemboca no Objetivo Geral dessa pesquisa que identifica a
influência das Didascálias através da sua história e suas relações com os aspectos culturais
34
no Teatro Ocidental –, na estrutura das tramas desenvolvidas por Dias Gomes pelas diversas
linguagens teatro, televisão, rádio, cinema e ópera na busca de manter a integridade das
propostas na dramaturgia do autor.
O primeiro capítulo deste estudo atendeu ao primeiro objetivo especifico com o
argumento de que a História das Didascálias serve de suporte para a análise das obras de Dias
Gomes. Desta forma – utilizando-se o método analítico, cronológico e sincrônico –, traçou-se
o percurso histórico das didascálias no Teatro Ocidental, trazendo para a pesquisa os autores
Patrice Pavis, Anna Spitzbarth, Luís Fernando Ramos, Nilda Guglielmi, Margarida Gandara
Rauen, Olga Reverbel, Maria João Brilhante, Fernando de Toro, Ana Pais e Renata Pallottini,
de forma a identificar a opção do dramaturgo e de que maneira sua postura de registro das
indicações influencia sua dramaturgia.
O segundo capítulo atendeu ao segundo objetivo específico ao considerar o
argumento de que os acontecimentos da História do Brasil, ocorridos em paralelo à vida do
dramaturgo, e a história de vida do escritor têm importância na criação da obra do
dramaturgo. Assim, fez-se uso da narrativa cronológica sincrônica através da literatura
comparada, que se utiliza de interferências, intercâmbios, intersecções. A comparação dos
textos é apenas o ponto de partida para a proposição de outras questões. Ela tem o dever de
pensar a História, não pode apenas abordar as questões, sem abordar outras obras, outras
ciências, uma vez que o encontro de culturas, pessoas e sociedades são indissociáveis. Traz
uma proposta de síntese, que integre uma gama de conhecimentos para detectar e evidenciar
questões.
xxi
Neste capítulo dialogou-se com os seguintes autores: Sábato Magaldi, Gisela
Swetlano Ortriwano, Alfredo de Freitas Dias Gomes, Yan Michalski, Mikhail Bakhtin, Robert
Levine, Décio de Almeida Prado, Fernando Peixoto, Flavio Aguiar, Claudio Cardoso de Paiva
e documentos dos acervos da Rádio Nacional, Funarte e Biblioteca Nacional, estabelecendo
uma relação entre a história do país e do autor e a sua produção artística.
O terceiro capítulo atendeu ao terceiro objetivo especifico acolhendo o argumento
de que as didascálias das obras de Dias Gomes, como recursos para a produção do drama e a
sustentação desse mesmo drama em diversas linguagens, tiveram origem no período em que o
autor trabalhou no rádio. Através do método analítico, sincrônico e cronológico, identificou-
se o papel do rádio no Brasil, da dramaturgia radiofônica, o trabalho desenvolvido pelo
dramaturgo neste veículo e a experiência por ele adquirida. Para a construção deste capítulo, a
peça fundamental foi a pesquisa de campo realizada na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, as
entrevistas com ouvintes da época, os documentos da Radiobrás e o diálogo com os seguintes
autores: Ademar Casé, Miriam Goldfeder, Mauro Alencar, Maria Cristina Brandão Faria,
34
Gisela Swetlano Ortriwano, Bertold Brecht, Nivaldo Ferraz, Julia Lúcia de Oliveira A. da
Silva, Werner Klippert, Mirna Spiitzer, Luiz Artur Ferraretto, Eveline Alves, Lia Calabri
Azevedo, Luiz Carlos Saroldi, Sônia Virgínia Moreira, Ana Ubersfeld, Catarina Sant’Anna,
Eduardo Meditsch, Doc Comparato, Alfredo de Freitas Dias Gomes.
Os quarto e quinto capítulos atenderam ao quarto objetivo específico, pois foram,
através da intertextualidade e da literatura comparada, analisadas as obras escolhidas, “O
Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”, recorte da obra de Dias Gomes, que apresentam
indicações cênicas que contribuem na estrutura dramática com a mesma intensidade dos
diálogos. Delas, estudaram-se as linguagens em que transitaram, o que permitiu o
reconhecimento por meio das didascálias –, da estrutura das personagens, do ambiente, da
ação, do tempo e da trama dramática, identificando os pontos em comum e a possibilidade do
trânsito das dramaturgias pelas diversas linguagens.
Ao repensar a tradição cultural brasileira, tem-se que colocá-la em posição
diferenciada e particularizada diante da tradição estrangeira, por sua vez absorvida por ela, em
decorrência da associação com a intertextualidade e tendo em vista uma perspectiva
sincrônica, no tocante à tradição cultural do Brasil, portanto, num procedimento dialógico,
polifônico, apresentado por Mikhail Bakhtin.
As marcas ideológicas do discurso, segundo Bakhtin, estão impressas
historicamente no sistema da língua. Sabe-se que uma única língua produz discursos
ideologicamente opostos, pois classes sociais diferentes utilizam um mesmo sistema
lingüístico. Nesse caso, deve-se reconhecer que os traços impressos na língua, a partir do uso
discursivo, criam em seu interior choques e contradições que fazem o autor afirmar que em
todo signo se confrontam índices de valor contraditório e que, em suma, “o signo se torna a
arena onde se desenvolve a luta de classes”.
xxii
Bakhtin diz que a investigação é
necessariamente um diálogo e que a compreensão se instaura a partir da atuação de duas
consciências, de dois sujeitos discursivos.
Júlia Kristeva ampliou o fenômeno do dialogismo, pensado e desenvolvido por
Bakhtin, batizando-o de intertextualidade, o que implica num diálogo constante do “eu” com
os outros “eus”. Portanto, considera-se como “interindividual” qualquer desempenho verbal,
inclusive o artístico, o que resultaria num entrelaçamento de discursos, carregados de sentidos
ideológicos e culturais, sobrepostos em cada palavra, ao longo da História, através de seus
usuários.
xxiii
O texto dramático é construído pelo entrelaçamento de fatos novos criados em
diferentes linguagens artísticas e diferentes códigos, verbais e não-verbais. Segundo Catarina
34
Sant’Anna, “o texto dramático e o texto cênico são dialógicos, polifônicos, intertextuais por
natureza”.
xxiv
Os capítulos quarto e quinto contaram com o suporte teórico de Mikhail Bakhtin,
Júlia Kristeva, Catarina Sant’Anna, Yan Michalski, Alfredo de Freitas Dias Gomes,
Reginaldo Prandi, Jeffrey Hatcher, Roman Bruni, Doc Comparato, Christopher Vogler, Edgar
Morin, Robert Mcleich, Lucrécia D’Aléssio Ferrara, Renato Ortiz, Claudio Cardoso Paiva,
Maria Cristina Brandão Faria, Fernando Peixoto, Patrice Pavis, Sergio Casoy, André Luiz
Dinis Gonçalves Soares, Helio de Araujo Evangelista, Martin Esslin, Gonçalo Silva Junior,
Artur da Távola, Humberto Eco, Neyde Veneziano, Sábato Magaldi, Michel Chion, Eugene
Vale, Sandro Massarani, Lia Calabri Azevedo e Renata Pallottini.
O sexto capítulo atendeu à hipótese de que as didascálias possibilitam o trânsito
entre diversas linguagens, nas obras do autor. Desta maneira, analisou-se, de forma descritiva
e crítica, a presença das didascálias propostas por Dias Gomes em “O Pagador de Promessas
e “O Rei de Ramos”, que permitem o fluxo da dramaturgia pelas diversas linguagens;
identificaram-se o trânsito e as conexões obtidas através das didascálias encontradas nos
textos, os momentos históricos nos quais as obras foram criadas, para as diversas linguagens –
o rádio, o teatro, a televisão, o cinema e a ópera –, além de permitir um diagnóstico crítico dos
resultados obtidos após as adaptações, no que diz respeito: à manutenção da narrativa cênica,
à construção e desenvolvimento das personagens, à delimitação das cenas, à amplitude
geográfica, à curva actacional da história e à consistência da ficção.
Nesse trajeto fez-se uso da técnica da literatura comparada, assim como se retomou
o projeto da construção da dramaturgia enquanto obra de dois núcleos, o didascálico e o
dialógico, e como se situam os textos de Dias Gomes na literatura teatral brasileira.
Para a produção deste trabalho, utilizaram-se a pesquisa histórico-crítica e a análise
descritiva. Tais formas operacionais nortearam o levantamento de dados e a análise dos
conteúdos. Além da bibliografia levantada, o mergulho nos documentos dos acervos da
Funarte Rio de Janeiro, da Biblioteca Nacional, da Fundação Getúlio Vargas, da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro, a disponibilização de fragmentos de textos utilizados por atores
que participaram das montagens das obras de Dias Gomes, a decupagem de entrevistas do
dramaturgo, que constam do arquivo de emissoras de rádio e televisão, o acervo pictórico e
literário disponibilizado através da rede mundial de computadores, compuseram as referências
que sustentam o estudo.
34
Também, deve-se ressalvar que, de acordo com o entendimento desta pesquisadora
e de sua orientadora, na intenção de focar o leitor na observação das didascálias, estas foram
escritas em negrito.
Considerou-se também os papéis do ator, do encenador e do leitor comum diante do
texto dramático. Além disso, a perda da hegemonia do texto literário, numa civilização
dominada pela imagem e pela valorização do espetáculo, o que acarretou mudanças na própria
constituição da dramaturgia e no seu espaço de veiculação, gerando a necessidade de se
abordar a relação da literatura com os demais meios de comunicação ou de manifestação
artística.
As informações em torno do estudo teórico das obras de arte em si, a comparação
entre obras dramáticas, os textos teóricos e os periódicos, amparadas em dados históricos,
políticos e biográficos, geraram o procedimento do Estudo de Caso para a validação de dados.
Assim como os anexos apresentam fotografias e documentos que também foram utilizados
neste trabalho.
Na conclusão desta pesquisa fica válida a hipótese de que as didascálias criadas por
Dias Gomes, dramaturgo brasileiro do Século XX, possuem importância imperativa na
construção e na estrutura da dramaturgia desse autor, assim como serviram de ponte para o
trânsito das obras dramáticas “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”, através das
linguagens do teatro, do rádio, da televisão, do cinema e da ópera.
A produção desse trabalho permitiu uma leitura do universo brasileiro, pleno de
verdades, humor, ironia, crítica social, religiosidade, marginalidade. Zé-do-Burro e Mirandão
transgridem as posturas legais, cada um ao seu modo, um com candura e firmeza e o outro
disposto a matar e morrer, mas ambos orquestrados por Dias, com a marcação rítmica oriunda
das didascálias, o chiado constante das sandálias de couro na areia arrastando uma cruz por
quilômetros infinitos, ou uma pulsação surda e contínua de um bumbo na cadência frenética
de uma escola de samba e que não deixa o “samba atravessar”. Como dizia Dias Gomes, “É
preciso, urgentemente, voltar a sonhar. Essa é a bandeira.”
xxv
34
CAPÍTULO 1 - DO VERBO AO SILÊNCIO: ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS
DIDASCÁLIAS
1.1 CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO
Ao iniciar um estudo acerca da importância das didascálias na dramaturgia de Dias
Gomes, torna-se necessário um estudo do caminho por elas percorrido no drama ocidental, ao
longo dos séculos de criação.
O homem sempre desejou registrar os acontecimentos da vida com o intuito de
perpetuá-los. O mais antigo relatório a respeito de uma produção dramática vem dos bancos
do Rio Nilo. Trata-se de uma lápide preservada num museu alemão, que contém a descrição
detalhada de um I-kher-nefert, ou Ikhernofret, isto é, o ator que representava o Faraó em
determinadas partes do jogo dramático que compunha a performance.
Figura 01- Lápide egípcia encontrada nos bancos do Rio Nilo
xxvi
Este documento (Figura 01) é o registro das ações características para a montagem
de uma encenação que ocorreu em torno do ano 2.000 a.C.
xxvii
Através dessa lápide, pode-se saber que o ator se preparava durante um tempo
determinado, por meio de um processo de meditação e isolamento, passando por um ritual de
34
purificação com banhos e incensos, abstinência de alimentos e obediência cega aos
sacerdotes. Em paralelo, acrescentava-se um treinamento físico e a composição específica da
personagem, através de figurinos adequados e maquiagem característica. Vários atores eram
preparados ao mesmo tempo para representar o deus, porém, aquele que o levaria à cena era
indicado pouco tempo antes do início da apresentação, através da leitura dos oráculos. Os
atores rejeitados obedeciam um período de reclusão, até que pudessem retornar à sociedade.
Quanto ao escolhido, após o espetáculo, recolhia-se ao templo com os sacerdotes, percorria os
rituais de meditação, de purificação e só recebia liberação depois de nova consulta aos
oráculos, para retornar ao convívio com o grupo e a família.
Não se tem a presença das didascálias, nem tão pouco as réplicas das personagens,
mas a sua importância para esta pesquisa, reside no fato de conhecer-se, nos dias de hoje, o
cuidado com os hábitos rotineiros dos atores na construção do espetáculo, a existência de uma
rotina cênica, que mesmo não tendo sido registrada através de indicações por escrito era
presente, reafirmando a sua importância na concretização da dramaturgia.
A dramaturgia brasileira bebeu na fonte do Teatro Grego, no texto trágico que
resultou da evolução do ditirambo,
xxviii
que a Tragédia nasceu da improvisação daqueles
que o entoavam.
O texto trágico provém de um conjunto de outras expressões literárias, como a
poesia lírica e a épica. Assim, quando a composição trágica começou a se constituir numa
forma dramática de penetração popular, havia uma longa tradição cultural, cujas origens se
perdem na História.
O pesquisador Junito de Souza Brandão afirma que “A Tragédia Grega nasceu do
culto de Dionísio”
xxix
e, assim, durante o culto, os devotos, após a vertiginosa dança, caíam
desfalecidos, acreditando que haviam se transformado internamente, pelo “êxtase”, e
estabelecido um relacionamento recíproco entre eles e o deus, através do entusiasmo.
O homem mortal em êxtase e entusiasmo, pleno de imortalidade, tornava-se um
herói, um homem que ultrapassou o “métron”, isto é, a medida de cada um. Uma vez que
ultrapassou o “métron”, o “anér” é um “hypocrités”, aquele que responde em êxtase e
entusiasmo, o ATOR.
O pecado de ultrapassar sua própria medida é uma “hybris”, uma violência contra si
mesmo e contra os deuses, o que gera a “némisis”, o ciúme divino, porque o ator torna-se um
competidor com os deuses. Desta forma, os deuses punem o “anér” com a “ate”, a cegueira da
razão. Portanto, tudo que o “hypocrités” fizer irá voltar-se contra ele mesmo, e em seguida
será tomado pela “moira”, o destino cego.
34
Durante as encenações teatrais, os atores, sempre homens, apresentavam-se com
Personas
xxx
, não revelando sua verdadeira identidade. As características das personagens
como a idade, o sexo, a importância social e o estado espiritual de cada uma vinham
explicitados na máscara, que trazia essas informações claramente identificáveis pelo público,
sem permitir nenhuma dúvida sobre qual o tipo de emoção que dominava a personagem
naquele determinado momento, funcionavam, por assim dizer, como indicações cênicas para
o entendimento da representação, como didascálias.
A maioria das tragédias da Antigüidade Clássica, que chegou aos dias de hoje, não
apresenta indicações para encenação, nem sequer assinala a mudança de personagens. Os
textos traziam a rica do coro e as réplicas das personagens, sem nenhuma divisão entre as
partes que as compunham. Como era hábito no teatro grego do período clássico as
personagens saudarem um interlocutor, quando este se aproximava, chamando-o pelo nome,
esta saudação era a única forma de se detectar a quem pertenciam as réplicas que se seguiam.
Leve-se em conta que a sociedade convivia entrelaçada à recepção do mundo através da
oralidade, portanto, o raro leitor ou um provável encenador, que não fosse o autor, só
distinguiam a personagem a quem pertencia a réplica através desse cumprimento e não por
meio de uma didascália.
Os gregos denominavam Didascálias as orientações, as advertências, as instruções
que os poetas dramáticos passavam oralmente aos atores, sobre a forma de interpretar os
textos dramáticos por ele criados. Também coexistiu, na Grécia, uma forma poética
classificada de Poema Didático ou Poema Didascálico. O Poema Didascálico é uma divisão
específica do gênero épico, sua definição pode ser entendida pela sua finalidade, isto é, sua
missão específica de instruir. Seu objeto não é o mito, nem as façanhas heróicas, mas sim a
“verdade”. Como as obras épicas, ele era escrito em hexâmetros
xxxi
, versos de ritmo simples,
que facilitava a memorização.
O Poema Didascálico apresenta características comuns e permanentes às obras mais
representativas: divisão de papéis: o poeta-encenador e o aluno a quem a obra se destina;
participação real do poeta na elaboração da obra: obra original, criação poética de um texto
em prosa; – conexão difícil entre forma e conteúdo.
No Século VIII a.C., o poeta grego Hesíodo compôs os primeiros poemas Didascálicos da
literatura ocidental, “A Teogonia”,
xxxii
poesia que expressa toda uma visão de mundo. O
Poema Didascálico proporcionava a “encenação prazerosa”, mesmo que não houvesse um
texto escrito, os elementos rítmicos e fonéticos, que estruturavam o poema, facilitavam a
memorização. O que fez com que sua utilização fosse comum a muitos poetas, como, por
34
exemplo, Calímaco de Cirene, que foi diretor e bibliotecário de uma escola em Alexandria,
dentre o grande número de suas obras, desenvolveu também poemas Didascálicos.
xxxiii
Durante o início do processo de formação do teatro, enquanto gênero, a palavra
grega sinônima da expressão “representação teatral” era Didascália, cujo significado era “o
mestre, o professor”. Tecnicamente, para se referir ao diretor da encenação, usava-se a palavra
Didascália, ou “Mestre”. Como afirma Roy Carton Flickinger:
No início, as didascálias e o autor eram a mesma coisa, pela razão de que os
poetas da antigüidade ensaiavam os coreutas no que tinham que cantar, já os
poetas no período de um ator, eles mesmos, desenvolviam a interpretação
das partes engraçadas dos textos, mesmo assim ficava sob sua
responsabilidade ensaiar o papel do coreuta.
xxxiv
Os textos gregos trazem, quase sempre, apenas as falas das personagens. No
fragmento de um manuscrito de Menander (Figura 02), encontrado durante escavações
realizadas no Cairo, observa-se que o copista do texto teve o cuidado de marcar a troca das
personagens através de pequenos traços, que podem ser observados à esquerda do mesmo.
Esse documento comprova a necessidade de registrar informações mínimas que sejam, aos
atores, ou encenadores, que no futuro não iriam poder usufruir das indicações que eram
oralmente transmitidas.
As didascálias, quando presentes, não adicionam detalhes descritivos sobre
movimentações ou posicionamentos cênicos. Os movimentos ou as ações das personagens são
transmitidos unicamente através das réplicas.
A identificação da personagem não vem escrita antes da fala, o que se pode
observar é um hábito criado pelos copistas, a colocação de uma abreviatura do nome da
personagem na margem antes de sua entrada, mas que nem sempre se encontra presente nas
obras.
No texto de Menander e sua tradução, produzida pela Profa. Dra. Filomena Yoshie
Hirata (Figuras 03 e Quadro 01), pode-se perceber na margem esquerda do verso 105 a
expressão “NIKER”, uma abreviatura de “Nikeratus”, indicação que deve ser observada com
cautela, uma vez que o sinal “Demeas” ou a sua abreviatura está presente na mesma margem
do verso 96, que foi rasgada. Estes são os únicos indícios encontrados, deixados pelo copista
do papiro naquela instância.
34
Figura 02- Manuscrito de Menander
xxxv
34
Figura 03- Manuscrito de Menander 2
xxxvi
34
Quadro 01- Tradução do Manuscrito de Menander
xxxvii
Segundo afirma o professor W.G. Arnott, da University of Leeds, Uk, o
pesquisador centrado nos textos gregos “não necessita do domínio de leitura da língua, deve,
sim, é ter em mente, que os fragmentos de uma obra antiga, encontrada nos papiros, trazem
sempre uma série de fatos que se aplicam a todos os textos de características
semelhantes”.
xxxviii
DEMEAS
Você não conta tudo agora da troca de cenário, 96
Quanta diferença do horror de lá?
O Mar Negro – o velho homem gordo, nenhuma extremidade
do peixe,
Degustando negócios. O Bizantino:
Absinto e outras coisas de sabor amargo. Deus! Mas aqui - 100
Pura benção divina para o pobre. Oh querida Atenas,
Se somente você pode ganhar tudo que você mereceu
assim nós que amamos a poderosa cidade que foi naquele
tempo
Completamente feliz. Onde você vai! Você tem que
Ficar paralisada, levante e venha até mim?
NIKERATOS 105
O aspecto daquela região, Demeas,
Particularmente é um enigma para mim. Algumas vezes
Você não pôde ver o sol por horas no crepúsculo
A densa neblina, assim dá a impressão borrada do espaço!
DEMEAS
Não – nada visto para se notar, a não ser isto 110
O Brilho nas pessoas de lá é o mínimo que se pôde ter!
34
Mais à frente, o copista apresenta duas marcas a mais para indicar onde uma réplica
termina e outra começa, que se trata da utilização dos dois pontos, no fim do verso 105 e
depois da décima quinta letra do verso 110.
A atribuição de cada fala à sua personagem é deixada à inteligência do leitor;
porém só não há dificuldade, quando apenas dois atores estão em cena. Os copistas, na
antigüidade, não deixavam nenhum espaço entre as réplicas, escreviam como era falado, o
que vai fornecer, freqüentemente, problemas para um leitor moderno, especialmente nos
textos mal conservados.
Albin Lesky, no livro A Tragédia Grega, afirma que “os manuscritos que chegaram
aos dias de hoje são oriundos de copistas gregos e ou latinos”
xxxix
, que se pode comprovar na
ilustração (Figura 04).
Comparando-se as duas páginas da ilustração, observa-se que o copista do texto
certamente deve ter sido latino, isto porque o título que inicia a relação das personagens
dramáticas está escrito em latim. a citação das personagens está em grego, enquanto suas
descrições, que aparecem em seguida, estão escritas em latim.
A relação e citação das personagens surgem em latim, a nota de de página
(“Aqui a prole dos caríssimos que serão vistos”), assim como a indicação da localização
espacial da cena.
34
Figura 04-Texto Romano
xl
A indicação do Prólogo e a informação que se segue “desunt versus fere 5”,
“abandonar por volta do verso 5” também estão em latim. Já o texto seguinte (Figura 04),
seu corpo estrutural dramático está escrito em grego e a partir do levantamento desses
primeiros dados, torna-se importante o cuidado que o copista dedicou à introdução das
didascálias.
Na Figura 05 vê-se, na página à esquerda, o nome do autor em grego e, à direita, o
título da obra, também em grego. A cada troca de personagem, vê-se a abreviação do nome
das personagens, em grego: MO, AH, MO, AH, MO, AH, MO, AH, MO, AH, MO, AH, MO,
AH, porém, na gina 37, observa-se que nos locais onde deveriam estar as iniciais, que
indicariam as trocas das personagens, temos pontos de interrogação, o que indica que o
copista não teve como reconhecê-las. Além disso, estão presentes didascálias em latim,
34
“desunt versus fere 28”; “abandonar por volta do verso 28”; “desunt versus fere 27”;
“abandonar por volta do verso 27”.
Figura 05-Texto Romano 2
xli
Na Figura 06 vê-se, na página à esquerda, o nome do autor em grego e, à direita, o
título da obra, também em grego. A cada troca de personagem, tem-se a abreviação do nome
das personagens, em grego: MO, XP, ΠA, AH, NI e MA, e as didascálias em latim, “desunt
versus fere 14; in lacuna incipt”.
34
Figura 06- Texto Romano 3
xlii
As tragédias escritas por Ésquilo, a partir de 470 a.C., apresentam diferentes
maneiras de escrever as didascálias, de acordo com os registros feitos pelos diferentes
copistas que as registraram. Assim, pode-se observar o grande número de didascálias em uma
das primeiras obras gregas que se conservaram, o texto “Prometeu Acorrentado”.
No início posiciona-se o Título e as personagens dramáticas: “A Força e a
Violência, Hefestos, Prometeu, O Oceano, Hermes, Io e o Coro de Ninfas Oceânicas”. Sabe-
se que a relação das personagens dramáticas foi um acréscimo dos copistas latinos, como é
assinalado por Patrice Pavis: “esta nomeação é um legado posterior”.
xliii
Encontra-se também
didascálias sobre a localização espacial: “Em uma montanha da Escitia”.
34
As didascálias abrem o texto: “Aparecem a Força e a Violência, Hefestos e
Prometeu”; outra anuncia a entrada do Coro: “Aparecem As Ninfas Oceânidas em um carro
alado”; e também indicam as saídas de cena de algumas personagens: “Vão-se Hermes e as
Ninfas Oceânidas”. Outras incluem informações sobre os adereços, como, por exemplo, nas
Suplicantes: “Aparece o Coro de danaides, cinqüenta filhas de Danao, rei de Argos, com
ramos de suplicantes em suas mãos...”
xliv
as sete tragédias conservadas da produção artística de Sófocles não apresentam
nenhuma didascália, mesmo assim, em algumas versões os copistas acrescentaram a relação
das personagens e seus nomes.
Eurípedes utiliza as didascálias em suas nove tragédias. Aristófanes reduz ao
mínimo a sua utilização.
Medéia: Medéia permanece em cena, desejosa de saber o resultado de
sua funesta mensagem; Hipólito: A cena representa o palácio de Teseu
naquela cidade, e à esquerda e à direita da porta se vêem as estátuas de
Vênus e Diana; Efigênia: Envolta nas sombras da noite, vê-se, na cena,
uma suntuosa tenda próxima do acampamento grego. Agamenon sai
dela com uma carta na mão, falando consigo mesmo, e pronuncia as
palavras que se seguem.
xlv
Lisistrata: Lisistrata está só.
xlvi
As Didascálias quando se apresentaram de forma mais minuciosa, despertaram
grande interesse, pois através delas, os dramaturgos designavam posicionamento dos atores na
cena, as instruções do coro, papéis principais e secundários, as emoções das personagens e o
espírito que os atores deviam nelas encarnar.
Mais tarde, por volta do ano 470 a.C., passou-se a classificar de Didascálias ou
Corodidascálias a representação da tragédia ou da comédia, e até mesmo a própria obra de
dramaturgia. Desta forma, chegou-se a dar o nome de “Didascalie ou Tetralogia ao conjunto
de quatro obras dramáticas, entre elas a que se conservou foi “Orestia”, de Ésquilo, 458 a.C.,
com as suas três tragédias, “Agamenom”, “Coéforas” e “Eumênides” e o drama satírico
Proteu, que infelizmente se perdeu.
Aristóteles, em 347 a.C., também atribuiu o nome “Didascalie” a um sumário que
escreveu sobre os arquivos dos concursos teatrais da cidade de Dionísia. Esse documento
oficial acerca dos ditirambos e dos eventos dramáticos por pouco não se perdeu devido a um
deslize de um centurião. “Didascalie”, de Aristóteles, é hoje quase que a única fonte de
informação a respeito da cronologia dos festivais, das obras e dos autores da antiga Grécia.
Aqui se encontra a origem do termo Didascália para também abarcar em seu universo
significativo os prefácios, os posfácios, as orelhas dos livros de textos teatrais, os programas
34
das peças (Figura 07), assim como as críticas sobre as montagens; como se pode observar nos
exemplos que se seguem.
Prefácio, Flávio Rangel.
O Rei de Ramos é uma peça “nova” na dramaturgia de Dias Gomes. Não
pelo fato de ser sua primeira experiência num novo gênero a comédia
musical – mas principalmente pela ótica com que vê seus personagens.
Nesse sentido, é uma mudança radical.
xlvii
A peça nos envolve em sua trama,
nos leva a participar das jogadas de Mirandão e a torcer pelo seu êxito. Em
Ramos, assim como no complexo mundo dos cartéis multinacionais, o
capitalismo exige ação pronta, ausência de escrúpulos, audácia sem
limites.
xlviii
Figura 07- Programa da Peça “O Bem Amado
xlix
A Invasão: Dias Gomes no Teatro do Rio
De início é preciso que se diga que A Invasão é o melhor espetáculo que o
Teatro do Rio realizou desde o seu aparecimento, sua primeira realização
que merece mais do que o esforço do crítico em procurar, aqui e ali, boas
intenções que atenuem realizações falhadas. Não, desta vez o grupo merece
aplauso, porque seu espetáculo atinge um nível realmente respeitável.
l
Anna Spitzbarth
li
escreveu sobre a presença do silêncio nos textos dramáticos
antigos em uma de suas teses.
lii
Um dos seus capítulos foi dedicado ao que ela chamou de
“Doppelvorgange”, isto é, passagens onde duas ações discretas acontecem no mesmo nível da
34
ação principal. Ela listou, aproximadamente, vinte episódios dessas ocorrências num texto.
Normalmente essas situações são despercebidas, dessa forma vem a questão do porquê o
dramaturgo as determinou. Concluiu que estas passagens estão associadas à presença
silenciosa, que seria típico de uma dramaturgia mais antiga, ou o indicativo do “gauche
dramático”, isto é, a designação de algo que ocupa lugar no tempo, uma voz aponta para o
antes e para o que vem depois: silêncio. O silêncio, então, é tanto uma precondição do
discurso como o resultado ou objetivo do discurso corretamente dirigido ou direcionado.
Referindo-se à Antigüidade, Anna Spitzbarth afirma que devido ao fato de portarem
máscaras, dois ou três atores falando ao mesmo tempo, não poderiam se fazer compreender,
dessa forma, surgiu o silêncio dos atores na cena, que possui um significado. “Rach-visão”:
Ação secundária na Tragédia Grega, o que ela denominou de didascálias do silêncio.
Não se pode determinar, com segurança, na dramaturgia da Antigüidade, a extensão
das características ou sensações de uma determinada personagem em silêncio, durante
passagens, principalmente em momentos de atuação do “Coro”, essas personagens são
deixadas de lado, com as ações que estiverem exercendo, nesses casos, as convenções e
mecanismos que se buscam determinar, acabam por designar a presença ou ausência de uma
característica ou definem entradas e saídas das personagens, associando-se essas designações
às exceções.
A pesquisadora concluiu que havia cenas onde o dramaturgo permitia que uma
personagem estivesse presente sem, aparentemente, ter qualquer coisa a fazer, isto se
comprova em várias obras em que a presença silenciosa remete a acontecimentos mais
antigos, que já pertencem ao conhecimento de todos, como no diálogo entre Creonte e
Antígona, quando ela vem ao tio reivindicar o direito de sepultar seu irmão e este permanece
em silêncio, sem mover-se, não expressando o porquê de sua atitude e tornando o clima da
cena mais denso e trágico.
(...) ANTÍGONA: Prendeste-me; desejas mais que a minha morte?
CREONTE: Não quero mais; é tudo quanto pretendia.
ANTÍGONA: Então, por que demoras? Em tuas palavras não , e nunca
haja: nada de agradável. Da mesma forma, as minhas devem ser-te odiosas.
E quanto à glória, poderia haver maior que dar ao meu irmão um funeral
condigno? (Designando o Coro com um gesto.) Eles me aprovariam, todos,
se o temor não lhes tolhesse a língua, mas a tirania, entre outros privilégios,
dá o de fazer e o de dizer sem restrições o que se quer.
CREONTE: Só tu, entre os tebanos, vês dessa maneira.
ANTÍGONA: Eles também, mas silenciam quando surges.
CREONTE: Não coras por pensar, só tu, diversamente?
ANTÍGONA: Não vergonha alguma em nos compadecermos dos que
nasceram das entranhas de onde viemos.
34
CREONTE: E aquele que morreu lutando contra o outro também não era teu
irmão, do mesmo sangue?
ANTÍGONA: Do mesmo sangue, de um só pai e uma só mãe.
CREONTE: Por que, então, distingues impiamente o outro?
ANTÍGONA: O morto não confirmará essas palavras.
CREONTE: Confirmará, se a distinção o iguala ao ímpio.
ANTÍGONA: Foi como irmão que ele morreu, não como escravo.
CREONTE: Destruindo a cidade; o outro, defendendo-a.
ANTÍGONA: A morte nos impõe as suas próprias leis.
CREONTE: Mas o homem bom não quer ser igualado ao mau.
ANTÍGONA: Quem sabe se isso é consagrado no outro mundo?
CREONTE: Nem morto um inimigo passa a ser amigo.
ANTÍGONA: Nasci para compartilhar amor, não ódio.
CREONTE: Se tens de amar, então vai para o outro mundo, ama os de lá.
Não me governará jamais mulher alguma enquanto eu conservar a vida! Fica
imóvel em profundo silêncio (...)
liii
Muitas vezes as limitações técnicas impediam o discurso, como por exemplo,
quando três atores estavam na mesma cena, a designação do poeta para que os três falassem
juntos, tem-se que presumir o quanto seria difícil para uma audiência acompanhar o jogo
falado por atores mascarados, num teatro com espectadores em três lados; assim, os
dramaturgos mantinham as personagens na cena, através de indicações contidas no próprio
diálogo, sendo que algumas permaneciam em profundo silêncio, por longos períodos.
Analisando esse tipo de situação, Anna Spitzbarth, através de suas pesquisas,
chegou à conclusão que uma dupla ação era muito rara de acontecer e que, normalmente o
ator esperava, em cena, até que surgisse uma nova plica para a sua personagem, tal e qual
um músico solista durante a execução de um concerto para violino e orquestra.
Durante este “compasso de espera” o ator nada fazia, a não ser permanecer em
cena. A partir da análise do acontecimento, Anna Spitzbarth concluiu que se um ator estava
em cena, sem nenhuma réplica, não se pode afirmar que o ator, sem nenhuma ação, não
estivesse falando nada, porque o fato deste ter estado visível à platéia causou algum
efeito. A pesquisadora cita como exemplo as cenas de multidão, que são textualmente
silenciosas na tragédia, não permitindo que se determine o que era observado, para onde
olhavam, o que deveriam sentir os atores. A platéia freqüentemente tinha uma diversidade de
objetos, apresentados de uma só vez para tomar-lhe a atenção.
A expressão Didascália associada aos textos dos copistas que se seguiram aos dos
criadores está na Comédia Romana, de 240 a 150 a.C.. Nas didascálias estão o nome do autor,
o título da obra, informações sobre a data e as circunstâncias em que ocorreram a estréia; o
nome da obra original grega que foi utilizada como modelo e seu autor. A presença das
didascálias não é uma constante na dramaturgia romana e muitas vezes elas não foram
34
conservadas; por exemplo, todas as obras de Terêncio (Figura 08) chegaram até à
modernidade com suas didascálias correspondentes; ao contrário, na maior parte das comédias
de Plauto, as didascálias presentes resumem-se ao nome das personagens, títulos e
nomeações, como no excerto que se segue .
MERCÚRIO
E agora? Estás convencido de que não és Sósia?
SÓSIA
E tu afirmas que eu não sou eu?
MERCÚRIO
E como não hei-de afirmá-lo, se Sósia sou eu?!
SÓSIA
Juro, por Júpiter, que sou Sósia e que falo verdade.
MERCÚRIO
E eu juro… por Mercúrio, que Júpiter não acredita em ti:
pois tenho a certeza de que ele se fiará mais em mim, sem
juras, do que em ti, com os teus juramentos.
SÓSIA
Então quem sou eu, se não sou Sósia? Não me dirás?!
liv
Figura 08- Texto de Terêncio
lv
O advento e instalação do cristianismo rapidamente se espalhou pela região do
Mediterrâneo, Grécia, Ásia Menor e chegou ao coração do império romano. As comunidades
cristãs se multiplicaram e fizeram surgir rivalidades de cunho ideológico, moral e político.
Em 313, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo e concedeu
liberdade de culto, o que facilitou a expansão da doutrina por todo o império, período em que
a expressão “Rubrica” passa a ter uma valiosa significação.
Portanto, deve-se considerar a força e a importância da Igreja Católica, que
comandou a sociedade ocidental a partir do Século V d.C., após a decadência e destruição do
Império Romano do Ocidente, período conhecido como Idade Média ou Período Medieval.
Esta força dominadora teve, portanto, seu apogeu durante a Idade Média, como se
pode observar através das expressões artísticas daquele momento.
Segundo o professor Jean Lauand,
lvi
o teatro medieval comportava, tipicamente, um
único objetivo: o de instruir, ligado de maneira indissociável à religião. Dessa forma, o teatro
medieval surgiu, como que naturalmente, da liturgia, principalmente da liturgia da Páscoa
(Figura 09).
34
O fato da popularização do termo Rubrica, em detrimento do termo Didascálias,
deve-se a esse momento histórico, uma vez que, após a queda do Império Romano, devido às
invasões dos povos bárbaros e das más políticas econômicas dos imperadores, várias regiões
da Europa passaram a apresentar baixa densidade populacional e baixo índice urbano.
Isso ocorria devido às mortes nas guerras, às doenças e à insegurança, existentes
logo após à decadência latina. Essas mudanças revelaram um novo sistema econômico,
político e social, uma estrutura composta por três estamentos: os clérigos, os nobres e os
servos.
lvii
Figura 09- Missal Malbery. Manuscrito Medieval
lviii
A maior parte da arte medieval conhecida tem um foco religioso cristão, católico,
pois era financiada pela Igreja, por figuras poderosas do clero, por grupos comunais, ou por
patronos seculares ricos. No período, a maioria das pessoas era iletrada, portanto, as artes
visuais e os sermões compunham o método para comunicar as idéias religiosas. A partir do
Século V, os pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma que estava
amadurecendo, com o intuito de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico.
Desse modo a Filosofia, que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos,
passa a receber influências da cultura judaica e cristã. Sendo que, a questão que atravessou o
pensamento filosófico medieval foi a harmonização de duas esferas; a fé e a razão.
34
A única instituição que não se desintegrou juntamente com o falecido império foi a
Igreja Católica, que manteve o que restou de força intelectual, através da vida monástica. O
homem instruído desses Séculos era quase sempre um clérigo, que vivia numa atmosfera que
dava prioridade à fé e tinha a mente voltada para a força da Igreja mais do que para o
questionamento de detalhes do universo físico.
A Figura 10 permite que se observem as didascálias inseridas no seu sentido
litúrgico. Trata-se de um missal da Religião Católica, nos quais estão transcritas as
observações relacionadas às posturas, aos comentários e movimentação dos sacerdotes,
acólitos e fiéis durante a execução do oficio, que surgem marcadas em rubra cor, o vermelho,
portanto, rubrica. Como foi apresentado, foi neste momento histórico a expressão latina
Rubrica substituiu o termo de origem grega, Didascálias, tornando o uso deste restrito aos
estudiosos de dramaturgia.
A Rubrica, que como se sabe é uma palavra de origem latina, cujo significado
literal é tinta vermelha, passou a denominar as notas, observações, escritas com letras
vermelhas, colocadas nos textos dos breviários ou missais e de outros livros litúrgicos, para
indicar a maneira de dizer ou celebrar os ofícios religiosos, sempre escrito em latim (Figura
10).
O termo refere-se também a indicação da matéria em que uma explicação é dada e,
nas partituras musicais é a indicação de como deve ser executado um trecho, essa indicação é
feita, em geral, em italiano: forte, pianíssimo, allegro, soprano, contralto, organo, etc.; (Figura
11) além do título da obra, indicações do nome do compositor, datas de relevância.
Além do uso litúrgico, a expressão também é utilizada para designar a variedade de
argila avermelhada, amalgre, usada nas pinturas grosseiras e em diferentes usos industriais, no
título dos capítulos de direito canônico e civil, como sinal indicativo dos movimentos dos
atores, nos respectivos papéis, no artigo ou notícia de jornal, de caráter regular e sobre um
assunto específico, na designação de uma classificação orçamental, numa assinatura abreviada
ou cifrada, numa firma, numa nota.
Portanto, deve-se ressaltar a força da Igreja Católica Apostólica Romana, que
comandou a sociedade ocidental a partir do Século V. A popularização e domínio do termo
Rubrica, em detrimento do termo Didascálias, no universo teatral, deve-se a esse momento
histórico, social e econômico, guiado pela visão asceta de vida em que o homem medieval
estava imerso.
lix
34
Ainda hoje se pode avaliar esse poder, quando em pleno Século XXI, em países de
língua portuguesa, o termo Rubrica é de domínio público, enquanto que o termo Didascálias
restringe-se às academias.
Figura 10- Missal Beneditino. Século XVIII
lx
Figura 11- Trecho da partitura de Camile Saint-Saens
lxi
34
A Igreja, que condenou o teatro romano por sua licenciosidade, conhecia o valor e o
poder do teatro para a sensibilização eficaz do coração dos fiéis. Inicialmente, nos conventos
beneditinos, representavam-se episódios da vida de Cristo, sobretudo a ressurreição, oficiadas
de forma canônica, no interior dos templos. Os atores eram os próprios oficiantes do rito
católico romano: os padres e os acólitos, sempre em língua latina. Um texto inglês do Século
IX descreve o acompanhamento da leitura litúrgica do Evangelho, nele se pode constatar a
presença clara das didascálias, aqui apresentadas como “Ordo”, isto é, ORDEM. As
didascálias funcionavam como controladoras ideológicas, demonstrando o policiamento
preciso; as referências específicas padronizavam a atuação dos religiosos, de forma que não
houvesse qualquer deturpação em seus conteúdos e significados.
ORDO
Durante a terceira leitura, quatro irmãos mudam de veste. O primeiro,
com trajes brancos, entra com ar de quem está preocupado com uma
tarefa, penetra no sepulcro e senta-se em silêncio, segurando uma palma
na mão. Depois, enquanto se recita o terceiro responsório, entram os
outros três irmãos, revestidos com capas, trazendo nas mãos turíbulos
com incenso e, lentamente, como quem procura algo, dirigem-se ao
sepulcro. Com esta cena, representa-se o anjo sentado sobre o sepulcro e
as mulheres que chegam com aromas para ungir o corpo de Jesus. Mal o
irmão sentado aproximarem-se os outros três - com ar titubeante, de
quem está procurando alguma coisa -, começa a cantar suavemente, a
meia-voz:
- Que buscais no sepulcro, ó cristãos?
Ao que os três respondem, cantando em uníssono:
- A Jesus Nazareno crucificado, ó habitante do Céu.
- Não está aqui, ressuscitou como tinha predito! Ide e anunciai que Ele
superou a morte!
Os três dirigem-se ao coro, cantando:
- Aleluia, o Senhor ressuscitou, hoje o Leão forte ressuscitou, o Cristo, Filho
de Deus.
Depois destas palavras, o irmão torna a se sentar e, como que
chamando-os, entoa a antífona:
- Ressuscitou do sepulcro o Senhor que, por nós, esteve na Cruz. Aleluia.
Estendem o sudário sobre o altar. Terminada a antífona, o prior, para
expressar a alegria pelo triunfo de nosso rei, ressuscitado depois de ter
vencido a morte, incoa o Te Deum laudamus e todos os sinos tocam
juntos.
lxii
À “cena” do sepulcro, vão se juntando outras representações litúrgicas de teatro
incipiente: os discípulos de Emaús, cenas de Natal, e outras passagens bíblicas. Pouco a
pouco, o texto se emancipou e a literalidade das Escrituras Sagradas deu lugar a paráfrases e
comentários líricos, que geraram o aparecimento dos Milagres
lxiii
, Mistérios
lxiv
, Moralidades
lxv
e Autos
lxvi
, trazendo a presença da língua vernácula.
34
O texto “O Mistério de Adão”, peça de autor anônimo do Século XII, é pioneiro
dos jogos medievais em que o mistério da redenção está associado ao pecado original. As
personagens são seres humanos comuns. Adão é um servidor leal e Eva representa a
fragilidade feminina.
Segundo o pesquisador Pauphillet,
lxvii
“O Mistério de Adão”, ao contrário das
primeiras composições latinas mais próximas da liturgia e representadas dentro da igreja –,
era encenado sobre um tablado colocado em frente do templo, nesse momento o teatro
abandonou o interior da igreja e ganhou as ruas, tendo contato com o público em geral,
objetivando a conversão. Não se ousava representar Deus, que é meramente sugerido, através
de uma personagem denominada de “Figura”, que inicialmente permanecia no interior do
templo e, de lá, entrava e saía do palco armado no adro da igreja. As didascálias eram escritas
em língua vernácula, as réplicas oscilavam entre o latim e a língua nacional.
ORDO
O Paraíso deve estar um pouco elevado no palco, rodeado de cortinas e
telas de seda, de modo que as personagens fiquem visíveis apenas dos
ombros para cima. No Paraíso deve haver flores perfumadas, folhagens
e diversas árvores carregadas de frutas, com aspecto de lugar muito
agradável. O Salvador, a Figura, deve entrar vestido com capa
dalmática e diante dele situem-se Adão e Eva. Adão usa uma túnica
vermelha; Eva, vestes femininas brancas e um manto de seda branco. Os
dois postados diante da Figura, mas Adão mais perto. Adão está com
um rosto sereno e Eva com um ar um pouco mais humilde. O Adão deve
saber bem o momento de suas falas para não ser nem muito rápido nem
muito lento. E não só ele, mas todos as personagens devem ser instruídos
para falar adequadamente; para fazer os gestos apropriados à fala;
para não acrescentar nem suprimir sequer uma sílaba do texto e
proferi-lo na ordem prevista. Sempre que alguém mencione o Paraíso
deve dirigir a ele o olhar e ponta-lo com o dedo. Começa a leitura:
“In principio creavit Deus caelum et terram, et fecit in ea hominem, ad
imaginem et similitudinem suam”.
lxviii
Terminada a leitura, o Coro canta:
“Formavit igitur Dominus hominem de limo terrae, et inspiravit in faciem
eius spiraculum vitae, et factus est homo in animam viventem”
lxix
.
Após o canto:
A FIGURA (DEUS): Adão!
ADÃO: Senhor!
A FIGURA: Do barro da terra, eu te formei.
ADÃO: Senhor, eu bem sei...(...)
A FIGURA (dirige-se a Eva:)
A FIGURA: E tu, Eva, grava em teu coração
O que te digo não seja em vão:
Se fizeres minha vontade,
Guardarás em teu peito a bondade.
Ama e honra teu Criador
(...) A FIGURA: (mostrando as árvores)
34
A FIGURA: Todas as frutas podes colher
A FIGURA: (E apontando para a árvore proibida, diz:)
A FIGURA: Menos esta, que não deves comer. (...)
(...) O diabo retira-se, junta-se a outros demônios e circula pela praça.
Após um tempo, volta com rosto jovial e alegre para tentar Adão. (...)
lxx
A partir do momento em que o espetáculo saiu do interior das igrejas e veio para os
adros e praças públicas, acentuou-se cada vez mais o caráter popular, os atores não eram mais
os sacerdotes e seus acólitos. Inicialmente atuavam atores amadores e, posteriormente, atores
profissionais. O blico, por sua vez, também se transformou, não era apenas formado por
fiéis, mas por todo o povo. Esta fase intermediária, chamada de Humanismo, caracteriza a
arte ocidental produzida entre o período da Idade Média e o Renascimento.
Entre os escritores do Humanismo, o estudo das didascálias produzidas pela
dramaturgia do português Gil Vicente é de grande relevância; como autor de transição, a
estrutura das suas peças e muitos dos temas tratados são desenvolvidos a partir do teatro
medieval, mas, como afirma o crítico e historiador Luiz Francisco Rebello,
Um aspecto interessante é o fato de que Gil Vicente escrevendo numa época
de transição, fértil em contradições, parece fortemente dividido entre o
catolicismo ortodoxo e o reformismo. Essa dualidade religiosa é marcante no
teatro vicentino. O que interessa a Gil Vicente é a vida quotidiana, a
representação dos problemas de seu tempo. E aí passamos a outro aspecto da
arte vicentina: a crítica social e religiosa, neste aspecto, não aos dogmas, mas
aos seguidores.
lxxi
Gil Vicente 1465/1536 revela um gênio dramático invulgar, capaz de procurar
e encontrar soluções técnicas à medida das necessidades, onde a presença das didascálias
tornou-se imprescindível, porque era através delas que sua postura crítica se concretizava.
(...) Auto de moralidade composto por Gil Vicente por contemplação da
sereníssima e muito católica rainha Lianor, nossa senhora, e
representado por seu mandado ao poderoso príncipe e mui alto rei
Manuel, primeiro de Portugal deste nome. Começa a declaração e
argumento da obra. Primeiramente, no presente auto, se fegura que, no
ponto que acabamos de espirar, chegamos subitamente a um rio, o qual
per força havemos de passar em um de dous batéis que naquele porto
estão, scilicet, um deles passa pera o paraíso e o outro pera o inferno: os
quais batéis tem cada um seu arrais na proa: o do paraíso um anjo, e o
do inferno um arrais infernal e um companheiro.
O primeiro intrelocutor é um Fidalgo que chega com um Paje, que lhe
leva um rabo mui comprido e üa cadeira de espaldas. E começa o Arrais
do Inferno ante que o Fidalgo venha (...)
(...) Vem um Frade com üa Moça pela mão, e um broquel e üa espada na
outra, e um casco debaixo do capelo; e, ele mesmo fazendo a baixa,
começou de dançar, dizendo (...)
34
(...) Começou o frade a dar lição d'esgrima com a espada e broquel, que
eram d'esgrimir, e diz desta maneira (...)
(...) Vem um Corregedor, carregado de feitos, e, chegando à barca do
Inferno, com sua vara na mão, diz (...)
(...) Estando o Corregedor nesta prática com o Arrais infernal chegou
um Procurador, carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador
(...)
lxxii
Através das didascálias, Gil Vicente também contextualiza, apresenta, classifica seu
texto e caracteriza ações específicas de determinadas personagens, como se pode observar no
trecho de “Romagem de Agravados”.
Esta tragicomédia seguinte é sátira: seu nome é “Romagem de
Agravados”. Foi apresentada ao mui excelente Príncipe e nobre Rei D.
João, o terceiro em Portugal deste nome, na cidade de Évora, ao parto
da mui esclarecida e cristianíssima Rainha D. Catarina, nossa Senhora,
e nascimento de Ilustríssimo Infante D. Filipe, era do Senhor de 1533.
Entra Frei Paço com seu hábito e capelo, e gorra de veludo, e luvas, e
espada dourada, fazendo menesos de muito doce cortesão; e diz: (...)
Vem Colopênio e Bereniso, e diz (...)
Assovia em lugar do men (...)
Cantam ambas e bailam ao som desta cantiga (...)
Vem Cerro Ventoso e Frei Narciso (...)
Colopêndio: Depois se praticará
O mais que sou agravado:
Branca do Rego vem lá,
E também Marta do Prado,
Regateiras do pecado:
Escutemo-las de cá.
lxxiii
As didascálias de Gil Vicente refletem a leitura religiosa do dramaturgo, que se
coloca em oposição aos valores e códigos estabelecidos pela sociedade da época. Através das
didascálias, ele “(...) condena os desmandos daqueles que representam a fé na terra, as
práticas exteriores à religião que invertem seu verdadeiro sentido”.
lxxiv
Assim, o dramaturgo
expressa a sua procura da religiosidade afastada dos valores deslocados, como no trecho do
“Auto da Alma”:
Assim como foi cousa muito necessária haver nos caminhos estalagens,
pera repouso e refeição dos cansados caminhantes, assi foi cousa
conveniente que nesta caminhante vida houvesse ua estalajadeira, pera
refeição e descanso das almas que vão caminhantes pera a eternal
morada de Deos. Esta estalajadeira das almas é a Madre Santa Igreja; a
mesa é o altar, os manjares as insígnias da Paixão. E desta prefiguração
trata a obra seguinte. Está posta ua mesa com ua cadeira. Vem a Madre
Santa Igreja com seus quatro doctores, Santo Tomás, Santo Jerónimo,
Santo Ambrósio, Santo Agostinho, e diz:
Agostinho: Necessário foi, amigos,
que nesta triste carreira
desta vida,
34
pera os mui perigosos perigos
dos inimigos
houvesse algua maneira
de guarida.(...)
Vem o Anjo Custódio com a Alma, e diz:
Anjo: Alma humana, formada
de nenhua cousa, feita
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa; (...)
Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela, e diz o
Diabo: (...)
Anjo: (...)
Adianta-se o Anjo, e torna Satanás
Diabo: (...)
Torna o Anjo à Alma, dizendo:
lxxv
O período do Renascimento europeu traz, dentre as várias manifestações teatrais, o
Teatro Elisabetano como uma referência para o estudo das didascálias. As características da
corte elisabetana expressam a efervescência poética do período, sendo o teatro sua forma mais
popular e bem sucedida. Esta condição é expressa na quantidade de peças escritas no período,
bem como na elevação da qualidade de seus textos, além do grande número de
estabelecimentos teatrais em Londres, sem contar o grande número de representações
realizadas em praças, mercados, salões dos grandes senhores e auditórios das escolas,
seguindo assim, não uma certa tradição medieval, como mantendo uma tradição teatral
inglesa.
Os teatros elisabetanos eram adaptações do “palco de avental”. Os dramas
estreavam em teatros com espaço para dois a três mil espectadores. As edificações eram
circulares ou hexagonais: uma camada de palha cobria os camarotes adjacentes às paredes,
enquanto que o centro do teatro, chamado de poço, ficava ao ar livre. O palco começava em
uma das paredes do teatro terminando em direção ao poço, criando um proscênio circundado
em três lados pela audiência. No fundo do palco localizavam-se portas para entradas e saídas
de atores e uma sacada que poderia ser utilizada para uma variedade de fins cênicos. Acima
da sacada uma pequena galeria para instrumentistas que executavam música ao vivo e
incidental. Alçapões no palco permitiam acontecimentos sobrenaturais. O estilo de cenário
moderno era praticamente inexistente, mas os atores eram abundantemente maquiados e
utilizavam acessórios elaborados. As peças eram encenadas durante a tarde, empregando
vantajosamente a luz natural que entrava pelo teto aberto.
lxxvi
34
As características do espaço vão atestar a necessidade de marcações, por parte do
dramaturgo, através das didascálias.
– proximidade do público com a cena:
Um bosque perto de Atenas. Uma fada e Puck entram por lados
diferentes.”
lxxvii
– as poucas opções de trocas de cenário:
Outra parte do bosque, no mesmo espaço. Entra Titânia, com seu
séquito.”
lxxviii
os papéis femininos eram interpretados por rapazes, geralmente estreantes
nas Companhias, daí os recursos de “transformação” de personagens
femininos em masculinos, devidamente marcadas pelo autor:
(Saem as fadas; Titânia dorme.) (...)
(Entra Oberon e espreme a planta nas pálpebras de Titânia.) (Sai.) (...)
(Entram Lisandro e Hérmia.) (...) (Dormem.)
(Entra Puck.) (...)
(Espreme a flor nas pálpebras de Lisandro.) (Sai.) (...)
Entram Demétrio e Helena, a correr.)
lxxix
O teatro elisabetano fez uso das três linguagens mais comuns do teatro: a falada, a
visual e a musical, seguindo uma longa tradição cultural oral e medieval, para compor um
movimento rico e único na literatura. Para os autores daquele período, as palavras estavam no
centro da criação, além do mais, uniam dramaturgia e poesia. A importância das didascálias,
nesse período, reside na necessidade de registrar a inclusão dos diversos elementos que
compunham a cena. Assim, como a música pontuava o teatro desse período, porque os
dramaturgos expressavam a importância da música ao vivo em suas peças, não apenas para
que acompanhasse a dança, mas também para embasar a execução de canções, servir de
referência a um trecho da peça, ou para criar a atmosfera sugerida, as didascálias marcavam
essas inclusões no diálogo, além de pontuar o andamento e a intensidade sonora.
(As fadas cantam.)
(Cantam e dançam.)
(Teseu dança acompanhado pelos músicos.)
lxxx
Normalmente, nas montagens de estréia, as indicações eram passadas oralmente,
porém, após o registro pelo autor ou pelos copistas, as didascálias integravam o corpo dos
textos. No teatro elisabetano, as didascálias fornecem indicações que vão do figurino, como
por exemplo, a personagem Hamlet surgir toda de preto, de luto pela morte do pai,
contrastando com as outras roupas coloridas da corte. As entradas e saídas das personagens e
as ações cênicas, como as didascálias finais de “Romeu e Julieta, de William Shakespeare.
34
Em “Romeu e Julieta”, Julieta depara-se com o fato de que o falso envenenamento
pelo Frei não logrou êxito, pois Romeu já estava morto com o veneno que havia ingerido;
Julieta duvidou que o licor usado por Romeu não realizasse seu intento, pois ela mesma
observou o vidro vazio; ela, portanto, usaria um punhal para se suicidar, as ações são
informadas pelas didascálias “retirando um punhal de seu seio”, “esconde o punhal em seu
leito” e, no final de seu diálogo, as didascálias indicam o desenlace com a ação do veneno,
assim como o resguardo da platéia da carga emotiva da cena. “Julieta cai sobre seu leito, por
trás das cortinas”. Por outro lado, a morte de Romeu é apresentada em três rubricas
separadas: pega o frasco de veneno”, bebendoe morre
lxxxi
. A pesquisadora Margarida
Gandara Rauen, em seu livro “Ricardo II entre os textos, os manuais de palco e a história”,
apresenta um estudo aprimorado sobre a presença das didascálias nos textos de Shakespeare.
Ao estudar os “manuais de palco do dramaturgo, ela relata a preocupação com o registro das
didascálias, tanto do autor quanto dos “prompters”, só da obra “Ricardo II” foram catalogados
quarenta e quatro “manuais de palco”. Os “manuais de palco”, “promptbook” (Figura12),
eram os livros usados pelos “diretores de cena” na orientação dos espetáculos, eram cópias
marcadas dos textos Shakespeare usadas nas produções teatrais profissionais continham
deixas anotadas à tinta, didascálias de efeitos, cenário e detalhes de marcação, bem como os
cortes.
Figura 12- Manual de Palco
lxxxii
34
Margarida afirma que o pesquisador Langhans
lxxxiii
, em seus estudos sobre os
“manuais de palco” britânicos e irlandeses do Século XVIII, encontrou cinco tipos diferentes
dessas obras: cópias marcadas, cópias de preparação, cópias de ensaio, “partbooks” com o
texto e as anotações de apenas uma personagem – e manuais de palco. Os “manuais de palco”
trazem as didascálias que serviam aos que montavam os textos de Shakespeare, em vários
níveis de relação com a encenação. A pesquisadora relata o conteúdo de cada um desses tipos
(Figura 13) da seguinte forma:
Figura 13- Prompt da peça Hamlet
lxxxiv
Cópias marcadas variam desde textos com pouquíssimas indicações e marcas
teatrais geralmente, indicações de trechos de texto cortado até documentos
abundantemente anotados, mas não trazem dados essenciais para a direção.
Cópias de preparação eram marcadas por autores-diretores, que estavam
trabalhando um texto para nova produção.
Cópias de ensaio eram preparadas para determinados atores, cujas falas estão em
destaque.
“Partbooks” são cópias manuscritas das falas de um ator e das deixas numa
peça, contendo, às vezes, didascálias de entrada, saída e movimentos. Contêm
informações como as linhas eram lidas, como interpretar a personagem.
Manuais de palco são cópias de peças impressas ou manuscritas,
suficientemente anotadas para indicar uma utilização em espetáculos. (...) Os
mais ricos contêm anotações sobre o texto, os finais dos atos, entradas, saídas,
movimentação, marcação, dança, figurino, som, adereços, cenário, mudanças de
cenas, portas de alçapão, iluminação e efeitos especiais.
lxxxv
34
Torna-se simples compreender o fato de, nos dias de hoje, encontrar-se presentes
nas didascálias das obras do teatro elisabetano as indicações como os exemplos que se
seguem:
Ambientações:
(...) CENA: Parte em Pádua, e parte na casa de campo de Petrucchio.
(...)
(...) Um quarto na casa de Lucêncio.(...)
Efeitos de sonoplastia:
(...) Toque de trompa. (...)
Orientações à orquestra:
(...) Entra um nobre que volta da caçada, com caçadores, criados e
músicos, que tocam seus instrumentos enquanto acompanham o cortejo
(...)
(...) A orquestra toca em andamento largo. (...)
Intenção das personagens:
(...) Batista, rico gentil homem de Pádua;
Vivêncio, velho gentil homem de Pisa;
Lucêncio, filho de Vivencio, apaixonado por Bianca;
Petrucchio, gentil homem de Verona, pretendente de Catarina;
Um professor preparado para fazer o papel de Vicêncio. (...)
Passagem de tempo:
(...) Deita-se no chão e dorme. Toque de trompa o acorda. O tempo
passou. (...)
lxxxvi
A Comédia dell’Arte surgiu, na segunda metade do Século XVI, como uma reação
dos artistas italianos ao espetáculo renascentista, criando um tipo de representação, com
predomínio dos gestos expressivos e um mínimo de diálogo. O texto dramático literário,
pouco a pouco desapareceu, dando lugar aos canevas
lxxxvii
, uma extensa didascália.
A viúva Constante ou Isabel, Soldado por Aventura.
A ação é em Milão.
Primeiro ato. Isabel e Horácio. Em sua janela, Isabel fala de amor com
Horácio; ela deixa a janela e vem à porta. Juram amor eterno e se
separam.
Segundo ato. Otávio e Isabel na Janela. Ardélia em outra janela.
Brighella e Rosilla. Otávio fala de seu amor por Isabel e ordena a
Brighella que bata à sua porta. Toca e Isabel aparece. Otávio declara-
lhe seu amor e ele responde que ama Horácio. Otávio irrita-se com tal
desdém e, finalmente, Isabel lhe bate a porta no nariz. Da sua janela,
Ardélia ouviu tudo e, ciumenta, chama Horácio, a quem repreende pela
sua obstinação por Isabel. Ele, porém rechaça seu amor; enquanto isso,
seu criado, Brighella, faz o mesmo com a criada de Ardélia, Rosilla.
Terceiro ato. Ubaldo e o Doutor. Cena da amizade. Falam de casamento,
cada um com a filha do outro. Dão sua palavra e seguem contentes... E
assim sucessivamente.
lxxxviii
34
A partir do Século XVII, às canevas uniu-se a cnica do ator que passou a contar
com o apoio dos truques mecânicos e as maravilhas da nova cenografia; as intrigas foram
enriquecidas com enredos de fábulas e da mitologia. As didascálias marcavam essas
inovações, além das tiradas maliciosas, os grandes sustos cômicos, as fugas, as surpresas
mágicas.
Também denominada “commedia delle maschere”, este elemento era extremamente
relevante na composição das personagens, servindo para melhor os ridicularizar e caracterizar.
O mesmo acontecia com o recurso das indumentárias coloridas. As máscaras utilizadas
deixavam a parte inferior do rosto descoberto, permitindo uma dicção perfeita e uma
respiração cil, ao mesmo tempo em que proporcionavam o reconhecimento imediato da
personagem pelo público.
As máscaras eram: Pantaleão velho avarento apaixonado por jovens; Doutor
médico ou advogado, símbolo da ignorância pretensiosa e grosseira; Arlequim ágil,
gracioso, intrigante, confidente dos apaixonados, uma das mais fascinantes figuras; Capitão
militar fanfarrão, sátira constante à prepotência e à falsa coragem; Pierrot – belo jovem
ingênuo e honesto, vivendo sempre amores sem esperança; Isabel, colombina, Esmeralda,
entre outras, são as belas e graciosas enamoradas, que não possuem características marcantes
com as personagens masculinas
Os mais de quatrocentos canevas que restaram como documentos da Comédia
dell’Arte não são suficientes para reviver aquela forma teatral. Sem o sopro dos atores,
treinados a operarem estas didascálias, animando-as com seus improvisos geniais, elas se
tornam estéreis, e como literatura são insuficientes.
CONTRATO ANULADO
ATO I
BRIGUELA – (Entra olhando a cena e, não vendo ninguém, chama.)
PANTALEÃO – (Com medo) Entra
BRIGUELA – Quer deixar seu serviço, etc.
PANTALEÃO – Pede que não o abandone, precisa dele.
BRIGUELA – Comove-se e promete ajuda.
PANTALEÃO Diz (subentendido,) que os credores querem ser pagos,
sobretudo Trufaldim, e que nesse dia expira o prazo, etc.
(Neste momento:)
TRUFALDIM – (Cena de querer ser pago.)
BRIGUELA – Encontra um meio de afastá-lo. (Nesse momento)
TRUFALDIM – (À janela, escuta.)
BRIGUELA Percebe seu vulto à janela. Ele faz a cena das riquezas com
Pantaleão.
TARTAGLIA Vem da rua. Faz o jogo da esmola com Pantaleão. No fim,
eles combinam o casamento da filha de Tartaglia com a filha de Pantaleão.
34
(Nesse momento)
TARTAGLIA – Quer dinheiro.
BRIGUELA – Finge que Pantaleão lhe dá dinheiro.
(Os três saem)
FLORINDO Fala de seu amor por Rosaura e da fome que o atormenta,
bate.
ROSAURA – Escuta seu amor, quer experimentá-lo, pede-lhe um presente.
FLORINDO – Diz que este não é o momento, que não tem os meios.
ROSAURA – Pede-lhe que espere; ela lhe dará um presente. (Sai.)
ESMERALDINA – Com uma cesta, entrega-a a Florindo. (Sai.)
BRIGUELA Tendo entendido que Rosaura lhe tenha enviado a cesta,
rouba-a de Florindo e foge.
FLORINDO – Corre atrás de Briguela.
LEANDRO – Fala de seu amor por Rosaura. Procura enganar Pantaleão.
(Nesse momento)
TARTAGLIA Sai falando sozinho sobre as grandes riquezas de
Pantaleão.
LEANDRO – Pede-lhe a filha.
TARTAGLIA – Diz já tê-la dado ao filho de Pantaleão.
LEANDRO – Está admirado, ele faz uma cena, etc... (...)
lxxxix
Para o estudo das didascálias, a dramaturgia de Carlo Goldoni 1707/1793 é
muito importante, porque constitui o marco fundador da Comédia Realista Italiana. As
comédias de Goldoni retratam com fidelidade a ascensão da burguesia e a decadência da
república aristocrática de Veneza. Crítico da Comédia dell’Arte, criou uma comédia de
costumes nos moldes de Molière, que evoluiu para um teatro literário. Toda a sua obra é
percorrida pela questão dos costumes, da moral da burguesia ascendente e pela crítica da
aristocracia.
A comicidade de Goldoni é crítica, humana e burguesa. Do ponto de vista da
encenação, o dramaturgo desenvolveu também uma nova dimensão à Comédia Italiana:
proibiu o improviso, dispensou as máscaras e obrigou os atores a respeitar o texto escrito, o
que gerou cuidado especial com a criação das didascálias.
Entre suas obras célebres destaca-se “Arlecchino servitore di due padroni”, que
através de suas didascálias parece ter descoberto como conseguir uma encenação que, a um só
tempo, aparente o frescor do improviso e o requinte de um trabalho elaborado com precisão.
A obra de Carlo Goldoni, por ocupar um momento de transição, conseguiu dialogar com a
tradição da Comédia Dell’Arte e gerar as bases de uma nova comédia, através do exercício de
uma técnica especial de composição da dramaturgia, com a presença intensa das didascálias,
especialmente, as que remetem às referências cênicas.
“Arlequim, servidor de dois patrões” é uma comédia ligeira, cheia de reviravoltas e
mudanças. No jogo de artimanhas, o servo desdobra-se entre dois patrões, ganhando salário
34
dobrado. Está no meio de dois casais de enamorados, que representam o grupo no qual o
dramaturgo trabalha a presença do gênero melodrama.
xc
No segundo ato da peça, exatamente nas cenas quatorze e quinze, as didascálias
demonstram a sua importância para a objetivação da comédia. Toda a movimentação cênica,
que provoca a ação das personagens, aqui ganham uma dimensão especial. Retirando-se os
diálogos, mantendo-se apenas as didascálias, pode-se acompanhar a movimentação e o jogo
Cômico.
(...) Beatriz: (...) (O garçom traz para o quarto apresentado por
Briguella o material inteiro para preparar a mesa, com copos, vinho,
pão, etc.) (...)
Pantaleão: (...) (O garçom deixa o quarto de Beatriz e retorna para a
cozinha) (...)
Arlequim: (Servindo a sopa, segurando a tigela, e mantendo o prato
ainda vazio,na mão de Beeatriz, vai colocando a sopa, enquanto fala
para si mesmo que estando servida no quarto, a trará presa como tola)
(Virando-se e dirigindo-se à Beatriz) (...)
Arlequim: (...) (faz as cerimônias exageradamante).
Pantaleão: (Entra no quarto). (...)
Beatriz: (...) (Ela chama o Arlequim, e entra).
Arlequim: (...) (Prova a sopa, com uma colher que traz no bolso, repete
várias vezes a prova, com avidez) (...) (entra no quarto).
Arlequim: (...) (do quarto)
Garçom: (...) (sai).
Arlequim: (Falando sozinho) (...) (Encaminha-se para fora do quarto de
Beatriz) (Encontra-se com Florindo) (...)
Florindo: (Reconhece-o no encontro). (...)
Arlequim: (provando a comida) (...) (Sai e volta com o garçom, passam
pela porta do quarto de Beatriz, trazem todo o material para preparar a
mesa no quarto de Florindo) (Arrumam tudo e o garçom sai) (...)
Arlequim: (...) (Arlequim sai do quarto de Florindo, encontra com o
garçom e murmurando coisas retornam para a cozinha) (Volta e entra
no quarto de Beatriz e logo sai). (Passa trazendo os serviços para
preparar a mesa no quarto de Florindo) (Volta o garçom, trazendo
outros objetos) (O garçom sai) (Arlequim permanece no quarto de
Florindo, enquanto o garçom se dirige para a cozinha). (...)
Arlequim: (...) (O garçom retorna com a sopa para Florindo) (...)
(Arranca a sopa da mão do Garçom, na porta do quarto e vai entrando
para servi-lo) (...)
Beatriz: (Sai do seu quarto e o Arlequim comendo, ela chega até ele,
dá-lhe um pontapé e lhe diz desaforos) (...) (Volta para o seu quarto)
(Arlequim esconde os bolinhos nas travessas do chão, coloca outros na
boca e entra no quarto de Beatriz). (...)
xci
Na Espanha, o período localizado entre o Renascimento e o Barroco, entre os
séculos XVI e XVII, um etapa profunda das artes naquele país, foi chamado de Século de
Ouro, e nele, o teatro espanhol reflete um replanteamento da existência humana, o homem
defronta-se agora a sí próprio, a seus desejos insatisfeitos e sonhos longínquos da piedade
34
cristã, e é neste teatro que as didascálias tornaram-se cada vez em número maior, com
influência direta na estrutura da dramaturgia.
Três dramaturgos deste período apresentaram em suas obras a interação do escritor
através das didascálias que compuseram: Félix Lope de Vega, Pedro Calderón de la Barca e
Miguel de Cervantes.
Lope de Vega caracterizou-se pela consciência do sentimento e da honra nacionais,
o que se percebe em suas didascálias, como as encontradas no texto “O cavaleiro de Olmedo”,
por exemplo: “(...) A ação ocorre em Olmedo, em meio ao Campo e num caminho, um
indivíduo ridículo desses povoados (...)”.
xcii
Além das indicações espaciais, ele projeta dados
à personagem de acordo com sua visão pessoal.
Neste período, registra-se a produção de Pedro Calderón de la Barca, em que
salientam-se a presença das didascálias, fomentadoras da cena, como afirmou Goethe: “Suas
obras são totalmente representáveis, não existe nelas nenhum traço que não tenha sido
calculado para atingir o efeito previsto. Calderón é o gênio que, ao mesmo tempo, teve a
maior inteligência.”
xciii
As didascálias de seus textos traduzem a visão que possuía na construção
equilibrada, direcionada e racional de sua dramaturgia, o que se atesta no trecho da obra “El
Nuevo Hospicio de Pobres”.
Sale el Rey, viejo venerable.
REY (...) ¡Oh, tú, divina mente, (...)
SABIDURÍA Dentro.(...)
Sale la Fe con una cruz, la Esperanza con una áncora, la Caridad con un
ramo de espigas, la Misericordia con otro de oliva y detrás la Sabiduría
con corona y cetro.
FE (...) abiertasestán, pues te hacen salva segunda vez los músicos del
alba
ESPERANZA [Canta]. (...)
CARIDAD Canta. (...) En acentos suaves lo digan los trinados de las
aves.
MISERICORDIA Canta. (...)
FE Canta. Y en sus cóncavos huecos las cláusulas finales de los ecos.
LAS 4 Cantan. Juntando sus primores ecos, cristales, pájaros y flores.
(...)
xciv
Miguel de Cervantes em seu texto “Retábulo das Maravilhas” transforma em
dramaturgia um antigo conto folclórico, trata-se da história um enganador profissional que
exibia para diversas pessoas uma pintura capaz de identificar os que fossem bastardos. A
propriedade desta pintura era ser invisível apenas para os bastardos. As personagens simulam
o tempo todo dizendo ver o que não vêem. “(...) Segura a espada e duela com todos; e o
34
alcaide espanca Rabellejo, e Chirinos retira a capa e diz(...) (...) Sai o Autor no
comando das estrelas, e forças, nas sombras. (...)”.
xcv
Neste trecho pode-se analisar a
interferência do dramaturgo na movimentação cênica das personagens, existe uma
preocupação em que não se perca a intensidade do movimento.
Mesmo contemporâneos, o teatro clássico francês do Século XVII é muito diferente
dos teatros espanhol e inglês. Em sua origem surgem influências espanholas e da Comédia
dell’Arte, mas que foram superadas para atender à demanda de seu público culto, sofisticado e
disciplinado por normas rígidas de comportamento da sociedade, o que gerou o
desaparecimento das raízes populares. Com um público de formação humanista, a construção
barroca acomodou-se às regras aristotélicas: unidade de ação, de lugar e de tempo. O enredo
era reduzido ao essencial, fazia-se uso de uma expressão verbal disciplinada, bem ao modo do
“bom falar em sociedade”, trazia pouca ação e o mínimo de lirismo.
A característica do mínimo de ação exterior teve como efeito a concentração nos
acontecimentos interiores das personagens. As didascálias tornaram-se as grandes aliadas dos
dramaturgos dessa época, porque através delas a base ideológica que sustentava os enredos
era traduzida. Molière, por exemplo, criou a fina comédia da sociedade, psicológica e satírica,
que permitiu o registro do ambiente de sua época, com suas futilidades e defeitos.
TARTUFFE (Falando muito alto, assim que percebe a presença de
Dorine) (…)
DORINE – (À Parte) (...)
TARTUFFE – (Ele tira um lenço do bolso. (…)
(...) DORINE – (Para si mesma) (…)
(…) TARTUFFE (Saúda Elmire com as palavras da oração de
saudação para a Santa Virgem) (…)
ELMIRE – (…) (Dá os primeiros passos para a iniciação e manutenção
do diálogo. As primeiras palavras que dirige a Tartuffe, parece
autorizá-lo, a convidá-lo mesmo a declarar sua paixão.) (…)
(…) TARTUFFE (Tomando a mão de Elmire e apertando-lhe os
dedos contra os seus) (…)
(…) TARTUFFE – (Põe a mão sobre os joelhos de Elmire) (…)
(…) TARTUFFE – (Apalpando os enfeites do vestido de Elmire)
xcvi
No final do Século XVIII, havia uma exaustão da visão de mundo iluminista.
Friedrich von Schiller refletiu a estética como intermediação possível para a educação e o
aprimoramento ético da humanidade, em 1784 publica “O Teatro Considerado como
Instituição Moral”, folhetim que defende um estado conciliador entre os sentidos e a razão,
tendo a arte teatral feito um meio para esse objetivo, com a cooperação da catarse trágica que
purifica as paixões e condensa a razão reorientando-a.
xcvii
Os dramas produzidos por Schiller,
34
centrados na proposta do movimento “Sturm und Drang”
xcviii
, trazem em suas didascálias uma
crítica acentuada ao individualismo idealista. Como exemplo, pode-se observar no trecho que
se segue:
(...) Aposento na casa do músico. Miller deixa sua cadeira, e põe seu
violoncello de lado. Sua esposa, vestida com roupas leves e simples, toma
café em uma mesa. (...)
(...) LUIZA: (Bebendo sua taça lentamente) (...)
(...) WURM: (Que deixa sua bengala e seu chapéu, e se senta.) Muito
bem! Muito bem, e Como está minha futura... (...)
LUIZA: Obrigada pela sua lembrança, senhor Secretário (Disfarçando a
insatisfação)
MILLER: (Colérico, e machucando-a com o cotovelo.) Mulher!!!
LUIZA: (Disfarçando a dor) Sabe-se que não é possível que ela veja o
senhor Secretário. Está na missa agora.
WURM: Alegro-me! Alegro-me! Terei no futuro uma companheira piedosa
e cristã.
LUIZA: (Sorrindo desatinadamente) Sim... mas, senhor Secretário...
MILLER: (Perturbado belisca-lhe as orelhas) – Mulher!!!
LUIZA: (Insinuando-se) No mais, se pudermos lhe servir em qualquer
outra coisa... com toda nossa alma, senhor Secretário...
WURM: (Com falsidade) Em qualquer outra coisa!... Muito obrigado!...
Muito obrigado!... (...)
(...) FERNANDO e LUIZA: Ele corre ao seu encontro, ela cai numa
cadeira muito pálida e desmaiando... Ele a contempla calado e ambos se
olham durante muito tempo em silêncio. Pausa. (...)
xcix
As didascálias no teatro romântico acompanham as propostas do movimento que
revolucionou as artes na primeira metade do Século XIX, essencialmente burguês e rompeu
definitivamente com o convencionalismo clássico.
Apesar de o teatro romântico ter assumido características diferentes nos países onde
se desenvolveu, uma nota permanece única, a presença das didascálias, que traziam a regra
geral do estilo, os sentimentos e as paixões. Elas são abundantes e criativas, principalmente
para idealizar os espaços em que a Natureza torna-se cúmplice e participa do sofrimento e/ou
da felicidade das personagens. intensa subjetividade e escapismo no registro dessas
didascálias. Estes posicionamentos podem ser observados em “Dom João Tenório”, de José
Zorrilla, nas últimas indicações do texto.
As flores se abrem e mostram os caminhos a vários anjinhos que
rodeiam Dona Inês e Dom João, derramando sobre eles flores e
perfumes. Ao som de uma música doce e distante, o teatro ilumina-se
com a luz da aurora. Dona Inês cai sobre um leito de flores, que
permanecerá à vista do público, no lugar de sua tumba que desaparece.
Dom João cai aos pés de Dona Inês e os dois morrem. De suas bocas
saem suas almas, representadas por duas chamas brilhantes, que
desaparecem no espaço, ao som da música. Cai o pano.
c
34
O Teatro Realista tem o objetivo de descobrir as questões sociais, as relações entre
os indivíduos e a realidade, apresentar um teatro “útil”. A linguagem sofisticada do
romantismo é deixada de lado, dando lugar às palavras comuns do povo. O primeiro
representante desta fase é o dramaturgo francês Alexandre Dumas, autor de A Dama das
Camélias, texto em que a presença das didascálias oportuniza a construção das cenas.
A ação tem lugar em casa de Margarida; numa casa de campo em
Auteuil; em casa de Olímpia e, novamente, em casa de Margarida. (...)
(...) (“Boudoir” de Margarida. Uma porta ao fundo; à direita, uma
lareira, à esquerda, uma porta aberta, deixando à mostra uma mesa e
candelabros. Á direita, entre a lareira e a porta do fundo, outra porta.
Piano, mesas, poltronas e cadeiras.) (...)
(...) (Nanine está trabalhando; Varville está sentado junto à lareira.
Ouve-se a campainha) (...)
(...) MARGARIDA: E este senhor, que só me conhece há cinco minutos?...
Você diz bobagens, Varville. (Entra Nanine, acompanhada dos
criados, trazendo a mesa). (...)
(...) OLÍMPIA: Adeus Varville, adeus meu caro (Enquanto isso os
empregados arrumaram a mesa, que esta pronta todos se puseram à
mesa). (...)
(...) ARMANDO: (Inquieto e depois, aterrado). Margarida! Margarida!
Margarida. (um grito, é obrigado a fazer um esforço para retirar sua
mão da de Margarida). Ah! (Recua, horrorizado). Morta! (Correndo
para Gustavo). Meu Deus! Meu Deus! O que vai ser de mim?...
ci
Ao querer detalhar a cena e apresentar minuciosamente sua movimentação, o
Teatro Realista enriqueceu as didascálias. Houve uma profunda modificação em todas as
linguagens cênicas: interpretação, cenário, luz, música... Em uma das didascálias do
dramaturgo francês Victorieu Sardou, pode-se ler: os atores sentam-se em torno a uma
mesa, situada no centro de um salão (semelhante aos de nossa época) e conversam com
toda naturalidade, olhando-se uns aos outros como acontece na realidade.”
cii
Ao apresentar um mundo copiado para estar vivo na cena, as didascálias do teatro
realista rejeitam os excessos, buscam a reprodução fotográfica da realidade. Para os
dramaturgos, as motivações, os conflitos, a caracterização psicológica e a coerência na
progressão dramática têm importância vital com o intuito de atingir os objetivos desejados.
Ato Primeiro
Uma sala de hospedaria Porta de entrada ângulo à direita Porta da
casa de jantar ângulo à esquerda, canapé à direita, janela à esquersa. Ao
fundo, piano, por cima espelho de aço coberto por um “store” e dando
para a casa de jantar, mesa à esquerda.
Cena I
Frederico sentado, muito atento a passar as cartas. Pomerol à porta de
34
entrada, introduzido por um criado. Pomerol no limiar da porta
POMEROL A Senhora saiu? Criado que o segue depois de abrir a
porta.
CRIADO – Sim, senhor.
POMEROL – E a menina
CRIADO – A Menina também.
POMEROL – Está bem; esperarei. Indo a Federico que não o viu chegar
POMEROL – Que diabo estás tu aí a fazer?
Frederico levantando a cabeça e pondo-se de pé.
FREDERICO – Ah, o senhor de Pomerol!
Pomerol, mostrando-lhe as cartas.
POMEROL – Ensaiava-se um novo lance, heim? (...)
Ato Segundo
Uma sala na casa de Clotilde Porta de entrada ao fundo Janela à
direita dando para o pátio Portas de quartos ao fundo, dos dois lados,
fogão à esquerda, com espelho sem aço Canapé defronte do fogão,
colocado obliquamente Mesa pequena na ponta do canapé À direita
mesa – Poltrona, cadeiras, duas cadeiras baixas
Cena I
Clotilde e Georgina
Clotilde está sentada no canapé e escreve, Georgina entra vivamente
falando à criada de quarto que lhe abre a porta.
Georgina, muito febril (...)
Ato Quatro
Uma sala em casa de André Janela à esquerda Porta de entrada,
angula à direita Outra porta no fundo que é a do quarto da cama
Porta pequena, na parede à direita, primeiro plano Fogão e canapé,
ângulo à esquerda.
Cena I
André, Fernanda, Georgina, Sra de Brionne, o Barão, a Baroneza, o
General e uma senhora idosa.
À noite Uma mesa de “whist” à direita onde, André, o Barão, a Sra.
De Brionne e a Baroneza estão sentados e jogam À esquerda uma
mesa de chá Fernanda faz o chá A senhora idosa está sentada no
canapé Georgina ao fundo, à direita espreita a chegada do marido o
General à esquerda do fogão.
ciii
o espanhol de Granada, Federico Garcia Lorca, 1896-1936, possui uma
dramaturgia marcada pelo desejo de que o encenador e os espectadores sejam levados a
respirar o mesmo ambiente que ele imaginou, a ouvir os sons de fundo, a sentir a força e os
matizes espirituais das cores. A proposta é utópica, mesmo que suas didascálias sejam
meticulosas e ricas de informações subjetivas, o que possibilita, através dessa abertura,
diversas leituras cênicas.
O estudo de sua primeira obra dramática, “Mariana Pineda Popular Romance em
Três Estampas”, concluído em 1925, que foi à cena em 1927 no Teatro Goya, em Barcelona,
com cenários de Salvador Dali, pela Companhia de Margarita Xirgu (Figuras 14 e 15), além
de tornar ainda mais conhecida a figura histórica da heroína da causa liberal espanhola do
34
Século XIX (Figura 16), apresenta uma evidente sensibilidade visual do poeta para descrever
os lugares interiores e exteriores, onde ocorrem as ações dramáticas.
Oh! Qué día tan triste en Granada, A Maggarita (Xirgu)
que a las piedras hacía llorar Si me voy, te quiero más,
al ver que Marianita se muere Si me quedo, igual te quiero.
en cadalso por no declarar Tu corazón es mi casa
y mi corazón tu huerto.
Marianita, sentada en su cuarto, Yo tengo cuatro palomas,
no paraba de considerar: cuatro palomitas tengo.
“Si Pedrosa me viera bordando Mi corazón es tu casa
la bandera de la libertad ¡y tu corazón mi huerto!
Trova Popular
civ
Federico García Lorca
cv
Figuras 14 e 15- Atriz Margarida Xirgu
cvi
34
Figura 16- Mariana Pindela en Capilla de Juan Calvo
cvii
A análise do subtítulo da obra “Mariana Pindela Romance Popular em Três
Estampas” permite uma leitura através do significado do vocábulo estampas”, isto é,
imagens reproduzidas ou impressas por meio de chapas gravadas, o que possibilita um
mergulho no universo das artes visuais, meio através do qual Lorca também expunha suas
idéias, como se pode observar nas figuras que se seguem (Figuras 17, 18 e 19).
Fig. 17-Mariana Pindela, de Lorca; Fig. 18- Perspectiva Urbana, com auto-retrato de Lorca; e Fig. 19- Merienda
de Lorca
cviii
Lorca imprimiu às “estampas”, que se manifestam através das didascálias, uma
postura e um caráter plásticos que permitem a criação do espaço cênico num ambiente e numa
época, de tal forma que a ambientação oscila entre o verossímil e o irreal. O dramaturgo
34
utiliza-se de uma grande sutileza cromática na composição das “estampas” que serve, em
determinados momentos de contraste com as personagens e em outros momentos engaja as
personagens às “estampas”, o que favorece e evidencia a passagem do tempo e proporciona
um toque expressionista ao fundo. Tome-se como exemplo, as didascálias do prólogo de
“Mariana Pineda”:
Telão representando o desaparecido arco árabe Las Cucharas” e
perspectiva da praça “Bibarrambla” em Granada, enquadrado em uma
moldura amarelada, como uma velha estampa iluminada de azul
turquesa, verde, amarelo rosa e azul celeste, sobre um fundo de paredes
negras. Uma das casas à vista estará pintada com cenas marinhas e
guirlandas de frutas. Luz da Lua. Ao fundo, as meninas cantam com
acompanhamento o romance popular.
cix
Ou as didascálias que introduzem a primeira cena:
Casa de Mariana. Paredes brancas. Ao fundo pequenas sacadas
sombreadas. Sobre uma mesa, uma fruteira cheia de marmelos. Todo o
teto estará cheio destas mesmas frutas penduradas. Em cima da
cômoda, rosas de seda. Tarde de outono. Ao levantar-se o telão...
cx
As didascálias carregam as cores, os contrastes, a iluminação, os objetos
decorativos, as estações do ano e a música, que dão vida e poder de sugestão ao ambiente
onde se desenrola a ão dramática. As didascálias não trazem indicações cênicas, mas
também, através de um exaustivo número de tons e matizes, criam uma atmosfera, definem
um estado de alma para o ambiente onde a obra irá aportar. A respeito desse tipo de
observações, Gwynne Edward explica as didascálias que introduzem o primeiro ato de “Bodas
de Sangue”:
Pode-se perceber, através de um amarelo cru nas paredes nuas da
cozinha, tendo como contraste de fundo o negro do vestido da mãe. A
mãe aparece sentada, levantando-se ao primeiro término da cena. A
combinação de cores e a postura estática e muda da mãe criam uma
atmosfera sombria e recalcitrante de profunda melancolia, antes que
seja pronunciada qualquer palavra. Esta ambientação antecipa as
palavras e as ações que virão a seguir, harmonizando-se o tempo todo
com elas.
cxi
A forma de Lorca trabalhar as didascálias não é comum na história do Teatro. Ele
mescla um realismo descarnado com um elaborado lirismo. Destaca um terreno do semi-
monólogo, onde a personagem tem um interlocutor que é o cenário para falar com a realidade,
consigo mesma e com o público. As didascálias mesclam o cruel, o sórdido com a sublime
poesia.
34
Aparece a Noiva. Usa um vestido preto estilo 1900, com anquinhas e
longa cauda rodeada de gaze plissada e rendas engomadas. No cabelo,
que lhe cai sobre a testa, leva a grinalda de flor de laranjeira. Soam
violões. As Moças beijam a Noiva.
cxii
Na dramaturgia espanhola, o escritor Ramón Maria del Valle Inclán
cxiii
,
pseudônimo de Ramón Valle Peña, destaca-se pela forma como aperfeiçoou suas didascálias,
ampliando-as em conteúdo e importância, que criam cenografias e descrições que parecem
impossíveis de realizar na cena, como inserir entre os atores “Um sapo anônimo que canta na
noite” e uma infinidade de acontecimentos extraordinários, como esta que detalha a aparência
física de uma personagem idiota depois da morte.
A enorme cabeça do idiota destaca-se sobre uma almofada branca, o
rosto de cera ornada de camélias. Seu corpo gido desenha um
desproporcional perfil baixo numa mortalha de percal azul, com
estrelinhas douradas. Sobre o ventre, inchado como de uma mulher
grávida, um prato cheio de moedinhas, relembrando as esmolas e sobre
nada em um monte de cobre nefro, uma peseta brilhante.
cxiv
Valle Inclán chega ao extremo de criar didascálias iniciais em verso, como em
“Vozes de Gesta e la Marquesa Rosalina”, da qual foi retirado esse exemplo versificado da
descrição do espaço cênico, mantido na língua original para que a lírica permanecesse sem
alteração:
Desgrana el clavicordio una pavana
por el viejo jardín. El recortado
mirto, que se refleja en la fontana,
tiene un matiz de verde idealizado.
Sobre la escalinata que las rosas
decoran, y en el claro de la luna,
abre el pavo real sus orgullosas
palmas. ¡Un cuento de la mil y una!
Y el abate Pandolfo, que pasea
bajo la fronda, el entrecejo enarca
meditando un soneto a Galatea,
en la manera sabia de Petracta.
Al borde del camino, su ocarina
hace sonar el sapo verdinegro,
y canta el ruiseñor su cavatina
con las audaces fugas de un alegro.
cxv
Valle escreveu essas didascálias em versos de onze sílabas, que não apresentam
a descrição do espaço nico, mas também toda uma atmosfera para uma peça, cujo subtítulo
é “Fábula Sentimental e Grotesca”. Outro dado interessante é que esse dramaturgo escreveu a
34
cena final de “Ligação”, peça do “Retrato da mesquinhez, da loucura e da morte”, sem
nenhum diálogo, unicamente uma extensa rubrica encerra o texto. No Teatro Moderno, Ibsen,
Strindberg, Tchékhon e Brecht, isto para nomear apenas quatro dramaturgos que trabalham
com diferentes gêneros e fazem uso de didascálias de todos os tipos. O teatro moderno
caracterizou-se por sua absoluta liberdade de estabelecer, por meio do diálogo com as formas
tradicionais e as novas possibilidades técnicas, que deram lugar a uma transformação singular
da arte teatral. Henrik Ibsen, em seus dramas realistas, era impulsionado por desmascarar o
lado negativo da sociedade, a hipocrisia, a falsidade, o uso da força e do comportamento
manipulativo. Era um escritor incansável na luta em favor da sinceridade e da liberdade. A
verdade, a emancipação, a realização pessoal e a liberdade do indivíduo são seus focos. Ibsen
preocupava-se muito com o fato de que, o público no teatro e os leitores fossem testemunhas
de acontecimentos que poderiam muito bem ter-se passado na vida de cada um. Esta
circunstância requeria que as personagens falassem e se comportassem de forma natural e que
as situações tivessem a marca do cotidiano. “O drama realista iria criar a ilusão da realidade
reconhecível e para isso sua arma eram as didascálias.”
cxvi
. Abaixo estão as didascálias que
abrem o primeiro ato de “Hedda Gabler”, de Ibsen, onde se pode se observar o cuidado
especial dedicado pelo dramaturgo a elas, no intuito da construção da cena.
Um quarto de vestir consideravelmente espaçoso fornece uma visão
ilimitada, de paladar duvidoso, devido à decoração em cores escuras. Na
parte de trás, larga entrada, com as cortinas puxadas para trás, que
conduzem a um quarto menor decorado no mesmo estilo ao quarto de
vestir. Na parede direita do quarto da frente, uma porta que se abre e
conduz para o salão. Na parede oposta, à esquerda, uma porta de vidro,
também com as cortinas puxadas para trás. Através das vidraças avista-
se parte da varanda de fora e as árvores cobertas com as folhas
amareladas do outono. Uma mesa oval, com belo tampo descoberto, e
cercada por cadeiras, está bem mais adiante. Na parte dianteira, na
parede da direita, há um largo fogão de porcelana escura. Uma poltrona
alta, sustentada por um descanso de pés e por dois utensílios de pés. Um
estúdio., com uma mesa redonda pequena à sua frente dele, enche o
canto direito superior. Na parte dianteira, à esquerda, uma meia parede
há um sofá. Por trás da porta de vidro há um piano. Em um ou do outro
lado da entrada, na parte traseira, uma estante, com a decoração feita
em terracota. De encontro à parede traseira do quarto interno um sofá,
com uma mesa, e uma ou duas cadeiras. Sobre o sofá, pendura à parede
um retrato de um homem consideravelmente idoso enverga um
uniforme de general. Sobre a mesa uma luminária suspensa, com uma
máscara de vidro opala. Um grande número de arranjos de flores
decora os móveis do quarto de vestir, as flores estão distribuídas em
vasos de porcelana e outras em jarras de cristal. Outros se encontram
em cima das mesas. Os assoalhos de ambos os quartos são cobertos com
os grossos tapetes grossos. Luz da manhã. O sol brilha através da porta
34
de vidro, iluminando todo o espaço. A senhorita Juliana Tesman entra
através do salão, traz uma boina na cabeça e carrega uma sombrinha de
mão. É seguida por Berta, que carrega um bouquet envolvido no papel
de seda. A senhorita Tesman é uma moça agradável, graciosa,
comedida, quando se está com ela à distância de um palmo. Veste-se de
forma elegante e agradável, mas muito simples, porta um traje cinza
claro. Berta é uma mulher de meia idade, nascida na planície rural, que
deixa claro em sua aparência.
cxvii
Ibsen em “Casa de Bonecas” mostrou através de Nora, a protagonista do drama,
que a mulher deveria ir em busca de sua liberdade para crescer e se tornar uma pessoa adulta,
independente e responsável. Ibsen retratava em suas peças os problemas que atingiam as
famílias burguesas e desvendava, por trás dos lares de classe média, que aparentavam saúde e
sucesso, todos os conflitos, a imoralidade e a traição, as didascálias trazem para a cena as
peculiaridades expressas pela trama.
Salão agradável, decorado com bom gosto, mas sem luxo. Uma porta no
fundo, à direita, conduz ao vestíbulo; uma outra porta ao fundo, à
esquerda, conduz ao escritório de Helmer; entre as duas portas, um
piano. No centro da parede da esquerda, uma porta e uma janela mais
afastada. Perto da janela, uma mesa redonda, cadeiras de braço e um
sofá. Na parede da direita, no fundo, outra porta. (...) deixa a porta
aberta atrás de si, e vemos um entregador entrar carregando uma
árvore de Natal uma cesta que ele entregou à criada que abriu a porta.
(...)
NORA – (...) o carregador agradece e sai. Nora fecha a porta. Ela
continua rindo para si mesma, enquanto tira o chapéu e o casco. Tira do
bolso um pacote de caramelos e come dois; (...)
HELMER (...) uma olhada na promissória. (...) Rasga a
promissória e as duas cartas, joga tudo na estufa e fica olhando
queimar. (...)
cxviii
Muitos, entre eles o pesquisador Gisálio Cerqueira Filho
cxix
, consideram que
Strindberg tenha sido um cineasta antes do nascimento do cinema. Isto porque nele a idéia de
“corte” já está presente, determinando o ritmo, a leitura e a vivência dos fatos cênicos. Mas de
fato a idéia de “corte” atravessa toda a obra do dramaturgo, expressa pelas didascálias.
Durante 1907 e 1908 Strindberg empreendeu uma série das experiências a fim estabelecer um
teatro intimista, que fosse baseado em suas inovações na forma como compunha música de
câmara. Descarregou numa única personagem um conjunto composto de vários caracteres
idênticos em importância, criando um drama que imprimisse uma marca por suas
características e atmosfera. No contraste ao mal e aos caracteres corruptos que povoam os
dramas, Strindberg criou um indivíduo, que fosse capaz de perceber fenômenos sobrenaturais,
e separar a face da verdade da face da falsidade.
34
Minhas almas, caráteres, são conglomerações de estágios passados e
atuais da civilização, dos bocados dos livros e dos jornais, das sucatas da
humanidade, dos panos e dos farrapos da roupa fina, remendados junto
como é a alma humana. E eu adicionei um pouco de história
evolucionária, fazendo o mais fraco rouco, e repito as palavras do mais
forte, e fazendo dos caráteres peças, idéias ou “sugestões” de uma outra.
cxx
As primeiras peças teatrais de August Strindberg apresentam influências de Ibsen e
Kierkegaard,
cxxi
é onde se encontra uma personalidade amarga e torturada. Strindberg foi
um dos fundadores do teatro contemporâneo. Especificamente da corrente expressionista,
além de parte de suas obras ser precursora do surrealismo, enquanto outras parecem bastante
simbolistas. Um novo aspecto que atesta a pluralidade de seus escritos é o fato de ter sido
considerado um dos grandes dramaturgos naturalistas. Torna-se quase impossível classificá-lo
por um estilo. Na obra do escritor sueco, pode-se observar a combinação da psicologia, do
naturalismo e do misticismo. Investigando e revirando a alma humana, pesquisou linguagens
pensando a obra artística em si, além de seu próprio papel como criador. Seu teatro foi
transgressor, deixando para os encenadores a difícil tarefa de montar seus tão diferentes textos
em toda a sua complexidade. No seu Teatro Simbolista, as personagens são mais a
materialização de idéias abstratas, do que seres humanos reais, as didascálias refletem esta
concepção do dramaturgo, proporcionando uma relação de interação entre o leitor ou a platéia
e a dramaturgia. Devido a isso, alguns cenógrafos passaram a usar, em determinadas
montagens, projeções e títulos explicativos, como que tentando materializar as intenções do
dramaturgo. Na obra “Charles XII”,
cxxii
um drama em cinco atos, pode-se observar a seguinte
didascália:
É uma manhã de ventania, na costa da Escandinávia, no mês de
dezembro do ano 1715. Ao centro, vê-se uma cabana precisando de
conserto, abandonada durante a peste de 1710; sua fundação es
imersa em areia acumulada, as janelas estão quebradas; os azulejos de
cobertura arrancados; a porta não mais existe. O fogão fuliginoso e a
chaminé podem ser vistos pela frente da casa desmoronada. Fora da
cabana uma macieira desfolhada pelo vento, com uma solitária maçã
sacudida pelo vento. Próximo à árvore uma pilha de pedaços que
restaram de um galpão. À direita da cabana podem ser vistos os restos
queimados de uma igreja e várias casas. Mais além, o mar está
tremendamente escuro; no horizonte pode ser visto um amanhecer de
raios de cinza pálido. Um homem vestido de trapos, caminha à procura
de algo sobre as ruínas. Um guarda costeiro entra.
cxxiii
Esta é a didascália que abre o primeiro ato da dramaturgia. As informações trazidas
por ela, não se limitam apenas às orientações cênico-espaciais, estão povoadas de informações
precisas e que influenciam na leitura que deverá ser feita, tanto pelo leitor, quanto pelo
34
encenador. Precisão de data, estado físico dos objetos, o simbolismo da única maçã numa
árvore sem folhas, o espaço em torno, que situa o estado das emoções que penetraram na
cena. “Dois soldados, com espadas desenhadas detêm o conselheiro e o mensageiro, que num
tempo passado, caíam aos seus joelhos e indicam com as mãos para fora, à direita”.
cxxiv
AÇÕES PROPOSTAS PELAS DIDASCÁLIAS TEXTO DAS DIDASCÁLIAS
1 – A entrada do Rei em cena, suas características
físicas;
O Rei entra em cena à direita. Está pálido,
molhado, sente muito frio, sob uma capa.
2 – O direcionamento do Rei e suas intenções;
Dirige-se rapidamente para o conselheiro e
para o mensageiro, que estão retidos pelos
soldados, Hultman e Luxemburgo.
3 – A entrada no Rei na cabana;
O Rei entra na cabana,
4 – A ação do Rei;
Tira sua capa e a deposita em algum lugar,
5 – A Ação do Rei e sua postura psicológica;
Ele mesmo, mais ou menos tranqüilo,
6 – Ação despojada do Rei;
Antes do ajudante auxiliar o Rei a fazer o
fogo, que está fraco,
7 – O Rei em sua postura de autoridade;
Ele ordena-lhe com um gesto que saia para ir
ter com o conselheiro e os mensageiros, de
quem ele recebe cartas.
8 – A ação obediente do ajudante;
O ajudante retorna imediatamente
9 – Nova ação específica do ajudante;
E entrega as cartas ao Rei.
10 – Postura serviçal do ajudante, pontuada pela
condição do desenvolvimento da ação;
Um respeitoso silêncio prevalece,
11 – Ação do Rei, mostra do respeito à ação, com os
sentimentos compatíveis;
enquanto o Rei abre as cartas.
12 – Ação do Rei carregada de sua força. Poder e
emoções;
Ele lança um rápido olhar sobre eles
13 – Nova ação do Rei, que determina sua análise da
situação associada às informações recebidas;
E atira as cartas no fogo.
14 – Nova ordem do Rei ao ajudante;
Logo depois, ele convoca o ajudante com um
gesto.
15 – Concordância do Rei com o ajudante;
Parece concordar com ele sobre que estrada
devem tomar.
16 – Ação do Rei;
Durante esse tempo, ele aperta seu cinto,
17 – Ação do Rei;
empurra seu chapéu para baixo na fronte.
18 – Ação de outra personagem em relação ao Rei;
Rosen o ajuda a colocar a capa, levantando o
colarinho para aumentá-lo.
19 – Ação do ajudante;
O ajudante sai,
20 – Comandos sem uso de diálogo ou discurso direto;
De fora, comandos de atenção! Sinais
específicos para o guarda do primeiro plano.
21 – Ações de outras personagens;
O soldado sai naquela direção, em frente das
ruínas da igreja.
22 – Ação objetiva e direcionada;
O Rei segue com passos rápidos. Durante esse
tempo Roses executa gestos.
23 – Indicação específica da ação;
Hultman e Luxemburgo ficam. Düring segue o
Rei. O ajudante sai;
24 – Ação explícita sem texto;
Ouvem-se, de fora, novos comandos de
atenção.
25 – Indicações de personagens;
E sinais para guarda o primeiro plano certo.
O soldado sai naquela direção, na frente da
igreja em ruínas.
26 – Ação do Rei e ações de personagens em relação
ao Rei.
O rei segue com passos rápidos. Então Rosen
faz gestos. Hultman e Luxemburgo ficam.
Düring segue o Rei.
cxxv
Quadro 02- Ações propostas pelas didascálias, do texto Gustav III, de Strindberg
34
As didascálias marcam, nesse momento, não só entradas e saídas das
personagens, mas destacam uma mudança de atitude num contexto social. São as
indicações que regem uma cena quase que totalmente silenciosa, onde as personagens
podem ser visualizadas de forma clara e precisa transitando através de uma seqüência
de ações propostas pelas didascálias, que contribuem fortemente na construção da
trama; conforme pode-se observar, vinte e seis ações silenciosas listadas acima às
personagens (Quadro 02), que compõem a dramaturgia.
Observe-se, na didascália que se segue, a sutileza, onde a presença do dramaturgo
atua diretamente na
construção da cena:
FAZENDEIRO: Era o Rei?... Então ele tem algo diferente das outras
pessoas... Da mesma maneira que se alguém se prostra aos meus pés... Eu
não posso entender... O que dizer para eles, não era para mim que eles
deveriam cair de joelhos...
cxxvi
Esse trecho acima é dialógico, porém a ocorrência das reticências constantes
caracteriza a intenção do dramaturgo em fragmentar a fala da personagem, ou seja, a presença
da uma intenção de manifestar a pausa, a reflexão, a hesitação.
Tendo como foco observar as características peculiares das didascálias na obra
dramática de August Strindberg a forma utilizada pelo autor para criá-las –, percebe-se que
as indicações expressam um reflexo intencional do poeta em apresentar suas ideologias, como
ele mesmo escreveu no livro “Catequese para a Classe Oprimida”:
Sou socialista, niilista, republicano, enfim sou tudo o que possa ser contrário
aos reacionários. E gostaria de pôr tudo de pernas para o ar para ver o que se
encontra no fundo. Acho que estamos de tal modo emaranhados e somos tão
terrivelmente manipulados, que a nossa vida, para que a possamos estudar,
temos primeiro que rebentar com ela, queimá-la, para depois recomeçar tudo
de novo.
cxxvii
As didascálias atestam, portanto, o que muitas vezes gerou polêmicas em
torno de um caráter autobiográfico de suas obras, em que a postura das
personagens reflete o pensar do artista, como se pode observar nas
didascálias a seguir:
Apresenta uma caixa aberta de rapé.”
“Oferece primeiramente ao Fazendeiro.”
“Oferece o rapé, demonstrando o uso com prazer.”
“Oferece ao Burguês.
“O burgus toma, usa o Rapé.”
“Oferece-lhes a usar o rapé.”
“Oferece ao Senhor.
“SENHOR: Não, obrigado!”
cxxviii
34
Tem-se agora uma seqüência de sete didascálias, seguidas de um trecho do diálogo.
Essas indicações mostram como os objetos comuns podem pontuar as relações de força entre
as personagens de uma pequena cena. A seqüência ordenada visa um efeito final planejado: a
atitude do “Senhor” em não compactuar com a aparente gentileza daquele que a faz.
As didascálias presentes nos dramas de Strindberg apresentam, em muitas ocasiões
as metamorfoses pelas quais a estrutura psicológica do autor passou ao longo da vida. São
construídas por imagens fortes que marcam uma busca da visão humana sobre a natureza. O
exemplo que se segue traz uma réplica seguida de uma didascália. O que a fala remete está
diretamente ligado à ação proposta pela didascália; o discurso pronunciado pela personagem
personifica-se na ação imaterial e esse discurso toma corpo através da percepção auditiva,
que é sugerida pela didascália. “HORN: Um homem morto, cujo espírito está caminhando a
ermo sobre a Terra. Agora, à distância pode-se ouvir a buzina de Dwarf.”
cxxix
Existe uma precisa intencionalidade do dramaturgo ao compor as didascálias do seu
texto. O trecho que se segue associa à réplica a inclusão de sete didascálias específicas de
silêncio, numa única fala de uma mesma personagem. O poeta não deseja apenas pausas, mas
silêncios, paradas cujas intenções associam-se aos significados de cada uma das orações que
pontuam. O recurso das didascálias remete ali à importância atribuída pelo autor a cada uma
das intenções sugeridas pela personagem, notem-se os caracteres gravados com maiúsculas.
FEIF: Sua Majestade, o Rei, estará aqui de uma vez!
(SILÊNCIO)
Eu sou o secretário do Dia!
(SILÊNCIO)
Meu nome é Feif.
(SILÊNCIO)
Mas eu quero dizer a vocês, cavalheiros, uma coisa?...
(SILÊNCIO)
As pessoas não informam ao Rei sobre qualquer coisa, mas respondem às
suas perguntas, mais ou menos interessadas na resposta.
(SILÊNCIO)
E as pessoas não perdem a oportunidade para dizer a ele qualquer coisa
sobre o Oficial do Reino ou expressar quaisquer desejos, porque aqueles são
conhecidos, são importantes.
(SILÊNCIO)
Até onde vai a etiqueta se você sente, quando você for informado; ou por
uma palavra ou por um sinal.
(SILÊNCIO)...
cxxx
Observando-se as obras de Strindberg, pode-se notar que os dramas para teatro se
entrecruzam com os dramas das pinceladas, uma vez que em sua pintura a matéria e o suporte
não são trabalhados com pincéis, mas com facas e espátulas (Figura 20 e 21). As imagens que
34
o poeta imaginou e traduziu nas telas foram expressas por meio da técnica que para ele
melhor se adequou.
Ao criar as cenas em seus trechos dramáticos, fez uso das didascálias para expor
essas suas novas imagens, pois, além de direcionar uma ação silenciosa, elas trazem
indicações de vital importância para o entendimento do texto e a consolidação da encenação.
Fig. 20- A flor do Mouro, de Strindberg
cxxxi
Fig. 21- A Avenida, de Strindberg
cxxxii
Não é ao acaso que as cores do uniforme do Rei são amarela e azul real, a escolha
deu-se porque remetem às cores da bandeira da Suécia, assim como as características da
personagem observadas de soslaio pelo Rei e a mudança de atitude diante da audição da
mensagem estão ligadas à leitura que o autor deu às características do Rei Carlos XII.
O Rei faz um pequeno ruído, e entra em cena por onde esse ruído
partiu, lendo uma mensagem. Ele está vestido com seu uniforme azul e
amarelo, sem sua espada. Ele observa o homem que está atrás deles,
dissimulando, olhando por cima da mensagem. Ele é sério, um
cobrador, digno e reservado, com uma expressão indecisa no rosto. Sua
aparência é doentia, pálida, cinzenta. Quando o Rei sussurra a
mensagem, eles giram e caem de joelhos.
cxxxiii
Um outro texto, “A Sonata Fantasma”,
cxxxiv
de August Strindberg (Figuras 22 e 23),
apresenta personagens portadores de sentimentos venenosos, que se entrelaçam através das
34
personagens. “A Sonata do Fantasma” foi considerada “não encenável” por muitos críticos e
portadora de personagens que são “fantasias doentias em roupagem estranha”.
cxxxv
Durante
anos, após a estréia de “A Sonata Fantasma”, até os compatriotas de Strinberg tinham
dificuldades para digerir uma peça na qual os elementos físicos e metafísicos coexistem,
porque se tem a sensação de limites, estabelecidos pelo próprio dramaturgo, que dirige o
público e os encenadores, na direção que quer, devido à precisão de suas didascálias. Como
afirma Bergman:
Com Strindberg, jamais se esbarra com dificuldades, porque se pode ouvir o
seu modo de respirar, pode-se sentir o ritmo de sua pulsação, sabe-se
exatamente como se deve trabalhar, suas rubricas sopram em nossos
ouvidos. Tudo o que se tem a fazer é recriar aquele ritmo.
cxxxvi
Fig. 22- Montagem de “A Sonata Fantasma” Fig.23- Montagem de “A Sonata Fantasma” 2
cxxxvii
As didascálias que marcam o início do texto de “A Sonata Fantasma” trazem uma
descrição detalhada da ambientação cênica, onde são ressaltados elementos que irão compor a
trama, por isso, deverão estar presentes, na composição desse mundo fragmentado que a obra
carrega. Em seguida, as indicações apresentam uma longa cena silenciosa, da qual se pode
detectar toda a composição da cena, sem a presença de palavras, através da rotina de vinte
ações específicas (Quadro 03):
34
AMBIENTAÇÃO
A fachada de uma casa moderna, que mostra só um canto da casa,
o chão e o segundo pavimento. No canto do assoalho do pavimento
está um Quarto Redondo, e sobre isto, na segunda história, uma
sacada com um poste de bandeira. Quando as janelas do Quarto
Redondo são abertas e as criadas abrem as cortinas, pode-se ver
uma estátua de mármore branca de uma mulher jovem, rodeada
de esplendor, com a palma da mão iluminada pelos raios do sol. A
janela está à esquerda, forrada com cor-de-rosa, azul, e flores de
jacintos brancos. Pela grade do declive de sacada avista-se um
acolchoado de seda azul e dois travesseiros brancos. Nas janelas à
esquerda estão pendurados lençóis brancos de prantos e
lamentações. É uma manhã de domingo luminosa. Na frente da
casa, em primeiro plano, um banco verde. À direita, no
primeiro plano, existe uma pequena fonte, e à esquerda um
quiosque. No fundo, à esquerda, está a porta principal da casa, e
dentro avista-se a escadaria que acesso às histórias superiores.
O corrimão da escada é feito de mogno e bronze. No lado da
calçada, ou de um lado ou de outro da porta da casa, têm-se vasos
com árvores de louro plantadas neles. O canto no qual está
situado o Redondo Quarto empurra para fora do lado da rua, que
guia em direção à parte de trás. À esquerda da porta da casa
uma janela, que reflete como um espelho, através desse reflexo,
pode-se observar qualquer evento que aconteça à frente da casa.
1 – os sinos tocam;
Quando se abre a cortina ouvem-se os sons de numerosos sinos de
igreja ao longe
2 – a porta da casa é aberta;
A porta de casa é aberta.
3 – a senhora levanta-se;
Levanta-se com passos imperceptíveis.
4 – a mulher varre;
A esposa do vigia está varrendo o degrau da porta.
5 – a mulher molha os loureiros;
E, por fim, ela molha os loureiros.
6 – o velho lê o jornal;
No quiosque, o homem velho sentado numa cadeira de rodas, lê o
jornal. Ele tem os cabelos e as barbas brancas e usa óculos.
7 – a vendedora carrega;
A vendedora de leite caminha em torno da esquina e carrega o
leite engarrafado em uma cesta de arame. Ela está usando um
vestido de verão, sapatos marrons, meia-calça preta, e um boné
branco.
8 – a vendedora tira o boné;
Ela tira seu bo
9 – a vendedora mergulha o boné;
E o mergulha no topo da fonte,
10 – a vendedora limpa o suor;
limpa o suor de sua testa
11 – a vendedora bebe água;
e bebe um gole de água numa xícara presa à fonte por uma
corrente.
12 – a vendedora lava as mãos;
Finalmente ela lava suas mãos
13 – a vendedora arruma os cabelos;
e arruma seu cabelo, , usando a superfície da água como um
espelho.
14 – ouve-se o apito;
Ouve-se o apito de um navio a vapor.
15 – o órgão quebra o silêncio;
De vez em quando, o silêncio também é quebrado pelos tons
graves de um órgão em uma igreja vizinha.
16 – a vendedora completa o toalete;
Depois de vários momentos de silêncio, e quando a vendedora de
leite completou sua toalete,
17 – o estudante entra;
O estudante entra pela esquerda
18 – o estudante não teve sono;
Ele não teve nenhum sono e está com a barba por fazer.
19 – o estudante vai para a fonte;
Ele vai diretamente para a fonte.
20 – o estudante fala. Depois que uma pausa ele diz.
cxxxviii
Quadro 03- Composição de cena, em “A Sonata Fantasma”, através das didascálias
A obra “
A Sonata Fantasma” é, em sua composição, permeada de personagens
esboçados, sensações fragmentadas, frases soltas, gestos cotidianos, gestos fatais, a vida
ensinada a um vivo, o Estudante, por uma personagem que parece estar morta, o Velho. Ainda
34
na primeira cena, encontram-se didascálias que intercalam as réplicas, fornecendo uma
seqüência de ações e pontuando os sentimentos e sensações das personagens.
“A Vendedora de leite puxa a xícara para ela.”/
“A Vendedora de leite olha medrosamente para ele.”/
“A vendedora de leite mantém a atitude anterior.”/
“A Vendedora de leite permanece com a mesma atitude.”/
“A Vendedora de leite lava a xícara, enche-a e enche também suas mãos
para ele.”/
“A Vendedora de leite permanece imóvel.”/
“A Vendedora de leite hesita, pára um momento, e então faz o que ele
perguntou.”/
“Ele pega uma bolsa, mas a Vendedora de leite faz um gesto de recusa.”
cxxxix
Esta peça “A Sonata Fantasma”, através das indicações do dramaturgo, encerra-se
com uma imagem projetada no fundo do palco do quadro de Böcklin, “A Ilha da Morte
(Figura 24).
A sala dissipa-se. Ao fundo vê-se a pintura de Böcklin, A Ilha da
Morte. A partir do surgimento da pintura de forma suave, agradável,
ouve-se uma música melancólica.
cxl
Esta última didascália manifesta a criação de um novo recurso cênico naquele
momento histórico. Strindberg lança a utilização da projeção de um quadro, que, na época,
fazia parte do cotidiano das pessoas. Segundo depoimento do Professor Dr, Ewald Hacler, o
quadro “A Ilha da Morte, de Böcklin”
cxli
era uma imagem muito conhecida, de domínio
público, uma reprodução deste quadro ornamentava o gabinete de estudo de Sigmund Freud e
marcava presença no quarto de dormir e leito de morte de Lenine. Strindberg inspirou-se no
quadro para fazer a “Sonata dos Espectros” e Rachmaninov compôs o poema sinfônico “A
Ilha dos Mortos” a partir da obra. Muitas famílias contemporâneas ao dramaturgo possuíam
cópias do quadro em suas casas, porque havia uma crença popular de que a presença da
imagem nas residências afastava os maus espíritos e a morte, esse crédito deve-se a história
que um cabo austríaco apaixonou-se por um original e comprou-o num leilão em 1936,
trazendo-a sempre consigo a partir daí, protegendo-o da morte. Portanto, essa presença em
cena produzia um efeito de identificação da platéia com a imagem e com toda a gama de
significados que ela carregava na época.
34
Figura 24-“A Ilha da Morte”, 1880, de Böcklin
cxlii
O dramaturgo Anton Pavlovitch Tchekhov, 1860-1904, em sua obra, recusou-se a
resolver questões filosóficas ou sociais, o que importava para ele era a colocação correta do
problema. Ele não possuía um alinhamento ideológico, mas uma postura independente, a
ponto do dramaturgo Máximo Gorki afirmar: “Você me parece ser o primeiro homem
verdadeiramente livre que conheci, o primeiro que não venera nada”.
cxliii
Tchekhov aceitava
as observações do ponto de vista estético, mostrando-se sempre insatisfeito com seu trabalho,
afirmava que a Medicina era fundamental, porque lhe oferecia conhecimentos de ordem
técnica, científica e psíquica, principalmente no tocante aos sofrimentos emocionais, morais e
comportamentais.
Existe na obra uma atenção expressiva quanto às didascálias que estão direcionadas
à cotidianidade, à ação restrita e à econômica intriga. O universo da ficção de Tchekhov se
constrói a partir do cotidiano de personagens sem grandes ideais, ele defende a objetividade e
delega ao público a decifração do não-dito, defende a simplicidade, a brevidade, a prioridade
da construção narrativa sobre o argumento e a fuga à banalidade, como se pode observar no
argumento da crítica Bárbara Heliodora:
Tchekhov atinge a plena maturidade, durante a qual cada vez mais se afirma
a convicção de que aquilo que destrói a vida não são os grandes embates
trágicos, mas o desgaste diário dos pequenos obstáculos e desgostos, assim
como o que justifica e valoriza a vida é a capacidade de enfrentar a
realidade, a par do trabalho construtivo e do amor generoso e tolerante
cxliv
.
Observem-se, portanto, as didascálias na obra “A Gaivota”:
34
Parte do parque da propriedade de Sorine. Uma larga aléia conduz para
longe da platéia, na direção das profundezas do parque, em direção ao
lago, porém está interditada por um tablado provisório, erigido para um
espetáculo de teatro amador, de modo que o lago não fica visível. À
direita e à esquerda tufos de arbustos. Algumas cadeiras, uma mesinha.
O sol acaba de pôr-se. Jacov e outros trabalhadores estão trabalhando
no tablado por trás da cortina; ruídos de tosses e marteladas. Macha
e Medvedenco entram pela esquerda, voltando de um passeio. (...)
TREPLEV Citando Hamlet. (...) Soa uma trompa por trás do palco.
(...) bate com um bastão e começa a declamar, com voz forte. (...)
Levanta-se o pano; descortina-se a vista sobre o lago; a lua está no
horizonte, sua luz reflete-se na água; Nina vestida de branco, es
sentada sobre uma grande pedra. (...)
TREPLEVSuplicando, mas em tom de repreensão. (...)
NINA – (...) Pausa. Ao fundo do palco aparecem dois pontos rubros. (...)
TREPLEV(...) A cortina baixa. (...) Ele ainda quer dizer mais alguma
coisa, porém, faz um gesto de mão e sai pela esquerda. (...)
cxlv
Eugen Friedrich Berthold Brecht era profundamente envolvido com o estudo, a
observação das relações humanas e como elas são afetadas ou determinadas pela força
exercida pelo poder econômico que as envolvem, sendo este segmento o foco central do seu
trabalho como dramaturgo.
cxlvi
A temática ideológica, na obra de Brecht, poderia definir-se como uma dinâmica de
acontecimentos, onde se mesclam o testemunho e a explicação, a ética e a política, cada tema
é ao mesmo tempo expressão do querer ser dos homens e do querer ser das coisas, a voz
rebelde, porque desmascara, e não conciliadora, porque explica.
Roland Barthes, a partir de uma leitura minuciosa dos signos da dramaturgia
brechtiana, propõe que a teoria do distanciamento, a ambientação, o figurino, propostos pelas
didascálias, trazem um problema semiológico, porque postula que a arte dramática antes de
expressar o real, deve significá-lo. Barthes afirma ainda que deve haver uma distância entre o
significado e o seu significante, porque a arte revolucionária deve admitir uma certa
arbitrariedade de signos, abrir espaço a certo formalismo, no sentido de tratar a forma por um
método particular.
O formalismo da arte de Brecht é um protesto radical contra a falsa natureza
burguesa e pequeno burguesa, numa sociedade alienada, porque ele acreditava que a arte deve
ser crítica e cortar toda a ilusão da Natureza”, o signo deve ser parcialmente arbitrário, para
evitar uma arte de ilusão da essência. Pode-se observar como o dramaturgo apresenta esse
posicionamento, através das didascálias que abrem sua obra “O Casamento do Pequeno
Burguês”:
34
Uma sala pintada de branco com uma grande mesa retangular no
centro. Acima da mesa, um lampião de papel vermelho. Nove cadeiras
de madeira, simples e com braços. Na parede: à direita uma “chaise
longue”, à esquerda uma cristaleira. Entre elas, uma porta. No fundo,
ao lado esquerdo, uma mesinha baixa com duas poltronas. Na frente, à
esquerda, uma porta e à direita uma janela. A mesa, as cadeiras e a
cristaleira são de madeira bruta, não polida. É noite. O lampião
vermelho está aceso. Os convidados do casamento estão sentados ao
redor da mesa comendo.
A MÃE, trazendo um prato Aqui está o bacalhau! Murmúrios de
elogios. (...)
O PAI (...) Ah, sim, ele disse: “Crianças, eu quase me engasguei!” E a
comida ficou toda estragada. Risos. (...)
O AMIGO ao noivo – Saúde, meu chapa!
O NOIVO – Saúde a todo mundo! Brindam
A IRMÃ ao moço, sussurrando – Nestas circunstâncias!
O MOÇO – Você acha inadequado? Continuam sussurrando. (...)
O MARIDO – É uma boa idéia. Assim eles ficam sendo parte de nós
mesmos e tomamos mais cuidado. À Madame, sua mulher. Se você tivesse
feito, você mesma, os nossos... (...)
O NOIVO a sua mãe que ela nunca vai cozinhar tão bem quanto a
senhora, mamãe...
A MÃE – Bem, é que eu pus três ovos! (...)
O AMIGO ri tanto que engasga Ovos, ahahahahahaha, ovos, ahahaha...
essa é, ahahah, muito boa... (...) essa é excelente... ahahaha. Como ninguém
ri, ele, de repente, pára de rir e começa a comer rapidamente.
O NOIVO batendo-lhe nas costas – Que foi? (...)
O AMIGO recomeça a rir – Muito importantes! (...)
O MOÇO de pé, ereto – Quando dois jovens: a pura noiva e o jovem noivo,
(...) Quando a jovem noiva dirige-se a ela (...) a noiva soluça (...)
que esta noite irão se pertencer, mutuamente, pela primeira vez. A Madame
uma gargalhada. (...) Começa a cantar, mas como ninguém o
acompanha, ele senta.
cxlvii
A dramaturgia de Samuel Beckett, criador da farsa metafísica, cuida tanto das
didascálias que, em várias de suas peças, elas ultrapassam em tamanho os diálogos, como em
“Fim de Partida”, em que a última réplica da personagem “Hamm” é entrecortada com mais
de cinqüenta didascálias, ou em “Ato sem Palavras, em que a total supressão de todo o
diálogo, e setenta e seis parágrafos de didascálias.
O homem dobra e desdobra seu lenço. Luz brilhante. Ele corre para fora do
palco, para o lado esquerdo. Volta à cena, como que empurrado por
alguém, com violência. Cai na parte posterior do palco, à direita. Cai,
levanta-se imediatamente, tira a poeira, pensa. Assobio do lado direito. Ele
pensa, dirige-se à direita, sai. Imediatamente é lançado com violência de
volta ao palco. Cai, levanta-se imediatamente, limpa a poeira e pensa.
Assobio do lado esquerdo. Ele pensa, dirige-se à esquerda. Sai.
Imediatamente é lançado de volta ao palco. Cai, levanta-se imediatamente,
tira a poeira e pensa. Assobio do lado esquerdo, ele pensa, dirige-se ao lado
esquerdo. Não sai. ra antes de atender ao chamado, atira-se, ele mesmo,
para trás. (...) Ele vira e a árvore, pensa, dirige-se a ela, senta-se na sua
sombra, olha as próprias mãos. (...) A árvore é puxada e desaparece no ar.
Pausa... Pausa... Pausa... (...)
cxlviii
34
O pesquisador Luiz Fernando Ramos, em seu livro “O Parto de Godot”, afirma que
as didascálias nas peças de Beckett têm o mesmo valor que os diálogos, uma vez que a
dramaturgia desse autor exige um controle primordial sobre as indicações cênicas e aquele
que não as obedecer cometerá um ato idêntico ao de omitir ou transformar as falas das
personagens, isto é, não estará encenando Beckett, mas sim criando uma nova dramaturgia a
partir de Beckett.
Por exemplo, a direção do movimento das personagens no palco apontada
nas didascálias responde a um desenho previsto pelo autor, que remete a uma
situação concreta, a presença física e significante das personagens indo nesta
ou naquela direção. Se na maior parte dos autores uma indicação como esta
a direção na qual uma personagem movimenta-se é, de fato, secundária,
em Beckett será vital. Mesmo com infinita variedade de modos de executá-
la, não cumpri-la é não trair o autor como alterar completamente o curso
da ação dramática.
cxlix
Observe-se, em seguida, um trecho de uma das peças mais emblemáticas de Samuel
Beckett, “A Última Fita Cassete” (“KRAPP’S LAST TAPE” – “La Dernière Bande”), onde se
encontra uma estrutura complexa das didascálias, que de tal forma influenciam no decorrer da
trama, que o fato de ignorá-las comprometeria não a temática, mas o enredo e a estrutura
dramática. Como afirma Luiz Fernando Ramos: “O primeiro ponto a destacar é a
predisposição de atuar diretamente na cena, não deixando para um encenador a opção de uma
leitura a posteriori”.
cl
Uma tarde, ao anoitecer, daqui a algum tempo. A pequena casa de
Krapp. À boca de cena, ao centro, uma pequena mesa cujas pequenas
gavetas se abrem do lado da sala. Sentado à mesa, frente à sala, ou seja,
do lado oposto às gavetas, um velho homem deformado: Krapp.Calça
estreita, bastante curta, de um negro conspurcado. Casaco sem mangas
de um negro sebento, quatro grandes bolsos. Pesado relógio de prata
com corrente. Camisa branca imunda, desabotoada no pescoço, sem
colarinho. Surpreendente par de botas, de um branco sujo, no mínimo
manequim 48, muito estreitas e pontiagudas. Rosto pálido. Nariz
arroxeado. Cabelos grisalhos em desordem. Mal barbeado. Bastante
míope, mas sem óculos. Duro de ouvido. Voz rouca muito peculiar.
Andar diligente. Sobre a mesa um gravador antigo, com suporte para
bobinas, com microfone e diversas caixas em cartão, contendo bobinas
registradas magneticamente. A mesa e os arredores imediatos estão
banhados por uma luz dura. O resto da cena na obscuridade. Krapp fica
um momento imóvel, um grande suspiro, olha para o seu relógio,
procura nos seus bolsos, tira de um envelope, coloca-o no sítio,
procura de novo, tira um pequeno molho de chaves, eleva-o à altura dos
olhos, escolhe uma chave, levanta-se e vai até à parte anterior da mesa.
Abaixa-se, mete a chave na fechadura da primeira gaveta, olha para
dentro, mete a mão, tira-lhe uma bobina, examina-a de perto, coloca-a
novamente na gaveta, fecha a gaveta à chave, introduz-la na segunda
gaveta, olha para dentro, mete a mão, tira uma grande banana.
34
Examina-a ao perto, fecha a gaveta à chave, coloca as chaves no seu
bolso. Vira-se, avança até à boca de cena, pára, acaricia a banana,
descasca-a, deixa cair a casca a seus pés, mete a ponta da banana na
boca e fica imóvel, olhando para o vazio à sua frente. Por fim, trinca a
ponta da banana, desvia-se e começa a ir e a vir até ao limite da cena, na
luz, ou seja, à razão de quatro ou cinco passos no máximo de cada lado,
mastigando sempre meditativamente a banana. Pisa a casca, escorrega,
ameaça cair, equilibra-se, inclina-se, olha a casca e finalmente pontapeia
com o pé, sempre inclinado, por cima da boca de cena, fazendo-a cair no
fosso. Retoma às suas idas e vindas, acaba de comer a banana, regressa
à mesa, senta-se, fica por instantes imóvel, dá um grande suspiro, tira as
chaves do bolso, eleva-as à altura dos olhos, escolhe uma chave, levanta-
se e vai até à parte anterior da mesa, mete a chave na segunda gaveta,
tira uma segunda grande banana, examina-a de perto, fecha a gaveta à
chave, coloca as chaves no bolso, volta-se, avança até à boca de cena,
pára, acaricia a banana, descasca-a. Atira a casca para o fosso, mete a
ponta da banana na boca e fica imóvel, olhando o vazio à sua frente.
Finalmente tem uma idéia: mete a banana num bolso do seu casaco,
donde a ponta sairá, e o mais rapidamente que pode, vai até ao fundo da
cena na obscuridade. Dez segundos. Barulho de rolha que se tira.
Quinze segundos. Volta para a luz trazendo um velho registro, senta-se
à mesa. Pousa o registro sobre a mesa, limpa a boca, limpa as mãos em
seu casaco, bate-as e esfrega-as. (...)
cli
A cena contemporânea mostra uma necessidade que não passou despercebida por
estudiosos e encenadores: o teatro não se basta mais apenas no drama e passa a dramatizar
também obras de ficção. Assim, o teatro contemporâneo procura uma expressão textual que
ultrapasse fronteiras, como se o mesmo não conseguisse mais expressar tudo o que o teatro
quer expressar. A tendência é a transformação da literatura em dramaturgia. O professor Hans
I. Velásquez B.
clii
estudou a importância das didascálias na obra “A Chave: teatro em sete
minutos”, do escritor contemporâneo venezuelano Arturo Uslar Pietri,
cliii
a partir dos
posicionamentos de Patrice Pavis, num artigo da revista “Gestos”, quando afirma:
As didascálias contêm informações úteis ao leitor para imaginar a cena tal
como o autor a imaginou. (...) as didascálias são às vezes a chave do texto
dialogado e da peça como um todo. (...) constituem uma série de direções
para dar significado às palavras das personagens. A primeira didascália que
normalmente aparece num texto dramático é o título da obra, que vai gerar
um vínculo de comunicação entre ela e o leitor e pode detonar a primeira
figuração da trama.
cliv
O trabalho de Velásquez demonstra que as didascálias agem como elemento
condutor da análise profunda do texto. Segundo ele, o texto de Arturo tem como título “A
Chave”, dirigindo a uma leitura de que a obra irá girar em torno de um objeto específico,
criando no leitor ou espectador a incógnita de qual seria a relação das personagens com esse
34
objeto, qual a importância da presença de uma chave ou o que esta pode representar ou
simbolizar. O título é uma didascália geradora de expectativas.
No texto “A Chave”, as didascálias são marcadas de profundo lirismo, as descrições
e determinações feitas através delas são um corte metafórico, portador de força literária.
Quando se refere ao espaço sombrio ou às situações, as didascálias possuem um refinamento
particular, em nenhum momento se deixa de perceber a precariedade da situação das
personagens, mas há uma dignidade ao apresentar os fatos que lhe confere um carisma
poético, que prende o leitor.
As didascálias de “localização” servem de abertura a uma sorte de descrições do
espaço cênico, onde o autor, poeticamente, descreve aonde a cena irá se desenrolar: “Este
segmento de vida se passa na ruína de uma habitação”.
clv
As indicações Cênicas referem-se a um evento marcado pela realidade, como
também o estado geral, destruído e pequeno. Quanto à apresentação do espaço, o foco está no
precipício, um abismo que suga, por onde caiu parte da casa, e onde se encontra a chave, de
ferro, que devia manter a porta fechada, como determinam as didascálias: “que devia levar ao
interior, mas agora conduz ao vazio voraz”.
clvi
São as didascálias que expressam que a chave não guarda a casa, que a porta, que
está à esquerda do cenário, está aberta e assim permanecerá durante toda a obra, que a chave
está na porta, colocada à direita, de tal forma que o público a possa ver muito bem, que, no
passado, a porta levava aos outros cômodos da casa, mas no momento presente da ação
existe um único espaço vazio, sem móveis, sem nada. As didascálias apresentam a relação das
personagens, estão sós, num ambiente cada vez menor, à beira de um precipício; assim como
as indicações relacionadas ao tempo, inferem também um ponto limite, que gera a ação
lúgubre:
Ao subir o pano, estarão em cena as personagens dentro do pequeno
quarto: o pai bêbado, com a boca cheia de babas e interjeições, a
palavra difícil e uma garrafa na mão; o filho cego, cujo defeito será
conhecido por sua maneira de andar e ajudado por um bastão. Os dois
estão vestidos de miséria e sujeira”. (...)
(...) “hora da tarde, luz suave, que no interior se fará tênue e diluída”.
(...) “Interrompe para olhar o filho, como que surpreendido com sua
presença”. (...) “leva a garrafa de cachaça aos lábios”. “Duas ou três
vezes passará o dorso da mão na boca”.
(...) “O arrasta por um braço até a porta da direita, que para o
vazio, volta na chave, empurra a folha de um golpe, entra um
corredor de luz. Com riso na voz”. “Está pleno de temor e humildade.
Às tontas busca e encontra o bastão que havia deixado cair. Cai aos pés,
numa atitude de submissão.”
clvii
34
a dramaturgia de Richard Foreman,
clviii
responsável pelo chamado “teatro das
imagens”, nasce do teatro contemporâneo e do movimento performático. Microfones,
cassetes, fios, cordas, objetos. Foreman é um pensador racional, cerebral, inventivo,
dramaturgo, cenógrafo e encenador. Em sua obra, as didascálias ganham proeminência tão
expressiva diante dos diálogos, que justificam a condição, segundo ele, de que elas
“imperam” na cena contemporânea. Ao mesmo tempo, Foreman utiliza todos os elementos
que constituem o processo teatral, até mesmo a literatura dramática, para emancipar o
espetáculo de qualquer prescrição anterior, tornando-o um constante e interminável vir a ser,
aberto às infinitas leituras que o público fará. Especificamente sobre as didascálias, Foreman
afirma:
As didascálias incluídas como parte dos textos refletem a encenação das
produções originais, sob a direção do autor. Aos diretores de montagens
posteriores, contudo, é veemente recomendável que imaginem suas próprias
encenações e que montem suas produções em situações as mais diferentes da
original. Os textos estão escritos de modo a permitir grande variedade de
interpretações sobre os cenários e, até mesmo, de distribuição dos diálogos
entre os atores (incluindo a possibilidade de se definir um número distinto de
atores, ou que o sexo de determinada personagem seja contrário ao que está
indicado no texto) (...) Os textos clamam por uma visão pessoal e
idiossincrática de cada novo diretor.” (...) “A questão é que o texto deveria
funcionar como um poema aberto...”
clix
Nesse caso, portanto, mais do que garantir a interpretação do dramaturgo, as
didascálias estão a serviço da emancipação da cena, no sentido de que expressam uma
materialidade específica e a tridimensionalidade das cenas. São expressões literárias daquela
montagem. As didascálias têm condição efêmera, para favorecer o princípio de que nada
substitui a atualidade do espetáculo, assim, elas indicam o caminho de observações que na
verdade constroem a trama.
O que se percebe da cena contemporânea é que ela produz uma nova teatralidade,
polifônica e polissêmica que é devolvida, também, aos edifícios teatrais como os de Gerald
Thomas, os de Bill Violla e os de Gary Hill.
As novas estruturas textuais perpassam o uso do intertexto, enquanto fusão de
enunciantes e códigos, a interescritura, onde a mediação tecnológica (rede Internet) possibilita
a co-autoria simultânea, o texto síntese ideogrâmico, na fusão das antinomias, o texto partitura
(didascálias), inscrevendo imagens, deslocamentos, sonoridades e a escritura em processo,
que inscreve temporalidade, incorporando acaso, derivação e simultaneidade. Na composição
do texto espetacular em interelações de autoria, encenação e performance o hipertexto
34
sígnico (didascálias) estabelece a trama entre o texto lingüístico, o texto storyboard de
imagens, e o texto partitura – geografia dos deslocamentos espaço-temporais.
clx
Essa nova cena está ancorada em alternâncias de fluxos sêmicos e de suportes,
instalando o hipersigno teatral, da mutação, da desterritorialização, da pulsação do híbrido. O
contemporâneo contempla o múltiplo, a fusão, a diluição de gêneros: trágico, lírico, épico,
dramático; epifania, crueldade e paródia convivem na mesma cena, consubstanciando uma
escritura não seqüencial, corporificando o paradigma da descentralização, formulado por
Derrida, para quem o centro é uma função não uma entidade de realidade. Gesta-se nessa
tessitura hipertextual, a grande “memória interativa”, rizomática, em recursos de proliferação,
mediação e subjetivação. As novas escrituras e suportes cênicos instauram novos espaços
dramáticos pela incorporação do acontecimento em tempo real em clara miscigenação dos
espaços do real e do ficcional. Mitologias pessoais, fetiches, comunicações na rede, acidentes,
compõe a grande cena das redes.
clxi
O dramaturgo contemporâneo abriga em seu texto a experimentação e busca
pessoal e o contato com novas técnicas que o fazem crescer.
1.2 ORGANICIDADE
O dramaturgo, ao escrever um texto, deseja ter a sua obra em cena, as personagens
vivas no seu tempo, no seu espaço, com os seus sentimentos. Não seria necessário ao escritor
compor um texto teatral com o objetivo de que esse fosse apenas apreciado pela leitura
solitária de um indivíduo, para isso, para só uma história, o gênero adequado seria o narrativo.
Porém, um fato deve ser registrado, as relações entre o texto dramático e o espetáculo cênico,
são permeadas pela eterna luta de não se subordinarem uma à outra, apesar de viverem uma
em função da outra.
Ressalte-se um estudo direcionado à dramaticidade presente nas didascálias que
compõem a dramaturgia, como ela está presente e como se manifesta. Segundo o pesquisador
Pierre Aîme Touchard
clxii
, conceitualmente a dramaticidade é o caráter qualidades, tros
distintivos daquilo que é dramático relativo ao teatro, comovente, tudo aquilo que possa
gerar sensações, sentimentos dos mais variados matizes. Por conseguinte, a dramaticidade
está devidamente voltada para o drama teatral, como propõem a Poética de Aristóteles:
34
Drama, palavra de origem grega, traz da língua o significado “ação”, e na
“Poética” de Aristóteles está associada à representação teatral. Mas como os
imitadores imitam homens que praticam alguma ação, e estes,
necessariamente, são indivíduos de elevada ou baixa índole, (...)
necessariamente também sucederá que os poetas imitem os homens
melhores, piores ou iguais a nós, como o fazem os pintores. (...) Pois a
mesma diferença separa a tragédia da comédia; porque esta procura imitar os
homens piores, e aquela, melhores do que eles ordinariamente são. (...)
Consiste pois a imitação nestas três diferenças (...): segundo os meios, os
objetos e o modo. (...) Donde vem o sustentarem alguns que tais
composições se denominam dramas, pelo fato de imitarem os agentes. (...)
Drama, organização de ações humanas de forma coerente provocando fortes
emoções ou um estado irreprimível de gozo ou maravilhamento.
clxiii
Desta forma, desde a Grécia antiga, tanto na prática quanto na teoria o drama
apresenta-se articulado duplamente com a literatura e o teatro, levando-se em consideração
que de acordo com o tempo, a prática artística, a proposta estética, a avaliação da forma, a
função e o sentido dessa articulação tenha se modificado. A pesquisadora Renata Pallottini
clxiv
ao referir-se sobre a lei das três unidades dramáticas, tempo, lugar e ação, propostas por
Aristóteles e sua supremasia durante o reinado do classicismo francês, conclui que elas vão,
por fim, dar lugar a um triângulo formado por: Ação Dramática, Unidade e Conflito.
clxv
(...) Poesia dramática é a imitação, para ser apresentada no teatro, de fatos
completos e preferidos quanto à forma e circunscritos na sua extensão. Sua
forma não é a da narrativa; ela apresenta em cena pessoas diversas, que
agem e conversam. (...) tragédia não é imitação de seres humanos, mas sim
de ações. (...) Com relação à ação, o fim ou objetivo de cada ação; que é
aquilo que está primeiro na intenção e por último na execução. (...)
clxvi
Seja qual for o tom que marque essa relação, entende-se por drama um texto para
ser representado, apesar dos matizes que marcam esta articulação, o drama está presente onde
estejam registradas as didascálias e as réplicas, não importando se juntas ou separadas numa
mesma obra. O que, para o filósofo e teórico literário Roman Ingarden,
clxvii
organiza o texto
secundário, que faz uso de códigos não verbais, gestos, mímica, dança, adereços,
caracterização, cenários, iluminação, etc. e o texto primário, que se manifesta através da voz
dos atores.
No curso da História, o drama, ou o gênero dramático possui uma valorização
oscilante, quando visto apenas pelo aspecto literário. Assim, em determinado momento é
desvalorizado por ser entendido como obra incompleta, quando não é realizado no palco, nada
mais sendo do que um rascunho de uma obra sem existência própria, ou também porque nele
participam elementos não pertencentes à literatura.
34
Os elementos como personagens, diálogos e ação, conflito entre forças externas ou
internas às personagens são compostos para serem representados no palco, para a apreciação
de um público, o que gera uma ação concentrada e, quase sempre a observação à lei das três
unidades: de ação, de tempo e de lugar.
Desta forma, as didascálias escritas por Dias Gomes possuem as indicações para as
ações, as intenções, as sensações, os impulsos e as significações na representação do drama.
Devido ao eruditismo do teatro ocidental, o texto reinou até o final do Século XIX, quando do
surgimento da figura do encenador, que passou a ter alguma autonomia além do texto. Desta
forma, Edward Gordon Craig
clxviii
defendeu um teatro verdadeiramente criador, que não
estivesse limitado apenas à técnica de interpretação de textos, em busca da criação de obras
teatrais a partir de elementos cênicos existentes num espetáculo: uma combinação da ação, a
interpretação do ator, das palavras, o corpo do texto, das linhas e das cores, a composição da
cena e do ritmo, a essência do movimento. Como também, Antoin Artaud
clxix
propôs o “teatro
de crueldade” centrado nas potencialidades visuais e expressivas do teatro, rejeitando o
reinado do texto, da palavra, e supervalorizando a fisicalidade do ator, objetivando o teatro
metafísico, para melhor cumprir a sua visão de um teatro no qual acreditava.
Nesse processo contínuo, a professora Maria Helena Serôdio
clxx
apresenta também
a figura do “dramaturgista”, que “opera” sobre os textos para a cena, que muitas vezes não
são dramas. No universo dos espetáculos contemporâneos, encontram-se aqueles que se
baseiam em textos líricos, narrativos, psicológicos ou jornalísticos. “Trata-se, afinal, de
livremente interpelar todos os materiais que o teatro admite, tanto no campo do literário como
no do teatral, num jogo que pendularmente convoca a aceitação e a subversão do horizonte de
expectativa que o dramático institui”.
clxxi
O maior valor do drama escrito está no fato de viabilizar o conhecimento, a
recriação de obras de geração a geração. Sabe-se que o texto não basta para se ter teatro,
assim, o drama é uma criação brida, uma síntese de recursos diversos, envolvendo atores,
encenadores, cenários, músicas, e coreografias. O drama apenas escrito é como uma partitura
musical antes de sua execução pelos intérpretes.
A professora Maria João Brilhante, da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, expressa sua crença em que, na atualidade, os pesquisadores estão distantes das
certezas que possuíam os estudiosos do passado, no que concerne à distinção entre o drama e
a épica, uma vez que se torna impossível “circunscrever a narrativa ao enredo ou aos relatos
de ações irrepresentáveis em cena, feitas pelas personagens do teatro clássico”
clxxii
.
34
O encenador e professor de História do Teatro, Osório Mateus, acredita na seguinte
forma:
Teatro e literatura são artes diferentes. É preciso redefinir a especificidade de
cada uma delas. As diferenças relativas do teatro e da literatura hão de ser
procuradas na análise das matérias-primas e nos processos específicos de
transformação de cada uma dessas práticas.
Os materiais com que se faz o teatro são entre si muito diversos: ações do
corpo ao vivo, num espaço que se ocupa, durante um tempo que se
transforma. Na forma dominante de circulação da literatura, o material é a
língua fixada por escrito. Corpos numa arte e letras noutra.
Em ambas as práticas há a possibilidade de trabalho sobre uma matéria
comum: as palavras, substância própria da literatura, mas não
imprescindíveis ao teatro. O corpo tem ngua e num determinado modo de
teatro profere palavras. Quando estas existem, não são nunca o todo e nem
sempre o modelo.
clxxiii
Dessa forma, analise-se a distinção de textos relacionados com o teatro. Em
primeiro plano, está o texto dramático, pleno de tradição e que a partir da década de 1960
recebeu a denominação de texto cênico
clxxiv
, devido às contribuições de Craig, Appia, Artaud
e Brecht. Maria João Brilhante acredita que este texto se adequa ao modelo aristotélico, que
ao longo do tempo tornou-se objeto perene, desistorizado, preso às regras universais de
criação, permitindo a sua integração no universo literário. Sua pretensão é realizar ações, sem
a contribuição de um narrador, através dos sujeitos destas ações. Ações que surgem sob a
forma de conflito, que se resolve num tempo e espaço limitados e verossímeis.
Quanto ao texto para teatro, Brilhante afirma que qualquer texto, que em sua
construção traga um modo específico de criação cênica será um texto para teatro, porque se ao
ser concebido ele permite que seja proferido num espaço e num tempo na presença de um
público, trata-se de um texto teatral. Portanto o texto teatral corresponde ao texto dito, ouvido
e representado no decurso da cena, transfigurado pela situação de enunciação, regido pelas
didascálias, que proporcionam o encontro com os outros materiais do teatro. “Esse texto não
sobrevive ao fim da ação teatral, perdura apenas na memória do espectador”.
clxxv
Ao se estudar a dramaturgia, tem-se de início um desejo de organicidade e
classificação da mesma em um determinado gênero, porém, por uma questão de
elucidação, pode-se apontar duas classificações, uma vez que ela estaria engendrada à
literatura.
A primeira tem como referência a “Arte Poética”, de Aristóteles, isto é, a divisão
clássica em três gêneros: Épico, Lírico e Dramático. O Épico traz um narrador contando uma
história sobre personagens. O Lírico possui a voz do “eu lírico”, o predomínio da função
34
emotiva da linguagem. O dramático possui como palavra chave a ação e se constrói na
integração ator/texto/público.
A segunda postura tem como referência o teórico René Wellek, que apresenta a
seguinte divisão: Literatura Narrativa: Ficção (romance, conto, épica), drama (em prosa, em
verso) e poesia (antiga, lírica). Os gêneros estariam divididos em subgêneros, a poesia foi
incluída na literatura narrativa e o drama não é “ficção”. O caminho seguro seria a análise das
situações contextuais. A teoria dos gêneros é tema controverso, que exige flexibilidade. Seja
qual for a classificação, o gênero dramático escrito surgiu em decorrência de uma evolução do
discurso retórico bipartido, que era o terceiro vértice de um triângulo, que tinha nos outros
vértices as poesias lírica e épica. O discurso bipartido proporcionava posturas antagônicas,
num jogo dialético, que ao se tornar autônomo, originou as personagens. Portanto, o resultado
final é o texto teatral. As personagens instalam-se numa situação, a ação é sempre presente e
criam-se as convenções narrativas.
De acordo com uma abordagem de Bakhtin, o dramaturgo é o criador da obra,
oferecendo devidamente amalgamados o texto primário, dialógico e o texto secundário, não
dialógico, as didascálias. O autor exige a posse de uma verdade que não se separa dele e está
no texto, a essência textual, que se contrapõe ao acidental do espetáculo e que reside no
binômio diálogos/didascálias.
Atualmente o conceito das didascálias remete-se aos escritos que orientam o leitor
no discorrer do texto dramático, descrevem o mundo que rodeia e onde estão imersas as
personagens, os objetos que utilizam, a maneira como se vestem, como falam, como se
deslocam, como reagem e se relacionam com as demais personagens.
Através das didascálias, determinam-se a idade das personagens e a sua fisionomia.
Pode-se dizer que, em alguns casos, as didascálias apresentam as características psicológicas
das personagens e até determinam o gênero do texto. Elas constroem um discurso que sustenta
a trama do diálogo que acompanham, assim como as intenções do dramaturgo são sustentadas
e expressas por elas. Não estão apenas à margem do diálogo, mas também inseridas nele e não
de maneira explícita. O diálogo das personagens sugere ações, descreve situações e propõe
pistas de como é tal ou qual personagem. Através das didascálias, o dramaturgo persegue o
desejo de que sua obra chegue ao destino como ele a concebeu, no momento da criação do
texto.
Portanto, tudo que não é diálogo, num texto dramático, automaticamente é
didascália. Portanto, elas comportam: o Título, o Nome do Autor, Prefácios, Comentários
sobre o texto e o autor, o editorial, informações da capa, as “orelhas”, créditos, a separação
34
por cenas, dos atos, personagens, data e lugar da publicação, tudo isso compreendem as
didascálias. Esses dados situam a obra no espaço, no tempo e na História.
O tom farsesco, quase tropicalista de que se reveste a mais recente criação de
Dias Gomes é fator adicional de ampla e imediata comunicação com o
público
Sumário
Prefácio, de Flávio Rangel 7
O Rei de Ramos, Introdução de Dias Gomes 11
Ficha Técnica 15
Tive uma ótica privilegiada para ver O Rei de Ramos. A peça foi escrita por
uma encomenda minha, na busca de retomar a tradição interrompida do
musical brasileiro.
Até alguns anos atrás, eu tinha uma atitude, senão preconceituosa, pelo
menos firmada de desconfiança em relação à comédia musical.
“O Rei de Ramos foi apresentado pela primeira vez no dia 11 de março de
1979, inaugurando o novo TEATRO JOÃO CAETANO, no Rio de Janeiro,
com os seguintes intérpretes:
Paulo Gracindo .................... Mirandão
Felipe Carone ....................... Brilhantina (...)
1º Quadro
DA MORTE DE MIRANDÃOCORAÇÃO-DE-MÃE E SE INCRÍVEL
FUNERAL
Cena inteiramente às escuras.”
clxxvi
Dias Gomes
O REI DE RAMOS
Comédia Musical
Músicas de
CHICO BUARQUE e FRANCIS HIME
Letras de
CHICO BUARQUE e DIAS GOMES
clxxvii
O pesquisador Fernando del Toro, ao estudar as didascálias, classifica-as em dois
grandes núcleos, “as didascálias extradialógicas e as didascálias intradialógicas”.
clxxviii
34
Didascálias Extradialógicas, quando surgem fora dos diálogos, no início de
cada cena, de forma a ordená-las, ou para informar onde ocorre cada ação,
como se pode observar no trecho que se segue: As luzes voltam a acender-
se, lentamente, até dia claro. Ouvem-se, distantes, ruídos esparsos da
cidade que acorda. Um ou outro buzinar, foguetes estouram saudando
Iansan, a Santa bárbara nagô, e o sino da igreja começa a chamar para
a missa das seis. Mas nada disso acorda Zé-do-Burro. Entra, pela
ladeira, a Beata. Toda de preto, véu na cabeça, passinho miúdo, vem
apressada, como se temesse chegar atrasada. Passa por Zé-do-Burro e a
cruz sem notá-los. Pára diante da escada e resmunga. (Fica a critério da
direção utilizar nesse quadro figurantes que descerão a ladeira e
entrarão na igreja).
clxxix
As Didascálias Extradialógicas podem ser de onze tipos: o título da obra; a relação
inicial das personagens dramáticas; a divisão da estrutura dramática em atos, cenas, quadros e
epílogo; as informações cenográficas; as informações sobre as características físicas e
psicológicas das personagens, assim como o seu figurino; as informações sobre os espaços em
que as cenas se desenvolverão; as especificações temporais em que ocorrem as cenas; o nome
das personagens antes do diálogo que lhe pertence; o prefácio; o posfácio; o programa da
peça. Estas didascálias nunca aparecem mescladas aos diálogos.
Didascálias Intradialógicas, quando surgem inclusas nos diálogos. Podem
ser externas ou internas.
Intradialógicas Externas à fala da personagem:
BONITÃO: Eu voltei aqui pra lhe dizer o número do quarto de sua mulher.
É o 27. Um bom quarto, no segundo andar. (Apressadamante) Pelo menos
foi o que o porteiro me garantiu.
clxxx
Intradialógicas Internas pertencem à fala da personagem:
DELEGADO: Sim, pior para ele. Vejam como recua e fica encurralado
contra a parede.
: (...) Não. Ninguém Vai me levar preso! Não fiz nada prá ser preso!
clxxxi
As Didascálias Intradialógicas, que estão inclusas nos diálogos podem ser de
três tipos:
Cênicas: Indicam as entradas e saídas das personagens, assim como suas
movimentações em cena. Apresentam o movimento, o posicionamento, as
pausas, em todos os momentos das personagens em cena. Sua presença
registra-se no teatro antigo e moderno; PADRE BERNARDO: (De olhos
ainda cerrados, balbucia) Jesus... Jesus, Maria, José... (Ele vai se
reanimando aos poucos. Abre os olhos e branca, de joelhos, a seu
lado.)
clxxxii
Psicológicas: Descrevem a emoção precisa de cada personagem em
determinada parte do diálogo ou ao curso do texto. Não são usadas por todos
os dramaturgos, por descreverem o estado emocional das personagens e as
34
intenções de seus diálogos, que podem ser conotativos ou denotativos;
BRANCA: (Fita-o com admiração e profundo amor) Você é o mais justo
e o melhor de todos os homens.
clxxxiii
Opinativas: Expressam a opinião ou o ponto de vista do dramaturgo a
respeito da sua percepção do mundo, da sua obra e do mundo na sua obra.
Elas surgem quando o dramaturgo quer deixar registrada a sua percepção do
mundo, as suas intenções, quando deseja transmitir como concebeu e “viu” a
cena, quando acredita que suas observações são indispensáveis e quer estar
presente com sua sensibilidade, sua inquietação pessoal, seu cuidado
esmerado com a construção dramatúrgica. Porém, muitos dramaturgos
preferem estar ausentes dos textos.
BONITÃO: Agora... está feito. (Rosa se debate em seu conflito: de um
lado, sua noção de lealdade gerando um repúdio natural à delação. Do
outro, todos os seus recalques sexuais, sua ânsia de libertação, de
realização mesmo, como mulher, que Bonitão veio despertar. Enquanto
isso, Zé-do-Burro, sentado nos degraus da igreja, sofre uma crise nervosa.
Soluça convulsivamente. Os tocadores de berimbau fazem gemer a corda de
seus instrumentos...).
clxxxiv
Da análise desenvolvida pela pesquisadora Sylviane Robardey-Eppstein, pode-se
obter uma categorização das didascálias da seguinte forma: Macro-didascálias e Micro-
didascálias, esta que se subdivide em Didascálias Objetivas e Didascálias Subjetivas.
clxxxv
A Macro-didascália, segundo Sylviane, designa as indicações relacionadas à
compreensão geral da dramaturgia, dos Atos e das Cenas, recebendo também a designação de
“Vista”. Apresenta-se no centro da página, no alto da transcrição de cada cena, escrita em
itálico ou com letras maiúsculas. Dessa forma, as demais didascálias encontram-se inseridas
no corpo dialógico do texto e referem-se à ação cênica.
A Micro-didascália Objetiva refere-se à movimentação das personagens: descreve
as ações, movimentos específicos, gestos característicos, posições em cena. São elas também
que indicam a personagem que profere a réplica, o espaço e o tempo.
A Micro-didascália Subjetiva está direcionada aos atores e diretores, uma vez que
apresentam os estados emocionais das personagens, as intenções, tons e formas como as
réplicas devem ser interpretadas.
O texto teatral obedece a uma dicotomia entre o que é visível, o espetáculo e os
seus meios, e uma zona negra e difusa, que o justifica, o público. A partir dessa visão, a
dramaturgia será entendida como matéria invisível que não está implícita, e se mostra, nas
escolhas e manifestações espetaculares duma dada representação, como forma a cumplicidade
que cria uma relação orgânica e significativa para essas escolhas, ao mesmo tempo em que
estimula nos espectadores uma resposta ativa e continuada.
Segundo Ana Pais
clxxxvi
:
34
A sutil confluência do tempo artístico com o espaço do espectador um
dizer/fazer que intervêm e se esvai num presente concreto - transforma o
diálogo resultante da produção e recepção das escolhas dramatúrgicas, no
último reduto de significação, onde a única memória das artes performativas
é precisamente gerada pela tensão entre empatia emocional e distância
crítica, obtida pelas didascálias.
clxxxvii
O tempo da dramaturgia é sempre o presente, portanto, as didascálias estão sempre
no presente teatral, pois o tempo e o espaço do texto dramático são eternos. A cidade do Rio
de Janeiro, no “Rei de Ramos”, de Dias Gomes, não é o Rio de Janeiro geográfico e político,
mas um espaço eminentemente teatral e no tempo presente da encenação. Parte da magia do
teatro está em sua eterna possibilidade da repetição cênica. do Burro, personagem de “O
Pagador de Promessas”, também de Dias Gomes, morrerá todas as noites na cena, apesar de
ter morrido em outras inúmeras noites, mas, a cada dia iniciará seu caminho de novo, sem que
importe que já tenha passado por isto antes.
As Didascálias são caminhos que convergem à “metateatralidade”. Num mundo
ficcional, que existe na cena, movendo-se sob as regras propostas pelo dramaturgo, num
cenário sobre o qual vivem entidades teatrais, que não se relacionam com qualquer ser
humano, algumas personagens são conscientes de sua condição metafísica do ser teatral,
como nos apartes”
clxxxviii
tão utilizados no teatro barroco. As Didascálias estabelecem o
ponto de partida, que solicita o reinício dos imprevistos da personagem e este tem que ir ao
seu encontro. O leitor ao fazer uma dupla decodificação, a dos diálogos e a das didascálias,
consegue desenvolver uma encenação mental, que pode ser traduzida num código cênico pelo
encenador. As didascálias fazem referência a outro discurso não literário, um discurso
composto de signos em movimento combinado com a cena. Toda didascália é metalingüística,
porque traz em si mesma a informação necessária de uma outra realidade, que vai além de sua
significação denotativa. Para o duplo processo criador, o do dramaturgo e o do encenador,
segundo Jorge Luis Borges,
clxxxix
“as didascálias são um código eficaz que cumpre com sua
função de ser guia, indicação e farol para dar vida ao “milagre secreto” do Teatro”.
cxc
Portanto, o papel das didascálias nessa relação entre narrativa e teatro é primordial
para a análise do discurso narrativo inserido no texto dramático. As didascálias, portanto,
revelam a produção da organização desse discurso, modelando “dramaticamente” a história a
ser contada, isto é, as marcas do enunciado, as suas implicações nas formas como a história se
abre para a leitura. Inseridas nas didascálias, a enunciação e a temporalidade tornam-se os
alicerces para a importância da narrativa na explicitação da experiência vivenciada no real.
Patrice Pavis, no seu Dicionário Enciclopédico do Teatro, define as didascálias como:
34
As indicações dadas pelo autor aos seus atores para interpretar o texto
dramático”, ou “indicações nicas”, o autor afirma também que “as
didascálias contêm informações úteis ao leitor para imaginar a cena como o
autor a projetou. Elas são, às vezes, a chave do texto dialogado e do
entendimento da peça em conjunto, constituem uma série de normas para
chegar ao significado preciso das palavras das personagens.
cxci
Patrice Pavis apresenta as principais relações entre dramaturgia e encenação, nas
últimas décadas o Século XX, no enfrentamento entre texto e espetáculo, e designa as
posições que a encenação não tem em relação ao texto dramático:
1. O espetáculo não é a atualização cênica de uma potencialidade textual;
2. O espetáculo não é um aniquilador do texto - o texto será sempre ouvido,
em função de suas características lingüísticas, mesmo quando confrontado
com um espetáculo que recuse sua ideologia ou formato estético. O
espetáculo não anula o texto, mas com ele dialoga e interage;
3. O espetáculo não é fiel ao texto;
4. Diferentes encenações, especialmente de obras históricas, não lêem o
mesmo texto as palavras podem ser as mesmas, mas os significados
alteram-se em função do Contexto Social;
5. A encenação não é uma correção do texto;
6. A encenação não é o encontro de dois referentes, o textual e o cênico
texto e encenação não trabalham numa relação de homologia estrutural entre
duas ordens de referentes, mas num confronto de distintas ordens ficcionais.
Cada ordem de discurso possui sua própria dinâmica e natureza, exprimindo-
se em modos diferentes. A encenação é uma fricção entre estas duas ordens,
através de uma mediação figural entre os significantes lingüísticos e os
cênicos;
7. A encenação não é a expressão performativa do texto.
cxcii
Neste sentido, podem-se verificar três considerações; relacionadas às convenções
de época que podem não dialogar no tempo e espaço contemporâneos, solicitando outras
formas de adequação; para o texto dramático secundário, isto é, as didascálias: – como
EXTRATEXTO
, pode ou não ser utilizado; como
METATEXTO
, induz ou orienta a leitura;
como
PRETEXTO
; sugere/metaforiza uma possível solução. A encenação de um texto, seja ele
teatral ou não, pertence ao fenômeno do ato cênico e manifesta-se, a partir de outras estruturas
formais, como propõe Patrice Pavis:
A encenação é um ensaio teórico, que consiste em colocar o texto sob tensão
dramática e cênica, para experimentar em que a enunciação cênica provoca o
texto, instaurando um rculo hermenêutico entre a enunciação a dizer e a
enunciação trabalhando o texto através das diversas interpretações
possíveis.
cxciii
O texto dramático sempre será motivo de análises e discórdias. Portanto, torna-se
importante a inclusão de uma proposta de reflexão, através de um fragmento de texto da
34
professora Maria João Brilhante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por ela
intitulado “Um Teatro que sabe o que significa narrar”, publicado pela Cátedra Padre Antônio
Vieira de Estudos Portugueses, através da Revista Semear.
(...) À expressão texto de teatro faço corresponder qualquer texto em cujo
processo de constituição se inscreve um específico modo (...) de se conceber
para teatro. Pode recuperar o modelo dramático (... adaptações de romances)
ou não, recusando nesse caso conflito, personagens caracterizadas
psicologicamente, ação una, diálogo. Todavia, nele o discurso é programado
para ser proferido num espaço e num tempo na presença de um público. E as
marcas dessa operação nas letras impressas não são facilmente legíveis
(repetições, ritmos, jogos prosódicos, aporias de sentido a resolver), mas
podem e devem ser restauradas a bem de uma história das artes
performativas por fazer. Quanto ao texto teatral, ele corresponde ao texto
dito e ouvido no decurso da representação, aparentemente as mesmas
palavras que antes referi, mas transfiguradas pela situação de enunciação,
pelo encontro com os outros materiais do teatro. Este texto não sobrevive ao
fim da ação teatral, perdura apenas na memória do espectador. (...) Como
qualquer outro texto, o texto de teatro pode ou não entrar no campo literário.
Tal acontecerá se sujeitar-se às regras, códigos e valores poéticos que o
regem em cada momento histórico e for reconhecido culturalmente como tal.
A pós-modernidade foi tornando cada vez mais porosas as fronteiras do
campo literário, admitindo no seu seio objetos cuja textualidade é lassa, cuja
voz autoral é vaga e cujo caráter híbrido põe em causa qualquer classificação
genérica. (...)
cxciv
Sabe-se que, desde que Brecht questionou a herança aristotélica com a criação de
um teatro denominado de épico, a relação entre modo dramático e modo narrativo tornou-se
diferente. O Teatro Épico de Brecht recuperava a narração não apenas como estratégia de
estranhamento e de convite à participação crítica do espectador, o que destacava a presença da
função narrativa na criação de situações. Brecht afirmou: “O palco principiou a narrar”
cxcv
,
pois o palco passou a mostrar o ato de narrar, porque no teatro age-se, mesmo quando se
representa. Brecht explicitou o duplo caráter da narrativa: o relato das ações e a seqüência dos
acontecimentos, com isto, revelaram que uma história pode transfigurar-se através da forma
como for contada.
Onipotente a todas as transformações da dramaturgia e do teatro, nos últimos anos
do Século XX, está o corpo enunciador do ator, capaz de transformar, através da encenação
esses textos narrativos ou não, híbridos, num resgate performático do ato da fala, da dimensão
poética da criação de discursos, que serão recriados pelo ator e irão intervir no presente da
ação teatral. Nesse espaço, o escritor quer recuperar um lugar próximo à produção,
confundindo-se em parte com a figura do “dramaturgista” de tradição alemã, defendendo, cada
34
vez mais, a sua uma autonomia criativa como autor e agenciador de textos que integram um
projeto de construção cênica. Como a visão do dramaturgo francês Joris Lacoste.
