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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Márcia de Souza Hobold
A constituição das formas identitárias dos professores/chefes de
departamento dos cursos de licenciatura
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Márcia de Souza Hobold
A constituição das formas identitárias dos professores/chefes de
departamento dos cursos de licenciatura
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Educação Psicologia da
Educação, sob a orientação da Professora
Doutora Marli Eliza Dalmazo Afonso de André.
SÃO PAULO
2008
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Banca examinadora
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O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram
terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam.
(Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
Para o meu querido marido Giovani pelo incentivo, amor, ternura,
companheirismo, paciência e, acima de tudo, por ter sempre acreditado em
mim. Você é uma dádiva em minha vida.
Muito obrigada, meu amor!
DEDICATÓRIA
Dedico esta tese à Querida Orientadora e Professora
Doutora Marli André pelas discussões, correções,
sugestões e, acima de tudo, por ter contribuído com a
constituição da minha identidade.
Esta tese é nossa!
AGRADECIMENTOS
Ao meu querido e amado marido Giovani pelo carinho, paciência, incentivo e
confiança. Muito obrigada por ter proporcionado todas as condições
necessárias para que essa conquista fosse possível.
À querida professora Marli André pelos constantes incentivos, correções,
leituras e trocas de experiência. Conhecê-la foi uma das melhores situações
que a vida me propiciou.
À minha família pelo carinho e compreensão.
À senhora Irene que sempre esteve ao meu lado. Em todos os momentos que
precisei sempre me ajudou. Sua presença em nosso departamento é de
extrema importância.
À Helena que esteve sempre presente por meio de seus recados (e-mails).
À professora Bernardete Gatti que me ensinou a abrir os “olhos” para os
acontecimentos e fatos que ocorrem ao meu redor, assim como me mostrou a
importância da ética e da seriedade na construção de uma pesquisa. Tê-la tido
como professora foi um privilégio!
À professora Vera Placco que, desde 1996, faz parte de minha vida e me
inspira para alçar vôos maiores. Mesmo sem saber, incentivou-me a vir para a
PUC SP. Seu jeito carinho e simpático traz uma imensa alegria para mim.
Obrigada por todas as contribuições!
À professora Vera Trevisan pelas suas sugestões. Sua inteligência faz com que
a admire cada vez mais. É muito bom tê-la por perto.
Aos simpáticos professores do Departamento de Psicologia da Educação,
muito obrigada pelos ensinamentos.
Aos amigos que fiz na PUC, tantos... Entre eles, deixo aqui o meu carinho
especial para: Patrícia Almeida, Laurizete, Neusa, Ana Lúcia, Marynelma,
Marly, Márcia Pacheco, Roberta Rotta, Elvira, Maria Inês, Fernanda, Marili,
Magali, Regina...
Aos professores/chefes de departamento que, por meio de suas narrativas,
ajudaram a constituir esta tese de doutoramento.
À universidade comunitária que deu abertura para que os dados fossem
coletados na instituição, juntamente com seus professores/chefes de
departamento, professores formadores e ex-alunos das licenciaturas.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela concessão de bolsa de
estudos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior CAPES,
pela concessão de bolsa de estudos.
Ao Andrei da reprografia que sempre me atendeu com muita gentileza.
Enfim, a todos que atravessaram o meu caminho nesta maravilhosa
universidade que é a PUC SP.
RESUMO
HOBOLD, rcia de Souza. A constituição das formas identitárias dos
professores/chefes de departamento dos cursos de licenciatura
Pesquisas sobre os cursos de licenciatura são importantes para se conhecer o
contexto em que se a formação dos futuros professores. Os profissionais que
trabalham nas licenciaturas têm suas histórias de vida, que são constituídas pelas
experiências pessoais, acadêmicas e profissionais. Considerando este fator, a
presente pesquisa teve como principal objetivo compreender como as formas
identitárias dos professores/chefes de departamento de licenciatura são constituídas
nas relações sociais e de trabalho. O campo de estudo da presente pesquisa foi uma
universidade comunitária. Num primeiro momento da coleta de dados, foram
entrevistados nove professores/chefes de departamento que relataram as principais
atividades desenvolvidas no seu dia a dia. Uma nova entrevista foi posteriormente
realizada com esses professores/chefes para explorar melhor os aspectos relativos à
sua trajetória pessoal/profissional e ao desempenho de sua função. Foram também
entrevistados quatro professores formadores, quatro ex-alunos da licenciatura e o
gestor diretamente ligado aos chefes de departamento. Num momento posterior foram
realizadas entrevistas aprofundadas com dois professores/chefes com o objetivo de
conhecer o processo de constituição de suas formas identitárias nas relações sociais e
de trabalho. Esses dados foram complementados com análise de documentos da
instituição. No plano de investigação houve a intenção de seguir os mesmos passos
de Claude Dubar (1997, 1998, 2005, 2006), nos estudos com trabalhadores franceses,
para conhecer como as trajetórias de vida constituem as formas identitárias dos
professores/chefes que atuam nos cursos de licenciatura e a relação destas com o
contexto do seu trabalho. Outros autores também constituíram o arcabouço teórico
desta tese, dentre eles: André (2001, 2006), Bauman (2004, 2005), Campos (2002),
Candau (1988, 1997), Diniz-Pereira (2000), Elias (1994), Romanowski (2002) e Weber
(2004). Foram analisadas as narrativas dos professores/chefes de departamento sobre
sua história familiar, acadêmica e profissional, bem como seu trabalho na chefia. A
“passagem” de professor formador para chefe de departamento foi relatada por muitos
como difícil e, mesmo, angustiante. Não foi fácil para muitos deles, assumir uma
multiplicidade de atividades envolvidas na função de chefia, para as quais nem sempre
se sentiam preparados. Tiveram que reestruturar seus conhecimentos, desenvolver
habilidades, responder a situações e demandas totalmente novas. A pesquisa revelou
que uma dinamismo na (re)constituição das formas identitárias, processo em que o
outro tem um importante papel. uma transação permanente entre a “identidade
para si” (eu) e a “identidade para o outro”. Os resultados da pesquisa corroboraram a
tese de que a configuração das formas identitárias está diretamente vinculada às
situações das relações sociais e de trabalho e que estas podem afetar as ações dos
chefes de departamento das licenciaturas.
Palavras-chave: Formas identitárias. Identidades profissionais. Trabalho dos chefes
de departamento das licenciaturas. Formação de professores.
ABSTRACT
HOBOLD, Márcia de Souza. Forms of identity constitution of teachers/heads of
departments of teacher education (licensure) courses.
Researches on teacher education (licensure) courses are important in order to know
the context where the education of the prospective teachers has begun. The
professionals who work in such courses have their own life stories, which are
constituted by their personal, academic and professional experiences. In view of this
factor, the current research has had as main purpose to understand how the identity
forms of the teachers/heads of the licensure department are constituted in social and in
work relations. The field of study of the current research was a communitarian
university. At the first moment of data gathering, nine teachers/heads of department
have been interviewed and they have told us the main activities developed in their day
by day. A new interview was carried through later with the same teachers/heads, to
better explore the aspects related to their professional /personal trajectory and to the
performance of their function. Also four teacher educators, four former-students of
licensure and the administrator directly connected to the heads of department have
been interviewed. Finally, two teachers/heads have been interviewed with the objective
to know the process of constitution of their identity forms in social and in work relations.
These data had been complemented by document analysis of the institution. In the
investigation plan there was the intention to follow the same steps of Claude Dubar
(1997, 1998, 2005, 2006), in the studies carried out among French workers, in order to
know how the life trajectories constitute the identity forms of the teachers/heads who
act in licensure courses and their relation with the context of their work. Other authors
have also constituted the theoretical structure of this thesis, amongst them: Andres
(2001, 2006), Bauman (2004, 2005), Campos (2002), Candau (1988, 1997), Diniz-
Pereira (2000), Elias (1994), Romanowski (2002) and Weber (2004). The narratives of
teachers/heads of department on their familiar, academic and professional stories have
been analyzed, as well as their leadership work. The “transition” of a teacher educator
to a head of department was reported by many of them as difficult and even
anguishing. It was not easy, for many of them, to take on a multiplicity of activities
involved in the leadership function, for which they were not always felling prepared.
They have had to restructure their knowledge, to develop abilities, and to answer to
totally new situations and demands. The research has revealed that there is dynamicity
in the (re)constitution of the identity forms, which is a process where the other has an
important role. There is a permanent transaction between the “identity for myself” (I)
and the “identity for the other”. The outcome of the research has corroborated the
thesis that the configuration of the identity forms is directly tied to the situations of
social and work relations, and that these can affect the daily actions of the heads of
department of the licensure.
Word-key: Identity forms. Professional identities. Work of the heads of department of
the licensure. Teacher qualification.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
A pesquisa..........................................................................................................13
CAPÍTULO 1 - O DEBATE SOBRE AS LICENCIATURAS NO BRASIL...........20
1.1. As pesquisa sobre as licenciaturas no Brasil....................................25
1.1.1 Novos Rumos para as licenciaturas?...................................26
1.1.2 Balanço das dissertações e teses sobre as licenciaturas
defendidas nos programas de pós-graduação em educação
no Brasil entre os anos de 1990 e 1998.......................................35
1.1.3 As representações dos professores da
licenciatura do curso de Ciências Biológicas da UFMG
sobre o processo de ensino..........................................................38
1.1.4 A Reforma da formação inicial dos professores da educação
básica nos anos de 1990..............................................................44
1.2 Análise das quatro pesquisas sobre os cursos de formação inicial
(licenciaturas)...........................................................................................47
1.3 O cursos de licenciatura no contexto atual.........................................49
CAPÍTULO 2 - A QUESTÃO DAS IDENTIDADES PROFISSIONAIS NA
LITERATURA......................................................................................................54
2.1 As abordagens de Weber, Nobert Elias e Bauman............................60
2.2 A abordagem de Claude Dubar (identidades profissionais)...............69
2.3 Procedimentos de investigação..........................................................77
CAPÍTULO 3 - DINÂMICA DA INSTITUIÇÃO.....................................................83
3.1 O surgimento da instituição................................................................84
3.2 A forma de escolha dos primeiros gestores da instituição.................86
3.3 A crise financeira e política.................................................................88
3.4 O crescimento da universidade..........................................................91
3.5 As oportunidades e avaliação dos e para os cursos
de graduação...........................................................................................96
3.6 As diretrizes organizacionais da universidade....................................98
3.6 O acervo bibliográfico e a publicação do conhecimento....................98
CAPÍTULO 4A DIVERSIDADE DE FUNÇÕES PROFISSIONAIS NO ENSINO
SUPERIOR.........................................................................................................100
4.1 Os setores de atuação na educação superior brasileira..............................106
4.2 A diversidade de funções requeridas aos professores/chefes
de departamento no ensino superior.............................................................111
4.3 O ingresso na função de chefe de departamento do curso
de licenciatura..............................................................................................115
4.4 O significado atribuído à função de chefe de departamento........................118
4.5 Os conhecimentos da gestão necessários à função de chefe
dedepartamento...........................................................................................126
CAPÍTULO 5 – IDENTIDADES PROFISSIONAIS EM CONSTITUIÇÃO..........130
5.1 Professor/chefe Germânio...........................................................................131
5.2 A constituição da forma identitária do professor/chefe Germânio...............148
5.3 A professora/chefe Lúcia..............................................................................163
5.4 A constituição da forma identitária da professora/chefe Lúcia.....................173
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................182
REFERÊNCIAS..................................................................................................194
INTRODUÇÃO
A PESQUISA E SEUS CAMINHOS
As histórias de vida são constituídas por meio de uma trajetória
permeada por interesses, relações sociais com a família, a escola, o
trabalho, bem como pela apreensão e ressignificação de referenciais
acadêmicos, profissionais e culturais.
Com minha história não foi diferente. Iniciei como professora de
primeira a quarta série quando fiz dezoito anos, após concluir o curso de
magistério. Trabalhei, também, como professora de quinta a oitava série,
orientadora educacional e coordenadora pedagógica. Estas duas últimas
funções foram exercidas em escolas de educação profissional, mais
especificamente, no ensino médio.
Na busca constante do aprender, meus estudos voltaram-se para
os processos de formação do professor, a prática docente e as relações
interpessoais que se estabelecem no cotidiano escolar. Meus interesses
estiveram focados na intersecção entre a pedagogia e a psicologia, áreas
de minha graduação. Na construção dos saberes da docência posso
afirmar que muitos ainda estão inconclusos... Mas, entendo que são os
saberes inconclusos que dão abertura para a construção de novas
aprendizagens.
O trabalho docente foi objeto de estudo do meu mestrado. Ao
submeter o projeto de pesquisa para a seleção do doutorado, tinha como
idéia pesquisar os professores dos cursos de licenciatura - formação
inicial de professores. Este interesse surgiu após trabalhar, por muitos
anos com professores da educação básica. A experiência como
coordenadora pedagógica em uma escola de ensino médio, possibilitou-
2
me conhecer as dificuldades, acertos, receios e inseguranças de muitos
professores que comigo trabalhavam. Muitos se referiam à precariedade
de sua formação inicial.
Ao ingressar no Programa de Doutorado da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo PUC SP, em 2005, integrei-me no Grupo de
Pesquisa “Trabalho Docente do Professor Formador”. Os estudos e
pesquisas realizados e os em realização, têm contribuído ativa e
significativamente para a constituição da minha identidade acadêmica,
pessoal e profissional.
Na busca de ampliar os conhecimentos desenvolvidos pelo Grupo
de Pesquisa nasceu a idéia de investigar o trabalho do professor
formador, dando “voz” aos chefes de departamento dos cursos de
licenciatura.
O contexto de pesquisa...
As pesquisas sobre os cursos de licenciatura têm sido constantes
nos últimos anos. As reformas educativas dos anos 1990 trouxeram
novas exigências e direcionamentos aos cursos de formação inicial de
professores e, ao mesmo tempo, puseram em evidência o campo da
formação docente que se torna mais presente nos debates sobre as
políticas públicas, bem como nos eventos da área da educação. Nas
palavras de Mizukami (2005, p. 72):
Evidenciam-se atualmente, no cenário brasileiro,
investimentos quanto à elaboração, implementação e
acompanhamento de políticas públicas educacionais
voltadas à formação de professores. Evidencia-se,
igualmente, que a ênfase em boa parte das propostas e
experiências atuais recai sobre processos de formação
inicial e continuada de professores do ensino infantil,
3
fundamental e médio, considerando diferentes contextos
e modalidades de ensino. A docência no ensino superior
é ainda território que apresenta iniciativas tímidas
comparativamente às demais -, embora mais
recentemente também tenha passado a fazer parte do
debate da área de forma mais sistemática.
De fato cresceu o interesse de pesquisadores nos últimos anos,
pelas questões relacionadas à formação de professores. No entanto,
estudos sobre a docência no ensino superior e, particularmente, sobre o
trabalho do professor formador são escassos. São os professores
formadores que atuam na formação acadêmica e profissional dos
professores da educação básica, mas seu trabalho e formação têm sido
pouco investigados.
No mapeamento das teses e dissertações, defendidas nos
programas de s-graduação em educação no país, André (2001, p. 302)
verificaram que nos anos 1990:
Dos 284 trabalhos sobre formação de professores,
produzidos de 1990 a 1996, um total de 216 (76%) tratam
do tema da formação inicial, 42 (14,8%) abordam o tema
da formação continuada e 26 (9,2%), focalizam o tema da
identidade e da profissionalização docente. A formação
inicial inclui os estudos sobre o curso Normal 40% do
total das pesquisas -, o curso de licenciatura (22,5%), e a
pedagogia (9%), além de três estudos comparados. O
conteúdo mais enfatizado nesses trabalhos é a avaliação
dos cursos de formação, seja em termos de seu
funcionamento, seja em termos do papel de alguma
disciplina do curso. Outro conteúdo priorizado é o
professor, suas representações, seu método, suas
práticas (p. 302).
4
Em um estudo mais recente André (2006), constatou que, no ano
de 2003, das 2.104 dissertações e teses defendidas na área de educação
348 tinham como tema central a formação de professores. Isso
representa 17% do total das pesquisas, percentual que revela um
interesse bastante significativo por parte dos pesquisadores pela
temática. Segundo esses dados, o maior número de pesquisas tratava do
tema identidade e profissionalização docente (43%); vindo a seguir as
pesquisas sobre formação continuada (26%); formação inicial (18%);
política de formação (3%) e formação inicial e continuada (3%).
André (2006) comparou dados das pesquisas realizadas em 1993 e
2003 e afirmou que em um “período de dez anos o número de programas
de pós-graduação em educação quase dobrou e o interesse pela temática
da formação docente teve um aumento significativo” (p. 21). A autora
também mostrou que em 1993, 77% das pesquisas focalizavam os cursos
de formação inicial, mas esse percentual caiu para 18,1% em 2003. Por
que teria havido essa redução?
O estudo dos processos de formação dos futuros docentes tem
grande relevância num país que busca melhorar a qualidade do ensino,
pois se inúmeros fatores que podem concorrer positivamente para que
a maioria das crianças e jovens se apropriem de conhecimentos
relevantes, o professor qualificado é certamente um deles.
Imbernón (2004) ressalta o valor da formação inicial na
profissionalização docente. Acredita que é na formação inicial que ocorre
a aprendizagem de virtudes, valores e do vínculo entre o saber intelectual
e a realidade social, ou seja, da responsabilidade social. Segundo o autor,
é também o momento em que ocorre a aprendizagem dos vícios, das
rotinas, da desvalorização, das práticas o condizentes com os
discursos.
5
Para ele é a formação inicial dos professores que deve
proporcionar a aprendizagem de conhecimentos científicos, culturais,
contextuais, psicopedagógicos e pessoais que acompanhem o futuro
professor na sua trajetória profissional. O desenvolvimento intelectual dos
futuros professores, também se inclui entre os alvos desejáveis dos
cursos de formação inicial.
Nas palavras de Dias-da-Silva (2005, p. 392) “não basta aos
licenciandos participarem de projetos e vivenciarem o cotidiano escolar
reduzido à perpetuação do senso comum. Sua formação intelectual é
imprescindível!”.
Os cursos de formação inicial m papel significativo na vida
profissional do futuro professor, daí o estranhamento diante da redução
de estudos sobre esta temática.
Existem publicações resultantes das pesquisas realizadas sobre o
trabalho do professor formador (ANDRÉ, 2006; MIZUKAMI, 2005). São
pesquisas que contribuem para conhecer os aspectos relacionados aos
saberes docentes, desafios da docência e condições de trabalho do
professor formador. Apesar de serem estudos recentes, estes estão
contribuindo com o campo da formação inicial.
Uma outra temática pouco pesquisada no Brasil e que está ligada à
formação de professores é a do trabalho dos coordenadores dos cursos
de licenciatura. Praticamente, não existem pesquisas sobre esta função.
Tem-se como hipótese inicial que o trabalho do chefe de
departamento está diretamente relacionado com a sua forma identitária.
Os estudos de Dubar, sobre a configuração da forma identitária
profissional dos trabalhadores na França, inspiraram a realização desta
6
pesquisa que se centra no trabalho dos chefes de departamento
1
dos
cursos de licenciatura.
Para Dubar (2005) a forma identitária profissional está diretamente
vinculada à identidade pessoal. O indivíduo, por meio das relações sociais
que estabelece desde a infância, constrói um arcabouço pessoal, que
constitui sua identidade. A identidade pessoal não se estabelece sem a
participação do outro, ou seja, ela se constitui na alteridade.
Dubar (2005) acredita que as formas identitárias o constituídas
e/ou reconstituídas pelas relações sociais no âmbito familiar, escolar e do
trabalho. No âmbito desta pesquisa, busca-se compreender como as
formas identitárias são constituídas nas relações sociais e de como elas
participam do trabalho dos chefes de departamento. Como seres
produtivos, os indivíduos se inserem no campo de trabalho e nas relações
sociais dali decorrentes e vão construindo e reconstruindo as formas
identitárias, modificando a si e o seu meio.
Considera-se que o chefe de departamento pode ser o articulador
entre a instituição, o professor formador e os futuros professores e seu
trabalho pode interferir no projeto pedagógico do curso. Ele pode assumir
a responsabilidade de co-elaborador, com os demais formadores, das
normas curriculares, dos projetos disciplinares e das atividades de ensino.
O chefe de departamento da licenciatura pode ter, portanto, um
papel formador e, extremamente importante, junto aos professores da
licenciatura e, conseqüentemente, junto aos futuros docentes.
Considerando a relevância desta função nos cursos de formação inicial,
caberá a esta pesquisa:
1
Em algumas instituições não existe a denominação de coordenador de curso e, sim, de chefe de
departamento.
7
Compreender como as formas identitárias dos
professores/chefes de departamento de licenciatura são
constituídas nas relações sociais e de trabalho.
Esse objetivo se desdobra em três questões:
Como as trajetórias de vida constituem as formas identitárias
dos professores/chefes que atuam nos cursos de licenciatura?
Como as atividades decorrentes da função de chefia afetam as
formas identitárias dos professores/chefes de departamento dos
cursos de licenciatura?
Que conseqüentes entre as formas identitárias dos
professores/chefes e o seu trabalho no departamento?
A tese que aqui se defende é que a forma identitária tem uma
repercussão direta e extremamente importante no trabalho dos chefes de
departamento das licenciaturas.
8
CAPÍTULO 1 – O debate sobre as licenciaturas no Brasil
Nas duas últimas décadas, os olhares dos pesquisadores e da
mídia nacional têm estado sobre os processos formativos dos professores
e o trabalho docente. Tem sido recorrente culpabilizar a educação e,
conseqüentemente, o trabalho do professor pelas mazelas da educação e
até pela falta de qualidade da mão-de-obra dos trabalhadores no Brasil.
A contratação de trabalhadores qualificados e preparados para
integrar o processo produtivo das indústrias brasileiras, após a abertura
das fronteiras entre Brasil e outros países desenvolvidos, trouxe algumas
conseqüências para o país. Entre elas o despreparo da mão-de-obra dos
trabalhadores brasileiros que não obtiveram, durante um bom tempo, uma
formação escolar que os integrasse no desenvolvimento tecnológico.
Com a abertura das fronteiras entre os países, inclusive os mais
desenvolvidos tecnologicamente que o Brasil, a era “da globalização”
passou a interferir na concorrência dos produtos brasileiros entre os
diversos mercados. Os produtos produzidos por uma mão-de-obra
qualificada, bem como, com os recursos de tecnologias “modernas”
tornaram-se ameaçadores para as indústrias do país.
A era da globalização evidenciou muitas das fragilidades do
processo educacional e despertou o “corpo empresarial” para a
importância de qualificar seus trabalhadores para enfrentar a concorrência
externa. No início dos anos 1990, o “corpo empresarial”, passou a instigar
o sistema educacional para que melhorasse e fornecesse aos jovens
brasileiros uma escolarização de qualidade. Aliás, nesta época o termo
“qualidade total na educação” foi transposto do modelo empresarial e
integrado ao discurso de muitas escolas brasileiras.
9
Nesse clima de incentivo à melhoria da educação ganha destaque
a formação dos professores. Como afirmou Libâneo (2004), sabe-se que:
Junto com a reestruturação produtiva vêm às reformas
educacionais, pois suficiente base histórica para
sabermos que reajustes na realidade econômica e
produtiva incidem em alterações no âmbito social, cultural
e até pessoal (p. 20)
A preocupação e responsabilização da escola e,
conseqüentemente, do trabalho do professor é expressa por Balzan nos
seguintes termos:
O profissional formado pela Escola, em seus vários níveis
e ramos de especialização, vem sendo rejeitado pelas
instituições empregatícias, que não poupam críticas à
qualidade do produto oferecido pela primeira. No que se
refere ao magistério, reclama-se da falta de profissionais
altamente competentes, ao mesmo tempo em que se
assiste a proletarização do professor (1983, p. 19).
Para atender as exigências de melhor qualificação dos alunos, a
formação de professores, visava a instrumentalização dos mestres com
técnicas e métodos de ensino eficazes na transmissão dos conteúdos,
pois os estudantes eram tidos como receptores das informações
transmitidas pelos mestres/professores. Nesse modelo, da racionalidade
técnica o professor é visto como:
Um técnico, um especialista que rigorosamente põe em
prática as regras científicas e/ou pedagógicas. Assim,
para se preparar o profissional da educação, o conteúdo
científico e/ou pedagógico é necessário, pois servirá de
10
apoio para a sua prática. Durante a prática, professores
devem aplicar tais conhecimentos e habilidades
científicos e/ou pedagógicos (DINIZ-PEREIRA, 2008, p.
260).
na cada de 1980, após muitas críticas a esse modelo, muitos
dos professores dos cursos de licenciatura passaram a assumir o
compromisso político da formação, considerando a “função social da
universidade” (CANDAU, p. 36, 1997). Nesta cada, houve uma
mudança de concepção educacional e passou a ser considerado o
desenvolvimento político dos estudantes por parte dos professores.
Assim, o papel do professor, nas diferentes modalidades de ensino,
deveria ser o de emancipar socialmente e politicamente os estudantes.
Na época, ressaltava-se prioritariamente “a importância do professor em
seu processo de formação conscientizar-se da função da escola na
transformação da realidade social dos seus alunos e ter clareza da
necessidade da prática educativa estar associada a uma prática social
mais global” (DINIZ-PEREIRA, 2000, p. 27).
A década de 1990 trouxe para a formação dos professores a
concepção do modelo de competência que passou a permear os
documentos que organizavam os processos formativos nas diferentes
modalidades de ensino no país. Para Campos (2002) “o conceito de
competência instaura novas estratégias e dispositivos que possibilitam a
configuração de uma nova institucionalidade na gestão do pessoal do
magistério” (p. 119). Ainda para esta pesquisadora:
A noção de competências vem acompanhada de uma re-
significação da função docente e da prática pedagógica;
[...], esse processo implementa uma nova racionalidade
às práticas de formação supervalorizando as dimensões
cognitivas que constituem a ação docente no foco da
formação está a preocupação com o domínio de regras e
11
das normas que possam promover a eficácia do trabalho
pedagógico” (ibid., p. 120).
O conceito de competência, integrado pelos conhecimentos,
habilidades e atitudes do trabalhador, passou a ser alvo das políticas
salariais e de ascensão profissional, bem como passou a orientar os
documentos educacionais. Para Ramalho e Carvalho (1994, p. 51):
Daí, o nascimento e o desenvolvimento do
‘profissionalismo’ dentro do mundo do trabalho estar
muito próximo aos sistemas educativos das sociedades
industriais do século passado, estabelecidos
paralelamente aos mercados de trabalho. Diante de um
profissional livre num mercado de serviços, a sociedade
industrial gerou um sistema diferencial de competências e
recompensas, baseado na aquisição de uma experiência
social reconhecida (através da educação e dos títulos
acadêmicos) e no monopólio do conhecimento
especializado pelos profissionais.
Como afirmou Campos:
Dos trabalhadores de agora, diziam os gerentes, espera-
se que além de saber fazer bem, sejam também
portadores de qualidades subjetivas como iniciativa,
criatividade, capacidade para o trabalho em grupos, para
a gestão de imprevistos, etc., além de níveis de
escolaridade mais elevados (2002, p. 7).
Para atender a estes novos requisitos imputados pelos
empresários, que se refletiam na exigência da melhoria do processo
educacional, principalmente no quesito de desenvolvimento de novos
12
conhecimentos, habilidades e atitudes, resultando no conceito tão
propagado de competência, houve acordos mundiais, assim como, a
inserção de novas concepções sobre o ensino-aprendizagem. O
“Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação
para o culo XXI”, resultando no livro “Educação: um tesouro a
descobrir”
2
, foi uma das referências que inseriu-se nas produções dos
documentos oficiais e, conseqüentemente, nos discursos de grande parte
dos educadores. Foi uma publicação (relatório) que, entre tantos
assuntos, divulgou os quatro pilares “essenciais à educação”: aprender a
conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos, aprender a viver com
os outros; e, aprender a ser, que foram incorporados por muitos dos
documentos oficiais.
Assim, houve um direcionamento de olhares para o papel da
educação e, conseqüentemente, para o docente. Para o desenvolvimento
dos quatro pilares da educação, houve uma intensa propagação para que
os profissionais da educação assumissem, nos espaços escolares, o
desenvolvimento destas competências. Deste modo, foram
responsabilizados os envolvidos com a educação para serem os agentes
das mudanças necessárias à formação dos brasileiros frente à sociedade
moderna/capitalista.
Diante desse cenário, que exigia mudanças nos processos
educativos bem como na formação de docentes à democratização do
acesso à escola, a década de 1980 parece não ter dado conta da
formação dos estudantes/trabalhadores. Proença (2004, p. 19) explicita
essa situação nas seguintes palavras:
O fracasso da educação escolar no Brasil é um fator
incontestável. Embora a década de 1980 seja marcada
2
Conhecido, também, como o Relatório Jacques Delors, publicado em setembro de
1996 e que teve a contribuição de especialistas de todo o mundo, visando ser uma
“característica que o torna imprescindível diante do processo de globalização das
relações econômicas e culturais que estamos vivendo(2000, p. 9), na apresentação do
livro no Brasil, pelo na época, Ministro da Educação Paulo Renato Souza.
13
pelo aumento do número de vagas nas escolas,
garantindo o acesso de grande parte da população da
zona urbana, o mesmo não se pode dizer quanto aos
índices relativos à qualidade do ensino oferecido à
população. Convive-se com altos índices de exclusão
escolar (evasão e repetência), baixa remuneração aos
professores, baixos índices de investimentos em
educação pública em relação do Produto Interno Bruto,
dentre outros
3
.
Compreende-se com Proença (2004), que a democratização da
escola não foi acompanhada por condições que possibilitariam manter o
nível de qualidade do ensino. Os estudantes da escola pública não
receberam (e não recebem?) uma educação que os preparasse,
efetivamente, para decifrar os códigos da modernidade e competir de
forma igualitária nos postos de trabalho e de formação/graduação.
A constatação de que o processo de ensino não tem atendido os
alunos, principalmente aqueles das camadas populares, conforme
menciona Proença, faz-nos direcionar o olhar para os cursos de formação
de professores e mais especificamente para os cursos de licenciatura.
1.1 As pesquisas sobre os cursos de licenciatura no Brasil
Para situar os debates sobre a questão das licenciaturas serviram
de apoiou: a pesquisa coordenada por Candau (1997) “Novos Rumos da
Licenciatura”, realizada na década de 1980; o balanço das dissertações e
teses sobre as licenciaturas no Brasil entre os anos de 1990-1998 de
Romanowski (2002); a dissertação de mestrado de Diniz-Pereira (2000)
3
A autora faz várias referências a dados em uma nota de rodapé. Optou-se por não
inserí-los aqui.
14
sobre a formação de professores na licenciatura de Biologia da
Universidade Federal de Minas Gerais UFMG; e, a tese de
doutoramento de Campos (2002), sobre a reforma da formação inicial dos
professores da educação básica nos anos de 1990.
1.1.1 Novos Rumos para as licenciaturas?
Candau (1997) apresentou os resultados de uma análise de
experiências desenvolvidas pelas áreas especificas
4
, dos cursos de
licenciatura, entre os anos de 1985-1987. Houve a participação de três
experiências de duas universidades do Rio de Janeiro: uma universidade
privada e outra blica. O corpo docente que compunha ambas as
universidades era composto por, na maioria, professores doutores, com
um contrato de trabalho de tempo integral na instituição.
Os professores das duas universidades, na época,
demonstravam preocupação maior com a pesquisa e com a pós-
graduação, sendo que, segundo Candau (1997, p. 34): “as demais
atividades e tarefas a serem realizadas pelos professores estavam de
alguma forma subordinadas a este interesse ‘maior’”. Candau (1988, p.
10) explica como se desenvolveu a coleta de dados:
Para a obtenção dos dados foram utilizados instrumentos
próprios das abordagens qualitativas, especialmente a
entrevista, a observação e a análise de documentos.
Foram realizadas entrevistas com pessoas consideradas
chaves para o desenvolvimento de cada um dos projetos,
com outros professores das respectivas unidades e da
Faculdade de Educação e com alunos. Também,
4
Área específica de conhecimento compreende os professores que não pertenciam às
unidades de educação (área de formação didático-pedagógica), ou seja, não eram
professores vinculados às disciplinas da licenciatura (formação de professor).
15
especificamente no caso do projeto na área de História e
Geografia, foram entrevistados professores do ensino
público de grau
5
envolvidos na experiência.
Igualmente, foram analisados diferentes tipos de
documentos em relação a cada uma das experiências,
tais como planos curriculares, relatórios, textos didáticos,
definições de princípios, artigos publicados, documentos
de circulação restrita, etc.
A pesquisa foi realizada em duas etapas:
1) Análise da evolução histórica dos cursos superiores de
formação de professores, momento em que a
pesquisadora e sua equipe levantaram os dados sobre a
temática nos diferentes periódicos e documentos
especializados, que segundo dados do Relatório Final foi
realizada entre os anos de 1982 a 1985;
2) Análise de três experiências de ensino desenvolvidas por
professores formadores de áreas específicas que tinham
como preocupação básica trabalhar a articulação entre o
conteúdo específico e o pedagógico, considerando a
integralidade necessária à formação dos futuros
professores. Esta abordagem metodológica tentou
“superar, assim, uma visão de mera justaposição, por
sucessão ou concomitância, desses dois âmbitos, visão
esta dominante em nossas licenciaturas” (CANDAU,
1988, p. 31).
5
Lê-se: ensino fundamental.
16
As questões-eixos, segundo Candau (ibid., p. 12), foram se
configurando ao longo da pesquisa:
Como se a articulação na área especifica e no
domínio pedagógico em cada uma das experiências
analisadas?
Que problemática esta articulação suscita?
O que favorece e o que dificulta uma concepção e
um desenvolvimento mais unitário e ‘situado’ dos
Cursos de Licenciatura?
Pela análise das três experiências, a pesquisadora pôde constatar
algumas evidências que não se diferenciam da situação atual das
licenciaturas. Uma delas foi a “descaracterização e desvalorização social
da educação em geral e do magistério(1997, p. 32), principalmente na
educação básica. A autora criticou seriamente as políticas públicas de
formação e valorização dos professores no Brasil. Disse que:
Formar professores em um país onde a educação de fato
não é considerada como prioridade, onde a vontade
política não se compromete seriamente com as questões
básicas da educação-alfabetização, escolarização
primária para todos e de qualidade, formação para a
cidadania, entre outras, é tarefa por muitos considerada
fadada ao fracasso (1997, p. 32).
Outra constatação apontada pela pesquisadora foi de que os
cursos de licenciatura, desde sua origem nas antigas Faculdades de
Filosofia, não conseguiram superar e implantar um modelo que
resolvesse a desarticulação entre os conteúdos específicos e
pedagógicos. Apontou a existência de dois guetos que não conversavam
e não se interligavam em prol da formação dos futuros docentes: os
17
professores dos conteúdos específicos dimensionavam seu trabalho em
função da pesquisa e, os professores das disciplinas pedagógicas
sentiam-se diminuídos pela desvalorização de seu trabalho.
Para Candau (1997), os professores formadores, cursos de
licenciaturas e as próprias universidades têm algumas características que
foram destacadas pela pesquisadora:
Modelo de universidade e formação de professores - a excessiva
preocupação com a pesquisa e a s-graduação tem relegado o
ensino e a formação de professores a um segundo plano. “Neste
contexto, o interesse pela formação de professores termina sendo
uma questão marginal, chegando mesmo, como afirmou um dos
professores entrevistados, a ser considerada um ‘subproduto’ da
universidade” (1997, p. 35).