Não estou de todo convencido de que os meios do teatro sejam
particularmente adaptados a contar ou a representar histórias, ou a expor
situações, ou a fazer afrontar-se subjetividades num dado espaço. Este
permanece, contudo, o esquema ultradominante das dramaturgias atuais. Em
particular a idéia de um espelho, que mais ou menos deforma, de que o
teatro estenderia à sociedade está longe de ter morrido. Para mim, a
sociedade representa-se já bastante bem sozinha. Prefiro pelo meu lado
tentar criar dramaturgias fora da representação fora da fábula, das
personagens, dos diálogos. Manter-se nesta fronteira estreita onde aquilo que
se representa se anula na sua própria representação, por um excesso de
estilo, um deslocamento, uma indeterminação de signos: assim é possível dar
à aparição da palavra e à presença do ator todo o seu peso, o de um
acontecimento. Parto do princípio de que o tempo do palco deve coincidir
com o do público, de que o espaço não designa senão ele próprio, de que o
ator não designa senão o seu jogo. A partir daí é possível trabalhar.
cxcvi
O dramaturgo tenta fixar o momento e a ação teatral através da intrínsica
combinação entre os textos dialógicos e não dialógicos, a interação entre os diálogos e as
didascálias, porque a história do Teatro é a História de uma Prática, que só existe em
documentos e na memória de quem participou da representação teatral, enquanto estão vivos.
Dessa forma, a representação visual de uma ação teatral não é nunca comparável à própria
ação, mas comparável à recordação que o artista dela guardou. As imagens não servem
completamente ao historiador do teatro para reconstruir uma ão teatral, uma vez que os
códigos envolvidos na criação visual não coincidem integralmente com os que, na sua
tridimensionalidade, a arte do teatro convoca. Para Richard Foreman,
As didascálias incluídas como parte dos textos refletem a encenação das
produções originais, sob a direção do autor. Aos diretores de montagens
posteriores, contudo, é veemente recomendável que imaginem suas próprias
encenações e que montem suas produções em situações as mais diferentes da
original. Os textos estão escritos de modo a permitir grande variedade de
interpretações sobre os cenários e, até mesmo, de distribuição dos diálogos
entre os atores (incluindo a possibilidade de se definir um número distinto de
atores, ou que o sexo de determinada personagem seja contrário ao que está
indicado no texto) (...) Os textos clamam por uma visão pessoal e
idiossincrática de cada novo diretor. (...) A questão é que o texto deveria
funcionar como um poema aberto.
cxcvii
As didascálias ultrapassam a necessidade de conduzir o encenador, estão agora a
serviço da emancipação da cena, no sentido de que expressam ou traduzem uma específica
materialidade e tridimensionalidade cênicas. São expressões literárias daquela montagem,
34
mas, como literatura, o reivindicam exclusividade. Radicaliza-se a condição efêmera das
didascálias para favorecer o princípio de que nada substitui a atualidade do espetáculo.
Uma vez concluído esse estudo a respeito das didascálias, o próximo capítulo dessa
pesquisa está voltado para o dramaturgo Alfredo de Freitas Dias Gomes, o homem-cidadão
instalado e ativo em seu tempo, sua obra, seus temas e focos preferidos para a dramaturgia
que construiu.
34
CAPÍTULO 2 – DO VERBO À AÇÃO: DIAS GOMES
O segundo capítulo desta pesquisa apresenta o estudo da vida e da obra de Dias
Gomes, seu comprometimento como cidadão ativo no país, integrado à história do seu tempo.
A obra que desenvolveu desde a adolescência até a morte, assim como o comprometimento do
dramaturgo com os preceitos que acreditava e professava enquanto ser social.
2.1 O HOMEM, O TEMPO, O CIDADÃO
Alfredo de Freitas Dias Gomes (Figura 25), nasceu na
cidade de São Salvador, no estado da Bahia de Todos
os Santos, em 19 de outubro de 1922, no bairro do
Canela, num sobrado de frente de rua (Figura 26),
localizado na Rua do Bom Gosto, atual Rua João das
Botas, no mesmo espaço que atualmente está o Centro
Médico João das Botas, onde morou até os três anos.
Era filho do engenheiro Plínio Alves Dias Gomes
(Figura 27) e da dona de casa Alice Ribeiro de Freitas
Gomes (Figura 28). Porém, o pequeno “Alfredinho”,
ou “Caveirinha”, apelido que ganhou tão logo começou
a andar devido à magreza que sempre o acompanhou,
era figura sempre presente no casarão da Avenida
Araújo Pinho, 292 (Figura 29), cercado de cajueiros e
Figura 25- Dias Gomes, em 1941
cxcviii
mangueiras (Figura 30) e que hoje abriga a Escola
de Teatro da Universidade Federal da Bahia, porque esta residência pertencia ao seu tio, o
comerciante e homeopata autodidata Alfredo Soares da Cunha, esposo de sua Tia Mariazinha,
irmã de sua mãe.
Talvez seja uma predestinação artística, embora alguém de muito mau gosto
tenha trocado o nome para João das Botas, na época, era uma rua bucólica de
Salvador, onde o bonde rangia nos trilhos. Em frente ao sobrado onde
morávamos, havia um bosque em que, nas noites de sexta-feira, costumava
aparecer lobisomens, muita gente viu. Eu mesmo vi alguns, juro!!!
cxcix
34
Fig. 26- Casa da R. D. Bosco
cc
Figura 27- Dr. Plínio, pai de Dias Gomes
cci
Fig. 28- Sr
a.
Alice, mãe de Dias
Gomes
ccii
Fig. 29- Escola de Teatro, UFBA, antiga casa do tio de Dias Gomes
cciii
Figura 30- Escola de Teatro, UFBA
cciv
O ano do nascimento de Dias Gomes abrigou também a Semana de Arte Moderna,
realizada entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.
Contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos. O objetivo
daqueles artistas era renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com “a perfeita
demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o
ponto de vista rigorosamente atual”.
ccv
Aqueles jovens, oriundos de famílias abastardas e tradicionais, queriam a produção
de uma arte brasileira, afinada com as tendências vanguardistas da Europa, sem, contudo,
perder o caráter nacional. Era também o ano do primeiro centenário da Independência do
Brasil de Portugal e os modernistas, como se auto-denominavam, pretendiam redescobrir o
Brasil, libertando-o das amarras que o prendiam aos padrões estrangeiros, através do fim do
academicismo nas artes, porém estavam influenciados esteticamente por tendências e
movimentos como o Cubismo, o Expressionismo e diversas ramificações pós-impressionistas.
34
Seria, então, um movimento pela “independência artística” do Brasil, no qual os modelos
europeus fossem utilizados de forma consciente, objetivando a renovação da arte nacional,
nitidamente brasileira, sem complexos de inferioridade em relação à arte produzida na
Europa. Na cidade da Bahia, a Semana de Arte Moderna exerceu pouca influência nas
criações artísticas regionais. Em 1925, o menino do Canela ficou órfão de pai. Nesta época
moravam numa casa que seu pai tinha acabado de construir, uma residência “de dois
pavimentos, no bairro do Garcia
(Figura 31), perto da Praça Dois de
Julho, um bangalô amarelo-
esmaecido com um jardinzinho na
frente e um quintal nos fundos, onde
criávamos galinhas e coelhos”,
ccvi
única herança que a família recebeu.
Figura 31- Bairro Garcia, Salvador, residência de Dias Gomes
ccvii
Dona Alice, viúva e sem recursos, conseguiu uma bolsa de estudos para Dias, como
aluno do externato, num colégio confessional, em 1928, onde iniciou seus estudos e fez o
curso primário.
ccviii
Segundo o depoimento de familiares e do próprio dramaturgo em sua
autobiografia, o menino escrevia muito bem, suas redações escolares eram sempre elogiadas
pela criatividade, as relações bem estruturadas, desenvolvidas dentro da técnica redacional
solicitada, ricas em personagens criativas e inéditas, sempre apresentando produções acima da
média de seus colegas, mas nunca foi bom aluno, na verdade, ele detestava estudar, a sala de
aula não lhe apresentava nenhum atrativo, assim como a metodologia dos padres. Dias Gomes
deixa claro, em seus depoimentos que a disciplina que mais lhe dava horror era matemática,
ministrada por um padre marista, do Colégio Nossa Senhora das Vitórias (Figura 32). Quando
o padre/professor fazia chamada oral, o menino ficava apavorado.
34
Figura 32- Colégio Nossa Senhora das Vitórias
ccix
Depois de muito sofrimento, pesadelos e suores, Dias criou uma estratégia, segundo
ele, “divina”. Quando começava a chamada, ele se preparava, simulando uma indisposição,
e, minutos antes de chegar a sua vez de ser sabatinado, o que não demorava muito, porque
poucos eram os Acácios, Adalbertos, Adelmos, Aécios, Afrânios, Agnaldos, que antecediam o
garoto Alfredo; corria para o banheiro, representando perfeitamente uma necessidade
inadiável. Ali, ficava o tempo necessário para que os Benditos, Coriolandos, Joaquins e
Ziltons fossem inqueridos, contava as lajotas do sanitário, e preparava, com maestria, a causa
de seu mal estar, só saía do abrigo, quando tinha certeza que a aula tinha acabado e,
conseqüentemente, a terrível provação.
O Colégio dos Irmãos Maristas, em Salvador, funcionava em dois regimes: o de
internato, em que os alunos residiam na escola e o de externato, em que após as aulas, os
discentes voltavam para suas casas. Além disso, havia alunos que pagavam mensalidades,
alunos bolsistas, como foi Dias e alunos agregados, que residiam na escola, mas como não
tinham condições financeiras para arcar com as mensalidades, estudavam gratuitamente num
turno e no outro prestavam serviços ao colégio como: faxina geral, auxiliar de cozinha,
jardinagem. Lá, dois episódios do garoto Alfredo merecem relato.
O primeiro caso, segundo depoimento do advogado, Dr. Antônio Rodrigues Pereira,
aluno do internato do colégio, no período de 1926 a 1935, falecido em 2006, que, portanto, foi
contemporâneo de Dias Gomes na escola, aconteceu quando o dramaturgo tomou as dores de
um colega, aluno interno, cuja família morava no interior, na cidade de Vitória da Conquista,
que sofria de enurese noturna. Diariamente, ao acordar, o menino era obrigado a carregar o
colchão que havia molhado, na cabeça, vestido com o camisolão de dormir, pelos corredores
do colégio, em direção ao pátio central. Tinha de colocá-lo ao sol e lá permanecer, em guarda,
sem poder participar das atividades escolares, até que secasse. Os colegas internos faziam
chacotas, tornavam a vida do garoto insuportável, até o dia em que Alfredinho resolveu
interferir. Chegou muito cedo ao colégio, penetrou nos alojamentos, e encharcou os colchões
dos debochadores, com o conteúdo dos urinóis, que eram usados à noite. Saiu sem ser visto e
exigiu que os padres tomassem as providências de praxe.
O outro caso, o próprio escritor narra em suas memórias, foi o que ocorreu ao
rejeitar com uma “banana bem dada”,
ccx
“Aqui, Ó!”,
ccxi
ao sorriso libidinoso do Ir. Cândido,
(Figura 33) cuja fama de pederasta era conhecida pelos alunos, ao ser convidado pelo
religioso a ir ter com ele em seu gabinete para ganhar “santinhos”. Foi expulso, em 1933, por
falta grave irreparável, indisciplina incontestável e desrespeito aos superiores. Não do
34
Colégio Marista ele foi expulso, mas também de outros, sempre por mau comportamento.
Além de respondão, não fazia a menor questão de freqüentar as aulas, que considerava
monótonas, ou que, para ele, não serviam para nada.
Fig. 33-Turma escolar de Dias Gomes, Colégio Nossa Senhora das Vitória, atual Colégio Marista de Salvador
ccxii
Esse período imprimiu no dramaturgo as primeiras impressões das desigualdades e
injustiças sociais, através das experiências vivenciadas no universo escolar, pela busca da
sobrevivência após a orfandade de pai e pelos momentos de deleite, de lazer e de refeições
requintadas quando visitava as residências dos parentes mais afortunados. Em seus relatos,
quando se refere à infância, Dias afirma que conversava com as almas penadas e os
fantasmas, que vislumbrava em sua casa e que quando narrava o fato aos adultos, todos o
chamavam de menino criativo. Desses relacionamentos imaginativos do garoto, culminaram
em fazer surgir, com apenas dez anos de idade, as suas duas primeiras peças de teatro, que ele,
depois de adulto, considerava meras brincadeiras infantis. As improvisadas encenações, feitas
no fundo do quintal da casa de tia Mariazinha, com os sete primos, nas reuniões de família,
aos domingos, também são dessa época. O imaginário infantil, desenvolvido pelo lúdico
saudável, alicerçou as bases criativas do dramaturgo. Alfredo sabia de tudo, era curioso,
perguntava muito a todos, até a quem ele não conhecia, e dessa maneira, absorvia a realidade.
Dias sempre temeu a fome, porque em muitos momentos, depois da morte do pai, a
família teve as provisões escassas. Dona Alice cuidava de alimentar os filhos e pouco sobrava
para ela, mas nunca dividiu esse problema com ninguém. Quando percebia que o alimento era
pouco para os três, criava uma situação para mandar Alfredinho à casa de sua irmã
Mariazinha. Certa vez, o garoto descobriu as artimanhas da mãe e ela, aos prantos, o fez jurar
que não revelaria o ocorrido a ninguém; ele não contou, mas ter uma despensa abastecida
34
tornou-se uma fixação na vida do dramaturgo. O tio Alfredo Soares da Cunha era um homem
empreendedor, quando os filhos começaram a chegar à adolescência, ele comprou uma nova
casa (Figura 34) no sofisticado bairro da Barra Avenida. Era um homem que tinha prazer em
receber pessoas em sua casa e prezava o convívio familiar. Gostava de ter a mesa farta e
repleta de parentes, para isso, a nova casa possuía uma sala de jantar espaçosa, com uma
enorme mesa, para que ele tivesse condição de reunir semanalmente, aos domingos, todos os
seus familiares.
Dias Gomes, em sua biografia, narra que foi numa dessas reuniões de família
(Figura 35) que ele leu, em primeira mão, “A Comédia dos Moralistas”.
O 25 da Avenida Leopoldina, na Barra Avenida, era um bonito casarão do
começo do Século, que fazia boa figura na rua enladeirada, antes de essa ser
invadida pelos espigões. Foi mesmo o último a resistir à invasão armada do
concreto armado. Na minha infância, parecia-me imenso em seus salões
ajanelados e paredes decoradas a mão, num dos quais uma mesa com mais
de 20 assentos reunia a família e seus agregados todos os domingos para um
almoço cuja variedade de pratos ia do costumeiro mal-assado aos picos
caruru, sarapatel, moquecas de peixe e siri-mole.
ccxiii
O Brasil, nos anos 30, o se diferenciou muito nos passos seguidos pela Europa,
principalmente, porque os brasileiros com acesso à educação e poder tinham como foco de
atenção e referência os países do “velho mundo”, o que produziu uma política de elite.
Na Itália, Mussolini chegou ao poder em 1922; na Alemanha, Hitler ascendeu à
chancelaria em 1933; em Portugal, Salazar tornou-se primeiro-ministro em 1929; na Espanha,
a guerra civil manteve-se de 1936 e 1939.
A França modelo da civilização humanista, desde o fim do Século XIX –
enfrentava movimentos de direita e, nos anos 20, estabeleceu o nacionalismo integralista de
Charles Maurras.
Todas as inquietações da década de vinte, no Brasil, foram o prólogo de intensas e
sucessivas mudanças. Primeiramente não havia consenso entre as forças políticas, o que levou
Artur Bernardes a instalar o estado de sítio, para conseguir superar as crises.
34
Figura 34- Casarão do tio de Dias Gomes, Alfredo Soares da Cunha, na Av. Princesa Leopoldina, 25
ccxiv
Figura 35- Sala de refeições do casarão da Av. Princesa Leopoldina, 25
ccxv
Em 1926, o Partido Comunista lançou o Bloco Operário, enquanto, no mesmo ano,
foi criado, em São Paulo, o Partido Democrático.
34
Nesse mesmo período, o menino Alfredo já passava a vivenciar os problemas
relacionados a uma criança órfã de pai, cuja mãe havia recebido uma esmerada educação
voltada para as prendas domésticas, entre o conhecimento dos pratos sofisticados, o francês, o
bordado em peças de linho e seda, o estudo de violino, os finos doces, habilidades que a
haviam tornado uma prendada esposa e mãe, mas que não supriam a ausência do marido para
a manutenção da casa e dos filhos.
Vendeu a casa que lhe ficara de herança, para construir outra muito menor, com o
intuito de que restasse dinheiro para custear o curso de medicina do filho mais velho, porém o
que aconteceu foi ficar mergulhada em dívidas. A família passou a integrar a grande camada
da população que luta penosamente numa vida dura e de dificuldades e sua mãe passou a
fazer doces para vender.
A crise de 1929, nos Estados Unidos, abalou os centros mais dinâmicos do
capitalismo internacional, levando bancos e indústrias à falência, gerando, portanto,
desemprego. Washington Luís, em fim de governo, rompe com a política “café com leite”
ccxvi
e indica Júlio Prestes, um paulista, para sucedê-lo.
Minas Gerais, através de Antônio Carlos Andrada, comandou uma outra chapa,
liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, associado ao paraibano João Pessoa. Formou-se uma
frente oposicionista, a Aliança Liberal, voltada para a sensibilização das camadas urbanas.
Em março de 1930, a máquina eleitoral, através de fraudes, elegeu Júlio Prestes. Em julho de
1930, João Pessoa foi assassinado e transformado em herói das disputas políticas. Militares
oposicionistas e apoio popular em vários estados depuseram o presidente e uma junta militar
assumiu o governo e empossou Getúlio Vargas chefe do governo provisório.
O governo provisório incentivou os agentes econômicos, assumiu um papel
interventor, controlou fortemente a organização sindical, criou o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, para enfrentar a questão social por uma política baseada no Direito
Social, isto é, a criação do Ministério do Trabalho, menos de um mês depois da vitória do
movimento revolucionário, indicava a disposição do Governo Provisório de alterar os rumos
da política trabalhista, previdenciária e sindical até então adotada pelos governos anteriores. O
momento era de abandonar a postura vacilante e defensiva, que os governos precedentes
tiveram, frente à questão social. A crise econômica continuava a acabar com empresas e
empregos; eclodiam greves e manifestações contra a fome em importantes cidades, ao mesmo
tempo em que crescia a ação sindical.
34
Em de março de 1932, por meio do Decreto no 21.111, foi permitida a
publicidade no rádio, o que veio a oportunizar a construção da leitura de mundo, por um
Brasil analfabeto.
Quando Roquette Pinto criou a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em
20 de abril de 1923, com Henry Morize, tinha como objetivo educar através do rádio, devido à
capacidade desse meio em alcançar grandes massas analfabetas. Mas o rádio nasceu nobre,
para a elite, uma vez que o rádio era mantido por doações em dinheiro, oriundas das classes
privilegiadas. Transmitiam-se óperas, havia preocupação com o rebuscamento da linguagem.
Apenas na década de 30, quando a publicidade no rádio foi permitida, é que,
podendo se auto-sustentar, o rádio passou a determinar uma programação voltada para seu
verdadeiro público alvo: a classe mais pobre da população.
ccxvii
A rádio com preocupação popular alcançava um público maior, público esse, que
era necessário às indústrias nacionais, pois precisavam escoar a produção. Os empresários
perceberam que o dio era muito mais eficiente do que os meios impressos, principalmente
devido ao grande número de analfabetos do Brasil. Dessa forma, ele era o melhor veículo
manipulador da opinião pública, devido à sua capacidade de atingir um número tão grande de
pessoas, independente delas saberem ler ou não.
A propaganda política seguiu os passos da propaganda comercial. A manipulação
da opinião pública esteve muito presente nas transmissões radiofônicas, no regime ditatorial
do Estado Novo. Neste período, Getúlio utilizava as rádios, principalmente a Rádio Nacional,
como o veículo transmissor das idéias e feitos do governo. Vargas incentivou o aumento de
emissoras, instituiu também um número de decretos e portarias que lhe concederam poderes
de controle durante todo o seu primeiro período de governo. Pode-se analisar esta posição,
claramente, através da reportagem que se segue:
O impacto do rádio sobre a sociedade brasileira a partir de meados da década
de 30 foi muito mais profundo do que aquele que a televisão viria a produzir
trinta anos depois. De certa forma, o jornalismo impresso, ainda erudito,
tinha apenas relativa eficácia (a grande maioria da população nacional era
analfabeta). O rádio comercial e a popularização do veículo implicaram a
criação de um elo entre o indivíduo e a coletividade, mostrando-se capaz não
apenas de vender produtos e ditar 'modas', como também de mobilizar
massas, levando-as a uma participação ativa na vida nacional. Os progressos
da industrialização ampliavam o mercado consumidor, criando as condições
para a padronização de gostos, crenças e valores. As classes médias urbanas
(principal público ouvinte do rádio) passariam a se considerar parte
integrante do universo simbólico representado pela nação. Pelo rádio, o
indivíduo encontra a nação, de forma idílica: não a nação ela própria, mas a
imagem que dela se está formando.
ccxviii
34
O adolescente Dias Gomes percebia que o rádio dava inicio à aproximação entre os
principais centros econômicos do país, que o conceito de distância e isolamento social
começava a ser repensado e as massas urbanas iniciavam o acesso ao universo da informação
radiofônica. Tinha consciência de que no seu país, onde predominava o analfabetismo, o rádio
iria assumir um papel social fundamental, mas não tinha recursos para ter um aparelho em
casa, e como ele mesmo dizia, ouvia pela rua, nos botequins, na casa dos outros e ficava
fascinado.
Em 1932, um movimento armado de oposição a Vargas ficou conhecido como
Revolução Constitucionalista, porque o governante adiava a convocação da Assembléia
Constituinte para facilitar a sua ação centralizadora. Instalou-se o centralismo político-
administrativo, o autoritarismo, mas surgia como idealizador de mudanças que levariam ao
progresso. Condenava o passado e contava a história a sua maneira. Em 1934, a constituição
foi promulgada e a Assembléia elegeu indiretamente Vargas como presidente. Em 1935, aos
treze anos de idade, Dias Gomes e a família, a mãe e o irmão mais velho, já estavam morando
no Rio de Janeiro e, desde aquela época, ele se achava diferente dos outros, porque uma
certeza o dominava:
(...) eu tinha um homem revoltado dentro de mim. Desejava, ansiosamente,
colocar em minhas primeiras peças essa rebeldia inata, mas era apenas “um
contestador, sem rumo, nem ideologia, mas que já brigava do lado certo, por
intuição (...)
ccxix
.
Nesse mesmo momento formava-se a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que
teve Luís Carlos Prestes como presidente de honra. Era uma frente política antifascista. Seus
participantes eram comunistas, socialistas, tenentistas e vista com grande simpatia pelos
progressistas. Suas reuniões políticas e comícios atraíam grande número de pessoas, onde
eram apresentadas as suas crenças: mudanças nas condições de vida da sociedade brasileira,
fim do autoritarismo do governo e o anti-imperialismo, o que incomodou o governo, que
decretou o fechamento de todos os núcleos da ANL, o que gerou uma insurreição armada, em
1935. Os jornais apresentavam, na época, a leitura de uma realidade, que muitas vezes
explicitava a visão partidária em que o meio de comunicação se inseria, projetando, com
eficácia, a posição ideológica de cada segmento da mídia.
(...) O comunismo é professado no Brasil por uma ridícula minoria de
semi-analfabetos, de cabotinos e exibicionistas, de aventureiros e piratas.
Jamais apareceu uma forte personalidade capaz de interferir nos nossos
destinos políticos, endossando a responsabilidade de um movimento social
que se propõe fazer o milagre da felicidade humana. (...)
ccxx
34
Também foi nessa época que Dias Gomes passou a aficcionar-se pelo teatro lírico,
embevecido por suas histórias e por sua poesia, constantes na música. Sua mãe, Dona Alice,
que tinha estudado violino, era apaixonada por ópera, mas quando moravam em Salvador,
essa sua preferência era praticamente inexistente, porém, morando no Rio de Janeiro, as
condições eram favoráveis ao deleite. O Teatro Municipal possuía uma programação
adequada à situação financeira da família, com ingressos populares para a galeria, o que
viabilizou a Dias esse contato com a ribalta e o encantamento por ela, levado pela mãe.
Dias Gomes afirma que tinha uma enorme atração pelas tramas operísticas, pela
dignidade de seus heróis, pela apoteose de seus fins trágicos, o que fazia com que ele sempre
recolhesse, para estudar em casa, os libretos
ccxxi
(Figura 36) que eram abandonados pelos
espectadores nas cadeiras do teatro.
Aos 15 anos de idade, escreveu “A comédia dos moralistas”, pela qual, dois anos
depois, 1939, recebeu o seu primeiro prêmio, num concurso patrocinado pela União Nacional
dos Estudantes (UNE). O texto nunca foi encenado, para a felicidade do autor que afirmou:
“Graças a Deus, há um anjo que protege os autores estreantes”.
ccxxii
Figura 36- Fragmento do libreto da ópera Yara
ccxxiii
O prêmio que recebeu, no valor de quinhentos mil réis, veio em momento propício,
pois seu irmão havia casado, não morava mais na mesma casa que ele e a e, e era com
sacrifício que mantinha os estudos de Dias, que se sentia incomodado por depender
financeiramente dele.
34
Junto com o dinheiro, o prêmio colocou o dramaturgo em contato com uma
sociedade estudantil politizada, que até então ele não conhecia.
A União Nacional dos Estudantes promovia passeatas e comícios. Rebelde
sem causa, engajei-me no movimento. (...) Eu tratava da minha vida,
escrevia uma peça atrás da outra, sonhava com o teatro, uma paixão quase
carnal, mas em que mundo iria viver esse sonho?
ccxxiv
Afirma que queria conseguir um emprego, tornar-se independente, poder suprir
suas necessidades, até que surgiu um, como bibliotecário. Desta forma, empregado, ele afirma
que, de maneira compulsiva, escrevia peças e contos, numa busca desesperada de atingir um
objetivo, mas que na verdade não sabia qual era e nem como o fazer.
Outro dado importante nessa formação foi o da leitura. Grande parte da
juventude passei lendo 12 horas por dia. Como uma obrigação, marcada em
relógio. Um suplício que me impunha. Mas valeu muito. Durante algum
tempo fui trabalhar como bibliotecário de um parente intelectual, que
trabalhava no Itamaraty, não catalogava os livros, mas lia tudo que me
chegasse às mãos. Acabei perdendo o emprego...
ccxxv
Em 1937, Getúlio fechou o Congresso Nacional, extinguiu os partidos políticos,
uma nova constituição de fundo integralista foi outorgada. Vargas assumiu o comando
político, iniciou-se o Estado Novo, consagrando o autoritarismo no Brasil.
Em 1938, deu-se a rebelião integralista, que o Governo da República sufocou de
imediato. Essa revolução direitista abalou o povo do Rio de Janeiro, que se considerava
integrado com todo o povo brasileiro, num momento construtor. Houve luta armada, mas
novamente as tropas governistas foram vitoriosas.
(...) Aos 4 minutos de hoje foram ouvidos os primeiros disparos, partidos de
vários pontos da cidade. Era o início do levante, e providências para debelá-
lo foram tomadas com a maior urgência. A ação repressora da Polícia Civil
fez-se sentir mais enérgica no Palácio Guanabara, residência do presidente
da República. No momento em que a guarda ia ser rendida, houve motim.
(...)
ccxxvi
Dias Gomes, em 1939, um adolescente de 17 anos, quando recebeu o prêmio de
quinhentos mil réis pela sua peça “A Comédia dos Moralistas”, e poucos dias depois não tinha
mais dinheiro e as dívidas se acumulavam, resolveu ter uma atitude, segundo ele, racional:
engavetou os projetos dramáticos e resolveu cursar a Escola Militar, porque assim teria casa,
comida, roupa e um soldo de sessenta mil réis.
34
O próprio Dias Gomes acreditava que o maior desatino que praticou na vida foi no
dia em que quis seguir a carreira militar. Possuindo um temperamento inquieto e
indisciplinado, ele não tinha nada em comum com o ambiente rígido da caserna. Sua relação
com as fardas durou apenas dois meses, período em que permaneceu na Escola de Cadetes de
Porto Alegre. Durante esses sessenta dias, ainda ficou 15 dias atrás das grades, cumprindo
pena por rebeldia.
Como era impossível moldá-lo às regras militares, um comandante mais sensato o
chamou e disse: “Já vi muita falta de vocação para a carreira militar, mas como a sua jamais.
Quer um conselho? embora”.
ccxxvii
O conselho foi prontamente atendido, com grande
felicidade. Afinal, na época, ele sabia o que queria, porque vivia escrevendo sem parar,
tinha descoberto o seu enorme talento para contar histórias.
Com a eclosão da II Guerra Mundial, 1939, começaram a surgir os maiores
problemas para o governo Vargas. Na verdade, a Segunda Guerra Mundial inviabilizou o
Estado Novo, na medida em que forçou o alinhamento da ditadura getulista com as
democracias liberais, então em luta contra as ditaduras do Eixo.
ccxxviii
Em 1940, Dias Gomes fez curso preparatório para ingressar no Colégio
Universitário, da Faculdade de Engenharia, foi aprovado e conseguiu uma bolsa de estudos,
porém, no meio do ano, estava desinteressado pela engenharia e, em 1941, começou a
preparar-se para o curso de direito. Mais uma vez foi aprovado e foi estudar na Faculdade de
Direito do Estado do Rio, em Niterói.
Naquele período, Dias passou a carregar seus textos e apresentá-los a pessoas que
fossem abalizadas para um julgamento. Assim, chegou a Augusto Meyer, Henrique Pongetti,
Jayme Costa, ator-empresário e rival em popularidade de Procópio Ferreira. Jayme era
getulista, temia reações políticas e apesar de ter ficado impressionado com a qualidade dos
textos, hesitou em montá-los.
O interesse que Jayme Costa demonstrara pelo meu teatro dera-me coragem
para invadir o camarim do maior ator de sua geração
ccxxix
, após um
espetáculo no Teatro Serrador, com o meu texto embaixo do braço.
ccxxx
Deste encontro, em 1942, resultou um contrato de exclusividade para escrever
peças para Procópio. O texto “Pé de Cabra”, que era a primeira produção de Dias Gomes a
ser estrelada por Procópio Ferreira, foi vetado. Tornando-se também o primeiro impacto
sofrido pelo dramaturgo com a censura. O espetáculo estreou uma semana depois da data
34
prevista, porque no dia anunciado, à porta do Teatro Serrador foi colocado um aviso:
“E
STRÉIA
A
DIADA
”.
O DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
ccxxxi
proibiu a peça, os censores
do Estado Novo consideraram que tinha cunho ideológico, com inspiração marxista, um texto
marxista. O fato fez com que o dramaturgo assumisse, pela primeira vez, o papel de cidadão
indefeso sob o poder castrador do Estado, fazendo com que ele descobrisse “o quanto era
importante uma expressão denominada liberdade de pensamento e todo o significado de lutar
por ela”.
ccxxxii
“Eu tinha 20 anos e ainda era capaz de confundir Karl Marx com os irmãos Marx e
possuía uma vontade nata de incomodar”,
ccxxxiii
dizia Dias, mas foi exatamente nesse
momento que passou a ter consciência política. após o corte de dez ginas da obra é que,
utilizando toda a sua influência, Procópio Ferreira conseguiu liberar o texto.
Dessa forma ocorreu, em 1942, o batismo de Dias, no teatro profissional, a comédia
“Pé de Cabra” estreou no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, com Procópio Ferreira e sua
Companhia, devido ao grande sucesso da montagem, o ator excursionou com o espetáculo por
todo o país.
O crítico Viriato Corrêa, na época, dirigindo-se ao dramaturgo comentou: “mais
cedo ou mais tarde, será o autor mais importante do teatro brasileiro”.
ccxxxiv
Na sua obra, Dias
Gomes revela a preocupação de questionar a realidade brasileira, ou, como diria Anatol
Rosenfeld, “de oferecer uma imagem crítica da realidade brasileira, naquilo que é
caracteristicamente brasileiro e naquilo que é tipicamente humano”.
ccxxxv
O rapaz não era um perigoso subversivo, mas freqüentava as rodas de boemia, onde
conheceu José Wanderley, parceiro de Mário Lago em inúmeras comédias. Mais velho e mais
malandro, Wanderley ensinou a Dias Gomes os caminhos da noite.
Wanderley convidou o jovem autor para escrever um texto para o Teatro de
Revista
ccxxxvi
, gênero pelo qual Dias tinha certo preconceito, politizado que era. Mas estava
enamorado por uma cantora que pertencia à mesma companhia para a qual a peça seria
escrita. Era unir o útil ao agradável.
Dias, altamente estimulado, tratou de pôr mãos à obra. Quando terminou o primeiro
ato, botou o papel embaixo do braço e, com o parceiro, levou o texto ao empresário. “Pode
começar a ensaiar, amanhã ou depois traremos o segundo ato”, disse Wanderley ao
empresário.
Nas noites seguintes, sempre que os dois se encontravam, num bar ou cabaré da
Lapa, Dias lembrava a Wanderley o compromisso de terminar a peça. “A companhia está
34
ensaiando, a data da estréia está marcada”, atormentava-se ele. Certa noite, quando
chegaram ao teatro, o empresário implorou: “Cadê o segundo ato?”. Percebeu imediatamente
que tinham as mãos vazias, levou-os até o escritório, mandou buscar cerveja, sanduíches e,
subitamente, saiu e trancou a porta. “Só vão sair daí quando o texto estiver pronto, seus
malandros”. O sol entrava pela janela quando concluíram a última cena. “Eram tempos de
deliciosa irresponsabilidade e livre criatividade.”
ccxxxvii
Foi impossível combinar a vida de escritor com a vida acadêmica e, no terceiro ano
do curso de Direito, em 1943, Dias abandonou a faculdade. Também, nesse ano, quando
havia estreado seu terceiro texto com Procópio Ferreira e era reconhecido como dramaturgo,
seu irmão Guilherme, primeiro-tenente médico, servindo na Escola Militar de Realengo, aos
trinta anos, tem um mal súbito e morre em quinze dias, sem diagnóstico da causa. O irmão
sempre foi uma referência na vida de Dias, com sua morte, sentiu-se desamparado e resolveu
mandar sua mãe de volta para a Bahia, para que junto à família pudesse se refazer da perda.
Desde a instalação da II Guerra, o governo tentou manter-se neutro, principalmente
pelas divisões internas que existiam no governo. Os Estados Unidos pressionaram o Brasil,
que acabou por entrar no conflito em 1942, porém, as tropas brasileiras embarcaram dois
anos depois, participando de batalhas contra fascistas italianos. A parceria com os Estados
Unidos forneceu o financiamento da siderúrgica de Volta Redonda, mudando o futuro da
indústria brasileira. Da Bahia, Dona Alice escreveu para Dias, enviando-lhe um recorte de
jornal, que informava a sua convocação para a guerra: deveria integrar a Força Expedicionária
Brasileira. Não havia escolha e ele foi se apresentar no Ministério da Guerra, porém, seu
nome não aparecia na enorme lista; tinha sido salvo. O momento também era crítico nas suas
relações com Procópio Ferreira, uma vez que possuíam ideologias díspares, o que culminou
com o fim do contrato de produção:
Menino, você está muito adiantado no tempo. daqui a vinte anos seu
teatro vai ter sucesso. (...) Meu filho, existem dois tabus que você jamais
conseguirá quebrar no teatro: todo negro tem que ser de condição inferior,
todo padre tem que ser de uma bondade angelical. Assim é o nosso teatro. Se
não for assim, não quero seu trabalho.
ccxxxviii
Dias Gomes tornou-se arrimo de família, porque seu irmão Guilherme, morreu aos
30 anos, possivelmente devido a uma experiência com um produto que criava para o Exército.
O moço logo percebeu que não poderia viver apenas de direitos autorais, que não lhe
garantiam um salário mensal, pois havia se tornado chefe de família, responsável pelo
sustento de sua mãe, Dona Alice, de sua cunhada e de dois sobrinhos. Foi quando, em 1944, o
34
dramaturgo Oduvaldo Viana, convidou Dias Gomes para transferir-se para São Paulo, capital,
onde fez parte do corpo de redatores da Rádio Pan-americana, por um ano, desde essa época
sofria perseguições políticas. Foi contratado também das Emissoras Associadas. O período
do rádio em São Paulo proporcionou-lhe grandes amizades, assim como permitiu o
estreitamento dos laços com Mario Lago,
ccxxxix
e foi por sua influência, que filiou-se ao
Partido Comunista, embora, mais tarde, se auto designou como um péssimo militante. “(...)
indo para São Paulo eu me afastava do epicentro desse fenômeno. Mas não tinha escolha.
Comigo iam um grupo de atores e o meu dileto amigo Mário Lago.”
ccxl
ccxli
Não sou daqueles que dizem que se nascessem de novo fariam tudo do
mesmo modo. Arrependo-me de tanta coisa que tenho a impressão de ter
vivido apenas um terço da vida que me cabia viver. Se pudesse, destruiria
metade do que escrevi.
ccxlii
No Teatro, a situação política suscitou, ao mesmo tempo, a criação e a
desintegração de grupos de renome. Na época, o Rio de Janeiro era o principal centro teatral
do Brasil, o teatro paulista não possuía autonomia e, ao mudar-se para lá, naquele momento,
Dias Gomes, afastando-se, perdia um espaço que havia conquistado, mas era a única saída
para poder sobreviver, uma vez que sua postura política e ideológica acabava de tornar
inviável viver de sua dramaturgia teatral. A solução, portanto, foi aceitar o convite e sair da
cena teatral, no momento em que se anunciava uma revolução no teatro brasileiro, pelo menos
no que diz respeito ao espetáculo, como ele mesmo afirma:
Cabia a iniciativa desse movimento aos amadores, já que o teatro
profissional estava desgastado pela mesmice das comédias ligeiras,
superficiais, que nada diziam de nossa realidade, preocupado em atender
apenas a uma platéia que via o teatro não como arte e sim como simples
diversão. Nosso teatro estava mesmo com trinta anos de atraso, fora a única
arte a não participar da Semana de Arte Moderna, em 1922, e parara no
tempo. Grupos amadores, como o “Teatro do Estudante”, de Paschoal Carlos
Magno, e agora “Os Comediantes”, procuravam tirar o palco desse ramerrão,
recuperar o tempo perdido, quer aventurando-se na montagem dos clássicos,
quer dando ao acontecimento cênico tratamento estético que o elevava à
categoria das grandes artes. E isso se devia, fundamentalmente, a um exilado
polonês, Zbigniew Ziembinski, que encenava Vestido de Noiva, de Nélson
Rodrigues e inaugurava entre nós a era do “metteur em scène”, já muito
iniciada na Europa, substituindo o simples ensaiador pelo todo poderoso
diretor, que tudo coordenava, dentro de uma concepção estética que
harmonizava todos os elementos do espetáculo, dando-lhe a unidade de uma
sinfonia. Estava surgindo no Rio o novo teatro brasileiro. (...)
ccxliii
34
O grande saldo da participação do Brasil na II Guerra foi o espírito questionador
que se estabeleceu no país. Os brasileiros lutaram contra os regimes totalitaristas, não havia,
portanto, justificativa lógica para a manutenção do autoritarismo do Estado Novo.
O jovem Dias Gomes, da Rádio Pan-americana foi para as Rádios Tupi e Difusora,
sempre na mesma linha de trabalho. Sua “cabeça foi pedida” algumas vezes, mas os colegas
sempre o protegiam. Em seguida Rádio América o contratou e, logo depois, a Rádio
Bandeirantes.
Em 1945, um manifesto assinado por intelectuais, participantes do I Congresso
Brasileiro de Escritores, do qual Dias Gomes fez parte, acendeu o estopim que acabaria com o
“Estado Novo”. Seguiu-se o lançamento da candidatura de Eduardo Gomes pelas forças
oposicionistas liberais e fundaram a UDN - União Democrática Nacional. O governo publicou
o Ato Adicional, prometendo eleições gerais; os partidários de Vargas criaram o PSD -
Partido Social Democrático; os presos políticos foram anistiados; o PCB - Partido Comunista
do Brasil voltou à legalidade, dirigido por Luís Carlos Prestes, e Dias Gomes filia-se e torna-
se militante.
A realidade política ainda apresentou o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, o PSP
– Partido Social Progressista e o PRP – Partido de Representação Popular.
As eleições para governos estaduais e prefeituras foram antecipadas, numa tentativa
de manobra governista, mas as manobras estavam preparadas, as pressões aumentaram, até
pelos militares, e ocorreu a renúncia, conforme se pode analisar, através do texto abaixo,
retirado de um jornal de época:
O Brasil viveu ontem horas de intensa agitação provocada pela atitude de
intransigência do Sr. Getúlio Vargas. O ditador, apoiado pelos
“queremistas”
ccxliv
, planejou e executou o seu último golpe, com a nomeação
de seu irmão Benjamin, para a Chefatura de Polícia. Indiretamente, fez-se
sentir um grande movimento de repulsa, que culminava com a sua renúncia
ao poder, conseqüência do “ultimatum” que lhe foi feito pelas classes
armadas. (...) Às duas horas e meia, realizou-se, no Ministério da Guerra,
perante os chefes militares, a posse do Ministro José Linhares, como
Presidente da República. Perguntado pelo representante de Resistência, se
haveria restabelecimento de censura à imprensa, o Ministro João Alberto
exclama: - Não há, e jamais haverá censura à imprensa. Peço a todos, pois,
uma colaboração leal e de sentido construtivo, dentro da mais ampla
liberdade.
ccxlv
Em 1946, o General Eurico Gaspar Dutra, chefe do Governo, presidiu uma sessão
em que o principal assunto tratado foi a tomada de medidas de combate ao comunismo, mas o
partido Comunista não foi fechado. Por um decreto-lei, foi extinto o jogo em todo o território
34
nacional, levando ao desemprego milhares de brasileiros que trabalhavam nos cassinos,
principalmente artistas: músicos, atores, bailarinos, diretores, roteiristas, pessoal da técnica.
Cada vez mais o governo brasileiro aproximou-se dos Estados Unidos e, em 1947,
rompeu relações diplomáticas com a URSS. Os trabalhadores sofreram perdas com a política
econômica. O arrocho salarial, as pressões sobre os sindicatos, a frustração de se ter uma
política de união nacional com a qual sonhava o Partido Comunista foi a realidade vivida, que
culminou com o retorno à ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro.
O Partido fazia-me lembrar muito o colégio dos padres maristas onde fiz o
curso primário. Por seu culto à disciplina partidária, por sua obediência
religiosa à ortodoxia marxista-lenilista, por sua cega admiração por tudo que
viesse da União Soviética. Era como a infalibilidade do Papa, indiscutível.
Minha índole contestadora tinha dificuldade em adaptar-se. Principalmente à
ótica jesuítica com que era encarado o sexo. (...) Ainda em São Paulo, depois
de dois anos de militância, os dirigentes da minha célula decidiram
conceder-me umas “férias”, considerando que meu envolvimento com
mulheres constituía uma permanente ameaça a segurança partidária, que
nossas reuniões, sendo absolutamente clandestinas, eram sempre
interrompidas por telefonemas de alguma namorada. (...) Eu era e sempre
seria um péssimo militante.
ccxlvi
Em 1950, Getúlio Vargas retornou à Presidência da República, através do voto
popular. O Nacionalismo foi retomado e sua ligação com as massas era incrivelmente forte. O
Populismo impediu uma leitura real dos contrastes existentes. As forças de oposição estavam
mais organizadas e a economia recebeu investimentos constantes do capital estrangeiro.
Foi no tempo da Rádio Tupi, Emissoras Associadas, que conheceu Janete Clair,
locutora e radioatriz. Não foi amor à primeira vista, os companheiros de trabalho duvidavam
que algum dia eles fossem demonstrar que foram feitos um para o outro. Janete tinha pavor à
política, Dias estava de romance com o Partido Comunista, ela católica praticante, ele ateu
convicto. O dramaturgo amava o teatro e a literatura, o rádio para ele era mera fonte de renda,
a moça adorava o rádio. Assim ela se referia ao rapaz:
Ele é um camarada muito antipático, muito irônico, muito gozador. (...) Não
um momento em que ele não queira mostrar que é estudado, que sabe de
tudo e mais que todo mundo. (...) Magro de ruim e além do mais, usa um
bigodinho... que Deus me livre.
ccxlvii
Começaram a namorar e ali foi selado o grande amor, companheirismo e admiração
entre eles. Como era um namoro moderno para a época, casaram, com a bênção da Igreja
Católica, em 1950, quando Janete engravidou do primeiro filho, e se separaram com a
morte dela, trinta e três anos depois.
34
Também no ano de 1950, o casal decidiu mudar para o Rio de Janeiro, onde já
havia acertado contrato, ele na Rádio Tupi e ela na Rádio Tamoio, emissoras associadas. A
volta para o Rio de Janeiro era sensata, pois o casal (Figura 37) assumiu empregos legais, por
convite e com boa remuneração, poderiam manter a família, agora maior. Ao mesmo tempo,
Dias desejava retomar a carreira de autor teatral, mas, como seu nome já constava da lista de
pessoas que precisavam ser vigiadas, o trabalho garantido lhe respaldava a criação,
independente dos rumos que tomassem. Pela segunda vez, Dias afastava-se de um local onde
as mudanças teatrais começavam a surgir, uma vez que o TBC – Teatro Brasileiro de
Comédia entrou numa fase de profissionalismo responsável.
O centro teatral começava a se deslocar do Rio para São Paulo, ou ambos
passavam a ter igual importância. O Teatro brasileiro, como espetáculo,
recuperava o tempo perdido. (...) Ainda que se questionasse o estilo
“europeu” de representação imposto aos atores. Ainda era hostil a qualquer
preocupação política ou social, mas o tom era dado por bons diretores, como
Adolfo Celli e Ruggero Jacobbi, e atores, como Paulo Autran, Cacilda
Becker, Tônia Carrero, Tereza Rachel e Fernanda Montenegro. Mas a
dramaturgia ainda não tinha vez. viria a ter sete ou oito anos mais tarde,
com os movimentos de reação ao TBC do Teatro de Arena e do Oficina, bem
como revelações esporádicas em outros grupos.
ccxlviii
Figura 37- Janete Clair e Dias Gomes
ccxlix
34
A grande popularidade de Getúlio entre os trabalhadores camuflava um rigoroso
controle sindical. Sua ação era paternalista e sabia tomar medidas práticas que agradavam ao
povo, como o reajuste de 100% ao salário mínimo e com isso, alimentava e tutelava suas
bases políticas. As relações de Vargas com os trabalhadores não agradavam aos grupos
conservadores, principalmente pelo fato de sua política, inicialmente, atender às classes
dominantes.
O clima era de guerra fria e a propaganda anticomunista contribuiu muito para
acirrar os ânimos. Vargas priorizou o capital estatal e o capital privado nacional, mas isso não
era autonomia. O Estado era privilegiado na gestão do processo de industrialização. Criaram-
se usinas hidroelétricas, promoveu-se a expansão da Companhia Siderúrgica Nacional,
fundou-se o BNDES, na época BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Na
década de 50, o sistema nacional-desenvolvimentista fazia parte dos projetos dos governos e
também das discussões culturais na busca dos valores autênticos, característicos do Brasil.
O trabalho de Dias Gomes no rádio foi a sua grande escola de dramaturgia, porque
exigiu dele a busca de um conhecimento técnico e teórico que até então não possuía, e isso
aconteceu através de uma leitura intensiva e constante dos grandes clássicos e a veiculação de
seus textos por um meio que só atingia um sentido, a audição
No tempo do rádio, devo ter lido algo em torno de dois mil textos. Passei
vinte anos adaptando clássicos para um programa radiofônico! Fiz mais de
500 textos de uma hora! Como tinha que ler buscando os viáveis ou mesmo
muitos que seriam censurados, presumo que li no mínimo quatro vezes mais
do que o número de programas feitos, Balzac, Tolstoi, Dostoievsky. Sem
discriminação entrava todo grande autor.
ccl
Essa absorção do universo literário contribuiu fortemente no abastecimento das
“prateleiras de sua dispensa”
ccli
, segundo o próprio Dias, porque ao internalizar o “modus
operandi” desses autores, ele teve condições de suprir suas necessidades econômicas, para o
sustento da família, e, intelectuais, para o seu aprimoramento como dramaturgo.
O dramaturgo absorveu os conhecimentos históricos, as vivências pessoais, o
cotidiano da vida, o que resultou em obras que propõem um mergulho nas primeiras
fontes e, quando são articuladas, remetem a uma reflexão de matriz anarquista e
contestadora, que faz do riso e da utopia uma forma de combate. A visão apresentada
por Bakhtin teoriza essa conduta de Dias Gomes:
34
As grandes obras da literatura levam séculos para nascer, e, no momento em
que aparecem, colhemos apenas o fruto maduro, oriundo do processo de uma
lenta e complexa gestação. (...) O autor e seus contemporâneos vêem,
compreendem e julgam, acima de tudo, o que está mais perto de sua
atualidade presente. O autor é um prisioneiro de sua época, de sua
contemporaneidade. Os tempos que lhe sucedem o libertam dessa prisão e a
ciência literária tem a vocação de contribuir para essa libertação. (...) Toda
cultura encerra inumeráveis virtualidades que não foram descobertas,
elucidadas ou exploradas durante a vida histórica dessa cultura.
cclii
no Rio, pouco tempo depois, Dias saiu da rádio Tupi e foi dirigir a Rádio Clube
do Brasil. Era a década de 50 e a televisão começava em São Paulo, portanto, ele não fez parte
desse início, nem em São Paulo, nem no Rio de Janeiro.
Em 1953, a campanha “O Petróleo é nosso” marcou a política do último governo
Vargas e envolveu estudantes, militares, setores da burguesia nacionalista e trabalhadores. O
Brasil fabricava automóveis, caminhões e ônibus, o setor nacional de autopeças foi
estimulado. O modo de vida nos grandes centros urbanos se alterou e o Rio de Janeiro tornou-
se capital política e cultural.
Na época, Dias Gomes, mesmo como diretor da Rádio Clube, escrevia programas,
pois nunca deixou de criar novas versões para a emissora, que pertencia a Samuel Wainer, que
havia comprado a Rádio, através de um financiamento obtido no Banco do Brasil, juntamente
com a aquisição do jornal “Última Hora”.
O período era o mesmo em que se iniciou uma terrível campanha do Carlos Lacerda
contra o presidente Getúlio Vargas. Neste mesmo ano, de 1953, a campanha estava no auge e
Lacerda
ccliii
acusava o Samuel Wainer de ter se beneficiado, com o dinheiro do Banco do
Brasil, para comprar uma emissora e um jornal.
Aquele também foi o ano em que Dias Gomes foi convidado a participar de uma
delegação de escritores que foi à União Soviética. O dramaturgo teve que dizer que ia a
Londres, para poder, de lá, engajar-se à delegação dos escritores ingleses que participaram do
evento.
Durante uma atividade protocolar, aconteceu uma cerimônia de levar uma coroa de
flores ao túmulo de Lênin, uma foto foi feita e essa foto parou na mão do Carlos Lacerda.
Durante uma atividade protocolar, aconteceu uma cerimônia de levar uma coroa de
flores ao túmulo de nin, uma foto foi feita e essa foto parou na mão do Carlos Lacerda. A
imagem trazia um grupo levando uma coroa e Dias Gomes (Figura 38) estava à frente.
Carlos Lacerda publicou a imagem no jornal Tribuna da Imprensa com a seguinte
manchete: D
IRETOR DA
R
ÁDIO
C
LUBE VAI A
M
OSCOU COM DINHEIRO DO
B
ANCO DO
34
B
RASIL
!”. Em diversos depoimentos, Dias afirma que se tratou de uma grande calúnia, ele
havia feito um empréstimo com agiotas, para pagar no período de um ano. Quando voltou, o
escândalo estava armado e foi imediatamente demitido.
Sua demissão ocorreu pela necessidade de sobrevivência de Samuel, que ao se ver forçado a
culpar alguém, não vacilou em escolher Dias, o momento era de pleno macartismo.
ccliv
Figura 38-Dias Gomes em Moscou
cclv
Após esse acontecimento, Dias Gomes entrou para uma “lista negra” e passou
nove meses sem conseguir assinar seu nome em lugar nenhum, nem jornal, nem teatro, nem
rádio, nem televisão.
Toda rádio que ele visitava em busca de emprego, o recebia muito bem, os diretores
mandavam voltar no dia seguinte para assinar contrato e, quando chegava o dia seguinte, não
tinham verba, o trabalho não atendia às necessidades da escolha, uma outra pessoa possuía o
perfil desejado, sempre uma desculpa diferente era apresentada. Nos jornais, a mesma rotina.
Dias Gomes não podia mais assinar seu nome, porque era um homem marcado como “aquele
indivíduo que foi para Moscou, com o dinheiro do Banco do Brasil”.
cclvi
34
A greve dos trabalhadores de São Paulo em 1953, os ataques da UDN em favor do
liberalismo e da entrada do capital estrangeiro, a demissão de João Goulart, o Manifesto dos
Coronéis, que temiam o domínio do comunismo, as pressões exigindo a renúncia do
presidente, o Manifesto dos Generais levaram Vargas, segundo Robert Levine, à sua maior
manobra política: o suicídio em 1954”.
cclvii
A morte do presidente consternou o país, que chorou a perda do “pai dos
pobres”. Sobre a Nação desce a sombra de uma tragédia. O gesto do
Presidente Vargas, pondo fim ao seu governo e aos seus dias, estendeu um
crepe à consciência dos brasileiros, aos que o assistiram com compreensão,
como aos que o combateram até o último momento. É a primeira vez que a
história republicana descreve páginas o trágicas, pois o homem forte e
acostumado às lutas políticas não pôde suportar a agressividade da
circunstância e sucumbiu ao peso do desalento. (...)
cclviii
Após o episódio da foto na União Soviética, a situação financeira do escritor ficou
muito séria e ele procurou driblar as dificuldades para manter a família. Dessa forma, suas
primeiras experiências na televisão foram no anonimato. A maioria pensa que foi sob a capa
protetora do pseudônimo de “Stela Calderon”, mas não, sua atuação foi muito anterior,
quando a televisão tinha apenas dois ou três anos.
O escritor e sua família precisavam sobreviver, a televisão estava começando e sua
pauta possuía vários programas de teatro. Havia um Teatro Policial, um Teatro de Comédia,
um Teatro Infantil, vários shows de variedades. Através desses programas, Dias vislumbrou
uma luz. Passou a assisti-los e escrevê-los. Nessa época, a televisão ainda não tinha redatores
contratados permanentemente, tudo era pago através de “pró-labore”.
Funcionava da seguinte forma, o autor levava um material, que era lido pela
direção, caso fosse aprovado, eles pagavam. Dias Gomes passou então a escrever para todos
os programas de televisão que podia. Três amigos assumiam a autoria de seus textos, para que
não fossem rejeitados. Um deles era a sua própria esposa, Janete Clair, os outros dois o
Moisés Veltman, que foi diretor da Manchete, e o Paulo de Oliveira, que foi diretor da Tupi
do Rio de Janeiro. Estas três pessoas assinavam os programas, levavam, negociavam e ele
recebia o pagamento. Durante quase um ano sustentou sua família fazendo televisão dessa
forma, no nome dos três. O bloqueio ao “homem que foi a Moscou” foi derrubado no dia
em que Dias Gomes descobriu que o programa Teatrinho Kibon
cclix
, que era escrito por
Raimundo Magalhães Júnior, tinha sido abandonado por ele. Outra informação importante é
que o programa pertencia à Standard Propaganda. Naquela época, as agências ditavam ordens
na televisão, e, principalmente, escolhiam os redatores. Dias Gomes tinha um amigo na
34
Standard Propaganda, Sangirargi Júnior, que era o chefe do departamento de rádio e televisão.
Entrou em contato com ele, explicou a situação em que vivia, escreveu um texto para o
Teatrinho Kibon (Figura 39), depois Teatrinho Trol (Figura 40), pediu ao amigo para assinar e
depois lhe repassar o pagamento. Tal foi a surpresa do dramaturgo, quando voltou à produtora
e soube que o programa iria ao ar com a assinatura dele mesmo. Sangirargi havia traçado o
verdadeiro perfil do dramaturgo ao dono da Standard e o homem mandou botar no ar e assim,
Dias Gomes conseguiu sair da lista negra.
Figura 39-Norma Blum e Zilka Salaberry no Teatrinho Kibon da TV Tupi
cclx
Figura 40-Neide Aparecida, no Teatrinho Trol, da TV Tupi
cclxi
Depois de ter de volta seu nome, vivendo no Rio de Janeiro, paralelamente à
criação de textos teatrais, continuou a trabalhar no rádio até a década de 60, onde fez de tudo:
direção administrativa, redação de textos (humorismo, variedades, dramaturgia), e chegou até
a atuar como rádio-ator. Seu principal trabalho, entretanto, foi como adaptador de peças do
repertório universal, para serem exibidas no programa semanal “Grande Teatro”, que teve a
duração de dez anos.
Fiz mais de 500 adaptações para o rádio-teatro. Foi um trabalho de grande
valia porque tive que ler quase toda a dramaturgia e literatura universais. O
meu volume de leitura, nesses anos, acabou tendo grande importância na
minha formação cultural. Ao mesmo tempo, adquiri uma prática artesanal de
experimentar, montar os diálogos, as cenas, com grande rapidez, em razão da
demanda que o rádio exigia”. (...)
cclxii
Dias Gomes possuía, segundo ele, duas preferências na Rádio Nacional, os seus
programas “Todos cantam sua terra”, uma coletânea de histórias, casos e músicas de vários
cantos do Brasil e o Rádio-teatro “Grande Teatro De Milus”, que dava à rádio o maior índice
de audiência da emissora. Era para ele uma questão de honra manter a qualidade das
produções e a audiência, mesmo que para isso tivesse que passar as noites sobre os livros e a
máquina de escrever.
34
Inicialmente, para o radioteatro, eu próprio radiofonizei Balzac, Tolstoi,
Machado de Assis, José de Alencar, todos esses nós radiofonizamos na
época. E se alguém, por exemplo, me disser que eu, Dias Gomes, escrevia
dramalhões no rádio leva um tiro. Na mesma época que nós fazíamos aqui,
na Rádio Nacional do Rio, no Teatro da Rádio Nacional, em São Paulo, eles
também trabalhavam da mesma forma. Minha mulher também, a Janete
Clair, e outros, o Gui Arone, o Raimundo Lopes. Nós fazíamos, não era
literatura, mas era um rádio de muito gabarito.”
cclxiii
Juscelino Kubitschek, tendo como vice o gaúcho getulista João Goulart, elegeu-se
com grande apoio da classe trabalhadora. Apesar do clima de tensão que foi criado, para
impedir a posse dos eleitos, Juscelino assumiu a presidência em 1956.
A eleição de Juscelino consagrou o modelo desenvolvimentista e nacionalista, com
as portas do Brasil escancaradas para o capital estrangeiro. O Brasil se modernizava e se
endividava. Juscelino prometeu cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo. Seu
plano de metas incentivou o setor industrial, acelerou a modernização, mas o país vivia
mergulhado em dívidas que a cada dia se avolumavam, apesar do discurso nacionalista. A
construção de Brasília simbolizou ousadia modernista, uma cidade construída numa
concepção compatível com o novo. A indústria automobilística tornou-se um marco do
desenvolvimento nacional e condicionou a montagem de um sistema viário e de transportes
que favoreceu a expansão dessa indústria.
Apesar das contradições, vivia-se um período de tolerância e democracia, o
contexto era de euforia e desenvolvimento. Surgiu a “bossa nova”. São Paulo era o grande
pólo industrial do Brasil, com a migração de brasileiros de todas as regiões; os meios de
comunicação mostravam as mudanças da sociedade.
O número das rádios, artistas e programas de audiência eram grandes. Havia
emissoras de televisão em seis capitais do país. Os eletrodomésticos passaram a fazer parte do
cotidiano da classe média. O cinema abriu seu espaço, as produções de Hollywood
influenciaram o comportamento das pessoas. O rock tornou-se o ritmo da nova geração. A
produção literária também mereceu destaque com nomes como Guimarães Rosa, Rubem
Braga, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Ferreira Goulart, e Dias Gomes estava entre eles.
As manifestações artísticas e culturais eram marcadas por um forte engajamento
político, sobretudo de esquerda. Havia grande preocupação com a conscientização da
população excluída do processo político, pois queriam assegurar transformações mais
profundas na sociedade. Nessa época destacou-se o Movimento de Educação de Base, o
Movimento de Cultura Popular e o Centro Popular de Cultura. O Brasil abriu os braços para a
34
postura cultural e vislumbrou-se não um país de arquitetura avançada, mas também de arte
inovadora.
A política entrou de sola, outra vez, no cinema brasileiro, no final dos anos
50 e nos anos 60, com o cinema novo. (...) Política quanto a escolha e
tratamento de temas. Reagindo contra o baixo nível das chanchadas, e dentro
de uma postura nacionalista, engajada na denúncia dos problemas sociais,
um grupo de cineastas e críticos deu novo sentido à filmografia brasileira.
Seu ponto de partida foram os filmes Rio, 40 graus (1955) e Rio Zona Norte
(1957), de Nelson Pereira dos Santos, que tematizaram a realidade das
classes populares, (...) que se opunha também à linguagem cinematográfica
hollywoodiana, considerada colonialista. O baiano Glauber Rocha, chegava
a dizer, em 1962: “Queremos fazer filmes anti-industriais; queremos fazer
filmes de”'autor”, quando o cineasta passa a ser um artista comprometido
com os grandes problemas de seu tempo; queremos filmes de combate na
hora do combate. (...). No Brasil, o cinema novo é uma questão de verdade e
não de fotografismo”. Essa postura foi defendida e abraçada por Dias
Gomes, pois era exatamente isso que ele acreditava e defendia. Apostava
nesse cinema, que se identificava com sua arte.
cclxiv
A insatisfação dos trabalhadores brasileiros é demonstrada através do crescimento
do número de greves entre 1956 e 1960, além de que os problemas sociais provocavam
discussões e dividiam os políticos.
Dias Gomes acreditava que o Teatro era, de todas as artes, aquela que oferecia
condições para uma resposta imediata e mais comunicativa. Considerava seu teatro político e
popular, questionador do comportamento histórico do povo do seu país, buscando uma forma
de representação brasileira dentro da vida nacional.
O XX Congresso do Partido Comunista, em 1956, na União Soviética, em Moscou,
abalou profundamente o Partido Comunista, a partir das denúncias de Kruchev sobre os
crimes cometidos por Stalin.
cclxv
Uma delegação brasileira, que havia sido convidada a assistir
o evento, retardou seu regresso, pois tinha consciência do resultado, e, depois de oito
meses, abriu os debates, mas a cisão no partido já era sólida.
A reunião do organismo de base, que Dias Gomes participava, ocorreu na sua casa,
na Rua Saturnino de Brito, no Jardim Botânico, quando Agildo Barata do comitê central do
partido, tentou explicar o inexplicável. Ao término, Dias estava perdido. Quando chegou no
quarto, encontrou Janete e tiveram um breve diálogo.
(...) – Que está acontecendo?
- Nada. Vá dormir.
- Não adianta querer me esconder, eu ouvi quase tudo daqui. É horrível. Por
que você não deixa o Partido? (...) Já pensou que pode ser uma grande tolice
essa sua idéia fixa de mudar o mundo?
- Mas, sem essa tolice, que sentido pode ter a vida?
cclxvi
34
Em 1959, Dias escreveu “O Pagador de Promessas”, num momento em que haviam
feito a compra a prazo de uma casa, na Rua Resedá, na Lagoa, pois até então a família morava
de aluguel, para a qual o casal só tinha o dinheiro da entrada. Ele e Janete, no rádio,
trabalhavam pelo que produziam, assim, dia e noite ficavam debruçados sobre os textos, para
poder cobrir as prestações e manter a casa. Nesse turbilhão, criou a peça.
Após vários meses de trabalho, apresentou a obra, primeiro a Janete, que se
emocionou, depois ao folclorista Edison Carneiro, depois a um grupo de amigos, que reuniu
em sua casa para uma avaliação. Houve a unanimidade na aprovação e Pascoal Longo sugeriu
que Dias levasse o texto para a Escola de Teatro da Bahia, que gozava de grande prestígio,
com professores gabaritados e atores profissionais.
(...) A idéia seria a de que o grupo baiano excursionasse com ela, como
fizera o Teatro de Amadores de Pernambuco, três anos antes com “O Auto
da Compadecida”, revelando Ariano Suassuna. Entusiasmei- me e parti para
Salvador. (...) Faria algumas pesquisas, conferindo certas informações,
que a peça respirava baianidade. (...) E foi com enorme emoção que adentrei
o casarão em que se localizava, no bairro do Canela, ali morara meu tio
Alfredo, ali, na minha infância,(...) eu mesmo brincara de picula, polícia e
ladrão, e jogara futebol. Quem sabe uma simpática armadilha preparada pelo
destino? Entreguei a peça a Martin Gonçalves, diretor da Escola, que me
recebeu com ar meio “blasé” de nobre inglês, num robe de chambre
vermelho, fumando cachimbo, devia julgar-me uma simbiose de Oscar
Wilde e Lawrence Olivier, nunca ouvira falar de mim. Folheou o texto
displicentemente e o colocou numa estante, prometendo lê-lo. Nunca o fez.
Um ano depois, quando a peça estreou no TBC de São Paulo, ele perguntou
a Brutus Pedreira, um dos professores da escola:
– Você sabe que há uma peça de um autor baiano fazendo grande sucesso no
TBC?
– Sei. E essa peça está ali, na sua estante.
cclxvii
A consagração de Dias Gomes como dramaturgo veio em 1960, com a montagem
de “O Pagador de Promessas” pelo TBC Teatro Brasileiro de Comédia, dirigida por Flávio
Rangel. O Pagador mudou o TBC, que a partir dele passou a dar preferência aos autores
brasileiros e temas ligados aos problemas sociais.
Janete não foi à estréia, tinha acabado de dar à luz a Alfredo e sua mãe, Dona Alice,
representou a família. Quando o espetáculo terminou, depois de demorados aplausos, com a
platéia de pé, Flavio Rangel passou a procurá-lo pelo teatro e encontrou-o encolhido, sentado
no chão, no fundo de uma coxia. As pessoas desconheciam a origem de Dias, citando-o como
uma revelação no teatro oriunda do rádio. Só após a publicação da crítica de Décio Almeida
Prado é que o equívoco se desfez.
34
(...) é um caso ímpar no teatro brasileiro: um escritor da velha guarda,
comediógrafo oficial a certo momento de Procópio Ferreira, que acabou
por se tornar um dos nomes de maior prestígio da nova dramaturgia. Parte
do milagre se desvanece, no entanto, explicando que ele escreveu as
primeiras peças ainda na adolescência, estreando como autor com apenas
20 anos, em 1942. Não seria errado datar sua carreira a partir de 1960,
quando o TBC, levou à cena “O Pagador de Promessas, uma peça nascida
da sua necessidade de entender o mundo (...)
cclxviii
Jânio Quadros, eleito em outubro de 1960, surpreendeu e desagradou a muitos. Era
um político de raízes populistas e de caráter carismático, sem estar filiado permanentemente a
nenhum partido.
Mesmo sendo um homem público tido como conservador, ele reatou as relações
diplomáticas e comerciais com o bloco comunista; homenageou com uma condecoração
Ernesto Che Guevara, líder da Revolução Cubana. Essas atitudes desagradaram
profundamente o maior aliado político, econômico e financiador do Brasil, os Estados
Unidos. Além disso, Jânio herdou de Juscelino uma situação política com sérias dificuldades,
as dívidas decorrentes da construção de Brasília levaram o governante a tomar atitudes
radicais na economia, como corte nos subsídios federais, o congelamento dos salários, a
restrição de créditos.
Para reforçar a sua imagem moralista, “o homem da vassoura”
cclxix
tomou medidas
como: proibir o uso de lança-perfume em bailes de carnaval, rinhas de galo, corridas de
cavalo em dias de semana e o uso do biquíni nos clubes familiares e desfiles de moda.
A UDN, que havia apoiado a sua candidatura, no Brasil, e os Estados Unidos foram
seus grandes opositores, o que levou o presidente à renúncia, em agosto de 1961, na espera de
que o povo se manifestasse a seu favor, o que lhe facilitaria o retorno, mas isso não aconteceu.
Neste mesmo ano, as dúvidas povoavam os pensamentos de Dias Gomes, como ele deixou
registrado em seu diário.
11 de maio de 1961 - A Companhia Tônia-Celli-Autran quer montar “O
Pagador” (...) Preciso ir a São Paulo conversar com o pessoal do TBC, saber
se eles concordam. Tenho receio de provocar um atrito. (...) O diretor Flávio
Rangel saberá compreender, penso eu. (...) Janete acha que estou
demasiadamente preso ao Flávio. E tudo depende dele. Talvez tenha razão.
cclxx
18 de julho de 1961 Sinto-me como um traidor de mim mesmo. Três
violentações de personalidade me ocorreram esta semana: recebi o prêmio da
Academia, fui homenageado com almoço e tive que comparecer (por dever
de gratidão) à posse de Jorge Amado. Começo a ser dominado por um
sentimento de culpa inexplicável, como se estivesse me acovardando, me
academizado vergonhosamente. Chega, chega, chega.
cclxxi
34
Havia divisão entre os militares, o clima era de guerra civil, os conservadores
acusavam Jango, rico fazendeiro, de comunista e acreditavam que seu governo iria favorecer
os trabalhadores. A solução encontrada foi o regime parlamentarista, instituído por emenda
constitucional, e Goulart tomou posse em 07 de setembro de 1961.
Um contrato psicológico entre Dias e Flávio Rangel se estabeleceu, isto é, se algum
dia a peça “O pagador de Promessas” virasse cinema, ele seria o diretor, sonho que alimentou
desde a estréia do espetáculo e saiu em busca de um produtor.
Por fim, Flávio procurou Dias e abriu mão da direção para Anselmo Duarte, que
tinha patrocinador, e ele, até aquele momento, não havia conseguido. As consultas que Dias
fez o levaram a uma grande dúvida, pois gente do Cinema Novo, como Alex Vianny e Leon
Hirshman, achavam uma temeridade, mas o desejo, a determinação e os patrocinadores de
Anselmo foram maiores que as dúvidas do autor.
Uma cláusula no contrato do filme deixa clara a preocupação do escritor com sua
obra, uma vez que várias foram as discussões entre Dias e Anselmo, porque o diretor possuía
uma leitura maniqueísta do texto, em que o bem era o candomblé e o mal a igreja católica, e
foi com dificuldade que Dias conseguiu convencê-lo que o foco da obra era a questão do
poder.
(...) uma vez o roteiro definitivo aprovado, o diretor seria obrigado a segui-lo
cena por cena; queria assegurar inteira fidelidade à minha história. Desse
contrato constava também a obrigação de eu fazer a adaptação
cinematográfica, onde procurei me resguardar, mantendo literalmente o
desenvolvimento e os diálogos da peça, e nisso amarrando a direção. (...)
entreguei-lhe a adaptação em seu terceiro tratamento, isto é, a história
dividida, isto é, a história dividida em cenas, com a ação das personagens e
os diálogos definitivos, cabendo-lhe acrescentar, no tratamento final, a
definição dos planos e a movimentação da câmera.
cclxxii
Durante as filmagens, Dias foi abordado várias vezes sobre a capacidade de
Anselmo, como, por exemplo, o diálogo travado durante o encontro com Glauber Rocha,
durante um intervalo de um espetáculo teatral, em que o terceiro sinal salvou Dias de ter de se
posicionar, mas não o livrou da língua do cineasta.
(...) Anselmo está na Bahia filmando sua peça. disse-me Você não
está preocupado com isso?
- Preocupado eu estou.
- Será que ele está culturalmente preparado para dirigir O Pagador?
Não cheguei a responder. (...). Dias depois, Glauber abordava Anselmo no
intervalo de uma filmagem e lhe dizia que eu estava preocupadíssimo,
achando que ele não tinha cultura para dirigir o filme. Anselmo ficou
magoado, com justa razão, e essa mágoa perdura até hoje, transparecendo
em suas entrevistas, quando procura sempre omitir o meu nome. (...)
cclxxiii
34
A película estreou em 1962, e até hoje, quarenta e cinco anos depois, é o único
filme na história do cinema brasileiro a conquistar a cobiçada Palma de Ouro no Festival de
Cannes. Faltando apenas dois dias para terminar a mostra competitiva do festival, o
concorrente brasileiro foi apresentado pela primeira vez, numa sessão presenciada por
pouquíssimos jornalistas estrangeiros, no desprestigiado horário das dez horas da manhã,
porém a reação dos críticos presentes, que aplaudiram o filme com entusiasmo, apontado-o
como um provável vencedor do prêmio máximo, fez com que, à tarde, numa nova sessão, a
sala ficasse superlotada, com parte da platéia em pé, que ao final foi ovacionado com gritos de
já ganhou”.
Entre os diversos filmes que concorreram com o “O Pagador de Promessas” no
Festival de Cannes estavam: “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñel, “O Eclipse”, de
Michelangelo Antonioni, e “O Julgamento de Joana D’Arc”, de Robert Bresson, o que abaliza
a qualidade da premiação. A grande receptividade e os diversos prêmios que o filme recebeu
no exterior, despertaram a reação negativa de novos cineastas brasileiros. Os embates com os
integrantes do Cinema Novo aconteciam constantemente, porém Dias não intervinha, o
importante para ele, naquele momento, era a garantia do retorno financeiro e a certeza da
qualidade de seu trabalho.
João Goulart, herdeiro político de Getúlio Vargas, estava, nessa época, no exterior,
em visita à China, mas a idéia de Jango assumir o governo desagradou o segmento expressivo
da burguesia brasileira. Quanto aos ministros militares, foram contra sua posse, que recebeu
apoio de Leonel Brizola, líder legalista, ao afirmar que a sucessão devia obedecer à
constituição, além do povo, do congresso, da imprensa e do exército do Rio Grande do Sul.
O regime parlamentarista funcionou mal, com três gabinetes Tancredo Neves,
Brochado da Rocha e Hermes Lima porque o próprio chefe do executivo não seguia seus
preceitos, nem os políticos viam nesse regime um sistema que pudesse unir o interesse geral
da nação. Foi realizado, em 1963, o plebiscito que aprovaria ou não o parlamentarismo,
marcado para 1965 e após os resultados estabeleceu-se o presidencialismo. Nesta época, o
Brasil viveu momentos de total insegurança e de escancaradas posturas políticas, como a
tomada pelo Teatro Oficina.
34
(...) no Brasil de 1963 a questão política estava dentro dos lares e a peça “Os
pequenos burgueses” de Gorki, como foi encenada por José Celso, parecia
um texto nacional. (...) O fato de a ação transcorrer na Rússia pré-
revolucionária acentuava o impacto. O trabalho de Kusnet, no principal
painel da crise sócio-política, causava profunda impressão. O espetáculo
retomava a temática básica do Oficina. A decadência e o esfacelamento da
classe média russa, cujos valores não mais encontram ressonância e sentido,
resultam num tédio constante, que tem efeito corrosivo e cotidiano, que
destrói as personagens a cada instante, e isso estava acontecendo naquele
momento no Brasil.
cclxxiv
A ambigüidade foi a tônica do governo de João Goulart, nas áreas da economia, da
administração, e da política. Esta postura gerou campanhas de agitação, provocando o pânico
entre as classes dominantes, e a radicalização política.
O Partido Comunista Brasileiro dividiu-se em dois: o PCB e o PC do B. Surgiram
novos partidos de esquerda, os operários fundaram a CGT Central Geral dos Trabalhadores
–, dando motivos para que os adversários se unissem aos militares.
O governo não agradava aos poderosos e não tinha condições de atender às
reivindicações populares mais urgentes. Ao lado de todas as pressões internas, as pressões
externas se exerciam através da negação de empréstimos e o adiamento da negociação do
pagamento da dívida externa.
Em 1964, Dias Gomes desenvolvia intensa atividade política; mesmo assim, ele
aceitou o convite de Hemílcio Fróes para assumir a direção artística da Rádio Nacional. Em
março do mesmo ano, por indicação da classe teatral, João Goulart nomeou o dramaturgo
diretor do SNT - Serviço Nacional do Teatro, porém, devido aos momentos tumultuosos, a
nomeação não foi publicada pelo Diário Oficial e, portanto, ele não tomou posse.
Nesse mesmo ano, Jango lançou as reformas de base, num comício na Estação
Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Essas propostas atendiam a estudantes, intelectuais,
militantes católicos, trabalhadores e profissionais liberais, porque consideravam que um novo
ordenamento interno levasse às camadas populares os benefícios do desenvolvimento.
As agitações aceleraram o golpe, o presidente foi deposto em 31 de março de 1964
e as forças que tentaram reagir sofreram dura repressão. Pode-se observar de forma clara a
postura ideológica brasileira, a partir dos trechos retirados do Jornal do Brasil:
34
(...) O Presidente da República sente-se bem na ilegalidade. Está nela e
ontem nos disse que vai continuar nela (...). Ele se considera acima da lei.
Mas não está. Quanto mais se afunda na ilegalidade, menos forte fica a sua
autoridade. (...) Pois não pode mais ter amparo legal quem, no exercício da
Presidência da República, violando o Código Penal Militar, comparece a
uma reunião de sargentos para pronunciar discurso altamente demagógico e
de incitamento à divisão das Forças Armadas. (...) Era o Brasil regredindo ao
estado de republiqueta latino-americana. Os fuzileiros navais, ao chegarem,
dispararam dois tiros para o ar diante do prédio e entraram de metralhadoras
em punho (...). Tinham ordem de quem? Indagamos. Do Ministro da
Marinha, disseram. Onde está a ordem? Era verbal. Da Rádio, o Tenente
telefonou a um Almirante, sem lhe dizer o nome. O prédio era muito grande,
disse. Precisavam de reforços. Deixaram dois de guarda na Rádio, outro na
porta da rua e foram em busca dos tais reforços, sem dúvida para ocuparem
todas as dependências do Jornal do Brasil.
cclxxv
O regime instaurado pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964 estendeu-se até a
abertura política, em 1985. Foi um período sustentado pelo autoritarismo, supressão dos
direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela
censura prévia aos meios de comunicação.
Quando, na noite de 31 de março de 1964, o Golpe aconteceu, Dias Gomes estava
em casa, na cama, com febre altíssima, uma forte gripe transformou-se em pneumonia.
Naquela época, além de diretor artístico da Rádio Nacional, liderava com Teixeira Filho e
Mário Lago a “Rede da Legalidade”
cclxxvi
, que funcionava. Os protestos da esposa não
foram suficientes e ele foi para a rádio, abrir os microfones aos solidários a Jango, até que
chegaram os militares com tanques apontados à emissora.
Dias e Teixeira fugiram num carro da rádio. O colega deixou-o em casa e seguiu.
Encontrou Janete, Dona Alice e os filhos acompanhando pela televisão os acontecimentos,
quando, cinco minutos depois, Teixeira retornou avisando que não podiam permanecer em
suas casas, porque a Rádio Globo estava apresentando a lista dos comunistas da Rádio
Nacional que seriam presos e o nome deles e de Mário Lago já haviam sido citados.
O agravamento da situação fez com que Dias fugisse com Teixeira, primeiro no
carro, e, depois de ouvirem o número da placa do carro “roubado” da Rádio Nacional,
abandonaram o veículo e seguiram a pé. Esconderam-se num velho hotel de quinta categoria,
hospedagem de prostitutas e caminhoneiros, na Rua Mem de Sá, sua casa foi revistada, mas
ele não foi encontrado. Mário Lago não teve a mesma sorte, foi preso.
34
Prisão é tudo igual, a partir do momento em que você perde a liberdade.
Nunca fui torturado. Levei uma vez um “cachação”, mas por culpa minha.
Comecei a debochar do delegado. (...) A minha militância em 64 era no
mundo sindical. Estava ligado ao sindicato dos radialistas, mas da direção,
eu fui preso. Além de não acreditar no golpe, não quis fugir, e era o
elemento talvez mais agitador no negócio. Começava falando em Santa
Teresinha de Jesus e acabava em comunismo. Quando fui preso, em 64
deixei 40 cruzeiros em casa. E pensava como é que a minha família iria se
virar. Mulher e cinco filhos. Mas houve uma solidariedade muito grande. (...)
cclxxvii
Fazer arte de resistência num período de ditadura torna-se um ato de superação, os
artistas possuem a capacidade de apreender e relatar a realidade, como denúncia pública, cada
vez mais cultivam o como dizer sem dizer. Driblar a censura foi uma constante na carreira de
Dias Gomes. As sistemáticas proibições da montagem de suas peças não o impediram de criar
uma obra vasta e popular, tanto no rádio, na televisão e no teatro, capaz de traduzir a vida
brasileira com muito humor e uma visão crítica transparente da realidade.
Dias Gomes sempre teve o sonho de viver de escrever. Na adolescência sua
ambição, segundo ele mesmo relatou, era poder viver de escrever e ter um quarto cheio de
livros, nada mais do que isso, não sonhava sequer em ter uma casa, mas um quarto, com todas
as paredes cercadas de livros. Queria, ardentemente, viver de escrever para teatro, porque
afirmava categoricamente “eu sou um homem de teatro”.
cclxxviii
O Teatro era, de todas as artes, aquela que oferecia condições para uma
resposta mais imediata e mais comunicativa. Era também a que possibilitava
ao povo, tão insatisfeito quanto os autores e participantes dos espetáculos,
desabafar a sua insatisfação, lavar a alma, desalienar-se, (...) porque a
desalienação pode ser obtida pelo reconhecimento de si mesmo no trabalho
alheio, tal como se verifica na arte e, particularmente, no teatro. (...)
cclxxix
Dias Gomes atribui seus trabalhos, tanto no rádio como na televisão devido à falta
de espaço no palco, para o tipo de teatro com o qual ele estava comprometido, um teatro
acoplado a uma identidade com a vida brasileira, e assim conseguir meios de sobreviver.
Não me seria permitido prosseguir com minhas experiências teatrais, pois
minha dramaturgia vivia do questionamento da realidade brasileira, o que me
interessava era escrever sobre essa realidade e essa realidade era banida dos
palcos, considerada subversiva em si mesma pelo regime militar.
cclxxx
Duas datas merecem registro, o dia de abril de 1964, em que as autoridades
militares assumiram o poder e 09 de abril, quando foi decretado o Ato Institucional 1 (AI-
1), que cassou os mandatos, suspendeu a imunidade parlamentar e os direitos políticos e deu
34
fim às garantias de vitaliciedade dos magistrados, como também a estabilidade dos
funcionários públicos. Com esse Ato, Dias Gomes perdeu o emprego na Rádio Nacional.
Durante vinte anos, o Brasil esteve sob o comando militar, numa sucessão de
administrações, que justificavam suas ações através da irônica metáfora “defesa da
democracia”. O Teatro foi eleito o inimigo mais perigoso do novo regime, porque eram das
casas de espetáculo, (Figura 41) onde se realizavam assembléias que geravam os manifestos
de onde partiam os primeiros protestos contra a ditadura militar, porém este ainda era um
momento brando.
Figura 41-Reunião dos alunos de arquitetura da UFRJ, 1967
cclxxxi
Em 1965, Dias Gomes trabalhava no Conselho de Redação da Revista Civilização
Brasileira desde o seu lançamento, em março do mesmo ano. A revista foi suspensa duas
vezes, até que foi definitivamente retirada de circulação em 1968. Tratava-se de um veículo
intimamente ligado ao pensamento marxista, mas isso não excluía a incorporação de uma
gama de temas, não havendo a restrição aos fatores políticos e econômicos. Em seu quadro de
assuntos estavam presentes o teatro, a literatura, a música, o cinema, as artes plásticas e o
direito.
O que mais incomodava os homens do poder é que em todos os textos estava
impresso o signo da compreensão dialética da realidade. Todos os temas eram confrontados
de forma a estabelecerem correlações com as perspectivas de transformação e com a
superação das dores das sociedades humanas. Imerso nesse universo que traçava o retrato de
uma época dominada pela força dos ditadores, estava Dias engrossando a fileira daqueles que
eram a energia de contestação de uma intelectualidade forte e resistente.
34
Como não poderia deixar de ser, em 22 de julho de 1965, a peça “O Berço do
Herói” de Dias Gomes foi proibida na noite de estréia, no Teatro Princesa Isabel, em
Copacabana, no Rio de Janeiro. Referindo-se a esse acontecimento, Dias Gomes escreveu no
número 4 da Revista Civilização Brasileira:
O Berço do Herói e as Armas de Carlos
Cerca de três horas da tarde, 23 de julho, ano 2 do Desastre. No imenso e
soturno gabinete do Superintendente da Polícia Judiciária do estado da
Guanabara, três homens afundados em graves poltronas. Dois falavam, o
terceiro apenas ouvia, ar impenetrável. Diálogo:
- A peça está proibida.
- Mas o texto não foi aprovado pela Censura?
- Foi.
- Por que então a proibição?
- Porque o texto sofreu alterações durante os ensaios.
- Mas isto é comum.
- Mas não pode. Não está de acordo com o texto aprovado.
- Podemos levar então o texto aprovado?
- Não.
- Por quê?!
- Porque fizeram alterações no texto aprovado.
- Suprimimos as alterações. Levamos o original, sem mudar uma vírgula,
Podemos?
- Não.
- Por quê?!
- Porque o original foi alterado.
Nem Kafka, nem Ionesco, colaboraram nesse diálogo. Ele foi travado,
absolutamente de improviso, entre o Sr. Sales Guerra, Superintendente da
Polícia Judiciária e este modesto bolador de histórias teatrais. O terceiro
homem, o que não falava, era o próprio chefe da Censura Estadual, Sr.
Asdrúbal Sodré Júnior. (...)
cclxxxii
A classe teatral não se acomodou, diversas foram as manifestações contra a
censura, em defesa da liberdade de expressão. Mesmo assim, só em 1967, aproximadamente
22 peças teatrais foram proibidas. O crítico Sábato Magaldi relata que a partir do golpe de
1964, acompanhado de uma hegemonia da censura, um teatro de resistência à ditadura
afirmou-se.
Nele estavam os grupos mais engajados, como o Arena e o Oficina em São Paulo e
o Opinião no Rio de Janeiro, os dramaturgos que também comungavam com Dias Gomes,
Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho e Plínio Marcos, além
daqueles que utilizavam a comédia como veículo, João Bethencourt, Millôr Fernandes, Lauro
César Muniz e Mário Prata. O triste saldo é que, até hoje não se pode computar quantos textos
foram interditados.
34
Pode-se de forma concisa, fazer um levantamento dos fatos históricos, que
justificam os desdobramentos artísticos, que estiveram presentes nos vinte anos de ditadura.
A lista iniciou-se com o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que se
comprometeu com a “defesa da democracia”, e de imediato optou pelo autoritarismo.
Decretou três atos institucionais, dissolveu os partidos políticos e estabeleceu eleições
indiretas para presidente e governadores. Cassou mandatos de parlamentares federais e
estaduais, suspendeu os direitos políticos de centenas de cidadãos, interveio nos sindicatos e
associações de trabalhadores de onde demitiu funcionários. Instituiu o bipartidarismo. Criou o
SNI – Serviço Nacional de Informações, a polícia política. Pressionou, em 1967, o Congresso
e aprovou uma Constituição que incorporou a legislação excepcional e institucionalizou a
D
ITADURA
. Pode-se analisar a visão do Brasil através da leitura do jornalista e historiador,
Flávio Aguiar:
Num plano mais profundo, se instala em nossa visão da realidade social e da
natureza de uma constante dialética entre o “velho” e o “novo”, padrão que
ainda informará um movimento recente como a Tropicália, em 1967/1978, e
cujo horizonte maior continua a ser a explicação que Euclides da Cunha deu
para Canudos, um confronto entre o Brasil litorâneo, progressista,
republicano, e o Brasil do sertão, arcaico, messiânico, sebastianista.
cclxxxiii
O governo que se seguiu foi do general Arthur da Costa e Silva, que sofreu grande
oposição à ditadura. A União Nacional dos Estudantes promoveu, no Rio de Janeiro, a
Passeata dos Cem Mil; foram de grandes proporções as greves operárias em Contagem e
Osasco; além de grupos buscarem fundos para a guerrilha urbana, através de assaltos a
bancos. A imprensa registrava com cautela os acontecimentos da época, mesmo assim, são
registros históricos do que vivenciaram os brasileiros:
Uma multidão calculada em 100 mil (Figura 42) pessoas realizou ontem,
durante mais de sete horas a anunciada passeata de estudantes, padres,
artistas e mães pela liberdade dos estudantes detidos pela Polícia, pelo
ensino superior gratuito e contra as Fundações. (...) Os organizadores da
parada revelaram habilidade extrema e poder de liderança indiscutível ao
conseguir que tudo se passasse na mais perfeita disciplina e sem qualquer
atentado maior à ordem. (...) A chamada ala dos intelectuais estava à
frente. Os jornalistas Antônio Calado e Jânio de Freitas seguravam uma
grande faixa, com os dizeres de solidariedade ao movimento. (Figura 43)
Chico, Edu Lôbo, Norma Benguel, Odete Lara, Paulo Autran e outros
vinham à frente do pessoal artístico. (...) Cabe agora a palavra do Governo.
Que fará o Governo para enfrentar essa insatisfação tão eloqüentemente
demonstrada? (...) Se o Senhor Presidente olhar para o chão em que põe os
pés, ao invés de atentar para o tremeluzir de estrelas longínquas, talvez
entenda a mensagem que a mocidade colorida do Rio estendeu ontem ao
longo da Avenida Rio Branco.”
cclxxxiv
34
Fig. 42-Passeata dos 100 mil, 1968
cclxxxv
Fig. 43-Eva Tudor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz,
Odete Lara e Norma Blum, Passeata dos 100 mil, 1968
cclxxxvi
As manifestações de repúdio fizeram com que os militares extremistas exigissem
radicalização nas ações repressivas. Todas as capitais e outros municípios, num somatório de
sessenta e oito, tornaram-se zonas de segurança nacional, e o presidente passou a nomear os
prefeitos.
A tentativa de um deputado convocar um boicote à parada militar de 7 de setembro
e o fato do Congresso negar ao governo a licença para processar o político produziram o
decreto do Ato Institucional 5 (AI-5)
cclxxxvii
, sem prazo de vigência e o imediato
fechamento do Congresso. Outros 12 atos institucionais complementares foram decretados e
passaram a constituir o núcleo legislativo da ditadura. Assim, a partir de dezembro de 1968,
toda e qualquer liberdade de expressão foi suprimida e o teatro era foco de constante e
meticulosa atenção.
O teatro que Dias Gomes tinha prazer de criar era recheado de operários,
preconceitos raciais, religiosos e retirantes nordestinos, e parecia, para ele, que o povo de
teatro não queria sua obra, afirmando que o público espera algo mais simples, que seu teatro
era incômodo, porque ele nunca se afastava desses temas, quando na verdade cada um, à sua
maneira, tentava sobreviver. Essa postura de rejeição primeiro o empurrou para o rádio e, na
segunda vez, para a televisão.
Nesse período, os direitos autorais de “O Pagador de Promessas” remuneravam
parcamente o autor longe dos palcos. Todas as suas peças estavam proibidas, as portas
fechadas, e a televisão poderia ser uma saída, que ele trilhou penosamente.
Passei pelo menos um terço de minha vida fazendo o que não gostava. E
continuo. Como um garoto que detesta jiló, mas a mãe ameaça “se não
comer não vai brincar”. E ele é obrigado a enfiar o jiló goela abaixo. Eu vivo
comendo jiló.
cclxxxviii
34
Com o afastamento definitivo do presidente Costa e Silva, em 1969, devido ao
agravamento de uma trombose cerebral, uma junta militar o substituiu, impedindo a posse do
vice-presidente que era civil. A tensão cresceu, a ALN Aliança de Libertação Nacional e o
MR-8 Movimento Revolucionário 8 de Outubro seqüestraram o embaixador norte-
americano Charles Elbrick, que foi trocado por quinze presos políticos, exilados para o
México. Os militares instalaram o exílio pátrio e a pena de morte, nos casos de guerra
psicológica adversa, revolucionária, ou subversiva.
Nesse clima político, ocorreu o encontro de Dias com a televisão. Ele sem espaço
para o teatro, e ela com espaço tomado pela novela acadêmica, herança do rádio dos anos 40,
que só tinha o desinteresse do público, comprovado pelas baixíssimas audiências. Este foi seu
esteio, porque os direitos autorais de “O Pagador de Promessas” não proviam suas
necessidades. A situação tornou-se insustentável a partir do AI-5 e a ação incisiva da censura,
antecedendo sua entrada na televisão.
Era um desafio, uma linguagem nova e, além disso, uma linguagem que eu
tinha que encontrar, que não tinha referencial passado. Ia manejar uma
linguagem que eu o conhecia. Uma corda bamba, sem código próprio,
tendo ainda contra si o preconceito intelectual. Eu nunca tive preconceitos
quanto a gêneros melhores ou piores. E eu topei. (...) O público de televisão
é muito heterogêneo e não cabe considerações, mesmo porque não existe
uma pesquisa séria a respeito. Mas é claro que em termos de mídia, propicia
uma penetração maior! (...) Acho que a televisão tem uma diversidade muito
grande de leituras. (...)
cclxxxix
Em 1969, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, que comandou
“os anos de chumbo”,
ccxc
o mais duro governo da ditadura, o primeiro trabalho de Dias Gomes
vai ao ar na Rede Globo de Televisão, “A Ponte dos Suspiros”, que trazia a assinatura de Stela
Calderón, pseudônimo com o qual o dramaturgo foi contratado.
A Ponte dos Suspiros teve como base o romance de Michel Zevaco, uma
história cheia de intrigas políticas, vinganças e reconciliações na Itália, em
Veneza, em pleno Século XVI, bem no estilo folhetinesco, que ainda
vigorava na maioria das novelas da época.(...) Eu usava o pseudônimo Stela
Calderón, uma idéía da Glória Magadan, que era supervisora de
teledramaturgia. Durante a produção, Glória foi demitida da TV Globo, e
livre, fiz com que a trama passasse a discutir problemas políticos. De
imediato, a censura obrigou a mudar o horário para as dez horas da noite.
ccxci
Nesse período, a luta armada intensificou-se, os centros de tortura disseminaram-se
pelo país, ligados ao DOI Destacamento de Operações e Informações e ao CODI Centro
de Operações de Defesa Interna. O “milagre econômico” era a justificativa utilizada para o
endurecimento político.
34
(...) Um dia, no governo do dici, ela (Janete) queimou a metade da minha
biblioteca. Tudo que era livro de marxismo. Fiquei uma fera. (...) Depois, a
minha casa foi invadida pelo exército. Abriram até a bolsa da Janete. Para
ver o quê? Coisa de milico, né? Então, mesmo que ela não tivesse queimado,
fatalmente eu teria perdido meus livros. (...)
ccxcii
O Governo do general Ernesto Geisel sofreu as consequências de todas as ações dos
governos anteriores, observou-se o fim do milagre econômico e o regime militar em queda. O
presidente enfrentou alta vida externa, inflação e crise internacional do petróleo; anunciou
uma gradual e segura abertura política. Dias Gomes sempre teve uma visão muito clara da
realidade em que vivia, sabia perfeitamente dos riscos que corria e, principalmente, dos
compromissos que possuía como pai de família, consciente da responsabilidade de educar,
alimentar e formar os filhos e de preservar a esposa. Mesmo assim, não abriu mão das
verdades que acreditava e conseguia, mesmo no período da ditadura, manter-se digno de si
mesmo.
A novela da Rede Globo, Assim na Terra Como no Céu, (1970), trazia o
mistério de quem teria assassinado a personagem vivida pela atriz Renata
Sorrah, Nívea. Quando escrevia os últimos capítulos, recebi uma
intimação do Comando do Primeiro Distrito Naval. O convite era o pior
possível: teria que comparecer aoInquérito Policial Militar para apurar
atividades subversivas ou contra-revolucionárias. dentro da pequena e
soturna sala a que fui conduzido, a mente não parava quieta. Pensava nas
torturas que se realizavam ali, nos choques elétricos, afogamentos em
tanques de água e até de excrementos. Quando o encarregado do inquérito
entrou, mandou que eu sentasse na sua frente, abriu uma pasta verde e o
olhou bem nos olhos: O senhor me pediu para adiar seu depoimento. Eu
resolvi atender ao seu pedido, disse, fazendo eu respirar aliviado, Mas tem
uma condição. O senhor vai me dizer quem matou Nívea, porque minha
mulher disse que se eu o conseguir arrancar do senhor essa confissão, eu
não entro em casa. Relaxei de vez. Não me lembrava que estava no Brasil,
país em que a farsa convive com os lados mais dramáticos de sua história.
Estufei o peito; o surrealismo da situação justificava até mesmo um
atrevimento: “Isso eu não confesso nem sob tortura”, foi o que disse. Os
censores conquistavam seu intento quando grampeavam algum telefone, é
verdade, mas quando não havia subterfúgios, ninguém me segurava, tinha
jogo de cintura de sobra para driblar quem perseguisse meus textos. Acredito
que em 1973, abri uma inesperada trincheira contra a censura. O Bem
Amado, primeira novela gravada em cores no Brasil, discutia a realidade
política do país. Não que os agentes do governo não percebessem ou não
mutilassem os textos, mas tinham certa dificuldade em fazê-lo. E, quando
agiam, deixavam patente sua estupidez. A novela estava no meio quando
proibiram que se chamasse Odorico de “coronel”. Mais adiante, vetaram que
Zeca Diabo, personagem de Lima Duarte, fosse chamado de “capitão”. E,
faltando apenas cinco capítulos para terminar, o cabo Ananias teve sua
patente cassada.
ccxciii
Nas eleições de 1974, o partido da oposição conquistou 59% dos votos para o
Senado, 48% para a Câmara dos Deputados e ganhou em 79 das 90 cidades com mais de 100
34
mil habitantes. A censura à imprensa foi suspensa em 1975, e essa atitude sofreu a resistência
dos militares conservadores, que reprimiram duramente os simpatizantes e militantes do
clandestino Partido Comunista Brasileiro. Apesar de a telenovela ter seus temas sustentados
pelo triângulo amoroso romântico, presos ao eixo amor/dor, a partir dos anos 70, Dias Gomes
passou a retratar a realidade da sociedade com a qual se comunicava. O público, identificou-
se com as propostas.
A telenovela mostra gente que o sabe o que fazer com o dinheiro que
ganha e gente que não sabe o que fazer para ganhar dinheiro, gente boa,
gente não muito boa, gente má, gente não muito má, enfim, todo o mundo e
submundo da sociedade heterogênea na qual vivemos, contraditória, louca,
que constrói e destrói, onde o ter é muito mais importante que o ser, onde
Deus e o Diabo dão as mãos e dançam juntos.
ccxciv
Um projeto de televisão, como uma novela, atinge, diariamente, mais de quarenta
milhões de pessoas de origens mais diversas, desde pessoas analfabetas, até os intelectuais. O
dramaturgo tem que escrever para que todos os níveis de comunicação sejam atingidos. Este
posicionamento era considerado, por Dias Gomes, como o lado positivo da dramaturgia
televisiva, a possibilidade de atingir um público imenso, de ter a oportunidade de dizer coisas,
expor posturas ideológicas para diferentes tipos de raciocínio. Apesar disso, ele se
considerava realmente realizado quando escrevia para Teatro, porque, na sua concepção,
conseguia se comunicar verdadeiramente através do Teatro, já que sua dramaturgia teatral
preocupava-se com a realidade brasileira, expondo o retrato do Brasil, com todas as suas
facetas. Acreditava que, quanto mais particular um problema, mais ele chega perto do
universal.
Pensei em fazer novelas que espelhassem a nossa realidade e acabassem
com o maniqueísmo exagerado dos personagens da televisão, os heróis
com todas as virtudes e os maus com todos os defeitos. Procurei também
introduzir problemas reais do país como o preconceito racial, o conflito de
gerações, o fanatismo religioso, o poder de corrupção do dinheiro etc. Ao
lado disso, fui acrescentando um elemento pouco freqüente nas telenovelas
até então: o humor, o humor mesmo na tragédia, pois, como diz o poeta, ao
lado de quem chora, sempre alguém que ri. Além do público em geral,
em algumas novelas eu procurei conquistar também a juventude. Em
Assim na Terra Como no Céu, por exemplo, coloquei assuntos de interesse
dos jovens tais como a insegurança, a violência e a recusa em aceitar o
mundo que está lhes sendo legado...
ccxcv
Em 1975, Dias adaptou seu texto “O Berço do Herói”, censurada desde 1965, para
a televisão, com o nome “Roque Santeiro”. Mais uma vez, seu texto foi barrado pela censura:
34
Não foi a forma, nem o tema, e não houve motivos pouco morais, mas sim
apenas um pretexto. Quando iria ao ar em 1975, todo o terrorismo armado
havia sido acabado, seus líderes mortos, assassinados, presos ou deportados.
A luta contra a subversão perdia muito de sua razão de ser, os organismos
repressivos, montados pelo governo precisavam de uma motivação real para
continuar se mantendo, porque aquilo era uma “boca rica”, muita fortuna se
montou a custa da luta anti-subversiva. Os escalões que viviam deste tipo de
atividade, criaram então a lenda da luta psicológica e subliminar que os
meios de comunicação infiltrados estavam desenvolvendo. Era preciso
combater a propaganda subliminar subversiva em desenvolvimento. Para
isso, acredito,foi montado um “pequeno plano Cohen
ccxcvi
“, que tinha em um
dos seus itens, a proibição de uma novela de impacto, o que provocaria uma
repercussão nacional, provando-se, em seguida, que essa novela fazia parte
de um plano subversivo.”
ccxcvii
Ainda no governo Geisel, o partido da oposição venceu as eleições de 1976.
Assim, as regras eleitorais foram modificadas, para garantir maioria parlamentar ao partido
da situação. O mandato presidencial passou de cinco para seis anos e criou-se o senador
“biônico”, eleito indiretamente pelas Assembléias Legislativas estaduais. Em 1978, Geisel
enviou ao Congresso a emenda constitucional que deu fim ao AI-5, restaurou o “habeas-
corpus”. A oposição ganhou novamente as eleições. Economicamente, o governo sofreu com
a Crise do Petróleo, a recessão internacional e o aumento das taxas de juros, que colocaram a
dívida externa brasileira em uma situação crítica.
Para o dramaturgo, nunca foi fácil escrever sobre o que queria realmente, todos os
problemas que teve na televisão foram devido às opções temáticas, mesmo assim, durante o
caso “Roque Santeiro”, a direção da Globo lhe deu um apoio firme, através de uma nota
criticando a censura e mobilizando a opinião pública contra a arbitrariedade.
Não conseguia entender bem o que acontecia, mas também não estava
preocupado com isso. Sabia que seria pressionado e devido a isso fui forçado
a partir para o Realismo Fantástico, com “Saramandaia”. (...) Aprendi a não
desperdiçar nenhuma brecha da “abertura.
ccxcviii
A abertura política, que foi acelerada pelo crescimento da oposição nas eleições de
1978, começou a ser pontuada no governo do O general João Baptista Figueiredo, que tomou
posse em 1979. Concedeu a anistia aos acusados ou condenados por crimes políticos, mas não
foi com tranqüilidade que esse processo de abertura ocorreu, os militares da “linha dura
souberam mostrar seu desagrado. Figuras ligadas à Igreja Católica foram seqüestradas e
cartas-bomba estouraram nas sedes de instituições democráticas, como a OAB Ordem dos
Advogados do Brasil. O episódio mais grave foi um atentado terrorista promovido por
militares no Centro de Convenções do Riocentro.
34
Dias Gomes afirmava que tanto no teatro, no rádio, na televisão e nos romances, a
vida brasileira é a sua maior personagem. Faz questão absoluta de frisar que é um homem de
teatro, não um homem de televisão, considerava que sua dramaturgia é de teatro. A televisão,
para ele foi “uma experiência interessante”, que lhe deu a oportunidade de transitar pelas
dramaturgias. Uma produção da qual ele não se arrependeu. Considerava que era mais difícil
escrever para televisão do que para teatro, devido ao rigor da estrutura, o ritmo alucinante das
gravações, a censura interna e externa e, principalmente, o público a que se dirige.
Sempre que era questionado sobre sua produção para a televisão, Dias Gomes
declarava suas intenções de produzir textos em que o debate das questões sociais brasileiras e
a quebra de alguns tabus fossem tão importantes quanto a trama romântica.
(...) Boni telefonou-me, (...) Estou com um problema sério; Sérgio
Dourado reclamou ao Dr. Roberto Marinho que você está escrevendo uma
novela baseada na vida dele, e Dr. Roberto mandou cancelar a novela. (...)
Sergio Dourado era dono de uma empresa imobiliária que estava destruindo
o Rio de Janeiro, derrubando casas e mais casas para construir horrendos
prédios de apartamentos. A novela a que Boni se referia era “O Espigão”, em
que eu verberava esse procedimento, em defesa da ecologia e até mesmo da
estética. (...)
ccxcix
Em 1979, o governo modificou a legislação eleitoral e restabeleceu o
pluripartidarismo. A Democracia voltou. O Brasil mergulhou mais uma vez na crise
econômica, cresceu a inflação, a recessão, os partidos da esquerda. Os sindicatos e entidades
de classes fortaleceram-se e o país mobilizou-se na “Campanha Diretas Já”, que exigiu a
eleição direta para presidente, mas a emenda foi derrotada na Câmara dos Deputados.
A dramaturgia teatral deixada por Dias se preocupa e se nutre da vida social, do dia
a dia, não espaço, em sua obra, como ele mesmo afirmou, para um “teatro anêmico”
ccc
, de
abstinência do conteúdo social e da preocupação com a realidade brasileira. Ele não gostava
de comparar teatro com novelas, uma vez que acreditava que não existe nenhuma arte maior
ou menor que a outra, o que existem são artistas menores e artistas maiores. “O que eu quero
que fique claro é que a minha temática não mudou na televisão, só mudei a linguagem, que se
adaptou a um novo meio de expressão”.
ccci
O Teatro que Dias Gomes sempre se propôs a fazer e que foi sempre proibido
estava novamente à tona. Apontava como exemplo desse retorno aos valores que acreditava,
além de “Gota D`Água” de Chico Buarque e Paulo Pontes, “Último Carro” de João das
Neves, e “Rasga Coração” de Oduvaldo Vianna Filho. Esperava, verdadeiramente, que a
34
manutenção desse teatro acontecesse, que ele se desenvolvesse e se projetasse. Dizia-se
otimista, por acreditar na resistência do pensamento crítico do dramaturgo brasileiro.
Eu sou péssimo para falar sobre mim mesmo. Não sei se fiz escola. Não
quero dizer que haja influenciado ninguém, mas esse teatro que está, Gota
D’Água em especial, é o teatro que nós nos propúnhamos a fazer a partir de
1941, naturalmente sem o amadurecimento e a visão de mundo que temos
hoje.
cccii
Neste mesmo tempo, quando foi jurado do Serviço Nacional de Teatro, num
concurso de textos dramáticos, afirmou:
Foi um pouco decepcionante. De modo geral e excetuando-se as peças que
premiamos foi o que se verificou, uma grande alienação. Estamos de novo
na fase dos festivais. As peças que enfocavam a nossa realidade social eram
muito poucas. As demais sobre temas que não se devia mais ser abordado,
equivocadas, revelando uma total falta de domínio dos meios cênicos, um
total desconhecimento do “metier”.
ccciii
O dramaturgo (Figuras 44 e 45) acreditava que se aprende a fazer teatro no palco
e talvez, por isso, certos dramaturgos que surgem são tão vazios, porque esses autores
demonstram desconhecimento desse palco. Portanto, esse tipo de dramaturgia não permite que
se detecte uma tendência. Apresentam temáticas centradas em problemas sociais, sexo,
problemas econômicos, mas tudo de forma superficial e medrosa. “Parece ainda haver um
certo receio. Acredito mesmo que os autores inéditos de hoje não acreditam na prometida
abertura que está aí.”
ccciv
O cidadão Dias Gomes queria chegar à alma do povo, ela era o seu ponto de partida
e de chegada. Sabia que se descobrisse o mecanismo da paixão popular, poderia usar esse
mecanismo para produzir o feito artístico, do que então se podia chamar de “esquerda
brasileira”, e ter-se um saldo considerável desse período de ativismo político e social. Ele
trazia, na ponta da língua, um discurso pronto e, por muitas vezes, o repetiu em diferentes
ocasiões, contestando aos que recriminavam sua postura:
A liberdade não é um estado, mas um ato. O engajamento não constitui um
obstáculo na busca da verdade, mas uma condição para que possamos
conhecê-la em toda a sua plenitude e expressá-la esteticamente.
cccv
Sei que fui e sou uma pessoa incômoda nesse meu ofício. Incômoda para os
detentores do poder, temerosos de qualquer questionamento, incômoda para
os acomodados, os que nada querem mudar e por isso acusam de espúria
qualquer arte participante. Aceito a tarja que me pregaram na testa:
subversivo. Minha única dúvida é se realmente a mereci, se de fato
incomodei bastante.
cccvi
34
Figura 44-Dias Gomes em produção
cccvii
Figura 45-Dias Gomes em produção 2
cccviii
O decreto de Anistia, em 1980, fez com que o dramaturgo fosse recontratado pela
Rádio Nacional, assim como alguns de seus trabalhos receberam liberação pela censura. O
ano coroou-se com a estréia de “Campeões do Mundo”, uma reflexão sobre os duros anos de
ditadura.
“Campeões do Mundo” teve uma importância histórica fundamental, porque foi a
primeira peça a fazer um balanço da política brasileira, desde o golpe militar de 1964 até
1979, com inteira liberdade, sem precisar recorrer a metáforas e alusões para iludir a Censura.
Era um marco de um novo tempo, ele produz um acerto de contas com a experiência
promovida pela história do regime ditatorial. O dramaturgo, seguindo os passos brechtianos,
mostrando ao público as diferentes motivações dos jovens que optaram pela luta armada,
estimulou o espectador a tirar as suas próprias conclusões.
Campeões é um mural dramático sobre os últimos 15 anos de nossa História.
O Futebol é o pano de fundo que traz o povo nas ruas comemorando, ao
mesmo tempo ele é o cenário da Guerrilha do Araguaia. (...) Campeões não é
uma sátira. (...)
cccix
Em 1980, consciente da realidade que o circundava, ao referir-se aos 36 espetáculos
em cartaz na época, sentia-se eufórico, porque podia observar que havia espaço para todos os
gêneros, o teatro se abria para todas as formas, havia campo para tudo. O dramaturgo
percebeu que o Brasil tinha teatro para todos, mesmo com a crise econômica.
Em 18 de novembro de 1983, Dias Gomes perde sua esposa e companheira, Janete
Clair, com quem teve cinco filhos, dois morreram ainda crianças e os três que ficaram eram
seu objetivo maior na vida (Figuras 46, 47 e 48). O desaparecimento de Janete, que o fez
mergulhar em profundo processo de questionamentos e reflexões, permeados por uma dor que
não passava. “Janete era católica e romântica. Eu, agnóstico e racional. Quando ela morreu,
tudo perdeu o sentido.”
cccx
34
Figura 46-Guilherme Dias Gomes
cccxi
Figura 47-Alfredo Dias Gomes
cccxii
Figura 48-Denise Emmer
Gomes
cccxiii
Ninguém conseguia demovê-lo da idéia de que a causa da morte de seu grande
amor estava ligada ao trabalho exaustivo da criação da teledramaturgia. Durante seis a oito
meses, o dramaturgo era obrigado a escrever, diariamente, uma média de 25 laudas. O
desgaste levou vários colegas ao enfarte, como Jorge Andrade, que veio a falecer; Dias
possuía duas pontes de safena.
Foi a partir dessas reflexões, que, do ano de 1985 até 1987, ele criou, desenvolveu e
dirigiu a Casa de Criação Janete Clair, dentro da Central Globo de Produções, com o objetivo
principal de renovação de autores, de temáticas, de estética; formar e preparar dramaturgos.
Segundo ele, a Casa de Criação foi um projeto de uma generosidade absoluta, que despertou
as maiores ciumeiras. Em 1985, o Colégio Eleitoral escolheu o candidato Tancredo Neves,
para Presidente da República, e terminou a ditadura militar.
O general Figueiredo nem ficou para receber aquele poeta político de canto
de fotografia que veio para ser empossado. Figueiredo saiu literalmente pela
porta dos fundos do Palácio do Planalto. Foi um arremate simbólico do
governo militar que tomara o poder, em 1964, pela porta dos fundos da
Constituição, através de um golpe, e a saída da mesma forma sorrateira. E
sem nenhum brilho.
cccxiv
Tancredo Neves não governou o Brasil; com sua morte, José Sarney assumiu a
Presidência em caráter definitivo, procurando dar seqüência ao projeto de redemocratização
do país. Sarney, que estava em exercício desde o primeiro dia do novo governo, já havia dado
posse ao Ministério escolhido por Tancredo e decidido a não assinar mais decretos-leis,
transferindo para o Congresso Nacional maior poder de decisão. A primeira preocupação do
Legislativo foi aprovar medidas que permitissem maior liberdade política do país. Foram
restauradas as eleições diretas para a Presidência da República e para a Prefeitura das capitais
e dos municípios até então considerados como “áreas de segurança nacional”. O direito de
voto foi estendido aos analfabetos. Foi autorizada a criação e organização de novos partidos, o
34
que permitiu a legalização dos grupos políticos clandestinos, como o Partido Comunista e
outros. Foram reabilitadas as lideranças sindicais cassadas pelo golpe militar. Em 1989, Dias
Gomes casou-se com Maria Bernadeth Lysio e com ela teve duas filhas (Figura 49 e 50),
meninas que o fizeram renovar o desejo de viver, passou a cuidar de sua saúde ao máximo, na
tentativa de prolongar o tempo ao lado das caçulas.
Fig. 49-Dias Gomes e Maíra Gomes
cccxv
Fig. 50-Dias Gomes, Maíra e Luanda
Gomes
cccxvi
Os anos 90, hegemonizados pelo neoliberalismo, começaram com instabilidade,
com o confisco das poupanças, fundo de renda popular, pelo governo do presidente Fernando
Collor, que devido ao seu envolvimento com negócios escusos foi submetido ao
“impeachment”. Assumiu o governo o mineiro Itamar Franco, e o país experimentou
estabilidade econômica e crescimento com o Plano Real, em 1994, que igualava a paridade
da moeda e do dólar. O Ministro da Fazenda que criou o Real, Fernando Henrique Cardoso,
se elegeria presidente por duas vezes seguidas naquela década. O Real começaria sua
desvalorização no final da década. Dias Gomes posicionava-se com muita racionalidade ao
analisar o momento político do país, toda a experiência vivida o abalizava para isso:
O PT está numa grande fase, é um partido com autenticidade, um partido que
realmente representa uma grande classe, tem um grande peso. A
intelectualidade de classe média está dentro do PT, mas o PT representa os
trabalhadores. Eu acho que o PT conseguiu ser, sem a ortodoxia marxista,
aquilo que o PCB deveria ter sido, um partido de massa. Hoje o PT é um
partido de massa realmente, é um partido que realmente representa uma
determinada classe. Ele tem várias gamas, uma gama mais radical, outra
menos radical, vários setores são representados dentro dele, mas ele é
realmente um partido de esquerda autêntico, é um partido de esquerda
34
autêntico, é um partido que representa uma classe de fato, é um partido que
tem uma ideologia.(...) No Brasil, (...) a gente vota contra o pior.
cccxvii
A violência no Brasil teve um salto, tanto em áreas urbanas, com o governo
paralelo dos traficantes, principalmente no Rio de Janeiro, quanto nas áreas rurais, devido aos
desvios da conturbada Reforma Agrária e o Movimento dos Sem Terra.
A dramaturgia de Dias Gomes, em nenhum momento da história afastou-se de seu
desejo, ser veículo do seu criador, que sempre buscou ser um cidadão consciente e atuante:
Logo que eu entrei para a Globo a esquerda me apoiou. Uma das pessoas que
mais me apoiaram, me estimularam para ir para a televisão, foi o Paulo
Francis, o radical Paulo Francis. As pessoas inteligentes acharam que não,
que era um outro meio e que eu devia tentar aquilo que era ótimo e tal,
deveria meter as caras. Já o pessoal que fica olhando para trás – como dizia o
Vianna “no bonde da História nunca ande no banco que viaja de costas”- foi
contra. (...) Claro que para combater o sistema, o melhor é estar dentro dele,
tem que se inserir, e seguir um ruído estranho, alguma coisa que questiona.
Você está dentro de um contexto capitalista. Muito bem, eu não vou para a
Globo, eu vou para onde? Eu vou para a Manchete? Os órgãos de
comunicação estão nas mãos de pessoas que têm o poder econômico. Você
tem que trabalhar, eles têm os meios e você tem que usar estes meios. Agora,
se você consegue fazer isso sem se trair, quer dizer, sem trair as suas idéias,
não vejo porque possa ter algum sentimento de culpa. Eu sempre fiz o que
quis, nunca ninguém me disse como nem o que escrever. Muitas vezes
projetos meus foram vetados, foram cortados. Mas isso é uma coisa a que
estou sujeito na Globo ou fora da Globo. Em toda parte há censura.
cccxviii
Em 18 de maio de 1999, Dias Gomes estava em São Paulo para a pré-estréia da
ópera Madame Butterfly, de Giacomo Puccini, com regência de Isaac Karabtchevsky e
direção nica de Carla Camurati. O espetáculo era fechado para convidados e aconteceu no
Teatro Alfa Real. O dramaturgo deixou o flat onde estava hospedado, apenas duas horas
antes, às 19 horas, para ir ao teatro, acompanhado de alguns amigos e de sua mulher. Após a
apresentação, que teve início às 20 horas e 30 minutos, o casal foi jantar num restaurante
italiano, no centro paulistano. Ao saírem, contra a vontade da mulher, Dias Gomes dispensou
os carros novos de um ponto de táxi, em frente ao restaurante e acenou para um Uno Mille,
ano 96, que passava. Dias Gomes pediu ao motorista que entrasse num cruzamento proibido,
para encurtar o percurso, onde o táxi foi colhido por um ônibus na esquina da Avenida Nove
de Julho com a Rua Estados Unidos. ele morreu (Figura 51), ele não usava cinto de
segurança, ele não se preocupou em travar a porta do carro. “Aceito a tarja que me
pregaram na testa: subversivo. Minha única dúvida é se realmente a mereci, se de fato
incomodei bastante.”
cccxix
34
O corpo de Dias Gomes foi velado no “Salão dos Poetas Românticos” da Academia
Brasileira de Letras, durante as cerimônias de praxe, o jornalista Arnaldo Niskier declarou:
“Perdemos um homem de bravura elogiável na defesa intransigente da liberdade de
expressão”.
cccxx
O dramaturgo foi enterrado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras,
no cemitério São João Baptista, em Botafogo, zona Sul do Rio de Janeiro.
Figura 51-Sepultamento de Dias Gomes
cccxxi
2. 2 O HOMEM, A OBRA
A liberdade não é um estado, mas um ato. O engajamento não constitui um
obstáculo na busca da verdade, mas uma condição para que possamos
conhecê-la em toda a sua plenitude e expressá-la esteticamente.
Dias Gomes
cccxxii
A obra de um artista está sempre anexada à vivência pessoal, aos acontecimentos
do universo em que está inserido, assim, optou-se em relacionar suas principais produções,
associadas cronologicamente aos fatos de sua biografia, a partir das quais surgiram as leituras
e reprodução de mundo do dramaturgo (Quadro 04). Torna-se importante ressaltar, o trânsito
desenvolvido pelo escritor através dos mais variados veículos, como também a ausência da
maior parte de sua dramaturgia produzida para o rádio, que se perderam nos arquivos das
34
emissoras onde trabalhou, ou foram recolhidas pela polícia durante o período da ditadura
militar.
Ano Fatos da vida Obra Categoria
1922
Em Salvador, Bahia, nasce Alfredo de
Freitas Dias Gomes, filho do engenheiro
civil Plínio Alves Dias Gomes e de D.
Alice Ribeiro de Freitas Gomes.
1925
O pai do autor falece, aos 44 anos, Dias
Gomes tinha 3 anos de idade.
1929
Aos 7 anos, inicia o curso primário no
Colégio Nossa Senhora das Vitórias, dos
Irmãos Maristas.
1932 Aos 10 anos, escreve o primeiro conto.
A
S
A
VENTURAS
D
E
R
OMPE
-
R
ASGA
Conto
1934
Aos 12 anos, começa o curso secundário no
Ginásio Ipiranga.
1935
Aos 13 anos, muda-se com a família para o
Rio de Janeiro.
Prossegue o curso secundário no Ginásio
Vera Cruz e, depois, no Instituto de Ensino
Secundário, na Rua do Ouvidor
1937
Conclui o curso ginasial no Instituto de
Ensino Secundário.
A
C
OMÉDIA
D
OS
M
ORALISTAS
Teatro
E
SPIRIDIÃO
(inédita) Teatro
P
RAXEDES
(inédita) Teatro
A
MOR
E
O
RGULHO
(inédita) Teatro
O
C
HEFE
(inédita) Romance
1938
Faz o curso preparatório para a Escola
Militar no Instituto Frei Cinet
O
R
ESSUSCITADO
(reunião de
contos – inéditos)
Conto
1939
Matricula-se na Escola de Cadetes de Porto
Alegre, cursou só 2 meses.
Recebeu o Prêmio Serviço Nacional de
Teatro com o texto A Comédia dos
Moralistas
A
C
OMÉDIA
D
OS
M
ORALISTAS
Teatro
L
UDOVICO
Teatro
1940
Matricula-se no Colégio Universitário
(Praia Vermelha), no curso preparatório à
Faculdade de Engenharia.
DUAS SOMBRAS APENAS
Romance
1941
Matricula-se no Colégio Pedro II, no curso
preparatório à Faculdade de Direito.
A
MANHÃ
S
ERÁ
O
UTRO
D
IA
Teatro
P
É
-D
E
-C
ABRA
J
OÃO
C
AMBÃO
1942
Primeiras participações políticas, no
movimento pela entrada do Brasil na
guerra, ao lado dos aliados, em
manifestações lideradas pelo General
Rondon e por Oswaldo Aranha.
O ator Procópio Ferreira protagoniza a
estréia de Pé de Cabra, no Teatro Serrador
no Rio de Janeiro.
O
H
OMEM
Q
UE
N
ÃO
E
RA
S
EU
(inédita)
Teatro
S
INHAZINHA
(inédita)
Z
ECA
D
IABO
E
U
A
CUSO
O
C
ÉU
1943
Ingressa na Faculdade de Direito do Estado
do Rio.
Assina contrato de exclusividade com
Procópio Ferreira, para quem escreve as
peças: Zeca Diabo, Doutor Ninguém
(Sulamita), Um Pobre Gênio, Sinhazinha e
Eu Acuso o Céu.
U
M
P
OBRE
G
ÊNIO
(inédita)
Teatro
34
A Companhia Comédia Brasileira estréia
“Amanhã será outro dia”, no Teatro
Ginástico, no Rio de Janeiro.
Em outubro, falece aos 30 anos Guilherme
Dias Gomes, médico e escritor, irmão mais
velho de Dias Gomes.
D
OUTOR
N
INGUÉM
T
OQUE DE
R
ECOLHER
B
ECO
S
EM
S
AÍDA
1944
A convite de Oduvaldo Viana (pai), passa a
trabalhar na Rádio Panamericana (SP),
escrevendo para o “Grande Teatro
Panamericano” (adaptações de peças,
romances e contos), além de outros
programas.
O ator Procópio Ferreira protagoniza a
estréia de Zeca Diabo, no Teatro Dulcina no
Rio de Janeiro.
Muda-se para São Paulo.
O ator Procópio Ferreira protagoniza a
estréia de Doutor Ninguém, no Teatro
Santana em São Paulo.
O
E
XISTENCIALISTA
Teatro
1945
Abandona o curso da Faculdade de Direito,
no 3
o
ano. Transfere-se da Rádio
Panamericana para a Rádio Tupi-Difusora
(SP), onde manteve, entre outros, o
programa “A Vida das Palavras”. Ingressa
no Partido Comunista, passando, muitos
anos mais tarde, para o Comitê Cultural.
D
UAS
S
OMBRAS
A
PENAS
Romance
1946 Descobre a noite paulistana.
U
M
A
MOR
E
S
ETE
P
ECADOS
Romance
1947
Reuniu-se no Hotel Quitandinha a
Conferência Interamericana da Manutenção
da Paz e da Segurança, disfarce dos Estados
Unidos para a caça ao Comunismo.
O Partido Comunista é novamente colocado
na ilegalidade e seus deputados foram
cassados.
A
D
AMA
D
A
N
OITE
Romance
1948
Por motivos políticos é demitido da Rádio
Tupi-Difusora e ingressa na Rádio América
(SP).
Q
UANDO
É
A
MANHÃ
Romance
1949
Transfere-se para a Rádio Bandeirantes
(SP), da qual passa a ser diretor artístico,
além de escrever diversos programas, dentre
os quais “Aventura Musical” e “Sonho e
Fantasia”.
A
D
ANÇA
D
AS
H
ORAS
, adaptação
do romance Quando é amanhã.
Teatro
1950
Casa-se com Janete Emmer (Janete Clair),
em São Paulo, 13 de março.
Volta ao Rio de Janeiro, onde passa a
trabalhar na Rádio Tupi (Emissoras
Associadas), e depois na Rádio Tamoio.
Nasce Guilherme, 1
o
filho dos dois, em 11
de julho.
1951
Transfere-se para a Rádio Clube do Brasil,
como diretor artístico, além de autor do
programa “Sonho e Fantasia”.
Em 3 de junho, nasce Alfredo, que falece
com apenas sete dias.
O
B
OM
L
ADRÃO
Teatro
1953
Em fins de abril, viaja à URSS, com uma
delegação de escritores, para as
comemorações do 1
o
de maio. Ao voltar ao
Brasil, foi demitido da Rádio Clube, seu
nome foi incluído na “lista negra” e por
P
RODUÇÃO NO
A
NONIMATO
34
nove meses seus textos para a televisão
tiveram que ser negociados com a TV Tupi
e outras emissoras em nome de colegas.
1954
É contratado pela Standard Propaganda.
A Companhia Teatral Comédias Jayme
Costa estréia Os Cinco Fugitivos do Juízo
Final, no Teatro Glória, Rio de Janeiro.
O
S
C
INCO
F
UGITIVOS
D
O
J
UÍZO
F
INAL
Teatro
1956
Ingressa na Rádio Nacional, onde manteve
o programa de pesquisa folclórica “Todos
Cantam Sua Terra”, escreve para o “Grande
Teatro”.
Nasce Denise, filha de Dias e Janete, em 18
de junho.
Recebe o Prêmio Microfone de Ouro da
Revista do Rádio.
A
V
ELHA
C
ASA
A
BANDONADA
Rádionovela
1957
Recebe o Prêmio Microfone de Ouro da
Revista do Rádio.
L
ANTERNA
M
ÁGICA DE MÚSICA
O
C
ANTOR DO
P
OVO
Roteiro de
Show de
Variedades
Radionovela
1958
Além de seu trabalho na Rádio Nacional,
adapta algumas peças, romances e contos
para a TV Rio.
D
IVÓRCIO
A
P
ÉROLA
T
RÁGICA
P
ERFÍDIA
S
OMBRIO
A
MANHECER
Radioteatro
Rádioteatro
Rádioteatro
Rádioteatro
1959
O
P
AGADOR
D
E
P
ROMESSAS
O
E
STRANHO
C
ASO DE
G
ISLENE
L
AN
G
REMONT
O
D
ELATOR
U
M
P
EDIDO DE
C
ASAMENTO
A
V
ELHA
C
ASA
A
BANDONADA
Teatro
Rádioteatro
Rádioteatro
Rádioteatro
Rádioteatro
1960
Cria o programa “Brasil, Espaço 2”, na
Rádio Nacional.
20 de maio, nasce Alfredo, filho de Janete e
Dias.
Recebeu os seguintes prêmios pelo Texto O
Pagador de Promessas:
- Prêmio Nacional de Teatro, do Instituto
Nacional do Livro;
-Prêmio Governador do Estado de São
Paulo e;
- Prêmio Melhor Autor Brasileiro, da
Associação Paulista de Críticos Teatrais –
APCT -
A
I
NVASÃO
Teatro
1961
A Invasão recebe o prêmio Cláudio de
Souza, da Academia Brasileira de Letras.
A
R
EVOLUÇÃO
D
OS
B
EATOS
Teatro
O
DORICO
,
O
B
EM
-A
MADO
(F
IGURA
52)
O
DORICO
,
O
A
MOR E A
M
ORTE
Teatro
1962
O filme O Pagador de Promessas recebe os
seguintes prêmio:
- Palma de Ouro no Festival de Cannes;
- Primeiro Prêmio do Festival de São
Francisco (USA);
- “Critic’s Award” do Festival de
Edimburgo (Escócia);
- Primeiro Prêmio do Festival de Acapulco
(México);
- Prêmio Saci, do jornal “O Estado de São
Paulo”;
- Prêmio Governador do Estado de São
Paulo;
-Prêmio Cidade de São Paulo e;
- Prêmio Humberto Mauro.
O
P
AGADOR
D
E
P
ROMESSAS
,
ADAPTAÇÃO DA PEÇA PARA O
CINEMA
.
O
P
AGADOR DE
P
ROMESSAS
Cinema
Radioteatro
34
Assume a direção da Coleção “Teatro
Hoje”, da Editora Civilização Brasileira
Recomeça a escrever o programa “Sonho e
Fantasia” para a Rádio Nacional.
Recebeu, pelo texto O Pagador de
Promessas, os seguintes prêmios:
- Prêmio Padre Ventura, do Círculo
Independente de Críticos Teatrais;
- Prêmio de melhor autor Brasileiro, da
Associação Brasileira de Críticos Teatrais –
ABCT- e;
- Prêmio Governador do Estado da
Guanabara.
Prêmio Governador do Estado de São Paulo
e Prêmio Melhor Autor Brasileiro, da
Associação Paulista de Críticos Teatrais,
pelo texto A Revolução dos Beatos.
O
B
ERÇO
D
O
H
ERÓI
Teatro
1963
Em janeiro, O Pagador de Promessas estréia
em Barcelona (Espanha) e, depois, em
Lodz, na Polônia, onde foi laureado no III
Festival Internacional de Teatro em Kaltz.
Encenado também na URSS.
O
T
ESTA
D
E
F
ERRO
Teleteatro
1964
Dias Gomes é demitido da Rádio Nacional,
da qual era diretor artístico, pelo AI n
o
1.
O Pagador de Promessas é montada nos
EUA (Massachussets e Washington).
A Revolução dos Beatos é proibida diversas
vezes no período 64-65.
A Invasão é montada em Montevidéu
O
B
EM
A
MADO
Teleteatro
(Figura 53)
1965
Trabalha no Conselho de Redação da
Revista Civilização Brasileira desde o seu
lançamento.
22 de julho, O Berço do Herói é proibida na
noite de estréia no Teatro Princesa Isabel,
Rio. 16 de agosto, nasce Marcos Plínio,
último filho do casal, falece com 17 dias. A
classe teatral faz diversas manifestações
contra a censura e em defesa da liberdade
de expressão.
1966
Em fevereiro, assina manifesto contra a
condenação de escritores dissidentes da
URSS. Sua casa é invadida e vasculhada
por três oficiais militares, por ordem do
encarregado do IPM no Comando dos
Trabalhadores Intelectuais (Dias era um dos
dirigente)
O
S
ANTO
I
NQUÉRITO
Teatro
A
T
AREFA
(O
NDE
E
STÁS
,
C
ASTRO
A
LVES
?) in Livro de
Cabeceira do Homem, ano I, v. III
(Civilização Brasileira, 1967)
Conto
1967
O filme O Pagador de Promessas é proibido
e só voltará a ser liberado em 1972.
O Santo Inquérito é publicado na Polônia.
A
T
ORTUOSA
E
L
ONGA
N
OITE
D
E
E
MILIANO
P
OSADA
, inédito.
Conto
1968
Fevereiro, a classe teatral realiza passeatas e
manifestações de protesto contra a censura
no Rio e em São Paulo.
O
T
ÚNEL
Teatro
34
Realiza-se no Rio a passeata dos 100 mil.
13 de dezembro, o governo militar edita o
AI n
o
5.
O Congresso Nacional é fechado.
V
ARGAS
(Dr. Getúlio, sua vida e
sua glória), em parceria com
Ferreira Gullar
A
MOR
E
M
C
AMPO
M
INADO
(vamos soltar os demônios)
Teatro
1969
Em janeiro, A Invasão é proibida pela
censura até 1978.
É contratado pela TV Globo (Rio). Sob o
pseudônimo de Stela Calderón escreve a
novela A Ponte dos Suspiros e, depois com
o próprio nome Verão Vermelho.
A
P
ONTE
D
OS
S
USPIROS
Telenovela
V
ERÃO
V
ERMELHO
1970
O Brasil conquista o tricampeonato mundial
de futebol, no México.
A
SSIM
N
A
T
ERRA
C
OMO
N
O
C
ÉU
Telenovela
B
ANDEIRA
2
Telenovela
1971
Com a queda e dissolução do Comitê
Cultural, afasta-se do Partido Comunista.
U
M
G
RITO
N
O
E
SCURO
(O
Crime do Silêncio)
O Santo Inquérito
Teleteatro
Teleteatro
1972
A Editora Civilização Brasileira (Rio)
publica O Teatro de Dias Gomes, em 2
volumes.
8 de outubro, morre D. Alice, mãe de Dias
Gomes.
A censura federal proíbe O Pagador de
Promessas, na TV.
Recebe os seguintes Prêmios pela
telenovela Bandeira Dois:
- Prêmio Helena Silveira;
-Prêmio Manchete;
- Prêmio Melhor Auto, da Associação
Paulista de Críticos de Arte.
O
B
EM
A
MADO
Telenovela
Foto 54
1973
O Bem Amado é a 1
a
novela a cores da
televisão brasileira.
Recebe o Prêmio Melhor Novela, da
Associação Paulista de Críticos de Arte,
pelo O Bem Amado. O Pagador de
Promessas é encenado na Itália.
O
M
ARGINAL
Cinema
1974
- Recebe o Troféu Imprensa de Melhor
Novela pela obra O Espigão.
O
E
SPIGÃO
Telenovela
1975
A novela Roque Santeiro (TV Globo) com
51 capítulos escritos e 20 gravados, é
proibida pela Censura Federal.
Em outubro, o jornalista Vladimir Herzog é
assassinado numa cela do DOI-CODI, em
São Paulo.
S
ARAMANDAIA
Telenovela
1976
De setembro a dezembro, participa de um
seminário sobre sua obra teatral como autor
em residência na Penn State University
(Pennsylvania, EUA), onde também estréia
O Berço do Herói (que continuava proibida
no Brasil).
A Telenovela Saramandaia lhe fornece os
seguintes prêmios:
- Prêmio Melhor Novela, da Associação
Paulista de Críticos Teatrais e;
- Troféu Imprensa.
M
ISSA
P
ARA
O
S
D
ESAFINADOS
(peça inacabada)
Teatro
1977
Inicia a escrever o Rei de Ramos.
O Bem-Amado é a 1
a.
novela brasileira
A
S
P
RIMÍCIAS
Teatro
34
transmitida no exterior (Uruguai e, depois,
em toda a América Latina, seguindo-se os
EUA e a Europa).
No Brasil, inicia-se timidamente o
processo de abertura política.
O Santo Inquérito é encenado no Teatro
Anchieta (São Paulo).
Vamos Soltar os Demônios (Amor em
Campo minado), proibida no Brasil, tem sua
estréia mundial na Alemanha.
P
HALLUS
Teatro
O
R
EI
D
E
R
AMOS
Teatro
1978
Participa como membro do Conselho
Consultivo da revista Encontros com a
Civilização Brasileira, desde o seu
lançamento.
Recebe o Prêmio da Associação Paulista de
Críticos de Arte, pela telenovela Sinal de
Alerta
S
INAL
D
E
A
LERTA
Telenovela
C
ARGA
P
ESADA
O
S
ANTO
I
NQUÉRITO
Seriado
Teleteatro
1979
É decretada a anistia política no país.
Recebe pelo O Rei de Ramos, os seguintes
prêmio:
Prêmio Melhor Espetáculo, do TECO e
Prêmio 5 estrelas, da Cruzeiro do Sul.
C
AMPEÕES
D
O
M
UNDO
A
PLAUSO
Teatro
Teleteatro
1979/
1984
O
B
EM
A
MADO
Seriado
1980
Em decorrência da anistia, é reintegrado aos
quadros da Rádio Nacional.
H
ERÓICA
Teatro
S
UCUPIRA
,
A
ME
-
A
O
U
D
EIXE
-
A
O
DORICO NA
C
ABEÇA
Romance
1982
Amarga sozinho a doença de sua mulher
Janete Clair
U
M
T
IRO
N
O
C
ORAÇÃO
O
P
AGADOR DE
P
OMESSAS
Mini-série
Mini-série
1983
16 de novembro, Janete Clair falece no Rio
de Janeiro. Dias Gomes supervisiona a parte
final da novela Eu Prometo, de Janete Clair,
cujos capítulos restantes são escritos por
Glória Perez.
Recebeu o Prêmio MEC/ Troféu
Mambembe com “Vargas “.
O
DORICO
N
A
C
ABEÇA
Romance
1984 Prêmio Oduvaldo Vianna Filho – Melhor
Autor, com Vargas.
D
ERROCADA
E
XPRESO
B
RASIL
Romance
Seriado
R
OQUE
S
ANTEIRO
Telenovela
1985
Torna-se Chefe do Centro de Criação da
Rede Globo de Televisão. Casa-se com
Maria Bernadete. Em maio, é fundada na
TV Globo a “Casa de Criação Janete Clair”,
que Dias Gomes coordenou até 1987.
O
R
EI
D
O
R
IO
(adaptação de O
Rei de Ramos)
Cinema
1986
O
LHO
N
O
O
LHO
Teatro
M
ANDALA
Telenovela
O
B
OI
S
ANTO
(adaptação de A
Revolução dos Beatos)
Especial
A
T
ORTUOSA
E
L
ONGA
N
OITE
D
E
E
MILIANO
Conto
1987
E
XPRESSO
B
RASIL
Seriado
O
P
AGADOR
D
E
P
ROMESSAS
Mini-série
M
EU
R
EINO
P
OR
U
M
C
AVALO
Teatro
A
MOR
E
M
C
AMPO
M
INADO
,
direção de Pastor Vera, Cuba
Cinema
1988
O
B
OI
S
ANTO
Teleteatro
1990
Dias Gomes torna-se um Imortal
cccxxiii
A
RAPONGA
Telenovela
34
1992
A
S
N
OIVAS
D
E
C
OPACABANA
Mini-série
1994
A
D
ERROCADA
Romance
D
ECADÊNCIA
ou O Procurador de
Jesus Cristo
Romance
I
RMÃOS
C
ORAGEM
Adaptação da obra da sua 1
a
esposa - Janete Clair.
Telenovela
1995
D
ECADÊNCIA
Mini-série
1996
O
F
IM
D
O
M
UNDO
R
OQUE
S
ANTEIRO
O MUSICAL
-
Mini-série
Musical
1998
M
INHA
D
OCE
M
ERETRIZ
(I
NÉDITA
)
O
E
NGARRAFAÇO
(I
NÉDITA
)
D
ONA
F
LOR
E
S
EUS
D
OIS
M
ARIDOS
N
INGUÉM É DE
N
INGUÉM
(I
NÉDITA
)
V
ARGAS
A
S
L
OUCURAS DO
I
MPERADOR
(I
NÉDITA
)
A
L
ONGA
N
OITE DE
E
MILIANO
(I
NÉDITA
)
Teatro
Teatro
Mini-série
Mini-série
Mini-série
Mini-série
Teleteatro
2006
R
OQUE
S
ANTEIRO
(E
M
P
RODUÇÃO
)
O
P
AGADOR DE
P
ROMESSAS
Cinema
Ópera
2007
O
B
EM
A
MADO
(E
M
P
RODUÇÃO
)
O
B
EM
A
MADO
(D
IREÇÃO DE
E
NRIQUE
D
IAS
,
A
DAPTAÇÃO DE
G
UEL
A
RRAES E
C
LÁUDIO
P
AIVA
)
Cinema
Teatro
(Figura 55)
Quadro 04-Relação entre a vida e a obra de Dias Gomes
34
Fig. 52-Procópio Ferreira, como Odorico Paraguaçu
cccxxiv
Fig. 53-Rolando Boldrin, como Odorico
Paraguaçu
cccxxv
Fig. 54-Paulo Gracindo, como Odorico Paraguaçu
cccxxvi
Fig. 55-Marco Nanine, como Odorico Paraguaçu
cccxxvii
2.3 A
OBRA,
OS
TEMAS,
OS
FOCOS
“Que o Nelson Rodrigues não me ouça, mas eu sou o teatro brasileiro?!
Nunca disse isso!!!”
Dias Gomes
cccxxviii
O Teatro como reflexo da sociedade de uma determinada época apresenta a visão
do compromisso do artista com a realidade em que viveu. Pode-se afirmar que o dramaturgo
Dias Gomes foi um destacado escritor social, fiel como trabalhador da cultura de seu país,
convertendo sua obra em expressão da alma e da nacionalidade brasileiras. A sua dramaturgia
não tem um compromisso com a História, mas ela é o reflexo perfeito da História do Brasil
que ele tão bem viveu e escreveu. Dias Gomes soube colocar em cena as esperanças, as
frustrações, as alegrias, as dores, as injustiças, as humilhações dos brasileiros de seu tempo,
como uma memória coletiva da nação, capaz de rir de sua própria dor. Pode-se aplicar a ele,
em muitos de seus textos, a expressão latina formulada por Molière, ridendo castigat
mores, rindo se castigam – ou se criticam – os costumes.
Dias Gomes desenvolveu uma obra que se focava exclusivamente no homem,
principalmente no homem brasileiro, agente ativo da realidade nacional, seja ele apresentado
de forma metafórica ou não, inserido na contemporaneidade, disfarçado no passado,
34
mergulhado no tempo místico, mas seu tema principal é o homem, carregado de sua
antagônica humanidade, frágil e incrivelmente forte. A Dramaturgia de Dias Gomes
desenvolvida para o teatro, para a televisão, e para o cinema, em nenhum momento distancia-
se de seu engajamento social e político.
Toda arte é política, não existe arte apolítica. Mesmo ao pintar um mundo
romântico, cor-de-rosa, o dramaturgo está se omitindo com relação aos
problemas da sociedade e isso é um posicionamento. Todo teatro é político,
não existe autor político, isso é besteira.
cccxxix
O dramaturgo acreditava que o teatro o tem que concluir nada, não tem que
ensinar coisa alguma, deve é despertar consciências, fornecer elementos para uma reflexão e
uma tomada de posição verdadeira. Para ele, o Teatro não tem por obrigação resolver nada,
porque não cabe ao teatro produzir revolução, uma vez que ele não tem essa capacidade de
mudar as coisas
cccxxx
. Para Dias, o Teatro apenas deve despertar no espectador a necessidade
de mudança, mas essa mudança vai ocorrer fora dele, fora do teatro. Durante os anos 60, Dias
Gomes fez do teatro a sua trincheira e seu foco de resistência, mas acreditava que a
dramaturgia não tem função nem obrigação de dar solução, no palco, para os problemas que
nele são abordados, e afirmou:
Se o teatro não for eficiente como Arte, deixa de ser eficiente como Político.
Um dramaturgo tem que ser antes de tudo um dramaturgo e, então, colocar
sua técnica a serviço da política, do questionamento da realidade. Odorico
tem muito de Maluf, Antônio Carlos Magalhães, Figueiredo, Sarney,
Brizola, mas Odorico não é espelho de ninguém, todos têm um pouquinho de
Odorico, juntando todos acaba dando ele. A esquerda sempre teve de optar
pelo mal menor.
cccxxxi
A obra de Dias foi uma luta repetida pela liberdade de expressão, dessa forma, a
definição de suas temáticas reflete a busca da eficiência do teatro como Arte. Sua dramaturgia
testemunha o seu posicionamento em relação à vida, à sociedade, aos costumes, às tradições,
ao Brasil. Quanto à dramaturgia produzida para o rádio, apresenta características ímpares, ao
se levar em conta os temas desenvolvidos e as situações abordadas. Dias Gomes encontrou na
radiofonia uma plataforma segura para adquirir as condições para sobreviver, uma vez que,
nos idos dos anos 40 e 50, sua opção por viver daquilo que escrevia, não podia se concretizar
financeiramente apenas por meio da dramaturgia para teatro.
que se considerar, neste momento, o público para o qual o rádio se dirigia, os
interesses da produção, as regras das emissoras, portanto, o conteúdo das obras não poderia
34
ferir os objetivos das empresas mantenedoras, uma vez que a partir de março de 1932, através
do decreto Lei no 21.111. o governo regulamentou e liberou a irradiação da propaganda
comercial pelo rádio. Dessa forma, o rádio passa a ser um veículo de publicidade
economicamente rentável, porque a legislação oferecia soluções para o problema da
sobrevivência financeira das emissoras e garantia uma hora de programação diária, em todo o
território nacional para transmissão do programa oficial do governo. Independente dos
objetivos econômicos, mas apostando na preferência dos ouvintes e obedecendo à sua
costumeira rebeldia imprudente, desenvolveu, a partir de 1945, inúmeras adaptações de obras
da dramaturgia universal. Esse trabalho abrangeu desde o teatro renascentista de Shakespeare,
passando por Ibsen, Beckett e o teatro didático de Brecht. As adaptações passaram a ser
veiculadas pelo programa “Teatro em Casa”, inaugurado em 17 de julho de 1930, através dos
transmissores da Rádio Educadora Paulista, elaborado, primeiramente, no formato de
“sketches”. Logo depois, foi a Rádio Pan-americana que passou a transmitir o mesmo modelo
de programa, e em seguida a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. A Rádio Nacional, que
iniciou este tipo de programa em 6 de agosto de 1937, apresentou um novo formato, com a
irradiação de peças completas, semanalmente. O programa na Rádio Nacional, mais tarde,
passou a chamar-se “Grande Teatro”, para o qual Dias Gomes escreveu durante dez anos.
Essas releituras seguiam ortodoxamente as temáticas e os posicionamentos da obra original,
de acordo com o autor escolhido e o estilo de época a que ele pertencia. Esse trabalho
obrigava o dramaturgo a ler, toda semana no mínimo cinco textos diferentes, adaptar três, para
que um fosse escolhido pela produção para ser veiculado.
RÁDIO NACIONAL
PROGRAMA: “GRANDE TEATRO ORNIEX”
PEÇA: UM PEDIDO DE CASAMENTO
AUTOR: ANTON TCHEKHOV
ADAPTAÇÃO: DIAS GOMES
PATROCÍNIO: Cera e Removedor Orniex
DATA: 16/06/1957
HORÁRIO: 20:10
CONTROLE: Tema da Peça/ Música de Inspiração Russa, Alegre/
Caricata/ Emenda com carruagem que se aproxima e para...
NATALYA: (Afastada) Quem chegou, papai?
STEPAN: Creio que é o comprador de gêneros, minha filha. (Tempo) Por
quê? Esperas alguém?
NATALYA: Não, papai. (Tempo) Foi só para saber.
CONTRA REGRA: Sineta de porta.
NATALYA: Estou ocupada, Anoucha, vá abrir a porta para o comprador!
ANOUCHA: (Velha Criada, arrastando-se) vou, já vou. Nesta casa
quem faz tudo sou eu. (Vindo) A patroazinha, está diante do espelho a
ajeitar suas madeixas, enquanto eu, pobre velha, estou na cozinha a dar conta
34
do almoço. Se não tiver pronto na hora, sou eu que ouço as reclamações:
(Muda tom) Anoucha, você é uma moleirona, (Muda tom) Anoucha, estou
com fome, ande mais depressa...
CONTRA REGRA: Sineta novamente.
STEPAN: Basta, basta, Anoucha, o homenzinho deve estar
impaciente!
CONTRA REGRA: Porta abre.
ANOUCHA: Ah, não é o comprador coisa nenhuma!
LOMOV: Anoucha, como está passando?
ANOUCHA: Como Deus quer, senhor Lomov, como Deus quer.
LOMOV: Seu patrão está em casa?
ANOUCHA: Está, ali, na sala lendo. Pode entrar.
LOMOV: Com licença.
CONTRA REGRA:Passos/ Porta Fecha / Passos
ANOUCHA: Mas o senhor Lomov está muito elegante! Todo de fraque,
luvas brancas... vai a algum casamento?
LOMOV: (Sem jeito) Não... não é propriamente isso.(...)”
cccxxxii
Quanto às radionovelas, muitos escritores faziam uso de pseudônimos
cccxxxiii
, para
não serem mal vistos pelos literatos e intelectuais da época, porque a dramaturgia era
considerada como subliteratura, porque se sujeitava aos valores culturais e ideológicos do
público, que desejava histórias melodramáticas e alienadas da realidade. As radionovelas
desenvolviam-se sempre a partir de um modelo único, que seguia a mesma fórmula dos
folhetins do Período Romântico, quando eram publicados na imprensa, na forma de capítulos
diários ou semanais, aumentando de maneira extraordinária a tiragem dos periódicos. Os
leitores dos folhetins transformaram-se nos ouvintes das radionovelas, eles não escondiam seu
entusiasmo pelo desenvolvimento das histórias, seduzidos pela sucessão de acontecimentos
trepidantes, pelas emoções desenfreadas, pela linguagem acessível e pela ausência de
qualquer abstração intelectual, portanto, eram cartas marcadas, sucesso garantido. Todas as
criações obedeciam ao seguinte esquema:
HARMONIA DESARMONIA HARMONIA FINAL
F
ELICIDADE
C
ONFLITO
R
ESTABELECIMENTO DA
F
ELICIDADE
O
RDEM
S
OCIAL
D
ESORDEM
R
EORDENAÇÃO DEFINITIVA DA SOCIEDADE
,
COM O TRIUNFO DOS SEUS VALORES
C
RISE DA
S
OCIEDADE
Quadro 05-Estrutura dos folhetins
A partir dessa estrutura básica, tinha-se a presença do eterno, famoso e sempre
recorrente triângulo romântico-amoroso A ama B, B ama A, entre A e B existe C, que
impede, de todas as formas que A e B sejam felizes –, assim como os conflitos óbvios e
recorrentes vividos pelo protagonista, quase sempre com soluções idênticas:
34
1. a falta de dinheiro o pobre casa com a rica e vice-versa, movido apenas
pelo amor; ou um deles recebe grande herança de parente desconhecido.
2. a ausência de identidade aparecem amuletos, retratos, objetos ou sinais
corporais que provam o que se deseja provar, geralmente a origem nobre ou
burguesa de um plebeu.
3. a inexistência de testemunhos surgem personagens, muitas vezes vindos
das sombras, que ouvem conversações secretas ou recebem confissões
proibidas, e que então confirmam uma identidade perdida ou inculpam
alguém por um crime cometido.
Permeando a estrutura caminhava-se para o desdobramento das figuras clássicas
dos romances, a mocinha sofredora e apaixonada, o herói puro, apaixonado, fiel, digno e
sofredor, o vilão ou a vilã poderosos e terríveis, os casamentos por interesse, as calúnias, os
ciúmes incontroláveis, que nasciam em ambientes dos mais inusitados, desde as praias
desertas e paradisíacas, até as grandes metrópoles, onde o homem é apenas um número.
Como regra geral, no último capítulo, após intensos tormentos, maldade e
desolação, os obstáculos são removidos e o amor vence. Em várias radionovelas, contudo, a
ordem social era mais forte que a paixão e os amantes acabam destruídos pelas conveniências
e pelos preconceitos. De qualquer maneira, o final dessas obras tinha sempre um caráter
apoteótico e desmedido, seja na felicidade, seja na dor, mas muito mais na felicidade. Dias
Gomes, na Rádio Nacional, escreveu 16 radionovelas, entre elas, alguns títulos: “Divórcio”,
“A Sereia”, “Doce Perfídia”, “A Velha Casa”.
RÁDIO NACIONAL
PROGRAMA: Rádio Novela
TÍTULO: A VELHA CASA:
AUTOR: DIAS GOMES
PATROCÍNIO: Melhoral e Leite de Magnésia de Philips
DATA: (Sem Data)
HORÁRIO: (Sem Horário)
TÉCNICA: Prefixo
LOCUTORES: Apresentação.
TÉCNICA: Tema/ Auto que se aproxima e pára.
WARREN: Aí está a velha casa, senhor Kirshel.
KIRSHEL: Como está mal tratada.
WARREN: Há dez anos que está abandonada.
KIRSHEL: Mas apesar disso, ainda é uma bela casa. Sei do carinho com
que seu pai a construiu.
WARREN: Vamos descer. Vamos vê-la mais de perto.
SOM: Porta auto/ abre e fecha/ Passos/ Sobre Passos/ Passos
TÉCNICA: Música Misteriosa em BG
cccxxxiv
KIRSHEL: É pena que tudo isso tenha que ir abaixo.
34
WARREN: Foi essa a vontade de meu pai, expressa em testamento, o
senhor sabe.
KIRSHEL: Sim, sei, fui eu que o redigi. Se sua irmã não se decidisse a vir
morar aqui, a casa deveria ser demolida e o terreno entregue ao cemitério
municipal.
WARREN: O prazo para Lídia dar sinal de vida termina na próxima
semana.
KIRSHEL: Você a tem procurado?
WARREN: Com todos os meios de que disponho. Escrevi várias cartas e
não obtive resposta. Lídia foi para o colégio antes de completar dezesseis
anos e nunca mais voltou. Fez-se moça, casou-se e durante todo esse tempo
recebi dela uma carta em resposta, a que lhe escrevi antes comunicando a
morte de meu pai.
KIRSHEL: A culpa não foi dela. Vocês foram muito injustos com sua irmã.
WARREN: Não quis dizer que ela tenha tido culpa. Acho mesmo muito
justificado. Acho mesmo muito justo o seu procedimento. Seu menosprezo
pela família e pela casa onde sofreu tantas humilhações, tantas injustiças.
Mas é que agora, se ela não se decidir a voltar, teremos de cumprir a
determinação testamentária de meu pai.
KIRSHEL: Você tem ao menos um ponto de referência?
WARREN: Lídia viaja muito com o marido. Eu costumava remeter as cartas
para um banco em Constantinopla. Mas dessa vez, até mesmo os telegramas
que passei foram inúteis.
KIRSHEL: Mesmo que receba uma dessas cartas, não creio que Lídia
resolva vir morar aqui. Uma mulher acostumada aos hotéis mais luxuosos da
Europa, não irá morar numa casa abandonada, ao lado de um cemitério.
SOM: Vento / janelas que se batem / música permanece sempre
WARREN: Também sou da mesma opinião. Por isso o procurei hoje,
senhor Kirshel, para que andamento aos papéis, no sentido de ser a casa
entregue à municipalidade. A menos que minha irmã dê sinal de vida, nesses
cinco dias que faltam para expirar o prazo.
TÉCNICA: Corte / Música de corte. (...)
cccxxxv
Os temas e situações, desenvolvidos por Dias Gomes na dramaturgia teatral,
sempre provocaram e provocam polêmicas e desencadeiam, até hoje, crises de irritação nas
áreas mais conservadoras. Dias fazia parte de um grupo de “subversivos”, que subvertem sem
deixar que as pessoas saibam disso. Acreditava que o teatro deve elevar o espectador à
consciência da necessidade de transformação, mas não transformá-lo. Afirmava,
categoricamente que nunca fez teatro panfletário, que o teatro é e deve ser um instrumento de
pregação política, que pode e deve é abastecer e armar o público, para que ele possa descobrir
essa verdade que é exterior a ele.
Já o teatro é reflexivo, pede outra postura do espectador, desde que ele
decidiu ir ao teatro; você jantou, se vestiu, pegou o carro, lutou contra o
trânsito, batalhou por uma vaga, e enfrentou o perigo de ser assaltado, entrou
na fila, comprou uma entrada, sentou na sua poltrona, apagaram-se as luzes e
você concentrou a sua atenção no palco. Quer dizer, ao contrário da TV, no
teatro todo um ritual que cria condições para a reflexão. Enquanto isso a
gente assiste a TV até sem querer. (...) Eu não acho mais, como achei até o
34
início dos anos 60, na minha juventude que, com o teatro, pode-se fazer
revolução, mudar as coisas, transformar a sociedade. Hoje eu sei que o
Teatro não muda nada. Mas ele pode levar o espectador a consciência da
necessidade de mudar as coisas. A transformação vai se operar lá fora, mas a
sua necessidade pode ser veiculada pelo teatro. Também não cabe a ele ditar
fórmulas ou apontar caminhos. Isso foi um erro de uma determinada época
de muito sectarismo. A função do dramaturgo está em espelhar a sociedade,
ampliando seus erros para o espectador percebê-los com mais nitidez.
cccxxxvi
Toda a sua obra teatral é marcada pela crítica político-social e por um forte senso
de humor, mesmo que este esteja mascarado. As personagens são críticas, com características
atraentes. A linguagem surge da observação de Dias, que marca uma assinatura em sua
dramaturgia, porque ela é uma forma de caracterização de um extrato da população brasileira,
que apresenta esses traços. O que ele criou para o teatro foi sempre fruto da própria realidade
brasileira. “A censura proibia a própria realidade brasileira o que provocou uma
descaracterização do nosso teatro, eu não entro nessa..”
cccxxxvii
Em 1983, durante uma entrevista a Flávio Marinho, Dias Gomes avaliou o público
teatral daquele momento, caracterizando-o como muito mais desinformado do que os
freqüentadores dos anos 60. Para ele, aquela geração que na década de 80 estava na faixa dos
vinte anos, por exemplo, mal sabia quem foi Vargas, portanto, não poderia “ler”o que estava
escrito em “Vargas”
cccxxxviii
. Diante dessa situação, o dramaturgo passou a ter uma grande
preocupação com a informação, com o fornecimento de dados esclarecedores para que o
público pudesse entender os espetáculos. Afirmava que a ditadura militar tinha conseguido
um feito espetacular, alienar a juventude, emburrecer a intelectualidade e condicionar as
massas ao mal gosto e à ausência da crítica.
A dramaturgia teatral de Dias Gomes investigou e percorreu vários planos
institucionais, culturais, religiosos, políticos focados na opressão do homem do povo, onde
se localizam as ambientações dramáticas, havendo um objetivo claro voltado para as raízes
populares. Nesse universo desfilam uma galeria de personagens, que quando heróis, são
trágicos, populares, dígnos, irredutíveis quanto aos seus princípios, puros, verdadeiros,
intensos, mas muito distante de um idealismo romântico. O romantismo enquanto
subjetivismo, idealização, sentimentalismo, egocentrismo, não existe na obra de Dias. O que
é a manipulação pelo poder, a reforma agrária, o proletariado urbano, os favelados, os
desalojados por enchentes, o futebol, os sem teto, a violência urbana, o messianismo religioso,
com o duplo sentido de energizar e de escravizar o homem do povo, o banditismo como
resultado de exclusão social, a ignorância, o populismo, as ilusões dos intelectuais, os
preconceitos de todas as formas, o terrorismo, a repressão, a tortura, a transformação de
34
comportamentos, a liberação da mulher, as manifestações de impotência, a liberação sexual, a
contravenção, a corrupção, a escola de samba, a paixão, a política e a politicalha, a religião e
os religiosos. Numa dramaturgia que queria vencer um gigante invencível e eternamente
mutante, a realidade brasileira. Durante os vinte anos da ditadura militar, o Teatro de Dias
Gomes sofreu uma frontal oposição, através da interdição de obras, de cortes nos textos, da
censura de montagens, de perseguições ao homem e ao profissional. Foi exatamente por isso
que o tema do autoritarismo recebeu uma maior dedicação por parte do dramaturgo, que não
admitia a ausência da liberdade de expressão e a violação das consciências. Não se pode negar
que uma analogia entre a forma de “O Santo Inquérito” e os inquéritos realizados pelos
militares depois do golpe de 1964. Nesse texto, o inquérito sobre a firmeza e a fidelidade de
uma personagem em relação à Igreja, é feito para evitar a “propagação de doutrinas
revolucionárias” e “práticas subversivas”.
Muda a luz. Surge o Visitador no plano superior. O Padre e Branca
ficam no plano inferior. Entram também o Notário e quatro padres, que
se colocam nas laterais, enquanto o Guarda surge e permanece ao
fundo.
VISITADOR – Ajoelhe-se.
BRANCA – Ajoelhar-me diante de vós? Com ambos os joelhos?
VISITADOR – Sim, com ambos os joelhos.
BRANCA – Perdão, mas não posso fazer isso.
VISITADOR – Por que não?
BRANCA Porque ninguém deve ajoelhar-se diante de uma criatura
humana.
NOTÁRIO E essa agora! Perdeu a cabeça? Não que está diante do
visitador do Santo Ofício, representante do inquisidor-mor?
PADRE Um momento, senhores. Ela talvez tenha motivos que devemos
considerar (Dirige-se a Branca com brandura) Por que diz isso?
BRANCA Foi o que aprendi na doutrina cristã: somente diante de Deus
devemos nos ajoelhar com ambos os joelhos.
PADRE Na verdade, ela tem razão. Dos três cultos a latria, hiperdulia e
dulia deve-se dar somente a Deus o culto da latria, no que se compreende
ajoelhar com ambos os joelhos.
BRANCA – Sempre soube que era pecado!
VISITADOR Aqui se trata de um costume do Tribunal. O réu deve estar
de joelhos quando é examinado sobre a doutrina e também quando é lida a
sentença.
BRANCA Mas se foi nessa mesma doutrina que aprendi que não devo
ajoelhar-me...
VISITADOR(Impaciente) Bem, vamos abrir uma exceção. Pode ficar de
pé.
NOTÁRIO (Apresenta-lhe os Evangelhos) Jura sobre os Evangelhos
dizer toda a verdade?
BRANCA (Hesita) Toda a verdade? Como posso prometer dizer toda a
verdade, se nem sequer sei sobre que vão interrogar-me? Não tenho a
sabedoria dos padres jesuítas, sou uma pobre criatura ignorante.
34
NOTÁRIO (Tem um gesto de contrariedade) Mas tem que jurar. É
praxe.
BRANCA – Jurar o que não sei se vou poder cumprir:
NOTÁRIO – Se não jura, não tem valor o depoimento.
PADRE Branca, se exige que você diga a verdade que for do seu
conhecimento.
BRANCA – Bem, se é assim... (Coloca a mão sobre o livro)
NOTÁRIO – Jura?
BRANCA – Juro.
VISITADOR – Não se justifica, Branca, sua prevenção contra este Tribunal.
Nenhum de nós deseja a sua condenação, acredite. Ao contrário, o que
queremos é tentar ainda salvá-la, recuperá-la para a Igreja. Tudo faremos
para isso. E será sempre nesse sentido que orientaremos este inquérito, no
sentido da misericórdia.
BRANCA Misericórdia. Mas é um ato de misericórdia deixar uma pessoa
dias e dias encerrada numa cela sem luz e sem ar, sem ao menos lhe dizer
por que, de que a acusam?
(O Notário tem um gesto de contrariedade, enquanto o Padre Bernardo
acompanha as reações de Branca em crescente angústia.)
VISITADOR – Você conhece as obras de misericórdia?
BRANCA – Conheço.
VISITADOR – Recite em voz alta.
BRANCADar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede;
vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; visitar os enfermos e os
encarcerados; remir os cativos; enterrar os mortos; dar bom conselho;
ensinar os ignorantes; consolar os aflitos; perdoar as injúrias; sofrer com
paciência as fraquezas do próximo; rogar a Deus pelos vivos e defuntos.
VISITADOR – Você saltou uma: castigar os que erram.
BRANCA – É verdade. Desculpe-me.
VISITADOR Sim, Branca, castigar os que erram é uma obra de
misericórdia.
BRANCA E começam logo a castigar-me? Isto quer dizer que já me
consideram culpada antes de ouvir-me.
PADRE Você ainda não sofreu nenhum castigo, Branca: a prisão é uma
medida exigida pelo processo.
NOTÁRIO Essa medida foi tomada com base nas denúncias e provas que
temos contra ela.
BRANCA – Denúncias e provas? De quê?
VISITADOR – De heresia e prática de atos contra a moralidade. (...)
cccxxxix
Mesmo assim, ele fez uma leitura crítica e piedosa dos opositores da ditadura, que
em meio a profunda solidão queriam redimir um povo que não os respaldava, através do texto
“Campeões do Mundo”, onde uma das personagens resume de uma forma muito simples, o
que Dias Gomes quis fazer e fez. “Quero chegar na alma do povo. E começar daí. Descobrir o
mecanismo da paixão popular e usar esse mecanismo...”
cccxl
Nas obras publicadas e encenadas de Dias Gomes não existe nenhuma cujo tema
central seja o sexo, até mesmo em “Vamos Soltar nossos Demônios”, em que um casal
trancado entre quatro paredes, faz amor e discute, enquanto fora da alcova reina o terror dos
primeiros dias de abril de 1964. A observação e a análise da relação sexual dos dois, um casal
34
de intelectuais, faz surgir uma reflexão sobre a alienação, portanto, o foco, mais uma vez é a
crítica político-social. O dramaturgo nunca fez realismo fotográfico, sempre um toque de
absurdo, de fantástico, de poético.
Em 68 todas as luzes se apagaram. A minha geração, violentamente castrada,
enfrentou a estranha situação de a própria realidade ser considerada
subversiva pelos militares, pois ela era injusta, o governo sabia disso e a
proibiu nos palcos. Restaram duas opções: ou você se adaptava ao regime e
não questionava nada ou partia para um texto de metáforas, caminho que
alguns autores e eu encontramos para continuar resistindo e
denunciando.
cccxli
Dias Gomes optou pela linguagem figurada e produziu uma dramaturgia para a
televisão que lhe proporcionou a sobrevivência e lhe permitiu manter-se na resistência,
através da denúncia velada.
Dias Gomes é um autor que reconstruiu as imagens do cotidiano brasileiro
por angulações imprevistas e inquietantes. Sem abrir mão de tocar nas
feridas nacionais e ao mesmo tempo, desvelando as visões de mundo e as
experiências coletivas de modo afirmativo, Gomes fabricou janelas para uma
contemplação do Brasil, muitas vezes utilizando-se dos recursos estéticos do
realismo fantástico e isto aparece na epifania das imagens de diversas
telenovelas. (...) Gomes resgata elementos constitutivos da cultura popular
universal, e colocando-os em cena inverte a representação oficial do Brasil
militarizado. (...) O fantástico, o absurdo e o grotesco, através de angulações
tecnológicas e poéticas imprevistas, informam a imaginação estética dos
telespectadores, utilizando-se do recurso da inversão dos valores da
sociedade e da política. Desta maneira, Dias Gomes atuou como vetor de
libertação e autonomia da imaginação criativa numa época de sufoco. (...) O
resgate do realismo fantástico traduz um estilo de ficção cuja aparição,
renovou a linguagem da televisão nos anos 70. Num mundo às avessas, num
regime político fechado, a saída parecia ser estimular a imaginação pelo
exagero. Ou seja, colocando-se inteligentemente numa lógica exterior à
lógica do comando da racionalidade em jogo, a narrativa desmantelou a
hegemonia dos discursos oficiais e autorizados, trazendo à tona as formas de
oralidade e “dizibilidade” das culturas populares com toda a sua
efervescência e vitalidade. (...) No delirante universo do realismo fantástico,
quase tudo é metáfora e alegoria; porém, neste sentido, a recorrência ao
“teatro do absurdo” nos parece pertinente para interpretar o sentido da
telenovela “Saramandaia”. Ou seja, recupera um estilo dramatúrgico que
revela as idiossincrasias e contradições do real histórico; em Gomes como
nos autores do Teatro do Absurdo, a dimensão de incomunicabilidade dos
atores sociais imersos na ideologia da sociedade capitalista, industrial,
globalizada é exposta em seu contra-senso e em suas tendências regressivas.
Assim, podemos encontrar afinidades de estilo entre a obra de Dias Gomes e
as peças dos autores do “teatro do absurdo” (...) Dias Gomes é o mais
dionisíaco dos autores brasileiros porque sempre soube apreender os modos
de ser dos personagens da vida real, captando um tipo de sensibilidade que
surpreende pelo vigor, pela persistência, pela maneira afirmativa como
rearranja os seus meios de sobrevivência num ambiente minado pelas
34
adversidades. (...) Um olhar atento às relações entre ficção e política
brasileira encontra na linguagem de Dias Gomes, uma leitura derrisória da
lógica das dominações. (...)
cccxlii
Quando começou a trabalhar para a televisão, a dramaturgia não possuía uma
linguagem dramática específica, tratava-se de “um subproduto folhetinesco carregado de
preconceitos, moralidades falidas, posicionamentos românticos herdados da Europa
Latina”
cccxliii
. Ele, desde a adaptação do folhetim “A Ponte dos Suspiros”, feita no anonimato,
alternou o dramalhão com abordagens sobre assuntos políticos, em sociedades autocráticas,
enganando a censura com a ambientação espaço-temporal no século XVI, na Itália. Uma vez
tendo o domínio dessa nova linguagem, foi simples, para ele, mergulhar no universo que
dominava e sempre expressou em seus textos teatrais, o homem brasileiro:
Eu levei para a televisão a minha temática, o meu universo teatral, único
modo que tinha de me conservar fiel a mim mesmo, sem me deixar dominar
pelo monstro televisivo. Foi uma linguagem que tive que aprender levando
em conta que a televisão é um meio linear, superficial, efêmero. Quase todas
as novelas que fiz foram, basicamente, extraídas de minhas peças: O Bem-
Amado é uma peça teatral, Bandeira 2 foi tirada em parte de A Invasão,
Quando os Homens Criam Asas virou Saramandaia, Roque Santeiro é O
Berço do Herói. Mesmo o que escrevi diretamente para a TV nunca se
afastou do meu universo teatral. A televisão é um veículo que mostra uma
realidade da qual é produto, por isso não tenho preconceito algum em
trabalhar nela, aliás, se tivesse não teria ido. Mas se eu pudesse escolher
passaria a vida toda escrevendo para o teatro. Fui para a televisão num
momento em que todas as minhas peças estavam sendo proibidas e eu
precisava sobreviver economicamente. Por outro lado, dentro das minhas
convicções sociais, achei importante encarar essa platéia gigantesca. Toda a
minha geração sonhou com o teatro popular. A televisão me oferecia esse
meio de expressão popular. Fui para a rede Globo e me senti à vontade
porque, naquela época, nunca alguém mudou uma vírgula dos meus textos,
nem me disse o que escrever. Meus textos eram alterados pela censura
militar. Várias vezes a censura pediu a minha cabeça e a de outros autores
comunistas, mas a Globo não concordou. Apenas mais recentemente a
censura interna da emissora interferiu num texto meu, mudando diversas
coisas na nova versão, para a TV, que eu tinha feito de O Pagador de
Promessas.
cccxliv
O dramaturgo levou para milhares de brasileiros a cara e a História do Brasil. Pelas
telinhas desfilaram os problemas familiares com crise matrimonial, desquites, relacionamentos
conflitantes entre pais e filhos, discussões políticas a respeito da educação e da reforma
agrária, crise religiosa, rivalidade entre bicheiros, a difícil luta pela vida nas zonas populares
das metrópoles, os retirantes nordestinos, os políticos sem caráter com todos os seus defeitos
de malandragem, demagogia e corrupção, a vida do interior brasileiro, a urbanização selvagem
das grandes cidades, a luta de entidades ecológicas e humanitárias, capitalismo selvagem, a
mistura surrealista de lendas do folclore nacional à realidade do Brasil interiorano, a luta entre
34
as tentativas de inovação e o conservadorismo, a poluição pelas grandes indústrias,
misticismo, messianismo, os heróis forjados, as igrejas milionárias, perseguições religiosas,
decadência social, fatos políticos como a morte do presidente Tancredo Neves, a renúncia do
presidente Fernando Collor, “paranormalidade”, transgressões sociais mesmo que
metaforizados pelo eixo amor–dor –, ele produziu para televisão uma dramaturgia em que as
questões sociais brasileiras e o rompimentos de tabus estivessem em equilíbrio com a proposta
do amorosa sempre presente nas telenovelas.
Pensei em fazer novelas que espelhassem a nossa realidade e acabassem com
o maniqueísmo exagerado dos personagens da televisão, os heróis com todas
as virtudes e os maus com todos os defeitos. Procurei também introduzir
problemas reais do país como o preconceito racial, o conflito de gerações, o
fanatismo religioso, o poder de corrupção do dinheiro. Ao lado disso, fui
acrescentando um elemento pouco freqüente nas telenovelas até então: o
humor, o humor mesmo na tragédia, pois, como diz o poeta, ao lado de quem
chora, sempre alguém que ri. Além do público em geral, em algumas
novelas eu procurei conquistar também a juventude. Em “Assim na Terra
Como no Céu”, por exemplo, coloquei assuntos de interesse dos jovens tais
como a insegurança, a violência e a recusa em aceitar o mundo que está lhes
sendo legado. (...) A telenovela mostra gente que não sabe o que fazer com o
dinheiro que ganha e gente que não sabe o que fazer para ganhar dinheiro,
gente boa, gente não muito boa, gente má, gente não muito má, enfim, todo o
mundo e submundo da sociedade heterogênea na qual vivemos,
contraditória, louca, que constrói e destrói, onde o ter é muito mais
importante que o ser, onde Deus e o Diabo dão as mãos e dançam juntos.
cccxlv
Até os dias de hoje, a crítica especializada atribui a Dias Gomes o título de o mais
criativo dramaturgo televisivo, porém ele sempre deixava explícito, em seus depoimentos, que
nunca gostou e que pretendia não fazer mais televisão, porque ela se tornou um vampiro à
caça de sucesso e audiência a qualquer preço. Seus últimos trabalhos foram mini-seriados, que
lhe permitiam o imediatismo e uma maneira direta de abordar os temas brasileiros. “Uma
novela boa tem três capítulos: começo, meio e fim. Parei de escrevê-las porque é o caminho
mais curto para um enfarte. Assisti-las, então, nem pensar...”
cccxlvi
A dramaturgia cinematográfica de Dias Gomes sempre esteve atrelada às
adaptações de seus textos teatrais, sendo assim, as temáticas são reincidentes, porém, torna-se
necessário pontuar que a relação dele com o cinema, nunca foi a das mais amistosas, a não ser
“O Pagador de Promessas”, uma vez que ele não admitia a interferência na essência de suas
obras. Eu nunca suportei isso, o diretor injetar coisas, virar o texto de cabeça para baixo,
quando se vai assistir ... Puxa, não tem mais nada de meu.”
cccxlvii
34
O capítulo que se segue está centrado no estudo do rádio, a grande “escola” de Dias
Gomes, local onde o escritor “aprendeu” a importância e a utilidade das didascálias na
composição de sua dramaturgia.
CAPÍTULO 3 - DA ÃO À PALAVRA: A VOZ DE DIAS GOMES NAS ONDAS DO
RÁDIO
Este capítulo tem por objetivo apresentar a dramaturgia radiofônica, a importância
do rádio como veículo de comuniação para a sociedade brasileira e a relação estabelecida
entre Dias Gomes e o trabalho por ele desenvolvido, assim como a experiência adquirida, no
rádio.
3.1
A
DRAMATURGIA
RADIOFÔNICA
A admiração do radialista Ademar Casé
cccxlviii
por Roquete Pinto
cccxlix
e suas idéias
fez surgir uma atração que acabaria fazendo escola em todas as emissoras de rádio. Era o
Radioteatro, antepassado de um dos maiores fenômenos de comunicação no Brasil: a novela.
A idéia nasceu do ator Sadi Cabral e do radialista Ademar Casé. A primeira peça a
ser veiculada pelo Radioteatro foi “Os Miseráveis”, de Victor Hugo,
cccl
que por ser muito
grande e tornar a transmissão muito demorada em apenas um programa, os dois entenderam
que seria melhor dividi-la em capítulos de meia hora.
Na década de 40, do Século XX, a Rádio Nacional, que contava com o apoio do
Governo Federal, leia-se aqui o apoio do então presidente Getúlio Vargas, era o sinônimo de
rádio no Brasil. A Rádio Nacional conseguiu, após os difíceis anos da Segunda Grande
Guerra, passar para o país um clima de otimismo e esperança.
Atores, atrizes e dramaturgos eram endeusados. O Rio de Janeiro tornou-se uma
“Hollywood Tupiniquim”, a ponto de ser considerado um “sacrilégio”, um radiouvinte perder
qualquer capítulo de uma novela.
O Radioteatro é a semente da dramaturgia aplicada aos veículos eletrônicos. Assim,
pode-se afirmar que o Radioteatro foi o primeiro programa dramático a utilizar o teatro como
34
base construtiva e estrutural, uma vez que, em sua forma dialógica de narrar um episódio,
passou a utilizar as peças que eram lidas e interpretadas ao microfone, e veiculadas pelas
ondas do rádio.
Uma vez implantada a forma, nas emissoras de rádio, funcionavam grandes
departamentos de Radioteatro, onde eram produzidos esquetes, radionovelas, seriados e
teatros radiofonizados, em todas as modalidades, utilizando-se elementos de sonoplastia e
ruídos que compunham as técnicas básicas de radiodramatização.
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, inaugurada em 1936, foi líder de audiência,
durante as décadas de 1940 e 1950, e se constituía numa mania nacional. Pode-se afirmar que
era uma fábrica de ídolos, uma potente ferramenta política e uma das mais significativas
referências da história das comunicações no Brasil.
A Rádio Nacional era, e permanece até hoje, sediada na Praça Mauá, zona portuária
do Rio de Janeiro. Fazia transmissões em ondas curtas e, depois de algum tempo, passou a ter
sua programação transmitida para todo o país, tornando-se símbolo de integração e
fortalecimento da identidade brasileira.
A emissora contava, no seu apogeu, com nove diretores, 240 funcionários
administrativos, dez maestros, 33 locutores, 124 músicos, 55 radioatores, 39 radiatrizes, 52
cantores, 44 cantoras, 18 produtores, um fotógrafo, 13 informantes, cinco repórteres, 24
redatores e quatro secretários de redação, sendo esse o universo que Dias Gomes passou a
habitar.
O Radioteatro começou na Rádio Nacional três meses após a sua inauguração, com
a transmissão de diálogos humorísticos ou não, intercalando números musicais. Isso foi em
dezembro de 1936, mas em agosto de 1937 é que estreou o “Teatro em Casa”, com a
irradiação de peças completas. A novela em capítulos teve início dia 5 de junho de 1941, às
dez e meia da manhã, através da chamada histórica, por meio da voz de Aurélio Andrade:
“Senhoras e senhoritas... o famoso Creme Dental Colgate apresenta... o primeiro capítulo da
empolgante novela de Leandro Blanco, em adaptação de Gilberto Martins: Em Busca da
Felicidade.”
cccli
“Em Busca da Felicidade” durou três anos no ar, tratava-se de uma história cubana,
escrita por Leandro Blanco e adaptada para o rádio por Gilberto Martins. A radionovela foi
patrocinada pela “Standart Propaganda”, que escolheu o horário matinal para seu lançamento,
com o objetivo de captar os ouvintes, que o horário normalmente era de baixa audiência,
sem contar que a transmissão da radionovela acompanhava exatamente o momento em que as
34
senhoras, donas de casa, estariam envolvidas no preparo das refeições e outras atribuições
domésticas. O público alvo era exatamente essa facção, as mulheres em suas casas.
Os patrocinadores, para conquistarem as ouvintes, prometeram fotografias dos
artistas e um álbum com o resumo do enredo, para quem enviasse o pedido, acompanhado de
um rótulo do Creme Dental Colgate. No primeiro mês, chegaram 48.000 pedidos e os
patrocinadores tiveram que parar a promoção. A história é contada ainda hoje e marca o uso
de estratégias de marketing, não só no rádio, mas no país.
Fatos inusitados ocorreram durante a transmissão da novela, como: entre as
personagens figurava um médico, o Dr. Mendonça, que recebia dos ouvintes pedidos de
receitas e diagnósticos; à grávida e desprotegida Carlota os ouvintes chegaram a enviar
enxovais de bebê, alimentos e dinheiro; as atrizes que faziam o papel de vilãs se não se
cuidassem apanhavam na rua. Dado o volume da correspondência, o correio teve que adquirir
veículos especiais para transportar as cartas endereçadas aos atores e à produção. Uma
herança foi doada por uma fã ao galã de voz aveludada e um grupo de senhoras mandou rezar
missa pela morte de uma personagem.
A segunda radionovela
ccclii
a ir ao ar pela Rádio Nacional foi “O Direito de
Nascer”, em 1951. Tinha um roteiro baseado puramente no amor eternizado, romântico, que
transcendia a realidade dos relacionamentos. Com texto do escritor cubano, Félix Caignet, “El
Derecho de Nacer”, caiu no gosto popular e cativou a audiência de um público fiel, que
passou a prestigiar a maior febre já vista na era do rádio.
A novela mudou horários e compromissos dos brasileiros, que não queriam perder
nem um capítulo e se tornou um dos maiores sucessos radiofônicos de todos os tempos. O
ator Paulo Gracindo atuou no papel de Albertinho Limonta, galã e herói do dramalhão
intenso. Portanto, a glória radiofônica da história brasileira foi, sem dúvida, a radionovela “O
Direito de Nascer”. Portanto, o ano de 1951 fixou o marco da instalação da “mania nacional”,
o brasileiro passou a ser um aficionado em novelas, pelas ondas da Rádio Nacional, sempre às
três horas da tarde. Já com o público conquistado, num novo horário, as radionovelas, naquela
instância, abraçavam outras fatias da sociedade. O momento da veiculação era também o
momento dos lanches, de um número maior de pessoas nas residências.
Esta febre nacional, que mais tarde se eternizou na televisão, foi lançada no rádio
pelo escritor Menotti Del Picchia, na antiga Rádio São Paulo. O escritor, compositor e ator
Mário Lago foi responsável, na Rádio Nacional, pela adaptação de “uma série de histórias
emocionantes originais do escritor cubano Rodrigues Santos”, como eram anunciadas na
emissora. As radionovelas tinham o papel de entreter o público, eram pautadas em histórias,
34
muitas vezes absurdas e sem nenhum compromisso com a realidade, os atores que
compunham os elencos (Figura 56) eram reconhecidos e amados pelos ouvintes.
Figura 56-Paulo Gracindo, Floriano Faissal, Olga Nobre, Ísis de Oliveira e Elza Gomes: elenco da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro
cccliii
“O Direito de Nascer” (Figuras 57 e 58) é considerado, até hoje, o maior êxito no
gênero, uma vez que os níveis de audiência nunca oscilavam ou baixavam.
Fig. 57-Capa – O Direito de Nascer
cccliv
Fig. 58-Capa – O Direito de Nascer 2
ccclv
A professora aposentada Ecy Carvalho Vieira, de 81 anos, afirma que o rádio era
um veículo de extrema importância e muito valorizado, notícia sempre, até a imprensa escrita
valorizava esse filão, através das revistas especializadas, (Figuras 59, 60, 61, 62 e 63) numa
34
época em que não existia televisão. Os atores, segundo ela, tinham que ser muito bons, para
que passassem a história como verdadeira, como se tudo estivesse acontecendo naquela hora
realmente.
Nada se podia ver, tudo tinha que ser imaginado. Desde a moça grávida, à
cor da camisa dos atores, os vestidos das atrizes, os lugares onde a história se
desenvolvia em uma radionovela. Até a fisionomia das pessoas, dos artistas,
mudava, na nossa imaginação, quando uma novela acabava e elas iam fazer
outro papel. O interessante é que como os atores eram conhecidos por
fotografia, através das revistas e jornais, nós o relacionávamos o rosto do
ator com o das personagens.
ccclvi
Fig. 59-Capa – O Direito de Nascer 3
ccclvii
Figura 60-Revista do Rádio-Teatro n
o
41
ccclviii
Fig. 61-Artigo da Revista do Rádio: “O Direito de Nascer”
ccclix
Fig. 62-Encarte da Revista do
Rádio
ccclx
34
A senhora, que mora, desde que nasceu, no bairro de Madureira, no Rio de Janeiro,
acompanhava e acompanha as notícias pelo rádio e muitas vezes prefere ouvir a televisão do
que ver, pois não se sente presa à imagem e pode continuar a exercer suas atividades,
comportamento que adquiriu através da audiência do rádio, relembra Ecy.
Eu era muito menina, pelos meus 12 anos, e a
minha casa era privilegiada, porque nós tínhamos
rádio, um investimento, segundo meu pai, que
era policial federal e acreditava na importância
do rádio para o crescimento intelectual dos
filhos. “Interessante é que, naquela época, as
famílias que não tinham rádio se reuniam com as
que tinham, para ouvir as principais notícias do
dia e principalmente os programas de auditório.
Por exemplo, o Paulo Gracindo já era uma
pessoa famosa, quando a novela “O Direito de
Nascer” foi ao foi ao ar. Nessa época, eu estava
noiva, preparando meu enxoval, deixava para
fazer os bordados e as costuras de mão, na hora
da radionovela. O Paulo Gracindo era fabuloso,
nós nos emocionávamos muito, porque a voz, o
sentimento, as emoções eram muito verdadeiras e
depois, quando ele se apresentava no teatro,
provava que era mesmo bom. As gravações que
ele deixou na televisão, provam o que eu estou
dizendo. Enfim, eu gosto mesmo é de rádio.
ccclxi
Figura 63-Capa da Revista do Rádio
ccclxii
As novelas pelo rádio era um assunto novo, apaixonante e que despertava debates,
confirmações de pontos de vista e uma profunda satisfação nas donas-de-casa, que agora
tinham assuntos novos para os encontros com as amigas. Segundo Mauro Alencar, a
radionovela era um mundo novo que se descortinava, nos meados do Século passado. Por
exemplo, quando o Dr. Alberto Limonta salvou a vida do avô, que o repudiara e negara-lhe o
direito de viver, “as lágrimas das radiouvintes rolaram em abundância”.
ccclxiii
Um sentimento
unânime tomou conta da platéia que acompanhava o drama da novela e as exclamações
foram: “Céus, como o mundo é pequeno!”; “Isso é castigo, é castigo!”; “Quem poderia
imaginar que fosse salvo por quem ele queria morto?”; – “Meu Deus, que lição, estou
tremendo. Oh Deus!”
ccclxiv
O velho malvado foi salvo pelo neto que repudiara, e, aí, dominando a cena a
esperada lição de moral, que confortava e acalmava os corações! As lágrimas e comentários
34
pareciam não ter fim, porque a novela ainda ia longe. Foram anos de sofrimento, emoção,
suspense e, finalmente, a satisfação da vingança moral, característica dos folhetins
românticos, que agora entravam nas residências brasileiras por meio do rádio.
A radionovela passou a imprimir marcas fortes na construção e reprodução da
realidade brasileira, desde um simples modismo Mamãe Dolores, a negra que criou o Dr.
Alberto Limonta, usava um traje, descrito com detalhes, que virou moda, o vestido, cópia do
original, usado pelas senhoras até hoje, e as adaptações criadas na época para mulheres mais
jovens –, até comportamentos e valores. Nenhum coração de mãe, contemporâneo à novela,
era grande o bastante para acolher e acomodar Mamãe Dolores, sinônimo de grandeza e
bondade. Além do mais, a novela, “O Direito de Nascer”, que durou anos, era um ópio para os
desarranjos sociais, porque, “na hora esperada”, havia trégua em qualquer terreno: da luta ou
da disputa. Todos queriam ouvir a voz do Dr. Alberto Limonta, interpretado pelo ator Paulo
Gracindo, e saber da saúde do velho malvado, ou se Mamãe Dolores sofreria mais um
desgosto na vida.
O tema é clássico do melodrama radiofônico: uma mulher, dividida entre o
amor e o dinheiro, entre a honra e a felicidade, acaba punida com a morte. É
assassinada por seu noivo apaixonado, depois de revelado, através de uma
carta, seu amor secreto. O happy-end não era, forçosamente, obrigatório nas
novelas do período. Triunfava a justiça, nem sempre a felicidade. A estrutura
maniqueísta obedece a ótica do melodrama
ccclxv
: a luta entre o Bem e o Mal.
A moralidade exagerada e estereotipada termina com o público
compactuando, com lágrimas emocionadas, a derrota do vilão. O grande
autor de radionovelas cubanas,Felix Caignet (de O Direito de Nascer) já
dizia que as novelas eram para as mulheres chorarem e desafogarem suas
mágoas. Os scripts enunciavam um caráter moralizador e civilizador de
acordo com as tendências dramáticas daqueles anos 50. Muitas vezes
inverossímeis e superficiais, as tramas de composição melodramática
tendiam a um repertório comparável ao teatro feito por companhias
itinerantes do Século XIX. O velho dramalhão, cheio de tiros e punhais,
maldições fatídicas com o vício sempre castigado e a virtude sempre
triunfante. Apaziguava-se a maldição através do sofrimento e do
sacrifício.
ccclxvi
Na década de 40, as radionovelas “Em busca da Felicidade” e “O Direito de
Nascer”
ccclxvii
emocionavam o país. Pela emissora, passaram atores, que se tornaram imortais,
como Walter D`Ávila, Zezé Fonseca, Mário Lago, Ísis de Oliveira, Rodolfo Mayer, Floriano
Faissal, Yara Sales, Oduvaldo Viana, Lourdes Meyer, Paulo Gracindo, Saint Clair Lopes,
Henriqueta Brieba, Brandão Filho, entre outros. O rádio era a arte viva oferecida ao povo, e
viveu o seu melhor momento nesse período, que coincidiu com o surgimento de grandes
cantores e compositores e de toda uma geração de humoristas em programas que marcaram
34
época no Brasil. Os cantores mais respeitados da época se enfrentavam em concursos
disputados nos palcos e auditórios, durante os programas transmitidos ao vivo (Figura 64).
Figura 64-Transmissão da radionovela com os radioatores Aurélio de Andrade, Lúcia Helena, Celso Guimarães,
Saint Clair Lopes e Floriano Faissal
ccclxviii
Na Rádio Nacional, através de seu célebre prefixo PRK-30, surgiram programas de
auditório como o “Programa César de Alencar” e “Papel Carbono” que, entre outros méritos,
lançaram Os Cariocas, Ângela Maria, ris Monteiro, Baden Powell, Dolores Duran e Chico
Anísio. O compositor Ary Barroso comandou seu “Calouros em Desfile”, com seu gongo, que
era outro celeiro de novos artistas.
Nos dias de hoje, no Brasil, a Peça Radiofônica é um gênero de dramaturgia
abandonado pelo público, produtores de rádio e pelos escritores. Atualmente, todas as
possibilidades artísticas do meio estão reduzidas à execução de músicas, ou pouco mais que
isso, como a integração de quadros de humor, intercalando, como por exemplo, a
apresentação de música pop-rock, direcionados ao público jovem, o “Café com Bobagem”,
veiculado pela Rádio Educadora FM de Campinas, ou o humor “escrachado” do programa
“Pânico”, da Rádio Jovem Pan, com suas “gags”
ccclxix
desenvolvidas a partir dos atores, dos
convidados e dos ouvintes.
Na Europa, ao contrário do Brasil, todos os anos, uma expressiva quantidade de
peças para o rádio é produzida e tem grande audiência. O trabalho é realizado em equipe e
muita gente obtém sua sobrevivência através dessa atividade, que é muito bem remunerada.
34
Na Alemanha, por exemplo, é realizado um concurso anual, o mais cobiçado pelos
autores e atores de rádio da Europa, um “Oscar” da dramaturgia radiofônica, o “Prêmio dos
Cegos de Guerra”, criado após a Segunda Guerra Mundial, numa homenagem aos que
perderam a visão no conflito, e, em estímulo à produção das peças, o que prova a grande
tradição do rádio no país.
Na década de 30, Bertold Brecht, ainda um jovem autor, realizou diversos trabalhos
para o rádio, cantatas e peças, obras importantes da dramaturgia universal, musicadas pelo
compositor Kurt Weill.
Dentre as obras de Brecht escritas para o rádio, pode-se citar: “Ascensão e Queda
da Cidade de Mahagonny”; “O Julgamento de Lucullus”, um ataque frontal ao crescente
militarismo nazista; “O Vôo sobre o Oceano”, um épico sobre a primeira travessia aérea do
Atlântico realizada por Charles Lindbergh em 1927 e “A Ópera dos Três Vinténs”, que se
tornou um grande sucesso musical dos anos 20.
Brecht queria transformar o rádio, de um simples veículo de distribuição unilateral,
com receptores passivos, em um efetivo canal de comunicação, instrumento revolucionário,
em que todos os cidadãos tivessem acesso e fossem atuantes, objetivando as transformações
sociais. Ele considerava o rádio um invento que de um momento para o outro, passou a existir
na História do Mundo, isto é, não era o produto da evolução natural de uma técnica artística
ou de meio expressivo já existente. Era apenas uma espantosa invenção.
Assim sendo, segundo o dramaturgo, os homens mal souberam o que fazer com
“aquele telégrafo sem fioe, quando se desejou implantar o Rádio como um novo veículo de
comunicação, houve grande resistência por parte de algumas pessoas, acostumadas que
estavam com a forma escrita da palavra, pois acreditavam que o aparelho deturparia o sentido
do saber, dando fim aos jornais, livros e revistas. Outros, ao contrário, apostaram no poder
manipulador e dominador do invento; “Desejo vivamente que esta burguesia, além de ter
inventado o rádio, invente outra coisa: um invento que torne possível estabelecer de uma vez
por todas o que se pode transmitir pela rádio”.
ccclxx
Brecht viu mais longe, não se limitou apenas em ver em leis, regras, regulamentos e
manuais, o que o rádio conseguia, podia e devia transmitir, ele se preocupou, principalmente,
com a forma e conteúdo com que os responsáveis pela veiculação pelo rádio iriam comunicar
aos seus ouvintes. Dessa forma, em seu trabalho, “Sugestões aos diretores do rádio”, chamou
atenção para que “deveriam tentar fazer do Rádio uma coisa realmente democrática. (...)
deveriam aproximar-se mais dos acontecimentos reais com os aparelhos e não se limitar à
reprodução ou à informação”.
ccclxxi
34
Friedrich Dürrenmatt, considerado o maior escritor suíço de língua alemã do Século
XX, também era um dedicado autor de rádio. Sua produção radiofônica é pouco conhecida no
Brasil, apesar de ser um dos dramaturgos estrangeiros mais encenados, pode-se citar, entre
suas obras: “A Pane”; “Noite de Outono Avançada”; “O Processo Pela Sombra de um Burro”
e “O Empreendimento de Veja”.
Apesar da tradição do rádio na Alemanha, os Estados Unidos possuem o título da
Peça Radiofônica mais famosa de todos os tempos, “A Guerra dos Mundos”, uma ficção
científica dirigida por Orson Welles, adaptada da obra de H.G. Wells, onde os marcianos
desembarcavam numa fazenda em Nova Jersey e submetiam ao seu jugo toda a população
terráquea.
Para a veiculação de “A Guerra dos Mundos”, os elementos da dramaturgia
radiofônica foram usados e elaborados cuidadosamente, como efeitos sonoros apavorantes
entrecortados por silêncio, a voz atroadora de Welles, no papel do astrônomo e narrador, a
emissão intercalada entre o estúdio e o local onde ocorria a ação, a sobreposição de vozes com
a emoção das testemunhas, o descontrole da situação o roteiro adaptado por Howard Koch,
fizeram com que a transmissão, pela “Columbia Broadcasting”, numa noite de domingo de
1938, gerasse pânico coletivo na cidade de Nova York e em todo os Estados Unidos.
Seis minutos depois de entrarmos no ar, os painéis telefônicos das estações
de rádio do país inteiro piscavam como árvores de Natal... Fomos
percebendo, enquanto prosseguíamos com a destruição de Nova Jersey, que
o número de lunáticos existente no país tinha sido subestimado (...) Em
qualquer outro lugar do mundo teria sido preso, mas, por estar nos EUA, fui
contratado por Hollywood.
ccclxxii
Também foi nos Estados Unidos que a rádio comercial, pela primeira vez, produziu
histórias seriadas organizadas em “próximos capítulos”, as denominadas “soap-operas, assim
chamadas por causa dos patrocinadores. Não possuindo uma história principal, que fosse a
coluna vertebral da obra, a “soap-opera”
ccclxxiii
se constitui de um núcleo que se desenrola
indefinidamente, sem ter um fim. Um grupo de personagens, fixados em determinado lugar,
vivem diferentes dramas e ações diversificadas. Por isso, as “soap-operas” são bastante
longas, chegando até a permanecer no ar por mais de 20 anos.
Na França, um fato persistente em todos os países do mundo, o rádio censurou um
dos seus maiores poetas: Antonin Artaud. A direção da Radio France não conseguiu suportar
o contundente “Pra Dar um Fim no Juízo de Deus” e impediu a execução da peça radiofônica,
34
gravada, horas antes de estrear, no dia 2 de fevereiro de 1948, um mês antes da morte de
Artaud.
A Peça Radiofônica é uma síntese feita de sons, cuja história caminha entre a
literatura, a música e o teatro. Ela é formada de roteiro, elenco de atores, direção, trilha
sonora, engenharia de som, edição e estúdio. A dramaturgia para o rádio fornece ao escritor
um domínio precioso da técnica da dramaturgia, o que, por conseqüência, torna sua criação
muito mais rica e elaborada, quando transita por outras formas dramatúrgicas.
Segundo Nivaldo Ferraz, quando aborda a dramaturgia radiofônica, afirma:
A dramaturgia pelo rádio continua sendo como era antes um dos pontos
de referência do melhor uso do som na formulação de uma mensagem. A
razão dessa amplitude é simples: a novela e o teatro, pelo rádio, utilizam os
principais fatores que caracterizam o meio: voz, música e efeito, que
mesclados com arte, processam uma narrativa dramática que faz o ouvinte
criar em seu imaginário o cenário como bem lhe aprouver.
ccclxxiv
Os escritores de peças para o rádio, que logicamente serão oralizadas, têm a
consciência de que, durante a veiculação o que surgirá será algo totalmente distinto do que foi
elaborado pela escrita. A pesquisadora Júlia Lúcia de Oliveira A. da Silva, em seu trabalho
“Performance Radiofônica: A Plasticidade da Palavra Oralizada Mediatizada”, aborda a
temática da seguinte forma:
Até mesmo um texto que em princípio não é pensado em termos de
oralidade, ao ser vocalizado adquire materialidade e, portanto, identidade
diferente. (...) Para toda peça radiofônica, a intervenção da voz significa lhe
conferir existência, realidade sígnica, uma vez que ela dissolve tudo que é
material em voz descorporificada, o que constitui a sua essência e significa a
sua possibilidade artística. A voz faz presente a cena, as personagens e suas
intenções, a voz torna sensível o sentido da palavra, que é personalizada pela
cor, ritmo, fraseado, emoção, atmosfera e gesto vocal. O que se pretende
insinuar, aqui, é que o radioteatro tem enorme importância dentro da
produção radiofônica (...) exatamente como forma de arte e como forma de
produção e veiculação de conhecimento. (...) E, para alguns, a ausência
direta da imagem permite um exercício imaginativo ainda maior por parte do
público. (...) A formação de imagens auditivas é apontada pela maioria dos
autores como a principal característica do rádio. Para o escritor de peças
radiofônicas é fácil envolver o ouvinte em batalhas entre duendes e gigantes
(...).
ccclxxv
O surgimento da peça radiofônica proporcionou o desenvolvimento de uma nova
linguagem, surpreendente, rigorosa, capaz de um extraordinário vigor narrativo. Trata-se da
construção de uma obra direcionada ao som trabalhado enquanto material básico,
direcionando-se à construção de obras que instauram uma linguagem no mínimo diferente.
34
O dramaturgo de um texto radiofônico pode ousar mais com sua linguagem
literária. Para ele, o desafio de contar uma história é permanente, porque precisa fazê-lo para
que apenas o som transmiti-la, dentro dos limites da atuação das vozes, dos diálogos, do
conteúdo de efeitos sonoros, da composição da trilha musical, de forma a atingir uma emoção
peculiar, que só o meio sonoro é capaz de conseguir.
A linguagem da peça radiofônica vai além do naturalismo ou de um realismo
superficial, uma dramaturgia criada para a veiculação apenas sonora fez surgir uma nova
ordem de elementos que, com liberdade criadora, despreza a lógica dos textos destinados a
serem vistos ou lidos, organiza um novo universo, no qual palavra, som, ruído, silêncio e
mesmo a música propõem uma outra realidade, surpreendente e transformadora, porque a
peça radiofônica conta com técnicas narrativas específicas, sustentadas pelas didascálias. O
filósofo Rudolf Arnheim
ccclxxvi
observou essa capacidade do rádio quando escreveu que: A
obra radiofônica, apesar de seu caráter abstrato e oculto, é capaz de criar um mundo próprio
com o material sensível de que dispõe, atuando de maneira que não se necessite nenhum tipo
de complemento visual...”
ccclxxvii
Dias Gomes, como um dramaturgo de peças radiofônicas, passou a dominar a
linguagem do rádio, que só se efetiva através do conhecimento preciso sobre a interpretação e
o áudio, tendo sempre em mente que um ator ao entrar num estúdio para fazer uma peça
radiofônica, pode até se comportar como se estivesse no palco, expressando-se com gestos e
olhares, mas o escritor tem consciência que nada disso será visto, portanto, o texto escrito é
criado para que, através de um único sentido, a cena surja em toda a sua plenitude, sendo
apenas ouvida.
A partir da composição das peças radiofônicas, Dias cada vez mais aprimorava suas
didascálias. Esse treinamento deu-se, principalmente, através das adaptações dos grandes
clássicos. Cada vez mais as indicações apresentavam referências quanto à intensidade, ou
docilidade da voz, que precisavam ser transferidas para as interpretações; as paisagens e
ambientações que tinham de ser transmitidas sonoramente, todas as diversidades, intensidades
de emoções e sutilezas que podem ser proporcionados pelas imagens no teatro, foram
transformadas em didascálias para que sonoramente chegassem ao público, como pode-se
observar:
(...) CONTROLE: Passagem de expectativa/ Ligar música de narração/
Manter BG
GISLENE: No entanto, os dias se passaram e o escritor desaparecera do
restaurante. Quando eu começava a preocupar-me com sua ausência, certa
noite,/ Mudando o tom e a intensidade da voz/ ao sair com as coristas
pelos fundos do teatro, subitamente um vulto surgiu da sombra...
34
CONTROLE: Aumentar passagem de expectativa.
ANETE: (Longe) Boa Noite!
ESTÚDIO: Vozes femininas ao longe / Boa Noite! Boa Noite! /
Espaçadas, cada vez mais longe.
CONTRA REGRA: Passos femininos.
FRANÇOIS: (Vindo, Vindo sempre) Gislene!
CONTRA REGRA: Passos param.
GISLENE: (Emoção) Oh!François Le Brunent!
FRANÇOIS: (Nervoso, ansioso, falando baixo, oscilante) Gislene... eu
tenho vindo no teatro todas as noites... vejo sempre os mesmos números...
tenho lutado comigo mesmo para não procurar você, mas ... hoje... hoje ...
não resisti mais...
CONTROLE: Música tema da personagem. (...)
ccclxxviii
Segundo Klippert Werner,
ccclxxix
a característica essencial da peça radiofônica é sua
intensa força associativa, que surge de suas palavras e ruídos, quanto ao ruído, ele pode até
ser mais significativo para o ouvinte do que a palavra.
A palavra que a nós se dirige no mundo da nossa sala, desperta em nós
associações mais abrangentes do que a palavra lida ou a palavra no palco.
(...) quando for empregado de forma correta e parcimoniosa, não como
acompanhamento supérfluo da palavra, mas como key sound
ccclxxx
.
Dias Gomes, pela experiência que adquiriu através de seu trabalho, passou a
dominar, não a técnica da sonoplastia, como também a criação específica de uma
dramaturgia que se direcionava aos operadores de som da rádio, completando a atmosfera
cênica, por meio de uma direção precisa, apresentada pelo texto, que acarretava a
credibilidade do que o áudio sugeria. “O som faz presente o cenário, as personagens e suas
intenções; a voz torna sensível o sentido da palavra, que é personalizada pela cor, ritmo,
fraseado, emoção, atmosfera e gesto sonoro”.
ccclxxxi
O dramaturgo Bosco Brasil, integrado ao movimento de renovação da dramaturgia
brasileira dos anos 90, acredita que “Som é matéria, portanto, a sensação que se tem ao ouvir
uma peça é, antes de tudo, física, é uma vibração epidérmica, é uma sensação real que vai
além dos simulacros de uma mera representação fictícia”
ccclxxxii
. Pode-se, dessa forma,
compreender a relações dos ouvintes com as peças radiofônicas, nas quais eles se
incorporavam aos textos e deles participavam integralmente.
Há, portanto, que se ressaltar a importância da construção da cena contida nos
textos para a dramaturgia do rádio naquele momento, uma vez que o dramaturgo precisava
ultrapassar o limite imposto pelo uso exclusivo de um só sentido.
Dias Gomes, como ele mesmo se designava, era homem de teatro, portanto, tinha
clara consciência de que, no teatro, o ator atinge todos os sentidos do espectador, que capta a
34
cena de forma global. Pela sua presença física à representação, o espectador pode perceber as
imagens construídas pelo ator no espaço cênico, o espaço em si, as imagens que surgem a
cada novo momento. Porém, na representação no rádio, o dramaturgo sabia das limitações que
cercavam o intérprete, onde este tinha de lidar com a palavra, o silêncio, o tempo, as imagens,
assim, para que a experiência radiofônica acontecesse, Gomes tornou seu texto o porto seguro
para a criação do ator, pois, como afirma a pesquisadora Mirna Spritzer:
Ao atuar para ser ouvido, o ator tem como foco seu corpo tornado voz. Suas
possibilidades de, através da voz, provocar o imaginário de quem escuta. Ao
microfone o ator trabalha com a consciência de que fala em linha direta com
o outro, o ouvinte. (...) Aqui, o ator convida o ouvinte a mergulhar para
dentro de seu próprio mundo. Quem escuta, encontra, no outro que fala,
reflexos de si mesmo, pois, pela voz do ator, encontra o acervo de imagens
da memória, de um tempo-espaço subjetivo. (...) A voz do ator, aquele que
fala, enuncia um corpo. A imagem construída pelo ouvinte passa por este
corpo. o imagens pessoais, não padronizadas, que refletem a forma como
cada um, que ouve, as produz. No dio podemos falar em ações sonoras, ou
seja, colocar na voz a necessidade de ação do corpo. A voz age pela
intensidade, intenção e verdade ao dizer. A verdade do ator é a verdade da
ficção, em qualquer veículo. Apartada das possibilidades do visível, a
palavra assume a responsabilidade pela ação radiofônica. Acompanhado dos
efeitos e dos silêncios que constituem o ambiente sonoro do radiodrama, o
ator age nos meandros da sua imaginação para fazer vibrar a experiência
interna do ouvinte. Samuel Beckett, dramaturgo fundamental do Século XX,
escreveu várias peças diretamente para o rádio e acreditava que a radiofonia
valorizava aspectos fundamentais de seus temas como solidão, inquietação e
intolerância. (...) A ação na cena radiofônica se através do som e,
portanto, deve ter o ritmo da imagem mental que substitui o movimento
físico da ação. A cena teatral tem liberdade de ritmo, pois dispõe da ação
concreta.
ccclxxxiii
Dias Gomes, em entrevista cedida ao programa Globo Repórter, veiculada pela
Rede Globo de Televisão, em 16 de julho de 1988, afirmou que quando escrevia – seja para o
teatro, o rádio ou a televisão –, imaginava as cenas, via os lugares, sentia o cheiro das coisas e
ouvia a voz das personagens, com a voz dos atores, que para ele deviam interpretar os papéis,
“na verdade”, ele explicou: “eu era o primeiro espectador de um trabalho que dirigia dentro da
minha cabeça, e isso eu descobri, ou aprendi fazendo rádio”
ccclxxxiv
.
3.2
A
CENA
NO
IMAGINÁRIO
Dias Gomes, em sua criação dramática para o rádio, escreveu poucas obras para
radionovelas;
ccclxxxv
porém, torna-se necessário ressaltar a importância desse estilo em sua
obra, devido a relevância das indicações cênicas, que serviram de treinamento e sustentação
34
na criação das didascálias em todo o seu trabalho. Mesmo que ele não tenha se dedicado à
dramaturgia para radionovelas, mas sim para o radioteatro,
ccclxxxvi
o escritor passou a dominar
a técnica de sua construção, uma vez que a ensinava para novos escritores e, como diretor
artístico, cargo que exerceu durante anos, utilizava seus conhecimentos na condução do
elenco e da técnica, além de aprimorar o trabalho de alguns dramaturgos, com o objetivo de
lapidar as criações para a radionovela, e entre esses artistas vamos encontrar sua esposa, a
novelista Janete Clair.
A radionovela fazia o ouvinte imaginar situações e ambientes, desenvolvendo sua
capacidade de criar imagens, e, portanto, sem contar com o apoio visual, os atores
aprimoravam as interpretações, o trabalho respiratório, as modulações de voz, os estudos de
timbre, os sussurros, os risos e gargalhadas, o pranto contido ou compulsivo, a voz
substituindo todo o corpo, a voz, único meio de passar toda a emoção de uma “cena”, agindo
apenas sobre o sentido da audição e partindo das didascálias presentes no texto.
Ao escrever uma peça para o rádio, ele teria que saltar os limites do texto teatral e
criar, nos diálogos e nas didascálias, as indicações que suprissem a observação direta dos
atores, a visualização de cenários, figurinos e demais elementos de uma apresentação teatral
pelo público. Portanto, fazia parte do texto, como elemento vital as indicações que
compunham as didascálias.
Observe-se, assim, as didascálias de Dias Gomes, na dramaturgia de “A Pérola”, peça
radiofônica do programa “Grande Teatro Orniex”, veiculado em 1958 pela Rádio Nacional do
Rio de Janeiro.
NARRADOR Na aldeia de pescadores, às margens da Baía de La Paz, no
México, contam a história da grande pérola. A história de Kino, o pescador,
Juana, sua mulher e Coyotito, seu filhinho. É uma história onde o Bem e
o Mal e não meio termo. É uma parábola. Assim sendo, cada um deve
tirar dela uma significação para a própria vida.
NOTA Acompanhando a fala, barulho de mar batendo na rocha, com
intensidades variadas, chiado de calçados na areia, vento em folhas,
farfalhar de tecidos.
SONOPLASTIA Ao final da narração, a música sugere amanhecer,
canto de pássaros e ruídos de mar.
ccclxxxvii
Tal e qual a leitura de um texto dramático, onde o leitor usa apenas a visão, cada
cena da dramaturgia para o dio era peculiar a cada ouvinte. Cada um, da sua maneira, dava
rostos e figurinos às personagens, móveis e decorações às casas, criavam seus próprios
cenários, tendo como único estímulo criador a voz dos atores e a sonoplastia. Era a hora de
criar “cenas longe dos olhos”.
ccclxxxviii
34
A ficção utilizada pelo radioteatro e pela radionovela despertava a imaginação do
ouvinte, isto é, somar novas imagens às imagens memorizadas, fantasiar de acordo com o
repertório individual. A grande vantagem do imaginar, precedido pelo ouvir, é a de que cada
pessoa pode criar à vontade, porque cada um possui suas próprias fantasias, que são únicas e
impossíveis de serem transmitidas de uma pessoa para outra.
A magia do som está em recriar um ambiente longínquo e dele extrair uma emoção
agradável. Há diferença entre:
a) ouvir: simplesmente perceber o som;
b) escutar: atitude ativa;
c) prestar atenção: intencionalidade;
d) compreender: combinação entre escutar e prestar atenção para assimilar
(...).
O sentido da audição ocupa um lugar importante nesse processo, até porque
a pessoa, estando em vigília, ouve o tempo todo, ainda que
involuntariamente; (...) não há como “fechar” o ouvido, pois mesmo de
ouvidos tapados com as mãos a pessoa continua a escutar e assimilar.
ccclxxxix
Ao utilizar o gênero dramático, a radionovela fazia a mente humana transportar-se
no tempo e no espaço, transformando impulsos e imagens auditivas em imagens visuais. Uma
imagem auditiva não pode ser expressa com palavras, porque é impossível descrever com o
código verbal, oral ou escrito, os sons que o ouvido registra.
Assim, na radionovela, a ficção tinha que ser realista, para que o ouvinte não
tivesse dúvidas de sua verossimilhança, nem dificuldades em estabelecer conexões. A
“descrição de cenário” era feita pelos diálogos, ambientada pela sonoplastia, especificada pelo
contra-regra, eliminando tanto quanto possível o narrador; limitando sua entrada, quando era
absolutamente indispensável na narrativa.
Os diálogos simulam ser fidedignos ao quê as pessoas falam no ônibus, no
supermercado, ou na sala-de-estar de sua casa. As personagens no rádio não
dizem o que estão fazendo, mas também revelam seus pensamentos
íntimos pensando em voz alta, proferindo frases como quem escreve uma
carta.
cccxc
Além da informação visual, da personagem e do enredo, o diálogo deveria lembrar
sempre quem estava falando com quem; a toda hora, precisava citar o nome das personagens,
os interlocutores. O movimento e a distância tinham de ser indicados pelos diálogos e pela
técnica de produção da acústica. Criava-se sempre uma perspectiva na mente do ouvinte. A
passagem de uma cena para outra era feita pelas réplicas, pelos sons da natureza e até pelo
silêncio. As personagens falavam com naturalidade, alto e devagar.
34
Robert Mcleish afirma que a radionovela vai descrevendo um enredo que tem
continuidade no tempo e no espaço. De um capítulo para outro, era importante criar
expectativa no ouvinte, mas com todo o cuidado para que houvesse continuidade no
desenrolar da história, sem repetir o final do capítulo anterior e sem antecipar,
desnecessariamente, uma trama futura.
Usava-se, também, intencionalmente, recordar alguns episódios do capítulo
anterior, através do “flash back”, ou antecipar algumas “cenas” do capítulo seguinte, através
do “flash forward”. a continuidade, dos capítulos na radionovela, dependia do eixo
narrativo entre os vários núcleos narrativos. Era necessário manter a tensão, a emoção e a
expectativa, saciar a curiosidade do ouvinte e deixar espaço para a sua própria dedução.
No signo verbal, o significante, que é a palavra, assume significados diferentes, que
estão vinculados à entonação da voz, ou ao contexto em que está inserido. Sabe-se que o tom
da voz refere-se à altura de um som, isto é, à qualidade sonora da voz humana e a forma como
esse tom é captado ou emitido está diretamente ligado às vivências emocionais e sentimentais
de uma pessoa, portanto, na radionovela, a entonação da voz era um recurso causador de
emoções. Como também a oscilação entre a palavra pronunciada, declamada e cantada
mantinha o ritmo sentimental, (Figura 65).
Figura 65-Revista Santista Flama, com os atores Walter Forster, Rosália Ferraro e demais componentes do
elenco de “Cinco Dias de Felicidade”
cccxci
Existia uma fusão da ficção com a emoção, que deu alicerce à radionovela, um
elemento novo surgiu, sentir aquilo que não era vivido por ninguém, mas que poderia se
aplicar a qualquer pessoa. Acompanhar diariamente os capítulos de uma radionovela era estar
preso pelo desejo de desvendar segredos que seria possível acontecer nos próximos
capítulos, uma união perfeita entre a fantasia e a realidade (Figura 66).
34
Figura 66-Transmissão da Radionovela “O Homem Demônio”, com os atores Abimar Lopes, Hermes Lima e
Áurea Domingues
cccxcii
As radionovelas eram sucesso absoluto, as histórias que elas contavam eram
ouvidas por todo canto, alcançaram o índice de 80% de audiência. No Brasil, a novidade
chegou na cada de 40, a referida Época de Ouro, ou A Era do Rádio. As novelas
importadas aportaram, primeiramente, no Rio de Janeiro e São Paulo, enquanto Pernambuco
dava os seus primeiros passos na construção desse gênero, através da radiofonização
cccxciii
de
filmes, que caracterizavam, no entanto, a entrada do radioteatro
cccxciv
naquele estado.
No que diz respeito à técnica redacional, existe uma margem muito tênue entre o
radioteatro e a radionovela, que segundo Luiz Artur Ferraretto a diferença maior encontra-se
na duração e na forma de apresentação. Para ele, as peças radiofônicas podem ser de três
tipos. A Unitária, uma peça radiofônica cujo enredo esgota-se em um único programa. A
Seriada, um tipo de dramatização radiofônica periódica em que, embora as personagens
principais sejam os mesmos de um programa para outro, a história tem início, meio e fim em
cada edição. A Novelada, aquela cujo enredo desenvolve-se ao longo de vários capítulos em
uma narrativa, portanto, encadeada. Cada edição da dramatização novelada contribui com
uma parte da trama que pode se desenrolar por vários meses.
cccxcv
No Brasil, o radioteatro era apresentado em um dia, enquanto a radionovela levava
meses, anos. Não se leva, nesse momento, em consideração o conteúdo, porque neste aspecto
as diferenças são imensas.
Segundo a jornalista e radialista Eveline Alves, da Universidade Federal de
Pernambuco, pode-se até dizer que todos os programas não jornalísticos, como os de
auditório, humorísticos, adaptações de filmes ou contos literários faziam parte do radioteatro.
34
As novelas também estavam incluídas nesse bojo. Enfim, tudo o que precisasse de
interpretação pertencia a esse departamento, inclusive os “reclames”
cccxcvi
, como se observa
nos segmentos a seguir:
Extracto de Tomate marca Peixe, a solução da mulher moderna e inteligente.
Veja como é fácil e rápido preparar um delicioso Molho para Macarrão:
Numa panella pequena, ponha-se duas colheres de sopa de Extracto de
Tomate marca “Peixe” e uma dita de manteiga; junte-se meia xícara d’água
quente; depois mexe-se e leva-se ao fogo, quando ferver derrame-se este
molho sobre o macarrão, pulverizando-se com queijo parmezão. Você não
imagina o quão felizes ficarão seus familiares. Extracto de Tomate marca
Peixe.
cccxcvii
1 - Suave, macio, espumoso, o sabonete que melhor defende a beleza de sua
cútis. Sabonete Lever, o sabonete que convém à sua pelle.
2 - Com guarda-chuva Ferretti, pode chover canivete.
3 - Se a chuva lhe foi traiçoeira e lhe pegou na volta ao lar, e tudo que lhe
restou foi muita febre e dores por todo o corpo, não fique mais preso aos
lençóis, use INSTANTINA, que corta os resfriados pela raiz. Num instante
vae-se o mal. INSTANTINA, lembre-se, INSTANTINA, se é BAYER é
bom.
cccxcviii
Do grande conjunto que constituía o radioteatro, a radionovela era um elemento a
mais, porém, um elemento que se destacou mais que os demais, por conta da sua
dramaticidade e seu continuísmo, ou seja, como a história seqüenciada, levada ao ar
diariamente, durante alguns meses, trazendo em seu conteúdo o que agradava seu público: o
romantismo e seus heróis, conquistando essa fiel população.
A chegada da radionovela no Brasil deu-se de uma forma no mínimo curiosa, nada
foi planejado, muito pelo contrário. Foi algo que surgiu naturalmente, com a evolução do
rádio e a demanda do público. Porém, antigos radioatores
cccxcix
e alguns pesquisadores não
concordam entre si, e defendem pontos de vista diferentes. Alguns dizem que o produto foi
importado diretamente do México e de Cuba, outros defendem que o movimento começou
com a transmissão de peças teatrais e concertos, passando-se depois para as adaptações,
que, nem sempre, essas transmissões eram compreendidas sem as imagens. Foi exatamente
nesse trabalho de adaptação de peças teatrais, que Dias Gomes firmou-se no rádio.
E se alguém, por exemplo, me disser que o Dias Gomes escrevia dramalhões
no rádio leva um tiro. Na mesma época que eu fazia o teatro da Rádio
Nacional, sem os dramalhões e os heróis fantásticos, a minha mulher, a
Janete Clair, e outros, como o Gui Arone, o Raimundo Lopes faziam
radionovela, onde havia espaço para todo o sonho que se quisesse sonhar.
Mas o que muitos puristas não querem engolir é que nós não fazíamos
literatura, mas fazíamos era um rádio de muito gabarito.
cd
34
As transmissões dos concertos e a teatralização de histórias curtas ganharam mais
fôlego com a chegada da idéia de se transmitir uma história seqüenciada de maior duração.
Nesse mesmo tempo, chegavam, de outros países latinos, os “scripts das novelas
estrangeiras. Isso ajuda a confirmar que a estrutura dos folhetins veio de uma evolução não
planejada.
Não se pode afastar do fato real e comprovado de que as primeiras novelas de longa
duração radiofonizadas no Brasil foram a mexicana “Em Busca da Felicidade” e a cubana “O
Direito de Nascer”, veiculadas pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, “A Predestinada”, que
em 1941, foi transmitida pela Rádio São Paulo, e “Sinhá Moça” pela Rádio Clube de
Pernambuco. Em 1947, a Rádio São Paulo colocou no ar a primeira novela genuinamente
brasileira, “Fatalidade”, da autoria de Oduvaldo Viana.
cdi
Os textos de radionovelas que vinham do exterior eram traduzidos e distribuídos no
Brasil para serem interpretados por atores brasileiros. Como o público alvo eram as donas de
casa, que na primeira metade do Século passado, em sua maioria era composta por mulheres
sem qualificação profissional específica e cuja escolarização não passava dos primeiros anos
do ensino fundamental.
As histórias exageravam no drama, sem deixar de lado a religião e o “romance água
com açúcar”, os preceitos da moral e dos bons costumes, que tanto agradavam àquelas
ouvintes. Quando os autores brasileiros começaram a produzir, esses temas diversificaram um
pouco, dando-se maior ênfase ao regionalismo, chegando-se até localizações específicas de
determinados lugares do Brasil, tanto das capitais, como do interior. Por exemplo, em
Pernambuco eram comuns as radionovelas ambientadas no sertão e na seca, com personagens
ligadas ao cultivo da cana de açúcar, ao cangaço e aos retirantes.
Apesar de haver uma maior diversidade de temas nas novelas de rádio
genuinamente brasileiras, que abrangiam várias facetas das relações pessoais e sociais, os
autores nacionais continuaram a insistir na antiga fórmula: o melodrama
cdii
. Pode-se citar
como uma das radionovelas que marcou o estilo dramalhão o texto “Madalena”, da autoria de
Mário Lago, apresentada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Como basicamente era direcionadas às mulheres, a temática das novelas girava, na
maioria das vezes, sobre histórias dramáticas, tendência que mudou um pouco com o início da
produção regional brasileira. Conhecido também como Rádio de Lágrimas”, esse tipo de
novela sempre fazia sucesso, atingindo o grande público feminino de todas as idades.
Entretanto, outros estilos também atraíam o público em geral, como os que
adaptavam grandes romances da literatura, técnica dominada por Dias Gomes. Assim, foram
34
radiofonizados muitos clássicos, como Alexandre Dumas, Emily Brontë, Machado de Assis,
José de Alencar, Monteiro Lobato, entre outros. Assim como as adaptações dos textos teatrais,
desenvolvidas por Dias, como “O Processo de Mary Dugan” e “A Morte Civil”, de 1956; “O
Retrato de Jenny”, de 1957.
O modelo de composição de uma radionovela pode parecer simples, para quem o
analise como a elaboração de uma história fictícia, que é transformada em peça radiofônica,
para ser produzida associada a uma tecnologia acústica, num tom dramático e veiculá-la
através do rádio, em capítulos seriados, para um determinado público-alvo, o que seria
minimizar uma composição repleta de configurações específicas e que demanda perícia do
dramaturgo.
Múltiplos foram os modelos desenvolvidos através do Radioteatro brasileiro, dentre
eles pode-se citar: o modelo histórico, que retratavam episódios da História do Brasil; o
modelo regional, que apresentavam e situavam o homem do interior; os modelos de aventura,
dirigidas ao público infanto-juvenil; o modelo religioso, que compunham o horário dedicado
às histórias bíblicas, como a vida dos santos e contos de milagres; o modelo policial, cuja
trama girava em torno de um crime aparentemente sem solução, onde os protagonistas se
dedicavam a desvendá-lo; o modelo picaresco, instalado em situações cômicas com caráter de
sátira e crítica.
As novelas de cunho religioso faziam muito sucesso. Exibidas sempre às 18:00,
logo após a execução da “Ave Maria”, esses folhetins atraíam um público diversificado,
porém composto, em sua maioria, por adeptos do catolicismo, do espiritismo kardecista e das
religiões de origem africana e indígena.
Segundo os arquivos da Radiobrás, no Brasil, o criador desse gênero foi Ancelmo
Domingos, um discípulo de Dias Gomes, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com a série
“A Vida dos Santos”. Os arquivos da Rádio Nacional assinalam, que durante a criação da
radionovela que abordou a vida de São Sebastião, santo padroeiro da cidade do Rio de
Janeiro, Dias trabalhou em conjunto com Domingos para que houvesse uma forma mais
aprimorada na produção deste trabalho, para que seu epílogo fosse ao ar no dia 20 de janeiro,
feriado municipal e dia dedicado ao santo, alcançando um índice de ouvintes muito maior do
que os outros, sendo inclusive anunciado durante a Procissão Tradicional de São Sebastião,
que todos os anos partia da Igreja dos Capuchinhos, na Tijuca, até a Catedral Metropolitana,
na Rua 1º de Março.
Não eram as novelas lacrimosas e românticas que faziam sucesso no rádio em
seu tempo de glória. Saídos do mundo da “pulp fiction”,
cdiii
os seriados de aventura vieram
34
ocupar espaço na dramaturgia do rádio e, nesse meio, homens poderosos e destemidos
enfrentaram e venceram tudo de errado que havia. “O Sombra” foi um desses heróis, criado
pelo escritor Walter Brow Gibson, era dotado de poderes sobrenaturais adquiridos no
Oriente. Ele conseguia simular invisibilidade e essa era uma característica muito radiofônica,
infiltrando-se nos esconderijos dos bandidos. O Sombra, nos Estados unidos recebeu a voz de
Orson Welles, e, em São Paulo, o radialista Octávio Gabus Mendes o interpretou. O programa
começava advertindo em tom sombrio: “Quem sabe o mal que se esconde nos corações
humanos? O Sombra sabe...”
cdiv
. “O Anjo”, em 1948, foi criado por Álvaro Aguiar. A
personagem era um milionário que desvendava crimes em episódios de 10
minutos. Interpretado pelo próprio autor, esta peça policial ficou no ar durante 19 anos. O
seriado de aventura pioneiro, produzido pelo rádio brasileiro, foi “O Vingador”, que seguia o
modelo norte-americano, um cowboy de máscara junto com o companheiro índio, o
Calunga. Durante uma gravação desse programa pela Agência Standard, cujo estúdio ficava
na rua Senador Feijó, centro de São Paulo, a cidade viveu uma madrugada de grande tensão e
confusão. Segundo o depoimento do sonoplasta José Scatena, envolvido no incidente, o
acontecido foi teatral:
A equipe gravava também de noite, sempre atrasados com o grande volume de
trabalho e fazia calor, por isso deixaram a janela aberta. A cena que estava
sendo interpretada, era a mocinha, amarrada num tronco de árvore, e que ia
sendo serrada ao meio, porque tinha sido presa pelo vilão. Completamente
apavorada e horrorizada, a atriz berrava por socorro com toda a força dos
pulmões. O vilão dava gargalhadas diabólicas e um cachorro, imitação perfeita
de um dos locutores, uivava desesperadamente. Toda essa barulheira às três
horas da madrugada, numa cidade silenciosa como era a São Paulo de 1941.
Todos empolgados com a gravação, não se dão conta que embaixo uma
multidão de gente tenta arrombar as portas do prédio. Nas janelas dos outros
prédios, toda a vizinhança saiu aturdida, tentando entender o que está
acontecendo. A polícia é chamada às pressas e age rápido (...). E os homens de
pijama e mulheres de “bobsna cabeça entenderam que aquilo era radioteatro,
que ninguém corria perigo.
cdv
Entre os anos de 1947 e 1958, o programa radiofônico “Incrível! Fantástico!
Extraordinário!”, transmitido pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, empolgou milhões de
ouvintes, com histórias inexplicáveis e estranhas, casos de terror e assombração, enviados
pelos ouvintes de todo o Brasil, com a narração vibrante de Almirante, cognome do radioator
Henrique Foreis Domingues. A aceitação das peças compostas para o programa foi tão
grande, que depois foram reunidas em livro, campeão de vendas.
34
Durante a veiculação de uma radionovela, a fantasia pertencia mais ao radiouvinte
do que ao produtor. Crianças, jovens, adultos e cidadãos da terceira idade, todos gostavam de
ouvir as histórias.
(...) Ouvir uma história era transportar-se no tempo e no espaço para uma
outra realidade, a realidade imaginária. A dramatização ativa algumas
faculdades mentais: emoção, sentimento, expectativa, curiosidade... Um bom
filme, um bom teatro, um bom episódio de novela ou radionovela, se bem
dramatizados, geram emoções inesquecíveis(...):
cdvi
As crianças também cultivavam o hábito de ouvir radionovelas. Em 1956, numa
pesquisa feita pelo IBOPE, sob encomenda do produto Toddy, concluiu-se que, em 1956,
cerca de 78% das crianças e adolescentes, entre 8 e 15 anos, possuindo ou não aparelhos em
casa, tinham o hábito de ouvir programas de rádio. Como não havia uma programação
específica para o público infantil, as crianças ouviam a mesma programação dos adultos, além
de que, estando em casa, junto às donas de casa, a radionovela era, sem dúvida a preferência
deles.
Vários são os depoimentos que confirmam a importância do radioteatro na vida das
crianças ouvintes. Para ilustrar-se esse ponto, observe-se o acontecimento que se segue: O
dramaturgo teatral e radiofônico, Mário Brassini, aos doze anos de idade, quando partiu de
Ponta Grossa, no Paraná, para uma visitar uma tia em São Paulo, realizou o que era o seu
grande desejo de menino, visitar a Rádio Cultura e o programa Nhô Totico.
cdvii
O menino Mário, que, como muitos outros da época, passava quase todas as horas de folga,
grudado a um aparelho de rádio de ondas longas e curtas, sentiu, diante do encontro que não
parecia ser verdade ter a oportunidade de ouvir Nhô Totico e, ao mesmo tempo, vê-lo cara a
cara, foi um acontecimento único, por ele relatado:
(...) Pela primeira vez eu deixava de ser apenas um ouvinte solitário, podia
rir e ouvir as risadas de outras pessoas, como se todo mundo estivesse numa
festa, e, ainda mais, desvendar o mistério da transmissão radiofônica. (...)
Minha admiração por Nhô Totico cresceu ainda mais a partir daquele dia, em
que, desconfio, fui contagiado pelo “micróbio do rádio”: alguns anos depois,
inconformado com o papel de simples ouvinte, só me dei por satisfeito
quando consegui um lugar na emissora da minha cidade. (...)
cdviii
Em 1918, com o fim da 1
a
Guerra Mundial, a indústria americana Westinghouse
ficou com um grande estoque de aparelhos de rádio fabricados para as tropas na guerra, foi o
primeiro passo para que se proporcionasse o acesso aos aparelhos pela população civil de todo
o mundo, porém era um espaço aberto apenas às classes privilegiadas.
34
Nos primeiros anos, o alcance do rádio era pequeno, pois o preço dos aparelhos
receptores era alto, tornando-os inacessíveis a grande parte da população, além de que, cada
proprietário tinha uma licença do governo emitida pelos cadastros da Polícia Federal, após
uma análise do cidadão. Porém, no Brasil, no início da década de 1930, a situação havia
mudado, o rádio se tornou um veículo mais popular. Em São Paulo, estado que oferecia os
maiores salários do país, um aparelho de rádio custava em torno de Rs 80$000 (oitenta mil
réis) e o salário médio de uma família de trabalhadores era de Rs 500$000 (quinhentos mil
réis) por mês. Como foi colocado anteriormente, através do Decreto Lei 21.111, em
março de 1932, o governo regulamentou e liberou a irradiação da propaganda comercial pelo
rádio, reiterando que considerava a radiodifusão como um setor de interesse nacional com de
finalidades educacionais.
cdix
A partir do final da década de 1930, a venda de aparelhos radiofônicos era uma
realidade nas grandes cidades brasileiras e os jornais publicavam a programação das estações
retransmissoras, como por exemplo, a Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro que tinha sua
programação, a exemplo da BBC de Londres em língua portuguesa e a PRA-8, divulgada
com regularidade pelo jornal “A República” na época. O rádio, portanto, fazia parte do
cotidiano da população. Como afirma o sociólogo Orlando Miranda, ao captar de maneira
precisa este momento de consolidação da comunicação de massa entre nós: “O impacto do
rádio sobre a sociedade brasileira a partir de meados da década de 30 foi muito mais profundo
do que a televisão viria a produzir trinta anos depois”.
cdx
Tornando-se um produto acessível, o rádio, na década de 40, popularizou-se e
assumiu um caráter de entretenimento, o que se constituiu no primeiro passo para a
consolidação das radionovelas. Para se ter uma idéia do sucesso alcançado, entre os anos de
1943 a 1945, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro transmitiu 116 novelas, assim como os
horários de veiculação se multiplicaram. Havendo apresentações às 10:00, às 15:00 e às
18:00, confirmando a aceitação do povo à nova aposta na época –, da programação das
rádios. O público não estabelecia limites entre a vida real e a ficção das radionovelas, uma vez
que os dramas eram ouvidos em suas casas, o que traz à História da Radionovela, casos
interessantes, como o que se segue:
E as radionovelas faziam sucesso nos anos 40, várias delas eram
apresentadas diariamente na programação da Nacional. Numa delas, a
heroína ficava grávida e deveria dar à luz em condições precárias, conforme
o roteiro. Ao escutar o drama, um grupo de senhoras, penalizadas com a
situação, confeccionou, preparou e remeteu à emissora um enxoval completo
para o bebê que ia nascer.
cdxi
34
Tanto sucesso fez crescer a demanda da produção de radionovelas. Não se podia
mais esperar a tradução dos textos oriundos de Cuba e do México, esta medida não era mais o
suficiente, portanto, de imediato, tornou-se preciso iniciar uma produção brasileira. Esta
necessidade fez surgir um grande número de novos escritores, assim como outros que
trabalhavam em estilos literários diversos e passaram a se especializar em radionovelas. Entre
eles, nomes como: Maria Aparecida Menezes, Otávio Augusto Vampré, Hélio do Soveiral,
Samuel Wainer, Santusi, Cardoso e Silva, Ivani Ribeiro, Amaral Gurgel, Janete Clair,
Oduvaldo Viana, Fernando Luís da Câmara Cascudo, Cecília Meirelles, Avancinni, Mário
Lago, Hélio Thys. Alguns escreviam novelas de rádio, outros, tinham seus romances
adaptados. Dias Gomes não fez parte desse grupo como escritor de radionovelas, pois
especializou-se em adaptar peças de teatro para o rádio, mas sua relação com esses artistas
estava associada à orientação e até possíveis consertos nas obras desenvolvidas para serem
veiculadas. Como aconteceu na produção de “O Jardim”, da escritora Cecília Meirelles,
originalmente escrita para o teatro, que ela adaptou, como radionovela para a Rádio Nacional
do Rio de Janeiro, sob a orientação de Dias Gomes. Ouvir novela naquele tempo era quase
uma religião. Mas tinha que ter manha, tinha que ser macaco velho. A Cecília era professora,
toda certinha, pura como a poesia dela, daí, o macaco aqui enfiava a mão na cumbuca.
cdxii
. A
dramaturgia radiofônica, no Brasil, durante muito tempo ocupou lugar de honra,
proporcionando aos seus autores notoriedade e respeitabilidade.
Basta uma volta em artigos e trabalhos acadêmicos que aludem aos “anos de
ouro” do rádio brasileiro (década de 1940), bem como uma detida audição
no material preservado sobre essa importante era do nosso rádio, como uma
“revista” à oferta de dramaturgia radiofônica da Rádio Nacional, da Mayrink
Veiga, da Rádio Record e da Rádio São Paulo, para chegar a uma evidente
conclusão: o investimento na linguagem ficcional em rádio fez, naquele
momento, a essência de sua audiência.
cdxiii
Durante o apogeu da radionovela, a Rádio São Paulo não ficou para trás e chegou a
transmitir, inicialmente, nove folhetins por dia. Após firmar-se como grande produtora,
passou a ter, no seu elenco, cerca de 200 atores. Entre os radioatores, todos atores de teatro,
do eixo Rio-São Paulo pode-se citar: Cordélia Ferreira (Figura 67), que inaugurou o
Radioteatro no Brasil, sendo portanto considerada uma pioneira na atividade de radioatriz,
Renato Murse, César Ladeira, Lima Duarte, Mário Lago, Fernanda Montenegro (Figura 68) ,
Paulo Gracindo, Henriqueta Brieba.
34
Figura 67-Companhia Abigail Maia & Oduvaldo Viana
cdxiv
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro transmitiu, entre
1943 e 1945, 116 novelas. Segundo levantamentos do
pesquisador Luiz Carlos Saroldi o total alcançou entre
esses anos 2.985 capítulos. A Rádio São Paulo, que se
especializou no gênero, as tinha nos três períodos,
chegando a levar ao ar, diariamente, quinze novelas. O
sucesso das radionovelas está associado à sua
característica seriada, em exibições diárias
fragmentadas. O ouvinte de um episódio criava a
expectativa para ouvir o episódio do dia seguinte, que
possivelmente poderia trazer respostas para seus
questionamentos, ou simplesmente para aplacar a
Fig. 68-Fernanda Montenegro, radioatriz
cdxv
sua curiosidade, o que geralmente não acontecia porque as respostas mais desejadas
eram reveladas nos “últimos capítulos”; uma “modernização” dos romances de folhetins
cdxvi
do Século XIX. Os depoimentos de Dias Gomes afirmam que a produção de uma novela
de rádio era um espetáculo à parte. Com o texto, o diretor selecionava elenco e distribuía
papéis de acordo com o timbre de voz de cada ator. A escolha das personagens argumentada
na única ferramenta de expressão dos atores: a voz. Única forma de veicular os sentimentos,
a interpretação tinha que ser boa e as vozes convincentes, para dar verdade às cenas.
A interpretação dos textos, através da voz dos atores, apoiada pela música e pelos
efeitos sonoros, praticamente possibilitava qualquer criação poder ser levada aos ouvintes. A
34
ficção da linguagem da dramaturgia radiofônica provou ser capaz de produzir impacto no
comportamento das pessoas. A novela “Jerônimo, o Herói do Sertão”, de Moisés Weltman
(Figura 69) foi ao ar, em 1952, sob o patrocínio de “Melhoral” e do “Leite de Magnésia de
Philips”; as pessoas colavam os ouvidos no rádio durante a apresentação da radionovela
brasileira de maior audiência em todos os tempos. O sucesso atingido pela dramaturgia foi tal,
que se tornou um seriado, de 1953 a 1968, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 69-Capas das edições de “Jerônimo – O Herói do Sertão”
cdxvii
A história trazia como protagonista Jerônimo
cdxviii
, um paladino da justiça, um herói
do sertão. Uma personagem bem brasileira, que percorria os sertões com seu companheiro de
briga, Moleque Saci”, envolvendo-se em aventuras perigosas na luta contra os
Coronéis”. Nos 15 anos em que o seriado esteve no ar, durante o período de 1964 a 1968, a
obra teve sérios problemas com o regime militar, até que foi suspensa, deixando 126 capítulos
escritos.
Na trama, Jerônimo era noivo de uma moça chamada Aninha, interessante é que os
dois nunca deixaram de ser noivos, fato explicado pelo próprio autor da série, que em
entrevista ao Jornal Tribuna de Ribeirão Preto afirmou:
(...) eu nunca permiti que Jerônimo casasse porque era uma questão moral.
Por exemplo, Jerônimo se dizia sempre envolto em aventuras, então ele
estava sempre conhecendo mulheres, se eu é... se ele casasse ele estaria
sujeito a...era uma coisa da moral da época, o adultério, seria uma coisa
inconcebível para um herói. Ao passo que, sendo noivo, quer dizer, a coisa
ficaria atenuada, seria uma traição corriqueira, então por isso eu nunca
permiti que Jerônimo casasse.
cdxix
Na dramaturgia desenvolvida para a radionovela e para o radioteatro, podia-se notar
que alguns autores acentuavam o que havia de mais conservador no pensamento moral
burguês, no que diz respeito aos relacionamentos entre homens e mulheres, na sociedade
34
brasileira. Foram considerados como retrógrados, e, entre eles estão: Otávio Augusto Vampré,
Amaral Gurgel, Lourival Marques, Manoel Durães, Gilberto Martins e rio Lago. Os temas
estavam sempre voltados à valorização da moral e dos bons costumes, ou talvez, porque não
dizer à falsa moral e os costumes aceitos como padronizados. Sexo antes ou fora do
casamento deveria gerar dor, sofrimento, culpa irreparável; o casamento era indissolúvel até
que a morte separasse os cônjuges, homossexualidade feminina ou masculina não existia,
palavras como “amante”, “rameira”, “zona”, “prostituta” e “piranha” eram literalmente
abolidas dos textos, porém, caso o escritor tivesse que se referir à personagem, utilizava-se de
“pobre perdida” ou “mulher de vida desregrada”. Essa postura não conseguiu se sustentar a
partir da década de 60.
A década de 60 representou, inicialmente a realização de projetos culturais e
ideológicos alternativos lançados na década anterior. Tem-se a clara idéia que foram duas
décadas em uma. A primeira, marcada por um sabor de inocência e lirismo nas manifestações
sócio-culturais, o idealismo político e o entusiasmo no espírito de luta do povo. A segunda,
revela as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual, a liberdade do
corpo com a descoberta da pílula anticoncepcional,os protestos dos jovens contra a ameaça de
endurecimento dos governos.
Os anos 60 iniciaram uma grande revolução comportamental, como o surgimento
do feminismo, os movimentos civis em favor dos negros e homossexuais, a revolução na
Igreja Católica, com a abertura do Concílio Vaticano II pelo Papa João XXIII, o surgimento
dos “hippies”, contrários à Guerra Fria, à Guerra do Vietnã e ao racionalismo. A Revolução
Cubana levou Fidel Castro ao poder, iniciou-se a descolonização da África e do Caribe, com a
gradual independência das antigas colônias.
A capital do Brasil muda-se do Rio de Janeiro para Brasília, o novo instala-se, até o
golpe militar em 1964.
As radionovelas tiveram um papel atuante na liberação e transformação radical dos
costumes a partir dos anos 60. Elas expunham, com muita paixão e romantismo, temáticas de
repressão sexual, jamais ouvidas pelo grande blico, o corte com a tradição, o desejo de
liberdade plena e valorização do homem e da mulher cidadãos.
Dias Gomes, entre as poucas radionovelas que escreveu, produziu A Desquitada”,
de 1962, veiculada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, sendo líder de audiência no seu
horário das 10:00. A trama abordava a história de uma mulher, que devido aos maus tratos do
marido, fugiu de casa com os filhos e foi pedir auxílio a sua ex-patroa, uma advogada que
regularizou a sua situação. O departamento de comunicação da Rádio não dava conta do
34
número de cartas que lá chegavam, com pedidos de orientação jurídica e denúncias de
agressões físicas e psicológicas.
A interpretação do ator no radioteatro não é uma arte fácil. Como se afirmou,
anteriormente, era apenas a voz dos atores, que estava à disposição dos ouvintes para
imaginar situações, ambientes e personagens, desenvolvendo, cada um, sua capacidade de
criação. Dessa forma, completava a cena a ambientação, que era possível criar as
atmosferas através de outros recursos, já que as vozes não eram suficientes. Recorria-se então
às figuras do sonoplasta e do contra-regra, responsáveis pelas inserções de músicas e ruídos,
elementos fundamentais e indispensáveis nos estúdios do radioteatro, conforme esclarecem a
doutora Zeneida A. de Assumpção.
Na sonorização/sonoplastia, o rádio solicita apenas a audição. Ouvindo a
mensagem e reagindo à música ou efeitos sonoros, o ouvinte é convidado a
completar espontaneamente a mensagem, tornando-se um co-autor. A voz
combinada com a respiração, entonação e dicção estimulam a imaginação do
ouvinte. Segundo Werner Klippert, a técnica da radiodifusão extraiu a voz
do mundo dos cinco sentidos e a fez penetrar num espaço referencial
acústico estruturado temporalmente. A voz enquanto fala emite palavras,
articula-se em ruídos e sons. O locutor sabe da importância do uso da voz,
por isso se utiliza de todos os recursos de vocalização para motivar a
imaginação do ouvinte. Segundo Bachelard, o rádio possui tudo o que é
preciso para falar em solidão.Ele não necessita de rosto.
cdxx
Torna-se necessário afirmar que as atividades de contra-regra e de sonoplastia, ou
controle, eram duas funções distintas: a primeira, a contra-regra, emitia sons ambiente e a
sonoplastia fazia a pesquisa musical, usada como tema para as personagens, o jornalista e
radioator gaúcho Cláudio Monteiro, em entrevista à Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, apresenta sua experiência com o acontecimento.
Uma radionovela (...). Uma radionovela é composta de radioatores, de
radioatrizes, contra-regra, sonoplasta, mas principalmente de contra-regra,
que faz os efeitos de porta abrindo, dos passos, . Ruído de água, ruído de
incêndio, tudo isso, esse é o contra-regra. Sonoplastia é aquele que faz a
transição de um ato para o outro de uma cena para outra. Ele coloca uma
música bem rápida. Uma rádio novela seria isso.
cdxxi
Com os atores concentrados nos textos, restava ao contra-regra pesquisar e criar os
sons indicados nas didascálias pelo autor, necessários ao entendimento e veracidade das
cenas. Para estar sempre com as mãos livres, os microfones eram espalhados por todo o
estúdio, assim o profissional podia fazer uso do arsenal que dispunha para fabricar os sons.
34
As dificuldades técnicas da época não impediam o contra-regra de reproduzir sons
quase reais, tudo de forma manual, com recursos simples e rústicos: quengas de coco, folhas
de alumínio, papel celofane, pedras, cascalhos, chaves, alianças. Eram raras as vezes em que
um contra-regra não conseguia obter um ruído. Mesmo que os ruídos não fossem exatamente
o que eles esperavam, o envolvimento do público era tão forte, que dificilmente alguém
notava a diferença.
Ainda no início da produção, os diretores escolhiam os atores adequados para cada
personagem, sempre de acordo com o timbre de voz. Alguns conseguiam fazer dois ou três
papéis secundários numa novela. Outros se limitavam a apenas um estilo, adotando-o em
quase todas as histórias. Como havia muitas novelas de uma vez, um ator não podia
acumular dois papéis centrais, para não confundir o público. Os folhetins de rádio traziam, em
seus enredos, três papéis centrais: o vilão, o galã e a mocinha. Existiam ainda papéis menores
como os caipiras e os comediantes.
Ao diretor cabia reger todas essas personagens e não deixar passar os erros. Para
isso existiam rigorosos ensaios antes das novelas irem ao ar. Em volta de uma mesa, os
radioatores passavam o texto várias vezes para corrigir as falhas e a inflexão. O contra-regra
também ensaiava junto com os atores. Mas nem todo esse aparato livrava os radialistas dos
erros. Ao vivo, o risco era enorme. Por isso a atenção era redobrada, pois qualquer “baixo”,
como era chamado o erro, atrapalhava o desenrolar da história.
Quando aconteciam esses imprevistos, o próprio elenco corrigia o erro. Tudo era
feito de modo que o ouvinte não percebesse. Era comum usar a música para encobrir as
falhas. Nesses casos, os atores eram orientados a seguir em frente para o chamar a atenção
do ouvinte, e caso precisasse improvisar ou jogar um caco,
cdxxii
tinham que dar a deixa
cdxxiii
para o próximo continuar.
Dias Gomes, numa entrevista ao Jornal da tarde, de São Paulo, em 22 de junho de
1980, narra um acontecimento no mínimo interessante sobre um desses imprevistos:
(...) em 1958, o José Américo, que tinha descoberto que uma das atrizes
usava dentadura e apregoava aos quatro cantos que seus dentes eram
naturais, resolveu fazer uma brincadeira, mas não poderia imaginar o que ia
acontecer. Como a senhora, que eu não revelo o nome nem morto, tinha o
costume de escovar a dentadura antes de começar a transmissão e nunca
deixava de colocar “Corega”, um pó, uma espécie de cola para dentaduras,
ele preparou o bote. Trocou o conteúdo do pote de “Corega” por sal de
frutas. Pois bem, seguindo a rotina, a atriz escovou a dentadura, encaixou-a
na boca e foi para o estúdio, mal terminou as primeiras falas, sua boca
começou a espumar, fazendo com que engasgasse fazendo com que a
sonoplastia interferisse com os acordes de suspense, foi terrível, coitada.
34
Soube mais tarde que o locutor Alberto Curi, passou pela mesma “saia
justa”. Ele apresentava na extinta TV Tupi, “O Diário de Um Repórter”,
programa escrito por Davi Nasser, quando terminava sua apresentação na
TV, corria para a Rádio Jornal do Brasil, onde apresentava, meia hora
depois, o “Jornal do Brasil Informa”. tinha tempo de engolir um
sanduíche, escovar sua dentadura e correr para o estúdio. Foi aí, que o não
menos famoso e sacana Eliakim Araújo, resolveu pregar uma peça no
coitado do Curi, aos mesmos moldes do que o José Américo tinha feito na
Nacional. O interessante é que ninguém notou, ninguém mesmo...
cdxxiv
Atores, diretores, produtores, sonoplastas, assistentes. As novelas de rádio tinham
uma longa ficha técnica. Da produção à realização e transmissão eram mobilizadas,
diariamente, cerca de 50 pessoas. Alguns desempenhavam, ao mesmo tempo, várias funções
como ator, diretor e produtor.
Os atores faziam várias radionovelas por dia. Essa prática ajudava na hora de
enxugar o elenco fixo, o que era feito com muito cuidado, para não correr o risco de misturar
as personagens. Com o horário de trabalho indefinido, por conta das inúmeras novelas e
outras funções que desempenhavam, como locução e narração de “reclames”, os atores
passavam todo o dia na emissora.
Algumas pessoas chegaram a fazer parte dos elencos de várias rádios, num mesmo
período, estabelecendo-se uma verdadeira maratona para o cumprimento das escalas. Isso
acontecia devido a uma grande concorrência estabelecida entre elas, sempre oferecendo novas
propostas salariais aos artistas.
As rádios tinham, de segunda a sexta-feira, de oito a dez novelas diárias, variando
de acordo com cada emissora. As novelas do horário nobre, transmitidas depois de “A Hora
do Brasil”,
cdxxv
eram as de maior sucesso. De autores célebres e, geralmente, com enredos
dramáticos, atraíam o maior público, e conseqüentemente, tinham os melhores patrocinadores.
As novelas de aventura passavam por volta das 17:00h, e as religiosas, às 18:00 h.
Cada capítulo durava em torno de meia hora diária, com intervalos comerciais. As
novelas duravam de quatro a seis meses, tendo de 80 a 120 capítulos. Houve casos de novelas
que ultrapassaram esse tempo, devido ao grande sucesso que alcançaram, como a cubana
“Ana Maria”, que durou cinco anos e “O Direito de Nascer”, transmitida por quase dois anos.
O patrocínio era a base que sustentava as novelas e seus grandes elencos. Grandes empresas
como Henkel ,Orniex, Gessy Lever, Colgate-Palmolive, Kolynos, Guaraná Fratelli Vita,
Produtos Eucalol (Figura 70), Sidney-Ross, produtor do medicamento Melhoral, Bayer, Royal
e Biotônico Fontoura viram, na radionovela, um filão para ampliar o mercado de consumo,
inicialmente focado no público feminino, depois a toda a população. A Agência Standard
Propaganda
cdxxvi
, por exemplo, sabia como ninguém administrar esse trabalho, em 1955
34
produziu as 14 novelas transmitidas pela Rádio Nacional, como era uma empresa
multinacional apresentava a mesma novela em vários países, como foi o caso de “O Direito
de
Nascer” transmitida em Cuba, México, Colômbia, Bolívia e Brasil.
Figura 70-
Propaganda do Sabonete Eucalol
cdxxvii
O passado glorioso das Radionovelas brasileiras parece mesmo enterrado e
esquecido, os registros das várias obras criadas para o radioteatro e radionovelas perderam-se
ao longo do tempo. Segundo o pesquisador Samuel Jamenson, os principais problemas
encontrados nos arquivos brasileiros, estão relacionados com o profissional desqualificado e
responsável pela conservação, seleção, classificação e registro de documentos; falta de
infra-estrutura para a armazenagem e de uma legislação competente e rígida.
A Rádio Tupi atribui a um incêndio, ocorrido em 1943, a perda de grande parte de
seus arquivos, a Rádio São Paulo não possui arquivos para consulta, algumas informações,
como o fato da atriz Vida Alves ter participado da radionovela “A Vingança do Judeu”, em
1941, com direção de Oduvaldo Viana são obtidas através de biografias pessoais.
A Rádio Pan-americana, que até 1940 era conhecida como a Emissora dos Esportes,
a partir de 1941 iniciou a chamada “época de radionovelas”, tanto que em 1944, Dias Gomes
lá trabalhou, possui extenso arquivo de áudio, porém a dramaturgia foi perdida.
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro possui um Setor de Arquivo e Pesquisa,
coordenado pelo senhor Alberto Luiz da Silva Santos, que permite acesso às obras de
radioteatro e radionovelas, porém, as condições de conservação e manutenção são muito
34
precárias, não havendo, por exemplo, climatização e higienização específicas para esse
material (Figuras 71 e 72).
A decadência foi acontecendo e quando se deu conta, muito havia se perdido,
porém alguns apaixonados explicam o acontecimento, como o professor, escritor e radialista
Luiz Carlos Saroldi:
Trabalhei na Rádio Nacional até 1962. Neste ano, ela estava em processo
de decadência, porque a televisão começava a levar não os artistas. Os
grandes anunciantes da Rádio Nacional migraram para a televisão e levaram
também os seus grandes astros. O rádio estava passando por profundas
modificações. Os programas de auditório não tinham o apelo de antes e
passaram a acontecer coisas muito desagradáveis, porque o perfil dos
freqüentadores começou a mudar. Aquela rivalidade saudável que tinha entre
as cantoras Marlene, Emilinha, Ângela Maria e Dalva de Oliveira, por
exemplo, era extremamente saudável e bonita na época. Mas começou a
descambar, o termo é esse, para algo quase como um precursor dos
momentos de violência que a gente foi viver nas décadas seguintes. A
própria direção da Rádio Nacional temia perder o controle da violência no
seu auditório. Os programas começaram a sofrer com isso e a direção
começava a perder o pulso sobre esses freqüentadores. E começou a haver
então o esvaziamento dos próprios programas de auditório.
cdxxviii
Fig. 71-Arquivos da Rádio Nacional
cdxxix
Fig. 72-Setor de Pesquisa, Rádio Nacional do RJ
cdxxx
3.3
ALICERCE
DAS
DIDASCÁLIAS
Não é necessário afirmar que as didascálias assumem especial relevância nas peças
radiofônicas, pois constituem a explicitação da obra. A partir das palavras proferidas pelas
personagens, as didascálias surgem como explicação, contextualização, denúncia e
esclarecimento dessas réplicas.
Assim, as didascálias funcionam na obra como: explicações do autor, referências à
posição das personagens em cena, indicações aos atores, caracterização das personagens, do
34
tom de voz das personagens, indicação das pausas, saída ou entrada de personagens,
apresentação da dimensão interior das personagens, indicações sonoras ou ausência de som.
As didascálias são conclusões, deduções, que funcionam como informações e forma de
caracterização das personagens, sugestões do aspecto exterior das personagens,
movimentação cênica das personagens, expressão fisionômica dos atores, linguagem gestual a
que, por vezes, se acrescenta a visão do autor, expressão do estado de espírito das
personagens, mas, sem em nenhum momento deixar de lado o conhecimento de que toda a
atuação será desenvolvida através dos sons e palavras faladas.
Sabe-se que tudo o que no texto dramático não se destina a ser dito pelas
personagens e que, na representação cênica, desaparece enquanto discurso e surge diante dos
espectadores como ação, presença física ou ausência física e sonora (objetos, figurino,
cenário, desaparecimento de elementos, silêncios), está explícito pelas didascálias, mas, a
dramaturgia radiofônica não comporta ações, nem presença física dos atores à vista da platéia.
As didascálias, que são a voz direta do dramaturgo, diferenciam-se visualmente do
resto do texto, ou por estarem escritas entre parênteses, ou por estarem impressas em itálico,
ou de qualquer outra forma que marque bem que se trata de um texto à margem das falas das
personagens.
(...)
FRANÇOIS (MAIS ANIMADO) Mais vinho?
GISLEINE Aceito. (RI) Não quero ficar tonta!
FRANÇOIS Prometo que a levarei para casa direitinho.
GISLENE Oh, chega, obrigada...
CONTRA-REGRA RUÍDO DE COPOS (LEVES)
GISLENE (BEBE) Bem, você me trouxe aqui para dizer-me algo... estou
esperando...
FRANÇOIS (GRAVE) Gislene... eu preciso de sua solidariedade... do
seu apoio da sua confiança.
CONTROLE MÚSICA LUCUBRE IMPRESSIONANTE (...)
cdxxxi
O trecho acima possibilita a observação de como o dramaturgo expressa suas
indicações, através das didascálias. Tais indicações cumprem uma dupla função: situam o
diálogo, a ação, num contexto imaginário, imergindo-os no nível ficcional dos
acontecimentos, aproximando-se do papel da descrição no gênero narrativo e, com relação ao
nível da representação, fornecem instruções àqueles que transformam o texto em espetáculo:
encenadores, atores, sonoplastas, contra-regras.
A segunda função evoca o significado da palavra grega que está na origem do
termo “didascália” ou “didaskália” – “instrução” – e do verbo “didáskein” – “ensinar”.
34
As didascálias incluem as indicações espaço-temporais, as indicações cênicas, de movimento,
de ação, de expressão facial, também as de tom de voz e de atitude; o nome das personagens à
esquerda das suas réplicas, tudo o que permite determinar as condições em que o diálogo será
enunciado.
Sendo as didascálias atos de fala direcionados, que visam o “cumprimento” de
instruções, pressupõe-se que tudo tenha de ser entendido no modo imperativo, mesmo que as
indicações estejam escritas no presente do indicativo, no gerúndio, quer sejam formadas por
adjetivos, por um advérbio, dentre outros casos.
As didascálias podem ser entendidas como sugestões, pistas para a representação e
não a sua “chave” e então o encenador pode ignorá-las ou optar por usá-las como mais uma
forma de questionar o texto, como mais um elemento interveniente na construção da sua
própria representação ou encenação da obra. Porém, ao tratar-se de uma peça radiofônica,
ignorar as didascálias seria sinônimo de tornar a obra impossível de ser representada, porque
são elas que contém o que, no teatro, seria fisicamente visível pelo público e que no rádio
tornam-se apenas sons, portanto imateriais.
A peça radiofônica apresenta peculiaridades próprias, decisivas, onde texto e
representação marcam suas diferenças, entre as quais destacaremos o diálogo e as didascálias.
Os diálogos podem constituir-se como signos verbais e, ao mesmo tempo, como signos não
verbais, quando se refere ao espaço cênico e aos silêncios. Já, com as didascálias, temos a
indicação de como caracterizar uma personagem, é a voz do autor que pode ser implícita ou
explícita e que possibilita a existência da representação. As didascálias “... designan el
contexto de la comunicación, determinan, pues, una pragmática, es decir, las condiciones
concretas del uso de la palabra. En resumen, las didascalias textuales pueden preparar la
práctica de la representación”.
cdxxxii
Quando se estabelece o jogo entre os diálogos e as didascálias, segundo a
pesquisadora Lygia Rodrigues V. Peres, “surge a permissão de percorrer um caminho para a
apreensão dos diversos fios que compõem a tessitura dramática, cabendo ao leitor, espectador
ou ouvinte desvelar e revelar os condutores da expressão de uma época, de uma
sociedade”.
cdxxxiii
Diante de um texto teatral, pode-se observar que a matéria de expressão usada pelo
dramaturgo é lingüística, uma vez que essa ciência prioridade à língua falada e à maneira
como ela se manifesta em determinada época, enquanto que durante a representação desse
mesmo texto teatral, a matéria de expressão pode ser lingüística e não lingüística, uma vez
que os códigos utilizados são oriundos de formas variadas de expressão.
34
Assim, a mensagem verbal que está no interior do sistema da representação é a voz.
Ela comporta duas espécies de signos: os signos lingüísticos, componentes da mensagem
lingüística e os signos acústicos: voz, expressão, ritmo, tom, e a eles se unem outros códigos
que seriam os signos não verbais: códigos visuais, musicais, olfativos, táteis.
No texto dramático radiofônico, a mensagem verbal que está no interior do sistema
da representação é a voz, ela comporta duas espécies de signos: os signos lingüísticos,
componentes da mensagem lingüística e os signos acústicos: voz, expressão, ritmo, tom, e a
eles se unem outros códigos que seriam os signos não verbais códigos auditivos representados
pela sonoplastia e a contra regragem.
La representación teatral constituye un conjunto (o sistema) de signos de
naturaleza diversa que pone de manifiesto un proceso de comunicación en el
que concurren una serie compleja de emisores, una serie de mensajes y un
receptor múltiple presente en un mismo lugar.
cdxxxiv
Na peça radiofônica as descrições funcionais, direcionadas à prática da
representação, estão presentes nas didascálias, porque são elas que apresentam o espaço físico
que possibilita a concretização da representação, mesmo que a noção de espaço esteja
presente nos diálogos, só através das didascálias este espaço pode se tornar material sonoro
possível de veiculação.
Anne Ubersfeld afirma que na leitura do texto teatral temos que considerar a
existência de dois espaços.
(…) se trata de un lugar doble: la dicotomia escenario-sala, poco perceptible
textualmente es capital en la relación texto-representación. El lugar teatral es
lo que pone frente a frente a actores y espectadores en una relación que
depende estrechamente de la forma de la sala y de la forma de la
sociedad.
cdxxxv
O espaço no teatro está ocupado por uma série de elementos que Anne Ubersfelfd
nomeou como “objeto”. O objeto pode ser o corpo das personagens, os elementos de
decoração e os acessórios e são apresentados nas didascálias ou nos diálogos, porém, no rádio
esse objeto pode existir através dos sons. Aqui, também se pode inserir a questão do
tempo, tanto o da representação em si, quanto o da ação representada, quando se trata de um
texto dramático radiofônico as indicações do tempo e da progressão da ação, encontram-se
nas didascálias.
34
(...)
RUTH: Eu não irei.
WARREN: Pois bem, eu irei sozinho, então.
TÉCNICA: CORTE AMBIENTE DE AEROPORTO/ RUIDO DE
AVIÕES EM BG VOZERIO
LOCUTOR: (AUTO-FALANTE) Passageiros para Nova York, Lisboa,
Paris e Roma...
LIDIA: Warren!
WARREN: Lídia!
LÍDIA: Quantos anos... você não mudou nada!
WARREN: Nem você...
LÍDIA: Parece muito com papai. Muito mesmo.
WARREN: Aprendi a cantar como ele
TÉCNICA: CANÇÃO DE NINAR. AMBIENTAÇÃO E BLABLAÇÃO
INFANTIS
LÍDIA: Quanto tempo, mas sua voz jamais será igual a do papai, faz tanto
tempo...
WARREN: Vamos sair daqui dessa balbúrdia. Estou com o carro aqui perto
TÉCNICA: FUNDE OS RUÍDOS DE AVIÕES COM O DE AUTO EM
MARCHA QUE CAI EM BG (...)
cdxxxvi
A pesquisadora Catarina Sant’anna
cdxxxvii
propõe que o leitor do texto teatral é um
encenador virtual de um espetáculo virtual, pode-se também concluir que o ouvinte de uma
peça radiofônica é também um encenador virtual de um espetáculo virtual, que através da
representação da obra, veiculada pelo rádio, recebe um número maior de informações do que
as do leitor. Desta forma, tanto o leitor quanto o ouvinte participam dessa criação, que se
estabelece a partir do texto, seja ele absorvido através da leitura, ou representado pelo
radiotor, o sonoplasta e o contra-regra, que, como propõe Catarina, está aberto à intervenção
daqueles que o recebem que o completarão segundo seus respectivos imaginários.
cdxxxviii
As didascálias da dramaturgia radiofônica são muito mais do que uma proposta de
direção, em que o autor não apenas prevê as ações das personagens, suas vontades e conflitos,
ou uma intervenção do dramaturgo para exemplificar um cenário, a iluminação, o espaço, o
movimento, as situações, ou o tempo. Não descrevem apenas o que acontece na cena, se a
cena é interior ou exterior, se é noite ou dia. As didascálias das peças radiofônicas irão
conduzir um movimento de cenas, que poderão ser decodificados pelos ouvintes se
assinalarem ruídos, dinâmicas, sons que conduzam a deslocamentos, que na verdade não
existem.
Essas especificações, tão detalhadas também deverão estar presentes para assinalar
o tempo, a tensão, a condução das personagens, a composição do espaço cênico, o ritmo da
ação, a ação física e psíquica dos atores sempre remetidas através de um processo indutivo
que atinja o ouvinte.
34
(...) NATALYA – Meu querido Lomov... (BEIJO)
LOMOV (BEIJO) Encantado! Encantado! Perdôem-me. Sinto-me feliz.
(EMOCIONADO) Sou feliz, Natalya Stephanovna. (BEIJO ARDENTE,
TECIDOS) (...)
NATALYA (SUSPIRA) Três dias... (RODOPIA PELO ESPAÇO,
TECIDOS) Três dias... nos separam da felicidade completa! (RISOS
INFANTIS)
CONTROLE SOBE MÚSICA / MARCHA NUPCIAL /
BURBURINHO DE FESTA, TALHERES, COPOS, BRINDES /
PASSAGEM
ANOUCHA (VINDO) Ah, (SUSPIRA) foi uma bela cerimônia, não foi?
(LARGA A BOLSA E A CAPA, FALA ALTO) A festa também estava
linda... (DEIXA-SE CAIR NA POLTRONA)
STEPANPssiu... fale baixo... Eles já se recolheram ao quarto... (OUVEM
O SILÊNCIO)
ANOUCHA – Estão em silêncio... (MALICIOSA) é um bom sinal...
C/REGRA – AFASTADO / RUÍDO DE ALGO QUEBRADO
NATALYA – (AFASTADA / GRITA) Não quero! Não admito!
C/REGRARUÍDO DE COISAS QUEBRADAS. (...)
cdxxxix
O dramaturgo radiofônico, antes de ser poeta, de construir uma obra de valor
literário, é um pensador do espetáculo na cena, que através do texto que cria, projeta-se
também como um pensador de sua cultura e do seu tempo. Essa atitude, às vezes é
inconsciente, mas surge de forma criativa e eficaz. Como o relato de Dias Gomes sobre um
acontecimento em 1944, antes de transferir-se da Rádio Panamericana para a Rádio das
Emissoras Associadas:
Meu programa de despedida deveria ser uma adaptação radiofônica de
minha peça “Pé-de-cabra”, Mário Lago no papel criado originalmente para
Procópio. No início do programa, fui ao microfone despedir-me dos
ouvintes. Em meio a meu pronunciamento, vi os dois policiais entrarem no
estúdio, eu havia exigido, e o novo diretor da rádio me prometera que eles
que eles jamais fariam isso. Sem saber que eles vinham para aplicar uma
surra no Mário, transformei minha fala de despedida num libelo contra a
ditadura Vargas. Agora mesmo, senhores ouvintes, este estúdio acaba de
ser invadido por dois cães policiais, dois agentes da ditadura, mais fortes que
Pé-de-Cabra. Eu não admito isso e, em sinal de protesto, vou tirar este
programa do ar com meu Pé-de-Cabra. E dirigi-me à cabine técnica para
concretizar o que prometera. Não cheguei até lá, um dois tiras atacou-me por
trás, deu-me uma gravata e me arrastou para fora do estúdio.
cdxl
Esse trabalho contínuo na busca da técnica, fez com que Dias Gomes direcionasse
um foco de atenção na construção das didascálias, buscando que elas fossem funcionais,
objetivas, claras, objetivando a precisão, para que, durante a representação se conseguisse um
trânsito harmônico entre as réplicas dos diálogos, a sonoplastia, a contra-regragem e a
espetacularização de um texto radiofonizado.
34
(...)
CONTROLE: MÚSICA TEMA OBRIGADO MEU BRASIL
VICENTE CELESTINO
CONTRA-REGRA: OFICINA DE SAPATEIRO
JOSÉ: ITALIANO Si, o sapato está pronto, como no? Ma io no puó
portare, il bambino no lavora piu aqui... Il bambino é jornaliere... Jornaliere,
capico? E io sono solo! DRAMÁTICO – I sono solo… solo! CHORANDO
– Io sono solo…solo… solo!...
VICENTE: MENINO APREGOA VINDO DE LONGE Olha o
Jornal do Comércio! O Jornal do Comércio... O Jornal do Comércio!...
JOSÉ: – CHAMA – Ei! Vicente! Vicente!
VICENTE: – VINDO – Que é, pai?
JOSÉ: SÚPLICE Figlio mio... tu no puo lasciare tu padre cosi...
FRÁGIL Io sono solo nello ofizio!... DRAMÁTICO Tu no tem pitá de
tu padre, figlio mio? (...)
cdxli
Na composição das didascálias das peças radiofônicas, há um cuidado especial com
o espaço sonoro, a musicalidade, que servirá de via condutora à atmosfera a ser criada.
Obedecendo a tradição ocidental, o dramaturgo é o responsável por ordenar a
aparição e a evolução dos eixos sonoros na peça radiofônica, através das didascálias.
Observando esse aspecto, pode-se concluir que seu trabalho excede à composição literária,
uma vez que a preocupação com a simbiose entre diálogos e didascálias no momento da
representação, faz com que ele inicie o trabalho de colocar a obra em cena na elaboração das
indicações. Não obstante, esse espaço sonoro pré-configurado não pode ser fixo, nem propor
uma matriz única e imutável, a não ser que a mudança vá gerar desvio nos objetivos da trama.
Destinando-se a agir sobre os sentimentos, as emoções e as paixões, e não
diretamente sobre a racionalidade, a sica é exemplar na forma como pode produzir
“mensagens” tão ambígüas quanto inexplicáveis. André Cardoso, maestro e diretor da Escola
de Música da UFRJ, aborda essa questão da seguinte forma:
A Música atua na sensibilidade, e é bastante subjetiva, mas não tem a
capacidade de provocar as mesmas sensações em pessoas diferentes, se não
estiverem imersas num contexto. (...) A “Sinfonia Doméstica”, de Richard
Strauss, por exemplo, tenta reproduzir a rotina de uma casa, com suas
alegrias e tensões, enquanto a “Sinfonia Fantástica”, de Hector Berlioz,
busca representar as alucinações de um artista sob o efeito do ópio. O
Rossini reconhecia a influência da música sobre a alma e acreditava que isto
está no fato da harmonia colocar a alma sob o poder de um sentimento que a
desmaterializa.
cdxlii
Nesse aspecto está contido a figura do sonoplasta, (Figura 73) cuja atuação é
diretamente comandada pelas didascálias.
34
Figura 73-Mesa de sonoplastia da Rádio Nacional do Rio de Janeiro
cdxliii
(...)
CONTROLE: UMA MÚSICA MISTERIOSA COMEÇA A TOCAR
LOCUTOR: – AFIRMA DE FORMA CONTUNDENTE – Eu fui Hamlet!
Eu fui Hamlet!
CONTRA-REGRA: VENTO CONSTANTE, PASSANDO POR
FRESTAS DE PORTAS E JANELAS
CONTROLE: MÚSICA WAGNERIANA EM BG
LOCUTOR: uma mesa retangular, ao seu redor seres sentados e de pé.
Estão imóveis, é difícil distinguir se são homens ou bonecos. (…)
cdxliv
O pesquisador Mário Kaplun, especialista em Comunicação Educativa, diz que os
sons são a decoração radiofônica, onde a música cumpre uma missão muito significativa na
emissão, imprimindo-lhe o clima emocional, enquanto os efeitos sonoros sugerem as imagens.
(...) Os sons corporizam o objeto que emanam, pois ouvimos o galope do
cavalo; o ruído do trânsito que nos leva para o meio de uma rua
movimentada, a sirene de um carro de bombeiros e o crepitar do fogo nos faz
visualizarmos um incêndio. Os ruídos e a música são tão necessários quanto
a palavra, numa radiodramatização. (...)
cdxlv
A figura do contra-regra, nos estúdios de rádio das décadas de 40 a 60, era de
máxima importância. Era responsável pela produção dos ruídos, efeitos sonoros
complementares, como passos das personagens, trovões, sinos, utilizando-se de objetos e
ferramentas que davam suporte à produção do radioteatro, encarregavam-se também em
providenciar esses objetos e pesquisar a produção dos sons solicitados pela obra.
Na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o diretor Victor Costa criou o departamento
de efeitos sonoros em 1941, com qualidade técnica apurada, passou a funcionar com um
34
acervo de 4.720 discos contendo músicas e ruídos, usados para colocar no ar as didascálias
indicadas para simular os estados emocionais das personagens, os ambientes, as ações.
O departamento reproduzia todos os detalhes da ambientação solicitada pelas
didascálias, por exemplo, na casa de uma personagem, era possível ouvir o barulho do portão,
do cascalho do jardim e do tanque de lavar roupa. Os recursos sonoros serviam também para
aumentar a concentração dos atores e imprimir maior realismo às cenas. Dirigindo este
trabalho estava o operador de som, que recriava as didascálias das tramas usando os recursos
sonoros. Na época, os equipamentos técnicos da Rádio Nacional eram os melhores do país, o
que influenciava na qualidade dos programas veiculados.
A emissora possuía campainhas de vários sons e tons, torneiras com água corrente,
aparelhos que simulavam tiros de revólver, microfones sensíveis e com manutenção
constante. A regra fundamental, porém, era a simplicidade. O barulho da caixa de fósforo
virava uma máquina de costura, a descarga sanitária dava a impressão de um submarino com
vazamento em pleno fundo do mar. Um comprimido se dissolvendo num copo d’água era
uma pessoa sendo atacada por formigas.
A década de 1940 marcou o auge da utilização de efeitos sonoros nas radionovelas.
O som era o elemento responsável por manter o ouvinte atento durante a transmissão dos
programas. Desse modo, os barulhos de portas abrindo e fechando, tiros de armas de fogo e
gritos estridentes, criavam o clima necessário para a concentração do público durante a
irradiação de um capítulo.
O radioator Celso Guimarães trouxe de uma viagem aos Estados Unidos, em 1947,
um filtro de som e uma câmara de eco, recursos que, na época, não existiam no mercado
nacional. A utilização do filtro de som que processa e captura dados de áudio, filtrando os
harmônicos, de forma controlada, que estejam passando através dele – e da câmara de
eco
cdxlvi
, que tem como princípio básico a repetição do sinal sonoro, impulsionaram a
sonorização da dramaturgia radiofônica, aplicando recursos, criando ambientações mais
precisas, o que apurou cada vez mais a reprodução das didascálias.
A colocação em cena dos textos experimentou, desde o nascimento do rádio,
diversas estruturas funcionais, em determinados momentos mais proeminentes, em outros
mais discretos, onde a figura que se responsabiliza pela encenação nem sempre mereceu
destaque.
O ápice de glória no rádio, em momentos diversos, esteve no poder de várias mãos.
Houve o momento da supremacia dos dramaturgos, dos atores, dos contra-regras e o dos
sonoplastas, sempre associado ao que traria novidade, emoção e audiência.
34
A prevalência dos atores, especialmente das atrizes, as “Divas”, a chamada “era dos
monstros sagrados” foi uma herança do final do Século XIX, onde ganhava relevo o uso
privilegiado da voz. Nisso o rádio não teve dúvida, investiu nessas vozes privilegiadas,
associadas aos dramaturgos que criavam as situações para o brilho desses diálogos, através de
didascálias pontuais.
No rádio, o limite da capacidade de provocar a imaginação do ouvinte existe,
mesmo, na mente de quem produz a comunicação radiofônica. Neste caso, torna-se necessário
voltar-se a atenção para os criadores das peças para rádio, que tinham conhecimento das
características do meio, que não podem ser classificadas como vantagens, mas são definidoras
de possibilidades para as técnicas de produção e de sua linguagem, entre elas estão: a
velocidade da emissão da mensagem, o cansaço e a distração do receptor e, ainda, a sua
ausência.
O ciclo da comunicação, quando a mensagem usa o rádio como canal, fecha-se no
momento em que é veiculada, devido a velocidade da transmissão ou a instantaneidade,
exigindo que o ouvinte esteja exposto ao meio de comunicação que, por se tratar de um
contato à distância, onde não diálogo direto. Não é possível saber como os receptores, ou
ouvintes “ausentes”, reagem às mensagens recebidas, pelo menos no exato momento em que
são transmitidas e recebidas. Diz-se, “ausentes”, pela impossibilidade de avaliação da
recepção no instante preciso da chegada da mensagem ao seu destino.
Retomem-se, nesse momento, os elementos e recursos da linguagem do rádio: a
palavra, a música, os efeitos sonoros e o silêncio. Estes elementos são utilizados em qualquer
produção radiofônica, independente do tempo de duração, formato, tipo de texto ou seu
conteúdo.
Durante a criação de uma peça radiofônica, a escolha de quais e quantos desses
elementos vão integrar a obra, o momento em que deverão surgir, depende exclusivamente do
resultado que se pretende conseguir. Para se construir um trabalho de qualidade é preciso
passar ao ouvinte uma mensagem clara, que ele deve entender e captar. Dessa forma, quando
o dramaturgo compõe, a escolha dos elementos se no objetivo de fazer-se entender pelo
ouvinte.
O radioteatro sempre explorou todos os recursos da linguagem radiofônica e são
exatamente as didascálias desse formato que coordenam o processo de encenação, porque não
adianta criar através de um uso indiscriminado e sem critérios da palavra, da música, dos
efeitos sonoros e do silêncio.
34
A experiência adquirida por Dias Gomes, durante os anos que escreveu dramaturgia
para o dio, forneceu-lhe o equilíbrio do uso do diálogo, do silêncio, dos efeitos sonoros, da
música, durante a produção de seus textos. Essa criação balanceada só pode ocorrer, quando o
escritor alcança o conhecimento de todas as características do veículo através do qual sua obra
será veiculada. A vivência do rádio permitiu ao dramaturgo estudar suas funções, seus
objetivos, seus elementos e os recursos de sua linguagem específica, possibilitando-lhe o uso
consciente da técnica associada à imaginação, como ele mesmo afirma no depoimento:
(...) Quando fui para o rádio, quem me levou foi o Oduvaldo Vianna, levou
também o Mário Lago. Eu estava sem dinheiro, precisava de um emprego
regular. Fiquei no rádio de 1944 a 1964, escrevi muito e aprendi muito,
porque eu era um homem de teatro e apanhei muito para dominar a técnica,
até que consegui, porque é através do radioteatro, que se encontra espaço
para utilizar todos os recursos que o rádio nos dá. Olha, Leandro, a minha
escola no rádio foram as mais de quinhentas adaptações de peças teatrais e
romances que fiz, por isso, quando fui diretor artístico na Rádio Nacional,
sabia perfeitamente o que ia dar certo e o que não ia, daí, eu chegava e falava
para o escritor, não se pode ser mais realista que o rei e passar a mão na
cabeça de ninguém, acho que as pessoas esquecem que é preciso estar
sempre preso ao público, que é o nosso alvo.(...)
cdxlvii
O pesquisador Eduardo Meditsch
cdxlviii
, apresenta em seu artigo sobre radioteatro
“Roteiro de Radioteatro: do Argumento à s-Produção”
cdxlix
, de forma pedagógica e
simples, os passos percorridos pelo dramaturgo, no caminho trilhado durante a criação dessas
obras.
Segundo ele, o processo inicia-se através da concepção de um argumento, com
uma criação original ou com uma adaptação. Aqui, faz-se uma sinopse com a estruturação
das personagens, através de perfis detalhados, a definição dos cenários, dos locais onde vão
se desenvolver as ações, com o maior número possível de informações. após esta fase
concluída é que irá se iniciar a redação do roteiro.
As normas técnicas que são aplicadas a qualquer redação radiofônica são
obedecidas pelo dramaturgo na criação do seu roteiro. Eduardo ressalta, que no momento da
construção dos diálogos, ou de qualquer outro tipo de fala, o essencial é que a linguagem
utilizada seja clara, objetiva e coloquial, direcionada para o rádio.
Para a construção das personagens, não se pode esquecer que a expressão integral
surge das réplicas, da forma como elas são interpretadas e o ambiente sonoro onde são
expressas. Assim sendo, as personagens são frutos dos diálogos, da ambientação criada pela
sonoplastia, as situações produzidas pela contra regragem. Esse conjunto harmonioso,
34
dirigido pelas didascálias é que consegue passar para o ouvinte o caráter, a personalidade, o
perfil físico e psicológico delas.
Quanto aos cenários, que no rádio não são vistos, mas sentidos e ouvidos são
transmitidos aos ouvintes, pelos efeitos sonoros e pela sonoplastia, mas também podem surgir
das réplicas das personagens, por narrações ou explicações.
(...)
CONTROLE: ENTRA MÚSICA FRANCESA (ROMÂNTICA E
MELANCÓLICA, COM CANTORA E PIANO COMO PASSAGEM)
VOZEIRO DE RESTAURANTE
CONTRA-REGRA: TILINTAR DE TALHERES E LOUÇAS
GISLENE: (VINDO) Com licença...
FRANÇOIS: Oh, mademoiselle...
GISLENE: Recebi o seu bilhete que me sentasse à sua mesa.
FRANÇOIS: Tenha a bondade.
CONTRA-REGRA: LEVE ARRASTAR DE CADEIRA. (...)
cdl
Com o objetivo de que o ouvinte crie a sua “imagem auditiva” e compreenda a sua
mensagem, um dos principais recursos é o ritmo, obtido através da duração das cenas, da
troca de ambientes e dos próprios diálogos. Assim, para se chegar à conclusão do roteiro
deve-se ter em mente a abertura e o encerramento da peça radiofônica. Meditsch afirma que
uma vez concluído o roteiro, passa-se à produção, que inclui diversas etapas que vão da pré-
produção à pós-produção.
Na pré-produção estão relacionadas: a seleção dos radioatores, as trilhas musicais,
que podem ser originais ou pesquisadas, os efeitos sonoros e os ensaios. Na produção estão
presentes: a gravação dos diálogos, das músicas e dos efeitos. Torna-se importante ressaltar,
que na época de Dias Gomes no rádio, normalmente as músicas utilizavam os discos, as falas
e efeitos eram feitos ao vivo. Na pós-produção, que mais tarde passou a existir, tem-se a
edição e a montagem final.
O roteiro de Eduardo Meditsch confirma a importância do domínio técnico, da
articulação das cenas, do equilíbrio entre o texto dialógico e o não dialógico, regido pelas
didascálias.
Existem ainda saudosos, aqueles que desejam o retorno das peças radiofônicas às
ondas do rádio, para isso, desenvolvem projetos e trabalham fortemente. Pode-se citar o
radialista e apresentador do programa noturno “Assim era o Rádio”, PR-É Rádio Saudade,
Antonio Netto, da Rádio Educação e Cultura (AM) de Rio Claro, a 175 quilômetros de São
Paulo. Em 1993, movido por expectativas para trazer um pouco do passado do rádio
brasileiro, formou uma equipe de vanguarda para resgatar um espaço devido ao rádio. O
34
impulso originou a Oficina Cultural de Radioteatro, de onde surgiu dramaturgo, sonoplasta,
contra-regra e elenco, (Figura 74) para montar uma radionovela-piloto, com o clássico
“Marcelino Pão e Vinho”, que foi a primeira de uma série. O programa tem horário fixo e
audiência de porte garantida.
Figura 74-Transmissão da radionovela-piloto “Marcelino, Pão e Vinho”
cdli
3.4
A
DRAMATURGIA
HÍBRIDA
Toda a experiência adquirida por Dias Gomes no rádio e os momentos financeiros
difíceis que teve de enfrentar, devido às suas posições políticas, proporcionaram-lhe
condições de escrever roteiros para a televisão, como anteriormente já foi assinalado. Desde a
pré-estréia da televisão no Brasil, em 03 de abril de 1950, mesmo de forma clandestina, Dias
conseguiu veicular seus trabalhos por esse meio.
Em 1954, foi criada a TV Rio, com sede no Rio de Janeiro, iniciou suas
transmissões em julho de 1955. Possuía uma programação própria, mas também importava a
produção da TV Record de São Paulo. Nomes como Chacrinha, Norma Benguell (Figura 75),
Dercy Gonçalves, Chico Anysio e Moacir Franco integravam o “cast”
cdlii
da emissora. Foi
também na antiga TV Rio que Nelson Rodrigues, em 1963 e 1964, fez suas incursões na
telenovela, escrevendo: “A Morta sem Espelho”, “Pouco amor não é amor”, “Sonho de
Amor” e “O Desconhecido”.
34
No ano de 1956, quando Dias Gomes ingressou na Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, a TV Rio apresentava o “Grande
Teatro Philco”
cdliii
com elenco quase todo
oriundo da Rádio Mayrink Veiga, porém a
empresa patrocinadora manteve o
programa por um ano no ar, devido aos altos
custos de manutenção e por não conseguir
atingir os níveis de audiência da sua
concorrente, a TV Tupi, que apresentava “O
Grande Teatro Tupi”, no Rio de Janeiro,
desde 1956. O Grande Teatro da Rádio
Nacional, sob o comando de Dias Gomes,
durante os anos de 1956 e 1957 teve o
patrocínio da De Millus
cdliv
e a partir de
1958 foi assumido pela empresa Orniex
cdlv
,
foi exatamente nesse ano, que passou a ser
chamado de “Grande Teatro Orniex
”. Figura 75-Norma Benguel, TV Rio, 1958
cdlvi
A TV Rio sabia que para despertar o interesse do grande público que estava
chegando à televisão e que se formou através do rádio, devia oferecer-lhe aquilo que ele
gostava, conhecia e era familiarizado. Desta forma, foi ao encontro das celebridades do
radioteatro, que estavam na Rádio Nacional. Estabeleceu-se uma parceria e “O Grande Teatro
Orniex” passou a ser veiculado pelas duas emissoras, a Rádio Nacional e a TV Rio.
Nessa parceria, a TV Rio não recebeu apenas o programa, mas o dramaturgo, os
atores e técnicos da Rádio Nacional para a produção televisiva, uma vez que a rádio era
senhora absoluta no gênero.
34
Relação dos slides para o programa do dia 11 de dezembro de 1958
5ª feira – 21:50h Grande Teatro Orniex
TUDO EM NEGATIVO
1 – A TV Rio e / 2 – A Rádio Nacional / 3 – Têm o prazer de apresentar
4 – Grande Teatro Orniex / 5 – Hoje com o romance de / 6 – Aldous Huxley
7 – Adapatado para TV em três atos por DIAS GOMES /
8 – TRÁGICA PERFÍDIA
COMERCIAL AO VIVO
9 Tomam parte do espetáculo de hoje / 10 Daisy Lucidi Doris / 11
Vanda Lacerda Jane / 12 Yara Salles- Emily / 13 Denize Legry
Silvia/
14 Álvaro Aguiar Walter / 15 Samir de Montemôr Dr. Libbard 16
José Américo Inspetor / 17 João Fernandes Johnson / 18 Roque da
Cunha Garçon / 19 Coordenação de TV José Acrisio / 20 Diretor de
TV – Carlos Alberto / 21 – Cenografia e decoração – Pernambuco de
Oliveira/ 22 Sonoplastia Lourival Faissal, Arlenio Araujo e Urgel de
Castro / 23 – Operação de Áudio – Waldemar Ojeda Sucini e José Batista /
24 Contra-regra Ruy Vieira / 25 Maquiagem Eric Resapecki / 26
Iluminação – Dante Lecioli / 27 – Assistência de Direção – Silvia Ferreira /
28 – Direção Geral – Floriano Faissal/29 – Trágica Perfídia de Aldous
Huxley – Primeiro Ato /
SLIDES DE INTERVALOS
30 – Trágica Perfídia de Aldous Huxley – Segundo Ato/
31– Trágica Perfídia de Aldous Huxley – Terceiro Ato/
SLIDES DE ENCERRAMENTO
32 A TV Rio e a Rádio Nacional / 33 Apresentaram no / 34 Grande
Teatro Orniex / 35 A adaptação do romance de Aldous Huxley / 36 por
Dias Gomes / 37 TRÁGICA PERFÍDIA / 38 com os seguintes artistas /
39 Daisy Lucidi Doris / 40 Vanda Lacerda Jane / 41 Yara Salles
Emily / 42 Denize Legry Silvia / 43 Álvaro Aguiar –Walter / 44
Samir de Montemôr – Dr. Libbard / 45 – José Américo – Inspetor / 46 – João
Fernandes – Johnson / 47 – Roque da Cunha – Garçon/ 48 – Direção Geral –
Floriano Faissal / 49 A TV Rio, a Rádio Nacional e os Produtos Orniex /
50 Anunciam para a próxima quinta-feira / 51 Dia 18 de dezembro / 52
A adaptação em três atos para TV, por Dias Gomes / 53 da história
original de Jacques Viot / 54 SOMBRIO AMANHECER / 55
Agradecem a atenção e lhes desejam / 56 – BOA NOITE.
cdlvii
Devido à demanda de produção e os outros compromissos, a dramaturgia criada por
Dias Gomes, era usada tanto para o rádio, quanto para TV, uma vez que, o domínio técnico
adquirido no rádio, serviu-lhe de base para enveredar por esse novo caminho. O Grande
Teatro apresentava sempre adaptações de peças teatrais de autores renomados, assim como
romances da literatura brasileira e universal.
Os textos traziam didascálias específicas para TV, que haviam sido transcritas das
obras, quando veiculadas pelo rádio, com as adaptações necessárias, observe-se, por exemplo,
como ele transitou da dramaturgia radiofônica para a televisiva (Quadro 06), num mesmo
trecho da obra:
34
Programa: Grande Teatro Orniex
Texto: Trágica Perfídia
Veiculação: TV Rio – 11/12/1958
Versão integral: entregue apenas para a direção
geral, a sonofonia, a coordenação de TV, o
departamento de slides e o assistente de direção
Programa: Grande Teatro Orniex
Texto: Trágica Perfídia
Veiculação: Rádio Nacional – Sem data, em 1958
Versão integral: entregue a t
odos os envolvidos no
trabalho, atores, diretores e técnicos.
VÍDEO
Set 1 – “Living” em casa
de Walter Crayton –
Amplo, separado de sala
de refeições por uma
pequena arcada. Estilo
inglês, com toda a
sobriedade e o sentido do
conforto britânico. Entre
outras coisas, deve haver
um piano e um porta-
chapéus com espelho.
Uma escada que
comunica com o andar
superior e duas portas:
uma para a rua, outra
para o interior. Poltronas,
quadros, esculturas,
telefone, etc., revelando
posses e um gosto
conservador.
DETALHE – da bandeja
na mão de JOHNSON.
PAN
cdlviii
seguindo-o. Vê-
se a mão dele colocar uma
xícara de café diante de
EMILY depois outra –
diante de WALTER.
DOLLY BACK
cdlix
mostrando EMILLY e
WALTER, sentados um
em cada extremidade da
mesa, JOHNSON apanha
alguns pratos e retira-
se
cdlx
.
Silenciosamente,
mostrando o grau de
aborrecimento, a barreira
de incompreensão e
intolerância que há entre
ambos, WALTER e
EMILLY tomam café. Ela
o faz depois de tomar um
comprimido com água.
Walter parece distraído e
preocupado com outros
problemas que não a
presença de sua mulher. É
um homem de 40 anos,
bem conservado e dono de
grande simpatia pessoal.
Sóbrio em seu conflito
interior. Revela uma
ÁUDIO
CONTROLE – TEMA DA PEÇA / MÚSICA
CLÁSSICA, INSPIRAÇÃO INGLESA, SOLO
DE VIOLINO, MELANCÓLICA/ SÓBRIA.
CONTRA-REGRA – RUÍDO DE XÍCARAS
SOBRE BANDEJA, LÍQUIDO DESPEJADO
EM DUAS XÍCARAS, RUÍDO DE COLHER
EM PORCELANA.
JOHNSON – Mais açúcar, madame?
EMILLY – Não, obrigada.
CONTRA-REGRA – RUÍDO DE COLHER EM
MOVIMENTO NA PORCELANA.
JOHNSON – Sem açúcar como sempre, senhor?
WALTER – Sim, obrigado, Johnson.
CONTRA-REGRA – ÁGUA CAINDO NO
COPO, RUÍDO DE ROSCA DE FRASCO DE
VIDRO QUE ABRE E FECHA.
JOHNSON – Seu comprimido, madame.
EMILLY – Obrigada.
JOHNSON – Mais alguma coisa, senhores?
WALTER – Não obrigado.
CONTRA – REGRA – BARULHO DE
PRATOS, TRAVESSAS E TALHERES
SENDO RETIRADOS E EMPILHADOS.
JOHNSON – Com licença, senhores?
CONTRA – REGRA – PASSOS SE AFASTANDO,
PORTA INTERNA ABRE E FECHA,
- CORTE –
CONTRA-REGRA - SOM DA MECÂNICA DE
34
paciência prestes a
esgotar-se, nas cenas com
EMILLY e um ardor
juvenil quando
contracena com DORIS,
como se houvesse nele
duas personalidades
distintas. EMILLY é uma
mulher de 35 anos, ou
pouco mais.
Prematuramente
envelhecida pela doença.
Sua voz é sofrida,
lamurienta.
– CORTE –
CLOSE
cdlxi
– de EMILLY.
Ela o observa com olhos
de mártir, enquanto toma
o café.
- CORTE –
CLOSE – de WALTER.
Ele termina o café,
levanta-se
PAN seguindo Walter,
que sobe a escada.
- CORTE –
CLOSE – de EMILLY,
seguindo-o com o olhar,
tristemente.
Ela respira fundo e
levanta-se.
PAN acompanhando-a.
Ela vai sentar-se ao piano.
Abre-o.
– CORTE –
DETALHE – do teclado
do piano, vendo-se a mão
direita de EMILLY. Com
o dedo indicador, ela faz
soar, compassadamente,
irritantemente, três
notinhas. DOLLY BACK
de EMILLY. Em dado
momento, ela volta o
rosto, na direção da
escada.
- CORTE –
PAN – seguindo
WALTER que desce a
escada, já de sobretudo.
Ele atravessa o “living”, e
vai ao porta-chapéus.
Coloca um cachecol e
chapéu, olha-se quase
WALTER – Com
licença.
EMILLY
Vai sair?
WALTER – Vou...
ver negócios.
EMILLY – Será que
você já não
pode ficar em casa
durante mais meia
hora, Walter?...
WALTER – Faz
mais de duas horas
que estou em casa,
Emilly.
EMILLY – E
durante essas duas
horas não se dignou a
me dirigir a palavra
uma vez sequer.
WALTER
Almoçamos juntos.
EMILLY –
(IRÔNICA E
QUEIXOSA) – Oh,
é verdade, fui
injusta. Durante o
almoço, por
duas vezes você me
dirigiu a palavra.
Disse: Passe-me a
RELÓGIO, BARULHO DE XÍCARA SOBRE A
MESA.
WALTER – Com licença...
CONTRA – REGRA – PASSOS SE AFASTANDO,
PASSOS QUE SOBEM ESCADA.
CORTE –
EMILLY – (RESPIRA FUNDO) Ai.
CONTRA – REGRA – FARFALHAR DE
TECIDO, PASSOS ARRASTADOS.
ARRASTAR DE BANCO, ABRIR PIANO.
– CORTE –
SONOPLASTIA – MELODIA DE APENAS
TRÊS NOTAS NO PIANO, SOADAS
COMPASSADAMENTE,
IRRITANTEMENTE, SEM PARAR E SEM
MUDAR.
CONTRA – REGRA – PASSOS QUE DESCEM
A ESCADA, PASSOS PRÓXIMOS, PARAM,
RUÍDO DE TECIDOS GROSSOS.
SONOPLASTIA – PÁRA O PIANO.
EMILLY – Vai sair?
WALTER – Vou ... ver negócios.
EMILLY – Será que você já não pode ficar em
casa durante mais meia hora, Walter?...
CONTRA – REGRA – PASSOS MAIS
PRÓXIMOS. PÁRA.
WALTER – (CONTENDO A SUA
IRRITAÇÃO) Faz mais de duas horas que estou
em casa, Emilly.
34
vaidosamente no espelho.
- CORTE –
CONTRA –PLANO.
cdlxii
EMILLY ao piano em
CLOSE, WALTER em
terceiro ou quarto plano,
arrumando-se ao espelho.
Ela para com o piano.
WALTER vem a ela,
contendo a sua irritação.
salsa” e “Obrigado,
dispenso a
sobremesa”. (...)
EMILLY – E durante essas duas horas não se
dignou a me dirigir a palavra uma vez sequer.
WALTER – Almoçamos juntos.
EMILLY – (IRÔNICA E QUEIXOSA) – Oh, é
verdade, fui injusta. Durante o almoço, por duas
vezes você me dirigiu a palavra. Disse: “Passe-me
a salsa” e “Obrigado, dispenso a sobremesa”. (...)
Quadro 06-Trânsito da dramaturgia de Dias Gomes pelo rádio e televisão
cdlxiii
O trecho permite uma leitura de como essa “Dramaturgia Híbrida” era desenvolvida
pelo dramaturgo. Tudo aquilo que, nas didascálias para o rádio, era executado pelo
sonoplasta, pelo contra-regra e pelos atores, ao ser transposto para a televisão, surge na
ambientação dos sets, na movimentação das câmeras, na expressão dos atores. Há uma
descrição detalhada daquilo que deveria ser executado na televisão, enquanto que as
didascálias para o rádio são mais objetivas e diretas.
Percebe-se, também, que situações transmitidas através do diálogo e das didascálias
direcionadas ao contra-regra na dramaturgia radiofônica transformaram-se apenas em
didascálias na produção televisiva.
RÁDIO:
CONTRA-REGRA RUÍDO DE XÍCARAS SOBRE BANDEJA,
LÍQUIDO DESPEJADO EM DUAS XÍCARAS, RUÍDO DE COLHER
EM PORCELANA.
JOHNSON – Mais açúcar, madame?
EMILLY – Não, obrigada.
CONTRA-REGRA RUÍDO DE COLHER EM MOVIMENTO NA
PORCELANA.
JOHNSON – Sem açúcar, como sempre, senhor?
WALTER – Sim, obrigado, Johnson.
TELEVISÃO:
DETALHE da bandeja na mão de JOHNSON. PAN seguindo-o. Vê-se
a mão dele colocar uma xícara de café diante de EMILY depois outra
diante de WALTER.
DOLLY BACK mostrando EMILLY e WALTER, sentados um em cada
extremidade da mesa, JOHNSON apanha alguns pratos e retira-se.
cdlxiv
34
O momento vivenciado por Dias Gomes na TV Rio, apesar da aprendizagem de
uma linguagem nova e a oportunidade de transitar pelas dramaturgias, foi encarado pelo
dramaturgo como uma forma de driblar seus problemas econômicos, na verdade ele se deu
conta de uma produção de dramaturgia televisiva, com suas características, durante o período
da ditadura militar. Suas referências ao “Grande Teatro” referem-se apenas como obras para
veiculação radiofônica.
(...) Embora o rádio também não fosse o meu caminho, era pelo mais
divertido. (...) Em compensação, em 1958, tinha agora uma linda filha,
Denise, e Janete lançava (...) sua primeira novela de sucesso (...) a gente,
pelo menos, comia do rádio. (...)
cdlxv
(...) Eu encaro a televisão como uma experiência que eu fiz,a partir de 1969,
que foi gratificante para mim e que eu não me arrependo de ter feito. Fui
fazer televisão pressionado por fatores econômicos, pela impossibilidade de
continuar vivendo de teatro, (...) de viver escrevendo para teatro. Eu acho um
absurdo esta concepção de que o autor deve viver de outra coisa, ganhar
direito autoral como puder e viver de outro trabalho. O dramaturgo, na
minha opinião, deve viver do teatro, para que possa realmente experimentar,
aproveitar os resultados do seu trabalho e não tenha hiatos na sua carreira,
como eu tive. Para o dramaturgo, este tipo de interrupção é prejudicial, você
tem que retomar um caminho e você perde a continuidade. A gente pode
dizer que o hiato foi bom, que houve estudo, leitura, aprofundamento, foi
válido. Mas o que é válido mesmo é escrever para teatro, ver as experiências
encenadas, continuar trabalhando. Por maiores contribuições que o rádio
tenha me dado, não adianta: se fizermos as contas, foi prejuízo. Melhor teria
sido para mim, continuar no teatro. E as peças da minha segunda fase
poderíam ter surgido antes. (...) Mas o autor vive mesmo de teatro no
Brasil, se fizer concessões, eu não fiz, (...) eu tive que escrever para o
rádio.
cdlxvi
que se discordar dessa colocação do dramaturgo (Figura 76), uma vez que a
experiência com a radiofonia oportunizou a Dias um mergulho na dramaturgia e literatura
universais, como suporte da construção de sua obra posterior a esse período. A adaptação do
radioteatro para a televisão (Quadro 07) possibilitou que ele entrasse em contato com uma
nova forma, porém, mais do que isso, deu-lhe as ferramentas para que, suas didascálias
trouxessem para o teatro as características do roteiro televisivo e permitissem a ele, cioso de
suas criações, adaptá-las para diversas linguagens.
34
Figura 76-Dias Gomes, em trabalho de composição
cdlxvii
Programa: Grande Teatro Orniex
Texto Divórcio
Veiculação: TV Rio – 25/12/1958
Hora: 22:10h
VÍDEO ÁUDIO
Projetor – Filme: Bombardeio (Guerra de 1914) SONOPLASTIA – RUÍDOS DE BOMBARDEIO
- FUSÃO -
cdlxviii
SET 1 – Sala de um sanatório. Apesar de tudo
caracterizar um Hospital, há um piano.
A FUSÃO é feita nas mãos de um PIANISTA em outro
piano, executando peça forte, agitada
- CORTE -
M/CLOSE – de WILLIAM, ao piano.
DOLLY BACK, até enquadra os dois MÉDICOS,
observando-o à distância.
DIRETOR faz um movimento afirmativo com a
cabeça.
WILLIAM pára de súbito
WILLIAM chama
DIRETOR vai a ele
WILLIAM fala febrilmente, obstinadamente
DIRETOR – É um caso triste...
MÉDICO – Neurose de guerra?
DIRETOR – Veio para cá amarrado. Felizmente havia
aqui um piano. É a única maneira de acalmá-lo, deixá-lo
tocar.
MÉDICO – E toca bem
DIRETOR – A esposa esteve aqui. Disse que ele foi um
excelente pianista. Tinha uma brilhante carreira dentro de
si...
MÉDICO – Como se chama?
DIRETOR – Ferfield... William Ferfield.
SONOPLASTIA – CESSA PIANO
WILLIAM – Doutor?
DIRETOR – Que é? ...
WILLIAM – Que dia é hoje?
DIRETOR – Hoje? ... Primeiro de dezembro de 1919.
WILLIAM – Dentro de poucos dias devo dar o meu
primeiro concerto em Londres. Creio que não vou ter
tempo de preparar-me. Preciso estudar. Estudar muito!... E
não me deixam!... Não me deixam. Aquelas garras pretas
34
WILLIAM volta a tocar febrilmente.
não me deixam!
PIANISTA – VOLTA O SOLO DO INÍCIO.
- CORTE –
DETALHE DAS MÃOS DO PIANISTA
SLIDES (SUPERPOSIÇÃO)
SET 2 – Sala de audiências de um magistrado inglês.
Duas mesas, uma delas sobre um praticável, outra é a
sua frente, num nível mais baixo. Sobre esta última,
alguns papéis, encadernados, como num processo.
DETALHE – O processo sobre a mesa. A mão do JUIZ
entra no quadro apontando uma linha do papel.
A mão de MARGARET entra no quadro com uma
caneta entre os dedos e pousa sobre o papel.
A mão de MARGARET escrevendo. Assina.
A câmera passa enquanto ela escreve, até enquadrá-la
em MEDIUM/CLOSE.
PIANO STUDIO
JUIZ – Queira ter a bondade de assinar aqui, nesta linha,
Mrs. Ferfield. Datar e assinar.
MARGARET – Que dia é hoje, Gray?
GRAY – 19 de outubro de 1934.
MARGARET – Pronto.
- CORTE -
Quadro 07-Dramaturgia televisiva de Dias Gomes
cdlxix
Em entrevista ao jornalista Flávio Mariano, na Revista Ele&Ela, outubro de 1983,
Dias Gomes afirmou que a televisão é incapaz de provocar reflexão, portanto, para ele, não
transmite consciência, porque é um meio de distração linear, horizontal, onde as imagens se
sucedem umas atrás das outras e ninguém pára para refletir, o vídeo causa o impacto
momentâneo, mas sem profundidade (Figura 77). Exatamente, por isso, o dramaturgo revela
seu cuidado “cirúrgico” quando escreve as didascálias para a televisão, objetivando que não
mudem, no mínimo, a essência da dramaturgia e as suas convicções que nela estão
mergulhadas.
Não existe o menor respeito ao diálogo, estropiado em várias cenas, em
nome de uma suposta naturalidade, que faz com que os atores digam um
texto que eu não escrevi, embora parecido, e que eu teria escrito se não
soubesse escrever. Essa infidelidade ao diálogo, entretanto, vai se
tornando praxe na televisão, como se fosse um acessório perfeitamente
descartável. Infelizmente. Lamúrias? Preciosismo de autor? Talvez? Mas
não jogo a toalha.
cdlxx
34
Figura 77-A família diante da televisão
cdlxxi
Os capítulos que se seguem nesta pesquisa – após a análise do rádio e das relações e
da produção de Dias Gomes neste veículo –, estão voltados a detalhar as obras “O Pagador de
Promessas” e “O Rei de Ramos”, dirigindo uma atenção especial às suas didascálias e
percorrendo o trânsito que as dramaturgias fizeram pelas diversas linguagens.
CAPÍTULO 4 - O PRIMEIRO VERBO ESCOLHIDO DE DIAS GOMES
Este capítulo está voltado para o estudo da obra “O Pagador de Promessas”.
Dividido em oito segmentos, ele parte da primeira aparição na montagem teatral no TBC
Teatro Brasileiro de Comédia –, passa pela análise da personagem “Zé do Burro”, pelo
sincretismo religioso, pelas bases da construção textual e por fim pelas demais linguagens
percorridas pela obra: o cinema, o rádio, a televisão e a ópera.
4.1 A ESCOLHA DAS OBRAS
34
Procuraram-se textos que pertencessem à segunda fase da produção dramatúrgica
do escritor, então, criados após a vivência do dramaturgo no rádio, e que transitaram por mais
de uma linguagem, além de serem obras engajadas politicamente e permeadas por uma leitura
crítica do momento político, histórico e social em que estariam inseridas. Foram selecionados
os textos “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos” por atenderem às premissas
estabelicidas, como deixa aliás entrever a seguinte crítica:
Creio que essa peça tem muito a ver com as outras, na medida em que,
todas elas, (...), terminam sendo uma análise do homem brasileiro. Este é o
traço comum que liga todas elas: o homem colocado numa sociedade
opressora, castrativa. Uma visão de mundo que talvez seja a grande
coerência do conjunto de minha obra. A diferença está no fato de que eu
sempre desprezei o psicológico, optando pelo épico. O “psicologismo” fez
uma coisa contra a qual toda a minha geração sempre teve um certo
preconceito. Talvez porque a minha geração tenha sido a primeira a tentar
se libertar de Freud, muito sob a influência de Brecht.
cdlxxii
“O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos” pertencem ao rol das obras
contemporâneas do teatro brasileiro e são do conhecimento do grande público “onde
quaisquer que sejam as convicções intelectuais, a sensibilidade está impregnada de horror às
tiranias, às ditaduras, às prepotências. As diferentes feições acumuladas por criaturas afins,
demonstram a luta por um enriquecimento progressivo”.
cdlxxiii
As obras sugerem um debate
estético de difícil conclusão tão comuns no diversificado universo brasileiro, de onde o
dramaturgo sabia recolher os elementos para armar seu jogo teatral:
(...) Daquela visita a Portugal minha memória fixou também as palavras da
apresentação que de mim fez Augusto Boal – que lá estava exilado –
antecedendo uma palestra que fiz para alguns artistas:
– O povo brasileiro lutou contra a ditadura getulista e Dias Gomes estava lá.
Lutou pela paz mundial e Dias estava lá. Lutou contra a Censura e Dias
estava lá. Lutou contra a ditadura militar e Dias estava lá.
Ao que parece, Boal não me via como dramaturgo, mas apenas como
militante político, o que não vinha ao caso e me constrangia. Comecei
minha palestra dizendo:
– Bem, senhores, eu sou aquele que “estava lá” e agora “está aqui”.
cdlxxiv
As personagens protagonistas são plenas de brasilidade, estejam elas inseridas no
meio urbano ou rural, utilizando-se ou não da metaforização, denunciam os processos de
exploração, lutam pela liberdade da palavra e das ações, através de deslocamentos de
34
perspectivas que passam do banqueiro contraventor do jogo do bicho no Rio de Janeiro
contemporâneo a um mártir da sociedade conservadora, corrupta e oportunista do Nordeste.
Em seu depoimento ao Serviço Nacional de Teatro, Dias Gomes ao ser questionado
por Thereza Rachel sobre sua criação para o rádio, assim se pronunciou:
Eu fiz um programa no rádio, que também foi muito bom para mim. Era um
programa de folclore chamado “Todos Cantam sua Terra”, na Rádio
Nacional. Cada programa era dedicado a um estado e exigia um
levantamento da História do Brasil, do folclore, com as lendas, as
superstições, o povo. Isso me deu um vasto conhecimento do povo
brasileiro, das frustrações, lendas, música popular. O Pagador de Promessas
(Figura 78) deve muito a este trabalho. (...) Eu devo muito ao rádio, porque
eu sempre procurei fazer com que o trabalho no rádio não fosse alienatório
para mim, que havia um grande perigo nesse sentido. Eu entendi isso
logo e vi que, se eu trabalhasse numa programação do tipo
“divertissement”, seria para mim um naufrágio. (...) Mas O Rei de Ramos
(Figura 79) é um texto político? Não saberia responder. Talvez não na
acepção corrente do termo. Ou o é na medida em que todo teatro é político.
(...) Claro, a peça transmite uma visão de mundo, assume uma visão crítica
e isso a faz política. (...)
cdlxxv
Fig. 78-Leonardo Vilar e Dionísio de Azevedo, em “O Pagador de Promessas”, adaptação para o cinema
cdlxxvi
Figura 79-Paulo Gracindo, na Telenovela “Bandeira 2”
cdlxxvii
Dias Gomes traz para a cena o Brasil pleno, inteiro, sem restrições. Pode-se ver a
luta eterna entre o que é rural e o que se presume urbano: o contraventor amado por todos que
dele dependem e ao mesmo tempo implacável com aqueles que a ele se opõem. O país
multicultural e atemporal, o ser humano eternamente intolerante às diferenças.
O crítico e ensaísta Yan Michalski, ao escrever sobre a obra de Dias Gomes,
ressaltou pincipalmente a capacidade do dramaturgo em apresentar as características de
brasilidade plena na construção de suas personagens:
(...) conta com um excepcional dom de observação das peculiaridades do
caráter nacional, quer se trate do sertanejo perdido num interior quase
medieval, do favelado exposto às agruras da selva do asfalto, ou do jovem
intelectual que seqüestra um embaixador nos tempos da luta armada. Por
34
outro lado, apesar de o teatro ser rico em personagens de forte carisma
pessoal, ele evita consistentemente dar destaque prioritário a problemas
individuais: seus verdadeiros protagonistas são sempre, com maior ou
menor nitidez, corpos coletivos, cujos comportamentos se regem muito
mais por condicionamentos de caráter social, cultural e político do que por
motivações de realismo psicológico. Apesar da objetividade da crítica social
que é a mola mestra do seu trabalho, ele não renega, mas pelo contrário
explora generosamente, elementos de fantasia, misticismo e tradição lúdica
popular; da mesma forma como não hesita em misturar toques de autêntica
tragédia com um humor corrosivo que é uma presença constante nas suas
peças.
cdlxxviii
Assim, pode-se detectar na dramaturgia de Dias Gomes, freqüentemente, que, a
partir de uma situação comum, corriqueira, simples, surge um desdobramento, proporcionado
pelas “peripécias” da construção do drama, que acaba por revelar toda uma intenção que
parecia oculta. O autor parte de uma situação de base realista e vai paulatinamente
encaminhando-a para as intenções que nela estavam contidas, desde o início, e que são as suas
reais metas, um compromisso perene com a crítica aos aspectos sociais e políticos do Brasil.
4.2 O PAGADOR DE PROMESSAS
A obra O Pagador de Promessas” tem origem nas manifestações religiosas
católicas populares, que permeiam a sociedade brasileira. Segundo os documentos históricos
da religião católica, as promessas
cdlxxix
são comuns entre os fiéis. Nos sacramentos, como no
batismo, onde pais e padrinhos fazem promessas pela criança, ou no matrimônio, quando os
noivos prometem fidelidade mútua. O fato é concreto entre os católicos, as promessas a Deus
ou a algum santo para o cumprimento de um ato “heróico”, obter um bem físico ou material,
surgem todos os dias e, caso o fiel receba a graça, ele vai “pagar a promessa” (Figura 80).
A pesquisadora Solange Ramos de Andrade
cdlxxx
cita o autor espanhol Maria Jesús
Buxó I Rey
cdlxxxi
para descrever a religião como um sistema de crenças, de rituais e
hierarquias eclesiásticas, que compõem o bloco de estratégias cognitivas relativas aos
significados da vida e da morte.
Buxó I Rey defende que a religião popular refere-se à vitalidade da imaginação do
povo, sem o uso da reflexão intelectual, somando ao seu senso comum as crenças religiosas e,
pelo menos, não exclusivamente. Ela inclui todas as formas de assimilação ou de
contaminação e, sobretudo, a leitura popular do cristianismo, como também as formas de
criatividade especificamente populares. Portanto, como documento, a prática religiosa deve
ser lida em sua especificidade. Cada processo tem um grupo humano em movimento,
34
hierarquizado tanto interna quanto externamente, caracterizando as premissas de seus gestos,
a cronologia de sua exibição e as peculiaridades de seu ritual. Para ele, deve-se estar atento à
aparição das complexas relações de autoridade-obediência, paradigma-mimetismo, poder-
submissão, o que contribuiria para expandir sua capacidade de compreensão.
cdlxxxii
Quando se pensa em manifestação religiosa, se pensa em cultura, como bem afirma
Émile Durkheim: “que as representações religiosas são representações coletivas, que
representam realidades coletivas.”
cdlxxxiii
Sabe-se que muitos dos que fazem promessas e, depois da graça alcançada, não têm
condições físicas, psíquicas ou materiais, para saldar as dívidas”, sentem-se angustiados,
inseguros, assombrados, pois temem que algo de mau ou um castigo lhes seja imposto por
Deus ou pelo santo, por faltarem com suas obrigações.
A própria Bíblia documenta o costume das promessas, quando narra fatos de
pessoas, em situações difíceis e necessitando de auxílio divino, que prometeram fazer ou
omitir algo, caso fossem atendidas, como é o caso de Ana, mulher estéril, que tornou-se mãe
de Samuel, depois de uma promessa, no primeiro livro dos Salmos, capítulo 1, versículo 11.
Já, segundo a mitologia do candomblé, quando os orixás
cdlxxxiv
retornaram a Orun,
cdlxxxv
deixaram na Terra seus conhecimentos e instruções sobre as formas de como deveriam ser
cultuados, os toques rítmicos dos atabaques, as comidas prediletas e específicas e os
costumes, para que fossem seguidos pelos seus descendentes. O homem, então, começou a
fazer pedidos aos Orixás e, para que cada pedido fosse atendido, eles ofereciam uma comida
em troca, numa relação inversa ao rito cristão, em que a promessa só é “paga” após a
ocorrência do desejo. Os Orixás sempre aceitam as oferendas, independentemente dos pedidos
virem a ser atendidos ou não. Segundo o ritual, quando um orirecebe um pedido, leva-o a
Olorun e este decide se ele será concedido ou não, de acordo com o merecimento da pessoa.
O que se pode observar, em ambas as religiões, é que muitas vezes a prática das
promessas nem sempre é salutar, porque essas práticas não admitem que Deus, os santos e as
divindades sejam atraídos tal qual um homem comum, capaz de ser aliciado por dádivas ou
pagamentos.
O Brasil é um celeiro de “promessas”, muitas vezes abastecido pela fé, pela
religiosidade que cobre o país, mas também, pela ignorância, pela fome, pela doença, pela
total falta de condições básicas de vida, em que apenas o poder divino surge como única
forma de salvação.
É nesse espaço que se instala grande parte da população. Um exemplo dessa prática
religiosa de se fazer promessas para a obtenção de dádivas pode ser observado na procissão
34
em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré, o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, onde a
figura do pagador de promessas é presença obrigatória.
O jornalista e escritor Ribamar Fonseca, posiciona-se sobre o acontecimento dessa
forma:
São muito diversificadas as maneiras pelas quais cada um paga a sua
promessa. Simbolizando o salvamento de um enfêrmo às portas da morte,
crianças e adultos acompanham a procissão (...) com mortalhas, enquantos
outros vestem trajes de santos e apóstolos. Há também os que conduzem, na
cabeça, pedras, melancias, tabuleiros e até potes de água, para dar de beber
aos romeiros, como pagamento de uma promessa pela graça alcançada. (...)
ainda os que carregam pesadas cruzes de madeira, enquanto outros, em
sua maioria cablocos, conduzem miniaturas de um naufrágio. (...) Há os que
acompanham a procissão em seu trajeto, cerca de nove quilômetros, de
joelhos. (...) A grande maioria (...) paga sua promessa com figuras em cera
de cabeças, pernas, troncos e animais. (...) Esses “milagres”, como são
chamados, são atirados para dentro do “carro dos milagres”, um bote com
crianças vestidas de marinheiro. (...) A maioria das pessoas que segura a
corda que puxa o carro onde está a imagem da santa está, também, pagando
promessa.
cdlxxxvi
A religiosidade brasileira é diversa, porém, com tendência muito tênue à tolerância
e à mobilidade entre elas. A pureza religiosa mais autêntica permitiu a Dias Gomes um
mergulho nesse oceano profundo que é a miscigenação cultural, que se apresenta nas festas
populares e parece manter e organizar a mistura de diferentes identidades e crenças que
modelam o homem brasileiro (Figura 81).
Figura 80-Um anônimo pagador de promessas no Círio de Nazaré, em Belém do Pará
cdlxxxvii
34
Figura 81- Cerimônia da Irmandade da Boa Morte na cidade de Cachoeira
cdlxxxviii
4.3 A PRIMEIRA APARIÇÃO
A primeira montagem de “O Pagador de Promessas” aconteceu em 29 de julho de
1960, no TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, sob a direção de Flávio Rangel,
que, usando as inovações e recursos do encenador francês Jean Villar junto ao Théâtre
National Populaire, como a eliminação do pano de boca, as mutações do espaço cênico à vista
do público, o fim da ribalta, o poço da orquestra transformado em uma extensão do palco.
Como Villar não pôde modificar a arquitetura do teatro, ele tirou proveito dela criando
situações funcionais e momentos de encontro entre o público e os responsáveis pelo
espetáculo, técnica reproduzida pelo diretor brasileiro em sua montagem. Pleno dessas idéias,
Flávio Rangel fez com que alguns dos atores descessem à platéia e enfrentassem o público,
falando-lhe diretamente, rompendo a quarta parede e as convenções do teatro realista. Os
cenários e figurinos de Cyro Del Nero mostraram-se mais que convincentes, eram expressivos
e minuciosos, principalmente ao reconstituir a perspectiva do casario de Salvador, ao mesmo
tempo em que coloriu o ambiente com tons alegres e populares, mas que chocou a platéia
paulistana, que o hostilizou violentamente. (Figura 82). A respeito dessa montagem, o crítico
Décio de Almeida Prado assim se pronunciou:
34
Fig. 82- Peça “O Pagador de Promessas”
cdlxxxix
(...) Alarguemos, para começar, a perspectiva Zé-do-Burro, o pagador de
promessas, não entra em choque somente contra a Igreja. É toda a cidade de
Salvador, com suas prostitutas e os seus rufiões, os seus jornalistas e os seus
negociantes interesseiros, os seus delegados e os seus padres bem falantes,
que ele tem imensa dificuldade já o diremos de aceitar, mas de
compreender. Uma das cenas mais engraçadas e efetivas da peça é aquela em
que o jornalista, entrevistando-o, vai, traduzindo em termos de “manchetes”
as suas declarações. (...)
cdxc
Dias Gomes ao se pronunciar sobre “O Pagador de Promessas” revela que é “a
história de um homem que não quis conceder e foi destruído”.
cdxci
Então, no processo de
montagem, o diretor Flávio Rangel captou a essência da história, para transformá-la em
imagens, que traduziram os homens mergulhados nas características do povo brasileiro.
O Pagador de Promessas (...) já nos permite fixar algumas das características
de Flávio Rangel como encenador. A sua primeira virtude é saber enxergar o
espetáculo como um todo. Ele não a palavra impressa, mas a
representação, incluindo-se nela aqueles elementos mímicos e musicais, com
preferência pela música popular autêntica, que são servidos pelas indicações
do texto e capacitando-o a prolongar seu alcance. Os capoeiras, (...), os
cantadores e dançadores de Santa Bárbara, as devotas, os basbaques,
integram-se na ação, só vindo ao primeiro plano quando a natureza do
enredo exige. (...) A acuidade rítmica, o uso do espaço e tempo cênicos,
parece-nos sem falhas. (...)
cdxcii
34
Dias Gomes deixa claro em suas memórias que, desde a escolha de “O Pagador de
Promessas” por Fanco Zampari
cdxciii
para ser montado pelo TBC, ele já havia escolhido Flávio
Rangel para dirigir seu texto, justificando o porquê da opção:
(...) Após comedidos elogios, Zampari perguntou-me, em seu forte sotaque
italiano, qual o diretor que eu sugeria.
– Flávio Rangel – respondi sem hesitar.
Flávio, muito jovem ainda, acabara de dirigir Gimba, de Guarnieri, por
coincidência o primeiro espetáculo a que assisti após terminar O Pagador.
Uma mise-em-scène vibrante e, sobretudo, bem brasileira. Descobri ali o
diretor ideal para a minha peça.
– Fávio Rangel – repetiu Zampari, como se aquele nome não lhe fosse
estranho.
– Acabou de dirigir Gimba – ajuntei.
A, sim ... mas é um menino. Temos grandes diretores contratados,
Madame Morineau, Daversa...
Essa peça só pode ser dirigida por um brasileiro enfatizei. Flávio
Rangel é o diretor certo.
cdxciv
A primeira montagem de “O Pagador de Promessas” contou com o seguinte elenco:
Leonado Vilar Zé-do-Burro; Natália Timberg Rosa; Cleyde Yaconis Marli; Maurício
Nabuco Bonitão; Elísio Albuquerque – Padre Olavo; Odovlas Petti Sacristão; Stênio
Garcia Guarda; Amélia Bittencourt Beata; Jorge Ovalle Galego; Jacyra Sampaio
Minha Tia; Altamiro Martins Repórter; Jorge Chaia Dedé Cospe-Rima; Moacyr Marchesi
Secreta; Marcello Bittencourt
Delegado; Jean Thurret Mestre
Coca; Sérgio Dantas – Monsenhor;
Batista Oliveira Manoelzinho Sua-
Mãe; Assis – Ananias – Vicente
Félix João e Jorge Roda de
Capoeira. Desde a auspiciosa
estréia, a montagem foi
imediatamente destacada pela
imprensa técnica e tornou-se sucesso
de público e crítica.
A primeira aparição de “O
Pagador de Promessas” foi um
espetáculo de impacto, que
34
consolidou a adesão da companhia à dramatugia nacional. Leonardo Vilar (Figura 83), na
época com 36 anos de idade, que desde 1948 já chamava a atenção da crítica, chegou ao pleno
reconhecimento profissional, devido ao sucesso de sua interpretação como Zé-do-Burro,
porém, as características pessoais do ator sempre o mantiveram afastado dos clichês do
estrelato. Ao ser interpelado a respeito do sucesso declarou: “(...) os papéis bem escritos
trazem a emoção, trazem tudo”.
cdxcv
Figura 83-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, no TNC
cdxcvi
4.4 ZÉ-DO-BURRO, BRASILEIRO UNIVERSAL
Dias Gomes afirmou a legitimidade do povo brasileiro através da pureza, inocência
e profunda humanidade da personagem do Burro de “O Pagador de Promessas”, (Figuras
84 e 85). A dramaturgia proporciona a união equilibrada de um texto forte, uma história de
peso e o domínio dos meios cênicos, pontuados pelas didascálias.
Fig. 84-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, direção de Graça Melo, Teatro Santa Isabel, Recife
cdxcvii
Fig. 85-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, montagem da Fundação Gregório de Matos, Salvador
cdxcviii
A esse respeito, o pesquisador Peter Schoenbach, em sua tese de doutoramento,
assim se pronuncia:
(...) A excelente carpintaria, que Dias revela no desenvolvimento da trama,
utiliza muitas das técnicas da tragédia clássica. A ação, dividida em três atos,
transcorre em vinte e quatro horas e num local. As unidades tradicionais
conjugam-se com a oposição trágica dos dois mundos para criar uma
34
sensação de determinismo do destino. O diálogo, como em geral ocorre na
obra de Dias Gomes, é vivo e ocasionalmente engraçado, com indicações
cênicas precisas na construção da dramaturgia. “O Pagador de Promessas” é
um eficaz documento de protesto social contra as iniqüidades do Brasil
moderno. Dias incorpora os vivazes elementos da realidade baiana para
tratar do tema universal do indivíduo em luta contra as forças
desumanizadoras da sociedade. (...)
cdxcix
O “Pagador de Promessas” é uma peça que trata da liberdade do homem, oprimida
por todo e qualquer tipo de poder. Problemas que continuam e continuarão, porque são
problemas humanos e eternos, portanto, o tema da obra é Universal (Figura 86).
Figura 86-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, pelo Teatro de Amadores de Pernambuco
d
O escritor e poeta espanhol, Carlos de la Rica, em artigo da “Revista de Cultura
Brasileña”, publicada pela Embaixada do Brasil em Madri, de junho de 1962 a novembro de
1981, com o objetivo de ser um espelho da produção cultural do Brasil, ao escrever sobre “O
Pagador de Promessas”, posicionou-se de forma a caracterizar a obra através das seguintes
colocações:
Para começar, faço esta afirmação: Alfredo Dias Gomes escreveu uma obra
importante do teatro do povo. O Pagador de Promessas, como Divinas
Palavras, ou A Casa de Bernarda Alba, ou Mãe Coragem, é a mais vívida
palpitação de um povo, de pessoas, de categorias sociais que vivem e se
alentam dentro de uma nebulosa de ancestros, que, forçosa e
inevitavelmente, conduzem à tragédia. Não há nada, nem ninguém que possa
34
sufocar este teatro, porque, tal como o grego, joga com as mais puras
essências humanas. (...) Drama do povo, da mais imperiosa e angustiada
humanidade, sempre alijada do artificialismo dos salões, em contato com as
forças naturais que o provocam. (...)
di
A personagem Zé do Burro é um crente interiorano, ainda em estado puro de
caráter e linha de conduta. A ausência de conhecimento do mundo, marcada pela falta de
escolaridade, torna Zé uma presa fácil dos articuladores de um sistema corroído pela
arbitrariedade, pela soberba, pela intransigência. Ele pode ser visto como um subversivo do
sistema, porque se trata de uma pessoa que quer ser fiel à sua palavra e, embora sinta que
destoa do todo, não quer ceder diante dessa realidade. do Burro é marcado pelo fanatismo
religioso, uma força messiânica com vetorização dupla de energias, a primeira que empurra e
energiza e a segunda que escraviza o homem crédulo do povo.
Esse homem cai em meio ao banditismo, fruto da exclusão social, onde a
ignorância se alastra e se perpetua, por meio da projeção do populismo, das ilusões dos
intelectuais progressistas sobre o seu papel histórico, da intolerância cultural, racial, religiosa,
que regem uma dramaturgia inserida no continente invencível e em constante mobilidade da
“realidade brasileira”.
A personagem “Padre Olavo” encarna o poder, o radicalismo, a ortodoxia, a
intolerância, a prepotência sobre qualquer sorte de idéias novas, de qualquer ação diferente da
forma tradicional, que possa vir a reverter a ordem estabelecida. Aquele padre pode ser um
religioso, um ditador, um general. A peça de Dias Gomes quer evidenciar questões sociais e
culturais da vida brasileira, e não o aprofundamento psicológico das personagens, como
afirma o jornalista Paulo Francis:
A peça de Dias Gomes é ambígua, numa época em que parte do teatro
procura definições explícitas. A ambigüidade surge, em parte, de um desejo
de aprofundamento humano num texto político. A idéia do autor vai contra a
intolerância. Generaliza para universalizar. Não fecha em dogmas o que tem
a dizer. Dogmas são sintomáticos de intolerância. Existe uma humanidade
básica que está certa, pois é a expressão mais autêntica do homem. E dela
devem partir as concepções de justiça. O Protagonista, Zé-do-Burro, é
humilde e ignorante. Tem um senso de bondade fundamental, rousseauniano.
Suas manifestações culturais são primárias. Aqui, aparecem através de um
sincretismo, em pagamento de uma promessa que fez para salvar a vida de
um amigo amado, um burro. É tolhido nessa expressão por um padre, que
dogmaticamente exclui o que de honesto neste sentimento, pois a forma
pela qual está expresso vai contra o regulamento formal da Igreja. Trava-se a
batalha. Zé-do-Burro morre nela. Sua morte unifica o povo que assiste ao
conflito, e este povo força o padre a aceitar o cumprimento da promessa do
Zé-do-Burro. (...)
dii
34
A postura crítica evidencia-se através de aspectos que se seqüenciam de maneira
encadeada e em crescente continuidade
: intolerância da Igreja Católica, personificada no
autoritarismo do “Padre Olavo”, e na insensibilidade e arrogância do “Monsenhor” convocado
a resolver o problema; a incapacidade da autoridade que representa o Estado na peça a
polícia de lidar com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural
em um caso de polícia, sem deixar de apontar o envolvimento de Secreta, representante da
denominda “banda podre da polícia”, com Bonitão; a voracidade inescrupulosa da imprensa,
presente na figura do Repórter, um caçador de sensacionalismo, mau-caráter, completamente
desinteressado do drama do protagonista, mas muito interessado na repercussão que a história
pode ter, e nos benefícios que poderá usufruir dela; o abismo que separa o Brasil urbano do
Brasil rural. Zé-do-Burro não consegue compreender por que tentam impedi-lo de cumprir sua
promessa, enquanto que os padres, a polícia, a imprensa não conseguem compreender quem é
Zé-do-Burro, sua origem ingênua, portador de outros códigos culturais, outras posturas; a
postura de “Pilatos” assumida pelo “Monsenhor” que não faz uso de sua autoridade no sentido
de dar fim ao embate. Ele opta por oferecer ao crente uma solução paliativa e, quando esta é
rejeitada, assume uma postura de “lavar as mãosdiante dos acontecimentos; a presença de
personagens de variadas facetas populares: o gigolô esperto, a vendedora de quitutes, a
prostituta apaixonada pelo gigolô, o poeta improvisador, os capoeiristas, o estrangeiro
comerciante, a beata carola, a roceira que sonha com o mundo urbano; o desfecho que revela
dois caminhos: o primeiro, que aponta a morte de como inevitável, devido ao choque
cultural que se estabelece, uma vez que ninguém, entre as autoridades que se apresentam, é
capaz de aceitar e assimilar o sincretismo religioso, característico das mais diversas camadas
sociais brasileiras, principalmente as do Brasil rural e nordestino; o segundo, que, com a
entrada dos capoeiristas na igreja, carregando a cruz com o corpo, revela que o povo
compreende o gesto de Zé, atende ao seu desejo e consterna-se com a inutilidade da sua
morte.