Formar professores: “remar contra a corrente”? os grupos
minoritários de professores universitários que acreditam no ensino e
no papel político e social dos cursos de licenciatura “constituem
grupos com fortes laços afetivos que se apóiam reciprocamente e,
assim, fortalecem as possibilidades de luta por um espaço acadêmico
preocupado com o ensino e a pesquisa relativos à formação de
professores” (ibid., p. 36). Não foram bem vistos pelos seus colegas
“pesquisadores”, mas deram maior ênfase ao compromisso político e à
função social da universidade, aspecto valorizado por muitos
educadores da década de 1980.
A relação saber/poder na universidade: a hierarquia acadêmica
ênfase dada à pesquisa e à pós-graduação em prol do ensino. A
atividade de ensino não prestígio como o da pesquisa e uma
18
tendência dos professores das universidades, a valorizarem mais a
pesquisa do que o ensino. Nesta relação, a construção do saber, por
meio de pesquisas, mais poder, na relação hierárquica, aos
professores universitários.
Universidade e sistema de ensino da educação básica
6
- segundo
a pesquisadora, na época, os licenciandos assinalavam o
distanciamento existente entre os seus cursos de formação e a
realidade da escola da educação básica. Da mesma forma, para os
professores das disciplinas específicas que participavam da pesquisa,
uma das dificuldades apontadas era a falta de vivência nas escolas,
ou ainda, o distanciamento do professor universitário da educação
básica. “No entanto, não é possível focalizar a problemática da relação
da universidade com o sistema de e 2º graus de modo isolado e
autônomo. Ela é uma expressão da questão da articulação
universidade/sociedade. Muitas vezes, esta relação é encarada de
uma forma linear e mecânica” (ibid., p. 38).
Integração/interdisciplinaridade: diferentes dimensões de uma
questão complexa a pesquisadora propõe a interdisciplinaridade
como uma forma de integrar os diversos saberes/disciplinas das
licenciaturas. Para Candau (1997), quando o professor trabalha por
meio de práticas interdisciplinares, o individualismo e a competição na
vida acadêmica são reduzidos. Para que ocorra a prática da
interdisciplinaridade a autora sugere:
6
Aqui foi feita uma adaptação do tema original de Candau: “Universidade e sistema de
ensino de e graus: uma difícil aproximação”. O objetivo foi o de contextualizar o
título, pois, atualmente, o se utiliza a denominação de e 2º graus, e sim, educação
básica para estas modalidades de ensino.
19
a
) uma nova mentalidade voltada para a promoção de um
saber que visa à compreensão da realidade como
totalidade;
b) um tipo de trabalho universitário que estimula a
intercomunicação e colaboração entre diferentes
departamentos [...];
c) uma organização curricular onde a estruturação dos
conteúdos se faça em forma de núcleos temáticos ou
problemas e promova o trabalho em equipe, tanto no
ensino quanto na pesquisa (ibid., p. 43).
Como resultado da pesquisa com os professores das disciplinas
específicas, não ligados às unidades de educação, mas que atuavam nos
cursos de licenciatura e, tinham como preocupação básica trabalhar a
articulação entre os seus conteúdos (específicos) para a formação dos
professores e os conhecimentos da área pedagógica (conhecimentos que
licenciavam professores), a pesquisadora trouxe as seguintes propostas
de “Novos Rumos para as licenciaturas”:
Uma tentação a superar: a ênfase na reforma do currículo: superar
a tradição formal e legalista de querer implantar reformas curriculares
que continuam a justapor as disciplinas de formação específica e de
formação pedagógica. As várias tentativas de reformas curriculares
até aquela data (1985-1987) não conseguiram a integração
necessária, por meio de ações coletivas entre os professores, que
propusessem medidas e práticas interdisciplinares contributivas para a
melhoria da qualidade dos cursos de formação inicial.
Uma mudança de eixo: o primado do contexto específico: a
proposta apresentada pela autora, ainda não consagrada na
atualidade, foi de que o primado da formação de professores deveria
20
estar com os professores das disciplinas específicas de formação. Isto
mudaria todo o eixo de formação dos cursos de licenciatura, que
tinham e, ainda, têm as disciplinas da área pedagógica como as
grandes responsáveis pela formação dos professores e, deste modo,
abririam espaço para que os professores das disciplinas específicas
assumissem o compromisso pela formação. Segundo Candau (1997,
p. 46): “a competência básica de todo e qualquer professor é o
domínio do conteúdo específico. Somente a partir deste ponto é
possível construir a competência pedagógica. Esta afirmação não
implica a existência de uma relação temporal de sucessão, e sim de
uma articulação epistemológica”. Contudo, analisando a indicação da
autora para a formação de professores, sugere-se que o primado da
formação dos futuros docentes não deveria ser nem dos professores
das disciplinas pedagógicas, nem dos professores das disciplinas
específicas. A formação deve ser discutida, planejada, organizada e
estruturada pelos professores de ambas as especialidades. Conclui-
se, deste modo, que a formação deve ser prioritária para todos os
professores que constituem o departamento, independentemente da
área, sem privilegiar uma formação ou a outra. Somente na articulação
dos saberes profissionais, oposta à idéia de disputada, a formação dos
professores poderia alcançar resultados mais satisfatórios.
Uma perspectiva: a multidimensionalidade do processo de
formação de professores: necessidade de um enfoque
multidimensional considerando os aspectos científicos, políticos e
afetivos, articulados intimamente entre si e aos conhecimentos
pedagógicos. “Muitas vezes, estas dimensões o são todas
explicitamente trabalhadas na formação de professores e, quando o
são na sua totalidade ou em alguns de seus elementos, estes são
focalizados de modo isolado, um independente de outro” (ibid., p. 47).
21
Uma busca: a construção do espaço interdisciplinar: proposta de
articular as áreas dos saberes específicos e pedagógicos. Neste caso,
a intercomunicação e a inter-relação entre estes dois tipos de saberes,
propiciariam uma prática integrativa entre os diferentes saberes e uma
co-responsabilidade pela formação dos professores. “Trata-se de
enfatizar uma integração interna, que parta do próprio conteúdo
específico, assim como do pedagógico, para trabalhar esta articulação
a partir de núcleos temáticos concretos. Isto supõe uma relação íntima
e contínua entre profissionais de educação e das diferentes áreas
específicas” (ibid., p. 48).
Uma necessidade: promover a pesquisa em ensino: proposta de
vincular o ensino com os conhecimentos produzidos pela pesquisa.
Assim: “fortalecer a base científica e filosófica do ensino é
fundamental. E, para tal, a pesquisa na área é imprescindível” (1997,
p. 48). Ainda para Candau (ibid) somente assim seria possível
“superar uma visão intuitiva do ensino para fortalecer a base científica
e filosófica dos problemas de ensino-aprendizagem em cada área do
conhecimento”.
Uma prioridade: reforçar/apoiar práticas coletivas: para Candau
(1997) a tentativa de construção de uma prática coletiva pelos
professores entrevistados, foi um dos momentos relevantes para a
promoção da articulação entre os conteúdos pedagógicos e
específicos. Práticas como estas, segundo a autora, deveriam ser
mais estudadas e valorizadas no magistério do ensino superior.
Uma consciência: a importância dos determinantes estruturais e
psicossociais: a autora considerou a participação dos professores,
assim como, dos envolvidos no processo de formação dos futuros
22
professores, ou seja, os demais integrantes do poder hierárquico da
universidade e as demais instâncias responsáveis pelas políticas
públicas voltadas aos futuros docentes, considerados indispensáveis
no processo de reconstrução das licenciaturas. Concluindo, a autora
afirmou que:
É através da afirmação do primado do conteúdo
específico, de um enfoque multidimensional da formação
de professores, da construção do espaço interdisciplinar,
da promoção da pesquisa em ensino e do apoio de
experiências e grupos que fortaleçam uma prática
coletiva que é possível concretizar a direção dos NOVOS
RUMOS DAS LICENCIATURAS (destaque em letra
maiúscula feito pela autora, 1997, p. 50).
Nessa extensa e profunda pesquisa de Candau e seus
colaboradores constata-se que, na atualidade, muitas das questões
postas pelos autores, não foram equacionadas, tais como: a integração
entre os conteúdos pedagógicos e específicos; trabalhos interdisciplinares
e coletivos por parte dos professores formadores; e uma aproximação
entre os conteúdos estudados na universidade e a realidade das escolas
de educação básica brasileira.
Por mais que as reformas educacionais preconizem mudanças
condizentes com um modelo de formação que incentive e melhore a
qualificação dos futuros professores, as condições para isso ainda não se
efetivaram.
23
1.1.2 Balanço das dissertações e teses sobre as licenciaturas
defendidas nos programas de pós-graduação em educação no Brasil
entre os anos de 1990 e 1998
Outra pesquisa importante sobre os cursos de licenciatura foi a de
Romanowski (2002) que fez um balanço das dissertações e teses,
defendidas nos programas de pós-graduação em educação no Brasil,
entre os anos de 1990 e 1998. O objetivo da pesquisadora era o de
compreender a produção do conhecimento sobre formação inicial do
professor, em especial sobre os cursos de licenciatura. A pesquisadora
pretendia evidenciar:
as ênfases e temas abordados nas pesquisas;
os referenciais teóricos que subsidiaram as
investigações;
a relação entre o pesquisador e os cursos de
licenciatura;
as sugestões e proposições apresentadas pelos
pesquisadores;
as relações entre a pesquisa e a prática pedagógica;
as contribuições da pesquisa para mudança e
inovações da prática pedagógica;
a formação do professor/pesquisador durante a
realização da pesquisa;
a contribuição dos professores/pesquisadores na
definição das tendências do campo de formação de
professores” (2002, p. 12).
A pesquisadora analisou o texto integral de 39 teses e dissertações
e 107 resumos encontrados nos CDs da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação - ANPED. Dentre os vários aspectos
apontados por Romanowski, destacam-se os seguintes:
24
A pesquisa realizada nos mestrados e/ou doutorados,
geralmente integra o exercício profissional do professor, ou
seja, de que a pesquisa é processo de reflexão da própria
prática docente;
Alguns professores formadores (pesquisadores) relataram
que suas pesquisas possibilitaram melhor entendimento
sobre o papel e função da formação dos futuros professores;
Muitos dos pesquisadores explicitaram que haviam atuado
na educação sica antes de se tornarem professores do
ensino superior;
Em algumas dissertações, os investigadores identificaram-
se como ex-estudantes do curso de licenciatura;
As teses, em alguns casos, eram continuidades das
dissertações de mestrado;
As pesquisas focalizaram estudos pontuais em
contraposição a “idéia de pesquisas sobre o ‘projeto de
curso’. As pesquisas relatadas referem-se a situações de
inovações pontuais, realizadas pelo pesquisador e poucas
reportam-se a envolvimento de outros professores” (ibid., p.
123);
25
Duas tendências emergiram: estudos dos problemas,
questões e contradições nos cursos de licenciatura e relatos
e avaliações de experiências inovadoras;
Das pesquisas analisadas por Romanowski foram
identificadas algumas que procuravam explicar, analisar e
desvelar, como as instituições e os cursos incorporaram e
garantiram a legitimação das normas estabelecidas pelos
órgãos governamentais, originadas das políticas de
formação de professores no Brasil, numa perspectiva
descritiva de causa e efeito.
Poucas pesquisas realizaram uma análise da organização,
das condições de trabalho e das práticas em que se
desenvolveram os cursos de licenciatura, numa perspectiva
crítica.
A lógica que perpassa a formação do professor de educação
infantil e das séries iniciais é determinada pela
caracterização das crianças que freqüentam esta
modalidade de ensino, muitas vezes, em detrimento dos
conteúdos que serão ensinados; a lógica de formação dos
professores das disciplinas de 5ª à 8ª série e do ensino
médio, é determinada pelos conteúdos específicos de cada
disciplina. Esta é uma questão que a pesquisadora deixa em
aberto.
“As instituições mantém uma estrutura burocratizada, não
favorável à discussão substantiva da formação do professor,
perdura a omissão institucional em relação ao trabalho do
26
professor, não troca, os departamentos são órgãos
meramente administrativos, que não possibilitam a unidade
do corpo docente” (ibid., p. 127).
A aprendizagem dos estudantes está comprometida em
viturde da falta de domínio de conteúdos básicos das séries
precedentes, assim como, pela desmotivação e descrença
na futura profissão. Os cursos de licenciaturas estão entre
os menos disputados, no quesito candidato/vaga. Além
disto, o trabalho do professor formador é influenciado pela
condição sócio-enonômica dos estudantes de licencitura
que, na maioria das vezes, para conseguir pagar a
mensalidade nas instituições privadas, têm uma longa
jornada de trabalho dificultando e/ou impossibilitando
estudos complementares.
1.1.3 As representações dos professores da licenciatura do curso de
Ciências Biológicas da UFMG sobre o processo de ensino
Um estudo de caso do curso de licenciatura em Ciências Biológicas
da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG originou o livro de
Diniz-Pereira (2000), que oferece significativa contribuição sobre a
situação das licenciaturas no Brasil.
Apesar de o autor não generalizar suas informações de pesquisa
às outras universidades brasileiras, deixando para o “leitor a
responsabilidade de fazer comparações com a realidade da formação de
professores na sua instituição e estabelecer as diferenças e semelhanças
entre o caso investigado e a situação por ele vivenciada” (grifo do autor,
27
2000, p. 12), muitas das questões apontadas podem ser encontradas em
muitas universidades brasileiras.
O objetivo da pesquisa de Diniz-Pereira (2000, p. 120), nas
palavras do autor, foi o de “investigar a formação de professores nas
licenciaturas, em especial no curso de Ciências Biológicas da UFMG, o
que professores desse curso declaram sobre as atividades de ensino e
pesquisa e as conseqüências disso para os cursos de formação docente
nas universidades”.
Para atingir tal objetivo, ele analisou cerca de 300 questionários
com questões abertas para conhecer as representações de professores e
estudantes sobre o ensino de licenciatura. Ressalte-se que a investigação
de Diniz-Pereira, também, averiguou as representações dos professores e
estudantes sobre a pesquisa. As seguintes perguntas compuseram o
questionário: o que você entende por ensinar? O que você considera ser
um bom professor? O que você considera importante na formação do
professor?
As representações dos professores sobre o ensino, segundo o
autor, foram organizadas em cinco agrupamentos:
1. Idéia de ensinar como transmissão, transferir ou passar os
conteúdos/conhecimentos. Existem neste agrupamento as
idéias que se aproximam da abordagem tradicional, ou seja,
de educação bancária. Para Freire, este tipo de educação
representava uma forma de ensino embasada pela
transmissão de conteúdos que enchiam os “depósitos que
compunham o aparelho psíquico dos estudantes”. Neste
modelo de educação os estudantes eram “vistos como seres
de adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os
educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são
feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência
28
crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele. Como sujeitos” (FREIRE, 1981, p.
64).
2. O grupo dos professores intermediários, ou seja, são
aqueles que não abandonaram a idéia de transmissão de
conteúdo, mas que também não restringiram suas respostas
a este modelo de educação. São professores que além de
valorizar os conteúdos, acreditam em um modelo
educacional mais “’generalistas’ e uma abertura maior para
lidar com seus alunos” (DINIZ-PEREIRA, 2000, p. 125).
3. Um grupo de professores que acredita que o ensino pode
promover mudanças de comportamento. “A representação
de ensino como mudança de comportamento aproxima-se
da abordagem comportamentalista de educação,
fundamentada basicamente no pensamento skinneriano. [...]
nessa abordagem o ensino é composto por padrões de
comportamento que podem ser mudados pelo treinamento,
segundo objetivos pré-fixados” (ibid., p. 127).
4. Os professores deste quarto grupo acreditam que ensinar é
um fenômeno que ocorre na interação entre professor e
aluno. Neste caso, os professores são os grandes
responsáveis pela intermediação entre aluno e
conhecimento. Este grupo de professores foi subdividido
pelo autor: um subgrupo em que os professores
representam a tarefa do formador como um facilitador da
aprendizagem dos alunos; neste caso, o ensino é
centrado na abordagem humanista. Segundo o autor nessa
29
“abordagem, o professor em si não transmite conteúdo, ele
‘dá assistência’ sendo um facilitador da aprendizagem” (ibid.,
p. 129). O segundo subgrupo representa o ensino como uma
prática que se caracteriza “por orientar, ajudar o discente a
aprender, desenvolvendo a sua capacidade, apresentando
problemas para serem solucionados pelo aluno (ibid.). O
bom professor auxilia o aluno na apropriação do
conhecimento, o que se aproxima aos “princípios
piagetianos da abordagem cognitivista da educação. Nessa
abordagem, as relações entre sujeito e objetos são
epistêmicas” (ibid., p. 130).
5. Este grupo de professores congrega respostas que
representam o ensino como uma atividade social que
contribui para a formação ampla do aluno. Assim, a
atividade de ensinar reúne outras competências necessárias
ao professores, tais como, “uma formação humanística mais
eclética, ter uma visão mais ampla das coisas” (ibid., 131).
Nesta categorização, encontram-se os professores que
representaram o processo de ensino como um dos
responsáveis pelo desenvolvimento do pensamento crítico
do aluno. Centra-se em uma abordagem de educação
libertadora de Paulo Freire que, reconhece na educação, um
processo de construção de estruturas cognitivas que
propiciem “leitura de mundo” no que tange aos aspectos
políticos e sociais. Nesta abordagem, o homem é “situado
no tempo e no espaço, e inserido num contexto social,
econômico, cultural e político, ou seja, num contexto
histórico, chegará a ser sujeito por meio da reflexão sobre
seu ambiente concreto, tornando-se gradualmente
consciente, comprometido a intervir na realidade para mudá-
la” (ibid., p. 132).
30
É interessante constatar que os resultados quantitativos da
pesquisa de Diniz-Pereira, para conhecer a representação dos
professores formadores sobre o ensino, revelaram que:
23,38% são professores que pensam que ensinar
“é transmitir informações, conhecimentos
produzidos na sociedade” (ibid., p. 122),
aproximando-se da abordagem tradicional; mas
19,48% dos professores encontram-se
caracterizados pelo autor como intermediários, ou
seja, são professores que o abandonam a idéia
de ensino como “transmissão de conteúdo”, mas
não ficam apenas nesta prática. Neste caso, o
somatório dos “tradicionalistas” e “parcialmente
tradicionalistas” totalizou 42,86%. Isto representa
uma parcela significativa dos professores
entrevistados.
os professores que identificam o ensino com
“mudança de comportamento”, somaram 19,48%
dos entrevistados. Nas palavras de Diniz-Pereira
(ibid., p. 126) “para formar-se um ‘bom professor’
dentro dessa concepção de ensino é necessário que
o docente também receba um treinamento
adequado”.
Os professores que acreditam que ensinar “é um
fenômeno que acontece na interação professor-
aluno (ibid., p. 127), totalizaram 32,47%. Dentro
31
deste percentual os professores que pensam que
ensinar é criar condições de aprendizagem
(22,08%), e aqueles que entendem o ensino como
orientar e ajudar os estudantes (10,39);
Os professores que acreditam que o ensino é um
fenômeno social, político que participa da
formação do indivíduo, somaram 10,38%.
Os dados revelaram que o ensino na graduação para os
professores entrevistados por Diniz-Pereira está, ainda, na sua grande
maioria, voltado para o modelo de “transmissão de conhecimento”, seja
ela total ou parcial na prática do professor. É um indicador que deixa uma
questão: que tipo de formação profissional resulta desta concepção de
ensino?
Contudo, não se pode negar que 32,47 de professores que pensam
o ensino como um processo de interação é muito significativo e, ao
mesmo tempo, animador para o cenário da formação de professores. São
representações que revelam a importância de criar oportunidades de
aprendizagens aos futuros professores. Esta concepção pedagógica, de
criar espaços diferenciados para a aprendizagem, pode propiciar um
desenvolvimento de atitudes mais investigativas, bem como voltada para
o trabalho coletivo na discussão com seus pares.
Observa-se, também, que o percentual de 10,38% índice é um
índice que dá uma margem de abertura para uma formação que se
direciona para o desenvolvimento crítico e político nos futuros
professores.
32
Como os dados referem aos professores de uma universidade
específica, fica o desafio para que outras pesquisas sejam realizadas
para que se possam conhecer melhor as representações, concepções e
trabalho de outros formadores.
1.1.4 A Reforma da formação inicial dos professores da educação
básica nos anos de 1990
A tese de doutorado de Campos (2002), defendida na Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC trouxe uma compreensão do impacto
das reformas dos anos 1990 na formação de professores.
Para a pesquisadora, as reformas educacionais, dos anos de 1990
trouxeram mudanças como: o renascimento dos cursos normais, desta
vez, ministrados em nível superior. Outra mudança foi a incorporação
pelas licenciaturas das disciplinas específicas, em seus currículos do
“modelo de competência”. Além disso, os institutos superiores de
educação passaram a ser responsáveis pela formação dos futuros
professores da educação infantil e séries iniciais.
Campos (2002, p. 14), esclarece que:
O locus privilegiado da formação e a adoção do modelo
de formação baseado na aquisição de competências são
alguns indicadores que parecem sinalizar para dois
movimentos: a) contrariamente ao que ocorreu em outros
países, como França e Espanha, por exemplo, em que se
‘universitarizou a formação de professores, a reforma
brasileira retira das universidades a prerrogativa desse
processo; b) a exigência de nível superior, conforme
determina a LDB, para acesso à carreira está
33
desencadeando uma massificação da formação inicial, o
que pode ser comprovado pela ascensão das ‘fórmulas
emergências’ representada pela difusão crescente dos
cursos de formação à distância.
A pesquisadora critica o modelo de competência, pois nessa
perspectiva a formação de professores está diretamente relacionada ao
modelo empresarial e, conseqüentemente, capitalista. A idéia do
“alargamento das funções docentes, expresso pela assunção por parte
dos professores, de novas tarefas e responsabilidades para além
daquelas relacionadas ao ensino aprendizagem é o principal mote da
retórica oficial” (2002, p. 14).
Este mote do governo deu-se em virtude de uma nova ordem
internacional que foi absorvida pelo país. As análises realizadas pelos
organismos como o Banco Mundial, a Comissão Econômica para a
América Latina e Caribe CEPAL e a UNESCO constataram, conforme
explicitou Campos (2002, pg. 01):
A presença de um descompasso entre a educação
oferecida pelos sistemas educacionais e as necessidades
do mercado de trabalho; segundo os analistas dos
organismos internacionais, esse descompasso traduz-se
em uma situação de crise que revela o anacronismo e a
ineficácia das escolas.
Esta análise atribuiu à escola e, conseqüentemente, aos
professores, a culpa pela ineficiência do processo de ensino-
aprendizagem. Os programas de formação de professores passaram,
então, a ser alvos de reformas e de novas orientações.
A formação dos professores, realizada pelos cursos de licenciatura,
no âmbito deste novo projeto governamental:
34
Supostamente possibilita a constituição do profissional
com essa performance, uma vez que inverte a lógica que
ordena as formações acadêmicas: os currículos passam
a ser organizados a partir da prática, referência máxima
na determinação dos aspectos teóricos a serem
apropriados. Dessa perspectiva, a teoria fica subjugada
às determinações da prática, constituindo-se em
elemento secundário na formação profissional, posto que
a eficácia da atuação do professor se deve a sua
capacidade para atuar em situações marcadas pela
imprevisibilidade, consideradas, como inerentes e
constitutivas da prática pedagógica (CAMPOS, 2002, p.
214).
Neste novo modelo de formação, o pragmatismo entra em voga e é
tido como uma das formas de superar as discrepâncias e ineficiências dos
modelos de formação precursores. uma apropriação do modelo
capitalista, utilitarista e imediatista na formação, promovendo uma
“reviravolta” nas legislações. Os conceitos que integravam as empresas
passaram a incorporar a documentação dos cursos profissionalizantes,
por meio do Decreto 2.208/1997, sobre as diretrizes para as escolas de
educação profissional e, conseqüentemente, integraram as diretrizes da
educação básica e da formação dos professores.
A pesquisadora deixa claro que as reformas não anunciaram, muito
menos mencionaram aspectos referentes à valorização do magistério, tais
como: salários, carreira docente, condições de trabalho, número de
alunos por sala de aula, tipo de contrato de trabalho do professor, dentre
outros.
Seu estudo sobre a reforma educacional brasileira, no quesito
vinculado à formação inicial dos professores, serve para entender os
direcionamentos dos processos formativos instituídos pelas políticas
35
públicas governamentais. Estas políticas influenciam, diretamente, o
trabalho do professor formador.
1.2 Análise das quatro pesquisas sobre os cursos de formação
inicial (licenciaturas)
As pesquisas de Candau, Diniz-Pereira, Romanowski e Campos,
apesar das diferentes finalidades, épocas e localidades apresentam
similitudes: revelam um panorama da complexidade das licenciaturas no
Brasil. Denunciam a falta de comprometimento das políticas públicas com
a formação dos futuros professores, assim como a necessidade de um
esforço efetivo por parte dos professores formadores para atuarem de
forma coletiva e mais efetiva nos processos formativos. De forma geral,
alguns aspectos de complementaridade entre as quatro pesquisas sobre
as licenciaturas podem ser destacados:
As reformas educacionais, realizadas na década de 1990, deram
margem para a criação de processos formativos à distância, rápidos e
voltados ao atendimento das massas. Essas medidas provocaram um
aligeiramento na formação de professores. Surge então a questão:
será que com este modelo o professor formador consegue direcionar
seu trabalho mostrando a responsabilidade da profissão,
principalmente na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária? Os conteúdos necessários para a formação de bons
professores podem trabalhados à distância e no aligeiramento? Quais
as condições efetivas de trabalho têm o professor formador neste
cenário?
36
As pesquisas denunciam, em geral, a falta de trabalhos que sejam
realizados de forma coletiva. Mencionado por Candau e por
Romanowski, parece que as equipes de professores formadores,
muito pouco ou, quase nada, tem conseguido avançar neste sentido.
Os pesquisadores apontam que os professores formadores não
conseguem, em muitas faculdades, institutos e universidades,
trabalharem coletivamente na concretização de um projeto de
formação. Faltam condições institucionais e diretrizes políticas para
que tal fato ocorra. Este cenário, individualista, solitário e competitivo
pode reverberar diretamente no processo formativo dos futuros
professores. Como ensinar aos estudantes das licenciaturas as formas
de trabalho coletivo se, a própria equipe de professores formadores,
na sua maioria, não consegue se articular e trabalhar em equipe?
Nos cursos superiores de licenciatura uma diferenciação entre o
professor pesquisador (áreas específicas) e o professor das
licenciaturas (disciplinas pedagógicas). Os formadores separam-se
entre aqueles que se dedicam às disciplinas pedagógicas de
formação para a licenciatura –, e os professores das disciplinas
específicas de formação da área aqueles que atuam nas disciplinas
do curso de formação -, exemplo: biologia, letras, matemática, dentre
outras. Esta cisão que ocorre entre os professores formadores não é
atual, mas remonta aos tempos de criação dos cursos de licenciatura,
quando foi instituído o modelo 3+1. Na prática, este modelo de
formação, acontecia em três anos de disciplinas da área de formação
do curso específico e no último ano eram ministradas as disciplinas
pedagógicas, ou seja, as disciplinas específicas da licenciatura.
Embora essa forma de organização do curso seja criticada, no início
do século vinte e um, a cisão entre disciplinas pedagógicas e
específicas ainda persiste em muitos currículos de formação.
37
As políticas públicas de formação de professores e dos processos
formativos nas demais modalidades de ensino m se referenciado
constantemente pelas diretrizes estabelecidas pelos organismos
internacionais.
Estas e outras pesquisas têm contribuído muito para os estudos
sobre as licenciatuiras. Mas, percebe-se que ainda faltam estudos mais
consistentes e críticos sobre as práticas pedagógicas e as condições de
trabalho dos professores formadores que atuam no interior das
universidades privadas do Brasil.
1.3 Os cursos de licenciaturas no contexto atual
Segundo Gatti (1992, p. 71) “embora o conteúdo de formação dos
professores pareça ser o ponto crucial de preocupações dos educadores,
existem poucos estudos detalhados, críticos, minuciosos sobre os
currículos desses cursos”.
Além desta falta de estudos sobre o currículo dos cursos de
formação de professores, outro fator que dificulta a melhoria da formação
são as “condições perversas que historicamente vem degradando e
desvalorizando a educação e a profissão docente” (FREITAS, 2007, p.
1.204).
Ainda para Freitas (2007, p. 1205):
As condições do trabalho pedagógico na escola pública,
impactadas pela produção da vida material de nossa
38
infância e juventude, denunciadas pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) em
seus documentos Retrato da Escola, demandam
investimento público massivo em políticas de
profissionalização e formação continuada de professores,
de qualidade elevada, para a educação básica, além de
condições de infra-estrutura que ofereçam suporte para a
produção de conhecimento e a formação científica
adequada às demandas contemporâneas da ciência e da
técnica, da cultura e do trabalho.
Nessa perspectiva de degradação e desvalorização instaura-se
entre os possíveis candidatos ao magistério um forte desânimo, quase
que coletivo, pela profissão de professor. Isto resulta dos freqüentes
anúncios apresentados pelos noticiários sobre os riscos à integridade
física a que são submetidos os professores em algumas regiões do país,
bem como, pela falta de condições materiais e os baixos salários pagos a
estes profissionais.
Nas palavras de Freitas (2007, p. 1205):
São estas as condições que afastam do magistério
amplas parcelas da juventude que, desde as
universidades e no ensino médio normal, poderiam
incorporar-se aos processos de formação das novas
gerações. As políticas de formação têm colocado
perspectivas diferenciadas de profissionalização e
aprimoramento para cada um destes espaços, ao invés
de condições igualitárias. O grande número de
estudantes que escolhem ainda hoje a licenciatura, nas
instituições de ensino superior (IES), evidencia as
potencialidades da juventude na direção da profissão.
39
Quanto aos professores que estão atuando na profissão, também
impactos e descontentamentos. Segundo as palavras de Dias-da-Silva
(2005, p. 382):
Tal contexto vem gestando, entre nossos professores,
alarmantes índices de abandono da profissão e/ou de
doenças de natureza psicossomática e, talvez, o que seja
pior, o desinvestimento e desânimo com seu trabalho
cotidiano, diretamente associado ao descrédito e à
desarticulação política da categoria profissional que
fortalecera os anos oitenta.
Enquanto que a época de 1980 foi propícia para dar vazão às
idéias políticas que acreditavam na construção de uma sociedade mais
justa e igualitária, a década de 1990 ofuscou esta concepção pelo modelo
de uma formação aligeirada.
para Freitas, o que impede uma política global de formação e
valorização dos profissionais da educação, nos últimos trinta anos é o
modelo de sociedade constituído, ou seja, “marcada pela desigualdade e
pela exclusão próprias do capitalismo” (2007, p. 1207).
Para Dias-da-Silva (2005) a profissionalização dos professores
está diretamente ligada à trajetória dos cursos de licenciatura,
responsáveis pela formação dos professores das séries iniciais ou das
disciplinas específicas de 5ª a 8ª séries e ensino médio. A autora lembra
que, historicamente, a cultura universitária “delegou reduzido prestígio à
área de educação nos embates pela hegemonia acadêmica no campo da
ciência brasileira” (p. 386).
Esta questão é reconhecida por algumas pesquisas (CANDAU,
1997; DINIZ-PEREIRA, 2000) que indicam que os professores que
trabalham com as disciplinas específicas de formação e, que
40
desenvolvem pesquisas, são mais “valorizados” que os professores que
trabalham na formação dos professores (disciplinas pedagógicas).
De qualquer modo são poucos os estudos mais consistentes sobre
o currículo da formação dos futuros professores, assim como sobre as
práticas de trabalho do professor formador e sobre o processo de gestão
dos cursos de licenciatura, no contexto atual, marcado pelo viés das
políticas neoliberais. Pesquisas deste âmbito podem evidenciar questões
mantidas encobertas até o momento.
Mudanças significativas ocorrerão somente quando houver,
efetivamente, mais investimentos dos órgãos públicos para a educação
brasileira, bem como quando ocorrer um esforço coletivo das instituições
de formação, sejam elas Institutos, Faculdades, Centros Universitários ou
Universidades para aprimorarem os processos de formação dos futuros
professores. Nas palavras de Freitas (2007, p. 1207):
Apesar da vasta produção de conhecimento na área
sobre os dilemas, desafios, perspectivas e limites,
produzida no campo da formação de professores, que se
esperava pudesse ser apropriada pelas políticas públicas
do governo Lula, no período 2002-2005, o que estamos
vivenciando é o embate entre as demandas das
entidades e dos movimentos e as ações do governo em
continuidade às políticas neoliberais do período anterior,
e uma enorme retração na participação dos movimentos
da política educacional.
Entende-se que necessidade da mobilização das associações
docentes para melhorar as condições de trabalho dos professores. Estas
associações deveriam estar mais presentes nas discussões sobre as
políticas públicas da educação, para denunciar as condições “insalubres”
sob as quais atuam muitos professores brasileiros. Os próprios
41
professores precisam, mais efetivamente, constituir pólos de discussões e
de reivindicações salariais e profissionais. Percebe-se que um
desânimo quase que coletivo por parte de muitos professores para
reivindicar melhorias para a sua categoria profissional.
Diante desse cenário há algumas questões que ainda precisam de
resposta, como por exemplo: os cursos de licenciaturas, ou de formação
inicial, contribuem significativamente (ou deveriam contribuir?) para a
formação e constituição da identidade profissional dos docentes? São
cursos que licenciam e habilitam os futuros professores para o exercício
da docência? Os conteúdos teóricos e práticos, assim como, os princípios
éticos e políticos requeridos aos profissionais da educação são oferecidos
pelas disciplinas ou demais atividades que compõem as matrizes
curriculares destes cursos, seja nas universidades, centros universitários,
faculdades integradas, faculdades e institutos superiores ou escolas
superiores, responsáveis pela formação de professores?
42
CAPÍTULO 2 – A questão das identidades profissionais na literatura
“A libertação autêntica, que é a humanização em
processo, não é uma coisa que se deposita nos
homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É
práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo”
(FREIRE, 1987, p. 67).
As situações experimentadas ao longo da trajetória pessoal, por
meio das relações sociais e das significações pessoais constituem a
identidade. Essas situações que permeiam as experiências pessoais
constroem o “eu subjetivo” e, ao mesmo tempo, o intrapsicológico de uma
pessoa. Pode-se exemplificar a identidade como um arcabouço pessoal,
ou seja, o reservatório de experiências que, aos poucos, o ser humano vai
constituindo por meio das relações sociais. Para Ciampa
(1984, p. 65)
:
Antes de nascer, o nascituto é representado como filho
de alguém e essa representação prévia o constitui
efetivamente, objetivamente, como ‘filho’, membro de
uma determinada família; posteriormente, essa
representação é assimilada pelo indivíduo de tal forma
que seu processo interno de representação é incorporado
na sua objetividade social como filho daquela família.
Antes mesmo do nascimento a criança recebe alguns códigos
identificadores fornecidos pelos pais, avós e demais familiares. São
atributos que designam e compõem a identidade prematura (prévia),
constituem a chamada identidade herdada, ou seja, características
atribuídas ao bebê desde a fecundação.