A personagem Zé-do-Burro é marcada pela “identificação”. Isto é, ela carrega
consigo características que cativam os espectadores. A platéia quer personagens que a
conduzam por caminhos estranhos e ao mesmo tempo familiares. apresenta uma jornada
inusitada levar uma cruz desde a sua cidade no interior da Bahia, até o altar de Santa
Bárbara em Salvador –, mas também familiar, pois a religiosidade é um aspecto inerente ao
homem. A platéia se reconhece no desejo puro de Zé, que apenas quer prestar contas à Santa,
identifica-se com suas esperanças, seus sonhos. “O Pagador” é agente da platéia no mundo de
ficção do palco, desempenhando o desejo de justiça da platéia.
34
Zé-do-Burro faz com que o público se identifique com seu objetivo e com as ações
que desempenha para atingi-lo, trata-se de uma personagem que se mostra forte desde sua
instalação na cena, porque possui metas e objetivo concretos e, quanto aos seus desejos
abstratos, como cumprir a palavra dada à Santa, são conceituais.
é um herói brasileiro, que “carrega a ação”, luta por um prêmio cumprir sua
promessa –, um combatente, um protagonista. Dissecando a palavra protagonista: pro ser
“por” alguma coisa; agonista “lutar”, “lutar por alguma coisa”. Ele é um homem em ação,
em busca, em mudança, em evolução, portanto, uma personagem bem sucedida. Mudar
fascina, nem que seja mudar da vida para a morte. “Mudar é”, segundo diz Oscar Wilde
diii
, “a
única coisa certa”.
4.5 SINCRETISMO RELIGIOSO BRASILEIRO
Dias Gomes, em entrevista ao programa “Roda Viva” da TV Cultura de o Paulo,
em 12 de junho de 1995, afirmou que o texto “O Pagador de Promessas” foi criado em três
versões, até a última ser encenada em 1960.
O dramaturgo também revelou que nas duas primeiras versões da peça não existia a
questão do sincretismo religioso, a idéia de introduzi-lo na obra, surgiu numa viagem a
Salvador, em 1959, durante o Segundo Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros, quando se
denunciou a perseguição policial e moral às manifestações culturais e religiosas dos negros, e
o Professor George Agostinho da Silva, português exilado no Brasil, propôs ao Reitor da
Universidade Federal da Bahia, Edgar Santos, a criação de um “Centro de Estudos Afro-
Orientais”.
Torna-se necessário, neste ponto, abrir um espaço para a inserção de informações
necessárias ao entendimento da questão do sincretismo religioso presente na obra,
característico do povo baiano, através do conhecimento histórico e cultural da origem e da
devoção às duas entidades: Santa Bárbara e Iansã.
Santa Bárbara, mártir cultuada pela Igreja Católica, viveu durante o reinado do
imperador Maximiano. Seu pai, Dióscoro, era pagão, rico e ilustre, da cidade fenícia de
Heliópolis. Por ter enviuvado cedo, voltou-se tototalmente à sua única filha.
Bárbara era belíssima, a ponto de seu pai criá-la afastada de estranhos, para isso
construindo uma torre, na qual ela vivia, junto de seus tutores pagãos. Do alto da torre,
admirava a imensidão que a cercava, as colinas cobertas de florestas, os rios, as campinas
cobertas por flores, o céu estrelado, que compunham um espetáculo da harmonia e majestade
34
da vida. A visão da natureza fez com que Bárbara questionasse a respeito do Criador de um
mundo tão esplêndido e harmonioso. Com isso, ela se convenceu de que os ídolos pagãos, que
seu pai e tutores a ensinavam a adorar eram criações humanas, porque não se mostravam
sábios ou divinos o suficiente para terem criado o mundo.
O desejo de conhecer o Deus Verdadeiro consumiu a alma de Bárbara, e ela decidiu
dedicar toda a vida a esta busca, vivendo em castidade. Porém, a fama de sua beleza espalhou-
se pela cidade, surgiram pretendentes, por ela recusados. Apesar das súplicas do pai, a moça
avisou-lhe que sua persistência poderia separá-los para sempre, tendo um final trágico.
Dióscoro, então, decidiu que a reclusão afetara a sanidade de sua filha e permitiu
que ela deixasse a torre, concedendo-lhe liberdade de escolha de seus amigos e conhecidos.
Dessa forma, Bárbara conheceu, na cidade, jovens cristãos, que lhe revelaram sobre os
ensinamentos de Deus, a vida de Jesus, os Dogmas da cristandade e decidiu batizar-se.
Enquanto isso, um luxuoso banheiro estava sendo construído na casa de Dióscoro.
Segundo suas ordens, os operários deveriam construir duas janelas na parede sul, mas
Bárbara, aproveitando-se da ausência de seu pai, pediu-lhes para que fosse feita uma terceira
janela, representando, assim, a Santíssima Trindade. Sobre a entrada Bárbara esculpiu em
pedra uma cruz.
Quando Dióscoro retornou, mostrou sua insatisfação com as mudanças na obra, e
sua filha lhe contou do conhecimento que adquiriu sobre o Deus Cristão, a salvação pelo
Filho de Deus, Jesus, e da futilidade de adorar falsos ídolos. Dióscoro imediatamente foi
tomado pela fúria, tomando uma espada para matá-la. A jovem fugiu de seu pai, que partiu em
sua perseguição e, ao chegar a uma colina, um raio abriu uma caverna para escondê-la.
Após uma busca longa sem resultados, Dióscoro viu dois pastores numa colina. Um
deles mostrou- lhe a caverna onde a Santa havia se escondido. Ao encontrá-la, Dióscoro deu-
lhe uma surra terrível, para depois mantê-la em jejum forçado no cativeiro. Vendo que não
conseguia vencer a fé de Santa Bárbara, o pai levou-a ao governador da cidade, Marciano.
Juntos, eles voltaram a surrá-la e a chicoteá-la, salgando suas feridas. À noite, a Santa rezou
com ao Senhor, e Ele lhe apareceu em pessoa, curando seus ferimentos. Ao descobrirem
que estava bem, ela sofreu tormentos mais cruéis ainda.
Após ser flagelada, foi levada pelas ruas da cidade, em meio à zombaria e ao
escárnio da multidão, sob humilhação, após o que a seguidora de Cristo, Santa Bárbara foi
decapitada. O próprio Dióscoro executou a filha. A fúria de Deus não tardou a punir seus
torturadores e executores, para logo em seguida, Dióscoro e Marciano foram fulminados por
raios e relâmpago.
34
Iansã, o outro elemento no sincretismo comentado, é a Senhora da Tarde, Dona
dos Espíritos, Senhora dos Raios e das Tempestades. A Mitologia conta que Oyá, mais
conhecida no Brasil como Iansã, foi uma princesa real na cidade de Irá, na Nigéria, em 1450
a.C. Sobrinha-neta do rei Elempe e neta de Torossi, mãe de Xangô, conquistou com valentia,
coragem e dedicação seu caminho para o trono de Oyó. Conhecedora de todos os meandros da
magia encantada, nunca se deixou abater por guerras, problemas e disputas.
Iansã foi mulher de seu primo Xangô e ajudou-o a conquistar vários reinos
anexados ao Império Yorubano. Porém, abandonou-o em defesa de sua cidade natal, disposta
a enfrentá-lo. Oé a preferida de Oxalá, seu protetor, e a única divindade que entra no Ibalé
dos Eguns, os mortos.
Divindade ctoniana, provavelmente oriunda da Cária, país situado na Anatólia, a
sudeste da Europa, Iansã tem ligações com o mundo subterrâneo, onde habitam os mortos,
sendo a única orixá capaz de enfrentar os Eguns. Além do contato com os mortos, Iansã
também favorece a fecundidade, atributo inerente aos deuses ctonianos. Deusa das
tempestades, contribui para a fertilidade do solo. Divindade eólica, sopra os ventos que
afastam as nuvens, para a passagem dos raios desferidos por Xangô. E é o raio que abre os
reservatórios do céu, para fazer cair a chuva, sendo esta uma relação comum em todas as
mitologias.
Segundo a lenda, Ogum foi caçar na floresta, de repente, um búfalo veio em sua
direção rápido como um relâmpago. Ogum notou algo de diferente no animal e tratou de
segui-lo. O búfalo parou em cima de um formigueiro, baixou a cabeça e despiu sua pele,
transformando-se numa linda mulher. Era Iansã, coberta por belos panos coloridos e
braceletes de cobre. Iansã fez da pele uma trouxa, colocou os chifres dentro e escondeu-a no
formigueiro, partindo em direção ao mercado, sem perceber que Ogum tinha visto tudo.
Assim que ela se foi, Ogum se apoderou da trouxa, guardando-a em seu celeiro. Depois foi à
cidade, e passou a seguir a mulher, até que começou a cortejá-la, mas foi rejeitado. Quando
anoiteceu, ela voltou à floresta e não encontrou a trouxa. Retornou à cidade e encontrou
Ogum, que lhe disse estar com ele aquilo que ela procurava. Em troca de seu segredo, pois ele
sabia que ela não era uma mulher e sim um animal, Iansã foi obrigada a se casar com ele,
conseguindo, apesar disso, estabelecer certas regras de conduta, dentre as quais proibir Ogum
de comentar o assunto com qualquer pessoa.
Chegando em casa, Ogum explicou às suas outras esposas que Iansã iria morar com
ele e que, em hipótese alguma, elas deveriam insultá-la. Tudo corria bem; enquanto Ogum
saía para caçar, Iansã passava o dia procurando sua trouxa.
34
Desse casamento nasceram nove crianças, o que despertou o ciúme das outras
esposas, que eram estéreis. Uma delas, para vingar-se, conseguiu embriagar Ogum e ele
acabou relatando o mistério que envolvia Iansã. Depois que Ogum dormiu, as mulheres foram
insultá-la, dizendo que ela era um animal e revelando que sua trouxa estava escondida no
celeiro. Iansã encontrou então sua pele e seus chifres. Assumiu a forma de búfalo e partiu para
cima de todos, poupando apenas seus filhos. Decidiu voltar para a floresta, mas não permitiu
que os filhos a acompanhassem, porque era um lugar perigoso. Deixou com eles seus chifres e
orientou-os para, em caso de perigo bater as duas pontas; com esse sinal ela iria socorrê-los
imediatamente. É por esse motivo que os chifres estão presentes nos assentamentos
div
de
Iansã.
Voltando ao “O Pagador de Promessas”, Zé-do-Burro recebeu uma graça de Santa
Bárbara, no terreiro de Iansã, porque para ele, as duas entidades são uma só, ocupam o mesmo
espaço em sua fé. A atitude de tem origem no sincretismo religioso fusão de duas ou
mais religiões, havendo uma troca de elementos de culto entre elas.
A personagem Zé-do-Burro é caracterizada como natural do estado da Bahia, onde
o sincretismo tem presença fortemente expressiva, pelo fato da existência ali de grande
número de afro-descendentes, que receberam de seus antepassados o culto aos orixás do
candomblé, numa terra que foi colonizada por europeus católicos.
Desde o início, a colonização portuguesa no Brasil contou com a forte participação
da Igreja Católica. Os jesuítas que vieram a partir de 1549 foram responsáveis pela introdução
do catolicismo no país, por meio da educação dos filhos dos colonos e da catequização dos
índios brasileiros, sobre os quais a crença dos religiosos foi imposta. No início do século XVI,
mais de quatro milhões de negros africanos cruzaram o Atlântico para tornarem-se escravos
nas terras brasileiras. Vindos de diferentes regiões da África, entravam no país,
principalmente, pelos portos de Salvador e do Rio de Janeiro, trazendo a cultura africana no
corpo e na alma.
O medo das rebeliões levou os “senhores” a agrupar os escravos em senzalas,
sempre evitando, porém, alojar juntos os membros oriundos de uma de mesma nação. Por
esse motivo, houve uma mistura de povos, línguas e costumes. Os africanos possuíam suas
próprias danças, cantos, santos e festas religiosas, que variavam de região para região. Aos
poucos, eles foram misturando os ritos católicos com os elementos dos cultos africanos, na
tentativa de resgatar a atmosfera mística da pátria distante, onde o contato direto com a
natureza fazia com que lhe atribuíssem todos os tipos de poder e ligassem seus deuses aos
elementos nela presentes.
34
Tudo acontecia da seguinte forma: quando, à noite, a maioria dos negros e senhores
brancos dormiam, os negros egbomis
dv
procuravam encontrar aqueles capazes de aprender o
culto aos Orixás e, muitas vezes guiados pelos índios amigos, que os conduziam aos
diferentes reinos da Natureza, os “iniciados” realizavam suas obrigações aos Orixás. No dia
seguinte à iniciação, para que não houvesse suspeita do ocorrido, o iniciado devia mostrar-se
na Igreja. Essa prática, ainda em uso atualmente, ficou muito famosa nos candomblés da
Bahia: onde o recém iniciado era obrigado a assistir a uma missa na Igreja do Senhor do
Bonfim, antes de dirigir-se a qualquer outro lugar.
Nasciam, deste modo, as raízes de um culto que não seria exatamente aquele que
eles praticavam na terra distante, mas que reunia elementos das várias nações africanas,
somados aos hábitos cristãos que lhes eram impostos pelos senhores brancos. Essa primeira
ligação cultural religiosa recebeu o nome de Candomblé.
Tem-se um outro fato interessante que pode explicar o sincretismo: o negro
africano, quando cumpria sua obrigação, retirava uma pedra do lugar sagrado, denominada de
“otá”. Essa pedra era cultuada como objeto sagrado pelo resto de seus dias. As imagens de
santos católicos, muito populares no período colonial, eram, na sua maioria, esculpidas em
madeira. Para não trair seus deuses de origem, o negro habitualmente escavava a imagem do
santo católico e introduzia nessa escavação o “otá” correspondente ao Orixá. Desta forma, ele
poderia voltar-se para uma imagem do santo católico e reverenciar seu Orixá. Quando a
imagem não era de madeira, faziam um buraco no chão da senzala, enterravam o “otá” do
Orixá, cobriam de terra e colocavam a imagem do santo católico em cima do buraco,
mantendo o ritual litúrgico. Dessa forma, a religiosidade permanecia intacta em suas origens,
porém, sem que houvesse a percepção do culto.
O negro passou, assim, a homenagear o seu Orixá diante de uma imagem de um
santo católico, resultando daí o início do sincretismo de crenças e divindades de vários
aspectos.
O professor Fábio Lima
dvi
apresentou o conceito ortodoxo do termo Sincretismo. A
palavra, oriunda do grego “sygkretismós”, significa uma reunião de idéias ou de teses de
origens disparatadas, mistura de doutrinas ou concepções heterogêneas. No Brasil, o
fenômeno é bastante comum, mas especialmente relevante na Bahia, onde influência de
crenças de religiões tradicionais africanas em rituais da Igreja Católica, como aborda o
professor José Beniste, e valeu como poderosa arma para os negros manterem suas tradições.
Sem ele, provavelmente, nem mesmo teriam podido manter os traços religiosos que ainda
34
hoje se conservam.
dvii
O pesquisador Reginaldo Prandi,
dviii
em “Mitologia dos Orixás”,
afirma:
Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois,
sendo negro livre, era indispensável, antes de mais nada, ser católico. Por
isso, os negros no Brasil que cultuavam as religiões africanas dos orixás,
voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além
dos rituais de seus ancestrais, freqüentavam também os ritos católicos.
Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da
República, quando o catolicismo perdeu a condição de religião oficial.
dix
O fato dos negros assimilarem uma união entre Santos e Orixás era aparente e
serviu para esconder a verdadeira devoção aos Orixás, porque na verdade, como os cantos
eram entoados em língua nativa dos escravos, ninguém os entendia. A aceitação não interferiu
nos ritos do candomblé de forma direta a ponto de modificar o que deveria ser feito, mas esta
atitude levou muitos negros a abandonarem suas crenças, para abraçar o catolicismo, o que
originou as confrarias de negros, que participavam como mesários das ordens religiosas dos
brancos. Desse fato surgiram as “missas aos santos”, uma prática baiana que antecedia as
festas dos Orixás a ele identificados. Essa metodologia é uma “aparente aceitação” da religião
católica, porque trata-se da forma encontrada para resistência e preservação inteligentes das
religiões africanas e que passou desapercebida durante séculos. Portanto, esse sincretismo
antigo associou as entidades Santa Bárbara e Iansã (Figura 87) e isso mantêm-se até hoje.
Figura 87- Sincretismo religioso na Procissão de Santa Bárbara
dx
Santa Bárbara e Iansã estarão juntas, de forma harmônica, elevadas pela autêntica
crença do povo baiano, quase sempre em intrigante miscigenação. Entre as entidades, pode-
se até citar pontos em comum, como: oriundas de famílias nobres, poderosas, portadoras de
propósitos firmes, corajosas, fortes, que não se deixam subjulgar, a presença dos raios e
34
trovões em suas histórias, a cor vermelha; mas, o que realmente criou relação entre elas, na
exegese do sincretismo, não se afirmar. “Epa Hey Santa Bárbara”. “No meio da missa as
pessoas começaram a entoar cânticos de candomblé. Os que glorificavam Santa Bárbara
passaram a enaltecer Iansã”, narra a ialorixá Estelita de Iansã, do terreiro Ilê Oya
dxi
. O
sincretismo continua a reger as festas, “Epa hey!”, a saudação a Iansã (Figura 88) é dirigida
também à imagem de Santa Bárbara (Figura 89).
Figura 88-Iansã
dxii
Figura 89-Santa Bárbara
dxiii
As mesmas pessoas que preparam e arriam oferendas a Iansã (Figura 90),
acompanham a procissão, rezam e trabalham para a quermesse e a festa de Santa Bárbara
(Figura 91). É exatamente essa manifestação histórica-sócio-religiosa que Dias Gomes utiliza
como alavanca, para trazer à cena a discussão do poder do opressor sobre o oprimido:
(...) PADRE – (Como se anotasse as palavras.) Tão pesada como a de
Cristo. O senhor prometeu isso a...
– A Santa Bárbara.
PADRE – A Iansã!
– É a mesma coisa... (...)
dxiv
(...) PADRE – Não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao Diabo!
– Padre...
34
PADRE Um ritual pagão, que começou num terreiro de candomblé, não
pode terminar na nave de uma igreja!
– Mas Padre, a igreja...
PADRE – A igreja é a casa de Deus. Candomblé é o culto do Diabo!
Padre, eu não andei sete guas para voltar daqui. O Senhor não pode
impedir a minha entrada. A igreja não é sua, é de Deus!
PADRE – Vai desrespeitar a minha autoridade?
Padre, entre o senhor e Santa Bárbara, eu fico com Santa Bárbara.
(...)
dxv
Figura 90-Oferendas à Iansã
dxvi
Figura 91-Procissão de Santa Bárbara
dxvii
Nos dias de hoje, apesar de a visão ecumênica que se manifesta na Bahia, os
pesquisadores e os religiosos do candomblé, possuem a mesma postura, mesmo entendendo a
crença do povo, manifestam o desejo de qua cada uma ocupe o seu devido lugar, com suas
ancestralidades, seus ritos, suas histórias e a de seus devotos, como se pode observar na
devoção à Iansã, (Figura 92), com a O de Mãe Rosa, durante a inauguração do Ilê Axè O
L´Adê Inam, na cidade de Alagoinhas, interior da Bahia, em fevereiro de 2008.
34
Fig. 92-Oyá de Mãe Rosa, Alagoinhas, BA
dxviii
4.6 O ALICERCE DA CONSTRUÇÃO
Dias Gomes, ao iniciar a composição da obra “O Pagador de Promessas”, que levou
aproximadamente um ano, fez questão de isolar-se, não assistiu a nenhum espetáculo em
cartaz, não leu nenhuma peça, com o objetivo de não permitir qualquer influência externa
sobre esse processo, como comenta:
(...) O Pagador de Promessas, peça na qual me colocaria por inteiro, toda a
minha vivência. Minhas certezas e incertezas, minha visão de mundo,
minhas angústias, tudo que tinha represado na minha mente, num processo
angustiante de gestação desenvolvido principalmente naqueles últimos anos
da década de 50. Eram idéias informes, sensações não explicitadas que
carregava comigo e que pediam para vir à tona. (...) Aquilo era muito nosso,
muito do meu povo da Bahia. Lembrei-me de imedato da minha infância,
daquela estranha promessa feita por minha mãe de assistir a missas em todas
as igrejas de Salvador, importando em sacrifício idêntico. A partir daí a saga
de Zé-do-Burro foi-se desenvolvendo em minha mente, incorporando
lembranças da infância, elementos de minha formação cultural e religiosa,
crises existenciais, pesquisas religiosas, tudo isso amalgamado numa história
bem brasileira e cujo sentido final eu viria a apreender depois da peça
concluída. (...)
dxix
Escrever para o palco exige o entendimento de dois fundamentos: a essência da
dramaturgia e a natureza do teatro. A dramaturgia consiste de personagens em conflito e em
ação e o teatro é tanto a arena para a ação, quanto a experiência sensorial desta ação. Ao
observar a dramaturgia, nota-se que as ações do texto unem-se na construção da história, uma
ação causa outra ação, que causa outra ação, até resultar numa questão que toque os
pensamentos e as emoções do público.
Segundo o dramaturgo e roteirista Jeffrey Hatcher, para se ter uma dramaturgia de
qualidade é necessário uma narrativa ordenada, que normalmente é chamada de trama, ou
enredo ou “plot”.
dxx
A melhor definição para trama seria, no entender do escritor, um
“arranjo” das ações que acontecem na peça; essas ações da trama se acumulam para contar a
história da peça, numa seqüência ordenada. A trama constrói a “rampa de acesso” para a
entrada do grande conflito do texto, onde as personagens têm de enfrentar a pior provação,
porque não se deve levar à platéia uma história que não seja a melhor.
dxxi
34
Na dramaturgia não espaço para seres sem ão, mesmo que estejam em
repouso, em descanso, a ação está presente, a dramaturgia traz as personagens no limite, sob
pressão, dentro de um conflito, levando-se em consideração os acidentes de percurso que
podem afetar a ação, tal e qual também podem mudar a vida real.
O dramaturgo e diretor americano, Stephwn Belber, em entrevista a GNT, na
ocasião da apresentação de “A pequena flor laranja do Oeste”, sentenciou: “Sempre mantenha
seu herói em maus lençóis”. Assim, pode-se crer que colocar uma personagem sob pressão,
mantê-la dessa forma, proporcionará à platéia duas coisas: a primeira é que a platéia possa
descobrir a essência da personagem e a segunda que a história mova-se para a frente.
dxxii
A dramaturgia de “O Pagador de Promessas” situa-se, de acordo com a teoria de
Jeffrey Hatcher, como uma obra bem sucedida, uma vez que o conflito é provocado,
desenvolvido por meio das ações e da complicação que levam à crise, resultando no clímax,
que faz caminhar para a solução. O escritor americano pontua as três rotinas formadoras de
um texto teatral: a primeira apresenta pessoas fazendo coisas, desempenhando atos, afetando
outras pessoas e causando outras ações; a segunda traz um conflito de pessoas, idéias e
vontades que tem de resultar na resolução do conflito; a terceira mostra uma disputa entre
forças opostas; e por fim as ações imitadas que contam uma história.
dxxiii
A estrutura da dramaturgia de “O Pagador” desenvolveu-se em três atos. O
primeiro e o segundo são ainda subdivididos em dois quadros cada um, forma que estrutura o
percurso de desenvolvimento da trama. Após a apresentação das personagens, o primeiro ato
expõe a chegada da personagem protagonista, -do-Burro, e de sua mulher Rosa. Um casal
vindo do interior da Bahia a uma igreja de Salvador, onde Zé-do-Burro queria entrar com uma
cruz, para pagar uma promessa feita a Santa Bábara, numa roça de candomblé à Orixá Iansã,
e, encerra-se com a insistência do padre em não permitir o cumprimento da promessa feita.
(...) – É essa. Só pode ser essa.
Rosa pára também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando
já entrever uma revolta que se avoluma. (...)
PADRE (Para o Sacristão) Feche a porta. Quem quiser assistir à missa
que entre pela porta da sacristia. Lá não dá para passar essa cruz. (Entra na
igreja)
A Beata entra também apressadamente, atrás do Padre.
O Sacristão, prontamente, começa a fechar a porta da igreja, enquanto
Zé-do-Burro, no meio da praça, nervos tensos, olhos dilatados, numa
atitude de incompreensão e revolta, parece disposto a não arredar
dali. Bonitão, um pouco afastado, observa, tendo nos lábios um sorriso
irônico. A porta da igreja se fecha de todo, enquanto um foguetório
tremendo saúda Iansã. (...)
dxxiv
34
A ação tem início nas primeiras horas da manhã, às quatro e meia, num espaço
urbano, de localização precisa, a cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, numa praça,
em frente a uma igreja. Zé-do-Burro carrega uma cruz, aloja-se à frente da igreja fechada.
Ação: Salvador. (...) Uma pequena praça, (...) Vemos a fachada de uma igreja
relatgivamente modesta, com uma escadaria. (...)”
dxxv
A seu lado está Rosa, sua mulher,
apresentada como tendo “sangue quente” e insatisfação sexual. Ao contrário do marido,
tem “sangue quente”, revelando. Logo à primeira vista, uma insatisfação sexual.
dxxvi
espera a igreja abrir para cumprir sua promessa, feita a Santa Bárbara.
Aparecem no lugar, algum tempo depois, Marli e Bonitão. Ela, prostituta, ele,
gigolô, personagens inseridos numa relação explícita e recíproca de exploração e dependência
entre os dois. Bonitão diante de Zé-do-Burro, dirige-se a ele e sua pureza e ingenuidade.
Rosa, por sua vez, conversando com o gigolô, queixa-se de Zé, contando que ele, na sua
promessa, dividiu suas terras com lavradores pobres. Bonitão, aproveitando-se da situação,
propõe providenciar um local para Rosa descansar. Zé-do-Burro incentiva e aceita o convite,
Bonitão e Rosa saem juntos. Eis a cena:
– Rosa, você vigia a cruz, eu vou dar a volta, não demoro. (Sai)
BONITÃO Pode ir sem susto que eu ajudo a tomar conta de sua cruz.
(Depois que Zé-do-Burro sai) Das duas.
ROSA – Só que uma ele carrega nas costas e a outra ... se quiser que vá atrás
dele. (Levanta-se)
BONITÃO E você não é mulher para andar atrás de qualquer homem...
Ao contrário, é uma cruz que qualquer um carrega com prazer. (...)
(...) BONITÃO – Porque o senhor não sabe que eu posso, em cinco minutos,
arranjar uma boa cama, com colchão de mola, num hotel perto daqui.
– Pra ela?
BONITÃO – E pro senhor também. (...)
(...) Você quer, Rosa? Quer ir esperar por mim no hotel? (Volta-se
para Bonitão) É hotel decente?
BONITÃO (Fingindo-se ofendido) Ora, o senhor acha que eu ia
indicar...
dxxvii
Aos poucos, começa o movimento ao redor da praça. Aparecem a Beata, o sacristão e o
Padre Olavo, titular da igreja. Zé-do-Burro explica sua promessa: Nicolau foi ferido com a queda de
uma árvore; estando para morrer, Zé fez a promessa e seu burro, o Nicolau, salva-se.
Mergulhado na pureza de um sincretismo natural para ele, Zé-do-Burro revela ter
usado as rezas de Preto Zeferino e feito a promessa num terreiro de candomblé, a Iansã, que
para Zé, a orixá é a própria Santa Bárbara. O padre fica escandalizado. Estabelece-se o
conflito. A relação Iansã-Santa Bárbara, natural para Zé-do-Burro, é uma heresia para o padre
(Figura 93). A revelação da divisão de terras agrava a situação, estabelecendo-se o impasse. O
34
padre manda fechar a igreja e proíbe o cumprimento da promessa. Zé-do-Burro, revoltado,
não consegue compreender a atitude do padre e permanece onde estava:
Para o inferno? Como pode ser, Padre, se a oração fala em Deus? (...)
Depois rezou um Padre-nosso e a dor de cabeça sumiu no mesmo instante.
SACRISTÃO – Incrível!
PADRE – Meu filho, esse homem era um feiticeiro.
– Como feiticeiro, se a reza é pra curar?
PADRE – Não é para curar, é para tentar. E você caiu em tentação.
– Bem , eu só sei que ficou bom. (...)
Foi então que comadre Miúda me lembrou: porque eu não ia ao
candomblé de Maria de Iansan?
PADRE – Candomblé?!
Sim, é um candomblé que tem duas léguas adiante da minha roça.
(...)
dxxviii
Figura 93-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, montagem no Berkshire Playhouse, Massachusetts
dxxix
O segundo ato traz o aparecimento de diversas novas personagens, todas envolvidas
na questão do cumprimento ou não da promessa e vai até uma nova negativa do padre, o que
ocasiona, desta vez, explosão colérica em Zé-do-Burro:
34
(...) Aproximadamente, duas horas depois. Abriu-se a vendola e o
Galego aparece trepado num caixote, amarrando um cordão com
bandeirolas vermelhas e brancas que vai da porta da venda ao sobrado
do lado oposto. Zé e sua cruz continuam no meio da praça. Ouve-se um
pregão: “Bei-ju... olha o bei-ju!” Logo após, surge no alto da ladeira
uma preta em trajes típicos, com um tabuleiro na cabeça. Ela desce e ao
passar pelo Galego saúda.
MINHA TIA – Iansã lhe dê um bom dia.
GALEGO: (Espanhol) Gracias, minha Tia. (...)
– Em não quero que ninguém me siga!
PADRE Mas seguiriam, como o seguiram pelas estradas, sem saber
que seguiam a Satanás!
(Subitamente fora de si, corre para a cruz, levanta-a nos braços
como um aríete e grita.) Padre! Por Santa Bárbara ou por Satanás, vou
colocar esta cruz dentro da igreja, custe o que custar (...)
dxxx
O tempo teatral assinala que duas horas se passaram, a movimentação no lugar é
intensa. “(...) e o sino da igreja começa a chamar para a missa das seis (...)”
dxxxi
. O
Galego, dono do bar, abriu seu estabelecimento. Surgem Minha Tia, baiana de tabuleiro,
vendedora de quitutes típicos baianos, Dedé Cospe-Rima, poeta popular ao estilo repentista, e
o Guarda.
Zé-do-Burro quer, a qualquer custo, pagar a promessa. O Guarda tomando
conhecimento da situação tenta intermediar uma solução. Surge Rosa, apresentando um
comportamento de quem fez algo errado, como assinala a passagem:
(...) – (...) O céu no lugar do inferno, o demônio no lugar dos santos.
ROSA (Refletindo na própria experiência) É isso mesmo. De repente, a
gente percebe que é outra pessoa. Que sempre foi outra pessoa. É horrivel.
(...)
ROSA – (Centrada em seu problema) Zé, isso está parecendo castigo!
(...)
– Que é que você quer? Não dormiu, não descansou?
ROSA – (Sem fitá-lo) Zé, vamos embora daqui. (...)
dxxxii
Com a entrada do Repórter, que se mostra um seguidor da linha do oportunismo
sensacionalista, a situação é analisada pelo seu ponto de vista. Quer tirar vantagens da história
de Zé-do-Burro, tornando-o um mártir e, por conseqüência, criar uma notícia de porte, que
vende jornal:
(...) REPÓRTER Vai. Vai porque o meu jornal vai promover. faço
questão de uma coisa: que o senhor nos exclusividade. Que não conceda
entrevista a mais ninguém. (Noutro tom) É claro que o senhor terá uma
compensação... (Faz com o indicador e o polegar o gesto característico) e
também a publicidade. Primeira página, com fotografias do senhor e sua
senhora: mandaremos fotografar também o burro – em poucas horas o
senhor será um herói nacional. (...)
dxxxiii
34
As didascálias iniciais que assinalaram a insatisfação sexual da mulher de Zé-do-
Burro são o anúncio da traição de Rosa, com Bonitão (Figura 94), que é revelada através do
escândalo produzido por Marli, que se pode observar no trecho a seguir:
(...) MARLI – (Irônica) A senhora... Se ela é senhora eu sou donzela... (...)
BONITÃO – Eu não tenho nada com ela!
MARLI - Você passou a noite com ela! (...)
O rosto de Zé-do-Burro se cobre de sombras e ele busca nos olhos de
Rosa uma explicação. Ela não o fita.
BONITÃO (Segura Marli por um braço, violentamente) Vamos pra
casa!
MARLI – Não! Primeiro quero tirar isso a limpo. Quero que essa vaca saiba
que você é meu. (Com orgulho) Meu! (Grita para Rosa) Esta roupa foi
comprada com o meu dinheiro! Esta e todas que ele tem!
BONITÃO (Perde a paciência, ameaçador) Se você não for pra casa
imediatamente, nunca mais eu deixo você me dar nada!
MARLI(Deixando-se arrastar por ele na direção da direita) Ele é meu,
ouviu? Fique com o seu beato e deixe ele em paz! É meu homem! É meu
homem!
uma pausa longa, na qual Zé-do-Burro apenas fita Rosa,
silenciosamente, sob o impacto da cena. Em seu olhar, lê-se a dúvida, a
incredulidade (...)
dxxxiv
34
Figura 94-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, com Maurício Nabuco e Natália Timberg. Montagem do
TBC
dxxxv
O tempo teatral estabelece a passagem de mais uma hora, Três horas da tarde,
Zé-do-Burro e Rosa continuam no meio da praça”. O cordelista Dedé oferece poemas a
Zé-do-Burro, como material panfletário para derrotar o Padre. Em seguida entram o
capoeirista Mestre Coca e o policial Secreta, o segundo a pedido de Bonitão. Os dois homens
ficam à espreita.
Zé-do-Burro perde a paciência e inicia uma gritaria. O padre reage. Chega o
Monsenhor, autoridade da igreja, que propõe a Zé-do-Burro uma solução para o impasse. Ele,
como Monsenhor, representante da Igreja, possui autoridade suficiente para liberar Zé-do-
Burro da promessa, que ele atesta como cumprida, devendo o penitente retirar-se, pois não
mais propósito em sua estada ali.
(...) MONSENHOR Venho aqui a pedido de Monsenhor Arcebispo. S.
Exa. está muito preocupado com o vulto que está tomando este incidente.
(...) Pois bem, se é católico, renegue os atos que praticou por inspiração do
Diabo. (...) Abjure a promessa que fez, reconheça que foi feita ao Demônio,
34
atire essa cruz e venha, sozinho, pedir perdão a Deus. (...) A Igreja Católica
concede a nós, sacerdotes, o direito de trocar uma promessa por outra. (...)
Com a autoridade de que estou investido, eu o liberto dessa promessa,
disse. Venha fazer outra. (...)
dxxxvi
Zé-do-Burro não aceita, é um homem de palavra e não vai enganar ninguém,
porque ele entende que se a promessa foi feita à Santa Bábara, só ela poderia liberá-lo. Esse
posicionamento faz com que o impasse prossiga. Zé-do-Burro não se controla, colérico
avança com a cruz para a Igreja. O padre fecha a porta. Zé-do-Burro, desesperado, bate com a
cruz na porta.
O terceiro ato é onde as ações agravam-se, a intolerância torna-se exacerbada, as
expressões de apoio e rejeição à postura de Zé-do-Burro aumentam, as incompreensões vão
ao limite e se verifica o desfecho dramático:
(...) Zé-do-Burro, de faca em punho, recua em direção à igreja. Sobe um
ou dois degraus, de costas. O Padre vem por trás e uma pancada em
seu braço, fazendo com que a faca cair no meio da praça. Zé-do-
Burro corre e abaixa-se para apanhá-la. Os policiais aproveitam e caem
sobre ele para subjulgá-lo. E os capoeiras caem sobre os policiais para
defendê-lo. Zé-do-Burro desaparece na onda humana. Ouve-se um tiro.
A multidão dispersa como um estouro de boiada. Fica apenas Zé-do-
Burro no meio da praça, com as mãos sobre o ventre. Ele ainda um
passo em direção à igreja e cai morto. (...)
dxxxvii
O tempo teatral do terceiro ato instala-se ao entardecer. O sino da igreja começa
a tocar as Ave-marias”.
dxxxviii
A praça e os arredores da igreja estão repletos de transeuntes.
Zé-do-Burro e Rosa permanecem na escadaria do templo. Instala-se uma roda de capoeira,
que faz Rosa se aproximar. Minha Tia surge no alto da ladeira e merca o Caruru de Santa
Bárbara. O Galego, comerciante oportunista, oferece comida grátis a Zé, pois o acontecimento
faz o bar ficar repleto de fregueses. O policial Secreta está no bar, de lá, avisa que a polícia
prenderá Zé-do-Burro, aproveita e ameaça os capoeiristas, caso eles tomem partido e
interfiram na prisão do devoto. Marli retorna e distribui ofensas a Rosa e a Zé. Zé-do-Burro
parece mudar de atitude, resolve ir embora “à noite”, porém Rosa não quer esperar, deseja ir
imediatamente, pois teme algo ruim e esclarece que Bonitão avisou à polícia. O Repórter
volta, criando uma situação espetacular em torno de Zé-do-Burro, com o objetivo de criar a
notícia sensacionalista que aumente a vendagem de jornais. Bonitão surge na ladeira, Rosa o
vê, ele a convida para ir com ele. Zé-do-Burro pede a ela para ficar. Rosa hesita, mas, como
que atraída, segue o cafetão. O tempo teatral localiza-se às dezoito horas; Mestre Coca avisa
a Zé-do-Burro que a polícia chegou, o crente está perplexo, não consegue entender a situação
e sente-se abandonado por Santa Bárbara. Da igreja saem o Sacristão, o Guarda, o Padre e o
34
Delegado, gerando crescimento da tensão. Zé-do-Burro quer ainda explicar os
acontecimentos, mas é uma atitude inútil e ingênua. Quando é cercado, puxa uma faquinha de
cortar fumo, gerando reação imediata das autoridades contra ele e dos capoeiras a seu favor.
Grande tumulto, a briga e a confusão se estabelecem, até que um tiro espalha o grupo. Zé-do-
Burro é ferido mortalmente. Mestre Coca olha para os companheiros, os capoeiras levantam o
corpo de Zé-do-Burro, colocam sobre a cruz e, não tomando conhecimento das autoridades
eclesiásticas, entram na igreja carregando Zé-do-Burro e sua cruz. (Figuras 95, 96 e 97).
Fig. 95-Peça “O Pagador de Promessas” com Luiz Linhares, Beatriz Veiga e Sebastião Vasconcelos. Montagem
do TNC
dxxxix
Fig. 96-Peça “O Pagador de Promessas” com José Renato. Montagem do TNC
dxl
Figura 97-Cena da peça “O Pagador de Promessas”, na montagem cubana
dxli
34
O texto de “O Pagador de Promessas”, âncora desta pesquisa, foi escrito para a dramaturgia
teatral e também serviu de alicerce para a permuta da obra pelas linguagens do cinema (Figuras 98 e
99) do rádio, da televisão e da ópera.
Figura 98-Leonardo Vilar, na adaptação para o cinema de “O Pagador de Promessas”
dxlii
34
Figura 99-Dias Gomes, na estréia da versão para o cinema de “O Pagador de Promessas”
dxliii
34
Esquema analítico da dramaturgia:
Diálogos – réplicas dos atores, que é ouvido pelos espectadores
PADRE – Vai desrespeitar a minha autoridade?
TEXTO DRAMÁTICO Didascálias – Destina-se ao leitor, encenador, atores e técnicos
Dá as costas e dirige-se à igreja. O Sacristão trata logo
de segui-lo.
O PAGADOR DE PROMESSAS
AÇÃO
Marcada pela atuação das personagens que dão conta à platéia de
acontecimentos vividos
Nota que Marli não se foi, vai ela, olha-a de cima a baixo
ESTRUTURA Três Atos – 1º Ato – 2 Quadros
EXTERNA 2º Ato – 2 Quadros
3º Ato – Cena Única
Exposição ESTRUTURA INTERNA Conflito
apresentação das personagens Desenlace conjunto de peripécias
e dos antecedentes da acção. que fazem a ação progredir
desfecho da ação
34
Quanto à sua
PERSONAGENS
Quanto ao Relevo
Concepção ou Papel na obra
Planas ou Modeladas ou Protagonista Personagem
personagens-tipo Redondas
Figurantes
sem densidade psicológica, com densidade psicológica,
não alteram o comportamento evoluem ao longo da ação,
Sacristão
ao longo da ação. Podem supreender o espectador
Capoeiras
Representam um grupo social, pelas atitudes
profissional ou psicológico
Bonitão Rosa
Marli Zé
Direta
a partir dos elementos presentes nas
Tipos
d
e
didascálias, da descrição de aspectos
Caracterização
físicos e psicológicos, das palavras de
outras personagens e das palavras da
personagem a propósito de si.
a partir dos comportamentos,
atitudes e gestos que levam o Quer libertar-se de uma tirania que, é
Indireta
espectador a tirar as suas necessária ao seu equilíbrio psicológico. (...)
próprias conclusões sobre Ele é frio e brutal em sua profissão
as características das
personagens.
ROSA: Dividiu o resto com os lavradores
pobres. (...) Pelo caminho tinha uma
porção de gente querendo que ele fizesse
milagre. (...) Ele é capaz de acabar fazendo.
34
ESPAÇO
Espaço representado
o espaço cênico é caracterizado nas didascálias constituído pelos cenários onde se
onde surgem indicações sobre o cenário, desenrola a ação, equivalem ao espaço físico
efeitos de luz e som. que se pretende recriar em palco.
Espaço aludido
Na esquina da rua à direita vemos a
corresponde às referências a
fachada de uma igreja
outros espaços que não
o representado.
ZÉ: (...) quando eu fui ao curral.
Tempo da representação 2 horas
TEMPO
Tempo da ação 14 horas
Tempo da produção da obra 1 ano
Discurso dramático
Diálogo
Intenção do autor
Crítica em relação à sociedade do seu tempo
(...) A mesma preocupação com o tratamento de temas nacionais e a sua abordagem
pelo prisma das reivindicações sociopolíticas vinha se alastrando também fora do
Arena. (...) Foi o caso de Dias Gomes, que propunha no seu Pagador de Promessas
um tocante retrato do abismo que separa o medieval Brasil rural da caricatura do
progresso presente nos grandes centros urbanos.
dxliv
Quadro 08-Esquema analítico da dramaturgia de “O Pagador de Promessas”
Este posicionamento de Yan Michalski, em “O Teatro sob Pressão”, quando se
refere ao “O Pagador de Promessas”, remete ao o engajamento do teatro de Dias Gomes
frente à política brasileira, nos anos que antecederam ao Golpe Militar de 1964.
34
4.7 O PAGADOR NO CINEMA
Após a estréia de “O Pagador de Promessas” no Teatro Brasileiro de Comédia, em
1960, criou-se um pacto entre Dias Gomes e Flávio Rangel: caso houvesse adaptação para o
cinema, a direção ficaria com Flávio Rangel. O dramaturgo chegou à conclusão que era
chegada a hora de arriscar-se na adaptação de seu texto para o cinema, o que fez com que o
diretor partisse à procura de um produtor.
Ainda durante a temporada do espetáculo, o que aconteceu é que Anselmo Duarte,
ator e diretor de cinema e o produtor Oswaldo Massaini, ao assistirem à montagem teatral,
numa noite quente de verão de 1961, tendo Leonardo Vilar e Natália Timberg nos papéis
principais, abraçaram o sonho de transformar “O Pagador de Promessas” num filme.
Flávio Rangel, após algum tempo, procurou Dias Gomes e disse: “Dias, eu queria muito fazer
esse filme, mas não consigo produtor. Anselmo tem um produtor, o Oswaldo Massaini, e eu
abro mão da exclusividade que você me deu.”
dxlv
O fato de Anselmo Duarte ser um galã das chanchadas da Atlântida, de Dias não
conhecer seu trabalho como diretor, além da visão maniqueísta de Anselmo sobre o tema, fez
com que o dramaturgo hesitasse em entregar a obra nas mãos do ator. Além do mais, seus
amigos do “Cinema Novo” achavam que seria uma temeridade, mas a insistência de Anselmo
e as cláusulas contratuais dando garantias que o roteiro seria desenvolvido pelo próprio Dias,
deram vida ao projeto:
(...) fiz constar uma cláusula: uma vez o roteiro definitivo aprovado, o
diretor seria obrigado a segui-lo cena por cena; queria assegurar inteira
fidelidade à minha obra. Desse contrato constava também a obrigação de
eu fazer a adaptação cinematográfica, onde procurei também me
resguardar, mantendo quase que literalmente o desenvolvimento e os
diálogos da peça, e nisso amarrando a direção. (...) Entreguei-lhe a
adaptação já em seu terceiro tratamento, isto é, a história dividida em cenas,
com a ão das personagens devidamente indicadas e os diálogos
definitivos, cabendo-lhe acrescentar, no tratamento final, a definição dos
planos e a movimentação de câmera.
dxlvi
(grifos da autora)
Nesse ponto, torna-se importante ressaltar, que foram exatamente os anos de
treinamento de adaptações de textos teatrais para o rádio, que possibilitaram a Dias Gomes, o
domínio da composição das didascálias, que mantiveram a estrutura do texto, a sua
composição e produção. Os direitos de adaptação foram comprados por Cr$ 400,00,
quatrocentos cruzeiros, o preço mais alto até então pago por uma adaptação brasileira, para
uma produção que custou Cr$ 20.000.000,00, vinte milhões de cruzeiros.
34
Em 1962, o filme ganhou a Palma de Ouro de melhor Filme Longa-Metragem, no
Festival de Cannes (Figura 100), apesar de todos os problemas enfrentados e, principalmente,
o descrédito do diretor, ainda hoje, é o único filme brasileiro que recebeu esse prêmio. Após a
premiação, ao desembarcar no Brasil, o produtor, o diretor e os atores desfilaram em carro
aberto e foram ovacionados pelo público.
Figura 100-Diploma de premiação do filme “O Pagador de Promessas”, com a Palma de Ouro em Cannes
dxlvii
Mesmo diante da premiação, diante do sucesso de público, o trabalho foi
violentamente discriminado pela crítica brasileira, porque o diretor era portador de “pecados
mortais e imperdoáveis” para o revisionismo cultural de esquerda, naquele momento vigente
no país e do qual Dias Gomes fazia parte.
O primeiro pecado é que Anselmo não pertencia publicamente a qualquer facção
partidária, não se auto-proclamava militante político e o segundo, que era igualmente grave
para os patrulheiros ideológicos da época, ele havia sido o mais popular galã das chanchadas
carnavalescas da Atlântida. Para a esquerda, o cúmulo da alienação.
Mais tarde, críticos como Jean-Claude Bernardet viriam a reconhecer, pelo menos,
que “O Pagador de Promessas” é um filme genuinamente brasileiro, retrata uma situação
34
verdadeira num momento de distúrbios e transformações (...) e resulta, apesar de certas
contradições, numa lição política.”
dxlviii
Uma curiosidade sobre a premiação, é que François Truffaut foi jurado no festival
em que “O Pagador de Promessas” ganhou o prêmio maior. No dia da première” do filme,
em meio a palmas e ovações, Truffaut estava
lá, aplaudindo e fazendo sinal positivo com o
polegar. Anselmo, o diretor, ficou logo muito
feliz e concluiu que o sonho de ganhar a
Palma não estava tão longe de se realizar.
Antes disso, numa noite, o mesmo Anselmo
estava num bar com o Massaini, que lhe
sugeriu que ele desse de presente um disco de
música brasileira a François Truffaut, que
também estava lá, no mesmo bar. Anselmo
foi, mesmo não gostando muito da idéia e
muito encabulado, Truffaut teria falado: “Mas
você não é diretor de um dos filmes em
competição? Está querendo me subornar?” E
jogou longe o disco, que se espatifou no chão.
Figura 101-Filme “O Pagador de Promessas”
dxlix
Os papéis principais, Zé-do-Burro e Rosa, foram desempenhados por Leonardo
Villar e Glória Menezes (Figura 101), ao lado de: Norma Bengell, Marly; Geraldo Del Rey,
Bonitão; Dionísio Azevedo, Padre Olavo; Othon Bastos, o Repórter; Carlos Torres,
Monsenhor; Gilberto Marques, Galego; Walter da Silveira e Napoleão Lopes Filho, Bispos;
Antônio Pitanga, Mestre Coca; Milton Gaucho, Guarda; Roberto Ferreira, Dedé; João
Desordi, Policial; Irênio Simões, Secretário do Jornal; Enock Torres, Delegado de Polícia;
Maria da Conceição, Mãe de Santo; Velvedo Diniz, Sacristão, Cecília Rabelo, Jurema Penna e
Alair Ligouri, Beatas; Canjiquinha e sua academia, Capoeiras; além da figuração do povo de
Salvador.
34
Figura 102-Juri dos Longas Metragens do 15
o
Festival de Cannes
dl
Além da Palma de Ouro (Figura 102), a versão para cinema de “O Pagador de
Promessas” recebeu os seguintes prêmios: Festival de Cinema de Curitiba 1962 Prêmio
de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator (Leonardo Villar), Melhor Atriz (Norma
Bengell), Melhor Ator Coadjuvante (Geraldo Del Rey), Revelação Feminina (Glória
Menezes); Prêmio Saci, São Paulo, 1962 – Melhor Filme, Melhor Produção, Melhor Ator
(Leonardo Villar), Especial (Anselmo Duarte e Dias Gomes); Festival de Acapulco, México,
1962 – Prêmio Cabeza de Palanque; Festival de Edimburgo, Escócia, 1962 – Prêmio da
Crítica; Festival de Cartagena, Colômbia, 1962 – Prêmio Sapatos Viejos; Festival de
Bucareste, Romênia, 1962 Prêmio Especial; Festival de Moscou, 1962 – Menção Especial;
Festival de Locarno, Suiça, 1962 – Menção Especial; Festival de Toronto, Canadá, 1962
Menção Honrosa; Prêmio do Festival de San Francisco, Estados Unidos, 1962; Prêmio
do Festival da Venezuela, 1962; Prêmio Governador do Estado de São Paulo, 1962; Prêmio
Cidade de São Paulo, 1962; Prêmio Humberto Mauro, 1962; Prêmio Fipa de Prata Cannes,
1988. Além de receber, pela Academia de Hollywood, a Indicação ao Oscar de Melhor Filme
em Língua Estrangeira, de 1962.
34
Todo o processo de composição obedeceu ao roteiro cinematográfico final
desenvolvido por Dias Gomes,
material que essa pesquisa não
teve acesso em sua íntegra. O que
se pôde consultar foram algumas
páginas do roteiro de atores, as
anotações, as indicações e os
diálogos de algumas cenas, através
da gentil colaboração do ator
Leonardo Vilar (Figura 103), que
permitiu a consulta em seu arquivo
pessoal de memórias pela
pesquisadora.
Figura 103-Leonardo Vilar, em “O Pagador de Promessas”
dli
Diante das evidências, o que se pode concluir é que o roteiro do filme foi
desenvolvido de tal forma, que mesmo com as limitações do diretor, o produto final foi
positivo. Dias Gomes afirma que na verdade não queria arriscar nada, desejava manter a peça
na íntegra e cuidou para que o roteiro não permitisse a descaracterização de sua obra. Lançou
mão de seus conhecimentos e experiências adquiridos nas adaptações para o rádio e para
televisão e das numerosas leituras de todos os estilos, antologias de gêneros diversos,
inclusive roteiros de cinema, assim como manuais técnicos para construção de textos, o que
era um hábito em toda a sua vida.
(...) Eu sempre li tudo o que caía nas mãos, tenho facilidade de lembrar do
que li, portanto, quando fui escrever o roteiro do Pagador, primeiro eu
queria ser fiel à minha obra, às minhas idéias, vocês podem ver que o
diálogo do filme é o mesmo da peça, o que foi mudado, ou acrescentado, não
dá nem para notar, (...) Usei o que tinha aprendido a minha vida toda,
escrever o que eu queria que fosse feito, para isso existem as indicações, as
orientações (...)
dlii
É de conhecimento público a diferença entre o teatro e o cinema, começando por
ser única a representação teatral, o teatro deve reconquistar a cada apresentação a sua busca
por perfeição. No cinema, uma vez atingida a perfeição, ela é imediatamente fixada pela
película, que pode ser ressuscitada a qualquer momento. A qualidade da montagem de um
texto, no teatro, pode variar de grupo para grupo, de diretor para diretor, de técnica para
técnica, independente do texto dramático. “A qualidade cinematográfica é imutável, qualquer
que seja o número de cópias que sejam feitas de um filme e essa qualidade está intimamente
34
ligada ao roteiro que a criou”.
dliii
Dias Gomes tinha conhecimento da importância da criação
do roteiro para que fosse, antes de tudo, eficaz e não deixasse a essência de sua “história” ser
modificada.
Roman Bruni,
dliv
diretor e roteirista, estabelece que roteiros cinematográficos não
são escritos como obras literárias, como peças teatrais, assegura ainda que um roteirista possui
uma postura profissional muito mais próxima de um arquiteto do que de um dramaturgo,
porque assim como o arquiteto é capaz de ver o prédio pronto com todos os detalhes na
prancheta, o roteirista tem o filme pronto em sua mão em versão “papel”.
O jornalista e roteirista Alex Gennari, em artigo publicado na webwritersbrasil,
afirma que para se escrever um roteiro cinematográfico, o autor precisa percorrer seis passos:
desenvolver uma idéia, determinar uma “story line”, criar uma sinopse ou argumento, elaborar
uma estrutura ou escaleta, elaborar o pré-roteiro ou roteiro literário, participar do roteiro final
ou roteiro técnico,
dlv
sem os quais o produto final não atingirá seus objetivos. Dessa forma,
deve-se analisar o conteúdo de cada um desses passos para estruturar uma leitura analítica
sobre a adaptação desenvolvida por Dias no “O Pagador”.
O dramaturgo Doc Comparato afirma que “Escrever um roteiro é como se
tivéssemos uma câmera atrás do olho e ainda mais, pois a câmera tem maior acuidade visual
do que o olho e isso a aproxima da imaginação”.
dlvi
Esta imaginação deverá fluir para a
concepção e ser par constante de cada etapa da construção.
Desenvolver uma idéia. Durante a construção do roteiro de “O Pagador de
Promessas”, a idéia havia sido desenvolvida durante a construção da dramaturgia teatral. O
segundo passo, a derterminação de uma “Story Line”, ou o Conflito, condensar o Conflito em
palavras para compor a matéria prima da dramaturgia e ter o confronto de forças, existia
também: “Zé-do-Burro fez uma promessa a Santa Bárbara e não o deixam pagar.” Para se ter
um bom roteiro um conflito essencial é indispensável e esse deve se resumir numa única
frase.
O passo seguinte é criar a Sinopse ou o Argumento, isto é, determinar quem viverá
o conflito, definir o perfil das personagens, a localização da ação e da época, o decurso da
ação dramática, a estrutura da ação. Também essa etapa tinha sido cumprida, porque o
objetivo de Dias Gomes era desenvolver o roteiro cinematográfico sem alterar o argumento
existente. Dando continuidade ao processo, deve-se elaborar uma Estrutura ou Escaleta,
organizar a ação dramática definindo como as personagens viverão o Conflito, como a
história será contada. Define-se o “Plot” da ação, ou seja, a parte central da Ação Dramática.
A Estrutura divide a Sinopse em partes, o modo como a trama vai evoluir até o desfecho; é
34
neste momento que se define a mídia ou o veículo para o qual se destina o roteiro e fixa-se o
formato de acordo com a dia alvo. Neste momento ainda não texto, porém, como Dias
Gomes iniciou seu roteiro a partir do texto teatral, para ele, as divisões das Sinopses
estavam feitas e, por conseqüência, os diálogos estavam prontos. Quanto à mídia e ao
Formato, esses já haviam sido escolhidos.
Segue-se, então, a elaboração do Pré-Roteiro ou Roteiro Literário, onde serão
incluídos os diálogos que determinarão o Tempo Dramático das cenas ou das seqüências. As
didascálias devem acompanhar as réplicas descrevendo o estado de ânimo, as atitudes das
personagens, que direcionarão o diretor e os atores. São as didascálias que estabelecem o
clima de cada fala, de cada cena. A prioridade na composição das didascálias é a coerência
com os diálogos, para gerar a indicação precisa de como devem ser enunciados. Nessa etapa
estão contidas as divisões em cenas ou seqüências, que devem vir integradas ao todo, num
desenrolar de ritmo cadenciado que resulte num tempo ideal, uma vez que a harmonia rítmica
vai gerar a harmonia do conjunto da obra. Cabem ainda ao pré-roteiro as Leituras Dramáticas,
as revisões, as reflexões e recomposições do texto, quantas vezes forem necessárias. Dias
Gomes, a partir do texto para o teatro, criou as didascálias para utilização na construção do
filme, conservando porém os diálogos. Vejamos:
5. Caminho – Encontro com a Boiada – Ext. – Manhã
Zé-do-Burro e Rosa sobem um pequeno aclive e cruzam com uma
boiada, que está sendo conduzida. O solo é agreste, a presença de
mandacarus e muita poeira levantada pelos animais na terra seca. Eles
caminham no sentido oposto ao da boiada. À passagem de Zé-do-Burro,
os boiadeiros param, perfilam-se e tiram os chapéus, abaixando a
cabeça em sinal de respeito, acompanham os dois com olhar de
consternação. Quando o casal desaparece na estrada, eles repõem seus
chapéus, tocam o gado e partem em disparada nos cavalos, levantando
muita poeira.
dlvii
Com relação ao Roteiro Técnico, Doc Comparato apresenta a seguinte postura:
Compete ao diretor e à sua equipe converter o roteiro literário em roteiro
técnico... Elaborar o roteiro final significa converter o Primeiro Roteiro – um
texto – em uma ferramenta de trabalho que será entregue à equipe de
produção para ser traduzida em imagens e sons.
dlviii
Os manuais de roteiro atestam que o roteiro final ou técnico é um trabalho de
equipe, uma interação entre roteirista, diretor, equipe de produção e até atores. Neste
momento busca-se “aparar as arestas”, trabalhar as imagens, incluir os Movimentos de
Câmera e Planos de Filmagem. O roteiro técnico traz as didascálias com iluminação, trilha
sonora, o elenco e demais informações necessárias à produção. Aqui o roteiro está pronto para
34
ser filmado. O elenco não recebe esse roteiro. Considera-se um bom roteiro, um roteiro ideal,
quando cada página escrita corresponde a um minuto do filme. Esta página deve conter:
diálogos, nomes das personagens, indicação de cenas, detalhes, câmera, movimentos, arte,
cenário, figurino, espaço cênico, iluminação, posição, cores, texturas, cabeçalhos de cena
(INT, EXT, dia, noite, nome da cena). O roteiro do câmera e da produção é uma outra versão
do roteiro cnico, que é elaborado pelos próprios profissionais, eles mesmos preparam e
numeram, os demais técnicos marcam trechos com tinta ou recortam partes do roteiro técnico
que não lhes interessam.
Dias Gomes, participando do programa “Roda Viva”, em 12 de junho de 1995,
apresentou um relato sobre a criação do roteiro de “O Pagador de Promessas” para o cinema:
Depois ainda reescrevi, é... eu... é, no cinema, no cinema, é, no cinema eu até
procurei colocar o mais possível a peça no filme. Por uma questão até de
garantia, né. É preciso entender que nós estávamos ainda em 1960, 61 e o
cinema brasileiro, tinha uma tradição, a chanchada, não é. Então, o
Anselmo Duarte é que ia dirigir, que tinha vindo das chanchadas e tal, então,
para me garantir e tal, eu disse, bom, eu vou mostrar a minha peça. Tanto
que no filme é a peça filmada, né, duas ou três cenas fora, mas o resto, se
você acompanhar, vai ver que é igualzinho quase. O que era uma prova da
minha insegurança, não é, com relação ao cinema. Eu disse, não é, eu vou
me garantir. Isso fez até um certo mal ao filme, ficou um filme, talvez, a
muito acadêmico, embora seja, eu acho, realmente, um trabalho muito bom
do Anselmo. Tenho até que louvar essa fidelidade dele ao meu texto, foi a
única vez que eu tive um texto, no cinema, com absoluta fidelidade. De um
modo geral, você não se reconhece mais nem no filme. Quando você vende
um argumento e vai ver o filme, não se reconhece, o diretor mudou tanto que
não há mais nada.
dlix
Um aspecto deve ser levantado, a questão da personagem Zé-do-Burro, o herói da
história, para essa análise, tomou-se por base o trabalho do roterista Christopher Vogler, “A
Jornada de um Escritor Estruturas ticas para Contadores de Histórias e Roteiristas”,
dlx
que ele desenvolveu a partir das pesquisas de Joseph Campbell, um estudioso da mitologia e
da religião comparada.
Zé-do-Burro está instalado em seu Mundo Comum”, vive numa cidade do
interior do estado da Bahia, onde é lavrador, casado, possui umas terrinhas e seu grande
amigo é um burro, “Nicolau”, que o acompanha onde quer que ele vá. é Chamado à
Aventura”, quando seu amigo é atingido por um galho de árvore, durante uma tempestade,
causando-lhe um grave ferimento, com sangramento intenso.
O lavrador tenta a Recusa ao Chamadoprocurando de todas as formas deter a
hemorragia através dos meios conhecidos, o uso de esterco de gado no ferimento para deter o
34
fluxo de sangue, a ida ao velho rezador, a procura do veterinário, nada adiantava, até que
alguém lhe recomenda a ida a um Candomblé.
O rapaz vai ao Encontro com o Mentor”, dirige-se ao terreiro que pertence a
Iansã, que o acidente ocorreu devido a um raio durante uma tempestade. Ele suplica à
entidade, Iansã, que para ele é também Santa Bárbara a cura de seu burro, em troca ele levaria
uma cruz tão pesada quanto à de Cristo até a igreja de Santa Bárbara, em Salvador. O burro
curou-se. faz a Travessia do Umbral”, coloca a cruz às costas e dirige-se, estrada afora
em direção à capital. Caminha sob o sol, sob a chuva, passando pelos mais variados
intempéries, até que chega às quatro horas da madrugada a igreja em Salvador, cansado, com
os ombros sangrando, depalperado.
Zé-do-Burro, uma vez instalado nos degraus da igreja, vive Testes, Aliados e
Inimigos”. Neste ponto, ele vai viver a maior parte de sua história, que tem o percurso
temporal das quatro horas da madrugada às dezoito horas. Antes de o dia nascer, os inimigos
começam a surgir, o gigolô Bonitão, que irá seduzir a esposa de Zé, Rita; e a sua amante,
Marli. Amanhece, uma sucessão de intempérios marcarão o dia do moço. Ele tem o primeiro
encontro com o Padre Olavo, que ao tomar conhecimento da promessa ter sido feita num
terreiro de candomblé proíbe que seja cumprida. Ao seu lado, tem Minha Tia, Galego,
Dedé, Mestre Coca, os Capoeiras e contra ele, Monsenhor, Secreta, Delegado, além daqueles
que só querem se aproveitar da situação, como o Repórter. Durante todo o dia, Zé tenta entrar
na igreja com sua cruz, mas não consegue atingir seu intento. O dia está chegando ao fim, a
procissão vem chegando e a Aproximação do Objetivo”, o nível de tensão aumenta
com a chegada da polícia, da imprensa, os populares que dividem opiniões e o padre em sua
intransigência.
O crente está ao lado da Provação Máxima(Figura 104), tenta mais uma vez
cumprir a promessa, o Padre permanece imutável, Zé está decidido a entrar na igreja a
qualquer custo, o delegado vai prendê-lo, o rapaz lança mão de uma faquinha de cortar fumo,
a polícia pede reforços, os capoeiras vão defendê-lo. Ouve-se um tiro, Zé está morto.
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Figura 104-Leonardo Vilar, em cena do filme “O Pagador de Promessas”
dlxi
Por fim, Zé-do-Burro chega à “Conquita da Recompensa”. Os capoeiras recolhem
o corpo de Zé, colocam sobre a cruz e entram na igreja. Finalmente ele cumpre a promessa
feita à Santa Bárbara. Nosso herói inicia seu Retorno Transformado”, ao entrar na igreja
pagou a dívida com a santa, está em outro nível, superior, digno, altivo, em estado de graça.
Pode-se afirmar, portanto, que a composição da personagem protagonista do roteiro
atesta uma estrutura condizente com seu papel, pois seu objetivo, enquanto personagem
central, fica claro, o clímax de suas ões possui impacto, a história explica a relação desleal
entre opressor e oprimido e problema gera o conflito. Assim, as palavras de Edgar Morin
explicitam a visão que o filme O Pagador de Promessas” imprimou sobre a sociedade, o
homem e o poder.
O dinamismo do filme, tal como o sonho, rompe os quadros do tempo e do
espaço. A ampliação ou a dilatação dos objetos sobre o écran correspondem
aos efeitos macroscópicos e microscópicos do sonho. (...) O suspense, as
desvairadas e intermináveis perseguições, situações típicas de cinema, têm
um caráter de pesadelo. (...) O cinema introduz o universo do sonho no seio
do universo cinematográfico do estado de vigília.
dlxii
4.8 O PAGADOR NO RÁDIO
O filme “O Pagador de Promessas” recebeu a Palma de Ouro em Cannes em 1962;
em janeiro de 1963, a peça “O Pagador de Promessas” estreou em
Barcelona, Espanha. No
período entre esses dois acontecimentos, ainda em 1962, foi veiculada, através do programa “Grande
Teatro De Millus”, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a adaptação da obra para o rádio, que Dias
Gomes havia desenvolvido em 1961.
34
A versão para Radioteatro teve sabor de comemoração, tanto pelo sucesso da peça
teatral como pelo inédito prêmio obtido pelo filme. Durante a pesquisa nos Arquivos da Rádio
Nacional, não foram encontradas a ficha técnica do elenco, nem referências sobre a data
precisa em que o programa foi ao ar. Foi possível apenas o acesso a algumas páginas do texto:
CONTROLE
dlxiii
TEMA DA PEÇA / MÚSICA DE PERCUSSÃO DE
CANDOMBLÉ/ SINOS/ CANÇÕES RELIGIOSAS
CONTRA-REGRA
dlxiv
PASSOS ARRASTADOS DE ALPERCATAS
DE COURO EM CALÇADA, ARRASTAR CONTÍNUO DE
MADEIRA SOBRE CIMENTO, ESTRUTURAR A DISTÂNCIA,
MAIS LONGE, MÉDIO, MAIS PRÓXIMO, ASSOCIAR BARULHOS
URBANOS NOTURNOS / VOZES ESPARSAS/ RISOS / BARULHOS
DE CAIXOTES EMPILHADOS / GARRAFAS E COPOS
ZÉ – (Ofegante, pára) É essa, Rosa. Só pode ser essa.
CONTRA-REGRA RUÍDO DE SACOLA DE PANO JOGADA NO
CHÃO
ROSA (Enfastiada, com uma revolta contida) E agora, Zé? Está
fechada.
– É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
ROSA – (Revoltada) Esperar? Aqui?
– Não tem outro jeito.
CONTRA-REGRA RUÍDO DE TECIDO, CORPO QUE SENTA NO
CHÃO / RUÍDO DAS ALPERCATAS TIRADAS E JOGADAS NA
CALÇADA
ROSA – (Com raiva) Estou com cada bolha d`água no pé, que dá medo.
CONTRA-REGRA – RUÍDO DE TECIDO ESGAÇADO
(Arfante sentindo muita dor) Eu também. Acho que meus ossos
estão em carne viva.
ROSA (Desdém) Bem feito. Vonão quis botar almofadinhas, como eu
disse.
(Com dor e convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, o
falei em almofadinhas. (...)
SONOPLASTIA
dlxv
MÚSICA RELIGIOSA E ATABAQUES
dlxvi
O fragmento da adaptação do texto “O Pagador de Promessa” para o rádio,
possibilita, através da observação das didascálias, a forma como o dramaturgo transfere para
elas os elementos necessários para que se possa estabelecer a manutenção da trama, mesmo
numa linguagem que pode atingir o público através da audição. No rádio, o grande aliado
de Dias Gomes era o “contra-regra” que através dos ruídos simulava as ações dos atores, que,
no palco seriam concretas.
A segunda versão radiofônica de “O Pagador de Promessas” deu-se em 1973, no
Rádio e Televisão Francesa, criada e apresentada pelo encenador, diretor, cenógrafo, autor e
ator francês Henri Doublier. (Figura 105). Quatro anos antes, em 1969, Dias Gomes,
prestigiara o velho amigo Procópio Ferreira, ao assistir à peça “O Avarento”, cuja personagem
principal era representada pelo ator. Nessa ocasião, Dias conheceu o diretor do espetáculo, o
34
francês Henri Doublier. Dias e Henri ficam amigos, e o estreitamento de laços se deu,
principalmente, porque encontraram, em seus trabalhos, pontos comuns, sobretudo a presença
da análise social e política do homem.
Figura 105-Henri Doublier, Eduardo Escalante, Dias Gomes e Marie Jeanne Calasans, em reunião para a criação
da ópera “O Pagador de Promessas”
dlxvii
Doublier, encantado com a obra “O Pagador de Promessas”, que segundo ele
“resume de maneira comovente as contradições e virtudes do homem brasileiro e denuncia a
prepotência das autoridades”,
dlxviii
interessou-se em passar o texto para a língua francesa e
montá-lo em sua terra. No primeiro momento, propôs ao dramaturgo a versão do texto para o
francês, o que foi aprovado de imediato. Portanto, a versão foi feita por Doublier, com a
colaboração de Elisabeth Jaquier. Logo em seguida, resolveu adaptar a peça de Dias para o
rádio, tendo o cuidado especial de manter tanto as indicações cênicas, quanto os diálogos
originais, fato que Doublier assim justificou:
A peça de Dias Gomes não vale apenas pelo seu conteúdo, porque esse se
fortalece e melhor se projeta por uma narração clara, feita em estritos termos
de drama. Dispõe o autor de um seguro texto extradialógico, que se afirma
na caracterização das personagens, nas indicações da dialogação viva e
sempre coerente com as situações, o preparo e o desenvolvimento das cenas,
tudo resulta numa construção sóbria, econômica e necessária.
dlxix
Em julho de 1973, “O Pagador de Promessas” foi apresentado em forma
radiofônica na “Radio France Culture” com grande repercussão. O acontecimento marcou a
primeira vez que uma obra de Dias Gomes foi veiculada vertida para o francês, com o título
“Jef à l’âne” ou “La parole donnée”.
A grande escola de formação dramática de Dias Gomes foi efetivamente o rádio.
Depois de dezessete anos de treinamento, fazendo adaptações dos textos de grandes nomes da
dramaturgia universal, ele estava abalisado para adaptar o “Pagador” para a radiofonia, em
34
meio a uma série de atividades em que estava compromissado na época: “Embora o rádio
também não fosse o meu caminho, era pelo menos mais divertido”.
dlxx
Desde que foi trabalhar, em 1944, na Rádio Pan-Americana em São Paulo, a
convite de Oduvaldo Vianna para escrever adaptações para o “Grande Teatro Pan-
Americano”, Dias passou a estudar, experimentar, ler muitas produções feitas antes dele e
cada vez mais se familiarizar com a forma, a linguagem e a técnica, para a produção de um
texto dramático para o rádio.
Escrever um texto dramático para ser veiculado pelo rádio é um processo que passa
por várias etapas; o texto é estruturado em seqüências e apresenta didascálias técnicas,
destinadas a orientar a direção e a produção da obra.
dlxxi
Como qualquer obra criativa, o ponto de partida para um texto dramático para o
rádio é a concepção de uma idéia, uma história, que deverá gerar na imaginação do ouvinte, a
recriação dessa idéia original.
O autor e produtor Robert Mcleish avalia que o enredo e as personagens de um
texto dramático radiofônico, seja qual for o conteúdo de sua narrativa, precisa ser verossímil,
o epílogo deve apresentar alguma lógica, qualquer que ela seja, para que o radiouvinte não se
sinta nem logrado nem desapontado.
dlxxii
A verossimilhança da narrativa está acoplada à capacidade argumentativa do
escritor, pois, seja qual for o cerne da história, o que dará credibilidade às soluções
apresentadas são os argumentos, pontuados ao longo da exposição, uma vez que uma
produção dramática para o rádio deve estar sempre pautada em que o espectador entra em
contato com a história, identifica-se com determinada personagem e passa a ser “coadjuvante”
do drama, uma vez que mentalmente cria a “sua história particular”.
A composição de uma peça para rádio persegue os mesmos passos dos roteiros para
cinema e para televisão: idéia, conflito, personagens, ação dramática, tempo dramático,
unidade dramática. Já Robert Mcleish afirma, porém, que nem tudo isso é necessário, que
basta explicar a situação, introduzir o conflito, desenvolver a ão e resolver esse conflito,
porque para se ter uma boa trama para o rádio é suficiente criá-la de tal forma que o ouvinte
queira, todo o tempo, descobrir a ação final.
dlxxiii
Na dramaturgia radiofônica, as cenas devem ser curtas e o processo de câmbio de
uma cena para outra é simples, basta informar ao ouvinte do espaço em que a ação se situa a
cada momento, o importante é que o espectador esteja atento e para isso existem técnicas
específicas como: A primeira é a Mudança de Ritmo de uma ação rápida para uma ação lenta;
de uma locação barulhenta para uma locação silenciosa; de uma cena longa para uma cena
34
curta. A segunda é a Mudança de Humor de um clima tenso para um clima tranqüilo; de um
clima colérico para um clima feliz. A terceira, a Mudança de Lugar de um local fechado para
um local ao ar livre; de um local repleto de pessoas para um local ermo; de um ambiente
luxuoso para um ambiente pobre.
Pode-se observar a forma como Dias Gomes utilizou esse jogo de contrastes: de
cenas interiores e exteriores, de ruídos próximos e distantes, como no trecho seguinte:
dlxxiv
CONTROLE VINHETA DO PRODUTOR / TEMA DA PEÇA /
MÚSICA SAMBA DE RODA SEM CANTO /
CONTRA-REGRA – BARULHOS URBANOS MATINAIS / VOZES
ESPARSAS COM CADA VEZ MAIS COMPONENTES / RISOS /
BARULHOS DE PAPÉIS / VOZES INFANTIS / CAIXOTES SENDO
EMPILHADOS / ARRASTAR DE MESAS, GARRAFAS E COPOS /
PREGÕES / RUÍDOS DE AUTOMÓVEIS VARIADOS FORÇANDO
MOTOR PARA SUBIDA / CRIANÇAS CORRENDO / RUÍDO DE
SANDÁLIAS FEMININAS QUE SE ARRASTAM DESCENDO A
LADEIRA / INTERIOR DE BAR
MINHA TIA – (De fora) Iansã lhe dê um bom dia.
GALEGO – (De dentro, com forte sotaque espanhol) Gracias, minha Tia.
CONTRA-REGRA BASE RUÍDO INTERNO DE BAR/ RUÍDO DE
SANDÁLIAS FEMININAS QUE SOBEM ESCADAS. PÁRA
MINHA TIA(De fora, não muito longe) Quer vir aqui dar uma mãozinha,
pra sua tia, meu branco?
CONTRA-REGRA EMPURRAR DE CADEIRAS, PASSOS DE
TAMANCO APRESSADOS QUE SE DESLOCAM, PASSOS DE
TAMANCO QUE SOBEM ESCADAS
CONTROLE – MÚSICA DE ATABAQUES
CONTRA-REGRA – RUÍDOS DE MONTAGEM DE CAVALETES,
MADEIRA SOBREPOSTA / RUÍDOS DE PANELA, POTES,
TABULEIROS
MINHA TIA – Santa Bárbara lhe pague. (Espantada) Oxente! Que é aquilo?
dlxxv
Como se pode notar no trecho acima, o dramaturgo escreve com o objetivo de ser
apenas ouvido e dessa forma ele pretende que o ouvinte participe de sua criação. Para tanto as
descrições devem ser claras à produção para que a técnica supra a ausência da utilização dos
outros sentidos. Além do que, como toda e qualquer movimentação tem que ser escrita, as
personagens não se deslocam muito, uma grande circulação acabaria por confundir os
ouvintes. Deve-se ter o cuidado de numerar as páginas que serão impressas, em tamanho de
fonte legível e com bom espaço entre as linhas, em apenas um lado da folha, para que a troca
de páginas não gere ruídos.
Robert Mcleish apresenta, em seu guia de produção radiofônica, uma série de
orientações para a construção de um “texto para os ouvidos”. Segundo ele, o primeiro passo é
decidir o que se vai dizer e listar as idéias com o máximo de logicidade; em seguida, deve-se
34
criar uma abertura interessante e informativa; pensar no radiouvinte para quem se está
escrevendo; caso haja alguma dúvida, deve-se falar em voz alta o que se quer que a
personagem diga e somente depois escrever; criar imagens, contar histórias, apelar para todos
os sentidos e sinalizar para explicar a estrutura das réplicas; usar linguagem coloquial, em
sentenças ou frases curtas, com a pontuação direcionada a tornar a locução clara para o
radiouvinte, as frases devem ser escritas em ordem direta: sujeito, verbo, predicado, não
florear, deve-se ir direto ao asunto; evitar adjetivos, palavras eruditas, de cunho científico, a
não ser que elas caracterizem alguma personagem ou situação; usar os verbos no presente,
evitar os pronomes possesssivos e os pronomes demonstrativos; usar figuras de linguagem
de domínio público; evitar rimas, sibilância, cacófatos e repetição de palavras; e por fim
nunca iniciar um período com números.
dlxxvi
Uma observação se faz necessária, com relação à veiculação da dramaturgia no
rádio, quando se aborda a questão das inserções dos anúncios publicitários. Os “reclames”
mais comuns em rádio têm duração de 15, 30 e 60 segundos. Anúncios de mesma duração
apresentam custos variados, dependendo de como, onde e quando serão veiculados. Quando
um texto dramático está no ar e com sucesso, apresentado diariamente, ou duas a três vezes
por semana, ou se faz parte de um programa semanal de grande audiência, os intervalos que
eles possuem serão o alvo dos anunciantes, independentemente de terem as cotações mais
altas. Além disso, para a inclusão das “peças publicitárias” durante a apresentação, usa-se
uma técnica, que tem por objetivo manter o ouvinte ligado à emissora, sem mudar de faixa.
Interrompe-se então a narrativa em meio a uma oração em que a personagem conclui um
pensamento, ou apresenta uma informação, em suma, quando algo importante vai ser dito
para a continuidade da história.
Essa suspensão pode acontecer logo após as reticências, a uma interrogação, a um
ruído provocado pela contra-regragem, a uma afirmativa grave, até cortando-se uma palavra,
enfim, tudo que possa gerar expectativa:
REPÓRTER – Não, de modo algum... eu... (...)
REPÓRTER – (...) O senhor pertence a algum partido político? (...)
REPÓRTER – Vai. Vai porque o meu jornal vai pro / (...)
(...)
CONTRA-REGRA RUÍDOS DE FLASHS e DA MÁQUINA
FOTOGRÁFICA PASSANDO O FILME.
dlxxvii
Após o corte é introduzida a vinheta sonora e o texto do apresentador do programa,
que se mescla ao material publicitário. Como “O Pagador de Promessas” foi veiculado no
34
programa “Grande Teatro De Millus”, todas as “peças publicitárias” pertenciam a essa
empresa.
Uma observação deve ser apresentada, os graus de adaptação de um texto teatral
para outras linguagens, segundo Doc Comparato. O autor faz o levantamento de seis níveis
que marcam um maior ou menor comprometimento com a obra original: adaptação
propriamente dita, baseada em, inspirada em, recriação e adaptação livre. A adaptação
propriamente dita é a mais fiel possível à obra original. Não alteração da história, nem do
tempo, nem das personagens, as emoções e conflitos refletem àqueles presentes no original.
Esse nível de adaptação era o mais usado por Dias Gomes ao adaptar as obras, tanto as suas
criações como as de outros autores. Foi exatamente a adaptação propriamente dita que o
dramaturgo utilizou ao adaptar “O Pagador de Promessas” para a televisão.
4.9 O PAGADOR NA TELEVISÃO
Dias Gomes criou a primeira adaptação para televisão de “O Pagador de
Promessas”, em 1974, como teleteatro inserido no programa “Fantástico” da Rede Globo de
Televisão. A segunda versão televisiva, em forma de minissérie, aconteceu em 1988, na
mesma emissora.
A professora Lucrécia Ferrara, na obra “Da Literatura à TV’ refere-se ao
posicionamento de Sylan Paezzo, que afirma que a tarefa de adaptar um texto teatral para a
televisão é dupla, porque em primeiro lugar precisa-se respeitar o autor e em segundo
respeitar o veículo. Ao respeitar o veículo, tem-se a construção de uma obra de arte que
demanda atrativos, dividida dentro de um ritmo de produção e com boa visualidade, “fazer a
coisa bonita”.
dlxxviii
Não se pode deixar de observar que, na dramaturgia televisiva, o aspecto visual
desempenha o papel primordial na mensagem, portanto, ao adaptar um texto teatral, o escritor
tem de estar focado na questão visual. Para o cenógrafo José de Anchieta, principalmente nas
mídias audiovisuais, o cenário não deve apenas ilustrar, ele deve estabelecer, criativamente,
pontos de contato com o texto e não se tornar um localizador temporal da época a que se
refere.
dlxxix
Um aspecto deve ser considerado: a teledramaturgia brasileira no contexto da
globalização, principalmente quando o foco é a adaptação de “O Pagador de Promessas”
como minissérie, requer uma leitura da sua evolução no universo da produção cultural das
34
décadas de 1970 e 1980 e como este acontecimento está ligado ao enfrentamento da
hegemonia cultural norte-americana.
As minisséries surgiram como resistência ao chamado “colonialismo”
dlxxx
. Alguns
estudiosos consideram as minisséries como blocos irregulares e regressivos da indústria
cultural local, por outro lado, “ao longo da história, a dramaturgia televisiva passou a tornar-
se exemplo de uma moderna cultura internacional de massa, afinada com gostos, desejos,
perspectivas e ambições dos brasileiros”.
dlxxxi
“O Pagador de Promessas” integra um grupo de minisséries que tematiza a região
Nordeste, iniciado com Lampião e Maria Bonitade Aguinaldo Silva e Doc Comparato, em
1982. Essas obras buscam revisitar as tradições históricas, mitológicas, regionais, pela dia
televisiva. O “grupo nordestino” desloca a teledramaturgia do eixo Rio/São Paulo, volta-se
para outros enfoques sociais e políticos do Brasil, apresenta o paradoxo sócio-econômico-
cultural do país, utiliza uma releitura atual, sensível, inteligente, forte, sem pieguices, para
apresentar a dor do homem nordestino, através das adaptações da literatura, teatro e cinema:
Essas Minisséries atualizam o coronelismo, os excluídos, os desterrados,
explicando, de certa forma o nascimento da desigualdade social nos grandes
centros urbanos, que abrigam os retirantes, os migrantes, engrossando o
crescimento urbano desordenado, que gera violência, pobreza e insegurança
social.
dlxxxii
A adaptação de O Pagador de Promessas” como minissérie foi concebida em 12
capítulos, mas teve que ser reeditada por imposição de uma censura interna da Rede Globo de
Televisão, sendo exibida em apenas 08 capítulos, durante o período de 05 a 15 de abril de
1988, no horário das 22:30h. O texto de Dias Gomes teve a direção de Tizuka Yamasaki,
direção executiva de Paulo Afonso Grisolli e supervisão de Daniel Filho. Segundo a Diretora:
Daniel Filho me convidou para dirigir a minissérie “O Pagador de
Promessas”. E, então, fui trabalhar o texto que o Dias Gomes adaptou e
atualizou, e que iria ao ar como minissérie. Fomos para Monte Santo, onde
Glauber filmou “Deus e o Diabo” e trabalhamos com imensa paixão. O
elenco, encabeçado por José Mayer (Zé do Burro) e Denise Milfont (Rosa),
deu o melhor de si. A minissérie teria 12 capítulos, mas oito foram ao ar.
Embora já estivéssemos em plena democracia, o texto foi podado por
imposições de anunciantes. Dizia-se que a história era “comunista demais”,
que pregava a luta de classes, que os sem-terra e a Igreja Progressista eram
endeusados. Eu fiquei louca. Quando a crise explodiu, tive uma reunião com
Daniel Filho e o Boni. Eles me avisaram que tinha que cortar, pois a direção
da emissora queria tirar a minissérie do ar. O corte de tudo que se referisse
aos sem-terra seria uma solução encontrada para a minissérie continuar. Pedi
então que me deixassem cortar, eu mesma! Mas na ilha de edição eu não tive
coragem de cortar. Estava apaixonada demais pelo que fizéramos em Monte
34
Santo. Os atores também não queriam que a parte nova, referente à vida
pregressa de do Burro, fosse para o lixo. Pedi para tirar meu nome da
série, pois o que iria ao ar estaria mutilado. Daniel Filho argumentou que não
dava tempo, todo mundo sabia que a série fora dirigida por mim. Recorri ao
Pedrylvio Guimarães, advogado especialista em direito autoral, mas ele não
encontrou um juiz que bancasse a TV Globo. Como não havia solução,
convoquei a imprensa e eu disse que não assinava a minissérie. Foi a
imprensa que descobriu que as autoridades censórias disseram que a série
estava liberada, que o problema era com a Globo. Estadão, Veja, todos os
jornais deram grande destaque ao assunto. Em vão. A minissérie perdeu
quatro capítulos. Osmar Prado, que fazia o Padre Eloi, foi de tal modo
convincente, que os peões de Monte Santo pediram que ele permanecesse lá,
como padre, já que Padre Enoque, o responsável pela paróquia, estava
internado por stress da pressão política local.
dlxxxiii
A censura pode ser compreendida em parte dentro do contexto político nacional. O
Governo era o do presidente José Sarney, marcado por duas grandes tarefas que se impunham
ao país: reconstruir a democracia e enfrentar a crise inflacionária. Assim, a Assembléia
Nacional Constituinte foi instituída, sob a liderança do deputado Ulisses Guimarães e a nova
Constituição, considerada a mais democrática da história brasileira, foi promulgada em 5 de
outubro de 1988, por coincidência, no mesmo dia da estréia da minissérie.
A Carta estabeleceu eleições diretas em dois turnos para presidente, governador e
prefeitos; adotou o presidencialismo como forma de governo, afirmou a independência dos
três poderes, restringiu a atuação das forças armadas, estendeu o voto aos analfabetos e
maiores de 16 anos, universalizou o direito de greve, entre diversas outras garantias civis,
sociais e trabalhistas, deixando lacunas, no entanto, no que se refere à reforma agrária.
Exatamente essas lacunas deixadas na Constituição é que fizeram com que a obra
fosse mutilada. Dias pontuou com clareza, na adaptação, referências políticas, menções à luta
dos sem-terra e posseiros e a reforma agrária, aspectos que não puderam aparecer, sendo
suprimidos depois da obra pronta, sem nenhum aviso prévio, segundo o dramaturgo, devido à
furiosa reação dos latifundiários, liderados por Ronaldo Cayado, da União Democrática
Ruralista, e pelo banqueiro Amador Bueno, do Bradesco, que ameaçaram as empresas Globo
com sanções econômicas. Segundo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, “As pressões eram
constantes, algumas contornáveis, mas no caso de “O Pagador de Promessas” não houve
saída, a minissérie foi mutilada por interferência de empresários”.
dlxxxiv
Em entrevista ao jornal Folha da Tarde, Dias Gomes se posicionou sobre esses
cortes, que para ele foram desastrosos:
34
Eu sou o atingido, eu sou a vítima. Quem cometeu o crime foi quem cortou,
eu não. Eu protestei, publicamente pela imprensa, disse o que tinha a dizer,
denunciei, fiz o meu papel. (...) Nunca seria uma manobra para não censurar
diretamente enquanto escrevo, porque não é uma coisa pensada. Seria uma
burrice. A emissora não ia gravar cenas, gastar fortunas para depois cortar no
ar. Seria uma estupidez. Há os leitores que lêem os capítulos e fazem
recomendações à direção, apontam coisas aqui e ali. Quando havia censura,
a própria emissora mandava cortar no texto alguma coisa, por achar que ia
ser censurado. Isso quando havia censura. Agora a coisa se complicou,
porque como não mais a Censura Federal, a emissora teve que assumir a
autocensura, que é muito pior. Quer dizer, a nossa grande vitória se
transformou numa “Vitória de Pirro”.
dlxxxv
(...) Espero que o problema não
leve os outros autores, principalmente os mais jovens, ao desestímulo e que
eles entendam que a conquista da liberdade é uma luta contínua. Tenho meus
truques, quando apresento as indicações cênicas, estou preocupado é com a
essência do que eu quero dizer. (...) E afinal de contas, apesar dos pesares,
“O Pagador de Promessas”, a minissérie, acabou sendo um enorme sucesso
não apenas artístico, como também de audiência.” (...)
dlxxxvi
O dramaturgo apresenta também uma referência ao fato, em sua autobiografia, onde
se pode observar, que mesmo após o período da ditadura militar, a pressão dos poderosos
permaneceu exercendo a censura de acordo com seus interesses particulares, uma vez que,
para eles uma obra de arte, como a de Dias, era uma ameaça, uma forma de veicular ao povo
o desejo de mudança:
Figura 106-José Meyer e Denise Milfont, na adaptação de “O Pagador de Promessas” para a televisão
dlxxxvii
34
(...) Logo após a exibição do segundo capítulo, os latifundiários, indignados,
apontaram todos os seus canhões contra a Globo e exigiram que a minissérie
fosse retirada do ar. Não conseguiram, mas a pressão deu resultado: quatro
capítulos foram suprimidos. (Figura 106) (...) Os cortes foram feitos a minha
revelia e sob meu veemente e público protesto. (...) Em curioso editorial, o
jornal “O Globo” explicava que os cortes haviam sido feitos para defender a
integridade da obra, violentada na adaptação, esquecendo-se de que autor e
violentador eram a mesma pessoa... Apesar de mutilada, a minissérie foi
laureada no Festival de Tevê de Cannes em 88 com FIPE de Prata. Era a
segunda vez que “O Pagador” vencia em Cannes.
dlxxxviii
Assim como o filme, a adaptação para a minissérie televisiva ampliou o ambiente
até a cidade de origem de do Burro, uma vez que a trajetória da personagem até a cidade
de Salvador foi apresentada nas duas linguagens. Dias Gomes relata essa opção utilizada nas
duas adaptações:
Desafiado a contar em cerca de 10 horas uma história que havia contado no
palco em 90 minutos, optei por remontar-me ao passado de do Burro,
suas origens, o ambiente sociocultural explicativo da promessa que fizera.
Para tal, viajei a Monte Santo, região do interior do Estado da Bahia, (...). De
devia ter vindo Zé do Burro, com sua cruz e sua inabalável. (...) A ação
da peça, que ia do amanhecer ao anoitecer de um mesmo dia, era agora
estendida no tempo, trocando a síntese teatral pela análise épica. (...) Eu
acreditava que havia levado “O Pagador” para a televisão com uma carga de
atualidade sem desfigurar a peça, ao contrário, tornando-a mais clara para o
grande público.
dlxxxix
Deve-se observar que o modelo de representação dramática dominante na
comunicação de massa é o naturalismo. A televisão absorveu, durante o seu processo de
instalação como o principal meio de comunicação social, as convenções dessa perspectiva,
convenções que revolucionaram o cinema, o rádio, o teatro de variedades, a narrativa
melodramática/sensacionalista, transformando-se no tipo de representação mais popular, mais
descomplicada.
dxc
O Seriado televisivo com a minissérie “O Pagador de Promessas” neste grupo
tende a organizar os acontecimentos numa seqüência como a seguir:
ORDEM DESORDEM ORDEM
Exatamente como ocorre na telenovela, no folhetim, nos casos especiais, nas
narrativas sensacionalistas. Mesmo que pareça supérfluo assinalar os pontos comuns entre as
minisséries, as telenovelas, e os casos especiais, que são chamados de gêneros populares”, o
34
objetivo aqui é advertir sobre a sua expansão ontológica. Pode-se observar como elementos
coincidentes: a forma de se fazer televisão em todos os cantos do mundo abraça a estética
naturalista; o gênero minissérie utiliza uma leitura linear e episódica, organizada em leis de
causa e efeito, como também oposições entre o bem e o mal; uma ligação intertextual
tanto entre materiais de fluxo televisivo, como extratextual –, em outras manifestações de
massas; melodramaticamente, as oposições na linearidade obedecem a códigos ideológicos e
morais que, assumidos como universais, querem ser considerados dessa forma; a família
aparece como núcleo nas diferentes instâncias da representação dramática instauradora do
fluxo narrativo; a mulher é tida como o elemento social responsável por manter ou destruir a
família. A adaptação de “O Pagador de Promessas” para minissérie trouxe como tema “um
homem que não quis conceder”, ou seja, a sobrevivência difícil de um homem e sua luta por
aquilo que acredita.
Alguns acréscimos foram criados por Dias Gomes, com o objetivo de pontuar mais
precisamente os aspectos políticos e sociais, principalmente em função do veículo a que se
destinava e do momento histórico pós-ditadura militar.
Zé-do-Burro, em sua versão televisiva, é um simplório
lavrador, oriundo de uma família de posseiros, que luta
contra os latifundiários rurais, cujo principal
representante é Tião Gadelha. O ingênuo é alheio a
esses conflitos e vive num mundo à parte, com seu fiel
companheiro, um burro chamado Nicolau. Razão do
seu apelido, Zé-do-Burro (Figura 107).
Fig. 107-José Mayer: “O Pagador de Promessas” na
TV
dxci
O burro de Zé, Nicolau, sofre um acidente. O lavrador ao ver o animal em estado
grave e sem responder a nenhum medicamento, decide fazer uma promessa a Iansã, Santa
Bárbara na religião católica.
Zé-do-Burro prometeu à santa, em troca da sobrevivência de seu animal, que
carregaria uma cruz de madeira às costas, desde sua roça, em Monte Santo, no interior da
Bahia, até a igreja de Santa Bárbara, em Salvador. Pela cura do animal, Zé-do-Burro inicia
sua trajetória até Salvador. A partir desse ponto desenrola-se a trama da minissérie.
34
Fig. 108-Acesso às capelas de Monte Santo, BA
dxcii
Fig. 109-Capela da Paixão de Cristo, Monte Santo,
BA
dxciii
Estrada da subida do Monte Santo (Figura 108), chamada de “Coração Místico do
Sertão Baiano”, marcada pela tradicional romaria pelas capelas do “Monte Santo” (Figura
109), onde estão assinalados os passos da Paixão de Cristo, isto é, cada capela é dedicada a
uma das quinze estações da Via Sacra. Uma festa popular e religiosa marcada de tradições e
crendices. Ali vive o Padre Eloy, adorado pela comunidade, religioso que apóia os
trabalhadores e sofre duras represálias das autoridades locais; ao longo da trama, ele morre
assassinado.
A longa caminhada faz com que o cumprimento da promessa seja interpretado
como manifesto, como postura panfletária. e a mulher, Rosa, percorrem 350 quilômetros a
(Figura 110). Ao chegarem, aproxima-se da Igreja de Santa Bárbara e passa a debater-
se num primeiro conflito.
O pároco, Padre Olavo, ligado à ala conservadora radical da igreja proíbe que o
sertanejo cumpra sua promessa entrando com a cruz na igreja, porque a obrigação fora jurada
num terreiro de candomblé. Homem obstinado em sua fé, decide acampar em frente à
igreja até que possa cumprir sua promessa. A notícia se espalha e o povo adere à causa do
crente, dando-lhe destaque.
Enquanto a personagem jornalista Aderbal, interessado na história, atribui à
promessa uma conotação política, porém, com um maior conhecimento do ingênuo homem,
reverte sua postura e socorre-o com seu auxílio.
A sociedade divide-se, cada segmento interpreta a postura de Zé da forma que lhe é
mais conveniente. Zé-do-Burro conta com o apoio popular, especialmente o das pessoas
ligadas ao candomblé. Entre elas está Seu Dedé, um vendedor ambulante que fica ao lado dele
até o final de sua saga. Nesta roda viva em que estava imersa, sem entender o porquê, Rosa
34
trai Zé, seduzida pelo gigolô Bonitão, o que faz gerar uma briga sem tamanho com Marli, uma
prostituta amante do cafajeste, que movida pelo ciúme torna-se inimiga de Rosa, como foi
analisado.
Fig. 110-José Mayer e Denise Milfont: adaptação de “O Pagador de Promessas” à TV
dxciv
Diante da situação, os padres se reúnem sob a liderança de Dom Germano. Entre
eles também ocorre uma divisão. Alguns sacerdotes defendem Zé, considerando-o apenas um
homem do povo que quer cumprir sua promessa; outros, no entanto, acreditam que a atitude
do devoto possui conotação política e criticam-lhe o sincretismo religioso.
O último capítulo da minissérie acontece no dia de Santa Bárbara, quando os fiéis
iniciam uma procissão comandada por Padre Olavo, em Salvador. Ao ver a multidão
caminhando em direção à igreja, decide misturar-se entre eles e tentar entrar no templo
para pagar sua promessa. Porém a tentativa é frustrada, pois Padre Olavo fecha novamente as
portas.
A polícia cerca a igreja, começa um grande tumulto. O policial Zarolho agita a
multidão e insiste em prender Zé, que não se deixa levar preso. Em meio à briga, na escadaria
de Santa Bárbara, ouve-se um tiro: fôra atingido. A polícia e padre Olavo desaparecem e
Rosa chora sobre o corpo de Zé, que morre sem cumprir sua promessa.
Dias Gomes transformou sua peça de teatro num teleteatro. Considere-se a peça
como um “hipotexto” e a minissérie como um “hipertexto”.
dxcv
O hipertexto, minissérie,
transporta o hipotexto, peça de teatro, para um espaço histórico, social e político o mais
próximo possível do telespectador e não ao contrário. As transformações que ocorrem são
diegéticas, ocorrem dentro da ação ficcional da obra, modificações espaciais, temporais e
sociais sem que se perca a essência do “hipotexto”.
A pesquisadora Cristina Brandão acredita que cabe a cada adaptador optar por
guardar as mesmas ações e os mesmos encadeamentos do texto base ou modificá-los
acrescentando ou substituindo outras ações ou outros conteúdos.
dxcvi
34
O dramaturgo, ao transpor sua obra teatral para a TV, realizou um processo de
reorganização de idéias, adicionando novos temas, novos diálogos e novas personagens;
porém em nenhum momento há um distanciamento da história original, as personagens que
constroem a trama são preservadas e mantidas em sua integridade, pois o escritor revela-se em
suas didascálias, na condução de suas indicações. Dias Gomes descobriu em seu próprio
texto, nuanças criativas que geraram especificidades estilísticas inéditas para a época em que
o texto para teatro foi criado
dxcvii
. Ele afirmava na época:
Acho que ninguém aprende a ser dramaturgo, como ninguém aprende a ser
poeta. Você pode aprender algumas regras básicas de “playwriting”, mas
isso não faz de você um autor de teatro. Ninguém é escritor porque sabe
gramática. Quanto à televisão... bom, esse é outro papo. Se você já é um
autor de teatro ou de romance, um contista ou um poeta, você pode aprender
a escrever para televisão. E o diabo é que isso só se aprende fazendo.
Quebrando a cara. Porque a televisão tem uma linguagem própria, que difere
do teatro, do cinema, da literatura, embora roube elementos de cada um
deles. E é uma linguagem nova, surgida em nosso tempo, com novas formas
de comunicação, de assimilação da cultura e de percepção estética.
dxcviii
A minissérie teve méritos incontestáveis, desde o trabalho de adaptação de Dias à
direção de Tizuka Yamasaki, à interpretação dos atores. As gravações da minissérie foram
realizadas durante dois meses, nas cidades de Monte Santo e Salvador, na Bahia, locais onde a
equipe de produção instalou-se durante o período. Para a composição da personagem Zé-do-
Burro, o ator José Mayer (Figura 111) passou um mês em Monte Santo, morando numa casa
simples, convivendo e cuidando do burro com o qual contracenou. Para a caracterização da
sua personagem, José Mayer trocou roupas e adereços novos por peças e objetos pessoais dos
moradores da cidade interiorana.
A minissérie foi reapresentada entre maio e junho de 1991, no programa “Vale a
pena ver de novo”, e em 1999, numa versão compactada com quatro capítulos, em
homenagem ao dramaturgo, que falecera naquele ano.
O elenco teve a seguinte composição: José Mayer – Zé-do-Burro; Denise Milfont
Rosa; Walmor Chagas – Padre Olavo; Nelson Xavier – Bonitão; Joana Fomm – Marli;
Guilherme Fontes Aderbal; Mario Lago Dom Germano; Carlos Eduardo Dolabella Dr.
Tião Gadelha; Osmar Prado Padre Eloy; Stênio Garcia Seu Dedé; Diogo Vilela Lula;
Zarolho – Emiliano Queiróz.
34
Figura 111-José Mayer, na adaptação de “O Pagador de Promessas” para a televisão
dxcix
A trilha sonora (Figura 112) da minissérie “O Pagador de Promessas (Figura 113)
especialmente composta por Egberto Gismonti, um músico sempre mergulhado nos estudos
das raízes da música antropológica brasileira associada à música erudita nacional tendo como
referência as obras de Vila Lobos, Guerra Peixe, Marlos Nobre e Edino Kriger, foi
desenvolvida após uma série de encontros do compositor com o dramaturgo e com a diretora.
As músicas
dc
foram interpretadas pela Orquestra Transarmônica D’Amla de Omrac, sob a
regência do próprio Egberto Gismonti.
Figura 112-Capa do LP, com a trilha sonora da adaptação de “O Pagador de Promessas” para a televisão
dci
34
Figura 113-Cenas de abertura da adaptação de “O Pagador de Promessas” para a televisão
dcii
Segue-se a última linguagem pela qual transitou a obra “ O Pagador de Promessas”,
a ópera.
4.10 O PAGADOR NA ÓPERA
Em fins de 1995, quando o diretor Henri Doublier veio pela última vez ao Brasil,
Dias Gomes recebeu um telefonema para que se encontrassem no Hotel Glória, no Rio de
Janeiro. O dramaturgo estava muito ansioso por esse encontro, pois sabia que Henri trazia a
cópia, em vídeo, da montagem de “O Pagador de Promessas”, no Congo, falada em francês,
de abril de 1995, dirigida pelo filho de Doublier, Dominique Doublier, diretor do Centro
Cultural Francês de Brazzaville, com o grupo de atores congoleses do “Théâtre de
l'Imaginaire”.
Essa não foi a primeira montagem da obra em francês, pois um texto já fora à cena ,
no ano de 1979, em Agadir, Marrocos, sob a direção do próprio Henri Doublier, com um
grupo de professores do liceu francês, com grande sucesso, como noticiou o jornal “Sahara”,
de Agadir:
Em 18 e 19 de março de 1979, os “gadiris”, habitante de Agadir, tiveram a
sorte de assistir a uma encenação de Henri Doublier na representação de
“Jef à l’âne ou la parole donnée”, do autor brasileiro Alfredo Dias Gomes,
uma das figuras da proa do novo teatro brasileiro. Essa tragi-comédia que
poderia ter sido uma pintura satírica da sociedade moderna, expõe, em
verdade, a questão essencial da fidelidade a uma promessa profunda
apresentando uma personagem camponesa, com idéias, sem dúvida, puras
demais e generosas. A direção é de Henri Doublier. Ele soube tirar proveito
de um texto poderoso o qual estava sendo criado em versão francesa de
Elisabeth e Henri Doublier, domingo à noite. O cenário, sóbrio até a
sugestão, e a trupe de comediantes amadores de Agadir, um talento
verdadeiro e isto foi a ocasião para Henri Doublier de nos lembrar que ele
foi sempre e continuará um grande homem de teatro.
dciii
34
O encontro entre Gomes e Doublier não se limitava apenas à troca de gentilezas,
mas tinha sim um objetivo maior, impulsionar a montagem da versão em ópera de “O Pagador
de Promessas”, a qual desde 1992 fora elaborada e concluída pelo diretor. Dias Gomes, havia
anos confiara a Doublier a missão de adaptar o texto teatral para ópera e Doublier sonhava
com a realização deste projeto. Dessa reunião tão desejada e as demais que se seguiram, o
desejo queria tomar forma.
Vários foram os compositores consultados por Henri Doublier, como Cláudio
Santoro, Marcel Landowski, José de Almeida Prado, mas nenhum deles pôde abraçar o
sonho. A solução passou a ser visualizada quando o professor Roger Cotte do Instituto de
Artes da Unesp Universidade Estadual Paulista – apresentou o compositor Eduardo
Escalante a Doublier, e este, entusiasmado, aceitou o desafio. Eduardo possuía os atributos
necessários para o trabalho, pois em 1990, fizera um levantamento sobre a cultura, a música,
a religiosidade e a visão política do povo da Bahia, para compor o Poema Sinfônico “Os
Sertões” a partir da obra de Euclides da Cunha. Dias Gomes foi apresentado a Eduardo
Escalante por Doublier e a terceira face do triângulo, uma vez aceita, tornou a figura
completa.
Sabemos que a Ópera é uma das construções mais complexas da música, pois
consiste num drama encenado através da música. A dramaturgia vai à cena com a utilização
dos elementos típicos do teatro, como cenografia, figurinos, iluminação, elementos e efeitos
cênicos, atuação, porém, os diálogos não são falados, mas sim cantados. Os atores/cantores
são acompanhados por músicos, ao vivo, na maioria das vezes por uma orquestra sinfônica
completa. As letras das músicas, que substituem os diálogos são reunidas num libreto
dciv
. Os
cantores e as personagens que representam são são classificados de acordo com os seus
timbres vocais:
Vozes Masculinas: Baixo – Voz mais grave da ópera. Os papéis que ocupam são os
de pai, nobre e general, pois a voz transmite muito “peso”; Baixo-barítono ou Baixo-cantor
voz intermediária; Barítono é a voz intermediária entre o tenor e o baixo. Os barítonos
são, na maioria das vezes, os vilões, os antagonistas da história, que trabalham para o
sofrimento das sopranos e dos tenores; Contratenor voz intermediária; Tenor é a voz
mais aguda. Os papéis de maior importância são sempre destinados a eles, que em conjunto
com os sopranos, formam os protagonistas da história.
Vozes femininas: Contralto é a voz feminina mais grave da ópera. Geralmente
ocupam papéis de mulheres mais velhas, porque exigem maior imponência, conseguida com o
tipo da voz; Meio-soprano é como uma soprano, mas possui um tom de voz levemente
34
mais grave do que a soprano. Na maioria das óperas ocupa papéis secundários, como irmã,
amiga, ou até a antagonista da soprano; Soprano é a voz mais aguda. Normalmente as
protagonistas são sopranos.
Cada uma destas classificações tem subdivisões, por exemplo, um barítono pode ser
lírico, de carácter ou bufo, os quais associam a voz do cantor com as personagens mais
apropriadas para a qualidade e o timbre da sua voz.
A utilização de diferentes timbres de voz é um dos mais ricos recursos de
expressão da partitura de ópera. O compositor tira partido não apenas por
razões musicais, mas igualmente para definir uma síntese do caráter da
personagem, quase um esboço geral de definição psicológica da mesma. O
timbre identifica algo do comportamento da personagem, assim como
individualiza o cantor. E a combinação de diferentes vozes cantando juntas
ou em diálogo musical, é fonte de uma riqueza lírico-dramaática de forte
intensidade.
dcv
A palavra “ópera” significa “obra”, tanto em latim quanto em italiano, relacionada
com “opus”, sugerindo que a ópera combina as artes de canto coral, canto solo, recitativo,
balé, interpretação de orquestra, interpretação de instrumento solo, num espetáculo encenado.
A ópera é composta de: Árias trechos executados por solistas. Uma ária fora do seu
contexto, perde o sentido; Duetos trechos onde o diálogo musical é executado por dois
cantores; Coros trechos da ópera interpretados por conjuntos de cantores, podendo ser
compostos por vozes iguais ou coros mistos.
A primeira obra considerada como uma “Ópera”, no sentido conotativo da palavra,
em 1597, chamava-se “Dafne”, foi realizada em Florença e executada para poucos,
atualmente praticamente nada restou. Escrita por Jacopo Peri para um círculo elitista de atores
letrados florentinos, cujo grupo era conhecido com “Camerata”. “Dafne” foi alvo de grande
admiração, por ser uma forma musical totalmente nova. O fato de a Ópera ter surgido no final
da Renascença é muito significativo, que a característica mais marcante deste período foi a
necessidade da cultura européia promover um resgate do conhecimento científico, estético e
filosófico da antigüidade clássica, para contrapô-lo aos dogmas ditados pela ditadura da
Igreja. O resultado foi uma expansão cultural inédita no ocidente e que se refletiu na arte.
A Ópera é vista atualmente como um espetáculo para as elites; como é conhecida
nos dias de hoje, surgiu no século XVI, na Itália, quando músicos, cantores, poetas e
dramaturgos se reuniam para produzir espetáculos denominados de “comédias madrigais”
Pelo fato de unir música, poesia e dramaturgia, a ópera já foi descrita como “uma obra
bizarra”, mas se estabeleceu como uma forma de arte sofisticada. O gênero, desde que nasceu,
34
nas cortes nobres italianas, tornou-se um espetáculo de cunho popular. Em Veneza, para
atender ao povo, os teatros para ópera foram abertos, com bilhetes pagos, mas não atenderam
à demanda, outros tiveram que ser construídos.
Pode-se dizer que a ópera possui dois elementos básicos, o libreto, que é o texto, e a
partitura, que contém a música. A partitura contém tanto a parte vocal como a orquestral. Para
se transformar libreto e partitura de uma ópera
dcvi
numa encenação, é necessário, no mínimo
da participação de cantores/atores, regente, coral, orquestra e diretor artístico.
Patrice Pavis ao abordar a questão da relação do teatro com a ópera afirma que
mesmo que os dois pertençam a neros diferentes, se oponham quanto à prática de
construção cênica, a maneira de obter fundos para montagem, o modo de funcionamento, e ao
público; “o teatro e a ópera estão hoje mais ligados do que nunca, descobriram-se e
fascinaram-se mutuamente. A ópera exerce grande influência na encenação contemporânea,
apesar de sua evolução diferente”.
dcvii
A ópera “O Pagador de Promessas” foi concebida no Rio de Janeiro, passou a
maior parte do período de gestação na França e retornou ao Rio para finalizar sua formação,
preparar-se para nascer. O libreto, criado por Henri Doublier em francês, foi traduzido e
adaptado para o português, por Marie Jeanne Brallion Calasans, sob a orientação de Doublier
e a supervisão de Dias Gomes. E em seguida, Edurdo Escalantes escreveu a versão em
espanhol. Por fim, em janeiro de 1992, Dias, Henri, Marie e Eduardo reuniram-se para a
conclusão do libreto.
O compositor Eduardo Escalantes ao iniciar a composição musical, em uma das
reuniões com Dias Gomes, quis saber do dramaturgo de onde viera a idéia, como nascera a
história, que fatos ou sentimentos tinham sido referências para a construção da obra. Dias
Gomes apresentou então um depoimento, gravado pela co-libretista Marie Jeanne:
Tudo começou pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial. Um jornal
aqui do Rio, registrou, sem muito alarde, um fato ocorrido na Alemanha. Um
soldado desesperado, diante do caos da guerra perdida e da possibilidade,
cada vez menor, de sobreviver, escondido nas ruínas do altar de uma igreja,
fez uma promessa: se conseguisse chegar vivo ao final de tudo, ele iria fazer
uma peregrinação de seis léguas - da sua cidade até a igreja de sua devoção,
carregando, nas costas, uma cruz do tamanho que ele presumia que fosse a
cruz de Cristo. A sorte lhe sorriu, ou a santa lhe salvou e, tempos depois, ele
estava cumprindo a sua promessa. Eu quando li essa história, fiquei
impressionado com aquele fato, porque, sendo eu ateu, era muito difícil, para
mim, entender a postura daquele homem, de onde tinha tirado força, ou fé,
para enfrentar a situação em que estava. Foi aí que eu percebi que poderia
construir o eixo principal da minha peça, deslocando para uma temática
polêmica, a do antagonismo religioso, da discussão social e moral, da
tradição ortodoxa católica diante do sincretismo religioso, especialmente
34
dentro da cidade de Salvador, onde tudo é pitoresco, foi quando tudo se
encaixou perfeitamente na minha cabeça. A igreja sempre apregoou o
sacrifício físico como parte de uma devoção, a dor sempre completaria o
mérito de um agradecimento, porque o Cristo tinha se sacrificado por todos,
então, na lógica da igreja todos tinham que se sacrificar pelo Cristo, não
perguntaram a ele se era isso que ele queria... (Risos) Mas no Brasil, as
manifestações da religiosidade popular cresceram, foram ampliadas, porque
aqui, a quantidade de crenças, de crendices, de ritos e de ritualísticas, que
surgiram das inúmeras religiões, ou das expressões religiosas que aqui se
fundiram. Foi assim, foi dessa forma que nasceu a história, que é de ficção e
que tem gente até hoje que jura que ela foi real.
dcviii
A composição da partitura musical foi criada como uma “Ópera de Câmara”
dcix
devido ao aspecto regional concebido por Dias Gomes, e não para uma Orquestra
Completa.
dcx
A partitura foi composta para quatro instrumentos de sopro uma flauta, um
oboé, um clarinete e uma trompa; cordas – violinos I e II, violoncelos e contrabaixos,
percussão dois berimbaus, um atabaque, um pandeiro e um agogô; piano; além dos
instrumentos dos capoeristas/atores em cena, com atabaques e berimbaus.
Ao compôr a dramaturgia, Dias Gomes pontuou a gravidade crescente das cenas
com personagens que carregam elementos jocosos como a Beata, o Sacristão, Dedé Cospe-
Rima – o cordelista – e até o gigolô Bonitão. Para manter a mesma estrutura de composição, o
maestro Eduardo introduziu, para compô-los os rítmos próprios da cultura espontânea,
recolhidos nos quarenta anos de pesquisa do compositor sobre o folclore brasileiro e as
constantes viagens que fez à Bahia para estudar a cultura popular local. Todo esse
conhecimento proporcionou ao músico uma familiaridade segura com a estrutura social onde
a peça foi concebida.
Mantendo a proposta de ambientação cênica apresentada por Dias Gomes, de toda a
trama desenvolver-se num cenário único, “(...) na esquina da rua à direita vemos a fachada
de uma igreja relativamente modesta, (...) Enfim, é uma paisagem tipicamente baiana,
(...)”,
dcxi
o compositor moldou o teor melódico e rítmico da composição musical sobre uma
constância característica de alternância tonal
dcxii
/modal
dcxiii
.
A música nordestina é constantemente modal e essa característica está presente em
todos os duos, nas árias e até mesmo no discurso instrumental. Houve uma clara definição
musical nos aspectos que caracterizam as personagens e que são fundamentais para que a
unidade entre o texto original para o teatro e a ópera sejam mantidos íntegros. Portanto, o
conformismo pungente de Zé-do-Burro, a ansiedade e insatisfação de Rosa, o burlesco do
Bonitão, o caricato da Marli a prostituta –, a doçura da Minha Tia Mãe-de-Santo –, a
34
intransigência do Padre Olavo, a jocosidade do Dedé Cospe-Rima são expressas pela
definição musical que as apresentam e acompanham.
O Coro é o povo, que comenta e opina a respeito dos acontecimentos da trama e das
atitudes das personagens e dessa forma se envolve nos tratos dramáticos, mas sem uma
característica melódica própria. O Coro amolda seu canto às características de cada cena em
que está presente, como a oposição entre o dogmatismo do Padre Olavo, que repugna o
sincretismo e a arraigada religiosidade de Zé-do-Burro.
As personagens são caracterizadas musicalmente pelo seu “leitmotiv”
dcxiv
, com
exceção do Coro, que como foi dito, amolda-se aos caracteres de cada cena. Uma
observação especial, com relação ao “leitmotiv” destinado ao Zé-do-Burro, seu motivo
condutor é tão presente que quase chega a ser um “ostinato”.
dcxv
Quanto às tessituras vocais destinadas às personagens centrais da ópera foram assim
definidas:
– Zé-do-Burro – Barítono com extensão para o agudo;
– Rosa – Soprano dramático;
– Padre Olavo – Barítono baixo;
– Dedé Cospe-Rima – Tenor;
– Bonitão – Baixo;
– Marli – Meio-soprano;
– Minha Tia – Contralto.
Dessa forma, portanto, o eixo melódico passa, sem repetição pelas seis tessituras
das vozes, sempre costuradas pela amplitude do Coro. O compositor afirma, que quanto ao
estilo musical, trata-se de uma “(...) obra nacional, livre de dogmatismos, na busca do aspecto
gestáltico e emocional que o texto de Dias Gomes requer. (...) a criação não partiu de
envolvimento técnico, mas puramente musical e programático”
dcxvi
. Em novembro de 1992, a
ópera foi concluída e em janeiro de 1993, a composição chegou às mãos de Dias Gomes que
assim se pronunciou: “Ainda não tenho a menor idéia de como será a montagem... Estou
ansioso para vê-la, será uma experiência totalmente diferente das anteriores, incluindo as
versões para o teatro e a do filme, mas o meu texto está lá, inteiro”
dcxvii
. Ainda durante a
construção da obra, em 2000, o compositor Eduardo Escalante propôs a um dos seus alunos,
um estudante de composição e regência, Wendell Kettle, a tarefa de montar a ópera, difícil
principalmente por quetões materiais, financeiras, burocráticas e políticas, que, na época,
fomentaram um comentário de Guy Etiévent no jornal francês, Le Dauphiné Libéré”, de
Chambéry, com o seguinte título: Le drame de la parole donnée”.
34
(...) em 1987 aconteceu o encontro do grande artista de Chambéry, Doublier,
e Marie Jeanne Calasans. A brasileira de origem francesa logo percebeu
também que a paixão de Henri por seu projeto de ópera não se apagou. Em
1989, Henri Doublier apresentou sua nova colaboradora a seu amigo Dias
Gomes. (...) Assim, a promessa feita 16 anos ainda estava valendo! (...) É
somente em 1991 que Eduardo Escalante será escolhido, sendo um
compositor impregnado de cultura musical popular e grande conhecedor do
folclore brasileiro. Porém, o destino ataca de novo. Dias Gomes é vitima de
um acidente de carro e falece em 1999. Parece que a sorte multiplica as
provações para ir contra os esforços dos homens. Entretanto, estes e
Doublier, o primeiro, não param enquanto não vêem terminada uma obra que
se torna um desafio com o passar do tempo. Ademais a realização próxima
desta ópera, seria a ocasião para uma bela homenagem a um grande escritor
desaparecido. Fim de 1999, início de 2000, o diretor artístico está designado:
é o jovem Wendell Kettle (...). Desta vez as coisas estão em bom andamento,
principalmente porque essa criação terá o benefício da ajuda do Ministério
da Cultura do Brasil. (...) Devemos aceitar esse presságio, porque seria uma
bela recompensa para o grande artista que é Henri Doublier que, apesar de
sua deficiência, continua a viver corajosamente e a cumprir as suas
promessas.
dcxviii
Dias Gomes e seu amigo Henri Doublier não tiveram o prazer de assistir à estréia
mundial da ópera “O Pagador de Promessas” que tanto sonharam, já que o dramaturgo faleceu
em 1999 e o diretor em 2004, com a montagem indo à cena em dia 25 de agosto de 2006, no
Teatro João Caetano (Figura 114), no Rio de Janeiro, em homenagem póstuma a seus dois
mentores. A saga da ópera “O Pagador de Promessas” parece ter percorrido o caminho
doloroso da sua personagem Zé-do-Burro, pois foram trinta e sete anos que separaram o início
do sonho de Dias e Henri e sua concretização, levada a cabo pelo Fórum de Ciência e Cultura
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Figura 114-“Banner” da montagem da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João Caetano,
Rio de Janeiro
dcxix
34
Quando do processo de estruturação do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, cujo
objetivo maior era apresentar à sociedade o melhor que a universidade produz, e servir a uma
entidade de promoção cultural capaz de realizar um projeto grandioso como a montagem de
uma ópera, onde diversas áreas se integraram em prol de um objetivo, Wendell Kettle, diretor
musical da ópera e Cadu Holetz, o produtor, foram procurar Carlos Antonio Kalil Tannus
apresentando o projeto de inserir a montagem de “O Pagador de Promessas” às propostas do
Fórun.
Tive com eles uma conversa informal e acabei sendo facilmente
convencido. Devido às dificuldades administrativas na Escola de Música e
ciente de que o projeto era algo grandioso, resolvi abraçar essa empreitada.
Sou o tipo de pessoa que defende a interdisciplinaridade, porque acho que
podemos e devemos, atualmente, pensar de maneira horizontal.
dcxx
Uma vez aprovada a idéia, iniciou-se a produção, que durou oito meses, sob a
coodenação de Cadu Holetz, ator e bacharel em História pela UFRJ. O projeto de “O Pagador
de Promessas” une o formato consagrado da ópera com o diferencial da brasilidade: do canto
em português, idioma original da obra, à injeção dos ritmos contemporâneos da capoeira e do
baião. E vai além: foi a oportunidade de 130 jovens talentos se apresentarem ao grande
público. A orquestra, a cenografia, a regência, a produção todas as etapas contaram com a
criatividade e entusiasmo dos alunos e ex-alunos da UFRJ, de diversos cursos, entre eles:
Música, Direção Teatral, Comunicação Social, Administração, Belas Artes, Economia,
História, Letras, Direito, Cenografia, Educação Física.
A dramaturgia de Dias Gomes foi traduzida para 10 línguas e montada até hoje em
15 países estrangeiros, esta certamente é uma das peças nacionais mais bem-sucedidas
internacionalmente, sem contar com o prêmio da Palma de Ouro do Festival de Cannes, da
sua versão para cinema. Além das apresentações no teatro, o projeto abraçou a produção do
“making-off” do processo criativo e das encenações; registros em CD e DVD, a edição da
partitura da obra e dois seminários no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, com a presença
de Eduardo Escalante, compositor da ópera, e de Marie Jeanne Calasans, co-libretista.
Dividida em dois atos, com duração aproximada de duas horas, a ópera reúne 30
atores-cantores e o mesmo número de músicos (Figuras 115 e 116). A orquestra, incluindo
atabaques e berimbaus, sintoniza o sincretismo religioso, em que o catolicismo, o candomblé,
os bons e os maus, princípios se antagonizam através da música, tendo como foco a força dos
poderosos sobre os oprimidos.
34
Figura 115 e 116-Cenas da ópera “O Pagador de Promessas”, Teatro João Caetano, Rio de Janeiro
dcxxi
A preparação do clima operístico reúne os quatro temas básicos da obra: o Ponto de
Iansã (Figura 117) – Canto de terreiro –, o tema de Zé do Burro, o tema de Dedé e a
preparação do desfecho, o final dramático.
Num total de 24 quadros, a trama dramática inicia-se pelo Ponto de Iansã, com o
coro e os atabaques. Seguem-se dois duetos musicalmente contrastantes: o de Zé-do-Burro e o
de Rosa (Figura 118); e o de Bonitão e Marli. Após alguns diálogos e duetos, segue-se a
primeira Ária de Rosa. Destacam-se, então, um interlúdio orquestral e a interpretação, pelo
coro, de um acalanto.
À linha melódica de força dramática, segue-se um momento de descontração e
humor, quando se a chegada da Beata. A música
descreve uma personagem caricata, que pelo uso dos
pizzicati
dcxxii
das cordas e da percussão, sugere o andar
saltitante, impreciso, ritmado. A oposição manifesta-se
no confronto entre a Beata e Minha Tia, em duas
ocasiões. O antagonismo entre elas reafirma-se devido ao
tema de Minha Tia, que é doce, suave.
Fig. 117- Ópera “O Pagador de Promessas”,
Ária da Minha Tia, Teatro João Caetano, RJ
dcxxiii
O conflito motivador do drama é gerado pela intolerância religiosa e pela força do
poder, que se tornam contundentes no diálogo cada vez mais tenso entre o Pagador e o Padre
Olavo (Figura 119). O peso das cenas anteriores, porém, contrabalança com a chegada do
poeta popular, Dedé Cospe-Rima, cujo tema é ritmado, popular, jocoso, com muita percussão
e alegria. Possui também este caráter a Ária do Repórter, cujo ritmo é de baião; e a Ária de
Bonitão, de caráter bem nordestino, ritmado, cômico.
34
A Ária principal de Zé-do-Burro é incisiva, profunda, sentimental, como as de
Rosa, aflita, confusa, apelativa, assustada. Os diálogos e duetos de Marli e Bonitão são
sempre tensos, plenos de dissonâncias.
Figura 118-Ópera “O Pagador de Promessas”, A beata, Teatro João Caetano, Rio de Janeiro
dcxxiv
Figura 119-Ópera “O Pagador de Promessas”, Ária do Padre Olavo, Teatro João Caetano, Rio de Janeiro
dcxxv
A ficha técnica da montagem é longa e eclética, pode-se até arriscar que nem o
próprio Dias Gomes nem Doublier poderiam ter imaginado tal composição:
Texto: Alfredo de Freitas Dias Gomes;
Compositor: Eduardo Escalante;
Libretista: Henri Doublier;
Co-Libretista: Marie Jeanne Calasans;
Coordenador do Forum de Ciência e Cultura da UFRJ: Prof. Dr. Antônio
Carlos Kalil Tannus;
Direção geral e Regência: Wendell Kettle – Escola de Música/UFRJ;
Orientação e Supervisão: Maestro Henrique Morelenbaum;
Orientação de produção: Prof. Dr. Antônio Carlos Kalil Tannus;
Produção: Cadu Holetz – Forum de Ciência e Cultura;
Equipe de Produção: Eduardo Marvin e Leonardo Polck Escola de
Comunicação/UFRJ; Direção Cênica: Menelick de Carvalho – Curso de
Direção Teatral /Escola de Comunicação / UFRJ;
Dança: Companhia Folclórica da UFRJ Escola de Educação Física e
Desportos/UFRJ;
Grupo de capoeira: Grupo de alunos do Mestre Oscaranhas;
Orientação de criação coreográfica: Eleonora Gabriel;
Cenografia: Gustavo Fernandes – Escola de Belas Artes/UFRJ;
Figurino: Luciana Craveiro Vilanova – Escola de Belas Artes/UFRJ;
Orientação de criação cenográfica e de figurino: Ronald Teixeira;
Corpo Artístico: Solistas, Coro e Orquestra da Companhia Experimental de
Ópera;
Atores: Alunos do Curso de Interpretação Teatral da Escola de
Comunicação/UFRJ;
Iluminação: Alunos do Curso de Direção Teatral da Escola de Comunicação
da UFRJ;
34
Orientação de Iluminação: Prof. José Henrique Moreira;
Assistência de Direção Cênica: Cínthia Mendonça - Curso de Direção
Teatral /Escola de Comunicação/UFRJ;
Legendas: Companhia Experimental de Ópera;
Assessoria de Imprensa: Louise Araújo;
Fotografia: Bira Soares;
Making of (curta-metragem): Alunos do Curso de Rádio e TV da Escola de
Comunicação/UFRJ; Edição de partitura: Leonardo Caldas Escola de
Música/UFRJ;
Participação: Escola de Música, Escola de Comunicação, Escola de Belas
Artes, Escola de Educação Física, Centro de Tecnologia, Escola de Dança e
Conservatório Brasileiro de Música.
Foi um total sucesso em sua mini-temporada, promovida pela UFRJ, através do
Fórum de Ciência e Cultura, e com a parceria da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de
Janeiro, que possibilitou os ingressos com o preço simbólico de R$ 1,00, garantindo assim um
acesso democrático ao espetáculo.
Figura 120-Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro
dcxxvi
O coordenador do Fórum, Professor Carlos Tannus, comentou que o impacto
positivo do espetáculo pôde ser medido a cada noite, no Teatro João Caetano, que possui
1222 lugares. O primeiro dia, 25 de agosto, foi de audiência cheia, mais de 80% do teatro com
poltronas ocupadas, no segundo dia, 95% de lugares ocupados, nos últimos dias, 27, 28 e 29
de agosto a lotação foi total, sendo que no último dia foram colocadas cadeiras extras. “O
detalhe é que essa última data, o dia 29, foi aquela terça-feira fria e chuvosa. E nós tivemos
que retardar o início da ópera por causa da enorme fila. Ou seja, foi a propaganda favorável
34
que levou a essa situação”
dcxxvii
, comentou. Tannus informou que, a pedidos, ainda foram
feitas mais duas apresentações não previstas inicialmente, nos dias 2 e 3 de setembro, onde os
ingressos foram disputadíssimos. Dias Gomes e Henri Dublier conseguiram, finalmente,
atingir seus objetivos, ter em cena a versão operística de “O Pagador de Promessas” (Figuras
120 e 121).
Figura 121-Cena da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro 2
dcxxviii
A concepção, criação, construção e montagem da ópera “O Pagador de Promessas”
(Figura 122) encaixa-se perfeitamente com a afirmação de Patrice Pavis, intitulada Teatro por
Excelência:
Usando de todos os recursos do teatro, com, além do mais, o prestígio da voz
e da música, a ópera representa o teatro por excelência, e esse se compraz
em ressaltar a convenção e a teatralidade daquela. Arte naturalmente
excessiva, baseada em feitos vocais, valorizada pelo “pathos” da música e
pelo prestígio da cena, a ópera “fala” doravante à gente de teatro que lhe traz
a sistematicidade de uma encenação e a atuação empenhada, virtuosística e
total dos atores. É pelo jogo físico dos atores que não são mais apenas
cantores, e sim virtuoses e atletas afetivos, que o teatro veio renovar a
encenação de ópera outrora estática, sem imaginação e exclusivamente
escrava da música.
dcxxix
A última montagem de “O Pagador de Promessas” nos Estados Unidos ocorreu nos
meses de fevereiro e março de 2008, no Parker Theatre de Nova York, com direção de Anita
Gonzales e versão para a língua inglesa de Christen Smith (Figura 123).
34
Figura 122-Cartaz da ópera “O Pagador de Promessas”, no Teatro João Caetano – Rio de Janeiro
dcxxx
Figura 123-Cartaz de “O Pagador de Promessas”, montagem em Nova York
dcxxxi
O capítulo que se segue, utilizando a mesma linha analítica desse, que ora termina,
estará focado na obra “O Rei de Ramos”, o segundo texto de Dias Gomes que forneceu o
material para o estudo das didascálias e a pesquisa do trânsito das mesmas pelas diversas
linguagens em que foram feitas versões.
CAPÍTULO 5 - O SEGUNDO VERBO ESCOLHIDO DE DIAS GOMES
34
O quinto capítulo traz a análise da obra “O Rei de Ramos” em oito tópicos.
Primeiramente a figura “clássica do malandro carioca” é situada no contexto histórico e
cultural da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente no subúrbio de Ramos. Apresenta a
aparição de Dias Gomes sem máscara, assinando o próprio nome, no universo das telenovelas.
A “Bandeira 2”, imersa no Jogo do Bicho e na comédia pretensiosa, que serviu de base para
as adaptações para o teatro, “O Rei de Ramos”, e o cinema, “O Rei do Rio”.
“Se amanhã estiver:
... chovendo, jogue no jacaré;
... nublado, jogue no burro;
... um dia ensolarado, com arco-íris e tudo, jogue no veado.”
Dito Popular.
“Levantemos esta cidade que ficará por memória do heroísmo e de exemplo do
valor às vindouras gerações, para ser a rainha das províncias e o empório das riquezas do
mundo.” Com estas palavras, o Governador Estácio de fundou a cidade, que desde o dia
de janeiro de 1502, quando os navegadores portugueses avistaram a Baía de Guanabara e
acreditaram que se tratava da foz de um grande rio, deram-lhe o nome de Rio de Janeiro. O
município em si foi fundado em 1565, com o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, em
homenagem ao então Rei de Portugal, D. Sebastião. Para a população, não houve nome de
nenhum rei a ser homenageado, mas sim pelo fato de muitos combatentes serem devotos de
São Sebastião, usando de uma estratégia bem carioca, o frade, que estava a bordo da nau de
Estácio Sá, a mando do governador, que temia o enfraquecimentos dos homens durante a
batalha, afirmou aos combatentes ter visto a aparição da figura de São Sebastião no navio e
que este teria deixado uma mensagem para que não enfraquecessem durante a batalha, porque
ele, o santo, estaria todo o tempo ao lado deles. Após a vitória, num belo “jogo de cintura” do
governador, Estácio “matou dois coelhos como uma cajadada” agradou ao monarca de
Portugal e deixou marcada a presença mística e milagrosa do santo, saudando a fé e a
monarquia como um bom “malandro do Rio”.
dcxxxii
Rei é o chefe de Estado, soberano, de um regime monarquista, com variantes de
regime absolutista ou parlamentarista, o seu poder é hereditário, herdado pelo primogênito, e
na hierarquia do poder representa Deus perante seus súditos, que lhe devem prestar total
vassalagem. Este conceito de associar o Rei à Divindade era uma característica da Idade
Média e da Antigüidade, mas que ainda perdura em alguns países.
34
A cidade é a mesma, mas sem os requintes de heróis. Quanto ao Rei, pode a
existir, mas em sentido metafórico, pois o seu poder não foi herdado nem de Deus, nem
dos homens, seu poder é o poder da malandragem. A malandragem é um conjunto de
artimanhas utilizadas para se obter vantagens ilícitas em determinada situação, sempre
caracterizadas pela sutileza. Para ser malandro exige-se destreza, carisma, lábia e quaisquer
características que permitam a manipulação de pessoas e resultados, de forma a obter o
melhor destes, e da maneira mais fácil possível. A malandragem é também um modo de
navegação social tipicamente brasileiro, onde a integridade de instituições e de indivíduos é
efetivamente lesada e de forma juridicamente definível como dolosa. No entanto, a
malandragem bem-sucedida pressupõe que se obtenham vantagens sem que sua ação se faça
perceber. Em termos mais populares, o “malandro engana o otário” , a vítima, sem que ele
perceba ter sido enganado; além do mais, o imaginário popular brasileiro tem a malandragem
como uma ferramenta de justiça individual, diante da força das instituições necessariamente
opressoras. O “malandro” sobrevive manipulando pessoas, enganando autoridades e driblando
leis, de forma a garantir seu prejudicado bem-estar . Tal como o “jeitinho”, a malandragem é
um recurso de esperteza, utilizado geralmente por indivíduos de pouca influência social, ou
socialmente desfavorecidos. Isso não impede a malandragem de ser igualmente utilizada por
indivíduos mais bem posicionados socialmente. Através da malandragem, obtêm-se vantagens
ilícitas em tudo, desde os jogos de azar, até nos negócios, na política e na vida social em sua
totalidade.
Ao observar o homem, suas relações, opções e até percepções estéticas, deve-se
partir do princípio de que um cidadão só pode ser compreendido tanto no seu comportamento,
nas suas atitudes e até mesmo na exposição da sua sensibilidade, se remetido à sua classe
social. Uma vez inserido em determinado contexto, um acontecimento pode remeter a
significações positivas ou negativas, por razões peculiares que assume, ao pertencer, ou não, a
determinado grupo. Precisa-se, antes de mais nada, entender esse homem que é “Rei” no
espaço de “Ramos”, as atividades que exerce, os pares com quem dialoga e de que forma
estabelece suas relações a partir do Jogo do Bicho, que surgiu oficializado, como diversão
para as classes privilegiadas do Rio de Janeiro, e que a partir de 1941 quando o presidente
Getúlio Vargas, usando de suas atribuições, decretou a Lei das Contravenções Penais
dcxxxiii
–,
foi relegado à clandestinidade, mas conquistou o povo brasileiro e está presente em todo o
país. Eis o Rei em ação:
34
(...) MIRANDÃO Pobre rapaz. Sabe que me corta o coração. Tão moço
ainda... E tinha qualidades. Podia ter um brilhante futuro. Era um bom
apontador. Tinha boa letra, ligeireza na escrita e engolia uma lista como
ninguém, quando a cana pintava. Tinha vocação. o tinha caráter. (...)
os pêsames à viúva em meu nome. Diga que garanto uma pensão pro
resto da vida. E quanto aos meninos, pago os estudos até se formar em
doutor. Como manda a ética. (...)
dcxxxiv
O fragmento acima, retirado do texto “O Rei de Ramos”, antecipa o que se quer
abordar na leitura desse universo espacial, social, econômico, político e moral apresentado por
Dias Gomes. Independente da trama dramática, devem ser levados em consideração alguns
aspectos ressaltados na réplica. A personagem Mirandão atribui a um rapaz determinadas
qualidades que lhe garantiriam um futuro brilhante como “apontador”
dcxxxv
. Para essa
atividade, ele possuía uma boa caligrafia, facilidade ortográfica e rapidez em fazer
desaparecer as provas concretas da contravenção, isto é, “engolia uma lista”, com a chegada
da polícia. Os problemas entre o jogo do bicho e as leis são tão complexos quanto as próprias
matemáticas e interpretações do jogo. O “bichoestá enraizado no imaginário popular
muito tempo. A perpetuação do jogo, no imaginário e na cultura, está ligada à idéia de que
“contravenção não é crime”. A literatura é testemunha:
alguns anos havia na rua da Alfândega uma tipografia especializada em
imprimir jornais de “bicho”. (...) Esses jornais-oráculos traziam, sob este ou
aquele disfarce de seções, de chapinhas, de palpite deste ou daquela, todos os
vinte e cinco animais da “rifa do Barão”. As compras matinais e rotineiras
do carioca resumiam-se a : um tostão de café, leite e pão, um ou dois de
açúcar e um jornal do bicho. (...) O prestígio da letra de forma do jornal, e o
mistério de que se cercava o “palpitador”, operavam sobre as imaginações de
uma forma verdadeiramente inacreditável. Julgavam-no capaz de adivinhar
de fato o número a ser premiado. (...) O sucesso do “Talismã”, nome do
jornal do bicho, é a prova mais clara de mostrar de que maneira a situação
desesperada de um homem para conseguir dinheiro, pode reforçar a no
“Jogo do Bicho”, como salvação, e a ingênua crença de que o jornaleco de
palpites seria capaz de indicar o número a ser premiado.
dcxxxvi
Segundo o Dr. André Luiz Dinis Gonçalves Soares, delegado da Polícia Federal,
especialista em gestão de segurança pública, da Universidade Federal do Mato Grosso, a
prática do jogo é abraçada pelos brasileiros como uma diversão fácil, acessível e confiável.
Uma vez que o leque de opções oferecido, mesclado de apostas baixas e altas quanto aos
valores e riscos, possibilita que os apostadores tenham suas chances de vitória ampliadas,
mesmo com baixos lucros, e a essa condição está amarrada a certeza do recebimento do
prêmio, principalmente para o fragmento da sociedade que possui baixos rendimentos.
34
O negócio, altamente lucrativo, não permite a mensuração exata, uma vez que “a
renda” obtida pelas apostas feitas em dinheiro ou em débito automático, o é declarada, não
gera tributos, não é fiscalizada, ficando totalmente livre do controle estatal. Para a lei, trata-se
de uma mera contravenção penal, que no máximo gera crime de sonegação fiscal, quando
então o pagamento dos tributos devidos extingue a punibilidade, como as penalidades são
baixas, enquanto negócio é melhor permanecer ilícito do que legalizado, possibilitando
enorme lucratividade.
Para se desenvolver a exploração do jogo do bicho, necessita-se de apontadores,
bancas, recolhimento das apostas, pagamento de prêmios, transporte de prêmios e apostas, o
que gera uma demanda enorme de mão-de-obra, oferecendo empregos a muitos trabalhadores.
Assim, a força do negócio, centenário, encontra-se no poder financeiro livre de controle e
na sua credibilidade.
As bancas estão sempre onde o povo está, o apontador “faz o jogo”, principalmente
numa sociedade distante da educação, porque a facilidade de como realizar a aposta atrai o
cidadão analfabeto ou inseguro em sua escrita para através dela conseguir encontrar saídas e
oportunidades, que são disponibilizadas por meio de pequenos investimentos que podem vir a
gerar prêmios acessíveis.
Dias Gomes deixa explícito, em sua dramaturgia, a composição dessa estrutura, a
figura do banqueiro, a credibilidade do negócio, a penetração na sociedade, a aceitação do
povo, como se pode observar no trecho de “O Rei de Ramos”:
(...) MIRANDÃO De quanto é a aposta Até cinqüenta milhas eu sento em
cima. Mais que isso, descarrego. Fala mais alto, o macaco ruim. Esse
milhar cotado, idiota. É o número da sepultura daquele cantor que morreu
ontem, a televisão deu, todo mundo carregando nele. seguro até vinte,
entendido? (Ele tem a simpatia, o carisma e o ar paternal dos ditadores
menores. Parece carregar sempre nas costas uma grande fardo, imensa
responsabilidade, como arcanjo cruel e protetor. Sua obediência quase
religiosa à “ética profissional” não é um traço de cinismo ou hipocrisia
em seu caráter, mas uma noção particular e exótica de dignidade em
que ele acredita sinceramente. Um exemplo de deformação a que se
pode chegar a manipulação de valores humanos na tentativa de vestir
uma realidade em que todos esses valores são negados. Por vezes, até
parece que ele, como os demais bicheiros, não se conta dessa
contradição, como se todas as ações indígnas pudessem se revestir de
dignidade, desde que observado posteriormente um certo código de
ética. No fundo, Mirandão é um ferrenho moralista. (...)
dcxxxvii
As didascálias reveladoras da personagem Mirandão moldam um tipo real, que
pode ser encontrado atualmente nas ruas brasileiras. Dias Gomes utiliza-se de uma
adjetivação que constrói o perfil da personagem com todas as suas nuances: simpático,
34
carismático, paternal, digno, moralista, ditador e, principalmente, a expressão do arcanjo cruel
e protetor, que explicita a contradição da figura dos anjos superiores, sejam espíritos de luz ou
espíritos das trevas.
Nestas didascálias o dramaturgo apresenta seu posicionamento em relação à origem
desses tipos, quando se pronuncia pela afirmação de que eles são exemplo da deformação do
homem cujos valores lhe são negados. Os banqueiros, detentores do poder financeiro gerado
pelo jogo, conquistam poder e influência, através da sedução de autoridades públicas pelo
capital, pela corrupção, disseminação do medo e pela omissão, num misto de cobiça pelo
dinheiro e paralisia pelo medo. Como afirma o Dr. André Luiz Dinis Gonçalves Soares:
A população que aceita e alimenta esse poder é a mesma que mais sofre com
os prejuízos por ele causados. O Estado fragilizado e enfraquecido não é
capaz de prestar plenamente os serviços que deve à sociedade. (...) Mesmo
com a concentração de forças policiais no combate ao jogo ilegal e vontade
política. (...) Ainda existem pessoas dispostas a apostar e trabalhar no jogo
ilegal. (...) Apesar da ilegalidade e da informalidade do trabalho, o
recrutamento de apontadores não é um obstáculo para a reestruturação do
jogo, que conta com o fantasma do desemprego como aliado. Outro fato
dificulta o combate desse jogo ilegal: sua prática, por mais de um século,
está enraizada na cultura e nos sonhos do brasileiro; (...) Essa realidade
indica que o combate ao jogo do bicho, apenas com ações repressivas, pode
ser insuficiente e até mesmo traumático para a população, desavisada quanto
ao seu real potencial ofensivo. A repressão, então, deve ser complementada
com a prevenção, através de campanhas de conscientização do perigo
oferecido pelo jogo, quando praticado na clandestinidade. (...) Os jogos
ilegais existem porquanto as autoridades são omissas perante a lei: ou não
podem, ou não querem fazer nada a respeito. Se não podem é porque estão
impedidas ou desencorajadas, por ameaças ou falta de apoio decorrentes da
influência do poder das organizações; se não querem é porque não lhes é
conveniente, e estão comprometidas com interesses alheios aos das funções
que exercem, mas sim motivadas por interesses pessoais ou comuns aos da
jogatina ilegal. Em qualquer dessas hipóteses, a omissão é nociva ao país.
(...)
dcxxxviii
A ligação do jogo do bicho com outros crimes é presença constante na mídia e nos
processos judiciais.
Os Bicheiros são acusados de pagar policiais corruptos para “fechar os olhos” aos
seus delitos, de mandar matar quem invade suas áreas de domínio, de subornar profissionais
do Poder Judiciário, de aliarem-se ao narcotráfico e às máfias internacionais, para o
contrabando de armas e caça-níqueis, e de sonegar impostos. Dias Gomes retratou, porém, um
outro viés do problema:
34
(...) DELEGADO Olha, se você não se cuidar, Mirandão, não vai poder ir
em missa nenhuma...
MIRANDÃO – Por quê?
DELEGADO Quero te dar um aviso ... Tua situação não boa não... Os
homens lá de cima estão no teu piso, acharam muito rabo-de-palha...
MIRANDÃO – Que rabo-de-palha? Sou um comerciante honesto. Tudo que
tenho posso provar que ganhei com as minhas lojas de eletrodomésticos.
Minha escrita tá toda em dia. Ou será que querem me pegar de bode
respiratório?
DELEGADO – Vai sair uma portaria mandando encanar você.
MIRANDÃO – Encanar? Tá brincando, Paixão...
DELEGADO E eu não posso fazer nada. É ordem de cima. Do Secretário
de Segurança. Vão endurecer. E você na alça de mira. Vão te mandar pra
Ilha Grande.
MIRANDÃO – Mas por que isso?
DELEGADO Operação limpeza. Eles querem limpar a área pra depois
implantar a Loteria Popular, a Zooteca. (...)
dcxxxix
A popularidade do Jogo do Bicho está no mesmo nível das duas maiores paixões
nacionais, o Carnaval e o Futebol. Esse triângulo composto por bicheiros, sambistas e
futebolistas é histórico e possui ligações intrínsecas. Apenas para ilustrar, pode-se citar o
nome de Castor de Andrade, que foi um dos bicheiros que mais explicitou suas relações com
o futebol e o carnaval.
Patrono na Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, foi também
presidente de honra do Bangu Futebol Clube. O carisma e o poder de Castor de Andrade
deram-lhe, ao que parece, uma imagem de “bom moço”, “homem de bem”, “protetor dos
menores” entre os seus protegidos. Dias Gomes registra tais ligações:
Quadra da escola de Samba. Os últimos passistas, retardatários, deixam
a quadra, rumo à avenida, para o desfile. É domingo de Carnaval.
Mirandão entra e comanda. Os passistas se movimentam no ritmo
marcado pela bateria cantando o samba-enredo.
dcxl
A aclamação popular do carnaval protege os bicheiros, eles são freqüentemente
homenageados em público pelas escolas de samba que patrocinam, além de utilizarem a mídia
para discutir, por exemplo, contra a perseguição das autoridades aos seus negócios ilícitos,
que na verdade são ponte para o estabelecimento do tráfico de drogas. Observe-se a que ponto
o caos social se instala na cidade:
34
A cada verão carioca, o país inteiro assiste pela televisão ao maravilhoso
desfile na passarela do samba, não dos artistas do espetáculo, mas de
notórios bicheiros condenados pela Justiça e que, de maneira arrogante,
desfilam na pista e empunham os troféus da folia como um libelo da
impunidade. Este ano o bloco dos fora-da-lei homenageou dois patronos da
escola de samba vermelha e branca, que morreram ano passado: o bicheiro-
pai, por questões de saúde depois de atribulada vida na contravenção; e o
bicheiro-filho, jovem herdeiro do dinheiro sujo, assassinado na guerra pelos
pontos da jogatina, um crime ainda sem autor. Não bastasse essa descarada
apologia ao crime, um discurso no sambódromo saudou outro contraventor,
hoje foragido de uma condenação a nove anos de prisão por corrupção de
policiais e autoridades públicas. (...) A luta para erradicar esses bicheiros da
vida carioca não foi fácil. Através do poder financeiro que o jogo lhes
propiciou, estenderam seu braço armado às atividades criminosas graves e
rentáveis. Envolveram-se com o tráfico de drogas e armas, como
financiadores das operações e lavadores de dinheiro sujo. Logo, estavam
freqüentando os gabinetes oficiais, apoiando candidaturas e procurando
conquistar o poder político por intermédio de parlamentares, alguns até já
cassados. Desmontar esse esquema exigiu decisão política e iniciativa de
instituições comprometidas com a luta por justiça. (...) Nos últimos anos, os
tentáculos dessa máquina criminosa tomaram de assalto os jogos de azar do
país, estabelecendo um regime de “cosa nostra” na exploração dos viciados
caça-níqueis, e cassinos clandestinos, motivo de uma interminável guerra
sangrenta nos subúrbios cariocas. (...) Quanto aos bicheiros reunidos no
bloco dos fora-da-lei, cabe à polícia, à sociedade e à Justiça darem um basta
nessa vergonhosa apologia aos criminosos, que se repete a cada carnaval
carioca e que merece o repúdio de todos nós, integrantes do bloco das
pessoas-do-bem.
dcxli
Os contraventores do jogo do bicho atuam sem nenhuma restrição, ou apenas com
restrições episódicas, por parte da polícia. Não se verificam reclamações pela grande maioria
da sociedade; na verdade, uma enorme parte dela, constituída por pessoas “acima de qualquer
suspeita”, de diferentes níveis sócio-econômicos, participa dessa contravenção. Esses, e
outros mais que não são necessariamente participantes – quer dizer, não jogam nem trabalham
no jogo do bicho –, reconhecem os banqueiros do bicho como pessoas “de bem”, que
participam de atividades as mais variadas na sociedade, que financiam cultura, esporte, arte e
caridade. Os bicheiros aparecem na mídia, nas colunas sociais e já foram vistos na companhia
de altos dirigentes da polícia, do governo e das igrejas.
Os “Bicheiros cariocas” seguem o modelo e as regras da Máfia. Vivem à margem
do Estado de Direito. Têm a própria “justiça”, pois exercem controle de territórios e controle
social. O bicheiro não paga imposto, porque este jogo é ilegal. Mas paga propina à polícia, o
que também é ilegal, e desse modo o bicheiro vive tranqüilo. O processo de instalação do
poder dos bicheiros deu-se, em primeiro lugar nas localidades mais pobres, principalmente
por ser a realidade suburbana, menos “glamorosa” que o dia-a-dia dos moradores da Zona Sul
carioca.
34
As trajetórias do jogo e dos seu locais de apostas foram marcadas por violentos
conflitos entre os bicheiros pelos pontos de venda, pelas respectivas áreas de influência ou
ainda quando surgiam novos quadros que pretendiam entrar no “negócio”. Esse cenário, por si
cheio de conflitos, iria sofrer uma importante modificação com a introdução da cocaína na
cidade do Rio de Janeiro, que mudou a face da contravenção. No passado, o jogo do bicho era
visto da seguinte forma:
Em direção aos subúrbios, pela linha de trem, nós tínhamos uma economia
informal, e mais especificamente o jogo do bicho, a “fezinha” da população
mais pobre. Esse costume foi deitando raízes nos hábitos populares e
justificando a construção de uma verdadeira rede de contatos, um histórico,
uma relação de lideranças e traços de fidelidade entre diferentes grupos e
pessoas”.
dcxlii
Os banqueiros vivem integrados à comunidade onde desenvolvem suas atividades,
participam ativamente de todos os acontecimentos, envolvidos politicamente com o meio,
agindo com efetiva liderança. Segundo o pesquisador Dr. Maurício de Almeida Abreu
dcxliii
,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o bairro de Ramos está localizado numa
região de antigos engenhos de açúcar, chácaras e olarias ali existentes no século XVIII, que,
no século XIX, abraçou o surto do café.
Com a inauguração da Estrada de Ferro Leopoldina, em 1868, o capitão José
Fonseca Ramos, latifundiário de uma fazenda, cujas terras foram cortadas pela ferrovia,
exigiu do governo, a construção de uma estação em sua propriedade. A iniciativa, que tinha
por objetivo apenas trazer comodidade à sua família e agregados, deu origem a um dos bairros
mais tradicionais do Rio de Janeiro, batizado com o nome do capitão: Ramos.
Dessa forma, já no século XX, Ramos era um dos redutos da elite da chamada Zona
da Leopoldina. Por exemplo, o “Social Ramos Clube” era freqüentado por moradores
ilustres e os convites para os seus salões eram disputadíssimos. Hoje em dia, essas famílias
não permanecem no bairro, que teve nomes célebres da música, como Pixinguinha e Villa-
Lobos, a ele associado. Villa-Lobos passou a ser um freqüentador assíduo ao conhecer,
durante uma visita a um amigo músico morador do bairro, sua futura esposa, tornando-se um
dos fundadores do bloco carnavalesco Recreio de Ramos.
Hoje, as agremiações mais famosas do bairro são o Bloco “Cacique de Ramos “e a
“Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense”. Ramos apresenta problemas comuns a outros
bairros do Rio de Janeiro, como as favelas, o narcotráfico e a conseqüente violência, mas
mesmo assim goza ainda da tradição de ser um bairro “bom de se morar”, com uma
34
vizinhança de prestígio que conta histórias do tempo em que os morros eram fazendas
privadas.
O bairro possui ainda a mais famosa praia dos subúrbios cariocas, que nos mapas
antigos aparecia marcada como Praia de Mariangú, que na linguagem indígena era o nome da
ave que habitava os mangues, visto que a região era território de criação de caranguejos, que
serviam de alimento aos que viviam no entorno da Baía de Guanabara. Até os meados da
década de 1970, os banhistas ainda a freqüentavam, o que depois se tornou impraticável,
devido à péssima qualidade da água.
Num passado recente, uma jogada política do governo estadual em 2002, tentou
maquiar os graves problemas de miséria e violência no bairro, mediante a construção do
“Piscinão de Ramos
dcxliv
“, que de imediato manchou suas águas, uma vez que a obra se
localiza em uma das favelas do “Complexo da Maré”, que por sua vez pertence ao “Complexo
do Alemão”, um dos maiores redutos da criminalidade carioca, abarcando, além de Ramos, os
bairros de Inhaúma, Bonsucesso e Olaria.
Em 2009, a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense levará para a avenida um
samba em homenagem aos 50 anos da escola e ao subúrbio de Ramos, uma síntese da leitura
que o povo faz de seu espaço, como se pode observar abaixo na letra do samba da autoria de
Rangel Cavaquinho, Aldir Senna, Marcinho, Diler e Lindomar abaixo:
Ao girar a Coroa Real de Ramos / Em cores vão se apresentar / Minha
escola, minha gente e meu lugar / Numa antiga fazenda / Passa a ferrovia / E
Ramos nasceu / Ruas e casarões / Se modernizou e cresceu / Hoje dá
saudade / Da praia de Mariangu / Sol e mar, balneário e céu azul / Bloco na
rua, alegria contagia / Foi no “Recreio” onde tudo começou / Nasceu a
linda verde e branco / Que Amaury Jório foi o fundador / São desse
lindo cenário / Sambas que não pra esquecer / Lembra de “bandeira
dois”? Fala Martin Cererê / Reluzente como a luz do dia / O teu cabelo não
nega / Liberdade ecoou / E hoje a Leopoldina é toda raça / Sente orgulho do
que conquistou / Ramos, poesia no ar / Sou Imperatriz / Cacique
tamarineira / Fundo de Quintal / vem raiz / Cinqüenta anos de glória /
Imperatriz, parabéns! / Rainha de Ramos, celeiro de bambas / quer
mostrar que faz samba também.
dcxlv
O crítico Martin Esslin propõe que “quanto mais completamente um dramaturgo
imagina uma situação e os personagens que a vivem, mais perto a peça chegará da
complexidade e ambivalência da vida real.”
dcxlvi
Portanto, a proposta de Esslin relaciona-se
com a postura tomada por Dias Gomes ao ser interpelado sobre “O Rei de Ramos”. O
dramaturgo afirmou que a luta entre os bicheiros pode ser lida como uma crítica à sociedade
competitiva ou vista apenas como uma obra divertida sobre um “certo mundo”.
dcxlvii
O que se
34
comprova é que o texto apresenta essa realidade brasileira, em que o contraventor é Rei e seus
súditos o amam, admiram, respeitam, veneram, temem, obedecem, dependem porque todos
vivem juntos, em Ramos (Figura 124), imersos numa mesma verdade social.
Figura 124- Mapa da divisão política dos bairros do Rio de Janeiro
5.1 A PRIMEIRA APARIÇÃO DO REI BICHEIRO
A Ditadura Militar no Brasil, período da política em que os homens de farda
governaram o país, abocanhou os anos de 1964 a 1985 e os caracterizou pela falta de
democracia, supressão dos direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão
aos que se opunham ao regime. Apesar de tudo isso, foi um período de frutífera criação
artística e de produção de dramaturgias impagáveis. Dias Gomes deixou sua marca nesse
tempo, “a dramaturgia teve que submeter à ditadura, aprendemos a escrever com
metáforas.”
dcxlviii
Dias Gomes explica:
A censura primava pela falta absoluta de critérios, era muito difícil você
saber exatamente o que é que ia ser proibido, porque mudava, a censura
sempre ia, de acordo com... Às vezes era a influência da mulher do general
que falou contra isso, ou contra aquilo, e tal, e a censura resolveu, e tal,
compreende, então é muito difícil ter um código. Uma vez eu disse isso, não
é, eu disse até a um chefe de censura isso, que ele havia censurado uma
novela minha, Saramandaia, né, então, é... e ele tinha cortado várias cenas. A
novela estava quase impraticável de tanto corte, e havia um corte, de uma
cena que eu não conseguia detectar a razão do corte. Não tinha nenhum
problema político, não tinha nenhum problema moral, não tinha nada, mas
eu dizia, não sei porque ele cortou, não tinha nada , era uma cena... então
eu disse a ele, vamos supor que de hoje em diante eu queira ser um bom
moço, não é, e queira escrever para não ser proibido, então eu preciso saber,
Rio de Janeiro
Ramos
Oceano Atlântico
Baía de
Guanabara
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ter critérios, entender porque vocês cortam. Esta cena aqui, por exemplo, me
explique qual foi o critério para cortar essa cena que eu não consigo
entender? então, o chefe da censura leu, e tal, e disse, é, realmente, não
sei, quem foi que censurou, porque eu... vamos chamar o censor. Foi você
que cotou essa cena? Ele leu, fui eu sim. Então, me explica que eu não
consigo entender porque se cortou, porque essa cena, que não tem nada
assim... Ele deu uma risadinha e disse, não tem nada, mas o que você
estava pensando quando escreveu, isso aí, é que é o problema.
dcxlix
A situação obrigava os autores a reorganizar ou reescrever textos censurados para
parecerem novos, como Dias Gomes fez com “Quando os Homens Criam Asas”, que virou
“Saramandaia”; ou ainda a origem de “Bandeira Dois” que está na peça teatral “A Invasão”,
de onde ele retirou os migrantes nordestinos e instalou uma nova história, passada no
subúrbio do Rio, com outros nordestinos, acrescida do jogo do bicho, dos bicheiros Tucão e
Sabonete, da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, e do bairro de Ramos, como se pode
observar no depoimento do dramaturgo:
(...) No segundo trabalho, eu queria dar um passo à frente e propus à
adaptação “A Invasão”. Queria uma experiência formal, em busca de uma
nova linguagem. E a televisão me disse que não, disse que eu estava louco,
que eu queria correr o risco de perda do canal, pois iam cassar o canal. O
caso não era nem para pensar. Eu apresentei então um projeto, com o nome
de “Bandeira Dois”, dentro do qual eu fiz “A Invasão”. E eles
descobriram isto depois, quando a novela saiu do ar. Aquela parte dos
nordestinos, aquela família nordestina da “Bandeira Dois”, foi toda tirada da
“A Invasão”. O compositor popular também, o problema da escola de
samba, o problema dos favelados que invadiam o esqueleto, o problema do
bicheiro, da exploração, tudo entrou. O que chamava a atenção na “Bandeira
Dois” era o bicheiro Tucão, que foi tirado do “Dr. Getúlio”. Foi a revelação
do Paulo Gracindo na televisão. Eu aprendi que a gente deve fazer sem falar
nada. Dizer que vai fazer é perigoso. (...) As novelas sofreram mudanças
importantíssimas. Na verdade é idiotice, é furado englobar todas elas num
bolo só. Qualquer generalização cai em erro. O que se pode dizer é que, hoje
em dia, existem menos novelas alienantes, do que anos atrás. Mas nem todas
estão preocupadas, verdadeiramente com os problemas sociais. (...) As
mudanças partiram de quem se deu conta da necessidade e da importância da
novela, e, ao mesmo tempo, dos desvios que ela sofria. Percebi a
necessidade de torná-la mais próxima do dia-a-dia do telespectador, das suas
problemáticas reais. O que mudou foi a concepção. (...) Não aceito nenhum
tipo de censura, a não ser aquela que provém do povo. E o mais ridículo é a
censura prévia que, nem de longe, existe nos países mais civilizados. (...)
dcl
A aposta no bom-humor, que distanciava a novela do “vale de lágrimas” do
folhetim tradicional, foi desenvolvida em Bandeira 2”, obtendo o seguinte comentário de Ian
Michalsky, na época o mais respeitado crítico de teatro do país, no exemplar de 12 de julho de
1972 da Revista Veja:
34
A melhor novela apresentada pela televisão brasileira, na minha opinião e
amplamente compartilhada pelo povo. (...) “Bandeira 2” ratificara, o célere
progresso da novela, a partir de “Beto Rockfeller”. A novela quase na
maioridade, num fim de adolescência equilibrada, em que a rebeldia serve
para permanecer incomodado e incomodando.
dcli
As telenovelas de Dias Gomes ocupavam sempre o horário das vinte e duas horas, o
que, na época, constituía um horário piloto, não havendo, portanto, problemas no inovar, pois
caso acontecesse qualquer imprevisto, qualquer dificuldade, o horário não comprometeria o
bom andamento da programação da emissora. A teledramaturgia “das dez” era direcionada a
um restrito público elitista, que, por conseguinte, fornecia à emissora baixa audiência neste
horário. Dias Gomes, ao ingressar na Rede Globo, não tinha o perfil dos teledramaturgos de
então, uma vez que a experiência que trazia de criações e adaptações para várias mídias, e o
fato de escrever sempre com um sério engajamento político e social, permitiam-lhe
estabelecer um diferencial entre a sua obra e o que era produzido na emissora naquela época.
Os primeiros dramaturgos televisivos basileiros herdaram, muitas vezes, apenas a
técnica oriunda do rádio. Eles transportaram para a nova mídia, em suas primeiras produções,
a resistência física e, principalmente, a estrutura como construíam os diálogos, criavam uma
teledramaturgia para ser ouvida. Segundo o escritor Marcos Rey,
dclii
a estruturação dos
primeiros teleteatros compunha diálogos que procuravam explicitar cada atitude através de
palavras, buscava repetir com elas o que já estava dito com os gestos, com a música,
estabelecendo a redundância como norma para essa linguagem. Portanto, na estrutura das
novelas, o que dominava era o diálogo, devido ao didatismo, o que tornava a narrativa linear.
Beto Mariano, editor da Rede Globo, relata que, na década de 1960, o que eles, os
editores, faziam era ilustrar o texto com imagens. O desejo de todos era que o texto fosse
complemento da imagem e não que a imagem completasse o texto. Havia uma utilização da
imagem paralelamente à linguagem, por conseguinte uma superposição de linguagens de
forma redundante, massacrando a mensagem.
dcliii
A chegada de Dias quebrou o ciclo, a
mudança começava a acontecer, além do mais, o momento político do país lacrara o espaço
do teatro para o teatro de Dias Gomes, como este explica:
Em 1968, o teatro estava muito cercado, eu tinha duas opções; ou tinha que
ser funcionário público ou ir para a televisão. Mas não tinha o que discutir ,
se você luta por um teatro de massa, como recusar um público de 20
milhões. Além do mais, a televisão é boa ou má, dependendo de quem faz,
no teatro também existem limitações, mesmo num tempo de democracia; (...)
a televisão é um veículo essencialmente democrático (...) um grande tema,
uma grande história é o que interessa à maioria da população.
dcliv
34
Apesar de todas as críticas que Dias Gomes e outros dramaturgos como Oduvaldo
Vianna Filho, Paulo Pontes e Jorge Andrade receberam por terem ingressado na televisão e,
principalmente, por terem ingressado na Rede Globo “instrumento da ditadura” –, eles
tinham uma clara visão de seus objetivos como artistas e cidadãos, desejavam, mesmo num
período de policiamento ideológico, manter vivo um movimento de resistência, mesmo que
fosse subterrâneo. Em entrevista a Luiz Werneck Vianna, Oduvaldo Vianna Filho, que desde
1968 trabalhava na Rede Globo como dramaturgo e diretor, explicou o porquê de fazer
televisão:
Nada tenho contra o que é exibido na televisão. O problema da televisão não
é o que ela exibe, é o que ela deixa de exibir. (...) No plano da formação
cultural, a televisão não é criadora – é extensiva, é democratizadora, difusora
de valores vigentes socialmente e também difusora de valores espirituais
conquistados pela humanidade ao longo de sua grande aventura espiritual.
(...) A televisão tem que ser um espaço a ser conquistado pelo artista e pelo
intelectual engajado. (...)
dclv
A década de 1970 abrigou o período de consolidação da relação entre a televisão e
os dramaturgos, os atores e os diretores de teatro, principalmente aqueles que estavam
impressos na “lista negra” dos militares e ao mesmo tempo eram acusados pelos militantes de
esquerda de compactuar com uma emissora de televisão conhecida pelas ligações que
mantinha com o regime militar instalado após o golpe de 1964. Esses homens de teatro, que
optaram por trabalhar para a nova mídia, viam a televisão como um veículo democrático,
capaz de sobrepor-se às barreiras de classe, às barreiras de linguagem e proporcionar a
abertura de espaços para aqueles que desejavam produzir cultura e precisavam, urgentemente,
sobreviver da arte e fugir da exclusão imposta pelas regras intelectuais de esquerda decretadas
na década de 1960, em outras palavras, fugir da censura.
A agonia do teatro, no Brasil dessa época, era concreta, porque as matérias-primas
que o construíam, ou seja, a palavra e a ação, eram realizações perigosas, ousadas e que
sofriam a opressão autoritária do Estado: “falar tornou-se uma coisa perigosa”.
dclvi
O Estado
aumentava sua força com o crescimento desgovernado dos “Esquadrões da Morte” nas
grandes cidades e a violência desmedida inserida no cotidiano, além do que nos porões da
ditadura, nas masmorras militares e políticas, a tortura era rotina conhecida.
A censura tinha a força incontrolável dos terremotos, mutilava a dramaturgia,
proibia os textos, interditava montagens prontas, esmagava companhias, desempregava pais e
mães de família, erguia dívidas impagáveis, trancava os artistas dentro de si mesmos, destruía
a fé, plantava e irrigava o medo, a desconfiança, a mágoa, permitia a existência de um,
diga-se, “teatro marionete” cujos cordões ela, a censura, tinha o direito de manipular. Foi
34
assim, em meio à destruição generalizada, que a televisão invadiu o espaço do teatro.
Ofereceu trabalho para os profissionais de teatro e, talvez até, a possibilidade de permanecer
vivo e ativo. Esses tiveram que pagar o alto preço de serem rechaçados pelos que não
aceitaram a televisão como opção; mas um fato é real, esses artistas driblaram o sistema
repressor e criaram o período mais rico e intenso da história da televisão brasileira, como se
posicionou Luís Costa Lima no artigo “Réquiem para a aquarela do Brasil”:
Nem se trata de uma confissão reparadora, nem tampouco da saga de um
herói. Trata-se apenas da reflexão de um burguês que, apoiado em sua
experiência e na de seus familiares, retrata o destino de um punhado de
contestatórios às voltas com a sombra poderosa de um Estado repressor.
Nada, porém, de semelhante à auto-piedade romântica. O autoritarismo e o
exibicionismo da burguesia contestatória não a transformaram em um
fantoche, assim como os fumos aristocráticos de seus amigos não os
converte em uma rodinha de ociosos. Lava-se roupa diante dos olhos do
espectador. (...)
dclvii
A TV Excelsior surgiu, no início da década de 1960, de uma forma avassaladora.
Elevou o piso salarial dos artistas e dos técnicos, investiu em propaganda como nunca tinha
sido feito. Inovou na grade de programação de forma dinâmica e integrada, com shows,
jornalismo, festivais de música popular, programas humorísticos e com as novelas, que
estavam muito à frente do que era produzido na época. Porém, a ditadura, em 1969, caçou a
concessão da TV Excelsior, cujo nome não podia ser dito no governo militar, porque, segundo
eles, era o “reduto dos comunistas”. Dessa forma, a Rede Globo passou a ter a hegemonia da
teledramaturgia.
Independentemente da opressão da ditadura, a sociedade caminhou para a
modernidade e a Rede Globo descobriu, antes mesmo de suas concorrentes, que deveria tratar
de conteúdos mais ousados, atuais , naturalistas , e transformar tudo em objeto de distração e
deleite para a audiência. A teledramaturgia descobriu o cotidiano, o real com a “cara do
Brasil”, através dos dramaturgos da esquerda que transitavam em suas salas e corredores,
legitimando, definitivamente as personagens do tipo anti-herói.
Os autores de teatro, que estavam na cena da televisão e que produziram uma
dramaturgia nascida dos palcos, imprimiram uma mudança fundamental: a presença da
proposta ideológica do autor. Apresentaram a “verdade” psicológica, através do retrato fiel
das personagens e da realidade da sociedade brasileira, porém, sem tornar a mensagem
excessivamente explícita, porque o que importava era a proposição do problema ser feita de
modo a levar discretamente o público a pensar por si mesmo, e não em tentar enfiar-lhe
34
alguma espécie de mensagem quase que a “marteladas dentro da cabeça”.
dclviii
Dias Gomes
esclarece os fatos:
(...) Eu comecei pelo teatro, minha vida profissional começou no teatro,
depois eu fui para o rádio, por um tempo, por questões financeiras, depois eu
voltei para o teatro. Quando eu fui para a televisão e outros de teatro que
também vieram como o Jorge, o Lauro, o Vianinha, tanto eu quanto eles, o
Jorge Andrade, nós éramos homens de teatro, e quando fomos, nós levamos
as nossas temáticas para a televisão, (...) as nossas temáticas, aquilo que a
gente não ia abrir mão de maneira nenhuma, né. No meu caso, no meu caso
era uma questão de segurança, era uma linguagem que eu não dominava, eu
vinha do teatro, eu não ia abrir mão da minha temática, porque naquela
época é que a novela formou sua linguagem própria, uma experiência nova,
não se sabia se ia dar certo ou não, cada vez era uma angústia, uma
expectativa, aquele negócio.
Tinha que pesquisar a linguagem, não
poderia abrir mão daquilo que eu dominava, a minha temática. (...)
dclix
Durante a ditadura militar, a televisão podia atuar num espaço delimitado pelo
Estado e a censura justificava sua ação repressora porque, segundo o governo, as novelas
eram censuradas por serem meios eficazes de deturpação dos valores éticos da sociedade.
Segundo os censores, todos os originais das telenovelas passavam por uma censura prévia
antes de serem gravados e submetiam-se a proibições relativas ao uso de drogas, à exploração
do sexo e ao desrespeito à tradição e aos valores da sociedade brasileira.
Quando a telenovela já articulava uma nova linguagem, passou a usar fórmulas
naturalistas, próximas ao cotidiano do público, o que ocasionou a identificação desse
espectador com a trama. As obras projetavam as aspirações de todas as camadas da sociedade,
os programas mínimos de aspirações de todas as classes sociais, pois captavam da sociedade
seus projetos de vida e divulgavam as informações pelo entretenimento e ficção. A telenovela
passou a abrigar o empresário, o médico, o ladrão, o bêbado, o policial, o traficante, o pintor,
a doméstica, o universitário, o balconista, o carteiro, o golpista, o político, o agricultor, a
estudante, o favelado, a adolescente grávida, o viciado, o homossexual, a homossexual, o
padre, a e de santo, o budista, o ateu, o pastor, o judeu, a prostituta, a cafetina, o garoto de
programa, a bailarina, a atriz, o maestro, o sambista, o professor, o reitor, o líder sindical, o
senador corrupto, o espírito desencarnado, o vampiro, a criança vidente, a bruxa, o analfabeto,
o sonâmbulo, o desmemoriado, enfim, toda a gama de personagens que podiam ser captadas
da sociedade e de seu imaginário. Mesmo assim, porém, como bem assinalou Martin Esslin:
34
Toda ficção, até mesmo a mais naturalista, a mais estritamente documentária
de todas as peças, pode ser encarada como uma fantasia, um sonhar de olhos
abertos do autor, o que em essência jamais deixa de ser. O autor da mais
rigorosamente documentada e pesquisada das peças históricas imagina todos
os detalhes, todas as tensões emocionais das personagens, para depois poder
configurar sua fantasias de forma artística.
dclx
Existia, logicamente, uma fórmula cristalizada nas telenovelas e Dias Gomes tinha
consciência de que derrubá-la era no mínimo um ato de perseverança. Sua esposa, a novelista
Janete Clair, certa vez, apresentou à mídia os dez mandamentos, em que ela acreditava e
obedecia, para escrever uma boa telenovela:
1º. Misturar amor, aventura, morte e suspense, mas sem doses exageradas de
nenhum destes ingredientes;
2º. O galã deve dar o primeiro beijo na mocinha até o capítulo 16. Se o par
romântico não toca um beijo até o final da terceira semana no ar, o público
não se amarra à trama;
3º. Nada de cenas muito longas. O espectador se entedia;
4º. Nem de cenas muito curtas. O espectador se confunde;
5º. O drama precisa ser entremeado com o riso;
6º. Evitar as cenas com personagens expondo problemas psicológicos.
Substituí-las por ação;
7º. Um impacto na cena não sobrevive a mais que três capítulos;
8º. Quase todos os conflitos dramáticos são resolvidos por volta do capítulo
80. A partir daí, novos conflitos devem ser criados para sustentarem mais 80
capítulos de novela;
9º. Ao escrever uma cena de amor, não se pode ter medo de ser ridículo. Se o
que veio à cabeça foi o galã dizendo à heroína “Eu tirei você da lama”, passe
para o papel. (Janete usou a frase em “Duas Vidas” e deu certo);
10º. Criar um final feliz.
dclxi
Dias Gomes, independentemente das condutas impostas pela política ditatorial, não
se afastou de seu projeto de renovar a telenovela, que ele fundamentava através de conjunto
de “experiências temáticas formais”.
dclxii
O projeto consistia em eliminar o formato dos
folhetins melodramáticos e aos poucos unir à teledramaturgia o universo do homem brasileiro,
que tão bem o dramaturgo conhecia e trazia, sempre, para as suas peças teatrais. Dessa forma,
com o apoio de Daniel Filho, que era diretor de produções da Rede Globo na época, o
dramaturgo iniciou seu trabalho na busca de uma linguagem baseada em narrativa de ação e
fluxo constante de imagens, com a valorização das didascálias, como seguro para as intenções
criadas, o fim da rigidez das marcações, que deram lugar à ação a partir das emoções das
personagens, textos em linguagem coloquial, presença de cenários urbanos e contemporâneos
e referências compartilhadas com o público.
Havia uma preocupação especial de Dias com relação à linguagem, porque,
segundo ele, o maior problema da linguagem da telenovela, até aquele momento, era
34
decorrente da falta de espontaneidade, da presença do artificialismo, além do emprego de
formas incomuns castelos, duques, masmorras –, que gerava o distanciamento, sem contar
também uma demasiada correção gramatical. Havia a demanda de tornar a linguagem pronta a
atingir plena aceitação e compreensão pelas massas de telespectadores, sem fugir do exótico,
do arcaico, do regional, tudo de acordo com as cenas e as personagens. O dramaturgo
acreditava que os desvios da linguagem popular, coloquial tinham que ter um propósito bem
focado, para não cansar o público e o propósito se perder.
A primeira produção de Dias Gomes foi “Verão Vermelho” (17/11/1969 a
17/07/1970). A telenovela foi ambientada no interior do estado da Bahia, no tempo dos
coronéis, e tratava de uma série de problemas polêmicos, como o preconceito racial, a reforma
agrária, a agressão ecológica e o divórcio, que, na época, não era legalizado. A trama era
plena de tipos populares regionais.
(Figura 125) Dias apresentava sua
análise da primeira obra: “O visual
era brasileiro, embora tivesse a aventura
e o romance do folhetim, porque não
podia me desligar abruptamente disso.
Mas era uma temática totalmente
nossa, um linguajar nosso, com raízes
nossas.”
dclxiii
Figura 125- Dina Sfat e Mario Lago
dclxiv
Um fato inédito e ousado para a época foi estabelecer o câmbio entre personagens
de telenovelas distintas. Na mesma época de “Verão Vermelho” estava no ar, a novela “Véu
de Noiva”, da autoria de Janete Clair, esposa de Dias Gomes. O casal combinou que a
personagem Flor, da teledramaturgia das 19 horas, fosse à procura de um médico na Bahia,
para que esse conseguisse curá-la e ela pudesse vir a engravidar. O profissional procurado foi
o médico/curandeiro Flávio Aguiar da telenovela das 22 horas. A inovação foi um sucesso, a
mesma cena, inserida em seus contextos, foi apresentada no mesmo dia tanto em “Véu de
Noiva” quanto em “Verão Vermelho”.
O segundo trabalho do projeto televisivo do autor chamou-se “Assim na Terra
como no Céu” (20/07/1970 23/03/1971). A obra apresentava a moda e os costumes da
juventude “dourada” de Ipanema, satirizando o estilo de vida do carioca. (Figura 126) Mas
não existia só esta linha de abordagem, outros temas permeavam a trama: os delitos e
infrações cometidos pelos cafajestes, apresentando uma forte comparação crítica entre os
jovens da zona norte e os jovens da zona sul do Rio de Janeiro, ao ressaltar os aspectos
34
negativos de ambas as regiões; a questão do celibato dos padres e o problema do consumo e
do tráfico de drogas foram tratados pela primeira vez numa telenovela. A obra inovou ao
apresentar, no começo da trama, o assassinato da personagem principal. A novidade não
agradou aos telespectadores e a personagem voltou a aparecer em “flasback”, o que gerou
outra inovação.
Figura 126-
Osmar Prado, Djenane Machado e Carlos Vereza
dclxv
Dias Gomes, em entrevista ao Jornal Opinião, explicita a sua ousadia:
Eu pretendia provocar no público uma atitude crítica em relação à novela, o
que consegui. As cartas insultuosas que passei a receber, aos montes,
criticavam a sociedade que eu estava mostrando, supondo que estavam
criticando o meu trabalho. Recebi um abaixo-assinado das alunas do Colégio
Pedro II dizendo que o fantasma de Nívea irá me acompanhar para o resto da
minha vida.
dclxvi
Seguiu-se a criação de Bandeira 2 (28/10/1971–15/07/1972). Uma telenovela de tal
forma inovadora, que a expectativa estava presente em todos os segmentos desde a produção,
ao elenco e à direção. (Figura 127)
A criação de “Bandeira 2” trouxe para a tela, com o forte tempero da comédia, uma
série de pontos que jamais teriam sido abordados para compor uma telenovela. Entre eles,
destacam-se: o papel da mulher na sociedade; a independência feminina; a mulher no
34
exercício da profissão considerada
masculina; o desquite e o
preconceito pelo fato; o submundo
do jogo do bicho e a guerra entre
os bicheiros, o jogo do bicho como
patrocinador da escola de samba; a
lavagem de dinheiro; os problemas
financeiros; os distúrbios
psicológicos; o amor proibido; as
fantasias sexuais; a saga dos retirantes
Figura 127-Paulo Gracindo
dclxvii
nordestinos, os malandros cariocas.
Dias Gomes trouxe de sua experiência no cinema técnicas que valorizaram a sua
dramaturgia, como cenas externas, cortes rápidos, som, iluminação, planos variados, a
utilização da grua”. A produção foi um sucesso, todas as inovações caíram no gosto do
público, sustentaram um IBOPE inédito para a novela das dez, de 55% no Rio de Janeiro,
quando até aquela data as pesquisas nunca tinham atestado um percentual maior do que 33%.
Dias Gomes era um vencedor, suas experiências davam certo, mas a censura exigiu a morte da
personagem Tucão, o bicheiro anti-herói (Figura 128) , porque segundo os censores, o bem
tinha que triunfar sobre o mal, independentemente de ser arte, ficção ou verdade.
A estrutura narrativa, além das novas temáticas e do diálogo inserido em novos
espaços para a ficção, passou a ter o eixo temático focado na veiculação de imagens da
realidade brasileira, e uma trama repleta de elementos que estimulavam a uma leitura crítica a
cerca do contexto social e econômico das personagens.
Figura 128-Paulo Gracindo 2
dclxviii
34
O quarto trabalho do projeto de Dias Gomes para a TV foi “O Bem Amado”
(24/01/1973–09/10/1973), que introduziu as telenovelas a cores no Brasil. “O Bem Amado”
foi uma adaptação do autor para a sua peça teatral “Odorico, o bem amado, e os mistérios do
amor e da morte”. E isto sob o pretexto de narrar o cotidiano da população de uma cidade
fictícia no litoral baiano. O dramaturgo satirizava com humor e senso crítico o Brasil da
ditadura militar. A personagem “Odorico Paraguaçu” era dono de uma fazenda de azeite de
dendê e candidato a prefeito da cidade de Sucupira. Homem de posses, mas sem escolaridade,
Odorico é corrupto, mau-caráter e demagogo. Apesar de tudo, é adorado pelos eleitores e
exerce fascínio sobre as mulheres, especialmente as mal amadas. A marca principal da
personagem era o uso abusivo de uma retórica vazia, repleta de palavras pomposas e
neologismos sem sentido, que eram pronunciadas sempre em tom de discurso. A forma como
Odorico abreviava conversas e raciocínios Botando de lado os entretantos e partindo pros
finalmentes”; os eufemismos que usava “os cachacistas juramentados”, “a imprensa ouvida,
falada e televisada”, “as donzelas praticantes”; e os peculiares advérbios que despejava em
cada frase “Deverasmente”, “Pra frentemente”, “Pra trasmente”, caíram no gosto popular
tanto quanto a telenovela (Figura 129).
Apesar do sucesso de público e de crítica, a censura não esqueceu que a telenovela
era uma obra de Dias Gomes e estava atenta como nunca à produção de “O Bem Amado” e
atacou todo o tempo em a obra foi veiculada.
Dessa forma, a música tema da abertura da telenovela era “Paiol de Pólvora”, de
Vinícius de Moraes e Toquinho, mas foi censurada devido ao verso “Estamos sentados em um
paiol de pólvora”, sendo substituída pela composição da mesma dupla de compositores “O
Bem Amado”, mas sem a letra, apenas a melodia. Outra proibição foi a que não permitiu que
Odorico Paraguaçu fosse chamado de “coronel”, uma nomenclatura que reportava aos
fazendeiros nordestinos e nem tão pouco que Zeca Diabo fosse tratado por “capitão”, que era
uma referência aos capitães do cangaço, que Zeca Diabo era um matador. A censura
entendeu o quê? Como uma afronta direta aos cargos dos militares no comando do país. Os
cortes dos vocábulos fizeram com que o áudio de mais de quinze capítulos já gravados fossem
apagados, porque continham as palavras proibidas. Além dessas duas, “ódio” e “vingança”
também entraram para a lista, pois tinham a capacidade de fomentar a violência nos
espectadores.
34
Figura 129-O Bem Amado
dclxix
Ainda dando continuidade a seu projeto, Dias escreveu “O Espigão” (01/04/1974–
01/11/1974), cuja temática girava em torno do conflito entre um empresário com delírios de
grandeza e os excêntricos moradores de uma mansão no Rio de Janeiro. A telenovela foi a
primeira a discutir o avanço acelerado e predatório da expansão imobiliária sobre o meio
ambiente e a desvalorização das relações humanas, em um mundo cada vez mais
comprometido com o progresso tecnológico. Dias apostava novamente na fórmula inaugurada
com Bandeira 2: um tom forte de comédia e a predominância da linguagem coloquial. O
primeiro problema de O Espigão” surgiu, pouco antes do lançamento da telenovela, quando
o construtor Sérgio Dourado, que fazia fortuna construindo prédios e pondo abaixo casarões
centenários em todos os bairros do Rio de Janeiro, descobriu que a personagem principal era o
proprietário de uma grande imobiliária, que iria demolir um casarão (Figura 130) para
construir um “espigão” uma crítica direta a ele, portanto.
O empresário, de posse da
informação, contatou por telefone com
o Dr. Roberto Marinho, dono da Rede
Globo, queixando-se da telenovela,
que julgava acintosa, abusiva e
desrespeitosa, deixando claro que ele,
Sergio Dourado, era um dos maiores
anunciantes da empresa, inclusive o
Figura 130-O Espigão
dclxx
34
patrocinador detendo as maiores cotas no horário daquela telenovela.
Dias Gomes foi chamado às pressas e, ao chegar, propôs uma pequena mudança no
texto: ele trocaria a protagonista, que passaria a ser um dono de uma rede de hotelaria; desse
modo o trabalho foi aprovado. O dramaturgo não se perturbou, e em sua autobiografia ele
deixa claro que o público da época sabia ler perfeitamente as metáforas e tinha um prazer
particular em se inteirar com as “entrelinhas”. Como explicou o autor, que de nada adiantou a
censura:
E de nada adiantou a mudança, porque naquele momento era tal a quantidade
de placas da Construtora Sérgio Dourado que infestavam a cidade, que o
público imediatamente o identificou com “Lauro Fontana”, o ambicioso e
predatório dono de “hotéis”. Bastava circular pelas ruas do Rio e observar
centenas de placas da Construtora Sérgio Dourado e entender a quem a
novela se referia.
dclxxi
A criação seguinte também contribuiu para a transformação da dramaturgia das
telenovelas: “Roque Santeiro” foi uma adaptação de “O Berço do Herói”, telenovela que foi
censurada completamente, indo ao ar dez anos mais tarde. Esse foi um momento delicado
vivido por Dias, uma vez que ele tinha passado
por sérios problemas com o DOPS, com a montagem
de “O Berço do Herói” em 1965, que fora censurada
no dia da estréia.
A produção de “Roque Santeiro”, em 1975
(Figura 131), traria o dramaturgo para o horário
nobre da “novela das oito”, a mais prestigiada até os
dias de hoje, por gerar para a emissora as maiores
rendas com comerciais.
Figura 131- Lima Duarte e Betty Faria
dclxxii
Dias Gomes já tinha 50 capítulos enviados e aprovados pela censura, a telenovela já
estava com as chamadas no ar, a estréia marcada para dali a sete dias, quando chegou o laudo
de proibição total da veiculação da obra. No dia marcado para o lançamento de “Roque
Santeiro”, durante a apresentação do Jornal Nacional, o locutor Cid Moreira leu um editorial
noticiando o fato, mas o fato maior é que Dias Gomes, sem ter intenção, fez a Rede Globo
contestar o regime militar em cadeia nacional.
A primeira liberação ocorreu porque os militares não tinham percebido a
“reciclagem” feita pelo autor, mas um comentário telefônico entre o dramaturgo e um amigo,
34
relatando a origem do texto, levou à revelação, pois o telefone de Dias Gomes era grampeado
pela ditadura, como ele mesmo narra:
Quando foi pra 10 anos depois, em 1975, eu resolvi adaptar essa peça para
televisão e como eu sabia qual era a razão da proibição, que era justamente a
personagem central da peça, eu transformei esse cabo num santeiro, um
fazedor de santos, né, e desenvolvi a mesma temática da peça, que era a
mesma coisa, mas mudando o nome das personagens e tal e,
surpreendentemente, a peça, a novela foi proibida também. Durante, também
não se entendeu porque, porque também a censura não explicava porque
tinha proibido, ela também ficou num jogo kafkiano. A TV Globo ficou uma
semana inteira tentando liberar a novela, não conseguiu. No dia da estréia da
novela, foi feito um editorial, disse até que foi redigido pelo Dr. Roberto
Marinho, contra a censura, ninguém entendeu, a Globo se rebelando contra o
regime, não é, a coisa, e ficou esse tempo todo sem ninguém saber
exatamente porque Roque Santeiro foi proibido. Até porque, dez anos
depois, em 1985, foi exibida a novela, ela já tinha 51 capítulos escritos antes,
não é, e ninguém, todo mundo olhava e não entendia porque havia sido
proibida, por que proibiram isso, não se entendia. Até que com a abertura
dos arquivos do DOPS encontraram-se o registro de telefonemas
gravados, então, um telefonema gravado era entre o historiador Nélson
Wernek Sodré e eu. E ele me perguntava, pelo telefone, o que você está
fazendo? Ah, eu estou aqui fazendo uma pequena sacanagem, eu estou
adaptando o Berço do Herói para televisão, mudei o título. Ah, Dias, mas
não passa, você sabe como é, esses militares, ... Não, mas eu fiz uma
“tapiação” aqui, mudei o nome das personagens, é a mesma coisa, mas eles
não vão perceber não. Aí, o Nélson deu uma gargalhada, e disse, é, não vão
perceber não, esses milicos são muito burros, e isso tudo, gravando,
gravando, por causa disso é que foi proibido, e eles não podiam dizer, a
censura não podia dizer que gravou a nossa conversa.
dclxxiii
A criação de “Saramandaia” (03/05/1976 31/12/1976) marcou não o projeto
pessoal de Dias Gomes, mas também uma nova investida da televisão brasileira: as
telenovelas ingressaram no universo do realismo fantástico. A trama estética desenvolveu-se
no fictício vilarejo baiano “Bole-bole” na zona canavieira, onde os habitantes estavam
envolvidos num plebiscito para a troca do nome da cidade para “Saramandaia”
.
A cidade estava dividida entre os “tradicionalistas” que usavam justificativas
históricas para a conservação do nome original e os “mudancistas” que alegavam a vergonha
do nome Bole-bole”, relacionado a uma aventura local de D. Pedro I. A telenovela era plena
de tipos exóticos: o coronel Zico Rosado punha formigas pelo nariz; Dona Redonda explodia
de tanto comer; Marcina provocava incêndios com o calor do corpo, o professor Aristóbulo
Camargo se transformava em lobisomem nas madrugadas de sexta-feira; seu Cazuza que
ameaçava cuspir o coração toda vez em que se emocionava (Figura 132) e o pacato João
Gibão, que sob a aparente corcunda escondia um belo par de asas (Figura 133).
34
Durante o processo de construção, Dias afirmou: “O realismo necessário para
construir um retrato da realidade brasileira não pode se abster do fantástico”
dclxxiv
. Esta era a
grande metáfora de Dias Gomes para falar de liberdade, em meio à dura repressão do regime
militar, mesmo que mais uma vez estivesse presente o caráter regionalista, o dramaturgo
abordou o tema mais abrangente da dignidade do homem e do seu direito de ser ele mesmo.
Figura 132- Raphael de Carvalho
dclxxv
Figura 133- Juca de Oliveira
dclxxvi
Segundo o autor:
Saramandaia tinha o duplo propósito de driblar a Censura e experimentar
uma linguagem nova na tevê o realismo absurdo. Trabalhando com
símbolos e metáforas, eu tornava difícil o trabalho dos censores, embora não
evitasse cortes e mais cortes, eu aprendera a usar um estratagema: como os
critérios da Censura eram extremamente variáveis e os censores eram
trocados freqüentemente, eu repetia uma cena vetada 20 capítulos adiante e,
se novamente cortada, voltava a repeti-la até vê-la aprovada. Quanto ao
absurdo sincretizado ao realismo, que alguns julgavam mera adesão ao
modismo, já que na literatura, estávamos em pleno “boom do realismo
fantástico, ele já existia em doses mais discretas, em minha obra. (...) E isso
decorria, antes de tudo, de uma visão pessoal de nosso país, que não pode ser
entendido sem se levar em conta essa conotação insólita, que o absurdo
faz parte de nosso dia-a-dia. (...) Foi a novela que mais prazer me deu
escrever.
dclxxvii
A proposta de redirecionar a telenovela permitiu a Dias Gomes percorrer
angulações imprevistas e inquietantes na reconstrução das imagens do Brasil, sem se abster de
expor as feridas nacionais, associadas às experiências recolhidas da dramaturgia universal.
Como pode-se observar em “Saramandaia”, a estética do Teatro do Absurdo foi acoplada aos
elementos da cultura popular brasileira e universal, onde virgens incendeiam o leito com o
fogo sexualizado. Ao ser questionado, Dias Gomes com ironia rejeitava o rótulo de escritor de
personagens e situações inusitadas do realismo fantástico:
34
Não vejo nada de fantástico nisso. gente que não dorme muito mais
tempo. Outros nunca acordam. O meu trabalho, que estão chamando de
realismo fantástico, não tem nada de sofisticado. O próprio ponto de partida
popular elimina a hipótese, pois eu me baseei na literatura de cordel
nordestina.
dclxxviii
Muito da inovação na linguagem e no estilo de ficção das telenovelas de Dias
Gomes, no contexto de um mundo torto, inserido num regime político ditatorial, está
associado ao uso do “realismo mágico” proporcionando o estímulo da imaginação pelo
exagero. Nada melhor para driblar a Censura do que o universo da realidade fantástica, onde
quase tudo é metáfora e alegoria. Mesmo assim, seria mais adequado interpretar
“Saramandaia” recorrendo ao “teatro do absurdo”, pois afinidades entre a obra de Dias
Gomes e as peças de Beckett e Ionesco, entre outros que,
(...) na dramaturgia e na literatura universal, experimentaram focalizar os
fenômenos extremos pelo viés da provocação, da derrisão e do riso. É uma
experiência em que o público chega ao delírio, ao êxtase, entrando num
transe dionisíaco pela carnavalização absoluta. O quadro dos personagens do
realismo fantástico, como no Teatro do Absurdoaproxima as fronteiras
entre o mundo real e o mundo fictício, a razão onírica e a imaginação
criativa.
dclxxix
A telenovela “Sinal de Alerta” (30/07/1978 26/01/1979) (Figura 134) foi a
penúltima obra construída objetivando o projeto de reformulação da dramaturgia das novelas
na televisão. A temática centrava-se na questão da deterioração do meio ambiente e da
qualidade de vida nos grandes centros urbanos, através da história de um empresário, dono de
uma fábrica de fertilizantes e inseticidas, no Rio de janeiro e responsável por grande
destruição do meio ambiente. O conflito se estabelece quando sua ex-mulher, jornalista e dona
de um jornal, inicia uma campanha contra a fábrica e os operários da empresa aderem ao
movimento do qual surgem as lideranças.
Outro foco está relacionado ao consumo de drogas entre as pessoas das classes
sociais mais altas, ao lado das dificuldades encontradas pelos intelectuais e os homens de
cinema em produzir filmes de conteúdo social e político voltado para a ecologia. Uma das
inovações dessa telenovela foi a introdução de depoimentos de personalidades sobre a
necessidade da preservação do meio ambiente, como os do arquiteto Oscar Niemeyer e os da
presidente da Campanha Popular de Defesa da Natureza, Ruth Christie. “Sinal de Alerta” foi a
última novela produzida pela Rede Globo para o horário das 22:00.
34
Figura 134-
Telenovela Sinal de Alerta
dclxxx
A história foi ambientada em locais com características muito distintas, tais como a
mansão do empresário, o bairro operário, a fábrica. Por esse motivo, as locações ficavam
muito distantes uma das outras, o que dificultou o trabalho de produção. Foram gravadas
cenas externas na região serrana do Rio de Janeiro, em Petrópolis, e tomadas nos bairros do
Catumbi, Andaraí, Lagoa, Ipanema e Jardim Botânico. Dias Gomes posicionava-se sempre
em função de não se afastar de uma postura crítica à realidade por ele questionada, desta
forma precavia-se para que a inclusão de suas questões em seu trabalho não caíssem no
“pieguismo”, e um fato, durante a criação de “Sinal de Alerta” confirma esse posicionamento,
mas também comprova que sabia ceder a um bom argumento.
Em agosto de 1978, Ferreira Gullar (Figura 135), poeta e amigo particular de Dias
Gomes, estava na casa de Dias, a seu pedido, para colaborar com ele, fazendo uma análise
crítica do percurso que “Sinal de Alerta” havia seguido, principalmente devido à ousadia da
temática. Os escritores discutiam sobre o destino de uma personagem, uma líder operária,
casada que, para a história seguir em frente, teria que viver um caso de amor com um colega
da fábrica. Dias não gostava da solução e, com o apoio de Gullar, argumentava que a mulher
tinha sido apresentada até aquele momento como uma personagem honestíssima, fiel ao
marido, de princípios morais inabaláveis, não havendo, portanto, coerência na traição como
solução, pois dentro de uma lógica cartesiana, aquilo não era plausível. De um canto da sala,
sua esposa Janete se intrometeu: – “Não é plausível, mas ia ser lindo. O que é que vocês estão
pensando? Mande o realismo à merda, Dias. O público vai adorar”.
dclxxxi
O escritor se rendeu.
34
Figura 135-Dias Gomes e Ferreira Gullar
dclxxxii
A telenovela não agradou ao grande público, que não se interessou pela temática.
Outro ponto de muitas críticas é que a telenovela não tinha um tema musical de abertura,
representando uma exceção até os dias de hoje. Os créditos eram veiculados junto a uma
animação cheia de ruídos de cidade grande.
Passados dez anos depois da proibição de “Roque Santeiro”, Dias Gomes conseguiu
levar para a tela a última criação do seu projeto de reestruturação das novelas para televisão.
A telenovela foi veiculada de 24/06/1985 a 22/06/1986, com uma aceitação jamais vista no
horário das 20:00h, chegando a 89% de audiência na cidade do Rio de Janeiro, em dias de
grandes revelações na trama.
A versão de “Roque Santeiro” de 1985 era praticamente a mesma que fora
censurada em 1975. Quase nenhuma personagem foi introduzida, e a trama central manteve-
se idêntica, com pouquíssimas adaptações, como o fato de Asa Branca ter deixado de ser uma
cidade do interior da Bahia para representar uma miscelânea de cidades brasileiras (Figura
136). A trama desenvolve-se como uma sátira à existência dos mitos, à necessidade de mantê-
los e à fonte de renda que eles representam ao serem explorados, sobretudo nas pequenas
cidades brasileiras, com as vantagens às quais os poderosos se aproveitam e as doenças
sociais. A cidade de Asa Branca vive em função de um falso mito: o milagreiro Roque
Santeiro teria morrido como mártir defendendo a cidade do bandido Navalhada e seu bando.
Todos os habitantes haviam fugido, menos Roque, que desapareceu e foi dado como morto.
Logo após, uma jovem à beira da morte consegue sobreviver e diz que o rapaz tinha aparecido
a ela numa visão. A notícia se espalhou e Roque virou santo. Após 17 anos, o falso santo
reaparece, causando desespero às autoridades de Asa Branca, já que o fim do mito significaria
a morte da cidade.
34
O projeto de Dias Gomes deu resultado, ele realmente modificou o panorama das
telenovelas, mas sua passagem pela televisão acendeu também uma série de comentários
realmente produzidos por aqueles que resistiam às mudanças por ele instauradas. A polêmica
que existira, na década de 1940, na época do rádio, foi reacendida, como atesta Silva
Júnior: “Escrever para o rádio naquela época não era exatamente uma profissão artística,
digamos assim”.
dclxxxiii
Apenas aqueles que trabalhavam no ofício para ganhar o sustento é que tinham
coragem para desperdiçar talento sem maiores dores, os de fora não podiam avaliar o que
realmente se passava no interior desses artistas. Walter Alves comenta sobre esse momento da
vida do escritor: “Dias Gomes, como tantos outros, tem de sentar-se à máquina pondo a alma
de lado, para produzir, obrigado, coisa pior do que o que pode escrever, satisfazendo
exigências e “forças ocultas” não reveladas, mas ao alcance de quem queira ver.”
dclxxxiv
Dias Gomes acreditava que a telenovela devia ser vista como uma forma nova de
arte dramática, adaptada ao seu tempo e fruto de uma evolução da tecnologia e da indústria
sobre aquilo que se escreve para a televisão; o desenvolvimento, porém, não podia ser
desculpa para se criar textos ruins: “Se o
autor continuar a ter de escrever seis
capítulos por semana e esses capítulos
continuarem a ser gravados a toque de
caixa, todo o esforço de um bom texto
esbarrará nessa limitação. Isso não diminui
a nossa capacidade de criação mas diminui
a qualidade dessa criação.”
dclxxxv
Figura 136- Regina Duarte e Lima Duarte
dclxxxvi
Artur da Távola, crítico e historiador, definiu em seis tópicos o perfil da telenovela
brasileira:
dclxxxvii
O primeiro é que a telenovela destina-se a um consumo indiscriminado.
Enquanto existia apenas a tecnologia do livro, o consumo era discriminado, pois ele só
chegava aos letrados. A telenovela veio estender formas literárias ou “literalizantes” a um
público indiscriminado. Chega ao culto e ao não culto. Tal realidade modela-lhe forma e
conteúdo. O segundo afirma que a telenovela vive da aceitação do mercado. Ela está em
íntima relação com quem a consome. O telespectador é pesquisado, conhecido, questionado,
ouvido, portanto, sua opinião tem peso e valor. O terceiro aborda que o mercado da telenovela
se manifesta ao longo dos capítulos e precisa ser consultado através de pesquisas. O quarto
registra que a produção de uma telenovela precisa obedecer a um veloz andamento, para não
34
comprometer o fluxo dos demais programas. A telenovela, na sua realização, possui um ritmo
industrial sendo, portanto, muito mais um serviço dramatúrgico do que, propriamente, uma
categoria estética. O quinto propõe que nas telenovelas, as proposições estéticas e culturais
devem-se enquadrar no repertório conceitual do público. Jamais numa telenovela, o autor
pode fazer um discurso isolado, sem estabelecer, para o que queira dizer, pontes de
relacionamento com o público. Finalmente o sexto informa que nos dias atuais, dificilmente a
telenovela é uma obra de um criador isolado. O resultado final depende da equipe realizadora
e dos propósitos e condições oferecidas pelo canal produtor, embora, por outro lado, apesar
disso, possa haver a presença estilísticas dos autores, marcando acentuadamente o produto.
Essa contradição é típica da telenovela: ao mesmo tempo em que é obra do dramaturgo, é
também obra da equipe de escritores. Sem se compreender tal dualismo é difícil alcançar a
complexidade do seu processo de feitura.
A telenovela possui vertentes duplas: num aspecto é conservadora (Figura 137) e
em outro é desestruturadora dos arquétipos conservadores, que são mantidos pela engrenagem
produtora (Figura 138). A união desses elementos é que torna cativo, todos os dias, um
público de milhões de pessoas. A telenovela é refém da engrenagem produtora, ao mesmo
tempo que lhe contraria, opõe a ela e dela foge.
Ainda em seu livro “A Telenovela Brasileira”, Artur da Távola afirma que as
telenovelas são baseadas em seis elementos que estão presentes na natureza de qualquer mito,
que o escritor relaciona da seguinte forma:
– Éthos – o problema moral;
– Logos – o problema do conhecimento, do saber;
– Psyché – o problema da alma, da psicologia humana, da sensibilidade;
– Eros – o problema do amor, fundamental;
– Théos – a idéia de Deus;
Pathos que expressa a efemeridade, o drama, a tensão inerentes ao ser e
ao viver.
dclxxxviii
34
Figura 137- Paulo Gracindo e Marília Pêra
dclxxxix
Figura 138- José Wilker e Paulo Gracindo
dcxc
Esses elementos do mito estão presentes tanto na telenovela quanto no teatro ou na
literatura. Reportando-se à telenovela Bandeira 2, pode-se detectar que o éthos está presente
na ética dos contraventores, um querendo roubar o ponto do outro, nunca matar, mas mandar
matar; o logos estabelece as relações entre a mulher e seu espaço na sociedade; a psyché
confere ao jovem o desassossego, o descontrole, a falta de espaço e voz; o eros está presente
nas relações entre os filhos dos inimigos, do rapaz problemático e a taxista; o théos tem a
marca do sincretismo brasileiro, o candomblé e o catolicismo; o pathos está presente em toda
a narrativa, desde a tomada de decisões até o risco da presença da polícia e as incertezas dos
negócios.
Dias Gomes estava consciente de que a telenovela que escrevia transmitia a sua
visão ideológica e de que havia a reprodução de um discurso onde a essência de sua obra
dominava, mesmo com a presença de ruídos na comunicação.
Bandeira 2 foi criada num período de enfrentamento à ditadura, à repressão, à
censura, por isso o dramaturgo infiltrava sua ideologia através de metáforas complexas e de
difícil análise, como a história dos retirantes que invadem um espaço no Rio de janeiro. Com
esse perfil, Dias tornou-se uma referência como autor de telenovelas, porque levou para a
televisão a observação da realidade brasileira e a mistura de fantasia e realidade que
caracterizam a sua obra teatral.
Ferreira Gullar e Moacyr Félix, numa entrevista a Dias Gomes, perguntaram-lhe se
a “unidade ideológica” de sua obra teatral não foi quebrada na televisão pelas limitações que
ele teve de enfrentar, ao que o dramaturgo respondeu:
34
Não, não foi quebrado, porque eu nada fiz do que transportar para a TV toda
a minha temática. De “Verão Vermelho” a “Sinal de Alerta”, se você
analisar, vai ver que as sete ou oito experiências que eu realizei na TV
formam um painel da realidade brasileira, desculpem a expressão hoje tão
gasta, que guarda perfeita sintonia com aquele outro painel que tentei com
minhas peças teatrais. Alguns casos, como o “O Bem Amado” e “Bandeira
2”, o passam de meras transposições, ou traduções para uma nova
linguagem, de temas explorados no palco. “O Espigão” tinha “O Túnel”
como ponto de partida. “Roque Santeiro, que foi proibida, girava dentro do
universo comum a “O Pagador de Promessas”, “A Revolução dos Beatos”e
“O Berço do Herói”
dcxci
A telenovela mudou profundamente durante o período da ditadura militar,
principalmente porque a televisão, para responder a sua demanda por dramaturgos que
atendessem às modificações sociais que se apresentavam, contratou escritores de teatro que
estavam censurados, porque questionavam a realidade nos palcos: Dias Gomes, Jorge
Andrade, Lauro César Muniz... e, na televisão, eles conseguiram contar as suas histórias e os
temas nacionais entraram, assim, nas casas dos brasileiros pela tela da TV. A questão da
mulher desquitada, que larga o marido e vai a luta, buscando a sua emancipação, trabalhando
como motorista de táxi, é apresentada para análise no início da década de 1970, quando não
existia ainda a lei do divórcio e a mulher desquitada era alvo de discriminação e de
difamação. Este questionamento, entre tantos outros, esteve presente no cotidiano no povo
brasileiro e a presença do mundo real nas telenovelas tornou-se uma prática ordinária na
história da telenovela.
Dias Gomes transformou os folhetins comuns na mais alfinetada reflexão política
sobre o país: em dado momento Tucão entra em casa, a filha assiste à televisão, ele não aceita
o programa com o qual ela se diverte e grosseiramente desliga o aparelho; eles passam então a
discutir os males da censura e da força bruta dos pais contra os filhos, enquanto a esposa,
amedrontada, teme pela filha que enfrenta o pai.
Mesmo atacado pelos letrados de esquerda, Dias Gomes ajudou a vencer o
preconceito intelectual contra as telenovelas, num momento em que a televisão no Brasil
tornava-se indústria de peso. Ao ir para a televisão, curvado pelo peso do AI-5, Dias Gomes
era um artista consagrado no teatro, aplaudido no cinema e com mais de vinte anos de
experiência no rádio. De muitos modos, ele subverteu a tradição folhetinesca da televisão,
esvaziando-lhe os clichês, e injetou vitalidade na teledramaturgia, sempre de uma forma
muito consciente, como podemos constatar:
34
O artista é um reflexo do seu tempo, uma testemunha. (...) O artista não
muda, a arte não muda nada. Ele pode influir, sim, claro, mas não no sentido
que imaginávamos na década de 60, de poder mudar o mundo pela arte. (...)
Na TV, embora por vezes permitindo a abordagem de certa temática, a
censura proíbe o seu aprofundamento. E eu tenho minhas dúvidas se a
própria natureza da televisão permitiria chegar ao fundo do poço. Dotada de
extraordinário poder de impacto, a TV, entretanto, carece de perenidade. E
isto a torna uma forma de expressão onde o efêmero sempre prevalece e que
nunca convida à reflexão. Talvez esteja ai o seu grande ponto fraco, onde o
teatro lhe é infinitamente superior. O teatro respira eternidade. Mas a
televisão é um produto do nosso tempo, tempo de coisas efêmeras, de
rápidas mutações, mundo que a TV, mais do que qualquer arte tradicional,
está capacitada a captar e mostrar, sem ser capaz, entretanto, de conhecer.
(...) Em todos os meus trabalhos eu levanto polêmicas, sempre. (...) Levantar
polêmicas é o papel de quem vive para incomodar.
dcxcii
Umberto Eco, ao estudar os passos para a construção da ficção, considera que as
referências ao mundo real, na ficção, que é uma marca na obra de Dias Gomes, são tão ligadas
que depois de algum tempo vivendo o mundo da ficção, o indivíduo começa a misturar
elementos reais e da ficção e já não sabe bem onde está. Eco se manifesta sobre essa união da
realidade da ficção: “Tal situação origem a fenômenos bastante conhecidos. O mais
comum é o espectador projetar o modelo ficcional na realidade – em outras palavras, o
espectador passa a acreditar na existência real de personagens e acontecimentos
ficcionais.”
dcxciii
O fenômeno estudado por Eco esteve presente na obra Bandeira 2 em várias
ocasiões. O ator Paulo Gracindo, que representava o bicheiro Tucão, ganhou a admiração dos
contraventores do jogo do bicho. Eles foram informados de que a peça “Brasileiro, profissão
esperança”, em que o ator estava em cartaz, estava com a freqüência de público baixa às
quintas-feiras, e para ajudar ao “parceiro”, compraram 120 ingressos de todas as quintas-
feiras até o final da temporada.
O jornal carioca Luta democrática” publicou manchete que dava ao evento da
morte da personagem a importância de um fato real: “Morreu Tucão”. Durante a gravação do
enterro da personagem Tucão, cerca de três mil pessoas compareceram ao cemitério do Caju,
no Rio de Janeiro, comovidas com um boato de que Paulo Gracindo teria realmente morrido.
A segurança teve de ser reforçada para evitar que os visitantes se confundissem com os
figurantes que participariam da cena. Além do que, no dia seguinte ao último capítulo da
novela, em que foi exibido o enterro de Tucão, deu “macaco” no jogo do bicho. Por
coincidência, o número sorteado foi o mesmo da sepultura da personagem, beneficiando,
decerto, um grande número de espectadores.
34
“Bandeira 2” (Figuras 139 e 140) foi exibida pela Rede Globo em 179 capítulos,
em preto e branco, sob a direção de Daniel Filho e Walter Campos.
Figuras 139 e 140-Cenas de “Bandeira 2
dcxciv
Dias Gomes afirmava que “Bandeira 2” fora um marco em seu processo criativo
para a televisão, porque a partir dela uma série de tabus foram quebrados e ele mesmo passou
a sentir que a maneira como escreveu aquela telenovela era a única forma que possuía,
naquele momento político, para manter viva a sua essência consciente de expressão como
homem político ativo, apesar das circunstâncias.
A teledramaturgia trouxe à cena um dos seus maiores tipos, o Bicheiro Tucão, que
transformou o ator Paulo Gracindo, na época consagrado pelo teatro e pelo rádio, em uma
grande estrela televisiva. A personagem que, segundo o autor, havia sido criada para Paulo
Gracindo acabou destinada ao ator Sergio Cardoso, a pedido de Boni, uma vez que o galã
vinha de dois fracassos de público precisava recuperar sua imagem.
Sergio Cardoso, ao ter em mãos os vinte primeiros capítulos da dramaturgia, tendo
lido apenas três páginas, recusou a personagem, afirmando que ele precisava de um grande
papel e que um bicheiro não estava à sua altura, nem tão pouco adequado ao seu público. Dias
Gomes, imediatamente, apresentou o nome daquele que desde o início fizera parte do
imaginário criativo do autor.
Após a leitura do material, Sergio voltou atrás, mas Dias foi inflexível “Lamento,
Sérgio, mas se você mudou de idéia, eu não mudei. O papel não é para você. Acho que Sérgio
morreu sem me perdoar.”
dcxcv
Bandeira 2 veio mesmo para causar polêmicas, como o episódio envolvendo a atriz
Marília Pêra, que estava chegando do sucesso da atração anterior do mesmo horário, a
telenovela “O Cafona”, onde interpretava a personagem Shirley. Ela foi escalada para ser a
estrela de Bandeira 2, através de sua personagem, a taxista Noeli, porém, o bicheiro Tucão
assumiu seu posto e a suplantou. Marília, muito aborrecida, solicitou à direção que a deixasse
abandonar o elenco, mas não foi atendida. Independentemente do valor da obra para a
34
dramaturgia brasileira, a atriz até hoje, elegantemente como sempre, o fala sobre a Noeli.
Dias Gomes revela seu zelo pela realização de seus textos na televisão:
Na televisão, Paulo era, naquela época, o Primo Rico do Balança mas o
cai”, fazia grande sucesso e ninguém acreditava nele como ator dramático,
tanto que em 1971, quando escrevia Bandeira 2 e eu fui ao Boni e ao
Daniel, e disse que eu achava que o ator perfeito para fazer o protagonista
da novela, o Bicheiro Tucão era Paulo Gracindo, eles ficaram muito
espantados, porque o papel estava destinado ao Sérgio Cardoso. (...) É, não
foi escrito para o Sergio, porque quando eu estava escrevendo o papel, eu
via o Paulo Gracindo, só ouvia a voz dele.”
dcxcvi
O texto de Bandeira 2 desenvolve-se no sub-mundo dos poderosos chefões do Jogo
de Bicho do Rio de Janeiro. Autur do Amor Divino, o Tucão, é o bicheiro que domina a
região do bairro de Ramos, zona norte da cidade. Seu rival e inimigo é Jovelino Sabonete,
(Figura 141), bicheiro que domina a região do bairro de Copacabana, localizado na zona sul.
Tucão e Sabonete disputam o controle de todas as bancas de bicho da zona norte, o que gera a
disputa entre eles.
Tucão enriqueceu com o dinheiro do jogo
do bicho e tornou-se proprietário de uma cadeia de
lojas de eletrodomésticos. É o benfeitor da
comunidade, presidente de honra da escola de samba e
padrinho do Olaria Atlético Clube.
Entre os dois bicheiros, está Noeli, mulher
de temperamento forte e opiniões firmes a respeito do
papel da mulher na sociedade. Vive insatisfeita com a
apatia do marido Tavinho, um homem submisso às
vontades da mãe prepotente e controladora e assim
desquita-se, iniciando uma polêmica sobre o desquite e
Figura 141- “Jovelino Sabonete”
dcxcvii
sobre as mulheres desquitadas. Noeli passa a viver independente do ex-marido, disposta a
enfrentar o preconceito que passou a cair sobre ela: - uma mulher desquitada. Para ganhar a
vida, a moça decide trabalhar como motorista de táxi, numa época em que essa atividade era
exercida quase que exclusivamente por homens; e atuando ainda como porta-bandeira da
escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. A taxista é amiga de Zé Catimba, figura folclórica
da escola de samba, que traz com ela todas as características do sambista da “velha guarda” da
escola: bom de samba no e na mão, compositor, respeitado na comunidade, de origem
humilde, baixa renda ou nenhuma, vive da escola, malandro, farrista, “boa gente”. O conflito
34
ganha maior força, através da história do amor proibido de Márcio e Thaís (Figura 142), ele,
filho de Jovelino Sabonete e ela, filha de Tucão
.
Figura 142- Elisângela, Stepan Necerssian, Míriam Pires, Felipe Carone, Paulo Gracindo e Ilka Soares
dcxcviii
Além de Thaís, Tucão é pai de Zelito, um rapaz introspectivo e emocionalmente
problemático, que passa os dias trancado no quarto, pintando quadros, perdido em um mundo
de fantasias. Zelito se apaixona por Noeli (Figura 143) e este relacionamento com uma mulher
madura e independente ajuda-o a superar seus problemas internos e a descobrir a vida.
Quidoca é o homem de confiança, braço direito e herdeiro do império de Tucão (Figura 144),
apaixonado por Thaís: e homem que o bicheiro desejava para genro. Outras personagens
também merecem destaque: o comandante Apolinário, às voltas com as fantasias sexuais que
sua mulher Zulmira inventa para apimentar o casamento; e a família de retirantes nordestinos
formada por Severino, Santa, Lícia, Quincas e Aninha. No final da novela, Tucão é
assassinado. A cena do enterro foi ao ar no último capítulo. Quidoca, o imediato do bicheiro,
ajuda a carregar o caixão, vestido exatamente como Tucão e assumindo o seu papel: ele se
revela o seu verdadeiro herdeiro.
34
Figura 143- José Wilker e Marília Pêra
dcxcix
Figura 144- Milton Moraes e Paulo Gracindo
dcc
A produção de Bandeira 2 contou com o seguinte elenco, (Quadro 9), que
desenvolveu as personagens que se seguem:
Ator/ Atriz Personagem
Ator/ Atriz Personagem
Paulo Gracindo
Tucão (Artur do Amor
Divino)
Marília Pera Noeli
Felipe Carone Jovelino Sabonete Milton Moraes Quidoca
Grande Othelo Zé Catimba Ziembinski Irmão Ludovico
José Augusto Branco Tavinho José Wilker Zelito
Stepan Nercessian Márcio Elisângela Thaís
Osmar Prado Mingo Ary Fontoura Apolinário Gusmão
Heloísa Mafalda Zulmira Oswaldo Louzada Lulu Papa-Defunto
Ilka Soares Valéria Francisco Di Franco Galileu
Jacyra Silva Marilena Míriam Pires Célia
Margarida Rey Anunciata Paulo Gonçalves Neneco
Gracinda Freire Miloca Sebastião Vaconcellos Severino
Ilva Niño Santa Anecy Rocha Licinha
Angelito Mello Cardoso Maria Isabel de Aguiar Aninha
Roberto Bonfim Balalaika Adriano Lisboa Paixão
Elson Ananias Marraio Rogério Fróes Dr. Freitas
Vera Manhães Gracinha Márcia Rodrigues Ângela
Plínio Marcos Bem-Te-Vi José Moura Padre
João Loredo Garçon Cláudia Barroso Chica
Antero de Oliveira Quincas Lajar Muzuris Mudinho
João Paulo Adour João Cláudio Sônia Clara Leda
Henriqueta Briebba Filó Suzi Kirbi Belinha
Quadro 9- Atores e personagens da telenovela Bandeira 2
34
Ao escrever Bandeira 2”, Dias Gomes, mesmo sem querer assumir, tinha um
grande domínio sobre a dramaturgia televisiva. Pode-se comprovar essa habilidade técnica
através das didascálias por ele escritas. O dramaturgo, sempre utilizando-se das didascálias,
expõe as intenções de cada cena e personagem, de maneira que seu objetivo, construir sempre
um texto engajado, não viesse por terra. Observa-se que indicações relativas aos
movimentos das câmeras, aos planos, aos cortes:
NENECO sai. BEM-TE-VI o acompanha com o olhar. DOLLY À
FRENTE, até BIG/CLOSE. A idéia da delação toma conta de sua mente.
Seus lábios tremem, num tique nervoso, cada vez mais incontrolável. Ele
ainda luta contra a idéia, mas ela o tenta, ela o fascina.
– CORTE –
PLANO AMERICANO – de QUIDOCA que se aproxima da mesa de BEM-
TE-VI e senta-se ruidosamente, deixando cair copos. (...)
– CORTE –
CLOSE – nos dois. (...)
– CORTE – BIG/ CLOSE – de BEM-TE-VI atormentado pela idéia fixa da
delação. (...)
dcci
5.2 TUCÃO OU MIRANDÃO, UM BRASILEIRO COM CERTEZA
Pode-se estabelecer uma relação direta entre a produção televisiva “Bandeira Dois”
e o musical “O Rei de Ramos” (Figura 145), porém, o que gera estranhamento é o fato da
ordem de criação ter sido invertida, isso porque Dias Gomes partia sempre de um texto teatral
em direção a outra linguagem. Nesse caso, porém, o sentido foi inverso, pois embora tenha
utilizado parte do argumento de “A Invasão”, para escrever um dos núcleos que compuseram
a telenovela, a peça não teve sua trama contemplada na telenovena. “Bandeira Dois”, a
telenovela pela primeira vez deu origem à peça teatral “O Rei de Ramos.” Ao ser questionado
pela Revista Veja se “O Rei de Ramos seria uma versão teatral de “Bandeira Dois”, o
dramaturgo respondeu da seguinte forma:
Não, embora eu tenha aproveitado o material de pesquisa que fiz para a
novela sobre o jogo do bicho, escolas de samba e os subúrbios cariocas. É
possível que, vendo a peça, o espectador se lembre da novela. Acontece que
os bicheiros são muito parecidos, tem uma ética peculiar que é comum. Mas
a peça tem um desenvolvimento bem mais atual do que a novela.
dccii
Mesmo diante dessa declaração do autor, a análise comprova que as obras: uma
criada para a televisão e a outra para o teatro possuem elementos que comprovam que
“Bandeira Dois” originou “O Rei de Ramos”. Respeitando, logicamente, a diferença das
linguagens, percebe-se a identidade na temporalidade, na espacialidade, no perfil das
personagens, no decurso da ação dramática. Este processo é documentado por Martin Esslin:
34
A unidade básica do modo dramático de comunicação no teatro e nos meios
de comunicação de massa, cinema, televisão e rádio, parece-me fato por
demais óbvio para ser posto em discussão. Afinal, peças são filmadas,
televisadas e transmitidas pelo rádio, devidamente adaptadas, naturalmente,
porém não modificadas na essência de seu modo de expressão. (...) Uma
confirmação ainda mais clamorosa da unidade básica dos quatro modos de
apresentação dramática é o trânsito ininterrupto de autores de um veículo
para o outro. Bem como de diretores e atores. As técnicas específicas podem
diferir em cada caso, porém tais diferenças são meras modificações de uma
arte dramática básica.
dcciii
Figura 145- Paulo Gracindo e Dias Gomes
dcciv
Como foi colocado, o enredo da telenovela retratou a vida, as relações, valores e
preceitos do mundo da contravenção do Jogo do Bicho carioca, através do embate entre dois
bicheiros, cercado de personagens que apresentam a dura luta pela sobrevivência nas zonas
populares e populosas da cidade
.
Ali, em “Bandeira 2”, encontram-se os retirantes nordestinos, os apontadores de
bicho, a taxista, os componentes da escola de samba, entre tantos homens e mulheres que
convivem com a contravenção com a tranqüilidade de quem aceita e entende “o torto para
chegar ao direito”. Em meio à narrativa, está uma leitura suburbana do amor impossível de
“Romeu e Julieta”, encabeçada pela filha de Tucão e o filho de Sabonete, além da figura
controversa de “Mercucio” transformar-se no filho de Tucão, avesso às regras e ao mundo do
pai.
34
A peça teatral “O Rei de Ramos” (Figura 146) trata da história de um banqueiro de
bicho que quebra um tratado feito entre os cinco grandes bicheiros do Rio de Janeiro,
invadindo uma zona que não lhe pertencia. Os bicheiros que se enfrentam são: Mirandão, o rei
de Ramos, e Brilhantina, o chefe de Copacabana. Mirandão, padrinho da escola de samba,
homem respeitado e amado por seu povo, não admite a traição de Brilhantina, e a guerra se
instala. O filho de Brilhantina, Marco, doutor em economia, formado na França, e a fútil filha
de Mirandão, Taís, apaixonam-se e fogem juntos.
Em pleno combate, o governo anuncia a legalização do Jogo do Bicho, através da
criação da Zooteca, a ser administrada pela Caixa Econômica Federal. Os bicheiros unem-se,
sob orientação do filho de Brilhantina, e criam um “cartel”
dccv
do jogo do bicho, precursor de
uma multinacional, a “International Animal
Game Corporation”. Dias Gomes fez uma
leitura caricata da economia brasileira,
através de análise satírica irreverente.
Mirandão simula sua morte para poder ser o
presidente da empresa. A dramaturgia
teatral é apresentada como uma comédia
musical, conta com músicas de Chico
Fig. 146- Paulo Gracindo e Carlos Koppa, “O Rei de Ramos”, Teatro João Caetano, RJ
dccvi
Buarque de Holanda e Francis Hime e letras de Chico Buarque e Dias Gomes. A análise das
personagens, do ambiente, das características da linguagem, da ação, da proposta dramática,
fez surgir elementos presentes tanto na dramaturgia teatral como na dramaturgia televisiva. O
próprio autor posiciona-se sobre o que será o elemento ímpar:
O processo teatral é totalmente diverso do da construção de uma novela.
Enquanto esta tem um processo analítico, de romance, o teatro é ntese. A
televisão é mais horizontal, o teatro, vertical. Na televisão, você não coloca
um tijolo sobre outro. No teatro, sim, você constrói, de baixo para cima. A
televisão é horizontal e efêmera; é uma comunicação imediata e
poderosíssima, mas que não dura e não aprofunda. É evidente que no teatro
você atinge muito menos público, mas pode ir mais fundo e as coisas
ficam.
dccvii
A peça “O Rei de Ramos” foi apresentada pela primeira vez no dia 11 de março de
1979, no Teatro João Caetano, quatro dias antes do General João Baptista de Figueiredo
assumir a presidência da República. Naquele momento, o crescimento da oposição nas
eleições de 1978, fez com que o processo de abertura ganhasse força. Figueiredo, quinto
presidente militar na sucessão ditatorial, teve a difícil tarefa de garantir a transição do regime
34
militar para a democracia. Em 29 de agosto de 1979 foi aprovada a “Lei da Anistia”, uma
vitória parcial, porque assim como a anistia perdoava os opositores do regime, ela também
liberava os militares acusados de assassinatos e torturas.
A peça estava em cartaz, num período em que a inflação chegou a 94,7% ao ano, o
Brasil estava em recessão e a principal conseqüência foi o desemprego, momento em que o
Ministro Delfim Neto derrotou Mário Henrique Simonsen e assumiu o controle da economia,
mantendo viva a situação da ditadura.
Uma observação deve ser apresentada, para se ter uma visão mais clara da relação
entre a ditadura militar e os contraventores do Jogo do Bicho, de um lado, e outros
delinqüentes, de outro lado. Logo após a instalação da ditadura, os militares fecharam os
olhos para os banqueiros de bicho e para os traficantes de drogas, porque desejavam que o
povo mantivesse a esperança de enriquecer de forma fácil e barata, ao mesmo tempo em que
os usuários de drogas optassem por essa prática ao invés de questionarem o regime.
Ao longo dos anos, os militares, por terem empregado a tortura, as prisões ilegais e
a censura desmedida, abriram caminhos e fecharam os olhos para a prática de contravenções e
a disseminação do crime organizado em vários setores. Alguns oficiais que haviam aderido às
práticas criminosas ilegais, nos subterrâneos da ditadura, associaram-se aos grandes
“bicheiros”, proprietários dos pontos ilegais estratégicos do jogo, devido à grande soma de
dinheiro que circula nesses meios e do poder e influência exercido sobre as comunidades a
eles ligadas, exercendo-se em muitos casos o domínio pelo terror; alguns tornaram-se também
membros de grupos de extermínio ou de extorsão e uniram-se aos traficantes de drogas. Foi
durante o regime militar que os bicheiros passaram a participar e a controlar as escolas de
samba e seu grande desfile, transformando-as em empresas lucrativas.
dccviii
Os militares que se envolveram com o Jogo do Bicho e com o tráfico de drogas,
protegidos pela “Lei de Segurança Nacional”, acobertaram seus pares na delinqüência e
puseram em vigor uma lei para que todos permanecessem impunes.
dccix
Toda esta aparente
conciliação foi imposta por militares envolvidos no crime e direcionada a apagar a memória
de quaisquer atos ilegais, sem nenhum debate blico de que resultasse em perdão e a em
reconciliação conscientes e plenamente aceitos pelos cidadãos brasileiros. Foi exatamente
esse o motivo de Dias Gomes ter escolhido um banqueiro do jogo do bicho como protagonista
de sua obra.
“O Rei de Ramos” soou como uma brincadeira farsesca, como um brado
desesperado de busca pela alegria e otimismo, num momento em que tudo era cinza,
indefinido, num momento em que a poeira da ditadura, a inflação, a insegurança e a dívida
34
externa altíssimas pairavam ainda sobre a cabeça de todos. Como bálsamo, a peça de Dias
Gomes penetrou pela pele e teve imediata comunicação com o público, e, mesmo sem
acrescentar uma exortação política ostensiva, sabe-se que essa era a maior preocupação do
dramaturgo, como registra o pesquisador Leon F. Lyday da Universidade Estadual da
Pennsylvania:
Em termos de perspectiva, tem demonstrado grande interesse de
experimentação com seriados dramáticos na televisão, e de realizar
experiências formais no próprio teatro, como ficou particularmente evidente
em “O Rei de Ramos”. As mudanças de ênfase do teatro para a televisão e
vice-versa têm sido determinadas principalmente pelas circunstâncias
políticas do Brasil – especialmente pela atitude de “linha-dura” dos governos
em relação à Censura, que se iniciou por volta de 1965, tornou-se
gradualmente mais rígida no final dos anos 60 e no início da década de 70, e
atualmente parece ter-se abrandado. Ao longo de todo esse período e através
dos dois “media”, Dias lutou contra a censura oficial às artes. E essa luta, por
sua vez, trouxe-lhe um crescimento e uma maturidade tanto pessoal como
dramatúrgica, juntamente com uma vitalidade que é ao mesmo tempo
interior e pública e que possivelmente alimentará sua criatividade nos anos
vindouros.
dccx
Sob esse aspecto, ao observar-se a questão das personagens Tucão ou Mirandão,
torna-se primordial focar a atividade de “banqueiro de bicho” ou como também é chamada de
“bicheiro”. A importância dos significados das palavras associadas à atividade das
personagens reside no fato de que ela torna-se um ponto válido para a construção das
personagens. Cada significado integra-se a um conjunto de relações que estarão presentes nas
situações humanas inseridas nas personagens e que são pontuadas por intermédio das das
didascálias.
A palavra banqueiro designa aquele que executa operações bancárias, pode ser o
diretor ou o proprietário da casa bancária, associa-se ao banqueiro a imagem do homem rico,
poderoso. Brecht abre um de seus poemas com o seguinte questionamento: “Que diferença
existe entre fundar e assaltar um banco?”
dccxi
, ao mesmo tempo que o dito popular conceitua:
“Um banqueiro é um homem que te empresta o chapéu de chuva quando faz sol e que lho tira
quando começa a chover”. Entende-se, portanto, que banqueiro é o indivíduo que sempre vai
ser privilegiado em quaisquer situações, sejam elas quais forem, porque ele é o capitalista,
porque a hegemonia do sistema lhe pertence.
Os banqueiros nunca perdem, sempre ganham, sejam nos bons ou nos maus
momentos, na alta ou na baixa da bolsa de valores, operam de forma honesta, limpa e de jeito
escuso, no sujo, mandam e desmandam, porque o poder a eles pertence. Quando se trata de
34
jogo de banca, o banqueiro é aquele que tira as cartas e efetua o pagamento aos parceiros;
também são banqueiros os donos das bancas de roleta e os donos das bancas para o jogo do
bicho. Porém, seja qual for o ramo de atuação, o banqueiro tem sempre o mesmo significado
de usurpação.
a palavra “bicheiro” remete a dois significados, o primeiro, aquele que foi usado
até o momento, o homem que banca o Jogo do Bicho, e o segundo, que se refere ao frasco
onde eram guardadas as sanguessugas para uso terapêutico. Esta significação provoca uma
leitura contrastante: o bicheiro é aquele que guarda os animais que sugam o sangue dos
enfêrmos, mas podem trazer a saúde e o bem estar em determinadas situações.
A prática médica do uso de sanguessugas tem sido utilizada desde a antigüidade,
para um grande número de patologias, com resultados benéficos em algumas, principalmente
levando-se em consideração a escassez de opções terapêuticas. O desenvolvimento da ciência
médica fez com que, no século XX, a técnica fosse praticamente abandonada. Porém,
pesquisas recentes demonstram que as sanguessugas são utilizadas com ótimos resultados em
situações específicas, em especial em amputações seguidas de microcirurgia reconstrutora. O
procedimento é indolor devido ao efeito anestésico da saliva do animal e seguro em relação a
infecções se os devidos cuidados forem tomados. A ligação expúria entre os grandes capitais e
os ditos bicheiros tornou-se um fato público, denunciado pela mídia, como bem ilustra o
comentário encontrado no blog “Família ALMG”:
A hipocrisia dos que agora falam em moralidade é fantástica. poucos
meses, durante o carnaval, a Globo comprou os direitos de transmissão dos
desfiles da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba), isto é, a
confederação dos bicheiros cariocas. Os mesmos que ela agora em editorial
chama de bandidos que devem ser levados para a cadeia. Para ganhar
dinheiro com a venda de patrocínio para o carnaval, a emissora não achava
isso. Negociou tudo com o capitão Guimarães e outros contraventores. Mais
um vez, para ganhar dinheiro, a ética pregada pela Globo não vale para si
própria.
dccxii
Os bicheiros, banqueiros do jogo do bicho, são vistos por uma sociedade totalmente
carente como um “mal necessário”, pois são esses contraventores que lhe oferecem um sopro
de vitória imediata sobre a miséria; seja pelo dinheiro que podem vir a ganhar no jogo, seja
através dos benefícios recebidos em troca da fidelidade dedicada. Além de que, no Brasil,
onde a CPI das Sanguessugas não caçou bicheiros, mas parlamentares votados pelo povo e
que têm atitudes constantes de criminalidade explícita, caberia dizer que a personagem criada
por Dias Gomes está inserida nesse perfil de brasilidade que se tornou corriqueiro e por
incrível que pareça, admirado.
34
5.3 O ALICERCE DA CONSTRUÇÃO
O texto “O Rei de Ramos”, escrito para o teatro, tem na simplicidade da trama a sua
maior riqueza, um vez que é construído habilmente com o humor, a ironia, a crítica e o desfile
fabuloso de tipos e situações imprevisíveis. A malha dramática é tecida exatamente para
conduzir ao inusitado, com uma atitude de total irreverência cômica e trágica, mas, ao mesmo
tempo, irônica e debochada.
Popular, brasileira, carioca, a peça “O Rei de Ramos” retoma a fórmula que já tinha
sido sucesso na televisão. Dias Gomes conseguiu a união balanceada dos seguintes elementos:
a temática popular, personagens facilmente identificáveis, humor simples e direto, sátira
política, toques do Teatro de Revista e da Burleta, da Comédia de Costumes, uma linguagem
viva e autêntica, ação, violência, ritmo, música, “ novos ricos” filhos da contravenção,
poder, opinião popular, trabalho, digno ou não, mas trabalho, deboche, mau gosto,
sofisticação, vingança, idolatria, que, enfim, geraram uma “diversão reflexiva”.
O Jogo do Bicho, o Poder determinante do dinheiro, o subúrbio de Ramos, a moral
do contraventor, a ética peculiar que o capitalismo impinge, a corrupção, o suborno, as
articulações políticas e comerciais das multinacionais e o carnaval das escolas de samba estão
intimamente interligados na estrutura dramática, abraçando-a de tal forma que se torna
impossível não lhes dar um merecido lugar de destaque. Todos esses elementos de “O Rei de
Ramos”, aliás, já estavam presentes também na telenovela “Bandeira Dois”.
A texto teatral apresenta um retrato do mundo da contravenção carioca. Dois
banqueiros do Jogo do Bicho, (Figuras 147, 148 e 149) príncipes em seus territórios.
Mirandão, o Rei de Ramos, e Brilhantina, o Rei de Copacabana. Vivem em “harmonia
social”, desde que um não invada o território do outro. Através da intertextualidade, Dias
Gomes vai buscar o amor proibido de Romeu e Julieta para permear a paixão de Tais, filha de
Mirandão e Marco, filho de Brilhantina, colorindo-o com a ironia, quase debochada, e
totalmente irreverente, como se observa nas didascálias, em que o próprio Dias Gomes, pela
máxima popular “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão” –, põe-se a si mesmo e
a Shakespeare no mesmo nível de contravenção:
Onde se rouba um pouco de Shakespeare, que por sua vez roubou de
muita gente (...) Os Brutos também amam. (...) Fuga e tocata ou Uma
pequena pausa para fazer amor.
dccxiii
34
Porém, a paixão dos jovens nem de longe é o foco principal da dramaturgia, mas
sim a luta pelo poder e a busca de soluções comuns, quando os inimigos têm de se unir contra
a força da legalização do jogo pelo governo federal, com a criação da Zooteca. Dias Gomes
explica esse posicionamento em entrevista ao Jornal do Brasil:
Tanto Mirandão quanto Brilhantina reúnem características de vários
bicheiros. O sonho de Mirandão é comprar um príncipe para casar a filha,
uma maneira de lavar, de limpar a família. (...) Como o simpáticos os
ditadores menores. O bicheiro é uma espécie de ditador, inclusive com as
contradições dos ditadores latino-americanos: muito paternalistas, apesar de
todos os crimes que cometam. O Rei de Ramos guarda uma unidade
ideológica com minhas outras peças. Pode ser extrapolada como uma crítica
bem humorada e despretenciosa à sociedade ferozmente competitiva. Pode-
se notar na luta dos dois bicheiros por um mesmo ponto, uma alegoria à luta
pela conquista da sociedade capitalista onde, como na guerra dos bicheiros,
vale tudo e ética e moral são adaptadas aos interesses particulares das
multinacionais.
dccxiv
Figura 147- Roleta do Jogo do Bicho
dccxv
Figura 148- Caixa com roleta portátil
dccxvi
“O Rei de Ramos” diferencia-se dos outros
textos da dramaturgia teatral de Dias, porque foi feito
estruturalmente como uma comédia musical, mesmo
assim, não é difícil encontrar em sua estrutura a mesma
visão de mundo, exposta em sua obra, visão essa, que
ele introduziu no universo das telenovelas. Trata-se de
uma grande metáfora crítica à sociedade capitalista, à
luta competitiva das multinacionais e aos homens
34
brasileiros donos de imensas contas bancárias ilicitamente conseguidas e adubadas pela
ditadura.
A peça teatral remete à luta pelo domínio de um mercado entre dois banqueiros de
bicho, em que a organização econômica é o fator determinante do comportamento humano, na
vida em sociedade.
Fig. 149- Boleto de apostas - 1940
dccxvii
“O Rei de Ramos” foi a primeira experiência de Dias Gomes no gênero Comédia
Musical, mas este fato não criou nenhum tipo de dificuldade ao dramaturgo, basta atentar-se à
percepção dirigida às personagens e tudo que as envolve, ao desenrolar da trama, à inclusão
das canções.
Dois aspectos são vitais na construção do drama: a criação do interesse e a criação
do suspense. Segundo Martin Esslin, as expectativas devem estar presentes e vivas durante
toda a dramaturgia, nunca devem ser satisfeitas antes do movimento final. Quanto à ação, esta
deve desenrolar-se de tal forma que se tenha a impressão de, a cada passagem, o objetivo estar
mais perto de ser alcançado, porém isto nunca ocorre de forma plena antes de chegar ao final.
A fórmula de se alcançar esse jogo é conseguida através de uma variação
constante de ritmos e andamentos.
dccxviii
Sabe-se que a capacidade humana para deter a atenção em alguma coisa é
relativamente curta, portanto, um único elemento de suspense não é suficiente para manter a
trama dramática, desta forma é necessário um elemento de suspense para cada cena ou
segmento de cena, esses suspenses se sobrepõem direcionados ao objetivo final, como relata
Matin Esslin:
O suspense da ação principal depende da existência de pelo menos duas
soluções para o problema principal da peça. (...) O suspense de cada cena,
analogamente, tem de depender da possibilidade de pelo menos duas
soluções para o objetivo que deve alcançar. Falas que só provocam respostas
previsíveis, gestos que apenas repetem o que foi transmitido por outros
meios, são coisas motas, que devem ser eliminadas.
dccxix
A cena de abertura de O Rei de Ramos” traz o anúncio da morte e o velório da
personagem principal, Mirandão. Esta informação deixa claro que a morte existiu. Portanto,
quando na cena dois surge Mirandão vivo, ao telefone, a informação de que os
acontecimentos que irão se seguir são “recordações” de um passado, quando a morte ainda
não havia acontecido, marca a linha do suspense principal: o que aconteceu para que
Mirandão fosse morto? Quem são os responsáveis? Como e onde ele morreu? Que ações
foram praticadas por ele para que fosse morto? O quadro número dois possui seu suspense
34
particular. Mirandão foi traído. Que acontecerá? Que ações serão detonadas em função da
traição? Todas as respostas para esse suspense do quadro dois serão respondidas no quadro
três e assim por diante, numa seqüência gica, que se mobiliza para expor os motivos da
morte de Mirandão, “que poderá ser denominado de exposição contínua, o que resultará no
fato de um ponto crucial em que tudo muda e o clímax e a solução da peça poderem tornar-se
definidos”
dccxx
. No último quadro, o cimo oitavo, durante a saída da escola de samba para o
desfile, Mirandão recebe um tiro à queima-roupa. As perguntas estavam finalmente
respondidas, mas não eram as respostas verdadeiras, porque o desenlace surgirá adiante,
pois a morte era uma farsa articulada para manter a protagonista livre. Do início ao fim da
obra, a linha da narrativa manteve o suspense central sem solução até o final. Em nenhum
momento, Dias Gomes pretendeu criar uma “Revista”, cujo reduto áureo, no período de 1930
a 1950, era a Praça Tiradentes, onde está localizado o Teatro João Caetano, espaço no qual o
dramaturgo fez questão de que a peça estreasse, como uma homenagem ao teatro popular
brasileiro. As “Revistas” (Figura 150 e 151) cariocas eram espetáculos pitorescos, cômicos e
críticos. Primavam pelo cuidado na produção, inteligência e grande competência profissional,
o que lhes garantia popularidade e total aceitação. Sendo assim, ao buscar a Praça Tiradentes
para a montagem do seu musical, o dramaturgo manifestou o desejo de chegar ao povo,
Figura 150- Apresentação de Revista no Teatro Recreio
dccxxi
através do que lhe é agradável, comum, histórico e rotineiro, porque ali e em seu entorno o
Teatro de Revista e os Musicais imperaram. Segundo a pesquisadora Neyde Veneziano, pode-
se resumir a importância e a essência do Teatro de Revista da seguinte forma:
34
Ao se falar em teatro de revista, que nos venham as idéias de vedetes, de
bananas, de tropicália, de irreverência e, principalmente, de humor e de
música, muita música. Mas que venha também a consciência de um teatro
que contribuiu para a nossa descolonização cultural, que fixou nossos tipos,
nossos costumes, nosso modo genuíno do “falar à brasileira”. Pode-se dizer,
sem muito exagero, que a revista foi o prisma em que se refletiram as nossas
formas de divertimento, a música, a dança, o carnaval, a folia, integrando-os
com os gostos e os costumes de toda uma sociedade bem como as várias
faces do anedotário nacional combinadas ao (antigo) sonho popular de que
Deus é brasileiro e de que o Brasil é o melhor país que há.
dccxxii
Figura 151- Companhia Tro-ló-ló, espetáculo “Meia noite”
dccxxiii
Veneziano é uma referência muito importante para a análise da estrutura de “O Rei
de Ramos” quando assinala, no Teatro de Revista, a presença de uma “personagem-tipo”,
sempre comprometida com o panorama histórico-social do momento. Porque os tipos
constituem uma convenção do Teatro de Revista e são radicalmente diferentes dos indivíduos,
pois, “enquanto estes têm um nome, um passado, conflitos, são imprevisíveis, aqueles (os
tipos) são quantidades fixas, construídos sobre atitudes externas”.
dccxxiv
Portanto, a tipificação
está na forma da Revista, na presença de elementos como o não aprofundamento dos temas, a
mistura dos gêneros e o desinteresse pelo enredo contínuo, não havia a necessidade de uma
narração com início, meio e fim, o que possibilitava ao enredo da peça ser formado de
compartimentos e seções.
A estrutura do teatro de Revista compõem-se de dois atos, por conseguinte, de duas
“apoteoses” e perseguem o equilíbrio entre os texto dialógico e os números musicais, em
34
muitos casos ainda com a presença do “compére”
dccxxv
que ao longo do tempo desapareceu.
No primeiro ato, tem-se o prólogo, que desencadeia o fio condutor da peça; os números de
cortina, responsáveis pelo divertimento do público; os quadros de comédia, cenas curtas com
início, meio e fim, que centravam geralmente na infidelidade como tema e os quadros de
fantasia, que cobriam de pompa e luxo os cenários, com belas mulheres, e ênfase na visão
exótica e erótica. Ao final de cada ato havia uma apoteose, cujos temas não se relacionavam
com o todo da Revista.
O segundo ato repetia a fórmula do primeiro, sem o prólogo, e com o ritmo mais
acelerado. Além de estar dividida em dois atos, a Revista possuía ainda dois elementos: o fio
condutor pelo qual a história era desenvolvida através da apresentação dos fatos que a
compunham e os quadros episódicos, que traziam para a Revista momentos de lirismo.
O Teatro de Revista estabelecia extensões com a realidade, trazia à cena focos da
sociedade e, principalmente o povo, no qual encontrava a matéria para suas composições
cênicas. É o teatro do instante, do momento presente, efêmero e composto pelos elementos da
atualidade temporal e espacial do lugar e do tempo em que se apresentava. Possuía uma
linguagem própria, carregada de gírias e trocadilhos, não estava presa ao rigor gramatical, o
que lhe tornou peculiar.
A dramaturgia criada para o Teatro de Revista era constantemente reformulada,
que sua temática residia na atualidade, na realidade presente e precisava acompanhar as
transformações do cotidiano. Além de que, uma das marcas do teatro de Revista era a
improvisação, solicitando ao ator a habilidade da improvisação, o do jogo dramático com os
colegas de cena, e a interação com a platéia.
Para atuar no Teatro de Revista, o ator precisava dançar, cantar, possuir o tempo da
comédia, ter agilidade no improviso. Os atores especializam-se em atividades fixas, que se
adequassem à personagem que desempenhariam, apresentando uma descrição detalhada de
suas ações.
Desta forma, “O Rei de Ramos” não é uma Revista, é uma peça onde “a música
desempenha um papel dramático,”
dccxxvi
como afirma o próprio dramaturgo, porque a música
contribui para esclarecer e ritmar o andamento da narrativa e , ao mesmo tempo, pode ser
analisada como didascália, pois encontra-se fora do texto dialógico, interferindo, assim, na
composição da estrutura do drama.
A peça “O Rei de Ramos” foi dividida em quadros (Quadro 10), como o Teatro de
Revista, mas não divisão em atos. Os quadros são dezoito, nomeados de forma sugestiva,
intrigante e debochada.
34
Quadro Indicação
1º Quadro: Da morte de Mirandão Coração-
de-Mãe e seu incrível funeral;
- Foco Social - Numa leitura denotativa, um
funeral não seria incrível.
2º Quadro: Morreu de mãos limpas, nunca
matou, sempre mandou matar.
- Foco Social - Como alguém que manda
matar pode ter mãos limpas.
3º Quadro: A Moral e a Lei ou Uma Questão
de Ética
- Foco Político - Há lei na contravenção?
4º Quadro: Filha do Rei e seus amigos. - Foco Social - A denominação do poder.
5º Quadro: Onde entra um pouco de Amor,
Por que não?
- Foco Social - A força da ironia.
6º Quadro: O Buraco da Marcelina. - Foco Social - Deboche de conotação erótica.
7º Quadro: Os Tratados são feitos pelos
Tratantes.
- Foco Político - A lógica da contravenção.
8º Quadro: Os generais baixam enfermaria,
mas a guerra continua.
- Foco Político - A crítica velada.
9º Quadro: Onde se rouba um pouco de
Shakespeare, que por sua vez roubou muita
gente.
- Foco Social - A ironia explícita.
10º Quadro: Os Brutos também amam. - Foco Social - Referência ao “Bang-bang”
11º Quadro: A Guerra Zoológica - Foco Político - Alusão à guerra do poder
12º Quadro: Os Cinco Grandes
- Foco Político - O mundo dividido entre os
bicheiros
13º Quadro: Fuga e Tocata ou Uma Pequena
pausa para fazer Amor.
- Foco Social - Um toque irônico
14º Quadro: A estranha Metamorfose ou
Satanás volta a ser Anjo.
- Foco Político e Social - Feito impossível
15º Quadro: A Marcha com Deus e a Família
pela Liberdade do Bicho
- Foco Político e Social - Crítica à sociedade
tradicional
16º Quadro: O Cartel Zoológico. - Foco Político - Leitura da economia
34
17º Quadro: A Divisão do Mundo.
- Foco Político - Visão irônica dos poderosos
sempre no poder
18º Quadro: Samba no Pé e Sangue na Quadra
ou O Grande Golpe Final.”
dccxxvii
- Foco Social e político - A leitura do mundo,
nunca o povo conhece a verdade dos
poderosos
Quadro 10- Análise dos quadros da peça O Rei de Ramos e os focos abordados
O espetáculo foi o maior sucesso da carreira de Dias Gomes, ficou em cartaz sete
meses e foi retirado por imposição da Fundação Estadual de Teatro, que achou que sete
meses em cartaz era tempo demais para um mesmo trabalho de uma mesma companhia. A
crítica, em sua totalidade, cobriu o espetáculo de análises precisas, pontuando os aspectos que
a tornaram referência no teatro brasileiro.
O Rei de Ramos” é de ponta a ponta um trabalho feito por profissionais. (...)
Trata-se de uma obra de um escritor que manipula à vontade os seus
instrumentos de trabalho: ele parece ter percebido lucidamente que uma
visão altamente esquemática da realidade costuma constituir um pré-
requisito eficiente desse conto de fadas moderno que é a comédia musical; e
passou então a definir essa visão assumindo a sua linearidade, mas tratando
de compensá-la até certo ponto com a pintura de um ambiente colorido e
autenticamente brasileiro e com a elaboração de um diálogo divertido e
eficiente. Na sua escrita dramatúrgica sentimos a cada momento uma clara
visualização dos recursos do veículo específico para o qual estava
escrevendo, e o bom resultado da encenação deve muito à compreensão que
o autor revela da forma cênica à qual a obra se destina. (...) As músicas
levam a marca registrada da fabulosa magia poética de Chico Buarque.
Sobretudo, não o texto das canções como a própria utilização da música
estão entrosados na ação, e não artificialmente enxertados no espetáculo,
como acontece tantas vezes. Yan Michalski no Jornal do Brasil.
dccxxviii
As dificuldades de produção mataram tanto o desejo do espetáculo excursionar pelo
Brasil quanto as novas montagens programadas; mas, mesmo assim, contou com mais de 150
mil espectadores.
O universo carioca focado por Dias Gomes pode ser naturalmente analisado através
dos seguintes elementos pontuados tanto no drama teatral quanto na telenovela: o jogo do
bicho, o poder determinante do dinheiro, o subúrbio de Ramos, a moral do contraventor, a
questão ética – a moral e a lei, o carnaval – o maior espetáculo da Terra.
34
Esquema analítico da dramaturgia:
Diálogos – réplicas dos atores, que é ouvido pelos
espectadores
MIRANDÃO – Tome as providências necessárias, de acordo
com a moral e a ética.
TEXTO DRAMÁTICO
“O REI DE RAMOS”
Didascálias – Destinam-se ao leitor, encenador, atores e
técnicos
Os homens de Pedroca evoluem pelo cenário e começam a
destruir a loja.
AÇÃO
Marcada pela atuação das personagens que dão conta à
platéia dos acontecimentos vividos
ESTRUTURA
EXTERNA
Divisão em Quadros –18 Q
UADROS
Exposição
ESTRUTURA
INTERNA
Conflito
apresentação das personagens
e dos antecedentes da ação.
Desenlace
conjunto de peripécias que
fazem a ação progredir
Os homens carregam o corpo
De Mirandão acima dos
ombros e saem com ele.
desfecho da ação
PEDROCA – (...) O
Brilhantina abriu um ponto na
nossa zona.
MARIVALDA –
Marco tá
namorando a filha do Mirandão?
PERSONAGENS
34
Quanto à sua
Concepção
Quanto ao elevo
ou Papel
naobra
Planas
personagens-tipo
Modeladas
ou Redondas
Protagonista
Personagem
Secundária
Figurantes
Brilhantina
Sem densidade psicológica,
não alteram o
comportamento ao longo da
ação. Representam um
grupo social, profissional
ou psicológico
Com densidade psicológica,
evoluem ao longo da ação,
Podem supreender o
espectador pelas atitudes
Mirandão
Jogadores
Pedroca
Manga Larga
Mirandão
Brilhantina
Tipos de
Caracterização
Direta
A partir dos elementos presentes nas
didascálias, da descrição de aspectos
físicos
e psicológicos, das palavras de
outras
personagens e das palavras da personagem
a propósito de si.
Indireta
A partir dos comportamentos,
atitudes e gestos que levam o
espectador a tirar as suas
próprias conclusões
Vive lavando as mãos, perfumando-se. (...)
(...) Estão deitados, despidos, mas
imóveis. (..) Fútil ao extremo, seu Q.I.
não é dos mais notáveis
MIRANDÃO: Casa de Umbanda. (...)
Esse Brilhantina é um herege. (...) Como
católico apostólico romano, não posso
permitir esse hersismo.
Tais: (...) Ele dá alguma coisa para ela cheirar, ela sorri, desligada de tudo. (...) (...) Ela
reage. (...) Ela vê e reage com estranheza (...) Olha Pedroca com arrogância (...) Olha
para ele com olhar de desafio. (...) Leve tom de ameaça.(...) Como uma acusação. (...)
ESPAÇO
o espaço cênico é caracterizado nas
didascálias onde surgem indicações
sobre o cenário, efeitos de luz e som.
Espaço representado
Constituído pelos cenários onde se
desenrola a ação, equivalem ao que se
pretende recriar em palco.
Espaço aludido
Corresponde às referências a outros
espaços que não o representado.
“Neste quadro o palco é dividido em três
espaços cênicos que correspondem aos
quartos de Mirandão, Brilhantina e ao
sagão do hospital.
dccxxix
34
BRILHANTINA: (...) Quando eu era menino, me lembro
Que minha mãe me levava no depósito de lixo, em busca
de restos de comida.
TEMPO
Tempo da representação
2 horas
Tempo da ação
1 ano
Tempo da produção da obra
2 anos
Discurso dramático
Diálogo
Intenção do autor
Crítica à sociedade e à política do seu tempo
(...) Comédia de costumes, sátira mordaz, crítica de uma realidade brasileira
que subordina às vantagens materiais todos os valores éticos e morais, o
poder público corrompido, levando a pensar. (...) Ênio Silveira
Quadro 11-
Esquema analítico da dramaturgia de “O Rei de Ramos”.
5.4 O BICHO QUE DEU
O poder maior da personagem Mirandão e de seu inimigo Brilhantina está centrado
no capital que ambos possuem. Como capitalistas, o segredo estaria no fato de conseguirem
transformar um dado montante de dinheiro num montante ainda maior. Isso não quer dizer
que eles comprem as “mercadorias” por um preço mais baixo e as vendam por um preço mais
alto, mesmo porque as personagens não vendem absolutamente nada, que não seja a esperança
de ganhar dinheiro fácil.
O modelo da economia clássica afirma que o capitalista, com o seu dinheiro,
compra diferentes mercadorias, que podem ser classificadas em duas categorias: bens de
34
produção
dccxxx
e força de trabalho;
dccxxxi
o lucro vem do trabalho não pago e efetuado pelos
trabalhadores. Isto é, ao vender as mercadorias, uma parte do dinheiro arrecadado serve para
reposição do que foi gasto na compra de mercadoria, e a outra parte, para pagar aos
empregados. Porém, não uma equivalência entre trabalho produzido e pagamento, isto é, a
quantia paga não corresponde ao custo da força de trabalho. O Capitalista arrecada para si o
valor que deveria ser recebido pelos trabalhadores. Mas esse modelo não se aplica às
personagens da peça ora em análise.
Os “banqueiros de bicho” são considerados como excelentes empregadores, pagam
corretamente a seus empregados, desde que esses tenham pelos patrões fidelidade canina”,
não por força da lei, mas pelas relações de compradrio. As pesquisas afirmam que os
benefícios oferecidos pelas grandes empresas como seguro saúde, aposentadoria privada,
ticket refeição, vale-transporte, auxílio educação e seguro contra acidentes e mortes, também
fazem parte da composição da qualidade de vida oferecida pelos bicheiros, além de auxílio na
aquisição de bens móveis e imóveis. Porém, o capital é conseguido por meio da ilegalidade,
mesmo que, em muitos casos, os “empresários do bicho” mascarem as suas atividades através
de empreendimentos de fachada.
dccxxxii
A primeira canção de “O Rei de Ramos” traça o perfil
do contraventor através dos olhos da sua comunidade, reforçando a relação de conchavo e
favores:
(...) Viva o Rei de Ramos / Que nós veneramos /Que nós não
cansamos de cantar / Viva o rei dos pobres / Que gastava os
cobres / Nas causas mais nobres do lugar / Viva o rei dos prontos
/ Que bancava os pontos / Que pagava os contos do milhar / Viva
o Rei de Ramos (...) / Os seus desafetos e rivais / Misericordioso,
não matava / Mandava matar / E financiava os funerais / As
pobres viúvas consolava / Chegava a chorar (...) / Viva o rei dos
crentes / E dos penitentes / E dos delinqüentes do lugar / Viva o
rei da morte / Da lei do mais forte / Do jogo, da sorte / E do azar
/ Viva o Rei de Ramos (...)
dccxxxiii
O Jogo do Bicho, como foi esclarecido
anteriormente, é uma contravenção (art. 58 do Decreto Lei no
3.688 de 03.10.1941)
dccxxxiv
inserida na estrutura social carioca
do final do século XIX (art. 58 do Decreto Lei no 3.688 de
03.10.1941)
dccxxxv
. Essa loteria clandestina é muito popular
no
Brasil. As apostas são feitas em 25 bichos, numerados por
34
Fig. 152-
Boleto de apostas do Bicho
dccxxxvi
ordem mais ou menos alfabética de nomes, os quais correspondem a grupos de quatro dezenas
que, com mais um algarismo, compõe o milhar, a aposta máxima (Figura 152).
O primeiro passo do jogador é escolher o bicho, que segundo a crendice popular
deve ser intuído através de um sonho, com a possível relação com o animal. Por exemplo, se
no sonho apareceu um grande amigo, a aposta deve ser no cachorro, porém a interpretação vai
variar de pessoa para pessoa; os apontadores, geralmente carregam um livrinho de
interpretação dos sonhos, para consulta dos indecisos.
Uma figura popular da cidade do Recife, que prefere se cobrir no anonimato,
declarou a um jornal que a interpretação dos sonhos para jogar de maneira correta no bicho
precisa de cautela e experiência.
O jogador às vezes sonha com um ônibus. Aí, ele joga no elefante porque o
elefante é grande, mas o peru. Tem que saber analisar se o ônibus é
bonito, se é colorido, porque pode dar o pavão, ou a borboleta que é uma
coisa linda. Agora, se sonhar que está viajando, joga no camelo que ele
significa viagem. (...) A mesma coisa é sonhar com jogo, pode ser futebol ou
mega-sena, qualquer jogo, no bicho não vai dar o resultado do jogo que a
pessoa viu no sonho. Não tem erro, se sonhar com jogo, de azar ou não, dá é
tigre. Se você sonhar com crianças, o negócio é jogar no coelho. Sonhar com
traição dá o quê? Todo mundo lembra logo de cobra. Sonhar com uma
pessoa nua, homem ou mulher, dá o mesmo resultado. Sonho que tem polícia
macaco. Quando eu sonho com alguém que eu conheço, eu vou e
pergunto o dia do aniversário dela, depois é dividir por quatro, que é a
quantidade de números que cada bicho tem. É dinheiro no bolso. Sonhar
com homossexual, os animais mais indicados para se jogar são o veado e a
borboleta. O veado porque é tradição falar que veado é 24 e tal. E agora a
borboleta é porque ela solta os ovos no pezinho de couve para se transformar
em mandruvá. O homossexual passa batom e veste roupas femininas para se
transformar em mulher, agora se for homossexual mulher tem que jogar no
touro ou na cobra, porque você joga ou no que ela virou ou no que ela
gostaria de ter.
dccxxxvii
O processo da intuição à produção da aposta do jogo dá-se da seguinte forma: a
partir do palpite, que o ideal é que seja oriundo de um sonho, procura-se a banca do bicho.
Uma vez escolhido o bicho, considere-se no sorteio, além das dezenas, os números sorteados
contêm outros dois números do milhar. Em resumo tem-se as seguintes possibilidades:
Milhar na cabeça – escolhe-se os quatro números e aposta-se apenas nele
para o primeiro prêmio; Milhar do primeiro ao quinto – escolhe-se os
quatros números e aposta que ele vai estar entre os cinco números sorteados;
Grupo escolhe-se o bicho e aposta-se no grupo; Dezena do primeiro ao
quinto – escolhe-se a dezena e aposta-se que a dezena vai estar entre os
cinco premiados; Centena na cabeça – escolhe-se uma centena e aposta-se
que a centena vai dar em primeiro lugar; Grupo de dezena – escolhe-se três
dezenas diferentes e aposta-se que ela vai estar entre os cinco premiados.
34
Os sorteios do jogo do bicho acontecem no Rio de Janeiro e são divulgados para o
resto do país, duas vezes por dia. Uma no início da tarde, por volta das 14h30, e outro no fim
do dia, após as 18h.
Quanto aos prêmios, ao contrário das loterias oficiais que estipulam o prêmio com
base no que foi arrecadado, os prêmios do jogo do bicho são tabelados. Os maiores prêmios
são de 3 mil vezes o valor apostado. Assim, se o indivíduo apostar R$ 1,00 no milhar na
cabeça e der o número, ele ganha R$ 3.000,00. O menor prêmio é 5 vezes o valor da aposta.
Assim, se o indivíduo apostar R$ 1,00 no grupo do coelho e der coelho, ele ganha R$ 5,00. O
dinheiro é entregue no mesmo dia, ou, no máximo no dia seguinte, no mesmo local onde foi
feita a aposta. O Jogo do Bicho é popular, organizado, pena ser ilegal e ligado a outros tipos
de contravenção como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e violência urbana de diversos
tipos.
Desde a determinação da ilegalidade do jogo do bicho em 1941, houve várias
tentativas de voltar a tornar legal o jogo. Algumas vantagens poderiam surgir da legalização
do jogo. As loterias oficiais, por exemplo, têm parte do valor arrecadado destinado a projetos
sociais. Além disso, a legalização tiraria milhares de pessoas que trabalham como banqueiros
do jogo do bicho da informalidade e os sorteios poderiam ser mais transparentes. Outra clara
vantagem seria tirar desses trabalhadores o estigma da violência do jogo a eles atribuído.
A popularidade do jogo do bicho e o fato dele já fazer parte da cultura popular
servem de inspiração às mais variadas manifestações artísticas, em segmentos díspares da
sociedade. O grande nome da literatura, Machado de Assis, em 1904, escreveu uma crônica
intitulada “O Jogo do Bicho”:
– Quem é que disse que o leão deu? Perguntou Camilo baixinho.
– O moço que me vendeu na cobra.
– Então foi a cobra que deu.
Não, senhor; ele é que se enganou e veio trazer a notícia pensando que eu
tinha comprado no leão, mas foi na cobra.
– Você está certo?
– Certíssimo.
Camilo quis deitar a correr, mas o papel borrado de tinta acenou-lhe que não.
Foi ao chefe, contou-lhe o desastre e pediu para fazer a cópia no dia
seguinte; viria mais cedo, ou levaria o original para casa...
– Que está dizendo? A cópia há de ficar pronta hoje.
– Mas são quase três horas.
– Prorrogo o expediente.
dccxxxviii
34
No ano de 1976 a escola de samba Beija-Flor desenvolveu com o carnavalesco
Joãozinho Trinta e o diretor de harmonia Laíla o enredo “Sonhar com Rei Leão” (Figura
153), sobre o jogo do bicho. Foi um tema original para a época, a escola arrebatou seu
primeiro título como campeã do carnaval carioca e o artista criador do desfile, Joãozinho
Trinta, foi acusado de fazer apologia ao crime. O samba enredo, uma composição de
Neguinho do Vale, dizia assim:
Sonhar com anjo é borboleta / Sem contemplação / Sonhar com Rei Leão
/ Mas nesta festa de real valor, não erre não / Mas nesta festa de real valor,
não erre não / O palpite certo é Beija-flor / Cantando e lembrando em cores /
Meu Rio querido, dos jogos de flores / Quando o Barão de Drummond criou
/ Um jardim repleto de animais / Então lançou... / Um sorteio popular / E
para ganhar / Vinte mil réis com dez tostões / O povo começou a imaginar...
/ Buscando... no belo reino dos sonhos / Inspiração para um dia acertar /
Sonhar com filharada... é o coelhinho / Com gente teimosa, na cabeça
burrinho / E com rapaz todo enfeitado / O resultado pessoal... É pavão ou é
veado / (...)
dccxxxix
Figura 153-
Desfile da Escola de Samba Beija Flor, em 1976
dccxl
Mas em 1898, em sua “Revista dos Acontecimentos”, o teatrólogo Arthur
Azevedo apresentou um Lundu do Malandrismo”, canção em ritmo africano que fazia
referência às paixões despertadas pelo jogo:
Menino, o jogo dos bichos
É o jogo de mais caprichos!
Nem da roleta os esguichos
Produzem tal comoção!
Jogar é mesmo um regalo
Na borboleta ou no galo,
No cavalo ou no leão!
34
Quem bem nada não se afoga,
Quem cai não passa do chão,
E quem nos bichos não joga
Não tem consideração.
dccxli
Foi no Rio de Janeiro também que, em 1903, foi lançado um álbum de figurinhas
(Figura 154), com as gravuras do jogo do bicho. As estampas eram desenhadas pelo cartunista
Angelo Agostini e faziam muito sucesso entre as crianças e os adultos, deixando clara a
aceitação da prática do jogo pela população carioca.
Figura 154-
Estampas de Ângelo Agostini sobre o Jogo do Bicho
dccxlii
Torna-se interessante lembrar, no entanto, que
em suas origens. O panorama do jogo era outro. O Jogo
do Bicho foi elaborado em 1892, pelo Barão João
Baptista Viana Drummond (Figura 155), que era amigo
pessoal do Imperador Dom Pedro II, porque , naquele
ano, o nobre vivia o seu mais grave problema financeiro,
uma vez que, com a proclamação da República, em 1989,
o Barão de Drummond deixara de receber os 10 contos
de réis da subvenção que recebia durante a Monarquia.
Figura 155-Barão de Drummond
dccxliii
34
Em 1872, o Barão criou um bairro, aos moldes de Paris, nas terras da Fazenda dos
Macacos que havia adquirido. A localidade foi planejada pelo arquiteto e engenheiro
Francisco Bitencourt da Silva e recebeu, depois de pronta, o nome de Vila Isabel. No ano
seguinte, 1873, o Barão criou a Companhia Ferro Carril Vila Isabel (Figura 156), ligando o
centro da cidade do Rio de Janeiro ao bairro. Era exatamente esse local que abrigava o Jardim
Zoológico do Rio de Janeiro (Figura 157).
Figura 156- Boulevard 28 de setembro, RJ
dccxliv
Figura 157- Jardim Zoológico,
RJ
dccxlv
O Barão, mesmo após a queda do regime monárquico, permaneceu ainda muito
rico, dono do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro (Figura 15) , no bairro de Vila Isabel, mas
não possuía investimentos em outras áreas. Foi quando o mexicano, Manuel Ismael Zevala,
que havia trazido para o Rio, sem sucesso, o jogo das flores, deu-lhe a idéia de que seria mais
lucrativo investir no jogo do bicho, o que foi prontamente acatado pelo nobre.
Assim, a partir do dia 3 de julho de 1892, os visitantes que cruzavam o portão de
entrada do Jardim Zoológico passaram a receber um papel com a indicação de um animal,
dentre os 25 que havia, para participar do sorteio que poderia proporcionar uma quantia
vinte vezes superior à que fora paga pelo ingresso. Levava o prêmio quem tivesse no bilhete o
nome e o desenho do animal, que, no final do dia, era revelado em um quadro no alto de um
mastro, na entrada do Jardim.
O projeto foi um sucesso, os problemas do Barão pareciam resolvidos e o amigo
das boas idéias, Zevala, recebeu o cargo de gerente do Zoológico. O jogo do Bicho, ou
simplesmente “O Bicho”, hoje tão popular, surgiu, portanto, como um divertimento da alta
sociedade do Rio de Janeiro.
Para incrementar ainda mais os lucros, a direção do Jardim Zoológico resolveu pôr
à venda os bilhetes fora dos muros do estabelecimento. Na Rua do Ouvidor, a mais
34
movimentada do centro da cidade e bem distante dos portões de entrada do Zôo, tinha uma
banca de venda dos tais bilhetes. Assim, o jogo passou a ser vendido fora do Jardim
Zoológico. Ora, se para comprar o bilhete que dava direito ao prêmio prometido não era
preciso ir ao parque, várias pessoas passaram a comprar os tais “tickets” e ficar à espera da
abertura da caixa no Zôo. Após a transmissão da notícia por meio do “boca a boca”, os
ganhadores poderiam ir buscar seu prêmio fixo de vinte mil réis. No próprio bilhete havia
uma inscrição que facilitava a prática de reembolso: “VÁLIDO POR 4 DIAS”. Assim, o
apostador além de não precisar entrar no parque, não necessitava também estar lá no momento
da revelação do bicho.
Mas após a posterior proibição do sorteio dos animais no Jardim Zoológico, os
bichos do “jogo do barão” teriam que encontrar novos lugares para sobreviver. O jogo do
bicho, que estava fora dos muros do parque, prosperou com o crescimento da cidade. Nesta
época, uma imensa quantidade de bilhetes era vendida pela cidade, em lojas de bookmakers,
bares, armazéns de secos e molhados, quiosques e por vendedores ambulantes. Havia bilhetes
legais de loteria como os de algumas irmandades ligadas à Igreja Católica e os de alguns
estados da federação – e bilhetes ilegais, como os do jogo do bicho.
Um contexto maior abrigava o momento da invenção carioca. O jogo do bicho
nasceu numa fase de desenfreada especulação financeira e de jogatina da bolsa de valores,
logo nos primeiros anos da República. Também em crise, o comércio em crise para estimular
as vendas instituíra o sorteio de brindes. O Barão de Drummond, seguindo a correnteza,
estipulou o prêmio em dinheiro, sorteando a cada dia uma placa com a figura de um dentre os
25 animais. Fora do controle do barão, os primeiros banqueiros associaram os animais a séries
numéricas e o jogo passou a ser praticado como um fim em si mesmo. Isso foi o estopim para
empolgar multidões e transformar o bicho na “instituição” que vigora ainda hoje.
O jogo hoje faz parte da cultura brasileira, e praticamente todas as cidades do país
cultivam esse costume popular, que se estende a todas as camadas sociais. A atividade
emprega milhões de brasileiros, que vivem dele para sustentar a família. A grande virtude dos
empresários que administram o Jogo do Bicho no Brasil é a sua honestidade para com os
clientes, pagou, recebeu. Valendo o que está escrito, ou seja, o bilhete atestando os números
sorteados.
O fato de o Jogo do Bicho continuar sua tradição e seus empresários exercerem
ostensivamente suas atividades prova que a consciência da ilicitude não constitui um
obstáculo para a atuação de seus “administradores” (banqueiros do bicho), mas, ao contrário,
como são homens sagazes, de espírito empreendedor, vêem a atividade como um negócio
34
qualquer, sujeito a todos os tipos de riscos e, como toda atividade de riscos, pode dar certo ou
errado, sendo a contravenção apenas um mero detalhe, isto num país onde reina a impunidade,
pois, em outros países essa atividade seria combatida.
Um relato interessante, na atualidade e desde 2004, temos o caso do compositor e
cantor sertanejo Ewerton Assunção, que veicula suas composições através da rede de
computadores, seu maior sucesso intitulado “Rei do Bicho”, no qual de uma maneira irônica e
sem compromisso brinca com o hábito de jogar no bicho e com o sonho de tornar-se
milionário.
Tava quebrado outra vez e sem dinheiro / Eu procurei um pai de santo um
macumbeiro / Ele me disse que é pra eu jogar no bicho / Que eu vou ficar
bem rico com o dinheiro do bicheiro / (...) Joguei no grupo 17 do macaco /
Voltei pra casa mais ferrado e mais perdido / A mulher quebrou o pau eu fui
dormir desiludido // Quando acordei com os gritos do cunhado / Eu pensei
vai dar veado então corri la pra banquinha / Joguei milhar 0093 eu ganhei
uma bolada / Então eu nunca mais parei // A bicharada tudo em casa /
Minha sogra é uma cobra a cunhada é uma vaca / E o touro é meu irmão / A
minha tia é uma aguia / Minhas primas umas cabras os meus primos são uns
burros / O cavalo é o vizinho e o jacaré é o sogrão // Rico eu fiquei comprei
a banca do patrão / Tô mais bonito do que o gato e o pavão / Não sou camelo
não preciso trabalhar / Porque o jogo do bicho é quem vai me sustentar /
(...) Agora sou milhionário agora sou o rei do bicho //
dccxlvi
5.5 VALE O QUE ESTÁ ESCRITO: O CUMPRIMENTO ÉTICO COM OS CLIENTES
Até 1954, existia uma luta de morte entre os Banqueiros de Bicho” pelos pontos,
locais de apostas. Nesse ano, houve uma reunião com todos os chefões do “bicho”, na qual foi
feito um acordo, dividindo o Rio de Janeiro em zonas, para pôr fim aos confrontos fatais. A
partir dali, cada um comandaria o seu ponto e respeitaria o espaço e os negócios do outro.
Essa realidade foi recriada na dramaturgia teatral de Dias Gomes.
“O Rei de Ramos” apresenta uma contradição que se esboça através de uma visão
debochada daquilo que poderia ser considerado ilógico, se não fosse real e verdadeiramente
brasileiro. A Ética da Contravenção. A temática desenvolvida por Dias Gomes, centralizada
nas atitudes de dois “banqueiros de bicho” inimigos, investe uma questão que não caberia no
universo contraventor, a Ética; mais especificamente a Ética Profissional.
A ética profissional é conceituada como a aplicação da ética geral no campo das
atividades profissionais, os “banqueiros de bicho” apresentam determinados princípios ou
valores próprios do ser humano e os vivenciam nas suas atividades profissionais. A ética
profissional aplica uma deontologia, estudo dos deveres específicos que orientam a ação do
homem em seu campo profissional, como também a diciologia, estudo dos direitos que a
34
pessoa tem ao exercer suas atividades. Esta Ética é intrínseca à natureza humana e social e se
explicita pelo fato do indivíduo fazer parte de um grupo de pessoas que desenvolvem
determinadas ações profissionais idênticas.
Etimologicamente, “moral” vem do latim “mor, moris”, significa a maneira de se
comportar regulada pelo uso, o que forma o conjunto de regras de conduta admitidas em
determinada época ou por um grupo de homens. Ela baseia-se no valor moral dos atos dos
homens. Portanto, os atos morais possuem três aspectos: o normativo (normas ou regras de
ação), os imperativos (que anunciam o “dever ser”) e o factual (atos humanos enquanto se
realizam efetivamente). Os atos morais das personagens do “O Rei de Ramos” complicam-se
num emaranhado de razões que remetem à história que os formou. Questiona-se, portanto,
quem são e de onde se originam os bicheiros, assim como qual o papel da polícia na relação
com esses contraventores. Dias Gomes abraça, de forma satírica, a fragilidade desses
conceitos morais e éticos diante da realidade em que vive a sociedade brasileira, carioca,
suburbana, da zona norte ou da zona sul, mas que possuem características suburbanas. Essa
sociedade está inserida num momento histórico pós-ditadura, sendo portanto o reflexo dos
valores postulados pela Constituição Lei máxima da Nação. A moralidade é configurada na
obra de tal forma a parecer paradoxal. Mata-se um homem e cuida-se de sua viúva, o médico
cumpre o digno papel de salvar vidas e emite atestado de óbito falso, enquanto que os valores
da Família honestidade, dignidade, pureza, castidade marcham em passeata a favor do
Jogo do Bicho, como pode-se observar no trecho:
(...) PEDROCA: Não é só. Se segure. Tem uma bomba. O Brilhantina abriu
um ponto na nossa zona.
MIRANDÃO: Não pode. Tem um trato. Você sabe disso. Nenhum
banqueiro pode invadir a zona do outro. (...) A zona do Brilhantina é Leme e
Copacabana. Isso foi acertado 20 anos entre os cinco grandes. Eu,
Anacleto, Deixa-que-eu-chuto, Salvador e esse cachorro do Brilhantina.
Assinamos um tratado. Isso faz parte da História do Brasil. Eu fiquei com
Ramos e todos os subúrbios da Leopoldina. Aqui, ninguém entra. Aqui eu
sou rei. (...) Tome as providências necessárias, de acordo com a moral e a
ética. (...)
(...) MIRANDÃO: (Ao telefone) Cachorro? Por que será que todo mundo
hoje deu de jogar no cachorro? Será por causa do Brilhantina? Pode aceitar
que eu banco. Claro, rapaz, se ele engoliu a lista, qualquer pule que aparecer
a gente paga. Tem de confiar na palavra do apostador. Questão de honra.
(Desliga)
(...) TODOS: (Cantam)
Abaixo a zooteca / Abaixo a zooteca / O povo democrata / Não quer
burocracia / Levanta a pata / Da nossa bicharia / O bicho organizado / É
pura bandalheira / Bicheiro, togado / Merece usar coleira / O bicho
estatizado / É coisa de cartola / Ministro de estado / Direto pra gaiola / O
34
bicho de estado / Jamais será jogado / O bicho polido / Jamais será
curtido / O bicho legal / Jamais será legal. (...)
dccxlvii
Constata-se, portanto, que o dramaturgo direcionou o texto, associando o conceito
de moral às atitudes do contraventor, projetando, de forma metafórica, uma “maquiagem” da
moral brasileira. Assim, a consciência crítica atinge um ajuste entre a sátira e a necessidade de
concretizar de uma forma estética, facilmente compreendida pelo blico, a realidade
brasileira contemporânea. A estrutura utilizada pelo dramaturgo permite mostrar o escândalo,
através da irreverência da paródia, da caricatura e da careta, abrindo espaço para a
representação de caráter ficcional e problemático, próprio do teatro, em contraposição à
realidade.
A moral dos bicheiros centra-se na Virtude, que etnologicamente vem da palavra
“Vir”, que designa o homem, o varão. “Virtus” é “poder”, “potência”. Portanto, a virilidade
ligada à idéia de força, de poder –, torna esse homem um Virtuoso, capaz de estar acima do
bem e do mal.
Os bicheiros possuem uma Moral Particular, a sua verdadeira moral se condensa
numa vida virtuosa, isso é, viril, cheia de poder, que nada poderá abalar. Uma vez que,
enquanto sátira e mergulhada numa dramaturgia cômica, essa “moral” surge numa pluralidade
de significados e características, que se explicita no seu objetivo maior, a abordagem da
autoridade.
Não se pode descaracterizar três aspectos no comportamento dos bicheiros: a
esperteza, o suborno e a ambição. Basta que algo errado em seus negócios, ou demande
tempo maior para a solução, para que pensem logo como agilizar os meios para abreviar o
tempo e alcançar o desfecho. O bicheiro alcança o desejo de não se prender às normas, mas
sim de superá-las, subjugá-las. A lei é suspensa temporariamente, cria-se a exceção para
resolver o problema de imediato e depois tudo volta ao normal, podendo-se entender como:
“No fundo, Mirandão é um ferrenho moralista”.
dccxlviii
Os bicheiros não se consideram anarquistas, homens “fora-da-lei”, porque eles não
negam a existência da lei, o que eles negam é a sua aplicação em determinadas situações, em
determinados momentos. Mirandão foi traído por Boca-de-Alpercata e fez justiça, como
mostra a fragmento: “Pedroca liquida Boca-de-Alpercata com um tiro; ele cai, de costas, na
cadeira, de boca aberta,”
dccxlix
justificando-se com todos os rigores da razão.
Os banqueiros acreditam que se eles podem pagar menos imposto de renda a um
governo que não retribui adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por
que não iriam fazê-lo? Até porque essa é a justificativa que os empresários apresentam para
34
sonegar impostos. Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podem dar um
“agrado” ao guarda de trânsito para cancelá-la e fazer com que ele possa complementar o seu
baixo salário? Por que não fornecer uma loteria clandestina para o povo, com lucros fáceis e
sem a intervenção do governo, se existem homens do governo que desviam os impostos para
as suas próprias contas bancárias, como se administrassem suas próprias bancas?
Na prática, os banqueiros de bicho colocam-se entre o certo e o errado, eles têm
consciência de que o que estão fazendo não é moralmente correto, mas se justificam a si
mesmos porque também sabem que estão tendo vantagens e proporcionam vantagens para os
outros, “Claro, rapaz, se ele engoliu a lista, qualquer pule
dccl
que aparecer a gente paga. Tem
de confiar na palavra do apostador. Questão de honra”.
dccli
Assim, qualquer transgressão é
justificada. Esta visão é histórica no povo brasileiro, porque a idéia de conseguir sucesso com
o menor esforço possível está associada à esperteza, uma qualidade sempre valorizada e
incentivada, presente em frases como: “odeio político ladrão, mas se estivesse no poder,
também roubaria”.
O sociólogo Roberto Sabato Moreira, professor da Universidade de Brasília, atesta
que a origem do pensamento que rege a conduta dos bicheiros está na estrutura escravista que
permanece quatro séculos na história brasileira e que torna demorado o aparecimento de
uma sociedade de classes onde antes só havia o proprietário de terras e o escravo. No Império,
o homem livre, não era nem senhor nem escravo, era o agregado, que vivia dos favores do
senhor. Após a Abolição e com a República esse legado da escravidão transformou-se em
desprezo ao trabalho. Quando o Brasil passou de rural e agrário para urbano e de nascente
industrialização, surgiu a necessidade de unir-se a mão de obra ao valor do trabalho. À
resistência ao labor que reinava numa população que não via nele finalidade moral ou prática,
precisava ser quebrada.
dcclii
O Rio de Janeiro, na época capital e maior cidade do país, passou
por transformações urbanas que a tornaram uma cidade “civilizada”, onde o acesso aos bens
de qualquer origem estava restrito aos poderosos; portanto, entre o capital e o trabalho surgiu
o espaço para aqueles que captaram a pouca vantagem do trabalho e exaltaram as formas que
possibilitassem o ganho fácil, a liberdade e o prazer.
Os homens que inicialmente não tinham poder, nunca eram dotados da capacidade
de se safarem das situações difíceis, eram valorizados numa estrutura social onde
predominavam o favor, o apadrinhamento e a relação pessoal sobre todas as leis e normas.
Ao contrário do que se poderia pensar que com a consolidação da ordem social
competitiva, o espaço para homens com esse comportamento deixariam de existir –, estes
tipos de relação permaneceram e cada vez mais houve amigos e comparsas do poder. Como
34
pode-se observar no trecho em que o bicheiro Mirandão reclama com o Delegado Paixão o
fato de ter que responder por seus crimes: “Que rabo-de-palha? Sou um comerciante honesto.
(...) Minha escrita toda em dia. Ou será que querem me pegar de bode respiratório? (...) E
eu não posso fazer nada. É ordem de cima.”
dccliii
O povo não acredita que a contravenção seja algo sério e passível de punição,
porque para ele aqueles chamados de contraventores são os que viabilizam a possibilidade do
indivíduo comum, com sorte, ganhar um bom dinheiro e receber o pagamento, sem nenhum
problema, através de uma organização impecável, que, para o povo, deveria servir de modelo
de honestidade, organização e seriedade para os políticos: “O nosso negócio, meu irmão, faz
a felicidade de uma porção de gente diariamente. (...) Vamos continuar com o bicho, vamos
continuar pagando quatro mil contos por cruzeiro apostado no milhar e seiscentos pela
centena”.
dccliv
Outro dado interessante é que o povo não contravenção, quando policiais,
políticos, sacerdotes vão até as bancas de bicho e fazem suas apostas, como atesta uma
declaração de um cidadão durante um protesto dos trabalhadores do jogo do bicho em Recife:
Não adianta, o jogo do bicho está no sangue do povo, até os que deveriam trabalhar na
extinção do jogo deixam isso prá lá”.
dcclv
O pesquisador Felipe Magalhães afirma que o jogo do bicho tem duas origens: a
primeira, dentro do Jardim Zoológico e a segunda, nas ruas do Rio de Janeiro. Ambas tiveram
o poder público como patrono; tanto uma como a outra foram legítimas e legitimadas (Figura
158). O processo de criminalização do jogo do bicho jamais conseguiu detê-lo. Muitas são as
causas para isto: alguns apontam a corrupção policial, outros, a popularidade jogo barato,
acessível às camadas mais pobres e há até os que acreditam na sua permanência como uma
forma de resistência das classes populares aos poderosos. Como afirma um visitante do blog
jogo do bicho, num depoimento postado em 23 de março de 2007:
O primeiro exemplo para provar o que estou falando é o jogo do bicho. Um
contratinho “assinado num pedaço de papel vagabundo que nunca é
descumprido: vale o escrito. Até a Constituição é mais do que sabotada todos
os dias, mas o papel do jogo do bicho não. Ganhou, ganhou. E pode parecer
incrível, mas nunca ouvi falar em falsificação no jogo do bicho. Até mandato
judicial estão falsificando. Papel do bicho, nunca.
dcclvi
A réplica da personagem Vidigal – o médico que atende aos banqueiros Mirandão e
Brilhantina na peça “O Rei de Ramos” –, marca bem a expressão “vale o que está escrito”,
porque na verdade as atitudes e posturas sociais desses contraventores não podem ser
entendidas sem que se leve em consideração a lógica particular do universo desses homens:
34
“Pelos direitos do homem, parece que não, mas pelos direitos do bicho, parece que
pode.”
dcclvii
Vidigal refere-se aqui a passeata que as famílias farão a favor do jogo do bicho,
que, mesmo associados à ilegalidade, por serem cumpridores de seus deveres, os bicheiros
têm respaldo do povo em suas necessidades, isto é, tudo que for bom para o “bicho”será
permitido e realizado.
O jornalista João Batista Lago narra um acontecimento histórico que comprova o
poder dos bicheiros, sua força política e a forma como se perpetuam na cena. João conta que
quando o governador Carlos Lacerda foi eleito como
o primeiro governante do recém criado Estado da
Guanabara, em 1960, realizou uma viagem de volta
ao mundo antes de sua posse. Interessa lembrar,
nesse momento, que Carlos Lacerda foi o mesmo
homem que perseguiu Dias Gomes desde a ditadura
Vargas até a ditadura militar. Pois bem, fez parte da
comitiva do governador o bicheiro Raul Barulho, que
recebeu as mesmas homenagens, recepções e
encontros com autoridades que o governador, o que
prova a presença dos bicheiros na política carioca
como sendo uma realidade antiga.
Figura 158-Cartum do Jogo do Bicho
dcclviii
Raul Barulho tinha seu “quartel-general”, uma “fortaleza” do jogo do bicho, na
Avenida Calógeras, no centro financeiro do Rio de Janeiro. Raul era um homem desaforado,
debochado, que se vangloriava de ter relacionamentos em todos os poderes do governo, ao ser
questionado sobre o motivo de sua presença na comitiva de Lacerda, ele respondeu: “Sou
um homem rico, tenho prestígio político e não dou satisfação de minha vida a quem quer que
seja. Tenho entrada franca no Palácio Guanabara, onde sou considerado “persona mui
grata”.
dcclix
5.6 MECENAS DO MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA
A relação entre o Jogo do Bicho e o desfile das escolas de samba, no carnaval
carioca, é tão normal e rotineira, que se perde de vista o fato da alegria popular ser financiada
por uma prática delituosa (Figura 159). Desde os primeiros desfiles, quando as escolas de
samba recolhiam contribuições para poder “colocar a escola na avenida”, através do “livro de
34
ouro” que circulava pelos bairros e subúrbios onde tinham suas sedes, os bicheiros eram os
grandes colaboradores, superando as doações dos pequenos comerciantes e empresários
locais.
Em 30 de abril de 1946, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra, através do
Decreto-Lei no. 9.215, proibiu os jogos de azar em todo o território nacional, com pena
estabelecida ao infrator de prisão simples de três meses a um ano. Mesmo assim, o jogo do
bicho se expandiu enormemente, acompanhando o crescimento periférico da cidade rumo aos
morros, onde nasciam as escolas de samba.
Os banqueiros de bicho, caracterizados pela “honra à palavra dada – vale o que está
escrito”, pois o controle das apostas sempre esteve associado ao respeito incondicional ao
apostador e à sua confiança, enriqueceram rapidamente e a confiança de imediato se
transformou em “patronagem”: ajuda pessoal e benfeitorias públicas em troca da lealdade da
população.
A saída de cena do poder público, com a proibição do jogo, deixou vagos os
espaços administrativos para serem preenchidos pelo Jogo do Bicho, que a essa altura, no
final dos anos quarenta, já estava em larga expansão. Instalados de maneira precisa nos
territórios de ação, neles encontraram as agremiações locais: os clubes de futebol e as escolas
de samba. Dessa forma, os núcleos de relação banqueiros-agremiações cada vez mais se
estreitaram, de tal modo que toda grande escola, até os dias atuais, esteve e está vinculada ao
mecenato do jogo do bicho: “MIRANDÃO: (...) E cuidado com as alegorias... Paguei tudo do
meu bolso. Amor, muito amor nessa briga!”
dcclx
34
Figura 159- Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense
, 2005
dcclxi
A visão do carnaval como inversão do cotidiano, como integração do sacro com o
profano, o mundo de cabeça para baixo, é objeto de estudo de muitos pesquisadores. Bakhtin
mesmo, ao estudar a carnavalização na Idade Média, identificou textos debochados sobre as
Sagradas Escrituras. Mas o centro da análise está em “O Rei de Ramos”, no significado que
esta manifestação popular, o carnaval, tem no Rio de Janeiro, e sobre como o dramaturgo usa
o carnaval para chegar ao desfecho “dramático-fanfarrão” da peça, sem abdicar de sua postura
crítica. Assim, torna-se capital uma pequena leitura do Carnaval no Brasil, para que se possa
absorver essa relação tão mágica entre o povo e a folia. Os dias de brincadeira e fantasia
chegaram de Portugal com o entrudo, (do latim intróito, entrada). O entrudo desembarcou no
Rio de Janeiro em 1641 e permaneceu até 1904 quando foi proibido, devido ao seu caráter de
festa causadora de desordem urbana. Era uma diversão literalmente popular, que jogar
água, farinha, lama ou cinzas através do “limão-de-cheiro”
dcclxii
era uma brincadeira acessível
a todas as classes sociais, mesmo proibida pela polícia, até classes altas entraram na folia,
enquanto existiu. Durante o Carnaval, desde seus primórdios, as paredes entre as
estratificações das classes sociais desapareciam e, com o correr dos anos, as opções da folia
foram crescendo. Tinha-se o Zé-Pereira, o folião que percorria solitário ou em grupo as ruas
da cidade batendo forte em tambores; os cordões carnavalescos, onde desfilavam em cortejo
pessoas fantasiadas que brincavam com ritmo e dança; os bailes de máscaras no elegante
Hotel Itália, onde é hoje a Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, mas esses bailes se restringiam
à aristocracia. A brincadeira contagiante do Carnaval misturava fantasias de pierrô, arlequim,
colombina, príncipes, polichinelos, dominós, diabinhos, caveiras, morcegos, (Figuras 160 e
161) podia-se ser tudo o que a máscara permitisse exibir.
Figura 160-Carnaval do Rio Antigo-1915
dcclxiii
Figura 161-Pierrot, Arlequim e Colombina
dcclxiv
34
No início do século XX, o carnaval de rua, no Rio que era a capital do Brasil, ganha
força e formas originais. Tinha-se o corso (Figura 162), uma concepção de confraternização
social, em que um grupo se exibia e o outro apreciava; as grandes sociedades (Figura 163),
formadas por figuras da burguesia, que promoviam um desfile de carros alegóricos
sofisticados fazendo uma crítica política e social; os ranchos (Figura 164), formados por
operários e funcionários públicos que buscavam transmitir informações e os foliões solitários
de todas as idades (Figura 165).
Figura 162-Corso na Av. Rio Branco, RJ
dcclxv
Figura 163-Desfile no Rio de Janeiro
dcclxvi
Figura 164-Ranchos na Av. Rio Branco, RJ
dcclxvii
Figura 165-Carnaval de rua, Av. Rio Branco,
RJ
dcclxviii
Os instrumentos e ritmos africanos possibilitaram o surgimento da marcha-rancho,
da marchinha e do samba que passaram a substituir as valsas, polcas, xotes, óperas e marchas
militares como música de Carnaval.
Na festa de Momo o compartilhamento do espírito lúdico, do gosto pela dança e
pela música, do culto da alegria e do esquecimento da realidade da vida por todos os que
participam da festa. A influência africana é uma vitória cultural e étnica dos marginalizados,
pois são eles que representam todas as camadas sociais com sua imagem.
34
O Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do século XX, acolheu grande
número de migrantes negros da Bahia, que formavam um grupo cultural baiano, num bairro
do Rio chamado Praça Onze de Junho, ou simplesmente Praça Onze, Cidade Nova, ou
Pequena África. A Pequena África era uma região que abrangia a Praça Onze, Estácio, Saúde,
Santo Cristo, Gamboa e Pedra do Sal, hoje, Morro da Conceição. Desta forma, eles formaram
uma comunidade que pemitia abrigar os mais variados traços culturais e as mais variadas
manifestações populares.
Dessa forma, a Praça Onze foi o local mais importante para o desenvolvimento do
samba. moravam a Tia Ciata e outras tias, guardiãs da cultura popular que elas mesmas
transportaram de Salvador, na Bahia, para o Rio de Janeiro, como transmissoras dessa mesma
cultura para seus descendentes e para os que delas se aproximaram na nova terra. As tias
foram as sacerdotisas de cultos e ritos herdados de ancestrais e legados ao futuro, as festeiras
eméritas, as mestras na arte da dança, as versadoras, as improvisadoras, as cantadeiras, as
passistas e mesmo as como cozinheiras absolutas, mantendo por dias os fogões acesos e os
quitutes quentinhos para os que vinham “brincar o samba” em seus casarões, mergulhados
em festanças que chegavam a durar uma semana.
A liderança de Tia Ciata (Figura 166) era reforçada por sua boa condição
econômica e pelo fato de, através do marido, gozar de proteção policial para a realização das
festas religiosas dos cultos aos Orixás, que contavam com “batucadas, sambas corridos,
partido alto e pagodes”. Tia Ciata reinava absoluta no casarão da Rua Visconde de Itaúna
(Figura 167), onde, segundo Pixinguinha, “tocava-se choro na sala e samba no quintal”. Tal
divisão, sala-quintal, era explicada pelo fato de ser o choro tolerado pela polícia, enquanto que
o samba era considerado coisa de marginais, sendo, portanto, perseguido. Como a posição
social dos donos da casa estava acima do habitual, que gozavam certo prestígio perante as
autoridades, criada a forma, todos a copiaram, usando-se o disfarce do choro na sala da frente
e sambando-se à vontade no quintal, sem que a polícia batesse à porta.
A casa de Tia Ciata foi um ponto de encontro muito importante para o cultivo da
cultura africana e para o nascimento do samba, o qual não teve um começo muito fácil. O
Samba era proibido de ser tocado, não era música civilizada, era feita por negros, incomodava
demais por ser executada com alta vibração. Muitos negros do samba foram intimidados pela
polícia, presos e freqüentemente torturados.
34
Figura 166-Tia Ciata
dcclxix
Fig. 167- Casa de Tia Ciata, onde nasceu o samba carioca
dcclxx
A casa de Tia Ciata era então um nicho onde se reafirmavam valores e símbolos da
comunidade negra baiana e carioca, um verdadeiro laboratório para novas experiências
estéticas, onde as novidades da cultura urbana eram divulgadas, além de serem também
canais de mobilização social, que pessoas de certa influência transitavam igualmente pelo
local.
Se por um lado o samba, como dança e festa coletiva, explodia nos quintais, tomava
as ruas e se exibia nos desfiles de cordões, por outro lado, o samba como música e
composição autoral deu os seus primeiros passos em casa de tia Ciata. O elemento comum
eram os estribilhos, cantados e dançados tanto num lugar como no outro.
Assim nasceu o samba carioca, após longa gestação, da África à Bahia, de onde
veio para ser batucado nos terreiros da “Pequena África” até ganhar nova forma rítmica a fim
de adaptar-se ao compasso do desfile de um bloco carnavalesco.
A reurbanização do Centro do Rio de Janeiro empurrou os mais pobres a subir os
morros carregando o Samba, levados por problemas socioeconômicos da época. Esse Samba
que subiu o morro deu origem, entre outras coisas, às escolas de samba, e à forma dançada do
“Samba no Pé”. Foi nessa vertente que a percussão, oriunda do batuque africano, se fez mais
presente.
Os blocos carnavalescos, de forma menos estruturada, abrigavam grupos cujas
bases se situavam nas áreas de moradia das camadas mais pobres da população: os morros e
subúrbios cariocas. Mas o ritmo era monótono para a euforia, portanto com o intuito de
34
facilitar a movimentação dos desfiles, o ritmo foi acelerado, a cadência marcada e novos
instrumentos anexados, objetivando igualar a música à alegria dos foliões.
O Estácio, tradicional bairro de bambas, boêmios e tipos perigosos e onde o índice
de vadiagem era grande, devido ao excesso de mão de obra e à escassez da oferta de trabalho,
situava-se geograficamente perto do morro de São Carlos, do Mangue, zona de meretrício, e
também da Praça Onze, local dos desfiles, o que facilitava a troca cultural entre essas
localidades.
Esses bambas, como eram conhecidos na época os líderes dessa massa de
desocupados ou de trabalhadores precários, eram, pois, os mais visados no caso de qualquer
ação policial. Assim, não é de estranhar que tenha partido de um grupo desses representantes
típicos das camadas mais baixas da época Ismael Silva, Rubens e Alcebíades Barcellos,
Sílvio Fernandes, o Brancura, e Edgar Marcelino dos Santos a idéia de criar uma
agremiação carnavalesca capaz de gozar da mesma proteção policial conferida aos ranchos e
às chamadas Grandes Sociedades, no desfile pela Avenida, na terça-feira gorda.
Assim, a escola de samba “Deixa Falar”, nascida no Estácio entrou na avenida no
ano de 1929, como um “bloco de corda”, totalmente legitimada e protegida pela polícia, ao
som de um ritmo saltitante e uma nova batida, capaz de provocar a euforia de qualquer folião:
a batucada.
Surgida no Largo do Estácio, a novidade repercutiu rapidamente para vários morros
e subúrbios. Desta forma, as escolas foram se espalhando e a cada ano nasciam outras
agremiações carnavalescas, nascidas em terreiros de candomblé e que faziam suas evoluções
na Praça Onze, cantando sambas com temáticas que abordavam acontecimentos locais ou
nacionais, tanto no domingo quanto na terça-feira gorda. Estava definitivamente consolidado
o Samba Carioca. A “Deixa Falar” (Figura 168) é considerada a Primeira Escola de Samba.
Criada no dia 12 de agosto de 1928, no 27 da Rua Maia de Lacerda e localizava-se na
subida do morro de São Carlos. Como nas imediações funcionava uma Escola Normal, o
legendário Instituto de Educação, que formava professores para a rede escolar, Ismael Silva
resolveu batizar seu grupo de “Escola de Samba”, que formaria “professores” de samba. O
termo “escola de sambafoi adotado por grandes grupos de sambistas, numa tentativa de
ganhar aceitação para o samba e para a suas manifestações artísticas; o morro era o terreno
onde o samba nascia e a “escola” dava aos músicos um senso de legitimidade e organização
que permitia romper com as barreiras sociais.
34
Fig. 168-Ismael Silva, no ensaio da 1
a.
Escola de Samba, “Deixa Falar”
dcclxxi
5.7 RAMOS, TERRA DE CAPITÃO PARA BICHEIRO: NASCIMENTO E
DESCENDÊNCIA DO TERRITÓRIO DO REI
Existe um objetivo claro de Dias Gomes ao ter assinalado nas didascálias o
subúrbio de Ramos como a sede do reinado primeiramente de Tucão, em Bandeira 2 e, em
seguida, de Mirandão, em O Rei de Ramos. Esse fato dramatúrgico demanda uma análise
reflexiva.
A cidade do Rio de Janeiro encontra-se situada à entrada da Baía de Guanabara, em
sua margem ocidental e é atravessada por duas cadeias de montanhas paralelas à costa. O
espaço físico no qual Dias Gomes situa seu texto é o subúrbio de Ramos. O Rio de Janeiro
possui divisões específicas, e cada uma dessas áreas possui características peculiares,
resultantes de evoluções históricas, de condições físicas locais e da posição em relação ao
conjunto urbano. Poder-se-ia chamar de divisões geográficas didáticas específicas: Zona Sul,
Zona Norte, Zona Oeste e Centro (Figura 169). Didáticas, porque, atualmente, essas divisões
estruturadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e estatística) não correspondem à
realidade social da cidade, justamente pela disseminação de gigantescas favelas por todas as
partes.
34
Figura 169-Mapa do Rio de Janeiro divido por zonas
dcclxxii
A Zona Sul caracteriza-se por abrigar importantes pontos turísticos da cidade (o
Pão-de-Açúcar, o Morro do Corcovado e o Cristo Redentor, as praias de Copacabana,
Ipanema, Leblon, Arpoador, o Alto da Boa Vista, a Lagoa Rodrigo de Freitas, etc.), bem
como as construções mais luxuosas da cidade, onde cada metro quadrado possui alto valor
imobiliário, abrigando na área os moradores de maior poder aquisitivo.
A preferência da Zona Sul pelas camadas mais abastadas da população deu-se
primeiramente devido à proximidade das praias e a dificuldade inicial de acesso pelas classes
menos favorecidas ao local.
a Zona Oeste é composta pelos cinturões de abastecimento da cidade,
comportando também os novos bairros dos emergentes sociais (Barra da Tijuca, Recreio dos
Bandeirantes e Grumari).
O Centro constitui o coração econômico do Rio. Ali reside a ebulição financeira e
comercial que movimenta os negócios da cidade, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, como
também, por ser a parte histórica, comporta um grande número de museus, universidades,
palácios, teatros e a boêmia tradicional da Lapa.
A Zona Norte divide-se entre bairros e subúrbios e abriga todos os tipos de pessoas.
Uma diferença estranha é o fato de classificar-se bairro como algo mais elevado, digno de
realce, enquanto que o subúrbio possui um sentido pejorativo. Qual a diferença? Os subúrbios
cariocas localizam-se próximos às linhas dos trens, cujos moradores utilizam esse meio de
transporte, criando uma idéia preconceituosa de que quem anda de trem é pobre,
marginalizando esse recorte da população.
34
Existe ainda uma divisão entre os subúrbios. Aqueles servidos pela Estrada de
Ferro Central do Brasil são considerados lugares de boa moradia, com comércio local de
qualidade e atendimentos diversos ao cidadão. os subúrbios servidos pela Estrada de Ferro
Leopoldina são relegados a segundo plano, já que estão localizados próximos às indústrias
poluentes e às vias rodoviárias de saída e entrada da cidade, com grande volume de veículos
de todos os portes, dentre as quais se destaca a Avenida Brasil.
Como foi assinalado
anteriormente, as terras que hoje formam o
bairro de Ramos, pertenciam à família do
Coronel Fonseca Ramos, que cedeu uma
faixa para a estrada de ferro, sob a condição
de que uma estação fosse construída para
beneficiar sua propriedade. (Figura 170).
Figura 170-Fazenda do Cel. Ramos
dcclxxiii
Mais tarde essa área foi vendida ao português Teixeira Ribeiro, casado com a filha
do médico João Torquato, herdeiro da antiga fazenda e que possuía terras logo ao lado. Ele e
seu filho, João Teixeira Ribeiro Júnior, lotearam as terras e abriram ruas de chão batido, sem
calçamento, sem iluminação nem esgoto, mas que foram os marcos iniciais da urbanização do
local. O bairro, naturalmente, adotou o nome de sua primeira parada de trem: Ramos.
Surgiram assim as primeiras ruas de Ramos e, nelas, os primeiros casarões, onde moravam
famílias abastadas, ao lado de pequenas chácaras. Surge também a primeira escola, Paraguai,
hoje chamada Padre Manoel da Nóbrega.
Outro personagem importante na história da urbanização de Ramos foi João José
Batista, conhecido como o “Andorinha”, caixeiro-viajante da Fábrica de Tecidos Andorinhas.
Sua atividade comercial permitiu-lhe acumular fortuna, aplicada na compra de terrenos no
bairro que nascia, na época uma área bastante rural. Batista construiu a primeira mansão de
Ramos. Na sua casa costumavam reunir-se os moradores em saraus e reuniões espíritas,
sempre com grande público. Em todas as casas que construiu, João José Batista deixou uma
marca: fachadas sempre adornadas com duas andorinhas.
Por volta de 1910, alguns terrenos virgens, parte de antigos sítios de um padre
chamado Semeão, chegaram às mãos do coronel Joaquim Vieira Ferreira, membro de ilustre
família de médicos, advogados e militares. Este participou ativamente da vida local e fundou
o periódico “O Cosmopolita”, o primeiro jornal da região, que circulou em 1912 e 1917.
34
Nas terras que adquiriu, o coronel Ferreira criou a Vila Gérson, um lote de 200 mil
m
2
, no qual oito ruas foram abertas (Figura 171). Ali, com sua esposa, Ruth Ferreira, em
1911, criou a Escola Gérson, que, além do curso primário, oferecia cursos para formação de
tipógrafos, marceneiros e carpinteiros, atendendo às crianças pobres da área da antiga
fazenda.
Figura 171-Mapa do Rio, com a localização da antiga Vila Gérson
dcclxxiv
Ramos faz parte de uma área montanhosa e foi o primeiro bairro do subúrbio a
receber a luz elétrica, em sete de setembro de 1912. A instalação deu-se na estação de trem,
na Rua Uranos e na Rua Cardoso de Moraes, ao todo 60 lâmpadas de 60 velas. Mesmo assim,
até a década de 1940 o bairro mantinha características rurais.
O “Almanaque Suburbano”, de 1941, assim apresentava as qualidades do local:
(...) em 1931 a Vila Gérson era um dos melhores bairros residenciais do Rio
por excelência, dispondo de magnífica praia de banhos (...) Presentemente a
Vila Gérson tem 160 prédios, inclusive sobrados (...) toda a construção
sólida, moderna, elegante, conforme as exigências da lei municipal.
Comércio próprio, constituído por confeitaria, padaria, vários armazéns,
papelaria, armarinhos de fazendas, bar. (...)
dcclxxv
A praia de banhos a que se refere a reportagem era a Praia de Ramos, conhecida
também pelos antigos nomes de Praia do Apicu, que em tupi-guarani significa brejo de água
salgada, e Mariangu, nome indígena da ave abundante na orla marítima. O coronel tinha
Aeroporto
do Galeão
Piscinão de Ramos
Antiga Vila Gérson
34
projetos para urbanizar também os terrenos junto à orla, criando uma avenida paralela à praia,
o que traria a Ramos o apelido de “Copacabana do Subúrbio”.
Com apoio do prefeito Henrique Dodsworth, a praia chegou a ter balneário com
cabines e aluguel de trajes de banho e até mesmo um projeto para a construção de um cassino.
O coronel, sempre elegante, caminhava ali todos os dias, no seu passeio matinal. Mas seus
planos não seguiram adiante. Poucos anos depois, o governo rejeitou o projeto, alegando que
a área pertencia à Marinha do Brasil, porque as terras estariam na faixa de preamar definida
em 1831. A área tornou-se pública e nada foi realizado. Abandonada, transformou-se em local
de banhos pouco salubres. Pouco a pouco, uma ocupação desordenada surgiu ao redor da
praia, dando lugar aos primeiros barracos. A Praia de Ramos, única da região da Leopoldina,
com seus cajueiros, caçadas aos caranguejos e banhos de lamas medicinais, hoje sobrevive
apenas na memória de quem um dia conheceu a “Copacabana dos Subúrbios”.
E Ramos está, um subúrbio de “segunda classe”, já próximo à Avenida Brasil.
Ramos possui uma praia Praia de Ramos, no fundo da poluída Baía de Guanabara, colada à
Refinaria de Manguinhos, local de lixo, de “desova” de cadáveres e abrigo e fonte de alimento
de urubus –, lazer de fim-de-semana para os suburbanos da Leopoldina. É justamente nessa
estrutura geográfica, que o protagonista do drama, Mirandão, é REI.
5.8 O BICHEIRO REI NO CINEMA
Dias Gomes afirmava que sempre resistiu muito, quando recebia convites para
escrever roteiros para cinema. Segundo o autor, havia um rosário de motivos para esse
comportamento, como deixou registrado:
(...) São várias as razões, entre as quais o ciúme doentio que sempre tive de
meus trabalhos entregá-los nas mãos de um diretor para serem
manipulados, violentados e, muitas vezes, totalmente desfigurados. (...)
Incomoda-me, sobretudo a usurpação da autoria, como se tornou praxe,
assinando o diretor o filme, como criador, em total desprezo pela matéria-
prima, o argumento, sem o qual o filme não existiria. (...) Tal como
aconteceu com “O Rei de Ramos”, rebatizado de “O Rei do Rio”, com
direção de Fábio Barreto. Tantas foram as alterações feitas, que não consegui
reconhecer minha peça em nenhuma das cenas, em nenhuma das falas, nem
mesmo no título. Nada restara. Solicitei que meu nome não aparecesse como
autor do argumento e que, por uma questão de honestidade, nos créditos
constasse apenas vagamente inspirado em Dias Gomes”. O irônico
“vagamente” foi suprimido.
dcclxxvi
34
Através da análise da versão cinematográfica, pode-se confirmar que as
preocupações de Dias tinham fundamento, pois o filme perdeu a estrutura dramática, que
estava presente tanto na telenovela “Bandeira Dois” quanto na peça teatral “O Rei de
Ramos”.
O filme “O Rei do Rio”, de 1985, é uma produção da família Barreto, cuja direção
caiu no colo do caçula, na época com 28 anos, depois que o irmão Bruno, já famoso, resolveu
ir para os Estados Unidos.
Segundo os depoimentos do diretor Fábio Barreto, encontrado nos “extras” da
versão em DVD, a obra é inspirada em “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, 1972,
e “Era uma vez na América”, de Sergio Leone, 1984, numa mistura tupiniquim dos
argumentos daqueles filmes.
O roteiro foi composto, principalmente, pelo diretor chileno Jorge Duran, auxiliado
por José Jofilly Filho e depois por Fábio Barreto. A obra a seis mãos caminhou em direção a
objetivos bem divergentes daqueles que Dias Gomes se havia proposto, como afirma o
próprio Duran:
(...) No “O Rei do Rio”, me foi passado o texto da peça de teatro “O Rei de
Ramos”, peça que por sinal, nunca gostei muito; daí, pedi para ler o texto da
telenovela “Bandeira2”, novela dos anos 70, escrita pelo dramaturgo Dias
Gomes e adorei! (...) Acho mesmo que o filme me parece confuso e
inconsistente da metade para o fim. (...) “O Rei do Rio” começou sem
diretor! O Bruno Barreto ia dirigir o filme, mas mudou-se para os Estados
Unidos, daí, até o Fábio Barreto resolver assumir a direção, eu fiquei
trabalhando no Roteiro. Quando ele decidiu dirigir, eu já estava com outros
compromissos profissionais, aí, então eu convidei o Joffily para que
continuasse o trabalho.
dcclxxvii
Observando-se um roteiro cinematográfico como uma linha, com suas divisões em
cenas, com progressão marcada e pontos destacados e rupturas, todos esses aspectos têm por
objetivo levar a história de um ponto a outro.
A progressão contínua funciona com uma “escada”, que deseja que a tensão
dramática seja pensada para caminhar num crescendo do início ao fim, até o clímax, levando-
se em conta que os acontecimentos mais importantes e, sobretudo, as emoções mais fortes
sejam previstas para o fim da película, como o ponto mais alto de uma montanha. Para o
diretor Francis Veber um roteiro é uma série de situações críticas, cada uma mais grave que a
anterior conduzindo ao clímax.
dcclxxviii
A progressão contínua no cinema estabelece uma condição; para Eugene Vale o
teatro não está tão interessado como o cinema em manter uma progressão contínua, porque o
tempo no teatro é contínuo, independente de surgirem rupturas, cortes constantes, retorno
34
ao tempo passado, o tempo que chega ao público é o tempo da narrativa, o tempo da
encenação. No cinema, o movimento “anda para a frente” serve para associar os pequenos
blocos de cena real daqueles blocos que estão formando o filme.
dcclxxix
A lei da progressão
contínua deve aplicar-se a qualquer elemento da história, cada elemento deve engrandecer-se
até o final. Cada emoção deve ser gradualmente acentuada, cada decisão deve carregar
maiores conseqüências.
A abertura do enredo de “O Rei do Rio” mostra a amizade entre dois apontadores
do bicho.
dcclxxx
De um lado, Tucão, representado pelo ator Nuno Leal Maia e do outro, Nico
Sabonete, defendido por Nelson Xavier, (Figura 172) ambos os quais trabalham para o
banqueiro do jogo do bicho Mestre Cacareco, interpretado por Milton Gonçalves e inspirado,
segundo o diretor, no bicheiro Mestre Natal, da Portela. Os jovens amigos, depois de
ganharem uma pequena fortuna no jogo, tentam comprar um ponto de banca de poderio de
Cacareco, que se nega a vendê-lo.
A partir da postura de Cacareco, Tucão resolve tornar-se o novo Rei do Rio,
desbancando o Chefão, através do apoio representativo do Delegado Paixão, atuado pelo ator
Tonico Pereira, e do Deputado Farias, papel de Flávio São Thiago. O que não estava nos
planos do bicheiro é que Nico Sabonete também fosse almejar o cargo, o que faz com que os
amigos tornem-se rivais na luta pelo poder.
Em cada filme, o clímax é o ponto culminante em emoção, dramaticidade e
intensidade de sua progressão dramática. Se o roteiro for criado no sentido de uma progressão
contínua, seu clímax deve situar-se próximo ao final, porque depois do clímax não deve haver
mais do que cenas de dispersão e de finalização.
O clímax é o resultado de uma série de crises, das quais é a mais importante. Como
o ápice do roteiro, ele traz uma saída para a história, conduzindo a personagem principal para
o final de um episódio particular de sua vida, que pode ser o último, mas também pode não
chegar a uma resolução total do problema, dependo do objetivo do roteirista
A leitura da inimizade entre os bicheiros, no roteiro cinematográfico, que surgiu
após terem sido amigos e depois por disputarem o “trono do poderoso chefão” é que se
tornaram rivais, torna-se uma barreira intransponível para que haja um entrelaçamento entre a
dramaturgia para a televisão e para o teatro, pois o caminho trilhado por essa leitura seguiu as
intenções e indicações cênicas do filme “O Poderoso Chefão”, baseado no livro “O Padrinho”,
que tem como eixo criador a máfia americana.
Mesmo não sendo submetido às regras teatrais, o cinema tem conservado a divisão
em cenas, que Eugene Vale define como “a subdivisão mais ampla de qualquer filme, uma
34
secção da história capaz de produzir um acontecimento completo.”
dcclxxxi
Toda cena deve ser
identificada por seu lugar e momento, o quando e o onde, e incluir três partes: princípio, meio
e fim; elementos que, para se conseguir mais ritmo, não podem ser percebidos pela platéia.
Quanto ao tempo, ele se distingue em: o tempo que transcorre durante a cena, considerado
tempo real e os prazos de tempo que não são definidos situados entre as cenas. Quando se
tem uma série de cenas agrupadas, surge a seqüência, que é uma unidade maior, onde as cenas
que a compõem possuem uma idéia comum.
Figura 172-Nuno Leal Maia e Nélson Xavier
dcclxxxii
Flávio Barreto afirma que seu filme serve também como documentário histórico da
política corrupta brasileira e da violência oriunda do tráfico de drogas no Rio de Janeiro,
quando apresenta a resistência dos bicheiros em investir no negócio das drogas, mesmo que
recebam o incentivo da polícia e do governo, representado pela personagem Deputado Farias,
que, no filme, declara as idéias do diretor: “Na ideologia do bicheiro, a droga não cabe,
porque faz o viciado viciar-se e deprimir-se, faz a pessoa perder cada vez mais a esperança,
enquanto o jogo do bicho é baseado na esperança, porque o jogo do bicho é baseado na
honestidade”
dcclxxxiii
. O dramaturgo Mário Bortolloto ao discorrer sobre as adaptações de
textos para cinema, posicionou-se da seguinte maneira:
Quando são muitos os problemas da versão, a adaptação é ruim. O clima da
peça foi completamente alterado, transformaram a história num melodrama.
Como não concordei com a segunda versão do roteiro, tirei meu nome do
crédito do filme. Quando se resolve fazer uma adaptação, procura-se ser o
mais fiel possível à obra original. Para transpor uma obra para outra
linguagem, o é preciso mexer na história concebida pelo autor, apenas
fazer ajustes técnicos, às vezes enxugar o texto, mas não desfigurá-la a
ponto de o autor não se reconhecer no que vê.
dcclxxxiv
34
Segundo Kiko Jaess quando uma peça é adaptada, quem o faz cria em cima do
texto original, mantendo apenas o que se quer e deixando de lado o que não interessa:
Criamos as cenas, os locais, sem nenhum compromisso com o original.
Então, é muito importante que o diretor seja também o adaptador. Eu dirigi
duas adaptações que não foram minhas, devido ao problemas que estavam
acontecendo, porque eu não concordada, pedi ao primeiro adaptador para
mexer no texto. Portanto, adaptei eu mesmo, novamente, de acordo com o
que eu queria. A adaptação é muito pessoal. Por outro lado, eu acabei de
fazer, (...) uma adapatção do Antônio Calmom, muito boa, mas é claro que
eu meto o dedo, então, eu acabei adaptando à minha maneira. Eu dirigia a
adaptação. Então que ele colocou planos e recursos muito bons, mas às
vezes eram impossíveis de realizar. (...) O diretor é muito importante, é ele
quem tem que adaptar o texto, para a partir daí consegue fazer alguma
coisa.
dcclxxxv
O “Rei do Rio” começa com o golpe militar de 1964 e a trama desenvolve-se ao
longo dos vinte anos de ditadura envolvidos na violência e silêncio vividos pela história do
Brasil, pontuados até pelo realismo fantástico, num caldeirão com porções de candomblé,
carnaval, amor, traição e signos orientais numa mistura muito próxima das obras
cinematográficas estrangeiras, do que da criação original “O Rei de Ramos”, de Dias Gomes.
O crítico Aramis Milarch, em texto publicado no Jornal Estado do Paraná, em 1986,
escreve sobre o filme “O Rei do Rei”, destacando pontos que constatam a postura de Dias
Gomes em relação à utilização de seu texto sem o cuidado de se observar a composição do
drama.
(...) De um argumento original de Dias Gomes, que anteriormente havia sido
aproveitado tanto no teatro (o musical “O Rei de Ramos”) como na televisão (a
telenovela “Bandeira Dois”), o roteirista Jorge Duran, chileno 13 anos
radicado no Brasil, trabalhando com o competente José Joffily Filho e o próprio
Fábio, criaram um argumento ágil e de boas intenções, porém, que nada tem de
Dias Gomes, porque não se reconhece, de nenhuma forma, a sutileza irônica e
de viés, que caracterizam o autor. Através da amizade de dois ambiciosos
bicheiros – Tucão (Nuno Leal Maia) e Nico (Nelson Xavier), mostram o jogo do
bicho de uma forma simpática, na evolução da própria vida política brasileira
durante os anos da ditadura. Inegavelmente, com influência de O Poderoso
Chefão”, a tentativa de mostrar, paralelamente, a vida familiar de Nico e Tucão,
o código de valores pessoais – e a transformação imposta pela marginalidade – o
tráfico de drogas, que é repudiado por Tucão, é, em si, uma proposta
ambiciosa. A crítica pretendia a própria estrutura de governo, que permite a
formação de policiais (...) e políticos (...) corruptos não consegue, infelizmente,
obter a densidade dramática desejada, sem a profundidade que merece tocar no
assunto. (...) Fábio Barreto procurou traduzir e interpretar em “Rei do Rio”,
metáforas de amor, poder e morte, descrevendo o mundo que rola paralelo,
independente dos poderes “constituídos”, “que não tem governo nem nunca
terá”, tenta mais do que contar a história de dois ambiciosos marginais, colocar
um microuniverso de luta pelo poder. A resistência do bicheiro Tucão a entrar
no negócio dos tóxicos é significativa e atual. (...) Cinematograficamente, o
filme é bem construído, mas está longe de propor a reler a dramaturgia original.
(...)
dcclxxxvi
34
Os estudiosos da composição de roteiros cinematográficos a partir de adaptações
de textos aconselham que a construção dos “scripts” esteja dividida em três atos da seguinte
forma: exposição / peripécia / catástrofe, ou exposição / conflito / resolução ou desenlace
(Quadro 12).
ROTEIRO
EXPOSIÇÃO CONFLITO
RESOLUÇÃO /
DESENLACE
1/4 do todo;
Exposição do problema,
momento que concentra o
maior número de
informações.
2/4 do todo;
Conflito entre o protagonista e
o antagonista. Conduz o
protagonista a uma troca de
destino, é no conflito que seu
problema parece mais
indissolúvel que nunca.
¼ do todo;
Mostra a solução do
problema.
Quadro 12-Construção de “Scripts”
A exposição é a parte do roteiro em que se apresenta ao público os diferentes
elementos e pontos de saída a partir dos quais a história que vai ser contada terá para poder
funcionar: as personagens principais, a situação que marca o ponto de partida e a primeira
ação conflituosa. Na exposição, apresentam-se informações necessárias sobre o passado das
personagens para que o relato possa ser compreendido. Ela deve conter um “gancho”, que
funciona como um comprometimento, que será “puxado” ao longo da narrativa para não
permitir que as personagens fiquem inativas ou satisfeitas com a situação apresentada até o
fim da narrativa.
Para ter qualidade, a exposição precisa delimitar o que o público deve saber,
provocar o desejo de conhecer o passado das personagens, regular a apresentação das
informações para que ao longo da narrativa as personagens venham a lutar por elas. Seu
tempo deve ser rigidamente limitado, jamais cair nos erros da lentidão, da explicação em
demasia e da obscuridade.
O “gancho”, num filme, é o acontecimento impressionante, surpreendente,
estranho, o mais enigmático. Situa-se no início da história para captar o interesse; ele deve ser
calculado em relação a toda a construção do filme e a progressão que se quer criar.
Qualquer roteiro conduz a um desenlace que, na maioria dos casos, deve resolver o
conflito ou pelo menos apresentar uma resposta a cada um dos pequenos conflitos que foram
apresentados ao longo da história. O desenlace é um reajuste que se produz quando se alcança
uma meta, ou destroem-se as forças de afinidade ou as forças de repulsão, ou cria-se uma
34
relação de afinidade entre as forças ou rompe-se, pela morte, a relação entre as forças de
repulsão.
O filme “O Rei do Rio” afastou-se de tal forma do argumento original que,
observando-se como foram construídos os três atos do filme, não se pode associá-los às
propostas de Dias Gomes. Desde a composição das personagens, o ambiente, as ações, eles
perdem-se num emaranhado de criações em que não se reconhece a obra original. O relato do
diretor Kiko Jaess numa declaração à TV Cultura de São Paulo, em 15 de julho de 1976,
esclarece o que ocorreu na adaptação do “O Rei de Ramos”.
Numa adaptação, às vezes a gente tenta ser fiel, mas a gente acaba
escrevendo outra peça. Geralmente, a gente procura pegar toda a idéia do
autor, mas a gente acaba escrevendo mesmo outra peça. Geralmente é assim.
(...) fiz adaptações que nem o autor reconheceu sua obra. Eu contei a
história dele, mas contei visto por outras personagens e outro lugar, com
outras ações. Uma hora ou outra eu até era fiel ao diálogo dele, porém as
indicações eram outras, havia outras cenas, outras idéias, outras locações.
Às vezes a gene foge tanto numa adaptação que acaba virando outra peça,
mas é assim.
dcclxxxvii
A versão cinematográfica “O Rei do Rio” apresenta a origem da rivalidade entre as
personagens após terem vivenciado uma grande amizade, o que afasta o roteiro da trama
original, tanto no caso do teatro quanto da televisão, em que ambos desde o início da trama já
surgem em cena como inimigos.
A verossimilhança da história distancia-se das propostas de Dias, uma vez que as
personagens principais na dramaturgia original, não desejam o lugar de um terceiro, estão, no
tempo dramático, situadas em padrão de vida favorecido e de grande potência, estabilizados
financeiramente. O que ocorre é uma rixa entre os dois (Figura 173), a partir do momento em
que o acordo traçado entre os grandes
banqueiros é quebrado por um deles. O
filme não apresenta nenhuma referência
à Zooteca, apenas o namoro entre os
filhos das personagens, de forma que a
classificação da obra também se
distancia das versões originais.
Figura 173-”O Rei do Rio”
dcclxxxviii
34
Assim, o chamado “conflito-matriz” gerador da história não pode se relacionar à
obra original. Portanto, clímax e resolução estão longe das propostas textuais de Dias Gomes.
Fica muito claro que a experiência que Dias desenvolveu ao longo de sua carreira
ao adaptar obras dramáticas para o radioteatro fez com que ele só admitisse adaptação de suas
obras no grau, segundo Doc Comparato, de “adaptação propriamente dita”, que consiste em
ser o mais fiel possível à obra, porque não alteração nem da história, nem do espaço, nem
das personagens, em que os diálogos refletem as emoções e conflitos existentes no texto
original.
Quando o teatro vira cinema, o difícil não é fazê-lo maior que o teatro, o difícil é
fazê-lo igual. A arte de representar ao vivo, com todos os problemas de uma platéia em
constante movimento, torna-se tola e genial ao mesmo tempo quando levada para a linguagem
cinematográfica. Tola pelo fato de o público não estar ali, naquela hora, interferindo no
espetáculo e a representação poder ser repetida até chegar ao que se quer. Mas genial pelo fato
de ter que encontrar um lugar para aquela história e para aqueles personagens que não o
original.
E por que o teatro vira cinema? Pergunta difícil para respostas diversas.
Provavelmente, para cada diretor ou ator que se faça esta pergunta tenha-se uma resposta
diferente. Para Ney Latorraca, ator que divide a cena com Marcos Nanini no filme “Irma Vap
– O Retorno”, a montagem de uma peça tem um tempo determinado e o cinema é imortal. “O
teatro é uma arte efêmera e a simples ou genial idéia de colocar isso no cinema contribui para
que, num país onde não existe essa preocupação, a memória seja mantida”.
dcclxxxix
O próximo capítulo, o último desta pesquisa, apresentará a análise das didascálias
nas obras “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”, além de propor um estudo
comparativo entre as indicações cênicas presentes nas linguagens pelas quais a dramaturgia
se desenvolveu: peça teatral, teledramaturgia, dramaturgia para o rádio, filme e ópera.
34
CAPÍTULO 6 - PALAVRAÇÃO DOS VERBOS: O TRÂNSITO
O sexto e último capítulo dessa pesquisa apresenta a análise das didascálias dos
textos “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”, ambos escritos na dramaturgia teatral.
Ainda traz o estudo do trânsito das obras pelas diversas linguagens, “O Pagador de
Promessas”: teatro, cinema, rádio, televisão e ópera, e “O Rei de Ramos”: televisão, teatro e
cinema, através de um estudo comparativo das didascálias.
6.1 A MANUTENÇÃO DO DRAMA ATRAVÉS DAS DIDASCÁLIAS NO TRÂNSITO
PELAS DIFERENTES DRAMATURGIAS TRILHADAS PELA OBRA “O PAGADOR DE
PROMESSAS”
O diretor Antonio Mercado, ao escrever sobre Dias Gomes, registrou que a crítica
norte-americana se referia ao dramaturgo como um “mestre de muitos gêneros”
dccxc
.
Concordar com este posicionamento não afasta a ocorrência de se acreditar que seria mais
adequado afirmar-se “mestre de dramaturgias de várias linguagens”. O percurso desenvolvido
pelo autor através de dramaturgias dirigidas a determinados veículos focou na reflexão sobre a
integridade e a dignidade humanas, direcionou ao questionamento do autoritarismo e da
opressão, encaminhou às denúncias das estruturas sociais não igualitárias e permaneceu na
busca da consagração do homem brasileiro. Pensamento espresso por Eric Bentley:
O dramaturgo não faz um plano de procedimento, ele cria e realiza uma
obra de arte que já está completa em sua cabeça – exceto por sua reprodução
técnica – e que exprime, através da imagem verbal e do conceito, uma
determinada atitude diante da vida. O dramaturgo é um escritor e um
poeta.
dccxci
As didascálias de Dias Gomes exercem o papel de indicações para a organização
espacial da cena, ao mesmo tempo que funcionam como elemento condutor da narrativa ou do
desenrolar da trama. Exatamente por possuírem essas características é que elas, as didascálias,
possibilitaram o trânsito da dramaturgia por diversas linguagens, mantendo uma estrutura
dramática única no teatro, no cinema, no rádio, na televisão e na ópera.
“O Pagador de Promessas” transitou por cinco linguagens e a unidade da
dramaturgia foi amarrada por meio das didascálias, como se refere Sábato Magaldi:
34
Dias Gomes tem produzido com regularidade para o palco, com inteira
liberdade, não recorrendo a metáforas e a alusões para iludir a Censura,
tendo deixado sua obra aberta a várias linguagens, (...) com o mérito
indiscutível da dramaturgia lutar para que o Brasil inteiro se revelasse no
palco ou na tela.
dccxcii
“O Pagador de Promessas” percorreu um curso que partiu do teatro, seguiu pelo
cinema, passou pelo rádio, pela televisão e chegou finalmente à ópera. Neste caminho, Dias
Gomes não construiu a transição para a ópera, mas esse trabalho teve a sua supervisão,
portanto, ao se estabelecer a comparação entre as obras produzidas nas das várias linguagens e
suas didascálias, pode-se observar a sustentabilidade da dramaturgia original criada para o
teatro. Não se quer avaliar se a dramaturgia veiculada por diferentes linguagens é boa ou
ruim, muito menos se essa é uma conduta a ser repetida por outros dramaturgos, mas sim, que
as didascálias proporcionaram a unidade dramática e permitiram a construção de trabalhos
comunicantes em épocas distintas.
O dramaturgo uniu o exercício da escrita teatral com uma investigação nas demais
linguagens, que se valem das referências dramáticas. Dias Gomes mostrava-se um homem
muito zeloso de suas obras, como ele mesmo relatou em suas entrevistas, pois temia que
adaptações não minuciosas permitissem a fuga dos objetivos que ele havia traçado para suas
composições. Tanto que, ao ceder os direitos da transposição de “O Pagador de Promessas”
para película, tomou, segundo ele, as precauções necessárias durante a instauração do
contrato:
(...) fiz constar uma cláusula: uma vez o roteiro definitivo aprovado, o
diretor seria obrigado a segui-lo cena por cena; queria assegurar inteira
fidelidade à minha obra. (...)constava também a obrigação de eu fazer a
adaptação cinematográfica, onde procurei também me resguardar, mantendo
quase que literalmente o desenvolvimento e os diálogos da peça, e nisso
amarrando a direção.
dccxciii
Segundo Michel Chion,
dccxciv
um roteiro de cinema possui sete formas de
apresentação e cada uma delas com um objetivo específico na filmagem. O dramaturgo era
um pesquisador nato e, em entrevista ao jornal “A Folha de São Paulo”, declarou que estudou
muito sobre a montagem de roteiros para cinema, em todos os manuais que estiveram ao seu
alcance, além de trocar idéias e tirar dúvidas com seus companheiros cineastas.
dccxcv
A
primeira forma é a Idéia, a história, que é independente do roteiro propriamente dito, nela
está inserida a adaptação , que consiste em transformar uma história, em forma de roteiro
construído e com as indicações de dramatização para o cinema. Em “O Pagador de
Promessas”(Figura 174) a história emergiu do texto teatral, das suas didascálias e de seus
34
diálogos. “As idéias se convertem no fundamento do roteiro, isso exige o maior cuidado para
as descobrir, isolar e definir.”
dccxcvi
A segunda forma é a “sinopse”, um
breve resumo do roteiro, da ação, das
personagens e das intenções; desenvolve-se
em poucas ginas, escritas em discurso
indireto e sem os diálogos. A terceira forma é
“outline”, um breve resumo do roteiro, em
poucas ginas, com a descrição completa da
história, sem vazios, cena por cena. Dando-se
seqüência, tem-se o “treatment” e a
Continuidade Dialogada. “Treatment” é a fase
mais desenvolvida da elaboração e da redação
do roteiro, abraça uma descrição detalhada da
ação do filme, com a possibilidade de uma ou
outra linha de diálogo, mas, na maioria dos
casos está escrito em estilo indireto.