Entretanto, os atributos designados para o bebê ao nascer, ou
mesmo antes do nascimento, são códigos identificadores temporários, ou
43
seja, constituem a identidade temporária da vida de uma pessoa, pois, o
bebê não tem maturidade para aceitar ou rejeitar, naquele estágio da
vida, os atributos que lhe são conferidos. A atribuição, que se pelo e
por outro, necessariamente, passa pela análise do pertencimento (ou não)
destes atributos. Assim, é o indivíduo que, com o passar dos anos aceita,
rejeita ou ressignifica a identidade. Isto é, julga se as características que
lhe foram atribuídas lhe são pertinentes (ou não). Caso aceite os atributos
designados pelos seus pares, ocorre a “pertença”. Assim, caso aceite
e/ou incorpore os atributos alheios, significa que estes lhe constituem e
lhe pertencem. Para Dubar (2005, p. 135):
A identidade para si e a identidade para o outro são ao
mesmo tempo inseparáveis e ligadas de maneira
problemática. Inseparáveis, uma vez que a identidade
para si é correlata ao Outro e ao seu reconhecimento:
nunca sei quem sou a não ser pelo olhar do Outro.
É necessário destacar que os códigos identificadores atribuídos a
um bebê, geralmente o oriundos da cultura em que este está inserido.
Para Dubar (2005, p. 50-51), “a socialização da criança é analisada
essencialmente como um processo de incorporação progressiva dos
traços gerais característicos da cultura de seu grupo de origem, aquele
que se supõe que defina seu pertencimento social básico”. Essa
socialização, considerada primária, tem uma significativa participação no
processo de constituição da identidade.
O outro é essencial e participa ativamente da constituição da
identidade do indivíduo. É o outro que reconhece (ou não) as
características pessoais que constituem a identidade. É, também, o outro
que atribui informações necessárias para a constituição da identidade.
Assim, sem alteridade não existiria identidade. O outro atua, em diversos
momentos, como um espelho que reflete a imagem para o
44
reconhecimento pessoal. Na socialização primária o os pais que
atribuem características essenciais para a constituição identitária.
Mas, além da socialização primária, as relações sociais
secundárias, derivadas da escola, religião, das socializações no campo
do trabalho, têm uma participação ativa e relevante na constituição
identitária do indivíduo. Quando o jovem inicia nas atividades laborais,
ocorrem novas relações sociais que (re)orientam a sua formação
identitária. É Dubar que nos ajuda a entender essas relações:
A socialização se torna um processo de construção,
desconstrução e reconstrução de identidades ligadas às
diversas esferas de atividade (principalmente profissional)
que cada um encontra durante sua vida e das quais deve
aprender a tornar-se ator (grifo do autor, 2005, p. XVII).
O autor escreve que a identidade profissional atravessa momentos
de desconstrução e reconstrução, em determinados momentos
particulares da vida do indivíduo, por meio de fatos marcantes como,
também, por situações profissionais que atingem diretamente sua pessoa.
A identidade profissional de cada trabalhador está exposta a constantes
mudanças decorrentes do contexto social, político e econômico.
Um exemplo típico, dentre tantos outros, que afetou as identidades
profissionais foi o surgimento das tecnologias de informática e da
comunicação. Com a inclusão destas ferramentas no mundo do trabalho,
novas competências e habilidades foram requeridas dos profissionais.
Isto, certamente, causou mudanças nas relações de trabalho, assim
como, provocou crises de identidade profissional. Dubar (2006, p. 14)
explica que:
A palavra crise remete para a idéia duma ‘ruptura de
equilíbrio entre diversas componentes. À semelhança das
45
crises econômicas, as crises de identidade podem ser
pensadas como perturbações de relações relativamente
estáveis entre elementos estruturantes da atividade
(produção e consumo, investimentos e resultados, etc.).
Os sentimentos de incapacidade diante do novo, assim como, o
sentimento de exclusão, são representativos desta nova ordem no
contexto laboral. Para Bauman (2005, p. 11): “a questão da identidade
também está ligada ao colapso do Estado de bem-estar social e ao
posterior crescimento da sensação de insegurança, com a ‘corrosão do
caráter’ que a insegurança e a flexibilidade no local de trabalho têm
provocado na sociedade”.
Assim, com o enfraquecimento do Estado, que servia de alicerce
para os indivíduos, garantindo as condições necessárias para a
sobrevivência, ou seja, responsável pelo bem-estar dos cidadãos, aflora-
se o sentimento de insegurança diante das novas exigências sociais.
Diante da falta de políticas sociais por parte do Estado, assim como das
crises instaladas em virtude do contexto das relações de trabalho,
principalmente no mundo ocidental, onde as idéias capitalistas têm
“coisificado
7
” o indivíduo, é difícil não pensar que a “pressão” exercida sob
os trabalhadores, nas organizações industriais, não afete,
deliberadamente, as identidades pessoais e profissionais.
Neste sentido, é a auto-estima do trabalhador que entra em jogo, o
sentimento de incapacidade e desamparo o faz questionar e
redimensionar a sua existência. Ciampa
(1984, p. 72)
descreve muito
claramente a situação:
O fato de vivermos sob o capitalismo e a complexidade
crescente da sociedade moderna impedem-nos de ser
7
No sentido de objetivar o indivíduo, ou seja, de transformá-lo em um objeto descartável quando
não mais é útil e rentável.
46
verdadeiramente sujeitos. A tendência geral do
capitalismo é constituir o homem como mero suporte do
capital, que o determina, negando-o enquanto homem,
que se torna algo coisificado (tornar-se trabalhador-
mercadoria e não trabalha autonomamente; torna-se
capitalista-propriedade do capital e não proprietário das
coisas).
Nessa perspectiva de pensamento, percebe-se que a identidade
pessoal não está desvinculada das questões sociais que permeiam a
trajetória do indivíduo. As mudanças originadas no contexto político,
social e profissional contribuem, significativamente, para a constituição
e/ou reconstituição da identidade. Assim, a identidade é um processo de
mudança permanente que ocorre desde o nascimento até o final da vida,
sendo permeada pelas relações sociais e de trabalho. Bauman (2005, p.
19) amplia um pouco mais essa reflexão:
As ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria
escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas
em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante
para defender as primeiras em relação às últimas.
uma ampla probabilidade de desentendimento, e o
resultado da negociação permanece eternamente
pendente.
Nas palavras do autor, muitos dos elementos constitutivos de uma
identidade são imputadas pelos outros. A negociação entre si (pessoa) e
aqueles que o circundam (outros) nem sempre é tranqüila. Há, em muitos
momentos da convivência humana, formas de atribuir ao outro, aspectos
pessoais que nem sempre condizem com o interesse individual. As
caracterizações “flutuam no ar” e para que sejam pinçadas pela
identidade humana há necessidade de um acordo entre o eu subjetivo e o
47
eu objetivo, entre o si e o outro. São transações que, muitas vezes,
ocorrem de forma lenta, permanente e constante.
Quanto ao modo de estudar a identidade do adulto, principalmente
sua constituição nas relações de trabalho, é Saisalieu que citado por
Dubar:
Traz uma contribuição explícita e inovadora para o
problema da produção social da identidade estudando o
percurso de formação de adultos. Ele formula uma
conclusão original sobre a experiência identitária,
mostrando como os assalariados de todos os níveis
reagem fortemente às perspectivas do percurso evolutivo:
os excluídos e bloqueados nas profissões ameaçadas
vivem sua situação num mal estar identitário que os
conduz a um retraimento defensivo (2005, p. 64-65).
Em lugar de identidade Claude Dubar utiliza, preferencialmente, a
expressão “formas identitárias” com a finalidade de indicar que:
Trata de formas assumidas pela linguagem que podemos
encontrar em outros campos e que remetem a visões de
si e dos outros, de si pelos outros, e também dos outros
por si. São ‘categorias atribuídas’ (identidades para o
outro) e identidades ‘construídas’ (identidade para si).
Estas formas assumidas pela linguagem são uma entrada
na vida social, que corresponde à tradição sociológica do
interacionismo simbólico. Esta corrente sociológica
abordou a questão das identidades desta maneira e
permitiu romper com uma concepção estática e
determinista das identidades sociais impostas e
inculcadas pelas instituições (2005, p. 156).
48
As maneiras de ser, pensar e agir são assumidas pelas formas
identitárias e são re(constituídas) de acordo com as novas experiências
de e na vida do sujeito. Para Dubar (2005, p. 136): “a identidade nada
mais é que o resultado a um tempo estável e provisório, individual e
coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos
processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e
definem as instituições”.
Como as formas identitárias profissionais estão diretamente
relacionadas às relações pessoais e laborais de cada indivíduo, é
necessário entender alguns aspectos relacionados ao contexto do
trabalho, diante do modo de produção capitalista e de suas implicações
nas mudanças ocorridas nas últimas décadas.
2.1 As abordagens de Weber, Norbert Elias, Bauman
Para compreender o movimento da constituição identitária, além do
envolvimento dos aspectos pessoais, oriundas da história de vida, bem
como, das relações sociais produzidas no contexto de trabalho,
necessidade de conhecer alguns aspectos relevantes da relação: modo
de produção e capital.
Considera-se que esta relação está em constante transação entre
empregador e empregado e produz efeitos na convivência societária, nos
modos de trabalho e, conseqüentemente, nas identidades profissionais.
Para compreender a identidade profissional, constituída nas relações
entre indivíduo, sociedade e trabalho, quatro autores são destacados:
Weber: entre seus estudos apresenta o surgimento do capitalismo;
49
Nobert Elias: discute o quanto o sujeito “singular” está em
permanente dependência funcional de outros seres, bem como,
uma forte articulação entre o indivíduo e sociedade;
Bauman: discute o quanto a globalização, ou melhor, “a
modernidade líquida”, interfere nas relações sociais e nas
individualidades, ou seja, como as determinações do meio social,
político e/ou econômico constituem as “relações fluídas”.
Dubar estuda a constituição das formas identitárias, derivadas
das relações sociais e de trabalho, após acordos entre a
subjetividade e objetividade.
Com esses autores espera-se evidenciar a relação entre o contexto
capitalista (Weber), a dependência entre o indivíduo e sociedade (Elias),
assim como as relações cada vez mais fluídas (Bauman) que participam
da constituição e das crises identitárias dos trabalhadores (Dubar).
Para compreender o nascimento do capitalismo é necessário
apossar-se de algumas idéias apresentadas por Max Weber. Para ele
foram as regiões economicamente mais desenvolvidas da Europa que
deflagraram a revolução religiosa, responsável pela chamada reforma
produzida pelo calvinismo. Para Weber (edição de 2004, p. 30):
A Reforma significou não tanto a eliminação da
dominação eclesiástica sobre a vida de modo geral,
quanto a substituição de sua forma vigente por uma
outra. E substituição de uma dominação extremamente
cômoda, que na época se fazia sentir na prática, quase
formal muitas vezes, por uma regulamentação levada
a sério e infinitamente incômoda da conduta de vida
como um todo, que penetrava todas as esferas da vida
doméstica e pública até os limites do concebível.
50
A idéia: “de que ganhar dinheiro não é pecadoe da “valorização
das virtudes humanas” como utilitárias para se conseguir benefícios
pessoais, foram alguns dos ensinamentos da cultura calvinista. Para
Benjamin Franklin (citado por Weber), um dos líderes da “Reforma
Americana” e, adepto do calvinismo, difundiu a concepção do acúmulo da
riqueza, própria do espírito” capitalista. Nesta filosofia da “avareza”,
surge “[...] a idéia do dever que tem o indivíduo de se interessar pelo
aumento de suas posses como um fim em si mesmo” (Weber, edição de
2004, p. 45). Benjamim Franklin ressaltava:
Lembra-te que tempo é dinheiro [...] lembra-te que crédito
é dinheiro [...] lembra-te que o dinheiro é procriador por
natureza e fértil [...] lembra-te que como diz o ditado
um bom pagador é senhor da bolsa alheia [...]. Quem
desperdiça seu tempo no valor de cinco xelins perde
cinco xelins e bem que os poderia ter lançado ao mar.
Quem perde cinco xelins não perde essa quantia, mas
tudo o que com ela poderia ganhar aplicando-a em
negócios o que, ao atingir o jovem uma certa idade,
daria uma soma bem considerável (Citado por WEBER,
2004, p. 42-44).
As relações sociais, por meio deste modo de pensar e de se
relacionar, tornaram-se fluidas e utilitaristas, pois se instaurou a idéia do
outro, como um objeto útil para conquistar e aumentar os recursos
financeiros. Esta forma de pensar, representativa de um determinado
contexto social, possibilitou a abertura de outros tipos de socialização,
baseadas no interesse próprio de acumular capital. Weber, neste caso
específico, ressaltou que:
51
No fundo, todas as advertências morais de Franklin são
de cunho utilitário: a honestidade é útil porque traz
crédito, e o mesmo se diga da pontualidade, da presteza,
da frugalidade também, e é por isso que são virtudes:
donde se conclui, por exemplo, entre outras coisas, que
se a aparência de honestidade faz o mesmo serviço, é o
que basta, e um excesso desnecessário de virtude
haveria de parecer aos olhos de Franklin, um desperdício
improdutivo condenável (Weber, versão 2004, p. 45-46).
Essas qualidades morais apregoadas pelo espírito capitalista de
Franklin romperam com os ditames da igreja católica, pois a idéia de
ganhar dinheiro, ostensivamente por meio do trabalho e, das relações
sociais, não fazia parte da doutrina católica.
A Reforma Protestante, mesmo que não intencionalmente, introduz
uma maneira diferenciada de encarar a vida que afeta, deliberadamente,
o modo de produção e o acúmulo de bens. Para os protestantes “a idéia
do piedoso tédio do paraíso pouco tem de atraente à sua natureza ativa, a
religião lhes aparece como um meio de desviar as pessoas do trabalho
sobre a face da terra” (ibid., p. 62).
Ressalta-se que, além de plantar a semente que germinaria no
capitalismo, os calvinistas foram os responsáveis pelos movimentos
relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico. Com suas
idéias de riqueza e de ascensão social permitida, sem culpa e remorso,
também foram os responsáveis pelo incentivo e abertura de novas formas
de pensar o mundo. O desenvolvimento da sociedade por meio do
questionamento e quebra de paradigmas e dogmas defendidos pela igreja
católica, foi responsável pela abertura da liberdade de expressão do
pensamento e pela oportunidade de escolarização dos indivíduos. Idéias,
na época, contrárias e combatidas pela igreja católica.
52
Os conflitos entre esta nova ordem religiosa e a igreja católica
foram, certamente, profundos e desgastantes. Os indivíduos que se
indispuseram com a igreja católica foram fortemente punidos. Mas, como
diz Norbert Elias “a vida social dos seres humanos é repleta de
contradições, tensões e explosões. O declínio alterna-se com a ascensão,
a guerra com a paz, as crises com os surtos de crescimento. A vida dos
seres humanos em comunidade certamente o é harmoniosa (1994, p.
20).
As identidades individuais e mesmo coletivas, são abaladas e
redirecionadas no momento em que as crises ou conflitos ocorrem. São
estas identidades que afetam diretamente a identidade pessoal de cada
indivíduo. Não se pode deixar de frisar que a entrada do calvinismo na
história da humanidade, nos séculos XV, XVI e XVII, afetou,
deliberadamente, as estruturas de poder e as idéias sobre a retenção do
capital.
Esta, talvez, tenha sido uma das formas mais apropriada que os
países desenvolvidos economicamente encontraram para “suavizar” a
culpa perante as desigualdades sociais, a exploração dos pobres e a
concentração da riqueza. No entanto, é sabido que não existia um desejo
consciente de que o mundo caminhasse para o estágio atual. Não se
pensava que o modelo capitalista fosse sendo conduzido para os moldes
desta sociedade tão empenhada na aquisição de lucro. Assim como, na
época, não se imaginava que as relações sociais se tornassem tão fluidas
e descartáveis como na atualidade.
Além dos estudos de Weber sobre a construção do “espírito”
capitalista, outra significativa contribuição por parte deste autor foi a das
socializações individuais. Weber (citado por Dubar, 2006) utilizou-se da
distinção explicitada por Tönnies, sobre a passagem das relações sociais
vividas nas comunidades para as relações sociais vividas na sociedade.
53
Weber (citado por Dubar), na reconstituição das relações sociais do
indivíduo, define a forma comunitária como “as relações sociais
fundadas sobre o sentimento subjetivo (tradicional ou emocional) de
pertença a uma mesma coletividade” (2006, p. 31). Há implicação de duas
formas de relacionamento para esta ação relacional: laços transmitidos
pela filiação, das heranças culturais e a que resulta da identidade coletiva
e emocional a um mesmo líder carismático.
na forma societária os indivíduos “designam relações sociais
fundadas com base no compromisso ou a coordenação de interesses
motivados de forma racional (em valor ou em finalidade)” (ibid., p. 31).
Dois tipos de racionalidade estão presentes na forma societária:
A relação com os valores, a racionalidade axiológica, que
serve de base aos acordos racionais por compromisso
mútuo e a relação instrumental dos meios para atingir um
fim que se impõe por ela própria, a racionalidade
econômica, a troca comercial, a competição para
assegurar as melhores oportunidades de vida, mas
também a associação voluntária dos indivíduos para
defender os seus interesses (idem acima).
Para Weber (2004), enquanto a primeira pressupõe uma
coletividade de pertencimento, ou seja, a idéia de pertencer a outrem, a
segunda pressupõe uma relação baseada em interesses utilitários.
Diferentemente de Ferdinad Tönnies, seu inspirador para a reconstituição
destas duas ações relacionais, Weber acreditava que elas não ocorriam
como uma seqüência na vida dos indivíduos, mas sim, que elas podiam
assumir, em determinados momentos, a forma de uma ou de outra.
Assim, a socialização societária quando vivida de forma muito
próxima e constante, ou seja, por logos períodos, como no caso de
relações sociais no trabalho, na escola ou em outra instância, pode
54
tornar-se propriamente comunitária. O mesmo pode ocorrer com a
socialização comunitária: o interesse financeiro entre integrantes de uma
mesma família pode ser tão intenso e utilitarista a ponto de transformar-se
em relação societária.
As contribuições de Weber para compreender as formas de
relacionamento humano, principalmente no que tange aos interesses
pessoais e coletivos de uma sociedade, são fundamentais para se
entender as mudanças no campo familiar e profissional.
Na evolução da humanidade, no quesito do redimensionamento
dos espaços geográficos, tais como a cidade e estados, houve uma
mudança significativa do bem coletivo para o interesse individual. Foram
transformações sociais que demandaram novas formas de convívio e de
desenvolvimento econômico, político e religioso.
É fato que, essas mudanças afetaram, consideravelmente, as
individualidades de cada sujeito. Não se pode ignorar que as questões
sociais significam muito para a construção e/ou reconstrução da
identidade pessoal e profissional do indivíduo. A “relação entre os
indivíduos e a sociedade é uma coisa singular. Não encontra analogia em
nenhuma outra esfera da existência” (ELIAS, 1994, p. 25).
Para Dubar (2006), a grande contribuição de Weber refere-se à
proposição de que a socialização societária se sobrepõe a socialização
comunitária. “Segundo Weber, a empresa, mas aquilo a que se chama na
França associações, representam agrupamentos no seio dos quais as
relações de tipo societário são as mais dominantes” (DUBAR, 2006. p.
31).
De acordo com essa visão, pode-se esperar que as relações
societárias adquiriram força maior, pois a cultura capitalista, iniciada na
esfera religiosa, perpetuou-se de tal forma que o interesse pela aquisição
55
de bens materiais e a exploração do outro em benefício próprio são
recorrentes na sociedade moderna. Atualmente, vivemos em uma
sociedade de cultura, predominantemente capitalista que, certamente, foi
produzida ao longo da história da humanidade.
Bauman (2004, p. 22) caracteriza a cultura capitalista como a:
A cultura capitalista como a nossa, que favorece o
produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a
satisfação instantânea, resultados que não exijam
esforços prolongados, receitas testadas, garantias de
seguro total e devolução do dinheiro.
Essa cultura capitalista que tem exigido das pessoas rápidas
transformações e adaptações para que ocorra o aumento da receita
financeira, tem interferido, diretamente, nas relações humanas. As
alterações nos modelos sociais, como o caso do ingresso da mulher no
mercado de trabalho, também afetam, consideravelmente, as identidades
pessoais e profissionais.
A retomada das contribuições teóricas de Weber (2004) sobre o
processo de racionalização, baseado nos modelos de “socialização
comunitária” e “socialização societária”, que identifica as formas de
relacionamento pessoal ou como uma vinculação natural, espontânea e
sem expectativas (comunitária), ou como uma forma de relacionamento
pautado em interesses pessoais e utilitaristas baseado em regras e
normas (societário) é fundamental para a compreensão do
desenvolvimento da humanidade e para a discussão das mudanças
identitárias. As identidades são constituídas nestas duas formas de
socializações e uma está vinculada à outra.
56
para Norbert Elias (1994) os processos de socialização estão
pautados na relação “nós-eu”. Para o autor, a sociedade é construída
pelos indivíduos, bem como, os indivíduos são constituídos pela
sociedade. uma relação de interdependência entre estas duas
instâncias e a finalidade é que a sociedade dos indivíduos caminhe para
um estágio mais abrangente de elaboração do respeito humano. Aqui, os
direitos humanos, precisam ser garantidos aos indivíduos, em prol de uma
humanidade mais saudável. Conforme Elias (1994, p. 67):
Toda sociedade humana consiste em indivíduos distintos
e todo indivíduo humano se humaniza ao aprender a
agir, falar e sentir no convívio com outros. A sociedade
sem os indivíduos ou o indivíduo sem a sociedade é um
absurdo.
Bauman (2004, 2005), discute os caminhos das relações sociais no
mundo capitalista que segundo ele, têm se tornado cada vez mais fluída
se descartáveis. Para esse estudioso a sociedade capitalista tem
cooptado as pessoas para o consumo desenfreado e o desejo de ter
suplantou as essencialidades do ser. Diante deste contexto desalentador,
os indivíduos se sentem desamparados pelo Estado. As necessidades
básicas de sobrevivência não são mais garantidas pelo poder blico.
Nas relações de trabalho a idéia de “coisificação” do homem, ou seja, a
idéia de uma mão-de-obra descartável no momento em que não é mais
rentável tem reduzido as pessoas à concepção de “objetos” renováveis.
O retorno à história da humanidade, desde a implantação do
“espírito capitalista”, deflagrado pelos calvinistas até a sociedade atual,
tem interferido constantemente na identidade pessoal e profissional
8
. E,
esta dinâmica identitária, por meio das relações do individuo com a
sociedade, tem sido objeto de estudo de Claude Dubar. As identidades
8
Não se pretende separar a identidade pessoal da identidade profissional. Escreve-se
assim apenas para fins didáticos.
57
profissionais dos adultos em seu contexto de trabalho, influenciadas
diretamente pelo contexto social, têm causado desconfortos pessoais. As
crises identitárias, vivenciadas pelos trabalhadores, estão sob a lente
deste sociólogo pesquisador.
Deste modo, as discussões, estudos e pesquisas de Claude Dubar,
sobre as identidades profissionais, serão a opção teórica que
acompanhará a análise dos dados sobre o trabalho dos
professores/chefes de departamento dos cursos de licenciatura.
2.2 A abordagem de Claude Dubar (identidades profissionais)
Na passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna,
o pensamento se prolonga para instâncias superiores, “como resultado
conjunto de uma ‘evolução intelectual’ e um ‘desenvolvimento moral’ que
tornam possível a construção voluntária de novas relações sociais,
inclusive pelas próprias crianças” (DUBAR, 2005, p. 13).
Para Dubar (2005), foi somente ao longo dos anos oitenta que,
novas correntes nascidas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha,
promoveram novos conceitos de socialização, identificados por ele como
“construção da realidade social”. Foi a retomada dos escritos de Max
Weber que permitiu esta nova concepção sobre a socialização. Segundo
Dubar, para Weber “a questão geral da socialização não é, pois, [...],
dissociável da questão das formas da atividade humana e principalmente
dos modos de orientação de um comportamento individual em relação
aos de outrem” (2005, p. 107).
Vista sob este prisma, a socialização é uma atividade de “pano de
fundo” na constituição da identidade pessoal e profissional dos indivíduos.
É por meio dos outros e nas relações sociais estabelecidas na trajetória
58
de cada indivíduo, como ator e protagonista, ou seja, no espaço de
interação e ação individual, que a identidade se constrói.
No entanto, existe uma interlocução entre a “identidade para si” e a
“identidade para o outro”, entre atos de atribuição e atos de
pertencimento, distinções propostas por Dubar (2005, p. 137):
Denominaremos atos de atribuição os que visam a definir
‘que tipo de homem (ou de mulher) você é’, ou seja, a
identidade para o outro; atos de pertencimento os que
exprimem ‘que tipo de homem (ou de mulher) você quer
ser, ou seja, a identidade para si’.
Suas pesquisas sobre as identidades profissionais o levaram a
constatar que estas “são maneiras socialmente reconhecidas para os
indivíduos se identificarem uns aos outros, no campo do trabalho e do
emprego” (2006, p. 85).
Dubar (2006) chama de “identidades profissionais” as formas
identitárias, no sentido resultante da relação entre o eu-nós, ou seja, na
constituição do eu-subjetivo (individual), por meio das relações sociais
profissionais do eu-nós (eu na interação com o outro). Desta interação
entre o “eu e o outro” é que se constituem as formas identitárias
profissionais que podem ser detectadas “no campo das atividades de
trabalho remuneradas” (2006, p. 85).
As formas identitárias, constituídas por meio das socializações e,
compostas, pela formação do indivíduo e suas experiências laborais, são:
Portanto, rigorosamente, formas de identidades
profissionais (no sentido francês do termo), centradas nas
relações entre o mundo da formação e o mundo do
trabalho ou do emprego. Trata-se, também, de
identidades sociais, exatamente na medida em que, num
59
dado sistema social, a posição social, a riqueza, o status
e/ou prestígio dependem do nível de formação, da
situação de emprego e das posições no mundo do
trabalho (DUBAR, 1998, p. 22).
O conceito de identidade profissional foi elaborado por Dubar
(1998), após o estudo da obra de Renaud Sainsaulieu (1977), que
escreve sobre as questões do contexto do trabalho. Para Dubar (1998),
os motivos que desencadearam o interesse de Sainsaulieu em estudar o
campo do trabalho são:
- nos anos de 60-70 a racionalização do trabalho atingiu uma crise dos
ofícios tradicionais, instaurando-se uma crise coletiva no contexto do
trabalho. Nestas décadas, houve uma entrada massiva dos camponeses
e agricultores no mundo do trabalho industrial e, deste modo, aumentou
excessivamente o índice de mão-de-obra não-qualificada, o que causou
um mal estar àqueles que possuíam ofícios reconhecidos, ou seja, um
desconforto aos trabalhadores com mão-de-obra qualificada.
- o deslocamento destas pessoas para o campo do trabalho industrial,
suscitou uma nova forma de gestão das negociações entre empregador e
empregado. Houve uma tendência, naquele contexto, do sistema
industrial exigir novas determinações e obrigações da “nova classe
operária”.
- o discurso e exigência da formação continuada aos trabalhadores, de
forma que estes deveriam acompanhar as tendências tecnológicas, cada
vez mais intensificadas nas últimas décadas. As formas de ascensão
profissional e de remuneração foram articuladas às competências
individuais dos trabalhadores. A remuneração e ascensão profissional
60
ocorreram de maneira atrelada à escolaridade e à aquisição de novos
conhecimentos e saberes profissionais.
Sainsaulieu abordou a questão do trabalho considerando o sujeito
como ator nas relações estabelecidas no contexto industrial. Esse autor
afirmou que a França, na década de oitenta, passou por um período de:
Explosão das identidades no trabalho que acompanhou
uma mudança de gestão das empresas. A negociação
coletiva vertical’ vem sendo cada vez mais substituída
por políticas de gestão de empresa que integram uns,
excluem outros, estabelecem compromissos com uns e
‘marginalizam’ os outros... A crise do emprego acelera o
movimento que amplifica as economias de mão-de-obra,
a segmentação de mercado, a seletividade na
contratação (citado por DUBAR, 1997, p. 46).
Este novo cenário do mundo do trabalho altera as identidades
profissionais dos atores que dele participam. “Nos finais dos anos oitenta,
os temas da ‘competência’ e da ‘gestão previsional’ estendem-se a todas
as empresas e à sociedade francesa. Multiplicam-se as entrevistas anuais
com os empregados, legaliza-se o ‘balanço das competências’” (
DUBAR,
1997, p. 46
).
As mudanças nas relações de trabalho entre empregado e
empregador não são muito diferentes no Brasil. A necessidade de mão-
de-obra qualificada requerida no início da cada de noventa, com a
abertura do mercado internacional e diante das imposições neoliberais
repercutiu e, ainda repercute, na vida profissional de muitos brasileiros.
Segundo Gatti et al.
(2006, p. 8), n
esta nova relação entre empregado e
empregador:
61
Certamente interesse de poder inserido no mercado
de trabalho, para angariar mais lucratividade em seus
negócios e buscar estratégias que dificultem as
negociações com os empregados/assalariados. A
implantação do plano de cargos e salários baseado no
conceito de competência se consubstancia em exemplo
dessas transações no mercado de trabalho. Neste caso,
a responsabilidade pelo aumento salarial ou promoção
para outro posto de trabalho, não é mais da categoria
funcional, representada pelo sindicato, mas sim, de cada
trabalhador. O não aumento salarial ou de ascensão
profissional são justificados pela defasagem em
conhecimentos, habilidades e/ou atitudes do trabalhador.
Deste modo, uma avaliação individual enfraquece a
busca de oportunidades de ascensão salarial e
profissional, e perde-se, desta forma, a força coletiva dos
assalariados nas negociações com os empregadores.
São nessas condições transacionais que se configuram
as formas identitárias profissionais.
As formas identitárias propostas por Dubar são oriundas das
entrevistas realizadas com os trabalhadores das empresas francesas. A
análise do discurso dos trabalhadores apontou que:
Para este modelo das formas identitárias, é menos
importante o trabalho efetuado que o sentido do trabalho
vivido e expresso pelas pessoas estruturadas por uma
dada identidade profissional. Foi através da análise do
discurso, proferido sobre situações de trabalho em
entrevistas de investigação, que os sociólogos puderam
identificar ‘mundos vividos’ que representam,
simultaneamente, dispositivos de categorização (quer
dizer formas de designar as realidades correntes do
trabalho: os superiores, os colegas, o grupo de trabalho,
62
a organização, os tempos livres...) e juízos sobre os
‘modelos de gestão’ (formas de traduzir a ‘mobilização
para a empresa’, a ‘polivalência’ ou os ‘grupos de
qualidade’...) (DUBAR, 1997, p. 47).
Um dos estudos de Dubar (1997), em seis grandes empresas
francesas em processo de modernização, e que exigiam dos empregados
uma nova forma de relação e comprometimento com a atividade
profissional que desempenhavam, mostrou as seguintes formas
identitárias: “identidade fora do trabalho”; “identidade mobilizada”;
“identidade do ofício”; e “identidade mobilidade/flexível”. Em seu livro
publicado em 2005, as denominações de 1997 são minimamente
alteradas. Vale ressaltar que são conceituações derivadas dos estudos de
Sainsaulieu e desdobradas por Dubar, que as enuncia da seguinte forma:
Identidade estável ameaçada: as experiências profissionais e a
aprendizagem no local de trabalho são efetivamente valorizadas
pelos trabalhadores de identidade estável ameaçada. São
indivíduos que assumem a identidade coletiva, do grupo de
trabalho, e seu discurso é sempre permeado por “nós”. O trabalho
para estes indivíduos é uma obrigação, seu “ganha-pão”. As
atividades de lazer o consideradas em primeira instância por
estes indivíduos em detrimento da idéia de trabalho. Deste modo,
não criam uma identidade de trabalho ou no trabalho; mas sim, a
identidade está fora do local de trabalho e é ameaçada. “Não se
recusam a realizar treinamentos para aprender algum instrumento
novo no trabalho, mas se recusam a teorizar para avançar” (GATTI
et al., 2006, p. 8). Existe relação de dependência com a chefia,
pois, executam facilmente aquilo que lhes é mandado. Sabem que
existem e reconhecem as mudanças nas organizações de trabalho,
porém, são resistentes a estas mudanças/inovações. São aqueles
63
considerados “do contra”, ou seja, diante de alguma mudança,
dizem de antemão: “isto não dará certo”. A idéia de formação
continuada esvinculada à idéia de “ganhar mais” e, ao mesmo
tempo, valorização quando esta ocorre no campo de trabalho.
Caso contrário, não há valorização da formação continuada. A
identidade é considerada estável e, de tão estável, é considerada
ameaçada pela falta de interesse nos fatos que ocorrem fora do
seu local de trabalho. O eu “subjetivo” é maior que o eu “objetivo”,
ou seja, prevalece a vontade interior em detrimento dos avanços e
inovações que circundam o indivíduo.
Identidade bloqueada: neste caso uma fusão do indivíduo à
sua profissão. A maneira repetitiva e mecânica de exercer a
profissão o bloqueia para as inovações do contexto do mercado de
trabalho. É um indivíduo fiel às normas de trabalho, que considera
a sua atividade profissional como única e fundamental para a
empresa. Realiza inovações em sua atividade de trabalho e espera
sempre ser recompensado e, ao longo da carreira profissional, ser
promovido para uma função mais elevada. É aquele indivíduo que
‘veste a camisa’ da empresa ou do seu ofício. Diante desta fusão,
a supremacia das transações objetivas sobre as subjetivas; o
sujeito quase que se anula em detrimento da profissão e/ou
empresa. A vida do indivíduo passa a ser as regras da
empresa/profissão, e se funde nela. Analogicamente, pode-se dizer
que é um sujeito com uma venda nos olhos, conduzido pelos
valores da empresa. Acredita cegamente nos valores e normas do
seu local de trabalho e da sua profissão e tudo que faz é para
melhorar sua atividade profissional. Está sempre disposto a aceitar
os procedimentos da empresa e segue a “cartilha” imposta pelos
seus superiores. Pode-se dizer que: “sua vida é seu trabalho”, e
tem orgulho e prazer em exercê-lo.
64
Identidade responsável pela sua promoção: são aquelas
pessoas mobilizadas a progredir profissionalmente e executam
suas tarefas com destaque e dedicação. Objetivam atingir
patamares mais elevados na profissão, investindo maciçamente
em cursos de aperfeiçoamento e no cumprimento das diretrizes de
trabalho. Seus interesses pessoais e profissionais estão articulados
com os interesses da empresa. Tudo o que fazem é pensando em
si e, também, na empresa. O “eu” está articulado com o “outro”,
demonstrando uma relação de interdependência. Deste modo, seu
sucesso profissional está vinculado ao sucesso da empresa,
também. O indivíduo acredita que a promoção profissional será
resultado da sua dedicação e investimento pessoal. “Sabem que,
se investirem no trabalho, colherão, mais tarde, os frutos desse
empenhamento. São os ‘gestores’ que, por vezes, se ignoram,
mas, que tem em comum o interesse pela gestão, pela liderança,
pela mudança da organização” (DUBAR, 1997, p. 48).
Identidade autônoma e incerta: esta identidade também é
reconhecida como do tipo ‘afinitário’. As afinidades com outras
pessoas e instituições são fortemente valorizadas como forma de
manter “redes” de contatos, visando facilitar a entrada em outros
postos de trabalho. Este indivíduo se dedica significativamente à
sua formação continuada. Procura se atualizar constantemente de
forma que consiga mudar de emprego sempre que desejar. Não
estabelece vínculos duradouros com a instituição de trabalho e,
assim que se sente desmotivado ou desvalorizado, procura uma
outra colocação no mercado. É do tipo que valoriza mais a sua
formação acadêmica do que seu trabalho. É um sujeito com grande
mobilidade profissional, e que, valoriza a interação social. O
diploma serve como uma mola propulsora a outras oportunidades
de trabalho. São sujeitos que “querem ter mobilidade, mudar, mas
65
não necessariamente na empresa. Se esta não lhes reconhece o
valor, irão procurar emprego noutro lugar graças aos
conhecimentos que souberam construir” (DUBAR, 1997, p. 48).
Neste caso, a transação subjetiva é que direciona a transação
objetiva.
As quatro formas identitárias reconstruídas por Dubar (1997, 1998,
2005), definem a constituição da identidade profissional nas relações de
trabalho. No entanto, não se pode esquecer que as experiências
biográficas, ou seja, da história de vida, participam ativamente destas
constituições identitárias. A formação escolar, as experiências familiares,
a formação acadêmica e profissional dos familiares contribuem para esta
“identidade de si” que é constituída na “identidade pelo outro”. É nesta
inter-relação, ou melhor, nesta transação que as formas identitárias são
constituídas.
A presente pesquisa se propõe a estudar a constituição das formas
identitárias dos chefes de departamento dos cursos de licenciatura, por
meio das relações sociais que permearam tanto a identidade subjetiva
como a identidade objetiva. As influências das relações familiares, da
formação escolar e do ambiente institucional (de trabalho), serão
integradas à análise das configurações das formas identitárias. O método
de análise utilizado por Dubar, para estudar os trabalhadores das
indústrias francesas, foi utilizado na análise dos dados dos
professores/chefes de departamento das licenciaturas.
2.3 Procedimentos de investigação
Tendo em vista o propósito de compreender como as formas
identitárias dos professores/chefes de departamento de licenciatura são
66
constituídas nas relações sociais e de trabalho, delineou-se uma pesquisa
que teve como locus principal uma universidade comunitária.
O primeiro contato com o campo ocorreu no primeiro semestre de
2006. Após a autorização institucional, feita pela Assessora do Reitor,
chegou-se à pessoa responsável pelos cursos de licenciaturas, a qual
está ligada à Pró-Reitoria de Ensino. Ela forneceu os nomes dos nove
professores chefes de departamento e os contatos respectivos. Neste
momento, os chefes haviam sido consultados sobre a possibilidade de
participar da pesquisa e, segundo a responsável pela área das
licenciaturas, todos aceitaram.
No segundo semestre do referido ano iniciou-se a coleta de dados
que se prolongou por um período de um ano e meio, com visitas
semanais da pesquisadora para a realização de entrevistas, observação
das atividades rotineiras dos departamentos e coleta de documentos
institucionais.
A entrevista foi à principal fonte de coleta de dados. Além dos nove
chefes de departamento, foram entrevistados quatro professores
formadores, quatro ex-alunos da licenciatura e um gestor diretamente
responsável pelos cursos de licenciatura junto à reitoria. Para entender a
trajetória da universidade foram entrevistados mais cinco professores que
trabalham mais de trinta anos na instituição. Essas entrevistas
ajudaram a entender a dinâmica histórica da instituição, por meio de
aspectos guardados na memória de cada entrevistado, no sentido em que
nos fala Ecléa Bosi:
O passado conserva-se e, além de conservar-se, atua no
presente, mas não de forma homogênea. De um lado, o
corpo guarda esquemas do comportamento de que se
vale muitas vezes automaticamente na sua ação sobre as
coisas: trata-se da memória hábito, memória dos
67
mecanismos motores. De outro lado, ocorrem lembranças
independentes de quaisquer hábitos: lembranças
isoladas, singulares, que constituíram autênticas
ressurreições do passado (1979/1994, p. 48).
As singularidades históricas vivenciadas pelos professores
reviveram no pensamento dos entrevistados. A “ressurreição” do passado
veio com muitas histórias de conquistas e movimentos para tornar a
faculdade uma universidade. As entrevistas serviram para trazer à tona as
experiências individuais e, ao mesmo, tempo coletivas de cada um.
Segundo as palavras de May (2004, p. 147) “as entrevistas geram
compreensões ricas das biografias, experiências, opiniões, valores,
aspirações, atitudes e sentimentos das pessoas”.
Etapas da coleta de dados
O primeiro contato com os nove professores/chefes de
departamento das licenciaturas ocorreu em uma situação de entrevista
que foi considerada exploratória. O objetivo desta entrevista era conhecer
os professores, explicar os objetivos e procedimentos da pesquisa, bem
como para obter respostas sobre as atividades que os chefes
desenvolviam no departamento e sobre as características que
consideravam relevantes para atuar na função.
Foram entrevistas que não tomaram muito tempo dos
professores/chefes e serviram para a primeira aproximação da
pesquisadora com os entrevistados. Houve uma boa receptividade por
parte de todos e o fornecimento de informações detalhadas sobre as
atividades de chefia.
68
Para a segunda entrevista com os nove chefes de departamento foi
elaborado um roteiro que continha questões relacionadas: a aspectos
pessoais, institucionais e relacionais, condições e contrato de trabalho;
programas de formação continuada para os professores; formas de
comunicação; e aspectos estruturais do funcionamento dos cursos.
Com os dados obtidos na primeira e segunda entrevistas
conseguiu-se conhecer as atividades decorrentes da função de chefia,
bem como as relações entre essas atividades e as identidades
profissionais dos chefes. Todas as entrevistas foram gravadas, com a
prévia permissão dos chefes e foram posteriormente transcritas.
A terceira etapa da coleta de dados constituiu em uma entrevista
aprofundada com dois chefes de departamento para conhecer o processo
de constituição de suas formas identitárias nas relações sociais e de
trabalho. O roteiro de questões foi elaborado de modo a dar abertura às
histórias pessoais, acadêmica e profissional dos dois chefes de
departamento, assim como para esclarecer depoimentos anteriores. Para
cada chefe foi elaborado um roteiro “personalizado”, ou seja, as questões
foram formuladas após várias leituras do material obtido anteriormente.
Os critérios para a escolha dos dois chefes de departamento foram
os seguintes: nível de escolaridade dos pais e tempo de trabalho na
universidade comunitária. Optou-se por escolher dois chefes com mais de
vinte anos de trabalho na instituição, pois, acreditou-se que o tempo de
trabalho estável e longo revelaria as tessituras da sua história na
universidade.
Quanto ao critério de escolaridade dos pais, optou-se por investigar
dois casos bem demarcados: um deles nasceu de uma família que
morava em uma cidade do interior, vivia do trabalho na roça, com poucos
69
anos de escolaridade dos pais; outro chefe nasceu em uma família em
que o pai era professor de uma universidade federal, doutor em sua área
de atuação e residiu boa parte de sua vida em capital.
Mesmo após as entrevistas de aprofundamento retornou-se aos
dois professores para sanar dúvidas e lacunas que dificultavam a
compreensão de algum aspecto da sua história.
Para ajudar nas identificações das formas identitárias dos chefes
de departamento, bem como para buscar a opinião do outro sobre a
identidade de uma pessoa, decidiu-se entrevistar quatro professores
formadores e mais quatro ex-estudantes, dois de cada departamento ao
qual pertenciam os chefes. A questão feita a eles foi “como viam o
trabalho do chefe no departamento e que aspectos destacavam na
pessoa do chefe”.
Aos professores formadores foi assegurado total sigilo quanto à
identificação dos seus nomes, bem como aos estudantes que se
formaram recentemente (ex-alunos).
Ainda para complementar dos dados de análise para a constituição
das formas identitárias foi entrevistada uma professora da administração
universitária para que emitisse sua opinião sobre o trabalho dos dois
chefes de departamento.
Segue abaixo um quadro-síntese que registra os objetivos, os
instrumentos de coleta de dados e os sujeitos participantes:
70
Objetivo Instrumento de
coleta de dados
Sujeitos
Conhecer como as atividades
decorrentes da função de chefia
afetam as formas identitárias dos
professores/chefes de
departamento dos cursos de
licenciatura.
Entrevista
Nove chefes de
departamento
Entrevista Dois chefes de
departamento
- Compreender como as formas
identitárias dos professores/chefes
de departamento de licenciatura
são constituídas nas relações
sociais e de trabalho.
- Conhecer como as trajetórias de
vida constituem as formas
identitárias dos professores/chefes
que atuam nos cursos de
licenciatura.
- Conhecer os conseqüentes entre
as formas identitárias dos
professores/chefes e o seu
trabalho no departamento.
Entrevista Professores
formadores e alunos e
ex-alunos do
departamento
De posse de todos os dados coletados a análise seguir os critérios
de uma “interpretação relacional” que, como compreendido nas leituras
das pesquisas realizadas por Dubar (2005, 2006), realiza um
entrelaçamento entre os vários determinantes que constituem a história
pessoal e social do indivíduo.
71
CAPÍTULO 3 – Dinâmica da instituição
Este capítulo tem como objetivo apresentar a dinâmica da
instituição na qual trabalham os professores/chefes de departamento.
Para compor este cenário foram realizadas cinco entrevistas com
professores que trabalham mais de trinta anos na universidade, bem
como foram analisados documentos existentes na biblioteca, materiais
concedidos pelos entrevistados e disponíveis na secretaria e
departamentos.
Todas as entrevistas tiveram como foco a questão da história da
universidade. Os professores verbalizaram e expressaram as lembranças
e as principais mudanças ocorridas ao longo do período de trabalho na
universidade, bem como aquelas mudanças que tiveram notícia por meio
de relatos dos colegas com mais tempo de instituição. Uma das
professoras, por exemplo, trabalha trinta e seis anos na universidade,
ou seja, quatro anos a menos que o surgimento da instituição.
Para se apreender a história constituída ao momento, utilizou-se
da idéia de que a “instituição não é uma coisa observável, mas uma
dinâmica contraditória construindo-se na (e em) história, ou tempo. [...] O
tempo, o cio-histórico, é sempre primordial, pois tomamos instituição
como dinamismo, movimento; jamais imobilidade” (grifo do autor,
LOURAU, 1993, p.11). Assim os relatos dos professores entrevistados
são derivados de um tempo e de uma história, que pode, em muitos
momentos, contradizer-se e, inclusive, modificar-se de acordo com os
fatos e os personagens.
Diante da institucionalização que “é o devir, a história, o produto
contraditório do instituinte e do instituído, em luta permanente, em
constante contradição com as forças de autodissolução” (LOURAU, 1993,
p. 12), são narrados vários fatos e situações que estão instituídos no
72
contexto universitário pelos instituintes (seus personagens e/ou grupos de
personagens).
Para compreender a dinâmica da instituição, as entrevistas
continham questões abertas e na sua condução cuidou-se para que o
depoente não interrompesse as lembranças, pois, considerou-se que “a
narração é uma forma artesanal de comunicação. Ela não visa a transmitir
o ‘em si’ do acontecido, ela o tece até atingir uma forma boa. Investe
sobre o objeto e o transforma” (BOSI, 1979/1994, p. 88).
As entrevistas tiveram, em média, uma hora e meia de duração e
todos os entrevistados sentiram-se honrados em contar (rememorar) sua
história na universidade. As lembranças foram emergindo aos poucos e
foi interessante o movimento relatado da transformação da faculdade em
universidade, bem como toda dinâmica (movimento) que ocorreu nessa
institucionalização.
3.1 O surgimento da instituição
Os professores/chefes de departamento investigados trabalham em
uma universidade comunitária, criada por uma lei municipal em julho de
1967, constituindo-se em uma Fundação Educacional. Na época, foi o
governo federal que incentivou a abertura das faculdades nas cidades
com determinado número de habitantes que justificasse a implantação da
instituição. Assim, nas cidades em que se fazia necessária a implantação
de uma instituição de ensino superior, o prefeito teve a incumbência de
representar o governo federal e expedir o ato de abertura da faculdade.
No momento do surgimento da instituição, o objetivo principal era o
de formar professores para atuarem nas escolas da rede privada e
pública (municipal e estadual). Os responsáveis pelo encaminhamento da
solicitação de abertura da faculdade foram os próprios professores, que
73
integravam uma associação de docentes, com o incentivo do bispo da
cidade.
Assim, surgiu a “Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras”,
composta pelas licenciaturas de Letras, História, Matemática e Geografia.
Esta faculdade estava inserida na Fundação Educacional, nomenclatura
utilizada para designar a instituição.
No ano de 1969, a Fundação Educacional agregou o curso de
ciências econômicas, que já funcionava na cidade desde 1965. Este curso
funcionava em uma instituição luterana e foi pioneiro no ensino superior
na cidade. O curso de ciências econômicas, quando integrou a Fundação
Educacional, passou a chamar-se “Faculdade de Ciências Econômicas”.
Em 1971, foi criado o curso de educação física que se chamava, na
época, “Escola Superior de Educação Física e Desportos” e funcionava
em um local diferente das duas outras faculdades, pois a instalação
desportiva era mais adequada para o funcionamento do curso.
em 1972, foi criada a “Faculdade de Ciências Administrativas”
com os cursos de ciências contábeis e administração. Assim, quatro
faculdades passaram a compor a Fundação Educacional. Mas vale
destacar, que até aquele momento, as quatro faculdades funcionavam em
locais diferentes, ou seja, cada faculdade estava situada em um
endereço. Não existia uma sede própria para a Fundação.
Entre 1970 e 1974, em um terreno cedido pela prefeitura, foi
realizada a construção do prédio para a instalação da Fundação. E, em
abril de 1975, com a construção concluída, todos os cursos superiores
vieram para o local. Assim, os cursos de licenciatura (matemática, letras,
história e geografia), administração de empresas, ciências contábeis,
ciências econômicas e educação física, todos pertencentes à Fundação
Educacional, foram instalados em sede própria.
74
Esta área de mais de duzentos mil metros quadrados de terra, na
qual a universidade está instalada hoje, segundo depoimentos de
professores entrevistados, era de difícil acesso, sem calçamento nas ruas
próximas e distante do centro da cidade.
Segundo eles, “o cenário era desanimador, principalmente, nos
dias de chuva” (Juraci). “Era comum que professores e estudantes
trouxessem consigo um par a mais de calçado para ser trocado após o
percurso para chegar à faculdade” (Tereza). Durante as aulas, a situação
também não era das melhores, pois, segundo os professores, as salas de
aulas ficavam próximas à mata e o incômodo produzido pelos insetos era
freqüente.
3.2 A forma de escolha dos primeiros gestores da instituição
Desde a criação da Fundação Educacional, o diretor geral era
indicado pelo prefeito da cidade. Para que tal situação ocorresse, a
faculdade enviava seis nomes de pessoas ligadas à instituição. Chamava-
se lista sêxtupla e era o prefeito que fazia a escolha.
O diretor geral da faculdade que ingressava na função escolhia os
diretores das quatro faculdades. Isso ocorreu desde 1967 até 1987, ou
seja, foram 20 anos de “tutela” do governo municipal para a escolha do
diretor geral.
A primeira eleição direta para a escolha do diretor geral da
faculdade, com mandato para três anos, ocorreu no ano de 1987.
Naquele primeiro mandato, não havia possibilidade de reeleição.
75
Nesta época, assume uma mulher como dirigente da faculdade e
reconhecida pelos entrevistados como “aquela que fez a faculdade
evoluir”.
Em 1989, após a eleição da diretora da faculdade, ela compôs uma
equipe denominada “Rumo à universidade”, liderada por uma professora
que, semanalmente se reuniam para tratar dos trâmites de
encaminhamento da carta consulta ao Ministério da Educação e Cultura -
MEC, a qual objetivava a transformação da faculdade para universidade.
Segundo os entrevistados, em 1992, o MEC designou o Conselho
Estadual de Educação para acompanhar e orientar a Fundação para que
tal mudança viesse a ocorrer. As orientações da época preconizavam que
um corpo diretivo fosse, aos poucos, sendo constituído. A diretora geral
foi denominada “reitora pro tempore e pessoas da sua confiança, para
assumirem as pró-reitorias, foram sendo escolhidas” (Odair). Com isso um
modelo de universidade, aos poucos, foi sendo instaurado.
Na época, também, foram elaborados os estatutos da fundação, da
universidade e o regimento geral. Segundo a professora “estes
documentos foram imperiosos para a transformação da faculdade em
universidade” (Odair). Para auxiliar na escrita dos documentos, foram
contratados consultores que, além do Conselho Estadual, orientaram os
professores da Fundação.
A professora, que assumiu a direção geral, permaneceu por
quatorze anos na função, seis anos como diretora geral e oito na função
de reitora, entre 1997 e 2004.
76
3.3 A crise financeira e política
Na década de oitenta, a Fundação passou por uma crise financeira.
Os recursos do município estavam cada vez mais escassos e a
inadimplência por parte dos estudantes atingiu índices que
impossibilitavam o pagamento dos salários mensais dos professores e
funcionários. Segundo uma professora entrevistada, muitos professores
e funcionários abandonaram o barco e não acreditavam mais na
recuperação financeira da instituição” (Clara).
Ainda segundo essa professora, “os que persistiram,
transformaram a faculdade nesta universidade que temos hoje” (sic). É
visível o orgulho que os professores entrevistados e, com mais de trinta
anos de trabalho na instituição, têm ao se referirem ao passado e mostrar
os dados presentes.
Outra entrevistada atribuiu a crise, também, à falta de compromisso
alguns professores. Segundo ela, alguns vinham para a instituição e não
se preocupavam com a qualidade de suas aulas, nem com a sua própria
formação continuada. “Na época, somente eu cursava o mestrado. Muitos
me criticavam e não se interessavam em estudar. Eles trabalhavam nas
empresas durante o dia e, de noite, eles vinham dar aula na faculdade
porque dava status” (Tereza).
Percebeu-se certa crítica aos colegas do sexo masculino. A
professora referiu-se aos professores homens, como aqueles que
“trabalhavam durante o dia nas empresas e vinham à noite somente para
dar as suas aulas” (Tereza). Foi afirmado pela mesma professora que
“precisava ser as mulheres para transformar a faculdade em universidade
e resolver a crise econômica”.
77
Lembrou-se que “os homens riam e não acreditavam que nós
conseguiríamos a autorização e credenciamento para a universidade”.
Tereza disse que, muitas vezes, na sala dos professores, os colegas
professores olhavam para ela e diziam “vocês acharam o rumo à
universidade? pegaram o trem de hoje?”. Esse comentário que eles
faziam, segundo ela, referia-se à equipe constituída por mulheres para
trabalhar no projeto “Rumo à universidade”. Ela ressaltou que, muitos dos
colegas, mencionavam que elas estavam perdendo tempo, pois não
conseguiriam transformar a faculdade em universidade.
Na leitura dos documentos
9
cedidos pelos professores
entrevistados percebe-se a luta constante para a continuidade da
Fundação na cada de 1980. Os resultados financeiros apontavam para
um déficit mensal e os reajustes nas mensalidades eram feitos
trimestralmente. Houve, naquela época, um reajuste na mensalidade dos
alunos calouros com valores de, praticamente, 100% acima do valor da
mensalidade dos veteranos.
Os líderes dos centros acadêmicos faziam exigências de redução
de mensalidades e criticavam abertamente os gestores da instituição,
pelos meios de comunicação, tais como o jornal local da cidade e o
próprio jornal dos diretórios acadêmicos. Críticas e reivindicações eram
feitas constantemente pela mídia local.
Outra exigência localizada nos documentos cedidos pelos
professores entrevistados foi o direito ao voto para a escolha dos
dirigentes da faculdade. Os acadêmicos, na época, respondiam por 97%
da receita da Fundação e sentiam-se no direito de eleger os diretores da
instituição. Alcançaram esse direito em 1987.
9
Os professores que cederam os documentos pediram para que os mesmos não fossem
identificados, pois, muitos não fazem parte do domínio público. São documentos que
serviram para minha leitura e compreensão da dinâmica da constituição da universidade,
desde o seu surgimento em 1967.
78
Outra questão que merece destaque foi a suposta junção desta
universidade, com subvenções do governo municipal, a uma universidade
estadual. Essa seria uma das formas da Fundação conseguir sanar os
problemas financeiros, pois repassaria para o Estado as despesas que o
município dizia não dar conta de suprir. Ambas têm suas sedes
instaladas uma ao lado da outra.
No entanto, essa reivindicação não deslanchou, pois, entre tantos
argumentos contrários, um de grande peso foi a abertura de precedentes
a outras fundações educacionais do Estado. Essas fundações se
sentiriam no direito de reivindicar sua inclusão nos órgãos estatais. Essa
foi uma tentativa frustrada para os acadêmicos, professores e
funcionários, segundo as informações dos entrevistados.
Ainda segundo os professores, a década de 1980, principalmente
da metade em diante, foi desafiadora e, ao mesmo tempo, demandou
vários acordos entre os funcionários, os poderes municipal, estadual e
federal para que a faculdade não sucumbisse. A crise financeira atingiu
fortemente os que estavam na instituição.
A situação começou a se estabilizar e melhorar com a ajuda
financeira do governo federal, bem como com a criação da universidade
em 1996. Com a ascensão para universidade, houve possibilidade de
ampliação e criação de novos cursos, implantação de projetos de
pesquisa, convênios e extensão que garantiram o aumento da receita
orçamentária. É opinião unânime, por parte dos entrevistados, o
reconhecimento do desenvolvimento da universidade após 1997.
Segundo eles, a própria estrutura física da universidade se tornou muito
mais apropriada. “As salas de aula são, atualmente, todas climatizadas e
possuem projetores de multimídia instalados à internet” (Tereza). “Temos
atualmente uma ótima biblioteca” (Clara).
79
3.4 O crescimento da universidade
De três mil acadêmicos na década de 1980 e início de 1990, a
Universidade passou para mais de onze mil matriculados. Para atender
aos acadêmicos, a universidade oferece mais de trinta cursos de
graduação, dezoito cursos de especialização (lato sensu) e três cursos de
mestrado (stricto sensu) reconhecidos pela CAPES, além da educação
infantil, ensino fundamental e médio oferecidos pelo Colégio da
Universidade. Existem, ainda, dois Centros de Estudos e Pesquisas
Ambientais integrados à instituição.
Nos dados obtidos nos departamentos, chegou-se à informação de
que existe na universidade quase uma centena de laboratórios que
atendem os diversos cursos e, para o curso de educação física
(bacharelado e licenciatura), disponibilidade de piscina térmica,
quadras abertas e cobertas e pista de atletismo para as aulas práticas.
O organograma institucional tem a seguinte configuração: (lido de
cima para baixo):
Fundação Educacional;
Conselho Curador; Presidência; Conselho de Administração;
Universidade;
Conselho Universitário; Reitoria; Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão;
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários; Pró-Reitoria de
Administração; Pró-Reitoria de Ensino; Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-graduação.
O corpo docente da universidade é constituído por 547
professores. Desses docentes, 23 são graduados, 129 especialistas, 46
80
mestrandos, 236 mestres, 36 doutorandos e 77 doutores.
Percentualmente, correspondem, respectivamente, a: 4%, 24%, 9%, 43%,
6% 14%. Vale destacar que há, na universidade, professores que
lecionam com a titulação do ensino superior, ou seja, são professores que
não possuem cursos de pós-graduação, seja de lato sensu ou stricto
sensu.
O quadro abaixo facilita a visualização dos professores que são de
carreira, ou seja, aqueles que passaram pelo processo seletivo público
para trabalhar na Universidade; e, aqueles que são colaboradores, isto é,
têm um vínculo empregatício temporário que pode ser renovado
anualmente, de forma automática, caso seja necessário.
PROFESSORES
TÍTULO
CARREIRA
COLABORADOR LICENCIADO TOTAL
Graduado - - - -
Especialização (incompleta) - 23 - 23
Especialista 24 105 - 129
Mestrando 04 42 - 46
Mestre 131 105 - 236
Doutorando 23 13 - 36
Doutor 68 09 - 77
Total 250 297 - 547
Número de professores por titulação até outubro de 2008
Fonte: Informações obtidas no Programa de Qualificação Docente – PQD.
Quanto ao quadro acima, destaca-se que mais professores
colaboradores do que de carreira. Os professores recebem a cada quatro
aulas dadas em sala de aula 25% a mais, ou seja, a cada quatro aulas o
professor recebe uma aula adicional para preparar as aulas e fazer as
correções das avaliações.
81
Vale destacar que, foi somente em agosto de 2008, ou seja,
recentemente, que houve a mudança no Estatuto do Ensino Superior da
Universidade e todos os professores, inclusive os colaboradores,
passaram a receber o benefício dado, anteriormente, somente aos
professores de carreira.
Um aspecto que, talvez reduza o número de professores
colaboradores, instituído pelo referido Estatuto, foi à abertura do processo
seletivo interno para o professor colaborador que trabalhe mais de três
anos na universidade. Anteriormente a essa mudança, os professores
colaboradores podiam participar dos processos seletivos internos, após
cinco anos de trabalho na universidade.
Todas as vagas para a docência passam, primeiramente, pelo
processo seletivo interno. Ou seja, faz muito tempo, segundo alguns
professores, que não é feito processo seletivo externo público para
professores ingressarem na universidade, o que impede o ingresso de
muitos professores colaboradores.
Os quadros abaixo mostram os números de professores com
graduação, especialização, mestrado e doutorado no período de 1996 a
2008.
Período de 1996 a 2000
1996 1997 1998 1999 2000 Titulação
% % Nº % % %
Graduados 26 11 34 12 57 17 47 12 50 11
Especialistas
149 61 164 62 172 53 216 56 253 57
Mestres 60 25 61 23 89 27 103 27 122 28
Doutores 8 3 8 3 10 3 17 5 18 4
Total
243 100 267 100 328 100 383 100 443 100
82
Período de 2001 a 2005
2001 2002 2003 2004 2005
Titulação
% % Nº % %
Graduados 56 11 58 10 53 56 11 58 10 53
Especialistas
259 50 256 46 246 259 50 256 46 246
Mestres 181 35 221 39 262 181 35 221 39 262
Doutores 22 4 30 5 43 22 4 30 5 43
Total
518 100 565 100 604 518 100 565 100 604
Período de 2006 a 2008
2006 2007 2008
Titulação
%
%
Graduados 18 3
14 3
23 4
Especialistas 159 31
166 32
175 32
Mestres 272 53
266 52
272 50
Doutores 68 13
65 13
77 14
Total
517 100
511 100
547 100
Número de professores por titulação até outubro de 2008
Fonte: Informações obtidas no Programa de Qualificação Docente – PQD.
Esses dados sobre o mero de contratação de professores, que
em 1996 totalizava 243 e em 2008, 547 docentes, significaram um
aumento de 125% de contratações. Em treze anos, o número de
especialistas passa de 149 (61%) em 1996, para 175 (32%) em 2008.
Contudo, o número de mestres e doutores cresceu substantivamente
passando de 68 (28%) para 349 (64%), no mesmo período. Afirma-se que
a instituição, após receber a certificação para ser universidade, aumentou
significativamente o número de professores com mestrado e doutorado.
Outro fato que contribuiu para que tal aumento ocorresse refere-se
ao crescente número de cursos de graduação que demandaram
contratações de professores. A universidade, nesse caso, realizou
contratações de professores com mestrado e doutorado o que contribuiu,
significativamente, para o aumento de professores titulados.
83
Essa situação também foi reforçada pela LDB que exige um terço
do corpo docente com a titulação de mestrado e/ou doutorado para atuar
no ensino superior. Para afirmar tal fato, o artigo 52 define que:
As universidades são instituições pluridisciplinares de
formação dos quadros profissionais de nível superior, de
pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber
humano, que se caracteriza por:
I produção intelectual institucionalizada mediante o
estudo sistemático dos temas e problemas mais
relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural,
quanto regional e nacional;
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com
titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;
Parágrafo único. É facultada a criação de universidades
especializadas por campo de saber (grifo nosso, 1996).
Entre 1996 e 2003, primeiros anos da instituição como
universidade, o número de doutores praticamente permaneceu o mesmo
(entre três e sete doutores) e o número de mestres foi o que mais
aumentou (de vinte e cinco para quarenta e três). Para que tal fato
ocorresse, a universidade estabeleceu uma parceria com outra instituição,
para oportunizar aos professores o título de mestre em educação.
Para aumentar a titulação dos professores, a universidade firmou
parceria, desta vez com uma universidade federal do estado para a área
da Engenharia de Produção. Segundo depoimentos dos professores
entrevistados, houve um problema pouco estratégico nessa parceria.
Segundo eles, o doutorado em Engenharia da Produção impossibilitou
que alguns professores pudessem estruturar um Mestrado em Educação,
por exemplo. Segundo eles, a CAPES não reconhece o doutorado em
Engenharia da Produção como formação condizente para atuação no
Mestrado em Educação.
84
Diante dessa questão, segundo eles, a universidade tem se
dedicado, por meio da Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, a
firmar novos convênios/parcerias com programas de mestrado e
doutorado, recomendados pela CAPES, na área da educação, para
aumentar, ainda mais, a titulação dos professores. A cidade onde a
universidade está localizada não tem programas de mestrado e doutorado
na área de Ciências Sociais e Humanas.
Antes de 1996, a titulação dos professores concentrava-se nos
cursos de graduação e especialização. Eram outros tempos, tanto para a
faculdade quanto no contexto nacional.
3.5 As oportunidades e avaliação dos e para os cursos de graduação
Quanto aos cursos oferecidos, no jornal da universidade
10
de
agosto de 2007, a Pró-Reitora de Ensino explicita os resultados
satisfatórios do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENADE, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP), que indica a universidade como a melhor instituição
de ensino superior do planalto norte do estado.
A Pró-Reitora de Ensino divulga, também, a criação do Fundo de
Apoio ao Estudante de Graduação (FAEG), que tem como objetivos:
repassar recursos financeiros aos projetos dos
estudantes;
financiar o pagamento de algumas disciplinas em que os
estudantes apresentem mais dificuldades de
aprendizagem;
10
Optou-se por não identificar a universidade privada e, deste modo, não serão
mencionadas os nomes dos documentos e jornais.
85
possibilitar o desenvolvimento de competências que os
prepare para o ingresso no mercado de trabalho.
A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação afirma incentivar os
acadêmicos à pesquisa desde o início de seus estudos, subsidiados pelos
recursos financeiros do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC) e pelas bolsas de estudos obtidas por meio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os documentos de 2007 registraram que cerca de 200 acadêmicos
participavam de projetos de pesquisa na instituição.
Em maio de cada ano, há um Seminário Integrado de Ensino,
Pesquisa e Extensão (SIEPE), aberto à comunidade, que tem como
objetivo socializar o conhecimento gerado na universidade. E, a Pró-
Reitora enfatiza, no Jornal da Universidade, que, na “prática, a
socialização do conhecimento gerado na universidade se por meio de
projetos de extensão, que levam para a comunidade os resultados da
pesquisa.
A Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários tem 61
projetos de extensão que atendem à comunidade. Existe um incentivo
anual para que os professores encaminhem as propostas de projetos de
extensão que, por meio de uma rigorosa seleção, são implantados e
subsidiados pela instituição.
Todas as Pró-Reitorias trabalham visando o aprimoramento dos
cursos de graduação que estão vinculados aos 22 departamentos
espalhados pela universidade: departamento de administração,
administração/comércio exterior, artes visuais, ciência da religião, ciências
biológicas, ciências contábeis, economia, design, direito, educação física,
educação tecnológica, engenharia ambiental, engenharia de produção
mecânica, engenharia química, farmácia, geografia, história, informática,
letras, matemática, medicina, odontologia, pedagogia e psicologia.
86
3.6 As diretrizes organizacionais da universidade
Segundo o “Calendário Acadêmico” entregue aos estudantes no
ano de 2006, a instituição afirma que tem como missão “promover a
formação de cidadãos comprometidos com a sociedade e contribuir para
o desenvolvimento sustentável, atuando em ensino, pesquisa e
extensão”.
Quanto a visão institucional: “queremos ser reconhecidos
nacionalmente como uma universidade comunitária comprometida com o
ensino, à pesquisa e extensão, voltada para o desenvolvimento
sustentável”.
Os valores e princípios institucionais são reconhecidos como
“cidadania, integração e inovação”. Porém, ressalta-se que, cada Pró-
Reitoria tem sua missão e visão, destacados nos documentos, ou seja,
suas políticas de e/ou para atuação.
3.7 O acervo bibliográfico e a publicação do conhecimento
A biblioteca universitária divide seu acervo entre biblioteca central
do principal campus, biblioteca infantil do Colégio, biblioteca do centro de
estudos que está no Hospital Municipal, na biblioteca da unidade centro e
nos dois campis universitários.
Na biblioteca central do campus, o acervo está distribuído em três
andares com imenso espaço físico, equipado com cento e noventa e oito
computadores ligados a internet para que os estudantes realizem as suas
pesquisas, assim como, variadas assinaturas de periódicos nas áreas dos
cursos existentes, conforme quadro abaixo:
87
Materiais UNIVERSIDADE
Campus central
Unidade
Centro
Campus 1 Campus 2
Títulos 55.543 2.621 679 11.421
Volumes 97.546 3.892 1.149 20.484
Periódicos
nacionais
2.204 ___ ___ ___
Periódicos
estrangeiros
285
Assinaturas
correntes
712 109 9 91
Doações correntes 700 41 19 65
Periódicos não-
correntes
1.077 91 12 23
Assinaturas novas 40
Renovação de
assinaturas
244
Vídeos 1.641 6 28 266
CDs 755 12 20 344
Mapas 205 16
DVDs 155 2 2 25
Empréstimos 222.630 4.388 2.762 34.011
Dados até o mês de outubro de 2008, obtidos na biblioteca da universidade.
A universidade tem uma editora que foi criada oficialmente em
março de 2000, responsável pela publicação de livros, projetos especiais
e pelos periódicos dos cursos oferecidos pela instituição. As publicações
dão possibilidades para que alunos, professores da Universidade e/ou de
outras instituições nacionais e internacionais socializem o conhecimento
produzido no meio acadêmico.
88
CAPÍTULO 4 – A diversidade de funções profissionais no Ensino
Superior
O ensino superior no Brasil, principalmente após as reformas
ocorridas na década de 1990, sofreu mudanças que culminaram em uma
diversidade de funções, preocupações e direcionamentos que tem
afetado tanto as trabalho nas instituições quanto as identidades
profissionais.
Para Silva e Sguissardi (2000, p. 155):
Nos anos 90, inicia-se no Brasil, acentuando-se sob o
governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), um
processo de ajustamento de seu projeto político nacional
à nova ordem mundial. Esse ajuste manifesta-se em
todas as esferas de ação do Estado, cabendo aqui
destacar o espaço social da educação superior, alvo de
incisiva política oficial de reconfiguração, segundo ótica e
racionalidade econômicas ou segundo a lógica e os
objetivos do capital.