Fig. 174-Cartaz de “O Pagador de Promessas”,
França
dccxcvii
A Continuidade Dialogada é o roteiro em si, sem as indicações técnicas. Às vezes
na Continuidade Dialogada, a apresentação do roteiro é feita em duas colunas, a da esquerda
para tudo que será visto: ações, objetos e seres visíveis; a da direita para tudo que será ouvido:
diálogos e efeitos sonoros particulares, naturalmente não serão indicados os ruídos que vão
surgir das ações, com exceção daqueles que tenham uma função dramática, que necessitem
ser destacados, como por exemplo um timbre específico de voz; porém, esta distribuição em
colunas não é uma convenção obrigatória. A Continuidade Dialogada pode trazer também
informações como biografias, aspectos sociais, políticos, históricos do contexto, informações
gerais sobre o tema, o conteúdo, além de mapas, gráficos, fotografias e desenhos. A
Continuidade Dialogada é o texto que os atores recebem, como o trecho abaixo:
Cena XX
Escadaria/ Ext/ Noite
Zé-do-Burro e Rosa chegam ao último degrau. Rosa chega primeiro ao
patamar da escada e pára. Zé sorri, pleno de felicidade. Ele tem um no
último degrau e o outro no patamar. Tira a cruz do ombro e a deposita no
34
chão. Pára, observa a igreja deslumbrado, em júbilo, Rosa mostra cansaço,
aborrecimento, desolação.
(Olhando a igreja.) É essa. pode ser essa. (Rosa cansada, enfastiada
e deixando entrever uma revolta que se avoluma.)
ROSA – E agora? Está fechada.
É cedo ainda. Vamos esperar que abra. (Enxuga o suor. Rosa vira-se de
costas para a igreja, com o objetivo de sentar-se na escadaria. senta-se
ao seu lado)
dccxcviii
A sexta e a sétima formas são o “decoupage técnico” e o “story-board”. O primeiro
nada mais é do que a Continuidade Dialogada, enriquecida com todas as indicações para rodar
o filme, relação do tamanho dos planos, ângulos de tomada, movimentos de câmera,
movimentos óticos, relações visuais, tipos de focos e filtros especiais. O Decoupage Técnico
não chega à mão dos atores. O segundo, o “story-board”, que se trata do “decoupage técnico”
do filme, não só com palavras, mas também com desenhos, mais ou menos esquematizados de
cada plano, como nas histórias em quadrinhos. No “Story-Board” são usadas convenções
para indicar os movimentos, quer das personagens, quer da câmera, as trocas de ângulo, as
visões das tomadas. Essas convenções são verbais, como termos abreviados, siglas, ou
visuais, como pontos ou setas.
O trecho do Roteiro Cinematográfico de “O Pagador de Promessas” apresenta-se
como “Continuidade Dialogada”. As didascálias iniciais determinam, de forma minuciosa, o
trajeto das protagonistas até a chegada em Salvador durante a madrugada do dia de Santa
Bárbara. O que segundo o pesquisador e professor da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro UERJ, Sandro Massarani, seria o “ato introdutório”
dccxcix
do filme, que nunca pode
durar mais do que 30% da história, para não correr o risco da platéia perder o interesse,
devido à ausência de um conflito central bem definido.
Comparando-se o roteiro cinematográfico com a dramaturgia para teatro, as
didascálias iniciais dessa linguagem, estão voltadas para localizar as personagens no ambiente
em que ocorrerão os acontecimentos, já em Salvador, as informações que as didascálias
iniciais do roteiro cinematográfico apresentam trazem à cena a viagem de e Rosa e os
motivos da vinda das personagens a Salvador, acontecimentos que só serão trazidos à cena, no
texto teatral, através das réplicas ao longo dos primeiro e segundo quadros do primeiro ato.
Massarani ainda afirma que esse momento do filme deve descrever o “Mundo
Ordinário” da personagem central, ou um “Gancho”, que faz a história se mover, e o que está
acontecendo com ela, uma ameaça ou conflito, que foi a opção adotada por Dias Gomes,
como se pode observar:
34
Cena 01 . Terreiro de Candomblé – Int. - Noite
Ouve-se os tambores, agogôs, numa cerimônia no candomblé. Os fiéis e
os filhos de Santo em roda, alguns manifestados dançam em gira de
Saravá aos Orixás, realce em Iansã. No próprio terreiro de candomblé,
um altar de Santa Bárbara. Zé-do-Burro ajoelhando em frente à
imagem da santa, reza ao som dos atabaques. Rosa de ao seu lado.
Zé-do-Burro faz o sinal da cruz, levanta-se e chama Rosa com um gesto.
Fumaça/ Fogo/ Fumaça
dccc
Para Sandro Massarani, a personagem tem um objetivo na história e tudo que se faz
com a finalidade de mover-se em direção a ele é um Incidente”, um “Distúrbio” em seu
cotidiano, obrigando-a a agir. Para o pesquisador a introdução está perto de seu fim, quando
os espectadores souberem quem é a personagem principal, onde ela está, o que quer, contra
quais obstáculos irá lutar
dccci
.
Dias Gomes nas didascálias do seu roteiro dialogado, que foi entregue aos atores,
apresenta inicialmente a personagem central, seu objetivo inicial que é carregar a cruz para
um destino, além de resguardar o tempo e o espaço onde e quando a dramaturgia se
desenvolve.
A saga de Zé-do-Burro no filme, foi organizada por uma “adaptação propriamente
dita”,
dcccii
que consiste em ser o mais fiel possível à obra. Neste grau de adaptação não
alteração da história, nem do tempo, nem de personagens, nem de localizações.
Deve-se, logicamente, prever que o espaço não será apresentado no teatro, como
por exemplo, na dramaturgia teatral as didascálias marcam: “(...) a fachada de uma igreja
relativamente modesta com uma escadaria de quatro ou cinco degraus”,
dccciii
já no roteiro
cinematográfico a escadaria escolhida para a cena foi a da Igreja do Santíssimo Sacramento
do Passo (Figura 175), localizada no Centro Histórico de Salvador, na Ladeira do Passo. Esta
igreja, construída em 1737, teve a escadaria edificada no século XIX para ligar a Ladeira
do Passo à Ladeira do Carmo, primeiro porque há uma grande diferença de nível entre as duas
vias, segundo, para valorizar a fachada da igreja, que tinha papel relevante nas festividades da
Semana Santa.
Dias Gomes, por conhecer o espaço, previamente estabeleceu e designou a locação
no roteiro técnico, ao qual não se teve acesso. Na “adaptação propriamente dita”, os diálogos
refletem apenas as emoções e conflitos presentes no texto original, não se trata de uma mera
ilustração áudio-visual, mas evidencia que é preciso ultrapassar os limites da fidelidade para
ter um roteiro correto e eficaz.
dccciv
34
Figura 175-Igreja do Santo Sacramento do Passo, em Salvador – Bahia
dcccv
A trajetória de Zé-do-Burro de sua cidade até Salvador, no filme, é traçada por uma
seqüência de imagens que marcam as dificuldades de deslocamento do herói, que faz com que
sua figura começe a crescer de dentro para fora desde a abertura da película. Eis a proposta:
Cena 02 . Início da Caminhada – Ext. - Dia
Zé-do-Burro e Rosa caminham em estrada de terra, em meio ao
descampado, sozinhos. Ele à frente, com a cruz às costas e ela um pouco
mais atrás. Rosa traz uma trouxa de pano e um agasalho.
Cena 03 . Caminho – Ext. - Dia
Os dois caminham, passam, com o fogo e a fumaça ao fundo, seguem pela
estrada de barro. A presença de fogo e fumaça deve sempre remeter a
presença de Iansã.
Cena 04 . Caminho – Ext. - Tardinha
Caminham em estrada de barro, pó, cansaço. Zé-do-Burro e Rosa
atravessam por uma ponte pênsil sobre um rio largo, retornam à estrada, O
foco está nos pés de Zé-do-Burro. Passam, fumaça.
Cena 05 . Caminho – Encontro com a Boiada – Ext. - Manhã
Zé-do-Burro e Rosa sobem um pequeno aclive e cruzam com uma boiada,
que está sendo conduzida. O solo é agreste, a presença de mandacarus e
muita poeira levantada pelos animais na terra seca. Eles caminham no
sentido oposto ao da boiada. À passagem de Zé-do-Burro, os boiadeiros
param, perfilam-se e tiram os chapéus, abaixando a cabeça em sinal de
respeito, acompanham os dois com olhar de consternação. Quando o casal
desaparece na estrada, eles repõem seus chapéus, tocam o gado e partem
em disparada nos cavalos, levantando muita poeira.
Cena 06 . Caminho na seca – Ext. – Meio-dia
Sol escaldante. O chão está rachado pela seca, observa-se apenas as pernas
de Zé-do-Burro com a cruz. As passadas são difíceis, oscilantes, o sol
escaldante é a maior presença. As pernas de Rosa. Sol escaldante, agora as
pernas de Zé e de Rosa ao mesmo tempo. Caminham. Sol escaldante.
34
Cena 07 . Caminho na Mata – Ext. – Início da Tarde
A região é de vegetação fechada da Mata Atlântica. Rosa e Zé-do-Burro
caminham por uma trilha no meio do mato. Vento, vento, vento, cada vez
mais forte, Rosa tenta abrigar-se com um casaco, continua a caminhar
com a cruz, vento e chuva. A chuva torna-se casa vez mais forte, a tarde
escurece. Muita lama, os pés de Zé-do-Burro afundam na lama e ele arrasta
a cruz dentro dela. Os pés de Rosa afundam na lama, continuam na
caminhada. Zé-do-Burro e Rosa atravessam um pequeno riacho, embaixo
de chuva. A chuva começa a diminuir.
Cena 08 . Caminho pelo mangue – Ext. – Dia
O casal chega a um local de mangue, típica paisagem nordestina, extenso
coqueiral. Eles atravessam esse espaço.
Cena 09 . Caminho pela cidade do interior – Ext. – Dia
Zé-do-Burro e Rosa caminham sobre areia, ele arrasta a cruz, estão
visivelmente cansados. Chegam a um vilarejo de pescadores, passa um
jegue carregado de coco, pessoas, algumas casas, o casal caminha por uma
rua sem calçamento. Ao caminharem pelo vilarejo, Zé-do-Burro e Rosa são
seguidos pela população local, primeiramente algumas pessoas, cada vez o
número de pessoas vai aumentando, aumentando sempre, o casal continua a
caminhada. Passam por uma igreja muito simples e centenária, típica do
interior, até o padre vem para acompanhá-los.
Cena 10 . Caminho pelo coqueiral – Ext. – Dia
Zé-do-Burro e Rosa sobem uma serra, a presença de coqueiros, que
podem ser vistos de todos os lados. O Coqueiral é à beira da praia,
atravessam o coqueiral.
Cena 11. Dique do Tororó – Ext. – Dia
e Rosa chegam à beira de uma lagoa, os dois caminham pelas margens,
efetivamente desfeitos pela longa caminhada. Ao fundo se a cidade,
pode-se reconhecer o Dique do Tororó.
Cena 12 . Centro Histórico de Salvador – Ext. – Noite
Uma ladeira do Centro Histórico de Salvador. Zé-do-Burro e Rosa
caminham pelo meio da rua, sobre paralelepípedos, duas pessoas os
observam, passa um automóvel. Música animada. São avistados por um
homem e mulher, outras pessoas passam. O homem sai correndo e gritando.
(...)
Cena 13 . Rua – Clube – Ext. – Noite
Zé-do-Burro e Rosa passam em frente a um Clube Noturno, “Elite danças”.
De saem várias pessoas atrás do homem que correu para chamá-las. As
pessoas riem, debocham da passagem de Zé-do-Burro. (...)
Cena 14 . Rua – Ext. – Noite
Bonitão está parado, num beco de esquina para a ladeira, à espreita,
observa o acontecimento, coloca a mão no bolso interno do paletó. Rosa e
Zé-do-Burro passam. Rosa levanta os olhos e olha para Bonitão. Bonitão
olha Rosa e acompanha sua caminhada com os olhos. Rosa continua
caminhando, acompanhando Bonitão com o olhar. Bonitão tira algo do
bolso.
Cena 15 . Rua – Clube – Beco – Ext. – Noite
As pessoas que saíram do Clube Noturno continuam a olhar para Zé-do-
Burro e manifestam atitudes diferenciadas, umas riem, outras fazem o sinal
da cruz com respeito. Zé-do-Burro e Rosa seguem descendo a ladeira.
Bonitão permanece na mesma posição, observa o casal à distância.
Cena 16 . Ladeira – Escadaria da Igreja – Ext. – Noite
Zé-do-Burro na frente, Rosa atrás, iniciam a subida de uma escadaria.
(Figura XX) Vistos de baixo para cima, a escadaria, Zé-do-Burro com a cruz
e Rosa. Eles sobem a escadaria e no final dela está uma igreja de estilo
barroco. A escadaria possui quatro lances de escada que o casal sobe com
dificuldade.
dcccvi
34
Um texto para teatro depois de roteirizado e filmado muitas vezes difere do que se
pode apreender da leitura da produção original, isso porque a linguagem cinematográfica
possui suas vantagens e suas próprias limitações. Além de que, a dramaturgia para o teatro,
sendo lida ou assistida permite que se chegue com maior facilidade ao “consciente” de uma
personagem do que no cinema, porque em ambos uma participação direta do leitor ou do
espectador e, embora o cinema possa usar seus planos e ângulos para apresentar
características, elementos e formas a serem destacadas, o público não tem acesso à
decodificação desses códigos.
dcccvii
O diretor Martin Esslin
dcccviii
afirma que o drama mecanicamente reproduzido
através da mídia cinema, rádio e televisão difere do drama produzido para teatro em
virtude de suas técnicas próprias, mas jamais deixa de ser drama, que vai gerar ação e
portanto elementos que possibilitem à platéia receber as mensagens e refletir sobre
determinadas situações. A dramaturgia para o cinema, para a televisão e para o rádio, não
permite o retorno imediato entre o público e os atores como no teatro, acontecimento que é
um fator de influência na atuação do elenco, além de que, o realismo na composição cênica e
na formação do ambiente no cinema e na televisão é infinitivamente maior do que no teatro,
pela limitação do espaço físico e do rádio pela limitação do único meio de comunicação, o
auditivo.
Esslin destaca ainda a diferença entre a dramaturgia teatral e as dramaturgias de
natureza mecânica:
(...) Mas a diferença mais essencial entre o palco e os três vculos de
natureza mecânica reside em outro ponto: a câmera e o microfone são
extensões do diretor, de seus olhos e seus ouvidos, permitindo-lhe escolher
seu ponto de vista, ou ângulo de audição e transportar para eles, a platéia,
por meio de variações de planos, que podem englobar toda uma cena ou
fechar-se sobre um único ponto, ou cortando, segundo sua vontade, de um
local para outro. (...) Nos veículos mecânicos o poder do diretor sobre o
ponto de vista da platéia é total, (...) no teatro, cada membro da platéia
escolhe seus ângulos de câmera e, desse modo, executa pessoalmente o
trabalho que o diretor avoca para si no cinema, no rádio e na televisão.
dcccix
O texto para teatro e suas adaptações para cinema, televisão, rádio e ópera de “O
Pagador de Promessas” apresentam constantes o sofrimento e a ingenuidade de Zé-do-Burro.
Alguns críticos em nesta composição um ponto de eficiência que ao mesmo tempo é um
ponto falho da dramaturgia, com atesta Bárbara Heliodora:
34
(...) Infelizmente a obra em sua totalidade não consegue alcançar o vel do
integral, muito provavelmente porque, em sua ânsia de valorizar a posição
do seu protagonista, o autor comete o erro de não lhe dar antagonistas à
altura devida: a melhor lição de todos os dramatistas angulares do passado é
a de que quando se empresta verdadeira humanidade a todas as
personagens é que se atinge a visão dramática verdadeira. (...) Zé do Burro, o
protagonista, é uma figura tão bela que, por si, redime uma grande parte das
deficiências que aqui apontamos: é o único personagem que não é
esquematizado, o único que tem, inclusive, os defeitos de suas qualidades,
que o autor teve o cuidado de pontuar em suas didascálias. (...)
dcccx
Não a adaptação para o cinema seguiu os preceitos da “adaptação propriamente
dita”,
dcccxi
mas também as adaptações para o rádio, a televisão e a ópera. No cinema e na
televisão, as adaptações retrocederam, de formas diferenciadas, no tempo, uma opção do
dramaturgo de apresentar ao público as respostas às perguntas: Onde? Como? Por quê?
Quando? a personagem Zé-do-Burro inseriu as mazelas que sofre em sua vida.
Na versão cinematográfica, como já foi apresentado, a peregrinação de Zé-do-Burro
desde a palavra dada à santa numa roça de candomblé, até chegar à igreja de Santa Bárbara
em Salvador, abre a película. Na televisão, Dias Gomes escreveu doze capítulos, dos quais
apenas oito foram ao ar. Nesta versão, seis capítulos foram escritos para situar a história de
Zé-do-Burro no contexto social e político de sua cidade do interior e os outros seis capítulos
reproduziram a história propriamente dita, narrada no texto teatral.
A minissérie “O Pagador de Promessas” inicialmente apresenta e Rosa ainda
solteiros, preparando-se para as bodas, imersos num universo das lutas dos agricultores por
posse de terra, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, como
parceiro dos trabalhadores, os religiosos comprometidos
com o movimento da “Pastoral da Terra
dcccxii
“, os
latifundiários associados aos políticos corruptos numa
luta injusta contra os posseiros (Figura 176), os crimes
de mando, em que os olhos se fecham por medo do
poder. Ao lado disso tudo está o doce, comprometido e
ingênuo Zé, que chega virgem ao casamento com Rosa,
uma cabocla fogosa, desejada e cheia de desejo, voltada
mais para si do que para qualquer coisa. Marca ainda
esta adaptação para televisão os prenúncios delineados
através das superstições religiosas que caracterizam o
Fig. 176-Cena da adaptação para televisão
de “O Pagador de Promessas”
dcccxiii
34
universo do homem interiorano. Dias Gomes era conhecedor do homem do sertão e sabia que
a é uma palavra gica para eles, de tal forma profunda que chega a assustar. No roteiro
televisivo, Dias apresentou a questão do “rola pedra”, uma crença centenária em que no
caminho das capelas da Via Sacra em Monte Santo, ao arremessar uma pedra para longe e
caso a pedra retorne para onde foi arremessada, atesta um anúncio de morte. O dramaturgo
transferiu essa prática para a cena, apregoou desde os primeiros capítulos a morte de Zé-do-
Burro. O Brasil que foi para a “telinha” pode ser o dos anos 1960, quando o texto teatral foi
lançado, como também o dos anos 1980, quando a minissérie foi ao ar, ou dos dias de hoje,
quando a luta pela reforma agrária, apesar da redemocratização, ainda levanta questões quanto
a sua operacionalização.
Outro aspecto a ser ressaltado na minissérie de “O Pagador de Promessas” está a
forma como Dias apresentou a mulher neste novo momento agrário, ela é parceira e
combatente ao lado do homem, lutando contra a corrupção eleitoral, contra o poder do mais
forte, a favor da justiça, participando de reuniões partidárias, ações de denúncia e práticas
políticas.
Na dramaturgia para o rádio, a referência ao percurso traçado por Zé-do-Burro a
Salvador é curta marcada apenas por indicações de sonoplastia, o que seria suficiente para a
instalação da trama através daquele veículo, como observa-se no trecho:
CONTROLE TEMA DA PEÇA / MÚSICA DE PERCUSSÃO DE
CANDOMBLÉ / SINOS / CANÇÕES RELIGIOSAS
CONTRA-REGRA PASSOS ARRASTADOS DE ALPERCATAS DE
COURO EM CALÇADA, ARRASTAR CONTÍNUO DE MADEIRA
SOBRE CIMENTO, ESTRUTURAR A DISTÂNCIA, MAIS LONGE,
MÉDIO, MAIS PRÓXIMO. ASSOCIAR BARULHOS URBANOS
NOTURNOS/ VOZES ESPARSAS/ RISOS/ BARULHOS DE
CAIXOTES EMPILHADOS/ GARRAFAS E COPOS
– (Ofegante, pára) É essa. Só pode ser essa.
dcccxiv
No texto original, “Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro surja, pela
rua da direita, carregando nas costas uma enorme e pesada cruz de madeira, (...)
seguido de Rosa sua mulher”.
Não nenhuma referência a movimento na rua, ninguém, além deles dois estaria
em cena naquele momento da madrugada. Na versão cinematográfica, quando o casal desce a
ladeira, em direção à escadaria da igreja, as pessoas que estão pela rua, ainda no fim das farras
da noite, em sua maioria zombam do penitente:
34
Cena 12 . Centro Histórico de Salvador – Ext. – Noite
Uma ladeira do Centro Histórico de Salvador. Zé-do-Burro e Rosa
caminham pelo meio da rua, sobre paralelepípedos, duas pessoas os
observam, passa um automóvel. Música animada. São avistados por um
homem e mulher, outras pessoas passam. O homem sai correndo e
gritando. (...)
HOMEM – Ei, pessoal, venha cá para ver uma coisa.
Cena 13 . Rua – Clube – Ext. – Noite
Zé-do-Burro e Rosa passam em frente a um Clube Noturno, “Elite
danças”. De saem várias pessoas atrás do homem que correu para
chamá-las. As pessoas riem, debocham da passagem de Zé-do-Burro.
(...)
HOMEM – Ih! Olha só, olha, olha, o palhaço.
Cena 14 . Rua – Ext. – Noite
Bonitão está parado, num beco de esquina para a ladeira, à espreita,
observa o acontecimento, coloca a mão no bolso interno do paletó. Rosa
e Zé-do-Burro passam. Rosa levanta os olhos e olha para Bonitão.
Bonitão olha Rosa e acompanha sua caminhada com os olhos. Rosa
continua caminhando, acompanhando Bonitão com o olhar. Bonitão tira
algo do bolso.
Cena 15 . Rua – Clube – Beco – Ext. – Noite
As pessoas que saíram do Clube Noturno continuam a olhar para Zé-do-
Burro e manifestam atitudes diferenciadas, umas riem, outras fazem o
sinal da cruz com respeito. Zé-do-Burro e Rosa seguem descendo a
ladeira. Bonitão permanece na mesma posição, observa o casal à
distância.
dcccxv
A versão televisiva apresenta o casal chegando a Salvador durante o dia, caminham
pelas ruas do comércio, passam pelo Mercado Modelo e em meio a transeuntes seguem pela
Avenida Sete de Setembro, não nenhuma relação entre as personagens e as pessoas que
circulam pela cidade, quando chegam à ladeira do Pelourinho já é noite e estão sós.
Na película, Rosa e Bonitão saem para o hotel debaixo de chuva. Durante a busca
por abrigo, Rosa relata aspectos de sua vida pessoal, porém o gigolô não lhe dá atenção e
tenta beijá-la, ela desvencilha-se dele e finge não entender suas intenções, porém ao chegarem
ao destino o único objetivo de Bonitão se realiza, apresentado pela entrada dos dois juntos no
quarto do hotel e a porta que se fecha para a câmera antes do corte.
Foi incluído ainda, na versão cinematográfica, o repórter chegando à redação do
jornal onde trabalha e recebe a notícia sobre a peregrinação de Zé-do-Burro como pauta,
deixando claro que seu objetivo é fazer sensacionalismo. ainda uma tomada das baianas
lavando a escadaria da igreja, cena que não existe no texto teatral, mas que serve de passagem
para a cena de Zé-do-Burro com o guarda. Além do que na peça não a chegada da
procissão na igreja, mas o filme mostra a imagem de Santa Bárbara carregada pelos fiéis,
subindo a escadaria. Zé-do-Burro segue a procissão com sua cruz, caminha ao lado do andor,
sem tirar os olhos da santa. A imagem é sempre apresentada em “contra-plano” e Zé-do-Burro
34
em “plano”,
dcccxvi
o que gera a idéia da pequenez do homem diante do sagrado. Quando a
santa chega na porta da igreja ela volta-se para Zé, que não pode segui-la, portanto, a imagem
entra na igreja de costas para o altar, passando pelo padre que não percebe o acontecido, cena
que foi retomada na minissérie. um grande mero de situações, cenas e personagens que
foram acrescentados no filme, até por uma exigência natural da linguagem, com relação à
minissérie, o número de acréscimos foi muito maior, principalmente por ter sido apresentada
vinte e oito anos depois da estréia da peça, logo após a abertura política do Brasil pós
ditadura, quando Dias Gomes não contava com a censura interna da emissora e deu asas ao
seu processo criativo e crítico.
A emissora, que pretendia colocar o trabalho no ar em 1987, devido às pressões dos
empresários da UDR União Democrática Ruralista,
dcccxvii
ruralistas latifundiários,
capitalistas dos agro-negócios, fazendeiros industriais, amigos do Dr. Roberto Marinho,
encaminhou a obra para análise e revisão. Após muitas reuniões, a cúpula da Globo mutilou a
minissérie e adiou a estréia para 1988. Mesmo num momento em que o país se dizia
democrático, as referências políticas, as menções das lutas dos sem terras e posseiros, a
reforma agrária e os movimentos sociais religiosos foram suprimidas. “O Pagador de
Promessas” transitou por cinco dramaturgias diferentes, quatro delas passaram pelo processo
de adaptação que é um prolongamento e uma ampliação de um texto base, que nesse caso era
a dramaturgia para o teatro. A dramaturgia para o cinema trouxe novos movimentos:
mobilidade da câmera, ritmo da ação e da montagem, aceleração do tempo, dinamismo
musical, o que torna a película de cinema um universo de movimentos. O fato da dramaturgia
original não ter perdido a sua essência nesta linguagem, recai nas indicações de montagem
situadas nas didascálias. A doutora Carmen Gadelha, professora de Direção Teatral da UFRJ,
aborda a questão das filmagens ou gravações de peças teatrais:
(...) O teatro se perde na passagem, mas algo se adquire. Algo que diz
respeito à linguagem de origem e à de chegada: na primeira, uma narrativa
cujos principais suportes são a co-presença atores/espectadores e sua
vinculação a certas leis de tempo e espaço. Na segunda, uma platéia posta
diante de corpos sem carne (imagens), uma narrativa estruturada pela lógica
dos cortes e da montagem, atores a condicionar sua representação ao olho da
câmara. É irresistível o desejo de dar permanência a uma obra de arte cujo
destino é o desfazimento logo ao apagar das luzes. Os resultados da
filmagem do espetáculo desanimam: a “passagem” não se verifica: o
resultado não é mais teatro, mas também não se transformou em cinema.
Queixam-se os atores, surpreendidos pela perda de “calor” ou “frescor” da
representação; queixa-se o encenador, por não saber onde foi parar o
conjunto da cena. (...)
dcccxviii
34
Esta análise atesta que a peça teatral, tal qual ela vai à cena, não deve ser filmada
ou gravada, para que isso aconteça, o ponto de partida é executar a adaptação à linguagem que
se deseja, para que o produto possa ser considerado como obra de arte, caso contrário se terá
apenas um registro. Comparando-se o texto teatral com a dramaturgia construída para o rádio,
percebe-se que as didascálias trazem determinações de espaço e tempo, que remetem a
significados idênticos às da dramaturgia teatral, portanto, geram a manutenção das propostas
pelo dramaturgo.
CONTRA-REGRA PASSOS ARRASTADOS DE ALPERCATAS DE
COURO EM CALÇADA, ARRASTAR CONTÍNUO DE MADEIRA
SOBRE CIMENTO, ESTRUTURAR A DISTÂNCIA, MAIS LONGE,
MÉDIO, MAIS PRÓXIMO / ASSOCIAR BARULHOS URBANOS
NOTURNOS E CARACTERÍSTICOS DA MADRUGADA / VOZES
ESPARSAS / RISOS / BARULHOS DE CAIXOTES EMPILHADOS/
GARRAFAS E COPOS (...)
CONTROLE – VINHETA DO PRODUTOR / TEMA DA PEÇA / MÚSICA
SAMBA DE RODA SEM CANTO / (...)
(...) CONTRA-REGRA BARULHOS URBANOS MATINAIS / VOZES
ESPARSAS COM CADA VEZ MAIS COMPONENTES / RISOS /
BARULHOS DE PAPÉIS / VOZES INFANTIS / CAIXOTES SENDO
EMPILHADOS / ARRASTAR DE MESAS, GARRAFAS E COPOS /
PREGÕES / RUÍDOS DE AUTOMÓVEIS VARIADOS FORÇANDO
MOTOR PARA SUBIDA / CRIANÇAS CORRENDO / RUÍDO DE
SANDÁLIAS FEMININAS QUE SE ARRASTAM DESCENDO A
LADEIRA / INTERIOR DE BAR
MINHA TIA – (De fora) Iansã lhe dê um bom dia, Galego.
GALEGO – (De dentro, com forte sotaque espanhol) Gracias, Minha Tia.
CONTRA-REGRA BASE RUÍDO INTERNO DE BAR/ RUÍDO DE
SANDÁLIAS FEMININAS QUE SOBEM ESCADAS? PÁRA
MINHA TIA (De fora, não muito longe) Quer vir aqui dar uma mãozinha,
pra sua tia, meu branco?
CONTRA-REGRA EMPURRAR DE CADEIRAS, PASSOS DE
TAMANCO APRESSADOS QUE SE DESLOCAM, PASSOS DE
TAMANCO QUE SOBEM ESCADAS/
CONTROLE – MÚSICA DE ATABAQUES
CONTRA-REGRA RUÍDOS DE MONTAGEM DE CAVALETES,
MADEIRA SOBREPOSTA / RUÍDOS DE PANELA, POTES,
TABULEIROS
MINHA TIA – Santa Bárbara lhe pague. (Espantada) Oxente! Que é aquilo?
GALEGO – Não sei. Já estava aça quando abri a venda. Parece maluco.
CONTRA-REGRA PASSOS DE TAMANCO QUE DESCEM ESCADAS
RUÏDOS DE PAPEL DE SEDA AO VENTO / RUÍDOS DE POTES DE
FERRO, SOBROS E BRASA.
SONOPLASTIA – ASSOVIO DE CANÇÕES DE REPENTE
CONTRA- REGRA PASSOS ARRASTADOS DE CHINELOS DE
COURO SOBRE CALÇAMENTO
DEDÉDECLAMANDO
Bom dia, Galego amigo!
Dia assim eu nunca vi;
Para saudar Iansã,
Não repare eu lhe pedi:
Me empreste por obséquio
Dois dedos de parati.
dcccxix
34
O Radioteatro criado a partir de uma peça teatral, consiste em transformá-la em
peça radiofônica, produzi-la com tecnologia acústica num tom dramático através de uma
radioemissora. Dias Gomes, quando fez a adaptação de “O Pagador de Promessas” para o
rádio, trazia na bagagem dezoito anos de experiência nesse tipo de atividade, o que o
tornava apto a trabalhar com facilidade e atingir seus objetivos.
Dias sabia que crianças, jovens, adultos e anciãos gostam de ouvir histórias, além
de que a dramatização ativa a emoção, o sentimento, a expectativa, a curiosidade, portanto, o
drama no rádio faz com que a mente humana transporte-se no espaço e no tempo,
transformando as imagens auditivas em imagens visuais. O rádio possui uma vantagem sobre
os meios de comunicação impressos: a voz humana, portadora de entusiasmo, compaixão,
raiva, dor, riso, na radionovela o principal recurso sonoro é a voz humana, os outros sons,
naturais e mecânicos são meros complementos. A mente humana se serve dos cinco sentidos.
São milhões de sensações que diariamente os sentidos enviam ao cérebro. Na radionovela,
autor e ator exploram o campo emocional, alterando o humor do ouvinte. As emoções são
contagiantes; se num recinto, uma pessoa ri, certamente as outras rirão também; se chora, as
outras chorarão também. O binômio ficção/emoção deu suporte ao radioteatro porque havia
um elemento novo: sentir aquilo que não era vivido por ninguém, mas que poderia se aplicar a
qualquer pessoa. A dramaturgia é considerada melhor produzida, quando dispensa a presença
do narrador, dessa forma, o uso dos nomes dos personagens é indispensável nas falas,
especialmente no começo da cena, o trecho que se segue é escalarecedor da afirmativa:
ZÉ – (Ofegante, pára) É essa, Rosa. Só pode ser essa.
CONTRA-REGRA RUÍDO DE SACOLA DE PANO JOGADA NO
CHÃO
ROSA (Enfastiada, com uma revolta contida) E agora, ? Está
fechada.
dcccxx
Desde que “O Pagador” foi adaptado para o cinema, o dramaturgo recebeu um
grande número de cartas dos ouvintes, solicitando que ele apresentasse a “peça do filme no
rádio”.
dcccxxi
Assim, atendendo a solicitação dos “senhores ouvintes” a peça, desta vez
radiofonizada, foi ao ar. Na década de 1960, um grande número de famílias brasileiras já tinha
rádio em casa, isto é, 4.776.300 aparelhos, 35,38% das residências
dcccxxii
, sem contar que as
ondas da Rádio Nacional chegavam a todo o país. A audiência do Radioteatro era grande, com
a premiação do filme em Cannes, “O Pagador de Promessas” foi um sucesso. Dias tinha
consciência que o rádio atrai vivamente o ouvinte, movimenta a imaginação do receptor,
sugere situações e cenas com efeitos de sonoplastia e música, estimula situações concretas,
34
quase palpáveis, quanto mais humano for o texto, tanto maiores as possibilidades de atingir o
público, o ouvinte identifica-se com as situações e os personagens, o público sente que,
participa do tema abordado, mobiliza a inteligência do ouvinte que vai vivenciando todo o
processo e julgando as situações apresentadas; portanto, ele sabia da importância de suas
obras veiculadas pelo rádio.
Um aspecto de relevância deve-se ressaltar, o tempo na dramaturgia das diversas
linguagens. A obra para o teatro tem a duração de quatorze horas, pois o casal chega à praça
às quatro horas da manhã e Zé-do-Burro é morto e levado à igreja às dezoito horas, o mesmo
tempo é utilizado nas versões para o rádio e a ópera. Já as dramaturgias para o cinema e para a
televisão não estabelecem o tempo preciso, porque não fica claro, em primeiro lugar, no
cinema, quantos dias o casal levou para se deslocar do interior para a capital, tempo que será
acrescido da espera de Zé-do-Burro para ser atendido pelo pároco até o dia de Santa Bárbara e
a morte do protagonista. Na Minissérie televisiva o espaço temporal é ainda maior, houve
todo um acréscimo de acontecimentos que antecedem até o casamento de Rosa e , em
seguida o percurso, que em determinado momento, sem se saber quanto tempo passou, o
protagonista atesta: “- Daqui prá frente temos mais duas semanas e meia e a gente
chega!”
dcccxxiii
Além do que, desde a chegada à escadaria da igreja até a morte de Zé-do-Burro
não fica explícito o tempo decorrido, sabe-se, sim, que foram mais de quatorze horas.
O sonho de adaptar “O Pagador de Promessas” para a ópera não se materializou
para que Dias Gomes e Henri Doublier, seus mentores, pudessem assistir. A história de
devoção, ingenuidade, intriga, vaidade e poder foi à cena como ópera, no dia 25 de agosto
de 2006, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, sete anos depois da morte de Dias e dois
anos depois da de Henri.
Fernando Peixoto, em sua obra “Ópera e Encenação” ao abordar a ópera nos dias de
hoje afirma:
O problema central da ópera em nossos dias, particularmente no que se
refere à sua inesgotável capacidade de travar um diálogo produtivo com um
público jovem, reside na releitura crítica de todos os diferenciados orgânicos
elementos que integram a partitura. A função do encenador na ópera
finalmente começa a adquirir um significado relevante porque implica o
estabelecimento de uma estética, mas também um responsável código ético e
político.
dcccxxiv
Seja a ópera vista como música escrita para ser encenada, para ser cantada durante
uma representação teatral ou excluída do universo teatral devido à presença intrigante e
decisiva da partitura musical, ou ainda discutir sua necessária renovação musical e cênica, seu
significado estético, seu caráter histórico e vinculado à estrutura política e econômica da
34
sociedade,
dcccxxv
não afasta da sua composição seus elementos fundamenTaís: partitura, libreto,
conflitos, situações, personagens, orquestra, solistas, coro, cenas de dança, regente,
encenador, figurinos, cenografia, iluminação e espaço cênico.
A ópera “O Pagador de Promessas” une o formato tradicional da ópera com a
“brasilidade” que a adaptação de uma peça teatral de Dias Gomes tem que ter. O canto é em
português, há a inclusão dos ritmos étnicos da capoeira e do baião, sobressaem as danças de
origem africana e os ritmos religiosos oriundos do sincretismo.
A montagem, em todas as suas etapas de construção contou com o empenho e a
criatividade dos alunos e ex-alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, num total de
130 jovens, que abraçaram o projeto de levar à cena uma obra pronta desde 1992, que recebeu
a aprovação e toda a documentação burocrática necessária para a produção por Dias Gomes
em 1993. Desde aquela época, todo o esforço e desempenho de seus criadores Dias Gomes,
Eduardo Escalante, Henri Doublier e Marie Jeanne Calasans não resultaram no desfecho
esperado, não houve interesse por parte dos patrocinadores, nem apoio oriundo das classes
específicas como a Companhia de Ópera Nacional, a Orquestra Sinfônica Brasileira da Cidade
do Rio de Janeiro, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nem interesse dos órgãos públicos
como o Ministério da Educação e Cultura, a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de
Janeiro. Todos se pautavam numa mesma desculpa, como bem expressa Fernando Peixoto:
(...) Sinônimo de velhice e chatice. Celebração repetitiva de um ritual do
passado e para o passado. Um paraíso do falso e das convenções
estratificadas, o universo dos telões pintados, do sentimentalismo piegas e do
gestual abstrato e sem significado expressivo ou realista de balofos
cantores.
dcccxxvi
O espetáculo aconteceu com a promoção do Fórum de Ciência e Cultura da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a coordenação do Prof. Dr. Carlos Antônio Kalil
Tannus. Para a decepção dos incrédulos, a curta temporada de cinco dias e mais duas
apresentações extras, lotaram os 1.222 lugares do teatro João Caetano além do acréscimo de
100 cadeiras extras espalhadas pelos corredores.
A direção cênica esteve a cargo de Menelick de Carvalho e solistas, coro e
orquestra sob a regência do maestro Wendell Kettle, provando que nos dias de hoje o
significado da ópera é outro, porque ela parte da criação atualizada das partituras, direção
contemporânea por regentes e encenadores, interpretação de cantores músicos e artistas
plásticos renovada, unidos numa reflexão crítica sobre o espetáculo, “num movimento no
esforço de uma re-teatralização do espetáculo de ópera”.
dcccxxvii
34
A ópera “O Pagador de Promessas” foi desenvolvida em dois atos, num total de
vinte e quatro quadros, com a duração aproximada de duas horas. O fato do compositor ter
incluído atabaques e berimbaus à orquestra, busca a sintonização religiosa, em que o
catolicismo e o candomblé se antagonizam, numa luta constante pelo poder.
Como foi apresentado, Dias Gomes aprovou a edificação da ópera, em que a
adaptação também pertenceu ao grau de adaptação propriamente dita”, levando-se em conta
que os diálogos tornaram-se letras das músicas, (Quadro 13) mas construídas a partir dos
originais de Dias, como se pode comprovar na Ária de Marli.
ÁRIA DE MARLI
DIÁLOGOS DO TEXTO TEATRAL
Gira, gira prá cá
Gira, gira prá lá!...
Sou a pomba que vem...
Sou a pomba que vai...
Sou a pomba que vem,
Sou a pomba que vai...
Tudo que ele tem
Só eu posso lhe dar!
Só eu posso lhe dar
Posso lhe dar
Todos têm que saber
Que ele é meu, mais ninguém!
Meu de mais ninguém
De mais niguém
Toda me dei
Foi tanto que amei
O vesti e o saciei
Por que me trata assim?
Olha só para mim!
Me machuca!
É grosseiro!
Me leva ao desespero!
Ao desespero!...
dcccxxviii
(...) Bonitão – (Alcança-a e a obriga a
parar torcendo-lhe violentamente o
braço) (...) Não tenho nada que discutir
com você.
Marli – (Livra-se dele com um safanão,
mas seu rosto se contrai dolorosamente)
Estúpido! (...)
Bonitão – E aquele galego...(...)
Marli – Um boa-conversa. Queria se fletar
comigo. Ficou mangando a noite toda e
não se resolveu.
Bonitão – Sua Vaca (...)
Marli – Mas o que lhe falta? Eu não tenho
lhe dado tudo que você me pede? Se for
preciso dou mais. Não pense que é por
medo que você me largue pela Matilde não.
(...) É porque tenho prazer em ver você
vestido com a roupa que eu dei, com os
sapatos que eu comprei e com a carteira
recheda de notas que eu ganhei pra você.
Tenho orgulho, sabe? (...)
Marli – Não! Primeiro quero tirar isso a
limpo. Quero que essa vaca saiba que você
é meu. (Com orgulho) Meu! (Grita para
Rosa) Esta roupa foi comprada com o meu
dinheiro! Esta e todas que ele tem! (...) Ele
é meu, ouviu? (...) É meu homem! É meu
homem! (...)
dcccxxix
Quadro 13-Análise da “Ária de Marli”, da ópera “O Pagador de Promessas”
34
A partitura da mesma ária apresenta, através desta forma, as intenções de Dias
Gomes impressas nas didascálias do texto teatral, adaptadas através das indicações contidas
nas didascálias da partitura musical. Em primeiro lugar a personagem Marli, prostituta
explorada pelo gigilô Bonitão, é interpretada por uma cantora com o timbre de Mezzo-
soprano Marília Zangrandi. O Mezzo-soprano é a voz intermediária entre o soprano e o
contralto, apresenta um timbre mais pesado, mais encorpado, mais escuro, mais volumoso do
que o soprano e tem uma extensão maior na região central grave, por isso, vários
compositores remetem a voz de mezzo-soprano às ciganas (Carmen de Bizet), às prostitutas
(Angelina, de Rossini), às antagonistas (Amneri, em Aída, de Verdi).
As didascálias da partitura da Ária de Marli (Figura XX) trazem marcas
características da personagem, pois como Marli é uma prostituta, o jogo da letra “Gira, gira,
(...) Sou Pomba (...) estabelece de imediato uma relação com a entidade “Pomba-gira”,
dcccxxx
das religiões africanas. Ao apresentar-se em sua função “sou pomba que vem, sou pomba que
vai”, a repetição da mesma frase melódica tem o objetivo de marcar de forma intensa a ação
de ir e vir, “voando de mão em mão”, com uma pequena mudança na última nota que sobe um
tom de lá para si (Quadro 14):
sol sol sol mi sol mi
Frase
1
Sou a Pom- ba que vem Sou a Pom- ba que vai
sol sol sol mi sol mi
Frase
2
Sou a Pom- ba que vem Sou a Pom- ba que vai
Quadro 14-Análise da frase melódica da “Ária de Marli”, da ópera “O Pagador de Promessas”
dcccxxxi
No momento em que Marli deseja afirmar sua posse sobre Bonitão, “Só eu posso
lhe dar, que ele é meu, mais ninguém”, as notas utilizadas são mais agudas e as indicações
assinalam força. Quanto à frase melódica final da ária, ela possui crescendo – “si si bemol
sol lá” e a nota final “lá” é prolongada por três compassos interligados, durante cinco
tempos, que por fim o interrompidos por pausa abrupta enquanto a orquestra finaliza o
trecho com os acordes em pianíssimo (Figuras 177 e 178).
34
Figura 177-Partitura da “Ária de Marli”, da ópera “O Pagador de Promessas”
dcccxxxii
Acordes finais
Nota prolongada
Última nota
Seqüência melódica repetida
34
Figura 178-Partitura da “Ária de Marli”, ópera “O Pagador de Promessas”
dcccxxxiii
Texto: Henri Doublier e
Marie Jeanne Calasans
Música: Eduardo Escalante
34
Indicações como: Vem de longe o som dos atabaques dum candomblé distante,
no toque de Iansã”, presentes na dramaturgia para o teatro, apresentam o “prefixo”
motivador da ação central do drama. Tanto que os escritos do libreto da versão operística, de
Henri Doublier e Mourie Jeanne Calasans, tomaram essa didascália como base para criar o
clima da ópera, que ao ser musicada pelo maestro Eduardo Escalante serviu também de mote
ao seu processo criativo, como ele mesmo afirmou em entrevista ao Jornal da BandNews:
“Dias Gomes deixou bem claro no seu texto o som dos atabaques dum candomblé distante,
no toque de Iansã –; portanto, ali reside a preparação do clima da ópera, o tema O Ponto de
Iansã, Canto de Terreiro”.
dcccxxxiv
Esse recurso de aclimatação também se sustenta pela mesma didascália na peça
para o rádio: “CONTROLE TEMA DA PEÇA / MÚSICA DE PERCUSSÃO DE
CANDOMBLÉ,”
dcccxxxv
como no roteiro para cinema: “Noite Tambores, agogô, candomblé,
a dança dos Orixás, realce em Iansã”.
dcccxxxvi
Quando o maestro Eduardo criou a entrada da personagem Beata como um
momento de descontração e humor, pelo uso dos “pizzicati”
dcccxxxvii
das cordas e da percussão,
foi a tradução que o músico criou para as didascálias:
Entra, pela ladeira, a Beata. Toda de preto, véu na cabeça, passinho miúdo,
vem apressada, como se temesse chegar atrasada (...) resmunga (...) Pára de
resmungar ao ver a cruz. Ajeita os óculos, como se não acreditasse no que
está vendo. Aproxima-se e examina detalhadamente a cruz e o seu dono
adormecido. Sua expressão é da maior estranheza.
dcccxxxviii
O elenco formado por jovens cantores, comprometidos com a adaptação da obra de
Dias Gomes para ópera deixou cair por terra o velho conceito de que o interesse por esse tipo
de linguagem está reservado aos mais velhos (Quadro 15).
Além disso, segundo depoimento do diretor cênico Menelick de Carvalho, todo o
trabalho de composição das personagens, da criação do cenário e dos figurinos, foi
desenvolvido a partir da dramaturgia para o teatro, porque a ópera apresenta seus quadros na
mesma seqüência do texto teatral.
34
PERSONAGENS
ELENCO
Zé-do-Burro
Leandro da Costa (barítono)
Rafael Thomas (barítono)
Rosa
Laila Oazem (soprano)
Chiara Santoro (soprano)
Bonitão Jorge Mathias (baixo)
Marli Marília Zangrandi (mezzo-soprano)
Padre Emídio Rossmann (baixo)
Dedé Ivan Jorgensen (tenor)
Monsenhor Wanderley Souza (baixo)
Repórter Guilherme Heus (tenor)
Mestre Coca Luiz Ricardo Lopes (tenor)
Beata Paloma Godoy (soprano)
Minha Tia Andress Inácio (contralto)
Galego Jardel Maia (tenor)
Guarda Daniel Presgrave (barítono)
Secreta Marcelo Inagoki (baixo)
Sacristão Rafael Erbesdobler (tenor)
Delegado Rafael Capossi (barítono)
Bailarinos Companhia Folclórica do Rio
Capoeiristas
Roda sob a direção do Prof. Gilberto
Oscaranha.
Quadro 15-Atores/cantores e personagens da ópera “O Pagador de Promessas”
Fica claro, portanto, com os estudos de Fernando Peixoto a respeito da visão que o
povo brasileiro tem da ópera:
A desculpa de que o público aceita óperas que conhece é falsa e
paralisadora. O mesmo acontece com a desculpa de que cantor brasileiro não
consegue se libertar de um repertório tradicional: o avanço pode até mesmo
ser lento e feito por etapas, mas a verdadeira afirmação de um repertório
vivo e atualizado, que incorpore as mais diversas tendências de estilo ou
linguagem, será atingida com coragem e paciência, ousadia e prática. E
tempo. Tempo para mudar e também para ensaiar cada passo desta
transformação inadiável. Avançar neste caso significa ter tempo para
aprofundar cada instante de trabalho.
dcccxxxix
As didascálias da dramaturgia teatral apresentam uma série de informações que
deram suporte às adaptações que foram desenvolvidas e que devem ser observadas.
No primeiro quadro do primeiro ato, a descrição detalhada do espaço cênico,
conforme apresentam as didascálias:
34
Uma pequena praça, onde desembocam duas ruas. Uma à direita,
seguindo a linha da ribalta, outra à esquerda, ao fundo, de frente para a
platéia, subindo, enladeirada e sinuosa, no perfil de velhos sobrados
coloniais. Na esquina da rua direita, vemos a fachada de uma igreja
relativamente modesta, com uma escadaria de quatro ou cinco degraus.
Numa das esquinas da ladeira, do lado oposto, uma vendola, onde
também vende café, refresco, cachaça, etc.; a outra esquina da ladeira é
ocupada por um sobrado cuja fachada forma ligeira barriga pelo
acúmulo de andares não previsto inicialmente. O calçamento da ladeira
é irregular e na fachada dos sobrados vêem-se alguns azulejos
estragados pelo tempo.
dcccxl
Essa descrição é seguida de um comentário subjetivo a respeito da inflação
imobiliária e a destruição sem controle do acervo arquitetônico. Enfim, é uma paisagem
tipicamente baiana, da Bahia velha e colonial, que ainda hoje resiste à avalanche
urbanística moderna”.
dcccxli
Dando prosseguimento à abertura, pode-se observar a instalação temporal que serve
como elemento referencial para uma leitura da iluminação da cena, além dos elementos de
sonoplastia que são o primeiro foco identificador no processo de instalação do conflito. Deve-
se levar em conta que o texto não faz nenhuma referência aos acontecimentos que ali foram
desembocar. Devem ser, aproximadamente, quatro e meia da manhã. Tanto a igreja
como a vendola estão com suas portas cerradas. Vem de longe o som dos atabaques dum
candomblé distante, no toque de Iansã
dcccxlii
. Ainda no trabalho de ambientação, Dias
Gomes apresenta uma descrição detalhada das personagens de Zé-do-Burro e Rosa,
abordando a estrutura física e psicológica, além da composição do figurino, com referências
específicas que determinam a origem, a classe social, o estado de espírito, como o trecho
abaixo:
Ele é um homem ainda moço, de 30 anos presumíveis, magro de estatura
média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições transmitem
bondade, tolerância e em seu rosto um “quê” de infantilidade. Seus
gestos são lentos, preguiçosos, bem como sua maneira de falar. Tem
barba de dois ou três dias e traja-se decentemente, embora sua roupa
seja mal talhada e esteja amarrotada e suja de poeira. Rosa parece
pouco ter de comum com ele. É uma bela mulher, embora seus traços
sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário do
marido, tem “sangue quente”, revelando, logo à primeira vista, uma
insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em
que se sente sufocar. Veste-se como uma provinciana que vem à cidade,
mas também como uma mulher que não deseja ocultar os encantos que
possui.
dcccxliii
34
ainda nesse primeiro momento, orientações de movimentação das personagens
na cena, com referências a respeito das intenções e sentimentos. Fica claro a postura
antagônica de Zé-do-Burro e Rosa, independente de qualquer texto dialógico, as didascálias
apresentam a insatisfação da mulher, com o marido, com a situação em que está inserida,
sente-se humilhada e dominada pela raiva:
Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro surja, pela rua da
direita, carregando nas costas uma enorme e pesada cruz de madeira. A
passos lentos, cansados, entra na praça, seguido de Rosa, sua mulher.
Zé-do-Burro vai até o centro da praça e pousa a sua cruz,
equilibrando-a na base de um dos braços, como um cavalete. Está
exausto. Enxuga o suor da testa. Olhando a Igreja. (...) Rosa pára
também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando entrever
uma revolta que se avoluma. (...) Olha-o com raiva e vai sentar-se num
dos degraus. Tira o sapato. (...) Num rictus de dor, despe uma das
mangas do paletó. (...) Convicto. (...) Ele sobe um ou dois degraus.
Examina a fachada da igreja à procura de uma inscrição. (...) Corre os
olhos em volta. (...) Olha-o quase com raiva. (...) Levanta-se e procura
convencê-lo. (...) Pensativo. (...) Ergue os olhos para o céu,
medrosamente, e chega a entreabrir os lábios, como se fosse dirigir-se à
santa. Mas perde a coragem. (...) Olha-o com raiva e vai deitar-se num
dos degraus da igreja. (...) Rosa ajeita-se da melhor maneira possível no
degraus, enquanto Zé-do-Burro, não menos cansado do que ela, faz um
esforço sobre-humano para não adormecer. Cochila, montando guarda
à sua cruz. (...)
dcccxliv
Como afirma Renata Pallottini, a poesia dramática “nasce da necessidade humana
de ver a ação representada; mas não pacificamente, e sim por meio de um conflito de
circunstâncias, paixões e caracteres”.
dcccxlv
Assim, Dias Gomes “amorteceu” a cena e em meio a essa lacuna de “madorna” faz
interromper ao espaço cênico as personagens que traçam o contraponto com o casal
interiorano.
Marli e Bonitão, ao serem inseridos na dramaturgia, têm o foco na construção
psicológica dessas personagens, ressaltando principalmente a relação opressor/oprimido.
Com relação a Marli, o dramaturgo destaca a sua fragilidade, os seus recalques,
disfarçados pelos exageros característicos do meio onde vive e trabalha.
A descrição física e psicológica de Bonitão, assim como seu figurino, moldam-se às
atividades que exerce de explorar mulheres, vangloriar-se de sua postura de macho, delineiam
seu espaço e as justificativas para seu comportamento:
34
Subitamente, irrompem na praça Marli e Bonitão. Seus gestos e atitudes
refletem o conflito da mulher que quer se libertar de uma tirania que,
no entanto, é necessária ao seu equilíbrio psíquico – a exploração de que
é vítima por parte de Bonitão vem, em parte, satisfazer um instinto
maternal frustrado. Há em seu amor e em seu aviltamento, em sua
degradação voluntária, muito de sacrifício maternal, ao qual não falta,
inclusive, um certo orgulho. Bonitão é insensível a tudo isso. Ele é frio e
brutal em sua “profissão”. Encara a exploração a que submete Marli e
outras mulheres como um direito que lhe assiste, ou melhor, um dom
que a natureza lhe concedeu, juntamente com seus atributos sicos. Em
seu entender, sua beleza máscula e seu vigor sexual, aliados a um direito
natural de subsistir, justificam plenamente seu modo de vida. É de
estatura um pouco acima da média, forte e de pele trigueira, amulatada.
A ascendência negra é visível, embora os cabelos sejam lisos, reluzentes
de gomalina e os traços regulares, com exceção dos lábios grossos e
sensuais e das narinas um pouco dilatadas. Veste-se sempre de branco,
colarinho alto, sapatos de duas cores.
dcccxlvi
As ações que as didascálias marcam na entrada de Bonitão e Marli explicitam a
relação entre os dois, de agressividade, de desrespeito, de licenciosidade, de opressão, de
exploração permissiva e permitida, de falsidade. Ações apresentadas num ritmo acelerado até
que há um ponto de retenção marcado pelo acender do cigarro e a mudança de foco:
(...) Descem a ladeira, ela na frente, a passos rápidos. Ele a segue, como
se viessem já de uma discussão. (...) Bonitão alcança-a e a obriga a
parar, torcendo-lhe violentamente o braço. (...) Marli livra-se dele com
um safanão, mas seu rosto se contrai dolorosamente. (...) Tira do bolso
um maço de notas e entrega a ele. (...) Bonitão conta as notas
rapidamente. (...) Mete subitamente a mão no decote de Marli e tira de
entre os seios uma nota. (...) Ele faz menção de dar-lhe um bofetão, ela
corre e refugia-se atrás da cruz. Zé-do-Burro desperta de sua semi-
sonolência. (...) Bonitão guarda o dinheiro na carteira. (...) Indiferente.
(...) Sorri e em seu sorriso uma sombra de ameaça. (...) Marli
compreende a ameaça, avança para ele sacudida pelo ciúme e pelo
receio de perdê-lo. (...) Ansiosamente. (...) Agarra-o freneticamente pelos
braços. (...) Bonitão olha-a friamente. (...) Marli alisa sua roupa e
admira-o, maternalmente. (...) Bonitão desvencilha-se dela. (...)
Bruscamente. (...) Marli decepcionada. (...) Enciumada. (...) Bonitão com
muita seriedade. (...) Acende um cigarro, abstraindo-se da presença de
Marli, que o fita como a um cão escorraçado pelo dono. então este se
mostra intrigado com a cruz no meio da praça. Examina-a curiosamente
e por fim dirige-se a Zé-do-Burro. (...)
dcccxlvii
As didascálias atestam em seguida a relação entre os dois casais, deixando nítida a
diferença entre eles e os objetivos de cada uma das quatro personagens. Suas atitudes são
apresentadas para que na continuidade da trama esse fio da narrativa já tenha sido estendido, o
34
ingênuo, puro, honesto, verdadeiro em contraposição com o malandro, usurpador, cretino,
esperto; a meretriz urbana em contraposição com a sonhadora, imatura, fraca, insatisfeita,
interiorana. Até que se fecha o primeiro quadro com as indicações de iluminação prescritas
nas didascálias:
balança a cabeça em sinal afirmativo. Marli vai até à escada da
igreja, senta-se num degrau, sem se incomodar com Rosa, deitada mais
acima, tira os sapatos e movimenta os dedos doloridos. Bonitão nota a
igreja, faz uma associação de idéias. (...) A princípio parece não
entender, depois ri. (...) Nota que Marli ainda não se foi. (...) Bonitão vai
a ela. (...) Marli levanta-se. (...) Bonitão olha-a de cima a baixo, com
desconfiança. (...) Marli fita-o com ódio e sai bruscamente pela direita.
Bonitão acompanha-a com o olhar e depois sorri, tira o dinheiro do
bolso e torna a contá-lo. candidamente. (...) Bonitão guarda o
dinheiro. (...) Sobe, como se fosse sair, mas se detém diante de Rosa, cujo
vestido, levantado, deixa ver um palmo de coxas. Rosa abre os olhos,
sentindo que está sendo observada. (...) Rosa conserta o vestido. (...)
Rosa olha-o com raiva. (...) Bonitão olha-a mais detidamente. (...) Rosa
aponta Zé-do-Burro. (...) Senta-se. (...) Bonitão consulta o relógio. (...)
Rosa ressentida (...) Zé (...) hesita um pouco. (...) Sai. (...). Bonitão depois
que Zé-do-Burro sai. (...) Rosa levanta-se. (...) Bonitão algo interessado.
(...) Bonitão segura-a por um braço. (...) Volta a aproximar-se dela.
Vaidoso. (...) Senta-se junto dela. (...) Entra Zé-do-Burro pela direita.
Bonitão levanta-se. (...) Rosa revoltada. (...) volta a deitar-se no degrau.
Bonitão assumindo um ar tão eclesiástico quanto possível. (...) muito
ingenuamente. (...) Bonitão rapidamente. (...) Zé volta-se para Bonitão.
(...) Bonitão fingindo-se ofendido. (...) Rosa percebendo o jogo de
Bonitão. (...) Rosa inicia a saída. Pára, hesitante. Pressente o perigo que
vai correr. Procura, com o olhar, fazer Zé-do-Burro compreender o seu
receio. (...) enfia a mão no bolso, tira um maço de notas. (...) Rosa
recebe o dinheiro. Magoada com a falta de ciúmes do marido. (...)
levando a sério a sugestão. (...) Rosa sobe a ladeira e Bonitão a segue.
Bonitão saindo. (...) Zé senta-se ao pé da cruz e procura uma maneira de
apoiar o corpo sobre ela. Aos poucos, é vencido pelo sono. As luzes se
apagam em resistência.
dcccxlviii
A abertura do segundo quadro é iniciada por um movimento de luz com andamento
assinalado, até chegar ao dia claro. Há também indicações para a sonoplastia, que deve
remeter à cidade que acorda: As luzes voltam a acender-se, lentamente, até dia claro.
Ouvem-se, distantes, ruídos esparsos da cidade que acorda”.
dcccxlix
Na seqüência, Dias oferece, pelas didascálias, o primeiro indício de uma das
posições de confronto que irão sustentar a dramaturgia, o sincretismo religioso. Imerso no
universo urbano, os fogos e os sinos vibram na mesma intenção: Um ou outro buzinar,
foguetes estouram saudando Iansã, a Santa Bárbara nagô, e o sino da igreja começa a
chamar para a missa das seis”.
dcccl
Em seguida, o dramaturgo apresenta um comentário
subjetivo, que é também uma indicação para a cena. Ele poderia ter escrito, continua a
34
dormir, mas com o objetivo de marcar a condição exaustiva da personagem. Nada disso
acorda Zé-do-Burro”.
dcccli
A entrada da personagem Beata traz, em suas didascálias, as características
psicológicas expressas através de suas ações e de seus figurinos e adereços. Ainda nessa
passagem, o dramaturgo apresenta uma opção de direção para a cena, com a presença ou não
de figurantes:
Entra, pela ladeira, a Beata. Toda de preto, véu na cabeça, passinho
miúdo, vem apressada, como se temesse chegar atrasada. Passa por Zé-
do-Burro e a cruz sem notá-los. Pára diante da escada e resmunga (Fica
a critério da direção utilizar nesse quadro figurantes que descerão a
ladeira e entrarão na igreja.) (...) (...) Beata pára de resmungar ao ver a
cruz. Ajeita os óculos, como se não acreditasse no que está vendo.
Aproxima-se e examina detalhadamente a cruz e o seu dono
adormecido. Sua expressão é da maior estranheza. (...)
dccclii
A constante preocupação com o ritmo da cena apresenta, após a entrada da Beata
com seus traços caricaturais cômicos, uma outra personagem com a mesma tipificação, o
sacristão:
Nesse momento, abre-se a porta da igreja e surge o Sacristão. É um
homem de perto de cinqüenta anos. Sua mentalidade, porém, anda
pelos quatorze. Usa óculos de grossas lentes, é míope. O cabelo teima em
cair-lhe na testa, acentuando a aparência de retardamento mental. Ele
parece bêbado de sono. Boceja largamente, ruidosamente, depois de
abrir a primeira banda da porta. Espreguiça-se e solta um longo
gemido. Depois que abre toda a porta, encosta-se por um momento no
portão e cochila, sem dar pela Beata, que se aproxima.
dcccliii
Em sequência, as personagens aceleram o ritmo cênico de forma sincopada,
ressaltando a figura de Zé-do-Burro e o estranhamento provocado por sua figura com a cruz.
O aparecimento de Bonitão instala um certo tom de peso, que prepara a cena para a chegada
de Padre Olavo:
Beata dá-lhe uma leve cotovelada. (...) Sacristão desperta muito
assustado. (...) Beata aponta para a cruz. (...) Sacristão apura a vista. (...)
Beata benze-se e entra apressadamente na igreja. O Sacristão aproxima-
se de Zé-do-Burro, curioso. É quando entra Bonitão, pela ladeira. Ele
a igreja aberta, estranha. (...) Sacristão olha-o aparvalhado. (...) Bonitão
aproxima-se de Zé-do-Burro. (...) Cínico. (...) Sacode Zé-do-Burro. (...)
Zé desperta. (...) Levanta-se com dificuldade, os músculos adormecidos e
doloridos. (...) Bonitão apressadamente. (...) Sacristão interessado. (...)
Bonitão examina-o de cima a baixo. (...) Padre Olavo surge na porta da
igreja. Sacristão como se tivesse sido surpreendido em falta. (...)
Sacristão dirige-se apressadamente à igreja.
dcccliv
34
A descrição do Padre Olavo, nas didascálias que introduzem a personagem, é
pontuada por expressões que serão constantes até o fim da trama: olhar intimidador,
fanatismo, intolerância, enérgico. Esse trecho traz também uma opinião subjetiva do
dramaturgo, que expõe sua visão a respeito da postura da igreja católica radical diante das
manifestações populares de fé, fora de seus padrões pré-regulamentados:
Pára na porta, ante o olhar intimidador de Padre Olavo. É um padre
moço ainda. Deve contar, no máximo, quarenta anos. A convicção
religiosa aproxima-se do fanatismo. Talvez, no fundo, isto seja uma
prova de falta de convicção e uma autodefesa. Sua intolerância que o
leva, por vezes, a chocar-se contra princípios de sua própria religião e a
confundir com inimigos aqueles que estão de seu lado – não passa,
talvez, de uma couraça com que se mune contra uma fraqueza
consciente. Para o sacristão. (...) Sacristão à guisa de defesa. (...) Padre
repara em Bonitão e Zé-do-Burro. (...) adianta-se. (...) Inclina-se,
respeitoso e beija-lhe a mão. (...) Padre olha a cruz, detidamente. (...)
Sacristão expandindo infantilmente a sua admiração. (...) Padre lança-
lhe um olhar enérgico. (...) Seu interesse por Zé-do-Burro cresce. Zé-do-
Burro despe um lado do paletó, abre a camisa e mostra o ombro.
Sacristão espicha-se todo para ver e não esconde a sua impressão. (...)
Padre parece satisfeito com o exame. (...) balança afirmativamente a
cabeça. (...) Padre faz um gesto nervoso para que o Sacristão se cale. (...)
Padre parece meditar profundamente sobre a questão. (...) Padre
enojado. (...) com grande tristeza. Bonitão que assistiu a toda a cena,
um pouco afastado, solta uma grosseira gargalhada. (...) Padre Olavo
olha-o, surpreso, como se agora tivesse notado a sua presença.
Bonitão pára de rir quase de súbito, desarmado pelo olhar enérgico do
padre. (...)
dccclv
A visão pessoal que o dramaturgo tinha do sincretismo era a de uma fusão de
elementos culturais diferentes ou até antagônicos, em um só elemento, uma tendência a
unificar idéias e doutrinas diversificadas e que por vezes eram até inconciliáveis. As
didascálias que se seguem apresentam o primeiro confronto entre o crente Zé-do-Burro e o
padre Olavo. Este primeiro embate, com a presença de esguelha de Bonitão, que havia
seduzido a mulher de Zé, acontecimento desconhecido por todos e que justifica a postura
cínica do gigolô, sua mulher é a ponta de iceberg que começa a se mostrar e que será aparente
até o final da trama.
Deve-se ressaltar também as intenções que se apresentam para a personagem do
Padre como secamente, contendo indignação, grita, atitude inquisitorial, que bem o
caracterizam como aquele que se apresenta como “dique de contensão” aos objetivos do
protagonista. Em contraposição estão as intenções apresentadas para Zé-do-Burro: recita os
acontecimentos, consciência, cometeu uma falha, ri, retificando, humildemente,
34
angustiadamente, atitude de incompreensão e revolta, que delineiam o caráter puro, mas ao
mesmo tempo obstinado de um homem que deseja manter a palavra empenhada. Como
espectadores desse primeiro encontro estão a Beata que sai, assiste, entra apressadamente,
designando a curiosidade doentia; o Sacristão, prontamente, rotulando a subserviência
covarde e Bonitão que, afastado, observa, sorriso irônico, imprimindo a maldade e infâmia.
Trata-se do final do primeiro ato que se encerra com didascálias direcionadas à
sonoplastia, para compor mais um binômio antagônico, a porta para Santa Bárbara é fechada
ao mesmo tempo em que a saudação para Iansã se abre para todos poderem ouvi-la:
recita. (...) Noutro tom. (...) Padre secamente, contendo ainda a sua
indignação. (...) Zé: com a consciência de quem cometeu uma falta, mas
não muito grave. (...) Padre como se anotasse as palavras. (...) Grita. (...)
Controla-se. (...) Zé ri. (...) Como que retificando. (...) Padre
procurando, inicialmente, controlar-se. (...) Como se não ouvisse.
Explodindo. (...) alguns passos de um lado para outro, de mão no
queixo, e por fim detém-se diante de Zé-do-Burro, em atitude
inquisitorial. (...) Zé Humildemente. (...) A Beata sai da igreja e fica
assistindo à cena, do alto da escada. (...) Zé angustiadamente tenta
explicar-se. (...) Padre as costas e dirige-se à igreja. O Sacristão trata
logo de segui-lo. em desespero. (...) PADRE: Para o sacristão. (...)
Entra na igreja. (...) A Beata entra também apressadamente, atrás do
Padre. O Sacristão, prontamente, começa a fechar a porta da igreja,
enquanto Zé-do-Burro, no meio da praça, nervos tensos, olhos dilatados,
numa atitude de incompreensão e revolta, parece disposto a não arredar
dali. Bonitão, um pouco afastado, observa, tendo nos lábios um
sorriso irônico. A porta da igreja se fecha de todo, enquanto um
foguetório tremendo saúda Iansã.
dccclvi
Dias Gomes possuía um claro posicionamento sobre a religião e os caminhos que
os homens tomavam em seu nome, como comenta o professor Lauro Góes:
dccclvii
Dias considerava a religião como um instrumento das elites para subjugar as
massas pobres em prol de interesses dos poderosos como os latifundiários,
os políticos e os “coronéis” do Nordeste Brasileiro. Dias Gomes foi e é
muito importante para a dramaturgia brasileira, pois sua obra tem uma
unidade fundamental, que é o empenho na crítica dos valores nacionais, ou
seja, a vontade de falar desse país, das mazelas e de suas peculiaridades.
Essa era a mais notória característica de sua produção artística, e o que o
aproximava do público, que além de excelente escritor, era um ser humano
fantástico.
dccclviii
O segundo ato estabelece que passaram duas horas; portanto, se o Padre Olavo
impediu a entrada de Zé-do-Burro quando iria celebrar a missa das seis da manhã, o segundo
ato começa às oito da manhã, o que apresenta o início do burburinho da vida urbana. Neste
34
segmento, além das ações, orientações de adereços previamente marcados, as bandeirolas
devem ter as cores vermelha e branca, que são características de Santa Bárbara e Iansã;
enfeitar ruas e casas com bandeirolas para as festas populares é um traço cultural herdado da
colonização lusitana:
Aproximadamente, duas horas depois. Abriu-se a vendola e o Galego
aparece trepado num caixote, amarrando um cordão com bandeirolas
vermelhas e brancas que vai da porta da venda ao sobrado do lado
oposto. e sua cruz continuam no meio da praça. Ouve-se um pregão:
“Bei-ju... olha o bei-ju!” Logo após, surge no alto da ladeira uma preta
em trajes típicos, com um tabuleiro na cabeça. Ela desce e ao passar
pelo Galego saúda. (...)
dccclix
A introdução de personagens no segundo ato está associada às atividades do
cotidiano baiano. Em cena estão o dono do bar, a baiana de acarajé, o vendedor de cordel e a
beata, esses papéis sociais circundam Zé-do-Burro. Mais uma vez o autor apresenta a sugestão
ao diretor de manter ou não a presença de figurantes em cena. a descrição física da
personagem Dedé Cospe-Rima associando as características e figurino à atividade que exerce,
além da utilização de cartazes, um viés “brechtiano” na composição de Dedé. Os traços da
pluri-religiosidade baiana é mais uma vez apontada nestas didascálias, através de gestos
comuns, a Beata que se benze e Minha Tia que pede proteção ao seu Orixá:
Galego espanhol. (...) Minha Tia vai até a igreja e aí, junto aos degraus,
pára. A critério da direção e em momentos que não prejudiquem a ação,
transeuntes cruzarão a praça, durante todo o ato. (...) Minha Tia para
Galego. Galego apressa-se a ir ajudá-la. Retira primeiro o cavalete, que
está sobre o tabuleiro, abre-o, depois de ajudá-la a tirar o tabuleiro da
cabeça e colocá-lo em cima do cavalete. (...) Minha Tia nota Zé-do-
Burro. (...) Galego vai pregar as bandeirolas, enquanto Minha Tia põe-
se a arrumar o fogareiro, procura acendê-lo. (...) Desce a ladeira, passo
mole, preguiçoso, Dedé Cospe-Rima. Mulato, cabeleira pixaim, sob o
surrado chapéu-coco um adorno necessário à sua profissão de poeta-
comerciante. Traz, embaixo do braço, uma enorme pilha de folhetos:
Abecês, romances populares em versos. E dois cartazes, um no peito,
outro nas costas. Num se lê: “ABC da Mulata Esmeralda uma obra-
prima”, e no outro: “Saiu agora, tá fresco ainda!”: “O que o Cego
Jeremias viu na Lua.” Dedé declama. Galego entra na venda e dá a volta
por trás do balcão. (...) Serve o parati. Dedé bombástico, teatral. (...)
Troca os folhetos (...) Bebe o parati de um trago. Refere-se às
bandeirinhas. (...) Estende novamente o cálice. (...) Galego faz cara feia,
mas enche de novo o cálice. (...) A Beata entra da direita e detém-se
junto a Minha Tia. Ao ver Zé-do-Burro. Mostra-se surpresa e
indignada. (...) Beata lança um olhar acusador a Zé-do-Burro. (...) Beata
benze-se. Dirige-se para a esquerda e ao passar por Zé-do-Burro
insulta-o. (...) Sobe a ladeira seguida do olhar de comovedora
incompreensão de Zé-do-Burro. Dedé ouviu a conversa. Para o Galego.
(...) Atravessa a praça. Não sem mostrar-se intrigado e curioso ao passar
por Zé-do-Burro. (...) Minha Tia oferece. (...). Dedé aponta. (...) Minha
34
Tia entrega o abará embrulhado numa folha de bananeira. Dedé
referindo-se a Zé-do-Burro. (...) Minha Tia com respeito. (...). Toca com
as pontas dos dedos o chão e a testa. (...)
dccclx
A entrada do Guarda vem acompanhada de uma série de intenções dessa
personagem, apresentando de forma subjetiva a visão que Dias possuía das autoridades
militares. O Guarda deseja estar fora dos problemas, o dever tem o mesmo valor do medo da
responsabilidade, não gosta de ser obrigado a usar a autoridade que tem, a autoridade lhe
incomoda:
O guarda entra pela direita. Vai diretamente a Zé-do-Burro. É um
homem que procura safar-se dos problemas que se lhe apresentam. Sua
noção do dever coincide exatamente com o seu temor à
responsabilidade. Seu maior desejo é de que nada aconteça, a fim de que
a nada ele tenha que impor a sua autoridade. No fundo, essa autoridade
o constrange terrivelmente e mais ainda o dever de exercê-la. (...)
dccclxi
A cena que se segue apresenta a relação entre Zé-do-Burro e o Guarda, sob a
assistência de Dedé Cospe-Rima e Minha Tia. Todas as ações propostas pelas didascálias
estão carregadas de intenções. O Guarda pretende resolver o impasse estabelecido para que
não seja forçado a tomar atitudes. A entrada do Sacristão para dar acesso ao Guarda à igreja,
as didascálias apresentam as intenções de covardia e a incapacidade de ter atitudes próprias:
Guarda refere-se à cruz. (...) Coça a cabeça, preocupado. Sua paciência
começa a esgotar-se. (...) irritando-se também um pouco. (...) Dedé
Cospe-Rima, que assistiu a toda a cena, não resiste à curiosidade e vem
presenciá-la mais de perto. Minha Tia também acompanha tudo com
interesse. (...) Guarda raciocina, operação que lhe parece custar
tremendo esforço físico. (...) Pensa mais um pouco, que não outra
maneira de resolver o problema, decide-se. (...) Dirige-se à porta da
igreja, ante os olhares de grande expectativa do Galego, de Dedé, de
Minha Tia. Dedé sai. (...) Guarda bate várias vezes, sem resultado,
encosta o rosto na porta e chama. (...) Segundos depois, abre-se uma
fresta e surge por ela a cabeça do Sacristão, receoso. (...) Sacristão
certifica-se de que não perigo, abre um pouco mais a porta. (...)
Guarda tira o quepe e entra. Sacristão fecha a porta rapidamente.
dccclxii
A entrada de Rosa à cena caracteriza-se, principalmente, pela utilização de
indicações que pontuam o fato dela estar voltando de uma ação que transgrediu as leis do
matrimônio. A partir dessas indicações, pode-se intuir a traição cometida pela personagem,
ou, no mínimo a mudança de comportamento que sinaliza que algo de estranho aconteceu.
Algumas expressões das didascálias merecem destaque nessa análise do
comportamento de Rosa como: vem um pouco apressada”, seguida de Zé, diminui o
passo”, que a personagem deseja o adiamento desse encontro com o marido, devido ao ar
34
culposo disfarçar”. A visão egocêntrica de Rosa está assinalada em refletindo na
própria experiência”, centrada em seu problema”, sem fitá-lo”, diante de todas essas
intenções, o autor propõe um sentimento solidário de para com ela. se desculpando por
não pensar na situação dela”. Rosa, porém, tem consciência da gravidade do ocorrido e um
certo remorso pelo ocorrido, desta forma, o dramaturgo explicita os sentimentos da
personagem nas didascálias impossibilidade de comunicar a ele o problema.” Além disso
ele registra os sentimentos da mulher em relação à atitude do marido ferida pela falta de
ciúmes”:
Rosa desce a ladeira. Vem um pouco apressada, como se temesse não
encontrá-lo ali. Mas quando Zé-do-Burro, diminui o passo,
tranqüiliza-se em parte. Não perde, entretanto, um certo ar culposo, que
procura disfarçar. (...) Rosa nota a igreja fechada. (...) balança a
cabeça, na maior infelicidade. (...) Rosa refletindo na própria
experiência. (...) concentrada em seu problema. (...) Sem fita-lo. (...)
como que se desculpando por não pensar na situação dela. (...) Rosa ante
a impossibilidade de comunicar a ele o seu problema. (...) Ferida pela
falta de ciúmes dele.
dccclxiii
A cena seguinte traz a chegado do Repórter e do Fotógrafo, estabelecendo a relação
entre as quatro personagens, os dois recém chegados, Rosa e Zé-do-Burro. As didascálias
assinalam as ações do Repórter e do Fotógrafo, que estão relacionadas às suas atividades
profissionais, assim como os objetivos aos quais eles se propõem. Determinadas expressões
contidas nas didascálias revelam as características do Repórter: vivo, perspicaz, entusiasta,
efusivamente, entusiasmo, interrogativamente, antevendo o interesse, toma notas, sem
atenção, gesto característico”, enquanto o Fotógrafo “circula”. Percebe-se, neste segmento,
a contraposição de Zé do Burro com relação ao Repórter, confirmadas pelas expressões:
estranheza, desconfiança, impacientar-se, contrariado, recusa-se a respondê-las,
irritado, não entende, alguma vaidade, modesto, ofendido, profundamente contrariado”.
Ao passo que Rosa aceita a postura do Fotógrafo e expressa a sua adesão, “interrompe,
repreensão, não entendeu, sorri, envaidecida, sentindo-se heroína”:
Repórter entra acompanhado do Fotógrafo. (...) Vai a Zé, enquanto o
Fotógrafo circula à procura de ângulos. O Repórter é vivo e perspicaz.
Dirige um cumprimento entusiasta a Zé-do-Burro. (...) Aperta
efusivamente a mão de Zé-do-Burro. (...) olha-o com estranheza. (...)
Repórter com entusiasmo. (...) Calcula o peso. (...) Ri, mas seu riso
murcha como um balão ante o ar de desconfiança de Rosa e Zé-do-
Burro. (...) Para o fotógrafo. (...) Posa de frente para Zé-do-Burro, de
caderno e lápis em punho. (...) começa a impacientar-se (...)
Contrariado. (...) Rosa interrompe, em tom de repreensão. (...) Não
entendeu. (...) Repórter olha interrogativamente para Zé-do-Burro. Zé
34
contrariado. (...) Repórter para Rosa (...) Rosa sorri, envaidecida,
sentindo-se heroína também. (...) Repórter as perguntas são feitas a Zé-
do-Burro, mas este recusa-se a respondê-las. (...) irritado. (...)
Repórter repentinamente, antevendo o interesse que despertará a
reportagem. (...) não entende. (...) Repórter toma notas. (...) Anota.
(...) com alguma vaidade, dissimulada num sorriso modesto. (...)
Repórter confidencial. (...) ofendido. (...) Repórter noutro tom. (...)
Faz com o indicador e o polegar o gesto característico. (...)
profundamente contrariado. (...) Repórter sem lhe dar atenção. (...)
dccclxiv
Segue-se o retorno do Guarda à cena e uma sucessão de ações e intenções que
marcam a presença e as características das personagens que também atuam nesse momento.
Esta seqüência estabelece a posição do Guarda de estar decepcionado com o fato de não ter
conseguido contornar a situação.
A postura do Repórter aproveitando-se dos acontecimentos no intuito de produzir a
notícia que lhe proporcione uma matéria rendosa, percebe-se, também, nessa passagem a
vaidade acentuada diante da mera do fotógrafo que pode viabilizar a notoriedade. Pode-se
detectar a postura crítica do dramaturgo, explícita nas indicações das didascálias “Rosa
escancarando-se num sorriso de dentifrício”, que marcam a falta de senso e de
sensibilidade, assim como em o Guarda, de peito estufado, disputando honrosamente a
sua participação no acontecimento”, ao mesmo tempo em que reserva uma didascália plena
de lirismo metafórico para apresentar as indicações para Zé-do-Burro vergado ao peso da
cruz e de sua imensa infelicidade”:
Abre-se parcialmente a porta da igreja. O Sacristão deixa o Guarda
passar e torna a fechá-la. O Guarda vem ao encontro de Zé-do-Burro,
que o aguarda sem muita esperança. (...) Guarda balança a cabeça,
desanimado. (...) Zé cada vez mais contrariado e mais infeliz. (...) Rosa
vislumbrou nas palavras do Repórter uma possibilidade confusa de
libertação, ouviu-as num entusiasmo crescente. (...) Repórter pisca o
olho para Zé-do-Burro, que não percebe a insinuação. (...) Para Zé-do-
Burro. (...) Para Rosa. (...) Zé-do-Burro fica indeciso, sem palavras para
traduzir a sua indignação. Rosa empurra-o para baixo da cruz e coloca-
se a seu lado, numa atitude forçada. O Guarda também procura,
discretamente, aparecer na fotografia. A cena é caricatural, com Rosa
escancarando-se num sorriso de dentifrício, Zé-do-Burro vergado ao
peso da cruz e de sua imensa infelicidade. E Guarda de peito estufado,
disputando honrosamente a sua participação no acontecimento. Galego
sai da venda apressado e dirige-se ao Fotógrafo. (...) Fotógrafo coloca-se
de molde a aparecer, no fundo, a venda. Galego corre para junto do
balcão e posa. (...) O Fotógrafo bate a chapa. (...) Repórter para o
Fotógrafo. (...) Não gosta da idéia. (...) com decisão. (...) Sacristão
cede, de má vontade. (...) Sai, com Zé-do-Burro e o Fotógrafo. Ouvem-se
buzinas insistentes. (...) Guarda olha na direção da direita. (...) Saí pela
direita.
dccclxv
34
O trecho a seguir apresenta as didascálias do diálogo entre Rosa e Bonitão, após o
período em que estiveram a sós no hotel. Nesse segmento, Dias também faz uso de linguagem
metafórica para indicar as intenções de Rosa Sente-se cada vez mais empurrada para ele,
como para um abismo, e não há nela, precisamente, um desejo de resistir ao salto
definitivo”:
Bonitão desde a ladeira e pára na vendola. Rosa o vê e não esconde a sua
emoção. Bonitão para o Galego. (...) Galego serve de cachaça. Rosa vai à
venda e encosta-se no balcão, ao lado de Bonitão. (...) Procurando uma
justificativa para sua falta de coragem. (...) Sente-se cada vez mais
empurrada para ele, como para um abismo, e não nela,
precisamente, um desejo de resistir ao salto definitivo. Há apenas a
imensa fraqueza da criatura humana no momento das grandes decisões.
(...) Bonitão ri, cônscio de seu poder de sedução. (...) Entra Zé-do-Burro.
Rosa e Bonitão disfarçam.
dccclxvi
O próximo segmento vai apresentar mais uma resposta negativa ao objetivo de Zé-
do-Burro, como se proclamasse um momento de “marasmo” para a chegada de ações
intensas:
Minha Tia detendo-o. (...) Assume uma atitude de extrema
cumplicidade. (...) Zé, ele não entende. (...) Hesita um pouco e por fim
reage com veemência. (...) Abre-se a porta da igreja e surgem Repórter,
Fotógrafo e Sacristão. Repórter para o Sacristão. (...) Zé-do-Burro
um passo em direção à igreja. Sacristão assusta-se. (...) Entra e fecha a
porta, precipitadamente. Fotógrafo vai à vendola. Repórter indo a Zé-
do-Burro. (...) Procura estimulá-lo a resistir. (...) Zé-do-Burro olha-o
como se procurasse inutilmente entender um ser vindo de outro planeta.
(...) Repórter para Rosa. (...) Sai seguido do Fotógrafo. (...) Rosa com
vaidade. (...)
dccclxvii
Esta cena é a última do primeiro quadro do segundo ato. Trata-se de um fragmento
em que as didascálias apresentam o embate em Marli, Rosa e Bonitão. A cena inicia-se com
um ritmo intenso imposto pelos verbos e adjetivos: avança, mede, segura, grita, perde,
arrastar, agressiva, enérgica, irônica, autoritária, violenta, ameaçador”, para que, após a
saída de Marli e Bonitão, mergulhe no silêncio onde a presença do olhar de Zé-do-Burro a
Rosa é pleno de significados: dúvida, incredulidade, pavor”. O silêncio como indicador da
catástrofe:
Neste momento, entra Marli pela direita. Ao ver Bonitão junto a Rosa,
avança para ele em atitude agressiva. (...) Mede Rosa de alto a baixo. (...)
Bonitão em voz contida, mas enérgico. (...) Marli irônica. (...) Bonitão
autoritário. (...) O rosto de Zé-do-Burro se cobre de sombras e ele busca nos
olhos de Rosa uma explicação. Ela não o fita. Bonitão segura Marli por um
braço, violentamente. (...) Marli com orgulho. (...) Grita para Rosa. (...)
Bonitão perde a paciência ameaçador. (...) Marli deixando-se arrastar por
34
ele na direção da direita. (...) uma pausa terrivelmente longa, na qual
Zé-do-Burro apenas fita Rosa, silenciosamente, sob o impacto da cena. Em
seu olhar, lê-se a dúvida, a incredulidade e sobretudo o pavor diante de um
mundo que ameaça a desmoronar. As luzes se apagam em resistência.
dccclxviii
A abertura do quadro dois do segundo ato, apresenta as indicações do tempo em
que as ações se desenvolvem, essas mesmas indicações são dirigidas também à iluminação.
Inicialmente estão em cena Zé-do-Burro, Rosa, Minha Tia e Galego. Em seguida entra Dedé
Cospe-Rima e logo depois Mestre Coca. Para a personagem do capoeirista, Dias descreve seu
figurino e movimento corporal. Trata-se de um momento em que as personagens Dedé e
Galelo deixam expresso o desejo de tirar vantagens sobre a sina de Zé-do-Burro. também
indicações de sonoplastia, que retomam ao fato de ser também o dia da festa de Iansã, a
senhora dos raios e dos trovões e o autor precisa a inserção, deixando a presença sempre
constante da questão religiosa:
Três horas da tarde. Zé-do-Burro e Rosa continuam no meio da praça.
Minha Tia com seu tabuleiro, na porta da igreja, o Galego na venda.
Dedé Cospe-Rima entra da direita. (...) Dedé oferece a Zé-do-Burro. Zé-
do-Burro recusa com um gesto. (...) Dedé lê, declamando. (...) Para Zé-
do-Burro. (...) com decisão. (...) Dedé com intenção. (...) Faz com os
dedos um sinal característico de dinheiro. (...) Zé olha-o com
desconfiança (...) Dedé vai a Zé. (...) Zé vigorosamente. (...) irritado.
(...) Mestre Coca desce a ladeira, gingando, e pára na vendola. É um
mulato alto, musculoso e ágil. Veste calças brancas boca-de-sino e
camisa de meia. (...) Coca para Galego. (...) Galego serve a cachaça.
Ouvem-se trovões longínquos. (...) Coca nota Zé-do-Burro. (...) Dedé
sobe a ladeira com os folhetos embaixo do braço. (...) Rosa para o
marido. (...) tira do bolso uma nota. Rosa toma a nota e vai a Minha
Tia. (...) Minha Tia fitando Zé-do-Burro, com simpatia e incredulidade.
(...)
dccclxix
A cena seguinte marca a entrada de uma personagem até esse momento
desconhecida. Dias Gomes o descreve e traça a sua trajetória silenciosa pelo palco, com o
objetivo de introduzir um questionamento. Quem é esse homem? As didascálias expressam
esse desejo do escritor: Tanto pode ser o representante da lei como o fugitivo”. Em seu
percurso deve expressar que está procurando alguém. Outro aspecto relevante são as
indicações que registram o comportamento das personagens diante da fotografia impressa no
jornal, “corre ansiosa, examina, sorri vaidoso, espicha o pescoço.
As didascálias expressam, a partir da entrada de Bonitão, que ele e Secreta têm um
acordo, disfarçadamente, indica, com o olhar, Zé-do-Burro, O Secreta põe-se a ler o
jornal, uma mirada para Zé-do-Burro, trocam olhares significativos”.
34
O desenrolar da cena apresenta um crescendo contínuo nas ações e intenções de Zé-
do-Burro, que projeta todo o sofrimento que o crente tem sido submetido desde a sua
promessa. Uma série de expressões perpassam pelas didascálias: estranha, ressentimento,
não muito convencido, desconfiança, revolta, arrebata, faz em pedaços, fera acuada,
inflamando-se, desesperado, inicia um gesto, imobiliza no ar, avança, isola-se, grita,
gritando alucinadamente.” Até que ocorre o corte com a entrada do Padre, cuja ação
também é desenvolvida num crescendo, após uma indicação de “grande silêncio”. Esse
processo pode ser observado pelas expressões: de súbito, avança, convicto, para toda a
praça, dedo em riste”:
Secreta, o “tira” clássico. Chapéu enterrado até os olhos, mãos nos bolsos,
inspira mais receio que respeito. À primeira vista, tanto pode ser o
representante da lei como o fugitivo da lei. Entra pela direita e atravessa a
cena, lentamente, em direção à vendola. Ao passar por Zé-do-Burro
demora nele um olhar de desabusada curiosidade. (...) Olha em torno,
procurando alguém, consulta o relógio. (...) Rosa durante a entrada do
Secreta, esteve escolhendo alguns quitutes no tabuleiro da baiana. Recebe-
os agora, embrulhados em folha de banana, das mãos da preta. Paga. (...)
Rosa ri, leva os quitutes para Zé-do-Burro. Este recusa com um gesto.
Entra da direita o Guarda, com um jornal na mão. (...) Guarda mostra a
jornal a Rosa, que corre ansiosamente. (...) Rosa examina o retrato. (...)
Guarda sorri vaidoso. (...) Rosa faz uma careta de desagrado. (...) Guarda
como se agora lhe ocorresse ler a reportagem. (...) Lê. (...) estranha.
(...) Espicha o pescoço e por cima do ombro do guarda. (...) Guarda
continua. (...) Entreolham-se sem entender. (...) Continuando a ler. (...)
Olha-o com certa desconfiança. (...) o jornal a Zé-do-Burro. (...)
Iniciando a saída. (...) Sai. (...) não esconde o ressentimento que guarda
dela. (...) Fita Rosa. (...) Rosa agarrando-se a uma justificativa para a sua
própria falta. (...) Veemente. (...) Zé não muito convencido. (...) o jornal.
Entra Bonitão pela direita e vai diretamente à vendola Aproxima-se do
Secreta. Traz um jornal embaixo do braço. Bonitão em voz baixa,
disfarçadamente. (...) Para o Galego. (...) Galego serve. (...) Secreta idem.
(...) Bonitão corta, sorrindo. (...) Ri. (...) Indica, com o olhar, Zé-do-Burro.
(...) Noutro tom. (...) Mostrando o jornal. (...) O Secreta põe-se a ler o jornal
atentamente, dando de vez em quando uma mirada para Zé-do-Burro,
como a comprovar as afirmativas. Bonitão atira uma nota sobre o balcão.
(...) Iniciando a passagem. (...) Galego para Mestre Coca. (...) Zé-do-Burro
recebe Bonitão e Secreta com desconfiança. Rosa mostra certo
constrangimento diante de Bonitão. Este apresenta o Secreta. (...) Zé dentro
dele, uma revolta de proporções imprevisíveis começa a crescer. (...)
Arrebata o jornal das mãos de Rosa e o faz em pedaços. (...) Rosa assustada.
(...) repete como uma obsessão. (...) Seu olhar, que começa a ser agora
um olhar de fera acuada, cai sobre Bonitão. (...) Inflamando-se. (...)
Desesperado. (...) Inicia um gesto, como se atirasse uma bomba contra a
igreja, mas o braço se imobiliza no ar, ele percebe a heresia que ia proferir,
deixa o braço cair e ergue os olhos para o céu. (...) Secreta e Bonitão trocam
olhares significativos. Zé-do-Burro avança dois ou três passos em direção à
igreja, isola-se do grupo e grita a plenos pulmões. (...) Dedé desce a ladeira e
fica assistindo à cena curioso. (...) Galego deixa a vendola e vem para o meio
da praça, no momento em que surgem também na ladeira dois tocadores de
berimbau, de instrumento em punho. Colocam-se ao lado de Mestre Coca e
ficam apreciando. Zé gritando alucinadamente. (...) Abre-se de bito a
34
porta da igreja e aparece o Padre. O Sacristão atrás dele, amedrontado.
Grande silêncio. O Padre avança até o começo da escada. (...) Padre
sinceramente convicto. (...) Padre agora para toda a praça. (...) Rosa com
mais veemência. (...) Entra o Guarda da direita e se detém no meio da
praça. (...) Padre leva o dedo em riste. (...)
dccclxx
A última cena do segundo ato inicia-se com a chegada da personagem Monsenhor,
que o dramaturgo marca nas didascálias como “paternal e magnânimo”, surge como uma luz
no fim do túnel para Zé-do-Burro. O poder maior da igreja surge em cena como uma
aparição sobrenatural”. Mais uma vez a indicação de um grande silêncioaparece como
geradora de uma declaração vital para o encaminhamento do enredo. O silêncio da passagem
a um novo crescente ações e intenções de Zé-do-Burro, a partir das colocações do Monsenhor
que desembocam em uma crise nervosa, soluça convulsivamente”. Rosa toma consciência
que Bonitão preparou uma arapuca para Zé-do-Burro, enquanto debate em seu conflito
entre ser adúltera e sentir-se realizada como fêmea. O ato finaliza-se com indicações de
iluminação e som:
Neste momento, entra Monsenhor. O Padre está no auge de sua cólera.
Ao ver Monsenhor, seu braço se imobiliza no ar, como ante uma
aparição sobrenatural. (...) Padre grita para a praça. (...) Todos abrem
passagem e se curvam respeitosamente. Monsenhor avança para a
igreja. Ao passar por Zé-do-Burro, este lhe cai aos pés e beija-lhe a mão.
(...) Monsenhor paternal, magnânimo. (...) Entra na igreja, seguido dos
seminaristas, do Padre e do Sacristão. Fecha-se a porta. (...) Zé com
esperança. (...) Abre-se a porta da igreja. Surgem Monsenhor e Padre,
seguidos do Sacristão. um grande silêncio de expectativa. (...) Zé
interrompe. (...) Sem entender. (...) Cai num terrível conflito de
consciência. (...) Rosa incitando-o a ceder. (...) Zé angustiado. (...) Zé
pausa. (...) Monsenhor atravessa a praça e sai. (...) corre na direção
de Monsenhor. (...) No auge do desespero. (...) Subitamente fora de si,
corre para a cruz, levanta-a nos braços como um aríete e grita. (...) Coca
para os tocadores de berimbau. (...) Sobe a ladeira. (...) Bonitão para
Secreta. (...) Secreta faz um sinal afirmativo com a cabeça. (...) Sai pela
direita. (...) Rosa que percebeu a troca de palavras entre o Secreta e
Bonitão. (...) Começando a compreender. (...) Horroriza-se ante a idéia
de traição. (...) Angustiada pelo conflito de consciência que se apossa
dela. (...) Rosa se debate em seu conflito: de um lado, sua noção de
lealdade gerando um repúdio natural à delação. Do outro, todos os seus
recalques sexuais; sua ânsia de libertação, de realização mesmo, como
mulher, que Bonitão veio despertar. Enquanto isso, Zé-do-Burro,
sentado nos degraus da igreja, sofre com uma crise nervosa. Soluça
convulsivamente. Os tocadores de berimbau fazem gemer a corda de
seus instrumentos. E lentamente, enquanto as luzes de cena se apagam,
CAI O PANO.
dccclxxi
As didascálias que abrem o terceiro ato apresentam de imediato indicações para a
iluminação, já que a cena está assinalada para acontecer no entardecer, o segundo aspecto é o
34
fato do autor pontuar agora, não como uma postura alternativa, mas como uma sugestão a
presença de figurantes a praça está cheia de gente”. também uma indicação específica
quanto ao tempo de duração da capoeira, com a argumentação para isso: A capoeira o
deve durar mais que dois minutos, a fim de não quebrar a continuidade dramática da
peça”. Neste momento estão em cena Zé-do-Burro, Rosa, Galego, Mestre Coca, Manoelzinho
Sua-Mãe, Dedé Cospe-Rima, Minha Tia, quatro músicos e os jogadores da roda de capoeira.
nas didascálias marcações que dirigem desde o início uma vibração crescente, um ritmo
intenso.
A roda de capoeira e sua música são marcadores do comportamento de Rosa, que
vai da curiosidade à instabilidade, ao nervosismo, à ansiedade. A cena encerra-se com uma
postura característica dos fiéis do candomblé, as oferendas aos Orixás, “Minha Tia enche um
prato e coloca-o de lado, no chão
”:
Entardecer. A praça está cheia de gente. Na escadaria da igreja, Zé-do-
Burro e Rosa. Na vendola, o Galego. À frente da vendola formou-se uma
roda de capoeira. Dois tocadores de berimbau, um de pandeiro e um de
reco-reco, sentados num banco, e os “camarados”, formando um
círculo, ao centro do qual, de cócoras, diante dos músicos, estão Mestre
Coca e Manoelzinho Sua-Mãe. Dedé Cospe-Rima está entre os
componentes da roda e Minha Tia não se encontra em cena. Choram os
berimbaus, e Rosa, dominada pela curiosidade, aproxima-se da roda.
Mestre do Coro canta (...) E tem início o jogo. Mestre Coca e
Manoelzinho Sua-Mãe percorrem a roda virando o corpo sobre as mãos
e começam a luta-dança, cuja coreografia é ditada pelo toque do
berimbau. Dedé grita. (...) Rosa, apreensiva, nervosa, desinteressa-se da
capoeira: vai até a ladeira, olha para o alto, ansiosamente, como se
esperasse alguém, depois volta para junto do marido. Muda o ritmo do
jogo. (...) E novamente muda o jogo, agora rápido, com os dois
jogadores empenhando-se em golpes de espantosa agilidade, no ritmo
cada vez mais acelerado da música. (...) A capoeira não deve durar mais
que dois minutos, a fim de não quebrar a continuidade dramática da
peça. (...) Cessam de repente o canto e o acompanhamento. Os jogadores
param de jogar. (...) A roda de capoeira se desfaz, alegremente. Todos
cercam Minha Tia, que vai instalar seu tabuleiro no local costumeiro,
ajudada pelos capoeiristas. Apenas os músicos continuam nos seus
bancos, e Mestre Coca vai à vendola. Rosa também permanece junto ao
marido, demonstrando um nervosismo, uma ansiedade crescente. (...)
Minha Tia enche um prato e coloca-o de lado, no chão. (...)
dccclxxii
Dando continuidade, as didascálias marcam as relações entre as personagens que
estão em cena traçando comentários sobre os acontecimentos, enquanto Rosa pontua uma
ansiedade intensa, no desejo de influenciar o marido para uma mudança de atitude, diante de
tanta insistência, chega à irritação. Pode-se perceber que o ritmo está sempre pontuado
numa contínua aceleração:
34
Minha Tia enche outro prato, a Dedé. (...) Dedé recebe o prato e
dirige-se à vendola. (...) Coca tira do bolso uma nota e coloca-a sobre o
balcão. (...) Galego coloca uma nota sobre a de Mestre Coca. (...) Dedé
vem se aproximando. (...) Num tom de mistério. (...) Coca estende a mão.
Dedé segura o prato com uma das mãos, com a outra remexe os bolsos.
(...) Coca desconfiado. (...) o dinheiro ao Galego. (...) Manoelzinho
aproxima-se de Mestre Coca. (...) Dedé aproxima-se de Zé-do-Burro. (...)
Pisca o olho e afasta-se. Minha Tia para Rosa. (...) Galego atravessa a
praça com um prato de sanduíches na mão e vai a Zé-do-Burro. (...)
Oferece. (...) Muito preocupado. (...) Oferece a Rosa. (...) Encolhe os
ombros, conformado. (...) Volta à venda. Zé, ele observa a
intranqüilidade indisfarçável de Rosa, que a todo momento olha
assustada para a ladeira ou para a rua, esperando ver surgir a polícia.
(...) Com intenção. (...) Rosa nervosamente. (...) Sacode-o pelos ombros,
como para chamá-lo à realidade. (...) Olha para todos os lados, como
fera acuada. (...) Volta-se para ele, com veemência. (...) Zé desconfiado.
(...) Rosa com intenção. (...) Entreabre-se a porta da igreja e surge na
fresta a cabeça do Sacristão, que ao ver Zé-do-Burro, torna a entrar e
fechar a porta. (...) Zé reage com irritação, procurando combater em si
mesmo o desejo de ceder. (...)
dccclxxiii
A cena seguinte apresenta em suas didascálias informações de respeito, num
momento em que todos os fios da trama começam a alinhar-se em direção ao desfecho. A
entrada de Secreta o elemento que desde o seu primeiro aparecimento trouxe consigo uma
carga dramática de detonador de acontecimentos ruins para Zé-do-Burro –, e a entrada de
Marli, logo depois, preconizam que os acontecimentos ruins, os desencontros estão muito
próximos. Esta cena também marca mais um confronto entre Marli e Rosa, pontuada por
expressões de afrontamento: referindo-se a Rosa, hostil, ameaçadora, reagindo, olham
desafiadoramente, quase se atracam, discussão, gesto de desprezo, mede-o, mais
desprezo, dá-lhe as costas”, como atesta o desapontamento de Zé-do-Burro para com a sua
mulher olhar de profunda desilusão”. Um dado importante, apontado pelas didascálias é o
aparecimento da pequena faca de cortar fumo”, utilizada como arma de afrontamento. O
fato do destaque desse objeto com tanta relevância está vinculado aos acontecimentos futuros
da trama:
O Secreta entra da direita e atravessa a praça em direção à vendola,
observando, dissimuladamente, Zé-do-Burro. Ao vê-lo, Rosa não
esconde sua inquietação. Acompanha-o com um olhar amedrontado até
a vendola. (...) Secreta para o Galego. (...) Galego serve a cachaça com
mel. notando a apreensão de Rosa. (...) Mestre Coca e Manoelzinho
vão à vendola, encostam-se no balcão junto do Secreta. (...) Secreta
lança a Mestre Coca um olhar de intimidação. (...) Secreta bebe a
34
cachaça de um trago, coloca uma moeda sobre o balcão e volta a
atravessar a cena, com ar misterioso, saindo pela rua da direita. Mestre
Coca e Manoelzinho trocam um olhar de solidariedade. (...) põe-se a
picar fumo com uma faquinha. Marli entra da direita, atravessa a cena,
lentamente, num andar provocante. (...) Dedé referindo-se a Marli. (...)
Mestre Coca ri. (...) Marli na venda, para o Galego. (...) Marli referindo-
se a Rosa. (...) Rosa para Zé-do-Burro. (...) Rosa vai à vendola. Zé-do-
Burro a segue com um olhar de profunda desilusão. (...) Marli hostil,
estranhando. (...) Ameaçadora. (...) Rosa reagindo. (...) As duas se olham
desafiadoramente a ponto, de quase se atacarem. Zé-do-Burro, que
ouviu a discussão, aproxima-se. (...) Completa a frase com um gesto de
desprezo. (...) Marli mede-o de cima a baixo, com mais desprezo ainda.
(...) Dá-lhe as costas, bruscamente, e sobe a ladeira. Galego solta uma
gargalhada, que corta de súbito, ante o olhar ameaçador de Zé-do-
Burro. Este, num gesto instintivo, ergue a pequena faca de picar fumo.
(...) Galego intimidado (...) Zé para Rosa, num tom que revela sua
desilusão, sua revolta e sua decisão de não mais deixar-se iludir. (...)
Rosa angustiada. (...)
dccclxxiv
Passam a integrar a cena o Repórter e o Fotógrafo, que introduzem uma tenda de
lona, um colchão de molas, uma mesinha e um rádio de pilha, que denotam as atitudes dos
“aproveitadores de plantão”, que, diante de qualquer situação, não perdem a oportunidade de
tirar vantagem em proveito próprio, como explicitam as didascálias: Oferta da Casa da
Lona, Gentileza da Loja Sonho Azul”. A irritação de Zé-do-Burro torna-se casa vez mais
intensa, como apontam as didascálias: hostil, as costas, ostensivamente, espanto,
surpreso, balança negativamente a cabeça, revoltado.O dramaturgo apresenta indicações
para a sonoplastia, que trazem para a cena a presença constante das forças da natureza
comandadas pela orixá Iansã, anunciando que algo forte como seus trovões vai acontecer.
Minha Tia repete sua saudação à entidade. Abaixa-se, toca o chão com a ponta dos dedos,
depois a testa”:
O Repórter e o Fotógrafo entram pela direita, a tempo de ouvirem a
última fala de Rosa. (...) hostil. (...) as costas ao Repórter,
ostensivamente, e volta para junto a cruz, na escadaria da igreja. O
Fotógrafo conversa qualquer coisa com os componentes da roda de
capoeira e sai seguido de Mestre Coca e mais três ou quatro. (...) Neste
instante, entram os capoeiristas conduzindo primeiro uma tenda de
pano armada e em seguida um colchão de molas. Na tenda, um
letreiro: Oferta da Casa da Lona. No colchão outro: Gentileza da
Loja Sonho Azul. Com enorme espanto de Zé-do-Burro e Rosa, eles
colocam a barraca no meio da praça e o colchão dentro da barraca. (...)
Entra o Fotógrafo trazendo uma mesinha e um rádio de pilha, que
coloca também na barraca. (...) Zé surpreso. (...) vai dizer qualquer
coisa a ele, o repórter interrompe. (...) Rosa irritando-se. (...) Pensa um
pouco. (...) Repórter sorri, descrente. (...) Rosa olha, ansiosamente, para
o alto da ladeira. (...) Repórter chama de parte o Fotógrafo. (...) Rosa,
angustiada, volta para junto do marido. Senta-se num degrau. (...) Dedé
vai a eles com seus folhetos. (...) Zé-do-Burro balança negativamente a
34
cabeça. Dedé vai a Minha Tia. (...) Aproxima-se da roda de capoeira.
Zé-do-Burro sobe um ou dois degraus, fita, revoltado, a porta cerrada.
(...) Minha Tia para Zé-do-Burro. (...) Ouvem-se trovões mais fortes que
da vez anterior. (...) Aponta para o céu. (...) Abaixa-se, toca o chão com a
ponta dos dedos, depois a testa e saúda Iansã. (...)
dccclxxv
As didascálias que marcam a entrada de Bonitão trazem uma série de intenções e
ações que atestam a oscilação de Rosa, o poder de Bonitão sobre ela e, em paralelo, Zé-do-
Burro focado em seu objetivo de pagar a promessa e manter a mulher ao seu lado.
Observe-se as expressões que servem de guia a Bonitão: surge, olhares se
cruzam, faz um gesto, espera, de ombros, acena, braço pela cintura, saem”; Rosa:
Levanta, olhares se cruzam, hesita, conflito, inicia a subida, pára, atraída, dar passos,
detém-se, avança, pára, hesita, sobe a ladeira, saem”; e Zé-do-Burro: olhos pregados na
porta da igreja, apelo, advertência, súplica”. As demais personagens em cena assistem e
emitem opinião, “trocam olhares significativos”:
Neste momento, surge Bonitão na ladeira. Rosa levanta-se, movida por
uma mola. Zé-do-Burro, com os olhos pregados na porta da igreja, não
o vê. Não que os olhares de Rosa e Bonitão se cruzam de um extremo
a outro da praça. E que ele, da ladeira, faz para ela um gesto,
convidando-a a acompanhá-lo. Rosa hesita, presa de tremendo conflito.
Olha para Zé-do-Burro, para Bonitão. Este a espera, certo de que ela
acabará por ir ao seu encontro. Minha Tia, Galego e Dedé percebem o
que se passa e aguardam atentamente. Vendo que ela não se decide,
Bonitão de ombros, sorri e acena num gesto curto de despedida.
Inicia a subida da ladeira, mas pára depois de dar dois ou três passos,
fora do ângulo visual de Rosa e Zé-do-Burro. Ela, como que atraída por
um ímã, inicia o movimento para segui-lo, quando Zé-do-Burro volta-se.
(...) Rosa detém-se. (...) Avança mais na direção da ladeira. (...) Pára,
na altura da ladeira, Bonitão à sua espera. (...) num apelo e numa
advertência que é quase uma súplica, (...) Rosa hesita ainda um pouco.
(...) Sobe a ladeira. Bonitão passa o braço pela cintura dela e os dois
saem. Galego e Dedé Cospe-Rima trocam olhares significativos.
dccclxxvi
As didascálias da última cena da peça apresentam indicações para a sonoplastia e
para a iluminação, pois os sinos tocam as Ave-Marias, o que indica a “hora do Angelus”,
dezoito horas.
As personagens ratificam suas posturas e características pontuadas pelas intenções e
ações. A cena é farta em ações que são propostas num ritmo intenso, projetando a cena ao
desenlace da trama. A porta da igreja abre-se e dela se projetam as personagens que trazem a
ação chave. A tensão da cena acentua-se. Mais uma vez, a faquinha de cortar fumo é foco de
atenção, para justificar as ações das personagens e a morte de Zé-do-Burro.
Indicações para a sonoplastia encerram a trama, a trovoada e a saudação de Minha
Tia a Iansã, acompanham a entrada de Zé-do-Burro na igreja:
34
Dedé canta. (...) O sino da igreja começa a tocar as Ave-Marias. A Beata
surge no alto da ladeira, apressada. Ao passar pela roda de capoeira,
que novamente se anima, tem um ar de repulsa e indignação. (...) Minha
Tia oferece. (...) Beata pára junto a ela. (...) Como se ouvisse o nome do
Diabo. (...) Benze-se repetidas vezes e sai. (...) Mestre Coca entra
correndo. A Zé-do-Burro. (...) balança a cabeça, sentindo-se perdido
e abandonado. (...) Rosa desce a ladeira correndo. (...) Subitamente,
abre-se a porta da igreja e entram em cena o Delegado, o Secreta, o
Guarda, o Padre e o Sacristão. (...) Secreta aponta para Zé-do-Burro.
(...) Avança para Zé-do-Burro, seguido do Delegado e do Guarda.
Guarda como que se desculpando. (...) Delegado faz o Guarda calar com
um gesto autoritário. (...) Zé estranha. (...) Delegado sorri irônico. (...) Zé
seu olhar vai do Delegado ao Secreta e ao Guarda, sem entender o que
se passa. (...) Secreta segura Zé-do-Burro por um braço, mas este se
desvencilha. (...) Guarda apaziguador. (...) aponta para o padre. (...)
Delegado que ganhou decisão com o sermão do Padre. (...) Avança um
passo na direção de Zé-do-Burro, que recua e fica encurralado contra a
parede. decidido a resistir. (...) Secreta a faca na mão de Zé-do-
Burro. (...) Observa a atitude hostil dos capoeiras. (...) Zé-do-Burro, de
faca em punho, recua em direção à igreja. Sobe um ou dois degraus, de
costas. O padre vem por trás e uma pancada no seu braço, fazendo
com que a faca cair no meio da praça. Zé-do-Burro corre e abaixa-se
para apanhá-la. Os policiais aproveitam e caem sobre ele para subjugá-
lo. E os capoeiras caem sobre os policiais para defendê-lo. Zé-do-Burro
desaparece na onda humana. Ouve-se um tiro. A multidão se dispersa
como num estouro de boiada. Fica apenas Zé-do-Burro no meio da
praça, com as mãos sobre o ventre. Ele ainda um passo em direção à
igreja e cai morto. Rosa num grito. (...) Corre para ele. (...) Padre num
começo de reconhecimento de culpa. (...) Delegado para Secreta. (...) Sai,
seguido do Secreta e do Guarda. O Padre desce os degraus da igreja, em
direção do corpo de Zé-do-Burro. Rosa com rancor. (...) O padre baixa a
cabeça e volta ao alto da escada. Bonitão surge na ladeira. Mestre Coca
consulta os companheiros com o olhar. Todos compreendem a sua
intenção e respondem afirmativamente com a cabeça. Mestre Coca
inclina-se diante de Zé-do-Burro, segura-o pelos braços, os outros
capoeiras se aproximam também e ajudam a carregar o corpo.
Colocam-no sobre a cruz, de costas, com os braços estendidos, como um
crucificado. Carregam-no assim, como numa padiola, e avançam para a
igreja. Bonitão segura Rosa por um braço, tentando levá-la dali. Mas
Rosa o repele com um safanão e segue os capoeiras. Bonitão dá de
ombros e sobe a ladeira. Intimidados, o Padre e o Sacristão recuam, a
Beata foge e os capoeiras entram na igreja com a cruz, sobre ela o corpo
de Zé-do-Burro. O Galego, Dedé e Rosa fecham o cortejo. Só Minha Tia
permanece em cena. Quando uma trovoada tremenda desaba sobre a
praça. Minha Tia encolhe-se toda, amedrontada, toca com as pontas dos
dedos o chão e a testa. (...) E O PANO CAI LENTAMENTE.
dccclxxvii
“O Pagador de Promessas” tem tidos propósitos de evidenciar questões sociais,
culturais, políticas, religiosas, econômicas da vida brasileira, em detrimento de aprofundar
34
psicologicamente suas personagens. Aqui cabe a análise do crítico Geraldo Queiroz, em 28 de
junho de 1962, no Jornal O Globo:
Um texto corajoso e dramaticamente válido eis o que se pode dizer desta
peça do Sr. Dias Gomes. (...) “O Pagador de Promessas” testemunha a favor
da evolução da dramaturgia brasileira e deve ser considerada como um
momento significativo dessa evolução, isto é, da integração sincera e clara
da nossa literatura dramática na realidade social do país. (...) A peça do Sr.
Dias Gomes não vale apenas pelo seu conteúdo, porque este se fortalece e
melhor se projeta por uma narração clara, feita em estritos termos de drama.
Dispõe o autor de uma segura técnica, que se afirma na apresentação das
personagens, na dialogação viva e sempre coerente com as situações, no
preparo e desenvolvimento das cenas, de tudo resultando uma construção
sóbria, econômica e necessária. (...) Zé-do-Burro chega ao fim, esmagado
por uma engrenagem que não pode compreender, fiel a si mesmo. Morre
com grandeza, dentro da sua simplicidade própria. (...)
dccclxxviii
6.2 A MANUTENÇÃO DO DRAMA ATRAVÉS DAS DIDASCÁLIAS NO TRÂNSITO
PELAS DIFERENTES DRAMATURGIAS TRILHADAS PELA OBRA “O REI DE
RAMOS”
Dias Gomes afirmava sua “Paixão pelo Teatro – um mal crônico, congênito e
incurável”
dccclxxix
e que não conseguia sentir-se plenamente realizado como dramaturgo, se
não estivesse escrevendo para o teatro. Porém, um dado interessante em relação à peça “O Rei
de Ramos”, dramaturgia para teatro, um
dos pilares dessa pesquisa, não foi a
primeira, aquela que deu origem às três
obras interligadas pela mesma história da
“briga entre os dois bicheiros inimigos”.
O que iniciou essa “trilogia teatro,
cinema, televisão foi a telenovela
“Bandeira 2” (Figura 179). A Telenovela
foi ao ar no
Figura 179-Logomarca de “Bandeira 2
dccclxxx
dia 28 de outubro de 1971 e permaneceu até 15 de julho de 1972, no horário das 22:00h, sob a
direção de Daniel Filho e Walter Campos, com a supervisão de Daniel Filho. A obra teve 179
capítulos, originalmente gravada em preto e branco.
A pesquisadora da UFJF Maria Cristina Brandão de Faria afirmou: “Falar mal da
televisão é muito comum. Entretanto, ninguém fala sobre as obras criativas e as histórias que
34
foram produzidas pelas emissoras em momentos de pouca tecnologia”.
dccclxxxi
Dias Gomes,
quando deixou de ser anônimo e passou a assinar seu nome nas obras que criou para televisão,
passou a trazer para a telinha” os temas que estavam na ordem do dia no país, como o
desquite, a reforma agrária, a explosão imobiliária, a busca desenfreada do poder, a falta de
liberdade, o preconceito, o tráfego de drogas, a corrupção política, o desemprego, o nordeste
ignorante e faminto, a religiosidade como fuga da realidade, a ecologia, o jogo do bicho, a
emancipação feminina, entre tantos outros. O viés político e social era habilmente embutido
na dramaturgia televisiva de Dias. Ele acreditava que a missão das novelas era denunciar a
injustiça, a corrupção, a perda de valores, mesmo que não mudasse nada, o que não admitia é
que se ficasse calado. Uma das causas que fez com que o dramaturgo se afastasse do gênero
após o fim da ditadura foi o fato da sátira política ter sumido das telas, o que ele registrou no
depoimento:
É preciso parar para pensar. Pensar no tipo de cidade que estamos
construindo, na qualidade de vida que estão nos obrigando a viver, na
violência diária a que somos submetidos. (...) Quem não veio ao mundo para
incomodar, não devia vir ao mundo. (...) Estou sempre em conflito com o
poder, as limitações, a censura, com todo tipo de coerção e cerceamento e
com a falsa noção de liberdade permanente em nosso sistema, que é a
liberdade do regime capitalista. Você pode casar com quem quiser contanto
que case com a Maria. Esse tema aparece várias vezes na minha dramaturgia
e as personagens que simbolizam esse conflito são realmente personagens
que acabam sendo emblemáticas.
dccclxxxii
Dias Gomes fez parte de uma geração de intelectuais e autores de teatro que
escreviam para a teledramaturgia, num momento em que todos pesquisavam o que era fazer
televisão e como isso se operava. Nos dias de hoje os profissionais como ele, os que ainda
estão vivos, tornaram-se impossibilitados de fazer experiências e buscar coisas novas como no
passado, porque as emissoras não têm interesse em investir nesse tipo de profissional, e
conseqüentemente em suas produções, além do alto custo que passam a ter as obras, devido ao
desapego dos patrocinadores:
Pensei em fazer novelas que espelhassem a nossa realidade e acabassem com
o maniqueísmo exagerado dos personagens da televisão, os heróis com todas
as virtudes e os maus com todos os defeitos. Procurei também introduzir
problemas reais do país como o preconceito racial, o conflito de gerações, o
fanatismo religioso, o poder de corrupção do dinheiro etc. Ao lado disso, fui
acrescentando um elemento pouco freqüente nas telenovelas até então: o
humor, o humor mesmo na tragédia, pois, como diz o poeta, ao lado de quem
chora, há sempre alguém que ri.
dccclxxxiii
34
O processo de trabalho de Dias Gomes “adaptava-se feito luva” ao da linha de
produção da televisão das décadas de 1970 e 1980. O ator Pedro Cardoso, em entrevista ao
jornal “O Estado de São Paulo”, declarou que a obra televisiva de Dias Gomes (Figura 180)
seria capaz de sobreviver ao tempo, uma vez que suas “novelas” contribuíram para fazer o
Brasil ver e pensar, pois traziam a realidade brasileira para uma “expressão poética” acessível
a todos. Segundo Pedro, Dias conseguiu uma proeza inédita de manter uma linha “coerente
entre seu trabalho dito “erudito” e o televisivo. (...) Adorei ter sido o Sacristão do Pagador,
uma experiência para sempre.”
dccclxxxiv
Segundo Dr. Mauro Alencar, que é consultor e
pesquisador das Telenovelas da Rede Globo de Televisão, as
mudanças na linguagem e na estética das telenovelas ao longo
das décadas, devem-se a dois fatores: o material humano
criador e o aperfeiçoamento das tecnologias empregadas para a
produção, que entre outras coisas possibilitaram cortes mais
bruscos e, conseqüentemente, diálogos mais dinâmicos.
Na época que a telenovela Bandeira 2 foi gravada,
muitas vezes os diálogos e seqüências longos eram devidos à
limitação dos equipamentos de edição das fitas, apesar de o
Figura 180-Dias
Gomes
dccclxxxv
o “vídeo tape” já existir, praticamente era usado para ordenar a seqüência do capítulo, uma
vez que para se fazer cortes bruscos, como os que Dias Gomes desejava, o equipamento e os
técnicos não davam conta, para isso, era necessário que os atores tivessem sempre o diálogo e
as marcações muito bem decorados, um pequeno erro, perdia-se toda a seqüência que havia
sido gravada.
Na época que a telenovela Bandeira 2 foi gravada, muitas vezes os diálogos e
seqüências longos eram devidos à limitação dos equipamentos de edição das fitas, apesar de o
“vídeo tape” existir, praticamente era usado para ordenar a seqüência do capítulo, uma
vez que para se fazer cortes bruscos, como os que Dias Gomes desejava, o equipamento e os
técnicos não davam conta, para isso, era necessário que os atores tivessem sempre o diálogo e
as marcações muito bem decorados, um pequeno erro, perdia-se toda a seqüência que havia
sido gravada.
Ainda de acordo com Mauro Alencar, a “verdadeira revolução na televisão
brasileira” só aconteceu em 1978, seis anos depois de Bandeira 2, quando “a modernidade foi
implementada pela Rede Globo, misturada com a estrutura folhetinesca do melodrama, (...)
34
efeitos especiais, que hoje são considerados até simples, deixavam as pessoas
boquiabertas.”
dccclxxxvi
A partir daquele período podia-se executar cortes bruscos, correção de cor, os
créditos podiam ser exibidos de forma acelerada e alternada e o grande problema que Dias
Gomes não quis enfrentar, o “merchandising” de produtos e estilos de vida que a trama
poderia oferecer, além de apresentar uma trilha nacional e outra internacional para as
telenovelas. As novelas passaram a ter um caráter comercial, tidas como as atrações
responsáveis pelo sucesso da televisão na América Latina. Desta forma, diante da importância
financeira passou-se a ter uma preocupação maior com o tempo de cada atração. Mauro
Alencar atesta que “cada telenovela atende a uma enorme demanda comercial. (...) A televisão
de hoje é uma indústria do entretenimento e é essa lei de oferta e procura que rege o mercado
das telenovelas e de outras produções dramáticas.”
dccclxxxvii
A telenovela Bandeira 2 surgiu logo após a negação da Central Globo de Produção
em permitir que Dias adaptasse sua peça de teatro “A Invasão”,
dccclxxxviii
não apenas pelo teor
político que a dramaturgia portava, mas também por propor uma temática inusitada. O
dramaturgo estava empenhado em carregar a telenovela para o seu “universo temático” e
queria encontrar uma linguagem própria para o gênero, sabendo que romperia definitivamente
a relação com o folhetim. As criações de Dias para televisão chamam a atenção pela
preocupação social, crítica ao conservadorismo e a forma inteligente no uso do humor, que
permitiu associar erudição e sucesso popular, que o humor proporciona a acessibilidade da
obra à massa de telespectadores. Para o autor, a novela tinha que ser vista como uma “nova
forma da arte dramática”, adaptada a seu tempo e decorrente de uma evolução tecnológica.
Torna-se necessário, neste ponto, lembrar a bagagem cultural que Dias Gomes
possuía, além dos clássicos, ele conhecia com propriedade a dramaturgia popular, do
mamulengo nordestino ao teatro de revistas, e dominava a dramaturgia para o rádio, unindo
uma dose especial de ironia sem limites. A respeito das criações para a televisão, o
dramaturgo declarou:
Não estabeleço início ou fim para um trabalho que escrevo. Antes de tudo
faço a pesquisa e a criação das linhas gerais da trama, estabelecendo o estilo
e o ambiente que ela terá. Surge daí uma sinopse. Entretanto, dentro dessas
linhas gerais não estão previstos todos os personagens ou o fim da história.
Muita coisa pode mudar e tudo pode ser criado. À proporção que escrevo os
capítulos, novas idéias vão surgindo e nem mesmo eu sei o que virá depois.
Contudo, não se pode parar, não existe a possibilidade de ficar esperando um
momento de inspiração para um autor de novelas, pois ele precisa escrever
um capítulo por dia. Aliás, é necessário modificar essas condições de
trabalho. (...) Se o autor continuar a ter de escrever seis capítulos por semana
e esses capítulos continuarem a ser gravados a toque de caixa, todo o esforço
34
de um bom texto esbarrará nessa limitação. Isso não diminui a nossa
capacidade de criação, mas diminui a qualidade dessa criação. (...) Detesto a
repetição, o “rame-rame”, prefiro arriscar sempre.
dccclxxxix
As telenovelas de Dias Gomes mudaram a maneira de contar a trama, incluiu outros
gêneros em sua narrativa, para incorporar temáticas ligadas ao universo brasileiro. A
dramaturgia passou a ser indicativo de um comportamento cotidiano, revelando as tensões das
relações contemporâneas em todos os níveis: familiar, comunitário, de cidadão; sempre com
muito humor:
Eu tenho uma visão de mundo de alguém que a vida como uma piada de
mau gosto. Acho que a vida não passa de uma grande sacanagem de Deus, se
é que Ele existe. As pessoas lutam, sofrem, passam o diabo e tudo para no
fim acabar do mesmo jeito? Você nasce sabendo que vai morrer, nasce e
começa a morrer… Isso é uma grande sacanagem, brincadeira de mau gosto.
Toda tragédia no fim é cômica ou tragicômica. Vai tratar de uma enorme
tragédia e no fim você sabe que é cômico.
dcccxc
Um vez proibida a adaptação de “A Invasão”, Dias passou a escrever “Bandeira 2”
e nela incluiu a temática de “A Invasão”, não como “linha mestra” da trama, mas imersa
numa proposta muito mais abrangente e trazendo para a cena uma sorte de aspectos tão
preocupantes, polêmicos e novos na televisão que os analistas globais não conseguiam engolir
com serenidade. Em primeiro lugar, a trama concentrava-se em Ramos, subúrbio da
Leopoldina, no Rio de Janeiro, que não podia oferecer à cena, as belezas da cidade. Os dois
blocos de fotos (Figuras 181 e 182) retratam o bairro de Ramos de ontem e de hoje.
34
1 2
4 5
1 - Igreja de Nossa senhora da Conceição. 1964
2 - Estação de Ramos. Ano 1950
3 - Cine Ramos. Ano 1972
4 - Praia de Ramos, à tarde, lixo e meninos. Ano 1970
Praia de Ramos, domingo. Ano 1972 Rua Uranos, Ônibus Madureira- Ramos. Ano 1973
Praia de Maria Angu, antes do aterramento que deu
origem à Praia de Ramos – Foto sem data
Construção da Linha Vermelha. Ano 1980
Viaduto Cosme e Damião. Ano 1970 Rua Interna de Ramos. Ano 1980
Figura 181-Subúrbio de Ramos, no passado
dcccxci
34
Estação de Ramos. Ano 2008 Rua Central em Ramos. Ano 2008
Centro de Ramos. Ano 2008 Em direção a Ramos. Ano 2008
Rua de Ramos. Ano 2008 Centro de Ramos. Ano 2008
Rua Principal de Ramos. Ano 2008 Rua Uranos beirando a linha férrea. Ano 2008
Figura 182-Subúrbio de Ramos, nos dias atuais
dcccxcii
34
Poucos são os atrativos do local, além daquilo que se encontra na maioria dos
subúrbios cariocas: a favela, a linha do trem, a praia imprópria ao uso, a igreja de N. Sra. da
Conceição, a escola de samba, o bloco carnavalesco, os terreiros de candomblé, umbanda e
macumba, além de todos os problemas relacionados com a segurança, a saúde, a manutenção
e renovação urbanas, o transporte coletivo.
O ambiente abrigou uma personagem protagonista fora de todos os padrões até
aquele momento conhecidos na dramaturgia televisiva, um banqueiro de bicho, cuja lei era
marcada por “olho por olho, dente por dente”, “aos amigos tudo, aos inimigos, morte”. Um
homem velho, seguidor de sua “cartilha particular”, que passava longe dos heróis românticos.
A maior parte das personagens da telenovela pertencia às classes C e D, portanto, previu-se
que a obra estava fadada ao fracasso, uma vez que as pessoas das classes A e B, que eram
assíduas às telenovelas das 22:00h, não teriam personagens com quem se identificar. A essas
ponderações, Dias Gomes, pleno de ironia respondeu: “Claro, por isso é que “A Ralé”, de
Gorki, toda vez que é encenada enche o teatro de mendigos e prostitutas.”
dcccxciii
O universo de Bandeira 2”abrigou também: a escola de samba e todas as suas
relações, como o ambiente de boemia e seus sambistas e o mecenato dos contraventores do
bicho; a liberação feminina e a quebra dos preconceitos com relação à sua ocupação
profissional e seu estado civil; a chaga social dos “sem teto” e a apropriação de espaços
urbanos desabitados. A didascália “Bandeira 2”, título da dramaturgia televisiva, carrega uma
série de informações que são marcas intencionais propostas pelo dramaturgo e que merecem
análise. A expressão bandeira 2 está associada ao taxímetro (Figura 183), um aparelho de
medição usado nas frotas de táxis para registrar quanto o passageiro vai pagar pela utilização
de um desses veículos.
dcccxciv
O Poder Executivo Municipal fixa as tarifas quilométricas para o uso de táxis.
Essas tarifas são chamadas de Bandeira 1e Bandeira 2”. A “Bandeira 1” refere-se à tarifa
cobrada nos percursos diurnos, das 5:00h às 22:00h, realizadas no
perímetro urbano. A “Bandeira 2” refere-se a tarifa cobrada nos
percursos realizados fora do perímetro urbano, ou durante os
horários:
dias úteis e sábados, das 22:00h às 05:00h; domingos e
feriados, de 00:00h às 24:00h.
Uma teledramaturgia cujo título é
“Bandeira 2” de imediato remete ao universo dos táxis, com um
recorte específico para os motoristas que trabalham à noite, ou que
Figura 183-Taximetro usado até os anos 1990
dcccxcv
34
dirigem em locais fora dos perímetros urbanos ou que conduzem passageiros em domingos e
feriados. Portanto, as condições de trabalho menos favoráveis ao profissional, mesmo que a
“bandeira 2” custe em média 30% mais do que a “bandeira 1”, os riscos aos quais o
profissional estará submetido são muito maiores
dcccxcvi
. A carga social dessa didascália está
associada a todo um comprometimento do homem com as condições oferecidas para obter a
própria subsistência, principalmente se levarmos em conta que a trama ocorre num subúrbio
da Leopoldina, no Rio de Janeiro, no início da década de 1970. Dias Gomes ao optar por esse
título colocou uma série de nuances que marcaram a trajetória da sua criação, uma vez que o
foco foi aceso sobre o “táxi” e suas referências, resta observar quem estaria diretamente
ligado a essa primeira indicação. O autor não fez por menos, quem dirigia o táxi era uma
mulher, que havia se desquitado do marido e para sobreviver optou por ser motorista de táxi
(Figura 184).
Figura 184- Marília Pêra, personagem Noeli
dcccxcvii
Segundo o Sindicato dos Motoristas de Táxi Autônomos do Rio de Janeiro, dentre
3000 profissionais sindicalizados, apenas 08 são mulheres. Esses dados são de 2008, quando a
emancipação feminina avançou muito em sua luta e as mulheres conseguiram conquistas
reais contra o preconceito. Portanto, ao destacar essa temática nesta sua obra, Dias Gomes
levantou não apenas uma polêmica, mas acionou uma leitura sobre a questão dos valores
preconizados pela sociedade que se submetem aos preconceitos. A personagem Noeli,
representada pela atriz Marília Pêra, era uma mulher feminina, batalhadora, forte, em busca da
felicidade, com temperamento forte e opiniões firmes a respeito do papel da mulher na
sociedade, lutou contra dois poderosos preconceitos, escolhidos a dedo pelo dramaturgo: ser
divorciada e trabalhar como motorista de táxi.
Em 1971, seis anos antes de ser publicada a Lei 6515 de 26 de dezembro de 1977,
que legalizou a dissolução do casamento civil, proporcionando aos cônjuges a possibilidade
de contrair um novo matrimônio; as mulheres oriundas de uma relação desfeita eram fadadas
34
a enfrentar a situação, que para a época era no mínimo constrangedora, ser uma mulher
desquitada. A mulher desquitada separava-se do marido, mas como não havia a ruptura do
vínculo matrimonial, continuava casada, portanto, qualquer outro envolvimento que ela viesse
a ter era considerado como crime de adultério. A sociedade hipocritamente considerava a
mulher desquitada como a fracassada, aquela que não deu certo, que ao longo da vida havia
“aprontado” alguma coisa errada, a desquitada era “algo” a ser evitado, mas não evitado pelos
homens, pois era vista como uma “mulher cil”. Motorista de táxi, pedreiro, estivador, piloto
de avião, caminhoneiro, eletrotécnico, operador de plataformas de petróleo, condutor de
balsas, entre tantas outras atividades, são vistas até os dias de hoje como masculinas, mesmo
depois da década de 1960, do “Women’s Lib”, em que as mulheres das mais diversas partes
do mundo deitaram manifestações e palavras de ordem em favor da liberação feminina e da
igualdade entre os sexos, contribuindo para a instalação da contracultura; em 1971, Dias
Gomes ao instalar a personagem Noeli num fusca azul como condutora de veículos, num país
onde ainda se ouve que “mulher sabe pilotar fogão”, levantou a questão maior, o
preconceito de permitir, na televisão brasileira, que uma mulher ocupasse o lugar de um
homem e o fizesse com qualidade e dignidade.
O preconceito está tão enraizado que, na época da telenovela, a própria atriz Marília
Pêra reclamou muito com o dramaturgo pelo fato da Noeli ser uma motorista de táxi,
chegando inclusive a solicitar à direção que deixasse o elenco, o que não foi atendido. Em
entrevista ao Jornal Zero Hora, a atriz relata que “acho que eu não soube dar valor à
personagem”,
dcccxcviii
mesmo reconhecendo que a obra é importante para a história da
teledramaturgia brasileira, a atriz não gosta da personagem até hoje. Noeli era também porta-
bandeira da escola de samba no subúrbio carioca de Ramos.
Neste espaço, os banqueiros do Jogo do Bicho Artur do Amor Divino, o Tucão, e
Jovelino Sabonete, inimigos notórios e declarados, disputam o controle dos pontos de jogo da
região. Tucão enriqueceu com o dinheiro do jogo do bicho e tornou-se proprietário de uma
cadeia de lojas de eletrodomésticos. É o benfeitor da comunidade, presidente de honra da
escola de samba do subúrbio, a Imperatriz Leopoldinense (Foto 185), e padrinho do Olaria
Atlético Clube (Figura 186).
34
Figura 185-Imperatriz Leopoldinense, ensaio
dcccxcix
Figura 186-Olaria Atlético Clube
cm
Jovelino possuía uma série de atividades que afastavam as dúvidas a respeito da
origem de suas posses, como a oficina e revendedora de peças de automóveis, o super-
mercado do bairro e o ferro-velho. Além de ser o presidente de fato da escola de samba e ter
coberto o “passe” da personagem Mingo, craque do Olaria.
O bicheiro Tucão é praticamente dono do subúrbio de Ramos, mas sente-se
ameaçado pelo Jovelino Sabonete, não só com relação ao poder do bicho, mas também porque
os dois disputam as graças de Noeli, a desquitada motorista de táxi, que apaixona-se pelo
introspectivo filho de Tucão, Zelito.
O acirramento da rivalidade dos bicheiros chega ao ápice quando Tucão descobre o
romance de sua filha Taís (Figura 187) com Márcio, filho de Jovelino Sabonete. Quando por
fim, o casal consegue ultrapassar todas as barreiras e chega ao altar, bem ao estilo “Romeu e
Julieta de Ramos”, numa festa à fantasia, por um erro de estratégia, Márcio, o amor da
romântica Taís é alvejado pelos capangas de Tucão, liderados por Quidoca, braço direito do
bicheiro, e morre nos braços de sua amada.
34
Figura 187-Elisângela, em “Bandeira 2”
cmi
A didascália do tulo já assinalava que a linha condutora da história seria a
personagem Noeli, com toda a gama de associações e conflitos que a ela estavam atrelados.
Em outro plano estariam a disputa de poder entre os bicheiros, a questão dos “sem-teto” e o
amor proibido entre os filhos dos bicheiros inimigos, porém, como a teledramaturgia é
construída em paralelo à sua gravação, trata-se de uma obra passível de mudanças a qualquer
momento, de acordo com o caminho que o autor deseje seguir.
“Bandeira 2” trocou de itinerário devido a um conjunto de acontecimentos que
levaram Dias a essa opção. A rixa entre Tucão e Brilhantina fez chegar um grande números de
cartas à emissora que solicitavam um maior número de cenas entre eles, sem contar o
desempenho do ator Paulo Gracindo como Tucão (Figura 188), que superou todas as
expectativas; o fato da escola de samba Imperatriz Leopoldinense participar da telenovela,
onde a personagem Catimba era um dos compositores e a personagem Noeli porta-
bandeira, fez com que a escola se popularizasse e o samba-enredo do carnaval de 1972,
“Martim Cecerê”,
cmii
caiu no gosto popular; como a personagem do bicheiro Tucão era o
patrono da escola, fez com que o interesse de todos se voltasse para os seus conflitos na
trama, por fim, a atriz Marília Pêra que já não tinha amores com sua personagem, desapontou-
se com o rumo tomado e afirmou: “Bandeira 2 é uma novela para homens”.
cmiii
Por fim, os
elogios à ousadia da trama, que afinal retratava o Jogo do Bicho, sem recorrer a grosserias e
34
apelações, até as cenas mais picantes eram desenvolvidas de maneira sutil com diálogos bem
urdidos (Quadro16).
Figura 188-
Paulo Gracindo em “Bandeira 2”
cmiv
34
Pode-se estabelecer um quadro das principais relações entre as personagens
centrais:
ARTUR DALVA
TAÍS ZELITO
JOVELINO CÉLIA
MÁRCIO
TAVINHO NOELI
Quadro 16- Relações entre as personagens de “Bandeira 2”
Nome do protegido de
Júpiter. Quer sempre
estar de igual pra igual
numa disputa, ama-se
muito, dinâmico, não é
diplomata, impetuoso,
crítico, aberto.
Aquela que nada vê,
amável, expressiva,
curiosa, não guarda
nada para si, vive numa
realidade de ficção,
faladeira.
Nome que se evoca Júpiter,
o Deus todo poderoso da luz
diurna. Ligado à família,
emotivo, protetor, muita
energia, reflexivo, forte,
amoroso.
Nobre, generoso,
aventureiro, cheio de
energia, ativo, teimoso
decidido. Líder, adora
desafios, carismático.
Estrela Matutina,
atenciosa, ligada à
família, útil, uma só
palavra, dependente,
infantil, vive a vida dos
outros.
A que se admira, se completa.
Possui compaixão, tem prazer
em fazer o bem, pode tornar-
se mártir por tanto doar-se.
Não perdoa o mal.
O Rival. O nome refere-se
ao que é reservado, de
espírito analítico,
problemático, tem
segredos que não revela,
mutável de acordo com o
contexto
O nascimento. O nome refere-se a uma
trabalhadora incansável, dinâmica,
inteligente, criativa, disciplinada, prática,
aceita qualquer tipo de ocupação, não admite
ser interrompida no que faz, crítica.
O pequeno oitavo filho.
O nome refere-se àquele
que só é feliz em casa,
protegido, emotivo, ao
ser magoado fecha-se,
manipulador, infantil.
PAIXÃO
PAIXÃO
INIMIGOS
DIVORCIADOS
Filhos
Filho
Cônjuges
Cônjuges
34
Pode-se observar que Dias Gomes, seguindo sua rotina de trabalho, fez um estudo a
respeito da origem dos nomes e seus significados para designá-los às personagens. Aquelas
caracterizadas como tipos, mais que inspiradas em pessoas reais, pareciam sintetizar
possibilidades de comportamentos populares. Tucão e Brilhantina são a expressão do bicheiro
carioca, infrator, malandro, sério em seus negócios, mas antes de mais nada amado pelo povo,
um grande conquistador de simpatias. As personagens de Dias eram absorvidas de tal forma
pelo público que no capítulo de “Bandeira 2”, exibido em 22 de maio de 1972, a personagem
Jovelino Sabonete deu seu palpite para uma “fezinha no jogo do bicho”. No dia seguinte, na
vida real, não deu outra: “macaco na cabeça”. Foi a segunda vez que a telenovela “quebrou a
banca dos bicheiros”, os banqueiros tiveram que pagar dezenas de apostadores cariocas que
seguiram a sugestão da ficção.
A postura crédula do povo está associada a alguns fatores que merecem ressalva.
Primeiro a televisão era uma jovem de 21 anos e a telenovela uma mocinha um ano mais
jovem, com 20 anos, portanto, o público possuía ainda um relacionamento superficial com
elas e confundia-se entre o que era realidade e o que era ficção. Segundo, as personagens
possuíam Características, objetivos, atitudes e intenções tão semelhantes às pessoas da vida
real que a confusão se estabelecia. Por exemplo, diz-se que o primeiro registro de um bicheiro
na história do carnaval carioca foi o portelense Natalino José do Nascimento, o Natal, uma
das mais conhecidas personagens da parceira samba e jogo do bicho. “Natal tornou-se
contraventor e um grande banqueiro do bicho depois de participar da criação do bloco “Vai
como Pode”, em 1923, de onde nasceu a Portela, em 1928, sem o braço, é que começou
as atividades como bicheiro”.
cmv
Os depoimentos dos sambistas atestam que todas as escolas de samba tiveram
origem semelhante: “o pessoal do morro, o branco e o bicheiro, mas o bicheiro da Área,
integrado à comunidade, que tinha um ou dois pontos de apostas, no máximo”.
cmvi
As personagens Tucão e Sabonete participavam da escola de samba de tal forma
integrados às atividades que, mesmo sendo na televisão, o público atrapalhava-se,
principalmente devido a um fato, como a Imperatriz Leopoldinense estava em cena, com o
samba enredo que foi levado à avenida em 1972, os espectadores embaralhavam-se com
tantas informações que acabava ficando mais fácil ter certeza que o compositor era a
personagem Catimba, que todas as noites estava no ensaio da escola, ou trabalhando na
comunidade e não o verdadeiro Katimba, o compositor, um desconhecido da maioria dos
assistentes diários da trama.
34
Muito dessa confusão é causada pelo fato de que uma relação entre o samba e o
jogo do bicho, e que é de domínio público. Desde a origem da organização do samba nas
escolas, os bicheiros marcaram presença, sem contar também com o fato que muitos
sambistas, ou apaixonados por samba, também eram bicheiros, como o pesquisador João
Antônio declara:
Natal (Figura 189 e 190), anotador de Jogo do bicho, gerente, dono de banca,
patrono da Portela, diretor do Madureira Futebol Clube, matou o homem que
quis tomar seus pontos de bicho em Madureira, nunca tocou um instrumento,
nunca compôs um samba ou saiu fantasiado, a não ser com o indefectível
paletó de pijama azul e branco, frente de sua escola. Poucos, porém, foram
tão sambistas como ele
.
cmvii
O samba e o jogo do bicho sempre foram atividades relacionadas entre si, porque
são comuns ao mesmo estrato social, tanto que ambos acompanharam as populações menos
favorecidas no processo de tornarem-se suburbanas, quando se deu a industrialização e o
desenvolvimento do Rio de Janeiro, dividindo a sociedade em Zona Norte e Zona Sul. Dias
contou a história da ascensão da classe média baixa através do mundo da contravenção pela
vida das personagens Tucão (Figura 191) e Sabonete (Figura 192).
Figuras 189
cmviii
,190
cmix
, 191
cmx
e 192
cmxi
-Personagens de “Bandeira 2
Dias Gomes afirmou certa vez, ao ser questionado a respeito da composição
de suas personagens televisivas, devido ao fato delas estarem sempre comprometidas
com alguma coisa, mesmo que fosse se comprometer com o horário de olhar a vida dos
outros, se ele não acreditava que aquilo que escrevia era um exagero, ou uma marca
pessoal, Não existe uma posição neutra em relação à vida.
cmxii
Foi exatamente esse
posicionamento que dirigiu a construção de sua obra, principalmente o aprumo com
que escrevia as didascálias (Quadro17).
34
– CORTE –
PLANO AMERICANO – de Dr. Freitas, que se aproxima
dos caixões e senta-se num tamborete ao lado
ruidosamente.
FREITAS – Já sabe? Todo mundo já sabe...
– CORTE –
CLOSE – de Lulu Papa-Defunto, que fita Dr. Freitas, sem
coragem para pedir esclarecimentos
– CORTE –
CLOSE – dos dois
FREITAS – Avalie você, que aquele imbecil do Quidoca me
expulsou da quadra, disse que estava atrapalhando com a
minha competência. Sinceramente, Lulu, você acha que ser
competente é atrapalhar?
– CORTE –
BIG/CLOSE – de Lulu atormentado pela situação
LULU – Ele mesmo me disse que cada dia a gente tem que
ter é menos competência pra fazer e mais competência para
não fazer...
– CORTE –
CLOSE – DOS DOIS. Dr. Freitas olha-o sem entender
– CORTE –
BIG/ CLOSE – de Lulu
LULU – Ele é meu amigo... um bom amigo... mas se
continuar assim... e a morte é uma só...
– CORTE –
CLOSE DOS DOIS
Sem tomar conhecimento do que o Dr. Freitas vai pensar,
Lulu levanta-se abre um caixão, tira uma vela, uma
garrafa de cachaça e um sanduíche. Olha para o Dr.
Freitas, apresenta as coisas que tirou do caixão, vai
saindo e pára. Sai bebendo a cachaça de goles. Dr.
Freitas o acompanha com um olhar de incompreensão.
Balança a cabeça, num gesto de reprovação. Levanta-se
para sair, mas olha para o caixão de onde Lulu tirou as
coisas, abre, assusta-se, retira um revólver e fica estático
com a arma na mão.
FREITAS Morte?... Quem falou em morte?
LULUTudo abençoado pelo falecido de ontem... que Deus
ou o Diabo o tenha...
FREITAS – Como anda bebendo esse sujeito...
– FUSÃO – ALETATO A = 2ª Fx.
ET 3 Delegacia de Polícia. De modo a ser
tomado do exterior e do interior. No exterior, um
prédio de dois andares, muito acabado, a porta ao
centro, duas janelas, uma de cada lado, as três
abertas, mas tudo com grades, um jardim na
frente, sem flores, nem qualquer planta, trata-se
de um espaço adaptado, uma antiga moradia. Uma
escada de 4 ou 5 degraus dá acesso à porta. Duas
viaturas-fusca na porta, no lado esquerdo do
prédio, por fora, uma fila que direciona-se para
um cartaz Carteira de Identidade. Vê-se ainda
um trecho da rua que segue lateralmente, garotos
jogando bola, poucos transeuntes. Ao lado da
porta, uma placa com os dizeres: DELEGACIA
DE POLÍCIA - DELEGADO DE PLANTÃO. Por
sobre a porta, uma lâmpada. No interior, detalhes
da sala do delegado. Uma mesa e um grupo de
cadeiras, também bastante usadas, tudo muito
acabado. Uma porta sem maçaneta.
ILUMINAÇÃO NOITE – Menos luz possível.
PLANO GERAL - Lulu entra, do fundo da rua, gola do
paletó levantada, chapéu enterrado na cabeça. Guias de
santo sobre o paletó. Indeciso, inquieto, olhando para
os lados, para trás, como se temesse estar sendo
seguido, ele para subitamente, quando vê as pessoas
que estão no em torno da delegacia. Lê a placa.
2 + 48 – A – Bloc In Lunirio
– CORTE –
cmxiii
Quadro 17-Trecho da dramaturgia de “Bandeira 2”
34
Na cena destacada, pode-se observar que o dramaturgo apresenta as didascálias
com as intenções da cena, as indicações para os atores, assim como referências da cenografia
cujos sentidos remetem a determinados focos que não devem ser abandonados, devido aos
significados que cada ponto remete, como por exemplo: “prédio muito acabado”, “um
espaço adaptado”, expressões que assinalam as condições em que a polícia está instalada, a
falta de verbas, o improviso do serviço de segurança do estado.
Pode-se afirmar que Dias Gomes, como outros teledramaturgos, tinha consciência
da forma como as telenovelas possuíam uma linguagem de tal forma acessível ao grande
público, que possibilitava a leitura das abordagens sociais e políticas que eram veiculadas
pelas tramas. Desta forma, pode-se entender porque em nenhum outro país havia e ainda
tanta preocupação com a influência que a telenovela pode ter na política como no Brasil.
Aqui, a política faz parte das novelas e as novelas fazem parte da política, apenas como
ilustração, não se pode esquecer o veto que
“Bandeira 2sofreu quando Dias resolveu promover
a candidatura da personagem “Quidoca” (Figura
193), braço direito de Tucão à candidatura de
vereador, enquanto Sabonete também apresentava
um de seus homens para o mesmo cargo. A censura
foi radical, não permitiu sequer a possibilidade de
apresentar a idéia no ar. “Só no Brasil a ficção
seriada é exibida diariamente no horário nobre com
tanta força no espaço público”,
cmxiv
diz Anamaria
Fadul, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Figura 193- Plínio Marcos e Milton Moraes
Em “Bandeira 2”
cmxv
“Bandeira 2” (Figura 194), assim como as
outras produções de Dias Gomes, não levantou apenas
aspectos políticos, mas, principalmente polemizou os
problemas sociais e levantou o véu dos tabus. E é
exatamente neste aspecto que as telenovelas surgem
como ameaças aos governantes fracos, principalmente
nos regimes ditatoriais, quando os escritores,
ironicamente, registram nos créditos que “qualquer
semelhança com pessoas, fatos e acontecimentos reais é
34
mera coincidência
”. Figura 194-
Felipe Carone e Ziembinski
cmxvi
A teledramaturgia, enquanto arte, sabe como sensibilizar e tocar o público.
“Ninguém agüenta ver um documentário sobre a leucemia ou sobre os sem-teto, mas esses
assuntos, como quaisquer outros, se tornam atraentes quando entram no enredo das
novelas”,
cmxvii
diz Maria Lourdes Motter.
A pesquisadora Esther Hamburguer afirma que a telenovela é um “repertório
compartilhado”, porque permite aos telespectadores tomar posicionamentos e captar
experiências do âmbito público e privado. As tramas ganham a forma de realidade e começam
a ser um contexto de referência para todas as classes sociais, exatamente nesse sentido é que
Dias elaborava seus textos para televisão.
A fusão dos domínios do público e do privado realizada pelas novelas lhes
permite sintetizar problemáticas amplas em figuras e tramas pontuais, e ao
mesmo tempo sugerir que dramas pessoais e pontuais podem vir a ter
significado amplo. A trajetória das personagens femininas, assim como a das
representações do amor e da sensualidade, expressa de maneira
especialmente sugestiva essa capacidade de aglutinar experiências públicas e
privadas que caracteriza as novelas
.
cmxviii
A peça teatral “O Rei de Ramos” originou-se a partir da telenovela “Bandeira 2”,
cuja criação, mesmo restringindo o número de personagens, apresentando mudanças
espaciais, transformando nove meses de apresentações diárias entre duas horas de espetáculo,
a preocupação maior do autor que era a permanência da essência da trama, a composição das
personagens centrais e a estrutura da dramaturgia foi mantida, e até um dos pontos a que Dias
foi obrigado a se subordinar à censura, a morte de Tucão, foi suprimido. Na versão para
teatro, o autor manteve a personagem viva e realizada, através de um jogo cênico.
A didascália que nomeia a peça, “O Rei de Ramos”, traz de imediato a informação
do foco principal da obra, de maneira diferenciada da telenovela Bandeira 2” a dramaturgia
teatral está direcionada a uma personagem masculina “rei”, inserida no subúrbio de Ramos.
Este conhecimento apresentado de partida assume uma precisão que em “Bandeira 2abria
um leque de várias leituras, mergulhadas no signo “bandeira 2”, ao contrário da peça, cujo
título inicia-se com um artigo definido “o”, seguido de substantivo masculino singular e de
uma locução adverbial de lugar, indicando gramaticalmente um ser de um espaço
determinado.
34
A telenovela foi adaptada, como mostram as didascálias, numa “Comédia Musical”
com músicas de Chico Buarque e Francis Hime e letras de Dias Gomes e Chico Buarque.
Assim sendo, a obra faz parte do grupo do “Teatro Musical”, uma forma contemporânea que
se esforça para fazer com que se encontrem o texto, a música e a encenação visual, sem,
contudo, integrá-los ou reduzi-los a um denominador comum e sem distanciá-los uns dos
outros. “O teatro musical apresenta condições para que se possam experimentar todas as
relações imagináveis entre os elementos das artes cênicas e musicais.
cmxix
“O Rei de Ramos” estreou no dia 11 de março de 1979, seis anos e cinco meses
após o lançamento de “Bandeira 2”. O momento político da peça era bem diferente, pois em
1978, o General Ernesto Geisel acabou com o AI-5, restaurou o “habeas-corpus” e abriu o
caminho para a volta da democracia. No ano do lançamento de “O Rei de Ramos” o General
João Baptista de Figueiredo assinou o decreto de retorno ao Brasil dos políticos, artistas e
demais exilados brasileiros e condenados por crimes políticos; aprovou a lei que restabeleceu
o pluripartidarismo no país. Os partidos políticos voltaram a funcionar dentro da normalidade:
PDS, PMDB, PT e PDT. Mesmo assim, os militares da chamada “linha dura” continuavam
com a repressão clandestina, as “cartas-bomba” eram colocadas em órgãos da imprensa e na
OAB, assim como enviavam mensagens de ameaça, como foi a que Dias Gomes recebeu,
avisando que se o espetáculo entrasse em cartaz na data prevista, o restaurado Teatro João
Caetano iria “estourar”
cmxx
de tanto sucesso.
No prefácio de “O Rei de Ramos”, o
diretor Flavio Rangel (Figura 195) afirmou que
a peça era “nova” na dramaturgia de Dias
Gomes, não por ser a primeira composição para
teatro musical, mas de acordo com a forma que
o dramaturgo viu e criou suas personagens. A
peça era sobre contraventores simpáticos e bem-
sucedidos, como são todos os contraventores
tipicamente cariocas.
Figura 195-Flavio Rangel
cmxxi
Até agora, suas personagens se moviam em espaços sociais conflitantes, e a
resolução de seus problemas era feita através de um confronto direto. (...)
Em O Rei de Ramos, ninguém presta. Talvez um dos elementos de maior
eficácia da peça resida nessa pintura implacável, embora bem humorada, dos
valores que se modificam com maior rapidez do que as cotações da
Bolsa.
cmxxii
34
Observando-se as didascálias (Quadro 18) que apresentam os nomes das
personagens do texto teatral, em relação à telenovela, pode-se perceber que algumas foram
mantidas, outras desapareceram e outras tiveram os nomes substituídos.
O Rei de Ramos Bandeira 2
Arlindo Miranda – Mirandão Artur do Amor Divino - Tucão
Nicolino Pagano
Nico Brilhantina
Jovelino Sabonete
Pedroca Quidoca
Taís Taís
Marco Márcio
Dr. Vidigal Dr. Freitas
Cida Dalva
Manga Larga Balalaica
Marivalda Célia
Delegado Paixão Cardoso
Boca-de-Alpercata Galileu
Ronaldo Luiz Cláudio
Anacleto
Salvador
Deixa-que-eu-chuto
Padre Irmão Ludovico
Garçon
16 bailarinos
10 músicos
Lícia
Quicas
Comandante Apolinário Gusmão
Zulmira
Miloca
Zé Catimba
Santa
Lena
Tavinho
Zelito
Ângela
Dona Anunciata
Aninha
Noeli
Mingo
Lulu Papa-Defunto
Neneco
Severino
Leda
Bem-te-vi
Ananias
Mudinho
Quadro 18- Comparativo entre as personagens de “Bandeira 2” e “O Rei de Ramos”
34
A partir desse quadro comparativo pode-se detectar as seguintes observações,
oriundas da análise das didascálias que nomearam as personagens das obras para televisão e
para o teatro. Dentre as personagens principais, a única que teve o nome preservado nas
versões para televisão e teatro foi Taís, a filha de Mirandão. Essa didascália que nomeia a
personagem permaneceu, inclusive, na adaptação para o cinema.
O codinome indicado à personagem principal, mesmo não sendo idêntico nas duas
versões, é mantido no aumentativo: Mirandão e/ou Tucão; ao passo que a didascália que
nomeia seu antagonista apresenta, no texto para teatro e no texto para televisão, a mesma
terminação: “lino”, que traz a idéia de “alguém que descende de outro superior a ele”. Outro
aspecto com relação a essa personagem é que, na adaptação para teatro, além de trocar a
alcunha “Sabonete” para “Brilhantina”, este segundo apelido imposto à personagem está
relacionado à nova postura que ela adquiriu no “O Rei de Ramos”. O fato de usar sabonete no
cabelo para mantê-los alinhados, o que lhe fez receber o apelido de “Sabonete” quando vivia
em Ramos, na telenovela “Bandeira 2”, não corresponderia ao bicheiro, agora radicado em
Copacabana e dono das bancas de bicho da região, que, por questão de postura social,
alinharia os cabelos com brilhantina, origem do novo codinome, o que não faz a personagem
perder o seu laço suburbano, porque em 1979, o uso da brilhantina estava abolido, em seu
lugar seria usado um gel fixador, portanto, o uso do nome “Brilhantina” está direcionado para
manter o lastro da origem da personagem.
As didascálias da dramaturgia teatral apontam 17 personagens, 16 bailarinos e 10
músicos, totalizando 43 artistas em cena, enquanto que as didascálias da telenovela
apresentam 36 personagens no elenco fixo e uma média de 150 figurantes, totalizando 186
artistas na tela. Observando-se a ocorrência das personagens, 13 estiveram simultaneamente
entre as 17 da peça e as 36 do elenco fixo da telenovela. Portanto, 23 personagens que
estiveram presentes na televisão desapareceram no teatro e 4 ausentes na televisão surgiram
no teatro, sem levar em conta os figurantes televisivos e os bailarinos e músicos do teatro.
Pode-se logo apontar que Taís, na adaptação para o teatro é a filha única de
Mirandão, a personagem Zelito deixou de existir, assim como desapareceu a sua amada Noeli,
que também era porta-bandeira da escola de samba, seu ex-marido Tavinho, como também
desapareceram os conflitos associados ao táxi, à emancipação da mulher e ao desquite,
mesmo porque a lei do divórcio passou a existir dois anos antes da estréia da peça. Não
permaneceram na trama: as questões do compositor Catimba, personagem sempre
envolvida com o alcoolismo e sua mulher Lena; os delírios sexuais da personagem Zulmira e
seu marido, o Comandante Apolinário Gusmão; a funerária de Lulu Papa-Defunto que servia
34
de ponto clandestino do bicho, assim como o conflito gerado pelos “sem-teto”, os retirantes
nordestinos que vieram para o Rio de Janeiro.
O primeiro quadro do texto teatral, assinalado pela didascália Da morte de
Mirandão Coração-de-Mãe e seu incrível funeral”, apresenta como primeira indicação
Cena inteiramente às escuras, uma voz distante”,
cmxxiii
anunciando a morte de Mirandão.
O espetáculo começa por onde a teledramaturgia terminou, com a morte de Tucão,
acontecimento exigido pela censura da época que, mesmo sendo ficção, a personagem não
poderia continuar viva e ter um final feliz, tinha que ser punida com a morte para que não
servisse de modelo à sociedade.
cmxxiv
Observando-se esse aspecto, pode-se dizer que Dias
Gomes iniciou a obra por onde a outra terminou e o desdobramento da trama inicia-se como
uma nova versão do que poderia ter acontecido, de certa forma, como que passando a limpo o
que para o dramaturgo não ficou a seu gosto:
Quando não consigo deixar uma coisa do jeito que quero faço tantas vezes
quantas forem necessárias. entendo assim. (...) Farsesco, não; político-
popular, sim. Popular na forma porque todo o teatro, para mim, é popular.
Não existe teatro apolítico. Mesmo quando ele pretende não ser, ele o é.
Quando você se omite, toma posição contra ou a favor de alguma coisa. Não
existe uma posição neutra em relação à vida. Ou se está de um lado ou do
outro, então meu teatro é de posição, não dúvida nenhuma. Mas, como já
disse, todo teatro é político. Mesmo se você faz um teatro escapista está
favorecendo alguma corrente. Se não escreve a favor dos opressores, mesmo
que não esteja escrevendo a favor dos oprimidos, estará favorecendo os
opressores. Se me deparo na rua com uma briga entre um gigante e um anão
e não tomo parte estarei a favor do gigante.
cmxxv
Ainda no primeiro quadro, nota-se que uma preocupação do dramaturgo quanto
à espacialidade cênica, para isso, ele cuida em indicar as marcas de luz, de forma pontuada e
com precisão de ritmo, como que preparando gradativamente a cena num crescente, até
chegar ao objetivo, a revelação do acontecido através da música:
Cena inteiramente às escuras. (...) Uma Voz distante. (...) Luz sobre o
corpo de Mirandão, estendido no centro do palco. Apaga-se a luz. (...)
Outra voz mais perto (...) Luz sobre personagem de diante do corpo
de Mirandão. Apaga-se a luz. (...) Terceira voz bem próxima. (...) Luz
sobre um grupo de pessoas em volta do corpo. Apaga-se a luz. (...) Palco
totalmente iluminado, todas as personagens em cena. Pedroca canta.
(...)
cmxxvi
34
Esse tipo de estrutura também foi desenvolvido na montagem de “Bandeira 2”,
como se pode observar no trecho (Quadro 19) que apresenta o descontrole de Catimba
diante da bebida.
CORTE CORTE
PLANO AMERICANO – Exterior. Zé Catimba sai da
quadra. Enterra o chapéu sobre os olhos, olha
desconfiado por todos os lados. Na quadra ainda toca-se o
samba “Martim Cecerê”. Súbito ouve-se a voz e os
passos incertos de Severino, que vem em sentido
contrário. A luz diminui em Severino. DOLLY ATÉ
BIG/CLOSE em Zé Catimba, olhos apavorados de fera
rendida, se cola ao muro. Luz intensa sobre ele, como que
descoberto. Arquejante, procurando não ser visto. Luz
diminui ao mínimo
CORTE CORTE
M/LONG/SHORT – Severino passa pó ele cambaleando e
cantarolando o samba. Garrafa na mão. A luz intensa sobre ele,
diminui gradativamente.
CORTE CORTE
CLOSE DE Zé Catimba Luz intensa no momento em
que Severino passa à sua frente. Ele inteiramente um
homem dominado pelo desejo e pelo complexo de culpa. Ele
rouba a garrafa e empurra Severino. Luz fecha.
CORTE CORTE
cmxxvii
Quadro 19- Trecho da Telenovela “Bandeira 2
A primeira canção da peça funciona como uma narração do acontecimento e
esclarece determinados posicionamentos que irão estar presentes na trama. As informações
contidas na letra são portadoras de significados que surgem como pistas para a identificação
de ações, personagens e intenções, e podem ser analisadas como didascálias para a estrutura
dialógica do texto:
Ele disse pra escola caprichar
No desfile da noite de domingo
Com ginga, com fé
Pediu muita cadeira a requebrar
Muita boca com dente pra caramba
E samba no pé.
cmxxviii
A primeira estrofe apresenta as orientações que foram passadas aos participantes da
escola de samba por Mirandão (Figura 196). A dita escola, como anuncia o segundo verso,
pertence ao Grupo Especial, ou como era chamado em 1979, Escola do Primeiro Grupo, uma
vez que ela desfila no domingo de carnaval, único dia,
cmxxix
na época em que a peça foi
escrita, destinado às melhores escolas de samba do Rio de Janeiro. O patrono recomendou
34
ainda: ginga, fé, exuberância das mulheres bonitas e sensuais, a presença constante do sorriso
e domínio do samba dançado no asfalto da avenida:
De repente o pandeiro atravessou
De repente a cuíca emudeceu
De repente o passista tropeçou
E a cabrocha gritou que o nosso rei morreu.
cmxxx
Os três primeiros versos da segunda estrofe iniciam
da mesma forma, com a locução adverbial de tempo “de
repente”, que marca o inesperado, o inusitado, e em cada um
dos versos pode-se observar verbos que remetem a ações
repelidas pelos sambistas: atravessar, emudecer e tropeçar,
pois são passíveis de fazer uma escola perder pontos no
desfile. A utilização desses verbos foi realizada de forma a
ampliar seus significados para enaltecer o que é anunciado
pelo verbo gritar:
Figura 196-
Paulo Gracindo
cmxxxi
Viva o Rei de Ramos
Que nós veneramos
Que nós não cansamos de cantar
Viva o rei dos pobres
Que gastava os cobres
Nas causas mais nobres do lugar
Viva o rei dos prontos
Que bancava os pontos
Que pagava os contos do milhar
Viva o Rei de Ramos
Viva o Rei, viva o Rei
Viva o Rei de Ramos
cmxxxii
A terceira estrofe apresenta a primeira exaltação à personagem, atribuindo-lhe
características através de suas ações. Homem benemérito da comunidade de Ramos, cumpre
com a regra do jogo do bicho “pague o que está escrito”. A interjeição “viva”, nessa estrofe
aparece seis vezes nomeando os súditos do Rei de Ramos, os pobres, os sem dinheiro, que o
veneram e não cansam de exaltá-lo:
Os seus desafetos e rivais
Misericordioso, não matava
Mandava matar
E financiava os funerais
34
As pobres viúvas consolava
Chegava a chorar
cmxxxiii
A quarta estrofe está direcionada ao comportamento violento da personagem, mas
entendido como o que já foi abordado no capítulo anterior como a “moral do contraventor”. A
respeito desse posicionamento, o pesquisador e carnavalesco Milton Cunha escreveu:
Castor de Andrade, Anísio, Luizinho, Miro, Guimarães... Monassa. E, por
que não, Natal? Claro que tem mais que isso. Não foram, nem são, poucos. É
uma selva. Antes de qualquer outra coisa, trata-se de um processo
predatório, eliminatório. Esses são homens que já venceram uma disputa
antes mesmo de conseguirem atingir os status que alcançaram. Fundaram no
Rio de Janeiro uma nova Chicago. Um universo paralelo, com seu próprio
conjunto ético e moral. Enfrentaram a lei de frente. E se a lei é produto
social, desafiaram seriamente as instituições oficiais, ao criar uma espécie de
moral alternativa dentro de muitas comunidades do Rio. (...) O típico
banqueiro do jogo do bicho é um cara arrogante, malandro, que se aproveita
das brechas jurídicas, éticas e morais na sociedade para ganhar dinheiro
fácil, e triste de quem se cruzasse em seu caminho.
cmxxxiv
De repente gelou o carnaval
De repente o subúrbio estremeceu
E a manchete sangrenta do jornal
Estampou garrafal que o nosso rei morreu
cmxxxv
A quinta estrofe mais uma vez apresenta o imprevisto, através da expressão “de
repente”, reportando a forma da morte, que gerou desconforto com os verbos gelar e
estremecer, a amplitude alcançada pelo fato, que chegou ao carnaval, ao subúrbio e veiculada
pelo jornal de forma sensacionalista “estampou garrafal” reportando-se a “causa mortis” ter
sido criminosa, “sangrenta”:
Viva o Rei de Ramos
Que nós veneramos
Que nós não cansamos de cantar
Viva o rei dos crentes
E dos penitentes
E dos delinqüentes do lugar
Viva o rei da morte
Da lei do mais forte
Do jogo, da sorte
E do azar
Viva o Rei de Ramos
Viva o rei, viva o rei
Viva o Rei de Ramos
cmxxxvi
As duas últimas estrofes mais uma vez são de exaltação à personagem, e revelação
de características. O “Rei de Ramos” é soberano de todos: crentes, penitentes e delinqüentes.