As mudanças que se instalaram no ensino superior principalmente
a partir de 1990, no Brasil, passaram a exigir novas formas de trabalho. A
gestão, no sistema privado de ensino alinhou-se aos ditames do
pensamento neoliberal. Como afirma Pérez Gómez (2001, p. 139):
Na base das tendências neoliberais em educação, se
encontra uma concepção mercantil do conhecimento que,
embora não tenha sido elaborada e comunicada de modo
explícito, pode-se derivar nitidamente da análise das
propostas que se fazem sobre a sua utilização. As
proposições neoliberais que justificam a desregulação e a
89
privatização do sistema educativo concebem o
conhecimento como uma mercadoria, como um bem de
consumo que adquire seu valor no intercâmbio entre
oferta e a demanda. O conhecimento, em termos de
rendimento acadêmico das instituições escolares, adquire
seu sentido quando se valoriza no intercâmbio mercantil,
quando serve de indicador de aquisições úteis para
ganhar créditos acadêmicos ou para a legitimação
profissional.
Pelas universidades privadas perpassa a idéia de ensino como um
produto que pode ser comercializado e disputado no mercado de capital.
A educação vira negócio e, nesta outra perspectiva, ocorre a
mercantilização de ações nas bolsas de valores, das cotas, ou seja,
vendem-se partes das faculdades e/ou universidades privadas para
acionistas interessados em fazer investimentos neste setor, como afirma
Leda, (2006, p. 6-7):
A educação, historicamente, tem sido utilizada, como
mecanismo ideológico para justificar diferenças
individuais de capacidade de trabalho, de renda e de
mobilidade social. É extremamente usual palavras do
campo empresarial, hoje fazerem parte dos planos e
projetos pedagógicos, como: produtividade, eficiência,
gerência, clientes, gestão por metas, etc. Todo esse
vocabulário é apresentado dentro de uma rede ideológica
tecida para a reprodução do capitalismo flexível, afetando
a escola, a universidade, seus alunos e docentes.
Silva e Sguissardi (2000) argumentaram que compreender o atual
cenário da educação privada no Brasil, em se tratando do ensino superior,
que se considerar a orientação e continuidade da matriz teórica,
política e ideológica que orientou a reforma do Estado Brasileiro, “com
90
origem na transição do fordismo para o atual momento do capitalismo e
sua expressão no Brasil” (p. 157). Nas palavras dos autores:
O fordismo pode ser sucintamente caracterizado por sua
rigidez produtiva e econômica; por ser legitimado numa
cultura grandemente impregnada pela dimensão política,
em razão da centralidade do Estado de bem-estar social,
gestor do macroacordo social que marcou ‘os anos
dourados’ do século XX. No período em que predomina o
fordismo a esfera pública é uma das principais
instituidoras das relações sociais; o associativismo em
sindicatos e partidos políticos são, em termos, um
corolário da força do público. O coletivo é, portanto, um
valor muito forte na cultura geral, disso resultando
políticas públicas voltadas para as demandas sociais,
particularmente para as esferas da saúde e da educação
(ibid.).
Com a superprodução de capital financeiro, produzida pelo modelo
fordista, a crise acometeu este modelo que tinha forte influência nas
ações sociais promovidas, em sua grande maioria, pela esfera pública.
Para Silva e Sguissardi (2000, p. 157):
Isto impôs aos gestores da economia mundial a busca de
materialidade na produção de capital produtivo,
obrigando, pela primeira vez na história do capitalismo, à
internacionalização do capital na sua forma produtiva,
processo denominado por Chesnais (1995) de
‘mundialização de capital’, uma internacionalização
distinta da do início do século XX, quando predominaram,
na internacionalização, as formas mercantis e financeiras
do capital.
91
Com esse novo movimento e as reformas do Estado houve um
alargamento e aceleração do crescimento da esfera privada para
absorver o capital que adentrava nos países menos desenvolvidos. Os
autores consideram que “esse processo teve grande influência no
redesenho dos espaços sociais predominantemente orientados pela
lógica pública, particularmente a educação” (2000, p. 157).
Schugurensky
11
(2002, citado por Sguissardi, 2004) analisa o
quadro das mudanças na educação superior na passagem do Estado do
Bem-Estar Social para o Estado Neoliberal:
Enquanto sob o Estado do Bem-Estar e do fordismo,
quando do apogeu das teorias do capital humano, a
educação superior (universidade) era vista como
investimento público de crucial importância para o
desenvolvimento e criação de empregos, no Estado
neoliberal e na globalização, a educação superior (a
universidade) passa a ser vista como parte do problema
econômico de cada país, entendido este como falta de
competitividade internacional (p. 48).
Este movimento do capital, que levou à reforma do Estado afetou,
diretamente, a educação superior, tanto na esfera blica quanto na
esfera privada. Os investimentos na universidade pública tornaram-se
cada vez mais escassos e, a expansão do número de universidades
privadas, com gestões baseadas em modelos empresarias,cresceu
significativamente. Como afirmam Silva e Sguissardi (2004, p. 157):
O setor das Instituições de Ensino Superior (IES)
privadas tem apresentado propostas relativas à
11
Schugurensky, Daniel. Autonomia, heteronomía, y los dilemas de la educación superior
en la transición al siglo XXI: el caso de Canadá. In: RODRIGUEZ GÒMEZ, Roberto
(org.). Reformas en los sistemas nacionales de educación superior. La Coruña, Es:
Netbiblo, 2002.
92
legislação desse nível de ensino e reagido aos atos do
poder central, com o claro propósito de se transformarem
em efetivas empresas de ensino, fato muito presente na
segunda metade dos anos 90, quando ocorrem várias
restrições do setor público e acentuado aumento em igual
ou maior proporção, do setor privado, face à pressão do
capital, mormente financeiro, que vive sua própria
instabilidade.
A expansão, em termos quantitativos, das instituições de educação
superior no Brasil, nas últimas duas décadas, tem sido apontada como
uma questão preocupante. A qualidade da educação, no setor privado,
tem sido questionada por muitos pesquisadores preocupados com o
direcionamento desta modalidade de ensino no país (CAMARGO; HAGE,
2004). Quanto ao crescimento (ou decrescimento) do ensino superior no
Brasil, Sguissardi (2004, p. 44) afirma que:
O número de IES privadas, e em especial privadas com
fins lucrativos, está aumentando muito mais do que o das
IES públicas: de 1994 a 2000, para um total de 38% do
número de IES no país, o das IES privadas cresceu 58%
e o das IES públicas diminuiu 23% (as IES municipais
passaram de 86 para 54; o número de universidades
federais manteve-se em 39 e o de IES isoladas federais
aumentou de 18 para 22; o número das universidades
estaduais passou de 25 para 30 e o das IES isoladas
estaduais diminuiu de 48 para 31).
Esses indicadores numéricos demonstram o crescente
aumento das universidades privadas, que atendem a um modelo
econômico eminentemente capitalista. São modelos universitários que
não se preocupam, em sua maioria, com investimentos para pesquisa e
93
extensão. O ensino é a preocupação fundamental deste setor de
investimento educacional, principalmente, no que tange a idéia de
redução de custos.
O contrato de trabalho dos professores, centrado no pagamento de
hora aula ministrada em sala de aula tem como propósito a redução de
custos. As condições de trabalho do professor visam, de forma geral, à
adequação de gastos orçamentários que não sejam dispendiosos para os
acionistas (proprietários), como explicita Leda (2006, p. 12):
No caso desses docentes que ministram aulas em
instituições privadas, a realidade que vivenciam é
marcada pela insegurança dos contratos temporários; as
represálias sofridas, como a redução de disciplinas para
punir “maus comportamentos”, o que implica em redução
de salário; a submissão ao poder do “cliente” (no espaço
acadêmico também se registra a máxima: o cliente tem
sempre razão); a redução da autonomia na expressão de
suas idéias; além de curiosas exigências, como a
transformação da figura do docente em “animador de
auditório” nas salas com número excessivo de alunos
12
e
tendo a obrigação de tornar o seu ‘produto’ (ensino)
atraente, o que significa ser de fácil apreensão e em
sintonia com as exigências do mercado. Tudo isso
caracteriza condições de trabalho perversas, com
conseqüências diretas de diversas ordens, para os
sujeitos envolvidos.
Mas, quais são os modelos de universidade existentes no Brasil?
Todas as universidades privadas visam apenas a lucratividade? Qual o
papel das universidades comunitárias no cenário atual? Em suma, como
12
Esse aspecto tende a agravar-se com a inclusão dos alunos admitidos pelo Programa
Universidade para Todos (PROUNI) Lei 11.096, de janeiro de 2005. Nota de rodapé
feita pela autora do texto.
94
são caracterizados os setores que atuam com o ensino superior no
Brasil?
4.1 Os setores que atuam na educação superior brasileira
No Brasil, identificam-se três setores que atuam no ensino superior:
o setor das instituições comunitárias, das instituições privadas (modelos
empresarias) e das instituições estatais. Segundo afirmam Silva e
Sguissardi (1992, p. 75) “cada um desses segmentos reivindica uma
forma de organização da Educação Superiora Brasileira - ESB no
momento atual, eventualmente havendo alianças entre eles”.
Cada um destes setores, ainda segundo os autores, tem
expectativas e estratégias diferenciadas de atuação. O setor das
universidades particulares “reivindica a possibilidade de prestação de
serviços predominantemente na esfera do ensino sem ou com o mínimo
de atividades de pesquisa voltado para a formação de profissionais
(mão-de-obra), conforme demanda do mercado brasileiro de trabalho”
(1992, p. 84). O objetivo explícito (ou não) destas instituições é o lucro
para que estes possam ser divididos entre os investidores deste
segmento.
O funcionamento primordial destas instituições vincula-se
estritamente ao ensino sendo que a pesquisa é deixada de lado pelos
investimentos orçamentários. “Neste segmento, a mercantilização da ESB
realiza-se com base nesta orientação e configura-se como espaço
estritamente privado (ibid.).
o setor das universidades comunitárias (principalmente as
confessionais):
95
Apresenta-se como um espaço impar. Proclama, em
geral, objetivos públicos, apesar de sua natureza privada.
Esse setor apresenta, pois, uma contradição seus
objetivos proclamados em suas filosofias educacionais e
políticas institucionais são públicos, porém necessitam,
cada vez mais, da receita dos alunos para a sua
continuidade institucional. Esta contradição manifesta-se
na condição política, legal, estrutural e gerencial deste
tipo de instituição, provocando, não raro, prejuízos, para
a democratização da gestão e, mesmo que em menos
grau do que nas estritamente privadas, para o exercício
da pesquisa e para a capacitação de seus docentes e
funcionários (SILVA E SGUISSARDI, 2004, p. 84-85).
Incluem-se, neste setor, as universidades privadas de direito
público municipal, reconhecidas como comunitárias que atuam nesta
mesma perspectiva. São universidades, que têm seu patrimônio atrelado
à prefeitura municipal, mas dependem das mensalidades dos estudantes
para a sua sobrevivência. São consideradas comunitárias, pois os bens e
patrimônios são do município em que a universidade está instalada. São
gerenciadas pela fundação, composta por representantes da universidade
e da comunidade local, que auxiliam e participam das decisões e
estratégias administrativas.
Nessas universidades existem os investimentos para a pesquisa e
extensão, mas, são controlados rigorosamente pelo orçamento
universitário. Das mensalidades dos estudantes, originam-se os
investimentos para a formação dos professores, para o ensino, pesquisa
e extensão. A forma de contrato de trabalho do professor é realizada por
meio do processo seletivo público e/ou por processo seletivo interno,
critérios estabelecidos pelas resoluções, em sua maioria, aprovadas pelo
Conselho de Ensino pesquisa e Extensão e pelo Conselho Universitário.
96
Os professores de carreira que trabalham nas universidades
comunitárias, ou seja, aqueles que ingressaram por meio dos processos
seletivos mencionados, têm garantia de vaga, desde que não haja
mudança na matriz curricular, para que tenham garantia da carga horária
de trabalho, de um ano para o outro. É um modelo de universidade que
atua no “meio termo”, é pública, mas, também, é privada. O que a
diferencia das universidades privadas de modelo capitalista é que não
acionista e nem proprietários que aguardam a divisão dos resultados
financeiros (lucro).
Deste modo, as condições de trabalho dos professores,
aparentemente, são boas, sobretudo na garantia da vaga, mas faltam
políticas mais direcionadas pelo governo federal para que este tipo de
instituição consiga sobreviver frente à competição avassaladora de
universidades privadas, de cunho estritamente lucrativo.
O terceiro setor de universidades apresentadas por Silva e
Sguissardi, são as de natureza estatais que:
No momento atual parece ser o único em condições de
pôr-se como objetivo à realização das atividades
educacionais de nível superior, em todas as suas
dimensões, em razão de sua estrutura, gestão e de seu
financiamento. Dado que o financiamento é estatal e
público e que a legislação é fruto do debate amplo com
os setores envolvidos com a ESB, por um lado, e que,
por outro lado, a gestão é realizada democraticamente -,
as IFES podem, em princípio, exercer sua capacidade de
crítica e produção do conhecimento com autonomia e
sem restrições impostas pelo mercado ou por
mantenedores que buscam determinar determinadas
filosofias educacionais que se distanciam dos interesses
da sociedade em geral (1992, p. 85).
97
Essas universidades o apontadas pelos autores como aquelas
que têm certa autonomia e, principalmente, condições de trabalho mais
adequadas para a preparação de aulas, realização de pesquisas e
trabalhos de extensão. São universidades que dão aos professores,
quando concursados, a garantia de emprego com dedicação exclusiva.
autonomia para produção do conhecimento crítico por parte dos
professores e garantia de emprego. Situação diferenciada da dos
professores das universidades privadas que, muitas vezes, se sentem
melindrados e, também, impossibilitados de realizar pesquisas e produzir
conhecimentos que denunciem o atual cenário da educação brasileira.
No entanto, muitas das universidades estatais brasileiras se
encontram em situação de infra-estrutura degradante: faltam
investimentos e recursos para a manutenção dos prédios, salas de aulas
e laboratórios, principalmente nas universidades federais. São raras as
exceções e, em algumas, são os projetos de pesquisa financiados pelas
empresas que permitem obter recursos para investir na melhoria das
condições de trabalho e de infra-estrutura.
Cada um dos três setores apresentados acima é dimensionado por
uma concepção própria de ensino, pesquisa e extensão que vem ao
encontro da filosofia e proposta de trabalho da instituição. Deste modo,
infere-se que, as condições de trabalho e a identidade profissional dos
professores, são referenciadas pela cultura institucional.
Entende-se como Pérez Gómez que “o desenvolvimento
institucional se encontra intimamente ligado ao desenvolvimento humano
e profissional das pessoas que vivem a instituição e vice-versa; a
evolução pessoal e profissional provoca o desenvolvimento institucional”
(2001, p. 132).
98
Considera-se que as nuances do modelo capitalista, cada vez mais
presente nos processos educacionais, o acondicionadas nas
representações e identidades profissionais dos que atuam no ensino
superior. Os valores, propostas de ensino e filosofias de trabalho
interferem e alteram as identidades docentes. Assim, a nova maneira de
conceber e interagir com o processo formativo no interior das instituições
educacionais, determinadas pelo contexto cio, político e econômico
afeta, conseqüentemente, as formas de trabalho e as identidades
profissionais.
Diante desse cenário, situa-se a presente pesquisa que pretende
compreender como os professores que assumem funções de chefia de
departamento das licenciaturas, (re) configuram sua forma identitária para
trabalhar no contexto de uma universidade comunitária, inserida no
contexto capitalista.
Entende-se que as pressões das políticas neoliberais produzem
alterações nas formas identitárias e, conseqüentemente, nas formas de
trabalho dos professores que assumem funções de chefia. Os
professores/chefes de departamento precisam aprender a conviver com
os modelos neoliberais que aportam na educação e, além disso,
administrar as próprias crises individuais/profissionais. Para Leda (2006,
p.7):
É nesse contexto que o trabalhador docente tem exercido
suas atividades, tanto no sentido cobrado pela sociedade,
de balizamento dos seus ensinamentos em sala de aula
às atuais demandas do capitalismo, como nas suas
condições de trabalho e, também, na exigência de níveis
mais elevados de qualificação. Assim, o docente também
vem sendo muito afetado pelo ritmo acelerado das
mudanças ocorridas no mundo do trabalho, o que inclui o
aumento de exigências em relação à sua qualificação e
competência, assim como à flexibilização de suas
99
atividades com o decorrente incremento do número de
tarefas a serem realizadas.
Tendo como pano de fundo as mudanças no mundo do trabalho e
os dados coletados em uma instituição comunitária, questiona-se: quais
são as novas demandas de trabalho para os professores/chefes de
departamento? Como estes professores assumem e se vêem nesta
função? Como administram as atividades exigidas pela função de chefia e
as da docência? Quais são as maiores dificuldades e possibilidades que
encontram no exercício da função? Que conhecimentos são necessários
para atuar na chefia? Como os professores/chefes de departamento
ingressam na função?
4.2 A diversidade de funções requeridas aos professores/chefes de
departamento no ensino superior
As entrevistas possibilitaram conhecer parte do contexto da
universidade comunitária, bem como, as formas de trabalho exigidas
diante das novas imposições e disputas de espaço e permanência na
comunidade. As falas” dos professores/chefes das licenciaturas
possibilitaram apreender aspectos vinculados ao trabalho cotidiano que
ocorre durante o mandato.
É importante destacar a naturalidade com que os chefes de
departamento falaram sobre o cotidiano do seu trabalho. Pareciam estar
muito à vontade ao descrever suas atividades.
As respostas obtidas nas nove entrevistas com os
professores/chefes explicitaram as responsabilidades, atividades,
dificuldades, possibilidades e aprendizagens decorrentes do trabalho.
100
As atividades desenvolvidas tanto nos departamentos quanto no
contexto universitário pelos professores/chefes foram descritas
minuciosamente por eles. Para melhor visualização, essas atividades
foram agrupadas, como se segue:
Administrativa: orçamento; planejamento estratégico; infra-estrutura;
marketing; análise de matriz curricular para o ingresso de acadêmicos
na instituição; alteração, reconhecimento e reestruturação de matriz
curricular; construção de propostas e/ou projetos para novos cursos do
departamento; construção e/ou organização de projetos
interdisciplinares; intercessão por acadêmicos com dificuldades
financeiras junto ao setor de bolsa de estudos; participação nas
reuniões com os pró-reitores e reitoria; reuniões departamentais e de
outros projetos que exijam a sua participação.
Legislativa: os chefes indicaram que existem questões do âmbito da
legislação nacional, estadual e universitária que estão diretamente
implicadas nos seus processos de trabalho. São questões pertinentes
ao acompanhamento das leis emitidas com freqüência pelo Ministério
de Educação e pelo Conselho Estadual de Educação, bem como, as
resoluções emitidas pelos conselhos da própria universidade. Existem,
na instituição, diversas comissões organizadas para as mais variadas
finalidades, tais como: Comissão do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica - PIBIC; Comissão de Orçamento da
Universidade; Comissão de Inquérito; Comissão do Sistema Nacional
de Avaliação do Ensino Superior SINAES; Comitê de Ciências
Humanas; Comitê de Ética; Comitê de Ciências Sociais Aplicadas,
dentre outras. Os professores/chefes geralmente são convidados a
participar das reuniões das comissões.
101
Pedagógica: resolução de conflitos entre acadêmicos e professores;
orientação de estágio; gerenciamento de atividades interdisciplinares e
de projetos integradores; agendamento e realização de reunião com
os professores e acadêmicos; atendimentos aos acadêmicos e
professores; organização do horário escolar, do calendário letivo;
acompanhamento do cumprimento dos dias letivos, da presença e/ou
ausências e/ou atrasos dos professores às aulas; realização e/ou
gerenciamento dos projetos de pesquisa.
Atendimento à comunidade: segundo os professores/chefes
entrevistados a faixa de idade dos acadêmicos, cada vez mais jovens,
tem demandado um trabalho de atendimento aos pais dos
universitários, “que vem até a instituição se queixar da reprovação (por
nota ou falta) e relacionamento do professor com seus filhos. Os pais
têm exigido da instituição e, em alguns momentos, transferido
somente para a instituição, a falta de responsabilidade de alguns
acadêmicos jovens” (Lúcia). Os chefes também mencionaram as
visitas que devem fazer em escolas ou outras instituições para
divulgação do curso que está sob sua coordenação. Como na maioria
das vezes o pessoal do marketingo consegue apresentar com
riqueza de detalhes todos os cursos da universidade, cabe ao chefe
de departamento fazê-lo ou tomar as providências para que outros do
departamento o façam. A organização da “Semana Universitária”,
também é de responsabilidade de cada chefe de departamento. Neste
evento, cada curso da universidade apresenta seu modo de
funcionamento, bem como, são oferecidas várias atividades à
comunidade.
102
O documento “Estatuto da Universidade”
13
contempla três artigos
específicos que descrevem as atividades do chefe de departamento.
Estes artigos e seus incisos, o declaram abertamente a participação do
chefe de departamento na formação e orientação do trabalho do
professor, exceto o inciso IV “acompanhar e supervisionar as atividades
de ensino, pesquisa e extensão”, que tem mais proximidade com o
acompanhamento do trabalho docente.
Ressalte-se que acompanhar e/ou supervisionar o trabalho do
docente não significa, necessariamente, implicar o chefe de
departamento, seja da licenciatura ou do bacharelado, na formação
profissional do professor do ensino superior. O documento parece se
referir mais a questões de ordem burocrática e administrativa, do que a
aspectos relacionados ao trabalho pedagógico.
Nas entrevistas fica evidente que a responsabilidade pela formação
dos demais professores formadores é do Centro de Apoio Pedagógico -
CAP, ou seja, setor identificado como aquele que planeja e acompanha
os vários trabalhos feitos mensalmente com os professores universitários.
Para melhor compreender as responsabilidades do CAP, foi
realizada uma entrevista com a sua coordenadora. Constatou-se que
uma programação de encontros mensais com os professores que atuam
no ensino superior e no colégio da universidade, bem como, uma agenda
de atividades nos meses de fevereiro e julho, voltada para o
desenvolvimento profissional.
A organização das atividades ocorre após um levantamento
realizado com os professores/chefes para identificar as temáticas a serem
trabalhadas com os professores. Descobriu-se, também, por meio desta
entrevista que há um Grupo de Assessoramento Pedagógico – GAP,
13
Como não é um documento de domínio público e, deste modo, não possibilidade
de divulgá-lo.
103
constituído por nove professores da universidade que se encontram uma
vez por mês para organizar e delinear os trabalhos que serão
desenvolvidos com os docentes. Os integrantes do GAP são os que
trabalham com os professores nos encontros mensais do Programa de
Profissionalização Docente
14
.
uma política institucional, instituída por meio de uma resolução
interna, que explicita que o professor colaborador (aquele que ainda não
prestou processo seletivo público) poderá fazê-lo após apresentar o
certificado de participação no Programa de Profissionalização Docente.
4.3 O ingresso na função de chefe de departamento do curso de
licenciatura
Nessa universidade a função de chefe se refere ao exercício de
uma atividade temporária. Cada mandato de chefia de departamento tem
duração de dois anos e pode haver uma reeleição para a função por mais
dois anos. Quatro anos é o tempo ximo permitido para que o chefe
permaneça.
Nada impede que o chefe de departamento volte a compor uma
nova chapa com outro colega, mas na condição de subchefe. Esta
situação é comum em alguns departamentos e, inclusive, destacada pelos
professores/chefes entrevistados. As justificativas nestes casos
específicos se referem à continuidade de um plano de trabalho do
departamento, assim como, o intuito de auxiliar o colega professor que
assume a função.
14
O Programa de Profissionalização Docente segue um cronograma com encontros
mensais para discutir, aos sábados pela manhã, assuntos referentes à organização
didático-pedagógica, bem como outras necessidades de formação que sejam
demandadas pelos professores e/ou chefes de departamento.
104
Segundo alguns depoimentos, esta estratégia de continuidade do
chefe que aceita permanecer como subchefe, além de facilitar a
integração do novo colega professor à função, aumenta o sentimento de
segurança do novo chefe.
A mudança de professor para chefe de departamento, em um curto
espaço de tempo foi uma das dificuldades apontadas nas entrevistas. O
pouco tempo para adaptação à nova função angustia os chefes.
Interpretando os conceitos de Dubar (2005), relacionados à
atribuição e pertença, pode-se dizer que os professores/chefes de
departamento das licenciaturas precisam fazer pertencer a si aquilo que é
atribuído pelo outro e/ou pela instituição. É um processo de
ressignificação da sua concepção de trabalho e de novas maneiras de
pensar, agir e de se constituir diante das atividades profissionais. Para
Elias (1994) este processo está relacionado com o desenvolvimento
humano que ocorre na interação com os demais indivíduos que o
circundam. Para o autor
(p. 67)
:
Toda sociedade humana consiste em indivíduos distintos
e todo indivíduo humano se humaniza ao aprender a
agir, falar e sentir no convívio com outros. A sociedade
sem os indivíduos ou o indivíduo sem sociedade é um
absurdo. Mas, quando tentamos reconstruir no
pensamento aquilo que vivenciamos cotidianamente, é
constante aparecerem lacunas e falhas em nosso fluxo
de pensamento, como num quebra-cabeça cujas peças
se recusassem a compor uma imagem completa.
Diante dessas situações de mudança, os professores/chefes de
departamento precisam adaptar-se às novas maneiras e formas de
trabalho e procuram reencontrar o equilíbrio pessoal e,
conseqüentemente, profissional.
105
A desestruturação, diante das novas exigências impostas pelo
contexto do trabalho universitário, decorrentes da nova função que
precisa responder às imposições do modelo capitalista, gera a
necessidade de reconfiguração identitária.
Novas denominações integram a prática profissional dos
professores/chefes. Segundo os entrevistados, conceitos como:
relacionamento interpessoal, habilidades técnico-administrativa, liderança;
comunicação interpessoal; visão de mercado; habilidade política;
flexibilidade; arrojo; tornam-se familiares no contexto de trabalho. Isso é
confirmado por Leda (2006, p. 6-7):
É extremamente usual palavras do campo empresarial,
hoje fazerem parte dos planos e projetos pedagógicos,
como: produtividade, eficiência, gerência, clientes, gestão
por metas, etc. Todo esse vocabulário é apresentado
dentro de uma rede ideológica tecida para a reprodução
do capitalismo flexível, afetando a escola, a universidade,
seus alunos e docentes.
Ao assumir a chefia, os professores devem desempenhar novas
funções o que desencadeia, na maioria das vezes, sentimentos de
insatisfação, pela falta de preparo para enfrentar a nova situação:
Eu fiquei trabalhando muito tempo, quando assumi a
função, na perspectiva de que tinha que ouvir as pessoas
para entender a lógica de cada um. Acho que dei muito
tempo para isso. Tenho um pouquinho da sensação de
que ficou um buraco nestes quase dois anos de mandato
(Roseli).
106
O tempo que cada um necessita para delimitar seu espaço de
trabalho e compreender os mecanismos internos do departamento
provocam um sentimento de desconforto. O depoimento acima ilustra
bem o processo de adaptação do docente à nova função e as implicações
pessoais dela decorrente, que podem, deliberadamente, afetar a
identidade profissional do chefe de departamento.
4.4 O significado atribuído à função de chefe de departamento
Quando indagados sobre como se sentem como chefes de
departamento, as respostas foram bem variadas. Uma das chefes disse
que “apesar de muito trabalho, não tem estress(Lúcia). Entretanto, ela
ressaltou que a área administrativa, ou seja, a gestão das atividades
cotidianas é acompanhada de muita burocracia o que toma muito tempo:
A área administrativa ocupa muito, muito tempo, é muito
papel, muito documento. Oh, isso aqui é matrícula do ano
que vem, eu vou ter que passar de sala em sala, entregar
de mão em mão, porque aqueles que não estão lá [...]
fico encarregada de trazer de volta. Então são coisas que
vem de todos os setores, setor de marketing quer fazer
propaganda das licenciaturas e me pergunta: o que nós
vamos fazer? Quem é que você vai mandar? Como é que
vai ser? Então você tem que estar envolvido com todos
os setores (Lúcia).
Uma das chefes afirma que se sente estimulada e, ao mesmo
tempo frustrada, pois diz que a função é:
Interessante, estimulante, porque são desafios que se
colocam, o ritmo de desenvolvimento e as demandas são
107
muito mais rápidos do que se estabelece na rotina de
sala de aula, mas eu particularmente fico sempre num
misto, entre sensação de estímulo pelas questões que se
colocam e uma frustração por não poder se dedicar tanto
à questão do desenvolvimento das disciplinas. [...] eu
sinto uma frustração, porque eu vejo que a carga horária
administrativa nos exige muito mais. Você acaba tendo
que lidar com tantas coisas e, ai a sala de aula, a gente
que não consegue dar um encaminhamento que a
gente faz, quando não temos esse compromisso
(Patrícia).
Conciliar o trabalho de sala de aula com a função de chefe de
departamento pode gerar insatisfação, principalmente, quando os
aspectos burocráticos se sobrepõem ao pedagógico. Para Gentilini (2001,
p. 46):
Quando a prática de gestão preocupa-se mais com os
aspectos técnicos processuais da organização e da
transmissão de saberes do que com os seus aspectos
substantivos, formativos e institucionais justamente o
que sentido e justifica socialmente a organização e a
educação, tornou-se vulnerável à invasão da Indústria
Cultural e o campo comunicativo, em seu sentido humano
e social, perdeu mais uma batalha.
As demandas organizacionais podem desencadear frustração
profissional quando o chefe não consegue corresponder ao solicitado.
Conforme o autor acima citado, os aspectos formativos não podem ser
esquecidos, sob pena de total comprometimento dos objetivos da
educação.
108
A insatisfação aparece quando os chefes de departamento não
conseguem realizar as atividades profissionais, tanto da docência quanto
de gestão, como pretendido.
Acho que são duas atividades interessantes, que eu faço
com satisfação, mas que fica sempre essa sensação, às
vezes, de não conseguir dar conta, acho que ambas as
partes na verdade, também a questão administrativa,
muitas vezes até por tomar mais tempo, a gente acaba
não realizando da maneira como a gente pretendia
(Otávio).
A carga de trabalho administrativa exige uma dedicação que,
segundo o chefe de departamento, pode comprometer a qualidade do
trabalho de sala de aula ou vice-versa.
Um dos chefes de departamento disse que se sente como se
estivesse no interior de um liquidificador:
Posso falar a verdade? Eu me sinto dentro de um
liquidificador, se resume a isso. É bem complicada a
posição. O chefe de departamento não tem autonomia,
tudo tem que ser autorizado (Lurdes).
Pelo visto a angústia o decorre apenas da falta de preparo para
realizar as funções, mas também da burocracia, querer fazer as coisas e
não poder deliberar com rapidez.
Outra questão apontada por um chefe é o preparo pessoal
necessário para lidar com as reclamações dos alunos e professores
formadores.
109
Na verdade você sente a pressão dos alunos que, hoje
estão muito exigentes, querem dar muito pouco deles
mesmos, eles querem receber muito, mas não querem
dar. Você tem a questão dos professores, porque tem
muitas vezes insatisfações, porque nós temos muitos
professores horistas e, a cobrança é cada vez maior
(Lurdes).
Nesse caso, o chefe se reporta à falta de empenho dos estudantes.
Os licenciandos, segundo sua visão, exigem muito da universidade
(direitos), mas querem dar muito pouco de si, principalmente quanto às
obrigações dos estudos extraclasses (deveres). Muitos dos chefes
comentaram que os estudantes não entregam os trabalhos em dia,
estudam muito pouco, não querem comprar e fazer as leituras dos livros
indicados, atrasam-se para o início das aulas, saem mais cedo, faltam as
aulas e, em alguns casos, utilizam-se de formas ilícitas para obterem e
apresentarem os trabalhos solicitados.
Essa opinião dos professores/chefes vincula-se a uma percepção
sobre a pouca maturidade dos estudantes do ensino superior. uma
constatação de que os jovens que ingressam na graduação estão cada
vez mais imaturos e requerem novas formas de trabalho dos docentes.
Diante da “juventude” ingressante nas licenciaturas os professores
formadores precisam se responsabilizar não pelos conteúdos
específicos para a formação dos futuros professores, mas também certos
valores morais e éticos e certas atitudes indispensáveis para a boa
convivência como respeito e cordialidade. São jovens que, na maioria das
vezes, reconhecem seus direitos, mas, esquecem-se dos seus deveres.
Outra questão apontada pelos professores/chefes, diz respeito às
reclamações que ouvem por parte dos professore formadores sobre as
condições de trabalho, principalmente sobre o acúmulo de aulas, sobre o
110
tipo de contrato por hora aula, bem como, sobre as demandas cada vez
maiores sobre o formador. São os professores/chefes que recebem as
reclamações dos professores formadores, pois, segundo eles, são
considerados os representantes do colegiado (departamento) diante dos
Conselhos decisórios da universidade.
Estas condições de trabalho dos professores, presentes nos
discursos e nas queixas ouvidas pelos professores/chefes é confirmado
por Leda (2006, p. 7), quando a autora afirma que:
É nesse contexto que o trabalhador docente tem exercido
suas atividades, tanto no sentido cobrado pela sociedade,
de balizamento dos seus ensinamentos em sala de aula
às atuais demandas do capitalismo, como nas suas
condições de trabalho e, também, na exigência de níveis
mais elevados de qualificação. Assim, o docente também
vem sendo muito afetado pelo ritmo acelerado das
mudanças ocorridas no mundo do trabalho, o que inclui o
aumento de exigências em relação à sua qualificação e
competência, assim como à flexibilização de suas
atividades com o decorrente incremento do número de
tarefas a serem realizadas.
Ao lado das pressões existentes no interior da universidade
comunitária para que os chefes realizem as atividades com eficiência e
rapidez muitos dos processos internos são permeados pela burocracia,
que na maioria das vezes os impede de atender com prontidão as
demandas dos estudantes e professores. Como explicitou um dos chefes:
Não estou colocando isso na cabeça de nenhuma
direção, é um processo da instituição que precisa se
consolidar como universidade. Mas, ao mesmo tempo
tenho que seguir uma montanha de regras, tudo tem que
111
ser por CI, ou processo, vai para o CEPE é tudo muito
demorado, e as outras pontas não tem paciência, e você
fica mesmo numa situação muito complicada (Lurdes).
Atender às solicitações dos estudantes e dos professores
formadores é um desafio que necessita de muita habilidade profissional.
Com o ritmo cada vez mais acelerado do tempo, a demora nas respostas
e urgência dos acadêmicos e professores pode ser um dos aspectos que,
realmente, incomode os professores/chefes. Para Pineau
(2003, p. 14)
:
Não se pode parar os relógios. É esta lei da hora que se
tornou visível em toda parte se engrena a uma cronologia
e a uma cronometria irreversíveis. Através de uma
divisão universal e mecânica em quantidade uniforme e
equivalente, ela corta temporalidades vivas (os
biorritmos), físicas, metafísicas, cósmicas e pessoais. O
relógio é para o homem o que a colera é para o cão: o
instrumento de domesticação. E as experiências vividas
do tempo são em grande parte experiências de
impotência.
A pressão pela rapidez de respostas é cada vez maior e quando
isto não ocorre, as pessoas podem se sentir frustradas. No caso dos
chefes de departamento que são os porta-vozes dos estudantes e
professores formadores, a demanda por soluções rápidas e eficazes é
grande. No entanto, a burocracia institucional nem sempre permite a
prontidão nas respostas. Por isso, o sentimento é, em alguns casos, de
impotência e desestímulo: “não sei se é porque não estou mais tendo
paciência mesmo, e achando que é hora de parar. A instituição para mim
é um complicador, porque eu gosto das coisas mais rápidas, eu sou muito
dinâmica, está bem difícil” (Lurdes).
112
O que mobiliza a professora Lurdes a continuar no cargo, segundo
suas próprias palavras, é o compromisso com o curso de licenciatura:
Permaneci no cargo, porque a gente fez uma mexida
muito grande na matriz curricular, ele ficou muito bom o
curso, e quero ver esse curso consolidado, quero ter o
prazer de sair com ele consolidado, senão eu já teria
saído esse ano (Lurdes).
O envolvimento nas mudanças feitas no curso e a esperança de
ver a nova matriz em funcionamento fazem com que a chefe de
departamento permaneça na função.
Nas falas dos entrevistados percebe-se que a carga de trabalho
decorrente da função é pesada e as exigências da universidade são
muitas.
Esse sentimento de sobrecarga e de aflição, no entanto, não é
geral. Um dos chefes não se queixou da função. Afirmou que a equipe de
professores formadores do seu departamento o ajuda e que ele apenas
coordena os procedimentos demandados pela instituição:
O trabalho é mais de coordenação e não de chefia, nós
temos um grupo bastante bom, um grupo que discute as
coisas, que assume aquilo que faz. Então, para mim
particularmente funciona como um coordenador
(Germânio).
outra chefe que também não reclama, ao contrário, acha a
função maravilhosa:
113
Eu acho a experiência maravilhosa, é uma oportunidade
não de você representar os seus pares, tendo uma
visão sistêmica, uma visão completa do funcionamento
da universidade, tanto da parte educacional, quanto da
parte administrativa. [...] Eu acho que foi uma experiência
muito boa, muito positiva, de crescimento pessoal,
profissional, educacional, de uma maneira completa
(Eduarda).
Os diferentes significados que cada professor/chefe atribui à
função de chefia leva-nos a afirmar que a mesma está relacionada com a
experiência de vida de cada indivíduo, ou seja, à sua história familiar e
aos elementos que constituíram a sua identidade de chefe.
Dubar (2005, p. 79), ajuda a explicar essa questão ao discutir a
influência do habitus na constituição identitária. Segundo ele o indivíduo
“tende a reproduzir as estruturas de que é produto apenas ‘na medida em
que as estruturas nas quais ele funciona sejam idênticas ou homólogas às
estruturas objetivas de que é produto’” (DUBAR, 2005, p. 79).
Os indivíduos recorrem ao habitus quando a situação vivida é
homóloga à experiência passada. Isto indica que as pessoas se
apresentam com seus valores e crenças apreendidas nas experiências de
vida, no âmbito cultural e social.
De modo significativo, Dubar (2005, p. 79-80) ilustra a questão:
Um filho de operário que se torna funcionário de escritório
e que se casa com uma filha de funcionário encontrará
situações inéditas e deverá inventar práticas para se
adaptar a elas: seu habitus operário’ o levará a ser um
funcionário de tipo particular, que vive suas situações
(familiares, de trabalho, de lazer...) mais como um
114
operário do que como um funcionário. Para se adaptar
ele deverá ou converter, ao menos em parte, seu habitus
de origem ou renunciar a seu status profissional para ficar
em uma situação mais conforme (‘de estrutura
homóloga’) à sua condição de orige.
As experiências das histórias de vida acompanham cada indivíduo
e são responsáveis pelas possíveis mudanças pessoais. Cada um
visualiza e entende as experiências profissionais de acordo com sua
trajetória social, articulada à idéia de condição profissional dos seus
ascendentes.
Os dados das entrevistas dos professores/chefes sobre o trabalho
que desenvolvem em seus departamentos indicam que a estrutura
universitária, ligada diretamente ao contexto sócio-econômico, interfere na
constituição da sua identidade. São angústias, alegrias, tristezas,
sentimentos de possibilidades e não possibilidades em atender os
envolvidos com o seu departamento que desencadeiam as formas de
interagir e responder às demandas do trabalho no cotidiano universitário.
Esse trabalho se torna, muitas vezes, tão burocrático e árido que
obscurece a possibilidade de uma efetiva contribuição no
desenvolvimento profissional dos professores formadores.
4.5 Os conhecimentos da gestão necessários à função de chefe de
departamento
Quando se trata dos conhecimentos necessários ao
desenvolvimento da função de chefia de departamento, tais como:
elaboração de planilhas orçamentárias e planilhas de custo, contratação
115
de pessoal, programas de formação continuada, atividades direcionadas
ao marketing, compras, os entrevistados afirmaram que a própria
instituição, por meio dos departamentos financeiros, de recursos
humanos, pró-reitoria de ensino, departamento de marketing e compras,
oferecem auxílio sempre que necessário. A busca pessoal e a troca de
experiência com outro chefe de departamento, também foram práticas
mencionadas:
É na pratica mesmo! Então você já tem um modelo do
ano passado, você uma olhada e pergunta cada vez,
para o setor, e aqui? E aqui?E ali? E vai tentando. Às
vezes você liga para o chefe de outro departamento e
pergunta como é que ele fez. Quando é licenciatura e tem
alguma coisa afim, todas as coisas administrativas você
liga pra alguém perguntando sempre. [...] entre os chefes,
mais ou menos a gente se conhece, são tantas as
reuniões que a gente tem mais liberdade para perguntar
(Lúcia).
Tem a psicologia, onde a gente aprende relacionamento
pessoal, administração, como lidar com as pessoas,
como coordenar. Eu sempre fui uma pessoa que gostou
bastante de ler psicologia, na faculdade fiz uma disciplina
de psicologia, mas todo o conhecimento que eu tenho foi
de leitura extra. Teve épocas que terminava um livro, eu
começava outro, sempre na área de psicologia,
principalmente levando em consideração o entendimento
da personalidade. [...] Eu procuro estar bem informado
quanto à legislação, eu procuro sempre ouvir as pessoas,
eu falo pouco e ouço bastante (Germânio).
São diferentes estratégias a que recorrem os chefes de
departamento para enfrentar as situações do cotidiano profissional. Estas
116
estratégias estão ligadas às suas histórias pessoais, como afirma
(DUBAR, 2005, p. XIX):
Cada um dos atores tem uma história, um passado que
também pesa em suas identidades de ator. Não se define
somente em função de seus parceiros atuais, de suas
interações face a face, em um campo determinado de
práticas, mas também em função de sua trajetória, tanto
pessoal como social.
São essas experiências pessoais e profissionais que mobilizam (ou
não) os indivíduos a superarem os obstáculos que surgem no cotidiano do
trabalho.
Uma questão pode ser dada como certa: os chefes de
departamento aprendem, em sua maioria, a função na prática, no dia-a-
dia do contexto universitário. Não existe uma formação profissional
específica para os chefes exercerem a função. À medida que sentem
necessidade de algum auxílio, procuram os departamentos ou outros
colegas, o que os ajuda a sanar suas dúvidas e superar as dificuldades.
Os conhecimentos necessários para a função são constituídos nas
experiências que trazem consigo e ressignificados na medida em que
precisam ser mobilizados para responder a situações novas, o que gera
novas aprendizagens.
O acompanhamento pedagógico dos professores formadores
também não é uma tarefa realizada pelos chefes. Pelos relatos
realizados, constatou-se que os chefes de departamento não atribuem à
sua função esta responsabilidade e, pelas falas de alguns, entendeu-se
que não se sentem preparados e autorizados para orientar ou como disse
um deles “chamar a atenção do colega professor que trabalha mais
tempo que eu na universidade”.
117
Por mais que as entrevistas com as pessoas da administração
universitária demonstrem expectativas para que os chefes façam o
trabalho de “orientação pedagógica” aos professores que, por ventura,
tenham algum tipo de dificuldade na prática da sala de aula, constatou-se
que este trabalho não é feito pelos chefes de departamento por inúmeros
motivos, entre os quais o acúmulo de funções.
118
CAPÍTULO 5 – Identidades profissionais em constitução
Ora, a identidade humana não é dada, de uma vez por
todas, no nascimento: ela é construída na infância e, a
partir de então, deve ser reconstruída no decorrer da
vida. O indivíduo jamais a constrói sozinho: ele depende
tanto dos juízos dos outros quanto de suas próprias
orientações e autodefinições. A identidade é produto de
sucessivas socializações (Dubar, 2005, p. XXV –
introdução)
O principal objetivo deste capítulo é conhecer o processo de
constituição das formas identitárias profissionais de dois
professores/chefes de departamento, por meio das narrativas sobre a sua
trajetória pessoal e de trabalho. As formas identitárias são constituídas
pelas transações subjetivas (identidade para si) e as transações objetivas
(identidade para o outro) forjadas nas relações sociais e de trabalho.
Dubar desenvolveu suas pesquisas sobre as identidades profissionais de
trabalhadores das indústrias francesas. No presente estudo serão
investigadas formas identitárias de trabalhadores do campo educacional,
especialmente os que atuam no ensino superior.
Para a análise da constituição das formas identitárias, relacionadas
ao contexto da universidade comunitária, foram selecionados para
entrevistas aprofundadas, dois professores entre os nove chefes de
departamento.
Os critérios de escolha foram pautados no nível de escolaridade
dos pais e no tempo de trabalho na universidade comunitária. Optou-se
por escolher professores com mais de vinte anos de trabalho na
instituição, pois, entendeu-se que para conhecer a forma identitária
profissional tanto o tempo de trabalho estável quanto longo, revelaria a
tessitura que compôs (e compõe) a forma identitária.
119
No caso dos dois professores escolhidos, um deles teve origem em
uma cujos pais tinham pouco escolaridade, morava em uma cidade do
interior e viviam do trabalho na roça; outro chefe teve origem em família
em que o pai era professor de uma universidade federal, doutor em sua
área de atuação e havia morado boa parte de sua vida numa capital. Por
questões éticas, não identificação dos verdadeiros nomes dos
entrevistados, nem mesmo da instituição universitária em que trabalham.
Com base nas entrevistas realizadas com os dois chefes, bem
como, em observações nos departamentos e reuniões em que os
professores/chefes estavam presentes, chegou-se às seguintes histórias
que configuraram formas identitárias profissionais.
5.1 PROFESSOR/CHEFE GERMÂNIO
É um professor que fala com muita tranqüilidade, com tonalidade
baixa de voz, muito atento às perguntas e detalhista nas respostas.
Reservou uma sala silenciosa, no interior do departamento e cuidou para
que ninguém o interrompesse durante as entrevistas, que eram realizadas
após a entrada de estudantes e professores em sala
Parte de sua história...
“A identidade pessoal não se pode reduzir à
reflexibilidade porque o sujeito que aprende durante toda
a vida tornou-se uma história. O Eu narrativo é esta
história que cada um é levado a contar a si próprio e, às
vezes, a contar a outros. É por isso que a dimensão
biográfica se tornou um componente essencial da
identidade pessoal. Contar a sua vida é encontrar uma
intriga susceptível de guiar a seleção dos episódios e o
seu encadeamento, de personagens e da sua influência”.
(DUBAR, 2006, p. 192)
120
O professor/chefe iniciou sua fala, sobre o histórico profissional e a
formação acadêmica, enfatizando que seus pais trabalhavam na roça e
que ele os ajudou no trabalho de agricultura até por volta dos dezenove
anos de idade. Quando começou seu primeiro ano de faculdade, em uma
cidade próxima, ainda ajudava os pais nas atividades do campo.
A experiência profissional no magistério teve início em 1973, como
professor de uma escola isolada lecionando as disciplinas das quatro
primeiras séries do ensino fundamental.
Saiu da sua cidade, no interior do estado, e foi para uma cidade
maior onde lecionou para as e séries e para o primeiro ano do
ensino médio. Prestou o concurso para professor da rede estadual, foi
aprovado e permaneceu durante dois anos em estágio probatório na
função.
Sua formação acadêmica se deu nessa cidade e, após concluí-la,
resolveu fazer o mestrado na área em que havia se graduado. Em 1985,
após terminar o mestrado, mudou-se para a cidade em que mora
atualmente e onde esta situada a universidade.
Em outubro do mesmo ano, também começou a trabalhar em uma
escola de educação profissional onde trabalhou durante seis anos. A
partir de 1991 passou a lecionar na universidade, no período noturno. Em
1994, prestou concurso para ingresso em uma universidade estadual, foi
aprovado e até o momento, trabalha no período matutino e vespertino na
universidade estadual e à noite na universidade comunitária.
Sua carga horária de trabalho é de sessenta horas semanais. Na
universidade comunitária seu contrato de trabalho é de oito horas para a
docência (em sala de aula) e doze para a função de chefia. No ano de
2007 completou trinta e seis anos de trabalho na educação, como
121
professor. Fez o doutorado, também em sua área de formação, entre os
anos de 2000 a 2005
Quanto à carga horária de trabalho, o professor disse não se
importar em trabalhar sessenta horas semanais e acrescentou que está
muito realizado com suas conquistas. A satisfação pelo seu trabalho foi
reforçada quando encontrou ex-alunos que segundo suas palavras
mencionaram “que eu fiz diferença na vida deles”.
Seus familiares...
Seus avós paternos e maternos também eram agricultores. Todos
católicos e com ascendência italiana. Seus avós, paterno e materno,
tinham poucos anos de escolaridade e, somente a avó materna, tinha
uma escolaridade mais longa. Não soube precisar até que séries eles
haviam estudado. Lembrou, apenas, que a avó paterna era analfabeta.
Seu pai estudou até a quarta-série do ensino fundamental e sua
mãe cursou a primeira rie. Como era comum na época, foi sua avó
que, em casa, continuou a alfabetizar sua mãe. A educação escolar no
campo teve uma situação bem diferenciada se comparada à zona urbana.
Como escreveu Romanelli em 1978 (primeira edição do seu livro):
As deficiências do sistema educacional brasileiro, tanto
no que concerne à elasticidade da ofertam quanto no que
concerne à sua capacidade de criar uma demanda efetiva
de educação, são, pois, muito mais graves na zona rural
do que na urbana. E isso se explica, naturalmente, pela
forma como se vem processando a chamada revolução
burguesa, no Brasil. O campo ainda não foi atingido, pelo
menos em sua maior parte, pelas transformações nas
relações de produção que o capitalismo introduz e
122
conseguiu introduzir, com a industrialização, na zona
urbana (1978/2001, p.84).
Muitos filhos de agricultores tiveram acesso tardio a escolarização,
e muitas vezes pela distância entre a residência e a escola ou pela
impossibilidade de deixar o trabalho.
O contexto agrário o exigia mão-de-obra qualificada, o que
certamente influenciou o acesso à escolarização daqueles que viviam da
agricultura. Romanelli
(1978/2001, p. 84)
nos ajuda a entender melhor essa
situação:
Parece, pois, admissível embora não estejamos munidos
de dados mais precisos para comprová-los, que a
procura efetiva da escola, conquanto crescente [...], seja
menor no campo do que na cidade, pelo menor grau de
motivações capazes de impulsionar as populações
agrárias em direção à educação escolar. E esta falta de
motivação se prende, sem dúvida alguma, à estrutura do
sistema econômico agrícola, à forma como se processa o
setor primário de nossa economia, que não exige um
mínimo de qualificação para o trabalho dadas as formas
tradicionais de produção.
Quanto aos seus irmãos, o professor afirmou que são quatro
homens na família (filhos), sendo ele o mais velho. Entre os três irmãos,
um é formado em Administração de Empresa, outro é Técnico de
Contabilidade e o outro Técnico em Administração. Esse último iniciou a
faculdade, mas, não concluiu. Seus irmãos trabalham em áreas diferentes
da formação acadêmica: um é mecânico, outro vende bilhetes de loteria e
o outro é corretor de móveis. Entre os irmãos, segundo sua informação,
ele é que está melhor financeiramente. Na sua profissão consegue os
123
recursos financeiros que cobrem suas despesas e realiza as reservas
necessárias. Explicou a situação financeira dos irmãos com as seguintes
palavras:
O corretor depende muito do mercado. Quando o
mercado es bem, ele está bem. Quando o mercado
está mal, ele também está. Mas, ele sobrevive. Este que
vende bilhete de loteria, ele também consegue o
suficiente para viver. E este que tem oficina mecânica,
também ele é de altos e baixos. Ele tem mecânica
pesada, de caminhão e, então, quando o mercado está
bom ele também está bem, e quando o mercado vai mal
ele também tem dificuldade para administrar a empresa.
Eu estou com menos sobressaltos.
Um fato interessante apontado pelo professor/chefe foi a
dificuldade que tem para gastar dinheiro. Segundo ele, em virtude das
economias e dificuldades financeiras que sua família atravessou durante
sua infância, quando viviam da agricultura, deixou-o pouco a vontade para
comprar coisas para si. Considera-se uma pessoa extremamente
econômica. A situação de economia também ocorre na sua gestão no
departamento. Mesmo sendo dinheiro da universidade comunitária, o
professor restringe os gastos.
Conforme as palavras de uma professora formadora que trabalha
em seu departamento:
O professor Germânio é muito econômico em algumas
coisas. Para oferecer um coquetel para os alunos em
algum evento ou coisa parecida é inconcebível. Tudo o
que implica em gastos ele não realiza no departamento
(Traudi).
124
Esse comportamento parecer ter suas raízes no período da sua
infância e adolescência, em que a família tinha que controlar muito bem
seus gastos, pois fatores vários, como por exemplo, os climáticos podem
levar os a sérios prejuízos financeiros. A reserva para os tempos difíceis
ou em caso de perda da plantação, tornou-se preocupação constante na
vida de muitos agricultores. Certamente esta atitude de economia
constante, para fazer reservas financeiras e se preparar para as
incertezas de colheita participa, ativamente, da constituição identitária das
pessoas.
Segundo as palavras do professor/chefe Germânio, ele costuma ter
uma reserva de dinheiro para as suas férias, mas precisa se esforçar para
gastá-la, pois, segundo ele “preciso de muito pouco para viver”. Quanto à
situação financeira da família, ele explicou que:
Dinheiro a gente não tinha. Mas nunca faltou a parte
básica: alimentação, remédio, material escolar. O pai não
comprava livro para lazer, livro de leitura para lazer, ele
não comprava. Uma parte porque não valorizava e outra
parte porque não tinha recursos disponíveis. Talvez, por
não valorizar, era em função dos recursos. Por isso que a
gente lia as revistas da vizinha. E, também, eu tinha um
amigo que ia para [...] uma cidade próxima e, às vezes eu
pedia para ele comprar revistas em quadrinho. Bem, ele
lia primeiramente, pelo frete, depois ele passava para
mim e, depois, eu vendia para comprar a próxima revista.
O dinheiro para a compra de histórias em quadrinho (HQ), vinha
dos “presentinhos” que ganhava do avô ou dos padrinhos. Segundo ele,
este dinheiro era guardado cuidadosamente. Esta prática de poupança
parece que o acompanha até os dias de hoje. A vida na infância foi
125
marcada por profundas economias e momentos em que via que os pais
não desperdiçavam o pouco dinheiro que obtinham.
Sua experiência de vida transferiu-se para o trabalho em que
domina a contenção financeira.
Na narrativa de sua história familiar o professor Germânio disse
que não sente falta alguma do trabalho da roça e que voltaria apenas se
fosse para gerenciar atividades. Referiu-se ao trabalho da roça
(agricultura) dizendo que era difícil. “Acho que pouca gente tem saudade
disso. Somente quem nunca foi lá, acha bucólico”.
Segundo ele, seus pais sempre incentivaram os filhos a irem para a
escola. O serviço da agricultura era divido entre os irmãos, pai e mãe de
forma que os filhos pudessem freqüentar a escola.
Claro que a gente não foi tanto para a roça, porque íamos
para a aula. A aula estava sempre em primeiro lugar.
Então, não tinha esta interferência. Inclusive a mãe ia
para a roça. Na família dela não tinha esta diferença, a
mulher faz isso e aquilo, e o homem faz isso e aquilo
outro. Todo mundo fazia tudo. Exceto coisas mais
pesadas e coisa assim. Regularmente todo mundo fazia
tudo.
Quando ingressou na escola já sabia ler e escrever. Sua mãe
sempre o ensinava em casa, do mesmo modo que sua avó fazia com sua
mãe: ensinou “as coisas de escola em casa. [...] É, ela ajudou a todos”.
Quando ingressou como estudante na escola isolada, relata que
logo foi “promovido” para a terceira série e sua professora disse que se
“em quinze dias eu continuasse acompanhando ficaria na terceira rie”.
Ao saber da notícia lembra que foi “correndo para casa contar para o pai
e para a mãe. Eles me disseram que se eu voltasse para a primeira série
126
levaria uma surra”. Sorri muito e se emociona quando fala deste fato.
Como afirmou Bosi (1979/1994, p. 81):
Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser
lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da
localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento
também precisa acompanhá-la para que ela não seja
uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição.
Ao narrar, tem-se a impressão de que ele se nitidamente ao
chegar correndo em casa para contar aos seus pais. Quando ingressou
na primeira série e aconteceu o fato, estava com quase dez anos de
idade.
Quanto aos seus pais, estes continuam casados e morando no
mesmo lugar em que ele nasceu. O professor deixou claro que sempre
houve estabilidade na estrutura familiar. Isto significa, para ele, que seus
pais sempre se deram muito bem, estão juntos até hoje e que sempre
acompanharam muito a educação e escolarização dos filhos. As palavras
de Lahire (1997, p. 26) esclarecem muito bem as relações entre o apoio
familiar e a escolarização:
Sem dúvida, uma configuração familiar relativamente
estável, que permita à criança relações sociais freqüentes
e duráveis com os pais, é uma condição necessária à
produção de uma relação com o mundo adequado ao
‘êxito’ no curso primário. Através de uma presença
constante, um apoio moral ou afetivo estável a todo
instante, a família pode acompanhar a escolaridade da
criança de alguma forma (por exemplo, através de um
autoritarismo meticuloso ou uma confiança benevolente).
Neste caso, a intervenção positiva das famílias, do ponto
de vista das práticas escolares, não está voltada
127
essencialmente ao domínio escolar, mas a domínios
periféricos.
A importância da estrutura familiar na escolarização das crianças,
estudada pelo sociólogo nas classes populares francesas, direcionam
para os momentos e situações familiares que os pais do professor
Germânio foram próximos, solícitos e mesmo “autoritários” nas
intervenções do seu processo escolar. Certamente os aspectos
valorizados pelos seus pais, o levaram a valorizar a escola como uma
instituição importante para o desenvolvimento profissional, cultural e
econômico. Seus pais, segundo ele:
Valorizavam muito a escola. Principalmente porque meu
pai tem um sentimento de perda em relação de não ter
podido estudar... Dele não ter podido estudar. Ainda hoje,
ele fala... Tem um sobrinho que passou em engenharia
química na [...]. Um dia ele telefonou para casa dele e
falou: estuda Fernando que você tem a oportunidade que
eu não tive. Ele tem esse sentimento de perda muito
forte.
Quanto aos aspectos culturais que constituíram sua história,
lembra a primeira vez que assistiu a um filme no salão da igreja: “Coração
de luto”. Tinha treze anos. Não havia televisão em sua casa e foi
considerado um momento marcante. Lembra que entrou em um cinema,
“pela primeira vez, em 1971, quando estava matriculada no segundo grau
(atual ensino médio)”.
Quanto às pessoas que foram significativas para a sua
aprendizagem, além de sua mãe que o ensinava, lembra que seu pai era
muito bom em matemática. Segundo ele, também havia:
128
Um padre da cidade que ele era bastante conhecedor
da matemática. Ele fez o científico na época que era
bastante forte. Então, ele ia em casa, almoçar de vez
em quando, e me chamava e me ensinava. Eu estava na
quarta série e quinta ele me ensinava circunferência,
ligar os pontos para fazer circunferência. Eu não lembro
se eu aprendia, mas eu me lembro, ainda hoje, ele
sentado me ensinando. E, também tinham duas coisas
que a gente conhecia: português e matemática.
Português eu não gostava (risos). Não tinham outras
coisas. História, geografia a gente não valorizava. Não
sei o porquê! Acho que não tinha emoção. Matemática
tinha. Eu sempre gostei.
Muito provavelmente esse padre afetou sua escolha pelo
magistério. Há de se considerar, também, a valorização das disciplinas de
Matemática e Língua Portuguesa, presentes na recordação do professor.
Será que nas escolas isoladas, localizadas na área rural, existia
valorização somente destas duas disciplinas? Ou será que são as
disciplinas mais recordadas pelo professor? Ainda segundo o professor
Germânio:
E, depois, também tinha na região muitas pessoas que
faziam trabalho na roça e o pagamento era feito em
função da área trabalhada. E como eles não sabiam fazer
conta, eles iam em casa para o pai fazer. E eu aprendi
também. Antes mesmo de eu ir para a escola eu
resolvia. Quando o pai não estava em casa, eu já fazia, e
depois voltavam para o pai conferir.
Parece que o gosto do pai pela Matemática, o fez se aproximar
mais dessa área. Outro fator que pode ter contribuído para tal “emoção”
129
frente aos conteúdos matemáticos, seja o valor que atribuía à ajuda ou
substituição do pai na ajuda aos vizinhos nos cálculos para a cobrança do
salário. Dubar (2006, p. 158) afirma que: “só os alunos que
desenvolvem uma paixão pessoal ou uma curiosidade intelectual por uma
matéria e que, por exemplo, a unem a uma prática social ou a um projeto
pessoal podem fazer uma aprendizagem experiencial dum trabalho
intelectual (estar ‘motivado’, isto é, dar um significado subjetivo)”.
Certamente esta era uma função importante para aqueles que
tinham familiaridade com os cálculos matemáticos. Pode-se fazer uma
inferência, que estes conhecimentos da lógica matemática, necessários
para os cálculos salariais, daqueles que trabalhavam na agricultura, o
saberes constituídos pela aprendizagem experiencial. Para Dubar (2006,
p. 154):
As provações da experiência subjetiva são sempre de
três espécies: os outros, as coisas e si próprio. É no
contato direto do si com o outro, o mundo e si próprio que
um sujeito retira saberes da sua experiência: é ele que
aprende ao lidar com as pessoas e com as coisas,
construindo a sua experiência, incluindo a dele próprio.
[...] No início é a imersão num processo de trabalho, a
aprendizagem pela prática, com os outros, através e no
‘terreno’, isto é, um contexto específico de ação. É a
imitação dos antigos, a mimesis que gera ‘saberes da
ação’, um conhecimento prático e incorporado que é
simplesmente uma ‘teoria-em-ato’, um conjunto de
saberes oriundos da experiência que não se sabe que se
sabe.
A experiência do professor Germânio, nesta área de saber, com o
conhecimento lógico, matemático, deu-se, deste modo, pelo constituir-se
com o outro e pelo outro. O constituir-se com o outro tem origem nas
130
relações sociais que ocorriam “com os outros” que procuravam a sua
casa, para tirar as dúvidas e saber o quanto tinham que cobrar pelos
serviços prestados nas terras vizinhas; o outro também era representado
pelo padre que freqüentava a sua casa e o ensinava matemática; e, ainda
pelo outro quando, na ausência de seu pai, assumia a função e/ou lugar
deste e realizava os cálculos para os vizinhos.
Deste modo, ainda segundo as palavras de Dubar (2006, p. 155)
na formação acadêmica “estes saberes da experiência podem ser
religados a aprendizagens formais, organizadas de forma ‘sistemática,
intencional e seqüencial’, de maneira a fornecer as noções, conceitos e
regras da arte”.
São elementos ora identificados que, possivelmente, integraram a
constituição identitária profissional deste professor que atua na área da
lógica. Pode-se inferir que indicadores constitutivos da prática docente,
vinculados à história passada, que servem de forte referência para a vida
profissional deste docente. Entende-se que:
Os ‘saberes formalizados’ que então se constroem são
enraizados na experiência, religados a práticas,
reconhecidos por um estatuto, uma qualificação, uma
confirmação. O aprendiz torna-se sócio, o debutante
confirma-se através dum ritual de iniciação que pode,
como nas associações mutualistas, exigir a realização
duma obra de arte, efetuado segundo as ‘regras da arte’
(grifos do autor, 2006, p. 155).
Apesar de Dubar se referir mais especificamente aos saberes que
são constituídos na experiência (prática do trabalho), faz-se aqui uma
transposição para a possibilidade de os conhecimentos da prática virem,
efetivamente, a ser formalizados na continuidade escolar (acadêmica).
131
Entende-se que os saberes oriundos da prática podem conduzir,
progressivamente, os indivíduos para estudos nas áreas de interesses.
Ressalta-se que pode ocorrer a situação inversa, ou seja, quando o
sujeito não tem boas experiências em determinadas áreas do saber, ele
tenderá a esquivar-se de estudos deste campo do saber.
Outra lembrança relatada pelo professor Germânio é sua rápida
passagem pelo seminário. Segundo ele, ao ter saído de casa para
estudar no seminário, adoeceu e precisou retornar. Após esta situação,
mesmo depois da melhora de saúde, seus pais não o deixaram retornar
para o seminário e, deste modo, continuou os estudos próximo a sua
casa. Segundo ele, a experiência no seminário:
Foi boa. que eu não fiquei mais tempo, porque eu
fiquei doente. Fui acometido pelas doenças: varicela,
tosse-comprida, coqueluche, ai, eu não agüentei e pedi
para ir embora. Depois, quando eu melhorei pedi para
voltar e o pai não deixou.
Talvez, a insegurança por ficar longe de seus familiares o tenha
levado ao adoecimento. Presume-se que as experiências em seminários
sejam um pouco diferenciadas para meninos na faixa etária da época do
professor Germânio. Segundo Bencostta (2000, p. 95), “no que diz
respeito ao ensino praticado no Seminário [...] podemos perceber a
existência de dois níveis: o primeiro, voltado para o seu objetivo principal
de formar eclesiásticos; o segundo, o nível colegial, propunha oferecer um
ensino valorizado que muitos pais queriam para os seus filhos, mesmo
que estes não fossem destinados à vida sacerdotal”.
Mesmo sabendo que o autor analisou o processo de ensino
(formação) nos seminários entre os anos de 1915-1919, muita da cultura
católica do clero ainda era praticada na década de 1960, época em que o
132
professor Germânio ingressou na escola religiosa. “Podemos afirmar que
a disciplina em torno do silêncio, do estudo e da oração, procurava
separar o seminarista do mundo, a fim de melhor conduzi-lo à vida
eclesiástica” (idem citação acima).
Segundo as impressões do professor, sua família era unida e com
princípios e valores rigorosos repassados por seus pais, para que
vivessem com dignidade financeira. Afirma que “basicamente, meus pais
diziam que cada um tinha que viver com o que ganha e tinham que prover
o sustento da família. Isso era muito presente em nossa família. Isso era
fundamental”.
A família do professor Germânio, segundo seus relatos, sempre foi
unida, representando aquilo que para Dubar (2006, p 23) constituía uma
forma cultural, ou seja:
Os indivíduos são designados pelo seu lugar na linha das
gerações e pela sua posição sexuada nas linhas de
parentesco. Esta forma de identificação, se não é
necessariamente a única, prevalece sobre todas as
outras pelo fato das relações sociais particulares
imporem a dominação dum grupo ou duma categoria de
pessoas sobre todas as outras: os ‘antigos’, que são ao
mesmo tempo homens e membros da geração mais
velha (e, muitas vezes, do segmento dominante).
Entende-se que o professor Germânio por meio de seus estudos e
ascensão profissional conseguiu alcançar outro patamar, ou seja, passou
da forma comunitária para a forma societária. Dubar
(2006, p. 31)
apoia-se
em Weber para explicar que:
As formas societárias designam ‘relações sociais’
fundadas com base no compromisso ou a coordenação
de interesses motivados de forma racional (em valor ou
133
em finalidade). Elas concernem dois tipos de
racionalidade: a relação com os valores, a racionalidade
axiológica que serve de base aos ‘acordos racionais por
compromisso mútuo’ e a relação instrumental dos meios
para atingir um fim que se impõe por ela própria, a
racionalidade econômica, a troca comercial, a
‘competição para assegurar as melhores oportunidades
de vida’, mas também ‘a ação voluntária dos indivíduos
para defender os seus interesses.
.
Constatou-se que o professor Germânio deixou sua comunidade de
origem, aos 19 anos de idade e partiu para a conquista de sua
independência financeira, construiu novos valores, conhecimentos,
saberes, atribuindo, deste modo, novos significados a sua vida.
Entende-se que o professor não desprezou as experiências
relacionais tidas até aquele momento de sua vida, mas a elas somaram-
se outras que foram ressignificados por si e para si. Ocorreram novas
transações entre as identificações atribuídas pelos outros (objetivas) e a
identificação por si mesmo (subjetiva) que o levaram a constituir formas
identitárias. Reconhece-se, desta forma, um movimento entre o ato de
atribuição (dado pelos outros) e o ato de pertencimento (aquilo que é
aceito – identificado – validado pelo indivíduo).
Para o professor Germânio suas amizades na época da cidade do
interior foram significativas, porém, passageiras. “Enquanto nós éramos
crianças, nós vivíamos juntos, depois nos separamos e cada um foi para
um lado”. Isto pode indicar a transposição de seu modo de vida
comunitário para o societário, já que se abriu para outras relações sociais.
Quando perguntado se sentia saudade de seus pais, ou do lugar
onde cresceu, respondeu que: “não, não sei se é saudade, pois faz muito
134
tempo que eu estou fora de casa. Mas, eu me sinto bem em estar lá. Não
ficar muitos dias, mas, ir lá e passear. Sinto-me bem”.
Constata-se entre suas expressões e narrativa que a vida do
campo e sua história familiar foram significativas, porém, tornaram-se
parte das identificações do antigo grupo de pertença, que foi constituído
por meio da cultura do campo, das etnias, do grupo religioso, dos amigos
da escola, que faziam parte daquele eixo de suas relações e daquele
espaço geográfico pertencente a sua história de vida.
Como ele mesmo disse, “voltaria para o campo somente se fosse
para gerenciar”. Isto atribuiu um significado de mudança, de novas
configurações pessoais e profissionais, agregação de outras experiências
conquistadas por meio de dedicação aos estudos e trabalho.
Compreende-se, ainda neste processo de transição, que a forma
societária une “Nós contigentes e dependentes das identificações
estratégicas a Eus perseguindo os seus objetivos de sucesso econômico
e de realização pessoal qual chamei forma ‘narrativa’)” (DUBAR, 2006,
p. 49).
uma mudança subjetiva significativa que ocorre por meio das
relações sociais, mudança de cidade (comunidade), vinculada a outras
aprendizagens acadêmicas e profissionais. O professor Germânio
projetou sonhos, metas, objetivos que fundamentaram suas iniciativas,
escolhas, decisões que foram ocorrendo de forma contingencial na sua
história de vida.
Mesmo a relação com seus irmãos, nesta forma societária, constrói
no presente, novas relações sociais, econômicas e afetivas. Quando
perguntado se necessidade (ou se houve) de se ajudarem
financeiramente, ele respondeu que:
135
Sim. Mas, daí geralmente, quando a gente faz isso, é
emprestado. Dar não! Agora emprestar a gente se
empresta, quando precisa. Ultimamente, eu tenho
emprestado. Digamos assim, a gente procura ajuda em
último caso. Enquanto puder dar jeito, mesmo com
dificuldade, não se pede ajuda para outro.
Considerando estes fatores, o professor ressignificou muitas das
suas relações sociais, formas de pensar, conceber o mundo e, mesmo, de
controlar suas emoções. Segundo ele: “nunca fui assim uma pessoa de
altas euforias, de altas emoções, eu sempre fui muito tranqüilo. Não tenho
muitas coisas marcantes...”.