Além disso, revela a força da personagem conseguida através do poder do Jogo do Bicho.
34
As didascálias que encerram o primeiro quadro indicam uma ação do grupo para o
deslocamento da cena, além de apresentar a utilização do jogo de informação sonora com a
“voz em off”. Os homens carregam o corpo de Mirandão acima dos ombros e saem com
ele, ainda cantando o samba, enquanto se ouve a voz de um locutor de TV”.
cmxxxvii
Dias Gomes em entrevista ao Jornal do Brasil, em 17 de abril de 1979 foi
questionado a respeito dele ter “folclorizado” de certa forma a figura do banqueiro de bicho, o
dramaturgo riu e disse, de forma irônica, que “O Rei de Ramos” era uma fábula cuja ação
transcorre no mundo do Jogo do Bicho e, enquanto fábula, as personagens são alegorias da
realidade que transmitem uma “moral” da história, se existia folclore, o folclore estava lá,
não tinha sido colocado por ele. Alguns anos mais tarde, em entrevista a Suênio Lucena sobre
o mesmo tema, ele respondeu:
Essa crítica nunca me atingiu. Não é que tenha alguma tendência a
folclorizar, mas tenho uma compreensão da dramaturgia brasileira que leva
às nossas raízes. Acho que uma dramaturgia brasileira pode nascer da
própria realidade do país, então buscando essas tradições você encontra
temas, inspiração e elementos para construir uma dramaturgia autêntica.
Sempre me voltei para isso. Desde as minhas primeiras peças na quase
adolescência tinha a visão de que uma dramaturgia nacional só pode nascer
de temas nacionais e quanto mais nacionais eles forem mais universais serão.
Isso é uma maneira de pensar. Daí você ver uma presença de Brasil muito
grande e pode, às vezes, encontrar uma sustentação folclórica, mas que o
me interessa em si folclorizar as coisas, ao contrário, fujo disto. Quando toco
nisso é de uma maneira sempre a fundamentar as coisas, nunca a extrair daí
algo mais transcendente.
cmxxxviii
Uma observação a respeito da personagem “Mirandão”, de “O Rei de Ramos”, foi
apresentada pelo crítico e ensaísta Yan Michalski, alargando suas observações, desprendendo-
se da obra em questão e, sim, reportando-se à obra de Dias Gomes:
(...) Apesar de seu teatro ser rico em personagens de forte carisma pessoal,
ele evita consistentemente dar destaque prioritário a problemas individuais:
seus verdadeiros protagonistas são sempre, com maior ou menor nitidez,
corpos coletivos, cujos comportamentos se regem muito mais por
condicionamentos de caráter social, cultural e político do que por motivações
de realismo psicológico. Apesar da objetividade da crítica social que é a
mola mestra do seu trabalho, ele não renega, mas pelo contrário explora
generosamente, elementos de fantasia, misticismo e tradição lúdica popular;
da mesma forma como não hesita em misturar toques de autêntica tragédia
com um humor corrosivo que é uma presença constante nas suas peças.
(...)
cmxxxix
A didascália que introduz o segundo quadro trata de um paradoxo, como é
paradoxal a figura do banqueiro do Jogo do Bicho. “Morreu de mãos limpas, nunca matou,
34
sempre mandou matar”.
cmxl
Essa conduta dos bicheiros, analisada anteriormente nesta
pesquisa, tem sua permanência como um comportamento padrão, aquele que é banqueiro não
se suja com o serviço vil, pois tem quem faça isso por ele. Dias Gomes afere a essa indicação
uma leitura irônica da triste realidade da contravenção no Brasil, como se pode comprovar no
trecho do artigo de Andrei Meireles, publicado pela Revista IstoÉ:
(...) Ele conta com orgulho que catava caranguejos nos mangues para
sobreviver. Sua vida começou a melhorar quando virou contador do bicheiro
Jonathas Bulamarques. Mas Gratz queria mais. Uniu-se ao delegado Cláudio
Guerra, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte, e ao ex-capitão Aílton
Guimarães, que trocou os porões da repressão na ditadura militar pelo
comando do jogo do bicho em Niterói, para destronar Bulamarques. O antigo
bicheiro capixaba conseguiu sobreviver a um atentado à bomba, mas morreu
metralhado em sua casa. Com a sociedade com o Capitão Guimarães, Gratz
deu um grande salto e montou um império com bancas de bicho, cassinos
clandestinos e casas de bingo. dez anos, sofreu um baque quando a
Operação Dinossauro da Polícia Federal estourou seis fortalezas e uma
central do jogo do bicho na Grande Vitória. Além de prender Gratz, a PF
apreendeu documentos que relacionavam o jogo do bicho com roubo de
carros, tráfico de drogas, crimes de mando e comprovantes de remessas
bancárias para o Capitão Guimarães. Um ano depois Gratz se elegia
deputado estadual. Até hoje o processo resultante da Operação Dinossauro
aguarda no Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro que a Assembléia
Legislativa responda aos pedidos de licença para que Gratz possa ser
processado. (...)
cmxli
O segundo quadro apresenta indicações de
iluminação e posicionamento cênico da personagem, ao listar as
características físicas, o figurino e as intenções de “Pedroca”
(Figura 197) que, ao cantar o seu solo de instalação na trama,
comprova através da letra proposta todas as pontuações das
didascálias que antecedem a entrada do canto:
Figura 197- Carlos Kopa
cmxlii
Luz sobre Pedroca, que está de costas para a platéia. É o braço direito
de Mirandão. De físico avantajado, bem mais moço que ele, veste-se de
maneira semelhante, embora com certa pretensão a elegância
suburbana que Mirandão não tem. Alia a malícia do marginal a um
extraordinário senso de fidelidade ao chefe, pelo qual tem uma
admiração que beira o fanatismo. Pedroca canta: Quem? Eu? Me
chamo Pedroca, / Ou Pedro Arcanjo Ferreira, / Brasileiro, desquitado, /
Reservista de terceira, / Sou cidadão carioca, / da Estação da Mangueira
/ Se quiser saber também, / qual a minha ocupação, / sou corretor
zoológico, / uma nobre profissão / infelizmente ainda / sem
regulamentação. / Antes disso, lutei boxe, / Cheguei quase a campeão /
da minha categoria. / E foi nessa ocasião / pra minha felicidade, / que eu
34
conheci Mirandão / Ele me tirou do ringue, / onde eu marcava bobeira, /
e me levou pro bicho. / No bicho eu fiz carreira, / com a ajuda de Santa
Bárbara, / minha santa padroeira. / Comecei humildemente / Como
engolidor de lista, / uma função que requer / perfeito golpe de vista, /
além de um bom estômago/ e um certo pendor de artista. /
Demonstrando vocação / e trabalhando com amor, / fui promovido a
olheiro, / pois a anotador, / chegando rapidamente / ao posto de
apurador. / ao posto de apurador. / Subindo assim por bravura / e
também merecimento / de patente em patente / até chegar no momento /
a uma espécie de ministro / chefe do planejamento, por força das
circunstâncias / acumulando também a função / de chefe de estado-
maior,/ bispo de uma religião – / que Deus perdoe a heresia / em que o
papa é Mirandão. / Agora que ele morreu / e a cidade está em pranto, /
uma coisa vou dizer/ que pode causar espanto, a verdade verdadeira: /
Mirandão era um santo.
cmxliii
O canto de Pedroca possui comparações que ao mesmo tempo que funcionam como
linhas de leitura, didascálias, que orientam a interpretação do público leitor, elas apontam uma
interpretação a seguir, pois fornecem informações sobre a personagem, indicam seu estado de
espírito e sua evolução ao longo da cena, também são a comprovação da valorização
profissional de um bicheiro de carreira e a forma de idolatria que possui pelo banqueiro.
Ao longo da canção, a personagem apresenta-se como corretor, uma profissão
nobre não regulamentada, como tantas outras no país, afirma que nela fez carreira de forma
digna, passo a passo: engolidor de lista, olheiro, apontador, anotador, apurador, ministro,
chefe do planejamento, chefe de estado, bispo. No auge de seus posicionamentos compara o
Jogo do Bicho a uma religião onde Mirandão em vida era papa e depois de morto santo.
Até esta passagem do texto a informação que se tem é que a personagem Mirandão,
o “Rei de Ramos” está morta. Também não nenhuma didascália que indique a quebra do
tempo cronológico, ou que alerte de que se trata de uma suspensão temporal para que haja a
inclusão do tempo passado à cena, como esclarecedor.
Após o canto de Pedroca, simplesmente uma indicação de luz e as didascálias
que introduzem a personagem protagonista, com uma detalhada descrição de figurino,
características e intenções.
O dramaturgo faz uso de uma visão subjetiva ao atribuir as especificações para
Mirandão, como em “simpatia, carisma, ar paternal dos ditadores menores”, ao importar às
intenções uma forma rica de abordagem “arcanjo cruel e protetor”, ou ainda ao manifestar
sua leitura tipicamente irônica sobre a contravenção: “como se todas as ações indignas
pudessem se revestir de dignidade”:
34
Luz sobre Mirandão, todo de branco, charuto, sentado a uma grande
mesa cheia de telefones de todas as cores. Fala a um deles. (...)
Mirandão, ele tem a simpatia, o carisma e o ar paternal dos ditadores
menores. Parece carregar sempre nas costas um grande fardo, imensa
responsabilidade, com arcanjo cruel e protetor. Sua obediência quase
religiosa à “ética profissional” não é um traço de cinismo ou hipocrisia
em seu caráter, mas uma noção particular e exótica de dignidade em
que ele acredita sinceramente. Um exemplo de deformação a que pode
chegar a manipulação de valores humanos na tentativa de vestir uma
realidade em que todos esses valores são negados. Por vezes, aparece
que ele, como os demais bicheiros, não se conta dessa contradição,
como se todas as ações indignas pudessem se revestir de dignidade,
desde que observando posteriormente um certo código de ética. No
fundo, Mirandão é um ferrenho moralista. No momento em que desliga,
Pedroca vai a ele. (...) Mirandão nota que Pedroca traz alguma notícia.
(...) Mirandão levanta-se transfigurado. (...) Mirandão pensa um
instante. (...)
cmxliv
O terceiro quadro, inserido na peça pela didascália A Moral e a Lei ou Uma
Questão de Ética”,
cmxlv
lança mão da ironia, uma constante em Dias Gomes, para introduzir a
questão da ética na contravenção. Esse quadro é fornecedor de uma série de informações que
trazem à luz o entendimento que os bicheiros têm do que seja a traição, a palavra dada, a
fidelidade e as providências que são tomadas nestas situações. É também neste trecho que a
personagem antagonista a Mirandão, Brilhantina, é incluída e devidamente apresentada, com
suas características físicas, seus distúrbios comportamenTaís, suas intenções e seu figurino.
Outro aspecto a ser ressaltado é a utilização do processo coreográfico para estruturar a ação da
cena. Como a proposta do texto é um teatro musical, o autor deixou assinalado através das
didascálias os pontos onde as ações teriam desenhos coreográficos e acompanhamento
musical:
Balé. Na loja de Pai Joaquim, entre imagens de orixás africanos, entre
búzios, velas e patuás, o Boca-de-Alpercata instalou seu ponto. Diante
dele, alguns jogadores fazem seu jogo. Boca-de-Alpercata escreve as
apostas num talão. Os homens de Pedroca entram, cautelosos, um após
o outro, evoluem em torno do bicheiro, carregando enormes imagens de
orixás. A música e a coreografia criam um clima: preparação para o
assalto. (...) Os homens de Pedroca evoluem pelo cenário e começam a
destruir a loja. (...) Todos se voltam para Pedroca que surge de repente,
de revólver em punho. (...) Os bailarinos prosseguem na coreografia que
traduz a destruição da loja e do ponto. Os jogadores em pânico fogem.
Pedroca avança para Boca-de-Alpercata, que se encolhe, apavorado. (...)
Pedroca liquida Boca-de-Alpercata com um tiro. Ele cai, de costas, na
cadeira, de boca aberta. Mirandão entra. (...) Sai com Pedroca.
cmxlvi
Os jogadores, ao retornarem à cena, conferem a morte da personagem Boca-de-
Alpercata e cantam a estrofe da primeira canção da peça, para reforçar o comportamento da
personagem Mirandão quando traída:
34
Os jogadores, que haviam fugido, voltam e se acercam do cadáver. (...)
Cantam:
Os seus desafetos e rivais
Misericordioso não matava
Mandava matar
E financiava os funerais
As pobres viúvas consolava
Chegava a chorar.
cmxlvii
As didascálias que apresentam Brilhantina, carregadas de ações específicas
direcionadas a uma higiene e preocupação estética exageradas e impulsivas, neste momento
pontua a personagem, para que, mais tarde, todas essas ações estejam relacionadas às
informações que irão justificar esses comportamentos:
Manga Larga (Figura 198) entra. Os jogadores fogem, receosos. (...)
Manga Larga faz um sinal para fora. (...) Brilhantina entra, olha em
volta. É mais moço que Mirandão e, ao contrário de seu rival, ostenta
uma propensa elegância no trajar. Tem a obsessão do perfume e da
limpeza. Vive lavando as mãos, perfumando-se, penteando-se, os cabelos
reluzentes de brilhantina; o corpo de Boca-de-Alpercata. (...)
Brilhantina sorri. (...) Pega o dinheiro na gaveta e as pules sobre a
mesinha, entrega a Manga Larga. (...) Tira um frasco de água-de-
colônia do bolso e passa nas mãos. Joga também um pouco nos cabelos.
(...) Brilhantina calmo, sem se alterar. (...) Manga Larga sai. Brilhantina
tira um pente do bolso, penteia os cabelos reluzentes. Brilhantina
Canta.
cmxlviii
A canção de Brilhantina (Figura 199) funciona nesse trecho como um grito de
guerra, ele primeiramente explica o acordo feito entre os bicheiros,
relata o fato de sentir-se prejudicado por ter recebido a pior parte da
partilha dos pontos de “Bicho”, mas que agora, a partir daquele
momento, não iria se calar. Como bem afirma a pesquisadora Alba
Zaluar em sua crônica A Perigosa Metamorfose do Malandro: “A
cultura da malandragem gerou uma rotina aética, na qual a figura
sinistra do bandido se impõe à malemolência do malandro”.
cmxlix
Fig. 198- Carlos Accioly
cml
vinte anos / Fizemos nossa partilha / E desde então esse filha / Da
mãe ficou com o filé, / Fiquei com os ossos / Ossos e sebos do ofício / Mas
respeitei o armistício / Sou homem de boa fé, Pois é... / Diz um ditado /
Da gente da minha terra / Que o bom cabrito o berra / Mas já não
posso aturar / Se esse safado / Quer me ganhar no grito / Ainda vai ver
um cabrito / Com um berro na mão fuzilar.
cmli
34
Acordos entre os Bicheiros do Rio de Janeiro ocorrem todas as vezes que, devido
ao fato dos pontos de uns estarem sendo mais procurados, ou qualquer que seja o motivo, o
lucro do outro acaba sendo maior, as brigas com mortes e riscos para a população civil fazem
com que os grandes banqueiros se reúnam e proponham acordos entre si. O que se refere à
personagem aconteceu na década de 1950, devido às chacinas ocorridas em Madureira,
Oswaldo Cruz, Marechal Hermes e Bangu.
Ao longo do tempo, a trajetória da “fezinha” foi marcada por violentos
conflitos entre os bicheiros pelos pontos de venda, pelas respectivas áreas de
influência ou ainda quando surgiam novos quadros que pretendiam entrar no
“negócio”. Esse cenário, por si cheio de conflitos, mesmo com todos os
encontros de pacificação, cujo primeiro aconteceu em meados de 1954, iria
sofrer uma importante modificação com a introdução da cocaína na cidade
do Rio de Janeiro.
cmlii
A respeito desses acordos entre os bicheiros, o
pesquisador Carlos Alberto M. Pereira posiciona-se ao relatar
a união da “classe” em prol das escolas de samba, porque
sempre houve uma maior receptividade do samba para com
os representantes do jogo do bicho do que com os de outras
organizações com as quais as escolas se relacionam.
Figura 199- Felipe Carone
cmliii
(...) Foi somente depois desse estágio, que corresponde à constituição de um
espaço de atuação amplo e tem como conseqüência o enriquecimento dos
banqueiros, que as próprias organizações de jogo do bicho colocaram limites
e se unificaram. Neste momento, que parece corresponder ao início dos anos
80 (as informações, obviamente, são imprecisas), já se tratam de grandes
empresas que, fundadas no cálculo econômico, fazem um acordo político:
“Nós estamos à beira da perfeição, afirma Zinho em entrevista à Revista Isto
É Senhor de 5 de julho de 1989. A organização do bicho no Rio ultrapassa a
etapa de pacificação e lastreada na cúpula composta pelos sete maiores
banqueiros do Estado (Haroldo Nunes, Valdemiro Garcia, o “Miro”, Capitão
Guimarães, Anísio Abraão David, Castor de Andrade, Antonio Petrus, o
“Turcão” e Rafael Palermo), desenvolveu um sistema que contempla e
harmoniza a divisão territorial. Regulou-se o processo de venda e absorção
de pontos de um bicheiro por outro, o sorteio único com pagamento de
apostas padronizadas e sofisticado sistema de descarga, semelhança das
operações de resseguro do mercado segurador que garante, segundo o porta-
voz da contravenção, a máxima de nunca recusar apostas.”
cmliv
34
O quarto quadro, cuja didascália de abertura é Filha
do Rei e seus amigos”,
cmlv
implanta a personagem Taís (Figura
200), filha de Mirandão e suas características, inicialmente
através do canto de Pedroca e pelas ações e intenções a ela
atribuídas através das didascálias. Há, neste quadro indicações
para iluminação, sonoplastia e ritmo a respeito da condução da
cena. Taís é apresentada como: rebelde, recebeu educação
esmerada, namoradeira, consome drogas, irreverente, não gosta
de ser filha de bicheiro, arrogante, promíscua, busca
alucinadamente o prazer, impulsiva:
Figura 200- Marília Barbosa
cmlvi
Luz sobre Pedroca. (...) Pedroca canta: Mirandão mandava em Ramos /
e em toda Leopoldina, / não mandava na filha, / rebelde desde
menina, / ela era o seu desgosto, sua cruz e sua sina. / Eu não sei o que
Taís / tinha contra Mirandão, / porque um pai como ele /não se
encontra mais não, / é artigo fora de série, / fora de circulação. / Ele deu
tudo pra ela, / educação de primeira, / curso de língua, balé, / até colégio
de freira. / Por isso é que com ela / eu sempre marquei bobeira. /
Iluminação e clima de discoteca. Pares dançam alucinadamente. Entre
eles, Taís e Ronaldo. Quando termina a música, Taís e Ronaldo se
deixam cair no chão, abraçados. Estão ambos atordoados. Ele
alguma coisa para ele cheirar, ela sorri, desligada de tudo. De repente,
caí em si, levanta-se de um salto. (...) Ele tenta detê-la, ela reage. (...)
Ronaldo tocou no ponto sensível de Taís. (...) Pedroca entra, procura
Taís entre os jovens. Ela e reage com estranheza (...) Pedroca vai a
ela. (...) Taís olha para Pedroca com arrogância. (...) Pedroca sorri. (...)
Diante dela tem um ar idiota, é um brutamontes apaixonado. (...) Taís
olha para ele com ar de desafio. (...) Taís ri. (...) Taís leve tom de ameaça
(...) Pedroca infantilmente preocupado. (...) Taís volta-lhe as costas. (...)
Pedroca como cão escorraçado. (...) Sai. (...). Taís canta: Qualquer amor
/ Me satisfaz / Qualquer calor / Qualquer rapaz / Qualquer favor / É
chamar / Pousar a mão / Qualquer lugar / Qualquer verão / É só
chamar / É tudo, é do primeiro / Qualquer hora, qualquer cheiro /
Qualquer boca, qualquer peito / Qualquer jeito de prazer / Qualquer
prazer é pouco / Qualquer éter, qualquer louco / Que meu corpo de
criança / Não se cansa de querer / Qualquer amor / Eu corro atrás /
Qualquer calor / E eu quero mais / Qualquer amor / Qual nada.
cmlvii
O quadro também insere a personagem Cida, esposa de Mirandão, que se torna uma
nota dissonante no universo que habita, uma mulher fora do seu tempo e do seu espaço, sem
referenciais com a realidade:
Ilumina-se a casa de Mirandão. Taís entra. (...) Taís fala como uma
acusação. (...) Mirandão procura ser mais paternal. (...) Cida entrando.
É uma senhora de prendas domésticas, pouco conhecimento toma dos
34
negócios do marido. Para ela é apenas o pai de sua filha. Fiel, submissa,
tem dele uma imagem muito benevolente: bom marido, bom pai, bom
chefe de família. (...) Olha para Taís e balança a cabeça num gesto de
reprovação. (...)
cmlviii
O quinto quadro, aberto através da didascália Onde entra um pouco de Amor,
por que não?”,
cmlix
vai trazer o encontro da personagem
Taís com a personagem Marco (Figura 201), filho de
Brilhantina, momento em que se conhecem e se
apaixonam. As indicações propostas pelo dramaturgo
permitem a inclusão dos elementos característicos da vida
social dos bicheiros, onde o samba, a fartura, os sinais de
fortuna, uma etiqueta suburbana, estão sempre presentes:
Figura 201- Márcio Augusto
cmlx
Quadra da escola de samba em clima de festa. Os passistas se exibem ao
ritmo da bateria e cantam o samba-enredo, puxado por Pedroca. (...).
Quem vacila, oi / Quem vacila / Acaba na cama de Domitila. Foi nos
tempos / Nos tempos do Brasil imperial / Tinha uma marquesa /
Simplesmente sensacional / Domitila, marquesa dos Santos / De gentil
beleza / E de maridos tantos / Duques e barões assinalados / Marechais e
magistrados / Travessaram seu destino / Mas foi finalmente o
Imperador / Que aplacou o seu furor uterino. (...) Mirandão entra, de
braço com Cida. (...) Mirandão sai com Cida. Ronaldo e Marco entram.
(...) Ronaldo sai. (...) Marco fica sobrando, vendo os passistas dançarem.
Tem 25 anos e muitos anos de ausência, na Europa, fazem com que se
sinta inteiramente desambientado, embora faça o possível para não
demonstrar. Mirandão entra, trazendo Taís pela mão. (...) Pedroca
assinala para a bateria (...) A bateria pára. (...) Com manifesta má-
vontade, os surdos começam a marcar o compasso da valsa. Mirandão e
Taís saem dançando. Ela constrangida, ele glorioso, sorridente. Marco
Taís e não tira os olhos de cima dela. Ela também dança olhando
para ele. Outros pares entram na dança. Até que Mirandão se sente
cansado. Pára. Cida vem em seu encontro. (...) Mirandão sai com Cida.
Como que atraídos por um ímã, Marco e Taís vão ao encontro um do
outro e continuam a valsa, olhos nos olhos, vidrados. Ronaldo entra e
Taís e Marco dançando. (...) A luz vai baixando, com exceção de um foco
de luz em Taís e Marco. As demais personagens se imobilizam na
penumbra. Somente eles se movimentam, acompanhados pelo foco de
luz. (...) Taís Canta: Consta nos astros /Nos signos / Nos búzios / Eu li
num anúncio / Eu vi no espelho / Garantem os Orixás / Serás o meu
amor / Serás a minha paz / Marco canta / Consta nos autos / Nas bulas /
Nos mapas / Está nas pesquisas / Eu li num tratado / Está confirmado /
deu até nos jornais / Serás meu amor / Serás a minha paz. Taís e
Marco. Os dois cantam alternando os versos: Mas se a ciência / Disser o
contrário / Se o calendário / Nos contrariar / E se o destino insistir / Em
nos separar / Danem-se / Os astros / Os autos / Os signos / As bulas / Os
búzios / Os mapas / Anúncios / Pesquisas / Ciganas / Tratados / Profetas
/ Ciências / Espelhos Conselhos / Os dois cantam juntos / Se dane o
34
evangelho / E todos os orixás / Serás meu amor / Serás, amor, a minha
paz. (...) As luzes se acendem novamente, as personagens se
movimentam. Terminou a festa, os convidados vão saindo. Mirandão
entra, distribuindo garrafas de uísque. (...) Os convidados saem,
Mirandão também. Ficam apenas Taís e Marco que continuam perdidos
um no outro, sem tomar conhecimento do que se passa em volta. Marco
cai em si. (...) Eles se beijam. (...) Taís, Marco e Coro cantam: Danem-se
/ Os astros / Os autos / Os signos / As bulas / Os búzios / Os mapas /
Anúncios / Pesquisas / Ciganas / Tratados. Mirandão e Cida entram no
meio da música e eles o percebem. (...) Taís e Marco saem. (...) Taís
entra. (...) Pedroca entra afobado. (...) Mirandão e Pedroca se afastam.
(...)
cmlxi
Torna-se interessante ressaltar que na canção de Taís e Marco o vocabulário que a
compõe é formado por palavras que pertencem ao campo semântico da academia,
relacionados à personagem Marco, como: bulas, ciência, pesquisas, autos, tratados, mapas, em
contraponto com palavras que pertencem ao campo semântico do esoterismo, relacionados à
personagem Taís, como: calendário, ciganas, signos, búzios, orixás.
O sexto quadro traz como didascália de abertura O Buraco da Marcelina”,
cmlxii
uma referência maliciosa à mãe de Mirandão, uma afronta direta provocada por Brilhantina,
que se desvendará ao longo da cena. As indicações para a
cenografia deixam claro a proposta de uma montagem
contemporânea, além das indicações da utilização de planos
diferentes em cenas em espaços diferentes e simultâneas. Introduz
a personagem Marivalda (Figura 202), mulher de Brilhantina,
trazendo nas didascálias as informações sobre suas características
e as intenções que a ela são atribuídas:
Figura 202- Leina Krespi
cmlxiii
Fortaleza de bicho. O cenário é composto de três portas colocadas uma
após outra. Brilhantina vai abrindo as portas sucessivamente, seguido
por Manga Larga e Marivalda, sua mulher. Uma bonita mulher, mas
veste-se com um luxo exagerado e de gosto mais que duvidoso. Coberta
de jóias, brincos, colares, parece um carro alegórico. Fútil ao extremo,
seu Q.I. não é dos mais notáveis. (...) Manga Larga traz uma garrafa de
champanha e copos. (...) Estoura o champanha e enche os copos. (...)
Brilhantina pega o telefone e disca. (...) Mirandão surge no plano
superior, à sua mesa de trabalho, atendendo ao telefone. (...) Mirandão
desliga, furioso. Brilhantina solta uma gargalhada. Manga Larga faz um
brinde. (...) Todos riem. Apagam-se as luzes.
cmlxiv
34
O sétimo quadro surge através da didascália “Os Tratados são feitos pelos
tratantes”,
cmlxv
o jogo de palavras “tratados/tratantes” confia o duplo sentido remetido pela
oração, uma vez que os “tratados” feitos em períodos de guerra têm por objetivo atenuar os
conflitos, de forma a que não haja perda de vidas de qualquer lado que seja, enquanto o
vocábulo “tratante” remete ao que trata ardilosamente de qualquer coisa que seja, aquele que
procede com velhacaria, portanto, se quem produz os tratados são tratantes, logo se pode
prever que o resultado proposto por esse quadro. As indicações têm uma colocação bastante
interessante, Brilhantina coloca a mão sob o colete e bebe leite, uma referência que remete a
Napoleão Bonaparte, que assim como Brilhantina era um homem do povo e sofria de um mal
gástrico. As didascálias presentes no quadro apresentam indicações para iluminação,
movimentação cênica, através de desenho coreográfico, e a canção, cuja letra vai inserir os
objetivos previstos para as ações, através do canto da personagem Pedroca:
Luz sobre Pedroca. (...) Pedroca canta: Nem tudo estava correndo /
Como manda o figurino / E uma grande sacanagem / Para nosso
desatino / Estava sendo armada / Na moita pelo destino. / Brilhantina
abriu outro ponto, / Mirandão mandou quebrar, / Brilhantina revidou, /
A coisa não ia parar; / Do jeito que o mundo ia, / Precisava conversar. /
E os dois compreenderam / que era da conveniência / de ambos levar um
papo, / espécie de conferência entre as partes em conflito, / as duas
superpotências. (...) Balé. A música cria um clima de expectativa, de
suspense policial. Manga Larga e sua gang entram e revistam o local da
conferência, que é uma leiteria. Depois entram Pedroca e seus homens,
fazendo o mesmo. Todos estão armados, revólveres à mostra na cintura.
Encaram-se, hostis, durante as evoluções. Por fim, entram Mirandão e
Brilhantina, um de cada lado. Brilhantina vez por outra coloca a mão
direita por dentro do colete e para como que perfilado. Fazem sinal e
todos saem. uma mesa no centro da mesa. (...) Por fim, sentam-se os
dois ao mesmo tempo. (...) Um garçom entra com dois enormes copos de
leite, que coloca sobre a mesa. (...) Brilhantina mantém-se sempre
sorridente, tranqüilo, tomando leite. (...) Os dois se olham cara a cara,
tensos, medindo as mútuas distâncias. Brilhantina sorri. (...) Mirandão
contém a sua indignação. (...) Mirandão procura controlar-se. (...)
Mirandão toma um gole de leite e faz uma careta. Brilhantina, por baixo
da mesa, levanta a calça e procura o revólver enfiado na meia. (...)
Brilhantina com uma das mãos bebe um gole de leite e com outra
empunha o revólver. (...) Brilhantina atira, Mirandão leva as mãos à
barriga e cai de bruços sobre a mesa, derramando o leite. (...)
Brilhantina sai correndo. Pedroca entra, Mirandão caído. (...)
Pedroca corre atrás de Brilhantina. Atira para fora. Ouvem-se vários
tiros. Verdadeira fuzilaria. Mirandão ainda caído sobre a mesa. (...)
Pedroca vem a ele. (...) Pedroca olha, não quer assustá-lo. (...) Apagam-
se as luzes.
cmlxvi
Os generais baixam enfermaria, mas a guerra continua é a didascália que
abre o oitavo quadro. Esse fragmento da peça, contém uma série de informações, indicações e
34
ganchos que servem de suporte para o desenrolar da trama. As indicações relacionadas a
cenografia, apresentam a divisão da cena em três segmentos, o quarto de Mirandão, o quarto
de Brilhantina e o saguão, que compõem um único espaço, que não aparece em sua totalidade,
o hospital. As didascálias marcam a alternância dessas ambientações através das indicações
para a iluminação; além de orientarem o ritmo da cena, assim como o clima do espaço,
marcados pelas indicações para a sonoplastia e a movimentação dos atores pela cena. Duas
personagens são introduzidas neste quadro, o Dr. Vidigal (Figura 203), o médico, e o
Delegado Paixão (Figura 204).
Figura 203-Roberto Azevedo
cmlxvii
Figura 204- Jorge Chaia
cmlxviii
As indicações dirigidas ao Dr. Vidigal e ao Delegado atestam que ambos são
parceiros dos contraventores “Me procurou tou aqui / pronto com meu bisturi” “não disfarça a
sua satisfação”.
O quadro também apresenta a utilização da dança, com os movimentos
coreografados para representar o “tran-tran” tenso e cotidiano dos hospitais e o canto que
pontua: a visão do médico sobre a forma como exerce sua profissão, a dos apaixonados Taís e
Marco diante do que ocorreu com seus pais e o amor proibido que sentem um pelo outro e o
posicionamento de diversas personagens diante da oficialização do Jogo do Bicho.
Inicialmente tem-se a instalação do espaço e os posicionamentos do Dr. Vidigal:
Com a cena ainda às escuras, ouvem-se as vozes de Pedroca e Manga
Larga: “Dr. Vidigal! Chamam Dr. Vidigal!” Também uma sirene de
ambulância. Voz de Mulher pelo auto-falante. (...) Luz. Estamos no
saguão do hospital. Enfermeiros e enfermeiras cruzam o palco de um
lado para o outro. Dr. Vidigal entra. Vidigal canta: Sou um doutor
competente / formado no Piauí / não vejo a cor do cliente / se é deputado
ou gari / Me procurou, tou aqui, / pronto com meu bisturi / Se sangue
fosse petróleo / me chamariam de Ali / e eu tava c’o monopólio / do
Oiapoque ao Chuí / Me procurou tou aqui / pronto com meu bisturi. /
34
Sutil artista da faca / me chamam de Pitangui / e se a polícia me achaca /
faço boca de siri. / Me procurou tou aqui / pronto com meu bisturi. (...)
Continua a movimentação, enquanto Vidigal segue, declamando.
(...)
cmlxix
Em seguida, o jogo dos três espaços proporciona a apresentação do motivo da
ambientação hospitalar, até a entrada da personagem Delegado Paixão, que traz a novidade da
Zooteca:
Neste quadro o palco é dividido em três espaços cênicos que correspondem
aos quartos de Mirandão e Brilhantina e ao saguão do hospital. (...) Pedroca
entrando. (...) Vidigal mostra a bala que extraiu. (...) Vidigal solta uma
gargalhada. (...) Vidigal canta, sempre contracenando com as enfermeiras
que entram e saem, dentro da rotina profissional: Me procurou tou aqui, /
pronto com meu bisturi. Apagam-se as luzes do saguão e acendem-se as do
quarto de Mirandão. Cida ao lado do leito. (...) Pedroca entra. (...)
Mirandão para Pedroca. (...) Mirandão passa a mão no pescoço procurando
o patuá. (...) Pedroca vai sair quando Marco entra. (...) Marco sai. (...)
Pedroca sai. Apagam-se as luzes. Acendem-se as luzes do quarto de
Brilhantina. Ele ainda está cheio de ataduras. Vidigal entra. (...) Vidigal
mostra as balas. (...) Brilhantina sádico. (...) Brilhantina não pode conter a
satisfação, começa a rir e a gemer ao mesmo tempo. (...) Vidigal faz coro
nas risadas de Brilhantina e sai, cruzando com Marco que entra. (...)
Marivalda sai. (...) Enfermeira entra com uma seringa. (...) Marco sai. (...) A
enfermeira aplica a injeção. (...) Apagam-se as luzes. Saguão do hospital.
Marco e Taís se encontram. (...) Taís surpresa. (...) Marco ironizando. (...)
Taís deduz. (...) Taís ri. Pausa. (...) Marco toma Taís nos braços e cantam:
Danem-se / Os nomes / Que nomes / Que honras / As posses / As poses / A
bênção / A crença / A raça / O ramo / O ranço / Rancores / Furores /
Vinganças / Se danem as heranças / E tudo o que está por trás / Serás o meu
amor / Serás, amor, a minha paz. / Pedroca entra. (...) Taís teme que
Pedroca descubra quem é Marco. (...) Taís e Marco saem de mãos dadas,
sob o olhar desconfiado de Pedroca (...) Apagam-se as luzes. Acendem-se as
luzes do quarto de Mirandão. (...) Mirandão ao telefone. (...) Desliga. (...)
Cida entrando, preocupada. (...) Delegado entra. (...) Mirandão não disfarça
a sua satisfação. (...) Cida sai. (...) Delegado (Figura 202) sorri. (...)
Mirandão começa a cair na realidade. (...) Mirandão levanta-se do leito. (...)
Cida entra. (...) Mirandão procurando as roupas. (...) Vidigal entra. (...)
Mirandão sai. Cida e Dr. Vidigal atrás dele. Apagam-se as luzes do quarto
de Mirandão. Acendem-se as luzes do quarto de Brilhantina. Brilhantina
levantando-se do leito. (...) Marivalda desligada. (...) Manga Larga e
Marivalda ajudam Brilhantina. Vidigal, Brilhantina e Manga Larga em
coro. (...) Apagam-se as luzes do quarto.
cmlxx
Ao fim do oitavo quadro, as didascálias indicam o retorno da movimentação
frenética do hospital através de um desenho coreográfico e as personagens posicionando-se
sobre a implantação da Zooteca:
Acendem-se as luzes do saguão. Enfermeiras e enfermeiros se
movimentam, numa coreografia que exprime a agitação provocada pela
notícia. Surgem também tipos populares do Rio de Janeiro. A notícia
tomou conta da cidade. (...) Coro canta: A Zooteca / A Zooteca / De boca
em boca só se fala em zooteca / A Zooteca / A Zooteca / Essa fofoca inda
34
vai dar muita meleca. / Mirandão canta: Vou em Palácio / Vou em
Congresso / Denunciar essa manobra subversiva / Estão querendo
solapar os interesses da livre Iniciativa. Coro canta: É um absurdo / É
um atentado / Brilhantina canta: Tem que salvar nosso ideal capitalista /
Está na cara que a estatização do bicho é coisa de comunista. Coro
canta: Que será / Do meu pão / Do meu lar / E da nação / A Zooteca / A
Zooteca / Essa fofoca ainda vai dar muita meleca. Vidigal canta: E os
tiroteios / E a clientela / Eu tenho um enfarte, uma embolia, eu tenho um
“stress” / Acho que vou ser rebaixado a residente do INPS. Coro canta:
É um deboche / É uma piada / Pedroca canta: O avestruz, a cobra, a
vaca e o veado / Tudo que é bicho agora vai ser promovido a
Funcionário do Estado. Coro canta: Que será / Do meu pão / Do meu lar
/ E da nação / A Zooteca / A Zooteca / De boca em boca se fala em
zooteca / A Zooteca / A Zooteca Essa fofoca inda vai dar muita meleca.
Manga Larga e Marivalda cantam: Pega o projeto / Joga no lixo / Nós
não fizemos a revolução pra isso / Vamos marchar com Deus e com a
família pela / Liberdade do bicho. Coro canta: É o demônio / É o fim do
mundo / Mirandão canta: Mas se o governo autorizar esse vexame / Eu
faço as malas, saco todo o meu dinheiro e Vou morar em Miami. Coro
canta: Que será / Do meu pão / Do meu lar / E da nação / A Zooteca / A
Zooteca / De boca em boca só se fala em Zooteca / A Zooteca / A Zooteca
/ Essa fofoca ainda vai dar muita meleca / A Zooteca / A Zooteca / Inda
vou ver muito banqueiro de cueca / A Zooteca / A Zooteca / Daqui pra
frente vai ser ferro na boneca! (...) Apagam-se as luzes.
cmlxxi
O nono quadro possui como didascália introdutória a frase Onde se rouba um
pouco de Shakespeare, que por sua vez roubou muita gente”,
cmlxxii
mensagem que se
projeta diretamente ao amor proibido de Taís e Marco, uma releitura “tropical, suburbana e
carioca” de “Romeu e Julieta”. O quadro inicia com um canto de Pedroca semelhante a um
“mentor” da cena em que “Tucão Capuleto” e “Brilhantina Montecchio” tomam
conhecimento do amor de seus filhos, na mesma ocasião em que Dr. Vidigal revela a
Brilhantina que ele tem uma bala instalada no crânio. Mais uma vez as didascálias abrem e
fecham o quadro por um movimento de luz:
Luz sobre Pedroca. Pedroca canta: A situação era crítica / isso temos que
admitir / mas ninguém imaginava / que o pior estava por vir: / na contagem
regressiva / outra bomba ia explodir / E essa justo debaixo / do rabo do
Mirandão. / Considerando a Zooteca / e toda aquela situação / vocês têm de
concordar, / era dose pra leão. Acendem-se as luzes da casa de Mirandão.
(...) Mirandão possesso. (...) O silêncio de Taís é uma confirmação. (...) Taís
sai. (...) Mirandão pega o telefone e começa a discar nervosamente. (...) As
luzes se acendem no apartamento de Brilhantina. (...) Marivalda ao
telefone. (...) Ela leva o telefone até Brilhantina, que está sentado numa
poltrona, entre almofadas, com os pés dentro de uma bacia de água quente.
Tem ainda uma atadura e um saco de gelo na cabeça. Marco, sentado,
um livro. (...) Mirandão desliga. (...) Apagam-se as luzes na casa de
Mirandão. (...) Brilhantina desliga, impressionado. (...) Brilhantina leva a
mão à cabeça. (...) Brilhantina levando as mãos à cabeça. (...) Marivalda sai.
Brilhantina procura controlar-se. (...) Marco sai. (...) Brilhantina fica
preocupado. (...) Entra Dr. Vidigal. (...) Vidigal abrindo a maleta e tirando
34
o aparelho de medir a pressão. (...) Vidigal solta uma gargalhada. Apagam-
se as luzes.
cmlxxiii
As didascálias que regem o décimo quadro estão centradas em dois pontos. O
primeiro aspecto é logo introduzido pela frase “Os Brutos também amam”,
cmlxxiv
que insere a
postura de Pedroca, apaixonado por Taís e supondo que o amor proibido da moça com o filho
de Brilhantina seria a sua chance de materializar o sonho. A canção de Pedroca carrega uma
série de comparações entre o universo do banqueiro, o subúrbio de Ramos e adjacências com
Paris, no intuito de equiparar seu mundo com o mundo que Marco viveu na França.
As indicações contidas nas didascálias direcionam a personagem ao encontro com
Mirandão, a revelação de seu amor por Taís, a relação do banqueiro, a contra-reação de
Pedroca e seu conseqüente desmoronamento.
O segundo aspecto revela aos dois inimigos a decisão do casal apaixonado. O ritmo
intenso e crescente da cena é marcado pelas didascálias indicativas da iluminação. São doze
movimentos de luz seguidos, direcionados a diferentes espaços, até que esses espaços passam
a coexistir simultaneamente:
Luz sobre Pedroca. Pedroca canta. (...) Foi então que eu vi que a sorte /
pendia para o meu lado, / que por obra do destino / afinal tinha pintado
a grande oportunidade / que eu sempre tinha sonhado / pois se um
pilantra qualquer / porque veio de Paris / pode ter a pretensão / de
namorar a Taís, / por que não posso eu / sonhar fazê-la feliz? Quando
nos apaixonamos / Poça d`água é chafariz / Ao olhar o céu de Ramos /
Vê-se as luzes de Paris / No verão é uma delícia / Brisa fresca de Bangu /
Mesmo o cabo de polícia / nos diz “merci-beaucoup” / Eu ouço um
samba de breque / Com o Maurice Chevalier / Bebo com Toulouse
Lautrec / No bar do Caxinguelê / Daí ninguém mais estranha / O Louvre
na Praça Mauá / E o borbulhar de champanha / Num gole de guaraná. /
Cascadura é Rive-Gauche / O Mangue é o Champs-Eliseés / Até mesmo
um bate-coxa / Faz lembrar o pas-de-deux / Puré de batata-roxa /
Parece marrom-glacê. Pedroca coloca um cravo na lapela do terno
branco, ajeita a gravata. Acendem-se as luzes na casa de Mirandão. (...)
Mirandão ao telefone. (...) Desliga. Pedroca está diante dele. (...)
Mirandão repara. (...) Pedroca hesita, acanhado. (...) Mirandão já meio
desconfiado. (...) Pedroca faz uma pausa, toma coragem. Mirandão olha
abismado para ele. (...) Mirandão reage violentamente. (...) Pedroca
humilhado. (...) Pedroca leva a mão ao revólver num gesto quase
instintivo. (...) Mirandão percebe o gesto e mostra algum receio. (...) Por
alguns segundos, Pedroca fira Mirandão com ódio. Mas este sustenta o
olhar, e a sua superioridade por fim prevalece. Pedroca deixa cair o
braço, baixa a cabeça. Tira o lenço do bolso, leva aos olhos, e seu
corpanzil estremece num soluço. (...) Mirandão impressionado. (...)
Pedroca abraça Mirandão, esconde a cabeça no seu peito, soluçando
como uma criança. (...) Cida de fora. Grita. (...) Entra, transtornada. (...)
Cida mostra um bilhete. Mirandão lê. (...) Apagam-se as luzes.
Acendem-se as luzes do apartamento de Brilhantina. (...) Brilhantina
ainda sob o impacto da revelação que Manga Larga acaba de lhe fazer.
(...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as luzes da casa de Mirandão.
34
(...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as luzes no apartamento de
Brilhantina. (...) Brilhantina para Marivalda. (...) Apagam-se as luzes.
(...) Acendem-se as luzes da casa de Mirandão.(...) Apagam-se as luzes.
(...) Acendem-se as luzes no apartamento de Brilhantina. (...) Apagam-se
as luzes. (...) Acendem-se as luzes da casa de Mirandão. (...) Mirandão
pega o telefone e disca. (...) Acendem-se as luzes no apartamento de
Brilhantina. Campainha de telefone. Brilhantina atende. A cena agora
se desenvolve simultaneamente nos dois cenários. (...) Mirandão desliga.
(...)
cmlxxv
O décimo primeiro quadro é composto apenas por didascálias. A primeira
didascália anuncia exatamente o objetivo da cena, A Guerra Zoológica”,
cmlxxvi
e a segunda
didascália marca uma postura intertextual
cmlxxvii
do dramaturgo, transpondo à cena as brigas
dos Capuletos e Montecchios das ruas de Veneza, na tragédia de William Shakespeare;
trazendo à cena a violência dos bairros pobres, as gangs inimigas das ruas do “West Side”de
Nova York, eternizadas através da coreografia de Jerome Robbins em que a gang dos porto-
riquenhos enfrenta a gang dos meninos de Manhattan, no filme “West Side Story”. Balé.
Coreografia: as duas gangs, chefiadas por Pedroca e Manga Larga, procuram o casal
fugitivo. Todos empunham revólveres. As evoluções marcam a busca e o espírito
belicoso de parte a parte.
O décimo segundo quadro possui como abertura a didascália Os Cinco
Grandes”,
cmlxxviii
indicação que aponta para uma releitura da realidade dos banqueiros do Jogo
do Bicho, organizados em uma cúpula de chefões, como retrata a Revista Época, na
reportagem:
(...) Um grande banqueiro do jogo do bicho do Rio confirmou para Época,
sob o compromisso de não ser identificado, que a cúpula já não se reúne para
“decisões colegiadas” como nos anos 80, quando os bicheiros chegaram
mesmo a crer que formavam uma confraria. (...) Por trás do ato quase
ingênuo de fazer uma fezinha no ponto de bicho da esquina, esuma rede
de crimes que tem em seus quadros matadores profissionais muito bem
armados. (...) A execução de Paulo de Andrade, o Paulinho, filho de Castor,
mostra que não há trégua à vista. (...) O procurador de Justiça do Rio
Antônio Carlos Biscaia crê que a disputa pelo controle dos negócios do
bicho está por trás de todas as mortes e acha que a polícia tem de aproveitar
o inquérito sobre o assassinato de Paulinho de Andrade para colocar tudo em
pratos limpos. (...) Antes da formação da cúpula, no início da década de 80,
os pontos mudavam de mão de acordo com o poder de fogo do candidato a
banqueiro. Em 1967, o bicheiro Artur Ribeiro, o Tutuca, dono da banca no
subúrbio carioca de Bento Ribeiro, foi assassinado com cinco tiros pelas
costas perto de sua casa. A polícia não achou o culpado pelo crime, e os
pontos de Tutuca foram incorporados à banca de Castor de Andrade. Em
1976, o banqueiro Euclides Pannar, o China Cabeça Branca, então presidente
da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, foi assassinado a caminho de
casa, no Maracanã, Zona Norte do Rio. Dias antes da morte, ele denunciara a
manipulação de resultados na Paratodos. (...) Depois da criação da cúpula,
34
apenas um homem tentou desafiar o poder dos grandes banqueiros do Rio: o
ex-policial civil Mariel Mariscotte de Mattos. Ligado a grupos de
extermínio, ele queria entrar para a cúpula de qualquer jeito. Na tarde do dia
8 de outubro de 1981, em pleno centro do Rio, Mariel foi assassinado dentro
de seu carro com oito tiros de uma pistola automática M-2, equipada com
silenciador. (...) Depois da execução do ex-policial, ninguém mais tentou se
opor ao poder da cúpula. Pelo menos até agora.
cmlxxix
Esses homens até hoje não se tem conhecimento que nenhuma mulher tenha
constado do grupo –, reúnem-se e decidem os rumos a serem tomados, todas as vezes que
surge uma situação crítica. O décimo segundo quadro recria exatamente uma dessas reuniões.
Diante da possibilidade do governo regulamentar o Jogo do Bicho como uma Loteria Oficial,
os cinco grandes bicheiros da dramaturgia reúnem-se para combater a ameaça da zooteca. A
cena mais uma vez é introduzida pela canção explicativa de Pedroca, há indicações de objetos
cênicos de valor simbólico, como: “cinco cadeiras de espaldar alto”, que atestam o poder e a
igualdade entre eles; “mesa tem a forma de ferradura, com a abertura voltada para a platéia”,
o que remete a idéia de amuleto da sorte, pois os bicheiros trabalham com esse improvável
elemento e a visualização de todos por todos:
Luz sobre Pedroca. (...) Pedroca canta: A situação era grave / a guerra
era eminente / Mirandão então sugeriu / a convocação urgente / dos
cinco grandes banqueiros / com o Brilhantina presente. / Em matéria de
bicheiros / o que estava ali era o fino. / Salvador, Deixa-que-eu-chuto, /
Anacleto e Nicolino, / os reis do jogo do bicho / para decidir seu destino.
O bicho estava ameaçado / de agora levar a breca, / não por culpa dos
garotos, / mas da grande meleca / que estava pra acontecer / com a
criação da Zooteca. (...) Uma grande mesa, cercada por cinco cadeiras
de espaldar alto. A mesa tem a forma de ferradura, com a abertura
voltada para a platéia. Mirandão ocupa o centro. (...) Mirandão confere.
(...) Brilhantina entra. (...) Todos ocupam os seus lugares. (...) Mirandão
encara Brilhantina. (...) Mirandão lança-se contra Brilhantina, mas é
contido pelos outros. (...)
cmlxxx
Uma ruptura inesperada na narrativa ocorre quando Mirandão e Brilhantina
permitem que seus problemas pessoais interfiram nos assuntos que precisam ser discutidos e
aprovados pelos cinco componentes da cúpula. É também nesse momento que as didascálias
indicam uma mudança de foco, que se desvia para o estado de saúde de Brilhantina, com
orientações para movimentação na cena, ritmo, iluminação e sonoplastia:
Subitamente, Brilhantina leva ambas as mãos à cabeça. Sentindo uma
dor violentíssima. Solta um grito. Brilhantina fixa um ponto no espaço e
aponta. (...) Persegue um hipotético urubu. (...) Brilhantina aponta para
o alto. (...) Agarra-se a Mirandão. (...) Mirandão desvencilhando-se. (...)
Manga Larga entra, assustado. (...) Apagam-se as luzes. (...) Com a cena
às escuras, ouvem-se vozes: “Dr. Vidigal! Dr. Vidigal!” “Sala de cirurgia
34
chamando com urgência Dr. Vidigal”. Sirene de ambulância.
Música.
cmlxxxi
O décimo terceiro quadro com uma didascália formada por uma expressão
carregada de significados, Fuga ou Tocata ou Uma Pequena Pausa para fazer Amor”,
contém o contraponto do quadro anterior, apresenta a opção dos jovens amantes com o intuito
de obterem a aprovação dos pais para o romance. O sentido musical de “fuga” refere-se a um
estilo de composição contrapontista, polifônica e imitativa, de um tema principal. Na
composição musical o tema é repetido por outras vozes que entram sucessivamente e
continuam de maneira entrelaçada
.
O dramaturgo apresenta, portanto, a referência à peça
“Romeu e Julieta”, cuja temática é repetida por outras vozes em outros tempos. Além do
sentido conotativo de “fuga”, pois o casal fugiu das famílias, acirrarem o conflito para
poderem estar juntos. A utilização da palavra “tocata”, que se refere a uma obra de música
erudita para um instrumento de teclas, geralmente enfatizando a destreza do intérprete, vai
associar seu significado à forma como Taís e Marco conduziram seu plano para concretizarem
a vida juntos. A esses dois termos ele associa como portador do mesmo significado, a
expressão “uma pequena pausa para fazer amor”, exatamente o que os amantes conseguem
com a fuga, como marcam as didascálias componenetes do quadro:
Marco e Taís, num ponto qualquer do tempo e do espaço, fazem amor.
Estão deitados, despidos, mas imóveis. (...) Eles se beijam. (...) Taís
canta: Amando noites afora / Fazendo a cama sobre os jornais / Um
pouco jogados fora / Um pouco sábios demais / Esparramamos no
mundo / Molhamos o mundo / Com delícias / As nossas peles retintas de
notícias. / Amando noites a fio / Tramando coisas sobre os jornais /
Fazendo entornar um rio / E arder os carnavais / Das páginas flageladas
/ Sorrimos mãos dadas e inocentes / Lavamos os nossos sexos nas
enchentes / Amando noite a fundo / Tendo os jornais como cobertor /
Podendo abalar o mundo / No embalo do nosso amor / No ardor de
tantos abraços / Caíram palácios / Ruiu um império / Os nossos olhos
vidrados de mistério.
cmlxxxii
Com a introdução do décimo quarto quadro com a didascália A Estranha
Metamorfose ou Satanás volta a ser Anjo”,
cmlxxxiii
o dramaturgo joga com a história blica
para caracterizar o comportamento da Personagem Brilhantina.
O Anjo “Satanás” que se rebelou contra Deus, querendo igualar-se a ele, é expulso
do Reino de Deus e enviado ao inferno onde trama contra Deus. Brilhantina também se
rebelou contra Mirandão e passou a tramar contra ele. Após a crise e a cirurgia, Brilhantina
converte-se, acata o casal apaixonado e quer se reconciliar com Mirandão. As didascálias
marcam indicações de ações e intenções.
34
Apartamento de Brilhantina. Em cena, Marivalda, Manga Larga e Dr.
Vidigal. Este acabou de chegar. (...) Brilhantina entra com Marco e Taís.
Tem nas mãos uma Bíblia. (...) Brilhantina abraça paternalmente Marco
e Taís. (...) Saem Taís e Marco, Marivalda, Manga Larga e Dr. Vidigal
presenciam a cena. (...) Brilhantina mostra a Bíblia. (...) Manga Larga
espantadíssimo. (...) Dr. Vidigal também surpreso com a transformação
em Brilhantina. (...) Manga Larga olha para Vidigal, duramente. (...)
Manga Larga inconformado (...) Sai. (...) Brilhantina sai cantando, Ave
Maria. (...) Apagam-se as luzes.
cmlxxxiv
O décimo quinto quadro é formado apenas por didascálias, desde a introdução com
A Marcha com Deus e a Família pela Liberdade do Bicho”,
cmlxxxv
que propõe os objetivos
da cena, as indicações de movimentação cênica através de um desenho coreográfico, as
propostas de adereços, figurinos e cartazes, incorporando uma proposta brechtiana, até a
canção que apresentará os pontos de relevância para a concretização dos escopos do quadro:
Balé. Com máscaras dos 25 bichos, os bailarinos marcham, portando
cartazes que dizem: estou com o cavalo e não abro liberdade para a
borboleta abertura para o veado bicho amplo e irrestrito viva a
iniciativa privada abaixo os bichocratas änimals lib” o bicho é do
povo como céu é do avestruz arena livre para o touro o macaco
certo etc. Todos cantam: Abaixo a Zooteca / Abaixo a Zooteca / O
povo democrata / Não quer burocracia / Levanta a pata / Da nossa
bicharia / O bicho organizado / É pura bandalheira / Bicheiro, togado /
Merece usar coleira / O bicho estatizado / É coisa de cartola / Ministro
de estado / Direto pra gaiola / O bicho de estado / Jamais será jogado / O
bicho polido / Jamais será curtido / O bicho legal / Jamais será legal / O
povo patriota / Não quer mais quartelada / Levanta a bota / Da nossa
bicharada / O Estado já rico / E o povo na lona / Não mete o bico /
Aqui na nossa zona / O bicho engravatado / É safadeza pura / O bicho
bichado / Derruba a ditadura.
cmlxxxvi
No décimo sexto quadro, a didascália O Cartel Zoológico”
cmlxxxvii
introduz as
cenas que apresentam a solução do problema da Zooteca. O casal, em posse da aprovação
de Brilhantina, vai ao encontro de Mirandão para oferecer a solução em busca de sua adesão.
Basicamente as didascálias indicam as ações e as intenções das personagens nesse quadro:
Casa de Mirandão, Marco e Taís, de mãos dadas, ele com uma pasta,
esperam, tensos. (...) Cida entrando. (...) Cida e Taís caem nos braços
uma da outra. (...) Cida repara em Marco. (...) Cida preocupada. (...)
Mirandão entrando. (...) Mirandão vendo Marco. (...) Taís abraça
Marco. (...) Mirandão impressionado. (...) Cida sai. (...) Mirandão
resistindo ainda. (...) Mirandão impressionado. (...) Mirandão começa a
se entusiasmar. (...) Marco abre a pasta. (...)
cmlxxxviii
34
A didascália “A Divisão do Mundo”
cmlxxxix
abre o penúltimo quadro da peça, em
que, com um tom irônico, o dramaturgo constrói a cena da construção do “cartel do bicho”
como se fosse uma reunião de empresários organizando uma empresa multinacional, com a
divisão dos espaços de atuação e a estrutura administrativa e econômica. O quadro inicia com
o canto de Taís, Marco e Mirandão, que esclarece a organização do empreendimento e sua
funcionalidade. As didascálias esclarecem as ações e as intenções das personagens em busca
de seus objetivos:
Marco canta: Como todo cartel que se preza, meu bem, / Nossa sede
será na Metrópole / Pra montar sucursais / Nas demais capiTaís /
Espalhando a justiça social. Taís canta: Como todo patrão que se preza,
papai, / Você vai morar longe do trópico / Divulgando em inglês /
Alemão, polonês / Nosso jogo na aldeia global / Marco, Taís e Mirandão
cantam: Do Caribe ao Rio da Prata / Desde o Congo a Hong-Kong /
Mão-de-obra mais barata / Para o bicho prosperar / Monto banca em
Sri-lanka / Fundo loja no Camboja / Abro um ponto em cada esquina.
da China Popular. Acendem-se as luzes na mesa dos cinco grandes.
Mirandão, Brilhantina, Salvador, Anacleto e Deixa-Que-Eu-Chuto
sentados. Marco e Taís de pé. (...) Brilhantina levanta a mão. (...)
Salvador levanta a mão. (...) Anacleto levanta a mão. (...) Deixa-que-eu-
chuto levanta a mão. (...) Mirandão pronuncia errado e olha para
Marco. (...) Marco corrige. (...) Mirandão no frontispício do
documento que Taís lhe apresenta. (...) Marco pronuncia corretamente.
(...) Desce um grande mapa-múndi. Mirandão aponta o mapa. (...)
Mirandão lendo. (...) Mirandão assina. (...) Brilhantina assina. Marco e
Taís levam os documentos para os outros assinarem. (...) Todos fazem o
Sinal da Cruz. (...) Brilhantina e Mirandão apertam-se as mãos,
enquanto os outros aplaudem. (...) Apagam-se as luzes.
cmxc
No último quadro, a didascália Samba no e sangue na quadra ou o grande
Golpe Final
cmxci
antecipa que a combinação “samba e sangue” fazem parte de um
grande golpe”. As indicações contidas nas didascálias desse quadro desenvolvem um roteiro
das ações que constróem o desfecho da peça. O dramaturgo apresenta o ambiente, o que está
ocorrendo neste sítio, a delimitação espacial, as personagens envolvidas, suas ações e
intenções:
Quadra da Escola de Samba. Os últimos passistas, retardatários,
deixam a quadra, rumo à Avenida, para o desfile. É Domingo de
Carnaval. Mirandão entra e comanda. Os passistas se movimentam no
ritmo marcado pela bateria, cantando o samba-enredo. (...) Manga
Larga, fantasiado, com rosto pintado, se mistura entre os passistas e vai
se aproximando de Mirandão durante as evoluções. (...) Mirandão
dirige-se a uma pastora. (...)
cmxcii
A trajetória da farsa é desenvolvida através das didascálias pelo percurso de Manga
Larga em direção a Mirandão, os tiros, a fuga, os gritos, o alvoroço, a morte. Ações ocorrem
34
em ritmo cada vez mais acelerado e que freiam com a morte. A quebra do ritmo é
proposital, além de ser intensificada pela cadência do surdo para a saída do corpo do bicheiro:
Os passistas evoluem e vão saindo, enquanto Manga Larga se aproxima
e se posta diante de Mirandão. (...) Mirandão inicia a saída, mas Manga
Larga barra-lhe a passagem. (...) Manga Larga rápido, saca do revólver
e atira à queima-roupa. (...) outro tiro. (...) Mirandão leva as mãos à
barriga, os olhos saltam das órbitas. Ele alguns passos e sai. Manga
Larga foge, enquanto os passistas que escutaram os tiros voltam
assustados. (...) Um passista grita. (...) Outro passista mais afastado. (...)
Pedroca entra correndo, empurrando todo mundo. (...) Pedroca grita.
(...) Um sambista sai correndo. (...) Mirandão tem um desfalecimento e
Pedroca ampara-o. (...) Mirandão morre. (...) Pedroca que ele
morreu, deita seu corpo no chão, cruza as mãos sobre o peito. Os
passistas evoluem em torno do corpo. Ao som do surdo, também lento,
cadenciado. Quatro deles carregam o corpo de Mirandão e saem com
ele, cantando o mesmo samba do início. (...) Saem todos de cena,
Pedroca fica sozinho.
cmxciii
O canto de Pedroca, após a saída do corpo, retoma ao primeiro quadro, em que
todos choravam a morte de Mirandão. A canção entrelaça elementos da vida real à ficção
como o bicheiro Natal, patrona da Escola de Samba Portela, o sepultamento no Caju,
cemitério tradicional da Zona Norte e Leopoldina, a dor do povo, a “fezinha no milhar do
cachorro”, correspondente ao número da sepultura do bicheiro, o relato do final feliz entre
Taís e Marco:
Pedroca canta: E foi assim que morreu / O nosso pai Mirandão / Desde
o saudoso Natal / Não se via tal multidão / Mais de trinta mil pessoas /
Acompanharam o caixão / Cemitério do Caju / Sepultura mil e vinte, /
Número que os presentes / Anotaram sem acinte / Milhar que deu na
cabeça / Logo no dia seguinte / Pior é que eu perdi Taís / pr’aquele
grande finório / do Marquito Brilhantina / e assim esse relatório / devia
terminar. Mas, calma, / vamos voltar ao velório. (...)
cmxciv
As didascálias que marcam a entrada do funeral carregam também a revelação do
grande golpe. As indicações especificam as ações, as intenções, o desenrolar da cena com o
peso, a ironia e suspense necessários para que, após o desvelar da resolução, desemboque na
conclusão com a canção final:
Entra o funeral. Nas primeiras alças do caixão, o delegado e
Brilhantina; nas outras, Salvador, Anacleto, Deixa-que-eu-chuto e
Doutor Vidigal. Mais atrás, Cida, toda de preto, Taís e Marco
abraçados; Marinalva, Manga Larga e os sambistas, ainda fantasiados.
O caixão é depositado no centro da quadra. Um “cameraman” filma,
fotógrafos batem “flashes”. (...) Delegado dirigindo-se a Cida. (...)
Delegado sai. Pedroca que o acompanhou até a saída, volta. uma
pausa. Súbito, a tampa do caixão começa a abrir-se lentamente.. (...)
Marivalda vê e abafa um grito. (...) Brilhantina vê e faz sinal para ela se
34
calar. (...) Mirandão põe a cabeça de fora do caixão. (...) Pedroca olha
em volta. (...) Mirandão levanta-se do caixão. Com exceção dos
bicheiros, de Cida, Marco, Taís, Vidigal e Marivalda, todos se assustam
e correm, gritando. (...) Marivalda agarrada ao braço de Manga Larga.
(...) Cida abraça Mirandão. (...) Marco para Taís. (...) Eles se abraçam e
se beijam, enquanto todos se confraternizam. (...) Os passistas entram,
alegres, cercam Mirandão. (Figura 205) (...) Mirandão erguendo o copo.
(...)
cmxcv
Figura 205- Da direita para a esquerda: Carlos Koppa ao fundo, Marilena Bibas, Cláudio Baltar, Cláudia Toller,
Lili Mayer, Cecília Badasi e C. Machado
cmxcvi
A canção final, que começa por um solo de Taís e após a primeira estrofe todos
cantam (Figura 206). Os versos apresentam as características do International Animal Game
Corporation”,
cmxcvii
com um destaque especial para as ações que serão desempenhadas em
busca do sucesso: “Impor! / Financiar! / Exigir! / Subornar! / Influir! / Governar! / Eleger! /
Derrubar! / Faturar!”:
Taís Canta: Como todo quartel que se preza, meu bem / Seguiremos as
normas da ética / Muito acima das leis / Muito acima dos reis / Muito
acima do bem e do mal / Marco canta: Como todo cartel seguiremos,
meu bem, / Toda a revolução cibernática / Emitindo sinais /
Computando animais / Num satélite artificial. Todos Cantam:
Doravante, gente fina, / Nosso jogo tá por cima / Temos a matéria-prima
/ Genuína, nacional / Temos mais experiência / A ciência e o cacete / A
malícia, o macete / Cassetete e capital / Vamos impor! / Financiar! /
Exigir! / Subornar! / Influir! / Governar! Eleger! / Derrubar! / E
convém zonear o planeta, meu bem, / Prá melhor repartir nossos
“royalties” / Toma Chile e Uruguai / Eu controlo o Sinal / E de quebra
te arrendo o Gabão / E nós vamos além / Vamos faturar bem / Vamos
faturar em bichodólares / Vamos viver em paz / Ninguém passa pra trás
/ Um parceiro que é mais um irmão / No futuro, que tristeza / Se a
empresa der um furo / Nós vendemos em dois meses / Por dez vezes o
valor venal / Viva o “holding”! / Viva o “dumping”! / Viva o truste! /
Viva o lucro! / Viva o luxo! / Viva o bicho! / Multinacional! / Viva o
bucho! / Viva o lixo! / Multinacional!
cmxcviii
34
Delegado Paixão Dr. Vidigal Pedroca Cida Taís Mirandão Brilhantina Marco Marivalda Manga Larga
Figura 206-
Cena da Canção final de “O Rei de Ramos”
cmxcix
A primeira montagem de “O Rei de Ramos” teve cenários de Gianni Rato (Figura
207), figurinos de Kalma Murtinho (Figura 208), Coreografias de Fernando Azevedo (Figura
209) e Direção Musical de Francis Hime (Figura 210). Na época, a Revista Fatos e Fotos
publicou o seguinte comentário: “Os números musicais mostram um elenco capaz de dançar e
cantar no melhor estilo dos antigos espetáculos da Praça Tiradentes.”
m
Figuras 207, 208, 209 e 210- Gianni Rato, Kalma Murtinho, Fernando Azevedo e Francis Hime
mi
A adaptação de “Bandeira 2” para “O Rei de Ramos” classifica-se como uma
“adaptação propriamente dita”,
mii
uma vez que Dias Gomes buscou ser o mais fiel possível à
obra original, logicamente que pequenas mudanças aconteceram uma vez que toda adaptação
possui certas limitações criativas, mas a linha básica da história, as personagens e os conflitos
originais permanecem íntegros, principalmente a valorização do humor, uma marca precisa
destas obras. Dias fazia questão de não mudar o estilo para o qual a obra foi criada, portanto
34
se “Bandeira 2” foi uma telenovela mergulhada na comédia, a peça “O Rei de Ramos”, como
adaptação da primeira obra, também foi construída pelos caminhos da comédia. A ação
sustentou-se no Rio de janeiro em época atual.
A professora Linei Hirsch propõe uma metodologia para a adaptação de textos para
a linguagem teatral, batizada por ela como “transcriação teatral”.
miii
Segundo Linei, para que
uma obra seja “transcriada”, ela terá que se submeter a cinco procedimentos básicos.
O primeiro procedimento é a “Eliminação”, em que ocorre a exclusão sumária de
determinados elementos da estrutura da obra original. A adaptação de “Bandeira 2” não
eliminou uma série de personagens como restringiu os espaços cênicos, as histórias paralelas
e por conseqüência dos conflitos, uma vez que a telenovela foi escrita em 179 capítulos, com
a duração aproximada de sessenta minutos, e a peça possui a previsão de duas horas. O
segundo procedimento é a “Condensação”, em que ocorre o “encurtamento” da obra, o
resumo dos fatos. Linei afirma que esses dois procedimentos estão acoplados ao ponto de
vista do dramaturgo e, especialmente, às necessidades do gênero escolhido. Pode-se aqui
exemplificar como Dias Gomes resumiu a questão de Brilhantina tomar leite devido à úlcera
que o atormentava, ao passo que alargou o fato de suas alucinações com os urubus, assim
como a modificação de comportamento após a retirada da bala de sua cabeça.
O terceiro procedimento é a “Ampliação”, um mecanismo oposto à condensação,
objetiva-se em focar determinado assunto ou personagem de forma ampliada, como foi
desenvolvido com a personagem Márcio de Bandeira 2”, ao tornar-se Marco em “O Rei de
Ramos”, enquanto o primeiro era um colegial adolescente, o segundo trata-se de um
economista formado em Paris, que trouxe a solução para a ameaça da Zooteca. O quarto
procedimento é a “Fragmentação”. Ela extrai da obra original uma unidade, fraciona-a e a
redistribui pela dramaturgia teatral, como foi feito com a disputa entre Mirandão e
Brilhantina, que está presente em todos os quadros da peça.
O último procedimento é a “Associação”, uma ação oposta à fragmentação. O seu
objetivo é unir episódios que se encontram em capítulos diferentes, distanciados, na obra
original e colocá-los em uma ordem seqüencial na peça. Linei afirma que esse mecanismo
permite que o dramaturgo altere a estrutura da trama, sem com isso alterar a história original.
A morte de “Mirandão”, se analisada através dos estudos de Linei Hirsch, foi submetida ao
processo de associação.
A pesquisadora ainda alerta que a “transcriação” é regida pelas leis da dramaturgia
teatral; portanto, torna-se imprescindível para o “dramaturgo transcriador” a habilidade na
criação dos diálogos e, principalmente, na criação das didascálias, porque apesar de criar um
34
texto original, esse texto deve ser portador de fidelidade à obra original, deve identificar-se ao
projeto do autor da obra base.
miv
Linei ainda destaca que o dramaturgo precisa estar focado
em especial nas didascálias que irão completar as informações da linguagem visual, gestual,
plástica e sonora – sons, ruídos e música –, além de marcarem o aspecto temporal.
A abordagem da questão do tempo é primordial uma vez que o espetáculo teatral
impõe limite de tempo, o que vai demandar cenas concentradas, enquanto que a
teledramaturgia possui uma elasticidade temporal variável.
O pesquisador Antonio Adami, ao analisar questões relacionadas ao processo de
passagem de um texto de uma linguagem para outra, afirma que “adaptar é, principalmente,
atualizar o texto em outra linguagem”.
mv
Entretanto, adaptar é um processo que gera muita
discussão, como justifica Adami: “hostilidades entre escritores, cineastas, diretores etc., assim
como entre estes e os críticos. No nosso modo de ver, o que realmente deve permanecer é a
espinha dorsal do texto original, o espírito do escritor, de modo a percebermos nas entrelinhas
a trama central”.
mvi
O filme “O Rei do Rio”, de 1985, dirigido por Fábio Barreto, classificado como
pertencente ao gênero drama”,
mvii
foi “livremente” inspirado na peça “O Rei de Ramos” e
segundo os roteiristas, Fábio Barreto, Jorge Durán e José Joffely Filho, também no filme “O
Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, classificado como pertencente ao gênero “drama
policial”, e no filme “Era uma vez na América”, de Sergio Leone, classificado como
pertencente ao gênero “drama épico policial”.
Após a morte de Janete Clair, em 1983, Dias Gomes afirmou que viveu durante
algum tempo como que em “pane”:
A sensação era de morte temporária; por alguns dias me vi como que
contemplando do espaço, um ser insignificante, confuso, perdido num
planeta labiríntico. Era estranho, sentia-me anestesiado até mesmo em minha
capacidade de criar, o espaço dentro de mim era muito maior do que aquele
em que eu me movimentava, que me parecia também ilimitado, inocupável.
Precisava, ao menos, recuperar a noção de meus limites, que havia perdido
totalmente.
mviii
Foi logo depois desse período que os agentes de Lucy e Luiz Carlos Barreto
procuraram Dias Gomes com o intuito de comprarem o argumento de O Rei de Ramos”.
Para o dramaturgo, esse tipo de negociação sempre foi algo muito difícil, “Sempre ofereci
certa resistência toda vez que fui solicitado. (...) são várias as razões, entre as quais um ciúme
doentio que sempre tive de meus trabalhos”.
mix
Dias Gomes vivia momentos difíceis com o
abatimento da perda de seu amor, a imobilidade física devido a uma crise na coluna, que o
34
levou à cirurgia, dessa forma, o contrato de compra e venda foi articulado por um advogado
do escritório jurídico que Dias era cliente, pois seu advogado estava recuperando-se de um
enfarte. Ao assinar as procurações, o escritor teve o cuidado de alertar ao rapaz:
(...) entregá-los nas mãos de um diretor para serem manipulados, violentados
e, muitas vezes, totalmente desfigurados sempre me pareceu um ato
inaceitável de renúncia à paternidade. Incomoda-me, sobretudo, a usurpação
de autoria, como se tornou praxe, assinando o diretor do filme como
criador, em total desprezo pela matéria-prima, o argumento, sem o qual o
filme não existiria. (...) Choca-me saber que o filme está sendo realizado sem
a minha presença, já que o diretor, uma vez de posse do roteiro final, nos
convida para assistir ao copião definitivo.
mx
Dias Gomes parecia ter tido uma “premonição”. O filme foi construído a partir de
alguns elementos de “O Rei de Ramos” pinçados sem um determinado objetivo, que nem de
longe traduz a dramaturgia teatral, ou a telenovela que lhe serviu de base. Basicamente o
filme conta a história de dois amigos que enriquecem explorando o Jogo do Bicho e se tornam
rivais na luta pelo poder.
Quando se analisa “O Rei do Rio”, percebe-se que a trajetória das personagens está
muito mais próxima dos filmes que lhe serviram de inspiração do que o texto de Dias Gomes.
“O Poderoso Chefão” conta a história de Don Corleone, o chefe de uma família mafiosa
italiana de Nova York, em 1945.
A personagem costuma apadrinhar rias pessoas, realizando importantes favores
para elas, em troca de favores futuros. Com a chegada das drogas, as famílias começam uma
disputa pelo promissor mercado. Don Corleone se recusa a facilitar a entrada dos narcóticos
na cidade, não oferecendo ajuda política e policial, por isso sua família começa a sofrer
atentados para que mudem de posição.
É nessa complicada época que Michael, um herói de guerra nunca havia se
envolvido nos negócios da família, a necessidade de proteger o seu pai e tudo o que ele
construiu ao longo dos anos.
“Era uma vez na América” narra a história de dois amigos leais, Noodles e Max,
que foram crianças de ascendência judia comuns do “Lower Easdt Side” de Nova York no
início do século XX. O filme apresenta 50 anos da história do submundo criminoso
americano. Os amigos sempre queriam mais. Primeiro o envolvimento com o crime, depois, o
controle de todas as ações criminosas da região, um verdadeiro império, a parceria degenera
num fogo cruzado de morte e traição.
34
Em “O Rei do Rio” Tucão e Nico Sabonete, dois bons amigos desde a infância
vivida num subúrbio do Rio de janeiro, sobreviviam trabalhando como apontadores do Jogo
do Bicho para Mestre Cacareco. Eles sonham com uma vida melhor e associam-se para fazer
frente ao grande banqueiro e ocupar seu lugar. Eles resolvem dar um golpe para conquistar o
poder de Mestre Cacareco.
O plano acaba dando certo, mas o dinheiro e o fato de Nico Sabonete começar a
trabalhar com o narcotráfico transformam a grande amizade em uma inimizade gerada pela
busca do poder. A ação inicia-se em 1964, quando uma perseguição aos bicheiros tradicionais
permite que Nico e Tucão se projetem em seus negócios. O roteiro retrata vinte anos da
relação entre Tucão e Nico Sabonete até que cheguem ao final dramático.
Observando-se a didascálias que nomeia o filme “O Rei do Rio”, constata-se que o
filme tem como foco um homem que é o “todo poderoso senhor” da cidade do Rio de Janeiro,
além do que, ao ser classificado como “drama”, o distanciamento com “O Rei de Ramos” é
insuperável (Quadro20).
34
As didascálias que nomeiam as personagens nas três obras são as seguintes:
O Rei do Rio O Rei de Ramos Bandeira 2
Tucão Mirandão Tucão
Nico Sabonete Nico Brilhantina Jovelino Sabonete
Kidoca Pedroca Quidoca
Taís Taís Taís
Márcio Marco Márcio
Dr. Vidigal Dr. Freitas
Tereza Cida Dalva
Manga Larga Manga Larga Balalaica
Célia Marivalda Célia
Delegado Paixão Delegado Paixão Cardoso
Boca-de-Alpercata Galileu
Ronaldo Luiz Cláudio
Anacleto
Salvador
Deixa-que-eu-chuto
Padre Irmão Ludovico
Garçon
16 bailarinos
10 músicos
Lícia
Quincas
Comandante Apolinário
Gusmão
Zulmira
Miloca
Zé Catimba
Santa
Lena
Tavinho
Zelito
Ângela
Dona Anunciata
Aninha
Noeli
Mingo
Lulu Papa-Defunto
Neneco
Severino
Leda
Bem-te-vi
Ananias
Mudinho
Mestre Cacareco
Marília
Marco
Farias
Geraldão
Fala Mansa
Quadro 20-Comparativo entre as personagens de O Rei de Ramos”, “Bandeira 2” e “O Rei do Rio”
34
A única personagem que possui a mesma didascália para nomeá-la é Taís. As
personagens Tucão, Quidoca, Márcio e Célia receberam didascálias idênticas para nomeá-las
em “Bandeira 2” e no “O Rei do Rio”, as personagens Delegado Paixão e Manga Larga
tiveram didascálias de nomeação idênticas no “O Rei de Ramos” e no “O Rei do Rio”. A
didascália que nomeia a personagem Nico Sabonete é resultado da união de Nico, original de
Nico Brilhantina de “O Rei de Ramos”, associado a Sabonete, original de Jovelino Sabonete
de “Bandeira 2”. As personagens Mestre Cacareco, Marília, Marco, Geraldão e Farias não
existiam nem na peça “O Rei de Ramos”, nem na telenovela “Bandeira 2”.
A composição do filme “O Rei do Rio” possui setenta e duas unidades de ação
detectadas a partir da análise da película. A primeira unidade de ação apresenta o noivado de
Tucão na casa dos pais da noiva. A segunda unidade apresenta os pais da noiva de Tucão
assistindo televisão. O noticiário apresenta as reformas do presidente João Goulart, situando
no tempo a ação que está instalada. Os noivos namoram à porta de casa. A casa, com fachada
coberta de pedras, identifica que a noiva de Tucão pertence à classe média suburbana.
A terceira unidade traz a conversa de Tucão com seu chefe, o banqueiro do Jogo do
Bicho, Mestre Cacareco (Figura 211). O bicheiro, uma releitura do bicheiro Natal,
mxi
pergunta
a Tucão se sua noiva, uma senhorita da Tijuca, donzela, sabe que ele, Tucão, trabalha no
bicho. O Chefe termina dizendo que o dinheiro da polícia é sagrado, assim como é sagrado o
dinheiro de quem acerta na dezena, na centena ou no milhar do Jogo do Bicho. É uma coisa
baseada na honestidade. Acusa Tucão de ladrão e ele sai.
A quarta unidade apresenta Tucão e Sabonete em sua intimidade. Tucão sonha com
a cabra e acorda. O Rádio anuncia a reunião de João Goulart com os sargentos e as altas
patentes do Exército entendem essa atitude como
quebra de hierarquia militar. Tucão e Sabonete moram
juntos, num mesmo quarto de uma pensão humilde.
Sabonete alisa os cabelos com sabonete, de onde vem
seu apelido. Os capangas de cacareco chegam e ficam
esperando na rua por Tucão.
Figura 211-Milton Gonçalves
mxii
A quinta unidade de ação acontece numa feira-livre. Na banca de jogo de Mestre
Cacareco, Tucão e Sabonete atendem a um jogador que conta seu sonho, surge uma pipa no ar
que tem formato de borboleta, os dois interpretam o sonho como veado. Uma cliente joga na
avestruz. Desfile do circo com um veado segurando uma cobra. Tucão junta todos os palpites
34
e chega a 1964, o milhar do leão, dia do leão, 31 de março de1964, data em que aconteceu o
golpe militar no Brasil. Tucão convence Sabonete de jogar no milhar do leão.
Na sexta unidade, Sabonete pressiona sua mulher a dar o dinheiro, guardado para a
criança que vai nascer, a Tucão, para que ele possa jogar, ela reluta e apanha do marido
(Figura 212). Tucão entra na conversa e mente, dizendo que roubou o dinheiro de mestre
Cacareco, mas por caridade, e tem que devolver o dinheiro, caso contrário se morto, a
mulher de Sabonete cede.
A sétima unidade de ação está localizada no subúrbio, sem designação de bairro.
Tucão e Sabonete pegam um táxi para ir fazer o jogo, o táxi está com Bandeira 2, para
mostrar ser uma zona fora do perímetro urbano.
Roubam o dinheiro do taxista e Sabonete faz o jogo. A
oitava unidade ocorre na sala de apuração do Jogo do
Bicho,o número sorteado é 1964. Chega, por telefone, à
fortaleza de Mestre Cacareco a notícia que alguém
cercou o bicho pelos sete lados. Na nona unidade Tucão
Figura 212-
Cena do filme “O Rei do Rio
mxiii
e Sabonete chegam à fortaleza de Mestre Cacareco para receber o dinheiro. O banqueiro
ordena que peguem o dinheiro e orienta para que não descontem o valor da dívida de Tucão.
Mestre Carareco afirma que o anel de brilhante comprado com o dinheiro desviado por Tucão
é o presente dele para a noiva. Tucão recusa a oferta e Mestre Cacareco fica ofendido. Tucão
recebe o dinheiro, é ameaçado por Mestre Cacareco e vai embora em companhia de Sabonete.
Décima primeira unidade. Gafieira. Tucão e Sabonete discutem a compra de um
ponto de Mestre Cacareco. Tucão chama Sabonete para ser seu sócio e o amigo aceita. No
palco é anunciado o “Golpe Militar de 1964”, como “Revolução”. O Político faz discurso a
favor do exército e dos benefícios que a “Revolução” trará para todos. A décima segunda
unidade se passa na rua. O povo se confraterniza com o Exército, o clima é de carnaval. Na
décima segunda unidade, no camarim da estrela, Tucão e a cantora/vedete da gafieira mantêm
relações sexuais, enquanto o Político, amante da vedete, bate à porta, com flores para a
mulher, com o objetivo de festejarem a instalação do “Golpe Militar”, que viria facilitar as
suas negociatas.
A décima terceira unidade acontece na maternidade. O filho de Sabonete nasce.
Tucão é o padrinho do menino, entre várias alternativas de nomes, o escolhido é Márcio,
denominação sugerida por Tucão. A décima quarta unidade ocorre à noite. Tucão e Sabonete
procuram Mestre Cacareco em sua fortaleza, que fica instalada no andar superior da Quadra
34
da Escola de Samba. O escritório tem em destaque o estandarte da escola e a imagem de São
Jorge. Mestre Cacareco aparece de terno branco, bengala e chapéu de palha, sua estampa
remete à figura da entidade “Zé Malandro”, da Umbanda (Figura 213), com a diferença de sua
gravata, seu lenço e a fita do chapéu serem azuis, pois essa cor remete ao orixá Ogum.
Quando os amigos chegam, Mestre Cacareco está em reunião com um Policial que veio
cobrar pela segurança que fornece aos pontos de jogo, a mando do Delegado da Polícia Civil.
Tucão e Sabonete são recebidos, apresentam a proposta e Mestre Cacareco veementemente
recusa vender o ponto do Jogo de Bicho. Tucão e Sabonete decidem partir para a guerra. A
unidade se fecha com a imagem de São Jorge, ao som dos atabaques executando um ponto de
santo.
A décima quinta unidade apresenta a reunião de Tucão e Sabonete com um grupo
de adeptos para formar um novo ponto do Jogo do Bicho, nos domínios de Mestre Cacareco.
Na décima sexta unidade, Sabonete recolhe a féria do jogo. O olheiro informa que carregaram
na vaca e sugere que descarreguem em outras bancas. Sabonete
rejeita a sugestão e afirma que ele e Tucão vão bancar a vaca e
pagar o prêmio. A décima sétima unidade ocorre na fortaleza de
Tucão. Apuração do jogo o prêmio à avestruz. Sabonete
comemora e reafirma a posição de não descarregar em outra
banca. Tucão, apresentando posição contrária define que a partir
daquele momento eles irão descarregar por outras bancas. A
unidade termina com a chegada do Político.
Figura 213-”Zé Malandro”
mxiv
Unidade décima oitava. A cena ocorre na Sinuca. estão o Delegado, o Político,
Sabonete e Tucão. O Político discursa sobre os benefícios e o “Bem da Revolução”. Tucão
promete patrocínio para a campanha do Político a Senador. Sabonete pergunta ao Político
“Como fica o Mestre Cacareco?”, já que o apoio deverá ser recompensado com a “legalidade”
dos pontos na zona de mestre cacareco. A resposta vem do Delegado, que simplesmente diz:
“isso deixa comigo”.
Unidade décima nona, saída da igreja, casamento de Tucão. Mestre Cacareco
chega, cumprimenta noivos e parentes, o clima fica tenso, os capangas de Tucão e Sabonete
se mobilizam. Tucão e a noiva saem no carro para a lua de mel. Na vigésima unidade Manga
Larga, a mando de Mestre Cacareco, ataca violentamente o ponto de Tucão. A vigésima
primeira unidade ocorre na fortaleza de Tucão. Ele é avisado que o ponto deles foi estourado
por manga Larga, todos saem arrasados. Na vigésima segunda unidade Sabonete e os
34
capangas de Tucão estouram o ponto de Mestre Cacareco estabelecido numa casa funerária,
como grande violência. A vigésima terceira unidade está na Gafieira. O Delegado apresenta
com grande pompa o Político como futuro Senador e Tucão como importante empresário da
região a dois jornalistas.
Vigésima quarta unidade, localizada numa pedreira abandonada. A Polícia
comandada pelo Delegado Paixão está em “batida” e encontra cadáveres sem identificação.
Um repórter pergunta ao Delegado sobre a guerra que foi deflagrada no mundo da
contravenção do Jogo do Bicho. O Delegado nega a informação, afirma que não guerra,
que as mortes são obra de Mestre Cacareco, agora associado ao tráfico de drogas. Vigésima
quinta unidade, fortaleza de Tucão. O jornal traz a manchete de “Combate Total ao Crime
Organizado” e apresenta Mestre Cacareco como o inimigo público número um.
A vigésima sexta unidade acontece numa “Floresta”. Retrata o encontro de Tucão,
Sabonete, com todo o seu bando de capangas, e Mestre Cacareco, que está apenas com Fala
Mansa, ele não veio acompanhado de seu bando. Mestre Cacareco traz uma cabra branca.
mxv
Tucão propõe que Mestre Cacareco lhe passe a zona de Ramos. Mestre Cacareco recusa a
proposta e afirma que a divisão regional havia sido decidida muito antes deles, Tucão e
Sabonete, aparecem. Os espaços foram determinados pelos grandes empresários do Jogo do
Bicho, grupo que eles jamais irão pertencer. Começa um tiroteio. Mestre Cacareco recebe um
tiro e cai, o mesmo ocorre com Fala Mansa. Tucão leva um tiro no peito, surge um corte na
narrativa e a inclusão do realismo fantástico, através da aparição de São Jorge (Figura 214)
montado num cavalo branco, São Jorge no sincretismo religioso do Rio de Janeiro é o orixá
Ogun
mxvi
(Figura 215). Mestre Cacareco levanta, monta na garupa e, junto a São Jorge, os dois
vão floresta adentro até desaparecerem. Tucão fica apavorado.
34
Figura 214-São Jorge
mxvii
Figura 215-Ogun
mxviii
A vigésima sétima unidade está localizada na casa de Tucão. Nasce sua filha, Taís.
Tucão, ainda muito ferido, anuncia o nascimento da filha de “O Rei do Rio”, é a primeira vez
que a didascália que nomeia o filme aparece. Vigésima oitava unidade, houve uma passagem
de tempo, a filha de Tucão aparece como uma menina de aproximadamente sete ou oito anos
(Figura 216). A cena mostra a posse do bicheiro como presidente da escola de samba que
anteriormente era administrada por Mestre Cacareco. Tucão surge com a esposa e a menina,
ele assume também o antigo escritório de Mestre Cacareco, beija a filha bem ao molde dos
políticos. Sabonete deixa a quadra, visivelmente contrariado. A vigésima nona unidade
acontece na casa de Tucão, nova passagem de tempo, Taís aparece agora como um
adolescente. A moça nada na piscina da casa, Tucão chega e a retira da água, fica claro o
problema de relacionamento entre pai e filha.
Na trigésima unidade é apresentado o aniversário de 15 anos de Taís, filha de
Tucão. Márcio e Taís trocam olhares furtivos e apaixonados. Chegam o Político, o Delegado e
a Cantora da Gafieira. Sabonete propõe sair da sociedade. Tucão o convence a esperar.
Sabonete pede a Tucão que deixe Márcio e Taís se casarem.
34
Figura 216-Cena do filme “O Rei do Rio”
mxix
Trigésima primeira unidade, quarto de Tucão, ele comenta com a esposa o pedido
de Sabonete para seu filho se casar com Taís em tom de desaprovação. A esposa, ao contrário
de Tucão, sinais de aprovação. Trigésima segunda unidade, casa de Sabonete. Sabonete,
bêbado, diz para a esposa que Marcinho tem que ser doutor, para que possa ser respeitado,
para que as pessoas saibam dar a ele o valor que merece; por fim, Sabonete declara que está
com inveja de Tucão. Trigésima terceira unidade, Canecão, casa de espetáculos na zona sul do
Rio de Janeiro, a cantora da Gafieira se apresenta e Tucão a observa. Esta unidade deixa clara
a mudança social da cantora. Trigésima quarta unidade, camarim da cantora. Tucão se recusa
a participar do negócio com as drogas, por uma questão ética. A cantora insiste que ele faça
parte do narcotráfico e o ameaça, Tucão sai.
Trigésima quinta unidade, periferia da cidade, um avião pousa numa pista
clandestina trazendo cocaína. Sabonete é convidado a entrar no negócio com as drogas. O
Político leva muito dinheiro e entrega a Sabonete. Trigésima sexta unidade, num restaurante,
Tucão e Sabonete discutem o fato de Sabonete entrar no negócio das drogas. Tucão aconselha
o companheiro a não participar do narcotráfico, por fim, Tucão propõe a Sabonete que caso
ele desista de se envolver com as drogas, em troca, Tucão irá dividir o território do jogo em
partes iguais entre eles dois, Sabonete aceita. Para comemorar o acordo Tucão e Sabonete
fumam charutos.
Trigésima sétima unidade, a polícia estoura a fortaleza de Tucão e Sabonete.
Trigésima oitava unidade, no camarim da Gafieira, Tucão discute com o Delegado, um
Capitão e o Político sobre o seguinte assunto, o uso da estrutura do bicho para a distribuição
de droga. Trigésima nona unidade, na casa de Tucão, ele é algemado e levado pela polícia.
Quadragésima unidade, no presídio. Tucão é recebido com festas pelos outros presos.
34
Quadragésima primeira unidade, pátio do presídio. Tucão recebe visita de Sabonete, apresenta
a manchete do jornal: “Tucão Deus do Carnaval”. Sabonete reclama do excesso de
exposição de Tucão com fotos e entrevistas no jornal. Quadragésima segunda unidade, cela de
Tucão, ele recebe a visita da cantora. Quadragésima terceira unidade de ação, o pátio do
Presídio. Tucão é libertado e sai com a família. Todos os presos comemoram. Márcio informa
a Taís que Sabonete está preso sob a acusação de ter morto o Mestre Cacareco.
Quadragésima quarta unidade ocorre na quadra da escola de samba. Tucão abre os
ensaios para o Carnaval. O Político, a Cantora e o Delegado observam do camarote a ação de
Tucão e o relacionamento do bicheiro com os sambistas. Quadragésima quinta unidade, no dia
seguinte à abertura dos ensaios para o carnaval, na quadra da escola de samba, Tucão, a
Cantora, o Delegado e o Político estão juntos. O Político serve Champagne para comemorar a
liberdade de Tucão. Tucão aproveita a ocasião e comunica sua decisão de não entrar no
negócio das drogas.
Quadragésima sexta unidade, casa de Tucão. Taís está com as amigas na piscina,
numa brincadeira sem propósito e fazendo graça para as amigas, Taís luta boxe com um dos
seguranças que, perdendo o equilíbrio, acaba caindo na piscina, para o deleite das garotas.
Tucão chega à janela de seu quarto e grita, reprimindo-a. Quadragésima sétima unidade,
Tucão promete a Taís soltar Sabonete.
Quadragésima oitava unidade, no pátio do presídio, à noite, Sabonete e Márcio
conversam. Quadragésima nona unidade de ação, na casa de Tucão, Márcio diz a Taís que o
pai dela foi o responsável por Sabonete estar na cadeia; por isso, Márcio termina o noivado.
Tucão observa, preocupado, Márcio saindo. Taís sobe para o quarto do pai, Tucão ameaça
mandar surrar Márcio. A mãe de Taís, esposa de Tucão, chega e começa uma briga.
Qüinquagésima unidade, Taís sai do quarto do pai e vai para seu quarto. Quinquagésima
primeira unidade, no corredor da casa de Tucão, em frente a porta do quarto de Taís, Tucão e
a esposa conversam sobre a prisão de Sabonete.
Quinquagésima segunda unidade, no “Scala”, casa de espetáculos e eventos da zona
sul carioca, Tucão procura pela Cantora. O Segurança vai ao encontro dela e volta dizendo da
recusa da mulher em receber Tucão. Tucão resolve caminhar pela rua e libera os seguranças.
Tucão vê a imagem fantasmagórica de Mestre Cacareco, que acena, chamando por ele, ao
som dos atabaques. Tucão acorda. Era um sonho. Sai do quarto chamando por Taís.
Quinquagésima terceira unidade, Tucão vai ao quarto de Taís, ele abre, entra e Taís nua,
prostrada sobre a cama, observa apavorado, a garota usou drogas, levanta e no impulso fecha
a porta (Figura 217).
Quinquagésima quarta unidade, no corredor da casa de Tucão, em frente
34
ao quarto de Taís. Chega a esposa, Tucão cambaleia, está desorientado e desce as escadas.
Figura 217-
Nuno Leal Maia e Andréa Beltrão, em “O Rei do Rio”
mxx
Quinquagésima quinta unidade, na cozinha de sua casa, Tucão a manchete do
jornal: “Banqueiro do bicho é Libertado”. Qüinquagésima sexta unidade, na rua, Sabonete
chega num carro Ford Landau” do mesmo tipo que Tucão usa, agora ele está acompanhado
de cinco seguranças, fortemente armados. Analisa uma nova casa, avalia, preocupado com a
segurança. Sobe a escada e abre a porta de um quarto, encontra o Político, o Delegado e a
Cantora que comemoram. Telefona para Tucão, os demais assistem. Comunica a inauguração
da sua nova fortaleza, que em homenagem à mãe de Tucão “vai se chamar Buraco da
Marcelina”.
Quinquagésima sétima unidade, no pátio da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Taís encontra acidentalmente Márcio. Ambos estão acompanhados por
seguranças, principalmente para evitar que eles conversem, os seguranças liberam um diálogo
entre os dois.
Quinquagésima oitava unidade, na fortaleza de Tucão. A polícia chega, o Delegado
faz cena para a televisão, que cobre a captura. Tucão é levado preso. Quinquagésima nona
unidade, no parque de Diversões, em frente à Roda Gigante. Taís e Márcio conversam.
Sexagésima unidade, na delegacia, Tucão é solto. O Delegado faz cena para a imprensa que
cobre o acontecimento. Sexagésima primeira unidade, no camarim, Tucão e a Cantora
conversam.
Sexagésima segunda unidade, num terreiro de umbanda. Tucão vai pedir proteção,
pela terceira vez no filme o realismo fantástico é utilizado, o pai de santo transforma-se na
figura de Mestre Cacareco, que a benção a Tucão. São Jorge aparece montado num cavalo
34
branco, o som dos atabaques é cada vez mais forte, a cena cobre-se de fumaça e Tucão
desaparece dentro dela.
Sexagésima terceira unidade, praia do Recreio dos Bandeirantes no Rio de Janeiro,
totalmente deserta. Tucão e Sabonete conversam (Figura 218). Segurança traz copo de leite
para Sabonete. Tucão e Sabonete trocam farpas. Sabonete exige metade da zona do bicho de
Tucão. Tucão recusa as drogas em seu território. Novamente a inclusão do realismo
fantástico, os atabaques tocam com muita força, Tucão a imagem de Mestre Cacareco,
como um fantasma surgindo da areia da praia, zombando dele. Tucão e Sabonete se abraçam,
num gesto de dupla traição, um atira no outro. Os dois caem mortalmente feridos, Márcio
chega e Sabonete morre.
Figura 218-
Nuno Leal Maia e Nelson Xavier, em “O Rei do Rio”
mxxi
Sexagésima quarta unidade, na casa de Tucão, Taís ouve o pai, ainda
convalescente, tramando com um capanga contra Márcio. Sexagésima quinta unidade, na rua,
sobre a ponte que liga o Recreio dos Bandeirantes à Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. No
carro de Márcio, um conversível de dois lugares, Taís fuma maconha e oferece a Marcio que
recusa. Sexagésima sexta unidade de ação, Márcio e Taís estão acampados numa praia, na
barraca Taís está nua e drogada. Os dois enrolados num cobertor olham o mar e Márcio diz
que vai procurar Tucão, porque Tucão matou Sabonete. Taís retruca dizendo que ambos
atiraram, o fato de Tucão estar vivo foi apenas questão de sorte.
Sexagésima sétima unidade, na praia, Taís liga de um “orelhão” para o pai,
marcando um encontro onde ela está, para conversarem, exige que o pai venha só.
Sexagésima oitava unidade, Tucão chega de carro, o veículo o deixa e vai embora, ele se
encontra com Taís. Ao verem a presença de Márcio, os seguranças de Tucão se aproximam e
Márcio começa a atirar. Taís interfere e Tucão e Márcio selam a paz.
34
Sexagésima nona unidade, no Aeroporto de Jacarepaguá, Márcio assume o negócio
da droga, substituindo o seu pai junto ao Delegado e ao Político, mas exige deles ser o cabeça
das negociações. Márcio deixa o hangar. Septuagésima unidade de ação, num armazém,
Márcio e um comparsa acertam uma morte por encomenda. O rapaz entrega uma arma com
silencioso e uma fantasia de palhaço.
Septuagésima primeira unidade, no barracão da Escola de Samba. Tucão chega e
orienta seu comparsa para que respeite Márcio, porque agora ele é seu sócio e genro. O rádio
anuncia a inauguração do Sambódromo, a Passarela do Samba, no Carnaval de 1984. Tucão e
um capanga observam a alegoria de Mestre Cacareco, homenageado da escola de Tucão.
Septuagésima segunda unidade de ação. Sambódromo. Desfile da escola de samba
de Tucão. O bicheiro desfila, no chão, com a sua escola. Tucão afirma que agora ele é o Rei
do Rio; preocupado com o andamento do desfile, ele acelera a escola como fazem os mestres
de harmonia. Todos os desafetos de Tucão estão no camarote, o Delegado, a Cantora, o
Político, o Manga Larga e Márcio, que está abraçado a Taís. O capanga, a mando de Márcio,
aproxima-se de Tucão no desfile, atira a queima-roupa e foge em meio aos sambistas, sem ser
percebido. Os foliões querem ajudar Tucão, mas ele não deixa, quer que a escola continue o
desfile, para não perder pontos. Tucão, olhando para a alegoria, diz que agora Mestre
Cacareco vai virar o Rei do Rio e morre. O fantasma de Mestre Cacareco debocha de Tucão.
A análise das unidades de ação do filme mostra que o enredo nem de longe remete
à história da peça “O Rei de Ramos”, as didascálias usadas pelos roteiristas limitam-se a
alguns nomes e situações que não perpassam pelo universo criado por Dias Gomes. Segundo
Doc Comparato, foi realizada uma “desvirtualização”, porque a obra original ficou
desvirtuada no seu “ethos”, isto é, na moral da história.
mxxii
O crítico Aramis Mllarch, do Jornal “O Estado do Paraná”, escreveu que o filme é
“mediano e datado”,
mxxiii
porque a violência e o banditismo no Rio de Janeiro como foram
apresentados na película não existem mais. A película é inegavelmente influenciada pelo “O
Poderoso Chefão” e “Era uma vez na América”, a vida familiar de Sabonete e Tucão, os
valores pessoais das personagens, o caminho paralelo à transformação infligida pela
contravenção, o narcotráfico, a polícia e os políticos corruptos, todos esses aspectos não
conseguiram obter a densidade dramática que o roteiro exigia, porém, não cabe a este trabalho
tecer julgamentos à adaptação de “O Rei de Ramos” para o cinema, mas avaliar o resultado,
que pelo fato de terem sido abandonados o texto dialógico, as didascálias e o “plot
mxxiv
do
texto original, um outro argumento surgiu e com ele o total distanciamento da obra original.
As didascálias servem para um melhor entendimento das intenções do texto, para que se
34
conta da capacidade dramática do mesmo e para assumir relevância quando constituem a
explicação ideológica da peça. A partir do momento em que nem as didascálias nem o texto
dialógico forem levados em conta, num processo de adaptação, perde-se o conteúdo da
dramaturgia.
6.3 TRÂNSITO PELA PONTE DE PALAVRAS
Os textos “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos” criados por Dias
Gomes e focos principais de análise desta pesquisa são dramaturgias dirigidas à encenação
teatral. Foi a partir deles e, principalmente, de suas didascálias, que o trabalho se desenvolveu
e tomou corpo, isto porque as obras escolhidas transitaram por mais de duas linguagens, no
caso de “O Pagador de Promessas” são cinco linguagens teatro, cinema, rádio, televisão e
ópera –, e pertencem à segunda fase do autor, que, conforme foi apresentado anteriormente
nesta pesquisa, foram escritas após a vivência de vinte anos do dramaturgo quando produziu
textos dramáticos para serem veiculados pelo rádio, como atesta o próprio Dias em
depoimento prestado ao Serviço Nacional de Teatro, em 12 de novembro de 1974:
(...) Eu costumo dividir em duas fases, por causa do hiato que houve, porque
foi muito grande. A primeira fase durou de quarenta e dois a quarenta e
quatro. Eu digo fase e considero-a de apenas três anos porque foi o primeiro
período em que eu escrevi para teatro e vivi disso. (...) A grande diferença
que você pode perceber entre os textos das duas fases é o fato de que os da
primeira foram, inegavelemente, imaturos, escritos por um autor que estava
entre os dezoito e os vinte anos. Estas peças abordavam problemas sociais,
problemas da realidade brasileira, que exigiam uma maturidade, uma
vivência, uma base cultural que eu ainda não possuia. A minha opinião
pessoal é a de que são textos ingênuos sobre problemas muito sérios. No que
diz respeito à carpintaria, os primeiros textos denunciavam uma imaturidade.
Depois, com o trabalho intenso no rádio, a que me referi, a carpintaria é
outra, vamos assim dizer. O que eu aprendi, o que eu absorvi, me influenciou
como autor dramático.
mxxv
O processo analítico e comparativo de como a dramaturgia se apresenta quando
direcionada a uma determinada linguagem no que diz respeito à manutenção da narrativa
cênica, à construção e desenvolvimento das personagens, à delimitação das cenas, à
amplitude geográfica, à curva actacional da história, à consistência da ficção orientou-
se para a constatação de que a manutenção do fio condutor está vinculada às didascálias
marcadas e escritas por Dias Gomes ou, como no caso da adaptação para ópera de “O Pagador
de Promessas”, por sua orientação.
34
Não cabe para as obras de Dias os estudos de Roman Ingarden,
mxxvi
que classificam
as didascálias como “texto secundário”, uma vez que o filósofo austríaco divide o drama em
duas unidades: a primeira o “texto primário”, que são as réplicas, manifestadas na voz dos
atores e a segunda o “texto secundário”, as didascálias. Segundo Ingarden, as didascálias
usam códigos não verbais como a gestualidade, a mímica, a coreografia, a música, os
adereços, os cenários, a maquiagem, a iluminação e estes, ao estarem em cena, segundo o
pesquisador, desaparecem, e por isso têm um peso e um poder de decisão menores do que os
diálogos na concretização da cena. A dramaturgia de Dias Gomes apresenta didascálias e
diálogos em equilíbrio de forças para a construção da cena.
Apenas como exemplificação, pode-se observar que nas cenas finais de “O Pagador
de Promessas”, nas cinco linguagens em que foram desenvolvidas, a morte da personagem
principal não possui uma réplica, toda a composição foi transmitida através das didascálias,
que marcam pontos relevantes de significado. O lavrador quer manter-se firme em seus
propósitos e lutar contra os policiais armados apenas com uma “faquinha de cortar fumo”.
Esse adereço, que surge de maneira fugaz no desenvolvimento da história, nesse momento e
através da forma como é utilizado, torna-se marca de ingenuidade, bravura e inocência,
características que acompanham a personagem durante toda a trama.
Em “O Rei de Ramos” e “O Pagador de Promessas”, o dramaturgo dotou as
didascálias com valor e importância equivalente ao dos diálogos. Estas indicações funcionam
como base de construção dos elementos que constituem os dramas.
A construção e o desenvolvimento das personagens é apresentada de tal forma que
essas pontuações estão presentes em todo o percurso narrativo e funcionam como elos de
manutenção da cadeia dramática: “É mais moço que Mirandão e, ao contrário de seu rival,
ostenta uma pretensa elegância no trajar. Tem a obsessão do perfume e da limpeza.
mxxvii
As primeiras didascálias que abrem a dramaturgia de “O Pagador de Promessas”,
logo após o título da obra, apresentam a lista com os nomes das personagens. Sobre isso
observa-se que, ao nomear a personagem protagonista de Zé-do-Burro, o dramaturgo já
caracterizou o homem como alguém que teve seu nome trocado por uma alcunha depreciativa,
uma vez que se pode inferir que seu nome era José, um nome de origem hebraica, “Yoseph”,
que significa aquele que acrescenta.
José indica uma pessoa sensível, confiante e generosa, que sofre com os problemas
alheios. O nome remete a um homem muito conciliador e que conserva o autocontrole mesmo
nas piores situações. José foi substituído por outro, formado por e o nome de um animal.
34
Zé-do-Burro, que remete ao burro dono do homem, ou ao homem que é conhecido por seu
burro.
Prosseguindo por essa linha analítica, a esposa de Zé-do-Burro recebeu o nome
Rosa, de origem latina, que significa a flor, a rosa. Rosa é o nome da pessoa que, em cada
circunstância da vida, sabe valorizar o que lhe convém, quase sempre acerta ao escolher as
suas amizades e a profissão. As “Rosas” fogem da monotonia e gostam de arranjar novos
amigos ou mudar de trabalho. As didascálias que se seguem apresentam as características
citadas do nome Rosa, através das ações enunciadas por elas,como atestam as didascálias:
ROSA: Inicia a saída. Pára, hesitante. Pressente o perigo que vai correr.
Procura, com o olhar, fazer Zé-do-Burro compreender o seu receio. (...)
ZÉ: (...) Enfia a mão no bolso, tira um maço de notas. (...)
ROSA: Recebe o dinheiro. Magoada com a falta de ciúmes do marido.
(...) Rosa sobe a ladeira e Bonitão a segue.
mxxviii
Pode-se perceber que o mesmo cuidado foi utilizado pelo dramaturgo em relação às
didascálias iniciais em que as personagens são nomeadas no “O Rei de Ramos”. Observa-se
uma gama de informações determinantes das características da personalidade dos dois
bicheiros, que ao longo da peça são explicitadas, são apresentadas através da denominação
que receberam.
“Mirandão-Coração-De-Mãe” e “Nico Brilhantina”
mxxix
são os nomes das
personagens principais da peça. “Mirandão-Coração-de-Mãe” é a alcunha de “Arlindo
Miranda”
mxxx
, o que permite de imediato a análise do fato de ser chamado pelo sobrenome,
não pelo nome Arlindo, e o substantivo próprio “Miranda” estar no grau aumentativo, que
exprime o aumento do tamanho normal do ser, nesse caso, revela não a altura física, mas a
grandiosidade da personagem no espaço físico e social em que está inserida, como se pode
certificar no refrão das didascálias da primeira canção do primeiro quadro:
(...) Viva o Rei de Ramos / Que nós veneramos / Que nós não cansamos
de cantar / Viva o Rei dos crentes / E dos penitentes / E dos delinqüentes
do lugar / Viva o Rei da morte / Da lei do mais forte / Do jogo da sorte /
E do azar / Viva o Rei de Ramos / Viva o Rei, viva o Rei / Viva o rei de
Ramos.
mxxxi
O complemento “Coração de Mãe carrega uma série de informações, desde a
relação maternal do bicheiro com os cidadãos que fazem parte do seu séquito, aqueles que ele
protege, ampara, cria, emprega, um homem popular e político, que auxilia aos necessitados
nas horas de dor e necessidade, “Dê os pêsames à viúva em meu nome. Diga que garanto uma
pensão pro resto da vida. E quanto aos meninos, pago os estudos até se formar em doutor.
34
Como manda a ética.”
mxxxii
Mas também faz referência ao menino Arlindo, cuja mãe
trabalhava como meretriz, episódio que fragiliza o bicheiro, uma vez que faz com que ele se
transporte à vida que levou em infância: “(...) Sou um homem que me fiz por si, sem
adjuntório de ninguém. Passei fome, dormi ao relento, vendi jornal, engoli gilete em praça
pública, engraxei sapato” ,
mxxxiii
e do qual ele não gosta que façam referência; portanto, acaba
sendo uma arma de seus inimigos: “acabo de prestar uma homenagem à falecida senhora sua
progenitora, (...) Batizei uma fortaleza (...) com o nome dela. (...) Buraco da Marcelina.
mxxxiv
“Nico Brilhantina” é a alcunha de Nicolino Pegano”.
mxxxv
Ao contrário de seu
adversário, usa-se o seu nome e não o sobrenome para compor o apelido. Trata-se de um
fragmento da palavra Nicolino, nome de origem grega, diminutivo de Nicolás, que significa o
vencedor do povo. É interessante observar o jogo produzido por Dias, ao trabalhar com o grau
aumentativo para Mirandão e o diminutivo para Nico, já assinalando o poder de cada um, a
experiência de vida, o comportamento de cada personagem. O complemento Brilhantina
atesta fragilidade, pois remete às suas origens e revela as seqüelas psicológicas que o
acompanham desde criança. “Tu não teve mãe, seu cachorro. Foi achado no lixo”.
mxxxvi
Nico
não conheceu a mãe, foi achado no lixo e o fato de esmerar-se em estar sempre com os
cabelos alinhados com brilhantina e perfumado declara a sua fraqueza, pois apesar da posição
que tem, não consegue deixar de sentir o mau cheiro de sua infância. Tira um frasco de
água-de-colônia do bolso e passa nas mãos. Joga também um pouco nos cabelos.”
mxxxvii
BRILHANTINA: (Fixa um ponto no espaço e aponta). Chô! Chô urubu! (Persegue um
hipotético urubu)
mxxxviii
. Observa-se que as didascálias justificam-se no fato do dramaturgo
ser muito cauteloso e cuidadoso ao batizá-las, porque ele afirmava que desde o primeiro
contato, através de seus nomes, os profissionais de teatro e o público deveriam ter acesso à
“alma” das personagens. Nomear um ser para o autor é marcar um espaço, traçar seu
caminho, estabelecer suas qualidades e defeitos, como ele registrou em entrevista:
Olha, mil interferências. No meu caso pessoal, eu não posso falar pelos
outros, colocar nome em alguém é responsabilidade de vida e morte,
existem até registros que são proibidos no cartório, existem pessoas que se
matam por causa do nome que deram a elas. Assim, tenho o maior cuidado
em dar nome às minhas personagens, vou procurar o que significa, peço
opinião dos amigos, mas não vou pelo que não acredito. Nome é coisa
séria, expõe a alma da personagem, é o primeiro contato com o mundo,
ainda tem gente que pergunta: - Qual é a sua graça? Pois é, a graça de
alguém é coisa séria, é aquilo que vai marcar você para o resto da vida.
Uma vez me disseram que Alfredo significa uma pessoa muito prática, que
sabe usar a lógica para atingir seu objetivos e afastar as más influências e
outras coisas que não lembro, não acredito nisso, mas isso tem tudo a ver
34
comigo. Eu achei que a personagem de “Campeões” tinha cara de
Tânia,
mxxxix
daí fui pesquisar o que significava e batata, era ela mesma, faço
isso, nomear as coisas tem força, não que isso seja uma regra sempre, mas
cuido com muito cuidado.
mxl
Este posicionamento das didascálias que nomeiam as personagens não surge apenas
entre as principais, mas também entre as personagens secundárias, como “Dedé-Cospe-Rima,
Manoelzinho Sua-Mãe, Boca-de-Alpercata, Manga Larga, cujos nomes estão relacionados às
atividades que exercem e às suas características pessoais, sejam físicas ou psicológicas.
Com relação à composição das personagens, as didascálias trazem aspectos
relevantes para as suas composições, porque esses aspectos irão, ao longo da dramaturgia,
servir de suporte para a composição e sustentação da trama. Pode-se, portanto, destacar a
predisposição do dramaturgo de interferir na cena, de tal forma precisa, para que realize o
efeito cênico que deseja conseguir, quando esta se concretizar:
ZÉ-DO-BURRO: Ele é um homem ainda moço, de 30 anos presumíveis,
magro de estatura média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições
transmitem bondade, tolerância e em seu rosto um “quê” de
infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos, bem como sua
maneira de falar. Tem barba de dois ou três dias e traja-se
decentemente, embora sua roupa seja mal talhada e esteja amarrotada e
suja de poeira. Rosa parece pouco ter de comum com ele. É uma bela
mulher, embora seus traços sejam um tanto grosseiros, tal como suas
maneiras. (...)
mxli
MIRANDÃO: (...) todo de branco, charuto, sentado a uma grande mesa
cheia de telefones de todas as cores. Fala a um deles. (...) Ele tem a
simpatia, o carisma e o ar paternal dos ditadores menores. Parece
carregar sempre nas costas um grande fardo, imensa responsabilidade,
como arcanjo cruel e protetor. Sua obediência quase religiosa à “ética
profissional” não é um traço de cinismo ou hipocrisia em seu caráter,
mas uma noção particular e exótica de dignidade em que ele acredita
sinceramente.
BRILHANTINA: É mais moço que Mirandão e, ao contrário de seu
rival, ostenta uma propensa elegância no trajar. Tem a obsessão do
perfume e da limpeza. Vive lavando as mãos, perfumando-se,
penteando-se, os cabelos reluzentes de brilhantina. (...) Tira um frasco
de água-de-colônia do bolso e passa nas os. Joga também um pouco
nos cabelos. (...)
CIDA: (...) é uma senhora de prendas domésticas, pouco conhecimento
toma dos negócios do marido. Para ela, ele é apenas o pai de sua filha.
Fiel, submissa, tem dele uma imagem muito benevolente: bom marido,
bom pai, bom chefe de família. (...)
mxlii
Segundo Patrice Pavis, a forma de apresentar as características das personagens
através das didascálias como roteiro para uma futura composição, associa-se ao fato de que se
34
deve observá-las como realizadoras de ações e portadoras de signos, concebidas como
elementos estruturais que organizam as etapas da narrativa construindo a história.
mxliii
Levando-se em conta a personagem Zé-do-Burro, que transitou através de cinco
linguagens, teve nas didascálias a sustentação e a manutenção de sua estrutura ao longo da
trama. Suas feições transmitem bondade, tolerância, (...) um quê de infantilidade, (...)
humildemente, (...), angustiadamente tenta explicar-se, (...) decidido a resistir, (...) ele
ainda um passo em direção à igreja e cai morto.”
mxliv
Com relação às personagens, podem ser também observadas as didascálias de tom
de voz e/ou atitude a elas dirigidas:
A passos lentos, cansados, entra na praça, seguido de Rosa, sua mulher.
(...) Seu olhar é morto, contemplativo. (...) tem “sangue quente”,
revelando, logo à primeira vista, uma insatisfação sexual e uma ânsia
recalcada de romper com o ambiente em que se sente sufocar. Bonitão
em voz contida, mas enérgico. Marli (...) Com orgulho. (...) Grita para
Rosa. (...) Dedé lê, declamando. (...) Bonitão em voz baixa,
disfarçadamente.
mxlv
MIRANDÃO: (...) Noutro tom. (...) Brilhantina leva ambas as mãos à
cabeça. Sentindo uma dor violentíssima. Solta um grito. Um Passista
grita. (...) Marivalda vê e abafa um grito. (...)
mxlvi
Da mesma forma, as didascálias atestam o estado de espírito que compõe as
personagens, assim como suas evoluções na trama:
Marli deixando-se arrastar por ele na direção da direita. (...) Há uma
pausa terrivelmente longa, na qual Zé-do-burro apenas fita Rosa,
silenciosamente, sob o impacto da cena. Em seu olhar, lê-se a dúvida, a
incredulidade e sobretudo o pavor diante de um mundo que começa a
desmoronar. As luzes se apagam em resistência. (...) ZÉ: Sua atitude
para com Rosa é agora de recalcada e surda revolta. Embora ele não
pareça ter certeza ainda de sua infidelidade, instintivamente começa a
perceber que ela se encontra do outro lado, do lado daqueles que, por
este ou aquele motivo, não o compreendem, ou fingem não
compreendê-lo. (...) Zé-do-Burro recebe Bonitão e Secreta com
desconfiança. Rosa mostra certo constrangimento diante de Bonitão.
Este apresenta o Secreta. (...) Zé: Dentro dele, uma revolta de
proporções imprevisíveis começa a crescer. (...) Arrebata o jornal das
mãos de Rosa e o faz em pedaços. (...) Assustada. (...) Zé-do-Burro, de
faca em punho, recua em direção à igreja. Sobe um ou dois degraus, de
costas. O padre vem por trás e uma pancada no seu braço, fazendo
com que a faca cair no meio da praça. Zé-do-Burro corre e abaixa-
se para apanhá-la. Os policiais aproveitam e caem sobre ele para
subjugá-lo. E os capoeiras caem sobre os policiais para defendê-lo. Zé-
do-Burro desaparece na onda humana. Ouve-se um tiro. A multidão se
dispersa como num estouro de boiada. Fica apenas Zé-do-Burro no
34
meio da praça, com as mãos sobre o ventre. Ele ainda um passo em
direção à igreja e cai morto.
mxlvii
Mirandão levanta-se, transfigurado. (...) Com manifesta má-vontade, os
surdos começam a marcar o compasso da valsa. Mirandão e Taís saem
dançando. Ela, constrangida, ele glorioso, sorridente. Marco Taís e
não tira os olhos de cima dela. Ela nota também e dança olhando para
ele. Outros pares entram na dança. Até que Mirandão se sente cansado.
Pára. Cida vem em seu socorro. (...) Como que atraídos por um ímã,
Marco e Taís vão ao encontro um do outro e continuam a valsa, olhos
nos olhos, vidrados. Ronaldo entra e Taís e Marco dançando. (...)
TODOS: (...) Saem todos de cena, Pedroca fica sozinho. (...)Entra o
funeral. Nas primeiras alças do caixão, o delegado e Brilhantina; nas
outras, Salvador, Anacleto, Deixa-Que-Eu-Chuto e Dr. Vidigal. Mais
atrás, Cida, toda de preto, Taís e Marco abraçados; Marivaldo, Manga
Larga e os sambistas, ainda fantasiados. O caixão é depositado no centro
da quadra. Um “cameraman” filma, fotógrafos batem “flashes”. (...)
Mirandão levanta-se do caixão. Com exceção dos bicheiros, de Cida,
Marco, Taís, Vidigal e Marivalda, todos se assustam e correm, gritando.
(...)
mxlviii
Aspecto relevante encontra-se no jogo das didascálias de “O Pagador de
Promessas”, na personagem Rosa, que se inicia desde sua entrada em cena, até sua traição
com o gigolô. Indispensáveis na composição, como a relação com o marido e a promessa feita
por ele:
(...) seguido de Rosa, sua mulher. Ao contrário do marido, tem “sangue
quente”, revelando, logo à primeira vista, uma insatisfação sexual e
uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente
sufocar. Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas
também como uma mulher que não deseja ocultar os encantos que
possui; Olha-o com raiva; procura convencê-lo; Olha-o quase com
raiva; Olha-o com raiva; enfastiada e deixando já entrever uma
revolta que se avoluma. (...) Abre os olhos, sentindo que está sendo
observada. (...) Rosa conserta o vestido. (...) Rosa olha-o com raiva.
(...) Rosa: com recato, mas no fundo envaidecida. (...) Depois de um
tempo. (...) Rosa puxa o braço bruscamente, depois de manter, por
alguns segundos, um olhar de desafio. (...) Desvencilha-se dele
novamente. (...) Volta a sentar-se na escada. (...) Rosa lança-lhe um
olhar hostil. (...) Quase sensualmente. (...) Olha-o de cima a baixo. (...)
Percebendo o jogo de Bonitão. (...) Rosa sobe a ladeira e Bonitão a
segue. (...) Refletindo na própria experiência. (...) Concentrada em seu
problema. (...) Ante a impossibilidade de comunicar a ele o seu
problema. (...) Ferida pela falta de ciúmes dele. (...) Ela vislumbrou nas
palavras do Repórter uma possibilidade confusa de libertação, ouviu-
as num entusiasmo crescente. (...) Vai à venda e encosta-se no balcão,
ao lado de Bonitão. (...) Procurando uma justificativa para sua falta de
coragem. (...) Sente-se cada vez mais empurrada para ele, como para
um abismo, e não nela, precisamente, um desejo de resistir ao salto
definitivo. apenas a imensa fraqueza da criatura humana no
momento das grandes decisões. (...) Ela vai voltar ao centro da praça.
Ele a segura pelo braço. (...) Falando baixo (...) Solta-se dele com um
safanão. (...)
mxlix
34
A consistência da ficção e a manutenção da narrativa cênica são propostas através
das didascálias nas duas obras estudadas. Ao longo da dramaturgia, Dias apresenta os
elementos que mantêm os dramas e tornam a ficção sustentável. O desejo de cumprir a
promessa feita à Santa Bárbara mantém a personagem protagonista do início ao fim da trama
imersa em condutas retilíneas, independente das adversidades e dos conflitos que sustentam a
narrativa. Personagens de carne e osso como Rosa, Padre Olavo, Bonitão e alegorias como o
poder, a intransigência religiosa, a ignorância, trabalham contra a personagem Zé-do-Burro,
mas a favor da sustentabilidade cênica e são exatamente as didascálias que permitem esse
processo.
Esse procedimento caminha pelo desenrolar da trama: “Quando termina a
música, Taís e Ronaldo se deixam cair no chão, abraçados. Estão ambos atordoados. Ele
alguma coisa para ela cheirar, ela sorri, desligada de tudo;
ml
pelas ações que
constróem o tecido gerador da performance, pelas didascálias que indicam movimento e
ação:
Com manifesta má-vontade, os surdos começam a marcar o compasso
da valsa, Mirandão e Taís saem dançando. Ela constrangida, ele
glorioso, sorridente. Marco Taís e não tira os olhos de cima dela. Ela
nota também e dança olhando para ele. Os outros pares entram na
dança. Até que Mirandão se sente cansado. Pára. Cida vem em seu
socorro. (...) Sai com Cida. Como que atraídos por um imã, Marco e
Taís vão ao encontro um do outro e continuam a valsa, olhos nos olhos,
vidrados. Ronaldo entra e Taís e Marco dançando. (...) A luz vai
baixando, com exceção de um foco de luz em Taís e Marco. As demais
personagens se imobilizam na penumbra. Somente eles se movimentam,
acompanhados pelo foco de luz.
mli
Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro surja, pela rua da
direita, carregando nas costas uma enorme e pesada cruz de madeira.
Marli livra-se dele com um safanão, mas seu rosto se contrai
dolorosamente. (...) Tira do bolso um maço de notas e entrega a ele. (...)
Bonitão conta as notas rapidamente. (...).
mlii
Balé. (...) Manga Larga e sua gang entram e revistam o local da
conferência, que é uma leiteria. Depois entram Pedroca e seus homens,
fazendo o mesmo. Todos estão armados, revólveres à mostra na cintura.
Encaram-se, hostis, durante as evoluções. Por fim, entram Mirandão e
Brilhantina, um de cada lado. Fazem sinal e todos saem. uma mesa
no centro da cena. (...) Por fim, sentam-se os dois ao mesmo tempo. (...)
Um garçom entra com dois enormes copos de leite, que coloca sobre a
mesa. (...) Brilhantina mantém-se sempre sorridente, tranqüilo,
tomando seu leite. (...) Os dois se olham cara a cara, tensos, medindo as
mútuas disposições. Brilhantina sorri. (...)
mliii
Pode-se perceber que há o desenho da movimentação dos atores, previamente
concebido pelo escritor, estabelecendo a delimitação das cenas numa situação real, mas não
34
realista,
mliv
do significado e da presença física das personagens naquela determinada direção,
com aquelas determinadas condições, através também das didascálias de entrada e/ou saída:
Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro surja, pela rua da
direita, carregando nas costas uma enorme e pesada cruz de madeira. A
passos lentos, cansados, entra na praça, seguido de Rosa, sua mulher (...)
Zé-do-Burro vai ato o centro da praça e pousa a sua cruz,
equilibrando-a na base de um dos braços, como um cavalete. Está
exausto. Enxuga o suor da testa.
mlv
Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro surja (...) entra na
praça, seguido de Rosa, sua mulher. (...) Bonitão saindo. (...) Entra
Bonitão pela direita e vai diretamente à vendola.
mlvi
Manga Larga entra. Ronaldo e Marco entram. (...) Mirandão e Cida
entram no meio da música e eles não percebem. (...) Saem Taís e Marco.
(...) Mirandão sai com Cida.
MIRANDÃO: (...) Sai com Cida. PEDROCA: entra afobado.
mlvii
Nas obras de Dias Gomes aqui estudadas pode-se destacar que a opção por escrever
os textos com forte relevância às didascálias são imprescindíveis para que os elementos que o
dramaturgo considera como determinantes para a composição cênica, não estejam ausentes na
transposição do texto para a cena, como atesta o diretor Martin Esslin ao discorrer sobre a
estrutura do drama:
O dramaturgo, o diretor, os atores, o cenógrafo e o figurinista precisam ter
plena consciência permanente da função de cada detalhe dentro da estrutura
geral. Uma indicação do posicionamento do ator na cena pode não contribuir
de forma direta para o andamento do enredo, mas pode ser essencial para o
estabelecimento desta ou daquela pista vital a respeito de uma personagem;
um móvel pode integrar a cenografia e jamais chegar a ser usado, desde que
faça importante contribuição para a criação da atmosfera adequada da
obra.
mlviii
Dias utiliza em determinadas didascálias indicações de onde deverão ser
introduzidas as inserções de dança e música, além de registrar a forma como devem ser
direcionados os desenhos coreográficos e as intenções associadas às músicas, como nos
trechos que se seguem:
Balé. A música cria um clima de expectativa, de suspense policial.
Manga Larga e sua gang entram e revistam o local da conferência, que é
uma leiteria. Depois entram Pedroca e seus homens, fazendo o mesmo.
Todos estão armados, revólveres à mostra na cintura. Encaram-se,
hostis, durante as evoluções. Por fim, entram Mirandão e Brilhantina,
um de cada lado. (...)
mlix
34
Balé. Na loja de Pai Joaquim, entre imagens de orixás africanos, entre
búzios, velas e patuás, o Boca-de-Alpercata instalou seu ponto. Diante
dele, alguns jogadores fazem seu jogo. Boca-de-Alpercata escreve as
apostas num talão. Os homens de Pedroca entram, cautelosos, um após
outro, evoluem em torno do bicheiro carregando enormes imagens de
orixás. A música e a coreografia criam o clima: preparação para o
assalto. (...) Os homens de Pedroca evoluem pelo cenário e começam a
destruir a loja. (...) Todos se voltam para Pedroca, que surge de repente,
de revólver em punho. (...) Os bailarinos prosseguem na coreografia que
traduz a destruição da loja e do ponto. Os jogadores, em pânico, fogem.
Pedroca avança para Boca-de-Alpercata, que se encolhe, apavorado.
(...)
mlx
Dias Gomes utiliza as didascálias para detalhar ações físicas, estejam elas
associadas aos diálogos, ou surjam independentes de quaisquer falas. Devido ao trabalho que
desenvolveu, durante anos, na criação de textos para veiculação pelo rádio, o dramaturgo
passou a se preocupar, na construção das didascálias, com a precisão de suas indicações, a fim
de que assim garantisse a presença de uma ação, que era apenas percebida pela audição. O
domínio dessa técnica tornou-se uma prática comum em todos os seus textos dramáticos, o
que vai permitir a instalação da curva actancial da história.
Minha Tia vai até a igreja e , junto aos degraus, pára. (A critério da
direção e em momentos em que o prejudiquem a ação, transeuntes
cruzarão a praça, durante todo o ano).
mlxi
Para o galego. (...) Galego
apressa-se a ir ajudá-la. Retira primeiro o cavalete, que está sobre o
tabuleiro, abre-o, depois ajuda-a a tirar o tabuleiro da cabeça e colocá-
lo em cima do cavalete.
MINHA TIA: (...) Nota Zé-do-Burro. (...)
GALEGO: (...) Volta a pregar as bandeirolas, enquanto Minha Tia
põe-se a arrumar o fogareiro, procura acendê-lo. Desce a ladeira,
passo mole, preguiçoso, Dedé Cospe-Rima. Mulato, cabelo pixaim, sob
surrado chapéu-coco – um adorno necessário a sua profissão de poeta-
comerciante. Traz, embaixo do braço, uma enorme pilha de folhetos:
abecês, romances populares em versos. E dois cartazes, um no peito,
outro nas costas. Num se lê: “ABC da Mulata Esmeralda uma obra-
prima”, e no outro: “Saiu agora, fresco ainda!”: O que o cego
Jeremias viu na Lua.”
DEDÉ: Declama. (...)
GALEGO: (...) Entra na venda e a volta por trás do balcão. (...)
Serve o parati.
DEDÉ: Bombástico, teatral. (...) Tira um exemplar e coloca sobre o
balcão. (...)
DEDÉ: (...) Troca os folhetos. (...) Bebe o parati de um trago. Refere-se
às bandeirinhas. (...)
mlxii
34
Iluminação em clima de discoteca. Pares dançam alucinadamente. Entre
eles, Taís e Ronaldo. Quando termina a música, Taís e Ronaldo se
deixam cair no chão, abraçados. Estão ambos atordoados. Ele
alguma coisa para ela cheirar, ela sorri, desligada de tudo. De repente,
cai em si, levanta-se de um salto.
TAÍS: Ele tenta detê-la, ela reage. (...) Ele tocou no ponto sensível. (...)
Pedroca entra, procura Taís entre os jovens. Ela e reage com
estranheza. (...) Vai a ela. (...)
TAÍS: (...) Olha para Pedroca com arrogância. (...)
PEDROCA: Sorri. (...) Diante dela ele tem um ar idiota, é um
brutamontes apaixonado. (...)
TAÍS: (...) Olha para ele com ar de desafio. (...) Taís ri. (...) Leve tom de
ameaça. (...)
PEDROCA: Infantilmente preocupado. (...)
TAÍS: Volta-lhe as costas. (...)
PEDROCA: Como cão escorraçado. (...) Sai.
mlxiii
O dramaturgo, através das didascálias que marcam as indicações de figurino,
também contribui para detalhar ações físicas e manter a narrativa cênica:
Veste-se como uma provinciana que vem à cidade, mas também como
uma mulher que não deseja ocultar os encantos que possui. (...) Marli e
Bonitão. Ela tem, na realidade, vinte e oito anos, mas aparenta mais dez.
Pinta-se com algum exagero, mas mesmo assim não consegue esconder a
tez amarelo-esverdeada. Possui alguns traços de beleza doentia, uma
beleza triste e suicida. Usa um vestido muito curto e decotado, um
tanto gasto e fora de moda, mas ainda de bom efeito visual. A
ascendência negra é visível, embora os cabelos sejam lisos, reluzentes de
gomalina e os traços regulares, com exceção dos lábios grossos e
sensuais e das narinas um pouco dilatadas. Veste-se sempre de branco,
colarinho alto, sapatos de duas cores.
mlxiv
Pedroca coloca um cravo na lapela do terno branco, ajeita a gravata.
Acendem-se as luzes da casa de Mirandão. (...) Marivalda, sua mulher.
Uma bonita mulher. Mas veste-se com um luxo exagerado e de gosto
mais que duvidoso. Coberta de jóias, brincos, colares, parece um carro
alegórico. Fútil ao extremo, seu Q.I. não é dos mais notáveis. (...)
mlxv
Pode-se observar, nas indicações que se seguem, as didascálias associadas a
determinadas funções que desempenham na dramaturgia a amplitude geográfica, através de
indicações espaciais e temporais:
Salvador, época atual. Uma pequena praça, onde desembocam duas
ruas. Uma à direita, seguindo a linha da ribalta, outra à esquerda, ao
fundo, de frente para a platéia, subindo, enladeirada e sinuosa, no perfil
de velhos sobrados coloniais. Na esquina da rua direita, vemos a fachada
de uma igreja relativamente modesta, com uma escadaria de quatro ou
cinco degraus. Numa das esquinas da ladeira, do lado oposto, uma
vendola, onde também vende café, refresco, cachaça, etc.; a outra
esquina da ladeira é ocupada por um sobrado cuja fachada forma
ligeira barriga pelo acúmulo de andares não previsto inicialmente. O
34
calçamento da ladeira é irregular e na fachada dos sobrados vêem-se
alguns azulejos estragados pelo tempo. Enfim, é uma paisagem
tipicamente baiana, da Bahia velha e colonial, que ainda hoje resiste à
avalanche urbanística moderna. Devem ser, aproximadamente, quatro e
meia da manhã. Tanto a igreja como a vendola estão com suas portas
cerradas.
mlxvi
(...) Neste quadro o palco é dividido em três espaços cênicos que
correspondem aos quartos de Mirandão e Brilhantina e ao saguão do
hospital. (...)
mlxvii
A amplitude geográfica também se estabelece através das didascálias que marcam
os percurso a serem realizados pelas personagens:
Zé-do-Burro vai até o centro da praça e pousa a sua cruz,
equilibrando-a na base de um dos braços, como um cavalete. Está
exausto. Enxuga o suor da testa (...) Desesperado. (...) Inicia um gesto,
como se atirasse uma bomba contra a igreja, mas o braço se imobiliza
no ar, ele percebe a heresia que ia proferir, deixa o braço cair e ergue os
olhos para o céu. (...) Secreta e Bonitão trocam olhares significativos.
Zé-do-Burro avança dois ou três passos em direção à Igreja, isola-se do
grupo e grita a plenos pulmões. (...) Dedé desce a ladeira e fica assistindo
à cena, curioso. (...) Galego deixa a vendola e vem para o meio da praça,
no momento em que surgem também na ladeira dois tocadores de
berimbau, de instrumento em punho. Colocam-se ao lado de Mestre
Coca e ficam apreciando. (...) gritando, alucinadamente. (...) Abre-se
de súbito a porta da igreja e entra o Padre. O Sacristão atrás dele,
amedrontado. Grande silêncio. O Padre avança até o começo da escada.
(...) Ante a decisão que estampada no rosto de Zé-do-Buro, recua,
amedrontado. (...) E ante a investida de Zé-do-Burro, que caminha para
a igreja, corre seguido do Sacristão e cerra a porta no momento mesmo
em que Zé sobe os degraus. Este, revoltado e vencido, atira a cruz
contra a porta. A cruz tomba, estrondosamente, sobre a escada. Zé-do-
Burro senta-se num dos degraus e esconde o rosto entre as mãos (...)
Entreabre-se a porta da igreja e surge na fresta a cabeça do Sacristão,
que ao ver Zé-do-Burro torna a entrar e fechar a porta. Reage com
irritação, procurando combater em si mesmo o desejo de ceder. (...) O
Secreta entra da direita e atravessa a praça em direção à vendola,
observando, dissimuladamente, Zé-do-Burro. Ao vê-lo, Rosa não
esconde sua inquietação. Acompanha-o com um olhar amedrontado até
a vendola.
mlxviii
Manga Larga (...) rápido, saca do revólver e atira à queima-roupa. (...)
outro tiro. (...) Mirandão leva as mãos à barriga, os olhos saltam das
órbitas. Ele dá alguns passos e cai. Manga Larga foge, enquanto os
passistas que escutaram os tiros, voltam assustados. Pedroca que ele
morreu, deita seu corpo no chão, cruza as mãos sobre o peito. Os
passistas evoluem em torno do corpo. Ao som do surdo, também lento,
cadenciado. Quatro deles carregam o corpo de Mirandão e saem com
ele, cantando o mesmo samba do início. (...) Acendem-se as luzes da casa
de Mirandão. Delegado sai. Pedroca, que o acompanhou até à saída,
volta. Há uma pausa. Súbito, a tampa do caixão começa a abrir-se
lentamente.
mlxix
34
As didascálias de som e de luz também estão inseridas na determinação da
amplitude geográfica da cena:
Vem de longe o som dos atabaques dum candomblé distante, no toque
de Iansã (...). Coreografia é ditada pelo toque do berimbau.(...) Esse
estribilho é repetido várias vezes em ritmo cada vez mais rápido, até que
Minha Tia surge no alto da ladeira e merca, num canto sonoro. (...).
mlxx
Os passistas se exibem ao ritmo da bateria e cantam o samba-enredo,
puxado por Pedroca. (...) A bateria pára. (...) Sirene de ambulância.
Música. (...) Os passistas se movimentam no ritmo marcado pela bateria,
cantando o samba-enredo.
mlxxi
As luzes se apagam em resistência. (...) As luzes voltam a acender-se.
mlxxii
Cena inteiramente às escuras. (...) Luz sobre o corpo de Mirandão
morto, estendido no centro do palco. Apaga-se a luz. (...) Luz sobre
personagem de pé diante do corpo de Mirandão. Apaga-se a luz. (...) Luz
sobre um grupo de pessoas em volta do corpo. Apaga-se a luz. (...) Palco
totalmente iluminado, todas as personagens em cena. (...) Luz sobre
Pedroca, que está de costas para a platéia. (...) Luz sobre Mirandão (...)
Luz sobre Pedroca. (...) Ilumina-se a casa de Mirandão. (...) A luz vai
baixando, com exceção de um foco de luz em Taís e Marco. Demais
personagens se imobilizam na penumbra. Somente eles se movimentam,
acompanhados pelo foco de luz. (...) As luzes se acendem novamente, as
personagens se movimentam. (...) Apagam-se as luzes. (...) Pedroca sai.
Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as luzes do quarto de Brilhantina.
Ele ainda está cheio de ataduras. Vidigal entra. (...) Acendem-se as luzes
do saguão. (...) Luz sobre Pedroca (...) Acendem-se as luzes da casa de
Mirandão. (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as luzes da casa de
Mirandão. (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as luzes no
apartamento de Brilhantina. (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as
luzes da casa de Mirandão. (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as
luzes na casa de Brilhantina . (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se
as luzes na casa de Mirandão. (...) Apagam-se as luzes. (...) Com a cena
às escuras, ouvem-se vozes. (...) Apagam-se as luzes. (...) Acendem-se as
luzes da casa de Mirandão.
mlxxiii
Em “O Pagador de Promessas”, a abordagem do espaço e do tempo – trazida à cena
através das didascálias que denunciam onde e quando a ação deverá ser desenvolvida –,
propõe elementos que serão indispensáveis para o desenrolar da dramaturgia. As indicações
apontam para que a ação se desenrole numa praça do Centro histórico de Salvador, capital do
estado da Bahia, cidade que foi a primeira capital do Brasil, e não em uma outra cidade
qualquer, projetam uma série de significados.
Estes significados estarão presentes na cena, se corresponderem aos objetivos
traçados pelo autor, através das indicações por ele marcadas, uma vez que as particularidades
da cidade de Salvador da Bahia, que até os dias de hoje convive com afrontamentos e
34
intolerância religiosos, têm sentido quando locadas na própria metrópole. Por exemplo, em
2005, foi aprovado pela Câmara Municipal de Salvador, estabelecer o dia 21 de janeiro, como
“Dia Mundial de Luta contra a Intolerância Religiosa”, porque em 2004, o terreiro de
candomblé da Ialorixá Mãe Gilda foi invadido e destruído por fanáticos que foram exorcizá-
la, cujo desdobramento foi a morte da religiosa.
A Bahia, tida como “singular e plural”, onde os valores culturais se mesclam com
as tradições de vários povos, é considerada o estado de maior intolerância religiosa, segundo
relatos da Secretaria Municipal da Reparação de Salvador.
mlxxiv
Construir a cena de O
Pagador de Promessas” além dos muros da cidade de Salvador é perder o foco de
questionamento político-social e cultural apresentado através das didascálias.
Quando Dias Gomes escreveu em 1959 “O Pagador de Promessas” e designou, nas
didascálias “época atual”,
mlxxv
e hoje, em 2008, ao se comparar suas colocações a respeito da
divisão extrema de classes sociais, a distribuição de renda, o coronelismo, a
discriminação, a religiosidade exacerbada, chega-se à conclusão que a indicação “época atual”
não requer nenhum tipo de adaptação, uma vez que a cidade preserva essas características.
Dias Gomes afirma que “O Pagador de Promessas é uma fábula, (...) está construída
sobre elementos folclóricos e sociológicos que exprimem uma realidade, com uma forma e
uma força que é vista na Bahia”.
mlxxvi
Em artigo da Revista de Psicologia da UNIFACS,
“Salvador: Cidade do Axé e do Assalto”, o pesquisador Luiz Hayannah de Oliveira Pinto
refere-se a um dos aspectos característicos da cidade, quando centra sua análise na divisão das
classes sociais, da seguinte forma: “A polarização das zonas de moradia, segundo a qual “rico
mora na Barra”, pobre em “Cajazeiras”, e miserável em “Novos Alagados”, quebra o vínculo
integrativo inter-classe que exercia um poder de controle das tensões sociais”.
mlxxvii
O fato do dramaturgo marcar a chegada do casal à escadaria da igreja às quatro e
meia da manhã traz signos importantes para a construção do texto. Eles viajaram durante
muito tempo, estão exaustos, sem pouso, e chegam ao amanhecer do dia dedicado à santa, o
que estaria associado ao momento inicial das atividades urbanas, este tempo prenuncia uma
série de acontecimentos que não poderíam estar associados a outro espaço temporal. No texto
para teatro, as didascálias apontam:
Devem ser, aproximadamente, quatro e meia da manhã. Tanto a igreja
como a vendola estão com suas portas cerradas. Vem de longe o som dos
atabaques dum candomblé distante, no toque de Iansã. Decorrem alguns
segundos até que Zé-do-Burro surja, pela rua da direita, carregando nas
costas uma enorme e pesada cruz de madeira.
mlxxviii
34
Uma observação deve ser apontada, quando se analisa, de forma quantitativa, as
didascálias das obras “O Pagador de Promessas” e “O Rei de Ramos”. Atesta-se que ambas as
obras possuem uma relativa equivalência quanto ao número e aos tipos de indicações, porém,
há uma ampla diferença quanto às indicações de luz e som; porque o texto “O Rei de Ramos”
possui um número muito maior de didascálias relacionadas à iluminação e à sonoplastia do
que o texto “O Pagador de Promessas”. Isto pelo fato de “O Rei de Ramos” tratar-se de uma
Comédia Musical, bem mais recente e influenciada pelo espírito do Teatro de Revista
brasileiro, onde a exigência de um rítmo mais intenso, o dinamismo da movimentação
cênica mais vibrante. A primeira montagem, levou em conta uma proposta centrada no teatro
de cunho popular como propõe o diretor Flávio Rangel:
Tive uma ótica privilegiada para ver O Rei de Ramos. A peça foi escrita por
uma encomenda minha, na busca de retomar a tradição interrompida do
musical brasileiro, pontuado pela música e pela luz. E na busca permanente
daquilo que tem sido a maior preocupação da geração à qual pertenço, e a
uma visão de mundo semelhante, com a que informa Dias, Guarnieri, Plínio
Marcos, Ferreira Gullar e preocupou Vianinha e Paulo Pontes: o
estabelecimento de uma dramaturgia popular, e um estilo nacional de
interpretação. (...) Quisemos também prestar uma homenagem às antigas
revistas da Praça Tiradentes, que levevam ao público os personagens do dis-
a-dia da cidade.
mlxxix
Torna-se interessante ressaltar, como foi apresentado no Capítulo V, que a peça
“O Rei de Ramos” foi estruturada em dezoito quadros, como eram escritas as peças para o
Teatro de Revista, que difundia modos e costumes, tal e qual um retrato sociológico do Brasil,
pelo estímulo do riso, através da ironia, das falas de duplo sentido e das canções.
mlxxx
Os quadros, na obra de Dias Gomes, apresentados e introduzidos por didascálias,
merecem uma análise pontual, que caracteriza a consistência da ficção:
Quadro: Da morte de Mirandão Coração-de-Mãe e seu incrível
funeral”,
mlxxxi
a adjetivação do substantivo funeral, traz a marca de forte ironia, através da
presença de uma espetacularidade associada à morte, ou a um grande acontecimento social.
O paradoxo do 2º Quadro, Morreu de mãos limpas, nunca matou, sempre
mandou matar”,
mlxxxii
deixa clara a leitura social da impunidade que protege os criminosos
com poder no Brasil, acontecimento corriqueiro sem maiores conseqüências, que, de tão
terrível, torna-se piada. O apelo ao erotismo, presença sistemática nas Revistas, surge no “6º
Quadro, O Buraco da Marcelina”,
mlxxxiii
referindo-se às origens de Mirandão e ao fato de
sua mãe ter sido prostituta, o substantivo buraco, metaforicamente usado, refere-se de maneira
farpada ao órgão sexual feminino, além de reportar-se ao acontecimento de este ter sido o
34
nome dado ao “Ponto de Bicho” criado por Nico Brilhantina, num lugar proibido por
pertencer aos domínios de Mirandão, mas onde todos poderiam passar, entrar, freqüentar,
apostar e até ganhar dinheiro.
A didascália do nono quadro traz uma abordagem muito interessante, brincar com
as intrigas lançadas sobre pessoas famosas, da mesma forma como ocorriam nas Revistas.
Onde se rouba um pouco de Shakespeare, que por sua vez roubou muita gente”.
mlxxxiv
A
indicação faz referência ao episódio de muitos historiadores abordarem de forma crítica que o
dramaturgo inglês reescreveu histórias existentes. A crítica aberta às estruturas sociais e
políticas está presente no 15º quadro, quando as didascálias reportam-se à TFP Tradição,
Família e Propriedade , uma organização católica tradicionalista brasileira, conservadora e
anticomunista, fundada em 1960. Quando o Golpe Militar de 1964 inaugurou a ditadura no
Brasil, as passeatas dos estudantes, dos artistas, dos profissionais liberais, dos trabalhadores,
ganharam as ruas para demonstrar a revolta contra o sistema, neste mesmo período, a TFP
também organizou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoiando o movimento
militar. Então, Dias Gomes criou: A marcha com Deus e a Família pela Liberdade do
Bicho”.
mlxxxv
Com relação ao “O Pagador de Promessas”, a consistência da ficção é mantida
durante toda a trama, desde a entrada de Zé-do-Burro até a sua morte, pelo desejo irrefutável
da personagem protagonista em cumprir sua promessa com a santa, independente de todas as
adversidades a que é submetido. Esta consistência ficcional pontua-se na estrutura heróica
dotada a Zé-do-Burro. A análise das indicações remete a uma leitura específica para a criação
da cena, que processa a intenção de Dias, como bem afirma Sábato Magaldi em “Teatro
Sempre”:
O Pagador tinha a qualidade de trazer um acréscimo expressivo às diversas
contribuições à nossa moderna dramaturgia. (...) Dramatizava-se o
sincretismo religioso e, de outro lado, criticava-se a intolerância, de qualquer
inspiração. O autor se afirmava com uma linguagem pessoal, um comando
rígido da cena pelas indicações, num universo próprio. (...) “O Rei de
Ramos” trouxe animador alento para o musical brasileiro, calado e
escondido anos, com o achado da narrativa irônica da situação social do
Brasil. (...) O musical que nasceu de “Bandeira Branca” é prova da razão de
Dias Gomes ter se tornado o mais popular autor de telenovelas brasileiras de
alto nível.
mlxxxvi
A montagem de “O Pagador de Promessas” que estreou no palco do acanhado
TNC Teatro Nacional de Comédia, no Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1962, sob a
direção de José Renato –, distanciou-se muito da montagem de 1960, sob a direção de Flávio
Rangel. O sucesso não foi fácil, principalmente pelo fato da montagem não levar em conta
34
determinadas indicações manifestadas pelas didascálias de Dias Gomes, como apontou a
crítica Bárbara Heliodora, em texto publicado no Jornal do Brasil em 28 de junho de 1962.
(...) Na ânsia de popularizar, o que José Renato fez foi procurar complicar o
mais possível um espetáculo que, realizado dentro de suas didascálias
normais, seria compreendido por qualquer um. (...) O autor em suas
didascálias pede “uma cena tipicamente baiana”, e o cenógrafo usa uns
recortes não individualizados, umas colunas cinzas que não são nada, e
começa a descer trainéis e subir trainéis numa confusão que distrai a atenção
e que não contribui em nada para esclarecer o texto. O autor marcou muito
bem suas intenções, através das didascálias, não levá-las em conta é cometer
erro e não conseguir atingir o todo em nível integral. (...) O que acontece é
que a igreja e a tendinha, que o autor tanto pede nas didascálias,
desaparecem como centros focais de ação que deveriam ser, e as portas
expressionistas não servem para nada, a não ser para atrapalhar. Nessa praça
estranha desenvolve-se o pior aspecto diretorial do espetáculo, a
movimentação de comparsaria, (...) com o uso de momentos em que todos
param para que seja destacada a cena dialogada, quando o autor pediu “ao
passar pela roda de capoeira, que novamente se anima”.
mlxxxvii
De Dias Gomes, analisado sob um critério atual e crítico, pode-se dizer que foi um
dramaturgo em dedicação perene para “ir onde o povo está”, escrevendo sobre a “cara do
Brasil”. Mesmo que tenham tentado silenciá-lo, ou que ele tenha se tornado conhecido do
grande blico através da televisão, a dramaturgia que ele criou estava sempre focada no
público, público este que estava incluso nesta mesma obra. Foi um intelectual sério, que
estudava cada tema sobre o qual escrevia e que soube causar estranhamento e agradar, ao usar
a linguagem popular no teatro, no rádio, na televisão e no cinema.
O rádio foi a sua escola e foi a sua sobrevivência e lá, no rádio, ele descobriu a
força das didascálias para criar uma dramaturgia que lhe permitisse enunciar o universo de
suas personagens e possibilitasse a elas transitar pelos mais variados meios. O Brasil que é
mar e é sertão, que tem espigões, túneis, santos milagreiros, prefeitos corruptos, pagadores de
promessas, bicheiros, heróis de mentira, matadores, prefeitos capachos, médicos sem ética,
delegados vendidos, mulheres mal amadas, virgens histéricas, mulheres trabalhadoras, mães,
pais, retirantes, sem terra, sem teto, sem destino, foi levado à cena com o humor inerente à
alma brasileira. Dias Gomes não inventou um povo, recriou seus irmãos brasileiros e deu-lhes
uma voz em cena pelos diálogos e pelas didascálias traçou sua singularidade e o fez num
trânsito universal como numa ponte de palavras.
34
CONCLUSÃO
A hipótese desta pesquisa em torno da qual as didascálias criadas por Dias
Gomes possuem importância imperativa na construção e na estrutura da dramaturgia
desse autor, assim como serviram de ponte para o trânsito das obras dramáticas através
do teatro, do rádio, da televisão, do cinema e da ópera , foi desenvolvida através de
diversos depoimentos do escritor e da análise das obras O Pagador de Promessas e
O Rei de Ramos.
Também foram objetos de análises as críticas e os debates em torno das
didascálias destas obras e as diversas linguagens em que elas foram veiculadas; o
material publicado através da imprensa, pesquisado principalmente nos arquivos da
FUNARTE, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e na Biblioteca Nacional; os textos
radiofônicos e televisivos de Dias Gomes pesquisados nos arquivos da Radiobrás; tudo
com base em referências teóricas. Nesta conclusão, além de retomar os pontos centrais
desenvolvidos em cada um dos seis capítulos, revela-se o contexto em que a hipótese
cresceu e a forma como se estabeleceram as análises desenvolvidas.
Como primeiro ponto, a hipótese está inserida na percepção da dramaturgia
como uma composição textual para a cena, composta de dois elementos: a didascália e
o diálogo. Elementos esses que trabalham em igualdade de condições como parceiros
na construção do espetáculo, uma vez que se entende a representação como o objetivo
primaz do texto teatral. Sabe-se, porém, que existem visões divergentes, como as de
Adam Abraham Mendilow e Austin Warren que classificam o texto dramático como
pertencente ao universo artístico da literatura, tal e qual o texto lírico e o texto
narrativo.
Nas análises desenvolvidas nesta pesquisa prevaleceu a postura de que a
dramaturgia foi criada para ser encenada, além de que se afastou qualquer referência a
respeito da importância ou da insignificância das didascálias na análise da obra
dramática, como também não se referendou qualquer juízo de valor com relação à
postura do encenador, seja a de utilizá-las na produção do espetáculo ou lançá-las fora,
observando apenas a camada dialógica do texto, opções apresentadas por Patrice
Pavis
mlxxxviii
ao discursar a respeito da edificação do espetáculo.
Quando é desenvolvida uma reflexão sobre as didascálias, sabe-se que
acoplada a ela está a inseparável polêmica sobre a dialética palco/texto, surgindo em
34
cena o problema das relações entre autores e diretores. Reafirma-se aqui que esta
pesquisa não passou nem entrou nos méritos destas questões. Todo o foco centra-se na
análise dos textos dramáticos, do ponto de vista das didascálias, tendo como
preocupação maior o seu valor na construção da dramaturgia. Utilizaram-se as pontes
oferecidas pelas didascálias para ampliar os caminhos que elas referendam em direção
à análise, à interpretação textual e o trânsito da obra através das linguagens do teatro,
do rádio, da televisão, do cinema e da ópera.
O enfoque da abordagem é feito por meio de processos específicos, que
observam os dois discursos que a compõem, o dialógico e o didascálico, e que
mostram os núcleos de teatralidade no texto, o que, segundo Anne Ubersfeld, trata-se
da ação de reconstruir com a imaginação as condições da enunciação,
mlxxxix
independente de acreditar que só com a encenação se pode analisar um texto criado
para a cena, é possível estudar seu conteúdo, aceitando o texto, local onde está
impressa a representação virtual.
Portanto, a dimensão visual do texto dramático (cenário, adereços, figurinos,
aparência física das personagens) é um aspecto que se torna imprescindível durante a leitura,
essa dimensão surge diante dos olhos quando se deseja apreender o espetáculo nele contido. É
exatamente neste ponto que Michael Issacharoff
mxc
estuda essa “representação virtual” nas
didascálias.
A pesquisadora Anne Ubersfeld acredita que a leitura de um texto teatral é a
preparação para se obterem as condições de poder tê-lo em cena e, só assim, apreender
o seu conteúdo, uma vez que esse conteúdo só pode existir durante a encenação. Anne
afirma que a dramaturgia gera uma prática social envolvendo o dramaturgo, os
leitores, o público, os atores, os diretores, os cenógrafos, isto é, todos que estejam
imersos em sua construção. A respeito da composição do texto dramático, das
didascálias e dos diálogos, Ubersfeld propõe que essas duas unidades distintas, porém
indissociáveis, sofreram variações na sua relação textual ao longo da história do teatro.
As didascálias, de acordo com a época, aparecem em maior ou menor escala, porém
têm importante papel no teatro contemporâneo,
mxci
no qual se pode certificar a
presença de obras compostas apenas de didascálias.
Ubersfeld atesta a existência de duas camadas textuais distintas na
dramaturgia. A primeira camada é a que tem o autor como agente imediato da
enunciação e abraça a totalidade das didascálias (indicações cênicas, espaços,
personagens, etc.); a segunda camada compreende o conjunto dos diálogos e que tem
34
como agente mediato da réplica uma personagem.
mxcii
O que remete à afirmação de que
o dramaturgo, ao escrever um texto, tem em mente uma posterior encenação,
determinando os recursos que irá utilizar, porque a produção de um texto dramático
leva em conta a presença de uma teatralidade anterior; escreve-se para, com, ou contra
um código de dramaturgia preexistente, seja ele direcionado ao teatro, ao rádio, à
televisão, ao cinema ou à ópera.
A pesquisadora Catarina Sant`Anna afirma que no texto dramático escrito
está contida a “potencialidade da encenação.
mxciii
As didascálias são fundamentais
para se chegar à especificidade do drama, ou seja, elas surgem da consciência do autor
de estar escrevendo uma obra que tem como objetivo final tornar-se uma encenação.
Assim, as didascálias fazem uso de outrosdigos que congregam e ultrapassam o
código lingüístico, quando participam da concretização do espetáculo.
Anne Ubersfeld
mxciv
afirma ainda que a arte dramática é paradoxal, porque
consegue acoplar a criação literária e a sua representação. À representação torna-se necessário
ressaltar a impossibilidade de uma identidade com o texto de origem. É impossível reproduzir
a cada espetáculo as mesmas condições, o mesmo público. Cada representação terá somente
um elo comum, o texto.
O levantamento histórico, da origem, da evolução, e da presença ou ausência das
didascálias nos textos dramáticos possibilitou a constatação de que, enquanto obra de arte, os
textos acompanham as características do momento histórico-estético da época em que foram
criados, além do que o estilo individual de cada dramaturgo vai determinar a sua proposta
pessoal durante a construção da obra e a maior ou menor incidência das didascálias. Os
exemplos coletados vêm desde a dramaturgia da antigüidade greco-romana até as criações
mais recentes. O próprio Dias Gomes afirmava que possuía uma grande afinidade com o
escritor alemão Bertold Brecht, no que se refere à sua obra e à sua ideologia, o que permite
que se observem elementos afins na forma de criação dramática dos dois escritores. “Eu acho
que os autores que mais influenciaram um autor são aqueles que ele mais admira. No meu
caso então deve ser o Shakespeare, deve ser o Brecht, pois são os que mais admiro, o Brecht
então, pensa também igual a mim.”
mxcv
Dias Gomes acreditava que Brecht foi o maior dramaturgo do Século XX,
acreditava também que ele era mal entendido e mal assimilado no Brasil, tinha até uma
expressão: “é preciso separar Brecht dos brechteiros ou brechtóides”.
mxcvi
Para Dias, o
dramaturgo alemão era como um remédio balsâmico na veia do teatro, por meio da obra
transformadora de Brecht.
34
Em se tratando do dramaturgo Dias Gomes, pode-se afirmar que as didascálias por
ele produzidas foram criadas de tal forma que assumem papel relevante tanto na construção
quanto na nomeação das personagens, na determinação espacial, na movimentação das cenas,
que seu processo criativo era alicerçado por pesquisas cnicas e uma bagagem de
conhecimento da dramaturgia universal por ele adquirida, principalmente, durante os vinte
anos que adaptou obras para o radioteatro.
Em relação à hipótese de que as didascálias escritas por Dias Gomes têm influência
na construção da dramaturgia e são pontes para o trânsito do texto pelas diversas linguagens,
evidenciou-se que as indicações cênicas são a característica marcante do dramaturgo, que
usava as didascálias como moeda de controle sobre a dramaturgia, uma marca pessoal que se
desenvolveu nas obras criadas a partir de sua vivência no rádio, “é o discurso de um emissor-
autor e, então, pode ser pensado como totalidade textual”.
mxcvii
Dias Gomes marcou sua vida e obra com duas palavras: unidade e perseverança.
Descobriu desde criança que a coisa que melhor sabia fazer era escrever, tinha consciência
que nasceu num país que não se fez com livros. Aprendeu muito cedo que, uma vez
preservados seus valores, todo trabalho é trabalho, o importante é conseguir ganhar o pão
nosso de cada dia com o suor do rosto. A vida não lhe foi branda e doce, mesmo assim, não
perdeu o bom humor e usou a ironia como arma ferina de combate.
Viveu intensamente e criou como viveu. Fez questão de estar imerso na História de
seu país e inserir o seu país nas histórias que criou, para através delas sobreviver física e
intelectualmente, numa pátria que amava e onde teve que perseverar seus ideais por três
ditaduras: a Vargas, a Militar e a Empresarial. Mesmo tendo uma paixão declarada pelo
teatro, que ele afirmava ser um mal crônico, congênito e incurável, tinha prazer e não
vergonha de escrever, qualquer que fosse o veículo, mesmo para o rádio ou para a televisão.
Apesar de ser enxovalhado pelos intelectuais, sabia que escrever para o rádio e para a
televisão era a única forma de manter viva sua dramaturgia e veiculá-la para um público tão
grande, cujo número era difícil de imaginar, num momento em que a política vigente fechou-
lhe as portas do teatro e deixou a despensa de sua casa vazia, com sua esposa, sua mãe e seus
três filhos, que dependiam dele. Um elemento esteve sempre presente, a unidade de
pensamento, uma marca em sua obra, ela foi seu elemento de luta pessoal pela vida e por seus
valores.
O rádio, que entrou na vida de Dias Gomes como “luz no fim do túnel”, forneceu-
lhe o conhecimento necessário, através de uma leitura intensiva de obras de todos os tempos e
de todos os lugares, para o domínio técnico na produção de uma dramaturgia madura e
34
engajada com seus princípios sociais, políticos e pessoais. Foi exatamente no rádio que o
dramaturgo desenvolveu a habilidade de trabalhar com as didascálias, uma vez que o público
tinha acesso às histórias apenas por um único sentido, a audição. O treinamento obtido por
meio da dramaturgia composta para o radioteatro possibilitou ao escritor compor didascálias
que em seus textos se tornaram elementos de importância para a composição da dramaturgia e
o trânsito pelas diversas linguagens, sem perder os focos principais que norteiam as obras.
“O Pagador de Promessas” foi o primeiro trabalho escrito por Dias na sua segunda
fase de criação de dramaturgia para o teatro, inaugurada após um bom tempo em que esteve
no rádio. O texto marcou a carreira do autor, sucesso de público e crítica, e tornou-o nacional
e internacionalmente conhecido. As didascálias dessa obra apresentam indicações que
possibilitam a operacionalização dos diálogos na construção do espetáculo, são informações
que identificam os trâmites da dramaturgia e que permitem a análise dramatúrgica por meio
delas, além de que não haveria uma leitura viável do texto caso as didascálias fossem
suprimidas.
A partir da dramaturgia teatral, foram criadas as adaptações para o cinema, para o
rádio, para a televisão e para a ópera, as três primeiras elaboradas pelo próprio dramaturgo e a
quarta sob a sua orientação. A análise desses trabalhos comprova que as didascálias,
carregadas de signos, sustentam a trama, a integridade das personagens, o espaço e o tempo
da narrativa. Dias Gomes não queria nem imaginar que a unidade ideológica de seu trabalho
fosse quebrada, ele tinha conhecimento, por exemplo, que a própria natureza da televisão não
permite o aprofundamento, mesmo sendo dotada do poder do impacto, não tem perenidade,
nela o efêmero prevalece e nunca convida à reflexão, ao contrário do teatro que é pleno de
eternidade. O dramaturgo tinha conhecimento dos terrenos onde pisava e semeava a sua
dramaturgia, por isso, queria estar presente na obra e demonstrou isso através das suas
didascálias.
O próprio Dias Gomes, conta em sua autobiografia que tinha um enorme prazer em
ver seus textos dirigidos por Flávio Rangel
mxcviii
, o por acreditar profundamente na
competência do diretor, como também pelo fato de Flávio pedir a Dias que ficasse ao seu lado
durante os ensaios e, logo após a liberação do elenco, eles trocavam opiniões, discutiam
idéias, produziam juntos soluções nicas. Cuidado, preciosismo, ciúme, medo, insegurança,
usura, todas essas palavras podem explicar o motivo que fazia com que Dias Gomes
escrevesse as didascálias de seus textos amarradas à unidade orgânica e ao estilo. Entretanto,
a preocupação maior do autor estava em manter os seus posicionamentos enquanto cidadão.