Entende-se que os dados sobre a história de vida do professor
Germânio, narrados por ele, constituem parte da sua singularidade.
Ressalta-se a impossibilidade de apresentar os fatos completos, pois a
própria memória não consegue externar todo o vivido. Foram seleções
feitas dos fatos e das situações que emergiram nas lembranças
instigadas pelas perguntas da pesquisadora.
Como afirma Dubar (2006, p. 192) “os relatos de vida o são
apenas materiais para o investigador, também são produções de sujeitos
que se constroem falando de si”.
Os dados permitem concluir, embora provisoriamente que a
constituição identitária é um processo dinâmico e permeado pelas
singularidades construídas nas relações sociais, e nas transações feitas
entre si e o outro.
136
5.2 A constituição da forma identitária do professor/chefe Germânio
O objetivo deste subitem é identificar qual é a forma identitária do
professor Germânio. Dubar (2005), por meio de pesquisas com os
funcionários de empresas privadas e estatais da França, apresentou
quatro possíveis formas identitárias, oriundas dos profissionais
pesquisados: identidade de executor ‘estável’ ameaçada, identidade
bloqueada, identidade de responsável em promoção interna e identidade
autônoma incerta (conforme capítulo 2).
interesse em descobrir se estas formas identitárias são
identificadas em dois professores/chefes de departamentos dos cursos de
licenciatura de uma universidade comunitária. A aproximação entre as
pesquisas de Dubar (1997, 1998, 2005, 2006), que definem as formas
identitárias constituídas nas relações sociais e de trabalho com a função
de professor/chefe de departamento dos cursos de licenciaturas, servirá
para conhecer como as identidades profissionais, decorrentes das
transações biográficas e relacionais, emergem na história de vida destes
dois professores. Será que os estudos de Dubar realizados com
trabalhadores das empresas privadas e estatais da França, podem ser
transpostos e reconhecidos em professores/chefes de departamento do
ensino superior?
Retomando os dados narrados pelo professor Germânio, sabe-se
que ele trabalha 23 anos na universidade. Assumiu a chefia de
departamento pela terceira vez, desde que ingressou na universidade.
Foram realizadas entrevistas com professores formadores que
trabalham com o professor Germânio para fechar um importante ciclo
para o reconhecimento de uma identidade, ou seja, integrar à narrativa
sobre si a percepção do outro. Deste modo, foram realizadas entrevistas
com alunos e ex-alunos do professor, bem como com professores
137
formadores de seu departamento para conhecer aspectos da sua pessoa,
bem como entender as relações derivadas do seu modo de trabalho como
chefe de departamento.
Os dados obtidos, incluindo a visão de si e a do outro e as relações
sociais, de trabalho, acadêmicas, permitiram caracterizar sua identidade
profissional como aquela do modelo “carreirista” ao processo de
mobilização: a identidade de responsável em promoção interna (DUBAR,
2005).
Essa configuração da “identidade de responsável em promoção
interna” tem como termo-chave a designação a “evolução, inverso da
estabilidade, e seu espaço de desenvolvimento é o da empresa
15
e não
o do ofício -, para cuja evolução esse assalariado ‘responsável’ contribui,
ao mesmo tempo, que ela permite a própria evolução profissional dele”
(DUBAR, 2005, p. 290).
Para a comprovação desta forma identitária, somaram-se à sua
história de vida, a trajetória profissional e acadêmica, constituídas nas
relações sociais e de trabalho.
No âmbito das relações de e/ou com o trabalho, quando
perguntado ao professor Germânio, “como é para você ser chefe de
departamento”, ele prontamente responde:
Eu sou uma pessoa que não tenho ânsia pelo poder,
agora eu exerço as funções quando sou chamado, no
caso é a terceira vez que sou chefe deste departamento
e procuro sempre trabalhar, fazendo com que às regras
da divisão sejam cumpridas, procurando sempre dar um
rumo junto com o departamento [...] (grifos da autora).
15
Nota da pesquisadora: para que facilitar a compreensão e a transposição da teoria
de Dubar para o ensino superior (licenciaturas) solicita-se que leiam universidade
quando estiver escrito empresa.
138
Sua ânsia não é pelo poder, mas pelo reconhecimento de seu
trabalho e dedicação à universidade. Como afirma Dubar (2005, p. 290):
“trata-se, de certa forma, de uma identidade oferecida que deve provar
sua virtude mobilizadora à medida que as demandas se desenvolvem.
Certamente a competição não está eliminada, e a formação representa o
lugar privilegiado em que ela deve se exercer”.
Esta fala acima do professor/chefe Germânio remete a outra
resposta, dada às questões políticas, quando fez referência a uma
lembrança interessante que, talvez, tenha marcado seu posicionamento
de líder:
Eu aprendi quando era jovem, aos dezoitos anos, o
Golbery do Couto e Silva, disse que ele não era apegado
ao poder. Ele exercia o poder. Com a facilidade que ele
entrava, era a mesma facilidade que ele saia. Não era
apegado ao poder. que é um nome que não se falar
por ai...
Interessante constatar que uma frase de um militar
16
integrou sua
memória e o ajudou a fundamentar sua concepção sobre liderança.
Constata-se que o professor Germânio tem uma idéia de cumprimento de
ordens, ou seja, ele diz que sua função é fazer com que as regras sejam
cumpridas.
O trabalho é mais de coordenação e não de chefia, nós
temos um grupo bastante bom, um grupo que discute as
coisas, que assume aquilo que faz. Então, para mim
particularmente funciona como um coordenador.
16
Militar e político gaúcho (21/8/1911-18/9/1987). Um dos principais articuladores do
golpe militar de 1964 e, posteriormente, da política de distensão do presidente Ernesto
Geisel a partir de março de 1974. Nascido no Rio Grande, durante a II Guerra Mundial
integra a Força Expedicionária Brasileira e luta na Itália.
Fonte: http://www.algosobre.com.br/biografias/golbery-do-couto-e-silva.html
139
Esta resposta suscitou uma dúvida que foi levada para o
professor/chefe esclarecer na terceira entrevista: qual a diferença entre
coordenação e chefia para você?” Após lembrá-lo da resposta dada na
segunda entrevista, ele esclareceu:
O coordenador, no caso, ele coordena somente, nem
todas as decisões partem dele. E o chefe procura fazer
com que as outras pessoas executem as ações que, às
vezes, são do pensamento dele e, na maioria das vezes,
vem de cima. Basicamente o que eu penso que é isso.
Entende-se que a resposta dada pelo professor/chefe, comparada
com os dados obtidos sobre os processos decisórios da/na universidade,
significa que, para ele, a coordenação das atividades do departamento,
ou seja, as decisões são tomadas coletivamente nas reuniões do CEPE.
Para o professor Germânio, coordenar significa fazer a
“supervisão” daquilo que é decido pelo/no CEPE. Afirmou, deste modo,
que participação ativa do Colegiado do Curso (professores que
integram o departamento) nas decisões da universidade. Em síntese, o
chefe de departamento representa e, conseqüentemente, apresenta as
questões decididas no e pelo Colegiado ao CEPE.
Para o professor Germânio:
No caso do departamento, não existem determinações
que vem de cima. [...] São todas resoluções que são
discutidas e votadas. São trazidas ao departamento. No
departamento são discutidas, ações que se tomam, são
com base naquilo, com base nestas resoluções. E, a
questão do chefe, é coordenar e verificar se estão sendo
cumpridas. Mas, como no nosso grupo, são pessoas
140
todas responsáveis, essa verificação, quase não precisa
ser ostensiva, ela é sistêmica, por isso a coordenação.
Sua equipe de trabalho, segundo ele, é composta por pessoas bem
responsáveis o que facilita sua função no departamento. Em entrevista
realizada com uma ex-aluna deste departamento, ela explicitou que o
corpo docente sempre foi muito coeso e que em muitos momentos “foi
reconhecido como uma cúpula”.
Quando solicitada para que explicasse melhor essa afirmativa, ela
disse que “os estudantes que tinham problemas com notas (avaliação)
com um professor, caso não conseguisse resolver com ele, não adiantava
passar o assunto adiante, pois os professores se protegiam e não iam
contra a decisão do professor da disciplina” (Amanda).
Segundo a fala de uma professora formadora, a coesão no
departamento, realmente existe. Como ela mesma afirmou:
É comum em nosso departamento, aliás, penso que não
ocorre em outros departamentos, nós professores
chegarmos com uma hora de antecedência para ficarmos
conversando ao redor da nossa mesa. Ficamos ali
conversando sobre os estudantes, os fatos do dia,
notícias do Brasil e do mundo. Gostamos deste momento
e sempre chegamos cedo para conversar (Traudi).
Essa fala retrata a coesão do grupo de professores deste
colegiado, confirmada pela percepção da (ex) aluna sobre o corpo
docente do departamento. Como explicita Dubar (2005, p. 292): “o acesso
a uma linguagem técnica comum constitui, de fato, a aquisição essencial
dessas práticas de formação, permitindo ‘compreender as pessoas com
as quais trabalhamos’ e compartilhar com elas um conjunto de valores”.
141
Quem sabe são os conhecimentos técnicos, da formação
acadêmica, que deixam evidente a coesão da equipe? Ou, seria ainda,
sob o ponto de vista do chefe de departamento, o pertencimento à
universidade que não deixaria ir adiante o estudante que não tivesse
aprendido os conteúdos ensinados?
Em entrevista com outra ex-aluna do departamento que trabalha,
atualmente, na educação básica, sobre como ela identificava o
professor/chefe Germânio, ela prontamente respondeu:
Como um exemplo para mim. Um exemplo de professor e
de profissional. Muito educado. Dá até inveja. Ele é capaz
de dar aula de roupas pretas e ficar sem um de giz. E
olha que ele gosta de escrever no quadro! Sempre nos
corrigiu muito nos detalhes, de como falar, como ensinar,
nossa postura. Ele não era professor de didática, mas
nos ensinava didática no dia-a-dia de suas aulas. Todos
os estudantes da minha classe gostavam muito dele. Ele
foi meu professor por durante dois anos seguidos. Como
chefe de departamento, nós sabíamos que podíamos
sempre contar com ele. Ele sempre foi muito prestativo.
Inclusive, foi homenageado pela nossa turma (Amanda).
O reconhecimento do outro sobre si é de fundamental importância
para se conhecer a identidade. Mas, percebe-se que mesmo a pergunta
sendo direcionada para a questão do trabalho dele como chefe de
departamento, a ex-aluna não conseguiu imaginá-lo diretamente na
função. Ela, primeiramente, o viu como professor e depois o “definiu”
como chefe de departamento. Isso mostra o quanto a identidade de
professor se sobrepõe, para aqueles que foram (são) seus alunos, à
identidade de chefe de departamento.
142
Outra pergunta feita ao professor Germânio foi sobre como ele
achava que os alunos e colegas de trabalho o viam como chefe de
departamento:
Professor/chefe: Eu não saberia te dizer e não teria a
presunção de também dizer, mas, o meu nome sempre é
lembrado para ser chefe. Que nem eu fui chefe algum
tempo atrás, depois foi outra pessoa, daí chegou uma
hora que foi unânime, agora é você. Enfim, eu penso que
sou bem aceito.
Pesquisadora: Mas o senhor nunca ouviu nada, nunca
alguém comentou: olha você como chefe de
departamento é bom, ou, nós estamos te indicando
novamente por isso...
Professor/chefe: Às vezes a gente ouve elogios, assim,
mas é... No departamento praticamente não tem essa
cultura de rasgar seda, vamos dizer assim, mas o que eu
ouço, às vezes, que as pessoas falam é que
particularmente eu tenho uma boa capacidade de síntese
e tenho geralmente visão do todo e consigo ser objetivo
nas minhas expressões e, isso, gera confiança.
Dubar (2005, p. 293) ajuda a fazer uma leitura dos dados quando
afirma que:
Dessa forma, sua identidade de empresa se inscreve em
um círculo vicioso que combina grande contribuição e
grande retribuição (BENOÎT-GUILBOT, 1965, citado por
Dubar) e que articula, de maneira dinâmica, as duas
transações que a constituem: ao estabelecer uma relação
de colaboração recíproca com a instituição à qual se
identificam, esses trabalhadores permitem o
143
reconhecimento dos saberes específicos que
fundamentam sua esperança de evolução; podem, assim,
consolidar essa esperança reestruturando sua trajetória
passada como uma antecipação de sua progressão
futura. Transação objetiva e transação subjetiva se
fortalecem e se confirmam mutuamente na construção de
uma identidade tanto reconhecida na empresa quanto
socialmente legitimável.
Quando perguntado ao professor/chefe Germânio se ele se sente
“pressionado” pelos seus superiores para conseguir alunos, ou mesmo
para dar conta das suas atividades ele, tranqüilamente, respondeu:
Pressão não existe. Existem as regras que a gente tem
que cumprir, agora em relação ao número de matriculas,
não depende da gente, porque para ter matrícula é
preciso que a profissão tenha perspectivas, que alguém
queira fazer e que possa pagar e, isso, não depende da
gente. O que depende da gente é fazer com que os
alunos que estão em curso falem bem do curso, e isso a
gente procura fazer. Muitas vezes não tem sucesso,
sempre ocorrem algumas situações que o pessoal fica
desgostoso, mas sempre é passageiro, isso eu considero
normal na instituição. Particularmente eu sou uma pessoa
que não sente pressão, eu tenho as regras para cumprir,
sou disciplinado, costumo estar sempre em dia, por
disciplina própria, então eu não sinto pressão.
Infere-se que a tranqüilidade expressada pelo professor/chefe
Germânio, seja decorrente da coincidência entre a identidade para si
(subjetiva) e a identidade para o outro (objetiva). Neste caso, o
professor/chefe sente-se, aparentemente, satisfeito com as suas
conquistas e com o reconhecimento que obtêm por parte dos seus alunos
144
e colegas de trabalho. Mencionou que o seu “nome sempre é lembrado
para ser chefe de departamento”, isto tem um significado importante para
ele.
As qualidades pelas quais os outros o reconhecem, tais como:
objetividade, clareza, capacidade de síntese, visão do tempo constituem a
“paz interior” que sente, pois, compreender que sua dedicação à
universidade é reconhecida e identificada pelos seus pares é fundamental
e confortador.
Para uma estudante do curso, o professor/chefe Germânio “é uma
pessoa que sabe nos ouvir. Ele sempre para tudo o que está fazendo
para nos ouvir quando o procuramos. Sempre tem a palavra certa para
nós dizer e é muito sincero conosco. Ele é muito paciente e educado”
(Fabiane).
Para a professora formadora do seu departamento:
Ele é muito comprometido e preocupado com os alunos e
professores. Está sempre aberto para coisas novas,
apesar de ser resistente, ou seja, precisa analisar muito
bem as possíveis mudanças. [...] Outra coisa ele é duro
na cobrança, mas sabe dar oportunidades para nós
(Traudi).
O professor Germânio afirmou que sua função de chefe de
departamento é passageira. “Na hora que eu estou chefe de
departamento sempre tem um projeto que é, muitas vezes não no papel,
mas, é seguir com o departamento rumo à melhoria de ensino, e ao
longo desse tempo, eu percebo que o departamento vem vindo junto
(grifos nossos). Esta fala confirma aquilo que Dubar menciona sobre as
pessoas com a configuração da forma identitária “responsável em
145
promoção interna”: “é possível falar, a respeito deles, de uma dimensão
administrativa de sua identidade profissional: são os únicos a exprimir
preocupações com a qualidade, com o cliente, com a rentabilidade (2005,
p. 293)”.
Uma das principais tarefas realizadas pela equipe, segundo o
professor/chefe, foi à mudança na matriz curricular do curso. Explica que
antes de 1990, o índice de desistência de estudantes do curso era
enorme. Segundo ele, isto se referia a uma enorme quantidade de
disciplinas “pesadas” nas primeiras séries. Na sua avaliação, na época os
estudantes tinham muita dificuldade para acompanhar o curso, sentiam-
se frustrados e trancavam facilmente a matrícula. Mesmo sendo um curso
de licenciatura, segundo o ele, antes de 1990, praticamente não existiam
disciplinas pedagógicas na matriz curricular. Em suas palavras:
Nós mudamos a filosofia de ensino de quando entrei
como professor, para hoje, não sozinho. Muitos
professores que tem hoje foram meus alunos, aqui alunos
dos professores, então vieram acompanhando as
mudanças. Nesse sentido, eu acredito que a participação
não seria bem chefe, mas coordenador. Agora pelo cargo
eu não tenho a maior atração, se não for para fazer
alguma coisa.
A gente quase não tinha a parte pedagógica e, a que
tinha, era desvalorizado. E, na época, os alunos eram,
digamos, mal tratados, às vezes a gente começava com
cinqüenta alunos no primeiro ano e quando chegava
agosto, tinham quinze ou vinte, formavam poucos alunos.
Quando havia formatura cinco, seis, sete alunos e eram
remanescentes de duas ou três turmas.
146
Para o professor/chefe de departamento, acompanhar as
resoluções emitidas pelos órgãos públicos é uma das atividades da
chefia. Seu departamento adaptou-se a todas as resoluções, pois
segundo ele:
Em dois mil, houve uma nova reforma por imposição
externa por causa das mudanças da LDB, também
participei bastante na elaboração, não era chefe de
departamento, mas participei bastante.
E, em dois mil e quatro, nós estamos agora no terceiro
ano, então em dois mil e três é que foi a reforma que está
implantada hoje, onde a gente procurou se adequar às
novas diretrizes do ensino, as novas diretrizes da
instituição, as legislações do Conselho Nacional de
Educação, e o que essa cidade está exigindo hoje do
formado [...], que ele tem que ter competências,
habilidades, conhecimentos, saber se expressar, enfim,
essa linha toda que esta prevista nos parâmetros
curriculares.
Tais fatos demonstram que o professor/chefe Germânio
acompanhou os movimentos do curso, as transições e negociações
necessárias para a implantação de resoluções e mudanças da matriz
curricular e da proposta filosófica. Como afirmado pela professora
formadora Traudi “ele pegou a época da transição do curso e o
transformou de um curso de formação específica para ser, também, um
curso de formação de professores”. Percebe-se, nas falas do
professor/chefe Germânio, o reconhecimento e o orgulho pela sua
“grande obra”. Mais uma vez é Dubar (2005, p. 297) que permite uma
compreensão dos dados quando pondera que:
147
À noção de responsabilidade ela acrescenta a de criação,
para explicar seu ‘mundo vivido do trabalho’, valorizando
as iniciativas, as resoluções de problemas e os contornos
dos obstáculos. Estamos próximos do modelo da ‘obra’,
caro a H. Arendt (1957), em oposição ao do trabalho
mecânico (animal laborans x homo faber): um dos
técnicos, aliás, se compara a um ebanista quando
contempla seu projeto ‘depois de ter dado o último toque’.
Em vários momentos o professor/chefe Germânio refere-se à
reforma feita no curso no ano de 1990, época do primeiro mandato de
chefia de departamento. Ele reconhece que o curso antes desta data
tinha sérios problemas e que não era raro acontecer uma formatura com
apenas quatro ou cinco estudantes de uma turma de quarenta que
haviam ingressado. Ele esclarece:
Nessas últimas eu coordenei, porque na época eu era
chefe de departamento, então coordenei. Hoje os
professores todos valorizam as disciplinas. Tem
psicologia, didática, filosofia, prática de ensino, estrutura,
enfim, todas são importantes. Aem mil novecentos e
noventa por ai, antes e até um pouco depois, porque a
cultura demorou a ser erradicada, estas disciplinas todas
eram consideradas perfumarias e não as valorizavam. Os
alunos não tinham interesse em estudar porque eles não
eram incentivados a estudar.
A iniciativa do professor/chefe Germânio, em movimentar sua
equipe de colegas, mostra seu interesse em reformular o curso e torná-lo
mais condizente aos objetivos da formação de professores, incluindo,
neste caso, as disciplinas de cunho pedagógico e humanísticas.
148
Percebe-se que ele cumpre as exigências da função, o que foi
reforçado na fala da professora formadora Traudi “ele tem um grande
conhecimento sobre as resoluções”. Esta forma de atuação do
professor/chefe é característico da identidade de “responsável em
promoção interna”, apresentado por Dubar (2005):
Um dos termos-chave de seu discurso sobre sua
trajetória ‘interessar-se’ - resume bem a importância
desses saberes de organização na estruturação de sua
identidade social real. Querer compreender, saber mais,
perguntar, documentar – se constituem expressões de
seu ato de pertencimento à empresa, concebida
essencialmente como um sistema sociotécnico originador
de saberes específicos, diferentes dos saberes escolares
e amplamente valorizados em relação a eles. Não se
trata apenas de saberes práticos adquiridos no exercício
do trabalho, mas de verdadeiros saberes profissionais
que necessitam do estabelecimento de uma relação entre
conhecimentos teóricos adquiridos nas aulas, mas,
também, nas conversas e nas práticas de documentação
e de autoformação -, saberes práticos, adquiridos in loco
e pela experiência, e esses saberes de organização,
específicos à empresa e que permitem um
estabelecimento de relação eficaz entre os saberes
precedentes (grifos do autor, p. 291).
O professor chefe afirma ser uma pessoa bem organizada.
Comparado aos outros chefes de departamento entrevistados, o professor
tem uma representação diferente sobre o trabalho de chefia. O diferencial
encontrado é a sua tranqüilidade, o controle da situação, a percepção dos
resultados das mudanças na proposta pedagógica.
Mesmo tendo sido aprovado no concurso para trabalhar na
universidade estadual, com um contrato de quarenta horas semanais, não
149
deixou a universidade comunitária. Decidiu trabalhar sessenta horas
semanais nas duas instituições. Mas, é claro que esta decisão foi pautada
naquilo que Dubar (2005) identifica como uma relação que “em troca de
um engajamento pessoal do assalariado em seu trabalho e para o êxito
da empresa, esta lhe garante a um tempo a segurança ‘subjetiva’ do
emprego e a progressão provável de sua carreira” (p. 290). Sem esta
percepção, na época de segurança e reconhecimento por parte da
universidade, ou seja, sem esta via de o dupla, pode ser que o
professor/chefe Germânio não estivesse hoje na universidade.
A forma identitária, como bem sinaliza Dubar, está em constante
movimento “e essa dinâmica de desestruturação/reestruturação às vezes
assume a aparência de uma ‘crise identitária’” (p. 330). Uma suposta crise
identitária não foi identificada na situação atual do professor/chefe
Germânio, talvez, em virtude da realização profissional e da proximidade
com a aposentadoria. Não foram identificadas em suas narrativas,
momentos atuais de crise ou mesmo de descontentamento com e nas
suas relações sociais e de trabalho.
Apesar de a universidade comunitária estar passando por um
momento de muitas preocupações sobre o futuro das licenciaturas, o
professor/chefe Germânio, tem claro para si que a equipe de trabalho tem
tentado realizar o melhor possível para que ocorra o ingresso e a
permanência dos estudantes em seu curso.
Por fim, algumas inferências (constatações) podem ser realizadas
diante desta forma identitária “responsável em promoção interna” e a
relação com seu trabalho de chefia:
Sua história de vida, a harmonia em sua família, a valorização dos
estudos pelos pais, da professora que o promoveu para a terceira
série na escola isolada, nos ensinamentos matemáticos do padre que
freqüentava a sua casa na infância, sua ousadia para deixar a vida da
150
roça e cursar o ensino superior em outra cidade maior, ir fazer o
mestrado em outra cidade maior ainda, o ingresso na universidade em
que atua como chefe de departamento, dentre outros fatores de ordem
pessoal e relacional, são situações que revelam que sua história foi
sendo “promovida” e, conseqüentemente, nesta história foi
desenvolvendo sua identidade profissional/pessoal;
Tem uma identidade profissional que promove desafios e inovações,
mas, contudo, precisa ser convencido de que as mudanças sugeridas
serão boas para o curso, alunos e professores;
Sua relação com os responsáveis pela administração superior, em
alguns momentos, pode ser conflitiva se ele não estiver convencido de
que as inovações irão beneficiar a aprendizagem dos conteúdos.
Ressalta-se a fala mencionada pelo professor Germânio que “um
curso, muitas vezes, ensina de tudo, mesmo os conteúdos específicos
para a sua formação profissional e pedagógica. Eu acredito que os
estudantes precisam ser instigados a pensar e a resolver suas
dificuldades”.
É um professor responsável e cumpre suas tarefas com dedicação.
Como disse a professora formadora ”ele não deixa para depois o que
pode fazer agora” (Traudi).
Contudo uma indicação que o trabalho de chefia do professor
Germânio valoriza e, muitas vezes prioriza, a vinculação com os colegas
de profissão. Como afirma Dubar (2005), os indivíduos com a
configuração profissional “responsável em promoção interna” têm uma
forte vinculação entre si. No caso do professor/chefe Germânio foi
percebida uma relação coesa com os pares que integram a equipe de
trabalho em seu departamento. Esta relação pode, em alguns casos,
impedir que a equipe atenda e implante mudanças necessárias para o
crescimento da universidade comunitária.
151
5.3 PROFESSORA/CHEFE LÚCIA
A professora/chefe cia trabalha mais de 22 anos na
universidade e quando realizadas as entrevistas, no segundo semestre de
2006 e durante o ano de 2007, exercia o primeiro mandato em vigência
no período de 2008-2009. Fez graduação e mestrado em sua área de
formação e um curso de especialização lato sensu em Metodologia do
Ensino Superior. No ano de 2008, completou 51 anos de idade.
Os critérios de tempo de trabalho na universidade e escolaridade
dos pais foram determinantes para a escolha desta professora/chefe. De
todos os chefes entrevistados, seu pai é o que tinha a formação
acadêmica mais avançada. Conhecer os aspectos constitutivos da sua
forma identitária profissional, servirá para identificar a influência destes
fatores no seu trabalho de chefia de departamento.
Parte de sua história...
Diferentemente do professor/chefe Germânio, a professora/chefe
Lúcia veio de uma família de professores. Segundo ela:
Quanto ao meu avô, eu sei que ele era filho de imigrante
alemão, o pai do meu pai. Veio para [...] e ele foi
professor durante muitos anos na escola da comunidade
onde eles viviam. Ele e um primo dele.
Então ele era conhecido como professor. Ele era colono e
professor. Naquele tempo as escolas ainda ensinavam
alemão [...].
152
Seu avô incentivou seu pai a estudar em um Seminário na
Alemanha, conforme sua explicação:
Meu pai foi do seminário e ele tinha sido aluno nessa
escola e no seminário ele se destacou também pelos
conhecimentos, então, ele já ia para uma turma mais
avançada para a idade dele. Ele estava avançado, então
não o deixavam ir para frente. Na época era guerra,
ficaram com medo e eles o mandaram para o Brasil. E
meu avô o mandou para [...] para terminar a faculdade.
Ele se formou na PUC [...].
Segundo informações dadas pela professora/chefe seu pai cursou
parte da educação básica na Alemanha, retornando ao Brasil na época da
guerra, concluindo seus estudos em uma universidade nacionalmente
reconhecida. Fez o mestrado e doutorado em sua área de formação, bem
como a livre-docência para ascender profissionalmente na universidade
federal. A professora/chefe informou que ele trabalhou como Pró-Reitor
de Ensino, bem como, teve função na direção de uma Universidade
privada após aposentar-se na universidade federal.
Segundo sua narrativa, seu pai foi uma pessoa muito respeitada no
estado e realizou várias publicações em seu campo de atuação/pesquisa.
Salientou que os professores da sua família, num primeiro
momento, “surgiram” do lado paterno, ou seja, seu apaterno e seu pai
foram professores. Comentou que sempre teve muita admiração pelo pai,
pois ele foi um “constante professor”. Em todos os momentos em que quis
saber o significado de alguma coisa, perguntava a ele:
Meu pai como professor sempre foi modelo não como
pai. Quando eu não sabia alguma coisa que a professora
explicava na escola, de qualquer matéria, se eu não
153
entendia chegava em casa e dizia: pai como que é isso?
Na mesa, na hora do almoço, na frente de todo mundo
ele explica e sempre explicava de um jeito muito simples.
Então, eu achava que era assim que eu queria ser.
Certamente que este referencial paterno que atendia suas
necessidades de aprendizagem e curiosidades, muito contribuiu para sua
formação cultural/acadêmica. Nogueira e Nogueira (2002. p. 21), quando
discutem a sociologia da educação de Pierre Bourdieu afirmam que: “a
bagagem transmitida pela família inclui, por outro lado, certos
componentes que passam a fazer parte da própria subjetividade do
indivíduo, sobretudo, o capital cultural na sua forma incorporada”.
Pode-se supor que, como mencionado pelos autores, a bagagem
cultural transmitida pelo seu pai foi incorporada pela professora que
passou a se identificar com esta atividade profissional: a docência.
Isso é reforçado por rez Gómez, quando argumenta que o
desenvolvimento cognitivo na construção de significados está muito
próximo da dimensão afetiva. Para o autor (2001, p. 232): “não se pode
entender a peculiar cultura experiencial dos indivíduos sem identificar a
estrutura e a gênese de suas atitudes e demais componentes de sua
dimensão afetiva”. Reforçando esta idéia o autor argumenta que:
Os vínculos afetivos que os meninos e meninas
estabelecem com os pais, os irmãos ou as pessoas que
se responsabilizam por eles são condicionantes
singulares do comportamento social dos indivíduos
humanos. Os processos afetivos de socialização não
podem se dissociar dos processos mentais e significam a
tonalidade afetiva que impregna, orientando,
potencializando, distorcendo ou restringindo as
possibilidades de construção independente de
154
significados e de planejamento e execução de condutas
relativamente autônomas (ibid., p. 232).
Além da formação e contribuição do seu pai em sua
formação/desenvolvimento, a professora Lúcia valorizou em sua narrativa
a participação ativa da mãe em seu desenvolvimento pessoal e
acadêmico. Ela afirmou que, pouco tempo, descobriu uma questão
referente à formação acadêmica da sua mãe que lhe causou espanto:
Descobri esses dias que minha mãe estudou até a
série. Eu achava que ela tinha feito o segundo grau.
Porque na escola, a escola dava tarefas de casa para
mim e para meus irmãos e a mãe acompanhava,
ensinava a gente perfeitamente, então, a gente achava
que ela tinha mais do que ela tem.
Ela sempre foi uma pessoa que leu, buscou. Eu até me
lembro que uma época ela comprou enciclopédias e
estudava química, física, eu acho pela necessidade de
acompanhar. Mas ela sempre foi rigorosa com horários
de estudo, me fazia sentar, olhava os cadernos então ela
se comportava como professora, talvez alguma coisa que
ela quis fazer.
Um fator que contribuiu na educação/formação da sua mãe foi o
incentivo dado pelos seus pais na aquisição de materiais ligados a leitura.
Lúcia lembrou que sua avó materna era dona de casa e, seu avô
materno, contador. Sua mãe era a única filha mulher e seus avós
compravam muitos livros e revistas para que ela lesse e estudasse. São
estas situações, segundo a professora Lúcia, que influenciaram na
formação cultural da sua mãe. Esta é, também, uma idéia reforçada por
Lautrey (citado por Dubar 2005, p. 17), quando este realizou uma
155
pesquisa empírica, tendo como hipótese que “as condições de vida e de
trabalho, ligadas ao status socioeconômico dos pais, determinam suas
práticas educacionais, que, por sua vez, influem no desenvolvimento
intelectual da criança”. Lautrey (citado por Dubar 2005, p. 21) explicou
que:
As formas e os conteúdos de comunicação entre filhos e
pais (principalmente a mãe) influem tanto quanto as
regras da vida comum. Do mesmo modo, estas não
podem ser simplesmente deduzidas dos deveres
profissionais cumpridos pelos pais (principalmente pelo
pai): elas também decorrem dos modelos culturais
transmitidos de uma geração a outra ou resultam das
formações seguidas pelos pais (principalmente pela
mãe).
Os pais da professora/chefe cia tiveram seis filhos e ela ocupa a
terceira posição entre eles. Entre o filho mais velho e o mais novo há uma
diferença de apenas dez anos. Diante da proximidade de idade, ela
mencionou que, em suas lembranças, são muitos os momentos em que
sua mãe estava presente realizando com eles as seguintes atividades:
leitura de estórias, ajuda nas atividades escolares, realização de
atividades artísticas e manuais como pintar, recortar:
A gente sempre foi de brincar de professor. Em casa
fazia escolinha, e minha mãe nunca nos proibiu, tem mãe
que não gosta porque está fazendo bagunça. Minha casa
sempre foi uma casa de criança que brincavam e tiravam
tudo do lugar. A condição era, ponha tudo, guarde tudo
de novo. E ela sempre incentivava tudo isso.
156
Em sua casa, havia acesso a livros, revistas. Como afirmou:
“sempre teve livros revistas, jornal, sempre teve muito em casa. Até hoje!
E livros assim, muitos variados. Eles sempre ficam largados na casa da
minha mãe até hoje assim”. Nogueira e Nogueira (2002, p. 21) afirmam
que “do ponto de vista de Bourdieu, o capital cultural constitui (sobretudo,
na sua forma incorporada) o elemento da bagagem familiar que teria o
maior impacto na definição do destino escolar”.
Estas revelações da história familiar, dos momentos de
aprendizagem e interação com seus irmãos, pais, avós foram muito
marcantes na vida da professora. Percebeu-se alegria em seu olhar ao
relatar os fatos de sua infância e o relacionamento afetivo com seus cinco
irmãos e com sua mãe. Estas experiências constitutivas da sua forma
identitária são significações interiorizadas e ressignificadas ao longo de
sua trajetória pessoal e relacional. Como explicitou Josso (2004, p. 48):
Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de
certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as
suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se
atribui ao que é ‘vivido’ na continuidade temporal do
nosso ser psicossomático. Contudo, é também um modo
de dizermos que, neste continuum temporal, algumas
vivências têm uma intensidade particular que se impõe a
nossa consciência e delas extraímos as informações
úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com o
nosso ambiente humano e natural.
As informações que a professora/chefe extraiu de sua vivência
foram as que realizava estimulada pela sua mãe: .
Eu lembro que nas férias minha mãe brincava com a
gente principalmente de artes, muito trabalho de artes.
Ela procurava coisas para gente fazer nas férias. No meio
de dezembro a gente tinha um período que a gente
157
estava de férias e todo mundo passava por média. [...]
Em dezembro, no período da manhã ela nos ocupava,
nos deixava dormir até mais tarde ou nos ocupava com
tarefas de casa. Era o mês da limpeza da casa. De tarde
era livre, e a partir de janeiro daí sempre tinha férias na
praia ou em algum lugar. Em dezembro se chovesse de
tarde ela sempre tinha alguns livros com sugestões de
atividades. Então a gente brincava de fazer bonecos de
batata, bonecos de casca de [...], não de caroço de
manga, de pôr no sol e daí puxar para fazer o cabelinho e
depois pintar bonequinhas de gesso ou massinhas de
gesso ou pintar com parte de carimbos. Então, talvez por
isso que eu tenho aquela noção de mãe professora
porque ela sempre procurava coisas para fazer,
atividades relacionadas [...] a bolachinhas, ela ensinava a
colocar, (seis irmãos) ela colocava todo mundo na
cozinha para ajudar a fazer as bolachinhas de natal isso
era sempre à tarde, e todos gostavam de fazer.
A professora Lúcia não mencionou na narrativa de sua história
pessoal, momentos de brincadeira com amigos vizinhos, ou mesmo com
outras crianças da família (primos).
Infere-se, neste caso, que os seis filhos costumavam fazer muitas
atividades entre eles, incentivadas pela mãe e com a presença dela. Por
serem, neste caso específico, seis crianças próximas de idade uma da
outra, com acesso aos recursos necessários para a confecção de
brinquedos, materiais, livros, revistas e, mesmo, a ingredientes para a
confecção de bolachas de natal; como faziam atividades que os
envolviam tais como: arrumarem a casa, pintarem paredes, ornarem e
limparem o jardim; presume-se que não sentiam falta de brincar com
outras crianças.
158
Lúcia relatou que entre seus irmãos, cinco fizeram a graduação na
universidade federam e uma das irmãs na PUC. Explicou que todos
tiveram ou têm inserção na docência. Ressaltou na entrevista que seus
irmãos estão muito bem profissionalmente. Como ela mesma explicou:
A mais velha é professora, o segundo já exerceu a
função de professor, a terceira sou eu que sou
professora, o quarto irmão é professor, o quinto tentou,
mas, está na área da veterinária. O mais novo quando
pode é professor. Mas ele gostaria de ser e não é.
Todos são formados. Uma é da área de Letras e
Lingüística, que ela é professora de Língua Inglesa. O
segundo é formado em agronomia, ele é agrônomo. Eu
[...]. O quarto irmão que é professor é formado em
agronomia também, mas, fez mestrado numa área
paralela que eu não sei o que é. E o mais novo exerceu a
profissão de professor, é jornalista e advogado, agora ele
é promotor.
Quanto à presença de seu pai, ela afirmou que o mesmo sempre
que podia estava com a família. Contudo, ressaltou que seu pai
trabalhava muito e que, às vezes, precisou trabalhar em três períodos
manhã, tarde e noite para dar conta das despesas financeiras da casa.
Ela explicou que, na época, seus pais haviam comprado uma casa
financiada e que o pagamento desta hipoteca era oneroso no orçamento
familiar.
Meu pai passou períodos de inflação difíceis. A compra
da casa própria, na época, era pela Caixa Econômica. [...]
teve épocas que ele trabalhava de manhã, de tarde e a
noite, para conseguir dar conta [...] mas, meu pai
normalmente trabalhava de noite [...] ele nunca deixou
nenhum dos filhos trabalharem.
159
Além desta necessidade de trabalho intenso por parte do pai,
existiam momentos em que ele estava muito atribulado em virtude da
publicação de livros e de artigos científicos, bem como das viagens que
realizava, relatou a professora/chefe. Mesmo nestes momentos de
excesso de trabalho o pai costumava envolver os filhos/filhas em suas
atividades:
Ele sempre acabava envolvendo a gente nos trabalhos
dele. Oh, eu preciso disso! Como eu fazia magistério e
sempre me envolvida com essas coisas, então eu o
ajudava a separar, naquele tempo era datilografado, os
livros. [...] Quando ele ia dar palestras eu o ajudava a
fazer os cartazes. nessa época, caso contrário, meu
pai sempre tirou tempo para ficar com a família.
Fazíamos piqueniques ao final de semana, visitava
família e ele sempre levava todos os filhos. Então sempre
houve esse negócio de família e envolvimento (grifo do
autor).
Ao destacar a fala da professora acima, em negrito, buscou-se
refletir sobre a que “negócio de família e envolvimentoela se referia ao
concluir sua resposta. Será que se referiu ao trabalho do pai como um
negócio que possibilitava o envolvimento dos filhos? Negócio apenas
como uma expressão comum? Uma coisa é certa: em seu relato de vida,
o pai aparece como aquele que provê o sustento da família, é um pai
admirado, inteligente, referência, mas, é certo que sua mãe foi à pessoa
mais citada quando se tratava do contato/envolvimento com os filhos, nas
brincadeiras e acompanhamento das tarefas escolares.
160
Sua família tinha um modelo bem característico da época: pai
provedor e mãe cuidadora dos filhos e das tarefas domésticas. Segundo
a professora Lúcia:
Minha mãe durante a semana envolvia a gente em todo
tipo de atividade: consertar ferro elétrico, daí chamava o
mais velho e ensinava fazer, sabe? Então a gente
aprendeu todas as tarefas domésticas, trocar pilha, trocar
tomada, porque naquele tempo sempre era tudo muito
caro para chamar alguém. Então aprendemos a fazer
todas as atividades domésticas com a mãe. [...] Ela
aprendeu fazendo e foi fazendo que ensinou para a
gente. Ela não sabia nada porque ela era a dondoca de
casa porque era a única filha mulher, mas ela sempre
brincava com os irmãos dela e a mãe dela também era
de fazer as coisas e fazer aprendendo. E isso ela passou
para gente.
Segundo a professora Lúcia, sua maior dificuldade financeira
ocorreu no início de seu casamento. Ela tinha vinte anos e ambos, ela e o
marido, cursavam faculdade na época. Ainda segundo seu relato, tiveram
filhos logo em seguida ao casamento. Tiveram quatro filhos e para
sustentá-los e custear os estudos passaram por momentos financeiros
difíceis. Como ela mesma explicou:
Ah, mas eu passei muita dificuldade porque eu casei sem
nada e meu pai era assim casou você vai seguir sua vida.
Então a gente começou na época os dois juntos com um
salário mínimo aí como eu estava acabando a faculdade
e ele começando, a gente conseguiu crédito educativo
[...] dava pra comer, mas eu andava de bicicleta, ele
andava de bicicleta. que eu tive os filhos cedo, então
tinha que se virar sozinha daí ele conseguiu monitoria e
161
eu passei em concurso [...] professora, então era bem
apertado.
Ainda segundo ela, seu marido demorou um pouco mais para se
estabilizar profissionalmente. Não houve ajuda por parte de seus pais nas
dificuldades financeiras encontradas no início do casamento, visto que
seu pai, como ela mesma disse: “era daqueles que achava que os filhos
quando casavam tinham que se virar”.
5.4 A constituição da forma identitária da professora/chefe Lúcia
As relações sociais, derivadas das experiências no âmbito familiar,
escolar e no trabalho, desencadeiam transações entre o ato de pertença e
de atribuição. Na trajetória de vida do indivíduo ocorre a transação entre o
si e outro, ou seja, entre a subjetividade (eu) e a objetividade (outro)
(DUBAR, 2005). Neste processo de transação, permeado pelas relações
sociais é que a identidade se constitui, aceitando (pertença) e/ou negando
e/ou ressignificando aquilo que os outros atribuem para si. Tudo isto
ocorre por meio da dinâmica interpessoal que incita ressignificações,
aceitações e/ou rejeições de qualidades e/ou atributos pessoais
constituídos na relação social.
Nesse contexto, como afirma Dubar (2005, XXI) “todas as
identidades são construções sociais e de linguagem que são
acompanhadas, em maior ou menor grau, por racionalizações e
reinterpretações que às vezes a fazem passar por ‘essências’
intemporais”.
162
Essas idéias sobre o processo de configuração identitária
conduzem a relacionar as informações sobre história/trajetória de vida da
professora Lúcia com as formas de trabalho na chefia de departamento.
Quando perguntada sobre “como os outros a viam em seu
trabalho”, ela respondeu que de forma “sisuda, com uma fisionomia muito
séria”. Esta, segundo ela, é a primeira impressão que as pessoas têm
sobre ela. Explicou que esta sua postura está vinculada às orientações
dadas pelo seu pai quando assumiu a docência:
Uma vez meu pai me disse assim que no início de sua
experiência em escola ele começava o ano muito
sorridente, muito amigo, depois ele tinha dificuldade de
controlar. Então que ele preferia fazer o contrário: ele
chegava bem sério e devagarzinho ele ia abrindo a
guarda, então no começo os alunos ficavam bastante
temerosos, mas, comportados. E que daí era mais fácil
abrir a guarda devagarzinho do que o contrário, que um
professor muito sorridente muito amigo no começo, os
alunos entendem como amigo e não como professor e
que daí ficava difícil de manter a disciplina. Essa foi uma
dica que ele me deu e que eu passei a usar. [...] E daí
também eu assumi uma postura assim, uma cara mais
fechada porque se não convencia o aluno de que você
era professor, que era diferente. Acabei assumindo esta
postura, tomando por uma postura do meu pai e que eu
achei que deu certo. E, às vezes eu passo isso para os
meus alunos, os alunos no começo têm muito medo,
porque me acham uma pessoa muito... e, talvez, outros,
outras experiências de vida também tem me tornado
assim um pouco mais séria, mais sisuda, algo assim.
Um dia a professora [...], que era uma das poucas aqui
que conhecia meu pai, pois ninguém aqui sabia que ele
era meu pai, a não ser a professora [...]. Ele havia
163
vindo dar palestras aqui na Universidade e tudo, mas eu
não trabalhava aqui ainda. Quando ingressei não fiquei
falando quem era meu pai... Um dia, esta única
professora que sabia quem era meu pai olhou bem pra
mim: é, mas olhando bem nos teus olhos a gente que
são os olhos do seu pai. E até na expressão, tudo em
você é como o seu pai.
É interessante constatar como a professora Lúcia internalizou os
conselhos dados pelo seu pai. A seriedade que transmite para as
pessoas, confirmada no início das entrevistas, mostra que os primeiros
contatos são estabelecidos com muita seriedade, “quase sisuda”.
Contudo, ao longo do tempo ela foi falando cada vez com mais facilidade
sobre si, sobre sua história, sorrindo discretamente, melhorando e/ou
flexibilizando a sua expressão facial.
A percepção sobre seu trabalho por parte de alguns professores
formadores, também foi investigada. Uma das professoras formadoras
disse que a como “uma mãezonha”. “Ela conseguiu agregar nós
professores” (Cristiane). Essa situação é bem característica da sua mãe,
ou seja, àquela que agregava os filhos nas diversas tarefas do trabalho de
casa e de lazer.
Ainda, segundo a professora formadora Cristiane, anteriormente
havia muita disputa no departamento e a professora Lúcia conseguiu
melhorar a situação. “Seus valores sabem congregar as pessoas. Ela
sabe respeitar e valorizar os professores que trabalham no
departamento”.
Uma das coisas que a professora formadora explicitou foi a “atitude
pontual” adotada pela professora Lúcia, seu modo específico de olhar as
coisas, os fatos e acontecimentos. Na visão da professora formadora
Cristiane, a professora Lúcia é “gramatiqueira” e, segundo sua avaliação:
164
“para a Lúcia um ponto é um equívoco gramatical. Ela sabe muito bem
respeitar as regras gramaticais, mas não rompe com elas, no modo da
modelagem, do pensamento lacaniano”.
Afirmou, também, que a professora/chefe Lúcia resolve “muito as
coisas no individual/particular. Por exemplo: quando um estudante a
procura em virtude de problemas com a turma, ela resolve a questão com
ele, mesmo que seja da turma. Ela o vai ao grupo para resolver. Ainda
centraliza muito as coisas para si. Resolve pelo outro...”.
Os fatos apresentados pela professora formadora Cristiane conduz
a pensar em uma forma identitária profissional nesse momento específico
da vida da professora/chefe Lúcia: “do operário por ofício ao ‘novo
profissional’: a identidade bloqueada”. Sua constituição identitária está
vinculada a um ofício e, aliás, desde a sua infância ela ouvira falar
deste ofício em sua casa/família: professor. Como ela mesma afirmou:
Eu sempre fui muito mais professora do que outra coisa,
principalmente porque eu trabalhava com meu marido,
dava as minhas aulas e ia embora, só vinha no meu
horário, não me envolvia nas questões da universidade.
Também nesse período em que ela se transformou [...]
eu estava fazendo mestrado, dava minhas aulas e ia para
o mestrado. Então, eu não tinha muito tempo para saber
das coisas.
Houve uma mudança, ao assumir a função de chefe de
departamento nas estratégias demandadas para gerenciar os processos
administrativos. A fala da professora formadora Cristiane remete a pensar
que a gestão precisa de uma visão do todo, mais abrangente nas
estratégias de atuação. Mas, segundo a formadora “nesta segunda
gestão, de 2008, eu percebo mudanças no comportamento da Lúcia. Ela
165
descobriu o objetivo da formação... Que existe uma relação entre o
projeto pedagógico, professores e alunos. Ela é muito esforçada”.
Dubar (2005, p. 275) analisando os trabalhadores franceses com a
forma identitária de “identidade bloqueada”, descobriu que:
O ponto comum entre eles é se definir a partir de um
ofício ligado à sua formação inicial e se proteger em uma
carreira ligada a essa especialidade e que implica uma
progressão regular combinando, de maneira diversa, a
antiguidade e o aperfeiçoamento técnico nessa
especialidade (grifo do autor).
Para Lastree citado por Dubar (2005, 276), “as regras do jogo
mudaram, mas eles não podem abandonar aquelas às quais haviam se
identificado, ainda mais porque as novas regras lhes parecem obscuras,
arriscadas e até mesmo ameaçadora”. A professora/chefe Lúcia precisará
de um tempo para se adaptar às novas regras da gestão imputadas pela
universidade comunitária, que requer novas demandas e formas de
trabalho por parte dos chefes de departamento.
Para a Carmem, da administração universitária:
Ela é uma chefe nova. Está no segundo ano de mandato.
Mas procurou se inteirar do que estava escrito no papel.
Quando não concorda ela fala, ou seja, ela se posiciona.
Cumpre as coisas. [...] Acho que faltaria um pouco mais
de maleabilidade da relação com o outro. Ela é uma
pessoa mais fechada, mais dura, mas é uma pessoa
muito comprometida.
166
O comentário de Carmem permite constatar que a professora/chefe
Lúcia não aceita facilmente as mudanças e os fatos que ocorrem ao seu
redor. Isto acontece tendo em vista que a mudança, ou seja, a
transposição de um conhecimento específico, adquirido na sua formação
acadêmica e pessoal, para uma função com novas exigências, muitas
delas vinculadas às necessidades decorrentes do “mercado” universitário,
desperta uma sensação de resistência, uma dificuldade de sair do lugar
conhecido, certo, seguro. Esta idéia é corroborada por Dubar (2005, p.
276), quando diz que estes profissionais:
Encontram-se diante de um duplo bloqueio: o
representado por uma formação geral e explicitamente
ligada a saberes técnicos especializados que eles
consideram os únicos úteis para seu ‘oficio’; e o
simbolizado pela incitação ao voluntariado e ao
investimento pessoal em formações empresarias não
ligadas a planos de progressão profissional. Por isso,
mantêm uma relação muito ambivalente com as novas
políticas empresarias: elas lhes parecem em total ruptura
com o sistema de valores e de crenças que presidira à
construção freqüentemente frágil de sua identidade
para si, com base me sua formação inicial.
Diante da forma identitária “bloqueada”, no atual momento, qual a
influência desta configuração no trabalho da professora?
Algumas inferências relacionadas ao trabalho da professora Lúcia,
chefe de departamento de um curso de licenciatura, podem ser
destacadas, ressaltando-se o cuidado de que estas não sejam tomadas
como decisivas, pois, compreende-se que as pessoas estão em constante
transformação e aquilo que pensam e fazem hoje, certamente poderá ser
modificado daqui a algum tempo. As experiências profissionais podem
alterar significativamente as formas identitárias e, mesmo, algumas das
167
atitudes e valores pessoais durante a trajetória de vida. Deste modo, sua
forma identitária apresenta as seguintes influências em seu trabalho na
chefia de departamento:
Empenho em fazer as coisas certas e da melhor maneira
possível. Como disse umas das pessoas entrevistadas: “ela é
muito empenhada em fazer acontecer às coisas certas”. Atitude
que fecha com aquilo que Dubar (2005, p. 277) escreveu sobre os
trabalhadores com esta forma identitária: “o fato de que podem ser
suspeitos de não levarem a qualidade em consideração lhes
parece constituir um atentado contra a sua identidade.” Como disse
Carmem, pessoa da gestão universitária “ela cumpre as coisas. Se
for para entregar amanhã, ela entregou hoje. Está sempre
disposta a ouvir e a resolver os problemas do seu departamento”.
Diante da exigência de mudanças abruptas, rápidas ela será
sempre cautelosa antes de tomar qualquer decisão em seu
departamento. mudará as regras do jogo quando tiver certeza
de que não haverá comprometimento de seu “ofício”. A qualidade
do seu trabalho, seja com o projeto pedagógico ou o trabalho com
os professores e estudantes não poderá ser prejudicado.
Segundo Carmem: “ela não vai concordar com tudo o que você
fala, e se ela não concorda, ela também sabe ouvir e sabe trazer
os argumentos para poder dizer o porquê não concorda”. Isso
significa que a relação com seus superiores nem sempre será
muito fácil. “Ela o é uma pessoa de bajular, se não concorda ela
berra e grita, diz que não concorda” (Carmem). Caso não houvesse
este espaço para possíveis discordâncias e entendimentos, com
espaços para o diálogo, as relações sociais entre a
168
professora/chefe e seus superiores poderiam ser extremamente
conflituosas. Ocorreria aquilo que Dubar (2005, p. 278) explicitou:
“basta que as relações com o superior hierárquico sejam vividas de
modo conflituoso para que o processo culmine em um bloqueio. O
risco se torna, pois, demasiado grande, e a defesa da identidade
de ofício constitui a resposta menos angustiante [...]”.
Traz consigo as orientações do pai sobre sua postura no “ofício”,
de professor, principalmente, quando assume uma nova sala de
aula. A chefia de departamento, no primeiro momento, poderia ser
chamada de uma nova experiência? Assim, postar-se de modo
sério, diante do novo, é algo que a acompanha. Esta seriedade
diante das pessoas e dos fatos foi ensinada pelo seu pai como
uma estratégia para o “ofício” de professor. Contudo, ela utiliza
este jeito “sério” na chefia de departamento, também. Será apenas
no início, como ensinou seu pai? No primeiro mandato de chefia de
departamento começou séria para soltar-se mais tarde, agora
neste segundo mandato? Como explicitou a Carmem: “ela tem um
jeito mais fechado, ela é do resultado e não da diplomacia. [...]
Acho que faltaria um pouco mais de maleabilidade da relação com
o outro”.
Dentre tantos outros apontamentos que poderiam ser feitos sobre a
influência da sua forma identitária sobre seu trabalho na chefia de
departamento, estas são destacadas. Não se quer correr o risco de
atribuir muitas identificações para a sua forma identitária, pois se entende
que seria necessário mais tempo de observação do seu trabalho, bem
como, de mais entrevistas com alunos e professores formadores do seu
departamento.
169
Pretendeu-se apresentar fragmentos da trajetória pessoal,
acadêmica e profissional do professor/chefe Germânio e da
professora/chefe Lúcia, bem como, identificar a influência destes fatores
em suas formas de trabalho. Compreendeu-se, ainda mais, com essas
histórias ao mesmo tempo singular e relacional, que as formas identitárias
são constituídas por experiências pessoais e profissionais aprimoradas
constantemente. Contudo, ressalta-se que a configuração da forma
identitária na transação entre si e o outro, conserva algumas elementos
em seu “núcleo duro” pessoal, que são identificados como sólidos e
constantes em sua atuação profissional, difíceis de serem aprimorados.
Contudo, não significa que não podem ser mudados.
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Tornamo-nos conscientes de que o ‘pertencimento’
e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não
são garantidos para toda a vida, são bastante
negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que
o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre,
a maneira como age – e a determinação de se
manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto
para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’”
(Bauman, 2005, p. 17).
Tecer as considerações finais de uma pesquisa não é uma tarefa
fácil. Ainda mais porque as conclusões não se encerram de uma hora
para outra. Após o “fechamento” de uma tese a memória continua
recuperando informações, processando as falas dos sujeitos da pesquisa,
relacionando-as com os aportes teóricos. A memória não consegue
estancar e “finalizar” as interpretações prontamente.
A pesquisa tem um fio condutor que são as questões delineadas no
início do estudo. Elas acompanham o pesquisador nas atividades de
campo e na análise dos dados. Evidentemente, outros questionamentos
podem surgir durante a coleta de dados. Como afirmam Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (2002, p. 145) “o foco e o design devem, então, emergir,
por um processo de indução, do conhecimento do contexto e das
múltiplas realidades construídas pelos participantes e suas influências
recíprocas”.
Seguir os princípios teórico-metodológicos de Dubar para conhecer
as formas identitárias de chefes de departamento de licenciatura foi um
171
desafio gigantesco. Considera-se que transpor esta temática de estudo,
construída pelo pesquisador francês, por meio de seus estudos com os
funcionários das indústrias daquele país, para conhecer mais
especificamente o trabalho e a constituição identitária das chefias de
departamento das licenciaturas foi uma ousadia. Como explicita Dubar
(2006, p. 192): “os relatos de vida não são apenas materiais para o
investigador, também são produções de sujeitos que se constroem
falando de si. Por isso, há cruzamentos que permitem aguardar uma
interdisciplinaridade manifestamente necessária”.
O pesquisador francês realizou entrevistas com os trabalhadores
para conhecer suas historiais familiares, escolares e profissionais; e com
os chefes destes empregados. Além disso, analisou a influência do
contexto social, político, econômico e pessoal nas atividades exercidas
por eles nas empresas/indústrias francesas. Ele ainda levou em conta em
suas análises, as mudanças nas relações de trabalho. Dubar (2005, p.
185) explica quais foram os aspectos abrangidos na investigação dos
trabalhadores franceses:
As entrevistas exploram três domínios essenciais: o
‘mundo vivido e do trabalho’, a trajetória socioprofissional
e, nomeadamente, os movimentos de emprego, a
relação dos assalariados com a formação e
especialmente a forma como aprenderam o trabalho que
fazem ou vão fazer. É na intersecção destes três campos
que é definida a identidade profissional [...] concebida,
simultaneamente, como uma configuração apresentando
uma certa coerência típica e como uma dinâmica
implicando evoluções significativas [...] (grifos do autor).
Dubar considerou que a constituição das formas identitárias é
decorrente das histórias particulares de cada indivíduo que vão se
172
constituindo na interação com o outro. Não é um processo de interação
fácil e harmônico visto que, em muitos momentos, a “identidade para si”
(subjetiva) pode entrar em choque diante da “identidade para o outro”
(objetiva). Ocorre, em muitos momentos, o que poderia ser chamado de
uma “conversa” entre a atribuição (voz do outro) e a pertença (voz
interior). Este articulação interna e dinâmica ocorre durante a trajetória de
vida de um indivíduo. Não se pode deixar de considerar que as escolhas
são sempre individuais e resultam no pertencimento (ou não) daquilo que
o outro lhe atribui.
Na leitura dos aportes teóricos de Dubar, constatou-se que o autor
não realizou suas pesquisas pensando em enquadrar as pessoas em
“formas identitárias”. Muito mais do que isto, Dubar quis identificar como
as formas identitárias profissionais são constituídas por meio das relações
sociais e de trabalho e, sobretudo, como estas influenciam as atividades
profissionais.
Nesta questão é necessário ter um cuidado especial. As formas
identitárias não o estanques e deterministas na vida do indivíduo. Elas
são dinâmicas e podem, com o passar do tempo e das experiências
realizadas, alterarem-se.
A sociedade vem sendo cada vez mais, atravessada por situações
que modificam a sua estrutura, entre elas: o ingresso da mulher no
mercado de trabalho, as tecnologias de informação e comunicação, crises
religiosas, novos modelos de relacionamento afetivo entre os indivíduos.
Todas estas situações provocam alterações nas crenças, princípios,
práticas e produções dos seres humanos, o que certamente afeta as
identidades. Visto deste modo, a sociedade possui um dinamismo que foi,
173
ao logo da sua história, promovendo mudanças que interferiram nas
relações do indivíduo com o seu meio.
No sistema educacional a situação não tem sido diferente. uma
crise instalada acerca do papel do professor e da efetivação do seu
trabalho na formação dos estudantes. Conhecer de perto como esse
professor está sendo formado parece ser um passo importante, pois
pode-se obter elementos que permitam redirecionar os processos
formativos, adequando-os às demandas e necessidades dos tempos
atuais.
Considera-se que os cursos de formação inicial têm um papel
importante na preparação dos futuros professores para atuar de forma
efetiva na educação das crianças e jovens do século XXI. A relevância
dos cursos de licenciatura para a formação dos professores no país é
inquestionável, pois abarcam todas as disciplinas e áreas vinculadas à
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, modalidades estas
que integram a educação básica no Brasil.
Ao reconhecer a importância dos cursos de formação inicial na
qualificação dos futuros professores, reafirma-se a relevância das
pesquisas sobre o trabalho dos professores formadores, que podem
revelar elementos significativos para se repensar o currículo desses
cursos, bem como o papel de seus agentes, entre eles os chefes de
departamento das licenciaturas.
Com o objetivo principal de investigar como as formas identitárias
dos professores/chefes de departamento de licenciatura são constituídas
nas relações sociais e de trabalho, a presente pesquisa centrou-se na
174
análise do trabalho desenvolvido por professores/chefes de departamento
das licenciaturas de uma universidade comunitária. Os achados da
pesquisa são apresentados a seguir:
O primeiro capítulo revisitou o debate sobre as licenciaturas no
Brasil ao longo das últimas três décadas. As quatro pesquisas (Candau,
Diniz-Pereira, Romanowski e Campos) discutidas possibilitaram conlcuir
que os cursos de licenciatura passaram e continuam passando por
crises de identidade.
Essas pesquisas mostraram uma disputa constante entre as
disciplinas específicas e as pedagógicas. O exame da trajetória dos
cursos de licenciatura deixa evidente que as disciplinas pedagógicas
foram e continuam sendo contestadas, e muitas vezes deixadas de lado
em prol das disciplinas que desenvolvem os conhecimentos específicos.
As pesquisas também revelam que nos cursos de licenciatura
ainda persiste a representação de práticas marcadas pela racionalidade
técnica (DINIZ-PEREIRA, 2000). Ao mesmo tempo, as pesquisas indicam
a existência de práticas voltadas para o desenvolvimento de aspectos
reflexivos e críticos nos futuros professores, mas, essas iniciativas são
perpassadas por indecisões, inseguranças e, por falta de condições
institucionais que dificultam a atuação do professor formador de forma
diferenciada em sala de aula. A formação do formador tem recebido
pouca atenção, o que possivelmente explica a escassez de práticas
formativas voltadas à perspectiva do professor como intelectual, apontada
por Diniz-Pereira (2000).
175
As políticas públicas de formação de professores, pouco têm
contribuído para beneficiar os cursos de licenciatura. O conceito de
competência é um dos termos que compôs a centralidade dos
documentos oficiais sobre os cursos de formação inicial. Em muitos
momentos, mais prejudicou e confundiu os envolvidos com a educação do
que ajudou. Mais uma vez, as políticas de formação de professores,
foram direcionadas para a verificação e desenvolvimento de
comportamentos nos estudantes.
O segundo capítulo discute o modo do indivíduo se relacionar com
o contexto social, bem como as formas utilizadas pela sociedade para
promover o “espírito capitalista”. Com o surgimento do capitalismo houve
a produção de situações adversas e, muitas vezes, desencadeadoras de
crises identitárias. As relações sociais, bem como aquelas derivadas do
trabalho têm modificado as identidades pessoais e profissionais. Segundo
Elias (1994, p. 109):
O desenvolvimento da sociedade rumo a um nível mais
elevado de individualização de seus membros abre
caminho para formas específicas de realização e formas
específicas de insatisfação, chances específicas de
felicidade e contentamento para os indivíduos e formas
específicas de infelicidade e incômodo que não são
menos próprias de cada sociedade.
Encerra-se o capítulo apresentando os procedimentos de
investigação utilizados na coleta de dados para conhecer o trabalho
realizado pelos chefes de departamento, bem como as singularidades da
trajetória de vida de dois professores/chefes.
176
O terceiro capítulo volta-se para o conhecimento do contexto da
universidade comunitária. Dados sobre a instituição foram apresentados,
bem como sobre a única crise financeira e política atravessada por ela na
década de 1980. À época, a instituição era reconhecida como faculdade.
Todos os professores entrevistados que passaram por esta “crise”,
referem-se a ela como um momento de muita turbulência. Consideram
que esta crise foi fundamental para que se repensasse muitas coisas,
dentre elas: o compromisso dos professores com a universidade, a falta
de titulação de muitos professores, a iniciativa de um grupo para pensar
na transformação em universidade, o plano de cargo e salário.
Ainda no terceiro capítulo, os dados permitiram constatar que, após
a “passagem” de faculdade para universidade, houve mais captação de
recursos, possivelmente pelo aumento do número de cursos nas várias
modalidades de ensino. Decorrente do aumento do número de cursos,
programas e alunos, a universidade passou a exigir e investir na formação
dos professores de modo que os mesmos ingressassem nos programas
de mestrado e doutorado. Ocorreram algumas parcerias com outras
universidades para que os professores pudessem ter acesso aos cursos
de pós-graduação stricto sensu, ministrados no interior da própria
universidade comunitária.
O quarto capítulo focaliza as atividades dos professores/chefes dos
cursos de licenciatura. Os dados ali apresentados respondem
efetivamente a questão formulada: como as atividades decorrentes da
função de chefia afetam as formas identitárias dos professores/chefes de
departamento dos cursos de licenciatura? Chegou-se a conclusão que os
chefes de departamento têm muitas atribuições no seu dia-a-dia. São
vários compromissos que deixam alguns chefes angustiados diante da
impossibilidade de cumprimento de suas tarefas.
177
Todavia, cada chefe é uma pessoa, com uma história e uma
maneira de encarar as coisas. Também foi constatado que alguns dos
chefes não se sentem “pressionados”, nem mesmo angustiados diante do
cumprimento das tarefas. Consideram-se organizados para,
suficientemente, dar conta de suas atividades.
afirmações, nos relatos de alguns chefes de que a universidade
não acompanha a agilidade necessária para a resolução dos processos
de trabalho, o que os impede de atender prontamente as demandas dos
alunos e professores formadores. Eles afirmam que existe muita
burocracia nas atividades e processos internos.
Quanto ao contrato de trabalho, os chefes afirmam que a
universidade oferece garantia de aulas aos professores que ingressam
por meio do processo seletivo público. perdem essa garantia caso
ocorra mudança no nome da disciplina constante na matriz curricular,
bem como uma alteração em mais de cinqüenta porcento nos conteúdos
constituintes da ementa. Os chefes sentem-se seguros na instituição e
reconhecem o crescimento da universidade, assim como vantagens ali
existentes.
Ainda no quarto capítulo alguns chefes relatam dificuldades para
cumprir as “atividades de gestão” exigidas pela universidade. Dentre elas
citaram: as planilhas de orçamento e a participação na organização das
campanhas de marketing. Todavia, admitem que existem setores
especializados no interior da universidade, tais como: controladoria,
financeiro, departamento de marketing e de processo seletivo que estão
sempre a sua disposição para ajudar e prestar esclarecimentos
178
necessários. Um dos entrevistados explicitou a influência do pensamento
gerencial nas práticas universitárias:
A universidade está oferecendo cada vez mais cursos na
área da gestão. Estamos sendo capacitados para
elaborar planilhas de custos, orçamento, planejamento
estratégico, trabalhar com equipes, motivá-las, dentre
tantas temáticas que parecem que estavam presentes
somente no interior das indústrias (Fernanda).
Alguns chefes, que estiveram na função anteriormente,
afirmaram que alguns anos não existia tanta cobrança, nem tantas
atividades a serem realizadas. Isto indica um processo de intensificação e
de mudança nas relações de trabalho.
Uma das questões que se mostram frágeis na universidade é o
trabalho de formação continuada dos professores. Os chefes não vêem
como sua responsabilidade a orientação pedagógica e a formação dos
professores formadores. Sempre que perguntados sobre estas atividades,
eles respondiam que não cabia a eles, mas ao Centro de Apoio
Pedagógico - CAP. Alguns chefes também reclamaram que o CAP não
atende as necessidade dos professores mais antigos. Um dos chefes
afirmou “que os encontros organizados pelo CAP se tornaram
repetitivos para os professores e que não houve, até o momento,
proposta de mudança. Para os professores novos de casa ainda serve,
mas, os professores antigos precisam de outras discussões para
aprimorar o seu trabalho” (Otávio).
Esta é uma questão preocupante, pois na análise feita em alguns
relatórios da avaliação institucional até o ano de 2002, disponível na
179
biblioteca da universidade, foram encontradas muitas queixas por parte
dos estudantes em relação aos seus professores. As reclamações diziam
respeito à falta de compromisso, chegada tardia às aulas, faltas, falta de
“educação”, dificuldade para explicar os conteúdos, acomodação,
desatualização. Os nomes dos professores o eram identificados, mas
os departamentos recebiam os relatórios. É possível que muitas dessas
críticas tenham sido solucionadas.
O último capítulo da tese tenta mostrar como as formas identitárias
estão presentes nas atividades profissionais dos chefes de departamento
das licenciaturas e como as histórias das relações sociais e de trabalho
constituem as especificidades das formas identitárias profissionais.
É um capítulo que não pretende “enquadrar” os professores nas
formas identitárias, mas mostrar que em determinados momentos da
carreira profissional e no contexto das relações sociais e de trabalho
algumas formas identitárias se tornam evidentes. Essas formas, contudo
não são definitivas, mas fazem parte de um processo dinâmico em que
interagem as histórias pessoais e profissionais de cada indivíduo e as
relações de trabalho.
A riqueza de detalhes da história de vida dos dois chefes de
departamento traz informações preciosas sobre sua condição de
trabalhador. Tanto o professor Germânio, com sua forma identitária de
responsável em promoção interna” como a professora Lúcia com sua
“forma identitária bloqueada” trazem significativas contribuições para o
desenvolvimento da universidade comunitária. Cada um com seu modo
de analisar as situações do cotidiano universitário e de atuar na chefia
180
fazem com que as discussões e decisões sejam tomadas de forma
cautelosa.
São formas identitárias constituídas pela forte influência das suas
relações sociais que participam, ativamente, das suas ões no trabalho.
Pode-se, deste modo, responder à questão: “que conseqüentes entre
a forma identitária profissional dos professores/chefes para a
administração do departamento?” afirmando que existe uma relação bem
próxima entre a forma identitária profissional e as atividades
desenvolvidas por eles nos departamentos.
Foram duas formas identitárias constituídas pela riqueza de
situações vividas no âmbito pessoal, acadêmico e profissional. o
histórias de vida que se entrelaçaram e entrelaçam com o mundo do
trabalho universitário; ao mesmo tempo em que se modificam, modificam
o meio em que interagem. É um movimento dialético que conserva
algumas especificidades do mundo vivido e apreendido na constituição da
identidade, assim como explica Dubar (2005, p. 239)
As identidades sociais e profissionais típicas não são
nem expressões psicológicas de personalidades
individuais nem produtos de estruturas ou de políticas
econômicas que se impõem a partir de cima, elas são
construções sociais que implicam a interação entre
trajetórias individuais e sistemas de emprego, sistemas
de trabalho e sistemas de formação.
Por fim, conhecer o contexto dessa universidade comunitária, as
histórias e configurações das formas identitárias dos dois chefes de
departamento, bem como a interseção entre estas e o trabalho
desenvolvido contribuíram para o desenvolvimento da minha constituição
181
identitária de pesquisadora. Foram situações que trouxeram um
esclarecimento sobre como as narrativas podem elucidar
comportamentos, atitudes, formas de agir, pensar e fazer. Na dinâmica
das histórias pessoais, os indivíduos aprendem a se fortalecer, rever,
construir e, acima de tudo, (re)viver.
182
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