As didascálias funcionam como a voz presente de Dias, muito mais do que simples indicações
34
de entradas e saídas de atores. Quando, por exemplo, uma indicação de iluminação ela é
proposta de forma que a réplica ou o silêncio da personagem na cena esteja inserido no
significado que aquela determinada luz vai produzir. As cinco linguagens em que “O Pagador
de Promessas” foi veiculado possuem o mesmo conjunto organizado de mensagens.
“O Rei de Ramos” foi criado a partir da telenovela Bandeira 2”. As obras foram
projetos inovadores e ambiciosos de Dias Gomes. Em “Bandeira 2”, o autor investiu numa
mudança radical na estrutura das telenovelas, destruindo modelos que tinham sido importados
dos folhetins do século XIX e ainda se sustentavam com as mesma características no meio ao
Século XX. Inverteu valores, questionou dogmas sociais, levou para a telinha, em plena
ditadura militar, o submundo do Jogo do Bicho, o humor irônico e debochado, o universo das
escolas de samba num espaço suburbano e carioca.
Ao levantar no texto seus procedimentos constitutivos e suas relações com o
contexto, percebe-se que o dramaturgo soube considerar a televisão como uma linguagem
poderosa e interpretou as circunstâncias para a composição do texto, adaptando o aprendizado
que trazia do rádio e das suas incursões incógnitas pelo veículo, quando não podia nem pensar
em assinar seu nome e produzindo os efeitos necessários para chegar aos efeitos que ele
desejou para o produto final. A teledramaturgia de Dias Gomes impôs na televisão brasileira
um determinado tipo de repertório que se manifesta até os nossos dias, principalmente nos
seriados e nos teleteatros, suas obras funcionaram como um formador de estilo.
Havia ênfase em determinados aspectos narrativos, em determinados tipos de ações
e informações que chegam a se sobrepor à estrutura propriamente dita da televisão. Os
ganchos não eram usados apenas para suspender a narrativa e fazer com que o público
religiosamente estivesse diante da televisão no dia seguinte, mas também serviam como arma
poderosa de fazer o público passar um dia inteiro comentando sobre determinado ponto
relevante da dramaturgia, quando, por exemplo, em Bandeira 2, o capítulo foi suspenso
quando o bicheiro braço direito de Tucão foi preso com uma maleta de dinheiro para pagar
aos fornecedores do material que seria usado para a confecção da ala das baianas da escola de
samba. Durante todo o dia, Dias conseguiu que o Rio de Janeiro questionasse a participação
do jogo do bicho como patrocinador da escola de samba.
A adaptação de Bandeira 2” deu origem ao “O Rei de Ramos”, uma dramaturgia
composta para o teatro musical, inspirada no Teatro de Revista e nas peças de Brecht. A
história que saiu da telenovela passou por todos os ajustes necessários e permitiu ao
dramaturgo inaugurar uma nova experiência, que o fez construir uma comédia pontuada pela
música, investir no teatro as personagens repaginadas da televisão, e o melhor na opinião do
34
autor, manter o mesmo eixo narrativo, as mesmas características das personagens, a mesma
ironia suburbana e debochada que ele conduziu por intermédio das didascálias. A montagem
teatral foi sucesso de blico e crítica e não permaneceu em cartaz por mais tempo devido
às pressões políticas.
Por outro lado, a adaptação cinematográfica, que foi nomeada como “O Rei do
Rio”, não foi desenvolvida e nem orientada por Dias, nem de longe pode remeter a platéia ao
texto original. A sensação ao assistir a película é como se por uma coincidência do destino
algumas personagens daquele filme possuíssem nomes idênticos aos da peça teatral ou da
telenovela, que sem nenhuma ligação um acontecimento da peça ou da telenovela surge
durante a narrativa do filme. O que explica a fúria que se abateu sobre Dias Gomes ao assistir
o copião final do filme. Na dramaturgia de Dias Gomes as didascálias são elementos
fundamentais para que possa existir a compreensão das obras por ele criadas.
Portanto, conclui-se este trabalho com as palavras do dramaturgo, versão explícita
de sua criação: “Eu optei por viver de escrever, que é a única coisa que eu sei fazer. Minha
preocupação de amarrar meus textos pelas indicações sempre foi não fugir das minhas
ideologias e ter a despensa de casa cheia. Sou um trabalhador de teatro.”
mxcix
E com as
palavras desta pesquisadora, Cristina Rodrigues, através de seu sentimento maior: “Essa
pesquisa tornou-me muito orgulhosa em resgatar para Dias Gomes, aqui, na Escola de Teatro
de Salvador, sua entrada pela porta da frente e conquistar para sua obra, não um lugar
esquecido na estante, mas o posto de objeto de estudo acadêmico na sua terra natal, a Bahia.”
34
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34
1
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 353.
5
______. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civiliação Brasileira, 1979, p. 27-28.
6
______. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p.129.
7
GOMES, Dias. O Estado de Minas. Belo Horizonte: 29 jun. 1989, p. 3.
5
RAMOS, Luiz Fernando. O Parto de Godot . o Paulo: Hucitec, 1999. p. 16.
6
Patrice Pavis é professor na área teatral da Universidade de Paris 8 e autor de obras e estudos sobre o
teatro intercultural, a teoria dramática e a encenação contemporânea.
7
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 113.
8
Ibid., p. 409.
9
FERNANDES, Silvia. Notas sobre Dramaturgia Contemporânea. In: O Percevejo. Rio de Janeiro:
Unirio, 2000. p. 25.
34
10
Como exemplo: na produção do espetáculo Senhorita Júlia, de August Strindbeg Sala 05 da
Escola de Teatro da UFBA, dezembro de 2002 o encenador e diretor Ewald Hackler fez uso das
didascálias como resolução de cenas, colocando-as na boca de uma personagem narradora.
11
RAMOS, Luiz Fernando . O Parto de Godot. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 20.
12
Dias Gomes trouxe para sua dramaturgia uma linguagem irreverente de duplo sentido, maliciosa,
como tamm foi desenvolvida na dramaturgia de Oswald de Andrade. O falar cotidiano do homem
brasileiro é levado à cena pela boca das personagens, num discurso direto do pensamento do escritor
que desejava escancarar a sua visão da realidade.
13
ROSENFELD, Anatol . Do Mito e o Herói no Moderno Teatro Brasileiro. São Paulo:
Perspectiva, 1996. p. 57.
14
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. [S.l.]: Bertrand Brasil, 1998. p. 130.
15
Ibid., p. 356.
16
MAGALDI, Sábato. Moderna Dramaturgia Brasileira. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 145.
17
GOMES, Dias. Correio Brasiliense. Brasília, 31 ago. 1980.
18
Considera-se como segunda fase de produção a dramaturgia criada após os anos de experiência de
Dias Gomes no rádio.
19
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 486.
20
Id., 1989, p. 501.
21
PEREIRA, Antônia. Artes Cênicas e Ciências da Literatura. Conferência proferida na 53
a
Reunião Anual da SBPC. Salvador, 2001, s.p.
22
BRAIT, Beth . As Vozes Bakhtinianas e o Diálogo Inconcluso. In: BARROS, Diana L. Pessoa de
FIORIN, José Luiz (Org.). São Paulo: Edusp, 1999. p. 11–27.
23
SANT`ANNA, Catarina. Texto e Intertextualidade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 1., 1999, São Paulo. Anais… São Paulo,
1999. p. 111. (Memória Abrace 1).
24
Ibid., p. 112.
xxv
GOMES, Dias. Peças da Juventude. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 400.
xxvi
FORT, Alice B.; KATES, Herbert S . Minute History of the Drama. New York: Grosset &
Dunlap, 1935. p. 04.
xxvii
A peça traz como temática a paixão, como se manifestava há mais de 4.000 anos. O foco encontra-
se nas lembranças vividas pelo crente e os sofrimentos e triunfos de um deus. A personagem principal
era o deus Osíris, presente na figura divina do Faraó. Segundo a lenda histórica, Osíris reinou com
grande sabedoria, foi covardemente traído e assassinado por seu invejoso irmão Seth, e seu corpo foi
retalhado em pedaços e espalhado pelo Egito. A deusa Isis, a mais popular do Egito, que representa a
mãe perfeita, esposa de Osíris, e sua irmã, Néftis, uma deusa guardiã, mulher do traidor Seth,
procuraram os pedaços de Osiris espalhados por todo o Egito. Após a árdua tarefa, as duas irmãs, com
a ajuda de Anúbis, deus dos mortos e das necrópoles, suas cidades, conseguem trazer Osíris de volta à
vida. Isis e Osíris geram um filho, Hórus, deus do céu, que representava as forças da ordem sobre a
desordem. Hórus lutou contra seu tio Seth, deus da desordem e, ao derrotá-lo, ganhou o direito de
governar o trono egípcio. Enquanto Hórus reina e comanda o mundo dos vivos, Osíris assumiu o
comando do mundo subterrâneo e julga os mortos. O documento permite saber que a obra “Paixão”
era representada anualmente em Abydos, Busiris, Heliopolis e outros lugares, em memória e glória de
Osíris.
xxviii
“Ditirambo era um canto em uníssono. Tratava-se de uma ode entusiástica e exuberante dirigida
ao deus Dioníso. Era executada por cinqüenta homens, cinco de cada uma das tribos da Ática, vestidos
de sátiro, meio homem, meio bode, com falos postiços. Os tiros tocavam tambores, liras e flautas e
iam cantando à medida que dançavam em volta de uma esfinge de Dioniso. Tratava-se de uma
cerimônia religiosa”. BRANDÃO, Junito. Teatro Grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poética,
1992. p. 34.
xxix
BRANDÃO, Junito. Teatro Grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poética, 1992. p. 09.
xxx
Persona era o nome da máscara que os atores do teatro grego usavam. Sua função era tanto dar ao
ator a aparência que o papel exigia, quanto amplificar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos
espectadores. A palavra é derivada do verbo latino “personare”, ou “soar através de”.
34
xxxi
Versos Greco-latinos formados por cinco dáctilos (uma sílaba longa seguida de duas breves) mais
um troqueu (uma sílaba longa e outra breve) ou espondeu.
xxxii
A Teogonia de Hesíodo:
também conhecida por Genealogia dos Deuses, é um poema mitológico
do Século VII a.C. Trata da Gênese dos deuses, descreve a origem do mundo, os reinados de Cronos,
Zeus e Urano, e a união dos mortais aos deuses, desta forma nascendo os heróis mitológicos. As
personagens representam aspectos básicos da natureza e do homem, expressando assim as idéias que
os gregos tinham sobre a constituição do universo. HESÍODO. Teogonia. São Paulo: Iluminuras,
[S.d]. p. 35.
xxxiii
“A poesia didascálica ou didática possui uma ampla tradição clássica e renascentista. Mas, se
evitamos esse gesto artificial da classificação e do gênero, o é aventurado assinalar que toda a
poesia é um acontecer que proporciona tanto aos poetas como ao leitor uma experiência múltipla e
envolvente onde indiscutivelmente se obtém uma aprendizagem - sem ser esta sua função ou
finalidade. Diante do poema, no seu início e no seu final se é que o tem – poeta e leitor sofrem uma
transformação e isso, precisamente, é o que o ato de ensinar e aprender produz: diante do poema já não
se pode ser o mesmo”. In: FLORES, Maria Antonieta. Juan Liscano: o poema como via para o
ressurgimento. Jornal da Poesia - Revista de Cultura, Fortaleza; o Paulo: Soares Feitosa, n. 12,
2001.
xxxiv
FLICKINGER, Roy Carton. Special Collections. [S.l.]: University of Iowa Libraries. 1996-1999.
xxxv
Lâmina da coleção particular de fotolitos do Prof. Dr. Ewald Hackler, Salvador, Bahia. Cópia em
20 de março de 2005.
xxxvi
MENANDER, Samia. Cologny. Geneva: Fundação Martin Bodmer, [S.d], 96-110.
xxxvii
Desenvolvida pela Profa. Dra. Filomena Yoshie Hirata, doutora em Letras Clássicas pela USP,
com bolsa na Université de Paris 4, Sorbonne, bacharel e licenciada em Português e Grego pela USP.
Sua área de pesquisa é a Tragédia Grega. In: HIRATA, F. Y. A Crise do sentido trágico. SEMANA
DE ESTUDOS CLÁSSICOS DA FACULDADE DE LETRAS DA UFRJ, 19., 1998, Rio de Janeiro.
Anais… Rio de Janeiro, 1998. p. 41.
xxxviii
ARNOTT, W. G.; SOMMERSTEIN, H. Greek Drama and Dramatists. London: Routledge,
2002. p. 179.
xxxix
LESKY, Albin. La Tragedia Griega. Barcelona: Labor, 1966. p. 46.
xl
Material da coleção particular de fotolitos do Prof. Dr. Ewald Hackler, Salvador, Bahia. Cópia em
2005.
xli
Idem.
xlii
Idem.
xliii
PAVIS, Patrice. Diccionario del Teatro: dramaturgia, estética y semiologia. Espana: Paidós,
1980. p. 96.
xliv
ÉSQUILO. Prometeu Acorrentado. São Paulo: Ebooksbrasil.com, 2005. p. 03; 04-07.
xlv
EURÍPEDES. Medéia. [S.l.]: Martin Claret, 2005. p. 23.
xlvi
ARISTOFANES. Lisistrata: a greve do sexo a revolução das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1996. p. 52.
xlvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.07.
xlviii
Ibid., orelha da 2ª contracapa.
xlix
Teatro das Artes, Rio de Janeiro, 2007/2008. Fotos da autora.
l
HELIODORA, Bárbara. Escritos sobre Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2077. p. 567.
li
Anna Spitzbarth é professora e pesquisadora suíça, que, desde a década de 1940, dedica seus estudos
à dramaturgia da Antiguidade.
lii
SPITZBARTH, Anna. Untersuchungen zur spieltechnik der griechischen tragödie. Zürich: Rhein-
verlag, 1946.
liii
SÓFOCLES. Antígona. Rio de Janeiro: Ediouro, 1968. p. 74.
liv
PLAUTO, Titus Marcius. Anfitrião. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986.
lv
TERÊNCIO, Públio. As primeiras quatro comedias de Publio Terencio Aphricano. Lisboa: Off.
de Simão Thaddeo Ferreira, 1788. p. 136.
34
lvi
Professor titular de História da Educação Medieval da FEUSP, Faculdade de Educação da USP,
Universidade de São Paulo. LAUAND, Jean . Filosofia, Linguagem, Arte e Educação. São
Paulo: ESDC/Factash, 2007. p. 67.
lvii
Os clérigos deveriam rezar, mas exerciam grande poder político sobre uma sociedade religiosa,
onde a separação entre religião e Estado era desconhecida. Os nobres guerreavam e exerciam poder
político sobre as demais classes. Os servos, constituídos pela maior parte da população camponesa,
estavam presos à terra e prestavam serviços aos nobres, pagando tributos em troca da permissão de uso
da terra e de proteção militar.
lviii
Acervo do Museu de Arte Antiga de Lisboa. Postal do acervo da autora.
lix
O homem medieval vivia numa situação economicamente precária, sem segurança para o futuro,
mas não vivia em desespero. Nele havia certeza da existência de Deus, vivia na fé, sentia-se criatura
de Deus. O homem aceitava-se num lugar social determinado: forte ou fraco, rico ou pobre, guerreiro
ou trabalhador, religioso ou leigo. Nesta posição, ele via a vontade de Deus. O homem medieval é
obcecado pelo pecado.
lx
Biblioteca Monástica do Mosteiro de São Bento, Salvador, Bahia.
lxi
No trecho da peça musical de Camile Saint-Saens, as indicações do andamento musical, das vozes e
instrumento são chamadas de rubricas. Disponível em:
www.laportaclassica.com/web/terceres.php?id=51. Acesso em: 25 jul. 2005.
lxii
GUGLIELMI, Nilda. El teatro medieval. Buenos Aires: Universitária de Buenos Aires, 1980.
lxiii
Milagres: obra teatral que retrata a vida da Virgem Maria, dos santos e de heróis da cavalaria para
ilustrar princípios cristãos.
lxiv
Mistérios: do latim misterium, ofício, ato. Drama medieval religioso que põe em cena episódios
bíblicos ou da vida dos santos, representado nas festas religiosas.
lxv
Moralidades: obra de inspiração religiosa e intenção didática e moralizante, surgida a partir de
1400. As personagens são alegorias do vício e da virtude.
lxvi
Auto: do latim actus, ato, ação. Obras religiosas que tratam de problemas morais e teológicos.
lxvii
PAUPHILLET, Albert. Jeux et Sapience du Moyen Âge. Texte établi et annoté par Albert
Pauphillet. Paris: Gallimard, 1951. p. 28.
lxviii
Misto de Gn 1,1 e 1, 26-27: “No princípio Deus criou o Céu e a terra e fez o homem, à sua
imagem e semelhança”.
lxix
O canto é tomado do livro do Gênesis, Capítulo 2, Versículo 7: “Então Deus formou o homem com
o barro da terra e insuflou alento de vida em seu rosto e o homem se tornou um ser vivente”.
lxx
GUGLIELMI, Nilda. El teatro medieval. Buenos Aires: Universitária de Buenos Aires, 1980. p.
12-13.
lxxi
REBELLO, Luiz Francisco. História do Teatro Português. Lisboa: Publicações Europa-América,
1968. p. 67.
lxxii
VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Ateliê Editorial, 1997. p. 05; 15-16; 19;
27.
lxxiii
______. Obras Completas: volume V. Lisboa: Sá da Costa, 1944. p. 58.
lxxiv
MIRANDA, Iraildes Dantas de. Gil Vicente e o Teatro Medieval: a carnavalização em O Auto
da Barca do Inferno. Maringá: Departamento de Comunicação Social–União das Faculdades
Metropolitanas de Maringá, 2002. p. 59.
lxxv
VICENTE, Gil. Obras Completas: volume II. Lisboa: Sá da Costa, 1942. p. 85.
lxxvi
SANTOS, Marlene S. dos. O teatro elisabetano. In: NUNEZ, Carlinda F. P. O teatro através da
história. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994. p.
83. 2 volumes.
lxxvii
SHAKESPEARE, William. Sonhos de uma Noite de Verão . São Paulo: Tecnoprint, 1995. p. 27.
lxxviii
Ibid., p. 27.
lxxix
Ibid., p. 39- 41.
lxxx
Ibid., p. 95-97.
lxxxi
SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. São Paulo: Tecnoprint, 1995. p. 112-113.
lxxxii
RAUEN, Margarida Gandara . Ricardo II entre os textos, os manuais de palco e a história: de
1597 a 1857. São Paulo: Book RJ Gráfica, 1999. p. 137. (Edições Ciência do Acidente).
34
lxxxiii
Edward A. Langhans é professor e pesquisador de Teatro. Professor Emérito na Universidade do
Havaí, contribuiu para uma série de pesquisas e restaurações de manuais e originais de textos
dramáticos.
lxxxiv
Prompt de W. C. Macready, de 1841. Arquivo do Theatre Royal. Disponível em:
<http://www.library.uiuc.edu/.../catalog/catalog.html>. Acesso em: 23 julho 2008.
lxxxv
RAUEN, Margarida Gandara . Ricardo II entre os textos, os manuais de palco e a história: de
1597 a 1857. São Paulo: Book RJ Gráfica, 1999, p. 132. (Edições Ciência do Acidente).
lxxxvi
SHAKESPEARE, William. Teatro Completo: comédias. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 311-
312; 316-317; 333; 357.
lxxxvii
Canevas: tipo de plano, esboço ou roteiro, no qual se destacavam somente os fatos principais,
numa sequência que dava oportunidade às livres improvisações dos atores.
lxxxviii
RUIZ, Roberto. As cem mais famosas peças teatrais. São Paulo: Tecnoprint, 1987. p. 363.
lxxxix
DUCHARTRE, Pierre Louis. La Commedia Dell’Arte. Paris: D`Art et Industrie, 1955. p. 17.
xc
O melodrama apresenta significados por vezes contraditórios e é aplicado diferentemente de acordo
com as formas artísticas diversas e as ocorrências variadas nos meios de comunicação. Originário do
grego µέλος = canto ou música + δράµα = ação dramática, refere-se, algumas vezes, a um efeito
utilizado na obra, outras como estilo dentro da obra e outras como gênero.
xci
GOLDONI, Carlo. Arlequim, servidor de dois amos. São Paulo: Victor Civita, 1987. p. 116-127.
xcii
VEGA, Lope de. Teatro Obras Escogidas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. p.15.
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REVERBEL, Olga. Teatro: uma síntese em atos e cenas . Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 38.
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xcv
WARDROPPER, W. Bruce. Teatro Español del Siglo de Oro. New York: Scribner, 1970.
xcvi
MOLIÈRE. Le Tartuffe. Paris: Librarie Marcel Didier, 1967. p. 75-77.
xcvii
SCHILLER, Friedrich. A Educação Ética do Homem São Paulo: Iluminuras, 1995. p. 36.
xcviii
Em português: “Tempestade e Ímpeto” ou “Tempestade e Paixão”, movimento literário alemão
que atingiu o seu auge entre a década de 60 e a década de 90 do Século XVIII e que abominava o
“desencanto” que o iluminismo do Século XVIII trouxera ao mundo cultural europeu.
xcix
SCHILLER, Friedrich Von . Sturm und Drang . Disponível em:
<http://www.librosgratisweb.com/pdf/schiller-federico/intriga-y-amor.pdf./>. Acesso em: 24 mar.
2005.
c
ZORRILLA, José. Don Juan Tenorio: drama fantástico-religioso. Madrid: Imprenta de Antonio
Yenes, 1846.
ci
DUMAS FILHO, Alexandre. A Dama das Camélias. São Paulo: Brasiliense, 1965. p. 5-88.
cii
REVERBEL, Olga. Teatro: uma síntese em atos e cenas. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 76.
ciii
SARDOV, Victorien. Fernanda. Lisboa: Imprensa Nacional, 1871. p. 07-203.
civ
PRACMA, Equipo. Para Empezar H. Madrid: Hatier, 1989. p. 121; ______. Para Empezar A.
Madrid: Hatier . 1989 . p. 49.
cv
Ibid., p. 49
cvi
Considerada pelos críticos dos anos 20 como renovadora da cena. Fotos da atriz no período da
montagem de “Mariana Pinela”. Fotos de cartões adquiridos em 2007, no Teatro Del Liceu, em
Barcelona.
cvii
CALVO, Juan Antonio Veta. Mariana Pineda en capilla. 1862. Madrid: Museu do Congresso dos
Deputados. Pintura histórica que decora a Sala de Reuniões da Junta dos Porta-Vozes. A figura
central do quadro é Mariana Pineda, que se tornou heroína da causa liberal ao ser acusada e executada
por ter bordado uma bandeira roxa com as palavras: “Lei, Liberdade, Igualdade”.
cviii
LORCA, Federico Garcia. Mariana Pindela, Perspectiva Urbana com Auto-retrato e Merienda. In:
A Selection of Pictures dnd Drawings by Federico Garcia Lorca. Encarte do Jornal inglês “The
Times”, publicado em 05 de junho de 1998.
cix
______. Mariana Pineda. Rio de Janeiro: Cátedra. 1996, p. 09.
cx
Ibid., 1996, p. 11
cxi
GWYNNE, Edwards. El Teatro de Federico García. Madri: Gredos; Biblioteca Românica
Hispânica. 1983.
34
cxii
LORCA, Federico Garcia. Bodas de Sangue. São Paulo: Peixoto Neto. 2004, p. 87.
cxiii
O jornalista Adelto Gonçalves analisa a obra do galego Ramón Maria del Valle-Inclán da seguinte
forma: “Embora se tenha convertido num dos grandes autores do culo XX, sua obra continua
praticamente desconhecida nos meios culturais não do Brasil como de Portugal (...). Foi a partir de
1920 que decidiu inverter o jogo, passando a utilizar a forma teatral para expressar (...). Foi quando
inventou uma nova forma de expressão a que deu o nome de esperpento. O esperpento, na visão de
Valle-Inclán, supõe o distanciamento artístico, a impassibilidade sentimental e a deformação grotesca
da realidade, que são gerados pela posição elevada que o autor assume, como se fosse um demiurgo.
Esperpento (...) quer dizer espantalho, pessoa ou coisa notável por sua feiúra, aspecto ridículo, risível,
grotesco. Pode também significar absurdo, portanto antecipou-se a outros mestres do teatro do
absurdo. Esperpento seria uma definição corrente na Espanha do começo do Século XX, que Valle-
Inclán utilizou para definir a imagem que queria passar de sua época. VALLE, Ramón Del. LUZES
DA BOÊMIA Esperpento. Brasília: Consejería de Educación y Ciencia da Embaixada da Espanha
no Brasil, 1988. Disponível em:
<http://blog.comunidades.net/adelto/index.php?op=arquivo&pagina=56&mmes=07&anon=2005.
Acesso em: 25 mar. 2006.
cxiv
VALLE, Ramón del Inclán. Divinas Palavras, en Teatro Selecto. Madri: Escaliecer, 1969, p.
526.
cxv
______. La Marquesa Rosalina, Farsa Sentimental y Grotesca. Madrid: Imprensa Cervantina.
1924, p. 09.
cxvi
HANSSEN, Jens-Morten. Disponível em: <http://www.ibsen.net/asset/44033/1/44033_1.pdf>.
Acesso em: 25 maio 2005.
cxvii
IBSEN, Henrik. Seis Dramas. São Paulo: Globo, 1960. p. 47.
cxviii
______. Casa de Bonecas. São Paulo: Nova Cultural, 2003. p. 08-09; 170.
cxix
Doutor em Ciência Política (USP) e Professor Titular de Sociologia. Gisálio é docente e
pesquisador senior na Universidade Federal Fluminense (UFF).
cxx
STRIDBERG, August. Seis Jogos de Strindberg. Porto Alegre: Globo, 1955. p. 04.
cxxi
Soren Aabye Kierkegaard foi um teólogo e um filósofo dinamarquês do Século XIX, conhecido
por ser o “pai do existencialismo”. Filosoficamente, ele fez a ponte entre a filosofia hegeliana e aquilo
que se tornaria o existencialismo. Kierkegaard rejeitou a filosofia hegeliana do seu tempo e aquilo que
ele viu como o formalismo vácuo da igreja luterana dinamarquesa. Muitas das suas obras lidam com
problemas religiosos tais como a natureza da fé, a instituição da fé cristã, e ética cristã e teologia. Por
causa disto, a obra de Kierkegaard é, algumas vezes, caracterizada como existencialismo cristão, em
oposição ao existencialismo de Sartre ou ao proto-existencialismo de Nietzsche, ambos derivados de
uma forte base ateística.
cxxii
“Carlos XIIé um texto dramático de August Stindberg, que traz à cena a História deste Rei da
Suécia e que discute o crime, a punição e a reconciliação. Carlos XII foi um rei reverenciado e
tradicional, que defendeu a Suécia do barbarismo russo. Acima de tudo é um homem ambicioso,
jamais se satisfaz com aquilo que obtém; sempre em campanha, ele não pára de acumular as
conquistas. Sua sede de poder é idêntica ao fracasso, e que o faz apodrecer. O texto apresenta uma
dramaturgia lírica, contém em seu enredo esta saga absurda, embora gloriosa, do famoso rei Carlos
XII, essa corrida absurda e sem fim, que é também a dos homens de todos os tempos, particularmente
do tempo atual.
cxxiii
STINDBERG, August. Queen Christina, Charles XI, Gustav III. Washington: University of
Washington Press, 1968. p. 107.
cxxiv
______. Gustav III. Washington: University of Washington Press, 1968. p. 112.
cxxv
Ibid., p. 112-113.
cxxvi
______. Queen Christina, Charles XI, Gustav III. Washington: University of Washington,
1968. p. 113.
cxxvii
Id., 2003, p. 07.
cxxviii
______. Queen Christina, Charles XI, Gustav III. Washington: University of Washington,
1968. p. 113.
34
cxxix
STRINDBERG, August. Queen Christina, Charles XII, Gustav III. Washington: University of
Washington, 1968. p. 117.
cxxx
Ibid., p. 118.
cxxxi
______. A Flor do Mouro. 1901. Óleo sobre Papel. Foto da Ata do Colóquio Internacional:
Tradução e Linguagem. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2005. p. 107.
cxxxii
Ibid., p.112.
cxxxiii
Id., 1968, p. 119.
cxxxiv
“A Sonata Fantasma”, publicada em 1907, foi montada pela primeira vez em 1908. Trata-se do
relacionamento entre a ilusão e a realidade. Esta relação está ajustada num mundo que parece metade
adormecido, um lugar onde a realidade e a fantasia coexistem. Strindberg, August, 1849-1912: La
danse de mort/August Strindberg; adaptation de Michel Vittoz. Paris: Papiers; Arles: Actes sud, 1989.
p. 68.
cxxxv
WOOLCOTT, Alexander . Disponível em:
<http://www.essaytown.com/authors/alexander_woolcott_essays_papers.html>. Acesso em: 23 mar.
2005.
cxxxvi
BERGMAN, Igmar. 2005. Disponível em: <http://www.kirjasto.sic.fi/bergman.htm>. Acesso em:
15 out. 2006.
cxxxvii
Foto de Laura Castro Caldas. Montagem pelo Teatro da Cornocópia, com encenação de Luiz
Miguel Cintra, estréia em 1986, no Teatro do Bairro Alto, Lisboa.
cxxxviii
STRINDBERG, August. A Dream Play and The Ghost Sonata. San Francisco: Chandler
Publishing Company, 1966. p. 67.
cxxxix
Ibid., p. 68.
cxl
Ibid., p. 99.
cxli
Pintor suíço que leva o público em viagens ao fantástico. Muitas de suas obras são baseadas em
criaturas mitológicas e antecipam o surrealismo. Na década de 1870, passou a dedicar-se a cenas
fantásticas com base em velhas lendas germânicas e seus últimos quadros foram adquirindo um caráter
de sonho. Suas paisagens, quer as reais quer as de sonho, estão envoltas em mistério. A sua obra mais
conhecida “A Ilha da Morte” tem cinco versões.
cxlii
Imagem a ser utilizada na projeção no fundo do palco, por indicação do autor Strindberg.
BÖCKLIN, Arnold. “Ilha da Morte”, “Island of the Dead”, 1880. Disponível em:
upload.wikimedia.org. Acesso em: 21 jul. 2008.
cxliii
FERREIRA, Heloísa Guimarães. Imagem de Tchekov. Rio de Janeiro: Publicações do Tablado,
1978 p. 15. (Cadernos de Teatro, 78).
cxliv
HELIODORA, Bárbara. Escritos sobre teatro. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 489.
cxlv
TCHEKHOV, Anton Pavlovitch. A Gaivota. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000. p. 19-
31.
cxlvi
Pode-se tratar a teoria de Brecht através da seguinte metáfora: a peça teatral é um processo que se
instaura contra a sociedade, no qual tudo deve servir de depoimento e documentação, deixando ao
espectador o papel de juiz, isento de qualquer empatia. Os atores não se relacionam com as
personagens. O juiz usa seu discernimento para gerar uma ação favorável à transformação da
realidade. Para isso, a realidade tem que ser vista como na realidade. Os atores irão reconstituir a cena
do crime, demonstrando claramente que desempenham um papel, pelo efeito do distanciamento.
Portanto, o que impera no Teatro de Brecht é a narrativa, plena de indicações que transformam o
espectador em elemento ativo.
cxlvii
BRECHT, Bertold. O Casamento do Pequeno Burguês. Biblioteca virtual do Instituto Goethe.
Disponível em: <http://www.goethe.de/ins/br/sap/ptindex.htm>. Acesso em: 27 mar. 2008.
cxlviii
Id., 1975, p. 11-32.
cxlix
RAMOS, Luiz Fernando. O Parto de Godot e outras encenações imaginárias: a rubrica como
poética da cena. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 53-54; 61.
cl
Ibid., p. 61.
cli
BECKETT, Samuel. A Última Gravação de Krapp. Rio de Janeiro: FUNART, 1984. p. 06.
clii
Hans I. Velásquez B. é professor de “Dramateatro” da Universidade da República da Venezuela
34
cliii
Arturo nasceu em Caracas em 1906. Em 1928 fundou a revista “Válvula”, com um grupo de jovens
estudantes, entre eles estavam Miguel Otero Silva, Nelson Himiob, Fernando Paz Castillo, Gonzalo
Carnevalli e Pedro Sotillo, marcando o início do movimento vanguardista venezuelano. No plano
cultural, Arturo Uslar Pietri é reconhecido como novelista, contista, ensaísta, poeta, dramaturgo e
articulista de opinião. Sua obra dramática foi pouco difundida. Morreu em Caracas, em 2001.
cliv
PAVIS, Patrice. Gestos. São Paulo: Pensamento, ano 17, n. 33, 2002.
clv
USLAR, Pietri A. El Ultreja y La llave, Revista Nacional de Cultura, Caracas: Conac, año LVI, n.
296, 1995. p. 138-156.
clvi
Ibid., p. 138-156.
clvii
Idem.
clviii
Richard Foreman defende a idéia de encenar o inatingível. O teatro tem assim que dar visibilidade
aos movimentos e às tendências sociais que impedem que o homem se afirme em toda a sua plenitude,
funcionando neste caso como um espaço de denúncia e alerta para a sociedade, e, ao mesmo tempo,
como antídoto para essa tendência de oprimir e manipular as pessoas ao abrir espaços aos projetos
onde cada pessoa tenha as condições essenciais para ser ator da sua própria história, para se afirmar
integralmente.
clix
FOREMAN, Richard. Richard Foreman`s diary theatre as personal phenomenology of mind.
Nova York: Methuen, 1982. p. 83.
clx
PRADO, Gilberto. Experimentações Artísticas em redes telemáticas e WEB. São Paulo:
Iluminuras, 2002. p. 68.
clxi
COHEN, Renato. Disponível em: <http:www.agenciamento.art.br>. Acesso em: 27 dez. 2006.
clxii
TOUCHARD, Pierre Aîme. El Teatro y el Espectador. Buenos Aires: Troquel S.R.L., 1954. p.
94.
clxiii
ARISTÓTELES. Poética. Lisboa: Guimarães & Companhia, 1951. p. 68-70.
clxiv
PALLOTTINI, Renata. O que é Dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2005. p. 24-35.
clxv
Segundo Carlos Augusto Nazareth, professor de literatura da UERJ, escritor, dramaturgo, diretor
de teatro e crítico teatral do Jornal do Brasil, as unidade de tempo e lugar, com o passar do tempo,
foram postas de lado, restando apenas a Unidade da Ação Dramática e desdobra da seguinte forma:
Unidade o todo do texto dramático deve formar um corpo orgânico, com princípio, meio e fim,
onde o final esteja atrelado ao meio e o meio ao início, a partir de uma ação dramática. Ação
Dramática – é que provém da execução de uma vontade, com a determinação de cumprir essa
intenção. Disponível em: <http://www.vertenteculturalteatroinfantil.blogspot.com/2006/05/estrutura-
dramatica.html>. Acesso em: 25 maio 2008.
clxvi
CLARK, Barret H. European Theories of the Drama. Nova Iorque: Crown Publishers, 1959. p.
56; 65; 178.
clxvii
INGARDEN, Roman. A Obra de Arte Literária. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979.
p. 306.
clxviii
CRAIG, Edward Gordon. Da arte do teatro. Lisboa: Arcádia, [S.d.].
clxix
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 48.
clxx
Maria Helena Serôdio é Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
especialista em Estudos de Teatro e Literatura Ingleses, é Diretora de Estágios para Jovens Críticos, da
Associação Internacional de Críticos de Teatro.
clxxi
SERÔDIO, Maria Helena. O Teatro e a Interpretação do Real. Lisboa: Colibri, 1992. p. 194.
clxxii
BRILHANTE, Maria João. Teatro e Drama: intensidades, Comunicação e Linguagem, Lisboa:
Labcom, n. 24, 1997, p. 11.
clxxiii
MATEUS, Osório. Teatro e Literatura. II série. Lisboa: Vértice 21, 1989. p. 91.
clxxiv
O conceito de escrita nica surge como reacção a uma visão logocentrada do teatro e dele
decorrerá o privilegiar da teatralidade, sem que esta noção tenha até hoje sido devidamente teorizada,
ainda que se tenha tornado produtiva na análise das práticas sociais do indivíduo nos estudos de Erwin
Goffman, por exemplo. A verdade é que o alargamento do conceito de escrita (“écriture” de Barthes) à
prática teatral não é mais do que a manifestação do domínio do modelo linguístico sobre as outras
artes. BRILHANTE, Maria João. Teatro e Drama: intensidades, Comunicação e Linguagem, Lisboa:
Labcom, n. 24, 1997, p. 11.
34
clxxv
BRILHANTE, Maria João. Teatro e escrita teatral. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2002. p.21.
clxxvi
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 05; 09; 12-13;
15; 19.
clxxvii
Ibid., p. 03.
clxxviii
DE TORO, Fernando. Semiótica del teatro, del texto dramático a la puesta en escena.
Buenos Aires: Galerna, 1989. p. 137.
clxxix
GOMES, Dias . Os Heróis Vencidos: o pagador de promessas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989. p.129.
clxxx
______. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.133.
clxxxi
Id., 1989, p. 259-260.
clxxxii
Id., 1989, p. 293.
clxxxiii
Id., 1989, p. 303.
clxxxiv
Id., 1989, p. 217.
clxxxv
ROBARDEY-EPPSTEIN, Sylviane. Disponível em: <http://www.ditl.info/index-polski.php>.
Acesso em: 27 mar. 2006.
clxxxvi
Ana Pais é pesquisadora, crítica de teatro nos jornais Público e Expresso.
clxxxvii
PAIS, Ana. O Discurso da Cumplicidade. Colibri: Lisboa, 2004. p. 108.
clxxxviii
Aparte é aquilo que o ator diz como se fosse unicamente a ele mesmo ou ao público.
clxxxix
Jorge Luis Borges homem da ficção literária, paradoxalmente favorito de semióticos,
mateticos, filólogos, filósofos e mitólogos , oferece, pela sua linguagem aprimorada, os
seus conhecimentos eruditos, suas idéias universais, suas ficções e sua poesia. Disponível em:
<http://www.uiowa.edu/borges/>. Acesso em:17 abr. 2006.
cxc
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. Volume IV . Barcelona: Emecé, 1996.
cxci
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 96.
cxcii
Ibid., p. 406.
cxciii
Ibid., p. 122.
cxciv
BRILHANTE, Maria João. Revista Semear, n
.
7, Cátedra Padre Antônio Vieira de Estudos
Portugueses, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.letras.puc-rio.br>. Acesso em: 27 mar. 2008.
cxcv
BORNHEIM, Gerd. Brecht: a estética do teatro. São Paulo: Graal, 1992. p. 134.
cxcvi
LACOSTE, Joris. L’événement de la parole, Mouvement, Paris, n. 14, 2001.
cxcvii
GASSNER, John. Mestres do teatro III. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 84.
cxcviii
PORTAL Pró-TV – Museu da Televisão Brasileira. Disponível em:
<http://www.museudatv.com.br/biografias/diasgomes.htm>. Acesso em: 14 mar. 2004.
cxcix
LEMOS, Gláucia. Dias Gomes: o brasileiro do século. Jornal A Tarde. Caderno Cultural .
Salvador, 23 fev. 2002, p. 1.
cc
Casa onde Dias Gomes nasceu. GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1998. p. 92-93.
cci
Ibid., 1998, p. 92-93.
ccii
Ibid., 1998, p. 92-93.
cciii
Foto da autora, em 03 de abril de 2008.
cciv
Idem.
ccv
Correio Paulistano. São Paulo, 29 jan. 1922.
ccvi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 16.
ccvii
CATELA, Carlos. Jornal Tribuna da Bahia. Caderno Cidade. Salvador, 13 nov. 1988, p. 02.
ccviii
Primário nomenclatura usada para o que atualmente chama-se Ensino Fundamental,
correspondendo da 1ª a 5ª séries.
ccix
Atualmente, Colégio Marista de Salvador, situado à Av. Araújo Pinho, 39, no bairro do Canela.
Foto do prédio na época: Arquivo do Colégio Marista de Salvador.
ccx
Dar uma banana – expressão acompanhada por um gesto. Provavelmente o gesto inspirou a
expressão, já que ele existe em vários países como Portugal, Espanha, Itália e Brasil, possuindo o
mesmo significado, um desabafo ou uma ofensa.
34
ccxi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 17.
ccxii
Dias Gomes, segunda fila, da esquerda para a direita, no Ginásio Nossa Senhora das Vitórias,
dos Irmãos Maristas - 1930 - Arquivo do Colégio Marista de Salvador.
ccxiii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p.26.
ccxiv
Foto da autora, em 10 de agosto de 2008.
ccxv
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 93-95.
ccxvi
A “política do café-com-leite” consistia num revezamento do poder nacional, executada durante a
República Velha pelos estados de São Paulo, mais poderoso economicamente, devido à produção de
café, e Minas Gerais – maior pólo eleitoral do país na época e produtor de leite.
ccxvii
(...) O governo mostra, a partir da década de 30, preocupar-se seriamente com o novo meio, que
definia como “serviço de interesse nacional e de finalidade educativa”, regulamentando o seu
funcionamento e passando a imaginar maneiras de proporcionar-lhe bases econômicas mais sólidas
(...). O decreto autorizava a veiculação de propaganda pelo rádio, tendo limitado sua manifestação,
inicialmente, a 10% da programação, posteriormente elevada para 20% e, em 1985, fixada em 25%.
ORTRIWANO, Gisela Swetlano. A Informação no rádio. São Paulo: Summus, 1985. p. 21.
ccxviii
ORTRIWANO, Gisela Swetlano. A informação no rádio. São Paulo: Summus, 1985. p. 23.
ccxix
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 26.
ccxx
DIÁRIO Carioca, 28 de novembro de 1935.
ccxxi
Os libretos eram vendidos e muito caros. Publicações encadernadas, de capa dura, com fotografias
dos artistas, históricos e comentários. A platéia que adquiria os libretos freqüentava frisas, camarotes,
platéia e balcão nobre. Os espectadores do balcão simples e principalmente da galeria, onde os preços
eram acessíveis, não podiam desfrutar desse prazer.
ccxxii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 39.
ccxxiii
Disponível em: <http//www.2.uol.com.br/spimagem/opera/iara_06/libreto.jpg>. Acesso em: 04
abr. 2008.
ccxxiv
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 50.
ccxxv
RELATO do III Encontro Nacional de Professores de Literatura, PUC, Rio de Janeiro, 1976.
ccxxvi
DIÁRIO da Noite, 11 de maio de 1938.
ccxxvii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 85.
ccxxviii
Em 1942, a pressão norte-americana e as decisões da II Reunião de Consulta dos Chanceleres
Americanos levaram o Brasil a romper relações diplomáticas com Alemanha, Itália e Japão. O
afundamento de navios brasileiros, supostamente por submarinos alemães, determinou a declaração de
guerra às potências do Eixo. Além da cessão de bases de operações no Nordeste, fornecimento de
gêneros e matérias-primas para os Aliados, o Brasil integrou as forças armadas aliadas, enviando
soldados para a Itália. Essa contradição animou o surgimento das primeiras críticas ao Estado Novo,
com o lançamento do Manifesto dos Mineiros de 1943.
ccxxix
Aqui, Dias Gomes refere-se ao ator Procópio Ferreira.
ccxxx
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998, p. 63.
ccxxxi
O DIP foi criado por decreto presidencial em dezembro de 1939, com o objetivo de difundir a
ideologia do Estado Novo junto às camadas populares. Mas sua origem remonta a um período anterior.
Em 1931 foi criado o Departamento Oficial de Publicidade, e em 1934 o Departamento de Propaganda
e Difusão Cultural (DPDC). Já no Estado Novo, no início de 1938, o DPDC transformou-se no
Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que finalmente deu lugar ao DIP. O DIP possuía os
setores de divulgação, radiodifusão, teatro, cinema, turismo e imprensa. Cabia-lhe coordenar, orientar
e centralizar a propaganda interna e externa, fazer censura ao teatro, cinema e funções esportivas e
recreativas, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos, conferências, e
dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo.
ccxxxii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 67.
ccxxxiii
Ibid., p. 67.
ccxxxiv
MICHALSKI, Yan. Pequena Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material
elaborado em projeto para o CNPq, Rio de Janeiro, 1989.
ccxxxv
ROSENFELD, Anatol. Mito e o Herói no Moderno teatro Brasileiro. São Paulo: Perspectiva,
2004. p. 89.
34
ccxxxvi
Teatro de Revista. Como o próprio nome diz, o Teatro de Revista passa em revista os
acontecimentos do ano, e os comenta humoristicamente. Os fatos são levemente alinhavados por um
enredo de comédia. A música, elemento fundamental e grande ponto de sustentação desse tipo de
espetáculo, é sempre alegre, graciosa e espirituosa, utiliza estribilhos jocosos e árias risonhas e
brejeiras. In: VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. São
Paulo: Unicamp, 1991, p. 194.
ccxxxvii
REVISTA IstoÉ, n. 1578, 29 dez. 1999.
ccxxxviii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de janeiro: BCD, 1998. p. 88.
ccxxxix
Ibid., p. 90.
ccxl
Ibid., p. 90.
ccxli
(...) Por ter sido contra toda e qualquer vilania, por ter enxergado o lado claro do Homem, Mário
Lago será sempre um nome para lembrar. A integridade, a firmeza e a transparência com que levou a
vida de artista e cidadão o tornam um símbolo e um exemplo a ser seguido. Viveu até os 90 anos e
deixou um lastro. (...) Esteve presente na coerência de suas posições políticas, ativista permanente,
participante, lutador. Se para muitos o Comunismo era, para ele seus ideais continuavam, embora
respeitando a opção e a liberdade de cada um e se dizendo um marxista autônomo. Sua militância
custou-lhe várias prisões, mas pôde mostrar que “dignidade tem cor, alma e endereço”. ALEGRE,
Sérgio Porto. Revista de Teatro, Rio de Janeiro: SBAT, n
.
514, maio-jun. 2002, p. 20.
ccxlii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 53.
ccxliii
Ibid., p. 89.
ccxliv
Queremistas eram aqueles que desejavam que Getúlio continuasse como presidente ou se
declarasse candidato nas próximas eleições.
ccxlv
JORNAL Resistência, 30 out. 1945.
ccxlvi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 101.
ccxlvii
XEXÉO, Artur. Janet Clair. Rio de Janeiro: Relume, 2005. p. 35.
ccxlviii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998, p. 115 e 116
ccxlix
Janete Clair era o nome artístico de Janete Emmer Dias Gomes. Desde 1943 trabalhava como
radioatriz e locutora na Rádio Tupi, em São Paulo. Adotou o sobrenome artístico Clair em
homenagem ao compositor francês Debussy e sua obra Clair de Lune, uma de suas músicas favoritas.
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 12 mar. 2006.
ccl
Jornal de Brasília. Brasília, Caderno Especial. 24 abr. 1983.
ccli
Ibid.
cclii
BAKHTIN, Mikail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 364 -366.
ccliii
Carlos Frederico Werneck de Lacerda iniciou a carreira de jornalista, em 1929, no Diário de
Notícias. Estudante da Faculdade de Direito, aproximou-se dos ideais comunistas e da Aliança
Nacional Libertadora, rompendo em 1939 com essa ideologia e passando a escrever artigos
anticomunistas. Filiou-se à UDN e em 1947, tornou-se vereador no Distrito Federal. Fundou em 1949
A Tribuna da Imprensa, principal porta-voz da oposição no segundo governo de Getúlio Vargas.
Vítima de um atentado em agosto de 1954, denunciou que o crime havia sido encomendado pelo
Palácio do Catete, agravando a crise político-militar que teria como desfecho o suicídio do presidente
Getúlio Vargas.
ccliv
“Macartismo” é atitude política radicalmente infensa ao comunismo, que se desenvolveu nos
Estados Unidos, com a campanha desencadeada pelo Senador Joseph Raymond McCarthy, quando
presidente do Senate’s Government Operations Committee, e a qualquer atitude anticomunista radical.
cclv
Museu da Televisão Brasileira. Disponível em:
<http://www.museudatv.com.br/biografias/diasgomes.htm>. Acesso em: 19 abr. 2004.
cclvi
JORNAL de Brasília. Brasília, Caderno Especial, 24 abr. 1983.
cclvii
LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
cclviii
JORNAL do Brasil, Rio de Janeiro, 25 ago. 1964.
cclix
Teatrinho Kibon – Em 1956, na TV Tupi, passou a ser exibido o Teatrinho Trol, que depois, com a
mudança de patrocinador, passou a chamar-se Teatrinho Kibon, onde eram encenadas peças de teatro
adaptadas para a televisão. O programa, dirigido ao público infantil, transportava as crianças para o
34
mundo da fantasia. Um programa criado e dirigido por Fábio Sabag. Tratava-se de uma produção de
qualidade indiscutível. Textos muito bem escritos, elenco de primeira qualidade, mesmo quando ao
vivo, fazia uso de efeitos especiais, cenografia primorosa, figurinos de época muito bem cuidados e
pesquisados. Além dos textos teatrais, também eram apresentadas adaptações de operetas e clássicos
da literatura infantil.
cclx
Na adaptação de A Moura Torta, feita por Dias Gomes. Foto: Arquivo Pessoal de Fábio Sabag.
cclxi
Junto com elenco infantil, na adaptação de Branca de Neve e os sete anões, feita por Dias Gomes.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/.../Televisao.asp>. Acesso: 09 nov. 2004.
cclxii
GOMES, Dias. O Bem Amado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1991. p. 27.
cclxiii
JORNAL de Brasília. Brasília, 24 abr. 1983.
cclxiv
DO CINEMATÓGRAFO à Embrafilme. In: Retratos do Brasil. Política, São Paulo, vol. 1, 1978,
p. 181-186.
cclxv
Stalin defendia a instalação do comunismo apenas na União Soviética. Fez um governo
autoritário, com gido controle sobre a população, não poupando seus inimigos políticos. Criou os
planos qüinqüenais, mantendo um Estado forte e repressivo, longe da prática democrática. Tornou-se
um ditador, conduzindo um Estado totalitário.
cclxvi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 163.
cclxvii
Ibid., p.165.
cclxviii
PRADO, Décio de Almeida. Teatro em Progresso. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 171.
cclxix
Jânio foi eleito com apoio da mídia e da elite, tinha como lema “Vou varrer deste pais a
corrupção”, usando como símbolo uma vassoura. Seu governo foi de muita propaganda e pouca ação.
cclxx
O GLOBO. Trecho do diário de Dias Gomes. 03 jun. 2001.
cclxxi
Ibid.
cclxxii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p.183.
cclxxiii
Ibid., p.184.
cclxxiv
Peixoto, Fernando. Dionysos. Rio de Janeiro: MEC;SEC;Serviço Nacional de Teatro, 1982. p.
38.
cclxxv
JORNAL do Brasil, 31 mar. 1964.
cclxxvi
Após a renúncia de Jânio, a crise política levou à formação da “Rede da Legalidade”, após a
ordem do ministro da Guerra de lacrar a Rádio Gaúcha e a Rádio Farroupilha, emissoras que apoiavam
a posse de Goulart. O governador Leonel Brizola requisitou a Rádio Guaíba, tornou-a emissora oficial
do estado, sob a jurisdição da Secretaria de Segurança Pública. A Rede da Legalidade contou com
mais de 100 emissoras de rádio em todo o país e transmitia diretamente do Palácio do Piratini, sede do
governo gaúcho, marchas militares, conclamações, apelos e informações sobre as negociações que se
desenvolviam entre o Congresso e os militares. A Rede da Legalidade teve influência decisiva na
tomada de posição da população em favor da continuidade democrática. Após a derrubada de Goulart,
teve início a perseguição às lideranças políticas. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1º abr. 1964.
cclxxvii
MOURA, Rodrigo. Entrevista de Mário Lago. In: Folha de São Paulo, 30 jun. 2001.
cclxxviii
JORNAL de Brasília. Brasília, Caderno Especial, 24 abr. 1983.
cclxxix
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 211.
cclxxx
CORREIO da Bahia. Salvador, 15 mar. 2006.
cclxxxi
Na construção de um manifesto no MAM – Museu de Arte Moderna, no porão do Teatro Opinião
em Copacabana. Arquivo pessoal do Sr. João Lima, Rio de Janeiro.
cclxxxii
GOMES, Dias. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, ano I, n.
4, 1965, p. 76.
cclxxxiii
AGUIAR, Flávio. Retrato Do Brasil. Volume II . São Paulo: Política, 1984. p. 54.
cclxxxiv
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, 27 jun. 1968.
cclxxxv
Ibid., 1968.
cclxxxvi
Foto de Ziraldo. Disponível em: <http://ziraldo.com/historia/passeata.htm>. Acesso em: 28 jun.
2004.
cclxxxvii
AI-5 O Ato Institucional Número Cinco foi decretado pelo Presidente Artur da Costa e Silva
em 13 de dezembro de 1968. Foi o ápice da radicalização da Ditadura Militar e inaugurou o período
do regime, onde as liberdades individuais foram mais restringidas e desrespeitadas no Brasil. É o
34
movimento final de “legalizão” da arbitrariedade que abriu uma escalada de torturas e assassinatos
contra opositores ao regime. Fechou-se o Congresso, as assembléias legislativas, e as câmaras de
vereadores; foi decretada a intervenção nos territórios, estados e municípios; foram cassados os
mandatos eletivos e suspensos os direitos políticos por dez anos de todos aqueles que se opunham à
ditadura. A liberdade individual de todo o cidadão brasileiro foi cancelada, todos os opositores ao
regime foram vigiados. Os brasileiros ficaram proibidos de se reunir nas ruas, de conversar nas
esquinas e tais atirudes eram reprimidas com violência. As manifestações de qualquer ordem foram
banidas, nas escolas havia as patrulhas ideológicas, com elas, o confronto e violência entre esquerda e
direita. O Ato Institucional 5 foi o instrumento utilizado pelos militares para aumentar os poderes
do presidente, que passou a ditar as ordens e regras que deveriam ser seguidas pelos poderes
Legislativo e Judiciário.
cclxxxviii
O GLOBO. 03 jun. 2001.
cclxxxix
Jornal de Brasília. Brasília, Caderno Especial, 24 abr. 1983.
ccxc
JORNAL Opinião. Rio de Janeiro, n.
22, 29 abr. 1973.
ccxci
JORNAL da Tarde. São Paulo, 16 out. 1980.
ccxcii
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, 14 out. 1998.
ccxciii
Museu da Televisão Brasileira Disponível em:
<http://www.museudatv.com.br/biografias/diasgomes.htm>. Acesso em: 03 ago. 2005.
ccxciv
Museu da Televisão Brasileira Disponível em:
<http://www.museudatv.com.br/biografias/diasgomes.htm>. Acesso em: 03 ago. 2005.
ccxcv
Idem.
ccxcvi
O Plano Cohen foi um documento escrito pelo capitão Olímpio Mourão Filho, na época membro
do Serviço Secreto Integralista, a pedido do líder Plínio Salgado, com o objetivo de simular, para
efeitos de estudo, uma revolução comunista no Brasil. Porém, membros do Estado Maior do Exército
acabaram tomando posse de uma cópia do tal documento, e a sua divulgação foi o estopim para a
execução de um plano de tomada do poder por parte do então presidente Getúlio Vargas. O documento
foi apresentado à imprensa em 30 de setembro de 1937, no programa “Hora do Brasil” e deixou a
nação em pânico, com medo de uma outra tentativa revolucionária comunista. Este clima de tensão
permitiu que Getúlio Vargas e seus aliados instaurassem o Estado Novo.
ccxcvii
LUTA repetida pela liberdade de expressão. Jornal de Porto Alegre, Porto Alegre, 19 jan.
1980.
ccxcviii
JORNAL Voz da Unidade. São Paulo, 17 a 23 jul. 1981.
ccxcix
GOMES, Dias. Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998, p. 278.
ccc
JORNAL da Tarde. São Paulo, 16 out. 1980.
ccci
Ibid.
cccii
Id., 1989.
ccciii
LUTA repetida pela liberdade de expressão. Jornal de Porto Alegre, Porto Alegre, 19 jan. 1980.
ccciv
Ibid.
cccv
Homem Metódico, vaidoso, bem-humorado. O Globo. Rio de Janeiro, 21 set. 1980.
cccvi
CORREIO da Bahia. Salvador, 15 mar. 2006.
cccvii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 10 jun. 2008.
cccviii
Ibid., 2008.
cccix
DIÁRIO Popular de São Paulo. São Paulo, 08 mar. 1981.
cccx
O GLOBO. Rio de Janeiro, 19 maio 1999.
cccxi
Disponível em: <http://www.projetomapa.blogspot.com/2007_11_20_archive.html>. Acesso em:
23 set. 2008.
cccxii
Disponível em: <http://www.itoc.imusica.com.br>. Acesso em: 23 set. 2008.
cccxiii
Disponível em: <http://www.palavrarte.sites.uol.com.br/Equipe/equipe_dem...>. Acesso em: 23
set. 2008.
cccxiv
LOPEZ, Luiz Roberto. Uma história do Brasil-República. São Paulo: Contexto, 1997. p. 26.
cccxv
Disponível em: <http://www.globo.com/Noticias/Rio/foto/0,11387209-EX,00.jpg>. Acesso em:
15 jun. 2006.
cccxvi
Disponível em: <http://www.globo.com>. Acesso em: 15 jun. 2006.
34
cccxvii
FOLHA da Tarde. São Paulo, 05 abr. 1989.
cccxviii
Idem.
cccxix
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 354.
cccxx
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 19 maio 1999, p. 3.
cccxxi
Disponível em: <http://www.globoonline.com>. Acesso em: 25 jun. 2005.
cccxxii
O ESTADO de São Paulo. São Paulo, 16 abr. 1982.
cccxxiii
No Discurso de posse, na ABL: sempre um momento na vida em que é salutar fazer uma
extravagância para quebrar a monotonia. Respeito a academia, o que me falta é vocação acadêmica”.
Disponível em: <http://www.academia.org.br>. Acesso em: 13 jun. 2005.
cccxxiv
Disponível em: <http:///www.rcmendonca.spaces.live.com>. Acesso em: 12 mar. 2007.
cccxxv
Disponível em: <http://www.rolandoboldrin.com.br>. Acesso em: 12 abr. 2005.
cccxxvi
Disponível em: <http://www.globo.com>. Acesso em: 18 jan. 2008.
cccxxvii
Idem.
cccxxviii
O GLOBO. Rio de Janeiro, 21 set. 1980.
cccxxix
FOLHA da Tarde. São Paulo, 06 abr. 1989.
cccxxx
O ESTADO de São Paulo. São Paulo, 15 set. 1982.
cccxxxi
JORNAL de Brasília. Brasília, 02 set. 1984.
cccxxxii
GOMES, Dias. Material recolhido no Acervo do Arquivo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro
Registro: C- 287/80. 25 fev. 1980.
cccxxxiii
Esse pseudônimo era um dos sinais dos nossos preconceitos, nós mesmos, nós que vivíamos
cheios de literatura e que freqëntávamos o bar Amarelinho. Nós tínhamos um certo desprezo pela
literatura do rádio. Nós considerávamos, como todos os outros, que fazer rádio era fazer subliteratura e
que o escriba de rádio era um escritor de segunda categoria, meio maldito e tal, o que eu acabei sendo.
Curiosamente quando comecei a trabalhar na Rádio nacional, eu, Oranice Franco, e outros amigos,
vivíamos cheios de idéias literárias, querendo publicar livros e, em suma, invadir o mundo editorial.
Nós lamentamos muito. Ir para o rádio era se perder, era como, por exemplo, do ponto de vista do
teatro clássico, alguém que para o teatro rebolado. De certa forma esse preconceito em certas áreas
ainda permaneceu até que se reformulou o conceito do que é comunicação, se viu que realmente é
cultural, que é integração com a vida, com a alma coletiva de um povo. Depoimento de Giusepe
Ghiaroni a Lourival Marques, por ocasião dos 40 anos da Rádio Nacional. SAROLDI, Luiz Carlos;
MOREIRA, Sônia Virgínia. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
p. 86.
cccxxxiv
BG abreviatura de background. Do inglês, fundo ou segundo plano. No áudio é utilizado para
descrever o som em segundo plano.
cccxxxv
GOMES, Dias. Material recolhido no Acervo do Arquivo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Registro: C-287/80. 25 dez. 1980.
cccxxxvi
MARINHO, Flávio. Revista ELE & ELA, Rio de Janeiro: Bloch, set. 1983.
cccxxxvii
JORNAL da Tarde. São Paulo, 16 out. 1980.
cccxxxviii
“Vargas” estreou no Rio de Janeiro, em 1983, com direção de Flávio Rangel. O espetáculo
conta a vida de Getúlio Vargas em forma de enredo de escola de samba e reproduz, no microcosmo da
escola, as lutas pelo poder abordadas no enredo.
cccxxxix
GOMES, Dias. O Santo Inquérito. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. p. 36.
cccxl
Id., 1980, p.27.
cccxli
CORREIO Brasiliense. Brasília: 31 mar. 1980.
cccxlii
PAIVA, Cláudio Cardoso de. Comunicação e Latinidade: um estudo de televisão e ficção
seriada. Salvador: In: COLÓQUIO INTERAMERICANO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
BRASIL–CANADÁ, 1., Anais… 04 set. 2002, p. 04-06.
cccxliii
MARINHO, Flávio. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, Revista de Domingo, 21 set. 1980.
cccxliv
FOLHA da Tarde. São Paulo, 05 abr. 1989.
cccxlv
Idem.
cccxlvi
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, 26 abr. 1998.
cccxlvii
JORNAL de Porto Alegre. Porto Alegre, 19 jan. 1980.
34
cccxlviii
Ademar Casé foi um dos mais importantes produtores de rádio do País. No “Programa do Casé”
foram lançados artistas como Carmem Miranda, Pixinguinha e Francisco Alves.
cccxlix
O professor e cientista Edgar Roquete Pinto é considerado o Pai da Radiofonia Brasileira.
Pioneiro nas comunicações, fundou, em 20 de abril de 1923, a Sociedade Rádio do Rio de Janeiro (BR
A2), dando o pontapé inicial às transmissões radiofônicas em nosso país.
cccl
Os Miseráveis. O romance conta a história de um homem que, por ver os irmãos passarem fome,
rouba um pedaço de pão e é condenado a 5 anos de prisão. Devido às tentativas de fuga e mau
comportamento na cadeia, acaba sofrendo outras condenações, pagando 19 anos de reclusão. O livro é
uma denúncia contra as injustiças do poder judiciário que vem se repetindo em todas as épocas. Para o
autor, o mundo é o terreno onde se defrontam os mitos, o bem e o mal, a bondade e a crueldade.
Prefácio “Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência,
em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por
natureza divino; enquanto os três problemas do Século - a degradação do homem pelo proletariado, a
prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância não forem resolvidos;
enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista
mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão
inúteis.” In: HUGO, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Melhoramentos, 1997. p. 5.
cccli
GOLDFEDER, Miriam. Por trás das ondas da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981. p. 96.
ccclii
A sonoplastia sofisticada fazia com que os ouvintes “visualizassem” as novelas. Além da equipe, o
Departamento de Radioteatro da Rádio Nacional possuía um estúdio cheio de objetos, os mais
variados, destinados a produzir sons durante a transmissão das novelas: aberturas, fechamentos e
ranger de portas de rua, portas de automóveis variados, portas de armário de madeira e de aço; janelas
de todos os tipos; portões de ferro, apitos de navio, de trem, de lancha, de guarda de trânsito e de
contramestre de veleiro; tábuas especiais para tirar sons de passos leves, pesados, secos e retumbantes;
escadas rangentes, facas, espadas, bengalas, rodas de ferro, rodas de madeira que imitam a cantilena
dos carros de boi ou o som de um mastro de navio que se quebra; louças, cristais, fichas de jogo, panos
de seda, cascas de coco seco que reproduzem ruídos de patas de cabalo; pios para imitar sapos e grilos;
ramos secos de coqueiro para dar idéia de folhagem; folhas de papel celofane dentro de um saco
(esfregado com a mão dá a impressão de um incêndio enorme); pregos, serrotes, martelos, campainhas
dos mais variados tipos, telefones, além de um conjunto de madeira do qual se tira o som de soldados
marchando. também o guarda-chuva que se abre e fecha dando o som do farfalhar das asas de um
grande pássaro; comprimidos efervescentes dentro da água que dão a idéia de milhares de formigas
devorando uma pessoa. O som do tiro de revólver que saia de uma martelada numa espoleta. Essa
parafernália possibilitava a materialização das cenas na imaginação do público de rádio.
cccliii
Fonte: Arquivo Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
cccliv
Revista do Rádio. Coleção particular da Senhora Ecy Carvalho Vieira. Rio de Janeiro.
ccclv
Idem.
ccclvi
Entrevista cedida à pesquisadora, em 24 de outubro de 2006, na cidade do Rio de Janeiro.
ccclvii
RÁDIO–TEATRO - Revista Semanal das Grandes Novelas de Rádio, Rio de Janeiro:
Fernando Chinaglia, 1952.
ccclviii
Idem.
ccclix
Idem.
ccclx
Idem.
ccclxi
Entrevista cedida à pesquisadora, em 24 de outubro de 2006, na cidade do Rio de Janeiro.
ccclxii
Idem.
ccclxiii
ALENCAR, Mauro. A Hollywood Brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro:
Senac, 2002. p. 176.
ccclxiv
JACINTHO, Etienne. Quem disse que mulher gosta de novelas? O Estado de São Paulo. São
Paulo, Suplemento Caderno Telejornal, 12 jan. 2003.
ccclxv
As primeiras apresentações de melodramas ocorreram nos palcos dos teatros de “boulevard”, em
oposição ao gênero aristocrático dos teatros tradicionais. A denominação melodrama decorria da
musicalidade das peças. Uma marcante música instrumental acompanhava o desenrolar da intrigas,
34
caracterizando as entradas e saídas de cada personagem, como as trilhas das radionovelas, os
incidentes ocorridos, as cenas misteriosas e de tensão. Por vezes, encenavam-se alguns momentos de
máxima emotividade e suspense sem qualquer diálogo, uma espécie de pantomima musical. Define-se
o melodrama sempre a partir de seu sensacionalismo e exageros. O excesso começa com os
personagens, intensamente bons e virtuosos ou maus e viciados sem qualquer profundidade
psicológica.
ccclxvi
FARIA, Maria Cristina Brandão. A Radicalização de Beto Rockefeller: o discurso
contemporâneo da telenovela brasileira. GT Ficção Seriada da Intercom, UFJF, Opecom, 2005.
Disponível em:
<http://www.fcom.altavoz.net/prontus_fcom/site/artic/20070416/asocfile/20070416090408/07_cristin
a_brand_uo.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2006.
ccclxvii
“O Direito de Nascer” tinha como personagens centrais Mamãe Dolores e Dr. Alberto Limonta.
O tema era a história da filha de um magnata rural, que ia dar a luz a um filho bastardo. O magnata
não queria ver o neto vivo ou morto e ordenou que isso acontecesse. Para que o bebê vivesse, logo ao
nascer, a mãe deixou que ele fosse levado para um lugar remoto e ignorado, pela empregada negra da
casa, Mamãe Dolores. O magnata sempre pensou que o neto tinha sido eliminado e, o neto que se
tornou médico, nunca ouvira falar do seu avô ou de sua mãe. Conhecia como mãe a Mamãe Dolores
que o criou. Ocorreu que o magnata, já velho, foi internado com sério problema de saúde e foi
atendido pelo seu neto, Dr. Alberto Limonta, que lhe salvou a vida. O velho sobreviveu graças aos
cuidados médicos que recebeu do neto.
ccclxviii
Fonte: Arquivo Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
ccclxix
Gag palavra do inglês norte-americano: efeito burlesco. Um efeito ou um esquete cômico, que
o ator parece improvisar, a partir de situações, objetos, situações inusitadas, com o objetivo de
multiplicar o riso.
ccclxx
BRECHT, Bertold. Teoría de la Radio - 1927-1932 O Rádio: uma descoberta antidiluviana. In:
BASSETS, Lluís (Ed.). De las ondas rojas a las radios libres: textos para la historia de la radio.
Barcelona: Gustavo Gili, 1981. p. 46.
ccclxxi
Ibid., p. 50-51.
ccclxxii
ORTRIWANO, Gisela Swrtlana. Rádio e Pânico: a guerra dos mundos 60 anos depois. [S.l.]:
Instituto Gutemberg, Boletim n. 24, Série Eletrônica, jan./fev. 1999.
ccclxxiii
A soap opera é um gênero narrativo de ficção seriada que possui um tempo indeterminado de
duração. Essa sua grande durabilidade pode ser atribuída à extraordinária capacidade de absorver
novos elementos à sua estrutura básica. Nela, não existe uma história, mas uma multiplicidade de
núcleos que se desenrolam indefinidamente, podendo perdurar durante cadas. Nas soap-operas,
existe uma comunidade de personagens fixados em determinado lugar, vivendo diferentes dramas e
ações diversificadas que se transformam a cada temporada. Na Europa e EUA, as soap operas
perderam um pouco do seu apelo para outras formas de programas populares, como por exemplo as
comédias de situação. Mas para um grande número de espectadores, elas ainda são tão importantes
quanto eram na década de oitenta. Ainda existem cerca de doze soap operas regularmente no ar nos
EUA, com capítulos diários transmitidos na CBS, ABC e NBC. In: ANDRADE, Roberta Manuela
Barros. O Fascínio de Sherazade: os usos sociais da telenovela. São Paulo: Annablume, 2003.
ccclxxiv
FERRAZ, Nivaldo. A dramatização sonora: formatos, interpretação e sonoplastia. In:
BARBOSA FILHO, André; PIOVESAN, Ângelo Pedro; BENETON, Rosana. Rádio: sintonia do
futuro. São Paulo: Paulinas, 2004. p.116.
ccclxxv
SILVA, Júlia Lúcia de Oliveira A. da. Performance Radiofônica: a plasticidade da palavra
oralizada e mediatizada. Universidade São Judas Tadeu; Faculdades Oswaldo Cruz/Faiter; Núcleo de
Mídia Sonora. In: CONGRESSO ANUAL EM CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 26., Belo Horizonte.
Anais… Belo Horizonte, 02-06 set. 2003.
ccclxxvi
Rudolf Arnheim . Integra a arte cibernética com a arte do passado histórico. Suas palavras soam
como um apelo para uma Ciência Imagética Interdisciplinar e é o que exatamente o que ele propõe.
Filósofo, psicólogo e teórico da Arte, nasceu em Berlim em 1904, onde estudou Psicologia durante os
anos 20. Em 1940 emigrou para os EUA. Entre 1946 e 1968 ensinou no Sarah Lawrence College e a
partir de 1968 foi professor de Psicologia da Arte em Harvard. Tornou-se professor convidado na
34
Universidade de Michigan em Ann Arbor. Segundo ele, é impossível pensar sem recorrer a imagens
perceptivas.
ccclxxvii
SPERBER, George Bernard (Org.). Introdução à Peça Radiofônica. São Paulo: Pedagógica e
Universitária, 1980.
ccclxxviii
GOMES, Dias. O Estranho Caso de Gislene Lan Gremont. Arquivo da Rádio Nacional do
Rio de Janeiro. Radiobras. Registro C- 287/80. 04 fev. 1980.
ccclxxix
Werner Klippert nasceu em 1923 em Offenbach, próximo de Frankfurt. Participou da Segunda
Guerra Mundial. Crítico, teórico e produtor de rádio, professor universitário e de ensino fundamental,
membro do P.E.N. e da Federação dos Autores Literários, e, Conselheiro da radiodifusão da emissora
“SR”. Escreveu muitos contos, dentre eles “Schlehenschnaps”, uma novela criminal publicada na
Gollenstein.
ccclxxx
KLIPPERT, Werner. Elementos da Linguagem Radiofônica: Introdução à Peça Radiofônica.
Tradução de George Bernard Sperber. São Paulo: EPU, 1980. p. 127.
ccclxxxi
SILVA, Lúcia de Oliveira Albano da . Rádio: oralidade mediatizada. São Paulo: AnnaBlume,
1999. p. 54.
ccclxxxii
Enciclopédia Itaú Cultural – Teatro . Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm>. Acesso em: 15 jun.
2005.
ccclxxxiii
SPIITZER, Mirna. O ator e o rádio. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. In:
ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA INTERCOM, 4., Porto Alegre. Anais… Porto
Alegre.
ccclxxxiv
GOMES, Dias. Entrevista ao Globo Repórter em 16 de julho de 1988. Disponível em: Arquivo
Globo News. Acesso em: 25 mar. 2005.
ccclxxxv
Novelas geralmente de cunho romântico transmitidas pelo rádio, em capítulos. As radionovelas
eram muito ricas em suas sonoplastias. Por não terem imagens, os ouvintes tinham que imaginar a
cena e as recebiam pelos sons produzidos junto às vozes dos atores. Um tipo de folhetim radiofônico.
ccclxxxvi
Radiofonização de uma peça de teatro, romance, conto, crônica, novela, poesia, biografia, fato
histórico, fato contemporâneo, notícia de jornal, carta de ouvintes, relatos pessoais. Dramatização
radiofônica. Ou simplesmente: representação teatral transmitida pelo rádio”. In: RABAÇA, C. A.;
BARBOSA, G. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: CODECRI, 1978. p. 393.
ccclxxxvii
GOMES, Dias. A Pérola. Roteiro. Arquivos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Arquivo
Radiobrás Registro: D – 822/81. 25 abr. 1981.
ccclxxxviii
MORAIS, Wilma. Sonoras Imagens. 1987. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, p. 53. Essa questão da criação de imagens a partir da manipulação de sons foi por
muito tempo levantada e discutida pelos estudiosos da Comunicação, principalmente quando se
dedicaram a entender o fenômeno radiofônico do Século passado que imprimia sim, uma realidade
provocada pela imaginação. Parece incrível, mas continuamos discutindo o rádio, em pleno Século
XXI. De fato, o rádio não morreu. Ele está sendo resgatado, porém com características muito distintas
das do Século anterior.
ccclxxxix
FERRARETTO, Luiz Artur . Rádio, o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre:
SagraLuzzato, 2001. p. 25-29.
cccxc
MCLEISH, Robert. Produção de Rádio: um guia abrangente de produção radiofônica. São Paulo:
Summus, 2001. p. 182.
cccxci
Ano 23, n. 6, jun. 1944.
cccxcii
Elenco dirigido por Paulo Leblon, quando irradiavam “O Homem Demônio”. Abimar Lopes,
Hermes Lima e Áurea Domingues. Foto: Revista santista Flama, em junho de 1944 (ano XXIII, nº 6).
cccxciii
Segundo o Dicionário do Teatro Brasileiro, entende-se por radiofonização o escrever roteiros
para programas radiofônicos, a partir de textos anteriormente elaborados por outros meios de
expressão – literatura, jornais, televisão, revistas, teatro e cinema.
cccxciv
ALVES, Eveline. Radionovelas: cenas longe dos olhos. In: ENCONTRO NACIONAL DA
REDE ALFREDO DE CARVALHO, 2., Florianópolis. Anais… Florianópolis, 15-17 abr. 2004 .
Disponível em: <http://www.virtus.ufpe.br/novosite/historiadoradio>. Acesso em: 17 jul. 2007.
34
cccxcv
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Sagra Luzzatti: Porto
Alegre, 2000. p. 28.
cccxcvi
Reclame como era chamada a veiculação de um produto, que quase sempre patrocinava a
programação, assim como as mensagens institucionais ou as propagandas governamentais.
cccxcvii
Reclame veiculado em 1933, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: Arquivos
da Rádio Nacional. Acesso em: 27 ago. 2007.
cccxcviii
Trio de Reclames veiculados em 1934, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Fonte: Arquivos
da Rádio Nacional. Acesso em: 27 ago. 2007.
cccxcix
“Radioator ator de radioteatro. Na interpretação do radioator, a obra literária fica limitada ao
som, demovida de suas vestes, mostrando-se desnuda aos ouvidos do público, que tem, assim, uma
forma de acesso ao autor, possibilitando uma maior interação e cumplicidade”. Disponível em:
<http://www.hostdime.com.br/dicionario/radioator.html>. Acesso em: 18 ago. 2006.
cd
JORNAL de Brasília. Brasília, Caderno Especial. 24 abr. 1983.
cdi
Oduvaldo Vianna, quando morou em Buenos Aires, entrou em contato com a radionovela. O fato
de ser um dramaturgo conhecido, através de algumas de suas obras encenadas na Argentina, recebeu e
aceitou o convite da “Radio El Mundo” para escrever “novelas radiofônicas”. Iniciou o trabalho
adaptando romances brasileiros, e, ao voltar para o Brasil, em 1941, decidiu lançar o gênero aqui.
cdii
O melodrama existe desde o Século XVII, no teatro, na ópera, na literatura, no circo-teatro, no
cinema, no rádio e na televisão. O melodrama teatral surgiu como gênero em 1800, com “Coeline”de
René Charles Guibert Pixérécourt, definindo um tipo complexo de espetáculo cênico iniciado após a
Revolução Francesa. Com forte influência do teatro das feiras e da pantomima, utiliza máquinas, cenas
de combate e danças para construção dramática, alternando elementos da tragédia e da comédia.
Devido ao seu sucesso e durabilidade, no período do Romantismo, tornou-se o principal gênero teatral
e literário do Século XIX e fez com que o melodrama teatral fosse absorvendo e exportando elementos
para todos os estilos, formas e gêneros artísticos deste período, principalmente o romance folhetinesco.
A decadência surgiu no final do Século XIX, devido ao surgimento de novas propostas estéticas,
como o naturalismo, que acabaram negando os modelos de interpretação usados no melodrama, tidos
como anti-naturais. Assim, um excessivo valor negativo atribui-se a tudo que fosse considerado
melodramático, que se tornou sinônimo de uma interpretação exagerada, anti-natural, assim como de
efeitos de apelo fácil à platéia.
cdiii
Originalmente, o Pulp ou ainda “pulp fiction ou revista pulp são nomes dados a revistas feitas
com papel de baixa qualidade (a “polpa”) a partir do início da década de 1920. Essas revistas
geralmente eram dedicadas a histórias de fantasia e ficção científica e o raro o termo “pulp fiction”
foi usado para descrever histórias de qualidade menor ou absurdas. A despeito disso, vários escritores
famosos trabalharam em pulps, como Isaac Asimov. A personagem “O Sombra” surgiu numa
revista do tipo “pulp fiction”, mas se tornou célebre ao ser adaptado para o rádio, onde o ator e
diretor Orson Welles lhe emprestava a voz e para ela criou uma gargalhada de mau presságio, funesta.
As pulps eram um tipo de entretenimento rápido, sem grandes pretensões artísticas, bastante
divertidas. Pode-se dizer que, em uma época sem televisão, elas ocupavam o papel que as séries
ocupam nos dias atuais.
cdiv
MANTO, Leandro Del. O Sombra. Revista da Multicanal, São Paulo, jun. 1996.
cdv
MURCE, Renato. Bastidores do Rádio. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.28.
cdvi
MCLEISH, Robert. Produção de Rádio. São Paulo: Summus, 1999. p. 179.
cdvii
“Nos anos 30, na Rádio Cultura de São Paulo, um locutor, vindo do interior do estado, criou uma
personagem para o público infantil, mas seu sucesso atingiu os adultos de várias camadas sociais.
Vital Fernandes da Silva deu voz a Nhô Totico, um matuto com sotaque interiorano, que narrava as
aventuras dos personagens da Vila do Arrelia. De forma criativa, ele mudava a voz para fazer as
diversas etnias que compunham a cultura da cidade como o italiano, o sírio, o japonês, o português,
entre outros. Não havia texto, nem um roteiro definido para programa. Tudo dependia da imaginação
de um homem que se desdobrava diante dos microfones para entreter e educar as crianças e suas
famílias”. In: FERNANDES, Paulo. Nhô Totico: o homem das mil vozes. Campinas: Reverbo
Comunicação Coorporativa, 2002.
34
cdviii
BRASSINI, Mário. Depoimento de Mário Brassini. Revista USP, São Paulo, “DossOitenta
Anos de Rádio”, n. 56, dez. 2002/fev. 2003, p. 27.
cdix
AZEVEDO, Lia Calabre. O Estado na onda: reflexões sobre o rádio e o poder nas décadas de 30 e
40. Cadernos de Memória Cultural, Rio de Janeiro: Museu da República, n. 2, vol. 1, 2003.
cdx
MIRANDA, O. P.; DUARTE, A. Trabalhismo e Social Democracia. São Paulo: Global, 1985. p.
46.
cdxi
Sintonia do Rádio. Disponível em: <http://www.paginas.terra.com.br/lazer/sintonia/causos.htm> .
Acesso em: 05 abr. 2005.
cdxii
Acervo da Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira. Caixa
13 DVD – Arquivo B Depoimentos de Pioneiros Conteúdo 66. São Paulo: Fundação Padre
Anchieta, [S.d.].
cdxiii
FERRAZ, Nivaldo. A dramatização sonora: formatos, interpretação e sonoplastia . In: BARBOSA
FILHO, André; PIOVESAN, Ângelo Pedro; BENETON, Rosana. Rádio: sintonia do futuro. São
Paulo: Paulinas, 2004. p.116.
cdxiv
Primeira Fila: Margarida Max, Graziela Diniz, Ruth Viana, Apolônia Pinto, Oduvaldo Viana,
Abigail Maia, Cordélia Ferreira, Lina Castro e Joaquina Lino. Segunda Fila: Ana Pinho, Domingos
Pinho, Plácido Ferreira, Chaves Filho, Manuel Durães, (...) e Margarida Lopes Terceira Fila: Artur
Costa, Palmeirim Silva, (...) Cenógrafo Abílio, Carlos Machado, João Lino, Eduardo Viana, Dante
Lombardi, Germano Alves. Foto de 1925 do Acervo de Margarida Lopes. In: MAGALDI, Sábato;
VARGAS, Maria Thereza. Cem Anos do Teatro em São Paulo: 1875 1974. São Paulo: Senac,
2000. p.145.
cdxv
MILLANEZ, Liana. TVE BRASIL: cenas de uma história. Rio de Janeiro: ACERP, 2007. p.
160.
cdxvi
O Folhetim eram histórias de leitura rápida, publicadas diariamente nos jornais, em
espaços destinados ao entretenimento. O gênero, importado da França, com o
desenvolvimento do Rio de Janeiro, que ocasionou a criação de jornais diários, encontrou
amplo espaço de publicação na capital do Império, e no interior do país. A leitura das
publicações de romances de folhetim e costumes veiculados por eles, influenciaram a
formação da identidade brasileira, que assimilava os modelos europeus e os adaptava, num
momento de construção do seu estilo de vida. Os autores, no início inaptos à forma de
publicação, acabaram por adotá-las. A estrutura do folhetim foi usada como estratégia
apelativa na construção dos romances. A cada final de capítulo tornava-se inevitável a
questão: E agora, o que é que vai acontecer? Assim, ao aguçar a curiosidade do público
leitor, garantia-se a vendagem e aumentava-se o número de assinantes. Dessa forma, sempre
que se finalizava um capítulo, o enredo alcançava um momento culminante, o texto era
interrompido propositalmente, a fim de manter o suspense e a expectativa dos próximos
acontecimentos. Caso o leitor quisesse saber o desfecho da história, precisava comprar a
edição do dia seguinte, quando sairia publicada a continuação.
cdxvii
Divulgadas em 1957, escritas por Moyséis Weltman e ilustradas por Edmundo Rodrigues.
Exemplares da coleção particular do Sr. Horácio Costa. Fotografadas pela pesquisadora, em 15 de
janeiro de 2008.
cdxviii
Jerônimo, o herói do sertão, nasceu na fictícia Cerro Bravo, interior paulista, filho de Maria
Homem, personagem que o autor declarou ser a mistura de Maria Quitéria, Ana Terra e Anita
Garibaldi. Cresceu no meio de disputas de terras em confrontos com capangas de coronéis, sendo que
o mais terrível de todos era o Coronel Saturnino Bragança. Jerônimo, que era interpretado pelo
radioator Milton Rangel, tinha também outros grandes inimigos como os bandidos Perneta, Caveira e
Corisco. Mas nessa luta era sempre ajudado pelo seu fiel amigo Moleque Saci, interpretado por Cauê
Filho. Quando iniciava uma cavalgada, Jerônimo gritava para o seu cavalo: - Vamos, Faísca! E
Moleque Saci também incentivava a sua montaria com o indefectível: - Sebo nas canelas, Goiabada! E
assim que os cavalos disparavam ouvia-se o grito de guerra do herói do sertão:
“Jerôooonimooooooo!!!!”. Os poucos momentos de paz do cowboy brasileiro aconteciam quando ele
estava com sua noiva Aninha. Mesmo assim, por muitas vezes, tinha que salvá-la do perigo, pois seus
inimigos viam nela o ponto fraco do herói.
34
cdxix
TRIBUNA de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, Caderno Cultural. 17 set. 1989.
cdxx
ASSUMPÇÃO, Zeneida A. de. Disponível em:
<http://www.virtus.ufpe.br/novosite/historiadoradio>. Acesso em: 09 jan. 2008.
cdxxi
Decupagem da entrevista realizada com Cláudio Monteiro, nos estúdios da Rádio da Famecos,
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 05 de outubro de 2000. Acesso em:
15 jan. 2008.
cdxxii
Caco – expressão do vocabulário de teatro, que caracteriza uma fala do ator que não está prescrita
no texto.
cdxxiii
Deixa palavra que indica, nos textos dos atores, que uma personagem acabou de falar e que
outra vai começar.
cdxxiv
JORNAL da Tarde. São Paulo, Entrevista concedida a Evelyn Schulke, 22 jun. 1981.
cdxxv
O mais tradicional noticiário de rádio do país, “A Voz do Brasil” está no ar 73 anos, com
objetivo de levar informação jornalística diária, sobretudo do Poder Executivo, aos mais distantes
pontos do país. A Voz do Brasil começou a ser veiculada no dia 22 de julho de 1935, no governo
Getúlio Vargas, objetivando três finalidades: informativa, cultural e cívica. Sua primeira edição foi
apresentada pelo locutor carioca Luiz Jatobá. Até hoje o programa tem a duração de sessenta minutos,
das 19:00 às 20:00, sua transmissão obrigatória por todas as emissoras de rádio do país, em rede
nacional, iniciou-se em 1938.
cdxxvi
Standard Propaganda foi fundada em 1933, por Cícero Leuenroth, publicitário brasileiro
histórico, Souza Ramos e Peri de Campos. A primeira agência legitimamente brasileira, de grande
porte e papel relevante. Foi responsável, por exemplo, pela conta da Rhodia nos anos 60, a qual
ocupava todo um andar do prédio de sete andares da agência, então localizado na praça Roosevelt, no
centro de São Paulo, conforme a entrevista. In: LEUENROTH, Cícero. Propaganda, ano XV, n. 188,
jan. 1972, p. 6-11.
cdxxvii
REVISTA O Cruzeiro, 1946. Artigos Z, ano 3, n. 2, abr./jul. 2007.
cdxxviii
SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sônia Virgínia. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 182.
cdxxix
Disponível em:
<http://www.radiobras.gov.br/nacionalrj/especialnacrj/html/radionovelas.php>. Acesso em: 25 mar.
2005.
cdxxx
Idem.
cdxxxi
GOMES, Dias. O Estranho Caso de Gislene Lan Gremont–Loiva Borba. Acervo da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro – Arquivo no C – 287/80. 04 fev. 1980.
cdxxxii
UBERSFELD, A. Semiótica teatral. Murcia: Catedra, 1993. p. 17.
cdxxxiii
PERES, L.R.V. A Cenografia e o Maravilhoso no Teatro de Calderón de La Barca. Brasilia,
DF: Consejería de Educación de la Embajada de España, 1993. p. 69. (Anuário Brasileño de Estudios
Hispânicos).
cdxxxiv
UBERSFELD, A. Semiótica teatral. Murcia: Catedra, 1993. p. 20.
cdxxxv
Ibid., p. 111.
cdxxxvi
GOMES, Dias. A Velha Casa Abandonada. Acervo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo Radiobrás n
o
C – 287/80. Arquivado em: 04 fev. 1980.
cdxxxvii
SANT`ANNA, Catarina. Metalinguagem e teatro: a obra de Jorge Andrade. Cuiabá: [S.n.],
1997. p. 24-69.
cdxxxviii
Id., 2002.1.
cdxxxix
GOMES, Dias. Um Pedido de Casamento de Anton Tchekhov. Acervo da Rádio Nacional do
Rio de Janeiro. Arquivo Radiobrás n
o
C – 287/80. Arquivado em: 04 fev. 1980.
cdxl
______. Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 97.
cdxli
Id., 1980.
cdxlii
CARDOSO, André. Olhar Vital: faces e interfaces. Publicação Eletrônica da Coordenação de
Comunicação da UFRJ, Rio de Janeiro, edição 81, 17 maio 2007.
cdxliii
Disponível em: <http://www.br.geocities.com/memorialdatv/radio.htm>. Acesso em: 14 set.
2006.
34
cdxliv
GOMES, Dias. Hamlet. Acervo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Arquivo Radiobrás n
o
C-
300/80. Arquivado em: 06 fev. 1980.
cdxlv
KAPLÚN, Mário. Una pedagogía de la Comunicación. Madrid: Ediciones de la Torre, 1989. p.
175.
cdxlvi
Câmara de eco é um dispositivo analógico, no qual o eco é produzido por sua própria acústica.
Trata-se de uma caixa de alumínio ou porcelana, com vários “plates”, lâminas de alumínio muito fino,
dentro dela. O som sai pelo auxílio da mesa, é amplificado, isto é, reproduzido por um auto-falante de
precisão, que se encontra no centro da câmara. Esse som é gravado por duas cápsulas de microfones
de precisão, que estão uma de cada lado da caixa. O som é enviado novamente para a mesa pelo
“return” e obtém-se o eco. Informações obtidas pela pesquisadora com o técnico de som Marcos
Nascimento, de Salvador, Bahia, em 26 de fevereiro de 2008.
cdxlvii
JORNAL Voz da Unidade. Órgão de Divulgação do PCB. São Paulo, n. 65, 23 jan. 1981.
cdxlviii
Eduardo Meditsch é jornalista profissional, doutor e mestre em Ciências da Comunicação, na
área de jornalismo e editoração. Como jornalista, trabalhou em rádio, jornal e televisão. Entre outras
atividades é professor de jornalismo da UFSC e diretor científico na Sociedade Brasileira de
Pesquisadores de Jornalismo.
cdxlix
MEDITSCH, Eduardo. Roteiro de Radioteatro: do argumento à pós-produção. Disponível em:
<http://www.jornalismoufsc.br/banodedados/md_radioteatro.html>. Acesso em: 13 dez. 2005.
cdl
GOMES, Dias. O Estranho Caso de Gislene lan Gremont. Acervo da Rádio nacional do Rio de
Janeiro. Arquivo Radiobrás n
o
C – 287/80. Arquivado em: 04 fev. 1980.
cdli
Disponível em: <http://www.radioclaret.com.br>. Acesso em: 28 set. 2006.
cdlii
“Cast” expressão utilizada para designar elenco fixo, com contrato, normalmente, de
exclusividade.
cdliii
Philco empresa americana de produtos eletrônicos, voltada para o áudio e o vídeo. Em 1948
construiu a primeira fábrica da marca no Rio de Janeiro, onde foram produzidos os primeiros
aparelhos de rádio nacionais. Na década de 1950, teve importante participação na criação da TV
brasileira, produzindo aparelhos de televisão que recebiam imagens em branco e preto.
cdliv
De Millus S.A. – maior empresa de lingerie da América Latina
cdlv
Orniex – empresa fabricante de produtos de limpeza e higiene, hoje pertencente ao Grupo BomBril.
cdlvi
Sendo dirigida numa das teledramaturgia, na TV Rio, em 1958. Acervo Funart, Rio de Janeiro.
cdlvii
GOMES, Dias. Trágica Perfídia. Start da apresentação. Arquivo da Radiobras Rio de Janeiro:
Registro n
o
C:04/03/1980. 21 fev. 1980.
cdlviii
Pan – movimento vertical ou horizontal da cabeça hidráulica do tripé ou da câmara.
cdlix
“Dolly back” – chegar o tripé para trás.
cdlx
Há aqui uma inversão, a saída de Johnson, no texto radiofônico, acontece depois.
cdlxi
Close – enquadramento que atinge os olhos e a cabeça do ator.
cdlxii
Contraplano – plano simetricamente oposto ao plano anterior. Na situação, em que as duas
personagens estão em cena, a câmera alterna entre a imagem de um e de outro. O plano mostra Emilly
em close e no contra-plano têm-se Walter ao espelho.
cdlxiii
GOMES, Dias. Trágica Perfídia. Roteiros para apresentação do Grande Teatro Orniex na TV
Rio e na Rádio Nacional . Rio de Janeiro: Arquivo: Radiobrás. Registro C: 4/3/80. 21 fev. 1980.
cdlxiv
Idem.
cdlxv
Id., 1998, p. 157.
cdlxvi
CARVALHO, Orlando Miranda de. Depoimentos V: Abílio P. de Almeida, Dias Gomes,
Gianfrancesco Guarnieri, Hermilo Borba Filho, Nélson Rodrigues, Pedro Bloch. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Cultura; Secretaria de Cultura; Serviço Nacional de Teatro, 1981. p. 46.
cdlxvii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 10 jun. 2008.
cdlxviii
União de duas imagens, que pode ser feita como efeito ou transição.
cdlxix
GOMES, Dias. Divórcio. Roteiros para apresentação do Grande Teatro Orniex na TV Rio e na
Rádio Nacional, a partir do original de Clemence Dane. Rio de Janeiro: Arquivo: Radiobrás. Registro
C: 413/80. 21 fev. 1980.
cdlxx
MARINHO, Flávio. Dias Gomes: mesmo abordando sexo, não consigo colocar de lado a crítica
político-social. Revista Ele&Ela, Rio de janeiro: Bloch, out. 1983, p. 22-105.
34
cdlxxi
Disponível em: <http://www.tudosobretv.com.br>. Acesso em: 02 mar. 2008.
cdlxxii
MARINHO, Flávio. Dias Gomes Volta à Cena: amor em campo minado. Entrevista de Dias
Gomes. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 24 set. 1984.
cdlxxiii
MAGALDI, Sábato. Moderna Dramaturgia Brasileira. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 133-
136.
cdlxxiv
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 299.
cdlxxv
CARVALHO, Orlando Miranda de. Depoimentos V. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e
Cultura; Serviço Nacional de Teatro, 1981. p. 42.
cdlxxvi
Leonardo Villar, como Zé do Burro, no filme “O Pagador de Promessas”: crítica à Igreja e defesa
da reforma agrária valeram Palma de Ouro em Cannes. Foto Cinedistri. In: SOUZA, Okky de.
Homem dos mil tipos. São Paulo: Abril.com, 1999.
cdlxxvii
Paulo Gracindo, como o Tucão de “Bandeira 2”: o bicheiro vilão conquistou a simpatia do
público . Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 02 set. 2008.
cdlxxviii
MICHALSKI, Yan. Dias Gomes: pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo. Rio
de Janeiro: CNPq, 1989.
cdlxxix
São oferendas, quer materiais, quer espirituais, geralmente associadas a uma tradição religiosa,
que consiste em prestar o culto a uma entidade específica em agradecimento. As promessas foram
feitas para transmitir segurança ao fiel, pois diz-se que ela será cumprida. Uma promessa pode ser
equiparada a um juramento. Normalmente são a demonstração mais profunda de agradecimento do fiel
pelo merecimento recebimento recebido através da sua fé.
cdlxxx
Solange Ramos Andrade é doutora em História e professora do Departamento de História da
Universidade Estadual de Maringá, Paraná.
cdlxxxi
Maria Jesús Buxó I Rey, professor da Universidad de Barcelona, foi um dos coordenadores de
uma coleção sobre religiosidade popular, resultante do Primero Encuentro Sobre Religiosidad Popular,
promovido pela Fundación Machado del Sevilla no ano de 1989.
cdlxxxii
ANDRADE, Ramos Solange. O Catolicismo Popular no Brasil. Revista Espaço Acadêmico,
Maringá, n. 67. dez. 2006, p. 43.
cdlxxxiii
DURKHEIM, Émile. As Formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martim Fontes,
2000. p. 61.
cdlxxxiv
Orixás não são deuses, são divindades criadas por um único deus: Olorun.
cdlxxxv
Orun é o céu, ou o mundo espiritual, paralelo ao Aiye, mundo físico. Tudo que existe no Orun
coexiste no Aiye, através da dupla existência Orun-Aiye.
cdlxxxvi
FONSECA, Ribamar. A Maior festa do Brasil: Círio de Nazaré. Jornal do Brasil. Rio de
Janeiro: 03 set. 1969.
cdlxxxvii
Foto da pesquisadora, em 2002, durante produção de matéria para a Rede Vida de Televisão.
cdlxxxviii
Foto de Pedro Rodrigues, em 08 de setembro de 2007.
cdlxxxix
Cena da versão brasileira dirigida por Flávio Rangel, para o Teatro Brasileiro de Comédia, em
São Paulo, que lançou a peça. In: GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989. p. 144-145.
cdxc
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 439.
cdxci
Ibid., p. 87.
cdxcii
Ibid., p. 443-444.
cdxciii
Franco Zampari – Empresário, Produtor teatral italiano radicado no Brasil. Fundador e Diretor do
TBC – Teatro Brasilero de Comédia, a companhia estável de maior projeção nos anos 50.
cdxciv
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BDC, 1998. p. 170.
cdxcv
______. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: BDC, 1989. p. 447.
cdxcvi
KAZ, Leonel. Brasil, palco e paixão. Rio de Janeiro: Aprazível, 2005. p.183.
cdxcvii
Estréia em 13/10/1961, de onde excursionou para a Bahia. Disponível em:
<http://www.tap.org.br/htm/ autores/dias_gomes.htm>. Acesso em: 12 fev. 2006.
cdxcviii
Montagem na Fundação Gregório de Mattos . Foto: José Mamede em 24/05/ 2005 . Disponível
em:
www.labfoto.ufba.br/.../fgm/CRW_6312a.jpg.html . Acesso em: 12 de março de 2007.
34
cdxcix
SCOENBACH, Peter J. Modern Brazilian Social Theatre: art and social document. [S.l.]:
Rurgers University, 1973. p. 274-358.
d
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 144-145.
di
RICA, Carlos. Revista de Cultura Brasileña, Madri, tomo 19, dez. 1966, p. 390-395.
dii
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 447.
diii
WILDE, Oscar. A Alma do Homem sob o Socialismo e Escrito do Cárcere. Porto Alegre:
L&PM, 1996. p. 132.
div
Assentamento é o processo ritualístico pelo qual se liga um corpo material à energia de um
determinado orixá. O termo é usado para designar objetos que representam cada orixá, após o ritual.
dv
Egbomis – irmãos mais velhos.
dvi
O professor Fábio Lima é mestre em Antropologia e doutorando em Estudos Étnicos Africanos pela
Uneb. Proferiu a palestra Candomblé – Tradição e Modernidade, a convite da Dra. Suzana Martins,
para mestrandos e doutorandos do PPGAC-UFBA, em junho de 2007.
dvii
BENISTE, José. Ôrum Aiyé: o encontro de dois mundos. São Paulo: Bertrand Brasil, 2004. p. 47.
dviii
Reginaldo Prandi é professor do curso de pós-graduação em Sociologia da USP.
dix
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 53.
dx
Foto de Patrícia Carmo. Disponível em:
<http://www.flickr.com/photos/patriciacarmo/310059399/>. Acesso em: 04 mar. 2007.
dxi
JORNAL A Tarde. Salvador, Caderno Cultural, 05 dez. 2003.
dxii
LASCIO, Eduardo de. Candomblé: um caminho para o conhecimento. São Paulo: Cristalis, 2001.
dxiii
Reprodução de impresso à venda na Editora Paulinas, sem informações.
dxiv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 143.
dxv
Ibid., p. 148-149.
dxvi
Disponível em: <http://www.xangosol.com/orixás.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007.
dxvii
Procissão de Santa Bárbara. Disponível em: <http://www.bragancanet.pt>. Acesso em: 14 ago.
2006.
dxviii
Foto do arquivo do IAxè Oyá L`Adê Inam, Alagoinhas, Bahia.
dxix
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 163-164.
dxx
Plot termo inglês usado, segundo os escritores, como sinônimo de enredo ou argumento; é
aplicável quer a um texto dramático, quer a um texto narrativo.
dxxi
HATCHER, Jeffrey. The Art & Craft of Playwriting. New York: Story Pr., 2002. p. 95.
dxxii
Entrevista veiculada pela GNT, em 06 de junho de 2008.
dxxiii
HATCHER, Jeffrey. The Art & Craft of Playwriting. New York: Story Pr., 2002. p. 97-99.
dxxiv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 96-150.
dxxv
Ibid., p.92-95.
dxxvi
Ibid., p. 96.
dxxvii
Ibid., p. 115-125.
dxxviii
Ibid., p. 141-143.
dxxix
Ibid., p. 144-145.
dxxx
Ibid. , p. 153-215.
dxxxi
Ibid., p. 130.
dxxxii
Ibid., p. 144-145.
dxxxiii
Ibid., p. 173.
dxxxiv
Ibid., p. 187.
dxxxv
Ibid., p. 144-145.
dxxxvi
Ibid., p. 211-213.
dxxxvii
Ibid., p. 261-262.
dxxxviii
Ibid., p. 251.
dxxxix
Ibid., p. 144-145.
dxl
Idem.
dxli
Ibid., p. 144-145. (Teve a presença de Fidel Castro)
dxlii
Disponível em: <http://www.cinemabrasileiro.net/ cenasdefilmes.htm>. Acesso em: 26 jun. 2006.
34
dxliii
Disponível em: <http://www.paparazziphotoart.com/f_fotografox_foto.a...>. Acesso em: 26 jun.
2006.
dxliv
MICHALSKI, Yan. O Teatro sob Pressão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.14.
dxlv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 163-164.
dxlvi
Ibid., p. 183.
dxlvii
Decupagem do encarte inserido no DVD.
dxlviii
BERNARDET, Jean-Claude. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao39/entrevista/>. Acesso em: 25 abr. 2007.
dxlix
Leonardo Vilar e Glória Menezes. In: GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989. p. 144-145.
dl
Tetsuro Furukaki, Sophie Desmarets, Jean Dutourd, Mel Ferrer, Romain Gary, Jerzy Kawalerovicz,
Ernst Kruger, Youli Raizman, Mario Soldati, François Truffaut.
Disponível em: <http://www.festival-cannes.fr/fr/1962/yearsInPictures.html>. Acesso em: 12 ago.
2008.
dli
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/revistadecinema/edicao39/entrevista/index.shtml>.
Acesso em: 16 abr. 2007.
dlii
CARVALHO, Orlando Miranda de. Depoimentos V. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura;Serviço
Nacional de Teatro, 1981. p. 42.
dliii
AMENGUAL, Barthélemy. Chaves do Cinema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p.
108.
dliv
BRUNI, Roman. Roteiro de Roteiro. Rio de Janeiro: [edição independente do autor], 2005. p. 18.
dlv
GENNARI, Alex. Disponível em: <http://www.webwritersbrasil.com.br>. Acesso em: 13 mar.
2006.
dlvi
COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. p. 21.
dlvii
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Roteiro para filmagem. Trecho do arquivo de textos do
ator Leonardo Vilar. Consulta em janeiro de 2008.
dlviii
COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. p. 285.
dlix
Decupado do DVD da entrevista de Dias Gomes ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura de São
Paulo, em 12 de junho de 1995.
dlx
VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor: estruturas míticas para contadores de histórias e
roteiristas. Rio de Janeiro: Ampersand, 1997. p. 89-119.
dlxi
Frame retirado do DVD “O Pagador de Promessas”.
dlxii
MORIN, Edgar. O Cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Moraes, 1970. p. 98.
dlxiii
Controle significa, na radiodramaturgia, controle de sonoplastia; os dois termos são utilizados no
rádio.
dlxiv
Contra-regra é o responsável pelos ruidos, geralmente em radionovelas, tais como os passos das
personagens, trovões, tiros, etc.; conta com objetos e instrumentos muitas vezes improvisados, para
obter o resultado desejado.
dlxv
Sonoplastia é a comunicação pelo som. Abrange todas as formas sonoras (música, ruídos e falas), e
recorre à manipulação de registos de som. A sonoplastia estabelece uma linguagem específica através
de signos e significados.
dlxvi
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás – Registro: C-287/80 ex 2. 14 fev. 1980.
dlxvii
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/o_pagador_de_promessas.htm>. Acesso em:
21 fev. 2005.
dlxviii
NETTO, Alccioly. A Volta de Procópio Ferreira. Revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 03 out.
1964, p. 37.
dlxix
O GLOBO. Rio de Janeiro, 07 nov. 1969.
dlxx
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BDC, 1998. p. 157.
dlxxi
MCLEISH, Robert. Produção de Rádio: um guia abrangente de produção radiofônica. São Paulo:
Summus, 2001. p. 185.
dlxxii
Ibid., p. 179.
34
dlxxiii
Ibid., p. 180.
dlxxiv
Ibid., p. 181.
dlxxv
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás – Registro: C-287/80 ex 2 . 14 fev. 1980.
dlxxvi
MCLEISH, Robert. Produção de Rádio: um guia abrangente de produção radiofônica. São
Paulo: Summus, 2001. p. 65.
dlxxvii
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás – Registro: C-287/80 ex 2 – 14 fev. 1980.
dlxxviii
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Da Literatura à TV. São Paulo: IDART;Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, 1981. p. 19.
dlxxix
Ibid., p. 21.
dlxxx
Colonialismo, aqui, refere-se ao colonialismo cultural, ao domínio da programação das TV’s por
“enlatados” americanos, com o objetivo de massificar a cultura e os valores deles sobre os brasileiros.
dlxxxi
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. o
Paulo: Brasiliense, 2001. p. 106.
dlxxxii
PAIVA, Cláudio Cardoso. As minisséries brasileiras: irradiações da latinidade na cultura global
Tendências atuais de produção e exibição na indústria televisiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2005, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro. CD-ROM.
Disponível em: <http://www.hdl.handle.net/1904/16755>. Acesso em: 02 maio 2006.
dlxxxiii
Depoimento da cineasta Tizuka Yamazaki à Revista de Cinema, 2001/2002. Disponível em:
<http://www.revistadecinema.com.br>. Acesso em: 13 ago. 2008.
dlxxxiv
Depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho ao Jornal Gazeta Mercantil. o Paulo, 22
maio 1999.
dlxxxv
No ano de 279-AC, o rei Pirro, de Épiro (na atual Albânia), reuniu seus oficiais no campo de
batalha de Asculum, perto de Roma, para saudar a vitória parcial das suas tropas contra o poderoso
exército romano. Diante das enormes perdas de oficiais e soldados, porém, ele constatou que “com
mais uma vitória como esta” o seu reino estaria perdido. Daí o termo “Vitória de Pirro”, que expressa
uma conquista em que as perdas do vencedor são tão grandes quanto as do perdedor.
dlxxxvi
FOLHA da Tarde. São Paulo, 24 abr. 1988.
dlxxxvii
Zé-do-Burro e Rosa instalando-se em frente à Igreja. Arquivo Memória Globo. Disponível em
<http://www.globo.com>. Acesso em: 15 ago. 2008.
dlxxxviii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 341-342.
dlxxxix
Ibid., p. 340.
dxc
REYMOND, Willians. Television: tecnology and cultural form. New York: Shocken Books, 1981.
p. 54-61.
dxci
Zé-do-Burro. Foto: Arquivo Memória Globo. Disponível em: <http://www.globo.com>. Acesso
em: 15 ago. 2008.
dxcii
Foto de N@Mídia – Marketing & Design.
dxciii
Idem.
dxciv
Zé-do-Burro e Rosa, na estrada em direção a Salvador. Foto: Arquivo Memória Globo. Disponível
em: <http://www.globo.com>. Acesso em: 15 ago. 2008.
dxcv
A pesquisadora Cristina Brandão, em seu livro Teatro: ousadia e criatividade numa TV
incipiente, conceitua “hipotexto” como termo sinônimo de subtexto ou texto marginal ao texto
principal, normalmente ocupado por notas de rodapé, posfácio, referências bibliográficas, função de
hipotexto pode ser desempenhada por um texto clássico ou de importância indiscutível, pois não está
em causa uma relação de valor entre textos, mas uma complexa relação de sentidos. o “hipertexto”,
Cristina caracteriza como uma forma não linear de apresentar a informação textual, uma espécie de
“texto em paralelo”, que se encontra dividido em unidades básicas, entre as quais se estabelecem elos
conceituais.
dxcvi
BRANDÃO, Cristina. Teleteatro: ousadia e criatividade numa TV incipiente. Juiz de Fora:
Numem;UFJF, 1999. p. 141.
dxcvii
Ibid., p. 147.
dxcviii
CORREIO do Povo. Porto Alegre, 1º jan. 1988.
34
dxcix
Zé-do-Burro. Foto: Arquivo Memória Globo. Disponível em: <http://www.globo.com>. Acesso
em: 15 ago. 2008.
dc
Compunham a trilha as seguintes músicas: Senhora dos Ventos, Iluminada (tema de abertura
Figura XX), Forrobodó 1, Inhambú de Fogo, Prova de Amor, Pedra de Cantaria, Forrobodó 2, Sol a
Pino, Sertão, Paisagem Brasileira 1 e Paisagem Brasileira 2.
dci
Coleção particular de Cláudia Ramos.
dcii
Disponível em: <http://www.teledramaturgia.com.br/alfabetica.htm>. Acesso em: 25 mar. 2008.
dciii
JORNAL Sahara de Agadir, Evénement théâtral à Agadir, 27 mar. 1979.
dciv
Libreto, do italiano “libretto”, é o texto usado em uma peça musical do tipo ópera, opereta,
oratório, cantata e musical . A palavra “libretto” significa, literalmente, livrinho. Ele inclui tanto as
palavras das partes cantadas, as letras, quanto das faladas e não pode ser entendido como sinopse ou
roteiro da trama da peça. O autor do libreto é chamado de libretista.
dcv
PEIXOTO, Fernando. Ópera e Encenação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 41.
dcvi
Ao longo dos anos a Ópera foi desenvolvendo características e peculiaridades. O Bel Canto era um
estilo presente na ópera italiana, caracterizava-se pelo virtuosismo e o adorno que o solista
demonstrava na sua representação; as primeiras óperas barrocas consistiam em recitativos cantados
por solistas e em passagens corais, acompanhadas por pequenas orquestras. No século XVII, surgiu a
ária, que começou a se desenvolver como um elemento separado do recitativo. Enquanto os recitativos
apresentavam o enredo, as árias serviam como pausas, nas quais as personagens apresentavam seus
sentimentos e idéias. Surgiu depois o recitativo seco, onde apenas um instrumento acompanhava o
cantor. A Ópera Séria e a Ópera Bufa eram extremamente populares, compostas muitas vezes para
uma temporada. Apesar de péssimos libretos e personagens toscos, eram do agrado popular pela
música que apresentavam. Na ópera séria, os compositores baseavam suas obras em histórias de
antigos reis ou em reis ou em deuses da mitologia. Os enredos proporcionavam cenas espetaculares e
davam destaque ao canto. Por isso os cantores dedicavam-se mais a qualidade técnica e o timbre da
voz. A chamada Grande Ópera desenvolveu-se no início do século XIX. Seus compositores davam
preferência a episódios históricos, nos quais podiam incluir cenas com grande número de figurantes,
efeitos cênicos, além de uma música instrumental e vocal elaborada e complexa. Um nome se destaca
entre os compositores, Richard Wagner, pois achava que todos os componentes da produção de uma
ópera deveriam receber igual atenção. Ele mesmo escrevia os libretos e supervisionava a produção.
Abandonou as formas tradicionais tornando a orquetra tão importante quanto os cantores. As Óperas
Nacionalistas valorizavam o sentimento patriótico e seus temas estavam voltados para temas folclórios
e tipos populares; as Óperas Veristas surgiram no final do século XIX, traziam grande realismo, temas
do cotidiano, carregadas de ações e emoções violentas.
dcvii
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 268.
dcviii
Revista Santos Arte & Cultura, ano 2, vol. 8, mar. 2008, p. 05.
dcix
Ópera de Câmara é composta para poucos instrumentos: 1 flauta, 1 oboé, 1 clarinete, 1 trompa, 1
prato, 1 caixa, 1 bombo, 1 trângulo, 1 piano, violinos, violomcelos e contrabaixo e poucas vozes. As
composições nesse estilo são habilmente trabalhadas em sua estrutura interna.
dcx
Uma orquestra completa ou sinfônica dispõe cinco classes de instrumentos: as cordas: violinos,
violas, violoncelos, contrabaixos, harpas; as madeiras : flautas, flautins, oboés, corne-inglês,
clarinetes, clarinete naixo, fagotes, contrafagotes; os metais : trompetes, trombones, trompas, tubas; os
instrumentos de percussão: mpanos, triângulo, caixas, bumbo, pratos, carrilhão sinfônico; os
instrumentos de teclas: piano, cravo, órgão. Entre estes grupos de instrumentos e em cada um deles
existe uma hierarquia implicitamente aceita. Cada secção, ou grupo de instrumentos provê um solista,
ou principal, que será o protagonista dos solos e da liderança do grupo. Os violinos são divididos em
dois grupos: primeiros violinos e segundos violinos o que pressupõe dois principais. O principal dos
primeiros violinos é designado como chefe não só de toda a secção de cordas mas de toda a orquestra,
subordinado unicamente ao maestro, esse violinista é denominado “spalla”. Nos metais, o primeiro
trombonista é o líder, enquanto que nas madeiras esse papel cabe ao primeiro oboísta.
dcxi
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 95.
34
dcxii
A música tonal carcteriza-se pela importância dad às combinações entre as notas e seus resultados
sonoros particulares. Na música tonal, as alterações de um acorde são geralmente consideradas
meramente notas de colorido, que não afetam a função básica de um acorde.
dcxiii
A música modal se caracteriza pela importância dada às combinações entre as notas e seus
resultados sonoros particulares. De acordo com a função e o texto cantado, o compositor usa um modo
escalar diferente. O fundamento da música modal é a composição melódica, seja em uma monodia
(uma só melodia) ou em uma polifonia (mais de uma melodia, simultâneas).
dcxiv
Leitmotiv palavra de origem alemã, que significa motivo condutor, técnica, desenvolvida por
Wagner, de associar a cada personagem da ópera um tema musical específico, que ainda com
variações, permanece reconhecível por toda a obra. In: CASOY, Sergio. Óperas e outros cantares.
São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 44.
dcxv
Ostinato palavra de origem italiana, significa teimoso, obstinado, trata-se de um motivo ou frase
musical que é persistentemente repetido numa mesma altura. A idéia repetida pode ser um padrão
rítmico, parte de uma melodia ou uma melodia completa. In: CASOY, Sergio. Óperas e outros
cantares. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 46.
dcxvi
O GLOBO. Rio de Janeiro, Caderno Cultural, 24 ago. 2006.
dcxvii
Id., 1993.
dcxviii
JOURNAL Le Dauphiné Libere. Chambéry, França, 23 out. 2000.
dcxix
Estréia em 25 de agosto de 2006. Promoção do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Arquivo: Memória da UFRJ.
dcxx
CAYRES, Kadu. Jornal da UFRJ, Rio de Janeiro, Cultura, set. 2006, p. 22.
dcxxi
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/o_pagador_de_promessas.htm>. Acesso em:
18 dez. 2007.
dcxxii
Pizzicati é uma técnica de interpretação para fazer soar intrumentos. Com relação aos violinos, o
pizzicati resume-se em soar as cordas sem a utilização do arco, mas sim com as pontas dos dedos, que
as pinçam de forma curta e pulsante. Popularmente chamado de “beliscar as cordas”.
dcxxiii
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/o_pagador_de_promessas.htm>. Acesso em:
18 dez. 2007.
dcxxiv
Idem.
dcxxv
Idem.
dcxxvi
Disponível em: <http://www.adufrj.com.br/.../clipping/com_555.jpg>. Acesso em: 20 maio 2008.
dcxxvii
CAYRES, Kadu. Jornal da UFRJ: cultura . Rio de Janeiro, set. 2006. p. 22.
dcxxviii
JORNAL da UFRJ, Rio de Janeiro, Cultura, set. 2006, p. 22.
dcxxix
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 268.
dcxxx
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/o_pagador_de_promessas.htm>. Acesso em:
18 dez. 2007.
dcxxxi
Disponível em: <http://www.anitagonzalez.com>. Acesso em: 05 set. 2008.
dcxxxii
CAETANO, Marcelo. Revista Ciências Humanas, Rio de Janeiro: Graphos, jul./set. 1978, p. 9.
dcxxxiii
O Jogo do Bicho é uma contravenção penal inserida no artigo 58 do Decreto-lei 3.688/41; logo, um comportamento tido como “crime-anão” ou “quase-crime”, como se costuma dizer ao
tratar-se das condutas que, sob a ótica legislativa, o fatos sociais de menor gravidade. Note-se que desde 1941, portanto mais de 60 anos, a conduta do jogo do bicho é tida não como um crime, mas
como um desvio de comportamento de menor importância e de pouca lesividade social.
dcxxxiv
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 28-29.
dcxxxv
Apontador pessoa que anota as apostas dos jogadores de “Bicho”. Normalmente ficam parados
em lugares pré-determinados, chamados de “pontos”, fazem seus registros em pequenos papéis, que
são as “listas”.
dcxxxvi
ANDRADE, Carlos Drummond. Crônicas da Cidade. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: Caderno
B, 13 out. 1974, p.3.
dcxxxvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 23-24.
dcxxxviii
SOARES, André Luiz Dinis Gonçalves. Bicho Ilegal: sansões impostas a apontadores não
impedem atividade. Revista Consultor Jurídico, 9 maio 2004. Disponível em
<http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 17 mar. 2008.
dcxxxix
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 75-76.
dcxl
Ibid. p. 130.
dcxli
BISCAIA, Antônio Carlos. Globo. Opinião. O Globo. Rio de Janeiro, 10 fev. 2005, p. 2.
34
dcxlii
EVANGELISTA, Hélio de Araújo. Rio de Janeiro: violência, jogo do bicho e narcotráfico
segundo uma interpretação. Rio de Janeiro: Revan;Faperj, 2003. p. 43.
dcxliii
ABREU, Mauricio de Almeida. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Iplanrio;Jorge Zahar, 1987. p. 123-132.
dcxliv
Piscinão de Ramos ou Parque Ambiental da Praia de Ramos é uma área de lazer que consiste em
uma praia artificial associada a uma piscina pública de água salgada, instalada no bairro de Ramos.
Essa piscina foi montada utilizando-se água do mar, para possibilitar que a população local pudesse
aproveitar a orla marítima, sem preocupação com a forte poluição que atinge as águas da Baía de
Guanabara. A piscina possui 26.414 metros quadrados, revestidos com uma camada de polietileno e
com capacidade para 30 milhões de litros de água. Apresenta, contudo, problemas de contaminação,
uma vez que as medições constataram a presença de 400 e 920 coliformes fecais por 100 mililitros de
água.
dcxlv
Samba enredo de 2009 da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinenese. Disponível em:
<http://www.tudodesamba.com.br/conteudo.asp?id=1587>. Acesso em: 12 set. 2008.
dcxlvi
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p.107.
dcxlvii
GOMES, Dias. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p. 487.
dcxlviii
Entrevista de Dias Gomes no programa Roda Viva. TV Cultura de São Paulo, 12 jun. 1995.
dcxlix
Idem.
dcl
CARVALHO, Orlando Miranda de. Depoimentos V. Rio de Janeiro: MEC;Secretaria da
Cultura;Serviço Nacional de Teatro, 1981. p. 51-57.
dcli
MICHALSKY, Ian. Revista Veja, São Paulo: Abril, Coluna Televisão, 12 jul. 1972, p. 97.
dclii
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Da Literatura à TV. São Paulo: IDART;Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, 1981. p. 23.
dcliii
______. Da Literatura à TV. São Paulo: IDART;Departamento de Informação e Documentação
Artísticas, 1981. p. 21-22.
dcliv
Entrevista de Dias Gomes no programa Roda Viva. TV Cultura de São Paulo, 12 jun. 1995.
dclv
VIANNA, Luiz Werneck. Entrevista. Jornal Opinião, Rio de Janeiro, 29 jul. 1974.
dclvi
Cadernos de Opinião,o Paulo: Paz e Terra, n. 14, out./nov. 1979, p. 13.
dclvii
LIMA, Luiz Costa. Réquiem para a aquarela do Brasil. Cadernos de Opinião, São Paulo: Paz e
Terra, n. 14, out./nov. 1979, p. 92.
dclviii
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 108.
dclix
Entrevista de Dias Gomes no programa Roda Viva. TV Cultura São Paulo, 12 jun. 1995.
dclx
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 116.
dclxi
XEXÉO, Artur. Janete Clair: a usineira de sonhos. Rio de Janeiro: Relume, 2005. p. 90.
dclxii
Entrevista no programa Roda Viva. TV Cultura São Paulo, 12 jun. 1995.
dclxiii
SILVA JÚNIOR, Gonçalo. Pais da TV: a história da televisão brasileira contada por seus
autores. São Paulo: Conrad do Brasil, 2001. p. 89.
dclxiv
Dina Sfat e Mario Lago. Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 21 ago.
2008.
dclxv
Osmar Prado, Djenane Machado e Carlos Vereza.
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 21 ago. 2008.
dclxvi
Do Pagador de Promessas ao Bem-Amado. Jornal Opinião, 26 fev./04 mar. 1973, p. 19.
dclxvii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 21 ago. 2008.
dclxviii
Idem.
dclxix
Idem.
dclxx
Idem.
dclxxi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 279.
dclxxii
Na versão de Roque Santeiro que não foi ao ar. Disponível em:
<http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 22 ago. 2008.
dclxxiii
Entrevista de Dias Gomes no programa Roda Viva. TV Cultura São Paulo, 12 jun. 1995.
dclxxiv
RAMOS, J. M. O.; BORELLI, S. H. S. A telenovela diária: telenovela, história e produção. São
Paulo: Brasiliense, 1989. p. 74.
dclxxv
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 22 ago. 2008.
34
dclxxvi
Idem.
dclxxvii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 286-287.
dclxxviii
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 28 set. 1976, p. 3.
dclxxix
ESSLIN, Martin. O Teatro do Absurdo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1968. p. 156.
dclxxx
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 22 ago. 2008.
dclxxxi
FOLHA de São Paulo. São Paulo, Caderno Cultural, 09 nov. 1997.
dclxxxii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 184-185.
dclxxxiii
SILVA JÚNIOR, Gonçalo. Pais da TV: a história da televisão brasileira contada por seus
autores. São Paulo: Conrad do Brasil, 2001. p.83.
dclxxxiv
ALVES, Walter. As lições do Pagador. Jornal de Letras, Rio de Janeiro, jun. 1962, p. 6.
dclxxxv
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 229.
dclxxxvi
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 22 ago. 2008.
dclxxxvii
TÁVOLA, Artur da. A Telenovela Brasileira. Porto Alegre: Globo, 1996. p. 25-28.
dclxxxviii
Ibid., p.29.
dclxxxix
Na Telenovela Bandeira Dois, que deu origem ao Rei de Ramos. Arquivo: Rede Globo de
Televisão.
dcxc
Em Bandeira 2. Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 12 jun. 2008.
dcxci
GOMES, Dias. Os Falsos Mitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p. 563.
dcxcii
Ibid., p. 564.
dcxciii
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficçção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
p. 131.
dcxciv
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=FkM9PVjuROg>. Acesso em: 20 jan. 2007.
dcxcv
GOMES, Dias. Os Falsos Mitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p. 564.
dcxcvi
______. Arquivo N, 1988.
dcxcvii
Disponível em: <http://www.teledramaturgia.com.br>. Acesso em: 19 mar. 2008.
dcxcviii
Idem.
dcxcix
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 12 jun. 2008.
dcc
Idem.
dcci
GOMES, Dias. Trecho do Roteiro de Bandeira 2. Acervo da Central Globo de Produções. Acesso
em: 22 jan. 2008.
dccii
______. Coleção Dias Gomes: os espetáculos musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p.
487.
dcciii
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 84-85.
dcciv
Na estréia do Rei de Ramos, Teatro João Caetano. Foto: Arquivo Jornal O Globo.
dccv
O cartel é uma prática ilegal, pois se trata de uma forma de oligopólio em que as empresas
legalmente independentes, atuantes do mesmo setor, promovem um acordo entre si para terem o
domínio de determinada oferta de bens ou de serviços, inviabilizando as chances de concorrência leal
e eliminando do mercado as empresas que não pertencem ao “cartel”.
dccvi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 184-185.
dccvii
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 11 mar. 1979.
dccviii
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 362.
dccix
ZALUAR, Alba. Os paradoxos da democratização. Revista de Estudos Estratégicos, Brasília:
Ministério da Ciência e Tecnologia, n. 2, jan./jun. 2002, p.11.
dccx
LYDAY, Leon F. O Pagador de Promessas e O Rei de Ramos: variações sobre o tema. Revista
Colóquio/Letras, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, n. 54, mar. 1980, p.91.
dccxi
BRECHT, Bertold. Poemas: 1913–1956. São Paulo: 34, 2000. p. 215.
dccxii
FAMÍLIA ALMG. Disponível em: <http://www.doisdedosdeprosa.wordpress.com>. Acesso em:
17 abr. 2007.
dccxiii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 347-383.
720
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 11 mar. 1979.
dccxiv
Idem.
dccxv
Utilizada na extração de números. Disponível em: <http://www.policiacivil.rj.gov.br/museu>.
Acesso em: 25 maio 2005.
34
dccxvi
Para apuração do Jogo do Bicho. Disponível em: <http://www.policiacivil.rj.gov.br/museu>.
Acesso em: 25 maio 2005.
dccxvii
Década de 1940. Disponível em: <http://www.riototal.com.br>. Acesso em: 28 maio 2005.
dccxviii
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 47.
dccxix
Ibid., p. 50-51.
dccxx
Ibid., p. 53.
dccxxi
KAZ, Leonel. Brasil: palco e paixão. Rio de Janeiro: [S.n.], 200. p. 13.
dccxxii
VENEZIANO, Neyde. Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas:
Unicamp,1991. p. 120.
dccxxiii
Espetáculo “Meia Noite”. In: KAZ, Leonel. Brasil: palco e paixão. Rio de Janeiro: [S.n.], 2005.
p. 18.
dccxxiv
VENEZIANO, Neyde. Teatro de Revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas:
Unicamp,1991. p. 120.
dccxxv
O “compére” poderia ser entendido como “nosso compadre”, um tipo oriundo do modelo francês
de Revista, que chegou ao Brasil por intermédio de Portugal. Ele é o costureiro dos quadros, interage e
estabelece o pacto com a platéia, apresenta, comenta, dança e liga um quadro no outro, comentando-
os.
dccxxvi
GOMES, Dias. Coleção Dias Gomes: os espetáculos musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1992. p. 263.
dccxxvii
Ibid., p. 269;272;278;285;294;307;311;319;347;360;371;385;393-394;403;407.
dccxxviii
______. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p. 499-500.
dccxxix
______. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 62.
dccxxx
Bens de Produção ou Capital Constante é um conceito utilizado por Karl Marx em “O Capital”,
onde ele coloca que é a parte do capital que se transforma em matérias-primas, matérias auxiliares, isto
é em “bens de produção.
dccxxxi
Força de Trabalho ou Capital Variável, também segundo Marx, é a parte do capital que se
transforma em força produtiva e corresponde aos salários.
dccxxxii
O bicheiro Antônio Petrus Kalil, o Turcão, possui negócios legais, que são administrados por
seu filho mais velho, rede de restaurantes, hotéis e academias de ginástica.
dccxxxiii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira,1979. p. 20-21.
dccxxxiv
“Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua
realização ou exploração: Pena Prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa. Parágrafo único:
Incorre na pena de multa aquele que participa da loteria, visando à obtenção de prêmio, para si ou para
terceiro”. GOMES, Luiz Flávio (Org.). Constituição Federal. Código Penal. Código de Processo
Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 518.
dccxxxv
Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua
realização ou exploração: Pena Prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa. Parágrafo único:
Incorre na pena de multa aquele que participa da loteria, visando à obtenção de prêmio, para si ou para
terceiro”. GOMES, Luiz Flávio (Org.). Constituição Federal. Código Penal. Código de Processo
Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 518.
dccxxxvi
Boleto de apostas do Jogo do Bicho. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/jogo-do-
bicho4.htm>. Acesso em: 20 mar. 2008.
dccxxxvii
FOLHA de São Paulo. São Paulo, 30 abr. 2004.
dccxxxviii
ASSIS, Machado de. Obra Completa: vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1994. p.43.
dccxxxix
Samba enredo da Beija Flor de 1976. Disponível em: <http://www.beijaflor.com.br. Acesso em:
22 mar. 2008.
dccxl
Desfile da Beija Flor em 1976. Disponível em: <http://www.beijaflor.com.br>. Acesso em: 22
mar. 2008.
dccxli
MAGALHÃES JUNIOR, Raymundo. Arthur Azevedo e sua Época. São Paulo: Lisa;Livros
Irradiantes, 1971. p. 126.
dccxlii
Disponível em: <http://www.brasilcult.pro.br/.../figurinhas.htm>. Acesso em: 23 mar. 2008.
dccxliii
Foto do Barão de Drommond, publicada no Rio de Janeiro: AGBI, 1939, p. 187.
dccxliv
Boulevard 28 de setembro. Avenida que chegava ao Jardim Zoológico do Barão.
34
Disponível em: <http://www.rio-curioso.blogspot.com/2007_08_01_archive.html>. Acesso
em: 25 jul. 2008.
dccxlv
Bilhete postal de 1905 – Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.girafamania.com.br/.../barao-drummond.jpg>. Acesso em: 28 jul. 2008.
dccxlvi
Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/especiais/entrevista-ewerton-assuncao.html>.
Acesso em: 26 ago. 2008.
dccxlvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 25-26;73;119.
dccxlviii
Ibid., p. 24.
dccxlix
Ibid., p. 28.
dccl
Pule – trata-se do papel que o apontador entrega ao cliente, como recibo da aposta efetuada.
dccli
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 73.
dcclii
MOREIRA, Sabato Roberto. Ainda lugar para o jeitinho brasileiro? Jornal da Ciência, Rio de
Janeiro: SBPC, 06 abr. 2006, p. 12.
dccliii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 76.
dccliv
Ibid., p. 117.
dcclv
JORNAL do Recife. Recife, 18 fev. 2008, p. 1.
dcclvi
Disponível em: <http://jogodobicho.zip.net>. Acesso em: 08 jul. 2008.
dcclvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 118.
dcclviii
Disponível em: <http://wanderbymedeiros.blogspot.com/2007_04_01_archive.html>. Acesso
em: 20 mar. 2008.
dcclix
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/arquivo/inde12022003.htm#indice>.
Acesso em: 20 mar. 2008.
dcclx
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 131.
dcclxi
LARA, Cláudio. Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense de Ramos, em 2005.
Disponível em: <http://www.flckr.com/claudiolira/45128614/>. Acesso em: 10 fev. 2007.
dcclxii
Limões de cheiro eram pequenas esferas de cera cheias de água perfumada, frascos de borracha
ou bisnagas cheias de vinho, vinagre ou groselha, estas foram as precursoras dos lança-perfumes,
feitos de metal, introduzidos em 1885.
dcclxiii
Carnaval do Rio Antigo 1915. Augusto Mata Fotógrafo. Disponível em: <http://www.samba-
choro.com.br>. Acesso em: 28 ago. 2008.
dcclxiv
Di Cavalcanti. Pierrot, Arlequim e Colombina, óleo sobre tela, 1922. Disponível em:
<http://www.dicavalcanti.com.br/anos20/obras_20/pierro_arlequim_e_colombina.htm>. Acesso em:
28 ago. 2008.
dcclxv
O Corso na Avenida Rio Branco.
Disponível em: <http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/verfotos?chave_id=6>. Acesso
em: 28 ago. 2008.
dcclxvi
MALTA, Augusto. As Grandes Sociedades do Rio de Janeiro, 1920. Disponível em:
<http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/verfotos?chave_id=6>. Acesso em: 28 ago.
2008.
dcclxvii
TRAMONTE, Cristiana. Os Urbanistas, ano 4, vol. 4, n. 3, Santa Catarina: Edufsc, 2007.
(Capa).
dcclxviii
Carnaval na Avenida Rio Branco.
Disponível em: <http://www.samba-choro.com.br/fotos/porexposicao/verfotos?chave_id=6>. Acesso
em: 28 ago. 2008.
dcclxix
Tia Ciata, à direita. Disponível em: <http://www.sambadatenda.com.br>. Acesso em: 21 mar.
2008.
dcclxx
Trecho da Rua Visconde de Itaúna, em 19 de julho de 1941. A casa de Tia Ciata está assinalada
pelo n
o
119, que corresponde à descrição dos frequentadores. Disponível em:
<http://www.flaviorio.globolog.com.br/archive_2006_08...>. Acesso em: 21 mar. 2008.
dcclxxi
Fonte: Arquivo do Museu do Carnaval.
dcclxxii
Disponível em: <http://www.oglobo.globo.com>. Acesso em: 21 mar. 2008.
dcclxxiii
Fazenda do Coronel Ramos. Foto de autor não identificado.
Disponível em: <http://fotolog.terra.com.br/znorte:1>. Acesso em: 21 mar. 2008.
34
dcclxxiv
Local marcado com o balão refere-se à antiga Vila Gerson. Disponível em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Transito/0,,ABD0-7396,00.html>. Acesso em: 25 mar. 2008.
dcclxxv
NUNES, Pedro. 35 Anos de Propaganda: subsídios para a história da propaganda no Brasil.
Rio de Janeiro: Gernasa, 1969. p. 19.
dcclxxvi
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 339-340.
dcclxxvii
DURAN, Jorge. Entrevista ao Museu do Cinema. Disponível em:
<http://www.sitedecinema.com.br/conteudo/entrev_31.htm>. Acesso em: 21 ago. 2005.
dcclxxviii
CHION, Michel.Como se escribe um Guion. Madri: Catedra, 1988. p. 144.
dcclxxix
VALE, Eugene. The Technique of screenplaywriting: an analysis of dramatic struture of
motion pictures. Londres: Grosset y Dunlap, Souvenir Press, 1980. p. 192.
dcclxxx
Trabalhador que exerce as funções de marcar, arrecadar e conferir as apostas do jogo do bicho.
dcclxxxi
VALE, Eugene. The Technique of screenplaywriting: an analysis of dramatic struture of
motion pictures. Londres: Grosset y Dunlap, Souvenir Press, 1980. p. 55.
dcclxxxii
Disponível em: <http://www.sitedecinema.com.br>. Acesso em: 24 nov. 2006.
dcclxxxiii
BARRETO, Flávio. Disponível em: <http://www.sitedecinema.com.br>. Acesso em: 24 nov.
2006.
dcclxxxiv
Revista Bravo, São Paulo: Abril, jul. 2008, p. 83.
dcclxxxv
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Da literatura à TV. São Paulo: IDART;Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, 1981. p. 40.
dcclxxxvi
MILLARCH, Aramis. O Estado do Paraná. Curitiba, Caderno Almanaque, Coluna Tablóide,
1º out. 1986, p. 13.
dcclxxxvii
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Da literatura à TV. São Paulo: IDART;Departamento de
Informação e Documentação Artísticas, 1981. p. 45.
dcclxxxviii
Cena de “O Rei do Rio.
Disponível em: <http://cineclick.uol.com.br/cinemateca/fotos/2720gr3.jpg>. Acesso em: 28 ago. 2008.
dcclxxxix
O GLOBO. Rio de Janeiro, Caderno Cultural, 07 abr. 2006, p. 05.
dccxc
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 07.
dccxci
BENTLEY, Eric. O Dramaturgo como Pensador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
p. 338.
dccxcii
MAGALDI, Sábato. Teatro Sempre. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 122.
dccxciii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 183.
dccxciv
CHION, Michel. Como se escribe um Guion. Madrid: L’Etoile-Cahiers du Cinema;Cátedra,
1988. p. 205-218.
dccxcv
FOLHA de São Paulo. São Paulo: Caderno Cultural, 02 jul. 1963, p. 4.
dccxcvi
COMPARATO, Doc. Da criação ao Roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 23
dccxcvii
Cartaz de “O Pagador de Promessas”, na versão em francês.
Disponível em: <http://www.cinemafrance.com.fr>. Acesso: 12 jun. 2006.
dccxcviii
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Roteiro para filmagem. Trecho do arquivo de textos
do ator Leonardo Vilar. Acesso em: jan. 2008.
dccxcix
MASSARANI, Sandro. Disponível em: <http://www.massarani.com.br>. Acesso em: 28 mar.
2008.
dccc
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Roteiro para filmagem. Trecho do arquivo de textos do
ator Leonardo Vilar. Acesso em: jan. 2008.
dccci
MASSARANI, Sandro. Além do Cotidiano: a realidade é surreal. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.massarani.com.br>. Acesso em: 25 mar. 2008.
dcccii
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 331.
dccciii
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 95.
dccciv
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 332.
dcccv
Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo. Centro Histórico de Salvador, onde foram realizadas
as filmagens de “O Pagador de Promessas” para o cinema e as gravações para a televisão. À esquerda,
fotos disponíveis em: <http://www.pbase.com/ceck/salvador>. Acesso em: 31 ago. 2008. À direita,
foto da autora.
34
dcccvi
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Roteiro para filmagem. Trecho do arquivo de textos do
ator Leonardo Vilar. Consulta: jan. 2008.
dcccvii
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 84
dcccviii
Ibid., p. 84.
dcccix
Ibid., p. 86-87.
dcccx
MICHALSKI, Yan; TROTTA, Rosyane. Teatro e Estado. São Paulo; Rio de Janeiro: Hucitec,
1992. p. 165-166.
dcccxi
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 331.
dcccxii
Fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais,
posseiros e peões. Ajudou a defender as pessoas da crueldade deste sistema de governo, que fazia o
jogo dos interesses capitalistas nacionais e transnacionais, e abriu caminhos para que ele fosse
superado. Ela nasceu ligada à Igreja Católica porque a repressão estava atingindo muitos agentes
pastorais e lideranças populares, e também, porque a igreja possuía uma certa influência política e
cultural, principalmente no período da ditadura. O reconhecimento do vínculo com a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ajudou a Pastoral da Terra a realizar o seu trabalho e se
manter, logo depois a entidade adquiriu um caráter ecumênico.
dcccxiii
Disponível em: <http://ondeanda.multiply.com/photos/album/753>. Acesso em: 1º set. 2008.
dcccxiv
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás. Registro: C-287/80 ex 2. 14 fev. 1980.
dcccxv
______. O Pagador de Promessas. Roteiro para filmagem. Trecho do arquivo de textos do ator
Leonardo Vilar. Acesso em: jan. 2008.
dcccxvi
Plano: o conceito de plano é amplo, a palavra é utilizada de uma forma bem elástica. Uma
definição útil é de que plano é o intervalo que entre dois cortes. O plano é considerado a menor
unidade fílmica. O plano costuma ser classificado de acordo com diversos critérios, porém, no caso
específico a classificação está associada ao ângulo: “plongée esta palavra, em francês, significa
“mergulho”, neste plano, o espectador vê a cena de cima para baixo; “contraplongée”: em oposição ao
anterior, contra-plano o espectador vê a cena de baixo para cima.
dcccxvii
Entidade de classe que se destina a reunir os ruralistas e tem como princípio a preservação do
direito de propriedade.
dcccxviii
GADELHA, Carmen. Olhar Virtual, Rio de Janeiro, edição 19, 25 nov. 2003. Disponível em:
<http://www.olharvirtual.ufrj.br>. Acesso em: 18 jun. 2008.
dcccxix
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás. Registro: C-287/80 ex 2. 14 fev. 1980.
dcccxx
Idem.
dcccxxi
Depoimentos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.radiobras.gov.br/nacionalrj/especialnacrj/html/tv.php?id=e6>. Acesso em: 12 abr. 2007.
dcccxxii
AZEVEDO, Lia Calabre. A participação do rádio no cotidiano da sociedade brasileira. Ciência e
Opinião, Curitiba, jul. 2003, p.74.
dcccxxiii
GOMES, Dias. Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 25 ago. 2008.
dcccxxiv
PEIXOTO, Fernando. Ópera e Encenação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 22.
dcccxxv
Ibid., p. 11-19.
dcccxxvi
Ibid., p. 16.
dcccxxvii
Idem.
dcccxxviii
Letra da música da Ária de Marli, na ópera “O Pagador de Promessas”. Disponível em:
<http://www.correiomusical.com.br/musicas_ escalant.htm>. Acesso em: 02 set. 2008.
dcccxxix
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 103-107 e 187.
dcccxxx
Pomba-gira é a fêmea de Exú, comanda o amor, o sexo, ótima conselheira sentimental, quando
mais evoluída chama-se Lerabá, a senhora da sedução, comanda a sexualidade feminina, a vaidade e o
amor, encanta os homens. Tem grande coração com quem a agrada e respeita e vinga-se dos que a
desafiam. Busca alegria, aventura, festas e sexo, protetora dos prostíbulos, das mulheres e dos
cassinos.
dcccxxxi
Frase melódica da Ária de Marli.
34
dcccxxxii
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/musicas_escalant.htm>. Acesso em: 02 set.
2008.
dcccxxxiii
Disponível em: <http://www.correiomusical.com.br/musicas_escalant.htm>. Acesso em: 02
set. 2008.
dcccxxxiv
ESCALANTE, Eduardo. Entrevista à reportagem da BandNews, em 25 de agosto de 2006.
dcccxxxv
GOMES, Dias. O Pagador de Promessas. Grande Teatro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Arquivo: Radiobrás. Registro: C-287/80 ex 2. 14 fev. 1980.
dcccxxxvi
Id., 2008.
dcccxxxvii
“Pizzicato” é uma técnica de reprodução sonora que envolve determinados elementos de um
instrumento. A técnica varia, dependendo do tipo de instrumento. Nos violinos, por exemplo, ao invés
de se utilizar o arco para fazer vibrar as cordas, elas são pinçadas com os dedos, produzindo um som
curso e percussivo.
dcccxxxviii
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 97-181.
dcccxxxix
PEIXOTO, Fernando. Ópera e Encenação. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 116
dcccxl
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 95
dcccxli
Ibid., p. 95.
dcccxlii
Idem.
dcccxliii
Ibid., p. 96.
dcccxliv
Ibid., p. 95-102.
dcccxlv
PALLOTTINI, Renata. O que é Dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2005. p. 27.
dcccxlvi
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 102-103.
dcccxlvii
Ibid., p. 103-108.
dcccxlviii
Ibid., p. 108 -127.
dcccxlix
Ibid., p. 129.
dcccl
Idem.
dcccli
Idem.
dccclii
Idem.
dcccliii
Ibid., p. 130
dcccliv
Ibid., p. 130-134.
dccclv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 134-140.
dccclvi
Ibid., p. 141-149.
dccclvii
Lauro Góes é professor do curso de Direção Teatral, da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
dccclviii
Disponível em: <http://www.jornal.ufrj.br/jornais/jornal20/jornalUFRJ2022.pdf>. Acesso em:
15 maio 2008.
dccclix
Ibid., p. 153.
dccclx
Ibid., p. 153-158.
dccclxi
Ibid. p. 159.
dccclxii
Ibid., p. 159-162.
dccclxiii
Ibid., p. 162-166.
dccclxiv
Ibid., p. 167-173.
dccclxv
Ibid., p. 174-177.
dccclxvi
Ibid., p. 177-182.
dccclxvii
Ibid., p. 182-185.
dccclxviii
Ibid., p. 185-188.
dccclxix
Ibid., p. 189–195.
dccclxx
Ibid., p. 196-209.
dccclxxi
Ibid., p. 209-217.
dccclxxii
Ibid., p. 221-227.
dccclxxiii
Ibid., p. 228-237.
dccclxxiv
Ibid., p. 237-243.
dccclxxv
Ibid., p. 244-248.
dccclxxvi
Ibid., p. 249-250.
34
dccclxxvii
Ibid., p. 251-263.
dccclxxviii
MICHALSKI, Yan; TROTTA, Rosyane. Teatro e Estado. São Paulo;Rio de Janeiro: Hucitec,
1992. p. 166.
dccclxxix
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 24.
dccclxxx
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 07 set. 2008.
dccclxxxi
Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R0114-1.pdf>.
Acesso em: 08 mar. 2008.
dccclxxxii
GOMES, Dias. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 19 maio 1999, p. 3.
dccclxxxiii
Ibid., p. 5.
dccclxxxiv
CARDOSO, Pedro. O Estado de São Paulo. Estadão Hoje. Caderno 2. São Paulo, 03 ago.
2008, p. 5.
dccclxxxv
Disponível em: <http://www.abrilcultural.com.br>. Acesso em: 12 maio 2008.
dccclxxxvi
ALENCAR, Mauro. A Hollywood Brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de
Janeiro: Senac Rio, 2002. p. 94.
dccclxxxvii
Ibid., p. 102.
dccclxxxviii
A Invasão, de Dias Gomes, foi escrita em 1960 e enfoca o proletariado urbano como massa
onde não é possível a emergência de líderes ou a unidade de ação. Na época, sua fonte de inspiração
foram os constantes desabamentos em morros cariocas durante os temporais de verão. Texto dos mais
polêmicos das obras de Dias Gomes. A Invasão estreou em 1962, sendo proibido pelo AI-5, seis anos
depois. É um drama intenso e amargo. O autor investiga causas e conseqüências dos nossos problemas
sociais, numa linguagem despojada e contundente. Aponta soluções drásticas num país onde impera a
desigualdade social e se vive de politicagem. Dias Gomes alerta o povo da necessidade de ser
independente. Na obra, Gomes aborda o problema dos sem teto nos centros urbanos.
dccclxxxix
GOMES, Dias. Jornal da Tarde. São Paulo, 22 jun. 1981.
dcccxc
LUCENA, Suênio Campos. 21 Escritores Brasileiros: uma viagem entre mitos e motes. São
Paulo: Escrituras, 2001. p. 108.
dcccxci
Disponível em: <http://www.fotolog.terra.com.br/znorte:1. Acesso em: 1º ago. 2008.
dcccxcii
Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=392862>;
<http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=638299>. Acesso em: 07 set. 2008.
dcccxciii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 265.
dcccxciv
O taxímetro é programado para identificar quando o táxi está parado ou andando, pois como
para cada uma dessas situações existe tarifa diferenciada, o preço final da “corrida” é proporcional à
distância percorrida e o tempo parado no trânsito. O vocábulo taxímetro é resultante de uma mistura
de “taxe” (preço), do francês, com “metron” (medida), do grego. A palavra taxímetro deu origem ao
nome “táxi”, que é um serviço de utilidade pública, chamado oficialmente de Transporte Individual de
Passageiros em Veículos de Aluguel, executado com veículos de passeio e explorado sob o regime de
Permissão a título precário e gratuito por operadores autônomos.
dcccxcv
Disponível em: <http://www.blogdogb.blogger.com.br/taximetro.JPG>. Acesso em: 08 set.
2008.
dcccxcvi
As tarifas para o uso de táxi em Salvador, em vigor em 2008, são: Bandeirada, ou tarifa inicial –
R$ 3, 45; Quilômetro rodado em Bandeira 1 R$1,50; quilômetro rodado em Bandeira 2 R$ 2,00;
Hora parada R$ 15,00; Adicional de Carga acima de 10(dez) volumes R$ 1,10. Informações
obtidas com o motorista de táxi Sr. Carlos Raimundo Costa em 09 de setembro de 2008.
dcccxcvii
Disponível em: <http://www.telehistoria.com.br>. Acesso em: 05 abr. 2008.
dcccxcviii
JORNAL Zero Hora. Porto Alegre, 04 nov. 2007, p. 7.
dcccxcix
Disponível em: <http://www.abrilcultural.com.br>. Acesso em: 22 jun. 2006.
cm
Ibid., 2006.
cmi
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 10 set. 2008.
cmii
O samba-enredo era uma homenagem ao poeta Cassiano Ricardo e foi composto por Catimba e
Gibi. A escola recebeu a sua melhor classificação até então nos destiles do grupo especial, ficou em
quarto lugar.
34
cmiii
LUCENA, Suêmnio Campos. Vinte e um escritores brasileiros: uma viagem entre mitos e motes.
São Paulo: Escrituras, 2001. p. 106.
cmiv
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 23 jun. 2006.
cmv
ARAÚJO, Hiram; JÓRIO, Amaury. Natal: o homem de um braço só. Rio de Janeiro: Guavira,
1975, p. 47.
cmvi
JORNAL do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno do Carnaval, 25 fev. 1980, p.4.
cmvii
ANTÔNIO, João. Zicartola e que tudo mais vá pro inferno. São Paulo: Scipione, 1991. p. 25
cmviii
Disponível em: <http://www.cardiograma.blogspot.com/2007_04_01_archive.html>. Acesso em:
08 set. 2008.
cmix
Disponível em: <http://www.hisbrasil.blogspot.com/2008/03/pontamentos-sobre-seu-natal-da-
portela.html>. Acesso em: 08 set. 2008.
cmx
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/260599/p_158.html>. Acesso em: 09 mar. 2006.
cmxi
Idem.
cmxii
CARVALHO, Orlando Miranda. Depoimentos V. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura;Serviço
Nacional de Teatro, 1981. p. 53.
cmxiii
GOMES, Dias. Trecho do Roteiro de Bandeira 2. Rio de Janeiro: Central Globo de Produções.
Acesso em: 22 jan. 2008.
cmxiv
FADUL, Anamaria. Novas Tecnologias de Comunicação. São Paulo: Summus, 1986. p.86.
cmxv
Disponível em: <http://www.editoraabril.com.br>. Acesso em: 21 jun. 2008.
cmxvi
Disponível em: <http://www.inmemorian.multiply.com>. Acesso em: 17 set. 2008.
cmxvii
MOTTER, Maria de Lourdes. Telenovela e Educação: um processo interativo. INEP, São Paulo,
v. 6, n. 17, jan./abr. 2000, p. 55.
cmxviii
HAMBURGUER, Esther. O Brasil Antenado: a sociedade da novela. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005. p. 170.
cmxix
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 392.
cmxx
JORNAL A Luta Democrática. Rio de Janeiro, 15 jun. 1979.
cmxxi
Disponível em: <http://www.decadade50.blogspot.com/2006/09/gimba-o-presi...>. Acesso em: 25
mar. 2007.
cmxxii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 7-8.
cmxxiii
Ibid., p.19.
cmxxiv
Em 1972, a visão que a sociedade tinha dos banqueiros do bicho é bem diferente da que se
observa nos dias de hoje, em que os pontos de jogo são percebidos também como pontos de venda de
drogas, como o pesquisador Michel Misse da UFRJ esclarece: As bocas-de-fumo que existiam até os
anos 50 eram limitadas aos varejistas e aos olheiros, mas havia violência. A principal droga era a
maconha, cujo comércio aumentou nos anos 60 e 70 por conta da entrada de consumidores das classes
média e alta (...). A entrada da Colômbia na produção de cocaína em grande escala, a partir de meados
dos anos 70, fez o preço da cocaína vendida no Rio e em São Paulo cair. Aqui a oferta estimulou a
demanda. As quadrilhas de assaltantes de banco dos anos 70 migraram para o tráfico da cocaína no
início dos anos 80. O processo de expansão ocorreu rápido no Rio entre 1980 e 1983. Os conflitos
internos ao mercado e a ação da polícia impediu que se formasse uma rede oligopólica, como era o
desejo dos primeiros chefes do Comando Vermelho, do qual também faziam parte os bicheiros. A
partir de então, o movimento se dividiu, muitos chefes foram presos ou mortos. Houve ainda uma
juvenilização das lideranças. Em algumas áreas, a relação com a comunidade local se deteriorou e em
outras, estabilizou-se ainda que de forma precária. Jornal O Globo. Rio de janeiro, 16 jun. 2002.
cmxxv
LUCENA, Suênio Campos. Vinte e um escritores brasileiros: uma viagem entre mitos e motes.
São Paulo: Escrituras, 2001. p. 108.
cmxxvi
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 19-20.
cmxxvii
______. Trecho do Roteiro de Bandeira 2. Rio de Janeiro: Central Globo de Produções. Acesso
em: 22 jan. 2008.
cmxxviii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.20.
cmxxix
Atualmente, as escolas do chamado Grupo Especial, as que obtiveram as melhores notas no
desfile do ano anterior, desfilam nos dias de domingo de carnaval e segunda-feira gorda.
cmxxx
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 20.
34
cmxxxi
Disponível em: <http://www.memóriaglobo.com>. Acesso em: 26 abr. 2007.
cmxxxii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 20.
cmxxxiii
Idem.
cmxxxiv
CUNHA, Miltom . Esquentando os Tamborins. Riotur, Rio de Janeiro, 30 ago. 2005, p. 17.
cmxxxv
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 20.
cmxxxvi
Ibid., p. 21.
cmxxxvii
Idem.
cmxxxviii
LUCENA, Suênio Campos. Vinte e um escritores brasileiros: uma viagem entre mitos e
motes. São Paulo: Escrituras, 2001. p. 108.
cmxxxix
GOMES, Dias. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. p. 499.
cmxl
Id., 1979, p. 21.
cmxli
MEIRELES, Andrei. Revista Istoé, São Paulo: Três, 06 out. 1999, p. 38.
cmxlii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso em: 12 maio 2007.
cmxliii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 22-23.
cmxliv
Ibid., p. 23–26.
cmxlv
Ibid., p. 27.
cmxlvi
Ibid., p. 27-29.
cmxlvii
Ibid., p. 29.
cmxlviii
Ibid., p. 29-31.
cmxlix
ZALUAR, Alba. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 20 out. 1991, p. 13.
cml
Disponível em: <http://www.teledramaturgiabrasil.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2008.
cmli
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 31 – 32.
cmlii
ARCHONTAKIS, Pamela; BRAGA, Daniel. Revista Momento UFF, Niterói: UFF, n. 147,
fev./mar. 2004, p. 6.
cmliii
Disponível em: <http://www.teledramaturgiabrasil.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2008.
cmliv
PEREIRA, Carlos Alberto M. Cacique de Ramos: uma história que deu samba. Rio de Janeiro:
E-papers, 2003. p. 25.
cmlv
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 32.
cmlvi
Disponível em: <http://www.teatromusical.com.br>. Acessível em: 15 ago. 2008.
cmlvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 32-36.
cmlviii
Ibid., p. 37-39.
cmlix
Ibid., p. 40.
cmlx
Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/Frederico_mendes/14819250/>. Acesso em: 20 set.
2008.
cmlxi
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p 40-50
cmlxii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 50.
cmlxiii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso: 22 abr. 2007.
cmlxiv
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 50–53.
cmlxv
Ibid., p.53.
cmlxvi
Ibid., p. 53 59.
cmlxvii
Disponível em: <http://www.memoriaglobo.com>. Acesso: 22 abr. 2007.
cmlxviii
Disponível em: <http://www.inmemorian.multiply.com>. Acesso em: 17 ago. 2008.
cmlxix
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 60-62.
cmlxx
Ibid., p. 62-70.
cmlxxi
Ibid., p. 79-82.
cmlxxii
Ibid., p. 82.
cmlxxiii
Ibid., p. 82-91.
cmlxxiv
Ibid., p. 91.
cmlxxv
Ibid., p. 91-100.
cmlxxvi
Ibid., p. 101.
cmlxxvii
Intertextualidade acontece quando uma referência explícita ou implícita de um texto em
outro. Também pode ocorrer com outras formas além do texto, música, pintura, filme, novela. Toda
34
vez que uma obra fizer alusão implícita ou explícita à outra ocorre a intertextualidade. BRAIT, Beth.
Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p.65.
cmlxxviii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 101.
cmlxxix
Revista Época. Rio de Janeiro: Globo, edição 25, 10 nov. 1998, p. 37.
cmlxxx
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 101-108.
cmlxxxi
Ibid., p. 109-110.
cmlxxxii
Ibid., p. 110-112.
cmlxxxiii
Ibid., p. 112.
cmlxxxiv
Ibid., p. 112–118.
cmlxxxv
Ibid., p. 118.
cmlxxxvi
Ibid., p. 118-120
cmlxxxvii
Ibid., p. 120.
cmlxxxviii
Ibid., p. 120–127.
cmlxxxix
Ibid., p. 127.
cmxc
Ibid., p. 127 - 130.
cmxci
Ibid., p. 130.
cmxcii
Ibid., p. 130 – 131.
cmxciii
Ibid., p. 131 – 132.
cmxciv
Ibid., p. 133–134.
cmxcv
Ibid., p. 134 – 138.
cmxcvi
Disponível em: <http://www.bp0.blogger.com/.../s400/O+rei+de+Ramos.jpg>. Acesso em: 25
ago. 2008.
cmxcvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 129.
cmxcviii
Ibid., p. 138-140.
cmxcix
Disponível em: <http://tertulhas.blogspot.com/2008_08_01_archive.html>. Acesso em: 18 set.
2008.
m
Revista Fatos e Fotos. Rio de Janeiro, 30 abr. 1979, p. 5.
mi
Disponível em: <http://www. memoriaglobo.com>. Acesso em: 25 ago. 2007.
mii
Segundo as categorias de apactação (sic) desenvolvidas por Doc Comparato e apresentadas
anteriormente nesta pesquisa.
miii
HIRSCH, Linei. Transcriação Teatral: da narrativa ao Palco. 1988. Dissertação (Mestrado)
Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 65-89.
miv
Ibid., p. 93.
mv
ADAMI, Antônio. As adaptações no suporte do Rádio: a poética sonora. Rio de Janeiro: XXII
COMPÓS, 2002, p. 73.
mvi
Ibid., p. 68
mvii
Entenda-se que o “drama cinematográficoé um gênero onde o enredo se baseia primordialmente
em conflitos humanos morais e sentimenTaís, geralmente com temáticas tristes, amargas, dolorosas. O
drama do cinema nomeia tamm uma forma atenuada da tragédia.
mviii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: BCD, 1998. p. 327.
mix
Ibid., p. 339.
mx
Idem.
mxi
Após ter perdido o braço, o único emprego que conseguiu foi o “Bicho”. Natal começou no jogo do
bicho como simples empregado e mais tarde se tornou agente e por fim “banqueiro”. Nessa época,
chamou alguns sócios e fundou a firma Haia, que durante muito tempo foi uma das maiores
organizações do jogo do bicho. Em Madureira sua banca era absoluta. Entre 1951 e 1958, a zona de
Madureira vendia mais jogo que todas as outras bancas juntas. Foi que seu nome se consolidou.
Com o passar do tempo, Natal se transformava em um gigante; seu nome era saudado, reconhecido e
cumprimentado por todos. Natal ajudava a todos os que pediam dinheiro para ele, movido pela
lembrança de sua infância pobre. Ajudava as instituições de caridade, as igrejas, foi através dele que
Madureira conheceu o asfalto. O prestígio de Natal era tão grande que o Itamaraty, por intermédio de
Negrão de Lima, Ministro das Relações Exteriores, resolveu entregar-lhe a responsabilidade de
receber a Duquesa de Kent, com um show de samba. Natal foi preso por assassinato. Matou em
34
legítima defesa e esperou pacientemente preso seu julgamento, que deveria ocorrer em quatro meses,
porém Natal achou pouco tempo de prisão por ter matado um homem, e aceitou ser julgado quando
tinha nove meses de prisão. Foi absolvido e libertado. Uma multidão o esperava do lado de fora do
presídio para saudá-lo.
mxii
Disponível em: <http://www.65anosdecinema.pro.br>. Acesso em: 15 set. 2008.
mxiii
Idem.
mxiv
Disponível em: <http://www.afinsophia.blog.com>. Acesso em: 22 set. 2008.
mxv
A cabra é um animal oferecido em sacrifício ao orixá Ogum.
mxvi
Ogum é o Orixá das guerras e o senhor nas demandas onde empresta seu valor. É o guerreiro,
general destemido e estratégico, que veio para ser o vencedor das grandes batalhas. Nos combates, nas
lutas, é o mais aguerrido e poderoso dos Orixás, defensor dos desamparados. Protetor dos ferreiros,
escultores, caminhoneiros, bicheiros, escoteiros, militares e policiais. É o regente de todos os Exus e
Pombas-Gira, compreendendo desde o mais primário espírito da natureza até o mais evoluído, além da
multidão de espíritos desencarnados que trabalham nessa faixa vibratória. Seu campo de ação são o
etéreo e o astral, onde age com poder discricionário, submetendo tudo e todos a sua vontade para levar
aos necessitados a sua afluência em prol de uma causa justa. Ogum é a força e o poder, ele combate às
forças do mal e as magias em todos os planos.
mxvii
Disponível em: <http://www.your-soul.com>. Acesso em: 22 set. 2008.
mxviii
Disponível em: <http://www.anaflavia.com.br>. Acesso em: 22 set. 2008.
mxix
Disponível em: <http://www.museudocinema.blogspot.com/2007/03/o-rei-do-rio.html>. Acesso
em: 22 set. 2008.
mxx
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/lcbarreto/rei_do_rio/fotos05.htm>. Acesso em: 22 set.
2008.
mxxi
Idem.
mxxii
COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 333.
mxxiii
O ESTADO do Paraná. Curitiba, Caderno Almanaque, Coluna Tablóide, 1º out. 1986, p.13.
mxxiv
Espinha dorsal dramática de um texto; núcleo central da ação dramática.
mxxv
CARVALHO, Orlando Miranda. Depoimentos V. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro,
1981. p. 43-44.
mxxvi
Roman Ingarden (1893-1970): filósofo que trabalhou nas áreas de fenomenologia, ontologia e
estética. Desenvolveu uma vasta obra em polaco como teórico literário. INGARDEN, Roman. As
Funções da Linguagem Teatral. Porto Alegre: Globo, 1977. p. 27.
mxxvii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 29.
mxxviii
Id., 1989, p. 126-127.
mxxix
______. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 265.
mxxx
Ibid., p. 271.
mxxxi
Idem.
mxxxii
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 281.
mxxxiii
Ibid., p. 292.
mxxxiv
Id., 1989, p. 311.
mxxxv
______. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 310.
mxxxvi
______. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 109.
mxxxvii
Ibid., p. 282.
mxxxviii
______. Os Espetáculos Musicais . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 282.1979, p. 109.
mxxxix
É uma pessoa que vai conseguir sucesso porque é paciente, perseverante e habilidosa, quando
precisa enfrentar obstáculos. Inimiga de gastos supérfluos, mantém as finanças em dia. Sucesso como
engenheira, secretária ou compradora. Forma diminutiva russa para Estefânia, que vem do grego e
significa coroa, diadema. In: Revista Pais & Filhos, Suplemento: O Nome do Bebê, 1977, p. 92.
mxl
JORNAL Folha da Tarde, São Paulo, 05 abr. 1989.
mxli
Ibid., p. 96-102.
mxlii
Ibid., p. 274, 281, 282 e 292.
mxliii
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 285-287.
mxliv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p.96-260.
34
mxlv
Ibid., p. 95-96 e 186-187.
mxlvi
Ibid., p. 277-307.
mxlvii
Ibid., p. 188;199;203;261.
mxlviii
______. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 360-307.
mxlix
______. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 97-181.
ml
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 33.
mli
GOMES, Dias. O Rei de Ramos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 43.
mlii
______. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 312-315.
mliii
Ibid., p. 312-315.
mliv
Realista refere-se, neste caso, ao estilo que se estebeleceu a partir do fim do Século XIX.
mlv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 96.
mlvi
Ibid., p. 95-200.
mlvii
Ibid., p. 296-306.
mlviii
ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. p. 57.
mlix
Ibid., p. 54.
mlx
GOMES, Dias. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 278-280.
mlxi
O trecho em itálico aparece, na obra, como nota de rodapé.
mlxii
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 154-155.
mlxiii
______. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 285-289.
mlxiv
______. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 95.
mlxv
Ibid., p. 360-307.
mlxvi
GOMES, Dias. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 319-323.
mlxvii
Ibid., p. 319-323.
mlxviii
Ibid., p. 205-237.
mlxix
Ibid., p. 408-414.
mlxx
Ibid., p. 95 e 224.
mlxxi
Ibid., p. 294-382.
mlxxii
Ibid., p. 129.
mlxxiii
Ibid., p. 269;272;285;290;299;302;315-316;326;343;347;366-369;382;392.
mlxxiv
Secretaria Municipal da Reparação. Disponível em:
<http://www.reparacao.salvador.ba.gov.br/index.php?/>. Acesso em: 13 maio 2006.
mlxxv
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 92.
mlxxvi
Ibid., p. 66.
mlxxvii
PINTO, Luiz Hyannah de Oliveira. Salvador: cidade do axé e do assalto. Revista Eletrônica da
Unifacs, Salvador, 2007.
mlxxviii
GOMES, Dias. Os Heróis Vencidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 95.
mlxxix
______. Os Heróis Vencidos . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 258.
mlxxx
PAIVA, Salvyano Cavalcanti. Viva o Rebolado! vida e morte do teatro de revista brasileiro. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 29.
mlxxxi
GOMES, Dias. Os Espetáculos Musicais. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 269.
mlxxxii
Ibid., p. 272.
mlxxxiii
Ibid., p. 307.
mlxxxiv
Ibid., p. 347.
mlxxxv
Ibid., p. 403.
mlxxxvi
MAGALDI, Sábato. Teatro Sempre. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 131-218.
mlxxxvii
MICHALSKI, Yan; TROTTA, Rosyane. Teatro e Estado. São Paulo;Rio de Janeiro: Hucitec,
1992. p.166.
mlxxxviii
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 128;207;268.
mlxxxix
UBERSFELD, Anne. Para ler o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 20.
mxc
ISSACHAROFF, Michael. Lieux Comiques ou Le Temple Janus. Paris: José Corti, 1990. p. 18.
mxci
UBERSFELD, Anne. Para ler o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 157-172.
34
mxcii
Ibid., p. 159.
mxciii
SANT`ANNA Catarina. Apontamentos da palestra proferida no II Colóquio Gaston Bachelard,
UFBA, 2008.
mxciv
UBERSFELD, Anne. Semiótica Teatral. Murcia: Cátedra, 1993. p. 12.
mxcv
CARVALHO, Miranda de Carvalho. Depoimentos V. Rio de Janeiro: MEC; Serviço Nacional de
Teatro, 1981. p. 44.
mxcvi
GOMES, Dias. Os Caminhos da Revolução. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 625.
mxcvii
UBERSFELD, Anne. Para ler o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 159.
mxcviii
GOMES, Dias. Apenas um Subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. p. 171.
mxcix
______. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno B, 11 maio 1999, p. 1.
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